Codigo de Processo Penal Comentado
 8544212115, 9788544212110

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RENATO BRASILEIRO DE LIMA

Código de

PROCESSO Comentado Mais de 200 Súmulas Criminais do STF e do STJ Comentadas

2.- edição Revista e atualizada

CONFORME - Lei 13.105/2015 - Novo Código de Processo Civil Lei 13.245/2016 - Assistência de advogado na investigação preliminar - Lei 13.254/2016 - Repatriação de valores licitos não declarados remetidos ao exterior - Lei 13.257/2016 - Novas hipóteses de prisão domiciliar - Lei 13.260/2016 - Terrorismo - Lei 13.285/2016 - Art. 394-A do CPP - Tramitação de processos de crimes hediondos - Lei 13.344/2016 - Arts. 13-A e 13-B do CPP - Dados cadastrais e estações rádio-base - HC 126.292 - Nova orientação do STF acerca da execução provisória da pena

1*1

EDITORA

m p o d iv m

w w w .editorajuspodivm .com .br

RENATO BRASILEIRO DE LIMA Ex-D efensor Público da União. Ex-P rofessor da Universidade Federal de Juiz de Fora. E x-P rofessor de Processo Penal da Rede LFG e do CERS. P rom otor da J u s tiç a M ilita r da União em São Paulo. P rofessor de Processo Penal e Legislação Crim inal Especial do G7 Jurídico.

Código de

PROCESSO

PENAL Comentado e

Respeite o direito autora!

RENATO BRASILEIRO DE LIMA

Código de

PROCESSO

PENAL Comentado CONFORME

CPC 2a edição Revista e atualizada

2017

EDITORA ^PODIVM www.editorajuspodivm.com.br

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EDITORA >PODIVM www.editorajuspodivm.com.br Rua M a to Grosso, 175 - Pituba, CEP: 41830-151 - Salvador - Bahia Tel: (71) 3363-8617 / Fax: (71) 33 6 3 -5050 • E-mail: fale@ editorajuspodivm .com .br

Copyright: Edições Ju sP O D IV M Conselho Editorial:

Dirley da C u n h a Jr„ Leo nard o d e M e d e iro s Garcia, Fredie Didier Jr„ Jo sé Flenrique M outa,

José M arce lo Vigliar, M arco s Ehrhardt Júnior, N estorTávora, Robério N u n e s Filho, R oberval Rocha Ferreira Filho, R od olfo P am plon a Filho, R o d rigo Reis M azzei e R ogé rio San c h e s Cunha.

Capa: M arcelo

S. B rand ão (santibrando@ gm ail.com )

Diagramação: Linotec

L732c

Foto c o m p o sição e Fotolito Ltda. (www.linotec.com.br)

Lima, Renato Brasileiro de C ódigo de Processo Penal comentado / Renato Brasileiro de Lima - 2. ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017. 1.936 p. Bibliografia. ISBN 978-85-442-1211-0. 1. Direito processual. 2. Direito processual penal. I. Título. C DD 341.43

Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autorização d o autor e da Edições JusPODIVM. A violação d os direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

Dedico este trabalho ao meu querido filho João Pedro. “JP", não há, nesta vida, alegria maior que compartilhar seus primeiros olhares, suas primeiras gargalhadas, seus primeiros passos. Só posso agradecer a Deus por ter me dado a oportunidade de ter você em minha vida.

Código de Processo Penal - Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941................

13

Súmulas Criminais do STF e do STJ Comentadas..............................................

1645

índice Alfabético-Remissivo..........................................................................

1905

Bibliografia...............................................................................................

1923

DECRETO-LEI 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941

L ivro I

Do Processo em Geral TÍTULO I - D ISP O SIÇ Õ ES P R E LIM IN A R E S ......................................................

15

Arts. 1o a 3o..............................................................................................

15

TÍTULO II - D O INQUÉRITO P O LICIAL...........................................................

39

Arts. 4o a 2 3 .............................................................................................

39

TÍTULO III - D A A Ç ÃO P E N A L .....................................................................

115

Arts. 24 a 6 2 .............................................................................................

115

TÍTULO I V - D A AÇ ÃO C IV IL........................................................................

225

Arts. 63 a 6 8 .............................................................................................

225

TÍTULO V - D A C O M P ET ÊN C IA ....................................................................

243

Art. 6 9 ....................................................................................................

243

O

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

O

Capítulo I

- Da

competência

pelo lugar da infração (arts. 70 e 71)....

265

Capítulo II

- Da

competência

pelo domicílio ou residência do réu (arts. 72 e 73).....277

Capítulo III

- Da

competência

pela natureza da infração (art. 74)........

279

Capítulo IV

- Da

competência

por distribuição (art. 75)....................

286

Capítulo V

- Da

competência

por conexão ou continência (arts. 76 a 82).

Capítulo VI

- Da

competência

por prevenção (art. 83).....................

Capítulo VII

- Da

competência

pela prerrogativa de função (arts. 84 a 87).

288 310 315

Capítulo VIII - Disposições especiais (arts. 88 a 91)...........................................

340

TÍTULO VI - D A S Q UESTÕES E P RO C ESSO S IN C ID E N T E S ..................................

347

Capítulo I

- Das questões prejudiciais (arts. 92 a 94).......................................

347

Capítulo II

- Das exceções (arts. 95 a 111).....................................................

360

Capítulo III

- Das incompatibilidades e impedimentos (art. 112).......................

381

Capítulo IV

- Do conflito de jurisdição (arts. 113a 117)..................................

382

Capítulo V

- Da restituição das coisas apreendidas (arts. 118 a 124)..................

394

Capítulo VI

- Das medidas assecuratórias (arts. 125 a 144-A)..............................

405

Capítulo VII

- Do incidente de falsidade (arts. 145 a 148)..................................

443

Capítulo VIII - Da insanidade mental do acusado (arts. 149 a 154).......................

449

TÍTULO VII - D A P R O V A .............................................................................

463

Capítulo I

- Disposições gerais (arts. 155 a 157)............................................

463

Capítulo II

- Do exame do corpo de delito, e das perícias em geral (arts. 158 a 184)...................................................................................

552

Capítulo III

- Do interrogatório do acusado (arts. 185 a196)..............................

588

Capítulo IV

- Da confissão (arts. 197 a 200)...................................................

612

Capítulo V

- Do ofendido (art. 201)............................................................

641

Capítulo VI

- Das testemunhas (arts. 202 a 225)............................................

644

Capítulo VII

- Do reconhecimento de pessoas e coisas (arts. 226 a228)................

668

Capítulo VIII

- Da acareação (arts. 229 e 230).................................................

671

Capítulo IX

- Dos documentos (arts. 231 a 238)..............................................

673

Capítulo X

- Dos indícios (art. 239)..............................................................

678

Capítulo XI

- Da busca e da apreensão (arts. 240 a 250).................................

680

TÍTULO VIII - D O JUIZ, DO M IN ISTÉRIO PÚBLICO, DO A C U SA D O E DEFENSOR, DO S ASSISTENTES E AU XILIARES D A J U S T IÇ A ......................................................

699

Capítulo I

- Do juiz (arts. 251 a 256)..........................................................

699

Capítulo II

- Do Ministério Público (arts. 257 e 258).......................................

714

Capítulo III

- Do acusado e seu defensor (arts. 259 a267).................................

730

Capítulo IV

- Dos assistentes (arts. 268 a 273)................................................

749

Capítulo V

- Dos funcionários da justiça (art. 274)...........................................

760

Capítulo VI

- Dos peritos e intérpretes (arts. 275 a 281)....................................

760

ÍNDICE SISTEMÁTICO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

TÍTULO IX - D A PRISÃO, D A S M E D ID A S C AU TELARES E D A L IB ER D A D E P R O V ISÓ ­ R IA ........................................................................................................

763

Capítulo I

- Disposições gerais (arts. 282 a 300)............................................

763

Capítulo II

- Da prisão em flagrante (arts. 301 a 310)......................................

827

Capítulo III

- Da prisão preventiva (arts. 311 a 316).........................................

871

Capítulo IV

- Da prisão domiciliar (arts. 317 e 318).........................................

915

Capítulo V

- Das outras medidas cautelares (arts. 319 e 320)............................

924

Capítulo VI

- Da liberdade provisória, com ou sem fiança (arts. 321 a 350)............

946

TÍTULO X - D A S CITAÇÕES E IN T IM A Ç Õ ES.....................................................

985

Capítulo I

- Das citações (arts. 351 a 369)....................................................

985

Capítulo II

- Das intimações (arts. 370 a 372)................................................

1009

TÍTULO XI - DA APLICAÇÃO PROVISÓRIA DE INTERDIÇÕES DE DIREITOS E M ED ID AS DE SEG U RAN ÇA_________________________________________ ______________________

1015

Arts. 373 a 3 8 0 .........................................................................................

1015

TÍTULO XII - D A S EN T EN Ç A ........................................................................

1017

Arts. 381 a 3 9 3 .........................................................................................

1017

L ivro II

Dos P rocessos em E spécie TÍTULO I - DO PRO CESSO C O M U M ..............................................................

1093

Capítulo I

- Da instrução criminal (arts. 394 a 405)........................................

1093

Capítulo II

- Do procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri (arts. 406 a497)...........................................................

1138

Seção I

- Da acusação e da instrução preliminar (arts. 406 a 4 12)..................

1138

Seção II

- Da pronúncia, da impronúncia e da absolvição sumária (arts. 413 a 421)...................................................................................

1151

- Da preparação do processo para julgamento em plenário (arts. 422 a 424)...........................................

1180

Seção IV

- Do alistamento dos jurados (arts. 425 e 426)................................

1183

Seção V

- Do desaforamento (arts. 427 e 428)............................................

1185

Seção VI

- Da organização da pauta (arts. 429 a 431)...................................

1191

Seção VII

- Do sorteio e da convocação dos jurados (arts. 432 a 435)...............

1192

Seção VIII

- Da função do jurado (arts. 436 a 446).........................................

1194

Seção IX

- Da composição do Tribunal do Júri e da formação do Conselho de Sentença (arts. 447 a452)........................................................

1200

Seção X

- Da reunião e das sessões do Tribunal do Júri (arts. 453 a 472)...........

1204

Seção XI

- Da instrução em Plenário (arts. 473 a 475)....................................

1219

Seção III

c*

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

oe

L im a

Seção XII

- Dos debates (arts. 476 a 481)....................................................

1224

Seção XIII

- Do questionário e sua votação (arts. 482 a 491)............................

1234

Seção XIV

- Da sentença (arts. 492 e 493)....................................................

1251

Seção XV

- Da ata dos trabalhos (arts. 494 a 496).........................................

1257

Seção XVI

- Das atribuições do presidente do Tribunal do Júri (art. 497).............

1259

Capítulo III

- Do processo e do julgamento dos crimes da competênciado juiz sin­ gular (arts. 498 a 502) (Revogados pela Lei 11.719/2008)

1264

TÍTULO II - D O S P RO C ESSO S E S P E C IA IS .......................................................

1265

Capítulo I

- Do processo e do julgamento dos crimes de falência (arts. 503 a 512) (Revogados pela Lei 11.101/2005)................................................

1265

Capítulo II

- Do processo e do julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos (arts. 513 a 518)........................................

1265

Capítulo III

- Do processo e do julgamento dos crimes de calúnia e injúria, de com­ petência do juiz singular (arts. 519 a 523)....................................

1276

Capítulo IV

- Do processo e do julgamento dos crimes contra a propriedade imaterial (arts. 524 a 530-1)...................................................................

1280

Capítulo V

- Do processo sumário (arts. 531 a 540)........................................

1293

Capítulo VI

- Do processo de restauração de autos extraviados ou destruídos (arts. 541 a 548)...........................................................................

1296

Capítulo VII

- Do processo de aplicação de medida de segurança por fato não crimi­ noso (arts. 549 a 555).............................................................

1301

TÍTULO III - D O S PRO CESSO S DE COM PETÊNCIA D O SU PREM O TRIBUNAL FEDERAL E D O S T R IB U N A IS DE A P E L A Ç Ã O .................................................................

1303

Capítulo I

- Da instrução (arts. 556 a 560) (Revogados pela Lei 8.658/1993)...........

1303

Capítulo II

- Do julgamento (arts. 561 e 562) (Revogados pela Lei 8.658/1993)........

1303

D as N ulidades

L ivro III e dos R ecursos

em

G eral

TÍTULO I - D A S N U L ID A D E S .......................................................................

1305

Arts. 563 a 5 7 3 .........................................................................................

1305

TÍTULO II - D O S RECURSOS EM G ERAL.........................................................

1361

Capítulo I

- Disposições gerais (arts. 574 a 580)............................................

1361

Capítulo II

- Do recurso em sentido estrito (arts. 581 a 592)..............................

1413

Capítulo III

- Da apelação (arts. 593 a 606)....................................................

1437

Capítulo IV

- D o protesto por novo júri (arts. 607 e 608) (Revogados pela Lei 11.689/2008)........................................................................

1462

Capítulo V

- Do processo e do julgamento dos recursos em sentido estrito e das apelações, nos Tribunais de Apelação (arts. 609 a 618)...................

1467

- Dos embargos (arts. 619 e 620).................................................

1490

Capítulo VI

»D

ÍNDICE SISTEMÁTICO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Capítulo VII

- Da revisão (arts. 621 a 631)......................................................

1491

Capítulo VIII

- Do recurso extraordinário (arts. 632 a 638)...................................

1520

Capítulo IX

-

Da

carta testemunhável (arts. 639 a

646)......................

1522

Capítulo X

-

Do

habeas corpus e seu processo (arts. 647 a 667)...............

1526

L ivro IV D a E xecução TÍTULO I- D IS P O S IÇ Õ E S G E R A IS ................................................................

1579

Arts. 668 a 6 7 3 .........................................................................................

1579

TÍTULO II - D A EXECUÇÃO D A S PEN A S EM ESPÉCIE.........................................

1581

Capítulo I

- Das penas privativas de liberdade (arts. 674 a 685).........................

1581

Capítulo II

- Das penas pecuniárias (arts. 686 a 690).......................................

1582

Capítulo III

- Das penas acessórias (arts. 691 a 695).........................................

1584

TÍTULO III - D O S IN CIDEN TES D A EXECU ÇÃ O .................................................

1585

Capítulo I

- Da suspensão condicional da pena (arts. 696 a 709).......................

1585

Capítulo II

- Do livramento condicional (arts. 710 a 733)..................................

1587

TÍTULO I V - D A GRAÇA, DO INDULTO, D A A N IST IA E D A REABILITAÇÃO ..............

1593

Capítulo I

- Da graça, do indulto e da anistia (arts. 734 a 742)..........................

1593

Capítulo II

- Da reabilitação (arts. 743 a 750).................................................

1594

TÍTULO V - D A EXECU ÇÃO D A S M E D ID A S DE S E G U R A N Ç A ..............................

1603

Arts. 751 a 7 7 9 .........................................................................................

1603

L ivro V D as R elações Jurisdicionais com A utoridade E strangeira TÍTULO Ú N IC O ........................................................................................

1607

Capítulo I

- Disposições gerais (arts. 780 a 782)............................................

1607

Capítulo II

- Das cartas rogatórias (arts. 783 a 786).........................................

1611

Capítulo III

- Da homologação das sentenças estrangeiras (arts. 787 a 790)...........

1617

L ivro VI D isposições G erais Arts. 791 a 8 1 1 .........................................................................................

1623

C"

Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta a seguinte Lei:

DO PROCESSO EM GERAL 1-2 TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1° O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código,3 ressalvados:4"6 I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional;7 II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos mi­ nistros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do SupremoTribunal Federal, nos crimes de responsabilidade (Constituição, arts. 86,89, §2°, e 100);8

III - os processos da competência da Justiça Militar;9 IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, n°17);'°

V - os processos por crimes de imprensa." (vide ADPF n. 130) Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos nos. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dis­ puserem de modo diverso.12 1. Processo penal e o Estado Democrático de Direito: quando o Estado, por intermédio do Poder Legislativo, elabora as leis penais, com inando sanções àqueles que vierem a praticar a conduta delituosa, surge para ele o direito de punir os infratores num plano abstrato e, para o particular, o dever de se abster de praticar a infração penal. No entanto, a partir do momento em que alguém pratica a conduta delituosa prevista no tipo penal, este direito de punir desce do plano abstrato e se transforma no jus puniendi in concreto. O Estado, que até então tinha um poder abstrato,

genérico e impessoal, passa a ter uma preten­ são concreta de punir o suposto autor do fato delituoso. Surge, então, a pretensão punitiva, a ser compreendida como o poder do Estado de exigir de quem comete um delito a submissão à sanção penal. Através da pretensão punitiva, o Estado procura tornar efetivo o ius puniendi, exigindo do autor do delito, que está obrigado a sujeitar-se à sanção penal, o cumprimento dessa obrigação, que consiste em sofrer as consequências do crime e se concretiza no dever de abster-se ele de qualquer resistência contra os órgãos estatais a que cumpre executar

O

Art. I o

■x CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

a pena. Todavia, esta pretensão punitiva não pode ser voluntariamente resolvida sem um processo, não podendo nem o Estado impor a sanção penal, nem o infrator sujeitar-se à pena. Em outras palavras, essa pretensão já nasce insatisfeita. Afinal, o Direito Penal não é um direito de coação direta. Apesar de o Estado ser o titular do direito de punir, não se admite a imposição imediata da sanção sem que haja um processo regular, assegurando-se, assim, a apli­ cação da lei penal ao caso concreto, consoante as formalidades prescritas em lei, e sempre por meio dos órgãos jurisdicionais ( nulla poena sine judicio). Aliás, até mesmo nas hipóteses de infrações de menor potencial ofensivo, em que se admite a transação penal, com a ime­ diata aplicação de penas restritivas de direitos ou multas, não se trata de imposição direta de pena. Utiliza-se, na verdade, de forma distinta da tradicional para a resolução da causa, sendo admitida a solução consensual em infrações de menor gravidade, mediante supervisão jurisdicional, privilegiando-se, assim, a vontade das partes e, principalmente, do autor do fato que pretende evitar os dissabores do processo e o risco da condenação. É daí que sobressai a importância do processo penal, pois funciona como instrumento do qual se vale o Estado para a imposição de sanção penal ao possível autor do fato delituoso. Mas o Estado não pode punir de qualquer maneira. Com efeito, considerando-se que, da aplicação do direito penal pode resultar a privação da liberdade de locomoção do agente, entre outras penas, não se pode descurar do necessário e indispensável respeito a direitos e liberdades individuais que tão caro custaram para serem reconhecidos e que, em verdade, condicionam a legitimidade da atuação do próprio aparato estatal em um Estado Democrático de Direito. Na medida em que a liberdade de locomoção do cidadão funciona como um dos dogmas do Estado de Direito, é intuitivo que a própria Constitui­ ção Federal estabeleça regras de observância obrigatória em um processo penal. É a boa aplicação (ou não) desses direitos e garantias que permite, assim, avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e distinguir a civilização da barbárie. De fato,

como adverte Norberto Bobbio, a proteção do cidadão no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime demo­ crático daquele de índole totalitária. Na dicção do autor ((As ideologias e o poder em crise. Tradução de João Ferreira; revisão técnica Gilson César Cardoso. 4a ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 96-97), “a diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a demo­ cracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por nor­ mas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A conse­ quência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima ‘Tem razão quem vence é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima ‘Vence quem tem razão’; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da ‘supremacia da lei’ (rule o f law)”. É esse, pois, o grande dilema do processo penal: de um lado, o necessário e indispensável respeito aos direitos fundamen­ tais; do outro, o atingimento de um sistema criminal mais operante e eficiente. Na linha do ensinamento de Antônio Scarance Fernandes, o vocábulo eficiência aqui empregado “é usado de forma ampla, sendo afastada, contudo, a ideia de eficiência medida pelo número de condenações. Será eficiente o procedimento que, em tempo razoável, permita atingir um resultado justo, seja possibilitando aos órgãos da persecução penal agir para fazer atuar o di­ reito punitivo, seja assegurando ao acusado as garantias do processo legal”. ( Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. Coordenação Antônio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida, Maurício Zanoide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p.

/ TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

10). Há de se buscar, portanto, um ponto de equilíbrio entre a exigência de se assegurar ao investigado e ao acusado a aplicação das garan­ tias fundamentais do devido processo legal e a necessidade de maior efetividade do sistema persecutório para a segurança da coletividade. É dentro desse dilema existencial do processo penal - efetividade da coerção penal versus observância dos direitos fundamentais - que se buscará, ao longo da presente obra, um ponto de equilíbrio no estudo do processo penal, pois somente assim serão evitados os extremos do hipergarantismo e de movimentos como o do Direito Penal do Inimigo ou do Direito Penal da Lei e da Ordem. 2. Sistem as processuais penais: histori­ camente, sempre existiram dois sistemas ou modelos processuais, quais sejam, o acusatório e o inquisitório. Também houve uma tentativa de fundir os dois sistemas, dando origem ao sistema misto. Nos dias de hoje, não existem sistemas acusatórios ou inquisitórios “puros”. Na verdade, ora o processo penal é predomi­ nantemente acusatório, ora apresenta caracte­ rísticas peculiares dos sistemas inquisitoriais. Quando o nosso Código de Processo Penal entrou em vigor no dia I o de janeiro de 1942, prevalecia o entendimento de que o sistema nele previsto era misto. A fase inicial da persecução penal, caracterizada pelo inquérito poli­ cial, era inquisitorial. Porém, uma vez iniciado o processo, tínhamos uma fase acusatória. Porém, com o advento da Constituição Fede­ ral, que prevê de maneira expressa a separação das funções de acusar, defender e julgar (art. 1 29,1), estando assegurado o contraditório e a ampla defesa, além do princípio da presunção de não culpabilidade, estamos diante de um sistema acusatório. É bem verdade que não se trata de um sistema acusatório puro. De fato, há de se ter em mente que o Código de Pro­ cesso Penal tem nítida inspiração no modelo fascista italiano. Torna-se imperioso, portanto, que a legislação infraconstitucional seja relida diante da nova ordem constitucional. Dito de outro modo, não se pode admitir que se pro­ cure delimitar o sistema brasileiro a partir do Código de Processo Penal. Pelo contrário. São as leis que devem ser interpretadas à luz dos

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direitos, garantias e princípios introduzidos pela Carta Constitucional de 1988. 2.1. Sistem a inquisitorial: adotado pelo Direito canônico a partir do século X III, o sistema inquisitorial posteriormente se pro­ pagou por toda a Europa, sendo empregado inclusive pelos tribunais civis até o século X V III. Tem como característica principal o fato de as funções de acusar, defender e julgar encontrarem-se concentradas em uma única pessoa, que assume assim as vestes de um juiz acusador, chamado de juiz inquisidor. Essa concentração de poderes nas mãos do juiz compromete, invariavelmente, sua imparciali­ dade. De fato, há uma nítida incompatibilidade entre as funções de acusar e julgar. Afinal, o juiz que atua como acusador fica ligado psicologicamente ao resultado da demanda, perdendo a objetividade e a imparcialidade no julgamento. Em virtude dessa concentração de poderes nas mãos do juiz, não há falar em con­ traditório, o qual nem sequer seria concebível em virtude da falta de contraposição entre acu­ sação e defesa. Ademais, geralmente o acusado perm anecia encarcerado preventivamente, sendo mantido incomunicável. No processo inquisitório, o juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa probatória, tendo liberdade para determinar de ofício a colheita de provas, seja no curso das investigações, seja no curso do processo penal, independentemente de sua proposição pela acusação ou pelo acusado. A gestão das provas estava concentrada, assim, nas mãos do juiz, que, a partir da prova do fato e tomando como parâmetro a lei, podia chegar à conclusão que desejasse. Trabalha o sistema inquisitório, assim, com a premissa de que a atividade probatória tem por objetivo uma completa e ampla reconstrução dos fa­ tos, com vistas ao descobrimento da verdade. Considera-se possível a descoberta de uma verdade absoluta, por isso admite uma ampla atividade probatória, quer em relação ao ob­ jeto do processo, quer em relação aos meios e métodos para a descoberta da verdade. Dotado de amplos poderes instrutórios, o magistrado pode proceder a uma completa investigação do fato delituoso. No sistema inquisitorial, o acusado é mero objeto do processo, não sendo

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considerado sujeito de direitos. Na busca da verdade material, admitia-se que o acusado fosse torturado para que uma confissão fosse obtida. O processo inquisitivo era, em regra, escrito e sigiloso, mas essas formas não lhe eram essenciais. Pode se conceber o processo inquisitivo com as formas orais e públicas. Como se percebe, há uma nítida conexão entre o processo penal e a natureza do Estado que o institui. A característica fundamental do pro­ cesso inquisitório é a concentração de poderes nas mãos do juiz, aí chamado de inquisidor, à semelhança da reunião de poderes de adminis­ trar, legislar e julgar nas mãos de uma única pessoa, de acordo com o regime político do absolutismo. Em síntese, podemos afirmar que o sistema inquisitorial é um sistema rigoroso, secreto, que adota ilimitadamente a tortura como meio de atingir o esclarecimento dos fatos e de concretizar a finalidade do processo penal. Nele, não há falar em contraditório, pois as funções de acusar, defender e julgar estão reunidas nas mãos do juiz inquisidor, sendo o acusado considerado mero objeto do processo, e não sujeito de direitos. O magistrado, cha­ mado de inquisidor, era a figura do acusador e do juiz ao mesmo tempo, possuindo amplos poderes de investigação e de produção de provas, seja no curso da fase investigatória, seja durante a instrução processual. Por essas características, fica evidente que o processo inquisitório é incompatível com os direitos e garantias individuais, violando os mais ele­ mentares princípios processuais penais. Sem a presença de um julgador equidistante das partes, não há falar em imparcialidade, do que resulta evidente violação à Constituição Federal e à própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH, art. 8o, n. 1). 2.2. Sistema acusatório: de maneira dis­ tinta, o sistema acusatório caracteriza-se pela presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de condições, e a ambas se sobrepondo um juiz, de maneira equidistante e imparcial. Aqui, há uma separa­ ção das funções de acusar, defender e julgar. O processo caracteriza-se, assim, como legítimo actum trium personarum. Nesse sentido: PRA­ DO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformi­

dade constitucional das leis processuais penais. 3a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005. p. 114. Historicamente, o processo acusa­ tório tem como suas características a oralidade e a publicidade, nele se aplicando o princípio da presunção de inocência. Logo, a regra era que o acusado permanecesse solto durante o processo. Não obstante, em várias fases do D i­ reito Romano, o sistema acusatório foi escrito e sigiloso. Quanto à iniciativa probatória, o juiz não era dotado do poder de determinar de ofício a produção de provas, já que estas deveriam ser fornecidas pelas partes, preva­ lecendo o exame direto das testemunhas e do acusado. Portanto, sob o ponto de vista pro­ batório, aspira-se uma posição de passividade do juiz quanto à reconstrução dos fatos. Com o objetivo de preservar sua imparcialidade, o magistrado deve deixar a atividade probatória para as partes. Ainda que se admita que o juiz tenha poderes instrutórios, essa iniciativa deve ser possível apenas no curso do processo, em caráter excepcional, como atividade subsidi­ ária da atuação das partes. No sistema acusa­ tório, a gestão das provas é função das partes, cabendo ao juiz um papel de garante das regras do jogo, salvaguardando direitos e liberdades fundamentais. Diversamente do sistema inqui­ sitorial, o sistema acusatório caracteriza-se por gerar um processo de partes, em que autor e réu constroem através do confronto a solução justa do caso penal. A separação das funções processuais de acusar, defender e julgar entre sujeitos processuais distintos, o reconhecimen­ to dos direitos fundamentais ao acusado, que passa a ser sujeito de direitos e a construção dialética da solução do caso pelas partes, em igualdade de condições, são, assim, as prin­ cipais características desse modelo. Segundo Ferrajoli ( Direito e razão: teoria dogarantismo penal. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 518), são características do sistema acusatório a separação rígida entre o juiz e acusação, a paridade entre acusação e defesa, e a publicidade e a oralidade do julga­ mento. Lado outro, são tipicamente próprios do sistema inquisitório a iniciativa do juiz em campo probatório, a disparidade de poderes entre acusação e defesa e o caráter escrito e

TITULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

secreto da instrução. O sistema acusatório vigorou durante quase toda a Antiguidade grega e romana, bem como na Idade Média, nos domínios do direito germano. A partir do século X III entra em declínio, passando a ter prevalência o sistema inquisitivo. Atualmente, o processo penal inglês é aquele que mais se aproxima de um sistema acusatório puro. Pelo sistema acusatório, acolhido de forma explícita pela Constituição Federal de 1988 (CF, art. 129, inciso I), que tornou privativa do Ministério Público a propositura da ação penal pública, a relação processual somente tem início me­ diante a provocação de pessoa encarregada de deduzir a pretensão punitiva (ne procedat judex ex officio), e, conquanto não retire do juiz o poder de gerenciar o processo mediante o exercício do poder de impulso processual, impede que o magistrado tome iniciativas que não se alinham com a equidistância que ele deve tomar quanto ao interesse das partes. Deve o magistrado, portanto, abster-se de promover atos de ofício na fase investigatória, atribuição esta que deve ficar a cargo das autoridades policiais e do Ministério Público. Como se percebe, o que efetivamente diferen­ cia o sistema inquisitorial do acusatório é a posição dos sujeitos processuais e a gestão da prova. O modelo acusatório reflete a posição de igualdade dos sujeitos, cabendo exclusiva­ mente às partes a produção do material pro­ batório e sempre observando os princípios do contraditório, da ampla defesa, da publicidade e do dever de motivação das decisões judiciais. Portanto, além da separação das funções de acusar, defender e julgar, o traço peculiar mais importante do sistema acusatório é que o juiz não é, por excelência, o gestor da prova. 2.3. Sistema misto ou francês: após se dis­ seminar por toda a Europa a partir do século X III, o sistema inquisitorial passa a sofrer al­ terações com a modificação napoleônica, que instituiu o denominado sistema misto. Trata-se de um modelo novo, funcionando como uma fusão dos dois modelos anteriores, que surge com o Code d ’Instruction Criminelle francês, de 1808. Por isso, também é denominado de sistema francês. É chamado de sistema misto porquanto o processo se desdobra em duas

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fases distintas: a primeira fase é tipicamente inquisitorial, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, por isso, sem contraditório. Nesta, objetiva-se apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga, vi­ gorando, em regra, a publicidade e a oralidade. 3. Lei processual penal no espaço (prin­ cípio da territorialidade): enquanto à lei penal aplica-se o princípio da territorialida­ de (CP, art. 5o) e da extraterritorialidade incondicionada e condicionada (CP, art. 7o), o Código de Processo Penal adota o princípio da territorialidade ou da lexfori. E isso por um motivo óbvio: a atividade jurisdicional é um dos aspectos da soberania nacional, logo, não pode ser exercida além das fronteiras do respectivo Estado. Assim, mesmo que um ato processual tenha que ser praticado no exterior, v.g., citação, intimação, interrogatório, oitiva de testemunha, etc., a lei processual penal a ser aplicada é a do país onde tais atos venham a ser realizados. Na mesma linha, aplica-se a lei processual brasileira aos atos referentes às relações jurisdicionais com autoridades es­ trangeiras que devam ser praticados em nosso país, tais como os de cumprimento de carta rogatória (CPP, arts. 783 e seguintes), homolo­ gação de sentença estrangeira (CPP, arts. 787 e seguintes), procedimento de extradição (Lei n. 6.815/80, arts. 76 e seguintes), etc. Todavia, há situações em que a lei processual penal de um Estado pode ser aplicada fora de seus limites territoriais: a) aplicação da lei processual penal de um Estado em território nullius; b) quando houver autorização do Estado onde deva ser praticado o ato processual; c) em caso de guer­ ra, em território ocupado. Confirmando a ado­ ção do princípio da territorialidade, o art. I o do CPP dispõe que o processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, pelo Código de Processo Penal, ressalvados: I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional; II - as prerrogativas constitucionais do Presi­ dente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribu­ nal Federal, nos crimes de responsabilidade;

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III - os processos da competência da Justiça Militar; IV - os processos da competência do tribunal especial; V - os processos por crimes de imprensa. Portanto, como se percebe, a regra é que todo e qualquer processo penal que surgir no território nacional deva ser so­ lucionado consoante as regras do Código de Processo Penal ( locus regitactum). Há, todavia, exceções. 4. Tribunal Penal Internacional: além das ressalvas listadas nos incisos do art. I odo CPP, especial atenção também deve ser dispensada ao art. 5o, §4°, da Constituição Federal, que prevê que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. Tem-se aí mais uma hipótese de não aplicação da lei proces­ sual penal brasileira aos crimes praticados no país, nas restritas situações em que o Estado brasileiro reconhecer a necessidade do exercí­ cio da jurisdição penal internacional. Com as inúmeras violações de direitos humanos ocor­ ridas a partir das primeiras décadas do século XX , notadamente com as duas grandes guerras mundiais, surgiu a ideia de um ius puniendi em nível global, buscando a instituição de uma moderna Justiça Penal Internacional. Como anota Mazzuoli (O Tribunal Penal Internacio­ nal e o direito brasileiro. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 20-21), essa expressão Justiça Penal Internacional pode ser compreendida como “o aparato jurídico e o conjunto de normas instituídas pelo Direito Internacional, voltados à persecução e à re­ pressão dos crimes perpetrados contra o pró­ prio Direito Internacional, cuja ilicitude está prevista nas normas ou princípios do ordena­ mento jurídico internacional e cuja gravidade é de tal ordem e de tal dimensão, em decor­ rência do horror e da barbárie que determinam ou pela vastidão do perigo que provocam no mundo, que passam a interessar a toda a so­ ciedade dos Estados concomitantemente”. Um sensível incremento ao movimento de inter­ nacionalização e proteção dos direitos huma­ nos teve início com os Tribunais de Nuremberg e de Tóquio. Por meio do Acordo de Londres, de 8 de agosto de 1945, e em evidente reação às barbáries do Holocausto, foi criado pelas

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nações vencedoras o Tribunal Militar Interna­ cional de Nuremberg, com o objetivo de pro­ cessar e julgar os criminosos de guerra do Eixo europeu, acusados de colaboração direta com o regime nazista. Também foi criado o Tribu­ nal M ilitar Internacional de Tóquio, com a finalidade precípua de julgar os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade per­ petrados pelas autoridades políticas e militares do Japão Imperial. Algum tempo depois, em virtude de deliberações do Conselho de Segu­ rança das Nações Unidas, dois tribunais inter­ nacionais de caráter não-permanente também foram criados: o primeiro, com sede na Ho­ landa, para julgar as barbáries cometidos no território da antiga Iugoslávia; o segundo, se­ diado na Tanzânia, para processar e julgar as violações de direitos humanos perpetradas em Ruanda. Várias críticas recaíram sobre esses tribunais, dentre elas a de que tais tribunais teriam sido criados por resoluções do Conse­ lho de Segurança da ONU, e não por tratados internacionais multilaterais, como se deu com o Tribunal Penal Internacional. Outra crítica era no sentido de que a criação desses tribunais após a prática dos fatos delituosos (ex post facto), com o objetivo único e exclusivo de julgá-los, configuraria flagrante violação ao princípio do juiz natural. Surgiu daí a necessi­ dade de criação de uma instância penal inter­ nacional, de caráter permanente e imparcial, instituída para processar e julgar os acusados pela prática dos crimes mais graves que afetas­ sem a comunidade internacional no seu con­ junto. Assim é que, em julho de 1998, foi aprovado na Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, constituindo um tribunal internacional com jurisdição criminal permanente sobre as pes­ soas responsáveis pelos crimes de maior gra­ vidade com alcance internacional, dotado de personalidade jurídica própria, com sede na Haia (Holanda). No âmbito internacional, o Tribunal Penal Internacional entrou em vigor em data de 1° de julho de 2002, data esta que corresponde ao primeiro dia do mês seguinte ao termo do período de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de rati­

TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

ficação, nos termos do art. 126, §1°, do Esta­ tuto do Tribunal. O governo brasileiro assinou o tratado internacional do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional em 7 de feve­ reiro de 2000, sendo o mesmo posteriormente aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo n. 112, de 6 de junho de 2002, e promulgado pelo Presidente da República através do Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. A carta de ratificação brasileira foi depositada em data de 20 de ju ­ nho de 2002, razão pela qual, em virtude da regra constante do art. 126, n. 2, do Dec. 4.388/2002, tem-se que o Estatuto de Roma entrou em vigor no Brasil em data de I o de setembro de 2002. Em 8 de dezembro de 2004, entrou em vigor a Emenda Constitucional n. 45, reconhecendo formalmente a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, por intermédio do acréscimo do §4° ao art. 5o da Magna Car­ ta, segundo o qual O Brasil se submete à juris­

dição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. Como ob­ serva Mazzuoli (op. cit. p. 45), a jurisdição do Tribunal não é estrangeira, mas sim interna­ cional, podendo afetar todo e qualquer Estado-parte da Organização das Nações Unidas. Não se confunde com a chamada jurisdição uni­ versal, que consiste na possibilidade de o Poder Judiciário de determinado país julgar crimes de guerra ou crimes contra a humanidade cometidos em territórios alheios, tal qual ocor­ re nos casos de extraterritorialidade da lei penal brasileira admitidos expressamente pelo art. 7o, incisos I e II, do Código Penal. Como se percebe pela leitura do art. I o do Decreto n. 4.388/02, o Tribunal Penal Internacional será

complementar às jurisdições penais nacionais, sendo cham ado a intervir somente se e quando a justiça repressiva interna não funcionar. Adotou-se, pois, o denominado princípio da complementariedade. Daí a observação de Flávia Piovesan ( Direitos Humanos e o Direito Cons­ titucional Internacional. 9a ed.. São Paulo: Sa­ raiva, 2008. p. 223-224), que, após acentuar a responsabilidade primária dos Estados nacio­ nais quanto ao julgamento de transgressões aos direitos humanos, assinala as condições em que se legitima o exercício, sempre em

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caráter subsidiário, da jurisdição pelo Tribunal Penal Internacional: “Surge o Tribunal Penal Internacional como aparato complementar às cortes nacionais, com o objetivo de assegurar o fim da impunidade para os mais graves cri­ mes internacionais, considerando que, por vezes, na ocorrência de tais crimes, as institui­ ções nacionais se mostram falhas ou omissas na realização da justiça. Afirm a-se, desse modo, a responsabilidade primária do Estado com relação ao julgamento de violações de direitos humanos, tendo a comunidade inter­ nacional a responsabilidade subsidiária. Vale dizer, a jurisdição do Tribunal Internacional é adicional e complementar à do Estado, ficando, pois, condicionada à incapacidade ou à omis­ são do sistema judicial interno. O Estado tem, assim, o dever de exercer sua jurisdição penal contra os responsáveis por crimes internacio­ nais, tendo a comunidade internacional a res­ ponsabilidade subsidiária. Como enuncia o art. I o do Estatuto de Roma, a jurisdição do Tribunal é adicional e complementar à do Estado, ficando condicionada à incapacidade ou à omissão do sistema judicial interno. Des­ sa forma, o Estatuto busca equacionar a garan­ tia do direito à justiça, o fim da impunidade e a soberania do Estado, à luz do princípio da complementaridade e do princípio da coope­ ração.” Esse caráter complementar do Tribu­ nal Penal Internacional pode ser extraído do art. 17 do Estatuto. Segundo o referido dispo­ sitivo (art. 17, §1°), o Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se: a) o caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, não tenha capacidade para o fazer; b) o caso tiver sido objeto de inquéri­ to por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer; c) a pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em vir-



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tude do disposto no parágrafo 3o do artigo 20; d) o caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal. Por outro lado, segundo o art. 17, §2°, do Es­ tatuto, a fim de determinar se há ou não von­ tade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias: a) o processo ter sido instaurado ou estar penden­ te ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em cau­ sa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5o; b) ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça; c) o processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de manei­ ra independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de levar a pessoa em causa perante a justiça. Por fim, de acordo com o art. 17, §3°, do Estatuto, a fim de determinar se há incapa­ cidade de agir num determinado caso, o Tri­ bunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e depoi­ mentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo. Quanto à competência do TPI, dispõe o art. 5o do Estatuto que está restrita aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Detém o Tribunal competên­ cia para o processo e julgamento dos seguintes crimes: a) crime de genocídio; b) crimes con­ tra a humanidade; c) crimes de guerra; d) crime de agressão. Registre-se que o Tribunal somente é dotado de competência em relação aos crimes cometidos após a sua instituição, ou seja, depois de I o de julho de 2002, data em que seu Estatuto entrou em vigor internacio­ nal. Ademais, nos termos de seu art. 11, §2°, se um estado se tornar parte depois da entrada

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em vigor do Estatuto, o Tribunal só poderá exercer a sua competência em relação a crimes cometidos depois da entrada em vigor do Es­ tatuto relativamente a esse Estado, a menos que este tenha feito uma declaração específica em sentido contrário. Desde a vigência do Estatuto de Roma para o Brasil em I o de se­ tembro de 2002, faz-se necessária a regulamen­ tação dos tipos penais criados pelo Estatuto de Roma e ainda não previstos em nosso ordena­ mento jurídico interno. De fato, com exceção do crime de genocídio, já tipificado em lei própria (Lei n. 2.889/56), os crimes de guerra, contra a humanidade e de agressão ainda não estão previstos em nossa legislação e deman­ dam regulamentação legal. Tendo-se presente a perspectiva da autoria dos crimes submetidos à competência jurisdicional do Tribunal Penal Internacional, convém destacar que o Estatuto de Roma submete à jurisdição dessa Alta Cor­ te judiciária qualquer pessoa que haja incidido na prática de crimes de genocídio, de guerra, contra a humanidade ou de agressão, indepen­ dentemente de sua qualidade oficial (Art. 27). Ao assim dispor, o Estatuto de Roma proclama a absoluta irrelevância da qualidade oficial do autor dos crimes submetidos, por referida convenção multilateral, à esfera de jurisdição e competência do Tribunal Penal Internacio­ nal. Isso significa, portanto, em face do que estabelece o Estatuto de Roma em seu Artigo 27, que a condição política de Chefe de Estado não se qualifica como causa excludente da responsabilidade penal do agente nem fator que legitime a redução da pena cominada aos crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão. Nesse ponto, enquanto parte da doutrina sustenta a tese do caráter absoluto da soberania estatal, parte considerá­ vel da doutrina prefere conferir dimensão re­ lativa à noção de soberania do Estado, justifi­ cando a cláusula convencional do Estatuto (art. 27) a partir da idéia de prevalência dos direitos humanos, positivada no art. 4o, II, da Magna Carta. Quanto à discussão, Carlos Eduardo Adriano Japiassú (O Direito Penal Internacio­ nal. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2009, p. 115-116) pondera que “os crimes de compe­ tência do Tribunal Penal Internacional, de

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maneira geral, são cometidos por indivíduos que exercem determinada função estatal. Des­ ta forma, a regra do Artigo 27 do Estatuto de Roma busca evitar que aqueles se utilizem dos privilégios e das imunidades que lhes são conferidos pelos ordenamentos internos como escudo para impedir a responsabilização em face dos crimes internacionais. Por fim, entende-se que o princípio da prevalência dos direi­ tos humanos, insculpido no Artigo 4o, II, da Constituição Federal, permite implicitamente que haja restrições às imunidades usualmente concedidas a funcionários no exercício de sua atividade funcional em casos de violações a direitos humanos, não colidindo, por conse­ guinte, com o artigo 27 do Estatuto de Roma?’ Do ponto de vista pessoal, a jurisdição do Tribunal Penal Internacional não alcança pes­ soas menores de 18 (dezoito) anos (vide art. 26 do Estatuto). Por fim, ressalte-se que o pedido de entrega (‘surrender’) não se confun­ de com a demanda extradicional. Com efeito, o próprio Estatuto de Roma estabelece, em seu texto, clara distinção entre os referidos insti­ tutos - o da entrega (“surrender”/”remise”) e o da extradição -, fazendo-o, de modo preciso, nos seguintes termos: “Artigo 102 Termos Usados Para os fins do presente Estatuto: a) Por ‘entrega’, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal, nos termos do presente Estatuto, b) Por extradição’, enten­ de-se a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado, conform e previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito in­ terno.” Vê-se, daí, que, embora a entrega de determinada pessoa constitua resultado co­ mum a ambos os institutos, considerado o contexto da cooperação internacional na re­ pressão aos delitos, há, dentre outros, um elemento de relevo que os diferencia no plano conceituai, eis que a extradição somente pode ter por autor um Estado soberano, e não orga­ nismos internacionais, ainda que revestidos de personalidade jurídica de direito internacional público, como o Tribunal Penal Internacional (Estatuto de Roma, Artigo 4o, n. 1). 5. Crimes eleitorais: apesar de os incisos do art. I o do Código de Processo Penal não faze­ rem expressa referência aos processos crimi­

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nais da competência da Justiça Eleitoral, isso se justifica pelo fato de, à época da elaboração do CPP, estar em vigor a Constituição de 1937, que não tratava da Justiça Eleitoral, e muito menos dos crimes eleitorais, já que, vigia, então, um regime de exceção. Todavia, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu art. 121 que Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juizes de di­ reito e das juntas eleitorais. Destarte, embora editado como lei ordinária, o Código Eleitoral (Lei n. 4.737/65) foi recepcionado pela Cons­ tituição Federal como Lei complementar, mas tão somente no que tange à organização judi­ ciária e competência eleitoral, tal qual prevê a Carta Magna (CF, art. 121, caput). Portanto, no tocante à definição dos crimes eleitorais, as normas postas no Código Eleitoral mantêm o status de lei ordinária. A competência criminal da Justiça Eleitoral é fixada em razão da maté­ ria, cabendo a ela o processo e julgamento dos crimes eleitorais. Mas o que se deve entender por crim es eleitorais? Somente podem ser considerados crimes eleitorais os previstos no Código Eleitoral (v.g., crimes contra a honra, praticados durante a propaganda eleitoral) e os que a lei, eventual e expressamente, defi­ na como eleitorais. Todos eles referem-se a atentados ao processo eleitoral, que vai desde o alistamento do eleitor (ex: falsificação de título de eleitor para fins eleitorais - art. 348 do Código Eleitoral) até a diplomação dos eleitos. Crime que não esteja no Código Eleitoral ou que não tenha a expressa definição legal como eleitoral, salvo o caso de conexão, jamais será de competência da Justiça Eleitoral. A motiva­ ção política ou mesmo eleitoral não é suficiente para definir a competência da Justiça Especial de que estamos tratando. Da mesma forma, a existência de campanha eleitoral é irrelevante, pois, de per si, não é suficiente para caracte­ rizar os crimes eleitorais à falta de tipificação legal no Código Eleitoral ou em leis eleitorais extravagantes. Assim, por exemplo, a prática de um homicídio, ainda que no período que antecede as eleições, e mesmo que por m oti­ vos político-eleitorais, será julgado pelo Júri comum, porquanto tal delito não é elencado como crime eleitoral.

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6 . Outras exceções: o art. I o do CPP faz menção expressa apenas às ressalvas listadas em seus incisos. Todavia, face a existência de diversas leis especiais, editadas após a vigência do CPP ( I o de janeiro de 1942), com previsão expressa de procedimento distinto, conclui-se que, por força do princípio da especialidade, a tais infrações será aplicável a respectiva le­ gislação, aplicando-se o Código de Processo Penal apenas subsidiariamente (CPP, art. I o, parágrafo único). Vários exemplos podem ser lembrados: 1) O processo e julgamento dos crimes de abuso de autoridade é regulado pela Lei n. 4.898/65; 2) Os crimes da competência originária dos Tribunais possuem procedi­ mento específico previsto na Lei n. 8.038/90; 3) As infrações de menor potencial ofensivo, assim compreendidas as contravenções penais e crimes cuja pena máxima não seja superior a 02 (dois) anos, cumulada ou não com multa, submetidos ou não a procedimento especial, ressalvadas as hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher, devem ser pro­ cessadas e julgadas pelos Juizados Especiais Criminais, pelo menos em regra, com proce­ dimento regulamentado pela Lei n. 9.099/95; 4) Os crimes falimentares também possuem procedimento especial disciplinado na Lei n. 11.101/05 (arts. 183 a 188); 5) O Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03, art. 94) também possui dispositivos expressos acerca do procedimento a ser aplicado aos crimes ali previstos; 6) A Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06) tam­ bém estabelece dispositivos processuais penais específicos quanto às hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher; 7) A Lei de drogas (Lei n. 11.343/06) traz em seu bojo um capítulo inteiro dedicado ao procedimento penal, prevendo expressamente a possibilidade de aplicação, subsidiária, do Código de Proces­ so Penal e da Lei de Execução Penal (art. 48,

caput). 7. Tratados, convenções e regras de direito internacional: Chefes de Governo estrangei­ ro ou de Estado estrangeiro, suas famílias e membros das comitivas, embaixadores e suas famílias, funcionários estrangeiros do corpo diplomático e suas família, assim como fun­ cionários de organizações internacionais em

serviço (ONU, OEA, etc.) gozam de imunidade diplomática, que consiste na prerrogativa de responder no seu país de origem pelo deli­ to praticado no Brasil (Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovada pelo Decreto Legislativo 103/1964, e promulgada pelo Decreto n° 56.435, de 08/06/1965). Como se percebe, por conta de tratados ou conven­ ções que o Brasil haja firmado, ou mesmo em virtude de regras de Direito Internacional, a lei processual penal deixa de ser aplicada aos crimes praticados por tais agentes no território nacional, criando-se, assim, verdadeiro obstá­ culo processual à aplicação da lei processual penal brasileira. Destarte, tais pessoas não po­ dem ser presas e nem julgadas pela autoridade do país onde exercem suas funções, seja qual for o crime praticado (CPP, art. I o, inciso I). Em caso de falecimento de um diplomata, os membros de sua família “continuarão no gozo dos privilégios e imunidades a que têm direito, até a expiração de um prazo razoável que lhes permita deixar o território do Estado acredita­ do” (art. 39, §3°, da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas). Admite-se renúncia expressa à garantia da imunidade pelo Estado acreditante, ou seja, aquele que envia o Chefe de Estado ou representante. Tal imunidade não é extensiva aos empregados particulares dos agentes diplomáticos. Quanto ao cônsul, este só goza de imunidade em relação aos crimes funcionais (Convenção de Viena de 1963 so­ bre Relações Consulares - Decreto n. 61.078, de 26/07/1967). Esse o motivo pelo qual, ao apreciar habeas corpus referente a crime de pedofilia supostamente praticado pelo Cônsul de Israel no Rio de Janeiro, posicionou-se a Suprema Corte pela inexistência de obstáculo à prisão preventiva, nos termos do art. 41 da Convenção de Viena, pois os fatos imputados ao paciente não guardavam pertinência com o desempenho das funções consulares. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...)

Prisão preventiva. Fundam entos. A cu sad o

que exercia as funções de Cônsul de Israel no Rio de Janeiro. Crim e previsto no art. 241 d o Estatuto da Criança e d o Adolescente (Lei n. 8.069/90). Pena de reclusão, cujo início deve se dar em estabelecim ento d e se gu rança m áxim a ou m édia (regim e fechado).

TlTULO I* DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Circunstância que, so m a d a ao d isp o sto n o art. 61, II, 'h', d o C ó d ig o Penal, enfatiza o caráter grave do crime, o que é realçado pela existência de diversos diplom as protetivos da infância subscritos pelo Brasil: Declaração Universal d o s Direitos da Criança (1959), Convenção d o s Direitos da Criança (1989), 45a Sessão da Assem bléia Geral das N ações Unidas, Declaração pelo Direito da Criança à sobrevivência, à proteção e ao desenvolvim ento, Convenção de Nova York sobre o s direitos da criança e C on ve n ção Interam ericana sobre tráfico internacional de menores. Inexistência de obstáculo à prisão preventiva, nos term os d o que dispõe o art. 41 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares. A to s im p u ta d o s a o p acien te q u e não gu ardam pertinência com o de se m pe n ho de funções consulares. N ecessidade da prisão preventiva para garantiar a aplicação da lei penal. Ordem indeferida". (STF, I a Turma, H C 81.158/RJ, Relatora Ministra Ellen Gracie,DJ 19/12/2002).

STJ:"(...) A

com petência internacional é regulada ou

pelo direito internacional ou pelas regras internas de determ inado país acerca da matéria, tendo porfontes os costumes, os tratados norm ativos e outras regras de direito internacional. Em matéria penal adota-se, em regra, o princípio da territorialidade, desenvolvendo-se na justiça pátria o processo e o s respectivos inciden­ tes, não se p o d e n d o olvidar, outrossim, de eventuais tratados ou outras norm as internacionais a que o país tenha aderido, n os term os do s artigos 1° d o C ó d ig o de Processo Penal e 5°, caput, d o C ó d ig o Penal. Doutrina. N o caso d o s autos, inexiste qualquer ilegalidade na quebra d o sigilo bancário d o s acusados, um a vez que a m edida foi realizada para a obtenção de provas em investigação em curso nos Estados Unidos da América, tendo sido im plem entada de acordo com as norm as d o ordenam ento jurídico lá vigente, sendo certo que a do cum e n tação referente ao resultado da m edida invasiva foi p oste riorm en te c o m p artilh ad a c om o Brasil por m eio de acordo existente entre os países. (...)". (STJ, 5aTurma, H C 231.633/PR, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 25/11/2014, DJe 3/12/2014).

8. Prerrogativas constitucionais do Presi­ dente da República e de outras autorida­ des: refere-se o inciso II do art. 1° do CPP às prerrogativas constitucionais do Presidente da República e de outras autoridades, em relação aos crimes de responsabilidade. A denominada Justiça Política (ou Jurisdição Extraordinária) corresponde à atividade jurisdicional exercida por órgãos políticos, alheios ao Poder Judici­ ário, apresentando como objetivo precípuo o afastamento do agente público que comete crimes de responsabilidade de suas funções. A título de exemplo, de acordo com o art. 52, incisos I e II, da Constituição Federal, compete

/ /

Art. I o

privativamente ao Senado Federal processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da Re­ pública nos crimes de responsabilidade, assim como os Ministros de Estado e os Comandan­ tes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles, bem como os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do M inistério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade, observando-se, em relação ao Presidente da República e aos Ministros de Estado, a competência da Câmara dos Deputados para a admissibili­ dade e a formalização da acusação (CF, art. 51, I; CF, art. 86; Lei n. 1.079/50, art. 20 e seguintes). Por sua vez, compete a um Tribu­ nal Especial, composto por cinco Deputados, escolhidos pela Assembléia, e cinco Desembar­ gadores, sorteados pelo Presidente do Tribunal de Justiça, que também o presidirá (Lei n. 1.079/50, art. 78, §3°), processar e julgar, nos crimes de responsabilidade, o Governador, o Vice-Governador, e os Secretários de Estado, nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles, assim como o Procurador-Geral de Justiça e o Procurador-Geral do Estado. No caso de crimes de responsabilidade praticados por Prefeitos Municipais (infrações político-administrativas), que são os tipificados no art. 4o do Decreto-lei n. 201/67, a competência para julgamento é da Câmara Municipal. O processo pressupõe que o Prefeito Municipal esteja no exercício do mandato, na medida em que a única sanção prevista é a cassação do mandato. Conquanto a Constituição Federal e a legislação ordinária acima referida (Lei n. 1.079/50 e Decreto-lei n. 201/67) se refiram à prática de crimes de responsabilidade, atri­ buindo ao Senado Federal, ao Tribunal Espe­ cial e à Câmara Municipal o exercício dessa atividade jurisdicional atípica, tecnicamente não há falar em crime, mas sim no julgamento de uma infração político-administrativa. Ali­ ás, segundo Pacelli (op. cit. p. 188), “mesmo quando a Constituição atribui a órgãos do Judiciário a competência para o julgamento de crimes de responsabilidade (art. 1 0 5 ,1, a,

O

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Art. I o

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

por exemplo), não se estará exercendo outro tipo de jurisdição que não seja a de natureza política, diante da natureza igualmente política das infrações”. Nesse cenário, é indispensável diferenciarmos crimes de responsabilidade em sentido amplo de crimes de responsabilidade em sentido estrito. Crimes de responsabilidade em sentido amplo são aqueles cuja qualidade de funcionário público (CP, art. 327) funciona como elementar do delito. É o que ocorre com os crimes praticados por funcionários públicos contra a administração pública (CP, arts. 312 a 326). Esses crimes de responsabilidade em sentido amplo estão inseridos naquilo que a Constituição Federal denomina de crimes comuns ou infrações penais comuns. Por seu turno, crimes de responsabilidade em sentido estrito são aqueles que somente podem ser praticados por determinados agentes políticos. Prevalece o entendimento de que não têm natureza jurídica de infração penal, mas sim de infração político-administrativa, passível de sanções político-administrativas, aplicadas por órgãos jurisdicionais políticos (normalmente órgãos mistos, compostos por parlamentares ou por parlamentares e magistrados). A título de exemplo, de acordo com o art. 2o da Lei n. 1.079/50, os crimes definidos nesta Lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até 5 (cinco) anos, para o exercício de qual­ quer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou ministros de Estado, contra os ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador-Geral da República. Além disso, “a imposição da pena referida no artigo anterior (art. 2o) não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal” (Lei n. 1.079/50, art. 3°).Como desses crimes de responsabilidade não decorre sanção criminal, não podem ser qualificados como infrações penais, figurando, pois, como infrações políticas da alçada do Direito Cons­ titucional. 9. Processos da competência da Justiça Militar (da União ou dos Estados): outra ressalva feita pelo art. I o do CPP diz respeito

aos processos da competência da Justiça M ili­ tar. De acordo com o art. 124 da Constituição Federal, à Justiça Militar da União compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Lado outro, segundo o art. 125, §4°, da Carta Magna, compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos discipli­ nares militares, ressalvada a competência do jú ri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. A inaplicabilidade do Código de Processo Penal no âmbito da Justiça Militar justifica-se pelo fato de ser aplicável, na Justiça Castrense, o Código Penal Militar (Decreto-Lei n. 1.001/69) e o Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei n. 1.002/69). Entretanto, é importante destacar que o próprio estatuto processual penal militar prevê a possibilidade de os casos omissos serem supridos pela le­ gislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar (CPPM, art. 3o, alínea “a”). Para mais detalhes acerca da competência da Justiça Militar, remetemos o leitor ao nosso Manual de Processo Penal e ao nosso Manual de Competência Criminal, ambos editados pela Juspodivm. 10. Processos da competência do tribunal especial: o art. I o, inciso IV, do CPP, faz men­ ção aos processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, n. 17). Os artigos citados referem-se à Constituição de 1937, sendo que esse tribunal especial a que faz menção o inciso IV é o antigo Tribunal de Segurança Nacional, que já não existe mais, visto que foi extinto pela Constituição de 1946. O art. 122, n. 17 da Carta de 1937 previa que “os crimes que atentarem contra a existência, a segurança e a integridade do Estado, a guar­ da e o emprego da economia popular serão submetidos a processo e julgamento perante tribunal especial, na forma que a lei instituir”. Hoje, os crimes contra a segurança nacional estão definidos na Lei n. 7.170/83. Apesar de o art. 30 da Lei n. 7.170/83 dispor que os crimes nela previstos são da competência da

TlTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Justiça Militar, referido dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, porquanto, segundo o art. 109, inciso IV, compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes políticos, com recurso ordinário para o Supremo (CF, art. 102, II, “b”). 11. Crim es de imprensa: outra ressalva constante do art. I o do CPP diz respeito aos processos penais por crim es de imprensa. Referidos delitos estavam previstos na Lei n.5.250/67. Dizemos que estavam previstos na Lei n. 5.250/67 porque, no julgamento da arguição de descumprimento de preceito fun­ damental n. 130 (Pleno, Rei. Min. Carlos Britto, 30/04/2009), o Supremo Tribunal Federal jul­ gou procedente o pedido ali formulado para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da Lei 5.250/67. Como decidiu a própria Suprema Corte, a não recepção da Lei de Imprensa não impede o curso regular

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dos processos fundamentados nos disposi­ tivos legais da referida lei, nem tampouco a instauração de novos processos, aplicando-se lhes, contudo, as normas da legislação comum, notadamente, o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal. 12. Aplicação subsidiária do C ód igo de Processo Penal: quando houver previsão legal de procedimento diverso pela legisla­ ção especial, tal rito procedimental deve ser aplicado em detrimento daquele estabelecido no Código de Processo Penal (princípio da especialidade). É o que ocorre, a título de exemplo, com os crimes de tráfico de drogas, que contam com um procedimento especial regulamentado pela Lei n. 11.343/06. Isso, no entanto, não impede a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, sempre que não houver dispositivo especial em sentido diverso.

Art. 2oA lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.1'2 4 3 1. Lei processual penal no tempo: a legis­ lação processual penal tem sofrido inúmeras alterações nos últimos anos. Diante da su­ cessão de leis no tempo, apresenta-se de vital importância o estudo do direito intertemporal. 2. Direito intertemporal e normas de Direi­ to Penal: no âmbito do Direito Penal, o tema não apresenta maiores controvérsias. Afinal, por força da Constituição Federal (art. 5o, XL), a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Logo, cuidando-se de norma penal mais gravosa, vige o princípio da irretroatividade. Para mais detalhes acerca do assunto, consultar comentários à súmula n. 711 do STF (“A lei penal mais grave aplica-se ao crime continua­ do ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”). 3. Direito intertemporal e normas de Di­ reito Processual Penal: de acordo com o art. 2o do CPP, que consagra o denominado

princípio tempus regit actum, “a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Incide no processo penal o prin­ cípio da aplicabilidade imediata, no sentido de que a norma processual aplica-se tão logo entre em vigor, sem prejuízo da validade dos atos já praticados anteriormente. O funda­ mento da aplicação imediata da lei processual é que se presume seja ela mais perfeita do que a anterior, por atentar mais aos interesses da Justiça, salvaguardar melhor o direito das par­ tes, garantir defesa mais ampla ao acusado, etc. Portanto, ao contrário da lei penal, que leva em conta o momento da prática delituosa ( tempus delictí), a aplicação imediata da lei processual leva em consideração o momento da prática do ato processual ( tempus regit actum). Do prin­ cípio tempus regit actum derivam dois efeitos: a) os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior são considerados válidos; b) as normas processuais têm aplicação imediata,

Art. 2o

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

regulando o desenrolar restante do processo. Apesar de o art. 2o do CPP não estabelecer qualquer distinção entre as normas processu­ ais, doutrina e jurisprudência têm trabalhado crescentemente com uma subdivisão dessas regras: a) normas genuinamente processuais: são aquelas que cuidam de procedimentos, atos processuais, técnicas do processo. A elas se aplica o art. 2o do CPP; b) norm as pro­ cessuais m ateriais ou m istas: são aquelas que abrigam naturezas diversas, de caráter penal e de caráter processual penal. Normas penais são aquelas que cuidam do crime, da pena, da medida de segurança, dos efeitos da condenação e do direito de punir do Estado (v.g., causas extintivas da punibilidade). De sua vez, normas processuais penais são aque­ las que versam sobre o processo desde o seu início até o final da execução ou extinção da punibilidade. Assim, se um dispositivo legal, embora inserido em lei processual, versa sobre regra penal, de direito material, a ele serão aplicáveis os princípios que regem a lei penal, de ultratividade e retroatividade da lei mais benigna. Não há consenso na doutrina acerca do conceito de normas processuais materiais ou mistas. Uma primeira corrente sustenta que normas processuais materiais ou mistas são aquelas que, apesar de disciplinadas em diplomas processuais penais, dispõem sobre o conteúdo da pretensão punitiva, tais como aquelas relativas ao direito de queixa, ao de representação, à prescrição e à decadência, ao perdão, à perempção, etc. Uma segunda corrente, de caráter ampliativo, sustenta que normas processuais materiais são aquelas que estabelecem condições de procedibilidade, meios de prova, liberdade condicional, prisão preventiva, fiança, modalidade de execução da pena e todas as demais normas que produzam reflexos no direito de liberdade do agente - , ou seja, todas as normas que tenham por conteúdo matéria que seja direito ou garan­ tia constitucional do cidadão. Independentemente da corrente que se queira adotar, é certo que às normas processuais materiais se aplica o mesmo critério do direito penal, isto é, tratando-se de norma benéfica ao agente, mesmo depois de sua revogação, referida lei

O

continuará a regular os fatos ocorridos durante a sua vigência (ultratividade da lei processual penal mista mais benéfica); na hipótese de novatio legis in mellius, referida norma será dotada de caráter retroativo, a ela se confe­ rindo o poder de retroagir no tempo, a fim de regular os fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. São inúmeros os exemplos de normas processuais materiais que têm se sucedido no tempo. Vejamos alguns deles. 3.1. Lei n. 9.099/95 e seu caráter (ir) retro­ ativo: consoante disposto no art. 90 da Lei n. 9.099/95, as disposições da Lei dos Juizados Especiais Criminais não seriam aplicáveis aos processos penais cuja instrução já estivesse iniciada. Discutiu-se, à época, se seria possível que o art. 90 da Lei n. 9.099/95 restringisse a aplicação da referida lei aos processos pe­ nais cuja instrução já estivesse em curso. Sem dúvida alguma, trata-se a Lei n. 9.099/95 de norma processual híbrida ou mista, porquanto reúne dispositivos de natureza genuinamente processual e de natureza material. De fato, no tocante ao procedimento sumaríssimo ali previsto, fica evidente que se aplica o art. 2o do CPP, já que se trata de norma genuina­ mente processual. Não obstante, não se pode perder de vista que a Lei n. 9.099/95 também introduziu no ordenamento jurídico institutos despenalizadores que produzem nítidos refle­ xos no exercício do jus puniendi, tais como a composição civil dos danos, a transação penal, a exigência de representação para os crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa e a suspensão condicional do processo. A título de exemplo, basta pensar que o cumprimento das condições fixadas na proposta de sus­ pensão condicional do processo acarreta a extinção da punibilidade (Lei n. 9.099/95, art. 89, §5°). Na mesma linha, a composição civil dos danos é causa de renúncia ao direito de queixa ou representação (Lei n. 9.099/95, art. 74, parágrafo único), ensejando a extinção da punibilidade. Diante dessa natureza mista da Lei n. 9.099/95, o Supremo Tribunal Federal acabou por concluir que as normas de direito penal nela inseridas que tenham conteúdo mais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art.

TITULO I- DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

5o, XL, da Constituição federal. Assim, con­ feriu interpretação conforme ao art. 90 da Lei 9.099/1995 para excluir de sua abrangência as normas de direito penal mais favoráveis ao réu contidas na citada lei. Seguindo essa linha de raciocínio, não se pode querer emprestar ca­ ráter retroativo ao art. 90-A da Lei n. 9.099/95. Explica-se: por força da Lei n. 9.839/99, foi inserido o art. 90-A à Lei n. 9.099/95, que passou a dispor: “As disposições da Lei dos Juizados Especiais Criminais não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”. Ao suprimir a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei dos Juizados no âmbito da Justiça M ili­ tar, fica evidente que a Lei n. 9.839/99 tem natureza processual material, ou seja, cuida-se de norma que, embora disciplinada em diploma processual penal, produz reflexos no ius libertatis do agente, pois priva o agente do gozo de institutos despenalizadores como a composição civil dos danos, a transação penal, a representação nos crimes de lesão corporal leve e culposa e a suspensão condicional do processo. Como consequência, o critério de direito intertemporal a ser aplicado não é o da aplicação imediata da norma processual (tempus regit actum), constante do art. 2° do CPP, mas sim o critério da irretroatividade da lei penal mais gravosa. Assim, como a lei tem natureza nitidamente gravosa, pois priva o autor de crime militar da incidência dos ins­ titutos despenalizadores da Lei dos Juizados, há de se concluir que o art. 90-A só se aplica aos crimes militares cometidos a partir do dia 28 de setembro de 1999, data da vigência da Lei n. 9.839/99. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O

art. 90 da lei 9.099/1995 determ ina que

as disposições da lei d o s Juizados Especiais não são aplicáveis aos processos penais nos quais a fase de ins­ trução já tenha sido iniciada. Em se tratando de norm as de natureza processual, a exceção estabelecida por lei à regra geral contida no art. 2° d o CPP não padece de vício de inconstitucionalidade. Contudo, as norm as de direito penal que tenham conteúdo m ais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz d o que determ ina o art. 5o, XL da Constituição federal. Inter­ pretação conform e ao art. 90 da Lei 9.099/1995 para excluir de sua abrangência as norm as de direito penal m ais favoráveis ao réus contidas nessa lei". (STF, Pleno,

Art. 2o

A D 1 1.719-9, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 18/06/2007, DJe 72 02/08/2007).

STF:"(...) O Suprem oTribunal Federal firm ou entendi­ m ento no sentido da aplicação aos crimes de lesões corporais leves e lesões corporais culposas de c o m ­ petência da Justiça Militar (CPM, art. 209 e 210) da lei em tela, que exige a representação d o ofendido para a instauração de processo-crime. Deixando o ofendido de ofertar a representação, operou-se a decadência a ensejar a extinção da punibilidade. A Lei n° 9.839, de 27.09.99, que acrescentou o art. 90-A à Lei n° 9.099/95, e afastou a aplicação das suas disposições no âm bito da Justiça Militar, em bora consubstancie disposição processual, seus efeitos são de direito material, na m e­ dida em que afasta a aplicação de norm as despenalizadoras de caráter preponderantem ente penal. Sen do m anifestam ente prejudicial ao paciente, um a vez que afasta causa extintiva da punibilidade pelo decurso de prazo fixado em lei, não pode incidir no caso do s autos. Habeas corpus deferido". (STF, 1aTurma, HC 79.390/RJ, Rei. Min. limar Galvão, j. 19/10/1999, DJ 19/11/1999).

STJ:"(...) O entendim ento d o

SuperiorTribunal é o de

que a Lei n° 9.839/99 - que acrescentou o art. 90-A à Lei n° 9.099/95, cujas disposições, a partir daí, não se aplicam m ais no âm bito da Justiça Militar - som ente deve alcançar o s processos que tenham por objeto o julgam e nto de delitos praticados ap ó s a sua entrada em vigor. Essa é a hipótese do s autos, um a vez que o fato ocorreu em 28.1.05, a p ó s o ad ve n to da Lei n° 9.839/99. A g rav o regim ental improvido". (STJ, 6a Turma, A g R g no H C 60.081/SP, Rei. Min. Nilson Naves, DJe 26/05/2008).

3.2. Lei n. 9.271/96 e nova redação do art. 366 (suspensão do processo e da prescri­ ção): de modo a evitarmos repetições desne­ cessárias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 366 do CPP. 3.3. Leis 11.689/08 e 11.719/08 e sua aplicabilidade imediata aos processos em andam ento: com a reforma processual de 2008, houve profundas alterações quanto ao procedimento do júri e quanto ao procedimen­ to comum, produzidas pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08, respectivamente. Essas leis novas, de caráter genuinamente processual, não fo­ ram aplicadas aos processos já concluídos, respeitando-se, assim, os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior. De seu turno, é evidente que as leis novas foram aplicadas aos processos que se iniciaram após sua entrada em vigor. A discussão guarda re­ levância quanto aos processos que já estavam

Art. 2o

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

em andamento quando do início da vigência da Lei n. 11.689/08 (09 de agosto de 2008) e 11.719/08 (22 de agosto de 2008): continua­ riam eles sendo regidos pela legislação preté­ rita, que vigorava no início do procedimento, ou passariam a ter o seu curso regido pelas novas leis? A fim de solucionar o problema, três sistemas distintos são apontados pela doutrina: a) Sistema da unidade processual: apesar de se desdobrar em uma série de atos distintos, o processo apresenta uma unidade. Portanto, somente pode ser regulamentado por uma única lei. Essa lei deve ser a lei antiga, já que, fosse possível a aplicação da lei nova, esta teria efeitos retroativos. Assim, por esse sistema, a lei antiga tem caráter ultrativo; b) Sistema das fases processuais: por força desse sistema, cada fase processual pode ser regulada por uma lei diferente. Supondo, assim, a exis­ tência de sucessivas leis processuais no tempo, as fases postulatória, ordinatória, instrutória, decisória e recursal poderíam ser disciplinadas por leis distintas; c) Sistema do isolamento dos atos processuais: a lei nova não atinge os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior, porém é aplicável aos atos proces­ suais que ainda não foram praticados, pouco importando a fase processual em que o feito se encontrar. Como se percebe pela leitura do art. 2o do CPP, é esse o sistema adotado pelo ordenamento processual penal. Afinal de contas, de acordo com o art. 2o do CPP, “a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Considerando-se, então, que o sistema adotado pelo CPP é o do isolamento dos atos processuais, conclui-se que as novas leis do procedimento comum e do procedimento do júri não foram aplicadas aos atos processuais anteriormente realizados, regendo-se, por elas, todavia, os atos proces­ suais que ainda não haviam sido praticados quando de sua vigência. Logo, ainda que o recebim ento da denúncia tivesse ocorrido antes do advento das Leis 11.689 e 11.719, não há constrangimento ilegal na adoção dos ritos introduzidos por estes diplomas, tendo em vista que, no âmbito do direito processual penal, a aplicação da lei no tempo é regrada

pelo princípio do efeito imediato, representado pelo brocardo tempus regit actum, conforme estabelece o art. 2° do CPP. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

N o â m b ito d o direito processual penal a

aplicação da lei penal d o tem p o é regrada pelo prin­ cípio d o efeito imediato, representado pelo brocardo tempus regit actum, conform e estabelece o artigo 2o do C ó d ig o de Processo Penal. Ainda que o recebim ento da denúncia tenha ocorrido antes d o advento da Lei n. 11.689/2008, não há constrangim ento ilegal na adoção d o rito por esta introduzido no ordenam ento jurídico, ten do em vista a im possibilidade da prática de todos o s atos de acordo com a disciplina anterior. D e acordo c om o sistema da instrum entalidade das formas, ad o ­ tado pela jurisprudência dosTribunais Superiores, não se declara a nulidade d o ato sem a dem onstração do efetivo prejuízo para a parte em razão da inobservância da form alidade prevista em lei. Precedentes. Verificada a regularidade da instrução realizada de acordo com a Lei n. 11.689/2008, quedando-se a defesa a demonstrar eventual prejuízo su p ortad o pelo paciente, im periosa a m an u te n ção d o ato im p u gn a d o . H ab ea s corpu s parcialm ente conhecido, e, nesta parte, de n e gad a a ordem". (STJ, 5aTurma, H C 123.492/MG, Rei. Min. Jorge M ussi,j. 17/09/2009, DJe 13/10/2009).

3.4. Lei n. 12.403/11 e o novo regramento quanto às m edidas cautelares de natureza pessoal: vários dispositivos legais modificados pela Lei n. 12.403/11, que serão objeto de es­ tudo detalhado no Título relativo às Medidas Cautelares de natureza pessoal (arts. 282 a 350), repercutem diretamente no ius libertatis do agente, ora para beneficiar, ora para prejudicá-lo. Exemplificando, suponha-se que, em data de 04 de julho de 2011, data da vigência da Lei n. 12.403/11, determinado indivíduo estivesse preso preventivamente por conveniência da instrução crim inal pela prática de suposto crim e de furto simples, cuja pena é de re­ clusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, esta prisão preventiva tornou-se ilegal, pois desprovida de fundamento legal, já que a nova redação do art. 313, inciso I, do CPP, norma processual material de caráter benéfico, per­ mite a decretação da prisão preventiva apenas em relação a crimes dolosos punidos com pena máxima superior a 4 (quatro) anos, ressalvadas as hipóteses de reincidente em crimes dolosos,

TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, ou quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa e esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la. Impõe-se, pois, o reconhecimento da ilegalidade de tal prisão preventiva, o que, no entanto, não impede a decretação de medida cautelar diversa da prisão, desde que presentes ofum us comissi delicti e o periculum libertatis, já que, em relação a estas, basta que à infração penal seja cominada pena privativa de liber­ dade (CPP, art. 283, §1°). Lado outro, quando nos deparamos com uma mudança gravosa, o caminho será o inverso. É o que ocorre com a nova redação do art. 310, parágrafo único, do CPP. Antes das mudanças, referido dispositivo permitia a concessão de liberdade provisória sem fiança quando o juiz verificasse, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, e seu propósito de revitalizar a fiança, tal espécie de liberdade provisória sem fiança foi suprimida do Código de Processo Penal, já que a nova redação do art. 310, pará­ grafo único, permite a concessão do benefício apenas quando verificada a presença de causas excludentes da ilicitude. Ora, se foi suprimida hipótese de liberdade provisória sem fiança, não restam dúvidas que se trata de novatio legis in pejus, logo, a norma anterior mais be­ néfica ao agente continuará a regular os fatos delituosos ocorridos durante a sua vigência, mesmo depois de sua revogação (ultratividade da lei processual penal mista mais benéfica). Portanto, em relação aos crimes praticados até o dia 03 de julho de 2011, data anterior à entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, ainda que a persecução penal tenha início após esta data, o agente continuará a fazer jus à antiga liber­ dade provisória sem fiança quando verificada a inocorrência das hipóteses que autorizam a prisão preventiva. 3.5. Normas processuais heterotópicas: há determinadas regras que, não obstante previs­ tas em diplomas processuais penais, possuem conteúdo material, devendo, pois, retroagir para beneficiar o acusado. Outras, no entanto,

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inseridas em leis materiais, são dotadas de conteúdo processual, a elas sendo aplicável o critério da aplicação imediata ( tempus regit actum). É aí que surge o fenômeno denominado de heterotopia, ou seja, situação em que, apesar de o conteúdo da norma conferir-lhe uma determinada natureza, encontra-se ela pre­ vista em diploma de natureza distinta. Como observa Norberto Avena (Processo penal: esquematizado. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Método, 2010. p. 65), a heterotopia “consiste na intromissão ou superposição de conteúdos materiais no âmbito de incidência de uma norma de natureza processual, ou vice-versa, produzindo efeitos em aspectos relacionados à ultratividade, retroatividade ou aplicação ime­ diata ( tempus regit actum) da lei”. Tais normas não se confundem com as normas processuais materiais. Enquanto a heterotópica possui uma determinada natureza (material ou processu­ al), em que pese estar incorporada a diploma de caráter distinto, a norma processual mista ou híbrida apresenta dupla natureza, vale dizer, material em uma determinada parte e proces­ sual em outra. Como exemplos de disposições heterotópicas, o referido autor cita o direito ao silêncio assegurado ao acusado em seu interro­ gatório, o qual, apesar de previsto no CPP (art. 186), possui caráter nitidamente assecuratório de direitos (material), assim como as normas gerais que trataram da competência da Justiça Federal, que, conquanto previstas no art. 109 da Carta Magna, que é um diploma material, são dotadas de natureza evidentemente pro­ cessual. 4. Vigência, validade, revogação, derroga­ ção e ab-rogação da lei processual penal: a lei processual penal nasce como todas as de­ mais leis, ou seja, deve ser proposta, discutida, votada e aprovada pelo Congresso Nacional. Após ser aprovada, a lei processual penal deve ser promulgada (ato legislativo pelo qual se atesta a existência de uma lei), sancionada pelo Presidente da República e publicada. A vigência da lei processual penal também segue o mesmo regramento das demais leis, isto é, a lei entra em vigor na data de sua publicação ou no dia posterior à vacância, quando assim o estabelecer o legislador. Sobre o assunto, o

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art. 8o, caput, da Lei Complementar n. 95/98, com redação dada pela LC n. 107/2001, dispõe que a vigência da lei será indicada de forma ex­ pressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena reper­ cussão. Ademais, segundo o art. 8o, §1°, da LC n. 95/98, “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral”. Se a lei nada disser sobre sua vigência, entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação. Nessa hipótese, a vacatio legis (período próprio para o conhecimento do con­ teúdo de uma norma pela sociedade em geral, antes de entrar em vigor) será de 45 (quarenta e cinco) dias, nos exatos termos do art. I o da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/42, com redação dada pela Lei n. 12.376/10). Uma vez em vigor, a lei processual penal vigora formalmente até que seja revogada por outra. Assim, revogação significa a cessação da vigência formal da lei, ou seja, a norma processual penal deixa de integrar o ordenamento jurídico. Quanto a

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sua abrangência, a revogação compreende a ab-rogação (revogação total) e a derrogação (revogação parcial). Essa revogação pode ser expressa ou tácita. Será expressa quando a lei nova retirar a força da lei precedente de modo categórico: é o que aconteceu com a nova lei de identificação criminal (Lei n. 12.037/09), cujo art. 9o revogou expressamente a antiga lei de identificação (Lei n. 10.054/00). A revogação é tácita quando a lei nova se mostrar incom­ patível com a lei anterior. Exemplificando, foi o que aconteceu em face do advento do art. 5o do Código Civil, que fixou a maioridade a partir dos 18 (dezoito) anos completos, do que resultou a revogação tácita dos dispositivos processuais penais que previam privilégios para o acusado maior de 18 (dezoito) e menor de 21 (vinte e um) anos. Por fim, não se pode confundir vigência com validade. Para que uma lei processual penal entre em vigor, basta que seja aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo Presidente da República e pubbcada no Diário Oficial: superado eventual período de vacatio legis, inicia-se sua vigência. Para que seja considerada válida, todavia, referida lei deve se mostrar compatível com a Constituição Federal e com as Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos.

Art. 3oA lei processual penal admitirá interpretação1extensiva2*e apli­ cação analógica,3J*bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.5 1. Interpretação da lei processual penal: interpretar é tentar buscar o efetivo alcance da norma, ou seja, descobrir o seu significado, o seu sentido, a sua exata extensão normativa. É procurar descobrir aquilo que ela tem a nos dizer com a maior precisão possível. Toda lei necessita de interpretação, ainda que seja clara. O in claris n on fit interpretativo é uma falácia, até mesmo porque para se concluir que a lei é clara já se faz necessária uma interpretação. Como se percebe, o que se procura com a in­ terpretação é o conteúdo da lei, a inteligência e a vontade da lei ( mens legis), não a intenção do legislador ( mens legislatoris), embora esta última constitua um dos critérios de interpre­ tação, porquanto, uma vez em vigor, a lei passa

a gozar de existência autônoma. Em princípio, a interpretação da lei processual penal está sujeita às mesmas regras de hermenêutica que disciplinam a interpretação das leis em geral. O que pretende o legislador com o art. 3o do CPP é simplesmente demarcar a distinção entre o direito penal e o processo penal. Como é cediço, naquele não se admite qualquer for­ ma de ampliação hermenêutica dos preceitos incriminadores, muito menos do emprego da analogia em prejuízo do acusado (in malam partem ). No processo penal, todavia, o art. 3o do CPP dispõe que é possível não apenas a interpretação extensiva e a aplicação analógi­ ca, mas também o suplemento dos princípios gerais de direito.

TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

2. Interpretação extensiva: quanto ao re­ sultado, a interpretação pode ser declaratória, restritiva, extensiva ou progressiva. Na inter­ pretação declaratória o intérprete não amplia nem restringe o alcance da norma porquanto o significado ou sentido da lei corresponde exatamente à sua literalidade. Limita-se, pois, a declarar a vontade da lei. Interpretação res­ tritiva é aquela em que o intérprete diminui, restringe o alcance da lei, uma vez que a norma disse mais do que efetivamente pretendia di­ zer. De seu turno, na interpretação extensiva, expressamente admitida pelo art. 3o do CPP, a lei disse menos do que deveria dizer. Por consequência, para que se possa conhecer a exata amplitude da lei, o intérprete necessita ampliar o seu campo de incidência. É o que ocorre, a título de exemplo, com as hipóteses de cabimento do RESE previstas no art. 581 do CPP. Conquanto parte minoritária da doutrina ainda procure sustentar que a enumeração das hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito prevista no art. 581 é taxativa, não ad­ mitindo ampliação para contemplar outras hi­ póteses, prevalece, no entanto, o entendimento no sentido da possibilidade de interpretação extensiva das hipóteses de cabimento do recur­ so em sentido estrito, notadamente diante das inúmeras mudanças sofridas pela legislação processual penal nos últimos anos (v.g., Leis 11.689/08,11.690/08,11.719/08 e 12.403/11). Na verdade, o que não se admite é a amplia­ ção para casos em que a lei evidentemente quis excluir. Exemplificando, na hipótese de recebimento da peça acusatória, não se pode cogitar do cabimento do RESE, já que ficou clara a intenção do legislador de só admitir o recurso quando houver o não recebimento da inicial acusatória. Porém, como a lei prevê o cabimento de RESE contra a decisão que não receber a denúncia ou a queixa (CPP, art. 581, I), não há razão lógica para não se admitir o cabimento do recurso também para a hipótese de rejeição do aditamento. Cuida-se, na verda­ de, de omissão involuntária do legislador, que pode ser suprida pela interpretação extensiva. Por fim, considera-se interpretação progressi­ va (adaptativa ou evolutiva) como aquela que busca ajustar a lei às transformações sociais,

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jurídicas, científicas e até mesmo morais que se sucedem no tempo e que acabam por interferir na efetividade que buscou o legislador com a edição de determinada norma processual penal. Vejamos um exemplo: com o advento da Constituição Federal, outorgando ao M i­ nistério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127, caput), e à Defensoria Pública a orientação jurídica e

a defesa, em todos os graus, dos necessitados (CF, art. 134), houve forte discussão quanto à recepção do art. 68 do CPP, já que, ao promo­ ver a ação civil ex delicto em favor de vítima pobre, o Ministério Público estaria agindo em nome próprio na defesa de interesse alheio, de natureza patrimonial e, portanto, disponível. Chamado a se pronunciar a respeito do assun­ to, o Supremo entendeu que o dispositivo seria dotado de inconstitucionalidade progressiva (ou temporária), ou seja, de modo a viabilizar o direito à assistência jurídica e judiciária dos necessitados, assegurado pela Constituição Federal de 1988 (art. 5o, LXXIV), enquanto não houvesse a criação de Defensoria Pública na Comarca ou no Estado, subsistiría, tempora­ riamente, a legitimidade do Ministério Público para a ação de ressarcimento e de execução prevista no art. 68 do CPP, sendo irrelevante o fato de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da ad­ vocacia, sem prejuízo do próprio sustento. 3. A n alogia (aplicação analógica): pode ser definida como uma forma de autointegração da norma, consistente em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição legal relativa a um caso semelhante. Afinal, onde impera a mesma razão, deve imperar o mesmo direito. Não se trata, portanto, de mé­ todo de interpretação, mas sim de integração. Em outras palavras, como ao juiz não é dado deixar de julgar determinada demanda sob o argumento de que não há norma expressa regulamentando-a, há de fazer uso dos méto­ dos de integração, dentre eles a analogia, com o objetivo de suprir eventuais lacunas encon­ 33

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tradas no ordenamento jurídico. Diferencia-se a analogia da interpretação extensiva porque naquela o caso a ser solucionado não está com­ preendido na hipótese de incidência da regra a ser aplicada, daí porque se fala em aplicação analógica, e não em interpretação analógica. A título de exemplo, diante do silêncio do Código de Processo Penal acerca do procedimento a ser utilizado para fins de produção antecipa­ da de provas (CPP, arts. 225 e 366), doutrina e jurisprudência admitema a aplicação, por analogia, do novo Código de Processo Civil (2015), que trata da matéria expressamente nos arts. 381 a 383. Quando o art. 3o do CPP dispõe que a lei processual penal admite o emprego da analogia, há de se ficar atento à verdadeira natureza da norma, ou seja, se se trata de nor­ ma genuinamente processual penal ou se, na verdade, estamos diante de norma processual mista dispondo sobre a pretensão punitiva e produzindo reflexos no direito de liberdade do agente. Afinal, na hipótese de estarmos diante de norma processual mista versando sobre a pretensão punitiva, não se pode admitir o emprego da analogia em prejuízo do acusado, sob pena de violação ao princípio da legalida­ de. Bom exemplo disso diz respeito à sucessão processual prevista no art. 31 do CPP. Segundo o referido dispositivo, no caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Por força do disposto no art. 226, §3°, da Constituição Federal (“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”), grande parte da doutrina insere no rol dos sucessores o companheiro. Logo, a ordem seria cônjuge (ou companheiro), ascendente, descendente ou irmão. A nosso ver, todavia, não se pode incluir o companheiro nesse rol, sob pena de indevida analogia in malam partem. A inclusão do companheiro ou da companheira nesse rol de sucessores produz reflexos no direito de punir do Estado, já que, quanto menos suces­ sores existirem, maior é a possibilidade de que o não exercício do direito de representação ou

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de queixa no prazo legal acarrete a extinção da punibilidade pela decadência. Portanto, cuidando-se de regra de direito material, não se pode querer incluir o companheiro, sob pena de indevida analogia in malam partem, malferindo o princípio da legalidade (CF, art. 5o, XX X IX ). 3.1. Distinção entre analogia (aplicação analógica) e interpretação analógica: como o legislador não pode prever todas as situações que poderíam ocorrer na vida em socieda­ de e que seriam similares àquelas por ele já elencadas, a interpretação analógica permite, expressamente, a ampliação do alcance da norma. Atento ao princípio da legalidade, o legislador detalha as situações que pretende regular, estabelecendo fórmulas casuísticas, para, na sequência, por meio de uma fórmula genérica, permitir que tudo aquilo que a elas for semelhante também possa ser abrangido pelo mesmo dispositivo legal. Em síntese, a uma fórmula casuística, que servirá de norte ao intérprete, segue-se uma fórmula genérica. A título de exemplo, ao inserir no art. 185, §2°, do CPP a possibilidade de utilização da video­ conferência, a Lei n. 11.900/09 teve o cuidado de autorizar a realização do interrogatório por

outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real. Como se percebe, atento aos avanços da tecnologia, o próprio dispositivo legal admite a utilização de outras modalidades de transmissão de sons e imagens em tempo real que porventura venham a sur­ gir, desde que semelhantes à videoconferência. Diversamente da analogia, que é método de integração, a interpretação analógica, como o próprio nome já sugere, funciona como méto­ do de interpretação. Logo, neste caso, apesar de não ser explícita, a hipótese em que a norma será aplicada está prevista no seu âmbito de incidência, já que o próprio dispositivo legal faz referência à possibilidade de aplicação de seu regramento a casos semelhantes aos por ele regulamentados. 4. Aplicação supletiva e subsidiária do novo C ódigo de Processo Civil ao processo penal: de acordo com o art. 15 do novo CPC, na ausência de normas que regulem processos

TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariam ente. Interpretação literal do referido dispositivo pode nos levar à conclusão (equivocada) de que o novo Código de Processo Civil só pode ser aplicado supleti­ va e subsidiariamente aos processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, ou seja, como o dispositivo não faz qualquer menção aos processos criminais, ter-se-ia como inviável a aplicação residual do novo CPC aos processos de natureza criminal. No entanto, não há ne­ nhuma razão lógica para se afastar a aplicação supletiva e subsidiária do novo CPC ao proces­ so penal, até mesmo porque tal prática já era - e continuará sendo - recorrente na vigência do antigo (e do novo) CPC. Exemplificativamente, como a legislação processual penal nada diz acerca do procedimento a ser utilizado para a produção da prova antecipada prevista no art. 225 do CPP, a doutrina sempre sustentou a possibilidade de aplicação subsidiária dos arts. 846 a 851 do antigo CPC (arts. 381 a 383 do novo CPC). Portanto, quando o art. 15 do novo CPC faz referência apenas aos processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, hou­ ve uma omissão involuntária do legislador, que deve ser suprida pela interpretação extensiva para fins de ser reconhecida a possibilidade de aplicação supletiva e subsidiária do novo diploma processual civil ao processo penal (co­ mum e militar). Etimologicamente, existe uma diferença entre aplicação supletiva e aplicação subsidiária. A primeira se destina a suprir algo que não existe em uma determinada legislação, enquanto a subsidiária serve de ajuda ou de subsidio para a interpretação de alguma norma ou mesmo um instituto, operando como que a dar sentido a uma disposição legal menos precisa. Ambas as figuras, de algum modo, acabam englobadas pela analogia. Nessa linha: MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 72. 4.1. Im possibilidade de aplicação da ana­ logia para fins de derrogação do Código de Processo Penal: com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil em 2016, há

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de se ter extrema cautela com a sua aplicação ao processo penal. Como se trata de diploma processual muito mais moderno que o nosso Código de Processo Penal, que entrou em vigor em 1° de janeiro de 1942, não temos dúvidas em afirmar que haverá grande euforia e en­ tusiasmo com a possibilidade de aplicação de seus institutos ao processo penal brasileiro. No entanto, a aplicação do novo CPC ao processo penal só pode ocorrer de maneira supletiva e subsidiária. O emprego da analogia permitido pelo art. 3° do CPP pressupõe a inexistência de lei disciplinando matéria específica, consta­ tando-se, pois, a lacuna involuntária da lei. Por ser a analogia recurso de autointegração (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, art. 4°), e não instrumento de derrogação de texto ou de procedimento legal, o emprego da analogia só pode ser admitido quando a lei for omissa. Vejamos alguns exemplos. Consoante disposto no art. 219 do novel diploma proces­ sual civil, na contagem de prazos processuais em dias, computar-se-ão somente os dias úteis. Sem dúvida alguma, se no âmbito processual civil a contagem dos prazos processuais leva em consideração apenas os dias úteis, o ideal seria estender esse mesmo raciocínio ao pro­ cesso penal, até mesmo para uniformizarmos a contagem de prazos processuais, independen­ temente da natureza do feito (cível, criminal, trabalhista, eleitoral,, etc). No entanto, o art. 798, caput, do CPP, é categórico ao afirmar que

todos os prazos serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado. Logo, como a lei processual não foi omissa em relação ao assunto, parece-nos invi­ ável sustentar a aplicação do art. 219 do novo CPC ao processo penal, até mesmo porque a analogia pressupõe a omissão do legislador, o que, in casu, não teria ocorrido. Pelo contrário. A lei processual penal é expressa no sentido de que os prazos processuais são contínuos e peremptórios, leia-se, são computados dias úteis e não úteis, com a ressalva de que, na hipótese de o prazo terminar em domingo ou feriado, considera-se prorrogado até o dia útil imediato (CPP, art. 798, §3°). Por ser a analogia recurso de autointegração (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, art. 4°), e não

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instrumento de derrogação de texto ou de procedimento legal, seu emprego só pode ser admitido quando a lei for omissa. Tendo em conta que o CPP não é omisso em relação ao computo dos dias úteis para a contagem de prazos processuais, e considerando que não consta das disposições finais e transitórias do novo CPC (arts. 1045 a 1072) qualquer referência à revogação do art. 798 do CPP, nem tampouco quanto à aplicação da regra do art. 219 ao processo penal, revela-se inviável estender a referida regra aos feitos criminais. No sentido de que não se aplica ao processo penal a regra do art. 219 do novo CPC: STF, 2a Turma, HC 134.554 Rcon/SP, Rei. Min. Celso de Mello, DIe 123 14/06/2016; STJ, 3a Seção, AgRg na Rcl 30.714/PB, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 27/04/2016, DJe 04/05/2016. Noutro giro, ante o silêncio do CPP em relação ao assunto, é perfeitamente possível a aplicação subsidiária ao processo penal do incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987 do novo CPC), que, doravante, poderá ser instaurado em qualquer Tribunal, inclusive nos Tribunais de Justiça dos Estados e nos Tribunais Regionais Federais. A instauração desse incidente é cabível quando houver, simultaneamente: a) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; b) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Admitido o incidente, o relator deter­ minará a suspensão dos processos pendentes que tramitam no Estado ou na Região, confor­ me o caso. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada: a) a todos os processos que versem sobre idêntida questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou Re­ gião; b) aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo se houver a revisão da tese jurídica firmada no incidente. Como se percebe, a aplicação desse incidente ao processo penal vem ao encontro do princípio da celeridade e da garantia da razoável duração do processo, contribuindo para diminuir a carga de recursos pendentes de julgamento pelos Tribunais. Logo, desde que a

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controvérsia em diversos processos criminais não esteja relacionada à matéria de fato ou pro­ batória, mas sim à questão de direito - a título de exemplo, a possibilidade de aplicação da causa de aumento de pena do furto praticado durante o repouso noturno (CP, art. 155, §1°) ao furto qualificado (CP, art. 155, §4°) - , esse incidente poderá ser suscitado com o objetivo de evitar decisões contraditórias entre os juízos subordinados àquele Tribunal, preservando-se, assim, a isonomia e a segurança jurídica. 5. Princípios gerais de direito: o vocábulo

princípio é dotado de uma imensa variedade de significações. Sem nos olvidar da distinção feita pela doutrina entre princípios, normas, regras e postulados - para ampla análise dessa distinção, sugerimos a leitura da obra de Robert Alexy ( Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Vírgilio Afonso da Silva. São Paulo: Edi­ tora Malheiros, 2008) - , trabalharemos com a noção de princípios como mandamentos nu­ cleares de um sistema. A Constituição Federal de 1988 elencou vários princípios processuais penais, porém, no contexto de funcionamento integrado e complementar das garantias pro­ cessuais penais, não se pode perder de vista que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos firmados pelo Brasil também inclu­ íram diversas garantias ao modelo processual penal brasileiro. Nessa ordem, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), prevê diversos direitos relacionados à tutela da liberdade pessoal (D ecreto 678/92, art. 7°), além de inúmeras garantias judiciais (Decreto 678/92, art. 8o). Embora seja polêmica a discussão em torno do status normativo dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, a partir do julgamento do RE 466.343, tem prevalecido no Supremo Tribunal Federal a tese do status de supralegalidade da Convenção America­ na sobre Direitos Humanos. Não por outro motivo, a despeito do teor do art. 5o, LXVII, da Constituição Federal, que prevê, em tese, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e do depositário infiel, a Suprema Corte entendeu que a circunstância de o Brasil haver subscrito o Pacto de São José da Costa Rica, que restringe a prisão civil por dívida

TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia (art. 7o, 7), conduz à inexistência de balizas visando à eficácia do art. 5o, LXVII, da Carta Magna. Logo, com a introdução do aludido Pacto no ordenamento jurídico nacional, restaram derrogadas as normas es­ tritamente legais definidoras da custódia do depositário infiel. Seguindo esse raciocínio, o Supremo Tribunal Federal averbou expres­ samente a revogação da Súmula 619 do STF. Além disso, a fim de por um fim à controvérsia em torno da prisão civil do depositário infiel, o plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou no dia 16 de dezembro de 2009 a edição da súmula vinculante n. 25, com o seguinte teor: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”. No mesmo caminho, o STJ editou a súmula n. 419, que dispõe: “descabe a prisão civil do depositário judicial infiel”. Logo, subentende-se que deixaram de ter validade a súmula n. 304 do STJ (“É ilegal a decretação da prisão civil daquele que não assume expressamente o encargo de depositário judicial”) e a súmula n. 305 do STJ (“É descabida a prisão civil do depositário quando, decretada a falência da

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empresa, sobrevêm a arrecadação do bem pelo síndico”). Hoje, portanto, já não há mais espaço para a decretação da prisão civil do depositário infiel, seja nos casos de alienação fiduciária, seja em contratos de depósito ou nos casos de depósito judicial, na medida em que a Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo status normativo supralegal a coloca abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna, produziu a invalidade das normas infraconstitucionais que dispunham sobre tal espécie de prisão civil. 5.1. Nota ao leitor: por razões didáticas, optamos por tratar dos diversos princípios processuais penais ao longo dos comentários aos artigos do Código de Processo Penal. Por exemplo, por ocasião do estudo da competên­ cia criminal (arts. 69 a 91), será analisado o princípio do juiz natural nos comentários ao art. 69 do CPP. Por sua vez, nos comentários às Disposições Gerais em que está inserido o art. 155 do CPP, faremos minucioso estudo de princípios como o da presunção de inocência, ampla defesa, contraditório, nemo tenetur se detegere, proporcionalidade, etc.

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TÍTULO II

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Art. 4o A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.6 (Redação dada pela Lei n. 9.043, de 9.5.1995) Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.7

1. Conceito de inquérito policial: proce­ dimento administrativo inquisitório e prepa­ ratório, presidido pela autoridade policial, o inquérito policial consiste em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa objetivando a identificação das fontes de pro­ va e a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal, a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Trata-se de um procedimento de natureza instru­ mental, porquanto se destina a esclarecer os fatos delituosos relatados na notícia de crime, fornecendo subsídios para o prosseguimento ou o arquivamento da persecução penal. De seu caráter instrumental sobressai sua dupla função: a) preservadora: a existência prévia de um inquérito policial inibe a instauração de um processo penal infundado, temerário, resguardando a liberdade do inocente e evi­ tando custos desnecessários para o Estado; b) preparatória: fornece elementos de informação para que o titular da ação penal ingresse em juízo, além de acautelar meios de prova que po­ deríam desaparecer com o decurso do tempo.

2. Natureza jurídica do inquérito policial: trata-se de procedimento de natureza adminis­ trativa. Não se trata, pois, de processo judicial, nem tampouco de processo administrativo, porquanto dele não resulta a imposição direta de nenhuma sanção. Nesse momento, ainda não há o exercício de pretensão acusatória. Logo, não se pode falar em partes stricto sensu, já que não existe uma estrutura processual dialética, sob a garantia do contraditório e da ampla defesa. Apesar de o inquérito policial não obedecer a uma ordem legal rígida para a realização dos atos, isso não lhe retira a característica de procedimento, já que o legis­ lador estabelece uma sequência lógica para sua instauração, desenvolvimento e conclusão. Por sua própria natureza, o procedimento do inquérito policial deve ser flexível. Não há falar, em sede de investigação policial, em obediên­ cia a uma ordem predeterminada, rígida, o que não infirma sua natureza de procedimento, já que o procedimento pode seguir tanto um esquema rígido quanto flexível. Logo, como o inquérito policial é mera peça informativa, eventuais vícios dele constantes não têm o condão de contaminar o processo penal a que

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der origem. Havendo, assim, eventual irregula­ ridade em ato praticado no curso do inquérito, m ostra-se inviável a anulação do processo penal subsequente. Afinal, as nulidades proces­ suais concernem, tão somente, aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo do processo penal condenatório. Logicamente, caso uma determinada prova te­ nha sido produzida com violação a normas de direito material, há de ser reconhecida sua ilicitude (CF, art. 5o, LVI), com o seu consequente desentranhamento dos autos, bem como de todas as demais provas que com ela guardem certo nexo causai (teoria dos frutos da árvore envenenada). Isso, todavia, não significa dizer que todo o inquérito será considerado nulo. Afinal, é possível que constem da investigação policial elementos de inform ação que não foram contaminados pela ilicitude originária (teoria da fonte independente). ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O s

vícios existentes n o inquérito policial

não repercutem na ação penal, que tem instrução probatória própria. Decisão fundada em outras provas constantes d o s autos, e não som ente na prova que se alega obtida por m eio ilícito. É inviável, em habeas corpus, o exam e ap rofu n dad o de provas, conform e reiterados precedentes d o Su p rem o Tribunal Federal. Recurso em habeas corpus a que se nega provimento". (STF, 2aTurma, HC 85.286/SP, Rei. Min. Joaquim Barbo­ sa, j. 29/11 /2005, DJ 24/03/2006). N o sentido de não ser cabível a anulação de processo penal em razão de su­ posta irregularidade verificada em inquérito policial, in casu, em virtude de o procedim ento ter sido presidido por d e legado alegadam ente suspeito: STF, 2a Turma,

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Estado possa deflagrar a persecução criminal em juízo, é indispensável a presença de elementos de informação quanto à autoria e quanto à mate­ rialidade da infração penal. De fato, para que se possa dar início a um processo criminal contra alguém, faz-se necessária a presença de um lastro probatório mínimo apontando no sentido da prática de uma infração penal e da probabilidade de o acusado ser o seu autor. Aliás, o próprio CPP, em seu art. 395, inciso III, com redação dada pela Lei n. 11.719/08, aponta a ausência de justa causa para o exercício da ação penal como uma das causas de rejeição da peça acusatória. Daí a importância da identificação das fontes de prova e ulterior registro dos elementos de informação pela autoridade policial. 3.1. Fontes de prova: cometida uma infração penal, tudo aquilo que possa servir para a sua elucidação pode ser conceituada como fonte de prova. Derivam do fato delituoso em si, inde­ pendentemente da existência do processo, ou seja, são anteriores ao processo, sendo que sua introdução no inquérito policial se dá através dos elementos de informação. Exemplificando, suponha-se que determinado crime de homi­ cídio tenha sido praticado em uma rua pouco movimentada. O primeiro passo da investiga­ ção é exatamente buscar pessoas ou coisas que possam contribuir para o esclarecimento do fato delituoso e de sua autoria. Caberá, então, à autoridade policial diligenciar no sentido de localizar o cadáver, a arma usada para a prática do crime, pessoas que tenham visto o provável autor do delito, etc.

R H C 131.450/DF, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 03/05/2016.

STJ:"(...) É entendim ento

dom inante neste Superior

Tribunal de Justiça que eventual nulidade do inquérito policial não contam ina a ação penal superveniente, vez que aquele é mera peça informativa, produzida sem o crivo d o contraditório. Recurso a que se nega provimento". (STJ, 6a Turma, RH C 21.170/RS, Rei. Min. Carlos Fernando M athias - Juiz con vocado d o T R F I a Região -, j. 04/09/2007, DJ 08/10/2007 p. 368).

3. Finalidade do inquérito policial: a par­ tir do momento em que determinado delito é praticado, surge para o Estado o poder-dever de punir o suposto autor do ilícito. Para que o

3.2. Elementos de informação: trata-se, o inquérito policial, do instrumento geralmente usado pelo Estado para a colheita desses ele­ mentos de informação, viabilizando o ofereci­ mento da peça acusatória quando houver justa causa para o processo (fumus comissi delicti), mas também contribuindo para que pessoas inocentes não sejam injustamente submetidas às cerimônias degradantes do processo crim i­ nal. Esses elementos de informação colhidos no inquérito policial são decisivos para a for­ mação da convicção do titular da ação penal sobre a viabilidade da acusação, mas tam ­

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bém exercem papel fundamental em relação à decretação de medidas cautelares pessoais, patrimoniais ou probatórias no curso da in­ vestigação policial. De fato, para que medidas cautelares como a prisão preventiva ou uma interceptação telefônica sejam determinadas, é necessário um mínimo de elementos quanto à materialidade e autoria do delito. Além disso, também são úteis para fundamentar eventual absolvição sumária (CPP, art. 397). Diferencia-se o inquérito policial da instrução proces­ sual por esse motivo: enquanto a investigação criminal tem por objetivo a obtenção de da­ dos informativos para que o órgão acusatório examine a viabilidade de propositura da ação penal, a instrução em juízo tem como escopo colher provas para demonstrar a legitimidade da pretensão punitiva ou do direito de defesa. 3.2.1. Distinção entre elem entos infor­ mativos e provas: perceba-se que insistimos na assertiva de que a finalidade precípua do inquérito policial é a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade do delito. Mas por que elementos de informação e não prova? Com as alterações produzidas pela Lei n 11.690/08, passou a constar expressamen­ te do CPP a distinção entre prova e elementos informativos. De fato, eis a nova redação do art. 155 do CPP: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contra­ ditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informa­ tivos colhidos na investigação, ressalvadas as

provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. (nosso grifo). Diante da nova redação do art. 155 do CPP, elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes. Dito de outro modo, em relação a eles, não se impõe a obrigatória observância do contraditó­ rio e da ampla defesa, vez que nesse momento ainda não há falar em acusados em geral na dicção do inciso LV do art. 5o da Constituição Federal. Apesar de não serem produzidos sob o manto do contraditório e da ampla defesa, tais elementos informativos são de vital impor­ tância para a persecução penal, pois, além de auxiliar na formação da opinio delicti do órgão

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da acusação, podem subsidiar a decretação de medidas cautelares pelo magistrado ou fun­ damentar uma decisão de absolvição sumária (CPP, art. 397). De seu turno, a palavra prova só pode ser usada para se referir aos elementos ^de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório (ainda que diferido) e da ampla defesa. O contraditório funciona, pois, como verdadeira condição de existência e validade das provas, de modo que, caso não sejam produzidas em contraditório, exigência impostergável em todos os momentos da ativi­ dade instrutória, não lhe caberá a designação de prova. A participação do acusador, do acusado e de seu advogado é condição sine qua non para a escorreita produção da prova, assim como também o é a direta e constante supervisão do órgão julgador, sendo que, com a inserção do princípio da identidade física do juiz no processo penal, o juiz que presidir a instrução deverá proferir a sentença (CPP, art. 399, §2°). Funcionando a observância do contraditório como verdadeira condição de existência da prova, só podem ser considerados como prova, portanto, os dados de conhecimento introdu­ zidos no processo na presença do juiz e com a participação dialética das partes. Para mais detalhes acerca dos conceitos de provas caute­ lares, não repetíveis e antecipadas, remetemos o leitor aos comentários ao art. 155 do CPP. 4. Valor probatório do inquérito policial: como visto anteriormente, a finalidade do in­ quérito policial é a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade do delito. Tendo em conta que esses elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, deduz-se que o inquérito policial tem valor probatório relativo. Se esses elementos de informação são colhidos na fase investigatória, sem a necessá­ ria participação dialética das partes, ou seja, sem a obrigatória observância do contraditó­ rio e da ampla defesa, questiona-se acerca da possibilidade de sua utilização para formar a convicção do juiz em sede processual. Ao longo dos anos, sempre prevaleceu nos Tribunais o

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entendimento de que, de modo isolado, ele­ mentos produzidos na fase investigatória não podem servir de fundamento para um decreto condenatório, sob pena de violação ao preceito constitucional do art 5o, inciso LV, que assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. De fato, pudesse um decreto condenatório estar lastreado única e exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase investigatória, sem a necessária observância do contraditório e da ampla defesa, haveria flagrante desrespeito ao preceito do art. 5o, LV, da Carta Magna. No entanto, tais elementos podem ser usados de maneira subsidiária, complementando a prova produzida em juízo sob o crivo do contraditório. Ao inserir o advérbio exclusivamente no corpo do art. 155, caput, do CPP, a Lei n. 11.690/08 acaba por confirmar a posição jurisprudencial que vinha prevalecendo. Destarte, pode-se dizer que, isoladamente considerados, elementos in­ formativos não são idôneos para fundamentar uma condenação. Todavia, não devem ser com­ pletamente desprezados, podendo se somar à prova produzida em juízo e, assim, servir como mais um elemento na formação da convicção do órgão julgador. Tanto é verdade que a nova lei não previu a exclusão física do inquérito policial dos autos do processo (CPP, art. 12). + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A o contrário d o que alegado pelos ora agra­ vantes, o conjunto probatório que ensejou a c o n d e ­ nação do s recorrentes não vem em b asado apenas nas declarações prestadas em sede policial, tendo suporte, tam bém , em outras provas colhidas na fase judicial. Confirm ação em juízo d o s testem unhos prestados na fase inquisitorial. O s elem entos d o inquérito podem influir na form ação d o livre convencim ento d o juiz para a decisão da causa q u a n d o com p le m e n tam outros indícios e provas que passam pelo crivo d o contradi­ tório em juízo. Agravo regim ental improvido". (STF, 2a Turma, RE-AgR 425.734/MG, Rei. Min. Ellen Gracie, DJ 28/10/2005 p. 57).

STF:"(...) Padece de falta de justa causa a condenação que se funde exclusivamente em elem entos inform a­ tivos d o inquérito policial. Garantia d o contraditório: inteligência. O fen de a garantia constitucional d o con ­ traditório fu n dar-se a c o n d e n aç ão exclusivam ente em testem unhos prestados no inquérito policial, sob

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o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido o btid o s m ediante coação”. (STF, I a Tur­ ma, RE 287.658/MG, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/10/2003 p. 22).

STF:"(...) C on d e n ação

baseada exclusivam ente nas declarações colhidas em sede d e inquérito policial. Inocorrência. C onfirm ação em juízo do s depoim entos prestados. Validade de indícios c o m o m eio de prova (CPP, art. 239). Análise conjunta de todas as provas pro­ duzidas. Não-conhecim ento da ordem impetrada. Con­ denação mantida". (STF, I a Turma, H C 83.348/SP, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 21/10/2003, DJ 28/11/2003).

5. Características do inquérito policial: são inúmeras as características do inquérito policial. 5.1. Procedimento escrito: vide comentá­ rios ao art. 9o do CPP. 5.2. Procedimento dispensável: como dito acima, o inquérito policial é peça meramente informativa, funcionando como importante instrumento na apuração de infrações penais e de sua respectiva autoria, possibilitando que o titular da ação penal possa exercer o jus persequendi in judicio, ou seja, que possa dar início ao processo penal. Se a finalidade do inquérito policial é a colheita de elementos de informa­ ção quanto à infração penal e sua autoria, é forçoso concluir que, desde que o titular da ação penal (Ministério Público ou ofendido) disponha desse substrato mínimo necessário para o oferecimento da peça acusatória, o inquérito policial será perfeitamente dispen­ sável. O próprio Código de Processo Penal, em diversos dispositivos, deixa claro o caráter dispensável do inquérito policial. De acordo com o art. 12 do CPP, “o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre

que servir de base a uma ou outra”. A contrario sensu, se o inquérito policial não servir de base à denúncia ou queixa, não há necessidade de a peça acusatória ser acompanhada dos autos do procedimento investigatório. Por sua vez, o art. 27 do CPP dispõe que qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do M inistério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar

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e os elementos de convicção. Ora, se qualquer pessoa do povo for capaz de trazer ao órgão do Ministério Público os elementos necessários para o oferecimento da denúncia, não haverá necessidade de se requisitar a instauração de inquérito policial. De seu turno, o art. 39, §5°, do CPP, estabelece que o órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a re­ presentação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias. Por fim, o art. 46, §1°, do CPP, acentua que quando o M inistério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação. 5 3. Procedimento sigiloso: vide comentá­ rios ao art. 20 do CPP. 5.4. Procedim ento inquisitorial (Lei n. 13345/16): aprovada em regime de urgência pelo Congresso Nacional, quiçá devido ao incômodo causado a diversos parlamentares federais pelas investigações levadas a efeito pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal no curso da operação “Lava-Jato”, a Lei n. 13.245 (vigência em 13 de janeiro de 2016) deverá acirrar ainda mais as discussões quanto à verdadeira natureza jurídica das investiga­ ções preliminares. Isso porque, para além de reforçar o direito de o advogado ter acesso a qualquer procedimento investigatório - não apenas o inquérito policial (Lei n. 8.906/94, art. 7o, XIV, com redação dada pela Lei n. 13.245/16) - referida Lei também introduziu no Estatuto da Ordem dos Advogados do Bra­ sil o direito de o advogado assistir a seus clientes

investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequente­ mente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo inclusive apresentar razões e quesitos no curso da res­ pectiva apuração (Lei n. 8.906/94, art. 7o, X X I, “a”). Diante da nova redação conferida à Lei n. 8.906/94, qual a verdadeira natureza jurídica

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das investigações preliminares? Procedimento sujeito ao contraditório diferido e à ampla defesa? Ou de natureza inquisitorial? Vejamos, separadamente, as duas correntes acerca do assunto, e seus respectivos argumentos. 5.4.1. Investigação preliminar com o pro­ cedimento sujeito ao contraditório diferido e à am pla defesa: de um lado, parte da dou­ trina sustenta que as investigações prelimina­ res - não apenas o inquérito policial, mas também procedimentos investigatórios diver­ sos, como, por exemplo, um procedimento investigatório criminal presidido pelo Minis­ tério Público - estão sujeitas ao contraditório diferido e à ampla defesa, ainda que com um alcance mais limitado que aquele reconhecido na fase processual. Isso não apenas por conta das m udanças introduzidas pela Lei n. 13.245/16, mas notadamente devido à própria Constituição Federal, que assegura aos litigan­ tes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5o, LV), assim como a assistência de ad­ vogado (art. 5o, LXIII). O inciso LV do art. 5o da Constituição Federal não pode ser obje­ to de interpretação restritiva para fins de se concluir que a expressão processo administra­ tivo ali utilizada não abrange as investigações preliminares, que têm natureza jurídica de procedimento administrativo, nem tampouco para se alegar que o fato de mencionar acusa­ dos, e não investigados ou indiciados, seja um impedimento para sua aplicação na fase pré-processual. O simples fato de figurar como suposto autor ou partícipe da infração penal em uma investigação criminal, por si só, já deve ser tratada com o uma im putação em sentido amplo, porquanto o investigado fica sujeito a uma série de medidas coercitivas já na fase investigatória, como, por exemplo, medidas cautelares pessoais, patrimoniais, diligências policiais, etc. Logo, com o objetivo de se extrair a máxima eficácia do referido dispositivo constitucional, o ideal é concluir que qualquer forma de imputação determina­ da representa uma acusação em sentido amplo. Por isso, o constituinte empregou a expressão

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acusados em geral, abrangendo não apenas aquele contra quem foi instaurado um proces­ so penal, mas também o indivíduo que figura como provável autor (ou partícipe) do fato delituoso, é dizer, o sujeito passivo da investi­ gação preliminar. Em síntese, a observância do contraditório - ainda que de maneira diferida e restrita aos elementos informativos já docu­ mentados - e da ampla defesa não pode ficar restrita à fase processual da persecução penal. A observância do contraditório diferido e da ampla defesa na investigação preliminar tam­ bém pode ser extraída do inciso LXIII do art. 5o da Constituição Federal. Por mais que o Código de Processo Penal, com seus viés niti­ damente autoritário, silencie acerca do direito de o investigado ser cientificado de que há uma investigação em andamento, na qual ele figura na condição de imputado, não se pode negar a existência desse direito. A partir do momen­ to em que a própria Constituição Federal as­ segura ao preso o direito de permanecer cala­ do (CF, art. 5o, LXIII), subentende-se que o preso, aí compreendido o suspeito, investigado ou indiciado, preso ou em liberdade, tem o direito de ser ouvido pela autoridade respon­ sável pelas investigações. Afinal, alguém só pode permanecer calado se lhe for assegurado o direito de ser ouvido. Logicamente, o inves­ tigado poderá se valer de seu direito ao silên­ cio, permanecendo calado, mas daí não se pode admitir que um inquérito seja concluído sem que lhe seja franqueada a possibilidade de apresentar sua versão sobre os fatos sob inves­ tigação. É direito, pois, do investigado, ser ouvido pela autoridade competente antes da conclusão das investigações preliminares. Lo­ gicamente, na hipótese de se tratar de investi­ gado foragido, não será possível a realização de seu interrogatório, mas aí se entende que foi o próprio indivíduo que abriu mão do exercício da autodefesa (direito de audiência). À luz do art. 5o, inciso LV, da Constituição Federal, e em estrita harmonia com uma ten­ dência crescente de jurisdicion alização do processo administrativo, assim compreendida a inserção das garantias do devido processo legal no âmbito processual administrativo, a garantia do contraditório deve, sim, ser inse­

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rida na investigação criminal, ainda que de maneira diferida e restrita, dando-se ciência ao investigado - e a seu defensor - exclusiva­ mente dos elementos informativos documen­ tados, resguardando-se, logicamente, o sigilo quanto aos atos investigatórios ainda em an­ damento, tanto na deliberação quanto na sua prática, quando o direito à informação ineren­ te ao contraditório puder colocar em risco a própria eficácia da diligência investigatória (Lei n. 8.906/94, art. 7o, §11, incluído pela Lei n. 13.245/16). Em qualquer sistema minima­ mente garantista e democrático, é direito bá­ sico do indivíduo ser cientificado quanto à existência e quanto ao conteúdo de uma imputação contra a sua pessoa, oriunda de uma simples notícia-crime ou de uma investigação preliminar em andamento. Impõe-se, pois, a observância do contraditório, pelo menos em relação ao direito à informação, a fim de que o imputado, assistido pela defesa técnica (v.g., requerendo diligências, apresentando razões e quesitos), possa exercer a autodefesa por meio do interrogatório policial, oferecendo resistên­ cia à pretensão investigatória e coercitiva es­ tatal, atuando no sentido de identificar fontes de prova favoráveis à defesa ou, ao menos, capazes de atenuar a pena que eventualmente venha a ser imposta ao final do processo. A propósito, o acesso do advogado aos autos da investigação preliminar consagrado pela sú­ mula vinculante n. 14 funciona como eviden­ te exemplo de manifestação do direito de in­ form ação que constitui o primeiro momento do contraditório. Sem dúvida alguma, essa corrente ganha corpo com as mudanças pro­ duzidas pela Lei n. 13.245/16, notadamente diante da positivação do direito de o advogado

assistir a seus clientes durante a apuração de infrações (Lei n. 8.906, art. 7o, X X I). Aliás, firmada a premissa de que o exercício do di­ reito de defesa é de observância obrigatória já na fase preliminar de investigações, da mudan­ ça introduzida no Estatuto da OAB poder-se-ia concluir que a presença de um advogado seria cogente inclusive no interrogatório poli­ cial, funcionando, o inciso X X I do art. 7o da Lei n. 8.906/94, não apenas como um direito do advogado, mas sobretudo como uma ga­

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rantia de proteção do próprio investigado, que teria resguardada a proteção a sua integridade física e moral, ao direito ao silêncio, etc., por um profissional da advocacia ao longo de toda a persecução penal, e não mais apenas duran­ te a fase judicial propriamente dita. Ficariam resguardados, assim, direitos e garantias fun­ damentais da pessoa humana sujeita à inves­ tigação, funcionando, a presença obrigatória de um defensor já num interrogatório policial, como importante fator de dissuasão à adoção de práticas probatórias ilegais. A experiência do cotidiano policial (e ministerial) demonstra inexoravelmente que a simples entrega de uma nota de culpa ou de um termo de ciência das garantias constitucionais ao investigado (indi­ ciado ou preso em flagrante) não tem se mos­ trado suficiente para a tutela de seus diversos direitos fundamentais. O sujeito passivo da investigação preliminar não tem conhecimen­ tos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal. Agravada pela posição de inferioridade ante o poder da autoridade esta­ tal encarnada pelo Delegado de Polícia ou pelo Promotor de Justiça, esta hipossuficiência deve ser suprida com a presença de um defensor já na fase pré-processual, presença esta que deve ser concebida como um instrumento de con­ trole da atuação do Estado e de seus órgãos persecutórios, garantindo-se, assim, o respei­ to ao devido processo legal. À primeira vista, poder-se-ia pensar que o exercício do direito de defesa nas investigações preliminares, in­ clusive com a obrigatória presença de advoga­ do no interrogatório policial, poderia funcio­ nar como obstáculo à eficácia das investiga­ çõ e s. Pelo c o n trá rio . C o m o ex p o sto anteriormente, as investigações preliminares não têm como finalidade única a obtenção de elementos de informação para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Também visam inibir a instauração de um processo penal infundado, temerário. Logo, o exercício do direito de defesa na investigação preliminar não depõe contra a eficácia do trabalho investigatório. Depõe, sim, a favor dessa suposta eficiência, evitando que possíveis inocentes sejam processados criminalmente. Na verdade, superada uma reação contrária inicial que a

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Lei n. 13.245/16 deve provavelmente despertar em Delegados de Polícia e membros do Minis­ tério Público, protagonistas na investigação preliminar, é inegável que, a longo prazo, o referido diploma normativo também deverá contribuir para o aprimoramento das investi­ gações. Explica-se: apesar de o sistema da prova tarifada ter sido deixado de lado há anos, a busca incansável pela confissão ainda é uma rotina em Delegacias de Polícia e Promotorias Criminais. Aliás, em algumas raras ocasiões, essa busca incansável pela confissão ainda é feita de maneira ilegal, quer por meio de cons­ trangimentos físicos e morais, quer por inob­ servância do dever de advertência quanto ao direito ao silêncio. Isso acaba prejudicando a qualidade do trabalho investigatório. De fato, uma vez obtida a confissão do crime, é comum haver um relaxamento natural das autoridades persecutórias em relação à busca de outras fontes de prova e elementos informativos, haja vista a crença equivocada de que a confissão ainda é tida como a rainha das provas. Portan­ to, a partir do momento em que as autoridades responsáveis pela investigação preliminar se conscientizarem de que o investigado não é mais um mero objeto de prova, que tem direi­ to ao silêncio e à assistência de um advogado, enfim, que o interrogatório é meio de defesa - e não meio de prova - , seja ele judicial ou policial, é provável que se dê maior ênfase à busca de outras fontes de prova, otimizando a eficácia das investigações por meio da produ­ ção de provas científicas, juntada de documen­ tos, colheita de depoimentos de testemunhas presenciais, etc. De mais a mais, como é extre­ mamente comum a alegação do acusado, por ocasião de seu interrogatório judicial, no sen­ tido de que sofreu agressões, torturas ou sevícias na fase investigatória para que confessas­ se o fato delituoso, a presença obrigatória de advogado no interrogatório policial também terá o condão de resguardar a própria autori­ dade policial (ou ministerial) contra questio­ namentos dessa natureza. 5.4.1.1. Exercício do direito de defesa na investigação preliminar: a) exercício exógeno: é aquele efetivado fora dos autos do

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inquérito policial, por meio de algum remédio constitucional ( habeas corpus ou mandado de segurança) ou por requerimentos endereçados ao juiz ou ao promotor de justiça; b) exercício endógeno: é aquele praticado nos autos da investigação preliminar, por meio da oitiva do imputado (autodefesa - direito de audiência), de diligências porventura solicitadas - jamais requisitadas - à autoridade policial (CPP, art. 14), ou através da apresentação de razões e quesitos (Lei n. 8.906/94, art. 7o, X X I, “a”, com redação dada pela Lei n. 13.245/16). Consoante disposto no art. 7o, X X I, alínea “a”, da Lei n. 8.906/94, com redação determinada pela Lei n. 13.245/16, é direito do advogado, ainda no curso das investigações preliminares, apresen­ tar: a) razões : devem ser compreendidas como um arrazoado que pode ser apresentado pela defesa técnica de modo a tentar influenciar o convencimento da autoridade policial no sen­ tido da inexistência de elementos informativos em detrimento do investigado, seja para fins de evitar iminente pedido de medidas cautelares, seja de modo a evitar possível indiciamento pelo Delegado de Polícia em um inquérito policial (Lei n. 12.830/13, art. 2o, §6°); quesitos: são indagações direcionadas aos peritos, que devem ser respondidas quando da elaboração do laudo pericial. Levando-se em consideração que dificilmente é possível a repetição dos exa­ mes periciais realizados na fase investigatória após a instauração do processo penal, a Lei n. 13.245/16 passa a permitir a apresentação facultativa de quesitos pela Defesa. Importante registrar que a apresentação dessas razões e quesitos não é condição sitie qua non para a validade do procedimento investigatório, nem tampouco do exame pericial, é dizer, cuida-se de mera faculdade da defesa, que pode ser exercida de acordo com a conveniência dos interesses do cliente investigado. Logo, em situações de urgência (v.g., exame de necropsia), a não apresentação de quesitos pela defesa não será óbice à imediata realização do exame pericial, o que, no entanto, não impede a apresentação de eventuais pedidos de esclarecimentos pela defesa aos peritos em momento posterior, nos termos do art. 159, §5°, I, do CPP. O Projeto de Lei aprovado

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pelo Congresso Nacional (PL 78/2015 - PL 6.705/13 na Câmara dos Deputados) também permitia aos advogados requisitar diligências no curso da investigação preliminar (Lei n. 8.906/94, art. 7o, X X I, alínea “b”). No entanto, esta alínea acabou sendo vetada pela Presiden­ te da República. Entendeu-se - a nosso juízo, acertadamente - que, da forma como redigido, o dispositivo poderia levar à interpretação equivocada de que a requisição em questão seria mandatória, resultando em embaraços no âmbito de investigações e consequentes prejuízos à administração da justiça. Interpre­ tação semelhante já fora afastada pelo próprio Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade de dispositivos da própria Lei n. 8.906/94 (ADI 1.127). Sem embargo do veto, fato é que subsiste o direito de petição ao Ministério Público e ao Poder Judiciário em defesa de direitos ou contra ile­ galidade ou abuso de poder, nos termos do art. 5o, XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal. 5.4.2. Investigação preliminar com o pro­ cedim ento inquisitorial (nossa posição): cuida-se, a investigação preliminar, de mero procedimento de natureza administrativa, com caráter instrumental, e não de processo judicial ou administrativo. Dessa fase pré-processual não resulta a aplicação de uma sanção, destinando-se tão somente a fornecer elementos para que o titular da ação penal possa dar início ao processo penal. Logo, ante a impos­ sibilidade de aplicação de uma sanção como resultado imediato das investigações criminais, como ocorre, por exemplo, em um processo administrativo disciplinar, não se pode exigir a observância do contraditório e da ampla defesa nesse momento inicial da persecução penal. As atividades investigatórias estão con­ centradas nas mãos de uma única autoridade - Delegado de Polícia, no caso do inquérito policial (Lei n. 12.830/13, art. 2o, §1°); Minis­ tério Público, em se tratando de um procedi­ mento investigatório criminal (art. I o da Re­ solução n. 13/2006 do CNMP) - , que deve conduzir a apuração de maneira discricionária (e não arbitrária) de modo a colher elementos quanto à autoria e materialidade do fato deli-

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

ca s s a Logo, não há oportunidade para o exer­ cício do contraditório ou da ampla defesa. Não ha como negar que essa característica está chretamente relacionada à busca da eficácia das diligências levadas a efeito no curso de qualquer procedimento investigatório. Deve­ ras, esse caráter inquisitivo confere às investi­ gações maior agilidade, otimizando a identi­ ficação das fontes de prova e a colheita de ekmentos informativos. Fossem os atos invesúgatórios precedidos de prévia comunicação a parte contrária (contraditório), seria inviável a localização de fontes de prova acerca do delito, em verdadeiro obstáculo à boa atuação do aparato policial. Funciona o elemento da surpresa, portanto, como importante traço peculiar de toda e qualquer investigação pre­ liminar. É uma ilusão - e até mesmo ingênuo - imaginar que o exercício do contraditório direrido e a ampla defesa na fase investigatória possa colaborar com as investigações, pois esta não é a regra que se nota no cotidiano policial. Na prática, a falta de contraditório e ampla defesa nessa fase pré-processual acaba sendo compensada por mecanismos legislativos ten­ dentes a evitar que o juiz julgue a imputação valendo-se exclusivamente dos elementos in­ formativos colhidos na fase investigatória, excetuando-se as provas antecipadas, não repetíveis e cautelares. Deveras, se os elementos informativos colhidos na fase investigatória são produzidos sem a necessária participação dialética do investigado, ter-se-ia evidente violação ao contraditório e à ampla defesa se acaso fosse admitida a sua utilização como fundamento exclusivo para uma possível con­ denação do acusado. Daí a importância da regra constante do art. 155, caput, do CPP, que admite a utilização dos elementos informativos colhidos na fase pré-processual apenas subsidiariamente. Outra prova do caráter inquisitorial da investigação preliminar é o quanto disposto no art. 107 do CPP, segundo o qual não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal. Some-se a isso o quanto dispos­ to no art. 306, §1°, do CPP, que passou a exigir a remessa do auto de prisão em flagrante à

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Defensoria Pública em 24 (vinte e quatro) horas após a prisão, caso o autuado não infor­ me o nome de seu advogado. Ora, se o CPP exige a remessa do APF em até 24 (vinte e quatro) horas após a captura, silenciando quan­ to à presença da Defensoria durante o interro­ gatório, denota-se que a presença do advogado não é obrigatória no momento da lavratura do auto de prisão em flagrante delito. As mudan­ ças legislativas produzidas pela Lei n. 13.245/16 não têm o condão de afastar a natureza inquisitorial das investigações preliminares, nem tampouco de tornar obrigatória a presença de advogado durante o interrogatório policial. Na verdade, preservada esta natureza, o que hou­ ve foi a outorga de um viés mais garantista à investigação preliminar, buscando-se garantir os direitos fundamentais do investigado. De um lado, a nova redação conferida ao inciso X IV do art. 7o da Lei n. 8.906/94 não introdu­ ziu nenhuma novidade concreta. O acesso do advogado aos autos das investigações prelimi­ nares - não apenas o inquérito policial - já podia ser extraído a partir de uma interpreta­ ção extensiva da redação original do inciso X IV do art. 7o. Com efeito, firmada a premis­ sa de que a Polícia Judiciária não tem exclusi­ vidade na apuração de infrações penais, é de todo evidente que o advogado poderá ter aces­ so não apenas aos autos de inquéritos policiais, mas também a todo e qualquer procedimento investigatório em andamento. Isso, aliás, já havia sido reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal por ocasião do reconheci­ mento do poder investigatório criminal do Ministério Público (STF, Pleno, RE 593.727/ MG, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 14/05/2015, DJe 175 04/09/2015). De outro, apesar de a Lei n. 13.245/16 ter positivado o direito de o ad­ vogado assistir a seus clientes investigados du­ rante a apuração de infrações (Lei n. 8.906/94, art. 7o, X X I), daí não se pode concluir que a presença de advogado passaria a ser obrigató­ ria para fins de realização de interrogatórios policiais, sob pena de transformarmos a inves­ tigação preliminar em um verdadeiro juizado de instrução, porém sem a presença do M inis­ tério Público, no caso de inquéritos policiais presididos por Delegados de Polícia, e da au­

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toridade judiciária competente. Nesse ponto, a Lei n. 13.245/16 não introduziu nenhuma novidade no ordenamento jurídico pátrio. Na verdade, simplesmente positivou o que a Cons­ tituição Federal sempre assegurou, a saber, a assistência de advogado a qualquer pessoa a quem seja imputada a prática de uma infração penal, seja ele suspeito, investigado, acusado ou condenado, preso ou em liberdade (CF, art. 5o, LXIII). Ora, se a força normativa do refe­ rido preceito constitucional jamais foi suficien­ te para tornar cogente a presença de advogado por ocasião da realização de interrogatórios policiais, é no mínimo estranho que a simples reprodução desse mesmo preceito em uma lei ordinária teria o condão de passar a exigir sua presença. De mais a mais, fosse necessária a presença de advogado no interrogatório poli­ cial, referida mudança legislativa deveria ter sido introduzida no âmbito do Código de Processo Penal, diploma normativo que regu­ lamenta o interrogatório policial, e não no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Para que se possa compreender a exata ampli­ tude do novel inciso X X I do art. 7o do Estatu­ to da OAB, com redação dada pela Lei n. 13.245/16, há de se ter em mente o exato contexto fático em que essa alteração legisla­ tiva foi concebida. Sob o argumento de que a investigação preliminar é um procedimento inquisitorial, ainda é relativamente comum que seja negado aos advogados o direito de acom­ panhar interrogatórios realizados em sede policial (ou ministerial). Ora, se o advogado está presente por ocasião do interrogatório policial, a ele não se pode negar o direito de assistir a seu cliente, sob pena de evidente violação à garantia fundamental do art. 5o, LXIII, da CF. Nesse caso, é dizer, presente o advogado, e negado o seu direito de assistir a seu cliente investigado, aí sim restará caracte­ rizada a ilegalidade do interrogatório policial e, por consequência, de todos os elementos informativos e probatórios dele derivados, direta ou indiretamente (teoria dos frutos da árvore envenenada - CPP, art. 157, §1°). O art. 7o, X X I, da Lei n. 8.906/94, com redação de­ terminada pela Lei n. 13.245/16, dispõe que a não observância desse direito acarretará a

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nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indireta­ mente. Sem embargo da terminologia utiliza­ da pela Lei n. 13.245/16, parece-nos incorreto referir-se à inobservância desse direito como causa de nulidade absoluta, porquanto a nuli­ dade funciona como uma sanção processual aplicada ao ato processual defeituoso, privando-o da aptidão de produzir seus efeitos regu­ lares. Logo, como o art. 7o, X X I, do Estatuto da OAB, faz referência à inobservância de um direito do advogado durante o curso da fase preliminar de investigações, tecnicamente soa mais correto dizer que há, in casu, uma ilega­ lidade, que pode contaminar os demais ele­ mentos informativos e probatórios daí deriva­ dos (teoria dos frutos da árvore envenenada). Ainda que se queira objetar que se trata de verdadeira nulidade, o fato de a Lei n. 13.245/16 tê-la rotulado de absoluta não acarreta, de per si, a invalidação do referido ato, salvo se com­ provado o prejuízo causado ao investigado. Afinal, conforme recentes decisões do Supre­ mo Tribunal Federal (v.g., STF, 2a Turma, HC 117.102/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25/06/2013), o reconhecimento de uma nu­ lidade, ainda que absoluta, também pressupõe a comprovação do prejuízo. Por conseguinte, ainda que não seja franqueado ao advogado presente o direito de assistir a seu cliente in­ vestigado durante a realização do interrogató­ rio policial, não há falar em invalidação do procedimento investigatório se este permane­ cer em silêncio. Se o próprio Supremo Tribunal Federal entende que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição (súmu­ la vinculante n. 5), é no mínimo contraditório concluir que, a partir da vigência da Lei n. 13.245/16, o interrogatório policial seja consi­ derado válido tão somente quando o investi­ gado estiver assistido por profissional da ad­ vocacia. Em outras palavras, se não há neces­ sidade de um defensor no curso de um processo administrativo disciplinar, do qual pode resultar a aplicação de sanções relativa­ mente severas (v.g., suspensão, exoneração,

TITULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

perda de função, etc.), é de se estranhar a obrigatoriedade de defensor durante a realiza­ ção de um interrogatório policial, do qual ja ­ mais será possível a aplicação imediata de uma sanção. É nesse sentido que deve ser feita a correta interpretação do inciso X X I do art. 7o da Lei n. 8.906/94: a investigação preliminar não perdeu a sua natureza inquisitiva. Ganhou, na verdade, um viés garantista. Doravante, presente o advogado, se não lhe for assegurado o direito de assistir a seu cliente investigado durante a realização de seu interrogatório policial, inclusive com a observância do direi­ to à entrevista prévia e reservada, para que possa instrui-lo acerca de quais perguntas deve responder, ou se deve simplesmente permane­ cer em silêncio, ter-se-á manifesta ilegalidade, daí por que eventual confissão nessas circuns­ tâncias deve ser considerada ilícita, assim como as demais provas dela derivadas (CPP, art. 157, caput e §1°). De todo modo, apesar de o contraditório diferido e a ampla defesa não serem aplicáveis ao inquérito policial, que não é processo, não se pode perder de vista que o suspeito, investigado ou indiciado possui direitos fundamentais que devem ser observa­ dos mesmo no curso da investigação policial, entre os quais o direito ao silêncio, o de ser assistido por advogado, etc. Aliás, do plexo de direitos dos quais o investigado é titular, é corolário e instrum ento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos do inquérito policial (Lei n. 8.906/94, art. 7o, X IV ), tal qual preceitua a súmula vinculante n. 14 do Supre­ mo. Logo, se houver, no curso do inquérito, momentos de violência e coação ilegal, há de se assegurar a ampla defesa ao investigado.

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STF:"(...) A docum entação d o flagrante

prescinde da

presença d o defensor técnico d o conduzido, sendo suficiente a lembrança, pela autoridade policial, do s direitos c o n stitu cio n ais d o preso d e ser assistido, com unicando-se com a família e com profissional da advocacia, e de perm anecer calado". (STF, Pleno, HC 102.732/DF, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 04/03/2010, DJe 81 06/05/2010).

STJ:"(...) É pacífico o entendim ento d o SuperiorTribunal de Justiça no sentido de que o inquérito policial é procedim ento inquisitivo e não sujeito ao contraditó­ rio, razão pela qual a realização de interrogatório sem a presença de ad vo gad o não é causa de nulidade. Ordem parcialm ente concedida para garantir à paciente o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação”. (STJ, 6a Turma, HC 139.412/SC, Rei. Min. M aria Thereza de Assis Moura, j. 09/02/2010, DJe 22/03/2010).

TRF/4aRegião:"/..) O s direitos de entrevista prévia, da presença d o a d v o ga d o e de perguntas com plem enta­ res, no interrogatório judicial, foram criados pela Lei n° 10.792, de 1°.12.2003. Em bora o auto de flagrante e o inquérito policial tenham norm as de remessa que inform em deva ser o preso ou indiciado ouvido nos m oldes d o interrogatório judicial, necessário é que se tenha em conta estar-se em fase o n d e perm anece o m odelo inquisitório, pelo que não é caso de distorcida interpretação q u e pretenda inserir o contraditório (com a presença de a d v o g a d o n o interrogatório) nesta fase investigatória. Im prescindível é o alerta e o cum prim ento aos constitucionais direitos d o preso, na form a d o inciso LXIII, d o art. 5° da Constituição Federal/88: o preso será inform ado de seus direitos, entre os qu ais o de perm anecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado". (TRF4, HC 2005.04.01.002056-0, Sétim a Turma, Relator Néfi Cordeiro, DJ 23/03/2005).

STF:"(...) Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da am pla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque n ão de stin ad o a deci­ dir litígio algum , ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundam entais do indiciado no curso d o inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar

+ Jurisprudência selecionada - note o leitor que todos os julgados são anteriores à Lei n. 13.245/16:

e o de manter-se em silêncio. (...). H abeas corpus de ofício deferido, para que aos a d v o ga d o s constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos d o in­ quérito policial e a obtenção de cópias pertinentes, c om as ressalvas m encionadas". (STF, 1a Turma, HC

STJ: "(...)

a au sê n cia de a d v o g a d o p or o ca siã o da

lavratura d o flagrante não nulifica o ato q u a n d o o paciente é inform ado de seus direitos constitucionais

90.232, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18/12/2006, DJ 02/03/2007).

STJ:"(...) Embora seja o inquérito policial procedim ento

e expressam ente declara que se reserva no direito de

preparatório da ação penal (HCs 36.813, de 2005, e

só falar em juízo. O rdem denegada". (STJ, 5aTurma, HC

44.305, de 2006), é ele garantia "contra apressados e

24.510/M G, Rei. Min. Jorge Scartezzini, j. 06/03/2003,

errôneos juízos” (Exposição de m otivos de 1941). Se

DJ 02/06/2003 p. 310).

bem que, tecnicamente, ainda não haja p ro c e sso -d a í

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

que não haveríam de vir a pêlo princípios se gu n d o os quais ninguém será privado de liberdade sem processo legal e a to d o s são asse gu rados o contraditório e a am pla defesa

é lícito admitir possa haver, no curso do

inquérito, m om e n to s de violência ou de coação ilegal (HC-44.165, de 2007). A lei processual, aliás, perm ite o requerim ento de diligências. Decerto fica a diligência a juízo da autoridade policial, m as isso, obviamente, não im pede p ossa o indiciado bater a outras portas. Se, tecnicam ente, inexiste processo, tal não haverá de constituir e m p e ço a q u e se ga ra n ta m direitos sensíveis - d o ofendido, d o indiciado, etc. Cabim ento d o habeas corpus (Constituição, art. 105,1, c). Ordem concedida a fim de se determinar à autoridade policial que atenda as diligências requeridas". (STJ, 6a Turma, HC 69.405/SP, Rei. Min. Nilson Naves, j. 23/10/2007, DJ 25/02/2008 p. 362).

STJ:"(...) Há, no

nosso ordenam ento jurídico, norm as

sobre sigilo, b em c o m o n orm as sobre inform ação; enfim, n orm as sobre segu rança e norm as sobre li­ berdade. H av e n d o norm as d e o p o sta s inspirações ideológicas - antinom ia de princípio -, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade. Afinal, som ente se considera algu ém culpado ap ó s o trânsito em ju lgad o de sentença penal condenatória. A defesa é de ord em p ú blica prim ária (Carrara); sua fu n ção consiste em ser a voz d o s direitos legais - inocente ou crim inoso o acusado. D e m ais a mais, é direito do a d v o g a d o exam inar autos de flagrante e de inquéri­ to, findos ou em andam ento (Lei n° 8.906/94, art. 7°, inciso XIV). A Turma ratificou a liminar - de caráter unipessoal - e concedeu a ordem a fim de permitir ao a d v o g a d o vista, em cartório, d o s autos de inquérito". (STJ, 6aTurma, HC 44.165/RS, Rei. Min. N ilson Naves, j. 18/12/2006, DJ 18/12/2006).

5.4.3. Inquérito para fins de expulsão de estrangeiro: a observância do contraditório é obrigatória em relação ao inquérito objetivan­ do a expulsão de estrangeiro. Regulamentando o Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815/80), o Decreto n. 86.715/81 estabelece uma sequên­ cia de etapas que devem ser observadas para que seja concretizado o ato de expulsão, aí abrangida a possibilidade de ampla defesa e contraditório. 5.5. Procedimento discricionário: ao con­ trário da fase judicial, em que há um rigor procedimental a ser observado, a fase prelimi­ nar de investigações é conduzida de maneira discricionária pela autoridade policial, que deve determinar o rumo das diligências de acordo com as peculiaridades do caso con­

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creto. Os arts. 6o e 7o do CPP contemplam um rol exemplificativo de diligências que podem ser determinadas pela autoridade policial, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal: conservação do local do fato delituoso, até a chegada dos peritos criminais; apreensão dos instrumentos e objetos que tiverem relação com o fato; colheita de todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; oitiva do ofendido; oitiva do indiciado; reconhecimento de pessoas e coi­ sas e a acareações; exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias; identificação do indiciado; averiguação da vida pregressa do indiciado; e reconstituição do fato delituoso. Conquanto tais dispositivos enumerem várias diligências que podem ser determinadas pela autoridade policial, daí não se pode concluir que o Delegado de Polícia esteja obrigado a seguir uma marcha procedimental preestabelecida. Tem-se, nos arts. 6o e 7o do CPP, apenas uma sugestão das principais medidas a serem adotadas pela autoridade policial, o que não impede que outras diligências também sejam realizadas. Discricionariedade implica liberda­ de de atuação nos limites traçados pela lei. Se a autoridade policial ultrapassa esses limites, sua atuação passa a ser arbitrária, ou seja, con­ trária à lei. Logo, não se permite à autoridade policial a adoção de diligências investigatórias contrárias à Constituição Federal e à legislação infraconstitucional. Portanto, quando o art. 2o, §2°, da Lei n. 12.830/13, dispõe que cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interes­ sem à apuração dos fatos, não se pode perder de vista que certas diligências investigatórias demandam prévia autorização judicial, sujeitas que estão à denominada cláusula de reserva de jurisdição (v.g., prisão temporária, man­ dado de busca domiciliar). Assim, apesar de o delegado de polícia ter discricionariedade para avaliar a necessidade de interceptação telefônica, não poderá fazê-lo sem autorização judicial. Nos mesmos moldes, por ocasião do interrogatório policial do investigado, deverá adverti-lo quanto ao direito ao silêncio (CF, art. 5o, LXIII).

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

5.6. Procedimento oficial: incumbe ao De­ legado de Polícia (civil ou federal) a presidên­ cia do inquérito policial. Vê-se, pois, que o inquérito policial fica a cargo de órgão oficial do Estado, nos termos do art. 144, §1°, I, c/c art. 144, §4°, da Constituição Federal. 5.7. Procedimento oficioso: ao tomar co­ nhecimento de notícia de crime de ação penal ixiblica incondicionada, a autoridade policial é obrigada a agir de ofício, independentemente de provocação da vítima e/ou qualquer outra pessoa. Deve, pois, instaurar o inquérito po­ licial de ofício, nos exatos termos do art. 5o, L, do CPP, procedendo, então, às diligências investigatórias no sentido de obter elemen­ tos de informação quanto à infração penal e sua autoria. Para a instauração do inquérito policial, basta a notícia de fato formalmente típico, devendo a autoridade policial abster-se de fazer qualquer análise quanto à presença de causas excludentes da ilicitude ou da cul­ pabilidade. No caso de crimes de ação penal pública condicionada à representação e de ação penal de iniciativa privada, a instauração do inquérito policial está condicionada à ma­ nifestação da vítima ou de seu representante legaL Porém, uma vez demonstrado o interesse do ofendido na persecução penal, a autoridade policial é obrigada a agir de ofício, determi­ nando as diligências necessárias à apuração do delito. Essa característica da oficiosidade do inquérito policial não é incompatível com a discricionariedade de que tratamos acima. A oficiosidade está relacionada à obrigatoriedade de instauração de inquérito policial quando a autoridade policial toma conhecimento de infração penal de ação penal pública incondi­ cionada; a discricionariedade guarda relação com a forma de condução das investigações, seja no tocante à natureza dos atos investigatórios (provas periciais, acareações, oitiva de testemunhas, etc.), seja em relação à ordem de sua realização. 5.8. P ro ce d im e n to in d isp o n ív e l: para evitarmos repetições desnecessárias, rem e­ temos o leitor aos comentários ao art. 17 do CPP.

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5.9. Procedimento temporário: diz o C ó­ digo de Processo Penal, em seu art. 10, §3°, que, quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade policial poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realiza­ das no prazo marcado pelo juiz. No dia-a-dia de fóruns criminais e delegacias, o que se vê é a existência de um número incontável de inquéritos em relação a investigados soltos que tem seu prazo de conclusão prorrogado ad eternum. Mas seria possível, então, que alguém fosse objeto de investigação em um inquérito policial por 10, 15 anos? A nosso ver, diante da inserção do direito à razoável duração do processo na Constituição Federal (art. 5o, L X X V III), já não há mais dúvidas de que um inquérito policial não pode ter seu prazo de conclusão prorrogado indefinida­ mente. As diligências devem ser realizadas pela autoridade policial enquanto houver necessidade. Evidentemente, em situações mais complexas, envolvendo vários acusa­ dos, é lógico que o prazo para a conclusão das investigações deverá ser sucessivamente prorrogado. Porém, uma vez verificada a impossibilidade de colheita de elementos que autorizem o oferecimento de denúncia, deve o Promotor de Justiça requerer o arquiva­ mento dos autos. Não obstante o silêncio da legislação brasileira quanto às consequências de eventual dilação indevida referente a persecuções criminais em que o acusado esteja em liberdade, em pioneiro julgado acerca do assunto, a 5a Turma do STJ (HC 96.666/ MA, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 04/09/2008, DJe 22/09/2008) concedeu a ordem para determ inar o trancam ento de inquérito policial em andamento em relação a suspeitos que estavam em liberdade, por en­ tender que, no caso concreto, passados mais de sete anos desde a instauração do inquérito, ainda não teria havido o oferecim ento da denúncia contra os pacientes. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

N o caso, p a ssa d o s m ais de 7 a n o s de sd e

a instauração d o Inquérito pela Polícia Federal d o M aranhão, não h ouve o oferecim ento de denúncia

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

contra os pacientes. É certo que existe jurisprudência, inclusive desta Corte, que afirma inexistir constran­ gim e n to ilegal pela sim ples instauração de Inquérito Policial, m orm ente q u a n d o o in ve stigado está solto, diante da ausência de constrição em sua liberdade de lo co m o ç ão (HC 44.649/SP, Rei. M in. LAURITA VAZ, DJU 08.10.07); entretanto, n ão se p od e adm itir que a lgu é m seja objeto de investigação eterna, porque essa situação, p or si só, enseja evidente con stran ­ gim en to, a b alo m oral e, m u itas vezes, e co n ô m ico e financeiro, p rin cip a lm e n te q u a n d o se trata de gran de s em presas e em presários e o s fatos já foram objeto de Inquérito Policial arquivado a p e d id o do Parquet Federal. Ordem concedida, para determ inar o trancam ento d o Inquérito Policial 2001.37.00.0050230 (IPL 521/2001), em que pese o parecer ministerial em sentido contrário". (STJ, 5a Turma, HC 96.666/MA, Rei. M in. N ap oleã o N u nes M aia Filho, j. 04/09/2008, DJe 22/09/2008).

6. Funções de polícia judiciária: segundo a doutrina majoritária, à Polícia são atribuídas duas funções precípuas: a) P olícia A dm i­ n istrativa; trata-se de atividade de cunho preventivo, ligada à segurança, visando im ­ pedir a prática de atos lesivos à sociedade; b) Polícia Judiciária; cuida-se de função de ca­ ráter repressivo, auxiliando o Poder Judiciário. Sua atuação ocorre depois da prática de uma infração penal e tem como objetivo precípuo colher elementos de informação relativos à ma­ terialidade e à autoria do delito, propiciando que o titular da ação penal possa dar início à persecução penal em juízo. Nessa linha, dispõe o art. 4o, caput, do CPP, que a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. 6.1. Distinção entre funções de polícia ju­ diciária e funções de polícia investigativa: conquanto a doutrina, em sua maioria, faça referência à Polícia Judiciária como aquela à qual é atribuída a função de apurar as in­ frações penais e sua autoria, comungamos do entendimento de que funções de polícia judiciária não se confundem com funções de polícia investigativa. A despeito do teor do art. 4o, caput, do CPP, a Constituição Federal deixa clara a diferença entre funções de polícia judiciária e funções de polícia investigativa.

de

L im a

Basta perceber que, ao se referir às atribuições da Polícia Federal, a Carta Magna diferencia as funções de polícia investigativa, previstas no art. 144, §1°, I e II, das funções de polícia judiciária (CF, art. 144, §1°, inciso IV). Com efeito, enquanto os incisos I e II do §1° do art. 144 da Carta Magna outorgam à Polícia Federal atribuições para apurar infrações p e­ nais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e em­ presas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei, bem como preve­ nir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e descaminho, o inciso IV estabelece que a Polícia Federal destina-se a exercer, com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União. Ora, veja-se que a função investigativa está descrita nos dois primeiros incisos, de maneira distinta das funções de polícia judiciária. Seguindo a mesma linha, o art. 144, §4°, da Constituição Federal, prevê que a Polícia Civil tem funções de polícia judiciária e de apuração de infrações penais. Veja-se que há uma clara distinção entre funções de polícia judiciária e funções de apuração de infrações penais. Como se perce­ be, a própria Constituição Federal estabelece uma distinção entre as funções de polícia judiciária e as funções de polícia investigativa. Destarte, por funções de polícia investigati­ va devem ser compreendidas as atribuições ligadas à colheita de elementos informativos quanto à autoria e materialidade das infra­ ções penais. A expressão polícia jud iciária está relacionada às atribuições de auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo as ordens judi­ ciárias relativas à execução de mandados de prisão, busca e apreensão, condução coercitiva de testemunhas, etc. Por se tratar de norma hierarquicam ente superior, deve, então, a Constituição Federal, prevalecer sobre o teor do Código de Processo Penal (art. 4o, caput). A Lei n. 12.830/13, que dispõe sobre a inves­ tigação crim inal conduzida pelo Delegado de Polícia, parece acolher essa terminologia ao dispor em seu art. 2, caput: “As funções de

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado”. Veja-se, então, que uma mesma Polícia pode exercer diversas funções. A título de exemplo, quando um Policial Militar anda fardado pelas ruas, age no exercício de funções de polícia administrativa, já que atua com o objetivo de evitar a prática de delitos. Por sua vez, supondo a prática de um crime militar por um policial militar do Estado de São Paulo, as investigações do delito ficarão a cargo da própria Polícia Militar em questão, cujo en­ carregado do Inquérito Policial Militar agirá no exercício de função de polícia investigativa. Por último, segundo o art. 8o, “c”, do CPPM, incumbe à polícia judiciária militar cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar, atribuição esta inerente às funções de polícia judiciária militar. Apesar de acredi­ tarmos que a Constituição Federal estabelece uma distinção entre polícia judiciária e polícia investigativa, somos obrigados a admitir que prevalece na doutrina e na jurisprudência a utilização da expressão polícia judiciária para se referir ao exercício de atividades rela­ cionadas à apuração da infração penal. Basta atentar para o teor da súmula vinculante n. 14 do Supremo: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por

órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. Independentemente dessa discussão, é certo dizer que as atividades investigatórias devem ser exercidas precipuamente por auto­ ridades policiais, sendo vedada a participação de agentes estranhos à autoridade policial, sob pena de violação do art. 144, § I o, IV, da CF/1988, da Lei n. 9.883/1999, e dos arts. 4o e 157 e parágrafos do CPP. Por isso, os Tribunais vêm considerando que a execução de atos típicos de polícia investigativa como monitoramento eletrônico e telemático, bem como ação controlada, por agentes de órgão de inteligência (v.g., ABIN) sem autorização judicial, acarreta a ilicitude da provas assim obtidas.

Art. 4°

4- Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

D ive rsam e n te d o q u e se tem p ro cu rado

sustentar, c o m o resulta da letra d o seu artigo 144, a Constituição da República não fez da investigação criminal um a função exclusiva da Polícia, restringindo-se, com o se restringiu, tão-som ente a fazer exclusivo, sim, da Polícia Federal o exercício da função de polí­ cia judiciária da União (parágrafo I o, inciso IV). Essa função de polícia judiciária - qual seja, a de auxiliar d o Poder Judiciário -, não se identifica com a função investigatória, isto é, a de apurar infrações penais, bem distinguidas no verbo constitucional, com o exsurge, entre outras disposições, d o preceituado no parágrafo 4o d o artigo 144 da Constituição Federal, verbis:"§ 4o às polícias civis, dirigidas por d e le ga d o s de polícia de carreira, incum bem , ressalvada a com petência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares."Tal norm a constitucional, por fim, define, é certo, as funções das polícias civis, m as sem estabelecer qualquer cláusula de exclusividade. O exercício d o poder investigatório d o M inistério Público não é, por óbvio, estranho ao Direito, subordinando-se, à falta de norm a legal par­ ticular, no que couber, analogicam ente, ao C ó d ig o de Processo Penal, sobretudo na perspectiva da proteção d o s direitos fundam entais e da satisfação d o interesse social, que, primeiro, im pede a reprodução simultânea de investigações; segundo, determ ina o ajuizam ento tem pestivo do s feitos inquisitoriais e, por último, faz obrigatória oitiva d o indiciado autor d o crime e a o b ­ servância das norm as legais relativas ao im pedimento, à suspeição, e à prova e sua produção. De qualquer m odo, não há confundir investigação crim inal com os atos investigatório-inquisitoriais com plem entares de que trata o artigo 47 d o C ó d ig o de Processo Penal. "A particip ação de m e m b ro d o M inistério Público na fase in vestigatória crim inal n ão acarreta o seu im pedim ento ou suspeição para o oferecim ento da denúncia."(Súm ula d o STJ, Enunciado n°234) Recurso parcialm ente conhecido e improvido". (STJ, 6a Turma, REsp 332.172/ES, Rei. Min. H am ilton Carvalhido, Dje 04/08/2008).

STJ: “(...) N o

caso em exame, é inquestionável o pre­

juízo acarretado pelas investigações realizadas em desconform idade com as norm as legais, e não con ­ valescem , so b q u alqu er â n g u lo que seja analisada a questão, p o rq u a n to é m anifesta a n u lidad e das diligências perpetradas pelos agentes da A B IN e um ex-agente d o SNI, ao arrepio da lei. Insta assinalar, por oportuno, que o juiz deve estrita fidelidade à lei penal, dela não p o d e n d o se afastar a não ser que im prudentem ente se arrisque a percorrer, de form a isolada, o cam inho tortuoso da subjetividade que, não poucas vezes, desem boca na odiosa perda da imparcialidade. Ele não deve, jamais, perder de vista a im portância da dem ocracia e d o Estado Dem ocrático de Direito. Portanto, inexistem dú vidas de q u e tais

Art. 4o

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

provas estão irremediavelmente m aculadas, devendo ser consideradas ilícitas e inadmissíveis, circunstân­ cias que as tornam destituídas de qualquer eficácia jurídica, consoante entendim ento já cristalizado pela doutrina pacífica e lastreado na torrencial jurispru­ dência d o s n osso s tribunais. Pelo exposto, concedo a ordem para anular, tod as as provas produzidas, em especial a d o s procedim entos n° 2007.61.81.010208-7

de

L ima

IPM será determinada pela prevenção. Caso, todavia, o crime tenha sido cometido por um oficial da ativa do Exército e um soldado da Marinha, prevalece a atribuição da corporação à qual pertence o oficial da ativa, daí porque, nessa hipótese, o IPM deveria ser instaurado no âmbito do Exército.

(m onitoram ento telefônico), n° 2007.61.81.011419-3 (m onitoram ento telefônico), e n° 2008.61.81.008291-3 (ação controlada), e d o s dem ais correlatos, anulando tam bém , desde o início, a ação penal, na m esm a es­ teira d o bem elaborado parecer exarado pela douta Procuradoria da República". (STJ, 5aTurma, HC 149.250/ SP, Rei. Min. Adilson Vieira M ac ab u - D ese m bargado r con vo cado doTJ/RJ -, j. 07/06/2011, DJe 05/09/2011).

6.2. Da atribuição em face da natureza da infração penal: estabelecida a distinção entre funções de polícia ostensiva, judiciária e investigativa, cumpre analisar a quem é atri­ buída a presidência do inquérito policial. Em regra, à autoridade policial, sendo a atribuição determinada, a princípio, pela natureza da infração penal praticada, valendo lembrar que eventual investigação policial em andamento somente poderá ser avocada ou redistribuída por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse pú­ blico ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da inves­ tigação (Lei n. 12.830/13, art. 2o, §4°). 6.2.1. Crimes militares: em se tratando de crime militar, a atribuição para as investigações recai sobre a autoridade de polícia judiciária militar, a quem compete determinar a ins­ tauração de inquérito policial militar (IPM), seja no âmbito das Polícias Militares ou dos Corpos de Bombeiros, nos crimes da alçada da Justiça Militar Estadual, seja no âmbito do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, em relação aos crimes militares de competência da Justiça Militar da União. No caso de militares federais de corporações distintas, mas sujeitos à Justiça Militar da União (v.g., crime militar praticado em coautoria por um m ilitar do Exército e outro da Aeronáutica), afigura-se possível uma interpretação extensiva do art. 97, parágrafo único, do CPPM, concluindo-se, então, que a atribuição para a presidência do

6.2.2. Crimes da competência da Justiça Federal: no caso de infrações penais de com­ petência da Justiça Federal, a atribuição para a realização das investigações incide sobre a Po­ lícia Federal. Afinal, de acordo com o art. 144, § 1°, I, primeira parte, da Constituição Federal, à Polícia Federal incumbe a apuração de infra­ ções penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas. Ademais, de acordo com o art. 144, §1°, IV, da Carta Magna, cabe à Polícia Federal exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. 6.2.3. Crimes eleitorais: na hipótese de cri­ mes da competência da Justiça Eleitoral, a qual é tida como uma Justiça da União, a atribuição para a realização das investigações é, precipuamente, da Polícia Federal. Todavia, como já se pronunciou o próprio Tribunal Superior Eleitoral, verificando-se a prática de crime eleitoral em município onde não haja órgão da Polícia Federal, nada impede que sua inves­ tigação seja levada a efeito pela Polícia Civil. Portanto, a atribuição legal da Polícia Federal para a instauração de inquéritos policiais de apuração da prática de crimes eleitorais não exclui a atribuição subsidiária da autoridade policial estadual, quando se verificar a ausência de órgão da Polícia Federal no local da prática delituosa. ♦

Jurisprudência selecionada:

TSE: "(...)

Na investigação de crime eleitoral, não há

óbice para a atuação da polícia estadual q u an d o no local d o crime não existir ó rgã o da polícia federal. Ausência de constrangim ento ilegal d o paciente, em razão de oferecimento da denúncia, qu an do presentes a tipicidade da conduta e indícios de autoria. N ão se presta o processo de habeas-corpus ao exam e apro­ fu n d ad o das provas. O rdem denegada". (TSE, H C 439, Rei. Min. Carlos M ário da Silva Velloso, DJ 27/06/2003).

TlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

6-2.4. Crimes da competência da Justiça Estadual: nesse caso, as investigações devem ser presididas, em regra, pela Polícia Civil. No entanto, por força da própria Constituição Federal, também é possível a atuação da Po­ lida Federal. Deveras, de acordo com o art. 144, §1°, I, in fine, da Constituição Federal, à Polida Federal também incumbe a apuração de infrações penais cuja prática tenha repercussão

interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei. A lei a que se refere o dispositivo é a Lei n. 10.446/02, an o a rt I o preceitua que, quando houver reper­

cussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à inves­ tigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: I - sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro, se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; II - formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do a rt 4o da Lei n. 8.137/90); III - relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; IV - furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transpor­ tadas em operação interestadual ou interna­ cional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação (de se notar que o antigo crime de quadrilha foi substituído pela Lei n. 12.850/13 pelo novel delito de associação criminosa); V - falsificação, corrupção, adulteração ou alte­ ração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Código Penal) - este inciso V foi incluído pela Lei n. 12.894/13; VI - furto, roubo ou dano con­ tra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação (Incluído pela

Art. 4o

Lei n. 13.124/15). Ademais, segundo o art. I o, parágrafo único, da Lei n. 10.446/02, verificada

a repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça. Por fim, importante não perder de vista que, por força do art. 11 da Lei Antiterrorismo (Lei n. 13.260/16), a Polícia Federal também passou a ter atribuições investigatórias para apurar os delitos previstos no referido diploma normativo: terrorismo propriamente dito (art. 2o), organização terrorista (art. 3o), preparação de terrorismo (art. 5o) e financiamento ao ter­ rorismo (art. 6o). 6.3. Da atribuição em face do local da consumação da infração penahvide comen­ tários ao art. 22 do CPP. 7. Instrumentos investigatórios diversos do inquérito policial: a atividade investigatória não é exclusiva da Polícia Judiciária. Com efeito, o próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4o, parágrafo único, acentua que a atribuição para a apuração das infrações penais e de sua autoria não excluirá a de autoridades

administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. 7.1. Comissões Parlamentares de Inquérito (inquéritos parlamentares): de acordo com o art. 58, §3°, da Carta Magna, as comissões par­ lamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das res­ pectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a res­ ponsabilidade civil ou criminal dos infratores. As comissões parlamentares de inquérito são órgãos que instauram procedimento adminis­ trativo de feição política, de cunho meramente investigatório, semelhante ao inquérito poli­ cial e ao inquérito civil público. Diferenciam-

Art. 4o

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

-se destes, no entanto, não só em virtude dos poderes de investigação de que são dotados seus membros, equiparados aos poderes de investigação dos juizes, como também pelo fato de as CPIs não assumirem, obrigatoriamente, natureza preparatória de ações judiciais. Não se destinam a apurar crimes nem a puni-los, o que é da competência dos Poderes Executivo e Judiciário; entretanto, se no curso de uma in­ vestigação, vem a deparar com fato criminoso, dele dará ciência ao Ministério Público, para os fins de direito, como qualquer autoridade, e mesmo como qualquer do povo. As Comissões Parlamentares de Inquérito não são dotadas de poderes gerais de investigação. Só podem investigar fatos precisos e determinados, mesmo que relacionados a particulares, porém desde que sejam de interesse público. Esses fatos espe­ cíficos podem ter qualquer natureza, inclusive criminosa, independentemente de quem esteja envolvido. Em relação aos poderes e limitações a que estão sujeitas às comissões parlamentares de inquérito, pode-se dizer que; a) a atuação das comissões parlamentares de inquérito está sujei­ ta à cláusula de reserva de jurisdição, segundo a qual, por expressa previsão constitucional, com­ pete exclusivamente aos órgãos do Poder Judici­ ário, com total exclusão de qualquer outro órgão estatal, a prática de determinadas restrições a direitos e garantias individuais: a.l) violação ao domicílio durante o dia (CF, art. 5o, inciso XI); a.2) prisão, salvo o flagrante delito (CF, art. 5o, inciso LXI); a.3) interceptação telefônica (CF, art. 5o, inciso XII); a.4) afastamento de sigilo de processos judiciais; b) o princípio constitucio­ nal da reserva de jurisdição não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República (CF, art. 58, § 3o), assiste competência à Comissão Parla­ mentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas; c) uma comissão parlamentar de inquérito tem poderes para colher depoimentos, ouvir indiciados, inquirir testemunhas, notificando-as a comparecer perante ela e a depor; d) se as comissões parlamentares de inquérito detêm o poder instrutório das autoridades judiciais - e

de

L ima

não maior que o dessas - a elas se poderão opor os mesmos limites formais e substancias oponíveis aos juizes, dentre os quais os derivados das garantias constitucionais contra a autoincriminação, que tem sua manifestação mais eloquente no direito ao silêncio dos acusados; e) não é dado a uma Comissão Parlamentar de Inquérito querer controlar a regularidade ou a legalidade de atos jurisdicionais, obrigando magistrado a dar, além daquelas que constam dos autos do processo judicial, outras razões de sua prática, ou a revelar as cobertas por segredo de justiça, sob pena de violação frontal ao princípio da separação e independência dos poderes; f) Comissão Parlamentar de Inquérito não tem competência para expedir decreto de indisponibilidade de bens de particular, que não é medida de instrução - a cujo âmbito se res­ tringem os poderes de autoridade judicial a elas conferidos no art. 58, § 3° - mas de provimento cautelar de eventual sentença futura, que só pode caber ao Juiz competente para proferi-la. As Casas Legislativas dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios também são dotadas de função fiscalizadora, mas só poderão investigar os fatos que se inserirem no âmbito de suas respectivas competências legislativas e materiais. Daí porque concluiu o Supremo que, ainda que seja omissa a Lei Complementar n. 105/01, é possível que uma CPI estadual deter­ mine a quebra de sigilo de dados bancários, com base no art. 58, § 3.°, da Constituição. Para além dos poderes investigatórios de que são dotadas as Comissões Parlamentares de inquérito, vale ressaltar que, segundo a súmula n. 397 do Su­ premo, “o poder de polícia da Câmara dos De­ putados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) C om issão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de, m ediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de m an d ad o judicial de interceptação telefônica, qu ebrar sigilo im posto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponível a C om issão Parlamentar de Inquérito, re­ presentando expressiva lim itação aos seus poderes

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

constitucionais". (STF, Pleno, M S 27.483 REF-MC/DF, Rei. V iv C e z a r Peluso, j. 14/08/2008, DJe 192 09/10/2008).

Art. 4o

de inquérito para depor. N in g u é m p od e recusar-se

ST F ;"(_) A quebra d o sigilo fiscal, bancário e telefônico

a depor. Contudo, a testem unha p o d e escusar-se a prestar d e p oim e n to se este colidir com o dever de

oe qualquer pessoa sujeita a investigação legislativa p o d e ser le gitim am e n te decretada pela C o m issã o

guardar sigilo. O sigilo profissional tem alcance geral e se aplica a qualquer juízo, cível, criminal, administrativo

-aríamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal

ou parlamentar. N ão basta invocar sigilo profissional

c^aça m ediante deliberação adequadam ente fu n da­

para que a pessoa fique isenta de prestar depoim ento.

m entada e na qual indique a necessidade objetiva da

É preciso haver um m ínim o de credibilidade na alega­ ção e só a posteriori p od e ser apreciado caso a caso. A

ao oção dessa m edida extraordinária. (...) O princípio score as hipóteses de busca dom iciliar (CF, art. 5o, XI),

testem unha, não p od e prever todas as perguntas que lhe serão feitas. (...) Prisão decretada pelo presidente da

de nrerceptação telefônica (CF, art. 5o, XII) e de decreta­ ção da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal

C orpu s" concedido para cassar o decreto ilegal, sem

constitucional da reserva de jurisdição - que incide

< F , a r t 5o, LXI) - não se estende ao tem a da quebra de sáaflo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da Repúcãca (CF, a r t 58, § 3o), assiste com petência à Com issão ^aríamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura des­ sa esfera de privacidade das pessoas. (...) O inquérito oadamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se

CPI que extravasa claramente os limites legais."Habeas prejuízo d o dever de seu com parecim ento à Comissão, para ser inquirido com o testem unha ou o u vido com o indiciado". (STF, Pleno, HC 71.039/RJ, Rei. Min. Paulo Brossard, j. 07/04/1994, DJ 06/12/1996).

STF:"(...) CPI: nem o tenetur se detegere: direito ao si­ lêncio. Se, conform e o art. 58, § 3o, da Constituição, as com issões parlam entares de inquérito detêm o poder instrutório das autoridades judiciais - e não m aior que o dessas - a elas se poderão o por os m esm o s limites

com o procedim ento jurídico-constitucional revestido de autonom ia e d o tad o de finalidade própria, circuns­

form ais e susbstanciais oponíveis ao s juizes, dentre os

tância esta que permite à C om issão legislativa - sem ­

quais os derivados das garantias constitucionais contra

pre respeitados os limites inerentes à com petência

a auto-incriminação, que tem sua m anifestação m ais eloqüente no direito ao silêncio d o s acusados. N ão im ­

— aterial d o Poder Legislativo e observados os fatos determ inados que ditaram a sua constituição - pro­

porta que, na CPI - que tem poderes de instrução, m as

m over a pertinente investigação, ainda que os atos investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre

nenhum poder de processar nem de ju lgar-a rigor não haja acusados: a garantia contra a auto-incriminação se estende a qualquer in dagação por autoridade pública

aspectos referentes a acontecimentos sujeitos a inqué­ ritos policiais ou a processos judiciais que guardem

de cuja resposta possa advir à im putação ao dedarante

conexão com o evento principal objeto da apuração congressual. Doutrina". (STF, Pleno, M S 23.639/DF, Rei.

da prática de crime, ainda que em procedim ento eforo diversos. Se o objeto da CPI é m ais am p lo d o que os

V i a Celso de Mello, j. 16/11 /2000, D J 16/02/2001). Com entendim ento semelhante: STF, Pleno, M S 23.652/DF,

fatos em relação aos quais o cidadão intim ado a depor tem sido objeto de suspeitas, d o direito ao silêncio não

Rei. Min. Celso de Mello, DJ 16/02/2001.

decorre o de recusar-se de lo go a depor, m as sim o de

S T F :'(...) A com issão parlam entar de inquérito, desti­

não responder às perguntas cujas repostas entenda p ossam vir a incriminá-lo: liminar deferida para que,

nada a investigar fatos relacionados com as atribuições congressuais, tem poderes im anentes ao natural exer­ cício de suas atribuições, com o de colher depoimentos, ouvir indiciados, inquirir testem unhas, notificando-as a com parecer perante ela e a depor; a este poder cor­ responde o dever de, com parecendo a pessoa perante a com issão, prestar-lhe depoim ento, não p o d e n d o calar a verdade. C om ete crime a testem unha que o fizer. A Constituição, art. 58, § 3o, a Lei 1579, art. 4o, e a jurisprudência são nesse sentido. T am bém pode requisitar d o cu m e n to s e buscar to d o s os m eios de provas legalm ente admitidos. Ao poder de investigar

com parecendo à CPI, nesses termos, possa o paciente exercê-lo, sem novam ente ser preso ou am eaçado de prisão. Habeas corpus prejudicado, um a vez observada a liminar na volta d o paciente à CPI e já encerrados os trabalhos dessa". (STF, Pleno, H C 79.244/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 23/02/2000, DJ 24/03/2000).

STF:"(...) Configura

constrangim ento ilegal, com evi­ dente ofensa ao princípio da separação d o s Poderes, a c o n vo ca çã o de m a gistra d o a fim de q u e preste de poim ento em razão de decisões de conteúdo jurisdicional atinentes ao fato investigado pela C om issão

coercitivos ad eq u ad os para o b om de se m pe n h o de

Parlamentarde Inquérito. Precedentes. Habeas-corpus deferido". (STF, Pleno, HC 80.539/PA, Rei. Min. M aurício

suas finalidades; eles são diretos, até on d e se revelam

Corrêa,j.21/03/2001, DJ 01/08/2003).

eficazes, e indiretos, quando falharem aqueles, caso em

STF:"(...) Incom petência da C om issão Parlamentar de

que se servirá da colaboração d o aparelho judiciário. O s poderes congressuais, de legislar e fiscalizar, hão

Inquérito para expedir decreto de indisponibilidade de bens de particular, que não é m edida de instrução - a

de estar investidos d o s m eios ap rop riad os e efica­ zes ao seu norm al desem penho. (...) N in gu é m pode

cujo âm bito se restringem os poderes de autoridade judicial a elas conferidos no art. 58, § 3o - m as de pro­

escusar-se de com parecer a c o m issão parlam entar

vim ento cautelar de eventual sentença futura, que só

corresponde, necessariam ente, a p o sse d o s m eios

Art. 4o

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

pod e caber ao Juiz com petente para proferi-la. Quebra ou transferência de sigilos bancário, fiscal e de registros telefônicos que, ainda q u a n d o se admita, em tese, susceptível de ser objeto de decreto de CPI - porque não coberta pela reserva absoluta de jurisdição que resguarda outras garantias constitucionais -, há de ser adequadam ente fundam entada: aplicação no exercí­ cio pela CPI d o s poderes instrutórios das autoridades judiciárias da exigência de m otivação d o art. 93, IX, da Constituição da República. Sustados, pela concessão liminar, o s efeitos da decisão questionada da CPI, a dissolução desta prejudica o ped ido de m an d ad o de segurança". (STF, Pleno, M S 23.466/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 04/05/2000, DJ 06/04/2001).

STF:"(...)

Função fiscalizadora exercida pelo Poder

Legislativo. M ecanism o essencial d o sistema de checks-and-counterchecks adotado pela Constituição federal de 1988. Vedação da utilização desse m ecanism o de controle pelos órgãos legislativos do s estados-m em bros. Impossibilidade. Violação d o equilíbrio federativo e da separação de Poderes. Poderes de CPI estadual: ainda que seja o m issa a Lei Com plem entar 105/2001, p od em essas com issões estaduais requerer quebra de sigilo de da d o s bancários, com base no art. 58, § 3o, da Constituição. M a n d a d o de segurança conhecido e parcialmente provido". (STF, A C O 730/RJ, Pleno, rei. Min. Joaquim Barbosa, DJ 11.11.2005, p. 5).

7.2. Conselho de Controle de atividades fi­ nanceiras (COAF): foi criado pela Lei n. 9.613/98 no âmbito do Ministério da Fazenda, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas admi­ nistrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas rela­ cionadas à lavagem de capitais, sem prejuízo da atribuição de outros órgãos e entidades. Tendo em conta que o processo de lavagem de capitais envolve, obrigatoriamente, a movimentação de bens, valores ou direitos, estabeleceram-se me­ canismos de controle dos registros de operações consideradas suspeitas. Determinou a Lei n. 9.613/98, em seu art. 9o, as espécies de atividades sujeitas à fiscalização permanente por parte da correspondente pessoa jurídica ou física, que se vê obrigada a comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) a relação de operações suspeitas, de forma a viabilizar uma investigação mais detalhada. A maior parte dos encargos é dirigida às pessoas jurídicas que mantenham atividades ligadas aos sistemas financeiros e econômicos, compelindo-as a identificar seus clientes, manter registros das operações com eles realizadas e comunicar

de

L ima

reservadamente as transações suspeitas que ultrapassem o valor-limite fixado pela autorida­ de. No entanto, o art. 9o também abarca outras instituições, e inclusive pessoas físicas (inciso X II acrescentado pela Lei 10.701/2003) que, por terem como atividade principal ou acessó­ ria, o giro de médias e grandes quantidades de dinheiro, podem ser utilizadas como canais para a lavagem de capitais. O art. 10 da Lei 9.613/98 consagra a chamada política do knowyour costumer, uma das armas mais poderosas no combate à lavagem de capitais, segundo a qual é dever da instituição financeira conhecer o perfil de seu correntista de forma que seja possível a defini­ ção de um padrão de movimentação financeira compatível com seus rendimentos declarados. Existindo incompatibilidade de movimentação, a notícia dessa operação suspeita deve ser enca­ minhada à autoridade administrativa responsá­ vel que adotará as providências cabíveis quanto à verificação da legalidade da operação. O COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos na Lei de lavagem de capitais, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito. 7.3. Poder investigatório do Ministério Pú­ blico: grande parte da doutrina tem admitido a possibilidade de investigação pelo Ministério Público, sob os seguintes argumentos: 1) Não há falar em violação ao sistema acusatório, nem tampouco à paridade de armas, porquanto os elementos colhidos pelo Ministério Público terão o mesmo tratamento dispensado àqueles colhidos em investigações policias: serão de mera informação preliminar, apenas a servir de base para a denúncia, devendo ser ratificados judicialmente sob crivo do contraditório e da ampla defesa, para embasamento da eventual condenação de alguém; 2) Teoria dos poderes im plícitos: segundo essa teoria, nascida na Suprema Corte dos EUA, no precedente Mc CulloCh vs. Maryland (1819), a Constituição, ao conceder uma atividade-fim a determinado órgão ou instituição, culmina por, implici­ tamente e simultaneamente, a ele também conceder todos os meios necessários para a consecução daquele objetivo. Portanto, se a última palavra acerca de um fato criminoso

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

cabe ao Ministério Público, porquanto é ele o titular da ação penal pública (CF, art. 129, inc. I), deve-se outorgar a ele todos os meios para firmar seu convencimento, aí incluída a possibilidade de realizar investigações crimi­ nais, sob pena de não se lhe garantir o meio idôneo para realizar a persecução criminal, ao menos em relação a certos tipos de delito; 3) A Constituição Federal confere à Polícia Fe­ deral a exclusividade do exercício das funções de Polícia Judiciária da União, mas fúnções de polícia judiciária não se confundem com funções de polícia investigativa. Por polícia investigativa compreendem-se as atribuições ligadas à colheita de elementos informativos quanto à autoria e materialidade das infrações penais. A expressão polícia judiciária está re­ lacionada às atribuições de auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo as ordens judiciárias relativas à execução de mandado de prisão/ busca e apreensão, à condução coercitiva de testemunhas, etc. Apesar do teor do art. 4o do CPP, segundo o qual a polícia judiciária tem por objeto a apuração das infrações penais e da autoria, essa terminologia não foi re­ cepcionada pela Constituição Federal. Basta perceber que a própria Constituição Federal, ao se referir às atribuições da Polícia Federal, diferencia as funções de polícia investigativa (CF, art. 144, §1°, incisos I e II) das fúnções de polícia judiciária (CF, art. 144, §1°, inciso IV), o que também se dá quando se refere às polícias civis, às quais incumbem as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. Portanto, estabelecida a distinção en­ tre fúnções de polícia judiciária e funções de polícia investigativa, fica claro que apenas a primeira foi conferida com exclusividade à Polícia Federal e à Polícia Civil. As atribuições investigatórias, todavia, poderão ser exerci­ das por outras autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função, tal qual dispõe o art. 4o, parágrafo único, do CPP; 4) A possibilidade de o Ministério Pú­ blico investigar pode ser extraída de diversos dispositivos constitucionais e legais. No âmbito da Constituição Federal, além da titularidade da ação penal pública (art. 129,1), convém res­ saltar que também se estabelece como função

Art. 4o

institucional do Ministério Público expedir notificações nos procedimentos administra­ tivos de sua competência, requisitando infor­ mações e documentos para instruí-los, assim como requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (art. 129, V I e V III). Por sua vez, a Lei Complementar n. 75/93, nos arts. 7o e 8o, enumera diversas atribuições do Ministério Público da União, destacando-se, dentre elas, a possibilidade de instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos, requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inqué­ rito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas, requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, notificar testemunhas e re­ quisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada, requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta, requisitar da Administração Pública servi­ ços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de ati­ vidades específicas, requisitar informações e documentos a entidades privadas, realizar inspeções e diligências investigatórias, etc. No mesmo rumo, a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) prevê que o Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inqué­ rito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis. De seu turno, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que compete ao Ministério Público instaurar sindicâncias, requisitar dili­ gências investigatórias e determinar a instau­ ração de inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à juventude (Lei n. 8.069/90, art. 201, V II). Dispositivo semelhante a este também pode ser encontrado no Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03, art. 74). Em julgamento histórico ocorrido em data de 14 de maio de 2015 (RE 593.727), o Plenário do Supremo reconheceu, enfim, que o M inistério Público dispõe de

Art. 4o

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direi­ tos e garantias que assistem a qualquer indicia­ do ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de juris­ dição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os advogados, sem prejuízo da possibilidade - sempre presente no Estado democrático de Direito - do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Enunciado 14 da Súmula Vinculante), prati­ cados pelos membros do Parquet. Nesse caso, é imperioso observar: a) ritos claros quanto à pertinência do sujeito investigado; b) forma­ lização do ato investigativo; c) comunicação imediata ao Procurador-Chefe ou ao Procura­ dor-Geral; d) autuação, numeração, controle, distribuição e publicidade dos atos; e) pleno conhecimento da atividade de investigação à parte; f) princípios e regras que orientariam o inquérito e os procedimentos administrativos sancionatórios; g) ampla defesa, contraditório, prazo para a conclusão e controle judicial. A função investigatória do Ministério Público não se convertería em atividade ordinária, mas excepcional a legitimar a sua atuação em casos de abuso de autoridade, prática de delito

por policiais, crimes contra a Administração Pública, inércia dos organismos policiais, ou procrastinação indevida no desem penho de investigação penal, situações que exemplificativamente justificariam a intervenção subsidiária do órgão ministerial. 4- Jurisprudência selecionada:

STF:"(...)

Poderes de investigação d o M inistério Pú­

blico. O s artigo s 5o, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4o, da Constituição Federal,

de

L im a

de jurisdição e, tam bém , as prerrogativas profissio­ nais de que se acham investidos, em nosso País, os A d v o g a d o s (Lei 8.906/94, artigo 7o, notadam ente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da p o s­ sibilidade - sem pre presente no Estado dem ocrático de Direito - d o perm anente controle jurisdicional do s atos, necessariam ente do cum e n tad os (Súm ula Vincu­ lante 14), praticados pelos m em bros dessa instituição". Maioria. 5. C aso concreto. Crim e de responsabilidade de prefeito. Deixar de cum prir ordem judicial (art. I o, inciso XIV, d o Decreto-Lei n° 201/67). Procedim ento instaurado pelo M inistério Público a partir de do cu ­ m entos oriundos de autos de processo judicial e de precatório, para colher informações d o próprio suspei­ to, eventualm ente hábeis a justificar e legitim ar o fato im putado. Ausência de vício. N e g a d o provim ento ao recurso extraordinário. Maioria". (STF, Pleno, RE 593.727, Rei. Min. Gilm ar Mendes, j. 14 de m aio de 2015, DJe 175 4 de setem bro de 2015).

STJ:"(...) Na esteira de

precedentes desta Corte, m al­ gra d o seja defeso ao M inistério Público presidir o inquérito policial propriamente dito, não lhe é vedado, com o titular da ação penal, proceder investigações. A ord em jurídica, aliás, confere explicitam ente p o ­ deres de in ve stiga ção a o M in istério Pú b lico - art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8o, incisos II e IV, e § 2°, e art. 26 da Lei n° 8.625/1993 (Precedentes). Por outro lado, o inquérito policial, por ser peça m eram ente informativa, não é pressuposto necessário à propositura da ação penal, p od en d o essa ser e m b asada em outros elem entos hábeis a form ar a opinio delicti de seu titular. Se até o particular pode juntar peças, obter declarações, etc., é evidente que o Parquet tam bém pode. Além d o mais, até m esm o um a investigação administrativa pode, eventualmente, supedanear um a denúncia. Writ conhecido em parte e, nesta parte, denegado". (STJ, 5a Turma, HC 47.752/ PE, Rei. Min. Felix Fischer, DJ 06/03/2006).

STF:"(...) Sen do o paciente m em bro d o Ministério Pú­ blico Estadual, a investigação pelo seu envolvim ento em suposta prática de crime não é atribuição da polícia judiciária, m as d o Procurador-Geral de Justiça [artigo 18, parágrafo único, da LC 73/95 e artigo 41, parágrafo único, da Lei n. 8.625/93]. (...) Ordem denegada". (STF, 2a Turma, HC 93.224/SP, Rei. Min. Eras Grau, j. 13/05/2008, DJe 167 04/09/2008).

STF:"(...) É perfeitamente possível que o ó rgão d o M i­

não torn a m a in ve stiga ção crim inal e x clu sividade

nistério Público prom ova a colheita de determ inados elem entos de prova que dem onstrem a existência da

da polícia, nem afastam o s poderes de investigação

autoria e da m aterialidade de determ inado delito. Tal

d o M inistério Público. Fixada, em repercussão geral,

conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, m as apenas

tese assim su m u la d a :"0 M inistério Público disp õe de com petência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, d e sd e que respeitados o s direitos e garan tias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa

harmonizar as norm as constitucionais (arts. 129 e 144) de m o d o a com patibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração do s fatos supostam ente delituosos, m as tam bé m a form ação da opinio delicti.

sob investigação d o Estado, observadas, sempre, por

O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao

seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional

parquet a privatividade na p rom oção da ação penal

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

n.irwca- D o seu turno, o C ó d ig o de Processo Penal

j

40

O poder de investigar com põe, em sede penal, o com ­

S3c>5-«sce que o inquérito policial é dispensável, já

plexo de funções institucionais d o M inistério Público,

xue o M n isté rio Público p od e em basar seu pedido em

que dispõe, na condição d e "d o m in u s litis"e, tam bém , com o expressão de sua com petência para exercer o

aec 2 s de informação que concretizem justa causa para x x r x n õ a . Ora, é princípio basilar da hermenêutica

controle externo da atividade policial, da atribuição

r 3 -at. q u a n d o a C on stitu ição Federal concede o s

de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, m as por autoridade própria e so b sua direção, proce­

i r s . da o s meios. Se a atividade fim - prom oção da

dim entos de investigação penal destinados a viabilizar

s ç s c penal pública - foi o u to rga d a ao parquet em

a obtenção de dados informativos, de subsídios proba­

fe n x

privatividade, não se concebe com o não lhe

tórios e de elem entos de convicção que lhe perm itam

o p o rtim z a r a colheita de prova para tanto, já que o

formar a"opinio delicti", em ordem a propiciar eventual

C * autoriza que 'p e ç as de inform ação" e m basem a

ajuizam ento da ação penal de iniciativa pública. (...) O

c ir-g r n jõ o n a l o d o s "poderes implícitos", se g u n d o

a e rú n d a - C abe ressaltar, que, no presente caso, os

M inistério Público, sem prejuízo da fiscalização in tra-

a e ita s descritos na denúncia teriam sido praticados ocr pcfidais, o que, tam bém , justifica a colheita do s

-orgânica e daquela d e se m pe n had a pelo C onselho Nacional d o Ministério Público, está permanentemente

a e s o m en tos das vítimas pelo Ministério Público. Ante

sujeito ao controle jurisdicional d o s atos que pratique

e exposto, d e n e go a ordem de habeas corpus". (STF, 2a

no âm b ito d a s in ve stigaçõ es penais q u e p rom ova

~ j~ -a . HC 91.661, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 10/03/2009, ZJe 54 02/04/2009).

"ex própria auctoritate", não podendo, dentre outras

STFrtj a outorga constitucional de funções de polícia

d o investigado ao silêncio ("nem o tenetur se detegere"), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem

c o c a r i a á instituição policial não im pede nem exclui * p c sib tlid a d e de o M inistério Público, que é o "d om i-

• l s rcs", determinar a abertura de inquéritos policiais, •eousítar esclarecimentos e diligências investigatórias, e s 2 r presente e acompanhar, junto a ó rgãos e agentes o oicars, quaisquer atos de investigação penal, m esm o aoueíes sob regim e de sigilo, sem prejuízo de outras r e í d a s que lhe pareçam indispensáveis à form ação pa sua ‘opinio delicti", sendo-lhe vedado, no entanto, a ss-m íra presidência do inquérito policial, que traduz a r c u íç ã o privativa da autoridade policial. (...) Ainda que imexista qualquer investigação penal prom ovida p e a Policia Judiciária, o M inistério Público, m esm o assim, pod e fazer instaurar, validamente, a pertinente 'persecutio criminis in judicio", desde que disponha, para tanto, de e lem entos m ín im os de inform ação, p j-d a d o s em base empírica idônea, que o habilitem a deduzir, perante juizes eTribunais, a acusação penal. U A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1°, r c is o IV, da Constituição da República - que não inibe a sãrid ad e de investigação criminal d o Ministério Públi­ co - tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos o rganism os policiais que com põem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, policia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração d o s crimes pre­ vistos no próprio texto da Lei Fundam ental ou, ainda,

lim itações de ordem jurídica, desrespeitar o direito

constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecim ento das razões m otivadoras d o procedim ento investigatório, nem su bm etê-lo a m edidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem im pedi-lo de fazer-se acom panhar de Advogado, nem impor, a este, in devidas restrições ao regular de sem pen ho de suas prerrogativas profissionais (Lei n° 8.906/94, art. 7°, v.g.). - O procedim ento investiga­ tório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, term os de declarações ou de p oim e n ­ tos, laudos periciais e dem ais subsídios probatórios coligid os no curso da investigação, não podendo, o "Parquet", sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, qu aisq ue r desses e lem en tos de informação, cujo conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu A d vo gad o. O regim e de sigilo, sem pre excepcional, eventualm ente prevalecente no contexto de investigação penal prom ovida pelo M inistério Público, não se revelará oponível ao investigado e ao A d v o ga d o por este constituído, que terão direito de acesso - considerado o princípio da com u nhão das provas - a tod os o s elem entos de infor­ m ação que já tenham sido form alm ente incorporados aos autos d o respectivo procedim ento investigatório". (STF, 2aTurma, H C 89.837/DF, Rei. Min. Celso de Mello, j. 20/10/2009, DJe 20/11/2009).

em tratados ou convenções internacionais. - Incumbe, à Polícia Civil d o s E sta d o s-m e m b ro s e d o Distrito Federal, ressalvada a com petência da União Federal e excetuada a apuração d o s crimes militares, a função de proceder à investigação do s ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo d o poder investigatório de que dispõe, com o atividade subsidiária, o Ministério Público. - Função de polícia judiciária e função de in­ vestigação penal: um a distinção conceituai relevante, que tam bém justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, d o poder investigatório em matéria penal. (...)

7.3.1. Procedim ento investigatório cri­ minal: firmada a possibilidade de o Ministé­ rio Público presidir investigações criminais, e tendo em conta que o órgão do Ministério Público não pode presidir inquéritos policiais, discute-se acerca do instrumento a ser utilizado para a realização das investigações pelo órgão ministerial. O meio a ser usado pelo Parquet

Art. 4o

v

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

para a realização das investigações é o proce­ dimento investigatório criminal (PIC), o qual não exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos legitimados da Administração Pública. Consiste o procedi­ mento investigatório criminal no instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, ins­ taurado e presidido por um membro do MP, com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais, de natureza pública, fornecendo elementos para o oferecimento ou não da denúncia, estando regulamentado pela Resolução n. 13 do Con­ selho Nacional do Ministério Público. Esse procedimento poderá ser instaurado de ofício, por membro do Ministério Público, no âmbito de suas atribuições criminais, ao tomar conhe­ cimento de infração penal, por qualquer meio, ainda que informal, ou mediante provocação. Também poderá ser instaurado por grupo de atuação especial composto por membros do Ministério Público. Essa instauração deve se dar por portaria fundamentada, devidamente registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem investigados e deverá conter, sempre que possível, o nome e a qualificação do autor da representação e a determinação das dili­ gências iniciais. A par de outras providências que poderão ser adotadas, na condução das investigações, o órgão do Ministério Públi­ co poderá: I - fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências; II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; III - requisitar informações e do­ cumentos de entidades privadas, inclusive de natureza cadastral; IV - notificar testemunhas e vítimas e requisitar sua condução coercitiva, nos casos de ausência injustificada, ressalva­ das as prerrogativas legais; V - acompanhar buscas e apreensões deferidas pela autoridade judiciária; V I - acompanhar cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária deferidas pela autoridade judiciária; VII - expe­ dir notificações e intimações necessárias; VIII - realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos; IX - ter acesso incondicional

de

L ima

a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; X requisitar auxilio de força policial. O prazo para a conclusão desse procedimento investigatório criminal é de 90 (noventa) dias, sendo permiti­ das, por igual período, sucessivas prorrogações, por decisão fundamentada do Ministério Pú­ blico responsável pela sua condução. Quanto à conclusão deste procedimento investigatório criminal, são 3 (três) as providências que pode­ rão ser adotadas pelo órgão ministerial, a saber: a) oferecimento de denúncia; b) declinação das atribuições para atuar em favor de outro órgão do Ministério Público; c) arquivamento dos autos, caso o membro do Ministério Público se convença da inexistência de fundamento para o oferecimento de denúncia, devendo essa promoção ser apresentada ao juízo com­ petente, nos moldes do art. 28 do CPP, ou ao órgão superior interno responsável por sua apreciação (Procurador-Geral de Justiça, no âmbito do Ministério Público dos Estados ou Câmara de Coordenação e Revisão, no âmbito do Ministério Público Federal). Admitida a possibilidade de o Ministério Público presidir investigações criminais através do procedi­ mento investigatório criminal, é certo dizer que, da mesma forma que se assegura ao ad­ vogado acesso aos autos do inquérito policial, também se deve a ele assegurar o acesso aos autos desse procedimento, sob pena de violação ao preceito do art. 5o, LXIII, da Constituição Federal. Dentre outras limitações, não pode o Ministério Público desrespeitar o direito do investigado ao silêncio (nemo tenetur se detegere), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento inves­ tigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advo­ gado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais. O Ministério Público também não está autorizado a requisitar documentos fiscais e bancários sigilosos diretamente ao Fisco e às instituições financeiras, sob pena de violar os direitos e garantias constitucionais de

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

intimidade da vida privada dos cidadãos, já que tal medida somente é válida quando precedida da devida autorização judicial. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

C o n sid e ra n d o o a rtigo 129, inciso VI, da

Constituição Federal, e o artigo 8o, incisos II, IV e § 2°, da Lei Com plem entar 75/1993, há quem sustente ser possível ao M inistério Público requerer, diretamente, sem prévia autorização judicial, a quebra de sigilo bancário ou fiscal. N o entanto, n u m a interpretação consentânea com o Estado D em ocrático de Direito, esta concepção não se m ostra a m ais acertada, um a vez q u e o M in istério Público é parte n o p rocesso penal, e em bora seja entidade vocacionada à defesa da ordem jurídica, representando a sociedade com o um todo, não atua de form a totalm ente imparcial, ou seja, não possui a necessária isenção para decidir sobre a im prescindibilidade ou não da m edida que excepciona os sigilos fiscal e bancário. A m esm a Lei Com plem entar 75/1993 - apontada por algu n s com o a fonte da legitim ação para a requisição direta pelo Ministério Público de inform ações contidas na esfera de privacidade do s cidadãos - dispõe, na alínea "a" do inciso XVIII d o artigo 6o, com petir ao ó rgã o ministerial representar pela quebra d o sigilo de dados. O sigilo fiscal se insere no direito à privacid ade p ro te gid o constitucionalm ente nos incisos X e XII d o artigo 5o da Carta Federal, cuja quebra configura restrição a um a liberdade pública, razão pela qual, para que se m ostre legítima, se exige a dem onstração ao Poder Judiciário da existência de fu n dad os e excepcionais m otivos que justifiquem a sua adoção. É evidente a ilicitude da requisição feita diretam ente pelo ó rgão ministerial à Secretaria de Receita Federal, por m eio da qual foram encam inhadas cópias das declarações de rendim entos d o paciente e do s dem ais investiga­ do s no feito. (...) O rdem concedida para determ inar o desentranham ento das provas decorrentes da quebra d o sigilo fiscal realizada pelo M inistério Público sem autorização judicial, cabendo ao m agistrado de ori­ ge m verificar quais outros elem entos de convicção e decisões proferidas na ação penal em tela e na m edida cautelar de sequestro estão contam inados pela ilicitu­ de ora reconhecida". (STJ, 5aTurma, H C 160.646/SP, Rei. Min. Jorge Mussi,j. 1°/9/2011).

7.4. Inquérito civil: dentre as funções insti­ tucionais do Ministério Público está a de pro­ mover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e so­ cial, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129). Daí dispor o art. 8o, §1°, da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), que o Ministério Público poderá

Art. 4o

instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo publico ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis. Fun­ ciona como um procedimento de natureza administrativa (não jurisdicional), de caráter pré-processual, não obrigatório, presidido pelo representante do Ministério Público, que se destina à colheita de elementos prévios e indispensáveis ao exercício responsável da ação civil pública. São duas as finalidades do inquérito civil: a) possibilitar a obtenção de dados e elementos visando instruir eventual ação civil pública; b) evitar o ajuizamento de demandas sem qualquer embasamento fático e/ou jurídico. Como destacam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (Curso de direito processual civil: processo coletivo. Volume 4 . 3a edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2008, p. 242-243), diferencia-se do inquérito policial pelos seguintes motivos: a) o inquérito civil se destina precipuamente para a área cível lato sensu, enquanto o inquérito policial volta-se sempre para a área criminal; b) no inquéri­ to civil é o próprio M inistério Público que preside as investigações, enquanto que, no inquérito policial, em geral, é a polícia que atua no inquérito; c) no inquérito civil o ar­ quivamento é controlado pelo próprio M inis­ tério Público, que determina o arquivamento (com obrigatória remessa de ofício para o Conselho Superior do Ministério Público); no inquérito policial, o controle do arquivamen­ to é efetuado pelo juiz, o MP apenas requer o arquivamento (art. 28 do C PP). Apesar de o inquérito civil não estar direcionado a investigações criminais, descobertos dados relativos à determinada infração penal (v.g., crimes contra o meio ambiente), nada impede que o órgão do M inistério Público ofereça denúncia com amparo em tais elementos. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Denúncia oferecida com

base em elem entos

colhidos no bojo de Inquérito Civil Público destinado à apuração de d ano s ao m eio ambiente. Viabilidade. O M inistério Público p od e oferecer denúncia inde­ pendentem ente de investigação policial, desde que possua o s elem entos m ínim os de convicção quanto

Art. 4o

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

à m aterialidade e ao s indícios de autoria, c o m o no caso (artigo 46, §1°, d o CPP). Recurso a que se nega provimento". (STF, 2a Turma, RE 464.893/GO, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 20/05/2008, DJe 31/07/2008).

7.5. Termo circunstanciado de ocorrên­ cia: se o processo perante o Juizado Especial se orienta pelos critérios da informalidade, economia processual e celeridade, nada mais lógico do que se prever a substituição do auto de prisão em flagrante e do inquérito policial pela inicial lavratura de termo circunstanciado a respeito da ocorrência de infração de menor potencial ofensivo, a cargo da autoridade poli­ cial. Portanto, no âmbito do Juizado Especial Criminal, não há necessidade de instauração de inquéritos policiais, pelo menos em regra. Prevê o art. 69, da Lei n. 9.099/95, que a au­ toridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando as requisições dos exames periciais necessários. O inquérito policial, portanto, se vê substitu­ ído pela elaboração de um relatório sumário, contendo a identificação das partes envolvidas, a menção à infração praticada, bem como todos os dados básicos e fundamentais que possibilitem a perfeita individualização dos fatos, a indicação das provas, com o rol de testemunhas, quando houver, e, se possível, um croqui, na hipótese de acidente de trânsito. Tal documento é denominado termo circunstan­ ciado. Apesar de assemelhar-se a um boletim de ocorrência em virtude da simplicidade de sua elaboração, o termo circunstanciado dele se diferencia porque, com os elementos que o instruem, constitui a própria informatio delicti, ou seja, o instrumento necessário destinado a fornecer elementos de informação para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Apesar de ter sido lavrado termo circuns­ tanciado, nada impede que, posteriormente, seja determinada a instauração de inquérito policial para apuração da mesma conduta deli­ tuosa. Basta supor hipótese em que a transação penal não tenha sido celebrada, cuidando-se de caso complexo que demande a realização de várias diligências complementares. Além dessa hipótese, caso haja conexão ou continência

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de infração de menor potencial ofensivo com infração que não o seja, deve ser determinada a instauração de inquérito policial para apurar ambos os delitos, aplicando-se, por analogia, o quanto disposto no art. 60, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. 7.5.1. Atribuição para a lavratura: quanto à atribuição para a lavratura dessa peça de informação, é evidente que o particular não pode elaborar um termo circunstanciado, já que o art. 69, caput, da Lei n. 9.099/95, faz expressa menção à autoridade policial. Po­ rém, muito se discute acerca da autoridade policial que teria legitimidade para tanto. Na doutrina, ainda prevalece o entendimento de que, cuidando-se de procedimento de caráter investigatório, sua realização só pode ficar a cargo da autoridade de polícia investigativa (ou polícia judiciária, como prefere a maioria da doutrina) - Polícia Federal e Polícias Civis - , nos termos do art. 144, §1°, I, e §4°, da Cons­ tituição Federal. Afinal, somente o Delegado de Polícia possui, em tese, formação técnica profissional para classificar infrações penais, requisito indispensável para que o ilícito seja incluído (ou não) como infração de menor potencial ofensivo. Logo, a Polícia M ilitar não pode lavrar termo circunstanciado, pois tal função não está inserida dentre aquelas inerentes ao policiamento ostensivo e à preser­ vação da ordem pública. A despeito da posição majoritária da doutrina, preferimos entender que, em razão da baixa complexidade da peça, nada impede que sua lavratura fique a cargo da Polícia Militar. Na expressão autoridade policial constante do caput do art. 69 da Lei n. 9.099/95 estão compreendidos todos os órgãos encarregados da segurança pública, na forma do art. 144 da Constituição Federal, aí incluí­ dos não apenas as polícias federal e civil, com função institucional de polícia investigativa da União e dos Estados, respectivamente, como também a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal e as polícias militares. O art. 69, caput, da Lei n. 9.099/95, refere-se, portanto, a todos os órgãos encarregados pela Constituição Federal da defesa da segurança pública, para que exerçam plenamente sua função de restabelecer a ordem e garantir a

TlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

boa execução da administração, bem como do mandamento constitucional de preservação da ordem pública. Somente essa interpretação está de acordo com os princípios da celeridade e da informalidade. Afinal, não faz sentido que o policial militar se veja obrigado a se deslocar até o distrito policial para que o delegado de polícia subscreva o termo ou lavre outro idên­ tico, até porque se trata de peça meramente informativa, cujos eventuais vícios em nada anulam o procedimento judicial.

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do inquérito judicial. Atualmente, se houver prova da ocorrência de crime falimentar, o Ministério Público deve apresentar denúncia, se possuir elementos para tanto, ou requisitar a instauração de inquérito policial, nos termos do art. 187, caput, da Lei n. 11.101/05.0 novo regramento vem ao encontro do sistema acu­ satório, impondo ao juiz um distanciamento das funções investigatórias, reservando-lhe o papel de acudir à fase preliminar apenas quando necessário para a tutela das liberdades fundamentais.

+ Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) PO LÍCIA MILITAR. ATRIBUIÇÃO PARA LAVRAR T ER M O CIRC U N ST AN CIA DO . LEI 9.099/95. ATIVIDADE D E PO LÍCIA JUD ICIÁRIA. A C Ó R D Ã O R E C O R R ID O EM H A R M O N IA C O M O EN TEN D IM EN T O D O SUPREM O. (...) O controle de constitucionalidade da Lei n° 3.514/10 foi realizado pelo Colegiado a qu o tendo com o parâmetro as norm as dos artigos 115 e 116 da Constituição d o Es­ tado d o A m azonas que, por sua vez, repetem as regras estabelecidas no artigo 144 da Constituição Federal, razão porque não há se falar em ilegalidade, m as sim em inconstitucionalidade. Agravo Regim ental a que se nega provimento". (STF, 1aTurma, RE 702.617 A gR /A M , Rei. Min. Luiz Fux, j. 26/02/2013, DJe 54 20/03/2013).

STJ:"(...)

N os casos de prática de infração penal de

m enor potencial ofensivo, a providência prevista no art. 69 da Lei 9.099/95 é da com petência da autoridade policial, não consubstanciando, todavia, ilegalidade a circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar, em face da deficiência do s quadros da Polícia Civil". (STJ, 6a Turma, H C 7.199/PR, Rei. Min. Vicente Leal, j. 01/07/1998, DJ 28/09/1998 p. 115).

7.6. In ve stigação crim inal pela au to ri­ dade judiciária: em um sistema acusatório como o nosso, especial atenção deve ser dis­ pensada à (im) possibilidade de a investigação criminal ser presidida pela própria autoridade judiciária. 7.6.1. Inquérito judicial: estava previsto na antiga Lei de Falência (Dec.-lei n° 7.661/45, arts. 103 e seguintes), funcionando como um procedimento preparatório para a ação penal, presidido por um juiz de direito, no qual era assegurado o contraditório e a ampla defesa. A nova lei de falências (Lei n. 11.101/05), no entanto, além de revogar o diploma ante­ rior, não tratou do assunto, razão pela qual se conclui que já não existe mais o denomina­

7.6.2. R e v o g a d a Lei d as o rga n iz açõ e s criminosas: quando entrou em vigor, a Lei n. 9.034/95 (hoje revogada expressamente pela Lei n. 12.850/13) previa em seu art. 3o que a

quebra do sigilo de dados fiscais, bancários, financeiros e eleitorais podería ser decretada de ofício pelo juiz, ainda na fa se investigatória. Referido dispositivo foi alvo de duras críticas por parte da doutrina, por possibili­ tar que o magistrado passasse a agir na fase investigatória (juiz inquisidor), auxiliando o trabalho investigatório da Polícia Judiciária e do M inistério Público, o que caracterizava evidente violação ao sistema acusatório e ao princípio da imparcialidade. Deveras, deve o juiz manter-se afastado da investigação preli­ minar, atuando somente quando provocado nas hipóteses em que houver possibilidade de restrição a direitos fundamentais do inves­ tigado (v.g., interceptação telefônica, busca domiciliar, etc.), ou em casos de eventual abuso de autoridade praticado pelo M inis­ tério Público ou pelas autoridades policiais. Em um sistema acusatório, a investigação de fatos e a gestão das provas não deve ficar nas mãos do juiz: somente assim, afastando-o da fase investigatória, será possível preservar sua im parcialidade, princípio fundam en­ tal do devido processo penal. O Supremo Tribunal Federal foi chamado a analisar a constitucionalidade do referido dispositivo, tendo concluído que, em relação aos sigi­ los bancário e financeiro, o art. 3o da Lei n. 9.034/95 teria sido parcialmente revogado em face do advento da Lei Complementar n. 105/01, que passou a regulamentar a matéria em seu art. I o, §4°, IX. Quanto aos dados fis­



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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

cais e eleitorais, a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade do referido dispositivo, por violar o princípio da imparcialidade e o devido processo legal. Nas palavras do Rela­ tor, observa-se que o art. 3o da Lei n. 9.034/95 efetivamente cria procedimento excepcional, não contemplado na sistemática processual contemporânea, dado que perm ite ao juiz colher pessoalmente as provas que poderão servir, mais tarde, como fundamento fático-jurídico de sua própria decisão. Indaga-se, por isso mesmo, se o magistrado está imune de influências psicológicas, de tal sorte que o dinamismo de seu raciocínio lógico-jurídico fique comprometido por idéias preconcebi­ das, pondo em risco a imparcialidade de sua decisão?! Penso que não. Evidente que não há como evitar a relação de causa e efeito entre as provas coligidas contra o suposto autor do crime e a decisão a ser proferida pelo juiz. Ninguém pode negar que o magistrado, pelo simples fato de ser humano, após realizar pessoalmente as diligências, fique envolvido psicologicamente com a causa, contaminando sua imparcialidade”. Atento à controvérsia decorrente do ju iz inquisidor previsto na re­ vogada Lei n. 9.034/95, o legislador da Lei n. 12.850/13 teve o cuidado de afastar qualquer possibilidade de iniciativa acusatória por parte do juiz, preservando, assim, sua impar­ cialidade. Não por outro motivo, ao tratar da colaboração premiada, o art. 4o, §6°, dispõe que o ju iz não participará das negociações

realizadas entre as partes para a form alização do acordo de colaboração. Na mesma linha, consoante disposto no art. 10, caput, a in­ filtração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo Delegado de

Polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do Delegado de Polícia quando solicitada no curso de inquéri­ to policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites. Como se percebe, em fiel observância ao sistema acusatório, a nova Lei das Organizações Criminosas afasta qualquer atuação ex ojficio do magistrado durante a fase investigatória, reservando-lhe poderes para atuar apenas quando provocado pelos órgãos responsáveis pelas investigações.

+ Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Lei 9034/95. Superveniência da Lei C om p le ­ m entar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por or­ ganizações criminosas. A ção prejudicada, quanto aos procedim entos que incidem sobre o acesso a dados, d o cu m e n to s e inform ações bancárias e financeiras. Busca e apreensão de do cum e n to s relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalm ente pelo m agistrado. C om prom etim en to d o princípio da im parcialidad e e c o n se q u e n te v io la ção ao d e vido processo legal. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao M inistério Público e às Polí­ cias Federal e Civil (CF, artigo 129,1e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação jul­ ga d a procedente, em parte". (STF, Pleno, A D 11.570, Rei. Min. M aurício Corrêa, j. 12/02/2004, DJ 22/10/2004).

7.6.3. Infrações penais praticadas por m a­ gistrados: quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do Magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribu­ nal ou Órgão Especial competente para o julga­ mento, a fim de que se prossiga na investigação (LC 35/79, art. 33, parágrafo único). A nosso juízo, referido dispositivo deve ser lido à luz da Constituição Federal, que adotou o sistema acusatório em seu art. 1 2 9 ,1, do qual deriva a separação das funções de acusar, defender e julgar, além de reservar ao magistrado, na fase investigatória, o papel de mero garante das regras do jogo, devendo intervir apenas quando provocado para resguardar a proteção a direitos e garantias fundamentais. Ou seja, na fase investigatória, o juiz deve permanecer absolutamente alheio à qualidade da prova em curso, somente intervindo para tutelar viola­ ções ou ameaça de lesões a direitos e garantias individuais das partes, ou para resguardar a efetividade da função jurisdicional, quando, então, exercerá atos de natureza jurisdicional. Não se pode, pois, querer atribuir ao próprio Tribunal de Justiça ou ao órgão Especial que irá julgar o magistrado a tarefa de investigar infrações penais por ele praticadas, sob pena de evidente violação à imparcialidade e ao devido processo legal. Na verdade, em tais situações, ao Tribunal de Justiça ou ao órgão especial deve ser reservada apenas a atividade

TITULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

de supervisão judicial durante toda a trami­ tação das investigações, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo titular da ação penal. Não se pode, pois, interpretar o art. 33, parágrafo único, da LC 35/79, no sentido de que o Tribunal de Justiça irá de­ sempenhar, na fase investigatória, funções equivalentes às de um delegado de polícia ou de um membro do Ministério Público. Afinal, no Brasil, não foi adotado o instituto acolhido por outros países do juizado de instrução, no qual o magistrado exerce, grosso modo, as competências de polícia judiciária. Portanto, o art. 33, parágrafo único, da LC n. 35/79, deve ser interpretado conforme a Constituição no sentido de que o Tribunal de Justiça ou órgão especial, ao presidir o inquérito, apenas atua como um administrador, um supervisor, um coordenador, no que tange à montagem do acervo probatório e às providências acautelatórias, agindo sempre por provocação, e nun­ ca de ofício, detendo as mesmas atribuições que a legislação processual confere aos juizes singulares (Lei n. 8.038/90, art. 2o). Portanto, não exterioriza nenhum juízo de valor sobre os fatos ou as questões de direito, emergentes nessa fase preliminar, que o impeça de pro­ ceder com imparcialidade no curso da ação penal. Assim, o Judiciário, em nosso sistema processual penal, atua no inquérito para asse­ gurar a observância dos direitos e liberdades fúndamentais e dos princípios sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "(...) A s

h ipóteses de im p e d im e n to elencadas

no art. 252 d o C ó d ig o de Processo Penal constituem um num erus clausus. N ão é possível, pois, interpretar-se extensivam ente o s seus incisos I e II de m o d o a entender que o juiz que atua em fase pré-processual desem penha funções equivalentes ao de um delegado de polícia ou m em b ro do M inistério Público. Prece­ dentes. N ão se adotou, no Brasil, o instituto acolhido por outros países d o juizado de instrução, no qual o m agistrad o exerce, gro sso m odo, as com petências da polícia judiciária. O juiz, ao presidir o inquérito, apenas atua com o um administrador, um supervisor, n ão exteriorizando q u alq u e r juízo de valo r sobre fatos ou questões de direito que o im peça de atuar c om im parcialidade no curso da ação penal. O art.

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75 d o CPP, que ad otou a regra da prevenção da ação penal d o m agistrado que tiver autorizado diligências antes da denúncia ou da queixa não viola nenhum d isp o sitivo constitucional. O rde m denegada". (STF, Pleno, HC 92.893/ES, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 02/10/2008, DJe 236 11/12/2008).

STJ:"(...)

H aven d o indícios da prática de crime por

parte d e M agistrado, desloca-se a com petência para o Tribunal com petente para ju lgar a causa, prossegu in d o -se na investigação. Trata-se, pois, de regra de com petência. N o Tribunal, o inquérito é distribuído ao Relator, a q uem cabe determ inar as diligências que entender cabíveis para realizara apuração. Desneces­ sidad e de prévia au torização d o co le gia d o (Ó rgão Especial). Inteligência d o parágrafo único d o art. 33 da LO M AN . Nulidade d o s atos de instrução presididos pelo Relator, noTribunal Regional Federal da 1a Região que não prospera. Ordem denegada". (STJ,6aTurma, HC 208.657/MG, Rei. Min. Maria Thereza de Assis M oura, j. 22/4/2014, DJe 13/05/2014).

7.7. Investigação criminal defensiva: de acordo com o Projeto do novo Código de Processo Penal (Projeto de Lei n. 156/09, art. 13), passará a ser facultado ao investigado, por meio de seu advogado, de defensor pú­ blico ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificarfo n ­

tes de prova em fav or de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas. Tais entrevistas deverão ser precedidas de esclarecimentos sobre seus objetivos e do consentimento das pessoas ouvidas. Com o se percebe, com o forma de se assegurar a efetiva isonomia entre as partes na persecução penal e o direito de defesa do imputado, o projeto do novo CPP passa a prever a possibilidade de investigação crim inal defensiva. Mas o que se entende por tal espécie de investigação? Segundo André Boiani e Azevedo e Édson Luís Baldan (A preservação do devido processo legal

pela investigação defensiva - ou do direito de defender-se provando Boletim do IBCCrim, n. 137, p. 07), a investigação defensiva pode ser definida como “o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido, em qualquer fase da persecução criminal, inclu­ sive na ante judicial, pelo defensor, com ou sem assistência de consulente técnico e/ou investigador privado autorizado, tendente à coleta de elementos objetivos, subjetivos e documentais de convicção, no escopo de

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cpp COMENTADO •Renato B rasileiro de Lima

construção de acervo probatório lícito que, no gozo da parcialidade constitucional deferida, empregará para pleno exercício da ampla defesa do imputado em contraponto a investi­ gação ou acusações oficiais”. Essa investigação defensiva não se confunde com a participação do defensor nos autos do inquérito policial, a qual inclusive já é prevista pelo atual CPP no art. 14. Apesar de em ambas ser concre­ tizado o direito de defesa, ao participar do inquérito policial, o advogado está delimitado aos rumos dados à investigação pela autori­ dade policial. Na investigação defensiva, que se desenvolve de maneira independente do inquérito policial, incumbe ao defensor deli­ mitar a estratégia investigatória, não estando vinculado às autoridades públicas, devendo apenas respeitar os critérios constitucionais e legais pertinentes à obtenção da prova. Dentre os principais objetivos dessa investigação defensiva, pode-se citar: a) comprovação do álibi, ou seja, a comprovação da presença de uma pessoa em local diferente daquele em que se suponha que ela estivesse, para efeito de escusa de ato criminoso, ou de outras razões demonstrativas da inocência do imputado; b) desresponsabilização do imputado em virtude da ação de terceiros; c) exploração de fatos que revelam a ocorrência de causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade; d) eliminação de possíveis erros de raciocínio a quem possam induzir determinados fatos; e) revelação da vulnerabilidade técnica ou ma­ terial de determinadas diligências realizadas na investigação pública; f) exame do local e a reconstituição do crime para demonstrar a im propriedade das teses acusatórias; g) identificação e localização de possíveis pe­ ritos e testemunhas. Perceba-se, então, que a atividade probatória desenvolvida nessa investigação não pode obstruir a investigação policial nem tampouco danificar fontes de

prova, sob pena, aliás, de tipificação de figuras delituosas, tais como a fraude processual (CP, art. 347). Os elementos obtidos através dessa investigação crim inal defensiva costumam ser introduzidos nos autos da persecução penal sob a forma documentada. Quanto ao momento da introdução desses elementos, há de se verificar qual é a estratégia da defesa: se o objetivo é o arquivamento do feito, a juntada deve ocorrer ainda na fase preliminar; se o escopo é a absolvição sumária do acusado, devem ser juntados no momento da resposta à acusação (CPP, art. 396-A); se se pretende a absolvição em sentença de mérito ao final do processo, devem ser introduzidos no curso do feito. Como dito acima, a despeito da impor­ tância desse instrumento investigatório como forma de se assegurar o respeito à paridade de armas, não há, no direito processual penal brasileiro, pelo menos por ora, a possibilidade de investigação crim inal pela defesa. Não obstante, enquanto não aprovado o projeto do novo CPP, deve-se considerar ser possível a investigação pela defesa como espécie de investigação por particular. 7.8. Investigação por particular: foi insti­ tuída pela Lei n. 3.099, de 24/02/1957, e regu­ lamentada pelo Dec. 50.532, de 03/05/1961. É permitido o trabalho de investigador particu­ lar, desde que não invada a competência pri­ vativa da Polícia Judiciária, nem atente contra a inviolabilidade domiciliar, a vida privada e a boa fama das pessoas. O traço peculiar dessas investigações privadas é, basicamente, a ausência de imperatividade, ou seja, de po­ der de coerção. Assim, quando o particular investiga por conta própria, conta apenas com seus esforços pessoais e com a colaboração de outras pessoas e de entes públicos ou privados. Falta poder de polícia, ou seja, não goza de imperatividade.

Art. 5° Nos crimes de açâo pública o inquérito policial será iniciado:1 2 I - de ofício;3 II - mediante requisição da autoridade judiciária4 ou do Ministério Público,5ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.6 68

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TlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

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§ 1 0 O requerimento a que se refere o no II conterá sempre que possível:7 a) a narração do fato, com todas as circunstâncias; b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência. §2° Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.8 §3° Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.9 §4° O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de repre­ sentação, não poderá sem ela ser iniciado.10 §5° Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente pode­ rá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.11 1. Notitia criminis: é o conhecimento, espon­ tâneo ou provocado, por parte da autoridade policial, acerca de um fato delituoso. Subdivide-se em: a) notitia criminis de cognição imediata (ou espontânea): ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento do fato delituoso por meio de suas atividades rotinei­ ras. É o que acontece, por exemplo, quando o delegado de polícia toma conhecimento da prática de um crime por meio da imprensa; b) notitia criminis de cognição mediata (ou pro­ vocada): ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento da infração penal através de um expediente escrito. É o que acontece, por exemplo, nas hipóteses de requisição do Ministério Público, representação do ofendido, etc; c) notitia criminis de cognição coercitiva: ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento do fato delituoso através da apresentação do indivíduo preso em flagrante. 1.1. D elatio criminis: é uma espécie de notitia criminis, consubstanciada na comunicação de uma infração penal feita por qualquer pessoa do povo à autoridade policial, e não pela vítima ou seu representante legal. A depender do caso concreto, pode funcionar como uma notitia criminis de cognição imediata, quando a co­ municação à autoridade policial é feita durante

suas atividades rotineiras, ou como notitia criminis de cognição mediata, na hipótese em que a comunicação à autoridade policial feita por terceiro se dá através de expediente escrito. 1.2. N otitia crim inis inqualificada: m ui­ to se discute quanto à possibilidade de um inquérito policial ter início a partir de uma notitia criminis inqualificada, vulgarmente conhecida como denúncia anônima (v.g., disque-denúncia). Não se pode negar a grande importância da denúncia anônima no combate à criminalidade. Porém, não se pode olvidar que a própria Constituição Federal estabelece que é vedado o anonimato (CF, art. 5o, IV). Como, então, conciliar-se a denúncia anôni­ ma com a vedação do anonimato? Diante de uma denúncia anônima, deve a autoridade policial, antes de instaurar o inquérito poli­ cial, verificar a procedência e veracidade das informações por ela veiculadas. Recomenda-se, pois, que a autoridade policial, antes de proceder à instauração formal do inquérito policial, realize uma investigação preliminar a fim de constatar a plausibilidade da denúncia anônima. Afigura-se impossível a instauração de procedimento criminal baseado única e exclusivamente em denúncia anônima, haja vista a vedação constitucional do anonimato

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

e a necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos campos cível e penal. Na dicção da Suprema Corte, a instauração de procedimento criminal originada apenas em documento apócrifo seria contrária à ordem jurídica constitucional, que veda expressamen­ te o anonimato. Diante da necessidade de se preservar a dignidade da pessoa humana, o acolhimento da delação anônima permitiría a prática do denuncismo inescrupuloso, vol­ tado a prejudicar desafetos, impossibilitando eventual indenização por danos morais ou ma­ teriais, assim como eventual responsabilização criminal pelo delito de denunciação caluniosa (CP, art. 339), o que ofendería os princípios consagrados nos incisos V e X do art. 5o da CF. Em síntese, pode-se dizer que a denúncia anônima, por si só, não serve para fundamen­ tar a instauração de inquérito policial, mas, a partir dela, pode a polícia realizar diligências preliminares para apurar a veracidade das informações obtidas anonimamente e, então, instaurar o procedimento investigatório pro­ priamente dito. + Jurisprudência selecionada:

STF: "(...)

N ão serve à p e rse cu ção crim inal notícia

d e prática crim in o sa sem ide n tificação da autoria, con sid e ra d a s a v e d a ç ã o c o n stitu cio n al d o a n o n i­ m ato e a n ece ssid ad e de haver p arâm etros próprios à re sp o nsabilid ade , n o s c a m p o s cível e penal, de q u e m a im plem ente". (STF, I a Turm a, H C 84.827/ TO, Rei. M in. M a rc o Aurélio, j. 07/08/2007, DJe 147 22/11/2007).

STF: “(...) Firm ou-se a orientação de que a autoridade policial, ao receber um a denúncia anônim a, deve an­ tes realizar diligências prelim inares para averiguar se os fatos narrados nessa "denúncia"são m aterialmente verdadeiros, para, só então, iniciar as investigações. N o c a so concreto, ain d a sem in stau rar in qu é rito policial, policiais federais diligenciaram no sentido de apurar as identidades d o s in ve stigado s e a vera­ cidade das respectivas o cu p açõ e s funcionais, tendo eles confirm ado tratar-se de oficiais de justiça lotados n aq u e la com arca, cujos n o m e s eram o s m e sm o s fornecidos pelos "denunciantes". Portanto, o s proce­ d im e nto s to m a d o s pelos policiais federais estão em perfeita con son ân cia com o entend im en to firm ado no precedente supracitado, no que tan ge à realização de diligências prelim inares para apurar a veracidade das inform ações obtid as an onim am ente e, então, ins­ taurar o procedim ento investigatório propriam ente dito. Fiabeas corpu s denegado". (STF, I a Turma, HC

95.244/PE, Rei. M in. D ia s Toffoli, j. 23/03/2010, DJe 76 29/04/2010). C o m entendim ento semelhante: STF, 2a Turma, H C 99.490/SP, Rei. Min. Joaquim Barbosa, 23.11.2010; STF, 2a Turma, H C 99.490/SP, Rei. M in. Joaquim Barbosa, j. 23/11/2010.

2. Formas de instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal pública incondicionada: pelo menos em regra, os cri­ mes são de ação penal pública incondicionada. Em outras palavras, se a lei não dispuser que “se procede mediante queixa” (crimes de ação penal de iniciativa privada) ou que “se procede mediante representação ou requisição do M i­ nistro da Justiça” (crimes de ação penal pública condicionada), subentende-se que o crime é de ação penal pública incondicionada. Nos crimes de ação penal pública incondicionada, o inquérito policial pode ser instaurado das seguintes formas: a) de ofício; b) requisição do Ministério Público; c) requerimento do ofen­ dido ou de seu representante legal; d) notícia oferecida por qualquer pessoa do povo; e) auto de prisão em flagrante delito (vide comentários ao art. 8o do CPP). 3. Instauração d o inquérito policial de ofício: por força do princípio da obrigato­ riedade, que também se estende à fase investigatória, caso a autoridade policial tome conhecimento do fato delituoso a partir de suas atividades rotineiras (v.g., notícia veicu­ lada na imprensa, registro de ocorrência, etc.), deve instaurar o inquérito policial de ofício, ou seja, independentemente da provocação de qualquer pessoa (CPP, art. 5o, I). Nesse caso, a peça inaugural do inquérito policial será uma portaria, que deve ser subscrita pelo Delegado de Polícia e conter o objeto da investigação, as circunstâncias já conhecidas quanto ao fato delituoso, assim como as diligências iniciais a serem cumpridas. 4. Requisição da autoridade judiciária: diz o art. 5°, inciso II, I a parte, do CPP, que o inquérito também poderá ser iniciado, nos crimes de ação pública, mediante requisição da autoridade judiciária. Apesar de o CPP fazer menção à possibilidade de a autoridade judiciária requisitar a instauração de inqué­ rito policial, pensamos que tal possibilidade

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não se coaduna com a adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal. Na ver­ dade, tal dispositivo só guarda pertinência com a ordem jurídica anterior à Constituição Federal, na qual se permitia aos magistrados até mesmo a iniciativa da ação penal, tal qual dispunha o revogado art. 531 do CPP, nos casos de homicídio e lesões corporais culpo­ sas. Num sistema acusatório, onde há nítida separação das funções de acusar, defender e julgar (CF, art. 1 2 9 ,1), não se pode permitir que o juiz requisite a instauração de inquérito policial, sob pena de evidente prejuízo a sua imparcialidade. Portanto, deparando-se com informações acerca da prática de ilícito penal, deve o magistrado encaminhá-las ao órgão do Ministério Público, nos exatos termos do art. 40 do CPP. 5. Requisição do Ministério Público: o art. 129, V III, da Constituição Federal, determina que são funções institucionais do Ministério Público requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifes­ tações processuais. Na mesma linha, o art. 13, inciso II, do CPP, dispõe que incumbe à autoridade policial realizar as diligências requisitadas pelo M inistério Público (vide também art. 26, inciso IV, da Lei n. 8.625/93). Diante de requisição do Ministério Público, pensamos que a autoridade policial está obri­ gada a instaurar o inquérito policial: não que haja hierarquia entre promotores e delegados, mas sim por força do princípio da obrigato­ riedade, que impõe às autoridades o dever de agir diante da notícia da prática de infração penal. Logicamente, em se tratando de requi­ sição ministerial manifestamente ilegal (v.g., para investigar crime prescrito ou conduta atípica), deve a autoridade policial abster-se de instaurar o inquérito policial, comunican­ do sua decisão, justificadamente, ao órgão do Ministério Público responsável pela requisição, assim como as autoridades correcionais. 6. Requerimento do ofendido ou de seu representante legal: também é possível a instauração de inquérito policial a partir de

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requerimento do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo. 7. Conteúdo d o requerimento do ofendi­ do: esse requerimento conterá, sempre que possível: a) a narração do fato, com todas as suas circunstâncias; b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de fazê-lo; c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência. 8. Recurso ade qu ad o contra o indeferi­ mento de instauração do inquérito poli­ cial: nessa hipótese de requerimento do ofen­ dido ou de seu representante legal, discute-se na doutrina e na jurisprudência se o delegado é obrigado a instaurar o inquérito policial. Prevalece o entendimento no sentido de que ao delegado incumbe verificar a procedência das informações a ele trazidas, evitando-se, assim, a instauração de investigações temerá­ rias e abusivas. Convencendo-se que a notitia criminis é totalmente descabida, sem respaldo ju ríd ico ou m aterial, como, por exemplo, quando entender que o fato é manifestamente atípico, ou que a punibilidade esteja extinta, deve a autoridade policial indeferir o reque­ rim ento do ofendido para instauração de inquérito policial. Indeferido o requerimento do ofendido de abertura do inquérito, surge a possibilidade de recurso inominado para o chefe de Polícia (CPP, art. 5o, §2°). Esse Chefe de Polícia pode ser o Delegado-Geral da Polícia Civil ou o Secretário de Segurança Pública, a depender do estado da Federação. Nas hipóteses de atribuição da Polícia Federal, esse Chefe de Polícia é o Superintendente da Polícia Federal. A previsão desse recurso não impede que o ofendido faça o requerimento diretamente ao Ministério Público. Caso a au­ toridade policial, justificadamente, se recuse a instaurar inquérito policial, sob o argumento de que os fatos levados a seu conhecimento são atípicos, não há falar em violação a direito líquido e certo a dar ensejo à impetração de mandado de segurança, sobretudo se consi­ derarmos que há previsão legal de recurso inominado ao Chefe de Polícia.

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CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

M a n d a d o de segurança. Inquérito Policial.

Pedido de instauração. Recusa. Ausência de direito líquido e certo. Se a autoridade policial recusa, justificadamente, instaurar inquérito policial, por entender que os fatos levados a seu conhecim ento são atípicos, inexiste direito líquido e certo a ser preservado pela via d o writ. Recurso desprovido". (STJ, 6a Turma, R M S 7.598/RJ, Rei. M in. W illiam Patterson, j. 09/04/1997, DJ 12/05/1997).

9. Notícia oferecida por qualquer do povo: de acordo com o art. 5o, §3°, do CPP, qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, ve­ rificada a procedência das informações, man­ dará instaurar inquérito. Cuida-se da chamada delatio criminis simples, comumente realizada através de uma ocorrência policial. Mais uma vez, verificada a procedência e veracidade das informações, deve o delegado determinar a instauração do inquérito policial. Trata-se, portanto, de mera faculdade do cidadão, não tendo ele o dever de noticiar a prática de in­ fração penal. Excepcionalmente, no entanto, a notícia de crime é obrigatória, como deixa entrever o art. 66 do Dec.-lei 3.688/41, segundo o qual constitui contravenção penal deixar de comunicar à autoridade competente: a) crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação; b) crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou outra profissão sani­ tária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal. De seu turno, as autoridades públicas, notadamente aquelas envolvidas na persecução penal, por força do princípio da obrigatoriedade, têm o dever de noticiar fatos possivelmente criminosos, sob pena de responderem administrativamente e de incorrerem no delito de prevaricação, caso comprovado que a inércia se deu para satisfazer interesse ou sentimento pessoal (CP, art. 319).10 10. Instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal pública condiciona­ da: nesses casos, a deflagração da persecutio

criminis está subordinada à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça (CPP, art. 5o, §4°). Por representação, também denominada de delatio criminis postulatória, entende-se a manifestação da vítima ou de seu representante legal no sentido de que possuem interesse na persecução penal, não havendo necessidade de qualquer formalismo. Supon­ do-se, assim, a prática de um crime de estupro, hoje considerado, em regra, crime de ação penal pública condicionada à representação (CP, art. 225, com redação determinada pela Lei n. 12.015/09), a instauração do inquérito policial estará vinculada à manifestação da vítima ou de seu representante legal, de onde se possa extrair que têm intenção de ver apurada a responsabilidade penal do autor da infração. Para mais detalhes acerca da representação, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 24 e 25 do CPP. 11. Instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal de iniciativa privada: à semelhança da hipótese anterior, em se tra­ tando de crime de ação penal privada (v.g., pelo menos em regra, crimes contra a honra são de ação penal privada), a atuação do aparato estatal envolvido na persecução penal também fica condicionada ao requerimento do ofendi­ do ou de seu representante legal. Nessa linha, dispõe o art. 5o, §5°, do CPP, que a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito nos crimes de ação privada a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la. No caso de morte ou ausência do ofendido, o requeri­ mento poderá ser formulado por seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (CPP, art. 31). Como se vê, esse requerimento é condição de procedibilidade do próprio inquérito poli­ cial, sem o qual a investigação sequer poderá ter início. Esse requerimento deve ser formula­ do pelo ofendido dentro do prazo decadencial de 6 (seis) meses, contado, em regra, do dia em que vier a saber quem é o autor do crime. Portanto, verificando a autoridade policial que o requerimento do ofendido foi formulado após o decurso do prazo decadencial de 6 (seis) meses, deve se abster de instaurar o inquérito policial, porquanto extinta a punibilidade (CP, art. 107, IV). A propósito, vale lembrar que

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o requerimento de instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal de iniciativa privada não tem o condão de interromper nem tampouco de suspender a fluência do prazo decadencial. 11.1. Auto de prisão em flagrante delito: em relação aos crimes de ação penal pública condicionada e de ação penal de iniciativa pri­ vada, a instauração do inquérito policial tam­ bém poderá se dar em virtude de auto de prisão em flagrante, o qual deverá ser precedido de requerimento da vítima ou de seu representante

Art. 6o

legal. No tocante a tais delitos, é plenamente possível a captura e a condução coercitiva daquele que for encontrado em situação de flagrância, fazendo-se cessar a agressão com o escopo de manter a paz e a tranquilidade social. No entanto, a lavratura do auto de prisão em flagrante estará condicionada à manifestação do ofendido ou de seu representante legal. Se a vítima não puder imediatamente ir à delegacia para se manifestar, por ter sido conduzida ao hospital ou por qualquer motivo relevante, poderá fazê-lo no prazo de entrega da nota de culpa, que é de 24 (vinte e quatro) horas.

Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:' I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;1 2 II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;3 III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;4 IV - ouvir o ofendido;5 V - ouvir o indiciado,6com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas7 e a acareações;8 VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;9 VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível,'0-" e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;'2 IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista indi­ vidual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.'3 X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual res­ ponsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído pela Lei n. 13.257/16).'4 1. D iligê n cia s investigatórias: em seus arts. 6° e 7o, o Código de Processo Penal traz um rol exemplificativo de diligências investigatórias que poderão ser adotadas pela autoridade policial ao tomar conhecimento de um fato delituoso. Algumas são de caráter obrigatório, como, por exemplo, a realização

de exame pericial quando a infração deixar vestígios; outras, no entanto, têm sua reali­ zação condicionada à discricionariedade da autoridade policial, que deve determinar sua realização de acordo com as peculiaridades do caso concreto (v.g., reconstituição do fato delituoso). Várias diligências investigatórias

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listadas no art. 6o do CPP serão estudadas com mais detalhes no Título atinente às pro­ vas (v.g., oitiva do ofendido, reconhecimento de pessoas e coisas, acareações, exame de corpo de delito, etc.). Por isso, sugerimos ao leitor que o presente tópico seja estudado em conjunto com a leitura dos arts. 158 a 250 do CPP. 2. Preservação do local do crime: a preser­ vação do local do crime tem um objetivo precípuo, qual seja, preservar os vestígios deixados pela infração penal (corpo de delito), a fim de não prejudicar o trabalho a ser desenvolvido pelos peritos criminais. Um dos requisitos básicos para que os peritos criminais possam realizar um exame pericial satisfatório é que o local esteja adequadamente isolado e pre­ servado, a fim de que não se perca qualquer vestígio que tenha sido produzido pelos sujei­ tos ativos na cena do crime. Daí dispor o art. 169 do CPP que, para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. Ós peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos. A investigação terá mais probabilidade de sucesso caso sejam obser­ vados dois fatores básicos: a) inicie imediata­ mente as investigações a partir do local onde ocorreu o crime, pois será ali que haverá mais possibilidades de se encontrar alguma infor­ mação, tanto sob o aspecto da prova pericial, quanto das demais investigações subjetivas, tais como testemunhas, relatos diversos de observadores ocasionais, visualização da área para avaliação de possíveis informações de suspeitos, etc.; b) o tempo é fator que trabalha contra investigadores de polícia e peritos cri­ minais no esclarecimento de qualquer crime, uma vez que, quanto mais tempo se gasta para iniciar determinada investigação, fatalmente informações valiosas serão perdidas, que, em muitos casos, poderiam ser essenciais para o resultado final da investigação.

2.1. Acidentes de trânsito: nesses casos, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente de exame do local, a ime­ diata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudi­ carem o tráfego. Para autorizar a remoção, a autoridade ou agente policial lavrará boletim da ocorrência, nele consignando o fato, as testemunhas que o presenciaram e todas as demais circunstâncias necessárias ao esclare­ cimento da verdade (Lei n. 5.970/83, art. I o). 3. Apreensão de objetos: outra diligência que deve ser adotada pela autoridade policial é a apreensão dos objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos cri­ minais. A apreensão dos objetos relacionados ao fato delituoso tem os seguintes objetivos: a) futura exibição do instrumento utilizado para a prática do delito, como, por exemplo, durante o plenário do Tribunal do Júri; b) necessidade de contraprova; c) eventual perda em favor da União como efeito da condenação (confisco). É possível a apreensão de quaisquer objetos que guardem relação com o fato delituoso, pouco importando sua origem lícita ou ilícita. Esses objetos apreendidos deverão acompanhar os autos do inquérito policial, nos termos do art. 11 do CPP. Por força dos arts. 118,119 e 120 do CPP, não poderão ser restituídas: a) as coisas apreendidas, enquanto interessarem ao pro­ cesso; b) os instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito produto do crime; c) qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso; d) objetos em relação aos quais haja dúvida quanto ao direito do reclamante. Para que a apreensão seja considerada lícita, há de se ficar atento aos requisitos da medida cautelar de busca pessoal e de busca domiciliar. A busca pessoal inde­ pende de prévia autorização judicial quando realizada sobre o indivíduo que está sendo preso, quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam o corpo de delito, assim como na hipótese de cumpri­

TlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

mento de mandado de busca domiciliar (CPP, art. 244). A busca domiciliar está condicionada à observância do art. 5o, XI, da Constituição Federal, segundo o qual a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Para mais detalhes acerca da busca pessoal, ou domiciliar - , remetemos o leitor aos comentários aos arts. 244 e 245 do CPP. 4. Colheita de outras provas: confirmando a discricionariedade dispensada ao trabalho investigatório da autoridade policial no curso do inquérito policial, o CPP dispõe que a au­ toridade policial deve colher todas as provas que sirvam para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias (art. 6o, III). 4.1. Violência doméstica e familiar contra a mulher: a título de exemplo de outras provas que devem ser colhidas de imediato, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei n. 11.340/06, art. 11), a autoridade policial deverá, entre outras providências: I - garantir proteção policial, quando necessá­ rio, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III - fornecer trans­ porte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV - se necessário, acompanhar a ofendi­ da para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio fami­ liar; V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial ado­ tar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida,

Art. 6o

para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e re­ quisitar outros exames periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; V I - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; V II - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter: I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes; III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida. A autori­ dade policial deverá anexar a esse pedido da ofendida o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida. Ademais, nesses casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde. 5. Oitiva do ofendido: se possível, o D e­ legado de Polícia também deve proceder à oitiva do ofendido. Conquanto o depoimento da vítima deva ser colhido com certa reserva, haja vista seu envolvimento emocional com o fato delituoso e o consequente interesse no deslinde da investigação, as informações por ela prestadas poderão ser muito úteis na busca de fontes de provas, contribuindo para o êxito das investigações. Como aduz Antônio Scarance Fernandes (O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 59-60), “o próprio sucesso da investigação e, consequentemente, o bom resultado final do processo dependem muito do interesse da vítima em colaborar. É ela quase sempre quem comunica o crime e indica as principais testemunhas. O seu retorno para prestar ou fornecer novos esclarecimentos é de máxima importância. A sua participação é necessária para a realização de diligências relevantes, tais como os reconhecimentos de pessoas e coisas e a elaboração do exame de corpo de delito”. De acordo com o art. 201, §1°, do CPP,

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se, intimado para esse fim, o ofendido deixar de comparecer, é possível que a autoridade policial determine sua condução coercitiva. 6. Interrogatório do investigado: consoante disposto no art. 6o, inciso V, do CPP, a auto­ ridade policial deverá ouvir o indiciado, com observância, no que fo r aplicável, do disposto no Capítulo III do Título V II, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura. Apesar de o interrogatório judicial ser subdividido em duas fases, a primeira relati­ va à pessoa do acusado, e a segunda quanto aos fatos que lhe são imputados (CPP, art. 187), o interrogatório policial deve ficar res­ trito à infração penal sob investigação. Afinal, esse interrogatório judicial sobre a pessoa do acusado foi inserido no texto do art. 187 do CPP pela Lei n. 10.792/03 apenas para que o magistrado tivesse conhecimento acerca de sua personalidade, de sua culpabilidade e de seus antecedentes, para fins de avaliação das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP.

no delito (v.g., uma motocicleta usada em um crime de furto) e dos objetos que constituem o produto do crim e (automóvel subtraído, celular roubado, etc.). Ao reconhecimento de coisas aplica-se o mesmo procedimento do reconhecimento de pessoas, no que for possível (CPP, a rt 227). Por força do princípio da busca da verdade e da liberdade das provas, tem-se admitido a utilização do reconhecimento fotográfico, observando-se, por analogia, o procedimento previsto no CPP para o reco­ nhecimento pessoal. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Ajurisprudência do SuperiorTribunal de Justiça admite a possibilidade de reconhecimento d o acusado por meio fotográfico desde que observadas as formali­ dades contidas no art. 226 do C ód igo de Processo Penal. Eventual irregularidade com etida no inquérito policial restou sanada na fase judicial, porquanto o juiz processante, ao realizar o reconhecimento pessoal d o acusado na audiência de inquirição de testemunhas, o fez sob o crivo do contraditório e da am pla defesa. (...) Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada". (STJ, 5 ■>Turma, H C 136.147/SP, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 06/10/2009, DJe 03/11 /2009).

6.1. O briga torie d a d e de assistência de advogad o no interrogatório policial: para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 4o do CPP, mais precisamente ao item “5.4. Procedimento inquisitorial (Lei n. 13.245/16)”. 6.2. Direito à não autoincriminação: por força do princípio do nemo tenetur se detegere, o suspeito, investigado, indiciado ou acusado não é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Portanto, deve o investigado ser for­ malmente advertido pela autoridade policial que tem direito ao silêncio, e que do exercício desse direito não poderá decorrer qualquer prejuízo a sua pessoa. 7. Reconhecimento de pessoas e coisas: quando houver necessidade de se fazer o reco­ nhecimento de pessoa no curso do inquérito policial, proceder-se-á pela forma prevista no art. 226 do CPP. O reconhecimento de coisas é ato ligado à identificação dos instrumentos empregados na prática delituosa (faca, revól­ ver, etc.), dos objetos utilizados para auxiliar

7.1. Direito à não autoincriminação: por força do princípio do nemo tenetur se detegere, o investigado tem o direito de não colaborar na produção da prova sempre que se lhe exigir um comportamento ativo, um facere, daí por­ que não é obrigado a participar da acareação. Todavia, em relação às provas que demandam apenas que o acusado tolere a sua realização, ou seja, aquelas que exijam uma cooperação meramente passiva, não se há falar em violação ao nemo tenetur se detegere. O direito de não produzir prova contra si mesmo não persiste, portanto, quando o acusado for mero objeto de verificação. Assim, em se tratando de reco­ nhecimento pessoal, ainda que o acusado não queira voluntariamente participar, admite-se sua execução coercitiva. Em sentido diverso: FIORI, ArianeTrevisan. Aprova e a intervenção corporal: sua valoração no processo penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 94. 8. Acareações: a acareação será admitida entre investigados, entre investigado e teste­ munha, entre testemunhas, entre investigado

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes. Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação. Para mais detalhes acerca de seu procedimento, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 229 e 230 do CPP. 9. Determ inação de realização de exa­ me de corpo de delito e quaisquer outras perícias: dentre as várias diligências a serem determinadas pela autoridade policial, prevê o Código a determinação de exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias (CPP, art. 6o, V II). Relembre-se que, por força do art. 158 do CPP, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de deli­ to, direito ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Para mais detalhes acerca dos exames periciais, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 158 a 184 do CPP. 10. Identificação do indiciado: consta do art. 6o, V III, I a parte, do CPP, que a autori­ dade policial deve ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes. A primeira parte desse preceito do CPP, que entrou em vigor antes da Consti­ tuição Federal, deve ser lida em cotejo com o art. 5o, LVIII, da Carta Magna, que prevê que o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei. Por isso, grande parte da doutrina advoga que a norma constante do art. 6o, V III, do CPP, é incompatível com a Carta Magna, visto que referido dispositivo legal não pode ser considerado como a exceção prevista no texto constitucional. Portanto, para que seja possível a identificação criminal, mister se faz analisar a lei específica que versa sobre o assunto - Lei n. 12.037/09 - , objeto de estudo na sequência.1 11. Identificação criminal: para que o Es­ tado possa punir o autor do delito, é indispen­ sável o conhecimento efetivo e seguro de sua correta identidade, sobretudo se considerar­

Art. 6o

mos que a própria Constituição Federal prevê que nenhuma pena pode passar da pessoa do condenado (art. 5o, XLV, I a parte). De fato, ainda que não haja qualquer dúvida quanto à autoria do fato delituoso, há situações em que pode haver certa incerteza quanto à verdadeira identidade do autor do crime: afinal, durante a coleta de dados de identificação, é bastante comum que o autor do delito omita seus da­ dos pessoais, apresente informações inexatas, mentindo, usando documento falsos, ou atri­ buindo-se falsa identidade. Daí a importância da identificação criminal, que desempenha papel fundamental no auxílio da aplicação do direito penal, porquanto, através dela, é feito o registro dos dados identificadores da pessoa que praticou a infração penal sob investigação, possibilitando o conhecimento ou a confirma­ ção de sua identidade, a fim de que, ao término da persecução penal, lhe sejam impostas as sanções decorrentes do delito praticado. 11.1. Espécies de identificação criminal: a identificação criminal é o gênero do qual são espécies a identificação datiloscópica - feita com base nas saliências papilares da pessoa - , a identificação fotográfica e a novel iden­ tificação do perfil genético, introduzida pela Lei n. 12.654/12. A propósito, dispõe o art. 5o da Lei n. 12.037/09, que a identificação crim inal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos au­ tos da comunicação da prisão em flagran­ te, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação. A identificação crim inal abrange, portanto, uma sessão fotográfica, a coleta de impressões digitais do indivíduo e, em algumas hipóteses que serão estudadas mais adiante, a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético. Diante da mutabilidade da fisionomia das pessoas e a impossibilidade da formação de um cadastro fotográfico acessível, a fotografia deve ser usada como método auxiliar de identificação, não sendo possível que a autoridade policial a utilize de maneira exclusiva, dispensando a identificação datiloscópica. Para tanto, deve ser seguido o padrão fotográfico exigido para a cédula de identidade civil, ou seja, a foto de frente, tamanho três por quatro centímetros,

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prevista na Lei n. 7.116/83. As vantagens da identificação datiloscópica são destacadas pela doutrina: o desenho digital é perene, acom panhando o hom em durante toda a vida, sendo notada a form ação de pontos característicos a partir do 3o mês de vida fetal, os quais se consolidam, ainda na fase intrauterina, por volta do 6o mês de gestação, podendo ser encontrados, m esmo depois da morte, até a desagregação da matéria. A imutabilidade é a propriedade da inalterabilidade do desenho digital, desde sua formação até a putrefação cadavérica. Ademais, não é possível a localização de digitais idênticas nos diferentes dedos de um mesmo indivíduo ou entre duas pessoas diferentes. 11.2. Distinção entre identificação crimi­ nal e qualificação do investigado: a identifi­ cação criminal diz respeito à identificação dati­ loscópica, fotográfica e genética, e só é possível nos casos previstos em lei (CF, art. 5o, LVIII). A qualificação do investigado deve ser com­ preendida como sua individualização, através da obtenção de dados como nome completo, naturalidade, filiação, nacionalidade, estado ci­ vil, domicílio, etc. A qualificação do investigado não traz qualquer forma de constrangimento, tipificando o art. 68 da Lei de Contravenções Penais (Dec.-lei 3.688/41) a conduta de recusar à autoridade, quando por esta justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, pro­ fissão, domicílio e residência. 11.3. Distinção entre identificação crimi­ nal e reconhecimento de pessoas: na identi­ ficação criminal, notadamente nas hipóteses de identificação datiloscópica e do perfil genético, há o emprego de técnica científica, sendo que o ato de identificação pressupõe conhecimentos técnicos por parte do identificador. No reco­ nhecimento de pessoas (CPP, art. 226), não se exige habilidade específica, cuidando-se de mera comparação leiga feita com a finalidade de se encontrar semelhanças entre pessoas ou coisas. Assim, pode-se dizer que, enquanto o reconhecimento é feito por uma pessoa leiga, a identificação é feita por um técnico.

11.4. Leis relativas à identificação crimi­ nal: antes da Constituição Federal de 1988, a identificação criminal era tida como a regra, ainda que o indivíduo tivesse se identificado civilmente. Era esse, aliás, o teor do enuncia­ do da súmula n. 568 do Supremo Tribunal Federal: a identificação criminal não constitui

constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente. No entanto, sob o argumento de que a persecução penal poderia ser levada adiante sem que fosse acom­ panhada da obrigatória identificação criminal, a Constituição Federal passou a dispor em seu art. 5o, LVIII, que o civilmente identificado não

será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei. Como se percebe, o que antes era a regra passou a ser a exceção, estando a identificação criminal do civilmente identificado condicionada à previsão em lei. Daí a importância de verificarmos os disposi­ tivos legais que, ao longo dos anos, passaram a dispor sobre a identificação criminal: 1) art. 109 do Estatuto da Criança e do Adolescente: o adolescente civilmente identificado não será

submetido a identificação compulsória pelos ór­ gãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fu n da­ da; 2) art. 5o da revogada Lei n. 9.034/95: a identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações crimi­ nosas será realizada independentemente da identificação civil. Tinha-se, pois, hipótese de identificação criminal compulsória de pessoas envolvidas com o crime organizado, indepen­ dentemente da existência de identificação civil. Todavia, em data de 19 de setembro de 2013, a Lei n. 9.034/95 foi expressamente revogada pela nova Lei das Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/13), da qual não consta nenhum dispositivo expresso acerca da obrigatoriedade de identificação criminal; 3) Lei n. 10.054/00: posteriormente revogada pela Lei n. 12.037/09, a Lei n. 10.054/00 passou a regulamentar de maneira específica a identificação criminal no ordenamento pátrio. Como o art. 3o, inciso I, da revogada Lei n. 10.054/00, enumerava, de forma incisiva, determinados crimes em que a identificação criminal seria compulsória homicídio doloso, crimes contra o patrimônio

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praticados com violência ou grave ameaça, receptação qualificada, crimes contra a liber­ dade sexual ou crime de falsificação de docu­ mento público - , não constando, dentre eles, a hipótese em que o acusado se envolve com a ação praticada por organizações criminosas, concluiu a 5a Turma do STJ que o preceito do art. 5° da Lei n. 9.034/95 (hoje revogada ex­ pressamente pela Lei n. 12.850/13) já teria sido tacitamente revogado pela Lei n. 10.054/00; 4) Lei n. 12.037/09: de acordo com seu art. 1°, o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nos casos pre­ vistos nesta lei. Ora, se a Lei n. 10.054/00 foi expressamente revogada pelo art. 9° da Lei n. 12.037/09, e se o art. 1° da Lei n. 12.037/09 preceitua que a identificação criminal só po­ derá ocorrer nos casos previstos nesta lei, há de se concluir pela revogação tácita do art. 5° da Lei n. 9.034/95 (hoje revogada expressamente pela Lei n. 12.850/13), que, inclusive, já se tinha como revogado pelo advento da Lei n. 10.054/00. Raciocínio semelhante há de ser aplicado também ao art. 109 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Portanto, doravante, a identificação criminal somente será possível nas hipóteses estabelecidas na Lei n. 12.037/09; 5) Lei n. 12.654/12: esta Lei introduziu no ordenamento pátrio a possibilidade de cole­ ta de material biológico para a obtenção do perfil genético. Também introduziu na Lei de Execução Penal o art. 9°-A, que dispõe que “os condenados por crime praticado, dolosa­ mente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. I o da Lei n. 8.072/90 serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor”. Diversamente da hipótese prevista no art. 3°, IV, da Lei n. 12.037/09, em que a identificação do perfil genético é feita para ser utilizada como prova em relação a um crime já ocorrido - pode ser qualquer delito, já que o dispositivo não faz qualquer restrição quanto à espécie de infração penal - , no caso do art. 9°-A da LEP, a coleta do material genético será feita apenas em relação aos condenados por sentença transitada em julgado pela prática de certos delitos, sendo que a identificação irá

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para um banco de dados de modo a ser usada como prova em relação a fatos futuros. Ade­ mais, neste caso, não há necessidade de prévia autorização judicial para a coleta do material biológico, vez que esta autorização é necessária apenas para ulterior acesso ao banco de dados por parte da autoridade policial (LEP, art. 9°-A, §2°, com redação dada pela Lei n. 12.654/12). ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O art. 3°, caput e incisos, da Lei n° 10.054/2000, enumerou, de form a incisiva, os casos n os quais o civil­ m ente identificado deve, necessariamente, sujeitar-se à identificação criminal, não constando, entre eles, a hipótese em que o acu sado se envolve com a ação praticada por organizações crim inosas. C o m efeito, restou revogado o preceito contido no art. 5° da Lei n° 9.034/95, o qual exige que a identificação criminal de pessoas envolvidas com o crime organizado seja realizada independentem ente da existência de iden­ tificação civil. Recurso provido". (STJ, 5a Turma, RH C 12.965/DF, Rei. M in. Felix Fischer, j. 07/10/2003, DJ 10/11/2003 p. 197).

11.5. Docum entos atestadores da identi­ ficação civil: de acordo com o art. 1° da Lei n. 12.037/09, o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei. Interpretando-se a contrario sensu o referido dispositivo, conclui-se que, se acaso o indivíduo não se identificar civilmente, com a apresentação de um dos do­ cumentos listados no art. 2° da referida lei, será possível sua identificação criminal, quando se envolver com alguma prática delituosa. O art. 2° da Lei n. 12.037/09 dispõe sobre o rol de documentos que podem atestar a identifica­ ção civil das pessoas, o que, por consequên­ cia, impede a identificação criminal. São eles: carteira de identidade, carteira de trabalho, carteira profissional, passaporte, carteira de identificação funcional, ou outro documento público que permita a identificação do indicia­ do (v.g., carteira nacional de habilitação, cujo atual layout permite a identificação civil da pessoa). Para as finalidades da Lei n. 12.037/09, equiparam-se aos documentos de identificação civis os documentos de identificação militares. As carteiras expedidas por órgãos fiscalizadores do exercício profissional, criados por lei federal, têm o mesmo valor do documento de

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identidade, diante do teor da Lei n. 6.206/75, servindo, portanto, como forma de comprova­ ção da identidade das pessoas. Ademais, aos advogados e membros do Ministério Público, é assegurado que o documento de identidade profissional ou a carteira funcional sirvam como prova de identidade civil ou cédula de identidade, ex vi do art. 13 da Lei n. 8.906/94 e do art. 42 da Lei n. 8.625/93. Apesar de o art. 2o, inciso V I, da Lei n. 12.037/09, fazer menção a qualquer outro documento público que permita a identificação do indiciado, queremos crer que uma certidão de nascimento, por si só, não é capaz de identificar civilmente o indivíduo, haja vista não ser dotada de fotografia. Aliás, o próprio art. 3o, II, da Lei n. 12.037/09, autoriza a identificação criminal quando o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado. A Lei n. 10.054/00 dispunha que o civilmente identificado por documento original não seria submetido à identificação criminal, exceto nas hipóteses discriminadas no art. 3o. A Lei n. 12.037/09, em seu art. 3o, fala apenas em apresentação de documento de identificação, sem dizer se tal documento teria que ser o original ou se bastaria uma cópia. A nosso ver, esse silêncio eloquente demonstra que a cópia de documen­ to de identificação, desde que devidamente autenticada, é capaz de suprir a ausência do original, sobretudo se considerarmos que o próprio art. 232, parágrafo único, do CPP, dispõe que a fotocópia do documento devi­ damente autenticada tem o mesmo valor que o original. 11.6. Hipóteses autorizadoras da identi­ ficação criminal: segundo o art. 3o da Lei n. 12.037/09, embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: I - o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; II - o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado: é o que acontece, por exemplo, com documentos pú­ blicos que não são dotados de fotografia, como a certidão de nascimento; III - o indiciado por­ tar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; IV - a iden­ tificação criminal for essencial às investigações

policiais, segundo despacho da autoridade ju ­ diciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa: diversa­ mente das hipóteses anteriores e seguintes, esta hipótese de identificação criminal depende de prévia autorização judicial. Apesar de o legislador referir-se apenas à representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa, pensamos que não se pode excluir a possibilidade de o ofendido representar pela identificação criminal nas hipóteses de crimes de ação penal privada. Isso porque, caso não seja determinada a identificação crim inal, estar-se-á a inviabilizar o exercício do direito de queixa, já que o ofendido não terá elementos precisos acerca da pessoa em relação à qual o processo criminal deva ser deflagrado. Noutro giro, a despeito de a Lei n. 12.037/09 não se referir ao cabimento de recurso contra essa de­ cisão judicial relativa à identificação criminal, há de se admitir a possibilidade de impetração de habeas corpus, em prol do investigado, e de mandado de segurança, no caso da acusação. Outra diferença importante em relação a este inciso IV do art. 3o é que, nesta hipótese, a identificação criminal poderá incluir a co­ leta de material biológico para a obtenção do perfil genético (Lei n. 12.037/09, art. 5o, parágrafo único, com redação dada pela Lei n. 12.654/12). Como o inciso IV faz menção à identificação para auxiliar as investigações, é de se concluir que, nesse caso, o código ge­ nético será confrontado com as amostras de sangue, saliva, sêmen, pelos, etc., encontradas no local do crime, no corpo da vítima, para fins de comprovação da autoria do delito. A título de exemplo, basta pensar na realização de exame de DNA feito a partir da comparação do material genético de determinado acusado com os vestígios de esperma encontrados no corpo da vítima. A partir da comparação, será elaborado laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado que analisará a coincidência (ou não) do perfil genético. Ante a gravidade da intervenção corporal, à autoridade judiciária incumbe demonstrar a impossibilidade de se obter a prova da autoria por método menos invasivo, funcionando a

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coleta de material genético como medida de ultima ratio, evitando-se, assim, sua banalização; V - constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; V I - o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do do­ cumento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais: parece ter havido um equivoco do legislador ao dis­ por que será possível a identificação criminal quando a localidade distante da expedição do documento impossibilitar a completa identifi­ cação dos caracteres essenciais. Ora, o fato de alguém identificar-se civilmente na cidade de Pacaraima/RR com uma carteira de identidade em perfeitas condições expedida em Santa Maria/RS, por si só, não é fundamento suficiente para sua identificação criminal, a não ser que presente uma das hipóteses anteriores. Ao contrário da lei anterior (Lei n. 10.054/00), que estabelecia um rol taxativo de delitos onde a identificação criminal seria obrigatória, ainda que o investigado se identificasse civilmente, a Lei n. 12.037/09 deixou de estabelecer a espécie de crime como critério para a determinação da identificação criminal. Presente uma das hipóteses do art. 3o da Lei n. 12.037/09, e recusando-se o investigado a colaborar, é perfeitamente possível sua condução coercitiva, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal pelo delito de desobediência. Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 260 do CPP que se o acusado não atender à intimação para o inter­ rogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado - é o caso da identificação criminal - a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. A nosso juízo, não se pode objetar que a identifi­ cação criminal importa em violação ao direito à não autoincriminação, previsto no art. 5o, LXIII, da Constituição Federal, e na Conven­ ção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8o, n. 2, “g”). Afinal, a mesma Constituição Federal que assegura o direito ao silêncio também prevê que o civilmente identificado não será submetido à identifica­ ção criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei (art. 5o, LVIII). Portanto, pelo princípio da concordância prática ou da harmonização, não

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se pode querer emprestar valor absoluto ao direito de não produzir prova contra si mesmo, inviabilizando que o Estado possa colher as im­ pressões digitais com a finalidade de registrar os dados da identidade física do provável autor do delito. Objetivando preservar a imagem da pessoa identificada criminalmente, a Lei n. 12.037 prevê que, no caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arqui­ vamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil (art. 7o). Perceba-se que a lei previu apenas a retirada da identificação fotográfica. Logo, a identificação datiloscópica deve permanecer nos autos do inquérito ou processo criminal. Na mesma linha, segundo o art. 7o-A da Lei n. 12.037/09, com redação dada pela Lei n. 12.654/12, a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito. 11.7. Identificação do perfil genético (Lei n. 12.654/12): com o crescente desenvol­ vimento de outras técnicas de identificação biométrica, tais como a identificação por voz, a identificação através da íris, da retina, da face, entre outros, sempre se discutiu se se­ ria possível a utilização de outras formas de identificação. A partir do momento em que a própria Constituição Federal determinou que o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei (art. 5o, LVIII), parece-nos que, pelo menos enquanto a legislação vigente delimitava as formas de identificação criminal apenas à datiloscópica e fotográfica (reda­ ção original da Lei n. 12.037/09), revelava-se inaceitável, à época, a utilização de outros métodos de identificação. Evidentemente, a partir do momento que sobrevêm mudança legislativa autorizando a utilização de novas formas de identificação criminal, o panorama é alterado. Daí a importância do estudo da Lei n. 12.654/12, que passou a permitir a possi­ bilidade de coleta de material biológico para obtenção de perfil genético como forma de

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identificação criminal. Consoante disposto no art. 5°-A da Lei n. 12.037/09, acrescentado pela Lei n. 12.654/12, os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos. Os dados cons­ tantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. Ademais, as informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado. 11.7.1. Direito à não autoincriminação: a novel identificação do perfil genético irá provocar muita controvérsia à luz do princípio que veda a autoincriminação. Evidentemente, se acaso a defesa solicitar esta forma de iden­ tificação, com o objetivo de, eventualmente, excluir sua responsabilidade, não haverá qual­ quer ilegalidade. Por isso, o cerne da questão diz respeito às hipóteses em que o acusado se negar a fornecer material biológico para a obtenção de seu perfil genético. Certamente, haverá quem diga que não se pode obrigar o investigado a contribuir com as investigações, e qualquer decisão judicial que lhe obrigue a fornecer material biológico para fins probató­ rios (Lei n. 12.037/09, art. 3o, IV) - e não de sua identidade - será afrontoso ao princípio constitucional que veda a autoincriminação. Afinal, não se pode impor ao investigado que contribua ativamente com as investigações, sobretudo mediante o fornecimento de ma­ terial biológico que possa vir a incriminá-lo em ulterior exame de DNA. Sem embargo desse entendimento, parece-nos que a validade dessa identificação do perfil genético estará condicionada à forma de coleta do material biológico. Como o acusado não é obrigado a

praticar nenhum comportamento ativo capaz de incriminá-lo, nem tampouco a se submeter a provas invasivas sem o seu consentimento, de modo algum pode ser obrigado a fornecer material biológico para a obtenção de seu per­ fil genético. Todavia, se estivermos diante de amostras de sangue, urina, cabelo, ou de outros tecidos orgânicos, descartadas voluntária ou involuntariamente pelo investigado na cena do crime ou em outros locais, parece-nos que não há qualquer óbice a sua coleta, sem que se possa arguir eventual violação ao princípio do nemo tenetur se detegere. Aos olhos dos Tribunais, referido princípio impede que o acusado seja compelido a produzir qualquer prova incriminadora invasiva. Por isso, em diversos julgados, o STF já se manifestou no sentido de que o acusado não é obrigado a fornecer material para realização de exame de DNA. Todavia, o mesmo Supremo também tem precedentes no sentido de que a produção dessa prova será válida se a coleta do material for feita de forma não invasiva (v.g., exame de DNA realizado a partir de fio de cabelo encontrado no chão). Idêntico raciocínio deve ser empregado quanto à identificação do perfil genético: desde que o acusado não seja com­ pelido a praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo, nem tampouco a se sujeitar à produção de prova invasiva, há de ser considerada válida a coleta de material biológico para a obtenção de seu perfil gené­ tico. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "IN V EST IG A Ç Ã O

D E PATERNIDADE - EXA M E D N A

- C O N D U Ç Ã O D O RÉU "D E B A IX O D E VARA". Discrepa, a m ais não poder, de garantias constitucionais im plí­ citas e explícitas - preservação da dign id ade hum ana, da intimidade, da intangibilidade d o corpo hum ano, d o im pério da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provim ento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, im plique determ inação n o sentido de o réu ser con du zido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta d o m ate­ rial indispensável à feitura d o exam e D NA. A recusa resolve-se no p lan o jurídico-instrum ental, c on sid e ­ radas a dogm ática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova d o s fatos". (STF, Pleno, HC 71.373/RS, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 10/11 / I 994, DJ 22/11/1996).

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STF:"(...) Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exam e de DNA, para averigüação de paternidade d o nascituro, em bora a o posição da extraditanda. Invocação do s incisos X e XLIX d o art. 5o, da CF/88. (...) Bens jurídicos constitucionais com o "m o ­ ralidade administrativa","persecução penal pública"e "segurança p ú blica"q ue se acrescem, - c o m o bens da com unidade, na expressão de Canotilho, - ao direito fundam ental à honra (CF, art. 5°, X), bem assim direito à honra e à im age m de policiais federais acu sados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à im a ge m da própria instituição, em confronto com o ale gad o direito da reclamante à in tim idade e a preservar a ide n tidade d o pai de seu filho. (...) Mérito d o pedido d o M inistério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização d o exam e de D N A d o filho da reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do"prontuário m éd ico"d a reclamante". (STF, Pleno, Rcl-QO 2.040/DF, Rei. Min. Néri da Silveira, DJ 27/06/2003, p. 31).

12. Folha de antecedentes: é a ficha que contém a vida pregressa criminal do investi­ gado, de onde constam dados como a relação dos inquéritos policiais já instaurados contra sua pessoa e sua respectiva destinação. Atente-se, neste ponto, à nova redação conferida ao art. 20, parágrafo único, do CPP, pela Lei n. 12.681/12: “nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes”. Em sua redação anterior, o dis­

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Art. 7o

positivo ressalvava a possibilidade de constar da folha de antecedentes eventual condenação anterior. 13. A veriguação da vida pregressa do investigado: também incumbe à autoridade policial averiguar a vida pregressa do indicia­ do, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos capazes de contribuir para a apreciação do seu temperamento e caráter. 14. Colheita de informações sobre a exis­ tência de filhos: o Marco Civil da Primeira Infância acrescentou uma nova diligência po­ licial ao rol exemplificativo do art. 6o do CPP, qual seja, a colheita de informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. Ques­ tionamento semelhante a este também deve ser feito por ocasião do interrogatório judicial e da lavratura do auto de prisão em flagrante (CPP, arts. 185, §10, e 304, §4°, incluídos pela Lei n. 13.257/16). O objetivo do legislador é conferir ao magistrado informações mais completas acerca da pessoa presa para fins de possível concessão de prisão domiciliar (CPP, art. 318, III,V ,e V I).

Art. 7oPara verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.1'2 1. Reconstituição do fato delituoso: a de­ pender do crime investigado, a exemplo de homicídios consumados ou tentados, o Dele­ gado de Polícia pode determinar a realização da reconstituição do crime, que funciona como importante meio de prova, notadamente para esclarecer a dinâmica do fato delituoso, auxi­ liando na formação do convencimento do juiz ou dos jurados. Na hipótese de a reprodução simulada dos fatos contrariar a moralidade ou a ordem pública, como, por exemplo, em crimes contra a dignidade sexual, deve o De­

legado de Polícia se valer de outros meios de prova. 2. Participação da defesa: tratando-se o inquérito policial de procedimento de natureza inquisitorial, a participação do investigado ou de seu advogado não é condição sine qua non para a validade da reconstituição do fato deli­ tuoso, conquanto realizada em sede de investi­ gação policial. Obviamente, caso a reprodução simulada dos fatos ocorra na fase judicial, a validade dessa prova estará condicionada à

Art. 8o

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

observância do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5o, LV).

requerida pelo M inistério Público, deferida pelo juiz,

3. Direito à não autoincriminação: por for­ ça do direito de não produzir prova contra si mesmo, doutrina e jurisprudência têm adotado o entendimento de que não se pode exigir um comportamento ativo do acusado, caso desse fa cere possa resultar a autoincriminação. Assim, sempre que a produção da prova tiver como pressuposto uma ação por parte do acusado (v.g., acareação, reconstituição do crime, exa­ me grafotécnico, bafômetro, etc.), será indis­ pensável seu consentimento. Cuidando-se do exercício de um direito, não se admitem medi­ das coercitivas contra o acusado para obrigá-lo a cooperar na produção de provas que dele demandem um comportamento ativo. Além disso, a recusa do acusado em se submeter a tais provas não configura o crime de desobe­ diência nem tampouco o de desacato, e dela não pode ser extraída nenhuma presunção de culpabilidade, pelo menos no processo penal. Portanto, se o investigado não é obrigado a participar da reconstituição do crime, pensa­ mos não ser possível sua condução coercitiva para tanto. Acerca do assunto, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que configura constrangimento ilegal a decretação de prisão preventiva de indiciados diante da recusa destes em participarem de reconstituição do crime. Afinal, cuidando-se de prova que depende da colaboração ativa do acusado, não se pode exigir sua participação, sob pena de violação ao nemo tenetur se dete-

preventiva decretada com base apenas nessa recusa do s indiciados. Constrangim ento ilegal. H abeascorpus

gere. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Reconstituição

de crime (reprodução sim u ­

lada de delito de hom icídio) Art. 7o d o CPP. Diligência

na fase d o inquérito policial, e a cuja realização os in d iciad os se teriam n e g a d o a com parecer. Prisão

deferido para revogação a prisão preventiva, com o decretada, sem prejuízo de eventual decretação de outra, se caracterizada qualquer das situações d o art. 312 d o CPP e c om ad equada fundam entação. Inter­ pretação d o s arts. 7o, 260 e 312 d o CPP. Se a prisão preventiva d o s pacientes foi decretada apenas e tão som ente porque não se teriam disp o sto a participar da diligência de reprodução sim ulada d o delito de ho­ m icídio (reconstituição d o crime), ficou caracterizado constrangim ento ilegal reparável com habeas corpus". (STF, Tribunal Pleno, H C 64.354/SP, Rei. M in. Sydney Sanches, j. 01/07/1987, DJ 14/08/1987).

STF:"(...) A

reconstituição d o crim e configura ato de caráter essencialm ente probatório, pois destina-se pela reprodução sim ulada d o s fatos - a dem onstrar o m od u s faciendi de prática delituosa (CPP, art. 7o). O su p o sto autor d o ilícito penal não p od e ser c o m ­ pelido, so b pena de caracterização de injusto con s­ trangim ento, a participar da reprodução sim u lada d o fato delituoso. O m agistério doutrinário, atento a o princípio que con ce d e a q u alq u er indiciad o ou réu o privilégio contra a autoincrim inação, ressalta a circunstância de que é essencialm ente voluntária a p articip aç ão d o im p u ta d o n o ato - p ro vid o de indiscutível eficácia probatória - concretizador da reprodução sim u lada d o fato delituoso. A reconsti­ tuição d o crime, especialm ente q u a n d o realizada na fase judicial da persecução penal, deve fidelidade ao princípio constitucional d o contraditório, ensejando ao réu, desse m odo, a p ossib ilidad e de a ela estar p re se nte e de, assim , im p e d ir e ve n tu ais ab u sos, descaracterizadores da verdade real, praticados pela au toridade p ú blica o u p or seus agentes. N ão gera nulidade processual a realização da reconstituição da cena delituosa quando, em b ora ausente o defensor técnico p or falta de intim ação, dela não participou o p ró p rio a c u sa d o que, a g in d o con scie n te m e n te e com p le n a liberdade, recusou-se, n ão o b stan te com parecendo ao ato, a colaborar com as autoridades públicas na produção dessa prova. (...)". (STF, 1aTurma, H C 69.026/DF, Rei. M in. Celso de Mello, j. 10/12/1991, DJ 04/09/1992).

Art. 8o Havendo prisão em flagrante, será observado o disposto no Capítulo II do Título IX deste Livro.''2 1. Auto de prisão em flagrante com o peça inaugural do inquérito policial: nos comen­ tários ao art. 5o do CPP, vimos que uma das espécies de notitia criminis é a coercitiva, que 84

ocorre quando a autoridade policial toma co­ nhecimento do fato delituoso através da apre­ sentação do indivíduo preso em flagrante. A despeito de não constar expressamente do art.

TÍTULO II-D O INQUÉRITO POLICIAL

5o do CPP, o auto de prisão em flagrante não deixa de ser uma das formas de instauração do inquérito policial, funcionando o próprio auto como a peça inaugural da investigação. Ao invés de regulamentar o procedimento do auto de prisão em flagrante no Título referente ao inquérito policial, o art. 8o do CPP optou por fazer referência ao Capítulo II do Título IX do Livro I do CPP (arts. 301 a 310), onde o tema encontra-se devidamente regulamentado. 2. Suficiência do auto de prisão em fla­ grante e dispensa do inquérito policial: no âmbito processual penal militar, se o auto de prisão em flagrante delito, por si só, for sufi­ ciente para a elucidação do fato e sua autoria, constituirá o inquérito, dispensando outras diligências, salvo o exame de corpo de delito

Art. 10

no crime que deixe vestígios, a identificação da coisa e a sua avaliação, quando o seu valor influir na aplicação da pena (CPPM, art. 27). A despeito do silêncio do CPP acerca do as­ sunto, pensamos ser perfeitamente possível a aplicação subsidiária do art. 27 do CPPM no âmbito processual penal comum, ex vi do art. 3o do CPP. Ora, supondo que o auto de prisão em flagrante lavrado pela autoridade de Po­ lícia Civil já contenha todos os elementos de informação necessários para o oferecimento da denúncia (v.g., prisão em flagrante no caso de tráfico de drogas), e tendo em conta que o inquérito policial é peça dispensável para o início da persecução penal em juízo, qual seria a utilidade de se determinar a instauração de um inquérito policial? Nenhuma.

Art. 9oTodas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.1-2 1. Procedimento escrito: o art. 9o do CPP deixa claro que todas as peças do inquérito policial deverão ser reduzidas a escrito. 2. Gravações audiovisuais: diante do teor do art. 9o do CPP, discute-se, na doutrina, acerca da possibilidade de se utilizar de re­ cursos de gravação audiovisual no curso das investigações policiais. A nosso juízo, apesar de o CPP não fazer menção à gravação au­ diovisual de diligências realizadas no curso do inquérito policial, deve-se atentar para a data em que o referido Codex entrou em

vigor ( I o de janeiro de 1942). Destarte, seja por força de uma interpretação progressiva, seja por conta de uma aplicação subsidiária do art. 405, §1°, do CPP, há de se admitir a utilização desses novos meios tecnológicos no curso do inquérito. Portanto, sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, do indiciado, ofendido e teste­ munhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técn ica sim ilar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das in ­ formações.

Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.1 §1 ° A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado2*e enviará autos ao juiz competente.3-4 §2° No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tive­ rem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas.5

A rt. 10

V cpp COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

§3° Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.6 1. Prazo para a conclusão d o inquérito policial: em relação ao agente que está solto, o prazo prorrogável para a conclusão do inquérito é de 30 (trinta) dias, ao passo que, estando preso o indiciado, esse prazo será de 10 (dez) dias. 1.1. Natureza do prazo para a conclusão do inquérito policial: se o prazo é de natureza material, significa que o dia do co­ meço inclui-se no computo do prazo (CP, art. 10). Ademais, tal prazo não se prorroga até o primeiro dia útil subsequente, não estando sujeito a causas interruptivas nem suspensivas. De outro lado, cuidando-se de prazo de natureza processual, exclui-se o dia do começo e inclui-se o dia do final, ou seja, significa dizer que o prazo começa a fluir a partir do primeiro dia útil subsequente. Além disso, o prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á prorrogado até o dia útil ime­ diato (CPP, art. 798, §§1° e 3o). Em relação ao prazo para a conclusão de inquérito policial relativo a investigado solto, não há maiores controvérsias: trata-se de prazo de natureza processual. A divergência fica por conta da natureza do prazo para a conclusão do inqué­ rito quando o agente estiver preso: pensamos que se trata de prazo de natureza processual. Não se deve confundir a contagem do prazo da prisão, que deve observar o art. 10 do C ó­ digo Penal, incluindo-se o dia do começo no computo do prazo, com a contagem do prazo para a conclusão do inquérito policial, que tem natureza processual. Conta-se o prazo, pois, a partir do primeiro dia útil após a prisão, sendo que, caso o prazo termine em sábado, domingo ou feriado, estará automaticamente prorrogado até o primeiro dia útil. Todavia, como a atividade policial é exercida durante todos os dias da semana, entendemos que não se aplica a regra de que o prazo que se inicia na sexta-feira somente começaria a correr no primeiro dia útil subsequente.

1.2. Consequências decorrentes da ino­ bservância do prazo para a conclusão do inquérito policial: no caso de investigado solto, esse prazo de 30 (trinta) dias é impró­ prio, tendo em vista que sua inobservância não produz qualquer consequência, pelo menos em regra. Já no caso de investigado preso, even­ tual atraso de poucos dias não gera qualquer ilegalidade, já que tem prevalecido a tese de que a contagem do prazo para a conclusão do processo é global, e não individualizada. Assim, mesmo que haja um pequeno excesso nessa fase investigatória, é possível que haja tuna compensação na fase processual. Todavia, se restar caracterizado um excesso abusivo, não respaldado pelas circunstâncias do caso concreto (complexidade das investigações e pluralidade de investigados), impõe-se o re­ laxamento da prisão, sem prejuízo da conti­ nuidade da persecução criminal. 4- Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) a prisão ilegal, que há de ser relaxada pela au­ toridade judiciária, em cum prim ento de dever-poder insculpido no artigo 5o, inciso LXV, da Constituição da República, com preende, por certo, aquela que, afora perdurar por prazo superior ao prescrito em lei, ofende de form a m anifesta o princípio da razoabilidade. É induvidosa a caracterização de constrangim ento ilegal, q u an do perdura a constrição cautelar por m ais de seis meses, sem oferecim ento da denúncia, fazendo-se invocável a razoabilidade". (STJ, 6a Turma, HC 44.604/ RN, Rei. Min. H am ilton Carvalhido, j. 09/12/2005, DJ 06/02/2006 p. 356).

1.3. Prazos para a conclusão do inquérito policial previstos na legislação especial: consoante dispõe o art. 66 da Lei n. 5.010/66 (Lei que organiza a Justiça Federal de primeira instância), o prazo para conclusão do inquérito policial será de quinze dias, quando o indicia­ do estiver preso, podendo ser prorrogado por mais quinze dias, a pedido, devidamente fun­ damentado, da autoridade policial e deferido pelo Juiz a que competir o conhecimento do processo. Silenciando a Lei n. 5.010/66 quanto

TÍTULO I I . DO INQUÉRITO POLICIAL

ao prazo para a conclusão do inquérito de investigado solto, entende-se aplicável o prazo de 30 dias previsto no CPP (art. 10, caput). De acordo com o art. 20 do CPPM, o inquérito deverá terminar dentro em 20 (vinte) dias, se o indiciado estiver preso, contado esse prazo a partir do dia em que se executar a ordem de prisão; ou no prazo de 40 (quarenta) dias, quando o indiciado estiver solto, contados a partir da data em que se instaurar o inquérito. Este último prazo poderá ser prorrogado por mais 20 (vinte) dias pela autoridade militar superior, desde que não estejam concluídos exames ou perícias já iniciados, ou haja ne­ cessidade de diligência, indispensáveis à elu­ cidação do fato. O pedido de prorrogação deve ser feito em tempo oportuno, de modo a ser atendido antes da terminação do prazo (CPPM, art. 20, §1°). A Lei n. 11.343/06 (lei de drogas), prevê que o inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto. Esses prazos podem ser dupli­ cados pelo Juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária (art. 51, parágrafo único). A Lei n. 1.521/51 (crimes contra a economia popular) prevê que o inquérito policial deva ser concluído no prazo de 10 (dez) dias, esteja o indivíduo solto ou preso. Por fim, não se pode esquecer do prazo para a conclusão das investigações quando tiver sido decretada a prisão temporária do investigado. Como se sabe, a prisão temporária foi instituída por legislação especial após a entrada em vigor do CPP, e possui o prazo de 5 (cinco) dias, pror­ rogável por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade (Lei n. 7.960/89, art. 2o, caput). Na hipótese de crimes hediondos e equiparados, o prazo da prisão temporária é de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessida­ de (Lei n. 8.072/90, art. 2o, §4°). Em relação ao prazo disposto no art. 2o, caput, da Lei n. 7.960/89, não há maiores controvérsias. Isso porque, nessa hipótese, o prazo máximo para a prisão temporária será de 10 (dez) dias, prazo esse que coincide com o prazo previsto no CPP para as hipóteses em que o investigado está

Art. 10

preso (art. 10, caput). O tema ganha relevância ao se analisar a hipótese de investigação poli­ cial em relação a autor de crimes hediondos e equiparados, cuja prisão temporária tenha sido decretada por até 60 (sessenta) dias. A nosso ver, se a prisão temporária foi decretada para auxiliar nas investigações em relação a crimes hediondos e equiparados, tem-se que o prazo máximo para a conclusão das investigações é de 60 (sessenta) dias, sendo inviável que, após esse interstício de 60 (sessenta) dias, a autori­ dade policial disponha de mais 10 (dez) dias para finalizar o inquérito policial. 2. Relatório da autoridade policial: cuida-se, o relatório, de peça elaborada pela auto­ ridade policial, de conteúdo eminentemente descritivo, onde deve ser feito um esboço das principais diligências levadas a efeito na fase investigatória, justificando-se até mesmo a razão pela qual algumas não tenham sido re­ alizadas, como, por exemplo, a juntada de um laudo pericial, que ainda não foi concluído pela Polícia Científica. Apesar de a elaboração do relatório ser um dever funcional da autoridade policial, não se trata de peça obrigatória para o oferecimento da denúncia, ainda mais se consi­ derarmos que nem mesmo o inquérito policial é peça indispensável para o início do processo criminal, desde que a imputação esteja res­ paldada por outros elementos de convicção. Todavia, demonstrada a desídia da autoridade policial no cumprimento de seu mister, a res­ pectiva corregedoria deve ser comunicada, a fim de adotar eventuais sanções disciplinares. Deve a autoridade policial abster-se de fazer qualquer juízo de valor no relatório, já que a opinio delicti deve ser formada pelo titular da ação penal: Ministério Público, nos crimes de ação penal pública; ofendido ou seu repre­ sentante legal, nos crimes de ação penal de iniciativa privada. Atente-se, no entanto, para a Lei de Drogas, que prevê expressamente que a autoridade policial relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indican­ do a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qua­

Art. 10

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

lificação e os antecedentes do agente (Lei n. 11.343/06, art. 52, I). Mesmo nesse caso de drogas, é de bom alvitre esclarecer que o Minis­ tério Público não fica vinculado à classificação provisória formulada pela autoridade policial, pois é ele o titular da ação penal. Para fins de análise quanto à possibilidade de concessão de liberdade provisória, o juiz também não se encontra vinculado à classificação formulada pela autoridade policial em seu relatório, nem tampouco àquela constante da peça acusatória, podendo corrigir a adequação do juízo de subsunção feita pelo Delegado ou pelo Pro­ motor, embora o faça de maneira incidental e provisória, apenas para decidir quanto ao cabimento da liberdade provisória. Não faria sentido manter o acusado preso ao longo de toda a instrução processual penal para, ao final, desclassificar a imputação para porte de drogas para consumo pessoal e, somente então, poder colocá-lo em liberdade. 3. Destinatário dos autos do inquérito po­ licial: pela leitura do art. 10, §1°, do CPP, per­ cebe-se que, uma vez concluída a investigação policial, os autos do inquérito policial devem ser encaminhados primeiramente ao Poder Judiciário e, somente depois, ao Ministério Público. A despeito do teor referido dispositi­ vo, por conta da adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal, outorgando ao M i­ nistério Público a titularidade da ação penal pública, não há como se admitir que ainda subsista essa necessidade de remessa inicial dos autos ao Poder Judiciário. Há de se enten­ der que essa tramitação judicial do inquérito policial prevista nos arts. 10, §1°, e 23, do CPP, não foi recepcionada pela Constituição Federal. Ora, tendo em conta ser o Ministério Público o dominus litis da ação penal pública, nos termos do art. 1 2 9 ,1, da Carta Magna, e, portanto, o destinatário final das investigações levadas a cabo no curso do inquérito policial, considerando que o procedimento investigatório é destinado, precipuamente, a subsidiar a atuação persecutória do órgão ministerial, e diante da desnecessidade de controle judicial de atos que não afetam diretos e garantias fundamentais do indivíduo, deve-se concluir que os autos da investigação policial devem

tramitar diretamente entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público, sem necessidade de intermediação do Poder Judiciário, a não ser para o exame de medidas cautelares (v.g., pri­ são preventiva, interceptação telefônica, busca domiciliar, etc.). Essa tramitação direta dos autos entre a Polícia e o Ministério Público, ressalvada a hipótese em que sejam formu­ lados pedidos cautelares, além de assegurar um procedimento mais célere, em respeito ao direito à razoável duração do processo (CF, art. 5o, LXX V III), contribuindo para o fim da morosidade da persecução penal, também é de fundamental importância na preservação da im parcialidade do órgão jurisdicional, porquanto afasta o magistrado de qualquer atividade investigatória que implique for­ mação de convencimento prévio a respeito do fato noticiado e sob investigação. Valores importantes como a celeridade, a eficiência, a desburocratização e a diminuição dos riscos da prescrição recomendam, pois, que as peças investigatórias sejam remetidas diretamente ao titular da ação penal, salvo se houver neces­ sidade de medidas cautelares, eliminando-se, assim, o intermediário que não tem competên­ cia ou atribuição para interferir na produção de diligências inquisitoriais. Daí porque já há diversas portarias de Tribunais de Justiça determinando que os autos da investigação policial devam ser remetidos diretamente ao órgão ministerial (centrais de inquéritos). 3.1. Resolução n. 63/2009 do Conselho da Justiça Federal: de acordo com a referida Re­ solução, os autos de inquérito policial somente serão admitidos para registro, inserção no sis­ tema processual informatizado e distribuição às Varas Federais com competência criminal quando houver: a) comunicação de prisão em flagrante efetuada ou qualquer outra forma de constrangimento aos direitos fundamentais previstos na Constituição da República; b) representação ou requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público Federal para a decretação de prisões de natureza cautelar; c) requerimento da autoridade policial ou do M inistério Público Federal de medidas constritivas ou de natureza acautelatória; d) oferta de denúncia pelo Ministério Público

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TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

Federal ou apresentação de queixa crime pelo ofendido ou seu representante legal; e) pedido de arquivamento deduzido pelo Ministério Público Federal; f) requerimento de extinção da punibilidade com fulcro em qualquer das hipóteses previstas no art. 107 do Código Penal ou na legislação penal extravagante. Ainda segundo a Resolução n. 63 do Conselho da Justiça Federal, afora as hipóteses acima mencionadas, os autos de inquérito policial, concluídos ou com requerimento de pror­ rogação de prazo para o seu encerramento, quando da primeira remessa ao Ministério Público Federal, serão previamente levados ao Poder Judiciário tão-somente para o seu registro, que será efetuado respeitando-se a numeração de origem atribuída na Polícia Federal. A Justiça Federal deverá criar rotina que permita apenas o registro desses inquéritos policiais, sem a necessidade de atribuição de numeração própria e distribuição ao órgão jurisdicional com competência criminal. Após o registro do inquérito policial na Justiça Fe­ deral, os autos serão automaticamente enca­ minhados ao Ministério Público Federal, sem a necessidade de determinação judicial nesse sentido, bastando a certificação, pelo servidor responsável, da prática aqui mencionada. Os autos de inquérito já registrados, na hipóte­ se de novos requerimentos de prorrogação de prazo para a conclusão das investigações policiais, serão encaminhados pela Polícia Federal diretamente ao M inistério Público Federal. Por sua vez, os autos de inquérito policial que contiverem requerimentos mera e exclusivamente de prorrogação de prazo para a sua conclusão, efetuados pela autoridade policial, serão encaminhados pela Delegacia de Polícia Federal diretamente ao Ministério Público Federal para ciência e manifestação, sem a necessidade de intervenção do órgão do Poder Judiciário Federal competente para a análise da matéria. A mesma Resolução prevê em seu art. 5o que os advogados e os estagiários de Direito regularmente inscritos na OAB terão direito de examinar os autos do inquérito, devendo, no caso de extração de cópias, apresentar o seu requerimento por escrito à autoridade competente. Sem embargo

da relevância da tramitação direta dos autos dos inquéritos policiais entre a Polícia e o M i­ nistério Público, há precedentes de Tribunais Regionais Federais no sentido de que meras resoluções administrativas não têm o condão de afastar a aplicação dos dispositivos legais do CPP que preveem a necessária tramitação dos autos perante o Poder Judiciário. ♦

Jurisprudência selecionada:

TRF/4" Região: "(...) INQUÉRITO

POLICIAL. TRAM ITA­

Ç Ã O DIRETA ENTRE PO LÍCIA E M IN IST ÉR IO PÚBLICO FEDERAL. IN DEFER IM EN T O PELO JUÍZO. ART. 10, § 3o, D O CPP. RESO LU Ç ÃO 063/09 D O CJF. RESOLUÇÕES 01 E 02/09 D O TRF-4R. A U SÊ N C IA D E IN V ERSÃO T U M U LTUÁRIA D O S ATOS E F Ó R M U LA S D A O R D E M LEGAL D O PROCESSO. PRINCÍPIO D A LEGALIDADE. IN D EN D ÊN C IA JU R ISD IC IO N A L . C O R R E IÇ Ã O PA RCIAL IN DEFERIDA . 1. Estand o o ato judicial im p u g n a d o lastreado nos expressos term os d o parágrafo 3o d o artigo 10 d o C ó d ig o de Processo Penal, o qual prevê que requeri­ m entos de prorrogação de prazo de inquérito policial serão requeridos ao juiz e por este decididos, a decisão esta a seguir o rito procedim ental estabelecido em lei. A ssim eventual contrariedade a d isp o siçõe s de atos administrativos, norm as de nível infralegal, não é capaz de converter a decisão em inversão tumultuária d o s atos e fórm ulas legais da ordem d o processo. 2. Em bora seja juridicam ente possível que o magistrado, no livre exercício da atividade jurisdicional, sopesando princípios com o econom ia processual, instrumentalidade, eficiência e celeridade, determ ine a tram itação direta de inquéritos so b sua jurisdição entre a polícia e o parquet, tal não p od e ser im posto por resoluções administrativas, atos infralegais. 3. Inexistindo na lei determ inação de que o Juiz estabeleça a tramitação direta de inquérito policial entre Autoridade Policial e o M inistério Público Federal, e se n d o certo que resoluções administrativas não tem o con dão de ar­ redar disposição legal e interferir no livre exercício da jurisdição, não se caracteriza inversão tum ultuária dos atos efórm ulas legais da ordem d o processo no indefe­ rim ento de tal tram itação direta, indeferindo-se a correição parcial". (TRF4, CO R 2009.04.00.044743-5, Oitava Turma, Relator Guilherm e Beltrami, D.E. 03/02/2010)

STF:"(...) A legislação que disciplina o inquérito policial não se inclui no âm bito estrito d o processo penal, cuja com petência é privativa da União (art. 2 2 ,1, CF), pois o inquérito é procedim ento su bsu m ido n os limites da com petência legislativa concorrente, a teor d o art. 24, XI, da Constituição Federal de 1988, tal com o já decidi­ d o reiteradamente pelo Suprem o Tribunal Federal. O procedim ento d o inquérito policial, conform e previsto pelo C ó d ig o de Processo Penal, torna desnecessária a interm ediação judicial q u an do ausente a necessidade de ad o ç ão de m ed idas constritivas d e direitos do s

A ft. 1 0

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

investigados, razão por que projetos de reforma d o C PP propõem a remessa direta d o s autos ao Ministério Público. N o entanto, apesar de o disp o sto no inc. IV d o art. 35 da LC 106/2003 se coadunar com a exigência de m aior coerência no ordenam ento jurídico, a sua inconstitucionalidade form al não está afastada, pois insuscetível de superação com base em avaliações per­ tinentes à preferência d o julgad or sobre a correção da opção feita pelo legislador dentro d o espaço que lhe é d a d o para livre conform ação. Assim, o art. 35, IV, da Lei Com plem entar estadual n° 106/2003, é inconstitucio­ nal ante a existência de vício formal, pois extrapolada a com petência suplem entar delineada no art. 24, §1°, da C on stitu ição Federal de 1988. Já em relação ao inciso V, d o art. 35, da Lei com plem entar estadual n° 106/2003, inexiste infração à com petência para que o estado-m em bro legisle, de forma suplementar à União, pois o texto apenas reproduz norm a sobre o trâmite d o inquérito policial já extraída da interpretação do art. 16 d o C ó d ig o de Processo Penal. Ademais, não há desrespeito ao art. 128, §5°, da Constituição Federal de 1988, porque, além de o dispositivo im p u gn ad o ter sido incluído em lei com plem entar estadual, o seu conteúdo não destoou do art. 129, VIII, da Constituição Federal de 1988, e d o art. 26, IV, da Lei n° 8.625/93, que já haviam previsto que o M inistério Público pode requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Ação direta julgad a parcialm en­ te procedente para declarar a inconstitucionalidade som ente d o inciso IV d o art. 35 da Lei Com plem entar n° 106/2003, d o Estado d o Rio de Janeiro". (STF, Pleno, A D I 2.886/RJ, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 03/04/2014).

STJ:"(...)

A tram itação direta de inquéritos entre a

polícia judiciária e o ó rgã o de persecução crim inal traduz expediente que, lon ge de violar preceitos cons­ titucionais, atende à garantia da du ração razoável d o processo, a sse g u ra n d o célere tram itação, bem com o aos p ostu lad os da econom ia processual e da eficiência. Essa constatação não afasta a necessidade de observância, no bojo de feitos investigativos, da ch am ad a cláusula de reserva de jurisdição. N ão se m ostra ilegal a portaria que determ ina o trâmite do inquérito policial diretam ente entre polícia e órgão da acusação, encontrando o ato indicado com o coator fu ndam ento na Resolução n. 63/2009 d o C onselho da Justiça Federal. Estando expressam ente previsto, na Resolução d o CJF, que os a d v o ga d o s e os estagiários de Direito regularm ente inscritos na O rdem d o s A d ­ v o g a d o s d o Brasil terão direito de examinar os autos d o inquérito, devendo, no caso de extração de cópias, apresentar o seu requerimento por escrito à autoridade competente, não há a configuração de ofensa ao prin­ cípio d o contraditório, ao da am pla defesa e tam pouco ao exercício da advocacia. Recurso desprovido". (STJ, 5a Turma, R M S 46.165/SP, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 19/11/2015, DJe 04/12/2015).

4. Providências a serem adotadas após a remessa dos autos do inquérito policial: em se tratando de crime de ação penal privada, os autos devem permanecer em cartório aguar­ dando-se a iniciativa do ofendido. Para mais detalhes acerca do assunto, vide comentários ao art. 19 do CPP. Cuidando-se de crime de ação penal pública, os autos do inquérito policial são remetidos ao Ministério Público. Com os autos em mãos, ao órgão do Ministério Público se abrem 5 (cinco) possibilidades: a) oferecimento de denúncia: vide comentários ao art. 41 do CPP; b) arquivamento dos autos do inquérito policial: vide comentários ao art. 28 do CPP; c) requisição de diligências: remetemos o leitor aos comentários ao art. 16 do CPP; d) dedinação de competência: caso o Promotor de Justiça entenda que o juízo perante o qual atua não é dotado de competência para o julgamento do feito, deve requerer ao juiz que remeta os autos ao juiz natural. Suponha-se, assim, que inquéri­ to policial relativo ao crime de moeda falsa seja remetido à Justiça Estadual. Verificando tratar-se de crime de competência da Justiça Federal, haja vista o interesse da União (CF, art. 109, IV, c/c art. 21, V II), deve o Promotor requerer a remessa dos autos ao juízo federal compe­ tente para o julgamento do feito; e) conflito de competência: essa hipótese não se confunde com a anterior. Na hipótese anterior, nenhum outro órgão jurisdicional havia se manifestado quanto à competência. Quando se fala em conflito de competência, significa dizer que já houve prévia manifestação de outro órgão jurisdicional, daí porque não se pode requerer o retorno dos autos àquele juízo - deve-se, sim, suscitar conflito de competência. Usando o mesmo exemplo anterior, suponha-se que autos de inquérito policial federal, que estavam tramitando perante a Justiça Federal, tenham sido remetidos à Justiça Estadual, porquanto o juiz federal concluiu que não se tratava de crime de moeda falsa, mas sim de estelionato, já que a falsificação seria grosseira (súmula n. 73 do STJ). Ora, supondo que o Promotor de Justiça e o juiz estadual discordem dessa conclusão, entendendo, sim, que a falsificação seria de boa qualidade, não poderão declinar da competência em favor da Justiça Federal, já

TlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

que o juiz federal já se manifestou no sentido de sua incompetência. Deve-se, pois, suscitar conflito negativo de competência, a ser diri­ mido pelo STJ, nos exatos termos do art. 105, I, “d”, da Constituição Federal. A depender do caso concreto, essas 05 (cinco) providências oferecimento de denúncia, arquivamento do inquérito policial, requisição de diligências, declinação de competência ou a arguição de conflito de competência - podem ser adotadas pelo Ministério Público isoladamente, ou em conjunto. A título de exemplo, suponha-se que, com os autos de inquérito policial em mãos, verifique o Promotor de Justiça que há elementos que autorizam o oferecimento de de­ núncia quanto a um fato delituoso (v.g., estupro praticado por agente que está preso), havendo, todavia, a necessidade de se aprofundar as in­ vestigações quanto a outro indivíduo, que está em liberdade, também constando dos autos elementos de informação atinentes à suposta prática de crime militar. Ora, em uma situação como essa, deve o Promotor de Justiça ofere­ cer denúncia quanto ao crime de estupro, na medida em que há, quanto a este delito, lastro probatório suficiente, tratando-se, ademais, de acusado preso; requisitar à autoridade policial o cumprimento de diligências complementares, a fim de poder aferir o grau de envolvimento do outro agente com o fato delituoso, para fins de eventual aditamento à denúncia; e, por fim, solicitar, por meio de cota, a declinação de competência quanto ao crime militar.5*10 5. Indicação de testem unhas não inqui­ ridas: quando se trata de investigado solto, não há motivos para o Delegado de Polícia concluir a investigação sem antes proceder à oitiva de todas as testemunhas. Afinal, nesse caso, é perfeitamente possível a prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito (CPP, art. 10, §3°). Por isso, se não houver tempo hábil para a colheita de todos os depoimentos, o Delegado deve remeter os autos ao Poder Ju­ diciário solicitando prorrogação do prazo para a oitiva de todas as testemunhas. Em sentido diverso, quando se trata de investigado preso, é dominante o entendimento no sentido de que não se admite a prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito. Logo, se o exíguo pra­

Art. 10

zo de 10 (dez) inviabilizar a oitiva de todas as pessoas capazes de trazer elementos quanto à autoria e materialidade do fato delituoso, resta ao Delegado apenas indicar em seu relatório os nomes das testemunhas que não foram inqui­ ridas, mencionando o lugar onde podem ser encontradas para que, uma vez arroladas pelas partes, sejam ouvidas em juízo no momento procedimental adequado. 6. Prorrogação do prazo para a conclu­ são do inquérito policial: segundo o art. 10, §3°, do CPP, quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a au­ toridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz. Portanto, caso o indiciado esteja solto, é per­ feitamente possível a prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito policial. Apesar de o CPP referir-se apenas à oitiva do juiz (CPP, art. 10, §3°), pensamos ser obrigatória a oitiva do órgão Ministerial. Afinal, como o inquérito policial destina-se exclusivamente à form ação da opinio delicti, ou seja, do convencim ento do órgão responsável pela acusação, é possível que o M inistério Pú­ blico se dê por satisfeito com os elementos de informação já produzidos nos autos da investigação policial, entendendo desneces­ sário o prosseguimento do inquérito policial. No tocante ao indiciado preso, a maioria da doutrina entende que se há elementos para a segregação cautelar do agente (prova da materialidade e indícios de autoria), também há elementos para o oferecimento da peça acusatória, sendo inviável, por conseguinte, a devolução dos autos do inquérito policial à autoridade policial para realização de dili­ gências complementares. Apesar de ser esse o entendimento que prevalece na doutrina, comungamos de entendimento diverso. E x­ plica-se: se presentes os requisitos legais do art. 312 do CPP, a prisão preventiva deve ser decretada. Porém, mesmo após a decretação da preventiva, caso subsista a necessidade de realização de diligência imprescindível para a formação da opinio delicti, os autos podem retornar à autoridade policial. No entanto, o prazo total para a conclusão do processo,

A ft. 11

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

que começa a contar a partir da prisão, estará correndo, o que pode dar ensejo a eventual

excesso de prazo, autorizando o relaxamento da prisão.

Art. 11 . Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interes­ sarem à prova, acompanharão os autos do inquérito.' 1. Instrumentos do crime e objetos que interessem à prova: instrumentos do cri­ me são todos os objetos ou aparelhos usados pelo agente para cometer o delito, a exemplo de armas de fogo, chaves falsas, petrechos para falsificação de moeda, etc. Objetos de interesse da prova, por sua vez, são todas as coisas capazes de ministrar alguma informação relevante sobre a autoria ou materialidade do fato delituoso, a exemplo de uma roupa suja com o sangue da vítima que foi apreendida na casa do investigado, um aparelho celular contendo fotos ou vídeos do crime, etc. Com a conclusão das investigações, tanto os ins­

trumentos do crime quanto esses objetos de interesse da prova devem ser encaminhados ao Poder Judiciário, acompanhando os autos do inquérito policial. Afinal, sua exibição aos destinatários da prova - juiz ou jurados pode ser de fundamental importância para a formação do convencimento do juiz natural no sentido da condenação ou absolvição do acusado. De mais a mais, na hipótese de im­ pugnação à determinada diligência realizada na fase investigatória, esses instrumentos e objetos também podem ser utilizados para a produção de eventual contraprova requerida pelas partes.

Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.' 1. Inquérito policial com o justa causa para o início do processo penal: como ex­ posto anteriormente, não se admite a instau­ ração de um processo penal contra alguém sem que a acusação esteja lastreada por um mínimo de elementos de informação quanto à autoridade e m aterialidade da infração penal. Pelo menos em regra, essa justa causa necessária à deflagração da persecutio criminis in iudicio é fornecida pelo inquérito policial Por isso, o art. 12 do CPP deter­ mina expressamente que, na hipótese de o inquérito policial servir de base para a peça

acusatória, esta deverá estar acompanhada pelos autos do procedimento investigatório. Interpretado a contrario sensu, o referido dispositivo legal também deixa evidente que o inquérito policial não funciona como con­ dição sine qua non para o oferecimento da peça acusatória, porquanto a acusação pode estar lastreada em elementos de informação obtidos em procedimento investigatório di­ verso do inquérito policial, a exemplo dos autos de uma sindicância, de um procedi­ mento investigatório criminal presidido pelo M inistério Público, etc.

Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:1'2 I - fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos;3 II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz4 ou pelo Ministério Público;5 III - cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades ju­ diciárias;6 IV - representar acerca da prisão preventiva.7'8 92

TlTUL.0 II • DO INQUÉRITO POLICIAL

1. Indiciamento: indiciar é atribuir a autoria (ou participação) de uma infração penal a uma pessoa. É apontar uma pessoa como provável autora ou partícipe de um delito. Possui caráter ambíguo, constituindo-se, ao mesmo tempo, fonte de direitos, prerrogativas e garantias pro­ cessuais (CF, art. 5o, LVII e LXIII), e fonte de ônus e deveres que representam alguma forma de constrangimento, além da inegável estigmatização social que a publicidade lhe imprime. Produz efeitos extraprocessuais, pois aponta à sociedade a pessoa considerada pela autoridade policial como a provável autora do delito, ao mesmo passo que produz efeitos endoprocessuais, representados pela probabilidade de ser o indiciado o autor do delito, considerado antecedente lógico, mas não necessário, do oferecimento da peça acusatória. O indiciado, então, não se confunde com um mero suspeito (ou investigado), nem tampouco com o acusa­ do. Suspeito ou investigado é aquele em relação ao qual há frágeis indícios, ou seja, há mero juízo de possibilidade de autoria; indiciado é aquele que tem contra si indícios convergentes que o apontam como provável autor da infração penal, isto é, há juízo de probabilidade de autoria; re­ cebida a peça acusatória pelo magistrado, surge a figura do acusado.

Art. 13

1.2. M om ento adequado para o indicia­ mento: a condição de indiciado poderá ser atribuída já no auto de prisão em flagrante ou até o relatório final do delegado de polícia. Logo, uma vez recebida a peça acusatória, não será mais possível o indiciamento, já que se trata de ato próprio da fase investigatória. Os Tribunais Superiores têm considerado que o indiciamento formal após o recebimento da denúncia é causa de ilegal e desnecessário constrangimento à liberdade de locomoção, visto que não se justifica mais tal procedimen­ to, próprio da fase inquisitorial. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: “(...) Esta Corte Superior de Justiça, reiteradamente, vem decidindo que o indiciam ento form al do s acu­ sados, ap ó s o recebim ento da denúncia, subm ete os pacientes a constrangim ento ilegal e desnecessário, um a vez que tal procedim ento, que é próprio da fase inquisitorial, não m ais se justifica q u an d o a ação penal já se encontra em curso. H abeas corpus con ced id o para cassar a decisão que determ inou o indiciam ento form al d o s pacientes, excluindo-se to d o s o s registros e an otações, relativos ao p rocesso de que aqui se cuida, sem prejuízo d o regular an dam e n to da ação penal". (STJ, 6aTurma, H C 182.45S/SP, Rei. Min. Haroldo Rodrigues - D ese m bargado r con vo cado doTJ/CE -, j. 05/05/2011).

STJ:"(...) Este Superior Tribunal de Justiça, em

reitera­

d o s julgados, vem afirm ando seu posicionam ento no

1.1. (Im) possibilidade de indiciamento no âm bito dos Juizados Especiais Criminais: por força da simplicidade que norteia a própria investigação das infrações de menor potencial ofensivo, é inviável o indiciamento em sede de termo circunstanciado. De mais a mais, considerando a possibilidade de incidência das medidas despenalizadoras previstas na Lei 9.099/95 (com posição civil dos danos, transação penal, suspensão condicional do processo e representação nos crimes de lesão corporal leve e culposa) e, tendo em conta que a imposição de pena restritiva de direitos ou multa nas hipóteses de transação penal não constará de certidão de antecedentes criminais (Lei n. 9.099/95, art. 76, §6°), revela-se inviá­ vel o indiciamento, já que tal ato acarretaria o registro da imputação nos assentamentos pessoais do indivíduo.

sentido de que caracteriza constrangim ento ilegal o form al indiciam ento d o paciente que já teve contra si oferecida denúncia e até m esm o já foi recebida pelo Juízo a quo. Um a vez oferecida a exordial acusatória, encontra-se encerrada a fase investigatória e o indicia­ m ento d o réu, neste m om ento, configura-se coação desnecessária e ilegal. O rdem concedida, nos term os d o voto d o Relator". (STJ, 5a Turma, HC 179.951/SP, Rei. Min. Gilson Dipp,j. 10/05/2011). Na m esm a linha: STJ, 5a Turma, HC 174.576/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 28/09/2010, DJe 18/10/2010.

1.3. Espécies de indiciamento: o indicia­ mento direto ocorre quando o indiciado está presente; o indiciamento indireto ocorre quan­ do o indiciado está ausente (v.g., indiciado foragido). A regra é que o indiciamento seja feito na presença do investigado. No entanto, na hipótese de o investigado não ser localizado, por se encontrar em local incerto e não sabido, ou quando, regularmente intimado para o ato,

O

A rt. 1 3

\

cpp COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

deixar de comparecer injustificadamente, é possível a realização do indiciamento indireto. 1.4. Pressupostos: dada a importância do indiciamento como condição para o exercício do direito de defesa na fase investigatória e a possibilidade do advento de prejuízos à pes­ soa do indiciado, afigura-se indispensável a presença de elementos informativos acerca da materialidade e da autoria do delito. Destarte, o indiciamento só pode ocorrer a partir do momento em que reunidos elementos sufi­ cientes que apontem para a autoria da infração penal, quando, então, o delegado de polícia deve cientificar o investigado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a condição jurídica de “indiciado”, respeitadas todas as garantias constitucionais e legais. Não se trata, pois, de ato arbitrário nem discricionário, já que, pre­ sentes elementos informativos apontando na direção do investigado, não resta à autoridade policial outra opção senão seu indiciamento. Apesar de não previsto pelo CPP, o indicia­ mento deve ser objeto de um ato formal, ante as implicações jurídicas que ocasiona para o status do indivíduo. Assim, o indiciamento funciona como um poder-dever da autoridade policial, uma vez convencida da concorrência dos seus pressupostos. C om a vigência da Lei n. 12.830/13, que dispõe sobre a in­ vestigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, parece não haver mais dúvidas quanto à necessidade de fundamentação do indiciamento. Deveras, consoante disposto no art. 2o, §6°, da referida Lei, o indiciamento, privativo do Delegado de Polícia, dar-se-ápor ato fundam entado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...)

1.5. Desindiciam ento: ausente qualquer elemento de informação quanto ao envolvi­ mento do agente na prática delituosa, ou se feito em momento extemporâneo (v.g., após o recebimento da denúncia), a jurisprudência tem admitido a possibilidade de impetração de habeas corpus a fim de sanar o constran­ gimento ilegal daí decorrente, buscando-se o

desindiciamento. -f Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O

indiciam ento configura constrangim ento

q u an do a autoridade policial, sem elem entos m ínim os de m aterialidade delitiva, lavra o term o respectivo e nega ao in vestigado o direito de ser o u vido e de apresentar docum entos. Ordem C O N C E D ID A em parte, para possibilitar ao paciente q u e preste seus escla­ recimentos acerca d o fato, em term o de declaração; junte docum en tos e indique providências no caderno investigatório". (STJ, 6aTurma, HC 43.599/SP, Rei. Paulo M edina, j. 09/12/2005, DJe 04/08/2008).

1.6. Atribuição: o indiciamento é o ato re­ sultante das investigações policiais por meio do qual alguém é apontado como provável autor de um fato delituoso. Cuida-se, pois, de ato privativo do Delegado de Polícia que, para tanto, deverá fundamentar-se em elementos de informação que ministrem certeza quanto à materialidade e indícios razoáveis de autoria. Portanto, se a atribuição para efetuar o indi­ ciamento é privativa da autoridade policial (Lei n. 12.830/13, art. 2o, §6°), não se afigura possível que o juiz, o Ministério Público ou uma Comissão Parlamentar de Inquérito re­ quisitem ao delegado de polícia o indiciamento de determinada pessoa. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Se n do

o ato de indiciam ento de atribuição

exclusiva da autoridade policial, não existe fundam en­ to jurídico que autorize o m agistrado, ap ó s receber a

Indiciam ento. A to p enalm ente relevante.

denúncia, requisitar ao D e le g a d o de Polícia o indi­

Le sividad e téorica. Indeferim ento. Inexistência de

ciam ento de determ inada pessoa. A rigor, requisição

fatos capazes de justificar o registro. C onstrangim ento

dessa natureza é incompatível com o sistema acusa-

ilegal caracterizado. Liminar confirm ada. C oncessão

tório, que im põe a separação orgânica das funções

parcial de habeas corpus para esse fim. Precedentes.

concernentes à persecução penal, de m o d o a im pedir

N ão havendo elem entos que o justifiquem, constitui

que o juiz adote qualquer postura inerente à função

co n stra n gim e n to ilegal o ato d e in diciam e n to em

investigatória. Doutrina. Lei 12.830/2013. O rdem con­

inquérito policial". (STF, 2aTurma, H C 85.541,2aTurma,

cedida". (STF, 2a Turma, HC 115.015/SP, Rei. Min.Teori

Rei. Min. Cezar Peluso, Dje 157 21/08/2008).

Zavascki,j. 27/08/2013).

9D

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

1.7. Sujeito passivo: pelo menos em regra, qualquer pessoa pode ser indiciada. Todavia, de acordo com o art. 41, inciso II, e parágrafo único, da Lei n. 8.625/93, constitui prerroga­ tiva dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, a de não ser indiciado em inquérito policial, sendo que, quando, no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de membro do Ministério Público, deve a autoridade policial, civil ou militar remeter, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem com­ petirá dar prosseguimento à apuração. Regra semelhante é encontrada no art. 18, II, alínea “f ”, e parágrafo único, da Lei Complementar n. 75/93, aplicável no âmbito do Ministério Público da União, com a diferença de que, neste caso, os autos devem ser encaminhados ao Procurador-Geral da República. De modo semelhante, quando, no curso de investiga­ ção, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos au­ tos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação (LC n. 35/79, art. 33, parágrafo único). Quanto às demais pessoas com foro por prerrogativa de função (v.g., senadores, deputados federais, etc.), não há dispositivo legal que vede o indiciamento, razão pela qual sempre prevaleceu o entendimento de que seria possível tanto a abertura das investiga­ ções quanto, no curso delas, o indiciamento formal por parte da autoridade que presidisse o inquérito, a qual, no entanto, deveria ter a cautela de remeter os autos ao tribunal que tivesse a competência especial pela prerrogativa de função. Ocorre que, em Questão de Ordem suscitada no Inq. 2.411, esse entendimento foi modificado pelo plenário do STF, que passou a entender que a autoridade policial não pode indiciar parlamentares sem prévia autorização do ministro-relator do inquérito, ficando a abertura do próprio procedimento investigatório (inquérito penal originário) condicionada à autorização do Relator. Nos casos de com­ petência originária dos Tribunais, a atividade de supervisão judicial deve ser desempenhada

j

A rt. 13

durante toda a tramitação das investigações, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo titular da ação. Daí por que foi anulado o ato de indiciamento promovido pela autoridade policial em face de parlamentar federal sem prévia autorização do Ministro Relator. Portanto, a partir do momento em que determinado titular de foro por prerroga­ tiva de função passe a figurar como suspeito em procedimento investigatório, impõe-se a autorização do Tribunal (por meio do Rela­ tor) para o prosseguimento das investigações. Assim, caso a autoridade policial que preside determinada investigação pretenda intimar autoridade que possui foro por prerrogativa de função, em razão de outro depoente ter afirma­ do que o mesmo teria cometido fato criminoso, deve o feito ser encaminhado previamente ao respectivo Tribunal, por estar caracterizado procedimento de natureza investigatória con­ tra titular de foro por prerrogativa de função. Agora, se houver simples menção ao nome de um parlamentar federal, em depoimentos pres­ tados por investigados, sem maiores elementos acerca de seu envolvimento no fato delituoso, não há falar em necessidade de remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal para o processamento do inquérito. Se é essa a nova posição do Supremo quanto à necessidade de autorização de Ministro Relator do Supremo para a abertura de investigações ou para o in­ diciamento de parlamentares federais, mutatis mutandis, deve se aplicar o mesmo raciocínio às demais hipóteses de competência especial por prerrogativa de função em inquéritos ori­ ginários de competência de outros Tribunais, como, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça. A propósito, com expressa menção ao nosso Manual de Processo Penal, o Supremo Tribunal Federal admitiu o indi­ ciamento do Governador do Estado de Minas Gerais F. D. P„ porquanto teria havido prévia autorização do relator do inquérito originário no tribunal competente (in casu, o STJ): STF, 2a Turma, HC 133.835 MC/DF, Rei. Min. Celso de Mello, j. 18;04;2016, DJe 25/04/2016. Por fim, conquanto a Suprema Corte tenha entendido que a supervisão do inquérito penal originário

Art. 13

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

deva ficar a cargo de um Ministro-Relator, vale ressaltar que o recebimento da peça acusatória não pode ser deliberado monocraticamente por esse Relator: a denúncia ou queixa devem ser submetidas à apreciação do colegiado respecti­ vo, reputando-se nula a decisão de Relator que, monocraticamente, receba peça acusatória con­ tra titular de foro por prerrogativa de função. ♦

Jurisprudência selecionada:

gações. C o m base n os indícios de autoria, e se c om ­ provada a materialidade do s crimes, cabe ao Ministério Público oferecer a denúncia ao órgão julgador. Por essa razão, tam bém não há falar em sigilo das investigações relativamente ao autor de eventual ação penal. N ão se sustentam o s argu m en tos da impetração, ao afirmar que o inquérito transform ou-se em procedim ento da Polícia Federal, porquanto esta apenas exerce a função de Polícia Judiciária, por delegação e so b as ordens d o Poder Judiciário. O s autos dem onstram tratar-se de inquérito que tramita no SuperiorTribunal de Justiça, so b o com an d o de M inistro daquela Corte Superior

STF:"(...) Antes da intim ação para prestar depoim ento

de Justiça, ao qual caberá dirigir o processo so b a sua

sobre os fatos objeto deste inquérito, o Senador foi previamente indiciado por ato da autoridade policial

relatoria, devendo tom ar todas as decisões necessárias ao b o m an dam en to das investigações. H abeas corpus

encarregada d o cum prim ento da diligência. C on sid e ­

den egado”. (STF, Pleno, H C 94.278/SP, Rei. Min. Menezes

rações doutrinárias ejurisprudenciais acerca d o tema

Direito, Dje 227 27/11/2008).

da instauração de inquéritos em geral e d o s inquéritos

STF:"(...) Parlamentar. Senador. Inquérito policial. Im-

originários de com petência do STF: i) a jurisprudência

putação de crime por indiciado. Intim ação para c om ­

d o STF é pacífica no sentido de que, nos inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal inves­

de ato de investigação. Inquérito já rem etido a juízo.

tigar, de ofício, o titular de prerrogativa de foro; (...)

Com petência d o STF. Com pete ao Su p rem o Tribunal

parecer com o testem unha. C onvocação com caráter

Se a Constituição estabelece que os agentes políticos

Federal supervisionar inquérito policial em que Sena­

respondem , por crime com um , perante o STF (CF, art.

dor tenha sido intim ado para esclarecer im putação de

102,1, b), não há razão constitucional plausível para que

crime que lhe fez indiciado". (STF, 2a Turma, R d 2.349/

as atividades diretam ente relacionadas à supervisão judicial (abertura de pro ce d im e n to investigatório)

TO, Rei. Min. Carlos Velloso, DJ 05/08/2005).

sejam retiradas d o controle judicial d o STF. A iniciativa d o procedim ento investigatório deve ser confiada ao M PF con tand o com a supervisão d o Ministro-Relator d o STF. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlam entares federais ou d o próprio Presidente da República (no caso d o STF). N o exercício de c o m p e ­ tência penal originária d o STF (CF, art. 10 2 ,1, "b " c/c Lei n° 8.038/1990, art. 2o e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucio­

STF: "(...)

Inquérito policial em tram itação perante a

Justiça Federal de primeira instância, para apurar p o s­ sível prática de crime de so ne gação fiscal e lavagem de dinheiro por pessoas que não go z am de foro por prerrogativa de função. A sim ples m enção de nom e de parlamentar, em depoim entos prestados pelos investi­ gados, não tem o con dão de firmar a com petência do Suprem oTribunal para o processam ento de inquérito. H.

C. indeferido". (STF, 2aTurma, HC 82.647/PR, Rei. Min.

Carlos Velloso, DJ 25/04/2003).

nalm ente de sem pen hada durante toda a tramitação

STJ: "(...)

das investigações desde a abertura do s procedim entos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não,

m onocraticam ente, recebe queixa-crim e contra Pro­ curador da República, determ inando a apresentação

de denúncia pelo dom inus litis. Q u e stão de ordem

de defesa prévia, porquanto, há na espécie, caso de

resolvida no sentido de anular o ato form al de indiciam ento prom ovid o pela autoridade policial em face

foro p riv ile gia d o p or prerrogativa de função, cuja

d o parlam entar investigado". (STF, Pleno, Inq. 2.411 QO/MT, Rei. Min. Gilm ar Mendes, DJe 74 24/04/2008).

é d o cole giad o respectivo (Tribunal Regional Federal),

STF:"(...) A remessa do s autos d o inquérito ao Superior

a instauração da instância e deflagração da persecutio

Tribunal de Justiça deu-se por estrito cum prim ento à

criminis, ap ó s um pream bular contraditório. Aplica­

regra de com petência originária, prevista na Consti­

ção do s arts. 4° e 6°, am b o s da Lei n° 8.038/90 e do

É nula a decisão de relator que, sum ária e

com petência originária para p ro ce ssare ju lgara causa sendo sua a prerrogativa de emitir juízo positivo sobre

tuição Federal (art. 105, inc. I, alínea "a"), em virtude

art. 1°, da Lei n° 8.658/93. Ordem concedida". (STJ, 6a

da suposta participação do paciente, Juiz Federal do

Turma, HC 16.507/RJ, Rei. Min. Fernando Gonçalves,

Tribunal Regional Federal da 3a Região, nosfatos inves­ tigados, não se nd o necessária a deliberação prévia da

DJ 20/08/2001 p. 541).

Corte Especial daquele SuperiorTribunal, cabendo ao

I. 8. Afastamento do servidor público de suas funções com o efeito autom ático do indiciam ento em crimes de lavagem de capitais: por força da Lei n. 12.683/12, com vigência a partir do dia 10 de julho de 2012,

Relator dirigir o inquérito. Não há introm issão indevida d o M inistério Público Federal, porque com o titular da ação penal (art. 129, incisos I e VIII, da Constituição Federal) a investigação do s fatos tidos com o delituosos a ele é destinada, cabendo-lhe participar das investi­

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

foi acrescido à Lei de Lavagem de Capitais (Lei n. 9.613/98) o art. 17-D, que dispõe: “Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo da remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamen­ tada, o seu retorno”. Como se percebe, em se tratando de crimes de lavagem de capitais, este dispositivo legal estabelece o afastamento do servidor público de suas funções como efeito automático do indiciamento, permitindo seu retorno às atividades funcionais apenas se houver decisão judicial fundamentada nesse sentido. Para além de violar a regra de trata­ mento que deriva do princípio da presunção de inocência, porquanto estabelece o afastamento do servidor de suas fúnções como efeito auto­ mático do indiciamento, equiparando aquele que está sendo processado àquele condenado por sentença transitada em julgado, o art. 17-D também vai de encontro ao princípio da jurisdicionalidade, vez que permite que uma autoridade não judiciária - lembre-se que o indiciamento é atribuição privativa da autoridade policial - determine medida de natureza cautelar sem qualquer aferição acerca de sua necessidade, adequação e proporcio­ nalidade. Por tais motivos, somos levados a acreditar que o art. 17-D da Lei n. 9.613/98 é manifestamente inconstitucional. Com en­ tendimento semelhante: BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTIN I, Pierpaolo Cruz. Lava­

gem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais - comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 360. A propósi­ to, tramita no Supremo a ADI 4.911, ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República em face da inconstitucionalidade do art. 17-D da Lei n. 9.613/98. No entanto, diante do envolvimento de servidor público em crimes de lavagem de capitais ou infrações antecedentes, nada impede que a autoridade judiciária competente - e não o Delegado de Polícia por meio de simples indiciamento decrete a suspensão do exercício de função pública, se visualizar que essa medida cautelar diversa da prisão é necessária para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução

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criminal, ou para evitar a prática de novas infrações penais (CPP, art. 2 8 2 ,1, c/c art. 319, VI). 2. Controle externo da atividade policial: de acordo com o art. 129, inciso VII, da Cons­ tituição Federal, caberá ao Ministério Públi­ co exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar, de iniciativa dos respectivos Procuradores-Gerais da União e dos Estados. Segundo Rodrigo Régnier Chemim Guimarães ( Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. 2a ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 80), o controle externo da atividade policial deve ser compreendido como o “conjunto de normas que regulam a fiscalização exercida pelo Ministério Público em relação à Polícia, na prevenção, apuração e investigação de fatos tidos como criminosos, na preservação dos direitos e garantias consti­ tucionais dos presos que estejam sob responsa­ bilidade das autoridades policiais e na fiscali­ zação do cumprimento das determinações ju ­ diciais”. A atividade de controle exercida pelo Ministério Público decorre do sistema de freios e contrapesos previsto pelo regime democrá­ tico. Afinal, o sistema preconizado na Carta Magna pressupõe a existência do controle de uma instituição por outra, condição necessária ao regular funcionamento do Poder Público. Este controle não pressupõe subordinação ou hierarquia dos organismos policiais. De fato, a expressão controle externo da atividade policial pelo Ministério Público não significa ingerência que determine a subordinação da polícia judiciária ao Ministério Público, mas sim a prática de atos administrativos pelo Ministério Público, de forma a possibilitar a efetividade dos direitos assegurados na lei fun­ damental. De acordo com a Lei Complementar n. 75/93 (art. 9°), cujas normas são aplicáveis subsidiariamente aos Ministérios Públicos dos Estados (Lei n. 8.625/93, art. 80), o Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, podendo: I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou pri­ sionais; II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial; III - repre­ sentar à autoridade competente pela adoção de

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providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; IV - requisitar à autoridade compe­ tente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial; V - promover a ação penal por abuso de poder. Além disso, segundo o art. 10 da LC n. 75/93, a prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade fede­ ral ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documen­ tos comprobatórios da legalidade da prisão. Os organismos policiais relacionados no art. 144 da Constituição Federal, bem como as polícias legislativas ou qualquer outro órgão ou insti­ tuição, civil ou militar, à qual seja atribuída parcela de poder de polícia relacionada com a segurança pública e persecução criminal, sujeitam-se ao controle externo do Ministério Público. Dessa forma, pode-se conceber o con­ trole externo como instrumento de realização do poder punitivo do Estado. Seu objetivo é dar ao Ministério Público um comprome­ timento maior com a investigação criminal e, consequentemente, um amplo domínio e lisura na produção da prova, a qual lhe servirá de respaldo na eventual propositura da ação penal pública ou na propositura da ação penal privada pelo ofendido. O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público também visa à manutenção da regularidade e da adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltadas para a persecução penal e o interesse público. A atuação institucional nessa seara vai além da fiscalização das ativida­ des tendentes à persecução penal, cabendo ao Ministério Público reprimir eventuais abusos, mediante instrumentos de responsabilização pessoal (penal, cível e administrativa) e tam­ bém zelar para que as instituições controladas disponham de todos os meios materiais para o bom desempenho de suas atividades, inclusive, quando necessário, acionando judicialmente o próprio Estado.

2.1. Resolução n. 20 do Conselho Nacional do Ministério Público: a Resolução n. 20, de 28 de maio de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público, regulamenta, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial. De acordo com seu art. 2o, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedi­ mentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltada para a persecução penal e o interesse público, aten­ tando, especialmente, para: I - o respeito aos direitos fundamentais assegurados na Consti­ tuição Federal e nas leis; II - a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; III - a prevenção da criminalidade; IV - a finalidade, a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade da per­ secução penal; V - a prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à atividade de investi­ gação criminal; V I - a superação de falhas na produção probatória, inclusive técnicas, para fins de investigação criminal; VII - a probidade administrativa no exercício da atividade poli­ cial. A Resolução n. 20 do Conselho Nacional do MP foi objeto de impugnação perante o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI n. 4.220, que não foi conhecida, porquanto se trata de ato de índole regulamentar, atrelado aos dispositivos legais que já disciplinam satis­ fatoriamente a matéria, não havendo inovação justamente porque os mecanismos primordiais para o exercício do controle externo da ativi­ dade policial são extraídos dos artigos 9o e 10 da Lei Complementar n. 75/93, que se referem, por seu turno, ao art. 80 da Lei n. 8.625/93. 2.2. Formas de controle externo da ativi­ dade policial: o controle externo da atividade policial pode ser exercido de maneira difusa ou concentrada. 2.2.1. Controle difuso: é aquele exercido por todos os membros do Ministério Público com atribuição criminal, quando do exame dos pro­ cedimentos que lhes forem atribuídos. Aqui, é possível a adoção das seguintes medidas: a) controle de ocorrências com acesso a regis­

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tros manuais e informatizados; b) prazos de inquéritos policiais; c) qualidade do inquérito policial; d) bens apreendidos; e) propositura de medidas cautelares. 2.2.2. Controle concentrado: é aquele exer­ cido através de membros com atribuições es­ pecíficas para o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âmbito de cada Ministério Público. Em sede de controle concentrado, são inúmeras as medidas que podem ser adotadas pelo órgão do Ministério Público: a) ações de improbidade administrati­ va; b) ações civis públicas na defesa dos interes­ ses difusos; c) procedimentos de investigação criminal; d) requisições; e) recomendações; f) termos de ajustamento de conduta; g) visitas às delegacias de polícia e unidades prisionais; h) comunicações de prisões em flagrante. 3. Fornecimento de informações com ple­ mentares: é equivocado acreditar que, uma vez concluído o inquérito policial e oferecida a denúncia, findou-se o trabalho investigatório da Polícia em relação àquele fato delituoso. A depender do caso concreto, é perfeitamente possível que novas fontes de prova sejam identificadas após a remessa dos autos do inquérito policial ao Poder Judiciário. A títu­ lo de exemplo, basta pensar na revelação do nome de um coautor ou partícipe durante o curso de uma audiência de instrução e julga­ mento. Nesse caso, como o processo judicial já está em andamento, esses novos elementos de informação deverão ser documentados em autos suplementares, evitando-se, assim, a desnecessária remessa dos autos do processo judicial à Polícia. 4. Requisição de diligências à autoridade policial pelo juiz de ofício: sem embargo de opiniões em sentido contrário, nos parece que ao juiz não é dado requisitar, ex officio, a reali­ zação de diligências complementares durante o curso das investigações, sob pena de violação ao sistema acusatório e à própria garantia da imparcialidade. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 156, inciso I, do CPP. 5. Requisição de diligências à autoridade policial pelo M inistério Público: a legisla­

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ção processual penal confere ao Delegado de Polícia discricionariedade para conduzir a investigação criminal por meio de inquéri­ to policial, podendo, para tanto, requisitar perícias, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos (Lei n. 12.830/13, art. 2o, §§ 2° e 3o). Essa discrionariedade, todavia, não é absoluta, sofrendo evidente mitigação diante de eventual requi­ sição m inisterial. Se o M inistério Público é o titular da ação penal pública (CF, art. 129, I), sendo, portanto, o destinatário, por excelência, dos elem entos de inform ação produzidos no curso da investigação policial, não se pode negar ao Parquet a possibilidade de requisitar diligências imprescindíveis à form ação da opinio delicti. Esse poder de requisição deriva diretamente da Constitui­ ção Federal: dentre as funções institucionais do M inistério Público, consta do art. 129, V III, da CF, a possibilidade de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. Na mesma linha, consoante disposto no art. 13, II, do CPP, que não foi revogado pela Lei n. 12.830/13, incumbe à autoridade policial realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo M inistério Público. Requisição é a exigência para a realização de algo, funda­ mentada em lei, e não se confunde com or­ dem, porquanto o Promotor de Justiça e nem mesmo o Juiz são superiores hierárquicos do Delegado de Polícia, razão pela qual não po­ dem lhe dar ordens. Na verdade, o Delegado de Polícia determina o cumprimento da exi­ gência ministerial não para atender à vontade particular do Promotor de Justiça, mas sim em fiel observância ao princípio da obriga­ toriedade, que impõe às autoridades estatais, inclusive Delegados de Polícia, um dever de agir de ofício diante da notícia de infração penal. Essas diligências devem ser requisi­ tadas pelo M inistério Público diretamente à autoridade policial (CPP, art. 13, II), ressalva­ das as hipóteses em que houver necessidade de intervenção judicial (v.g., interceptação telefônica). Havendo necessidade dos autos para auxiliar no cumprimento das diligências, 99

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deve o Promotor requerer ao juiz a remessa dos autos à autoridade policial. Indeferindo o magistrado o pedido de devolução dos au­ tos para novas e imprescindíveis diligências, caberá correição parcial. Afinal, não cabe ao Poder Judiciário, substituindo-se inde­ vidamente ao titular da ação penal pública, formar juízo acerca da necessidade (ou não) da realização de determinadas diligências reputadas indispensáveis pelo dominus litis à formação de sua convicção acerca da prática de determinada infração penal. À evidência, o Delegado de Polícia não é obrigado a atender requisições manifestamente ilegais. Aliás, ao tratar do poder de requisição ministerial, a própria Constituição Federal faz referência à indicação dos fundamentos jurídicos de sua manifestação. Nesse caso, fazendo-o de ma­ neira fundamentada, incumbe ao Delegado se recusar a cumprir requisições manifesta­ mente ilegais, comunicando a ocorrência ao respectivo Procurador-Geral de Justiça para as providências funcionais pertinentes. 6. Cumprimento de m andados de prisão: pelo menos em regra, a prisão de alguém está condicionada à ordem prévia e fundamentada da autoridade judiciária competente, materiali­ zada no mandado de prisão. A atribuição para o cumprimento dos mandados de prisão recai, precipuamente, sobre a Polícia Judiciária, que geralmente tem departamentos especializados na execução desses mandados. No entanto, à Polícia Militar, no exercício de suas funções de policiamento ostensivo, não se impede o cumprimento de mandados quando se depara

com alguém procurado. Aliás, ao tratar do registro do mandado de prisão no banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (BNMP), o art. 289-A, §1°, do CPP, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11, é categórico ao afirmar que qualquer agente policial poderá efetuar a prisão determinada em mandados de prisão. 7. R e p re se n tação pela decre tação da prisão preventiva: durante o curso do in ­ quérito policial, o Delegado de Polícia pode vislumbrar a necessidade da decretação de alguma medida cautelar. O art. 13, inciso IV, do CPP, faz referência apenas à prisão pre­ ventiva. No entanto, não se pode perder de vista que tal dispositivo guarda pertinência com o quadro de medidas cautelares dispo­ níveis à época da vigência do CPP ( I o de ja ­ neiro de 1942). Com as inúmeras mudanças sofridas pela legislação processual penal nos últimos anos, é evidente que o dispositivo legal sob comento deve ser interpretado de maneira extensiva, no sentido de se perm i­ tir ao Delegado de Polícia representar pela decretação de qualquer m edida cautelar durante as investigações, sejam elas de natu­ reza patrimonial (ex: sequestro), probatória (ex: interceptação telefôn ica), sejam elas de natureza pessoal (ex: prisão preventiva, temporária ou cautelares diversas da prisão). 8. Representação da autoridade policial e (des) necessidade de manifestação do M i­ nistério Público: para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 282, §2°, do CPP.

A rt. 1 3-A . Nos crimes previstos nos arts. 148,149 e 149-A, no §3° do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei n. 8.069/90, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o Delegado de Polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas de iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de seus suspeitos (Incluído pela Lei n. 13.344/16).1 -2 Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá: I - o nome da autoridade requisitante; II - o número do inquérito policial; e

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III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação. 1. A cesso aos d a d o s cadastrais de víti­ mas e de suspeitos: introduzido pela Lei n. 13.344/16, que versa sobre o tráfico interno e internacional de pessoas, o novel art. 13-A do CPP permite o acesso imediato do Delegado de Polícia e do órgão do Ministério Público aos dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos da prática dos crimes de sequestro e cárcere privado, redução a condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas, extorsão qua­ lificada pela restrição da liberdade da vítima, extorsão mediante sequestro (CP, arts. 148, 1 4 9 ,149-A, 158, §3° e 159, respectivamente), e também do crime do art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente (“Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro”). Não se trata de novidade no nosso ordenamento jurídico. De fato, dispo­ sitivos semelhantes a este já eram encontrados no art. 17-B da Lei de Lavagem de Capitais (Lei n. 9.613/98, com redação dada pela Lei n. 12.683/12) e no art. 15 da nova Lei das Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/13). Há, todavia, duas diferenças fundamentais entre tais dispositivos: a) o art. 13-A do CPP não é tão explícito quanto os arts. 17-B da Lei n. 9.613/98 e 15 da Lei n. 12.850/13: enquanto aquele menciona apenas o acesso a dados e

24 (vinte e quatro) horas, parece-nos perfeitamente possível a aplicação, por analogia, da mesma amplitude prevista na legislação especial acima citada. Afinal, é a própria Lei n. 13.344/16 que autoriza a aplicação subsidi­ ária da Lei n. 12.850/13 aos crimes de tráfico de pessoas (art. 9o); b) os arts. 17-B da Lei n. 9.613/98 e 15 da Lei n. 12.850/13 autorizam o acesso aos dados cadastrais dos investigados, ao passo que o novel art. 13-A do CPP faz re­ ferência aos dados dos suspeitos e das vítimas, o que, convenhamos, se revela bastante salutar. Afinal, como são relativamente frequentes os contatos entre os aliciadores e as vítimas de tráfico de pessoas, quer por telefone, quer pela internet, tais informações podem ser extrema­ mente úteis ao longo das investigações, seja para fins de identificação dos suspeitos, seja para fins de localização das próprias vítimas. Para que o Delegado de Polícia e o Ministério Público tenham acesso a esses dados, a requisi­ ção policial (ou ministerial) deverá conter: a) o nome da autoridade requisitante; b) o número do inquérito policial (ou do procedimento investigatório criminal, no caso de investiga­ ção presidida pelo Ministério Público); c) a identificação da unidade de polícia judiciária (ou Promotoria de Justiça) responsável pela investigação (CPP, art. 13-A, parágrafo único).

informações cadastrais de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas de iniciativa privada, estes fazem referência ao acesso aos dados cadastrais que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas tele­ fônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

2. (In)constitucionalidade do acesso aos dados cadastrais independentemente de prévia autorização judicial: certamente, ha­ verá quem diga que os arts. 13-A do CPP, 17-B da Lei n. 9.613/98, e 15 da Lei n. 12.850/13 são flagrantemente inconstitucionais. Preferimos, no entanto, entender que esses dados cadas­ trais não estão protegidos pela garantia cons­ titucional da intimidade (CF, art. 5o, X). Afinal, se empresas de concessão de crédito ou mesmo pessoas jurídicas que assinam determinados serviços a elas disponibilizados têm fácil acesso aos dados cadastrais de clientes ou potenciais clientes, não se pode negar este mesmo acesso às autoridades públicas, independentemente de prévia autorização judicial. A propósito,

Como o art. 13-A do CPP não é muito claro acerca dos dados e informações cadastrais a que o Delegado de Polícia e o Ministério Pú­ blico poderão ter acesso independentemente de prévia autorização judicial, nem tampouco em relação aos órgãos do poder público e às empresas de iniciativa privada que estão obrigados a atender à requisição no prazo de

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há precedentes do STJ (v.g., STJ, 6a Turma, HC 83.338/DF, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 29/09/2009, DJe 26/10/2009) no sentido de que a simples titularidade e o endereço do computador do qual partiu o escrito crimino­ so não estão resguardados pelo sigilo de que cuida o inciso X II do artigo 5° da Constituição da República, nem tampouco pelo direito à intimidade prescrito no inciso X, que não é ab­ soluto. Portanto, independentemente de prévia autorização judicial, é possível que a Polícia e o Ministério Público tenham acesso exclusi­ vamente aos dados cadastrais do investigado contendo as seguintes informações: a) qualifi­ cação pessoal: é composta pelo nome, nacio­ nalidade, naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, número de carteira de identidade e número de registro no cadastro de pessoas físicas da Receita Federal; b) filiação: consiste na indicação do nome do pai e da mãe; c) endereço: local de residência e de trabalho. Especificamente em relação às informações prestadas pelas empresas telefônicas, esses dados cadastrais não podem fazer referência à

data de início e fim de utilização da linha tele­ fônica, números para os quais foram efetuadas (ou recebidas) ligações, data, hora e tempo da duração das ligações feitas e recebidas. Nesse caso, será necessária prévia autorização judicial. Na mesma linha, no tocante às insti­ tuições financeiras e administradoras de cartão de crédito, o acesso estará restrito aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereços utilizados para abertura de contas correntes, aplicações financeiras ou solicitações de cartões de créditos. Devem ser excluídas, portanto, eventuais informações quanto à data de abertura da conta corrente, operações com cartão de crédito, listagem das contas corrente de origem e de destino de operações financeiras, aplicações em fundos de investimentos, transferência de moeda e outros valores para o exterior, etc. Como esses dados estão protegidos pelo sigilo bancário de que trata a Lei Complementar n° 105/01 (art. 5°, § 1°), o acesso a tais informações depende, em regra, de prévia autorização judicial.

A rt. 1 3 -B . Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes re­ lacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados - como sinais, informações e outros - que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso.1'2 §1 ° Para os efeitos deste artigo, sinal significa posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensidade de radiofrequência. §2° Na hipótese de que trata o caput, o sinal: I - não permitirá acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza, que dependerá de autorização judicial, conforme disposto em lei; II - deverá ser fornecido pela prestadora de telefonia móvel celular por período não superior a 30 (trinta) dias, renovável por uma única vez, por igual período; III - para períodos superiores àquele de que trata o inciso II, será neces­ sária a apresentação de ordem judicial. §3° Na hipótese prevista neste artigo, o inquérito policial deverá ser instaurado no prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas, contado do registro da respectiva ocorrência policial. §4° Não havendo manifestação judicial no prazo de 12 (doze) horas, a autoridade competente requisitará às empresas prestadoras de serviço

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J foX. 1 3 - B

de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados - como sinais, informações e outros - que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso, com imediata comunicação ao juiz. telefônicas está sujeita à cláusula de reserva de jurisdição, nos termos do inciso X II do art. 5o da CF. Todavia, não se pode confundir a interceptação das comunicações telefônicas com a obtenção de informações quanto ao posicionamento das ERB’s, verdadeira espécie de dados telefônicos, que podem ser obtidos pelas autoridades responsáveis pelas investi­ gações preliminares independentemente de prévia autorização judicial. Destarte, é im ­ perioso submeter o art. 13-B, caput, do CPP, a uma interpretação restritiva, porquanto o dispositivo disse mais do que pretendia dizer. Ou seja, conquanto o referido dispositivo faça referência à necessidade de autorização judi­ cial, também faz uso do verbo requisitar, no sentido de ordem, do que se conclui que não há necessidade de prévia autorização judicial. Não bastasse a contradição inequívoca do caput do art. 13-B, que faz menção à requisição mediante autorização judicial, verdadeira contradictio in terminis, a desnecessidade de prévia autoriza­ ção judicial para que a Polícia e o Ministério tenham acesso a tais informações é corrobo­ rada pelo teor dos próprios parágrafos do art. 13-B. Consoante disposto no art. 13-B, §2°, inciso III, do CPP, para períodos superiores a 60 (sessenta) dias, será necessária a apresen­ tação de ordem judicial. Ora, se a execução dessa diligência depende de prévia autorização judicial em toda e qualquer hipótese, como ex­ plicar, então, o inciso III do §2° do art. 13-B do CPP, que impõe ordem judicial nas hipóteses em que a medida se prolongar por período superior a 60 (sessenta) dias? Se assim o fez, 2. Controle jurisdicional prévio: o novel parece-nos possível concluir que a diligência dispositivo é extremamente dúbio e há de pode ser executada sem prévia autorização provocar intensas controvérsias, porquanto ora judicial por até no máximo 60 (sessenta) dias. exige prévia autorização judicial para o acesso Ultrapassado este prazo, aí sim se impõe a a tais informações (CPP, art. 13-B, caput), ora a chancela do Poder Judiciário. O art. 13-B, §4°, dispensa (CPP, art. 13-B, §4°). Certamente hão do CPP, também confirma a desnecessidade de se formar duas posições acerca do assunto. de prévia autorização judicial ao prever que 2.1. Desnecessidade de autorização judicial o decurso do prazo de 12 (doze) horas sem manifestação do magistrado autoriza que as prévia: a interceptação das com unicações

1. Requisição de informações acerca das es­ tações rádio base (ERB's): o art. 13-B do CPP, introduzido pela Lei n. 13.344/16, versa sobre o acesso a sinais, informações e outros dados de modo a permitir a localização da vítima ou dos suspeitos de crimes em curso. Apesar da falta de clareza por parte do legislador - o art. 13-B, §1°, do CPP, dispõe que sinal significa posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensidade de radiofrequência - , deve se compreender que o novel dispositivo cuida do acesso ao posicionamento das deno­ minadas estações rádio base (ERB). Por meio da estação rádio base (ERB), é possível saber a localização aproximada de qualquer aparelho celular ligado - não necessariamente em uso - e, consequentemente, de seu usuário. Gros­ so modo, as ERBs são as antenas ou estações fixas utilizadas pelos aparelhos móveis para se comunicar. Utilizando seus dados, é possível saber o local aproximado onde se encontra o referido aparelho. Ademais, muitos celulares possuem GPS, o que permite encontrá-los em determinado momento ou saber, posterior­ mente, por onde seus proprietários estiveram. Tais informações podem ser extremamente úteis em determinadas investigações, não ape­ nas como indício de que determinado agente estava nas proximidades do local do crime no exato momento em que o delito foi executado, mas também como contra-indício para infirmar a validade de eventual álibi apresentado pelo acusado no sentido de que estava em local diverso à época do delito.

Art. 13-B

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empresas prestadoras de serviços de telecomu­ nicações disponibilizem o acesso imediato ao posicionamento das estações rádio-base. Fosse a medida sujeita à cláusula de reserva de juris­ dição, certamente não seria o decurso de um prazo tão exíguo circunstância hábil a afastar a necessidade de controle jurisdicional. De modo a evitar eventuais desvios de finalidade por parte do Delegado de Polícia e do órgão ministerial, parece-nos aplicável, in casu, o quanto disposto no art. 13-A, parágrafo único, do CPP, que exige que a requisição contenha o nome da autoridade requisitante, o número do inquérito policial (ou do procedimento investigatório criminal), e a identificação da unidade de polícia judiciária (ou Promotoria de Justiça) responsável pela investigação. Por fim, ainda que se queira objetar que a ausência de controle jurisdicional prévio sobre a execu­ ção dessa medida possa dar ensejo a eventuais abusos por parte de policiais e membros do M inistério Público, daí não se pode impor a realização de tal diligência ao amparo da cláusula de reserva de jurisdição, sob pena de se colocar em risco a sua própria eficácia. En­ fim, se há abusos e desvios de finalidades, que sejam eles rigorosamente punidos. O que não se pode admitir é a criação de um sentimento indiscriminado de desconfiança em relação à lisura do comportamento do Delegado de Polícia e do órgão do Ministério Público, que sempre estariam a depender de autorização judicial para a realização de toda e qualquer diligência investigatória; + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O

teor das com unicações efetuadas pelo te­

lefone e os da d o s transm itidos por via telefônica são ab rangid os pela inviolabilidade d o sigilo - artigo 5.°, inciso XII, da Constituição Federal

sendo indispen­

sável a prévia autorização judicial para a sua quebra, o que não ocorre no que tan ge aos da d o s cadastrais, externos ao conteúdo das transm issões telemáticas. N ão se constata ilegalidade no proceder policial, que requereu à operadora de telefonia m óvel responsá­ vel pela Estação Rádio-Base o registro do s telefones que utilizaram o serviço na localidade, em dia e hora da prática d o crime. A autoridade policial atuou no exercício d o seu m ister constitucional, figu ra n d o a diligência dentre outras realizadas ao lo n go de quase 7 (sete) an o s d e investigação. Adem ais, e ventuais

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excessos praticados com o s registros lo grado s podem ser su bm e tid os posteriorm ente ao controle judicial, a fim de se verificar qualquer achincalhe ao regram ento norm ativo pátrio. In casu, a autoridade policial não so ­ licitou à operadora de telefonia o rol d o s proprietários das linhas telefônicas ou o teor d o colóquio do s interlo­ cutores, apenas os numerários que utilizaram a Estação de Rádio-Base na região, em período adstrito ao lapso delitivo, não carecendo de anterior decisão judicial para tanto, sobressaindo, inclusive, a necessidade da m edida policial adotada, que delim itou a solicitação para a quebra d o sigilo das conversas do s interlocuto­ res d o s telefones e da identificação do s núm eros que os contactaram, feita perante o Juízo competente, que aquiesceu com a obtenção d o requestado.

(STJ, 6a

Turma, HC 247.331/RS, Rei. Min. MariaThereza de Assis Moura, j. 21/08/2014, DJe 03/09/2014).

2.2. Necessidade de autorização judicial prévia (nossa posição): parece caminhar nes­ se sentido o art. 13-B, caput, do CPP, introdu­ zido pela Lei n. 13.344/16, ao fazer referência explícita à necessidade de prévia autorização judicial. Sem embargo da falta de precisão téc­ nica por parte do legislador, que faz referência à requisição mediante autorização judicial, o que é uma contradição, porque aquele que re­ quisita (v.g., Ministério Público) não depende de prévia autorização judicial, há de se com­ preender que a obtenção dessas informações guarda relação com a proteção do direito à intimidade e à vida privada. Afinal, por meio delas, é possível obter informações acerca da localização aproximada de uma pessoa, desde que esta traga consigo um aparelho celular li­ gado, o que, de certa forma, tangencia o direito à intimidade e à vida privada, porquanto nem sempre o indivíduo está disposto a revelar sua localização aos outros. Firmada a premissa de que é indispensável prévia autorização judicial para a obtenção dessas informações, forçoso é concluir que o §4° do art. 13-B é inconstitu­ cional, porquanto não se pode admitir que o mero decurso do prazo de 12 (doze) horas sem manifestação judicial acerca da representação policial (ou do requerimento ministerial) te­ nha o condão de dispensar a ordem judicial. Ora, como se pode admitir que o caput do art. 13-B do CPP demande autorização ju ­ dicial para a concretização da diligência e, na sequência, o §4° dispense tal exigência? Como observam Ronaldo Batista Pinto e Ro­ gério Sanches Cunha ( Tráfico de pessoas: Lei

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

13.344/2016 comentada p or artigos. Salvador: Editora Juspodivm, 2016. p. 125), “ou bem se entende que a ordem judicial é necessária e pouco importa o tempo que o juiz demorará

-J 5

para proferir a decisão, ou bem se entende que a diligência em estudo prescinde do filtro judicial e, por consequência, não será o atraso de 12 horas que impedirá sua efetivação”.

Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado po­ derão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.'2 1. Discricionariedade da autoridade p o ­ licial na condução do inquérito policial: interpretação gramatical do art. 14 do CPP podería levar à conclusão de que fica ao puro alvedrio da autoridade policial determinar, ou não, eventuais diligências requeridas pelo ofendido, por seu representante legal ou pelo investigado. Não obstante, certo é que essa discricionariedade da autoridade policial não tem caráter absoluto, sobretudo se considerar­ mos que o próprio art. 184 do CPP estabelece que, salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for neces­ sária ao esclarecimento da verdade. Portanto, o art. 14 c/c art. 184, ambos do CPP, não deixam dúvidas de que a autoridade policial não pode­ rá negar a perícia requerida pelo investigado quando se tratar de exame destinado a com­ provar a materialidade do delito. Entende-se, pois, que a autoridade policial não pode negar o requerimento de diligências que guardem importância e correlação com o esclarecimento dos fatos. Admite-se, a contrario sensu, o in­ deferimento de medidas inúteis, protelatórias ou desnecessárias, o que, por cautela, deve ser

Art. 15. Se o indiciado for m« autoridade policial.1 1. (Des) necessidade de curador: não há mais necessidade de curador para o indiciado menor de 21 (vinte e um) anos. Isso porque, por força do Código Civil (art. 5o), a menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos comple­ tos. Ademais, o art. 194 do CPP, que previa a necessidade de nomeação de curador para o menor de 21 anos por ocasião do interrogató­ rio judicial, foi revogado pela Lei n. 10.792/03.

feito motivadamente. De todo modo, caso uma diligência requerida pela defesa à autoridade policial não tenha sido realizada, assiste ao advogado a possibilidade de reiterar sua soli­ citação perante o juiz ou o Ministério Público, que poderão, então, requisitar sua realização à autoridade policial. Nessa linha, em caso concreto em que o requerimento formulado pelo investigado para oitiva de testemunhas e quebra de seu sigilo telefônico foi indeferido pela autoridade policial, concluiu a 6a Turma do STJ (HC 69.405/SP, Rei. Min. Nilson Na­ ves, j. 23/10/2007, DJ 25/02/2008 p. 362) ser cabível a impetração de habeas corpus com o objetivo de assegurar o cumprimento das referidas diligências, até mesmo de modo a se evitar apressado e errôneo juízo acerca da responsabilidade do investigado. 2. Apresentação de razões e quesitos pelo advogado em favor de seu cliente no curso da investigação preliminar (Lei n. 8.906/94, art. 7°, XXI, "a", com redação dada pela Lei n. 13.245/16): consultar comentários ao art. 4o do CPP, mais especificamente ao item “5.4. Procedimento inquisitorial”.

>r, ser-lhe-á nomeado curador pela

Daí o entendimento da doutrina no sentido da revogação tácita do art. 15 do CPP. Se os privilégios processuais para os menores de 21 e maiores de 18 anos deixaram de existir em face do novo Código Civil, importante esclarecer que as normas de natureza material que lhes são favoráveis ainda permanecem em vigor, como, por exemplo, a contagem da prescrição pela metade (CP, art. 115). Não se

Art. 16

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

pode esquecer, todavia, que ainda se afigura possível a nomeação de curador para o índio não adaptado ao convívio social, assim como para o inimputável do art. 26, caput, do Código Penal, tal qual dispõe o art. 151 do CPP.

STJ: “(...)

D e sd e a v ig ê n c ia d o n o v o C ó d ig o Civil,

não se faz m ais necessária a n om e ação de curador especial para in diciad os/acu sado s com idade entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um ) anos. É que a m aiori­ dade passo u a ser adquirida n ão m ais aos 21 (vinte e um ) anos, m as sim ao s 18 (dezoito) anos. (...). H abeas corpu s de n e gad o". (STJ, H C 89.684, Rei. M in. Felix



Jurisprudência selecionada:

Fischer, DJU 28.04.08).

Art. 16.0 Ministério Público não poderá requerer a devolução do in­ quérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.''2 1. Devolução dos autos à autoridade p o ­ licial para a realização de novas diligên­ cias requisitadas pelo M inistério Público: a legislação processual penal confere ao D e­ legado de Polícia discricionariedade para conduzir a investigação crim inal por meio de inquérito policial, podendo, para tanto, requisitar perícias, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos (Lei n. 12.830/13, art. 2o, §§ 2o e 3o). Essa discrionariedade, todavia, não é absoluta, sofrendo evidente mitigação diante de even­ tual requisição ministerial. Se o M inistério Público é o titular da ação penal pública (CF, art. 1 2 9 ,1), sendo, portanto, o destinatário, por excelência, dos elementos de informação produzidos no curso da investigação policial, não se pode negar ao Parquet a possibilidade de requisitar diligências imprescindíveis à form ação da opinio delicti. Esse poder de requisição deriva diretamente da Constitui­ ção Federal: dentre as funções institucionais do M inistério Público, consta do art. 129, V III, da CF, a possibilidade de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundam entos

jurídicos de suas m anifestações processuais. Na mesma linha, consoante disposto no art. 13, II, do CPP, que não foi revogado pela Lei n. 12.830/13, incumbe à autoridade policial realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo M inistério Público. Requisição é a exigência para a realização de algo, funda­ mentada em lei, e não se confunde com or­ dem, porquanto o Promotor de Justiça e nem

mesmo o Juiz são superiores hierárquicos do Delegado de Polícia, razão pela qual não podem lhe dar ordens. Na verdade, o Dele­ gado de Polícia determina o cumprimento da exigência ministerial não para atender à vontade particular do Promotor de Justiça, mas sim em fiel observância ao princípio da obrigatoriedade, que impõe às autoridades estatais, inclusive Delegados de Polícia, um dever de agir de ofício diante da notícia de infração penal. Essas diligências devem ser requisitadas pelo M inistério Público dire­ tamente à autoridade policial (CPP, art. 13, II), ressalvadas as hipóteses em que houver necessidade de intervenção judicial (v.g., interceptação telefônica). Havendo necessidade dos autos para auxiliar no cumprimento das diligências, deve o Promotor requerer ao juiz a remessa dos autos à autoridade policial. Indeferindo o magistrado o pedido de devo­ lução dos autos para novas e imprescindíveis diligências, caberá correição parcial. Afinal, não cabe ao Poder Judiciário, substituindo-se indevidamente ao titular da ação penal pú­ blica, formar juízo acerca da necessidade (ou não) da realização de determinadas diligên­ cias reputadas indispensáveis pelo dominus litis à formação de sua convicção acerca da prática de determinada infração penal. 2. Recusa do Delegado de Polícia: à evi­ dência, o Delegado de Polícia não é obrigado a atender a requisições manifestamente ilegais. Aliás, ao tratar do poder de requisição minis­ terial, a própria Constituição Federal faz refe­ rência à indicação dos fundamentos jurídicos

TlTULO I I . DO INQUÉRITO POLICIAL

de sua manifestação. Nesse caso, fazendo-o de maneira fundamentada, incumbe ao Delegado se recusar a cumprir requisições manifesta­ mente ilegais, comunicando a ocorrência ao respectivo Procurador-Geral de Justiça para as providências funcionais pertinentes, sem que se possa objetar que tal conduta teria o condão de tipificar eventual crime de prevaricação e/ ou desobediência.

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S T F : "(...) Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de aten­ der requisição de m em bro d o M inistério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, m esm o porque não cabe ao m em bro d o Ministério Público realizar, diretam en­ te, tais investigações, m as requisitá-las à autoridade policial, com petente para tal (C.F., art. 144, § § 1o e 4o). Adem ais, a hipótese envolvia fatos que estavam se n d o in ve stigado s em instância superior. R.E. não conhecido". (STF, 2a Turma, RE 205.473/AL, Rei. Min.

+ Jurisprudência selecionada:

Art. 17. A autoridade

Carlos Velloso, j. 15/12/1998, DJ 19/03/1999).

policial não poderá mandar arquivar autos de

inquérito.' 1. In dispo nibilid ad e do inquérito poli­ cial: diante da notícia de uma infração penal, o Delegado de Polícia não está obrigado a instaurar o inquérito policial, devendo antes verificar a procedência das informações, assim como aferir a própria tipicidade da conduta noticiada. Porém, uma vez determinada a ins­ tauração do inquérito policial, o arquivamento

dos autos somente será possível a partir de pedido formulado pelo titular da ação penal, com ulterior apreciação pela autoridade judi­ ciária competente. Logo, uma vez instaurado o inquérito policial, mesmo que a autoridade policial conclua pela atipicidade da conduta investigada, não poderá determinar o arqui­ vamento do inquérito policial.

Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela auto­ ridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas,13 se de outras provas tiver notícia.4 1. Desarquivam ento do inquérito poli­ cial diante do surgim ento da notícia de provas novas: o arquivamento por falta de lastro probatório é uma decisão tomada com base na cláusula rebus sic stantibus, ou seja, mantidos os pressupostos fáticos que servi­ ram de amparo ao arquivamento, esta decisão deve ser mantida; modificando-se o panorama probatório, é possível o desarquivamento do inquérito policial. Para que seja possível o desarquivamento, é necessário que surjam notícias de provas novas. Explica-se: suponha-se que, em relação a um crime de homicídio, a despeito do esgotamento das diligências, não tenha constado dos autos da investigação policial qualquer elemento de inform ação quanto à autoria do fato delituoso. Arquivado o inquérito policial, uma determinada teste­

munha presencial resolve, então, comparecer perante as autoridades para noticiar que teria informações quanto ao provável autor do de­ lito. Ora, diante dessa notícia de provas novas, é possível o desarquivamento do inquérito policial. A reabertura das investigações não pode decorrer da simples mudança de opinião ou reavaliação da situação. Também não se re­ vela possível a reabertura de investigações para aprofundar linhas investigativas já disponíveis para exploração anterior. + Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) Art. 18 d o CPP. A rquivam ento d e inquérito policial.'Novas pesquisas'. Possibilidade de reabertura das investigações, se de outras provas houver notícia. C o n trario sensu, a reabertura n ã o p o d e decorrer da sim p les m u dan ça d e o p in ião ou reavaliação da situação. É indispensável que haja novas provas ou.

A rt. 18

V

cpp COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

ao m en os, n o v as lin has de in ve stiga ção em pers­ pectiva. Im p o ssib ilid a d e de reabrir inquérito para ap rofu n dar linhas de in ve stigação q u e já estavam disponíveis para exploração anterior. O arquivam ento da investigação, ainda que não faça coisa julgada, é ato sério que só p od e ser revisto por m otivos igu al­ m ente sérios e su rgid os posteriorm ente. Reabertura das investigações que decorreu d o puro e sim ples in conform ism o com o arquivam ento requerido pelo Procurador-Geral da República, sem que um a linha de investigação nova tenha su rgid o ap ó s o arquiva­ m ento. (...) D a d o provim ento ao agravo regimental, para ju lgar procedente a reclam ação e determ inar o tran c am e n to d o P roce d im en to d e In ve stigaç ão Crim inal 94.0003.0003465/2015-2, d o MPSP". (STF, 2a Turma, R d 20.132 AgR-segundo/SP, Rei. Min. Gilm ar M endes, j. 23/02/2016, DJe 82 27/04/2016).

2. A tribuição para o d esarqu ivam en to do inquérito policial: há doutrinadores que entendem que esta atribuição recai sobre a autoridade policial. De fato, consoante dis­ posto no art. 18 do CPP, depois de arquivado o inquérito por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia. Por questões práticas, como os autos do inquérito policial ficam arquivados perante o Poder Judiciário, tão logo tome conhecimento da notícia de provas novas, deve a autoridade policial representar ao M inistério Público, solicitando o desarquivamento físico dos autos para que possa proceder a novas investigações. Com a devida vênia, pensamos que o desar­ quivamento compete ao Ministério Público, titular da ação penal pública, e, por conse­ quência, destinatário final das investigações policiais. Diante de notícia de prova nova a ele encaminhada, seja pela autoridade policial, seja por terceiros, deve promover o desarqui­ vamento, solicitando à autoridade judiciária o desarquivamento físico dos autos. Caso haja dificuldades no desarquivamento físico dos autos do inquérito policial, nada impede que o Ministério Público requisite a instauração de outra investigação policial.3 3. D e sarq uivam e nto e ulterior ofereci­ m ento de denúncia: uma coisa é o desar­ quivamento do inquérito policial, ou seja, a reabertura das investigações, cujo pressuposto é tão somente a notícia de provas novas; outra

coisa é o ulterior oferecimento da denúncia, que somente será possível caso as investiga­ ções sejam capazes de introduzir nos autos provas novas propriamente ditas. A propósito, eis o teor da súmula n. 524 do STF: “Arquivado o inquérito policial por despacho do juiz, a requerimento do promotor, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas’. Portanto, para o desarquivamento do inquérito policial, basta a existência de notícia de provas novas, tal qual prevê o art. 18 do CPP. Lado outro, para que o Ministério Público possa ofere­ cer denúncia, é indispensável a existência de provas novas, nos termos da súmula n. 524 do Supremo. Assim, enquanto o art. 18 do CPP regula o desarquivamento de inquérito policial, quando decorrente da carência de provas (falta de base para a denúncia), só perm itindo o prosseguimento das investi­ gações se houver notícia de novas provas, a Súmula 524 cria uma condição específica para o desencadeamento da ação penal, caso tenha sido antes arquivado o procedimento, qual seja, a produção de novas provas. É lógico que o desarquivamento pode ensejar a im e­ diata propositura da ação penal, se as novas provas tornarem dispensável qualquer outra diligência policial, mas isso não significa que esses dois momentos — o desarquivamento e a apresentação da demanda — possam ser confundidos. O desarquivamento do inqué­ rito policial constitui tão-só uma decisão administrativa, de natureza persecutória, no sentido de alterar os efeitos do arquivamento; enquanto este tem como consequência a cessa­ ção das investigações, aquele tem como efeito a retomada das investigações inicialm ente paralisadas pela decisão de arquivamento. Sem notícia de prova nova, o inquérito policial não pode ser desarquivado; sem produção de prova nova, não pode ser oferecida a denúncia. Destarte, surgindo provas novas, capazes de alterar o contexto probatório dentro do qual foi proferida a decisão de arquivamento, é possível, então, que o órgão Ministerial ofereça denúncia em face do agente. Como se perce­ be pela leitura da súmula 524 do Supremo, arquivado o inquérito policial por ausência de lastro probatório, só é possível o ofereci-

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

mento de denúncia a partir do surgimento de provas novas. Logo, pode-se dizer que, nessa hipótese, essas provas novas funcionam como condição de procedibilidade para o exercício da ação penal. Caso a denúncia seja oferecida sem a efetiva produção de prova nova, proce­ dendo o juiz ao seu recebimento, é possível a oposição de exceção de coisa julgada formal (CPP, art. 95, V ), assim como a impetração de habeas corpus objetivando o trancamento do processo.

Art. 20

+ Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

Entendem doutrina e jurisprudência que

três são os requisitos necessários à caracterização da prova autorizadora d o desarquivam ento de inquérito policial (artigo 18 d o CPP): a) que seja form alm ente nova, isto é, sejam apresentados novos fatos, anterior­ m ente desconhecidos; b) que seja substancialm ente nova, isto é, tenha id o n e id ad e para alterar o juízo anteriormente proferido sobre a desnecessidade da persecução penal; c) seja apta a produzir alteração no panoram a probatório dentro d o qual foi concebido e acolhido o pedido de arquivam ento; Preenchidos os requisitos - isto é, tida a nova prova por pertinente

4. Provas novas: são aquelas que produzem alteração no panorama probatório dentro do qual foi concebido e acolhido o pedido de ar­ quivamento do inquérito policial. De acordo com a doutrina, há duas espécies de provas novas: a) substancialm ente novas: as que são inéditas, ou seja, desconhecidas até então, por­ que ocultas ou ainda inexistentes. Suponha-se que a arma do crime, até então escondida, contendo a impressão digital do acusado, seja encontrada posteriormente; b) form alm ente novas: as que já são conhecidas e até mesmo foram utilizadas pelo Estado, mas que ganham nova versão, como, por exemplo, uma testemu­ nha que já havia sido inquirida, mas que altera sua versão porque fora ameaçada quando do primeiro depoimento.

aos m otivos declarados para o arquivam ento d o in­ quérito policial, colhidos novos depoim entos, ainda que de testem unha anteriormente ouvida, e diante da retificação d o testem unho anteriormente prestado -, é de se concluir pela ocorrência de novas provas, sufi­ cientes para o desarquivam ento d o inquérito policial e o conseqüente oferecimento da denúncia; Recurso a que se nega provimento". (STJ, 6aTurma, R H C 18.561 / ES, Rei. Min. Hélio Q u aglia Barbosa, j. 11/04/2006, DJ 01°/08/2005 p. 545).

STJ: "(...) A

denúncia som ente poderá ser aditada e

receber nova capitulação legal, com o surgim ento de novas provas. N ovas provas, são as q u e já existiam e n ã o foram p ro d u z id a s no m o m e n to p roce ssu al oportuno, ou que surgiram ap ó s o encerram ento d o inquérito policial. Arquivado o inquérito a requerimen­ to d o M inistério Público, nova ação penal não p od e ser iniciada sem novas provas. Sú m u la 524 d o STF". (STJ, Corte Especial, A p n 311/RO, Rei. Min. Hum berto G o m es de Barras, j. 02/08/2006, DJ 04/09/2006, p. 198).

Art. 19. Nos crimes em que não couber ação pública, os autos do inqué­ rito serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado.' 1. Destinação dos autos do inquérito poli­ cial em se tratando de crime de ação penal de iniciativa privada: se se trata de crime de ação penal de iniciativa privada, deve o ju iz determ inar a perm anência dos autos em cartório, aguardando-se a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal. Sobre o assunto, dispõe o art. 19 do CPP que, nos crimes em que não couber ação pública, os

autos do inquérito serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado. Na prática, todavia, os autos acabam sendo remetidos ao Ministério Público, para que analise se há elementos de informação quanto a eventual crime de ação penal pública.

Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.1*'3

Art. 20

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

de

L ima

Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem soli­ citados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes.4 (Redação dada pela Lei n. 12.681/12). 1. Princípio da publicidade dos atos pro­ cessuais: garantia do acesso de todo e qual­ quer cidadão aos atos praticados no curso do processo, a publicidade dos atos processuais revela uma clara postura democrática, e tem como objetivo precípuo assegurar a transpa­ rência da atividade jurisdicional, oportunizando sua fiscalização não só pelas partes, como por toda a comunidade. Traduz-se, portanto, numa exigência política de se afastar a des­ confiança da população na administração da Justiça. A regra é a publicidade ampla no curso do processo penal. Há, todavia, hipóteses que justificam a restrição da publicidade: defesa da intimidade, interesse social no sigilo e imprescindibilidade à segurança da sociedade e do Estado (CF, art. 5o, incisos X X X III e LX, c/c art. 93, IX); escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem (CPP, art. 792, § I o). Apesar de a regra ser a publicidade ampla no processo judicial, deve-se compreender que a publicidade, como toda e qualquer garantia, não tem caráter absoluto, podendo ser objeto de restrição em situações em que o interesse público à informação deva ceder em virtude de outro interesse de caráter preponderante no caso concreto. Daí se falar em publicidade restrita, ou interna, que se caracteriza quando houver alguma limitação à publicidade dos atos do processo. Nesse caso, alguns atos ou todos eles serão realizados somente perante as pessoas diretamente interessadas no feito e seus respectivos procuradores, ou, ainda, somente perante estes. É o que ocorre, por exemplo, quando se trata de crimes contra a dignidade sexual. Nesses casos, consoante disposto no art. 234-B do Código Penal, os processos deverão correr em segredo de justi­ ça, ou seja, não há falar em acesso do público em geral. Para mais detalhes acerca do prin­ cípio da publicidade, remetemos o leitor aos comentários ao art. 792 do CPP.

2. Sigilo do inquérito policial: se na pró­ pria fase processual é possível a restrição à publicidade, o que dizer, então, quanto aos atos praticados no curso de uma investigação policial? Se o inquérito policial objetiva inves­ tigar infrações penais, coletando elementos de informação quanto à autoria e materialidade dos delitos, de nada valeria o trabalho da polícia investigativa se não fosse resguardado o sigilo necessário durante o curso de sua realização. Deve-se compreender então que o elemento da surpresa é, na grande maioria dos casos, essencial à própria efetividade das investigações policiais. Portanto, por natureza, o inquérito policial está sob a égide do segredo externo, nos termos do art. 20 do Código de Processo Penal, que dispõe que a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. A importância da preservação desse sigilo nas investigações é destacada pela previsão de tipos penais pertinentes à quebra desse sigilo. A título ilustrativo, podemos ci­ tar os crimes de violação de sigilo funcional, previsto no art. 325 do CP, assim como o delito previsto no art. 10 da Lei n. 9.296/96. Se a autoridade policial verificar que a publi­ cidade das investigações pode causar prejuízo à elucidação do fato delituoso, deve decretar o sigilo do inquérito policial com base no art. 20 do CPP. Se a regra é a preservação do sigilo, não se pode negar que há situações em que a publicidade da investigação pode vir ao encontro do interesse público. Exemplo inte­ ressante de situação em que a publicidade - e não o sigilo - passa a ser essencial à eficácia das investigações policiais diz respeito à hipótese em que as autoridades policiais dispõem do retrato falado do criminoso, porém não sabem sua real qualificação. Nesse caso, é evidente que a publicidade dada ao retrato falado será extremamente importante, já que, com a di­ vulgação de tais imagens, talvez seja possível que a polícia venha a obter informações acerca

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

da identificação do agente, assim como dados relativos acerca de sua possível localização. 3. Acesso do advogado aos autos do in­ quérito policial: a fim de evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comen­ tários à súmula vinculante n. 14. 4. Atestados de antecedentes: é a ficha que contém a vida pregressa criminal do investi­ gado, de onde constam dados como a relação dos inquéritos policiais já instaurados contra sua pessoa e sua respectiva destinação. Em sua redação original, o art. 20, parágrafo único, do CPP, dispunha: “Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir con­ denação anterior”. Com o advento da Lei n. 12.681/12, o parágrafo único do art. 20 do CPP passou a ter a seguinte redação: “nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes”. Como se percebe, doravante não será possível sequer a

/

Alt. 21

menção a eventual condenação anterior. Evi­ dentemente, a proibição constante do parágra­ fo único do art. 20 do CPP não existe quando se trata de requisição de folha de antecedentes pela autoridade judiciária ou pelo Ministério Público, nos termos do art. 1 3 ,1, do CPP. ♦

Jurisprudência selecionada:

ST J:"(...) O STJ firm ou entendim ento pela im possibili­ dade da exclusão d o s registros constantes das "folhas de antecedentes" com ap o io no artigo 748 d o C ód i­ g o de Processo Penal. N esse sentido, dentre outros: A g R g no R M S 33.560/RJ, Rei. M inistro Jorge M ussi, Quinta Turma, DJe 18/09/2012; E D d no R M S 34.919/ SP, Rei. M inistro H um berto Martins, Se gu n d a Turma, DJe 13/02/2012. A folha de an teced entes con té m inform ações secretas destinadas, restritivamente, a órgãos das Polícias Judiciárias, d o M inistério Público e d o Poder Judiciário (§ 2o d o art. 709 d o CPP). O atestado de antecedentes é do cum e n to que pod e ser solicitado por eventuais interessados, n o qual, porém, "a autoridade policial não poderá m encionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes" (art. 20 d o CPP, c om redação dada pela Lei n. 12.681/2012). Ausência de direito líquido e certo de ver cancelado registro constante da folha de antecedentes. Recurso ordinário não provido". (STJ, 1a Turma, R M S 38.983/SP, Rei. Min. Benedito Gonçalves, j. 18/12/2012, DJe 04/02/2013).

Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado1-2 dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da so­ ciedade ou a conveniência da investigação o exigir. Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de três dias, será decretada por despacho fundamentado do Juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no art. 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963) (Redação dada pela Lei n. 5.010, de 30.5.1966).1 1. Inconstitucionalidade da incomunica­ bilidade do indiciado preso: a despeito do teor do art. 21 do CPP, tem prevalecido o entendimento de que tal dispositivo não foi re­ cepcionado pela Constituição Federal. A uma porque a Constituição Federal assegura que toda prisão será comunicada imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (art. 5°, LXII) e que o preso terá direito à assistência da família e de

advogado (art. 5o, LXIII). A duas porque, ao tratar do Estado de Defesa, onde há supressão de várias garantias constitucionais, a própria Constituição Federal estabelece que é vedada a incomunicabilidade do preso (art. 136, §3°, IV). Ora, se numa situação de exceção como o Estado de Defesa não se admite a incomu­ nicabilidade, o que dizer, então, em um estado de normalidade? Por isso, pode-se dizer que

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

o art. 21 do CPP não foi recepcionado pela Carta Magna. 2. Regime disciplinar diferenciado: a Lei n. 10.792/03, a par de modificar o procedimento pertinente ao interrogatório judicial, introdu­ ziu substanciais alterações na Lei de Execução Penal, dentre elas a criação de nova modalida­ de de sanção disciplinar: o regime disciplinar diferenciado. Prevê a LEP em seu art. 52 que a prática de fato previsto como crime dolo­ so constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II - recolhimento em cela individual; III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para ba­ nho de sol. O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas sus­ peitas de envolvimento ou participação, a qual­ quer título, em organizações ou associações criminosas. Apesar de o regime disciplinar diferenciado dispensar tratamento carcerá­ rio mais rígido aos agentes que incorram em uma das situações acima elencadas, não há qualquer previsão de incomunicabilidade do

preso. Na verdade, o art. 52, inciso III, da LEP, prevê apenas que as visitas semanais serão de duas pessoas, sem contar as crianças, e por até duas horas. Além disso, os Estados e o Distrito Federal poderão regulamentar o RDD para disciplinar o cadastramento e agendamento prévio das entrevistas dos presos provisórios ou condenados com seus advogados, regular­ mente constituídos nos autos da ação penal ou processo de execução criminal, conforme o caso (art. 5o, IV, da Lei n. 10.792/03). Como se vê, organização e agendamento de visitas não importa incomunicabilidade do preso, mas sim expediente administrativo visando à correta execução da pena. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Considerando-se que os princípios fundam en­ tais con sagrad os na Carta M a g n a não são ilim itados (princípio da relatividade ou convivência das liberda­ des públicas), vislum bra-se que o legislador, ao instituir o Regim e Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princí­ pio da proporcionalidade. Legítim a a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n.° 10.792/2003, que alterou a redação d o art. 52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabeleci­ m entos penais, bem com o resguardar a ordem pública, que vem sendo am eaçada por crim inosos que, m esm o encarcerados, continuam com an da n d o ou integrando facções crim inosas que atuam no interior d o sistema prisional - liderando rebeliões que não raro culm inam com fu gas e m ortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos - e, tam bém , no m eio social. (...) O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, H C 40.300/RJ, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 07/06/2005, DJ 22/08/05 p. 312). N o sentido de que o regim e disciplinar dife­ renciado é sanção disciplinar, e sua aplicação depende de prévia instauração de procedim ento administrativo para apuração d o s fatos im p u tad o s ao custodiado: STF, 2a Turma, HC 96.328/SP, Rei. Min. Cezar Peluso. J. 02/03/2010, DJe 062 08/04/2010.

Art. 22. No Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, nos inquéritos a que esteja procedendo, ordenar diligências em circunscrição de outra, independentemente de precatórias ou requisições, e bem assim providenciará, até que compareça a autoridade competente, sobre qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição.1

TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL

1. Da atribuição para a presidência do inquérito policial em face do local da con­ sum ação da infração penal: nos mesmos moldes como é fixada a competência territo­ rial do juízo para processar e julgar o crime, a atribuição para as investigações também é determinada em virtude do local onde se consumou a infração penal, ou, no caso de tentativa, com base no local em que foi pra­ ticado o último ato de execução. Assim, se um crime de competência da Justiça Estadual foi perpetrado na cidade de Sete Lagoas/MG, temos que a atribuição para investigá-lo recai sobre a autoridade policial da circunscrição a que pertencer o referido município. Essa atribuição da autoridade policial para apurar os fatos ocorridos dentro de sua circunscrição não impede a realização de diligências em outra circunscrição, desde que esteja na mes­ ma comarca; caso contrário, será necessária a expedição de carta precatória (CPP, art. 22). Nada impede que essa atribuição territorial para a investigação também seja subdividida a partir da natureza da infração penal. Isso porque, visando ao aperfeiçoamento das in­ vestigações, e considerando as vantagens que a divisão do trabalho proporciona, tanto a Polícia Federal quanto a Polícia Civil tem ins­ tituído delegacias especializadas no combate a

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certas espécies de crimes (ex: drogas, crimes praticados pela internet, crimes contra a vida, patrimoniais, etc.). De todo modo, ainda que uma investigação tenha sido presidida por autoridade policial que não detinha atribuições para fazê-lo, quer nos casos de um “crime fe­ deral” investigado pela Polícia Civil, quer nas hipóteses de investigação presidida por autori­ dade policial territorialmente sem atribuições, como o inquérito policial é considerado mera peça informativa de valor probatório relativo, trata-se de mera irregularidade, que não tem o condão de contaminar com nulidade o pro­ cesso penal a que der origem. + Jurisprudência selecionada:

STJ: “(...) Pedido

de anulação d o inquérito policial e, conseqüentem ente, a ação penal por"incom petência” da autoridade policial, haja vista que os fatos ocorre­ ram em circunscrição diversa d o local em que foi ins­ taurado. As atribuições no âm bito da polícia judiciária não se subm etem aos m esm o s rigores previstos para a divisão de com petência, haja vista que a autoridade policial p od e em preender diligências em circunscri­ ção diversa, in de pe n de n te m e nte da expe dição de precatória e requisição. O entendim ento desta Corte é pacífico no sentido de que eventuais nulidades ocor­ ridas n o curso d o inquérito policial não contam inam a subseqüente ação penal. O rdem denegada". (STJ, 6a Turma, HC44.154/SP, Rei. Min. Hélio Q u aglia Barbosa, j. 09/03/2006, DJ 27/03/2006 p. 337).

Art. 23. Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a autoridade policial oficiará ao Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere, mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à infração penal à pessoa do indiciado.' 1. Com unicação para fins de identifica­ ção e estatística: ao encerrar o inquérito e remetê-lo a juízo, deve a autoridade policial encaminhar ofício com os dados sobre o pro­ cedimento para o serviço de identificação e estatística oficial. As informações devem

fazer parte do chamado boletim individual (art. 809). O modelo desse boletim, aprovado pelo Código, foi substituído por outro mais aperfeiçoado, que acompanhou o Decreto-lei n. 3.992, de 30/12/41.

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Art.24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público,15 mas dependerá, quando a lei o exigir,16de requisição do Ministro da Justiça,17 ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.18 §1° No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.19 (Parágrafo único renumerado pela Lei n. 8.699, de 27.8.1993). §2° Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimô­ nio ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública.20 (Incluído pela Lei n. 8.699, de 27.8.1993). 1. Direito de ação penal: é o direito pú­ blico subjetivo de se pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto. Funciona, portanto, como o direito que a parte acusadora - Ministério Público ou o ofendido (querelante) - tem de, mediante o devido processo legal, provocar o Estado a dizer o direito objetivo no caso concreto. Há doutrina (minoritária) sustentando que a ação penal não seria um direito, mas sim um poder, porque a contrapartida seria uma sujeição do Estado-Juiz, que está obrigado a se manifestar. O direito de ação encontra seu fundamento constitucional no art. 5o, XXXV, que prevê que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Não se pode confundir o direito de ação com a ação, propriamente dita. Direito de ação é o direito de se exigir do Estado o exercício da jurisdição. Ação, todavia, é o ato jurídico, ou mesmo a iniciativa de se ir à justiça, em busca do direito, com efetiva prestação da tutela jurisdicional, funcionando como a forma de se provocar o Estado a prestar a tutela jurisdicional.

2. Natureza jurídica: no ordenamento ju ­ rídico pátrio, a ação penal é tratada tanto no Código Penal (arts. 100 a 106) quanto no Código de Processo Penal (arts. 24 a 62). Não obstante sua previsão no CPP, como a ação penal tem estreita relação com o direito de punir do Estado, não deixa de ter também caráter penal. Disso resulta a possibilidade de aplicação da lei mais favorável que versa sobre as condições da ação e sobre causas extintivas da punibilidade relacionadas à representação e à ação penal de iniciativa privada, por força do princípio da retroatividade da lei mais benigna, previsto no art. 5o, inciso XL, da Constituição Federal. Fosse o direito de ação considerado de natureza estritamente processual, aplicar-se-ia o art. 2o do CPP, com a regra do princípio da aplicação imediata. Porém, a partir do m o­ mento em que se constatam os reflexos que o exercício do direito de ação produz em relação ao iuspuniendi, não se pode deixar de aplicar a regra da irretroatividade da lei mais gravosa, ou da retroatividade da lei mais benéfica. Exemplificando, se determinado crime era de

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ação penal pública incondicionada e passa a ser de ação penal de iniciativa privada, forçoso é concluir que se trata de lex mitior. Afinal, a partir do momento em que determinado crime passa a ser de ação penal de iniciativa privada, maior será a possibilidade de inci­ dência de causas extintivas da punibilidade, como a decadência, a renúncia, o perdão e a perempção. Por outro lado, se determinado delito era de ação penal de iniciativa privada e uma lei nova o transforma em crime de ação penal pública condicionada à representação - veja-se o exemplo da Lei n. 12.033/09, que alterou a natureza da ação penal do crime de injúria racial, antes de ação penal de iniciativa privada, hoje de ação penal pública condicio­ nada à representação - cuida-se de evidente novatio legis in pejus, não podendo retroagir. De fato, a partir do momento em que o crime passa a ser de ação penal pública condiciona­ da à representação, não serão mais cabíveis a renúncia, o perdão e a perempção como causas extintivas da punibilidade, subsistindo apenas a possibilidade de decadência do direito de re­ presentação. Evidente, portanto, tratar-se de lei nova prejudicial ao acusado, logo, irretroativa.3 3. Lide no processo penal: é conhecida a concepção clássica de Carnelutti, segundo a qual a lide seria um conflito de interesses quali­ ficado por uma pretensão resistida. Discute-se se seria possível a transposição desse conceito para a seara processual penal, m prevalecido o entendimento de que deve se evitar a trans­ posição do conceito de lide para o processo penal. Em primeiro lugar, porque não haveria um conflito de interesses, já que o interesse na preservação da liberdade individual também é um interesse público, uma vez que interessa ao Estado, na mesma medida, a condenação do culpado e a tutela da liberdade do inocente. No processo penal, o Estado pretende apenas a correta aplicação da lei penal. Ademais, mesmo que o imputado esteja de acordo com a imposição de pena, com o que não haveria qualquer resistência de sua parte ao pedido condenatório, ainda assim a defesa técnica será indispensável no processo penal, valendo lembrar ser inviável a aplicação de pena sem a existência de processo em que sejam assegu­

rados o contraditório e a ampla defesa (nulla poena sine judicio). Por tais motivos, costuma-se trabalhar no processo penal com o que se convenciona chamar de pretensão punitiva. Segundo Gustavo Henrique Badaró ( Correla­ ção entre acusação e sentença. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 68), “pretensão punitiva seria o poder do Estado de exigir de quem comete um delito a submissão à sanção penal. Através da pretensão punitiva o Estado-Administração procura tornar efetivo o ius puniendi, com o exigir do autor do crime, que está obrigado a sujeitar-se à sanção penal, o cumprimento dessa obrigação, que consiste em sofrer o delinquente as consequências do crime e se concretiza no dever de abster-se ele de qualquer resistência contra os órgãos estatais a que cumpre executar a pena. Porém, tal pretensão não poderá ser voluntariamente resolvida sem um processo, não podendo nem o Estado impor a sanção penal, nem o infrator submeter-se à pena. Assim sendo, tal pretensão já nasce insatisfeita”. 4. Condições da ação penal: apesar de o direito de ação ser abstrato, o ordenamento jurídico impõe o preenchimento de certas con­ dições para o seu exercício regular. Instrumen­ talmente ligadas à pretensão, essas condições da ação funcionam como requisitos para que, legitimamente, se possa exigir o provimento jurisdicional. Em sede processual penal, a pre­ sença dessas condições da ação deve ser anali­ sada por ocasião do juízo de admissibilidade da peça acusatória. A denúncia ou queixa deve ser rejeitada pelo magistrado quando faltar con­ dição para o exercício da ação penal (CPP, art. 395, II). Se, no entanto, isso não ocorrer por ocasião do juízo de admissibilidade da peça acusatória, é perfeitamente possível o reconhe­ cimento de nulidade absoluta do processo, em qualquer instância, com fundamento no art. 564, inciso II, do CPP - o dispositivo refere-se apenas à ilegitimidade de parte, mas, por analogia, também pode ser aplicado às demais condições da ação penal. Há quem entenda que também seria possível a extinção do processo sem julgamento do mérito, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 267, inciso VI, do CPC - o novo CPC dispõe que o juiz não

TÍTULO III • DA AÇÃO PENAL

resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual (art. 485, V I), matérias que podem ser conhecidas de ofício pelo magistrado (art. 485, §3°, do novo CPC). 4.1. Concepção eclética sobre o direito de ação: o Código de Processo Civil consagrou expressamente a concepção eclética sobre o di­ reito de ação, segundo a qual o direito de ação é o direito ao julgamento do mérito da causa - é irrelevante se favorável ou desfavorável - , que fica condicionado ao preenchimento de certas condições, aferíveis à luz da relação jurídica material deduzida em juízo. São as chamadas condições da ação, desenvolvidas na obra do processualista italiano Enrico Tullio Liebmam. A teoria eclética sustenta que a existência do direito de ação não depende da existência do direito material, mas do preenchimento de cer­ tos requisitos formais chamados de condições da ação. Segundo essa concepção, as condições da ação não se confundem com o mérito, ainda que sejam aferidas à luz da relação jurídica de direito material discutida no processo, sendo analisadas preliminarmente e, quando au­ sentes, geram uma sentença terminativa de carência de ação (CPC, art. 267, V I - art. 485, VI, do novo CPC), sem a formação de coisa julgada material, o que, em tese, permite que a demanda seja renovada, desde que haja a correção do vício que deu ensejo à sentença sem resolução do mérito (CPC, art. 268 - art. 486, § I o, do novo CPC). Constatada a presença das condições da ação no caso concreto, o juiz profere sentença de mérito, que tanto poderá acolher quando rejeitar o pedido do autor. Tratando-se de matéria de ordem pública, não há falar em preclusão. Daí concluírem os defensores da teoria eclética que, a qualquer momento do processo e com qualquer grau de cognição, o juiz deve extinguir o processo sem resolução de mérito por carência de ação se entender ausente uma das condições da ação (CPC, art. 267, §3° - art. 485, §3°, do novo CPC). 4.2. Teoria da asserção: em tempos mais recentes surge na doutrina processual civil a teoria da asserção (in statu assertionis), tam ­

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bém chamada de teoria dela prospettazione, segundo a qual a presença das condições da ação deve ser analisada pelo juiz com base nos elementos fornecidos pelo próprio autor em sua petição inicial, que devem ser tomados por verdadeiros, sem nenhum desenvolvimen­ to cognitivo. As condições da ação exercem, pois, uma clara função de filtro processual. Justamente para distinguir as questões que constituem as condições da ação daquelas relativas ao mérito, afirma-se que o exame das condições da ação deve ser realizado segundo o afirmado na petição inicial. Se o juiz constatar a ausência de uma condição da ação mediante uma cognição sumária, deverá extinguir o processo sem resolução do mérito por carência de ação (CPC, art. 267, VI - art. 485, VI, do novo CPC); se houver necessidade de uma cognição mais aprofundada para a análise da presença das condições da ação, a carência de ação passa a ser analisada como mérito, gerando uma sentença de rejeição do pedido do autor (CPC, art. 269, I - art. 487, I, do novo CPC), com a formação de coisa julgada formal e material. Num exemplo tradicional­ mente citado pela doutrina processual penal, supondo que, ao final do processo, reconheça o juiz que a denúncia fora oferecida em face de acusado inocente, entende-se que, ao in­ vés de reconhecer sua ilegitimidade passiva ad causam, extinguindo o processo sem a apreciação do mérito, incumbe ao magistrado proferir sentença absolutória, com enfrentamento do mérito, hipótese em que a decisão fará coisa julgada formal e material. Outro exemplo interessante diz respeito à ausência de justa causa, pelo menos para aqueles que a consideram como espécie de condição da ação penal - a natureza jurídica da justa causa será objeto de análise na sequência. Verificada sua ausência por ocasião do juízo de admissibili­ dade da peça acusatória, incumbe ao magis­ trado rejeitá-la, nos termos do art. 395, III, do CPP, hipótese em que a decisão fará apenas coisa julgada formal. Logo, surgindo novos elementos probatórios, nova peça acusatória poderá ser oferecida, enquanto não extinta a punibilidade. Todavia, iniciado o processo, não se pode admitir que o próprio juiz que

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recebeu a denúncia determine sua extinção sem apreciação do mérito por ausência de justa causa. Nesse caso, ao final do processo, cabe ao juiz proferir sentença de mérito, absolvendo o acusado com fundamento no art. 386, incisos I, II, IV, V, VI, ou V II, hipótese em que a decisão estará protegida pelo manto da coisa julgada formal e material. 4.3. Novo C ódigo de Processo Civil e sub­ sistência da categoria das "condições da ação": o antigo Código de Processo Civil referia-se às condições da ação em 3 (três) momentos distintos: ao tratar da “ação” (art. 3o), referindo-se à necessidade de interesse e legitimidade; dentre as hipóteses de inép­ cia da inicial constava a hipótese em que o pedido fosse juridicamente impossível (art. 295, parágrafo único, III); ao cuidar dos casos de extinção do processo sem apreciação do mérito (art. 267, V I), quando fazia menção expressa à ausência das “condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”. Se bem exa­ minadas, as três condições referem-se a cada um dos três elementos da ação: legitimidade ad causam (partes); possibilidade jurídica do pedido (pedido); interesse de agir (causa de pedir). Ao contrário de seu antecedente, o novo CPC não faz uso, pelo menos expressamente, do termo “condições da ação”. Por força disso, parte da doutrina processual civil sustenta que, à luz do novo CPC, apesar de não ter havido o desaparecimento das condições da ação, isola­ damente consideradas, a categoria “condição da ação”, compreendida como uma questão relacionada a um dos elementos da ação (par­ tes, pedido e causa de pedir) que ocupa uma zona intermediária entre as questões de mérito e as questões de admissibilidade, foi eliminada do nosso ordenamento jurídico. Se há apenas dois tipos de juízo que podem ser feitos pelo órgão jurisdicional (juízo de admissibilidade e juízo de mérito), só há duas espécies de ques­ tões que o mesmo órgão jurisdicional pode examinar. Não há sentido lógico na criação de uma terceira espécie de questão - no caso, as condições da ação - , pois ou a questão é de mérito ou é de admissibilidade. Logo, o órgão jurisdicional continua sendo obrigado

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a examinar a legitimidade, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido. No en­ tanto, tais questões seriam examinadas como questões de mérito (possibilidade jurídica do pedido e legitimidade ad causam ordinária), ou como pressupostos processuais de validade - o interesse de agir como pressuposto de validade objetivo intrínseco e a legitimidade extraordi­ nária como pressuposto de validade subjetivo relativo às partes. Nesse contexto: DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 17a ed. Salvador/BA: Juspodivm, 2015. p. 305. Em sentido diverso, há quem entenda que não houve a extinção da categoria “con­ dições da ação”. Ora, se o texto do novo CPC não faz uso da expressão “condição da ação”, não se pode perder de vista que o Código de Processo Penal consagra expressamente essa categoria em seu art. 395, II, reproduzindo, aliás, o que já constava do revogado art. 43, III, do CPP, que dispunha que a denúncia ou queixa seria rejeitada quando fosse manifesta a ilegitimidade da parte ou faltasse condição

exigida pela lei para o exercício da ação penal. Como o novo CPC continua fazendo referên­ cia à legitimidade e ao interesse de agir em diversos dispositivos legais, subentende-se que esse conceito jurídico processual não foi proscrito do direito processual. Com efeito, sem embargo do silêncio do novo CPC acerca da possibilidade jurídica, há diversas referências expressas à legitimidade e ao interesse de agir, que subsistem como condições da ação. Em seu art. 17, o novo CPC dispõe expressamente que é necessário ter interesse e legitimidade para postular em juízo. Ao tratar da contes­ tação, o art. 337, inciso XI, determina que, antes de discutir o mérito, incumbe ao réu alegar, dentre outras matérias, a ausência de legitimidade ou de interesse processual. Por fim, no capítulo referente à sentença e à coisa julgada, o novo CPC determina que o juiz não resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual (art. 485, VI). Se a categoria das “condições da ação” não foi extinta pelo novo CPC, me­ lhor sorte não assiste à possibilidade jurídica do pedido. Aliás, mesmo antes da vigência do novo CPC, grande parte da doutrina já

TÍTULO III • DA AÇÃO PENAL

sustentava que a possibilidade jurídica não podia ser considerada espécie autônoma de condição da ação. Em seus primeiros estudos, Liebman defendia a existência de três espécies de condições da ação: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade, sendo que essa construção teórica foi expressamente consagrada pelo antigo CPC no art. 267, VI. Ocorre, porém, que o próprio Liebman refor­ mulou seu entendimento original, passando a defender que a possibilidade estaria contida no interesse de agir - se o pedido é juridicamente impossível, não há necessidade de o processo prosseguir, ante a absoluta impossibilidade de o juiz emitir um provimento final conforme pedido pelo autor - , de forma que, ao final de seus estudos, restaram somente duas condições da ação, quais sejam, legitimidade e interesse de agir. Outros doutrinadores processuais civis negam que a impossibilidade jurídica do pe­ dido seja distinta do julgamento do mérito de improcedência. Em outras palavras, ainda que no início do processo, e mesmo que com base em uma cognição superficial, quando o juiz considera o pedido juridicamente impossível, estaria, na verdade, julgando o mérito im ­ procedente. Louvável, portanto, a sistemática adotada pelo novo diploma processual civil, que deixa de fazer referência à “possibilidade jurídica do pedido” como hipótese que leva a uma decisão de inadmissibilidade do processo. Consolida-se, assim, o entendimento pratica­ mente majoritário até então no sentido de que o reconhecimento da impossibilidade jurídica funciona como decisão de mérito, e não de inadmissibilidade. 4.4. Espécies de condições da ação penal: firmada a premissa de que não houve a extin­ ção da categoria das condições da ação, con­ vém destacar que, em sede processual penal, essas condições subdividem-se em condições genéricas, assim compreendidas como aquelas que deverão estar presentes em toda e qualquer ação penal, e condições específicas (de procedibilidade), cuja presença será necessária apenas em relação a determinadas infrações penais, certos acusados, ou em situações espe­ cíficas, expressamente previstas em lei. Como condições específicas da ação penal, podemos

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citar, a título de exemplo, a representação do ofendido e a requisição do Ministro da Justiça. Vejamos, então, separadamente, as condições da ação penal. Antes, porém, convém ressaltar que usaremos a expressão condições de procedibilidade como sinônimo de condições da ação (genéricas ou específicas), nos moldes preconizados por Tourinho Filho ( Processo penal. Volume 1. 31a ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 529). Ressaltamos, no entanto, que grande parte da doutrina prefere usar a expressão condições de procedibilidade como sinônimo de condições específicas da ação penal. 5. C ondições genéricas da ação penal: grande parte da doutrina entende que, no processo penal, as condições genéricas da ação penal não apresentam conceituações distintas daquelas pensadas para o processo civil, em face de uma teoria geral do processo. Logo, sob a ótica do novo CPC, que afastou a possibilidade jurídica como condição da ação, o exercício regular do direito de ação penal pressupõe a legitimidade e o interesse de agir. Sem o preenchimento dessas condições genéricas, teremos o abuso do direito de ação, autorizando, pois, a rejeição da peça acusatória (CPP, art. 395, II). 5.1. Possibilidade jurídica do pedido: o pedido formulado pela parte deve se referir a uma providência admitida pelo direito objeti­ vo, ou seja, o pedido deve encontrar respaldo no ordenamento jurídico, referindo-se a uma providência permitida em abstrato pelo direi­ to objetivo. Entende-se que não se afigura conveniente a instauração e o desenvolvimen­ to de um processo quando, desde logo, se afigura inviável o atendimento em absoluto da pretensão, seja porque a ordem jurídica não prevê providência igual à requerida, porque a ordem jurídica expressamente a proíba, seja porque o ordenamento jurídico impede a ma­ nifestação judicial sobre a questão. No proces­ so civil, é comum o exemplo citado pela dou­ trina de se ingressar em juízo pleiteando o pagamento de dívidas de jogo, hipótese em que a petição inicial deve ser indeferida de plano, já que a petição inicial é inepta em virtude de

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o pedido ser juridicamente impossível, por­ quanto o art. 814 do Código Civil estabelece que as dívidas de jogo ou de aposta não obri­ gam ao pagamento. Perceba-se que a impossi­ bilidade não é do pedido, mas sim da causa de pedir. O pedido de cobrança na hipótese de dívida de jogo, isoladamente considerado, é perfeitamente admissível. O que não se admi­ te é uma cobrança cuja origem seja uma dívi­ da de jogo. Se, no plano processual civil, a possibilidade jurídica é configurada negativa­ mente, no âmbito processual penal, sua conceituação é positiva, como previsão expressa do pedido condenatório no ordenamento ju ­ rídico. A fim de se evitar persecuções levianas, infundadas, dando ensejo a processos penais temerários, deve se analisar se a imputação formulada na peça acusatória leva a alguma providência prevista no direito objetivo. Em observância ao princípio da legalidade (CF, art. 5o, XX XIV , c/c art. I o do CP), atendendo, ademais, à função de garantia dos tipos penais, para que o pedido seja juridicamente possível no processo penal, é imprescindível a existên­ cia de norma jurídica definindo a conduta imputada ao acusado como infração penal, estabelecendo a respectiva sanção. Como se vê, essa condição da ação guarda relação com a possibilidade de o juiz pronunciar, em tese, a decisão pleiteada pelo autor, consoante o que dispõe a ordem jurídica de forma abstrata. De modo a não se confundir a análise dessa con­ dição da ação com a do mérito, a apreciação da possibilidade jurídica do pedido deve ser feita sobre a causa de pedir (causa petendi), considerada em tese, desvinculada de qualquer prova porventura existente. Analisa-se o fato tal qual narrado na inicial, sem se discutir se é ou não verdadeiro, a fim de se concluir se o ordenamento material lhe comina, em abstra­ to, uma sanção. São exemplos de impossibili­ dade jurídica do pedido tradicionalmente ci­ tados pela doutrina processual penal, que autorizam a rejeição da peça acusatória com fundamento no art. 395, II, do CPP, ou, se recebida, ensejarão o trancamento do proces­ so por meio de habeas corpus: a) oferecimento de denúncia e/ou queixa com a imputação de conduta atípica; b) peça acusatória oferecida a

despeito da presença de um fato impeditivo do exercício da ação (v.g., ausência de decisão final do procedimento administrativo de lan­ çamento nos crimes materiais contra a ordem tributária); c) peça acusatória oferecida sem o implemento de condição específica da ação penal (v.g., ausência da representação do ofen­ dido); d) denúncia oferecida em face de menor de 18 (dezoito) anos, a ele imputando a práti­ ca de crime e, por isso, requerendo a imposição de pena privativa de liberdade, contrariando, assim, o quanto disposto na Constituição Fe­ deral, que prevê que são penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos (CF, art. 228). Como exposto anteriormente, por conta da influência do antigo Código de Processo Civil, que fazia referência expressa, como es­ pécie de condição da ação, à possibilidade jurídica (art. 267, V I), esta sempre foi aponta­ da como uma das condições da ação penal, ao lado da legitimidade e o do interesse de agir. No entanto, essa transposição simplista dos conceitos processuais civis para o processo penal - no caso, a utilização da possibilidade jurídica do pedido como espécie de condição da ação penal - sempre foi alvo de críticas, porquanto ignora as peculiaridades e especificidades do processo penal. Diante da inade­ quada transposição da possibilidade jurídica do pedido como condição da ação para o processo penal, reputamos absolutamente vá­ lido e oportuno o afastamento dessa condição pelo novo diploma processual civil. Doravan­ te, à semelhança do novo CPC, a impossibili­ dade jurídica do pedido também deverá ser enfrentada no âmbito processual penal como decisão de mérito, e não de inadmissibilidade. No âmbito processual cível ou penal, é impos­ sível extremar a possibilidade jurídica do pe­ dido do mérito da causa, fato que, por si só, acabou justificando a exclusão dessa condição da ação do novo CPC, e, consequentemente, do processo penal, que, doravante, terá como condições da ação penal tão somente a legiti­ midade e o interesse de agir. A transposição da possibilidade juríd ica do pedido como condição da ação penal ignora, por completo, uma premissa básica do processo penal, se­ gundo a qual o pedido é de todo irrelevante

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numa ação penal condenatória, já que o acu­ sado defende-se dos fatos que lhe são imputa­ dos, pouco importando o pedido formulado pelo acusador. Exemplificando, ainda que conste da peça acusatória o pedido de impo­ sição de uma pena vedada pelo ordenamento jurídico, a exemplo da pena de morte para crime comum (CF, art. 5o, XLVII, “a”), tal vício não terá o condão de ensejar a rejeição da peça acusatória. Noutro giro, ainda que o pedido de imposição de determinada sanção não corres­ ponda efetivamente àquela prevista na cominação legal pertinente ao fato imputado ao agente, nada impede o recebimento da denún­ cia ou queixa e o regular processamento do feito, haja vista a possibilidade de emendatio libelli por ocasião da sentença (CPP, art. 383). Na mesma linha, se uma denúncia pela práti­ ca de crime doloso contra a vida for oferecida perante o Juiz Sumariante com pedido de con­ denação, que, como é sabido, tem autorização apenas para pronunciá-lo, já que o juiz natural para eventual decreto (condenatório ou absolutório) é o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, também não há falar em rejeição da denúncia em virtude de suposta impossibili­ dade jurídica do pedido. Cuida-se de mera irregularidade, incapaz de produzir qualquer vício, porquanto o acusado defende-se da imputação que recai sobre sua pessoa, e não do pedido constante da denúncia. Para além disso, sob a ótica da teoria eclética, para que se possa falar em impossibilidade jurídica do pedido como condição da ação, sua ausência deveria dar ensejo a uma sentença terminativa de carência de ação (CPC, art. 267, V I - art. 485, VI, do novo CPC). Por consequência, sem a formação de coisa julgada material. No en­ tanto, se a possibilidade jurídica a ser investi­ gada no processo penal diz respeito à causa de pedir, ou seja, à imputação de um fato típico, ilícito e culpável, fica difícil sustentar que a análise desta condição da ação não esteja rela­ cionada ao mérito, produzindo, pois, coisa julgada formal e material. Basta pensar no exemplo da rejeição da denúncia em virtude da atipicidade (formal ou material) da condu­ ta imputada ao acusado. Ora, se um simples arquivamento do inquérito policial com base

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na atipicidade funciona como decisão de mé­ rito, com a formação de coisa julgada formal e material, como negar semelhantes efeitos à decisão proferida no limiar do processo, reco­ nhecendo, por exemplo, a atipicidade material da conduta em virtude do princípio da insig­ nificância? Do ponto de vista da profundidade da cognição, mesmo em se tratando de um exame superficial, o reconhecimento da atipi­ cidade no início do processo pode ser consi­ derado um verdadeiro julgamento do mérito, por não haver controvérsia fática. Portanto, se, por ocasião do juízo de admissibilidade da peça acusatória, reconhecer o juiz ser possível a aplicação do princípio da insignificância, com o consequente reconhecimento da atipi­ cidade material da conduta, não se trata de sentença de carência de ação em face da im ­ possibilidade jurídica do pedido, mas sim de verdadeira decisão de mérito, à semelhança da absolvição sumária prevista no art. 397, III, do CPP, logo, acobertada pela coisa julgada formal e material. Em síntese, se a atipicidade, descriminante, exculpante (salvo inimputabilidade), ou causa extintiva da punibilidade estiverem cabalmente demonstradas no momento do juízo de admissibilidade da peça acusatória, e desde que haja um juízo de certeza acerca de sua presença, pouco importando se, para tan­ to, foi necessária uma cognição superficial (prim a facie) ou macroscópica, deve o juiz absolver sumariamente o acusado desde logo com fundamento no art. 397 do CPP. Se o novo Código de Processo Civil autoriza o reconhe­ cimento liminar da improcedência do pedido quando for dispensável a instrução probatória e se revelarem presentes uma das hipóteses listadas nos incisos do art. 332 (pedido con­ trário a enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, a acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, a entendimento firmado em incidente de re­ solução de demandas repetitivas ou de assun­ ção de competência, ou a enunciado de súmu­ la de tribunal de justiça sobre direito local), não há justificativa razoável para não se aplicar idêntico raciocínio ao processo penal, autori­

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zando, por conseguinte, a prolação de um decreto lim inar de absolvição sumária por ocasião do juízo de admissibilidade da peça acusatória, independentemente da citação do acusado e da apresentação da resposta à acu­ sação. Em todos esses casos, o que menos importa é o momento procedimental em que houver o reconhecimento de uma das hipóte­ ses do art. 397 do CPP. Como há efetiva aná­ lise do mérito em todas elas, a decisão fará coisa julgada formal e material, nos mesmos moldes do que ocorre, por exemplo, com o arquivamento do inquérito policial com base na atipicidade da conduta delituosa. 5.2. Legitimidade para agir: legitimatio ad causam é a pertinência subjetiva da ação. Ou seja, é a situação prevista em lei que permite a um determinado sujeito propor a demanda judicial e a um determinado sujeito ocupar o polo passivo dessa mesma demanda. Há legi­ timidade de partes quando o autor afirma ser titular do direito subjetivo material demanda­ do (legitimidade ativa) e pede a tutela em face do titular da obrigação correspondente àquele direito (legitimidade passiva). A legitimidade ad causam subsiste como condição da ação sob a ótica do novo CPC, que prevê expressamente que é necessário interesse e legitimidade para postular em juízo (art. 17). 5.2.1. Legitimidade ativa no processo pe­ nal: nas hipóteses de ação penal pública, por força do art. 12 9 ,1, da Constituição Federal, o titular da ação penal será o Ministério Público; nas hipóteses de ação penal de iniciativa pri­ vada, será legitimado a agir o ofendido, ou seu representante legal. Em situações excepcionais, que serão oportunamente estudadas, a queixa-crime também pode ser oferecida por curador especial (CPP, art. 33), pelos sucessores do ofendido, em caso de morte ou declaração de ausência (CPP, art. 31), ou até mesmo por entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personali­ dade jurídica, assim como associações, especificamente destinadas à defesa dos interesses e direitos do consumidor (Lei n. 8.078/90, art. 80, c/c art. 82, III e IV). Daí a grande importân­ cia de se saber se determinado delito é de ação

penal pública ou de ação penal de iniciativa privada. Afinal, se o delito é de ação penal de iniciativa privada (v.g., em regra, crime de ca­ lúnia), e o Ministério Público oferece denúncia em relação a ele, há de se reconhecer a falta de legitimatio ad causam do órgão ministerial, com a consequente rejeição da peça acusatória (CPP, art. 395, II). Caso o processo já esteja em andamento, a ilegitimidade ad causam será causa de nulidade absoluta do processo, tal qual prevê o art. 564, II, do CPP. Por outro lado, em se tratando de crime de ação penal pública (v.g., crime contra a honra praticado durante a propaganda eleitoral, o qual é crime eleitoral e, portanto, de ação penal publica incondicionada), não se pode admitir o ofere­ cimento de queixa-crime pelo ofendido ou por seu representante legal, salvo se caracterizada a inércia do órgão ministerial, hipótese em que a própria Constituição Federal ressalva o cabimento da ação penal privada subsidiária da pública (art. 5o, LIX). 5.2.2. Legitimidade passiva no processo penal: no polo passivo, a legitimação recai sobre o provável autor do fato delituoso, com 18 (dezoito) anos completos ou mais, já que a própria Constituição Federal estabelece que os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis (art. 228). Alguns doutrinadores entendem que, no âmbito processual penal, na medida em que o tema relativo à autoria diz respeito ao próprio mérito da ação penal condenatória, a legitimatio ad causam só ofe­ rece relevância quando analisada sob o ponto de vista do polo ativo, ou seja, no tocante à iniciativa da persecução penal. Com a devida vênia, ousamos discordar. Em tempos atuais, com a crescente utilização da informática, é perfeitamente possível que, por um equívoco na digitação de uma denúncia, a prática de determinada infração penal seja imputada a uma pessoa distinta do suposto autor do fato delituoso (v.g., à testemunha). Ora, em uma hipótese como essa, não se tem dúvida de que o reconhecimento da ilegitimidade passiva da testemunha independe de qualquer dilação probatória, autorizando a rejeição da peça acusatória de plano.

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+ Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) Exsurgindo d e scom p asso entre as im pres­ sões digitais constantes d o boletim de identificação criminal alusivo ao delito e as d o acusado via denúncia, im põe-se a conclusão sobre a ilegitim idade passiva, declarando-se nulo o processo a partir, inclusive, da peça primeira, ou seja, da denúncia”.

5.2.3. Legitimidade da pessoa jurídica no processo penal: vide comentários ao art. 37 do CPP. 5.2.4. D istin ção entre le gitim id ad e a d c a u s a m , legitim idade a d p ro c e s s u m , ca­ pacidade postulatória e capacidade de ser parte: enquanto aquela diz respeito à pertinência subjetiva da ação, esta última está relacionada à capacidade de o indivíduo estar em juízo, tida como pressuposto processual de validade. Essa capacidade processual refere-se à capacidade de exercer direitos e deveres pro­ cessuais, ou seja, de praticar validamente atos processuais. É o que ocorre com um ofendido menor de 18 (dezoito) anos, que não tem capa­ cidade processual para oferecer queixa-crime, razão pela qual sua incapacidade é suprida por seu representante legal. Esse representan­ te processual age em nome alheio na defesa de interesse alheio, não sendo considerado parte no processo, mas mero sujeito que dá à parte capacidade para que esteja em juízo. Capacidade processual, por sua vez, não se confunde com capacidade postulatória, assim compreendida a aptidão para postular perante órgãos do Poder Judiciário. Supondo, assim, ofendido que não seja advogado inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, o ajuizamento da queixa-crime deverá ser feito por advogado com poderes especiais (CPP, art. 44). Como se vê, a incapacidade postulatória é suprida por meio da representação voluntária necessária. Por fim, não se pode confundir o conceito de legitimidade ad causam com o de capacidade de ser parte, pressuposto de existência de um processo. A capacidade de ser parte deriva da personalidade, consistindo na capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações (CC, art. I o). No âmbito processual penal, além de pessoas físicas e jurídicas, é in­ teressante perceber que alguns “entes” também

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são considerados como pessoas formais. É o que ocorre, por exemplo, com as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídi­ ca, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, a quem o CDC atribui legitimidade não só para figurar como assistente do Ministério Público, como tam­ bém para ajuizar queixa-crime subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal (Lei n. 8.078/90, art. 82, III, c/c art. 80). 5.2.5. Legitim idade ordinária e extraor­ dinária no processo penal: em termos de legitimidade, a regra geral está consagrada no art. 6o do CPC (art. 18 do novo CPC), que prevê que somente o titular do alegado direito poderá pleitear em nome próprio seu próprio interesse. É o que se denomina de legitimação ordinária. Portanto, em regra, alguém só pode agir, em nome próprio, na defesa de interesse próprio. É o que ocorre, no âmbito processual penal, nas hipóteses de ação penal pública. Na medida em que a Constituição Federal outorga ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública, é evidente que o Parquet age em nome próprio na defesa de interesse próprio. Se a regra é a legitimação ordinária, excepcio­ nalmente, e desde que autorizado por lei, o ordenamento jurídico prevê situações em que alguém pode pleitear, em nome próprio, direito alheio. É o que se denomina de legitimação extraordinária ou substituição processual. Sobre o assunto, dispõe o art. 6o do CPC que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Em sentido semelhante, consoante disposto no art. 18 do novo CPC, ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico. Mas quais são os exemplos de legitimação extraor­ dinária no processo penal? A doutrina costuma citar como exemplo a ação penal de iniciativa privada. Nessa espécie de ação penal, o Estado, titular exclusivo do direito de punir, transfere a legitimidade para a propositura da ação penal à vítima ou ao seu representante legal, a eles concedendo o jus persequendi in judicio. Cuida-se, portanto, de hipótese de legitimação

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extraordinária, já que o ofendido age, em nome próprio, na defesa de um interesse alheio, pois o Estado continua sendo o titular da pretensão punitiva. Há doutrinadores que também citam como exemplo de legitimação extraordiná­ ria no processo penal a ação civil ex delicto proposta pelo M inistério Público em favor de vítima pobre (CPP, art. 68). A nosso juízo, não se trata de hipótese de legitimação extra­ ordinária, pois o órgão ministerial não age em nome próprio na defesa de interesse alheio. Na verdade, se a vítima pobre não é profissional da advocacia, não tem capacidade postulatória para postular perante o Poder Judiciário. Logo, o ajuizamento da ação civil ex delicto deve ser feito por advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, por Defensor Público, ou pelo próprio M inis­ tério Público, nas comarcas em que não houver serviço de assistência judiciária gratuita. Como se vê, a incapacidade postulatória é suprida por meio da representação voluntária necessária. Em sentido diverso, Badaró (Processo penal. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012. p. 104) sustenta que a distinção entre legitimação or­ dinária e extraordinária é destituída de todo e qualquer significado no processo penal, pois tanto o Ministério Público quando o querelante são legitimados ordinários. Segundo o autor, “o Ministério Público não é o titular do direito de punir, que pertence ao Estado. Ao Ministé­ rio Público se confere, apenas, a titularidade ou legitimidade para a propositura da ação penal. Tal poder, porém, decorre simplesmente da lei, independentemente da titularidade do ‘direito material’ debatido em juízo, no caso, ‘o direito de punir’. Assim, somente no sentido de ser o titular da pretensão processual posta em juízo é que se pode considerar o Ministério Público um ‘legitimado ordinário’. Entretanto, nesse conceito, na ação penal de iniciativa privada, em que, excepcionalmente, o poder de perseguir em juízo é conferido à vítima, ela também seria um ‘legitimado ordinário”’. Com entendimento distinto, segundo Aury Lopes Jr. (Direito processual penal e sua conformida­ de constitucional. Volume 1. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 340), o poder de punir do Estado é exercido pelo juiz, e não

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pelo Ministério Público e pelo querelante, aos quais é outorgada tão somente a pretensão acusatória. Logo, ambos exercitam um poder que lhes é próprio, ou seja, o poder de acusar. 5.2.5.1. Distinção entre legitimação extra­ ordinária e sucessão processual: há sucessão processual quando um sujeito sucede outro no processo, assumindo a sua posição proces­ sual. Há, portanto, uma troca de sujeitos no processo, uma mudança subjetiva da relação jurídica processual. A propósito, consoante disposto no art. 31 do CPP, no caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Por outro lado, na legitimação extraordinária (substitui­ ção processual), não há troca de sujeitos. Na verdade, não há qualquer alteração da relação processual, pois um sujeito tem o poder (le­ gitimidade) de estar legitimamente em um processo defendendo interesse de outrem. 5.2.5.2. Distinção entre legitim ação ex­ traordinária e legitim atio a d p r o c e s s u m : a legitimação extraordinária também não se confunde com a representação processual ( legi­ timatio ad processum), fenômeno relacionado à capacidade de estar em juízo. Há representação processual quando um sujeito está em juízo em nome alheio defendendo interesse alheio. O representante processual não é parte; parte é o representado. O representante processual atua em nome alheio na defesa de interesse alheio, não sendo considerado parte no processo, mas mero sujeito que dá à parte a capacidade para estar em juízo. É o que ocorre, por exemplo, nas hipóteses de nomeação de curador especial. Se o ofendido for menor de 18 (dezoito) anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador espe­ cial, nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal (CPP, art. 33). Em sentido diverso, na legitimação extraordinária, o subs­ tituto processual é parte; o substituído não é parte processual, por mais que seus interesses

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jurídicos estejam sendo discutidos em juízo. O substituto processual age em nome próprio defendendo interesse alheio, ao passo que o representante processual atua em juízo para suprir a incapacidade processual da parte. 5.3. Interesse de agir: a ideia de interesse de agir ou de interesse processual está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional que se pretende obter com a movimentação do apa­ rato judiciário. Deve-se demonstrar, assim, a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário para a obtenção do resultado pretendido, inde­ pendentemente da legitimidade da pretensão. A fim de se verificar se o autor tem (ou não) interesse processual para a demanda, deve se questionar se, para obter o que pretende o autor, é efetivamente necessária a providência jurisdicional pleiteada (art. 17 do novo CPC). Não se discute se o autor faz jus ou não ao direito que alega possuir, porque esse tema é pertinente ao mérito e não às condições da ação. Incumbe ao juiz apenas a verificação em abstrato e de maneira hipotética da efetiva necessidade do provimento jurisdicional, comprovando-se que o autor não poderia obter o mesmo resultado por outro meio extraprocessual. Segundo parte significativa da doutrina, o interesse de agir deve ser analisado sob três aspectos distintos: a necessidade de obtenção da tutela jurisdicional pleiteada; a adequação entre o pedido e a proteção jurisdicional que se pretende obter; e a utilidade, que se traduz na eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer o interesse do autor. 5.3.1. Necessidade: estará presente sempre que o autor não puder obter o bem da vida pretendido sem a devida intervenção do Poder Judiciário. Esse raciocínio só é correto para as situações em que se pretende exercitar, pelo processo, direitos a uma prestação, pois há a possibilidade de cumprimento espontâneo da prestação. Portanto, quando não houver meios para a satisfação voluntária, há ne­ cessidade de jurisdição. E é exatamente isso o que ocorre com a pretensão punitiva. No âmbito processual penal, essa necessidade é implícita na ação penal condenatória, já que, em virtude do princípio do nulla poena sine

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judicio, nenhuma sanção penal poderá ser aplicada sem o devido processo legal, ainda que o acusado não tenha interesse em ofere­ cer qualquer resistência. A ação penal é, por conseguinte, uma ação necessária. Logo, o exame da “necessidade” para a verificação do interesse de agir é dispensável, pois está in re ipsa. Com efeito, no âmbito processual penal, em face do princípio nulla poena sine judicio, ter-se-á uma pretensão insatisfeita, vez que, para solucionar a demanda penal, é sempre necessário o processo, pois o Estado não pode aplicar a norma penal de imediato, mesmo que haja a concordância de quem cometeu o delito. Para que as regras punitivas atuem concreta­ mente, torna-se imprescindível o processo, pois a pena não pode ser imposta diretamente ao autor do crime, sem prévia apuração de sua responsabilidade. Afinal, o jus puniendi é de coação indireta em face da exigência de que a pena só seja imposta após regular processo. A ressalva à possibilidade de aplicação de pena sem processo no âmbito processual penal fica por conta da transação penal no âmbito dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95, art. 76). Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos, deverá o titular da ação penal formular proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou de multa. Nesse caso, ainda não há processo. O ato compositivo ocorre por ocasião da audiência preliminar, logo, antes do oferecimento da denúncia. 5.3.2. Adequação: consiste no ajustamento da providência judicial requerida à solução do conflito subjacente ao pedido. Se essa adequa­ ção é assaz importante no processo civil - se o indivíduo já tem em mãos um título executivo, o ajuizamento de uma ação de cobrança, ao invés de uma execução por quantia certa, não seria o instrumento adequado para a satisfação de seu interesse - , é interessante perceber que, em uma ação penal condenatória, tal condição não ostenta grande relevância, já que não há es­ pécies distintas de ações penais condenatórias. Deveras, por mais que o pedido de imposição de determinada sanção não corresponda efe­ tivamente àquela prevista na cominação legal pertinente ao fato imputado ao agente, nada impede o recebimento da denúncia ou queixa

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e o regular processamento do feito, nos termos do art. 383 do CPP. Em se tratando de ações penais não condenatórias, todavia, é mais fácil visualizar a importância do interesse-adequação. Basta pensar no exemplo de persecução penal em andamento por conduta manifestamente atípica à qual seja cominada apenas pena de multa. Em tal hipótese, o habeas corpus não será instrumento adequado para se buscar o trancamento do processo, já que o referido remédio constitucional está ligado à proteção da liberdade de locomoção (CF, art. 5°, LXVIII). Logo, como o não pagamento de multa não mais autoriza sua conversão em pena privativa de liberdade (CP, art. 51, com redação determinada pela Lei n. 9.268/96), o instrumento adequado será o mandado de segurança. A propósito, diz a súmula n. 693 do STF que “não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou re­ lativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada”. Na mesma linha, se, durante o trâmite de um habeas corpus, o juiz ou tribunal verificar que já cessou a violência ou coação ilegal, julgará prejudicado o pedido, nos termos do art. 659 do CPP. Em tal hipótese, a extinção do pro­ cesso sem a apreciação do mérito se dará pelo desaparecimento superveniente do interesse de agir, porquanto teria deixado de existir ameaça à liberdade de locomoção. 5.3.3. Utilidade: consiste na eficácia da ativi­ dade jurisdicional para satisfazer o interesse do autor. Só haverá utilidade se houver possibili­ dade de realização do juspuniendi estatal, com eventual aplicação da sanção penal adequada. 5.3.3.1. Prescrição em perspectiva (virtual ou em perspectiva) e ausência de interesse de agir: a prescrição em perspectiva deve ser compreendida como o reconhecimento ante­ cipado da prescrição, em virtude da constata­ ção de que, no caso de possível condenação, eventual pena que venha a ser imposta ao acusado inevitavelmente será fulminada pela prescrição da pretensão punitiva retroativa, tornando inútil a instauração do processo penal. Possamos imaginar o seguinte exemplo: em data de 12 de maio de 2008, o Ministério

Público tem vista de autos de inquérito policial relativo a suposto crime de furto simples ocor­ rido em 25 de outubro de 2005. À época do delito, o investigado era menor de 21 (vinte e um) anos, além de ser primário e portador de bons antecedentes. Nesse caso concreto, ainda não houve prescrição da pretensão punitiva abstrata. De fato, tal espécie de prescrição leva em consideração o máximo da pena cominada ao delito - no exemplo, 4 (quatro) anos de reclusão; considerando que o lapso prescricional seria de 8 (oito) anos, nos termos do art. 109, IV, do CP, contado pela metade - 4 (qua­ tro) anos - , por se tratar de acusado menor de 21 (vinte e um) anos ao tempo do crime, resta evidente que não transcorreu lapso temporal superior a 4 (quatro) anos entre a data do crime - 25 de outubro de 2005 - e a data em que o Ministério Público teve vista dos autos (12 de maio de 2008). Porém, se ainda não ocorreu a prescrição da pretensão punitiva abstrata, já se pode visualizar, no caso concre­ to, a presença da prescrição em perspectiva. O delito de furto simples tem pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos; tendo em conta que o acusado é primário, portador de bons antecedentes, mesmo antes de instaurado o processo penal, o Promotor de Justiça já pode visualizar que, se acaso proferida sentença condenatória, a pena a ser imposta ao acusado seria de 1 (um) ano. Pois bem, supondo-se que a pena imposta pelo juiz fosse de 1 (um) ano, dar-se-ia a prescrição da pretensão punitiva retroativa em 04 (quatro) anos, prazo este que é contado pela metade, logo, em 02 (dois) anos, por se tratar de acusado menor de 21 anos (CP, art. 115). Ora, entre a data do crime - 25 de outubro de 2005 - e a data em que o Ministé­ rio Público teve vista dos autos - 12 de maio de 2008 - já transcorreu lapso temporal supe­ rior a 02 (dois) anos. Portanto, o órgão minis­ terial já pode visualizar, antecipadamente, que o processo está fadado à prescrição da preten­ são punitiva retroativa, porquanto, mesmo que o acusado seja condenado no futuro, haverá o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa. Em tal hipótese, o que deve fazer o Promotor de Justiça: oferecer denúncia ou requerer o arquivamento do inquérito po-

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licial? Requerendo o arquivamento do inqué­ rito, qual deve ser o fundamento: extinção da punibilidade pelo advento da prescrição ou ausência de interesse de agir? A nosso ver, com a quantidade avassaladora de processos crim i­ nais que lotam os fóruns criminais, não faz sentido dar início a um processo penal fadado à prescrição. Em outras palavras, qual seria a utilidade de um processo penal, com grande desperdício de atos processuais, de tempo, de trabalho humano, etc., se, antecipadamente, já se pode antever que não haverá resultado al­ gum? Como já se pode visualizar que, fatal­ mente, a pena a ser aplicada acarretaria a ex­ tinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva retroativa, e, portanto, que a sentença penal condenatória seria ineficaz quanto aos seus efeitos penais e civis, pensa­ mos que não há qualquer utilidade em tal demanda. Não se trata de requerer o arquiva­ mento com base em causa extintiva da puni­ bilidade, já que a prescrição em perspectiva não tem amparo legal. Cuida-se, sim, de re­ querer o arquivamento do inquérito policial com fundamento na ausência de interesse de agir, condição sine qua non para o regular exercício do direito de ação. Afinal, qual a utilidade de se levar adiante um processo penal em que já se pode visualizar, antecipadamente, a superveniência da prescrição? Se, porventu­ ra, o processo já estiver em andamento, e a prescrição em perspectiva for visualizada, também não faz qualquer sentido levar-se adiante o feito. Deve, pois, o processo ser ex­ tinto sem a apreciação do mérito, aplicando-se subsidiariamente o quanto disposto no art. 267, inciso VI, do CPC (art. 485, VI, do novo CPC), ou anular o processo, com fundamento no art. 564, II, do CPP, aplicável por analogia, já que ausente uma das condições da ação - o interesse de agir. Apesar de o reconhecimento antecipado da prescrição ser uma rotina no dia-a-dia de fóruns criminais, contando com o respaldo de respeitada parte da doutrina processual penal, convém destacar que a juris­ prudência dos Tribunais Superiores tem se posicionado contrariamente a ela, sob o argu­ mento de que referida espécie de prescrição não tem amparo no ordenamento jurídico

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pátrio, além de contrariar o princípio da pre­ sunção de não culpabilidade, já que parte do pressuposto de que o acusado será condenado ao final do processo. A propósito, eis o teor da Súmula n. 438 do STJ: “É inadmissível a extin­ ção da punibilidade pela prescrição da preten­ são punitiva com fundamento em pena hipo­ tética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”. Uma observação final deve ser feita quanto à prescrição em perspec­ tiva: com o advento da Lei n. 12.234/10, será cada vez menos comum a sua aplicação. Ex­ plica-se: a Lei n. 12.234/10 revogou o §2° do art. 110 do Código Penal, o qual que previa que a prescrição, depois da sentença condena­ tória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regulava-se pela pena aplicada, podendo ter por termo

inicial data anterior à do recebimento da de­ núncia ou queixa. Além disso, deu nova reda­ ção ao art. 110, §1°, do CP, que passou a dispor: “A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma

hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”. Como se vê, apesar de o art. I o da Lei n. 12.234/10 dizer que a mesma teve por objetivo excluir a prescrição retroati­ va, pôs-se fim apenas à prescrição da pretensão punitiva retroativa entre a data do fato e a data do recebimento da peça acusatória. Subsiste, todavia, a possibilidade de prescrição retroa­ tiva, levando-se em conta a pena aplicada, porém apenas no tocante ao lapso temporal compreendido entre a data do recebimento da denúncia ou queixa e a data da publicação de sentença condenatória recorrível. Como, na grande maioria dos casos, a prescrição anteci­ pada levava e leva em consideração a virtual prescrição da pretensão punitiva retroativa entre a data do fato delituoso e a data do rece­ bimento da peça acusatória, haja vista a lenti­ dão na conclusão de inquéritos policiais, é evidente então que a Lei n. 12.234/10 também produzirá reflexos no reconhecimento da pres­ crição em perspectiva, cuja incidência tende a ser cada vez mais incomum. De fato, em regra, ao receber os autos do inquérito policial, le^

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vando em conta o lapso temporal entre a data do fato delituoso e a data de eventual recebi­ m ento da peça acusatória, o Prom otor de Justiça já se manifestava no sentido do arqui­ vamento dos autos com base na ausência de interesse de agir (prescrição em perspectiva). Com o fim da possibilidade de se reconhecer a prescrição retroativa levando-se em conta termo inicial ao do recebimento da denúncia ou queixa (CP, art. 110, § I o, com redação dada pela Lei n. 12.234/10), significa dizer que a referida lei também produzirá reflexos quanto ao reconhecimento da prescrição antecipada. Porém, é bom que se advirta que, tratando-se de novatio legis in pejus, já que extingue hipó­ tese de prescrição da pretensão punitiva, é evidente que a Lei n. 12.234/10 só se aplica aos crimes cometidos após a sua vigência (06 de maio de 2010). Portanto, aos crimes cometidos até o dia 5 de maio de 2010, ainda é possível o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa entre a data do fato delitu­ oso e a data do recebimento da peça acusatória, assim como eventual reconhecimento da pres­ crição antecipada quanto a esse período. + Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) Extinção da punibilidade. Prescrição da pre­ tensão punitiva "em perspectiva, projetada ou anteci­ pada". Ausência de previsão legal. Inadmissibilidade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhe­ cida. Recurso extraordinário provido. Aplicação d o art. 543-B, § 3o, d o CPC. É inadmissível a extinção da punibi­ lidade em virtude de prescrição da pretensão punitiva com base em previsão da pena que hipoteticamente seria aplicada, independentem ente da existência ou sorte do processo criminal". (STF, Pleno, RE 602.527 RG-QO/RS, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 19/11/2009, DJe 237 17/12/2009). N o m esm o contexto: STF, 2aTurma, RHC 86.950/MG, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 07/02/2006, DJ 10/08/2006; STF, 2a Turma, HC 94.729/SP, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 02/09/2008, DJe 182 25/09/2008.

5.4. Justa Causa: é o suporte probatório mínimo (probable cause) que deve lastrear toda e qualquer acusação penal. Tendo em vista que a simples instauração de um processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado, não se pode admitir a instauração de processos levianos, temerários, desprovidos de um lastro mínimo de elementos de infor­

mação, provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis, que dê arrimo à acusação. Em regra, esse lastro probatório é fornecido pelo inquéri­ to policial, o que, no entanto, não impede que o titular da ação penal possa obtê-lo a partir de outras fontes de investigação. Aliás, como destaca o próprio art. 12 do CPP, os autos do inquérito policial deverão acompanhar a de­ núncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra. Para que se possa dar início a um processo penal, então, há necessidade do deno­ minado fum us comissi delicti, a ser entendido como a plausibilidade do direito de punir, ou seja, a plausibilidade de que se trate de um fato criminoso, constatada por meio de elementos de informação, provas cautelares, não repetí­ veis e antecipadas, confirmando a presença de prova da materialidade e de indícios de autoria ou de participação em conduta típica, ilícita e culpável. A despeito do silêncio do CPP acerca do assunto durante anos, é interessante perce­ ber que a Lei de Imprensa, hoje fulminada pela ADPF 130-7, referia-se expressamente à justa causa. Com efeito, segundo o art. 44, §1°, da Lei n. 5.250/67, a denúncia ou queixa deveria ser rejeitada quando não houvesse justa causa para a ação penal. Da mesma forma, o art. 39, inciso II, da revogada Lei de Drogas (Lei n. 10.409/02), também dispunha que a peça acusatória deveria ser rejeitada quando não houvesse justa causa para a ação penal. Com a reforma processual de 2008, a expressão justa causa passou a constar expressamente do Código de Processo Penal. De acordo com o art. 395, inciso III, do CPP, com redação de­ terminada pela Lei n. 11.719/08, a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. A propósito, em caso concreto envolvendo suposto crime de assédio sexual praticado por Ministro do STJ em detrimento de servidora daquele Tri­ bunal, concluiu o Supremo (Pleno, Inq. 2.033/ DF, Rei. Min. Nelson Jobim, j. 16/06/2004, DJ 17/12/2004) pela rejeição da queixa crime sob o argumento de não haver justa causa para o exercício da ação penal, porquanto a acusação estava lastreada exclusivamente no relato da vítima. Segundo o Plenário do STF, para fins de recebimento da peça acusatória, há necessida-

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de de que as alegações estejam minimamente embasadas em provas, ou, ao menos, indícios de efetiva ocorrência dos fatos. Não basta que a queixa-crime se limite a narrar fatos e circunstâncias criminosas que são atribuídas pela querelante ao querelado, sob o risco de se admitir a instauração de ação penal temerária, em desrespeito às regras do indiciamento e ao princípio da presunção de inocência. 5.4.1. Natureza jurídica da justa causa: não há consenso na doutrina acerca da natureza jurídica da justa causa. Vejamos as diversas correntes acerca do assunto: a) ju sta causa com o elemento integrante do interesse de agir: doutrinadores como Frederico Marques, por exemplo, sustentam que a justa causa se identifica com o fum us boni iuris, que carac­ teriza o legítimo interesse para a denúncia; b) justa causa com o condição da ação penal au­ tônoma: ao lado das demais condições da ação (legitimidade e interesse de agir) - lembre-se que a possibilidade jurídica do pedido perdeu esse status com a vigência do novo CPC - , a justa causa funciona como verdadeira condi­ ção para o regular exercício da ação penal condenatória. Nessa linha, como destaca Afrânio Silva Jardim, “torna-se necessário ao regular exercício da ação penal a demonstração, prima facie, de que a acusação não é temerária ou leviana, por isso que lastreada em um mínimo de prova. Este suporte probatório mínimo se relaciona com os indícios da autoria, existên­ cia material de uma conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo este conjunto proba­ tório é que, a nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública”. Nessa linha: JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11a edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 97; c) ju sta causa com o fenômeno distinto das condições da ação penal: como as condições da ação foram concebidas, inicialmente, com base nos três elementos da ação - partes (legitimidade ad causam), pedido (possibilidade jurídica do pedido), e causa de pedir (interesse de agir), revela-se inviável a transposição do conceito processual civilístico de condições da ação para justificar a verdadeira natureza jurídica da jus­

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ta causa. Esse entendimento ganhou força com a reforma processual de 2008, já que, ao tratar das causas de rejeição da peça acusatória, o art. 395 do CPP distingue as “condições da ação” da “justa causa”, colocando-a em inciso diverso. O inciso II do art. 395 do CPP aponta como causa de rejeição da peça acusatória a falta das “condições para o exercício da ação penal”. O inciso III do art. 395, por sua vez, dispõe que a denúncia ou queixa deve ser rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. Colocada em inciso diverso, fica a impressão de que o CPP considera a justa causa fenômeno distinto das condições da ação penal, que não se enquadraria nem no interesse de agir, nem poderia ser considerada uma terceira condição da ação penal, ao lado da legitimidade e do interesse de agir. Para José Antônio Paganella Boschi {Ação penal: as fases

administrativa e judicial da persecução penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 356), é tecnicamente incorreto relacio­ nar, à luz do art. 395 e incisos do CPP, a justa causa à inépcia, à falta de condições da ação, ou mesmo dos pressupostos processuais. Por sua vez, Marcellus Polastri Lima entende que a justa causa não é uma condição da ação, mas sim um requisito especial para recebimento da inicial, ou seja, uma condição de admis­ sibilidade da denúncia ou queixa (Manual de processo penal. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 154). De todo modo, independentemente da posição que se queira adotar, é fato que a presença da justa causa é indispensável para um juízo positivo de ad­ missibilidade da peça acusatória. A previsão legal constante do inciso III do art. 395 do CPP sepultou, de uma vez por todas, qualquer discussão sobre a necessidade de o juiz analisar, quando do recebimento da acusação, se há (ou não) lastro probatório suficiente para a ins­ tauração do processo penal. Ausente o fumus comissi delicti, incumbe ao juiz rejeitar a peça acusatória. Não o fazendo, transforma-se em autoridade coatora para fins de impetração de habeas corpus - ou de mandado de segurança, caso não haja cominação de pena privativa de liberdade - objetivando o trancamento do processo penal.

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5.4.2. Justa Causa duplicada: em se tratan­ do de crimes de lavagem de capitais, não basta demonstrar a presença de justa causa quanto à ocultação de bens, direitos ou valores, sendo indispensável que a denúncia também seja instruída com suporte probatório demons­ trando que tais valores são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Lei n. 9.613/98, art. I o, caput, com redação dada pela Lei n. 12.683/12). Tem-se aí o que a doutrina chama de justa causa duplicada, ou seja, lastro probatório mínimo quanto à lavagem e quanto à infração precedente. A propósito, o art. 2.°, § l.°, da Lei n. 9.613/98, estabelece que a de­ núncia será instruída com indícios suficientes

da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente. Em conjunto com a de­ núncia, incumbe ao Ministério Público trazer indícios suficientes e seguros da ocorrência da infração antecedente, sob pena de inépcia da peça acusatória. A título de exemplo, já se reconheceu como indício suficiente para efeito do recebimento da denúncia o fato de o agente “ter apresentado um enorme descompasso entre os rendimentos declarados ao Fisco, e aqueles valores que transitaram por suas contas bancárias” (TRF-3.% HC 2002.03.00.046017-0/ MS, Rei. Juíza Ramza Tartuce, DJ 14.10.2003). Da própria redação do dispositivo depreende-se que é suficiente a demonstração de indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo desnecessária a indicação da sua autoria. Portanto, a autoria ignorada ou desconhecida do crime antecedente não constitui óbice ao ajuizamento da ação pelo crime de lavagem. Mas qual é o verdadeiro significado da palavra “indício” nesse dispositivo? Seria necessária prova cabal da existência do crime anteceden­ te? Na verdade, a palavra “indício” usada na Lei de Lavagem representa uma prova dotada de eficácia persuasiva atenuada (prova semiplena), não sendo apta, por si só, a estabelecer a verdade de um fato. Em outras palavras, no momento do recebimento da denúncia, é necessário um início de prova que indique a probabilidade de que os bens, direitos ou va­ lores ocultados sejam provenientes, direta ou

indiretamente, de infração penal. Portanto, em sede de juízo de admissibilidade, não há neces­ sidade de um juízo de certeza acerca da exis­ tência da infração pretérita. Nessa linha: Maia, Rodolfo Tigre, Lavagem de dinheiro - lavagem de ativos provenientes de crime - Anotações às disposições criminais da Lei 9.613/98. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 120. Não é necessá­ rio descrever pormenorizadamente a conduta delituosa relativa à infração antecedente, que pode inclusive sequer ser objeto desse processo (art. 2.°, II, da Lei 9.613/98), mas se afigura indispensável ao menos a sua descrição resu­ mida, evitando-se eventual arguição de inépcia da peça acusatória, ou até mesmo trancamento do processo por meio de habeas corpus. Sem que haja indícios acerca da infração anteceden­ te, deve o juiz rejeitar a peça acusatória, ante a inexistência de justa causa para a ação penal. + Jurisprudência selecionada:

TRF/4aRegião:"(...) Em que pese a denúncia por crime de lavagem p ossa estar apoiada em sim ples indícios da existência d o crime conexo, havendo flagrante, não há c o m o legitimar a m anutenção da prisão sob o sim ­ ples fu n dam e n to que o flagrado p ossa ter com etido algu m delito ab rangid o pela LEI-9613/98. Um m ínim o de segurança sobre a m aterialidade d o crime conexo deverá ter o julgad or para autorizar a custódia cautelar. Tratando-se de crime cuja a objetividade jurídica apoia-se em m eros indícios, a ved ação à liberdade provisória deve ser aplicada com cautela, e a partir de um a criteriosa análise d o caso concreto. A não ser assim, inúm eras irregularidades administrativas, que nenhum a relevância possuem no âm bito penal, m as pela possibilidade de estarem encom brindo al­ g u m ilícito penal ab rangid o pela LEI-9613/98, o que é m esm o m uito com u m nesse tipo de criminalidade, passarão a servir de pretexto para prisões arbitrárias, ou m esm o para facilitar investigações policiais, para o que a legislação brasileira já prevê um a m odalidade específica de prisão (prisão tem porária). H ipóte se em que os pacientes foram presos em flagrante no aeroporto de Londrina, vindos de Foz d o Iguaçu, na posse de aproxim adam ente U$ 500.000,00. Liberdade Provisória concedida". (TRF4, HC 1998.04.01.0734597, Se gu n d a Turma, Relatora Tânia Terezinha Cardoso Escobar, DJ 17/02/1999).

TRF/4a Região:"(...)

A teor d o art. 2°, II, da Lei n°

9.613/98, não se exige, para a ap tidão da denúncia que im puta ao réu o delito de lavagem de dinheiro, prova concreta da ocorrência de um a das infrações penais exaustivam ente previstas nos incisos I a VIII do art. 10 d o referido diplom a legal, bastando a existência

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de elem entos indiciários de que o capital branquead o p rovenha d e a lgu m a de tais c o n d u tas ilícitas. Precedentes. N ão pode a Lei n° 9.613/98, so b pena de afronta ao princípio da reserva legal, retroagir para alcançar lavagem de bens, direitos ou capitais con su ­ m ada anteriormente à sua edição. Todavia, se, ap ós o branqueam ento inicial, outras negociações, agora já sob a égide d o referido diplom a legal, são realizadas com a finalidade de distanciar a origem crim inosa do patrimônio, não há falar, diante da norm a incriminadora contida no § 1o, II, d o art. I o da Lei n° 9.613/98, em atipicidade flagrante destes fatos passível de reco­ nhecim ento nos estritos limites de cogn ição d o writ". (TRF4, H C 2007.04.00.003551-3, Oitava Turma, Relator Paulo A fon so Brum Vaz, D.E. 11/04/2007)

S T J : "(...) A legação de falta de justa causa para a ação penal por ausência de dem onstração d o crime ante­ cedente - supostam ente de tráfico de entorpecentes praticado no M éxico - d o qual, sustenta a defesa, o pa­ ciente foi absolvido pelo Grande Júri norte-americano. (...) A existência de fortes e lem en tos de convicção reafirm ados pela sentença e acórdão na apelação e uniform em ente reportados por depoim entos precisos de testem unhas ouvidas diretamente pelo Juízo, entre elas agente especial da D EA (Drug Enforcement Adm inistration), entidade estatal americana de repressão ao tráfico de drogas, e da com panheira d o chefe d o Cartel de Juarez-México, c o m p ro vam a prática de tráfico internacional de drogas por organização crim inosa da qual participava o paciente com destacada atuação. Justa causa indiscutivelm ente presente. (...) Habeas-corpus que se den e ga pela inexistência de nulidade ou de falta de justa causa, com o por inviabilidade de reexame de provas e fatos, além de constituir utiliza­ ção inadequada da garantia constitucional". (STJ, 5a Turma, HC 128.590/PR, Rei. Min. Gilson Dipp, ju lgad o em 15/02/2011).

S T J : "(...) N ão é inepta a denúncia que descreve m inu­ ciosam ente fatos subsum íveis ao disp osto n o artigo 1°, inciso V, da Lei n° 9.613/98, incluindo a narrativa d o crimes antecedentes que se am o ldam ao previsto no inciso V, d o m esm o artigo. Se não há injustiça ou erro manifestos, sendo vedada a incursão vertical na matéria fático-probatória, não há tam bém que se falar em denúncia abusiva, absurda ou infundada e, nessa linha, tam bé m não se m ostra injustificado o ato de recebim ento da peça inaugural da Ação Penal. N ão é necessária, para a instauração da ação penal ou para o ato de recebim ento da denúncia, a certeza quanto aos crimes antecedentes. O Habeas C orpus não se presta à análise de teses defensivas relativas ao m érito da imputação. Recurso improvido". (STJ, RH C 14.575/MS, 6.a T., rei. Min. Paulo Medina, D J 06.12.2004, p. 364).6

6. Condições específicas da ação penal: para além das condições genéricas da ação penal, cuja presença é obrigatória em todo

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e qualquer processo penal, há determinadas situações em que a lei condiciona o exercício do direito de ação ao preenchimento de certas condições específicas. Sua presença também deve ser aferida pelo magistrado por ocasião do juízo de admissibilidade da peça acusatória, impondo-se a rejeição da denúncia ou da queixa, caso verificada a ausência de uma delas (CPP, art. 395, II). Se a ausência de uma dessas condições específicas não for detectada nesse momento, nada impede que o magistrado anule o processo a b initio, com fundamento no art. 564, III, “a”, do CPP, aplicável por analogia, ou, ainda, que declare a extinção do processo sem apreciação do mérito, e x v i do art. 267, VI, do CPC (art. 485, V I, do novo CPC). São vários os exemplos de condições específicas da ação penal: a) Representação do ofendido, nos crimes de ação penal pública condicionada à representação. É o que ocorre, por exemplo, com o delito de ameaça (CP, art. 147, parágrafo único); b) Requisição do Ministro da Justiça, nos crimes de ação penal pública condicionada à requisição. Cite-se, a título de exemplo de cri­ me que depende de requisição, os crimes con­ tra a honra do Presidente da República (CP, art. 145, parágrafo único); c) Provas novas, quando o inquérito policial tiver sido arquivado com base na ausência de elementos probatórios: como vimos no capítulo referente à investi­ gação preliminar, de acordo com a súmula n. 524 do Supremo, “arquivado o inquérito poli­ cial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas”. Como se vê, arquivado o inquérito por falta de elementos probatórios, o surgimento de provas novas, capazes de al­ terar o contexto probatório dentro do qual foi proferida a decisão de arquivamento, funciona como verdadeira condição específica da ação penal, já que, sem elas, o processo não poderá ter início; d) Provas novas, após a preclusão da decisão de impronúncia, em se tratando de crimes dolosos contra a vida: de acordo com o art. 414 do CPP, não se convencendo da mate­ rialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. Essa decisão de impronúncia não faz coisa julgada material.

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De fato, segundo o próprio parágrafo único do art. 414 do CPP, enquanto não ocorrer a ex­ tinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa, se houver prova nova. Perceba-se que, nos mesmos moldes que o ar­ quivamento por falta de provas, caso o acusado tenha sido anteriormente impronunciado, o oferecimento de nova denúncia em relação a ele está condicionado ao surgimento de provas novas, capazes de produzir alteração do con­ texto probatório dentro do qual foi proferida a impronúncia; e) Laudo pericial nos crimes contra a propriedade imaterial: de acordo com o art. 525 do CPP, no caso de haver o crime deixado vestígio, a queixa ou a denúncia não será recebida se não for instruída com o exame pericial dos objetos que constituam o corpo de delito; f) autorização da Câmara dos Deputa­ dos, por dois terços de seus membros, para a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado (CF, art. 51,1). Por simetria constitu­ cional, a autorização da Assembléia Legislativa paulista, pelo voto de 2/3 (dois terços) dos seus membros, também funciona como condição específica para que possa ser instaurado pro­ cesso contra Governador de Estado, quanto aos crimes comuns e crimes de responsabilidade (art. 49 da Constituição Paulista); g) qualidade de militar da ativa regular, nos crimes militares de deserção: quando a praça sem estabilidade (v.g., soldado no período do serviço militar obrigatório) pratica o crime militar de deser­ ção, ela é excluída das Forças Armadas; quando é capturada ou se apresenta voluntariamente, é submetida à inspeção de saúde. Sendo conside­ rada apta, será reincluída ao serviço ativo das Forças Armadas, reinclusão esta que funciona como condição de procedibilidade em relação ao crime de deserção, tal qual preceitua o art. 457, §§1°, 2o e 3o, do CPPM. Nessa linha, ali­ ás, segundo a súmula n. 12 do STM, “a praça sem estabilidade não pode ser denunciada por deserção sem ter readquirido o status de militar, condição de procedibilidade para a persecutio criminis, através da reinclusão. Para a praça estável, a condição de procedibilidade é a reversão ao serviço ativo”. Em relação ao crime de deserção, essa condição de militar

da ativa deve estar presente não só quando do oferecimento da peça acusatória, como também durante todo o curso do processo de conhecimento. Portanto, a perda do status de militar, em razão do fato de haver sido considerado temporariamente incapaz para o serviço militar, antes do trânsito em julgado de eventual sentença condenatória, impede o prosseguimento do feito. Em outras palavras, somente a capacidade plena para o serviço ativo permite a reinclusão do militar e a con­ tinuidade do processo, a teor do enunciado n. 8 do STM (“O desertor sem estabilidade e o insubmisso que, por apresentação voluntária ou em razão de captura, forem julgados em inspeção de saúde para fins de reinclusão ou incorporação, incapazes para o Serviço Militar, podem ser isentos do processo, após o pro­ nunciamento do representante do Ministério Público”); h) trânsito em julgado da sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento, nos crimes de induzimento a erro essencial e de ocultação de impedimento de casamento (CP, art. 236, parágrafo único). No sentido de que o trânsito em julgado da sentença tem natureza jurídica de condição específica da ação penal: Mirabete (op. cit. p. 93), Feitoza (op. cit. p. 261) e Pacelli (op. cit. p. 100). -f Jurisprudência selecionada: S T F :"(...) Em razão da ausência de condição de proce­ dibilidade, o art. 457, § 2°, d o C ó d ig o de Processo Penal M ilitar e a Sú m u la n. 8 d o Superior Tribunal Militar im pedem a execução da pena im posta ao réu incapaz para o serviço ativo d o Exército, que não detinha a condição de militar no ato de julgam e nto d o recurso de apelação. O rdem concedida". (STF, 1a Turma, HC 90.838/SP, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 14/10/2008, DJe 94 21/05/2009).

7. Condições da ação e condições de prosse gu ib ilid ad e (condição superveniente da ação): condições da ação (ou condições de procedibilidade) não se confundem com condições de prosseguibilidade. Condição da ação (ou de procedibilidade) é uma condição que deve estar presente para que o processo penal possa ter início. A título de exemplo, verificando-se a prática de crime de lesão cor­

TlTULO III • DA AÇÃO PENAL

poral leve ocorrido em data de 20 de janeiro de 2010, desde que não praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, temos que a representação é uma condição de procedibilidade, porquanto, sem o seu implemento, não será possível o oferecimento de denúncia em face do suposto autor do delito, já que o art. 88 da Lei n. 9.099/95 dispõe que o crime de lesão corporal leve depende de representação. De seu turno, condição de prosseguibilidade (ou condição superveniente da ação) é uma condição necessária para o prosseguimento do processo. Em outras palavras, o processo já está em andamento e uma condição deve ser implementada para que o processo possa seguir seu curso normal. Exemplo interessante é aquele constante do art. 152, caput, do CPP. De acordo com tal dispositivo, se se verificar que a doença mental do acusado sobreveio à infração, o processo permanecerá suspenso até que o acusado se restabeleça. Como se percebe, a necessidade de o agente recobrar sua higidez mental no caso de insanidade superveniente é uma condição de prossegui­ bilidade do processo; sem o seu implemento, o processo fica paralisado, com a prescrição cor­ rendo normalmente, o que é denominado pela doutrina de crise de instância. Outro exemplo de condição de prosseguibilidade foi introdu­ zido pela Lei dos Juizados Especiais Criminais. Como se sabe, com a entrada em vigor da Lei n. 9.099/95, os crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa, que antes eram de ação penal pública incondicionada, passaram a depender de representação, por força do art. 88. Mas e quanto aos processos que já estavam em andamento? Haveria necessidade do oferecimento de representação? De acordo com o art. 91 da própria Lei n. 9.099/95, nos casos em que a Lei dos Juizados passou a exi­ gir representação para a propositura da ação penal pública (leia-se: lesão leve e culposa), o ofendido ou seu representante legal teve que ser intimado para oferecê-la no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de decadência. Como se percebe, referida lei também impôs o imple­ mento da representação para os processos que já estavam em andamento, sem a qual haveria decadência e consequente impossibilidade de

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prosseguimento do processo. Portanto, quanto à representação na Lei n. 9.099/95, pode-se dizer o seguinte: quanto aos processos penais que ainda não tinham tido início quando da entrada em vigor da referida lei, a represen­ tação funcionou como condição de procedibilidade nos crimes de lesão corporal leve e de lesão corporal culposa (art. 88); quanto aos processos penais atinentes aos crimes de lesão corporal leve e de lesão corporal cul­ posa que já estavam em andamento quando da vigência da Lei n. 9.099/95 (27/09/95), a representação funcionou como condição de prosseguibilidade. 8. Condições da ação, condições objetivas de punibilidade e escusas absolutórias: há situações em que, por questões de política cri­ minal, a punibilidade fica na dependência do aperfeiçoamento de elementos ou circunstân­ cias não encontradas na descrição típica do cri­ me e exteriores à conduta. São as denominadas condições objetivas de punibilidade, as quais não se confundem com as condições da ação. As condições da ação estão relacionadas ao direito processual penal, sendo exigidas para o exercício regular do direito de ação, subdivi­ dindo-se em condições genéricas e específicas. De seu turno, as condições objetivas de puni­ bilidade referem-se ao direito penal, funcio­ nando como fatos externos ao tipo penal, que devem ocorrer para a formação de um injusto culpável punível, sendo chamadas de objetivas porquanto independem do dolo ou da culpa do agente. Constitui-se a condição objetiva de punibilidade em acontecimento futuro e incerto, localizada entre o preceito primário e secundário da norma penal incriminadora, condicionando a existência da pretensão pu­ nitiva do Estado. São condições exigidas pelo legislador para que o fato se torne punível e que estão fora do injusto penal. As condições da ação também diferem das condições objetivas de punibilidade no que tange à consequência de sua ausência: se não estiver presente uma condição de procedibilidade, ocorre a anulação do processo e não a absolvição do agente, pois não há, em regra, analise do mérito, ou seja, nada impede a renovação do processo, desde que seja removido o impedimento processual.

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Em outras palavras, tal decisão só faz coisa julgada formal. Por outro lado, a ausência de uma condição objetiva de punibilidade impede o início da persecução criminal; porém, pro­ posta a ação penal, haverá decisão de mérito e, portanto, formação de coisa julgada formal e material. Exemplo de condição objetiva de punibilidade é a sentença declaratória da fa­ lência. Na vigência da lei antiga, tratava-se de condição de procedibilidade. Porém, de acordo com o art. 180 da Lei n. 11.101/05, a sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei, doravante, deve ser tratada como condição objetiva de punibilidade das infrações descritas na referida lei. Outros exemplos de condições objetivas de punibilidade são a circunstância do fato ser punível no país em que foi praticado e estar incluído entre aqueles pelos quais a lei brasilei­ ra autoriza a extradição nos crimes praticados fora do território nacional (CP, art. 7°, §2°, “b” e “c”), assim como a decisão final do procedi­ mento administrativo nos crimes materiais contra a ordem tributária, objeto de análise no tópico seguinte. As condições objetivas de punibilidade também não se confundem com as escusas absolutórias. Apesar de também funcionarem como condições de punibilidade do delito, as escusas absolutórias são condições de punibilidade negativamente formuladas, excluindo a punibilidade do crime em relação a determinadas pessoas, como, por exemplo, nas hipóteses de isenção de pena previstas nos arts. 181, incisos I e II, e 348, §2°, ambos do CP, imunidades referentes a crimes contra o patrimônio e de favorecimento real, respecti­ vamente. A despeito da presença de todos os elementos constitutivos da infração penal - tipicidade, ilicitude e culpabilidade - , isenta-se o acusado de pena por razões de política crimi­ nal. Grosso modo, há várias diferenças entre as escusas absolutórias e as condições objetivas de punibilidade: a) as primeiras antecipam-se ao momento consumativo da infração, ou seja, excluem a imposição da pena desde o começo, enquanto as últimas são eventos futuros e incertos; b) as primeiras são formuladas de maneira negativa, representando condições

negativas de punibilidade do delito, visto que sua presença afasta a punibilidade do ilícito; as segundas se apresentam de modo positivo, ou seja, sua presença autoriza a punibilidade do crime; c) as escusas absolutórias não se comu­ nicam aos eventuais coautores e partícipes, não detentores das características personalíssimas fixadas em lei, já que são causas pessoais de isenção de pena, ao passo que as condições objetivas de punibilidade, quando ausentes, impossibilitam a punição dos coautores e par­ tícipes. Com esse entendimento: FERRO, Ana Luiza Almeida. Escusas absolutórias no Direito Penal: doutrina e jurisprudência. Belo Horizon­ te: Del Rey, 2003. p. 24. No mesmo contexto: MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18a ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 92. 8.1. Decisão final do procedim ento ad­ ministrativo nos crimes materiais contra a ordem tributária: consultar comentários à súmula vinculante n. 24. 9. Classificação das ações penais: na me­ dida em que o direito de ação é instrumental, conexo a uma pretensão, podemos dividi-lo em diversas categorias, tendo-se em conta a razão da tutela jurisdicional invocada ou a razão da pretensão. Valendo-se da classifica­ ção tradicionalmente trabalhada no processo civil - ações de conhecimento, cautelar e de execução - vejamos sua aplicação no âmbito processual penal. Na ação penal de conheci­ mento, a prestação jurisdicional consiste numa decisão sobre situação jurídica disciplinada no Direito Penal. Como subespécies de ação penal de conhecimento, podemos citar a condenatória, objeto de estudo no próximo tópico, a constitutiva e a declaratória. A ação penal de conhecimento constitutiva visa criar, modifi­ car ou extinguir uma situação jurídica. É o que ocorre, por exemplo, nas hipóteses de revisão criminal, pedido de homologação de sentença penal estrangeira, pedido de extradição passiva ou o habeas corpus para anular determinado processo por ausência de citação. Ação penal de conhecimento declaratória é aquela cujo objetivo é apenas a declaração da existência ou não de uma relação jurídica (v.g., habeas corpus objetivando a declaração da extinção da puni-

TÍTULO III • DA AÇÃO PENAL

bilidade, nos termos do art. 648, VII, do CPP). Quanto à ação cautelar, pensamos que não se pode admitir a existência de um processo penal cautelar autônomo. Não há ação e processo cautelares autônomos no âmbito processual penal. Na verdade, a tutela jurisdicional caute­ lar é exercida através de uma série de medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal e na legislação especial, para instru­ mentalizar, quando necessário, o exercício da jurisdição. Deveras, é relativamente comum a ocorrência no processo penal de situações em que tais providências urgentes se tornem im­ periosas, seja para assegurar a correta apuração do fato delituoso, a futura e possível execução da sanção, seja para assegurar o ressarcimento do dano causado pelo delito. Essas medidas cautelares processuais penais estão elencadas de modo atécnico no CPP, podendo ser encon­ tradas tanto no título que versa sobre provas, como também no título pertinente à prisão e à liberdade provisória, ou, ainda, dentre os incidentes relativos às medidas assecuratórias. Além dessas medidas cautelares, também não podemos nos esquecer das chamadas medidas de contracautela, as quais visam à eliminação do dano provocado pela concessão da medida cautelar, isto é, funcionam como espécie de antídoto em relação às medidas cautelares, tal como acontece com a prisão em flagrante legal, que tem como contracautela a liberdade provisória, com ou sem fiança, cumulada (ou não) com as cautelares diversas da prisão. Por fim, quanto à ação de execução, é bom lembrar que, nos termos do processo civil, o processo de execução deve obedecer ao princípio da demanda. No âmbito processual penal, a exe­ cução de penas privativas de liberdade e de medidas de segurança tem início de ofício, com a expedição da respectiva guia (LEP, arts. 105 e 171). A execução das penas restritivas de direi­ tos pode ser iniciada mediante requerimento do Ministério Público, mas a lei também prevê que o juiz possa dar início a sua execução de ofício (LEP, art. 147). Logo, em tais hipóteses, não se pode visualizar uma verdadeira ação de execução, tal qual ainda ocorre em algumas hipóteses no processo civil. Subsiste, todavia, a execução da pena de multa, porém com a

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ressalva de que, com a nova redação conferida ao art. 51 do Código Penal pela Lei n. 9.268/96, o Parquet não é dotado de legitimidade para executá-la, cabendo à Fazenda Pública ajuizar eventual ação executiva. 9.1. Classificação das ações penais condenatórias: ação penal condenatória é aquela em que é deduzida em juízo a pretensão pu­ nitiva, por meio da denúncia ou da queixa, imputando-se ao acusado a prática de con­ duta típica, ilícita e culpável, a fim de que seja proferida sentença em que se torne concreta a sanção que a lei prevê em abstrato, quer no sentido da imposição de pena privativa de liberdade (sentença condenatória), quer no sentido da aplicação de medida de segurança (sentença absolutória imprópria). Não há falar em constrangimento ilegal pelo fato de a peça acusatória usar a titulação ação penal conde­ natória. Afinal, trata-se de classificação usual da doutrina processual penal, que comumente subdivide as ações penais de conhecimento em declaratórias, constitutivas e condenatórias. No âmbito processual penal, a doutrina costuma classificar a ação penal a partir da legitimação ativa. Tem-se, assim, a ação penal pública e a ação penal de iniciativa privada. 9.1.1. Ação penal pública: subdivide-se em 3 (três) subespécies: a) ação penal pública incondicionada: nesta espécie de ação penal, a atuação do Ministério Público não depende da manifestação da vontade da vítima ou de terceiros; b) ação penal pública condiciona­ da: nessa hipótese, a atuação do Ministério Público está subordinada ao implemento de uma condição - representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça; c) ação penal pública subsidiária da pública: sua inserção como espécie de ação penal pública não é ponto pacífico na doutrina. Porém, para alguns doutrinadores, essa subespécie de ação penal pode ser vislumbrada nas seguintes hi­ póteses: c .l) de acordo com o art. 2o, §2°, do Dec.-lei n. 201/67, que dispõe sobre crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores, “se as providências para a abertura do inqué­ rito policial ou instauração da ação penal não forem atendidas pela autoridade policial ou

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pelo Ministério Público estadual, poderão ser requeridas ao Procurador-Geral da República”. Para grande parte da doutrina, esse dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Fede­ ral, quer porque desloca para a Justiça Federal competência que não está prevista no art. 109 da Constituição Federal, quer porque atenta contra a autonomia dos Ministérios Públicos dos Estados e contra a própria estrutura do pacto federativo. Portanto, diante da inércia do Procurador-Geral de Justiça em oferecer a denúncia, entende-se possível a provocação do Colégio de Procuradores, órgão da estrutura do Ministério Público dos Estados, ou o ofe­ recimento de ação penal privada subsidiária da pública, nos termos do art. 29 do CPP; c.2) outra espécie de ação penal pública subsidiária da pública estaria prevista no art. 357, §§3° e 4o, do Código Eleitoral. De acordo com o art. 357, §3°, do Código Eleitoral, “se o órgão do Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo legal representará contra ela a auto­ ridade judiciária, sem prejuízo da apuração da responsabilidade penal”. Por sua vez, dispõe o art. 357, §4°, do referido Codex que “ocorrendo a hipótese prevista no parágrafo anterior o juiz solicitará ao Procurador Regional a designação de outro promotor, que, no mesmo prazo, ofe­ recerá a denúncia”. Como o Ministério Público dos Estados atua por delegação nos crimes eleitorais, permanecendo o Promotor eleitoral inerte, é possível que o Procurador Regional Eleitoral designe outro órgão do MP para ofe­ recer denúncia; c.3) uma última subespécie de ação penal pública subsidiária da pública pode se dar nos casos de incidente de deslocamento da competência da Justiça Estadual para a Jus­ tiça Federal (IDC). Referida medida, que será estudada no capítulo pertinente à competência criminal, foi inserida na Constituição Federal pela Emenda Constitucional n. 45/04 (art. 109, V-A, c/c art. 109, §5°), estando o deslocamento da competência subordinado à presença de 02 (dois) requisitos: 1) crime com grave violação aos direitos humanos; 2) risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, em virtude da inércia do Estado-membro em proceder à persecução

i3 será indispensável seu consentimento. Cuidando-se do exercício de um direito, tem predominado o entendimento de que não se admitem medidas coercitivas contra o acusado para obrigá-lo a cooperar na produção de pro­ vas que dele demandem um comportamento ativo. Além disso, a recusa do acusado em se submeter a tais provas não configura o crime de desobediência nem o de desacato, e dela não pode ser extraída nenhuma presunção de culpabilidade, pelo menos no processo penal. São incompatíveis, assim, com a Constituição Federal e com a Convenção Americana so­ bre Direitos Humanos quaisquer dispositivos legais que possam, direta ou indiretamente, forçar o suspeito, indiciado, acusado, ou até mesmo a testemunha, a produzir prova contra si mesmo. Em síntese, pode-se dizer que: 1) o acusado não está obrigado a fornecer padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial de verificação de interlocutor; 2) o acusado não está obrigado a fornecer material para exame grafotécnico: no exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra, pode ser necessário que a pessoa a quem se atri­ bui o escrito forneça material de seu punho subscritor para que sirva de parâmetro para a comparação. Nesse caso, como a realização do exame demanda um comportamento ativo do acusado, a tanto não se pode compeli-lo. Para exames periciais, é cabível apenas a sua intimação para que, querendo, oferte o mate­ rial. Também não se admite que a autoridade policial determine ao indiciado a oferta de material gráfico, sob pena de desobediência. Caso a pessoa se recuse a fornecer material de seu punho subscritor, nada impede que a autoridade judiciária determine a apreensão de papéis e documentos que possam suprir o for­ necimento do referido material; 3) configura constrangimento ilegal a decretação de prisão preventiva de indiciados diante da recusa des­ tes em participarem de reconstituição do cri­ me. Afinal, cuidando-se de prova que depende

prova

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da colaboração ativa do acusado, não se pode exigir sua participação, sob pena de violação ao nemo tenetur se detegere. Pelo que foi dito, percebe-se que o acusado tem o direito de não colaborar na produção da prova sempre que se lhe exigir um comportamento ativo, um facere. Portanto, em relação às provas que demandam apenas que o acusado tolere a sua realização, ou seja, aquelas que exijam uma cooperação meramente passiva, não se há falar em violação ao nemo tenetur se detegere. O direito de não produzir prova contra si mesmo não persiste, portanto, quando o acusado for mero objeto de verificação. Assim, em se tratando de reco­ nhecimento pessoal, ainda que o acusado não queira voluntariamente participar, admite-se sua execução coercitiva. + Jurisprudência selecionada:

STF: “(...) O

privilégio contra a auto-incriminação, g a ­

rantia constitucional, permite ao paciente o exercício d o direito de silêncio, não estando, por essa razão, obri­ g a d o a fornecer o s padrões vocais necessários a su b ­ sidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável. O rdem deferida, em parte, apenas para, confirm ando a m edida liminar, assegurar ao paciente o exercício d o direito de silêncio, d o qual deverá serform alm ente advertido e do cum e n tad o pela autoridade designada para a realização da perícia". (STF, 2aTurma, HC 83.096/ RJ, Rei. Min. Ellen Gracie, DJ 12/12/2003 p. 89).

STF:"(...) Diante d o princípio nem o tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo d o inciso IV d o art. 174 d o C ó d ig o de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado com p elid o a fornecer padrões gráficos d o próprio punho, para o s exames periciais, cabe n do apenas ser intim ado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a com paração gráfica configura ato de caráter essencialm ente probatório, não se p o d e n ­ do, em face d o privilégio de que desfruta o indiciado contra a auto-incriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, p od e a autoridade não só fazer requisição a arquivos ou estabelecim entos públicos, o n d e se encontrem d o c u m e n to s da pesso a a qual é atribuída a letra, ou proceder a exam e no próprio lugar o nde se encontrar o docum en to em questão, ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a pessoa, a q uem se atribui ou pod e ser atribuído o escrito, a escrever o que lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o faça, sob pena de desobediência, c o m o deixa transparecer, a um apressado exame, o CPP, no inciso IV d o art. 174.

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

H abeas corpus concedido". (STF, 1a Turma, HC 77.135/ SP, Rei. Min. limar Galvão, DJ 06/11/1998 p. 3).

STF:"(...) Reconstituição de

crime (reprodução sim u ­ lada de delito de hom icídio). D iligên cia requerida

pelo Ministério Público, deferida pelo juiz, na fase do inquérito policial, e à cuja realização os indiciados se teriam n e g ad o a comparecer. Prisão preventiva d e ­ cretada com base apenas nessa recusa d o s indiciados. Constrangim ento ilegal. Habeas corpus deferido para revogação da prisão preventiva, com o decretada, sem prejuízo de eventual decretação de outra, se caracte­ rizada qualquer das situações d o art. 312 d o CPP. (...)". (STF, Tribunal Pleno, HC 64.354/SP, Rei. Min. Sydney Sanches,j. 01/07/1987, DJ 14/08/1987).

STF:"(...) A

reconstituição d o crime configura ato de

caráter essencialm ente probatório, pois destina-se pela reprodução sim ulada d o s fatos - a dem onstrar o m odus faciendi de prática delituosa (CPP, art. 7o). O suposto autor d o ilícito penal não pode ser compelido, so b pena de caracterização de injusto c o n stran gi­ mento, a participar da reprodução sim ulada d o fato delituoso. O m agistério doutrinário, atento ao princípio que concede a qualquer indiciado ou réu o privilégio contra a autoincriminação, ressalta a circunstância de que é essencialm ente voluntária a participação do im p u tad o n o ato - p rovido de indiscutível eficácia probatória - concretizador da reprodução sim ulada d o fato delituoso. A reconstituição d o crime, especial­ mente qu an do realizada na fase judicial da persecução penal, deve fidelidade ao princípio constitucional do contraditório, ensejando ao réu, desse m odo, a possi­ bilidade de a ela estar presente e de, assim, im pedir eventuais ab u sos, descaracterizadores da verdade real, praticados pela autoridade pública ou por seus agentes. N ão gera nulidade processual a realização da reconstituição da cena delituosa quando, em bora ausente o defensor técnico p or falta de intimação, dela não participou o próprio acusado que, ag in d o conscientem ente e com plena liberdade, recusou-se, não obstante com parecendo ao ato, a colaborar com as autoridades públicas na produção dessa prova. (...)". (STF, 1aTurma, HC 69.026/DF, Rei. Min. Celso de Mello, j. 10/12/1991, DJ 04/09/1992).

6.3.5. Direito de não produzir nenhuma prova incriminadora invasiva: nesse ponto, é importante entender o que se entende por intervenções corporais, assim como o concei­ to de provas invasivas e não invasivas. Inter­ venções corporais (investigação corporal ou ingerência humana) são medidas de investi­ gação que se realizam sobre o corpo das pes­ soas, sem a necessidade do consentimento destas, e por meio da coação direta se for preciso, com a finalidade de descobrir circuns­ tâncias fáticas que sejam importantes para o 502

processo, em relação às condições físicas ou psíquicas do sujeito que sofre as intervenções, ou objetos escondidos com ele. São exemplos de intervenções corporais: exame de sangue, ginecológico, identificação dentária, endoscopia, exame do reto, entre outras tantas perícias como o exame de matérias fecais, de urina, de saliva, exames de DNA usando fios de cabelo, identificações datiloscópicas de impressões dos pés, unhas e palmar e também a radiogra­ fia. As intervenções corporais podem ser de duas espécies: a) provas invasivas: são as in ­ tervenções corporais que pressupõem pene­ tração no organismo humano, por instrumen­ tos ou substâncias, em cavidades naturais ou não, implicando na utilização (ou extração) de alguma parte dele ou na invasão física do corpo humano, tais como os exames de sangue, o exame ginecológico, a identificação dentária, a endoscopia (usada para localização de droga no corpo humano) e o exame do reto; b) pro­ vas não invasivas: consistem numa inspeção ou verificação corporal. São aquelas em que não há penetração no corpo humano, nem implicam a extração de parte dele, como as perícias de exames de materiais fecais, os exa­ mes de DNA realizados a partir de fios de cabelo encontrados no chão, etc. As células bucais encontradas na saliva podem ser utili­ zadas para a realização de um exame de DNA. A forma de sua coleta é que vai determinar se é prova invasiva ou não invasiva. Caso as cé­ lulas sejam colhidas na cavidade bucal, haverá intervenção corporal invasiva. Agora, a saliva também pode ser colhida sem qualquer inter­ venção corporal, possibilitando a realização do exame de DNA a partir de material encon­ trado no lixo, como chicletes, pontas de cigar­ ro, latas de cerveja e refrigerantes, que contêm resquícios da saliva que podem ser examina­ dos. A radiografia também pode ser conside­ rada prova não invasiva, sendo comum sua utilização para constatação de entorpecente no organismo, na forma de pílulas ou cápsulas de drogas. Na verdade, mesmo que se consi­ dere o exame de raios-X uma prova invasiva, pensamos que, em casos extremos, como no exemplo da mula que transporta drogas em seu estômago e que, por isso, corre sério risco

TÍTULO VII* DA PROVA

de morte a partir de determinado tempo em que está com a droga em seu corpo, é possível a realização de exame pericial mesmo contra a vontade do agente, por força do princípio da proporcionalidade, dando-se preponderância à proteção da vida (CF, art. 5o, caput). Outro exemplo de prova não invasiva é a identifica­ ção dactiloscópica, das impressões dos pés, unhas e palmar, que podem ser utilizadas como parâmetro para comparação com aque­ las encontradas no local do crime ou no corpo da vítima. Havendo o consentimento do sujei­ to passivo da medida, após prévia advertência do direito de não produzir prova contra si mesmo, a intervenção corporal poderá ser realizada normalmente, seja a prova invasiva ou não invasiva. A Carta Magna não estabele­ ceu a reserva de jurisdição para a determina­ ção das intervenções corporais. Logo, não há necessidade de prévia autorização judicial para a realização dessas medidas, as quais podem ser determinadas inclusive pela autoridade policial. Porém, mesmo com a anuência do cidadão, não se admite que o Estado submeta alguém a intervenções corporais que ofendam a dignidade da pessoa humana ou que colo­ quem em risco sua integridade física ou psí­ quica além do que é razoavelmente tolerável. A propósito, dispõe o art. 15 do Código Civil que ‘ninguém pode ser constrangido a submeter-

s e , com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica’. Exemplo de procedi­ mento mais complexo que pode causar risco à saúde, o que é denominado pela doutrina alemã de ingerência corporal, é a radiografia em mulheres grávidas. Na verdade, o problema quanto às provas invasivas ou não invasivas diz respeito às hipóteses em que o suspeito se recusa a colaborar. No ordenamento pátrio, não há uma regulamentação sistemática das intervenções corporais. Como vigora no pro­ cesso penal brasileiro o princípio da liberdade probatória (CPP, art. 155, parágrafo único), segundo o qual quaisquer meios probatórios são admissíveis, mesmo que não expressamen­ te previstos em lei, não se deve concluir por uma absoluta inadmissibilidade da utilização das intervenções corporais. Todavia, sua uti­ lização deve se m ostrar compatível com a

Art. 155

Constituição Federal e com a Convenção Ame­ ricana sobre Direitos Humanos. Portanto, caso o agente não concorde com a realização de uma intervenção corporal, deve-se distinguir o tratamento dispensado às provas invasivas e às não invasivas à luz do direito de não produ­ zir prova contra si mesmo. Em se tratando de prova não invasiva (inspeções ou verificações corporais), mesmo que o agente não concorde com a produção da prova, esta poderá ser re­ alizada normalmente, desde que não implique colaboração ativa por parte do acusado. Além disso, caso as células corporais necessárias para realizar um exame pericial sejam encontradas no próprio lugar dos fatos (mostras de sangue, cabelos, pelos, etc.), no corpo ou vestes da vítima ou em outros objetos, poderão ser re­ colhidas normalmente, utilizando os meios normais de investigação preliminar (busca e/ ou apreensão domiciliar ou pessoal). Por outro lado, cuidando-se de provas invasivas, a juris­ prudência tem considerado que, por conta do princípio do nemo tenetur se detegere, o sus­ peito, indiciado, preso ou acusado, não é obri­ gado a se autoincriminar, podendo vahdamente recusar-se a colaborar com a produção da prova, não podendo sofrer qualquer gravame em virtude dessa recusa. Mas se o direito de não produzir prova contra si mesmo tem apli­ cação no âmbito extrapenal e no âmbito penal, daí não se pode concluir que a recusa em se submeter às provas invasivas seja tratada de modo semelhante no processo civil e no pro­ cesso penal. De fato, há de se ficar atento à diferença do tratamento dispensado às conse­ quências da recusa do agente em produzir prova contra si mesmo, porquanto, no que toca exclusivamente ao processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5o, LVII). Em outras palavras, se, no âmbito cível, também é possível que o agente se recu­ se a produzir prova contra si mesmo, ali não vigora o princípio da presunção de inocência, daí por que a controvérsia pode ser resolvida com base na regra do ônus da prova, sendo que a recusa do réu em se submeter ao exame pode ser interpretada em seu prejuízo, no contexto do conjunto probatório. Nesse senti­ do, dispõe o art. 232 do Código Civil: A recu­

Art. 155

\

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

sa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame. Por sua vez, a súmula n. 301 do STJ destaca que em ação investigatória, a recusa do suposto p ai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção iuris tantum de paternidade. Logo, apesar de o agente também não ser obrigado a se submeter à prova invasiva no âmbito cível, de sua recusa poderão ser extra­ ídas consequências que lhe sejam desfavorá­ veis, tais como a presunção relativa de pater­ nidade, em casos em que existam outras pro­ vas. De modo diverso, no processo penal, firmada a relevância do princípio da presunção de inocência, com a regra probatória que dele deriva, segundo a qual o ônus da prova recai exclusivamente sobre a parte acusadora, não se admite eventual inversão do ônus da prova em virtude de recusa do acusado em se sub­ meter a uma prova invasiva. Assim, supondo um crime sexual em que vestígios de esperma tenham sido encontrados na vagina da vítima, da recusa do acusado em se submeter a um exame de DNA não se pode presumir sua culpabilidade, sob pena de violação aos prin­ cípios do nemo tenetur se detegere e da presun­ ção de inocência. Como se vê, em se tratando de prova invasiva ou que exija um comporta­ mento ativo, não é possível a produção forçada da prova contra a vontade do agente. Porém, se essa mesma prova tiver sido produzida, voluntária ou involuntariamente pelo acusado, nada impede que tais elementos sejam apre­ endidos pela autoridade policial. Em outras palavras, quando se trata de material descar­ tado pela pessoa investigada, é impertinente invocar o princípio do nemo tenetur se dete­ gere. Nesse caso, é plenamente possível apre­ ender o material descartado, seja orgânico (produzido pelo próprio corpo, como saliva, suor, fios de cabelo), seja ele inorgânico (de­ correntes do contato de objetos com o corpo, tais como copos ou garrafas sujas de saliva, etc.) Exemplificando, se não é possível retirar à força um fio de cabelo de um suspeito para realizar um exame de DNA, nada impede que um fio de cabelo desse indivíduo seja apreen­ dido em um salão de beleza. Daí ter confirma­ do o Plenário do Supremo (Rcl-QO 2.040/DF,

Rei. Min. Néri da Silveira, DJ 27/06/2003 p. 31) a legalidade da determinação de coleta da placenta no procedimento médico do parto da cantora chilena G. T„ a fim de que fosse pos­ sível, posteriormente, a realização do exame de DNA, de modo a dirimir a dúvida quanto a quem era o pai da criança. Nessa situação, a intervenção médica era necessária e não hou­ ve a coleta à força da placenta, uma vez que esta é expelida do corpo humano como con­ sequência natural do processo de parto. Situ­ ação semelhante ocorreu em caso envolvendo a descoberta do episódio em que uma criança recém -nascida foi retirada do berçário da maternidade por uma mulher que passou a assumir perante todos ser a verdadeira mãe. Como a suposta mãe não aceitou submeter-se à coleta de material genético, esperou-se uma oportunidade para arrecadar uma ponta de cigarro descartada pela “filh a”, contendo par­ tículas das glândulas salivares, o que permitiu, após a análise do DNA, ter-se a certeza de que ela, de fato, não era filha da investigada. Essa prova foi considerada válida, porquanto o que torna a prova ilícita é a coação por parte do Estado, obrigando o suspeito a produzir prova contra si mesmo. Como a prova foi produzida de maneira involuntária pela suposta filha, a prova então obtida foi considerada lícita. Por fim, convém destacar que essas provas não invasivas não se confundem com a busca pes­ soal. Naquelas, o objetivo precípuo é o exame do corpo; nesta, o objetivo é a localização de algo que se esteja ocultando junto ao corpo. A busca pessoal, que tem natureza preventiva, não pode ser considerada espécie de interven­ ção corporal porque compreende atuação ex­ terna sobre o corpo e sobre as roupas e objetos que o indivíduo traz consigo. Quanto às revis­ tas feitas em presídios, caso realizadas de for­ ma superficial, a fim de prevenir que visitantes levem armas ou objetos que possam colocar em risco a vida ou a saúde dos presos ou faci­ litar eventuais fugas, podem ser classificadas como revistas corporais e, assim, admitidas. No tocante às revistas praticadas em cavidades ou orifícios do corpo humano, comungamos do entendimento de Fiori (op. cit. p. 113), no sentido de que a busca por qualquer objeto de

TÍTULO VII • DA PROVA

crime nestas regiões do corpo deva ser equi­ parada a uma intervenção corporal, por atin­ gir a integridade física e a intimidade da pessoa constrangida a tal medida. Todavia, caso a pessoa se recuse a cooperar com a intervenção corporal, seu acesso ao estabelecimento pri­ sional poderá ser obstado.

Art.155

ministrativa","persecução penal pública"e"segurança pública"que se acrescem, - com o bens da comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito fundam ental à honra (CF, art. 5°, X), bem assim direito à honra e à im age m de policiais federais acusados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à im age m da própria instituição, em confronto com o ale gad o direito da reclamante à intim idade e a preservar a identidade d o pai de seu filho. (...) Mérito

+

Jurisprudência selecionada:

do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde

STJ:"(...) A Constituição Federal, na esteira da Conven­

logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização d o exam e de D N A d o filh o da reclam ante, c om a

ção Am ericana de Direitos H u m anos e d o Pacto de São

utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto,

José da Costa Rica, consagrou, em seu art. 5o, inciso

indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do

LXIII, o princípio de que ningué m pode ser com pelido a produzir prova contra si. Não há, nos autos, qualquer

"prontuário m éd ico " da reclamante". (STF, Tribunal Pleno, Rcl-QO 2.040/DF, Rei. Min. Néri da Silveira, DJ

com provação de que tenha havido ab u so por parte dos policiais na obtenção da prova que ora se im pugna.

27/06/2003 p. 31).

A o contrário, verifica-se que os pacientes assum iram

6.4. Consequências do exercício do direito de não produzir prova contra si mesmo: se a Constituição Federal (art. 5o, LXIII) e a Convenção Americana sobre Direitos Huma­ nos (Dec. 678/92, art. 8o, §2°, “g”) asseguram ao suspeito, indiciado, acusado, ou condena­ do, esteja ele solto ou preso, o direito de não produzir prova contra si mesmo, do exercício desse direito não pode advir nenhuma conse­ quência que lhes seja prejudicial. Fosse possível a extração de alguma consequência prejudicial ao acusado por conta de seu exercício, estar-se-ia negando a própria existência desse direito. Portanto, o exercício desse direito não pode ser utilizado como argumento a favor da acusação, não pode ser valorado na fundamentação de decisões judiciais, nem tampouco ser utilizado como elemento para a formação da convicção do órgão julgador. Do uso desse direito não podem ser extraídas presunções em desfavor d a acusado, até mesmo porque milita, em seu benefício, o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5o, LVII), de cuja regra probatória deriva que o ônus da prova recai integralmente sobre a acusação. Da recusa em produzir prova contra si mesmo também não se pode extrair a tipificação do crime de desobediência (CP, art. 330). Afinal de contas, se o art. 330 do Código Penal tipifica a conduta de “desobedecer a ordem legal de funcionário público”, há de se concluir pela ilegalidade da ordem que determine que o acusado produza prova contra si mesmo. O exercício regular de um direito - de não produzir prova con­

a ingestão da droga, narrando, inclusive, detalhes da ação que culminaria no tráfico internacional da cocaína apreendida para a Angola, o que denota cooperação com a atividade policial, refutando qualquer alegação de coação na colheita da prova. Ademais, é sabido que a ingestão de cápsulas de cocaína causa risco de morte, m otivo pelo qual a constatação d o transporte da droga no organism o humano, com o posterior procedim ento ap to a expeli-la, traduz em verdadeira intervenção estatal em favor da integridade física e, m ais ainda, da vida, b en s jurídicos estes largam ente tutelados pelo ordenam ento. M e sm o não fossem realizadas as radiografias abdom inais, o próprio organism o, se o pior não ocorresse, expeliría naturalm ente as cápsu­ las ingeridas, de form a a permitir a com provação da ocorrência d o crime de tráfico de entorpecentes. (...) Ordem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 149.146/SP, Rei. Min. O g Fernandes, ju lgad o em 05/04/2011).

STF:"(...)

Discrepa, a m ais não poder, de garantias

constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignid ade hum ana, da intimidade, da intangibilidade d o corpo hum ano, do im pério da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provim ento judicial que, em ação civil de investigação de paterni­ dade, im plique determ inação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório,"debaixo de vara" para coleta d o material indispensável à feitura do exam e DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, con ­ sideradas a dogm ática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova do s fatos". (STF, Tribunal Pleno, H C 71.373/RS, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 10/11/1994, DJ 22/11/1996).

STF:"(...) Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para averigüação de paternidade d o nascituro, em bora a opo sição da extraditanda. (....) M antida a determ inação ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização da coleta da placenta d o filho da extraditanda. (...) Bens jurídicos constitucionais c o m o "m oralidade ad­

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

tra si mesmo - não pode caracterizar crime, nem produzir consequências desfavoráveis ao acusado. Sua recusa em submeter-se à determi­ nada prova é legítima. O exercício do direito ao silêncio também não pode ser utilizado como fundamento para majoração da pena do condenado, nem tampouco para dar suporte à eventual decretação de prisão cautelar, sob o argumento (equivocado) de que o acusado não colabora com a produção probatória. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) N ão

constituem fu n dam en tos idôneos, por

si sós, à prisão preventiva: (...) b) a consideração de que, interrogado, o acusado não haja dem onstrado 'interesse em colaborar com a Justiça'; ao indiciado não cabe o ônu s de cooperar de qualquer m o d o com

qualquer exigência de colaboração por parte de autoridade, com o objetivo de encobrir de­ lito anteriormente praticado, não há falar em incidência do nemo tenetur se detegere. Afinal, desse princípio não decorre a não punibilidade de crimes conexos praticados para encobrir a prática de outros. Não fosse assim, um crime de homicídio praticado contra a testemunha que presenciou o crime antecedente poderia ser considerado como exercício regular de direito. Portanto, em tais situações, como não há risco concreto de autoincriminação, mas mero temor genérico de revelação de crime anteriormente praticado, não se pode admitir que o direito de não produzir prova contra si mesmo possa atenuar a responsabilidade criminal do agente.

a apuração do s fatos que o possam incriminar - que é to d o d o s o rganism os estatais da repressão penal; (...)". (STF, I a Turma, H C 79.781/SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18/04/2000, DJ 09/06/2000).

6.5. O direito de não produzir provas con­ tra si m esmo e a prática de outros delitos: não se pode negar a importância e a relevância do direito de não produzir prova contra si mesmo. Porém, em virtude do princípio da convivência das liberdades, pelo qual não se permite que qualquer das liberdades seja exercida de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias, o direito à não autoincriminação não pode ser entendido em sentido absoluto. Discute-se, assim, se seria possível reconhecer a incidência do nemo tenetur se detegere quando um segundo delito fosse prati­ cado para encobrir o primeiro. É o que ocorre, por exemplo, quando o agente, após praticar determinado delito, inova artificiosamente o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito com o objetivo de produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado (CP, art. 347, parágrafo único). Nesse caso, é possível que o agente responda pelos dois delitos em concurso ma­ terial? Ou será que o segundo delito - fraude processual - está amparado pela excludente da ilicitude do exercício regular de direito (direito de não produzir prova contra si mesmo)? A nosso ver, caso haja a prática de nova infração penal, de maneira autônoma e dissociada de

7. Princípio da proporcionalidade: o prin­ cípio da proporcionalidade não está previsto de maneira expressa na Constituição Federal. Porém, não há como negar sua sedes materiae na própria Carta Magna, estando inserido no aspecto material do princípio do devido pro­ cesso legal (substantive due process o f law) “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5o, LIV). Com efeito, o exame da cláusula referen­ te ao due process oflaw permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitu­ cional, destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prer­ rogativas; a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; d) direito ao contra­ ditório e à plenitude de defesa (direito à auto­ defesa e à defesa técnica); e) direito de não ser processado e julgado com base em leis expost facto; f) direito à igualdade entre as partes; g) direito de não ser processado com fundamen­ to em provas revestidas de ilicitude; h) direito ao benefício da gratuidade; i) direito à obser­ vância do princípio do juiz natural; j) direito ao silêncio (privilégio contra a autoincrimina­ ção); 1) direito à prova; e m) direito de presen­ ça e de “participação ativa” nos atos de inter­ rogatório judicial dos demais litisconsortes

t It u l o v ii

penais passivos, quando existentes. Como observa o Min. Gilmar Mendes {Direitos fu n ­

damentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 65), “a cláusula do devido processo legal - objeto de expressão proclamação pelo art. 5o, LIV, da Constituição, e que traduz um dos fundamentos dogmáticos do princípio da proporcionalidade - deve ser entendida, na abrangência de sua noção con­ ceituai, não só sob o aspecto meramente for­ mal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do poder público (procedural due process oflaw), mas, sobretudo, em sua dimen­ são material {substantive due process o f law), que atua como decisivo obstáculo à edição de atos normativos revestidos de conteúdo arbi­ trário ou irrazoável. A essência do substantive due processo o f law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação ou de regulamentação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade”. Em sede processual penal, o Poder Público não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente con­ dicionada pelo princípio da razoabilidade. Daí a importância do princípio da proporcionali­ dade, que se qualifica, enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais, como postulado básico de contenção dos ex­ cessos do Poder Público. Segundo Luís Rober­ to Barroso {Interpretação e aplicação da Cons­ tituição. 4a ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 219), há uma relação de fungibilidade entre o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade, cuja origem remonta à garantia do devido processo legal, principalmente na fase em que se atribui a essa garantia feição substancial. Ao discorrer sobre o princípio da razoabilidade, o referido autor aponta os mes­ mos requisitos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, traba­ lhados pela doutrina e pela jurisprudência como requisitos do princípio da proporciona­ lidade em sentido amplo. Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla inci­ dência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do

•d a

prova

,

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Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalida­ de do Estado Democrático de Direito e im­ prescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbí­ trio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucio­ nais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do due process oflaw . A fim de conferir segu­ rança e consistência à aplicação do princípio da proporcionalidade, doutrina e jurisprudên­ cia conceberam pressupostos e requisitos a serem atendidos para que o princípio pudesse ser aplicado de maneira coerente e legítima. O princípio da proporcionalidade tem como pressuposto formal o princípio da legalidade, e como pressuposto material o princípio da justificação teleológica. O princípio da legali­ dade processual, desdobramento do princípio geral da legalidade (CF, art. 5o, incisos II e LIV), demanda tanto a regulamentação, por lei, dos direitos exercitáveis durante o processo, como também a autorização e a regulamentação de qualquer intromissão na esfera dos direitos e liberdades dos cidadãos, efetuada por ocasião de um processo penal. Logo, por força do princípio da legalidade, todas as medidas res­ tritivas de direitos fundamentais deverão ser previstas por lei {nulla coactio sine lege), que deve ser escrita, estrita e prévia. Evita-se, assim, que o Estado realize atuações arbitrárias, a pretexto de aplicar o princípio da proporcio­ nalidade. Afinal, como destaca Maurício Zanoide de Moraes {Sigilo no processo penal: eficiência egarantismo. Coordenação: Antônio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Al­ meida e Maurício Zanoide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 33-34), “é norma basilar de um Estado Demo­ crático de Direito que, no âmbito criminal (penal ou processual penal), somente poderá acontecer coerção da esfera de direitos indivi­ duais se houver lei anterior clara, estrita e es­ crita que a defina {nulla coertio sine lege). A legalidade, que deve obedecer a todos os dita­ mes constitucionais de produção legislativa, confere a um só tempo (i) a segurança jurídica

155

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

a todos os cidadãos para conhecerem em quais hipóteses e com que intensidade os agentes persecutórios podem agir e, também, (ii) a previsibilidade necessária para, de antemão, saber quando os agentes públicos agem dentro dos limites legais e se estão autorizados a res­ tringir os direitos fundamentais”. Por seu tur­ no, por força do princípio da justificação teleológica, busca-se a legitimação do uso da medida cautelar, a partir da demonstração das razões pelas quais a aplicação da medida tor­ nou-se necessária em relação ao fim que se objetiva alcançar. Cabe aqui analisar se o fim almejado é constitucionalmente legítimo e se possui relevância social. Quanto à legitimida­ de constitucional, pode ser necessária a restri­ ção de determinado direito fundamental não apenas para proteger outro direito fundamen­ tal, mas também bens constitucionalmente tutelados. Em relação à relevância social, os fins devem ser socialmente relevantes para justificar a limitação a um direito fundamental. Além dos pressupostos da legalidade e da justificação teleológica, o princípio da propor­ cionalidade também possui requisitos extrínsecos e intrínsecos. Subdividem-se os primei­ ros nos requisitos da judicialidade e da moti­ vação; os segundos, na adequação (ou idoneidade), necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Por judicialidade compre­ ende-se a exigência que as limitações aos di­ reitos fundamentais somente possam ocorrer por decisão do órgão jurisdicional competen­ te. A denominada cláusula de reserva de juris­ dição garante ao Poder Judiciário não apenas dar a última palavra em matéria de restrição de direitos fundamentais, como também asse­ gurar sua manifestação já no primeiro momen­ to em que a restrição se mostrar necessária. Quanto à motivação, há de se ter em mente que, em se tratando de decisões das quais re­ sulte, de alguma forma, restrição a direitos fúndamentais, será por meio da fundamenta­ ção da decisão judicial que se poderá aferir quais os motivos de fato e de direito levados em consideração pelo magistrado para a for­ mação de seu convencimento, permitindo ao cidadão impugnar o ato se o entender incons­ titucional ou ilegal. Os requisitos intrínsecos,

também denominados de subprincípios da proporcionalidade ou elementos de seu con­ teúdo, são a adequação (ou idoneidade), a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Em síntese, uma medida será conside­ rada adequada se for capaz de atingir o fim almejado, necessária, por causar o menor pre­ juízo possível e, finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará supe­ rarem as desvantagens. 7.1. Da adequação: o primeiro requisito intrínseco ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo é o da adequação, também denominado de princípio da idoneidade ou da conformidade. Por força da adequação, a medida restritiva será considerada adequada quando for apta a atingir o fim proposto. Não se deve permitir, portanto, o ataque a um direito fundamental se o meio adotado não se mostrar apropriado à consecução do re­ sultado pretendido. Essa adequação deve ser aferida num plano qualitativo, quantitativo e também em seu âmbito subjetivo de aplicação. A adequação qualitativa impõe que as medidas sejam qualitativamente aptas a alcançar o fim desejado, ou seja, idôneas por sua própria na­ tureza. Exemplificando, se o objetivo é evitar a fuga do acusado, não faz sentido querer proibi­ do de entrar em contato com certas pessoas, pois a medida adotada seria qualitativamente inadequada. A adequação quantitativa cuida da duração e da intensidade da medida em relação à finalidade pretendida. Supondo-se que uma prisão preventiva tenha sido decreta­ da para assegurar a conveniência da instrução criminal, uma vez concluída a instrução pro­ cessual, a medida deve ser revogada, a não ser que haja outro motivo legal que justifique a segregação do acusado. Por derradeiro, a ade­ quação na determinação do âmbito subjetivo de aplicação diz respeito à individualização do sujeito passivo da medida e à proibição de extensão indevida de sua aplicação. Afinal, a depender das circunstâncias do caso concreto, uma medida, em um mesmo processo, pode ser subjetivamente adequada em relação a um dos acusados, mas não sê-lo em relação a outro. Por isso, no âmbito processual penal, para que sejam adotadas medidas restritivas,

t ít u l o

é necessário que haja indícios de autoria ou de participação na prática de determinada infra­ ção penal, sendo que, a depender da ingerência a ser realizada, exige-se maior grau de suspeita. Com base no subprincípio da adequação, há, portanto, uma relação de meio e fim, devendo se questionar se o meio escolhido contribui para a obtenção do resultado pretendido. 7.2. Da necessidade: o segundo requisito ou subprincípio da proporcionalidade é o da necessidade ou da exigibilidade, também conhecido como princípio da intervenção m í­ nima, da menor ingerência possível, da alter­ nativa menos gravosa, da subsidiariedade, da escolha do meio mais suave, ou da proibição de excesso. Por força dele, entende-se que, dentre várias medidas restritivas de direitos funda­ mentais idôneas a atingir o fim proposto, deve o Poder Público escolher a menos gravosa, ou seja, aquela que menos interfira no direito de liberdade e que ainda seja capaz de proteger o interesse público para o qual foi instituída. Como aponta a doutrina, o princípio da ne­ cessidade é princípio constitucional porque deriva da proibição do excesso; é princípio comparativo porque induz o órgão da persecução penal à busca de medidas alternativas idôneas; tende à otimização da eficácia dos direitos fundamentais porque obriga a refutar as medidas que possam ser substituídas por outras menos gravosas, com o que se diminui a lesividade da intromissão na esfera dos direitos e liberdades do indivíduo. Assim, entre diver­ sas opções idôneas a atingir determinado fim, deve o magistrado buscar aquela que produza menos restrições à obtenção do resultado. Em outras palavras, deve o juiz se indagar acerca da existência de outra medida menos gravosa apta a lograr o mesmo objetivo. A título de exemplo, por conta do art. 2o, inciso II, da Lei n. 9.296/96, a interceptação de comunicações telefônicas só poderá ser deferida quando a prova não puder ser feita por outros meios dis­ poníveis, ou seja, se for possível comprovar-se o fato por meio de prova menos gravoso, não se justifica a violação à intimidade. Por outro lado, no caso de prisões cautelares, lembra Carnelutti (Lecciones sobre el Proceso Penal. Trad. Santiago Santis Melendo. Buenos Aires:

vii • d a

prova

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Editora Bosch, 1950, v. II, p. 75) que a medida “se assemelha a um daqueles remédios herói­ cos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência, porque podem curar o enfermo, mas também podem ocasionar-lhe um mal mais grave; quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia geral, a qual é um meio indispensável para o cirurgião, mas ah se este abusa dela!” 7.3. Da p roporcionalid ade em sentido estrito: o terceiro subprincípio - proporciona­ lidade em sentido estrito - impõe um juízo de ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, a fim de se constatar se se justifica a in­ terferência na esfera dos direitos dos cidadãos. É a verificação da relação de custo-benefício da medida, ou seja, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obti­ dos. De acordo com Canotilho (Direito Cons­ titucional. 4a ed. Coimbra: Almedina, 1989. p. 488), “uma lei restritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adote cargas coativas de direitos, liberdades e garantias desmedidas, desajustadas, exces­ sivas ou desproporcionadas em relação aos resultados obtidos”. Por força do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, entre os valores em conflito - o que demanda a adoção da medida restritiva e o que protege o direito individual a ser violado - deve preponderar o de maior relevância. Há de se indagar, pois, se o gravame imposto ao titular do direito fun­ damental guarda relação de proporcionahdade com a importância do bem jurídico que se pre­ tende tutelar. No âmbito processual penal, este juízo de ponderação opera-se entre o interesse individual e o interesse estatal. De um lado, o interesse do indivíduo na manutenção de seu ius libertatis, com o pleno gozo dos direitos fundamentais. Do outro, o interesse estatal nas medidas restritivas de direitos fundamentais está consubstanciado pelo interesse na persecução penal, objetivando-se a tutela dos bens jurídicos protegidos pelas normas penais. 7.4. Princípio da proporcionalidade e pro­ va ilícita p ro reo : tendo em conta que a norma constitucional da inadmissibilidade da utiliza­ ção no processo de provas obtidas por meios

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cpp COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

ilícitos (CF, art. 5o, LVI) representa uma limita­ ção ao direito de punir do Estado, depreende-se que o juiz pode, com base em uma prova ilícita, proferir uma sentença absolutória. A rigor, doutrina e jurisprudência têm admitido a possibilidade de utilização de prova ilícita no processo quando ela for produzida em bene­ fício do acusado. E isso por conta do princípio da proporcionalidade. Entende-se que o direito de defesa (CF, art. 5o, LV) e o princípio da pre­ sunção de inocência (CF, art. 5o, LVII) devem preponderar no confronto com o direito de punir. De fato, seria inadmissível que alguém fosse condenado injustamente pelo simples fato de sua inocência ter sido comprovada por meio de uma prova obtida por meios ilícitos. Noutro giro, ao Estado não pode interessar a punição de um inocente, o que poderia acarre­ tar a impunidade do verdadeiro culpado. Além disso, quando o acusado pratica um ato ilícito para se defender de modo efetivo no processo penal, conclui-se que sua atuação não seria ilícita, eis que amparada pela legítima defesa, daí porque não seria possível concluir-se pela ilicitude da prova. Se tal prova pode ser usada em favor do acusado, a fim de obter um decreto absolutório, não pode servir de prova contra qualquer pessoa. Em outras palavras, se a prova pode ser usada para absolver um inocente, não serve para incriminar, exatamente por se tratar de prova ilícita. Mas seria possível utilizar-se, em favor do acusado, como único meio para inocentá-lo, de prova obtida mediante tortu­ ra? A nosso ver, a situação é bem diferente de uma gravação ou interceptação telefônica ilícita. Neste caso, apesar de haver a produção de uma prova ilícita, o conteúdo da conversa telefônica pode ser considerado verdadeiro pelo juiz, já que não há constrangimento aos interlocutores. Diferente é a hipótese de prova obtida mediante tortura: colhidos mediante o constrangimento de alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, tais elementos probatórios não poderão ser levados em con­ sideração pelo magistrado, porquanto impos­ sível aferir a veracidade (ou não) do conteúdo das declarações de tal pessoa.

7.5. Princípio da p ro p o rcio n a lid a d e e prova ilícita p ro societate: se, de um lado, doutrina e jurisprudência são uníssonas em apontar a possibilidade de utilização, no pro­ cesso penal, da prova favorável ao acusado, mesmo que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros, do outro, há intensa controvérsia quanto à possibilida­ de de utilização de provas ilícitas em favor da sociedade. Segundo Barbosa Moreira, a aplicação do princípio da proporcionalidade também autoriza a utilização de prova ilícita em favor da sociedade, como, por exemplo, nas hipóteses de criminalidade organizada, quan­ do esta é superior às Polícias e ao Ministério Público, restabelecendo-se, assim, com base no princípio da isonomia, a igualdade substancial na persecução criminal. Em sua dicção (A constituição e as provas ilicitamente obtidas. Revista Forense, v. 337, p. 128), “o raciocínio é hábil e, em condições normais, dificilmente se contestará a premissa da superioridade de ar­ mas da acusação. Pode suceder, no entanto, que ela deixe de refletir a realidade em situações de expansão e fortalecimento da criminalidade organizada, como tantas que enfrentam as sociedades contemporâneas. É fora de dúvida que atualmente, no Brasil, certos traficantes de drogas estão muito mais bem armados que a polícia e, provavelmente, não lhes será mais difícil que a ela, nem lhes suscitará maiores es­ crúpulos, munir-se de provas por meios ilegais. Exemplo óbvio é o da coação de testemunhas nas zonas controladas pelo narcotráfico: nem passa pela cabeça de ninguém a hipótese de que algum morador da área declare à polícia, ou em juízo, algo diferente do que lhe hou­ ver ordenado o ‘poderoso chefão’ local”. Essa admissibilidade da prova ilícita pro societate somente seria possível em situações extremas, sob pena de se conferir ao Estado legitimidade ampla e irrestrita para violar direitos fun­ damentais, tornando letra morta o preceito constitucional que prevê a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5o, LVI). Em que pese a opinião de parte da doutrina, a jurisprudência dos Tribunais Supe­ riores pátrios não autoriza conclusão afirmati­ va quanto à tese da admissibilidade das provas

TÍTULO V II. DA PROVA

ilícitas pro societate com base no princípio da proporcionalidade. Prevalece o entendimento de que admitir-se a possibilidade de o direito à prova prevalecer sobre as liberdades públicas, indiscriminadamente, é criar um perigoso precedente em detrimento da preservação de direitos e garantias individuais: não seria mais possível estabelecer-se qualquer vedação probatória, pois todas as provas, mesmo que ilícitas, poderíam ser admitidas no processo, em prol da busca da verdade e do combate à criminalidade, tornando letra morta o disposto no art. 5o, LVI, da Constituição Federal. Dis­ correndo sobre esses riscos da flexibilização desta norma, é oportuno trazer à colação a advertência feita por Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos (A viagem redonda:

habeas data, direitos constitucionais e as provas ilícitas”, p.149-163): “O entendimento flexibilizador dos dispositivos constitucionais citados, além de violar a dicção claríssima da Carta Constitucional, é de todo inconveniente em se considerando a realidade político-institucional do País. [...] Embora a idéia da proporciona­ lidade possa parecer atraente, deve-se ter em linha de conta os antecedentes de País, onde as exceções viram regra desde sua criação (vejam-se, por exemplo, as medidas provisórias). À vista da trajetória inconsistente do respeito aos direitos individuais e da ausência de um sentimento constitucional consolidado, não é nem conveniente nem oportuno, sequer de ‘lege ferenda’, enveredar por flexibilizações arriscadas”.

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em escritórios de em presa - c o m p re e nd ido s n o al­ cance da garantia constitucional da inviolabilidade d o dom icílio - e de contam inação das provas daquela derivadas: tese substancialm ente correta, prejudicada no caso, entretanto, pela ausência de qualquer prova de resistência do s acusados ou de seus prepostos ao ingresso do s fiscais nas dependências da em presa ou sequer de protesto im ediato contra a diligência. (...) Mas, é um d a d o elementar da incidência da garantia constitucional d o dom icílio o não consentim ento do m orad or ao qu estion ad o ingresso de terceiro: m al­ grad o a ausência da autorização judiciai, só a entrada invito dom ino a ofende, seja o dissen so presumido, tácito ou expresso, seja a penetração ou a indevida perm anência, clandestina, astuciosa ou franca. N ão supre ausência de prova da falta de autorização ao in gre sso d o s fiscais nas d e p e n d ê n c ia da em presa o apelo à presunção de a tolerância à entrada ou à perm anência do s agentes d o Fisco ser fruto do metus publicae potestatis, ao m en o s nas circunstância do caso, em que não se trata das fam igeradas "batidas" policiais no dom icílio de indefesos favelados, nem sequer se dem onstra a existência de protesto imediato. Objeção de princípio - em relação à qual houve reserva de M inistros d o Tribunal - à tese aventada de que à garantia constitucional da inadm issibilidade da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar-lhe prevalência em n om e d o princípio da proporcionalidade, o inte­ resse público na eficácia da repressão penal em geral ou, em particular, na de determ inados crimes: é que, aí, foi a Constituição m esm a que ponderou os valores c o n trap osto s e o p to u - em prejuízo, se necessário da eficácia da p ersecução crim inal - p elos valores fundam entais, da d ign id ade hum ana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita: de qual­ quer sorte - salvo em casos extrem os de necessidade inadiável e incontornável - a ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade d o do m icílio não c o m p e te a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita, m as sim àquele a quem

♦ Jurisprudência selecionada:

in cu m b e autorizar previam ente a diligência". (STF, Pleno, HC 79.512/RJ, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ

STF:"(...) Da explícita

proscrição da prova ilícita, sem

16/05/2003 p. 92).

distinções q u an to ao crime objeto d o processo (CF, art. 5o, LVI), resulta a prevalência da garan tia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da v erdade real no processo: c o n se q ü e n te im pertinência de apelar-se ao princípio da proporcio­ nalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas

à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da adm issão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da im putação. (...)". (STF, 1a Turma, HC80.949/RJ, Rei. M in.Sep ú lved a Pertence, DJ 14/12/2001 p. 26).

STF:"(...)

Prova: alegação de ilicitude da obtida m e­

diante apreensão de docum en tos por agentes fiscais,

8. Princípio da busca da verdade (e não da verdade real): durante anos e anos, pre­ valeceu o entendimento de que, no âmbito cível, em que geralmente se discutem direitos disponíveis, vigorava o chamado princípio dispositivo, segundo o qual somente as partes levam ao processo o material probatório. Em consequência, ao magistrado se reservava uma postura passiva, não devendo influir na produ­ ção de provas, matéria de atribuição exclusiva das partes. Ao final do processo, caso tivesse

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dúvida acerca dos fatos, deveria julgar o litígio segundo a verdade formal. Somente quando a relação material fosse indisponível é que se admitia que o juiz determinasse a produção de provas ex officio. Daí se dizer que, no processo civil, vigorava o denominado princípio da ver­ dade formal. Em contraposição a esse sistema, no âmbito processual penal, estando em dis­ cussão a liberdade de locomoção do acusado, direito indisponível, o magistrado seria dota­ do de amplos poderes instrutórios, podendo determinar a produção de provas ex officio, sempre na busca da verdade material. Dizia-se então que, no processo penal, vigorava o prin­ cípio da verdade material, também conhecido como princípio da verdade substancial ou real. A descoberta da verdade, obtida a qualquer preço, era a premissa indispensável para a re­ alização da pretensão punitiva do Estado. Essa busca da verdade material era, assim, utilizada como justificativa para a prática de arbitrarie­ dades e violações de direitos, transformando-se, assim, num valor mais precioso do que a própria proteção da liberdade individual. A crença de que a verdade podia ser alcançada pelo Estado tornou a sua perseguição o fim precípuo do processo criminal. Diante disso, em nome da verdade, tudo era válido, restando justificados abusos e arbitrariedades por parte das autoridades responsáveis pela persecução penal, bem como a ampla iniciativa probatória concedida ao juiz, o que acabava por compro­ meter sua imparcialidade. Atualmente, essa dicotomia entre verdade formal e material deixou de existir. Já não há mais espaço para a dicotomia entre verdade form al, típica do processo civil, e verdade material, própria do processo penal. No âmbito cível, mesmo nos casos de direitos disponíveis, tem sido aceito que o magistrado possa, de ofício, determinar a produção de provas necessárias ao esclare­ cimento da verdade. Afinal, o processo deve ser considerado um meio efetivo de realização da justiça, quer seja o direito disponível, quer seja indisponível. A busca de um processo justo passa, inevitavelmente, pela previsão de meios efetivos para que se atinja a maior aproximação possível da verdade. No âmbito processual penal, hodiernamente, admite-se 512

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que é impossível que se atinja uma verdade absoluta. A prova produzida em juízo, por mais robusta e contundente que seja, é inca­ paz de dar ao magistrado um juízo de certeza absoluta. O que vai haver é uma aproximação, maior ou menor, da certeza dos fatos. Há de se buscar, por conseguinte, a maior exatidão possível na reconstituição do fato controverso, mas jamais com a pretensão de que se possa atingir uma verdade real, mas sim uma apro­ ximação da realidade, que tenda a refletir ao máximo a verdade. Enfim, a verdade absoluta, coincidente com os fatos ocorridos, é um ideal, porém inatingível. Como bem coloca Cândido Rangel Dinamarco (A instrumentalidade do processo. 1987. Fundamentos do processo civil moderno. 2a ed. p. 449, n. 44), “a verdade e a certeza são dois conceitos absolutos, e, por isto, jamais se tem a segurança de atingir a primeira e jamais se consegue a segunda, em qualquer processo (a segurança jurídica, como resultado do processo, não se confunde com a suposta certeza, ou segurança, com base na qual o juiz proferiría os seus julgamentos). O máximo que se pode obter é um grau muito elevado de probabilidade, seja quanto ao conteúdo das normas, seja quanto aos fatos, seja quanto à subsunção desses nas categorias adequadas”. Por esse motivo, tem prevalecido na doutrina mais moderna que o princípio que vigora no processo penal não é o da verdade material ou real, mas sim o da busca da verdade. Esse princípio também é conhecido como princípio da livre investigação da prova no interior do pedido e princípio da imparcialidade do juiz na direção e apreciação da prova, bem como de princípio da investigação, princípio inquisitivo ou princípio da investigação judicial da prova. Seu fundamento legal consta do art. 156 do Código de Processo Penal. Por força dele, admite-se que o magistrado produza provas de ofício, porém apenas na fase processual, deven­ do sua atuação ser sempre complementar, sub­ sidiária. Na fase preliminar de investigações, não é dado ao magistrado produzir provas de ofício, sob pena de evidente violação ao prin­ cípio do devido processo legal e à garantia da imparcialidade do magistrado. Além do art. 156, inciso II, do CPP, há outros dispositivos

TÍTULO VII • DA PROVA

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legais com previsão semelhante. Com efeito, de acordo com o art. 196 do CPP, a todo tempo o

8 .1 . Busca da v e rd a d e consensual no â m ­ b ito dos Juizados: a Lei n. 9.099/95 trouxe

juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundam entado de qualquer das partes. De seu turno, segundo o art. 209, caput, do CPP, o juiz, quando julgar necessá­ rio, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes. O §1° do art. 209 do CPP também prevê que se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem. Por fim, segundo o art. 616 do CPP, no julgamento das apelações poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências.

consigo quatro importantes medidas despenalizadoras: 1) Nas infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, contravenções penais e cri­ mes cuja pena máxima não seja superior a 2 anos, cumulada ou não com multa, e submeti­ dos ou não os crimes a procedimento especial, havendo composição civil dos danos, estará extinta a punibilidade nos casos de infrações de iniciativa privada ou pública condicionada à representação (art. 74, parágrafo único); 2) Não havendo composição civil, a lei prevê a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa através da transação penal (art. 76); 3) Os crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa passaram a exigir representação da vítima (art. 88); 4) Desde que o crime tenha pena mínima igual ou in­ ferior a um ano, e estejam preenchidos outros requisitos de natureza subjetiva, será cabível a suspensão condicional do processo (art. 89). Com a criação desses institutos despenalizadores, percebe-se que, no âmbito dos Juizados, a busca da verdade processual cede espaço à prevalência da vontade convergente das partes. Nos casos de transação penal ou de suspensão condicional do processo, não há necessidade de verificação judicial da veracidade dos fatos. O conflito penal é solucionado através de um acordo de vontade, dando origem ao que a doutrina denomina de verdade consensuada. Como destaca Marco Antônio de Barros (A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 43), a partir da vigência da Lei n. 9.099/95, “o simples consenso entre as partes é capaz de influir diretamente na busca da verdade, tanto que esta pode ser colocada em segundo plano, a ponto de tornar-se prescindível ao resultado final do processo”.

Essa busca da verdade no processo penal está sujeita a algumas restrições. Com efeito, é a própria Constituição Federal que diz que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5o, LVI). O Código de Processo Penal também estabelece outras situações que funcionam como óbice à busca da verdade: impossibilidade de leitura de do­ cumentos ou exibição de objetos em plenário do júri, se não tiverem sido juntados aos autos com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte (CPP, art. 479), as limitações ao depoimento de testemunhas que têm ciência do fato em razão do exercício de profissão, ofício, função ou ministério (CPP, art. 207), o descabimento de revisão criminal contra sentença absolutória com trânsito em julgado (CPP, art. 621), ainda que surjam novas provas contra o acusado. Outra exceção diz respeito às questões prejudiciais devolutivas absolutas, ou seja, questões prejudiciais hete­ rogêneas que versam sobre o estado civil das pessoas. Exemplificando, suponha-se que de­ terminado indivíduo esteja sendo processado pelo crime de bigamia (CP, art. 235) e que, em sua defesa, alegue que seu primeiro casamento seja nulo, tendo por isso se casado novamente. Nesse caso, como a questão prejudicial versa sobre o estado civil das pessoas, não haverá possibilidade de solução da controvérsia no âmbito processual penal, independentemente do meio de prova que se queira utilizar, deven­ do as partes ser remetidas ao cível, nos termos do art. 92 do CPP.

9. P rincípio da c o m u n h ã o da prova: uma vez produzida, a prova é comum, não perten­ cendo a nenhuma das partes que a introduziu no processo. Da mesma forma que a prova não pertence exclusivamente ao juiz, ela não é invocável somente pela parte que a produziu. Pode ser utilizada por qualquer das partes. Perceba-se que só há falar em comunhão da

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prova após a sua produção. Em outras pala­ vras, enquanto a prova não foi produzida, a parte pode desistir de sua produção. Portanto, durante o curso de uma audiência, caso a parte não tenha interesse em ouvir testemunha por ela arrolada, que ainda não foi ouvida, poderá livremente desistir de sua oitiva, independen­ temente da concordância da parte contrária. Nesse sentido, dispõe o art. 401, §2°, do CPP, que a parte poderá desistir da inquirição de qualquer testemunha arrolada, ressalvada a possibilidade de o juiz, valendo-se de seus poderes instrutórios, querer ouvi-la como testemunha do juízo.

10. P rin c íp io d a a u to rre s p o n s a b ilid a d e das partes: as partes assumem as consequên­ cias de sua atividade ou inatividade probatória. Em outras palavras, por conta desse princípio, as partes assumem as consequências de sua inatividade, erro ou negligência, em relação à prova de suas alegações. Exemplificando, na hipótese de processo penal por crime de ação penal pública, caso o Ministério Público não comprove a prática do fato delituoso, a consequência será a absolvição do acusado.

11. P rin c íp io d a o ra lid a d e : antes da re­ forma processual de 2008, a oralidade só era adotada no âmbito dos Juizados Especiais Cri­ minais (Lei n. 9.099/95, art. 82) e no Plenário do Júri. Com as alterações trazidas pela Lei n. 11.719/08 e pela Lei n. 11.689/08, a oralidade também passou a ser adotada, como regra, no procedimento comum e em ambas as fases do procedimento bifásico do Júri. Optou-se, as­ sim, pela adoção do princípio da oralidade, em razão do qual deve ser dada preponderância à palavra falada sobre a escrita, sem que esta seja excluída. Da adoção desse princípio derivam importantes consequências, ou subprincípios, como preferem alguns: 1) princípio da con­ centração: consiste na tentativa de redução do procedimento a uma única audiência, objeti­ vando encurtar o lapso temporal entre a data do fato e a do julgamento. Afinal, quanto mais próxima do fato delituoso for proferida a deci­ são final, maior é a possibilidade de se atingir a verdade. Caso não seja possível concentrar a produção da prova em uma única audiência,

deve-se designar a próxima audiência para a data mais próxima. Nessa linha, segundo o art. 400, §1°, do CPP, “as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”; 2) princípio do imediatismo: deve o juiz proceder diretamente à colheita de todas as provas, em contato imediato com as partes. Isso, todavia, não impede a produção de provas por videoconferência, como será visto adiante; 3) princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias: a fim de se evitar sucessivas interrupções na marcha processual em virtude de eventuais recursos interpostos pelas partes contra as decisões tomadas pelo magistrado durante o trâmite do processo, deve-se trabalhar com a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias. Isso, no entanto, não significa dizer que deci­ sões arbitrárias não possam ser impugnadas. Haverá sempre a possibilidade de a matéria ser discutida em preliminar de futura apelação, seja por cerceamento à acusação, seja por cer­ ceamento à defesa, sem prejuízo, obviamente, dos remédios constitucionais do mandado de segurança e do habeas corpus; 4) princípio da identidade física do juiz: outrora previsto somente no antigo Código de Processo Civil (CPC, art. 132, caput), esse princípio passou a ser adotado no âmbito processual penal a partir das alterações produzidas pela Lei n. 11.719/08. Para mais detalhes acerca desse princípio, inclusive com a análise dos reflexos provocados pelo CPC/2015, remetemos o lei­ tor aos comentários ao art. 399, §2°, do CPP.

12. P rincípio da lib e rd a d e p ro b ató ria: por conta dos interesses envolvidos no processo penal - de um lado, o interesse do indivíduo na manutenção de seu ius libertatis, com o pleno gozo de seus direitos fundamentais, do outro, o interesse estatal no exercício do jus puniendi, objetivando-se a tutela dos bens jurí­ dicos protegidos pelas normas penais - adota-se, no âmbito processual penal, a mais ampla liberdade probatória, seja quanto ao momento ou tema da prova, seja quanto aos meios de prova que podem ser utilizados. Conside­ rando os princípios da busca da verdade e da liberdade probatória, há, no processo penal,

TÍTULO V II- DA PROVA

uma liberdade probatória bem maior que no processo civil.

12.1. L ib e rd a d e p r o b a tó r ia q u a n to ao m o m e n to da prova: no tocante ao momento da prova, pode-se dizer que, no processo penal, e pelo menos em regra, as provas podem ser produzidas a qualquer momento. Nessa linha, dispõe o art. 231 do CPP que, salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo. Não se pode olvidar que há exceções a essa regra. Uma delas diz respeito à apresentação das testemunhas. Segundo o art. 41 do CPP, o rol de testemunhas deve ser apresentado na própria peça acusatória. Quanto à defesa, o momento é o da apresentação da resposta à acusação, nos exatos termos do art. 396-A do CPP. Teoricamente, portanto, se a parte não arrolou a testemunha no momento proces­ sual oportuno, dar-se-ia preclusão temporal, inviabilizando que tal testemunha fosse ouvida no processo. No entanto, não se pode perder de vista que o princípio da busca da verdade autoriza que o juiz produza provas de ofício no curso do processo. Logo, ainda que as partes tenham deixado de apresentar o rol no momento processual oportuno, nada impede que o magistrado determine a oitiva de tais testemunhas com fundamento no art. 156, inciso II, c/c art. 209, caput, do CPP. Outra importante exceção ao momento da produção da prova constava do art. 406, §2°, do CPP, que previa que, na primeira fase do procedimento do júri, era vedado às partes proceder à ju n­ tada de documento quando da apresentação de alegações finais. Essa exceção foi revogada pela Lei n. 11.689/08, valendo ressaltar que, pela nova redação do art. 411, §3°, do CPP, as alegações doravante serão orais. Ainda em relação à restrição quanto ao momento da produção da prova, há de se dispensar especial atenção ao dispositivo constante do art. 479 do CPP. Segundo esse dispositivo, durante o julga­ mento no júri não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não ti­ ver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Compreende-se na proibição desse artigo a leitura de jornais ou qualquer

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outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato sub­ metida à apreciação e julgamento dos jurados.

12 .2 . L ib e rd a d e p r o b a tó r ia q u a n to ao te m a da prova: no tocante ao tema da pro­ va, pode-se dizer que podem ser produzidas provas sobre quaisquer fatos pertinentes ao processo. Obviamente, juiz e partes devem estar atentos ao objeto da prova, ou seja, deve a instrução probatória ter como norte as afir­ mações feitas pelas partes que interessam à solução do processo. O art. 400, §1°, do CPP, autoriza que o juiz indefira a produção das provas consideradas irrelevantes, impertinen­ tes ou protelatórias.

12.3. L ib e rd a d e p ro b a tó ria q u a n to aos m eios d e prova: por fim, quanto aos meios de prova, vigora no processo penal ampla li­ berdade probatória, podendo a parte se valer tanto de meios de prova nominados, quanto de meios inominados. Não vigora no CPP o deno­ minado princípio da taxatividade das provas, segundo o qual somente se admite a utilização das provas previstas de maneira específica na lei. Exemplo dessa liberdade probatória diz respeito à possibilidade de se utilizar o reco­ nhecimento fotográfico de pessoa, ainda que a lei tenha previsto apenas o reconhecimento presencial (art. 226 a 228 do CPP). O parágrafo único do art. 155 do CPP reforça essa hberdade probatória quanto aos meios, ao dispor que somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. A contrario sensu, portanto, desde que o objeto da prova não verse sobre o estado das pessoas, qualquer meio de prova poderá ser utilizado. Obviamente, esses meios de prova devem ter sido obtidos de maneira lícita e com respeito à ética e à moral, haja vista o preceito constitucional que veda a admissibilidade no processo de provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5o, LVI). Se é verdade que o Estado-Juiz não pode exercer o jus puniendi sem antes certificar-se de que o fato imputado ao acusado é verdadeiro, também não é menos verdade que a averiguação da verdade deve

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ser feita por meios lícitos, que se ajustem à moralidade dos atos públicos e que respeitem as liberdades públicas garantidas pela Cons­ tituição Federal. A propósito dessa limitação, dispõe o art. 369 do CPC/2015: “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”. Além da vedação às provas obtidas por meios ilícitos, imorais e antiéticos, há outras exceções no campo da liberdade probatória quanto aos meios de prova. Uma primeira e importante exceção é aquela constante do art. 155, parágrafo único, do CPP: “somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil”. Outra im portante restrição quanto aos meios de prova consta do art. 207 do Código de Pro­ cesso Penal. De acordo com o dispositivo, “são proibidas de depor as pessoas que, em razão da função, ministério, ofício ou profissão, de­ vam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”. Ademais, segundo o art. 243, §2°, do CPP, não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito.

13. P rincípio d o favor rei: sob a ótica for­ mal, o princípio da igualdade preconiza que todos são iguais perante a lei, que não pode estabelecer distinções ou discriminações en­ tre sujeitos iguais. No entanto, a realidade demonstra, de maneira inconteste, que esta igualdade não existe, notadamente em sede processual penal. Afinal, de um lado geral­ mente está o Ministério Público, titular da ação penal pública, com todo seu poder e aparato oficial, sendo auxiliado por outro órgão estatal - Polícia Judiciária - , que municia o dominus litis com os elementos de informação neces­ sários ao oferecimento da denúncia. Do outro lado coloca-se o acusado, invariavelmente num plano de inferioridade, até mesmo por conta do caráter seletivo do direito penal. Por isso, não basta uma mera igualdade formal. Há de ser buscada uma igualdade substancial por

meio da criação de mecanismos processuais capazes de reequilibrar tamanha desigualdade, permitindo que o acusado possa desenvolver sua defesa em paridade substancial de armas com a acusação. Esses mecanismos, que com­ põem um conjunto de privilégios processuais estabelecidos em favor do acusado, dando en­ sejo ao denominadofavor rei oufavor libertatis, justificam-se exatamente pela situação inicial de desigualdade que coloca o acusado em po­ sição inferior àquela ocupada pela acusação. Portanto, são plenamente constitucionais à luz do princípio da isonomia porquanto objetivam conferir tratamento desigual aos desiguais para que se atinja a verdadeira igualdade. São diversos os exemplos de mecanismos postos à disposição exclusiva da defesa na busca de equilibrar os pratos da balança com a acusação: recursos privativos da defesa, como os em­ bargos infringentes; regra de interpretação da prova do in dubiopro reo; absolvição por falta de provas; proibição da reformatio in pejus; revisão criminal exclusivamente pro reo, etc.

14. Sistem as d e avaliação da prova: quan­ do se aborda o presente tema, tem-se em vista a relação existente entre o julgamento da causa pelo juiz natural e as provas produzidas em juízo. Busca-se investigar a vinculação (ou não) do magistrado a alguma modalidade de prova. São basicamente três sistemas acerca do assun­ to, a saber: 1) Sistema da íntima convicção; 2) Sistema da prova tarifada; 3) Sistema do livre convencimento motivado. 14 .1. S is te m a d a ín tim a c o n v ic ç ã o d o m a g is tra d o : de acordo com esse sistema, também conhecido como sistema da certeza moral do juiz ou da livre convicção, o juiz é livre para valorar as provas, inclusive aquelas que não se encontram nos autos, não sendo obrigado a fundamentar seu convencimento. Esse sistema permite que o magistrado avalie a prova com ampla liberdade, decidindo ao final do processo de modo a aplicar o direito objetivo de acordo com sua livre convicção (secunda conscientia), não estando obrigado a fundamentar sua conclusão. A decisão é o resultado da convicção do magistrado, sem que seja necessária a demonstração de razões

TlTULO VII • DA PROVA

empíricas que justifiquem seu convencimen­ to, o que permite, em tese, que o juiz julgue com base na prova dos autos, sem a prova dos autos, e até mesmo contra a prova dos autos. A vantagem desse sistema é a liberdade que o magistrado tem para avaliar as provas de acordo com sua livre convicção, não estando preso a um sistema tarifado fixado em abstrato e a priori pelo legislador. Apresenta, no entan­ to, o gravame de não se exigir do magistrado qualquer espécie de fundamentação, o que compromete o controle sobre o exercício da função jurisdicional. O sistema da íntima con­ vicção não foi adotado no ordenamento pátrio, pelo menos em regra. De fato, segundo o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciá­ rio serão públicos, e fundam entadas todas as decisões, sob pena de nulidade. A despeito da regra constante da Constituição Federal, não se pode negar que referido sistema tenha sido adotado em relação às decisões dos jurados - e não do juiz presidente - no tribunal do júri, as quais não precisam ser motivadas. Isso porque, de acordo com o art. 5o, inciso X X X V III, da Magna Carta, tem-se como uma das garantias do júri o sigilo das votações. Ou seja, fosse o jurado obrigado a fundamentar sua decisão, seria possível identificar-se o sentido de seu voto. Daí a desnecessidade de fundamentação do voto do jurado, limitando-se o mesmo a um singelo “sim” ou “não” para cada quesito que lhe for formulado, nos exatos termos do art. 486, caput, do CPP. Como se vê, no âmbito do Júri, até mesmo pela desnecessidade de funda­ mentação da decisão dos jurados, o Conselho de Sentença não está necessariamente vincu­ lado às provas constantes dos autos, podendo formar sua convicção a partir de critérios subjetivos, sendo possível que venha a decidir em desacordo com os elementos probatórios coligidos. É bem verdade que, nessa hipótese, será cabível apelação, com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP. Porém, com base na alínea “d” do inciso III do art. 593 do CPP, não é cabível uma segunda apelação (CPP, art. 593, §4°), do que se infere que, havendo dois julgamentos sucessivos com jurados distintos que tenham decidido contra a prova dos autos,

-| 55

referida decisão há de prevalecer, em fiel ob­ servância à soberania dos veredictos, garantia constitucional do Tribunal do Júri (CF, art. 5o, X X X V III, “c”).

14.2 . Sistem a da pro va ta rifa d a : também conhecido como sistema das regras legais, da certeza moral do legislador ou da prova legal, o presente sistema, próprio do sistema inquisitivo, trabalha com a ideia de que de­ terminados meios de prova têm valor pro­ batório fixado em abstrato pelo legislador, cabendo ao magistrado tão somente apreciar o conjunto probatório e lhe atribuir o valor conforme estabelecido pela lei. Cada prova possui um valor preestabelecido, deixando o magistrado vinculado dosimetricamente às provas apresentadas, que deve se limitar a uma soma aritmética para sentenciar. Desse sistema deriva o conceito da confissão como rainha das provas, sendo que nenhuma outra prova seria capaz de infirmá-la. Além disso, uma única testemunha jamais seria suficiente para a comprovação de uma afirmação acerca de fato que interessasse à solução da contro­ vérsia posta em juízo (testis unus, testis nullus - uma só testemunha não tem valor). Tal regra autorizava uma conclusão absurda: a verdade dita por uma única testemunha não teria valor, na medida em que, de acordo com a lei, um depoimento isolado não tinha qualquer valor; pelo contrário, se uma mentira fosse contada por duas testemunhas acabaria prevalecendo. É certo que o Código de Processo Penal não adotou o sistema em questão. No entanto, não se pode negar a existência de certos resquí­ cios de sua aplicação. Um exemplo de prova tarifada consta do art. 155, parágrafo único, do CPP, o qual dispõe que “somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil”. Assim, se acaso pretenda o advogado provar que seu cliente está morto, não poderá querer fazê-lo através de prova testemunhai, sendo cogente a juntada de certidão de óbito, tal qual disposto no art. 62 do CPP. De modo semelhante, de acordo com o art. 158 do CPP, “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”.

G”

Art.155

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

Tem-se aí mais um exemplo de prova tarifada, na medida em que a lei demanda a realização de exame de corpo de delito para a compro­ vação da materialidade em crimes que deixam vestígios. Nesse caso, todavia, importante ficar atento à ressalva do art. 167 do CPP, que prevê que, não sendo possivel o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhai poderá suprir-lhe a falta. Outra exemplo de prova tarifada diz respeito às questões prejudiciais devolutivas absolutas, ou seja, questões prejudiciais heterogêneas que versam sobre o estado civil das pessoas. Exemplificando, suponha-se que determinado individuo esteja sendo processado pelo crime de bigamia (CP, art. 235) e que, em sua defesa, alegue que seu primeiro casamento seja nulo, tendo por isso se casado novamente. Nesse caso, como a questão prejudicial versa sobre o estado civil das pessoas, não haverá possibi­ lidade de solução da controvérsia no âmbito processual penal, independentemente do meio de prova que se queira utilizar, devendo as partes ser remetidas ao cível, nos termos do art. 92 do CPP. Segundo Norberto Avena (Processo penal esquematizado. 2a ed. São Paulo: Editora Método, 2010. p. 480), há dois tipos de tarifação: absoluta e relativa. Por tarifação absoluta compreendem-se as situações em que o juiz, efetivamente, não possui nenhuma liberdade na formação de sua convicção, ficando restrito aos temos ditados pela lei. O autor cita como exemplos os arts. 62,92 e 155, parágrafo único, do CPP. De outra sorte, por tarifação relativa depreendem-se aquelas hipóteses em que o juiz, embora esteja adstrito a critérios de valoração predefinidos em lei, não fica totalmente limitado aos termos legais, permitindo-lhe a própria legislação uma certa discricionariedade (v.g., art. 158 do CPP).

+ Jurisprudência selecionada:

STF: "(...)

O recon hecim ento da m enoridade, para

efeitos penais, su p õe dem onstração m ediante prova docum ental específica e idônea (certidão de nascimen­ to). A idade - qualificando-se com o situação inerente ao estado civil das pessoas - expõe-se, para efeito de sua com provação, em juízo penal, às restrições pro­ batórias estabelecidas na lei civil (CPP, art. 155). - Se o M inistério Público oferece denúncia contra qualquer

réu por crime de corrupção de menores, cum pre-lhe demonstrar, de m od o consistente - e além de qualquer dúvida razoável -, a ocorrência d o fato constitutivo do pedido, com p ro van d o docum entalm ente, mediante certidão de nascimento, a condição etária (m enor de dezoito (18) anos) da vítima d o delito tipificado no art. 1° da Lei n° 2.252/54". (STF, 1aTurma, HC 73.338/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 19/12/1996).

14.3. S is te m a d o liv re c o n v e n c im e n to m o tiv a d o (ou da p ersu asão ra c io n a l do ju iz ): de acordo com esse sistema, também conhecido como sistema da livre apreciação judicial da prova, o magistrado tem ampla liberdade na valoração das provas constantes dos autos, as quais têm, legal e abstratamente, o mesmo valor, porém se vê obrigado a funda­ mentar sua decisão. Em virtude dos extremos dos dois sistemas anteriores, este apresenta a vantagem de devolver ao juiz discricionariedade na hora da valoração das provas, isolada­ mente e no seu conjunto, aspecto positivo do sistema da íntima convicção, mas desde que tais provas estejam no processo (id quod non est in actis non est in mundus - o que não está nos autos não existe), sendo admitidas pela lei e submetidas a um prévio juízo de credibi­ lidade, não podendo ser ilícitas ou ilegítimas. À discricionariedade de avaliação do quadro probatório soma-se a obrigatoriedade de moti­ vação da conclusão do magistrado, ponto posi­ tivo do sistema da prova tarifada. A obrigação de fundamentar permite às partes não somente aferir que a convicção foi realmente extraída do material probatório constante dos autos, como também analisar os motivos legais que levaram o magistrado a firmar sua conclusão. Essa garantia não só assegura o exame cuida­ doso dos autos, mas também permite que, em grau de recurso, se faça o eventual reexame em face de novos argumentos apresentados. É esse o sistema adotado pelo ordenamento pátrio, pelo menos em regra. Como dito acima, a própria Constituição Federal exige que todas as decisões do Poder Judiciário sejam funda­ mentadas, sob pena de nulidade (CF, art. 93, inciso IX). Com a nova redação dada ao art. 155 do CPP pela Lei n. 11.690/08, agora tam­ bém é possível se extrair a adoção do sistema do livre convencimento motivado do próprio Código de Processo Penal, senão vejamos: “o

TfTULO VII • DA PROVA

j u i z fo r m a r á su a co n v icçã o p e la livre ap recia çã o

produzida em contraditório judi­ cial, não podendo f u n d a m e n t a r sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as pro­ vas cautelares, não repetíveis e antecipadas” (nosso grifo). Fica claro pelo texto da lei que o convencimento do juiz deve ser formado, em regra, a partir da prova produzida em contraditório judicial, sendo obrigatório que o magistrado fundamente sua conclusão. Da adoção do sistema da livre persuasão racional do juiz, derivam importantes efeitos: a) não há prova com valor absoluto: não há hierarquia de provas no processo penal, sendo que toda prova tem valor relativo. Mesmo a confissão, outrora conhecida como rainha das provas, tem valor relativo (CPP, art. 197). Essa liberda­ de de valoração da prova, todavia, não é abso­ luta, já que, por força da própria Constituição Federal (art. 93, IX), o magistrado é obrigado a fundamentar sua decisão, sendo inviável que se utilize de elementos estranhos ao processo criminal; b) deve o magistrado valorar todas as provas produzidas no processo, mesmo que para refutá-las: de nada adianta assegu­ rar às partes o direito à prova se o juiz não considerá-la por ocasião da fundamentação da sentença. As partes possuem, portanto, o direito de verem apreciados seus argumentos e provas, direito este cuja observância deve ser aferido na motivação; c) somente serão consideradas válidas as provas constantes do processo: não se pode emprestar validade aos conhecimentos privados do magistrado, sejam elas provas nominadas ou inominadas, típicas ou atípicas. Como visto no tópico pertinente à terminologia da prova, desde que lícitas, legítimas e moralmente válidas, é possível a utilização de meios de prova não previstos em lei (provas inominadas), assim como de meios de prova cujo procedimento probatório não esteja delimitado pela lei (provas atípicas), mas desde que tais provas estejam inseridas nos autos do processo. da pro v a

15. P rova p r o d u z id a e m c o n tra d itó rio ju dicial: a palavra p ro v a só pode ser usada para se referir aos elementos de convicção produzi­ dos, em regra, no curso do processo judicial, e,

/\rt. 155

por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contra­ ditório e da ampla defesa. O contraditório funciona, pois, como verdadeira condição de existência e validade das p ro v a s, de modo que, caso não sejam produzidas em contraditório, exigência impostergável em todos os momen­ tos da atividade instrutória, não lhe caberá a designação de p ro v a . Essa estrutura dialética da produção da prova, que se caracteriza pela possibilidade de indagar e de verificar os con­ trários, funciona como eficiente mecanismo para a busca da verdade. De fato, as opiniões contrapostas das partes adversas ampliam os limites da cognição do magistrado sobre os fatos relevantes para a decisão da demanda e diminuem a possibilidade de erros. A p ro v a há de ser produzida não só com a participação do acusador e do acusado, como também me­ diante a direta e constante supervisão do órgão julgador. De fato, com a inserção do princípio da identidade física do juiz no processo penal, o juiz que presidir a instrução deverá proferir a sentença (CPP, art. 399, §2°, com redação dada pela Lei n. 11.719/08). Funcionando a observância do contraditório como verdadeira condição de existência da prova, só podem ser considerados como p ro v a , portanto, os dados de conhecimento introduzidos no processo na presença do juiz e com a participação dialética das partes. Nesse sentido, foi bastante incisiva a Lei n. 11.690/08, dando nova redação ao art. 155, capu t, do CPP, onde consta expressamente a distinção entre a prova produzida em con­ traditório judicial e os elementos informativos colhidos na fase investigatória. Impõe-se, pois, a observância do contraditório ao longo de toda a p e r s e c u t i o c r im in is in iu d icio , como verdadeira pedra fundamental do processo penal, contribuindo para o acertamento do fato delituoso. Afinal, quanto maior a participação dialética das partes, maior é a probabilidade de aproximação dos fatos e do direito aplicável, contribuindo de maneira mais eficaz para a formação do convencimento do magistrado. De se notar que o ca p u t do art. 155 do CPP deixa entrever que o juiz também pode formar sua convicção com base em provas cautelares,

Art.155

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

não repetíveis e antecipadas, ainda que estas tenham sido produzidas na fase investigatória. 16. Elementos informativos colhidos na investigação: se a prova deve ser produzida, pelo menos em regra, em contraditório judi­ cial, os elementos informativos são colhidos na fase investigatória, sem a necessária participa­ ção dialética das partes. Dito de outro modo, em relação a eles, não se impõe a obrigató­ ria observância do contraditório e da ampla defesa, vez que, nesse momento, ainda não há falar em a c u s a d o s e m g e ra l, na dicção do inciso LV do art. 5o da Constituição Federal. Não obstante, tais elementos informativos são de vital importância para a persecução penal, pois podem subsidiar a decretação de medidas cautelares pelo magistrado, bem como auxiliar na formação da o p in io delicti do órgão da acu­ sação. 17.

Exclusivamente: se os e le m e n t o s d e são produzidos sem a obrigató­ ria observância do contraditório e da ampla defesa, questiona-se acerca da possibilidade de sua utilização para formar a convicção do juiz por ocasião da prolação de uma sentença condenatória ou absolutória. Ao longo dos anos, sempre prevaleceu o entendimento de que, de modo isolado, elementos produzidos na fase investigatória não podem servir de fundamento para um decreto condenatório, sob pena de violação ao preceito constitucional do art. 5o, inciso LV, que assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. De fato, pudesse um decreto condenatório estar lastreado única e exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase investigatória, sem a necessária observância do contraditó­ rio e da ampla defesa, haveria flagrante des­ respeito ao preceito do art. 5o, LV, da Carta Magna. Como esclarece Alberto Silva Franco, se uma condenação pudesse ter por suporte probatório apenas elementos retirados do in­ quérito policial, ficaria o Ministério Público, no limiar da própria ação penal, exonerado de comprovar a acusação, dando por provado o que pretendia provar, e a instrução criminal se transformaria numa atividade inconsequente. in fo rm a ç ã o

(TACrim, julgados 66/454, a p u d GRINOVER. 11a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 116). No entanto, tais elementos podem ser usados de maneira subsidiária, comple­ mentando a prova produzida em juízo sob o crivo do contraditório. Ao inserir o advérbio ex clu siv a m en te no corpo do c a p u t art. 155 do CPP, a Lei n. 11.690/08 acaba por confirmar a posição jurisprudencial dominante. Destarte, pode-se dizer que, isoladamente considerados, elementos informativos não são idôneos para fundamentar uma condenação. Todavia, não devem ser completamente desprezados, po­ dendo se somar à prova produzida em juízo e, assim, servir como mais um elemento na formação da convicção do órgão julgador.

A s n u lid a d e s n o p r o c e s s o p e n a l.



Jurisprudência selecionada:

S T F :"(...) Surge insubsistente pronunciam ento conde­ natório baseado, unicamente, em elem entos coligidos na fase de inquérito". (STF, 1“Turma, H C 96.356/RS, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 24/08/2010). S T F : "(...) O inquérito policial constitui m ero proce­ d im e n to adm inistrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação d o Ministério Público. Trata-se de peça informativa cujos elem entos instrutórios - precipuam ente destinados ao ó rgão da acu­ sação pública - habilitá-lo-ao ao instaurar a persecutio criminis in iudicio. A unilateralidade das investigações desenvolvidas pela Polícia Judiciária na fase preliminar da persecução penal (informatio delicti) e o caráter inquisitivo que assinala a atuação da autoridade policial não autorizam, so b pena de grave ofensa à garantia con stitucion al d o con traditório e da p le n itu de de defesa, a form ulação de decisão condenatória cujo único suporte seja a prova, não reproduzida em juízo, consubstanciada nas peças d o inquérito. A investiga­ ção policial, que tem no inquérito o instrum ento de sua concretização, não se processa, em função de sua própria natureza, sob o crivo d o contraditório, eis que é som ente em juízo que se torna plenam ente exigível o dever de observância ao postulado da bilaterialidade e da instrução criminal contraditória. (...)". (STF, 1aTurma, RE 136.239/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 07/04/1992, DJ 14/08/1992). S T F :"(...) A o contrário d o que alegado pelos ora agra­ vantes, o conjunto probatório que ensejou a con de ­ nação d o s recorrentes não vem e m b asado apenas nas declarações prestadas em sede policial, tendo suporte, tam bém , em outras provas colhidas na fase judicial. Confirm ação em juízo do s testem unhos prestados na fase inquisitorial. O s elem entos d o inquérito p od em influir na form ação d o livre convencim ento d o juiz para

TÍTULO V II-D A PROVA

a decisão da causa q u a n d o com p le m e n tam outros indícios e provas que p assam pelo crivo d o contradi­ tório em juízo. A gravo regim ental improvido". (STF, 2a Turma, RE-AgR 425.734/MG, Rei. Min. Ellen Gracie, DJ 28/10/2005 p. 57). No m esm o contexto: STF, 2aTurma, HC 89.877/ES, Rei. Min. Eros Grau, j. 07/11/2006, DJ 15/12/2006.

STF: “(...) Padece de falta de justa causa a condenação que se funde exclusivam ente em elem entos informa­ tivos d o inquérito policial. Garantia d o contraditório: inteligência. Ofende a garantia constitucional d o con­ traditório fundar-se a c o n d e n aç ão exclusivam ente em testem unhos prestados no inquérito policial, sob o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido o btid os m ediante coação". (STF, I a Tur­ ma, RE 287.658/MG, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/10/2003 p. 22).

18. Provas cautelares: são aquelas em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova em razão do decurso do tempo, em relação às quais o contraditório será diferido. As provas cautelares podem ser produzidas no curso da fase investigatória ou durante a fase judicial, sendo que, em regra, dependem de autorização judicial. É o que acontece, por exemplo, com uma interceptação telefônica. Tal medida investigatória, que tem no ele­ mento da surpresa verdadeiro pressuposto de sua eficácia, depende de prévia autorização judicial, sendo que o investigado só terá co­ nhecimento de sua realização após a conclusão das diligências. Quando estamos diante de medidas cautelares inaudita altera parte, a parte contrária só poderá contraditá-la depois de sua concretização, o que é denominado pela doutrina de contraditório diferido, postergado ou adiado. O contraditório diferido (ou so­ bre a prova) pode ser compreendido como o reconhecimento da atuação do contraditório após a formação da prova. Não se confunde com o contraditório real (ou para a prova), que demanda que as partes atuem na própria formação do elemento de prova, sendo indis­ pensável que sua produção ocorra na presença do órgão julgador e das partes.19* 19. Provas n ã o rep etíveis: prova não repetível é aquela que, uma vez produzida, não tem como ser novamente coletada ou produzida, em virtude do desaparecimento, destruição ou perecimento da fonte probatória. Podem ser

Art.155

produzidas na fase investigatória e em juízo, sendo que, em regra, não dependem de auto­ rização judicial. Exemplificando, suponha-se que alguém tenha sido vítima de lesões corpo­ rais de natureza leve. O exame pericial levado a efeito imediatamente após a prática do delito dificilmente poderá ser realizado novamente, já que os vestígios deixados pela infração penal irão desaparecer. Ante o perigo de que haja dis­ persão dos elementos probatórios em relação aos fatos transeuntes, sua produção independe de prévia autorização judicial, podendo ser determinada pela própria autoridade policial imediatamente após tomar conhecimento da prática delituosa. Como dispõe o art. 6o, inciso VII, do CPP, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá, dentre outras diligências, determinar que se proceda a exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias. Perceba-se que, nos mesmos moldes do que ocorre com as provas cautelares, o contraditório também será diferido em relação às provas não repetíveis. Para que possam ser utilizadas no curso do processo, imperiosa será a observância do contraditório sobre a prova, permitindo que as partes possam discutir sua admissibilidade, regularidade e idoneidade. Bom exemplo disso, aliás, é o quanto previsto no art. 159, §5°, in ­ ciso I, do CPP, que permite às partes, durante o curso do processo judicial, requerer a oitiva dos peritos para esclarecimento da prova ou para responderem a quesitos.

20.

Provas an tec ip ad as: são aquelas pro­ duzidas com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, em m o­ mento processual distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de urgência e relevância. Tais provas podem ser produzidas na fase investigatória e em juízo, sendo indis­ pensável prévia autorização judicial. É o caso do denominado depoimento ad perpetuam rei memoriam, previsto no art. 225 do CPP. Supondo-se que determinada testemunha pre­ sencial do delito esteja hospitalizada, em grave estado de saúde, afigura-se possível a colheita antecipada de seu depoimento, o que será feito com a presença do juiz, e com a participação

Art. 155

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

das partes sob contraditório. Caso ainda não haja uma pessoa formalmente apontada como suspeita da prática do delito, deve o magistrado diligenciar para que a defesa técnica seja patro­ cinada por um advogado dativo. Nesse caso, o depoimento ficará integrado aos autos com o mesmo valor legal que teria caso fosse prestado no curso da instrução. Outro exemplo de prova antecipada é aquele constante do art. 366 do CPP, em que, determinada a suspensão do processo e da prescrição em relação ao acusado que, citado por edital, não tenha comparecido nem constituído defensor, poderá ser determi­ nada pelo juiz a produção antecipada de provas urgentes, nos termos do art. 225 do CPP. Nesse caso, para que se imponha a antecipação da prova urgente, deve a acusação justificá-la de maneira satisfatória (v.g., ofendido com idade avançada). Isso porque, na visão dos Tribunais Superiores, a inquirição de testemunha, por si só, não pode ser considerada prova urgente, e a mera referência aos limites da memória huma­ na não é suficiente para determinar a medida excepcional. Sobre o assunto, dispõe a súmula n. 455 do STJ que “a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo”. O Código de Pro­ cesso Penal silencia acerca do procedimento a ser adotado no caso de colheita dessa prova antecipada. Não obstante, com fundamento no art. 3o do CPP, queremos crer ser possível a aplicação subsidiária do novo Código de Processo Civil (2015), que trata de maneira expressa da matéria nos arts. 381 a 383.21

21.

Prova q u a n to a o e s ta d o das pessoas:

como exposto anteriormente, o sistema da pro­ va tarifada é adotado pelo CPP em situações excepcionais. Uma dessas hipóteses é aquela constante do parágrafo único do art. 155 do CPP: “somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil”. Exemplificando, imagine-se que determinado delito tenha sido praticado contra o cônjuge. Nesse caso, para que seja possível a incidência da agravante genérica do art. 61, inciso II, alínea “e”, do CP, não basta a confis­ são do acusado, nem tampouco o depoimento

da vítima. Para além disso, é indispensável que haja nos autos a certidão de casamento expedida pelo Cartório de Registro Civil, nos exatos termos do art. 1543 do Código Civil. De modo semelhante, a extinção da punibilidade pela morte do agente (CP, art. 1 0 7 ,1) somente poderá ocorrer se houver nos autos a respec­ tiva certidão de óbito, atendendo-se ao quanto disposto no art. 77 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73). Daí dispor o art. 62 do CPP que, no caso de morte do acusado, o juiz so­ mente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade. Da mesma forma, estabelece a súmula n. 74 do STJ que “para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil”. Por força do art. 155, parágrafo único, do CPP, não é viável a condenação de alguém pela prática do crime de corrupção de menores se for admitida, como prova da idade da vítima, declaração por ela prestada perante a autoridade policial. Como a idade compõe o estado civil da pessoa e se prova, em regra, pelo assento de nascimento, cuja certidão tem sido considerada prova ine­ quívoca, para fins criminais, tanto da idade do acusado quanto da vítima, não se revela possível a condenação pelo crime do art. 244-B da Lei n. 8.069/90 sem a prova civil da menori­ dade do corréu. Quanto ao crime de corrupção de menores, não se deve confundir a necessida­ de de prova da idade do menor com base nas restrições estabelecidas na lei civil com a (des) necessidade de prova da efetiva corrupção do menor. A propósito, eis o teor da Súmula n. 500 do STJ: “A configuração do crime do art. 244-B do ECA independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal”. Não obstante a regra explícita do art. 155, parágrafo único, do CPP, a 5a Turma do STJ tem precedentes recentes - com a devida vênia, de duvidosa legalidade - no sentido de que, nos crimes sexuais contra vulnerável, a inexistência de registro de nascimento em cartório civil não é impedimento a que se faça a prova de que a vítima era menor de 14 anos à época dos fatos. Sem embargo da primazia da certidão de nascimento da vítima para a verificação etária, a ausência desse documento pode ser suprida por outros elementos hábeis

TÍTULO V II-D A PROVA

à comprovação da qualidade de infante da vítima, como, por exemplo, laudos periciais, declarações das testemunhas, compleição física das vítimas e declarações do próprio acusado.

Art. 156

rágrafo único, d o CPP. Writ concedido". (STF, 1a Turma, HC 110.303/DF, Rei. Min. DiasToffoli,j. 26/06/2012).

STJ:"(...) N os crimes sexuais contra vulnerável, qu an do inexiste certidão de nascim ento atestando ser a vítima m enor de 14 an o s na data d o fato crim inoso, este Superior Tribunal tem adm itido a verificação etária a



Jurisprudência selecionada:

partir de outros elem entos de convicção colacionados aos autos (A gR g no AREsp 114.864/DF, Rei. Ministro O G

STF: "(...)

C orru p çã o d e m en ores (art. 1o da Lei n°

FERNANDES, SEXTA TURM A, ju lgad o em 24/09/2013,

2.252/54). Prova criminal. M enoridade. Inexistência

DJe 03/10/2013 e HC 81.181 /SP, Rei. Ministra LAURITA

de prova específica. Im possibilidade de configuração

VAZ, Q U IN T A T U RM A, ju lg a d o em 27/05/2010, DJe

típica da conduta im putada ao paciente. Precedentes. Ordem concedida. A idade com p õe o estado civil da pessoa e se prova pelo assento de nascimento, cuja certidão - salvo q u an d o o registro seja posterior ao fato - tem sid o considerada prova inequívoca, para

21/06/2010). Na hipótese, em bora inexista certidão ci­ vil, os laudos periciais, as declarações das testemunhas, a com pleição física das vítim as e as declarações do próprio acu sado suprem satisfatoriamente a ausência daquela prova documental. Agravo regimental despro­

fins criminais, tanto da idade d o acusado quanto da

vido". (STJ, 5a Turma, A g R g no AREsp 12.700/AC, Rei. Min. Walter de Alm eida Guilherm e - D ese m bargado r

vítima. Precedentes do STF. Inteligência d o art. 155, pa­

con vocado doTJ/SP -, j. 10/03/2015, DJe 05/06/2015).

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer,15 sendo, po­ rém, facultado ao juiz de ofício:6 (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;7 (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.8 (Inclu­ ído pela Lei n. 11.690, de 2008)

1. Ô nus da prova: os ônus representam um imperativo do próprio interesse, estando situ­ ados no campo da liberdade. Ainda que haja seu descumprimento, não haverá qualquer ilicitude, pois o cumprimento do ônus inte­ ressa ao próprio sujeito onerado. A título de exemplo, é exatamente o que acontece com a possibilidade de se recorrer contra uma decisão adversa. Diante de uma situação de sucumbência, a parte não se vê obrigada a re­ correr, na medida em que o recurso tem como característica fundamental a voluntariedade. A parte, a despeito de não estar obrigada a re­ correr, tem consciência de que, não o fazendo, suportará as consequências desfavoráveis da decisão emergente. Daí se dizer que, quanto à sua interposição, os recursos configuram um ônus processual. Diferencia-se o ônus, portan­ to, das obrigações e dos deveres. As obrigações devem ser compreendidas como imperativos

do interesse do credor, gerando uma posição jurídica negativa para o devedor, em virtude da qual o credor, titular do direito subjetivo, pode demandar-lhe o adimplemento da obrigação. O indivíduo que não cumpre uma obrigação pratica um ato ilícito, por isso é possível a im­ posição de uma sanção para o adimplemento da prestação não cumprida, sujeitando-o à execução forçada. Os deveres, por sua vez, funcionam como um imperativo perante uma coletividade ou perante toda a sociedade. Tam­ bém se trata de uma posição jurídica passiva, que acarreta uma desvantagem para aquele em relação a quem foi instituído o dever. O dever pressupõe a existência de um sujeito ativo a quem interessa o seu cumprimento pelo sujeito passivo. O descumprimento de um dever gera uma sanção com natureza de coação moral ou de intimidação. A título de exemplo de sanção que deriva do descumprimento de um dever

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processual, diz o art. 219 do CPP que o juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência. Em síntese, enquanto o inadimplemento de uma obrigação ou de um dever gera uma situação de ilicitude e traz como consequência a pos­ sibilidade de uma sanção, o descumprimento de um ônus configura um ato lícito e não é sancionado. Transportando-se o conceito de ônus para o âmbito da prova, pode-se dizer que ônus da prova é o encargo que as partes têm de provar, pelos meios legal e moralmente ad­ missíveis, a veracidade das afirmações por elas formuladas ao longo do processo, resultando de sua inação uma situação de desvantagem perante o direito.

2. ô n u s d a p ro v a p e rfe ito e m en o s p e r­ fe ito : tendo como critério a consequência que decorre do não cumprimento do ônus, a doutrina o subdivide em ônus perfeito e menos perfeito. O ônus é perfeito quando o prejuízo, que é o resultado de seu descumprimento, ocorre necessária e inevitavelmente. Um ônus é tido como menos perfeito quando os preju­ ízos que derivam de seu descumprimento se produzem de acordo com a avaliação judicial. Com base nessa classificação, não se pode falar em ônus completamente imperfeito, na medida em que, quando não resultar qualquer prejuízo da inação para o omitente, não haverá ônus algum. Cândido Rangel Dinamarco (A instrumentalida.de do processo. 4a ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 202) apresenta classificação semelhante, diferenciando os ônus em absolu­ tos e relativos. Segundo o autor, ônus absolutos são aqueles cujo descumprimento conduz fatal e invariavelmente à consequência desfavorável, ou priva inexoravelmente o sujeito de uma situação de vantagem. São relativos aqueles que somente tornam improvável a vantagem ou provável o prejuízo. O descumprimento de um ônus relativo fará com que o seu titular corra o risco de ser prejudicado, mas é possível que o risco não se consume, caso a conduta seja praticada por outra pessoa.

3. ô n u s da prova o b je tiv o e su b je tivo : no aspecto objetivo, o ônus da prova funciona como uma regra de julgamento a ser aplicada pelo juiz quando permanecer em dúvida no momento do julgamento. Como o juiz não está autorizado a pronunciar um non liquet consiste no poder de o juiz não julgar, por não saber como decidir - , se, ao final do processo, resultar um estado de incerteza acerca de de­ terminada afirmação feita por uma das partes, há necessidade de regras disciplinando em que sentido deverá ser proferida a decisão. Ou seja, é possível que, mesmo após a produção de toda a prova, seja por atividade das partes, seja em virtude da iniciativa probatória do juiz no curso do processo, ainda resulte uma situação de dúvida insuperável no momento decisório. Nesse caso, há necessidade de um critério de julgamento a ser estabelecido pelo próprio legislador - ônus da prova objetivo -, determinando ao juiz como julgar quando estiver em dúvida sobre fato relevante, no momento de proferir sua decisão. Em suma, funciona o ônus objetivo como uma regra de julgamento destinada ao juiz acerca do conteúdo da sentença que deve proferir, caso não tenha sido comprovada a verdade de uma afirmação feita no curso do processo. Trata-se de uma regra prática dirigida ao juiz para a solução da demanda na hipótese de ausência ou insuficiência de prova de algum fato. Em seu aspecto subjetivo, o ônus da prova deve ser compreendido como o encargo que recai sobre as partes de buscar as fontes de prova capazes de comprovar as afirmações por elas feitas ao longo do processo, introduzindo-as no processo através dos meios de prova legalmente admissíveis. Ao contrário do ônus da prova objetivo, cujo destinatário é o juiz, o ônus subjetivo é voltado para as partes, a fim de que se saiba qual delas deve suportar o risco da prova frustrada. Sob esse aspecto subjetivo, as disposições sobre o ônus da prova funcionam, portanto, como regras de conduta das partes. Nessa linha, como aponta a doutrina, “o ônus da prova funciona como um estímulo para as partes, visando à produção das provas que pos­ sam levar ao conhecimento do juiz a verdade sobre os fatos. Em função dessa distribuição dos riscos sobre a não comprovação de um

t ít u l o

fato, em que se fundamente a pretensão ou a defesa, é que as regras sobre ônus da prova funcionam como uma pressão psicológica para as partes, tendo o efeito de motivá-las a participar ativamente a fornecer a prova dos fatos que pretende ver reconhecidos no pro­ cesso. As partes são estimuladas a provar suas alegações, ante o risco da prova frustrada” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 182). No âmbito processual penal, o ônus da prova subjetivo é atenuado por força da regra da comunhão da prova e dos poderes instrutórios do juiz. Quanto ao princípio da comunhão dos meios de prova (ou regra da aquisição da prova), é sabido que, depois de produzida, a prova não pertence à parte que a introduziu no proces­ so. Ao final do processo, deve o magistrado valorar todo o material probatório constante dos autos, pouco importando quem produziu a prova. Destarte, caso um fato esteja provado, é de todo irrelevante saber quem levou para os autos o meio de prova que formou a con­ vicção do órgão julgador. Caso a testemunha arrolada na denúncia apresente em juízo um depoimento que favoreça a defesa do acusado, nada impede ao defensor valer-se de tal prova como fundamento de seus argumentos. Por sua vez, é sabido que o magistrado tem cer­ ta iniciativa probatória residual no curso do processo penal. Assim, ainda que a parte deixe de produzir a prova acerca de uma afirmação relevante para a solução da controvérsia, é pos­ sível que a demanda seja julgada em seu favor, porque a prova foi produzida de ofício pelo magistrado (CPP, art. 156, II). Em virtude da regra da aquisição da prova e da iniciativa pro­ batória que é dada ao juiz no curso do processo criminal, é certo que o ônus da prova, em seu aspecto subjetivo, perdeu grande importância. De fato, mesmo que uma das partes tenha deixado de produzir prova acerca de uma afirmação de seu interesse, isso não implicará, obrigatoriamente, numa consequência que lhe seja desfavorável. Afinal, o juiz poderá formar seu convencimento a partir de todas as provas constantes do processo, quer tenham sido elas produzidas pela parte que se beneficiou com tal prova, quer por iniciativa da parte contrária,

vii • d a p r o v a

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quer pela própria iniciativa probatória do juiz. Não obstante, daí não se pode concluir que não exista mais um ônus subjetivo da prova no sistema processual penal. Na verdade, tal regra continua existindo, na medida em que as partes já têm consciência de que, caso não produzam as provas do quanto foi por elas afirmado, e desde que tal omissão não tenha sido suprida pela produção de ofício da prova, o juiz, ao julgar o caso concreto, se persistir a dúvida, aplicará as regras de julgamento sobre o ônus da prova. Daí ser possível concluir que o ônus subjetivo da prova é, no máximo, um ônus menos perfeito ou atenuado.

4. D istrib u ição d o ônus da pro va no p ro ­ cesso penal: com base na primeira parte do art. 156 do CPP, cuja redação não foi alterada pela Lei n. 11.690/08, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Diante dessa regra, discute-se qual é o ônus da prova da acusa­ ção e da defesa no processo penal. Acerca de tal questionamento, é possível apontarmos a existência de duas correntes: uma primeira (majoritária), que trabalha com uma efetiva distribuição do ônus da prova entre a acusação e a defesa no processo penal, e uma segunda, que aponta que, no processo penal, o ônus da prova é exclusivo da acusação.

4 .1 . Ô nus da prova da acusação e da d e fe ­ sa: a partir do critério do Código de Processo Civil, segundo o qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do seu direito (art. 3 7 3 ,1, do CPC/2015), e diante do quanto disposto no CPP (“Art. 156. A prova da alegação incum­ birá a quem a fizer...”), uma primeira corrente entende que incumbe à acusação provar: 1) A existência do fato típico; 2) A autoria ou participação; 3) A relação de causalidade; 4) O elemento subjetivo do agente: dolo ou culpa. De acordo com essa primeira corrente, incumbe à acusação tão somente a prova da existência do fato típico, não sendo objeto de prova acusatória a ilicitude e a culpabilidade. O fato típico constitui expressão provisória da ilicitude e o injusto penal (fato típico e ilícito) é indício da culpabilidade respectiva. Com­ provada a existência do fato típico, portanto, haveria uma presunção de que o fato também

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seria ilícito e culpável, cabendo ao acusado infirmar tal presunção. Em relação ao elemento subjetivo, há doutrinadores que sustentam que o dolo é presumido, razão pela qual à acusação incumbiría tão somente o ônus probatório quanto à culpa. Com relação ao dolo, sendo ele presumido a partir da prova dos demais ele­ mentos que compõem o tipo penal, incumbiría ao acusado provar que não agira dolosamente. Entre outros, é essa a posição de Mirabete, segundo o qual deve a acusação “comprovar a forma de inobservância da cautela devida no crime culposo: imprudência, negligência ou imperícia; bem como o dolo que, no mais das vezes, é presumido diante da experiência de que os atos praticados pelo homem são cons­ cientes e voluntários, cabendo ao réu demons­ trar o contrário” (MIRABETE, Julio Fabbrini. P ro cesso p e n a l. 18a ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 258). Na mesma linha: ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. D a p ro v a n o pro cesso p e ­ nal. 7a ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 11. Com a devida vênia, com tal posição não podemos concordar. Em um Estado que consagra o prin­ cípio da presunção de inocência, não se pode admitir que o dolo seja presumido, sob pena de inequívoca violação à regra do in d u b io p r o reo. De modo algum estamos afirmando que está dispensada a prova do elemento subjetivo, sob pena de se permitir verdadeira espécie de responsabilidade penal objetiva. Na verdade, também recai sobre a acusação o ônus da prova quanto ao dolo, devendo sua comprovação ser feita a partir dos elementos objetivos do caso concreto. Pensando, assim, em um crime de tentativa de homicídio, em que ao réu seja imputada a conduta de ter efetuado 7 (sete) disparos na direção da cabeça da vítima, sem, contudo, produzir o resultado morte, é óbvio que, havendo confissão do acusado quanto à sua verdadeira intenção - a n im u s n e c a n d i -, teríamos prova direta do elemento subje­ tivo, facilitando sobremaneira o trabalho da acusação. No entanto, dificilmente o acusado irá confessar sua verdadeira intenção. Mes­ mo assim, não se pode dizer que o dolo será presumido. Na verdade, diante da negativa do acusado em admitir sua real intenção, de­ verá o dolo ser inferido de dados externos e

objetivos, que comprovem a real intenção do agente. No exemplo dado, as circunstâncias objetivas do caso concreto, tais como o local de eventual lesão, a natureza da arma, a distância entre agente e vítima e a quantidade de dispa­ ros efetuados, funcionarão como indicativos veementes da presença do a n im u s n e c a n d i, autorizando conclusão afirmativa quanto à presença do dolo de matar. De outro lado, valendo-se do quanto disposto no Código de Processo Civil, que dispõe que incumbe ao réu o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC/2015), à defesa no processo penal compete o ônus da prova quanto às excludentes da ilicitude, da culpabilidade, ou acerca da presença de causa extintiva da punibilidade. Assim, se o réu ale­ gar, por exemplo, que se encontrava sob coação moral irresistível, caberá a ele o ônus da prova. De modo semelhante, se o acusado alegar que houve renúncia tácita ao direito de queixa, caberá a ele o ônus da prova quanto à referida causa extintiva da punibilidade (CP, art. 107, inciso V). Nos mesmos moldes, se o acusado apontar a existência de um álibi, caberá a ele fazer prova de sua alegação. Se o ônus da prova da acusação recai sobre o fato típico, autoria ou participação, nexo causai e elemento sub­ jetivo, incumbindo à defesa a prova acerca da presença de uma causa excludente da ilicitude, da culpabilidade ou de uma causa extintiva da punibilidade, questiona-se acerca do grau de convencimento que acusação e defesa devem produzir na convicção do magistrado. Do lado do ônus da prova da acusação, dúvidas não restam quanto à necessidade de um juízo de certeza por parte do magistrado. Afinal, em virtude da regra probatória que deriva do princípio da presunção de inocência, tem-se que somente é possível um decreto condenatório quando o magistrado estiver convencido da prática do delito por parte do acusado. No que toca à defesa, todavia, sempre se discutiu se seria necessário que a defesa produzisse no magistrado um juízo de certeza, ou se basta­ ria produzir uma dúvida razoável. Apesar de a primeira parte do art. 156 do CPP não ter sido alterada com a entrada em vigor da Lei

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n. 11.690/08 (“a prova da alegação incumbirá a quem a fizer...”), há de se dispensar especial atenção à nova redação do art. 386, inciso VI, do CPP, o qual autoriza uma sentença absolutória na seguinte hipótese: “(...) existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 2 0 ,2 1 ,2 2 ,2 3 ,2 6 e §1° do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se h o u v e r f u n d a d a d ú v id a s o b re s u a e x istê n c ia ”

(nosso grifo). Ora, se a fundada dúvida acerca de uma causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade autoriza um decreto absolutório, pode-se concluir que não se exige da defesa uma prova cabal acerca de tais teses, bastan­ do que produza um estado de dúvida para que o acusado possa ser absolvido. Em suma, enquanto o Ministério Público e o querelante têm o ônus de provar os fatos delituosos além de qualquer dúvida razoável, produzindo no magistrado um ju í z o d e c ertez a em relação ao fato delituoso imputado ao acusado, à defesa é suficiente gerar apenas uma fúndada dúvida sobre causas excludentes da ilicitude, causas excludentes da culpabilidade, causas extintivas da punibilidade ou acerca de eventual álibi. Há, inegavelmente, uma distinção em relação ao q u a n t u m de prova necessário para cumprir o ônus da prova: para a acusação, exige-se prova além de qualquer dúvida razoável; para a defesa, basta criar um estado de dúvida. 4.2. ô n u s da prova exclusivo da acusação: uma segunda corrente - minoritária, porém, a nosso ver, mais acertada - sustenta que, diante do princípio do in d u b io p r o reo, que é a regra de julgamento que vigora no campo penal, o acusado jamais poderá ser prejudicado pela dúvida sobre um fato relevante para a decisão do processo, pelo menos nos casos de ação penal condenatória. Em um processo penal em que vigora a presunção de inocência, o ônus probatório é atribuído, com exclusividade, ao acusador. Com entendimento semelhan­ te: GOM ES FILHO, Antônio Magalhães. A p r e s u n ç ã o d e in o cê n c ia e o ô n u s d a p ro v a e m p ro cesso p e n a l. B o letim d o In stituto B ra sileiro d e C iên cia s C rim in a is 2 3 1 3 , São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 1994. Segundo essa corrente, havendo, por exemplo, alegação da defesa acerca da presença de uma causa

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excludente da ilicitude, caberá à acusação demonstrar que a conduta do agente é típica, ilícita e culpável. E nem se objete que seria impossível à acusação provar a inocorrência das excludentes da ilicitude porque correspon­ dería à prova de um fato negativo. Na verdade, o que não é possível é provar alegações de fatos indeterminados, sejam eles positivos ou negativos. Agora, se o fato negativo for deter­ minado, é perfeitamente possível comprovar sua inocorrência através da prova de fatos positivos contrários ou com ele incompatíveis. Destarte, a fim de provar que o acusado não agiu em legítima defesa, bastará ao órgão do Ministério Público comprovar que não houve qualquer agressão por parte da vítima, que a agressão não foi injusta, que a agressão injusta não era atual ou iminente, ou, ainda, que o acusado utilizou-se dos meios de defesa de forma imoderada. Isso não significa dizer, no entanto, que a acusação sempre deverá com­ provar a inocorrência de causas excludentes da ilicitude ou da culpabilidade. Caso não tenha sido alegada qualquer excludente pela defesa, não tendo surgido dúvida fundada sobre sua ocorrência, torna-se desnecessária a prova de que o fato não fora praticado sob o manto de uma causa excludente da ilicitude ou da cul­ pabilidade. Quanto às causas de extinção da punibilidade, há de se distinguir aquelas que somente operam antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória (v.g., decadên­ cia, perempção, renúncia ao direito de queixa ou perdão do ofendido, retratação), daquelas que só podem ocorrer depois do trânsito em julgado, como o indulto e a graça. Existem também aquelas que podem ocorrer antes ou depois do trânsito em julgado, como a morte do agente, a anistia e a prescrição. Em todos es­ ses casos, deve-se ter em mente que o in d u b io p r o reo somente será aplicável enquanto ainda não houver o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por fim, quanto ao ônus da prova em relação ao álibi do acusado, por se tratar de uma forma de se negar indiretamente a participação no delito, com a afirmação de que se encontrava em outro lugar, no momento em que o crime foi cometido, também tem plena aplicação o in d u b io p r o reo. Em outras

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palavras, se o acusado conseguiu produzir uma dúvida razoável de que estava em local diverso, quando da prática delitiva, recai sobre a parte acusatória o ônus de dissipar qualquer dúvida acerca do álibi, comprovando a presença do acusado no local do delito. Há poucos prece­ dentes jurisprudenciais nesse sentido. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A

exigência de com provação plena d o s ele­ m entos que dã o suporte à acusação penal recai por inteiro, e com exclusividade, sobre o Ministério Público. Essa im p o sição d o ô n u s processual concernente à

dem onstração da ocorrência d o ilícito penal reflete, na realidade, e dentro de nosso sistema positivo, um a expressiva garantia jurídica que tutela e protege o pró­ prio estado de liberdade que se reconhece às pessoas em geral. Som ente a prova penal produzida em juízo pelo ó rgão da acusação penal, so b a égide da garantia constitucional d o contraditório, pod e revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitim ar a prolação de um decreto condenatório. (...) N en hu m a acusação penal se presum e provada. N ão com pete ao réu d e ­ m onstrar a sua inocência. C abe ao M inistério Público comprovar, de form a inequívoca, a culpabilidade do acusado". (STF, I a Turma, H C 73.338/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 19/12/1996).

5. Inversão do ônus da prova: como já foi dito, da regra de julgamento do in d u b io p r o reo decorrente do princípio da presunção de inocência deriva a conclusão de que o ônus da prova recai precipuamente sobre o Ministério Público ou sobre o querelante. A inversão do ônus da prova significaria, portanto, adotar a regra contrária: in d u b io p r o so c ieta te ou in d u b io c o n tra r e u m . Diante da hierarquia constitucional do princípio da presunção de inocência, forçoso é concluir que nenhuma lei poderá, então, inverter o ônus da prova com relação à condenação penal, sob pena de ser considerada inconstitucional. No entanto, se não se afigura possível a inversão do ônus da prova quanto ao fato constitutivo do direito de punir do Estado, entende-se cabível uma inversão do ônus da prova quanto aos efeitos secundários da condenação penal que tenham natureza de sanção civil visando à reparação do dano. Exemplo comumente citado pela doutri­ na acerca do assunto diz respeito à possibili­ dade de o juiz decretar medidas assecuratória de bens, diretos ou valores do investigado ou

acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes de lavagem de capitais ou das infrações penais antecedentes. Para a decretação de tais medidas, impõe a lei a pre­ sença de indícios suficientes (Lei n. 9.613/98, art. 4o, ca p u t, com redação determinada pela Lei n. 12.683/12/. Por outro lado, a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores somente será possível quando comprovada a licitude de sua origem (Lei n. 9.613/98, art. 4o, §2°). Essa autorização para a inversão do ônus da prova vem expressamente prevista pela Convenção de Viena de 1988, que re­ mete a cada parte (país) a sua consideração. No art. 5o, n° 7, prevê: “Cada uma das partes considerará a possibilidade de inverter o ônus da prova com respeito à origem ilícita do suposto produto ou bens sujeitos a confisco, na medida em que isto seja compatível com os princípios de seu direito interno e com a natureza dos seus procedimentos judiciais e outros procedimentos”. Nesse sentido, além do Brasil, também Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Suíça e México, entre outros, estipularam em suas legislações a inver­ são do ônus da prova. Tem-se, no dispositivo do art. 4.°, § 2.°, da Lei 9.613/98, uma inversão do ônus da prova somente para as medidas coercitivas patrimoniais relativas a direitos ou valores apreendidos ou sequestrados e, assim mesmo, não para permiti-las, mas sim para que o acusado obtenha sua liberação. Para Ada Pellegrini Grinover, essa inversão do ônus da prova “seria representada, portanto, por uma carga mais leve para a acusação do que para a defesa, no sentido de que, para o sequestro, bastarão indícios veementes, enquanto para a liberação será necessária a comprovação da licitude, entendida como exigência de prova plena” (A legislação brasileira em face do crime organizado. R evista B ra sileira d e C iên cia s C r i­ m in a is 2 0 / 6 4 , RT, São Paulo, out.-dez. 1997). O preceito em questão merece interpretação conforme, sob pena de evidente violação ao princípio da presunção de inocência, por es­ tabelecer indevida inversão do ônus da prova. Assim, deve ser entendido como relacionado ao pedido de restituição durante o curso do

TÍTULO VII • DA PROVA

processo. Se esse pedido de liberação for for­ mulado antes da decisão, recai sobre o réu, corréu, partícipe ou terceiro de boa-fé o ônus de comprovar a licitude da origem dos bens, mediante a oposição dos embargos previstos no art. 1 3 0 ,1 e II, do CPP. Já no momento da prolação da sentença condenatória, o ônus quanto à demonstração da ilicitude da origem dos bens volta a recair sobre o Ministério Pú­ blico, que deverá comprovar a existência de prova de que os bens, direitos ou valores são objeto do delito de lavagem de capitais. Em sentido diverso, Badaró assevera que “embora não haja óbice constitucional para tal ‘inversão’, a referida lei não instituiu qualquer inversão do ônus da prova. O que se previu foi a mera possibilidade de concessão de medida cautelar - sequestro ou apreensão - baseada no fumus boni iuris - ‘indícios suficientes’. Por outro lado, para a revogação da medida cautelar, com a liberação dos bens apreendidos, será neces­ sário mais do que apenas afastar a fumaça do bom direito. O legislador exige a ‘comprovação da licitude dos bens apreendidos” (BADARÓ. Ônus da prova. op. cit. p. 370).

6. Inic ia tiv a p ro b a tó ria d o ju iz (g e s tã o da prova p e lo m a g is tra d o ): como se percebe pela leitura dos dois incisos do art. 156 do CPP, a temática pertinente aos poderes instrutórios do juiz deve ser analisada em dois momentos distintos: antes de iniciada a ação penal (CPP, art. 156, inciso I) e no curso do processo (CPP, art. 156, inciso II).7

7. Inic ia tiv a acusatória d o ju iz na fase inv e s tig a tó ria : inovando em relação à antiga redação do art. 156 do CPP, que só permitia a atuação probatória de ofício do juiz no curso do processo, a nova redação dada ao art. 156, inciso I, do CPP, pela Lei n. 11.690/08, prevê que ao magistrado é permitido, de ofício, mes­ mo antes do início da ação penal, determinar a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessida­ de, adequação e proporcionalidade da medida. Com a adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal (art. 129, inciso I), restou consolidada a obrigatoriedade de separação das funções de acusar, defender e julgar, fazen­

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do com que o processo se caracterize como um verdadeiro actum trium personarum, sendo informado pelo contraditório. Esse sistema de divisão de funções no processo penal acusató­ rio tem a mesma finalidade que o princípio da separação dos poderes do Estado: visa impedir a concentração de poder, evitando que seu uso se degenere em abuso. Com essa separação de funções, aliada à oralidade e publicidade, características históricas do sistema acusató­ rio, e com partes em igualdade de condições, objetiva-se a preservação da imparcialidade do magistrado, afastando-o da fase investigatória, a qual deve ter como protagonistas tão somente a autoridade policial e o Ministério Público. É óbvio que o magistrado não está impedido de agir na fase investigatória. Mas essa atuação só pode ocorrer mediante prévia provocação das partes. Exemplificando, vislumbrando a autoridade policial a necessidade de mandado de busca e apreensão domiciliar, deve repre­ sentar ao magistrado no sentido da expedição da ordem judicial. De modo semelhante, sur­ gindo a necessidade de uma prisão temporária para acautelar as investigações, deve o órgão M inisterial formular requerimento ao juiz competente. Na fase investigatória, portanto, deve o magistrado agir somente quando pro­ vocado, atuando como garante das regras do jogo. O que não se deve lhe permitir, nessa fase preliminar, é uma atuação de ofício. E isso porque, pelo simples fato de ser humano, não há como negar que, após realizar diligências de ofício na fase investigatória, fique o magistra­ do envolvido psicologicamente com a causa, colocando-se em posição propensa a julgar favoravelmente a ela, com grave prejuízo a sua imparcialidade. A partir do momento em que uma mesma pessoa concentra as funções de investigar e colher as provas, além do poder de julgar o acusado, estará comprometido a priori com a tese da culpabilidade do acusado. Essa discussão quanto à atuação do magistrado de ofício na fase investigatória não é novidade no Brasil. Quando entrou em vigor a Lei n. 9.034/95, também conhecida como Lei das Or­ ganizações Criminosas, o art. 3oprevia que, na hipótese de quebra do sigilo de dados fiscais, bancários, financeiros e eleitorais, a diligência

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seria realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça. Como se percebe, o dispositivo conferia ao magistrado poderes para diligenciar pessoalmente na ob­ tenção de elementos informativos pertinentes à persecução penal de ilícitos decorrentes da atuação de organizações criminosas, com dispensa do auxílio da Polícia Judiciária e do Ministério Público, criando uma espécie de j u i z in q u isid o r. O Supremo Tribunal Federal foi chamado a analisar a constitucionalidade do dispositivo, tendo concluído que o art. 3o seria parcialmente inconstitucional. No tocan­ te aos sigilos bancário e financeiro, entendeu a Suprema Corte que o art. 3oteria sido revogado pelo advento da Lei Complementar n. 105/01, que passou a regulamentar a matéria. Em re­ lação aos dados fiscais e eleitorais, todavia, o Supremo reconheceu a inconstitucionalidade do art. 3o, por flagrante violação ao princípio da imparcialidade e consequente violação ao devido processo legal. Se o Supremo Tribunal Federal concluiu pela inconstitucionalidade do j u i z in q u is id o r previsto no art. 3o da revogada Lei n. 9.034/95, conclusão semelhante deverá se dar em relação à nova redação do art. 156, inciso I, do CPP. Em um sistema acusatório, cuja característica básica é a separação das funções de acusar, defender e julgar, não se pode permitir que o magistrado atue de ofício na fase de investigação. Essa concentração de poderes nas mãos de uma única pessoa, o j u i z in q u is id o r , além de violar a imparcialidade e o devido processo legal, é absolutamente incompatível com o próprio Estado Demo­ crático de Direito, assemelhando à reunião dos poderes de administrar, legislar e julgar em uma única pessoa, o ditador, nos regimes absolutistas. A tarefa de recolher elementos para a propositura da ação penal deve recair sobre a Polícia Judiciária e sobre o Ministério Público, preservando-se, assim, a imparciali­ dade do magistrado. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Lei 9034/95. Superveniência da Lei C o m p le ­ m entar 105/01. Re vogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por or­ ganizações criminosas. Ação prejudicada, qu an to aos

procedim entos que incidem sobre o acesso a dados, d o cu m e n to s e inform ações bancárias e financeiras. Busca e apreensão de docum en tos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalm ente pelo m agistrado. C om prom etim en to d o princípio da im parcialidad e e c on se qü e n te v io la ção ao d e vido processo legal. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polí­ cias Federal e Civil (CF, artigo 129,1e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação jul­ ga d a procedente, em parte". (STF, Pleno, A D 1 1.570, Rei. Min. M aurício Corrêa, j. 12/02/2004, DJ 22/10/2004).

8. Iniciativa probatória do juiz no curso do processo penal: no curso do processo penal, grande parte da doutrina e da jurisprudência admitem que o juiz, de modo subsidiário, possa determinar a produção de provas que entender pertinentes e razoáveis, a fim de di­ rimir dúvidas sobre pontos relevantes, seja por força do princípio da busca da verdade, seja pela adoção do sistema do livre convencimento motivado. Nesse caso, é imperioso o respeito ao contraditório e à garantia de motivação das decisões judiciais. A fim de dirimir eventual dúvida que tenha nascido no momento de valoração da prova já produzida em juízo, esta atuação deve ocorrer de modo supletivo, subsidiário, complementar, nunca desencadeante da colheita da prova. Em síntese, não se pode permitir que o magistrado se substitua às partes no tocante à produção das provas. Na verdade, a iniciativa probatória do magistrado somente poderá se destinar a d ir im ir d ú v id a so b re p o n to relev an te, nos exatos termos do art. 156, II, do CPP. Por d ú v id a devemos compre­ ender o questionamento acerca da qualidade ou da idoneidade da prova. Portanto, admite-se dúvida do juiz tão somente em relação à prova produzida, e não sobre a insuficiência ou au­ sência de atividade persecutória. Essa iniciativa probatória residual do magistrado pode ser exercida em crimes de ação penal pública e em crimes de ação penal de iniciativa privada. Ora, se o querelante pode dispor do direito de ação, isso não significa dizer que o juiz é obrigado a reconhecer eventual pretensão deduzida quan­ do não convencido do direito pleiteado, sem poder, antes, averiguar a verdade dos fatos que lhes são postos, mesmo em se tratando de ação penal privada. Para tanto, deve o magistrado

TÍTULO VII • DA

atuar de maneira imparcial. Se o escopo do juiz for o de buscar provas a p en a s p a r a c o n ­ d e n a r o acusado, além da violação ao sistema acusatório, haverá evidente comprometimento psicológico com a causa, subtraindo do ma­ gistrado a necessária imparcialidade, uma das mais expressivas garantias inerentes ao devido processo legal, prevista expressamente na Con­ venção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8o, n. 1). Deve o magistrado assegurar que as partes possam participar da produção da prova (contraditório para a prova) ou, caso isso não seja possível, garantir-lhes o direito de se manifestar sobre a prova produ­ zida (contraditório sobre a prova). Ademais, diante do resultado da prova cuja produção foi determinada de ofício pelo magistrado, deve se franquear às partes a possibilidade de produzir uma contraprova, de modo a infirmar o novo dado probatório acrescido ao processo. Além disso, de modo a preservar sua imparcialidade, impõe-se ao magistrado o dever de motivar sua decisão, expondo a necessidade e relevância da prova cuja realização foi por ele determinada e x o ffício . Essa atuação subsidiária do juiz na produção de provas não compromete sua imparcialidade. Na verdade, como destaca a doutrina, “os poderes instrutórios do juiz não são incompatíveis com a imparcialidade do julgador. Ao determinar a produção de uma prova, o juiz não sabe, de antemão, o que dela resultará e, em consequência, a qual parte vai beneficiar. Por outro lado, se o juiz está na dúvida sobre um fato e sabe que a realização de uma prova poderia eliminar sua incerteza e não determina sua produção, aí sim estará sendo parcial, porque sabe que, ao final, sua abstenção irá beneficiar a parte contrária àque­ la a quem incumbirá o ônus daquela prova. Juiz ativo não é sinônimo de juiz parcial. É equivocado confundir neutralidade ou pas­ sividade com imparcialidade. Um juiz ativo não é parcial, mas apenas um juiz atento aos fins sociais do processo, e que busca exercer sua função de forma a dar ao jurisdicionado a m elhor prestação jurisdicional possível” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ô n u s d a p ro v a n o p ro cesso p e n a l. Op. cit. p. 83). Também não há qualquer incompatibili­ dade entre o processo penal acusatório e um

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juiz dotado de iniciativa probatória, que lhe permita determinar a produção de provas que se façam necessárias para o esclarecimento da verdade. A essência do sistema acusatório repousa na separação das funções de acusar, defender e julgar. Por mais que a ausência de poderes instrutórios do juiz seja uma caracte­ rística histórica do processo acusatório, não se trata de uma característica essencial a ponto de desvirtuar o referido sistema. Consoante prevê a própria Exposição de Motivos do CPP, enquanto não estiver averiguada a matéria de acusação ou da defesa, e enquanto houver uma fonte de prova ainda não explorada, o juiz não deverá pronunciar o in d u b io p r o reo ou o n o n liquet. É por isso que se diz que no processo penal o juiz tem o dever de investigar a verda­ de; e a busca da verdade traduz um valor que legitima a atividade jurisdicional penal. Essa atuação subsidiária do magistrado no tocante à produção de provas no curso do processo pode ser facilmente percebida a partir da leitura da nova redação do art. 212 do CPP. De acordo com o c a p u t do art. 212 do CPP, "as p e rg u n t a s s erã o f o r m u l a d a s p e la s p a r t e s d ir e t a m e n t e à te s tem u n h a , n ã o a d m itin d o o j u i z a q u ela s q u e p u d e r e m in d u z ir a resposta, n ã o tiv erem relação c o m a ca u sa o u im p o rta re m n a rep etiçã o d e o u tra j á res p o n d id a ”. O parágrafo único do art. 212 do CPP, por sua vez, prevê que “s o b re os p o n to s n ã o escla recid o s, o j u i z p o d e r á co m p le ­ m e n t a r a in q u iriçã o ”. Da leitura do dispositivo em questão, cuja redação foi determinada pela Lei n. 11.690/08, percebe-se claramente que a produção probatória deve recair predominan­ temente sobre as partes, o que, no entanto, não significa dizer que o magistrado deva adotar um comportamento absolutamente inerte no curso do processo. Na busca de um processo justo, pode o magistrado atuar de maneira subsidiária, complementando o quanto trazido aos autos pelas partes. Além do art. 212 do CPP, há outros dispositivos que consagram esses poderes instrutórios do juiz no curso do processo penal. A título de exemplo, de acordo com o art. 209, ca p u t, o juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras teste­ munhas, além das indicadas pelas partes. Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem

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(CPP, art. 209, §1°). Lado outro, segundo o art. 196 do CPP, a todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes. Por sua vez, segundo o art. 234 do CPP, se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível. Na mesma linha, por força do art. 366 do CPP, entende-se que cabe ao Juiz da causa decidir sobre a necessi­ dade da produção antecipada da prova teste­ munhai, podendo utilizar-se dessa faculdade

quando a situação dos autos assim recomendar, especialmente por tratar-se de ato que decorre do poder geral de cautela do Magistrado.

♦ Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Produção antecipada de provas. Art. 366 do CPP. Fundam entação. C o n stran gim e n to ilegal não-caracterizado. Cabe ao Juiz da causa decidir sobre a necessidade da produção antecipada da prova teste­ munhai, p o d e n d o utilizar-se dessa faculdade q u an do a situ ação d o s au tos assim recom endar, c o m o no caso em apreço, especialm ente por tratar-se de ato que decorre d o poder geral de cautela d o M agistrado (art. 366 d o CPP). Habeas corpus denegado". (STF, 1a Turma, HC 93.157/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 23/09/2008, DJe 216 13/11/2008).

Art. 157. São inadmissíveis,1devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,2assim entendidas as obtidas em violação a normas cons­ titucionais ou legais. (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) §1° São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras,3 ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.4-5 §2° Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.6-14 (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) §3° Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.1516 (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) §4° [Vetado).'7

1. D a pro va ileg al: o direito à prova, como todo e qualquer direito fundamental, não tem natureza absoluta. Está sujeito a limitações porque coexiste com outros direitos igual­ mente protegidos pelo ordenamento jurídico. Não por outro motivo, dispõe a Constituição Federal que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas p or meios ilícitos” (art. 5o, LVI). Mas por que se vedar a utilização da prova ilícita no processo? Aos olhos do leigo, soa desarrazoado permitir-se a absolvição de um culpado pelo fato de a prova contra ele pro­ duzida ter sido obtida por meios ilícitos. Para ele, os fins justificam os meios. Não obstante tal visão (equivocada), em um Estado Demo-

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crático de Direito, a descoberta da verdade não pode ser feita a qualquer preço. Mesmo que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito aos direitos e garan­ tias fundamentais da pessoa humana, não se pode admitir a utilização em um processo de provas obtidas por meios ilícitos. A eficiência processual, compreendida como a funciona­ lidade dos mecanismos processuais tendentes a alcançar a finalidade do processo, que é a apuração dos fatos e das responsabilidades, não pode prescindir do respeito aos direitos e garantias fundamentais, sob pena de deslegitimação do sistema punitivo. Deveras, seria

TÍTULO VII • DA PROVA

de todo contraditório que, em um processo criminal, destinado à apuração da prática de um ilícito penal, o próprio Estado se valesse de métodos violadores de direitos, compro­ metendo a legitimidade de todo o sistema punitivo, pois ele mesmo estaria se utilizando do ilícito penal. Além da proteção aos direitos e garantias fundamentais, a vedação das provas ilícitas também funciona como uma forma de controle da regularidade da persecução penal, atuando como fator de inibição e dissuasão à adoção de práticas probatórias ilegais. Cumpre, assim, eminente função pedagógica, ao mes­ mo tempo em que tutela direitos e garantias assegurados pela ordem jurídica. Nessa linha, como destaca com propriedade o Min. Celso de Mello, referindo-se às provas ilícitas, “a ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicita­ mente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do “d u e p ro cess o fla w ”, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5o, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. I o), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não preva­ lecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de ativida­ de probatória, a fórmula autoritária do m a le ca p tu m , b e n e re t e n t u m .” (STF, 2a Turma, RHC 90.376/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, Dje-018 17/05/2007). A expressão m a le c a p tu m , b e n e r e t e n t u m significa “mal colhida, mas bem conservada”.2 2. D istin ção entre provas o b tid as por meios ilícitos e provas obtidas por meios ilegítimos: apesar de a Carta Magna prever de maneira expressa a inadmissibilidade da

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utilização no processo de provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5o, LVI), não consta do texto constitucional qualquer conceito de provas ilícitas, nem tampouco disposição legal expressa entre provas obtidas por meios ilícitos e provas obtidas por meios ilegítimos. Diante do silêncio da Constituição Federal, a doutrina nacional sempre se baseou na lição do italiano Pietro Nuvolone para conceituar prova ilegal, e também para distinguir as provas obtidas por meios ilícitos daquelas obtidas por meios ilegí­ timos. Nesse prisma, a prova será considerada ilegal sempre que sua obtenção se der por meio de violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza material ou processual. Prova obtida por meios ilegais deve funcionar como o gênero, do qual são espécies as provas obtidas por meios ilícitos e as provas obtidas por meios ilegítimos. Acerca da distinção entre provas obtidas por meios ilícitos e provas obtidas por meios ilegítimos, expressivas são as súmulas 48, 49 e 50 das Mesas de Processo Penal, dirigidas por Ada Pellegrini Grinover, e vinculadas ao Departa­ mento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Dispõe a súmula 48: “d e n o m in a m - s e ilícitas as p ro v a s colhid as co m in frin g ê n c ia a n o rm a s e p rin cíp io s d e direito m a t e r i a l ! súmula 49: “sã o p ro cessu a l­ m e n te ina dm issív eis as p ro v a s ilícitas q u e in frin ­ g e m n o rm a s e p rin c íp io s co n stitu cio n a is, a in d a q u a n d o f o r e m relev a n tes e p ertin e n te s , e m e sm o

“súmula 50: “p o d e m s e r u tiliza d a s n o p ro c es s o p e n a l as

s e m co m in a çã o p ro c es s u a l e x p r e s s a

p ro v a s ilicita m en te colh id a s, q u e b e n e fic ie m a d efesa ”. Há doutrinadores que apontam, ainda, a existência da prova obtida por meios ilícitos e ilegítimos, simultaneamente. Nessa hipótese, a prova é obtida mediante violação simultânea à norma de direito material e processual. É o que ocorre, a título de exemplo, com uma busca e apreensão domiciliar cumprida por uma autoridade policial, independentemente de prévia autorização judicial, nem tampouco situação de flagrante delito. Em tal situação, haverá violação de norma legal, na medida em que a conduta é prevista como crime de abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65, art. 3o, “b”), assim como de norma processual que

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prevê os requisitos para a realização de busca e apreensão domiciliares (CPP, art. 240 a 250, c/c art. 5o, X I, da Constituição Federal). 2.1. Quanto à espécie de norma violada: a prova será considerada ilícita quando for obtida através da violação de regra de direito material (penal ou constitucional). Portanto, quando houver a obtenção de prova em de­ trimento de direitos que o ordenamento reco­ nhece aos indivíduos, independentemente do processo, a prova será considerada ilícita. São várias as inviolabilidades previstas na Consti­ tuição Federal e na legislação infraconstitucional para resguardo dos direitos fundamentais da pessoa: inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem (CF, art. 5o, X), inviolabilidade do domicílio (art. 5o, XI), inviolabilidade do sigilo das comunicações em geral e dos dados (CF, art. 5o, X II), vedação ao emprego da tortura ou de tratamento desuma­ no ou degradante (CF, art. 5o, III), respeito à integridade física e moral do preso (CF, art. 5o, XLIX), etc. Exemplificando, se determinado indivíduo for constrangido a confessar a prá­ tica do delito mediante tortura ou maus-tratos, tem-se que a prova aí obtida será considerada ilícita, pois violado o disposto no art. 5o, inciso III, da Constituição Federal. De seu turno, a prova será considerada ilegítima quando obtida mediante violação à norma de direito processual. A título de exemplo, possamos supor que, ao ouvir determinada testemunha, o magistrado se esqueça de compromissá-la. Assim o fazendo, incorreu em violação à regra do art. 203 do CPP, dispositivo este que obriga o juiz a compromissar a testemunha. Em outro exemplo, possamos imaginar que, no curso de audiência una de instrução e julgamento, o magistrado peça a vítima que realize o re­ conhecimento do acusado. A vítima, então, olhando para trás, aponta o acusado como o suposto autor do delito, o que fica registrado na ata da audiência. Como se vê, tal reconhe­ cimento foi feito ao arrepio do art. 226 do CPP, que traça o procedimento a ser observado na hipótese de reconhecimento de pessoas e coisas. Em ambas as situações, temos exem­ plos de provas obtidas por meios ilegítimos, porquanto colhidas com violação à regra de

direito processual. Há outros dispositivos pro­ cessuais penais que contêm regras de exclusão de determinadas provas, como, por exemplo, a proibição de depor em relação a fatos que envolvam o sigilo profissional (CPP, art. 207), ou a recusa de depor por parte de parentes e afins (CPP, art. 206). Com as modificações produzidas pela Lei n. 11.690/08, passou a constar do art. 157, ca p u t, do CPP, de modo expresso, a vedação às provas ilícitas, tendo o legislador feito a opção por uma definição legal do tema: “S ã o in a d m issív eis, d e v e n d o s e r d e s e n tra n h a d a s d o p ro cesso , as p ro v a s ilícitas, assim e n te n d id a s as o b tid a s e m vio lação a n o r­ m a s co n stitu cio n a is o u legais”. Essa opção pelo tratamento legislativo de tema tão controverso e sujeito a variadas interpretações não parece ter sido a melhor, notadamente por conta da redação conferida ao c a p u t do art. 157 do CPP. Deveras, quando o referido dispositivo legal faz remissão às provas ilícitas, dispõe que assim devem ser consideradas aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, não distinguindo se a norma legal é material ou processual. Esse silêncio da lei quanto à natureza da n o rm a legal que acarreta a ilicitude da prova tem provocado certa contro­ vérsia doutrinária. De um lado, uma corrente doutrinária entende que, diante do silêncio da lei, e com base na nova redação conferida ao art. 157, ca p u t, do CPP, será considerada ilícita tanto a prova que viole disposições ma­ teriais quanto processuais. Qualquer violação ao devido processo legal, portanto, acarretará o reconhecimento da ilicitude da prova. Logo, em ambos os exemplos acima citados - confis­ são mediante tortura e colheita do depoimento de testemunha sem o compromisso de dizer a verdade - ter-se-á, doravante, provas ilícitas, com as consequências daí derivadas. Nessa linha: NUCCI, Guilherme de Souza. (M a n u a l d e p ro cesso p e n a l e e x e c u ç ã o p e n a l. 5a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 391). É essa também a posição de Luiz Flávio Gomes ( L egisla çã o c rim in a l esp ecial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 414). Por sua vez, para outros doutrinadores, posição à qual nos filiamos, quando o art. 157, ca p u t, do CPP, faz menção a n o rm a s legais, deve-se interpretar o dispositivo de maneira

TÍTULO VII • DA PROVA

restritiva, referindo-se única e exclusivamente às normas de direito material, mantendo-se, quanto às provas ilegítimas, o regime jurídico da teoria das nulidades. Para Ada Pellegrini Grinover (As nulidades no processo penal. Op. cit. p. 125), “não parece ter sido a melhor a opção da Lei 11.690/2008, ao definir a prova ilícita como aquela ‘obtida em violação a nor­ mas constitucionais ou legais’ (nova redação do art. 157 CPP). A falta de distinção entre a infringência da lei material ou processual pode levar a equívocos e confusões, fazendo crer, por exemplo, que a violação de regras processuais implica ilicitude da prova e, em consequência, o seu desentranhamento do processo. O não cumprimento da lei proces­ sual leva à nulidade do ato de formação da prova e impõe a sua renovação, nos termos do art. 573, caput, do CPP”.

+ Jurisprudência selecionada:

STF: "(...)

A C o n stitu iç ão da República, em norm a

revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5o, LVI), d e ­ sautoriza, por incom patível com o s p ostu lad os que regem um a sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1°), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso m esm o, quaisquer elem entos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até m esmo, d o direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenam ento norm ativo brasileiro, em matéria de atividade pro­ batória, a fórm ula autoritária d o male captum, bene retentum". (STF, 2aTurma, HC 82.788/RJ, Rei. Min. Celso

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sua produção ocorra em juízo. Basta imaginar, v.g., que o magistrado obtenha a confissão do acusado em seu interrogatório judicial, sem prévia e formal advertência quanto ao seu direito ao silêncio (CF, art. 5o, LXIII). Nesse caso, é possível concluir-se pela presença de prova ilícita produzida no curso do próprio processo. Por outro lado, as provas obtidas por meios ilegítim os são produzidas, pelo menos em regra, no curso do processo. A prova ilegítima, como se vê, é intraprocessual (ou endoprocessual). Exemplificando, suponha-se que a parte contrária proceda à exibição de objetos aos jurados no plenário do júri, sem que tais objetos tenham sido juntados aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, com ciência à parte contrária. Nesse caso, a prova terá sido produzida no processo com violação à norma de direito processual do art. 479 do CPP, devendo ser reconhecida sua nulidade absoluta. Perceba-se que esse critério de diferenciação entre provas ilícitas e ilegítimas não é absoluto, até mesmo porque é perfeitamente possível a produção de uma prova ilegítima antes do início do processo judicial. Basta imaginar a realização de um exa­ me pericial durante as investigações policiais por apenas 1 (um) perito não oficial, violando a norma processual do art. 159, §1°, do CPP, que exige a presença de duas pessoas idôneas para a realização dos exames periciais quando não houver perito oficial.

de Mello, DJ 02/06/2006 p. 43).

2.3. Q u a n to às consequências (d ire ito de exclusão e te o ria das nulidades): a discussão

2 .2 . Q u a n to a o m o m e n to d e sua p ro d u ­ ção: segundo parte minoritária da doutrina,

em torno da (in) admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos ou ilegítimos em determinando ordenamento jurídico está dire­ tamente relacionada à opção entre a busca ili­ mitada da verdade, dando-se preponderância ao interesse público na persecução penal, e o respeito aos direitos e garantias fundamentais, dentro de uma visão ética do processo, ainda que em prejuízo à apuração da verdade. Numa fase inicial, como destaca Luiz Francisco Torquato Avolio ( Provas ilícitas: interceptações

outro aspecto capaz de diferenciar as provas ilícitas das provas obtidas por meios ilegítimos diz respeito ao momento de sua produção. Costuma-se apontar como característica da prova ilícita o fato de, em regra, pressupor uma violação no momento da colheita da prova, geralmente em momento anterior ou concomitante ao processo, mas sempre ex­ ternamente a este. Daí se dizer que a prova ilícita é aquela obtida fora do processo com violação de norma de direito material. Apesar de, em regra, a prova ilícita ser produzida externamente ao processo, nada impede que

telefônicas, ambientais egravações clandestinas. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 44), o condicionamento aos dogmas do livre convencimento e da verdade real fazia

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com que um eventual balanceamento dos in­ teresses em jogo pendesse, inequivocamente, em favor do princípio da investigação da ver­ dade, mesmo que baseada em meios ilícitos. Reputava-se eficaz e válida, portanto, a prova ilicitamente obtida, sem prejuízo das sanções civis, penais ou disciplinares aos responsáveis por sua obtenção (particulares ou autorida­ des públicas). Tinha lugar, então, a máxima m a le ca p tu m b e n e re te n tu m . Posteriormente, passou a se entender que, reconhecida a ilicitude de uma prova, esta não poderia ingressar nos autos do processo. Se, porventura, isso ocorresse, surgiría o denominado direito de exclusão ( e x clu sio n a ry ru le ), devendo a prova ilícita ser desentranhada dos autos. Dito de outro modo: ao direito à prova corresponde, em contraposição, um direito à exclusão das provas obtidas por meios ilícitos. A jurispru­ dência americana foi a precursora da teoria da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. A despeito da inexistência de norma expressa na Constituição americana, a tese passou a ser sustentada em decisões judiciais desde o Século X IX (caso Boyd v. US, de 1886), sob o argumento de que a regra das e x c lu s io n a r y ru les estaria implícita na Carta Política como forma de tutela dos direitos fun­ damentais nela previstos. Com a Constituição Federal de 1988, entre os direitos e garantias individuais, estabeleceu-se a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5o, LVI). Logo, a sanção processual cominada para a ilicitude da prova é a sua inadmissibilidade. Não se trata de nulidade da prova, mas de sua não aceitação nos autos do processo. Nessa linha, aliás, consoante a nova redação dada ao art. 157, §3°, do CPP, “p r e c lu s a a d ecisã o d e d e s en tra n h a m e n to d a p ro v a d ecla ra d a in a d m is ­ sível, esta s erá in u tiliz a d a p o r d ecisã o ju d icia l, fa c u lt a d o às p a r t e s a c o m p a n h a r o in c id e n t e ”.

Esse direito de exclusão também se aplica às provas ilícitas e ilegítimas, simultaneamente. Portanto, pode-se dizer que, no ordenamento pátrio, por mais relevantes que sejam os fatos apurados por meio de provas obtidas por meios ilícitos, estas não podem ser admitidas no processo. Se, mesmo assim, uma prova ilícita for juntada ao processo, surge o direito

de exclusão, a ser materializado através do desentranhamento da referida prova dos autos. Caso a ilicitude da prova seja reconhecida em grau de recurso, tendo favorecido a defesa, a matéria só poderá ser examinada em apelação da acusação. Caso contrário, ocorrería re fo r­ m a d o in p e ju s . Se a prova ilícita favoreceu a acusação, não haverá necessidade de decretar a nulidade da sentença, desde que, suprimida a prova ilícita, decorra a absolvição do acusado. Nesse caso, o Tribunal deverá determinar o desentranhamento da prova ilícita e julgar, desconsiderando-a. No entanto, se, mesmo com a supressão da prova ilícita, houver elementos que permitam a condenação, a melhor solução será a decretação de nulidade da sentença pelo Tribunal, para que outra seja proferida. Caso tenha havido o trânsito em julgado de sen­ tença condenatória ou absolutória imprópria lastreada em provas obtidas por meios ilícitos, dois caminhos são possíveis: a primeira possi­ bilidade é o ajuizamento de revisão criminal; a segunda é a impetração de h a b e a s co rp u s, mas desde que haja risco concreto à liberdade de locomoção, e desde que não haja necessidade de dilação probatória a fim de se comprovar a ilicitude da prova. Na visão da 2aTurma do STF (RHC 137.368/PR, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 29/11/2016), o desentranhamento das pro­ vas ilícitas não abrange as peças processuais dos autos. Pode até se admitir que eventuais referências às provas ilícitas sejam riscadas das peças processuais, mas daí não se pode con­ cluir que seja necessária a sua exclusão integral dos autos, já que não se pode querer equipará-las às provas. Por outro lado, em se tratan­ do de provas ilegítimas, como sua obtenção ocorreu mediante violação a regras de direito processual, tudo se resolve dentro do próprio processo, de acordo com as regras processuais que determinam as formas e as modalidades de produção da prova, com a sanção corres­ pondente a cada transgressão, que pode ser o reconhecimento de mera irregularidade, ou até mesmo uma nulidade, absoluta ou relativa. Como houve violação de norma processual, a prova obtida por meio ilegítimo pode estar sujeita ao reconhecimento de sua nulidade e decretação de sua ineficácia no processo.

TfTULO V II. DA PROVA

A declaração da nulidade está subordinada, assim, à observância dos quatro princípios bá­ sicos relativos ao tema: 1) nenhuma nulidade será declarada quando não houver prejuízo - pas de nullité sans g rief (CPP, art. 563); 2) nenhuma das partes pode arguir nulidade a que haja dado causa - princípio da lealdade ou boa-fé (CPP, art. 565); 3) nenhuma das partes pode arguir nulidade que só interesse à parte contrária (CPP, art. 565); 4) não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade ou na decisão da causa (CPP, art. 566). Na hipótese de reconhecimento de nulidade, é bom lem­ brar que, em se tratando de nulidade absoluta, esta pode ser arguida a qualquer momento, enquanto não houver o trânsito em julgado da decisão. No caso de sentença condenatória ou absolutória imprópria, as nulidades absolutas podem ser arguidas mesmo após o trânsito em julgado, na medida em que, nessa hipótese, há instrumentos processuais aptos a fazê-lo, como a revisão criminal e o habeas corpus, que somente podem ser ajuizados em favor do condenado. Além disso, prevalece o entendi­ mento de que, no caso de nulidade absoluta, o prejuízo é presumido. Assim, reconhecida a nulidade absoluta de determinada prova ilegí­ tima, esta não pode ser utilizada nem contra o réu, nem a seu favor, porquanto as nulidades absolutas são insanáveis. Na hipótese de nu­ lidade relativa, todavia, entende-se que sua arguição deve ser feita no momento oportuno, sob pena de preclusão, além de ser indispen­ sável a comprovação do prejuízo. Logo, caso a nulidade relativa seja reconhecida, a prova ilegítima não poderá ser usada por nenhuma das partes. Se, no entanto, a nulidade relativa foi sanada ou houve a preclusão em face de sua não arguição em momento oportuno, a prova ilegítima poderá ser validamente usada tanto pela acusação quanto pela defesa.

3. Prova ilícita p o r d e riv a ç ã o (te o ria dos fru to s d a á rv o re e n v e n e n a d a ): de nada adianta dizer que são inadmissíveis, no pro­ cesso, as provas obtidas por meios ilícitos se essa ilicitude também não se estender às provas que dela derivam. Com efeito, a admis­ sibilidade no processo de provas ilicitamente

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derivadas poderia servir de expediente para contornar a vedação probatória do art. 5o, LVI, da Constituição Federal, isto é, as partes poderiam sentir-se encorajadas a recorrer a expedientes ilícitos com o objetivo de se servir de elementos de prova até então inatin­ gíveis pelas vias legais. Figure-se, no exemplo de Avolio (op. cit. p. 70), o próprio policial encorajado a torturar o acusado, na certeza de que os fatos extraídos de uma confissão extorquida, e, portanto, ilícita, propiciariam a colheita de novas provas, que poderiam ser introduzidas de modo (formalmente) lícito no processo. Daí a importância do estudo da denominada prova ilícita por derivação. Provas ilícitas por derivação são os meios probatórios que, não obstante produzidos, validamente, em momento posterior, encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a eles se transmite, contam inando-os, por efeito de repercussão causai. A título de exemplo, suponha-se que alguém tenha sido constran­ gido, mediante tortura, a confessar a prática de um crime de homicídio. Indubitavelmente, essa confissão deverá ser declarada ilícita. Pode ser que, dessa prova ilícita originária, resulte a obtenção de uma prova aparentemente lícita (v.g., localização e apreensão de um cadáver). Apesar da apreensão do cadáver ser aparente­ mente lícita, percebe-se que há um nexo causai inequívoco entre a confissão mediante tortura e a localização do cadáver. Em outras palavras, não fosse a prova ilícita originária, jamais teria sido possível a prova que dela derivou. Nessa linha de pensamento, é possível concluir que a ilicitude da prova originária transmite-se, por repercussão, a todos os dados probatórios que nela se apoiem, ou dela derivem, ou, finalmen­ te, nela encontrem o seu fundamento causai. O precedente que originou a construção do conceito de prova ilícita por derivação está ligado ao caso SILVERTHORNE LUMBER CO v. US, de 1920, em que a Suprema Corte norte-am ericana reputou inválida uma in ­ timação que tinha sido expedida com base numa informação obtida por meio de uma busca ilegal. A acusação não poderia usar no processo a prova obtida diretamente da busca ilegal, nem a prova obtida indiretamente por

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meio da intimação baseada nessa busca. Poste­ riormente, no julgamento do caso NARDONE v. US (1939), foi cunhada a teoria dos frutos da árvore envenenada (em inglês, f r u i t s o f th e p o iso n o u s tree, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos), ou ta int d o ctrin e. Como observa Walter Nunes da Silva Júnior ( C u rso d e direito p ro c es s u a l p e n a l: teo ria (co n stitu cio n a l) d o p ro cesso p e n a l. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 480), seguiram-se ainda outros casos: W o n g S u n v. U n ited States, em 1963, com exclusão de testemunhos e de objetos aos quais se chegou como consequ­ ência de diligência e prisão ilegais; B ro w n v. Illin ois, 1975, no qual se decretou a exclusão de confissão obtida de pessoa presa ilegalmen­ te; D a v is v. M ississipi, 1969, com exclusão de impressões digitais obtidas de pessoa presa ilegalmente, mesmo quando correspondentes com aquelas localizadas no local do crime. O ápice dessa teoria foi atingido no famoso ju l­ gamento MIRANDA v. ARIZONA, de 1966, em que a Suprema Corte Americana firmou o entendimento de que nenhuma validade pode ser conferida às declarações feitas pela pessoa à polícia, a não ser que antes ela tenha sido claramente informada de: 1) que tem o direito de não responder; 2) que tudo o que disser pode vir a ser utilizado contra ele; 3) que tem o direito à assistência do defensor escolhido ou nomeado. Nesse caso, a Suprema Corte Americana adotou a posição de que a mera ausência dessa formalidade - denominada de aviso de Miranda (M ira n d a Rights o u M ira n d a -w a rn in g s) - era o bastante para inquinar de nulidade as declarações da pessoa, notadamente a confissão e as provas conseguidas a partir dela. No Brasil, pode-se dizer que, em um primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal rechaçou a aplicação da referida teoria (STF, Tribunal Pleno, AP 307/DF, Rei. Min. limar Galvão, DJ 13/10/1995). Inicialmente, prevaleceu a posição do Min. Moreira Alves, segundo o qual a dicção normativa empregada pelo constituinte no art. 5o, LVI, claramente sufragou a tese de que somente devem ser consideradas inadmissíveis no processo as provas ilícitas em si mesmas, e não aquelas a que se chegou por meio daquelas, consideradas

não como provas, mas apenas como pistas, e que foram produzidas licitamente. Restaram vencidos no referido julgamento o Min. Celso de Mello e, em menor extensão, os Ministros Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira. No en­ tanto, já no ano de 1996, o Supremo Tribunal Federal voltou a se manifestar sobre o assunto, tendo-se posicionado favoravelmente à adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada no julgamento do HC 73.351/SP. Nesse primeiro julgado favorável à adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada, o Supremo Tribunal Federal não fez qualquer ressalva quanto às regras de exclusão relativas à aplicação desse princípio. Posteriormente, todavia, firmou-se o entendimento de que provas obtidas por meios ilícitos contaminam única e exclusiva­ mente aquelas que são exclusivamente delas decorrentes. Logo, é perfeitamente possível a prolação de um decreto condenatório se comprovado que a prova ilícita, que contamina as demais provas que dela se originam, não tenha sido a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela investigação policial. Com a entrada em vigor da Lei n. 11.690/08, a teoria dos frutos da árvo­ re envenenada passou a constar expressamente do Código de Processo Penal. Segundo o art. 157, §1°, do CPP, “são ta m b é m ina dm issív eis as p ro v a s d e riv a d a s d a s ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”, (nosso grifo). + Jurisprudência selecionada: STF: “(...) O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que, sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5o, inc. X II, da Constituição, não pode o Juiz autorizar a interceptação de comunicação te­ lefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da intercepta­ ção telefônica - à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la - co n ta m in a outros elem en to s p r o b a ­ tórios e v e n tu a lm e n te coligidos, o riu n d o s, d ireta

TÍTULO VII • DA PROVA

ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. Habeas corpus concedido”. (STF, I a Turma, HC 73.351/SP, Rei. Min. limar Galvão, DJ 19/03/1999). Na mesma linha: STF, Tribu­ nal Pleno, HC 72.588/PB, Rei. Min. Mauricio Corrêa, DJ 04/08/2000.

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plano d o ordenam ento positivo brasileiro, traduz signi­ ficativa limitação de ordem jurídica ao poder d o Estado em face d o s cidadãos". (STF, 2a Turma, RHC 90.376/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, Dje-018 17/05/2007). C om o m esm o entendimento: STF, 2a Turma, HC 82.788/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 02/06/06; STJ, 6a Turma, HC 100.879, Rei. Min. M aria Thereza de Assis Moura, DJe 08/09/08.

STF:"(...) As

provas obtidas por m eios ilícitos conta­

m inam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam -se inadm issíveis no processo e não p od em ensejar a investigação criminal e, com m ais razão, a denúncia, a instrução e o julgam e nto (CF, art. 5°, LVI), ainda que tenha restado sobejam ente com provado, por m eio delas, que o Juiz foi vítima das contum élias d o paciente. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova au tôn om a e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguim ento d o processo. Habeas-corpus conhecido e provido para trancar a ação penal instaurada contra o paciente, por maioria de 6 votos contra 5". (STF, Tribunal Pleno, HC 72.588/PB, Rei. Min. M aurício Corrêa, DJ 04/08/00). Na m esm a linha: STF, 1a Turma, H C 74.530/AP, Rei. M in. lim ar Galvão, DJ 13/12/1996.

STF:"(...) Escuta telefônica que não deflagra ação penal, não é causa de contam inação d o processo. N ão há violação ao direito à privacidade q u an do ocorre apre­ ensão de droga e prisão em flagrante de traficante. In­ terpretação restritiva d o princípio da árvore d o s frutos proibidos. H abeas corpus indeferido". (STF, 2a Turma, H C 76.203/SP, Rei. Min. Nelson Jobim, DJ 17/11/00).

STF:"(...) N ingué m

STF: “(...) Quebra de sigilo bancário sem autorização judicial. C onfissão o btida com base na prova ilegal. Contaminação. HC concedido para absolver a ré. Ofen­ sa ao art. 5°, inc. LVI, da CF. Considera-se ilícita a prova crim inal con sisten te em obtenção, sem m andado, de d a d o s bancários da ré, e, com o tal, contam ina as dem ais provas produzidas com base nessa diligência ilegal". (STF, 2a Turma, HC 90.298/RS, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 08/09/2009, DJe 195 15/10/2009).

4 . L im itaçõ es à p ro v a ilíc ita p o r d e riv a ­ ção: após o reconhecimento das regras de exclusão do direito norte-americano, aliada ao desenvolvimento da teoria dos frutos da árvore envenenada, houve uma forte reação da própria Suprema Corte norte-americana contra a rigidez de tais regras, sendo desen­ volvidas, então, exceções às exclusionary rules. Algumas dessas teorias já vem sendo aplicadas no ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual merecem a nossa atenção.

pode ser investigado, denunciado

o u c o n d e n a d o com base, unicam ente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Q ualquer n ovo dado probatório, ainda que produzido, de m o d o válido, em m om ento subsequente, não pode apoiar-se, não pode ter fundam ento causai nem derivar de prova com p ro­ metida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariam ente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um do s m eios mais expressivos destinados a conferir efe­ tividade à garantia d o " d u e p r o c e s s o f l a w " e a tornar m ais intensa, pelo banim ento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva o s direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. (...). Hipótese em que os novos d a d o s probatórios som ente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão pra­ ticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam -se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, o s elem entos probatórios a que o s órgãos da persecu­ ção penal som ente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida com o resultado da trans­ gressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no

5. D a te o ria (ou exceção) da fo n te in d e ­ p e n d e n te : se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova, que não guarde qualquer relação de dependência, nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não manten­ do vínculo causai, tais dados probatórios são admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. Há de se tomar extrema cautela com a aplicação da exceção da fonte independente, a fim de não se burlar a proibição da valoração das provas ilícitas por derivação, dizendo tratar-se de fonte indepen­ dente. Para que a teoria da fonte independente seja aplicada, impõe-se demonstração fática inequívoca de que a prova avaliada pelo juiz efetivamente é oriunda de uma fonte autôno­ ma, ou seja, não se encontra na mesma linha de desdobramento das informações obtidas com a prova ilícita. Caso não se demonstre, inequivocamente, a ausência de qualquer nexo

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

causai, fica valendo a teoria da prova ilícita por derivação. Em caso de dúvida, aplica-se o in d u b io p r o reo. A origem dessa teoria está ligada ao direito norte-americano, sendo lá conhecida como in d e p e n d e n t s o u r c e d o c t rin e . No caso Bynum v. U.S., de 1960, a Corte determinou inicialmente a exclusão de identificação dactiloscópica que havia sido feita durante a prisão ilegal do acusado Bynum. Ao ser novamente processado, valeu-se a acusação de um antigo conjunto de planilhas dactiloscópicas de By­ num que se encontrava nos arquivos do FBI e que correspondiam às impressões digitais encontradas no local do crime. Como a polícia tinha razão para verificar as antigas plani­ lhas de Bynum independentemente da prisão ilegal, e como as impressões digitais de tais planilhas tinham sido colhidas anteriormente sem qualquer relação com o roubo investigado dessa vez, as antigas planilhas foram admitidas como prova obtida independentemente, de maneira alguma relacionada à prisão ilegal. No caso Murray v. United States, de 1988, após perceberem uma atividade suspeita de tráfico de drogas em uma residência, policiais entraram ilegalmente na casa e confirmaram a suspeita; posteriormente, requereram um mandado judicial para a busca e apreensão indicando apenas as suspeitas e sem mencionar a anterior entrada e, de posse do mandado, entraram novamente na residência e apre­ enderam as drogas. A Corte entendeu que a prova era válida, pois, ainda que os policiais não houvessem realizado a primeira violação, de qualquer forma seria obtido o mandado a justificar a segunda entrada legal, com base apenas nos indícios iniciais. No Brasil, a análise da jurisprudência demonstra que a teoria da fonte independente já vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal desde agosto de 2004 (HC 83.921/RJ). Com a reforma proces­ sual de 2008, a limitação da fonte independente passou a constar expressamente do Código de Processo Penal. Isso porque, segundo o art. 157, §1°, do CPP, “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo q u a n d o

Especial atenção, todavia, deve ser dispensada ao art. 157, §2°, do CPP, segundo o qual “considera-se fonte independente aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, s eria c a p a z d e c o n d u z ir ao fa t o objeto d a p r o v a ”. Como será visto com mais detalhes logo abaixo, apesar de o dispositivo fazer men­ ção à f o n t e in d e p e n d e n t e , parece ter havido um equívoco por parte do legislador, pois, ao empregar o verbo no condicional, o conceito aí fornecido - s eria c a p a z d e c o n d u z ir ao fa t o objeto d a p ro v a - refere-se ao da limitação da descoberta inevitável, objeto de nosso estudo nos comentários ao §2° do art. 157 do CPP.

p r im e ir a s ”.



Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Eventuais vícios d o inquérito policial não con­ tam inam a ação penal. O reconhecim ento fotográfico, procedido na fase inquisitorial, em desconform idade com o artigo 226,1, d o C ó d ig o de Processo Penal, não tem a virtu de de c on ta m in ar o acervo p robatório coligido na fase judicial, so b o crivo d o contraditório. Inaplicabilidade da teoria da árvore do s frutos envene­ n ados (fruits o f the p oisonou s tree). Sentença condenatória e m b asada em provas au tôn om as produzidas em juízo. (...) Inviabilidade d o writ. Ordem denegada". (STF, I a Turma, HC 83.921/RJ, Rei. Min. Eros Grau, DJ 27/08/2004).

STF:"(...) Se, n o entanto, o ó rgão da persecução penal dem onstrar que obteve, legitim am ente, novos ele­ m entos de informação a partir de um a fonte autônom a de prova - que não guarde qualquer relação de depen­ dência nem decorra da prova originariam ente ilícita, com esta não m antendo vinculação causai -, tais dados p robatórios revelar-se-ão p lenam ente adm issíveis, porque não con tam in ad os pela m ácula da ilicitude originária. A questão da fonte au tôn om a de prova ('an independent source') e a sua desvinculação causai da prova ilicitamente obtida - doutrina - precedentes do Suprem oTribunal Federal - Jurisprudência com parada (a experiência da Suprem a Corte Americana): casos'Silverthorne Lum ber Co. v. United States (1920); Segura v. United States (1984); N ixv. W illiam s (1984); Murray v. United States (1988)". (STF, 2a Turma, RH C 90.376/ RJ, Rei. Min. Celso de Mello, DJe 018 - 17/05/2007). Na m esm a linha: STF, 2aTurma, HC 75.497/SP, Rei. Min. M aurício Corrêa, j. 14/10/1997, DJ 09/05/2003; STF, 2a Turma, RH C 88.371/SP, Rei. Min. Gilm ar Mendes, j. 14/11/2006, DJ 02/02/2007; STJ, 5aTurma, H C 11.781/ RS, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 21/03/2000, DJ 17/04/2000

ou q u a n d o as d eriv a d a s p u d e r e m

p. 73; STJ, 5aTurma, HC 57.870/RJ, Rei. Min. Felix Fischer, j. 12/09/2006, DJ 04/12/2006 p. 343; STJ, 5a Turma, HC 43.234/SP, Rei. M in. G ilso n Dipp, j. 03/11/2005,

s e r o b tid a s p o r u m a f o n t e in d e p e n d e n t e d a s

DJ 21/11/2005 p. 265; STJ, 6a Turma, HC 40.637/SP,

n ã o e v id e n c ia d o o n e x o d e c a u s a lid a d e e n tre u m a s e outras,

TlTULO VII • DA PROVA

Rei. M in. Hélio Q u a glia Barbosa, j. 06/09/2005, DJ 26/09/2005 p. 466; STJ, 6a Turma, H C 23.432/SP, Rei. Min. Vicente Leal, j. 01/04/2003, DJ 28/04/2003 p. 266; STJ, 5aTurma, REsp 347.270/BA, Rei. Min. Edson Vidigal, j. 26/03/2002, DJ 29/04/2002 p. 283.

STF:"(...) Evidenciada, pela instância ordinária, a ausên­ cia de nexo de causalidade, não há falar que a prova declarada ilícita con ta m in o u o su p orte probatório e m b asador da sentença condenatória (CPP, art. 157, § 1°). Ademais, não se nd o perceptível prima fade a derivação da prova, torna-se inviável, ao m enos na via d o habeas corpus, cotejar os inúm eros elem entos de convicção trazidos aos autos e m odificar a conclusão exarada pelo juízo sentenciante. O rdem denegada". (STF, 2aTurma, HC 116.931/RJ, Rei. Min.Teori Zavascki, j. 03/03/2015, DJe 85 07/05/2015).

6. Teoria da descoberta inevitável (exce­ ção da fonte hipotética independente): por força dessa teoria, na hipótese de se demons­ trar que a prova derivada da ilícita seria produ­ zida de qualquer modo, independentemente da prova ilícita originária, tal prova deve ser con­ siderada válida. A aplicação dessa teoria não pode ocorrer com base em dados meramente especulativos, sendo indispensável a existência de dados concretos a confirmar que a desco­ berta seria inevitável. Somente com base em fa­ tos históricos demonstrados capazes de pronta verificação será possível dizer que a descoberta seria inevitável. Em outras palavras, não basta um juízo do possível. É necessário um juízo do provável, baseado em elementos concretos de prova. Tal qual a limitação anterior, a teoria da descoberta inevitável também tem origem no direito norte-americano - in ev ita b le d isco v ery lim ita tion . Sua aplicação ocorreu no caso N ix v. W illiam s-W illiam s II, em 1984: com base em declaração obtida ilegalmente do acusado, a polícia conseguiu localizar o paradeiro do cor­ po da vítima de homicídio escondido em uma vala à beira de uma estrada. No entanto, apesar de a localização do cadáver só ter sido possível a partir de uma declaração obtida de maneira ilegal, demonstrou-se que, no caso concreto, um grupo de duzentos voluntários já estava procurando pelo cadáver conforme um plano que, inevitavelmente, teria levado à descoberta do local em que o corpo foi encontrado. A Su­ prema Corte americana entendeu que a teoria dos frutos da árvore envenenada não impediría a admissão de prova derivada de uma violação

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constitucional, se tal prova teria sido descober­ ta “inevitavelmente” por meio de atividades investigatórias lícitas sem qualquer relação com a violação, bem como que a “descoberta inevitável” não envolve elementos especulati­ vos, mas concentra-se em fatos históricos de­ monstrados capazes de pronta verificação. Para que a prova fosse admitida, era necessário que a polícia não tivesse atuado de má-fé, com o propósito de acelerar as investigações, fazendo uso de meios ilegais; e que efetivamente a prova não pudesse permanecer oculta. Na visão de parte da doutrina, tal teoria teria passado a constar expressamente do Código de Processo Penal, a partir das alterações trazidas pela Lei n. 11.690/08. É bem verdade que o legislador não se refere de maneira expressa à teoria da descoberta inevitável. Porém, como dito acima, seu conteúdo pode ser extraído do art. 157, §2°, do CPP: “considera-se fonte independente aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, s eria c a p a z d e c o n d u z ir ao f a t o o bjeto d a p r o v a ” (nosso grifo). Parece ter havido uma confusão por parte do legis­ lador ao se referir à f o n t e in d e p e n d e n t e , pois o conceito por ele trazido é o da limitação da descoberta inevitável. Com efeito, pela própria redação do §2° do art. 157 do CPP, empregando o verbo no condicional, percebe-se que nem mesmo seria necessário que a prova derivada tivesse sido efetivamente conseguida a partir de uma fonte autônoma e regular de prova (teoria da fonte independente), bastando que houvesse uma mera possibilidade disso ( “seria c a p a z d e c o n d u z ir a o fa t o o bjeto d a p r o v a ”).

Inequívoca, pois, a adoção da limitação da descoberta inevitável. Mas seria possível que o legislador infraconstitucional instituísse tal restrição à prova ilícita por derivação? O ques­ tionamento já tem provocado controvérsia na doutrina. De um lado, há doutrinadores que se posicionam no sentido da inconstitucionalidade da limitação da descoberta inevitável (CPP, art. 157, §2°). Nesse sentido, segundo Antônio Magalhães Gomes Filho (As re fo r­ m a s n o p ro cesso p e n a l: as n o v a s leis d e 2 0 0 8

Coordenação: Maria Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo:

e os p ro jeto s d e re fo rm a .

Art. 157

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 269), referido dispositivo subverte o espírito da ga­ rantia constitucional do art. 5, LVI, devendo ser considerado inconstitucional. Na mesma linha, GRINOVER (As nulidades no processo penal. Op. cit. p. 133) adverte que o disposi­ tivo coloca em risco a própria finalidade da vedação constitucional, que não é outra senão a de coibir atentados aos direitos individuais estabelecidos na Lei Maior. Para a autora, a disposição abre as portas para que, sob esse fundamento, toda e qualquer prova derivada de outra ilícita venha a ser convalidada. Con­ clui a autora, assim, pela inconstitucionalidade do art. 157, §2°, do CPP. De outro lado, há res­ peitável corrente doutrinária segundo a qual, como o conceito de prova ilícita e o de prova ilícita por derivação são indeterminados, tanto a ampliação indevida de seu âmbito conceituai quanto sua restrição podem ser afastadas pelo juiz no momento de sua aplicação. Nessa linha, de acordo com Feitoza (op. cit. p. 700-701), tanto se pode admitir limitações à teoria da prova ilícita por derivação, quanto entender, para garantir direito fundamental, no caso concreto, que a limitação deva ser afastada e a prova deva ser reconhecida como prova ilícita. Em que pese a controvérsia doutrinária, certo é que referida teoria já vem sendo adotada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Em pioneiro julgado acerca do assunto, em que se discutia a ilicitude de extrato bancário obtido por her­ deiro da vítima, sem autorização judicial, a 6a Turma do STJ fez uso da teoria da descoberta inevitável. Na dicção do Relator Min. Og Fer­ nandes, o § 2o do art. 157 do CPP serve para mitigar a teoria da contaminação da prova, restringindo-a para os casos em que a prova ilícita for absolutamente determinante para a descoberta da prova derivada que sem aquela não existiría, o que não teria acontecido no caso apreciado pelo STJ. Isso porque, no caso concreto, o sobrinho da vítima, na condição de herdeiro, teria, inarredavelmente, após a habilitação no inventário, o conhecimento das movimentações financeiras e, certamen­ te, saberia do desfalque que a vítima havia sofrido; ou seja, a descoberta seria inevitável, 542

não havendo, portanto, razoabilidade alguma em anular todo o processo e demais provas colhidas, não só durante a instrução criminal, mas também aquelas colhidas na fase pré-processual investigativa.

♦ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) C om a publicidade dada pelo banco ao sobri­ nho da vítima, que tam bé m era seu herdeiro. Tratou-se toda a operação bancária de um go lp e efetivado por m eio de um engodo. Titularidade solidária que detinha um a das pacientes e que agora é reclamada para efeitos de autorização legal, decorreu de ilícito efetivado contra vítima. Pretende-se, na verdade, obter benefício com a própria prática criminosa. Im possibi­ lidade de se beneficiar da própria torpeza. A segu n da consideração, não m enos importante, é que o extrato ou docum ento de transferência foi obtido por herdeiro da vítima, circunstância que ocorrería de qualquer maneira após a sua habilitação em inventário, a ensejar, da m esm a maneira, o desenrolar d o processo tal qual com o ocorreu na espécie. Acolhim ento da teoria da descoberta inevitável; a prova seria necessariamente descoberta por outros m eios legais. N o caso, repita-se, o sobrinho da vítima, na condição de herdeiro, teria, inarredavelmente, ap ó s a habilitação no inventário, o con he cim en to das m ovim en tações financeiras e, certamente, saberia d o desfalque que a vítima havia sofrido; ou seja, a descoberta era inevitável. Ordem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 52.995/AL, Rei. O g Fer­ nandes, j. 16/09/2010, DJe 04/10/2010).

STF:"(...)

Ilicitude da prova produzida durante o in­

quérito policial - violação de registros telefônicos de corréu, executor d o crime, sem autorização judicial. Suposta ilegalidade decorrente d o fato de os policiais, após a prisão em flagrante d o corréu, terem realizado a análise d o s últim os registros telefônicos d o s dois aparelhos celulares apreendidos. N ão ocorrência. N ão se co n fu n d e m c o m u n ic açã o telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. N ão se pode interpretar a cláusula do artigo 5°, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registrai. A proteção constitucional é da com u n icação de d a d o s e não d o s dados. Art.

6° do

CPP: dever da autoridade policial de proceder

à coleta d o m aterial c o m p ro b a tó rio da prática da infração penal. A o proceder à p esq u isa na a g e n d a eletrônica do s aparelhos devidam ente apreendidos, m eio material indireto de prova, a autoridade policial, cum prindo o seu mister, buscou, unicamente, colher elem entos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a m aterialidade d o delito (dessa análise logrou en­ contrar ligações entre o executor d o hom icídio e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser adotada, bem c o m o p o s­ sibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes

TÍTULO VII • DA PROVA

para a investigação. À gu isa de mera argum entação, m e sm o que se p u desse reputar a prova produzida c o m o ilícita e as dem ais, ilícitas por derivação, nos term os da teoria d o s frutos da árvore venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não assistiría à defesa. É que, na hipótese, não há que se falar em prova ilícita por derivação. N os term os da teoria da descoberta inevitável, construída pela Suprem a Corte norte-americana no caso N ixx Williams (1984), o curso norm al das investigações conduziria a elem entos informativos que vinculariam os pacientes ao fato investigado. Bases desse entendim ento que parecem ter e nco ntrado gu arida n o o rd en am e nto jurídico pátrio com o ad ven to da Lei 11.690/2008, que deu nova redação ao art. 157 d o CPP, em especial o seu § 2o. (...) O rdem denegada". (STF, 2a Turma, HC 91,867/PA, Rei. Min. Gilm ar Mendes, j. 24/04/2012, DJe 185 19/09/2012).

7. Lim itação da m ancha purgada (limi­ tação dos vícios sanados, do nexo causai atenuado ou da tinta diluída): de acordo com essa limitação (em inglês, purged taint), não se aplica a teoria da prova ilícita por derivação se o nexo causai entre a prova primária e a se­ cundária for atenuado em virtude do decurso do tempo, de circunstâncias supervenientes na cadeia probatória, da menor relevância da ilegalidade ou da vontade de um dos envolvi­ dos em colaborar com a persecução criminal. Nesse caso, apesar de já ter havido a contami­ nação de um determinado meio de prova em face da ilicitude ou ilegalidade da situação que o gerou, üm acontecimento futuro expurga, afasta, elide esse vício, permitindo-se, assim, o aproveitamento da prova inicialmente con­ taminada. Esta teoria foi desenvolvida no caso WONG SUN v. US (1963), em que a polícia, de maneira ilegal, ingressou no domicílio de “A” sem causa provável (indícios probatórios necessários para tanto), efetuando em segui­ da sua prisão. Dessa prisão ilegal resultou a apreensão de drogas em posse de “B”, o qual, por sua vez, disse ter recebido a droga de “C ”, que também foi preso de maneira ilegal. Dias mais tarde, após “C ” ter sido colocado em liberdade, resolveu voluntariamente confessar aos policiais a prática do delito, durante seu interrogatório policial. Quanto à apreensão da droga com “B” e suas declarações, entendeu a Suprema Corte tratar-se de prova ilícita por derivação, eis que resultado da entrada ilegal

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na casa de “A”. No entanto, concluiu que a teoria dos frutos da árvore envenenada não teria o condão de contaminar o que se apurou conta “C”, pois sua ação voluntária de confessar a prática delituosa após ter sido solto e advertido de seus direitos, teria tornado a conexão entre a prisão ilegal e a declaração tão atenuada que o veneno da ilegalidade originária teria se dissipado. Da análise do caso WONG SUN v. US, embrião da limitação da mancha purgada, depreende-se que um vício de ilicitude originá­ rio pode ser expurgado, ou seja, removido, por meio de um ato independente interveniente, praticado pelo acusado ou por um terceiro, a determinar a interrupção da corrente causai entre a ilegalidade originária e a prova subse­ quente. Não se tem conhecimento da adoção da limitação da mancha purgada pelo Supremo Tribunal Federal, nem tampouco pelo Superior Tribunal de Justiça. Não obstante, importante compreender seu conteúdo, eis que, segundo parte da doutrina, tal teoria passou a constar do Código de Processo Penal, em virtude das alterações introduzidas pela Lei n. 11.690/08. Confira-se mais uma vez a redação do art. 157, §1°, do CPP: “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado 0 nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas pude­ rem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”. Apesar de não haver qualquer referência expressa à limitação da tinta di­ luída, ao se referir o dispositivo à ausência de nexo de causalidade entre a prova ilícita originária e prova subsequente, pode-se daí extrair a adoção da referida teoria. Isso por­ que, segundo a teoria em questão, o vício da ilicitude originária, quando atenuado em vir­ tude do decurso do tempo, de circunstâncias supervenientes, da magnitude da ilegalidade funcional ou da colaboração voluntária de um dos envolvidos, faz desaparecer o nexo causai entre a prova ilícita originária e a pro­ va subsequente, não sendo viável falar-se em prova ilícita por derivação. Segundo Andrey Borges de Mendonça, a adoção dessa teoria pelo legislador não restou clara, pois “há um certo nexo - embora distante - entre a prova colhida e a ilícita. Certamente o caso concreto

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e a jurisprudência poderão confrontar-se com situações em que o nexo seja tão distante entre a prova ilícita e a prova obtida que se poderia pensar em um afastamento (ao menos norma­ tivo) deste nexo. A depender do caso concreto, a teoria da contaminação expurgada poderia ser enquadrada na hipótese ampla do §1° do art. 157” (Nova reforma do Código de processo penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Editora Método, 2008. p. 177). Para DEZEM (op. cit. p. 137), “esta teoria foi positivada com a reforma processual, ao dispor-se, no parágrafo primeiro do art. 157 que é admissível a prova ilícita por derivação quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras”. Apesar de guardar certa semelhança com a limitação da fonte independente, a teoria da mancha purgada com ela não se confunde. Na teoria da fonte independente, o nexo cau­ sai entre as provas é atenuado em razão da circunstância de a prova secundária possuir existência independente da prova primária. Na lim itação da mancha purgada, o lapso temporal decorrido entre a prova primária e a secundária, as circunstâncias intervenientes na cadeia probatória, a menor relevância da ilegalidade ou a vontade do agente em cola­ borar com a persecução criminal atenuam a ilicitude originária, expurgando qualquer vício que possa recair sobre a prova secundária. Nesse sentido: SILVA JÚNIOR. Op. cit. p. 513.8 8. Exceção da boa-fé: a limitação da boa-fé (em inglês, goodfaith exception) foi reconhe­ cida pela Suprema Corte norte-am ericana no caso US v. Leon, em 1984. Nesse julgado, entendeu-se que, na medida em que a vedação às provas ilícitas visa inibir, dissuadir, e deses­ timular violações aos direitos fundamentais, não seria possível dizer que a prova seria ilícita quando, com base em um mandado de busca e apreensão ilegal expedido por um juiz neutro e imparcial, mas posteriormente considerado como não fundado em indícios necessários para sua expedição, o agente, desconhecen­ do tal ilicitude e havendo motivos razoáveis para acreditar na sua validade, obtém provas decorrentes do cumprimento do mandado, tendo convicção de que agia dentro da legali­ dade. Como destaca Feitoza (op. cit. p. 697), 544

de

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entendeu-se nessa hipótese que “a exclusão da prova para se dissuadirem juizes seria inapropriada, pois: a) o princípio da exclusão’ foi destinado a prevenir (desencorajar) a conduta policial irregular mais do que punir os erros dos juizes; b) não há provas sugerindo que magistrados sejam inclinados a ignorar ou subverter a 4a Emenda Constitucional; c) não há qualquer base para acreditar que a exclusão de prova apreendida em conformidade com um mandado judicial terá um efeito dissuasivo significativo sobre magistrados. Como o policial justificadamente confiou na prévia decisão judicial, não houve qualquer ilegali­ dade policial e, portanto, nada a se dissuadir. Numa análise de custo-benefício, como não havia qualquer benefício com a exclusão da prova, que seria a prevenção de futuras vio­ lações, não se justificaria o custo da exclusão da prova, o qual incluiría a credibilidade das decisões judiciais da justiça criminal”. Portan­ to, com base nessa teoria, deve ser considerada válida a prova obtida com violação a princípios constitucionais, desde que sua obtenção não tenha decorrido da vontade de quem procedeu à investigação, mas sim de uma situação de erro ou ignorância. Os dois critérios para sua aplicação seriam a boa-fé e a crença razoável na legalidade da conduta do agente. A despeito de sua importância no direito norte-americano, não há registros de sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal nem tampouco pelo Superior Tribunal de Justiça. Afinal, no ordenamento pátrio, a vedação à admissibilidade das provas ilícitas também visa à proteção dos direitos e garantias fundamentais. Por isso, é irrelevante verificar se o agente que a produziu agia de boa ou má-fé. 9. A teoria do risco: outra importante limi­ tação às exclusionary rules do direito norte-americano é a teoria do risco, com base na qual se busca dar fundamento à validade da prova obtida mediante violação ao direito à intimidade, com a utilização de escutas tele­ fônicas, filmagens e fotografias clandestinas. Como destaca Silva Júnior (op. cit. p. 521/522), “o argumento é de que a pessoa que faz, es­ pontaneamente, revelações a respeito de sua participação em eventos ilícitos, assume o risco

TÍTULO V II. DA PROVA

quanto à documentação do fato por outrem, podendo ser glosado o entendimento na parêmia de que ‘Si usted no cuida sus garantias, no pretenda que lo haga um juez’. Essa dou­ trina pretende resolver a questão tendo como parâmetro o dever de sigilo que acompanha algumas profissões, uma vez que quem faz a confissão ou revelações espontâneas de um delito a outrem, que não tem o dever legal de não contar o segredo, assume o risco de que o assunto esteja sendo registrado e que o trato seja descumprido, sendo irrelevante a circunstância de aquele não ter conhecimento concreto de que, no momento, estão sendo tiradas fotografias, procedidas escutas ou fil­ magens, etc”. No Brasil, não se tem registros da aplicação expressa da teoria do risco pelo Su­ premo Tribunal Federal, nem tampouco pelo Superior Tribunal de Justiça. Não obstante, em relação às gravações clandestinas, em que um dos interlocutores grava uma conversa telefônica sem o conhecimento do outro, o Su­ premo tem concluído pela sua admissibilidade no processo, desde que não haja causa legal de sigilo ou de reserva de conversação. Além disso, também têm sido consideradas válidas gravações feitas por câmeras de segurança instaladas como mecanismos de vigilância em estabelecimentos bancários, postos de com­ bustíveis, supermercados, shoppings centers, vias públicas, etc. Com a crescente utilização desses aparatos de segurança nos últimos anos, é cada vez mais comum que as investigações policiais e os próprios processos criminais estejam amparados na utilização das imagens captadas através desses dispositivos. Nesses casos, por mais que não haja prévia autorização judicial para a captação das imagens, não há falar em violação ao direito à intimidade. Afi­ nal de contas, as gravações foram efetuadas em local público como forma de segurança, sendo inviável que a pessoa que praticou o delito em local público invoque a proteção ao direito à intimidade.

♦ Jurisprudência selecionada: STF:"(...) C o m o gravação m eram ente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de veda­ ção constitucional, é lícita a prova consistente no teor

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de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecim ento d o outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo q u an d o se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou". (STF, 2a Turma, RE 402.717, Rei. Min. Cezar Peluso, DJe 03012/02/2009).

S T F : "(...) Paciente den u nciad o por falsidade ideoló­ gica, consubstanciada em exigir quantia em dinheiro para inserirfalsa inform ação de excesso de contingen­ te em certificado de dispensa de incorporação. Gra­ vação clandestina realizada pelo alistando, a pedido de em issora de televisão, que levou as im age ns ao ar em to d o o território nacional por m eio de conhecido program a jornalístico. O conteúdo da reportagem re­ presentou notitia criminis, com pelindo as autoridades ao exercício d o dever-poder de investigar, sob pena de prevaricação. A ordem cronológica do s fatos evidencia que as provas, con siste n te s n os d e p o im e n to s das testem unhas e no interrogatório d o paciente, foram produzidas em decorrência da notitia criminis e antes da juntada da fita nos autos do processo de sindicância que em b aso u o Inquérito Policial Militar. A questão posta não é de inviolabilidade das com unicações e sim da proteção da privacidade e da própria honra, que não constitui direito absoluto, d e v e n d o ceder em prol d o interesse público. (Precedentes). Ordem denegada". (STF, 1aTurma, HC 87.341/PR, Rei. Min. Eros Grau, DJ 03/03/2006).

S T F : "(...) A gravação am biental m eram ente clandesti­ na, realizada por um do s interlocutores, não se confun­ de com a interceptação, objeto cláusula constitucional de reserva de jurisdição. É lícita a prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada por um do s interlocutores, sem conhecim ento d o outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da con ­ versação. Precedentes. Agravo regimental desprovido". (STF, Al 560.223 AgR/SP, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 12/04/2011).

10. Limitação da destruição da mentira do im putado: desenvolvida pela Suprema Corte norte-americana no caso WALDER v. US (1954), pela limitação da destruição da mentira do imputado, a prova ilícita, conquan­ to não seja idônea para comprovar a culpabili­ dade do acusado, pode ser valorada no sentido de demonstrar que o autor do fato delituoso está mentindo. No leading case citado, o acu­ sado Walder, ao ser perguntado se já tinha tido droga sob sua posse, respondeu negativamente, o que não era verdade, na medida em que, anteriormente, em uma operação considera­ da ilícita, a polícia havia apreendido em sua casa uma grande quantidade de heroína. No

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Brasil, não se tem conhecimento de nenhum precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça a respeito da limitação em análise. 11. Doutrina da visão aberta: no siste­ ma norte-americano, independentemente do consentimento do ofendido, uma investiga­ ção em locais protegidos pela inviolabilidade domiciliar só pode ser considerada válida se amparada por autorização judicial, mesmo em se tratando de flagrante delito. Portanto, se, durante o cumprimento de um mandado judicial expedido para apreender documentos ou objetos relacionados a um crime, a autori­ dade policial encontrar elementos relativos a outro delito, ainda que se trate de um crime permanente (v.g., armazenamento de drogas), tais elementos não deverão ser considerados válidos, haja vista que, mesmo nos casos de flagrante delito, afigura-se indispensável prévia autorização judicial. Como forma de se atenuar o rigor da necessidade de autorização judicial no cumprimento de buscas e apreensões domi­ ciliares no direito americano, foi cunhada pela Suprema Corte americana a doutrina da visão aberta, segundo a qual, com base no princípio da razoabilidade, deve ser considerada legítima a apreensão de elementos probatórios do fato investigado ou mesmo de outro crime, quan­ do, a despeito de não se tratar da finalidade gizada no mandado de busca e apreensão, no momento da realização da diligência, o objeto ou documento é encontrado por se encontrar à plena vista do agente policial. Nesse sentido: SILVA JÚ N IO R, Walter Nunes. Op. cit. p. 523/524. Segundo o autor, “extremamente as­ semelhada à cláusula de exceção da plain view doctrine é a dos campos abertos. Esta também foi construída no Direito judicial americano, a fim de dar validade à busca e apreensão de drogas que, muito embora feita em proprieda­ de privada, ocorre em local ao ar livre”. Como se percebe pelo conceito da doutrina da visão aberta, o encontro desse elemento relativo a outro delito deve se dar de maneira casual. Portanto, há de se considerar ilícita a prova obtida no cumprimento de busca e apreensão domiciliar quando: a) restar comprovado que o agente policial, a despeito de já ter cumprido

a diligência que constava do mandado judicial, continua efetuando diligências no interior do domicílio do investigado, então obtendo elementos relativos a outro delito. Nessa hi­ pótese, se o agente policial já logrou êxito na apreensão do objeto do mandado judicial, deve fazer cessar imediatamente a diligência. Se delibera por prosseguir, há evidente desvio de finalidade, devendo eventual apreensão de elementos probatórios relativos a outros deli­ tos ser censurada com a pecha da ilicitude; b) restar comprovado que o agente policial leva a efeito o cumprimento do mandado judicial em locais onde claramente não estaria o ob­ jeto da autorização judicial. Exemplificando, se o mandado de busca e apreensão tivesse como objetivo a localização de animais da fauna exótica de grande porte, haveria evidente desvio de finalidade caso a autoridade policial vasculhasse gavetas e armários, devendo ser considerados ilícitos eventuais provas rela­ cionadas a outros delitos assim obtidas. No Brasil, não há registros da adoção expressa teoria. Isso porque, no ordenamento pátrio, em relação à inviolabilidade domiciliar, a própria Constituição Federal autoriza a violação ao domicílio nos casos de flagrante delito (v.g., em crimes permanentes), independentemente de prévia autorização judicial (CF, art. 5o, XI). Não obstante, o conceito da doutrina da visão aberta muito se assemelha à teoria do encontro fortuito de provas, usualmente trabalhada pela doutrina e jurisprudência pátrias. 11.1. Teoria do encontro fortuito (ou ca­ sual) de provas (serendipidade): é utilizada nos casos em que, no cumprimento de uma diligência relativa a um delito, a autoridade policial casualmente encontra provas perti­ nentes à outra infração penal, que não estavam na linha de desdobramento normal da investi­ gação. Fala-se em encontro fortuito de provas quando a prova de determinada infração penal é obtida a partir de diligência regularmente autorizada para a investigação de outro crime. Nesses casos, a validade da prova inesperada­ mente obtida está condicionada à forma como foi realizada a diligência: se houve desvio de finalidade, abuso de autoridade, a prova não deve ser considerada válida; se o encontro da

TÍTULO VII •DA PROVA

prova foi casual, fortuito, a prova é válida. A título exemplificativo, suponha-se que, no curso de investigação relacionada a crimes contra a fauna, uma autoridade policial in­ gresse em uma residência munida de mandado judicial de busca domiciliar com a finalidade de apreender animal de grande porte mantido em cativeiro sem autorização do IBAMA. Se é esta a finalidade do mandado (CPP, art. 243, II), é de se esperar que a diligência seja levada a efeito exclusivamente para a apreensão do animal. Logo, na hipótese de os policiais pas­ sarem a revistar gavetas e armários, eventuais provas documentais referentes a crimes contra o sistema financeiro nacional ali encontradas hão de ser consideradas ilícitas, porquanto não relacionadas ao objeto do mandado de busca, caracterizando evidente violação do domicílio (CF, art. 5o, XI), pois, para tanto, não havia prévia autorização judicial. Nesses casos de cumprimento de mandados de busca, deve-se atentar para o fato de que a Constituição Fede­ ral autoriza a violação ao domicílio nos casos de flagrante delito (CF, art. 5o, XI). Logo, se a autoridade policial, munida de mandado de busca e apreensão, depara-se com certa quanti­ dade de droga no interior na residência, temos que a apreensão será considerada válida, pois, como se trata do delito de tráfico de drogas na modalidade de “guardar”, “ter em depósito”, etc., espécie de crim e permanente, haverá situação de flagrante delito, autorizando o ingresso no domicílio mesmo sem autorização judicial. Portanto, nas hipóteses de flagrante delito (v.g., crimes permanentes), mesmo que o objeto do mandado de busca e apreensão seja distinto, será legítima a intervenção policial, a despeito da autorização para entrar na casa lhe ter sido deferida com outra finalidade. A teoria do encontro fortuito de provas não deve ser trabalhada única e exclusivamente para as hipóteses de cumprimento de mandados de busca e apreensão. Sua utilização também se apresenta útil no tocante ao cumprimento de interceptações telefônicas. Isso porque é assaz comum que, no curso de uma interceptação telefônica regularmente autorizada pelo juiz competente para investigar crime punido com pena de reclusão, sejam descobertos elemen­

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tos probatórios relativos a outros delitos e/ou outros indivíduos. Em tais hipóteses, verifi­ cando-se que não houve desvio de finalidade no cumprimento da diligência, dúvidas não temos quanto à validade dos elementos assim obtidos. Na visão dos Tribunais Superiores, uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletas dessa diligên­ cia podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. Para Pacelli ( op. cit. p. 323), “não é a conexão que justifica a licitude da prova. O fato, de todo relevante, é que, uma vez franqueada a violação dos direitos à intimidade e à privacidade dos moradores da residência, não haveria razão alguma para a recusa de provas de quaisquer outros delitos, punidos ou não com reclusão. Isso porque uma coisa é a justificação para a autorização da quebra de sigilo; tratando-se de violação à intimidade, haveria mesmo de se acenar com a gravidade do crime. Entretanto, outra coisa é o aproveitamento do conteúdo da intervenção autorizada; tratando-se de material relativo à prova de crime (qualquer crime), não se pode mais argumentar com a justificação da medida (interceptação telefônica), mas, sim, com a aplicação da lei”. Ainda em relação à teoria do encontro fortuito de provas, especial atenção deve ser dispensada ao cumprimento de man­ dado de busca e apreensão em escritórios de advocacia. Isso porque, do cumprimento de tal diligência, pode eventualmente resultar a apreensão de documentos relativos a clientes do advogado, surgindo o questionamento da validade dessa apreensão em virtude da teoria do encontro fortuito. Nesse caso, mesmo que a apreensão de documentos pertinentes a clien­ tes do advogado investigado ocorra de forma casual, fortuita, sua utilização em eventual processo criminal não será admissível, eis que protegidos pelo sigilo profissional do advoga­ do, verdadeiro corolário do direito de defesa. Não por outro motivo, segundo o art. 7o, inciso II, da Lei n. 8.906/94, é direito do advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos

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de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia. Por sua vez, de acordo com o art. 7°, §§6° e 7o, com redação dada pela Lei n. 11.767/08, presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a que­ bra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos perten­ centes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes. Essa ressalva, todavia, não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partíci­ pes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.

♦ Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Um a vez realizada a interceptação telefônica de form a fundam entada, legal e legítima, as informa­ ções e provas coletas dessa diligência pod em subsidiar denúncia com base em crim es puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. D o contrário, a interpretação d o art. 2°, III, da L. 9.296/96 levaria ao absurdo de concluir pela im possibilidade de intercep­ tação para investigar crimes apenados com reclusão q u an do forem estes conexos com crimes punidos com detenção. Habeas corpus indeferido". (STF, Pleno, HC 83.515/RS, Rei. Min. Nelson Jobim, DJ 04/03/2005 p. 11).

STJ:"(...) O fato de as m ed idas de quebra do sigilo bancário e fiscal não terem com o objetivo inicial in­ vestigar o crime de peculato não conduz à ausência de ele m e n to s indiciários acerca d o referido crime, p o d e n d o ocorrer o que se cham a de fe n ôm e no da serendipidade, que consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação. Pre­ cedentes. (...) Habeas corpus não conhecido". (STJ, 6 a Turma, HC 282.096/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 24/4/2014, DJe 06/05/2014).

STJ:"(...) O recorrente é a d v o ga d o e foi denunciado pela suposta prática d o s crimes previstos nos arts. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 c.c 12, da Lei n. 10.826/03, pois, em cum prim ento a m an d ad o de busca e apre­ ensão no escritório d o recorrente, expedido com o fim de apreender arm a que pertencería a estagiário do

escritório, a polícia se deparou com aproxim adam ente 765 g (setecentos e sessenta e cinco gram as) de m a­ conha e um revólver, calibre 38, além de 14 (quatorze) cartuchos íntegros num a caixa de metal. N ão obstante o m an dad o de busca e apreensão tenha sido expedido para apuração de crime praticado pelo estagiário d o escritório do recorrente, verificou-se, no cum prim ento da m edida, a ocorrência flagrancial de d o is outros crimes que possu e m natureza permanente. Contra­ ria a razoabilidade exigir-se d o s policiais envolvidos na diligência que fin gissem não ver o s crimes, para solicitar, a posteriori, um n ovo m an d ad o específico de busca e apreensão para o escritório d o recorrente (Doutrina e jurisprudência). A despeito da não indi­ cação expressa de representante da O A B local para o acom p an ham e nto da diligência, foi solicitado, pelos policiais nela envolvidos, que um a advogada, estivesse presente e acom p an hasse o cum prim ento d o m an da­ d o de busca e apreensão no escritório d o recorrente, o qual se dirigia contra o estagiário. Diligência que não se revela nula em sua execução, q u an d o muito, m eram ente irregular. Recurso ordinário desprovido". (STJ, 5a Turma, RHC 39.412/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 03/03/2015, DJe 17/03/2015).

12. Limitação da renúncia do interessado: como já foi dito, no sistema americano, inde­ pendentemente do consentimento do mora­ dor, exige-se autorização judicial para que seja considerada válida busca e apreensão domici­ liar. Daí a discussão quanto à possibilidade de o consentimento da pessoa ter o condão de afastar eventual nulidade da diligência reali­ zada pela autoridade policial sem prévia auto­ rização judicial. Segundo Hairabedian (apud Silva Júnior, op. cit. p. 525), tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm aceitado essa tese, desde que o consentimento da pessoa seja dado de forma prévia, expressa, livre, comprovada e indubitável. No Brasil, em virtude da redação do preceito constitucional do art. 5o, XI, tem-se que referida teoria é inócua, pois a própria Constituição Federal autoriza o ingresso em domicílio alheio mediante o consentimento do morador. Mesmo assim, o tema merece especial atenção ao se discutir a possibilidade de apreensão do lixo produzido por determi­ nado indivíduo. Pode parecer que não, porém, a depender do caso concreto, a análise do lixo humano pode ser capaz de fornecer importan­ tes elementos probatórios, tâis como extratos bancários, contas de energia e telefone, com relação de ligações efetuadas, etc. Nesse caso,

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queremos crer que, enquanto o lixo estiver no interior do domicílio, goza da proteção do art. 5o, XI, da Constituição Federal, somente sendo possível sua apreensão mediante prévio consentimento do morador, ou por meio de autorização judicial. No entanto, se o lixo foi descartado para ser recolhido pelo serviço público de limpeza, subentende-se que o indi­ víduo tenha renunciado à proteção ao direito à intimidade, sendo possível sua apreensão independentemente de prévia expedição de mandado judicial. 13. A limitação da infração constitucional alheia: de acordo com essa limitação, só a pessoa que teve o direito fundamental vio­ lado e que é prejudicada com a utilização da prova ilícita no processo é que pode solicitar o reconhecimento de sua ilicitude. Assim, caso o direito fundamental violado quando da ob­ tenção da prova refira-se à pessoa distinta do acusado, a prova deve ser considerada válida. Referida teoria não tem acolhida no ordena­ mento pátrio. Como dito acima, a inadmissi­ bilidade das provas ilícitas tem por escopo não apenas a proteção dos direitos fundamentais do acusado, mas também o de impor ao Estado um comportamento ético, a fim de se respeitar os parâmetros constitucionais estabelecidos, especialmente para limitar o exercício do ius

puniendi. 14. A limitação da infração constitucional por pessoas que não fazem parte do órgão policial: no sistema norte-americano, o pro­ pósito do princípio da exclusão é dissuadir, intimidar, prevenir - compelir ao respeito pe­ las garantias constitucionais da única maneira válida efetivamente - pela remoção do incen­ tivo ao seu desrespeito. Logo, a prova somente deve ser reputada ilícita quando a ilegalidade tiver sido praticada diretamente pelo agente policial. Por conseguinte, não há falar em ilicitude se a ilegalidade tiver sido produzida por outros agentes dos organismos estatais ou ainda por particulares ou autoridades estran­ geiras. Como já dito, no Brasil, a vedação à admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos tem como objetivo precípuo a tutela dos direitos e garantias fundamentais. Portanto,

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no ordenamento pátrio, pouco importa quem tenha sido o agente responsável pela produção da prova ilícita - autoridade policial ou par­ ticular - em ambos os casos a prova deve ser considerada ilícita. Não por outro motivo, ao apreciar o RE 251.445/GO, concluiu o Supre­ mo Tribunal Federal ser prova obtida por meio ilícito e, por isso, inadmissível, a resultante de furto realizado por menor em consultório odontológico. Foram subtraídas fotografias que, entregues à polícia, serviram para instruir inquérito policial e processo criminal. O assun­ to ganha relevância, porém, quando se discute o tema da cooperação jurídica internacional. Nessa linha, como propõe Silva Júnior (op. cit. p. 527), suponha-se que a autoridade brasileira solicite a um país estrangeiro que seja efetuada a quebra do sigilo telefônico. Ainda no plano da suposição, admita-se que, segundo a legis­ lação do país alienígena, para a produção da diligência solicitada, não haja necessidade de prévia autorização judicial e, por isso mesmo, aquele determine que a medida seja adotada sem o pronunciamento de autoridade judicial. Finalizada a cooperação jurídica internacional mediante o encaminhamento da gravação da conversa telefônica sem autorização judicial, seria o caso de indagar-se se o acusado podería, no processo, invocar o maltrato ao seu direito à inviolabilidade do sigilo telefônico, pois, conforme a Constituição brasileira, aquela diligência somente poderia ter sido cumprida com suporte em determinação dada por um juiz. À primeira vista, é possível sustentar que o direito fundamental assegurado na Cons­ tituição não tem com o barreira os limites territoriais brasileiros. Assim, mesmo em se tratando de diligência realizada em outro país, na medida em que o processo tramita no Brasil, as garantias previstas no texto constitucional devem ser respeitadas. No entanto, “a solução mais adequada é a recomendada pela regra de Direito Internacional, segundo a qual, na co­ operação jurídica entre dois países, o ato deve ser praticado segundo a legislação daquele que presta o auxílio. Até porque, em respeito à soberania, um país não pode impor ao outro a sua legislação, ainda que nada impeça que, no pedido de cooperação, diante da divergência

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entre os sistemas jurídicos, o Estado reque­ rente solicite que a diligência seja feita com a adoção de determinada formalidade, o que, na praxe internacional, motivada pelo princípio cooperativo, sempre é atendido, na medida em que tal não afronte a ordem pública do Estado requerido” (op. cit. p. 528). Acerca do assunto, aliás, no julgamento da Extradição n. 524, requerida pelo Paraguai, entendeu o Pleno do STF que, conquanto não seja possível, sob o manto do princípio da solidariedade entre os países, prestar-se a cooperação jurídica internacional em colaboração com pretensões que são inadmissíveis sob a ótica dos direitos fundamentais, não cabe, no seu exame de legalidade, ingressar na análise do mérito ou de questões de ordem formal para o fim, nes­ te caso, de enxergar eventuais nulidades. A decisão do Supremo reflete o posicionamento segundo o qual, em sede de cooperação jurídi­ ca entre países, devem ser respeitadas as regras de ordem formal referentes à condução dos processos judiciais em conformidade com as normas estabelecidas no ordenamento jurídico do país em que o processo tramita. Em síntese, verificando-se que a diligência investigatória realizada em outro país em atendimento a pe­ dido de cooperação jurídica internacional foi feita de acordo com o ordenamento jurídico do Estado estrangeiro, não há falar em nulidade ou ilicitude da prova quando esta for introduzi­ da no processo em curso no território nacional. Apresenta-se pertinente, assim, o acolhimento da cláusula de exclusão consubstanciada na tese da infração constitucional estrangeira. 15. Inutilização da prova ilícita: como vis­ to anteriormente, a sanção prevista na Consti­ tuição para a prova reconhecida ilícita é a sua inadmissibilidade processual (CF, art. 5o, LVI). Logo, a prova ilícita não pode ingressar nos autos do processo. Porém, a Carta Magna não prevê de modo expresso o que deverá ocorrer com a prova ilícita que, apesar da proibição, tiver ingressado nos autos do processo. A des­ peito do silêncio da Constituição Federal, com o advento da Lei n. 11.690/08, passou a constar expressamente do CPP que, “preclusa a deci­

são de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada p or decisão

judicial, facultado às partes acompanhar o inci­ dente” (art. 157, §3°). Mesmo antes da vigência da Lei n. 11.690/08, o Supremo Tribunal Fede­ ral já vinha reconhecendo a possibilidade de desentranhamento da prova obtida por meios ilícitos: STF, Pleno, Inq. 731 ED/DF, Rei. Min. Néri da Silveira, j. 22/05/1996, DJ 07/06/1996. Na verdade, como não existia dispositivo espe­ cífico sobre o desentranhamento, aplicava-se, por interpretação extensiva, o art. 145, IV do CPP, que determina o desentranhamento de documento falso. Da leitura do §3° do art. 157 do CPP percebe-se que, inicialmente, deve haver uma decisão determinando o desentra­ nhamento da prova declarada inadmissível. Ademais, uma vez preclusa tal decisão, a prova declarada inadmissível será inutilizada, sendo facultado às partes acompanhar o incidente. O §3° do art. 157 nada dispõe acerca do m o­ mento processual em que o magistrado deverá analisar a ilicitude da prova. A nosso ver, porém, é possível concluir que a apreciação da ilicitude da prova deve ocorrer o quanto antes possível, sobretudo de modo a se evitar que referida prova venha a contaminar outras. Logicamente, se eventual prova ilícita tiver sido produzida no bojo do inquérito policial, já se pode requerer seu desentranhamento. Se, no entanto, a despeito da ilicitude da prova, houver o oferecimento de denúncia pelo M i­ nistério Público e ulterior recebimento da peça acusatória, pensamos que o reconhecimento da ilicitude da prova deve ocorrer imediata­ mente após a apresentação da resposta à acu­ sação pela defesa. Assim, deverá o magistrado se pronunciar quanto à ilicitude de eventual prova constante dos autos no momento pre­ visto no art. 399 do CPP. Obviamente, caso a prova tenha sido apresentada em audiência, deve o magistrado se pronunciar quanto à sua ilicitude de imediato, afastando sua valoração de eventual sentença condenatória. Em ambas as situações, esse desentranhamento imediato há de se limitar a uma inutilização formal pro­ visória, devendo a prova ilícita ser preservada na secretaria judicial, para eventual retorno aos autos principais caso a decisão seja anu­ lada ou modificada. Com efeito, a inutilização formal definitiva e a inutilização material

TÍTULO V II. DA PROVA

(destruição) somente ocorrerão após a preclusão da decisão que reconheceu a ilicitude da prova. Se o magistrado, antes da preclusão da decisão que declarou a inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito, determinar sua destruição, a parte prejudicada poderá impetrar mandado de segurança com pedido de medida liminar, em virtude da violação ao direito líquido e certo à preservação da prova fora dos autos até a preclusão da deci­ são que determinou seu desentranhamento. O momento processual distinto em que se der a apreciação da (il)licitude da prova trará consequências distintas quanto ao recurso cabível. Se o magistrado reconhecer a inad­ missibilidade da prova antes da audiência una de instrução e julgamento, o recurso cabível será o recurso em sentido estrito. Explica-se: é bem verdade que, segundo o Projeto de Lei n. 4.206/01, caberia agravo de instrumento contra a decisão que declarasse lícita ou ilícita a prova. Porém, tal projeto não foi aprovado. Destarte, pensamos ser aplicável, por interpre­ tação extensiva, o disposto no art. 581, inciso X III, que prevê ser cabível recurso em sentido estrito contra a decisão que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte. Lado outro, caso não seja reconhecida a ilici­ tude da prova, será possível a impetração de habeas corpus em favor do acusado, desde que a imputação constante do processo refira-se à infração penal que preveja, pelo menos em tese, pena privativa de liberdade. Também se afigura cabível o mandado de segurança, seja em favor da acusação, apontando o direito líquido e certo à prova lícita, consectário do direito de ação, seja em favor do acusado, caso a infração penal não preveja pena privativa de liberdade. Em ambas as situações (reconheci­ mento ou não da ilicitude da prova), a matéria pode voltar a ser impugnada em preliminar de futura e eventual apelação, em face de cercea­ mento do direito de defesa ou de acusação. Se, no entanto, o reconhecimento da ilicitude da prova ocorrer durante a audiência una de ins­ trução e julgamento, sendo proferida sentença em seguida (CPP, art. 403, caput), o recurso a ser manejado será o de apelação, ainda que so­ mente se recorra quanto à questão probatória.

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Isso porque, segundo o disposto no art. 593, §4°, “quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra”. Preclusa a decisão que reconheceu a inadmis­ sibilidade da prova ilícita, prevê o art. 157, §3°, que haverá sua inutilização, facultado às partes acompanhar o incidente. Nesse ponto, o texto final aprovado pelo Congresso Nacional afastou-se do Projeto de Lei n. 4.205/01, cuja redação era a seguinte: “preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada ilícita, serão tomadas as providências para o arquiva­ mento sigiloso em cartório”. A nosso juízo, a solução proposta no projeto era a mais correta, não só sob o ponto de vista teórico, como também sob o ponto de vista prático. Isso porque, pela interpretação literal do art. 157, §3°, do CPP, preclusa a decisão que declarou a ilicitude da prova, e a consequente inadmissi­ bilidade de sua utilização no processo, deverá a prova ser inutilizada, ou seja, deverá haver a destruição física da prova - não por outro motivo, a própria lei prevê a possibilidade de acompanhamento do incidente de destruição pelas partes. Ocorre que, eventualmente, essa prova cuja ilicitude foi reconhecida pode ser o próprio corpo de delito de outra infração penal. Ademais, essa prova obtida de maneira ilícita pode pertencer licitamente a alguém (v.g., cartas que foram furtadas de seu des­ tinatário). Em tais hipóteses, como se pode cogitar de sua destruição física? Portanto, pensamos que a regra constante do art. 157, §3°, do CPP, deve ser interpretada com certo temperamento: preclusa a decisão que de­ clarou a inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito, esta deverá ser fisicamente destruída, salvo nas hipóteses em que a prova pertencer licitamente a alguém, e/ou nos casos em que a prova ilícita constituir-se em corpo de delito em relação a quem praticou o crime para obtê-la, hipótese em que tal prova deve ser utilizada no outro processo criminal em que o produtor da prova ilícita será respon­ sabilizado criminalmente. Por fim, quanto à sentença condenatória ou absolutória impró­ pria passada em julgado que tiver se baseado em provas ilícitas, sustenta a doutrina que tal

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decisão “será nula e poderá ser desconstituída pela via da revisão criminal, em que o juízo rescisório poderá absolver o réu. Mas se se tratar de habeas corpus, o tribunal deverá anu­ lar a sentença, indicando as provas viciadas e determinando seu desentranhamento. É ainda possível que outras provas padeçam de vício, por derivarem da prova ilícita, contaminando atos processuais sucessivos e ocasionando sua ineficácia” (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FER­ NANDES, Antônio Scarance. As nulidades no processo penal. 11a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 136). 16. Inutilização da prova ilícita no Tribu­ nal do Júri; no âmbito do Tribunal do júri, a temática pertinente à prova ilícita ganha especial relevo em virtude do fato de os jurados não poderem fundamentar seu voto. Tendo em conta que vige no júri o sigilo do voto do jura­ do (CF, art. 5°, XX X V III, “b”), não há como se saber qual foi o grau de influência que a prova ilícita exerceu sobre o jurado. Destarte, caso a prova ilícita tenha sido produzida ainda na primeira fase do procedimento do júri, deve o juiz sumariante, ao pronunciar o acusado, determ inar o desentranhamento da prova ilícita, deixando de levá-la em consideração na sua decisão. Se, no entanto, a prova ilícita tiver permanecido no processo ou nele ingressar após a pronúncia, ocorrendo o julgamento pelos jurados, deverá o Tribunal, em sede de recurso de apelação ou habeas corpus, reconhe­ cer a ilicitude da prova e, por consequência, determinar a anulação do julgamento, diante

da impossibilidade de se avaliar o grau de influência da prova ilícita sobre os jurados. 17. Descontam inação do julgado: apro­ vado pelo Congresso Nacional, o §4° do art. 157 do CPP tinha a seguinte redação: “o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão”. O objetivo do dispositivo era evitar que o juiz que tivesse contato com a prova ilícita viesse a julgar o caso, pois não teria isenção de ânimo suficiente para apreciar o caso concreto com a imparcialidade que dele se espera. É o que se denomina de desconta­ minação do julgado. Entretanto, o dispositivo acabou sendo vetado pelo Presidente da Repú­ blica, sendo explicitadas as seguintes razões: “o objetivo primordial da reforma processu­ al penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condi­ ções adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso. Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inad­ missível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada”.

Capítulo II DO EXAME DO CORPO DE DELITO, 1 2 E DAS PERÍCIAS EM GERAL3 6 Art. 158. Quando a infração deixar vestígios,7 será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto,8-10 não podendo supri-lo a confissão do acusado.

TÍTULO VII • DA PROVA

1. Corpo de delito: é o conjunto de vestígios materiais ou sensíveis deixados pela infração penal. A palavra corpo não significa necessa­ riamente o corpo de uma pessoa. Significa sim o conjunto de vestígios sensíveis que o delito deixa para trás, estando seu conceito ligado à própria materialidade do crime. Exempli­ ficando, suponha-se que haja um delito de latrocínio no interior de um apartamento. Nessa hipótese, o corpo de delito não se resu­ me ao cadáver, abrangendo também todos os vestígios perceptíveis pelos sentidos humanos, tais como eventuais marcas de sangue deixadas no chão, a arma de fogo utilizada para a prática do delito, eventuais sinais de arrombamento da porta do apartamento, etc. 2. Exame de corpo de delito: é uma análise feita por pessoas com conhecimentos técnicos ou científicos sobre os vestígios materiais dei­ xados pela infração penal para comprovação da materialidade e autoria do delito. Como o magistrado não é dotado de conhecimen­ tos enciclopédicos, e se vê obrigado a julgar causas das mais variadas espécies, afigura-se necessário recorrer a especialistas, os quais, dotados de conhecimentos específicos acerca do assunto, podem auxiliar o juiz no esclareci­ mento do fato delituoso. A depender do caso concreto, um mesmo corpo de delito pode ser submetido a vários exames periciais. Usando o mesmo exemplo citado acima, um perito oficial deverá comparecer ao apartamento em que o crime de latrocínio foi cometido, elaborando um laudo de exame de local de m orte violenta. O cadáver da vítim a será encaminhado aos médicos-legistas, os quais, após examiná-lo, elaborarão um laudo cadavérico, apontando qual teria sido a causa mortis. A arma de fogo apreendida no local do delito será submetida a exame pericial, a fim de se comprovar se teriam partido dela os disparos de arma de fogo, aferindo, ademais, sua potencialidade lesiva. 3. Perícias em geral: é comum a referência ao exame de corpo de delito como a única es­ pécie de exame pericial, o que não é verdade. Pela própria leitura do art. 159, caput, e do art. 6o, inciso V II, ambos do CPP - ambos fazem

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menção ao exame de corpo de delito e outras perícias -, depreende-se que o exame de corpo de delito é uma espécie de perícia, mas não é a única. Logo, apesar de o exame de corpo de delito ser o mais importante exame pericial, pois ligado aos vestígios deixados pela infração penal, há outros exames periciais com igual relevância, tais como os de verificação da sani­ dade mental do acusado, os de constatação da idade do acusado, etc. Tanto o exame de corpo de delito quanto os demais exames periciais têm natureza jurídica de meios de prova, pois funcionam como instrumentos através dos quais as fontes de prova são introduzidas no processo. 4. Valor probatório dos exames periciais: não se trata, o exame de corpo de delito (ou os demais exames periciais), de uma prova hie­ rarquicamente superior às demais. Na verdade, diante do reconhecimento da incapacidade de determinados meios nominados de prova para gerar um juízo de convicção mais seguro em relação a fatos específicos, torna-se necessário recorrer à prova técnica para a comprovação da existência de determinado elemento do delito. É o que ocorre, a título de exemplo, com a identificação de uma arcada dentária. Caso não fosse determinada a realização de exame pericial, subsistiría a dúvida quanto à identidade da pessoa, sendo inviável que o juiz suprisse a ausência do exame pericial com base em seus conhecimentos jurídicos. 5. A utoridade com petente para deter­ minar a realização dos exames periciais: em regra, o exame pericial pode ser determi­ nado tanto pela autoridade policial quanto pelas autoridades judiciária e ministerial. De acordo com o art. 6o, incisos I e V II, do CPP, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais, devendo, ademais, determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias. Importante ressalva deve ser feita quanto ao exame de sanidade mental, cuja determinação só pode ser feita

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pela autoridade judiciária. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, ojuiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou côn­ juge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal (CPP, art. 149, caput). O exame também poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da au­ toridade policial ao juiz competente (CPP, art. 149, §1°). Como colocado acima, a realização do exame pericial pode ser determinada, em regra, pelas autoridades policial, judiciária e ministerial. Porém, conquanto possam deter­ minar a realização do exame pericial, jamais poderão estabelecer à qual conclusão deverão chegar os peritos. Como estabelece o art. 2o da Lei n. 12.030/09, no exercício de atividade de perícia oficial de natureza criminal, é assegu­ rada ao perito autonomia técnica, científica e funcional. 6. Laudo pericial: é a peça técnica elaborada pelos peritos quando da realização do exame pericial. Para mais detalhes, remetemos o leitor aos comentários ao art. 160 do CPP.7 7. Obrigatoriedade do exame de corpo de delito (infrações transeuntes e não tran­ seuntes): no tocante à obrigatoriedade de realização do exame de corpo de delito, é importante diferenciarmos as infrações penais transeuntes das não transeuntes. Infrações pe­ nais transeuntes (delitos de fato transeunte ou délictafacti transeuntis) são as infrações penais que não deixam vestígios. Ex: crimes contra a honra praticados verbalmente. De seu turno, infrações penais não transeuntes (delito de fato permanente ou délictafactiperm anentis) são as infrações penais que deixam vestígios materiais. Ex: crime de homicídio cujo cadáver foi encontrado. Dessa classificação percebe-se que a relevância da realização do exame de corpo de delito recai sobre as infrações não transeuntes, pois tais delitos costumam deixar vestígios. Dizemos que costumam deixar ves­ tígios materiais porque, a depender do caso concreto, esses vestígios podem ter desapa­ recido. A título exemplificativo, suponha-se um crime de lesão corporal praticado com

violência doméstica e familiar contra a mulher, do qual tenham resultado graves ofensas à integridade corporal da vítima. Por temor do agressor, a vítima deixa de reportar de imediato o fato à autoridade policial, inviabilizando que os vestígios inicialmente deixados pelo delito sejam diagnosticados pelos peritos num exame pericial. Nesse caso, o desaparecimento dos vestígios do delito de lesão corporal impede a realização de exame pericial direto, porém não impede que a materialidade da infração seja comprovada por prova testemunhai, ex vi do art. 167 do CPP. 8. Exame de corpo de delito direto e indi­ reto: de modo a evitarmos repetições desne­ cessárias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 167 do CPP. 9. Casuística: tratando-se de delito de fato permanente, e sendo possível a realização do exame pericial, a materialidade da infração pe­ nal deve ser comprovada através de exame de corpo de delito direto. Há certa controvérsia, todavia, quanto à necessidade (ou não) de rea­ lização de exame de corpo de delito em relação a alguns delitos. Vejamos alguns exemplos. 9.1. Exposição à venda de mercadoria em condições impróprias ao consum o (Lei n. 8.137/90, art. 7o, IX): em precedentes mais antigos, a I a Turma do STF e a 6a Turma do STJ sustentavam que não haveria necessidade de exame pericial para a comprovação da materialidade de tal delito, porquanto o pro­ duto com prazo de validade vencido já traria ínsita uma presunção de perigo. Em julgados mais recentes, todavia, os Tribunais Superio­ res passaram a entender que a tipificação do crime sob comento exige a comprovação da impropriedade do produto para uso, pelo que imprescindível a realização de exame pericial para aferir a nocividade dos produtos apre­ endidos, comprovando que a mercadoria era inadequada ao consumo. -f Jurisprudência selecionada:

STF: “(■.■) A tipificação da figura penal definida no art. 7°, IX, da Lei n° 8.137/90, por ser norm a penal em bran­ co, foi adequadam ente preenchida pelo art. 18, § 6 °, I,

TÍTULO VII • DA PROVA

do C ó d ig o de Defesa d o Consumidor, que define com o im próprio ao uso e con su m o produto cujo prazo de va­ lidade esteja vencido. A exposição à venda de produto em condições im próprias ao c on su m o já configura o delito, que é formal e de mera conduta, con su m and o-se com a sim ples ação d o agente, sendo dispensável a

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Logo, na hipótese de furto qualificado pelo arrombamento de porta e janela da residência, se o rompimento de obstáculo não for com­ provado por perícia técnica, não é possível o reconhecimento da referida qualificadora.

com provação da im propriedade material. Recurso de Habeas C orpus improvido". (STF, 1aTurma, RHC 80.090/ SP, Rei. Min. limar Galvão, DJ 16/06/2000). Na m esm a linha: STJ, 6aTurma, RH C 15.087/SP, Rei. Min. Ham ilton Carvalhido, DJ 05/02/2007 p. 379.

STF:"(...) Agentes que fabricam e mantém em depósito, para venda, produtos em desconform idade com as norm as regulam entares de fabricação e distribuição. Im putação d o crime d o inciso IX d o art. 7o da Lei n° 8.137/90. Norm a penal em branco, a ter seu conteúdo preenchido pela norm a d o inciso II d o § 6° d o art. 18 da Lei n° 8.078/90. São im próprios para con su m o os p ro du tos fabricados em desacordo com as norm as regulam entares de fabricação, distribuição ou apre­ sentação. A criminalização da conduta, todavia, está a exigir d o titular da ação penal a com provação da im prop rie d ade d o p ro d u to para uso. Pelo q u e im ­ prescindível, no caso, a realização de exam e pericial para aferir a nocividade d o s produtos apreendidos. Ordem concedida". (STF 1a Turma, H C 90.779/PR, Rei. Min. Carlos Britto, DJe 202 23/10/2008).

STJ:"(...) Para caracterizar o elemento objetivo d o crime previsto no art. 7.°, inciso IX, da Lei n.°8.137/90, referen­ te a produto "em condições im próprias ao consumo", faz-se indispensável a dem onstração inequívoca da potencialidade lesiva ao con su m id or final. N o caso, foi realizada a apreensão de carne bovina, por fiscais sanitários, por estar arm azenada em desacordo com a legislação vigente. N o entanto, as irregularidades constatadas não perm item concluir que o produto estava im próprio ao consum o, sendo imprescindível exame pericial para atestara nocividade da mercadoria apreendida. Recurso desprovido". (STJ, 5aTurma, REsp 1.113.330/RS, Rei. Min. Laurita Vaz, DJe 01/03/2010).

STJ: "(...)



Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O entendim ento desta Corte é no sentido de que para incidir a qualificadora prevista no art. 155, § 4°, inciso I, d o C ó d ig o Penal é indispensável a realiza­ ção de perícia, a fim de se constatar o rom pim ento de obstáculo. N o caso, com o bem ressaltou o Ministério Público Federal em seu parecer (e-fl. 60), "a infração deixou vestígios materiais. Logo, a prova pericial seria essencial. Inexistente o laudo, não haveria co m o reco­ nhecer a incidência da qualificadora de rom pim ento de obstáculo.” O rdem concedida para, afastando da condenação o acréscim o decorrente da qualificadora d o rom pim ento de obstáculo (art. 155, § 4°, I, d o CP), reduzir a pena decorrente da condenação pelo crime de furto - art. 155 d o CP - para 1 (um) ano e 6 (seis) m e­ ses de reclusão, m ais 15 (quinze) dias-multa, mantido, o regim e prisional aberto". (STJ, 6a Turma, HC 207.588/ DF, Rei. Min. O g Fernandes, j. 23/8/2011).

9.3. Furto qualificado pela escalada (CP, art. 155, §4°, II): ainda que não tenha sido realizado exame de corpo de delito, pode ser reconhecida a referida qualificadora na hipóte­ se em que a dinâmica delitiva tiver sido regis­ trada por meio de sistema de monitoramento com câmeras de segurança e a materialidade do crime qualificado puder ser comprovada por meio das filmagens e também por fotos e testemunhos, nos termos do art. 167 do CPP. ♦

Jurisprudência selecionada:

Para a con figu ração d o delito previsto no

art. 7o, inciso IX, da Lei n.° 8.137/1990, necessária a com provação, m ediante perícia, de que a mercadoria esteja inadequada ao consum o. Recurso improvido". (STJ, 5aTurma, REsp 1.154.774, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 06/04/2010, DJe 28/06/2010).

9.2. Furto qualificado pelo rompimento de obstáculo à subtração da coisa (CP, art. 155, §4°, I): se se trata de delito que deixa vestígios, torna-se indispensável a realização de perícia para a sua comprovação, a qual somente pode ser suprida por prova testemunhai quando de­ saparecerem os vestígios de seu cometimento ou se esses não puderem ser constatados pelos peritos, nos termos do arts. 158 e 167 do CPP.

STJ: “(...) Estando devidam ente dem onstrada a exis­ tência de provas referentes à utilização da escalada para realizar o furto, por m eio de film agem , fotos e testem u n hos, ain da que n ão tenha sid o realizado exam e de corpo de delito - o qual pode ser suprido pela prova testemunhai, nos term os d o que disciplina o art. 167 d o C ó d igo de Processo Penal -, não há se falar em violação ao art. 155, § 4°, inciso II, d o C ó d ig o Penal, encontrando-se, dessarte, legalm ente com provada a materialidade. N ão pod e o processo penal andar em d e sco m p asso com a realidade, desconsiderando-se elem entos de prova mais m odernos e reiteradamente u sados. C o m efeito, atualm e nte existem inúm eros recursos aptos a registrar im agens, as quais, na m aio­ ria das vezes, p od em revelar de form a fiel a dinâm ica delitiva e as circunstâncias d o crime praticado. Recurso especial a que se n ega provimento". (STJ, 5a Turma,

O

Art.158

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

REsp 1.392.386/RS, Rei. Min. M arco Aurélio Bellizze, j. 03/09/2013).

9.4. Violação de direitos autorais prevista no art. 184, §2°, do CP: para a comprovação da prática do referido crime, é dispensável a identificação dos produtores das mídias ori­ ginais no laudo oriundo de perícia efetivada nos objetos falsificados apreendidos, sendo, de igual modo, desnecessária a inquirição das supostas vítimas para que elas confirmem eventual ofensa a seus direitos autorais. Com ­ provada a materialidade delitiva por meio da perícia (CPP, art. 530-D ), é totalmente desnecessária a identificação e inquirição das supostas vítimas, até mesmo porque o ilícito em exame é apurado mediante ação penal pública incondicionada, nos termos do inciso II do artigo 186 do CP. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O

procedim ento a ser o bservado n os casos

irrelevante indagar-se acerca da eficácia da arma ou das munições para a configuração dos crimes de porte ilegal de arma de fogo, sendo, assim, despicienda, do ponto de vista jurídico, a falta ou nulidade do laudo pericial. Nesse sentido, a I a Turma do STF reputou configurado o crime previsto no caput do art. 16 da Lei 10.826/2003, uma vez que restara atestada a materialidade delitiva por outros meios de prova. + Jurisprudência selecionada:

STF: "(...) A

objetividade jurídica d o s delitos previs­

to s na Lei 10.826/03 tran scen d e a m era proteção da in co lu m id ade pessoal, para alcançar tam b é m a tutela da liberdade individual e de tod o o corpo social, a sse gu rad a s am b as pelo increm ento d o s níveis de segurança coletiva que a lei propicia. Despicienda a ausência ou nulidade d o laudo pericial da arm a ou da m unição para a aferição da materialidade d o delito. (...) Writ conhecido em parte, de n e gan d o -se a ordem na parte conhecida". (STF, 1aTurma, HC 93.876/RJ, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 208 05/11/2009).

de crimes contra a propriedade imaterial perseguidos

STF:"(...) É desnecessária a realização de perícia para a

m ediante ação penal pública, c o m o é o caso d o s au­

configuração d o crime de porte ilegal de arma".

tos, encontra-se disposto n os artigos 530-B a 530-H

STF: "(...)

d o C ó d ig o de Processo Penal, m erecendo destaque

A teor d o d isp o sto no artigo 25 da Lei n° 10.826/2003, apreendida arm a de fogo, acessório ou

o que contido nos artigos 530-B a 530-D, pelos quais

munição, cum pre proceder-se a perícia elaborando-se

a autoridade policial apreenderá os bens objeto do

laudo para juntada ao processo. O ab an do n o da form a­ lidade legal implica a im possibilidade de ter-se com o

delito, que serão subm etidos à perícia, que integrará os autos d o processo. O exame técnico tem por finalidade atestar a ocorrência ou não de reprodução procedida

configurado o tipo". (STF, 1a Turma, HC 97.209/SC, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 16/03/2010, DJe 71 22/04/2010).

c om violação aos direitos autorais, se nd o desneces­ sária a identificação das su p ostas vítimas, até m esm o porque o ilícito em exam e é, consoante c o n sign ad o alhures, p erseguido m ediante ação penal pública in­ condicionada, nos term os d o inciso lid o artigo 186 do Estatuto Repressivo. C om p rovad a a materialidade do crime previsto no § 2o d o artigo 184 d o C ó d ig o Penal por m eio da perícia que atestou serem falsificados os cd's e dvd's ap reendidos com o paciente, m ostra-se totalm ente dispensável e irrelevante a inquirição dos produtores das m ídias a partir das quais teriam sido feitas as cópias com ele encontradas para confirmarem que seus direitos autorais teriam sido violados. (...)". (STJ, 5a Turma, H C 191.568/SP, Rei. Min. Jorge Mussi,j.

9.6. Majorante do em prego de arma no crime de roubo (CP, art. 157, §2°, inciso I): muito se discute acerca da necessidade de apre­ ensão da arma de fogo e subsequente exame pericial para fins de incidência (ou não) da majorante do inciso I do art. 157, §2°, do CP, sobretudo nas hipóteses em que o agente se livra da arma durante uma possível tentativa de fuga. O tema será objeto de análise nos comentários ao art. 175 do CPP, para onde remetemos o leitor.

07/02/2013, DJe 19/02/2013).

9.5. Crimes previstos no Estatuto do D e ­ sarm am ento (Lei n. 10.826/03), especifi­ camente no tocante à ausência do laudo pericial da arma de fo go ou da munição atestando a sua potencialidade lesiva: há precedentes do Supremo no sentido de ser

10. Ausência do exame de corpo de de­ lito: se a lei estabelece a obrigatoriedade da realização do exame de corpo de delito quando a infração penal deixar vestígios (CPP, art. 158), indaga-se: supondo-se que o exame de corpo de delito não tenha sido realizado, deve ser declarada a nulidade ab initio do processo

TlTULO VII • DA PROVA

ou o acusado deve ser absolvido por ausência de prova da materialidade da infração penal? Inicialmente, vale lembrar que, segundo o art. 564, inciso III, “b”, do CPP, haverá nulidade por falta do exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no art. 167 do CPP. Como o art. 572 do CPP não ressalvou essa nulidade dentre aquelas que podem ser sanadas (ou seja, nulidades relati­ vas), conclui-se que se trata de uma nulidade absoluta. Logo, se era possível a realização do exame direto, ou, ainda, se a ausência do exame direto não foi suprida pelo exame de corpo de delito indireto, deverá o processo ser anulado, a partir do momento em que o laudo deveria ter sido juntado ao processo. Afinal de contas, é a própria lei que estabelece que, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito. Situação distinta diz respeito à falta de comprovação do corpo de delito, direto ou indireto, sem que essa ausên­ cia possa ser suprida pela determinação de rea­

Aft. 159

lização do exame pericial. A título de exemplo, suponha-se que, ao final de um processo por tráfico de drogas, verifique o juiz a ausência de exame pericial atestando a natureza da droga. Em situação como essa, caso ainda seja possível a realização do exame pericial, nada impede que o magistrado determine a produção da prova pericial, valendo-se de seus poderes instrutórios (CPP, art. 156, inciso II). Porém, se acaso não houver sido guardada uma pequena quantidade da droga para uma contraprova, sendo inviável a realização do exame pericial, o magistrado jamais poderá condenar o acusado pelo delito de tráfico e/ou porte de drogas para consumo pessoal, na medida em que não há comprovação da materialidade da infração, sendo inviável que a prova testemunhai supra a ausência do exame pericial. Nesse caso, ine­ vitavelmente, deve o magistrado prolatar uma sentença absolutória, por ausência de prova da materialidade da infração penal, nos termos do art. 386, inciso II, do CPP.

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito1-2oficial,3-s portador de diploma de curso superior. (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) §1 ° Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.6-7 (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) §2° Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.8 (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) §3° Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos9e indicação de assistente técnico.10-11 (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) §4° O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.12 (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) §5° Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) I - requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para res­ ponderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo com­ plementar;13 (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) II - indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008)

Art. 159

,

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

§6° Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.14(Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) §7°Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.15 (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) 1. Perito: é um auxiliar do juízo, dotado de conhecimentos técnicos ou científicos sobre determinada área do conhecimento humano, que tem a função estatal de proceder à reali­ zação de exames periciais, fornecendo dados instrutórios de ordem técnica indispensáveis para a decisão do caso concreto. Tem natureza jurídica de sujeito de prova, pois é alguém que irá trazer elementos de prova para a formação do convencimento do magistrado. A ele são aplicáveis as regras de impedimento e suspeição (CPP, art. 280), sendo que as partes não podem intervir na escolha do perito, mesmo em se tratando de crime de ação penal privada, tal qual dispõe o art. 276 do CPP. Os peritos podem ser de duas espécies: peritos oficiais ou não oficiais. Em ambas as hipóteses, o perito deve ser portador de diploma de curso superior, sendo que, no caso de perito não oficial, o diploma de curso superior deve ser preferencialmente na área específica. 2. Funcionário público para fins penais: tanto o perito oficial quanto o perito não oficial são considerados funcionários públicos para os fins do art. 327 do Código Penal. O primeiro, por ser titular de cargo público. O segundo, por exercer, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, função pública. Portanto, supondo que determinado perito, oficial ou não oficial, exija, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, responderá pelo crime de concussão, previsto no art. 316 do Código Penal. 3. Perito oficial: é o funcionário público de carreira que tem a função de realizar pe­ rícias determinadas pela autoridade policial

ou judiciária. De acordo com o art. 5o da Lei n. 12.030/2009, observado o disposto na legislação específica de cada ente a que o pe­ rito se encontra vinculado, são peritos de natureza criminal os peritos criminais, peritos médico-legistas e peritos odontologistas com formação superior específica detalhada em regulamento, de acordo com a necessidade de cada órgão e por área de atuação profissional. 4. Número de peritos oficiais: antes da en­ trada em vigor da Lei n. 11.690/08, dispunha o Código de Processo Penal que os exames de corpo de delito e as outras perícias seriam feitas por dois peritos oficiais (revogado art. 159, caput). Ademais, caso não houvesse dois peritos oficiais, o exame deveria ser realizado por duas pessoas idôneas (antiga redação do §1° do art. 159 do CPP). Se a perícia não fosse feita por dois peritos, caracterizada estaria uma nulidade relativa, cujo reconhecimento ficava condicionado à comprovação de prejuízo e à arguição oportuna. Acerca do assunto, dis­ punha a súmula n. 361 do Supremo Tribunal Federal: “No processo penal, é nulo o exame re­ alizado por um só perito, considerando-se im­ pedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão”. Com as modifi­ cações introduzidas pela Lei n. 11.690/08 no Código de Processo Penal, caso a perícia seja feita por perito oficial, basta apenas um perito. É esse o teor do art. 159, caput, do CPP. Apesar de o Código de Processo Penal prever no art. 159, caput, que basta um só perito oficial para a realização do exame pericial, vale ressaltar que, cuidando-se de perícia complexa, assim entendida como aquela que abrange mais de uma área de conhecimento especializado, nada impede que a autoridade policial ou judiciária

TÍTULO VII • DA PROVA

designe mais de um perito oficial, nos exatos termos do art. 159, §7°, do CPP. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O

Enunciado n° 361 da Súm ula da Jurispru­

dência D om inante d o Suprem oTribunal Federal não é aplicável aos peritos oficiais, de sorte que, na espécie, exsurge válido o laudo pericial assin ado por um só perito da Polícia Federal. Precedentes d o Su p rem o Tribunal Federal: HC 95595, Relator(a): M in. E RO S GRAU, S e gu n d a Turma, ju lga d o em 04/05/2010. HC 72921, Relator(a): M in. C A R L O S VELLOSO, Se g u n d a Turma, ju lgad o em 21/11/1995). (...)". (STF, 1a Turma, HC 115.530/PR, Rei. Min. Luiz Fux, j. 25/06/2013, DJe 15813/08/2013).

5. Número de peritos à luz da legislação especial: ainda em relação ao número de peritos, especial atenção deve ser dispensada à legislação especial, senão vejamos: a) De acor­ do com o art. 50, §§ 1° e 2o da Lei n. 11.343/06, o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga pode ser firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea, sendo que o perito que subscrever esse laudo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo; b) No âmbito processual penal militar, dispõe o art. 318 do CPPM que as perícias serão, sempre que possível, feitas por 2 (dois) peritos, especializados no assunto ou com habilitação técnica, devendo ser nome­ ados de preferência dentre oficiais da ativa, atendida a especialidade. Se o CPPM prevê que a perícia será feita por 2 (dois) peritos, sempre que possível, implicitamente admite que seja feita por um único perito; c) Em se tratando de crimes contra a propriedade imaterial, dispõe o art. 530-D, do CPP, que, após a apreensão dos objetos que constituam o corpo de delito, será realizada, por perito oficial, ou na falta deste, por pessoa tecnicamente habilitada, perícia sobre todos os bens apreendidos e elaborado o laudo que deverá integrar o inquérito policial ou o processo; d) Como decorrência dos prin­ cípios da informalidade, celeridade e economia processual, que norteiam o processo perante o Juizado Especial Criminal, dispõe o art. 77, § 1°, da Lei n. 9.099/95, que, para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo circunstanciado de ocorrência, com dispensa do inquérito policial, prescindir-

Alt. 159

-se-á do exame de corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente. De se ver, portanto, que o rigor do CPP quanto à necessidade de exame de corpo de delito acaba sendo mitigado pela Lei n. 9.099/95, onde a materialidade da infração penal pode ser com­ provada por intermédio de um simples boletim médico; e) A lei que dispõe sobre falência e recuperação judicial prevê que, no relatório que o administrador judicial deve apresentar sobre as causas e circunstâncias que conduzi­ ram à situação de falência, no qual apontará a responsabilidade civil e penal dos envolvidos, deverá ser apresentada ao juiz da falência expo­ sição circunstanciada, considerando as causas da falência, o procedimento do devedor, antes e depois da sentença, e outras informações detalhadas a respeito da conduta do devedor e de outros responsáveis, se houver, por atos que possam constituir crime relacionado com a recuperação judicial ou com a falência, ou outro delito conexo a estes, sendo que essa exposição circunstanciada será instruída com

laudo do contador encarregado do exame da escrituração do devedor (Lei n. 11.101/05, art. 186, caput, e parágrafo único). 6. Perito não oficial: pelo menos em regra, o exame de corpo de delito e outras perícias devem ser realizados por um perito oficial. No entanto, na hipótese de falta de perito oficial, o art. 159, §1°, do CPP, autoriza expressamente que o exame seja realizado por 2 (dois) peritos não oficiais. Perito não oficial ou inoficial é a pessoa idônea (adequada e dotada de condi­ ções para realizar determinadas atividades) nomeada pelo juiz ou pela autoridade policial para realizar determinado exame pericial. A expressão perito leigo não é de todo adequada. A uma porque o perito não oficial deve ser portador de diploma de curso superior pre­ ferencialmente na área específica relacionada com a natureza do exame. A duas porque a nomeação desse perito pode ocorrer exata­ mente pelo fato de possuir uma especialização necessária não preenchida por peritos oficiais da comarca. Nada impede que funcionários públicos, inclusive policiais, sejam nomeados como peritos não oficiais. É o que acontece, comumente, em cidades menores, em que um

Art.159

\

v

CPP COMENTADO- R enato B rasileiro de L ima

médico do posto de saúde é nomeado pela autoridade policial para realizar determinado exame pericial de lesões corporais. Como esse médico não está investido regularmente no cargo de perito por concurso público, o simples fato de ser funcionário da Secretaria de Saúde do Município e ter sido nomeado perito não o transforma em um perito oficial. Também não há óbice à nomeação de policiais como peritos não oficiais, notadamente em exames envolvendo eficiência de armas de fogo. Con­ soante disposto no art. 159, §1°, do CPP, esses peritos não oficiais devem ser portadores de diploma de curso superior preferencialmente na área específica dentre as que tiverem ha­ bilitação técnica relacionada com a natureza do exame. No entanto, há precedente da 2a Turma do Supremo reconhecendo a validade de exame feito por dois peritos não oficiais não portadores de diploma de curso superior, por­ quanto evidenciado que possuíam habilitação técnica para a realização do exame pericial em questão. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O

laudo pericial foi firm ado por dois peritos

não oficiais, am b os bacharéis, que prestaram com p ro ­

2aTurma, HC 98.306/RS, Rei. Min. Ellen Gracie, DJe 218 19/11/2009).

STJ:"(...) A possibilidade da realização d o laudo pericial por duas pessoas idôneas e portadoras de diplom a de curso superior, q u an d o inviável a efetivação d o exame por peritos oficiais, está am parada no art. 159, § 1°, do C ó d ig o de Processo Penal, sem nenhum a restrição ao fato delas serem policiais. Recurso especial provido". (STJ, 5a Turma, REsp 1.416.392/RS, Rei. M in. M o u ra Ribeiro, j. 19/11/2013).

7. Núm ero de peritos não oficiais: se há necessidade de apenas um perito oficial para a realização do exame de corpo de delito e das demais perícias, quando houver a neces­ sidade de nomeação de peritos não oficiais, os exames devem ser realizados por 2 (duas) pessoas. Diante das alterações produzidas pela Lei n. 11.690/08, conclui-se que a sú­ mula 361 do STF passa a ter seu âmbito de aplicação restrito às perícias feitas por pe­ ritos não oficiais, em que o exame deve ser considerado nulo quando realizado por um só perito. Na esteira do que já se entendia anteriormente, tal nulidade terá caráter rela­ tivo, sendo imprescindível, por conseguinte, a comprovação do prejuízo e a arguição em momento oportuno.

m isso d e bem e fielmente proceder à perícia na arma de fo g o apreendida em poder d o paciente. Tudo em conform idade com o que determ ina a lei processual, não havendo m otivos para se declarar qualquer nulidade. A qualidade de policial do s peritos é irrelevante para a validade ou não da perícia. Precedentes. Existin­ d o elem entos probatórios que perm itam ao julgad or form ar sua con vicção n o se n tid o da existência do crime de porte ilegal de arm a de fo g o im pu tado ao acusado, torna-se desnecessária a realização d o exame pericial. Precedentes. Writ denegado". (STF, 2a Turma, HC 100.860/RS, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 17/08/2010,

+ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O fato d o exam e de corpo de delito ser su b s­ crito por apenas um perito oficial, conquanto caracteri­ ze nulidade, à luz d o disposto no art. 159, § 1°, d o CPP, é vício de natureza relativa, que pressupõe a alegação no m om e nto oportuno, bem com o a verificação de prejuízo para a parte, se nd o que este não houve no caso. (...) Recurso conhecido em parte e, nessa parte, desprovido". (STJ, 5a Turma, RHC 11.278/MG, Rei. Min. Felix Fischer, DJ 20/08/2001 p. 494).

DJe 207 27/10/2010).

STF:"(...) O s pacientes foram con de n ado s pela prática d o delito previsto no art. 16, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/03. A pistola apreendida estava m uniciada e o laudo pericial concluiu que a arm a se m ostrou eficaz para produzir disparos. A perícia foi realizada por dois policiais, n o m e a d o s pelo D e le g a d o de Polícia, que assum iram o com promisso, sob as penas da lei, de bem e fielmente desem penharem o encargo. Ain da que o laudo pericial não tenha inform ado se o s peritos no­ m eados para o exam e tinham ou não diplom a de curso superior, é inegável que, enquanto policiais, possuíam a necessária habilitação técnica para aferir a eficácia de um a arm a de fogo. H abeas corpus denegado". (STF,

8. Com prom isso de bem e fielmente de­ sempenhar o encargo: os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. Para a doutrina e para a jurisprudência, a ausência desse compromis­ so configura mera irregularidade. 9. Formulação de quesitos pelas partes: quesitos são indagações direcionadas aos pe­ ritos, que devem ser respondidas quando da elaboração do laudo pericial. Ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido,

TÍTULO VII • DA PROVA

ainda que não habilitado como assistente do

Parquet, ao querelante e ao acusado é facultada a formulação de quesitos. Sua apresentação é mera faculdade dos legitimados. 10. Assistentes técnicos: com a Lei n. 11.690/08, foi introduzida no processo penal a figura do assistente técnico, outrora prevista tão somente no processo civil. O assistente téc­ nico deve ser compreendido como um auxiliar das partes, dotado de conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, responsável por tra­ zer ao processo informações especializadas pertinentes ao objeto da perícia. É o perito de confiança da parte, que irá atuar na perspectiva de ratificar, complementar, ou infirmar o laudo oficial, consolidando a tese acusatória ou de­ fensiva. Pelo fato de ser indicado pelas partes, é natural que o assistente seja nitidamente parcial. O fruto do seu trabalho é o parecer técnico, onde deve apresentar conclusões de ordem científica com o objetivo de melhor informar o magistrado no sentido da busca da verdade. 11. Distinção entre assistentes técnicos e peritos: o assistente técnico diferencia-se do perito pelos seguintes motivos: a) Tratando-se de auxiliar das partes, é evidente que, da sua atuação, não se pode esperar a mesma imparcialidade que permeia a atuação do pe­ rito. Destarte, ao contrário dos peritos, os assistentes técnicos não se sujeitam às causas de impedimento e suspeição; b) Ao contrário dos peritos oficiais ou não oficiais, os assis­ tentes técnicos não podem ser considerados funcionários públicos, na medida em que não exercem cargo, nem tampouco função pública; c) Como o crime de falsa perícia previsto no art. 342 do Código Penal é um crime de mão própria, tendo como sujeito ativo apenas o perito, eventuais falsidades cometidas pelo assistente técnico não configuram o referido delito. A depender do caso concreto, todavia, poderá restar caracterizado o delito de falsi­ dade ideológica (CP, art. 299), caso seja com­ provado que o assistente técnico omitiu em seu parecer declaração que dele devia constar, nele inseriu ou fez inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser. escrita, com o fim de

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prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Logicamente, a prática do delito de falsidade ideológica está condicionada à inserção de um dado objetivo falso em seu parecer, jamais po­ dendo ser censurada criminalmente eventual opinião do assistente técnico distinta daquela firmada pelos peritos. 12. M om ento para a indicação de assis­ tente técnico: o assistente técnico só pode ser indicado pelas partes durante o curso do processo judicial. Segundo o art. 159, §4°, do CPP, o assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos ofi­ ciais, sendo as partes intimadas desta decisão. Como se percebe, admitidos pelo magistrado, os assistentes técnicos indicados pelos interes­ sados devem aguardar o término do exame fei­ to pelo perito oficial (ou pelos dois peritos não oficiais) para, somente então, poder atuar. Não haverá exame conjunto, nem tampouco tem o perito oficial a obrigação de designar data específica para que todos acompanhem 0 seu trabalho. Na mesma linha, o Código também dispõe que, durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia, indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (CPP, art. 159, §5°, II). Por fim, e ainda segundo as alterações introduzidas no CPP pela Lei n. 11.690/08, havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação (CPP, art. 159, §6°). Não se admite, portanto, a inter­ venção do assistente na fase investigatória. 13. Esclarecimentos dos peritos: no curso do processo judicial, as partes podem requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, podendo apresentar as respostas em laudo complemen­ tar (CPP, art. 159, §5°, I). O dispositivo legal sob comento visa resguardar o contraditório em relação à prova pericial, geralmente feita

Art. 160

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

durante as investigações preliminares, logo, sem a obrigatoriedade de participação dialética das partes. Perceba-se que esses esclarecimen­ tos do perito oficial (ou dos dois peritos não oficiais) podem ser prestados de duas formas distintas: a) oitiva dos peritos durante a audi­ ência una de instrução e julgamento - o art. 400, caput, do CPP, faz referência expressa aos esclarecimentos dos peritos logo após a oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa; b) apresentação de laudo complemen­ tar com respostas aos quesitos apresentados pelas partes. Ante a carência de peritos no ter­ ritório nacional, parece-nos que o ideal é que se dê prioridade aos esclarecimentos dos peritos por meio de laudo complementar, evitando-se, assim, desnecessário comparecimento do expert ao fórum para participar da audiência una de instrução e julgamento, o que, em tese, permite que o auxiliar do juízo permaneça em seu ambiente de trabalho dando prossegui­ mento a outros exames periciais, igualmente importantes. Na verdade, se os esclarecimen­ tos já foram prestados pelo perito, é evidente que seu comparecimento em juízo para mera ratificação oral do laudo complementar seria espécie de prova protelatória, logo, passível de indeferimento pelo magistrado, nos termos do art. 400, §1°, do CPP. Para que o perito preste tais esclarecimentos, o mandado de intima­ ção para comparecimento à audiência una de instrução e julgamento ou os quesitos a serem esclarecidos devem ser encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias. Trata-se de prazo processual, contando-se, portanto, da data da audiência para trás. Na eventualidade de o decêndio não ser observado, o perito não estará obrigado a comparecer à audiência. No entanto, se o fizer, não haverá qualquer nulidade, vez que o prazo foi estabelecido em seu benefício.

14. Material para contraprova: o perito oficial - ou os dois peritos não oficiais - deve guardar material suficiente para a realização de contraprova, ou seja, para a eventual análise de outros técnicos, sejam eles outros peritos nomeados pelo Delegado de Polícia (ou pelo Juiz), sejam eles assistentes técnicos indicados pelas partes. Afinal, não houvesse a preserva­ ção do material para eventual contraprova, di­ ficilmente seria possível a realização de outros exames periciais para que fossem apresentadas opiniões concordantes ou díspares com o laudo pericial constante dos autos do processo. À evidência, a preservação desse material está ligada diretamente à natureza do objeto da perícia, leia-se, à possibilidade de conservação. Deveras, se, de um lado, é possível o arma­ zenamento de pequena amostra necessária à realização do exame toxicológico definitivo no caso de drogas (Lei n. 11.343/06, art. 50, §3°, com redação dada pela Lei n. 12.961/14), de outro, não é possível que um cadáver seja armazenado, haja vista a necessidade de sepultamento. Para fins de elaboração de seus pareceres técnicos, os assistentes terão acesso ao referido material no ambiente do órgão oficial, sempre assistidos por um perito oficial - não necessariamente por aquele que realizou o exame inicial - , o que significa dizer que o material não pode ser retirado daquele local. 15. Perícia com plexa e d esignação de mais de um perito oficial (e indicação de mais de um assistente técnico): perícia com­ plexa é aquela que abrange mais de uma área de conhecimento especializado. Nesse caso, nada impede que a autoridade policial (ou judiciá­ ria) designe mais de um perito oficial para a realização do exame de sanidade mental, sem prejuízo da indicação de mais de um assistente técnico pelas partes.

Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial,''5 onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formula­ dos. (Redação dada pela Lei n. 8.862, de 28.3.1994) Parágrafo único. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 dias, podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos.6 (Redação dada pela Lei n. 8.862, de 28.3.1994)

TÍTULO VII • DA PROVA

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-J g Q

1. Laudo pericial: é a peça técnica elaborada pelos peritos quando da realização do exame pericial. Subdivide-se em 4 (quatro) partes: a) preâmbulo: qualificação do perito oficial ou dos peritos não-oficiais e do objeto da perícia; b) exposição: narrativa de tudo que é observado pelos experts; c) fundamentação: motivos que levaram os experts à conclusão final; d) conclusão técnica: resposta aos que­ sitos formulados.

relativa, daí porque imprescindível a compro­ vação do prejuízo.

2. M om ento para a juntada do laudo pe­ ricial: em regra, o laudo pericial não funciona como condição de procedibilidade da ação penal, o que significa dizer que o laudo peri­ cial não é peça indispensável para o início do processo. Portanto, o laudo pode ser juntado aos autos ao longo de todo o processo. No entanto, diante do silêncio da lei, questiona-se até quando essa juntada pode ocorrer. Como o acusado deve ter conhecimento de tudo que contra ele foi produzido ou venha a ser utiliza­ do, a fim de que possa exercer o seu direito de fazer a contraprova, apresentando elementos probatórios para se contrapor ao trazido aos autos pelo exame pericial, queremos crer que o laudo pericial deve ser juntado aos autos antes da audiência una de instrução e julga­ mento, com antecedência mínima de 10 (dez) dias. Explica-se: o próprio Código de Processo Penal prevê que, durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia, requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encami­ nhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar (CPP, art. 159, §5°, I). Ora, se a própria lei prevê que o requerimento da oitiva dos peritos para esclarecerem a prova pericial deve ser feito com antecedência mínima de 10 (dez) dias, é evidente que a parte só poderá considerar a possibilidade de solicitar esclare­ cimentos caso já tenha tido ciência do laudo pericial que foi juntado aos autos do processo. De todo modo, mesmo que o laudo pericial seja juntado extemporaneamente, prevalece o entendimento de que se trata de mera nulidade

sua existência" não é necessário o exam e de corpo de

•f Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Exame de corpo de delito: não é indispensável ao oferecim ento da denúncia, p o d e n d o realizar-se no curso d o processo; de qualquer sorte, prescinde-se d o exam e pericial direto, se é im putável ao acusado a so n e ga ção d o docum en to o n d e se materializaria a falsidade material; de resto, há im putação tam bém de falsidade ideológica, à prova da q u a l" sendo certa a delito". (STF, I o turma, HC 78.719, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 25/06/1999).

STJ:"(...)

Ain da q u a n d o se cuide de infração penal

transeunte, a ausência de exam e de corpo de delito direto não inibe o oferecimento da denúncia, desde q u e outros ele m e n to s certifiquem a existência de crime, até porque o exam e de corpo de delito pode ser realizado a qualquer tem p o e sua falta pod e ser suprida pelo exam e de corpo de delito indireto e pela prova testemunhai". (STJ, 6°Turma, RHC 9.776-SP, Rei. Ham ilton Carvalhido, DJ 17/09/2001 p. 191).

STF:"(...)

A nulidad e decorrente da jun tada tardia

d o laud o de exam e toxico ló gico no crim e de tráfico de d ro g a s tem c o m o p re ssu p o sto a c o m p ro vaç ão d o prejuízo ao réu. (...) In casu: a) o recorrente foi d e n u n ciad o (fls. 9) c o m o incurso nas sanções d o art. 12 da Lei 6.368/76, porque, em 27/9/2005, ao final d o b a n h o de sol d o s detentos da cadeia pública da Com arca de Ponte N ov a/M G , tentava esconder do s p oliciais 7 (sete) in vó lu cros c o n te n d o su b stân cia vegetal esverdeada conhecida c o m o "maconha", de p eso ap rox im ado de 8,57g (oito gram as e cinquenta e sete centigram as); b) o Juiz d e Direito de primeira instância proferiu sentença absolutória, p or ju lgar que, para se aferir a m aterialidade delitiva, im pres­ cin d ível seria a e lab o raç ão de la u d o to x ico ló gico definitivo, se nd o insuficiente o laud o de con stata­ ção preliminar; c) o laud o definitivo, em b o ra tenha sid o e lab orad o antes da sentença, so m e n te veio a ser ju n tad o ao s au tos a p ó s a su a prolação; h ouve apelação pelo M inistério Público, que restou provida para con den ar o réu, decisão confirm ada em sede de e m b a rgo s infringentes; d) a con d e n ação fu n do u-se e m co n ju n to p ro b a tó rio in d e p e n d e n te d o la u d o definitivo consistente em: laudo prelim inar assin ado por perito oficial não con testado pela defesa, bem c o m o a confissão d o acu sad o de qu e a d ro ga era de sua propriedade; e) o contraditório foi oportunizado à defesa no m om e n to das contrarrazões de apelação, e pela posterior interposição de e m b argo s infringentes. (...) Recurso ordinário desprovido". (STF, 1 aTurma, RHC 110.429/MG, Rei. M in. Luiz Fux, 06/03/2012).

Art. 161

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Cpp COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

3. Laudo pericial com o condição específi­ ca da ação penal: como dito acima, em regra, o laudo pericial não precisa constar dos autos quando do oferecimento da peça acusatória. Não obstante, não se pode olvidar que há exceções a essa regra, merecendo destaque as seguintes hipóteses: a) De acordo com a Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06, art. 50, §1°), para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pes­ soa idônea. Se a lei de drogas exige o laudo preliminar para a própria prisão em flagrante, é evidente que sua juntada é indispensável para a deflagração da ação penal, figurando como condição específica de procedibilidade para os processos penais relativos a drogas, sem prejuízo da posterior juntada do exame definitivo; b) Nos exatos termos do art. 525 do CPP, inserido no capítulo que versa sobre o procedim ento dos crim es contra a pro­ priedade imaterial, no caso de haver o crime deixado vestígio, a queixa ou a denúncia não será recebida se não for instruída com o exame pericial dos objetos que constituam o corpo de delito. 4. Sistemas de apreciação dos laudos pe­ riciais: vide comentários ao art. 182 do CPP. 5. Laudo pericial e contraditório: na grande maioria dos casos, a eficácia do exame pericial está condicionada a sua imediata realização, de modo a se evitar a dispersão dos elementos probatórios em relação às infrações penais que

deixam vestígios. Por tal motivo, sua realização deve ser determinada de imediato pela própria autoridade policial (CPP, art. 6o, incisos I e V II), independentemente de prévia autori­ zação judicial, sendo dispensável, ademais, a participação da defesa na produção da prova. Nesse caso, o contraditório será diferido. Ou seja, para que essas provas possam ser utili­ zadas para fundamentar eventual sentença, imperiosa será a observância do contraditório sobre a prova, permitindo que as partes pos­ sam discutir sua admissibilidade, regularidade e idoneidade. Bom exemplo do exercício desse contraditório diferido no tocante ao exame pericial diz respeito ao art. 159, §5°, inciso I, do CPP, que permite às partes, durante o cur­ so do processo judicial, requerer a oitiva dos peritos para esclarecimento da prova ou para responderem a quesitos. 6. Prazo para a conclusão do laudo peri­ cial: o laudo pericial deve ser elaborado no prazo máximo de 10 (dez) dias, podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos. A competência para autorizar a prorrogação desse prazo recai sobre a autoridade responsável pela determinação da perícia, seja ela o Delegado de Polícia, seja ela a autoridade judiciária. Trata-se de prazo impróprio, ou seja, a juntada extemporânea do laudo pericial não produz qualquer sanção de natureza processual (v.g., nulidade), mas sim mera irregularidade. Na verdade, se o laudo pericial não for concluído dentro do prazo legal, subsiste a possibilidade de aplicação de multa, nos termos do art. 277, parágrafo único, alínea “c”, do CPP.

Art. 161.0 exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora.' 1. Dia e hora para a realização do exame de corpo de delito: ressalvada a hipótese de inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5o, X I), o exame de corpo de delito e as demais perícias podem ser realizados atqualquer hora do dia

ou da noite. Também se admite a confecção do laudo pericial em qualquer dia da semana, adequando-se à necessidade da atividade pe­ ricial, e ao sistema de plantão perene em que geralmente é organizada a polícia técnica.

TÍTULO VII • DA PROVA

Art. 163

Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto.' Parágrafo único. Nos casos de morte violenta, bastará o simples exa­ me externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma circunstância relevante.2 1. Autópsia (ou necropsia): a autópsia é a perícia realizada com o objetivo de identificar a causa da morte. Apesar de o CPP usar a expres­ são autópsia, o ideal é usar a palavra necropsia, pois autópsia significa inspeção de si próprio. Em regra, a necropsia envolve o exame interno e externo, lavrando-se, em seguida, o laudo necroscópico ou cadavérico. De modo a se evi­ tar que o exame seja realizado em pessoa viva - morte aparente é a situação em que alguém é dado como morto pelo médico e assim tratado por seus parentes, quando, na verdade, ainda está vivo (ex.: embriaguez, catalepsia, coma epilético) - , deve-se aguardar o período de seis horas após a constatação do óbito para que se proceda ao exame. Esse tempo mínimo de seis

horas é o necessário para o surgimento dos incontroversos sinais tanatológicos, demonstra­ tivos da morte da vítima, evitando-se qualquer engano fatal. No entanto, havendo evidência da morte, devidamente justificada pelo perito no auto, dispensa-se a referida espera. 2. Morte violenta: nos casos de morte violen­ ta, basta o simples exame externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar (ex.: morte natural patológica decorrente de doença), ou quando as lesões externas permi­ tam precisar a causa da morte sem que haja necessidade de exame interno para a verifi­ cação de alguma circunstância relevante (v.g., esmagamento do crânio).

Art. 163. Em caso de exumação para exame cadavérico,' a autoridade providenciará para que, em dia e hora previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado.2 Parágrafo único. O administrador de cemitério público ou particular indicará o lugar da sepultura, sob pena de desobediência. No caso de recusa ou de falta de quem indique a sepultura, ou de encontrar-se o cadáver em lugar não destinado a inumações, a autoridade procederá às pesquisas necessárias, o que tudo constará do auto.3 1. Exum ação para exam e cadavérico: exumação significa desenterrar ou retirar o cadáver da sepultura. O procedimento depen­ de de autorização legal e não pode ser feito sem justa causa, sob pena de configuração da contravenção penal do art. 67 do Decreto-Lei n. 3.688/41 (“Art. 67. Inumar ou exumar ca­ dáver, com infração das disposições legais”). Inumação significa enterrar ou sepultar. Em alguns casos, para que se possa fazer o exa­ me cadavérico, é necessária a exumação do cadáver. D e fato, é possível que a dúvida

quanto à causa mortis tenha surgido após o sepultamento. Para além disso, diante de uma primeira necropsia mal feita, a autoridade policial (ou judiciária) pode determ inar a realização de novo exame pericial ou a complementação do anterior. 2. Autoridade competente para determi­ nar a exumação: a autoridade policial ou ju ­ diciária providenciará para que, em dia e hora previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado. Apesar de a doutrina processual penal admitir que a

Art.164

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

autoridade policial determine a exumação, é relativamente comum, no dia-a-dia policial, que o Delegado de Polícia solicite autorização ao juízo competente, evitando-se, assim, quais­ quer questionamentos quanto à legalidade da diligência.

nistrador de cemitério público ou particular

3. Recusa do administrador do cemitério em indicar o lugar da sepultura: o admi­

autoridade procederá às pesquisas necessárias,

indicará o lugar da sepultura, sob pena de configuração do crime de desobediência (CP, art. 330). No caso de recusa ou de falta de quem indique a sepultura, ou de encontrar-se o cadáver em lugar não destinado a inumações, a o que tudo constará do auto.

Art. 164. Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados,' bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime.2 (Redação dada pela Lei n. 8.862, de 28.3.1994) 1. Fotografia d os cadáveres: quando se trata de m orte violenta ou suspeita, é de fundamental importância que os cadáveres sejam fotografados na posição em que foram encontrados. Afinal, a depender das circuns­ tâncias do caso concreto, as fotos podem funcionar como indícios de um suicídio, de um homicídio, ou de um simples acidente. Ante a im portância dessas fotos, há de se tom ar extrem a cautela na preservação do local do crime para que não haja nenhuma adulteração do corpo de delito. Para mais detalhes acerca da preservação do local do

crime, remetemos o leitor aos comentários ao inciso I do art. 6o do CPP. 2. Fotografia das lesões externas e vestígios deixados no local do crime: o trabalho de fo­ tografia executado pelo perito oficial - ou pelos 2 peritos não oficiais - não deve ficar restrito ao cadáver. Também devem ser objeto de fotogra­ fias as lesões externas encontradas no cadáver, como, por exemplo, os orifícios de entrada e saída dos projéteis, assim como os demais ves­ tígios deixados na cena do crime (v.g., poça de sangue, marcas do solado de um sapato, etc.).

Art. 165. Para representaras lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível, juntarão ao laudo do exame provas fotográficas, esquemas ou desenhos, devidamente rubricados.' 1. Fotografias, esquem as e desenhos na necropsia: fotografias, esquemas e desenhos das lesões encontradas no cadáver, juntados aos laudo pericial, facilitam sua compreensão

e análise pelo Delegado de Polícia, pelas partes e pela autoridade judiciária. Portanto, sempre que possível, essas diligências devem ser rea­ lizadas pelos peritos.

Art. 166. Havendo dúvida sobre a identidade do cadáver exumado,' proceder-se-á ao reconhecimento pelo Instituto de Identificação e Estatística ou repartição congênere ou pela inquirição de testemunhas, lavrando-se auto de reconhecimento e de identidade, no qual se descreverá o cadáver, com todos os sinais e indicações.2

TÍTULO V II-D A PROVA

Art.167

Parágrafo único. Em qualquer caso, serão arrecadados e autenticados todos os objetos encontrados, que possam ser úteis para a identificação do cadáver.3 1. Identificação do cadáver: se houver dúvi­ da quanto à verdadeira identidade do cadáver objeto de exumação, sua identificação deve ser feita através da colheita das impressões dactiloscópicas, palmares ou plantares, fotografias, radiografias, da análise da arcada dentária ou por meio de observação de familiares e de pessoas que conheciam o de cujus. À evidência, o método de identificação a ser utilizado está diretamente relacionado às circunstâncias em que o cadáver for encontrado. 2. Auto de reconhecimento e identidade: a diligência sob comento deve ser formalizada

através desse auto, com a narrativa do proce­ dimento identificatório utilizado, das provas realizadas, dos confrontos feitos, dos sinais encontrados e das pessoas que participaram do ato. 3. Apreensão dos objetos encontrados: to­ dos os objetos encontrados com o cadáver por ocasião da exumação devem ser apreendidos. Se forem úteis para a identificação do cadáver ou para a apuração dos fatos delituosos, não se admite a restituição aos familiares do de cujus. Caso contrário, é perfeitamente possível a restituição.

Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito,1por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhai poderá suprir-lhe a falta.2S 1. Exame de corpo de delito direto: da leitura dos arts. 158 e 167 do CPP denota-se que são duas as espécies de exame de corpo de delito, o direto e o indireto. O exame de corpo de delito direto é aquele feito por perito oficial (ou por dois peritos não oficiais) sobre o pró­ prio corpo de delito. A título de exemplo, se o cadáver for encontrado após a execução de um crime de homicídio (CP, art. 121), será consi­ derado exame direto aquele feito no próprio cadáver. Noutro giro, na hipótese de a cocaína ser encontrada com determinado agente por ocasião de eventual prisão em flagrante no crime de tráfico de drogas (Lei n. 11.343/06, art. 33), será considerado exame direto aquele feito na própria substância apreendida.2 2. Exame de corpo de delito indireto: se não há dúvidas quanto ao conceito de exame de corpo de delito direto, o mesmo não ocorre quando se busca na doutrina o conceito de exame de corpo de delito indireto. Para uma primeira corrente, dominante na jurispru­ dência, não há qualquer formalidade para a constituição do corpo de delito indireto, constituindo-se pela colheita de prova teste­

munhai, a qual, afirmando ter presenciado o crime ou visto os vestígios, será suficiente para suprir o exame direto, ou, ainda, pela análise de documentos que comprovem a materialidade, tais como fotografias dos vestígios sensíveis ou o prontuário médico do atendimento da vítima no posto de saúde. É o que dispõe o art. 167 do CPP, aplicável inclusive aos crimes de homicídio, quando, por exemplo, o corpo da vítima não for encontrado. Nesse caso, é perfeitamente possível que um exame de DNA comprove a presença do sangue da vítima nas vestes do investigado/acusado ou em seu veículo automotor (ou residência), auxiliando a comprovação da materialidade e da autoria de possível crime de homicídio. Na mesma linha, quando os vestígios deixados por uma lesão corporal leve desaparecerem em virtude do decurso do tempo, inviabilizando o acesso dos peritos, ainda que indireto, ao objeto a ser analisado, a ausência do exame de corpo de delito direto poderá ser suprida pela oitiva de testemunhas ou pela análise documental (v.g., prontuário médico). Perceba-se que, para essa primeira corrente, o exame de corpo de delito indireto não é propriamente um exame,

Art. 167

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

mas sim a prova testemunhai ou documental suprindo a ausência do exame direto, em vir­ tude do desaparecimento dos vestígios dei­ xados pela infração penal. Para uma segunda corrente, dominante na doutrina, o exame de corpo de delito indireto é um exame pericial e não se confunde com o mero depoimen­ to de testemunhas (CPP, art. 167). Para essa corrente, após colherem os depoimentos das testemunhas acerca dos vestígios deixados pela infração penal, ou analisar documentos per­ tinentes à materialidade da infração penal, os peritos irão extrair suas conclusões, firmando um laudo pericial. Esse exame é tido como indireto pelo fato de não ser feito diretamente sobre os vestígios deixados pela infração. Logo, nessa acepção, não se tem na regra do art. 167 do CPP uma espécie de exame de corpo de delito indireto, mas sim exclusivamente prova testemunhai. É essa a posição, entre outros, de Eugênio Pacelli de Oliveira (op. cit. p. 375), Vi­ cente Greco Filho (Manual de Processo Penal, 7a ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 212) e Hélio Tornaghi (Instituições de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1959, v. 4. p. 277). Conclui-se, portanto, que o exame de corpo de delito direto é, sim, um exame pericial. De outro lado, a de­ pender da corrente adotada, o exame de corpo de delito indireto pode ser considerado um exame pericial ou um exame judicial, ou seja, uma análise do juiz acerca da materialidade do delito, porém a ser feita a partir da análise da prova testemunhai (ou documental).

♦ Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) N os crimes contra a liberdade sexual com eti­ do s mediante grave am eaça ou com violência presumi­

TE. C O M P R O V A Ç Ã O PELAS D E M A IS PRO VAS P R O D U ­ Z ID A S N O S AUTOS. D EP O IM E N T O S D ET E ST E M U N H A S E INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. IN TELIG ÊNCIA D O ART. 167 D O C Ó D IG O D E P R O C E S S O PENAL. (...) A falta de laudo pericial não conduz, necessariamente, à inexistência de prova da m aterialidade de crime que deixa vestígios, a qual p od e ser dem onstrada, em casos excepcionais, por outros elem entos probatórios constante d o s autos da ação penal (CPP, art. 167). (...) O rdem denegada". (STF, 2aTurma, HC 130.265/DF, Rei. Min.Teori Zavascki, j. 31 /05/2016, DJe 12010/06/2016).

3. C om p rovação da m aterialidade por meio de prova testemunhai (ou docum en­ tal) direta: para que a ausência do exame direto seja suprida pelo exame de corpo de delito indireto, esta prova testemunhai (ou documental) deve ser direta e robusta, jamais indiciária, frágil. Ora, se até mesmo um cri­ me de homicídio pode ter sua materialidade comprovada por meio do relato de testemu­ nhas, é evidente que tais pessoas devem ter presenciado diretamente a prática delituosa, quer de maneira integral, quer de maneira parcial. Logo, se as testemunhas descreverem que presenciaram o exato momento em que o acusado efetuou diversos disparos de arma de fogo contra a vítima, lançando seu corpo do alto de um navio em alto mar, parece não haver dúvidas de que, por mais que o cadáver jamais seja encontrado para fins de necropsia, houve, sim, um crime de homicídio. Portanto, se a prova testemunhai ou documental for­ madora do exame de corpo de delito indireto for meramente indiciária, leia-se, frágil, com menor valor persuasivo, jamais poderá ter o condão de suprir a ausência do exame direto de modo a comprovar a materialidade de uma infração penal.

da, não se impõe, necessariamente, o exam e de corpo de delito direto, porque tais infrações penais, q u an do praticadas nessas circunstâncias (com violência moral

♦ Jurisprudência selecionada:

ou com violência ficta), nem sem pre deixam vestígios

STJ: "(...)

materiais. - O exam e de corpo de delito indireto, fun­

M ATERIALIDADE. A U SÊ N C IA D O CO R P O D A SU POSTA

d a d o em prova testem unhai idônea e/ou em outros

V ÍTIM A. ART. 167 D O CPP. SU P R IM E N T O D A PROVA

m eios de prova consistentes (CPP, art. 167), revela-se

PERICIAL. (...) 1. N os term os d o art. 167 d o C ó d ig o de

legítim o (RTJ 63/836 - RTJ 81/110 - RT 528/311), desde que, por não m ais subsistirem vestígios sensíveis do

falta d o exam e de corpo de delito, caso desaparecidos

fato delituoso, não se viabilize a realização do exame

os vestígios. Esta Corte já decidiu que tal situação se

direto. Precedentes. (...)". (STF, 1“Turma, HC 69.591/SE,

aplica inclusive aos casos de homicídio, se ocultado o

Rei. Min. Celso de Mello, DJ 29/09/2006 p. 46).

corpo da vítima. 2. Hipótese em que a Corte estadual,

STF:"(...)TRÁFICO DE DRO G AS. M AT ERIA LIDA DE DELI-

no julgam ento d o recurso em sentido estrito, entendeu

TIVA. N Ã O APREEN SÃO D A SU BSTÂN CIA ENTORPECEN­

pela existência de outras provas que dem onstrariam

H O M IC ÍD IO Q U A L IF IC A D O . (...) FALTA D E

Processo Penal, a prova testem unhai p o d e suprir a

TÍTULO V II. DA PROVA

a m aterialidade d o crime, indicando a confissão do paciente e depoim entos testemunhais. 3. Diante desse contexto, não se mostra possível avaliar profundam en­ te as provas carreadas aos autos para se concluir de m o d o diverso. Ademais, caberá ao s jurados c o m p e ­ tentes a análise detida d o s elem entos de convicção carreados, por ocasião d o julgam ento peloTribunal do Júri, m ostrando-se prematuro o estancam ento d o feito. 4. O rdem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 170.507/SP, Rei. Min. M aria Thereza de Assis M oura, j. 16/02/2012).

4. Impossibilidade de realização do exame de corpo de delito indireto: pelo menos em regra, na hipótese de desaparecimento dos vestígios, a prova testemunhai pode suprir a ausência do exame direto. No entanto, em determinados crimes, que demandam a rea­ lização de prova técnica específica e, vez por outra, de elevada complexidade, nem sempre será possível a comprovação da materialidade do delito por meio de simples inquirição de testemunhas. É o que ocorre na maioria dos casos envolvendo falsidade documental. Se a testemunha é uma pessoa leiga, que não possui conhecimentos científicos acerca da autenti­ cidade de documentos, como se pode admitir que seu depoimento seja capaz de atestar a fal­ sidade documental? Portanto, nessas hipóteses de falsidade documental, o ideal é concluir que, diante do desaparecimento do objeto mate­ rial do delito, impõe-se o reconhecimento da ausência de prova quanto à materialidade da infração penal, porquanto não se admite que a ausência do exame direto seja suprida pelo exame indireto. 5. (Im) possibilidade de comprovação da materialidade do crime de tráfico de drogas quando não houver a apreensão da droga: como o tráfico de drogas é infração penal que costuma deixar vestígios, a importância da apreensão da droga está diretamente relacio­ nada à realização do exame preliminar para estabelecimento da materialidade, permitindo não só a lavratura do auto de prisão em flagran­ te, como também o oferecimento da denúncia. Posteriormente, a droga apreendida será sub­ metida a exame toxicológico definitivo, que pode ser juntado aos autos durante o curso da instrução probatória, mas cuja ausência por ocasião de eventual sentença condenatória

/

/ \ rt.

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pode dar ensejo ao reconhecimento de nulidade absoluta do feito. Discute-se, todavia, se seria possível o oferecimento de denúncia e a condenação pela prática do crimes de drogas sem a apreensão da droga e subsequente exame de corpo de delito direto. Como os crimes de drogas costumam deixar vestígios, é fácil dedu­ zir que, em fiel observância ao sistema tarifado adotado pelo art. 158 do CPP, a materialidade da infração penal depende da apreensão da droga para que o material seja submetido a exame toxicológico definitivo. Dizemos que os crimes de drogas costumam deixar vestígios materiais porque, a depender do caso concreto, esses vestígios podem ter desaparecido. Nesse caso, o desaparecimento dos vestígios impede a realização de exame pericial direto, porém não impede que a materialidade da infração seja comprovada por outros meios de prova (v.g., interceptação telefônica e ambiental, oitiva de compradores da droga, narcotestes realizados nos veículos usados pelos traficantes, etc.). Se os Tribunais admitem que alguém seja condenado por um crime de homicídio sem a localização do cadáver (v.g., caso do ex-goleiro do Flamengo), desde que a ausência do exame direto seja suprida pelo exame indireto, nos termos do art. 167 do CPP, seria de todo incon­ gruente não se aplicar o mesmo raciocínio aos crimes de drogas. Por conseguinte, nos casos de não apreensão da droga, é perfeitamente possível a prolação de um decreto condenatório pelos crimes da Lei n. 11.343/06, desde que a ausência do exame direto seja suprida por um conjunto probatório robusto extraído da prova documental e testemunhai produzida durante o curso da instrução probatória. Aliás, em caso concreto referente à associação criminosa de policiais que subtraía substâncias entorpe­ centes de traficantes para comercialização e extorsão, concluiu o Supremo que, diante da impossibilidade óbvia de realização do exame toxicológico, sua ausência podia ser suprida pela prova testemunhai. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) A jurisprudência d o Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a materialidade d o crime de tráfico de entorpecentes deve ser com p ro vad a

Art.168

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

m ediante a juntada ao s autos do laudo toxicológico

substância entorpecente no local do s fatos, im possibi­

definitivo. Entretanto, tal entendim ento deve ser apli­ cado na hipótese em que há a apreensão da substância

litando o exam e de corpo de delito direto, concluiu o STJ que a m aterialidade d o crime de tráfico podia ser

entorpecente, justam ente para se aferirem as caracte­

feita por exam e cadavérico, atestando a asfixia com o

rísticas da substância apreendida, trazendo subsídios e

causa m ortis da vítima, que se verificou, em exame

segurança ao m agistrado para o seu juízo de convenci­

com plem entar, ter sido decorrente de overdose de

m ento acerca da materialidade d o delito. Na hipótese,

cocaína: STJ, 5a Turma, REsp 805.377/SC, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 13/08/2009, DJe 08/09/2009.

o laudo de exame toxicológico definitivo da substância entorpecente não é co n d iç ão única para basear a

STF:"(...) T R Á F IC O

condenação se outros da d o s suficientes, incluindo a

XICOLÓGICO. HIPÓTESE EM Q U E ESSE E X A M E PO D E

vasta prova testem unhai e docum ental produzidas na

SER SU BST IT U ÍDO PELA PRO V AT EST EM U N H A L.EM EN -

instrução criminal, militam no sentido da materialidade do delito. (...)". (STJ, 5a Turma, HC 91.727/MS, Rei. Min.

DATIO UBELU. Tráfico de entorpecente. Quadrilha de policiais que subtraía substâncias entorpecentes de

Arnaldo Esteves Lima, j. 02/12/2008, DJe 19/12/2008).

traficantes para comercialização e extorsão. Im p ossi­

D E ENTO RPECENTE. E X A M E TO-

Na m esm a linha: STJ, 6a Turma, HC 131.455/MT, Rei.

bilidade óbvia d o pretendido exame toxicológico, cuja

Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 02/08/2012.

ausência é suprida pela prova testemunhai. Precedente

STJ:"(...) A despeito da pacífica orientação desta Corte

(HC 78.749). Desclassificação d o crime de extorsão m ediante seqüestro para extorsão sim ples (CP, art.

no sentido da indispensabilidade d o laudo toxicológi­ co para se com provar a materialidade d o crime de trá­

158). Hipótese de em endatio libelli e não de m utatio

fico ilícito de drogas, já se posicionou esta Col. Quinta

libelli. HC indeferido". (STF, 2a Turma, RHC 83.494/RS, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 16/03/2004, DJ 02/04/2004).

Turma (HC 91.727/MS, 5.a Turma, Rei. Min. A R N A L D O ESTEVES LIMA, DJe de 19/12/2008) no sentido de que

STF:"(...) O

o referido entendim ento só é aplicável nas hipóteses em que a substância entorpecente é apreendida, a

se gu n d o o art. 158 d o CPP, os vestígios deixados pela infração tal c o m o concretam ente praticado: im pu ­

fim que se confirm e a sua natureza. D essa forma, é

tando-se aos acu sados a subtração e comercialização

possível, nos casos de não apreensão da droga, que

de entorpecente de positado em repartição policial, o

a c o n d e n a ç ã o pela prática d o delito tip ificad o no

objeto d o exam e de corpo de delito obviam ente não poderia ser a dro ga desaparecida, mas sim os vestígios

art. 12 da Lei n.° 6.368/76 seja e m b asada em extensa

exam e de corpo de delito tem por objeto,

a instrução criminal, o que constitui o caso do s autos.

de sua subtração, entre os quais as im pressões digitais deixadas nos pacotes de materiais diversos colocados

Recurso desprovido". (STJ, 5aTurma, REsp 1.065.592/DF,

no depósito o n d e se achava a cocaína para dissim ular

Rei. Min. Laurita Vaz, j. 05/04/2011, DJe 08/06/2011).

a retirada dela". (STF, 1aTurma, HC 78.749/MS, Rei. Min.

Em caso concreto no qual não houve a apreensão de

Sepúlveda Pertence, j. 25/05/1999, DJ 25/06/1999).

prova docum ental e testem unhai produzida durante

Art. 168. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complementar por determi­ nação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.1 §1 ° No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo. §2° Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, §1°, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 dias, contado da data do crime.2 §3° A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhai. 1. Laudo pericial complementar: havendo deficiência do laudo de exame sobre lesões corporais, deve ser realizado um exame com­ plementar por determinação do Delegado de Polícia, da autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do ofen­

dido, do acusado ou seu defensor. Por razões óbvias, a realização desse exame complementar depende da preservação dos vestígios. Diante do seu desaparecimento, esse exame comple­ mentar deve ser suprido pela análise da prova testemunhai ou documental (CPP, art. 167). O

TÍTULO VII* DA PROVA

perito que elaborou o primeiro laudo não está impedido de firmar o laudo complementar. Nesse exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo. 2. Laudo pericial complementar no crime de lesão corporal grave quando resultar incapacidade para as ocupações habitu­ ais por mais de 30 (trinta) dias: nesse caso, o mero prognóstico do perito quando do primeiro exame não é suficiente para a ca­ racterização da lesão grave do art. 129, §1°, I, do CP, operando-se a desclassificação para lesão corporal leve. Por isso, além do primei­ ro exame pericial, comprovando a ofensa à integridade corporal, é necessária a realiza­ ção de um exame complementar, a fim de se aferir se a vítima ficara incapacitada para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias. Como esse prazo de 30 (trinta) dias serve para tipificar o delito do art. 129, §1°, I, do CP, queremos crer que se trata de um prazo de na­ tureza penal. Por conseguinte, sua contagem deve se dar à luz do art. 10 do Código Penal, incluindo-se o dia do começo no computo do prazo. Importante ressaltar, todavia, que a falta desse exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhai, leia-se, por um exame de corpo de delito indireto (CPP, art. 167, c/c art. 168, §3°).

Art. 168

prova testem unhai e laud o m édico. A ausência d o laudo pericial não im pede seja reconhecida a materia­ lidade d o delito de lesão corporal de natureza grave por outros meios. Ordem denegada". (STF, 2aTurma, HC 114.567/ES, Rei. Min. Gilm ar Mendes, j. 16/10/2012).

STJ: "(...)

Persistindo, n os autos, elem entos que per­

m itam a aferição da gravidade das lesões corporais sofridas pela vítima, nada im pe de seja feito o exa­ m e com plem entar q u an do já vencido o prazo legal. Precedente d o eg. STF. Recurso em 'H abeas C orpus' parcialm ente conhecido e, nesta parte, não provido". (STJ, 5a Turma, R H C 12.229/RJ, Rei. Min. Edson Vidigal, j. 26/03/2002, DJ 29/04/2002, p. 261).

STJ:"(...) A

incapacidade da vítim a para ocupações

habituais ficou incontroversa, apesar da falta de exa­ m e pericial com plementar, pois o ofendido, m esm o ap ó s seis m eses d o fato, ainda estava su bm e tid o a tratam ento e im p e d id o de realizar su as atividades habituais, e com sequela manifesta. As circunstâncias descritas são suficientes para caracterizara gravidade da lesão e a incidência d o art. 129, § 1°, inciso I, do C ó d ig o Penal. E m an an do das provas coletadas que as lesões sofridas pelo o fendido ensejaram sua inca­ pacidade para as ocu p açõ e s habituais por m ais de 30 (trinta) dias, fica suprida a exigência d o exam e pericial com plem entar. (...) A gravo regim ental a que se nega provimento". (STJ, 5aTurma, A g R g no AR Esp 145.181/ RS, Rei. M inistro M arco Aurélio Bellizze, j. 20/06/2013, DJe 28/06/2013).

STJ:"(...) N o delito de lesão corporal de natureza grave, conquanto a realização da perícia com plem entar seja, via de regra, necessária para a sua configuração, o certo é que tal exam e não precisa estar acostado aos autos no m om e nto em que iniciado o processo, um a vez que, para que haja justa causa para a persecução penal, não se exige a com provação cabal da prática do



Jurisprudência selecionada:

crime, m as a presença de um lastro probatório m ínim o que revele a sua ocorrência. Precedente. Na hipótese

STF:"(...) O

prazo de 30 dias a que alude o § 2o d o artigo 168 d o C.P.P. não é peremptório, m as visa a

do s autos, q u an do d o oferecimento da denúncia, já

prevenir que, pelo decurso de tem po, desapareçam o s elem entos necessários à verificação da existência

experim entadas pela vítima lhe teriam incapacitado

de le sõ e s graves. Portanto, se m e s m o d e p o is da

dias, docum entação que é suficiente para a deflagra­

fluência d o prazo de 30 dias, houver elem entos que

ção da ação penal. Ademais, ainda que não realizada a

perm itam a afirm ação da ocorrência de lesões graves

m encionada perícia, o § 3° d o artigo 168 d o C ó d ig o de

em decorrência da agressão, nada im p e d e que se faça o exam e com p le m e n tar de p ois de fluído esse

Processo Penal adm ite que o exam e seja suprido por

prazo. (...) H abeas corpu s indeferido". (STF, I aTurma,

a desclassificação pretendida, já que não há notícias

H C 73.444/RJ, Rei. M in. Moreira Alves, j. 27/02/1996,

acerca da realização o u não d o exam e com plem entar

DJ 11/10/1996).

STF:"(...) Tentativa

havia nos autos um laudo que noticiava que as lesões para as suas ocupações habituais por m ais de 30 (trinta)

prova testem unhai. Doutrina. Jurisprudência. Inviável

ap ó s o oferecimento da denúncia, não se adm itindo de homicídio. Desclassificação da

em sede de habeas corpus a análise do s elem entos de

conduta peloTribunal do Júri para lesão corporal grave.

convicção até então coletados a fim de se verificar se a

Condenação. Pedido de afastam ento da qualificadora

vítima teria ou não restado incapacitada para exercer

d o perigo de vida (art. 129, § 1°, II, d o CP) em razão da ausência d o laudo pericial, que poderia apontar o grau

suas ocupações habituais por m ais de 30 (trinta) dias.

das lesões sofridas. Desaparecim ento da vítima. C o m ­

37.872/MS, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 18/09/2014, DJe

provação da gravidade das lesões sofridas m ediante

25/09/2014).

Precedente. Recurso desprovido". (STJ, 5a Turma, RHC

&

Art. 169 STJ:"(...) Assim, em

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

regra, faz-se necessária a produ­

atos de instrução probatória, ved ados na via estreita

ção de laudo com plem entar para a com provação da

d o m andam us. H abeas corpus não conhecido". (STJ, 6a

m aterialidade de lesão corporal que im ponha à vítima

Turma, H C 285.175/SP, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz,

a incapacidade, por m ais de trinta dias, para as suas

j. 16/09/2014, DJe 29/09/2014).

ocupações habituais. O livre convencim ento judicial

STJ:"(...) 'Esta Corte tem

permite a dispensa da prova pericial se, por outros ele­

o la u d o c o m p le m e n ta r d o art. 168, § 2o. d o C PP

m entos idôneos colhidos na cognição exauriente, ficar

q u a n d o se cuidar da hipótese d o inciso II d o § 1 o.

com p rovad o que a incapacidade funcional da vítima

d o artigo 129 d o CPB (perigo de vida)' (HC 110.197/

afirm ado ser desnecessário

perdurou por período superior a trinta dias. Hipótese

ES). Precedentes. N o caso, constata-se d o s autos que

em que, em bora não havendo laudo com plem entar

a prova técnica concluiu pelo p erigo de vida decor­

acerca da incapacidade funcional por m ais de trinta

rente da agre ssão sofrida, razão p or q u e foi dado,

dias, constatou-se, p or laudo pericial conclusivo, a

corretamente, provim ento ao apelo ministerial para

debilidade perm anente da fu n ção m astigatória da

se reconhecer a qualificadora d o inciso II d o § 1° do

vítima, decorrente da perda do incisivo superior direito,

art. 129 d o CP, não havendo falar, por isso mesm o, em

circunstância que, por si só, desautoriza a desclassifica­

con stran gim en to ilegal apto a ensejar a con cessão

ção para lesões corporais de natureza leve. Ademais,

da ordem . (...) O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, HC

o pleito de desclassificação exigiria a refutação da

183.446/MG, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 27/09/2011, DJe

prova colhida na instância ordinária, d e m a n d a n d o

13/10/2011).

Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.1'2 (Vide Lei n. 5.970, de 1973) Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do esta­ do das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos. (Redação dada pela Lei n. 8.862, de 28.3.1994) 1. Exame do local do crime: a preservação do local do crime tem um objetivo precípuo, qual seja, preservar os vestígios deixados pela infração penal (corpo de delito), a fim de não prejudicar o trabalho a ser desenvolvido pelos peritos criminais. Um dos requisitos básicos para que os peritos criminais pos­ sam realizar um exame pericial satisfatório é que o local esteja adequadamente isolado e preservado, a fim de que não se perca qualquer vestígio que tenha sido produzido pelos sujeitos ativos na cena do crime. A in­ vestigação terá mais probabilidade de sucesso caso sejam observados dois fatores básicos: a) inicie imediatamente as investigações a partir do local onde ocorreu o crime, pois será ali que haverá mais possibilidades de se encontrar alguma informação, tanto sob o aspecto da prova pericial, quanto das demais investigações subjetivas, tais com o teste­ munhas, relatos diversos de observadores ocasionais, visualização da área para avalia­

ção de possíveis informações de suspeitos, etc.; b) o tempo é fator que trabalha contra investigadores de polícia e peritos criminais no esclarecimento de qualquer crime, uma vez que, quanto mais tempo se gasta para iniciar determinada investigação, fatalmente informações valiosas serão perdidas, que, em muitos casos, poderíam ser essenciais para o resultado final da investigação. 2. Acidentes de trânsito: nesses casos, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autori­ zar, independentemente de exame do local, a imediata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele en­ volvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudicarem o tráfego. Para autorizar a re­ moção, a autoridade ou agente policial lavrará boletim da ocorrência, nele consignando o fato, as testemunhas que o presenciaram e todas as demais circunstâncias necessárias ao

TÍTULO VII -D A PROVA

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Art.170

esclarecimento da verdade (Lei n. 5.970/83, art. I o).

A r t . 1 7 0 . Nas perícias de laboratório,1-2 os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia.3 Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas. 1. Perícia de laboratório: consiste no exame especializado realizado em lugares próprios ao estudo experimental e científico, no qual são utilizados aparelhos adequados e elementos químicos próprios para cada tipo de perícia. Tais exames podem se tornar necessários, quer para comprovar a materialidade do delito, como, por exemplo, em alguns crimes contra a saúde pública (v.g., falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto desti­ nado a fins terapêuticos ou medicinais - art. 273 do CP), quer para se comprovar uma circunstância de determinada infração penal (ex.: homicídio qualificado pelo emprego de veneno - art. 121, §2°, III, do CP). 2. Bafômetro: é um aparelho que permite determinar a concentração de bebida alcoólica analisando o ar exalado dos pulmões de uma pessoa. É também conhecido pela denomina­ ção técnica “etilômetro”, devido às reações que envolvem o álcool etílico presente na baforada do suspeito e um reagente. 2.1. Infração adm inistrativa de em bria­ gu e z ao volante: de acordo com o art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97, com redação dada pela Lei n. 12.760/12), o condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito, ou que for alvo de fiscalização de trânsito, poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios téc­ nicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determ ine dependência. Nesse caso, a in ­ fração administrativa de trânsito de dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine

dependência prevista no art. 165 do CTB poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas (Lei n. 9.503/97, art. 277, §2°, com redação dada pela Lei n. 12.760/12). Por força do art. 277, §3°, do CTB, as penalidades e medidas administrativas previstas para essa infração administrativa do art. 165 do CTB - multa (dez vezes), aplicável em dobro em caso de reincidência no período de até 12 (doze) me­ ses, e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses, além da medida administrativa de recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado - também serão aplicá­ veis ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. O fato de o art. 277, §3°, do CTB, prever a aplicação de penalidades e medidas administrativas ao condutor que não se sujeitar a qualquer dos procedimentos previstos no caput do referido artigo é perfeitamente constitucional. Ao contrário do que ocorre no âmbito criminal, em que, por força do princípio da presunção de inocência, não se admite eventual inversão do ônus da prova em virtude de recusa do acusado em se submeter a uma prova invasiva, no âm­ bito administrativo, o agente também não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, porém, como não se aplica a regra probató­ ria que deriva do princípio da presunção de inocência, a controvérsia pode ser resolvida com base na regra do ônus da prova, sendo que a recusa do agente em se submeter ao exame pode ser interpretada em seu prejuízo, no contexto do conjunto probatório, com

Art. 170

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

a consequente im posição das penalidades e das medidas administrativas previstas no art. 165 do CTB. Por fim, vale ressaltar que, consoante disposto no art. 276 do CTB, com redação dada pela Lei n. 12.760/12, qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar também sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165. 2.2. Crime de embriaguez ao volante: su­ perada a análise da infração administrativa de embriaguez ao volante (CTB, art. 165), convém analisarmos o crime de embriaguez ao volan­ te, cuja previsão legal constante do caput do art. 306 do CTB foi alterada 2 (duas) vezes nos últimos anos: inicialmente, pela Lei 11.705/08 (“Antiga Lei Seca”); posteriormente, pela Lei n. 12.760/12 (“Nova Lei Seca”). Para fins de comprovação da embriaguez ao volante, o meio de prova mais eficaz para aferição da dosagem etílica é o exame de sangue. Considerando-se que a extração de sangue é um método muito invasivo, foi criado o bafômetro, aparelho de ar alveolar destinado a estabelecer o teor alcoólico no organismo do condutor do veículo automotor através do sopro do moto­ rista no referido equipamento. Mas será que o condutor do veículo está obrigado a soprar o bafômetro ou se sujeitar ao exame de sangue? Não estaria ele, assim o fazendo, produzindo prova contra si mesmo? A respeito do assunto, é dominante o entendimento de que a recusa do condutor em submeter-se ao bafômetro ou a um exame de sangue não configura crime de desobediência nem pode ser interpretada em seu desfavor, pelo menos no âmbito criminal. Nessa linha, há precedentes do Supremo Tri­ bunal Federal no sentido de que não se pode presumir a embriaguez de quem não se sub­ mete a exame de dosagem alcoólica: afinal, a Constituição da República impede que se ex­ traia qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração penal, exerce o direito de não produ­ zir prova contra si mesmo (princípio do nemo tenetur se detegeré). O exercício do direito à não autoincriminação, no entanto, não era empecilho à comprovação do crime de em­ briaguez ao volante, pelo menos quando o Código de Trânsito Brasileiro entrou em vigor

em 1998. Isso porque, à época, o art. 306 do CTB tinha a seguinte redação: “Conduzir ve­ ículo automotor, na via pública, sob a influên­ cia de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Nesse caso, mesmo que o agente se recusasse a soprar o bafômetro, era possível que a elementar do tipo “sob a influência de álcool” fosse comprovada através de exame clínico com a participação passiva do agente. Com efeito, ainda que o motorista se recusas­ se a fazer exame de sangue ou a soprar o bafô­ metro, fazendo uso de seu direito de não pro­ duzir prova contra si mesmo, um médico pe­ rito podería facilmente constatar que tal pessoa estava sob a influência de álcool, sem que se exigisse qualquer comportamento ativo do agente, bastando analisar, por exemplo, a apa­ rência do agente, sua atitude, orientação, elo­ cução, andar, coordenação motora, hálito, etc. Com a entrada em vigor da Lei n. 11.705/08 (antiga “Lei Seca”), o tipo penal do art. 306 passou a ter a seguinte redação: “Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. Perceba-se que, ao contrário da antiga redação do art. 306 do CTB, que fazia menção à condução de veículo automotor sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem, o que acabava por transformar esse delito em crime de perigo concreto, sendo, pois, indis­ pensável a demonstração do risco concreto de dano causado pela direção embriagada (v.g., motorista dirigindo em alta velocidade, na contramão, etc.), a nova redação típica do art. 306 do CTB deixa de fazer menção expressa à criação de uma situação de risco. Isso significa dizer que a “antiga lei seca” transformou o delito de embriaguez ao volante em crime de perigo abstrato, sendo dispensável, portanto, a comprovação de risco de dano efetivo. Não há necessidade de se comprovar risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal. Se,

TITULO V II. DA PROVA

de um lado, a antiga “Lei Seca” transformou o delito de embriaguez ao volante em crime de perigo abstrato, do outro, tornou bem mais complicada a produção de prova quanto à referida prática delituosa. Isso porque o tipo penal que passou a vigorar com o advento da Lei n. 11.705/08 trazia como elementar a con­

centração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas. Essa figura típica do crime de embriaguez ao volante só se aperfei­ çoava, então, com a quantificação objetiva da concentração de álcool no sangue (dosagem etílica), o que não se podia presumir. Tal com­ provação, segundo o D ecreto n. 6.488, de 19/06/08, só podia ser feita por duas maneiras: exame de sangue ou teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), este último também conhecido como bafômetro. Logo, tendo em conta que, por força do princípio do nemo tenetur se detegere, o condutor não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, caso o agente se recusasse a soprar o bafômetro ou a fornecer uma amostra de sangue, não seria possível se presumir a prática do delito do art. 306 do CTB. Como se percebe, apesar de o objetivo da “antiga Lei Seca” ter sido o de aumentar a repressão ao crime de embriaguez ao volante, é certo dizer que, a partir do mo­ mento em que a tipificação do crime do art. 306 do CTB passou a exigir a taxa de 6 deci­ gramas de álcool por litro de sangue, restou assaz mais difícil a comprovação da referida prática delituosa, visto que, em virtude do princípio que veda a autoincriminação, o m o­ torista não pode ser obrigado a se sujeitar ao exame de sangue, nem tampouco ao bafôme­ tro, únicos meios de prova tecnicamente capa­ zes de aferir a concentração de álcool no san­ gue. Ante a péssima redação que foi conferida ao crime de embriaguez ao volante pela “anti­ ga Lei Seca” e diante dos números alarmantes da violência no trânsito brasileiro, o Congres­ so Nacional se viu obrigado a mudar novamen­ te a redação do art. 306 do CTB. Assim é que, em data de 21 de dezembro de 2012, entra em vigor a Lei n. 12.760. Dentre outras modifica­ ções, referida Lei conferiu nova redação ao art. 306 da Lei n. 9.503/97: “Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomo-

Art. 170

tora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que deter­ mine dependência”. Fácil notar que, diante da nova redação do art. 306 do CTB, o grau de dosagem etílica deixa de integrar o tipo penal do crime de embriaguez ao volante. Isso sig­ nifica dizer que, em relação aos delitos come­ tidos a partir da data da vigência da Lei n. 12.760/12, a comprovação da condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool poderá ser feita não apenas pelo exame de sangue ou teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (bafôm etro), como também por prova testemunhai ou exame de corpo de de­ lito indireto ou supletivo. Nesse contexto, o art. 306, §1°, do CTB, com redação dada pela Lei n. 12.760/12, dispõe que o novel crime de embriaguez ao volante será constatado por: I - concentração igual ou superior a 6 decigra­ mas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou por sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. Ademais, nos termos do art. 306, §2°, do CTB, com redação deter­ minada pela Lei n. 12.971/14, a verificação da embriaguez ao volante poderá ser obtida me­ diante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemu­ nhai ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. Cuida-se, portanto, a nova redação do art. 306 do CTB, de novatio legis in pejus. Afinal, se antes da Lei n. 12.760/12 a comprovação do referido delito podia ser feita apenas por meio de exame de sangue e bafômetro, doravante outros meios de prova poderão ser utilizados. Destarte, esse novo tipo penal de embriaguez ao volante só abrange os ilícitos cometidos a partir da vigência da Lei n. 12.760/12, que se deu em data de 21 de dezembro de 2012, sob pena de violação ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (CF, art. 5o, XL). > Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) N ão se p od e presum ir que a e m briaguez de q u em não se su bm e te a exam e de d o sa g e m al­ coólica: a Constituição da República im pede que se

O

Art. 170

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

extraia qualquer conclusão desfavorável àquele que,

pelo CO NTRAN, quais sejam, o exam e de san gu e e o

suspeito ou acu sado de praticar algu m a infração pe­ nal, exerce o direito de não produzir prova contra si

etilômetro. N ão se pod e perder de vista que num a dem ocracia é v ed ado ao judiciário m odificar o con ­

m esm o: Precedentes. (...) O rdem denegada". (STF, 1a

teú d o e o sentido em p restad os pelo legislador, ao

Turma, HC 93.916/PA, Rei. Min. Cárm en Lúcia, DJe 117

elaborar a norm a jurídica. Aliás, não é dem ais lembrar que não se inclui entre as tarefas d o juiz, a de legislar.

27/06/2008).

STF: "(...)

A objetividade jurídica d o delito tipificado

na m encionada norm a transcende a mera proteção da in co lu m id ade pessoal, para alcançar ta m b é m a tutela da proteção de tod o corpo social, asseguradas am b as pelo increm ento d o s níveis de segurança nas vias públicas. M ostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o com portam en to d o agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado pela nor­ ma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não im porta o resultado. Precedente. No tipo penal sob análise, basta que se com prove que o acu sado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no san gu e igual

Falece ao ap licad o r da n orm a jurídica o p o d e r de fragilizar o s alicerces jurídicos da sociedade, em ab ­ soluta desconform idade com o garantism o penal, que exerce m issão essencial no estado democrático. Não é papel d o intérprete-m agistrado substituir a função d o legislador, buscando, por m eio da jurisdição, dar validade à norm a que se m ostra de pouca aplicação em razão da construção legislativa deficiente. O s tri­ bunais devem exercer o controle da legalidade e da constitucionalidade das leis, deixando ao legislativo a tarefa de legislar e de adequar as norm as jurídicas às exigências da sociedade. Interpretações elásticas do preceito legal incriminador, efetivadas pelos juizes,

ou superior a 6 decigram as por litro para que esteja

am pliando-lhes o alcance, induvidosam ente, violam

caracterizado o p erigo ao b em jurídico tutelado e,

o princípio da reserva legal, inscrito no art. 5°, inciso

portanto, configurado o crime. Por opção legislativa,

II, da Constituição de 1988: “n in gu é m será o b rigad o a fazer ou deixar de fazer algum a coisa senão em virtude

não se faz necessária a prova d o risco potencial de d a n o causado pela conduta d o agente que dirige em ­

de lei”. Recurso especial a que se nega provimento".

briagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal. Ordem denegada". (STF, 2aTurma,

(STJ, 3a Seção, REsp 1.111.566, Rei. Min. Adilson Vieira M a c a b u - D e se m b a rga d o r con vo cado d o TJ/RJ -, j.

H C 109.269/MG, Rei. M in. Ricardo Lew andow ski, j.

28/03/2012, DJe 04/09/2012). N o m e sm o contexto:

27/09/2011, DJe 195 10/10/2011. C o m o m esm o en­

STJ, 6a Turma, H C 166.377/SP, Rei. Min. O g Fernandes,

tendim ento: STJ, 5a Turma, HC 175.385/MG, Rei. Min. LauritaVaz, ju lgad o em 17/03/2011)

j. 10/06/2010, DJe 01/07/2010.

STJ: “(...) O

2.3. Bafôm etro (ou etilôm etro) passivo: como exposto anteriormente, é dominante o entendimento da doutrina e da jurisprudência pátria no sentido de que, por força do princípio do nemo tenetur se detegere, o motorista suspei­ to de conduzir veículo automotor embriagado não pode ser obrigado a soprar o bafômetro. Por isso, os laboratórios desenvolveram uma nova espécie de bafômetro, que não exige o uso de bocal nem a participação ativa do usuário. Cuida-se do bafômetro (ou etilôme­ tro) passivo, que é capaz de “absorver” do ar ambiente a presença de álcool, a uma distância de 20 a 30 centímetros. A utilização da referida espécie de bafômetro não pressupõe a prática de nenhum comportamento ativo por parte do suspeito de embriaguez ao volante. Na verdade, à semelhança do que ocorre num reconhecimento pessoal, o suspeito é mero objeto de verificação, pois dele não se exige nenhum/acere. Logo, não há falar em violação ao direito à não produção de prova contra si mesmo. Na medida em que o suspeito é obri­ gado apenas a tolerar a realização do referido

entendim ento ad otad o pelo Excelso Pre-

tório, e e n cam p ado pela doutrina, reconhece que o indivíduo não pod e ser com pelido a colaborar com o s referidos testes d o 'bafôm etro' ou d o exam e de sangue, em respeito ao princípio se gu n d o o qual nin­ g u é m é o b rig ad o a se autoincriminar (nem o tenetur se detegere). Em tod as essas situações prevaleceu, para o STF, o direito fundam ental sobre a necessidade da persecução estatal. Em n om e de adequar-se a lei a outros fins ou propósitos não se pod e com eter o equívoco de ferir os direitos fundam entais d o cida­ dão, tran sfo rm an d o -o em réu, em p rocesso crime, im pondo-lhe, desde logo, um constrangim ento ilegal, em decorrência de um a inaceitável exigência não prevista em lei. O tipo penal d o art. 306 d o C ó d ig o de Trânsito Brasileiro é formado, entre outros, por um elemento objetivo, de natureza exata, que não permite a aplicação de critérios subjetivos de interpretação, qual seja, o índice de 6 decigram as de álcool por litro de sangue. O grau de em briaguez é elementar objetiva d o tipo, não configurando a conduta típica o exercício da atividade em qualquer outra concentração inferior àquela determ inada pela lei, e m anada d o C on gresso Nacional. O decreto regulamentador, p od en d o elencar quaisquer m eios de prova que considerasse hábeis à tipicidade da conduta, tratou especificam ente de 2 (dois) exam es por m étodos técnicos e científicos que poderíam ser realizados em aparelhos h o m o lo ga d o s

TÍTULO V II-D A PROVA

exame, exigindo-se cooperação meramente passiva, admite-se sua execução coercitiva caso o suspeito não queira participar de maneira voluntária. 3. Contraprova: por contraprova entende-se qualquer prova apresentada por uma das partes com o objetivo de refutar os elementos apresentados pelo adversário, de modo a in­ fluenciar o convencimento do juiz. C onsi­ derando-se, pois, o direito à contraprova e

Art. 171

a possibilidade de equívocos por ocasião da realização da primeira perícia de laboratório, ou até mesmo de questionamentos acerca da conclusão firmada pelos experts, incumbe ao perito, ao findar o exame pericial, guardar ma­ terial suficiente para a eventualidade de nova perícia (CPP, art. 170). A preservação desse material também se revela importante para auxiliar o trabalho dos assistentes técnicos, nos termos do art. 159, §6°, do CPP.

Art. 171 . Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa,’ ou por meio de escalada,2os peritos, além de descrever os vestígios, indicarão com que instrumentos, por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado.3 1. Destruição ou rom pim ento de obstá­ culo à subtração da coisa: a destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa figura como qualificadora do crime de furto (CP, art. 155, §4°, I). D estruição é o compor­ tamento que faz desaparecer alguma coisa. Destruir é subverter ou desfazer totalmente algo. De seu turno, rompimento é a atividade consistente em deteriorar algum objeto, abrir brecha, arrombar, arrebentar, cortar, serrar, perfurar, forçar de qualquer modo um objeto para superar sua resistência e possibilitar ou facilitar a prática do furto. A mera remoção de um obstáculo à subtração da coisa não carac­ teriza rompimento. Obstáculo, por sua vez, é a barreira, o empecilho que protege um bem, dificultando sua subtração. Pode ser externo (v.g., cadeado) ou interno (grade de proteção), ativo (cerca elétrica) ou passivo (fechaduras). Parte da doutrina sustenta que, para fins de incidência da qualificadora sob comento, esse obstáculo deve ser estranho à coisa furtada. Logo, se a violência for empregada pelo agente contra a própria coisa subtraída, não se aplica a qualificadora. Outros, no entanto, sustentam que o obstáculo pode ser qualquer objeto que dificulte a subtração, exterior à res furtiva ou inerente a ela. Em ambas as hipóteses - des­ truição ou rompimento - , haverá dano a um objeto determinado: na destruição, o dano será total; no rompimento, parcial. De todo modo, em virtude do princípio da consunção,

o crime de dano previsto no art. 163 do CP será absorvido pelo furto qualificado, mas desde que a destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa ocorram antes ou duran­ te a consumação do furto, jamais depois de consumado o crime patrimonial, pois, nesse caso, o agente deverá responder pelos crimes de furto simples e dano em concurso material. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Q u an do se verifica destruição ou rom pim ento de obstáculo à subtração da coisa, a violência deve ser contra obstáculo que dificulta a subtração e não contra a própria coisa. Não é de ter com o razoável acolher-se o entendim ento se gu n d o o qual o arrom bam ento de carro para subtrair toca-fitas ou objetos existentes em seu interior qualifica o furto, o que não sucede se o arrom bam ento colim a subtrair o próprio autom óvel. Se m o a rro m b am e n to da p orta ou d o sistem a de segurança d o carro, não se faria possível o furto; sem a violência em foco, o delito não se consumaria, quer num a situação, quer noutra. Se o acórdão e a sentença deram ao art. 155, § 4°, I, d o C ó d ig o Penal, tal exegese, as decisões não se p od em ter com o contra a lei. N ão cabe, em habeas corpus, anular esses veredictos. Habeas corpus indeferido". (STF, 2a Turma, HC 77.675/PR, Rei. Min. Néri da Silveira, j. 27/10/1998, D J 18/08/2000).

STF: “(...) A

destruição ou avaria de autom óvel para a

subtração de objeto que se encontra em seu interior faz incidir a qualificadora prevista no inciso I d o § 4° do art. 155 d o C ó d ig o Penal. O rom pim ento de obstáculo para alcançar a res furtiva leva a um a m aior reprovabilidade da conduta. (...) O rdem denegada". (STF, I a Turma, HC 95.351/RS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 21/10/2008, DJe 211 06/11/2008).

O

Art. 171

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

STJ:"(...) O saber penal tem um a finalidade prática, que é atuar no m u n d o d o s fatos. Assim, a dogm ática jurídica m oderna deve incorporar d a d o s da realidade aos conceitos abstratos a fim de zelar pela segurança jurídica. À vista disso, não se pod e considerar o vidro de um autom óvel - coisa quebradiça e frágil -, que, no m u n d o do s fatos, não im pede crime algum , o b s­ táculo, im p e d im e n to ou e m b araço à su btração da coisa. N ão se pod e com inar pena m ais grave àquele que, ao quebrar o vidro de um veículo, subtrai a frente removível do aparelho de som, sob pena de se ofender diretamente o princípio da proporcionalidade. Habeas corpus deferido para se excluir a qualificadora, restabe­ lecendo-se a sentença". (STJ, 6a Turma, HC 152.833/SP, Rei. Min. Nilson Naves, j. 05/04/2010, DJe 20/09/2010).

sido o crime praticado. O fato de os vestígios do delito serem facilmente perceptíveis por qualquer pessoa não afasta a indispensabilidade do exame de corpo de delito direto, cuja realização não fica ao livre arbítrio da autori­ dade policial (ou judiciária), mas, ao contrário, decorre da expressa determinação legal do art. 171 do CPP. Na verdade, esse laudo pericial pode ser substituído por outros meios de prova (v.g., testemunhai) tão somente quando o de­ lito não deixar vestígios, quando estes tiverem desaparecido, ou, ainda, se as circunstâncias do

2. Escalada: o crime de furto também será qualificado quando cometido mediante esca­ lada (CP, art. 155, §4°, II). Consiste a escalada na utilização de via anormal para ingressar ou sair de um local fechado em que o crime de furto foi cometido. Para fins de incidência da referida qualificadora, não há necessidade de ultrapassagem de um obstáculo pelo alto. Na verdade, basta que haja o ingresso ou saída do local de forma anormal, como, por exemplo, a escavação de um túnel. Para fins de escalada, o agente pode se valer de instrumentos exis­ tentes no local do crime ou para lá levados de maneira deliberada, e até mesmo por meio de sua peculiar habilidade física.

crime não permitirem a confecção do laudo. 4- Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A

qualificadora da destruição ou rompimento

de obstáculo só pode ser aplicada ao crime de furto mediante realização de exame pericial, tendo em vista que, por ser infração que deixa vestígio, é imprescindível a realização de exame de corpo de delito direto, por expressa im posição legal. Precedentes. A substituição d o laudo pericial por outros m eios de prova apenas pode ocorrer se o delito não deixar vestígios, se estes tiverem desparecido ou, ainda, se as circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo, o que não foi dem onstrado no presente caso. Ressalte-se que é ma­ nifestamente ilegal o reconhecimento da qualificadora d o rom pim ento de obstáculo no furto, tão somente,

4- Jurisprudência selecionada:

pelas declarações das vítimas, confissão da ré e im agens

STJ:"(...) A escalada pressupõe a entrada em

um local

fotográficas colacionada aos autos, q u an do o arrom-

por u m m eio anorm al, e xigin d o d o agen te esforço físico incom um , c o m o saltar um m uro de 1,80 m de

bam ento deixa vestígios, sendo imprescindível para

altura, conform e ocorrido in casu. A qualificadora da

e art. 167 d o CPP) - HC n. 257.765/MS, Ministra Marilza

escalada incide contra aquele q u e não se intim ida diante de um obstáculo, dem onstrando um a tendência m aior d o agente em delinquir. (...) Recurso Especial

sua incidência, a confecção de laudo pericial (art. 158

Maynard (Desembargadora convocada doTJ/SE), Quinta Turma, DJe 28/6/2013. Agravo regimental improvido".

conhecido e provido, n os term os d o voto d o Relator".

(STJ, 6a Turma, A g R g no REsp 1.501.462/MT, Rei. Min.

(STJ, 5a Turma, REsp 680.743/RS, Rei. Min. Gilson Dipp,

Sebastião Reis Júnior, j. 24/03/2015, DJe 09/04/2015).

j. 02/12/2004, DJ 09/02/2005).3

STJ:"(...) FURTO QUA LIFICA DO . (...) A U S Ê N C IA DE LAU­ D O PERICIAL. C O N D E N A Ç Ã O C O M BASE EM O U TRO S

3. Exame pericial nos crimes de furto co­ metidos com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa, ou median­ te escalada: a materialidade desses crimes deve ser comprovada, a princípio, por meio de exame pericial, no qual o perito oficial deve descrever os vestígios deixados pela infração penal, indicando, ademais, os instrumentos, por que meios e em que época presumem ter

ELEMENTOS. (...) A prova técnica não é a única apta a com provar a materialidade das condutas, p od en d o ser suprida por outros m eios de prova capazes de levar ao convencim ento o julgador. Na hipótese, a condenação pelo crime de furto, qualificado pela escalada, se deu com base em outros elem entos do s autos que não a perícia. Recurso parcialmente conhecido e desprovido". (STJ, 5aTurma, REsp 809.759/PB, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 22/08/2006, DJ 18/09/2006 p. 360).

TÍTULO VII • DA

prova

Art. 173

Art. 172. Proceder-se-á, quando necessário, à avaliação de coisas’ destruídas, deterioradas ou que constituam produto do crime.2* Parágrafo único. Se impossível a avaliação direta, os peritos proce­ derão à avaliação por meio dos elementos existentes nos autos e dos que resultarem de diligências.3 1. Exame pericial para fins de avaliação: a depender da natureza do delito, é de fun­ damental importância a realização de exame pericial atestando o valor de coisas destruídas, deterioradas ou do produto do crime, direto ou indireto. A uma, para fins de aplicação do prin­ cípio da insignificância ou reconhecimento das figuras delituosas do furto ou do estelionato privilegiados (CP, art. 155, §2°, e art. 171, §1°, respectivamente) - para os Tribunais, o salário mínimo vigente ao tempo do delito pode ser adotado, a princípio, como parâmetro para fins de caracterização do furto privilegiado. A propósito: STJ, 5a Turma, HC 120.757/MG, Rei. Min. Jorge Mussi, Dje 15/03/2010. A duas porque, em virtude das alterações produzidas pela Lei n. 11.719/08, ao proferir sentença condenatória, deverá o magistrado fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos so­ fridos pelo ofendido (CPP, art. 387, inciso IV), sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido (CPP, art. 63, parágrafo único). A quantificação do prejuízo provocado pelo delito também é importante quando se trata de condenação pela prática de crime contra a administração pública, vez que, nesse caso, a progressão de regimes está condicionada à reparação do dano causado pelo delito, ou à devolução do produto do ilí­ cito praticado, com os respectivos acréscimos legais (CP, art. 33, §4°, acrescentado pela Lei n. 10.763/2003). 2. Coisas destruídas, deterioradas ou pro­ duto de crime: coisa destruída é aquele bem

que foi completamente desfeito, aniquilado ou extinto; deterioradas são as coisas que sofreram dano parcial, ou seja, foram estragadas ou de­ generadas; produto direto do crime (producta sceleris) é o resultado imediato da operação delinquencial, ou seja, os bens que chegaram às mãos do criminoso como resultado direto do crime, como, por exemplo, o objeto furtado (art. 155, caput, do CP), ao passo que o pro­

duto indireto ou proveito da infração (fructus sceleris) configura o resultado mediato do crime, ou seja, trata-se do proveito obtido pelo criminoso como resultado da utilização econômica do produto direto do delito (e.g., veículo comprado com o dinheiro furtado). 3. Avaliação direta e indireta: a princípio, a avaliação deve ser feita com o exame direto e pessoal do bem (avaliação direta). No entanto, nem sempre será possível a realização direta dessa avaliação, quer porque houve o desa­ parecimento do bem, quer porque houve sua completa destruição. Nesses casos, o exame sob comento deve ser feito de maneira indireta, hipótese em que o perito oficial deve proceder à avaliação por meio dos elementos existentes nos autos e dos que resultarem de diligências. A título de exemplo, se houve a subtração de um relógio, que não foi localizado, a avalia­ ção poderá ser feita não apenas com base no valor constante da nota fiscal de aquisição do produto, mas também por meio de análise do estado de conservação da coisa, do tempo de uso, e de comparação do seu valor através de sites na internet especializados em pesquisas de preços.

Art. 173. No caso de incêndio,1os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.2

Art. 173

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

1. Incêndio: é o fogo com labaredas de gran­ des proporções, originado pela combustão de qualquer matéria, cujo poder de destruição e o de causar prejuízos se revelam idôneos no caso concreto. O crime de incêndio está previsto no art. 250 do Código Penal.

destaque fala em "perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio."). Além disso, por se tratar de infração que deixa vestígios imprescindível a com provação da materialidade por m eio de exam e de corpo de delito. N o entanto, a despeito de o laudo pericial ter sido realizado (quase onze m eses depois!) suas conclusões limitaram-se a constatar que o veículo m encionado na

2. Exame pericial nos casos de incêndio: há várias causas de aumento de pena que devem ser sopesadas pelo perito oficial por ocasião da realização do exame pericial, a exemplo da causação de incêndio em casa habitada ou destinada à habitação, edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura, etc (CP, art. 250, §1°). Os peritos também devem analisar a causa e o lugar em que o incêndio teve início, os instrumentos que foram utilizados para a sua produção, o perigo que dele resultou para a vida ou patrimônio alheio, assim como as consequências dele decorrentes, porquanto tais informações podem ser úteis até mesmo para se determinar se a conduta foi produzida dolosa ou culposamente pelo agente.

proemial foi alvo de ação depredatória e que nele se verificou princípio de com bu stão extinta sobre a parte central superior d o painel, com evidência de ter sido iniciada de cim a para baixo e não por curto-circuito (dito em outras palavras, a sim ples existência de fo go provocado externamente!), sem, contudo, destacar a existência de perigo efetivo e concreto. Habeas corpus concedido". (STJ, 5a Turma, HC 104.371/SE, Rei. Min. Felix Fischer, j. 18/11/2008, DJe 19/12/2008).

STJ:"(...) Relativamente às infrações que deixam

ves­

tígios, a realização de exam e pericial se m ostra indis­ pensável, podendo ser suprida pela prova testemunhai apenas se os vestígios do crime tiverem desaparecido. Na hipótese, tratando-se de delito de incêndio, inseri­ d o entre os que deixam vestígios, apenas poderia ter sido com provada a m aterialidade d o crime por meio de exam e pericial, já que o s v e stígios n ão haviam desaparecido. (...) Ordem concedida para restabelecer

+ Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

a sentença absolutória". (STJ, 5a Turma, HC 65.667/ RS, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 07/08/2008, DJe

Na taxio n om ia generalizada, existem, no

que se liga a resultado, duas abordagens. Em relação

15/09/2008).

ao resu ltad o jurídico (ofensa ao b e m jurídico), os

STJ: "(...) C R IM E

delitos poderiam ser de perigo (concreto ou, então,

PERICIAL. N E C E S SID A D E . ARTS. 167 E 173 D O CPP.

DE IN CÊN D IO . A U SÊN C IA D E EXAM E

presum ido) e de dano. Em relação ao resultado m ate­

IN EXISTÊN CIA DE JUSTIFICATIVA PARA A N Ã O REALI­

rial (resultado material ou evento natural resultante

Z A Ç Ã O D A PERÍCIA. C O N ST RA N G IM EN T O ILEGAL. N ÃO

inseparável), os crim es p od em ser, se gu n d o grande parte do s doutrinadores pátrios, materiais, form ais e de mera conduta. Assim , de início, nesta linha, tod o delito tem seu resultado jurídico (dan o ou p erigo

C O N H ECIM EN TO . O R D E M D E OFÍCIO. (...) Adm ite-se que a prova testem unhai supra a pericial se não for possível a realização d o respectivo exam e pelo desa­

a bem jurídico) m as nem to d o crime apresenta um

parecim ento d o s vestígios, nos term os d o art. 167 do

resultado natural ou material (só para o s materiais

C ó d ig o de Processo Penal. (...) Na hipótese, as provas

ele se apresenta imprescindível). Nesta dupla abor­

testem unhais e o boletim de atendim ento d o corpo

dage m , q u e não apresenta qualquer relação direta

de b o m b e iro s - ate stan d o ap e nas a ocorrência do

ou biunívoca, é de se notar que existem crim es de perigo e que são, simultaneam ente, materiais. É o que ocorre com o delito de incêndio. Ele é material (sem o

incêndio e o s objetos danificados -, não bastam para alicerçar a condenação. É im prescindível o laudo peri­

fo g o ele não poderia existir) e de p erigo concreto (e

cial para a configuração d o crime de incêndio, eis que

com um). Na hipótese do s autos, flagrante a inépcia da

a delineação de sua causa é decisiva para se concluir

denúncia, bem com o a ausência de justa causa para

se houve ação proposital. Esclareça-se que não houve

a ação penal. C om efeito, a exordial acusatória narra,

qualquer justificativa para a não realização da perícia.

apenas, que os denunciados teriam derram ado líquido inflamável no interior de um veículo e ateado fo g o que foi rapidam ente debelado em razão da atuação

Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a sentença absolutória apenas

d o C orpo de Bombeiros. Nota-se, assim, que, não há

no tocante ao crime de incêndio”. (STJ, 6 a Turma, HC

a descrição da ocorrência de perigo efetivo, concreto,

283.368/RS, Rei. Min. M aria Thereza de Assis Moura, j.

para pessoa ou coisas indeterminadas (o tipo penal em

23/10/2014, DJe 10/11/2014).

TÍTULO VII • DA PROVA

j

A ft. 17 5

Art. 174. No exame para o reconhecimento de escritos, por compa­ ração de letra,' observar-se-á o seguinte: I - a pessoa a quem se atribua ou se possa atribuir o escrito será intimada para o ato, se for encontrada; II - para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a dita pessoa reconhecer ou já tiverem sido judicialmente reconhecidos como de seu punho, ou sobre cuja autenticidade não houver dúvida; III - a autoridade, quando necessário, requisitará, para o exame, os documentos que existirem em arquivos ou estabelecimentos públicos, ou nestes realizará a diligência, se daí não puderem ser retirados; IV - quando não houver escritos para a comparação ou forem insufi­ cientes os exibidos, a autoridade mandará que a pessoa escreva o que lhe for ditado. Se estiver ausente a pessoa, mas em lugar certo, esta última diligência poderá ser feita por precatória, em que se consignarão as palavras que a pessoa será intimada a escrever. 1. Exame pericial para reconhecimento de escritos (exame grafotécnico): o exame para o reconhecimento de escritos, denominado de exame grafotécnico (ou caligráfico), visa atestar, por meio de comparação, que a letra inserida em determinado escrito pertence ao agente investigado. Esse exame pode ser fundamental para a apuração de um crime de falsificação, apontando sua provável autoria. Seu procedimento encontra-se regulamentado pelos incisos do art. 174 do CPP. Por força do direito de não produzir prova contra si mesmo, o acusado não está obrigado a fornecer mate­ rial do próprio punho para 0 exame grafotéc­

nico. Por isso, a recusa do agente em fornecer material não tipifica o crime de desobediência, nem tampouco pode ser utilizada como indí­ cio em detrimento da defesa. Na verdade, se o acusado não fornecer seu padrão gráfico de maneira voluntária, incumbe à autoridade diligenciar no sentido de localizar documentos reconhecidos como de seu punho (v.g., respos­ tas do acusado numa prova dissertativa a que foi submetido durante a faculdade). Para mais detalhes acerca do princípio do nemo tenetur se detegere (direito à não autoincriminação), remetemos o leitor aos comentários ao art. 155 do CPP (Título V II - “Da prova”).

Art. 175. Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração,1a fim de se lhes verificar a natureza e a eficiência.2'3 1. Instrumentos do crime: instrumenta sceleris é o meio de que se vale o agente para

servindo, pois, como importante indício acerca de eventual crime de homicídio.

cometer o delito, como, por exemplo, uma arma de fogo, uma faca, uma chave falsa, etc. Tais objetos devem ser periciados não apenas para fins de verificação da sua natureza e efi­ ciência, mas também porque, a depender do caso concreto, sua análise pode revelar dados importantes quanto à autoria do fato delituoso. Com efeito, a perícia de uma arma de fogo apreendida no local do crime pode revelar a impressão datiloscópica de quem a empunhou,

2. Exame pericial para fins de verificação da natureza e eficiência dos instrumentos do crime: quando o instrumento do crime é apreendido, impõe-se a realização de exa­ me pericial de modo a verificar a natureza e eficiência do referido objeto. Por natureza compreende-se a espécie e qualidade, ao pas­ so que a verificação da eficiência consiste na análise de sua aptidão ou força para produzir determinado resultado. Exemplificando, apre­

Art. 175

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

endida uma arma de fogo num crime de roubo circunstanciado (CP, art. 157, §2°, I), os peritos deverão não apenas indicar o tipo de revólver periciado (v.g., pistola 9mm), como também confirmar se é apto a efetuar disparos. Esta conclusão é relevante não apenas para afastar eventual arguição de crime impossível por con­ ta da ineficácia absoluta do meio (CP, art. 17), mas também para confirmar a potencialidade lesiva da conduta delituosa diante da idonei­ dade de tal instrumento para causar danos à vida ou à integridade corporal da vítima. 3. (Im) possibilidade de aplicação da majorante do em prego de arma no crime de roubo (CP, art. 157, §2°, inciso I) nos casos de não apreensão do instrumento do cri­ me: a necessidade de apreensão da arma de fogo está relacionada à realização do exame pericial, indispensável para aferir sua eficácia, comprovando a maior potencialidade lesiva da conduta do agente, de modo a autorizar a incidência da causa de aumento de pena do art. 157, §2°, I, do CP. Todavia, nas hipóteses em que a arma não for apreendida, inviabili­ zando a realização do exame pericial direto, é plenamente possível que sua ausência seja suprida pela prova testemunhai, nos termos do art. 167 do CPP. Nesse caso, para que a prova testemunhai possa suprir a ausência do exame direto, não basta que vítima e testemu­ nhas se limitem a dizer que o acusado teria se utilizado de arma para fins de constranger a vítima. Devem, ademais, afirmar de forma coerente que houve disparo com a arma de fogo, pois somente assim restará provado que não se tratava de arma de brinquedo, uma vez que sua eficácia mostrou-se evidente, denotan­ do a maior potencialidade lesiva da conduta delituosa. Essa necessidade de apreensão da arma para fins de incidência da majorante, cuja ausência só pode ser suprida se vítima e testemunhas confirmarem que houve disparos com a arma de fogo, está intimamente relacio­ nada aos mesmos motivos que levaram o STJ a cancelar a antiga súmula n. 174 do STJ, a qual dizia que a intimidação feita com arma de brin­ quedo autorizava o aumento da pena no crime de roubo. Tal súmula foi cancelada porque o STJ chegou à conclusão de que, a despeito de

causar temor à vitima, e, portanto, autorizar o reconhecimento da prática do crime de roubo simples cometido mediante grave ameaça (CP, art. 157, caput), a utilização de arma de brin­ quedo não representa maior risco à integridade física da vítima. Ora, de maneira semelhante, se a arma de fogo não foi apreendida e se as testemunhas não afirmaram que houve dispa­ ros com ela, como se pode afirmar categori­ camente que a arma utilizada pelo agente não era de brinquedo, se encontrava desmuniciada, ou era inapta a produzir disparos? Registros policiais dão conta de inúmeros casos em que a arma apreendida seria de brinquedo, a qual propiciaria a aparência de arma de verdade, sem, no entanto, deter qualquer potencialidade lesiva. Portanto, considerando que, por força da regra probatória que deriva do princípio da presunção de inocência, o ônus da prova recai sobre a acusação, e não sobre o acusado, tendo em conta, ademais, que o emprego de arma de fogo é circunstância objetiva, torna-se impres­ cindível a aferição da idoneidade do mecanis­ mo lesivo, o que somente se viabiliza mediante sua apreensão e consequente elaboração do exame pericial direto, ou se vítima e testemu­ nhas confirmarem que houve disparos com a arma. Há precedentes da 6a Turma do STJ nesse sentido. Não é essa, todavia, a posição dominante perante os Tribunais Superiores. Na visão do Supremo, não se exige que a arma de fogo seja periciada ou apreendida, desde que, por outros meios de prova, reste demonstrado o seu potencial lesivo. Se, por qualquer meio de prova — em especial pela palavra da vítima ou pelo depoimento de testemunha presencial — ficar comprovado o simples emprego de arma de fogo, pouco importando a demonstração de que disparos teriam sido efetuados, esta circunstância deverá ser levada em conside­ ração pelo magistrado na fixação da pena. Assim, caso o acusado alegue o contrário ou sustente a ausência de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de produzir tal evidência, nos termos do art. 156 do CPP, segundo o qual a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Afinal, mesmo que eventualmente não tenha o poder de disparar projéteis, a arma de fogo pode ser

TÍTULO VII • DA PROVA

empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves contra vítimas atemorizadas. Enfim, entende o Supremo que exigir uma perícia para atestar a potencialidade lesiva da arma de fogo empregada no delito de roubo teria como resultado prático estimular os criminosos a desaparecer com elas, de modo a que a qualificadora do art. 157, § 2o, I, do CP, dificilmente poderia ser aplicada, a não ser nas raras situações em que restassem presos em flagrante, empunhando o artefato ofensivo. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

-| 7 f i

correspondência com o roubo praticado c om arma de brinquedo. Precedente d o STF. O rdem indeferida". (STF, Tribunal Pleno, HC 96.099/RS, Rei. M in. Ricardo Lew andow ski, DJe 104 04/06/2009).

STJ:"(...) Para a caracterização da

majorante prevista

no art. 157, § 2°, inciso I, d o C ó d ig o Penal, prescinde-se da apreensão e realização de perícia em arma utilizada na prática d o crime de roubo, se por outros m eios de prova restar evidenciado o seu em prego. Precedentes d o STF. O s dep oim entos d o condutor, da vítima, das testem unhas, bem com o qualquer m eio de captação de im agem , por exemplo, são suficientes para com ­ provar a utilização de arm a na prática delituosa de roubo, sendo desnecessária a apreensão e a realização de perícia para a prova d o seu potencial de lesividade e incidência da majorante. A exigência de apreensão

N e c e ssid a d e d e a p re e n sã o da arm a de

e perícia da arm a u sada na prática d o rou b o para

fo g o para a im p le m e n taç ão da cau sa de au m e n to

qualificá-lo constitui exigência que não deflui da lei resultando então em exigência ilegal posto ser a arma

de pen a d o inciso I, d o § 2°, d o art. 157, d o C ó d ig o Penal, decorre da revogação da Sú m u la n. 174, deste Sodalício. Sem a ap ree n são e perícia na arma, n os c a so s em q u e n ão é p ossível aferir a su a eficácia por o u tro s m eio s de prova, n ão há c o m o se apurar a sua

por si só - desde que dem onstrado por qualquer m odo a utilização dela - instrum ento capaz de qualificar o crime de roubo. Cabe ao im pu tado dem onstrar que a arm a é de sprovida de potencial lesivo, c o m o na

le sivid ad e e, portanto, o m aior risco para o b em

hipótese de utilização de arm a de brinquedo, arma de­

ju ríd ic o in te g rid a d e física. O R D E M C O N C E D ID A ”.

feituosa ou arm a incapaz de produzir lesão. Em bargos conhecidos e rejeitados, por maioria". (STJ, 3a Seção,

(STJ, 6 aTurma, H C 89.518/SP, Rei. Min. Jane Silva, DJe 07/04/2008). A in da no sentido da p ossib ilid a d e de a au sên cia d o exam e pericial ser su p rid a pela prova testem unhai, se c o m p ro v a d o q u e o autor efetuou

EREsp 961.863/RS, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 13/12/2010, DJe 06/04/2011). E ainda: STJ, 6 a Turma, HC 135.002/ SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 23/08/2011, DJe

d isp aro s c o m a arm a d e fo g o e, portanto, e vid e n ­

19/09/2011.

ciada sua p ote n cialida de lesiva: STJ, 5a Turma, HC

STJ: "(...)

155.149/RJ, Rei. M in. Felix Fischer, j. 29/04/2010, DJe 14/06/2010; STJ, 6 aTurma, H C 177.215/RJ, Rei. Min. H arold o Rodrigues, j. 18/11/2010, DJe 17/12/2010;

A P R E E N S Ã O D E A R M A D E F O G O IN APTA

PARA D ISPARO S. EXC LU SÃ O D A M AJO RA NTE. (...) A jurisprudência desta Corte e d o Suprem o Tribunal se

STF, 2a Turma, H C 96.865/SP, Rei. M in. Eros Grau, DJe

consolidou n o sentido da desnecessidade da posse m ansa e pacífica da res furtiva para a c on su m a ção

148 06/08/2009.

d o crime de roubo. A Terceira Seção desta Corte, por

STF:"(...) N ão se m ostra necessária a apreensão e p e ­ rícia da arm a de fo g o e m p regada no roubo para c om ­

ocasião d o julgam e nto d o s Em bargos de Divergência no Recurso Especial n° 961.863/RS, firm ou o entendi­

provar o seu potencial lesivo, visto que tal q u alidade

m ento de que a majorante de e m p rego de arm a do

integra a própria natureza d o artefato. Lesividade do instrum ento que se encontra in re ipsa. A qualifica­ dora d o art. 157, § 2°, I, d o C ó d ig o Penal, p od e ser evidenciada por qualquer m eio de prova, em especial pela palavra da vítim a - reduzida à im possibilid ade

roubo p od e ser com provada pela palavra da vítima ou m esm o pelo depoim ento de testem unhas. D aí que não se torna indispensável a apreensão da arma, com a posterior perícia, a fim de se constatar a sua poten­

de resistência pelo agen te - ou pelo d e p oim e n to de

cialidade lesiva. N ão obstante, no caso em apreço, a arm a de fo g o foi devidam ente apreendida e periciada,

testem u n ha presencial. Se o acu sad o alegar o con ­

ficando dem onstrado que não se encontrava apta a

trário ou sustentar a ausência de potencial lesivo da

realizar disparos. A jurisprudência cristalizada neste

arm a e m p regad a para intim idar a vítima, será dele o

SuperiorTribunal de Justiça é indevida a exasperação levada a efeito acima d o patam ar m ínim o com esteio

ô n u s de produzir tal prova, nos term os d o art. 156 d o C ó d ig o de Processo Penal. A arm a de fogo, m esm o que não tenha o p oder de disparar projéteis, p od e

unicam ente na alusão ao núm ero de majorantes do

ser em pregada com o instrum ento contundente, apto

HC 165.983/SP, Rei. Min. O g Fernandes, j. 23/02/2012,

a produzir lesões graves. H ipótese que não gu ard a

Dje 07/03/2012).

roubo. Ordem parcialmente concedida". (STJ, 6 aTurma,

Art. 176. A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência.1 583

\

Art. 177



CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

1. Formulação de quesitos: na fase investigatória, os exames periciais são realizados o quanto antes possível, haja vista a possibilidade de desaparecimento dos vestígios deixados pela infração penal. Destarte, ante a urgência inerente à realização do exame pericial, não há falar em obrigatoriedade de intimação das partes. A uma porque a investigação prelimi­ nar consiste em procedimento inquisitorial. Logo, não é obrigatória a observância do con­ traditório e da ampla defesa. A duas porque, nesta fase inquisitorial, sequer há falar em partes. Por isso, na grande maioria dos casos, o perito oficial responde apenas a uma série de quesitos preestabelecidos para cada tipo de exame pericial e, quando muito, também àqueles apresentados pelo Delegado de Polícia. De todo modo, caso a investigação criminal em questão esteja sendo acompanhada de

perto pelo Ministério Público e pelo inves­ tigado, parece não haver óbice à formulação de quesitos pelos interessados, que devem ser deferidos (ou não) pela autoridade policial com base no poder discricionário que lhe é conferido pelo art. 14 do CPP. A despeito de não haver obrigatoriedade de intimação das partes para apresentação de quesitos, como este exame pericial dificilmente poderá ser reproduzido num momento posterior - prova não repetível - , se houver a apresentação de perguntas ao perito oficial pelos interessados, não há por que negar às partes a possibilidade de contribuir para a busca da verdade. Noutro giro, se o exame pericial for determinado no curso do processo judicial, a intimação das partes para a apresentação de quesitos é cogente, respeitando-se, assim, o contraditório e a ampla defesa.

Art. 177. No exame por precatória,' a nomeação dos peritos far-se-á no juízo deprecado. Havendo, porém, no caso de ação privada, acordo das partes, essa nomeação poderá ser feita pelo juiz deprecante. Parágrafo único. Os quesitos do juiz e das partes serão transcritos na precatória. 1. Exame pericial por precatória: caso o exame pericial seja feito por meio de carta precatória, a nomeação dos peritos deve ser feita no juízo deprecado. Em fiel observância à garantia da razoável duração do processo, de modo a se evitar que, após a nomeação do perito oficial pelo juízo deprecado, sejam as partes e o juízo deprecante instados a apresen­ tar seus quesitos, estes devem ser transcritos

de imediato por ocasião da expedição da carta precatória. Por fim, convém ressaltar que, no caso de ação penal de iniciativa privada, ha­ vendo acordo entre as partes, essa nomeação do perito oficial - ou dos dois peritos não oficiais - poderá ser feita pelo juiz deprecan­ te, jamais pelas partes, porquanto estas não podem intervir na nomeação do expert (CPP, art. 276).

Art. 178. No caso do art. 159, o exame será requisitado pela autori­ dade ao diretor da repartição, juntando-se ao processo o laudo assinado pelos peritos.' 1. Requisição do laudo pericial: a requi­ sição da perícia a ser elaborada por perito oficial (regra geral) deve ser feita pela auto­ ridade policial (ou judiciária) diretamente ao chefe do respectivo órgão. Pelo menos em regra, cada Estado da Federação dispõe

de uma Polícia Técnico-Científica. A Polícia Federal tam bém dispõe de corpo próprio especializado de peritos para a realização das diversas espécies de exames periciais. Em São Paulo, a Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) coordena os trabalhos do

TÍTULO VII • DA PROVA

Instituto de Criminalística e do Instituto M é­ dico Legal, seus principais órgãos. O Instituto de Criminalística tem por atribuição auxiliar a Justiça, fornecendo provas técnicas acerca de locais, materiais, objetos, instrumentos e pes­ soas, para a instrução de processos criminais.

J

hr\. 180

Noutro giro, o Instituto Médico Legal (IML) tem como principal perícia a necropsia (CPP, art. 162), mas tam bém é responsável pela realização de exames em pessoas que foram vítimas de acidentes de trânsito, agressões, acidentes de trabalho, etc.

Art. 179. No caso do §1° do art. 159, o escrivão lavrará o auto res­ pectivo, que será assinado pelos peritos e, se presente ao exame, também pela autoridade.1I. Parágrafo único. No caso do art. 160, parágrafo único, o laudo, que poderá ser datilografado, será subscrito e rubricado em suas folhas por todos os peritos. 1. Auto de exame pericial realizado por peritos não oficiais: o dispositivo legal sob comento faz referência à hipótese de falta de peritos oficiais, quando o exame pericial deve ser realizado por 2 (dois) peritos não oficiais, portadores de diploma de curso superior, pre­ ferencialmente na área específica, dentre os que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. Nesse caso, é preciso que o escrivão do feito (extrajudicial ou judi­ cial) lavre um auto (registro escrito e autentica­ do do ato), devidamente assinado pelos peritos leigos, sem prejuízo da colheita da assinatura da autoridade policial (ou judiciária), se acaso

presente ao exame. Sem embargo do quanto disposto no art. 179 do CPP, a jurisprudência entende que a falta de assinatura dos peritos não oficiais não é causa de nulidade do exame pericial, desde que comprovada a origem do laudo. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

O laudo pericial assin ado por dois peritos

(em conform idade com a nova redação d o art. 159 d o CPP), m as no qual som ente um a das assinaturas está identificada, padece de sim ples irregularidade. (...) O rdem denegada". (STJ, 5aTurma, HC 8.079/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 18/02/1999, DJ 29/03/1999, p. 194).

Art. 180. Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos.1 I. Divergência entre os peritos: caso haja divergência entre os peritos, serão consigna­ dos no auto do exame as declarações e res­ postas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro, chamado de perito desempatador; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos. O art. 180 do CPP, que não foi objeto de alterações pela Lei n. I I . 690/08, deve ser lido à luz da nova redação do art. 159 do CPP, que exige apenas 1 (um)

expert - e não 2 (dois) - quando o exame pericial for realizado por perito oficial. Ora, se há necessidade de apenas 1 (um) perito oficial para a realização das perícias, é evi­ dente que não constarão do mesmo laudo divergência entre peritos. Na verdade, essa possibilidade de divergência entre peritos no mesmo exame subsiste apenas nas hipóteses de perícias realizadas por peritos não oficiais ou no caso de perícias complexas, que podem ser realizadas por mais de um perito oficial. De todo modo, a necessidade (ou não) de (

585

Art. 181

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

nomeação de outro perito ficará a cargo da autoridade responsável pela determinação do exame. Ora, se o juiz está sujeito ao sistema do livre convencimento motivado, é perfei-

tamente possível que sua convicção tenha sido formada com base nas conclusões de um dos peritos, tornando despicienda, pois, a nomeação de outro expert.

Art. 181 . No caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades ou contradições, a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo.1(Redação dada pela Lei n. 8.862, de 28.3.1994) Parágrafo único. A autoridade poderá também ordenar que se proceda a novo exame, por outros peritos, se julgar conveniente. 1. Laudos irregulares: o trabalho pericial pode deixar alguma irregularidade a ser sanada. Se ausente as respostas a todos os quesitos formulados, se houver contradição entre a fundamentação e a conclusão peri­ cial, enfim, se o laudo pericial for omisso, obscuro ou contraditório, a autoridade ju d i­ ciária poderá determinar que o(s) perito(s) proceda(m ) à correção do referido vício. Apesar de o art. 181 do CPP fazer referência apenas à autoridade judiciária, parece não haver óbice à aplicação de seus ditames à

perícia determinada pela autoridade poli­ cial, nos termos do art. 3o do CPP. Ora, se o Delegado de Polícia tem atribuições para determinar a realização de perícias (CPP, art. 6o, V II), salvo o exame de insanidade mental, é evidente que também tem atribuições para determinar a retificação de eventuais falhas constantes do laudo (ou auto) pericial. Se as irregularidades persistirem, a autoridade policial (ou judiciária) pode determinar a realização de outro exame pericial, porém, desta feita, por outro(s) perito(s).

Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.1 1. Sistemas de apreciação dos laudos pe­ riciais: são dois os sistemas de apreciação dos laudos periciais. Pelo sistema vinculatório, o magistrado fica vinculado ao laudo pericial, não podendo decidir de modo a contrariá-lo. Noutro giro, por meio do sistema liberatório, o juiz não fica vinculado ao laudo pericial, que pode ser aceito ou rejeitado. Nesse caso, o magistrado é o perito dos peritos (iudex est peritus peritorum). É esse o sistema adotado pelo CPP, não só por força do sistema da li­ vre persuasão racional do juiz (CPP, art. 155, caput), como também por expressa disposição legal (CPP, art. 182). Com a introdução da figura do assistente técnico no processo penal pela Lei n. 11.690/08, é de se imaginar que o juiz terá maiores subsídios para rejeitar total ou parcialmente a conclusão dos laudos oficiais.

De todo modo, a não aceitação do laudo ofi­ cial - até mesmo porque o juiz não dispõe dos conhecimentos especializados do(s) perito(s) - não poderá ser o resultado de um ato capri­ choso ou imotivado, cabendo ao juiz justificar racionalmente sua discordância, indicando o motivo pelo qual não considera atendível o re­ sultado da perícia. Caso o magistrado opte por rejeitar o laudo pericial em infração que deixa vestígios, e caso estes ainda estejam presentes, deve o magistrado nomear novo perito, se de prova exclusivamente técnica se cuidar (CPP, art. 181, parágrafo único). Perceba-se que não é a simples existência de dois laudos distintos que enseja necessariamente a elaboração de um terceiro. Deve se lembrar que os laudos são dirigidos ao Magistrado, que, em seu livre convencimento motivado, pode adotá-los ou

TÍTULO VII • DA PROVA

não. Não se considerando na posse dos ele­ mentos necessários, pode o julgador solicitar nova perícia.

Aft. 184

que os laud os são dirigido s ao M agistrad o, que, em seu livre con ven cim ento m otivado, p od e adotá-los ou não. N ão se considerando na posse d o s elem entos necessários, pod e o ju lgad o r solicitar nova perícia. Tal

-f Jurisprudência selecionada:

providência, se n ão foi determ inada na hipótese, é porque a Juíza d o processo entendeu desnecessária.

STJ: "(...)

“Diante de d o is laudos técnicos divergentes, o Juiz p od e basear-se em q u alqu er um deles para m otivar

N ão é a sim p les existência de d o is laudos

distintos que enseja necessariam ente a elaboração de um terceiro. N o caso presente, o prim eiro exam e foi cassado por conter vícios. Ele, além de não contar

sua decisão, a trib u in d o -o s o p eso que su a con sci­ ência indicar, um a vez q u e é so b e ra n o na análise d a s provas carreadas ao s au to s" (HC n° 83.923/SP,

com o s q u esitos e lab orad os pelo ó rgã o m inisterial e

Relator M inistro N ap oleão N u nes M aia Filho, DJ de

pelo patrono d o acusado, deixou de exam inar conclu­

28.4.08). D e m ais a mais, os jurados, soberanam ente,

sivam ente se, à época d o s fatos, o paciente possuía potencial consciência de ilicitude e se poderia agir

concluíram pela responsabilização d o paciente e pela sua perfeita im putabilidade. A o final, foi proferida

de m aneira diversa. Já o se g u n d o laudo, precedido

con de n ação à reprim enda total de 25 (vinte e cinco)

das fo rm alid ad e s legais, fez referência à c on dição

an os de reclusão. O rdem denegada". (STJ, 6 a Turma,

m ental d o acu sado ao m o m e n to em que realizado e

HC 63.087/PR, Rei. Min. O g Fernandes, j. 06/04/2010,

tam b é m à época d o ocorrido. Deve ser relem brado

DJe 26/04/2010).

Art. 183. Nos crimes em que não couber ação pública, observar-se-á o disposto no art. 19.' 1. Destinação do laudo pericial nos crimes de ação penal de iniciativa privada: nesse caso, deve ser observado o quanto disposto no art. 19 do CPP, ou seja, o laudo pericial deve ser juntado aos autos do respectivo inquéri­ to policial e remetido ao juízo competente, aguardando-se a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, sem prejuízo da extração de cópia pelo interessado. De se lembrar que, na hipótese de crime de ação penal privada, o exercício do direito de queixa está sujeito ao prazo decadencial de 6 (seis) meses, contados a partir do conhecimento da

autoria (CPP, art. 38). Como se trata, a deca­ dência, de causa extintiva da punibilidade, o requerimento para a instauração do inquérito policial não tem o condão de suspender ou interrom per a fluência desse prazo, que é fatal e improrrogável. Por conseguinte, se a autoria for conhecida, a queixa-crime deve ser oferecida antes do decurso do prazo de­ cadencial de 6 (seis) meses, ainda que o laudo pericial não tenha sido juntado aos autos do respectivo inquérito policial. Nesse caso, o laudo poderá ser juntado posteriormente no curso do processo judicial.

Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a au­ toridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.1 1. Indeferimento de exame pericial reque­ rido pelas partes: como exposto anteriormen­ te, quando a infração penal deixar vestígios, o art. 158 do CPP não deixa margens à discricionariedade da autoridade policial ou judiciária, pois o próprio CPP impõe a realização do exa­ me de corpo de delito. Por isso, se ainda houver vestígios deixados pelo delito, o Delegado

de Polícia e o juiz competente não poderão indeferir eventual exame de corpo de delito requerido pelas partes. À exceção do exame de corpo de delito, se o exame pericial não for necessário para o esclarecimento da verdade, ou seja, se se tratar de exame pericial inútil, impertinente ou protelatório, é perfeitamente possível o indeferimento motivado da perícia

Art. 185

\

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

desnecessária requerida pelas partes. Não por outro motivo, em caso concreto envolvendo a prática do antigo crime de atentado violento ao pudor (CP, revogado art. 214), no qual a defesa pleiteava a realização de perícia técnica que teria a finalidade de descrever o órgão genital do paciente para confrontá-la com a descrição fei­ ta pela vítima, concluiu a 2a Turma do STF (HC 82.587/RJ) que o indeferimento motivado do exame pericial não caracterizaria cerceamento de defesa, porquanto incumbe ao juiz evitar a produção de provas inúteis, impertinentes ou procrastinatórias. Não há recurso adequado contra o indeferimento da realização de exame pericial. Por isso, a depender do caso concreto, caberá à parte irresignada valer-se do habeas corpus ou do mandado de segurança, sem prejuízo de arguição de suposto cerceamento da acusação (ou da defesa) em preliminar de futura e eventual apelação.

fu n dam e n to . Perícia de sn e ce ssária indeferida. HC denegado. C on cessão de ordem de ofício para fins de progressão de regime. N ão se adm ite pedido de habeas corpus que, sobre ser mera repetição doutro já indeferido, im pu gn a o alcance das provas em que se fundou a sentença condenatória". (STF, 2aTurma, HC 82.587/RJ, Rei. Min. Cezar Peluso, DJe 148 06/08/09).

STF: "(...)

O a rtigo 7° d o C PP confere à au toridade

policial a fac u ld a d e de p roce d er à recon stitu ição d o crim e o u reprodução sim u lada d o s fatos. N ada im pe de q u e o juiz, n o exercício d o s p od eres instrutórios, a determ ine se achar relevante para dirimir d ú v id as (CPP, art. 156). Por seu turno, o artigo 184 d o C PP d isp õ e que [sjsalvo o caso de exam e de cor­ p o de delito, o juiz o u a au toridade policial negará a perícia requerida p elas partes, q u a n d o n ão for necessária ao esclarecim ento da verdade".Tem -se aí juízo de conveniência tan to da au torid ad e policial, q u an to d o m agistrado, no q u e ta n g e à relevância, ou não, da prova resultante da diligên cia requerida. O S u p re m o Tribunal Federal n ão pode, em lu ga r d o juiz, aferir a im po rtân cia da prova para o caso concreto. (Precedentes). A de cisão q u e indeferiu a diligên cia está a m p lam e n te fu n d am e n tad a no sen­



tido de sua desn ecessidade, não havendo, portanto,

Jurisprudência selecionada:

c on stran gim e n to ilegal a ser san ad o p or esta Corte.

STF:"(...)

A te ntad o violento ao pudor. Art. 214 do CP. Reexame da prova. Inadm issibilidade em habeas

Recurso ordinário em hab e as corpu s a que se n ega

corpus. Reiteração, adem ais, d o ped ido sob m esm o

Eros Grau, j. 25/04/2006, DJ 26/05/2006).

provimento". (STF, 2aTurma, RH C 88.320/PI, Rei. Min.

Capítulo III DO INTERROGATÓRIO DO ACUSADO12 Art. 185. O acusado que comparecer3perante a autoridade judiciária,4 no curso do processo penal,5-6será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.7 (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1o.12.2003) §1° O interrogatório do réu preso8 será realizado,9 em sala própria,9-1no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares9-2 bem como a presença do defensor93 e a publicidade do ato.94 (Redação dada pela Lei n. 11.900, de 2009) §2° Excepcionalmente,10 o juiz, por decisão fundamentada," de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu pre­ so por sistema de videoconferência12'14 ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real,15 desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:16 (Redação dada pela Lei n. 11.900, de 2009) 588

TÍTULO VII • DA PROVA

-| 3 5

I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;'6-' (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermi­ dade ou outra circunstância pessoal;'62 (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009)

III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videocon­ ferência, nos termos do art. 217 deste Código;16.3 (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.'6-4 (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) §3° Da decisão que determinar a realização de interrogatório por video­ conferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência.'7 (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) §4° Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400,411 e531 deste Código.'8 (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) §5° Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.'9 (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) §6° A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos cor­ regedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.20(Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) §7° Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1o e 2o deste artigo.2' (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) §8° Aplica-se o disposto nos §§ 2o,3o,4oe 5o deste artigo, no que couber, à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido.22 (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) §9° Na hipótese do § 8o deste artigo, fica garantido o acompanhamen­ to do ato processual pelo acusado e seu defensor.23 (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) §10 Do interrogatório deverá constar a informação sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído pela Lei n. 13.257/16).24 1. Interrogatório judicial do acusado: interrogatório judicial é o ato processual por meio do qual o juiz ouve o acusado sobre sua

pessoa e sobre a imputação que lhe é feita. É a oportunidade que o acusado tem de se dirigir diretamente ao magistrado, quer para apresen-

Art. 185

- cpp COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

tar a versão da defesa acerca da imputação que recai sobre a sua pessoa, podendo, inclusive, indicar meios de prova, quer para confessar, ou até mesmo para permanecer em silêncio, fornecendo apenas elementos relativos a sua qualificação. Deve ser conduzido pelo magis­ trado de maneira neutra, imparcial, equilibra­ da e serena. Por consequência, por mais pueril que possa parecer a versão apresentada pelo acusado, o magistrado não pode confrontá-lo com veemência, sugerindo que sua versão seria inverossímil e falsa. Não é este o momento para a avaliação da prova produzida no curso da audiência una de instrução e julgamento. Na verdade, o interrogatório é o momento oportuno tão somente para que o acusado exerça o seu direito de autodefesa. Logo, se o magistrado se contrapor ao acusado em seu in­ terrogatório judicial, por vezes qualificando-o de mentiroso, este verdadeiro prejulgamento do feito dará ensejo ao reconhecimento da nulidade absoluta do referido ato, seja em face de evidente constrangimento ao exercício da autodefesa, seja por conta da violação à garantia da imparcialidade. Cuida-se de ato personalíssimo, ou seja, que deve ser exercido pessoalmente pelo acusado. No caso de pessoa jurídica figurando no polo passivo da demanda (v.g., crimes ambientais), deve se proceder à oitiva do representante por ela indicado, não necessariamente seu representante legal, pois é possível que este não tenha conhecimento do fato delituoso. 2. Natureza jurídica: há controvérsias quanto à natureza jurídica do interrogatório. Grosso modo, há 4 (quatro) correntes acerca do as­ sunto: a) meio de prova: num sistema inquisitorial, em que o acusado é objeto de prova, a tendência é considerar o interrogatório como meio de prova. Como tal, o acusado não pode deixar de responder às indagações que lhe forem feitas, está obrigado a responder e não pode invocar em seu benefício o direito ao silêncio. Confirmando seu viés inquisitorial, o Código de Processo Penal em vigor sempre considerou o interrogatório como meio de prova. A própria posição topográfica que o in­ terrogatório ocupa no CPP, dentro do Capítulo III (“Do interrogatório do acusado”) do Título

VII (“Da prova”) reforça esse entendimento. Além disso, antes da Lei n. 11.719/08 e da Lei n. 11.689/08, o interrogatório era o primeiro ato da instrução processual penal; b) natu ­ reza mista: é meio de prova e de defesa. Na medida em que o magistrado pode se servir de elementos constantes do interrogatório para formar seu convencimento, também se trata de meio de prova; c) meio de defesa (posição dom inante): em sede de persecução penal, como o acusado não é obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, por força do direito ao silêncio (CF, art. 5o, LXIII), não podendo sofrer qual­ quer restrição em sua esfera jurídica em vir­ tude do exercício dessa especial prerrogativa, conclui-se que o interrogatório qualifica-se como meio de defesa. O interrogatório está relacionado, assim, ao direito de audiência, desdobramento da autodefesa. Através dele, o acusado tem a oportunidade de apresentar ao juiz sua versão sobre os fatos. Daí por que tem natureza jurídica de meio de defesa. Com a entrada em vigor da Lei n. 10.792/03, e, pos­ teriormente, em virtude da reforma processual de 2008, esse entendimento ganhou reforço. A colocação do interrogatório ao final da ins­ trução processual pela reforma processual de 2008, possibilitando que o acusado seja ouvido após a colheita de toda a prova oral, reforça sua verdadeira natureza jurídica de meio de defesa; d) meio de defesa e, eventualmente, fonte de prova: quando o acusado opta por responder às perguntas formuladas, dando sua versão sobre os fatos, caberá ao juiz diligenciar sobre as fontes de prova por ele reveladas. Nesse sen­ tido: Grinover et alii. As nulidades no processo penal. Op. cit. p. 75. 3. Condução coercitiva para a realização do interrogatório: vide comentários ao art. 260 do CPP. 4. Foro competente para a realização do interrogatório: deve o acusado ser ouvido pelo juiz da causa ao final da audiência una de instrução e julgamento. No entanto, caso o acusado resida em localidade distinta, nada impede que o magistrado determine a expe­ dição de carta precatória para a realização de

TÍTULO V II* DA PROVA

seu interrogatório. A inserção do princípio da identidade física do juiz no processo penal (CPP, art. 399, §2°) não impede a expedição de cartas precatórias. Afinal, vivemos em um país de dimensões continentais. Não é viável, por exemplo, que se exija de um acusado residente na cidade de Manaus/AM que se desloque até a cidade de Porto Alegre/RS para que possa ser interrogado pelo juiz da causa. A prevalecer a tese de que o princípio da identidade física do juiz inviabilizaria a expedição de precatórias, dar-se-ia prevalência a um princípio inserido em lei ordinária em detrimento de princípios inseridos no bojo da Constituição Federal, tais como o direito à ampla defesa e o direito de ação, do qual é consectário lógico o direito à prova, seja ela produzida pessoalmente perante o juiz da causa, seja ela produzida por meio de carta precatória. 5. M o m e n to procedim ental a d e q u ad o para a realização do interrogatório judicial: antes da entrada em vigor da Lei n. 11.719/08, dispunha o Código de Processo Penal que o interrogatório judicial deveria ocorrer logo no início da instrução processual. Nessa linha, previa o revogado art. 394 do CPP que o juiz, ao receber a queixa ou denúncia, deveria desig­ nar dia e hora para o interrogatório, ordenando a citação do réu e a notificação do Ministério Público, e se fosse caso, do querelante ou do assistente. Após a realização do interrogatório, o acusado era intimado para apresentar sua defesa prévia (revogado art. 395 do CPP), com a ulterior oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa. Com as modificações trazidas pela reforma processual penal de 2008, e na esteira do que já previa a Lei dos Juizados Especiais Criminais, o interrogatório passou a ser realizado ao final da instrução processual (CPP, art. 400, caput). No âmbito do proce­ dimento do jú ri, o interrogatório também passou a ser realizado após a colheita de toda a prova oral, seja na primeira fase (CPP, art. 411, caput), seja no plenário do júri (CPP, art. 474, caput). Mas o que fazer em relação aos processos que estavam em andamento quando da entrada em vigor da Lei n. 11.719/08 (22 de agosto de 2008), já tendo sido realizado o interrogatório do acusado, porém cuja instru­

Art.185

ção criminal ainda não estivesse concluída? A nosso ver, o ideal seria que o magistrado possibilitasse ao acusado a realização de novo interrogatório após o encerramento da instru­ ção criminal, independentemente de requeri­ mento da defesa, conferindo-se efetividade aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Não foi essa, todavia, a orientação da Suprema Corte. Se o interrogatório fora realizado em data anterior à vigência da Lei n. 11.719/08, o princípio tempus regit actum excluiría a obri­ gação de se renovar ato validamente praticado sob a égide de lei anterior, para que o paciente fosse interrogado ao final da audiência de ins­ trução e julgamento. Apesar da nova posição topográfica do interrogatório no curso do procedimento comum previsto no CPP, não se pode olvidar que, em certos procedimentos especiais, o interrogatório continua sendo o primeiro ato da instrução probatória. É o que acontece, por exemplo, no procedimento da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06, art. 57), no procedimento ordinário do processo penal militar (CPPM, art. 302, c/c art. 404, caput) e no procedimento especial da Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93, art. 104). Em relação ao pro­ cedimento originário dos Tribunais, o art. 7o da Lei n. 8.038/90 estabelece que, recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora para o interrogatório, mandando citar o acusado ou querelado e intimar o órgão do Ministério Público, bem como o querelante ou o assistente, se for o caso. Portanto, pelo menos de acordo com o teor do referido dis­ positivo, o interrogatório seria o primeiro ato da instrução, daí porque a citação deveria ser feita para que o acusado fosse interrogado. Portanto, se se trata de feito da competência originária dos Tribunais, há de ser observado o quanto previsto na Lei n. 8.038/90, a qual prevê procedimento especial em relação ao comum ordinário previsto no CPP, cujas regras, em razão do princípio da especialidade, devem ser afastadas. Logo, se o art. 7oda Lei n. 8.038/1990 prevê momento específico para a inquirição do acusado - após o recebimento da denúncia ou queixa - e, constatado não haver quanto a isso lacuna ou omissão nessa lei especial, não há falar em aplicação do art. 400 do CPP, que

Art. 185

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

prevê a realização do interrogatório ao final da instrução processual. Entretanto, no julga­ mento de Agravo Regimental na Ação Penal n. 528, o Plenário do Supremo entendeu que a Lei n. 11.719/08, que alterou o momento em que efetuado o interrogatório, transferindo-o para o final da instrução criminal, incide nos feitos de competência originária do STF, cujo mencionado ato processual ainda não tenha sido realizado. Para a Suprema Corte, a nova redação do art. 400 do CPP deveria suplantar o estatuído no art. 7° da Lei 8.038/90, haja vista possibilitar ao réu o exercício de sua defesa de modo mais eficaz. Aduziu-se que essa mudança concernente à designa­ ção do interrogatório conferiría ao acusado a oportunidade para esclarecer divergências e incongruências que eventualmente pudes­ sem surgir durante a fase de consolidação do conjunto probatório. Registrou-se, tendo em conta a interpretação sistemática do Direito, que o fato de a Lei 8.038/90 ser norma especial em relação ao CPP não afetaria a orientação adotada, porquanto inexistiria, na hipótese, incompatibilidade manifesta e insuperável entre ambas as leis. Ademais, assinalou-se que a própria Lei 8.038/90 dispõe, em seu art. 9o, sobre a aplicação subsidiária do CPP. Em recente julgado (HC 127.900/AM, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 03/03/2016, DJe 10/03/2016), o Plenário do Supremo concluiu que a exi­ gência de realização do interrogatório ao final da instrução criminal também é aplicável no âmbito de processo penal militar. Na visão do Plenário, revela-se mais condizente com o contraditório e a ampla defesa a aplicabili­ dade da nova redação do art. 400 do CPP ao processo penal militar. Entretanto, o Plenário ponderou ser mais recomendável frisar que a aplicação do art. 400 do CPP no âmbito da justiça castrense não incide para os casos em que já houvera interrogatório. Assim, para evi­ tar possível quadro de instabilidade e revisão de casos julgados conforme regra estabelecida de acordo com o princípio da especialidade, a referida tese fixada deveria ser observada a partir da data de publicação da ata do julga­ mento, o que ocorreu em data de 10 de março de 2016. No julgamento desse habeas corpus,

o Plenário do STF acabou firmando a seguinte orientação: “a norma inscrita no art. 400 do CPP comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo tão somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado”. Diante dessa nova orientação firmada pela Suprema Corte, é de se concluir, então, que o interrogatório nos procedimentos de tráfico de drogas também deve ser realizado ao final da instrução probatória, é dizer, o art. 400 do CPP deve prevalecer em detrimento da regra do art. 57 da Lei n. 11.343/06. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O interrogatório d o paciente ocorreu em data anterior à publicação da Lei 11.719/2008, o que, pela aplicação d o princípio d o tempus regit actum, exclui a obrigatoriedade de renovação d o ato validam ente praticado so b a vigência de lei anterior. Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que não se declara a nulidade de ato processual se a alegação não vier aco m p an h ad a da prova d o efetivo prejuízo sofrido p elo réu. Precedentes. O rde m denegada". (STF, I a Turma, HC 104.555/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28/09/2010).

STJ:"(...) O paciente está sendo processado conform e o rito previsto na Lei 8.038/1990, um a vez que p o s­ sui foro por prerrogativa de função em razão de ser Prefeito M unicipal. C o m o se sabe, a Lei 8.038/1990 regulam enta o procedim ento a ser se gu id o nas ações penais originárias de com petência d o Su p rem o Tri­ bunal Federal e d o Superior Tribunal de Justiça, bem com o d o s Tribunais de Justiça e d o s Tribunais Regio­ nais Federais, estabelecendo, assim, rito especial em relação ao com u m ordinário, previsto no C ó d ig o de Processo Penal. Por conseguinte, e em estrita obser­ vância ao princípio da especialidade, existindo rito próprio para a apuração d o delito em tese com etido pelo paciente, autoridade com foro por prerrogativa de função, afastam-se as regras d o procedim ento com u m ordinário previstas no C ó d ig o de Processo Penal, cuja aplicação pressupõe, por certo, a ausência de regram ento específico para a hipótese. Se a Lei 8.038/1990 determ ina que o interrogatório d o acusado deve se dar ap ó s o recebim ento da inicial acusatória, ao passo que o artigo 400 d o C ó d ig o de Processo Penal prevê a realização de tal ato som ente ao final da audiência de instrução e julgam ento, não há dúvidas de que deve ser aplicada a legislação específica, pois, com o visto, as regras d o procedim ento com u m ordinário só têm lugar no procedim ento especial q u a n d o nele houver o m issõ e s o u lacunas. Por outro lado, ainda q u e se

TÍTULO VII • DA PROVA

A ft. 18 5

adm itisse a incidência d o artigo 400 d o C ó d ig o de Pro­

STF: "(...)

cesso Penal ao caso d o s autos, tem -se que o paciente

com a redação dada pela Lei n° 11.719/2008, fixou o

foi o u vido em 12.03.2002, q u an d o ainda não vigia a

interrogatório d o réu com o ato derradeiro da instrução

O art. 400 d o C ó d ig o de Processo Penal,

Lei 11.719/2008, que inseriu o interrogatório d o réu

penal, se nd o certo que tal prática, benéfica à defesa,

c o m o últim o ato da audiência de instrução, peio que

deve prevalecer nas ações penais em trâmite perante

não seria possível a aplicação retroativa d o referido

a Justiça Militar, em detrim ento d o previsto no art.

d ip lo m a legal, que trata d e norm a procedim ental. É que apesar de as leis processuais aplicarem -se de

302 d o Decreto-Lei n° 1.002/69, c o m o corolário da m áxim a efetividade das garantias constitucionais d o

imediato, desde a sua vigência, devem ser respeitados

contraditório e da am p la defesa (CRFB, art. 5°, LV),

os atos realizados so b o im pério da legislação anterior,

d im e n sõ e s elem entares d o d e v id o p ro ce sso legal

sendo, portanto, plenam ente válida a inquirição do

(CRFB, art. 5° LIV) e cânones essenciais d o Estado D e ­

paciente pelo Juízo de primeiro grau, q u an d o ainda

m ocrático de Direito (CRFB, art. 1°, caput). Precedente

não possuía foro por prerrogativa de função, e antes

d o Su p rem o Tribunal Federal (Ação Penal n°528 AgR,

da vigência da Lei 11.719/2008. Precedente d o STJ. O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, H C 121.171/SP, Rei.

rei. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. em 24/03/2011, DJe-109 divulg. 07-06-2011). In casu, o

Min. Jorge Mussi, j. 22/03/2011).

C onselho Permanente de Justiça para o Exército (5a

STF:"(...) O art. 400 d o C ó d ig o de Processo Penal, com

CJM) rejeitou, 27/02/2012, o requerim ento da defesa

a redação dada pela Lei 11.719/2008,fixou o interroga­ tório d o réu com o ato derradeiro da instrução penal. Se n do tal prática benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais originárias perante o Suprem o Tri­ bunal Federal, em detrim ento d o previsto no art. 7° da Lei 8.038/90 nesse aspecto. Exceção apenas quanto às açõe s n as q u ais o in terrogatório já se ultim ou. Interpretação sistem ática e teleo ló gica d o direito. A gravo regim ental a que se nega provimento". (STF, Pleno, AP 528 AgR/DF, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 24/03/2011, DJe 109 07/06/2011).

STJ: "(...) A o

julgar caso semelhante, este Relator se

posicionou no sentido de que o artigo 400 da Legisla­ ção Processual Penal não pode ser ad otad o nas ações penais regidas pela Lei 8.038/1990, um a vez que as regras d o rito com u m ordinário só têm lugar no pro­ cedim ento especial q u an d o nele houver o m issões ou

quanto à realização d o interrogatório d o paciente ao final da sessão de julgam ento, n e g an d o aplicação do art. 400 d o C ó d ig o de Processo Penal, o que contraria a jurisprudência do Suprem oTribunal Federal. Ordem de habeas corpus concedida para anular o s atos pro­ cessuais praticados ap ó s o indeferim ento d o pleito defensivo e permitir o interrogatório d o paciente antes da sessão dejulgamento, com aplicação subsidiária das regras previstas na Lei n° 11.719/08 ao rito ordinário castrense". (STF, 1aTurma, HC 115.530/PR, Rei. Min. Luiz Fux, j. 25/06/2013, DJe 158 13/08/2013). N o m esm o contexto: STF, 1aTurma, HC 115.698/AM, Rei. Min. Luiz Fux, j. 25/06/2013, DJe 158 13/08/2013.

STF:"(...)

Penal e processual penal militar. (...) Inter­ rogatório. Realização ao final da instrução (art. 400,

CPP). Obrigatoriedade. Aplicação às ações penais em trâmite na Justiça Militar dessa alteração introduzida pela Lei n° 11.719/08, em detrim ento d o art. 302 do

lacunas (HC 121171/SP, QUIN TA TU RM A, ju lgad o em

Decreto-Lei n° 1.002/69. Precedentes. A dequ ação do

22/03/2011, REPDJe 01/09/2011, DJe 25/04/2011).

sistem a acusatório dem ocrático aos preceitos cons­

Contudo, ao apreciar o A g R g na A pn 528/DF, o Plenário

titucionais da Carta de República de 1988. M áxim a

d o Su p rem o Tribunal Federal, pela unanim idade do s

efetividade do s princípios d o contraditório e da am pla

em inentes M inistro s presentes à sessão, entendeu

defesa (art. 5°, inciso LV). Incidência da norm a inscrita

que a previsão d o interrogatório com o últim o ato da

no art. 400 d o C ó d ig o de Processo Penal com u m aos

instrução processual, por ser m ais benéfica à defesa,

processos penais militares cuja instrução não se tenha

deve ser aplicada às ações penais originárias, em d e ­

encerrado, o que não é o caso. O rdem denegada. Fixa­

trim ento d o disposto no artigo 7° da Lei 8.038/1990.

da orientação quanto a incidência da norm a inscrita

Em bora a aludida decisão seja desprovida de qualquer

no art. 400 d o C ó d ig o de Processo Penal com u m a

caráter vinculante, é certo que se trata de posiciona­

partir da publicação da ata d o presente julgam ento,

m en to a d o ta d o pela u n an im id a d e d o s integrantes

aos processos penais militares, aos processos penais

da Suprem a Corte, ó rgã o que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto, dizer em

eleitorais e a tod os os procedim entos penais regidos por legislação especial, incidindo som ente naquelas

última instância quais situações são conform es ou não

ações penais cuja instrução não se tenha encerrado.

com as disposições colocadas na Carta M agn a, m otivo

(...) N u lidade d o interrogatório d o s pacientes com o

pelo qual o posicionam ento até então ad otad o por

primeiro ato da instrução processual (CPPM, art. 302). A Lei n° 11.719/08 ad eq u o u o sistem a acusatório de ­

este SuperiorTribunal de Justiça deve ser revisto, para que passe a incorporar a interpretação constitucional

mocrático, integrando-o de form a m ais harm oniosa

dada ao caso pelo Excelso Pretório. O rdem concedida,

aos preceitos constitucionais da Carta de República

confirm ando-se a m edida liminar anteriormente d e ­

de 1988, asse gu ra n d o -se m aior efetividade a seus

ferida". (STJ, 5a Turma, H C 205.364/MG, Rei. Min. Jorge

princípios, notadam ente, o s d o contraditório e da am ­

Mussi, j. 06/12/2011, DJe 19/12/2011).

pla defesa (art. 5°, inciso LV). Por ser m ais benéfica (lex

Art. 185

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

mitior) e harm oniosa com a Constituição Federal, há de preponderar, no processo penal militar (Decreto-Lei n°

Constituição Federal, que assegura a todos os acusados a ampla defesa.

1.002/69), a regra d o art. 400 d o C ó d ig o de Processo Penal. D e m o d o a não com prom eter o princípio da segurança jurídica (CF, art. 5o, XXXVI) nos feitos já sen­ tenciados, essa orientação deve ser aplicada som ente aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso d o s autos, já que há sentença condenatória proferida em desfavor do s pacientes de sd e 29/7/14. O rdem denegada, com a fixação da seguinte orientação: a norm a inscrita no art. 400 d o C ó d ig o de Processo Penal com u m aplica-se, a partir da publicação da ata d o presente julgam ento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a tod os os procedim entos penais regidos por legislação especial incidindo som ente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado". (STF, Pleno, HC 127.900/AM, Rei. M in. Dias Toffoli, j. 03/03/2016, DJe 161 02/08/2016).

6. Não realização do interrogatório judi­ cial: discute-se na doutrina se o interrogatório é um ato obrigatório ou facultativo. A nosso ver, como o interrogatório é a concretização do direito de audiência, desdobramento da autodefesa, é óbvio que o juiz deve assegurar ao acusado a possibilidade de ser ouvido, sob pena de nulidade absoluta. Porém, como o acusado pode se valer do direito ao silêncio, dúvida não há quanto à possibilidade de o acusado abrir mão do seu direito de tentar formar a convicção do magistrado. Afinal de contas, diversamente da defesa técnica, que é irrenunciável (CPP, art. 261), o acusado pode optar pelo não exercício do seu direito de au­ diência (autodefesa). Logo, se o acusado tiver sido citado pessoalmente para a audiência una de instrução e julgamento, caso não queira acompanhar os atos da instrução, abrindo mão, ademais, do seu direito de trazer ao juiz sua versão a respeito da imputação constante da peça acusatória, basta que não compareça à audiência, deixando a cargo de seu defensor o exercício de sua defesa. Agora, se o acusado es­ tava presente, tendo-se negado o magistrado a realizar seu interrogatório, outro caminho não há senão o reconhecimento de nulidade abso­ luta, nos termos do art. 564, inciso III, alínea “e”, do CPP. Negado o direito ao interrogatório, negou-se o exercício do direito de autodefesa, violando-se o disposto no art. 5o, inciso LV, da

7. Obrigatoriedade da presença de defen­ sor constituído ou nomeado: antes da Lei n. 10.792/03, sequer era necessária a presença de advogado no momento da realização do inter­ rogatório judicial. Na prática, o interrogatório era realizado, basicamente, na presença do juiz e do escrivão. Com as modificações produ­ zidas pela Lei n. 10.792/03, o interrogatório passou a ser um ato assistido tecnicamente, significando, por conseguinte, que a presença de advogado é indispensável à validade do ato. Nessa linha, dispõe o art. 185 do CPP que o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. A constitui­ ção de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório, esclarece o art. 266 do CPP. Em face dessas novas regras, e em virtude da possibilidade de participação e intervenção do defensor no interrogatório, a ausência de defensor para o citado ato constitui agora nulidade absoluta, por inequívoca violação ao princípio da ampla defesa. Se a ausência do defensor ao interrogatório é causa de nu­ lidade absoluta, o mesmo não se dá quando ausente o membro do M inistério Público. Para a jurisprudência, como o interrogatório funciona como meio de defesa, o não comparecimento do representante do Ministério Público ao interrogatório de um réus, por si só, não enseja nulidade, pois depende da comprovação de prejuízo, valendo ressaltar que falta legitimidade ao acusado para arguir tal nulidade, porquanto se refere à formalidade processual cuja observância interessa apenas à parte contrária. >- Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) C om

a alteração d o Cód. d e Pr. Penal pela Lei

n° 10.792/03, assegurou-se, de um lado, a presença do defensor durante a qualificação e interrogatório d o réu; de outro, o direito d o acusado de entrevista reservada com seu defensor antes daquele ato processual. Por consistirem tais direitos em direitos sensíveis - direitos decorrentes de norm a sensível -, a inobservância pelo

t ít u l o

juiz de ssas novas regras im plica a n ulidade d o ato praticado. C aso em que o réu foi interrogado sem a assistência de advogado, tendo dispensado a entrevis­ ta prévia com o defensor n om e ado pelo juiz. Recurso provido a fim de se anular o processo penal desde o interrogatório d o acusado". (STJ, 6aTurma, R H C 17.679/ DF, Rei. Min. N ilson Naves, DJ 20/11/2006 p. 362).

STF:"(...) A

exigência de defesa técnica para obser­

vância d o devido processo legal im põe a presença d o profissional da advocacia na audiência de interroga­ tório d o acusado. N ão bastasse o disp o sto no artigo 261 d o C ó d ig o de Processo Penal, a Lei n° 10.792/2003 apenas explicitou a form alidade de cunho nitidamente constitucional - artigo 5o, inciso LV, da Carta Federal". (STF, 1a Turma, RE 459.518/RS, Rei. Min. M arco Aurélio, DJ 018 31/01/2008).

STJ: “(...) Hipótese em

que os pacientes foram con de ­

n ados por furto qualificado e a defesa técnica pede a an u lação d o p rocesso por ausência d o Prom otor de Justiça no interrogatório de um d o s acusados. O não com parecim ento d o representante do Ministério Público ao interrogatório de um d o s co-réus, por si só, não enseja nulidade, pois depende da com provação de prejuízo. Precedente. N o processo penal, não se declara nulidade de ato, se dele não resultar prejuízo com p ro ­ vado para o réu. Incidência d o art. 563 d o C ó d ig o de Processo Penal e da Súm ula n.° 523 da Suprem a Corte. Falta de legitim idade para argüir nulidade referente à form alidade processual, a parte cuja observância só à parte contrária interessa. O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, H C 47.318/AL, Rei. M in. G ilso n Dipp, DJ 13/03/2006 p. 347).

7.1. Obrigatoriedade da presença de de­ fensor no interrogatório policial: consultar comentários ao art. 6o do CPP, mais precisa­ mente ao item n. 6.3. (“Obrigatoriedade da pre­ sença de defensor no interrogatório policial”).8* 8. Interrogatório do acusado preso: em regra, se o acusado estiver solto, seu interroga­ tório deve ser realizado na sala de audiências no Fórum. Na hipótese de o acusado residir em comarca diversa, é perfeitamente possível a expedição de carta precatória. Quanto ao acusado preso, deve ser observada a seguinte ordem preferencial para fins de realização de seu interrogatório judicial: a) pessoalmente, dentro do presídio em que se encontra, mas desde que haja segurança para todas as pes­ soas envolvidas no ato (CPP, art. 185, §1°); b) pessoalmente, no fórum (CPP, art. 185, §7°); c) por videoconferência (CPP, art. 185, §2°). A prioridade, portanto, é a realização do interro­

vii • d a p r o v a

J

Art. 185

gatório do acusado no estabelecimento penal em que se encontrar o acusado, e não mais no fórum. Evita-se, dessa forma, o deslocamento do preso sob escolta e risco de fuga do fórum criminal. No entanto, com o advento das Leis 11.689/08 e 11.719/08, houve um enorme esvaziamento da possibilidade de realização do interrogatório judicial no interior do pre­ sídio. Isso porque, de acordo com a reforma processual de 2008, houve a adoção de uma audiência una de instrução e julgamento, na qual é colhida toda a prova oral - oitiva do ofendido, das testemunhas, eventuais esclareci­ mentos dos peritos, e, por fim, o interrogatório do acusado - com ulterior alegações orais e sentença proferida pelo magistrado. Ora, se a intenção do legislador foi a de im primir maior celeridade ao procedimento comum, concentrando os atos da instrução probatória em uma audiência una, que deve ser realizada no fórum, não se mostra razoável que todas as pessoas envolvidas com tal audiência sejam ouvidas em juízo, designando-se nova data para a realização do interrogatório no interior do estabelecimento prisional, e muito menos que sejam elas obrigadas a se deslocar ao es­ tabelecimento prisional para que a audiência, como um todo, seja ali realizada. Por isso, tem sido muito mais comum a realização do interrogatório judicial do acusado preso pre­ sencialmente na sala de audiências ou através da videoconferência. 9. Pressupostos para a realização do inter­ rogatório do acusado preso no interior do estabelecimento prisional: o art. 185, §1°, do CPP, estabelece uma série de requisitos para que o interrogatório possa ser realizado no interior do presídio. 9.1. Sala própria: deve haver uma sala idên­ tica a uma sala de audiências, sendo vedado, logicamente, que o interrogatório seja feito na cela do detento. 9.2. Segurança de todas as pessoas en­ volvidas no ato: é fundamental que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares. Essa segurança pode ser fornecida por agentes pe­ nitenciários, policiais, ou oficiais de justiça,

Art. 185

'

cpp COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

sendo recomendável que haja uma separação arquitetônica da sala de audiência do restante do presídio. É fácil perceber, portanto, o m oti­ vo pelo qual não são realizados interrogatórios no interior de estabelecimentos prisionais no Brasil. Tendo em conta a insegurança genera­ lizada dos estabelecimentos prisionais, com inúmeras rebeliões em que são feitos reféns variados, torna-se difícil garantir a segurança de todas as pessoas envolvidas no ato proces­ sual. 9.3. Presença de defensor: como visto aci­ ma (CPP, art. 185, §1°, infine), a presença de defensor no interrogatório judicial passou a ser obrigatória a partir da Lei n. 10.792/03, na medida em que a lei lhe assegura o direito de fazer reperguntas (CPP, art. 188). 9.4. Publicidade restrita: em regra, quando um interrogatório judicial é realizado no fó­ rum criminal, deve ser franqueado ao público em geral livre acesso à sala de audiências. No entanto, presente uma das hipóteses que legitimam a restrição da pubhcidade - defesa da intimidade, interesse social no sigilo e imprescindibilidade à segurança da sociedade e do Estado (CF, art. 5o, incisos X X X III e LX, c/c art. 93, IX); escândalo, inconveniente gra­ ve ou perigo de perturbação da ordem (CPP, art. 792, §1°) - pode o magistrado decretar o segredo de justiça e determinar a realização do ato somente perante as pessoas direta­ mente interessadas no feito e seus respectivos procuradores. É exatamente o que ocorre no caso de interrogatório de réu preso realizado no estabelecimento prisional. A segurança do estabelecimento prisional podería ser colocada em risco se houvesse a necessidade de se fran­ quear o acesso do público em geral. Por isso, o ato processual em questão deve ser realizado com publicidade restrita, assegurando-se tão somente a presença do juiz, do M inistério Público, do acusado e do defensor, sem que haja a necessidade de se permitir o livre acesso do público ao estabelecimento prisional para acompanhar o interrogatório.10 10. Excepcionalidade do interrogatório por videoconferência: como deixa claro o §2°

do art. 185 do CPP, a realização de qualquer ato processual por videoconferência é excep­ cional. Em regra, o interrogatório do acusado preso deve ser realizado em sala própria no estabelecimento prisional (CPP, art. 185, §1°); caso não seja possível, com a presença física do réu no próprio fórum (CPP, art. 185, §7°). Excepcionalmente, o ato poderá ser realizado por videoconferência. Portanto, não se pode admitir a vulgarização da utilização da video­ conferência por mero comodismo dos órgãos do Poder Judiciário. 11. Decisão judicial fundamentada: pelo menos em regra, o direito de audiência deve ser exercido pessoalmente pelo acusado, que deve ser ouvido diretamente pelo juiz, seja no pró­ prio estabelecimento prisional, seja no fórum criminal diante do juiz. Por isso, na hipótese de o direito de audiência ser exercido de maneira remota, leia-se, por meio da videoconferência, sua realização está condicionada à existência de decisão judicial fundamentada apontando a presença de uma das hipóteses elencadas pelos incisos do §2° do art. 185 do CPP, sendo que as partes devem ser intimadas acerca dessa deci­ são judicial com 10 (dez) dias de antecedência. Para a realização da videoconferência, o juiz pode agir de ofício ou mediante requerimento das partes. Não há previsão legal de recurso adequado contra a decisão que determina a realização do interrogatório judicial por vide­ oconferência fora dos parâmetros legais. Logo, a solução passa pela impetração de habeas corpus ou mandado de segurança, sem prejuízo de ulterior arguição de nulidade do feito em preliminar de futura e eventual apelação. 12. Breve histórico acerca da utilização da videoconferência no processo penal: no ano de 2005, com um texto por demais singelo, composto por apenas 4 (quatro) artigos, foi editada no Estado de São Paulo a Lei n. 11.819, possibilitando a realização de interrogatórios por videoconferência nos procedimentos judi­ ciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos, com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual. Com a entrada em vigor da Lei paulista de videoconferência em 05 de janeiro de 2005, vários interrogatórios por

TÍTULO VII • DA PROVA

videoconferência passaram a ser realizados no Estado de São Paulo. A discussão quanto à constitucionalidade da lei paulista foi levada aos Tribunais, sendo que, em um primeiro mo­ mento, houve divergência entre os Tribunais Superiores. A 5a Turma do STJ, por exemplo, pronunciou-se no sentido de que a estipulação do sistema de videoconferência para interro­ gatório do réu não seria ofensiva às garantias constitucionais do réu, o qual, na hipótese, contara com o auxílio de dois defensores, um na sala de audiência e outro no presídio. Logo, ausente a demonstração de prejuízo, não haveria necessidade de declaração de nulidade do processo. Em sentido diverso, a 2a Turma do Supremo Tribunal Federal deferiu habeas corpus impetrado em favor de paciente cujo interrogatório fora realizado por videoconfe­ rência, no estabelecimento prisional em que recolhido, sem que o magistrado declinasse as razões para a escolha desse sistema. No caso concreto, o paciente não fora citado ou requisitado para se defender, mas apenas ins­ tado a comparecer à sala da cadeia pública, no mesmo dia em que o interrogatório acontecera. Por ocasião da defesa prévia, pleiteara-se a nulidade do interrogatório e, em consequ­ ência, a realização de outro, na presença do juiz. Entendeu-se que, em termos de garantia individual, o virtual não valeria como se real ou atual fosse, haja vista que a expressão “pe­ rante” não contemplaria a possibilidade de que o interrogatório fosse realizado on-line. Afastaram-se, ademais, as invocações de cele­ ridade, redução dos custos e segurança refe­ ridas pelos favoráveis à adoção desse sistema. Considerou-se, pois, que o interrogatório por meio de teleconferência viola a publicidade dos atos processuais e que o prejuízo advindo de sua ocorrência seria intuitivo, embora de demonstração impossível. Concluiu-se que a inteireza do processo penal exige defesa efetiva, por força da Constituição que a garante em plenitude, e que, quando impedido o regular exercício da autodefesa, em virtude da ado­ ção de procedimento sequer previsto em lei, restringir-se-ia a defesa penal. Finalmente, em julgamento ocorrido em data de 30 de outubro de 2008, o Plenário do Supremo Tribunal Fede­

35

ral reconheceu a inconstitucionalidade formal da Lei paulista n. 11.819/05, por entender que somente a União pode legislar sobre matéria processual penal, ex vi do art. 22, inciso I, da Constituição Federal. Com o reconhecimento da inconstitucionalidade formal da Lei paulista n. 11.819/05, pedidos de extensão em habeas corpus foram protocolados perante o Supremo Tribunal Federal com fundamento no art. 580 do CPP, a fim de que a mesma nulidade fosse reconhecida em relação a outros processos em que o interrogatório havia sido realizado por meio de videoconferência, porquanto a decisão no HC 90.900/SP embasara-se exclusivamente em fundamento objetivo. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A estipulação d o sistema de videoconferência para interrogatório do réu não ofende as garantias constitucionais d o réu, o qual, na hipótese, conta com o auxílio de dois defensores, um na sala de audiência e outro no presídio. A declaração de nulidade, na pre­ sente hipótese, de pende da dem onstração d o efetivo prejuízo, o qual não restou evidenciado. O rdem deneg a d a ”. (STJ, 5a Turma, HC 76.046/SP, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 28/05/2007 p. 380).

STF: "(...)

A to processual. Interrogatório. Realização

m ediante videoconferência. Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenam ento jurídico. Ofensa a cláusulas d o justo processo da lei (due process o f law). Limitação ao exercício da am pla defesa, com preendi­ das a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias d o local de realização d o s atos processuais penais e às garantias constitucionais da igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citação d o réu preso, apenas instado a com parecer à sala da cadeia pública, no dia d o interrogatório. Forma d o ato determ inada sem m otivação algum a. Nulidade processual carac­ terizada. H C concedido para renovação d o processo desde o interrogatório, inclusive. Inteligência d o s arts. 5°, LIV, LV, LVII, XXXVII e Ull, da CF, e 792, caput e § 2°, 4 03 ,2a parte, 185, caput e § 2°, 192, § único, 193,188, tod os d o CPP. Enquanto m od alid ade de ato proces­ sual não prevista no ordenam ento jurídico vigente, é absolutam ente nulo o interrogatório penal realizado m ediante videoconferência, so b re tu d o q u a n d o tal form a é determ inada sem m otivação algu m a, nem citação d o réu". (STF, 2aTurma, H C 88.914/SP, Rei. Min. Cezar Peluso, DJe 117 04/10/2007). Atente o leitor para o fato de que este HC foi ju lgad o pelo Suprem o antes d o advento da Lei n. 11.900/09, que passou a prever o interrogatório por videoconferência no art. 185, §2°, d o CPP.

Aft. 185

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

Lei n° 11.819/05 d o Estado de Sã o Paulo. Inconstitu-

S T J :"(...) O Su p rem o Tribunal Federal entende que o interrogatório realizado por m eio de videoconferência,

cionalidade formal. Com petência exclusiva da União

autorizado por lei estadual antes da regulam entação

para legislar sobre matéria processual. Art. 22, I, da

prom ovida por lei federal, viola princípios constitucio­ nais por exorbitar a com petência privativa da União

STF: "(...) In terrogatório d o réu. Videoconferência.

Constituição Federal. A Lei n° 11.819/05 d o Estado de São Paulo viola, flagrantemente, a disciplina d o art.

para d isp o r sobre n orm as d e natureza processual.

22, inciso I, da Constituição da República, que prevê a com petência exclusiva da União para legislar sobre

À época da realização da teleaudiência, em 15.6.07, não havia lei federal que respaldasse o ato, existin­

matéria processual. H abeas corpus concedido". (STF,

do, apenas, a Lei 11.819/05, d o Estado de São Paulo.

Tribunal Pleno, HC 90.900/SP, Rei. Min. M enezes Direito,

A jurisprudência con solidad a nesta Corte Superior adotou o entendim ento de que a audiência realizada por videoconferência, anteriormente à vigência da Lei

DJe 200 22/10/2009).

13. A entrada em vigor da Lei n. 11.900/09: como evidente resposta do Poder Legislativo à declaração da inconstitucionalidade formal da Lei paulista n. 11.819/05, o Congresso Nacio­ nal se apressou em aprovar a Lei n. 11.900/09, inserindo no bojo do Código de Processo Penal a possibilidade de realização do interrogatório e demais atos processuais por videoconferên­ cia. Aliás, mesmo antes da entrada em vigor da Lei n. 11.900/09, a Lei n. 11.690/08 já havia determinado a alteração do art. 217 do CPP, que passou a dispor: “Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemu­ nha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fa r á a inquirição por videoconferência e, somente na impossi­ bilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor” (nosso grifo). Com a vigência da Lei n. 11.900/09 em 09 de janeiro de 2009, a realização do interrogatório por videoconferência passou a ser regulamentada pelo art. 185, §2°, do CPP. A Lei n. 11.900/09 entrou em vigor em data de 09 de janeiro de 2009. Cuidando-se de regras processuais, têm aplicação imediata, nos exatos termos do art. 2o do CPP. Em relação aos interrogatórios por videoconferência realizados antes da vigência da Lei n. 11.900/09, há de ser reconhecida sua nulidade, nos moldes da decisão proferida pelo Supremo no HC 90.900. A superveniência da Lei n. 11.900/09 não tem o condão de convalidar ato processual defeituoso realizado sob a vigência da Lei paulista da videoconferência, que teve sua inconstitucionalidade formal reconhecida pela Suprema Corte. ♦

J u r is p r u d ê n c i a s e le c i o n a d a :

n° 11.900/09, ocorreu ao seu arrepio e em afronta aos dem ais princípios d o direito, com o o devido processo legal e a am pla defesa. Ordem parcialmente concedida para anular a ação penal, n os term os d o voto. M antida a prisão d o paciente". (STJ, 5a Turma, HC 193.904/SP, Rei. M in. A d ilso n Vieira M a c a b u - D e se m b a rga d o r con vocado doTJ/RJ -, j. 22/05/2012, DJe 28/06/2012). S T J : "(...) Na linha da jurisprudência deste Superior Tribunal d e Justiça, é n u lo o ato d o interrogatório realizado pelo sistema de videoconferência antes da vigên cia da Lei 11.900/2009. Precedente. A n u la d o o processo, desde o ato d o interrogatório, inclusive, resulta m anifesto o excesso de prazo da prisão, efeti­ vada há quase 3 (três) anos. Habeas corpus conhecido em parte, com a concessão parcial da ordem". (STJ, 6a Turma, H C 128.600/SP, Rei. Min. Celso Lim ongi, j. 18/02/2010, DJe 01/03/2010).

14. Da (in) constitucionalidade do inter­ rogatório por videoconferência: mal entrou em vigor a Lei n. 11.900/09 e já se instaurou intensa polêmica na doutrina acerca da (in) constitucionalidade da realização do interro­ gatório por videoconferência. A nosso juízo, a realização do interrogatório por videocon­ ferência não atende somente aos objetivos de agilização, economia e desburocratização da justiça. Atende também à segurança da socie­ dade, do magistrado, do membro do Ministério Público, dos defensores, dos presos, das teste­ munhas e das vítimas, razão pela qual não pode ser tachada de inconstitucional. Se é verdade que direitos e garantias individuais do cidadão funcionam como limites intransponíveis aos poderes persecutórios do Estado, não menos correto é que tais direitos e garantias não são absolutos, podendo sofrer limitações, desde que tais restrições estejam fundamentadas em lei e se mostrem compatíveis com o princípio da proporcionalidade. Se o modelo garantista de processo pensado por Luigi Ferrajoli vem fundamentado nas premissas da jurisdiciona-

TÍTULO VII • DA PROVA

lidade, inderrogabilidade do juízo, separação das atividades de julgar e acusar, presunção de inocência e contradição, forçoso é concluir que o interrogatório por videoconferência também preserva essas cinco linhas mestras. Isso porque quem determina a utilização dessa medida de natureza excepcional é o magistra­ do, que, aliás, não se vê obrigado a delegar a outro juízo a oitiva do acusado, assim como de testemunhas e ofendidos, reforçando assim a inderrogabilidade da jurisdição, bem como os princípios do juiz natural e da identidade física do juiz. Ademais, ao acusado se assegura a mais ampla defesa, não só pela presença de dois defensores - um no presídio e outro no fórum - como também pela possibilidade de se comunicar com cada um deles por meio de canais telefônicos reservados, preservando-se, ademais, seu direito de presença remota de acompanhar os demais atos da instrução processual. Enfim, a realização de atos pro­ cessuais está em franca sintonia com a ordem constitucional vigente, assim como com todos os vetores informadores do princípio da digni­ dade da pessoa humana. Nenhum princípio re­ sultou arranhado com a videoconferência: juiz natural, identidade física do juiz, publicidade, dignidade da pessoa humana, acesso à justiça, ampla defesa, contraditório, devido processo, direito de ser julgado em prazo razoável etc. Quanto ao argumento de que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos não se referem à videoconferência, há de se ter em mente que ambos foram elaborados em uma época (década de 60) em que sequer se cogi­ tava da utilização da tecnologia para a prática de atos processuais. Impõe-se, portanto, uma interpretação progressiva, no sentido de que, doravante, o direito de presença física do acu­ sado perante o juiz possa ser exercido direta ou remotamente. De fato, se considerarmos que há anos doutrina e jurisprudência já ad­ mitem a realização do interrogatório por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que já reflete a ideia de ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado para a realização do interroga­ tório, não se pode negar que a utilização da

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Aft. 185

videoconferência incrementa sensivelmente a possibilidade de o juiz da causa verificar, por si só, as características relativas à personalidade, condição socioeconômica, estado psíquico do acusado, etc. A propósito, vale ressaltar que tratados internacionais mais modernos já vêm fazendo referência à videoconferência. É o que ocorre, por exemplo, com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (arts. 32, § 2o, alínea “a” e 46, § 18) e com a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (art. 18, § 18, art. 24). Nesse sentido: FIOREZE, Juliana. Videoconferência no processo penal brasileiro. 2a ed. Curitiba: Juruá, 2009. 14.1. (Im) possibilidade de utilização da videoconferência noTribunal do Júri: parte da doutrina posiciona-se contrariamente à possibilidade de realização de atos processuais por meio da videoconferência no curso da sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri. Em regra, costuma-se dizer que os princípios da oralidade, imediatidade e identidade física, fielmente observados no Júri, não são compa­ tíveis com esse instrumento tecnológico. Sem embargo desse entendimento, parece-nos não haver qualquer restrição legal à utilização da videoconferência no âmbito do Júri. A uma porque, ao promover mudanças na redação do art. 185 do CPP, a Lei n. 11.900/09 não fez qualquer restrição nesse sentido. A duas porque a utilização desse importante recurso tecnológico não produz qualquer violação aos princípios acima mencionados. Ora, tais princípios também são aplicáveis aos proce­ dimentos da competência do juiz singular. E nem por isso se diz que a utilização da video­ conferência seria com eles incompatível. Em síntese, à semelhança do juiz togado, o jurado também poderá ter contato com a prova de maneira direta ou, em situações excepcionais, de maneira remota (videoconferência). 15. Sistem a de videoconferência: a Lei n. 11.900/09 silencia quanto ao aparato tec­ nológico a ser utilizado nas hipóteses de atos processuais praticados pelo sistema de videoconferência. Sem embargo desse si­ lêncio, algumas prem issas básicas devem

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ser observadas: 1) a transmissão audiovisual bidirecional (two-way), de molde a permitir a efetiva interação entre o acusado (ou a tes­ temunha remota) e os demais participantes do depoimento; 2) um padrão de qualidade e clareza na transmissão do sinal que permita a perfeita audição e visualização recíproca entre todos os participantes do ato processual, além da continuidade da transmissão durante todo o ato processual; 3) a plena visualização por parte das pessoas situadas na sala de audiências de todos os recantos do recinto onde o acusado ou a testem unha rem ota se encontram, a fim de evitar a presença de pessoas estranhas, que estejam orientando ou coagindo tal testemunha. 16. Finalidades alternativas do uso da videoconferência: estão listadas nos incisos do §2° do art. 185 do CPP. Para determinar a realização do interrogatório por sistema de videoconferência, é indispensável que o juiz aponte sua necessidade, apontando motivos concretos que justifiquem a realização excep­ cional da videoconferência. Essa motivação é vinculada, na medida em que a própria lei elenca as hipóteses de cabimento do ato em um rol de natureza taxativa. É necessário pre­ encher apenas um dos quatro incisos do §2° do art. 185 do CPP. 16.1. Prevenção de risco à segurança pú­ blica: quando houver fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento, afigura-se possível a realização de seu interrogatório por meio da videocon­ ferência. Todo e qualquer transporte de preso gera certo risco à segurança pública. Logo, não se pode determinar a realização da videocon­ ferência com base em um risco genérico para a segurança pública. Na verdade, deve haver um risco concreto fundado na suspeita de que o preso faça parte de determinada organização crim inosa (v.g., PCC ), ou que possa fugir durante o deslocamento (v.g., interceptação telefônica indicando um plano de fuga). O conceito de organização criminosa consta do art. I o, §1°, da Lei n. 12.850/13: “Considera-se organização criminosa a associação de quatro

ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer na­ tureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. 16.2. Viabilizar a participação do acusa­ do no ato processual em questão: quando houver relevante dificuldade para comparecimento do acusado em juízo, por enfermi­ dade ou outra circunstância pessoal, pode ser determinada a utilização da videoconfe­ rência para fins de viabilizar a participação do acusado no referido ato processual. São inúmeras as hipóteses que podem dificultar o comparecimento do acusado à audiência no fórum. Não por outro motivo, o inciso II do §2° do art. 185 do CPP faz uso de in ­ terpretação analógica, citando um exemplo de situação concreta capaz de dificultar o comparecimento do acusado em juízo - no caso, enfermidade - , para, depois, se valer de expressão genérica - ou outra circunstância pessoal - , a exemplo de ausência de escolta, acusado jurado de morte, etc. 16.3. Impedir a influência do acusado no ânim o de testemunha ou da vítima: como deixa entrever o art. 185, §2°, inciso III, do CPP, quando houver a possibilidade de a presença do acusado influenciar o ânimo da testemunha ou da vítima, deve-se buscar realizar a oitiva destas por videoconferência, nos exatos ter­ mos do art. 217 do CPP. Em outras palavras, a testemunha e o ofendido serão inquiridos por videoconferência. Caso não seja possível a oitiva deles por videoconferência, aí sim o juiz determinará a retirada do acusado da sala de audiências, prosseguindo-se na inquirição por videoconferência com a presença do seu defensor. 16.4. Gravíssima questão de ordem públi­ ca: de modo a responder à gravíssima questão de ordem pública, leia-se, segurança pública, a exemplo da onda de ataques do PCC ao apa­ rato policial nos idos de 2006 em São Paulo, o

TÍTULO VII • DA PROVA

interrogatório do acusado também pode ser realizado por videoconferência. 17. Intimação das partes da realização da videoconferência: fiel aos princípios do con­ traditório e da ampla defesa, da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência. A violação dessa regra acarretará mera nulidade relativa. Ora, por mais que as partes não tenham sido intimadas acerca da decisão judicial determi­ nando a realização da videoconferência com 10 (dez) dias de antecedência, é possível que dessa omissão não tenha resultado qualquer prejuízo aos litigantes. Logo, não há por que se declarar a nulidade do interrogatório ju ­ dicial. 18. Direito de presença remota do acu­ sado aos dem ais atos da audiência una de instrução e julgam ento: com a reforma processual de 2008, houve a previsão da audi­ ência una de instrução e julgamento nos arts. 400,411 e 531, onde todas as provas orais são colhidas de forma concentrada, sendo que o interrogatório judicial passou a ser o último ato da instrução processual. Logo, se ao acu­ sado é assegurado o direito de acompanhar os atos da instrução, consectário lógico do direito de presença, deve-se assegurar a ele a possibilidade de acompanhar por videocon­ ferência os demais atos da audiência, antes da realização de seu interrogatório, tais como o depoimento do ofendido, das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, etc. Doravante, portanto, o direito de presença do acusado poderá ser exercido de duas formas: d ireta (presença física na sala de audiências) ou rem ota (através da videoconferência). Em ambas está garantida a presença do réu (right to be present). Afinal, seja de forma direta, seja de forma remota, não se pode negar ao acusado o direito de estar presente durante a instrução probatória. 19. Direito de entrevista prévia e reser­ vada com o defensor: de acordo com o art. 7o, inciso III, do Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94), é direito do advogado comunicar-se

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com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis. Por sua vez, segundo o art. 44, inciso V II, da Lei Comple­ mentar n. 80/94, com redação determinada pela Lei Complementar n. 132/2009, é prer­ rogativa dos membros da Defensoria Pública comunicar-se, pessoal e reservadamente, com seus assistidos, ainda quando esses se acharem presos ou detidos, mesmo incomunicáveis, tendo livre ingresso em estabelecimentos po­ liciais, prisionais e de internação coletiva, independentemente de prévio agendamento. Com o objetivo de resguardar essa importante prerrogativa, essencial ao exercício da mais ampla defesa, o CPP foi alterado pela Lei n. 10.792/03 e passou a exigir que o acusado pos­ sa se entrevistar reservada e separadamente com seu defensor antes da realização do inter­ rogatório. Essa garantia, aplicável a qualquer modalidade de interrogatório, possibilita ao réu que não possua advogado constituído con­ versar antecipadamente com o defensor no­ meado, para que possa ser orientado sobre as consequências de suas declarações, de modo a não prejudicar sua defesa. Cuidando-se de audiência virtual, fica garantido ao acusado o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso. A importância dessa linha reservada para comu­ nicação entre o advogado que está no presídio e aquele que está no fórum, e entre este e o preso, está relacionada ao sigilo profissional do advogado, que não pode ser violado, sob pena de nulidade do ato processual. Afinal, é da essência da missão do advogado que ele seja depositário de segredos do seu cliente e destinatário de informações confidenciais. Sem a garantia de confidencialidade não pode haver confiança. O segredo profissional é, assim, reconhecido como o direito e o dever primeiro e fundamental do advogado. Como se percebe pela leitura do art. 185, §5°, do CPP, a realização do interrogatório por videoconfe­ rência demanda a presença de dois defensores,

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devendo um permanecer no presídio e o outro na sala de audiência do Fórum. Com a colo­ cação do interrogatório ao final da audiência una de instrução e julgamento em virtude da reforma de 2008, é intuitivo que o acusado já tenha se entrevistado com seu defensor antes da realização de seu interrogatório. De todo modo, na visão da I a Turma do STF, não há obrigatoriedade de se assegurar à defesa, já anteriormente constituída, seja ela pública ou privada, a realização de entrevista prévia ao acusado antes do início de audiência para inquirição de testemunhas. O direito de en­ trevista reservada do defensor com o acusado em momento que antecede ao interrogatório (artigo 185, § 2°, do CPP) tem como escopo facultar à defesa a possibilidade de orientar o réu a respeito das consequências das decla­ rações que vier a proferir. A previsão legal, por conseguinte, não está direcionada à fase da realização da audiência de instrução e julgamento. O art. 185, §5°, do CPP, garante ao acusado preso o direito à prévia entrevista pessoal com o respectivo defensor quando da realização do seu interrogatório ou de outros atos processuais que dependam da sua participação. Logo, não configura nulidade a negativa de pedido da Defensoria Pública de requisição de acusado preso para entrevista pessoal com a finalidade de subsidiar a ela­ boração da resposta à acusação. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Direito processual penal, entrevista pessoal entre d e fe n so r e a c u s a d o an tes da realização da audiência de instrução e julgam ento. Inobservância, nulidade em razão de cerceam ento d o direito de de ­ fesa. A le gaçã o insubsistente. O direito de entrevista reservada d o defensor c om o acu sad o em m o m e n to q u e an teced e a o in te rrogató rio (artigo 185, § 2°. d o C ó d ig o de P roce sso Penal) tem c o m o e sc o p o facultar à defesa a p ossib ilidad e de orientar o réu a respeito das con se qu ê n cias d a s declarações que vier a proferir. A previsão legal, por conseguinte, não está direcionada à fase da realização da audiência de instrução e julgam e nto . Precedente: H C n° 99.684, relatora ministra Ellen Gracie, p u b licad o no DJ de 24 de n ove m b ro de 2009. In casu, apesar de silente a legislação processual penal a respeito d o direito de entrevista entre defensor e acu sado antes da au d iên ­ cia de sign ad a para a oitiva de testem unha, há registro na ata da referida se ssão d o fato de o defensor ter

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conversado c om o réu antes da realização d o ato. O sistem a de nulidade previsto n o C ó d ig o de Processo Penal, em que vigora o princípio pas de nullité san grief, d isp õ e que so m e n te se proclam a a n ulidade de um ato processual q u a n d o houver efetivo prejuízo à defesa, de vidam ente dem onstrado, o que não se dá na espécie. O rdem de habeas corpu s extinta, por in ade q u ação da via processual". (STF, I a Turma, HC 112.225/DF, Rei. Min. Luiz Fux, j. 18/06/2013, DJe 165 22/08/2013).

STJ:"(...)

H ip ó te se em q u e se b u sca o reconheci­ m en to d o direito da recorrente de ser requisitada para se entrevistar p e sso alm e n te c om o defensor público, com a fin alidade de su bsid iar a elaboração da resposta à acusação. Contudo, as n orm as proces­ suais p en ais não preveem a requisição d o preso na situação descrita. A realização de entrevista pessoal

para esclare cim e n to de situ açõe s de fato, úteis à fo rm u la ç ã o da de fe sa pre lim inar de réus presos, constitui atribuição da Defensoria Pública, cuja fu n ­ ção c o n siste ta m b é m em atuar dire tam e n te n o s presídios. N esse passo, inexiste nulidade na ausência de requisição de réu preso para entrevista pessoal com o defensor público, com a finalidade de reunir inform ações para a apresen tação de defesa prelim i­ nar. Recurso em hab e as corpu s im provido". (STJ, 6 a Turma, RH C 50.791 /RJ, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 14/10/2014, DJe 06/11/2014).

20. Fiscalização da sala reservada no esta­ belecimento prisional destinada à realiza­ ção da videoconferência: com o objetivo de demonstrar a lisura do interrogatório judicial por videoconferência, e de modo a afastar qualquer dúvida quanto à idoneidade do canal telefônico reservado para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiências do fórum, a norma programática do §6° do art. 185 do CPP estabelece a obrigatoriedade de fiscalização da sala reservada à videoconferência no estabe­ lecimento prisional, a ser levada a efeito pelos corregedores, pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil. 21. Requisição do acusado preso para fins de realização do interrogatório judicial no fórum criminal: quando não for possível a re­ alização do interrogatório do acusado preso no próprio estabelecimento prisional, e não estiver presente nenhuma das hipóteses que autorizam a realização do referido ato por meio da video­ conferência, deve ser requisitado ao Diretor do

TÍTULO V II. DA PROVA

estabelecimento prisional o comparecimento do acusado preso ao fórum criminal. 22. Realização de outros atos processu­ ais por videoconferência: apesar de a Lei n. 11.900/09 ter ficado conhecida como a Lei do interrogatório por videoconferência, essa nova tecnologia não está restrita ao interrogatório, sendo possível sua utilização para a prática de outros atos processuais (v.g., acareações, reco­ nhecimento de pessoas e coisas, declarações do ofendido, inquirição de testemunhas, etc.), caso o acusado esteja preso. É o que deixa claro o disposto no art. 185, §8°, do CPP. Nessa linha, a própria Lei n. 11.900/09 passou a possibilitar que, caso a testemunha resida fora da jurisdição do juiz, não será necessária sua oitiva por carta precatória, podendo o magistrado determinar a colheita de seu depoimento por meio de vide­ oconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento (CPP, art. 222, §3°). Nesse caso, além da presença do defensor na localidade em que reside a teste­ munha, haverá a necessidade da presença de

Art. •] gg

outro defensor no juízo da causa. Apesar de a lei se referir apenas à oitiva de testemunha que more em outra comarca, nada impede que, por analogia, uma testemunha que resida em outro país também seja ouvida por videoconferência. 23. Autodefesa e defesa técnica: na hipóte­ se de realização de acareações, reconhecimento de pessoas e coisas, tomada de declarações do ofendido ou inquirição de testemunhas por videoconferência (CPP, art. 185, §8°), não se pode olvidar do obrigatório acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor, respeitando-se, assim, a autodefesa (direito de presença remota) e a defesa técnica. 24. Inform ações acerca da existência de filhos: em se tratando de acusado preso, devem ser colhidas informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indica­ do pela pessoa presa (CPP, art. 185, §10, inclu­ ído pelo Marco Civil da Primeira Infância). O objetivo do legislador é conferir ao magistrado informações mais completas acerca da pessoa presa para fins de possível concessão de prisão domiciliar (CPP, art. 318, III, V, e VI).

Art. 186. Depois de devidamente qualificado' e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.2'3 (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°. 12.2003) Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não po­ derá ser interpretado em prejuízo da defesa. (Incluído pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) 1. Qualificação do interrogando: individu­ aliza-se o acusado com o fornecimento do seu prenome, nome, apelido, estado civil, naturali­ dade, data de nascimento, número da carteira de identidade, número do cadastro de pessoa

o direito ao silêncio não abrange o direito de falsear a verdade quanto à identidade pessoal. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "(...)

O princípio con stitucion al da autodefesa (art. 5o, inciso LXIII, da CF/ 88) não alcança aquele que

física (CPF), profissão, filiação, residência, etc.

atribui falsa identidade perante autoridade policial

Como exposto nos comentários ao art. 155 do

com o intento de ocultar m aus antecedentes, sendo,

CPP - princípio do nemo tenetur se detegere -,

portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 d o CP). O tem a possui densidade constitucional e

é dominante o entendimento no sentido de que

extrapola os limites subjetivos das partes". (STF, Pleno,

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Art. 186

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

RE 640.139, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 22/09/2011, DJe 19813/10/2011).

2. Direito de não produzir prova contra si mesmo: nos comentários às disposições gerais em que se encontra o art. 155 do CPP, em que fizemos ampla análise do princípio do nemo tenetur se detegere, foi dito que o acusado não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, sendo inviável que, do exercício desse direito, lhe resulte qualquer gravame. Apesar do ditado popular de que “quem cala, consente”, como a Constituição Federal assegura ao acusado o direito ao silêncio (art. 5o, LXIII), seu exercício não pode ser interpretado como indício de sua culpabilidade. Esse o motivo pelo qual a Lei n. 10.792/03 conferiu nova redação ao art. 186 do CPP, que passou a dispor que, depois de devi­ damente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formula­ das. Ademais, segundo o parágrafo único do art. 186 do CPP, o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. Desse modo, ao acusado se defere o direito de não responder a nenhuma pergunta, como responder a algumas delas e silenciar com relação a outras que entenda que possam expô-lo a risco de autoincriminação. Apesar da nova redação conferida ao art. 186 do CPP pela Lei n. 10.792/03, olvidou-se o legislador do disposto no art. 198 do CPP, que ainda reza que “o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir

elemento para a form ação do convencimento do juiz”. Ora, do exercício do direito ao silên­ cio previsto na Carta Magna (art. 5o, LXIII) não pode resultar qualquer prejuízo ao acu­ sado. Logo, apesar da desídia do legislador em adequar o referido dispositivo ao texto constitucional, há de se considerar como não recepcionada a parte final do art. 198 do CPP. Se o acusado é titular do direito ao silêncio, do exercício desse direito não se pode extrair qual­ quer consequência que lhe seja desfavorável. Caso o acusado invoque seu direito de ficar em silêncio, não pode o magistrado ficar fazendo perguntas, uma após a outra, consignando as

perguntas que o acusado deixar de responder como se o acusado estivesse cometendo uma irregularidade ao negar as respostas. Isso pode­ ría servir como forma de pressionar o acusado. Além disso, como os registros das perguntas não respondidas e das razões arguidas pelo acusado não podem ser objeto de valoração pelo magistrado, deve ser suprimida dos autos qualquer menção a tais elementos, a fim de se evitar influência indevida sobre o convenci­ mento do órgão julgador. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...) Em sede de persecução penal, o interroga­ tório judicial - notadam ente ap ó s o advento da Lei n° 10.792/2003 - qualifica-se c o m o ato de defesa d o réu, que, além de não ser o b rigad o a responder a qualquer indagação feita pelo m agistrado processante, tam bém n ão p o d e sofrer q u alq u e r restrição em sua esfera jurídica em virtude d o exercício, sem p re legítim o, dessa especial prerrogativa. Doutrina. Precedentes. (...)". (STF, 2a Turma, H C 94.601/CE, Rei. Min. Celso de Mello, j. 04/08/2009, DJe 171 10/09/2009). N o m esm o contexto: STF, 2a Turma, HC 94.016/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 16/09/2008, DJe 38 26/02/2009.

3. Liberdade de autodeterminação e ve­ dação dos interrogatórios duros: a fim de que seja respeitada a dignidade do acusado e o direito de não produzir prova contra si mesmo, não se admite o emprego no interrogatório de nenhum método tendente a extrair uma confissão, ou capaz de exercer uma influên­ cia indevida sobre a liberdade de autodeter­ minação do acusado. As perguntas que lhe são formuladas, portanto, devem ser claras, precisas, unívocas e não complexas. A fim de que as respostas representem o produto espon­ tâneo da vontade do acusado, não se admite a formulação de perguntas equívocas, obscuras, tendenciosas ou capciosas, sendo vedadas, ademais, quaisquer formas de ameaças. Ainda visando à preservação da liberdade psíquica do acusado, certos métodos de interrogatório também não são admissíveis, nem mesmo com o consentimento do interrogando. São eles: os métodos químicos, como a narcoanálise (processo de investigação psicanalítica do psiquismo que consiste em injetar no organismo do paciente um narcótico euforizante, que provoca a supressão do controle, permitindo-

TÍTULO VII - DA PROVA

-lhe a evocação do passado, de experiências, conflitos, tendências, etc.), o “soro da verdade”, e os psíquicos, como a hipnose (estado mental semelhante ao sono, provocado artificialmen­ te, no qual o indivíduo continua capaz de obe­ decer às sugestões feitas pelo hipnotizador),a submissão ao polígrafo, detectores de mentira e outros similares. Para Roxin (La evolución de la política criminal el derecho penal y el proceso penal. Traducción de Carmen Gómez Rivero y Maria dei Carmen Garcia Cantizano. Valência: Tirant lo blanch, 2000, pp. 132-134), a utilização do detector de mentiras não pode ser aceita, por ferir o princípio do nemo tenetur se detegere. Segundo o autor, por meio deste aparato, m ostra-se o funcionamento inconsciente do corpo, como a respiração ou a pressão arterial, de onde se extraem certas conclusões com relevância probatória; porque por meio dele o acusado é forçado, contra sua vontade, a produzir prova contra si mesmo. Como pondera Gomes Filho (Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tri­ bunais, 1997, p. 116), tais métodos afetam a li­ berdade de declaração, bem como a intimidade e a dignidade do acusado, com subjugação de sua vontade. Também são incompatíveis com a liberdade de autodeterminação do acusado no momento do interrogatório toda e qualquer forma de violência física ou moral para fazê-lo cooperar na persecução penal. Apesar da proibição constante do art. 5o, III, da Carta Magna, no sentido de que ninguém será sub­

metido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, a tortura ainda é uma prática rotineira utilizada pelas autoridades estatais de modo a auxiliar as investigações, seja no Brasil, seja no estrangeiro. Na verdade, sob a pseudo justificativa de razões de segurança do Estado, ainda são utilizadas novas formas de tortura de presos, porém sob outra nomenclatura: são os chamados interrogatórios duros. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, tal prática foi utilizada na prisão de Guantánamo, quando presos eram mantidos acordados durante inúmeras horas seguidas, privados de sono, submetidos a afogamentos simulados, a temperaturas extremamente baixas, entre outras práticas semelhantes. Tais métodos

Art.186

não podem ser aceitos, porquanto presentes todos os elementos constitutivos da tortura, segundo a Corte Interamericana sobre Direitos Humanos: a) um ato intencional; b) que cause severos sofrimentos físicos ou mentais; e c) que se cometa com determinado fim ou propósi­ to (p.ex., obter informações de uma pessoa, castigá-la ou intimidá-la). Parte da doutrina entende que a utilização de certos métodos de interrogatório pode acabar se transformando em verdadeiro emprego de tortura contra o acusado. Nessa linha, Maria Elizabeth Queijo (op. cit. p. 226) cita “a questão da duração do interrogatório que, realizado durante longo espaço de tempo, sem intervalos, à noite, conduz o acusado à exaustão e à falta de sere­ nidade para posicionar-se diante das pergun­ tas formuladas, não deixando de caracterizar tais expedientes tortura ou, quando menos, tratam ento desumano”. Em tais situações, o cansaço, a pressão psicológica exercida pelo tempo e pela sucessão de perguntas, o ambiente a que ele fica submetido, podem influenciar a sua liberdade de autodeter­ minação no interrogatório. De lege ferenda, portanto, seria recomendável a obrigatorie­ dade de consignação do horário do começo e do encerram ento do interrogatório e de eventuais intervalos ocorridos. No Código de Processo Penal comum, não há dispositivo legal regulamentando a duração do interroga­ tório. Na Espanha, Argentina e Chile, todavia, o legislador estabeleceu a obrigatoriedade de suspensão do interrogatório se este se prolongar por muito tempo ou se forem for­ muladas tantas perguntas que o acusado perca a serenidade ou demonstre cansaço, além de ser obrigatória a consignação do tempo que durou o interrogatório. A despeito do silêncio do CPP, convém destacar que o Código de Processo Penal M ilitar possui dispositivo ex­ presso acerca do assunto, cuja aplicação pode ser estendida ao processo penal comum, por força do art. 3o do CPP. Segundo o art. 19, §1°, do CPPM, inserido no Título que versa sobre o inquérito policial militar, o escrivão lavrará assentada do dia e hora do início das inquiri­ ções ou depoimentos; e, da mesma forma, do seu encerramento ou interrupções, no final

Art.187

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

daquele período. Ademais, de acordo com o art. 19, §2°, a testemunha e o ofendido não poderão ser inquiridos por mais de 4 (quatro) horas consecutivas, sendo-lhes facultado o

descanso de 1/2 (m eia hora), sempre que tiverem de prestar declarações daquele termo (CPPM, art. 19, §2°).

Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos.' (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) §1° Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a resi­ dência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou pro­ cessado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais.2 (Incluído pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) §2° Na segunda parte será perguntado sobre:3 (Incluído pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita; II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois dela; III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta; IV - as provas já apuradas; V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas; VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido; VII - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração; VIII - se tem algo mais a alegar em sua defesa. 1. Divisão do interrogatório judicial: ao conceituarmos o interrogatório judicial nos comentários ao art. 185 do CPP, foi dito que se trata do ato processual por meio do qual o juiz ouve o acusado sobre sua pessoa e sobre a imputação que lhe é feita. Isso porque, a partir da Lei n. 10.792/03, foi inserida no art. 187 do CPP a obrigatoriedade de o interrogatório ser subdivido em duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. Cuida-se o interro­ gatório, portanto, de ato bifásico, que deve ser conduzido pelo magistrado de maneira neutra, imparcial, equilibrada e serena.

2. Interrogatório de individualização (pregressamento): após a devida qualificação do interrogando e de se lhe dar ciência do intei­ ro teor da acusação, assim como do direito de permanecer calado e de não responder às perguntas que lhe forem formuladas, tem início o interrogatório judicial, cuja primeira parte versa sobre a pessoa do acusado. Nela, também conhecida como pregressamento, o interrogando será perguntado sobre a residên­ cia, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou

título vii • d a p r o v a

processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena im ­ porta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais. Esse interrogatório sobre a pessoa do acusado é de fundamental importância para que o magistrado possa avaliar com maior propriedade as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Nessa fase, o interrogando pode se valer do direito ao silêncio, inclusive mentindo, se assim o desejar, sem que sofra, por força disso, qualquer tipo de punição. 3. Interrogatório de mérito: a segunda par­ te do interrogatório judicial, que também está protegida pelo direito à não autoincriminação, diz respeito à imputação que recai sobre a pessoa do acusado. O interrogando será per­ guntado sobre: I - ser verdadeira a acusação

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Art. 188

que lhe é feita; II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da práti­ ca da infração ou depois dela; III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta; IV - as provas já apuradas; V - se conhece as vitimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas; V I - se co­ nhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido; V II - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração; V III - se tem algo mais a alegar em sua defesa.

Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas corres­ pondentes se o entender pertinente e relevante.1'2 3 (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) 1. Contraditório para o interrogatório judi­ cial: antes da Lei n. 10.792/03, o interrogatório era um ato privativo do juiz, sendo inviável que as partes pudessem intervir na realização do ato processual, o que se mostrava incompatível com o princípio do contraditório e da ampla defesa. Afinal, caso o acusado confessasse a prática do delito, ter-se-ia uma prova nos autos que não havia sido submetida ao contraditó­ rio. Ademais, não se assegurava ao defensor o direito de fazer reperguntas, obstando que o advogado esclarecesse pontos relevantes para a defesa. Com a entrada em vigor da Lei n. 10.792/03, e a consequente alteração do art. 188 do CPP, o interrogatório passou a se submeter ao princípio do contraditório, possibilitando a interferência das partes. 2. Sistema a ser utilizado para as reper­ guntas das partes: ao contrário do que se dá com os depoimentos de testemunhas e do ofendido, em relação aos quais vigora o sistema

do exame direto e cruzado (CPP, art. 212), o interrogatório continua submetido ao sistema presidencialista, devendo o juiz formular as perguntas antes das reperguntas das partes, que, por sua vez, serão repassadas ao acusado pelo próprio magistrado, desde que pertinentes e relevantes. No entanto, no âmbito da sessão de julgamento do Tribunal do Júri, o Ministé­ rio Público, os advogados do assistente e do querelante e o defensor, nessa ordem, devem formular suas perguntas diretamente ao acu­ sado (CPP, art. 474, §1°). Apesar de a maioria da doutrina entender que o interrogatório tem natureza jurídica de meio de defesa, tem prevalecido o entendimento de que quem repergunta primeiro é a acusação (Ministério Púbico, querelante, ou assistente), seguindo-se as perguntas da defesa. Como o acusado não é obrigado a responder às perguntas que lhe são formuladas (direito ao silêncio), pode optar por responder tão somente àquelas formuladas pela defesa técnica.

Art. 188

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

3. Pluralidade de acusados e direito de reperguntas dos demais defensores: havendo dois ou mais acusados no processo, deve-se possibilitar a qualquer dos litisconsortes penais passivos formular reperguntas aos demais corréus, notadamente se as defesas de tais acusados se mostrarem colidentes, sob pena de violação à ampla defesa. Em outras palavras, além de poder assistir ao interrogatório de todos os corréus, cada um dos defensores tam­ bém tem o direito de lhes fazer reperguntas. Nas mesas de processo penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, coor­ denadas pela Profa. Ada Pellegrini Grinover, a súmula n. 675 enuncia que “o interrogatório de corréu, incriminando outro, tem, com relação a este, natureza de depoimento testemunhai, devendo, por isso, se admitirem reperguntas”. Nesse caso, é indispensável que o advogado do corréu manifeste sua intenção de fazer re­ perguntas aos demais acusados em audiência, sob pena de preclusão. Portanto, se a defesa, no interrogatório, não requereu reperguntas ao corréu, subscrevendo sem ressalvas o ter­ mo de audiência, a manifestação posterior de inconformismo não elide a preclusão.

bém um m eio de prova, e para que seja validam ente introduzido no processo deve atender às garantias constitucionais instituídas em favor d o acusado. Para o ato do interrogatório nas ações penais com pluralidade de réus, o C ó d ig o de Processo Penal prevê apenas que estes devem ser interrogados separadam ente, o que não significa, por si só, que a inquirição com plem entar seja feita apenas pelo próprio defensor e pelo órgão acusatório, sob pena de ofensa ao contraditório e à pa­ ridade de arm as que deve ser resguardada no processo penal. N ão há no C ó d ig o de Processo Penal nenhum c o m a n d o proibitivo à participação d o defensor do corréu no ato d o interrogatório, estabelecendo o seu artigo 188, com a redação dada pela Lei n. 10.792/03, que (...), razão pela qual n ão é d a d o ao intérprete restringir esse direito, que tem assento em princípios constitucionais. O rdem concedida para anular a ação penal desde o interrogatório d o s acusados, inclusive, ficand o prejudicada a análise d o s pleitos rem anes­ centes". (STJ, 5a Turma, HC 198.668/SC, Rei. Min. Jorge Mussi,j. 04/09/2012).

S T F : "(...) Em sede de persecução penal, o interroga­ tório judicial - notadam ente ap ó s o advento da Lei n° 10.792/2003 - qualifica-se com o ato de defesa d o réu, que, além de não ser o b rigad o a responder a qualquer indagação feita pelo m agistrado processante, tam bém não p o d e sofrer q u alq u e r restrição em sua esfera jurídica em virtude d o exercício, sem pre legítim o, dessa especial prerrogativa. (...) Assiste, a cada um do s litisconsortes penais passivos, o direito - fu n dad o em cláusulas constitucionais (CF, art. 5°, incisos LIV e LV) de form ular reperguntas aos dem ais co-réus, que, no



J u r is p r u d ê n c ia s e l e c io n a d a :

entanto, não estão o brigado s a respondê-las, em face da prerrogativa contra a auto-incrim inação, de que

S T J : "(...) A colen da Sexta Turm a entende possível,

tam bé m são titulares. O desrespeito a essa franquia

em casos de delação, a intervenção d o A d v o g a d o em interrogatório de réu diverso daquele que defende (Precedentes do STJ/STF). Em prestígio à multifacetada

individual do réu, resultante da arbitrária recusa em

cláusula d o du e process o f law, é de se estender tal com preensão para casos de ausência de delação. A contribuição de todas as partes do processo para a escorreita busca da verdade consagra o teor d o art. 188 d o C ó d ig o Processo Penal (Precedentes d o STF). (...) Ordem concedida em parte para anular a sentença, convertendo o ju lgam e n to em diligência, a fim de intim ar o s defensores para m anifestarem eventual interesse na argu ição d o s réus que não defendem , designando-se data para a com plem entação do s inter­ rogatórios. Após, deve-se retom ara marcha processual, a partir d o disposto no art. 402 d o CPP". (STJ, 6aTurma, H C 112.993/ES, Rei. Min. MariaThereza de Assis Moura, j. 09/03/2010, DJe 10/05/2010).

S T J : "(...) A Constituição Federal garante ao jurisdicio-

lhe permitir a form ulação de reperguntas, qualifica-se com o causa geradora de nulidade processual absoluta, por implicar grave transgressão ao estatuto constitu­ cional do direito de defesa. Doutrina. Precedente do STF". (STF, 2a Turma, HC 94.016/SP, Rei. Min. Celso de Mello, DJe 038 26/02/2009).

S T F : "(...) Interrogatório. Subscrição, sem ressalvas, do term o de audiência pela defesa de co-réu. Pedido de realização de novo interrogatório. Indeferimento. Nu­ lidade. Inexistência. Argüição extemporânea. Preclu­ são. O rdem denegada. Se a defesa, no interrogatório, não requereu reperguntas ao corréu, subscrevendo sem ressalvas o term o de audiência, a m anifestação posterior de inconform ism o não elide a preclusão". (STF, 2a Turma, H C 90.830/BA, Rei. Min. Cezar Peluso, DJ 071 22/04/2010).

nado a am pla defesa e o contraditório em qualquer

S T F : “(...) A decisão que im pede que o defensor de

processo judicial, garantias que ga n h a m relevância na persecução penal, já que por m eio desta é que o Estado alcança a legitim idade para coarctara liberda­ de d o indivíduo responsável pela prática de conduta descrita com o fato delituoso. O interrogatório é tam ­

um do s réus repergunte ao outro acusado ofende os princípios constitucionais da am p la defesa, d o con­ traditório e da isonomia, ge ran do nulidade absoluta. O princípio do pas de nullité sans grief exige, sem pre que possível, a dem onstração de prejuízo concreto à

TÍTULO VII •DA PROVA

parte que suscita o vicio, ainda que a sanção prevista seja a de nulidade absoluta d o ato. Precedentes. Pre­ juízo devidam ente dem onstrado pela defesa quanto

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de drogas. Ordem parcialmente concedida para anular a instrução a partir d o interrogatório q u an to ao crime

à im putação pelo crim e de associação para o tráfico.

de associação para o tráfico de drogas". (STF, 1aTurma,

Ausência de prejuízo com relação ao crime de tráfico

HC 101.648/ES, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 11/05/2010).

Art. 189. Se o interrogando negar a acusação, no todo ou em parte,1 poderá prestar esclarecimentos e indicar provas.2 (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) 1. Negativa parcial ou total: como será ex­ posto nos comentários ao art. 200, a confissão é divisível, ou seja, o acusado pode negar a prática de um fato delituoso e confessar outro. Daí dispor o art. 189 do CPP que o acusado pode negar a acusação, no todo ou em parte. 2. Indicação de provas pelo interrogan­ do: se o interrogatório funciona como meio

de defesa, é intuitivo que o acusado tenha interesse em prestar esclarecim entos e indi­ car provas quando negar a imputação que recai sobre a sua pessoa. Se pertinentes e relevantes, outro cam inho não há senão a realização dessas provas, mesmo que não haja requerimento da defesa técnica nesse sentido.

Art. 190. Se confessar a autoria, será perguntado sobre os motivos e circunstâncias do fato e se outras pessoas concorreram para a infração, e quais sejam.1(Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.l 2.2003) 1. Indicação dos m otivos e das circunstâncias do fato e convite à colaboração: a confissão do acusado e a colaboração premiada

serão objeto de análise nos comentários aos arts. 197 a 200 do CPP, para onde remetemos 0 leitor.

Art. 191. Havendo mais de um acusado, serão interrogados separa­ damente.1(Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) 1. Ato individual: na hipótese de pluralidade de acusados, cada um deles será interrogado separadamente, evitando-se, assim, indevida influência de um corréu sobre o outro. O objetivo precípuo do art. 191 do CPP é evitar que um acusado, que ainda não fo i ouvido, seja influenciado emocional e psicologicamente ao ouvir o relato dos demais acusados, do que po­ dería resultar a alteração das suas declarações. Logo, se o acusado já foi interrogado, poderá perm anecer na sala de audiência ouvindo as declarações dos demais corréus, salvo se presente uma das hipóteses do art. 217 do CPP. Noutro giro, quando não for possível a

realização de todos os interrogatórios judiciais na mesma audiência, não haverá nulidade se algum corréu for ouvido em outra assentada, pouco importando o fato deste ter obtido acesso ao teor dos interrogatórios já realizados. Por fim, convém lembrar que aos advogados de todos os corréus deve ser franqueada a possibilidade de formular reperguntas aos demais acusados, notadamente se as defesas de tais acusados se mostrarem colidentes, sob pena de violação à ampla defesa. O fato de o acusado advogar em causa própria não é sufi­ ciente para afastar a regra contida no art. 191 do CPP, já que o acusado pode constituir outro

Art.192

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

defensor para acompanhar especificamente o interrogatório do corréu.

própria não é suficiente para afastar essa regra, pois, além de inexistir razãojurídica para haver essa distinção



especificamente o interrogatório d o corréu. Assim, e

Jurisprudência selecionada:

entre acusados, a questão pode serfacilmente resolvida com a constituição de outro causídico para acom panhar

STF: Possibilidade de os interrogatórios de corréus

considerando que a postulação é para que se renove o interrogatório com a presença d o acusado na sala de

serem realizados separadam ente, em cum prim ento

audiências, não há falar em ilegalidade d o ato ou cerce­

ao que dispõe o art. 191 do C ó d ig o de Processo Penal.

am ento de defesa. (...) Ordem denegada". (STF, 2aTurma, HC 101.021/SP, Rei. Min.Teori Zavascki, j. 20/05/2014).

Precedente. O fato de o paciente ad vo gar em causa

Art. 192.0 interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte:1 (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele respon­ derá oralmente; (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°,12.2003) II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito; (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mes­ mo modo dará as respostas. (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo. (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) 1. Forma de realização do interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-m udo: em regra, deve o acusado responder às perguntas oralm ente. No caso do surdo, as pergun­ tas serão apresentadas por escrito, devendo prestar as respostas oralmente. No caso do mudo, as perguntas serão feitas oralmente,

respondendo-as por escrito. Em se tratando de surdo-mudo, as perguntas serão formu­ ladas por escrito e do mesmo modo dará as respostas. Nessas hipóteses, caso o interro­ gando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.

Art. 193. Quando o interrogando não falar a língua nacional, o in­ terrogatório será feito por meio de intérprete.1 (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) 1. N o m e a çã o de intérprete: de acordo com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, toda pessoa acusada de um delito tem direito de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal

(Dec. 678/92, art. 8o, §2°, “a”). Por conse­ guinte, mesmo que o magistrado e as partes conheçam o idioma falado pelo interrogando, sua oitiva deve ser feita por meio de intér­ prete, sob pena de violação ao princípio da publicidade.

Art. 194. Revogado pela Lei n. 10.792, de K ^ ^ O O S . 1 Art. 195. Se o interrogado não souber escrever, não puder ou

não quiser assinar, tal fato será consignado no termo.2 (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003)

TÍTULO V II-D A PROVA

1. Nom eação de curador: em sua redação originária, dispunha o Código de Processo Penal que, se o acusado fosse menor de 21 (vinte e um) anos, seu interrogatório deveria ser realizado na presença de curador (CPP, art. 194). A partir da vigência do novo Código Civil, e em virtude do disposto em seu art. 5o, prevendo que a menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil, a doutrina processual penal passou a entender que já não haveria mais necessidade de se nomear curador especial para o acusado menor de 21 (vinte e um) anos. Em 2003, o art. 194 do CPP foi revogado pela Lei n. 10.792/03. Apesar da revogação do art. 194 do CPP, ainda se pode cogitar da possibilidade de nomeação do curador para o índio não civilizado, en­ cargo este a recair sobre um representante da FUNAI. O art. 151 do CPP também prevê que,

Art. 196

se os peritos concluírem que o acusado era, ao tempo da infração, inimputável, nos termos do art. 26, caput, do CP, o processo prosseguirá, com a presença de curador. 2. Interrogado analfabeto, que não possa ou não queira assinar o termo: se o interro­ gado não souber escrever, não puder ou não quiser assinar, tal fato será consignado no termo, sem que haja a necessidade de assi­ natura de duas testemunhas instrumentárias que tenham presenciado a realização do ato. Nesse ponto, diferencia-se o interrogatório judicial do auto de prisão em flagrante delito. Isso porque, segundo o art. 304, §3°, do CPP, quando o acusado se recusar a assinar, não sou­ ber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que tenham ouvido sua leitura na presença deste.

Art. 196. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes.1 (Redação dada pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) 1. Novo interrogatório do acusado: antiga­ mente, quando o interrogatório era o primeiro ato da instrução probatória, era relativamente comum que o juiz manifestasse seu interesse em reinterrogar o acusado para esclarecer determinados aspectos trazidos a seu conhe­ cimento pelas testemunhas. Com as mudanças produzidas pela reforma processual de 2008, deslocando o interrogatório para o momento final da audiência una de instrução e julga­ mento, dificilmente haverá necessidade de o juiz realizar novo interrogatório, porquanto o acusado será ouvido tão somente após a produção de toda a prova oral. Sem embargo, como o interrogatório em juízo no âmbito do procedimento comum ordinário é sucedi­ do por possíveis diligências complementares requeridas pelas partes (CPP, art. 402), nada impede que o acusado seja reinterrogado após a juntada das referidas diligências para pres­ tar eventuais esclarecimentos. A realização de novo interrogatório judicial também se mostra viável nas seguintes hipóteses: a) o juiz

sentenciante não é o mesmo que presidiu a instrução probatória. Como será exposto nos comentários ao art. 399, §2°, do CPP (princípio da identidade física do juiz), a regra é o julga­ mento do feito pelo magistrado que presidiu a instrução. Todavia, se tal magistrado for convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, os autos deverão ser encaminhados ao seu sucessor. Se este magistrado concluir que a oitiva do acu­ sado direta e pessoalmente por ele é relevante para a formação do seu convencimento, poderá determinar a realização de novo interrogatório judicial; b) na hipótese de um corréu ouvido após o interrogatório do primeiro acusado re­ solver delatá-lo, não se pode negar ao delatado a oportunidade de se manifestar quanto ao teor da delação, que assume papel de verdadeira prova testemunhai incriminadora. Logo, tam­ bém se afigura possível a realização de novo interrogatório do corréu delatado, até mesmo para que possa apresentar sua versão defensiva quanto ao objeto da delação. Conquanto o art.

Art. 197

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

196 do CPP autorize a realização de novo inter­ rogatório do acusado, daí não se pode concluir que o referido dispositivo legal permita a reali­ zação do interrogatório a qualquer momento. Na verdade, o art. 196 do CPP apenas confere ao juiz a possibilidade de reinterrogar o réu, de ofício ou a pedido das partes, mas não lhe confere o direito de estabelecer, a seu crité­ rio, o momento em que entende conveniente a realização do interrogatório. No curso do procedimento comum ordinário e sumário, o interrogatório deve ser realizado ao final da audiência una de instrução e julgamento, conforme disposto no art. 400, caput, do CPP. Para além da possibilidade de o juízo originariamente competente determinar a realização de novo interrogatório do acusado, consoante permissivo do art. 196 do CPP, não se pode

esquecer que, no julgamento das apelações, também poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo interrogatório do acusado, nos exatos termos do art. 616 do CPP. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) A

Lei 11.719/08, de reforma d o C ó d ig o de Processo Penal, superado o período de vacatio legis, incidiu im ediatamente sobre os feitos em curso. Assim,

o interrogatório, c o m o m eio de defesa que é, deve ser realizado ao c abo da instância, n ão ficand o ao talante d o juiz estabelecer o m om e n to apropriado, invocando-se o art. 196 d o Codex. Ordem concedida em m enor extensão, acolhido o parecer ministerial e ratificada a liminar, para assegurar ao paciente e aos dem ais corréus o direito de serem interrogados ao cabo da ação penal, c o m o determ ina a sistemática processual estabelecida pela Lei 11.719/08". (STJ, HC 123.958/MG, Rei. Min. M aria Thereza de Assis Moura, ju lgad o em 26/04/2011).

Capítulo IV DA CONFISSÃO1 Art. 197. O valor da confissão2-6 se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância. 1. Colaboração premiada: desde tempos mais remotos, a História é rica em apontar a traição entre os seres humanos: Judas Iscariotes vendeu Cristo pelas célebres 30 (trinta) moedas; Joaquim Silvério dos Reis denunciou Tiradentes, levando-o à forca; Calabar delatou os brasileiros, entregando-os aos holandeses. Com o passar dos anos e o incremento da cri­ minalidade, os ordenamentos jurídicos passa­ ram a prever a possibilidade de se premiar essa traição. Surge, então, a colaboração premiada. Sua origem histórica não é tão recente assim, já sendo encontrada, por exemplo, no sistema anglo-saxão, do qual advém a própria origem da expressão crown witness, ou testemunha da coroa. Foi amplamente utilizada nos Estados Unidos (plea bargain) durante o período que

marcou o acirramento do combate ao crime organizado, e adotada com grande êxito na Itália (pattegiamento ) em prol do desmantela­ mento da máfia - basta lembrar as declarações prestadas por Tommaso Buscetta ao Promotor italiano Giovanni Falcone - , que golpearam duramente o crime organizado na penínsu­ la itálica. É no direito norte-americano que a utilização da colaboração premiada sofre forte increm ento, sobretudo na campanha contra a máfia. Por meio de uma transação de natureza penal, firmada por Procuradores Federais e alguns suspeitos, era prometida a estes a impunidade desde que confessassem sua participação e prestassem informações que fossem suficientes para atingir toda a organização e seus membros. Espécie do di-

TÍTULO V II-D A PROVA

reito premial, a colaboração premiada pode ser conceituada como uma técnica especial de

investigação p or meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fa to delituoso, forn ece aos órgãos responsáveis pela persecução p e ­ nal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal. Portanto, ao mesmo tempo em que o investigado (ou acusado) confessa a prática delituosa, abrindo mão do seu direito de permanecer em silêncio ( nemo tenetur se detegere), assume o compromisso de ser fonte de prova para a acusação acerca de determi­ nados fatos e/ou corréus. Evidentemente, essa colaboração deve ir além do mero depoimento do colaborador em detrimento dos demais acusados, porquanto não se admite a prolação de um decreto condenatório baseado única e exclusivamente na colaboração premiada. De se notar que uma simples confissão não se con­ funde com a colaboração premiada. O agente fará jus aos prêmios previstos nos dispositivos legais que tratam da colaboração premiada apenas quando admitir sua participação no delito e fornecer informações objetivamente eficazes para a descoberta de fatos dos quais os órgãos incumbidos da persecução penal não tinham conhecimento prévio, permitindo, a depender do caso concreto, a identificação dos demais coautores, a localização do produto do crime, a descoberta de toda a trama delituosa ou a facilitação da libertação do sequestrado. Por conseguinte, se o acusado se lim itar a confessar fatos já conhecidos, reforçando as provas preexistentes, fará jus tão somente à atenuante da confissão prevista no art. 6 5 , 1, alínea “d”, do Código Penal. De todo modo, como a confissão funciona como circunstân­ cia atenuante (CP, art. 65, I, “d”), incidindo, pois, na segunda fase de aplicação da pena, ao passo que a colaboração premiada confere ao agente, em algumas hipóteses, uma causa de diminuição de pena, a ser aplicada na terceira fase (CP, art. 68), há precedentes do STJ no sentido de que a aplicação simultânea desses benefícios legais é perfeitamente compatível, porquanto dotados de natureza distinta.

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+ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) apesar de

o acusado haver confessado sua

participação no crime, contando em detalhes toda a atividade criminosa, incriminando seus comparsas, não há nenhum a informação nos autos que ateste o uso de tais inform ações para fundam e n tara condenação do s outros envolvidos, pois a materialidade, as autorias e o desm antelam ento do gru po crim inoso se deram, prin­ cipalmente, pelas interceptações telefônicas legalm en­ te autorizadas e pelos depoim entos das testem unhas e do s policiais federais". (STJ, 6aTurma, H C 90.962/SP, Rei. Min. Haroldo Rodrigues - D ese m bargado r convocado d o TJ/CE -, j. 19/05/2011, DJe 22/06/2011).

STJ: "(...) A o

contrário d o que afirma o acórdão ora

vergastado, não há im possibilidade de aplicação si­ m ultânea da atenuante da confissão, na 2.a fase de individualização da pena, com a da delação premiada, na 3.a etapa, por se revestir, no caso d o art. 14 da Lei 9.807/99, de causa de dim inuição de pena. Tam bém ao contrário d o que afirma o acórdão ora objurgado, preenchidos os requisitos da delação premiada, pre­ vistos no art. 14 da Lei n.° 9.807/99, sua incidência é obrigatória. A s prem issas oferecidas pelo acórdão gu erreado - inacum ulabilidade da delação prem ia­ da com a confissão espontânea, discricionariedade d o ó rgã o ju lg a d o r q u an to à ap licação d o referido benefício, bem assim n ece ssid ad e d a d e laçã o ser efetuada antes da prisão - não são aptas a subsidiar o indeferimento d o benefício previsto no art. 14 da Lei n.° 9.807/99, razão pela qual, ante a im possibilidade de valorar os elem entos colhidos durante a fase p o ­ licial, bem c o m o aqueles o btid o s durante a instrução processual, na estreita via d o habeas corpus, é o caso de se determinar seja procedida nova análise d o pleito pelo Tribunal de Justiça estadual. O rdem denegada. H abeas corpu s concedido, de ofício, para, m antida a condenação, determ inar seja rejulgada a apelação defensiva, com a efetiva análise d o pedido de aplicação d o benefício previsto n o art. 14, da Lei n.° 9.807/99, afastad os o s óbices anteriorm ente levantados pela Corte estadual, decidindo c o m o entender de direito". (STJ, 5a Turma, HC 84.609/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 04/02/2010, DJe 01/03/2010). Na m esm a linha: STJ, 5a Turma, REsp 1.002.913/PR, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 17/09/2009, DJe 19/10/2009.

1.1. Natureza jurídica da colab oração premiada: não se pode confundir a cola­ boração premiada com os prêm ios legais dela decorrentes. A colaboração premiada funciona como importante técnica especial de investigação, enfim, um meio de obtenção de prova. Por força dela, o investigado (ou acusado) presta auxílio aos órgãos oficiais de persecução penal na obtenção de fontes

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materiais de prova. Por exemplo, se o acusado resolve colaborar com as investigações em um crime de lavagem de capitais, contribuindo para a localização dos bens, direitos ou va­ lores objeto do crime, e se essas informações efetivamente levam à apreensão ou sequestro de tais bens, a colaboração terá funcionado como meio de obtenção de prova, e a apre­ ensão com o meio de prova. Noutro giro, são inúmeros os prêmios legais decorrentes do cumprimento do acordo de colaboração premiada. A depender da relevância das in­ formações prestadas pelo colaborador, este poderá ser beneficiado com os seguintes prêmios: a) diminuição da pena; b) fixação do regime inicial aberto ou semi-aberto; c) substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; d) progressão de regimes; e) perdão judicial e consequente extinção da punibilidade; f ) não oferecimento da denúncia. 1.2. Distinção entre colaboração premia­ da e delação premiada (chamamento de corréu): há quem utilize as expressões cola­ boração premiada e delação premiada como expressões sinônimas. Outros doutrinadores, todavia, preferem trabalhar com a distinção entre delação premiada e colaboração pre­ miada, considerando-as institutos diversos. A nosso ver, delação e colaboração premiada não são expressões sinônimas, sendo esta última dotada de mais larga abrangência. No curso dapersecutio criminis, o acusado pode assumir a culpa sem incriminar terceiros, fornecendo, por exemplo, informações acerca da localiza­ ção do produto do crime, caso em que é tido como mero colaborador. Pode, de outro lado, assumir culpa (confessar) e delatar outras pes­ soas - nessa hipótese é que se fala em delação premiada (ou chamam ento de corréu). Só há falar em delação se o investigado ou acusado também confessa a autoria da infração penal. Do contrário, se a nega, imputando-a a tercei­ ro, tem-se simples testemunho. A colaboração premiada funciona, portanto, como o gênero, do qual a delação premiada seria espécie. É bem verdade que a referência à expressão delação prem iada é muito mais comum na doutrina e na jurisprudência. No entanto, pre­

ferimos fazer uso da denominação colaboração premiada, quer pela carga simbólica carregada de preconceitos inerentes à delação premiada, que traz ínsita a ideia de traição, quer pela incapacidade de descrever toda a extensão do instituto, que nem sempre se limita ao mero chamamento de corréu. Com efeito, a chamada “delação premiada” (ou chamamento de cor­ réu) é apenas uma das formas de colaboração que o agente revelador pode concretizar em proveito da persecução penal. Nesse contexto, Vladimir Aras (Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. Organizadora: Carla Verís­ simo de Carli. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2011. p. 428) aponta a existência de quatro subespécies de colaboração premia­ da: a) delação prem iada (cham am ento de corréu): além de confessar seu envolvimento na prática delituosa, o colaborador expõe as outras pessoas implicadas na infração penal, razão pela qual é denominado de agente reve­ lador; b) colaboração para libertação: o cola­ borador indica o lugar onde está mantida a ví­ tima sequestrada, facilitando sua libertação; c) colaboração para localização e recuperação de ativos: o colaborador fornece dados para a localização do produto ou proveito do delito e de bens eventualmente submetidos a esque­ mas de lavagem de capitais; d) colaboração preventiva: o colaborador presta informações relevantes aos órgãos estatais responsáveis pela persecução penal de modo a evitar um crime, ou impedir a continuidade ou permanência de uma conduta ilícita. Nesse ponto, a Lei n. 12.850/13 faz clara opção pela utilização da expressão “colaboração premiada”. Ao invés de fazer referência à expressão “delação premia­ da”, o legislador optou por fazer menção a essa importante técnica especial de investigação com o nomen iuris de “colaboração premiada”, quer no art. 3o, I, quer na Seção I do Capítulo II, que abrange os arts. 4o, 5°, 6o e 7o.



Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O instituto da delação prem iada consiste em ato d o acu sado que, adm itindo a participação no delito, fornece às autoridades elementos capazes de fa­ cilitar a resolução d o crime. A conduta d o paciente não foi eficaz na resolução d o crime e sequer influenciou na soltura da vítima. O rdem denegada". (STJ, 6aTurma,

TÍTULO VII- DA PROVA

HC 107.916/RJ, Rei. Min. O g Fernandes, j. 07/10/2008, DJe 20/10/2008).

1.3. Ética e moral: sob o ponto de vista da ética e da moral, parte da doutrina posiciona-se contrariamente à colaboração (ou delação) premiada, denominando-a, por isso, de extor­ são premiada. Ao preconizar que a tomada de uma postura infame (trair) pode ser vantajosa para quem o pratica, o Estado premia a falta de caráter do codelinquente, convertendo-se em autêntico incentivador de antivalores ínsitos à ordem social. Sem embargo de opiniões em sentido contrário, parece-nos não haver qual­ quer violação à ética, nem tampouco à moral. Apesar de se tratar de uma modalidade de traição institucionalizada, trata-se de instituto de capital importância no combate à crimina­ lidade, porquanto se presta ao rompimento do silêncio mafioso ( omertà), além de beneficiar o acusado colaborador. De mais a mais, falar-se em ética de criminosos é algo extremamente contraditório, sobretudo se considerarmos que tais grupos, à margem da sociedade, não só têm valores próprios, como também desen­ volvem suas próprias leis. Apesar de, sob certo aspecto, a existência da colaboração premiada representar o reconhecimento, por parte do Es­ tado, de sua incapacidade de solucionar sponte própria todos os delitos praticados, a doutrina aponta razões de ordem prática que justificam a adoção de tais mecanismos, a saber: a) a impossibilidade de se obter outras provas, em virtude da “lei do silêncio” que vige no seio das organizações criminosas; b) a oportunidade de se romper o caráter coeso das organizações cri­ minosas (quebra da affectio societatis), criando uma desagregação da solidariedade interna em face da possibilidade da colaboração premiada. 1.4. Direito ao silêncio: a colaboração pre­ miada é plenamente compatível com o princí­ pio do nemo tenetur se detegere (direito de não produzir prova contra si mesmo). É fato que os benefícios legais oferecidos ao colaborador servem como estímulo para sua colaboração, que comporta, invariavelmente, a autoincriminação. Porém, desde que não haja nenhuma espécie de coação para obrigá-lo a cooperar, com prévia advertência quanto ao direito ao

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silêncio (CF, art. 5o, LXIII), não há violação ao direito de não produzir prova contra si mesmo. Afinal, como não há dever ao silêncio, todo e qualquer investigado (ou acusado) pode voluntariamente confessar os fatos que lhe são imputados. Nessas condições, cabe ao próprio indivíduo decidir, livre e assistido pela defesa técnica, se colabora (ou não) com os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal. Quanto ao assunto, especial atenção deve ser dispensada ao art. 4o, §14, da Lei n. 12.850/13, que dispõe: “Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade”. Parece ter havido um equívoco por parte do legisla­ dor ao fazer uso do verbo renunciar. Afinal, se se trata, o direito ao silêncio, de direito fundamental do acusado previsto na Consti­ tuição Federal (art. 5o, LXIII) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8o, §2°, “g”), é evidente que não se pode falar em renúncia, porquanto tais direitos são, por natureza, inalienáveis (ou indisponíveis). Por consequência, o caráter indisponível do direito ao silêncio conduziría à nulidade absoluta, por ilicitude de objeto, do acordo de colaboração premiada em que fosse pactuada a renúncia a esse direito. Na verdade, não há falar em renún­ cia ao direito ao silêncio, mas sim em opção pelo seu não exercício, opção esta exercida voluntariamente pelo investigado/acusado, que, para tanto, deverá contar com a assistên­ cia técnica de seu defensor e ser previamente informado de que não é obrigado a “colaborar para a sua própria destruição” (nemo tenetur se detegere). Tanto é verdade que não há renúncia ao direito ao silêncio que o próprio art. 4o, §10, da Lei n. 12.850/13, prevê que, na hipótese de retratação da proposta de colaboração premia­ da pelas partes, as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. Como se percebe, ante a possibilidade de ser beneficiado por um dos prêmios legais previs­ tos na nova Lei de Organizações Criminosas, o colaborador opta pelo não exercício do direito ao silêncio, sujeitando-se às consequências de sua confissão. Assim, com a expectativa de re-

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CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

ceber determinado prêmio legal, o colaborador identifica os demais coautores e partícipes do fato delituoso, contribui para a localização da vítima com sua integridade física preservada, etc. Frustrada a proposta em virtude da retra­ tação por uma das partes, seria no mínimo injusto que todo esse acervo probatório fosse contra ele utilizado. Como não houve renúncia ao direito ao silêncio, mas simples não exercí­ cio dessa prerrogativa diante da expectativa de receber determinado prêmio legal, na hipótese de as partes se retratarem do acordo (v.g., o colaborador altera seu depoimento em juízo), as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclu­ sivamente em seu desfavor, embora possam ser úteis, na medida de sua veracidade, contra os demais agentes, que não podem ser bene­ ficiados pelo exercício do direito ao silêncio titularizado pelo colaborador. Apesar de o art. 4o, §14, da Lei n. 12.850/13, fazer remissão ao compromisso legal de dizer a verdade a que o agente estaria sujeito, daí não se pode concluir que o colaborador possa responder pelo crime de falso testemunho. Como o art. 342 do CP refere-se exclusivamente à testemunha, peri­ to, contador, tradutor ou intérprete, revela-se inadmissível a inclusão de corréu como sujeito ativo deste delito, sob pena de evidente viola­ ção ao princípio da legalidade. Na verdade, a única situação em que o colaborador pode ser ouvido como testemunha é na hipótese de não ter havido o oferecimento de denúncia contra ele, consoante disposto no art. 4o, §4°, da Lei n. 12.850/13. Nesta hipótese, quando o cola­ borador não denunciado prestar declarações sobre fatos que dizem respeito à responsabili­ dade criminal alheia, adquire a qualidade de verdadeira prova testemunhai incriminadora, limitada, à evidência, aos fatos por ele decla­ rados, daí por que deve responder segundo a verdade. 1.5. Previsão normativa: em países como Itália e Espanha, a colaboração premiada nas­ ceu da necessidade de se combater o terrorismo e o crime organizado. De modo distinto, no Brasil, o reconhecimento explícito da ineficácia dos métodos tradicionais de investigação, e, consequentemente, da necessidade da cola­

boração premiada para a obtenção de infor­ mações relevantes para a persecução penal, está diretamente relacionada ao incremento da criminalidade violenta, a partir da década de 90, direcionada a seguimentos sociais mais privilegiados e que, até então, estavam imunes a ataques mais agressivos (sequestros, roubos a estabelecimentos bancários), o crescimento do tráfico de drogas e o aumento da criminalidade de massa (roubos, furtos, etc.), sobretudo nos grandes centros urbanos, que levou nosso le­ gislador, impelido pelos meios de comunicação e pela opinião pública, a editar uma série de leis penais mais severas. Várias leis especiais passaram a dispor, então, sobre a colaboração premiada, variando apenas quanto a seu obje­ tivo, bem como no tocante aos benefícios con­ cedidos pela lei ao colaborador. Aliás, mesmo antes da década de 90, não se pode negar que a colaboração premiada já estava presente no próprio Código Penal. De fato, sob o manto da atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, “d”), da atenuante genérica do art. 65, III, “b”, do Código Penal, em que se premia o crimi­ noso que tenha buscado, espontânea e eficaz­ mente, logo após o crime, evitar ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano, do arrependimento eficaz (CP, art. 15), e do arrependimento posterior (CP, art. 16), a expiação pelo mal cometido já integrava a parte geral do Código Penal desde a reforma produzida pela Lei n. 7.209/84. 1.5.1. Lei dos Crimes Hediondos: a primei­ ra Lei que cuidou expressamente da colabora­ ção premiada foi a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), cujo art. 8o, parágrafo único, passou a prever que “o participante e o asso­

ciado que denunciar à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços”. Este dispositivo legal, que permanece vigente e válido, a despeito da entrada em vigor da Lei n. 12.850/13, aplica-se exclusivamente aos casos em que, praticados os delitos de que cuidam a referida lei, doravante por meio de associação criminosa, esta seja desmantelada em razão de denúncia feita por um de seus integrantes. Logo, demonstrando-se que não havia uma associação criminosa para o fim de praticar

TÍTULO VII *D A PROVA

crimes hediondos ou equiparados, ou seja, que um crime de tal natureza foi praticado em mero concurso eventual de agentes, não se admite o reconhecimento da delação premia­ da, mesmo que as informações prestadas pelo delator sejam eficientes para a identificação dos demais coautores e partícipes.

é indispensável que as informações prestadas pelo colaborador facilitem a libertação do sequestrado, logicamente com sua integridade física preservada. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) C om

o advento da Lei n° 9.269/96, tornou-se

despiciendo, para a incidência da redução prevista no

-f Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Hipótese em que se pleiteia, em favor d o

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art. 159, §4°, d o CP, que o delito tenha sido praticado pa­

ciente con de n ado pela prática de crime de latrocínio, a incidência da delação prem iada prevista no art. 8o, § único, da Lei n.° 8.072/90. Referido dispositivo legal se aplica exclusivamente aos casos em que, praticados os delitos de que cuidam a referida lei, por m eio de q u a­

por quadrilha ou bando, bastando, para tanto, que o crime tenha sido com etido em concurso, observados, porém, o s de m ais requisitos le gais ex igid os para a configuração da delação premiada. Writ concedido". (STJ, 5a Turma, HC 33.803/RJ, Rei. Min. Félix Fischer, j. 15/06/2004, DJ 09/08/2004 p. 280).

drilha ou b an do associados para tal fim, este ou aquela

STJ:"(...) EXTORSÃO M ED IA N T E SEQÜESTRO. D O SIM E-

sejam desm antelados em razão de denúncia feita por

TRIA. D EL A Ç Ã O PREM IAD A. IN F O R M A Ç Õ E S EFICAZES.

partícipe e associado. O paciente e os três corréus não

IN C ID Ê N C IA OBRIGATÓRIA. (...) A "delação prem iada"

se associaram de form a estável para o fim de praticar

prevista no art. 159, § 4°, d o C ó d ig o Penal é de inci­

delitos he diond os ou assem elhados, hipótese única

dência obrigatória q u a n d o o s autos dem onstram que

em que, com provando-se que a delação possibilitou

as inform ações prestadas pelo agente foram eficazes,

o efetivo desm antelam ento da organização criminosa,

possibilitando ou facilitando a libertação da vítima.

teria lugar a redução de pena ora pleiteada. Eventual

(...) O rdem concedida, n os term os d o voto d o Relator".

associação de agentes para a pratica de determ inado

(STJ, 5a Turma, HC 26.325/ES, Rei. Min. Gilson Dipp, j.

crime dessa natureza, ainda que sejam eficientes as

24/06/2003, DJ 25/08/2003 p. 337). Em sentido sem e­

inform ações prestadas pelo delator, não perm ite o

lhante: STJ, 5a Turma, H C 40.633/SP, Rei. Min. Arnaldo

reconhecim ento da delação prem iada. O rdem par­

Esteves Lima,j.01/09/2005, DJ 26/09/2005 p.417;STJ,

cialm ente conhecida, e nessa extensão, denegada".

6a Turma,

(STJ, 5a Turma, H C 62.618/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j.

Barbosa, j. 30/06/2005, DJ 22/08/2005.

REsp 223.364/PR, Rei. M in. Hélio Q u aglia

17/10/2006, DJ 13/11 /2006 p. 283).

1.5.2. Extorsão mediante sequestro: a Lei n. 8.072/90 também determinou a inclusão do §4° ao art. 159 do Código Penal, que passou a dispor: “Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o coautor que denunciá-lo à autori­ dade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. O dispositivo era alvo de críticas por atrelar a concessão da colaboração premiada apenas às hipóteses de crimes cometidos por quadrilha ou bando, cuja tipificação, até o advento da Lei n. 12.850/13, demandava a presença de pelo menos 4 (quatro) pessoas (CP, antiga redação do art. 288). Posteriormente, o dispositivo foi alterado pela Lei n. 9.269/96, passando a ter a seguinte redação: “se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do se­ questrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. Como deixa entrever o art. 159, §4°, do CP, para a incidência do benefício aí previsto,

1.5.3. R e vo gad a Lei das O rganizaçõ es Criminosas: também havia previsão legal de colaboração premiada na Lei que dispunha sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas (revogada Lei 9.034/95, art. 6.°, caput): “nos crimes prati­

cados em organização criminosa, a pena será reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços), quando a colaboração espontânea do agente levar ao es­ clarecimento de infrações penais e sua autoria”. 1.5.4. Crimes contra o sistema financeiro nacional, contra a ordem tributária, eco­ nômica e contra as relações de consumo: seguindo a ordem cronológica de edição das leis, veio em seguida a Lei n. 9.080/95, cujos arts. I o e 2o introduziram modificações na Lei que define os crimes contra o sistema finan­ ceiro nacional (Lei n. 7.492/86) e no diploma legal que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de

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consumo (Lei n. 8.137/90). A Lei 7.492/86, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, passou a dispor em seu art. 25, § 2o:

“nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá sua pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços)”. Por seu turno, a Lei que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (Lei 8.137/90, art. 16, parágrafo único) preceitua que, nos cri­ mes nela previstos, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços).

+ Jurisprudência selecionada: S T J : "(...) Para a configuração da delação prem iada (art. 25, § 2o, da Lei 7.492/86) ou da atenuante da confissão espontânea (art. 65, III,"d", d o CP), é preciso o preenchi­ m ento do s requisitos legais exigidos para cada espécie, não bastando, contudo, o mero reconhecimento, pelo réu, da prática d o ato a ele imputado, sendo imprescin­ dível, tam bém , a adm issão da ilicitude da conduta e do crime a que responde. (...) Recurso especial im provido”. (STJ, 5a Turma, REsp 934.004/RJ, Rei. Min. Jane Silva, j. 08/11/2007, DJ 26/11/2007, p. 239).

1.5.5. Lavagem deCapitais: com vigência a partir de 4 de março de 1998, também consta da Lei de Lavagem de Capitais a possibilidade de colaboração premiada na hipótese de as in­ formações fornecidas pelo agente conduzirem à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à loca­ lização dos bens, direitos ou valores objeto do crime (Lei n. 9.613/98, art. I o, §5°, com redação dada pela Lei n. 12.683/12). 1.5.6. Lei de proteção às testem unhas: por não ter seu âmbito de aplicação restrito a determinado(s) delito(s), a Lei n. 9.807/99 re­ presentou verdadeira democratização do insti­ tuto da colaboração premiada no ordenamento jurídico pátrio, possibilitando sua aplicação a qualquer delito, além de organizar um sistema oficial de proteção aos colaboradores. Com efeito, à exceção da Lei n. 9.034/95, que não se referia a tipos penais determinados, mas sim a

crimes praticados em organização criminosa, todos os demais diplomas legais que tratavam da colaboração premiada possibilitavam sua aplicação apenas a determinados crimes. Em seu art. 13, dispõe a Lei n. 9.807/99 que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, tendo em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e re­ percussão social do fato criminoso, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado pela prática de qualquer crime que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais coautores ou partí­ cipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Apesar de o dispositivo referir-se ao “acusado”, também se aplica ao indiciado, possibilitando a concessão do benefício até mesmo na fase das investigações prelimina­ res. Discute-se na doutrina se a aplicação do preceito do art. 13 da Lei n. 9.807/99 está subordinada à presença cumulativa de todos os requisitos nele elencados (identificação dos demais coautores, localização da vítima com sua integridade física preservada, e recupe­ ração total ou parcial do crime), hipótese em que a concessão do benefício ficaria restrita apenas ao delito de extorsão mediante seques­ tro cometido em concurso de agentes cujo preço do resgate tenha sido pago, porquanto seria o único crime em que os três objetivos poderíam ser atingidos simultaneamente, ou se as condições devem ser aferidas alternativa­ mente, de modo a se possibilitar a abrangência de todos os tipos penais. A nosso ver, não se pode sustentar que a aplicação do art. 13 da Lei n. 9.807/99 esteja condicionada à presença cumulativa de seus três incisos, sob pena de se transformar uma lei genérica, aplicável em tese a qualquer crime, em uma lei cuja incidência da colaboração premiada estaria restrita ao de­ lito de extorsão mediante sequestro cometido em concurso de agentes cujo preço do resgate tenha sido pago. Portanto, há de prevalecer uma cumulatividade temperada, condido-

TlTULO V II-D A PROVA

nada ao tipo penal, ou seja, é necessária a satisfação dos requisitos possíveis no mundo fático, quaisquer que sejam eles, de acordo com a natureza do delito praticado. Logo, de modo a se conferir a máxima efetividade ao dispo­ sitivo em questão, estendendo sua aplicação a todos os crimes para os quais possa o Estado auferir vantagens da colaboração do acusado, ao lado da efetiva proteção dos bens jurídicos tutelados, se o tipo penal permitir - é o que ocorre em um crime de extorsão mediante sequestro cometido em concurso de agentes em que o resgate tenha sido pago, mas a vítima não tenha sido libertada - a aplicação do art. 13 da Lei n. 9.807/99 estará condicionada à presença simultânea dos três incisos: identifi­ cação dos demais concorrentes; localização da vítima com a sua integridade física preservada; recuperação total ou parcial do produto do crime. Por outro lado, caso o delito praticado não permita a incidência simultânea dos três incisos - a exemplo de um crime de roubo de cargas cometido em concurso de agentes - a incidência do art. 13 da Lei n. 9.807/99 fica de­ pendendo apenas da identificação dos demais concorrentes e da recuperação total ou parcial do produto do crime. 1.5.7. C o n ve n çã o d as N a çõ e s U n id a s contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo): promulgada pelo Decreto n. 5.015/2004, a referida Convenção também cuida da colaboração premiada. De acordo com seu art. 26, cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para encorajar as pessoas que participem ou tenham parti­ cipado em grupos criminosos organizados: a) a fornecerem informações úteis às autori­ dades competentes para efeitos de investiga­ ção e produção de provas, notadamente: i) a identidade, natureza, composição, estrutura, localização ou atividades dos grupos crim i­ nosos organizados; ii) as conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos criminosos organizados; iii) as infrações que os grupos criminosos organizados praticaram ou poderão vir a praticar; b) a prestarem ajuda efetiva e concreta às autoridades competentes, susceptível de contribuir para privar os grupos

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criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do crime. I. 5.8. Lei de Drogas: em seu art. 41, caput, a Lei n. 11.343/06 prevê que “o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partíci­ pes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços”. Como deixa claro o dispositivo em questão, a incidência da colaboração premiada somente é possível quando, na prática de qualquer dos delitos previstos na Lei de Drogas, o agente perpetrar a conduta em concurso de pessoas. Perceba-se que o art. 41 da Lei n. 11.343/06 faz menção à recuperação do produto do crime. Como se sabe, produto do crime é o resultado da operação delinquencial. A droga pode ser considerada produto do crime tão somente em algumas condutas típicas previstas na Lei n. I I . 343/06, tais como preparar, produzir e fa­ bricar, já que, nestas hipóteses, o resultado útil imediato do crime é a própria droga. Todavia, nas demais hipóteses, a droga é apenas o objeto material do delito, ou seja, é a coisa sobre a qual recai a conduta delituosa. A título de exemplo, na modalidade de “vender”, a droga é apenas o objeto material da conduta delituosa, enquanto o produto do crime é o valor que o traficante recebe em contraprestação à venda. Destarte, parece-nos que a expressão utilizada pelo art. 41 da Lei n. 11.343/06 - produto do crime deve ser objeto de interpretação extensiva para abranger não apenas o produto direto ou indireto do crime, como também a droga propriamente dita. Não obstante a existência da partícula “e” no art. 41 da Lei n. 11.343/06, tem prevalecido o entendimento de que não é indispensável a identificação dos demais concorrentes e também a recuperação total ou parcial do produto do crime. Aos olhos da doutrina, dentro das possibilidades do colabo­ rador, basta que resulte um dos dois resultados: identificação dos demais concorrentes ou recu­ peração total ou parcial do produto do crime. Evidentemente, se o colaborador tiver conhe­ cimento de ambas as circunstâncias, indicando apenas uma delas, não poderá ser beneficiado

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pelo prêmio legal constante do art. 41 da Lei n. 11.343/06. Todavia, se o colaborador tiver conhecimento apenas da localização do pro­ duto do crime, sendo incapaz de identificar os demais integrantes da organização criminosa - de se lembrar que uma das características das organizações criminosas é a divisão hierárqui­ ca, de modo que um agente costuma conhecer apenas aqueles que atuam no mesmo ramo de atribuições - , não há por que se negar a conces­ são do benefício, cujo quantum de diminuição de pena deve ser sopesado de acordo com o grau de sua colaboração. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: “(...) A con du ta praticada pelo paciente não se su b su m e à prevista para a aplicação d o art. 41 da Lei 11.343/06, ao contrário d o que quer fazer crer o impetrante; isso porque, a previsão form ulada nesse a rtigo traz a figura da de lação prem iada, som en te se n d o possível a sua incidência quando, na prática de qualquer d o s delitos previstos na Lei 11.343/06, o agente perpetrar a conduta em concurso de pessoas, o que não ocorreu na hipótese d o s autos. (...)". (STJ, 5a Turma, H C 99.422/PR, Rei. Min. N apoleão N u nes M aia Filho, j. 12/08/2008, DJe 22/09/2008).

1.5.9. Sistema Brasileiro de Defesa da Con­ corrência: consoante disposto nos arts. 86 e 87 da Lei n. 12.529/11, o acordo de leniência, brandura ou doçura poderá ser celebrado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômi­ ca (CADE) com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: I - a identifi­ cação dos demais envolvidos na infração; e II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. No tocante às consequências penais e processuais penais decorrentes do acordo de leniência, especial atenção deve ser dispensada ao art. 87 da Lei n. 12.529/11, que passa a prever que, nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei n. 8.137/90 e

nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais com o os tipificados na Lei n. 8.666/93 e os tipificados no art. 288 do Código Penal, a celebração de acordo de leniência determina a suspensão do curso do

prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. Ademais, de acordo com o art. 87, parágrafo único, da Lei n. 12.529/11, cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes acima referidos. 1.5.10. Lei Anticorrupção: com vigência em 29 de janeiro de 2014, a Lei n. 12.846/13, que dispõe sobre a responsabilização administra­ tiva e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, também prevê, em seu art. 16, a possibilidade de celebração de acordo de leniência, porém com reflexos exclusivamente administrativos. Na mesma linha, o art. 17 da referida Lei também prevê a possibilidade de a Administração pública celebrar acordo de le­ niência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei de Licitações e Contratos (Lei n. 8.666/93), com vistas à isen­

ção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88. 1.6. Nova Lei das Organizações Crim ino­ sas: apesar de a colaboração premiada estar prevista no ordenamento pátrio desde a dé­ cada de 90, quando entrou em vigor a Lei n. 8.072/90, não havia, até bem pouco tempo, um regramento específico e um roteiro mais detalhado que proporcionasse a eficácia dessa importante técnica especial de investigação. Isso, aliás, não era uma exclusividade da co­ laboração premiada. Esta pobreza legislativa também contaminava a ação controlada e a infiltração de policiais. Daí a importância da nova Lei das Organizações Criminosas: sem descuidar da proteção dos direitos e garantias fundamentais do colaborador - a título de exemplo, seu art. 4o, §15, demanda a presença de defensor em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, cons­ tando do art. 5o inúmeros direitos do colabo­ rador - , a Lei n. 12.850/13 passa a conferir mais eficácia à medida sob comento, seja por regulamentar expressamente a celebração do acordo de colaboração premiada, dispondo sobre a legitimidade para a proposta, conteúdo do acordo e necessária homologação judicial,

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seja por prever expressamente que nenhuma sentença condenatória poderá ser proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador. Consoante disposto no art. 4o da Lei n. 12.850/13, o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, redu­ zir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colabo­ ração advenha um ou mais dos resultados ali listados. A inserção da conjunção alternativa “ou” no caput do art. 4o da Lei n. 12.850/13 deixa transparecer que não há necessidade da consecução de todos os resultados. Na verdade, ainda que a colaboração do agente resulte na obtenção de apenas um dos resultados, como, por exemplo, a localização da vítima com a sua integridade física preservada (art. 4o, V), o agente fará jus aos prêmios legais, levando-se em consideração, para tanto, a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato cri­ minoso e a eficácia da colaboração. Vejamos então, separadamente, quais são os possíveis resultados que devem resultar diretamente das informações prestadas pelo colaborador para que o agente faça jus a um dos prêmios legais previstos na Lei n. 12.850/13.

1.6.2. Revelação da estrutura hierárqui­ ca e da divisão de tarefas da organização criminosa: um dos elementos necessários à caracterização da organização criminosa é a existência de uma associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas. Daí a pre­ ocupação do legislador em obter informações capazes de revelar a hierarquia da organização, apontando-se, ademais, as tarefas atribuídas a cada um de seus integrantes. A consecução desse resultado deve ser analisada com certo temperamento, já que nem sempre o colabora­ dor terá conhecimento de todos os integrantes do grupo. Afinal, é extremamente comum que o ocupante de uma posição inferior na hierarquia da organização criminosa sequer tenha acesso aos integrantes mais graduados. Por isso, o que realmente interessa para fins de concessão dos prêmios legais é a revelação, por parte do colaborador, de todas as informações de que tinha conhecimento, de modo a otimi­ zar a descoberta da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas do grupo.

1.6.1. Identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas: como o art. 4o, I, da Lei n. 12.850/13, faz uso das expressões “demais coautores e partícipes”, fica evidente que, para fins de concessão dos prêmios legais, as informações devem se referir ao crime investigado (ou processado) para o qual o colaborador também tenha concorrido em concurso de agentes. A título de ilustração, se o agente estiver sendo investigado pelo fato de ser integrante de organização criminosa especializada na prática de crimes de roubo de cargas, suas informações devem ser eficazes para a identificação dos demais coautores e partícipes envolvidos nesta prática delituosa. Logo, se este agente resolver colaborar com o Estado, fornecendo informações pertinentes a crimes diversos que não são objeto do proce­

1.6.3. Prevenção de infrações penais de­ correntes das atividades da organização criminosa: sem embargo do silêncio do art. 4o, III, da Lei n. 12.850/13, que se limita a fazer referência às infrações penais decorren­ tes das atividades da organização criminosa, sem estabelecer o quantum de pena a elas cominada, é evidente que tais infrações de­ vem ter penas máximas superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional, já que tais requisitos fazem parte do conceito le­ gal de organizações criminosas constante do art. I o, §1°, do referido diploma legal. Nem sempre será fácil aferir a eficácia objetiva das informações prestadas pelo colaborador para fins de prevenir infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa. No entanto, se restar demonstrado que a prisão em flagrante de determinados integrantes do

dimento investigatório contra ele instaurado (v.g., associação criminosa responsável pela prática de tráfico de drogas da qual o agente sequer era integrante), não fará jus aos bene­ fícios previstos na Lei n. 12.850/13.

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grupo, por ocasião da prática de determinada infração penal, só foi possível por força das informações prestadas pelo colaborador, não se pode negar a concessão dos prêmios legais. 1.6.4. Recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações pe­ nais praticadas pela organização crimino­ sa: produto da infração penal (ou producta sceleris) é o resultado imediato da operação delinquencial, enfim, os bens que chegam às mãos do criminoso como resultado direto do crime: objeto roubado (art. 157, caput, do CP), dinheiro obtido com a prática da corrupção passiva (art. 317, caput, do CP), ou o dinheiro obtido com a venda da droga (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006). Proveito da infração, produto indireto ou fructus sceleris, configura o resul­ tado mediato do crime, ou seja, trata-se do proveito obtido pelo criminoso como resultado da transformação, substituição ou utilização econômica do produto direto do delito (e.g., dinheiro obtido com a venda do objeto rou­ bado, veículos ou imóveis adquiridos com o dinheiro obtido com a venda de drogas etc.). 1.6.5. Localização de eventual vítima com sua integridade física preservada: como será visto mais adiante, para fins de concessão dos prêmios legais inerentes à colaboração premia­ da, é indispensável que as informações presta­ das pelo agente sejam objetivamente eficazes para a consecução dos resultados previstos em lei. Portanto, não basta que o agente revele às autoridades o exato local do cativeiro da víti­ ma. Para além disso, a vítima também deve ser localizada com sua integridade física preserva­ da. Destarte, se a cooperação do agente levar à localização do cadáver da vítima, revela-se inviável a concessão de qualquer benefício ao colaborador, por mais que imaginasse que a vítima ainda estaria viva. De mais a mais, se a vítima conseguir escapar do cativeiro ou se dele for resgatada por conta da ação de terceiros, sem qualquer vínculo causai com as informa­ ções prestadas pelo colaborador, também não será viável a concessão dos prêmios legais. 1.7. Voluntariedade e m otivação da co­ laboração: ato espontâneo é aquele cuja in­

tenção de praticá-lo nasce exclusivamente da vontade do agente, sem qualquer interferência alheia - deve preponderar a vontade de cola­ borar com as autoridades estatais. Apesar de alguns dispositivos legais fazerem referência à necessidade de a cooperação ser espontânea (v.g., art. I o, §5°, da Lei n. 9.613/98), prevalece o entendimento de que a espontaneidade não é condição sine qua non para a aplicação dos prêmios legais inerentes à colaboração premia­ da. Na verdade, o que realmente interessa para fins de colaboração premiada é que o ato seja voluntário. Ainda que não tenha sido do agente a iniciativa, ato voluntário é aquele que nasce da sua livre vontade, desprovido de qualquer tipo de constrangimento. Portanto, para que o agente faça jus aos prêmios legais referentes à colaboração premiada, nada impede que o agente tenha sido aconselhado e incentivado por terceiro, desde que não haja coação. Ato espontâneo, portanto, para fins de colaboração premiada, deve ser compreendido como o ato voluntário, não forçado, ainda que provocado por terceiros (v.g., Delegado de Polícia, Minis­ tério Público ou Defensor). Andou bem, nesse sentido, o legislador da Lei n. 12.850/13. Ao dispor sobre a colaboração premiada, o art. 4o, caput, faz menção expressa à colaboração efetiva e voluntária com a investigação e com o processo criminal. Na mesma linha, o art. 4o, §7°, do referido diploma legal, também prevê que, antes de proceder à homologação do acordo de colaboração premiada, incumbe ao juiz verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo, para tanto, sigilosamente ouvir o colaborador, na presença de seu defensor. Para o Supremo (Pleno, HC 127.483/ PR, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 27/08/2015), o acordo de colaboração premiada somente será válido se: a) a declaração de vontade do cola­ borador for resultante de um processo volitivo, querida com plena consciência da realidade, escolhida com liberdade e deliberada sem má-fé - esta liberdade seria psíquica, e não de locomoção, logo, não haveria óbice a que o colaborador estivesse custodiado por ocasião da celebração do acordo, desde que respeitada a voluntariedade da sua colaboração; e b) o seu objeto for lícito, possível, determinado ou de-

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terminável. Noutro giro, é de todo irrelevante qualquer análise quanto à motivação do agente, pouco importando se a colaboração decor­ reu de legítimo arrependimento, de medo ou mesmo de evidente interesse na obtenção da vantagem prometida pela Lei. Deveras, o D i­ reito não se importa com os motivos internos do sujeito que resolve colaborar com a justiça, se de ordem moral, social, religiosa, política ou mesmo jurídica, mas sim com o fato de que a entrega dos coautores de um fato criminoso possibilita a busca de um valor, e a manutenção da organização criminosa, de um desvalor. 1.8. Eficácia objetiva da colaboração pre­ miada: em todas as hipóteses acima citadas de colaboração premiada, para que o agente faça jus aos benefícios penais e processuais penais estipulados em cada um dos dispositivos legais, é indispensável aferir a relevância e a eficácia objetiva das declarações prestadas pelo cola­ borador. Não basta a mera confissão acerca da prática delituosa. Em um crime de associação criminosa, por exemplo, a confissão do acusa­ do deve vir acompanhada do fornecimento de informações que sejam objetivamente eficazes, capazes de contribuir para a identificação dos comparsas ou da trama delituosa. Por força da colaboração, deve ter sido possível a obtenção de algum resultado prático positivo, resulta­ do este que não teria sido alcançado sem as declarações do colaborador. Aferível em m o­ mento posterior ao da colaboração em si, esta consequência concreta oriunda diretamente das informações prestadas pelo colaborador depende do preceito legal em que o instituto estiver inserido, podendo variar desde a iden­ tificação dos demais coautores e participes do fato delituoso e das infrações penais por eles praticadas, a revelação da estrutura hierár­ quica e da divisão de tarefas da organização criminosa, a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa, a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa, até a localização de eventual vítima com sua inte­ gridade física preservada. Isso, no entanto, não significa dizer que o Ministério Público deva ter êxito nos processos que intentar contra

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os coautores expostos ou delatados. O que realmente importa é que o colaborador tenha prestado seu depoimento de forma veraz e sem reservas mentais sobre todos os fatos ilícitos de que tinha conhecimento, colaborando de maneira plena e efetiva. Por isso, embora a lei não o diga, é evidente que, na hipótese de colaboração realizada na fase extrajudicial, ela deve ser mantida pelo colaborador em juízo. Se houver retratação, não é possível a concessão do prêmio legal, até mesmo porque o que po­ derá ser valorado pelo juiz é o interrogatório judicial e o chamamento dos demais acusados em juízo, em que há possibilidade de exercício do contraditório pelos delatados, e não aquele realizado em procedimento investigatório de natureza inquisitorial. Comprovada a eficácia objetiva das informações prestadas pelo agen­ te, a aplicação do prêmio legal inerente à res­ pectiva colaboração premiada é medida que se impõe. A título de exemplo, apesar de o art. I o, §5°, da Lei n. 9.613/98 fazer uso da expressão “a pena poderá ser reduzida (...)” - o art. 4o, caput, da Lei n. 12.850/13 também prevê que “o juiz poderá (...)” - , do que se poderia concluir que o juiz tem a faculdade de aplicar (ou não) os benefícios legais aí previstos, prevalece o entendimento de que, uma vez atingidos um dos efeitos desejados, a aplicação de um dos prêmios legais da colaboração premiada é obrigatória. Na verdade, a discricionariedade que o magistrado possui diz respeito apenas à opção por um dos benefícios legais, a ser esco­ lhido de acordo com o grau de participação do colaborador no crime, a gravidade do delito, a magnitude da lesão causada, a relevância das informações por ele prestadas e as consequ­ ências decorrentes do crime. Daí dispor o art. 4o, §1°, da Lei n. 12.850/13, que, para fins de concessão dos benefícios legais, deverá o juiz levar em consideração, em qualquer hipótese, a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da cola­ boração. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Para a configuração da delação premiada, não basta a admissão, por parte d o réu, da prática d o crime

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a ele im putado, se nd o necessário o fornecim ento de inform ações eficazes, capazes de contribuir para a identificação d o s co m p arsa s e da tram a delituosa. (...) O rdem d e n e gad a”. (STJ, 6a Turma, H C 92.922/SP,

N o sentido de que o juiz é o b rig ad o a fundam entar de

Rei. Min. Jane Silva, j. 25/02/2008, DJe 10/03/2008). N e g a n d o a concessão d o perdão judicial previsto no

concedidos o s benefícios da colaboração premiada,

art. 13 da Lei n. 9.807/99 em caso concreto em que as inform ações fornecidas pelo colaborador não resulta­ ram na identificação do s dem ais coautores e partícipes

eficaz: STF, I a Turma, H C 99.736/DF, Rei. Min. Ayres

de tráfico de drogas: STF, 1aTurma, Al 820.480 AgR/RJ,

1.9. Prêm ios legais: são pessoais, sendo inaplicáveis àqueles que não colaboraram voluntariamente com as investigações. Com efeito, por constituir circunstância subjetiva de caráter pessoal, os prêmios legais decorrentes da aplicação da colaboração premiada não se comunicam aos demais coautores e partícipes, nos exatos termos do art. 30 do Código Penal. Para fins de concessão de qualquer um dos prê­ mios legais, não basta que as informações pres­ tadas pelo colaborador levem à consecução de um dos resultados previstos em lei. Para além disso, o magistrado também deverá levar em consideração a personalidade do colaborador,

Rei. Min. Luiz Fux, j. 03/04/2012, DJe 78 20/04/2012.

STJ:"(...) A

redução de pena prevista para os casos de

delação de corréu (artigo 8°, parágrafo único, da Lei n° 8.072/90), requisita a existência e o desm antelam ento de quadrilha ou bando. (...)". (STJ, 6aTurma, HC 41.758/ SP, Rei. M in. Ham ilton Carvalhido, j. 07/11/2006, DJ 05/02/2007 p. 386).

STJ:"(...) N ão obstante tenha havido inicial colaboração perante a autoridade policial, as informações prestadas pelo Paciente perdem relevância, na m edida em que não contribuíram, de fato, para a responsabilização dos agentes crim inosos. O m agistrado singular não pôde sequer delas se utilizar para fundam entar a condena­ ção, um a vez que o Paciente se retratou em juízo. Sua pretensa colaboração, afinal, não logrou alcançar a utilidade que se pretende com o instituto da delação premiada, a ponto de justificar a incidência da causa de dim inuição de pena. (...)". (STJ, 5aTurma, HC 120.454/ RJ, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 23/02/2010, DJe 22/03/2010). Na m esm a linha: "Correta a não aplicação d o art. 14 da Lei 9.807/99 (delação prem iada), um a vez que, se gu n d o o acórdão im pugnado, o primeiro paciente contradisse em juízo toda sua confissão policial, não indicando o corréu (...) c o m o coautor d o roubo, bem com o suas inform ações não foram im prescindíveis à localização d o corréu. (...)". (STJ, 5aTurma, HC 186.566/ SP, Rei. Min. N apoleão N unes M aia Filho, j. 15/02/2011, DJe 21/03/2011).

STJ: "(...)

Preenchidos os requisitos da delação pre­

m iada, previstos no art. 14 da Lei n.° 9.807/99, sua incidência é obrigatória. (...)". ( STJ, 5aTurma, HC 84.609/ SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 04/02/2010, DJe 01 /03/2010. N outro ju lgad o, a 5a Turm a d o STJ concluiu que a "delação prem iada" prevista no art. 159, § 4°, d o C ó ­ d ig o Penal é de incidência obrigatória q u a n d o os autos dem onstram que as informações prestadas pelo agente foram eficazes, possibilitando ou facilitando a libertação da vítima: STJ, 5a Turma, HC 35.198/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 28/09/2004, p. 215. Em m ais um precedente, depois de afirmar que ao delator deve ser assegurada a incidência d o benefício q u an d o da sua efetiva colaboração resulta a apuração da verdade real, concluiu o STJ que ofende o princípio da motivação, con sagrad o no art. 93, IX, da CF, a fixação da minorante da delação prem iada em patam ar m ínim o sem a devi­ da fundam entação, ainda que reconhecida pelo juízo m onocrático a relevante colaboração d o paciente na instrução probatória e na determ inação do s autores do 624

fato delituoso: STJ, 5a Turma, H C 97.509/MG, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15/06/2010, DJe 02/08/2010. maneira detalhada os m otivos pelos quais não foram notadam ente qu an d o esta se m ostrar objetivamente Britto, j. 27/04/2010, DJe 91 20/05/2010.

a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração (Lei n. 12.850/13, art. 4o, §1°). Em sentido semelhante, o art. 13, parágrafo único, da Lei n. 9.807/99, também prevê que a concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza,

circunstâncias, gravidade e repercussão social do fa to criminoso. Destarte, de modo a se evitar que esta importante técnica especial de investigação seja transformada em indevido instrumento de impunidade, a aplicação dos prêmios legais depende não apenas do preen­ chimento de requisitos objetivos - consecução de um dos resultados listados pelos diversos dispositivos legais que tratam da colaboração premiada - , como também de requisitos sub­ jetivos. Assim, mesmo que a colaboração tenha sido objetivamente eficaz para a obtenção de um dos resultados listados nos incisos do art. 4o da Lei n. 12.850/13, poderá o juiz recusar a homologação desse acordo se a análise do conjunto dessas circunstâncias judiciais for desfavorável ao colaborador. Na verdade, os prêmios legais inerentes à colaboração pre­ miada devem ser concedidos apenas àqueles acusados de pequena ou média importância, preservando-se intacta a persecução penal dos

TÍTULO VII- DA PROVA

líderes das organizações criminosas. Como observa Sérgio Moro (Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 111 -112), “o método deve ser empregado para permitir a escalada da investigação e da persecução na hierarquia da atividade criminosa. Faz-se um acordo com um criminoso pequeno para obter prova contra o grande criminoso ou com um grande criminoso para lograr prova contra vários outros grandes criminosos”. Na visão do STF, o acordo de colaboração pode dispor sobre efeitos extrapenais de natureza patrimonial da condenação, como, por exem­ plo, a liberação de imóveis do interesse do co­ laborador, supostamente produtos de crimes. Como a colaboração exitosa teria o condão de afastar consequências penais da prática delituosa, também poderia mitigar efeitos de natureza extrapenal, a exemplo do confisco do produto do crime. Com esse entendimento: STF, Pleno, HC 127.483/PR, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 27/08/2015.

+ Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) Descabe estender ao corréu delatado o bene­ fício d o afastam ento da pena, auferido em virtude da delação viabilizadora de sua responsabilidade penal. (...)". (STF, 1a Turma, HC 85.176/PE, Rei. Min. Eros Grau, j. 01/03/2005, DJ 08/04/2005). N os m esm o s moldes: STJ, 5a Turma, R E sp 4 1 8.341/AC, Rei. Min. Felix Fischer, j. 08/04/2003, DJ 26/05/2003 p. 374.

S T J: "(...) N ão preenchim ento do s requisitos d o perdão judicial previsto no artigo 13 da Lei n.° 9.807/99. Pa­ ciente investigador de Polícia, envolvido com extorsão m ediante seqüestro. Circunstância que denota m aior reprovabilidade da conduta, afastando a concessão d o benefício. A delação d o paciente contribuiu para a identificação do s dem ais corréus, ao contrário da entendim ento esposado peloTribunal de origem, pois, inclusive, exerceu papel essencial para o aditam ento da denúncia. Ordem concedida, aplicando-se a causa de dim inuição de pena prevista no artigo 14 da Lei n.° 9.807/99, reduzindo a reprim enda im posta em 2/3, tornando-a, em definitivo, em quatro an os de reclusão, em regim e inicial fechado". (STJ, 6a Turma, HC 49.842/ SP, Rei. Min. Hélio Q u aglia Barbosa, j. 30/05/2006, DJ 26/06/2006).

1.9.1. Benefícios legais previstos na Lei de Lavagem de Capitais: os primeiros dis­ positivos legais que cuidaram da colaboração premiada no ordenamento jurídico pátrio - Lei

Art.197

n. 8.072/90, art. 8o, parágrafo único; CP, art. 159, §4°; revogada Lei n. 9.034/95, art. 6o; Lei n. 7.492/86, art. 25, §2°; Lei n. 8.137/90, art. 16, parágrafo único - ofereciam um único prêmio legal, qual seja, uma diminuição da pena, de 1 (um) a 2/3 (dois terços). Fácil perceber, portan­ to, o motivo pelo qual o coautor ou partícipe do fato delituoso não se sentia encorajado a co­ laborar com as autoridades estatais. Se o único prêmio decorrente da colaboração premiada era a diminuição da pena de 1 (um) a 2/3 (dois terços), o colaborador já sabia, de antemão, que provavelmente continuaria cumprindo pena, quiçá no mesmo estabelecimento prisional que seus antigos comparsas. Isso acabava por desestimular qualquer tipo de colaboração premiada, , até mesmo porque é fato notório que o “Código de Ética” dos criminosos geral­ mente pune a traição com verdadeira “pena de morte”. Foi exatamente essa a grande inovação trazida pela Lei de Lavagem de Capitais, quan­ do entrou em vigor em 4 de março de 1998. Em sua redação original, o art. 1°, §5°, da Lei 9.613/98, dispunha que a pena devia ser redu­ zida de 1 (um) a 2/3 (dois terços) e começar a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborasse espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzissem à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. Com o advento da Lei n. 12.683/12, o art. I o, §5°, da Lei n. 9.613/98, sofreu sensível modificação, in verbis: “A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partí­ cipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime”. Da leitura da nova redação do art. I o, §5°, da Lei n. 9.613/98, depreende-se que 3 (três) benefícios distin­ tos podem ser concedidos ao colaborador na

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

lei de lavagem de capitais: a) diminuição de

acordo de colaboração firm ado pelo Ministério Público

pena de um a dois terços e fixação do regime aberto ou semiaberto: na redação antiga do

vida para julgar ausente violação à decisão do plenário que indeferiu o desm em bram ento d o feito e, afastando

dispositivo, a Lei n. 9.613/98 fazia menção ao início do cumprimento da pena apenas no regime aberto. Com as mudanças produzidas pela Lei n. 12.683/12, o início do cumprimento da pena, após a redução de um a dois terços, poderá se dar tanto no regime aberto quanto no semiaberto; b) substituição da pena pri­

vativa de liberdade por restritiva de direitos: a depender do grau de colaboração, poderá o juiz deferir a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pouco im ­ portando a não observância dos pressupostos do art. 44 do Código Penal, que dispõe sobre as hipóteses em que é cabível a substituição da pena; c) perdão judicial como causa extintiva da punibilidade: nesse caso, o acordo de imu­ nidade pode ser viabilizado pelo arquivamento da investigação em relação ao colaborador, com fundamento no art. 12 9 ,1, da CF, c/c art. 28 do CPP, ou pelo oferecimento da denúncia com pedido de absolvição sumária pela aplica­ ção do perdão judicial, nos termos do art. 397, IV, do CPP, c/c art. 107, IX, do CP. A opção por um desses benefícios fica a critério do juiz, que deve sopesar o grau de participação do colaborador no crime, a gravidade do delito, a magnitude da lesão causada, a relevância das informações por ele prestadas e as consequ­ ências decorrentes do crime de lavagem. Para ser beneficiado, deve o colaborador prestar esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos au­ tores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. Diversamente do quanto disposto na redação original do art. I o, §5°, da Lei n. 9.613/98, que fazia menção à apuração das infrações penais e de sua autoria, a nova redação conferida a este dispositivo pela Lei n. 12.683/12 faz uso da conjunção alternativa “ou”, do que se de­ preende que os três objetivos são alternativos, e não cumulativos. -f Jurisprudência selecionada: STF: “(...) N ecessidade da denúncia para possibilitar o cum prim ento d o s term os da Lei n° 9.807/99 e do

Federal com os acusados. (...) Questão de ordem resol­

sua condição de testem unhas, m anter a possibilidade de oitiva do s co-réus colaboradores nestes autos, na condição de inform antes”. (STF, Pleno, A P 470 Q 0 3 / M G , Rei. M in. Joaqu im Barbosa, j. 23/10/2008, DJe 079 29/04/2009).

1.9.2. Benefícios legais previstos na nova Lei das Organizações Criminosas: na esteira da Lei n. 12.683/12, responsável pelas mudan­ ças da redação da Lei de Lavagem de Capitais, a nova Lei de Organizações Criminosas também ampliou o leque de opções de prêmios legais passíveis de concessão ao colaborador, que poderão ser concedidos mesmo no caso de inexistir a formalização de qualquer acordo de colaboração premiada. Com a amplitude desses benefícios legais, que serão listados na sequência, certamente haverá questionamen­ tos quanto ao âmbito de incidência da Lei n. 12.850/13, ou seja, se tais benefícios podem ser aplicados a todo e qualquer ilícito decorrente de organização criminosa, ou se a concessão de tais prêmios estaria restrita ao crime de organização criminosa (Lei n. 12.850/13, art. 2o, caput), isoladamente considerado. A nosso ver, mesmo para os crimes anteriormente estu­ dados que contam com regramento específico acerca do assunto (v.g., extorsão mediante se­ questro, tráfico de drogas), não há fundamento razoável para se lhes negar a concessão dos benefícios previstos pela Lei n. 12.850/13, sob pena de esvaziamento da eficácia da colabo­ ração premiada. Ora, se o agente souber que eventual prêmio legal ficará restrito ao crime de organização criminosa, dificilmente terá interesse em celebrar o acordo de colaboração premiada. Essa mesma discussão já havia se instalado com o advento da Lei n. 9.807/99. Por não ter seu âmbito de aplicação restrito a determinado(s) delito(s), muito se discutiu quanto à incidência dos benefícios constan­ tes dos arts. 13 e 14. Acabou prevalecendo a orientação de que referida Lei seria aplicável inclusive para crimes que contassem com um regramento específico sobre colaboração pre­ miada (v.g., tráfico de drogas). Diversamente da colaboração premiada prevista no art. 13,

t ít u l o

caput, da Lei n. 9.807/99, onde o legislador faz referência expressa à necessidade de o colaborador ser prim ário, o art. 4o, §1°, da Lei n. 12.850/13, nada diz acerca do assunto. Por consequência, partindo da premissa de que não é dado ao intérprete restringir onde a lei não estabeleceu qualquer restrição, pelo menos para fins de colaboração premiada na nova Lei de Organizações Criminosas, não há necessidade de que o acusado seja primário, nem tampouco que tenha bons antecedentes. Quanto à gravidade do fato criminoso citada no art. 4 o, §1°, da Lei n. 12.850/13, parece-nos que a gravidade em abstrato da infração penal não pode ser utilizada como óbice à concessão dos prêmios legais inerentes à colaboração premiada. Ora, a gravidade da infração pela sua natureza, de p er si, é uma circunstância inerente ao delito, funcionando, aliás, como verdadeira elem entar do próprio conceito de organização criminosa. A propósito, há diversas súmulas dos Tribunais Superiores no sentido de que a gravidade em abstrato de determinada infração penal não pode ser utilizada como circunstância judicial em de­ trimento do acusado (ex.: súmulas 718 e 719 do STF e 440 do STJ). Todavia, demonstrada a gravidade em concreto do delito, seja pelo modo de agir, seja pela condição subjetiva do agente, afigura-se possível o indeferimento dos benefícios legais decorrentes da celebração do acordo de colaboração premiada.



Jurisprudência selecionada:

S T J : "(...) A Lei 9.807/99 (Lei de Proteção a Vítim as e Testem unhas), que trata da delação prem iada, não traz qualquer restrição relativa à sua aplicação apenas a determ inados delitos. Recurso especial a que se dá parcial provimento, para determinar o retorno do s au­

v ii •d a

pro va

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1.9.2.1. Diminuição da pena: ao contrário de outros dispositivos legais referentes à cola­ boração premiada, que preveem a diminuição da pena de 1 (um) a 2/3 (dois terços), o art. 4o, caput, da Lei n. 9.613/98, faz referência apenas ao máximo de diminuição de pena - 2/3 (dois terços) - sem estabelecer, todavia, o quantum mínimo de decréscimo da pena. Ante o silên­ cio do dispositivo legal e, de modo a se evitar uma redução irrisória (v.g., um dia ou um mês), que poderia desestimular a vontade do agente em colaborar com o Estado, parece-nos que deve ser utilizado como parâmetro o me­ nor quantum de diminuição de pena previsto no Código Penal e na Legislação Especial, que é de 1/6 (um sexto). A nova Lei de Organizações Criminosas também prevê a possibilidade de redução da pena na hipótese de a colaboração ocorrer após a sentença. Nesse caso, a pena poderá ser reduzida até a metade (art. 4o, §5°). Esta possibilidade de diminuição da pena por ocasião da sentença condenatória guarda certa semelhança com o instituto norte-americano do sentence bargaining, uma das espécies de plea bargaining. Por meio do plea bargaining acusação e defesa negociam uma confissão de culpa em troca da acusação por um crime menos grave. Esta barganha pode ser feita de duas formas distintas: a) charge bargaining: o investigado declara-se culpado e a acusa­ ção muda a imputação, substituindo o delito original por outro de menor gravidade; b) sentence bargaining: depois do reconhecimento da culpabilidade, o acusado postula a aplicação de sanção mais branda, tal qual ocorre nesta hipótese de diminuição de pena prevista no caput do art. 4o da Lei n. 12.850/13. Nesse sentido: PINTO, Ronaldo Batista; CUNHA, Rogério Sanches. Crime organizado: comen­

tos à origem, para que seja analisado o preenchimento

tários à nova Lei sobre o Crime Organizado.

d o s requisitos legais para aplicação d o s benefícios da

Editora Juspodivm: Salvador, 2013, p. 62.

delação premiada". (STJ, 6aTurma, REsp 1.109.485/DF, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 12/04/2012, DJe 25/04/2012). Na m esm a linha: "O sistem a geral de delação prem iada está previsto na Lei 9.807/99. Apesar da previsão em outras leis, os requisitos gerais estabelecidos na Lei de Proteção aTestem unha devem ser preenchidos para a concessão d o benefício". (STJ, 5a Turma, HC 97.509/MG, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15/06/2010, DJe 02/08/2010).

1.9.2.2. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos: como o art. 4o, caput, da Lei n. 12.850/13, refere-se à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, sem fazer qualquer remis­ são ao disposto no art. 44 do Código Penal, o ideal é concluir que esta substituição deverá

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ser feita independentemente da observância de tais requisitos. 1.9.2.3. Perdão judicial e consequente ex­ tinção da punibiiidade: nos exatos termos do art. 4o, §2°, da Lei n. 12.850/13, considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministé­ rio Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela conces­ são de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do CPP. 1.9.2.4. Sobrestamento do prazo para ofe­ recimento da denúncia ou suspensão do processo, com a consequente suspensão da prescrição: a depender da espécie de infrações penais praticadas pela organização criminosa, nem sempre será possível que as informações fornecidas pelo colaborador levem, de imedia­ to, à consecução de um dos resultados listados nos incisos do art. 4o da Lei n. 12.850/13. Su­ pondo a prática de um crime de lavagem de capitais, por mais que o colaborador forneça informações quanto à localização do produto ou do proveito das infrações penais, a recu­ peração total ou parcial desses bens, condição sine qua non para a aplicação do art. 4o, IV, da Lei n. 12.850/13, demandará um pouco mais de tempo. Daí a importância do art. 4o, §3°, da Lei n. 12.850/13, que permite que o prazo para oferecimento da denúncia ou o próprio processo, relativos ao colaborador, seja suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional. Esta para­ lisação da persecução penal está restrita ao colaborador, não devendo abranger os demais investigados (ou acusados) para que não haja um prolongamento indevido das investigações (ou do processo). Com o sobrestamento da persecução penal, também haverá suspensão da prescrição. Logo, há necessidade de deter­ minação judicial nesse sentido, até mesmo para que se saiba o termo a quo a partir de quando a prescrição foi suspensa. Com o fim do prazo

de suspensão, a denúncia deverá ser oferecida pelo órgão ministerial, salvo se verificada a hipótese prevista no art. 4o, §4°, a ser analisada no próximo item. 1.9.2.5. Não oferecim ento de denúncia: pelo menos em regra, a concessão dos diversos prêmios legais está condicionada à sentença final condenatória, sem a qual não se poderia pensar em diminuição de pena, substituição por restritiva de direitos ou perdão judicial. Por isso, o órgão ministerial deve oferecer denúncia em face do colaborador e dos demais investigados eventualmente por ele delatados. No entanto, nos mesmos moldes que o acordo de leniência, espécie de colaboração premiada prevista no art. 87 da Lei n. 12.529/11 para os crimes contra a ordem econômico-financeira, o art. 4o, §4°, da Lei n. 12.850/13, passou a prever que, nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de ofere­ cer denúncia se preenchidos dois requisitos concomitantemente: I - o colaborador não for o líder da organização criminosa; II - o colaborador for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo. Como se percebe, o legislador aí inseriu mais uma exceção ao princípio da obrigatoriedade, por­ quanto o órgão ministerial poderá deixar de oferecer denúncia se a colaboração levar à consecução de um dos resultados constantes dos incisos do art. 4o. Apesar de o legislador ter previsto a possibilidade de não oferecimento da denúncia, nada disse quanto ao fundamento de direito material a ser utilizado para fins de arquivamento do procedimento investigatório. Diante do silêncio da nova Lei de Organizações Criminosas, parece-nos possível a aplicação subsidiária do art. 87, parágrafo único, da Lei n. 12.529/11, que prevê que o cumprimento do acordo de colaboração premiada acarreta a extinção da punibiiidade do colaborador. Como se trata, a concessão do perdão judicial, de decisão declaratória extintiva da punibilidade, tal decisão estará protegida pela coisa julgada, o que importa no reconhecimento da imutabilidade do comando que dela emerge. Por consequência, este dispositivo deve ser utilizado de maneira excepcional, vale dizer, o juiz não deve conceder o perdão judicial

-------------título vii. da prova

de pronto, vez que nem sempre será possível atestar o grau de liderança da organização criminosa exercido pelo colaborador sem o prévio encerramento da instrução criminal em juízo. Daí a importância de o não ofere­ cimento da denúncia previsto no art. 4o, §4°, ser precedido do sobrestamento da persecução penal inserido no art. 4o, §3°, a fim de verificar a eficácia objetiva das informações prestadas pelo colaborador. Outrossim, na eventualidade de o juiz não concordar com a promoção de arquivamento com fundamento no art. 4o, §4°, por entender, por exemplo, que o suposto cola­ borador seria o líder da organização criminosa, não fazendo jus à extinção da punibilidade por tal motivo, deve o magistrado aplicar o princípio da devolução inserido no art. 28 do CPP, determinando a remessa dos autos ao Procurador-Geral. Por fim, na hipótese de o colaborador não ter sido denunciado, subsiste a possibilidade de sua oitiva como testemunha no processo crim inal referente aos demais agentes por ele delatados. Nesse contexto, o art. 4o, §12, da Lei n. 12.850/13, dispõe que, ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial, hipótese em que prestará o compromisso de dizer a ver­ dade, daí por que pode responder pela prática do crime de falso testemunho (CP, art. 342) ou pelo delito previsto no art. 19 do referido diploma legal. 1.9.2.6. Progressão de regimes: pelo m e­ nos em regra, a progressão de regimes está condicionada ao cumprimento de ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e à ostentação de bom comportamento carcerário (LEP, art. 112), sem prejuízo da possibilidade de realização do exame criminológico, valendo lembrar que, em se tratando de crimes hedion­ dos e equiparados, a transferência para regime menos rigoroso dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente (Lei n. 8.072/90, art. 2o, §2°, com redação dada pela Lei n. 11.464/07). Com o objetivo de incen­ tivar a colaboração premiada, a Lei n. 12.850/13 também passou a prever que, na hipótese de a

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colaboração premiada ser posterior à sentença, será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos (art. 4o, §5°). De se notar que o dispositivo legal sob comento ressalva apenas os requisitos objetivos. Por consequência, mesmo que a colaboração pre­ miada posterior à sentença seja objetivamente eficaz para a consecução de um dos resultados previstos nos incisos do art. 4o, a progressão de regimes ainda depende da observância dos requisitos subjetivos, ou seja, ao bom compor­ tamento carcerário do condenado. 1.10. Valor probatório da colaboração premiada (regra da corroboração): no m o­ mento preliminar de apuração da prática deli­ tuosa, nada impede que uma colaboração pre­ miada, isoladamente considerada, sirva como fundamento para a instauração de um inquéri­ to policial ou até mesmo para o oferecimento de uma peça acusatória. Afinal de contas, para que se dê início a uma investigação criminal ou a um processo penal, não se faz necessário um juízo de certeza acerca da prática delituosa. Em sede de sentença condenatória, todavia, se nem mesmo a confissão do acusado, auto incriminando-se, é dotada de valor absoluto, não mais sendo considerada a rainha entre as provas (CPP, art. 197), o que dizer, então, da colaboração premiada? Ante a possibilidade de mendacidade intrínseca à colaboração pre­ miada, a jurisprudência firmou-se no sentido de que, isoladamente considerada, esta técnica especial de investigação não pode respaldar uma condenação, devendo estar corroborada por outros elementos probatórios. Se, po­ rém, a colaboração estiver em consonância com as demais provas produzidas ao longo da instrução processual, adquire força probante suficiente para fundamentar um decreto condenatório. Daí a importância daquilo que a doutrina chama de regra da corroboração, ou seja, que o colaborador traga elementos de informação e de prova capazes de confirmar suas declarações (v.g., indicação do produto do crime, de contas bancárias, localização do produto direto ou indireto da infraçaõ penal, auxílio para a identificação de números de telefone a serem grampeados ou na realiza­ ção de interceptação ambiental, etc.). Este

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

entendimento jurisprudencial acabou sendo positivado pela Lei n. 12.850/13, cujo art. 4o, §16, dispõe: “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. Com o fito de prevenir delações falsas, deve o magistrado ter extrema cautela no momento da valoração da colaboração premiada, devendo se perquirir acerca da personalidade do colaborador, das relações precedentes entre ele e o (s) acusado (s) delatado (s), dos móveis da colaboração, da verossimilhança das alegações e do seu con­ texto circunstancial. Como se sabe, é cada vez mais comum que haja disputas internas pela gerência de organizações criminosas, o que pode, de certa forma, servir como móvel para a delação de antigos parceiros, ou até mesmo de pessoas inocentes. Tais situações espúrias, denominadas pela doutrina estrangeira de móveis turvos ou inconfessáveis da delação, devem ser devidamente valoradas pelo magis­ trado, de modo a se evitar que a delação seja utilizada para deturpar a realidade. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...) Con de n ação am parada exclusivamente na delação do s corréus: im possibilidade. Ordem conce­ dida". (STF, I a Turma, HC 94.034/SP, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 10/06/2008, DJe 167 04/09/2008). Na m esm a linha: STF, 2a Turma, HC 75.226/MS, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 12/08/1997, DJ 19/09/1997; STF, RE 213.937/ PA, 1.a Turma, j. 26.03.1999, rei. Min. limar Galvão, DJ 25.06.1999; STF, I a Turma, RH C 81.740/RS, Rei. Min. Se p ú lved a Pertence, j. 29/03/2005, DJ 22/04/2005; STF, 1a Turma, HC 84.517/SP, Rei. Min. Sepúlveda Per­ tence, j. 19/10/2004, DJ 19/11 /2004; STF, 1aTurma, RHC 84.845/Fll, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 12/04/2005, DJ 06/05/2005.

1.10.1. Direito de reperguntas pelos de­ fensores dos corréus delatados: caso haja necessidade de oitiva formal do colaborador (ou delator) no processo relativo aos coautores ou partícipes delatados, a fim de se lhe conferir o valor de prova, e não de mero elemento infor­ mativo, há de se assegurar a participação dialé­ tica das partes, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa. Afinal, se há simples confissão na parte em que o acusado reconhece que praticou o delito, ao atribuir o cometimento do crime a outra pessoa, o delator passa a agir

como se fosse testemunha, tendo o ato, nessa parte, natureza de prova testemunhai, daí por que imprescindível o respeito ao contraditório judicial. Funcionando a observância do contra­ ditório como verdadeira condição de existên­ cia da prova, tal qual dispõem a Constituição Federal (art. 5o, LV) e o Código de Processo Penal (art. 155, caput), surgindo a necessidade de se ouvir o colaborador no processo a que respondam, por exemplo, os acusados objeto da delação, a produção dessa prova deve ser feita na presença do juiz com a participação dialética das partes. Logo, tendo em conta que a colaboração ganha contornos de verdadeira prova testemunhai em detrimento do corréu delatado, há de se permitir ao defensor deste último a possibilidade de fazer reperguntas ao delator, exclusivamente no tocante à delação realizada, sob pena de indevido cerceamento da defesa e consequente anulação do processo a partir do interrogatório, inclusive. Acer­ ca do assunto, nas mesas de processo penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, coordenadas pela Professora Ada Pellegrini Grinover, a súmula n. 675 enuncia que “o interrogatório de corréu, incriminando

outro, tem, com relação a este, natureza de depoimento testemunhai, devendo, por isso, se admitirem reperguntas”. Para que seja preser­ vado o direito de não produzir prova contra si mesmo do delator, as reperguntas formu­ ladas pelo advogado do litisconsorte passivo deverão se limitar aos fatos que incriminam o corréu delatado. Nesse contexto, como obser­ va Aury Lopes Jr. (Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Vol. I. 3a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 592), quando estiver depondo na condição de réu, o delator estará amparado pelo direito ao silêncio. Logo, não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas (pelo juiz, acusador ou demais corréus) e que lhe possam prejudicar. No tocante às perguntas que digam respeito às imputações que está fazendo, o silêncio alegado deve ser consi­ derado no sentido de desacreditar a versão incriminatória dos corréus. Por fim, quando arrolado como testemunha da acusação em um processo em que não figure como acusado,

TÍTULO VII • D A PROVA

o delator não está protegido pelo direito ao silêncio, tendo o dever de responder a todas as perguntas, como qualquer testemunha, desde que das respostas não produza prova contra si mesmo. Nesse caso, é indispensável que o advogado do corréu manifeste sua intenção de fazer reperguntas aos demais acusados em audiência, sob pena de preclusão. Portanto, se a defesa, no interrogatório, não requereu reper­ guntas ao corréu, subscrevendo sem ressalvas o termo de audiência, a manifestação posterior de inconformismo não elide a preclusão. Se é assegurada a participação do advogado do corréu delatado, o mesmo não pode ser dito quanto ao coautor ou partícipe objeto da dela­ ção. De fato, verificando o juiz que a presença do acusado delatado possa causar humilhação, temor ou sério constrangimento ao delator, de modo que prejudique a verdade do depoimen­ to, fará sua inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, de­ terminará a retirada do acusado, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor, nos exatos termos do art. 217 do CPP. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) O

interrogatório é essencialm ente m eio de

defesa. N o entanto, se d o interrogatório exsurgir de ­ lação de outro acusado, sobrevêm para a defesa deste o direito de apresentar reperguntas.Tal decorre de um m o d e lo processual penal garantista, m arcado pelo devido processo legal, ge n eroso feixe de garantias. A vedação d o exercício de tal direito m acula o contradi­ tório e revela nulidade irresgatável. O rdem concedida, apenas em favor do paciente, para anular o processo a partir d o interrogatório, inclusive, reconhecendo-se o excesso de prazo no seu encarceramento, deferindo-Ihe a liberdade provisória, (com voto vencido)". (STJ, 6a Turma, H C 83.875/GO, Rei. Min. M ariaThereza de Assis M oura, j. 25/03/2008, DJe 04/08/2008).

STF:"(...) Assiste, a cada u m do s litisconsortes penais passivos, o direito - fu n d a d o em cláu su las co n sti­ tucionais (CF, art. 5°, incisos LIV e LV) - de form ular reperguntas aos dem ais corréus, que, no entanto, não estão obrigado s a respondê-las, em face da prerroga­ tiva contra a auto-incriminação, de que tam bé m são titulares. O desrespeito a essa franquia individual do réu, resultante da arbitrária recusa em lhe permitir a form ulação de reperguntas, qualifica-se com o causa geradora de nulidade processual absoluta, por im pli­ car grave transgressão ao estatuto constitucional do direito de defesa. Doutrina. Precedente d o STF". (STF, 2a Turma, H C 94.016/SP, Rei. Min. Celso de Mello, DJe

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038 26/02/2009). N o m esm o contexto: STJ, 5a Turma, HC 198.668/SC, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 04/09/2012, DJe 18/09/2012.

STF:"(...) Se a defesa, no interrogatório, não requereu reperguntas ao corréu, subscrevendo sem ressalvas o term o de audiência, a m anifestação posterior de in­ conform ism o não elide a preclusão". (STF, 2aTurma, HC 90.830/BA, Rei. Min. Cezar Peluso, DJ 071 22/04/2010).

I . 11. Acordo de colaboração premiada: até bem pouco tempo atrás, não havia nenhum dispositivo legal que cuidasse expressamente do acordo de colaboração premiada. Por con­ sequência, a colaboração premiada era feita verbal e informalmente com o investigado, que passava a ter, então, mera expectativa de premiação se acaso as informações por ele repassadas aos órgãos de persecução penal fossem objetivamente eficazes para atingir um dos objetivos listados nos diversos dispositivos legais que cuidam da matéria. Sem embargo do silêncio da Lei, diversos acordos de cola­ boração premiada passaram a ser celebrados entre Promotores de Justiça (Procuradores da República) e investigados (ou acusados), sempre com a presença da defesa técnica. Para tanto, utilizava-se como fundamento jurídico o art. 129, inciso I, da Constituição Federal, os artigos 13 a 15 da Lei 9.807/99, os demais dispositivos específicos de cada uma das leis citadas, a depender da espécie de crime, e o art. 265, II, do Código de Processo Civil (art. 313, II, do novo CPC), aplicado subsidiariamente ao processo penal, com fundamento no art. 3.° do Código de Processo Penal. O procedimento adotado para a pactuação e implantação desse acordo fora construído a partir do direito com­ parado, de regras do direito internacional (art. 26 da Convenção de Palermo e art. 37 da Con­ venção de Mérida) e da aplicação analógica de institutos similares como a transação penal e a suspensão condicional do processo, o acordo de leniência previsto na Lei n. 12.529/11, e o termo de compromisso previsto no art. 60 da Lei n. 12.651/12 (Código Florestal). Por mais que a existência desse acordo não seja condição sine qua non para a concessão dos prêmios legais decorrentes da colaboração premiada, sua celebração é de fundamental importância para a própria eficácia do instituto. Afinal, a

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lavratura desse pacto entre acusação e defesa confere mais segurança e garantias ao acusado, que não ficará apenas com uma expectativa de direito, que, ausente o acordo, poderia ou não ser reconhecida pelo magistrado. Ainda que esse acordo de colaboração premiada não tenha sido formalizado durante o curso da fase investigatória, é perfeitamente possível que o Ministério Público, por ocasião do ofereci­ mento da peça acusatória, formule proposta de colaboração premiada a um dos denunciados, com requerimento de sua oitiva (e da defesa técnica), com subsequente apreciação pelo juiz. Atento à importância desse acordo, o legislador da Lei n. 12.850/13 resolveu dispor expressa­ mente sobre o assunto. Este novo regramento, aliás, também pode ser aplicado, por analogia, às demais hipóteses de colaboração premiada anteriormente citadas. Consoante disposto no art. 6o da Lei n. 12.850/13, o termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados: de modo a aferir a relevância da cooperação do agente, deverá constar do acordo uma síntese das informações por ele repassadas às autoridades incumbidas da persecução penal. Por consequência, se o colaborador apontar os demais coautores ou partícipes do fato delituoso e as infrações penais por eles praticadas (Lei n. 12.850/13, art. 4o, I), tais informações deverão constar do instrumento do acordo. O dispositivo legal sob comento faz referência aos possíveis resultados porquanto a eficácia objetiva das informações por ele repassadas deverá ser confirmada pelo magistrado, pelo menos em regra, por ocasião de eventual sentença condenatória. Nessa li­ nha, dispõe o art. 4o, §11, da Lei n. 12.850/13, que a sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia; II - as condições

da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia: considerando a diversi­ dade de prêmios legais passíveis de concessão ao colaborador (v.g., diminuição da pena, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, progressão de regimes, perdão judicial), deve constar do acordo uma indicação específica do benefício com o qual o colaborador será agraciado na hipótese de as

informações por ele repassadas às autoridades levarem à consecução de um dos resultados listados nos incisos do art. 4o; III - a decla­

ração de aceitação do colaborador e de seu defensor: consoante disposto no art. 4o, §15, da Lei n. 12.850/13, em todos os atos de nego­ ciação, confirmação e execução da colabora­ ção, o colaborador deverá estar assistido por defensor. Por consequência, para se emprestar validade ao acordo de colaboração premiada, e até mesmo para se aferir sua voluntariedade, condição sine qua non para sua homologação (Lei n. 12.850/13, art. 4o, §7°), faz-se necessá­ ria não apenas a declaração de aceitação do colaborador, mas também a anuência de seu defensor. Na hipótese de o colaborador ser estrangeiro incapaz de se comunicar na língua pátria, deverá ser nomeado tradutor, nos ter­ mos do art. 236 do CPP; IV - as assinaturas do

representante do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, do colaborador e de seu defensor: o acordo de colaboração premiada deve ser subscrito pelo órgão do Ministério Público que detém atribuições para atuar no caso concreto, pelo Delegado de Polícia, pelo colaborador e por seu defensor, sob pena de ser considerado inexistente. Em se tratando de colaborador analfabeto, tal fato deverá ser consignado no termo, ex vi do art. 195 do CPP; V - a especificação das medidas de proteção

ao colaborador e à sua família, quando ne­ cessário: como visto anteriormente, o art. 5o da Lei n. 12.850/13 prevê uma série de direitos do colaborador, dentre eles a possibilidade de usufruir das medidas de proteção previstas na Lei n. 9.807/99. Se as partes envolvidas na celebração do acordo concluírem que há risco potencial à integridade física (ou vida) do colaborador e de seus familiares, as medidas de proteção a serem adotadas deverão constar expressamente do acordo. Apesar de o art. 6o, V, da Lei n. 12.850/13, dar a impressão (equi­ vocada) de que, por ocasião da homologação do acordo, seria o magistrado a autoridade competente para a aplicação dessas medidas de proteção, o ingresso de acusado colaborador nos programas de proteção instituídos pela Lei n. 9.807/99 fica a critério de um Conselho Deliberativo, após manifestação do Ministério

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TÍTULO VII • DA PROVA

Público. Portanto, onde se lê “especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família”, deve-se entender que, uma vez homo­ logado o acordo de colaboração premiada, o magistrado poderá apenas encaminhar a soli­ citação de proteção ao Conselho mencionado, nos termos do art. 5o, IV, da Lei n. 9.807/99. De modo a resguardar o exercício da mais ampla defesa, durante todos os atos de negociação, confirm ação e execução da colaboração, é indispensável a presença de defensor (Lei n. 12.850/13, art. 4o, §15). Diretamente responsá­ vel pelo aconselhamento do possível colabora­ dor, é evidente que o Defensor deverá ter pleno acesso a todos os elementos de informação já produzidos contra seu cliente, até mesmo de modo a perm itir um juízo mais seguro quanto aos riscos do processo e, consequen­ temente, vantagens de se aceitar um acordo de colaboração premiada. Para o Supremo (Pleno, HC 127.483/PR, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 27/08/2015), eventual coautor ou partícipe dos crimes praticados pelo colaborador não tem legitimidade para impugnar o acordo de colaboração. Afinal, trata-se de negócio jurídico processual personalíssimo. Ele não vincula o delatado e não atinge diretamente sua esfera jurídica. O acordo, por si só, não pode atingir o delatado, mas sim as imputações constantes dos depoimentos do colaborador ou as medidas restritivas de direitos que vierem a ser adotadas com base nesses depoimentos e nas provas por eles indicadas ou apresentadas. 1.11.1. Legitimidade para a celebração do acordo de colaboração premiada: quanto ao tema, especial atenção deve ser dispen­ sada a dois dispositivos constantes da Lei n. 12.850/13. Primeiro, ao art. 4o, §2°, que dispõe que o Ministério Público, a qualquer tempo, e o Delegado de Polícia, nos autos do inquérito

policial, com a manifestação do Ministério Pú­ blico, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colabo­ rador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do CPP. Segundo, ao art. 4o, §6°, segundo o qual o juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colabora­

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ção, que ocorrerá entre o Delegado de Polícia,

o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor. Como se percebe, os dois dispositivos legais deixam entrever que um acordo de colaboração premiada poderia ser celebrado entre o Delegado de Polícia e o acusado, assegurada a presença de seu defen­ sor, com a simples manifestação do Ministério Público. De modo a conferir maior efetividade à colaboração premiada, tanto a autoridade policial, durante o inquérito policial, quanto o Ministério Público, a qualquer tempo, de­ vem alertar os indiciados (e acusados) sobre a possível pena a que estarão sujeitos em caso de condenação e sobre os benefícios que poderão obter em caso de colaboração efetiva. A fim de se evitar qualquer prejuízo à voluntariedade da colaboração premiada, essas tratativas de­ vem ser implementadas de maneira prudente, evitando-se, assim, possíveis arbitrariedades, além de se preservar a liberdade de autodeter­ minação do possível colaborador. No entanto, por mais que a autoridade policial possa sugerir ao investigado a possibilidade de celebração do acordo de colaboração premiada, daí não se pode concluir que o Delegado de Polícia te­ nha legitimação ativa para firmar tais acordos com uma simples manifestação do Ministério Público. Por mais que a Lei n. 12.850/13 faça referência à manifestação do Ministério Público nas hipóteses em que o acordo de colabora­ ção premiada for “firmado pelo Delegado de Polícia”, esta simples manifestação não tem o condão de validar o acordo celebrado exclusi­ vamente pela autoridade policial. Isso porque a Lei n. 12.850/13 não define bem o que seria essa manifestação, que, amanhã, poderia ser interpretada como um simples parecer mi­ nisterial, dando ensejo, assim, à celebração de um acordo de colaboração premiada pela autoridade policial ainda que o órgão minis­ terial discordasse dos termos pactuados. Se é verdade que a autoridade policial tem inte­ resse em obter informações relevantes acerca do funcionamento da organização criminosa através dessa importante técnica especial de investigação, é inconcebível que um acordo

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de colaboração premiada seja celebrado sem a necessária interveniência do titular da ação penal pública. Quando a Constituição Federal outorga ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública (art. 129, I), também confere a ele, com exclusividade, o juízo de viabilidade da persecução penal através da valoração jurídico-penal dos fatos que tenham ou possam ter qualificação criminal. Destarte, diante da possibilidade de o prêmio legal acor­ dado com o investigado repercutir diretamente na pretensão punitiva do Estado (v.g., perdão judicial), não se pode admitir a lavratura de um acordo de colaboração premiada sem a necessária e cogente intervenção do Ministério Público como parte principal, e não por meio de simples manifestação. De mais a mais, ainda que o acordo de colaboração premiada seja celebrado durante a fase investigatória, sua natureza processual resta evidenciada a partir do momento em que a própria Lei n. 12.850/13 impõe a necessidade de homologação judicial (art. 4o, §7°). Por consequência, se a autoridade policial é desprovida de capacidade postulatória e legitimação ativa, não se pode admitir que um acordo por ela celebrado com o acusado venha a impedir o regular exercício da ação penal pública pelo M inistério Público, sob pena de se admitir que um dispositivo inserido na legislação ordinária possa se sobrepor ao disposto no art. 1 2 9 ,1, da Constituição Fede­ ral. Firmada a premissa de que a autoridade policial, por si só, não tem legitimidade para celebrar um acordo de colaboração premiada, deverá o juízo competente recusar-se a homo­ logar o acordo celebrado exclusivamente pelo Delegado de Polícia, nos termos do art. 4o, §7°, da Lei n. 12.850/13, que dispõe que o juiz é obrigado a verificar a legalidade do acordo antes de proceder à homologação. Antes, po­ rém, deverá ouvir o órgão ministerial. Afinal, se o Parquet m anifestar-se favoravelmente aos termos do ajuste celebrado entre o D e­ legado de Polícia e o acusado, a legitimidade ativa do Ministério Público para a ação penal pública terá o condão de chancelar a validade do acordo, que, na sequência, será submetido pelo órgão ministerial à homologação do juiz competente. Admitida a legitimidade exclusiva

do Ministério Público para a celebração do acordo de colaboração premiada durante as investigações ou no curso do processo judicial, é importante que haja algum tipo de controle e revisão sobre a atuação ministerial. A sindicabilidade é fundamental nesse ponto, já que não se pode admitir a existência de poderes absolutos, insusceptíveis de controle. Logo, a fim de se evitar que eventual discordância do Ministério Público em face de proposta de acordo de colaboração premiada sugerida pela autoridade policial fique imune a qualquer tipo de controle, é possível a aplicação subsidiária do princípio da devolução inserido no art. 28 do CPP, nos mesmos moldes do que ocorre, por exemplo, em relação à transação penal e à suspensão condicional do processo (súmula n. 696 do STF). Assim, em caso de discordância do membro do parquet, o Delegado de Polícia e/ou o magistrado devem devolver a aprecia­ ção da questão ao órgão superior do Ministério Público, tal qual previsto no art. 4o, §2°, infine, da Lei n. 12.850/13, que faz referência expressa à possibilidade de aplicação, subsidiária, do art. 28 do CPP. Nada diz a legislação quanto à possibilidade de a proposta de colabora­ ção premiada ser oferecida pelo assistente da acusação. Este silêncio eloquente deve ser interpretado no sentido de não se admitir o oferecimento da proposta por ele oferecida. Por mais que as recentes mudanças legislativas tenham ampliado a atuação do assistente no processo penal, que passou a ter legitimidade para requerer a decretação de medidas cautelares (CPP, art. 311) e o desaforamento (CPP, art. 427), fato é que sua habilitação somente é possível durante o curso do processo judicial em crimes de ação penal pública (CPP, art. 268), jamais durante a fase investigatória. Ora, se a colaboração premiada funciona como téc­ nica especial de investigação, seria no mínimo inusitado que se admitisse a intervenção da vítima na busca por fontes de prova, usur­ pando atribuição investigatória própria das autoridades estatais incumbidas da persecução penal. 1.11.2. Retratação do acordo: só se pode falar em acordo quando há convergência de vontades: no caso da colaboração premiada, o

t ít u l o

Estado tem interesse em informações que só podem ser fornecidas por um dos coautores ou partícipes do fato delituoso; o acusado, por sua vez, deseja ser beneficiado com um dos diversos prêmios legais previstos em lei. Por consequência, antes da homologação do acordo pela autoridade judiciária competente, é perfeitamente possível que as partes resol­ vam se retratar da proposta, nos termos do art. 4o, §10, da Lei n. 12.850/13, hipótese em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. Como este dispositivo não faz qualquer restrição em rela­ ção ao responsável pela retratação - “as partes podem retratar-se da proposta (...)” - , tanto o Ministério Publico quanto o acusado podem se arrepender da proposta formulada. À evi­ dência, esta retratação só pode ocorrer até a homologação judicial do acordo. Fosse possível a retratação após sua homologação judicial, o Ministério Público poderia celebrar um falso acordo de colaboração premiada, obtendo, por consequência da homologação judicial, todas as informações necessárias para a consecução de um dos objetivos listados nos incisos do art. 4o da Lei n. 12.850/13 para, na sequência, retratar-se do acordo, privando o colaborador da concessão do prêmio legal acordado. 1.11.3. Intervenção do juiz: o magistrado não deve presenciar ou participar das nego­ ciações, enfim, não deve assumir um papel de protagonista das operações referentes ao acor­ do de colaboração premiada, sob pena de evi­ dente violação do sistema acusatório (CF, art. 1 2 9 ,1). Ora, se o magistrado presenciar essa tratativa anterior à colaboração, na hipótese de o acusado confessar a prática do delito, mas deixar de prestar outras informações relevan­ tes para a persecução penal, inviabilizando a celebração do acordo, é intuitivo que o magis­ trado não conseguirá descartar mentalmente os elementos de informação dos quais tomou conhecimento, o que poderia colocar em risco sua imparcialidade objetiva para o julgamento da causa. A propósito, o art. 4o, §6°, da Lei n. 12.850/13, dispõe expressamente que o juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo

vii • d a

prova

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de colaboração, que ocorrerá entre o Delegado de Polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do M inistério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor. Se, de um lado, o art. 4o, §6°, da Lei n. 12.850/13, dispõe que o juiz não poderá participar das negociações realizadas entre as partes, do outro, a parte final do §8° do art. 4o desse mesmo diploma legal estranhamente prevê a possibilidade de o juiz adequar a proposta ao acaso concreto. Considerando-se a impossibi­ lidade de o juiz imiscuir-se nas negociações inerentes ao acordo de colaboração premiada, ao magistrado não se defere a possibilidade de modificar os termos da proposta, sob pena de evidente violação ao sistema acusatório e à garantia da imparcialidade. Na verdade, o que o magistrado pode fazer é rejeitar a homolo­ gação de eventual acordo por não concordar com a concessão de determinado prêmio legal, nos termos do art. 4o, §8°, primeira parte, aguardando, então, que as próprias partes interessadas na hom ologação da proposta cheguem a novo acordo quanto ao benefício a ser concedido ao colaborador. Este acordo deve ser submetido ao juiz para homologa­ ção, que não poderá deixar de observá-lo por ocasião da sentença, caso o colaborador tenha cumprido todas as obrigações previamente pactuadas. Considerando-se que, ao celebrar o acordo de colaboração premiada com o M i­ nistério Público, o colaborador assume uma postura incomum para os criminosos, já que se afasta do próprio instinto de conservação (ou autoacobertam ento), tanto individual quanto familiar, sujeito que fica a retaliações de toda ordem, haveria conduta desleal por parte do Estado-juiz se não lhe fosse conce­ dida a sanção premial inerente à colaboração premiada, violando o próprio princípio da moralidade (CF, art. 37, caput). Daí a impor­ tância da homologação pela autoridade judi­ ciária, conferindo mais segurança ao acordo. Se o acordo de colaboração premiada funcio­ nar como mera expectativa de direito para o colaborador, é natural que este não se sinta encorajado a experimentar todos os dissabores inerentes a sua traição, o que contribuiría para

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a redução da eficácia desse importante proce­ dimento investigatório. Com o advento da Lei n.12.850/13, parece não haver mais dúvidas quanto à necessária homologação judicial do acordo de colaboração premiada. Deveras, consoante disposto no art. 4o, §7°, uma vez realizado o acordo, o respectivo termo, acom­ panhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para hom ologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor. À evidência, o magistrado não está obrigado a homologar o acordo. Poderá, portanto, recu­ sar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais (Lei n. 12.850/13, art. 4o, §8°). O dispositivo deixa evidente que, para fins de verificação da voluntariedade da manifestação da vontade do colaborador, po­ derá o juiz ouvi-lo sigilosamente, assegurada a presença de seu defensor. Interpretando-se a contrario sensu a parte final do art. 4o, §7°, depreende-se que a Lei não faz referência à presença da parte responsável pela propositura do acordo (Ministério Público e/ou Delegado de Polícia - neste caso, para quem entende que a autoridade policial teria legitimidade para propor o acordo). Queira ou não, a presença do proponente do acordo nesta audiência poderia provocar certo constrangimento ao colaborador, inibindo-o de revelar os reais motivos que o levaram a colaborar com as autoridades responsáveis pela persecução pe­ nal (v.g., promessa de não haver pedido de prorrogação do prazo da prisão temporária). Desta decisão judicial que homologa o acordo de colaboração premiada não resultará, de imediato, a aplicação dos benefícios legais de­ correntes do cumprimento do quanto pactua­ do. Afinal, pelo menos em regra, os benefícios legais decorrentes do cumprimento do acordo de colaboração premiada serão concedidos ao colaborador apenas por ocasião da prolação da sentença condenatória. Prova disso é o quanto disposto no art. 4o, §11, que prevê que a sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia. Como se percebe, a homologação do acordo pelo juiz simplesmen­

te confere ao colaborador maior segurança jurídica quanto à concessão do prêmio legal pactuado no momento da sentença, mas desde que as informações por ele prestadas sejam ob­ jetivamente eficazes para a consecução de um dos resultados elencados pelo legislador. Nada diz a Lei n. 12.850/13 quanto ao recurso ade­ quado a ser utilizado na hipótese de o juiz re­ cusar homologação à proposta de colaboração premiada apresentada pelo órgão ministerial. Diante do silêncio da Lei, a doutrina sugere a possibilidade de interposição de recurso em sentido estrito, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 5 81,1, do CPP. Conquanto não se trate de decisão que rejeita (ou não recebe) a peça acusatória, propriamente dita, não se pode negar a existência de uma decisão que, grosso modo, rejeita a inciativa postulatória do órgão da acusação. De qualquer sorte, o magistrado que participa de procedimento de homologação de colaboração premiada não está impedido para futura ação penal, vez que esta hipótese não consta do rol taxativo de perda da imparcialidade objetiva constante do art. 252 do CPP.

+ Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) A s h ipóteses de im p e d im e n to elencadas no art. 252 d o C ó d ig o de Processo Penal constituem um num erus clausus. (...) N ão é possível interpretar extensivam ente o inciso III de m o d o a entender que o juiz que atua em fase pré-processual ou em sede de procedim ento de delação prem iada em ação co­ nexa d e se m p e n h a fu n çõ e s em outra instância (o desem penharfunções em outra instância é entendido aqui c o m o a atuação d o m esm o magistrado, em um a m esm a ação penal, em diversos graus de jurisdição). (...) Inquérito policial in stau rado por requisição do M inistério Público. Atuação d o m agistrado: preside o inquérito, apenas com o um administrador, um super­ visor, um coordenador, no que concerne à m on tage m d o acervo probatório e às providências acautelatórias, a gin d o sem pre por provocação, jam ais de ofício. N ão exteriorização de qualquer juízo de valor acerca do s fatos ou das questões de direito em ergentes na fase preliminar que o im peça de atuar com im parcialidade no curso da ação penal. Ordem denegada". (STF, ^ T u r ­ ma, HC 97.553/PR, Rei. Min. DiasToffoli, j. 16/06/2010, DJe 168 09/09/2010).

1.11.4. Publicidade do acordo de colabo­ ração premiada: recebida a denúncia e ins­

TÍTULO VII • DA PROVA

taurado o processo criminal, abre-se lugar ao contraditório e à ampla defesa com todos os recursos a ela inerentes (impugnações e direito à prova). Em outras palavras, o con­ traditório será exercido posteriormente (con­ traditório diferido), ou seja, quando concluí­ das as diligências decorrentes da colaboração premiada, ao investigado e a seu defensor deve ser franqueado o acesso ao conteúdo do acordo, resguardada a proteção dos direitos do colaborador listados no art. 5o da Lei n. 12.850/13, a fim de que possam impugnar a prova produzida, exercendo o direito à ampla defesa. Destarte, por força do art. 7o, §3°, da Lei n. 12.850/13, a partir do momento em que a fase judicial da persecução penal tiver início, dar-se-á ampla publicidade ao acordo de colaboração premiada, desde que preservado o sigilo das informações constantes do art. 5o, que constituem direitos do colaborador. Interpretando-se a contrario sensu o art. 7o, §3°, da Lei n. 12.850/13, conclui-se que, durante o curso das investigações, deve ser preservado o caráter sigiloso do acordo de colaboração premiada. A propósito, em julgado anterior ao advento da nova Lei das Organizações Cri­ minosas, em que se discutia a possibilidade de advogados de coautores terem acesso aos autos de investigação em que firmados acordos de delação premiada, a partir dos quais foram utilizados documentos que subsidiaram ações penais contra ele instauradas, a I a Turma do STF afastou a pretensão de se conferir publi­ cidade ao acordo, por lhe ser ínsito o sigilo, inclusive por força de lei.

+ Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) Sigilo do acordo de delação que, por definição legal, não pode ser quebrado. (...) Writ concedido em parte para esse efeito". (STF, 1a Turma, HC 90.688/PR, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 074 24/04/2008). Na m esm a linha: STJ, 5aTurma, HC 59.115/PR, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 12/12/2006, DJ 12/02/2007 p. 281.

1.12. M om ento oportuno para a colabo­ ração premiada: como se trata, a colaboração premiada, de espécie de meio de obtenção de prova, à primeira vista, poder-se-ia concluir que o benefício somente seria aplicável até o encerramento da instrução probatória em

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juízo. Ligada que está à descoberta de fontes de prova, é intuitivo que sua utilização será muito mais comum na fase investigatória ou durante o curso da instrução processual. Porém, não se pode afastar a possibilidade de celebração do acordo mesmo após o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória. De fato, a partir de uma interpretação teleológica das normas instituidoras da colaboração premia­ da, cujo objetivo pode subsistir para o Estado mesmo após a condenação irrecorrível daque­ le que deseja colaborar, deve-se admitir a inci­ dência do instituto após o trânsito em julgado de sentença condenatória, desde que ela ainda seja objetivamente eficaz. Nessa linha, especial atenção deve ser dispensada ao art. 1°, §5°, da Lei n. 9.613/98, com redação dada pela Lei n. 12.683/12, que passou a dispor expressamente acerca da possibilidade de a colaboração pre­ miada ser celebrada a qualquer tempo. O dis­ positivo deixa evidente que, doravante, o que realmente interessa não é o momento em que a colaboração premiada é celebrada, mas sim a eficácia objetiva das informações prestadas pelo colaborador. Em sentido semelhante, o art. 4°, §5°, da Lei n. 12.850/13, também prevê expressamente que, na hipótese de a colabo­ ração ser posterior à sentença , a pena poderá ser reduzida até a metade ou ser admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos. À primeira vista, pode pa­ recer um pouco estranho que tais dispositivos se refiram à celebração do acordo de colabo­ ração premiada após a sentença condenatória irrecorrível (a qualquer tempo). Todavia, na hipótese de o produto direto ou indireto da infração penal não ter sido objeto de medidas assecuratórias durante o curso da persecução penal, inviabilizando ulterior confisco, não se pode descartar a possibilidade de que as infor­ mações prestadas pelo agente mesmo após o trânsito em julgado de sentença condenatória sejam objetivamente eficazes no sentido da recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa, o que, em tese, lhe assegura a concessão dos prêmios legais inerentes à colaboração premiada prevista no art. 4o, §5°, da Lei n. 12.850/13. Sem embargo

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de a possibilidade de celebração do acordo de colaboração premiada a qualquer tempo estar prevista apenas nas Leis de Lavagem de Capitais e de Organizações Criminosas, parece não haver qualquer óbice à extensão desse benefício aos demais crimes, até mesmo por uma questão de isonomia. Deveras, não há qualquer fundamento razoável de discrímen capaz de justificar a inviabilidade de celebra­ ção de acordos de colaboração premiada após a sentença condenatória irrecorrível em rela­ ção a outros delitos, desde que, obviamente, aferida a eficácia objetiva das informações prestadas pelo colaborador. Considerando que a revisão criminal é meio para reparação de erro judiciário, e tendo em conta que a incidência da colaboração premiada em sede de execução não pressupõe erro do juiz que exija a rescisão da sentença original, o meio processual adequado para que seja reconhe­ cida a colaboração após o trânsito em julga­ do de sentença condenatória é submeter o acordo à homologação perante o juiz da vara de execuções penais, nos mesmos moldes de outros incidentes da execução. Não se trata, a colaboração premiada após o trânsito em julgado de sentença condenatória, de prova nova da inocência do acusado para fins de ajuizamento de revisão crim inal (CPP, art. 621, III). Cuida-se de fato novo que deve ser levado à consideração do juiz da execução penal, nos mesmos moldes que os demais fatos novos que surgem ao longo da execução, tal qual o surgimento de lei nova mais benigna (LEP, art. 6 6 ,1). Aplica-se, pois, por analogia, o raciocínio constante da súmula n. 611 do STF: “Transitada em julgado a sentença con­ denatória, compete ao juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna”. Tratando-se de norma mais benéfica para o colaborador, este novo regramento acerca da possibilidade de celebração do acordo de colaboração pre­ miada a qualquer tempo pode retroagir para beneficiar condenados por crimes diversos, mesmo que a decisão condenatória tenha transitado em julgado antes da vigência das Leis 12.683/12 e 12.850/13. 2. Confissão: pode ser conceituada como a aceitação por parte do acusado da imputação

da infração penal, perante a autoridade judi­ ciária ou policial. Em síntese, confissão é a admissão feita por aquele a quem é atribuída a prática da infração penal da veracidade da imputação. A confissão também é conhecida como testemunho duplamente qualificado: do ponto de vista objetivo, porque recai sobre fatos contrários ao interesse de quem confessa; e do ponto de vista subjetivo, porque provém do próprio acusado, e não de terceiro. Nesse contexto: MARQUES, José Frederico. Elemen­ tos de direito processual penal. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1961. v. 2. p. 329. No âmbito processual penal, a confissão funciona como meio de prova, pois é um dos instrumentos disponíveis para que o magistrado possa che­ gar à veracidade das afirmações feitas pelas partes. De acordo com o art. 307 do Código de Processo Penal Militar, sua validade está condicionada ao preenchimento dos seguintes requisitos: a) ser feita perante autoridade com­ petente; b) ser livre, espontânea e expressa; c) versar sobre o fato principal; d) ser verossímil; e) ter compatibilidade com as demais provas do processo. 3. Classificação da confissão: por razões didáticas, a doutrina costuma trabalhar com diversas espécies de confissão. 3.1. Confissão extrajudicial: é aquela feita fora do processo penal, geralmente perante a autoridade policial, sem a observância do contraditório e da ampla defesa. Produzida que é na fase investigatória, sem a presença dialética das partes, a confissão extrajudicial não pode, de per si, fundamentar um decreto condenatório, sob pena, aliás, de violação ao preceito do art. 155, caput, do CPP. Em duas situações, todavia, a jurisprudência tem ad­ mitido a valoração da confissão extrajudicial: a) no plenário do júri, em virtude do sistema da íntima convicção do juiz, que vigora em relação à decisão dos jurados; b) quando a confissão extrajudicial é feita na presença de defensor. 3.2. Confissão judicial: é aquela feita pe­ rante a autoridade judiciária, na presença do defensor do acusado. Se produzida diante de

TÍTULO VII • DA PROVA

autoridade judicial competente será a confis­ são ju d icial própria; se produzida perante autoridade incompetente, será ju d icial im ­ própria. 3.3. Confissão explícita: feita de maneira evidente, ou seja, quando o acusado confessa a prática do fato delituoso sem dubiedades. 3.4. Confissão implícita: ocorre quando o acusado paga a indenização. No âmbito do processo penal, essa confissão não tem qual­ quer valor. 3.5. Confissão simples: o acusado confessa a prática do fato delituoso, porém não invoca qualquer excludente da ilicitude ou da culpa­ bilidade em seu benefício. 3.6. Confissão qualificada: o acusado con­ fessa a prática do fato delituoso, mas alega que o praticou acobertado por uma excludente da ilicitude ou da culpabilidade. 3.7. Confissão ficta: ocorre quando o acusa­ do não contesta os fatos que lhe são imputados. No âmbito do processo penal, em virtude da regra probatória que deriva do princípio da presunção de inocência, não há falar em con­ fissão ficta. 3.8. Confissão delatória: também conheci­ da como chamamento de corréu ou delação premiada, ocorre quando o acusado confessa a prática do fato delituoso e delata coautores e partícipes. Vide acima comentários acerca da colaboração premiada. 4. Características da confissão: são inúme­ ras as características da confissão. Dentre elas, merecem especial destaque: a) Ato persona­ líssimo: somente o acusado pode confessar a prática do fato delituoso, sendo inviável que outorgue poderes a seu advogado para fazê-lo; b) Ato livre e espontâneo: não pode haver qualquer forma de constrangimento físico e/ ou moral para que o acusado confesse a prática do fato delituoso. Aliás, de acordo com o art. I o, inciso I, da Lei n. 9.455/97, constitui crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe

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sofrimento físico ou mental com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; c) Ato retratável: vide comentários ao art. 200 do CPP; d) Ato divisível: vide comentários ao art. 200 do CPP. 5. Circunstância atenuante da confissão: de acordo com o art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, a confissão espontânea, perante a autoridade, da autoria do crime, funciona como circunstância atenuante. A circunstân­ cia atenuante da confissão espontânea é de caráter subjetivo e pessoal. Logo, não se pode estender a minoração da pena pela confissão a outros acusados que não confessaram. Quando efetivamente utilizada como elemento de con­ vicção, a confissão qualificada também pode ensejar a aplicação da atenuante prevista na alínea d do inciso III do artigo 65 do CP. > Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A circunstância atenuante da confissão espon­ tânea possui cun ho subjetivo, pessoal, visto que o ato de reconhecer e declarar o ocorrido é prestado pela própria parte, a qual se beneficia dessa conduta com a redução de sua reprimenda. A finalidade da norm a consiste em agraciar o agente que auxilia a justiça. N ão há, portanto, com o estender a m inoração da pena pela confissão em face do s outros acusados, que não confessaram, desvirtuando, assim, o propósito m ord a lei penal. Recurso provido a fim de afastar a incidência da atenuante da confissão, feita por som ente um do s acusados, nas penas d o s dem ais corréus". (STJ, 6a Tur­ ma, REsp 905.821/PR, Rei. Min. Maria Thereza de Assis M oura, j. 23/11/2010, DJe 17/12/2010).

STJ:"(...) A jurisprudência

d o STJ adm ite que m esm o

a c on fissão dita qualificada enseje a ap licação da atenuante d o art. 65, III, d, d o C ó d ig o Penal. Agravo regim ental provido em parte som ente para ad eq u ara reprim enda d o agravante em virtude da aplicação da atenuante da confissão espontânea". (STJ, 5a Turma, A g R g no REsp 1.198.354/ES, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 16/10/2014).

6. Valor probatório da confissão: se, no sistema da prova tarifada, a confissão era co­ nhecida como a rainha das provas, no sistema do livre convencimento motivado, adotado pela Constituição Federal (art. 93, IX) e pelo Código de Processo Penal (art. 155, caput), do ponto de vista legal, a confissão tem o mesmo valor probatório dos demais meios de prova.

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

Como preceitua o art. 197 do CPP, o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou con­ cordância. Na verdade, a maneira mais eficaz de se avaliar o valor da confissão é conhecer o verdadeiro motivo que levou o acusado a adotar comportamento antinatural como é o de admitir ser o autor (ou partícipe) de um fato delituoso. Ressalva especial quanto ao valor probatório da confissão deve ser feita nas hipóteses em que não for possível a realização de exame de corpo de delito. Isso porque, de acordo com o art. 158 do CPP, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. A despeito da disposição expressa do art. 158 do

CPP, há precedentes da 5a Turma do STJ confe­ rindo valor probatório à confissão em relação ao corpo de delito, notadamente quando a ela se somarem outros elementos probatórios. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

N o processo penal m oderno, é possível a

supressão d o exam e de corpo de delito pela confissão d o acusado e por outras provas para a configuração da qualificadora no furto, um a vez que não há hierarquia entre as provas, e tud o que for lícito será u sad o na busca da verdade real. In casu, estão acostados o auto de verificação e descrição d o local d o delito, a confissão d o acusado e de poim ento da vítima”. (STJ, 5a Turma, REsp 330.264/SC, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 17/02/2003 p. 321).

STJ:"(...) N os

delitos materiais, a ausência d o exame

de corpo de delito pod e ser suprida por outros m eios de prova (confissão, dep oim entos de testemunhas). Precedentes. (...) O rde m denegada". (STJ, 5a Turma, H C 18.846/SE, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 25/02/2002 p. 423).

Art. 198.0 silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.1 1. Direito ao silêncio e não recepção do art. 198 do CPP: do exercício do direito ao silêncio previsto na Carta Magna (art. 5°, LXIII) não pode resultar qualquer prejuízo ao acusado. Logo, há de se considerar como não recepcio­ nada a parte final do art. 198 do CPP. Se o acu­ sado é titular do direito ao silêncio, consectário lógico do princípio do nemo tenetur se detegere,

é evidente que o exercício desse direito não pode constituir elemento para a formação do convencimento do magistrado, sob pena de negação do próprio direito fundamental. Para mais detalhes acerca do nemo tenetur se detegere, remetemos o leitor aos comentários feitos às disposições gerais em que está inserido o art. 155 do CPP.

Art. 199. A confissão, quando feita fora do interrogatório, será tomada por termo nos autos, observado o disposto no art. 195.1 1. Redução da confissão feita fora do in­ terrogatório a termo nos autos: quando a confissão for feita perante a autoridade judi­ ciária durante o interrogatório judicial, seus dizeres deverão constar do respectivo termo.

Na hipótese de a admissão de culpa por parte do acusado ocorrer fora do interrogatório judicial, a confissão também deve ser tomada por termo nos autos, logicamente diante da autoridade competente.

Art. 200. A confissão será divisível1e retratável,2sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.

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1. Divisibilidade da confissão: o acusado pode confessar a prática de um fato delituoso e negar o cometimento de outro, como também pode confessar todos os fatos delituosos que lhe são atribuídos, razão pela qual se diz que a confissão é um ato divisível, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto. 2. Retratabilidade da confissão: é perfeitamente possível que o acusado, após confessar

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o fato delituoso, resolva se retratar, total ou parcialmente, narrando a versão correta dos fatos na sua visão. No entanto, isso não quer dizer que o magistrado esteja obrigado a acre­ ditar na nova versão apresentada pelo acusado. Deveras, o sistema da persuasão racional do juiz autoriza o magistrado a valor todas as provas que foram colhidas durante a instrução probatória sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Capítulo V DO OFENDIDO 12 (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008)

Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e pergunta­ do sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.3'5 (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) §1° Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.6 (Incluído pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) §2° O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao in­ gresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.7'8 (Incluído pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) §3° As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico. (Incluído pela Lei n. 10.792, de 1°.l 2.2003) §4° Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reser­ vado espaço separado para o ofendido.9 (Incluído pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) §5° Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de as­ sistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado. (Incluído pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003) §6° O juiz tomará as providências necessárias à preservação da inti­ midade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação. (Incluído pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003)

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CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

1. Ofendido: é o sujeito passivo da infração penal, ou seja, o titular do bem jurídico lesado ou posto em perigo pela infração penal. Para além de ser importante fonte de provas, o ofendido também tem aptidão para a prática de vários atos processuais. No tocante à prova, o ofendido pode ser submetido a exame de cor­ po de delito, direto ou indireto, contribuindo para a comprovação da materialidade do fato delituoso (v.g., lesão corporal). Também pode ser submetido à acareação com testemunhas e com o acusado (CPP, art. 229), assim como pode ser ouvido na fase investigatória e em juízo (CPP, arts. 6o, IV e 201). 2. Atribuições do ofendido: a) faculdade de requerer a instauração do inquérito policial, valendo lembrar que, em se tratando de crime de ação penal privada ou pública condicionada à representação, sua manifestação prévia é condição sine qua non para o início das inves­ tigações (CPP, art. 5o, §§4° e 5o); b) faculdade de requerer qualquer diligência durante o curso do inquérito policial, ficando a critério da autoridade policial determinar (ou não) sua realização (CPP, art. 14); c) faculdade de oferecer queixa-crime em face do autor de cri­ me de ação penal privada, podendo solicitar a nomeação de advogado para tanto, se compro­ vada sua pobreza (CPP, art. 32); d) verificada a inércia do órgão ministerial, o ofendido pode oferecer queixa-crime subsidiária (CPP, art. 29); e) no processo penal de crime de ação penal pública, pode se habilitar como assis­ tente da acusação (CPP, art. 268); f) requerer o sequestro de bens imóveis adquiridos pelo acusado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiros (CPP, art. 127); g) requerer a hipoteca legal sobre os imóveis do indiciado (CPP, art. 134); h) em se tratando de pessoa pobre, requerer ao Ministério Público o ajuizamento da ação civil ex delicto ou a execução da sentença penal condenatória para satisfação do dano causado pelo delito (CPP, art. 68).3 3. Declarações do ofendido: pela própria disposição do Código de Processo Penal, percebe-se que o ofendido não deve ser con­ fundido com as testemunhas. O ofendido está

previsto no Capítulo V do Título V II (“Da pro­ va”) do CPP; a prova testemunhai está prevista no Capítulo VI (“Das testemunhas”) do mesmo Título. Logo, ofendido não é testemunha, razão pela qual não presta compromisso legal de dizer a verdade, não sendo computado para efeito do número máximo de testemunhas, e nem tampouco respondendo pelo crime de falso testemunho. Nada impede que o ofen­ dido seja ouvido quando for parte na relação processual penal, seja quando figurar como querelante no feito por haver proposto a ação penal privada, seja quando houver se habili­ tado como assistente do Ministério Público. Apesar de não ser possível responsabilizar o ofendido criminalmente pelo delito de falso testemunho (CP, art. 342), já que a vítima não é testemunha, nada impede que responda pelo delito de denunciação caluniosa (CP, art. 339), se acaso restar comprovado que deu causa à instauração de investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabia inocente. 4. Prova judicial: como toda e qualquer prova produzida na fase judicial, a oitiva do ofendido deve se dar sob o crivo do contraditório, sob pena de violação ao preceito do art. 5o, inciso LV, da Constituição Federal. Todavia, a fim de não haver qualquer constrangimento à vítima por parte do acusado, seja durante a realização da audiência, seja antes de seu início, deve ser reservado espaço separado para o ofendido. O art. 217 do CPP permite que, verificando-se que a presença do acusado possa causar humi­ lhação, temor, ou sério constrangimento à tes­ temunha ou ao ofendido, de modo a prejudicar a verdade do depoimento, será possível sua inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, será determinada a retirada do acusado, prosseguindo-se na inquirição com a presença de seu defensor. 5. Valor probatório das declarações do ofendido: em virtude do sistema da livre persuasão racional do juiz, o valor probatório das declarações do ofendido é relativo. Logi­ camente, nos crimes cometidos às ocultas, a

TlTULO VII • DA PROVA

palavra da vítima ganha um pouco mais de importância, mas daí não se pode concluir que seu valor seria absoluto. É o que acontece, por exemplo, em crimes contra a dignidade sexual, geralmente cometidos em locais ermos, sem testemunhas presenciais, etc., hipótese em que as declarações da vitima se revestem de especial relevância. + Jurisprudência selecionada: S T J : "(...) Inexiste qualquer ilegalidade no fato de a acusação estar lastreada nas declarações fornecidas pela ofendida em sede policial, já que o roubo teria sido praticado sem a presença de testem unhas, cir­ cunstância em que a palavra da vítima merece especial relevo e não p od e ser desconsiderada. Precedente. Recurso improvido". (STJ, 5aTurma, RH C 60.212/MS, Rei. Min. Leopoldo de Arruda R aposo - D ese m bargado r con vo cado doTJ/PE -, j. 25/08/2015, DJe 1°/09/2015).

S T J : "(...) O Tribunal de origem , ao m anter a con de ­ nação d o agravante, pela prática d o crime previsto no art. 213 do CP, valorou as palavras da vítima, bem com o a sua consonância com outros m eios de provas presentes nos autos, concluindo haver elem entos sufi­ cientes de autoria e materialidade delitiva. N os crimes sexuais, praticados quase sem pre sem a presença de testem unhas, a palavra da vítima tem especial im por­ tância q u an do corroborada por outros elem entos de convicção, o que ocorreu na espécie. (...) Agravo a que se n ega provimento". (STJ, 5a Turma, A g R g no REsp 1,468.907/RR, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 23/06/2015, DJe 03/08/2015).

6. Condução coercitiva: caso o ofendido tenha sido intimado para prestar suas de­ clarações e não compareça, é possível que a autoridade policial ou judiciária determine sua condução coercitiva (CPP, art. 201, §1°). Diversamente do que ocorre com testemunhas, que estão sujeitas ao pagamento de multa e eventual processo criminal pelo delito de de­ sobediência (CPP, art. 219), o art. 201, §1°, do CPP, prevê como consequência exclusiva do não comparecimento do ofendido a possibili­ dade de condução coercitiva. Logo, se a vítima não comparecer, não poderá ser penalizada com multa, nem tampouco se sujeitará a pro­ cesso penal pelo delito de desobediência. Essa condução coercitiva pode ser determinada até mesmo para fins de realização de exame pericial, salvo se o exame for invasivo (v.g., exame de corpo de delito em um crime de

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estupro), hipótese em que sua realização está condicionada à aquiescência da vítima. 7. Proteção do ofendido: dentre as várias alterações produzidas pela Lei n. 11.690/08, notabilizou-se a preocupação do legislador com a proteção do ofendido. Deveras, com a nova redação do art. 201, §2°, do CPP, passa a ser possível que o ofendido seja comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem. Essa comunicação deve ser feita no endereço indicado pelo ofendido, admitindo-se, por sua opção, o uso de meio eletrônico. Caso o magis­ trado entenda necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado. Ademais, com o objetivo de preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do ofendido, pode o ma­ gistrado determinar até mesmo o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação, nos exatos termos do art. 201, §6°, do CPP, com redação determinada pela Lei n. 11.690/08. 8. Obrigatoriedade de intimação do ofen­ dido: seria compulsória a necessidade de no­ tificação do ofendido para todos os atos do processo, ainda que não esteja ele interessado? Parece-nos que não. O ideal é que o ofendido seja consultado pelo juiz para dizer se tem (ou não) interesse no acompanhamento do feito. Por consequência, mesmo que a vítima não tenha se habilitado como assistente da acu­ sação, se tiver manifestado seu interesse em acompanhar a demanda, o ofendido deverá ser intimado de todos os atos processuais, em especial das decisões judiciais (ex.: absolvição sumária, extinção da punibilidade, impronúncia, sentença condenatória ou absolutória, etc.). 9. Sala separada: com o objetivo de preser­ var a tranquilidade do ofendido, geralmente abalada pelo temor de represálias, a Lei n.

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11.690/08 introduziu no art. 201, §4°, do CPP, a obrigatoriedade de se reservar um espaço separado para ele no fórum - e também nas

Delegacias de Polícia - , evitando-se possível contato não apenas com o acusado, mas tam­ bém com seus familiares.

Capítulo VI DAS TESTEMUNHAS13 Art. 202. Toda pessoa poderá ser testemunha.4 1. Testemunha: é a pessoa desinteressada e capaz de depor que, perante a autoridade judiciária, declara o que sabe acerca de fatos percebidos por seus sentidos que interessam à decisão da causa. A prova testemunhai tem como objetivo, portanto, trazer ao processo dados de conhecimento que derivam da per­ cepção sensorial daquele que é chamado a depor no processo. A testemunha é chamada a depor no processo sobre fatos passados, jamais sobre fatos futuros. . . .

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2. Natureza jurídica: cuida-se de meio de prova. Testemunha é aquela pessoa ouvida em juízo sobre os fatos delituosos em discussão no processo. Logo, ainda que determinada pessoa tenha sido ouvida na fase investigatória, seja no curso de um inquérito policial, seja durante um procedimento investigatório criminal presidi­ do pelo Ministério Público, seu depoimento deverá ser reproduzido em juízo, a fim de se fazer observar os princípios do contraditório e da ampla defesa.3 3. Espécies de testem unhas: a doutrina aponta várias espécies de testemunhas. Dentre as principais espécies, merecem especial aten­ ção: a) Testemunhas numerárias: são aquelas que são computadas para efeito de aferição do número máximo de testemunhas legalmente permitido, ou seja, as arroladas pelas partes e que prestam compromisso legal; b) Testemu­ nhas extranumerárias: não são computadas para efeito de aferição do número máximo de testemunhas legalmente permitido, podendo,

portanto, ser ouvidas em número ilimitado. São testemunhas extranumerárias: as ouvidas por iniciativa do juiz (art. 209, caput, CPP), as que não prestam o compromisso legal e foram arroladas pelas partes, e as que nada sabem que interesse à decisão da causa (CPP, art. 209, §2°); c) Testem unha direta: também conhecida como testemunha visual, é aquela que depõe sobre fatos que presenciou ou visualizou; d) Testem unha in d ireta: tam bém conhecida como testemunha auricular, essa pessoa não presenciou diretamente o fato delituoso, mas ouviu falar sobre ele. Como dito acima, em regra, a testemunha depõe a partir de seu co­ nhecimento pessoal sobre os fatos que ela foi chamada a comprovar; qualquer outro tipo de declaração é considerado testemunho indireto (em inglês, hearsay); e) Testemunha própria: é aquela que depõe sobre o thema probandum, ou seja, acerca da imputação constante da peça acusatória; f) Testemunha im própria, instrum entária ou fedatária: são aquelas que depõem sobre a regularidade de um ato ou fato processual, e não sobre o fato delituoso objeto do processo criminal. Exemplificando, dispõe o art. 304, §2°, do CPP, que a falta de testemu­ nhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante; mas, nesse caso, com o condutor, deverão assiná-lo pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade; g) Informante: são aquelas pessoas que são ouvidas, porém sem prestar o compromisso de dizer a verdade. Além das pessoas do art. 206, que porventura prestem seu depoimento, também estão incluídos os

TÍTULO VII • DA PROVA

menores de 14 (quatorze) anos, os doentes e deficientes mentais (CPP, art. 208); h) Teste­ munha referida: é aquela que foi mencionada por outra pessoa, sendo ouvida a pedido das partes ou de ofício pelo magistrado (CPP, art. 209, § 1°). Podem ou não prestar compromisso, a depender do caso concreto; i) Depoim ento a d perp etu am rei m em oriam : se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, ou esteja impossibilitada de depor, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qual­ quer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento (CPP, art. 225). O procedimento da oitiva será o da produção antecipada de provas dos arts. 846 a 850 do CPC (arts. 381 a 383 do novo CPC) por aplicação subsidi­ ária (CPP, art. 3o); j) Testemunha anônima: é aquela cuja identidade verdadeira - com­

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preendendo nome, sobrenome, endereço e demais dados qualificativos - não é divulgada ao acusado; k) Testemunha ausente: é aquela que não comparece em pessoa para prestar depoimento durante o julgamento do acusado, por diversos motivos (v.g., testemunha que faleceu logo após o crim e); 1) Testemunha remota: é aquela que presta seu depoimento por videoconferência. 4. Capacidade de ser testemunha: no âm­ bito processual penal, qualquer pessoa pode ser testemunha, desde que seja dotada de capacidade física para depor. A incapacidade jurídica é irrelevante, pois podem depor no processo penal menores de 18 (dezoito) anos, doentes e deficientes mentais. Logicamente, somente a pessoa física pode ser testemunha, na medida em que o depoimento pressupõe memória.

Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado,1devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas,2*e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.3 1. Com prom isso legal de dizer a verdade: em regra, a testemunha assume o compro­ misso de dizer a verdade, nos termos do art. 203 do CPP. Significa dizer, portanto, que a testemunha deve dizer o que sabe, não pode se calar sobre o que sabe, nem pode negar a verdade ou declarar fato inverídico. De todo modo, é bom que se diga que o dever legal de dizer a verdade não decorre do ato de a testemunha prestar o compromisso previsto no art. 203 do CPP, cuja natureza é m era­ mente processual e o valor jurídico é o de mera exortação, mas decorre do tipo penal do falso testemunho (art. 342 CP). Apesar do disposto no art. 203 do CPP, nem todas as pessoas prestam o compromisso de dizer a verdade. Nesse sentido, vide comentários ao art. 208 do CPP. Os termos de depoimento e de declarações têm a praxe de registrar a

expressão seguinte: “(...) aos costumes disse nada (...) testem unha sem contradita (...) prestado o compromisso legal. Isso significa que, às perguntas de costume (arts. 203 e 206 do CPP) sobre ser parente do acusado, amigo ou inimigo do acusado ou da vítima, disse nada, não disse coisa alguma que a impedisse de prestar o compromisso legal ou de depor. Testemunha sem contradita significa que as partes não contraditaram a testemunha, não impugnaram sua condição de testemunha, de prestar compromisso legal, etc. 2. Qualificação da testemunha: após prestar o compromisso de dizer a verdade, a teste­ munha deve declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais

Art. 204

V

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

suas relações com qualquer delas. Diverge a doutrina quanto ao crime que se configura na hipótese de a testemunha mentir quanto a sua qualificação. Parte da doutrina entende estar caracterizado o delito de falso testemunho (CP, art. 342). Segundo Magalhães Noronha {Direito penal. v. 4. São Paulo: Editora Saraiva, 1972, p. 389), “trata-se de formalidade subs­ tancial (CPP, art. 203), que influi no mérito e valor que serão dados ao depoimento. Sua falsidade ofende, do mesmo modo, os diversos interesses em litígio e atenta contra a admi­ nistração da justiça, ferindo-a em sua atuação normal e na eficácia da realização”. Em sentido diverso, Mirabete (Manual de direito penal: parte especial, v. 3. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 406) entende estar caracterizado o

delito de falsa identidade, previsto no art. 307 do Código Penal. Caso haja dúvida quanto à identidade da testemunha, procederá o juiz à verificação pelos meios ao seu alcance, poden­ do, entretanto, tomar-lhe o depoimento desde logo (CPP, art. 205). 3. Verificação da credibilidade do depoi­ mento: é importante que o magistrado tenha a sensibilidade para compreender que as diver­ sas pessoas ouvidas em juízo são diferentes na sua forma de agir, captar situações, armazená-las na memória e, finalmente, reproduzi-las. Saber separar o depoimento verossímil daquele falso e infiel é, sem dúvida alguma, uma das tarefas mais árduas no acertamento do fato delituoso.

Art. 204. O depoimento será prestado oralmente,1-2 não sendo per­ mitido à testemunha trazê-lo por escrito. Parágrafo único. Não será vedada à testemunha, entretanto, breve consulta a apontamentos.3 1. Depoimento oral: pelo menos em regra, o depoimento da testemunha deve ser prestado oralmente. Apesar de a regra ser a oralidade, o próprio CPP prevê algumas exceções: 1) De acordo com o art. 221, §1°, do CPP, certas autoridades poderão optar pela prestação de depoimento por escrito: nesse caso, para que seja preservado o contraditório e a ampla defesa, as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão transmitidas por ofício; 2) Em se tratando de depoente mudo, surdo ou surdo-mudo, sua oitiva será realizada da seguinte forma (CPP, art. 223, parágrafo único, c/c art. 192): ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente; ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito; ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as respostas. Nesses casos, se o depoente não souber ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.

2. (Im) possibilidade de mera ratificação de depoim entos prestados no inquérito policial: para que o saber testemunhai tenha o status de prova produzida em juízo sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não se pode admitir que a testemunha se limite a ratificar as declarações prestadas na fase poli­ cial. Aliás, em sede processual penal militar, há dispositivo legal expresso no sentido de que a testemunha não pode se limitar a confirmar o que relatou durante as investigações (CPPM, art. 352, caput). Não por outro motivo, em caso concreto no qual o juiz leu os depoimentos prestados pelas testemunhas da acusação em sede policial, limitando-se a colher a mera ratificação de tais declarações, concluiu a 6a Turma do STJ tratar-se de prova obtida por meios ilegítimos, daí porque foi declarada a nulidade do feito desde a audiência para oitiva de testemunhas. -f Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) A produção da prova testemunhai é complexa, e nvo lve n do n ão só o fornecim ento d o relato, oral, mas, tam bém , o filtro de credibilidade das inform a­

TÍTULO VII • DA PROVA

ções apresentadas. Assim , não se m ostra lícita a mera leitura pelo m agistrado das declarações prestadas na fase inquisitória, para que a testem unha, em se gu i­ da, ratifique-a. O rde m con ce d id a para para anular a ação penal a partir da audiência de testem unhas de acusação, a fim de que seja refeita a colheita da prova testem unhai, m ediante a regular realização das oitivas, com a efetiva tom ad a de depoim ento, sem a mera reiteração das declarações prestadas perante a autoridade policial". (STJ, 6 a Turma, H C 183.696/ES, Rei. Min. MariaThereza de Assis M oura, j. 14/02/2012).

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/ \rt. 2 0 6

3. Breve consulta a apontamentos: a regra é que o depoimento seja prestado oralmente, sendo vedado à testemunha a simples leitura de um depoimento por ela redigido em m o­ mento anterior. No entanto, a depender do caso concreto (v.g., crimes financeiros), não há óbice a eventual consulta a apontamentos (ex.: documentos) que a testemunha trouxer consigo, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa.

Art. 205. Se ocorrer dúvida sobre a identidade da testemunha, o juiz procederá à verificação pelos meios ao seu alcance, podendo, entretanto, tomar-lhe o depoimento desde logo.' 1. Dúvidas quanto à identidade da tes­ temunha: é possível que a testemunha com­ pareça ao fórum criminal na data designada para a sua oitiva sem trazer consigo qual­ quer documento de identificação. A despeito

de eventual dúvida quanto à sua verdadeira identidade, incumbe ao magistrado colher seu depoimento de imediato, sem prejuízo de ulteriores diligências para a confirmação dos seus dados pessoais.

Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor.1 Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo2 o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.3 1. O b riga ção legal de depor: consoante dispõe o art. 202 do CPP, toda pessoa poderá ser testemunha. A pessoa tem , portanto, o dever - e não o direito - de depor, contri­ buindo para o acertam ento do fato delitu­ oso. Não obstante, a própria lei processual penal aponta certas pessoas que podem se recusar a depor (CPP, art. 206), e outras que estão até mesmo proibidas de depor (CPP, art. 207). 2. Recusa legal a depor: segundo o art. 206 do CPP, a testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descen­ dente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado (leia-se: separado ou divorcia­ do), o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a

prova do fato e de suas circunstâncias. Por força constitucional (CF, art. 226, §3°), tam ­ bém deve ser incluído nesse rol de pessoas que podem recusar-se a depor o companheiro ou a companheira. O dispositivo sob comen­ to tem com o objetivo precípuo preservar a harmonia familiar, evitando que pessoas ligadas por laços de parentesco ou conjugais sejam obrigadas a depor em detrimento de seus entes próximos. Apesar de a lei permitir que tais pessoas possam recusar-se a depor, depreende-se que seu depoimento pode ser prestado em duas hipóteses: a) quando assim o desejarem - perceba-se que o art. 206 do CPP prevê que elas podem recusar-se a depor, significando, portanto, que caso queiram prestar seu depoimento, poderão fazê-lo, dei­ xando de exercer a faculdade outorgada pela lei. Nesse caso, não prestam o compromisso

Art. 207

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

a que se refere o art. 203 do CPP; b) quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas cir­ cunstâncias: supondo-se delito cometido no ambiente familiar, outro caminho não haverá senão a oitiva dos familiares que presencia­ ram a prática do delito. 3. Ausência de com prom isso dos depoentes a que se refere o art. 206 do CPP e tipificação do crime de falso testem unho (CP, art. 342): não há consenso na doutrina quanto à possibilidade de a testemunha não compromissada a que se refere o art. 206 do CPP responder pelo crime de falso testemu­ nho. Parte minoritária da doutrina entende que, como o juramento ou compromisso não é pressuposto do crime, é indiferente tratar-se de testemunha numerária ou mero informan­ te. Outra corrente sustenta a impossibilidade de as testemunhas não compromissadas (me­ ros informantes) praticarem falso testemu­ nho, ante a inexistência do dever de dizer a verdade, em razão do vínculo que as prende a uma das partes e que as torna desmerecedoras da mesma credibilidade das demais, isto é, das testemunhas numerárias. Nesse sentido: BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 5: p arte especial: dos crimes

contra a adm inistração pública, dos crimes praticados p o r prefeitos (Lei n. 10.028/00). 3a ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 304. Acerca do assunto, há precedente antigo do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, como a formalidade do compromisso não integra o tipo do crime de falso testemunho, é possível que aquele que não seja obrigado pela lei a depor como testemunha, mas que se disponha a fazê-lo e seja advertido pelo Juiz, possa responder pelo crime do art. 342 do CP. Com raciocínio semelhante, em caso

concreto relativo à esposa que teria m enti­ do em processo crim inal no qual figurava como acusado seu marido, a 6a Turma do STJ concluiu recentemente que, para a carac­ terização do crime de falso testemunho, não é necessário o compromisso da testemunha. Porém, no caso, como a testemunha possuía fortes laços afetivos com o réu (esposa), não se podia exigir que ela dissesse a verdade, justamente em desfavor da pessoa pela qual nutre afeição, colocando em risco até mesmo a própria unidade familiar. Assim, por não haver ilicitude na conduta, a Turma concedeu a ordem para trancar a ação penal. + Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) T e ste m u n h a q u e n ão p re sto u c o m p r o ­ m isso e m p ro c e sso civil p o r ser p rim a d a parte, m a s q u e foi a d v e rtid a d e q u e s u a s d e c la ra ç õ e s p od eríam caracterizar ilicito penal. A fo rm alid ade d o c o m p ro m isso n ão m ais integra o tip o d o crim e de falso testem unho, dive rsam e nte d o q u e ocorria no prim eiro C ó d ig o Penal da R ep u blica, Decreto 847, de 11/10/1890. Q u e m n ã o é o b r ig a d o pela lei a d e p o r c o m o testem unha, m as q u e se d isp õ e a fazê-lo e é ad ve rtido pelo Juiz, m e sm o sem ter pre stado c o m p ro m isso p o d e ficar sujeito às pen as d o crim e d e falso testem u n ho. Precedente: H C n. 66.511 -0,1 a Turma. "H abe as-corpu s"co n he cido , m as indeferido". (STF, 2a Turma, H C 69.358/RS, Rei. M in. Paulo Brossard, DJ 09/12/94 p. 339).

S T J : "(...) Para a caracterização do crime de falso teste­ m u nho não é necessário o com prom isso. Precedentes. Tratândo-se de testem unha com fortes laços de afetividade (esposa) com o réu, não se pod e exigir-lhe diga a verdade, justam ente em detrim ento da pessoa pela qual nutre afeição, p o n d o em risco até a m esm o a própria unidade familiar. Ausência de ilicitude na con­ duta. Conclusão condizente com o art. 206 d o C ó d ig o de Processo Penal q ue autoriza os familiares, inclusive o cônjuge, a recusarem o depoim ento. H abeas corpus deferido para trancar a ação penal". (STJ, 6 a Turma, HC 92.836/SP, Rei. Min. M aria Thereza de Assis Moura, j. 27/4/2010, DJe 17/05/2010).

Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo,1'2salvo se, desobri­ gadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.3 1. Proibição legal de depor: diversamente do art. 206 do CPP, que lista pessoas que

podem se recusar a depor, o art. 207 do CPP estabelece uma proibição legal ao depoimento

TÍTULO V II-D A PROVA

de cerrtas pessoas. É o que acontece, por exem­ plo, em relação ao padre, quanto ao conteúdo da confissão religiosa; ou com o psicólogo, em relação ao teor da sessão de terapia. Para fins do disposto no art. 207 do CPP, compreende-se por função o encargo que alguém recebe em virtude de lei, decisão judicial ou contra­ to, também abarcando a função pública; por ministério entende-se o encargo em atividade religiosa ou social (v.g., padre); por ofício subentende-se a atividade em inentemente mecânica, manual; profissão é a atividade de natureza intelectual, ou aquela que contempla a conduta habitual do indivíduo, tendo fim lucrativo. A propósito, vale lembrar que o Código Penal prevê o tipo penal de violação do segredo profissional (CP, art. 154), que consiste em alguém, sem justa causa, revelar segredo, de que tem ciência em razão da função, ministé­ rio, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem. Equivale a dizer que tais pessoas, que a doutrina denomina confi­ dentes necessários, estão proibidas de revelar segredos e, consequentemente, de depor sobre esses fatos como testemunha, o que encontra ressonância na proibição contida no art. 207 do CPP. + Jurisprudência selecionada: S T J : "(...) O sigilo profissional é exigência fundam ental da vida social que se deve ser respeitado c o m o prin­ cípio de ordem pública, por isso m esm o que o Poder Judiciário não dispõe de força cogen te para im por a sua revelação, salvo na hipótese de existir específica norm a de lei formal autorizando a possibilidade de sua quebra, o que não se verifica na espécie. O interesse público d o sigilo profissional decorre d o fato de se constituir em um elem ento essencial à existência e à d ign id ade de certas categorias, e à necessidade de se tutelar a confiança nelas depositada, sem o que seria inviável o de se m pe n ho de suas funções, bem com o por se revelar em u m a exigência da vida e da paz social. Hipótese em que se exigiu da recorrente - ela que tem notória especialização em serviços contábeis e de auditoria e não é parte na causa - a revelação de segredos profissionais o btidos q u an do anteriormente prestou serviços à ré da ação”. (STJ, 4 a Turma, R M S 9.612/SP, Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 03/09/1998, DJ 09/11/1998 p. 103).2

2. Parlamentares, m a gistrad os e m em ­ bros d o M inistério Público: de acordo com

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Art. 207

a Constituição Federal, Deputados e Sena­ dores não serão obrigados a testem unhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles recebe­ ram informações (CF, art. 53, §6°). De modo semelhante, juizes e membros do Ministério Público não podem atuar em processo em que tenham servido como testemunhas, nos term os do art. 252, inciso II, c/c art. 258, ambos do CPP. 3. Liberação do dever de guardar o sigilo e interesse em dar o depoimento: ainda que as pessoas listadas no art. 207 do CPP queiram dar seu depoimento, não poderão fazê-lo, a não ser que sejam desobrigadas pela parte interes­ sada e tenham interesse em fazê-lo. Portanto, se a parte interessada desobrigá-la, ela passa a ter o direito de depor, mas não a obrigação. Se várias forem as pessoas interessadas, é ne­ cessária a autorização de todas. Todavia, em alguns casos, mesmo que a pessoa proibida de depor seja desobrigada pela parte interessada, e queira prestar seu depoimento, isso não será possível. Nessas hipóteses, não se aplica o art. 207 do CPP, mas sim a lei específica. É o que ocorre, por exemplo, com advogados, na medi­ da em que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil proíbe o advogado de depor, mesmo que desobrigado pela parte interessada. O art. 7o, inciso XIX, da Lei n. 8.906/94 prevê que é direito do advogado “recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo cons­ tituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional”. Em sentido semelhante, o art. 26 do Código de Ética e Disciplina da OAB também prevê que “o advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que auto­ rizado ou solicitado pelo constituinte”. Somen­ te em situações excepcionais é que se verifica a presença de justa causa autorizadora da revela­

Art. 208

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

ção do segredo, como ocorre no caso de grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado é afrontado pelo próprio cliente ou necessitar depor em defesa própria (art. 25 do Código de Ética e Disciplina da OAB). Não se deve interpretar o referido dispositivo no sentido de que o advogado jamais poderá ser testemunha. Na verdade, essa proibição está relacionada ao conteúdo da confidência que o advogado teve conhecimento para exercer o múnus que lhe foi confiado.

cliente da testem unha - o Partido d o s Trabalhadores - nem os fatos investigados na presente ação penal gu ardam relação com o hom icídio d o então Prefeito do M unicípio de Santo André. A proibição de depor diz respeito ao conteúdo da confidência de que o advogado teve conhecimento para exercer o m únus para o qual foi contratado, não sendo este o caso do s autos. O s fatos que interessam à presente ação penal já foram objeto de am pla investigação, e a própria testemunha -q u e ora recusa-se a depor - já prestou esclarecimentos sobre os m esm os na fase inquisitorial, perante a autoridade poli­ cial. Assim, o s fatos não estão protegidos pelo segredo profissional. Ausente a proibição de depor prevista no art. 207 d o C ó d ig o de Processo Penal e inaplicável a



Jurisprudência selecionada:

prerrogativa prevista no art. 7°, XIX, da Lei n° 8.906/94, a testem unha tem o dever de depor. Questão de ordem

STF: "(...) O

ad vo gad o arrolado com o testem unha de

resolvida no sentido de indeferir o pedido de dispensa

acusação na presente ação penal defendeu os interesses

e manter a necessidade d o depoim ento da testemunha

d o Partido d o s Trabalhadores no de n om in ado "Caso

arrolada pela acusação, cuja oitiva deve ser desde logo

Santo André". N ão se aplica a prerrogativa prevista no

d e sign ad a pelo juízo delegatário competente". (STF,

art. 7o, XIX, da Lei n° 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos

Tribunal Pleno, AP 470 Q O -Q O /M G , Rei. Min. Joaquim

A d vo gad o s d o Brasil), tendo em vista que nem o antigo

Barbosa, DJe 079 29/04/2009).

Art. 208. Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206.1 1. Não deferimento do com prom isso de dizer a verdade: pelo menos em regra, toda testemunha deve prestar o compromisso legal de dizer a verdade (CPP, art. 203). No entanto, há exceções à regra. É o que acontece, por exemplo, com aquelas pessoas enumeradas no art. 206 do CPP. Como visto anteriormente, tais pessoas não têm a obrigação de depor, a não ser que não seja possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias. Nessa hipótese, caso sejam ouvidas, não prestam o compromisso de dizer a verdade. De modo semelhante, os menores de 14 (quatorze) anos, doentes e deficientes

mentais também não são compromissados. Nesse sentido, dispõe o art. 208 do CPP que não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206. Importante perceber que, se acaso as pessoas proibidas de depor (CPP, art. 207) queiram dar o seu testemunho, e sejam desobrigadas pela parte interessada, deve­ rão prestá-lo devidamente compromissadas. Depoentes são as testemunhas que prestam compromisso legal, enquanto que declarantes ou informantes são as pessoas que não prestam o compromisso legal de dizer a verdade.

Art. 209.0 juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras teste­ munhas, além das indicadas pelas partes.1 §1° Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.2 §2° Não será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à decisão da causa.3 650

TÍTULO V II-D A PROVA

1. Iniciativa probatória do m agistrado e testem unhas do juízo: pelo menos em regra, recai sobre as partes o ônus de comprovar a veracidade (ou falsidade) das afirmações que interessem à solução do processo. No entanto, durante o curso do processo judicial, confere-se ao magistrado certa iniciativa probatória residual (CPP, art. 156, II), dentro da qual se inclui a possibilidade de determinar a oitiva de outras testemunhas além das indicadas pelas partes. As testemunhas do juízo devem ser ouvidas após o término da produção da prova testemunhai requerida pelas partes. Em se tratando de testemunhas do juízo, as perguntas devem ser formuladas, inicialmente, pelo próprio magistrado, e, na sequência, pelo Ministério Público (querelante e assistente) e pela defesa técnica. Para mais detalhes acerca

Art.210

do assunto, remetemos o leitor aos comentá­ rios ao art. 212 do CPP. 2. Testemunha referida: é aquela que foi mencionada por outra pessoa, sendo ouvida a pedido das partes ou de ofício pelo magistrado (CPP, art. 209, §1°). Podem ou não prestar compromisso, a depender do caso concreto. 3. Computo de testemunha: testemunhas extranumerárias são aquelas que não são compu­ tadas para efeito de aferição do número máximo de testemunhas legalmente permitido, podendo, portanto, ser ouvidas em número ilimitado. São testemunhas extranumerárias: as ouvidas por iniciativa do juiz (art. 209, caput, CPP), as que não prestam o compromisso legal e foram arroladas pelas partes, e as que nada sabem que interesse à decisão da causa (CPP, art. 209, §2°).

Art. 210. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras,' devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso testemunho.2 (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) Parágrafo único. Antes do início da audiência e durante a sua realização, serão reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas.3 (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) 1. Inquirição individualizada das teste­ munhas: as testemunhas são inquiridas se­ paradamente. Com o objetivo de evitar que o depoimento de uma testemunha influencie indevidamente o depoimento das demais, deve o magistrado evitar que aquelas que ainda não foram ouvidas possam ter contato com o depoimento prestado pelas outras. 2. Advertência quanto ao crime de falso testemunho: antes de iniciar a colheita do depoimento, deve o juiz dar ciência à teste­ munha de que fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade tipifica o crime de falso testemunho previsto no art. 342 do Código Penal, ao qual é cominada pena de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Trata-se de mera formalidade, cuja omissão caracteriza mera irregularidade, que não tem o condão de elidir o juízo de tipicidade do crime de falso testemunho.

3. Incom unicabilidade das testemunhas: o objetivo dessa incom unicabilidade pre­ vista no art. 210, parágrafo único, do CPP, é preservar a autenticidade da prova testemu­ nhai, evitando que uma testemunha possa ser induzida por outra, considerando como próprias percepções alheias, alterando de maneira inconsciente as informações que irá transmitir ao juiz. Essa incomunicabilidade deve ser fiscalizada antes e durante a audi­ ência. No entanto, jam ais será possível sua fiscalização fora do juízo. Portanto, eventual contato entre testemunhas antes da realização da audiência una de instrução e julgamento deve ser considerado mera irregularidade, devendo o magistrado ficar atento a essa possibilidade quando da valoração de seu depoimento. Como esclarece Ada Pellegrini Grinover (As nulidades no processo penal. Op. cit. p. 153), “a incomunicabilidade prevista

Art. 211

v CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

na disposição em exame não tem o mesmo rigor daquela adotada em relação aos jurados, nem a sua violação conduzirá a nulidade do depoimento, como sucede no procedimento do júri para a comunicação entre jurados (art. 466, §1°, CPP, na redação da Lei 11.689/2008

e art. 564, I I I ,;, na redação original). O que poderá ocorrer, se constatada a sua quebra, é a formulação mais minuciosa de perguntas, para aferição da sinceridade das declarações, além de uma avaliação final mais crítica do conteúdo do depoimento”.

Art. 211. Se o juiz, ao pronunciar sentença final, reconhecer que al­ guma testemunha fez afirmação falsa, calou ou negou a verdade, remeterá cópia do depoimento à autoridade policial para a instauração de inquérito.12 Parágrafo único. Tendo o depoimento sido prestado em plenário de julgamento, o juiz, no caso de proferir decisão na audiência (art. 538, §2°), o tribunal (art. 561), ou o conselho de sentença, após a votação dos quesi­ tos, poderão fazer apresentar imediatamente a testemunha à autoridade policial.3 1. Reconhecimento de falso testemunho: por força do art. 342, §2°, do Código Penal, o crime de falso testemunho deixa de ser puní­ vel, se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade. Ora, se o sujeito ativo do falso pode se retratar pelo menos enquanto não for proferida sentença no processo em que ocorreu o ilícito, nada mais lógico do que estabelecer este ato processual como o momento adequado para a análise de eventual crime de falso testemunho. Por isso, o art. 211 do CPP preceitua que, ao proferir a sentença condenatória (ou absolutória) ao final do processo, incumbe ao juiz verificar se alguma testemunha fez afirmação falsa, negou ou calou a verdade, hipótese em que cópia do respectivo depoimento deve ser encaminhada à Polícia Judiciária para fins de instauração de inquérito policial. De todo modo, ainda que o magistrado não determine a remessa de cópia do depoimento ao Dele­ gado de Polícia, isso não impede posterior instauração de inquérito policial e/ou processo criminal quanto ao crime do art. 342 do Códi­ go Penal, porquanto referido delito é de ação penal pública incondicionada.2 2. Inexistência de condenação: esta re­ messa de cópia do depoimento à autoridade policial não implica julgamento do mérito, nem tampouco condenação pela prática do crime do art. 342 do CP, já que sequer houve 652

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denúncia em relação a esse delito. Enfim, referido delito há de ser objeto de uma in­ vestigação preliminar e de um novo processo penal condenatório, assegurando-se o respeito ao contraditório e à ampla defesa. 3. Prisão em flagrante por falso testem u­ nho: o parágrafo único do art. 211 do CPP deve ser lido à luz das diversas mudanças sofridas pelo Código de Processo Penal nos últimos anos. O §2° do art. 538 do CPP foi revogado pela Lei n. 11.719/08. Referia-se à decisão proferida ao final da audiência una de instrução e julgamento do procedimento comum sumário. Por sua vez, o art. 561 do CPP, que versava sobre o julgam ento dos feitos submetidos ao procedim ento origi­ nário dos Tribunais, foi revogado pela Lei n. 8.658/93. Com o se percebe, o art. 211, parágrafo único, do CPP, trata das hipóteses em que o crime de falso testemunho ocorre em uma audiência ou sessão de julgamento concentrada ao final do qual é proferida uma sentença condenatória ou absolutória, a exemplo de uma audiência una de instrução e julgamento (v.g., art. 400 do CPP), ou uma sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri. Nesses casos, diante da prolação da sentença, o autor do falso testemunho não mais terá a possibilidade de se retratar. Portanto, o magistrado deverá apresentá-lo de imediato

TÍTULO VII • DA PROVA

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Aft. 21 2

à autoridade policial para que seja autuado em flagrante delito.

Art.212 . As perguntas1serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha,2não admitindo o juiz aquelas que puderem induzira resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.3(Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) P arágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá com­ plementar a inquirição.4-5(Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) 1. Regramento anterior à Lei n. 11.690/08 (sistema presidencialista): antes da reforma processual de 2008, era essa a redação do art. 212 do CPP: “As perguntas das partes serão requeridas ao juiz que as formulará à testemu­ nha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida”. 2. Exame direto e cruzado: não obstante a nova redação conferida ao art. 212 do CPP pela Lei n. 11.690/08, notadamente de seu parágrafo único, há doutrinadores que ainda sustentam que as perguntas devem continuar sendo feitas em primeiro lugar pelo magistra­ do. É essa a posição, entre outros, de Guilher­ me de Souza Nucci (Manual de processo penal e execução penal. 5a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. pp. 474/475), para quem o art. 212 do CPP, com redação dada pela Lei n. 11.690/08, só alterou o sistema de inquirição feito pelas partes. Nada mais. Segundo o autor, “o juiz, como presidente da instrução e destinatário da prova, continua a abrir o depoimento, formulando, como sem­ pre fez, as suas perguntas às testemunhas de acusação, de defesa ou do juízo. Somente após esgotar o seu esclarecimento, passa a palavra às partes para que, diretamente, reperguntem”. Com a devida vênia, não conseguimos concor­ dar com tal entendimento, até mesmo porque não se consegue imaginar como alguém irá “complementar” aquilo que ainda não se ini­ ciou. A nova redação do art. 212 do CPP é de clareza meridiana, significando que deverão as partes formular as perguntas em primeiro lugar, fazendo-o através de perguntas formu­

ladas diretamente à testemunha. Após o exame direto e cruzado, o juiz poderá, então, formular perguntas às testemunhas sobre os pontos não esclarecidos, complementando a inquirição. É bem verdade que, no dia-a-dia do foro, ainda há certa relutância por parte de muitos juizes em seguir o novo modelo estabelecido pelo art. 212, teimando em continuar perguntando primeiro e a receber e retransmitir as per­ guntas das partes às testemunhas, contando, vez por outra, com o aval subserviente das próprias partes. No entanto, o fato de não se concordar com o modelo típico previsto em lei não confere ao operador do Direito a possibilidade de se arvorar contra ela. Com esse entendimento: BASTOS, Marcelo Lessa.

Processo penal e gestão da prova: a questão da iniciativa instrutória do juiz em fa ce do sistema acusatório e da natureza da ação penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 87. A salutar abolição do sistema presidencial, no qual o juiz perguntava primeiro e as partes faziam perguntas por interm édio do magistrado, pela adoção do método acusatório (as partes iniciam a inquirição e o juiz a encerra), veio tornar mais eficaz a produção da prova oral, visto que permite o efetivo exame direto e cruzado do contexto das declarações tomadas, o que melhor delineia as atividades de acusar, defender e julgar. Essa mudança visa não apenas simplificar a colheita de provas, mas, principalmente, garantir mais neutralidade ao magistrado e conferir maiores responsabili­ dades aos sujeitos parciais do processo penal, que são, na realidade, os grandes protagonistas na produção da prova. Esse novo regramento vem, ademais, ao encontro do sistema acusa­ tório adotado no ordenamento pátrio (CF, art. (^ 6 5 3

212

cpp COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

129, inciso I), deixando a cargo das partes a primazia da produção da prova, sem olvidar da iniciativa probatória do juiz, a ser exercida de maneira subsidiária, para complementar a prova e dirimir dúvida sobre pontos relevan­ tes. Além de contribuir para uma apuração mais correta dos fatos delituosos e atestar a correção do debate dialético entre as partes, a adoção desse método de exame direto e cruzado serve igualmente à legitimação das decisões. De mais a mais, não se pode esquecer que uma das grandes diretrizes da reforma processual penal de 2008 é o prestígio do sistema acusatório, por meio do qual se va­ loriza a imparcialidade do juiz, que deve ser o destinatário da prova, e não seu produtor, na feição inquisitiva. Destarte, em virtude da alteração do art. 212 do CPP, a testemunha será colocada, inicialmente, em contato direto com as partes, sendo inquirida, primeiramente, por quem a arrolou ( direct-exam ination ) e, em seguida, submetida ao exame cruzado pela parte contrária ( cross-examination), cabendo ao magistrado, nesse momento, apenas decidir sobre a admissibilidade das perguntas, indefe­ rindo aquelas que possam induzir a resposta, não tenham relação com a causa ou que im­ portem na repetição de outra já respondida. Posteriormente, defere-se ao magistrado a possibilidade de complementar a inquirição quanto aos pontos não esclarecidos (CPP, art. 212, parágrafo único). Como se vê, o próprio art. 212 defere ao magistrado a possibilidade de indeferir perguntas que possam induzir a resposta, não tenham relação com a causa, ou importem na repetição de outra já respondida. Portanto, são vedadas as perguntas sugestivas (em inglês, “leading questions”). Este con­ ceito compreende perguntas que induzem a testemunha a responder de forma específica e desejada pelo inquiridor, e perguntas que implicam reconhecimento de fato ainda não comprovado. Todas as perguntas formula­ das pelas partes devem ser relevantes, isto é, guardar relação de pertinência lógica com os fatos sob julgamento, e admissíveis, segundo as regras de exclusão probatória. As pergun­ tas podem versar sobre os fatos imputados ao acusado ou a respeito da credibilidade da

testemunha. Nessa linha, segundo Gomes Filho (Provas: Lei n. 11.690, de 09.06.2008. In: ASSIS MOURA, Maria Thereza Rocha de (coord.). As reformas no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 286), “no cross-examination evidenciam-se as vantagens do contraditório na coleta do ma­ terial probatório, uma vez que, após o exame direto, abre-se à parte contrária, em relação à qual a testemunha é presumidamente hostil, um amplo campo de investigação. No exame cruzado, é possível fazer-se uma reinquirição a respeito dos fatos já abordados no primeiro exame ( cross-examination as to facts), como também formular questões que tragam à luz elementos para a verificação da credibilidade do próprio depoente ou de qualquer outra testemunha ( cross-examination as to credit)”. -f Jurisprudência selecionada: S T J : "(...) S e gu n d o o entendim ento majoritário desta Corte, não há qualquer vício a ser sanado nas hipóteses em que, apesar de intimado, o Ministério Público deixa de com parecer à audiência e o M agistrado, c on d u ­ tor d o processo, form ula perguntas às testem unhas sobre os fatos con stante s da denúncia, m orm ente n as h ipóteses em q u e a defesa n ão se in surge no m om e nto o po rtu n o e que não há dem onstração de efetivo prejuízo (art. 563 d o CPP). A s m odificações introduzidas pela Lei n.° 11.690/08, ao art. 212 do C ó d ig o de Processo Penal, n ão retiraram d o juiz a possibilidade de formular perguntas às testemunhas, a fim de com plem entar a inquirição, na m edida em que a própria legislação adjetiva lhe incum be d o dever de se aproximar o m áxim o possível da realidade d o s fatos (princípio da verdade real e do im pulso oficial), o que afasta o argum ento de violação ao sistema acusatório. Eventual inobservância ao d isp o sto no art. 212 d o C ó d ig o de Processo Penal gera nulidade meram ente relativa, sendo necessário para seu reconhecim ento a alegação no m om e nto opo rtu n o e a com provação d o efetivo prejuízo, o que não ocorreu, um a vez que, presente em audiência, o causídico não suscitou o vício no decorrer das oiti vas, tam po u co nas alegações finais, não lo gran do dem onstrar qual o prejuízo causado ao réu. Recurso especial provido para excluir a nulidade reconhecida pelo Tribunal a q u o e, por conseguinte, determ inar o retorno do s autos a fim de que se prossi­ g a no julgam e nto d o mérito d o apelo". (STJ, 6 aTurma, REsp 1.348.978/SC, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 17/12/2015, DJe 17/02/2016).

3. Indeferimento de perguntas pelo m a­ gistrado: para mais detalhes acerca do indefe­

TÍTULOV II-D A P R O V A

rimento de provas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, remetemos o leitor aos co­ mentários ao art. 400, §1°, do CPP. Nesse caso, deve a parte expressar seu inconformismo, protestando no sentido de fazer constar do ter­ mo de audiência não apenas o indeferimento da pergunta por ela formulada, mas também a justificativa apresentada pelo magistrado. Posteriormente, a matéria poderá ser ventilada como preliminar de futura e eventual apelação a título de suposto cerceamento da acusação (ou da defesa). 4. Consequências decorrentes da inobser­ vância do art. 212 d o CPP: a jurisprudência do STJ acabou se consolidando no sentido de restar caracterizada mera nulidade relativa. Logo, a nulidade deve ser arguida oportuna­ mente, sob pena de preclusão, sendo neces­ sária, ademais, a comprovação do prejuízo. Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal entende que a inversão da ordem de inquirição das testemunhas, fazendo o magistrado suas perguntas em primeiro lugar para, somente depois, permitir que as partes o façam, ca­ racteriza nulidade relativa, razão pela qual, além da demonstração de prejuízo, também deveria haver arguição oportuna, sob pena de preclusão. Se se trata de mera nulidade relativa, é importante deixar consignado que eventual concordância das partes quanto à não observância do art. 212 do CPP por ocasião da audiência una de instrução e julgamento acarretará a convalidação da nulidade. Afinal, por força do princípio da boa-fé, ninguém pode arguir nulidade para a qual tenha con­ corrido (CPP, art. 565). Ora, se a parte não demonstrou sua irresignação no momento em que a testemunha era inquirida pelo juiz através do sistema presidencialista, não po­ derá, posteriormente, arguir a nulidade do referido ato processual.

Art. 212

esclarecimentos. Em anterior writ aqui impetrado, esta Corte Superior de Justiça reconheceu a eiva ora recla­ m ada na m esm a ação penal em tela, em bora em ato distinto, considerando tratar-se de nulidade absoluta. N os dias atuais, o entendim ento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça evoluiu para exigir que o reconheci­ m ento da nulidade pela inobservância d o disp osto no artigo 212 d o C ó d ig o de Processo Penal seja precedida da sua arguição oportuna, bem com o da com provação do efetivo prejuízo suportado. Em bora não se tenha notícia de eventual sentença condenatória proferida na ação penal em tela, o que im pe de o reconheci­ m ento de prejuízo em detrim ento d o paciente com a utilização da prova colhida em de scon fo rm idad e com o m od elo legal para a form ação da convicção do m agistrado, evita-se, em nom e da segurança jurídica, a ad oção de soluções díspares para a m esm a questão no bojo d o m esm o processo. O rdem concedida, nos term os d o voto do Relator". (STJ, 5aTurma, HC 210.703/ SP, Rei. Min. Jorge Mussi, ju lgad o em 20/10/2011).

S T J : "(...) N ão acarreta, em princípio, prejuízo à defesa a alteração, na audiência de testem unha (Cód. de Pr. Penal, art. 212, na redação da Lei n° 11.690/08), da ordem de q u em form ula perguntas. Isso não altera o sistema acusatório. Em caso tal, há de haver um quid, representado pelo efetivo prejuízo para a defesa. À vista disso, não há falar em nulidade, m uito m enos a b ­ soluta, quando, com o no caso do s autos, o juiz inverte a ordem de inquirição de testem unhas, ouvind o -as antes que as partes - autor e réu - form ulem suas per­ guntas. O rdem denegada". (STJ, 6 aTurma, HC 144.909/ PE, Rei. Min. Nilson Naves, DJe 15/03/2010). N o m esm o sentido: STJ, 6 a Turma, H C 121.215/DF, Rei. Min. O g Fernandes, DJe 22/02/10.

S T J : "(...) A inversão da ordem de inquirição de teste­ m unhas estabelecida pelo art. 212 d o C ó d ig o de Pro­ cesso Penal constitui nulidade capaz de viciar o proces­ so q u an d o suscitada a tem p o e q u an d o dem onstrado prejuízo efetivo sofrido pelo paciente. Hipótese em que a nulidade tanto foi arguida no m om e nto adeq u ad o com o tam bé m ficou dem on strado o prejuízo sofrido pelo paciente com a inquirição das testem unhas feitas em primeiro lugar pelo juiz. O rdem concedida". (STJ, 6 a Turma, H C 212.618/RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 24/04/2012).

S T F : "(...) A m agistrada que não observa o procedim en­ to legal referente à oitiva das testem unhas durante a audiência de instrução e julgam ento, fazendo suas perguntas em primeiro lugar para, som ente depois, permitir que as partes inquiram as testem unhas, in­

+ Jurisprudência selecionada:

corre em vício sujeito à sanção de nulidade relativa,

S T J : "(...) A nova redação d a da ao art. 212 d o CPP, em

que deve ser arguido oportunam ente, ou seja, na fase das alegações finais, o que não ocorreu. O princípio

vigor a partir de ag o sto de 2008, determ ina que as ví­ timas, testem unhas e o interrogado sejam perquiridos direta e prim eiram ente pela acusação e na sequência

d o pas de nullité sans grief exige, sem pre que possível, a dem onstração de prejuízo concreto pela parte que

pela defesa, possibilitando ao m agistrado com plem en­

suscita o vício. Precedentes. Prejuízo não dem onstra­ d o pela defesa. O rdem denegada". (STF, I a Turma, HC

tar a inquirição qu an do entender necessário quaisquer

103.525/PE, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 03/08/2010, DJe

Art.213

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

159 26/08/2010). N o m esm o contexto: STF, 2a Turma, H C 115.336/RS, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 21/05/2013.

5. Testemunhas do juízo:nesse caso, é invi­ ável que o juiz exija da acusação (ou da defesa) a formulação das perguntas em primeiro lugar. Isso porque, tratando-se de prova que não foi requerida pela acusação (ou pela defesa), não se pode dela exigir que dê início à formulação das perguntas, visto que não tem conhecimen­

to sobre a real identidade das testemunhas, o que acaba por inviabilizar não só a exploração do saber testemunhai, como também a aferição de sua credibilidade. Por isso, em se tratando de testemunhas do juízo, parece-nos que, sob pena de evidente cerceamento da acusação (ou da defesa), as perguntas devem ser formuladas, inicialmente, pelo juiz, que, na sequência, deve franquear às partes - acusação e defesa, nesta ordem - o direito de fazer reperguntas.

Art. 213.0 juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apre­ ciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato.1 1. Objetividade: como a testemunha depõe sobre fatos, deve se abster de emitir qualquer juízo de valor, salvo quando sua opinião for inerente à própria narrativa do fato delituoso. A título de exemplo, não deve o magistrado permitir que a testemunha aponte quem ela entende ter sido o autor do delito. Na verdade, seu depoimento deve se limitar ao relato dos fatos de que tem conhecimento a partir de

suas percepções sensoriais. Logicamente, em determinadas situações, sua opinião será indis­ sociável de sua narrativa. É o que acontece, por exemplo, em um crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, quando a testemunha relata a suposta velocidade em que se encontrava o veículo dirigido pelo acusado. Nesse caso, não há como afastar sua apreciação subjetiva.

Art. 214. Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão con­ traditar a testemunha' ou argüir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de parcialidade, ou indigna de fé.2 O juiz fará consignar a contradita ou argüição e a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não lhe deferirá compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208. 1. Contradita da testemunha: a primeira parte do art. 214 do CPP versa sobre a contra­ dita da testemunha. Contraditar a testemunha significa impugnar seu depoimento, com o objetivo de impedir, por exemplo, que uma tes­ temunha proibida de depor (CPP, art. 207) seja ouvida. Nada impede que a parte que arrolou a testemunha apresente contradita, devendo o incidente ser decidido pelo magistrado na pró­ pria audiência, antes de iniciar o depoimento. 2. Argüição de parcialidade da testemu­ nha: está prevista na segunda parte do art. 214 do CPP, quando o dispositivo legal faz

referência à possibilidade de as partes arguirem circunstâncias ou defeitos que tornem a testemunha suspeita de parcialidade, ou indigna de fé. Na argüição de parcialidade, a parte pode alegar circunstâncias ou defeitos que tornem a testemunha suspeita de parcia­ lidade ou indigna de fé, como, por exemplo, o fato de se tratar de um amigo de infância do acusado. Nessa hipótese, o objetivo não é o de excluir a testemunha. Na verdade, o objetivo da argüição de parcialidade é o de fazer constar do ato que a testemunha é tendenciosa, o que será sopesado pelo magistrado quando da valoração de seu depoimento.

TÍTULO VII. DA PROVA

Art.217

Art. 215. Na redação do depoimento, o juiz deverá cingir-se, tanto quanto possível, às expressões usadas pelas testemunhas, reproduzindo fielmente as suas frases.' 1. Registro dos depoimentos: à época em que o depoimento das testemunhas era re­ duzido a termo por meio de um ditado do magistrado ao servidor do Poder Judiciário, era importante que o juiz se valesse das mes­ mas expressões por elas utilizadas, de modo a reproduzir fielmente seus dizeres. Daí a justificativa para a regra constante do art. 215

do CPP. Hoje, no entanto, são raros os depoi­ mentos que ainda são documentados dessa forma. Geralmente, a prova oral é registrada por meio de gravação magnética ou digital (CPP, art. 405, §1°), sem qualquer interferência do magistrado. Em outras comarcas, é cada vez mais comum a utilização dos serviços de estenotipia.

Art. 216. O depoimento da testemunha será reduzido a termo, assi­ nado por ela, pelo juiz e pelas partes. Se a testemunha não souber assinar, ou não puder fazê-lo, pedirá a alguém que o faça por ela, depois de lido na presença de ambos.1'3 1. Redução a termo do depoimentorquando o depoimento da testemunha for reduzido a termo, leia-se, formalizado por escrito, essa peça escrita deve ser assinada não apenas por ela, mas também pelo magistrado e pe­ las partes. O art. 216 do CPP faz duas res­ salvas à regra: a) quando a testemunha não souber assinar (ex.: analfabeto); b) quando a testemunha não puder assinar o documento (v.g., mão engessada). Nessas hipóteses, uma terceira pessoa deve assinar o termo por ela, imediatamente após a sua leitura na presença dela e da testemunha que não pôde assinar o documento. Trata-se de espécie de testemunha fedatária, instrumentária ou de leitura.

2. Recusa em assinar o termo do depoi­ mento: perceba-se que o art. 216 do CPP não faz qualquer referência à hipótese em que a testemunha se recusa a assinar o termo. Diante do silêncio legal, não há necessidade de desig­ nação de um terceiro para assinar o termo. Na verdade, basta que a recusa - e o respectivo motivo - seja consignada pelo magistrado na ata da audiência. 3. Ausência de assinatura: o fato de a tes­ temunha ter se esquecido de assinar o termo configura mera irregularidade, desde que, evi­ dentemente, comprovado que o depoimento por foi ela prestado.

Art.217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar hu­ milhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento,''2 fará a inquirição por videoconferência3 e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu de­ fensor. (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.4 (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) 1. D ireito de presença (autodefesa) e possibilidade de retirada do acusado da

sala de audiências: por força do direito de presença, consectário lógico da autodefesa

Art.217

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

e da ampla defesa, assegura-se ao acusado o direito fundamental de presenciar e participar da instrução processual. Não se trata, todavia, de um direito de natureza absoluta. Dentre os direitos fundamentais que podem colidir com o direito de presença, legitimando sua restrição, encontram-se os direitos das testemunhas e das vítimas à vida, à segurança, à intimidade e à liberdade de declarar, os quais se revestem de inequívoco interesse público, e cuja proteção é indiscutível dever do Estado. Portanto, na hipótese de efetiva prática de atos intimidatórios, subentende-se que houve uma renúncia tácita ao direito de presença pelo acusado, pela adoção de comportamento incompatível com o exercício regular de um direito. Daí dispor o art. 217 do CPP que, se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilida­ de dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Nesse caso de retirada do acusado da sala de audiência, deve o juiz manter todos os corolários da ampla defesa, assegurando a presença do defensor técnico na audiência, bem como um canal de comunicação livre e reservada deste com o acusado.2 2. Testemunhas vulneráveis e depoimento sem dano: testemunha vulnerável é aquela pessoa que, em virtude de suas próprias con­ dições pessoais, ou em face da natureza da infração penal praticada contra ela, pode ser intimidada com facilidade, tornando-se inca­ paz de prestar declarações com liberdade, caso venha a prestar depoimento na presença física do acusado. Nesse conceito estão incluídas não apenas aquelas pessoas listadas no art. 217-A do Código Penal - menores de 14 anos, enfer­ mos ou deficientes mentais que não tenham o necessário discernimento para a prática de ato sexual, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência -, como também idosos e testemunhas ou vítimas de crimes cometidos no contexto familiar ou de núcleo social fechado. Devido às peculiaridades dessas testemunhas, alguns ordenamentos estabele­

cem mecanismos que dispensam o comparecimento delas na sessão de julgamento, admi­ tindo em juízo gravações de suas declarações extrajudiciais, ou instituindo procedimentos especiais, cujo propósito é evitar que o encon­ tro delas com o acusado, na sala de audiências, afete sua intimidade ou liberdade de declarar. Diferencia-se da testemunha anônima, pois, em relação a esta, impede-se o acusado e seu defensor técnico de verem a testemunha, para preservar a verdadeira identidade dela. Com relação à testemunha vulnerável, o acusado e seu defensor conhecem a verdadeira identi­ dade da testemunha, podendo observar seu comportamento e linguagem corporal ao pres­ tar depoimento; a testemunha é que não vê o acusado. O CPP não tem dispositivo expresso acerca do depoimento de vulneráveis. No en­ tanto, o art. 217 do CPP que permite a retirada do acusado da sala de audiências se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido. No Rio Grande do Sul, foi instituído procedimento para a colheita de declarações de crianças intitulado depoimento sem dano, cujo objetivo é a prote­ ção psicológica das vítimas infantis, evitando-se que elas sejam revitimizadas por sucessivas inquirições, nos âmbitos administrativo, po­ licial e judicial. Essa audiência é realizada, de forma simultânea, em duas salas interligadas por circuito audiovisual interno. Em recinto reservado, a vítima presta depoimento a uma psicóloga ou assistente social. Na sala de au­ diências ficam os demais sujeitos processuais. O magistrado faz a inquirição por intermédio do profissional que se encontra com a vítima, geralmente usando um ponto eletrônico no ouvido da psicóloga ou assistente social, evi­ tando a exposição do vulnerável aos demais participantes do ato processual, notadamente o acusado. Ademais, é efetuada gravação desse ato processual em um compact disc, o qual é degravado e acostado aos autos do processo judicial, junto com a degravação. Como se vê, na hipótese de depoimento de vulneráveis, haverá evidente restrição à publicidade do ato processual, justificada pelo dever estatal de proteção às testemunhas. Essa hipótese de publicidade restrita não é incompatível com a

TÍTULO VII • DA PROVA

Constituição Federal. Afinal, é a própria Carta Magna que autoriza que a lei possa limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos em que haja interesse social (CF, art. 93, IX, c/c art. 5o, LX). No caso de depoimentos de vulneráveis, o interesse social caracteriza-se pela necessária proteção à integridade física, psíquica e emocional da testemunha, consi­ derada sua condição peculiar, assim como pela necessidade de se evitar a revitimação do depoente, ocasionada por sucessivas in­ quirições sobre o mesmo fato delituoso, seja na fase investigatória, seja na fase processual. Porém, conquanto haja restrição à presença do acusado, afigura-se obrigatória a presença do defensor quando da produção da prova testemunhai. Sobre o assunto, a novidade fica por conta do Projeto de Lei n. 156/09, que visa à reforma do Código de Processo Penal, o qual passará a dispor de maneira expressa sobre o depoimento de vulneráveis em seus arts. 189, 190 e 191. Quanto à possibilidade de produção antecipada do depoimento sem dano de vulneráveis, remetemos o leitor aos comentários ao art. 225 do CPP. ♦

Jurisprudência selecionada:

ST J:"(...) Esta Corte tem entendido justificada, n os cri­ m es sexuais contra criança e adolescente, a inquirição da vítima na m odalidade d o 'd e p o im e n to sem dano', em respeito à sua con dição especial de pessoa em desenvolvim ento, procedim ento admitido, inclusive, antes da deflagração da persecução penal, m ediante prova antecipada (HC 226.179/RS, Rei. M inistro JORGE

217

(D E S E M B A R G A D O R C O N V O C A D O DOTJ/SP), QUINTA TU RM A, ju lgad o em 03/02/2015, DJe 09/02/2015). No caso, além d o dep oim e nto da vítima, o m agistrado sentenciante, no decreto condenatório, considerou o teor dos testem unhos colhidos em juízo e o relatório de avaliação da m enor realizado pelo Conselho M unicipal para form ar seu convencim ento. Recurso ordinário desprovido". (STJ, 5a Turma, RH C 45.589/MT, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 24/02/2015, DJe 03/03/2015). N ão n egam os a possibilidade de inquirição de testem unhas vulneráveis através d o de n om in ado "depoim ento sem dano". Porém, com a devida vênia à 5a Turma d o STJ, reputamos inadmissível que a defesa técnica seja priva­ da da possibilidade de fazer reperguntas à testem unha por interm édio d o profissional que se encontra em contato im ediato com o vulnerável.

3. Inquirição por videoconferência e res­ trição ao direito de presença: da leitura do art. 217 do CPP fica a impressão de que, sendo a audiência realizada por videoconferência, estaria o acusado autorizado a assisti-la, ou seja, a retirada do acusado da sala de audiência seria permitida apenas quando da realização da audiência na forma comum, leia-se, com a presença de todos. Não parece ser este o objetivo do dispositivo. Na verdade, seja por meio da videoconferência, seja pessoalmente, não se deve permitir, em hipótese alguma, que a pessoa constrangida seja identificada pelo acusado. É bem verdade que a testemunha ou o ofendido terão contato com os defensores do acusado, mas estes, sob compromisso de seu grau, certamente não irão desvendar-lhe a identidade.

M USSI, QUIN TA TURM A, ju lgad o em 08/10/2013, DJe 16/10/2013). A oitiva da vítima do crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), em audiência de instrução, sem a presença d o réu e de seu defensor não inquina de nulidade o ato, por cerceamento ao direito de defe­ sa, se o ad vo gad o d o acu sado aquiesceu àquela form a de inquirição, dela não se insurgindo, nem naquela oportunidade, nem ao oferecer alegações finais. Além da inércia da defesa, que acarreta preclusão de eventu­ al vício processual, não restou dem onstrado prejuízo concreto ao réu, incidindo, na espécie, o disp osto no art. 563 d o C ó d ig o de Processo Penal, que acolheu o princípiopasdenullitésansgrief. Precedentes. A palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual, que geralmente são praticados na clandestinidade, assum e relevantíssimo valor probatório, m orm ente se corrobo­ rada por outros elem entos (A gR g no AR Esp 608.342/ PI, Rei. M in istro WALTER D E A L M E ID A G U IL H E R M E

4. Fundamentação: a retirada do acusado da sala de audiências não pode ser determi­ nada tão somente com base em mero juízo de suspeita do juiz acerca de possível intimidação futura da testemunha. Pelo contrário, a adoção de tal medida pressupõe a efetiva prática de atos comissivos que demonstrem o propósito do acusado no sentido de influenciar o ânimo da testemunha. Como se trata de decisão judicial da qual deriva a restrição ao direito de presença do acusado, a adoção de qualquer dessas me­ didas deverá constar do termo de audiência, assim como os motivos que a determinaram (CPP, art. 217, caput, e parágrafo único).

Art.218

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

Art.218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de compa­ recer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que 1 poderá solicitar o auxílio da força pu 1. Dever de comparecimento: se a teste­ munha reside na mesma comarca em que o processo está tramitando e foi regularmente intimada, tem o dever de comparecer em juízo para prestar seu depoimento no local, dia e hora designados. Se, regularmente intim a­ da, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou de-

terminar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública. Também se afigura possível a imposição de multa no valor de 1 a 10 salários mínimos (CPP, art. 458, c/c art. 436, §2°), sem prejuízo de eventual processo criminal pelo delito de desobediência e do pagamento das custas da diligência relacionadas à condução coercitiva (CPP, art. 219).

Art. 219.0 juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.1 1. Sanções passíveis de aplicação à testemunha faltosa: o tema foi objeto de análise

nos comentários ao art. 218 do CPP, para onde remetemos o leitor.

Art. 220. As pessoas impossibilitadas, por enfermidade ou por velhice, de comparecer para depor, serão inquiridas onde estiverem.1 1. Pessoas impossibitadas de se deslocar até o fórum: pelo menos em regra, recai sobre a testemunha (e ofendido) o dever de comparecer até o fórum da cidade onde reside para prestar seu depoimento. No entanto, há situações que podem dificultar, senão impossibilitar esse des­ locamento, a exemplo de enfermidades diversas

ou velhice. Nesse caso, o art. 220 do CPP autori­ za o deslocamento do magistrado até o local em que a testemunha se encontrar (v.g., residência, hospital) para que ali seja colhido seu depoi­ mento. Em fiel observância ao contraditório e à ampla defesa, as partes devem ser notificadas acerca do referido ato processual.

Art. 221.0 Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados eTerritórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembléias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juizes dosTribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz.1 §1° O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do SupremoTribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão trans­ mitidas por ofício.2

TÍTULO VII • DA PROVA

/

Art. 221

§2° Os militares deverão ser requisitados à autoridade superior.3 §3° Aos funcionários públicos aplicar-se-á o disposto no art. 218, de­ vendo, porém, a expedição do mandado ser imediatamente comunicada ao chefe da repartição em que servirem, com indicação do dia e da hora marcados.4 1. Ajuste prévio do local, dia e hora do depoim ento: pelo menos em regra, recai sobre o juiz a competência para designar dia e hora para a oitiva de testemunhas. Há, todavia, importante ressalva no caput do art. 221, que prevê que o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Senadores e Deputados Federais, os Ministros de Estado, os Governadores de Estados, os secretários de Estado, os Prefeitos, os deputados estaduais, juizes, membros do MP, ministros e juizes dos Tribunais de Contas da União e dos Estados, bem como os do Tri­ bunal Marítimo, quando ouvidos na condição de testemunhas, serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz. Essa regra tenta conciliar o dever que todos têm de testemunhar com as relevantes funções públicas exercidas pelas autoridades ali mencionadas, por meio de agendamento prévio de dia, hora e local para a realização de audiência em que essas autoridades serão ouvidas. De modo algum, todavia, poderá esse dispositivo legal abrir espaço para que essas autoridades possam, simplesmente, recusar-se a testemunhar, seja não indicando a data, a hora e o local em que quisessem ser ouvidas, seja não comparecendo aos locais, nas datas e nos horários por elas indicados. Como se trata de norma de Direito Processual Penal, aos Es­ tados não é permitido legislar sobre a matéria, conferindo semelhante prerrogativa a outras autoridades estaduais, sob pena de violação ao art. 2 2 ,1, da Constituição Federal. A regra do caput do art. 221 do CPP só é válida quando tais autoridades forem ouvidas na condição de testemunhas. Por conseguinte, quando tais agentes figurarem na condição de investigados ou de acusados, não terão o direito de serem inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados com o Delegado de Polícia ou com o juiz. em um inquérito originário ♦

J u r is p r u d ê n c ia se le c io n a d a :

S T F : "(...) Passados m ais de trinta dias sem que a au to­ ridade que goza da prerrogativa prevista no caput do art. 221 d o C ó d ig o de Processo Penal tenha indicado dia, hora e local para a sua inquirição ou, simplesmente, não tenha com parecido na data, hora e local por ela m esm a indicados, com o se dá na hipótese, im põe-se a perda dessa especial prerrogativa, sob pena de admitir-se que a autoridade arrolada com o testem unha possa, na prática, frustrara sua oitiva, indefinidam ente e sem justa causa. Questão de ordem resolvida no sentido de declarar a perda da prerrogativa prevista no caput d o art. 221 d o C ó d ig o de Processo Penal, em relação ao parlam entar arrolado com o testem unha que, sem justa causa, não atendeu ao cham ado da justiça, por m ais de trinta dias". (STF, Pleno, AP 421 QO/SP, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 22/10/2009).

S T F : "(...) É competência privativa da União legislar sobre direito processual (art. 22, inc. I, da Constituição da Re­ pública). A persecução criminal, da qual fazem parte o inquérito policial e a ação penal, rege-se pelo direito pro­ cessual penal. Apesar de caracterizar o inquérito policial um a fase preparatória e até dispensável da ação penal, por estar diretamente ligado à instrução processual que haverá de se seguir, é dotado de natureza processual, a ser cuidada, privativamente, por esse ramo d o direito de competência da União. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. N ojulgam ento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, por entender caracterizada a usurpação da com petência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22,1), o Suprem o Tribunal Federal julgou procedente pedido form ulado em ação direta ajuizada pela Associação do s M agistra­ do s Brasileiros para declarara inconstitucionalidade do art. 32, IV, da Lei sergipana 4.122/99, que outorgava ao delegado de polícia de carreira a prerrogativa de ser ouvido com o testem unha ou ofendido, em qualquer processo ou inquérito, em dia, hora e local previamente ajustados com o juiz ou autoridade competente". (STF, Tribunal Pleno, AD I n. 3.896/SE, Rei. Min. Cárm en Lúcia, DJ 14707/08/2008).

S T J : "(...) O artigo 221 d o C ó d ig o de Processo Penal, que assegura às autoridades com prerrogativa de foro o direito de serem inquiridas em local, dia e hora pre­ viamente ajustados com o juiz, tem incidência qu an do os ocu p an te s d o s referidos cargos participarem d o processo na qualidade de testem unhas. Tal previsão não se estende às referidas autoridades q u a n d o fi­ gu ra m na co n d iç ão de in v e stiga d o s em inquérito policial ou acusados em ação penal. N o caso d o s autos, consoante c o n sign ad o peloTribunal Regional Federal da 3a Região, o paciente seria ouvido na condição de

661

Art. 222

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

investigado, e não de testem unha, m otivo pelo qual não possui a prerrogativa de ser inquirido em local, data e horário por ele escolhidos. Ainda que assim não fosse, a sim ples inobservância da prerrogativa prevista no artigo 221 da Lei Penal Adjetiva não enseja qualquer violação à liberdade de locom oção d o paciente que, inclusive, não é o b rigad o a depor, p od en d o valer-se d o direito ao silêncio que lhe é garantido pelo artigo 5o, inciso LXIII, da Constituição Federal. (...) O rdem denegada". (STJ, 5aTurma, H C 250.970/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 23/09/2014, DJe 30/09/2014).

2. O pção pelo depoim ento por escrito: como exposto nos comentários ao art. 204 do CPP, a regra é que o depoimento seja prestado oralmente. No entanto, o art. 221, §1°, do CPP, estabelece que certas autoridades - Presidente e Vice-Presidente da República, Presidente do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal - poderão optar pela prestação de depoimento por escrito. Nessa situação, para que seja preservado o contraditório e a ampla defesa, as perguntas,

formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão transmitidas por ofício. Trata-se de prerrogativa conferida pelo CPP às referidas autoridades. Logo, se assim o desejarem, po­ dem abrir mão de prestar o depoimento por escrito, fazendo-o oralmente, nos termos do caput do art. 221. 3. D e poim e n to de militares: com o não se admite a entrada de civis no interior dos quartéis, os militares devem ser requisitados à autoridade superior. 4. D epoim ento de funcionário público: em se tratando de funcionários públicos, após sua regular intimação, deve haver a ex­ pedição de mandado ao chefe da repartição comunicando imediatamente o dia e a hora marcados para o depoimento, a fim de que não haja solução de continuidade do serviço público.

Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz' será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável,2*intimadas as partes.3-4 §1° A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.5 §2° Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será junta aos autos. §3° Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnoló­ gico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.6 (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) 1. Testemunha de fora d a terra: se a teste­ munha reside em localidade diversa daquela onde está tramitando o processo, não tem a obrigação de se deslocar a este juízo para ser ouvida durante a instrução probatória. Por isso, quando se tratar de testemunha de fora da terra, deve ser expedida carta precatória, com prazo razoável para seu cumprimento geralmente, algo em torno de 30 a 90 dias - , a fim de que sua oitiva seja realizada pelo juízo da comarca onde reside.



Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Firma-se a com petência, em

regra, pelo lugar

em que o delito é consum ado, n os term os d o art. 70 da Lei Processual Penal. O crime de falso testem unho c o n su m a -se c o m o encerram ento d o d e p o im e n to prestado pela testem unha, q u an d o a m esm a profere afirm ação falsa, n ega ou cala a verdade, razão pela qual, para a sua apuração, sobressai a com petência do Juízo d o local o n d e foi prestado o depoim ento, sendo irrelevante o fato de ter sido realizado por intermédio de carta precatória. Conflito conhecido para se declarar competente, para o processam ento e julgam e nto do feito, o Juízo de Direito da 3a Vara de Registro/SP, o

2. Falso testem unho cometido em carta precatória: a competência é do juízo deprecado. 662

suscitado". (STJ, 3a Seção, CC 30.309/PR, Rei. Min. Gilson Dipp, DJ 11/03/2002, p. 163).

título vii* da prova

3. Intimação das partes quanto à expe­ dição da carta precatória: o art. 222, caput, in fine, do CPP, deixa evidente que as partes devem ser intimadas acerca da expedição da carta precatória. Na visão dos Tribunais Superiores, se as partes não forem intimadas, ter-se-á nulidade relativa. A propósito, de acordo com a súmula n. 155 do STF, “é rela­ tiva a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha”. Uma vez intimada acerca da expedição da carta precatória, é ônus da parte verificar junto ao juízo deprecado a data da realização da audiência designada para a oitiva da testemunha. Nessa linha, dispõe a súmula n. 273 do STJ que “intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária a intimação da data da audiên­ cia no juízo deprecado”. Caso o advogado do acusado não compareça à audiência no juízo deprecado, deve ser providenciada a nomeação de defensor ad hoc para acompanhar o ato. Embora seja relativa a nulidade por falta de intimação das partes acerca da expedição de carta precatória destinada à oitiva de testemu­ nha residente fora da comarca do juízo processante, é evidente que o não comparecimento ao ato do patrono constituído, somado à falta de nomeação de defensor ad hoc, importa no reconhecimento de nulidade absoluta do processo, haja vista a ausência de defesa téc­ nica por ocasião da colheita do depoimento (Súmula n. 523 do STF). ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A

garantia ao contraditório, inerente ao de ­

vid o processo legal im plantado n o seio de um Estado D em ocrático de Direito, deve ser respeitada durante toda a instrução criminal, já que se trata de um a form a de controle de legalidade da prova posta à disposição das partes, por m eio da qual podem , inclusive, produzir elem entos probatórios ap tos a dar em b asam e n to à tese sustentada em juízo, seja ela acusatória ou de defesa. Em bora seja relativa a nulidade por falta de intim ação das partes acerca da expedição de carta precatória destinada à oitiva de testem unha residente fora da com arca d o juízo processante, o não com p a­ recimento ao ato d o patrono constituído, so m a d o à falta de n om e ação de defensor ad hoc, im porta no

Art. 222

n. 523 da Súm ula d o Suprem oTribunal Federal. Ordem concedida, nos term os d o voto d o Relator”. (STJ, 5aTur­ ma, HC 172.901/RS,Rel.Min.JorgeMussi,j. 28/06/2011, DJe 17/10/2011).

4. Direito de presença do acusado no juízo deprecado para acom panhar a inquirição das testem unhas: por força do direito de presença, consectário da autodefesa, o acusado tem o direito de acompanhar os atos da ins­ trução probatória. À evidência, se o acusado estiver em liberdade, recai sobre ele o ônus de se deslocar até o juízo deprecado para acom­ panhar a inquirição das testemunhas. Se não comparecer, entende-se que optou por não exercer seu direito de presença. Por consequ­ ência, não haverá qualquer nulidade, desde que, logicamente, o ato seja acompanhado por um defensor. Muito se discute quanto à necessidade de deslocamento do acusado pre­ so para acompanhar a oitiva de testemunhas de acusação em carta precatória em unidade da Federação diversa daquela na qual ele se encontra recolhido. Há precedentes antigos do STF no sentido de que o acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do proces­ so penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório. Portanto, estando preso o acusado, cumpre requisitá-lo para a audiência de oitiva de testemunhas, pouco importando encontrar-se em unidade da Federação diversa daquela na qual tramita o processo. Em sentido contrário, todavia, em Recurso Extraordiná­ rio no qual foi reconhecida a existência de repercussão geral, o Supremo concluiu que a alegação de necessidade da presença do réu em audiências deprecadas, estando ele preso, configura nulidade relativa, devendo-se com ­ provar a oportuna requisição e também a pre­ sença de efetivo prejuízo à defesa. Assim, caso o pedido seja indeferido motivadamente pelo magistrado, diante das peculiaridades do caso concreto, em especial diante da periculosidade do réu, e da ausência de efetivo prejuízo, não há falar em nulidade do feito.

reconhecim ento da sua eiva absoluta, porque confi­ gu rada a ausência de defesa. Aplicação d o enunciado



Ju ris p ru d ê n c ia se le cio n a d a :

Art. 222

\

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de Lima

com parecim ento d o réu ao s atos proces­

STF: “(...) Prova. Oitiva de testemunha. Carta precatória.

suais, em princípio, é u m direito e não um dever, sem e m b argo da possibilidade de sua condução coercitiva, caso necessário, por exemplo, para audiência de re­

dade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reco­

conhecim ento. N em m esm o ao interrogatório estará obrigado a comparecer, m esm o porque as respostas às

art. 543-B, § 3°, do CPC. Não é nula a audiência de oitiva de

STJ: “(...) O

perguntas form uladas fica ao seu alvedrio.Já a presen­ ça d o defensor à audiência de instrução é necessária e obrigatória, seja defensor constituído, defensor pú­ blico, dativo ou n o m e ad o para o ato. Recurso especial não conhecido". (STJ, 6aTurma, RESP n° 346.677/RJ, rei.

Réu preso. Requisição não solicitada. Ausência de nuli­ nhecida. Recurso extraordinário improvido. Aplicação do testemunha realizada por carta precatória sem a presença do réu, se este, devidamente intimado da expedição, não requer o comparecimento". (STF, Pleno, RE 602.543/RG-QO, Rei. Min. Cezar Peluso, DJe 035 25/02/2010).

STF:"(...) A

alegação de necessidade da presença d o

Min. Fernando Gonçalves, DJ 30/09/2002).

réu em aud iê n cias deprecadas, e stan d o ele preso,

STF:"(...) Estando preso o acusado, cum pre requisitá-

configura nulidade relativa, devendo-se, com provar a

-lo para a audiência de oitiva de testem unhas, pouco im portando encontrar-se em unidade da Federação diversa daquela na qual tramita o processo. (...)". (STF,

oportuna requisição e tam bé m a presença de efetivo prejuízo à defesa. O pedido, no caso, foi indeferido m otivadam ente pelo juiz de primeiro grau, diante das

1a Turma, HC 94.216/RJ, Rei. Min. M arco Aurélio, DJe

peculiaridades d o caso concreto, em especial diante

11318/06/2009).

da periculosidade d o réu, e da ausência de efetivo

STF:"(...) A ausência d o s réus presos em outra com arca à audiência para oitiva de vítim a e testem unhas da acusação constitui nulidade absoluta, in dependente­ m ente da aquiescência d o Defensor e da matéria não ter sido tratada em alegações finais. Ordem concedida".

prejuízo. Ordem denegada". (STF, 1aTurma, HC 100.382/ PR, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 08/06/2010, DJe 164 02/09/2010). N o m e sm o contexto: STF, 2a Turma, H C 93.598/SP, Rei. M in. Eros Grau, j. 27/04/2010, DJe 91 20/05/2010.

(STF, 2a Turma, H C 111.728/SP, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 19/02/2013, DJe 161 16/08/2013).

STF:"(...) O

acusado, em bora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadam ente aqueles que se p roduzem na fase de instrução d o processo penal, que se realiza, sempre, so b a égide d o contraditório. Sã o irrelevantes, para esse efeito, as alegações d o Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à rem oção de acusados presos a outros p on tos da própria comarca, d o Estado ou d o País, eis que razões de mera conveniência ad­ ministrativa não têm - nem p od em ter - precedência sobre as inafastáveis exigências de cum p rim e nto e respeito ao que determ ina a Constituição. Doutrina. Jurisprudência (H C 86.634/RJ, Rei. M in. C E L S O D E

4. Não suspensão da instrução criminal: a expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal. Assim, findo o prazo mar­ cado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será juntada aos autos, ex vi do art. 222, §2°, do CPP. À evidência, se o feito já tiver sido sentenciado pelo magistrado de I a instância, o teor do depoimento colhido por precatória não mais poderá ser valorado. No entanto, havendo recurso, é perfeitamente possível sua análise pelo juízo ad quem.

MELLO, v.g.). - O direito de audiência, de um lado, e o direito de presença d o réu, de outro, esteja ele preso



Jurisprudência selecionada:

ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do "d u e process o f

STJ: "(...) Decorrido

law " e que asseguram , por isso m esm o, ao acusado, o

precatória, é possível a sequência d o processo, sem

o prazo para devolução da carta

direito de com parecer aos atos processuais a serem

ocorrência de susp en são da instrução processual e do

realizados perante o juízo processante, ain d a que

julgam e nto d o feito, desde que juntada a precatória

situado este em local diverso daquele em que esteja

depois d o lapso tem poral determinado, as partes dela

c u sto d iad o o réu. (...) Essa prerrogativa processual

tenham vista. (...) D en e gad a a ordem". (STJ, 5a Turma,

reveste-se de caráter fundam ental, p ois c o m p õ e o

H C 81,582/PI, Rei. Min. Jane Silva, DJ 05/11 /07, p. 320).

próprio estatuto constitucional d o direito de defesa, e nquanto com plexo de princípios e de norm as que

STF:"(...) A

am param qualquer acusado em sede de persecução

mente autoriza a realização d o julgam ento sem a oitiva

criminal, m esm o que se trate de réu processado por

da testemunha de fora da terra, sem prejuízo da sua

carta precatória não devolvida tem pestiva­

suposta prática de crimes he diond os ou de delitos a

posterior juntada (art. 222, § 2°, d o CPP), sendo certo

estes equiparados. Precedentes". (STF, 2a Turma, HC

que, no caso sub judice, passaram -se três meses entre o

93.503/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 02/06/2009, DJe

envio da com unicação deprecada e a decisão de conti­

148 06/08/2009). Na m esm a linha: STF, 2a Turma, HC

nuidade d o procedimento. (...)". (STF, 1a Turma, AP 595/

86.634/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 23/02/2007.

SC, Rei. Min. Luiz Fux, j. 25/11 /2014, DJe 27 09/02/2015).

z'

TÍTULO v il. DA PROVA

5. Oitiva de testemunha de fora d a terra por videoconferência: importante novidade relativa à oitiva de testemunhas que moram em outra comarca foi introduzida pela Lei n. 11.900/09. Com a nova redação do art. 222, §3°, do CPP, na hipótese em que a testemunha morar fora da jurisdição do juiz, sua oitiva também poderá ser realizada por meio de vide­ oconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real,

/

Alt. 222-A

permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento. Nesse caso, para fins de utilização da videoconferên­ cia, basta que se trate de testemunha residente em outra comarca. Não há necessidade, por­ tanto, de observância das finalidades a que se referem os incisos do §2° do art. 185 do CPP, porquanto este dispositivo trata exclusivamen­ te da utilização da videoconferência para fins de realização do interrogatório do acusado.

Art. 222-A . As cartas rogatórias1só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade,2 arcando a parte requerente com os custos de envio.3 (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) Parágrafo único. Aplica-se às cartas rogatórias o disposto nos §§ 1° e 2o do art. 222 deste Código.4 (Incluído pela Lei n. 11.900, de 2009) 1. Testemunha no estrangeiro: no caso de a testemunha se encontrar no estrangeiro, deve ser expedida carta rogatória - é aquela feita por um juiz nacional a magistrado estrangeiro, respeitadas as regras atinentes aos acordos internacionais firmados pelo Brasil. 2. D e m on stração prévia da im prescin­ d ib ilid ad e da oitiva da testem unha no estrangeiro: segundo o art. 222-A do CPP, com redação dada pela Lei n. 11.900/2009, as cartas rogatórias só serão expedidas se

demonstrada previam ente a sua imprescindi­ bilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio, ressalvada a possibilidade de concessão de assistência judiciária aos econo­ micamente necessitados. O dispositivo visa evitar manobras protelatórias, geralmente utilizadas pela Defesa, arrolando testemunhas que residem no exterior e que, não raramen­ te, pouco contribuem para o esclarecimento dos fatos delituosos sob julgamento. Parte da doutrina sustenta que esta exigência de se demonstrar previamente a im prescindi­ bilidade das cartas rogatórias viola o direito à prova e a ampla defesa. Nesse contexto, Grinover (As nulidades no processo penal, op. cit. p. 149) sustenta que, em matéria de prova, o que conta é a sua relevância. Logo, se a prova é relevante para o julgamento, a parte

tem o direito - como visto de índole consti­ tucional -, à sua produção, sendo indevida a demonstração prévia de sua imprescindibili­ dade. Ainda segundo a autora, o pagamento prévio de custas revela-se incompatível com a presunção de inocência, ampla defesa e com o princípio constitucional da igualdade, porquanto estabelece odiosa distinção entre o acusado com recursos financeiros e o pobre. Em sentido oposto, o Plenário do Supremo já teve a oportunidade de se manifestar quanto à constitucionalidade do novel dispositivo. Na visão do STF, a norma que impõe à parte no processo penal a obrigatoriedade de de­ monstrar a imprescindibilidade da oitiva da testemunha por ela arrolada, e que vive no exterior, guarda perfeita harmonia com a ga­ rantia da razoável duração do processo. Não há previsão legal de recurso contra a decisão que indefere a expedição da carta rogatória. De todo modo, diante de evidente constran­ gimento ilegal à liberdade de locomoção, não se pode descartar a possibilidade de utilização do remédio heroico do habeas corpus. No mais, eventual prelim inar de cerceamento da acusação (ou da defesa) poderá constar de futura e eventual apelação. +

Ju ris p ru d ê n c ia se le cio n a d a :

Art. 222-A V

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

STF:"(...) A expedição de cartas rogatórias para oitiva de testem unhas residentes no exterior condiciona-se à dem onstração da im prescindibilidade da diligência e ao p agam e n to prévio das respectivas custas, pela parte requerente, nos term os d o art. 222-A d o C ó d ig o de Processo Penal, ressalvada a possibilidade de con­ cessão de assistência judiciária aos econom icam ente necessitados. A norm a que im põe à parte no processo penal a obrigatoriedade de dem onstrar a im prescin­ dibilidade da oitiva da testem unha por ela arrolada, e que vive no exterior, guarda perfeita harm onia com o inciso LXXVIII d o artigo 5o da Constituição Federal. Questão de ordem resolvida com (1) o deferimento da oitiva das testem unhas residentes no exterior, cuja im ­ prescindibilidade e pertinência foram dem onstradas, fixando-se o prazo de seis m eses para o cum prim ento das respectivas cartas rogatórias, cujos custos de envio ficam a cargo d o s de nunciados que as requereram, ressalvada a possibilidade de concessão de assistência judiciária aos econom icam ente necessitados, deven­ d o o s m e sm o s réus, ainda, no prazo de cinco dias, indicar as peças d o processo que julgam necessárias à elab oração d a s rogatórias; (2) a prejudicialidade d o s pedidos de conversão em agravo regim ental do s requerim entos de expedição de cartas rogatórias que foram deferidos; (3) o indeferim ento da oitiva das de m ais testem u n has residentes no exterior; e (4) a hom o lo gação do s pedidos de desistência formulados". (STF,Tribunal Pleno, AP 470 Q 0 4 /M G , Rei. Min. Joaquim Barbosa, DJe 186 01/10/2009).

STF: “(...) N ão

é cabível recurso de ap e lação contra

ato judicial q u e indefere req u e rim en to da defesa q u a n to à oitiva, p o r carta rogatória, de te ste m u ­ n h as cujos e nd e re ços residenciais são localizados na França e no Equador. (...) A d e cisã o que indefere o requerim ento de oitiva de testem unhas, ainda que p or carta rogatória, não se classifica c o m o sentença definitiva, de cisão definitiva em sentido estrito ou term inativa de mérito, ou, finalm ente, de cisão com força de definitiva ou interlocutória mista. D aí o não cab im e n to d o recurso de ap e lação e, c o n se q u e n ­ tem ente, a correção d o d e c isã o q u e n ão recebeu o recurso interposto pelo apelante. O in strum ento jurídico a d e q u a d o era a correição parcial, o u seja, a providência adm inistrativo-judicial cabível contra de sp ach os d o juiz q u e p ossa m im portar em inversão tum u ltu ária d o p ro ce sso se m p re q u e n ão houver recurso específico previsto em lei. C on tu d o, ainda que o recorrente tivesse interposto correição parcial contra d e sp ac h o judicial, n ão há q u e se co gitar de error in p ro ce d e n d o no ato judicial. Im pertinência da p ro d u ç ão de p rova teste m u n h ai a respeito de tais fatos, especialm ente em se tratan do de episó dio oco rrido n os id o s de 1987/1988, não have nd o q u al­ quer registro acerca da oitiva das p e sso as in dicadas na fase anterior à d e flagração d o processo. Im prov im e n to d o recurso em sentido estrito". (STF, Pleno, A P 488/SE, Rei. M in. Ellen Gracie, j. 11 /09/2008, DJe 202 23/10/2008).

666

3. (Im) possibilidade de oitiva de teste­ m unhas no estrangeiro por videoconfe­ rência: interessante perceber que a Lei n. 11.900/09, que acrescentou ao CPP o art. 222-A , não previu expressamente a possi­ bilidade de utilização da videoconferência para a oitiva de testemunha que se encontra no exterior. Sem em bargo desse silêncio, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Conven­ ção de Palermo), incorporada ao nosso or­ denamento jurídico pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, previu a possibilidade de Assistência Judiciária Recíproca entre os Estados, nas investigações, nos processos e em outros atos judiciais relativos às infrações previstas na Convenção, valendo-se do sis­ tema de videoconferência (art. 18, §18). Por consequência, nos crimes abrangidos pela Convenção de Palermo, e em outras situações previstas em Tratados, bilaterais ou multilaterais, é perfeitamente possível a utilização de videoconferência para a oitiva de pessoas no estrangeiro, notadamente porque o Tratado deve prevalecer sobre a disciplina prevista no CPP, nos termos do art. I o do mesmo diploma legal. Nesse sentido: M ENDONÇA, Andrey Borges de. Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. Org. Carla Veríssimo de Carli. Porto Alegre/RS: Editora Verbo Jurídico, 2011. p. 467. 4. Não suspensão da instrução criminal e possibilidade de realização do julgam ento q u an d o findar o prazo m arcado para o cum prim ento da rogatória: com o objetivo de se evitar que a expedição da carta rogatória importe em eternizar o andamento do proces­ so, violando-se, assim, a garantia da razoável duração do processo, tam bém se aplica a elas o disposto nos §§1° e 2° do art. 222 do CPP. É esse o comando normativo constan­ te do art. 222-A, parágrafo único, do CPP. Considerando que o art. 222, §1°, do CPP, estabelece que a expedição da carta precatória não suspende a instrução criminal, conclui-se que a expedição da carta precatória também não impedirá que o juízo rogante determine o prosseguimento da instrução criminal. Por consequência, embora a regra seja a oitiva das

TÍTULO VIU DA PROVA

testemunhas de acusação e, na sequência, das testemunhas de defesa, havendo carta rogató­ ria pendente de cumprimento, nada impede, por exemplo, que uma testemunha de defesa seja ouvida perante o juízo do processo antes da inquirição de testemunha de acusação no juízo rogado. Noutro giro, como a regra do art. 222, §2°, do CPP, também é aplicável às cartas rogatórias, sua expedição deve se fazer

Art. 225

acompanhada da fixação de prazo razoável para o seu cumprimento. Destarte, uma vez expirado esse prazo sem a devolução da carta rogatória devidamente cumprida, o juízo rogante poderá proceder ao julgamento do feito, sem prejuízo de, a todo tempo, restituída a rogatória, ser ela acostada aos autos do processo.

Art. 223. Quando a testemunha não conhecer a língua nacional, será nomeado intérprete para traduzir as perguntas e respostas.' Parágrafo único.Tratando-se de mudo, surdo ou surdo-mudo, proceder-se-á na conformidade do art. 192.2 1. Nomeação de intérprete: na hipótese de a testemunha não compreender a língua pátria, incumbe ao juiz determinar a nomeação de intérprete para fins de tradução das perguntas e respostas, pouco importando que o juiz e as partes conheçam o idioma estrangeiro. + Jurisprudência selecionada:

TJ/RJ:“(...) N ão pod e o juiz, m esm o se nd o conhecedor d o idiom a estrangeiro, atuar com o intérprete, eis que a este cabe a nom eação d o tradutor, su bordin an do-o às regras processuais, o que im pede sua autonomeação". (Ap. 2.396/98, 7a Câmara, Rei. Alberto M otta Moraes, 25/05/1999, IBCC RIM 84/401).

2. Depoim ento de surdo-m udo: vide ob­ servações ao art. 192 do CPP.

Art. 224. As testemunhas comunicarão ao juiz, dentro de um ano, qualquer mudança de residência, sujeitando-se, pela simples omissão, às penas do não-comparecimento.' 1. Dever de com unicar m udança de re­ sidência: pouco lembrado por juizes por ocasião da colheita do depoimento da tes­ temunha, o art. 224 do CPP estabelece mais um dever para as testemunhas, qual seja, o de comunicar, dentro de um ano, qualquer mudança de residência. Caso não o façam, e

seja necessário ouvi-las novamente, não se logrando êxito em sua localização, estarão sujeitas às penas do não com parecim ento (multa de 1 a 10 salários mínimos, condu­ ção coercitiva, pagamento da diligência e responsabilização crim inal pelo delito de desobediência).

Art. 225. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.' 3 1. Depoim ento a d p erp etu am rei m em o rian: é o depoimento colhido para perpetuar a memória das pessoas. De acordo com o art. 225

do CPP, esse depoimento poderá ser colhido antecipadamente quando a testemunha tiver que se ausentar - a título de exemplo, uma

Art. 226

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

longa viagem para o exterior quando estiver acometido de um problema de saúde relativa­ mente grave (v.g., pessoa que foi atingida por disparos de arma de fogo) ou quando se tratar de pessoa com idade muito avançada. Trata-se de espécie de prova antecipada, vez que o de­ poimento dessa testemunha é produzido com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, em momento processual distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de urgência e relevância. Caso ain­ da não haja uma pessoa formalmente apontada como suspeita da prática do delito, deve o ma­ gistrado diligenciar para que a defesa técnica seja patrocinada por um advogado dativo. Nesse caso, o depoimento ficará integrado aos autos com o mesmo valor legal que teria caso fosse prestado no curso da instrução.

STJ:"(...) Esta Corte tem entendido justificada, n os cri­

2. Depoimento antecipado de vulneráveis: o art. 225 do CPP contempla um rol exemplificativo de situações que autorizam a colheita antecipada do depoimento da testemunha. Por isso, nos crimes cometidos contra pessoas em situação de vulnerabilidade (v.g., estupro de vulnerável), de modo a evitar que o ofendido seja revitimizado por sucessivas inquirições, nos âmbitos administrativo, policial e judicial, seu depoimento sem dano - objeto de análise nos comentários ao art. 217 do CPP - pode ser colhido antecipadamente, nos termos do art. 225 do CPP.

(D E S E M B A R G A D O R C O N V O C A D O DOTJ/SP), QUIN TA TURM A, ju lgad o em 03/02/2015, DJe 09/02/2015). No



J u r is p r u d ê n c ia s e l e c io n a d a :

m es sexuais contra criança e adolescente, a inquirição da vítima na m odalidade d o 'depoim ento sem dano', em respeito à sua condição especial de p essoa em desenvolvim ento, procedim ento admitido, inclusive, antes da deflagração da persecução penal, m ediante prova antecipada (HC 226.179/RS, Rei. M inistro JORGE M U SSI, QU IN T A T U RM A, ju lgad o em 08/10/2013, DJe 16/10/2013). A oitiva da vítima d o crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), em audiência de instrução, sem a presença d o réu e de seu defensor não inquina de nulidade o ato, por cerceamento ao direito de defe­ sa, se o a d v o ga d o d o acu sado aquiesceu àquela form a de inquirição, dela não se insurgindo, nem naquela oportunidade, nem ao oferecer alegações finais. Além da inércia da defesa, que acarreta p redusão de eventu­ al vício processual, não restou dem onstrado prejuízo concreto ao réu, incidindo, na espécie, o disp o sto no art. 563 d o C ó d ig o de Processo Penal, que acolheu o princípiopasdenullitésansgrief. Precedentes. A palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual, que geralm ente são praticados na clandestinidade, assum e relevantíssimo valor probatório, m orm ente se corrobo­ rada por outros elem entos (A gR g no AREsp 608.342/ PI, Rei. M in istro W ALTER D E A L M E ID A G U IL H E R M E

caso, além d o de p oim e nto da vítima, o m agistrado sentenciante, no decreto condenatório, considerou o teor do s testem unhos colhidos em juízo e o relatório de avaliação da m enor realizado pelo Conselho M unicipal para form ar seu convencim ento. Recurso ordinário desprovido". (STJ, 5a Turma, RH C 45.589/MT, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 24/02/2015, DJe 03/03/2015).

3. Procedimento adequado:o Código de Pro­ cesso Penal silencia acerca do procedimento a ser adotado no caso de colheita dessa prova antecipa­ da. Por isso, com fundamento no art. 3odo CPP, é possível a aplicação subsidiária do novo Código de Processo Civil (2015), que trata de maneira expressa da matéria nos arts. 381 a 383.

Capítulo VII DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS1 5 Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte formai I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a des­ crever a pessoa que deva ser reconhecida; 668

TÍTULO VII- DA PROVA

Art. 226

II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhe­ cimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais. Parágrafo único. O disposto no n° III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.7 1. Reconhecimento de pessoas e coisas: trata-se de meio de prova por meio do qual alguém identifica uma pessoa ou coisa que lhe é mostrada com pessoa ou coisa que j á havia visto, ou que já conhecia, em ato processual pratica­ do perante a autoridade policial ou judiciária, segundo o procedimento previsto em lei. 2. Distinção entre o reconhecimento de pessoas e o retrato falado:o reconhecimen­ to de pessoas não se confunde com o retrato falado. Este é formado a partir de informações prestadas ao perito por pessoa que tenha visto o autor do delito, sendo considerado não um meio de prova, mas sim um meio de investi­ gação. Basta supor a prática de várias crimes de estupro em uma mesma região. Com o objetivo de identificar o autor do delito, é comum que, a partir do relato das vítimas, a polícia judiciária elabore um retrato falado do suposto autor do delito. 3. Distinção entre o reconhecimento de pessoas e a identificação criminaknaidenti­ ficação criminal, notadamente nas hipóteses de identificação datiloscópica e do perfil genético, há o emprego de técnica científica, sendo que o ato de identificação pressupõe conhecimentos técnicos por parte do identificador. No reco­ nhecimento de pessoas (CPP, art. 226), não se exige habilidade específica, cuidando-se de mera comparação leiga feita com a finalidade de se encontrar semelhanças entre pessoas ou coisas. Assim, pode-se dizer que, enquanto o reconhecimento é feito por uma pessoa leiga, a identificação é feita por um técnico.

4. Reconhecimento fotográfico:o reconhe­ cimento do acusado através de fotografias não encontra previsão legal. Porém, seja em virtude do princípio da busca da verdade, seja por for­ ça do princípio da liberdade na produção das provas, tem sido admitido pela doutrina e pela jurisprudência, sendo considerado espécie de prova inominada. Como se trata de prova inominada, o procedimento a ser observado por ocasião do reconhecimento fotográfico será, por analogia, o mesmo procedimento previsto no art. 226 do CPP para o reconhecimento de pessoas. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, é possível sua utilização, desde que corroborado por outros elementos de prova. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...)

O reconhecim ento fo to gráfico tem valor

probante pleno q u an d o ac o m p an h ad o e reforçado por outros elem entos de convicção. H abeas corpus indeferido". (STF, 2a Turma, HC 74.267/SP, Rei. Min. Francisco Rezek, DJ 28/02/1997).

STJ:"(...) Este SuperiorTribunal tem se posicionado no sentido da validade d o reconhecim ento fotográfico, desde que não seja utilizado de form a isolada, m as esteja em con so n ân c ia com o s de m ais e lem entos constantes d o s autos. N o caso em análise, o reconhe­ cim ento fotográfico apenas corroborou os indícios de autoria, a justificar o regular processam ento da ação penal, até porque d o inquérito policial colacionado aos autos observa-se que existiram outros elem entos para em basar a denúncia oferecida pelo Ministério Público, com o as declarações prestadas pelas vítimas e testem unhas. (...) Flabeas corpus não conhecido". (STJ, 6a Turma, HC 238.577/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 6/12/2012, DJe 18/12/2012).

Art.226

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de Lima

5. Reconhecim ento fonográfico (clichê fônico): da mesma forma que se admite o reconhecimento fotográfico, também tem sido usado como prova inominada o reconheci­ mento fonográfico, conhecido como clichê fônico. Supondo-se um crime praticado por criminosos encapuzados, ou usando capacetes, é possível que a vítima faça o reconhecimento do acusado através de sua voz. Mais uma vez, deve ser usado o procedimento probatório previsto para o reconhecimento de pessoas. Seu valor probatório é relativo, sendo inviável que um decreto condenatório esteja lastreado única e exclusivamente em um reconhecimen­ to fonográfico. Esse reconhecimento fonográ­ fico não se confunde com o exame pericial de verificação de locutor (ou de autenticidade de voz - espectograma da voz), tido como exame pericial feito por perito oficial (ou por dois peritos não oficiais) para verificar se a voz gravada em interceptações telefônicas judicialmente autorizadas provém (ou não) do aparelho fonador de determinada pessoa. Tanto o reconhecimento fonográfico quanto o exame de verificação de locutor demandam um comportamento ativo do acusado, na me­ dida em que este deve pronunciar algumas palavras ou frases para que testemunhas, ofen­ didos e peritos possam analisar sua voz. Logo, queremos crer que o acusado não está obrigado a fornecer material fonográfico, sob pena de violação ao princípio da não autoincriminação.6 6. Procedimento: no dia-a-dia de delegacias e fóruns, é comum que as autoridades não se atenham às disposições do art. 226 do CPP, o que, em tese, possibilita que a defesa questione a legalidade do procedimento probatório com o objetivo de afastar qualquer credibilidade que porventura pudesse oferecer no momento de sua valoração judicial. Nesses casos, o ideal é concluir que não houve o reconhecimento de pessoas e coisas, mas sim mera prova testemu­ nhai, de avaliação subjetiva, com menor valor probatório, que poderá (ou não) contribuir para a formação do convencimento do magistrado. Vejamos o procedimento: I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida: essa providência introdutória é importante

para verificar se o reconhecedor tem a mínima lembrança da imagem da pessoa que pretende identificar. Exemplificando, se descreveu uma pessoa de cor branca, não poderá, na sequência, apontar como autora do crime uma pessoa de cor preta; II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer se­ melhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la: quanto mais semelhantes forem as pessoas colocadas lado a lado, maior será o grau de confiabilidade do reconhecimento. Como o reconhecimento não demanda qualquer comportamento ati­ vo por parte do investigado ou acusado, este não está protegido pelo princípio que veda a autoincriminação. Logo, mesmo que o acusa­ do não compareça ao ato designado para seu reconhecimento, é possível que a autoridade policial ou judiciária determine sua condução coercitiva; III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV - do ato de reco­ nhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais. Importante lembrar que nas hipóteses em que o reconhecimento de pessoas e coisas depender da participação de pessoa que estiver presa, o art. 185, §8°, do CPP, autoriza expressamente a utilização da videoconferência. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O

Superior Tribunal de Justiça entende que a

inobservância das formalidades legais para o reconhe­ cimento pessoal d o acusado não enseja nulidade, por não se tratar de exigência, apenas recomendação, sendo válido o ato quando realizado de forma diversa da pre­ vista em lei, notadamente, quando am parado em outros elementos de prova. (...) Agravo regimental não provido". (STJ, 6a Turma, A g R g no REsp 1.266.170/RS, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 25/08/2015, DJe 11 /09/2015).

STJ:"(...) EsteSuperiorTribunal sufragou o entendimen­ to de que o reconhecimento fotográfico, com o meio de prova, é plenamente apto para a identificação do réu e fixação da autoria delituosa, desde que corroborado por outros elementos idôneos de convicção (HC n. 22.907/

TÍTULO VII-DA PROVA

SP, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ 4/8/2003), assim com o ocorreu in casu, em que o reconhecimento pessoal feito na fase inquisitiva foi confirm ado em juízo e referendado por outros meios de prova, estes produ­ zidos em sede judicial, sob o crivo d o contraditório e da am pla defesa. O reconhecimento pessoal isolado não anula o ato, sendo que a presença de outras pessoas junto ao réu é um a recom endação legal e, não, um a exigência (HC n.41.813/GO, Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 30/5/2005). Agravo regimental improvido. (STJ, 6a Turma, A g R g no REsp 1,399.900/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 17/03/2015, DJe 26/03/2015)".

7. Preservação do reconhecedor na fase judicial: de acordo com o parágrafo único do art. 226 do CPP, o disposto no número III não

Art. 229

terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário do julgamento. Logo, o reconheci­ mento de pessoas na fase judicial deve ser feito frente a frente com o suposto autor do delito. Em que pese o teor do referido dispositivo, grande parte da doutrina entende ser possível que o magistrado adote medidas destinadas a preservar a imagem do reconhecedor frente ao reconhecido em juízo, aplicando-se, subsidiariamente, o disposto no art. 217 do CPP. Com esse entendimento: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 491.

Art. 227. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no artigo anterior, no que for aplicável.1 1. Reconhecimento de objeto: no que for aplicável, deve ser observado o procedimento

atinente ao reconhecimento de pessoas estabelecido no art. 226 do CPP.

Art. 228. Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhe­ cimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas.1 1. (Im) possibilidade de reconhecimento coletivo (ou em grupo): com o objetivo de se evitar que a percepção de um reconhe­ cedor influencie positiva ou negativamente a memória dos demais, não se admite que o reconhecimento de pessoas e coisas seja feito de m aneira coletiva. Logo, se várias

forem as pessoas chamadas a efetuar o reco­ nhecimento, este deve ser feito de maneira individualizada. Para além disso, a autoridade deve adotar providências no sentido de evitar qualquer contato entre aquele que já partici­ pou do reconhecimento e aqueles que ainda vão empreendê-lo.

Capítulo VIII DA ACAREAÇÃO1 , Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.2

229

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

Parágrafo único. Os acareados serão reperguntados, para que expli­ quem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.3-4 1. Acareação: de acordo com Mirabete (Pro­ cesso penal. 18a ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 311), “acarear (ou acoroar) é pôr em presença uma da outra, face a face, pessoas cujas declarações são divergentes. A acareação é, portanto o ato processual consistente na confrontação das declarações de dois ou mais acusados, testemunhas ou ofendidos, já ouvi­ dos, e destinado a obter o convencimento do juiz sobre a verdade de algum fato em que as declarações dessas pessoas forem divergentes”. Prevista no Capítulo V III (“Da acareação”) do Título V II (“Da prova”) do CPP, sua natureza jurídica é de meio de prova. Pode ser realizada tanto na fase investigatória (CPP, art. 6o, inciso VI) como no curso da instrução criminal, nada impedindo que as partes requeiram a prática do ato. De acordo com o art. 229 do CPP, sem­ pre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes, a acareação poderá ser feita: a) entre os acusados; b) entre o acusado e testemunha; c) entre testemunhas; d) entre acusado e ofendido; e) entre as pessoas ofendidas; f) entre testemunhas e ofendido.2 2. Pressupostos: a) as pessoas a serem aca­ readas (acusados, testemunhas e ofendidos) já devem ter prestado suas declarações, perante o mesmo juízo e sobre os mesmos fatos e cir­ cunstâncias; b) deve haver divergência sobre ponto relevante no relato dessas pessoas, ou seja, é necessário que existam contradições ou versões discrepantes sobre fatos que realmente interessem ao deslinde do processo. Como raramente a acareação leva à solução das di­ vergências entre os relatos, nada impede que o magistrado, fundamentadamente, e dentro de um juízo de conveniência que é próprio do seu regular poder discricionário, indefira sua realização, caso entenda que se trata de diligência protelatória ou desnecessária, o que não caracteriza cerceamento de defesa. ♦

J u r is p r u d ê n c ia s e le c io n a d a :

STF: "(...)

O deferim ento d e provas su bm e te -se ao

prudente arbítrio d o magistrado, cuja decisão, sempre

fundam entada, há de levar em conta o conjunto pro­ batório. É lícito ao juiz indeferir diligências que reputar impertinentes, desnecessárias ou protelatórias. Inde­ ferim ento de pedido de acareação de testem unhas, n o caso, devidam ente fundam entado. Inocorrência de afronta aos princípios da am pla defesa e d o con­ traditório ou às regras d o sistem a acusatório. Recurso conhecido e improvido". (STF, I a Turma, RH C 90.399/ RJ, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 04 26/04/2007).

STJ:"(...) A teor d o

entendim ento desta Corte, o Juiz

p od e indeferir, em decisão devidam ente fu n dam en ­ tada, c o m o ocorreu na espécie, as diligên cias que entenda ser protelatórias ou desnecessárias, dentro de um juízo de conveniência, que é próprio d o seu regular poder discricionário. (...)". (STJ, 5aTurma, H C 57.732/RJ, Rei. Min. Laurita Vaz, DJe 30/06/2008).

STJ:"(...)

A acareação so m e n te deve ser realizada

q u a n d o houver divergência ou contradição em d e ­ p oim e ntos ou interrogatórios, p o d e n d o seu ped ido ser n egad o , de sd e q u e fu n d a m e n ta d a m e n te pelo Juiz d e Prim eiro Grau. (...) D e n e g a r a m a ordem ". (STJ, 5a Turma, H C 81.582/PI, Rei. Min. Jane Silva, DJ 05/11/07, p. 320).

STJ:"(...) As diligências, previstas na fase d o artigo 499 d o C ó d ig o de Processo Penal, incluem -se na esfera de discricionariedade m itigada d o juiz natural d o proces­ so, que poderá indeferi-las, em decisão fundam entada, q u a n d o as julgar protelatórias ou desnecessárias à instrução criminal, com o na hipótese. A via estreita do habeas corpus não é m eio adeq u ad o para verificar a conveniência ou necessidade de produção de provas requeridas na fase d o art. 499, d o C ó d ig o de Proces­ so Penal, um a vez que, para a avaliação desse juízo discricionário d o julgador, seria necessário a análise profunda d o s elem entos fático-probatórios contidos nos autos da ação penal. Precedentes desta Corte. Na hipótese, não merece reparos o acórdão ora hostili­ zado, que, diante d o indeferim ento fu n dam e n tad o d o p ed id o de acareação elab orad o pela defesa do Paciente, em sede de habeas corpus, deixa de apreciar a questão, em face da necessidade d o reexame d o conjunto probatório do s autos, para que seja apreciada no âm bito d o recurso de apelação, por ser de cognição m ais am pla. O rde m denegada". (STJ, 5a Turma, HC 62.382/GO, Rei. Min. Laurita Vaz, DJ 11 /12/2006 p.400).

3. Procedimento probatório: inicialmen­ te, as pessoas submetidas à acareação serão reperguntadas sobre os pontos em que houve divergência. Nesse momento, os acareados poderão confirmar as declarações anterior­ mente prestadas, o que geralmente acontece,

TÍTULO VII-DAPROVA

ou modificá-las. Então, o ato de acareação é reproduzido em um termo onde ficam con­ signadas as perguntas feitas a cada um dos acareados e suas respectivas respostas, auto este a ser subscrito pelo escrevente e assinado por todos. Para assegurar o êxito da acareação, é fundamental que seja preservada a incomunicabilidade entre as pessoas que a ela serão submetidas. Portanto, antevendo a possibilida­ de de ser determinada a acareação, e também para evitar constrangimentos ou intimidações, os arts. 201, §4°, e 210, parágrafo único, esta­ belecem que, antes do início da audiência e no curso de sua realização, seja reservado espaço separado para a vítima e testemunhas.

Art. 231

4. Valor probatório: doutrina e jurisprudên­ cia são uníssonas em afirmar que a acareação dificilmente conduz à solução das controvér­ sias entre os depoentes, na medida em que os acareados costumam reiterar o que haviam dito anteriormente, sendo raras as vezes em que retificam seus depoimentos. Quanto ao seu valor probatório, oriundo de eventual retificação de um depoimento, ou até mesmo pela impressão pessoal do juiz sobre as reações e maneira de proceder de um dos acareados, temos que seu valor assemelha-se àquele con­ cedido à prova testemunhai e às declarações do acusado e do ofendido, conforme se tratar, respectivamente, de testemunha, acusado e vitima.

Art. 230. Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demora pre­ judicial ao processo e o juiz a entenda conveniente.1* 1. Acareação à distância: o art. 230 do CPP autoriza a realização da acareação entre pes­ soas que não estão face a face. Com o advento da Lei n. 11.900/09, é possível que o magis­ trado, ao invés de expedir carta precatória

para a oitiva da testemunha perante o juízo deprecado, realize a acareação por meio da videoconferência, nos termos do art. 222, §3°, do CPP.

Capítulo IX DOS DOCUMENTOS1 3 Art. 231 . Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo.4 1. Prova docum ental: o conceito de do­ cum ento pode ser abordado de form a es­ trita ou de modo amplo. Numa concepção

mais restrita, considera-se documento (de doceo, ensinar, mostrar, indicar) qualquer escrito, instrum ento ou papel, público ou

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Art.231

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

particular (CPP, art. 232, caput ). Pode-se defini-lo, assim, com o toda a peça escrita que condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato dotado de relevância juríd ica. Numa concepção m ais ampla, e com base em uma interpretação progressiva, tem -se com o docum ento qualquer objeto representativo de um fato ou ato relevante, conceito no qual podemos incluir fotogra­ fias, film es, desenhos, esquemas, e-m ails, figuras digitalizadas, planilhas, croquis, etc. Em ambas as concepções, apresenta-se como característica essencial do documento a re­ levância jurídica, a ser compreendida como a possibilidade da expressão do pensamento nele contido gerar consequências no plano ju ríd ico . D e acordo com a I a Turm a do Supremo, um parecer elaborado por jurista renomado, por não ser um escrito destinado à prova, não pode ser qualificado como do­ cumento nos termos da legislação processual penal. Pareceres opinativos não se equiparam a docum entos, sendo que a sua eventual juntada aos autos sequer induz à abertura de vista à parte contrária. + Jurisprudência selecionada: STF: "(...) Parecer da lavra de jurista ren o m ado não constitui d o c u m e n to n o s term os da legislação p ro ­ cessual penal vigente. (...) Recurso Ordinário ao qual se n e g a provim ento". (STF, I a Turm a, RH C 94.350/ SC, Rei. M in. Cárm en Lúcia, j. 14/10/2008, DJe 206 30/10/2008).

2. Distinção entre docum ento e instru­ mento: instrumentos são documentos confec­ cionados com o objetivo de fazer prova, fun­ cionando como documentos pré-constituídos (v.g., contratos). Diferenciam-se, portanto, dos documentos eventuais ou acidentais (meros papéis), os quais não são produzidos com o intuito de fazer prova de determinados fatos (probatórios ou escritos adprobationem ), po­ dendo, todavia, ser utilizados para tanto (v.g., uma correspondência particular).3 3. Valor probatório: a valoração de todo e qualquer documento passa pela análise de sua autenticidade e pela verificação da vera­

cidade dos fatos nele representados. Como leciona Mirabete (Processo penal. 18a ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 314), “são requisitos indispensáveis do documento a verdade e a autenticidade. A verdade é a existência real do que no instrumento se contém, se relata ou se expõe. A autenticidade é a certeza legal de ser o escrito emanado da pessoa a quem o documento é atribuído. Os documentos públicos têm a seu favor a presunção juris tantum de autenticidade. Não se pode, assim, negar-se valor a tal prova para concluir-se coisa diversa do que contém o documento público. O documento particular é autênti­ co quando reconhecido por oficial público, quando aceito ou reconhecido por quem pos­ sa prejudicar e quando provado por exame pericial (CPP, art. 235). Mesmo no silêncio da lei, como a autenticidade do documento pú­ blico goza de presunção meramente relativa, nada impede que possam eles ser submetidos também ao incidente de falsidade”. Ainda segundo o autor, “o incidente de falsidade de documento é a medida processual destinada a impugnar o documento tido como viciado, fazendo-se a prova de que não é ele autêntico, não corresponde à verdade, ou seja, não tem valor probatório. Não tendo valor probatório, deve ser desentranhado dos autos porque pode levar o juiz a cometer um erro no ju l­ gamento, com graves prejuízos para a parte e para a Administração da Justiça” (op. cit. p. 239). A relevância da autenticidade de um documento está relacionada aos efeitos que produz para o autor do documento quan­ to à veracidade dos fatos representados ou comunicados. De acordo com o art. 368 do CPC (art. 408 do novo CPC), as declarações constantes de documento particular escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário. Se, todavia, contiver declaração de ciência, tendente a determinar o fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, cabendo à parte interessada o ônus de provar o fato (CPPM , art. 374, parágrafo único). 4. P rodu ção da prova docum ental: de acordo com o art. 231 do CPP, salvo os casos

TlTULOVII-DAPROVA

expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo. A regra, no tocante à produção da prova documental, é que as partes podem juntar documentos em qualquer fase do processo, só podendo haver o indeferimento do órgão julgador quando os documentos apresenta­ dos tiverem caráter m eramente protelatório ou tumultuário. Todavia, há restrições à possibilidade de juntada de documentos em qualquer fase processual. Antes da reforma processual de 2008, duas importantes exce­ ções eram obrigatoriamente lembradas: a) de acordo com o revogado art. 406, §2°, do CPP, era vedada a juntada de documentos na fase de alegações finais na primeira fase do procedimento bifásico do júri; b) nos termos do revogado art. 475 do CPP, durante o julga­ mento no plenário do júri, não era permitida a produção ou leitura de documento que não tivesse sido comunicado à parte contrária, com antecedência, pelo menos, de três dias, compreendida nessa proibição a leitura de jornais ou qualquer escrito, cujo conteúdo versasse sobre matéria de fato constante do

Alt. 232

processo. Com a vigência da Lei n. 11.689/08, a primeira exceção foi suprimida do texto do Código de Processo Penal. Isso porque não existem mais alegações finais escritas na pri­ meira fase do procedimento do júri (judicium accusationis). De fato, diante da nova redação do art. 411, §4°, do CPP, as alegações passam a ser apresentadas oralmente, não havendo mais de se falar em restrição à apresentação de documentos nessa fase. Quanto à segun­ da restrição, dispõe o art. 479 do CPP, com redação dada pela Lei n. 11.689/08, que não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto durante o julgamento que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar so­ bre a matéria de fa to submetida à apreciação e julgamento dos jurados.

Art. 232. Consideram-se documentos1quaisquer escritos, instrumen­ tos ou papéis, públicos ou particulares.2 Parágrafo único. À fotografia do documento, devidamente autenticada, se dará o mesmo valor do original. 1. Prova documental: em sentido estrito, a palavra documento denota a ideia de um escrito ou qualquer outra coisa que sirva para ilustrar, provar ou comprovar algo. É nesse sentido, aliás, o conceito constante do art. 232 do CPP. No sentido amplo, docu­ mento é toda base materialmente disposta a concentrar e expressar uma manifestação de vontade do ser humano, que sirva para demonstrar e provar um fato ou aconteci­ mento juridicamente relevante. Funcionam como documento, portanto, os escritos, fotos, fitas de vídeo e som, desenhos, esquemas, gravuras, disquetes, compact disk com ima­ gens relativas ao fato imputado, entre outros, inclusive aqueles produzidos por meio ele­ trônico, conforme disposto no art. 11, caput,

da Lei n. 11.419/06. Firmada a amplitude desse conceito, temos que a introdução de tais elementos nos autos do processo deve seguir as mesmas regras pertinentes à prova documental, sujeitando-se, por conseguinte, à instauração do incidente de falsidade sempre que surgir dúvida acerca de sua autenticidade. Para mais detalhes acerca do incidente de falsidade, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 145 a 148 do CPP. 2. Espécies de docum entos: a) original: é aquele escrito na fonte originariam ente produtora; b) cópia: é a reprodução do documento original. Se a fotocópia estiver autenticada, possui o m esmo valor que o original (CPP, art. 232, parágrafo único). De

233

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

acordo com o art. I o, §1°, da Lei n. 5.433/68, que regula a microfilmagem de documentos, “os microfilmes de que trata esta lei, assim como as certidões, os traslados e as cópias fotográficas obtidas diretamente dos filmes produzirão os m esm os efeitos legais dos documentos originais em juízo ou fora dele”. As públicas formas, hoje em desuso, são uma cópia de escrito avulso, extraídas por oficial público, só tendo valor quando conferidas com o original, na presença da autoridade (CPP, art. 237). Com o confronto com o ori­ ginal, a pública-forma fica nos autos, dispensando-se a retenção do original; c) público: é aquele expedido por funcionário público no exercício de suas funções e de acordo com as formalidades legais. Tem como requisitos: a qualidade de funcionário público de quem o redige; a sua competência na matéria e no território; a formação do ato durante as suas funções públicas; e a observância das forma­ lidades legais exigidas na espécie. Caso falte ao docum ento público qualquer requisito legal para sua autenticidade, será conside­ rado documento particular, desde que devi­ damente assinado. Segundo o art. 297, §2°, do CP, para os efeitos penais, equiparam-se

a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou trans­ missível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular; d) particular: por um critério de exclusão, docum ento particular é todo aquele que não esteja compreendido como documento público, ainda que por equipara­ ção. Quando contestada sua autenticidade, a letra e a firma dos documentos particulares serão submetidas a exame pericial (CPP, art. 235). Para Feitoza (Direito processual penal: teoria, crítica epráxis. 6a ed. Niterói/RJ: Edi­ tora Impetus, 2009. p. 769.), “não somente o documento nominativo (possui o nome de quem o produziu) ou, mais amplamente, o documento autêntico (é do autor a quem é atribuído, haja ou não o nome do autor no d ocu m ento), mas tam bém o docum ento anônimo é um documento, pois a questão crucial no documento é, geralmente, a vera­ cidade do fato que representa ou comunica, e não, propriamente, sua autenticidade. Assim, uma fotografia ou filme podem ser conside­ rados como verdadeiros quanto ao fato que representam, ainda que não se saiba quem foi o autor”.

Art. 233. As cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em juízo.1 Parágrafo único. As cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo destinatário, para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário.1

1. Inadmissibilidade de prova documental ilícita: apesar de, em tese, ser admitida a ju n­ tada aos autos de todo e qualquer documento, não se pode perder de vista que a Constitui­ ção Federal veda a admissão, no processo, de provas obtidas por meios ilícitos (art. 5°, LVI). Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 233, caput, do CPP que as cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em juízo. Devem, pois, ser desen­ tranhadas dos autos se a estes tiverem sido juntadas para restituição a seus donos (CPPM, art. 375, 2a parte). Ressalve-se, no entanto,

que o destinatário da carta poderá exibi-la em juízo para defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário (CPP, art. 233, parágrafo único). De acordo com a doutrina (MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 315), esse dispositivo “não colide com o texto constitucional que garante a inviolabilidade do sigilo de correspondência (art. 5°, XII), eis que, na hipótese, ao remeter a correspondência ao destinatário, o subscritor entregou-lhe o documento e, mesmo que seu conteúdo seja sigiloso, há justa causa para a divulgação do segredo”.

TÍTULO VII - DA PROVA

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Art. 236

Art. 234. Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independen­ temente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível.' 1. Produção espontânea e provocada: a prova documental pode ser produzida de ma­ neira espontânea, com a exibição, juntada ou leitura pela parte, ou provocada (coacta), tal qual preceitua o art. 234 do CPP. É possível, ademais, que o magistrado determine, de ofí­

cio ou mediante requerimento das partes, a busca e apreensão de documento, nos termos do art. 240, §1°, alínea “h”, do CPP. Havendo requerimento das partes, cabe ao magistrado analisar a possibilidade legal, a relevância da prova e a pertinência do documento.

Art. 235. A letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a exame pericial, quando contestada a sua autenticidade.' 1. Exame grafotécnico (caligráfico): se hou­ ver dúvidas quanto à autenticidade da “letra” ou da “firma”, leia-se, da assinatura manuscrita de alguém, em um documento particular, incumbe à autoridade (policial ou judiciária)

determinar a realização de exame grafotécni­ co. Referido exame foi objeto de análise nos comentários ao art. 174 do CPP, para onde remetemos o leitor.

Art. 236. Os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade.' 1. Tradução de docum entos em língua estrangeira: o fato de um documento ter sido produzido em língua estrangeira não é empeci­ lho à sua juntada aos autos do processo. Nesse caso, sem prejuízo de sua juntada imediata, o documento em língua estrangeira será, se necessário, traduzido por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela au­ toridade. A nosso juízo, em que pese a ressalva constante do art. 236 do CPP (“se necessário”), mesmo que as partes tenham conhecimento da língua estrangeira, impõe-se a tradução do documento para o Português, haja vista o prin­ cípio da publicidade dos atos processuais, do qual deriva a necessária acessibilidade de todos ao conteúdo do documento. A dispensa de tradução só deverá ocorrer quando o conteúdo do documento não interessar ao acertamento

do fato delituoso. Eventual indeferimento de tradução é causa de nulidade relativa, deven­ do ser alegada oportunamente, sob pena de preclusão, além da necessária comprovação do prejuízo. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

Afasta-se a ale gaçã o d e que policiais p a­

raguaios teriam tido acesso ilegal ao con teú do das escutas telefônicas, um a vez que atuavam em con ­ junto com a autoridade policial nacional, por m eio de convênio oficial firm ado entre os go ve rno s brasileiro e paraguaio. São válidas as degravações e traduções efetivadas pelos agentes da polícia paraguaia que atu­ avam em conjunto com a Polícia Federal brasileira, pois a Lei n. 9.296/1996 não exige que tal trabalho seja feito por perito oficial. Precedentes da Quinta Turma desta Corte. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, ordem denegada". (STJ, 6aTurma, HC 218.200/PR, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 21/06/2012).

Art. 237

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

Art. 237. As públicas-formas só terão valor quando conferidas com o original, em presença da autoridade.1 1. Autenticidade das públicas-formas: pública-forma é a cópia autenticada de documen­ to. Quando o magistrado tiver alguma dúvida em relação à autenticidade do documento, poderá exigir a exibição do original para fins de conferência.

♦ Jurisprudência selecionada: ST F: “(...) A eficácia probante das copias xerograficas resulta, em princípio, de sua form al autenticação por agente público com petente (CPP, art. 232, paragrafo único). Peças reprográficas não autenticadas, desde que possivel a aferição de sua legitim idade por outro m eio idoneo, p od em ser validam ente utilizadas em juízo penal. (...)". (STF, 1aTurma, HC 70.814/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 01°/03/1994, DJ 24/06/1994).

Art. 238. Os documentos originais, juntos a processo findo, quando não exista motivo relevante que justifique a sua conservação nos autos, po­ derão, mediante requerimento, e ouvido o Ministério Público, ser entregues à parte que os produziu, ficando traslado nos autos.1-2 1. Restituição de documentos: o disposto no art. 238 do CPP aplica-se aos documen­ tos produzidos pelas partes. Em relação aos documentos apreendidos, caso a restituição seja pretendida antes do trânsito em julgado da sentença final, e desde que não haja ne­ cessidade de sua manutenção nos autos do processo, nem tampouco dúvida quanto à sua propriedade, o procedimento a ser observado é o de restituição de coisas apreendidas, previsto entre os arts. 118 e 124 do CPP.

2. Retirada da identificação fotográfica dos autos do processo: de acordo com o art. 7o da Lei n. 12.037/09, no caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sen­ tença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil.

Capítulo X DOS INDÍCIOS1 2 Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.3-4 1. Significados da palavra in d íc io s : a pa­ lavra indício é usada no Código de Processo Penal em dois sentidos, ora como prova semiplena, ora como prova indireta. 2 . Indícios com o prova semiplena: apesar de grande parte da doutrina referir-se aos

indícios apenas com o significado de prova indireta, nos termos do art. 239 do CPP, a pa­ lavra indício também é usada no ordenamento processual penal pátrio com o significado de uma prova semiplena, ou seja, no sentido de um elemento de prova mais tênue, com menor valor persuasivo. É com esse significado que

t ít u l o v i i . d a p r o v a

a palavra indício é utilizada nos arts. 126,312 e 413, caput, todos do CPP. Nesta acepção, a expressão “indício” refere-se a uma cognição verticial (quanto à profundidade) não exauriente, ou seja, uma cognição sumária, não profunda, em sentido oposto à necessária completude da cognição, no plano vertical, para a prolação de uma sentença condenatória. Especificamente em relação aos arts. 312 e 413, caput, do CPP, na medida em que o legislador se refere à prova da existência do crime e ao convencimento da m aterialidade do fato, respectivamente, percebe-se que, no tocante à materialidade do delito, exige-se um juízo de certeza quando da decretação da prisão preventiva ou da pronúncia. No tocante à autoria, todavia, exige o Código de Processo Penal apenas a presença de indícios suficientes de autoria. Em outras palavras, em relação à autoria ou participação, não se exige que o juiz tenha certeza, bastando que conste dos autos elementos informativos ou de prova que permitam afirmar, no momento da de­ cisão, a existência de indício suficiente, isto é, a probabilidade de autoria. Portanto, para fins de prisão preventiva ou de pronúncia, ainda que não seja exigido um juízo de cer­ teza quanto à autoria, é necessária a presença de, no mínimo, algum elemento de prova, ainda que indireto ou de menor aptidão persuasiva, que possa autorizar pelo menos um juízo de probabilidade acerca da autoria ou da participação do agente no fato delituoso. Apesar de não se exigir certeza, exige-se certa probabilidade, não se contentando a lei com a mera possibilidade. + Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) O caso, porém, é de pronúncia, para a qual contenta-se o art. 408 C.Pr.Penal com a existência do crime "e de indícios de que o réu seja o seu autor". Aí - se gu n d o o entendim ento sedim entado -indícios de autoria não têm o sentido de prova indiciária - que pod e bastar à condenação - mas, sim, de elem entos

j

Art. 239

quirição da testem unha no plenário d o Júri e outras provas que ali se produzam podem ser relevantes". (STF, 1aTurma, HC 83.542/PE, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09/03/2004, DJ 26/03/2004).

3. Indícios com o prova indireta: no senti­ do de prova indireta, a palavra indício deve ser compreendida como uma das espécies do gênero prova, ao lado da prova direta, funcionando com o um dado objetivo que serve para confirmar ou negar uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão judicial. É exatamente nesse sentido que a palavra indício é utilizada no art. 239 do CPP. Partindo-se de um fato base comprovado, chega-se, por meio de um raciocínio deduti­ vo, a um fato consequência que se quer provar. Como observa Maria Thereza Rocha de Assis Moura (A prova por indícios no processo penal. Reimpressão. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009), “indício é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devi­ damente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo”. Se o indício é o fato provado que permite, mediante inferência, concluir pela ocorrência de outro fato, é certo dizer que, apesar de o CPP dispor sobre o indício como prova indireta entre os meios de prova (art. 239), o indício não é um meio de prova, mas apenas o resultado probatório de um meio de prova. Na verdade, como observa a doutrina (BADARÓ, Gustavo Henrique. Pro­ cesso penal. Rio de Janeiro: Campus, Elsevier, 2012. p. 336), “o que pode ser provado é o fato indicativo (p. ex.: uma testemunha que viu o acusado com uma faca suja de sangue e a vítima esfaqueada aos seus pés). O indício é o fato certo que está na base da inferência da presunção. Em outras palavras, o indício é o ponto de partida da presunção. Ou, visto pelo outro lado, a presunção é um juízo fundado sobre um indício”.

bastantes a fundar suspeita contra o denunciado. Para esse fim de suportar a pronúncia - decisão de efeitos m eram ente processuais -, o testem unho no inquérito desm entido em juízo pode ser suficiente, sobretudo se a retratação é expressamente vinculada à acusação de tortura sofrida pelo declarante e não se ofereceu sequer traço de plausibilidade da alegação: aí, a rein-

4. Valor probatório dos indícios: muito se discute acerca da possibilidade de se condenar alguém com base única e exclusivamente em indícios. À evidência, por força da regra pro­ batória que deriva do princípio da presunção

Art. 240

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

de inocência, não se admite a condenação de alguém com base em indícios como prova semiplena, porquanto tal prova tem um valor persuasivo que autoriza apenas um juízo de probabilidade, mas não de certeza. Logo, se indícios como prova semiplena são suficien­ tes para a decretação de medidas cautelares, a exemplo da prisão preventiva, não o são para um decreto condenatório. Lado outro, se pensarmos nos indícios como prova indireta, não há óbice à prolação de um decreto con­ denatório. Com a incorporação ao processo penal do princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional do juiz (CPP, art. 155, caput, e CF/88, art. 93, IX ), e a consequente exclusão de qualquer regra de prova tarifada, permite-se que tanto a prova direta como a prova indireta sejam em igual medida válidas e eficazes para a formação da convicção do magistrado. Obviamente, não se pode admitir que um indício isolado e frágil possa fundamentar um decreto conde­ natório. De modo algum. Para tanto, a prova indiciária está sujeita às seguintes condições: a) os indícios devem ser plurais (som en­ te excepcionalmente um único indício será suficiente, desde que esteja revestido de um potencial incriminador singular); b) devem estar estreitamente relacionados entre si; c) devem ser concomitantes, ou seja, univocamente incriminadores - não valem as meras conjecturas ou suspeitas, pois não é possível construir certezas sobre simples probabilida­

des; d) existência de razões dedutivas - entre os indícios provados e os fatos que se inferem destes deve existir um enlace preciso, direto, coerente, lógico e racional segundo as regras do critério humano. Nessa linha, com o o Código de Processo Penal Militar estabelece em seu art. 383, para que o indício constitua prova, é necessário que a circunstância ou fato indicante tenha relação de causalidade, próxima ou remota, com a circunstância ou fato indicado, e que a circunstância ou fato coincida com a prova resultante de outro ou outros indícios, ou com as provas diretas colhidas no processo. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O s

indícios, d a d o ao livre convencim ento

d o Juiz, são equivalentes a qualquer outro m eio de prova, pois a certeza p od e provir deles. Entretanto, seu uso requer cautela e exige que o nexo com o fato a ser p rovado seja lógico e próximo". (STF, 2a Turma, HC 70.344/RJ, 2.aT., rei. Min. Paulo Brossard, publicado em 22.10.1993).

STJ:"(...)

O crime de corrupção passiva, con soante

antiga, m as ainda atual jurisprudência, 'som ente se perfaz, q u an d o fica dem onstrado, m esm o através de indícios, que o funcionário procurou alienar ato de ofício.' O exam e do s indícios resultantes d o contexto probatório levam à conclusão de que houve entre os co-partícipes (m agistrado e ad vo gad o) um a concor­ rência efetiva para a prática d o delito de corrupção passiva. D en ú n cia procedente, c om im po sição das penalidades previstas em lei". (STJ, Corte Especial, APn 224/SP, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 01/10/2008, DJe 23/10/2008).

Capítulo XI DA BUSCA E DA APREENSÃO1 2

A rt. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.3 §1° Proceder-se-á à busca domiciliar,4-5 quando fundadas razões a autorizarem, para:6 a) prender criminosos;7 b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;8

t ít u l o v ii • d a p r o v a

j

Art. 240

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;9 d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;10 e) descobrirobjetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;" f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;12 g) apreender pessoas vítimas de crimes;13 h) colher qualquer elemento de convicção.14 §2° Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.15 1. Distinção entre busca e apreensão: ape­ sar de comumente citadas como se fossem uma coisa só, a busca não se confunde com a apreensão. A busca consiste na diligência cujo objetivo é o de encontrar objetos ou pessoas, seja para preservar elementos probatórios, seja para assegurar a reparação do dano pro­ veniente do crime. A apreensão deve ser tida como medida de constrição, colocando sob custódia determinado objeto ou pessoa. Não é de todo impossível que ocorra uma busca sem apreensão, e vice-versa. Deveras, pode restar frustrada uma diligência de busca, não se logrando êxito na localização do que se pro­ curava. De seu turno, nada impede que uma apreensão seja realizada sem prévia medida de busca, quando, por exemplo, o objeto é entregue de maneira voluntária à autoridade policial.

ca domiciliar determinada pelo juiz, resultar a apreensão de determinado documento, este sim funcionará como meio de prova, uma vez juntado aos autos do processo.

2. Natureza jurídica: conquanto a busca e a apreensão estejam inseridas no Código de Processo Penal como meio de prova (Capítulo X I do Título V II), sua verdadeira natureza jurídica é de meio de obtenção de prova (ou de investigação da prova). Isso porque consiste em um procedimento (em regra, extraprocessual) regulado por lei, com o objetivo de conseguir provas materiais, e que pode ser realizado por outros funcionários que não o juiz (v.g., policiais). Sua finalidade precípua não é a obtenção de elementos de prova, mas sim de fontes materiais de prova, evitando seu perecimento. Exemplificando, se, de uma bus­

ninguém nela podendo penetrar sem o consen­ timento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judiciar. Ainda

3. Espécies de busca: o art. 240, caput, do CPP, deixa evidente que há duas espécies de busca, a saber, a domiciliar e a pessoal. Enquanto aquela depende, pelo menos em regra, de prévia autorização judicial (CF, art. 5o, X I), esta dispensa a exibição de mandado de busca. 4. Busca domiciliar: para a correta com ­ preensão da busca domiciliar, mister se faz analisar a invioalabilidade domiciliar prevista no art. 5o, X I, da Constituição Federal. 5. Inviolabilidade do domicílio: consoante dispõe o art. 5o, inciso XI, da Constituição Federal, “a casa é asilo inviolável do indivíduo,

que se possa reconhecer na inviolabilidade do domicílio uma proteção à liberdade física e à propriedade, forçoso é reconhecer que o bem jurídico por ela tutelado é o direito à intimi­ dade (CF, art. 5o, inciso X). 5.1. Natureza relativa da inviolabilidade domiciliar: a inviolabilidade domiciliar não tem caráter absoluto. Com efeito, da própria redação dada ao inciso X I do art. 5o da Cons-

Art. 240

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

tituição Federal depreende-se que é possível a violação ao domicílio nos casos de flagrante delito - vide comentários ao art. 241 do CPP - ou desastre, ou para prestar socorro, ou, du­ rante o dia, por determinação judicial. Afinal, as liberdades públicas não são incondicionais, devendo ser exercidas de maneira harmônica e com observância dos limites definidos pela Constituição. 6. Objeto da busca domiciliar: as pessoas e coisas sujeitas à busca domiciliar constam do rol exemplificativo do art. 240, §1°, do CPP. 7. Prisão de criminosos: a hipótese do art. 240, §1°, “a”, do CPP, deve ser utilizada tanto para as hipóteses de prisão em flagrante, quan­ do a própria Constituição Federal autoriza a realização da busca em domicílio sem autori­ zação judicial prévia durante o dia ou à noite (CF, art. 5o, XI), quanto para as hipóteses de mandados de prisão preventiva ou temporária previamente expedidos pela autoridade judi­ ciária, sendo que, neste caso, a busca domiciliar deve ser feita durante o dia, caso não haja con­ sentimento do morador. Segundo o art. 243, §1°, do CPP, caso haja ordem de prisão, leia-se, mandado de prisão preventiva ou temporária, constará do próprio texto do mandado de bus­ ca. No dia-a-dia forense, expede-se documento em separado relativo à ordem de prisão. 8. Apreensão de coisas achadas ou obtidas por m eios criminosos: coisas achadas são aquelas eventualmente encontradas e que são importantes para o desvendamento do fato. lem , assim, vínculo probatório. Já as coisas obtidas por meios criminosos devem ser ar­ recadadas para evitar o locupletamento ilícito, viabilizando, ademais, a reparação do prejuízo causado pelo delito. 9. Apreensão de instrumentos de falsifica­ ção ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeiros: é possível a apreensão dos instrumentos utilizados para a falsificação ou contrafação (imitação enganosa da verdade) e dos objetos falsificados ou contrafeitos.10 10. Apreensão de armas e munições, ins­ trumentos utilizados na prática de crime ou 682^)

destinados a fim delituoso: o dispositivo em análise autoriza a apreensão de armas próprias (instrumento cuja finalidade precípua de ata­ que ou defesa), armas impróprias (não tem tal finalidade, mas podem ser usados para tanto, tais como uma faca ou um gargalo de garrafa) e munições (objeto de suprimento da arma). Esses instrumentos apreendidos devem ser periciados a fim de se verificar sua natureza e eficiência (CPP, art. 175). 11. Descoberta de objetos necessários à prova de infração ou à defesa do acusado: qualquer objeto relacionado à materialidade ou autoria do fato delituoso pode ser objeto de apreensão por ocasião da realização da busca domiciliar, a exemplo de roupas sujas de sangue, computadores, etc. 12. Apreensão de cartas: uma vez abertas, as cartas são tratadas como um documento qualquer, podendo ser validamente apreendi­ das, caso interessem ao acertamento do fato delituoso. No tocante às cartas lacradas, há quem entenda que, por força do art. 5o, inciso XII, da Constituição Federal, que assegura a in­ violabilidade do sigilo da correspondência, não se afigura possível sua apreensão e violação, sob pena de ilicitude da prova. Não obstante, convém ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a possibilidade de a administração penitenciária, com fundamento em razoes de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídi­ ca, poder, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, paragrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de pra­ ticas ilícitas. A propósito, eis o teor do Decreto n. 6.049/2007, que versa sobre o Regulamento Penitenciário Federal: “Art. 100. A correspon­ dência escrita entre o preso e seus familiares e afins será efetuada pelas vias regulamentares. §1° É livre a correspondência, condicionada a sua expedição e recepção às normas de segu­ rança e disciplina do estabelecimento penal federal; §2° A troca de correspondência não

TÍTULO V II-D A PROVA

poderá ser restringida ou suspensa a titulo de sanção disciplinar”. Por fim, convém ressaltar que o envio de mercadorias pelos serviços ordinários de transportes não são amparados pela garantia constitucional da inviolabilidade das comunicações. Malas, bolsas de viagens, mochilas e equipamentos de viagens também podem ser submetidos ao controle policial, nas suas funções de prevenção e averiguação dos delitos nos meios de transportes (trens, aviões, ônibus), sem que haja necessidade de prévia autorização judicial. No Brasil, a empresa dos Correios possui um setor chamado de Gerên­ cia de Inspeção, por onde seguem encomendas suspeitas. Nesse setor, os pacotes são submeti­ dos ao “Espectômetro de Massa”, para que seja identificada a existência de substâncias ilícitas. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A

adm inistração penitenciária, com fu n da­

m ento em razões de segurança pública, de disciplina

Art. 241

a tiveram cerceada em razão de determinada infração penal, v.g., extorsão mediante seques­ tro, maus-tratos contra crianças ou idosos, etc. Nessa hipótese, há de se lembrar que a própria Constituição Federal autoriza o ingresso em domicílio independentemente de prévia au­ torização judicial nas hipóteses de flagrante delito (art. 5o, X I). Logo, se a autoridade poli­ cial tem plena convicção de que determinada pessoa é mantida em cárcere em determinado local, poderá ingressar no domicílio por estar caracterizada situação de flagrância, indepen­ dentemente de prévia autorização judicial. 14. Colheita de qualquer elem ento de convicção: com caráter residual e confirman­ do que o art. 240, §1°, do CPP, contempla um rol exemplificativo de finalidades da busca domiciliar, a alínea “h” do referido disposi­ tivo autoriza a apreensão de qualquer outro elemento de convicção que possa interessar às investigações e/ou ao processo criminal.

prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sem pre excepcionalmente, e desde que respeitada a norm a inscrita no art. 41, paragrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder à interceptação da correspondên­ cia remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade d o sigilo epistolar não pode constituir instrum ento de salvaguarda de praticas ilicitas. (...)". (STF, I aTurma, HC 70.814/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 01°/03/1994, DJ 24/06/1994).

13. Apreensão de pessoas vítimas de cri­ mes: a finalidade do dispositivo é assegurar a restituição da liberdade de indivíduos que

15. Objeto da busca pessoal: busca pes­ soal é aquela executada com contato direto com o corpo humano ou em pertences ínti­ mos ou exclusivos do indivíduo, como uma mochila ou um carro. Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fu n dada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou qualquer objeto mencionado nas hipóteses acima mencionadas, salvo para prender cri­ minosos e para apreender pessoas vítimas de crimes.

Art. 241. Quando a própria autoridade policialM ou judiciária5 não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.6-7 1. (Des) necessidade de autorização judi­ cial prévia para a execução de busca dom i­ ciliar pela autoridade policial: a autoridade policial não tem poderes para determinar, por si só, a execução de busca domiciliar. Na verdade, ao executar uma busca domiciliar, o Delegado de Polícia está obrigado a apresentar mandado expedido pela autoridade judiciária, porquanto o art. 5o, inciso XI, da Carta Magna,

demanda prévia autorização judicial para o ingresso em domicílio, salvo se presente uma das hipóteses ali ressalvadas (flagrante delito, desastre ou para prestar socorro). 2. Flagrante delito no interior da residên­ cia e possibilidade de ingresso no dom icí­ lio durante o dia ou à noite, independen­ temente de prévia autorização judicial e de consentim ento do morador: a própria

Art. 241

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

Constituição Federal autoriza a violação ao domicílio nos casos de flagrante próprio, im ­ próprio ou presumido no interior da residên­ cia, seja durante o dia, seja durante a noite, e independentemente de prévia autorização judicial ou de consentimento do morador. Daí a importância da análise dos denominados crimes permanentes, assim compreendidos como aqueles cuja consumação se prolonga no tempo, detendo o agente o poder de fazer cessar sua execução a qualquer momento (v.g., extorsão mediante sequestro). Ora, em relação a tais delitos, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a perma­ nência. Logo, estando o agente em situação de flagrância no interior de sua casa, será possível a violação ao domicílio mesmo sem mandado judicial. O próprio Código Penal, em seu art. 150, §3°, inciso II, dispõe que não constitui crime de violação de domicílio a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas de­ pendências a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser. Nesses casos, para que a polícia possa adentrar em uma residên­ cia, sem mandado judicial, exige-se aquilo que se costuma chamar de “causa provável” (no direito norte-americano, probable cause), ou seja, quando os fatos e as circunstâncias per­ mitiríam a uma pessoa razoável acreditar ou ao menos suspeitar, com elementos concretos, que um crime está sendo cometido no interior da residência. Aliás, em recente julgado, o Supremo admitiu que não há ilegalidade na prisão em flagrante realizada por autoridade policial baseando-se em notícia anônima (STF, 2a Turma, HC 90.178/RJ, Rei. M in. Cezar Peluso, j. 02/02/2010, DJe 55 25/03/2010). A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, portanto, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas aposteriori, que indiquem que, dentro da casa, havia situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados. Nessa medida, deve ser considerada arbitrária a entrada forçada em domicílio sem uma justificativa conforme o direito, ainda que, posteriormente, seja cons­

tatada a existência de situação de flagrante no interior daquela casa. Enfim, deve haver um controle aposteriori, exigindo-se dos agentes estatais a demonstração de que a medida fora adotada mediante justa causa, ou seja, que havia elementos para caracterizar a suspeita de flagrante delito no interior daquele domi­ cílio, autorizando, pois, o ingresso forçado, independentemente de prévia autorização judicial. Em síntese, o modelo probatório deve ser o mesmo da busca e apreensão domiciliar, que pressupõe a presença de fundadas razões (CPP, art. 240, §1°), as quais, logicamente, devem ser exigidas de maneira modesta e compatível com o momento em questão. Com esse entendimento: STF, Pleno, RE 603.616/ RO, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 04/11/2015. O termo “delito”, utilizado no inciso X I do art. 5° da Constituição Federal, merece in ­ terpretação extensiva, abrangendo também a contravenção penal. O raciocínio é idêntico em relação ao princípio da legalidade ou da reserva legal, segundo o qual não há crime (e nem contravenção penal) sem lei anterior que o defina (CF, art. 5°, X X X IX ). Portanto, mesmo em se tratando de contravenções pe­ nais (v.g., jogo do bicho) ou crimes aos quais não seja cominada pena privativa de liberdade (v.g., porte de drogas para consumo pessoal), é possível o ingresso em casa alheia sem au­ torização judicial. 3. Flagrante delito fora da residência e eventual fuga para o interior de domicílio com o consentim ento do morador: se o flagrante próprio, impróprio ou presumido no interior da residência autoriza o ingresso no domicílio independentemente de prévia autorização judicial e do consentimento do morador, seja durante o dia, seja durante a noite, diverge a doutrina quanto à espécie de flagrante que autoriza a violação ao domicílio sem mandado judicial nas hipóteses em que o fato delituoso é praticado anteriormente fora da residência e, na sequência, o agente ingressa numa determinada residência com o consenti­ mento do morador. Parte da doutrina entende que, nessa hipótese, a única espécie de flagran­ te que autoriza o ingresso em domicílio sem autorização judicial é o flagrante próprio (CPP,

TITULO V I I . DA PROVA

art. 3 0 2 ,1 e II). Como garantia constitucional, a proteção ao domicílio não pode ser alargada indevidamente. É essa a posição de Nucci ( Có­ digo de Processo Penal Comentado. 4a ed. ver., atual, e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 544). Nesse sentido, dispõe a Instrução Normativa 1/92 (DOU 13.11.1992) do Diretor do Departamento de Polícia Fede­ ral, tratando do procedimento policial: art. 73. “A autoridade policial somente procede­ rá à busca domiciliar sem mandado judicial quando houver consentimento espontâneo do morador ou quando tiver certeza da situação de flagrância. (...) 73.2. Na segunda hipótese, é imprescindível ter-se certeza de que o delito está sendo praticado naquele momento, não se justificando o ingresso no domicílio para realização de diligências complementares à prisão em flagrante ocorrido noutro lugar, nem para averiguação de notitia criminis”. A nosso ver, se a Constituição Federal estabelece que é possível o ingresso em domicílio nas hipóteses de flagrante delito, deve se extrair do estatuto processual penal o conceito de flagrância (CPP, art. 3 0 2 ,1, II, III e IV). Ora, se interpretarmos que a fuga para residência seria inviabilizadora da prisão em flagrante, estar-se-ia criando uma hipótese de imunidade ao criminoso: bastaria, ao notar que está sendo perseguido, adentrar em uma residência para se eximir de sua prisão. Tourinho Filho comunga do mes­ mo entendimento: Código de Processo Penal Comentado 1 (arts. I o a 393). 9a ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 689.

/

241

cessidade de prévio m an d ad o de busca e apreensão. H C indeferido". (STF, 2aTurma, HC 84.772/MG, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 12/11/2004 p. 41).

STF:"(...) Quadrilha

form ada por policiais militares e

civis, para a prática de crime contra o patrimônio. Não caracterização de crime militar. Crim e de quadrilha: crime perm anente. Estado de flagrância. Inocorrência de desrespeito à inviolabilidade d o domicílio, já que incide a exceção d o art. 5°, XI, da Constituição. Dispensa, no caso, d o m a n d a d o judicial. Eventuais irregularidades em peças que integram o inquérito policial não contam inam o processo, nem ensejam a sua anulação, d a d o que o inquérito é mera peça infor­ m ativa da denúncia ou da queixa. (...)". (STF, 2a Turma, HC 74.127/RJ, Rei. Min. Carlos Velloso, DJ 13/06/1997).

STJ: "(...) TRÁFICO

E A S S O C IA Ç Ã O PARA O TRÁFICO

ILÍCITO D E ENTORPECENTES. A L EG A Ç Ã O DE N U LIDA D E D A B U S C A E A P R E E N SÃ O PO R IN O B SE R V Â N C IA D O PR IN CÍPIO D A IN V IO L A B IL ID A D E D E D O M IC ÍLIO . ILICITUDE D A PROVA C OLH IDA. ILEG A LID A D ES N Ã O EV IDEN C IAD AS. 1. Em casos de crimes permanentes, não se faz sequer necessária a expedição de m an dad o de busca e apreensão, sendo lícito à autoridade policial ingressar no interior d o domicílio, a qualquer hora do dia ou da noite, para fazer cessar a prática criminosa, c o m o no caso em questão, apreendendo a substância entorpecente nele encontrada. 2. Por ser dispensada a expedição d o m an d ad o de busca e apreensão, tam ­ bém não há de se falar em sua nulidade, por descum prim ento d o disp o sto no art. 245, § 7.°, d o C ó d ig o de Processo Penal. 3. O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, H C 122.937/MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 19/03/2009, DJe 13/04/2009).

STJ:"(...) O tráfico ilícito de drogas é crime permanente, o que enseja o prolongam ento no tem po da flagrância delitiva, enquanto durar a permanência. Tratando-se de crime permanente, não há se falar em ilegalidade por violação de dom icílio por ter sido a prisão efetuada no período noturno na residência d o Paciente, um a vez que a Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso

4. Flagrante delito fora da residência e eventual fuga para o interior de domicílio sem o consentimento do morador: se, por ocasião da fuga após a prática de determinado fato delituoso, o agente ingressar em domicí­ lio alheio sem o consentimento do morador, as autoridades policiais poderão ingressar imediatamente no local, mesmo que à noite, porquanto haverá flagrante delito de violação de domicílio (CP, art. 150).

XI, autoriza a prisão em flagrante, seja durante o dia, seja durante a noite, independente da expedição de m a n d a d o judicial. O rd e m den egada". (STJ, 5a Tur­ ma, HC 31.514/MG, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 05/04/2004 p. 296).

STJ: “(...) A

perseguição pode ser caracterizada pelo

patrulham ento e guarda, visand o à prisão d o autor d o delito, pois a lei não explicita as diligências que a caracterizam, se nd o que a única exigência é referente ao início da perseguição, a qual deve se dar lo go ap ó s a prática d o fato. N ão é ilegal a entrada em dom icílio sem o consentim ento d o autor d o delito, que é perseguido,

-f Jurisprudência selecionada:

lo go ap ó s a prática d o crime, pela autoridade policial,

STF:"(...) Cuidando-se de crime de natureza perm anen­

em casa alheia, m esm o contra a vontade do morador,

te, a prisão d o traficante, em sua residência, durante o período noturno, não constitui prova ilícita. D esn e ­

para fins de prisão em flagrante. M eras irregularidades

pois a própria Constituição Federal permite a entrada

ocorridas no au to de prisão em flagrante, que não

Art. 241

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

p od em ser consideradas essenciais, não autorizam, por si só, a revogação da custódia cautelar. Ordem par­ cialm ente conhecida e denegada". (STJ, 5a Turma, HC 10.899/GO, Rei. Min. Gilson Dipp, DJ 23/04/2001 p. 166).

STJ:"(...) A inviolabilidade d o dom icílio é excepcionada pela ocorrência de flagrante delito, conform e artigo 5°, XI, da Constituição Federal. É válido o flagrante presu­ m ido q u an d o o objeto furtado é encontrado, ap ó s a prática d o crime, na residência d o acusado. N e gad o provim ento ao recurso". (STJ, 5a Turma, RH C 21.326/ PR, Relatora M inistra Jane Silva, D e se m b a rga d o ra convocada doTJ/M G , DJ 19/11/2007 p. 247).

STJ:"(...) N ão restou dem onstrada qualquer irregulari­ dade na diligência efetuada pelos policiais na casa da tia d o paciente, seja em decorrência de perseguição continuada aos autores d o crime de roubo, seja pelo fato de a ocultação de arm as de fo g o sem autorização e em desacordo c om a determ inação legal constituir-se, por si só, em crim e perm anente, de m o d o que em am b as as situações se verificam as hipóteses de exceção à regra de inviolabilidade de domicílio, pre­ vistas no inciso XI d o art. 5° da Constituição Federal. (...) Ordem denegada". (STJ, 5aTurma, HC 51,897/SP, Rei. Min. Gilson Dipp.j. 20/06/2006, DJ 01/08/2006 p.480).

5. (Im) possibilidade de execução pessoal da busca domiliciar pela própria autorida­ de judiciária: o art. 241 do CPP autoriza a realização da busca domiciliar pessoalmente pela própria autoridade judiciária, hipótese em que sequer haveria necessidade de expe­ dição de mandado. Tal dispositivo deve ser interpretado à luz da Constituição Federal. A possibilidade de o magistrado executar pes­ soalmente uma busca domiciliar representa clara e evidente afronta ao sistema acusatório adotado pela Carta Magna (CF, art. 129, I), além de violar a garantia da imparcialidade do magistrado, ressuscitando a famigerada figura do juiz inquisidor. Destoa das funções do magistrado exercer qualquer atividade de caráter investigatório, localizando fontes de provas, sob pena de auxiliar a acusação na colheita de elementos de informação que irão servir ao titular da ação penal para provocar a jurisdição. Essa atuação pessoal do magistrado também representa usurpação à atribuição investigatória do Ministério Público e da Polícia Judiciária. Graves prejuízos seriam causados à imparcialidade do magistrado caso se admi­ tisse que pudesse agir pessoalmente na fase investigatória. O que lhe compete - e desde que seja provocado - é analisar a necessidade

da medida, expedindo o mandado de busca domiciliar caso presentes seus requisitos. Por consequência, interpretando-se o art. 241 do CPP à luz da Constituição Federal, conclui-se que a busca domiciliar deve ser executada pessoalmente pela autoridade policial (ou pelo Ministério Público), jamais pela autoridade judiciária. 6. Cláusula de reserva de jurisdição: a pos­ sibilidade de invasão domiciliar está sujeita à cláusula de reserva de jurisdição, a qual, con­ forme observa J. J. Gomes Canotilho (Direito constitucional e teoria da Constituição. Coim­ bra: Almedina, 1998, p. 580 e 586.), importa em “submeter à esfera única de decisão dos magistrados a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de verdadeira discri­ minação material de competência jurisdicional fixada no texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusi­ ve daqueles a quem se hajam eventualmente atribuído poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, como ocorre com as Comissões Parlamentares de Inquérito. Logo, por expressa previsão constitucional, compete exclusivamente aos órgãos do Poder Judiciário, com total exclusão de qualquer outro órgão estatal, a prática de determinadas restrições a direitos e garantias individuais: a) violação ao domicílio durante o dia (CF, art. 5o, inciso XI); b) prisão, salvo nas hipóteses de flagrante delito (CF, art. 5°, inciso LXI); c) interceptação tele­ fônica (CF, art. 5o, inciso X II); d) afastamento de sigilo de processos jurisdicionais. 7. Ingresso de agentes fiscais no domicílio do contribuinte: sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (flagrante delito, desas­ tre, ou para prestar socorro), nenhum agente público, ainda que vinculado à administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito (“invito domino”), ingres­ sar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude

T ÍTU LO VII-DA PRO VA

material. De se ver, então, que o poder fiscalizador da administração tributária perdeu, em favor do reforço da garantia constitucional do domicílio (CF, art. 5o, X I), a prerrogativa da auto-executoriedade. O ingresso de agentes fiscais em dependência domiciliar do contri­ buinte (v.g., escritório de contabilidade) tam­ bém está condicionado, portanto, à existência de prévia autorização judicial. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Prova: alegação de ilicitude da prova obtida

,

Art. 242

A adm inistração tributária, por isso m esmo, em bora p o d e n d o muito, não p od e tudo. É que, ao Estado, é so ­ m ente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e n os term os da lei" (CF, art. 145, § 1°), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes d o próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia - que prepondera sobre to d o s os ó rgã o s e agentes fazendários - restringe-lhes o alcance d o poder de que se acham investidos, e spe ­ cialm ente q u an do exercido em face d o contribuinte e d o s cid ad ão s da República, que são titulares de ga ran tia s im p re g n a d a s de estatura con stitucion al e que, por tal razão, n ão p o d e m ser tran sgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nom e do

m ed ian te ap ree n são de d o c u m e n to s p or age n te s

Estado. (...) Sem que ocorra qualquer das situações

fiscais, em escritório de em presa - com preendido no

excepcionais taxativam ente previstas no texto cons­

alcance da garantia constitucional da inviolabilidade

titucional (art. 5°, XI), nenhum agente público, ainda

d o dom icílio - e de contam inação das provas daquela

que vinculado à adm inistração tributária d o Estado,

derivadas: tese substancialm ente correta, prejudicada

poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito

no caso, entretanto, pela ausência de dem onstração

d o m ino "), ingressar, durante o dia, sem m a n d a d o

concreta de que o s fiscais não estavam autorizados

judicial, em e spaço privado não aberto ao público,

a entrar ou perm anecer no escritório da empresa, o

o n d e a lgu é m exerce sua atividade profissional, sob

que não se extrai d o acórdão recorrido. Conform e o

pena de a prova resultante da diligência de busca e

art. 5o, XI, da Constituição - afora as exceções nele

apreensão assim executada reputar-se inadmissível,

taxativam ente previstas ("em caso de flagrante delito

porque im pregnada de ilicitude material. Doutrina.

ou desastre, ou para prestar socorro") só a "determi­

Precedentes específicos, em tem a de fiscalização tri­

nação judicial" autoriza, e durante o dia, a entrada de

butária, a propósito de escritórios de contabilidade

algu ém - autoridade ou não - no dom icílio de outrem,

(STF). - O atributo da auto-executoriedade d o s atos ad­

sem o consentim ento d o morador. Em conseqüência,

ministrativos, que traduz expressão concretizadora do

o poder fiscalizador da adm inistração tributária per­

"privilège du preálable", não prevalece sobre a garantia

deu, em favor d o reforço da garantia constitucional

constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que

d o domicílio, a prerrogativa da auto-executoriedade,

se cuide de atividade exercida pelo Poder Público em

condicionado, pois, o ingresso do s agentes fiscais em

sede de fiscalização tributária. Doutrina. Precedentes.

dependência dom iciliar d o contribuinte, sem pre que

(...) A circunstância de a adm inistração estatal achar-se

necessário vencer a o posição d o morador, passou a

investida de poderes excepcionais que lhe permitem

depender de autorização judicial prévia. Mas, é um

exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera

d ado elementar da incidência da garantia constitucio­

d o dever de observar, para efeito d o legítim o desem ­

nal d o dom icílio o não consentim ento d o m orador ao

penho de tais prerrogativas, os limites im postos pela

questionado ingresso de terceiro: m algrado a ausência

Constituição e pelas leis da República, so b pena de os

da autorização judicial, só a entrada invito d o m in o a

órgãos governam entais incidirem em frontal desres­

ofende". (STF, I a Turma, RE-AgR 331.303/PR, Rei. Min.

peito às garantias constitucionalm ente asseguradas

Sepúlveda Pertence, DJ 12/03/2004 p.42).

aos cidadãos em geral e aos contribuintes em particu­

STF:"(...)

N ão são a b solu to s o s p od eres de que se

lar. O s procedim entos d o s agentes da adm inistração

acham investidos o s ó rgã os e agentes da adm inistra­

tributária que contrariem o s postulados con sagrad os

ção tributária, pois o Estado, em tem a de tributação,

pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis

inclusive em matéria de fiscalização tributária, está

e não p od em ser corroborados pelo Suprem o Tribunal

sujeito à obse rvân cia de um com p le xo de direitos

Federal, sob pena de inadm issível subversão do s p o s­

e prerrogativas que assistem, constitucionalm ente,

tulados constitucionais que definem, de m o d o estrito,

ao s contribuintes e ao s cidadãos em geral. Na reali­

os limites - inultrapassáveis - que restringem os p od e ­

dade, o s poderes d o Estado encontram, nos direitos

res d o Estado em suas relações com os contribuintes e

e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito p o d e caracterizar ilícito constitucional.

com terceiros". (STF, 2a Turma, H C 82.788/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 02/06/2006 p. 43).

Art. 242. A busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes.’

....... ~\

Art. 243

\

V

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

1. Iniciativa e decretação: a busca de natu­ reza pessoal pode ser determinada pela auto­ ridade policial ou pela autoridade judiciária. A propósito, dispõe o art. 6o, inciso II, do CPP, que, tendo a autoridade policial conhecimento da infração, deverá apreender os objetos que tiverem relação com a infração, após liberados pelos peritos. Nesse caso, a autoridade policial age de ofício, sendo dispensável prévia autori­ zação judicial. Noutro giro, em relação à busca domiciliar, somente a autoridade judiciária competente poderá expedir o respectivo man­ dado. Na fase investigatória, não se admite a decretação ex officio da busca domiciliar pela autoridade judiciária. Para tanto, faz-se necessária a devida provocação por parte da autoridade policial ou do Ministério Público, que devem apresentar os motivos que autori­ zam a execução da referida diligência. Na fase processual, todavia, admite-se a decretação

Art. 243.0

de ofício pelo juiz. Ora, uma vez em curso o processo, a autoridade judiciária passa a deter poderes inerentes ao próprio exercício da fun­ ção jurisdicional, razão pela qual, nessa fase, é perfeitamente possível que determine a busca domiciliar de ofício, seja por força do prin­ cípio da busca da verdade, seja pela própria adoção do sistema do livre convencimento motivado. Afinal, visualizando a necessidade da decretação da medida, não se pode privar o magistrado de importante instrumento para assegurar o melhor acertam ento dos fatos delituosos submetidos a julgam ento. Para mais detalhes acerca da vedação à iniciativa investigatória do magistrado na fase inves­ tigatória e da admissibilidade da iniciativa probatória residual a ele conferida durante o curso do processo judicial, remetemos o leitor aos comentários aos incisos I e II do art. 156 do CPP.

mandado de busca deverá:'-2

I - indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem; II - mencionar o motivo e os fins da diligência; III - ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir. §1 ° Se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca. §2° Não será permitida a apreensão de documento em poder do de­ fensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito.3 1. Pressupostos para a busca domiciliar: a expedição de mandado de busca domiciliar está condicionada à presença de fu n dadas razões , sendo indispensável a presença de ele­ mentos informativos apontando que uma das coisas ou pessoas citadas no art. 240, §1°, do CPP, encontra-se no interior da casa sujeita à diligência.2 2. M an dad o judicial certo e determinado: com o objetivo de se resguardar a vida pri­ vada e a intimidade (CF, art. 5o, X ), é indis­ pensável que o mandado de busca domiciliar

expedido pela autoridade judiciária seja certo e determinado. Não se admite a expedição de ordem judicial genérica, conferindo à auto­ ridade policial (ou ministerial) liberdade de escolha e de opções acerca dos locais a serem invadidos e vasculhados. Também deve ser indicado o motivo gerador da diligência, assim como o objetivo a ser alcançado. 3. Busca p e sso a l em p ro fissio n a is da advocacia: no tocante à busca pessoal em advogado, tem -se que, em regra, docum en­ tos em poder de advogado não poderão ser apreendidos (Lei n. 8.906/94, art. 7o, II),

f

TITULOVII-DAprova salvo em duas situações: a) quando o docu­ mento é o corpo de delito de crime (CPP, art. 243, §2°): todo material capaz de formar o corpo de delito da infração penal não pode ser considerado inviolável, sob pena de se impedir o Estado de coibir a prática deli­

Art. 244

tuosa; b) quando o advogado for partícipe ou coautor do crime, ele deixa de gozar das prerrogativas do profissional da advocacia, podendo ter documentos vinculados a tal delito apreendidos.

Art. 244. A busca pessoal' independerá de mandado,2 no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. 1. Busca pessoal: envolve não apenas o cor­ po do suspeito, mas também suas ropuas, pertences móveis que esteja carregando (ex.: mochilas), bem como veículos, salvo, neste último caso, quando o veículo for destinado à habitação (v.g., trailers residenciais). Há duas subespécies de buscas pessoais: a) busca pesso­ al por razões de segurança: é aquela realizada em festas, boates, aeroportos, rodoviárias, etc. Essa espécie de busca pessoal não está regula­ mentada pelo Código de Processo Penal, de­ vendo ser executada de maneira razoável e sem expor as pessoas a constrangimento ou à humi­ lhação. Sua execução tem natureza contratual, ou seja, caso a pessoa não se submeta à medida, não poderá se valer do serviço ofertado nem tampouco frequentar o estabelecimento; b) busca pessoal de natureza processual penal: regulamentada pelo art. 244 do CPP, deve ser determinada quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, instrumen­ tos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos, armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso, objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu, apre­ ender cartas abertas destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato, assim como qualquer outro elemento de convicção.2 2. (Des) necessidade de m andado judi­ cial: a urgência inerente à execução da busca pessoal acaba por> dispensar a expedição de

prévia autorização judicial. Deveras, se uma pessoa suspeita de transportar drogas está passando diante de um agente de polícia, seria impossível que ele conseguisse, a tempo, um mandado para a execução da revista. C on­ soante disposto no art. 244 do CPP, a busca pessoal não depende de mandado judicial nas seguintes hipóteses: a) no caso de prisão: se o agente está na iminência de ser recolhido ao cárcere, é natural que seja objeto de busca pessoal, independentemente de prévia autori­ zação judicial, de modo a se evitar que armas ou objetos perigosos sejam indevidamente introduzidos no presídio; b) quando hou­ ver fu n d a d a suspeita de que a pessoa esteja na posse de arm a proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito: caso a busca pessoal seja executada sem que haja fundada suspeita, como no exemplo em que a autoridade a executa tão somente para demonstrar seu poder, a conduta do agente policial pode caracterizar o crime de abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65, art. 3o, “a”); c) quando a medida for determ inada no curso de bu sca d om iciliar: no cumprimento de busca domiciliar, as pessoas que se encontrem no interior da casa poderão ser objeto de busca pessoal, mesmo que o mandado não o diga de maneira expressa. Afinal, tais pessoas podem estar escondendo o objeto da busca domiciliar em seus pertences pessoais. -f Jurisprudência selecionada: STF:"(...) A fundada suspeita prevista no art. 244 d o CPP não p od e fundar^se e m parâm etros-unicam ente su b ­ jetivos, exigin do elem entos concretos que indiquem

\

Art. 245

v

cpp COM ENTADO

•R enato B rasileiro de Lima

a necessidade da revista, em face d o constrangim ento q u e causa. Ausência, n o caso, d e e lem en tos dessa natureza, que não se p od e ter por con figu rados na

a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de a b u so de poder".

alegação de que trajava, o paciente, um 'blusão' su s­

(STF, I a Turma, HC 81.305/GO, Rei. Min. limar Galvão,

cetível de esconder um a arma, sob risco de referendo

DJ 22/02/2002 p. 35).

Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia,1'2 salvo se o morador consentir3 que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.2-4 §1° Se a própria autoridade der a busca, declarará previamente sua qualidade e o objeto da diligência. §2° Em caso de desobediência, será arrombada a porta e forçada a entrada. §3° Recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força con­ tra coisas existentes no interior da casa, para o descobrimento do que se procura. §4° Observar-se-á o disposto nos §§ 2° e 3o, quando ausentes os mo­ radores, devendo, neste caso, ser intimado a assistir à diligência qualquer vizinho, se houver e estiver presente. §5° Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será intimado a mostrá-la. §6° Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da autoridade ou de seus agentes. §7° Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4o. 1. Conceito de dia: há dissenso na doutrina no que toca ao conceito de dia. De um lado, parte da doutrina entende que deve prevalecer o critério físico-astronômico, considerando como dia o período compreendido entre a aurora e o pôr-do-sol (crepúsculo). Nesse sen­ tido: MELLO, Celso de. Constituição Federal anotada. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 442. A nosso juízo, de modo a se estabelecer um cri­ tério mais seguro, deve ser considerado como dia o período compreendido entre 6:00h e 18:00h. É essa a posição de José Afonso da Silva (in Curso de Direito Constitucional Positivo. 25a ed., rev. e atual, nos termos da Reforma Cons­ titucional [até a Emenda Constitucional n. 48, de 10.08.2005]. São Paulo: Malheiros Editores, p. 437). Há, ainda, aqueles que entendem que deve prevalecer a aplicação conjunta de ambos os critérios, resguardando-se a possibilidade de

invasão domiciliar com autorização judicial, mesmo após às 18:00 horas, desde que ainda não seja noite, como ocorre no período do horário de verão. Nesse contexto: MORAES, Alexandre de. Constituição Federal anotada. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 442. Caso a polícia tenha em mãos um mandado de prisão, expedido pela autoridade judiciária compe­ tente, só poderá invadir o domicílio durante o dia, mesmo que a casa seja a do próprio in ­ divíduo visado. Ausente o consentimento para ingressar à noite, resta cercar o local para que, ao alvorecer, seja cumprida a ordem de prisão (CPP, art. 293, caput). Obviamente, se a pessoa perseguida em flagrante delito invadir a casa de outrem, sem o seu consentimento, estará praticando outro crime - violação de domicílio (CP, art. 150) - , ou seja, estará em flagrante delito no interior da residência, autorizando,

TÍTULO VII • DA PROVA

por conseguinte, que o agente público possa ingressar na casa e efetuar sua prisão, mesmo que durante a noite. E nem se diga que a ne­ gativa em permitir o ingresso durante a noite, quando o procurado estiver no interior do domicílio, constitui favorecimento real (CP, art. 348, caput), resistência (CP, art. 329, caput) ou desobediência (CP, art. 330, caput). Cuida-se de exercício regular de direito previsto na própria Constituição Federal. Conquanto a violação ao domicílio só possa ocorrer durante o dia, convém destacar que, iniciada a exe­ cução de mandado de busca durante o dia, é possível que a diligência se prolongue durante o período da noite, quando o adiamento do ato puder prejudicar a eficácia da medida. ♦

Jurisprudência selecionada:

j

Aft. 245

de exercício da profissão, afastaria a inviola­ bilidade constitucional do art. 5o, X e XI. Em outras palavras, não seria possível operar-se a inviolabilidade do escritório de advocacia, quando o próprio advogado fosse suspeito da prática de crime, sobretudo se concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da profissão. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "(...)

Para fins de persecução criminal de ilícitos praticados por quadrilha, bando, organização ou as­ sociação crim inosa de qualquer tipo, são perm itidos a captação e a interceptação de sinais eletromagnéticos, óticos e acústicos, bem com o seu registro e análise, m ediante circunstanciada autorização judicial. PRO ­ VA. Criminal. Escuta am biental e exploração de local. Cap tação de sinais óticos e acústicos. Escritório de advocacia. Ingresso da autoridade policial, no período

A garantia constitucional d o inciso XI do

noturno, para instalação de equipam ento. M e d id a s autorizadas por decisão judicial. Invasão de dom icí­

artigo 5o da Carta da República, a preservar a inviolabi­ lidade d o domicílio durante o período noturno, alcança

lio. N ão caracterização. Suspeita grave da prática de crim e por ad vo gad o, no escritório, so b pretexto de

tam bém ordem judicial, não cabendo cogitar de crime

exercício da profissão. Situação não acobertada pela inviolabilidade constitucional. Inteligência do art. 5o,

STF: "(...)

de resistência". (STF, 1aTurma, RE460.880/RS, Rei. Min. M arco Aurélio, DJe 036 28/02/2008).2

X e XI, da CF, art. 150, § 4°, III, d o CP, e art. 7°, II, da Lei n° 8.906/94. Preliminar rejeitada. Votos vencidos. N ão

2. Ingresso em d om icílio no período notur­ no: o art. 5o, XI, da Constituição Federal, deixa claro que a busca domiciliar deve ser executada exclusivamente durante o dia. Isso, no entanto, não significa dizer que o ingresso em domi­ cílio jamais poderá ser realizado no período noturno. Há precedente do Supremo Tribunal Federal admitindo o ingresso em domicílio - iti casu, escritório de advocacia, tido como “casa” por se tratar de compartimento não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou atividade (CPP, art. 246, in fin e) - durante o período noturno para fins de instalação de equipamento destinado à captação de sinais óticos e acústicos, mediante prévia autorização judicial. Considerou-se válido o ingresso da autoridade policial, no período noturno, me­ diante prévia autorização judicial, até mesmo pelo fato de que a natureza da execução de tais medidas jamais permitiría que fossem realiza­ das com publicidade, sob pena de frustração, o que ocorrería caso fossem feitas durante o dia, mediante a apresentação de ordem judicial. Reputou-se que a suspeita grave da prática de crime por advogado, no escritório, sob pretexto

opera a inviolabilidade d o escritório de advocacia, qu an do o próprio ad vo gad o seja suspeito da prática de crime, sobretudo concebido e c o n su m a d o no âm bito desse local de trabalho, so b pretexto de exercício da profissão. (...)". (STF, Pleno, lnq.2.424/RJ, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 26/11/2008, DJe 55 25/03/2010).

3. Consentim ento do morador: o art. 5o, inciso X I, da C onstituição Federal, deixa evidente que o consentimento do morador autoriza que se ingresse em casa alheia, seja durante o dia, seja durante a noite. Resta sa­ ber, então, quem detém legitimidade para dar ou negar esse consentimento. A Constituição Federal não fala em proprietário, locatário ou possuidor, mas sim em morador, compreen­ dendo todos aqueles que habitam a casa. Logo, tendo em conta que o ingresso em domicílio para fins de investigação crim inal devassa a intimidade e retira o sossego de todas as pessoas que habitam o local, não apenas a pessoa suspeita pode negar o consentimento, como também qualquer um dos moradores que ali se encontram. O que deve nortear a ação da autoridade policial é a boa-fé quanto às informações prestadas pela pessoa abordada

Art. 245

C P P C O M E N T A D O • R enato

B rasileiro de Lima

por ocasião do ingresso no domicílio. Logo, qualquer pessoa maior de idade e que se qua­ lifique como morador do local pode autorizar o ingresso na residência. Discorrendo sobre o jus prohibendi do empregado doméstico que reside na casa, Walter Nunes da Silva Júnior (op. cit. p. 654/655) conclui que o empregado, residente no local, tem o direito de negar o ingresso no espaço territorial definido para a sua privacidade, sendo pertinente a oposição contra outros moradores da casa, e, até mesmo, contra o patrão. Segundo o referido autor, “o patrão que entra na casa do caseiro ou quarto do empregado para verificar, por exemplo, se ele furtou algum objeto, afronta o preceito constitucional que assegura a inviolabilidade do domicílio, não tendo validade eventuais provas obtidas sob essa forma”. De outro lado, os prestadores de serviços no local, sejam even­ tuais ou permanentes, não podem autorizar o ingresso no domicílio. Afinal, mesmo quando ali residentes, não detêm qualquer liberdade em relação às demais dependências locais.

Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será intimado a mostrá-la. Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da autoridade ou de seus agentes. Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas tes­ temunhas presenciais, e, eventualmente, por um vizinho, quando não houver moradores na casa. A ausência de testemunhas presenciais ao cumprimento da diligência de busca domiciliar é considerada mera irregularidade. + Jurisprudência selecionada: STJ: "(...) D eterm inada a expedição d o m an dad o de busca e apreensão so b singelas linhas, em b oa ver­ dade, não se vislum bra eiva em seu teor, eis que se reportou ao exauriente requerim ento policial, bem com o à manifestação ministerial, em franca motivação per relationem, e se atendeu ao previsto no artigo 243 d o C ó d ig o de Processo Penal, citando-se, ainda, o disp o sto no artigo 240, § 1 °, alíneas "b", "e" e "h", do Estatuto Processual Repressivo, com especial m enção ao fato de a autoridade policial "proceder à apreensão de qualquer elem ento de convicção", ou seja, o juiz

4. Execução da busca domiciliar: a diligên­ cia de busca deve ser executada pelos órgãos de Polícia Judiciária, pelo Ministério Público, ou por Oficiais de Justiça. De modo excepcio­ nal, policiais militares podem colaborar com a execução da medida. Caso o morador não franqueie o acesso à casa durante o dia após a leitura do mandado de busca domiciliar, a porta será arrombada e forçada a entrada, sendo possível que o agente seja responsabi­ lizado pelo crime de desobediência (CP, art. 330). Recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra coisas existentes no interior da casa (v.g., arrombamento de armários, cofres, etc.), para o descobrimento do que se procura. Ausentes os moradores, a diligência deve ser realizada normalmente, com a ressalva de que, neste caso, deve ser intimado a assistir à diligência algum vizinho, se houver e estiver presente. Não havendo vizinhos por perto, os executores podem agir sozinhos. Vizinhos e testemunhas idôneas também devem ser convocadas para acompa­ nhar a diligência quando as pessoas presentes em casa não tiverem capacidade para consentir (v.g., menores de idade ou doentes mentais).

a g re g o u tó p ico s outros, não se circunscrevendo a mera referência aos requerimentos. N ão obstante a estruturação das polícias com a atribuição de espe­ cialidades para cada órgão, n os term os do artigo 144 da Constituição Federal, a segurança pública é dever d o Estado e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública, e sco p o c o m u m a to d o s o s entes policiais. N ão se configura qualquer pecha n o cum prim ento da m edida por policiais mili­ tares da Corregedoria Militar, pois o suspeito é policial militar e a diligência foi precedida de requerimento do Parquet e autorização judicial, culm inando pela super­ visão da autoridade policial, de le ga d o da polícia civil, que inclusive lavrou o auto de exibição e apreensão. Inaceitável que a defesa avente a tese de nulidade ap ó s quedar-se inerte no transcurso d o cum prim ento d o m an d ad o de busca e apreensão, subscrevendo o auto, não se insurgindo pela form a c o m o conduzido. A relação processual é pautada pelo princípio da boa-fé objetiva, da qual deriva o subprincípio da vedação d o venire contra factum proprium (proibição de com ­ portam entos contraditórios). Assim , diante de um tal com p ortam e n to sinuoso, não d a d o é reconhecer-se a nulidade. Em bora o e sco p o d o m an d ad o de busca e apreensão não fosse a localização de arm as e m uni­ ções, eis que som ente se almejou detectar o artefato belicoso em p regado no crime de roubo circunstancia­ do, descrito no requerimento policial, encontrando-se fortuitam ente o s objetos citados, indicativos de outro delito, de cu n h o perm anente, possível se m ostra o

T ÍT U L O V II • D A P R O V A

flagrante pelos policiais, que não se descuraram da sua função pública, atu an do prontam ente ao descobrir novel crime q u an d o em busca de elem entos delitivos de outro feito. Recurso a que se nega provimento". (STJ,

6a Turma,

RHC 41.316/SP, Rei. Min. M aria Thereza de

Assis Moura, j. 20/11/2014, DJe 12/12/2014).

STJ: "(...) N ão há nulidade por ter sido a apreensão efetuada por policiais militares, um a vez que estes p od em auxiliar na execução das buscas. Registre-se que aqui se tratou de operação levada a efeito de form a conjunta entre as polícias civil e militar. (...)". (STJ, 5a Turma, HC 232.174/SC, Rei. Min. M arco Aurélio Bellizze, j. 20/08/2013, DJe 27/08/2013).

5. Descoberta de outros elementos pro­ batórios e teoria do encontro fortuito de provas: durante o cumprimento de uma busca domiciliar, é provável que a autoridade policial ou o oficial de justiça se depare com elementos probatórios relacionados a outros delitos (v.g., fotos do morador na companhia de menores de idade em atividade sexual), surgindo a in­ dagação acerca da possibilidade de apreensão de tais elementos. Ao tratarmos da teoria do encontro fortuito de provas - vide comentários ao art. 157 do CPP - , foi dito que referida teoria é utilizada nos casos em que, no cumprimento de uma diligência relativa a um delito, a auto­ ridade policial casualmente encontra provas pertinentes à outra infração penal, que não estavam na linha de desdobramento normal da investigação. Fala-se em encontro fortuito de provas, portanto, quando a prova de determina­ da infração penal é obtida a partir de diligência regularmente autorizada para a investigação de outro crime. Nesses casos, a validade da prova inesperadamente obtida está condicionada à forma como foi realizada a diligência. Nesses

2 4 6

casos de cumprimento de mandados de busca e apreensão, deve-se atentar para o fato de que a Constituição Federal autoriza a violação ao domicílio nos casos de flagrante delito (CF, art. 5o, XI). Logo, se a autoridade policial, munida de mandado de busca e apreensão, depara-se com certa quantidade de droga no interior na residência, temos que a apreensão será consi­ derada válida, pois, como se trata do delito de tráfico de drogas na modalidade de “guardar”, espécie de crime permanente, haverá situação de flagrante delito, autorizando o ingresso no domicílio mesmo sem autorização judicial. Portanto, nas hipóteses de flagrante delito (v.g., crimes permanentes), mesmo que o objeto do mandado de busca e apreensão seja distinto, será legítima a intervenção policial, a despeito da autorização para entrar na casa lhe ter sido deferida com outra finalidade. Logo, ao cumprir mandado de busca e apreensão, desde que não haja desvio de finalidade, a polícia pode apre­ ender qualquer objeto que contribua para as investigações, ainda que seja de caráter pessoal e independentemente de ter sido mencionado de forma expressa na ordem do juiz. Isso porque não há necessidade de que a manifestação judi­ cial que defere a cautelar de busca e apreensão esmiúce quais documentos ou objetos devam ser coletados, até mesmo porque tal porme­ norização só poderia ser implementada após a verificação do que foi encontrado no local. Portanto, supondo que a ordem judicial diga respeito ao recolhimento de documentos rela­ cionados aos fatos investigados, é perfeitamente possível a apreensão de documento pessoal, capaz de revelar detalhes da vida privada do indivíduo (v.g., agenda pessoal).

Art. 246. Aplicar-se-á também o disposto no artigo anterior, quando se tiver de proceder a busca em compartimento habitado ou em aposento ocupado de habitação coletiva ou em compartimento não aberto ao público, onde alguém exercer profissão ou atividade.1'2 1. Conceito de casa: para fins penais e pro­ cessuais penais, o conceito de domicílio é mais amplo que aquele do Código Civil, segundo o qual domicílio seria o lugar onde a pessoa natural estabelece sua residência com ânimo

definitivo (CC, art. 70, caput). Por casa com­ preende-se qualquer compartimento habitado, aposento ocupado de habitação coletiva, ainda que se destine à permanência por poucas ho­ ras, e compartimento não aberto ao público,

Art. 246

C P P C O M E N T A D O • R enato

B rasileiro de Lima

onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, §4°). Insere-se no conceito de domicí­ lio, portanto, não só a casa ou habitação, mas também o escritório profissional, o consultório médico, o quarto ocupado de hotel ou motel, o quarto de hospital, empresas e lojas (do balcão para dentro), pátios, jardins, quintal, garagens, depósitos, etc. Não se exige, para a definição de “casa”, que ela esteja fixada ao solo, pois o conceito constitucional abrange as residências sobre rodas (trailers residenciais), barcos residência, a parte traseira do interior da boleia do caminhão, etc. Tendo em conta que a inviolabilidade do domicílio protege, em última análise, o direito à intimidade, pouco importa que a casa esteja (ou não) ocupada, pois o que se consagra é a intimidade espacial, esteja ou não a pessoa no local. Mesmo estan­ do a casa vazia (casa de campo ou de praia ocupada apenas esporadicamente), cuida-se de expressão de intimidade da pessoa, sendo vedado o ingresso de estranhos. De se ver, en­ tão, que a casa abandonada não está tutelada pelo dispositivo do art. 5°, inciso XI, da Magna Carta, pois, neste caso, ausente a figura do morador, não há falar em tutela do direito à intimidade. Por outro lado, não se compreen­ de como domicílio hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo na hipótese do aposento ocupado (CP, art. 150, §§4° e 5o). Também não pode ser considerada “casa” o carro, na medida em que este não serve para esse fim. Estabelecimen­ tos como bares, clubes, teatros, cinemas, res­ taurantes, supermercados, shopping centers, enquanto estiverem abertos ao público, não estão compreendidos pela expressão casa’, po­ dendo as autoridades policiais neles ingressar livremente no exercício de sua função, mesmo sem consentimento ou autorização judicial. Todavia, se esses estabelecimentos estiverem fechados ao público, passam a estar protegidos pela garantia da inviolabilidade do domicílio. Quanto aos órgãos públicos, Walter Nunes da Silva Júnior (op. cit. p. 648) assevera que “a despeito de o ingresso nos órgãos públicos ser franqueado ao público em geral, não seria razoável admitir-se que, tendo a autoridade policial a pretensão de realizar alguma diligên­ 694

cia com o fim de obter alguma prova, pudesse ela ingressar, livremente, independentemente de autorização da autoridade pública, nos prédios. Principalmente se a diligência tiver de ser realizada no gabinete de algum servidor ou juiz”. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "(...)

Para o s fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5o, XI, da C on stitu ição da República, o conceito norm ativo de"casa" revela-se ab rangen te e, p or estender-se a q u alqu er ap o se n to de habitação coletiva, de sd e q u e o c u p a d o (CP, art. 150, § 4o, II), com preende, o b se rv a d a essa específica lim itação espacial, os qu arto s de hotel. Doutrina. Precedentes. - Se m que ocorra q u alqu er d a s situações excepcio­ nais taxativam ente previstas no texto constitucional (art. 5o, XI), n e n h u m agen te pú blico poderá, contra a v o n ta d e de q u e m de direito ("in vito d o m in o "), ingressar, durante o dia, sem m a n d a d o judicial, em ap o se n to o c u p a d o de habitação coletiva, so b pena de a prova resultante de ssa d iligên cia d e busca e ap reen são reputar-se inadm issível, porque im p re g­ n ad a d e ilicitu d e o rigin ária . (...)". (STF, 2 a Turm a, RH C 90.376/RJ, Rei. M in. C elso de Mello, DJe 018 DJ 18/05/2007 p. 113).

STJ: "(...)

N os term os d o art. 245, § 7°, d o C ó d ig o de

Processo Penai, finda a busca domiciliar, os executores da m edida lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testem unhas presenciais, m om e nto em q u e se considerará encerrada a diligência. A p ó s o encerram ento da busca dom iciliar, as au torid ad es responsáveis por sua execução não podem , horas d e ­ pois, reabri-la e realizar novas buscas e apreensões sem nova ordem judicial autorizadora. H avendo fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, com o no caso, a busca em veículo, a qual é equiparada à busca pessoal, independerá da existência de m an dad o judi­ cial para a sua realização. O rdem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 216.437/DF, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20/09/2012).

STJ: "(...) D e

acordo com o artigo

150 d o C ó d ig o

Pe­

nal, com ete o delito nele previsto aquele que entra o u perm anece, clandestina ou astuciosam ente, ou contra a von tade expressa ou tácita de q u em direito, em casa alheia ou em suas dependências. C on soante o inciso III d o § 4o d o tipo penal em com ento, a ex­ p re ssão "casa" com p re e n d e o "co m p artim e n to não ab e rto ao público, o n d e a lg u é m exerce p ro fissão o u atividade". Se o com p artim e n to em q u e algu ém exerce suas atividades profissionais deve ser fechado ao público, dep reende-se que faz parte de um prédio ou de um a repartição públicos, ou então que, inserido em am biente privado, p ossu a um a parte con jugada q u e seja aberta ao público. Doutrina. Assim , a sala

T ÍT U L O V II • D A P R O V A

de um servidor público, no caso concreto o gabin ete de um D e le g a d o Federal, ainda que situ ado em um prédio público, está prote gid a p elo tipo penal em apreço, já que se trata de com partim en to cujo acesso é restrito e d e p e n d e de autorização, con stitu in d o local fechado ao p úblico em que determ inado indiví­ d u o exerce suas atividades, n os term os preconizados pelo C ó d ig o Penal. O rdem denegada". (STJ, 5aTurma, H C 298.763/SC, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 7/10/2014, DJe 14/10/2014).

STF: "(...) Inviolabilidade de dom icílio (art. 5o, IX, CF). Busca e apreensão em estabelecim ento empresarial. Estabelecim entos empresariais estão sujeitos à prote­ ção contra o ingresso não consentido. N ão verificação das hipóteses que dispensam o consentimento. M a n ­ d ado de busca e apreensão perfeitamente delimitado. Diligência estendida para endereço ulterior sem nova autorização judicial. Ilicitude d o resultado da diligên ­ cia. O rdem concedida, para determ inar a inutilização das provas". (STF, 2a Turma, HC 106.566/SP, Rei. Min. Gilm ar Mendes, j. 16/12/2014, DJe 53 18/03/2015).

STF:"(...) H avendo fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, com o no caso, a busca em veículo, a qual é equiparada à busca pessoal, independerá da existência de m an d ad o judicial para a sua realização. Ordem denegada". (STF, 2aTurma, R H C 117.767/DF, Rei. Min.Teori Zavascki, j. 11/10/2016).2

2. Busca dom iciliar em escritório de a d ­ vocacia: em relação à busca domiciliar em escritório de advocacia (ou mesmo nas hi­ póteses de escritório residencial, mas desde que o fato delituoso esteja relacionado ao exercício da advocacia), de acordo com o art. 7°, inciso II, da Lei n. 8.906/94, com redação dada pela Lei n. 11.767/08, a diligência, além de prévia autorização judicial decretada com base em indícios e materialidade da prática de crime por parte de advogado, com m an­ dado de busca e apreensão específico e por­ menorizado, também demanda a presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil. Em sua redação original, o referido dispositivo teve sua eficácia suspensa em decisão cautelar na apreciação da ADI 1.105/ DF e ADI 1.127-8/DF. No entanto, retomado o julgamento em 17 de maio de 2006 ( infor­

mativo n. 427 do Supremo Tribunal Federal), concluiu-se por sua constitucionalidade, sob o fundamento de que o âmbito material da inviolabilidade não elide o art. 5o, X II, da CF, e que a exigência do acompanhamento

2 4 6

da diligência ficará suplantada, não gerando ilicitude da prova resultante da apreensão, a partir do momento em que a OAB, instada em caráter confidencial e cientificada com as cautelas próprias, deixar de indicar o re­ presentante. Portanto, mandado judicial de busca e apreensão em escritório de advocacia não pode ser expedido de modo genérico, em aberto, sem objeto definido, mas sim de form a delimitada, restrita ou fechada, m esm o sendo o advogado investigado. A título de exemplo, na denominada Operação “Teníase” deflagrada no Rio de Janeiro, foram expedidos sete mandados de busca a serem realizados em escritórios de advocacia, com a determinação de comunicação à OAB, para acompanhar a execução da ordem. Às cinco da manhã, a autoridade policial comunicou à OAB e solicitou a imediata indicação de sete advogados para acompanhar a execução das ordens, que teriam início às sete horas da manhã do mesmo dia. A OAB conseguiu indicar apenas quatro representantes. A auto­ ridade policial, entretanto, cumpriu todos os mandados de busca e apreensão, sendo três realizadas sem o acompanhamento do repre­ sentante da OAB. Apesar de nos parecer que a diligência fora realizada nos moldes preconi­ zados pelo STF no julgamento da ADI 1.127, porquanto houve a comunicação à OAB, que, no entanto, quedou-se inerte quanto à indi­ cação do representante, o TRF da 2a Região declarou a ilicitude das provas obtidas nos (três) escritórios em que a diligência não foi acompanhada por representante da OAB. ( I a Turma, AP 0802119-43.2011.4.02.5101, Rei. Paulo Espirito Santo, j. 08/05/2012). Nesse caso de busca e apreensão em escritório de advocacia, é vedada a utilização dos docu­ mentos, das mídias e dos objetos pertencen­ tes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes, salvo se tais clientes também estiverem sendo formalmente investigados como partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade (Lei n. 8.906/94, art. 7°, §§6° e 7o). Logo, se o agente não estava sendo formalmente

Art. 247

C P P C O M E N T A D O • R enato

B rasileiro de Lima

investigado e o crim e então apurado não guardava relação com o crime que deu ori­ gem à cautelar de busca e apreensão, devem ser desentranhados os documentos obtidos por meio de busca e apreensão no escritório de seu advogado.

para declarar a nulidade das provas oriundas da busca e apreensão no escritório de advocacia d o paciente, de ven d o o material colhid o ser dese n tran hado d o s autos d o IN Q 544 em curso n o STJ e d e volvido ao paciente, sem que tais provas, bem assim quaisquer das inform ações oriu nd as da execução da m edida, p o s sa m ser u sa d a s em relação ao p acie n te o u a q u alqu er outro investigado, nesta ou em outra in­



Jurisprudência selecionada:

vestigação ”. (STF, 2a Turma, H C 91.610/BA, Rei. Min. Gilm ar M endes, j. 08/06/2010, DJe 200 21/10/2010).

STF: “(...) O sigilo profissional constitucionalm ente de ­

STJ:"(...) C onsoante o disp osto n os § § 6° e 7° d o art.

term inado não exclui a possibilidade de cum prim ento

7° da Lei n. 8.906/1994, docum entos, m ídias e objetos

de m a n d a d o de busca e apreensão em escritório de

pertencentes a clientes d o ad vo gad o averiguado, bem

advocacia. O local de trabalho d o ad vo gad o, desde

c o m o dem ais instrum entos de trabalho que conte­

q u e este seja investigado, p od e ser alvo de busca

n ham inform ações sobre clientes, som ente poderão

e ap ree n são, o b s e rv a n d o -s e o s lim ite s im p o s to s pela autoridade judicial. Tratando-se de local ond e

ser utilizados caso estes estejam se nd o form alm en­ te in ve stiga do s c o m o partícipes o u coautores pela

existem d o c u m e n to s q u e dizem respeito a outros

prática d o m esm o crime que deu causa à quebra de

sujeitos não investigados, é indispensável a especi­

inviolabilidade. N o caso, o paciente não estava sen­

ficação d o âm b ito de ab rangên cia da m edida, que

d o form alm ente investigado e o crime ora apurado

n ão poderá ser executada sobre a esfera de direitos

não gu arda relação com o estelionato judiciário (que

de n ão investigados. E q u ívoco q u an to à indicação

o rigin ou a cautelar de b usca e apreensão). O rdem

d o e scritório p ro fissio n al d o paciente, c o m o seu

concedida em parte, para afastar d o Inquérito Policial

endereço residencial, deve ser prontam ente c o m u ­

n. 337/09, instaurado contra o paciente, a utilização de

n icado ao m agistrad o para ad eq u ação da ordem em

docum en tos o btid os por m eio da busca e apreensão

relação às cautelas necessárias, so b pena de tornar nulas as provas oriu nd as da m ed ida e to d as as outras

realizada n o escritório d o a d v o g a d o d o paciente". (STJ, 6aTurma, HC 227.799/RS, Rei. Min. Sebastião Reis

exclusivam ente delas decorrentes. O rdem concedida

Júnior, j. 10/04/2012).

Art. 247. Não sendo encontrada a pessoa ou coisa procurada, os motivos da diligência serão comunicados a quem tiver sofrido a busca, se o requerer.' 1. Comunicação dos motivos da diligência àquele que sofreu a busca: se o indivíduo que sofreu a busca tiver interesse, poderá re­

querer à autoridade judiciária a indicação dos motivos que deram ensejo à expedição do mandado de busca domiciliar.

Art. 248. Em casa habitada, a busca será feita de m odo que não mo­ leste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência.' 2 1. Incôm odo mínimo: a busca domiciliar é uma medida, por si só, violenta e invasiva. Logo, por ocasião de sua execução, as autorida­ des responsáveis devem molestar e importunar os moradores o mínimo possível.2 2. Acom panham ento da mídia: não há jus­ tificativa para o acompanhamento da mídia aos atos de busca e apreensão, notadamente em tempo real. Portanto, é recomendável que o

mandado de busca e apreensão determine que a polícia se abstenha de convocar a imprensa e observe a discrição necessária no seu cumpri­ mento. Por mais que, nesse caso, a exposição indevida da intimidade e da vida privada das pessoas não torne o ato viciado e nem acar­ rete a ilicitude da prova obtida, poderá gerar indenizações e responsabilidades dos agentes envolvidos. De mais a mais, o cumprimento dos mandados em órgãos públicos deve manter

T IT U L O V II • D A P R O V A

J ^rt. 250

a discrição necessária, evitando-se, pelo menos em regra, o uso de armamento ostensivo.

Art. 249. A busca em mulher será feita por outra mulher, se não im­ portar retardamento ou prejuízo da diligência.' 1. Busca pessoal em mulher: quando hou­ ver necessidade de inspeção corporalmente invasiva de uma mulher, esta deverá ser exe­ cutada por outra mulher. O dispositivo sob comento visa evitar que haja algum tipo de abuso sexual se a diligência for realizada por um homem. Em se tratando de busca pessoal em pertences trazidos por uma mulher (v.g., bolsa, vestes, etc.), não há qualquer empecilho à execução da diligência por pessoa do sexo masculino.

ta pessoal. Terceiro, porque nas vestets da paciente (...) foram encontradas 'cerca de 30 pedras de crack (p e san d o ap rox im adam e n te 5,1 gramas)'. (...)". (HC 70030689715-RS, 2a C.C, Rei. M arco Aurélio de Oliveira C Anosa, 25/06/2009).

TJSP: "(...) Nulidade. Ofensa à d ig n id a d e da mulher. Inocorrência. Policiais d o sexo m asculino que realiza­ ram revista pessoal na ré, mas, em nenhum mom ento, m antiveram contato com partes íntim as de seu corpo. Busca pessoal que se limitou às vestes. Entorpecentes localizados no b olso de jaqueta. Validade. Praxe que não tem o c o n d ã o de revogar a lei. Inexistência de policial fem inina no local. Inteligência d o art. 249 do



Jurisprudência selecionada:

C ó d ig o de Processo Penal. Suprem acia do interesse p ú blico sobre o particular. M aterialidade c om p ro va­

TJRS:"(...) Caso em que não se vê ilegalidade. Primeiro,

da. Dúvida, no entanto, qu an to à autoria. Ab solvição

porque não havia policial de sexo fem inino q u an do d o flagrante, m as apenas os policiais (...). Segu n do,

co n firm ad a, m as c o m alte ra ção d o fu n d am e n to .

porque não há n os autos qualquer indício de que os

Recurso não provido". (Apelação Crim inal n. 326.0593 - São Paulo - 2a C âm ara Crim inal - Relator Djalm a

policiais ab u saram das pacientes q u a n d o da revis­

L o fra n o -, 18/12/00, V.U.)

Art. 250. A autoridade ou seus agentes poderão penetrar no territó­ rio de jurisdição alheia, ainda que de outro Estado, quando, para o fim de apreensão, forem no seguimento de pessoa ou coisa, devendo apresentar-se à competente autoridade local, antes da diligência ou após, conforme a urgência desta.1 §1 ° Entender-se-á que a autoridade ou seus agentes vão em seguimento da pessoa ou coisa, quando: a) tendo conhecimento direto de sua remoção ou transporte, a seguirem sem interrupção, embora depois a percam de vista; b) ainda que não a tenham avistado, mas sabendo, por informações fidedignas ou circunstâncias indiciárias, que está sendo removida ou trans­ portada em determinada direção, forem ao seu encalço. §2° Se as autoridades locais tiverem fundadas razões para duvidar da legitimidade das pessoas que, nas referidas diligências, entrarem pelos seus distritos, ou da legalidade dos mandados que apresentarem, poderão exigir as provas dessa legitimidade, mas de modo que não se frustre a diligência. 1. Se gu im e n to de p e ssoas ou coisas e transposição dos limites territorais: a depen­ der do caso concreto, é possível que o objeto da busca ultrapasse os limites territoriais da auto­

ridade responsável pela execução da diligência. Isso, no entanto, não será óbice à conclusão da medida. Nessa hipótese, é perfeitamente possível que as autoridades responsáveis pela

Art.250

CPP C O M EN TAD O

• Renato B rasileiro de Lima

execução da diligência penetrem no território de jurisdição alheia, mesmo que de outro Estado da Federação. Para tanto, o executor da medida deve se apresentar à autoridade do lugar em que houver a apreensão, informando-a da diligência antes ou depois de sua exe­ cução, conforme a urgência recomendar. O

dispositivo legal sob comento é relativamente semelhante ao art. 290 do CPP, com a diferença de que este trata da perseguição para fins de prisão, e não de busca e apreensão. Logo, de modo a evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 290 do CPP.

■ÜT-i *

DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR, DOS ASSISTENTES E AUXILIARES DA JUSTIÇA1 2

Capítulo I DO JUIZ3 6 Art. 251. Ao juiz incumbirá7 " prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a força pública.12'13 1. Sujeitos do processo: a existência de uma relação processual pressupõe o actum trium personarum: judieis, actoris et rei. Em sede processual penal, a parte autora oferece a peça acusatória e invoca a prestação jurisdicional; o acusado é aquele contra quem se pretende o exercício da pretensão punitiva; ao juiz com­ pete aplicar o direito objetivo ao caso concreto. Durante o curso dessa relação processual pe­ nal, diversas pessoas são chamadas a intervir, no exercício de uma profissão ou em defesa de um interesse, umas de maneira obrigatória, sem as quais sequer se pode cogitar da existên­ cia de um processo - juiz, autor e acusado - , outras de maneira facultativa, que podem (ou não) existir, mas cuja ausência não tem o con­ dão de afetar a validade da relação. Temos aí os denominados “sujeitos do processo”, matéria tratada pelo Título V III do Código de Processo Penal (arts. 251 a 281), que cuida do juiz, do Ministério Público, do acusado, do defensor, dos assistentes e dos auxiliares da Justiça. O referido Título trata de diversas pessoas que

atuam de modo distinto no processo penal, envolvendo não apenas as partes propriamente ditas, como também outros participantes da relação processual. 2. Classificação dos su jeitos do processo: a) su jeitos principais (ou essenciais): são aqueles cuja presença é essencial para que se tenha uma relação jurídica processual regular­ mente instaurada. No processo penal, o juiz, o acusador - Ministério Público ou querelante - e o acusado figuram como sujeitos princi­ pais; b) sujeitos secundários (acessórios ou colaterais): são aquelas pessoas que podem, eventualmente, vir a intervir no processo, a fim de deduzir uma determinada pretensão, mas cuja ausência não afeta a validade da relação processual, tais como o assistente da acusação e terceiros interessados. Como exemplos de ter­ ceiros interessados, podemos citar o ofendido, seu representante legal ou herdeiros, que têm interesse na prolação de sentença condenatória para fins de reparação do prejuízo causado 699

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Art. 251

V CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

pelo delito, assim como o fiador do acusado, haja vista o disposto nos arts. 341 e 343 do CPP. Além dos sujeitos do processo, há um grupo de pessoas que, conquanto não façam parte da relação processual penal, intervém no curso do processo mediante a prática de atos que permite o desenvolvimento regular do feito, auxiliando o juiz e as partes na solução da demanda. Temos aí os órgãos que auxiliam os sujeitos processuais, tais como o escrivão, escrevente, distribuidor, porteiro de auditórios, oficial de justiça, perito, tradutor, intérprete, assim como os terceiros não interessados. Como exemplos de terceiros desinteressados, assim compreendidos como aqueles para os quais o resultado do processo é indiferente, podemos citar as testemunhas. 3. Juiz: no âmbito processual penal, compete à autoridade jurisdicional receber a denúncia (ou queixa), citar o acusado para o exercício da ampla defesa, instruir o processo, para, ao final, reconhecer a procedência (ou não) do pedido condenatório constante da peça acusatória para fins de condenar ou absolver o acusado, infligindo, no primeiro caso, a sanção penal cominada pela norma penal por ele violada. Recai sobre o juiz, portanto, o poder-dever de aplicar o direito objetivo ao caso concreto, de maneira imparcial, substituindo-se à von­ tade das partes, pondo fim ao conflito entre a pretensão punitiva do Estado e o interesse do acusado na preservação de sua liberdade individual. 3.1. Imparcialidade do juiz: para que um juiz possa funcionar em determinado caso concreto, é necessário que não haja qualquer causa capaz de prejudicar o exercício impar­ cial de sua função judicante. Como órgão que proclama o Direito, não se considera justa uma decisão proferida por um juiz que não seja im­ parcial. Consectário lógico do devido processo legal (CF, art. 5o, LIV), e consequência mais importante do advento do sistema acusatório (CF, art. 1 2 9 ,1), a garantia da imparcialidade encontra-se prevista expressamente na Con­ venção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8°, n. 1). Daí a importância do estudo das causas de suspeição, impedi­

mento e incompatibilidade, objeto de análise nos comentários aos arts. 252 a 254 do CPR 4. Capacidade para ser juiz: desde que pre­ enchidos os requisitos legais, toda pessoa física pode ser juiz. Essa capacidade para provimento no cargo (ou capacidade funcional) depende da observância de condições fixadas nas leis de organização judiciária, que são estabele­ cidas segundo os princípios fundamentais da Constituição Federal. Para além de requisitos dispostos nas leis locais, especial atenção deve ser dispensada ao art. 9 3 , 1, da Constituição Federal, com redação determinada pela Emen­ da Constitucional n. 45/2004, que passou a exigir do bacharel em direito, no mínimo, 3 (três) anos de atividade jurídica. Atendidos esses requisitos, o candidato, a despeito de ser dotado de capacidade para provimento no cargo de juiz, ainda não possui capacidade para o exercício da função jurisdicional, a qual só será adquirida quando regularmente instituído como juiz no processo. Essa capacidade para o exercício da função jurisdicional subdivide-se em genérica e especial: a) capacidade genérica de exercício: é aquela que deriva de nomeação oriunda do Poder Executivo e ulterior posse no exercício do cargo, os quais são precedi­ dos de concurso de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, obedecendo-se, nas nomeações, à or­ dem de classificação; b) capacidade especial de exercício: dizem respeito à competência e à imparcialidade da autoridade jurisdicional, subdividindo-se em objetiva e subjetiva. Ca­ pacidade especial objetiva diz respeito à com­ petência, ao passo que a subjetiva refere-se à ausência de causas de impedimento, suspeição e incompatibilidade que impeçam o juiz de exercer jurisdição em determinado feito. 5. Escolha dos juizes: em regra, o ordena­ mento pátrio adota como critério de escolha dos juizes o do concurso público de provas e títulos. A despeito de falhas pontuais, o concur­ so público ainda se revela o melhor critério de escolha, não só porque é extremamente demo­ crático, assegurando oportunidades iguais para todos os candidatos, mas também porque inibe pressões e influências políticas. Sua realização

f T lT U L O V I I I - D O JUIZ, D O M IN IS T É R IO P Ú B LICO , D O A C U S A D O E D EF E N SO R ...

atende, ademais, aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, pu­ blicidade e eficiência. Sobre a obrigatoriedade de realização do certame, dispõe a Constituição Federal que o ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante con­ curso público de provas e títulos, com a par­ ticipação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, 3 (três) anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação (art. 9 3 ,1). Nos mesmos moldes, a Lei Orgânica da Magistratura Nacio­ nal preceitua que o ingresso na Magistratura de carreira dar-se-á mediante nomeação, após concurso público de provas e títulos, organiza­ do e realizado com a participação do Conselho Secional da Ordem dos Advogados do Brasil (LC 35/79, art. 78). Na visão do Plenário do Supremo (STF, Pleno, RE 655.265/DF, Rei. Min. Edson Fachin, j. 13/04/2016.), a comprovação do triênio de atividade jurídica exigida para o ingresso no cargo de juiz substituto deve ocorrer no momento da inscrição definitiva no concurso público. Isso porque é importante que todos os candidatos que adentrem na disputa tenham condições para o exercício do cargo naquele momento, inclusive para se evitar o óbice do certame em razão de medidas judiciais precárias, voltadas a tratar de excepcionalidades, ou mesmo para se prevenir a existência de cargos vagos sub judice por período inde­ terminado. De acordo com a Resolução n. 75 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a realização dos concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura em to­ dos os ramos do Poder Judiciário Nacional, o concurso desenvolver-se-á sucessivamente de acordo com as seguintes etapas: I - primeira etapa - uma prova objetiva seletiva, de caráter eliminatório e classificatório; II - segunda etapa - duas provas escritas, de caráter eliminatório e classificatório; III - terceira etapa - de caráter eliminatório, com as seguintes fases: a) sindi­ cância da vida pregressa e investigação social; b) exame de sanidade física e mental; c) exame psicotécnico; IV - quarta etapa - uma prova oral, de caráter eliminatório e classificatório; V - quinta etapa - avaliação de títulos, de caráter

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251

classificatório. A participação do candidato em cada etapa ocorrerá necessariamente após habi­ litação na etapa anterior. Ademais, os tribunais poderão realizar, como etapa do certame, curso de formação inicial, de caráter eliminatório ou não. Se, em regra, a Constituição Federal adota o critério do concurso público para a escolha dos magistrados, não se pode perder de vista que a mesma Constituição também adota, resi­ dualmente, o critério do quinto constitucional, por força do qual um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territó­ rios será composto de membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias sub­ sequentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação (CF, art. 94). Na mesma Unha, na composição do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal Regional Eleitoral, dois de seus membros são escolhidos pelo Presidente da Re­ pública, dentre advogados de notável saber ju ­ rídico e idoneidade moral, escolhidos, todavia, dentre os nomes que compõem a lista sêxtupla elaborada pelo Supremo Tribunal Federal, no caso do TSE, e pelos Tribunais de Justiça, no caso dos Tribunais Regionais Eleitorais (CF, arts. 119, II, e 120, §1°, III, respectivamente). A figura do quinto constitucional também é utili­ zada para a composição do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 104, II, da Carta Magna. Ademais, no tocante à composição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal M i­ litar, a Constituição Federal adota um critério de nomeação pelo Poder Executivo, sujeito à aprovação do Poder Legislativo (CF, art. 101, parágrafo único, art. 104, parágrafo único e art. 123, caput). A título excepcional, a Constituição Federal também adota o sistema da eleição, por meio do qual um cidadão assume o cargo de juiz mediante escolha feita pelo povo, através do voto, para certo mandato. Esse sistema foi ado­

251

C P P C O M E N T A D O • R enato

B rasileiro de Lima

tado para a escolha do juiz de paz, nos termos do art. 98, II, da CF. Porém, tais juizes não são dotados de competência criminal, visto que a própria Constituição restringe sua competência à celebração de casamentos. 6. Garantias e vedações dos juizes: face a relevância da função jurisdicional, o juiz deve estar imune a temores e perseguições que possam causar qualquer tipo de prejuízo ao exercício de seu mister. Por isso, a Constituição Federal outorga aos membros da magistratura as seguintes garantias: a) vitaliciedade; b) inamovibilidade; c) irredutibilidade de subsídio. Com o escopo de preservar a própria Insti­ tuição, a Constituição Federal também elenca algumas vedações aos membros do Poder Judiciário: I - exercer, ainda que em disponi­ bilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; III - dedicar-se à atividade político-partidária. IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; V - exercer a advo­ cacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração, ve­ dação esta que é conhecida como “quarentena”. 6.1. Vitaliciedade: no primeiro grau de ju ­ risdição, será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado (CF, art. 9 5 , 1). Prevalece o entendimento de que esse prazo de dois anos deve ser contado de maneira contínua e ininterrupta, pouco importando eventual gozo de férias ou licen­ ças durante esse interregno. A vitaliciedade é adquirida pelo magistrado automaticamente com o decurso do prazo de dois anos, razão pela qual o pronunciamento dos órgãos su­ periores do Tribunal tem caráter meramente declaratório. Desembargadores e ministros nomeados para os Tribunais pelo critério do quinto constitucional adquirem a vitaliciedade de maneira automática e imediata, não estando 702

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condicionada ao decurso do prazo de dois anos a que se refere o art. 95, I, da Constituição. Vitahciedade não é sinônimo de perpetuidade. De fato, a garantia da vitaliciedade não funcio­ na como óbice à regra geral da aposentadoria compulsória aos 70 (setenta) anos de idade. -f Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) Conform e precedentes jurisprudenciais, basta o transcurso d o prazo estipulado na norm a constitu­ cional (art. 9 5 , 1, CF) para que o m agistrado go ze da garantia da vitaliciedade. N o caso, são passados quase oito an os da decisão im pugnada, com o m agistrado no efetivo exercício d o cargo por to d o esse tem po. Recurso desprovido”. (STJ, 5a Turma, R M S 11.990/DF, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 27/11/2001, DJ 25/02/2002 p. 403).

6.2. Inamovibilidade: juizes são inamoví­ veis, alvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, V III, o qual preceitua que o ato de remoção, disponibilidade e aposenta­ doria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Con­ selho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa. Inamovibilidade não se confunde com vitaliciedade: esta ocorre após dois anos de exercício no cargo de juiz, a significar que a perda da função pode se dar apenas por trânsito em julgado de decisão judicial; aquela garante a permanência do juiz na unidade judiciária em que formalmente lotado, salvo por motivo de interesse público, reconhecido em decisão da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do CNJ. Nos termos do art. 95, II, da Constituição Federal, a inamovibilidade é garantia de toda a magistratura, alcançando não apenas o juiz titular, como também o substituto. Isso significa dizer que o magis­ trado - titular ou substituto - só poderá ser removido por designação, para responder por determinada vara ou comarca ou para prestar auxílio, com o seu consentimento, ou, ainda, se o interesse público o exigir, nos termos do inciso V III do art. 93 do Texto Constitucional. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...)

A in a m o v ib ilid a d e é, n o s term os d o art.

95, II, da C o n stitu ição Federal, garan tia de to d a a

T IT U L O V I I I . D O JUIZ, D O M IN IS T É R IO PÚ B LICO , D O A C U S A D O E D EF E N SO R ...

m agistratura, alcan çan do n ão ap e nas o juiz titular, com o tam bé m o substituto. O m agistrado só poderá ser rem o vido por de sign ação , para resp ond er por determ inada vara ou com arca ou para prestar auxílio, com o seu consentimento, ou, ainda, se o interesse público o exigir, nos term os d o inciso VIII d o art. 93 do Texto Constitucional. Segurança concedida". (STF, Pleno, M S 27.958/DF, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17/05/2012, DJe 170 28/08/2012).

6.3. Irredutibilidade de subsídio: como dei­ xa transparecer o art. 95, III, da Constituição Federal, esta garantia não isenta os subsídios de ônus tributários e previdenciários gerais. Além disso, consoante decisão do Supremo (2a Turma, AI 490.396 AgR/SP, Rei. Min. Car­ los Velloso, j. 16/11/2004, DJ 17/12/2004), “o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos não possibilita, sem lei espe­ cífica, reajuste automático de vencimentos, como simples decorrência da desvalorização da moeda provocada pela inflação”. 7. Funções do juiz no processo penal: ao juiz incumbe a função de julgar a imputação constante da peça acusatória, aplicando o direi­ to objetivo ao caso concreto. Para tanto, o juiz percorre um longo caminho, que se estende desde o recebimento da peça acusatória, em que a parte acusadora imputa ao acusado a prática de determinada infração penal, até a decisão final, em que o juiz declara a vontade da lei. Durante esse longo caminho, diversos atos são praticados, tais como o exame das condições genéricas e específicas da ação e dos pressupostos processuais, a citação do acusado, a colheita de provas, enfim , uma série de atos que servem para regular o de­ senvolvimento do processo e prepará-lo para a decisão final, que, evidentemente, constitui o ato mais eminente e característico da atividade do juiz. No exercício da função jurisdicional, a Constituição Federal e a legislação ordinária conferem ao juiz diversos poderes para que possa alcançar o objetivo do processo que é a correta aplicação da lei penal. Por isso se diz que o juiz é o dominus processus, vez que o preside, cabendo-lhe regular sua condução até a sentença final. Do art. 251 do CPP a doutrina extrai duas espécies de atribuições: a) de ordem jurisdicional: ao juiz incumbe

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251

prover à regularidade do processo, o que é feito de forma positiva, quando determina o que deve ser feito, e negativa, quando desfaz o mal feito por seus auxiliares, pelas partes ou por terceiros que intervém no processo; b) de natureza adm inistrativa: caracteriza-se pela manutenção da ordem no curso dos atos processuais, podendo, para tanto, requisitar a força pública. Em síntese, por força dessa atividade administrativa, o juiz pratica atos de polícia com o objetivo de assegurar a ordem no decorrer do processo, podendo requisitar o concurso da polícia, encarregada de manter a ordem pública para que se cumpram as determinações no sentido de preservação da regularidade dos atos judiciais. 8. Funções de ordem jurisdicional: dizem respeito à condução do feito, abrangendo não apenas o poder de disciplina, de impulsão e de instrução, como também a tomada de decisões no curso do processo criminal e a execução da sentença condenatória e/ou absolutória impró­ pria. Entre os atos decisórios do juiz estão os de decretar a extinção da punibilidade (CPP, art. 61), o reconhecimento da suspeição, in­ competência, litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada (CPP, arts. 97,109 e 110), a decretação de medidas cautelares patrimoniais, probatórias e pessoais ao longo do curso da persecução penal, quer na fase investigatória (v.g., prisão temporária), quer na fase judicial (v.g., especialização da hipoteca legal), assim como a prolação de sentença condenatória ou absolutória. Além desses atos de caráter decisório, a função jurisdicional também é exercida por meio de atos executórios, cujo objetivo é o de levar a efeito o resultado de eventual sentença condenatória ou absolutória imprópria, submetendo o acusado ao cumpri­ mento de pena ou de medida de segurança, respectivamente. 9. Poderes de disciplina: visam coorde­ nar e inspecionar a atividade das partes, estimulando-a quando precária, reprimindo-a quando abusiva. Alguns exemplos podem ser citados: a) poder de negar a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade (CPP, art. 184);

A ft. 2 51

CPP CO M EN TAD O

• Renato B rasileiro de Lima

b) poder de determinar a condução do ofen­ dido, das testemunhas e do próprio acusado (CPP, arts. 201, §1°, 218 e 260); c) poder de recusar as perguntas da parte, que puderem induzir a resposta, que não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida (CPP, art. 212); d) poder de não permitir que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo quando inse­ paráveis da narrativa do fato (CPP, art. 213); e) poder de indeferir a expedição de cartas rogatórias se não demonstrada previamente sua imprescindibilidade (CPP, art. 222-A); f) poder de negar expedição de carta precatória para acareação, se a diligência importar demo­ ra prejudicial ao processo, ou for inconveniente (CPP, art. 230); g) poder de proibir a juntada de cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos (CPP, art. 233); h) poder de indeferir as provas consideradas irrelevan­ tes, impertinentes ou protelatórias (CPP, art. 400, §1°); i) poder de aplicar multa de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos ao jurado que, sem causa legítima, deixar de comparecer no dia marcado para a sessão de julgamento no júri ou retirar-se antes de ser dispensado pelo presidente (CPP, art. 442); j) poder de dirigir os debates, intervindo em caso de abuso, excesso de linguagem ou mediante requerimento de uma das partes, e de mandar retirar da sala o acusado que dificultar a realização do julga­ mento, o qual prosseguirá sem a sua presença (CPP, art. 497, III e VI), etc. 10. Poderes de impulsão; consistem nas providências adotadas pelo juiz para que o procedimento tenha seguimento regular e legal. Têm por objetivo conduzir o processo, determinando a realização da sequência de atos destinada a fazer com que o processo alcance seu objetivo com a prolação da sen­ tença final. Além da determinação da citação do acusado, designação de audiências, outros exemplos podem ser lembrados: a) o de nome­ ar advogado para o ofendido pobre para fins de propositura da queixa-crime (CPP, art. 32); b) o de nomear curador para o ofendido (CPP, art. 33); c) o de avocar processos, em casos de conexão e/ou continência (CPP, art. 82); d) o de suspender o curso do processo, em face do

reconhecimento de questão prejudicial (CPP, art. 94); e) o de afirmar, espontaneamente, sua suspeição (CPP, art. 97); 0 o de reconhecer, de ofício, motivos de incompetência absoluta ou relativa (CPP, art. 109); g) o de declaração de impedimento legal (CPP, art. 112); h) o de suscitar conflito de competência (CPP, arts. 115, III e 116, §1°); i) o de nomear curador ao acusado quando determinada a instauração de incidente de insanidade mental (CPP, art. 149, §2°); j) o de nomear defensor ad hoc (CPP, arts. 26 3 ,396-A, §2°); k) o de determinar diligências para sanar irregularidades processuais (CPP, art. 4 2 3 ,1). 11. Poderes de instrução (gestão da pro­ va pelo magistrado): inovando em relação à antiga redação do art. 156 do CPP, que só permitia a atuação probatória ex officio do juiz no curso do processo, a nova redação dada ao art. 156, inciso I, do CPP, pela Lei n. 11.690/08, prevê que ao magistrado é permitido que, de ofício, mesmo antes do início da ação penal, determine a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observan­ do a necessidade, adequação e proporcionali­ dade da medida. 11.1. Iniciativa acusatória do magistrado durante a fase investigatória: com a adoção do sistema acusatório pela Constituição Fe­ deral (art. 129, inciso I), restou consolidada a obrigatoriedade de separação das funções de acusar, defender e julgar, fazendo com que o processo se caracterize como um verdadeiro actum trium persotiarum, sendo informado pelo contraditório. Esse sistema de divisão de funções no processo penal acusatório tem a mesma finalidade que o princípio da sepa­ ração dos poderes do Estado: visa impedir a concentração de poder, evitando que seu uso se degenere em abuso. Com essa separação de funções, aliada à oralidade e publicidade, características históricas do sistema acusató­ rio, e com partes em igualdade de condições, objetiva-se a preservação da imparcialidade do magistrado, afastando-o da fase investigatória, a qual deve ter como protagonistas tão somente a autoridade policial e o Ministério Público. É óbvio que o magistrado não está impedido de

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

agir na fase investigatória. Mas essa atuação só pode ocorrer mediante prévia provocação das partes. Exemplificando, vislumbrando a autoridade policial a necessidade de mandado de busca e apreensão domiciliar, deve repre­ sentar ao magistrado no sentido da expedição da ordem judicial. De modo semelhante, sur­ gindo a necessidade de uma prisão temporária para acautelar as investigações, deve o órgão M inisterial formular requerimento ao juiz competente. Na fase investigatória, portanto, deve o magistrado agir somente quando pro­ vocado, atuando como garante das regras do jogo. O que não se deve lhe permitir, nessa fase preliminar, é uma atuação de ofício. E isso porque, pelo simples fato de ser humano, não há como negar que, após realizar diligências de ofício na fase investigatória, fique o magistra­ do envolvido psicologicamente com a causa, colocando-se em posição propensa a julgar favoravelmente a ela, com grave prejuízo a sua imparcialidade. A partir do momento em que uma mesma pessoa concentra as funções de investigar e colher as provas, além do poder de julgar o acusado, estará comprometido a priori com a tese da culpabilidade do acusado. Essa discussão quanto à atuação do magistrado de ofício na fase investigatória não é novidade no Brasil. Quando entrou em vigor a revoga­ da Lei n. 9.034/95, também conhecida como Lei das Organizações Criminosas, o art. 3o previa que, na hipótese de quebra do sigilo de dados fiscais, bancários, financeiros e eleito­ rais, a diligência seria realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça. Como se percebe, o dispositivo conferia ao magistrado poderes para diligen­ ciar pessoalmente na obtenção de elementos informativos pertinentes à persecução penal de ilícitos decorrentes da atuação de organizações criminosas, com dispensa do auxílio da Polícia Judiciária e do Ministério Público, criando uma espécie de ju iz inquisidor. O Supremo Tribunal Federal foi chamado a analisar a constitucionalidade do dispositivo, concluindo (ADI 1.570/DF, Rei. Min. Maurício Corrêa, DJ 22/10/2004) que o art. 3o seria parcialmente in­ constitucional. No tocante aos sigilos bancário e financeiro, entendeu a Suprema Corte que o

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Art. 251

art. 3o teria sido revogado pelo advento da Lei Complementar n. 105/01, que passou a regula­ mentar a matéria. Em relação aos dados fiscais e eleitorais, todavia, o Supremo reconheceu a inconstitucionalidade do art. 3o, por flagrante violação aos princípios da imparcialidade e do devido processo legal. Se o Supremo Tribunal Federal concluiu pela inconstitucionalidade do juiz inquisidor previsto no art. 3o da revogada Lei n. 9.034/95, conclusão semelhante deverá se dar em relação à nova redação do art. 156, inciso I, do CPP. Em um sistema acusatório, cuja característica básica é a separação das funções de acusar, defender e julgar, não se pode permitir que o magistrado atue de ofício na fase de investigação. Essa concentração de poderes nas mãos de uma única pessoa, o juiz inquisidor, além de violar a imparcialidade e o devido processo legal, é absolutamente incompatível com o próprio Estado Demo­ crático de Direito, assemelhando à reunião dos poderes de administrar, legislar e julgar em uma única pessoa, o ditador, nos regimes absolutistas. A tarefa de recolher elementos para a propositura da ação penal deve recair sobre a Polícia Judiciária e sobre o Ministério Público, preservando-se, assim, a imparciali­ dade do magistrado. 11.2. Iniciativa probatória do m agistra­ do durante a fase processual: no curso do processo penal, todavia, é predominante o en­ tendimento no sentido de que o juiz, de modo subsidiário, pode determinar a produção de provas que entender pertinentes e razoáveis, a fim de dirimir dúvidas sobre pontos rele­ vantes, seja por força do princípio da busca da verdade, seja pela adoção do sistema da persuasão racional do juiz (convencimento motivado). Nesse caso, é imperioso o respeito ao contraditório e à garantia de motivação das decisões judiciais. Essa atuação, todavia, deve ocorrer de modo supletivo, subsidiário, com­ plementar, nunca desencadeante da colheita da prova, a fim de dirimir eventual dúvida que tenha nascido no momento de valoração da prova já produzida em juízo. Em síntese, não se pode perm itir que o magistrado se substitua às partes no tocante à produção das provas. Deve o magistrado assegurar que as

Art. 251

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

partes possam participar da produção da prova (contraditório para a prova) ou, caso isso não seja possível, garantir-lhes o direito de se ma­ nifestar sobre a prova produzida (contraditório sobre a prova). Ademais, diante do resultado da prova cuja produção foi determinada de ofício pelo magistrado, deve se franquear às partes a possibilidade de produzir uma contraprova, de modo a infirmar o novo dado probatório acrescido ao processo. Além disso, de modo a preservar sua imparcialidade, impõe-se ao magistrado o dever de motivar sua decisão, expondo a necessidade e relevância da prova cuja realização foi por ele determinada ex offício. Essa atuação subsidiária do magistrado no tocante à produção de provas no curso do processo pode ser facilmente percebida a partir da leitura da nova redação do art. 212 do CPP. De acordo com o caput do art. 212 do CPP, “as perguntas serão form uladas pelas partes

diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida”. O parágrafo único do art. 212 do CPP, por sua vez, prevê que “sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”. Da leitura do dispositivo em questão, cuja redação foi determinada pela Lei n. 11.690/08, percebe-se claramente que a produção probatória deve recair predominantemente sobre as partes, o que, no entanto, não significa dizer que o magistrado deva adotar um comportamento absolutamente inerte no curso do processo. Na busca de um processo justo, pode o magistrado atuar de maneira subsidiária, complementando o quanto trazido aos autos pelas partes. Além do art. 212 do CPP, há outros dispositivos que consagram esses poderes instrutórios do juiz no curso do processo penal. A título de exem­ plo, de acordo com o art. 209, caput, o juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes. Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem (CPP, art. 209, §1°). Lado outro, segundo o art. 196 do CPP, a todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes.

Por sua vez, segundo o art. 234 do CPP, se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Produção antecipada de provas. Art. 366 do CPP. Fundam entação. C o n stran gim e n to ilegal não-caracterizado. Cabe ao Juiz da causa decidir sobre a necessidade da p rodução antecipada da prova teste­ munhai, p o d e n d o utilizar-se dessa faculdade q u an do a situ ação d o s au tos assim recom endar, c o m o no caso em apreço, especialm ente por tratar-se de ato que decorre d o poder geral de cautela d o M agistrado (art. 366 d o CPP). H abeas corpus denegado". (STF, 1a Turma, HC 93.157/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 23/09/2008, DJe 216 13/11/2008).

12. Funções de ordem adm inistrativa: dizem respeito aos poderes de polícia do juiz, ou seja, aqueles exercidos no curso do pro­ cesso com o objetivo de garantir a disciplina e o decoro, evitando a prática de atos capazes de prejudicar a regular tramitação do feito. A despeito da expressão utilizada - poderes de polícia - , o exercício dessa função não pressupõe, obrigatoriamente, a intervenção da polícia, funcionando, na verdade, como a atuação do juiz no sentido de restringir a liberdade do particular, seja ele parte ou mero terceiro. Vejamos alguns exemplos de poderes de polícia do juiz no processo penal: a) regu­ lar a polícia das sessões e mandar prender os desobedientes (CPP, art. 4 9 7 ,1); b) de acordo com o art. 794 do CPP, a polícia das audiências e das sessões compete aos respectivos juizes ou ao presidente do tribunal, câmara, ou turma, que poderão determinar o que for conveniente à manutenção da ordem. Para tal fim, requisi­ tarão força pública, que ficará exclusivamente à sua disposição; c) poder de fazer retirar da sala os espectadores das audiências ou das sessões que se portarem de maneira inconve­ niente, que, em caso de resistência, poderão ser presos e autuados (CPP, art. 795, parágrafo único). 13. Funções anômalas: além das funções processuais e administrativas anteriormente

TÍTULO V III. DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

estudadas, a lei também confere ao juiz o exercício de certas funções anômalas, assim chamadas por fugirem da natural inércia que deve caracterizar o exercício da função jurisdicional. Dentre elas, destaca-se a fiscalização do princípio da obrigatoriedade. De acordo com o art. 28 do CPP, se o juiz não concorda com a promoção de arquivamento apresentada pelo Promotor de Justiça, deve remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem compete a decisão final sobre o oferecimento (ou não da denúncia). Essa função anômala de fiscal do princípio da obrigatoriedade prevista no art. 28 do CPP não está restrita às hipóteses de não concordância com a promoção de arquivamento. Com efeito, o art. 28 do CPP também tem sido usado nas hipóteses de re­ cusa injustificada do Ministério Público em oferecer a proposta de transação penal ou

Art. 252.0

Art. 252

de suspensão condicional do processo, tal qual disposto na súmula n. 696 do Supremo:

“Reunidos os pressupostos legais, permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”. Tal dispositivo é igualmente utilizado no art. 384, §1°, do CPP, que prevê que, não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento nas hipóteses de mutatio libelli, aplica-se o art. 28. A doutrina costuma citar outros exemplos de funções anômalas desempenhas pelo juiz no curso do processo penal: recorrer de ofício nas hipóteses previstas em lei; remeter ao Ministé­ rio Público informações acerca da prática de ilícito penal (CPP, art. 40), etc.

juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:1-2

I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;3 II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;4 III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;5'7 IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.8 1. Impedimento: as causas de impedimento são circunstâncias objetivas relacionadas a fa­ tos internos ao processo capazes de prejudicar a imparcialidade do magistrado. Costuma-se dizer que dão ensejo à incapacidade objetiva do juiz, visto que os vínculos que geram im­ pedimento são objetivos e afastam o juiz in­ dependentemente de seu ânimo subjetivo. Há, pois, uma presunção absoluta de parcialidade. 2. Distinção entre im pedim ento e suspeição: ao contrário das causas de suspeição, geralmente relacionadas a fatos externos ao processo, as causas de impedimento estão

intrinsecamente ligadas, direta ou indireta­ mente, ao processo em curso, inicialmente submetido à jurisdição de determinado juiz. Outra diferença importante entre suspeição e impedimento diz respeito às consequências daí decorrentes. A atuação de juiz suspeito em determinado processo é causa de nulidade absoluta, nos termos do art. 5 6 4 ,1, do CPP. No tocante ao impedimento, cuida-se de vício de maior gravidade, que acarreta a própria ine­ xistência do ato jurídico. Nesse sentido, ao se referir às causas de impedimento, o próprio art. 252 do CPP estabelece que o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que configu­

Art. 252

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

rada uma das situações ali elencadas. Destarte, mais do que nulas, decisões judiciais proferidas por juiz impedido são tidas como inexistentes e, portanto, insanáveis. Ademais, enquanto as causas de suspeição constam de um rol exemplificativo (numerus apertus) constante do art. 254 do CPP, já que se admite o reconhecimento da suspeição por razões de foro íntimo, dou­ trina e jurisprudência entendem que as causas de impedimento elencadas nos arts. 252 e 253 são taxativas (numerus clausus). ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...)

lidade do magistrado caso ele mesmo tenha desempenhado, anteriormente, no mesmo fei­ to, as funções de defensor, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito. Basta supor hipótese em que, antes de ser aprovado no concurso para a magistratura, o juiz tivesse atuado como autoridade policial nas investigações do delito sob julgamento. É evidente que sua prévia atuação na fase investigatória colocaria em cheque sua imparcialidade para o julgamento do feito, daí por que deve se declarar impedido, ou, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes.

A s h ipóteses de im p e d im e n to elencadas

no art. 252 d o C ó d ig o de Processo Penal constituem um num erus clausus. N ão é possível, pois, interpretar-se extensivam ente os seus incisos I e II de m o d o a entender que o juiz que atua em fase pré-processual desem penha funções equivalentes ao de um delegado de polícia ou m em bro d o M inistério Público. Prece­ dentes. N ão se adotou, no Brasil, o instituto acolhido por outros países d o juizado de instrução, no qual o m agistrad o exerce, gro sso m odo, as com p etências da polícia judiciária. O juiz, ao presidir o inquérito,



Jurisprudência selecionada:

STF: "(...)

M a g istra d o que atu ou c o m o au toridade

policial n o procedim ento preliminar de investigação de paternidade. V e dação ao exercício jurisdicional. Im pedim ento. Art. 252, incisos I e II, d o C ó d ig o de Pro­ cesso Penal. Ordem concedida para anular o processo desde o recebimento da denúncia". (STF, 2aTurma, HC 94.641/BA, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 11/11/2008, DJe 43 05/03/2009).

apenas atua c o m o um administrador, um supervisor, n ão exteriorizando q u alq u e r juízo de valo r sobre fatos ou questões de direito que o im peça de atuar com im parcialidade no curso da ação penal. O art. 75 d o CPP, que adotou a regra da prevenção da ação penal do m agistrado que tiver autorizado diligências antes da denúncia ou da queixa não viola nenhum disp o sitivo constitucional. O rde m denegada". (STF, Pleno, HC 92.893/ES, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 02/10/2008, DJe 236 11 /12/2008).

3. Atuação do cônjuge do m agistrado ou seu parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, ór­ gã o do Ministério Público, autoridade poli­ cial, auxiliar da justiça ou perito: cuida-se de causa de impedimento fundada em relação de parentesco. A despeito do silêncio do art. 252, inciso I, do CPP, é dominante o entendimento no sentido de que, por força do art. 226, §3°, da Constituição Federal, o companheiro também deve ser incluído nesse rol.4 4. Atuação anterior do próprio magistrado como defensor, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito, ou servido como testemunha: o art. 252, II, do CPP, presume a perda de imparcia­

5. Atuação do juiz com o m agistrado de outra instância, m as desde que tenha se pronunciado de fato ou de direito sobre a questão: se um magistrado pronunciou-se de fato e de direito em determinado caso concreto como juiz de I a instância, é evidente que não terá isenção e imparcialidade suficientes para atuar nesse feito novamente, desta vez como desembargador, por ocasião do julgamento de eventual recurso. Como seria possível que o magistrado julgasse com imparcialidade um recurso interposto contra decisão por ele mesmo proferida, enquanto juiz de I a instân­ cia? Pela própria redação do art. 252, III, do CPP, percebe-se que o reconhecimento dessa causa de impedimento está condicionado ao fato de o magistrado ter se pronunciado de fato e de direito sobre o caso concreto como juiz de outra instância. Portanto, se acaso o magistra­ do tiver atuado como juiz de outra instância, porém se limitando a proferir despachos de mero expediente, sem conteúdo decisório, não há falar em impedimento. Na mesma linha que o art. 252, III, do CPP, ao tratar do julgamento da revisão criminal, o art. 625 do CPP estabelece que tal ação será distribuída a

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

um relator e a um revisor, devendo funcionar como relator um desembargador que não te­ nha pronunciado decisão em qualquer fase do processo. Para muitos, tal dispositivo também se aplica no âmbito das Turmas Recursais dos Juizados. Logo, se determinado magistrado atuou como juiz de primeira instância nos Juizados, estará impedido de atuar no mesmo processo no âmbito da Turma Recursal. O art. 252, III, do CPP, não funciona como óbice à realização do juízo de admissibilidade de even­ tual apelação pelo próprio juiz que prolatou a sentença impugnada. Ora, se certos recursos são interpostos perante o juízo a quo, é de se concluir que, ainda que a decisão impugnada tenha sido prolatada pelo próprio magistrado, não estará ele impedido de proceder à análise da presença (ou não) dos pressupostos de admissibilidade recursal. 4- Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) N ão

obstante a afirm ação de im pedim ento

p or D e se m b a rga d o r e sua ulterior participação no julgam e nto , para fins de c o m p o siç ã o de quorum , não induz nulidade o fato de seu filho haver atuado em primeiro grau, proferindo de sp achos de m ero ex­ pediente. Ordem negada". (STJ, 6a Turma, H C 16.129/ PR, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 22/05/2001, DJ 18/06/2001 p. 197).

STJ:"(...) O im pedim ento e a suspeição de M agistrad o

Art. 252

STF:"(...) O

art. 252, inc. III, d o C ó d ig o d e Processo Penal não preceitua qualquer ilegalidade em razão

d o juízo de adm issibilidade d o s recursos especial e extraordinário ser realizado pelo juiz que ju lgo u o recurso de apelação criminal. (...) O rdem denegada". (STF, I a Turma, H C 97.293/SP, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 16/06/2009, DJe 67 15/04/2010). Na m esm a linha: STF, 2a Turma, H C 94.089/SP, Rei. Min. Ayres Britto, j. 14/02/2012, DJe 45 02/03/2012.

6. Atuação de um m esm o juiz em pro­ cessos criminais diversos contra o mesmo acusado: o disposto no art. 252, III, do CPP, refere-se a impedimento de juiz que, no mes­ mo processo, mas em outra instância, tenha se pronunciado sobre a questão. Logo, se um juiz atuou em um processo criminal contra determinado acusado, não há qualquer im ­ pedimento caso venha a funcionar como juiz em outro processo criminal instaurado contra o mesmo acusado. 4 Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O

disposto no art. 252, III, d o CPP, refere-se a im pedim ento de juiz que no m esm o processo, m as em outra instância, tenha se pronunciado sobre a questão. Inocorrência de ofensa ao princípio d o juiz natural, d a d o que a ação penal foi subm etida à livre distribui­ ção. Denúncia que atende aos requisitos d o art. 41 do CPP. H.C. indeferido". (STF, 2aTurma, HC 83.020/SP, Rei. Min. Carlos Velloso, j. 25/05/2004, DJ 12/11 /2004, p, 41).

são circunstâncias que afetam a garantia constitucional da im parcialidade d o julgador. N o caso, a M agistrada titular da Vara Criminal atuou na instrução, recebendo a denúncia, procedendo ao interrogatório e, poste­ riormente, recebendo o apelo defensivo. M e sm o não tendo sido ela a prolatora da sentença, não se pode afastar que sua participação criaria em pecilhos à sua atuação em outra instância, a teor d o que estabelece o art. 252, III, d o C ó d ig o de Processo Penal. D e se res­ saltar, ainda, que hoje em dia se confere primordial atenção ao interrogatório, tanto que, após as reformas processuais, se explicitou o princípio da identidade física d o julgador. Assim, está configurada a ofensa aos princípios d o devido processo legal e tam bém da im ­ parcialidade do s julgadores. Ratificar tais condutas, por certo, refogem ao m odelo penal garantista, compatível com nossa Constituição. (...) Ordem concedida para, de um lado, anular o acórdão da apelação, determ inando que outro ju lgam e n to seja realizado, apo ntan do -se o im pedim ento da D ese m bargado ra que atuou em primeira instância; de outro lado, assegurar possa o pa­ ciente aguardar em liberdade o desfecho d o processo". (STJ,6aTurma, HC 121.416/RS, Rei. M in .O g Fernandes, j. 15/10/2009, DJe 03/11/2009).

7. Atuação do m esm o magistrado em ins­ tâncias diversas: como o art. 252, III, do CPP, faz menção à atuação do magistrado em outra instância, pronunciando-se de fato ou de direi­ to sobre a questão, prevalece o entendimento de que não haverá impedimento se o juiz atuar previamente em processo administrativo instaurado contra o mesmo acusado, já que se trata de atividade meramente administrativa e não jurisdicional, independente da ação penal. Logo, por força do disposto no art. 252, III, do CPP, estaria vedada apenas a atuação do juiz sobre os mesmos fatos, em diferentes graus de jurisdição, e não sua atuação em esferas de naturezas distintas, a saber: a adminis­ trativa e a penal. Há, no entanto, precedente em sentido diverso do Supremo Tribunal Fe­ deral. No julgamento do HC 86.963/RJ (Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 12/12/2006, DJe 82 16/08/2007), a 2a Turma considerou que a

Art. 253

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

participação de magistrado no julgamento de recurso administrativo e posterior atuação no julgamento de apelação criminal caracterizaria hipótese de impedimento. Na visão do STF, se o desembargador relator do recurso administra­ tivo pronunciou-se de direito sobre a questão e manteve a pena de demissão, com análise detalhada dos fatos imputados ao paciente, tais considerações acabam por tangenciar, no mínimo, o mérito da ação penal. Logo, poste­ rior participação desse mesmo magistrado no julgamento do apelo criminal fere o princípio do devido processo legal, nos termos do art. 252, III, do CPP. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) N os

arts. 252 e 254 d o C ó d ig o de Processo

Penal, não se preceitua ilegalidade em razão de ter exercido a função de Corregedor Regional da Justiça Federal da Se gu n d a Região em processo adm inistra­ tivo instaurado em desfavor d o Recorrente e a juris­ dição no julgam ento das referidas m edidas judiciais. A jurisprudência deste Su p rem o Tribunal assentou a im possibilidade de criação pela interpretação de cau­ sas de im pedim ento e suspeição. Precedentes. Recurso ordinário a qual se nega provimento". (STF, 2a Turma, R H C 131,735/DF, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 03/05/2016, DJe 100 16/05/2016).

STJ:"(...) Relacionados ao princípio do devido processo legal, o s princípios d o d u p lo grau de jurisdição e da imparcialidade encontram no art. 252 d o CPP vedações à atuação jurisdicional do m agistrado que concretizam e perm item a devida tutela jurisdicional, elem ento constante d o art. 5°, XXXV, da CF, de natureza de direito fundam ental. Denota-se d o conteúdo d o art. 252, III, d o CPP, a im possibilidade de atuação d o juiz, sobre os m esm o s fatos, em diferentes graus de jurisdição; não se cuida, portanto, de atuação em esferas de naturezas distintas, a saber no caso concreto: a administrativa e

a penal. In casu, tratando-se de processos de origem administrativa e judicial, ju lgad o s pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo e pelo Ó rgão Especial do Tribunal de Justiça d o Estado de São Paulo, respecti­ vamente, não há ofensa ao disp osto no art. 252, III, do C PP o julgam e nto por m agistrados que co m p o n h am e tenham atuado em am b o s os feitos, dada a essên­ cia diversa das esferas. 'Neste diapasão, buscan do as esferas administrativa e criminal objetivos totalm ente distintos, pois, em cada uma, a matéria é posta em análise sob diferentes enfoques, nada im pede que o juiz da seara administrativa tam bém o seja na criminal, nada obstando, inclusive, o seu sorteio c o m o relator em qualquer delas' (HC 42.249/RJ). Constitui rol taxa­ tivo as hipóteses de im pedim ento d o art. 252 d o CPP, de form a que não se estende o conceito de "jurisdição". O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, H C 131.792/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 22/11/2011, DJe 06/12/2011).

8. M a g istra d o ou seu cônjuge ou paren­ te, c o n sa n gu ín e o ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, com o parte ou diretam ente interessado no feito: é absolutamente impossível que se exija do juiz a necessária isenção para julgar determinado fato delituoso se ele próprio ou seu cônjuge (aí incluído o com panheiro) ou parente (consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral) for parte ou diretam en­ te interessada no feito. C om o parte, esta hipótese de im pedim ento estaria presente no curso de ação penal privada, tanto na qualidade de querelante quanto de querelado. Com o diretam ente interessado, seria o caso em que as pessoas m encionadas no art. 252, IV, pudessem ser titulares de um interesse de natureza não penal em face do acusado (v.g., reparação do dano causado pelo delito).

A rt. 2 5 3 . Nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo processo os juizes queforem entre si parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive.1-2 1. Incom patibilidade: nos comentários ao art. 112 do CPP, vimos que não há consenso na doutrina processual penal acerca do con­ ceito adequado do termo “incompatibilida­ de”. Embora a distinção entre impedimento e incompatibilidade seja apenas terminológica, posto que destituída de relevância prática, o

impedimento decorre de fatores objetivos que retiram a imparcialidade do juiz, porque ele ou pessoas a ele ligadas já exerceram ou estão exercendo outras funções no mesmo processo, ou têm interesse no feito (CPP, art. 252), ao passo que a incompatibilidade decorre do parentesco entre juizes que po-

f TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

deriam atuar em um mesmo órgão colegiado (CPP, art. 253). 2. Incompatibilidade nos órgãos colegiados: o exercício da atividade jurisdicional nos

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254

órgãos superiores é feito, pelo menos em regra, por órgãos colegiados, leia-se, por turmas, câmaras ou grupos. Nesse caso, eventual pa­ rentesco entre magistrados atuantes no mesmo processo é causa de incompatibilidade.

Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito,1'2 e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: I - se for amigo íntimo3 ou inimigo capital4 de qualquer deles;5-6 II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;7 III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;8 IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;9 V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;10 VI - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.11 . r 1. Suspeição: em regra, as causas de suspeição são circunstâncias subjetivas relacionadas a fatos externos ao processo capazes de preju­ dicar a imparcialidade do magistrado. Por isso, são rotuladas como causas de incapacidade subjetiva do juiz. Grosso modo, o juiz é suspei­ to quando se interessa por qualquer das partes. De acordo com o art. 564, inciso I, do CPP, a suspeição é causa de nulidade do processo, a contar do primeiro ato em que houve inter­ venção do juiz suspeito. A despeito de haver certa controvérsia quanto à natureza da nuli­ dade - se absoluta ou relativa - , partilhamos do entendimento de que se trata de nulidade absoluta. Isso porque, ao se referir às nulidades que estarão sanadas em virtude do decurso do tempo, logo, sujeitas à preclusão, característica básica de toda e qualquer nulidade relativa, o art. 572 do CPP não faz menção ao art. 5 6 4 ,1, do CPP. Portanto, interpretando-se a contrario sensu o art. 572, conclui-se que a suspeição é causa de nulidade absoluta, já que, ao contrário da relativa, aquela espécie de nulidade pode ser arguida a qualquer momento, não estando sujeita à preclusão. 2. Suspeição por razões de foro íntimo: quanto ao assunto, convém dispensar espe­

cial atenção ao teor da Resolução n. 82 do Conselho Nacional de Justiça. Considerando que, durante inspeções realizadas pela Corregedoria Nacional de Justiça, foi constatado um elevado número de declarações de suspeição por motivo de foro íntimo, e de modo a evitar que o magistrado abuse desse direito, passando ao seu substituto legal processos de maior com­ plexidade, a referida resolução dispôs sobre a obrigação de os magistrados de I o e 2o graus revelarem, em ofícios reservados remetidos às respectivas Corregedorias, as razões de foro íntimo de suas declarações de suspeição. Ocorre que, em virtude do Mandado de Segu­ rança n. 28.215, impetrado pela Associação dos Magistrados Brasileiros, o Supremo Tribunal Federal deferiu o pedido de medida liminar para que os magistrados não sejam compelidos a externar as razões de foro íntimo quando, nos termos do parágrafo único do art. 135 do CPC, se declarem suspeitos. Considerou-se plausível a alegação de que a Resolução n. 82 do CNJ trata de matéria reservada à Lei Com­ plementar (CF, art. 93), porquanto cria deveres funcionais primários, deveres estes que não estão enumerados no Capítulo II do Título III da LC n. 35/79. Entendeu-se, ademais, que a escusa de julgamento por motivo de foro ínti-

Art. 254

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

mo pode constituir a própria condição de um concreto ofício judicante imparcial. De modo a evitar novas controvérsias, o novo Código de Processo Civil dispôs expressamente acerca do assunto nos seguintes termos: “Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões” (art. 145, §1°, do novo CPC). -f Jurisprudência selecionada:

te o m onitoram ento d o s patronos da defesa, sendo p assíve is inclusive d e san ç ão adm inistrativa. A tos abusivos e suspeição. O conjunto de atos abusivos, no entanto, ainda que desfavorável ao paciente e devida­ mente desconstituído pelas instâncias superiores, não implica, necessariamente, parcialidade d o magistrado. N o caso, as decisões judiciais foram passíveis de con ­ trole e efetivamente revogadas, nas balizas do sistema. Apesar de censuráveis, elas não revelam interesse do juiz ou sua inimizade com a parte, não sendo hábeis para afastar o m agistrado do processo. Determ inada a remessa de cópia d o acórdão à Corregedoria Regional

STF:"(...) Juiz: suspeição por m otivo íntimo: admissibili­

da Justiça Federal da 4a Região e ao Conselho Nacional

dade tam bém no processo penal, independentemente de sua revelação pelo juiz e sem prejuízo, no caso, da

Turma, HC 95.518/PR, Rei. Min. Gilm ar M endes, DJe

validade do s atos anteriores". (STF, 1aTurma, H C 82.798/

54 18/03/2014, DJe 54 18/03/2014).

de Justiça. O rdem conhecida e denegada". (STF, 2a

PR, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 05/08/2003, DJ 21/11/2003).

3. Am izade íntima: para que a amizade seja considerada íntim a, exige-se intensa convivência e familiaridade, tal como ocorre nas relações em que há compadrio, troca de favores, frequência aos mesmos lugares e às respectivas residências. Um conhecimento eventual, uma relação de mera simpatia, atos ou gestos de civilidade, enfim, meros proto­ colos de exigência social, não são suficientes para caracterizar a amizade íntima a que se refere o art. 2 5 4 ,1, do CPP.4 4. Inimizade capital: é indispensável que o sentimento seja grave, que remeta ao ódio, a um sentimento de rancor ou de vingança. Não basta uma simples antipatia ou malquerença. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A alegação de suspeição ou im pedim ento de m agistrado p od e ser exam inada em sede de habeas corpus q u an d o independente de dilação probatória. É possível verificar se o conjunto de decisões tom ad as revela atuação parcial d o m agistrad o neste habeas corpus, sem necessidade de p rodução de provas, o que inviabilizaria o writ. Atos abusivos e reiteração de prisões. São inaceitáveis os com portam entos em que se vislum bra resistência ou inconform ism o d o m agis­ trado, q u an d o contrariado por decisão de instância superior. Atua com inequívoco desserviço e desres­ peito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito o juiz que se irroga de autoridade ímpar, absolutista, acim a da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência fun­ cional. Revelam -se abusivas as reiterações de prisões desconstituídas por instâncias superiores e as m edidas excessivas tom adas para sua efetivação, principaimen-

712

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5. Sentimento de amizade íntima ou ini­ mizade capital por parte do juiz: prevalece o entendimento de que é do juiz que deve partir a amizade íntima ou a inimizade capital, e não da parte em relação ao magistrado. Afinal, é do juiz que se espera a imparcialidade necessária para a prolação de uma decisão justa. Portanto, se a parte se declarar amiga íntima ou inimiga capital do magistrado, não há motivo para o reconhecimento da suspeição, salvo se tais sentimentos forem recíprocos. 6. Am izade íntima ou inimizade capital com o a dvogado da parte ou com o órgão do Ministério Público: a amizade íntima ou inimizade capital a que se refere o art. 254, in­ ciso I, do CPP, deve ser entre o juiz e as partes, aí compreendidas em seu sentido material, isto é, acusado e vítima, e não em relação ao advogado (representante do acusado), ao órgão do Ministério Público ou ao advogado do assistente de acusação. O advogado é mero representante da parte acusada, ou então, do assistente de acusação. Por sua vez, o órgão do Ministério Público não defende interesse seu, e sim do Estado, atuando como parte instrumental. Portanto, segundo a doutrina majoritária, a amizade ou inimizade com o(s) advogado(s) da(s) parte(s) não acarreta a sus­ peição do magistrado. Isso, no entanto, não impede que, alegando razões de foro íntimo, possa o magistrado se afastar do processo. Para tanto, é possível invocar, por analogia, o art. 135, parágrafo único, do CPC (art. 145, §1°, do novo CPC), que permite que o juiz

TlTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

declare-se suspeito por motivo íntimo. Se, no cível, admite-se que o juiz se declare suspeito alegando motivo de foro íntimo, com maior razão poderá fazê-lo o juiz criminal. 7. Processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia, instau­ rado em face do próprio juiz, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente: como o art. 254, II, do CPP, tem sua redação original desde a época da entrada em vigor do CPP - I o de janeiro de 1942 - , é evidente que não faz menção ao companheiro nos casos de união estável. Por isso, considerando o dispos­ to no art. 226, §3°, da Constituição Federal, que reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar para fins de proteção do Estado, doutrina e jurisprudência são uníssonas em incluir o companheiro no rol do art. 254, não só no inciso II, como também no inciso III. A título de exemplo da suspeição a que se refere o art. 254, II, imagine-se que, em determinada comarca, um juiz esteja ju l­ gando processo criminal referente ao delito de embriaguez ao volante, no qual a única prova existente seja o depoimento dos policiais que fizeram a abordagem do motorista. Em outra comarca, sua companheira encontra-se res­ pondendo a outro processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso há controvérsia - é sabido que há certa polêmica acerca da possibilidade de o crime do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro ser comprovado sem a realização de bafômetro ou exame de sangue. Como há controvérsia sobre o caráter crimi­ noso desse fato comum a ambos os processos criminais, é evidente que o juiz teria prejudi­ cada sua imparcialidade, porquanto poderia se sentir inclinado a proferir sentença favorável ao acusado no processo que está julgando, de modo a criar um precedente favorável para o julgamento a que sua companheira será sub­ metido. Daí o motivo dessa causa de suspeição. 8. Juiz, seu cônjuge (ou companheiro), ou parente, consanguíneo, ou afim, até o ter­ ceiro grau, inclusive, sustentando demanda ou respondendo a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes: nesse caso, o magistrado possui interesse, mediato

!

254

ou imediato, em um processo distinto, cujo julgamento compete a uma das partes. A título de exemplo, suponha-se que um juiz federal figure como acusado em um processo crim i­ nal instaurado perante o respectivo Tribunal Regional Federal. O corre que este mesmo juiz está julgando na primeira instância um processo criminal no qual o filho de um de­ sembargador é acusado. Nessa hipótese, o desembargador deve reconhecer sua suspeição para o julgamento do juiz federal. 9. Conselhos do juiz a qualquer das partes: de modo a não levantar quaisquer suspeitas acerca de um julgamento injusto e parcial, deve o magistrado manter-se equidistante das partes. Logo, se aconselhar juridicamente uma delas, essa posição de neutralidade es­ tará comprometida, pois terá antecipado sua possível decisão, daí por que deve se afastar do processo. Não há comprometimento dessa isenção caso o magistrado se limite a dizer à parte que ela deve procurar um advogado, ou se a ela prestar esclarecimentos de cunho processual, sem revelar sua posição acerca do objeto da demanda. 10. Juiz como credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes: não teria o magistrado isenção suficiente para o julga­ mento da causa se fosse credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes. De fato, se o juiz é devedor da parte, pode proferir sua decisão de modo parcial com o objetivo de agradar o credor, evitando, assim, uma possível cobrança da dívida. Lado outro, se o magistra­ do é tutor ou curador da parte, significa dizer que é seu representante legal. Logo, passa a ter interesse no resultado do processo, razão pela qual deve se dar por suspeito de ofício, ou, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes. 11. Juiz com o sócio, acionista ou adm i­ nistrador de socie d ad e interessada no processo: admitida pela legislação a condi­ ção de sócio ou acionista de sociedade (LC 35/79, art. 36, I), o magistrado não terá a isenção e im parcialidade necessárias para o julgamento da causa se tal pessoa jurídica

255

V

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

for interessada no processo (v.g., denúncia oferecida em face de pessoa juríd ica pela prática de crim es ambientais). A despeito do quanto previsto no art. 254, V I, do CPP, que se refere ao juiz como adm inistrador de

sociedade, é bom lembrar que o magistrado não pode exercer tal função, a não ser no caso de associação de classe, haja vista o quanto disposto na Lei O rgânica da Magistratura (LC n. 35/79, art. 36, II).

Art. 255. O impedimento ou suspeição decorrente de parentesco por afinidade cessará pela dissolução do casamento que lhe tiver dado causa, salvo sobrevindo descendentes; mas, ainda que dissolvido o casamento sem descendentes, não funcionará como juiz o sogro, o padrasto, o cunhado, o genro ou enteado de quem for parte no processo.’ 1. Cessação do im pedim ento ou suspei­ ção decorrente de parentesco por afini­ dade: com a dissolução do casamento, cessa o impedimento ou suspeição decorrente de parentesco por afinidade. Essa regra, no en­ tanto, não se aplica na hipótese de o casal ter tido filhos. De todo modo, ainda que dissol­ vido o vínculo conjugal, e mesmo que não

tenham sobrevindo descendentes, subsiste o impedimento ou suspeição em relação ao sogro, padrasto, cunhado, genro ou enteado. Por fim, convém destacar que a dissolução do casamento somente ocorre nas hipóteses de divórcio, anulação ou morte, mas não no caso de separação, pois, aí, subsiste o vínculo matrimonial.

Art. 256. A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la.' 1. Suspeição provocada pela própria par­ te: se a parte injuriar o juiz, não poderá arguir sua suspeição. O art. 256 do CPP visa evitar que a parte, por ato unilateral, consiga afastar do processo o juiz que porventura não seja

conveniente a seus interesses. De mais a mais, também atende ao dever de boa-fé processual, que deve nortear a atuação dos sujeitos, na medida em que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

Capítulo II DO MINISTÉRIO PÚBLICO1 13 Art. 257.

Ao Ministério Público cabe: (Redação dada pela Lei n.

11.719/08). I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código;14 e (Incluído pela Lei n. 11.719, de 2008). II - fiscalizar a execução da lei.’s (Incluído pela Lei n. 11.719, de 2008). 1. M inistério Público: é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do

Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos inte-

TlTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

resses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127, caput). Apesar de parte minoritária da doutrina considerar que o Ministério Público funciona como um quarto poder, não estando subordinado a qualquer dos três que compõem a divisão clássica dos poderes estatais - Exe­ cutivo, Legislativo e Judiciário - , prevalece o entendimento de que, no Brasil, o Parquet está vinculado ao Poder Executivo, embora não haja qualquer subordinação nessa relação, vis­ to que o Ministério Público goza de autonomia funcional, administrativa e financeira (CF, art. 127, §§2° e 3o). 2. (Im) parcialidade do Ministério Público: quando intervém como fiscal da lei nos crimes de ação penal privada, não há dúvidas de que o Ministério Público atua como parte impar­ cial. Nesse caso, como o polo ativo da ação penal é ocupado pelo querelante, que deduz a pretensão punitiva de forma parcial, incumbe ao Ministério Público tão somente fiscalizar a correta aplicação da Constituição Federal e da legislação ordinária, o que o faz de maneira imparcial. Na ação penal pública, todavia, re­ cai sobre o Ministério Público a incumbência de deduzir a pretensão punitiva do Estado, perseguindo em juízo a aplicação do direito penal objetivo, a fim de que ao suposto autor do fato delituoso seja aplicada a sanção penal prevista no preceito secundário da infração penal por ele cometida. Nesse caso, discute-se: seria o órgão ministerial uma parte imparcial ou parcial? Grande parte da doutrina nacional entende que, mesmo na ação penal pública, e inclusive na fase pré-processual, reservada às investigações, o órgão ministerial funciona como parte imparcial, visto que, apesar de ser parte em sentido formal, deve manter isenção de ânimo no exercício de suas atribuições no processo penal. Na medida em que recai sobre o Parquet a defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis, dentre os quais se destaca a liberdade de locomoção, geralmente posta em risco no processo penal, o Parquet não tem um interesse unilateral contraposto ao interesse do acusado, não tem um interesse particular antes ou fora e durante o processo, enfim, não tem um interesse pró­ prio. Enquanto titular da ação penal pública,

Art. 257

ao Ministério Público interessa tão somente a busca da verdade e a correta aplicação da lei no caso concreto. Por isso, segundo a posição majoritária, é parte imparcial. Logo, diante da presença de um conjunto probatório capaz de autorizar um juízo de certeza no sentido da culpabilidade do acusado, deve o Parquet pugnar por sua condenação. No entanto, como parte imparcial e fiscal da lei que é, caso o órgão ministerial entenda que não há provas suficientes para um decreto condenatório, deve pugnar pela absolvição do acusado, em fiel observância à regra probatória que deriva do princípio da presunção de inocência - in dubio pro reo. É nesse sentido a lição de Pacelli ( Curso de processo penal. 1 I a ed. Rio de Janeiro: Edito­ ra Lumen Juris, 2009. p. 400-401) e Mirabete (Processo penal. 18a ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 325). Sem embargo dessa posição, partilha­ mos do entendimento de que a concepção do Ministério Público como parte imparcial não é compatível com um processo penal acusatório. Para que o processo acusatório (ou processo de partes) possa se desenvolver, é necessária a presença de partes em igualdade de condições, porém com interesses antagônicos, permitin­ do, por meio do embate decorrente da dialética processual, uma correta reconstrução dos fatos delituosos imputados ao acusado. Em síntese, para a formação do convencimento judicial, é obrigatória a presença de duas partes com interesses antagônicos - acusação e defesa - , cabendo ao juiz escolher, entre as teses con­ trapostas por elas apresentadas, a que lhe pa­ recer mais acertada. É nesse sentido a lição de Badaró ( Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 215-216), que aponta a necessidade de se rever a posição do Ministério Público como parte imparcial num processo penal verda­ deiramente acusatório. Segundo o autor, “o contraditório, possibilitando o funcionamento de uma estrutura dialética, que se manifesta na potencialidade de indagar e de verificar os contrários, representa um mecanismo efi­ ciente para a busca da verdade. Mais do que uma escolha de política processual, o método dialético é uma garantia epistemológica na pesquisa da verdade. As opiniões contrapostas dos litigantes ampliam os limites do conheci­

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CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

mento do juiz sobre os fatos relevantes para a decisão e diminuem a possibilidade de erros”. De mais a mais, embora não seja indispensável a certeza de autoria para a instauração de um processo penal, é certo dizer que, a partir do momento em que o Ministério Público oferece denúncia em face de determinado acusado, já está prévia e psicologicamente convencido acerca da culpabilidade do acusado, buscando apenas prová-la em juízo para que seja proferi­ do um decreto condenatório. Difícil é acreditar que, uma vez deduzida a pretensão punitiva em juízo, terá o Ministério Público isenção suficiente para agir de maneira imparcial. Isso, no entanto, não significa que, ao final do processo, quer pela fragilidade das provas produzidas pela própria acusação, quer pelos elementos probatórios carreados aos autos pela defesa, não possa o Ministério Público pedir a absolvição do acusado. Ora, se se trata, o Ministério Público, de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis, é evidente que ao Parquet não interessa a condenação de um inocente, daí por que não só pode, como deve pleitear sua absolvição se, ao cabo da instru­ ção probatória, a tese da acusação não estiver provada além de qualquer dúvida razoável. Recentemente, alguns julgados isolados dos Tribunais Superiores vêm demonstrando uma mudança de entendimento acerca da suposta imparcialidade do Ministério Público no âm­ bito processual penal. Importante exemplo nesse sentido diz respeito à interpretação jurisprudencial em torno do art. 610, parágrafo único, do CPP. Por força desse dispositivo, que cuida do processo e julgamento dos recursos nos Tribunais, o Ministério Público atuante na 2a instância - Procurador de Justiça ou Pro­ curador Regional da República - será sempre ouvido depois da defesa, sem que o dispositivo estabeleça qualquer ressalva quanto ao recurso em julgamento - exclusivo da acusação ou da defesa. Durante anos, esse preceito foi consi­ derado válido, porquanto se partia da premissa de que, na 2a instância, o Ministério Público atua como fiscal da lei e parte imparcial. Logo, devia se pronunciar após a defesa, ainda que se tratasse de recurso interposto exclusiva­

mente pelo Promotor de Justiça atuante na I a instância. No entanto, esse entendimento acabou sendo modificado pelo plenário do Su­ premo (HC 87.926/SP, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 20/02/2008, DJe 074 24/04/2008), que passou a entender que, em recurso exclusivo da acu­ sação, o representante do Ministério Público, ainda que invoque a qualidade de custos legis, deve se manifestar, na sessão de julgamento, antes da sustentação oral da defesa, haja vista que as partes têm direito à observância do procedimento tipificado na lei, como con­ cretização do princípio do devido processo legal, a cujo âmbito pertencem as garantias específicas do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5o, LIV e LV). Ressaltando a unidade e indivisibilidade do parquet, asseverou-se ser difícil cindir sua atuação na área recursal, no processo penal, de modo a comprometer o pleno exercício do contraditório. Aduziu-se, também, que o direito de a defesa falar por último é imperativo e decorre do próprio sistema, e que a inversão na ordem acarretaria prejuízo à plenitude de defesa. Portanto, na visão do Supremo, a sustentação oral do re­ presentante do Ministério Público no processo penal, sobretudo quando seja recorrente único, deve sempre preceder à da defesa, sob pena de nulidade do julgamento. 3. Organização do M inistério Público: o Ministério Público brasileiro pode ser dividido em Ministério Público da União, Ministério Público dos Estados e Ministério Público Es­ pecial junto aos Tribunais de Contas. 4. M inistério Público da União: tem por chefe o Procurador-Geral da República, no­ meado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução. A Lei Complementar n. 75/93 dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, que se subdivide em Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Dis­ trito Federal e Territórios.

TÍTULO V III. DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

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4 .1 . M in is té rio Público Federal (M PF): de

de Justiça: STF 1“Turma, HC 84.488/ES, Rei. Min. Cezar

acordo com a LC n. 35/79 (art. 37), o Minis­ tério Público Federal exercerá as suas funções nas causas de competência do Supremo Tribu­ nal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Juizes Federais, e dos Tribunais e Juizes Eleitorais, nas causas de competência de quaisquer juizes e tribunais, para defesa de direitos e interesses dos índios e das populações indígenas, do meio ambiente, de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, in­ tegrantes do patrimônio nacional. Ademais, o MPF é tido como parte legítima para interpor recurso extraordinário das decisões da Justiça dos Estados nas representações de inconstitucionalidade (LC n. 35/79, art. 37, parágrafo único). São órgãos do Ministério Público Fe­ deral: I - o Procurador-Geral da República; II - o Colégio de Procuradores da República; III - o Conselho Superior do Ministério Público Federal; IV - as Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal; V - a Corregedoria do Ministério Público Federal; V I - os Subprocuradores-Gerais da República; V II - os Procuradores Regionais da República; V III - os Procuradores da República. Recai precipuamente sobre o Procurador-Geral da República a atribuição para atuar perante o Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior Eleitoral. Porém, o PGR pode designar Subprocuradores-Gerais da República para exercer tal mister (LC 35/79, art. 66, §1°).

Peluso, j. 07/02/2006, DJ 05/05/2006 p. 17.

♦ Jurisprudência selecionada:

STF: "(•••) São

constitucionais o inc. II e o parágrafo único d o art. 48 da Lei C o m p le m e n ta r n. 75/1993,

q u e atribuem ao Procurador-Geral da República a com petência para propor, no Superior Tribunal de Justiça, a ação penal prevista no art. 105, inc. I, alínea a, da Constituição da República, além de permitirem a delegação dessa com petência a Subprocurador-Geral da República. Ação direta de inconstitucionalidade jul­ ga d a improcedente". (STF, Pleno, AD I 2.913/DF, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 20/05/2009, DJe 120 22/06/2011). No sentido de que o Procurador-Geral da República pode delegar a com petência de que trata o art. 48, II, da Lei Com plem entar n° 75, de 1993, a Subprocurador-Geral pré -de sign ado para atuar perante o SuperiorTribunal

4.2. Ministério Público doTrabalho (MPT): suas atribuições são exercidas junto aos órgãos da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 83 da LC n. 35/79. São órgãos do Ministério Pú­ blico do Trabalho: I - o Procurador-Geral do Trabalho; II - o Colégio de Procuradores do Trabalho; III - o Conselho Superior do M inis­ tério Público do Trabalho; IV - a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho; V - a Corregedoria do Ministério Público do Trabalho; VI - os Subprocuradores-Gerais do Trabalho; V II - os Procuradores Regionais do Trabalho; V III - os Procuradores do Trabalho. 4.3. Ministério Público Militar (MPM): ao Parquet Militar compete o exercício das se­ guintes atribuições junto aos órgãos da Justiça Militar da União, promovendo, privativamente, a ação penal pública, promovendo a declaração de indignidade ou de incompatibilidade para o oficialato, e manifestando-se em qualquer fase do processo, acolhendo solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse público que justifique a intervenção. Importante perceber que o Ministério Público Militar tem suas atribuições restritas à Justiça Militar da União. No âmbito da Justiça Militar dos Estados, as atribuições ministeriais são exercidas pelo Ministério Público Estadual. São órgãos do Ministério Público Militar: I o Procurador-Geral da Justiça Militar; II - o Colégio de Procuradores da Justiça Militar; III - o Conselho Superior do Ministério Pú­ blico Militar; IV - a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Militar; V - a Corregedoria do Ministério Público Militar; V I - os Subprocuradores-Gerais da Justiça M i­ litar; V II - os Procuradores da Justiça Militar; V III - os Promotores da Justiça Militar. Na I a instância da Justiça Militar da União, as atri­ buições do MPM são exercidas por Promotores e Procuradores da Justiça Militar da União. Isso porque, apesar de o art. 122, inciso II, da Constituição Federal, referir-se a tribunais e juizes militares instituídos por lei, esses Tri­ bunais Regionais Militares não foram instituí­

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CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

dos por lei. Logo, Promotores e Procuradores atuam na I a instância da Justiça M ilitar da União, ao passo que Subprocuradores-gerais e o Procurador-Geral do Ministério Público M ilitar atuam perante o Superior Tribunal Militar, que exerce basicamente as funções de 2a instância da Justiça Militar da União. 4.4. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT): exerce suas funções nas causas de competência do Tribunal de Justiça e dos Juizes do Distrito Federal e Ter­ ritórios. São órgãos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios: I - o Procurador-Geral de Justiça; II - o Colégio de Procuradores e Promotores de Justiça; III - o Conselho Superior do Ministé­ rio Público do Distrito Federal e Territórios; IV - a Corregedoria do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; V - as Câma­ ras de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; VI - os Procuradores de Justiça; V II - os Pro­ motores de Justiça; V III - os Promotores de Justiça Adjuntos. O M PDFT formará lista tríplice dentre os integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução (CF, art. 128, §3°). 5. Ministérios Públicos dos Estados: cada Estado da Federação deve organizar e manter 0 M inistério Público que opera perante o Judiciário local. A Lei n. 8.625/93 instituiu a Lei Nacional do Ministério Público, dispondo sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados. Além desta lei federal, cada Ministério Público estadual dispõe de uma lei complementar estadual (v.g., a LC n. 734/93 institui a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo). São órgãos de execução do Ministério Público: 1 - o Procurador-Geral de Justiça; II - o Con­ selho Superior do Ministério Público; III - os Procuradores de Justiça; IV - os Promotores de Justiça.

6. M inistério Público Especial junto aos Tribunais de Contas: leitura isolada do art. 128 da Constituição Federal pode levar à con­ clusão de que o Ministério Público brasileiro abrange apenas o Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados, visto que o dispositivo faz menção apenas a esses dois Ministérios Públicos. Porém, não se pode perder de vista que a própria Constituição Federal refere-se mais adiante ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas. É nesse sentido o teor do art. 130 da Carta Magna: “Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura”. Por força desse dispo­ sitivo, o Ministério Público especial junto aos Tribunais de Contas qualifica-se como órgão estatal dotado de identidade própria que o tor­ na inconfundível e inassimilável à instituição do Ministério Público da União e dos Estados-membros, com estes não se confundindo. -f Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O M inistério Público que atua perante oTC U qualifica-se c o m o ó rgã o de extração constitucional, eis que a sua existência jurídica resulta de expressa previsão norm ativa constante da Carta Política (art. 73, par. 2., I, e art. 130), se n d o indiferente, para efeito de sua con figu ração jurídico-institucional, a circuns­ tancia de não constar d o rol taxativo inscrito no art. 128,1, da Constituição, que define a estrutura orgânica d o M inistério Público da União. O M inistério Público junto a o T C U não d isp õ e de fisionom ia institucional própria e, não obstan te as expressivas garantias de ordem subjetiva con ce d id as aos seus Procuradores pela p ró p ria C o n stitu iç ã o (art. 130), e n co n tra -se con solid ad o na "intim idade estrutural" dessa Corte de Contas, que se acha investida - até m e sm o em fu n ção d o p oder de a u togo v ern o que lhe confere a Carta Política (art. 73, caput, in fine) - da prerrogativa de fazer instaurar o processo legislativo concernente a sua organização, a sua estruturação interna, a defini­ ção d o seu q u adro de pessoal e a criação d o s cargos respectivos. - Só cabe lei com plem entar, no sistem a de direito positivo brasileiro, q u a n d o form alm ente reclam ada a sua e d içã o p or n orm a con stitucion al explicita. A e sp e c ific id a d e d o M in isté rio P ú b lico que atua perante o TC U , e cuja existência se projeta num d o m ín io institucional ab solu tam e n te diverso daq uele em que se insere o M inistério Público da União, faz com que a regulação d e sua organização, a discrim inação de suas atribuições e a definição de seu estatuto sejam passíveis de veiculação m ediante

/ TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

sim ples lei ordinaria, eis que a edição de lei c o m p le ­ m entar e reclam ada, no q u e concerne ao Parquet, tão-som ente para a disciplinação norm ativa d o M inis­ tério Público co m u m (CF, art. 128, par. 5.). A cláusula de garantia inscrita no art. 130 da Constituição não se reveste de con te ú do organico-institucional. Acha-se vocacionada, no âm b ito de sua destinação tutelar, a proteger o s m em b ro s d o M inistério Público especial no relevante de sem pen ho de suas funções perante os Tribunais de Contas. Esse preceito da Lei Fundam ental da Republica subm ete os integrantes d o M P junto aos Tribunais de C on ta s ao m e sm o estatuto jurídico que rege, no que concerne a direitos, vedações e form a de investidura no cargo, o s m em b ros d o M inistério Público com um". (STF, Pleno, A D I 789/DF, Rei. Min. Celso de Mello, j. 26/05/1994, DJ 19/12/1994).

STF: "(...)

O M in isté rio P ú b lico e special ju n to aos

Tribunais de C o n ta s -q u e configura um a indiscutível realidade constitucional - qualifica-se c o m o ó rgã o estatal d o ta d o de identidade e de fision om ia pró­ prias que o tornam inconfundível e inassimilável à instituição d o M inistério Público c o m u m da União e do s Estados-m em bros. N ão se reveste de legitim idade constitucional a participação d o M inistério Público co m u m perante os Tribunais de C on tas d o s Estados, p ois essa participação e atuação acham -se constitu­ cionalm ente reservadas aos m em bros integrantes do M inistério Público especial, a que se refere a própria Lei Fundam ental da República (art. 130). O preceito con su bstan ciad o no art. 130 da Constituição reflete u m a so lu ção de c o m p ro m isso ad otad a pelo legisla­ dor constituinte brasileiro, que preferiu não outorgar, ao Ministério Público com um , as funções de atuação perante osTribunais de Contas, optando, ao contrário, p or atribuir esse relevante e ncargo a agen tes esta­ tais qualificados, deferindo-lhes um "status"jurídico especial e ensejando-lhes, c om o reconhecim ento das já m en cio n ad as garantias de ordem subjetiva, a p ossibilidade de atuação funcional exclusiva e in de ­ pendente perante as Cortes de Contas". (STF, Pleno, A D I 2.884/RJ, Rei. M in. Celso de Mello, j. 02/12/2004, DJ 20/05/2005).

7. Ministério Público com atribuições para atuar perante os Tribunais Superiores: à exceção do Tribunal Superior do Trabalho e do Superior Tribunal Militar, onde se admite a atuação do Procurador-Geral do Trabalho e do Procurador-Geral da Justiça Militar, res­ pectivamente, sempre se entendeu que o único Ministério Público que teria atribuições para atuar nos Tribunais Superiores era o Federal. Por isso, somente o M PF tinha legitimidade para oficiar no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal Superior Eleitoral e, consequentemente, in­

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terpor recursos de suas decisões. Destarte, até bem pouco tempo atrás, sempre se entendeu que, perante o Tribunal de Justiça estadual, o M inistério Público do respectivo estado seria parte legítima para interpor recursos, inclusive o especial e o extraordinário, bem como agravar das decisões que lhes negarem seguimento. No entanto, somente o Ministério Público Federal teria legitimidade para oficiar nos Tribunais Superiores e, consequentemen­ te, interpor recursos de suas decisões. Ocorre que, em recente julgado (QO RE 593.727/MG, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 21/06/2012), o Ple­ nário do Supremo Tribunal Federal passou a entender que um Procurador-Geral de Justiça tem legitimidade para proferir sustentação oral em julgamentos realizados naquela Corte nas causas promovidas originariamente pelo respectivo Ministério Público Estadual. Aos olhos do STF, o Procurador Geral da Repúbli­ ca pode desempenhar dois papéis simultâneos perante aquela Corte: a) o de fiscal da lei; e b) o de parte. Logo, quando o Ministério Público da União, em qualquer dos seus ramos (MPT, MPF, MPDFT, M PM ), figurar como parte do feito, só ao PGR será dado oficiar perante o STF. Nos demais casos, este parquet exerce­ ría, evidentemente, a função de fiscal da lei. Nesta última condição, a sua manifestação não poderia excluir a das partes, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório e à própria autonomia dos Ministérios Públicos estaduais, que estariam na dependência, para promover e defender interesse em juízo, da aprovação do Ministério Público Federal, já que não há relação de subordinação jurídico-institucional capaz de submeter o Ministério Público estadual à chefia do MPU. De mais a mais, não se pode perder de vista que a Cons­ tituição teria definido o PGR como chefe do M PU e que, não raras vezes, seriam possíveis situações processuais nas quais se estabeleces­ sem posições antagônicas entre esses 2 órgãos. Na mesma linha, a I a Seção do STJ também reconheceu que os Ministérios Públicos dos Estados são parte legítima para atuar autonomamente perante aquela C orte (AREsp 194.892/RJ, Rei. Min. Mauro Campbell Mar­ ques, j. 24/10/2012). Antes dessa mudança

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de orientação jurisprudencial, entendia-se que, como o Ministério Público é instituição una, caberia a seu chefe, o Procurador-Geral da República, representá-la, atuando junto ao STJ e ao STF. Por isso, os membros da segun­ da instância do MP dos Estados podiam até interpor recursos extraordinário e especial aos Tribunais Superiores contra decisões dos Tribunais Estaduais, mas não podiam oficiar junto a esses Tribunais, atribuição esta que devia ser exercida apenas por subprocurado­ res da República designados pelo Chefe do MPF. Todavia, ante a constatação de que a unidade institucional estabelecida na Consti­ tuição Federal é princípio aplicável apenas no âmbito de cada Ministério Público, do que se conclui que não há relação hierárquica entre os Ministérios Públicos dos Estados e o Parquet da União, e até mesmo para se preservar o princípio federativo, há de ser reconhecida a legitimidade dos Ministérios Públicos dos Estados para atuar autonomamente perante as Cortes Superiores - STI e STF. Isso sig­ nifica dizer que, em relação aos feitos de competência da Justiça dos Estados em que o Ministério Público Estadual for parte, deve ser reconhecida sua legitimidade, a fim de que possam fazer sustentação oral no julgamen­ to de recursos extraordinário e/ou especial, assim como ajuizar ações ou outras medidas originárias diretamente nos Tribunais Supe­ riores (v.g., agravos regimentais, embargos de declaração, embargos de divergência, etc.). 8. Conselho Nacional do M inistério Pú­ blico: nos mesmos moldes do que ocorreu com a Magistratura, a Emenda Constitucional n. 45/2004 criou um órgão de controle da atuação administrativa e financeira do M i­ nistério Público, bem como de fiscalização do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, a saber, o Conselho Nacio­ nal do Ministério Público (CF, art. 130-A), o qual é composto pelo Procurador-Geral da República, quatro membros do M inistério Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas carreiras, três membros do Ministério Público dos Estados, dois juizes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça, dois

advogados, indicados pelo Conselho Federal da OAB, e dois cidadãos de notável saber ju ­ rídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. 9. Prom otor a d h o c: é o advogado nome­ ado para o exercício temporário e precário das funções ministeriais, em razão do não comparecimento injustificado do Promotor de Justiça a determinado ato processual. Essa figura do Promotor ad hoc não foi recepcio­ nada pela Constituição Federal de 1988, haja vista a impossibilidade de pessoas externas à carreira do Ministério Público exercerem suas funções, nos termos do art. 129, §2°, da Carta Magna. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Provim ento da Corregedoria Geral da Justiça d o Estado de Santa Catarina. Autorização para n o ­ meação, dentre bacharéis em Direito, de Promotores 'ad hoc', em processos e procedim entos judiciais ur­ gentes. Ofensa aparente ao art. 129, § § 2° e 3o, da CF. Risco m anifesto de dano s à adm inistração da Justiça. M e d id a cautelar concedida. Deve ser concedida, em ação direta de inconstitucionalidade, m edida cautelar para su spen são da vigência de Provim ento de Corre­ gedoria Geral da Justiça Estadual, que, aparentando ofensa direta ao disposto no art. 129, § § 2o e 3o, da Constituição da República, com risco claro de d ano s graves à adm inistração da Justiça e, em última análi­ se, aos jurisdicionados, autoriza os juizes a nomear, dentre bacharéis em Direito, Prom otores 'ad ho c’ em processos e procedim entos que reclamem urgência". (STF, Pleno, A D I 2.958 M C/SC, Rei. M in. Cezar Peluso, j. 28/08/2003, DJ 03/10/2003). Na m esm a linha: STF, Pleno, A D I 2.874/GO, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 28/08/2003, DJ 03/10/2003.

10. Princípios institucionais do Ministério Público: de acordo com o art. 127, §1°, da Constituição Federal, são princípios institu­ cionais do M inistério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. A doutrina e a jurisprudência também fazem referência ao princípio do promotor natural. 10.1. Unidade: por conta desse princípio, Promotores e Procuradores de Justiça inte­ gram um só órgão, sob a direção de um só chefe. Compreende-se, assim, por unidade, a integralidade do órgão ministerial, impedin-

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

do seu fracionamento enquanto instituição pública, o que, evidentemente, não prejudica a distribuição operacional de suas atribuições. Só se pode falar em unidade dentro de cada Ministério Público. Logo, não há unidade entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público Militar, a despeito de ambos fazerem parte do Ministério Público da União. 10.2. Indivisibilidade: os integrantes da carreira podem ser substituídos uns pelos ou­ tros, segundo as prescrições legais. Novamente, só se pode falar em indivisibilidade entre os integrantes do mesmo M inistério Público. Logo, um Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais pode ser substituído por outro Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais no curso de um processo penal. Porém, este mesmo Promotor não pode exercer atribuições exclusivas de órgão do Ministério Público Fe­ deral. Portanto, por força da indivisibilidade, o Ministério Público épresentado por quaisquer de seus integrantes. Fala-se em presentação, e não em representação, como se usa na lin­ guagem corrente, porque nesta a atuação do órgão é feita por quem não o integra, ao passo que naquela é a própria instituição que está atuando diretamente. Enfim, como órgãos de uma mesma instituição orgânica, os membros do Ministério Público opresentam, ou seja, se fazem presente no curso da persecução pe­ nal. A expressão é de Pontes de Miranda (Cf. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 318-319), com base na imputação do ato ao órgão, sendo atualmente pacífico que a entidade de que este faz parte não é por ele representada, mas, com a sua intervenção, se faz presente. Em face dos princípios da unidade e da indivisibilidade, es­ pecial atenção deve ser dispensada às hipóteses de processos em andamento cuja incompetên­ cia venha a ser declarada no curso do feito. Com a anulação do processo em virtude da incompetência, os autos devem ser remetidos ao juízo competente. Quanto ao oferecimento de nova denúncia perante o juízo competente, prevalece nos Tribunais o entendimento de que não se faz necessário o oferecimento de nova peça acusatória pelo órgão do Ministé­ rio Público com atribuições para a demanda,

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bastando que o Parquet ratifique a peça acu­ satória anteriormente oferecida, com eventual aditamento que se fizer necessário (CPP, art. 569). A título de exemplo, se uma denúncia inicialmente oferecida pelo Ministério Público Estadual perante a Justiça Estadual for, poste­ riormente, ratificada pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal, não há falar em nulidade da sentença condenatória profe­ rida por este juízo, sob alegação de invalidade da ratificação da denúncia. No entanto, em se tratando de órgãos do Parquet pertencentes ao mesmo Ministério Público (ex: Promotores de Justiça do mesmo Estado da Federação, Procu­ radores da República, etc.), e de mesmo grau funcional, sequer se faz necessária a ratificação da peça acusatória, em virtude do princípio da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público (CF, art. 127, §1°). ♦

Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...) Se a denúncia, inicialmente apresentada pelo M inistério Público d o Estado, perante Juiz estadual, foi, posteriormente, ratificada pelo Ministério Público federal, perante Juiz federal, que, com jurisdição penal, no caso, procedeu à citação e à instrução e proferiu a sentença condenatória, não é de ser esta anulada, sob alegação de invalidade da ratificação da denuncia. Nessa ratificação, não há necessidade de o Ministério Público com petente reproduzir os term os da denúncia apresentada pelo M inistério Público incompetente, b astand o que a eles se reporte. (...) H.C. indeferido". (STF, 1aTurma, HC 70.541 /SP, Rei. Min. Sydney Sanches, DJ 18/03/1994).

S T F : "(...) Denúncia. Ratificação. Desnecessidade. Ofe­ recimento pelo representante d o M inistério Público Federal no juízo d o fo ro em que morreu um a das vítimas. Declinação da com petência para o juízo em cujo foro se deu o fato. Foros da Justiça Federal. Atuação, sem reparo, d o outro representante d o MP. Atos praticados em nom e da instituição, que é una e indivisível. Nulidade inexistente. HC indeferido. Aplicação do art. 127, § 1°, da CF. Inteligência d o art. 108, § I o, d o CPP. O ato processual de oferecimento da denúncia, praticado, em foro in­ competente, por um representante, prescinde, para ser válido e eficaz, de ratificação por outro d o m esm o grau funcional e do m esm o Ministério Público, apenas lotado em foro diverso e competente, porque o foi em nom e da instituição, que é una e indivisível". (STF, I a Turma, HC 85.137/MT, Rei. Min. Cezar Peluso,DJ 28/10/2005).

10.3. Independência funcional: consiste na possibilidade de o órgão do M inistério

Art. 257

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

Público oficiar livre e fundamentadamente, de acordo com sua consciência, com a Constitui­ ção e com a lei, não estando subordinado ou restrito a obedecer a orientação de quem quer que seja, imunizando-o de injunções internas e externas. Nesse sentido: DINAM ARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito proces­ sual civil. Vol. 1. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 690. Portanto, por força desse princípio, cada órgão do M inistério Público delibera sobre o conteúdo do ato que deve praticar, não estando vinculado à sua atuação anterior ou a de outro órgão ministerial, nem tampouco a qualquer dos Poderes Estatais - Executivo, Legislativo ou Judiciário. Em se tratando de assunto relativo às atribuições funcionais, cada órgão ministerial está vinculado apenas às Constituições Federal e Estaduais, às leis e à sua consciência jurídica. Por isso, na hipótese de promoção de arquivamento por parte do órgão ministerial da qual tenha discordado a autori­ dade judiciária, aplicando, por conseguinte, o art. 28 do CPP, ao Procurador-Geral de Justiça não é dado designar o mesmo Promotor que havia requerido o arquivamento, sob pena de violação a sua independência funcional (CF, art. 127, §1°). A independência funcional também permite que o órgão do Ministério Público que oficia perante Tribunal de 2a ins­ tância possa recorrer contra decisão por este proferida, ainda que o acórdão coincida com a postulação do órgão ministerial atuante na primeira instância. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "(...)

M inistério Público: su cu m b ê n cia n o p ro ­

vim ento da apelação da defesa, apesar de com ele se ter posto de acordo o Prom otor de Justiça. A in­ de p e n d ê n cia fu n cion al d o s a g e n te s d o M inistério Público é, de fato, incompatível com a pretensão de q u e a con co rd ân cia d o Prom o to r c om a ap e lação vinculasse os ó rgã os da instituição que oficiam junto ao Tribunal, de m o d o a inibi-los de interpor recurso especial contra a decisão que, provendo o recurso da defesa, desclassificou a infração. (...)”. (STF, 1aTurma, HC 80.315/SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 29/08/2000, DJ 13/10/2000).

10.4. Princípio do Promotor Natural: con­ siste no direito que cada pessoa (física ou jurídica) tem de ser processada somente pelo

órgão de execução do Ministério Público cujas atribuições estejam previamente fixadas por lei, sendo vedadas designações casuísticas e arbitrárias de Promotores de Justiça (ou Pro­ curadores da República) de encomenda após a prática do fato delituoso (postfactum). Cuida-se de verdadeira garantia do devido processo legal, destinada a proteger tanto o membro do Ministério Público, na medida em que lhe as­ segura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados estabelecidos em lei. Funcionando como verdadeira garan­ tia constitucional da isenção na escolha dos representantes ministeriais para atuarem na persecução penal, este princípio visa assegurar o pleno e independente exercício das atribui­ ções ministeriais, repelindo do nosso ordena­ mento jurídico a figura do acusador de exceção designado com a finalidade de processar uma pessoa ou um caso específico. 10.4.1. Fundamento constitucional e le­ gal: na medida em que a Constituição Fede­ ral dispõe que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (CF, art. 5o, LIII), daí se pode extrair não só o princípio do juiz natural, como também o princípio do promotor natural, materializa­ do na expressão “processado pela autoridade competente”. Como se percebe, o princípio do promotor natural nada mais é do que uma expansão para o regime jurídico do Ministério Público da tradicional garantia instituída no âmbito da jurisdição. Em outras palavras, fun­ ciona como um desdobramento do princípio do juiz natural, sendo concebido com a mesma preocupação, qual seja, a de limitar o arbítrio estatal no desenvolvimento do processo, po­ rém, nesse caso, com o objetivo de se evitar a designação de um acusador de exceção. Ora, da mesma forma que não se admite a escolha de um juiz ou tribunal postfactum para julgar determinado fato delituoso, devendo o juiz na­ tural ser previamente fixado pela Constituição Federal e pela legislação ordinária mediante critérios rígidos e objetivos, essa rigidez e

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

objetividade também se estende à atuação dos órgãos do Ministério Público, impedindo qual­ quer discricionariedade da escolha do órgão de acusação. Face a relevância das atribuições constitucionalmente outorgadas ao Ministério Público, o cumprimento de seu mister somente será possível se cada órgão ministerial tiver suas atribuições previamente fixadas em lei, ocupando legalmente o cargo correspondente ao seu órgão de execução, atuando nos proce­ dimentos investigatórios e nos processos que lhe forem distribuídos. Isso evita possíveis escolhas ou afastamentos discricionários de Promotores de Justiça pelo Procurador-Geral para fazer prevalecer sentimentos, convicções e/ou inclinações pessoais da chefia da insti­ tuição. Como se percebe, o princípio do pro­ motor natural também encontra fundamento na garantia da inamovibilidade (CF, art. 128, §5°, I, “b). A inamovibilidade não diz respeito apenas à impossibilidade de remoção física (ou geográfica) do Promotor de Justiça do órgão de execução perante o qual oficia, mas também à impossibilidade de afastamento de suas atri­ buições constitucionais e legais, o que seria de todo equivalente a uma remoção, porquanto as funções do seu ofício seriam compulsoriamente removidas. Assim, quando a designação de novo órgão do Ministério Público puder acar­ retar o afastamento total ou parcial das funções originariamente atribuídas a outro órgão mi­ nisterial, haverá evidente violação à garantia da inamovibilidade, aí compreendida como o direito ao exercício das funções atribuídas ou inerentes àquele ofício. Portanto, somente a lei pode prever casos de novas designações e/ ou substituições dos membros do Ministério Público (v.g., suspeição, impedimento, férias, licenças, remoções, promoções), do que de­ corre a ilegalidade de todas as demais formas de designação que não tiverem respaldo na lei e que não atendam a critérios fundados em motivações estritamente impessoais. Para além do art. 5o, LIII, da Constituição Federal, que prevê que ninguém será processado senão pela autoridade competente, do princípio da independência funcional (CF, art. 127, §1°) e da garantia da inamovibilidade (CF, art. 128, §5°, I, “b”), o princípio do promotor natural

Art. 257

também pode ser extraído da legislação infraconstitucional. De fato, de acordo com o art. 10, IX, “g”, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625/93), compete ao Procurador-Geral de Justiça, por ato ex­ cepcional e fundamentado, designar membros do Ministério Público para exercer as funções processuais afetas a outro membro da institui­ ção, submetendo sua decisão previamente ao Conselho Superior do Ministério Público. A título de exemplo de situações que autorizam essa designação excepcional e fundamentada de órgão do Ministério Público para exercer atribuições afeitas a outro órgão ministerial, podemos citar patente atraso no cumprimento dos prazos processuais, falta de diligência nos atos processuais, favorecimento a uma das par­ tes, impedimento ou suspeição não declarados, etc.

♦ Jurisprudência selecionada:

STF: "(...) O

novo sistema norm ativo instaurado pela

Constituição Federal de 1988 consagrou, com o garan ­ tia indisponível do s acusados, o princípio d o Prom otor Natural. Precedente: RTJ 146/794, Rel. Min. C ELSO DE MELLO,Tribunal Pleno. A escolha de Procurador de Jus­ tiça, mediante sorteio, para atuar nos processos penais originários em se gu n d a instância, decorre de critério objetivo que, precisamente por im pedir m anipulações casuisticas ou de sign açõe s seletivas efetuadas pela Chefia da Instituição, ajusta-se ao postulado d o Pro­ m otor Natural, que se revela incompativel com a figura d o acusador de exceção. Hipótese em que a denuncia foi oferecida por m em b ro d o M inistério Público de se gu n d a instância, d e sign ad o m ediante sorteio. (...)''. (STF, 1■ Turma, HC 71,429/SC, Rel. Min. Celso de Mello, j. 25/10/1994, DJ 25/08/1995). Em sentido semelhante: STF, I a Turma, HC 95.447/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 19/10/2010, DJe 220 16/11 /2010.

10.4.2. (In) compatibilidade do art. 28 do CPP com o princípio do promotor natural: como é cediço, por força do art. 28 do CPP, que consagra o denominado princípio da devolu­ ção, quando o juiz discorda da promoção de arquivamento apresentada pelo Promotor de Justiça, deve remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem compete requisitar novas diligências investigatórias, insistir na promoção de arquivamento, oferecer denúncia ou designar outro órgão do Ministério Público para atuar no feito. Esta remessa dos autos à

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

chefia da instituição não ofende o princípio do promotor natural, funcionando apenas como uma forma de fiscalização do princípio da obrigatoriedade, função anômala outorgada à própria autoridade judiciária.

compete às Câmaras de Coordenação e Revi­ são, dentre outras atribuições, resolver sobre a distribuição especial de feitos que, por sua contínua reiteração, devam receber tratamento uniforme, assim como resolver sobre a distri­

4- Jurisprudência selecionada:

buição especial de inquéritos, feitos e procedi­ mentos, quando a matéria, por sua natureza ou relevância, assim o exigir. Tal competência será

STF:"(...) N enhum a afronta ao princípio do

prom otor

natural há no pedido de arquivam ento do s autos do inquérito policial por um prom otor de justiça e na ofer­ ta da denúncia por outro, indicado pelo Procurador-Geral de Justiça, ap ós o Juízo local ter considerado im procedente o ped ido de arquivam ento. (...) Habeas corpus indeferido". (STF, I a Turma, HC 92.885/CE, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 29/04/2008, DJe 11219/06/2008). Na m esm a linha: STJ, 5aTurma, HC 44.434/PE, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 20/10/2005, DJ 05/12/2005 p. 346.

10.4.3. Criação de grupos especializados de Promotores de Justiça (ou Procuradores da República) à luz do princípio do prom o­ tor natural: o princípio do promotor natural de modo algum funciona como empecilho à criação de grupos especializados para o combate a certa categoria de infrações penais. A criação desses grupos tem sido comum em todos os M inistérios Públicos, seja para o combate às organizações criminosas, seja para o combate a crimes que demandam um melhor conhecimento da matéria, que reclama cada vez mais especialização (v.g., crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de ca­ pitais). Para além de proporcionar um combate mais efetivo aos ilícitos perpetrados, poten­ cializando o cumprimento das funções insti­ tucionais do Ministério Público, essa atuação conjunta de vários Promotores de Justiça (ou Procuradores da República) também dificulta eventuais tentativas de represálias contra este ou aquele órgão ministerial, infelizmente cada vez mais comum nos dias de hoje. Nessa linha: BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo.

exercida segundo critérios objetivos previa­ mente estabelecidos pelo Conselho Superior. Na mesma linha, por força da Lei n. 8.625/93 (art. 10, IX, “e”), compete ao Procurador-Geral de Justiça designar membros do Ministério Público para acompanhar inquérito policial ou diligência investigatória, devendo recair a escolha sobre o membro do Ministério Público com atribuição para, em tese, oficiar no feito, segundo as regras ordinárias de distribuição de serviços. O Procurador-Geral de Justiça tam­ bém poderá, com a concordância do Promotor de Justiça titular, designar outro Promotor para funcionar em feito determinado, de atribuição daquele (Lei n. 8.625/93, art. 24). ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

A p ossib ilidad e de d e sign a ç ã o de outros

m em bros d o Ministério Público para atuarem conjunto c om o prom otor titular é expressam ente perm itida pelo art. 24 da Lei 8.625/93, não havendo que se falar em violação d o princípio d o p ro m otor natural. (...) Recurso a que se n ega provimento". (STJ, 6a Turma, RH C 17.035/GO, Rei. M in. Hélio Q u aglia Barbosa, j. 16/02/2006, DJ 06/03/2006 p.442).

STF:"(...) O

postulado d o Prom otor Natural 'consagra

um a garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o m em bro d o Ministério Público, na m edida em que lhe assegura o exercício pleno e independente d o seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a q uem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Prom otor cuja interven­ ção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determ inados, estabelecidos em lei' (HC 102.147/GO, rei. min. Celso de Mello, DJe n° 22 de 02.02.2011). N o

Princípios do processo penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Editora

caso, a designação prévia e m otivada de um prom otor

Revista dos Tribunais, 2009. p. 251). A nosso ver, desde que respeitados os dispositivos das respectivas leis orgânicas de cada Ministério Público, parece não haver qualquer óbice à formação desses grupos. A propósito, o art. 62, incisos V e VI, da LC n. 75/93 prevê que

da Com arca de Santa Izabel d o Pará se deu em virtude

para atuar na sessão de julgam ento doTribunal d o Júri de justificada solicitação d o prom otor titular daquela localidade, tud o em estrita observância aos artigos 10, inc. IX, alínea "f", parte final, e 24, am b o s da Lei n° 8.625/93. Ademais, o prom otor design ad o já havia atu­ ad o no feito q u an d o d o exercício de suas atribuições na Prom otoria de Justiça da referida comarca. Ordem

TÍTULO VIII -D O JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

denegada". (STF, 2a Turma, H C 103.038/PA, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 11/10/2011, DJe 207 26/10/2011). S T J :"(...) A ofensa ao Princípio do Prom otor Natural verifica-se em hipóteses que presum em a figura do acusador de exceção, lesionando o exercício pleno e independente das atribuições d o M inistério Público, o que não ocorre nos autos. A atuação ministerial pauta­ da pela própria organização interna, com atribuições previamente definidas em Lei Orgânica d o Ministério Público estadual, não configura violação ao Princípio d o Prom otor Natural (Precedentes). Ordem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 93.832/BA, Rei. Min. Felix Fischer, j. 04/12/2008, DJe 16/02/2009). N o m e sm o contexto: STJ, 5a Turma, REsp 768.384/SC, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 08/05/2008, DJe 02/06/2008; STJ, 5a Turma, REsp 904.422/SC, Rei. Min. Felix Fischer, j. 22/05/2007, DJ 11/06/2007 p. 375.

10.4.4. Entendimento do Supremo Tribu­ nal Federal acerca da (in) aplicabilidade imediata do princípio do promotor natural: o princípio sob comento é amplamente admi­ tido pelo Superior Tribunal de Justiça. A título de exemplo, em habeas corpus apreciado pela 6a Turma do STJ (HC 57.506/PA, Rei. Min. Og Fernandes, j. 15/12/2009, DJe 22/02/2010), concluiu-se que, por força desse princípio, extraído do art. 5°, LIII, da Carta Magna, é ve­ dado pelo ordenamento pátrio apenas a desig­ nação de um “acusador de exceção”, nomeado mediante manipulações casuísticas e em desa­ cordo com os critérios legais pertinentes. Logo, considerando que a instituição do Ministério Público é una e indivisível, ou seja, cada um de seus membros a representa como um todo, sendo, portanto, reciprocamente substituíveis em suas atribuições, é plenamente válida a designação de um Promotor de Justiça para atuar em determinado feito mediante portaria à qual foi dada a devida publicidade. Quanto ao entendimento do Supremo, é muito comum a citação do HC 67.759/RJ (Rei. Min. Celso de Mello, DJ 01/07/1993), cujo julgamento ocor­ reu em 06 de agosto de 1992. Apesar de grande parte da doutrina citar o referido julgado como o precedente no qual o Supremo reconheceu expressamente o princípio do promotor natu­ ral pelo ordenamento jurídico, é certo que, por ocasião de seu julgamento, os Ministros Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri da Silveira e Moreira Alves adotaram posição de rejeição à existência do princípio do promotor natural,

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f lr t . 2 5 7

ao passo que os Ministros Celso de Mello e Sydney Sanches admitiram a possibilidade de instituição do princípio mediante lei. Na verdade, em votos vencidos, a aplicabilidade imediata do princípio do promotor natural, independentemente de intermediação legis­ lativa, foi reconhecida apenas pelos Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso. Logo, como se percebe, o princípio do promotor natural acabou sendo rejeitado no citado julgamento, sendo dominante o entendimento da Suprema Corte no sentido de não reconhecer o postulado do promotor natural como inerente ao direito brasileiro. Esse entendimento da Suprema Corte é alvo de críticas por parte da doutrina, que entende que não há qualquer incompatibilidade entre a vedação do promotor de exceção e o princípio da indivisibilidade do Ministério Público. Isso porque, por força do princípio do promotor natural, jamais se sustentou que apenas um único promotor pudesse atuar em determina­ do feito, impossibilitando sua substituição por outro (indivisibilidade), o que, aliás, poderia colocar em risco o princípio da não solução de continuidade dos atos da Administração Públi­ ca. Na verdade, o que este princípio preconiza é apenas que essas substituições devem ser feitas mediante critérios previamente estabelecidos em lei, que atendam a critérios fundados em motivações estritamente impessoais. Além disso, apesar da persistência do Supremo em rejeitar o princípio do promotor natural, sob o argumento de que sua aplicabilidade de­ pende de interposição legislativa, reiterando o quando decidido no HC 67.759/RJ, é de fundamental importância atentar para o fato de que tal julgamento ocorreu em 06 de agosto de 1992, ou seja, em momento anterior à en­ trada em vigor da Lei Complementar n. 75/93 e da Lei n. 8.625/93, que, como visto acima, passaram a regulamentar expressamente as hipóteses de substituição e/ou designação de órgãos do Ministério Público para atuar em determinados feitos. Logo, com a entrada em vigor das referidas leis, é de se concluir que o princípio que veda a designação do promotor de exceção foi devidamente regulamentado pela legislação, tendo, pois, plena vigência.

257

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

+ Jurisprudência selecionada:

suística, ou criação de "acusador de exceção". Habeas corpus denegado". (STF, 2a Turma, HC 90.277/DF, Rei.

STF:"(...) N o julgam e nto d o HC 67.759/RJ, pelo Plená­

Min. Ellen Gracie, j. 17/06/2008, DJe 142 31/07/2008).

rio, os M inistros Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri

Na m esm a linha: STF, 2aTurma, RE 387.974/DF, Rei. Min.

da Silveira e Moreira Alves adotaram posição de rejei­

Ellen Gracie, j. 14/10/2003, DJ 26/03/2004.

ção à existência d o princípio d o prom otor natural. O s M inistros Celso de M ello e Sydney Sanches admitiram a possibilidade de instituição d o princípio m ediante lei. Assim , ficou rejeitado, no citado julgam ento, o princípio d o p ro m otor natural. (...) H.C. indeferido". (STF, 2a Turma, H C 85.424/PI, Rei. Min. Carlos Velloso, j. 23/08/2005, DJ 23/09/2005). N o m esm o contexto: STF, 2a Turma, H C 83.463/RS, Rei. Min. Carlos Velloso, j. 16/03/2004, DJ 04/06/2004.

STF: "(...) O

STF não reconhece o p ostu lado d o pro­

m otor natural com o inerente ao direito brasileiro (HC 67.759, Pleno, DJ 01.07.1993): "Posição d o s M inistros C EL SO D E M ELLO (Relator), SE P Ú LV E D A PERTENCE,

11. Garantias: face a relevância de suas atribuições para o regime republicano demo­ crático, o órgão do Ministério Público deve estar imune a temores e perseguições que possam causar qualquer tipo de prejuízo ao exercício de seu mister constitucional. Por isso, a Constituição Federal outorga aos membros do Parquet as seguintes garantias: a) vitaliciedade; b) inamovibilidade; c) irredutibilidade de subsídio.

M A R C O AU R ÉLIO e C A R L O S VELLO SO : Divergência, apenas, quanto à aplicabilidade im ediata d o princípio d o Prom otor Natural: n ece ssid ad e d e "interpositio legislatoris" para efeito de atuação do princípio (M i­ nistro C ELSO D E MELLO); incidência d o postulado, in d e p e n d e n te m e n te de in te rm e diação legislativa (M inistros SEP Ú LVED A PERTENCE, M A R C O AURÉLIO e CARLO S VELLOSO). - Reconhecim ento da possibili­ dade de instituição de princípio d o Prom otor Natural m ediante lei (M inistro SID N E Y SA N CH ES). - Posição de expressa rejeição à existência desse princípio con­ sign ada nos votos do s M inistros PAULO BROSSARD, OCTAVIO GALLOTTI, NÉRI D A SILVEIRA e M O R E IR A AL­ VES". Tal orientação foi m ais recentemente confirm ada no HC n° 84.468/ES (rei. Min. Cezar Peluso, 1a Turma, DJ 20.02.2006). N ão há que se cogitar da existência d o princípio d o prom otor natural no ordenam ento jurídico brasileiro. Ainda que não fosse por tal fu n da­ mento, tod o procedim ento, desde a sua origem até a instauração da ação penal perante o SuperiorTribunal de Justiça, ocorreu de form a transparente e com inte­ gral observância d o s critérios previamente im postos de distribuição de processos na Procuradoria Regional da República da 3a Região, não havendo qualquer tipo de m anipulação ou burla na distribuição processual de m o d o a que se conduzisse, propositadam ente, a este ou àquele m em b ro d o M inistério Público o feito em questão, em flagrante e inaceitável desrespeito ao

11.1. Vitaliciedade: estará assegurada após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado, proferida em ação de demissão ajuizada pelo respectivo Procurador-Geral perante o Tribunal competente. Esta vitalicie­ dade não funciona como óbice à regra geral da aposentadoria compulsória aos 70 (setenta) anos de idade. O ato de vitaliciamento — deci­ são pela permanência de membro em estágio probatório nos quadros da instituição — tem natureza de ato administrativo. Dessa for­ ma, sujeita-se ao controle de legalidade pelo Conselho Nacional do M inistério Público (CNMP), por força do art. 130-A, § 2°, II, da CF, que se harmoniza perfeitamente com o disposto no art. 128, § 5o, I, “a”, do texto cons­ titucional. Ademais, a previsão normativa que permite desfazer ato de vitaliciamento apenas por decisão judicial (CF, art. 1 2 8 ,1, “a”) não afasta a possibilidade de o CMNP, a partir da EC 45/2004, analisar, com específica função de controle, a legalidade desse tipo de questão.

princípio do devido processo legal Deixou-se de adotar o critério numérico (referente ao finais do s algarism os

+ Jurisprudência selecionada:

lançados se gu n d o a ordem de entrada do s feitos na Procuradoria Regional) para se considerar a ordem de

STF:"(...) M a n d a d o

entrada das representações junto ao Núcleo d o Ó rgão

C NM P. C o m p e tê n c ia d o conselho, c o m o ó rgã o de

Especial (NOE) em correspondência à ordem de ingres­

controle, para desconstituir ato de vitaliciam ento de

so do s Procuradores no referido Núcleo. Na estreita via

m em bro d o Ministério Público. Segurança denegada.

de segurança em face de ato do

do habeas corpus, os impetrantes não conseguiram de­

1.0 ato de vitaliciamento tem

m onstrar a existência de qualquer vício ou m ácula na

nistrativo, e assim se sujeita ao controle de legalidade

atribuição d o procedim ento inquisitorial que tramitou

d o C onselho Nacional d o Ministério Público, por força

perante oTRF da 3a Região às Procuradoras Regionais

d o art. 130-A, § 2°, II, da CF/88, cuja previsão se harm o­ niza perfeitamente com o art. 128, § 5°, I, a, d o texto

da República. N ão houve, portanto, de sign ação ca­

natureza de ato ad m i­

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

constitucional. 2. Segurança denegada". (STF, 2aTurma, M S 27.542/DF, Rei. Min. DiasToffoli, j. 04/10/2016, DJe 227 24/10/2016).

11.2. Inamovibilidade: o órgão do Ministé­ rio Público é inamovível, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público (Conselho Superior), pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa (CF, art. 128, §5°, I, “b”). Por força da EC 45/04, o Conselho Nacional do Ministé­ rio Público também passou a ter atribuição para determinar a remoção de membros do Ministério Público, assegurada ampla defesa, nos termos do art. 130-A, §2°, III. 11.3. Irredutibilidade de subsídio: fixado na forma do art. 39, §4°, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e X I, 150, II, 153, III, 153, §2°, I, todos da Constituição Federal. Como se percebe, esta garantia não isenta os subsídios ministeriais de ônus tributários e previdenciários gerais. Além disso, consoante decisão do Supremo (2a Turma, AI 490.396 AgR/SP, Rei. M in. Carlos Velloso, j. 16/11/2004, DJ 17/12/2004), “o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos não possi­ bilita, sem lei específica, reajuste automático de vencimentos, como simples decorrência da desvalorização da moeda provocada pela inflação”. 12. Autonom ia funcional, administrativa e financeira: como instituição, o Ministério Público goza de autonomia funcional, admi­ nistrativa e financeira (CF, art. 127, §§2° e 3°). A autonomia funcional consiste na capacidade organizacional de que é dotado o Ministério Público, podendo criar normas internas como provimentos e resoluções para se autogovernar. Por força da autonomia administrativa, o M i­ nistério Público pode gerir questões internas de ordem administrativa, como a concessão de licenças, férias, aposentadorias, abertura de editais para provimento por remoção ou pro­ moção, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória

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e os planos de carreira. No tocante à autonomia financeira, incumbe ao Parquet elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites es­ tabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. 13. Vedações: com o escopo de preservar a própria Instituição, a Constituição Federal também elenca algumas vedações aos órgãos do Ministério Público. Vejamo-nas, separa­ damente: a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais: nas ações judiciais em que o M inistério Público seja a parte ven­ cedora, essa vedação não impede que o juiz condene o sucumbente em honorários, que serão carreados à respectiva pessoa política a que está vinculado o órgão ministerial - União ou Estado-membro; b) exercer a advocacia; c) participar de sociedade comercial, na forma da lei: de acordo com o art. 44, III, da Lei n. 8.625/93, é vedado aos membros do Ministério Público exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista; d) exercer, ainda que em disponibi­ lidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério: o art. 128, §5°, II, “d”, da Constituição Federal, deixa transparecer que a vedação não é simplesmente ao exercício de “outra função pública”, mas ao exercício de “qualquer outra função pública”, regra cuja única exceção seria a de magistério. A vedação ao exercício de outra função pública vigeria “ainda que em disponibilidade”. Ou seja, en­ quanto não rompido o vínculo com a institui­ ção. Com base nesse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (ADPF 388/ DF, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 09/03/2016) considerou indevida a nomeação de membro do Ministério Público da Bahia para o cargo de Ministro da Justiça. Na visão da Corte, ao exercer cargo no Poder Executivo, o membro do Ministério Público passaria a atuar como subordinado ao chefe da Administração. Isso fragilizaria a instituição Ministério Público, que poderia ser potencial alvo de captação por interesses políticos e de submissão dos interesses institucionais a projetos pessoais de seus próprios membros. Por outro lado, a in­ dependência em relação aos demais ramos da Administração Pública seria uma garantia dos

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membros do Ministério Público, que poderíam exercer suas funções de fiscalização do exer­ cício do Poder Público sem receio de reveses; e) exercer atividade político-partidária: até o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, os membros do Ministério Público, que in­ gressaram na carreira depois do advento da Constituição de 1988, estavam sujeitos à proi­ bição de exercer atividade político-partidária, mas essa vedação podia ser excepcionada pelo legislador infraconstitucional em casos por ele singularizados. Com a EC 45/2004, suprimiu-se a possibilidade de se ressalvar, por via legislativa, a proibição de desempenho de atividade político-partidária. Não obstante, em importante julgamento acerca do tema (STF, Pleno, RE 597.994/PA, Rei. Min. Eros Grau, j. 04/06/2009, DJe 162 27/08/2009), o Supremo entendeu que os membros do Parquet colhidos pela Emenda Constitucional 45/2004 no curso do mandato político não estariam impedidos de concorrer à reeleição; f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou pri­ vadas, ressalvadas as exceções previstas em lei. Ademais, ao membro do Ministério Público também é vedado o exercício da advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. Em conclusão, convém lembrar que, por força do art. 29, §3°, do Ato das Disposições Constitu­ cionais Transitórias, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição teve a opção de optar pelo re­ gime anterior no que respeita às garantias e vantagens, observando-se, quanto às vedações,

a situação jurídica na data da CF/88. 14. Titularidade da ação penal pública: acolhido de forma explícita pela Constituição Federal de 1988 (art. 1 2 9 ,1), o sistema acusatório torna privativa do Ministério Públi­ co a propositura da ação penal pública. Isso significa dizer que uma relação processual somente poderá ter início mediante a pro­ vocação da pessoa encarregada de deduzir a pretensão punitiva (ne procedat ju dex ex officio), e, conquanto não se retire do juiz o poder de gerenciar o processo mediante o

exercício do poder de impulso processual, fica o magistrado impedido de tomar iniciativas que não se alinham com a equidistância que deve manter quanto ao interesse das partes. Da mesma forma que a função de dirimir os conflitos sociais foi trazida para o Estado, que se desincumbe desse mister por exercício da jurisdição, a necessidade de se impedir a vingança privada também fez com que a for­ mulação da acusação ficasse a cargo do Poder Público, porém nas mãos de órgão diverso que o Poder Judiciário, o Ministério Público. Surge, então, a figura do Parquet, cuja origem, segun­ do a atual configuração, remonta ao século XV III, na França, como órgão do Estado sobre o qual recai a atribuição de promover a persecução penal, exercendo papel fundamental no modelo acusatório, visto que retira do juiz quaisquer funções de natureza pré-processual (ou investigatórias), preservando, assim, o que lhe é mais caro, sua imparcialidade. Como a Constituição Federal e o CPP (art. 257, I) dispõem que compete ao Ministério Público promover, privativamente, a ação penal públi­ ca, na forma da lei, não há mais espaço para o denominado processo judicialiforme. Até o advento da Constituição Federal de 1988, era possível que o órgão jurisdicional desse início a um processo penal condenatório de ofício (processo judicialiform e). Era o que ocorria nas hipóteses estabelecidas na Lei n. 4.611/65 (crimes culposos de lesão corporal ou de ho­ micídio) e nos casos de contravenções penais: vide arts. 26 e 531 (o art. 531 teve sua redação alterada pela Lei n. 11.719/08). Consistia o pro­ cesso judicialiforme, assim, na possibilidade de se dar início a um processo penal através de auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade policial ou judiciária, daí por que era denominado de ação penal ex officio (sem provocação). Com a outorga da titularidade da ação penal pú­ blica ao Ministério Público pela Constituição Federal, doutrina e jurisprudência já eram uníssonas em apontar que os arts. 26 e 531 (em sua redação original) não haviam sido recepcionados pela Carta Magna de 1988. Com a reforma processual de 2008, não há mais qualquer dúvida acerca da inaplicabili-

TlTULO V III. DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

dade de tais dispositivos: a uma, porque o art. 531 teve sua redação modificada, dispondo, atualmente, sobre o procedimento sumário; a duas, porque o art. 2 5 7 ,1, do CPP, passou a prever de maneira expressa que ao Ministério Público cabe promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida no CPP, revogando, tacitamente, o art. 26 do CPP. 15. Fiscal da Lei: além de promover, pri­ vativamente, a ação penal pública, também incumbe ao MP fiscalizar a execução da lei (CPP, art. 257, II), o que o faz tanto nos crimes de ação penal pública, quando ocupa o polo

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ativo, quanto nas infrações penais de ação pe­ nal privada, em que sua intervenção também é obrigatória, fiscalizando a instauração e o desenvolvimento do processo, assim como o cumprimento da lei e da Constituição Federal. Por isso, se presente uma das hipóteses do art. 386 do CPP, é plenamente possível que o pró­ prio Ministério Público pleiteie a absolvição do acusado. Na mesma linha, verificada a pre­ sença de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, o órgão ministerial também pode impetrar ordem de habeas corpus em favor da liberdade de locomoção do acusado.

Art. 258. Os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos pro­ cessos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclu­ sive, e a eles se estendem, no que lhes for aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juizes.1'2 3 1. Im pedimento e suspeição do órgão do Ministério Público: corroborando o entendi­ mento de parte da doutrina no sentido de que o órgão do Ministério Público atua como parte imparcial, o art. 258 do CPP preceitua que os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles se estendem, no que lhes for aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juizes. A suspeição (ou impedimento) do órgão minis­ terial estará presente quando funcionar como parte na ação penal ou quando atuar como

demonstra que aquele Promotor de Justiça (ou Procurador da República) que partici­ pou da colheita dos elementos informativos na fase preparatória da ação penal é o órgão ministerial mais adequado para acompanhar a instrução probatória, visto que possui amplo conhecimento dos fatos delituosos, podendo explorar os meios de prova em juízo com mais precisão para formar a convicção do juiz no sentido da culpabilidade do acusado. Nesse sentido, a súmula n. 234 do STJ dispõe: “A participação de membro do M inistério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”.

custos legis. 2. Procedimento investigatório criminal presidido pelo Ministério Público: tem sido admitida pela doutrina majoritária e pelos Tribunais Superiores a atuação do Ministério Público na fase investigatória com funda­ mento na teoria dos poderes implícitos. Esta atuação do órgão do Ministério Público na fase investigatória não é causa de im pedi­ mento ou suspeição para o oferecimento da peça acusatória. Na verdade, a experiência

3. Consequências decorrentes da atuação de órgão ministerial impedido ou suspeito: o Código de Processo Penal não dispensou à violação da imparcialidade do órgão do Minis­ tério Público a mesma atenção dispensada à do órgão jurisdicional. De fato, enquanto o art. 5 6 4 ,1, do CPP, refere-se à nulidade absoluta por suspeição ou suborno do juiz, nada disse o CPP acerca das consequências decorrentes da atuação de Promotor de Justiça impedido ou suspeito, quiçá porque, ao final do processo, a

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V.

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decisão é sempre de responsabilidade do Poder Judiciário, por meio de órgão jurisdicional im­ parcial que é livre na formação de seu conven­ cimento e que pode corrigir o maior ou menor empenho do Parquet, a depender do grau de

suspeição ou impedimento. Destarte, diante do silêncio da lei, prevalece o entendimento de que se trata de mera nulidade relativa, a depender de arguição tempestiva da parte e demonstração do prejuízo.

Capítulo III DO ACUSADO15 E SEU DEFENSOR6 9 Art. 259. A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física.10A qualquer tempo, no curso do processo, do jul­ gamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes." 1. Acusado: o indivíduo que pratica determi­ nada infração penal, seja na condição de autor, seja na condição de coautor ou partícipe, é denominado pelo Direito Penal de sujeito ativo do delito. No âmbito processual penal, há uma gradativa mudança da terminologia emprega­ da quanto a este indivíduo. Pelo menos num primeiro momento, o agente é tratado como mero suspeito (ou investigado), o que ocorre quando pesam sobre ele frágeis indícios, ou seja, um simples juízo de possibilidade de autoria. Se, no curso da investigação policial, surgirem indícios convergentes apontando-o como provável autor da infração penal, isto é, havendo um juízo de probabilidade de autoria, o indivíduo deve ser indiciado pelo Delegado de Polícia, passando a ser tratado como indi­ ciado. Com os autos do inquérito policial em mãos, o titular da ação penal pode formar sua convicção no sentido da presença de elementos informativos quanto à autoria e materialidade do delito, oferecendo denúncia (ou queixa) em face desse indivíduo. Se a peça acusatória for devidamente recebida pelo magistrado, o indivíduo passa a ser tratado como acusado, denunciado ou imputado. Acusado, portanto, é a pessoa que figura no polo passivo da relação processual penal, a quem é imputada a prática

de uma infração penal, e em face de quem é deduzida a pretensão punitiva do Estado. Ainda é relativamente comum na doutrina e na própria legislação a utilização da expressão réu para aquele que se encontra respondendo a um processo penal, o que, a nosso ver, é uma impropriedade. Diante da regra de tratamento que deriva do princípio da presunção de ino­ cência (CF, art. 5o, LVII), o suposto autor do fato delituoso deve ser tratado como acusado ou denunciado ao longo de toda persecução penal in iudicio, ficando a palavra réu (ou condenado) reservada apenas para o momento posterior ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 2. Capacidade do acusado: para que a pre­ tensão punitiva possa ser deduzida contra determinada pessoa, este indivíduo deve ter capacidade para figurar com o acusado no processo penal. 2.1. Menores de 18 (dezoito) anos: a pri­ meira condição relevante a ser analisada acer­ ca da capacidade do acusado diz respeito a sua idade. Por força da própria Constituição Federal, são penalmente inimputáveis os me­ nores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às normas da legislação especial (C F art. 228). Quanto

TtTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

ao menor, a Constituição Federal adota uma presunção absoluta de incapacidade de cul­ pabilidade, daí por que se revela inviável o oferecimento de denúncia contra o agente que, à época do fato delituoso, era menor de 18 (dezoito) anos. Se, porventura, uma denúncia for oferecida contra um menor de 18 (dezoito) anos, incumbe ao juiz rejeitar a peça acusatória, haja vista sua ilegitimidade adprocessum, nos termos do art. 395, II, do CPP. Caso a denúncia seja indevidamente recebida pelo juiz, que não atentou para a menoridade do acusado à época do fato delituoso, o processo deve ser anulado ab initio, ex vi do art. 564, II, do CPP, visto que se trata de relação processual absolutamente nula, hipótese em que os autos deverão ser en­ caminhados ao juiz da infância e adolescência, competente para o processo e julgamento do ato infracional praticado pelo menor. 2.2. Acusado inimputável: a inimputabilidade que impede o oferecimento de denúncia e subsequente instauração de processo penal diz respeito exclusivamente ao menor de 18 (dezoito) anos. Isso porque, em relação a ele, a Constituição Federal e o Código Penal adotam o denominado critério biológico, em razão do qual é presumida sua inimputabilidade, independentemente da capacidade de enten­ der o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento à época do fato delituoso. Em se tratando de acusado inimputável em razão de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado (CP, art. 26, caput), não há qualquer óbice ao oferecimento da denúncia. Assim, na hipótese de o incidente de insanidade mental ter sido instaurado e concluído no curso das investigações policiais, atestando a existência de doença mental à época do crime, que su­ primiu a capacidade de entendimento ou de autodeterminação do acusado, tornando-o inimputável, se o Promotor de Justiça entender que se trata de conduta típica e ilícita, deve oferecer denúncia, já que a medida de segu­ rança só pode ser aplicada por meio de regular processo penal, visto que se trata de verdadeira espécie de sanção penal. Porém, como não se admite a formulação de pedido condenatório a acusado inimputável, deve o órgão ministe­

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rial pugnar, ao final da peça acusatória, pela absolvição do acusado, com a consequente aplicação de medida de segurança. Para mais detalhes acerca das consequências decorren­ tes do reconhecimento da doença mental do acusado, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 149 a 154 do CPP. 2.3. Pessoa jurídica (teoria da dupla imputação): a Constituição Federal autoriza a responsabilização penal do ente moral em duas situações, quais sejam, crimes contra a ordem econôm ico-financeira e crimes ambientais. Embora fosse possível, por força da Consti­ tuição Federal (art. 173, §5°, e art. 225, §3°), a responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes contra a ordem econômico-financeira e ambientais, a verdade é que a legislação ordi­ nária levou adiante a vontade do constituinte originário apenas em relação aos crimes contra o meio ambiente (Lei n. 9.605/98). De fato, em se tratando de crimes contra a ordem econôm ico-financeira, a legislação ordiná­ ria somente dispôs sobre a responsabilidade penal da pessoa física. Considerando, assim, o quanto disposto na Lei n. 9.605/98, que dispôs expressamente sobre a responsabili­ dade penal da pessoa jurídica em relação a crimes ambientais, os Tribunais Superiores têm admitido o oferecimento de denúncia em face da pessoa jurídica, desde que a conduta delituosa também seja imputada à pessoa física que atua em seu nome ou benefício (teoria da dupla im putação). Logo, se a denúncia tiver sido oferecida tão somente em face da pessoa jurídica, não descrevendo a participação de pessoa física que teria atuado em seu nome ou proveito, há de se reconhecer a inviabilidade de instauração da persecução criminal in iudicio, com o consequente trancamento do processo penal, em virtude da inépcia da peça acusatória (CPP, art. 3 9 5 ,1).

A Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Adm ite-se a responsabilidade

penal da pes­

soa jurídica em crim es am bientais desde que haja a im putação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nom e ou em seu benefício, um a vez q u e'n ão se pode com preender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de um a pessoa física,

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que a g e com elem ento subjetivo próprio' cf. Resp n° 564960/SC, 5a Turma, Rei. M inistro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). N o caso em tela, o delito foi im pu tado tão-som ente à pessoa jurídica, não descre­ ven do a denúncia a participação de pessoa física que teria atuado em seu n om e ou proveito, inviabilizando, assim, a instauração da persecutio criminis in iudicio (Precedentes). C o m o tran cam en to da ação penal, em razão da inépcia da denúncia, resta prejudicado

Destarte, tais pessoas não podem ser presas e nem julgadas pela autoridade do país onde exercem suas funções, seja qual for o crime praticado (CPP, art. I o, inciso I). Quanto ao cônsul, este só goza de imunidade em relação aos crimes funcionais (Convenção de Viena de 1963 sobre Relações Consulares - Decreto n. 61.078, de 26/07/1967).

o p e d id o referente à nulidad e da citação. Recurso provido". (STJ, 5aTurma, R M S 20.601/SP, Rei. Min. Felix Fischer, DJU 14/08/2006 p. 304). Na m esm a linha: STJ,



Jurisprudência selecionada:

5a Turma, REsp 989.089/SC, Rei. Min. Arnaldo Esteves

STF:"(...)

Lima, j. 18/08/2009, DJe 28/09/2009. Ainda em relação à inépcia da peça acusatória, se não observada a dupla

que exercia as funções de Cônsul de Israel no Rio de Janeiro. Crime previsto no art. 241 d o Estatuto da Crian­

im putação: STJ, 6a Turma, HC 24.239/ES, Rei. Min. O g

ça e d o Adolescente (Lei n. 8.069/90). (...) Inexistência

Fernandes,j. 10/06/2010, DJe01/07/2010.

de obstáculo à prisão preventiva, nos term os d o que

2.4. Animais, mortos e seres inanimados: apenas o ser humano e a pessoa jurídica podem figurar como acusados no processo penal. Os animais não podem praticar infrações penais porque lhes falta a capacidade de entendi­ mento e de autodeterminação. Também não é possível o exercício da pretensão punitiva contra seres inanimados e contra pessoa mor­ ta, dispondo o art. 62 do CPP que, no caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o M inis­ tério Público, declarará extinta a punibilidade. 2.5. Im u nid ad e diplom ática: Chefes de governo estrangeiro ou de Estado estrangei­ ro, suas famílias e membros das comitivas, embaixadores e suas famílias, funcionários estrangeiros do corpo diplomático e suas família, assim como funcionários de orga­ nizações internacionais em serviço (ONU, OEA, etc.) gozam de imunidade diplomática, que consiste na prerrogativa de responder no seu país de origem pelo delito praticado no Brasil (Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovada pelo Decreto Legisla­ tivo 103/1964, e promulgada pelo Decreto n° 56.435, de 08/06/1965). Como se percebe, por conta de tratados ou convenções que o Brasil haja firmado, ou mesmo em virtude de regras de Direito Internacional, a lei processual penal deixa de ser aplicada aos crimes praticados por tais agentes no território nacional, criando-se, assim, verdadeiro obstáculo processual à aplicação da lei processual penal brasileira.

Prisão preventiva. Fundam entos. Acu sado

dispõe o art. 41 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares. A to s im p u ta d o s ao p acien te q u e não gu ardam pertinência com o dese m pe n ho de funções consulares. N ece ssid ad e da prisão preventiva para garantir a aplicação da lei penal. O rdem indeferida". (STF, I a Turma, HC 81.158/RJ, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 19/12/2002).

3. Autodefesa: é aquela exercida pelo próprio acusado, em momentos cruciais do processo. Diferencia-se da defesa técnica porque, em ­ bora não possa ser desprezada pelo juiz, o acusado pode optar por não exercê-la, já que não há como se compelir o agente a exercer seu direito ao interrogatório nem tampouco a acompanhar os atos da instrução processual. A autodefesa se manifesta no processo penal de várias formas: a) direito de audiência; b) direito de presença; c) capacidade postulatória autônoma. Face a importância da autodefesa no processo penal, é evidente que seu exercício não pode ser negado ou obstado pelo juiz, sob pena de nulidade absoluta. Daí o porquê de o acusado ter direito a ser citado validamente, quer para que possa constituir advogado de sua preferência, quer para exercer a autodefesa. A despeito de sua importância, o exercício da autodefesa é facultativo. Em outras palavras, mediante critérios próprios de oportunidade e conveniência, caberá ao acusado optar pelo seu exercício ou não. Cumpre ao juiz dar a ele a oportunidade de exercê-la, porém, como a autodefesa é facultativa, optando o acusa­ do por não exercê-la, nada poderá ser feito, prosseguindo-se o processo apenas com a atuação da defesa técnica. Por isso, conclui-se

TÍTULO V III-D O JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

que, a despeito de o acusado ter o direito de acompanhar os atos processuais, sua presença não é indispensável para o regular prossegui­ mento do feito. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) C on solido u-se

na jurisprudência deste Su ­

perior Tribunal de Justiça o entendim ento de que a ausência física d o denunciado em audiência de oitiva de testem unhas, na qual com pareceu o seu defensor, som ente é causa de nulidade processual se com p ro ­ vado o prejuízo oriundo d o seu não com parecim ento ao ato, ou seja, cuida-se de nulidade relativa. Inviável acolher-se a eiva articulada se não restou dem onstrado nos autos que o ato procedido na ausência do paciente acarretou prejuízo à sua defesa, requisito indispensável para o reconhecimento da mácula se gu n d o o princípio d o pas de nullité sans grief, positivado no art. 563 do CPP. (...)". (STJ, 5a Turma, HC 186.453/RJ, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 04/08/2011, DJe 25/08/2011).

4. C o n tu m á c ia d o acusado: a contumácia pode ser conceituada como a falta de compa­ recimento das partes em juízo. Como sujeitos processuais, têm as partes o ônus de colaborar com o regular desenvolvimento do feito. O comparecimento aos atos processuais é uma dessas obrigações, cujo descumprimento dá origem à contumácia. A contumácia do acusa­ do acarreta a declaração de sua revelia. Como efeito da revelia, o processo seguirá apenas com a presença da defesa técnica, deixando de haver a necessidade de intimação ou notificação do acusado para os demais atos processuais, res­ salvada a sentença condenatória ou absolutória imprópria.

5. Direitos do acusado: em prol da proteção de sua liberdade de locomoção, a Constituição Federal, a Convenção Americana sobre Direi­ tos Humanos, o Código de Processo Penal e a legislação ordinária asseguram ao acusado diversos direitos. De modo a evitarmos repeti­ ções desnecessárias, fazemos menção a alguns desses direitos, indicando, na sequência, o artigo do nosso Código de Processo Penal Comentado onde o assunto foi estudado com mais detalhes: 1) Direito de não produzir prova contra si mesmo: fizemos amplo estudo do princípio do nemo tenetur se detegere nos comentários ao art. 155 do CPP; 2) Direito de

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ser citado: por ocasião do estudo dos atos de comunicação processual, fizemos referência à importância da citação, que funciona como misto de contraditório e de ampla defesa, já que, ao mesmo tempo em que dá ciência ao acusado da instauração de demanda penal con­ tra ele, também o chama para exercer seu direi­ to de defesa; 3) Direito de não ser preso, senão

em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária com­ petente, salvo nos casos de transgressão mili­ tar ou crime propriamente militar, definidos em lei (CF, art. 5o, LXI, c/c art. 283 do CPP): remetemos o leitor aos comentários aos arts. 282 a 350 do CPP; 4) Direito a um processo e

julgamento público, salvo quando o sigilo for necessário para a preservação da intimidade ou dos interesses sociais (CF, art. 5o, LX, c/c art. 93, IX): o princípio da publicidade foi estudado nos comentários ao art. 155 do CPP; 5) Direito de ser processado e julgado pelo juízo competente: o princípio do juiz natural previsto no art. 5o, X X X V II e LIII, da Consti­ tuição Federal foi estudado nos comentários introdutórios ao art. 69 do CPP; 6) Direitos

atinentes à tutela da liberdade de locomoção: ao tratarmos da prisão cautelar, fizemos amplo estudo desses direitos, abordando não só o respeito à integridade física e moral do preso, como também sua indevida exposição à mídia, o uso de algemas, a comunicação imediata da prisão ao juiz competente, ao Ministério Público, e à Defensoria Pública, se o autuado não inform ar o nome de seu advogado, a comunicação imediata da prisão à família do preso ou à pessoa por ele indicada, o direito à identificação dos responsáveis pela prisão ou pelo interrogatório policial; 7) Direito de não

ser recolhido à prisão, nos crimes afiançáveis, quando prestada a fiança: a liberdade provisória foi estudada nos comentários aos arts. 321 a 350 do CPP; 8) Direito à liberdade

provisória, com ou sem fiança, cumulada (ou não) com as medidas cautelares diversas da prisão: as medidas cautelares diversas da prisão foram introduzidas nos arts. 319 e 320 do CPP pela Lei n. 12.403/11, reforçando o caráter de ultima ratio das prisões cautelares; 9) Direito de não ter contra si utilizada uma

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prova obtida por meios ilícitos, mesmo que se trate de prova ilícita por derivação: a prova ilícita e seus desdobramentos foram devida­ mente analisados nos comentários ao art. 157 do CPP; 10) Direito de não ser submetido à

identificação criminal, quando civilmente identificado, salvo nas hipóteses previstas na Lei n. 12.037/09: a identificação criminal foi estudada nos comentários ao art. 6o do CPP;

11) Direito de não ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória: o princípio da presunção de inocência (ou da não culpabilidade) e as regras que dele derivam - probatória e de tratamen­ to - foram objeto de análise nos comentários introdutórios ao art. 282 do CPP; 12) Direito ao duplo grau de jurisdição: reconhecido ex­ pressamente pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8o, §2°, “h”), o princípio do duplo grau será estudado com detalhes nos comentários introdutórios ao art. 574 do CPP; 13) Direito ao interrogatório: face a natureza jurídica do interrogatório como meio de defesa, o acusado tem direito a ser interrogado, como visto no art. 185 do CPP; 14) Direito a tradutor ou intérprete, quando

desconhecer o idioma nacional ou não puder se comunicar por motivos relacionados à deficiência auditiva ou vocal (CPP, art. 192 e 193): esse direito foi estudado no tópico pertinente ao interrogatório judicial. 6. Defensor: quando a Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral a ampla defesa (art. 5o, LV), entende-se que a proteção deve abranger o direito à auto­ defesa e à defesa técnica, havendo entre elas relação de complementariedade. Defensor é o profissional com habilitação específica, que tem a função de promover a defesa técnica do acusado no curso do processo penal. Para ser ampla, como impõe a Constituição Federal, esta defesa técnica apresenta-se no processo como defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva, não sendo possível que alguém seja processado sem que possua defensor. 7. Natureza jurídica da função do Defensor no processo penal: não há dúvidas de que

não este não é parte, visto que parte é apenas a pessoa que deduz em juízo uma pretensão, assim como aquela contra quem a pretensão é deduzida. De mais a mais, o defensor não tem interesses próprios para fazer valer no proces­ so. O Defensor também não pode ser conside­ rado um substituto processual, porquanto não defende em juízo, em nome próprio, interesse alheio. Na verdade, o defensor atua em nome do acusado, assistindo-o tecnicamente. Cuida-se, porém, de representação processual sui generis, visto que o Defensor zela pelos interes­ ses do representado mesmo contra a vontade deste. Como a função do defensor vai além da defesa de eventual interesse subjetivo do acusado para cumprir uma tarefa que atende ao interesse de toda a coletividade, prevalece o entendimento de que se trata de uma injunção legal, porquanto tutela e resguarda a liberdade e os direitos individuais ameaçados pelo pro­ cesso penal.

8. Espécies de defensor: a) Defensor cons­ tituído: é o advogado que foi constituído pelo acusado para patrocinar sua defesa técnica no processo penal; b) Defensor Público: é o integrante da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Estados, cuja função precípua é prestar assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovarem insuficiên­ cia de recursos. Para mais detalhes acerca das atribuições da Defensoria Pública, remetemos o leitor ao próximo tópico; c) Defensor dativo: é aquele nomeado pelo juiz para o acusado que não tem advogado, para aquele que não tem condições de contratar um, e para aquele que, embora possa constituir um advogado, deixar de fazê-lo. Caso não haja Defensoria Pública na comarca (ou subseção judiciária), incumbe ao juiz a nomeação de advogado dativo para pa­ trocinar a defesa do acusado. Afinal, segundo o art. 261 do CPP, nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julga­ do sem defensor. Todavia, o acusado que não for pobre será obrigado a pagar os honorários do defensor, arbitrados pelo juiz (CPP, art. 263, parágrafo único). Quanto à possibilidade de o advogado dativo recusar-se a prestar esta assis­ tência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública, o

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

Estatuto da OAB dispõe que a recusa injus­ tificada constitui infração disciplinar (Lei n. 8.906/94, art. 34, XII). E preceitua também que o “advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado” (art. 22, §1°). Em alguns Estados, existe um convênio entre a OAB e a Procuradoria de Assistência Judiciária, estabe­ lecendo uma lista de profissionais dispostos a aceitar a nomeação para atuar, conforme a área de atuação, bem como existe uma tabela que serve de baliza para a fixação dos honorários a ser feita pelo magistrado; d) defensor a d hoc (ou substituto): é aquele nomeado pelo juiz apenas para um determinado ato processual, quando o defensor a ele não comparecer sem motivo justificado, a despeito de ter sido no­ tificado para o ato. Segundo o art. 265, §§ I o e 2o, do CPP, a audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer. Ainda segundo o CPP, incum­ be ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor subs­ tituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato. Quanto à realização dos atos processuais com a presença desse defensor ad hoc, em virtude da ausência injustificada do defensor, especial atenção deve ser dispensada à natureza desse ato. Explica-se: em se tratando de mera oitiva de testemunhas, a nomeação do defensor ad hoc não trará qualquer prejuízo ao acusado. Porém, se o ato em questão exigir conhecimento pormenorizado da imputação e da prova constante dos autos (v.g., alegações orais ao final da audiência una de instrução e julgamento), é evidente que a defesa técnica não poderá ser exercida por defensor ad hoc, sob pena de patente violação à ampla defesa, com a consequente nulidade absoluta do feito. Afinal, desprovido de conhecimento do pro­ cesso sob julgamento, não terá o profissional da advocacia condições de se desincumbir de seu mister constitucional a contento. Nesse caso, outra opção não terá o juiz senão sus­

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pender a audiência, que deverá ser redesignada para data futura, notificando-se o defensor constituído ou dativo; e) defensor curador: é aquele nomeado ao índio não adaptado, assim como ao acusado após a instauração do incidente de insanidade mental. Nesses casos, há necessidade de nomeação de curador ao acusado, sendo que doutrina e jurisprudência entendem que este encargo deve recair sobre o próprio defensor do acusado. Se a lei impõe a designação de curador nesses casos, essa assistência deve ser provida por quem seja do­ tado de capacidade postulatória. Do contrário, de nada valeria a precaução evidenciada pela nomeação de curador, visto que o leigo teria enorme dificuldade em saber se os direitos do acusado estão sendo respeitados (ou não) durante o curso do processo. 9. Defensoria Pública: de acordo com o art. 134, caput, da Constituição Federal, a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV. De seu turno, de acordo com o art. 5o, LXXIV, da Carta Magna, o Estado prestará assistência jurídica integral e gra­ tuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Cuida-se, portanto, de instituição pública dedicada exclusivamente à defesa da população hipossuficiente, a qual, diante do caráter eminentemente seletivo do Direito Pe­ nal brasileiro, acaba por figurar como “cliente preferencial” da Justiça Criminal. Enquanto instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, a Defensoria Pública qualifica-se como instrumento de concretiza­ ção dos direitos e das liberdades de que são titulares as pessoas carentes e necessitadas. Por isso, como já se pronunciou o Min. Cel­ so de Mello (STF, Pleno, ADI 2.903/PB, Rei. Min. Celso de Mello, j. 01/12/2005, DJe 177 18/09/2008), “a Defensoria Pública não pode (e não deve) ser tratada de modo inconse­ quente pelo Poder Público, pois a proteção jurisdicional de milhões de pessoas - carentes e desassistidas -, que sofrem inaceitável pro­ cesso de exclusão jurídica e social, depende da adequada organização e da efetiva institu­

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CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

cionalização desse órgão do Estado. De nada valerão os direitos e de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apoiam - além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos por par­ ticulares - também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional, como aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja função precípua, por efeito de sua própria vocação constitucional (CF, art. 134), consiste em dar efetividade e expressão concreta, inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Estado, a esses mesmos direitos, quando titularizados por pessoas necessitadas, que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art. 5o, inciso LXXIV, quanto do preceito consubstanciado no art. 134, ambos da Constituição da República”. 9.1. N ecessitados para fins de atuação da Defensoria Pública: sem embargo de opiniões em sentido contrário, parece-nos que a Cons­ tituição Federal outorga à Defensoria Pública apenas a defesa de investigados e acusados que não possuam condições financeiras para contratar um advogado. Isso porque, ao cuidar de suas atribuições, o art. 134 da Constituição Federal dispõe expressamente que à Defenso­ ria Pública incumbe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV, o qual faz menção à assistência jurídica integral e gratuita tão somente aos que comprovarem insuficiência de recursos. Logo, se determinado acusado, a despeito de possuir condições financeiras para a contratação de um advogado, abster-se de fazê-lo, não se afigura possível a nomeação de Defensor Público para o exercício da defesa técnica, sob pena de desvirtuamento de suas atribuições constitucionais, e consequente desvio dos parcos recursos humanos da Defen­ soria em prol de pessoas abastadas, negando àqueles necessitados o direito constitucional à assistência jurídica integral e gratuita. Não se pode objetar que a pessoa que não tem advogado estaria em situação de hipossuficiência jurídica. Isso porque, fosse isso possível, toda e qualquer pessoa podería se beneficiar dos serviços da Defensoria Pública, desde que alegasse que não possui advogado e que,

portanto, estaria em situação de hipossuficiência. Por tais motivos, há de se ficar atento à duvidosa constitucionalidade da redação do art. 58, §§1° e 2o, do Projeto do novo CPP (PLS 156/2009), que prevê a possibilidade da Defen­ soria Pública patrocinar a defesa no âmbito do processo penal de acusado que, por qualquer motivo, não tenha constituído advogado, in­ dependentemente de sua situação econômica. Nesse contexto, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.022/RS (Pleno, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 02/08/2004, DJ 04/03/2005), o Supremo já teve a oportunidade de declarar inconstitucional norma estadual que atribuía à Defensoria Pública do Estado a defesa judicial de servidores públicos estaduais processados civil ou criminalmente em razão do regular exercício do cargo, visto que tal fun­ ção extrapolaria o modelo estabelecido no art. 134 da Constituição Federal, o qual restringe as atribuições da Defensoria Pública à assis­ tência jurídica a que se refere o art. 5o, LXXIV. Outrossim, quanto ao acusado abastado que se negar a contratar advogado, como este não pode ser processado criminalmente sem defesa técnica (CPP, art. 261), e como não é possível a atuação da Defensoria Pública, a solução passa pela nomeação de defensor dativo, dentre os integrantes dos quadros regulares da OAB. A propósito, o próprio CPP prevê que o acusado, que não for pobre, será obrigado a pagar os honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz (art. 263, parágrafo único). 9.2. (In) constitucionalidade de convênios celebrados com a Ordem dos A dvogados do Brasil para fins de prestação de assis­ tência judiciária àqueles que com prova­ rem insuficiência de recursos: a assistência jurídica aos necessitados é tarefa precípua da Defensoria Pública. Firmada essa premissa básica, especial atenção deve ser dispensada ao julgamento da ADI 4.163/SP (Rei. Min. Cezar Peluso, j. 29/02/2012). Na referida ação, questionava-se perante o Supremo a consti­ tucionalidade do art. 234 da Lei Orgânica da Defensoria Pública de São Paulo, que obrigava a Instituição a manter convênio com a OAB/SP para prestação de assistência judiciária suple­ mentar à população hipossuficiente do Estado.

TlTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

A Corte, proclamando o direito fundamental de acesso à Justiça por meio da Defensoria Pública, declarou a não recepção do dispositivo pela Constituição. Além de rejeitar suposta obrigatoriedade e exclusividade do convênio com a OAB, porquanto deturpa a noção de autonomia constitucionalmente conferida à Defensoria Pública para bem desempenhar suas funções institucionais (CF, art. 134, §2°), o STF reafirmou o modelo público de prestação de assistência jurídica, desenhado pela Consti­ tuição Federal, hoje desvirtuado em razão da insuficiência de cargos de defensores públicos. Reiterou, ademais, que a regra primordial para a prestação de serviços jurídicos pela Administração Pública, enquanto atividade estatal permanente, seria o concurso público, a constituir situação excepcional e temporária a prestação de assistência jurídica à população carente por não defensores públicos, o que somente poderá se dar a critério da própria De­ fensoria Pública, enquanto gestora da política de assistência jurídica. Diante da constatação de que, à época do julgamento, cerca de 70% (setenta por cento) do orçamento da Defen­ soria Pública de São Paulo seria gasto com o referido convênio, a Suprema Corte enfatizou que o Estado de São Paulo não podería, sob o pálio de convênios firmados para responder a situações temporárias, furtar-se ao dever jurídico-constitucional de institucionaliza­ ção plena e de respeito absoluto à autonomia da defensoria pública. Na mesma linha, ao apreciar a ADI 4.270 e a ADI 3.892 (Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 14/03/2012), o Plenário do Supremo declarou, com eficácia diferida a partir de doze meses a contar da data do ju l­ gamento, a inconstitucionalidade do art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina e da LC 155/97 dessa mesma unidade federada. Tais dispositivos autorizavam e regulavam a prestação de serviços de assistência judiciária pela seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, em substituição à defenso­ ria pública. Na visão do Supremo, o modelo catarinense não se utilizaria da parceria com a OAB como simples forma de suplementar a defensoria pública ou de suprir eventuais carências desta, mas sim como meio de ou­ torgar à seccional da OAB por meio da indi­

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cação de advogados dativos o papel designado constitucionalmente à Defensoria Pública - lá inexistente - , violando o quanto disposto nos arts. 5o, LXXIV, e 134, caput, da Constituição Federal. Sob a ótica do Supremo, o constituinte originário não teria se limitado a fazer mera exortação genérica quanto ao dever de pres­ tar assistência judiciária, porém descrevera, inclusive, a forma a ser adotada na execução deste serviço, sem dar margem a qualquer li­ berdade por parte do legislador estadual. Com o objetivo de reafirmar o modelo público de prestação de assistência jurídica desenhado pela Constituição Federal, consolidando, ade­ mais, a implantação da Defensoria Pública em todo o território nacional, o art. 2o da Emenda Constitucional n. 80, com vigência em data de 5 de junho de 2014, acrescentou o art. 98 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nos seguintes termos: “Art. 98. O número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo ser­ viço da Defensoria Pública e à respectiva popu­ lação. §1° No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo. §2° Durante o decurso do prazo previsto no §1° deste artigo, a lotação dos de­ fensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atentendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional”. 10. A cusado certo e individualizado: a qualificação do acusado funciona como re­ quisito essencial para a deflagração da persecução penal. Por razões óbvias, não se admite a instauração de um processo penal contra o ignotus, ou seja, contra o desconhecido. Afi­ nal, ao oferecer a peça acusatória, o titular da ação penal deve fixar a relação de causalidade entre o fato delituoso e seu suposto autor (ou partícipe). Ao fazê-lo, deve individualizar a pessoa do imputado, fazendo constar da peça acusatória sua qualificação, visto que não se concebe o início de um processo senão contra pessoa certa. Esta individualização do acusado apresenta-se como formalidade essencial da peça acusatória (CPP, art. 41), importando sua ausência em causa de rejeição da denúncia ou

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da queixa em virtude de sua inépcia (CPP, art. 3 95,1). De modo a se evitar problemas com um possível homônimo, essa individualização do acusado deve ser feita por meio da indicação de seu prenome, nome, apelido, estado civil, naturalidade, data de nascimento, número da carteira de identidade, número do cadas­ tro de pessoa física (CPF), profissão, filiação, residência, etc. Não havendo a qualificação completa do acusado, e não sendo possível a sua identificação criminal, a parte acusadora pode apontar os esclarecimentos pelos quais seja possível identificá-lo. Assim, o fato de ser desconhecida a identificação completa do acusado não é óbice ao oferecimento da peça acusatória, desde que se possa mencionar seus traços característicos, permitindo distingui-lo de outras pessoas. Como exemplo, a doutrina cita o homicida do qual não se conhece o nome e nem mesmo seus dados qualificativos, mas que, preso em flagrante, se encontra de­ tido na delegacia local. Nessa hipótese, como não há dúvidas sobre sua identidade física, será possível o oferecimento de denúncia, mencionando-se seus traços e características, sendo que, uma vez obtida sua qualificação, até mesmo em fase de execução, poderá haver o suprimento. Esse preceito do art. 259 do CPP, que permite o oferecimento de peça acusatória contra alguém, desde que certa sua identidade física, deve ser interpretado com certa cautela. Em tempos atuais, não se afigura crível que uma denúncia seja oferecida em face de “Tício, branco, alto e magro”, sem quaisquer outros elementos de identificação. Se uma peça acusa­ tória fosse oferecida nesses termos, caberia ao magistrado rejeitá-la de plano (CPP, art. 395, I), já que se trata de indicação vaga de pessoa incerta que impossibilita até mesmo a citação inicial, prejudicando o regular andamento do feito. Nessa linha, é interessante perceber que a própria reforma processual de 2008 confirma

essa tendência de se impedir a instauração de processo penal contra pessoa incerta. Deveras, o mesmo Código que prevê (e continua a pre­ ver) ser possível o oferecimento de denúncia contra alguém, valendo-se de esclarecimentos pelos quais se pudesse identificá-lo (art. 41), também previa que seria cabível citação por edital quando incerta a pessoa que tivesse de ser citada (revogado inciso II do art. 363 do CPP). Com a entrada em vigor da Lei n. 11.719/08, essa hipótese de citação por edital foi abolida, do que se infere que o legislador não mais autoriza o oferecimento de denúncia contra pessoa incerta. Destarte, caso não seja possível individualizar o acusado, quer por meio de esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, quer por meio de identificação criminal (Lei n. 12.037/09), deve a parte acu­ sadora se abster de apresentar denúncia ou queixa, pelo menos enquanto tais dados não forem coligidos. 11. Retificação da qualificação do acu­ sado: constatado eventual equívoco quanto à individualização do acusado, a inicial pode ser retificada a qualquer momento para a correção do nome ou de qualquer dado referente à sua identificação, nos termos dos arts. 259 e 569 do CPP. É muito comum que, ao ser presa, a pessoa se identifique com documentos falsos, dando ensejo à instauração do processo penal contra a pessoa certa, porém com qualificação errada. Descoberto o equívoco, não há falar em nulidade do feito. Basta que a inicial acusatória seja aditada para fins de corrigir a qualificação do acusado, prosseguindo-se o processo sem prejuízo dos atos anteriormente praticados. No entanto, se a peça acusatória for oferecida contra uma pessoa e, por qualquer motivo (v.g., homônimo), outra for processada, a consequ­ ência será a nulidade dos atos processuais a partir da citação inicial.

Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.' 5 Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352, no que lhe for aplicável.6

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

1. Condução coercitiva do acusado: con­ quanto não listada no rol das medidas cautelares diversas da prisão dos arts. 319 e 320 do CPP, a condução coercitiva também funciona como medida cautelar de coação pessoal. Por meio dela, o acusado (ou investigado) é priva­ do de sua liberdade de locomoção pelo lapso temporal necessário para ser levado à presença da autoridade judiciária (ou administrativa) e participar de ato processual penal (ou admi­ nistrativo da investigação preliminar), no qual sua presença seja considerada imprescindível. Em comparação com a prisão preventiva (ou temporária), há uma redução do grau de coerção da liberdade de locomoção do investigado, que fica restrita ao tempo estritamente neces­ sário para a preservação das fontes de provas, não podendo persistir por lapso temporal superior a 24 (vinte e quatro) horas, hipótese em que assumiría, indevidamente, as vestes de verdadeira prisão cautelar. Ou seja, ao invés de o juiz decretar eventual prisão cautelar (preventiva ou temporária), poderá determi­ nar a expedição de um mandado de condução coercitiva sempre que visualizar a necessidade da presença do investigado (ou acusado) para a colheita de elementos de informação para a elucidação da autoria e/ou da materialidade da infração penal, hipótese em que o cidadão será privado da sua liberdade de locomoção tão so­ mente por algumas horas. A título de exemplo, de modo a evitar a supressão ou destruição de fontes de prova, é relativamente comum a ex­ pedição de mandados de condução coercitiva no mesmo dia em que operações policiais de maior complexidade são deflagradas, objeti­ vando evitar que o investigado, em liberdade, prejudique o cumprimento de mandados de busca em seu domicílio e/ou local de trabalho. 2. Distinção entre a condução coercitiva com o medida cautelar de coação pessoal e a condução coercitiva por ocasião da prisão em flagrante, preventiva ou temporária: isoladamente considerada, a condução coer­ citiva a que se refere o art. 260 do CPP não se confunde com eventual condução coercitiva para fins de prisão em flagrante, preventiva ou temporária. Enquanto aquela é imposta ao acusado (investigado) que não tem prisão

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Art. 260

cautelar contra si decretada, esta funciona, na verdade, como meio de execução de eventu­ al prisão processual. Destarte, a despeito da existência de uma relação instrumental entre a condução coercitiva e a prisão cautelar, tais institutos não se confundem, já que também se admite condução coercitiva: a) de acusado (ou investigado) cuja prisão cautelar não foi determinada (CPP, art. 260); b) do ofendido (CPP, art. 201, §1°), de testemunhas (CPP, arts. 218 e 461, §1°), do perito (CPP, art. 278), de quem deva comparecer à audiência na I a fase do procedimento bifásico do Tribunal do Júri (CPP, art. 411, §7°), etc. 3. Autoridade competente para a expedi­ ção de m andado de condução coercitiva do investigado (ou acusado): em relação à autoridade legitimada para expedir o mandado de condução coercitiva, é interessante perceber que o art. 260 do CPP faz referência apenas à autoridade. Não estabelece se se trata exclusi­ vamente da autoridade judiciária ou se, na ver­ dade, também abrange a autoridade policial. Talvez por conta da redação dúbia do referido dispositivo legal tenha concluído o Supremo, em precedente isolado (STF, I a Turma, HC 107.644/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06/09/2011, DJe 200 17/10/2011), que há pos­ sibilidade de a autoridade policial determinar a condução coercitiva do investigado para pres­ tar esclarecimentos. Na visão do Relator Min. Ricardo Lewandowski, a própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4o, às po­ lícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. Logo, a polícia judiciária tem legitimidade para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos. A nosso juízo, a não ser que se queira retroceder à concepção autoritária do acusado como objeto de prova, cujo corpo pode ser coercitivamente submeti­ do à condução pela polícia judiciária para fins de interrogatório policial, tido como verdadei­ ro meio de prova, somente o juiz natural da causa pode determinar a condução coercitiva do investigado (ou acusado). Ora, estamos diante de medida que importa em certo grau

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de restrição à liberdade de locomoção, sujeita, pois, à cláusula de reserva de jurisdição. Em síntese, a função de apuração de infrações penais atribuída às Polícias Civis e Federal, e, subsidiariamente, ao Ministério Público, não lhes confere poderes para decretar medidas cautelares de coação pessoal, as quais pressu­ põem prévia autorização judicial, consoante disposto no art. 282, §2°, do CPP. Faz-se ne­ cessária, portanto, uma decisão escrita, prévia e motivada da autoridade judiciária competente, demonstrando a proporcionalidade da medida no caso concreto (CPP, art. 282, II) e a presença dos seguintes pressupostos: a) somatório da prova da materialidade do crime com indícios de autoria (fumus comissi delicti); b) estrita necessidade da presença física do acusado (ou investigado) em ato processual (ou adminis­ trativo) que, sem ele, não possa ser realizado; c) prévia falta injustificada de atendimento à notificação para comparecer ao sobredito ato processual penal (ou administrativo). Nesse contexto: MALAN, Diogo. Condução coerci­

tiva do acusado (ou investigado) no processo penal. Boletim do IBBCRIM . Ano 23. n. 266. Janeiro/2015, p. 2-4. + Jurisprudência selecionada: STF:"(...) O

M inistério Público, sem prejuízo da fiscali­

zação intra--orgânica e daquela de sem pen hada pelo C onselho Nacional d o M inistério Público, está perm a­ nentem ente sujeito ao controle jurisdicional do s atos que pratique no âm bito das investigações penais que prom ova "ex própria auctoritate", não podendo, dentre outras lim itações de ordem jurídica, desrespeitar o

Americana sobre Direitos Humanos assegu­ ram ao acusado o direito de não produzir prova contra si mesmo, tratando o interrogatório como meio de autodefesa, o art. 260 do CPP, que fala expressamente em possibilidade de condução coercitiva para a realização do in­ terrogatório, precisa ser obrigatoriamente sub­ metido a um controle de constitucionalidade e convencionalidade. Logo, reputa-se ilegal a expedição de mandado de condução coercitiva objetivando a consecução das seguintes finali­ dades: a) prestar declarações perante Comissão Parlamentar de Inquérito; b) comparecer à audiência una de instrução e julgamento; c) participar de reconstituição simulada do crime ou fornecer padrões gráficos ou vocais para perícia criminal; d) fazer exame pericial de dosagem alcoólica; e) prestar declarações em Delegacia de Polícia; f) participar de acareação, etc. Noutro giro, quando se tratar de meio de prova cuja realização não demande nenhum comportamento ativo por parte do investigado (ou acusado), logo, não protegido pelo direito à não autoincriminação, é perfeitamente pos­ sível a expedição de mandado de condução coercitiva. É o que ocorre, por exemplo, com o reconhecimento pessoal (CPP, art. 226) e com a identificação criminal nas hipóteses previstas em lei (Lei n. 12.037/09, art. 3o). Mesmo nessas hipóteses, em fiel observância ao princípio da proporcionalidade, a condução coercitiva será cabível apenas quando não houver nenhum outro meio de reconhecimento do acusado (v.g., fotográfico) ou esclarecimento de sua identidade (v.g., consulta a banco de dados).

direito d o investigado ao silêncio ("nem o tenetur se detegere"), nem lhe ordenar a con du ção coercitiva,



Jurisprudência selecionada:

nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecim ento das razões m otivadoras d o procedim ento investigatório, nem subm etê-lo a m edidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem im pedi-lo de fazer-se acom panhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular d e ­ sem p en ho de suas prerrogativas profissionais (Lei n° 8.906/94, art. 7o, v.g.). (...)". (STF, 2a Turma, HC 94.173/ BA, Rei. Min. Celso de Mello, j. 27/10/2009, DJe 223 26/11/2009).

4. Finalidades da condução coercitiva do investigado (ou acusado) à luz do princípio do n em o tenetur se d eteg ere: na medida em que a Constituição Federal e a Convenção

S TF: "(...)

A jurisprudência deste Su p re m o Tribunal firm ou-se no sentido de ser oponível às C om issões Parlamentares de Inquérito a garantia constitucional contra a autoincrim inação e, consequentem ente, do direito ao silêncio quanto a perguntas cujas respostas possam resultar em prejuízo do s depoentes, além do direito à assistência d o advogado. Ordem parcialmente concedida". (STF, 2a Turma, HC 119.941/DF, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 25/03/2014, DJe 80 28/04/2014).

STF: "(...) A possibilidade de o réu não com parecer à audiência é um a expressão d o direito constitucional ao silêncio (art. 5o, LXIII, da CF/88), p o is'n e m o tenetur se deterege’. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento". (STF, I a Turma, RH C 109.978/DF, Rei. Min. Luiz Fux, j. 18/06/2013, DJe 154 07/08/2013).

TÍTULO V III. DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

STF:"(...) A recusa em responder ao interrogatório p o ­

/ \ r t. 2 6 1

o direito de n ão p roduzir p rova contra si m esm o:

licial e/ou judicial e a falta de cooperação d o indiciado

Precedentes. (...) O rdem denegada". (STF, I a Turma, HC

ou d o réu com as autoridades que o investigam o u que

93.916/PA, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 10/06/2008, DJe 117 26/06/2008).

o processam traduzem com portam entos que são intei­ ramente legitim ados pelo princípio constitucional que

STF:"(...) O só fato de o réu, qu an do indiciado ou inves­

protege qualquer pessoa contra a autoincriminação,

tigado, não ter com parecidoà delegacia de polícia para

especialm ente q u an d o se tratar de pessoa exposta a

prestar depoimento, não lhe autoriza decreto da prisão

atos de persecução penal. O Estado - que não tem o

preventiva. (...)". (STF, 2aTurma, HC 89.503/RS, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 03/04/2007, DJe 32 06/06/2007).

direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus, com o se culpados fossem, antes d o trânsito em ju lgad o de eventual sentença penal condenatória (RTJ 176/805806) - tam bé m não p od e constrangê-los a produzir provas contra si próprios (RTJ 141/512), em face da cláusula que lhes garante, constitucionalmente, a prer­ rogativa contra a autoincriminação. Aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado tem, dentre outras prerrogativas básicas, (a) o direito de perm ane­ cer em silêncio, (b) o direito de não ser com pelido a produzir elem entos de incrim inação contra si próprio nem de ser con stran gido a apresentar provas que lhe com prom etam a defesa e (c) o direito de se recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedim entos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais com o a reprodução sim ulada (reconstituição) do evento delituoso e o fornecim ento de padrões gráficos ou de padrões vocais para efeito de perícia criminal (HC 96.219-MC/SP, Rei. Min. C ELSO D E MELLO, v.g.). Precedentes. A in vocação da prerrogativa contra a au toin crim in ação, além de inteiram ente o po n ív e l a q u alq u e r au torid ad e o u a g e n te d o Estado, não legitima, por efeito de sua natureza em inentem ente constitucional, a ad oção de m edidas que afetem ou

STJ: “(...) o

com parecim ento d o réu aos atos proces­

suais, em princípio, é um direito e não um dever, sem e m b a rgo da possibilidade de sua con du ção coerci­ tiva, caso necessário, por exem plo, para audiência de reconhecim ento. Nem m esm o ao interrogatório estará o b rig ad o a comparecer, m esm o porque as res­ postas às perguntas form uladas fica ao seu alvedrio. Já a presença d o defensor à audiência de instrução é necessária e obrigatória, seja defensor constituído, de­ fensor público, dativo ou n om e ad o para o ato". (STJ, 6a Turma, REsp 346.677/RJ, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 10/09/2002, DJ 30/09/2002 p. 297).

5. Instrumento adequado para a im pug­ nação de m andado de condução coerciti­ va: na hipótese de a condução coercitiva do investigado (ou acusado) ser determinada em desacordo com os limites acima fixados, trata-se de evidente constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, a ser impugnado pela via do habeas corpus.

que restrinjam a esfera jurídica daquele contra quem se instaurou a "persecutio criminis" nem justifica, por igual motivo, a decretação de sua prisão cautelar. O exercício d o direito ao silêncio, que se revela insus­ cetível de qualquer censura policial e/ou judicial, não p od e ser desrespeitado nem desconsiderado pelos órgãos e agentes da persecução penal, porque a prá­ tica concreta dessa prerrogativa constitucional - além de n ão im portar em con fissão - jam ais poderá ser interpretada em prejuízo da defesa. (...)". (STF, 2aTurma, HC 99.289/RS, Rei. Min. Celso de Mello, j. 23/06/2009, DJe 149 03/08/2011).

STF:"(...) N ão se pod e presumir que a em briaguez de q uem não se subm ete a exam e de d o sa g e m alcoólica: a Constituição da República im pede que se extraia qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar algu m a infração penal, exerce

6. Requisitos do m andado de condução coercitiva do investigado (ou acusado): o mandado deve conter, além da ordem de condução, os requisitos formais do mandado de citação mencionados no art. 352 do CPP, no que lhe for aplicável. A execução da ordem deve ser levada a efeito com total respeito à integridade física e moral do conduzido, com proteção do conduzido contra toda e qualquer forma de sensacionalismo (Lei de Execução Penal, arts. 40,41, V III, e 42). Eventual utiliza­ ção de algemas, por sua vez, deve se dar em fiel observância aos dizeres da súmula vinculante n. 11 do STF.

Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será pro­ cessado ou julgado sem defensor.1"* Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação funda­ mentada.5-6 (Incluído pela Lei n. 10.792, de 1°.12.2003)

Art. 261

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

1. Caráter irrenunciável da defesa técnica: a defesa técnica é indisponível e irrenunciável. Logo, mesmo que o acusado, desprovido de capacidade postulatória, queira ser processado sem defesa técnica, e ainda que seja revel, deve o juiz providenciar a nomeação de defensor. Não se admite, assim, processo penal sem que a defesa técnica seja exercida por profissional da advocacia. Caso o processo tenha curso sem a nomeação de defensor, seja porque o acusado não constituiu advogado, seja porque o juiz não lhe nomeou advogado dativo ou defensor público, o processo estará eivado de nulidade absoluta, por afronta à garantia da ampla defesa (CPP, art. 564, III, “c”). Nessa linha, segundo a súmula n. 708 do Supremo, “é nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro”. Se a defesa técnica deve ser exercida por profissional da advocacia, é evidente que não é possível a nomeação de estagiários para patrocinar causas criminais, já que tal providência é proibida pelo Estatuto da OAB, notadamente quando desacompanhado de advogado (Lei n. 8.906/94, art. 3o, §2°). Com raciocínio semelhante, também não se admite que a defesa técnica seja exercida por advogado suspenso por ato disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "(...) A jurisprudência

desta Corte tem entendi­ m ento firm ado no sentido de que o réu deve ser cien­

tificado da renúncia d o m andato pelo ad v o ga d o para que constitua outro defensor, so b pena de nulidade por cerceam ento de defesa. Aplicação d o enunciado da Súm ula n° 708 d o STF. O rdem concedida de ofício". (STF, 2a Turma, H C 94.282/GO, Rei. Min. Joaquim Bar­ bosa, j. 03/03/2009, DJe 75 23/04/2009).

STF:"(...) A garantia constitucional da defesa há de ser observada so b o ân gu lo efetivo e não sim plesm ente formal. Veiculada por estagiário, sem a presença de profissional da advocacia quer na fase de instrução, quer na de alegações finais, lon ge fica de atender aos ditam es legais". (STF, 1aTurma, HC 89.222/RJ, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 04/09/2007, DJe 206 30/10/2008).

STF:"(...) Alegações finais inconsistentes e superficiais,

peito à garantia d o 'due process o f law'. Abrangência dessa cláusula constitucional, que com preende, den ­ tre as diversas prerrogativas da ordem jurídica que a com põem , o direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e direito à defesa técnica, que deve ser adequada e efetiva). Pedido deferido". (STF, 2a Turma, HC 85.717/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 09/10/2007).

2. (Im) possibilidade de o acusado exercer a sua própria defesa técnica: considerando que, a fim de se assegurar a paridade de armas, a presença de defensor técnico é obrigatória no processo penal, especial atenção deve ser dispensada à Convenção Am ericana sobre Direitos Humanos. Isso porque, de acordo com o Pacto de São José da Costa Rica, toda pessoa acusada de delito tem direito de se defender pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha (CADH, art. 8, n. 2, “d”). Como se vê, da interpretação da CADH depreende-se que o acusado pode optar por exercer sua defesa pessoalmente ou ser assistido por um defensor de sua escolha. Logicamente, se o acusado é profissional da advocacia, poderá exercer sua própria defesa técnica. Todavia, se o acusado não é dotado de capacidade postulatória, sua defesa técnica deverá ser exercida por profissional da advo­ cacia legalmente habilitado nos quadros da OAB. Portanto, se o acusado não é profissional da advocacia, não tem o direito de redigir pessoalmente sua defesa técnica, salvo em situações excepcionais expressamente previs­ tas na Constituição Federal ou no Código de Processo Penal (v.g., interposição de habeas corpus, recursos e incidentes da execução pe­ nal). Para que o próprio acusado possa exercer sua defesa técnica, não basta que seja dotado de capacitação técnica. O acusado deve ser advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. Por isso, a despeito do evidente conhecimento jurídico de que são dotados, se acusados criminalmente, juizes e/ ou promotores não podem exercer sua defesa técnica. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A defesa técnica é aquela exercida por profis­

produzidas, além do mais, por advo gad a com inscrição

sional legalm ente habilitado, com capacidade postula­

suspensa na OAB. Ofensa evidente ao direito de defesa

tória, constituindo direito indisponível e irrenunciável.

d o acusado - nulidade processual absoluta - desres­

A pretensão d o paciente de realizar sua própria defesa

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

m ostra-se inadm issível, pois se trata de facu ldade excepcional, exercida nas hipóteses estritamente pre­ vistas na Constituição e nas leis processuais. A o réu é asse gu rado o exercício da autodefesa consistente em ser interrogado pelo juízo ou em invocar direito ao silêncio, bem com o de poder acom p an har os atos da instrução criminal, além de apresentar ao respectivo a d v o ga d o a sua versão do s fatos para que este elabore as teses defensivas. Ao acusado, contudo, não é d ado apresentar sua própria defesa, q u an d o não possuir capacidade postulatória. O rdem denegada". (STF, 1a Turma, H C 102.019/PB, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17/08/2010, DJe 200 21/10/2010).

STJ: "(...)

N ão obstante não seja exigida capacidade

postulatória para determ inados atos processuais na esfera penal, com o no caso da im petração de habeas corpus, nos term os da legislação aplicável à espécie (arts. 261 e 263, do CPP e 2°, do Estatuto da OAB), bem assim do s preceitos constitucionais (art. 5°, LIVe LV), tal possibilidade não se estende à defesa d o réu na ação penal, um a vez que o direito de defesa é um direito in­

Art. 261

§1°). Nesse ponto, especial atenção deve ser dispensada ao art. 10 da Lei n. 10.259/01, que dispõe sobre os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal. De acordo com o referido dispositivo, as partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não. No que se refere aos processos de natu­ reza cível, a imprescindibilidade de advogado é relativa, podendo, portanto, ser afastada pela lei em relação aos juizados especiais. Contudo, quanto aos processos de natureza criminal, em homenagem ao princípio da ampla defesa, é imperativo que o réu compareça ao processo devidamente acompanhado de profissional habilitado a oferecer-lhe defesa técnica de qualidade, ou seja, de advogado devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil ou defensor púbüco.

disponível. Ademais, não há de se falar, na espécie, em ofensa à Convenção Am ericana de Direitos Flum anos



Jurisprudência selecionada:

(Pacto de San José da Costa Rica), que garante ao réu a possibilidade de exercer pessoalm ente sua defesa,

STF:"(...) É constitucional o art. 10 da Lei 10.259/2001,

na m edida em que tal prerrogativa lhe é assegurada

que faculta às partes a design ação de representantes

pelo ordenam ento jurídico pátrio em to d o s os atos

para a causa, ad vo ga d o s ou não, no âm bito do s juiza­

d o processo, m as que som ente pod e ser exercida de

d o s especiais federais. N o que se refere aos processos

form a com plem entar à defesa técnica e não, salvo nas

de natureza cível, o Suprem oTribunal Federal já firmou

hipóteses excepcionais, de form a exclusiva. E ainda,

o e n te n d im e n to de q u e a im p re scin d ib ilid ad e de

ao contrário d o sugerido na impetração, não tem a

a d v o g a d o é relativa, podendo, portanto, ser afastada

referida Convenção o con dão de derrogar o C ó d ig o

pela lei em relação aos juizados especiais. Precedentes.

de Processo Penal. O rdem denegada". (STJ, 5a Turma,

Perante os juizados especiais federais, em processos de

HC 100.810/PB, Rei. M in. Laurita Vaz, j. 29/04/2009,

natureza cível, as partes p od em com parecer pessoal­

DJe 25/05/2009).

m ente em juízo ou designar representante, a d v o ga d o

STF: "(...) N as

ou não, desde que a causa não ultrapasse o valor de

ações penais originárias, a defesa pre­

liminar (L. 8.038/90, art. 4°), é atividade privativa do s ad vo gad os. O s m em bros d o M inistério Público estão im pe did os de exercer advocacia, m esm o em causa própria. São atividades incom patíveis (L. 8.906/94, art. 28). Nulidade decretada". (STF, 2aTurma, H C 76.671/RJ, Rei. Min. Nelson Jobim,j. 09/06/1998, DJ 10/08/2000).

sessenta salários m ínim os (art. 3o da Lei 10.259/2001) e sem prejuízo da aplicação subsidiária integral dos parágrafos d o art. 9° da Lei 9.099/1995. Já q u an to aos processos de natureza criminal, em hom e n age m ao princípio da am pla defesa, é im perativo que o réu com pareça ao processo devidam ente acom p an h ad o de profissional habilitado a oferecer-lhe defesa técni­ ca de qualidade, ou seja, de a d v o g a d o devidam ente

3. Imprescindibilidade da defesa técnica nos Juizados Especiais Criminais: a presença de advogado é imprescindível no processo criminal, mesmo no âmbito dos Juizados Es­ peciais Criminais. Da análise da Lei 9.099/95 é fácil perceber que a presença de defensor é obrigatória em todos os momentos, seja na audiência preliminar (art. 72), na análise da proposta da transação penal (art. 76, §3°), no curso do procedimento comum sumaríssimo (art. 81), seja no momento da proposta de suspensão condicional do processo (art. 89,

inscrito n os qu adro s da O rdem do s A d v o g a d o s do Brasil ou defensor público. Aplicação subsidiária do art. 68, III, da Lei 9.099/1995. Interpretação conforme, para excluir d o âm bito de incidência d o art. 10 da Lei 10.259/2001 o s feitos de com petência d o s juizados especiais crim inais da Justiça Federal". (STF, Pleno, ADI 3.168/DF, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 08/06/2006, DJe 72 02/08/2007).

4. Patrocínio da defesa técnica de dois ou mais acusados pelo m esm o defensor: é perfeitamente possível que um mesmo advogado patrocine a defesa técnica de dois ou mais acu­

Art. 261

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

sados, desde que não haja teses colidentes. Ha­ vendo teses antagônicas, a defesa técnica não poderá ser exercida por um mesmo advogado, porquanto haverá, invariavelmente, prejuízo a um dos acusados. Logo, se um dos acusados nega sua participação no crime, enquanto o outro o incrimina em suas declarações, a defesa de ambos não pode ser promovida pelo mesmo advogado, sob pena de nulidade do feito. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Se

um d o s reus nega a sua participação no

crime, enquanto o outro o incrimina nas declarações prestadas, não poderia ter sido a defesa d e am b o s prom ovida pelo m esm o ad vogad o, que assum iu in­ devidam ente o patrocinio com um . Evidenciado o prejuizo para o paciente, concede-se a ordem para anular o processo a partir d o interrogatório, estendendo-se ao corréu, que tam bém teve sua defesa prejudicada". (STF, I a Turma, HC 69.716/RS, Rei. Min. limar Galvão, j. 13/10/1992, D J 18/12/92).

STJ: "(...) Hipótese

em que o paciente e seu filho fo­

ram acusados de tráfico de drogas, sendo que o filho im putava a responsabilidade penal a seu pai e am b os foram patrocinados pelo m esm o advogado. O defensor apresentou alegações finais defendendo apenas o filho e acusando o pai. Havendo teses defensivas conflitantes, fica clara a im possibilidade de que pai e filho fossem patrocinados pelo m esm o advogado. É evidente, assim, o conflito de interesses e a colidência de defesa, que provocou prejuízo ao paciente, haja vista a condenação à reprimenda de 12 (doze) anos de reclusão. Ordem concedida para anular o feito, apenas com relação ao paciente, a partir das alegação preliminares, inclusive". (STJ, 6aTurma, HC 86.392/PA, Rei. Min. MariaThereza de Assis Moura, j. 25/05/2010, Dje 21/06/2010).

5. Defesa técnica plena e efetiva: se, ao tempo do sistema inquisitivo, o papel do de­ fensor era de pouca im portância, vez que exercido pelo próprio órgão julgador, em um sistema acusatório como o nosso, que preza pelo respeito à ampla defesa, a defesa técnica, além de necessária e indeclinável, deve ser plena e efetiva. Por isso, a súmula n. 523 do Supremo dispõe: “no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prejuízo para o réu”. Assim, caso haja falha na atuação do defensor, com a causação de prejuízo ao acu­ sado, o processo deve ser anulado. Em outras palavras, não basta assegurar a presença formal (ou virtual) de um defensor. No curso do pro­

cesso penal, é necessário que se perceba efetiva atividade defensiva do advogado no sentido de assistir seu cliente. Este o motivo pelo qual a Lei n. 10.792/03 acrescentou o parágrafo único ao art. 261 do CPP, de modo a exigir que a defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, seja sempre exercida por manifestação fundamentada. Destarte, defesa meramente formal, que se limita a um pedido vago e genérico de absolvição, desprovido de qualquer fundamentação, caracteriza-se como verdadeira ausência de defesa, acarretando a anulação do feito, nos termos da súmula n. 523 do STF. Com efeito, de que adianta a presença física de um defensor que não arrola testemu­ nhas, que não faz reperguntas, que não oferece memoriais, ou que os apresenta sucintamente, sem análise da prova, em articulado que pode­ ria ser utilizado em relação a qualquer processo criminal, independentemente da natureza do delito (v.g., estupro ou crime tributário)? Na verdade, em tal hipótese, haveria um profissio­ nal da advocacia formalmente designado para defender o acusado, mas a sua atuação seria tão precária que seria como se o acusado tivesse sido processado sem defesa técnica. Obrigato­ riamente, deve o defensor atuar em benefício do acusado, sob pena de se considerá-lo inde­ feso. Isso, no entanto, não significa dizer que o defensor deverá sempre e invariavelmente pedir a absolvição do acusado. A depender das circunstâncias do caso concreto, esse pedido absolutório não será uma alternativa viável e tecnicamente possível. Basta imaginar, por exemplo, processo penal em que o réu tenha confessado a prática delituosa após a colheita de farta prova testemunhai o incriminando. Em tal hipótese, pedir a absolvição seria abso­ lutamente inócuo. Porém, visando à melhora da situação do acusado, incumbe ao defensor buscar o reconhecimento de eventual causa de diminuição de pena, circunstância atenuante ou algum benefício legal para o cumprimento da sanção penal (v.g., regime aberto, substitui­ ção por pena restritiva de direitos, concessão do sursis, etc.), além do reconhecimento de possíveis nulidades. Verificada a ausência (ou precariedade) da defesa técnica, recai sobre o Ministério Público e sobre o juiz o dever de

TÍTULO V III. D O JUIZ, D O M INISTÉRIO PÚBLICO, D O A C U S A D O E D EF E N S O R ...

___ ________________________ _______________________ fiscalizar a atuação defensiva do advogado, evitando-se, assim, possível caracterização de nulidade absoluta (ou relativa) do feito, por violação à ampla defesa. Afinal, da mes­ ma forma que o Estado deve adotar medidas necessárias para que o suposto autor do fato delituoso seja responsabilizado pela prática delituosa, também deve assegurar aos acu­ sados a ampla defesa, já que não se concebe a existência de um processo justo sem que o acusado tenha tido direito à mais ampla defesa. A propósito da ausência de defesa, o próprio CPP dispõe que, no plenário do Júri, deve o juiz presidente nomear defensor ao acusado quan­ do considerá-lo indefeso (CPP, art. 497, V). 6. Concessão de tem po hábil para a pre­ paração da defesa: como exposto anterior­ mente, a defesa do acusado no processo penal não pode ser meramente formal, devendo ser adequadamente exercida. Para que essa defesa

Art. 263

seja ampla e efetiva, deve-se deferir ao acusado e a seu defensor tempo hábil para sua prepa­ ração e exercício. Entre as várias garantias que o devido processo legal assegura está o direito de dispor de tempo e facilidades necessárias para preparar a defesa. Há de se assegurar ao acusado e a seu defensor o tempo e os meios adequados para a preparação da defesa. Afi­ nal, defesa sem tempo suficiente é ausência de defesa, ou, no mínimo, defesa ineficiente. Apesar de não haver dispositivo expresso no CPP acerca do assunto, cuida-se de previsão comum nas declarações internacionais de di­ reitos humanos. De fato, de acordo com o art. 8o, n. 2, alínea “c”, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92), ao acusado se assegura a concessão do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa. No mesmo sentido, vide art. 14, n. 3, “b”, do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos.

Art. 262. Ao acusado menor dar-se-á curador.1 1. (Des) n e ce ssid ad e de cu rad o r para o a cu sado menor: quanto ao curador de que trata o art. 262 do CPP para o acusado m enor de 21 (vinte e um) anos, é firm e o en tend im ento de que tal dispositivo foi tacitam ente revogado pelo art. 5o do C ó ­ digo Civil, que fixou a maioridade aos 18 (dezoito) anos, e pela Lei n. 10.792/03, que

revogou expressamente o art. 194 do CPP, o qual tam bém fazia menção à nomeação de curador ao acusado menor. Portanto, subsiste a necessidade de nomeação de cura­ dor tão somente nas hipóteses de índio não adaptado, ou quando for determinada a ins­ tauração de incidente de insanidade m ental (CPP, art. 149, §2°).

Art. 263. Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua con­ fiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação.1 Parágrafo único. O acusado, que não for pobre, será obrigado a pagar os honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz.2 1. Direito de escolha do defensor: em vir­ tude da relação de confiança que necessaria­ mente precisa se estabelecer entre o acusado e quem o defende, entende-se que um dos des­ dobramentos da ampla defesa é o direito que o acusado tem de escolher seu próprio advogado. Tem o acusado, portanto, o direito de esco­ lher seu próprio defensor, não sendo possível

que o juiz substitua seu advogado constituído por outro de sua nomeação. A nomeação de defensor pelo juiz só poderá ocorrer nas hipó­ teses de abandono do processo pelo advogado constituído e desde que o acusado permaneça inerte após ser instado a constituir novo defen­ sor. Assim, se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu

Art. 264

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação (CPP, art. 263, caput). Supondo, então, que o advogado constituí­ do do acusado tenha deixado de apresentar memoriais (CPP, art. 403, §3°), não poderá o juiz, de plano, nomear advogado dativo ou defensor público para oferecer a referida peça de defesa. Antes, deve intimar o acusado para que constitua novo advogado. Permanecendo o acusado inerte, e considerando a imprescindibilidade da apresentação dos memoriais para o exercício da ampla defesa, aí sim deverá o juiz nomear advogado dativo ou defensor público. Nesse sentido, aliás, a súmula 707 do Supremo preconiza que “constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo” (nosso grifo). Caso o acusado não tenha condições de contratar um advoga­ do, poderá se socorrer da Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, à qual incumbe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV, da Constituição Federal. Caso não haja Defensoria Pública na comarca, incumbe ao juiz a nomeação de advogado dativo para patrocinar a defesa do acusado. Sobre o assunto, dispõe o Estatuto da OAB que constitui infração disciplinar recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistên­ cia jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública (Lei n. 8.906/94, art. 34, XII). E preceitua também que o “advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado” (art. 22, §1°). Em alguns Estados, existe um convênio entre a OAB e a Procuradoria de Assistência Judiciária, estabe­

lecendo uma lista de profissionais dispostos a aceitar a nomeação para atuar, conforme a área de atuação, bem como existe uma tabela que serve de baliza para a fixação dos honorários a ser feita pelo magistrado. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) essa liberdade de escolha traduz, no plano da persecutio criminis, específica projeção d o postulado da am plitude de defesa proclam ado pela Constituição. C um p re ao m agistrad o processante, em não sendo possível ao defensor constituído assum irou prosseguir no patrocínio da causa penal, ordenar a intim ação do réu para que este, querendo, escolha outro advogado. Antes de realizada essa intim ação - ou enquanto não exaurido o prazo nela assinalado - não é lícito ao juiz nom ear defensor dativo sem expressa aquiescência d o réu". (STF, I a Turma, H C 67.755/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 26/06/1990, DJ 11/09/1992).

STJ:"(...) A

escolha de defensor, de fato, é um direito

inafastável d o réu, porquanto deve haver um a relação de confiança entre ele e o seu patrono. Assim, é de rigor que um a vez verificada a ausência de defesa técnica a am parar o acusado, por qualquer m otivo que se tenha dado, deve-se conceder prazo para que o réu indique outro profissional de sua confiança, ainda que revel, para só então, caso perm aneça inerte, nom ear-lhe defensor dativo. Habeas Corpus concedido, nos termos d o parecer ministerial, para anular o feito a partir da decisão que n om e ou o defensor dativo, a fim de que seja oportunizado ao réu a indicação de a d v o g a d o de sua confiança, m antido paciente na situação proces­ sual em que se encontra". (STJ, 5a Turma, HC 162.785/ AC, Rei. Min. N apoleão Nunes M aia Filho, j. 13/04/2010, DJe 03/05/2010). Na m esm a linha: STJ, 5a Turma, HC 132.108/PA, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 16/12/2010, DJe 07/02/2011.

2. Custeio d os honorários do defensor dativo pelo acusado que não for pobre: se o acusado economicamente favorecido não constituir defensor, obrigando o juiz a proce­ der à nomeação de defensor dativo, deve ser responsabilizado pelos honorários do profis­ sional da advocacia. Logicamente, incumbe ao Estado antecipar o pagamento do dativo, mas o ressarcimento deve ser exigido diretamente do acusado em ação à parte.

Art. 264. Salvo motivo relevante, os advogados e solicitadores serão obrigados, sob pena de multa de cem a quinhentos mil-réis, a prestar seu patrocínio aos acusados, quando nomeados pelo Juiz.1-2

TfTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

1. Obrigatoriedade de patrocínio: de acor­ do com o Estatuto da Advocacia, constitui in­ fração disciplinar recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública (Lei n. 8.906/94, art. 34, XII). O referido Estatuto também dispõe que o advogado, quan­ do indicado para patrocinar causa de juridica­ mente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo

Art. 265

juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado (Lei n. 8.906/94, art. 22, §1°). 2. Im possibilidade de nom eação de es­ tagiários: a antiga figura do solicitador não existe mais. Foi substituído pelo estagiário, que não pode ser nomeado para exercer, de per si, a defesa técnica em um processo penal, vez que é vedado que ele atue sem o acompanhamento de um advogado (Lei n. 8.906/94, art. 3o, §2°).

Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz,' sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos,2 sem prejuízo das demais sanções cabíveis. (Redação dada pela Lei n. 11.719, de 2008). §1 ° A audiência poderá ser adiada3 se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer. (Incluído pela Lei n. 11.719, de 2008). §2° Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audi­ ência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato. (Incluído pela Lei n. 11.719, de 2008). 1. Abandono do processo pelo defensor: o art. 265, caput, do CPP, teve sua redação alte­ rada pela Lei n. 11.719/2008. Ao contrário do dispositivo anterior, que condicionava o afasta­ mento do advogado à prévia concordância do juiz, a quem incumbia verificar, previamente, se o motivo alegado era imperioso, a nova redação do art. 265 do CPP, acertadamente, dispensa esse prévio assentimento, evitando-se, assim, que o advogado seja obrigado a persistir na defesa de alguém a despeito de já ter manifestado seu interesse em se afastar do feito. Não obstante, subsiste a obrigação de o advogado comunicar o juiz acerca de sua saída do processo, expondo-lhe suas razões, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários m ínim os, multa esta que somente poderá ser imposta se a referida comunicação não for feita, e não pelo fato de o magistrado, eventualmente, não concordar com o motivo apresentado. De todo modo, na hipótese de o advogado manifestar seu interesse em se afas­ tar do processo, deve ser observado o quanto disposto no art. 5o, §3°, da Lei n. 8.906/94, que estabelece que “o advogado que renunciar ao

mandado continuará, durante os dez dias se­ guintes à notificação da renúncia, a representar o mandante, salvo se for substituído antes do término desse prazo”. 2. (In) constitucionalidade da imposição de multa pelo juiz: a Ordem dos Advogados do Brasil questiona, junto ao Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade da multa im­ posta ao advogado que abandonar o processo injustificadamente. Por meio da ADI 4.398 (Rei. Min. Dias Toffoli), cujo julgamento ainda não foi concluído, a referida entidade contesta a aplicação da multa prevista no art. 265, caput, do CPP, sob o argumento de que a regra viola o livre exercício da advocacia previsto no artigo 133 da CF, por retirar da entidade a atribuição de punir seus inscritos e por deixar de assegu­ rar ao profissional o exercício do contraditório e da ampla defesa, conforme o art. 5o, incisos LIV e LV da CF. 3. Aditamento de audiência: em sua reda­ ção original, o art. 265 do CPP não autorizava o adiamento da audiência em virtude da au­ sência do defensor. Bastava a nomeação de

Art. 266

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

um defensor dativo para a realização do ato processual em questão. De maneira diversa, o art. 265, §§1° e 2o, do CPP, autorizam o adita­ mento da audiência se o defensor não puder comparecer em virtude de motivo justificado, como, por exemplo, uma audiência previa­ mente designada em outra localidade para a mesma data. Apesar de o art. 265, §1°, dizer que a audiência “poderá ser adiada”, o ideal é concluir que incide sobre o magistrado um verdadeiro “dever” de adiamento da audiência, sob pena de lesão à ampla defesa, em especial quando se tratar de audiência de instrução e julgamento de feitos de maior complexidade. Pelo menos em regra, esse impedimento deve ser comprovado pelo defensor até a abertura da audiência. Caso contrário, o ato processual será realizado normalmente, hipótese em que a defesa técnica será exercida por um defensor ad hoc nomeado pelo juiz.



Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) H av en d o

o de fen sor con stituíd o pelo acu ­

sad o de ixado de com parecer à audiência de interro­ gatório, porém, m anifestando-se com razoável ante­ cedência pela im p o ssib ilid ad e de se fazer presente, tendo em vista o age n d a m e n to de com p ro m isso com M inistro deste SuperiorTribunal de Justiça na m esm a época, o q u e p oderia ser facilm ente c o m p ro v a d o pelo M a g istra d o de I a Instância, a con tin u ação da audiência m ediante d e sign a ç ã o de de fen sor dativo con figu ra nulidade, p or afrontar a garan tia con sti­ tucional da am p la defesa. Todavia, ante a entrada em v ig o r da Lei 11.719/2008, responsável, dentre outras m udanças, pela colo cação d o interrogatório c o m o últim o ato da instrução, de vem perm anecer h ígid o s o s atos posteriores ao interrogatório tido por nulo, c ab e n d o ao M a g istra d o sin gu lar tão-so m e n te proceder a nova inquirição d o paciente ao final da instrução. O rde m parcialm ente concedida". (STJ, 6a Turma, H C 120.197/PE, Rei. M in. Jane Silva - D esem bargadora c on vo cada d o T J / M G -, j. 03/02/2009, DJe 16/02/2009).

Art. 266. A constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório.'-2 1. C on stitu ição de defensor: em regra, opera-se por instrumento de procuração. O art. 266 do CPP faz menção, todavia, à pos­ sibilidade de a constituição do defensor ser feita independentemente de mandato, caso o acusado indique seu advogado por ocasião do interrogatório - a nomeação diretamente no term o cham a-se apud acta, que tem o significado de nos autos. Essa possibilidade de constituição do defensor por ocasião do interrogatório tinha razão de ser antes da reforma processual de 2008. Afinal, quando o interrogatório era o primeiro ato da ins­ trução processual, era muito comum que o acusado comparecesse à audiência acompa­ nhado de seu advogado, hipótese em que seria desnecessária a juntada de procuração. No entanto, com a vigência da Lei n. 11.719/08, o interrogatório deixou de ser o primeiro ato da instrução, sendo que, por força do art. 396 do CPP, recebida a peça acusatória, o acusado será citado para oferecer a resposta à acusa­ ção, peça esta que já deve vir acompanhada da respectiva procuração. Portanto, a nosso ver,

o art. 266 do CPP foi tacitamente revogado pela reforma processual de 2008, ressalvados os procedimentos em que o interrogatório ainda figura como primeiro ato da instrução processual. 2. Procuração com poderes especiais: em certas situações, a lei não se contenta com uma simples procuração genérica feita pelo acusa­ do ao advogado, exigindo que dela constem poderes especiais. É o que ocorre, a título de exemplo, nas hipóteses de aceitação do perdão do ofendido (CPP, art. 59), oposição de exceção de suspeição, impedimento ou incompatibili­ dade do juiz (CPP, art. 98) e arguição de fal­ sidade documental (CPP, art. 146). Em outras situações, é a própria jurisprudência que exige procuração com poderes especiais, tal como se dá na hipótese de desistência do recurso e re­ núncia ao direito de recorrer. Como o defensor dativo e o defensor público não são dotados de procuração, o ideal é que, nesses casos, as respectivas peças também sejam subscritas pelo acusado.

TlTULO VIII ■ DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...



Art. 268

previsão expressa e específica para o ato não tem o

Jurisprudência selecionada:

c o n d ã o de anular o feito, n otadam ente se exsurge ST J:"(...) Se há na procuração poderes para defesa da parte em qualquer juízo, p odendo, inclusive,'desis­ tir', nesta expressão está incluída a p ossibilidade de

no caso específico tratar-se de expediente da defesa, d e ix an d o para suscitar a pretensa falha três an o s

desistência de recurso em sentido estrito, m anejado

depois. O rde m denegada". (STJ, 6aTurma, H C 20.769/ GO, Rei. M in. Fernando Gonçalves, j. 04/06/2002, DJ

contra sentença de pronúncia. O fato de não existir

01/07/2002 p. 408).

Art. 267. Nos termos do art. 252, não funcionarão como defensores os parentes do juiz.1 1. Impedimento do defensor: como a atu­ ação do defensor é parcial, dispõe o art. 267 do CPP que, nos termos do art. 252, não fun­ cionarão como defensores os parentes do juiz. Considerando que o art. 2 5 2 ,1, do CPP, prevê que o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, há de se ficar atento à ordem de intervenção no processo. Em outras palavras, se, por exemplo, a esposa do juiz já estiver atuando em determinado pro­

cesso como defensora, ficará o juiz impedido de exercer jurisdição no processo, nos termos do art. 2 5 2 ,1, do CPP. Se, no entanto, o juiz já estiver atuando no processo, o advogado que com ele tiver vínculo de parentesco estará impedido de ingressar na relação processual. Outrossim, como o art. 267 remete apenas ao art. 252, o qual não abrange todo e qualquer vínculo de parentesco, o impedimento do advogado estará presente apenas quando se tratar de cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau do magistrado.

Capítulo IV DOS ASSISTENTES16 Art. 268. Em todos os termos da ação pública,7 poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no art. 3 1 8 1. Ofendido com o assistente da acusação: assistente da acusação é o ofendido, seu repre­ sentante legal no caso de incapacidade, ou, na hipótese de sua falta, o cônjuge (companheiro), ascendente, descendente ou irmão, que resol­ ve se habilitar no processo penal referente a crime de ação penal pública. Evidentemente, só se pode cogitar de habilitação do ofendido como assistente nos processos penais de ação penal pública. De fato, se se trata de crime de ação penal privada, em qualquer de suas modalidades, o ofendido passa a ser titular da

ação penal, daí por que recai sobre ele a legi­ timidade para a propositura da queixa-crime. Ora, se o ofendido ajuizou a queixa-crime, passando a funcionar no processo como parte necessária, é evidente que não poderá exer­ cer simultaneamente a titularidade da ação e a assistência de si próprio. O assistente da acusação assemelha-se, portanto, à figura do querelante, com a diferença de que o primeiro existe apenas na ação penal pública, atuando como interveniente e não como autor da de­ manda. O querelante, por sua vez, é o titular

Art.268

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

da ação penal privada, ocupando o polo ativo da relação processual. Como se percebe, são 3 (três) as possíveis posições do ofendido no polo ativo da relação processual: a) autor da ação penal privada; b) autor da ação penal privada subsidiária da pública; c) assistente do Ministério Público na ação penal pública por este intentada. 2. Validade do processo independente­ mente da habilitação do ofendido como assistente da acusação: com (ou sem) assis­ tente, o processo penal terá existência normal, visto que sua presença não é necessária para a constituição válida da relação processual. De fato, enquanto sequer é possível cogitar da existência de um processo sem as partes principais - Ministério Público e acusado, na ação penal pública; querelante e querelado, na ação penal privada - , a habilitação do ofendido como assistente da acusação não é condição sine qua non para se conferir validade ao pro­ cesso penal em crimes de ação penal pública, visto que sua intervenção é facultativa. Por isso, diversamente daqueles, que são considerados partes principais, necessárias, o assistente da acusação é tido como parte desnecessária, ou seja, contingente, chamado por alguns de parte adjunta ou parte adesiva.3 3. (Des) necessidade de sujeito passivo cer­ to e determinado: apesar de o CPP não dispor expressamente acerca do assunto, só se pode falar em habilitação do assistente se a infração penal contar com um sujeito passivo determina­ do, seja ele pessoa física, seja ele pessoa jurídica. De fato, para que alguém possa se habilitar como assistente da acusação, deve demonstrar que é o titular do bem jurídico lesado ou posto em perigo pela conduta típica (v.g., vítima da tentativa de homicídio). Nesse sentido, admitin­ do a habilitação de empresa de telefonia como assistente de acusação em processo criminal referente a furto de cabos telefônicos: STJ, 5a Turma, MC 13.829/RJ, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 19/06/2008, DJe 18/08/2008. Ocorre que nem todo crime possui um ofendido determinado. Basta pensar nos chamados crimes de perigo (v.g., porte ilegal de arma de fogo). Se o delito não possui Lima vítima determinada, não ha­

vería uma pessoa física ou jurídica que pudesse se habilitar como assistente da acusação. Não obstante ser este o entendimento dominante, a 5a Turma do STJ tem precedentes no sentido de que deve ser mitigado o rigor na análise da presença do interesse jurídico que autoriza a assistência, afastando-se a exigência consistente na absoluta vinculação entre a pretensão do interveniente e o objeto jurídico do tipo penal imputado na denúncia. Há situações em que, por expressa previsão legal, o legitimado para se habilitar como assistente pode ser pessoa jurídica e/ou entes não ligados diretamente ao ofendido. É o que ocorre na hipótese de crimes e contravenções que envolvam relações de con­ sumo. Segundo o art. 80, c/c art. 82, III e IV, da Lei n. 8.078/90, no processo penal atinente a tais delitos, as entidades e órgãos da administração publica, direta ou indireta, ainda que sem per­ sonalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, assim como as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, dispensada a autorização assemblear, poderão

intervir como assistentes do Ministério Público, sendo lhes facultada também a propositura de ação penal privada subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal pelo Ministério Público.

♦ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A seguradora não tem direito líquido e certo de figurar c o m o assistente d o Ministério Público na ação penal em que se im puta a um do s denunciados, beneficiário de seguro de vida da vítima, a prática de hom icídio (art. 121, § 2o, incisos I e IV, d o C ó d ig o Penal), porquanto não se caracteriza com o vítima desse delito, tam p o u co há previsão legal nesse sentido. Recurso ordinário a que se nega provimento". (STJ, 6a Turma, R M S 47.575/SP, Rei. Min. MariaThereza de Assis Moura, j. 14/04/2015, DJe 23/04/2015).

STJ:"(...) Há

que se m itigar o rigor na análise da pre­ sença d o interesse jurídico que autorize a assistência, afa stan d o -se a e xigên cia con siste n te na a b solu ta vinculação entre a pretensão d o interveniente e o objeto jurídico do tipo penal im pu tado na denúncia, um a vez que, diante de certas peculiaridades d o caso concreto, interesses jurídicos p od em assum ir caráter m etaindividual e, pulverizados sobre as relações que perm eiam o núcleo da dem anda, carecer de proteção

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

jurídica igualm ente legítima. Hipótese em que foi inde­ ferida peloTribunal de origem a assistência à acusação porque, afastada a ilicitude em relação à morte d o filho d o s habilitandos, pelo reconhecim ento da legítim a defesa, e restringindo-se a denúncia ao crime de porte ilegal de arma de fo g o - delito que teria com o vítima a própria sociedade -, desapareceria a figura do ofendi­ d o prevista no art. 268 d o CPP e, consequentem ente, o próprio interesse jurídico do s im petrantes em intervir na ação penal. Em bora não possam os recorrentes, a princípio, ser qualificados com o ofendidos pelo mero porte ilegal de arm a de fogo, o interesse que em ana da m orte de seu filho encontra-se entrelaçado de form a inarredável com o objeto da ação penal em que pretendem intervir, independentem ente do s vícios do inquérito policial que alegam , ou m esm o d o reconhe­ cim ento da legítima defesa, a qual não constitui objeto d o presente m andam us. Recurso ordinário provido”. (STJ, 5aTurma, R M S 43.227/PE, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 03/11/2015, DJe 07/12/2015).

4. Habilitação do assistente da acusação em processos penais referentes a contravenções penais: não há qualquer vedação, até mesmo porque a ação penal quanto a elas também é pública incondicionada, pelo menos em regra (Decreto-Lei n. 3.688/41, art. 17). Logo, desde que haja uma vítima determinada da contra­ venção penal (v.g., vias de fato), pode esta se habilitar como assistente da acusação. Todavia, como as contravenções penais estão submetidas ao procedimento sumaríssimo dos juizados, e considerando que a habilitação do assistente somente pode ocorrer após o início do processo, especial atenção deve ser dispensada à possível incidência de um dos institutos despenalizadores previstos na Lei dos Juizados (v.g., composição civil dos danos, transação penal, suspensão con­ dicional do processo), que pode vir a inviabilizar a instauração do processo penal. 5. Poder Público como assistente da acu­ sação: é plenamente possível a habilitação do Poder Público como assistente da acusação. Há dispositivos legais expressos acerca do assunto: a) processo instaurado contra Prefeitos por cri­ mes de responsabilidade: diz o art. 2°, §1°, do Decreto-Lei n. 201/67, que os órgãos federais, estaduais ou municipais, interessados na apu­ ração da responsabilidade do prefeito, podem requerer a abertura de inquérito policial ou a instauração da ação penal pelo Ministério Público, bem como intervir, em qualquer fase

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do processo, como assistente da acusação; b) processo instaurado em face de crimes contra o sistema financeiro nacional: por força do art. 26, parágrafo único, da Lei n. 7.492/86, sem prejuízo do disposto no art. 268 do CPP, será admitida a assistência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM ), quando o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade sujeita à dis­ ciplina e à fiscalização dessa Autarquia, e do Banco Central do Brasil quando, fora daquela hipótese, houver sido cometido na órbita de atividade sujeita à sua disciplina e fiscalização. 6. Assistente da defesa: a lei processual penal pátria não faz referência à figura do assistente da defesa. No entanto, a despeito do silêncio do legislador, considerando que a Lei dos Juizados, ao se referir à audiência prelimi­ nar, faz menção ao comparecimento do autor do fato delituoso, da vítima e do responsável civil pelos danos causados, todos acompanha­ dos por advogado (Lei n. 9.099/95, art. 72), há quem entenda que esse responsável civil figura como verdadeiro assistente da defesa. Isso porque, considerando que a reparação do dano nas infrações de menor potencial ofensivo acarreta renúncia ao direito de quei­ xa ou de representação, com a consequente extinção da punibilidade se se tratar de crime de ação penal privada ou pública condiciona­ da à representação, é evidente o interesse do responsável civil em auxiliar o autor do fato na imediata composição civil dos danos, nos termos do art. 74, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Para além dessa hipótese, o art. 49 da Lei n. 8.906/94 prevê que os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para intervir como assistentes em processos em que sejam acusados ou ofen­ didos os inscritos na OAB. Em se tratando de processo criminal cujo acusado seja advogado, é possível que a OAB ingresse no feito como assistente da defesa. Nesse sentido, segundo Nucci (Manual de processo penal. 5a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 563), o art. 49 da Lei n. 8.906/94 deve ser adap­ tado ao contexto do processo penal, tornando possível que a OAB atue como assistente de acusação em caso envolvendo advogado como acusado, cuja demanda desperte o interesse

Art. 269

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de toda a classe dos advogados. Todavia, a Lei n. 8.906/94 também autoriza a assistência do advogado que seja acusado ou querelado, pois faz menção à intervenção em inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB.

p od e privar a vítima, que efetivam ente sofreu, com o sujeito passivo d o crime, o gravam e cau sado pelo ato típico e antijurídico, de qu alqu er tutela jurisdicional, so b pena de ofensa às garantias constitucionais d o acesso à justiça e d o d u p lo grau de jurisdição. (...) H abeas corpu s den e gad o. H C n° 66.171/SP ju lga d o prejudicado, p or p o ssu ir idêntico pedido". (STJ, 6a Turm a, H C 123.365/SP, Rei. M in. O g Fernandes, j.

7. Habilitação do ofendido com o assis­ tente da acusação exclusivamente na fase processual: o art. 268, caput, do CPP, deixa claro que o ofendido só poderá se habilitar como assistente do M inistério Público em todos os termos da ação pública. Como se per­ cebe, referindo-se o dispositivo à ação pública, conclui-se que o ofendido só pode ser admitido como assistente do Ministério Público durante o curso do processo penal, e não na fase investigatória. Portanto, não se pode querer cogitar de habilitação do assistente durante o inquérito policial, o que, todavia, não impede que a ví­ tima constitua advogado para a acompanhar seu andamento regular. Destarte, diante do teor dos arts. 268 e 269 do CPP, conclui-se que o marco inicial para a habilitação do assistente será o início do processo - para a maioria da doutrina, o processo penal tem início após o recebimento da peça acusatória - , ao passo que o marco final se dá com o trânsito em julgado da sentença. Para que o ofendido possa se habi­ litar como assistente do Ministério Público, não há necessidade de prévio ajuizamento de ação de reparação civil ex delicto. Especificamente quanto à atuação do assistente da acusação no plenário do Júri, especial atenção deve ser dispensada ao art. 430 do CPP, que prevê que o assistente somente será admitido se tiver re­ querido sua habilitação até 5 (cinco) dias antes da data da sessão na qual pretenda atuar.

22/06/2010, DJe 23/08/2010).

STJ:"(...) Ain da

que se adm ita a prescindibilidade de

eventual ação de reparação civil ex-delicto para que o interessado seja adm itido com o assistente da acu­ sação, não há que se deferir a pretensão q u an do não dem onstrado, de form a concreta, qualquer interesse extrapenal a respaldar o pedido. A natural busca pela boa aplicação do Direito deve, em sede de assistência, coexistir concretam ente com o indicado interesse. Re­ curso desprovido". (STJ, 5aTurma, R M S 18.034/MG, Rei. Min. Felix Fischer, j. 21 /10/2004, DJ 16/11 /2004 p. 304).

8. Rol de sucessores: na falta do ofendido, podem se habilitar como assistente da acusa­ ção qualquer das pessoas mencionadas no art. 31 do CPP, quais sejam, cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Considerando que o art. 268 do CPP tem sua redação original desde a época da entrada em vigor do CPP - I o de janeiro de 1942 - , é evidente que não faz men­ ção ao companheiro nos casos de união estável. Por isso, considerando o disposto no art. 226, §3°, da Constituição Federal, que reconhece a união estável entre homem e mulher como en­ tidade familiar para fins de proteção do Estado, doutrina e jurisprudência são uníssonas em incluir o companheiro como possível sucessor no caso de falecimento do ofendido para fins de habilitação como assistente da acusação.

♦ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) N ão se vislum bra o ale gad o direito líquido e

♦ Jurisprudência selecionada:

certo, na m edida em que não há im pedim ento legal

STJ:"(...)

É verdade ser in adm issível a intervenção

dade de assistente de acusação, ainda que ele tenha

d o assisten te de a c u sa çã o na fase inquisitoriai, o

sido o u vido com o testem unha na fase inquisitoriai.

que som en te poderá ocorrer a p ó s o recebim ento da

Recurso desprovido". (STJ, 5a Turma, R M S 15.338/SP,

denúncia, q u a n d o então se instaura a ação penal,

Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 21/11/2002, DJ

conform e d isp õ e o art. 268 d o CPP. Entretanto, não se

16/12/2002 p. 350).

na referida participação d o filho da vítima na quali­

Art. 269. O assistente será admitido enquanto não passar em julgado a sentença1 e receberá a causa no estado em que se achar.2

TlTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

1. Limite temporal para a habilitação do ofendido com o assistente da acusação: o ofendido pode se habilitar como assistente do Ministério Público a qualquer momento do processo penal condenatório. É nesse sentido o teor do art. 269 do CPP. Portanto, estando a atuação do assistente da acusação restrita ao processo penal condenatório, conclui-se que não é possível sua intervenção durante o curso da execução da pena.

Art. 271

2. Recebimento da causa no estado em que se encontrar: ao dispor que o assistente receberá a causa no estado em que se achar, o art. 269 do CPP deixa entrever que não será possível a renovação de atos processuais em virtude de habilitação tardia do assistente. Por isso, na hipótese de a habilitação ocorrer, por exemplo, após a prolação da sentença, even­ tual pretensão do assistente na renovação da instrução probatória será infrutífera.

Art. 270. O corréu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público.1 1. (Im) possibilidade de habilitação do corréu no m esm o processo como assisten­ te da acusação: haveria evidente confusão de papéis se se permitisse que o corréu no mesmo processo também se habilitasse como assistente da acusação, vez que ora estaria se defendendo da imputação que lhe é feita, ora estaria auxiliando a acusação para atribuir a responsabilidade penal ao seu coautor ou par­ tícipe. A despeito de não se admitir que cor­ réu no mesmo processo possa intervir como assistente do Ministério Público, doutrina e jurisprudência têm admitido que o acusado condenado possa recorrer da sentença que ab­ solveu o outro, caso o Parquet não o faça, nos termos do art. 598 do CPP. Isso porque, com o trânsito em julgado da decisão absolutória para o M inistério Público, especificamente em relação ao acusado absolvido, não se pode mais falar em corréu, ou seja, subsiste apenas um acusado, exatamente o que foi condenado, visto que o outro foi absolvido. Exemplifi­

cando, se “A” e “B” foram denunciados por lesões corporais recíprocas, com a prolação de sentença absolutória em favor de “A”, temos que este deixará de figurar como corréu se o Ministério Público não recorrer contra essa decisão. Logo, “B” já não é mais corréu de “A”. Entendendo que fora ele a verdadeira vitima das lesões corporais, poderá interpor apelação contra a absolvição de “A”, oportunidade em que estaria se habilitando como verdadeiro assistente do Ministério Público. Esse mesmo raciocínio se aplica às decisões de impronúncia e de extinção da punibilidade. No sentido de que o ofendido, também processado, pode apelar da sentença que absolveu corréu, embo­ ra lhe seja defeso habilitar-se como assistente: STF, I a Turma, AI 28.318, Rei. Min. Gonçalves de Oliveira, j. 02/05/1963. Na mesma linha, em caso concreto referente a lesões corpo­ rais recíprocas: STJ, 5a Turma, REsp 29.594/ RJ, Rei. Min. José Dantas, j. 10/02/1993, DJ 08/03/1993 p. 3.129.

Art. 271. Ao assistente1 será permitido2 propor meios de prova,3'5 requerer perguntas às testemunhas,6 aditar o libelo7 e os articulados,8 par­ ticipar do debate oral9 e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, §1°, e 598.10'12 §1° O juiz, ouvido o Ministério Público, decidirá acerca da realização das provas propostas pelo assistente.13 §2° O processo prosseguirá independentemente de nova intimação do assistente,14 quando este, intimado, deixar de comparecer a qualquer

Art. 271

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

dos atos da instrução ou do julgamento, sem motivo de força maior devi­ damente comprovado.'5 1. Natureza do interesse do assistente da acusação: sobre a natureza do interesse do as­ sistente da acusação no processo penal, 3 (três) correntes distintas podem ser encontradas na doutrina e na jurisprudência. 1.1. Incompatibilidade com a Constituição Federal: uma primeira corrente, tida como minoritária, entende que a figura do assis­ tente do M inistério Público é incompatível com a Constituição Federal. A uma porque o Ministério Público é competente e eficien­ te na representação social que lhe incumbe, especialmente como órgão acusador (CF, art. 1 2 9 ,1), não necessitando ser coadjuvado pelo ofendido para fins de aplicação do direito penal objetivo. A duas porque, admitida a habilitação do ofendido como assistente, transformar-se-ia o processo em instrumento de vingança particular, o que contraria a consciência social e a moral. Logo, se o ofendido visa resguardar seus interesses patrimoniais relativos à repa­ ração do dano, deve se valer da ação civil ex delicto, deixando a postulação acusatória como encargo exclusivo do órgão ministerial. 1.2. Interesses exclusivamente patrim o­ niais: uma segunda corrente entende que o único interesse que justifica a presença do assistente da acusação no processo é a obtenção de uma sentença condenatória com trânsito em julgado, seja para que possa proceder, desde já, à execução no cível do valor mínimo nela fixado para reparação dos danos causados pela infração (CPP, art. 387, IV), seja para posterior liquidação para apuração do dano efetivamen­ te sofrido (CPP, art. 63, parágrafo único). 1.3. Justa e proporcional aplicação da lei: uma terceira corrente, hoje majoritária, à qual nos filiamos, sustenta que a atuação do assis­ tente da acusação no processo penal não visa, exclusivamente, à obtenção de uma sentença condenatória com trânsito em julgado para satisfação de meros interesses patrimoniais. Na verdade, o assistente também tem interesse em uma condenação que seja justa e proporcional

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ao fato perpetrado. Não se pode dizer que a atuação do assistente está restrita a garantir a satisfação do dano decorrente da infração pe­ nal, como o faz a segunda corrente, até mesmo porque essa pretensão pode ser deduzida pelo ofendido independentemente do processo penal, por meio da ação civil ex delicto, que pode ser intentada ainda que a ação penal não tenha sido proposta, ou, se já proposta, estiver em curso (CPP, art. 64). Enfim, se a satisfação do dano pode ser buscada pelo ofendido fora do processo penal, é de todo desarrazoado sustentar que sua habilitação no processo penal como assistente teria o mesmo objetivo. De mais a mais, a satisfação do dano é garantida ao ofendido, ao seu representante legal ou aos seus herdeiros, independentemente de sua habilitação como assistente da acusação, visto que a sentença condenatória possui como um dos efeitos tornar certa a obrigação de inde­ nizar o dano causado pelo delito (CP, art. 91, I), cabendo ao juiz fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração ex officio, independentemente de haver (ou não) requerimento do assistente nesse sentido. Considerando que a própria Constituição Fe­ deral outorga ao ofendido o exercício da ação penal privada subsidiária da pública se acaso verificada a inércia do órgão ministerial (art. 5o, LIX), é de se concluir que o interesse do ofendido não está limitado tão somente à re­ paração civil do dano, alcançando, na verdade, a exata aplicação da justiça penal. Funciona o assistente, enfim, como verdadeiro auxiliar do Ministério Público, prestando auxílio ao órgão acusador, suprindo, inclusive, eventuais falhas cometidas pelo Parquet no curso da persecução penal. Nessa linha, conferindo amplitude democrática aos princípios que asseguram a ação penal privada subsidiaria e o contradi­ tório, com os meios e recursos a ele inerentes, os Tribunais Superiores vêm entendendo que, verificada a inércia do Ministério Público, o assistente da acusação tem legitimidade para recorrer inclusive contra sentença condenató­ ria, objetivando o agravamento da pena impos­

TÍTULO V III-D O JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

ta. As recentes alterações do CPP produzidas pelas Leis 11.689/08, 11.690/08 e 12.403/11 confirmam a importância crescente do papel do assistente da acusação no processo penal, visto que todas elas outorgaram ainda mais atribuições ao assistente da acusação. A título de exemplo, por conta da nova redação dada ao art. 427, caput, do CPP, pela Lei n. 11.689/08, o assistente passou a ter legitimidade para requerer o desaforamento no âmbito do Júri. Noutro giro, a Lei n. 12.403/11, que alterou o CPP no Título IX, pertinente às medidas cautelares de natureza pessoal, também passou a conferir legitimidade ao assistente da acusação para requerer a decretação da prisão preven­ tiva - nova redação do art. 311 do CPP. A Lei n. 11.690/08, de seu turno, alterou a redação do art. 201 do CPP, cujo §2° passou a prever que o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

N ão há ilegitim idade d o assistente de acu­

sação para interpor recurso de apelação diante de sentença condenatória, para o fim de aum entar pena. Precedentes. (...) O rdem concedida, em parte, apenas para dim inuir a pena para dois an os e seis meses de detenção, mantido, no mais, o aresto guerreado". (STJ,

6aTurma, HC 99.857/SP, Rei. Min. MariaThereza de Assis M oura, j. 01/10/2009, DJe 19/10/2009). Na m esm a linha: STJ, 6a Turma, REsp 696.038/RJ, Rei. Min. Paulo Gallotti, j. 06/05/2008, DJe 26/05/2008; STJ, 6a Turma, HC 49.566/MG, Rei. Min. Paulo Gallotti, j. 18/05/2006,

j

^ ft. 271

m o contexto: STF, 2a Turma, HC 71.453/GO, Rei. Min. Paulo Brossard,j. 06/09/1994, DJ 27/10/1994.

2. Atribuições do assistente: o art. 271 do CPP tem sua redação original desde a época da entrada em vigor do CPP. Ocorre que, com as recentes mudanças do CPP, novas atribuições foram conferidas ao assistente da acusação, o que acaba por reforçar a importância de seu papel no processo penal moderno. Ao longo do nosso Código de Processo Penal Comentado, fazemos menção a outras atribuições do assis­ tente da acusação, como, por exemplo, arguir a suspeição do juiz, a incompetência, etc. Por isso, reputamos equivocado o entendimento jurisprudencial contido em alguns precedentes isolados do STJ, a exemplo do REsp 604.379 (5a Turma, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 02/02/2006, DJ 06/03/2006) no sentido de que o rol do art. 271 do CPP é taxativo. Em regra, para que pos­ sa praticar qualquer ato no curso do processo, dentre aqueles enumerados no art. 271 do CPP, o assistente deve requerer previamente ao juiz sua habilitação, comprovando sua legitimida­ de, nos termos do art. 268 do CPP. Porém, em se tratando de recursos, não há necessidade de habilitação prévia, valendo a própria petição de interposição do recurso como pedido im­ plícito de habilitação. Nesse caso, a petição de interposição deve estar instruída com a prova de que se trata o assistente de uma das pessoas listadas no art. 268 do CPP, ou seja, ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, cônjuge (ou companheiro), ascendente, descendente, ou irmão.

DJe 26/05/2008; STJ, 5aTurma, H C 27.971/RJ, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 16/09/2003, D J 13/10/2003 p. 388; STJ, 5aTurma, REsp 605.302/RS, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 20/09/2005, DJ 07/11/2005 p. 339.

STF:"(...) O

assistente d o M inistério Público tem le­

gitim idade para recorrer da sentença de pronúncia. Precedente d o Suprem o Tribunal Federal: HC 71.453/ GO, Ministro Paulo Brossard,"DJ''de 27.10.94. M an d a d o de Segurança, im petrado pelo assistente d o Ministério Público, contra ato que inadm itiu seu recurso em sen­ tido estrito. Sua denegação. Interposição de recurso ordinário para o STJ, que o proveu. Acontece que o réu não foi citado para integrar a lide com o litisconsorte necessário.Tampouco o seu defensor foi intim ado para apresentação de razões finais. N ulidade reconhecida. H.C. deferido". (STF, 2a Turma, HC 84.022/CE, Rei. Min. Carlos Velloso.j. 14/09/2004, DJ 01/10/2004). N o m es­

3. Propositura de meios de prova: pode o assistente propor a realização de exames peri­ ciais, acareações, reconhecimento de pessoas e coisas, juntada de documentos, entre outros meios de prova. 4. Indicação de testemunhas: há certa po­ lêmica quanto à possibilidade de o assistente da acusação arrolar testemunhas. Parte da doutrina entende que, partindo do pressuposto que a atuação do assistente só é possível após o início do processo - muitos sustentam que o processo penal tem início após o recebimento da peça acusatória - , não seria possível que o

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CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

assistente arrolasse testemunhas, já que o m o­ mento processual adequado para a apresenta­ ção do rol de testemunhas é o do oferecimento da peça acusatória (CPP, art. 41), ou seja, antes da admissão do assistente. Sem embargo de en­ tendimento em sentido contrário, parece-nos plenamente possível que o assistente indique testemunhas a serem ouvidas em juízo, con­ quanto seu pedido de habilitação seja feito an­ tes da audiência una de instrução e julgamento, e desde que o número não ultrapasse o limite máximo de testemunhas que podem ser arrola­ das pela acusação, evitando-se, assim, possível violação à paridade de armas (contraditório). Logo, no âmbito do procedimento comum ordinário, se o Ministério Público arrolou 3 (três) testemunhas, poderia o assistente arro­ lar outras 5 (cinco), de modo a não exceder o limite máximo fixado pelo art. 401, caput, do CPP, que é de 8 (oito) testemunhas por fato delituoso. De mais a mais, ainda que se entenda que o assistente não é dotado dessa atribuição, é plenamente possível que o assistente indique testemunhas a serem ouvidas como se fossem do juízo, nos termos do art. 209, caput, do CPP. 5. Requerimento de diligências com ple­ mentares: ainda em relação à propositura de meios de prova pelo assistente, é bom lembrar que, com as mudanças produzidas pela reforma processual de 2008, passou a constar expressa­ mente do art. 402 do CPP que, produzidas as provas, ao final da audiência una de instrução e julgamento, além do Ministério Público, do querelante e do acusado, o assistente também poderá requerer diligências cuja necessidade tenha se originado de circunstâncias ou fatos apurados na instrução. 6. Requerimento de perguntas às às tes­ temunhas: em se tratando de testemunhas da acusação ou da defesa, as perguntas do assisten­ te são formuladas sempre depois do Ministério Público, diretamente às testemunhas. 7. Aditamento do libelo: apesar de não se admitir que o assistente da acusação possa aditar a denúncia oferecida pelo MP, era pos­ sível o aditamento do libelo acusatório, peça oferecida pelo Parquet que marcava o início

da 2a fase do procedimento bifásico do Tri­ bunal do Júri. Com a extinção do libelo pela Lei n. 11.689/08, o art. 422 do CPP passou a dispor que, preclusa a decisão de pronúncia, o juiz presidente determinará a intimação do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência. Apesar de o art. 422 do CPP não se referir, expressamente, ao assistente da acusação, parece-nos que o assistente da acusação também deve ser inti­ mado por ocasião da preparação do processo para julgamento em plenário, desde que, ob­ viamente, já tenha se habilitado no processo, podendo, inclusive, arrolar testemunhas, desde que não ultrapasse o limite máximo fixado pela lei para a acusação. 8. Aditamento dos articulados: articulados são as manifestações por escrito das partes. Portanto, ao assistente é permitido aditar os articulados do Ministério Público, tais como a manifestação do MP acerca da resposta à acusação, assim como os memoriais (antigas alegações finais), quando houver a substituição das alegações orais. Ao assistente também se confere a atribuição de contra-arrazoar os recursos interpostos pela defesa, visto que as contrarrazões funcionam como articulados. Objetivando formar a convicção do magistra­ do, o assistente é livre na apreciação dos fatos e do direito, razão pela qual não está vinculado à manifestação ministerial. 9. Participação no debate oral: esse debate oral pode ocorrer por ocasião da audiência una de instrução e julgamento (CPP, art. 403), da sessão de julgamento no Tribunal do Júri (CPP, art. 476, §1°), ou perante os Tribunais, no julgam ento de recursos (CPP, art. 610, parágrafo único), ou em processos por foro por prerrogativa de função (Lei n. 8.038/90, art. 1 2 ,1), oportunidade em que o assistente falará sempre depois do Ministério Público. 10. A presentação de razões recursais: também incumbe ao advogado do assistente

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

da acusação arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, §1°, e 598. Para mais detalhes acerca da legitimidade restrita e sub­ sidiária do assistente da acusação, remetemos o leitor aos comentários ao art. 598 do CPP. 11. Requerimento de decretação da pri­ são preventiva e/ou de medidas cautelares diversas da prisão: na redação original do art. 311 do CPP, o assistente da acusação não tinha legitimidade para requerer a decretação da prisão preventiva do acusado. Assim, tendo em conta que ao assistente não era conferida legitimidade para postular a custódia cautelar do acusado, entendia-se que não tinha interes­ se recursal para impugnar decisão judicial em habeas corpus que viesse, por exemplo, a revo­ gar prisão preventiva anteriormente decretada. Daí a razão de ser da súmula n. 208 do Supre­ mo: “O assistente do Ministério Público não pode recorrer extraordinariamente de decisão concessiva de habeas corpus”. Ocorre que, com as mudanças produzidas pela Lei n. 12.403/11, que alterou dispositivos do CPP pertinentes à prisão cautelar, foi conferida legitimidade ao assistente para requerer a decretação da prisão preventiva (CPP, art. 311). Essa legitimidade do assistente também se estende às demais me­ didas cautelares de natureza pessoal, já que, ao tratar do procedimento atinente a tais medidas, o art. 282, §2°, faz menção ao requerimento das partes, aí incluído, a nosso ver, o assistente da acusação. De mais a mais, quem pode o mais, também pode o menos. Se o assistente passa a ter legitimidade para requerer a prisão preven­ tiva do acusado, é evidente que também pode requerer a decretação das medidas cautelares diversas da prisão. Consequentemente, está superado o enunciado da súmula n. 208 do Supremo Tribunal Federal. Ora, se, por força da Lei n. 12.403/11, o assistente passou a ter legitimidade para requerer a prisão preventiva durante o andamento do processo (CPP, art. 311), há de se concluir que também passou a ter interesse recursal para impugnar eventual decisão concessiva de habeas corpus durante o curso do processo penal.

Art. 271

12. Requerim ento de desaforam ento: segundo o art. 427, caput, do CPP, com re­ dação determinada pela Lei n. 11.689/08, se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assis­ tente, do querelante ou do acusado ou median­ te representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas. 13. Oitiva prévia do M inistério Publico acerca das provas propostas pelo a d v o ­ g a d o do assistente da acusação: ouvido o Ministério Público, caberá ao juiz decidir acerca da realização das provas propostas pelo assistente, que podem ser indeferidas se o magistrado as considerar irrelevantes, imper­ tinentes ou protelatórias (CPP, art. 400, §1°). 14. Intimação do advogado do assistente da acusação: uma vez admitida a habilitação do assistente da acusação, há de ser observada pelo juiz a necessidade de se proceder à inti­ mação de seu advogado, nos termos do art. 370, §1°, do CPP, ou seja, em regra, mediante publicação, devendo dela constar o nome do acusado, sob pena de nulidade. Se, a despeito de intimação ou notificação, o advogado do assistente deixar de comparecer a determinado ato processual (v.g., audiência una de instrução e julgamento), este será realizado normalmen­ te. Se sua ausência for injustificada, não haverá necessidade de notificação daquele para os demais atos processuais. É nesse sentido o teor do art. 271, §2°, do CPP. Na mesma linha, no âmbito do procedimento do júri, o art. 457, caput, do CPP, dispõe que o julgamento não será adiado pelo não comparecimento do ad­ vogado do assistente da acusação que tiver sido regularmente intimado, pouco importando se sua ausência foi justificada (ou não), haja vista não ser ele parte necessária no processo, mas sim parte adjunta (adesiva ou contingente). 15. Não comparecimento do advogad o do assistente da acusação a qualquer dos

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

atos da instrução ou do julgamento, seja no 1o grau, seja no 2o grau de jurisdição: não haverá nulidade processual na hipótese em que o assistente de acusação, por não ter arrazoado recurso interposto pelo MP após ter sido intimado para tanto, deixar de ser intimado quanto aos atos processuais subsequentes. Ao falar em atos de instrução e julgamento, quis o art. 271, §2°, do CPP, abranger todo e qualquer ato processual para cuja prática o assistente foi cientificado, em qualquer fase do processo, e não apenas em primeiro grau — especialmente porque o art. 269 do CPP estabelece que o as­ sistente será admitido enquanto não passar em julgado a sentença. Dessa forma, se é possível a admissão do assistente em qualquer tempo, antes do trânsito em julgado da sentença, não há como entender que a pena pela sua desídia tenha como pressuposto apenas a falta de comparecimento a atos processuais a serem praticados em primeiro grau. Por outro lado,

Art. 272. O Ministério Público missão do assistente.'-31 1. Pedido de adm issão do assistente e (des) necessidade de capacidade postulatória: apesar de o ofendido ter legitimidade para se habilitar no processo como assistente da acusação, não tem ele capacidade postulatória para praticar, pessoalmente, atos válidos em juízo, a não ser que seja advogado regu­ larmente inscrito nos quadros da OAB. Por isso, desejando se habilitar como assistente da acusação, deve o ofendido constituir advo­ gado (ou defensor público) para representar seus interesses. Logo, não se pode confundir o assistente da acusação, que é a vítima habi­ litada, com seu advogado, mero representante processual. Lamentavelmente, o próprio legis­ lador parece confundir o assistente com seu advogado. De acordo com o art. 457, caput, do CPP, o julgamento no plenário do Júri não será adiado pelo não comparecimento do assistente. Como se pode perceber, há uma impropriedade técnica no referido dispositi­ vo, porquanto a presença que se faz relevante

embora somente ocorram atos de instrução em primeiro grau, os atos de julgamento, nesse contexto, devem ser entendidos como todos aqueles atos processuais realizados durante a tramitação do processo no qual haja a previsão de participação ou manifestação do assistente, seja em primeira instância ou em grau recursal, entre eles, o oferecimento de razões recursais.

♦ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

Se, a p ó s o o fere cim en to d a s razões de

ap e la ç ã o p elo M in isté rio Público, o assisten te de acusação, apesar de intimado, deixa de se manifestar, n os term os d o art. 6 0 0 ,1, d o C ó d ig o de Processo Pe­ nal, fica e vid en ciado seu desinteresse na causa, não h avendo m ais n ecessidade de sua intim ação para os atos posteriores, por força d o disp o sto no art. 271, § 2°, d o m e sm o Estatuto, ficand o afastada a nulidade reconhecida pela Corte de origem . Recurso especial p rovid o para cassar o acórdão recorrido e restabe­ lecer a sentença". (STJ, 6a Turma, REsp 1.035.320/SP, Rei. M in. Se b astiã o Reis Júnior, j. 02/04/2013, DJe 27/09/2013).

á ouvido previamente sobre a ad-

não é a do assistente de acusação, mas sim a de seu advogado. Ora, o assistente é o próprio ofendido, ou seu representante legal, que se manifesta na sessão de julgamento por meio de seu advogado. Supondo, assim, um crime de homicídio, em que a mulher da vítima resolva se habilitar como assistente da acusação, seu não comparecimento será de todo irrelevante, desde que o advogado por ela constituído esteja presente. Por isso, quando o dispositivo diz não comparecimento do assistente, leia-se “não comparecimento do advogado do assistente”.

> Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) É função institucional da

Defensoria Pública

patrocinar tanto a ação penal privada quanto a subsidi­ ária da pública, não havendo incom patibilidade com a função acusatória, m ais precisamente a de assistência da acusação. N ão encontra am paro legal o pedido de trancam ento parcial d o feito, tendo em vista que o de­ fensor público deve juntar procuração judicial somente nas hipóteses em que a lei exigir poderes especiais (arts. 44, XI, 89, XI, e 128, XI, da Lei Com plem entar n.

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

80/1994), o que não se verifica na situação em apreço. É atribuição da Defensoria Pública exam inar o estado de carência de seus assistidos. O art. 4o, § I o, da Lei n. 1.060/1950 estabelece norm as para concessão de assistência judiciária ao s necessitados, a p o n ta n d o com o necessária a sim ples afirmação de carência de recursos, se n d o prescindível, portanto, colacionar outros docum en tos aos autos. (...) Habeas corpus não conhecido". (STJ, 5a Turma, HC 293.979/MG, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 05/02/2015, DJe 12/02/2015).

2. Manifestação ministerial acerca do pe­ dido de admissão do assistente: apresentado por escrito ao juiz do feito o pedido de admis­ são do ofendido como assistente, prevê a lei a obrigatoriedade de prévia oitiva do órgão do Ministério Público. O Ministério Público só pode se pronunciar contrariamente ao pedido de habilitação se constatar que o requerente não é o sujeito passivo da infração penal, seu representante legal, no caso de incapacidade, ou seus sucessores, no caso de ausência. Ao órgão ministerial, portanto, não é dado se opor ao requerimento com base em argumentos referentes ao mérito, oportunidade e conve­ niência da habilitação. Também incumbe ao Ministério Público verificar se o ofendido se fez representar por advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB e se o requerente não figura como corréu no mesmo processo, visto que esta circunstância é causa impeditiva da habilitação como assistente (CPP, art. 270).

Art. 273

3. A dm issão do assistente do M inistério Público: reconhecido que o postulante é, de fato, o ofendido ou seu representante legal, ou, no caso de morte ou ausência, uma das pessoas mencionadas no art. 31 do CPP, não figurando como corréu no mesmo processo, estando regularmente representado por advo­ gado dotado de instrumento de procuração, e desde que a postulação tenha sido feita durante o curso do processo, outro caminho não terá o juiz senão admitir o pedido de habilitação do ofendido como assistente da acusação, mesmo que o órgão m inisterial tenha se posicionado contrariamente. Face o grande número de processos que superlo­ tam as varas criminais, vez por outra o juiz deixa de se manifestar expressamente acerca do pedido de habilitação do ofendido como assistente da acusação, a despeito de conferir a seu advogado a oportunidade de participar da instrução probatória, requerer perguntas às testemunhas, aditar os articulados, etc. Nesses casos, a jurisprudência vem entendendo que se trata de mera irregularidade. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A falta de decisão que habilita expressamente o assistente de acusação no processo constitui mera irregularidade. (...)". (STJ, 6a Turma, HC 69.570/MT, Rei. Min. Paulo Gallotti, j. 29/06/2009, DJe 10/08/2009).

Art. 273. Do despacho que admitir, ou não, o assistente, não caberá recurso, devendo, entretanto, constar dos autos o pedido e a decisão.1'1 2 1. Instrum ento a d e q u ad o contra a d e­ cisão que adm itir (ou não) o pedido de habilitação do ofendido com o assistente da acusação: não há previsão legal de recurso adequado contra a decisão que admitir (ou não) o assistente. Nesse ponto, o processo penal comum diferencia-se do processo penal militar. Isso porque, no bojo do CPPM (art. 65, §2°), há previsão legal expressa de recurso inominado contra a decisão que indeferir o pedido de habilitação do ofendido como assistente da acusação. De todo modo, apesar de o CPP dispor que se trata de decisão irre-

corrível, doutrina e jurisprudência admitem a impetração de mandado de segurança contra a decisão judicial que viola o direito líquido e certo do ofendido de se habilitar como assis­ tente da acusação. O cabimento do mandado de segurança nessa hipótese ganhou reforço com o advento da Lei n. 12.016/09, que passou a prever expressamente que não será conce­ dido mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo (art. 5o, II). Interpretando-se a contrario sensu esse dispositivo, se sequer há recurso adequado para a impugnação da

Art.274

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

decisão que indefere a habilitação do ofendido como assistente da acusação, é evidente ser cabível a impetração do writ ofm andam us. 2. In devid a exclusão do assistente da acusação durante o curso do processo: se o ofendido já tiver sido habilitado como

assistente da acusação e vier a ser excluído indevidamente em momento posterior, é ca­ bível a correição parcial para sanar esse error

in procedendo, para o qual não há previsão legal de recurso adequado, sem prejuízo da utilização residual do mandado de segurança.

Capítulo V DOS FUNCIONÁRIOS DA JUSTIÇA1 Art. 274. As prescrições sobre suspeição dos juizes estendem-se aos serventuários e funcionários da justiça, no que lhes for aplicável.2 1. Funcionários da Justiça: para o exercício da atividade jurisdicional, o juiz depende dos servidores do Poder Judiciário. O art. 274 do CPP faz menção aos serventuários e funcioná­ rios da justiça. As duas expressões devem ser compreendidas como sinônimas, designando, em síntese, o funcionário público que ocupa cargo criado por lei, percebendo vencimentos pagos pelo Poder Judiciário. 2. Regras de suspeição: apesar de não se conferir aos servidores do Poder Judiciário a competência para a prática de atos decisórios - lembre-se que, consoante disposto no art.

93, XIV, da Constituição Federal, os servido­ res receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expedien­ te sem caráter decisório - , deles também se espera a mesma imparcialidade aplicável ao magistrado. Por consequência, a eles também se estendem as prescrições sobre suspeição (e impedimento) dos juizes, no que lhes for aplicável. Destarte, se o Oficial de Justiça for amigo íntimo do acusado, a causa de suspeição do art. 2 5 4 ,1, do CPP, deve ser informada à au­ toridade judiciária, de modo a evitar a atuação do referido servidor naquele feito.

Capítulo VI DOS PERITOS1 E INTÉRPRETES2 Art. 275 . O perito, ainda quando não oficial, estará sujeito à disciplina judiciária.3 1. Perito: é um auxiliar do juízo, dotado de conhecimentos técnicos ou científicos sobre determinada área do conhecimento humano, que tem a função estatal de proceder à reali­ zação de exames periciais, fornecendo dados instrutórios de ordem técnica indispensáveis

para a decisão do caso concreto. Os peritos podem ser de duas espécies: oficial, quando funcionário do Estado, ou não oficial, quando nomeado pelo Delegado de Polícia ou pelo juiz diante da ausência de perito oficial.

TÍTULO VIII • DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR...

2. Intérprete: é a pessoa que atua como in­ termediária entre indivíduos que não falam o mesmo idioma, traduzindo da língua de um para a do outro, ou a pessoa que tem como ofício a interpretação simultânea, bem como a que interpreta para outrem a linguagem mímica de surdos-mudos. 3. Sujeição do perito à disciplina judiciá­ ria: seja ele oficial ou não, o perito é obrigado

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Art. 278

a cumprir fielmente seu encargo, auxiliando o juiz no fornecimento de dados instrutórios de ordem técnica para o julgamento do feito. O descum prim ento de seus deveres pode acarretar sanções nas esferas cível e criminal. Aliás, por se equipararem aos funcionários públicos (CP, art. 327), os peritos, oficiais ou não, podem responder pelos crimes funcio­ nais previstos nos arts. 312 a 326 do Código Penal.

Art. 276. As partes não intervirão na nomeação do perito.1 1. Não intervenção das partes na nom e­ ação d o s peritos não oficiais: quando o perito não for oficial, a nomeação fica a cargo da autoridade policial ou do juiz. Como o trabalho realizado pelos peritos leigos é capaz de interferir decisivamente na formação do convencimento do magistrado, esta indicação deve recair sobre especialistas que gozem de inquestionável imparcialidade e idoneidade

moral e técnica. Por consequência, às partes não se defere a possibilidade de intervir no procedimento de nomeação desses peritos. Diferencia-se, pois, o procedimento de nome­ ação dos peritos não oficiais daquele atinente aos assistentes técnicos, porquanto estes são indicados pelas próprias partes (CPP, art. 159, §5°, II), sem qualquer intervenção do magistrado.

Art. 277.0 perito nomeado pela autoridade será obrigado a aceitar o encargo,1sob pena de multa de cem a quinhentos mil-réis, salvo escusa atendível. Parágrafo único. Incorrerá na mesma multa o perito que, sem justa causa, provada imediatamente: a) deixar de acudir à intimação ou ao chamado da autoridade;

b) não comparecer no dia e local designados para o exame; c) não der o laudo, ou concorrer para que a perícia não seja feita, nos prazos estabelecidos. 1. O brigação de aceitação do encargo: o perito nomeado pela autoridade policial ou judiciária é obrigado a aceitar o encargo, salvo motivo justificado. Sem embargo do comando normativo do art. 277, caput, do CPP, no dia-a-dia forense os juizes procuram evitar a nomeação de peritos conceituados,

que possuem grande clientela, e que, por conta disso, possivelmente não teriam interesse em aceitar o encargo. É comum, portanto, que se dê prioridade à nomeação de profissionais que manifestaram, por livre iniciativa, o interesse em realizar perícias quando não houver perito oficial na comarca.

Art. 278. No caso de não-comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá determinar a sua condução.1

Art. 279

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

1 . C ondução coercitiva: o art. 278 do CPP deve ser lido em cotejo com o art. 159, §5°, I, do CPP, que prevê que há duas formas distintas de esclarecim entos da prova pe­ ricial pelos experts, quais sejam, comparecim ento em juízo para serem ouvidos na audiência una de instrução e julgamento, ou respondendo aos quesitos apresentados pelas partes em laudo complementar. Destarte, a

condução coercitiva do perito só pode ser determ inada quando este não com p are­ cer em juízo nem tampouco responder aos quesitos complementares. De todo modo, como a condução coercitiva é extremamente contraproducente, acaba se revelando mais eficaz a nomeação de outro perito, menos re­ nitente, para prestar esclarecimentos acerca da prova pericial.

Art. 279. Não poderão ser peritos: I - os que estiverem sujeitos à interdição de direito mencionada nos ns. I e IV do art. 69 do Código Penal;1 II - os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado an­ teriormente sobre o objeto da perícia;2 III - os analfabetos e os menores de 21 anos.3 1. Impedimento do perito: o art. 279, inciso 1, do CPP, deve ser lido em cotejo com as mu­ danças da parte geral do Código Penal. O art. 6 9 , 1 a IV, foi revogado pela Lei n. 7.209/84, passando a prever o impedimento pela impo­ sição de penas restritivas de direitos do art. 47, I e II, do Código Penal, a saber: proibição do exercício de cargo, função ou atividade públi­ ca, bem como de mandado eletivo; e proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou de autorização do Poder Público. 2. Incompatibilidade do perito: se o perito prestou depoimento no curso das investigações ou do processo judicial ou opinou anteriormen­ te sobre o objeto da perícia, não terá a imparciabdade necessária para o exercício de tal mister.

Deve se abster, portanto, de atuar como perito, sob pena de ser recusado pelas partes. 3. Analfabetos e menores de 21 anos: as exigências constantes do art. 159 do CPP, com redação dada pela Lei n. 11.690/08, tornaram praticamente sem efeito a previsão legal do art. 279, III, do CPP. Ora, se o Código exige que o perito oficial seja concursado e se o perito leigo deve, no mínimo, possuir curso superior (CPP, art. 159, caput e §1°), dificilmente será pessoa analfabeta ou menor de 21 (vinte e um) anos. Aliás, com a edição do novo Código Civil, con­ siderando o cidadão com 18 anos plenamente capaz para todos os atos da vida civil, não há sentido em proibi-lo de exercer a função de perito, desde que, logicamente, atendidos os requisitos do art. 159 do CPP.

Art. 280. É extensivo aos peritos, no que lhes for aplicável, o disposto sobre suspeição dos juizes.1 1. Suspeição dos peritos: tratando-se de auxihar do juízo, é evidente que deve se esperar do perito a mesma imparcialidade que permeia

Art. 281. Os

a atuação do magistrado. Destarte, os peritos oficiais (ou não) estão sujeitos às mesmas cau­ sas de suspeição aplicáveis aos juizes togados.

intérpretes são, para todos os efeitos, equiparados aos

peritos.1 1. Equiparação dos intérpretes aos peritos: todo o regramento anteriormente comentado relativo aos peritos também é aplicável aos

intérpretes, já que estes também funcionam como auxiliares do juízo, porém no tocante à compreensão de idioma estrangeiro.

TÍTULO IX

DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES1"4 E DA LIBERDADE PROVISÓRIA (Redação dada pela Lei n. 12.403/11)

Capítulo I DISPOSIÇÕES GERAIS5^ Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;7'7-2 II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.73 §1° As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumula­ tivamente.8 §2° As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.9-11 §3° Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.12 §4° No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).13 §5° O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.14-19 §6° A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).20

Art. 282

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

1. A tutela cautelar no processo penal: apesar de não ser possível se admitir a existên­ cia de um processo penal cautelar autônomo, certo é que, no âmbito processual penal, a tutela jurisdicional cautelar é exercida através de uma série de medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal e na legislação especial, para instrumentalizar, quando ne­ cessário, o exercício da jurisdição. Afinal, em sede processual penal, é extremamente comum a ocorrência de situações em que essas provi­ dências urgentes se tornam imperiosas, seja para assegurar a correta apuração do fato de­ lituoso, a futura e possível execução da sanção, a proteção da própria coletividade, ameaçada pelo risco de reiteração da conduta delituosa, ou, ainda, o ressarcimento do dano causado pelo delito. Com efeito, de nada valeria, por exemplo, uma sentença condenatória à pena privativa de liberdade, se o acusado já tivesse se evadido do distrito da culpa; ou garantir à parte o direito de produzir determinada prova testemunhai se, ao tempo da instru­ ção processual, essa testemunha já estivesse morta. É evidente, pois, que o processo penal precisa dispor de instrumentos e mecanismos que sejam capazes de contornar os efeitos deletérios do tempo sobre o processo. Afinal, como advertiu Calamandrei (Introduzione alio

studio sistemático dei provvedimenti cautelari. Pádova: Cedam, 1936, p. 19), sem a cautela ter-se-ia um remédio longamente elaborado para um doente já morto. Daí a importância da tutela cautelar no processo penal, que é prestada independentemente do exercício de uma ação dessa natureza, que daria origem a um processo cautelar com base procedimental própria, mas sim através de medidas cautela­ res que podem ser concedidas durante toda a persecução penal, seja na fase investigatória, seja no curso do processo. Essas medidas cau­ telares inserem-se nas restrições reclamadas pelo Estado Democrático de Direito à coerção para assegurar a finalidade do processo - essa coerção pode ser compreendida como o uso efetivo ou potencial da força estatal para obter determinados objetivos, cujo cumprimento pelo indivíduo é obrigatório. A razão de ser desses provimentos cautelares é a possível de­

mora na prestação jurisdicional, funcionando como instrumentos adequados para se evitar a incidência dos efeitos avassaladores do tempo sobre a pretensão que se visa obter através do processo. 2. Espécies de m edidas cautelares previs­ tas no C ód igo de Processo Penal: essas me­ didas cautelares tão caras à persecução penal estão elencadas de modo atécnico no Código de Processo Penal, podendo ser encontradas tanto no título que versa sobre provas, como também no título pertinente à prisão, às me­ didas cautelares e à liberdade provisória (nova denominação do Título IX do Livro I do CPP), ou, ainda, dentre os incidentes relativos às medidas assecuratórias. Além dessas medidas cautelares, também não podemos nos esquecer das chamadas medidas de contracautela, as quais visam à eliminação do dano provocado pela concessão da medida cautelar, funcionan­ do como uma espécie de antídoto em relação às medidas cautelares, tal como acontece com a prisão em flagrante legal, que tem como substitutivo a liberdade provisória, com ou sem fiança. É bem verdade que, com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, o legislador procurou dar uma nova disciplina às medidas cautelares no processo penal, porém tais modificações atingiram apenas os provimentos cautelares relativos à liberdade de locomoção do agente. A despeito dessa falta de técnica do legislador, a doutrina costuma apontar três espécies dis­ tintas de medidas cautelares no processo penal: a) de natureza patrimonial; b) de natureza probatória; c) de natureza pessoal. 2.1. Medidas cautelares de natureza patri­ monial: são aquelas relacionadas à reparação do dano e ao perdimento de bens como efeito da condenação. Como exemplos, podemos ci­ tar as medidas assecuratórias dispostas entre os artigos 125 e 144 do estatuto processual penal (sequestro, arresto e hipoteca legal), e a resti­ tuição de coisas apreendidas, prevista nos arts. 118 a 124 do CPP, quando requerida e deferida pelo juiz. Quanto a esta última, é bem verdade que a apreensão de coisas, prevista no art. 6o, I e II, do CPP, não tem a natureza estrita de medida cautelar, por se tratar de mera medida

TÍTULO I X . DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

assecuratória administrativa. Porém, a restitui­ ção de coisas apreendidas, mormente quando pleiteada em juízo, funciona como medida cautelar (ou contracautela patrimonial), pois é o instrumento de que se utiliza o interessado para reincorporar ao seu patrimônio os bens apreendidos no processo. Nessa linha: LIMA, Marcellus Polastri. A tutela cautelar no processo penal. Op. cit. p. 159; 2.2. M edidas cautelares de natureza pro­ batória: são aquelas que visam à obtenção de uma prova para o processo, com a finalidade de assegurar a utilização no processo dos elemen­ tos probatórios por ela revelados ou evitar o seu perecimento. A título de exemplo, podemos citar a busca domiciliar (e pessoal), prevista nos arts. 240 e seguintes do CPP, assim como a produção antecipada de prova testemunhai, disposta no art. 225 do CPP, também conhecida como depoimento adperpetuam rei memoriam, que também está prevista no art. 366 do CPP. Outro bom exemplo de medida cautelar pro­ batória consta do art. 19-A, parágrafo único, da Lei n. 9.807/99, com redação dada pela Lei n. 12.483/11, que passou a prever que, qualquer que seja o rito processual criminal, o juiz, após a citação, tomará antecipadamente o depoimento das pessoas incluídas nos programas de prote­ ção previstos na referida Lei; 2.3. M edidas cautelares de natureza pes­ soal: são aquelas medidas restritivas ou pri­ vativas da liberdade de locomoção adotadas contra o imputado durante as investigações ou no curso do processo, com o objetivo de assegurar a eficácia do processo, importando algum grau de sacrifício da liberdade do sujeito passivo da cautela, ora em maior grau de inten­ sidade (v.g., prisão preventiva, temporária), ora com menor lesividade (v.g., medidas cautelares diversas da prisão do art. 319 do CPP). 3. Poder geral de cautela no processo pe­ nal: ao tratar das medidas cautelares, a legis­ lação prevê várias providências cautelares, que são definidas de forma expressa na lei. São as medidas cautelares nominadas. Todavia, a des­ peito das diversas medidas cautelares previstas no ordenamento jurídico, o legislador não é

282

capaz de prever providências cautelares para toda a gama possível de situações fáticas. Por esse motivo, havendo concreta possibilidade de esvaziamento do exercício da função jurisdicional, em virtude de situação de perigo que possa comprometer a eficácia e utilidade do processo principal, deve o magistrado servir-se de medidas cautelares atípicas ou inominadas, as quais derivam do denominado poder geral de cautela do juiz, previsto expressamente no art. 798 do Código de Processo Civil (art. 297 do novo CPC). O poder geral de cautela é um poder atribuído ao Estado-Juiz, destinado a autorizar a concessão de medidas cautelares atípicas, assim compreendidas as medidas cautelares que não estão descritas em lei, toda vez que nenhuma medida cautelar típica se m ostrar adequada para assegurar, no caso concreto, a efetividade do processo principal. Esse poder geral de cautela deve ser exercido de forma complementar, pois se destina a comple­ tar o sistema, evitando que fiquem carentes de proteção situações para as quais não se previu qualquer medida cautelar típica. Portanto, havendo medida cautelar típica que se revele adequada ao caso concreto, não poderá o juiz conceder medida cautelar atípica. Se o poder geral de cautela é admitido e amplamente utili­ zado no processo civil, sua aplicação no âmbito processual penal desperta certa controvérsia na doutrina. De um lado, parte da doutrina entende que, no processo penal, não existem medidas cautelares inominadas e tampou­ co possui o juiz criminal um poder geral de cautela. Assim, se tais medidas cautelares não estão previstas em lei, não se pode permitir sua adoção a título de poder geral de cautela, sob pena de evidente afronta ao princípio da legalidade, em sua dimensão da taxatividade. A taxatividade é um fenômeno que exterioriza o princípio da legalidade, desempenhando dupla função na regulamentação de situações que implicam afetação de direitos fundamentais e liberdades públicas: a uma, assegura que todos os direitos que a Constituição Federal confere aos cidadãos não sejam afetados por ingerências estatais não autorizadas por lei (nulla coatio sine lege)-, a duas, que os juizes atuem adstritos ao império da lei. Logo, qual-

Art. 282

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cpp COMENTADO • Renato B rasileiro de Lima

quer decisão judicial que esteja em condições de afetar a liberdade de locomoção deve estar balizada por limites impostos pelos legítimos representantes da soberania popular, o que confere previsibilidade e segurança jurídica. Portanto, cabe unicamente à lei estabelecer de maneira clara as modalidades, os pressu­ postos, as finalidades, o procedimento e a extensão do exercício de um poder. Somente assim dar-se-á segurança jurídica ao cidadão contra eventuais arbitrariedades cometidas em detrimento de sua liberdade de locomoção. Em que pese tal entendimento, parece-nos que a legalidade, na sua função de garantia, impede que se imponha uma medida restritiva de direito fundamental mais gravosa que não tenha previsão legal. Entretanto, considerando sua função precípua de garantia de direitos fundamentais, ela autoriza, para cumprir tal função, a alternatividade e a redutibilidade das medidas cautelares, objetivando uma medida alternativa menos gravosa. Ou seja, ao fazer uso do poder geral de cautela no processo penal, o juiz poderá ter uma alternativa não prevista em lei para se evitar uma despropor­ cional decretação da prisão cautelar que, assim, passa, inclusive, a ser uma opção de aplicação de hipótese cautelar mais benéfica ao acusado. Destarte, a fim de se evitar a decretação de uma medida mais gravosa, itt casu, a prisão cautelar, o magistrado poderá se valer do poder geral de cautela para buscar alternativa menos gravosa, que também seja idônea a assegurar a eficácia do processo penal. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"A questão jurídica debatida neste habeas corpus consiste na possibilidade (ou não) da im posição de condições ao paciente com a revogação da decisão que decretou sua prisão preventiva Houve a observân­ cia do s princípios e regras constitucionais aplicáveis à matéria na decisão que condicionou a revogação do decreto prisional ao cum prim ento de certas condições judicias. N ão há direito absoluto à liberdade de ir e vir (CF, art. 5o, XV) e, portanto, existem situações em que se faz necessária a ponderação do s interesses em conflito na apreciação d o caso concreto. A m edida adotada na decisão im pu gn ad a tem clara natureza acautelatória, inserindo-se no p oder geral de cautela (CPC, art. 798; CPP, art. 3o). As condições im postas não m aculam o princípio constitucional da não-culpabilidade, com o

tam bém não o fazem as prisões cautelares (ou pro­ cessuais). Cuida-se de m edida adotada com base no p oder geral de cautela, perfeitam ente inserido no Direito brasileiro, não havendo violação ao princípio da independência d o s poderes (CF, art. 2o), tam po u co m alferim ento à regra de com petência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I). 7. O rdem denegada". (STF, 2a Turma, H C 94.147/RJ, Rei. Min. Ellen Gracie, DJe107 12/06/2008). STJ: "Em b ora possível a aplicação de m edidas cau­ telares c o m o condicionantes à revogação de custó­ dia antecipada, com fundam ento no poder geral de cautela d o magistrado, arts. 798 d o CPC c.c. art. 3o do CPP, estas devem observar critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Im postas as m edidas de suspensão de habilitação para dirigir veículo au tom otor e restri­ tiva de direitos consistente em deixar de residir e/ou transitar no local do s fatos, revela-se evidenciado o constrangim ento se estas perduram por quase dois anos, além d o que já se encerrou a instrução proces­ sual. H abeas corpus concedido". (STJ, 6a Turma, HC 114.734/ES, Rei. Min. Paulo Gallotti, DJe 30/03/2009).

4. Formas de utilização das m edidas cau­ telares diversas da prisão: essa ampliação do leque de medidas cautelares de natureza pesso­ al diversas da prisão cautelar proporcionará ao juiz a escolha da providência mais ajustada ao caso concreto. Em certas situações, a adoção dessas medidas pode inclusive evitar a decre­ tação da prisão preventiva, porquanto o juiz pode nelas encontrar resposta suficiente para tutelar a eficácia do processo, sem necessidade de adoção da medida extrema do cárcere ad custodiam. Na verdade, como observa com propriedade Pierpaolo Bottini (As reformas

no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 455), a superação dessa dualidade medíocre (prisão ou nada) “protege, de forma mais efetiva, o processo, o acusado e a própria sociedade. O processo, porque surge um novo rol de medidas protetivas à ordem dos trabalhos. O acusado, porque a prisão cautelar, ato de extrema violência, fica restrita como opção extrema e última. A sociedade, porque a redução da prisão cautelar significa o desencarceramento de cidadãos sem conde­ nação definitiva, que eram submetidos desde o início do processo ao contato nefasto com o submundo de valores criados pela cultura da prisão”. Essas medidas cautelares diversas da prisão previstas nos arts. 319 e 320 do CPP

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

podem ser adotadas como instrumento cautelar ou de contracautela, desde que evidenciada sua necessidade diante da presença de uma das situações de perigo do art. 2 8 2 ,1, do CPP. 4.1. Instrumento cautelar para o acusado que estava em liberdade plena: desde que presentes seus pressupostos (CPP, art. 282, I e II), as medidas cautelares diversas da prisão listadas nos arts. 319 e 320 do CPP podem ser aplicadas de maneira autônoma, ou seja, como medidas que não guardam nenhum vínculo com anterior prisão em flagrante, preventiva ou temporária. É o que se extrai da nova redação do art. 282, §2°, do CPP. O art. 282, §3°, do CPP, também reforça o entendimento de que as medidas cautelares do art. 319 do CPP podem ser decretadas autonomamente, ao prever que, “ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a in­ timação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo” (nosso grifo). Logo, não se pode querer restringir o uso das medidas cautelares tão somente às hipóteses de anterior prisão cautelar. Afinal, o caput do art. 319 do CPP não faz alusão à modalidade de prisão, limitando-se a indicar quais são as medidas cautelares diversas da prisão. Uma vez que os critérios a serem aplicados na escolha de todas as medidas cautelares de natureza pessoal previstas no Título IX do CPP são coincidentes, à exceção de alguns requisitos complementares para a prisão preventiva (art. 313), nada impede que, considerando a adequação da medida à gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do agente, opte o magis­ trado por lhe impor uma ou mais das medidas cautelares diversas da prisão. 4.2. Instrumento de contracautela, subs­ tituindo anterior prisão em flagrante, pre­ ventiva ou temporária: como deixa entrever a nova redação do art. 321 do CPP, ao receber o auto de prisão em flagrante, se o juiz verifi­ car a ausência dos requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, deve conceder ao preso liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art.

A rt. 2 8 2

319, observados os critérios de necessidade e adequação do art. 2 8 2 ,1 e II, do CPP; 5. Princípios aplicáveis às m edidas cau­ telares de natureza pessoal: a adoção de qualquer medida cautelar de natureza pessoal acarreta inegável restrição à liberdade de lo­ comoção, ora com maior intensidade (prisão preventiva e temporária), ora com menor in­ tensidade (medidas diversas da prisão do art. 319 do CPP). Portanto, sua aplicação deve ser feita com fiel observância a alguns princípios. 5.1. Da Presunção de inocência (ou da não culpabilidade): consultar comentários ao art. 155 do CPP. 5.2. Dajurisdicionalidade (princípio tácito ou implícito da individualização da prisão, e não som ente da pena): a decretação de toda e qualquer espécie de medida cautelar de natureza pessoal está condicionada à ma­ nifestação fundamentada do Poder Judiciário, seja previamente, nos casos da prisão preven­ tiva, temporária e imposição autônoma das medidas cautelares diversas da prisão, seja pela necessidade de imediata apreciação da prisão em flagrante, devendo o magistrado indicar de maneira fundamentada, com base em elementos concretos existentes nos autos, a necessidade da segregação cautelar, inclusive com apreciação do cabimento da liberdade provisória, com ou sem fiança (CPP, art. 310, II e III). Se a Constituição Federal enfatiza que ‘ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legaF (art. 5o, LIV), que ‘ninguém será preso senão em fla­ grante delito ou por ordem escrita e fundam en­ tada de autoridade judiciária competente’ (art. 5o, LXI), que ‘a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados ime­ diatamente ao juízo competente’ (art. 5o, LXII), que ‘a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária’ (art. 5o, LXV) e que ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’ (art. 5o, LXVI), fica evidente que a Carta Magna impõe a sujeição de toda e qualquer medida cautelar de natureza pessoal à apreciação do Poder Judiciário. Não por outro

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Art. 282

cpp COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

motivo, dispõe o art. 282, §2°, do CPP, que as

alternativas à segregação, de acordo com o disposto no

medidas cautelares serão decretadas pelo juiz,

art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. Constatada

de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. Na mesma linha, o art. 321 do CPP preceitua que, ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 do CPP. Em face desses dispositivos, depreende-se que a restrição ao direito de liberdade do acusado deve resultar não simplesmente de uma ordem judicial, mas de um provimento resultante de um proce­ dimento qualificado por garantias mínimas, como a independência e a imparcialidade do juiz, o contraditório e a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, a publicidade e, sobretudo nessa matéria, a obrigatoriedade de motivação (jurisdicionalidade em sentido estrito). Des­ tarte, considerando que todas essas medidas cautelares afetam, direta ou indiretamente, a liberdade de locomoção, ora com maior (pri­ são cautelar), ora com menor intensidade (v.g., comparecimento periódico em juízo, proibição de acesso a determinados lugares), podendo inclusive ser convertidas em prisão preventiva diante do descumprimento das obrigações impostas (CPP, art. 282, §4°), não se admite que possam ser decretadas por Comissões Parlamentares de Inquérito. Como observa Gilmar Mendes ( Curso de direito constitucio­ nal. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 997), “o poder de investigação judicial que o consti­ tuinte estendeu às CPIs não se confunde com os poderes gerais de cautela de que dispõem os magistrados nos feitos judiciais. Estes não foram atribuídos às Comissões Parlamentares de Inquérito”. -f

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A s

m edidas cautelares previstas no art. 319

d o C ó d ig o de Processo Penal, ainda que sejam m ais favoráveis ao acu sad o em relação à decretação da prisão, representam um constrangim ento à liberdade individual, razão pela qual necessária a devida fu n ­ dam entação para a im posição de qualquer um a das

a falta de fundam entação da decisão objurgada em relação ao paciente, em manifesta violação ao disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, já que não foi apresentada m otivação a justificar a extensão ao paciente das m esm as m edidas cautelares im postas a um d o s corréus e tam po u co dem onstrada a com p a­ tibilidade de cada um a delas com as suas condições fático-processuais e pessoais, a gravidade d o crime e as circunstâncias específicas d o fato delituoso, na form a com o lhe é assestado, evidenciado o constrangim ento ilegal suportado, a ensejar a atuação desta Corte de Justiça. O rdem parcialm ente concedida, para deter­ minar que o Tribunal im petrado apresente a devida fundam entação, de form a individualizada, sobre a necessidade e adequação da im posição ao paciente de cada um a das m edidas cautelares a ele estendidas". (STJ, 5a Turma, HC 231.817/SP, Rei. Min. Jorge Mussi,j. 23/04/2013, DJe 25/04/2013).

5.2.1. (In) constitucionalidade de determi­ nados dispositivos legais à luz do princípio da jurisdicionalidade: como toda e qualquer prisão cautelar depende de ordem escrita e fun­ damentada da autoridade judiciária competen­ te, forçoso é concluir que o art. 33, caput, da Lei n. 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional), não foi recepcionado pela Constituição Federal. De acordo com o referido dispositivo, “durante as investigações, a autoridade que presidir o inquérito poderá manter o indiciado preso ou sob custódia, pelo prazo de 15 (quinze) dias, comunicando imediatamente o fato ao juízo competente” (nosso grifo). Por sua vez, o art. 18 do Código de Processo Penal Militar merece interpretação conforme a Constituição. Segun­ do o art. 18 do CPPM, independentemente de flagrante delito, o indiciado poderá ficar de­ tido, durante as investigações policiais, até 30 dias, comunicando-se a detenção à autoridade judiciária competente. Esse prazo poderá ser prorrogado por mais 20 dias, pelo Comandan­ te da Região, Distrito Naval ou Zona Aérea, mediante solicitação fundamentada do encar­ regado do inquérito e por via hierárquica. À primeira vista, poder-se-ia pensar que o art. 18 do CPPM também não fora recepcionado pela Constituição Federal, por prever que uma au­ toridade não judiciária possa decretar a prisão de alguém, independentemente de flagrante delito. No entanto, não se pode olvidar que o

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

próprio inciso LXI do art. 5o da Carta Magna estabelece que ‘ninguém será preso, senão em flagrante delito ou por ordem escrita e funda­ mentada de autoridade judiciária competente,

salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei’ (nosso grifo). Excepcionando a Constituição Federal a necessidade de prévia autorização judicial nessas duas hipóteses - transgressão militar ou crime propriamente militar -, forçoso é con­ cluir que o art. 18 do CPPM foi recepcionado em relação ao crime propriamente militar, hipótese em que é possível a expedição de man­ dado de prisão pelo próprio encarregado do inquérito policial militar (CPPM, art. 225). Po­ rém, em se tratando de crimes impropriamente militares, é inviável a decretação de prisão por encarregado, sendo imprescindível prévia autorização judicial, salvo no caso de flagrante delito. Jorge César de Assis ( Código de Processo Penal Militar anotado, vol. 1. Curitiba: Juruá, 2004, p. 54-55), Cláudio Amin Miguel e Nelson Coldibelli (Elementos de direito processual p e­ nal militar. 2a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 35-37) comungam de entendimento semelhante. Em sentido diverso: CARVALHO, Esdras dos Santos. O direito processual penal militar numa visão garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 70. 5.2.2. Juízo competente para a decretação das m edidas cautelares: a propósito da au­ toridade judiciária competente para decretar a prisão cautelar e/ou qualquer outra medida cautelar de natureza pessoal, é importante res­ saltar que somente o magistrado no exercício de sua função judicante é que pode decretar a medida cautelar. Supondo, assim, que deter­ minado magistrado esteja sendo investigado pela prática de um ilícito, não se pode admitir que sua prisão cautelar seja decretada por um Juiz Corregedor. Como o Corregedor não se encontra no exercício de função jurisdicional propriamente dita, mas sim de caráter admi­ nistrativo, conduzindo instrução pré-processual, caso entenda que a prisão processual deva ser decretada, não pode simplesmente fazê-lo. Cabe a ele representar ao tribunal competente postulando sua decretação. Caso uma medida cautelar seja decretada por juízo absolutamen­

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te incompetente, grande parte da doutrina entende que tal decisão não pode ser ratificada pelo juízo competente, nos termos do art. 567 do CPR Porém, é bom destacar que, a partir do julgamento do HC 83.006, o plenário do Supremo passou a admitir a possibilidade de ratificação pelo juízo competente inclusive de atos de caráter decisório. 5.2.3. Necessidade de fundam entação: para além da obrigação da intervenção do Poder Judiciário em sede de medidas cautela­ res de natureza pessoal, também deriva desse princípio a necessidade de fundamentação da medida, sendo indispensável a demons­ tração dos motivos que justificam a restrição à liberdade de locomoção de alguém antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, sob pena de nulidade absoluta (CF, art. 5o, LXI, c/c art. 93, IX). De fato, com o conhecimento dos fundamentos da decisão, torna-se possível o exercício da ampla defesa e do contraditório em torno da comprovação dos pressupostos em que está assentado o pronunciam ento jurisdicional, seja quanto a aspectos fáticos, seja quanto a interpretações jurídicas dele oriundas. 5.2.4. Exceção ao princípio da jurisdicionalidade: ressalva especial ao princípio da jurisdicionalidade consta da nova redação do art. 322 do CPP. Segundo este dispositivo, a autoridade policial poderá conceder fiança quando se tratar de prisão em flagrante nos casos de infração cuja pena privativa de liber­ dade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Como a liberdade provisória com fiança é espécie de medida cautelar, porquanto su­ jeita o agente às vinculações dos arts. 327 e 328 do CPP, percebe-se que, nesta hipótese do art. 322 do CPP, é possível que a autoridade policial conceda a referida medida cautelar, independentemente de prévia autorização judicial. De todo modo, caso seja verificado que a autoridade policial se excedeu na con­ cessão de liberdade provisória com fiança, é perfeitamente possível a posterior cassação da fiança pela autoridade judicial, nos termos do art. 338 do CPP.

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5.2.5. Da vedação à prisão ex leg e: prisão ex lege é aquela imposta por força de lei, de maneira automática e obrigatória, indepen­ dentemente da análise de sua necessidade por parte do Poder Judiciário. Se não ofende, de per si, a presunção de inocência, ofende indiscutivelmente o princípio da necessidade de fundamentação da prisão, inscrito no art. 5o, inc. LXI, da Constituição Federal. Exemplo antigo de prisão ex lege é aquele constante da redação original do art. 312 do CPP, quando do advento do estatuto processual penal, segundo o qual a prisão preventiva seria decretada nos crimes a que fosse cominada pena de reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior a dez anos. Esse art. 312 do CPP, no entanto, foi posteriormente alterado por força da Lei n. 5.349/67. Mais recentemente, tínhamos como espécies de prisão ex lege as prisões decorrentes de sentença condenatória ou de pronúncia, decretadas como simples efeito automático de tais decisões, desde que o acusado não fosse primário ou não tivesse bons antecedentes, independentemente da análise de sua neces­ sidade pelo juiz natural. Essas duas espécies de prisão, no entanto, foram extintas pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08. Hoje, subsiste a prisão imposta por força de lei tão somente nos casos em que o legislador, em dispositivos de duvidosa constitucionalidade, ainda insiste em vedar a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança àquele que foi preso em flagrante, estabelecendo verdadeira hipótese de prisão obrigatória, independentemente da análise de sua necessidade pelo Poder Judi­ ciário - a propósito, o Plenário do Supremo declarou recentemente a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória”, constante do art. 44, caput, da Lei n. 11.343/06. Ora, se toda e qualquer prisão antes do trânsito em julgado ostenta natureza cautelar, não se pode negar que a única autoridade pública que pode responder pela aludida tutela é o Poder Judi­ ciário, eis que o que estará sendo acautelado, com a prisão, é, imediatamente, o processo, e, mediatamente, a jurisdição penal. Somente o juiz, no exercício de atividade jurisdicional, é que detém competência para determinar a prisão de alguém. Essa reserva de jurisdição

é perfeitamente compreensível, já que, em qualquer Estado Democrático de Direito, é ao Judiciário que se atribui a missão de tutela dos direitos e garantias do indivíduo em face do Estado (liberdades públicas). Afinal, se acaso fosse admitida uma prisão cautelar ex lege, esta resultaria de uma ordem do legislador, feita em abstrato, com base no poder de punir e no fato delitivo em si mesmo. Ter-se-ia, em tal hipóte­ se, uma espécie de prisão cautelar desprovida de análise judicial, sem competência, sem fundamentação judicial e cautelar referida a alguma circunstância fática concreta e devida­ mente demonstrada, violando-se, à evidência, o disposto no art. 5o, LXI, da Constituição. Com esse entendimento: FEITOZA, Denilson.

Direito processual penal: teoria, crítica epráxis. 6a ed. Niterói/RJ: Impetus, 2009. p. 904/905.



Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Paciente preso em

flagrante por infração ao

art. 33, caput, c/c 40, III, da Lei 11.343/2006. Liberdade provisória. Vedação expressa (Lei n. 11.343/2006, art. 44). Constrição cautelar m antida som ente com base na proibição legal. N ecessidade de análise d o s requisitos d o art. 312 d o CPP. Fundam entação inidônea. Ordem concedida, parcialmente, nos term os da liminar ante­ riormente deferida". (STF, Pleno, HC 104.339/SP, Rei. Min. Gilm ar Mendes, j. 10/05/2012).

5.3. Da proporcionalidade: em sede proces­ sual penal, o Poder Público não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da proporcionalidade. Daí a importância desse princípio, que se qualifica, enquanto coeficien­ te de aferição da razoabilidade dos atos estatais, como postulado básico de contenção dos ex­ cessos do Poder Público. Referindo-se especifi­ camente à prisão cautelar, Roxin adverte que o princípio constitucional da proporcionalidade demanda a restrição da medida e dos limites da prisão preventiva ao estritamente necessário, revelando a verdadeira existência de um Esta­ do de Direito, devendo todos os profissionais do Direito, notadamente os que representam o Estado na persecução penal, estarem cientes dos males que qualquer encarceramento, e em especial o provisório, produzem no sujeito passivo da medida. Em suas palavras ( Dere-

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cho Procesal Penal. Buenos Aires: Editores dei Puerto; 2000, p. 258), “entre as medidas que asseguram o procedimento penal, a prisão pre­ ventiva é a ingerência mais grave na liberdade individual; por outra parte, ela é indispensável em alguns casos para uma administração da justiça penal eficiente. A ordem interna de um Estado se revela no modo em que está regulada essa situação de conflito; os Estados totalitários, sob a antítese errônea Estado-cidadão, exagerarão facilmente a importância do interesse estatal na realização, o mais eficaz possível, do procedimento penal. Num Estado de Direito, por outro lado, a regulação dessa situação de conflito não é determinada através da antítese Estado-cidadão; o Estado mesmo está obrigado por ambos os fms: assegurar a or­ dem por meio da persecução penal e proteção da esfera de liberdade do cidadão. Com isso, o princípio constitucional da proporcionalidade exige restringir a medida e os limites da prisão preventiva ao estritamente necessário”. 5.3.1. Proteção contra o excesso e proibi­ ção de ineficiência: por ocasião da decretação de uma prisão cautelar, impõe-se ao magistra­ do uma ponderada avaliação dos malefícios gerados pelo ambiente carcerário, agravados pelas más condições e superlotação do sistema carcerário, sem prejuízo, todavia, da proteção dos legítimos interesses da sociedade e da efi­ cácia da persecução penal. Afinal, não se pode perder de vista que o princípio da proporciona­ lidade possui um duplo espectro, representado por um âmbito negativo - de proteção contra o excesso - e por um âmbito positivo - de proibição de ineficiência, também chamado de vedação da proteção deficiente. Ao lado do garantismo negativo, que se traduz na proibição de excesso do Estado em relação ao acusado, trabalha-se, como contraponto, em garantismo positivo, identificado com a proibição de proteção insuficiente de toda a coletividade, pelo mesmo Estado. É nesta ponderação de valores que reside a busca pela legitimação da prisão cautelar, que deve ser usada como medida de ultima ratio na busca da eficácia da persecução penal. Caso sua decretação tenha o condão de acarretar consequências mais danosas que o provimento buscado pelo pro­

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cesso penal, a prisão cautelar perde sua razão de ser, transformando-se em medida de caráter exclusivamente punitivo. Nessa linha: STRECK, Lênio Luiz. A dupla face do princípio da

proporcionalidade e o cabimento de mandado de segurança em matéria criminal: superando o ideário liberal-individualista-clássico. Revista da AJURIS, ano X X X II, n. 97, março/2005. p. 180. Essa necessidade de o Estado combater a criminalidade e punir o criminoso, e que permite vislumbrar um verdadeiro direito do Estado à investigação e à persecução criminal, decorre do primado da segurança, previsto expressamente como direito fundamental no caput do art. 5o da Carta Magna. 5.3.2. Subprincípio da adequação: o pri­ m eiro requisito intrínseco ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo é o da adequação, também denominado de princípio da idoneidade ou da conformidade. Por força da adequação, a medida restritiva será consi­ derada adequada quando for apta a atingir o fim proposto. Não se deve permitir, portanto, o ataque a um direito fundamental se o meio adotado não se mostrar apropriado à conse­ cução do resultado pretendido. 5.3.3. Subprincípio da necessidade: dentre várias medidas restritivas de direitos funda­ mentais idôneas a atingir o fim proposto, deve o Poder Público escolher a menos gravosa, ou seja, aquela que menos interfira no direito de liberdade e que ainda seja capaz de proteger o interesse público para o qual foi instituída. A título de exemplo, caso seja necessário o reconhecimento pessoal do investigado, tanto será idônea uma mera intimação para comparecimento à Delegacia quanto a decretação de sua prisão temporária. Sem embargo da adequação de ambas as medidas, é evidente que, ante a diferença do grau de constrição à liberdade de locomoção, deve o juiz optar pela menos gravosa. É nesse cenário que se avulta a importância das novas medidas cautelares de natureza pessoal introduzidas no CPP pela Lei n. 12.403/11. Ao ampliar o rol de medidas cautelares de natureza pessoal à disposição do juiz criminal (CPP, arts. 319 e 320), a Lei n. 12.403/11 dá concretude ao princípio da

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necessidade, possibilitando que o juiz natural utilize a prisão cautelar somente na hipóte­ se de imprestabilidade das demais medidas cautelares. Doravante, a decretação da prisão preventiva (ou temporária) somente será pos­ sível quando as medidas cautelares diversas da prisão, adotadas de forma isolada ou cumu­ lativa, mostrarem-se inadequadas ou insufi­ cientes para assegurar a eficácia do processo penal (CPP, art. 282, §6°). A prisão cautelar deve, portanto, ser adotada como ultima ratio, dando-se preferência, sempre que possível, à aplicação de medida cautelar menos gravosa. Referindo-se ao art. 282, §6°, que dispõe que a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, Pierpaolo Bottini (op. cit. p. 462) observa que “a privação da liberdade é a interferência mais agressiva do Estado na vida e na dignidade do indivíduo, pois o segrega e estigmatiza social e psicologicamente. A banalização da prisão preventiva desagrega os laços comunicativos normais da pessoa, inserindo-a em um contexto de valores distintos, capazes de afetar de maneira definitiva qualquer pro­ cesso de socialização. Os efeitos criminógenos da prisão, definitiva ou provisória, são de todos conhecidos - portanto, sua limitação a medida de extrema necessidade é previsão de bom senso e útil para o funcionamento de um Estado Democrático de Direito”. 5.3.4. Subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito: impõe um juízo de pon­ deração entre o ônus imposto e o benefício trazido, a fim de se constatar se se justifica a interferência na esfera dos direitos dos ci­ dadãos. É a verificação da relação de custo-benefício da medida, ou seja, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Assim, por força do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, entre os valores em conflito - o que impele a medida restritiva e o que protege o direito individual a ser violado - deve preponderar o de maior relevância. Há de se indagar, pois, se o gravame imposto ao titular do direito fundamental guarda relação de proporcionalidade com a importância do bem jurídico que se pretende tutelar. Essa verificação supõe que se apre­

senta ao juiz uma situação concreta em que, já assentadas a adequação e a necessidade, seja necessário ainda analisar se o sacrifício a ser imposto ao direito fundamental guarda uma relação razoável e proporcional com a relevância do interesse estatal que se pretende assegurar. Para tanto, devem ser utilizadas as técnicas de contrapeso de bens e valores, de forma a escolher a medida mais justa nas cir­ cunstâncias do caso, o que, no terreno proces­ sual penal, implica resolver a tensão entre os interesses estatais relacionados à persecução e as garantias do acusado. Em sede de medidas cautelares de natureza pessoal, tem -se que a medida somente será legítima quando o sacrifício da liberdade de locomoção do acu­ sado for proporcional à gravidade do crime e às respectivas sanções que previsivelmente venham a ser impostas ao final do processo. Isso porque seria inconcebível admitir-se que a situação do indivíduo ainda inocente fosse pior do que a da pessoa já condenada. 6. Características das medidas cautelares: como observa Afrânio Silva Jardim (Direito Processual Penal. 11a ed. Rio de Janeiro: Fo­ rense, 2002. p. 266), as medidas cautelares são dotadas de diversas características. 6.1. Acessoriedade: a medida cautelar de­ pende de um processo principal, não possuin­ do vida autônoma em relação a este. Essa de­ pendência, todavia, não afasta a possibilidade de decretação da medida cautelar sem o futuro processo, já que pode ocorrer, por exemplo, a decretação de uma prisão cautelar no curso de determinada investigação, sem que ocorra a instauração do processo penal, por se verificar, posteriormente, ser hipótese de arquivamento. 6.2. Preventividade: destina-se a atividade cautelar a prevenir a ocorrência de danos de difícil reparação enquanto o processo principal não chega ao fim. 6.3. Instrum entalidade hipotética e qua­ lificada: a tutela cautelar não é um fim em si mesmo, mas visa a assegurar a eficácia prática da atividade jurisdicional desempenhada no pro­ cesso de conhecimento ou de execução. Como

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instrumento do instrumento - o processo é o instrumento de que se vale o Estado para a aplicação do direito objetivo, enquanto a me­ dida cautelar é um instrumento para assegurar a eficácia do processo as medidas cautelares têm por escopo tutelar os fins e os meios do processo satisfativo. Diz-se instrumentalidade hipotética porque o resultado que a medida cautelar pretende garantir, por ser futuro, é incerto. Acrescenta-se, ademais, que essa ins­ trumentalidade também é qualificada, porque tutela a função jurisdicional, que, por sua vez, é meio e modo para a realização do Direito. Como observa Cândido Rangel Dinamarco (A instrumentalidade do processo. 4a ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1994. p. 261), “a instrumen­ talidade das medidas cautelares às principais (cognitivas ou executivas) é instrumentalidade eventual e de segundo grau. É eventual, porque se efetivará se e quando houver necessidade do processo principal. É de segundo grau, porque as medidas cautelares colocam-se como instru­ mento a serviço do instrumento; elas servem à eficiência do provimento jurisdicional principal e este, por sua vez, serve ao direito material e à própria sociedade”. 6.4. Provisoriedade: a eficácia da medida cautelar é provisória. Tem justificativa na si­ tuação de emergência, deixando de vigorar quando sobrevêm o resultado do processo principal ou qualquer outro motivo que a torne desnecessária. 6.5. R evogabilidade (ou variabilidade); como desdobramento de sua provisoriedade, a manutenção da medida cautelar depende da persistência dos motivos que evidenciaram a urgência da medida necessária à tutela do processo. 6.6. Não definitividade: a decisão relativa à medida cautelar não faz coisa julgada material. 6.7. Referibilidade: a medida cautelar deve se referir a uma situação de perigo a que se destina suplantar. Na lição de Luiz Guilherme Marinoni ( Tutela cautelar e tutela antecipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 79), “na tutela cautelar há sempre referibilidade

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a um direito acautelado. O direito referido é que é protegido (assegurado) cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou direito referido, não há direito acautelado, ocorrendo neste caso satisfatividade, nunca referibilidade”. 6.8. Jurisdicionalidade: o poder cautelar é destinado ao magistrado, daí resultando a deno­ minada reserva de jurisdição, consubstanciada pela necessidade de controle jurisdicional sobre a medida cautelar. As mudanças produzidas no CPP pela Lei n. 12.403/11 deixaram bem claro que as medidas cautelares de natureza pessoal devem ser decretadas pela autoridade judiciá­ ria competente (art. 282, §2°, art. 321, caput). A única exceção fica por conta da fiança, que pode ser concedida pelo Delegado de Polícia exclusivamente nas hipóteses de anterior prisão em flagrante, e desde que à infração não seja cominada pena máxima superior a 4 (quatro) anos (CPP, art. 322). 6.9. Sumariedade: a cognição nas medidas cautelares, em relação à profundidade, não é exauriente, mas sumária. Em razão da natureza urgente dessas medidas, o juiz exerce uma cognição sumária, limitada em sua profundi­ dade, permanecendo em nível superficial. Por ocasião da decretação dessas medidas, não se faz necessário um juízo de certeza, mas sim de probabilidade de dano (periculum in mora) e de probabilidade do direito (fumus boni iuris). 7. Pressupostos para a decretação das m edidas cautelares: em que pese a falta de sistematização das cautelares no Código de Processo Penal e a inexistência de um processo penal cautelar autônomo, isso não significa dizer que esses provimentos cautelares podem ser determinados durante a persecução penal sem a observância de requisitos e fundamentos próprios do processo cautelar. Como espécies de provimentos de natureza cautelar, as me­ didas cautelares de natureza pessoal jamais poderão ser adotadas como efeito automático da prática de determinada infração penal. Sua decretação também está condicionada à pre­ sença do fum us comissi delicti e do periculum libertatis. Não se pode pensar que as medi­ das diversas da prisão, por não implicarem a restrição absoluta da liberdade, não estejam

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condicionadas à observância desses pressu­ postos. Pelo contrário. À luz da garantia da presunção de não culpabilidade e da própria redação do art. 282 do CPP, nenhuma dessas medidas pode ser aplicada sem a presença desses pressupostos. 7.1. Fumus b o n i iuris: em face do caráter urgente da medida cautelar, ao analisar seu cabimento, limita-se o juiz ao exercício de uma mera cognição sumária. Em outras palavras, quando da adoção de uma medida cautelar, é inviável exigir-se que o juiz desenvolva ativida­ de cognitiva no mesmo grau de profundidade que aquela desenvolvida para o provimento definitivo. Não se decide com base no ius, mas sim no fum us boni iuris. O fum us boni iuris enseja a análise judicial da plausibilidade da medida pleiteada ou percebida como necessá­ ria a partir de critérios de mera probabilidade e verossimilhança e em cognição sumária dos elementos disponíveis no momento, ou seja, basta que se possa perceber ou prever a exis­ tência de indícios suficientes para a denúncia ou eventual condenação de um crime descrito ou em investigação, bem como a inexistência de causas de exclusão de ilicitude ou de culpa­ bilidade. Em se tratando de medidas cautelares de natureza pessoal, não há falar, porém, em fum us boni iuris, mas sim em fum us comissi delicti. Como destaca Aury Lopes Jr. (op. cit. p. 49.), se o delito é a própria negação do direito, como se pode afirmar que a decretação de uma prisão cautelar está condicionada à comprova­ ção da fumaça do bom direito? Ora, não é a fumaça do bom direito que determina ou não a prisão de alguém, mas sim a comprovação por elementos objetivos dos autos que formam uma aparência de que o delito foi cometido por aquela pessoa que se pretende prender. Daí o uso da expressão fum us comissi delicti, a ser entendida como a plausibilidade do direito de punir, ou seja, plausibilidade de que se trata de um fato criminoso, constatada por meio de elementos de informação que confirmem a presença de prova da materialidade e de indícios de autoria do delito. Apesar de o art. 282 do CPP não exigir expressamente a pre­ sença do fum us comissi delicti para a adoção das medidas cautelares diversas da prisão, mas

apenas que a medida seja necessária e adequa­ da (CPP, art. 2 8 2 ,1 e II), e que à infração penal seja cominada pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente (CPP, art. 283, §1°), não se pode perder de vista que estamos diante de um provimento de natureza cautelar. Por isso, embora as exigências para a decretação das medidas cautelares diversas da prisão possam ser menores ou menos in­ tensas do que as exigências feitas para a prisão preventiva, não pode a lei deixar de exigir a presença do fum us comissi delicti, tal como fez para a prisão preventiva, sob pena de possível abuso na aplicação dessas medidas cautelares. Daí por que nos parece que, apesar de não haver previsão legal expressa, a aplicação das medidas cautelares alternativas à prisão deve observar, por analogia com a disciplina da prisão preventiva, o pressuposto negativo do art. 314 do CPP, razão pela qual não podem ser decretadas se o juiz visualizar que o fato fora praticado sob o abrigo de alguma causa excludente da ilicitude. 7.2. Periculum libertatis: o periculum in mora caracteriza-se pelo fato de que a demo­ ra no curso do processo principal pode fazer com que a tutela jurídica que se pleiteia, ao ser concedida, não tenha mais eficácia, pois o tempo fez com que a prestação jurisdicional se tornasse inócua, ineficaz. Em outras pala­ vras, periculum in mora nada mais é do que o perigo na demora da entrega da prestação jurisdicional. No tocante às medidas cautelares de natureza real, como o sequestro e o arresto, esse conceito de periculum in mora se ajusta de maneira perfeita, pois a demora da prestação jurisdicional possibilitaria a dilapidação do patrimônio do acusado. Em se tratando de medidas cautelares de natureza pessoal, no entanto, o perigo não deriva do lapso temporal entre o provimento cautelar e o definitivo, mas sim do risco emergente da situação de liberda­ de do agente. Logo, em uma terminologia mais específica à prisão cautelar, utiliza-se a expres­ são periculum libertatis, a ser compreendida como o perigo concreto que a permanência do suspeito em liberdade acarreta para a investi­ gação criminal, o processo penal, a efetividade do direito penal ou a segurança social.

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+ Jurisprudência selecionada: STF:"(...) à falta da dem onstração em concreto do periculum libertatis d o acusado, nem a gravidade abstrata d o crime im putado, ainda que qualificado de hedion­ do, nem a reprovabilidade d o fato, nem o consequente clam or público constituem m otivos idôneos à prisão preventiva: traduzem sim m al disfarçada nostalgia da extinta prisão preventiva obrigatória". (STF, ^ T u r ­ ma, RH C 79.200/BA, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 13/08/1999 p. 09).

7.2.1. Necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente pre­ vistos, para evitar a prática de infrações penais: consoante a nova redação do art. 282, inciso I, do CPP, as medidas cautelares de natureza pessoal deverão ser aplicadas observando-se a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a ins­ trução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. O dispositivo guarda estreita seme­ lhança com o art. 312 do CPP, que estabelece que a prisão preventiva poderá ser decretada para assegurar a aplicação da lei penal, por conveniência da instrução criminal, ou como garantia da ordem pública ou da ordem econômica. Todos esses conceitos serão abordados por ocasião da análise do art. 312 do CPP, onde também será discutida a possibilidade de decretação de medidas cautelares de modo a se evitar a prática de novas infrações penais. Como se percebe, tanto as prisões cautelares quanto as medidas cautelares diversas da prisão destinam-se a proteger a aplicação da lei penal, a apuração da verdade, ou, ainda, a própria coletividade, ameaçada pela perspectiva do cometimento de novas infrações penais. O que varia, como se percebe, não é a justificativa para a adoção da cautela, mas sim o grau de lesividade de­ corrente de cada uma delas. Decretar a prisão preventiva com base na garantia de aplica­ ção da lei penal e determinar a proibição de ausentar-se da comarca, com o recolhimento do passaporte do agente (CPP, art. 319, IV, c/c art. 320) têm igual preocupação em assegurar a aplicação da lei penal, variando apenas o quantum de sacrifício da liberdade do agente.

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É equivocado, portanto, querer condicionar a decretação das medidas cautelares do art. 319 ao não cabimento da prisão preventiva, como o faz o art. 321 do CPP, porquanto qualquer medida cautelar de natureza pessoal toma como parâmetro as mesmas circunstâncias que justificam a decretação da prisão preven­ tiva. Na verdade, como bem observa Machado Cruz (Prisão cautelar: dramas, princípios e alternativas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 141), “a prisão preventiva é cabível, mas a sua decretação não se m os­ tra necessária, porque, em avaliação judicial concreta e razoável, devidamente motivada, considera-se suficiente para produzir o mes­ mo resultado a adoção de medida cautelar menos gravosa”. Exemplificando, suponha-se que determinado funcionário público tenha exigido, para si, vantagem indevida em razão do exercício de suas funções, o que caracteriza o crime de concussão (CP, art. 316). Iniciadas as investigações para apurar o referido delito, a autoridade policial tom a conhecim ento que o agente continua a praticar o mesmo crime. Nesse caso, evidenciado o perigo que a permanência do acusado em liberdade re­ presenta para a coletividade, ante o risco de reiteração delituosa, sua prisão preventiva poderia ser decretada com base na garantia da ordem pública. Porém, com a recente in ­ trodução das medidas cautelares diversas da prisão, ao juiz agora é deferida a possibilidade de adotar um provimento igualmente eficaz, porém com grau de lesividade bem menor. De fato, com o a reiteração da prática do crime de concussão só é possível por conta do exercício da função pública, decretada a medida cautelar da suspensão do exercício da função pública (CPP, art. 319, V I), conseguirá o magistrado atingir a mesma finalidade que seria ultimada pela prisão preventiva, a saber, im pedir o com etim ento de novos crim es. Portanto, verificando o magistrado que tanto a prisão preventiva quanto uma das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP são idôneas a atingir o fim proposto, deverá optar pela medida menos gravosa, preservando, assim, a liberdade de locomoção do agente. No entanto, caso a liberdade plena do agente não esteja colocando em risco a eficácia das

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investigações, o processo criminal, a efetivi­ dade do direito penal, ou a própria segurança social, não será possível a imposição de quais­ quer das medidas cautelares substitutivas e/ ou alternativas à prisão cautelar. 7.2.2. Possibilidade de utilização das cau­ telares diversas da prisão para a consecu­ ção de quaisquer finalidades do art. 282, I, do CPP: a despeito de o art. 2 8 2 ,1, do CPP, dispor que as medidas cautelares previstas no Título IX deverão ser aplicadas observando-se a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, quando se analisa o texto do art. 319 do CPP, parece que há me­ didas cautelares em espécie que aparentemente restringem o âmbito de sua aplicação apenas à determinada finalidade. É o que ocorre, por exemplo, no art. 319, V I, do CPP, onde o le­ gislador faz menção à suspensão do exercício de função pública quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. À primeira vista, fica parecendo que tal medida só poderia ser utilizada para essa fina­ lidade - evitar a reiteração delituosa. Porém, tal entendimento é equivocado, já que todas as medidas cautelares recentemente inseridas no CPP podem ser utilizadas para tentar neu­ tralizar qualquer situação de perigo prevista no art. 2 8 2 ,1, do CPP. O que o art. 319 faz, ao estabelecer a finalidade de determinada medida, é simplesmente orientar o juiz no sen­ tido de sua aptidão para atingir determinados objetivos, o que, no entanto, não significa que sua decretação não possa ser levada a efeito com o objetivo de neutralizar outros riscos à eficácia do processo. Logo, no exemplo citado, da mesma forma que a suspensão pode ser imposta para impedir a reiteração delituosa, também pode ser aplicada quando houver o risco de que a permanência do acusado no exercício da função possa causar prejuízos à produção probatória, em situações em que o acusado esteja destruindo provas, ameaçando testemunhas, etc. 7.3. Gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do acusado como

critério de valoração para a decretação das m edidas cautelares: verificada a necessidade da adoção de medida cautelar de natureza pessoal para aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução criminal ou para evitar a prática de infrações penais (CPP, art. 2 8 2 ,1), a intensidade e a qualidade da medida cautelar de natureza pessoal deve ser estabele­ cida segundo os critérios fixados no inciso II do art. 282 do CPP: a) gravidade do crime; b) circunstâncias do fato; c) condições pessoais do indiciado ou acusado. Destarte, pelo menos em regra, não se pode autorizar a segregação cautelar se não se vislumbra, no caso concreto, a possibilidade de imposição de pena privativa de liberdade de efetivo cumprimento. Além disso, o período de prisão cautelar jamais pode ultrapassar o prazo da pena efetivamente apli­ cável, sob pena de se tratar o não culpável de modo pior que o culpável. Em síntese, a fim de se harmonizar a imposição de qualquer medi­ da cautelar de natureza pessoal com o princípio da proporcionalidade, e com o objetivo de não se emprestar a ela função exclusivamente punitiva, que é própria do momento em que ocorre o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, sua decretação somente é pos­ sível quando, além de necessária e adequada, não resulte na imposição de gravame superior ao decorrente de eventual provimento condenatório. Impõe-se, pois, uma verificação da homogeneidade da medida adotada, sob pena de o mal causado durante o curso do processo - prisão cautelar - ser bem mais gravoso do que aquele que, possivelmente, poderia ser infligido ao acusado quando de seu término. Como a medida cautelar não pode constituir um fim em si mesmo, e tendo em conta que a prisão preventiva sempre segue o regime fe­ chado, deve a gradação em abstrato da pena do crime praticado pelo agente funcionar como importante elemento de valoração no momen­ to da apreciação da necessidade de decretação da prisão cautelar. Somente assim se consegue evitar o risco de a medida instrumental repre­ sentar, para o acusado, um mal maior do que o decorrente da própria condenação ainda por vir. De modo algum estamos dizendo que a prisão cautelar jamais poderá ser decretada

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em tais hipóteses. Na verdade, o que se impõe é uma efetiva ponderação judicial a ser feita por ocasião de sua decretação, levando-se em consideração não apenas a gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pes­ soais do investigado (CPP, art. 282, II), como também a efetiva viabilidade de imposição de pena de prisão ao final do processo. Logo, de modo a se evitar que a prisão cautelar perca sua razão de ser, passando a desempenhar função exclusivamente punitiva, sempre que o magis­ trado visualizar que a custódia cautelar pode atingir ou ultrapassar o limite máximo abstrato que a pena resultante da condenação poderia alcançar, deve se abster de adotar a medida extrema, pena de incorrer em grave vício que afasta a legitimidade e justificação das medidas cautelares - opericulum in mora inverso -, que ocorre quando houver dano irreparável à parte contrária, ou seja, quando o dano resultante da concessão da medida cautelar for superior ao que se deseja evitar. +

Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...) Paciente acusado da prática de porte ilegal de arm a de fogo, cuja sanção corporal não excede a 4 anos, ensejando a im posição de pena restritiva de direitos, ante a ausência de violência ou grave ameaça. Adem ais, a dem ora no julgam e nto de writ im petrado junto aoTribunal de Justiça da Bahia, e o fato de ser o paciente prim ário e possuir residência fixa, permitem responda ele ao processo em liberdade. A circunstância de o paciente estar se n d o in vestigado pela prática d o delito de homicídio, por si só, não se m ostra sufi­ ciente para a decretação de prisão preventiva so b o fundam entio de garantia da ordem pública. Ordem concedida". (STF, 1a Turma, H C 90.443/BA, Rei. Min. Ricardo Lew andow ski - Dje 008 03/05/2007).

S T J : "(...) Torm entosa é, aos olhos d o Relator, a necessi­ dade de prisão preventiva na hipótese de furto, ainda que qualificado. É que a preventiva sem pre se gu e o regim efechado, enquanto, nofurto, o regime, em prin­ cípio, não é esse. D esp ido o ato judicial de suficiente fundam entação, carece de legalidade; caso, portanto, de constrangim ento ilegal. H abeas corpus deferido". (STJ, 6a Turma, HC 88.909/PE, Rei. Min. Nilson Naves, DJ 18/02/2008 p. 70).

S T J : "(...) D e acordo com o princípio da h o m o g e ­ neidade, corolário d o princípio da proporcionalida­ de, mostra-se ilegítim a a prisão provisória q u an d o a m edida for m ais gravosa que a própria sanção a ser possivelm ente aplicada na hipótese de condenação, pois não se mostraria razoável manter-se alguém preso

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cautelarm ente em "regim e" m uito m ais rigoroso d o que aquele que ao final eventualm ente será imposto. Tendo o paciente sido den u nciad o pela prática do s crim es previstos n os arts. 334, § I o, "c" e "d", e 288, caput, am b os d o C ó d ig o Penal, cujas penas m áxim as em abstrato alcançam, respectivamente, 4 (quatro) e 3 (três) anos de reclusão, mostra-se ofensivo ao princípio da h o m o ge n eid ade m antê-lo preso antecipadam en­ te, haja vista ser plausível antever que o início d o cum prim ento da reprimenda, em caso de eventual condenação, se daria em m o d o m enos rigoroso que o fechado". (STJ, 5aTurma, HC 182.750/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 14/05/2013, DJe 24/05/2013).

S T J : "(...) O art. 324, IV, d o diplom a processual, ressalva que não se concederá fiança q u an d o estiverem pre­ sentes o s m otivos que autorizariam a decretação da prisão preventiva. Entretanto, no caso, a questão deve se resolver à luz d o princípio da proporcionalidade, um a vez que se nd o a liberdade a regra e a prisão a exceção neste m om ento processual, não se justifica manter o acusado preso em infração que admite fiança, m orm ente q u an d o a pena privativa de liberdade em tese projetada não seja superior a quatro anos". (STJ, 6a Turma, HC 59.009/SP, Relatora M inistra M aria Thereza de Assis Moura, DJ 03/09/2007 p. 228).

8. Aplicação isolada ou cum ulativa das m edidas cautelares: consoante disposto no art. 282, §1°, do CPP, as medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulati­ vamente. Significa dizer que, a depender da adequação da medida e da necessidade do caso concreto, é possível que o juiz adote uma ou mais das medidas acautelatórias, devendo, logicamente, verificar a compatibilidade en­ tre elas. É o que ocorre, por exemplo, com a medida cautelar do recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, cuja aplicação, a nosso ver, pode - e deve - ser feita em conjunto com o monitoramento ele­ trônico, a fim de se obter maior eficácia em seu cumprimento. A propósito, ao tratar da prisão-albergue domiciliar, a própria Lei de Execução Penal permite que o juiz defina a fis­ calização por meio de monitoramento eletrô­ nico quando conceder a prisão domiciliar (Lei n. 7.210/84, art. 146-B, IV, acrescentado pela Lei n. 12.258/10). Evidentemente, na hipótese de decretação da prisão cautelar (ou internação provisória), não será possível a cumulação com outra medida cautelar, uma vez que já se estará impondo ao acusado o grau máximo de restrição cautelar, privando-o de sua liberdade

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de locomoção. Porém, à exceção dessas hipóte­ ses, as demais medidas cautelares poderão ser aplicadas, isolada ou cumulativamente. Aliás, nas hipóteses de prisão domiciliar, também se afigura possível a aplicação cumulativa de uma das medidas cautelares do art. 319 do CPP (v.g., monitoramento eletrônico), porquanto há plena compatibilidade entre elas. 9. Decretação de medidas cautelares pelo juiz de ofício durante as investigações: na fase investigatória, é vedada a decretação de medidas cautelares pelo juiz de ofício, sob pena de evidente violação ao sistema acusatório. Acolhido de forma explícita pela Constitui­ ção Federal de 1988 (art. 129, I), o sistema acusatório determina que a relação processual somente pode ter início mediante a provocação de pessoa encarregada de deduzir a pretensão punitiva (ne procedat judex ex officio). Des­ tarte, antes do início do processo, deve o juiz se abster de promover atos de ofício. Afinal, graves prejuízos seriam causados à impar­ cialidade do magistrado se se admitisse que este pudesse decretar uma medida cautelar de natureza pessoal de ofício na fase pré-processual, sem provocação da parte ou do órgão com atribuições assim definidas em lei. Portanto, antes do início do processo, destoa das funções do magistrado exercer qualquer atividade de ofício que possa caracterizar uma colaboração à acusação. O que se reserva ao magistrado, nesse momento, é atuar somente quando for provocado, tutelando liberdades fundamentais como a inviolabilidade domici­ liar, a vida privada, a intimidade, assim como a liberdade de locom oção, enfim , atuando como garantidor da legalidade da investigação. A Lei da prisão temporária (Lei n. 7.960/89) reforça esse argumento. Tendo seu âmbito de incidência limitado à fase preliminar, a própria lei, atenta ao novo sistema acusatório trazido pela Constituição Federal, não possibilitou que o juiz decretasse a medida cautelar de ofício. Em outras palavras, se ao juiz não é permiti­ do, durante a fase das investigações, expedir ordem de prisão temporária, cuja vedação consta expressamente do art. 2o, caput, da Lei n. 7.960/89, por que não acolher igual vedação em relação às demais medidas cautelares?

9.1. Provocação do magistrado pelos inte­ ressados e fungibilidade das medidas cau­ telares: diante do teor do art. 282, §§2° e 4o, c/c art. 311, ambos do CPP, com redação deter­ minada pela Lei n. 12.403/11, conclui-se que, durante a fase investigatória, a decretação das medidas cautelares pelo juiz só poderá ocorrer mediante provocação da autoridade policial, do Ministério Público ou do ofendido - neste caso, exclusivamente em relação aos crimes de ação penal de iniciativa privada. Desde que o magistrado seja provocado, é possível a decretação de qualquer medida cautelar, haja vista a fungibilidade que vigora em relação a elas. Por isso, se o Ministério Público requerer a prisão temporária do acusado, é plenamente possível a aplicação de medida cautelar diversa da prisão, ou vice-versa. 9.2. R e vo g aç ã o e/ou su b stitu ição d as medidas cautelares ex officio durante as investigações: se ao juiz não se defere a pos­ sibilidade de decretar medidas cautelares de oficio na fase investigatória, o mesmo não pode ser dito quanto à possibilidade de revogação ou substituição. De fato, considerando que a revogação ou substituição recai sobre medida anteriormente decretada pelo próprio juiz, em relação à qual já fora anteriormente provocado, não há dúvidas acerca da possibilidade de o juiz rever a medida cautelar de ofício, inde­ pendentemente de provocação das partes. 10. Decretação de m edidas cautelares pelo juiz de ofício durante o curso do pro­ cesso: uma vez provocada a jurisdição por denúncia do Ministério Público - ou queixa-crime do particular ofendido - , a autoridade judiciária competente passa a deter poderes inerentes à própria jurisdição penal, podendo, assim, decretar medidas cautelares de ofício caso verifique a necessidade do provimento para preservar a prova, o resultado do processo ou a própria segurança da sociedade. Tutela cautelar e tutela antecipatória. São Paulo: Re­ vista dos Tribunais, 1992, p. 79. 11. Legitimidade para o requerimento de decretação de medida cautelar: durante a fase investigatória, as medidas cautelares po­

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dem ser decretadas em face de representação da autoridade policial, assim como em virtu­ de de requerimento do M inistério Público. Durante o curso do processo criminal, tais medidas podem ser decretadas de ofício pelo juiz, assim como em face de requerimento do Parquet, do querelante ou do assistente. 11.1. Representação da autoridade poli­ cial e (des) necessidade de manifestação do Ministério Público: questão pouco debatida na doutrina diz respeito à possibilidade de decretação de medidas cautelares de natureza pessoal, aí incluída a prisão cautelar, durante a fase investigatória, em virtude de representa­ ção da autoridade policial, porém sem a prévia oitiva do Ministério Público. De acordo com o art. 129, inciso I, da Constituição Federal, o Ministério Público é o titular da ação penal pública. Essa titularidade também diz respeito a todas as demais medidas de natureza cautelar. Com efeito, devido ao caráter instrumental das medidas cautelares em relação à ação principal, devem elas ser pleiteadas pelo próprio titular da ação de acordo com a estratégia processual considerada eficiente e adequada para viabi­ lizar a ação principal. Assim, a nosso ver, só pode se admitir o manejo das medidas caute­ lares por parte daquele que esteja na legítima condição de parte para o processo principal. Se o Código de Processo Penal ainda prevê a possibilidade de as medidas cautelares serem decretadas em face de representação da auto­ ridade policial, sem que se refira à necessária e prévia aquiescência do órgão do Ministério Público (CPP, art. 282, §2°, e art. 311), deve-se compreender que assim o faz porquanto, na vigência da ordem constitucional pretérita, ainda se admitia o compartilhamento da titula­ ridade da ação penal pública entre o Ministério Público, delegados de polícia e até a própria autoridade judiciária. De fato, de acordo com o art. 26 do CPP, tido como não recepcionado pela Carta Magna, a ação penal, nas contra­

venções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou p or meio deportaria expedida pela autoridade judiciária ou policial. Assim, no regime constitucional anterior, admitia-se uma representação direta entre autoridade policial e Poder Judiciário, na medida em

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que aquele detinha parcela da titularidade na persecução penal. Com a titularidade privativa da ação penal pública por parte do Ministério Público e a consequente adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal de 1988 (art. 129,1), nenhuma outra autoridade detém legitimidade para postular medida cautelar para fins de instrumentalizar futura ação penal pública. Assim, no caso de representações da autoridade policial noticiando a necessidade de adoção de medidas cautelares para viabilizar a apuração de infração penal, ou até mesmo para assegurar a eficácia de fúturo e eventual processo penal, é cogente a manifestação do órgão ministerial, a fim de que seja avaliado se a medida sugerida é (ou não) necessária e adequada aos fins da apuração da infração. Por conseguinte, a decretação da prisão preventiva na fase investigatória mediante representação da autoridade policial, que não é parte na relação processual, funciona como verdadeira hipótese de prisão decretada de ofício, o que, como visto acima, não pode ser admitido du­ rante a fase preliminar, diante da adoção do sis­ tema acusatório pela Constituição Federal de 1988. Tendo em conta que o MP é o titular da ação penal pública, fosse possível a decretação da prisão sem a oitiva do Parquet, poder-se-ia ocorrer de, por exemplo, a prisão preventiva ser decretada em hipótese em que o dominus litis sequer visualizasse a presença de justa causa para oferecer denúncia. Consideramos, pois, indispensável a oitiva do MP, sob pena de restar caracterizada espécie de prisão pre­ ventiva decretada de ofício durante as investi­ gações. Todavia, no curso do processo, como se admite a atuação de ofício pelo juiz em face do interesse público na justa prestação jurisdicional, nada impede que o magistrado decrete a prisão preventiva a partir da representação da autoridade policial, sobretudo quando tiver notícia de reiteração delituosa. Admitida a legitimidade exclusiva do Ministério Público para solicitar a decretação de medidas caute­ lares na fase investigatória em crimes de ação penal pública, já que a autoridade policial não é dotada de capacidade postulatória, é importante que haja algum tipo de controle e revisão sobre a atuação ministerial. A sindi-

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11.3. Legitim idade d o assistente do M i­ nistério Público: de acordo com a antiga re­ não se pode admitir a existência de poderes dação do art. 311 do CPP, a prisão preventiva absolutos, insusceptíveis de controle. Logo, a somente podia ser decretada mediante repre­ fim de se evitar que eventual discordância do sentação da autoridade policial, ou mediante Ministério Público em face de representação requerimento do Ministério Público, ou do formulada pela autoridade policial no sentido querelante. Com a nova redação conferida da decretação de prisão cautelar fique imune a ao art. 311 do CPP pela Lei n. 12.403/11, o qualquer tipo de controle, é possível a aplicação assistente também passa a ter legitimidade subsidiária do princípio da devolução inserido para requerer a prisão preventiva. Essa legi­ no art. 28 do CPP. Assim, em caso de discor­ timidade, todavia, somente pode ocorrer du­ dância do membro do parquet, o delegado e/ rante o curso do processo. Afinal, segundo o ou magistrado devem devolver a apreciação art. 268 do CPP, só se admite a habilitação do da questão ao órgão superior do Ministério assistente da acusação no curso do processo Público. Nesse contexto: MENDONÇA, Anpenal. Essa legitimidade também se estende drey Borges. Prisão e outras medidas cautelares às demais medidas cautelares de natureza pessoais. São Paulo: Editora Método, 2011. p. pessoal, já que o art. 282, §2°, faz menção ao 70. A propósito, a 2a Câmara de Coordena­ requerimento das partes , aí incluído o assis­ ção e Revisão do Ministério Público Federal tente da acusação. Se o assistente passa a ter entende que a autoridade policial não tem legitimidade para requerer a decretação de legitimidade para representar, diretamente, ao medidas cautelares, forçoso é concluir pela juiz para a decretação de medidas cautelares, superação do enunciado da súmula n. 208 do e que a titularidade seria exclusiva do M inis­ Supremo Tribunal Federal, segundo o qual “o assistente do Ministério Público não pode tério Público (vide autos do Procedimento n. I. 00.001.000095/2010), valendo ressaltar que recorrer extraordinariamente de decisão con­ cessiva de habeas corpus”. Ora, se, por força esse entendimento foi corroborado pelo Con­ da Lei n. 12.403/11, o assistente passou a ter selho Superior do Ministério Público Federal legitimidade para requerer a prisão preventiva m 04 de julho de 2011.I. durante o andamento do processo (art. 311), I I . 2. Legitimidade do ofendido nos cri­ há de se concluir que também passou a ter interesse recursal para impugnar eventual mes de ação penal privada: de acordo com decisão concessiva de habeas corpus relativa a redação expressa do art. 282, §2°, infine, do à prisão preventiva decretada durante o curso CPP, o ofendido não teria legitimidade para do processo penal. requerer a decretação de medidas cautelares em crimes de ação penal privada durante a fase 11.4. Legitim idade do investigado (ou investigatória, já que o dispositivo fala apenas acusado): os §§2° e 4o do art. 282 do CPP em representação da autoridade policial ou nada dizem acerca da legitimidade do inves­ mediante requerimento do Ministério Público tigado ou acusado para requerer a decretação no curso da investigação criminal. Em que pese de medidas cautelares, o que, aliás, é bem o teor do referido preceito, pensamos que não óbvio, já que dificilmente este teria interesse há justificativa razoável para não se outorgar ao em postular medida que restringe ou limita ofendido legitimidade para requerer a medida direitos próprios atinentes a sua liberdade de na fase investigatória na hipótese de crimes locomoção. Porém, tal hipótese não pode ser de ação penal privada. Ora, se a lei transfere desprezada, porquanto, nos casos em que a ao ofendido a legitimidade para a ação penal acusação postule a imposição de determinada de iniciativa privada, deve obrigatoriamente medida cautelar, e considerando a previsão transferir a ele todos os instrumentos para o do contraditório prévio no art. 282, §3°, é possível que o acusado, em contraposição a exercício do seu direito, dentre os quais o de eventual pedido de prisão preventiva, postule pleitear a adoção de medidas cautelares.

cabilidade é fundamental nesse ponto, já que

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, cumulado com medida cautelar diversa da prisão. Com esse entendimento: BO TTIN I, Pierpaolo. As reformas no processo

penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. Coordenação Maria Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 462. 12. Contraditório prévio à decretação das medidas cautelares: no processo penal, sempre prevaleceu o entendimento de que não seria possível conceber e admitir a intervenção defensiva do investigado e/ou de seu advogado em momento anterior à decretação da prisão cautelar, sob pena de frustração da eficácia da medida cautelar pleiteada. Assim, as medidas cautelares pessoais eram sempre aplicadas inaudita altera pars , ou seja, sem a oitiva da parte contrária. A defesa, portanto, somente teria condições de interferir na decretação da prisão preventiva e/ou temporária em m o­ mento diferido, questionando a legalidade da medida por meio de habeas corpus, isto é, o contraditório era diferido. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, e na esteira da moderna legislação europeia, o art. 282, §3°, do CPP, passou a prever o contraditório pré­ vio à decretação da medida cautelar. Em face desse preceito, pelo menos em regra, a parte contrária deverá ser chamada para opinar e contra argumentar em face da representação da autoridade policial, do requerimento do Minis­ tério Público, do querelante ou do assistente, confiando-se ao juiz a ponderação plena e com visibilidade, em face da presença de mais uma e justificada variável, de todos os aspectos que tangenciam a extensão da medida, permitindo-lhe chegar a um convencimento mais adequa­ do sobre a necessidade (ou não) de adoção da medida cautelar pleiteada. De fato, as razões apresentadas pela defesa técnica podem levar o juiz a não adotar a medida cautelar preten­ dida, não só em uma hipótese de eventual erro quanto à qualificação do verdadeiro autor do delito, como também na hipótese em que ele conseguir demonstrar a desnecessidade do provimento cautelar, ou, ainda, a possibilidade de adoção de medida menos gravosa. Perceba-se que o art. 282, §3°, do CPP, refere-se à

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necessidade de observância de contraditório prévio somente quando houver pedido de me­ dida cautelar, olvidando-se quanto à hipótese em que esse provimento cautelar é decretado de ofício pelo magistrado durante o curso do processo. De modo semelhante, ao se referir às hipóteses de descumprimento das obrigações impostas, e possível substituição da medida, imposição de outra em cumulação, ou, em último caso, decretação da prisão preventiva, o art. 282, §4°, do CPP, também silencia quanto à observância do contraditório prévio. A nosso ver, não há justificativa razoável para esse tra­ tamento desigual. Ora, se a lei passou a exigir, pelo menos em regra, o contraditório prévio à decretação da medida cautelar, este deve ser observado não só quando houver pedido formulado pelas partes, como também quando a medida for decretada de ofício pelo magis­ trado, ou quando resultar do descumprimento de obrigações impostas por meio de outras medidas cautelares. Como o art. 282, §3°, do CPP, não estabelece qualquer distinção, esse contraditório prévio deve ser observado tanto na fase judicial quanto na fase investigatória, apesar de sabermos que, nesta última, não vigora o contraditório de maneira absoluta. 12.1. Contraditório diferido quando hou­ ver perigo de ineficácia da medida: apesar de o art. 282, §3°, do CPP, ter instituído o contraditório prévio à decretação da medida cautelar, o próprio dispositivo ressalta que, nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o provimento cautelar poderá ser determinado pelo magistrado sem a pré­ via oitiva da parte contrária. É o que pode ocorrer por ocasião da decretação de prisão preventiva, situação em que a prévia comuni­ cação ao acusado pode levá-lo a empreender fuga. Basta imaginar, por exemplo, hipótese de requerimento de decretação de prisão com base na garantia de aplicação da lei penal. Se a própria decretação da medida já pressupõe a demonstração de que o acusado pretende fugir do distrito da culpa, inviabilizando futura e eventual execução da pena, não é leviano concluir que, cientificado o acusado de que o juiz está considerando a possibilidade de prendê-lo cautelarmente, provavelmente irá

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levar adiante seu desiderato, fugindo. Pensar o contrário é muita ingenuidade. Nesse caso, a limitação ao exercício do direito de defesa é plenamente constitucional e se apresenta em franca compatibilidade com a prisão cautelar decretada, que pressupõe a surpresa e a imprevidência, preservando a eficácia do processo. Aqui, a defesa terá condições de interferir na decretação da medida cautelar apenas em m o­ mento posterior, questionando sua legalidade por meio de eventual recurso ou habeas corpus, hipótese em que o contraditório será diferido. Como a observância do contraditório prévio passa a ser a regra em virtude do art. 282, §3°, do CPP, se o juiz entender que não deve dar prévia ciência ao acusado da possibilidade de imposição de medida cautelar de natureza pessoal contra sua pessoa, deve fazer constar da motivação de sua decisão a situação de urgência ou de perigo de ineficácia da medida que justificou a imposição da cautelar inaudita altera pars. Em síntese, o motivo que deu ense­ jo ao afastamento do contraditório prévio deve fazer parte da fundamentação da decisão. 13. D escum prim ento injustificado das obrigações inerentes às medidas cautelares: de nada adianta a imposição de determi­ nada medida cautelar se a ela não se emprestar força coercitiva. É nesse sentido que se destaca a importância dos arts. 282, §4°, e 312, pa­ rágrafo único, ambos do CPP, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11. Verificado o descumprimento injustificado das medidas cautelares diversas da prisão, o que demonstra que o acusado não soube fazer por merecer o benefício da medida menos gravosa, é possível que o juiz determine a substituição da medida, a imposição de outra em cumulação, ou, em última hipótese, a própria prisão preventiva. O magistrado não está obrigado a seguir a ordem indicada no art. 282, §4°, do CPP. Na verdade, incumbe a ele analisar qual das medidas é mais adequada para a situação concreta. Para tanto, e em fiel observância ao disposto no art. 282, §3°, deve ser assegurado ao acusado o contraditório prévio, ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, apontando o magistrado, fundamentadamente, as razões pelas quais entendeu necessária a

substituição da medida, a imposição de outra em cumulação, ou a imposição da prisão pre­ ventiva. Portanto, o descumprimento a que se refere o art. 282, §4°, do CPP, além de injustifi­ cado, deve ser comprovado mediante o devido processo legal, assegurados ao investigado ou acusado o direito ao contraditório e à ampla defesa, salvo na hipótese de urgência ou de perigo de ineficácia da medida. A decisão ju ­ dicial determinando a substituição da medida cautelar descumprida, imposição de outra em cumulação, ou até mesmo a prisão preventiva, deve ser devidamente fundamentada, bem como lastreada em critérios de legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, ex vi do art. 282, incisos I e II, do CPP. 13.1. (Des) necessidade de observância dos pressupostos do art. 313 do CPP para fins de decretação da prisão preventiva: questão que tem provocado acirrada contro­ vérsia na doutrina diz respeito à possibilidade de decretação da prisão preventiva diante do descumprimento injustificado das cautelares diversas da prisão se acaso a infração penal não preencher uma das hipóteses do art. 313 do CPP: crime doloso punido com pena máxima superior a 4 (quatro) anos; acusado reincidente em outro crime doloso, ressalvado o lapso temporal de 5 (cinco) anos da reincidência; crime cometido com violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa. A título de exemplo, suponha-se a prática de um crime de lesão corporal leve, previsto no art. 129, caput, cuja pena é de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Inicialmente, visando impedir a reiteração delituosa, já que o acusado estaria ameaçando a vítima, o juiz determinou a imposição da me­ dida cautelar de proibição de manter contato com pessoa determinada (CPP, art. 319, III), in casu, o próprio ofendido. Ocorre que o acusado passou a frequentar, com certa frequência, as imediações próximas ao local de trabalho do ofendido. Ciente do descumprimento da pri­ meira medida imposta, o juiz, então, resolveu impor outra medida cumulativamente, a saber,

TITULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

proibição de frequentar o local de trabalho da vítima (CPP, art. 319, II). Novamente, o acu­ sado deixou de observar as medidas cautelares impostas pelo juiz. Indaga-se: seria cabível a decretação da prisão preventiva, a despeito de o crime praticado pelo agente não se adequar a nenhuma hipótese do art. 313 do CPP? Sob a ótica do princípio da homogeneidade, em virtude do qual não é possível a aplicação de medida cautelar durante o curso da persecução penal que cause ao acusado malefícios mais graves do que a própria pena aplicada ao final do processo, sob pena de, figurativamente, aplicar-se a um doente remédio com efeitos colaterais mais graves que aqueles provocados pela doença a ser curada, há doutrinadores que se posicionam no sentido da necessária observância dos requisitos do art. 313 para fins de decretação da preventiva, mesmo nas hipóteses de anterior descumprimento das cautelares diversas da prisão. É nesse sentido a lição de Antônio Magalhães Gomes Filho

(Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas alternativas - comentários à Lei 12.403, de 04/05/2011. Coordenação: Og Fernandes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 47). Prevalece, no entanto, o entendimento em sentido contrário. Por mais que se deva respeitar a homogeneidade das medidas cau­ telares, não se pode negar ao juiz a possibili­ dade de decretar a prisão preventiva no caso de descumprimento das cautelares diversas da prisão, ainda que ausente qualquer das hipóteses do art. 313 do CPP, sob pena de se negar qualquer coercibilidade a tais medidas. Realmente, se dissermos que, na hipótese de não preenchimento do art. 313 do CPP, jamais será possível a decretação da prisão preventiva diante do descumprimento das cautelares di­ versas da prisão, o art. 319 do CPP tornar-se-á letra morta em relação a tais delitos. Afinal, se o acusado sabe, antecipadamente, que a inobservância das cautelares jamais poderá dar ensejo à conversão em preventiva, isso implica em retirar qualquer força coercitiva das medidas cautelares recém criadas pela Lei n. 12.403/11. De nada terá adiantado, assim, a criação de um amplo e variado leque de medidas cautelares diversas da prisão se, uma

282

vez aplicadas e descumpridas, nada puder ser feito para neutralizar as situações de perigo do art. 2 8 2 ,1, do CPP. Tendo em conta que a pró­ pria eficácia das medidas cautelares diversas da prisão está condicionada, essencialmente, ao seu caráter coercitivo, de onde se extrai a importância da possibilidade de decretação da preventiva como ameaça constante que deve pairar sobre o acusado para a eventualidade de descumprimento injustificado das medidas do art. 319 do CPP, concluímos que, na hipótese do art. 282, §4°, c/c art. 312, parágrafo único, a preventiva pode ser decretada independente­ mente da observância do art. 313 do CPP. Esse entendimento não acarreta qualquer violação ao princípio da homogeneidade. Isso porque a concessão de benefícios despenalizadores como a transação penal, suspensão condicional do processo, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, etc., nem sempre depende apenas do quantum de pena cominado ao delito. Com efeito, a concessão de tais benefícios sempre leva em consideração a análise das circunstâncias judiciais do acusado. A título de exemplo, não se admitirá a proposta de transação penal se os antecedentes, a con­ duta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que tal medida revela-se insuficiente (Lei n. 9.099/95, art. 76, §2°, III). De modo seme­ lhante, a proposta de suspensão condicional do processo não será apresentada ao acusado se ausentes os requisitos que autorizam a sus­ pensão condicional da pena (Lei n. 9.099/95, art. 89, caput). De seu turno, a substituição por restritiva de direitos pode ser negada se acaso o juiz constatar que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personali­ dade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa subs­ tituição não seja suficiente (CP, art. 44, III). Ademais, a pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorre o descumprimento injustificado da restrição imposta (CP, art. 44, §4°). Como se vê, a pena em abstrato do delito nem sempre é sinônimo de aplicação de tais benefícios. Ora, tendo em conta que a nova redação do art. 313 do CPP foi pensada exatamente para se impedir a de­

Aft. 282

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

cretação da preventiva nas hipóteses em que não se vislumbra a possibilidade de aplicação de pena de prisão ao final do processo, é de se concluir que, na hipótese de descumprimento injustificado das cautelares diversas da prisão, é bem provável que o acusado não faça jus aos institutos despenalizadores acima menciona­ dos ao final do processo, já que suas circuns­ tâncias são desfavoráveis. Logo, não há falar em desrespeito à homogeneidade na hipótese de decretação da preventiva. É nesse sentido a li­ ção de Eugênio Pacelli de Oliveira (Atualização do processo penal. Lei n. 12.403/11 - capítulo a ser incorporado à obra Curso de processo penal. 15a ed. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2011. p. 19.). Segundo o autor, com o advento da Lei n. 12.403/11, a prisão preventiva poderá ser utilizada em três circunstâncias distintas: a) de modo autônomo, em qualquer fase da investi­ gação, hipótese em que sua decretação estará condicionada à observância dos arts. 311,312 e 313 do CPP; b) como conversão da prisão em flagrante (CPP, art. 310, II), que também está condicionada à observância dos arts. 311,312 e 313 do CPP, e, por fim; c) de modo subsidiário, pelo descumprimento de cautelar diversa da prisão anteriormente imposta (CPP, art. 282, §4°, c/c art. 312, parágrafo único), hipótese em que a preventiva poderá ser decretada inde­ pendentemente das circunstâncias e hipóteses arroladas no art. 313 do CPP.

social efetiva, da da a real possibilidade de que, solto, volte a com eter infrações penais. Inviável afirmar que a m edida extrem a é desproporcional em relação a eventual con de n ação que o réu sofrerá ao final do processo que a prisão visa acautelar, pois não há como, em sede de habeas corpus, concluir que será beneficia­ d o com a fixação de regim e m enos gravoso ou com a substituição da reprim enda por restritivas de direito, diante de seu histórico criminal. (...) H abeas corpus não conhecido. (...)''. (STJ, 5a Turma, HC 281.472/MG, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 05/06/2014, DJe 18/06/2014). S T J :"(...) RECEPTAÇÃO. PR ISÃ O EM FLAGRANTE. D E­ FERIM EN T O D E L IBER D A D E PR O V ISÓ R IA M E D IA N T E FIAN Ç A E C O N D IÇ Õ ES. D ES C U M P R IM E N T O D A S O BRI­ G A Ç Õ E S A S S U M ID A S . PREVENTIVA. M O D A L ID A D E D E C O N S T R IÇ Ã O A N T E C IP A D A Q U E N Ã O ESTARIA S U B M E T ID A Ã S E X IG Ê N C IA S D O ART. 313 D O CPP. RÉU REINCIDENTE EM C R IM E DOLOSO. REQ UISITO D O ART. 313, II, D O CPP. PREENCHIM ENTO. SEG REG A ÇÃ O F U N D A D A N O ART. 312 D O CPP. N E C E SSID A D E D E A S ­ SEG U RA R A C O N V EN IÊN C IA D A IN STRUÇÃO C R IM IN A L E D E GA RAN T IR A A P LICA ÇÃ O D A LEI PENAL. ENVOLVI­ M EN TO EM C R IM E GRAVE ANTERIOR. REITERAÇÃO DELITIVA. RISCO EFETIVO. GA RAN TIA D A O R D E M PÚBLICA. C O N ST R A N G IM E N T O ILEGAL N Ã O EV ID EN C IA D O . 1. A prisão preventiva decretada em razão d o descu m ­ prim ento de m edida cautelar anteriormente im posta ao paciente não está subm etida às circunstâncias e hipóteses previstas no art. 313 do CPP, de acordo com a sistem ática das novas cautelares pessoais. 2. Não fosse por isso, cuidando-se de paciente que ostenta condenação definitiva anterior pelo delito de tráfico de entorpecentes, preenchido está o requisito d o art. 313, inciso II, d o CPP, autorizando a preventiva. 3. Não há o que se falar em constrangim ento ilegal qu an do a custódia está devidam ente justificada na garantia de aplicação da lei penal, um a vez que, beneficiado



J u r is p r u d ê n c i a s e le c i o n a d a :

com a liberdade provisória, o paciente furtou-se de cumprir o com prom isso firmado, deixando de informar

S T J ;"(...) A prisão preventiva decretada em razão do descum prim ento de m edida cautelar anteriormente

a m udança de endereço e de com parecer em Juízo

im posta ao paciente não está subm etida às circunstân­ cias e hipóteses previstas no art. 313 d o CPP, de acordo

relação processual. 4. N os term os d o s arts. 282, § 4°,

com a sistemática das novas cautelares pessoais. A u ­

m ento das m edidas cautelares im postas q u an d o da

sente coação ilegal q u a n d o a constrição está devida­ m ente justificada na garantia de aplicação da lei penal,

justificar a necessidade da segregação. Precedentes. 5.

um a vez que, beneficiado com a liberdade provisória, o

A constrição encontra-se justificada tam bém em razão

paciente furtou-se de cumprir o com prom isso firmado,

do s registros criminais d o réu, revelando a propensão

deixando de informar a m udança de endereço e de

à prática delitiva e dem onstrando a sua periculosidade

q u a n d o intim ado, inviabilizando a regularidade da e 312, parágrafo único, am b os d o CPP, o descum pri­ liberdade provisória constitui m otivação idônea para

com parecer em Juízo q u an do intimado, inviabilizando

social efetiva, dada a real possibilidade de que, solto,

a regularidade da relação processual. 3. N os term os dos

volte a com eter infrações penais. 6. Habeas corpus não

arts. 282, § 4°, e 312, parágrafo único, am b os d o CPP, o descum prim ento das m edidas cautelares im postas

Jorge Mussi, j. 05/06/2014, DJe 18/06/2014).

q u an d o da liberdade provisória constitui m otivação idônea para a preventiva. Precedentes. A segregação encontra-se autorizada tam bém em razão da notícia de condenação anterior d o réu, revelando a propensão à prática delitiva e de m on strand o a sua periculosidade

conhecido". (STJ, 5a Turma, H C 286.578/SP, Rei. Min.

13.2. Não tipificação do crime de deso­ bediência: o descumprimento injustificado das medidas cautelares diversas da prisão não

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

caracteriza o crime de desobediência (CP, art. 330). Isso porque o próprio CPP (art. 282, §4°) já prevê as consequências decorrentes do descumprimento das cautelares - substituição da medida, imposição de outra cumulativamente ou decretação da prisão preventiva - , sem fazer qualquer ressalva expressa quanto à possibili­ dade de responsabilização criminal pelo delito de desobediência. Quando a lei extrapenal não traz previsão expressa acerca da possibilidade de cumulação do crime de desobediência com outras sanções extrapenais, como ocorre na hipótese em questão, é firme o entendimento jurisprudencial no sentido da impossibilidade de tipificação do referido delito. + Jurisprudência selecionada: S T J :"(...) A jurisprudência desta Corte firm ou enten­ dim e nto de q u e para a con figu ração d o "crime de desobediência, não basta apenas o não cum prim en­ to de um a ordem judicial, se nd o indispensável que inexista a previsão de sanção específica em caso de seu d e sc u m p rim e n to " (HC n.° 115504/SP, Rei. Min. Jane Silva (Desem bargadora Convocada), 6.a Turma, Dje 09/02/2009). Resta evidenciada a atipicidade da conduta, porque a legislação previu alternativas para que ocorra o efetivo cum prim ento das m edidas protetivas de urgência, previstas na Lei M aria da Penha, prevendo sanções de natureza civil, processual civil, adm inistrativa e processual penal. Recurso provido para, reconhecida a atipicidade da conduta, trancar a ação penal". (STJ, 5a Turma, RH C 41.970/M G, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 07/08/2014, DJe 22/08/2014). Na m esm a linha: STJ, 6a Turma, REsp 1,374.653/MG, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 11/3/2014.

14. Revogabilidade e/ou substitutividade das medidas cautelares: como desdobramen­ to de sua natureza provisória, a manutenção de uma medida cautelar depende da persistência dos motivos que evidenciaram a urgência da medida necessária à tutela do processo. São as medidas cautelares situacionais, pois tutelam uma situação fática de perigo. Desaparecido o suporte fático legitimador da medida, con­ substanciado pelo fum us comissi delicti e pelo periculum libertatis, deve o magistrado revogar a constrição. Por isso é que se diz que a decisão que decreta uma medida cautelar está sujeita à cláusula rebus sic stantibus, pois está sempre sujeita à nova verificação de seu cabimento, seja para eventual revogação, quando cessada

j

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a causa que a justificou, seja para nova decre­ tação, diante do surgimento de hipótese que a autorize (CPP, art. 282, §5°, c/c art. 316). Assim, como observa Badaró (BADARÓ, Gus­ tavo Henrique. Medidas cautelares no processo

penal: prisões e suas alternativas - comentários à Lei 12.403, de 04/05/2011. Coordenação: Og Fernandes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 224.), uma vez decretada qualquer das medidas cautelares alternativas à prisão, mudanças do estado de fato subjacente ao momento de sua decretação ou mesmo o surgimento de novas provas que alterem o convencimento judicial sobre o fumus comissi delicti ou o periculum libertatis podem levar à necessidade de: 1) revogação da medida cautelar; 2) substituição da medida cautelar por outra, mais gravosa ou mais benéfica; 3) reforço da medida cautelar, por acréscimo de outra medida em cumulação; 4) atenuação da medida caultear, pela revogação de uma das medidas anteriormente imposta cumulativa­ mente com outra. 14.1. Legitimidade para o requerimento de revogação ou substituição das medidas cautelares: em que pese o art. 282, §5°, do CPP, nada dispor acerca da legitimidade para o requerimento da revogação ou substituição da medida cautelar, tal decisão pode ser proferida de ofício pelo juiz, ou mediante requerimento de qualquer das partes, seja da defesa, seja do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou mediante representação da auto­ ridade policial. Exemplificando, se ao acusado tiver sido determinada a proibição de manter contato com pessoa determinada, a fim de assegurar a eficácia da instrução probatória, ouvida a testemunha, poderá a defesa reque­ rer a revogação da medida, porquanto deixou de existir o fundamento que autorizava sua decretação. 14.2. Revisão da legalidade da manuten­ ção das prisões cautelares com periodicida­ de mínima anual: apesar de a Lei n. 12.403/11 não ter previsto qualquer dispositivo expresso quanto ao controle permanente da subsistência das condições de aplicabilidade das medidas cautelares pessoais por parte da autoridade ju ­

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CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

diciária, especial atenção deve ser dispensada à Resolução Conjunta n. 1 do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Minis­ tério Público, que foi editada com o objetivo de institucionalizar mecanismos de revisão periódica das prisões provisórias e definitivas. De acordo com o art. I o da referida Resolução, as Unidades do Poder Judiciário e do Minis­ tério Público, com competência em matéria crim inal, infracional e de execução penal, implantarão mecanismos que permitam, com periodicidade mínima anual, a revisão da lega­ lidade da manutenção das prisões provisórias e definitivas, das medidas de segurança e das internações de adolescentes em conflito com a lei. Especificamente quanto à prisão provisória, a Resolução estabelece que a revisão consistirá na reavaliação de sua duração e dos requisitos que a ensejaram (art. 2o). Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, parece-nos que este art. I o deve ser interpretado extensivamente, para se entender que a verificação com perio­ dicidade mínima atual deve abranger não só as prisões provisórias, como todas as demais medidas cautelares. 15. D u ra ção d as m e d id as cautelares de natureza pessoal: nada disse a Lei n. 12.403/11 quanto ao prazo de duração das medidas cautelares de natureza pessoal. O problema, como se percebe, assemelha-se à ausência de previsão de prazo de duração da prisão preventiva, tema a ser melhor estudado por ocasião da análise dos arts. 311 a 3 1 6 d o CPP. Por ora, destacamos apenas que, em se tratando de medidas cautelares diversas da prisão, o prazo de sua duração pode ser mais dilatado quando comparado ao da prisão. Na verdade, há uma relação inversa entre a gravi­ dade da restrição à liberdade de locomoção e o prazo de sua manutenção, ou seja, quanto mais grave a restrição aos direitos fundamentais do acusado, menor deve ser o prazo de duração da medida cautelar. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Paciente

afastado d o cargo de D ese m ba r­

g a d o r d o TJ/PE de sd e o recebim ento da denúncia - 19.3.2003 (por m ais de 4 an o s e 6 m eses ao m o ­ m ento da se ssão de ju lgam e n to pela 2a Turm a em

30.10.2007), sem que a instrução crim inal tenha sido concluída. C on figu rada excessiva m ora da instrução crim inal d e n o m in a d a c o m o "excesso de prazo gri­ tante". Precedentes d o STF: H C no 87.913/PI, Rei. Min. Cárm en Lúcia, I a Turma, unânim e, DJ 5.9.2006; HC no 84.095/GO, Rei. Min. Joaquim Barbosa, 2a Turma, u n ân im e, DJ 2.8.2005; H C n o 83.177/PI, Rei. M in. N elson Jobim, 2a Turma, unânim e, DJ 19.3.2004; e HC no81.149/RJ, Rei. M in. lim ar Galvão, 1aTurma, un âni­ me, DJ 5.4.2002. O rdem deferida tão-so m e n te para su spen der os efeitos da decisão da Corte Especial d o STJ n o que concerne à im po sição d o afastam ento d o cargo n os term os d o art. 29 da LC n o 35/1979, deter­ m inando, por consequência, o retorno d o paciente à fu n ção de D e se m b a rga d o r Estadual perante oTJ/PE". (STF, 2aTurma, HC 90.617/PE, Rei. Min. Gilm ar Mendes, j. 30/10/2007, DJe 41 06/03/2008).

16. Extinção das m edidas cautelares di­ versas da prisão: na hipótese de sentença condenatória com trânsito em julgado, tendo em conta que o acusado deverá dar inicio ao cumprimento da pena definitiva, a medida provisória deverá ser extinta. Essa extinção também deverá ocorrer automaticamente nos casos de arquivamento do inquérito policial, rejeição da peça acusatória, extinção da punibilidade, absolvição sumária, ou, ainda, na hipótese de sentença absolutória, tal qual dis­ posto no art. 386, parágrafo único, II, do CPR Em tais situações, a medida cautelar deve ser cassada de imediato, ainda que haja recurso da acusação, já que esta impugnação não é dotada de efeito suspensivo. 17. Detração no caso de aplicação das m edidas cautelares diversas da prisão: por força do art. 42 do Código Penal, computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no exterior, e o de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. A detração consiste, portanto, no desconto, da pena final aplicada, do tempo em que o acusado ficou preso cautelarmente. Nada disse a Lei n. 12.403/11 quanto à possibilidade de detração no caso de aplicação de medidas cau­ telares diversas da prisão, ou seja, se o tempo de cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão durante o curso da persecução penal deve (ou não) ser descontado do quantum de pena aplicado ao final do processo. Em se

TITULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

tratando de medidas cautelares diversas da prisão que acarretam a restrição completa à liberdade de locomoção, pensamos não haver qualquer óbice à detração. Logo, na hipótese de internação provisória do inimputável (CPP, art. 319, VII) e prisão domiciliar (CPP, arts. 317 e 318), o tempo referente ao cumprimento da cautelar deve ser descontado da pena/medida de segurança aplicada ao agente. 17.1. H o m oge n e idade entre a m edida cautelar diversa da prisão e a pena defini­ tiva: havendo semelhança e homogeneidade entre a medida cautelar aplicada no curso do processo e a pena imposta ao acusado na sentença condenatória irrecorrível, é plena­ mente possível a detração. A título de exemplo, supondo que tenha sido imposta ao acusado a medida cautelar de recolhimento domiciliar no período noturno, se acaso for condenado ao cumprimento da pena restritiva de direitos de limitação de final de semana, não temos dúvida quanto à possibilidade de detração, já que a cautelar guarda certa similitude com a pena definitiva. 17.2. Ausência de h om ogeneidade en­ tre a medida cautelar diversa da prisão e a pena definitiva e (im) possibilidade de detração da pena privativa de liberdade: quanto às medidas cautelares diversas da pri­ são que não acarretam restrição absoluta à liberdade de locomoção, como elas não guar­ dam homogeneidade com uma possível pena de prisão a ser aplicada ao final do processo, revela-se inviável a aplicação do art. 42 do Código Penal. Mesmo antes do advento da Lei n. 12.403/11, os Tribunais Superiores já tiveram a oportunidade de analisar discussão semelhante, porém no tocante à possibilidade de ser levado em consideração, para fins de detração, o lapso temporal referente ao período em que o acusado permanecera em gozo de li­ berdade provisória. Em caso concreto referente à condenação à pena de 9 (nove) anos de re­ clusão e 3 (três) meses de detenção, no qual foi concedida liberdade provisória com os ônus de pagamento de fiança, comparecimento quin­ zenal em juízo e necessidade de autorização judicial para se ausentar do distrito da culpa,

Art. 282

concluiu o Supremo que não seria possível a detração penal considerando-se o lapso em que o acusado esteve em liberdade provisória, por ausência de previsão legal, já que o art. 42 do CP prevê o computo de período relativo ao cumprimento de pena ou de medida restriti­ va de liberdade (STF, 2a Turma, HC 81.886/ RJ, Rei. Min. Maurício Corrêa, j. 14/05/2002, DJ 21/06/2002). Certamente, este deve ser o entendimento que irá acabar prevalecendo, ou seja, caso a medida cautelar diversa da prisão não acarrete restrição completa à liberdade de locomoção, não será possível a detração. Não obstante, nas hipóteses em que o acusado se sujeitar à imposição de medidas cautelares extremamente gravosas (v.g., monitoramento eletrônico, proibição de ausentar-se da comarca, etc.), parece-nos extremamente desarrazoado não se conceder nenhum benefício àquele que cumpriu a medida cautelar por um longo perí­ odo, até mesmo como forma de compensação decorrente dos gravames inerentes a esse castigo antecipado. A título de exemplo, possamos imaginar hipótese de acusado que cumpriu cumulativamente as medidas cautelares de proibição de se ausentar da comarca e moni­ toramento eletrônico durante 5 (cinco) anos. Seria possível simplesmente desconsiderar esse lapso temporal por ocasião do cumprimento do tempo de prisão penal? Será que, nesse caso, não seria justo descontar ao menos uma parte do tempo de restrição parcial de sua liberdade de locomoção? Para aqueles que dizem que tal lapso temporal não deve ser computado para fins de possível detração, criar-se-ia situação de absoluta desigualdade em relação àquele que não cumpriu nenhuma medida cautelar durante o curso da persecução penal. Exemplificando, tanto o acusado que cumpriu 5 (cinco) anos de monitoramento eletrônico e proibição de ausentar-se da comarca, quanto aquele que não esteve submetido a nenhuma medida cautelar durante o mesmo período, não terão nenhum tempo a descontar da prisão penal. Isso servirá como fator de evidente desestimulo aos acusa­ dos que cumprem as medidas cautelares, já que saberão, de antemão, que nenhum benefício será recebido por tal comportamento. Nesse caso, admitida a possibilidade de detração,

Art. 282

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

ainda que não haja semelhança entre a medida cautelar e a pena definitiva aplicada ao final do processo, surge um outro problema: qual o critério a ser utilizado? Seria possível descon­ tarmos um dia de pena de prisão para cada dia de monitoramento eletrônico? Seria possível descontarmos um dia de pena de prisão para cada dia de proibição de ausentar-se da comar­ ca? Certamente que não, já que o gravame de tais medidas não se equipara a um dia de prisão. Portanto, de legeferenda, pensamos que deve ser trabalhado critério de detração semelhante ao da remição, constante do art. 126 da LEP. Ou seja, para cada 03 (três) dias de cumprimento da medida cautelar diversa da prisão, deverá ser descontado um dia de pena do agente. Esse cri­ tério de remição, todavia, deve guardar relação com a gravidade da medida cautelar diversa da prisão. Assim, se a utilização do monitoramento eletrônico por 3 (três) dias pode dar ensejo a um dia a menos de prisão, certamente há de ser pensado outro critério para medidas cautelares menos gravosas. Com entendimento semelhante, referindo-se à possibilidade de acréscimo de regulamentação legal que previsse uma espécie de remição relativa, permitindo o desconto parcial do tempo final de pena se a cautelar for distinta da prisão, sob pena de a jurisprudência, com base no princípio da igualdade, ser obrigada a construir um caminho alternativo: BOTTINI, Pierpaolo. As reformas

no processo penal: as novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 486. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A

consideração d o tem p o para fins de con­

tage m de detração penal deve ser aquela em que o c on de n ado esteve so b efetiva custódia ou subm etido a m edida restritiva de direito, sendo descabida a som a d o te m p o em que o paciente esteve em liberdade provisória, por ausência de expressa previsão legal. Precedentes d o Excelso Su p rem o Tribunal Federal e deste SuperiorTribunal de Justiça. O rdem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 25.183/CE, Rei. Min. Ham ilton Carvalhido, j. 27/04/2004, DJ 28/06/2004 p. 419).

STJ:"(...) O

tem po de liberdade provisória é estranho

à detração penal de que cuida o artigo 42 d o C ó d ig o Penal. Recurso improvido". (STJ, 6aTurma, R H C 17.697/ ES, Rei. Min. Ham ilton Carvalhido, j. 18/08/2005, DJ 14/11 /2005 p. 407).

STJ:"(...) A

com petência para apreciar ped ido de d e ­

tração, consoante entendim ento pretoriano, é d o Juízo das Execuções Criminais, não se viabilizando pleito m anejado diretamente ao SuperiorTribunal de Justiça, ainda que preventivamente. O abatim ento de pena pressupõe lógica e juridicamente o trânsito em julgado da decisão condenatória. N ão se vislum bra restrição ao direito de locom oção na sim ples condição de com parecim ento quinzenal a Juízo, sem qualquer outra formalidade, que autorize sua inclusão no rol d o art. 42 do C ó d ig o Penal, m esm o se adotando posicionam ento liberalizante. Precedentes. O rdem de habeas corpus conhecida em parte e, nesta extensão, denegada". (STJ,

6aTurma, H C 16.048/RJ, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 22/11/2001, DJ 04/03/2002 p. 297). 18. Recursos a d e q u a d o s em favor da acusação: de acordo com o art. 581, inciso V, in fine, do CPP, caberá recurso no sentido estrito da decisão que indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante. Logo, tal instrumento de impug­ nação também se revela adequado contra a decisão que indefere requerimento de medida cautelar diversa da prisão ou revoga constrição anteriormente imposta. É bem verdade que a Lei n. 12.403/11 silenciou acerca dos recursos cabíveis quando se tratar de medidas cautelares diversas da prisão. No entanto, a despeito do silêncio do legislador, pensamos ser possível interpretar-se extensivamente o rol do art. 581 do CPP, até mesmo porque, à época em que o estatuto processual penal entrou em vigor - I o de janeiro de 1942 - sequer era concebida a existência de medidas cautelares diversas da prisão. Se a autoridade policial representar no sentido de ser decretada a prisão preventiva, e o magistrado deixar de fazê-lo, o delegado de polícia não terá legitimidade para inter­ por RESE. O recurso só pode ser interposto se indeferido requerimento formulado pelo Ministério Público, pelo querelante ou pelo assistente, sendo a legitimidade deste último restrita à fase processual. Outrossim, se é ver­ dade que cabe RESE em face da decisão que indefere requerimento de medidas cautelares, também é verdade que, sob um ponto de vista prático, a depender do caso concreto, é muito mais útil e eficaz que o Parquet obtenha novos elementos de informação quanto à autoria e materialidade, formulando novo pedido ao

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

magistrado. De fato, optando o M inistério Público pela interposição de um recurso em sentido estrito, a demora no julgamento do recurso traria prejuízo irreparável às investi­ gações, esvaziando por completo a utilidade da medida cautelar caso fosse decretada pos­ teriormente pelo juízo ad quem. 18.1. Ausência de efeito su spensivo e possibilidade de impetração de mandado de segurança: este recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que indefere reque­ rimento de medida cautelar ou revoga constrição anteriormente imposta não é dotado de efeito suspensivo. Isso significa dizer que, uma vez revogada a medida cautelar, por exemplo, a prisão preventiva, mesmo que o RESE seja interposto, o preso será colocado imediata­ mente em liberdade. Nesse caso, parece-nos ser plenamente possível que o legitimado possa impetrar mandado de segurança objetivando a concessão de efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito, mantendo-se, no exemplo citado, a prisão do acusado. Este entendimento é reforçado pelo disposto no art. 5o, II, da Lei n. 12.016/09, que, interpretado a contrario sensu, dispõe que o mandado de segurança deve ser concedido quando se tratar de decisão judicial da qual não caiba recurso com efeito suspensi­ vo. Há, todavia, precedentes antigos do STJ em sentido contrário, julgados antes do advento da Lei n. 12.016/09: STJ, 6a Turma, RMS 8.802/SP, Rei. Min. Fernando Gonçalves, D J 11/05/1998 p. 156. E também: STJ, 6a Turma, HC 1.723/SP, Rei. Min. Pedro Acioli, DJ 07/06/1993 p. 11.273. 18.2. (Des) necessidade de intimação do acusado para apresentação de contrarrazões ao RESE interposto pela acusação: nas hipóteses de não recebimento da peça acusatória, interposto o RESE pela acusação com base no art. 5 8 1 ,1, do CPP, deve o magistrado intimar o acusado para oferecer contrarrazões, tal qual disposto na súmula n. 707 do STF. No caso de RESE interposto contra o indeferi­ mento do requerimento de medidas cautelares, deve ser aplicado o mesmo raciocínio, tal qual explicitado pelo próprio art. 282, §3°, do CPP, que passou a assegurar o contraditório prévio à decretação das medidas cautelares.

Art. 282

O contraditório prévio também deve ser res­ peitado por ocasião da interposição do RESE, assegurando-se ao acusado a possibilidade de apresentar contrarrazões recursais, salvo na hipótese de risco de esvaziamento da eficácia da medida cautelar. De fato, o próprio art. 282, §3°, do CPP, ressalva os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, ressalva esta onde se insere eventual pedido de prisão preventiva. Nesse caso, a fim de se preservar a eficácia e utilidade da medida cautelar pre­ tendida, não se deve assegurar ao acusado a oportunidade de tomar conhecimento da interposição do RESE. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) C o m o a prisão preventiva pod e ser decretada até m esm o de ofício (CPP, art. 311), não se sustenta a tese de que a defesa deveria ter sido intim ada para contra-arrazoar recurso em sentido estrito interposto pela acusação de decisão que, em um primeiro m o ­ mento, indeferiu a custódia d o paciente, se nd o irrele­ vante o fato de a segregação provisória ter-se operado em sede de juízo de retratação (CPP, art. 589). Ordem denegada". (STF, 2a Turma, H C 96.445/RJ, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 08/09/2009, DJe 18601/10/2009).

19. Instrumentos de im pugnação em fa­ vor do acusado: o Código de Processo Penal não prevê o cabimento de recurso contra a decisão que decreta a prisão preventiva e/ou quaisquçr das medidas cautelares diversas da prisão, nem tampouco contra a decisão que indefere o pedido formulado pela defesa de revogação e/ou substituição da medida cau­ telar. Não obstante, o indivíduo (ou qualquer pessoa) poderá impetrar ordem de habeas corpus. À primeira vista, poder-se-ia pensar que o habeas corpus somente seria cabível quando tivesse havido a decretação da prisão preventiva. Porém, não se pode afastar o cabi­ mento do writ para as demais medidas caute­ lares de natureza pessoal. Em primeiro lugar, porque a decretação de quaisquer das medidas cautelares de natureza pessoal acarreta certo constrangimento à liberdade de locomoção. Segundo, porque as medidas cautelares de natureza pessoal só podem ser adotadas em relação à infração penal à qual seja cominada, isolada, ou alternativamente, pena privativa de

Art. 282

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

liberdade. Por fim, não se pode esquecer que o descumprimento injustificado de uma das me­ didas cautelares diversas da prisão pode ensejar a conversão em prisão preventiva (art. 282, §4°). Portanto, a inobservância dos elementos do inciso I do art. 282 para a decretação da cautelar, ou do inciso II para a escolha de sua qualidade, ou a ausência de fundamentação na sua aplicação enseja a utilização de habeas corpus, mesmo que a medida cautelar diversa da prisão não restrinja completamente a liber­ dade de locomoção do agente, haja vista que, diante do disposto no §4° do art. 282 do CPP, o descumprimento das condições estabelecidas pode ensejar a decretação da prisão. Evidente, portanto, o interesse de agir na utilização do habeas corpus para impugnar eventual decisão relativa à decretação de medidas cautelares de natureza pessoal, já que delas pode resultar potencial constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. Outrossim, se a medida cautelar de natureza pessoal for decretada na decisão de pronúncia, caberá RESE contra tal decisão, com fundamento no art. 581, inciso IV, do CPP. Por sua vez, se a medida for decretada no bojo da sentença condenatória, o recurso oponível será o de apelação, ex vi do art. 593, inciso I, do CPP. No entanto, a despeito da previsão de recursos contra a pronúncia e contra a sentença condenatória, nada impede que o interessado impetre imediatamente um habeas corpus questionando a medida cautelar, por ser remédio constitucional mais célere na tutela da liberdade de locomoção, sendo inadmissível que normas infraconstitucionais limitem o cabimento do writ (CF, art. 5o, LXVIII). + Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) Apesar de o paciente já se encontrar solto por força da liberdade provisória com fiança, tal soltura está condicionada ao cum prim ento de algu m a s obri­ gações legais, acab an do por, ainda que remotamente, ameaçar a sua liberdade, o que lhe confere interesse de agir na presente ação. (...)". (STJ, 5a Turma, HC 89.654/ MG, Rei. Min. N apoleão Nunes M aia Filho, j. 17/02/2009, DJe 16/03/2009).

STJ:"(...) C on q u an to o afastam ento d o cargo público n ão afete diretam ente a lib erdade d e lo co m o ç ã o d o indivíduo, o certo é q u e com o ad ven to da Lei 12.403/2011 tal m edida p od e ser im posta com o al­ ternativa à prisão preventiva d o acusado, sendo que

o seu d e scu m p rim e n to p o d e ensejar a decretação da custódia cautelar, o que revela a possibilidade de exam e da sua legalidade na via d o habeas corpus. (...)". (STJ, 5a Turma, HC 262.103/AP, Rei. Min. Jorge Mussi.j. 09/09/2014, DJe 15/09/2014).

STJ:"(...) C aso em que, irresignado com as m edidas protetivas de urgência previstas na Lei n° 11.340/2006, que lhe foram aplicadas pelo Juízo de Violência D om és­ tica e Familiar contra a M u lher de Maceió, o paciente requereu ao Tribunal de Justiça de A la go a s fossem elas revogadas. A Câm ara Criminal, no entanto, par­ tin d o d o p rin cípio q u e as m e d id as protetivas não representariam am eaça ao seu direito de ir, vir ou permanecer, entendeu que o m eio pertinente para a apreciação da matéria não seria o habeas corpus e deixou de conhecer o m an dam u s lá impetrado. O e ventual d e sc u m p rim e n to de m e d id as protetivas arroladas na Lei M aria da Penha pode gerar sanções de natureza civil (art. 22, § 4o, da Lei n° 11.340/2006 c/c art. 461, § § 5o e 6o, do C ó d ig o de Processo Civil, bem com o a decretação de prisão preventiva (art. 313, III, d o C ó d ig o de Processo Penal). Adem ais, a lei adjetiva penal prevê: ''Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que algu ém sofrer ou se achar na im inência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo n os casos de punição disciplinar”. Se o paciente não pod e aproximar-se a m en o s de 500m da vítima ou de seus familiares, se não p od e aproximar-se da residência da vítima, tam pouco podefrequentaro local de trabalho dela, decerto que se encontra limitada a sua liberdade de ir e vir. Posto isso, afigura-se cabível a im petração d o habeas corpus, de m o d o que a in daga­ ção d o paciente merecia um a resposta m ais efetiva e assertiva. Writ não conhecido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para determ inar que oTribunal de Justiça d o Estado de A lago as exam ine a existência de eventual constrangim ento ilegal sofrido pelo paciente, em decorrência das m edidas protetivas determ inadas pelo Juízo de Maceió". (STJ, 5a Turma, HC 298.499/AL, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 01/12/2015, DJe 09/12/2015).

20.

Caráter subsidiário da prisão cautelar

(ultima ratió): durante anos e anos, nosso sis­ tema processual penal ofereceu ao magistrado apenas duas opções de medidas cautelares de natureza pessoal: prisão cautelar ou liberdade provisória, lembrando que, antes do advento da Lei n. 12.403/11, esta medida de contracautela só podia ser concedida àquele que fora anteriormente preso em flagrante. Tem-se aí o que a doutrina denominava de bipolaridade cautelar do sistema brasileiro. Significa dizer que, no sistema originalmente previsto no CPP, ou o acusado respondia ao processo com total privação de sua liberdade, permanecendo

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

preso cautelarmente, ou então lhe era deferido o direito à liberdade provisória, seja com a obrigação de comparecer aos atos processuais, na hipótese de liberdade provisória sem fiança, seja mediante o compromisso de comparecer perante a autoridade, todas as vezes que fosse intimado para atos do inquérito, da instrução criminal e para o julgamento, proibição de mudança de residência sem prévia permissão da autoridade processante, e impossibilida­ de de se ausentar por mais de 8 (oito) dias da residência sem comunicar à autoridade o lugar onde poderia ser encontrado, no caso da liberdade provisória com fiança). Essa re­ duzida gama de opções de medidas cautelares de natureza pessoal era causa de evidente prejuízo, quer à liberdade de locomoção do agente, quer à própria eficácia do processo penal. Afinal, se é verdade que é muito comum o surgimento de situações que demandam a decretação de medidas cautelares, também é verdade que nem sempre a prisão cautelar era o instrumento mais idôneo e adequado para salvaguardar a eficácia do processo ou das investigações. Como o juiz não era dotado de outras opções, ou decretava a privação de liberdade do acusado ou deixava de decretar a medida extrema, o que, às vezes, colocava em risco a própria eficácia do processo. Seguindo a orientação do direito comparado, e com o objetivo de por fim a esta bipolaridade cautelar do sistema do Código de Processo Penal, a Lei n. 12.403/11 ampliou de maneira significativa o rol de medidas cautelares pessoais diversas da prisão cautelar, proporcionando ao juiz a escolha da providência mais ajustada ao caso concreto, dentro de critérios de legalidade e de proporcionalidade. De acordo com a nova redação do art. 319 do CPP, são previstas 9 (nove) medidas cautelares diversas da prisão, todas aplicáveis pelo juiz, de forma isolada ou cumulativa, como vínculos da liberdade provisória (CPP, art. 321), ou, ainda, de forma autônoma à prisão, sendo que o art. 320 do CPP também passou a prever a possibilidade de retenção do passaporte quando for imposta ao acusado a proibição de se ausentar do país. Daí o motivo da mudança da designação do Título IX do Livro I do CPP: antes relativo à

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282

prisão e à liberdade provisória, a nova denomi­ nação do Título IX é: “Da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória”. A rigor, o título em questão deveria ser chamado de medidas cautelares de natureza pessoal, já que a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a liberdade provisória nele previstas são espécies de medidas cautelares. Essa mudança reflete tendência mundial consolidada pelas dire­ trizes fixadas nas Regras das Nações Unidas sobre medidas não privativas de liberdade, as conhecidas Regras de Tóquio, de 1990. Esta Declaração refletiu a percepção de que as medidas cautelares, notadamente as de natu­ reza pessoal, por privarem o acusado de um de seus bens mais preciosos - a liberdade - , quando ainda não há decisão definitiva sobre sua responsabilidade penal, devem possuir um caráter de ultima ratio, sendo utilizadas tão somente quando não for possível a adoção de outra medida cautelar menos gravosa, porém de igual eficácia. Além do menor custo pessoal e familiar dessas medidas cautelares diversas da prisão, o Estado também é beneficiado com a sua adoção, porquanto poupa vultosos recursos humanos e materiais, indispensáveis à manutenção de alguém no cárcere, além de diminuir os riscos e m alefícios ineren­ tes a qualquer encarceramento, tais como a transmissão de doenças infectocontagiosas, estigmatização, criminalização do preso, etc. A vantagem quanto à aplicação autônoma dessas medidas cautelares é evidente, já que seus requisitos são menos exigentes quando comparados com os da prisão preventiva. Em outras palavras, com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, persecuções penais em relação a infrações que, pela legislação pretérita, se encontravam desprovidas de providências acautelatórias, doravante poderão encontrar nas medidas cautelares diversas da prisão im­ portantes instrumentos de tutela cautelar do processo. É verdade que tanto a adoção das medidas cautelares diversas da prisão quanto a decretação da prisão preventiva pressupõem a presença do fum us comissi delicti e do periculum libertatis. Porém, enquanto a prisão preventiva só pode ser decretada nos crimes dolosos punidos com pena privativa de li­

Art. 283

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CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

berdade máxima superior a 4 (quatro) anos, se o agente for reincidente em crime doloso, ou se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (CPP, art. 3 1 3 ,1, II e III, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11), a decretação das medidas cautelares diversas da prisão exige apenas que à infração penal seja

cominada pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente cominada. Há tão somente uma restrição relativa à m o­ dalidade de crime que comporta tais medidas cautelares: a internação provisória do acusa­ do está condicionada às hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração (CPP, art. 319, VII).

Art. 283. Ninguém poderá ser preso12 senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado3 ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.4 §1° As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infra­ ção a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.5 §2° A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio.6-8 1. Conceito de prisão e seu fundamento constitucional: a palavra “prisão” origina-se do latim prensione, que vem de prehensione (prehensio, onis), que significa prender. Nossa legislação não a utiliza de modo preciso. De fato, o termo “prisão” é encontrado indicando a pena privativa de liberdade (detenção, reclu­ são, prisão simples), a captura em decorrência de mandado judicial ou flagrante delito, ou, ainda, a custódia, consistente no recolhimento de alguém ao cárcere, e, por fim, o próprio estabelecimento em que o preso fica segregado (CF, art. 5o, inciso LXVI; CPP, art. 288, caput). No sentido que mais interessa ao direito pro­ cessual penal, prisão deve ser compreendida

como a privação da liberdade de locomoção, com o recolhimento da pessoa humana ao cár­ cere, seja em virtude de flagrante delito, ordem escrita e fundam entada da autoridade judiciá­ ria competente, seja em fa c e de transgressão militar ou p or força de crime propriam ente militar, definidos em lei (CF, art. 5o, LXI). 2. Espécies de prisão: no ordenamento ju ­ rídico pátrio há, fundamentalmente, 3 (três) espécies de prisão: a) prisão extrapenal: tem

como subespécies a prisão civil e a prisão m ilitar; b) prisão penal, também conhe­ cida como prisão pena ou pena: é aquela que decorre de sentença condenatória com trânsito em julgado, ou, de acordo com a nova orientação dos Tribunais Superiores (STF, HC 126.292), é aquela que resulta de acórdão condenatório proferido por Tribunal de 2a instância, ainda que não transitado em julgado; c) prisão cautelar, provisória, pro­ cessual ou sem pena: tem como subespécies a prisão em flagrante (para mais detalhes acerca da discussão referente à natureza jurídica da prisão em flagrante - prisão cautelar ou medida pré-cautelar, remetemos o leitor aos com entários aos arts. 301 a 310), a prisão preventiva e a prisão tem porária. Com a reforma de 2008 (Lei n. 11.689/08 e Lei n. 11.719/08), foram expressamente extintas as prisões decorrentes de pronúncia e de senten­ ça condenatória recorrível, outrora previstas como espécies autônomas de prisão cautelar. A nova redação conferida ao art. 283, caput, do CPP, pela Lei n. 12.403/11, confirma esse entendimento. O dispositivo sob comento indica as espécies de prisão admitidas no

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

âmbito criminal: a prisão em flagrante, a pri­ são temporária, a prisão preventiva, espécies de prisão cautelar, e a prisão decorrente de sentença penal condenatória com trânsito em julgado, chamada pela doutrina de pri­ são penal. Corrente minoritária da doutrina também insere dentre as espécies de prisão cautelar a prisão para condução coercitiva de partes processuais, testemunhas, peritos ou outros que se recusem, sem justo motivo, a comparecer perante a autoridade judicial ou policial. Com a devida vênia, não enxergamos aí espécies autônomas de prisão cautelar, mas apenas medidas coercitivas decretadas duran­ te o curso da persecução penal objetivando a apuração do fato delituoso. 3. Prisão penal (carcer a d p o en a m ): a prisão penal, prisão-pena ou carcer ad poenam , é aquela que resulta de sentença condenatória com trânsito em julgado que impôs o cumpri­ mento de pena privativa de liberdade. Recen­ temente, porém, os Tribunais Superiores pas­ saram a admitir a execução provisória da pena a partir do momento em que for proferido um acórdão condenatório recorrível por Tribunal de 2a instância. O tema foi objeto de análise nos comentários ao art. 155 do CPP, para onde remetemos o leitor. Só pode ser aplicada após um devido processo penal no qual tenham sido respeitadas todas as garantias e direitos do cidadão. Além de expressar a satisfação da pretensão punitiva ou a realização do Direito Penal objetivo, caracteriza-se pela definitividade. Conquanto sua utilização venha sendo reduzida ao mínimo necessário, é um mal necessário do qual ainda não podemos pres­ cindir, conforme salienta Alberto Silva Franco

(Temas de direito penal: breves anotações sobre a Lei n. 7.209/84. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 121/122): “Enquanto a dogmática penal mais criativa não oferecer nenhum substitutivo válido para a pena privativa de liberdade, e enquanto a prisão, embora já considerada um ‘mal necessário’, não sofrer total esvaziamento, o regime penitenciário, com toda a sua pro­ blemática, não poderá ser descartado.”4 4. Prisão Cautelar [carcer a d custodiam ): é aquela decretada antes do trânsito em julgado

Art. 283

de sentença penal condenatória com o obje­ tivo de assegurar a eficácia das investigações ou do processo criminal. Em um Estado que consagra o princípio da presunção de não culpabilidade, o ideal seria que a privação da liberdade de locomoção do imputado so­ mente fosse possível por força de uma prisão penal, ou seja, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Todavia, entre o momento da prática do delito e a obtenção do provimento jurisdicional definitivo, há sempre o risco de que certas situações comprometam a atuação jurisdicional ou afetem profunda­ mente a eficácia e utilidade do julgado. Daí o caráter imperioso da adoção de medidas cautelares, a fim de se atenuar esse risco. A prisão cautelar deve estar obrigatoriamente comprometida com a instrumentalização do processo criminal. Trata-se de medida de na­ tureza excepcional, que não pode ser utilizada como cumprimento antecipado de pena, na medida em que o juízo que se faz, para sua decretação, não é de culpabilidade, mas sim de periculosidade. Tendo em conta a função cautelar que lhe é inerente - atuar em beneficio da atividade estatal desenvolvida no processo penal - a prisão cautelar também não pode ser decretada para dar satisfação à sociedade, à opinião pública ou à mídia, sob pena de se desvirtuar sua natureza instrumental. 4.1. Impossibilidade de utilização da pri­ são cautelar para fins de cum prim ento antecipado da pena: enquanto a prisão penal (“carcer ad poenam") objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, a prisão cautelar (“carcer ad custodiam") destina-se única e exclusivamente a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. Como toda medida cautelar, tem por objetivo imediato a proteção dos meios ou dos resultados do processo, servindo como instru­ mento do instrumento, de modo a assegurar o bom êxito tanto do processo de conhecimento quanto do processo de execução. Logo, a prisão preventiva não pode - e não deve - ser utili­ zada pelo Poder Público como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito. Isso significa que a prisão cautelar não pode ser utilizada

Art. 283

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento ao prin­ cípio da presunção de inocência. Louváveis, nesse sentido, as modificações produzidas no CPP pela Lei n. 12.403/11. Segundo a nova redação conferida ao art. 282, §6°, do CPP, a prisão preventiva somente será determinada quando não for possível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319). Nos mesmos moldes, de acordo com o art. 310, II, do CPP, o juiz somente decretará a prisão preventiva nas hipóteses dos arts. 312 e 313 deste Código, quando as medidas cautelares arroladas no art. 319 deste Código, adotadas de forma isolada ou cumulada, se revelarem inadequadas ou insuficientes. 4.2. Espécies de prisão cautelar: de acordo com a doutrina majoritária, a prisão cautelar apresenta-se entre nós sob três modalidades: a) prisão em flagrante (para mais detalhes acerca da discussão em torno da natureza jurídica da prisão em flagrante - prisão cautelar ou medida pré-cautelar, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 301 a 310); b) prisão preventiva; c) prisão temporária. 4.3. Inexistência de prisão cautelar como efeito autom ático da pronúncia ou da sentença condenatória recorrível: desde o advento da Constituição de 1988, a prisão decorrente de pronúncia e a decorrente de sentença condenatória recorrível não mais podiam ser consideradas espécies autônomas de prisão cautelar. Diante do disposto no art. 5o, inciso LVII, não seria possível que uma ordem legislativa, subtraindo da apreciação do Poder Judiciário a análise da necessidade da segregação cautelar diante dos elementos do caso concreto, determinasse o recolhimento de alguém à prisão como efeito automático da pronúncia ou da sentença condenatória recorrível. Referidas prisões já não podiam mais, de per si, legitimar uma custódia cautelar. Deviam, sob pena de constrangimento ilegal, cingir-se fundamentadamente à órbita do art. 312 do CPP. Estar-se-ia, portanto, diante de 794

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uma prisão preventiva, e não mais de uma prisão decorrente de pronúncia ou de sentença condenatória recorrível. Por isso, a reforma processual de 2008 aboliu tais prisões, pelo me­ nos como modalidades autônomas de prisão cautelar. A Lei n. 11.689/08 (referente ao novo procedimento do júri) afastou a prisão auto­ mática do antigo art. 408, §§2° e 3o, passando a dispor em seu art. 413, §3°, que o juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, re­ vogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessi­ dade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. Além disso, segundo a nova redação do art. 4 9 2 ,1, "e”, do CPP, ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri, em caso de condenação, caberá determinar o recolhi­ mento ou permanência do acusado na prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva. Por outro lado, com a Lei n. 11.719/08, restou revogado o art. 594 do Código de Processo Penal, constando do art. 387, §1°, do CPP, que o juiz decidirá, fúndamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhe­ cimento da apelação que vier a ser interposta. Seguindo a mesma trilha, com as modificações produzidas no CPP pela Lei n. 12.403/11, o art. 283 do CPP passou a dispor que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem descrita e fundamentada da autori­ dade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão

preventiva. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A

prerrogativa jurídica da liberdade - que

possui extração constitucional (CF, art. 5o, LX1 e LXV) - não pod e ser ofendida por atos arbitrários d o Poder Público, m esm o que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5o, LVII), não se revela possível presumira culpabilidade d o réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada. O C LA M O R PÚBLICO N ÃO

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

Art. 283

C O N ST ITU I FATOR D E L E G IT IM A Ç Ã O D A PR IV A Ç Ã O CAUTELAR D A LIBERDADE. - O estado de com oção

STF:"(...) A

social e de eventual in dign ação popular, m otivad o

excepcional, d e v e n d o ser fu n d am e n tad a de form a

pela repercussão da prática da infração penal, não

individualizada, com a explicitação d o s m otivos que levaram o m agistrad o a im po r a m ed ida extrema.

pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar

determ inação de prisão cautelar que im ­

pede o paciente de recorrer em liberdade é m edida

d o su p osto autor d o com portam en to delituoso, sob

Paciente que respondeu ao processo solto deve, no

pena de com pleta e grave aniquilação d o postulado

caso, aguardar o trânsito em ju lga d o em liberdade.

fundam ental da liberdade. O clam or público - preci­

O rdem concedida". (STF, I a Turma, HC 90.895/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 29/06/2007 p. 59).

sam ente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se qualifica c o m o fator de legitim ação da privação cautelar da liberdade d o indiciado ou d o réu, não se n d o lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica d o que se contém no art. 323, V, d o CPP, q u e concerne, exclusivam ente, ao tem a da fiança criminal. Precedentes. E X C E P C IO N A L ID A D E D A PRI­ S Ã O CAUTELAR. - A prisão cautelar - que tem função exclusivamente instrumental - não pod e converter-se em form a antecipada de punição penal. A privação cautelar da liberdade - q u e con stitui providência qualificada pela nota da excepcionalidade - so m e n ­ te se justifica em h ipóteses estritas, não p o d e n d o efetivar-se, legitimamente, q u an do ausente qualquer d o s fundam entos legais necessários à sua decretação pelo Poder Judiciário. O JU LGA M ENTO SE M D ILAÇÕ ES IN D E V ID A S CONSTITUI PROJEÇÃO D O PRINCfPIO D O D EV ID O PR O C ESSO LEGAL. - O direito ao julgam ento, sem dilações indevidas, qualifica-se com o prerrogativa fundam ental que decorre da garantia constitucional d o "d u e process o f law". O réu - especialm ente aquele que se acha sujeito a m edidas cautelares de privação da sua liberdade - tem o direito público subjetivo de ser julgado, pelo Poder Público, dentro de prazo razo­ ável, sem dem ora excessiva e nem dilações indevidas. Convenção Am ericana sobre Direitos H u m a n o s (Art. 7o, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. - O excesso de prazo, q u an d o exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anôm ala que com prom ete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito bá­ sico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução d o litígio, sem dilações indevidas e com todas as garan­ tias reconhecidas pelo ordenam ento constitucional. O EXCESSO DE PRAZO, N O S C RIM ES H ED IO N D O S, IM PÕ E O RELA XAM EN TO D A PRISÃ O CAUTELAR. - Im põe-se o relaxamento da prisão cautelar, m esm o que se trate de pro ce d im e n to in stau rado pela su p osta prática de crim e hediondo, desde que se registre situação configuradora de excesso de prazo não im putável ao indiciado/acusado. A natureza da infração penal não pod e restringir a aplicabilidade e a força norm ativa da regra inscrita no art. 5o, LXV, da Constituição da Repú­ blica, que dispõe, em caráter imperativo, que a prisão ilegal "será im ediatam ente relaxada" pela autoridade judiciária. Precedentes". (STF, 2a Turma, HC n. 80.379/ SP, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 25/05/2001).

5. Com inação de pena privativa de liber­ dade como pressuposto indispensável para a imposição das m edidas cautelares: pelo menos em regra, para que a prisão preventiva seja cabível em relação a determinado delito, para além àofum us comissi delicti e do periculum libertatis, requisitos básicos para a impo­ sição de qualquer medida cautelar, impõe-se a observância dos pressupostos alternativos dos incisos e parágrafo único do art. 313 do CPP: crimes dolosos com pena máxima superior a 4 anos, acusado reincidente em outro crime do­ loso, crime cometido com violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescen­ te, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para assegurar o cumprimento das medidas protetivas de urgência, ou quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa e esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la. Em sentido diverso, a imposição das cautelares diversas da prisão pressupõe que à infração penal seja cominada pena privativa de liberdade, isolada, alternativa ou cumu­ lativamente (CPP, art. 283, §1°). Logo, se à infração não for cominada pena privativa de liberdade - é o que ocorre, a título de exemplo, com o crime de porte de drogas para consumo pessoal (Lei n. 11.343/06, art. 28) - , não se admite a imposição das cautelares diversas da prisão do art. 319 do CPP. 5.1. Especificidades da internação provi­ sória: se, pelo menos em regra, a imposição das medidas cautelares pressupõe que à in­ fração penal seja cominada pena privativa de liberdade, isolada, alternativa ou cumulativa­ mente, especial atenção deve ser dispensada à internação provisória do acusado, prevista no inciso V II do art. 319 do CPP. Nesse caso, para além de cominação de pena privativa de liberdade, há de se tratar de crime praticado

Art. 283

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

com violência ou grave ameaça por inimputável ou semi-imputável e restar evidenciado o risco de reiteração. Para mais detalhes acerca da internação provisória, remetemos o leitor aos comentários ao art. 319 do CPP. 6. M om ento da prisão: de acordo com o art. 283, §2°, do CPP, a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeita­

das as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. Assim, ainda que a pessoa esteja em um casamento, em núpcias, durante festivida­ des natalinas ou religiosas, final de semana, etc., não há qualquer impedimento para o cumprimento da prisão, já que a regra é que a prisão pode ser levada a efeito em qualquer dia e a qualquer hora. Porém, há importantes restrições, a serem estudadas na sequência. 7. Inviolabilidade do domicílio: com o ob­ jetivo de evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 240 do CPP, onde o disposto no art. 5o, inciso XI, da Constituição Federal, foi objeto de análise por ocasião do estudo da busca domiciliar. 7.1. M om ento da prisão e Código Eleitoral: de acordo com o art. 236, caput, e §1°, da Lei n. 4.737/1965, nenhuma autoridade poderá, desde cinco dias antes e até 48 horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito (v.g., “boca de urna”) ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançá­ vel com trânsito em julgado, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto. Quanto à esta última hipótese, é bom destacar que a viola­ ção a salvo-conduto (ordem concedida em habeas corpus preventivo), por si só, já pode constituir infração penal (e, daí, hipótese de flagrante delito), seja por abuso de autoridade, seja por constrangimento ilegal. Outrossim, em se tratando de candidatos, esse prazo é de quinze dias antes das eleições. Por sua vez, os membros das mesas receptoras e os fiscais de partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito. O Código Eleitoral não se refere à prisão temporária, o que é por demais óbvio, na medida em que a lei que instituiu a

prisão temporária - Lei n. 7.960/89 - é pos­ terior à vigência do Código Eleitoral (Lei n. 4.737/65). Assim, considerando que a prisão temporária é uma espécie de prisão cautelar, pensamos que o preceito do art. 236 do C ó­ digo Eleitoral também se aplica a ela. Ainda em relação ao preceito do art. 236 do Código Eleitoral, na medida em que a finalidade do dispositivo do Código Eleitoral é a preservação do direito ao voto, afigura-se ilegítima sua aplicação quando não estiver caracterizado o fim ao qual se destina. Nessa linha, segundo Fábio Ramazzini Bechara ( Breves notas acerca da prisão, in Síntese Jornal. São Paulo: IOB Publicações Jurídicas Ltda., ano 08, n. 94, dezembro de 2004, p. 6.), “no caso do estran­ geiro residente no país ou ainda daquele que está com a prisão preventiva decretada e é surpreendido tentando embarcar no aeroporto para o exterior, não se vislumbra a finalidade da lei eleitoral, não sendo vedada, portanto, a privação da liberdade aquém das hipóteses legalmente autorizadas”. 8. Im unidades prisionais: em regra, toda e qualquer pessoa pode ser presa. No entanto, há exceções, a serem estudadas na sequência. 8.1. Presidente da República: o Presiden­ te da República, nas infrações comuns, en­ quanto não sobrevier sentença condenatória, não estará sujeito à prisão (CF, art. 86, §3°). Como se vê, não cabe contra o Presidente da República nenhuma prisão cautelar. Ade­ mais, por força do disposto no art. 86, §4°, da Constituição Federal, enquanto vigente o mandato, o Presidente da República não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de sua função (fatos praticados antes ou durante o mandato). Trata-se da cláusula da irresponsabilidade relativa, que não protege o Presidente da República quanto aos ilícitos praticados no exercício da função ou em razão dela, assim como não exclui sua responsabilização civil, adm inistrativa ou tributária. Extinto ou perdido o mandato, o Presidente da República poderá ser crim i­ nalm ente processado pelo fato crim inoso estranho ao exercício da função, ainda que praticado antes ou durante a investidura.

TITULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

8.2. Governadores de Estado e Prefeitos: discute-se na doutrina se a imunidade do Presidente da República seria extensiva a Go­ vernadores de Estado. A nosso ver, a regra do art. 86, §3°, da Constituição Federal, é de aplicação exclusiva do Presidente da República, e não pode ser estendida aos chefes do Exe­ cutivo Estadual e municipal, mesmo que por via de Constituição Estadual ou Lei Orgânica Municipal. A propósito, no julgamento da ADI I. 026, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 86 da Consti­ tuição do Estado de Sergipe, que reproduzia a disciplina contida nos §§ 3o e 4o do art. 86 da Constituição Federal, a fim de que fossem eles aplicáveis ao Governador do mesmo Esta­ do. Considerou-se que tal disciplina aplica-se exclusivamente ao Presidente da República, não servindo de modelo para os Estados. Re­ centemente, no curso de inquérito instaurado contra o então Governador do Distrito Federal J. R.A., a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, diante da tentativa do acusado de frustrar a instrução criminal mediante corrup­ ção de testemunha e falsidade ideológica de documento privado, deliberou pela decretação de sua prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública e na conveniência da instrução criminal. Entendeu o STJ que os Governadores dos Estados e do Distrito Fede­ ral não gozam de imunidade à prisão cautelar, prerrogativa extraordinária garantida somente ao Presidente da República, na qualidade de Chefe de Estado (reserva de competência da União Federal). Ademais, concluiu que a apre­ ciação do pedido de prisão preventiva pelo STJ independe de prévia autorização da Câmara Distrital, tendo em vista a natureza cautelar da prisão preventiva, bem como o suposto envolvimento de membros da Casa Legislativa no esquema de corrupção. A prisão preventiva do então Governador do Distrito Federal foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu presente de forma clara a práti­ ca de atos com o escopo de obstruir a justiça, atraindo a incidência do disposto no art. 312 do CPP, a revelar a possibilidade de prisão pre­ ventiva, admitida pela Carta da República no art. 5°, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV e LXVI, em

283

virtude da necessidade de preservar-se não só a regular instrução criminal, no caso retratada nos autos do inquérito, mas também a ordem pública ante a atuação profícua de instituições, como a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...) N orm as que, e ste n d e n d o ao G ove rnador d o Estado, sem expressa referência no texto constitu­ cional federal, garantias d o Presidente da República com o Chefe de Estado, im plicam relativização da res­ ponsabilidade do s governantes, violando o princípio republicano, conform e decidido na A D I 978, Rei. Min. Celso de Mello. Ressalva d o entendim ento d o Relator. Ação julgada procedente". (STF, Pleno, A D I 1.026/SE, Rei. Min. limar Galvão, DJ 18/10/2002 p. 26).

S T F : "(...) A responsabilidade d o s governantes tipifica-se com o um a das pedras angulares essenciais a confi­ guração m esm a da ideia republicana. A consagração d o princípio da responsabilidade d o Chefe d o Poder Executivo, além de refletir um a conquista básica do regim e democrático, constitui consequência neces­ sária da form a republicana de gove rno adotada pela Constituição Federal. O princípio republicano exprime, a partir da ideia central que lhe e subjacente, o d o gm a de que tod os os agentes públicos - os Governadores de Estado e d o Distrito Federal, em particular - são igualm ente responsáveis perante a lei. R ESPO N SA BI­ LID A D E PENAL D O G O V E R N A D O R D O ESTADO. - Os Governadores de Estado - que disp õem de prerroga­ tiva de foro ratione numeris perante o SuperiorTribunal de Justiça (CF, art. 105,1, a) - estão perm anentem ente sujeitos, um a vez obtida a necessária licença da respec­ tiva Assem bléia Legislativa (RE 153.968-BA, Rei. Min. ILM A R GALVAO; RE 159.230-PB, Rei. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), a processo penal condenatório, ainda que as infrações penais a eles im putadas sejam estranhas ao exercício das funções governam entais. - A im uni­ dade d o Chefe de Estado a persecução penal deriva de cláusula constitucional exorbitante d o direito com u m e, por traduzir consequência derrogatória d o postula­ d o republicano, só pod e ser outorgada pela própria Constituição Federal. Precedentes: RTJ 144/136, Rei. M in. SE P Ú LV ED A PERTENCE; RTJ 146/467, Rei. Min. C E L S O D E MELLO. Analise d o direito co m p ara d o e da Carta Politica brasileira de 1937. IM U N ID A D E A PR ISÃ O CAUTELAR - PRERROGATIVA D O PRESIDENTE D A REPUBLICA - IM PO SSIBILID A D E D E SU A EXTENSÃO, M E D IA N T E N O R M A D A CO N ST ITU IÇÃ O ESTADUAL, A O G O V E R N A D O R D O ESTADO. - O Estado-membro, ainda que em norm a constante de sua própria Constituição, não disp õe de com petência para outorgar ao Gover­ n ad o r a prerrogativa extraordinária da im u n id a d e a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária, pois a disciplinação dessas m odalidades Ç ~ 797

Art. 283

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

de prisão cautelar subm ete-se, c om exclusividade,

ao ato m ediante o qual im posta prisão preventiva.

ao poder norm ativo da União Federal, por efeito de

PR ISÃ O PREVENTIVA - G O V E R N A D O R - AR TIG O 51,

expressa reserva constitucional de com petência d e ­

IN C ISO I, D A C O N ST ITU IÇÃ O FEDERAL - A P LICA ÇÃ O

finida pela Carta da Republica. - A norm a constante

A N A L Ó G IC A - IN AD EQ U AÇ ÃO . A interpretação teleo-

da Constituição estadual - que im pede a prisão do G overnador de Estado antes de sua condenação pe­

lógica e sistemática d o artigo 51, inciso I, da Carta da

nal definitiva - não se reveste de validade jurídica e, con sequentem ente, não p o d e subsistir em face

e nvolvid o G ove rnador d o Estado. P R ISÃ O PREVEN­ TIVA - IN ST R U Ç Ã O C R IM IN A L - ATOS CO N CRETO S.

de sua evidente in co m patibilidade com o texto da Constituição Federal. PRERROGATIVAS INERENTES AO

A prática de atos concretos voltados a obstaculizar, de início, a apuração d o s fatos m ediante inquérito

PR ESID EN TE D A REP U BLIC A E N Q U A N T O C HEFE DE

conduz à prisão preventiva de q uem nela envolvido

República revela inadequada a observância q u an do

ESTADO. - Os Estados-m em bros não podem reproduzir

com o investigado, p ou co im portan do a ausência de

em suas próprias Constituições o conteúdo norm ativo

atuação direta, incidindo a norm a geral e abstrata do

d o s preceitos inscritos no art. 86, par.3. e 4., da Carta Federal, pois as prerrogativas con te m p lad as nesses

VENTIVA - CIÊNCIA PRÉVIA D O DESTINATÁRIO. A prisão

artigo 312 d o C ó d ig o de Processo Penal. PRISÃO PRE­

preceitos da Lei Fundamentai - por serem unicam ente

preventiva prescinde da ciência prévia d o destinatário,

com patíveis com a con dição institucional de Chefe

quer im plem entada por Juiz, por Relator, ou por Tri­

de Estado - são apenas extensíveis ao Presidente da Republica. Precedente: A D In 978-PB, Rei. p/ o acórdão

bunal. PR ISÃ O PREVENTIVA - INQUÉRITO - A U SÊN CIA D E OITIVA. O fato de o envolvido no inquérito ainda

Min. C ELSO D E MELLO". (STF - A D 1 1,022/RJ - Tribunal

não ter sido ouvido surge neutro quanto à higidez do ato acautelador de custódia preventiva. FLAGRANTE

Pleno - Rei. p / Acórdão: M in. C elso d e M e llo - DJ 17/11/95 p. 39.202).

- DEFESA TÉC N IC A - INEXIGIBILIDADE. A do cum en ta­

Governadores d o s Estados e d o Distrito

ção d o flagrante prescinde da presença d o defensor

Federal não g o z am de im unidade à prisão cautelar, prerrogativa extraordinária garantida som ente ao Pre­

técnico d o conduzido, sendo suficiente a lembrança,

STJ: "(...) O s

pela autoridade policial, do s direitos constitucionais do

sidente da República, na qualidade de Chefe de Estado.

preso de ser assistido, com unicando-se com a família

Reserva de com petência da União Federal. Precedente

e com profissional da advocacia, e de perm anecer ca­ lado". (STF,Tribunal Pleno, H C 102.732, Rei. Min. M arco

d o Suprem oTribunal Federal. A apreciação d o pedido de prisão preventiva por esta Corte prescinde da auto­ rização da Câm ara Distrital tendo em vista a natureza

Aurélio, j. 04/03/2010, DJe 081 06/05/2010).

cautelar da providência, bem c o m o o su p osto envol­

8.3. Im unidade diplomática: Chefes de go­ verno estrangeiro ou de Estado estrangeiro, suas famílias e membros das comitivas, embai­ xadores e suas famílias, funcionários estrangei­ ros do corpo diplomático e suas família, assim como funcionários de organizações internacio­ nais em serviço (ONU, OEA, etc.) gozam de imunidade diplomática, que consiste na prer­ rogativa de responder no seu país de origem pelo delito praticado no Brasil (Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovada pelo Decreto Legislativo 103/1964, e promul­ gada pelo Decreto n° 56.435, de 08/06/1965). Em virtude disso, tais pessoas não podem ser presas e nem julgadas pela autoridade do país onde exercem suas funções, seja qual for o crime praticado (CPP, art. I o, inciso I). Em caso de falecimento de um diplomata, os membros de sua família “continuarão no gozo dos privi­ légios e imunidades a que têm direito, até a ex­ piração de um prazo razoável que lhes permita deixar o território do Estado acreditado” (art. 39, §3°, da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas). Admite-se renúncia expressa à

vim ento de m em bros da Casa Legislativa no esquem a de corrupção. Tentativa de frustrar a instrução criminal m ed ian te corru p ção de testem u n h a e falsificação ideológica de docum e n to privado, crimes tipificados n os arts. 343 e 299 d o C ó d ig o Penal. Necessidade de concessão da m edida restritiva para preservação da ordem pública e garantia da instrução criminal. Prisão decretada”. (STJ, Corte Especial, Inq. 650/DF, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 11/02/2010, DJe 15/04/2010).

STF:"(...) PRISÃO -

G O V E R N A D O R - LEI O R G Â N IC A D O

DISTRITO FEDERAL. Porque declarada inconstitucional pelo Suprem o - Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.024-4/DF, Relator M inistro Celso de M ello -, não subsiste a regra norm ativa se gu n d o a qual a prisão do Governador pressupõe sentença condenatória. PRISÃO PREVENTIVA - G O V E R N A D O R - INQUÉRITO - LICENÇA D A C A S A LEGISLATIVA - PROCESSO. A regra da prévia licença da Casa Legislativa c o m o condição da procedibilidade para deliberar-se sobre o recebim ento da denúncia não se irradia a ponto de apanhar prática de ato judicial diverso com o é o referente à prisão pre­ ventiva na fase de inquérito. (...) PRISÃO PREVENTIVA VERSU S SEN T EN Ç A C O N D E N A T Ó R IA - FO R M A - PEÇA D O M IN IST É R IO PÚBLICO. C abe distinguir a ad oção de arrazoado d o M inistério Público com o razões de decidir considerada sentença condenatória, q u an do então verificado vício de procedim ento, da referente

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

garantia da imunidade pelo Estado acreditante, ou seja, aquele que envia o Chefe de Estado ou representante. Tal imunidade não é extensiva aos empregados particulares dos agentes di­ plomáticos. De se lembrar que, segundo o art. 45.1 da Convenção de Viena sobre relações consulares, é possível a renúncia, pelo Estado, às imunidades do agente consular. Vale res­ saltar que essa imunidade não impede que as autoridades policiais investiguem o delito pra­ ticado, colhendo as informações necessárias referentes à autoria e materialidade do ilícito, que deverão ser encaminhadas às autoridades do país de origem do agente. Com efeito, o fato de o crime ser praticado por alguém que goze de imunidade diplomática não significa que nada possa ser feito. Supondo, assim, que um embaixador seja surpreendido desferindo tiros contra uma pessoa, sua captura poderá ser efetuada, de modo a se evitar a consumação do delito. Só que, uma vez obstada a prática do delito, o auto de prisão em flagrante delito não poderá ser lavrado. A ocorrência, porém, será registrada para o efeito de se enviar provas ao seu país de origem.

♦ Jurisprudência selecionada:

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8.3.1. Agentes consulares: quanto ao côn­ sul, este só goza de imunidade em relação aos crimes funcionais (Convenção de Viena, de 1963, sobre Relações Consulares, Decreto n. 61.078, de 26/07/1967). Além disso, a prisão só é admitida na hipótese de crime grave e desde que haja decisão da autoridade competente. Por crime grave, o STF concluiu que basta que se trate de crime apenado com reclusão, ainda que cabível o benefício da suspensão condicional do processo.

♦ Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) Habeas Corpus. Prisão preventiva. Fundam en­ tos. Acusado que exercia as funções de Cônsul de Israel no Rio de Janeiro. Crime previsto no art. 241 d o Estatu­ to da Criança e d o Adolescente (Lei n. 8.069/90). Pena de reclusão, cujo início deve se d are m estabelecim en­ to de segurança m áxim a ou m édia (regime fechado). Circunstância que, so m ada ao disposto no art. 61, II, "h", d o C ó d ig o Penal, enfatiza o caráter grave d o crime, o que é realçado pela existência de diversos diplom as protetivos da infância subscritos pelo Brasil: Declaração Universal d o s Direitos da Criança (1989), 45a Sessão da Assem bléia Geral das N ações Unidas, Declaração pelo Direito da Criança à sobrevivência, à proteção e ao desenvolvim ento, Convenção de Nova York sobre os Direitos da Criança e C on ven ção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores. Inexistência de obstáculo à prisão preventiva, nos term os d o que dispõe o art. 41 da C onvenção de Viena sobre Relações

S T J : "(...)Tendo o paciente, na condição de C ônsul-G e­ ral de El Salvador, praticado supostam ente o s delitos

Consulares. A to s im p u ta d o s a o p acien te q u e não gu ardam pertinência com o dese m pe n ho de funções

de falsidade ideológica e descam inho no exercício de

consulares. N ecessidade da prisão preventiva para

suas funções, o artigo 43 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 lhe assegura a im unidade

garantir a aplicação da lei penal. O rdem indeferida". (STF, I a Turma, HC 81.158/RJ, Relatora Ministra Ellen

à jurisdição brasileira. N o entanto, é possível que o

Gracie, DJ 19/12/2002).

Estado estrangeiro renuncie a im unidade de jurisdi­ ção de qualquer m em bro da repartição consular, nos term os d o artigo 45 da referida Convenção. Instado a se manifestar, o Estado de El Salvador, no exercício de sua soberania, retirou os privilégios e im unidades do paciente, não havendo, portanto, qualquer óbice ao prosseguim ento da ação penal. A im unidade de juris­ dição não se verifica de plano, isto é, não se aplica de form a automática, notadam ente pelo fato de que há a possibilidade de renúncia pelo Estado estrangeiro. Deste m odo, não era o caso de se im pedir de pronto a persecução penal contra o paciente, m as sim, de indagar o Estado de El Salvador acerca d o interesse em se subm eter ou não à jurisdição brasileira, conform e se deu na espécie. H abeas corpus denegado". (STJ, 6a Turma, HC 149.481/DF, Rei. Min. Haroldo Rodrigues D ese m bargado r con vocado d o TJ/CE -, j. 19/10/2010, DJe 16/11/2010).

8.4. Senadores, deputados federais, es­ taduais ou distritais: Senadores, Deputados Federais, Estaduais ou Distritais, desde a ex­ pedição do diploma, não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. É a chamada freedom from arrest. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão (CF, art. 53, §2°, c/c art. 27, §1°). Essa impossibilidade de se prender em flagrante os membros do Congresso Nacional por crimes afiançáveis não significa que nada possa ser feito quando colhidos em situação de flagrân­ cia. Nesse caso, seja a autoridade policial, seja

Art. 283

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

qualquer do povo, poderá adotar medidas no sentido de interromper a atividade ilícita, re­ gistrando a ocorrência, mas não será lavrado o auto de prisão em flagrante, nem tampouco ocorrerá o recolhimento ao cárcere. Na hipótese de prisão em flagrante por crime inafiançável, a autoridade que presidir o auto deve encaminhá-lo à casa respectiva, que, no exercício de função anômala, pelo voto aberto da maioria de seus membros (maioria absoluta: 257 deputados ou 41 senadores), deve deliberar sobre a prisão, mantendo ou não o congressista preso. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) C om

o advento da Constituição de 1988 (art.

27, § I o), que tornou aplicáveis, sem restrições, aos m em b ros das Assem bléias Legislativas d o s Estados e d o Distrito Federal, as norm as sobre im un idade s parlamentares do s integrantes d o Congresso Nacional, ficou superada a tese da Súm ula 3/STF ("A im unidade concedida a D eputados Estaduais é restrita à Justiça do Estado"), que tem por suporte necessário que o reco­ nhecim ento aos deputados estaduais das im unidades do s congressistas não derivava necessariam ente da Constituição Federal, m as decorrería de decisão au­ tôn om a d o constituinte local”. (STF, Pleno, RE 456.679/ DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 07/04/2006 p. 16).

8.4.1. Incoercibilidade pessoal relativa: segundo precedente antigo do Supremo Tribu­ nal Federal (STF, Pleno, Inq. 510/DF, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 19/04/1991 p. 4.581), con­ gressistas só poderiam sofrer prisão provisória ou cautelar numa única e singular hipótese: situação de flagrância em crime inafiançável. Logo, não poderiam ser objeto de prisão tem­ porária, nem tampouco de prisão preventiva. Como se trata de prerrogativa de caráter ins­ titucional, inerente ao Poder Legislativo, não se reconhece ao congressista a faculdade de a ela renunciar. Por outro lado, dentro do con­ texto normativo delineado pela Constituição, a garantia da imunidade parlamentar não obsta a execução de penas privativas de liberdade definitivamente impostas ao membro do Con­ gresso Nacional. A despeito desse precedente antigo, em julgamento relativo à Operação “Dominó”, deflagrada no Estado de Rondônia, a I a Turma do STF (FIC n. 89.417/RO, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJ 15/12/2006 p. 96) entendeu que o caso concreto não comporta­

ria interpretação literal da regra proibitiva da prisão de parlamentar (CF, art. 53, §§ 2o e 3o), e sim solução que conduzisse à aplicação efe­ tiva e eficaz de todo o sistema constitucional. Aduziu-se que a situação evidenciaria absoluta anomalia institucional, jurídica e ética, uma vez que praticamente a totalidade dos mem­ bros da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia estaria indiciada ou denunciada por crimes relacionados à mencionada organiza­ ção criminosa, que se ramificaria por vários órgãos estatais. Assim, tendo em conta essa conjuntura, considerou-se que os pares do deputado estadual não disporiam de autono­ mia suficiente para decidir sobre a sua prisão, porquanto ele seria o suposto chefe dessa or­ ganização. Em consequência, salientou-se que aplicar o pretendido dispositivo constitucional, na espécie, conduziria a resultado oposto ao buscado pelo ordenamento jurídico. Entendeu-se, pois, que à excepcionalidade do quadro haveria de corresponder à excepcionalidade da forma de interpretar e aplicar os princípios e regras constitucionais, sob pena de se prestigiar regra de exceção que culminasse na impu­ nidade dos parlamentares. A matéria voltou a ser apreciada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, in casu, pela 2a Turma, por ocasião da decretação da prisão do Senador “D. do A”. Reiterou-se o entendimento de que não se pode fazer uma leitura seca da regra proibitiva da prisão de parlamentar, tal qual disposta no art. 53, §2°, da Constituição Fede­ ral, para fins de se concluir que parlamentares federais, estaduais ou distritais, só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável. Na verdade, o referido dispositivo constitucional deve ser interpretado no seguinte sentido: a) a Constituição garante a imunidade relativa dos parlamentares e a Constituição proíbe a

impunidade absoluta de quem quer que seja; b) a regra limitadora do processamento de parlamentar e a proibitiva de sua prisão são garantias do cidadão, do eleitor para a auto­ nomia do órgão legiferante e da liberdade do eleito para representar, conforme prometera, e cumprir os compromissos assumidos no pleito. Não configuram, portanto, direito persona­ líssimo do parlamentar, mas prerrogativa que

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lhe advém da condição de membro do poder que precisa ser preservado para que também seja preservado o órgão parlamentar em sua autonomia, a fim de que ali se cumpram as atribuições que lhe foram constitucionalmente cometidas. Logo, a norma constitucional que cuida da imunidade prisional do parlamentar não pode ser tomada em sua literalidade, me­ nos ainda excluída do sistema constitucional, como se apenas aquela regra existisse, sem qualquer vinculação com os princípios que a determinam e com os fins a que ela se destina. A Constituição não diferencia o parlamentar para privilegiá-lo. Distingue-o e torna-o imu­ ne ao processo judicial e até mesmo à prisão para que os princípios do Estado Democrático da República sejam cumpridos; jamais para que eles sejam desvirtuados. Afinal, o que

se garante é a imunidade, não a impunidade. Essa é incompatível com a Democracia, com a República e com o próprio princípio do Estado de Direito. Imunidade é a prerrogativa que advém da natureza do cargo exercido. Quando o cargo não é exercido segundo os fins constitucionalmente definidos, aplicar-se cegamente a regra que a consagra não é observância da prerrogativa, é criação de privilégio. E esse, sabe-se, é mais uma agressão aos princípios constitucionais, ênfase dada ao da igualdade de todos na lei. Considerando, pois, a excepcionalidade do quadro em ques­ tão, concluiu o Supremo pelo cabimento da prisão preventiva do referido Senador, já que a regra do art. 53, §2°, pode ser relativizada em situações de completa anomalia institucional. Por isso, a 2a Turma do Supremo referendou a decretação da prisão preventiva do referido Senador pelo Ministro Relator, fundamentada não apenas em indícios de autoria e prova da existência de diversos crimes (v.g., lavagem de capitais, crimes contra a administração pública, organização crim inosa, etc.), mas também nos pressupostos da conveniência da instrução criminal - suposto pagamento de R$ 50.000,00 mensais a família de pretenso colaborador para que este não firmasse acordo de colaboração premiada na “Operação Lava Jato” - , garantia de aplicação da lei penal - ha­ via um plano para a fuga deste colaborador se

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acaso fosse agraciado com um habeas corpus - e garantia da ordem pública - cooptação de colaborador, promessa de intercessão política junto aos Ministros do Supremo em favor da liberdade do pretenso colaborador, obtenção de documentos judiciais sigilosos, etc. A pro­ pósito, confira-se; STF, 2a Turma, AC 4.036 Referendo-MC/DF, Rei. Min. Teori Zavascki, j. 25/11/2015. 8.4.2. Congressista nomeado Ministro de Estado: merece especial atenção a súmula 4 do STF, segundo a qual “não perde a imunidade parlamentar o congressista nomeado Ministro de Estado”. Referida súmula foi cancelada pela Suprema Corte quando do julgam ento do Inquérito n. 104 (STF - Tribunal Pleno - Inq. 104 - Rei. Min. Djaci Falcão - j. 26/08/81 DJ02/10/81). Logo, tratando-se de deputado licenciado à época do fato para o exercício de outro cargo na Administração Pública, não há que se falar na inviolabilidade ou imunidade processual, mesmo que venha a reassumir o mandato posteriormente após a prática do fato delituoso.

+ Jurisprudência selecionada:

STF: “(...)

N ão assiste a prerrogativa da im un idade

processual ao D ep u tado estadual, licenciado, à época d o fato, para o exercício d o cargo de Secretário de Es­ tado (cfr. Inq. 104, RTJ 99/487), m esm o havendo, após, reassum ido o de se m pe n ho d o m andato (cfr. Inq. 105, RTJ 99/487)". (STF, I a Turma, H C 78.093/AM, Rei. Min. Octavio Galloti, DJ 16/04/1999 p.6).

8.4.3. Imunidade processual temporária do art. 86, §4°, da Constituição Federal: não se admite a aplicação analógica do art. 86, §4°, da CF (“O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabili­ zado por atos estranhos ao exercício de suas funções”), aos membros do Poder Legislativo, já que referida imunidade se destina expressa­ mente ao Chefe do Poder Executivo da União. Com base nesse raciocínio, o Plenário do STF deliberou pelo recebimento de denúncia contra o então Presidente da Câmara E. C., pela su­ posta prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

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CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de Lima

Jurisprudência selecionada:

ST F :"(...) A previsão constitucional d o art. 86, § 4o, da Constituição da República se destina expressamente ao Chefe d o Poder Executivo da União, não autorizan­ do, por sua natureza restritiva, qualquer interpretação que am plie sua incidência a outras autoridades, no­ m eadam ente d o Poder Legislativo. Precedentes. (...)”. (STF, Pleno, Inq. 3.983/DF, Rei. Min. Teori Zavascki, j. 03/03/2016, DJe 95 11/05/2016).

8.5. Vereadores: ao contrário do que ocor­ re com parlamentares federais, estaduais ou distritais, vereadores não gozam de incoercibilidade pessoal relativa (freedom from arrest), embora sejam detentores da chamada imu­ nidade material em relação às palavras, opi­ niões e votos que proferirem no exercício do mandato e na circunscrição do município (CF, art. 29, V III) e possuam, em alguns Estados da Federação, prerrogativa de foro assegurada na respectiva Constituição. + Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) C on dição de vereador que não garante ao paciente tratam ento diferenciado relativamente aos dem ais corréus. O s edis, ao contrário d o que ocorre com os m em bros d o C on gresso Nacional e os de p u ­ tados estaduais não go z am da de n om in ada incoercibilidade pessoal relativa (freedom from arrest), ainda que algu m a s Constituições estaduais lhes assegurem prerrogativa de foro. H abeas corpus con hecido em parte e d e n e gad o na parte conhecida". (STF, 1a Turma, HC 94.059/RJ, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 107 13/06/2008). S T J : "(...) N ão have nd o ilegalid ad e na m an u ten ção da custódia cautelar d o paciente Vereador d o Rio de Janeiro, que conta apenas com im unidade material, e diante da ausência de previsão legal indefere-se o pedido defensivo de que o paciente p ossa frequentar as sessões legislativa da C âm ara M unicipal. O rdem denegada, em conform idade com o parecer m iniste­ rial". (STJ, 5a Turma, HC 106.642/RJ, Rei. Min. Napoleão Nunes M aia Filho, DJe 04/08/2008).

8.6. Magistrados e membros do Ministério Público: de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35/79), são prer­ rogativas do Magistrado não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do Órgão Especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e

apresentação do Magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado (art. 33, inciso II) . Além disso, quando, no curso de investi­ gação, houver indício da prática de crime por parte do Magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou Órgão Especial competente para o julgamento, a fim de que se prossiga na investigação (LC 35/79, art. 33, parágrafo único). Por sua vez, nos exatos term os da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625/93), constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público ser preso somente por ordem judicial escrita, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará, no prazo máximo de vinte e quatro horas, a comunicação e a apresen­ tação do membro do Ministério Público ao Procurador-Geral de Justiça (art. 40, inciso III) . Ademais, quando, no curso de investiga­ ção, houver indício da prática de infração penal por parte do membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração (Lei n. 8.625/93, art. 41, parágrafo único). Ao contrário de senadores, deputados federais, estaduais ou distritais, em relação aos quais o Supremo entende que, pelo menos em regra, a Constituição Federal somente autoriza a prisão em flagrante de crime inafiançável (CF, art. 53, §2°), excluindo-se, assim, a inci­ dência de qualquer outra modalidade cautelar prisional, magistrados e membros do Minis­ tério Público, apesar de não estarem sujeitos à prisão em flagrante por crime afiançável, estão sujeitos à prisão temporária e/ou preventiva. Basta perceber que as próprias Leis Orgânicas fazem menção à possibilidade de prisão me­ diante ordem judicial escrita (art. 40, inciso III, da Lei n. 8.625/93, art. 18, inciso II, alínea “d”, da Lei Complementar n. 75/93, e art. 33, inciso II, da Lei Complementar n. 35/79). Especificamente em relação à prisão em fla­ grante, há expressa restrição quanto aos crimes afiançáveis. Essa ressalva quanto à prisão em flagrante por crimes afiançáveis não significa, no entanto, que essas autoridades estejam

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penalmente isentas por eles. Apesar de não ser possível a prisão em flagrante em crimes afiançáveis, a ocorrência deve ser registrada, e posteriormente encaminhada à Presidência do Tribunal a que estiver vinculado o juiz, ou ao respectivo Procurador-Geral, em se tratando de membros do Ministério Público. 8.6.1. Lavratura de auto de prisão em fla­ grante contra m agistrados e membros do Ministério Público pela prática de crimes inafiançáveis: no caso de flagrante de crime inafiançável, afigura-se possível a captura do Magistrado ou do membro do Ministério Pú­ blico, porém o auto de prisão em flagrante não pode ser presidido por delegado de polícia. Ora, como a apuração de ilícitos supostamente praticados por Magistrados ou membros do Ministério Público deve ser feita pelo Presi­ dente do Tribunal ou pelo Procurador-Geral, não há como se pretender que o auto de pri­ são em flagrante não seja lavrado por essas mesmas autoridades. Afinal de contas, no auto de prisão em flagrante delito, já se está a praticar ato de polícia judiciária consistente na colheita de elementos de informação contra o suposto autor do delito. Nessa linha, veja-se o enunciado n. 6 da 2a Câmara de Coordenação e Revisão do MPF: “Não cabe à autoridade policial instaurar inquérito para investigar conduta delituosa de membro do Ministério Público da União. Este trabalho investigatório é instaurado, tem curso, e é concluído no âmbito do Ministério Público Federal”. É bom ressaltar que o fato de a prisão-captura ter sido feita pela autoridade policial não significa, necessariamente, que ocorrerá a lavratura do auto de prisão em flagrante pelo Presidente do Tribunal ou pelo Procurador-Geral. Afinal, cabe a esta autoridade um juízo de valoração das condições objetivas da flagrância e verifi­ cação da razoabilidade probatória dos indícios colhidos, a fim de determinar a medida extre­ ma de constrição da liberdade. 8.7. Advogados: por motivo ligado ao exercí­ cio da profissão, advogados somente poderão ser presos em flagrante em caso de crime ina­ fiançável, assegurada, nesse caso, a presença de representante da OAB para lavratura do auto

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respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB (Lei n. 8.906/94, art. 7o, §3°). Portanto, se o delito em virtude do qual o advogado foi preso em flagrante estiver relacionado ao exercício da profissão, sua prisão somente será possível se o delito for inafiançável, assegurada a presença de representante da OAB quando da lavratura do respectivo auto. Interpretando-se a contrario sensu o referido dispositivo, con­ clui-se que, por motivo ligado ao exercício da profissão, advogados não poderão ser presos em flagrante pela prática de crimes afiançáveis. Ademais, caso a prisão em flagrante ocorra por motivos estranhos ao exercício da advocacia, a prisão poderá ser realizada normalmente, independentemente da natureza do delito afiançável ou inafiançável - , com a ressalva de que subsiste a obrigatoriedade de comunicação expressa à seccional da OAB. Apesar de não ser possível a prisão em flagrante de advogado pela prática do delito de desacato ligado ao exercí­ cio da profissão, seja por se tratar de infração de menor potencial ofensivo, seja por se tratar de crime afiançável, isso não significa dizer que o advogado não possa ser responsabilizado criminalmente pelo referido delito. Como se sabe, é possível que o advogado responda pelo crime de desacato, delito este que foi eliminado do âmbito de sua imunidade material ou penal (vide ADI 1.127-8/DF). 8.8. Menores de 18 anos: há de se diferen­ ciar a situação da criança (até doze anos de idade incompletos) e a do adolescente, com idade entre doze e dezoito anos. Cuidando-se de criança, não é possível a privação de sua liberdade em razão da prática de ato infracional (Lei n. 8.069/90, art. 101, §1°, com redação dada pela Lei n. 12.010/2009). Logo, caso uma criança seja, por exemplo, surpreendida em situação de flagrância de conduta prevista como crime ou contravenção penal (Lei n. 8.069/90, art. 103), deve ser apresentada ao Conselho Tutelar ou à Justiça da Infância e da Juventude, para fins de aplicação da m e­ dida de proteção que se reputar adequada, nos termos dos arts. 101, 105 e 136, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por outro lado, nenhum adolescente será

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CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

privado de sua liberdade senão em flagran­ te de ato infracional ou por ordem escrita e fundam entada da autoridade jud iciária competente (Lei n. 8.069/90, art. 106, caput). Como se percebe, no caso de adolescentes, é possível que ocorra sua apreensão (não se deve usar o termo prisão) em duas situações: flagrante de ato infracional e nos casos de internação provisória. Antes da sentença definitiva, a internação pode ser determinada pelo prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias. A decisão deve ser fundam entada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida. A internação, decretada ou mantida pela autoridade judiciária, não poderá ser cumprida em estabelecim ento

prisional. Inexistindo na comarca entidade com as características definidas no art. 123 da Lei n. 8.069/90, o adolescente deverá ser imediatamente transferido para a localidade mais próxima. Sendo impossível a pronta transferência, o adolescente aguardará sua remoção em repartição policial, desde que em seção isolada dos adultos e com instala­ ções apropriadas, não podendo ultrapassar o prazo máximo de 5 (cinco) dias, sob pena de responsabilidade. Quanto aos inimputáveis em razão de doença mental, sua prisão é ple­ namente possível. Para mais detalhes acerca do assunto, rem etem os o leitor ao tópico pertinente às medidas cautelares diversas da prisão, especificamente no item pertinente à internação provisória (CPP, art. 319, V II).

Art. 284. Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.1’3 1. Prisão e em prego de força: trata-se, o emprego de força, de medida de natureza excepcional, devendo o agente limitar seu em­ prego àquilo que for indispensável para vencer a resistência ativa do preso ou sua tentativa de fuga. Assim agindo, não há falar em conduta ilícita por parte do responsável pela prisão, eis que sua ação está acobertada pelo estrito cumprimento do dever legal (agente público) ou pelo exercício regular de direito (particu­ lar), podendo, a depender do caso concreto, caracterizar inclusive legítima defesa. De modo algum, todavia, autoriza-se o emprego de vio­ lência extrema, consubstanciada na morte do preso, como ainda sói ocorrer em hipóteses de tentativas de fuga com uso de veículos automo­ tores. Obviamente, na hipótese de resistência ativa por parte do preso, com a prática de agressão injusta em face do responsável pela prisão, pode este agir amparado pela legítima defesa, desde que se socorra dos meios neces­ sários de maneira moderada e proporcional (CP, art. 25). Nessa linha, com o objetivo de regulamentar o uso de força pelos agentes de segurança pública, foi editada a Portaria Interministerial n. 4.226, de 31 de dezembro de 2010, conjuntamente pelo Ministro da Justiça

e o Ministro Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. No anexo I da referida portaria, a diretriz n. 3 afirma que os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave. Tal portaria ainda prevê que não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros. De modo semelhante, dispõe que não é legítimo o uso de armas de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, a não ser que o ato represente um risco ime­ diato de morte ou lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros (diretriz n. 5). Ademais, a diretriz n. 7 afirma que o ato de apontar arma de fogo contra pessoas durante os procedimentos de abordagem não deverá ser uma prática rotineira e indiscriminada. 2. Uso de algemas: durante anos, silenciou o Código de Processo Penal acerca do uso de algemas no momento da prisão, limitando-

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-se a Lei de Execução Penal a dispor que o emprego de algemas seria disciplinado por decreto federal (LEP, art. 199), o qual, até o presente momento, não foi editado. Só mais recentemente é que o CPP passou a prever, no âmbito do procedimento do júri, que não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes (CPP, art. 474, §3°, com redação dada pela Lei n. 11.689/08). Ademais, segundo o art. 478, inciso I, do CPP, durante os debates, as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer re­ ferências à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficie ou prejudique o acusado. 2.1. Respeito à integridade física e moral do preso e uso de algemas: não obstante o silêncio do Código de Processo Penal ao longo dos anos, é forçoso convir que a Constitui­ ção Federal assegura aos presos o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5o, inciso XLIX). Ademais, admitindo a lei processual penal a aplicação analógica, por força do art. 3o, caput, do CPP, mesmo antes das alterações produzidas pela Lei n. 11.689/08, já deveria incidir no processo penal comum o art. 234, §1°, do Código de Processo Penal Militar, se­ gundo o qual o emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso. 2.2. Hipóteses que autorizam o uso de algemas: em face da lacuna legal referente ao uso de algemas quando do momento da prisão, mesmo antes da reforma processual de 2008, o Supremo Tribunal Federal já ha­ via se posicionado no sentido de que o uso legitimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nas seguintes hipóteses: a) com a finalidade de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) com a finalidade de evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. Apesar

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de não nos parecer que estivessem presentes os pressupostos constitucionais para a edição de súmula vinculante (CF, art. 103-A, caput), foi aprovado pelo Supremo Tribunal Federal o Enunciado da Súmula Vinculante n. 11, que dispõe: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da pri­ são ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. Na visão da I a Turma do STF (Rcl. 7.116/PE, Rei. M in. Marco Aurélio, j. 24/05/2016), a apresentação de custodiado algemado à im ­ prensa pelas autoridades policiais não afronta a súmula vinculante n. 11. 2.3. Auto de utilização de algem as: da leitura da súmula vinculante n. 11 do STF, depreende-se que, sendo necessária a utiliza­ ção de algemas, seja para prevenir, impedir ou dificultar a fuga do capturando, seja para evitar agressão do preso contra policiais, contra ter­ ceiros ou contra si mesmo, será indispensável a lavratura de auto de utilização de algemas pela autoridade competente. O ideal é que esse auto de utilização de algemas seja lavra­ do tão logo efetuada a captura do agente, nos mesmos moldes em que se lavra o chamado auto de resistência. No entanto, a depender das circunstâncias do caso concreto, nada impede que a menção à situação fática que legitimou o uso de algemas seja feita no bojo do próprio auto de prisão em flagrante delito. De todo modo, caso isso não seja possível (v.g., hipótese em que o capturando tenha que ser transportado para outra cidade), nada impede que essa justificativa seja lavrada quando da chegada do indivíduo à delegacia de polícia. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O

uso legítim o de alge m as não é arbitrário,

se n d o de natureza excepcional, a ser a d o ta d o nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fu ga ou reação indevida d o preso, desde que haja fu n dad a suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si m esm o. O e m p rego dessa m edida tem com o balizam ento jurídico necessário os princípios da pro­ porcionalidade e da razoabilidade. Precedentes. 2. Habeas corpus concedido". (STF, 1aTurma, HC 89.429/RO, Relatora Ministra Cárm en Lúcia, DJ 02/02/2007 p. 114).

STF:"(...) Im plica

prejuízo à defesa a m anutenção do réu alge m a do na sessão de julgam ento doTribunal d o

Júri, resultando o fato na insubsistência d o veredicto condenatório". (STF, H C 91.952/SP, Tribunal Pleno, Rei. Min. M arco Aurélio, DJe 241 18/12/2008).

STJ:"(...) N ão caracteriza afronta à Súm ula n° 11 d o SupremoTribunal Federal o uso de algemas, se tal medida for justificada. A concessão de liberdade provisória, m ediante com prom isso, não caracteriza constrangi­ m ento ilegal. O rdem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 138.349/MG, Rei. Min. Celso Lim ongi, D ese m bargador con vo cado d o TJ/SP, Dje 07/12/2009).

3. Instrumentos de menor potencial ofen­ sivo (ou não letais): com o objetivo de res­ guardar a integridade física de toda e qualquer pessoa - presa ou em liberdade - sujeita ao uso da força por agentes de segurança pública, evitando seu emprego de maneira irracional, foi editada a Lei n. 13.060, com vigência em data de 23 de dezembro de 2014. Referida Lei disciplina o uso dos instrum entos de menor potencial ofensivo, assim considera­ dos aqueles projetados especificamente para,

com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes, conter, debilitar ou inca­ pacitar temporariamente pessoas, a exemplo de armas de choque, como a “taser”, spray de pimenta, gás lacrimogêneo, balas de borracha, etc. Por força da Lei n. 13.060/14, os órgãos de segurança pública, quais sejam, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as Polícias Civis, as Polícias Militares, os Corpos de Bombeiros Militares e as Guardas Municipais, deverão priorizar a utilização desses instrum entos não letais, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, e deverão obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade. De mais a mais, conso­ ante disposto no art. 2o, parágrafo único, da referida Lei, não é legítimo o uso de arma de fogo: a) contra pessoa em fuga que esteja de­ sarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; b) contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros.

Art. 285. A autoridade que ordenar a prisão fará expedir o respectivo mandado.1'2 Parágrafo único. O mandado de prisão:3 a) será lavrado pelo escrivão e assinado pela autoridade;4 b) designará a pessoa, que tiver de ser presa, por seu nome, alcunha ou sinais característicos;5 c) mencionará a infração penal que motivar a prisão;6 d) declarará o valor da fiança arbitrada, quando afiançável a infração;7 e) será dirigido a quem tiver qualidade para dar-lhe execução.8 1. M andado de prisão: à exceção dos casos de flagrante delito, transgressão militar e crime propriamente militar, a Carta Magna (art. 5o, LXI) demanda ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente para que alguém seja preso. Por isso, não se pode fechar os olhos para a importância do mandado de prisão, instrumento que materializa a ordem

de prisão escrita e fundamentada da autori­ dade judiciária competente. O mandado de prisão autoriza apenas a efetivação da captura do agente. Logo, se o capturando se esconder em sua residência, sua captura não mais pode­ rá ser efetuada sem mandado judicial de busca específico, que deverá trazer expressa autoriza­ ção para a entrada no domicílio. Nesse sentido,

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o art. 243, §1°, do CPP, dispõe que, havendo ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca e apreensão. Os requisitos do mandado de prisão estão discriminados no parágrafo único do art. 285 do CPP. 2. Difusão vermelha (r e d n o tice ): outro as­ pecto importante pertinente ao cumprimento do mandado de prisão diz respeito à possibi­ lidade de prisão de pessoa que se encontra no estrangeiro, ou daqueles que se encontram no território nacional, sendo procurados no es­ trangeiro. Com o crescente caráter transnacional dos delitos, esse tema ganha cada vez mais importância. Daí por que a Interpol (Organi­ zação Internacional de Polícia Internacional), que é uma polícia internacional formada por várias polícias nacionais interligadas, forman­ do uma rede de auxílio à persecução penal transnacional, criou um instrumento, denomi­ nado de difusão vermelha, que visa auxiliar as autoridades nacionais no cumprimento desses mandados de prisão. Verdadeiros mandados de capturas internacionais, as difusões verme­ lhas ( red notice) podem ser conceituadas como registros utilizados pela Interpol para divulgar entre os Estados-membros a existência de mandados de prisão em aberto, expedidos por autoridades competentes nacionais ou por tribunais penais internacionais, no curso de procedimentos criminais. Além das difusões vermelhas, temos as yellow notices (para ajudar a localizar pessoas desaparecidas), blue notices (para coletar informações sobre a identidade de uma pessoa ou atividades em relação a um crime), black notices (para buscar informações sobre corpos não identificados), green notices (para proporcionar informações de natureza criminal sobre pessoas que cometeram deli­ tos e estão propensos a repeti-los em outros países) e white notices (localização de bens culturais). 2.1. Difusão vermelha a ser executada no exterior: de acordo com a Instrução Norma­ tiva n. 01, de 10 de fevereiro de 2010, oriunda da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça, os juizes criminais brasileiros, ao expedirem manda­ dos de prisão, tendo ciência própria ou por

Art. 285

suspeita, referência, indicação, ou declaração de qualquer interessado ou agente público, que a pessoa a ser presa está fora do país, vai sair dele ou pode se encontrar no exterior, devem remeter o instrumento ao Superintendente Regional da Polícia Federal (SR/DPF) do res­ pectivo Estado, a fim de que se providencie sua inclusão no sistema informático da Interpol como uma red notice. Essa medida deve ser adotada apenas nos casos de prisão preventiva ou prisão decorrente de sentença condenatória com trânsito em julgado. Com o mandado em mãos, a Interpol emitirá a notícia de sua exis­ tência para todos os 188 (cento e oitenta e oito) países membros da organização internacional, objetivando a localização e eventual captura da pessoa procurada. Caso ocorra o cumprimento da difusão no estrangeiro, caberá ao Brasil enviar a formalização do pedido de extradição do preso. 2.2. Difusão vermelha a ser cumprida no Brasil: se, no estrangeiro, a difusão vermelha é suficiente, de p er si, para que seja efetivada a prisão da pessoa procurada, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal entende que é in­ dispensável prévia ordem escrita da autoridade judiciária competente brasileira. Logo, estando a pessoa no território nacional, ainda que seu nome conste na Interpol como procurada em razão de difusão vermelha, deve haver prévio pedido de extradição tramitando no Supremo, ocasião em que o M inistro Relator poderá determinar a prisão preventiva para fins de extradição, nos termos do art. 1 0 2 ,1, “g”, da Constituição Federal. Esse entendimento aca­ bou sendo consolidado pela Lei n. 12.878/13, que conferiu nova redação aos arts. 80, 81 e 82, do Estatuto do Estrangeiro. Consoante disposto na nova redação do art. 82, §2°, da Lei n. 6.815/80, o pedido de prisão cautelar do estrangeiro para fins de extradição poderá ser apresentado ao Ministério da Justiça por meio da Organização Internacional de Polícia Cri­ minal (Interpol), devidamente instruído com a documentação comprobatória da existência de ordem de prisão proferida por estrangeiro. Após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade, o Ministro da Jus­ tiça deverá representar ao Supremo Tribunal

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Federal no sentido da decretação da prisão cautelar (Lei n. 6.815/80, art. 82, caput, com redação dada pela Lei n. 12.878/13). Assim, caso um terrorista internacionalmente pro­ curado, com difusão vermelha já expedida, seja encontrado no território nacional, sua prisão somente poderá ser efetivada se hou­ ver pedido oficial de extradição formulado pelo país interessado, o qual será submetido à apreciação do Supremo, para que, somente então, possa ser expedido o mandado de pri­ são. Enquanto este pedido oficial de extradição não chegar ao Supremo pela via diplomática e enquanto não for decretada a prisão pelo Relator, as autoridades policiais nada poderão fazer, a não ser monitorar a pessoa procurada. Para muitos, essa interpretação do Supremo é incompatível com o princípio geral da coope­ ração, que rege as relações internacionais (CF, art. 4o, IX). Por força do princípio do mútuo reconhecimento das decisões judiciais e obje­ tivando imprimir maior eficácia ao princípio da justiça penal internacional, bastaria que o Supremo interpretasse a parte final do art. 5o, LXI, da Constituição Federal - ninguém será preso senão em flagrante delito ou porde ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente - no sentido de também abranger a autoridade judiciária estrangeira. De fato, do mesmo jeito que as autoridades judiciárias estrangeiras cumprem a difusão vermelha oriunda do Brasil, por confiarem que houve a expedição regular desta ordem, com observância da lei e da Constituição Federal, o Brasil também deve confiar na red notice proveniente do exterior. Outrossim, eventu­ ais abusos e ou irregularidades poderão ser analisados pelo Supremo a posteriori, já que a prisão será comunicada imediatamente para fins de eventual homologação. Ademais, se houve a expedição da difusão vermelha por um Estado estrangeiro, é de se presumir que haverá interesse na extradição do agente. Nessa linha: MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. São Paulo: Editora Método, 2011. p. 115. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) M a n d a d o de prisão expe did o por m agistra­ d o can aden se contra pessoa residente no Brasil, para cuja execução foi solicitada a cooperação da INTERPOL - Brasil. Inexistência de p e d id o de extradição. C om p etê ncia d o STF - Art. 102 ,1, g, da Constituição Federal. Em face d o m a n d a d o de prisão contra a paciente e xpedido por m agistrad o canadense, so b a acusação de haver com etido o ilícito criminal previsto no art. 282, a, d o C ó d ig o Penal d o Canadá, e solicitada à IN TERPO L sua execução, fica caracterizada situação de am e aça à liberdade de ir e vir. Flabeas corpu s parcialm ente con he cido e, nessa parte, concedido, para assegurar à paciente salvo c on d u to em to d o o território nacional. Em se tratando de pessoa residen­ te no Brasil, n ão há de sofrer constrangim ento em sua liberdade de locom oção, em virtude de m a n d a d o de prisão e x pedido por justiça estrangeira, o qual, por si só, não pode lograr qualquer eficácia no país. C om u ni­ cação da decisão d o STF ao Ministério da Justiça e ao D epartam ento de Polícia Federal, D ivisão da Interpol, para que, diante da am eaça efetiva à liberdade, se ad o te m p ro vid ên cias indispensáveis, em o rd em a q u e a paciente, c om residência em Florianópolis, não sofra restrições em sua liberdade de lo co m oção e perm aneça no país e nq u an to lhe aprouver. Flabeas corpu s n ão conhecido, n o p o n to em q u e se pede a c e ssa ç ã o im ed ia ta da v e ic u laçã o d o s n o m e s e fotografias da paciente e de seus filhos m enores no portal eletrônico da O rgan iz açã o Internacional de Polícia Crim inal (O.l.P.C.) - Interpol, porque fora d o alcance e controle da jurisdição nacional, ten do sido a inclusão das difusões verm elha e amarelas, relativas à paciente e seus filhos, respectivam ente, solicitadas pela IP/O ttaw a à IPSC, em Lyon, França". (STF, Pleno, HC 80.923/SC, Rei. Min. Néri da Silveira, j. 15/08/2011, DJ 21/06/2002 p. 97). S T F : "(...) STF: c o m p e tê n c ia originária: h ab e as cor­ p u s pre ven tivo contra a le g a d a a m e aça d e prisão para extradição, im p u ta d a a a u to r id a d e p olicial brasileira: precedente (HC 80923). Flabeas corpu s preventivo: am e aça de sm e n tid a pelas inform ações, n as q u a is a au torid ad e policial im pe trad a dá conta d e que, cien te de d e p e n d e r a p risão pre ven tiva para e x tradição de d e c isã o d o STF, n ã o atenderá ao p e d id o de de te n ção o riu n d o de ó rg ã o judiciário estrangeiro". (STF, Pleno, H C 82.686/RS, Rei. M in. Se p ú lv e d a Pertence, j. 05/02/2002, DJ 28/03/2003 p. 64).

3. Requisitos do m andado de prisão: para além dos requisitos enumerados nos incisos do parágrafo único do art. 285 do CPP, outros são apontados pela doutrina, tais como a colocação da comarca, vara e ofício de onde é originário, o número do processo e/ou do inquérito onde foi proferida a decisão decretando a prisão, o nome da vítima do crime, o teor da decisão

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que deu origem à ordem de prisão (preventiva, temporária, etc.), a data da decisão, a data do trânsito em julgado (quando for o caso), a pena aplicada (quando for o caso), assim como o prazo de validade do mandado, que equivale ao lapso prescricional. 4. Lavratura pelo escrivão e assinatura da autoridade competente: nada impede que o mandado seja lavrado por um escrevente ou por um funcionário da justiça. O que é indispensável é a assinatura da autoridade judiciária competente, elemento essencial à existência do mandado de prisão. Cuida-se de pressuposto de validade que comprova a autenticidade da ordem emanada. Sem a assinatura do juiz, o mandado jamais prestará para prender, pois a desconformidade com o modelo legal é tão intensa que se pode falar em inexistência do ato. 5. Designação da pessoa que tiver de ser presa, por seu nome, alcunha ou sinais carac­ terísticos: de maneira semelhante ao que ocorre na denúncia (CPP, art. 41), não são necessários todos os dados referentes à qualificação da pessoa que tiver de ser presa (RG, filiação, alcunha, sexo, cor da pele, data de nascimento, naturalidade, endereço residencial). No entanto, diante dos frequentes casos de homônimos, deve-se buscar individualizá-la da melhor maneira possível, a fim de se evitar abusos e/ou erros.

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6. Menção da infração penal que motivara prisão: impõe-se uma interpretação extensiva do art. 285, parágrafo único, alínea “c”, do CPP, eis que a lei disse menos do que queria dizer. Isso porque, em se tratando de prisão civil do devedor de alimentos, não há infração penal. Destarte, o dispositivo em questão deve ser lido: mencionará a infração penal ou o motivo legal que der ensejo à prisão. 7. Valor da fiança arbitrada, quando afiançável a infração: tendo em conta que a Cons­ tituição Federal preceitua que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fian­ ça, do mandado deve constar o valor da fiança se a infração for afiançável, sob pena, inclusive, de restar caracterizado o delito de abuso de autoridade previsto no art. 4o, alínea “e”, da Lei n. 4.898/65.0 conceito de infrações afiançáveis deve ser feito a partir de uma interpretação a contrario sensu dos arts. 323 e 324 do CPP. 8. Direcionamento à autoridade com atri­ buição para lhe dar execução: quem tem atribuição para fazer cum prir o mandado de prisão é o oficial de justiça, a autoridade policial ou seus agentes. Particulares ou fun­ cionários públicos de outras categorias não detêm autorização para efetuar o cum pri­ mento de mandado de prisão, nem mesmo por delegação.

Art. 286. O mandado será passado em duplicata, e o executor entre­ gará ao preso, logo depois da prisão, um dos exemplares com declaração do dia, hora e lugar da diligência. Da entrega deverá o preso passar recibo no outro exemplar; se recusar, não souber ou não puder escrever, o fato será mencionado em declaração, assinada por duas testemunhas.' 1. M an dad o em duplicata: é indispensável que o mandado de prisão seja passado em duplicata, estando ambas as cópias assinadas pela autoridade judiciária. O dispositivo em questão atende ao preceito do art. 5o, inciso LXIV, da Constituição Federal, segundo o qual o preso tem direito à identificação dos respon­ sáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial, o qual, obviamente, também abrange a

autoridade judiciária responsável pela privação da liberdade de locomoção do preso. Não me­ nos importante é a especificação do dia, hora e lugar em que a diligência foi cumprida, sobre­ tudo para fins de contagem do tempo de prisão. Afinal, por força da detração, computa-se, na pena privativa de liberdade, o tempo de prisão provisória no Brasil ou no estrangeiro (CP, art. 42). Da entrega do mandado de prisão deve o

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capturado passar recibo no outro exemplar, retornando aos autos em seguida. Se acaso o preso se recuse a passar recibo, duas testemu-

nhas deverão assinar o outro mandado. São as denominadas testemunhas instrumentárias ou fedatárias.

Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado.1-2 1. Efetivação da prisão sem a exibição do respectivo mandado: de acordo com o dis­ posto no art. 287, caput, do CPP, cuja redação não foi modificada pela Lei n. 12.403/11, em se tratando de infração inafiançável, se o executor não estiver, no momento da captura, com o mandado de prisão, poderá dar voz de prisão ao capturando, devendo, neste caso, apresentar o preso imediatamente à autoridade judiciária responsável pela expedição do mandado, ou também ao juiz corregedor da polícia judiciária ou plantonista, a fim de verificar a legalidade da prisão. Com raciocínio semelhante, antes do advento da Lei n. 12.403/11, o art. 299 do CPP também dizia que, na hipótese de infração ina­ fiançável, a captura podia ser requistada, à vista de mandado judicial, por via telefônica, tomadas pela autoridade, a quem se fizesse a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autentici­ dade desta. Perceba-se que ambos os dispositivos legais autorizavam a efetivação da prisão sem a exibição do mandado de prisão (sine mandado ad capiendum) apenas em relação às infrações inafiançáveis. Ocorre que a Lei n. 12.403/11 deu nova redação ao art. 299 do CPP, que passou a dispor: “A captura poderá ser requisitada, à vista de mandado judicial, por qualquer meio de comunicação, tomadas pela autoridade, a quem se fizer a requisição, as precauções neces­ sárias para averiguar a autenticidade desta”. Ao contrário da antiga redação, o novo a rt 299 do CPP não restringiu sua aplicação às infrações inafiançáveis, daí por que também pode ser aplicado aos crimes afiançáveis. Diante dessa nova redação do art. 299 do CPP, autorizando a captura sem a exibição imediata do mandado de prisão, independentemente da natureza da in­ fração penal (afiançável ou inafiançável), forçoso é concluir que o art 287 do CPP foi objeto de

revogação parcial tácita, devendo doravante ser fido nos seguintes termos: “A falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado.” Evidentemente, na hipótese de infração afiançável, uma vez efetuada a captura e recolhido o valor da fiança, deverá o agente ser colocado em liberdade provisória. Outra hipótese de prisão que pode ser realizada sem a exibição imediata do mandado de prisão (sine mandado ad capiendum) é aquela prevista no art. 684, caput, do Código de Processo Penal, segundo o qual a recaptura do réu evadido não depende de prévia ordem judicial e poderá ser efetuada por qualquer pessoa. 1.1. Constitucionalidade do art. 287 do CPP: parte minoritária da doutrina entende que o art. 287 do CPP não foi recepcionado pela Constituição Federal. Isso porque, de acordo com o art. 5o, LXI, da CF, à exceção das hipóteses ali mencionadas, ninguém será preso senão mediante ordem escrita e funda­ mentada da autoridade judiciária competente. Nessa linha, segundo Pacelli (op. cit. p. 436), para quem a exibição do mandado é requisito indispensável para a efetivação da prisão, a desnecessidade de exibição do mandado em infrações inafiançáveis poderia dar ensejo a abusos e atuações contrárias ao direito por parte das autoridades policiais. Prevalece, no entanto, a orientação de que tais dispositivos legais são plenam ente compativeis com a Constituição Federal, pois não se referem à efetivação de prisão sem mandado judicial, mas sim à prisão sem a imediata exibição do mandado existente. Ou seja, houve a expe­ dição prévia de um mandado judicial, mas ele não está fisicamente disponível, pois o executor não se encontra com a cópia dele.

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

2. Efetivação da prisão in depen dente­ mente de prévia autorização judicial: não há necessidade de ordem judicial, nem tam­ pouco de mandado de prisão nas seguintes hipóteses: a) prisão em flagrante; b) trans­ gressões militares e crimes propriamente mi­ litares (art. 5o, LXI, CR); c) durante o Estado de Defesa (art. 136, §3°, CR); d) durante o

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Estado de Sítio (art. 139, CR). À exceção dessas hipóteses, em que sequer é necessária prévia autorização judicial, não se admite, em hipótese alguma, inclusive sob pena de restar caracterizado abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65, art. 4o, “a”), a efetivação de prisão sem mandado, cuja expedição seja levada a efeito pelo juiz tão somente após a captura.

Art. 288. Ninguém será recolhido à prisão, sem que seja exibido o mandado ao respectivo diretor ou carcereiro, a quem será entregue cópia assinada pelo executor ou apresentada a guia expedida pela autoridade competente, devendo ser passado recibo da entrega do preso, com decla­ ração de dia e hora.' Parágrafo único. O recibo poderá ser passado no próprio exemplar do mandado, se este for o documento exibido. 1. Exibição d o m an d ad o ao diretor do estabelecimento prisional: enquanto o art. 287 dispõe sobre a possibilidade de se efetuar a captura sem a imediata exibição do manda­ do, o art. 288 estabelece a obrigatoriedade de exibição do mandado ou guia ao diretor ou carcereiro, certificando-se este, assim, que não está recolhendo ao cárcere pessoa que não tenha contra si ordem judicial de prisão. O dispositivo faz referência a duas situações distintas: a) prisões cautelares: o instrumento

de controle será o mandado de prisão, que deve ser entregue, contra recibo, à pessoa a quem competir a formalização da prisão; b) prisões penais: ao se referir à guia e ao diretor (do presídio), o art. 288 abrange a prisão decor­ rente de sentença condenatória transitada em julgado, ou seja, a fase de execução da pena. Nesse sentido, o art. 107 da LEP dispõe que ninguém será recolhido, para cumprimento de pena privativa de liberdade, sem a guia expedida pela autoridade judiciária.

Art. 289. Quando o acusado estiver no território nacional, fora da juris­ dição do juiz processante, será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado.1(Redação dada pela Lei n. 12.403/11). §1° Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como o valor da fiança se arbitrada.2 (Incluído pela Lei n. 12.403/11). §2° A autoridade a quem se fizer a requisição tomará as precauções necessárias para averiguar a autenticidade da comunicação. (Incluído pela Lei n. 12.403/11). §3° O juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da efetivação da medida.3 (Incluído pela Lei n. 12.403/11).

1. C u m p rim e n to d e m a n d a d o d e prisão em com arca diversa: se o capturando estiver no território nacional, porém em local diverso da jurisdição da autoridade judicial que expe­

diu o mandado, poderá ser deprecada a sua prisão. Da precatória deve constar o inteiro teor do mandado, nos termos do parágrafo único do art. 285 do CPR No entanto, nada

Art. 289

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impede que o juízo deprecante também envie duas vias originais do mandado de prisão, a fim de que uma delas seja entregue ao preso, nos termos do art. 286 do CPP. Em ambas as hipóteses, essa precatória deve observar o dis­ posto no art. 354 do CPP, no que for aplicável. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

O Juízo de p re cad o n ão é o c o n d u to r do processo principal, m as o executor do s atos deprecados, incum bindo-lhe, se for o caso, apenas a recusa da precatória, se configurada algu m a das hipóteses previstas no art. 209 d o CPC. Conflito conhecido para declarar com petente o Juízo de Direito da 2a Vara de Precatórios d o Distrito Federal, suscitado". (STJ, 3a Seção, CC 81.892/DF, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 12/12/2007, DJ 01/02/2008).

2. Utilização de qualquer meio de com u­ nicação para se delegar o cumprimento do m andado de prisão: diante da possibilidade de que o trâmite burocrático da expedição da precatória a que se refere o caput do art. 289 possibilite a fuga do capturando, o §1° do art. 289 do CPP, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11, passa a dispor que, havendo urgência, poderá o juiz requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como o valor da fiança se arbitrada. Nesse ponto, é impor­ tante perceber a mudança produzida pela Lei n. 12.403/11. Antes das alterações do CPP, o parágrafo único do art. 289 dizia que, havendo urgência, o juiz poderia requisitar a prisão por telegrama, do qual deveria constar o motivo da prisão, bem como, se afiançável a infração, o valor da fiança, sendo que, no original levado à agência telegráfica, deveria ser autentica­ da a firma do juiz, o que se mencionaria no telegrama. Em hipótese de interpretação pro­ gressiva, a jurisprudência já vinha admitindo também a utilização do fax, devendo a autori­ dade receptora da ordem certificar sua origem. Nesse sentido: STJ, 5a Turma, HC 53.666/PR, Rei. Min. Felix Fischer, DJ 05/11/2007 p. 298. Ainda em relação à possibilidade de alguém, estando fora do distrito da culpa, ser preso e mantido na prisão em face de informações constantes de sistema virtual de dados, sem que tivesse havido prévia expedição de carta precatória (CPP, art. 289), o Supremo Tribunal

Federal também já vinha entendendo (STF, 2a Turma, HC 85.712/GO, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 03/05/2005, DJ 16/12/2005), mes­ mo antes da inserção do art. 289-A pela Lei n. 12.403/11, que a não expedição de precatória acarreta mera irregularidade administrativa, perfeitamente sanável. Com a finalidade de desburocratizar a comunicação por precatória ou a requisição de captura, a nova redação do §1° do art. 289 do CPP permite que, havendo urgência, possa o juiz requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como o valor da fiança se arbitrada. Em complemento, o §2° do art. 289 do CPP determina que a autoridade a quem se fizer a requisição tomará as precau­ ções necessárias para averiguar a autenticidade da comunicação. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O réu foragido, preso no Piauí, não foi solto em decorrência da constatação de que, se gu n d o os dados disponíveis no Sistem a Integrado das Secretarias de Segurança d o s Estados, sobre ele pesava m an d ad o de prisão em aberto, expedido pelo Juízo da 5a Vara d o Júri de São Paulo/SP. H ouve com unicação telefônica direta entre os Juizes, com a remessa d o m an d ad o de prisão via fac-símile. D em ais atos instrutórios devida­ m ente deprecados. Recâm bio em an dam en to para a realização d o julgam e nto perante o Tribunal d o Júri. Inexistência de ilegalidade. Recurso desprovido". (STJ, 5aTurma, RH C 15.394/PI, Relatora Ministra LauritaVaz, DJ 01/02/2005 p. 580).

3. Remoção do preso capturado em comar­ ca diversa: uma vez efetuada a prisão em outra comarca, o juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da efetivação da medida (CPP, art. 289, §3°). Destarte, no caso de prisão efetivada por meio de carta precatória, o respon­ sável por providenciar a remoção do preso é o juiz processante, ou seja, aquele que solicitou a prisão, tendo, para tanto, o prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data da prisão. Nada disse a lei quanto às consequências decorrentes da inobservância desse prazo. Aliás, durante a tramitação legislativa do projeto de lei que deu origem à Lei n. 12.403/11, chegou a ser incluída na parte final do dispositivo a seguinte consequência em caso de descumprimento do

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

prazo: “sob pena de a autoridade requisitada ou deprecada colocá-lo em liberdade independen­ temente de qualquer formalidade”. Ocorre que, durante a tramitação do projeto, essa parte final

A rt. 289-A

acabou sendo suprimida. Logo, pensamos que a inobservância do prazo de 30 (trinta) dias para as providências pertinentes à remoção do preso não autoriza, de per si, o relaxamento da prisão.

Art. 289-A. O juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade.'3 (Incluído pela Lei n. 12.403/11). §1° Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão determinada no mandado de prisão registrado no Conselho Nacional de Justiça, ainda que fora da competência territorial do juiz que o expediu. (Incluído pela Lei n. 12.403/11). §2° Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão decretada, ainda que sem registro no Conselho Nacional de Justiça, adotando as precauções necessárias para averiguar a autenticidade do mandado e comunicando ao juiz que a decretou, devendo este providenciar, em seguida, o registro do mandado na forma docaput deste artigo. (Incluído pela Lei n. 12.403/11). §3° A prisão será imediatamente comunicada ao juiz do local de cum­ primento da medida o qual providenciará a certidão extraída do registro do Conselho Nacional de Justiça e informará ao juízo que a decretou. (Incluído pela Lei n. 12.403/11). §4° O preso será informado de seus direitos, nos termos do inciso LXIII do art. 5o da Constituição Federal e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, será comunicado à Defensoria Pública. (Incluído pela Lei n. 12.403/11). §5° Havendo dúvidas das autoridades locais sobre a legitimidade da pessoa do executor ou sobre a identidade do preso, aplica-se o disposto no §2° do art. 290 deste Código. (Incluído pela Lei n. 12.403/11). §6° O Conselho Nacional de Justiça regulamentará o registro do man­ dado de prisão a que se refere o caput deste artigo. (Incluído pela Lei n. 12.403/11). 1. Banco Nacional de M andados de Prisão: o art. 289-A foi inserido no bojo do Código de Processo Penal com a finalidade de oti­ mizar o sistema de comunicação e de troca de informações entre autoridades policiais e judiciais. Isso porque, até bem pouco tempo atrás, a existência de mandado de prisão contra determinada pessoa costumava constar apenas dos registros da própria unidade federativa que o expediu, o que dificultava sobremaneira o seu cumprimento quando o agente fugia para outro Estado. O objetivo do art. 289-A é uni­ ficar, em um só sistema, todos os mandados de prisão expedidos no país, possibilitando o seu cumprimento por qualquer agente público

em qualquer localidade do território nacional, evitando, assim, que os limites territoriais das cidades e dos Estados sejam utilizados por pes­ soas foragidas como ferramentas para a fuga e para a clandestinidade. Em outras palavras, o mandado de prisão registrado no sistema pas­ sará a ter executoriedade em todo o território nacional. A nosso ver, o art. 289-A deve ser interpretado de maneira extensiva, abrangen­ do não só o registro imediato dos mandados de prisão, como também de qualquer outra medida cautelar que tenha sido imposta. Com efeito, imagine-se hipótese em que o magis­ trado tenha determinado o cumprimento da medida cautelar de proibição de se ausentar

Art. 290

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da Comarca (CPP, art. 319, IV ). Ora, seria válido que essa decisão também fosse incluída no cadastro do Conselho Nacional de Justiça, possibilitando que autoridades policiais ou judiciais de outras comarcas ou de outras unidades federativas tivessem conhecimento das restrições impostas ao agente, auxiliando seu cumprimento e fiscalização. 2. Revogação tácita do art. 2°, §4°, da Lei da Prisão Temporária (Lei n. 7.960/89): ante o disposto no art. 299 e, considerando-se a nova redação do art. 289-A, ambos do CPP, forçoso é concluir que houve a revogação tácita do quanto disposto no art. 2o, §4°, da Lei n. 7.960/89 (Lei da prisão temporária). Ao se referir ao registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, o art. 289-A não fez qual­ quer restrição à prisão preventiva, daí por que referido mandado também pode ser pertinente à prisão temporária. Destarte, o cumprimento da prisão temporária pode ser levado a efeito mesmo sem a obrigatória exibição do manda­

do de prisão, desde que haja registro de prévio decreto prisional no Conselho Nacional de Justiça, ou que a autoridade policial adote as precauções necessárias para averiguar a auten­ ticidade da ordem judicial. 3. Resolução n. 137 do Conselho Nacional de Justiça: esse Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) criado pela Lei n. 12.403/11 encontra-se disciplinado pela Resolução n. 137 do Conselho Nacional de Justiça, de 13 de julho de 2011. O BNMP encontra-se disponível na rede mundial de computadores, com acesso às informações a qualquer pessoa, independente­ mente de prévio cadastramento ou de demons­ tração de interesse. Nos termos do art. 3o, §2°, da referida Resolução, são espécies de prisão sujeitas a registro no BNMP: I - temporária; II - preventiva; III - preventiva determinada ou mantida em decisão condenatória recorrível; IV - definitiva; V - para fins de deportação; VI - para fins de extradição; e V II - para fins de expulsão.

Art. 290. Se o réu, sendo perseguido, passar ao território de outro município ou comarca, o executor poderá efetuar-lhe a prisão no lugar onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade local, que, depois de lavrado, se for o caso, o auto de flagrante, providenciará para a remoção do preso.'-2 §1° Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando: a) tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista; b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço. §2° Quando as autoridades locais tiverem fundadas razões para duvi­ dar da legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade do mandado que apresentar, poderão pôr em custódia o réu, até que fique esclarecida a dúvida.3 1. Fuga do capturando e perseguição por parte do executor: em uma situação de fla­ grância, ou também nas hipóteses em que se dá cumprimento a um mandado de prisão, se o capturando se puser em fuga, e ultrapassar os limites territoriais de uma comarca, de um município, ou até mesmo de um Estado da Fe­

deração, nada impede que a autoridade policial dê prosseguimento à perseguição, efetuando a prisão no local em que alcançar o preso, independentemente da expedição de preca­ tória, telegrama ou telefonema da autoridade competente. Essa possibilidade do executor ultrapassar os limites territoriais da comarca

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

do juízo responsável pela decretação da prisão está adstrita às hipóteses de perseguição: a) tendo-o avistado, for perseguindo-o sem in­ terrupção, embora depois o tenha perdido de vista; b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço. 1.1. Perseguição além das fronteiras na­ cionais: na hipótese de perseguição que ultra­ passe as fronteiras do país, prevalece o enten­ dimento de que a autoridade policial brasileira só poderá ingressar no território estrangeiro se houver autorização por meio de Tratado ou autorização específica. 2. Apresentação à autoridade competen­ te: nesses casos de perseguição abrangendo mais de uma comarca ou município, o exe­ cutor deve apresentar o preso à autoridade do local em que se der a captura. Se houver mandado de prisão, a apresentação à auto­ ridade policial do local é tida como válida, comunicando-se a autoridade judiciária local em seguida. Caso não se tenha o mandado em mãos (art. 299), o preso deve ser apresentado à autoridade judiciária local, a fim de que esta certifique a origem da ordem, conseguindo a cópia do mandado e/ou telegrama com o motivo da prisão de modo a verificar a lega­

291

lidade da prisão. Em se tratando de situação de flagrância, o auto de flagrante delito deve ser lavrado pela autoridade policial do local em que o ocorreu a captura, expedindo-se a comunicação da prisão ao juiz local, a fim de que verifique sua legalidade. Nessa hipó­ tese, posteriorm ente, para fins de possível oferecim ento da denúncia, os autos serão encaminhados ao juízo competente. 3. Dúvida quanto à legitimidade do execu­ tor: se houver dúvida quanto à legitimidade do executor da prisão ou da legalidade do mandado apresentado, o preso poderá ser posto em cus­ tódia até que o problema seja resolvido (CPP, art. 289-A, §5°). Essa custódia a que também se refere o §2° do art. 290 do CPP deve ser compre­ endida como a manutenção de alguém detido, em local seguro, fora da esfera do executor da captura, até que essa dúvida seja dissipada. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

não há falar em Ilegalidade da prisão em

flagrante, decorrente d o fato de o respectivo auto ter sid o la vrad o p o r a u to rid a d e dive rsa d a q u e la q u e efetivou a custódia, p o rq u a n to a p olícia não exerce ato de jurisdição, não restando caracterizada a in com petên cia "racione loci" (...)". (STJ, 6a Turma, R H C 8.342/M G , Rei. M in. F e rn an do G o n çalve s, DJ 24/05/1999 p. 201).

Art. 291. A prisão em virtude de mandado entender-se-á feita desde que o executor, fazendo-se conhecer do réu, lhe apresente o mandado e o intime a acompanhá-lo.1 1. Voz de prisão: considera-se efetuada a prisão por mandado quando o executor, identi­ ficando-se perante o capturando, apresenta-lhe o mandado, e o intima a acompanhá-lo (CPP, art. 291, caput). Perceba-se que o Código de Processo Penal não prevê uma “voz de prisão” a ser dada ao capturando. Diverge, nesse ponto, do Código de Processo Penal Militar (art. 230), segundo o qual a captura se fará: a) em caso de flagrante, pela simples voz de prisão; b) em caso de mandado, pela entrega ao capturando de uma das vias e consequente voz de prisão

dada pelo executor que se identificará. O art. 291 do CPP atende, portanto, à garantia consti­ tucional do art. 5o, inciso LXIV, segundo o qual o preso tem direito à identificação dos respon­ sáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial. O dispositivo também visa determinar com precisão o momento em que o capturando por mandado deve ser tido como preso. A im ­ portância do preceito diz respeito à contagem de prazo, sejam eles processuais (oferecimento da denúncia, excesso de prazo na formação da culpa, etc.), sejam eles penais (v.g., detração).

Art. 292

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

A partir do momento em que o indivíduo está preso, afigura-se possível a prática dos crimes de resistência (CP, art. 329), fuga de pessoa preso ou submetida a medida de segurança (CP, art. 351), evasão mediante violência con­ tra pessoa (CP, art. 352), e arrebatamento de

preso (CP, art. 353). Além disso, se o preso for vítima de algum crime, incide a circunstância agravante prevista no art. 61, inciso II, “i”, do CP, qual seja, quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade, desde que não constitua ou qualifique a infração.

Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o exe­ cutor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.1 1. Resistência à prisão: no momento da prisão em flagrante ou durante o cum pri­ mento de mandado de prisão preventiva e/ ou temporária, é possível que o capturando ou terceiros ofereçam resistência, opondo-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio (CP, art. 329). Nesse caso, o próprio Código de Processo Penal autoriza que o exe­ cutor e as pessoas que o auxiliam usem dos meios necessários para se defender ou vencer a resistência, lavrando-se, em seguida, auto de resistência, subscrito também por duas testemunhas. Essa resistência à prisão pode se dar de forma ativa ou passiva. 1.1. Resistência ativa: entende-se aquela praticada mediante violência (vis corporalis) ou ameaça (vis compulsiva). Nesse caso, o executor é autorizado a usar a força neces­ sária para vencer a resistência, bem como se defender, usando m oderadam ente dos meios necessários, sob o amparo da legítima defesa (CPP, art. 284, caput). A depender do caso concreto, o acusado e terceiros que oferecem resistência ativa, m ediante v io ­

lência ou ameaça, poderão ser presos em flagrante pelo crime de resistência (CP, art. 329). Vale lembrar que só há falar no crime de resistência se a violência ou ameaça é dirigida ao funcionário ou a quem lhe esteja prestando auxílio. Assim, se o flagrante for efetuado somente pelo particular (flagrante facultativo, art. 301 do CPP), não há falar em crime de resistência, em virtude de manifesta atipicidade, subsistindo, todavia, a possibili­ dade de eventual crime de lesão corporal e/ ou ameaça. 1.2. Resistência passiva: ocorre quando o capturando empreende fuga, agarra-se a um obstáculo ou queda-se inerte no chão, para não ser preso ou removido de determinado local, autorizando-se o executor a usar dos meios necessários para vencê-la, amparado que estará pelo estrito cumprimento do dever legal. Seja na hipótese de resistência ativa, seja na hipótese de resistência passiva, o executor deve agir de maneira proporcional e moderada, sob pena de responder pelo exces­ so doloso ou culposo (CP, art. 23, parágrafo único).

Art. 293. Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas,

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

Art. 293

tomando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.12 Parágrafo único. O morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será levado à presença da autoridade, para que se proceda contra ele como for de direito.3 1. Cum prim ento de m andado de prisão e inviolabilidade domiciliar: como expos­ to anteriormente, por ocasião do estudo do art. 283, §2° do CPP, na hipótese de prisão por mandado, se o executor constatar que o capturando entrou ou se encontra em alguma casa, deverá intimar o morador a entregá-lo, mediante apresentação da ordem de prisão. Havendo concordância por parte do morador, franqueando o acesso do executor ao domicí­ lio, a prisão poderá ser efetuada durante o dia ou até mesmo durante a noite. 2. Não consentimento do morador e (des) necessidade de m andado de busca d om i­ ciliar: não havendo concordância por parte do morador, diz o art. 293 do Código de Pro­ cesso Penal que o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, podendo inclusive arrombar as portas. A nosso ver, referido dispositivo merece in­ terpretação conforme o art. 5o, inciso X I, da Constituição Federal. À vista do preceito em questão, a violação do domicílio durante o dia sem consentimento do morador somente é possível nas seguintes hipóteses: a) flagran­ te delito; b) desastre; c) para prestar socorro; d) por determinação judicial. Mas não é toda e qualquer autorização judicial que autoriza a violação do domicílio, e sim uma ordem certa e determinada quanto à “casa” a ser invadida. Veja-se, nesse sentido, que o próprio Código de Processo Penal, em seu art. 243, inciso I, ao se referir aos requisitos do mandado de busca, estipula que este deverá indicar, o mais precisam ente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador. De seu turno, o art. 243, §1°, do CPP, estabelece que, sendo deferida a diligência investigatória, bem assim a captura de alguém, deve constar do mandado de busca a ordem de prisão (“Se houver ordem de prisão, constará do próprio

texto do mandado de busca”). Exatamente por esse motivo, em alguns casos, o juiz, por força de decisão motivada, manda expedir mandado de busca, apreensão e prisão. Por­ tanto, mesmo com um mandado de prisão em mãos, o executor não pode invadir casa alheia sem o consentim ento do morador, devendo guardar todas as saídas de modo a impedir eventual fuga, enquanto providen­ cia a obtenção de mandado específico para aquele domicílio. Do contrário, conferir-se-ia à autoridade executora ampla liberdade de escolha e de opções acerca dos locais a serem invadidos e vasculhados, sob a justificativa de que o capturando estaria naquele domi­ cílio, esvaziando-se, por demais, a proteção constitucional à inviolabilidade do domicílio. Perfilha desse entendimento Walter Nunes da Silva Júnior (op. cit. p. 661), segundo o qual “não se confunde com autorização judicial, para fins de flexibilização da inviolabili­ dade do domicílio, a decretação da prisão processual, com a consequente expedição do mandado para o seu cumprimento. Do mesmo modo, a expedição de mandado de busca e apreensão não dá poder para a prisão processual. Uma coisa é o juiz determinar a prisão de alguém, outra, totalmente diferente, é autorizar o policial a ter acesso ao interior de uma casa. Quando o magistrado decreta apenas a prisão e manda expedir o respecti­ vo mandado, a ordem é para que, sendo ele encontrado, proceda-se ao seu recolhimento. Caso se queira permitir que a autoridade po­ licial entre na casa para lá efetuar a prisão, o juiz tem, além de fundamentar a decretação da prisão, de justificar a flexibilização do direito fundam ental à inviolabilidade do dom icílio, naturalm ente com a exposição dos motivos que o faz crer que se encontra refugiada no local a pessoa contra quem ex­ pedido o mandado. Como dois são os direitos fundamentais - direito de liberdade física e ^

817

Art. 294

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

à inviolabilidade do domicílio a flexibili­ zação, por ordem judicial, tem de ser m oti­ vada em relação aos dois aspectos. Por isso mesmo, a autoridade policial, munida apenas do mandado de prisão, não tem autorização judicial para proceder à busca domiciliar. Se a pessoa procurada estiver escondida ou recolhida em uma determinada casa, para que seja efetuada, legalmente, a sua prisão no local, havendo recusa por parte do morador, é preciso que se obtenha a autorização judicial para a invasão”.

3. Recusa do m orador e responsabiliza­ ção criminal: no que tange ao morador que se recusa a entregar o capturando durante o dia - tendo a autoridade policial em mãos mandado de busca, apreensão e prisão - , a ele deve se dar voz de prisão em flagrante pelo crime de favorecimento pessoal (CP, art. 348). Se acaso essa recusa se dê durante a noite, não há falar em favorecimento pessoal, pois o morador se encontra no exercício regular do direito previsto no art. 5o, inciso X I, da Constituição Federal (CP, art. 23, inciso III, 2a parte).

Art. 294. No caso de prisão em flagrante, observar-se-á o disposto no artigo anterior, no que for aplicável.1 1. Prisão em flagrante e inviolabilidade domiciliar: as regras quanto à prisão em do­ micílio previstas no art. 293 do Código de Processo Penal também se aplicam à prisão em

flagrante. Para mais detalhes acerca do assunto, e de modo a evitarmos repetições desnecessá­ rias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 283, §2°, do CPP.

Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:1-2 I - os ministros de Estado; II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; (Redação dada pela Lei n. 3.181/57) III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados; IV - os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito"; V - os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;2-1(Redação dada pela Lei n. 10.258/01) VI - os magistrados; VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da Repú­ blica; VIII - os ministros de confissão religiosa; IX - os ministros do Tribunal de Contas; X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de ju­ rado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função;2-2 XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados eTerritórios, ativos e inativos. (Redação dada pela Lei n. 5.126/66)

TITULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

295

§1° A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis,3"1con­ siste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum. (Incluído pela Lei n. 10.258/01) §2° Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento.5 (Incluído pela Lei n. 10.258/01) §3° A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana.6 (Incluído pela Lei n. 10.258/01) §4° O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum.7 (Incluído pela Lei n. 10.258/01) §5° Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum.8 (Incluído pela Lei n. 10.258/01) 1. Prisão Especial: resultado do reconheci­ mento explícito da péssima situação carcerária vivenciada no Brasil e da própria seletividade do sistema penal, o legislador brasileiro confere a certos indivíduos o direito à prisão especial, pelo menos até o trânsito em julgado de sen­ tença penal condenatória. Cria-se, por meio da prisão especial, tratamento diferenciado entre um cidadão diplomado e outro analfa­ beto, violando-se o princípio da isonomia sem qualquer critério lógico e razoável a justificá-lo. Na verdade, se o próprio Estado reconhece que não consegue fornecer condições carcerárias dignas, deveria reservar a todo e qualquer preso provisório, primário e com bons antecedentes, recolhimento em separado daqueles que foram condenados, e, por conseguinte, já possuem mais tempo de vivência no cárcere. Uma ressal­ va importante deve ser feita em relação àqueles que, em virtude da função exercida antes de serem presos, possam ter sua integridade física e moral ameaçadas quando colocados em con­ vivência com outros presos, tais como juizes, membros do Ministério Público, policiais, de­ fensores, funcionários da Justiça, etc. A eles, sim, deve-se reservar o direito à prisão especial (vide art. 84, §2°, da Lei de Execução Penal). Nesse caso, há uma razão razoável para o discrimine. Mantê-las presas em celas comuns equivalería a instituir, do ponto de vista prático, verdadeira pena de morte. 1.1. Natureza jurídica da prisão especial: a prisão especial não pode ser considerada

modalidade de prisão cautelar. Cuida-se, na verdade, de especial forma de cumprimento da prisão cautelar. Com efeito, segundo o disposto no art. 295 do CPP, só há falar em direito à prisão especial quando o agente estiver sujeito à prisão antes de condenação definitiva. Logo, com o trânsito em julgado, cessa o direito à prisão especial, sendo o condenado submetido ao regime ordinário de cumprimento da pena, ressalvada a hipótese do art. 84, §2°, da LEP, referente ao preso que, ao tempo do fato, era funcionário da administração criminal, o qual deverá ficar em dependência separada dos demais presos. 1.2. Prisão especial e superveniência de condenação irrecorrível à pena privativa de liberdade em virtude de outra infração penal: pode ocorrer de o indivíduo estar preso cautelarmente em prisão especial por conta da prática de determinado crime, quando, então, sobrevêm condenação definitiva à pena privativa de liberdade em razão da prática de outra infração penal. Nesse caso, prevalece o entendimento de que o preso que ostenta con­ denações criminais com trânsito em julgado deixa de ser tratado como preso provisório, mesmo que tenha contra si outros processos criminais em andamento, perdendo, assim, o direito à prisão especial. 1.2.1. Direito à colocação em celas sepa­ radas mesmo durante a execução da prisão penal: membros do M inistério Público da

Art. 295

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de Lima

União (LC n. 75/93, art. 18, inciso II, “e”), in­ tegrantes da Polícia Civil do Distrito Federal e da União (Lei n. 4.878/65, art. 40, §3°) e presos que, ao tempo do fato, eram funcionários da administração da Justiça Criminal (LEP, art. 84, §2°, c/c o art. 106, §3°) terão direito à cela separada dos demais presos, mesmo durante a execução da prisão definitiva. Apesar de não existir dispositivo específico para o juiz, compreende-se que o magistrado estaria inse­ rido no permissivo do art. 84, §2°, da LEP, por tratar-se de funcionário da Justiça Criminal. Tais dispositivos visam preservar a integrida­ de física e moral do preso (CF, art. 5o, inciso XLIX), evitando que esse condenado perma­ neça no meio de presos que possam nutrir sentimentos de vingança contra o funcionário ou ex-funcionário da Justiça Criminal. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

O paciente q u e ostenta con de n açõe s cri­

m inais com trânsito em ju lga d o deixa de ser preso provisório, ainda que tenha contra si outras ações penais em andam ento, perdendo, assim, o direito à prisão especial. O rdem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 56.208/PE, Rei. Min. M aria Thereza de Assis Moura, j. 14/04/2009, DJe 04/05/2009).

STJ:"(...)

Em bora o s funcionários da Adm inistração

Crim inal p o ssu am direito à prisão especial m esm o após o trânsito em ju lgad o da condenação, a execução de suas penas dar-se-á em estabelecim ento penal

2.1. Oficiais das Forças Arm adas e os M i­ litares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios: o art. 295, V, do CPP, assegura prisão especial aos oficiais das Forças Armadas e aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. A contrario sensu, aos milita­ res que não forem oficiais das Forças Armadas aplica-se a regra do art. 296, devendo ser cus­ todiados em estabelecimentos militares. Por sua vez, de acordo com o parágrafo único do art. 242 do Código de Processo Penal Militar, a prisão de praças especiais e a de graduados atenderá aos respectivos graus de hierarquia. Ademais, com as mudanças produzidas pela Lei n. 12.403/11, o parágrafo único do art. 300 do CPP passou a dispor que o militar

preso em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos legais, será recolhido a quartel da instituição a que pertencer, onde ficará preso à disposição das autoridades competentes. Como adverte Og Fernandes (Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas alternativas comentários à Lei 12.403, de 04/05/2011. C o­ ordenação: Og Fernandes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 76), essa regra volta-se não apenas para a prisão em flagrante delito, mas para toda e qualquer medida cautelar privativa de liberdade, aplicando-se aos militares das Forças Armadas, dos Estados e do Distrito Federal.

sujeito ao m esm o sistem a disciplinar e carcerário de o utros presos c om o m e sm o regim e prisional, em dependência isolada d o s dem ais reclusos, a teor do disp o sto no § 2° d o art. 2° d o art. 84 da Lei n° 7.210/84. Recurso desprovido". (STJ - REsp 744.857/RN - 5aTurma - Relatora Ministra Laurita Vaz - DJ 06/02/2006 p. 304).



Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

Prisão especial ou domiciliar. Militar da re­

serva não rem unerada (R-2). Se n do a prisão especial um a exceção, deve ser su a ap licação interpretada restritivamente, para que o direito não se transforme em privilégio. Assim , q u an d o o inciso V d o art. 296

2. In d iv íd u o s q u e fa z e m ju s à prisão es­ pecial: o art. 295 traz um rol exemplificativo dos cidadãos com direito à prisão especial. De acordo com o STF, o art. 295 do CPP comporta interpretação restritiva, não sendo possível estender o benefício excepcional da prisão especial por analogia. Por isso, em caso concreto envolvendo parlamentar estrangeiro, foi indeferida a concessão de prisão especial, já que o art. 295, III, do CPP, faz menção apenas aos membros do Parlamento Nacional. Nesse sentido: STF, Pleno, PPE 315 AgR/AU, Rei. Min. Octavio Gallotti, DJ 06/04/01.

d o CPP se refere aos oficiais das forças armadas, está se referindo a o s m ilitares da carreira, não o s que, atendendo à convocação obrigatória, se preparam, em curto espaço, nos NPOR, ou CPOR, que com p õe m a reserva n ã o rem unerada (R-2). T am b é m n ão há am paro para a prisão domiciliar". (STJ, 6a Turma, RHC 6.759/RS, Rei. Min. A n se lm o Santiago, DJ 10/11/1997 p. 57.844). N ossa observação: o art. 296 foi citado de maneira incorreta, referindo-se o relator, na verdade, ao art. 295 d o CPP.

STJ:"(...) Enquanto não excluído da força pública, tem o policial militar con de n ado , ain da q u e por crim e com um , o direito a ser m antido em prisão especial. "H ab e as C o rp u s" conhecido; p ed id o deferido, para que o paciente perm aneça recolhido ao Quartel ond e

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

se encontra, enquanto não excluído da força pública". (STJ, 5a Turma, HC 12.173/MG, Rei. Min. Edson Vidigal, DJ 12/06/2000 p. 122).

STJ:"(...) em

hipóteses extrem as e atento ao princípio

constitucional que assegura a 'integridade física e m o ­ ral d o s presos' (Constituição Federal, artigo 5o, inciso XLIX), razão não há para negar, ao praça reformado, a extensão d o benefício da prisão especial disp o sto no artigo 296 da Lei Adjetiva Penal. O rdem concedida para, con vo land o em definitiva a m edida liminar d e ­ ferida, determ inar que o paciente fique custodiado em estabelecim ento militar até o trânsito em ju lgad o

fat. 295

de segurança pública com exercício de ativi­ dade estritamente policial; 3) Lei n. 3.988/61: pilotos de aeronaves mercantes nacionais; 4) Lei n. 4.878/65: policiais civis da União e do Distrito Federal; 5) Lei n. 5.350/67: funcionário da polícia civil dos Estados e Territórios; 6) Lei n. 5.606/70: oficiais da marinha mercante; 7) Lei n. 7.102/83: vigilantes e transportadores de valores; 8) Lei n. 7.172/83: professores de I o e 2o graus; 9) Lei n. 8.069/90: conselheiro tutelar.

de sua condenação". (STJ, 6a Turma, HC 17.718/GO, Rei. Min. Ham ilton Carvalhido, DJ 06/05/2002 p. 320).

STF:"(...) A

superveniência d o trânsito em ju lgad o da

condenação faz cessar o direito de policial militar ser recolhido em prisão especial, n os term os d o art. 295 do C ó d ig o de Processo Penal. N ão logrou o impetrante dem onstrar a existência de risco à incolum idade física d o paciente, um a vez que o juízo da execução deter­ m inou seu recolhimento em cela separada d o s dem ais presos. O rdem denegada". (STF, 1aTurma, HC 102.020/ PB, Rei. Min. Ricardo Lewandowski,j. 23/11/2010, DJe 240 09/12/2010).

2.2. Jurados: o art. 295, X, do CPP, também conferia aos jurados o direito à prisão especial. Apesar de a Lei n. 12.403/11 não ter revogado expressamente o art. 295, X, do CPP, quan­ do se compara o texto antigo do art. 439 do CPP e sua nova redação, fica evidente que o legislador deixou de prever o direito à prisão especial para aquele que tiver exercido a função de jurado. Portanto, diante da nova redação emprestada ao caput do art. 439, queremos crer que o art. 295, X, do CPP, foi tacitamente revogado pela Lei n. 12.403/11. Logicamente, para aqueles que já exerceram efetivamente a função de jurado antes do advento da Lei n. 12.403/11, deverá ser respeitado o direito à prisão especial, em fiel observância ao art. 5o, XXXV I, da Constituição Federal, que assegura que a lei não prejudicará o direito adquirido. 3. Demais leis que tratam da prisão espe­ cial: além das hipóteses listadas no art. 295 do CPP, leis especiais também contemplam outros cidadãos com o benefício da prisão especial: 1) Lei n. 2.860/56: dirigentes de entidades sindi­ cais de todos os graus e representativas de em­ pregados, empregadores, profissionais liberais, agentes e trabalhadores autônomos; 2) Lei n. 3.313/57: servidores do departamento federal

3.1. Lei de Proteção às testem unhas: a Lei n. 9.807/99, que estabeleceu normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemu­ nhas ameaçadas, prevê que serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e pro­ teção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual e efetiva. Dentre tais medidas, estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em de­ pendência separada dos demais presos (Lei n. 9.807/99, art. 15, §1°). 3.2. Prisão de índios: o art. 231 da Consti­ tuição Federal assegura aos índios o reconhe­ cimento de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Por sua vez, o Estatuto do índio (Lei n. 6.001/73) assevera que as penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximo da habitação do condenado (art. 56, parágrafo único). Considerando que a prisão penal do índio deve ser cumprida em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistên­ cia aos índios mais próximo da habitação do condenado, entende-se que a prisão cautelar também deve se adequar a esse regramento, sob pena de a medida cautelar aplicada durante o curso do processo se revelar mais gravosa que aquela que, possivelmente, será aplicada com o trânsito em julgado de sentença condenatória, violando o princípio da homogeneidade.

Art. 295

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

3.2.1. Necessidade de intérprete: na hipó­ tese de não ser o índio aculturado e não com­ preender o idioma nacional, é fundamental a presença de intérprete em seu interrogatório. Todavia, tratando-se de índio plenamente inte­ grado, capaz de compreender completamente o português, torna-se dispensável a nomeação de intérprete. Como já se pronunciou o Supremo (STF, I a Turma, HC 79.530/PA, Rei. Min. limar Galvão, j. 16/12/1999, DJ 25/02/2000, p. 53), tratando-se de índio alfabetizado, eleitor e integrado à civilização, falando fluentemente a língua portuguesa, não se faz mister a presença de intérprete. 3.2.2. (Des) necessidade de comunicação à FUNAI: na hipótese de índios não integra­ dos, entende-se que, por força do art. 231 da Constituição Federal e do Estatuto do índio (Lei n. 6.001/73), que assegura aos índios e às comunidades indígenas ainda não integrados verdadeiro regime tutelar (art. 7o), deve haver a comunicação à FUNAI, órgão que exerce a tutela do índio em nome da União. De todo modo, é bom destacar que, na visão do Supre­ mo (STF, I a Turma, HC 79.530/PA, Rei. Min. limar Galvão, j. 16/12/1999, DJ 25/02/2000, p. 53), a tutela que a Constituição Federal come­ teu à União Federal no art. 231 é de natureza civil, e não criminal, consoante arts. 7° e 8o da Lei n. 6.001/73 e art. 4o, parágrafo único, do Código Civil. Logo, não haveria necessidade de comunicação à FUNAI. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) As

penas de reclusão e de detenção serão

cum pridas, se possível, em regim e especial de semiliberdade, no local de funcionam ento d o ó rgã o federal de assistências aos índios m ais próxim os da habitação do condenado, (art. 56, parág. único da Lei 6.001/73). Parecer d o M PF pela parcial concessão d o writ. O rdem parcialmente concedida, para que, caso a FUNAI ateste a viabilidade em receber o paciente, seja possibilitado ao m esm o o cum prim ento de sua custódia cautelar na unidade administrativa m ais próxim a de sua habita­ ção". (STJ, 5aTurma, HC 124.622/PE, Rei. Min. N apoleão N unes M aia Filho, j. 08/09/2009, DJe 13/10/2009).

STJ:"(...) Se n d o asse gu rado aos silvícolas o

benefício

de cum prim ento de penas privativas de liberdade em órgão de assistência ao índio, tem-se com o plenam en­ te plausível a concessão de tal benefício ao paciente para que cum pra a prisão provisória no referido esta­

belecimento. Habeas corpus parcialm ente conhecido e, nessa parte, concedido tão-som ente para assegurar ao paciente, índio pataxó, que perm aneça durante o período da prisão preventiva, recolhido junto à órgão federal de assistência ao índio m ais próxim o de sua aldeia ou residência". (STJ, 5aTurma, HC 55.792/BA, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 29/06/2006, DJ 21/08/2006 p. 267).

4. Sala de Estado-Maior: os conceitos de sala de Estado-Maior e de prisão especial não se confundem e a prerrogativa de recolhimen­ to naquela não se reduz à prisão especial de que trata o art. 295 do CPR Se por Estado-M aior se entende o grupo de oficiais que assessoram o Comandante de uma organiza­ ção militar (Exército, Marinha, Aeronáutica, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar), sala de Estado-Maior é o compartimento de qualquer unidade militar que, ainda que potencialmen­ te, possa ser por eles utilizado para exercer suas funções. Destarte, enquanto uma “cela” tem como finalidade típica o aprisionamento de alguém e, em razão disso, possui grades, em regra, uma “sala” apenas ocasionalmente é destinada para esse fim, além de oferecer instalações e comodidades condignas, isto é, condições adequadas de higiene e seguran­ ça. Compreende-se a sala de Estado-Maior, portanto, como uma sala e não cela, instala­ da no Comando das Forças Armadas ou de outras instituições militares, configurando tipo heterodoxo de prisão, eis que destituída de grades ou de portas fechadas pelo lado de fora. O direito à sala de Estado-Maior somen­ te se refere às hipóteses de prisão cautelar, assemelhando-se, assim, à prisão especial, cujo direito também cessa com o trânsito em julgado da sentença condenatória. 4.1. Indivíduos que fazem jus à Sala de Estado-Maior: Membros do M inistério Pú­ blico (Lei n. 8.625/93, art. 40, V; Lei Comple­ mentar n. 75/93, art. 18, II, “e”); Membros do Poder Judiciário (LC 35/79, art. 33); Membros da Defensoria Pública (LC 80/94, arts. 44, inciso III, e 128, inciso III). De acordo com o Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94, art. 7o, V ), ao advogado assiste o direito de não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas,

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar. Importante destacar que, no julgamento da ADIN 1.127-8, o Su­ premo declarou a inconstitucionalidade da expressão ‘assim reconhecidas pela OAB’. Por conta do disposto no art. 7o, V, infine, da Lei n. 8.906/94, a ausência de sala de Estado-Maior implica no recolhimento domiciliar do advogado, benefício este que não foi es­ tendido aos membros da magistratura, do M inistério Público e da Defensoria Pública. A jurisprudência firm ada pelo Plenário e pelas duas Turmas do Supremo é no sentido de se garantir a prisão cautelar aos profissio­ nais da advocacia, devidamente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, em sala de Estado-Maior e, não sendo possível ou não existindo dependências definidas como tal, conceder a eles o direito de prisão domiciliar. No entanto, o próprio Supremo Tribunal Federal tem considerado válida, a depender das circunstâncias do caso concreto, a m a­ nutenção de profissionais da advocacia em penitenciária que possua celas individuais, com condições regulares de higiene e instala­ ções que impeçam o contato do paciente com presos comuns. Não seria razoável interpretar a prerrogativa conferida aos advogados como passível de inviabilizar a própria custódia. Logicamente, se o advogado estiver suspenso dos quadros da OAB, não fará jus ao referido benefício. Quanto aos jornalistas, dispunha o art. 66 da Lei n. 5.250/67 (Lei de Imprensa) que o jornalista profissional não poderia ser detido nem recolhido preso antes de senten­ ça transitada em julgado; em qualquer caso, som ente em sala decente, arejada e onde encontre todas as comodidades. A pena de prisão de jornalistas, por sua vez, devia ser cumprida em estabelecimento distinto dos que são destinados a réus de crime comum e sem sujeição a qualquer regime peniten­ ciário ou carcerário. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 130, julgou procedente o pedido ali for­ mulado para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da Lei 5.250/67.

j

295

Destarte, jornalistas deixaram de ter direito à sala de Estado-Maior, subsistindo, todavia, o direito à prisão especial, mas desde que o jornalista seja diplomado por qualquer das faculdades superiores da República (CPP, art. 295, V II). + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A decisão reclamada, fundada na inconstitu­ cionalidade d o art. 7, V, d o Estatuto d o s A d vogad os, indeferiu a transferência d o reclamante - A dvogado, preso preventivamente em cela da Polícia Federal, para sala de Estado M aior e, na falta desta, a concessão de prisão domiciliar. N o ponto, dissentiu d o entendim en­ to firm ado pelo Su p rem o Tribunal Federal na A D In 1127 (17.05.06, red.p/acórdão Ricardo Lewandowski), q u an d o se julgo u constitucional o art. 7, V, d o Estatuto d o s A d vo gad os, na parte em que determ ina o recolhi­ m ento d o s a d v o ga d o s em sala de Estado M aior e, na sua falta, em prisão domiciliar. Reclam ação julgad a procedente para que o reclamante seja recolhido em prisão dom iciliar - cujo local deverá ser especificado pelo Juízo reclam ado -, salvo eventual transferência para sala de Estado Maior. "Sala de Estado-M aior" (L. 8.906, art. 7°, V): caracterização. Precedente: H C 81.632 (2aT., 20.08.02, Velloso, RTJ 184/640). Por Estado-M aior se e n te n d e o g r u p o d e oficiais q u e asse sso ra m o C o m an d a n te de um a o rganização militar (Exército, Marinha, Aeronáutica, C orpo de Bom beiros e Polícia Militar); assim sendo, "sala de Estado-M aior" é o c om ­ partim ento de qualquer unidade militar que, ainda que potencialmente, p ossa por eles ser utilizado para exercer suas funções. A distinção que se deve fazer é que, enquanto um a "cela" tem com o finalidade típica o ap risio nam e n to de a lg u é m -e, p or isso, de regra contém grades -, um a "sala" apenas ocasionalm ente é destinada para esse fim. D e outro lado, deve o local oferecer "instalações e c om od idad e s condignas", ou seja, condições adeq u ad as de higiene e segurança". (STF, Pleno, Rcl 4.535/ES, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15/06/2007 p. 21).

STF:"(...) A o s profissionais da advocacia é assegurada a prerrogativa de confinam ento em Sala de Estado-Maior, até o trânsito em ju lgad o de eventual sentença condenatória. Prerrogativa, essa, que não se reduz à prisão especial de que trata o art. 295 d o C ó d ig o de Processo Penal. A prerrogativa de prisão em Sala de Estado-M aior tem o e sco p o de m ais garantidam ente preservar a incolum idade física daqueles que, diuturnamente, se expõem à ira e retaliações de pessoas eventualmente contrariadas com um labor advocatício em defesa de contrapartes processuais e da própria O rde m Jurídica. A ad vo cacia exibe u m a d im e n sã o coorporativa, é certo, m as sem prejuízo d o seu c om ­ prom isso institucional, que já é um com p ro m isso com os valores que permeiam tod o o Ordenam ento Jurídico

Art. 295

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de Lima

brasileiro. A Sala de E stado-M aior se define por sua qualidade m esm a de sala e não de cela ou cadeia. Sala, essa, instalada no C o m an d o das Forças Arm adas ou de outras instituições militares (Polícia Militar, C orpo de Bom beiros) e que em si m esm a constitui tipo hetero­ doxo de prisão, porque destituída de portas ou janelas c om essa específica finalidade de encarceram ento. O rdem parcialm ente concedida para determ inar que o Juízo processante providencie a transferência do paciente para sala de um a das unidades militares do Estado de São Paulo, a ser de sign ad a pelo Secretário de Segurança Pública". (STF, 1a Turma, HC 91.089/SP, Rei. Min. Carlos Britto, DJ 19/10/2007 p. 46)

STF:"(...) O Suprem oTribunal Federal estabeleceu que é constitucional a prerrogativa de o a d v o g a d o ser pre­ so em sala de Estado M aior até o trânsito em ju lgad o da condenação. A prisão de profissional inscrito na O rdem d o s A d v o g a d o s d o Brasil em dependência da Polícia Militar não desafia o decidido por esta Corte. A expressão"sala de Estado M aior"de ve ser interpretada c o m o sendo um a dependência em estabelecim ento castrense, sem grades, com instalações condignas. O preceito legal que confere aos a d v o g a d o s o direito à prisão especial, antes d o trânsito em ju lg a d o da condenação, não desnatura o caráter da m edida, que representa um a restrição à liberdade de locom oção, ainda que em con d içõe s diferenciadas do s dem ais presos". (STF, Pleno, Rcl 4.713/SC, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 041 07/03/08).

STF:"(...) A

jurisprudência d o Su p rem o Tribunal Fe­ deral consolidou o entendim ento se gu n d o o qual o réu que ostente status profissional de a d v o ga d o tem direito público subjetivo à prisão especial até o trânsito em ju lga d o da condenação. O juízo de origem , em n e n h u m m om ento, criou dificuldades à efetivação d o direito da paciente à prisão especial. A decisão agravada ateve-se às circunstâncias d o caso e apontou que o direito à prisão especial cessa com o trânsito em ju lgad o da condenação penal. Diante da confirm ação d o trânsito em ju lgad o da ação penal perante as ins­ tâncias ordinárias, recurso de agravo desprovido". (STF, 2aTurma, H C-A gR 82.850/SP, Rei. Min. Gilm ar Mendes, DJ 28/09/2007 p. 65).

STF:"(...) Prisão domiciliar. Possibilidade.

Profissional

da advocacia devidam ente inscrito na OAB/SP. Estatuto da Advocacia (art. 7o, inc. V, da Lei n° 8.906/94). Inexis­ tência de "Sala de Estado-Maior". Ordem concedida. Precedentes. (...) A jurisprudência firmada pelo Plenário e pelas duas Turm as desta Corte é no sentido de se garantir a prisão cautelar aos profissionais da advoca­ cia, devidam ente inscritos na O rdem d o s A d v o ga d o s d o Brasil, em sala de Estado-Maior, nos term os d o art. 7°, inc. V, da Lei n° 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), e, não sendo possível ou não existindo dependências definidas c o m o tal, conceder a eles o direito de prisão domiciliar. Flabeas corpus con hecido e concedida a ordem". (STF, 1aTurma, H C 91.150/SP, Rei. Min. Menezes Direito, DJ 31/10/2007 p. 91).

STF:"(...) PRISÃO PREVENTIVA. Cumprimento. Definição d o local. Transferência determ inada para estabeleci­ m ento m ais curial. Com petência d o juízo da causa. Aplicação de Regim e Disciplinar Diferenciado - RDD. Audiência prévia d o M inistério Público e da defesa. Desnecessidade. Ilegalidade não caracterizada. Inte­ ligência da Res. n° 557 d o Conselho da Justiça Federal e d o art. 86, § 3°, da LEP. É da com petência d o juízo da causa penal definir o estabelecim ento penitenciário m ais curial ao cum prim ento de prisão preventiva. PRI­ SÃ O ESPECIAL. A d vo gad o. Prisão preventiva. C um pri­ mento. Estabelecim ento com cela individual, higiene regular e condições de im pedir contato com presos com uns. Suficiência. Falta, ademais, de contestação d o paciente. Interpretação d o art. 7°, V, da Lei n° 8.906/94Estatuto da Advocacia, à luz d o princípio da igualdade. Constrangim ento ilegal não caracterizado. HC denegado. Precedentes. Atende à prerrogativa profissional d o a d v o g a d o ser recolhido preso, antes de sentença transitada em ju lgad o, em cela individual, do tada de condições regulares de higiene, com instalações sanitárias satisfatórias, sem possibilidade de contato com presos comuns". (STF, 2aTurma, HC 93.391 /RJ, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 15/04/2008, DJe 83 08/05/2008).

STF:"(...) Ajurisprudência deste Suprem oTribunal evo­ luiu para entender possível a prisão de advogado, pen­ dente o trânsito em ju lgad o da sentença condenatória, em local diverso das dependências d o com an d o das forças arm adas ou auxiliares, desde que apresentadas condições con dign as para o encarcerado. Precedentes. C o m o inform ado pelo Diretor Técnico II, o Centro de Ressocialização Feminino de São José do s C am po s/SP dispõe de instalações con dign as adequadas ao regime sem iaberto da Reclamante, não se havendo cogitar de contrariedade às decisões proferidas no julgam ento da A ção Direta de Inconstitucionalidade n. 1.127/DF e na Reclam ação n. 11.016, de m inha relatoria. A recla­ m ação não é o instrum ento ad eq u ad o para o exame aprofundado das condições da unidade prisional onde está a Reclamante. Precedentes. Reclam ação julgada improcedente". (STF, 2aTurma, Rcl. 23.567/SP, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 07/06/2016, DJe 124 15/06/2016).

STJ:"(...) Q uanto ao direito ao recolhimento em sala de Estado Maior, o a d vo gad o só faz jus a essa prerrogativa se estiver no livre exercício da profissão, o que não é o caso d o s autos porque a pretendente encontra-se suspensa do s quadros da OAB. Ordem denegada". (STJ,

6a Turma, HC 368.393/MG, Rei. Min. M ariaThereza de Assis Moura, j. 20/09/2016, DJe 30/09/2016). 5. Benefícios outorgados ao preso espe­ cial: tamanhos eram os benefícios aos presos especiais que a Lei n. 5.256, que entrou em vigor no dia 7 de abril de 1967, determinava em seu art. I o que, nas localidades em que não houvesse estabelecimento adequado ao recolhimento dos que tenham direito a prisão

TÍTULO I X . DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

especial, o juiz, considerando a gravidade das circunstâncias do crime, ouvido o representan­ te do Ministério Público, poderia autorizar a prisão do réu ou indiciado na própria residên­ cia, de onde o mesmo não poderia afastar-se sem prévio consentimento judicial. Somente a violação da obrigação de comparecer aos atos policiais ou judiciais para os quais fosse convocado é que poderia implicar na perda do benefício da prisão domiciliar, devendo o indivíduo ser recolhido a estabelecimento pe­ nal, onde permanecesse separado dos demais presos. No entanto, com a entrada em vigor da Lei n. 10.258/01, esse panorama foi alterado. Isso porque, de acordo com os §§ I o e 2° do art. 295 do CPP, acrescentados pela referida lei, a prisão especial consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum e, não havendo estabelecimento espe­ cífico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. Na verdade, o que ocorre na prática é o reco­ lhimento do preso especial a um determinado distrito policial, especificamente destinado a abrigar presos dessa espécie. A inexistência desse local distinto, todavia, não implica em imediata prisão domiciliar, como dispunha o art. I o da Lei n. 5.256/67. Nesse caso, o preso deverá ser colocado no mesmo estabelecimen­ to prisional que os demais presos, porém em cela distinta. Destarte, com a entrada em vigor da Lei n. 10.258/01, e diante do disposto no art. 295, §2°, do CPP, somente na hipótese de inexistência de cela distinta para preso especial é que poderá ocorrer a prisão domiciliar. Nessa última hipótese, por ato de ofício do juiz, a requerimento do MP ou da autoridade policial, o beneficiário da prisão domiciliar poderá ser submetido à vigilância policial, exercida sempre com discrição e sem constrangimento para o réu ou indiciado e sua família (Lei n. 5.256/67, art. 3o).

♦ Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) O direito subjetivo d o médico, ou de qualquer outro preso especial, deve circunscrever-se à garantia de recolhim ento em local distinto da prisão com u m (art. 295, § I o do CPP). N ão havendo estabelecim ento específico, poderá o preso ser recolhido à cela distinta da prisão co m u m (art. 295, § 2° d o CPP), observadas

295

as condições m ínim as de salubridade e dignid ade da pessoa humana". (STJ, 5aTurma, HC 87.933/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 15/05/2008, DJe 23/06/2008). STJ:"Recolhido o paciente em cela distinta de estabele­ cim ento de prisão com um, consistindo em alojamento coletivo para os internos que se encontram na m esm a condição, ou seja, com direito à prisão especial, não há falar em constrangim ento ilegal a ser sanado, um a vez que atendidos os requisitos d o art. 295 d o CPP. 2. Ordem denegada". (STJ, 5a Turma, H C 56.160/RN, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 07/05/2007 p. 339).

6. Condições da cela especial: a prisão es­ pecial pode consistir em alojamento coleti­ vo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana (CPP, art. 295, §3°). Esse respeito à dignidade do preso não é exclusividade do preso especial. Pelo menos de acordo com o que consta do texto da Lei de Execução Penal (art. 88, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84), são requisitos básicos da unidade celular em penitenciária a salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, além de uma área mínima de 6 m2 (seis metros quadrados). 7. Transporte do preso especial: caso seja necessário o traslado do preso especial ao fó­ rum ou à delegacia, dispõe o art. 295, §4°, do CPP, que seu transporte não pode ser efetuado juntamente com presos que não detenham o mesmo privilégio. 8. Concessão antecipada de benefícios prisionais ao preso especial: mesmo es­ tando recolhido à prisão especial, o preso tem direito à progressão de regimes. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários à súmula n. 717 do Supremo Tribunal Federal (“Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em ju l­ gado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial”).

Art. 296

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

Art. 296. Os inferiores e praças de pré, onde for possível, serão recolhi­ dos à prisão, em estabelecimentos militares, de acordo com os respectivos regulamentos.1 1. Recolhimento de militares não oficiais (praças) a estabelecimentos militares: quan­ do se trata de militares, a distinção entre praça e oficial tem relevância fundamental. A praça é o indivíduo que, na hierarquia militar, se situa abaixo do segundo-tenente. Assim, no Exército, temos como praças o Subtenente, os sargentos, cabos, soldados, etc. Por sua vez, são considerados oficiais do Exército o primeiro-tenente, segundo-tenente, capitão, major, tenente-coronel, coronel, general-de-brigada, general-de-divisão, general-de-exército e Ma­ rechal. Aos Oficiais das Forças Armadas e das

Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal, o art. 295, V, do CPP, assegura o di­ reito à prisão especial. Às praças o art. 296 do CPP assegura o direito ao recolhimento a estabelecimentos militares, pelo menos en­ quanto mantida a condição de militar. Esse recolhim ento a estabelecim entos militares independe da natureza do delito: comum ou militar. Portanto, ainda que se trate de crime da competência da Justiça Comum (Estadual ou Federal), os militares que não forem oficiais devem permanecer presos em estabelecimen­ tos militares.

Art. 297. Para o cumprimento de mandado expedido pela autorida­ de judiciária, a autoridade policial poderá expedir tantos outros quantos necessários às diligências, devendo neles ser fielmente reproduzido o teor do mandado original.1 1. Reprodução do m a n d ad o de prisão: de modo a dar cumprimento ao mandado de prisão expedido pela autoridade judiciária, o art. 297 do CPP autoriza a autoridade poli­ cial a extrair cópias do mandado original, em todos os seus termos, adotando-se a cautela

de autenticá-los. Há de se lembrar que cada executor deverá trazer consigo ao m enos duas cópias, fornecendo uma ao preso e mantendo a outra em seu poder, com recibo de entrega, consoante dispõe o art. 286 do CPP.

Art. 298. Revogado pela Lei n. 12.403/11. Art. 299. A captura poderá ser requisitada à vista de mandado judicial, por qualquer meio de comunicação, tomadas pela autoridade, a quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade desta.1 (redação determinada pela Lei n. 12.403/11). 1. Requisição da captura por qualquer m eio de com unicação: à vista do m anda­ do de prisão, a captura do agente pode ser requisitada por qualquer meio de com uni­ cação, tomadas pela autoridade, a quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade desta. De m aneira distinta à antiga redação, a nova redação conferida ao art. 299 do CPP pela Lei n. 12.403/11 não estabelece qualquer

d istinção quanto à natureza da infração penal, se afiançável ou se inafiançável. Por consequência, a utilização de qualquer meio de com unicação para se requisitar a captura pode ser utilizada tanto para crimes inafian­ çáveis quanto para delitos afiançáveis. Como se percebe, na esteira da Lei n. 11.900/09, que passou a dispor sobre a videconferência no ordenam ento pátrio, as mudanças visam possibilitar a utilização dos m eios

TITULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

eletrônicos de com u nicação no processo penal (e-m ail, faz, telefone, telegrama, etc.), im prim indo m aior celeridade e dinamismo

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à troca de inform ações, notadam ente no tocante ao cum prim ento de mandados de prisão.

Art. 300. As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas, nos termos da lei de exe­ cução penal.' (redação determinada pela Lei n. 12.403/11) Parágrafo único. O militar preso em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos legais, será recolhido a quartel da instituição a que pertencer, onde ficará preso à disposição das autoridades com ­ petentes.2 1 Separação de presos provisórios: não se deve confundir o direito à prisão especial (CPP, art. 295) com a separação dos presos provi­ sórios dos que já estiverem definitivamente condenados, prevista no art. 300, caput, do CPP. Esta separação visa evitar a promiscui­ dade resultante da convivência entre presos provisórios e presos que já tenham contra si sentença condenatória com trânsito em ju l­ gado. No mesmo sentido é a redação do art. 84, caput, da Lei de Execução Penal, segundo o qual o preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julga­ do. Os presos cautelares, por sua vez, ficarão separados de acordo com os seguintes critérios (LEP, art. 84, §1°, com redação dada pela Lei n. 13.167/15): a) acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados; b) acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa; c) acusados pela prática de outros crimes ou contravenções diversos dos apontados nas duas alíneas anteriores. De seu turno, os presos condenados ficarão separados de acordo com os seguintes critérios (LEP, art.

84, §3°, incluído pela Lei n. 13.167/15): a) con­ denados pela prática de crimes hediondos ou equiparados; b) reincidentes condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa; c) primários condena­ dos pela prática de crimes cometidos com vio­ lência ou grave ameaça; d) demais condenados pela prática de outros crimes ou contravenções em situação diversa das previstas nas 3 alíneas anteriores. Por fim, a Lei de Execução Penal também determina que o preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ame­ açada pela convivência com os demais presos ficará segregado em local próprio (art. 84, §4°, incluído pela Lei n. 13.167/15). 2. Recolhimento do militar a quartel da ins­ tituição: por ocasião do estudo do art. 296 do CPP, vimos que, de modo a preservar a própria integridade física do agente, o militar, quando preso, deve ser recolhido a quartel da instituição a que pertencer, pelo menos enquanto ostentar a condição de militar, pouco importando se se trata de crime comum ou militar.

Capítulo II DA PRISÃO EM FLAGRANTE1 5 Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.6-7

Art. 301

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

1. Conceito de prisão em flagrante: a ex­ pressão ‘flagrante’ deriva do latim ‘f lagrare (queimar), e ‘f lagrans’, ‘f lagrantis’ (ardente, brilhante, resplandecente), que, no léxico, significa acalorado, evidente, notório, visível, manifesto. Em linguagem jurídica, flagrante seria uma característica do delito, é a infração que está queimando, ou seja, que está sendo cometida ou acabou de sê-lo, autorizando-se a prisão do agente mesmo sem autorização judicial em virtude da certeza visual do crime. Funciona, pois, como mecanismo de autode­ fesa da própria sociedade. Compreendido o conceito de flagrante delito, pode-se definir a prisão em flagrante como uma medida de autodefesa da sociedade, consubstanciada na privação da liberdade de locomoção daquele que é surpreendido em situação de flagrân­ cia, a ser executada independentemente de prévia autorização judicial (CF, art. 5o, LXI). A expressão ‘delito’ abrange não só a prática de crime, como também a de contravenção. Nesse caso, todavia, tratando-se de infração de menor potencial ofensivo, não se procede à lavratura de Auto de Prisão em Flagrante, mas sim de Termo Circunstanciado de O cor­ rência, caso o agente assuma o compromisso de comparecer ao Juizado ou a ele compareça imediatamente (Lei n. 9.099/95, art. 69, pará­ grafo único).2 2. Funções da prisão em flagrante: a) evitar a fuga do infrator; b) auxiliar na colheita de elementos informativos: persecuções penais deflagradas a partir de um auto de prisão em flagrante costumam ter mais êxito na colheita de elementos de informação, auxiliando o dominus litis na comprovação do fato delituoso em juízo; c) impedir a consumação do delito, no caso em que a infração está sendo praticada (CPP, art. 302, inciso I), ou de seu exaurimento, nas demais situações (CPP, art. 302, incisos II, III e IV); d) preservar a integridade física do preso, diante da comoção que alguns crimes provocam na população, evitando-se, assim, possível linchamento. No sistema concebido originalmente pelo Código de Processo Penal de 1941, a prisão em flagrante tinha não ape­ nas essas funções, mas também funcionava como medida acautelatória, antecipando os

resultados finais do processo. Desse modo, quem era preso em flagrante, desde que não se livrasse solto, não fosse admissível a fiança, ou não tivesse sua conduta justificada por al­ guma excludente da ilicitude, deveria, apenas por esse motivo, permanecer preso durante todo o processo. O flagrante, por si só, era fundamento suficiente para que o indivíduo permanecesse recolhido à prisão ao longo de todo o processo, sem que houvesse necessidade de se motivar o encarceramento à luz de uma das hipóteses que autorizam a prisão preventi­ va. Com a inserção do parágrafo único ao art. 310 do CPP pela Lei n. 6.416, de 24 de maio de 1977, a prisão em flagrante deixou de ser motivo para que a pessoa permanecesse presa ao longo de todo o processo, pois, ao receber cópia do auto de prisão em flagrante, passou a ser obrigação do magistrado examinar não só a legalidade da medida, para fins de eventual relaxamento, como também verificar a pre­ sença de algum dos motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva. Agora, com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, fica patente que a prisão em flagrante, por si só, não mais autoriza que o agente permaneça preso ao longo de todo o processo. Afinal, segundo a nova redação do art. 310 do CPP, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. 3. Fases da prisão em flagrante: inicial­ mente, a prisão em flagrante funciona como mero ato administrativo, dispensando-se au­ torização judicial. Exige apenas a aparência da tipicidade, não se exigindo nenhuma valoração sobre a ilicitude e a culpabilidade. Na sistemática do CPP, o flagrante se divide em quatro momentos distintos: captura, condu­ ção coercitiva, lavratura do auto de prisão em flagrante e recolhimento à prisão. No primeiro momento, o agente encontrado em situação de flagrância (CPP, art. 302) é capturado, de forma

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

a evitar que continue a praticar o ato delituoso. A captura tem por função precípua resguardar a ordem pública, fazendo cessar a lesão que estava sendo cometida ao bem jurídico pelo impedimento da conduta ilícita. Após a captu­ ra, o agente será conduzido coercitivamente à presença da autoridade policial para que sejam adotadas as providências legais. De seu turno, a lavratura é a elaboração do auto de prisão em flagrante, no qual são documentados os elementos sensíveis existentes no momento da infração. Este ato tem como objetivo precípuo auxiliar na manutenção dos elementos de pro­ va da infração que se acabou de cometer. Por fim, a detenção é a manutenção do agente no cárcere, que não será necessária nas hipóteses em que for cabível a concessão de fiança pela autoridade policial, ou seja, infrações penais cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos (CPP, art. 322, com redação dada pela Lei n. 12.403/11). Ao preso, depois, deve ser entregue nota de culpa, em até 24 (vinte e quatro) horas após a captura. Posteriormente, a prisão em flagrante conver­ te-se em ato judicial, a partir do momento em que a autoridade judiciária é comunicada da detenção do agente, a fim de analisar sua lega­ lidade, para fins de relaxamento, necessidade de conversão em prisão preventiva, ou acerca do cabimento de liberdade provisória. De mais a mais, com o advento da Lei n. 11.449/07, e objetivando assegurar ao preso a assistência de advogado (CF, art. 5o, LXIII), caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral do auto de prisão em flagrante também deve ser encaminhada à Defensoria Pública (CPP, art. 306, §1°). Enquanto a prisão em fla­ grante for um ato administrativo, a autoridade coatora é o delegado de polícia, razão pela qual eventual habeas corpus deve ser impetrado perante um juiz de 1° grau. No entanto, a partir do momento em que o juiz é comunicado da prisão em flagrante, quedando-se inerte, seja quanto ao relaxamento da prisão ilegal, seja quanto à concessão da liberdade provisória, transforma-se em autoridade coatora, deven­ do o habeas corpus ser dirigido ao respectivo Tribunal.

Art. 301

♦ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Tratando-se de pedido de trancam ento de term o circunstanciado de ocorrência, lavrado pela autoridade policial, é autoridade coatora o D elegado de Polícia subscritor d o instrumento. In casu, falece com petência ao e. Tribunal a q u o para a análise do m andam us, um a vez que a autoridade coatora não se encontra entre aquelas incluídas em sua com petência originária. Habeas corpus denegado". (STJ, 5a Turma, H C 60.243/GO, Rei. Min. Felix Fischer, DJ 12/03/2007 p. 276).

STJ:"(...) Hipótese em que a im petração indicou com o autoridade coatora o Juiz de Direito da Vara de Parati-RJ, requerendo o benefício de aguardar o julgam ento d o recurso d e apelação em liberdade. Evidenciado que a irresignação volta-se contra decisão de Juiz monocrático, a qual ainda não foi apreciado pela Corte Estadual, sobressai a incom petência desta Corte para o exam e da matéria, sob pena de indevida supressão de instância. Ordem não conhecida". (STJ, 5aTurma, HC 40.455/RJ, Rei. Min. Gilson Dipp, DJ 04/04/2005 p. 334).

4. N ã o im p o s iç ã o da prisão em flagran­ te: ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança (Lei n. 9.099/95, art. 69, parágrafo único). Tratando-se da conduta de porte de drogas para consumo pessoal, ou posse de planta tóxica para extração de droga com o escopo de consumo pessoal, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente, ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários (Lei n. 11.343/06, art. 48, §2°). Conquanto a lei use a expressão não se imporá prisão em flagrante, deve-se entender que é perfeitamente possível a captura e a condução coercitiva do agente, estando vedada somente a lavratura do auto de prisão em flagrante e o subsequente recolhimento ao cárcere. Em tais hipóteses, caso o capturado assuma o compromisso de comparecer ao Juizado ou a ele compareça imediatamente, não será lavrado o auto de prisão em flagrante, mas tão somente o termo circunstanciado, com sua imediata liberação. Se, todavia, o agente se recusar a comparecer imediatamente ao Juizado ou a assumir o

Art. 301

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compromisso de a ele comparecer, deve a autoridade policial proceder à lavratura do auto de prisão em flagrante, o que também não significa que o agente permanecerá preso, porquanto é possível que lhe seja concedida liberdade provisória com fiança pelo próprio delegado de polícia, caso a infração seja punida com pena máxima não superior a 4 (quatro) anos (CPP, art. 322, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11). O Código de Trânsito Brasileiro também tem dispositivo semelhante aos acima citados. Segundo o art. 301, caput, da Lei n. 9.503/97, ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de que resulte ví­ tima, não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Em se tratando de crimes de m enor potencial ofensivo com etidos na esfera federal, nos term os da Lei 10.259/2001, mostra-se descabida, em princípio, a am eaça de prisão contra o autor d o delito, tendo em vista que o flagrante não é possível caso o agente seja encam inhado de im ediato ao juizado ou assum a com ­ prom isso de fazê-lo. Writ concedido". (STJ, 5aTurma, HC 19.071, Rei. Felix Fischer, j. 19.02.2002).5

5. Natureza jurídica da prisão em fla­ grante delito: com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, fica patente que a prisão em flagrante, por si só, não mais autoriza que o agente permaneça preso ao longo de todo o processo. Afinal, segundo a nova redação do art. 310 do CPP, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - con­ verter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diver­ sas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Se a prisão em flagrante já não é mais capaz de justificar, por si só, a subsistência da prisão do agente, cuja necessidade deve ser aferida à luz da presença de uma das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, discute-se na doutrina acerca de sua verdadeira natureza jurídica: medida de caráter precautelar, ato adm inistrativo, e,

portanto, espécie de prisão administrativa, ou prisão cautelar? Sem embargo de opiniões em sentido contrário, pensamos que a prisão em flagrante tem caráter precautelar. Não se trata de uma medida cautelar de natureza pessoal, mas sim precautelar, porquanto não se diri­ ge a garantir o resultado final do processo, mas apenas objetiva colocar o capturado à disposição do juiz para que adote uma verda­ deira medida cautelar: a conversão em prisão preventiva (ou temporária), ou a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, cumulada ou não com as medidas cautelares diversas da prisão. Esse entendimento, quanto a sua natureza jurídica de medida precautelar, ganha reforço com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, que passa a prever que, recebido o auto de prisão em flagrante, e verificada sua legalidade, terá o juiz duas opções: converter a prisão em flagrante em preventiva, a qual é espécie de medida cautelar, ou conceder liberdade provisória com ou sem fiança, im ­ pondo as medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, observados os critérios do art. 282. Fica patente, assim, que a prisão em flagrante coloca o preso à disposição do juiz para a adoção de uma medida cautelar, daí por que deve ser considerada como medida de natureza precautelar. 6. Sujeito ativo da prisão em flagrante: su­ jeito ativo da prisão em flagrante é aquele que efetua a prisão do cidadão encontrado em uma das situações de flagrância previstas no art. 302 do CPP. Pode ser qualquer pessoa, integrante ou não da força policial, inclusive a própria vítima. Não se confunde com o condutor, que é a pessoa que apresenta o preso à autoridade que presidirá a lavratura do auto, nem sempre correspondendo àquele que efetuou a prisão. 6.1. Flagrante facultativo: extrai-se do art. 301 do CPP que qualquer do povo poderá pren­ der quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Percebe-se, pois, que o particular (inclusi­ ve a própria vítima) tem a faculdade de prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Para o particular, portanto, a prisão em flagrante configura exercício regular de direito.

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

6.2. Flagrante obrigatório, com pulsório ou coercitivo: também se extrai do art. 301 do CPP que as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. A autoridade policial e seus agentes têm, portanto, o dever de efetuar a prisão em flagrante, não tendo discricionariedade sobre a conveniência ou não de efetivá-la. A prisão em flagrante, para as autoridades policiais e seus agentes, configura estrito cumprimento do dever legal. O art. 301 do CPP não faz qualquer distinção entre polícia ostensiva (Polícia Militar, Polícia Rodo­ viária e Ferroviária Federal) e polícia judiciária (Polícia Civil e Polícia Federal), razão pela qual se aplica a ambas o dever de efetuar a prisão em flagrante. Deve a autoridade policial efetuar a prisão durante as 24 horas do dia: “A situação de trabalho do policial civil o remete ao porte permanente de arma, já que considerado por lei constantemente atrelado aos seus deveres funcionais” (TJSP, HC 342.778-3, Jaú, 6a C„ rei. Barbosa Pereira, 19/04/2001, v.u., JU B I60/01). A Portaria CORREGPM-1/01/01 da PMESP determina ser dever do policial militar “atuar onde estiver, mesmo não estando em serviço, para preservar a ordem pública ou prestar socorro”.Tendo a autoridade policial o dever de agir, sua omissão pode inclusive estabelecer responsabilidade criminal, seja pelo delito de prevaricação - desde que comprovado que

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assim agiu para satisfazer interesse ou senti­ mento pessoal - , seja pelo próprio delito pra­ ticado pelo agente em situação de flagrância, se podia agir para evitar sua consumação (CP, art. 13, §2°, “a”). Ressalte-se que a lei faz menção apenas à autoridade policial, o que afasta as de­ mais autoridades como o juiz e o promotor, os quais, como qualquer outro cidadão, só terão a faculdade de prender o agente em flagrante delito. Essa obrigação de prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito que recai sobre a autoridade policial é mitigada nos casos de ação controlada, flagrante prorrogado ou retardado, espécies de flagrante a serem estudadas mais adiante. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: “(...) o sim ples fato de não se haver lavrado auto de prisão em flagrante, formalizando-se tão-som ente o boletim de ocorrência, longe fica de configurar o crime de prevaricação que, à luz d o disp o sto no artigo 319 d o C ó d ig o Penal, pressupõe ato om issivo ou com issivo voltado a satisfazer interesse ou sentim ento próprio. Inexistente o d o lo específico, cum pre o arquivam ento de processo instaurado". (STF, 1a Turma, HC 84.948/SP, Rei. Min. M arco Aurélio, DJ 18/03/2005 p. 63).

7. Sujeito passivo do flagrante: pelo menos em regra, qualquer pessoa pode ser presa em flagrante. Há exceções, que já foram anterior­ mente abordadas, ao tratarmos das imunidades prisionais (comentários ao art. 283 do CPP).

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:1 I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la;2 III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;3 IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.4-8 1. Espécies de flagrante: as hipóteses que autorizam a prisão em flagrante de determi­ nada pessoa estão previstas nos incisos I, II, III e IV do art. 302 do Código de Processo Penal. Cuida-se de rol taxativo, modelando e qualificando situações de flagrância, de modo a afastar eventual violência ao direito constitu­ cional de locomoção. Esse rol, por conseguinte,

não comporta o emprego de analogia, nem tampouco de interpretação extensiva, eviden­ ciando-se constrangimento ilegal à liberdade de locomoção caso o agente se veja preso em flagrante em situação fática que não se amolde às hipóteses previstas no art. 302, quando, en­ tão, será cabível o relaxamento da prisão (CF, art. 5°, LXV). Pela leitura dos incisos do art.

Art. 302

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

302 do Código de Processo Penal, percebe-se que há uma relação decrescente de imediatidade. Nas palavras de Paulo Rangel ( Direito Processual Penal. 10a ed. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris: 2005. p. 620), “tem início com o fogo ardendo (está cometendo a infração pe­ nal - inciso I), passa para uma diminuição da chama (acaba de cometê-la - inciso II), depois para a perseguição direcionada pela fumaça deixada pela infração penal (inciso III) e, por último, termina com o encontro das cinzas ocasionadas pela infração penal (é encontrado logo depois - inciso IV )”. 1.1. Juízo de subsunção a ser feito pela autoridade policial: se o art. 310, parágrafo único, do CPP, estabelece que o ju iz pode conceder a liberdade provisória quando ve­ rificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato acobertado por uma causa excludente da ilicitude, conclui-se que, à autoridade policial, no momento da prisão em flagrante, reserva-se apenas um juízo de tipicidade formal, sem poder avaliar a presença (ou não) de excludentes da ilicitude (ou da culpa­ bilidade). Em outras palavras, se a lei preceitua que o juiz deve conceder liberdade provisória ao agente que praticou o fato acobertado por uma excludente da ilicitude, significa dizer que a autoridade policial é obrigada a pren­ der aquele agente encontrado em situação de flagrância de conduta aparentemente típica, mesmo que haja indícios de ter o agente prati­ cado o fato delituoso sob o amparo de alguma descriminante (ou exculpante). No mesmo prisma: NUCCI, Guilherme de Souza. Códi­ go de Processo Penal Comentado. 4a ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 574. E ainda: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes constitucionais da liberdade provisória. Op. cit. p. 117.2 2. Flagrante próprio, perfeito, real ou ver­ dadeiro: entende-se em flagrante próprio, perfeito, real ou verdadeiro, o agente que é surpreendido cometendo uma infração penal ou quando acaba de cometê-la (CPP, art. 302, incisos I e II). A expressão “acaba de cometê-la” deve ser interpretada de forma restritiva,

no sentido de absoluta imediatidade (sem qualquer intervalo de tempo). Em outras pa­ lavras, o agente é encontrado imediatamente após cometer a infração penal, sem que tenha conseguido se afastar da vítima e do lugar do delito. Assim, caso o agente seja surpreendido no momento em que está praticando o verbo núcleo do tipo penal (ex: subtraindo coisa alheia móvel), sua prisão em flagrante pode­ rá ser efetuada. Ainda que, posteriormente, seja reconhecida a atipicidade material de sua conduta (v.g., por força do princípio da insig­ nificância), isso não tem o condão de afastar a legalidade da ordem de prisão em flagrante, porquanto a análise que se faz, no momento da captura do agente, restringe-se à análise da tipicidade formal.

♦ Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) N o

caso de furto, a verificação da relevância

penal da conduta requer se faça distinção entre ínfimo (ninharia) e peq u e n o valor. Este, ex vi legis, im plica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia con glo b an te (dada a m ínim a gravidade). A interpreta­ ção deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto. In casu, im puta-se ao paciente o furto de dois sacos de cim ento de 50 Kg, avaliados em R$ 45,00 (quarenta e cinco reais). Assim , é de se reconhecer, na espécie, a irrelevância penal da conduta. Ademais, a absolvição qu an to ao crime de furto, tendo em vista a aplicação d o princípio da insignificância, não tem o con dã o de descaracterizar a legalidade da prisão em flagrante contra o paciente. Na hipótese, encontra-se configurada a conduta típica d o crime de resistência pela repulsão contra o ato de prisão, já que o paciente, por duas vezes ap ó s a captura e m ediante violência, conseguiu escapar d o dom ínio do s policiais, danifican­ do, neste interregno, a viatura policial, fato este que o levou posteriorm ente a ser alge m a d o e amarrado. H abeascorpus parcialmente concedido". (STJ, 5aTurma, H C 154.949/MG, Rei. Min. Felix Fischer, j. 03/08/2010, DJe 23/08/2010).

3. Flagrante impróprio, imperfeito, irreal ou quase-flagrante: o flagrante impróprio, também chamado de imperfeito, irreal ou quase-flagrante, ocorre quando o agente é perseguido logo após cometer a infração penal, em situação que faça presumir ser ele o autor do ilícito (CPR art. 302, inciso III). Exige o flagrante impróprio a conjugação de 3 (três) fatores: a) perseguição (requisito de atividade);

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

b) logo após o cometimento da infração penal (requisito temporal); c) situação que faça pre­ sumir a autoria (requisito circunstancial). 3.1. Logo após: por logo após compreende-se o lapso temporal que permeia entre o acionamento da autoridade policial, seu comparecimento ao local e colheita de elementos necessários para que dê início à perseguição do autor. Por isso, tem-se entendido que não importa se a perseguição é iniciada por pessoas que estavam no local ou pela polícia, acionada por meio de ligação telefônica. 3.2. Flagrante impróprio em crimes contra vulneráveis: em se tratando de crimes contra menores de idade (v.g., estupro de vulnerável do art. 217-A, caput, do CP), há julgados do Superior Tribunal de Justiça conferindo maior elasticidade à expressão logo após. Entende o Egrégio Tribunal que, tratando-se de quase-flagrante ou flagrante impróprio relativo a fato contra menor, o tempo a ser considerado medeia entre a ciência do fato pelo seu re­ presentante e as providências legais que este venha a adotar para a perseguição do paciente. A título de exemplo, havendo perseguição ao ofensor, por policiais, logo após terem sido informados do fato pela mãe da vítima, carac­ terizado estará o estado de quase-flagrância, pouco importando se a prisão ocorreu somente poucas horas depois. Evidentemente, se não houve a perseguição logo após o delito, não é admissível a prisão no outro dia, mesmo que no momento da prisão já se soubesse quem era o autor do delito. 3.3. Perseguição ininterrupta: como a lei não define o que se entende por ‘perseguido, logo após’, aplica-se, por analogia, o disposto no art. 290, §1°, alíneas “a” e "b”, do CPP, se­ gundo os quais se entende que há perseguição quando: a) tendo a autoridade, o ofendido ou qualquer pessoa avistado o agente, for perseguindo-o sem interrupção, embora de­ pois o tenha perdido de vista; b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no

Art. 302

seu encalço. Vale lembrar que, nessas hipóteses de perseguição, a prisão pode ser efetuada em qualquer local onde o capturando for encon­ trado, ainda que em outro Estado da federação, em sua casa ou em casa alheia (CPP, art. 290, caput, c/c art. 293, caput, c/c art. 294, caput). O importante, no quase-flagrante, é que a perse­ guição tenha início logo após o cometimento do fato delituoso, podendo perdurar por várias horas, desde que seja ininterrupta e contínua, sem qualquer solução de continuidade. C a­ rece de fundamento legal, portanto, a regra popular segundo a qual a prisão em flagrante só pode ser levada a efeito em até 24 (vinte e quatro) horas após o cometimento do crime. Isso porque, nos casos de flagrante impróprio, desde que a perseguição seja ininterrupta e tenha tido início logo após a prática do delito, é cabível a prisão em flagrante mesmo após o decurso desse lapso temporal. Ex: acusado que estava sendo medicado em emergência de hospital, em razão de tiros que o atingiram quando perseguido pela Polícia, logo após o fato, ocasião em que foi preso. + Jurisprudência selecionada: STJ:

"(...) N ão há que se falar em irregularidade na prisão em flagrante, pois o ora paciente foi perseguido lo go ap ó s a prática do eventual delito, ap ó s terem os

agente policiais tom ad o ciência do crime, se nd o certo que a sequência cronológica d o s fatos dem onstram a ocorrência da hipótese de prisão em flagrante prevista no art. 302, inciso III, d o C ó d ig o de Processo Penal. Eventuais defeitos porventura existentes no auto de prisão em flagrante não têm o con dão de, por eles m esm os, con tam in arem o processo e ensejarem a soltura d o réu, ainda m ais se o s autos dem onstram ter havido o recebim ento da denúncia e o m otivado indeferim ento d o p e d id o d e liberdade provisória. (...)". (STJ, 5a Turma, H C 83.895/CE, Relatora Ministra Jane Silva, D esem bargadora convocada doTJ/M G , DJ 05/11/2007 p. 328)

STJ:"(...) PR O C ESSU AL PENAL - FURTO Q U A LIFIC A D O - N U L ID A D E - PRISÃ O EM FLAGRANTE - FLAGRANTE IM PRÓ PRIO - AU SÊN CIA D E A D V O G A D O - REQUISIÇÃO D O PACIENTE. Inexiste nulidade na prisão em flagrante de acusado que se escondeu em um matagal, sendo localizado horas depois d o delito(...)". (STJ, 5aTurma, HC 24.510/MG, Rei. Min. Jorge Scartezzini, DJ 02/06/2003 p. 310)

STJ:"(...) a sequência cronológica

do s fatos d e m o n s­ tram a ocorrência da hipótese de prisão em flagrante prevista n o art. 302, inciso III, d o C ó d ig o de Processo

Art. 302

■„ CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

Penal, de n om in ada pela doutrina e jurisprudência de flagrante impróprio, ou quase-flagrante. Hipótese em

2/99 - Rei. Benito A. de Figueiredo - j. 24.02.2000 - RT 778/632).

que a polícia foi acionada às 05:00 horas, lo go ap ós a prática, em tese, d o delito, saindo à procura d o veículo utilizado pelo paciente, de propriedade de seu irmão,

GR AN TE IM PRÓPRIO. N ULIDA DE. ESTADO FLAGRAN ­

logrando êxito em localizá-lo por volta das 07:00 horas

RE SID ÊN C IA N O D IA SEG UINTE A O CRIM E. A U SÊN CIA

d o m esm o dia, em frente à casa de sua mãe, ond e o paciente se encontrava dorm indo. D o m om ento em que fora acionada até a efetiva localização d o paciente, a Polícia levou cerca de 02 (duas) horas, não havendo dúvidas de que a situação flagrancial se encontra ca­ racterizada, notadam ente porque foram encontrados os brincos da vítima no interior d o veículo utilizado para a prática da su p o sta infração penal, fazendo presumir que, se infração houve, o paciente seria o autor". (STJ, 5a Turma, HC 55.559/GO, Rei. Min. Gilson Dipp, DJ 29/05/2006 p. 284).

STJ:"(...) M u ito em bora o paciente não tenha sido apreendido em pleno desenvolvim ento do s atos executórios d o crime de roubo, nem tam p o u co no local da infração, foi perseguido, lo go ap ós ao fato, sendo localizado e preso poucas horas ap ó s o delito, trata-se, portanto, d o flagrante impróprio, previsto no art. 302, III d o CPP. Ordem denegada, em consonância com o parecer m inisterial”. (STJ, 5a Turma, HC 126.980/GO, Rei. Min. N ap oleão N unes M aia Filho, j. 06/08/2009, DJe 08/09/2009).

STJ:"(...) Em se tratando de quase-flagrante ou flagran­ te im próprio relativo a fato contra menor, o tem p o a ser c o n sid e ra d o m edeia entre a ciência d o fato pelo seu representante e as providências legais que este venha a adotar para a perseguição d o paciente. H avendo perseguição ao ofensor, por policiais, lo go ap ó s terem sido inform ados d o fato pela m ãe da víti­ ma, caracterizado está o estado de quase-flagrância, pouco im portando se a prisão ocorreu som ente quatro horas após. Fato com p rovad o que dá subsistência ao auto de prisão em flagrante. O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 3.496/DF, Rei. Min. Cid Flaquer Scartezzini, DJ 25/09/1995 p. 31.114)

TJ/BA: "C u idando-se

de violência sexual perpetrada

contra m enor, p o d e -se e ntender c o m o lo g o a p ó s o tem p o que m edeia entre a prática d o delito, a ci­

STJ:"(...) H O M IC ÍD IO

Q U A LIFIC A D O E INCÊNDIO. FLA­

CIAL N Ã O C O N FIG U R ADO . PACIENTE PRESO EM SU A D E P ER SEG U IÇ Ã O . R E L A X A M E N T O D E T E R M IN A D O , C O M A RESPECTIVA SOLTURA, M ED IA N T E CON DIÇÕES. (...) Hipótese em que o impetrante sustenta a ilega­ lidade d o flagrante, eis que o paciente só teria sido preso no dia seguinte ao crime, sem que houvesse sido perseguido.Tendo o réu sido encontrado em sua própria residência, no dia seguinte aos eventos, não resta caracterizado o estado de flagrância exigido. Fato que não se adequa à hipótese de flagrante impróprio, bem com o às dem ais m odalidades de flagrância pre­ vistas no rol taxativo d o art. 302 d o CPP, pois, qu an do da sua prisão, o paciente não estava com etendo as infrações ou sequer havia a c ab ad o de com etê-las, não tendo ainda sido apreendido, lo go ap ós os crimes, em circunstância que fizesse presumir ser ele o autor d o s delitos. (...)". (STJ, 5a Turma, HC 66.616/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, DJ 25/06/2007 p. 264).

4. Flagrante presumido, ficto ou assimila­ do: nesta espécie de flagrante, o agente é preso logo depois de cometer a infração, com instru­ mentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração (CPP, art. 302, IV). Nesse caso, a lei não exige que haja perseguição, bastando que a pessoa seja en­ contrada logo depois da prática do ilícito com coisas que traduzam um veemente indício da autoria ou participação no crime. Ex: agentes encontrados algumas horas depois do crime em circunstâncias suspeitas, aptas a autorizar a presunção de serem os autores do delito, por estarem na posse do automóvel e dos objetos da vítima, além do fato de tentarem fugir, ao perceberem a presença de viatura policial.

ência d o fato pelo representante legal da menor, as prem entes m edidas que este venha a adotar para a perseguição d o agente, a breve apuração do s fatos e da identidade d o autor e o efetivo início da perseguição. A seu turno, perseguição é fato definido norm ativa­ m ente (CPP, art. 290, §1°) e se deve operar de maneira incessante. In casu, de m onstrando que a perseguição em preendida pela Polícia Judiciária, ap ó s as m edidas ad otad as pela representante da vítima, tão lo go to ­ m ou conhecim ento d o que se passara, foi incessante e ininterrupta até a localização, o reconhecim ento e a prisão em flagrante delito d o paciente c o m o autor d o fato criminoso, configurada está a ocorrência do quase-flagrante ou flagrante im próprio n os m oldes da lei (CPP, art. 302, lll)"(T JB A - 2a Câm. Crim. H C 14.810-

834

4.1. Logo depois: segundo parte da dou­ trina, a expressão logo depois constante do inciso IV não indica prazo certo, devendo ser compreendida com maior elasticidade que logo após (inciso III). Deve ser interpretada com temperamento, todavia, a fim de não se desvirtuar a própria prisão em flagrante. Com a devida vênia, pensamos que a expressão logo depois (CPP, art. 302, IV ) não é diferente de logo após (CPP, art. 302, III), significando am­ bas uma relação de imediatidade entre o início da perseguição, no flagrante impróprio, e o en­

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

contro do acusado, no flagrante presumido. Na verdade, a única diferença é que, no art. 302, III, há perseguição, enquanto que, no art. 302, IV, o que ocorre é o encontro do agente com objetos que façam presumir ser ele o autor da infração. Caso o agente seja encontrado com objetos que façam presumir ser ele o autor da infração, porém algum tempo após a prática do delito, deve a autoridade policial deixar de dar voz de prisão em flagrante, sem prejuízo, no entanto, da lavratura de boletim de ocorrência e posterior instauração de inquérito policial. Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) N ão há falar em ausência de flagrante quando a perseguição ao autor do delito se deu imediatamente ao fato e se fez ininterrupta até a sua prisão (artigo 302, inciso III, d o C ó d ig o de Processo Penal). Para a caracte­ rização d o flagrante presumido, não há a necessidade de se dem onstrar a perseguição im ediatam ente após a ocorrência d o fato-crime, mas, sim, o encontro do autor, "lo g o depois", em c on diçõe s d e se presum ir sua ação (artigo 302, inciso IV, do C ó d ig o de Processo Penal)". (STJ, 6a Turma, REsp 147.839, Rei. H am ilton Carvalhido, j. 01.03.2001, RT 794/572).

STJ:"(...)

É válido o flagrante p resu m ido q u a n d o o

agente é encontrado, algu m tem p o após, portando objetos da vítima e o tacógrafo d o veículo subtraído. A expressão"logo ap ó s"n ão indica prazo certo, devendo ser com preendida com algu m a elasticidade, exam ina­ d o o requisito tem poral caso a caso. O indeferimento da liberdade provisória deve ser fu n dam e n tad o em fatos concretos e não sim p lesm e nte na gravid ad e d o crime, pois esta já está subsu m ida no próprio tipo legal. Fica prejudicado o exam e do excesso de prazo para form ação da culpa, se reconhecida a ausência de fundam entação d o despacho e d o acórdão denegatório da liberdade provisória, com consequente alvará de soltura. Ordem concedida, com expedição de alvará de soltura". (STJ, 5aTurma, HC 75.114/MT, Relatora Ministra Jane Silva, D esem bargadora convocada doTJ/M G , DJ 01/10/2007 p. 317).

5. Flagrante preparado, provocado, crime de ensaio, delito de experiência ou delito putativo por obra do agente provocador: de modo a evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários à súmula n. 145 do STF (“Não há crime, quando a prepa­ ração do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”).

j

3Q2

6. Flagrante esperado: consultar comentá­ rios à súmula n. 145 do STF. 6.1. Venda sim ulada de droga: consultar comentários à súmula n. 145 do STF. 7. Ação controlada: a depender do caso concreto, é estrategicamente mais produtivo, sob o ponto de vista da colheita de provas, evitar a prisão prematura de integrantes menos graduados de determinada organização cri­ minosa, pelo menos num primeiro momento, de modo a permitir o monitoramento de suas ações e subsequente identificação e prisão dos demais membros, notadamente daqueles que exercem o comando da societas criminis. Exsurge daí a importância da chamada ação controlada, que consiste no retardamento da intervenção do aparato estatal, que deve ocorrer num momento mais oportuno sob o ponto de vista da investigação criminal. Cuida-se de importante técnica especial de investigação, prevista expressamente na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06, art. 53, II), na Lei de Lavagem de Capitais (Lei n. 9.613/98, art. 4°-B, com redação dada pela Lei n. 12.683/12) e na nova Lei das Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/13, art. 8o). Diversamente do art. 2o, II, da revogada Lei n. 9.034/95, que fazia referência expressa apenas ao retardamento da interdição policial, o art. 8o da Lei n. 12.850/13 autoriza o retardamento da intervenção poli­ cial ou administrativa. Isso significa dizer que a não atuação imediata poderá abranger não apenas diligências policiais, como também intervenções administrativas. Por consequ­ ência, agentes das receitas estaduais e federal, integrantes da Agência Brasileira de Inteli­ gência, corregedorias e outras autoridades ad­ ministrativas, como, por exemplo, órgãos do Ministério Público, também poderão retardar sua intervenção para que esta se concretize num momento mais eficaz sob o ponto de vista da colheita de elementos de informação. 7.1. (Des) necessidade de prévia autoriza­ ção judicial: diversamente das Leis de Drogas e de Lavagem de Capitais, a Lei n. 12.850/13 não faz referência expressa à necessidade de prévia autorização judicial para a execução

Art. 302

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

da ação controlada quando se tratar de cri­ mes praticados por organizações criminosas, assemelhando-se, nesse ponto, à sistemática vigente à época da revogada Lei n. 9.034/95 (art. 2o, II). Consoante disposto no art. 8o, §1°, da Lei n. 12.850/13, o retardamento da intervenção policial ou administrativa será

previamente comunicado ao ju iz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público. Como se percebe, a nova Lei das Organizações Cri­ minosas em momento algum faz menção à necessidade de prévia autorização judicial. Refere-se tão somente à necessidade de prévia comunicação à autoridade judiciária compe­ tente. Aliás, até mesmo por uma questão de lógica, se o dispositivo legal prevê que o retar­ damento da intervenção policial ou adminis­ trativa será apenas comunicado previamente ao juiz competente, forçoso é concluir que sua execução independe de autorização judicial. De mais a mais, quando a Lei n. 12.850/13 exige autorização judicial para a execução de determinada técnica especial de investigação, o legislador o fez expressamente. Nesse sentido, basta atentar para o quanto disposto no art. 10, caput, que faz menção expressa à necessidade de prévia, circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial para fins de infiltração de agentes. Se, ao cuidar da infiltração poli­ cial, o legislador mencionou expressamente a necessidade de prévia autorização judicial, limitando-se, todavia, ao tratar da ação contro­ lada, a fazer menção apenas à necessidade de prévia comunicação, parece ficar evidente que a Lei n. 12.850/13 quis dispensar tratamento diverso aos dois institutos. Mas por que se faz necessária prévia comunicação ao juiz se a ação controlada envolvendo infrações penais pra­ ticadas por organizações criminosas pode ser executada sem anterior autorização judicial? A nosso juízo, a eficácia da ação controlada pode ser colocada em risco se houver necessidade de prévia autorização judicial, haja vista a demora inerente à tramitação desses procedimentos perante o Poder Judiciário. A título de exem­ plo, suponha-se que, por meio de denúncia anônima, as autoridades policiais obtenham inform ações de que um agente, integrante

de organização criminosa especializada em falsificação de moeda, esteja levando consigo grande quantidade de notas falsas em um voo doméstico. Fosse necessária prévia autorização do juiz competente para a ação controlada, dificilmente a autoridade policial poderia pos­ tergar a prisão em flagrante no momento do desembarque na cidade de destino, porquanto não teria em mãos a necessária ordem judicial para que deixasse de levar adiante o flagrante obrigatório, a não ser que se admitisse uma absurda execução da diligência pelo próprio magistrado, o que, à evidência, feriria de morte o sistema acusatório e a garantia da imparcia­ lidade. Por consequência, o objetivo inerente à ação controlada de se identificar os demais integrantes dessa organização criminosa es­ pecializada em falsificação de moeda restaria prejudicado, porquanto, ausente a prévia au­ torização judicial para a ação controlada, ver-se-ia a autoridade policial obrigada a efetuar a prisão em flagrante de apenas um de seus membros. Daí a importância de se permitir que a ação controlada possa ser executada pela autoridade policial independentemente de prévia autorização judicial, postergando-se o momento do flagrante obrigatório. Se, de um lado, o art. 8o, §1°, da Lei n. 12.850/13, dispensa prévia autorização judicial para a execução da ação controlada, do outro, passa a exigir que o retardamento da intervenção policial ou administrativa seja comunicado com antecedência ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público. O objetivo dessa comunicação prévia é dar conhecimento ao juiz competente e ao órgão do Ministério Público acerca do retardamento da intervenção policial ou administrativa. Logo, a depender das peculiaridades do caso concreto, a autori­ dade judiciária poderá estabelecer os limites da ação controlada. Os limites que podem ser impostos pelo juiz à ação controlada são de duas espécies: a) temporais: em tese, é possível que o juiz estabeleça um prazo máximo de duração da ação controlada, findo o qual a autoridade policial seria obrigada a represen­ tar pelo prosseguimento da medida, já, então, sob o controle judicial; b) funcionais: diante

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

da possibilidade de dano a bens jurídicos de maior relevância, deve o juiz determinar a pronta intervenção da autoridade policial. Como a quase totalidade dos ilícitos relativos ao tráfico de drogas para cuja investigação se faz necessária a ação controlada são cometidos por meio de organizações criminosas, não se pode descartar a possibilidade de se utilizar, por empréstimo, a regulamentação constante da Lei n. 12.850/13, dispensando-se prévia autorização judicial. + Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) O R G A N IZ A Ç Ã O C RIM IN O SA . A Ç Ã O

POLICIAL

CO N TRO LAD A. ARTIG O 2, IN CISO II, D A LEI N. 9.034/95. PRÉVIA AU T O R IZA Ç Ã O JUDICIAL. A U SÊ N C IA D E PRE­ V ISÃ O LEGAL. C O N ST R A N G IM EN T O ILEGAL N Ã O EVI­ D EN C IA D O . O R D E M D EN E G A D A . 1. Da m esm a forma, à m íngua de previsão legal, não há c o m o se reputar nulo o procedim ento investigatório levado à cabo na hipótese em apreço, tendo em vista q u e o artigo 2°, inciso II, da Lei n. 9.034/95 não exige a prévia autoriza­ ção judicial para a realização da cham ada"ação policial controlada" a qual, in casu, culm inou na apreensão de cerca de 450 kg (quatrocentos e cinquenta quilos) de cocaína. 2. Ademais, não há falar-se na possibilidade d o s agentes policiais virem a incidir na prática d o cri­ m e de prevaricação, pois o ordenam ento jurídico não pod e proibir aquilo que ordena e incentiva. 3. Ordem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 119.205/MS, Rei. Min. Jorge M ussi, j. 29/09/2009, DJe 16/11/2009).

S T J: "(...)

Este Superior Tribunal de Justiça possui

entendim ento de que a ação policial controlada, nos term os da Lei n° 9.034/95, não exige prévia autorização judicial. (...)". (STJ, 5a Turma, RH C 29.658/RS, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 02/02/2012, DJe 08/02/2012).

7.2. Flagrante prorrogado, retardado ou diferido: nas hipóteses da Lei de Drogas e da Lei de Organizações Criminosas, a ação con­ trolada funciona como uma autorização legal para que a prisão em flagrante seja retardada ou protelada para outro momento, que não aquele em que o agente está em uma situação de flagrância (CPP, art. 302). Daí por que é chamada de flagrante prorrogado, retarda­ do, protelado ou diferido. Apresenta-se, pois, como uma mitigação ao flagrante obrigatório, que determina que as autoridades policiais e seus agentes têm o dever de efetuar a prisão em flagrante sempre que se deparam com alguém em situação de flagrância (CP, art. 301). A

y\ r

3Q2

título de exemplo, supondo-se uma situação de flagrância envolvendo a prática de roubo por organização criminosa especializada na subtração de cargas, a despeito da obrigação de efetuar a prisão em flagrante por parte da autoridade policial - flagrante obrigatório (CPP, art. 301, 2a parte) - , esta poderá deixar de fazê-lo, a fim de que seja capaz de identi­ ficar os demais integrantes do grupo, assim como o local em que a res furtiva é guardada. Pelo menos enquanto houver sequência de acompanhamento da situação de flagrante próprio, impróprio ou presumido, nos termos dos incisos do art. 302 do Código de Proces­ so Penal, será possível a execução da prisão dentro dos critérios da prisão em flagrante. Exemplificando, se as autoridades policiais perseguirem determinado integrante de uma organização criminosa logo após a prática do crime, sem solução de continuidade, e sem que o criminoso perceba a perseguição policial, nada impede ulterior prisão em flagrante, haja vista a presença de flagrante impróprio (CPP, art. 302, III). Todavia, se, por ocasião da descoberta dos elementos probatórios mais relevantes, não houver qualquer situação de flagrância, a autoridade policial não poderá realizar a prisão em flagrante pelo ato pre­ térito que foi tolerado visando à eficácia da investigação. Se a ação controlada envolvendo crimes praticados por organizações criminosas independe de prévia autorização judicial, seria no mínimo temerário concluir que a autori­ dade policial passaria a ter discricionariedade plena para efetuar a prisão quando melhor lhe aprouvesse, sem qualquer limitação temporal e independentemente de situação de flagrân­ cia ou de ordem do juiz competente. Como a própria Constituição Federal estabelece que ninguém será preso senão em flagrante delito

ou p or ordem escrita e fundam entada da auto­ ridade judiciária competente (art. 5o, LXI), a prisão a ser efetuada nesse momento posterior estará condicionada à verificação de situação de flagrância (v.g., a localização da carga rou­ bada com os receptadores autoriza a prisão em flagrante por se tratar, a receptação, de crime permanente), ou à decretação prévia de even­ tual prisão preventiva e/ou temporária. Com

Aft. 303

V

cpp COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

entendimento semelhante: BADARÓ, Gustavo (Processo Penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 724). 7.3. Entrega vigiada: uma das técnicas mais tradicionais de ação controlada é a entrega vi­ giada, cujo objetivo é a identificação do maior número possível de agentes do esquema crimi­ noso, bem como localização dos ativos ocultos, e descoberta de outras fontes de prova. Ganhou este nome justamente por denotar fielmente aquilo que representa: entrega vigiada, porque as remessas ilícitas de drogas, armas, etc., são monitoradas do ponto de partida até o destino final, com identificação dos agentes envolvidos na prática delituosa. De acordo com o art. 2o, alínea “i”, da Convenção de Palermo, entrega vigiada é a técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do ter­ ritório de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática. A entrega vigiada surgiu como técnica de mo­ nitoramento de remessas ilícitas de substâncias entorpecentes. Com o passar dos anos, todavia, deixou de ser um procedimento investigatório de uso exclusivo para fins de enfrentamento ao tráfico de drogas, já que sua aplicação foi estendida para o combate do tráfico de armas, da lavagem de dinheiro, joias ou qualquer outro bem de valor (v.g., obras de arte), com previsão em diversos tratados internacionais. A entrega vigiada pode ser classificada da seguinte forma: a) entrega vigiada lim pa (ou com substituição): as remessas ilícitas são trocadas antes de serem entregues ao desti­ natário final por outro produto qualquer, um simulacro, afastando-se o risco de extravio da mercadoria; b) entrega vigiada suja (ou com acompanhamento): a encomenda segue seu itinerário sem alteração do conteúdo. Portanto, a remessa ilícita segue seu curso normal sob

monitoramento, chegando ao destino sem substituição do conteúdo. À evidência, como não há substituição da mercadoria, esta espécie de entrega vigiada demanda redobrado moni­ toramento, exatamente para atenuar o risco de perda ou extravio de objetos ilícitos. 8. Flagrante forjado, fabricado, m aqui­ nado ou urdido: nesta espécie de flagrante totalmente artificial, policiais ou particulares criam provas de um crime inexistente, a fim de ‘legitim ar’ (falsamente) uma prisão em flagrante. Imagine-se o exemplo em que uma autoridade policial coloca certa porção de substância entorpecente no veículo de de­ terminada pessoa, para que posteriormente lhe dê voz de prisão em flagrante pelo crime de tráfico ou porte de drogas para consumo pessoal. Nesse caso, a par da inexistência do delito, responde o agente criminalmente pelo delito de abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65, art. 3o, “a”), caso o delito seja praticado em ra­ zão de suas funções, ao passo que o particular pode responder pelo crime de denunciação caluniosa (CP, art. 339). ♦

J u r is p r u d ê n c ia s e l e c io n a d a :

S T F : "(...) TRÁFICO IN T ER N A C IO N A L D E EN TO RPECEN ­ TE. A R TIG O S 12 E 18,1, D A LEI N° 6.368, DE 21.10.1976. C R IM E P R O V O C A D O . FLAGRAN TE FO RJAD O O U PRE­ PARAD O . N ã o fica e vid en cia da h ip ó te se d e crim e provocado, ou de flagrante forjado, se o s agen tes participam da obtenção, da gu ard a e d o transporte de cocaína, que se destina ao exterior, con sistin do a atividade da Polícia, apenas, em obter inform ações so ­ bre o pro p ósito deles e em acom p an h ar seus passos, até a apreensão da droga, em pleno transporte, ainda no Brasil, se gu ida de prisão em flagrante. (...)". (STF, 1aTurma, HC 74.510/SP, Rei. M in .S y d n e y Sanches, DJ 22/11/1996 p. 45.690).

S T F : "(...) TRÁFICO D E ENTORPECENTES. FLAGRANTE PRO VO CAD O . (...) N ão é flagrante forjado aquele resul­ tante de diligências policiais ap ó s denúncia anônim a sobre tráfico de entorpecentes. (...) "H.C." indeferido". (STF, 1aTurma, HC 74.195/SP, Rei. Min. Sydney Sanches, DJ 13/09/1996 p. 33.235).

Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em fla­ grante delito enquanto não cessar a permanência.1'6

TÍTULO I X . DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

,

Aft. 303

e apreensão, caracterizado está o flagrante, p ois o I. Prisão em flagrante em crime permanen­ paciente foi preso em sua casa, local o n d e apreen­ te: crime permanente é aquele cuja consuma­ did a a substância entorpecente. O rdem denegada". ção, pela natureza do bem jurídico ofendido, (STJ, 6a Turma, HC 17.618, Rei. Fernando Gonçalves, j. pode protrair-se no tempo, detendo o agente o 25/09/2001, DJU 15/10/2001). poder de fazer cessar o estado antijurídico por STJ:"(...) Afigura-se legal a prisão em flagrante d o ora ele realizado. Vejamos alguns exemplos: seques­ Paciente pela prática d o crime previsto no art. 149, tro e cárcere privado (CP, art. 148), redução d o C ó d ig o Penal, um a vez que, ten do em vista a sua natureza permanente, a teor d o que dispõe o art. 303, à condição análoga de escravo (CP, art. 149), d o C ó d ig o de Processo Penal, se deu q u an do ainda extorsão mediante sequestro (CP, art. 159, caput, persistia a su bm issão das vítim as à condição an áloga e parágrafos), receptação, nas modalidades de a de escravo". (STJ, 5a Turma, HC 33.484/PA, Relatora transportar, ocultar, ter em depósito (CP, art. Ministra Laurita Vaz, DJ 13/12/2004 p. 387). 180), ocultação de cadáver (CP, art. 211, caput), STJ:"(...) A receptação na forma de manter em depósito quadrilha ou bando (CP, antiga redação do art. coisa roubada é crime permanente, logo, enquanto 288), associação para o tráfico de drogas (Lei n. não cessar o depósito, persiste a situação de flagrância. I I . 343/06, art. 35), ocultação de bens, direitos (...) O rde m parcialm ente con ce d id a para conceder liberdade provisória ao paciente". (STJ, 5a Turma, HC e valores (Lei n. 9.613/98, art. I o), evasão de 91.703/MG, Relatora Ministra Jane Silva, D esem bardivisas, nas modalidades de manutenção de gado ra convocada doTJ/M G , DJ 26/11/2007 p. 227). depósitos não informados no exterior (Lei n. STF:"(...) Quadrilha form ada por policiais militares e 7.492/86, art. 22, parágrafo único), tráfico de civis, para a prática de crime contra o patrimônio. N ão drogas (Lei n. 11.343/06, art. 33, caput), em caracterização de crime militar. Crim e de quadrilha: algumas modalidades como guardar, trazer crime permanente. Estado de flagrância. Inocorrência consigo, transportar, ter em depósito, etc. Nesses de desrespeito à inviolabilidade d o domicílio, já que incide a exceção d o art. 5o, XI, da Constituição. D is­ casos, enquanto não cessar a permanência, o pensa, no caso, d o m an d ad o judicial". (STF, 2a Turma, agente encontra-se em situação de flagrância, HC 74.127/RJ, Rei. Min. Carlos Velloso, DJ 13/06/1997 ensejando, assim, a efetivação de sua prisão p. 26.693). em flagrante, independentemente de prévia STJ: "(...) O crime de quadrilha, tal qual o de associação autorização judicial. Em todos esses crimes para o tráfico de drogas, é permanente, protraindo a permanentes, em relação aos quais a prisão sua consum ação no tem po, autorizando, desta forma, em flagrante é possível a qualquer momento, a autuação em flagrante durante to d o o tem p o em enquanto não cessar a permanência (CPP, art. que subsistir o vínculo associativo entre os consortes. O rdem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 140.207/SC, Rei. 303), a Constituição Federal autoriza a violação Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 03/09/2009, DJe ao domicílio mesmo sem prévia autorização 21/09/2009). judicial (art. 5o, XI). Assim, supondo-se um STJ: "(...) O paciente foi preso em flagrante cultivan­ delito de tráfico de drogas, na modalidade “ter d o canabis sativa em sua horta particular, conform e em depósito”, delito de natureza permanente, explicitado na denúncia. O auto de constatação tono qual a consumação se prolonga no tempo xicológica, esclarece que, efetivamente, as plantas e, consequentemente, persiste o estado de fla­ apreendidas no quintal d o acusado poderiam causar grância, admite-se, ainda que em período no­ dependência física ou psíquica. Indícios suficientes de autoria e materialidade, portanto, encontram -se clara­ turno, e sem autorização judicial, o ingresso da m ente evidenciados. - O auto de prisão em flagrante, Polícia na casa em que está sendo praticado tal encontra-se revestido das form alidades legais.Trata-se crime, com a consequente prisão em flagrante de crime permanente, cuja con su m ação se prolonga dos agentes e apreensão do material relativo à no tem po. D aí su bsu m e-se que o agente está em fla­ prática criminosa. grante delito enquanto não cessar a permanência". (STJ, 5aTurma, HC 11,222/MG, Rei. Min. Jorge Scartezzini, DJ

-f

J u r is p r u d ê n c ia s e le c io n a d a :

STJ: "(...) A con du ta de ter em de p ósito substância entorpecente (cocaína) qualifica-se com o crime per­ m anente e, por isso m esmo, a situação de flagrância se protrai no tem po, sendo, portanto, válida a prisão efetuada nessas condições, ainda que sem m an dad o judicial. Na espécie, além de existir m an dad o de busca

27/11/2000 p. 175).

STF:"(...) Cuidando-se de crime de natureza perm anen­ te, a prisão do traficante, em sua residência, durante o período noturno, não constitui prova ilícita. D esn e ­ cessidade de prévio m an dad o de busca e apreensão. H C indeferido". (STF, 2aTurma, HC 84.772/MG, Relatora Ministra Ellen Gracie, Dj 12/11/2004 p. 41).

Art. 303 STJ:"(...) T ratan do-se

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

de tráfico de entorpecentes,

na m od alid ad e "ter em depósito", delito de natureza perm anente, no qual a c o n su m a ção se p ro lo n g a no te m p o e, consequentem ente, persiste o estad o de flagrância, adm ite-se, ainda que em período notur­ no, o ingresso da Polícia na casa em que está se nd o praticado tal crime, com a consequente prisão d o s agen tes d o delito e apreensão d o material relativo à prática crim inosa. H ab eas-corp u s denegado". (STJ,

6a Turma,

HC 21.392, Rei. Vicente Leal, j. 22.10.2002,

DJU 18.11.2002, p. 296).

STJ: "(...)

Hipótese em que se alega a ocorrência de

nulidade na prisão em flagrante d o paciente, pois esta teria sido efetivada no período noturno, em desacordo c om o s ditam es constitucionais. O tráfico ilícito de d ro gas é crime permanente, o que enseja o prolon­ ga m e n to no tem p o da flagrância delitiva, enquanto durar a perm anência. Precedentes. Se n d o o delito de tráfico de entorpecentes crime permanente, resta configurado o flagrante, consoante o disp o sto n o art. 5°, inciso XI, da Constituição Federal, apto a ensejar a ação do s policiais, com a entrada no recinto o nde o ilícito esteja sendo praticado, independentem ente da expedição de m an dad o judicial. O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 35.642/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, DJ 07/03/2005 p. 293).

2. Prisão em flagrante em crime habitual: o crim e habitual é aquele que demanda a prática reiterada de determinada conduta, por exemplo, rufianismo (CP, art. 230), exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farma­ cêutica (CP, art. 282). Crim e habitual não se confunde com habitualidade criminosa. Enquanto no crime habitual o delito é único, figurando a habitualidade como elementar do tipo, na habitualidade criminosa há plurali­ dade de crimes, sendo a habitualidade uma característica do agente, e não da infração penal. No crim e habitual a prática de um ato isolado não gera tipicidade, ao passo que, na habitualidade criminosa, tem-se uma sequência de atos típicos que demonstram um estilo de vida do autor. Há divergências quanto à possibilidade de prisão em flagrante em crime habitual. Parte da doutrina não a admite, sob o fundamento de que tal delito somente se aperfeiçoa com a reiteração da conduta, o que não seria passível de verifi­ cação em um ato isolado, que é a prisão em flagrante. É essa, entre outros, a posição de Fernando da Costa Tourinho Filho (op. cit. p. 479). Na mesma linha: CAPEZ, Fernando. 840

Curso de processo penal. 6a ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 225; Paulo Rangel (op. cit. p. 624); MARQUES, José Frederico Marques (Tratado de Direito Penal, vol. II. Bookseller, 1997. p. 89). Com a devida vênia, pensamos que não se pode estabelecer uma vedação absoluta à prisão em flagrante em crimes habituais. Na verdade, a possibilidade de efetivação da prisão em flagrante em crimes habituais deve estar diretam ente ligada à comprovação, no ato, da reiteração da prática delituosa pelo agente. A título de exemplo, imagine-se a hipótese em que a polícia, após ligação anônima, comparece a determinado consultório onde um falso médico é encon­ trado prestando serviços médicos a clientes ludibriados. Lá chegando, depara-se com uma estrutura completa de um consultório médico - secretária atendendo ao telefone, inúmeros clientes aguardando atendimento, documentação comprobatória de inúmeras consultas já realizadas, além de um atendi­ mento médico realizado pelo agente naquele exato momento. Ora, em uma tal situação, não haveria como negar a certeza visual do crime, autorizando-se, portanto, a prisão em flagrante. É essa a posição de Julio Fabbrini Mirabete (Processo Penal. 18a ed. rev. e atual, até 31 de dezembro de 2005. São Paulo: Atlas, 2006. p. 378) e de Marcellus Polastri Lima (op. cit. p. 344). ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "(...) Casa

de Prostituição. O caráter habitual do

crime não im pede a efetuação da prisão em flagrante, se deste resulta que o agente tem local em funcio­ n am en to para o fim previsto na lei. É irrelevante o licenciamento d o hotel para a caracterização d o d e ­ lito. Recurso em habeas corpus denegado". (STF, RHC 46.115/SP, Rei. Min. Am aral Santos - DJ 26/09/1969).

STF:"(...)

H abeas Corpus; sua de n e gação. O crim e

habitual nada tem de incompatível com a prisão em flagrante". (STF, Pleno, H C 36.723, Rei. Min. N elson Hungria, DJ 05/09/1960 p. 975).

STJ:"(...) O crime de m anutenção de casa de prostitui­ ção tipifica objetivam ente um a conduta permanente, p o u c o im p o rta n d o o m o m e n to da fiscalização d o poder público e a com provação de haver, no instante da prisão, relacionamento sexual das aliciadas. Ordem denegada". (STJ, 5aTurma, HC 42.995/RJ, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 24/10/2005 p. 354).

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

3. Prisão em flagrante em crimes de ação penal privada ou de ação penal pública condicionada: como o art. 301 não distingue entre crime de ação penal pública e crime de ação penal privada, referindo-se ao sujeito passivo do flagrante como ‘quem quer que seja encontrado em flagrante delito’, nada impede a prisão em flagrante em relação a tais crimes. Ocorre que, em se tratando de crime de ação penal pública condicionada à representação (ou à requisição do Ministro da Justiça), ou de ação penal privada, a instauração do in­ quérito policial e a própria persecução penal estão condicionadas à prévia manifestação de vontade do ofendido (ou do Ministro da Justiça). De fato, o inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado (CPP, art. 5o, §4°), ao passo que, nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la (CPP, art. 5o, §5°). Portanto, em relação a tais delitos, afigura-se possível a captura e a condução coercitiva daquele que for encontrado em situação de flagrância, fazendo-se cessar a agressão com o escopo de manter a paz e a tranquilidade social. No entanto, a lavratura do auto de prisão em flagrante estará condi­ cionada à manifestação do ofendido ou de seu representante legal. Se a vítima não puder imediatamente ir à delegacia para se manifes­ tar, por ter sido conduzida ao hospital ou por qualquer motivo relevante, poderá fazê-lo no prazo de entrega da nota de culpa (24 horas). Não há necessidade de qualquer formalismo nessa m anifestação de vontade, bastando estar evidenciada a intenção da vítim a de que o autor do delito seja responsabilizado criminalmente. Assim, caso a vítima tenha comunicado o fato à autoridade policial e presenciado a lavratura do auto de prisão em flagrante, tem-se como demonstrado inequi­ vocamente o seu interesse em que se promova a responsabilidade penal do agente. Caso a vítima não emita autorização, deve a autori­ dade policial liberar o ofensor, sem nenhuma formalidade, documentando o ocorrido em boletim de ocorrência, para efeitos de praxe.



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303

Jurisprudência selecionada:

STJ:

"(...) R E C U R SO EM H A B E A S C O R P U S. PEN A L E

P R O C ESSO PENAL. ESTUPRO. PR ISÃ O EM FLAGRANTE. R E Q U E R IM E N T O D A O F E N D ID A . D E S N E C E S S ID A D E D E RIG O R FORM AL. Em sede de crim e de ação p e ­ nal privada n ão se exige fórm ula sacram ental para a m anifestação de vontade d o ofendido no sentido de que se prom ova a responsabilização d o autor do delito. Precedentes. N o caso, ten do a vítima c o m u ­ nicado o fato à autoridade policial e presenciado a lavratura d o auto de prisão em flagrante, tem -se com o de m on strado inequivocam ente o seu interesse em que se prom ovesse a responsabilidade d o acusado. Primariedade, b on s antecedentes e o cu p ação lícita. Circunstâncias que, isoladamente, não inviabilizam a custódia cautelar. Recurso desprovido". (STJ, 5a Turma, RH C 8.680/MG, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 04/10/1999 p. 63).

4. Prisão em flagrante em crimes formais: crime formal (ou de consumação antecipada) é aquele que prevê um resultado naturalístico, que, no entanto, não precisa ocorrer para que se opere a consumação da infração penal. A título de exemplo, a mera exigência de van­ tagem indevida no crime de concussão (CP, art. 316, caput) já é suficiente para sua con­ sumação, configurando o recebimento mero exaurimento do delito. A prisão em flagrante é perfeitamente possível em crimes formais. No entanto, deve ser efetivada enquanto o agente estiver em situação de flagrância, e não no momento do exaurimento do delito. Logo, voltando-se ao exemplo do crime de concussão, a conduta que autoriza a prisão em flagrante é a exigência de vantagem in­ devida pelo funcionário público, e não o seu recebimento uma semana depois. Destarte, se o agente for preso quando estava recebendo a vantagem indevida, ter-se-á uma prisão ilegal, caso esta seja efetuada em relação ao crime de concussão, autorizando-se o relaxamento. Isso, no entanto, não significa dizer que o agente não será responsabilizado pelo delito. Não se pode confundir a existência do crime, que efe­ tivamente ocorreu, com a prisão em flagrante, que somente seria possível no momento da exigência da vantagem indevida. E nem se diga, em relação ao exemplo, que teria ocorrido fla­ grante preparado, e, por consequência, crime impossível. Com efeito, não houve qualquer

Art. 303

\

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

induzimento ou instigação à prática do delito, que se consumou com a mera exigência do funcionário público. Como dito acima, caso a prisão em flagrante seja efetuada pelo crime de concussão (CP, art. 316) quando o agente está recebendo a vantagem indevida, ter-se-á flagrante ilegal, pois ninguém pode ser preso quando do exaurimento do delito - lembre-se que o verbo núcleo do tipo penal de concussão é exigir. No entanto, caso a autoridade policial conclua que o delito praticado tenha sido o de corrupção passiva (CP, art. 317) na modalidade de receber, para si ou para outrem, direta ou in­ diretamente, vantagem indevida, em razão da função pública, deve a prisão em flagrante ser considerada legal, na medida em que o agente fora preso quando estava recebendo vantagem indevida, caracterizando hipótese de flagrante próprio, nos termos do art. 3 0 2 ,1, do CPP. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: “(...) Trata-se a con cu ssão de delito formal, que se con su m a com a realização da exigência, in dependen­ temente da obtenção da vantagem indevida. A entrega d o dinheiro se consubstancia c o m o exaurim ento do crime previamente consumado. Caso em que não havia situação de flagrância delitiva no m om e nto em que a prisão foi efetuada, de m o d o que o M agistrado deveria ter relaxado o cárcere, não havendo que se cogitar de liberdade provisória, tam po u co de arbitram ento de fiança. Todavia, estando já o paciente solto e ten do le­ vantado os valores referentes ao p agam en to da fiança, cum pre ressaltar que a constatação de ilegalidade do flagrante não há de condenar os elem entos indiciários colhidos qu an do da lavratura d o auto, que m antém sua qualidade informativa, para que se inicie a ação penal. Reclam ada a indevida vantagem antes da intervenção policial, não há falar em flagrante preparado. Se a atividade policial se restringiu a aguardar o m elhor m om e nto para executar a prisão, fica afastado o crime im possível. H abeas corpu s não conhecido". (STJ, 5a Turma, HC 266.460/ES, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 11 /06/2015, DJe 17/06/2015).

STF: "C o n cu ssão

- Flagrante preparado - Nulidade da prisão d o servidor, dias d e p ois da exigência da van tagem indevida, q u an d o a recebia - Circunstância que não descaracteriza o delito, visto que este já se consum ara com a exigência - Inaplicabilidade da Súm. 145 d o STF". (STF, I a Turma, HC 80.033/BA, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19/05/2000 p. 15).

STF:"(...) Presunção de não culpabilidade: com patibi­ lidade, se gu n d o o entendim ento majoritário d o STF, com a prisão im ediata d o c o n d e n a d o p or decisão sujeita apenas a recursos de sp ido s de efeito suspen-

sivo: aplicação, com ressalva da opo sição pessoal do relator. Concussão: crime formal, que se consum a com a exigência: flagrante posterior, qu an do d o recebimen­ to pelo funcionário d o dinheiro exigido, que, ainda q u an do invalide a prisão, não induz, nas circunstancias d o caso, a invalidade da prova resultante". (STF, 1a Turma, H C 72.168/RS, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 09/06/1995 p. 17.232).

5. Prisão em flagrante em crime conti­ nuado (flagrante fracionado): na hipótese de continuidade delitiva, temos, indubitavel­ mente, várias condutas, simbolizando várias infrações. Contudo, por uma ficção jurídica, por ocasião da sentença, haverá a aplicação da pena de um só crime, exasperada de um sexto a dois terços, na hipótese do art. 71, caput, do Código Penal. Como existem várias ações independentes, irá incidir, isoladamente, a pos­ sibilidade de se efetuar a prisão em flagrante por cada uma delas, ou seja, na medida em que os delitos que compõem o crime continuado guardam, em termos fáticos, autonomia entre si, cada um deles autoriza, de forma indepen­ dente no tocante aos demais, a efetivação da prisão, desde que presente uma das hipóteses do art. 302 do CPP. É o que se denomina de

flagrante fracionado. 6. Flagrante e apresentação espontânea do agente: pela própria leitura a contrario sensu da antiga redação do art. 317 do CPP, doutrina e jurisprudência eram uníssonas em afirmar que se o agente se apresentasse espontaneamente à autoridade policial, que não o perseguia, não era possível sua prisão em flagrante, o que, todavia, não impedia a decretação de sua prisão preventiva (ou tem­ porária), caso presentes seus pressupostos. O dispositivo era claro ao afirmar que a apresen­ tação espontânea não impedia a decretação da prisão preventiva. Logo, era inviável a prisão em flagrante, o que, no entanto, não significava dizer que haveria impunidade, pois é óbvio que a autoridade policial deveria instaurar o respectivo inquérito policial. Com o advento da Lei n. 12.403/11, percebe-se que o Capítulo IV, que tratava da apresentação espontânea do acusado, doravante passará a dispor sobre a prisão domiciliar, objeto de nosso estudo mais abaixo (comentários aos arts. 317 e 318 do

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

CPP). Não obstante tal modificação, queremos crer que a apresentação espontânea continua figurando como causa impeditiva da prisão em flagrante. Afinal, não tem cabimento prender em flagrante o agente que se entrega à polícia, que não o perseguia, e confessa o crime. De mais a mais, quando o agente se apresenta es­ pontaneamente, não haverá flagrante próprio, impróprio, nem tampouco presumido (CPP, art. 302, I, II, III e IV), desautorizando sua prisão em flagrante. Obviamente, se presentes os pressupostos dos art. 312e313d o CPP, nada impede a decretação da prisão preventiva pela autoridade judiciária competente, caso se reve­ lem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP.

j

fat. 304

tiva, se presentes o s seus pressupostos, concede-se a ord em de habeas corpus, para invalidar o flagrante. Unânime." (STF - RH C n.° 61.442/MT, 2a Turma, Rei. Min. Francisco Rezek, DJU de 10.02.84). W rit con ce­ dido, a fim de q u e seja relaxada a prisão em flagrante a q u e se su bm e te o paciente, com a conseqüente ex­ pedição d o alvará de soltura, se por outro m otivo não estiver preso, sem prejuízo d e eventual decretação de prisão preventiva de vidam ente fundam entada". (STJ, 5a Turma, H C 30.527/RJ, Rei. Min. Felix Fischer, DJ 22/03/2004 p. 335).

STJ:"(...) Apesar da primariedade, d o s bons anteceden­ tes e da espontânea apresentação ap ó s ultrapassada a fase d o flagrante, em se tratando de delito passional, justifica-se a prisão preventiva, sob o â n gu lo da g a ­ rantia da ordem pública, porquanto, se gu n d o enten­ dim ento doutrinário prevalente, nestas condições, o estado de espírito que im pulsiona o agente se estereo­ tipa na forma duradoura da emoção,"perturbando-lhe a consciência e a vontade e determ inando-a a atos que



fora daí não praticaria." Assim, a restrição de liberdade

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...)

im pe de a prática d e n o v o s crimes, a sse gu ra n d o a

Prisão em flagrante. N ão tem cabim e nto

integridade física da vítima. O rdem denegada". (STJ,

prender em flagrante o agente que, horas de p ois do

6a Turma, H C

delito, entrega-se à Polícia, que não o perseguia, e con­

DJ 17/02/1999 p. 166).

fessa o crime. Ressalvada a hipótese de decretação da

STF: "(...) A

custódia preventiva, se presentes os seus pressupostos,

não legitim am a prisão preventiva. De igu al m odo,

concede-se a ordem de habeas corpus, para invalidar

a custódia cautelar não pod e ter suporte na fu ga do

o flagrante". (STF, 2a Turma, RHC 61.442/MT, Rei. Min. Francisco Rezek, DJ 10/02/1984 p. 11.016).

STF:"(...) Apresentação espontânea, em bora

7.828/RJ, Rei. Min. Fernando Gonçalves,

repercussão d o crim e e o clam or social

paciente, q u e se apresen tou à au torid ad e policial dois dias ap ó s o fato delituoso. Esse com p ortam e n to

não im ­

deve ser interpretado c o m o intenção de arcar com

peça a decretação da prisão preventiva, tam bé m não

as con sequ ên cias d o processo. A fuga, c o m o causa

permite a autuação em flagrante d o delinquente que

justificadora da necessidade da prisão cautelar, deve

espontaneam ente se apresenta. N ulidade d o auto de

ser analisada caso a caso, de m o d o que se deve afastar

prisão em flagrante. Recurso de habeas corpus provi­

a interpretação literal d o artigo 317 d o C ó d ig o de

do". (STF, 1a Turma, RH C 58.568/ES, Rei. Min. Xavier de

Processo Penal. H aven do e lem entos concretos indi­

Albuquerque, DJ 13/02/1981 p. 752).

can d o que as testem u n has sofreram am eaças, é lícita

STJ: “(...) N ão

tem cabim ento prender em flagrante

a prisão preventiva com respaldo na conveniência da

o agente que, horas d e p o is d o delito, entrega-se à

instrução criminal. O rdem d e n e ga d a ”. (STF, 1aTurma,

polícia, que o não perseguia, e confessa o crime. Res­

H C 87.425/PE, Rei. M in. Eros Grau, j. 14/03/2006, DJ

salvada a hipótese de decretação da custódia preven­

05/05/2006).

Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente,1ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso.2 Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem3 e ao interrogatório do acusado sobre a imputaçâo que lhe é feita,4 colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.5 (Redação dada pela Lei n. 11.113/05). §1° Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.6-7 843

Art. 304

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CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

§2° A falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante; mas, nesse caso, com o condutor, deverão assiná-lo pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade.8 §3° Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que tenham ouvido sua leitura na presença deste.9 (Redação dada pela Lei n. 11.113/05). §4° Da lavratura do auto de prisão em flagrante deverá constar a infor­ mação sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído pela Lei n. 13.257/16).'° 1. Autoridade com atribuições para a la­ vratura do auto de prisão em flagrante: em regra, a atribuição para a lavratura do auto de prisão em flagrante é da autoridade policial no exercício das funções de polícia investigativa do local em que se der a captura do agente, o que, no entanto, não afasta a atribuição de outra autoridade administrativa a quem, por lei, é cometido o mesmo mister (CPP, art. 4o, parágrafo único), como, por exemplo, agentes florestais. Nessa linha, de acordo com a súmula 397 do Supremo Tribunal Federal, “o poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o re­ gimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”. Apesar de o art. 304 do CPP fazer menção à apresentação do preso à autoridade competente, a não observância das normas administrativas que disciplinam a divisão de atribuições entre as diversas autori­ dades policiais não acarreta o reconhecimento de nulidade, não só porque tais autoridades não exercem jurisdição, sendo descabido falar em incompetência, como também por força do art. 5 6 4 ,1, CPP, que se refere à incompetência do juiz como causa de invalidade do ato irre­ gularmente praticado.2 2. Fracionamento do auto de prisão em flagrante delito: com a entrada em vigor da Lei n. 11.113/05, houve o fracionamento do auto de prisão em flagrante delito. Antes da entrada em vigor da referida lei, o auto era uma peça única, inteiriça, de texto corrido, compos­ ta pelo depoimento do condutor, das testemu­

nhas e do conduzido, que só assinavam o auto após a oitiva de todos os envolvidos. Em outras palavras, imaginando-se a hipótese de um policial militar como condutor, isso significava que ele deveria permanecer na Delegacia até o final da lavratura do auto, aguardando a oitiva das testemunhas e de todos os presos, quando, então, poderia assinar o auto e retornar às suas atividades rotineiras. Essa permanência do condutor até o final da lavratura do auto era causa de inequívocos prejuízos à segurança pública, retirando o policial de sua atividade funcional por tempo bastante considerável. É compreendendo o cenário anterior que se visualiza a importância da Lei n. 11.113/05, que fracionou o auto de prisão em flagrante delito. Atualmente, o presidente do auto deve ouvir o condutor, colhendo sua assinatura desde logo, e lhe entregando cópia do termo e recibo de entrega do preso. Isso significa que, após sua oitiva, o condutor estará livre para retornar ao exercício da sua função. Da mesma forma se procederá quanto à oitiva das teste­ munhas, que não mais precisarão aguardar o término do auto para o assinarem. Ao final, a autoridade policial determina ao escrivão que autue todos os documentos em uma capa, incluindo o auto de prisão em flagrante, a nota de culpa, laudo de constatação da natureza da substância (no caso de drogas), ofício de comunicação da prisão em flagrante ao juiz e ao Ministério Público, termo de ciência das garantias constitucionais entregue ao preso, ofício de comunicação da prisão à defensoria pública, caso o autuado não possua advogado, etc., remetendo-os ao juiz competente.

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

3. Oitiva do condutor e das testemunhas: a primeira pessoa a ser ouvida por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante é o condutor, que pode ser tanto uma autoridade, como também um particular, responsável pela condução do capturado à autoridade. Não é necessário que tenha presenciado a prática do delito, nem tampouco a prisão, pois o preso pode ter sido entregue a ele. Após sua oitiva, deve o presidente do auto de prisão em fla­ grante proceder à oitiva de duas testemunhas que tenham presenciado o fato. A oitiva do ofendido não é obrigatória, o que, no entanto, não impede sua realização. Por construção jurisprudencial, desde que o condutor tenha presenciado o fato delituoso, vem-se admitin­ do que seja ouvido como se fosse testemunha. Assim, bastaria apenas mais uma testemunha. 3.1. Possibilidade de oitiva de policiais com o testemunhas: a jurisprudência vem admitindo que policiais sirvam como teste­ munhas no auto de prisão em flagrante delito. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) RHC. AUTO D E PRISÃO EM FLAGRANTE. VIOLA­ ÇÃO. ART. 304, PARAGRÁFO 1° - CPP. (...) N ão constitui nulidade d o auto de prisão em flagrante o fato de o condutor ser ouvido com o testem unha. (...)". (STJ, 6a Turma, RHC 7.610/SP, Rei. Min. Fernando Gonçalves, DJ 24/08/1998 p. 106).

STJ:"(...) É

regular o flagrante que observa todas as

cautelas processuais, notadam ente q u an do os a g e n ­ tes são surpreendidos em suposta prática de crimes permanentes, cuja con su m ação se protrai no tempo. É possível aos policiais servirem com o testem unhas da apresentação d o preso durante a lavratura d o auto de prisão em flagrante delito". (STJ, 5a Turma, H C 58.127/ SP, Relatora Ministra Jane Silva, D esem bargadora con­ vocada d o TJ/MG, DJ 17/12/2007 p. 234).

STJ:"(...) O s policiais que participaram da custódia em flagrante p od em figurar com o testemunhas". (STJ, 6a Turma, HC 45.653/PR, Rei. Min. Hélio Q uaglia Barbosa, DJ 13/03/2006 p. 380).

STJ: “(...) N ão

há que se falar em nulidade d o auto de

prisão em flagrante, em virtude da falta das declara­ ções de um a das vítimas, pois, ao contrário d o que afirma a impetração, a situação de flagrância restou

Art. 304

flagrante do paciente p od em figurar com o testem u­ nhas no auto de prisão. Precedente. Eventuais defeitos porventura existentes no auto de prisão em flagrante não têm o condão de, por eles m esmos, contaminarem o processo e ensejarem a soltura d o réu, ainda m ais se os autos dem onstram ter havido o recebim ento da denúncia e o m otivad o indeferim ento d o pedido de liberdade provisória". (STJ, 5aTurma, H C 27.269/DF, Rei. Min. Gilson Dipp, DJ 25/08/2003 p. 342).

4. Interrogatório do preso: após a oitiva do condutor e das testemunhas, deve a autoridade competente proceder à realização do inter­ rogatório do preso. Conquanto o Código de Processo Penal se refira em seu art. 304, caput, ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, tecnicamente ainda não há falar em acusado, haja vista não existir peça acusatória imputando-lhe a prática de fato delituoso. Deve o presidente do auto assegurar ao preso a possibilidade de que seja ouvido. No entanto, é possível que este permaneça calado, fazendo uso de seu direito ao silêncio (art. 5o, LXIII, da Constituição Federal), des­ dobramento do princípio do nemo tenetur se detegere. Deve se assegurar ao preso, ademais, a assistência da família e de advogado, assim como a possibilidade de comunicar a prisão à família ou à pessoa por ele indicada (CF, art. 5o, LXII, LXIII). 4.1. Obrigatoriedade da presença de de­ fensor no interrogatório do flagranteado: para evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 6o do CPP, mais precisamente ao item 6.3. (“Obrigatoriedade da presença de defensor no interrogatório policial”). 4.2. Im p o ssib ilid a d e de realização do interrogatório: por razões óbvias, se não for possível a realização do interrogatório do preso, porque este se encontra hospitalizado, embriagado, ou impossibilitado por qualquer razão de se manifestar, isso não acarreta a ilegalidade do auto de prisão em flagrante.

devidam e nte caracterizada, c om o preenchim ento



das norm as legais, diante da série de condutas delitu­ osas, em tese, praticadas pelo paciente, tornando-se

STF:"(...) N ão

desnecessária a oitiva de vítima que, inclusive, seria

ência d o conduzido, no leito d o hospital, su bse q u e n ­

menor. O s policiais que participaram da custódia em

tem ente a lavratura d o auto na delegacia, q u a n d o

Jurisprudência selecionada: invalida a prisão em flagrante a au d i­

Art.304

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

im possibilitado d e ser interrogado". (STF, I a Turma,

Constituição Brasileira de 1988 consagra tal cláusula

RH C 62.855/SP, Rei. M in. Rafael Mayer, D J 19/04/1985

com o'direito fundam ental'(art. 5°, inc. LXII e LXIII, pa­

p. 15.456).

rágrafo 2°). Mas, d o bojo d o s autos infere-se que não

4.3. Flagranteado estrangeiro que não compreende o idioma nacional: caso o preso seja estrangeiro e não compreenda o idioma nacional, é imprescindível a nomeação de um intérprete, nos termos do art. 193, c/c arts. 275 a 281 do CPP. O intérprete, que é equiparado ao perito (CPP, art. 281), deve ser pessoa capaz de compreender e transmitir ao preso, assim como dele receber, as informações essenciais para que possa entender a situação e se de­ fender. Trata-se de garantia fundamental, já que, na hipótese de o preso não compreender o idioma e não conseguir se comunicar, ficam prejudicados seus direitos constitucionais. Se o preso estrangeiro entender o português, notadamente quando se trata de língua semelhante ao espanhol, não há necessidade de nomeação de intérprete. Noutro giro, caso não seja possí­ vel a nomeação de intérprete capaz de falar a língua original do estrangeiro, é perfeitamente possível a nomeação de intérprete que fale língua que o preso conheça. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) Tráfico

de cocaína. Estrangeiro. Prisão em

flagrante. A legação de nulidade por ter sido o inter­ rogatório policial feito sem a presença de tradutor e sem a o portu n idade de com unicação com familiares e com o consulado. Inexistência de nulidade diante d o contexto. Recurso Ordinário im provido. Alemão, já radicado no Brasil há mais de três anos e meio, vivendo com brasileira e com filho brasileiro, foi preso em fla­ grante por ter no interior de seu apartam ento grande q u an tid ade de pasta de cocaína já preparada para venda a varejo. De acordo com o auto de prisão em flagrante, constou que falava o português e dispensava

houve a violação deduzida, e que o paciente entendia o Português. Por outro lado, no curso d o processo o paciente teve am pla possibilidade de defesa.Também não se p od e falar em excesso de prazo: a sentença condenatória foi proferida antes d o ajuizam ento do habeas corpus. Recurso ordinário im provido". (STJ,

6a Turma,

RHC 4.582/RJ, Rei. Min. Adhem ar Maciel, j.

19/09/1995, DJ 27/11/1995 p. 40.928).

STJ:"(...) PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO. AUTO D E PR ISÃ O EM FLAGRANTE. ESTRANGEIRO. INTERPRE­ TE. 1. Q u an d o o acu sado não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por intérprete, a teor da norm a d o art. 193 d o CPP. A circunstância, entretan­ to, não im pede que, na falta de intérprete d o idiom a d o interrogando, o ato se desenrole em língua a ele acessível, perm itindo-lhe entender o s fatos, ter ciência de sua situação e fornecer respostas. Em decorrência, não é nulo o auto de prisão em flagrante de acusado de origem austríaca, falando alemão, m as entendendo o inglês, idiom a utilizado em seu interrogatório. Re­ curso ordinário improvido". (STJ, 6a Turma, RHC 7.229/ SP, Rei. M in. Fernando Gonçalves, j. 19/03/1998, DJ 06/04/1998 p. 164).

4.4. Prisão em flagrante de advogado: no tocante à prisão em flagrante de advogado, é bom lembrar que, segundo o art. 7o, IV, da Lei n. 8.906/94, é direito do advogado ter a pre­

sença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a com unicação expressa à seccional da OAB. Perceba-se que a presença de representante da OAB somente será necessária quando o crime praticado pelo advogado guardar certo liame com o exercício de sua profissão. Não havendo qualquer liame, basta a comunicação expressa à seccional da OAB.

a com unicação a familiares e ao consulado. M ais tarde, por ocasião d o interrogatório judicial, alegou que não

+ Jurisprudência selecionada:

falava a língua portuguesa. Foi-lhe d a d o intérprete.

846

Já condenado, ajuizou habeas corpus com o fito de anular tod o o processado por violação das garantias

TRF/4a: "(...)

constitucionais. T am bém aduziu excesso de prazo.

nato ou q u an d o foram encontradas as notas falsas,

N o m u n d o jurídico, torn o u -se internacionalm ente con hecido o caso 'M iran da v. Arizona', ju lga d o pela

p o rq u e o paciente n ão exercia atos privativos de bacharel em Direito ao ser p e g o efetuando com pras

Suprem a Corte N orte-Am ericana em 1966: o custo­ diado tem o direito de ficar em silêncio q u an do de seu

com cheques rou b ados o u falsificados e o a le g ad o

interrogatório policial e deve ser advertido pela própria

o fato de representarem p agam e n to de honorários,

N ão é possível vislum b rar o exercício

da advocacia na prática do s atos relativos ao estelio­

desconhecim ento quanto à falsidade das m oe das e

polícia que tem direito, antes de falar, de com unicar-se

bem com o as condições em que tal teria ocorrido, são

com seu a d v o g a d o ou com seus familiares. A própria

fatos inertes à prova a ser produzida no processo crime,

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS M EDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

matéria estranha à via d o habeas corpus. N ão havendo liame entre a conduta delituosa e a prática de atos do exercício da profissão, o auto de prisão em flagrante podia ser lavrado sem a presença de representante da OAB. Hipótese que se enquadra nos dem ais casos previstos no inciso IV d o art 7o da Lei 8.906/94, ou seja, basta a com unicação expressa à seccional d o referido órgão, o que, aliás, foi devidam ente efetuado. Prisão em flagrante m antida por ausente constrangim ento ilegal. O rdem de habeas corpus denegada". (TRF4, HC 1999.04.01.135923-3, Turma de Férias, Relatora Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ 16/02/2000)

4.5. (Des) necessidade de nom eação de curador: discute-se na doutrina quanto à ne­ cessidade de que o preso menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos seja ouvido na presença de curador (CPP, art. 15, caput). A nosso ver, a presença do curador é desnecessá­ ria, haja vista que a menoridade civil cessa aos 18 (dezoito) anos completos, de acordo com o art. 5o do Novo Código Civil, dispositivo este que derrogou os arts. 15,262, e 564, III, “c”, úl­ tima parte, do CPP. Aliás, o próprio art. 194 do CPP, que previa a realização do interrogatório na fase judicial com a presença de curador, foi revogado pela Lei n. 10.792/03. Todavia, para aqueles autores que entendem que os silvícolas são relativamente incapazes e também neces­ sitam de curador para acompanhá-los durante a fase investigativa e processual, sob pena de nulidade, assim como para aqueles que enten­ dem ser necessária a nomeação de curador aos acusados que sofrem de perturbações mentais, com fundamento na lei processual civil (art. 9o do CPC - art. 7 2 ,1, do novo CPC), a figura do curador ainda permanece obrigatória. Aliás, caso a autoridade que preside a lavratura do auto de prisão em flagrante delito perceba que o preso revela sinais de alienação mental, deve representar ao juiz de imediato pela instaura­ ção de incidente de insanidade mental, nos termos do art. 149, §1°, do CPP. 5. Auto de prisão em flagrante delito: efe­ tuada a prisão em flagrante delito do agente, é indispensável que se proceda a sua documen­ tação, o que será feito por meio da lavratura do auto de prisão em flagrante delito (CPP, art. 304). Cuida-se, o auto de prisão em flagrante delito, de instrumento em que estão docu­ mentados os fatos que revelam a legalidade e a

Art. 304

regularidade da restrição excepcional do direi­ to de liberdade, funcionando, ademais, como uma das modalidades de notitia criminis (de cognição coercitiva), e, portanto, como peça inicial do inquérito policial. Todas as formali­ dades legais devem ser observadas quando de sua lavratura, seja no tocante à efetivação dos direitos constitucionais do preso em flagrante, seja em relação à documentação que deve ser feita, sob pena de a prisão ser considerada ilegal, do que deriva seu relaxamento. Tal ilega­ lidade, todavia, só atinge a prisão em flagrante, não contaminando o processo, uma vez que os vícios constantes do inquérito policial não tem o condão de macular a ação penal a que der origem. De mais a mais, o relaxamento da prisão em flagrante por força da inobservância das formalidades legais não impede que o juiz decrete a prisão preventiva ou a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, desde que preenchidos seus pressupostos. 5.1. Auto de prisão em flagrante com o substitutivo do próprio inquérito policial: no âmbito processual penal militar, se o auto de prisão em flagrante delito for, por si só, suficiente para a elucidação do fato e sua au­ toria, o próprio auto constituirá o inquérito, dispensando outras diligências, salvo o exame de corpo de delito no crime que deixa vestí­ gios, a identificação da coisa e a sua avaliação, quando o seu valor influir na aplicação da pena (CPPM, art. 27). 5.2. (Im) possibilidade de o auto de prisão em flagrante dar início ao processo penal: quanto ao teor do revogado art. 531 do CPP, segundo o qual o processo das contravenções penais poderia ter início com o auto de pri­ são em flagrante delito, já se entendia, desde o advento da Constituição Federal de 1988, que atribuiu ao Ministério Público a função de promover, privativamente, a ação penal pública (art. 129, inciso I), que o referido dispositivo do CPP não havia sido recepcio­ nado. Em boa hora, portanto, o dispositivo acabou sendo revogado pela Lei n. 11.719/08. Na mesma linha, conquanto o art. 304, §1°, do CPP, refira-se a “processo”, no sentido de que a autoridade policial poderia prosseguir

Art. 304

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

nos atos processuais, vale lembrar que, diante da Constituição Federal de 1988 e a adoção do sistema acusatório (CF, art. 129, inciso I), deixaram de existir os chamados processos judicialiformes pela prática de contravenções e crimes culposos de trânsito, que eram iniciados por portaria ou flagrante delito. 5.3. Forma escrita e possibilidade de gra­ vação audiovisual: em regra, o auto de prisão em flagrante deve ser lavrado por escrito. Po­ rém, a nosso ver, é plenamente possível que as oitivas realizadas por ocasião da lavratura do APF sejam filmadas, independentemente de consentimento dos envolvidos. A uma, porque tal gravação reproduzirá com maior fidelidade as informações prestadas pela vítima, pelas tes­ temunhas e pelo próprio preso, evitando, ade­ mais, futuras alegações de constrangimentos físicos e/ou morais praticados pela autoridade policial. Em segundo lugar, porque o art. 405, §1°, do CPP, autoriza que o registro dos depoi­ mentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas seja feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual. 5.4. Laudo provisório no caso de drogas: no caso de crime relacionado a drogas, a lavra­ tura do auto de prisão em flagrante está con­ dicionada à presença de laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea (Lei n. 11.343/06, art. 50, §1°). 5.5. Form alidades constitucionais: por força da Constituição Federal, apresentado o preso à autoridade competente, esta deverá: a) comunicar a prisão e o local onde se encontre imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (art. 5o, inciso LXII); b) informar ao preso seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de ad­ vogado (art. 5o, inciso LXIII); c) identificar ao preso os responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial (art. 5o, inciso LXIV). É comum que a autoridade policial, de modo a documentar os atos acima referidos, determine a lavratura de uma certidão de direitos cons­

titucionais, juntando-a aos autos. Na medida em que a prisão em flagrante dispensa prévia autorização judicial, as formalidades estabele­ cidas pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal devem ser rigorosamente observadas, sob pena de, não o sendo, acarre­ tar a ilegalidade da prisão e seu consequente relaxamento (CF, art. 5o, inciso LXV). Não se pode perder de vista que a prisão em flagrante é uma medida de caráter excepcional que, embora permitida pela Constituição Federal, amplia o poder estatal em detrimento do direi­ to de locomoção, sem que haja prévio controle jurisdicional acerca da medida constritiva. Daí a necessária e obrigatória observância das formalidades legais impostas pela Constituição Federal e pela legislação processual penal: trata-se de requisitos ad solemnitatem, cuja razão de ser se encontra na excepcionalidade do poder conferido à referida autoridade. 5.6. Prazo para a lavratura do auto de pri­ são em flagrante delito: não há dispositivo legal expresso quanto ao prazo para a lavratura do auto de prisão em flagrante. Entretanto, em virtude do disposto nos §§1° e 2o do art. 306, segundo os quais o auto de prisão em flagran­ te será encaminhado ao juiz competente e a nota de culpa será entregue ao preso dentro em 24 (vinte e quatro) horas depois da prisão, subentende-se que esse é o prazo máximo de que dispõe a autoridade para formalizá-lo. 5.7. Remessa do auto à autoridade compe­ tente: como visto no art. 290, caput, do CPP, em regra, a autoridade competente para a lavratura do auto de prisão em flagrante é aquela que exerce suas funções no local em que foi efetuada a prisão, e não a do local em que se deu a consu­ mação da infração penal. Caso não haja autori­ dade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o conduzido será apresentado à do lugar mais próximo (CPP, art. 308), entendendo-se por lu­ gar mais próximo aquele a que mais rapidamente se consiga chegar. Vale ressaltar, todavia, que, o fato de o auto ter sido lavrado por autoridade diversa daquela que efetivou a custódia, por si só, não toma a prisão em flagrante ilegal. Não se deve confundir a autoridade com atribuição para a lavratura do auto - a do local em que se

TfTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

der a captura com a autoridade judiciária com competência territorial para processar e julgar o feito. Lembre-se que, em regra, fixa-se a competência territorial pelo local da consu­ mação da infração penal (CPP, art. 70, caput), subsidiariamente, pelo domicílio ou residência do réu (CPP, art. 72, caput). Caso a autoridade competente para a lavratura do auto não tenha atribuições para os demais atos do inquérito, deverá remeter o auto à autoridade que o seja. Veja-se, que, tratando-se de crime de compe­ tência da Justiça Federal, não haverá qualquer nulidade a macular o auto se porventura vier a ser lavrado por autoridade policial estadual. Como já dito acima, o inquérito é mera peça informativa, sendo que os vícios nele existentes não têm o condão de macular o processo penal a que der ensejo. -f

J u r is p r u d ê n c ia s e le c io n a d a :

STJ:

"RH C. P R ISÃ O E M FLAGRANTE. IN EXISTÊN CIA.

N U LID A D E. LAVRATURA. AUTO. A U T O R ID A D E D IV ER­ SA. (...). N ão há falar em ile galid ad e da prisão em flagrante, decorrente d o fato de o respectivo auto ter sido lavrado por autoridade diversa daquela que efetivou a custódia, porquanto a polícia não exerce ato de jurisdição, não restando caracterizada a incom ­ petência "racione loci". (...) Recurso improvido". (STJ, 6a Turma, RH C 8.342/MG, Rei. Min. Fernando Gonçalves, DJ 24/05/1999 p. 201).

STJ: "(...)

A lavratura d o auto de prisão em flagrante

realizado em local diverso daquele on d e foi efetuada a prisão não acarreta nulidade, p orq u an to a a u to ­ ridade policial não exerce função jurisdicional, m as tão-som ente administrativa, inexistindo, desta forma, razão para se falar em incom petência ratione loci. (Precedentes). (...)". (STJ, 5a Turma, H C 30.236/RJ, Rei. Min. Felix Fischer, DJ 22/03/2004 p. 335).

STF:"(...) O fato de o Prom otor de Justiça que ofereceu a denúncia contra os Pacientes ter acom p an h ad o a lavratura d o auto de prisão em flagrante e dem ais atos processuais não induz à qualquer ilegalidade ou nulidade d o inquérito e da consequente ação penal prom ovida, o que, aliás, é perfeitamente justificável em razão d o que disp osto no art. 129, inc. VII, da C o n s­ tituição da República". (STF, 1a Turma, HC 89.746/SC, Relatora Ministra Cárm en Lúcia, DJ 09/02/2007 p. 30).

6. Recolhimento à prisão: após a lavratura do auto de prisão em flagrante, o presidente do auto mandará recolher o conduzido à pri­ são, salvo nas hipóteses em que for cabível a concessão de liberdade provisória com fiança

/ \ r t. 3 Q 4

pela autoridade policial, ou seja, nos casos de infração cuja pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos (CPP, art. 322, com redação dada pela Lei n. 12.403/11). A título de exemplo, imagine-se a hipótese de um homicídio culposo (CP, art. 121, §3°), cuja pena é de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Nesse caso, as três primeiras fases da prisão em flagrante ocor­ rerão normalmente: 1) captura; 2) condução coercitiva; 3) lavratura do auto de prisão em flagrante. Ocorre que, como a infração é punida com pena máxima não superior a 4 (quatro) anos, ao invés de recolher o conduzido à prisão (quarto e último ato da fase administrativa da prisão em flagrante), deve a autoridade policial conceder-lhe liberdade provisória com fiança, ex vi do art. 322 do CPP. Caso não seja efetuado o recolhimento da fiança, a colocação do preso em liberdade passa a depender de autorização judicial, nos termos do art. 310, III, do CPP. 7. Relaxam ento da prisão em flagrante pela autoridade policial (auto de prisão em flagrante negativo): de acordo com o disposto no caput do art. 304 do CPP, cabe à autoridade policial ouvir o condutor, as testemunhas que o acompanharem e, finalmente, interrogar o pre­ so. Se de todo o apurado obtiver, na linguagem do parágrafo primeiro do mesmo dispositivo, fundada suspeita contra o conduzido, ou seja, se os fatos narrados constituírem infração pe­ nal, constando elementos que indiquem que o conduzido provavelmente é o seu autor, e se a situação em que o conduzido foi encontra­ do configurar uma das hipóteses de flagrante admitidas na legislação, deverá a autoridade policial determinar seu recolhimento à prisão. Caso contrário, se das respostas do condutor e das testemunhas não resultar fundada sus­ peita contra o conduzido, interpretando-se a contrario sensu o art. 304, §1°, do CPP, a auto­ ridade policial não poderá recolhê-lo à prisão, devendo determinar sua imediata soltura, sem prejuízo da instauração de inquérito policial ou lavratura de simples boletim de ocorrência. Tem-se aí, para parte da doutrina - Habeas cor-

pus e polícia judiciária. Tortura, crime militar, habeas corpus. Justiça penal - críticas e suges­ tões. Vol. 5. Coordenação Jaques de Camargo Penteado. São Paulo: RT, 1997 p. 233-234 - ,

Aft. 305

\

cpp COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

a possibilidade de relaxamento da prisão em flagrante pela própria autoridade policial (auto de prisão em flagrante negativo). Assim, o Delegado de Polícia pode e deve relaxar a pri­ são em flagrante, com fulcro no art. 304, §1°, interpretado a contrario sensu, correspondente ao primeiro contraste de legalidade obrigatório quando não estiverem presentes algumas con­ dições somente passíveis de verificação ao final da formalização do auto, como, por exemplo, o convencimento, pela prova testemunhai co­ lhida, de que o preso não é o autor do delito. A nosso ver, não se trata propriamente de relaxamento da prisão em flagrante. A uma porque, como ato complexo que é, a prisão em flagrante somente estará aperfeiçoada após a captura, condução coercitiva, lavratura do auto e recolhimento à prisão, sendo inviável falar-se em relaxamento da prisão em flagrante se todas essas fases ainda não tiverem sido cumpridas. Ademais, a própria Constituição Federal, ao se referir ao relaxamento da prisão ilegal, deixa claro que somente a autoridade judiciária tem competência para fazê-lo (CF, art. 5, LXV). Enxergamos, pois, no art. 304, §1°, do CPP, não uma hipótese de relaxamento da prisão em flagrante, mas sim situação em que a autoridade competente deixa de ratificar a voz de prisão em flagrante dada pelo condutor por entender que não há fundada suspeita contra o conduzido. 8. Ausência de testemunhas da infração: a ausência de testemunhas que tenham presencia­ do o fato delituoso não impede a lavratura do auto de prisão em flagrante. Nessa hipótese, além do condutor, duas testemunhas que tenham pre­ senciado a apresentação do preso à autoridade deverão ser ouvidas (CPP, art. 304, §2°).9 9. Testemunhas fedatárias, instrumentárias ou de leitura: não se deve confundir as testemunhas que presenciaram o fato delitu­ oso, nem tampouco as que acompanharam a apresentação do preso à autoridade, com as testemunhas a que se refere o §3° do art. 304

do CPP. Essas testemunhas, denominadas de fedatárias, instrumentárias ou de leitura, não são testemunhas de um fato, mas sim de um ato, sendo chamadas a assinar o auto quando o preso se recusar a assiná-lo, não souber ou não puder fazê-lo, exigindo a lei que tenham ouvido a leitura do interrogatório na presença do conduzido. A finalidade desta formalidade é confirmar que as declarações ali colhidas foram efetivamente prestadas pelo preso. O §3° do art. 304 foi alterado pela Lei n. 11.113/05 de modo a permitir que a leitura do auto de prisão em flagrante seja feita somente na presença do indiciado e das testemunhas de leitura, não mais sendo necessária a presença do condutor e das outras testemunhas já ouvidas. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

Prisão em flagrante de pessoa analfabeta.

Form alidade. O auto de prisão em flagrante deve ser assin ad o pela autoridade com petente, o escrivão, o condutor, o acu sad o e as testem unhas. Mas, qu an d o se trata de analfabeto, se tom ad a a im pressão digital, outra p esso a assina 'a rogo', a falta de assinaturas de duas outras testem unhas não o contam ina de nulidade, p osto que, por esse m odo, não ocorreu o m issão de fo rm alidade essencial d o ato. Já é te m p o de se progredir neste país fazendo com q u e a form alidade não seja m ais im portante d o que a essência d o ato". (STJ, 5a Turma, RH C 1.454/ES, Rei. M in. Jesús Costa Lima, DJ 21/10/1991 p. 14.751).

10. Colheita de informações sobre a exis­ tência de filhos: por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante devem ser colhidas informações sobre a existência de filhos do flagranteado, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa (CPP, art. 304, §4°, incluído pelo Marco Civil da Primeira Infância). O objetivo da Lei n. 13.257/16 foi conferir ao magistrado informações mais completas acerca da pessoa presa para fins de possível concessão de prisão domiciliar (CPP, art. 318, III, V, e VI).

Art. 305. Na falta ou no impedimento do escrivão, qualquer pessoa designada pela autoridade lavrará o auto, depois de prestado o compro­ misso legal.1

TtTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

1. Lavratura do auto de prisão em flagran­ te: em regra, o auto de prisão em flagrante deve ser lavrado pelo escrivão, na presença do Delegado de Polícia. Na falta ou impedimento do escrivão, permite a lei que a autoridade

Art. 306

designe qualquer pessoa para tal função, desde que preste o compromisso legal anteriormente. A ausência desse compromisso legal é causa de mera irregularidade, não tendo o condão de acarretar a ilegalidade da prisão em flagrante.

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente,1 ao Ministério Público2'3 e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.4 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). §1° Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante5 e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.6 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). §2° No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.7-8 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Comunicação imediata da prisão ao juiz competente: de acordo com o art. 5o, inciso LXII, da Constituição Federal, a prisão de

qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à fam ília do preso ou à pessoa por ele indicada. Como se percebe pela leitura do dispositivo, a Carta Magna estabelece que a prisão de qual­ quer pessoa será comunicada imediatamente ao juiz competente, sem se referir à espécie de prisão. Logo, toda e qualquer prisão deve ser comunicada à autoridade judiciária, seja ela preventiva, temporária, ou flagrante. A questão, todavia, assume especial relevância quando do estudo da prisão em flagrante, haja vista que tal modalidade de prisão independe de prévia autorização judicial. De mais a mais, como o art. 5o, LXII, da Constituição Federal, não faz qualquer menção à necessidade de que essa prisão em flagrante seja mantida, conclui-se que, mesmo que a autoridade po­ licial conceda ao preso liberdade provisória com fiança (CPP, art. 322), essa comunicação ao juiz competente deve ser feita. Afinal, em última análise, houve cerceamento da liberda­ de de locomoção. Para além disso, o afiançado fica submetido ao cumprimento de certas condições e, caso o flagrante seja anulado pelo juiz, tais obrigações deixarão de existir, com

a consequente devolução do valor dado em garantia. 2. Com unicação im ediata da prisão ao Ministério Público: além da comunicação ao juiz competente, é bom lembrar que, consoante o art. 10 da Lei Complementar n. 75/93, que dispõe sobre o Ministério Público da União, im põe-se à autoridade policial o dever de comunicação imediata ao Ministério Público competente da prisão de toda e qualquer pes­ soa, com indicação do lugar onde se encontre o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão. Obviamente que o dis­ positivo em destaque refere-se apenas à prisão em flagrante, devendo se entender por cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão o auto de prisão em flagrante delito. Essa norma, em face do disposto no art. 80 da Lei n. 8.625/93, também se aplica ao Ministé­ rio Público Estadual. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, essa obrigatoriedade de comunicação da prisão ao Ministério Público passou a constar expressamente do caput do art. 306 do CPP. 3. Consequências decorrentes da ausência de comunicação ao juiz competente e ao órgão do Ministério Público: a não comu­ nicação da prisão ao juiz caracteriza o delito

Art. 306

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

de abuso de autoridade, nos exatos termos do art. 4o, alínea “c”, da Lei n. 4.898/65. Mas e em relação ao indivíduo que fora preso e cuja prisão não foi comunicada ao juiz? Será que a ausência dessa comunicação acarreta o obri­ gatório relaxamento da prisão? Ou será que se trata de mera irregularidade, sem o condão de determinar o relaxamento da prisão? Há julga­ dos antigos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, segundo os quais a ausência de comunicação da prisão à autori­ dade judiciária não teria o condão de excluir a legalidade da prisão, gerando tão somente a responsabilidade funcional e criminal por par­ te da autoridade que presidiu o auto de prisão em flagrante. Com a devida vênia, pensamos que a ausência de comunicação do flagrante à autoridade judiciária configura grave violação a preceito constitucional (CF, art. 5o, LXII), o qual foi colocado na Carta Magna visando à preservação do status libertatis do indivíduo, determinando que toda e qualquer prisão seja comunicada à autoridade judiciária, a fim de que o magistrado possa verificar sua legalidade (para fins de eventual relaxamento), ou para analisar o cabimento de liberdade provisória, com ou sem fiança, cumulada (ou não) com as cautelares diversas da prisão. Não custa lembrar que estamos falando da prisão em flagrante, espécie de restrição à liberdade de locomoção que independe de prévia autori­ zação judicial. Dizer que a não comunicação da prisão é mera irregularidade significa dizer que a inobservância de preceito constitucional é de todo irrelevante, tornando letra morta importante garantia constitucional. Temos, portanto, que a ausência da comunicação da prisão em flagrante importa em violação à ga­ rantia constitucional, gerando a perda da força coercitiva do auto de prisão, e o consequente relaxamento da prisão. Portanto, o auto de prisão em flagrante continuará valendo, mas tão somente como peça informativa. Nesses casos, se do auto de prisão em flagrante constar menção à observância das garantias constitu­ cionais acima mencionadas, incumbe ao preso o ônus de demonstrar o descumprimento dos preceitos constitucionais. De todo modo, é bom lembrar que eventual relaxamento da 852

^

prisão em flagrante por conta da ausência de comunicação à autoridade judiciária não impede a imposição de medidas cautelares de natureza pessoal, inclusive a própria prisão preventiva (ou temporária), desde que presen­ tes seus pressupostos legais. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "Processo penal. Flagrante. Excesso de prazo. D e ­ m ora na com unicação, ao juiz, de prisão em flagrante. N ão é nulo o flagrante, sob o fu ndam ento de que o condutor e as testem unhas não foram inquiridas na presença d o paciente. O que se exige é o interrogatório d o réu e que sejam atendidas as form alidades d o art.

6o,V, d o CPP. O excesso de prazo em determ inada fase d o processo não autoriza seja solto o réu se ele já foi ultrapassado. E não anula o flagrante a falta de c om u ­ nicação da prisão em flagrante à autoridade policial, p od en d o im plicar na responsabilidade da autoridade policial, tanto mais que o'habeas corpus'só foi impetra­ d o ap ós tal comunicação". (STF, 2aTurma, RFIC 64.152/ PR, Rei. Min. Aldir Passarinho, DJ 29/08/1986 p. 15.186). STF:"Processual penal. 'Fiabeas corpus', nota de culpa e com u nicação da prisão em flagrante ao juiz. N ão se torna nulo o flagrante por ter sido a nota de culpa e ntregue ao paciente p ou cas horas de p ois d a s 24 horas, co n ta d as da prisão, se o 'h ab eas c orp u s' foi im petrado já ap ós ter-se realizado tal entrega e sem que se veja qual o prejuízo ad vin do para o paciente nessa pequena demora. É o que resulta d o art. 563 do CPP. Q u an to à falta de com unicação ao juiz, no prazo, da prisão em flagrante, justificar-se-ia o'w rit'se a base de tal irregularidade tivesse ele sido im petrado antes de ela efetuar-se. Fora isso, a dem ora na com unicação pode im plicar em responsabilidade funcional da au­ toridade policial, m as não em nulidade d o flagrante. Precedente. Recurso d e 'h ab e as corpu s'a que se nega provimento". (STF, 2a Turma, RH C 62.187/GO, Rei. Min. Aldir Passarinho, DJ 08/03/1985, p. 2.599).

STJ:"(...) PRISÃ O EM

FLAGRANTE. C O M U N IC A Ç Ã O A O

JUIZ. (...) N ão há, in casu, qualquer irregularidade no auto de prisão em flagrante. Ainda que assim não fosse, a ausência de com unicação da prisão em flagrante ao juiz com petente não ocasiona nulidade. (...)". (STJ, 5a Turma, HC 28.575/BA, Rei. M in. Felix Fischer, DJ 28/10/2003 p. 321).

STJ: "(...) A

Constituição da República im põ e que 'a

prisão de qualquer pessoa e o local o n d e se encontre serão com unicados im ediatam enteaojuiz competente e à família d o preso ou à pessoa por ele indicada' (Art. 5o, LXII). A omissão, no entanto, por si só, não exclui a legalidade da prisão. Recurso de habeas corpus a que se nega provimento". (STJ, 6aTurma, RHC4.274/RJ, Rei. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 20/03/1995 p. 6.145).

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

TRF/1» Região:"(...) PRISÃ O

,

3Q6

perda da força coercitiva d o auto de prisão, valendo,

constitucional do art. 5o, LXII, sendo inviável qualquer alegação de ilegalidade da prisão. E qual é a consequência da inobservância desse preceito constitucional? Ora, como dito aci­ ma, a observância de todas as formalidades no momento da prisão de alguém é de extrema relevância, porque constituem meio de tutela da liberdade. Sua inobservância configura constrangimento ilegal, sanável por meio de habeas corpus objetivando o relaxamento da prisão.

tão somente, c o m o peça informativa. Se assim não se entender, o dispositivo constitucional cai no vazio"



EM FLAGRANTE. A U SÊ N ­ C IA DE C O M U N IC A Ç Ã O A O JUIZ COMPETENTE. HABEAS C O R P U S C O N C E D ID O N A O R IG E M . C O N F IR M A Ç Ã O . Evidenciado o descum prim ento d o artigo 5°-LXII da CF/1988, correta a concessão d o habeas corpus, para invalidar a prisão em flagrante, violadora de tal garan­ tia. Recurso oficial improvido". (TRF1, 4a Turma, RHC 2002.38.00.019498-5/MG, Rei. D esem bargador Federal Hilton Queiroz, DJ 04/10/2002 p. 122).

TRF/1»Região:"(...) Já

decidiu esse Tribunal, no jul­

ga m e n to d o RFIC n° 95.01.36229-9/PI: 'A não com u ­ nicação im ediata da prisão ao juiz com petente leva à

(do opinativo da douta PRR I a Região). Recurso im ­ provido". (TRF 1,4aTurma, RC H C 2001.33.00.006872-1/ BA, Rei. D ese m b a rga d o r Federal Hilton Queiroz, DJ 05/09/2001 p. 123).

STJ:"(...) Para que se con figu re o defeito d o auto de prisão em flagrante pela o m issão da autoridade policial em advertir o preso da faculdade de exercício de seus direitos constitucionais é necessário que tal circunstância seja adequadam ente dem onstrada. (...)". (STJ, 6a Turma, HC 8.690/GO, Rei. Min. Vicente Leal, DJ 07/06/1999 p. 133).

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) a Constituição da República visa a resguardar o status libertatis, ensejando a p esso as de confiança d o preso o con he cim en to d o fato, a fim de, diante de qualquer ilegalidade, ser afrontado o vício jurídico. A participação im ediata d o juiz com petente é im postergável. A com u nicação à fam ília ou à pessoa pelo preso indicada configura direito p ú blico subjetivo. A interpretação, porém , deve ser finalística. Pode ocorrer que o preso não tenha interesse, ou m esm o n ão deseje q u e tal aconteça. U rge respeito a sua intim idade. Se terceira pessoa, ainda que estranha à fam ília ou pelo preso indicada, intervier, e de m o d o

4. C o m u n icaçã o im ediata da prisão à família do preso ou à pessoa por ele in­ dicada: a comunicação imediata da prisão de qualquer pessoa ao juiz competente e aos familiares ou à pessoa indicada pelo preso, prevista no art. 5o, LXII, da Carta Magna, consiste em verdadeira garantia de liber­ dade, pois dela dependem outras garantias expressamente previstas no texto constitu­ cional, como a análise da ocorrência ou não das hipóteses permissivas para a prisão (art. 5o, LXI), a possibilidade de relaxamento por sua ilegalidade (art. 5o, LXV), ou, nos casos de legalidade, se possível for, a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança (art. 5o, LXVI). Especificamente no tocante à obrigação de comunicação da prisão à família do preso ou à pessoa por ele indicada, sua razão de ser está relacionada a dois objeti­ vos: primeiro, certificar familiares acerca da localização do preso; segundo, permitir que o preso obtenha de seus familiares a assistência e o apoio de que necessita. Obviamente, caso o preso não indique a pessoa a quem deva ser comunicada sua prisão, não há como a auto­ ridade policial dar cumprimento ao preceito

eficaz, com p en sar a ausência de a lgu é m d o rol c o n s­ titucional, suprida estará a situação jurídica. Exemplificativamente, a presença de defensor". (STJ, 6aTurma, RFIC 1.526/RJ, Rei. M in. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 25/11/1991 p. 17.084)

STJ:"(...) em

se tratando de prisão em flagrante de

estrangeiros acu sad o s de associação para a prática de crime de tráfico internacional de substâncias en­ torpecentes e roubo de aeronave, que residem na Colôm bia o n d e tem famílias, a autoridade policial não está obrigada a com unicar a ocorrência aos familiares. Basta-lhe asse gu rar o direito de com unicação. Por outro lado, há n os autos notas assegurando-lhes os direitos constitucionais de assistência da família e de advogado". (STJ - RH C 3.894/PA - 5a Turma - Rei. Min. Jesus Costa Lima - DJ 12/09/1994 p. 23.775).

5. Com unicação imediata da prisão em flagrante ao juiz com petente e ulterior remessa do auto de prisão em flagrante: é de bom alvitre destacar que a comunicação imediata da prisão em flagrante de toda e qualquer pessoa ao juiz competente, prevista no art. 306, caput, do CPP, não se confunde com o posterior encaminhamento do auto de prisão em flagrante a que se refere o §1° do art. 306 do CPP. São coisas distintas, em momentos diferentes. Uma coisa é a imediata

Art. 306

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

comunicação da prisão à autoridade judiciária. Como a própria Constituição Federal dispõe em seu art. 5o, LXII, tal comunicação deve ser imediata, ou seja, tão logo haja o cerceamento à liberdade de locomoção, o juiz competente deve ser comunicado acerca da prisão. Outra coisa é a posterior remessa do auto de prisão em flagrante delito, em até 24 (vinte e quatro) horas depois da captura. A comunicação ime­ diata informa a autoridade judiciária de que há uma pessoa que está detida sem que haja prévia autorização judicial, possibilitando que o magistrado, a partir de então, passe a contro­ lar os passos da autoridade policial, até mesmo no que toca à conclusão do auto de prisão em flagrante no prazo legal de 24 (vinte e quatro) horas. 6. Da assistência de advogado ao preso: em seu art. 5o, inciso LXIII, infine, a Constitui­ ção Federal assegura ao preso a assistência da família e de advogado. Não obstante o preceito constitucional, é certo dizer que, pelo menos até bem pouco tempo atrás, o que se via no dia a dia forense era a não concessão de assistência jurídica ao sujeito preso em flagrante delito, nem mesmo para que a defesa técnica pudesse pleitear o relaxamento da prisão ou a concessão de liberdade provisória. Restava ao preso, na prática, aguardar a conclusão do inquérito policial e a remessa dos autos a juízo para, se acaso fosse denunciado, pudesse, enfim, contar com o auxílio de defensor, o que, não raramen­ te, demorava meses, na medida em que esse primeiro contato preso-defensor somente seria possível quando da apresentação da resposta à acusação (CPP, art. 396-A), ou por ocasião da realização da audiência una de instrução e julgamento (CPP, art. 400, caput). Em outras palavras, o preceito constitucional do art. 5o, inciso LXIII, ficava limitado à mera indagação ao acusado se ele desejava comunicar sua pri­ são a advogado, e a um papel por ele assinado segundo o qual as garantias constitucionais teriam sido observadas. 6.1. Remessa do auto de prisão em fla­ grante à Defensoria Pública se o autuado não informar o nom e de seu advogado: a Lei n. 11.449/07 introduziu no §1° do art.

306 do CPP o dever da autoridade policial de comunicar à Defensoria Pública, no prazo de vinte e quatro horas, a prisão de toda pessoa que não informe o nome de seu advogado, rem etendo cópias de todos os term os de depoimentos tomados na oportunidade da lavratura do auto de prisão em flagrante. Na esteira da Lei n. 11.449/07, por força da Lei Complementar n. 132, de 07 de outubro de 2009, passou a constar, dentre as funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras, a de acompanhar inquérito policial, inclusive com a com unicação imediata da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado (LC n. 80/94, art. 4o, inciso X IV ). O dispositivo em questão objetiva suprir antiga omissão do legislador brasileiro em prover a grande clientela da Justiça Criminal de assistência jurídica no momento da prisão em flagrante. Deveras, não há como fechar os olhos para o tratamento desigual e odioso que sempre imperou (e continua imperando) na Justiça Criminal entre o acusado preso, que detém condições econômicas para constituir advo­ gado, e o acusado preso menos afortunado, que, vez por outra, acabava ficando preso de maneira indevida simplesmente por não ter a assistência de profissional da advocacia para solicitar o relaxamento de sua prisão e/ ou a concessão de liberdade provisória. Esse tratamento diferenciado entre pobres e ricos perante o Poder Judiciário faz ressurgir o que asseverou, há muito tempo, Ovídio, segundo o qual cura pauperibus clausa est (o Tribunal está fechado para os pobres). Como se vê, o dispositivo vem parcialmente ao encontro do art. 7o, número 6, da Convenção Americana sobre D ireitos Humanos, incorporada ao ordenamento pátrio por meio do Decreto n; 678/92, segundo o qual toda pessoa privada da

liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais Sem dúvida alguma, a imediata comunicação à Defensoria Pública assegura que eventual pedido de rela­ xamento da prisão ou de liberdade provisória

TITULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

seja levado ao conhecimento da autoridade judiciária, que deverá se manifestar fundamentadamente quanto à necessidade (ou não) da subsistência da medida constritiva. Con­ quanto o §1° do art. 306 esteja localizado no Capítulo II do Título IX do Livro I do Código de Processo Penal - ‘Da prisão em flagrante’ nada impede sua aplicação por analogia às demais espécies de prisão cautelar (preventiva e temporária), bem como no processo penal militar. Nessas hipóteses, uma vez preso o suspeito, cópia do mandado de prisão deve ser remetida à Defensoria Pública, sob pena de ilegalidade do cerceamento à liberdade de locomoção. Nessa linha, ao dispor sobre registro de mandados de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, a Lei n. 12.403/11 passou a prever que “o preso será informado de seus direitos, nos termos do inciso LXIII do art. 5o da Consti­ tuição Federal e, caso 0 autuado não informe 0 nome de seu advogado, será comunicado à Defensoria Pública” (CPP, art. 289-A, §4°). Perceba-se que esse preceito está inserido em dispositivo que cuida do cumprimento de mandados de prisão. Logo, tendo em conta que essa prisão determinada pelo juiz só pode ser a preventiva ou temporária, depreende-se que, por conta das alterações produzidas pela Lei n. 12.403/11, a comunicação à Defensoria Pública passou a ser obrigatória em relação a toda e qualquer espécie de prisão cautelar, caso o preso não inform e o nome de seu advogado. 6.2. (Des) necessidade de presença de De­ fensor por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante: consultar comentários ao art. 4o do CPP, mais precisamente ao item 5.4. (“Procedimento inquisitorial”).

396

que, além de não criar cargos em número com­ patível com a demanda, não fornece estrutura material e pessoal adequada ao desempenho de tão importante mister - a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessita­ dos (CF, art. 5o, LXXIV, c/c art. 134, caput). Indaga-se, então, o que fazer em um município que não seja dotado de Defensoria Pública? Acreditamos que a solução passa, obrigatoria­ mente, pela aplicação antecipada do art. 263 do Código de Processo Penal já no momento da prisão, e não, como acontecia antes, somente na fase judicial. Em outras palavras, ao receber cópia do auto de prisão em flagrante (CPP, art. 306, §1°, I aparte), deve a autoridade judiciária nomear imediatamente um advogado dativo em favor do acusado. 6.4. Consequências decorrentes da ausên­ cia de comunicação à Defensoria Pública: já podemos antever posição doutrinária muito semelhante àquela relativa à ausência de co­ municação da prisão à autoridade judiciária, segundo o qual essa omissão configuraria mera irregularidade, que não enseja ilegalidade de modo a afastar a força coercitiva da prisão em flagrante. Somos obrigados a discordar novamente, sob pena de negarmos qualquer força coercitiva ao inciso LXIII do art. 5o da Carta Magna. Ora, a comunicação da prisão em flagrante à Defensoria Pública traduz-se em requisito de legalidade dessa modalidade de prisão cautelar. Ausente essa comunica­ ção, a força coercitiva do auto de prisão em flagrante delito desaparece, devendo a prisão ser relaxada imediatamente, o que, no entanto, não impede a decretação da prisão preventiva, caso presentes os pressupostos legais dos arts. 312 e 313 do CPP. ♦

6.3. Localidades em que não houver De­ fensoria Pública: um primeiro questionamen­ to decorrente do §1° do art. 306 do Código de Processo Penal diz respeito ao procedimento a ser adotado nas localidades em que não houver Defensoria Pública. Como é cediço, lamentavelmente, tanto as Defensorias dos Estados quanto a Defensoria Pública da União têm sido vítimas do descaso do Poder público,

J

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) Na linha de precedentes desta Corte, não há que se falar em vício form al na lavratura d o auto de prisão em flagrante se sua com unicação, m esm o tendo ocorrida a destem p o da regra prevista no art. 306, § 1°, d o C ó d ig o de Processo Penal, foi feita em lapso tem poral que está dentro d o s limites da razoabilidade (precedentes). Trata-se de recorrente preso em flagrante regular, posto que levava c on sigo cerca de três quilos de cocaína, q u an d o preparava-se para em barcar para Fortaleza, de onde, posteriorm ente

Art. 306

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

embarcaria para Portugal. Preso em 29.08.2008, sua pri­ são foi notificada à defensoria pública em 02.09.2008. Desse m odo, em razão da regularidade da prisão em flagrante, entendo que o atraso na com unicação do ó rgã o de defesa constitui-se em mera irregularidade que não tem o con dã o de ensejar o relaxamento de sua segregação. Adem ais, não logrou a defesa a de ­ m onstração de prejuízo concreto para o recorrente que pudesse macular o auto de prisão em flagrante. Recurso ordinário desprovido". (STJ, 5a Turma, RH C 25.633/SP, Rei. Min. Félix Fischer, j. 13/08/2009, DJe 14/09/2009).

6.5. Prisão de estrangeiros e comunicação à autoridade consular, caso haja solicitação nesse sentido: o art. 36, 1, “b”, da Conven­ ção de Viena sobre relações consulares de 1963 (promulgada no Brasil pelo Decreto n. 61.078/67), assevera a necessidade de comu­ nicar à autoridade consular respectiva em caso de prisão de estrangeiro, caso este solicite. A finalidade do dispositivo é permitir que o preso estrangeiro tenha um auxílio necessário do órgão consular, visando compensar não apenas a barreira da língua, como também a defasagem decorrente do desconhecimento do ordenamento jurídico daquele país e de seus direitos. 7. Nota de culpa: de acordo com o art. 5o, inciso LXIV, da Constituição Federal, o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial. Dispositivo semelhante é encontrado na Con­ venção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7o, §4°). No caso da prisão em flagrante, tal direito se torna efetivo por meio da entrega da nota de culpa ao preso. Consiste a nota de culpa em instrumento de caráter informativo, dirigido ao preso, que lhe comunica o motivo da prisão, o nome da autoridade que lavrou o auto, da pessoa que o prendeu (condutor) e o das testemunhas, tornando efetiva a garantia constitucional prevista no art. 5o, inciso LXIV, além de assegurar o direito de resguardo da liberdade do preso contra eventuais abusos e o exercício da ampla defesa. A nota de culpa de modo algum importa em confissão, nem tampouco que o preso esteja aceitando as acusações que lhe foram feitas quando de sua prisão. A necessidade da entrega da nota de culpa limita-se às hipóteses de prisão em

flagrante, porquanto, nas demais espécies de prisão cautelar (preventiva e temporária), a concretização do preceito do art. 5o, LXIV, da CF, ocorre com a entrega ao preso de cópia do mandado expedido, do qual já constam as informações imprescindíveis à defesa. Em outras palavras, enquanto nos casos de prisão em flagrante é a nota de culpa que funciona como o instrumento que materializa o direito do preso à identificação dos responsáveis por sua prisão, em se tratando de prisão preventiva e/ou temporária, esse direito é concretizado por meio da cópia do mandado de prisão, que deve ser entregue ao preso. 7.1. Prazo para entrega da nota de culpa: em se tratando de prisão em flagrante delito, segundo o art. 306, §2°, do CPP, com redação dada pela Lei n. 12.403/11, em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemu­ nhas. Esse prazo de 24 (vinte e quatro) horas é contado a partir do momento da captura, e não da lavratura do auto de prisão em flagrante delito. 7.2. Recusa do preso em assinar o recibo de entrega da nota de culpa: caso o preso não saiba, não possa, ou não queira assinar, duas testemunhas assinarão o recibo pelo preso, atestando a entrega do documento (tes­ temunhas instrumentárias). 7.3. Consequências decorrentes da ausên­ cia de entrega da nota de culpa: a ausência de entrega da nota de culpa, ou a ausência de entrega de cópia do mandado de prisão, ma­ culam a prisão com grave vício de ilegalidade, autorizando seu relaxamento. De fato, se con­ siderarmos que a ausência de entrega é causa de mera irregularidade, afasta-se o caráter coercitivo do art. 5o, LXIV, tornando ineficaz o preceito que assegura ao preso o direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial. Novamente, não podemos concordar com posicionamento doutrinário e/ou jurisprudencial segundo o qual o desrespeito ao direito do preso à iden-

(

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

tificação dos responsáveis por sua prisão seria mera irregularidade, inidôneo, portanto, para afetar a força coercitiva da prisão. Cuidando-se a prisão de inequívoco gravame à liberdade de locomoção, a observância das formalidades previstas na Constituição e no Código de Processo Penal são essenciais à validade do ato, devendo se emprestar máxima efetividade ao preceito do art. 5o, inciso LXIV, da Constitui­ ção Federal. Deveras, como observa Barroso

(Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6aed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 246), por força do princípio da efetividade, também designado por princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, deve se dar pre­ ferência, nos problemas constitucionais, aos pontos de vista que levem as normas a obter a máxima eficácia ante as circunstâncias de cada caso. No caso de dúvidas, deve se dar preponderância à interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A

falta de assinatura da autoridade policial

no auto de prisão em flagrante e na nota de culpa valendo por prova de sua ausência à lavratura - torna ilegítima a prisão, o que, entretanto, ficou superado no caso, dado que o Juiz relaxou o flagrante e decretou a prisão preventiva. N o auto de apresentação e apreen­ são d o entorpecente, elemento essencial é a assinatura d o policial que a tenha apreendido com o preso, não a da autoridade policial”. (STF, I a Turma, H C 77.042/ RJ, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19/06/1998 p. 3).

STJ:"(...) O

atraso na entrega da nota de culpa ao in­

vestigado preso em flagrante, em bora constitua irregu­ laridade, não determ ina a nulidade d o ato processual regularm ente válido. É princípio basilar d o processo penal a assertiva de que não se declara nulidade de ato, se dele não resultar prejuízo com p rovad o para o réu, n os term os d o art. 563 d o C ó d ig o de Processo Penal. Recurso desprovido". (STJ, 5a Turma, RHC 21.532/PR, Relatora M inistra Laurita Vaz, DJ 12/11/2007 p. 239).

STJ: “(...) Em

que pese a nota de culpa constar que

os delitos ocorreram no dia 10 de outubro de 2004, infere-se d o auto de prisão em flagrante, bem com o da denúncia, que foram com etidos no dia 08 de março de 2006, em consonância com a data de assinatura da nota de culpa pelo ora Paciente, tratando-se, pois, de m ero erro material incapaz de invalidar a prisão. Or­ dem de n e gad a”. (STJ, 5aTurma, HC 60.666/SP, Relatora M inistra Laurita Vaz, DJ 10/09/2007 p.254).

STJ:"(...) Inocorre

I

Art. 306

nulidade d o auto de prisão em fla­

grante diante da alegação de coação, se esta não vem com provada e vem o auto ratificado por ad vo gad o que a tud o assistiu. O mero erro material na consignação da data da prisão na nota de culpa configura mera irregularidade, se a data correta vem expressa lo go abaixo e o erro é constatável de plano. (...)". (STJ, 6a Turma, RHC20.625/BA, Relatora Ministra MariaThereza de Assis Moura, DJ 21/05/2007 p. 616).

STJ:"(...) A mera deficiência da capitulação d o delito na nota de culpa não enseja a nulidade d o decreto de pri­ são. Resta atendido o preceito constitucional, se consta d o auto de prisão que os presos com unicaram -se com seus advogados. Recurso desprovido". (STJ, 5a Turma, RH C 7.890/RJ, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 16/11/1998 p. 106).

STJ:"(...) N ão induz nulidade, m as mera irregularidade, a ausência d o n om e d o condutor na nota de culpa entregue ao preso em flagrante so b acusação de infringência ao art. 12 da Lei n. 6.368/76, salvo com provação de efetivo prejuízo. O fundam ental é que d o auto de prisão em flagrante conste o nom e d o condutor, sua inquirição e das testem unhas. Exegese do s arts. 304 e 306 d o CPP. Recurso ordinário improvido". (STJ, 6a Turma, RHC 7.122/PA, Rei. M in. Fernando Gonçalves, DJ 30/03/1998 p.140).

8. Audiência de custódia (ou de apresenta­ ção): pode ser conceituada como a realização de uma audiência sem demora após a prisão penal em flagrante, preventiva ou temporária, permitindo o contato imediato do preso com o juiz, com um defensor (público, dativo ou constituído) e com o Ministério Público. Em prática em inúmeros países, dentre eles Peru, Argentina e Chile, o objetivo precípuo desta audiência de custódia diz respeito não apenas à averiguação da legalidade da prisão coibin­ do, assim, eventuais excessos como torturas e/ou maus tratos, mas também o de confe­ rir ao juiz uma ferramenta mais eficaz para aferir a necessidade da decretação da prisão preventiva (ou temporária) ou a imposição isolada ou cumulativa das medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 3 1 0 ,1, II e III), sem prejuízo de possível substituição da prisão preventiva pela domiciliar, se acaso presentes os pressupostos do art. 318 do CPP. Quando a convalidação judicial da prisão em flagrante é feita sem a apresentação do preso em fla­ grante, ou seja, tão somente com a remessa dos autos do APF à autoridade judiciária, a decisão judicial acaba sendo influenciada

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exclusivamente pela opinião da autoridade policial e do órgão ministerial, que geralmente se manifestam a favor da conversão em prisão preventiva (ou temporária). Daí a importância da audiência de custódia. A perspectiva de uma visão multifocal sobre a (des) necessidade de manutenção da custódia cautelar proporcio­ nada por essa dialética inicial decorrente do contato imediato entre o juiz e o flagranteado abre os horizontes da cognição judicial, en­ riquecendo o próprio juízo de convalidação judicial da prisão em flagrante. A realização desta audiência de custódia também visa à diminuição da superpopulação carcerária. Afinal, em contraposição à simples leitura de um auto de prisão em flagrante, o contato mais próximo com o preso proporcionado pela realização da audiência de custódia permite elevar o nível de cientificidade da autoridade judiciária, que terá melhores condições para fazer a triagem daqueles flagranteados que efetivamente devem ser mantidos presos. 8.1. Previsão normativa: a audiência de custódia é objeto do Projeto de Lei do Senado Federal de n. 554/2011, cujo objetivo é alterar a redação do §1° do art. 306 do CPP, que pas­ saria a dispor: “No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não infor­ me o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública”. Após apresentação de relatório pelo Senador João Capiberibe, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal (CDH) emitiu parecer favorável ao PLS, aprovando, contudo, um substitutivo com a seguinte redação: “Art. 306 (...) §1° No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autori­ dade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação. §2° Na audiência de custódia de que trata o §1°, o Juiz ouvirá o Ministério Público, que

poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fúndamentadamente, nos termos do art. 310. §3° A oitiva a que se refere o parágrafo anterior será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a lega­ lidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado. §4° A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas. §5° A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do M inistério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no parágrafo 3o, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código”. Apesar de tal projeto ainda não ter sido apro­ vado pelo Congresso Nacional, o Conselho Nacional de Justiça e alguns Tribunais de Jus­ tiça dos Estados já vêm adotando resoluções e provimentos com o objetivo de implementá-la, porquanto se trata de garantia convencional decorrente da própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92), dotada de status normativo supralegal, cujo art. 7o, §5°, dispõe que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais”. É o caso, por exemplo, do Estado de São Paulo. O Provi­ mento Conjunto n. 03/2015 da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo e da Corregedoria Geral da Justiça, de 27 de janeiro de 2015, determina a apresentação da pessoa detida em flagrante delito até 24 (vinte e quatro) horas após a sua prisão para participar de audiência de custódia (art. I o). Para o Supremo Tribunal Federal (Pleno, ADI 5.240/SP, Rei. Min. Luiz Fux, j. 20/08/2015), a regulamentação das audiências de custódia por meio de Resolu­

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ções e Provimentos dos Tribunais de Justiça (ou Regionais Federais) não importa violação aos princípios da legalidade e da reserva de lei federal em matéria processual penal (CF, art. 5o, II, e art. 2 2 , 1, respectivamente). Por isso, o Plenário do STF julgou improcedente pedido formulado em Ação direta ajuizada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL) em face do Provimento Conjunto n. 03/2015 do TJ/SP. Para o Supre­ mo, não teria havido, por parte dos referidos provimentos, nenhuma extrapolação daquilo que já constaria da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7°, §5°), dotada de status normativo supralegal, e do próprio CPP, numa interpretação teleológica de seus dispositivos, como, por exemplo, o art. 656, que dispõe que, recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário, e estiver preso o paciente, poderá determinar que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar. 8.2. Prazo para a realização da audiência de custódia: o Pacto de São José da Costa Rica não determina a apresentação “imediata” da pessoa presa, mas, sim, que a pessoa presa seja conduzida “sem demora” à presença de um juiz. Conform e precedentes de Cortes Internacionais de Direitos Humanos, “sem demora” pode ser considerado “poucos dias”, a ser analisado caso a caso, e não 24 horas improrrogáveis, como consta, por exemplo, do provimento conjunto n. 03/2015 da Pre­ sidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e da Corregedoria Geral de Justiça. Aliás, curiosamente, quiçá por reconhecer a existência de um crônico quadro de fragili­ dade institucional, o mesmo provimento que prevê a realização da audiência de custódia em até 24 (vinte e quatro) horas dispõe que a implantação da referida audiência no Estado de São Paulo será gradativa e obedecerá ao cronograma de afetação dos distritos policiais aos juízos competentes (art. 2o). No cenário do possível, do exequível, do realizável, enfim, por reconhecer que o prazo de 24 (vinte e quatro) horas não é factível, partilhamos do entendimento no sentido de que a audiência de custódia deve ser realizada num prazo

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mais compatível com a realidade brasileira, qual seja, em até 72 (setenta e duas) horas. Por sua vez, no dia 20 de novembro de 2014, a Corregedoria do Estado do Maranhão esti­ pulou a audiência de custódia na Capital São Luís, estabelecendo o prazo de 48 (quarenta e oito) horas, contadas da comunicação da prisão, e não da captura propriamente dita (Provimento n. 21/2014 da CGMA). Como se percebe, o desafio para o Congresso Na­ cional, por ocasião da análise do Projeto de Lei n. 554/2011 do Senado Federal, é pensar em um prazo não tão exíguo que inviabilize a realização da audiência de custódia e nem tão elástico que acabe por comprometer a finali­ dade da mesma. Não obstante, no julgamento de arguição de descumprimento de preceito fundamental (STF, Pleno, ADPF 347 MC/DF, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 09/09/2015) em que se discute a configuração do chamado “estado de coisas inconstitucional” relativamente ao sistema penitenciário brasileiro - violação generalizada de direitos fundamentais dos presos inseridos no sistema prisional brasi­ leiro no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públi­ cas em modificar a conjuntura; transgressões a exigir a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades - , em virtude do qual as penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios teriam sido convertidas em penas cruéis e desumanas, o Plenário do Supremo Tribunal deferiu medida cautelar para determinar que juizes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até 90 dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a auto­ ridade judiciária no prazo m áxim o de 24 horas, contadas do momento da prisão. Com vigência a partir do dia I o de fevereiro de 2016, o Conselho Nacional de Justiça aprovou, em data de 15 de dezembro de 2015, a Resolução n. 213, regulamentando a implantação da audi­ ência de custódia em todo o território nacional, fixando o prazo de 24 (vinte e quatro) horas para apresentação do preso, salvo por situações

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excepcionais devidamente justificadas. Aliás, consta expressamente do art. I o da referida Resolução que a comunicação da prisão em flagrante à autoridade judicial por meio do encaminhamento do auto de prisão em fla­ grante não supre a apresentação pessoal do flagranteado efetivada por meio da audiência de custódia. 8.3. Procedimento legal: lavrado o auto de prisão em flagrante pela autoridade policial, o preso será conduzido, sem demora, à presença do juiz. Durante a realização da audiência de custódia, a autoridade judiciária deverá: a) cientificar o preso de seu direito de permanecer em silêncio; b) perguntar ao preso se foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condi­ ção, particularmente o direito de se consultar com advogado, o de ser visto por médico e o de comunicar-se com seus familiares; c) indagar o preso sobre as circunstâncias de sua prisão e sobre as condições do estabelecimento onde se encontra detido; d) fazer consignar em ata quaisquer protestos, queixas ou observações relacionadas com os procedimentos policiais ou administrativos ou com as condições de sua custódia; e) tomar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades; f) comunicar ao M inistério Público possíveis ilegalidades; g) abster-se de formular pergun­ tas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal, sem prejuízo de mandar consignar as declarações que o preso desejar fazer espontaneamente: como se per­ cebe, é vedada a inquirição do preso sobre o mérito da imputação. Portanto, não devem ser admitidas perguntas que antecipem instrução própria de eventual processo de conhecimento. Afinal, em um sistema acusatório que visa preservar a imparcialidade do magistrado, ter-se-ia ressuscitada a figura do juiz inquisidor se o juiz se aproveitasse da audiência de custódia para assumir iniciativa acusatória incompatível com a sua função de garante das regras do jogo. Para além desses questionamentos, o juiz também deve formular perguntas sobre residência, atividade, e outras necessárias, de modo a ter melhores condições para avaliar a situação econômica do preso para fins de

concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, cumulada (ou não) com as cautelares diversas da prisão. Por mais que a oitiva do preso durante a audiência de custódia deva ser registrada em autos apartados, parece-nos perfeitamente possível a utilização das infor­ mações por ele reveladas a título de prova , nos termos do art. 155, caput, do CPP. Ora, se os elementos de informação produzidos no bojo do inquérito policial, aí incluído o próprio interrogatório policial, podem ser usados para a formação da convicção do magistrado, desde que não exclusivamente, como se pode cogitar em descartar o termo da audiência de custódia, produzido na presença do Juiz, do Promotor de Justiça e do Defensor? Nos comentários ao art. 282 do CPP, vimos que a conversão da prisão em flagrante em preventiva (ou temporária) pressupõe representação da autoridade poli­ cial ou requerimento do Ministério Público, porquanto não se pode admitir a decretação do cárcere ad custodiam de ofício pelo juiz duran­ te a fase investigatória. Portanto, semelhante raciocínio há de ser empregado à audiência de custódia. Em outras palavras, faz-se cogente a presença do órgão ministerial à audiência de custódia. Isso porque, após a oitiva do preso, caberá ao Ministério Público requerer a prisão preventiva (ou temporária) ou a im ­ posição isolada ou cumulativa das cautelares diversas da prisão. Nesse caso, atento à regra do contraditório prévio instituída pelo art. 282, §3°, do CPP, a defesa técnica deverá se manifestar antes da convalidação judicial da prisão em flagrante pela autoridade judiciária, transformando-se o pedido de prisão, assim, em verdadeiro procedimento contraditório. A nosso juízo, se presente uma das hipóte­ ses listadas nos diversos incisos do §2° do art. 185 do CPP, é perfeitam ente possível que esta apresentação ocorra por meio de sistema de videoconferência ou outro re­ curso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que seja possível constatar a plena observância dos direitos fundamentais do preso. Nesse caso, o preso e a autoridade judiciária deverão estar, preferencial e simultaneamente, em estabelecimentos sob administração do Po­ der Judiciário, assegurando-se a presença,

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na localidade onde se encontrar o preso, de defensor constituído, publico ou dativo, à semelhança do que ocorre no interrogató­ rio judicial por videoconferência (CPP, art. 185, §5°). 8.4. (Im) possibilidade de fixação da com ­ petência por prevenção: levando-se em con­ ta que a audiência de custódia geralmente será presidida por um juiz de plantão, eventual decisão por ele proferida nos termos do art. 310 do CPP não terá o condão de acarretar a fixação da competência por prevenção. O art. 83 do CPP, que versa sobre a competência por prevenção, deve ser compreendido em conjun­ to com o art. 75, parágrafo único, do CPP, ou seja, só se pode cogitar de prevenção da com­ petência quando a decisão, que a determinaria, tenha sido precedida de distribuição, por isso que não previnem a competência decisões de juiz de plantão, nem as facultadas, em caso de urgência, a qualquer dos juizes criminais do foro. Portanto, concluída a realização da audiência de custódia, enfim, após o fim do plantão, o feito deve ser objeto de regular distribuição. 8.5. Consequências decorrentes da não realização da audiência de custódia: diante

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da carência de magistrados, mem bros do M inistério Público, Defensores Públicos e até mesmo advogados em diversas comarcas Brasil afora, será que os Tribunais terão a coragem de dizer que se trata, o prazo de 24 (vinte e quatro) horas, de prazo próprio, cujo descumprimento implica o reconhecimento da ilegalidade da prisão em flagrante, auto­ rizando, por consequência, o relaxamento da prisão? Ou se, na verdade, valendo-se da premissa de que a contagem para o excesso de prazo na formação da culpa é global, e não individualizado, acabará prevalecendo a tese de que eventual excesso na apresentação do preso para fins de realização da audiência de custódia pode ser compensando durante o curso do processo judicial, transformando-se, assim, o referido prazo, em mais um prazo impróprio constante do CPP, funcionando com o mero balizador para os operadores do Direito, mas cuja inobservância não gera qualquer sanção? Com a devida vênia ao segundo entendimento, preferimos concluir que a não realização da audiência de custódia no prazo legal deve ser considerada hipótese de constrangim ento ilegal à liberdade de locomoção.

Art. 307. Quando o fato for praticado em presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções,1 constarão do auto a narração deste fato, a voz de prisão, as declarações que fizer o preso e os depoimen­ tos das testemunhas, sendo tudo assinado pela autoridade, pelo preso e pelas testemunhas e remetido imediatamente ao juiz a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso, se não o for a autoridade que houver presidido o auto.2 1. Infração penal com etida na presença da autoridade competente para a lavratura do auto de prisão em flagrante: quando a infração penal é cometida contra a auto­ ridade competente para a lavratura do auto de prisão em flagrante, ou em sua presença, estando ela no exercício de suas funções, a própria autoridade pode figurar como condutora. Essa permissão somente se refere às pessoas que podem presidir inquéritos ou ações penais (autoridade policial e juiz), e

não à qualquer autoridade, mesmo sendo ela presidente de comissão parlamentar de inquérito. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) "N u lid ad e

d o auto de prisão em flagrante

lavrado por determ inação d o Presidente da Com issão Parlamentar de Inquérito, d a d o que não se con sign ou qual a declaração falsa feita pelo depoente e a razão pela qual assim a considerou a Com issão. A u to de prisão em flagrante lavrado por quem não preenche a

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condições de autoridade (art 307 d o CPP)". (STF, Pleno, HC 73.035/DF, Rei. Min. Carlos Velloso, DJ 19/12/1996 p. 51.766).

2. (Im) possibilidade de lavratura do auto de prisão em flagrante pela autoridade judiciária: o art. 307 do Código de Processo Penal deixa entrever - equivocadamente -que o juiz também poderia lavrar o auto de prisão em flagrante (... remetido imediatamente ao juiz a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso, se não fo r a autoridade que houver presidido o auto). A nosso juízo, em relação ao magistrado, esse dispositivo do art. 307 do CPP não foi recepcionado pela Constituição Federal. Isso porque a Carta Magna adotou o sistema acusatório, do que deriva a conclusão de que o juiz não deve par­ ticipar da colheita de elementos informativos na fase investigatória. Dada a voz de prisão

pela própria autoridade, do auto constará a narração do fato, a oitiva de duas testemunhas e do preso, nessa ordem. Em seguida, o auto deve ser encaminhado à autoridade judiciária competente. Para aqueles que entendem que o próprio magistrado pode lavrar o auto de prisão em flagrante, obviamente não há falar em comunicação à autoridade judiciária, pois ele próprio já conferiu legalidade à prisão, transformando-se em autoridade coatora para fins de cabimento de habeas corpus, motivo pelo qual eventual impugnação deverá ser encaminhada ao respectivo tribunal. Caso a autuação seja presidida pelo juiz, não poderá ele exercer jurisdição no processo resultante da prática do crime, haja vista o impedimento constante do art. 252, inciso II e IV, do CPP, devendo remeter os autos ao seu substituto legal.

Art. 308. Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo.1 1. Inexistência de Delegado de Polícia no lugar da prisão: a prisão pode ser efetuada em local distante, não apenas do local do crime, mas também em localidade onde não haja autoridade policial para lavrar o auto de prisão em flagrante. Como não se pode conceber a possibilidade de a prisão deixar de ser efetuada

pelo fato de não haver Delegado de Polícia no local de sua captura, o art. 308 do CPP limita-se a dizer o óbvio, ou seja, que sua apresentação deve ser feita à autoridade policial do lugar mais próximo, entendendo-se por lugar mais próxim o aquele a que mais rapidamente se consiga chegar.

Art. 309. Se o réu se livrar solto, deverá ser posto em liberdade, depois de lavrado o auto de prisão em flagrante.1 1. Livrar-se solto: em sua redação original, o Código de Processo Penal se valia, em alguns dispositivos, da expressão “se livrar solto”. De acordo com a antiga redação do art. 321 do CPP, o conduzido se livrava solto, independentemente do pagamento de fiança, no caso de infração a que não fosse, isolada, cumulativa ou alternativamente, cominada pena privativa de liberdade, ou quando o máximo da pena privativa de liberdade, iso­ lada, cumulativa ou alternativamente com i­ nada, não exceder a 3 (três) meses. Sempre

prevaleceu o entendimento de que, a rigor, essa hipótese do antigo art. 321 do CPP não era uma espécie de liberdade provisória, mas sim de liberdade definitiva. Isso porque uma das características da liberdade provisória consiste exatamente na possibilidade de sua revogação, decretando-se a prisão cautelar caso ocorra o descumprimento das vinculações a que o agente ficou submetido. Nos casos em que o agente se livrava solto, sua liberdade era tida como definitiva, sem a ne­ cessidade de recolhimento de Fiança, e sem a

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imposição de qualquer vinculação. Portanto, não podia ser revogada. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, o art. 321 do CPP, que dispunha sobre essa hipótese de liberda­ de provisória sem fiança, passou a tratar da concessão de liberdade provisória cumulada (ou não) com as medidas cautelares diversas da prisão, quando o magistrado considerá-las suficientes para produzir o mesmo resultado

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3 •) Q

que a prisão preventiva. Destarte, com a nova redação do art. 321 do CPP, pode-se concluir que foi extinta a antiga hipótese de liberdade provisória sem fiança em que o conduzido se livrava solto, após a lavratura do auto de prisão em flagrante. Destarte, é de se concluir que o art. 309 do CPP foi revogado tacitamente, já que referido dispositivo era aplicável às hipóteses em que o conduzido se livrava solto.

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:' (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). I - relaxara prisão ilegal,-2 ou (Incluído pela Lei n. 12.403/11). II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão,3 ou (Incluído pela Lei n. 12.403/11).

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.4 (Incluído pela Lei n. 12.403/11). Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Có­ digo Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecí mento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.5 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Convalidação judicial da prisão em fla­ grante: ao longo dos anos, a jurisprudência majoritária sempre entendeu que, ao receber a comunicação do flagrante, a autoridade ju ­ diciária não estaria obrigada a fundamentar a manutenção da prisão cautelar do agente. Se acaso deliberasse pelo relaxamento da prisão, aí sim a decisão deveria ser motivada. Portanto, quando da comunicação da prisão em flagrante, competia ao Juiz apenas verificar a existência de situação de flagrância e a devida observância das formahdades legais, estando obrigado a apresen­ tar fundamentação apenas se fosse determinado o relaxamento da prisão. Não obstante o enten­ dimento pretoriano, sempre entendemos que, se a própria Constituição Federal determina que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária’ (CF, art. 5o, inciso LXV) e que ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provi­ sória, com ou sem fiança (CF, art. 5o, LXVI), ao

receber a comunicação da prisão em flagrante, e a fim de se assegurar a necessária e inafastável apreciação judicial sobre os pressupostos da privação cautelar do direito à bberdade de loco­ moção (princípio tácito da individuahzação da prisão cautelar), deveria o magistrado não só se manifestar quanto à (i) legahdade da prisão em flagrante, como também acerca da necessidade (ou não) de manutenção da prisão do agente, se acaso presentes os pressupostos da prisão preventiva. Como, na prática, grande parte dos juizes se limitava a analisar apenas a legalidade do auto de prisão em flagrante, deixando para apreciar eventual pedido de bberdade provisória apenas quando houvesse pedido formulado pela defesa - não por outro motivo, inseriu-se a obrigatoriedade de comunicação da prisão à Defensoria Púbbca, caso o autuado não infor­ masse o nome de seu advogado (CPP, art. 306, §1°, in fine) - , ou por ocasião da audiência una de instrução e julgamento, procedeu bem a Lei

Art. 310

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n. 12.403/11 ao conferir nova redação ao art. 310 do CPP, obrigando o magistrado a aferir a necessidade (ou não) da manutenção da prisão do agente preso em flagrante. 1.1. Prazo para a convalidação judicial da prisão em flagrante: a Lei n. 12.403/11 não inseriu expressamente no art. 310 do CPP um prazo para a análise acerca da conversão da prisão em flagrante em preventiva. Na medida em que o art. 310 silencia acerca do assunto, parece-nos que o prazo a ser observado é aquele constante do art. 322, parágrafo único, do CPP, que prevê que, na hipótese de a fiança não ser concedida pela autoridade policial, deve ela ser requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas. Ora, se a lei estabelece que o juiz dispõe de 48 (quarenta e oito) horas para a concessão da fiança, a qual é elencada como uma das cautelares do art. 319, parece ser este o prazo tido como razoável para os demais pro­ nunciamentos em relação ao flagrante. Portanto, conclui-se que a autoridade policial dispõe de 24 (vinte e quatro) horas para remeter o auto de prisão em flagrante ao juízo competente, ao passo que este terá 48 (quarenta e oito) horas para se pronunciar quanto à convalidação judi­ cial da prisão em flagrante. Enfim, a partir do momento da captura do agente, o prazo global será de 72 (setenta e duas) horas, findo o qual a prisão em flagrante já deve ter sido relaxada, convertida em preventiva, ou ao acusado deve ter sido concedida liberdade provisória. Este prazo, no entanto, não revogou o art. 10 do CPP, que prevê que a autoridade policial terá 10 (dez) dias para encerrar o inquérito policial, nem tampouco o art. 46, caput, do CPP, que dispõe que a denúncia deve ser oferecida no prazo de 5 (cinco) dias, caso o denunciado esteja preso. Todavia, nas hipóteses em que houver audiência de custódia - vide comentários ao art. 306 - , a convalidação judicial deve ser feita por ocasião desta, é dizer, em até 24 (vinte e quatro) horas após a prisão em flagrante. 1.2. (Des) necessidade de observância do contraditório prévio por ocasião da con­ validação judicial da prisão em flagrante: considerando-se a exiguidade do lapso tem­ poral para a análise da convalidação judicial

da prisão em flagrante, não há necessidade de observância da regra do contraditório prévio inserida no art. 282, §3°, do CPP. De fato, considerando-se que o agente encontra-se detido em virtude da prisão em flagrante, é de se concluir que há, no caso, uma situação de urgência que justifica que o contraditório seja observado a posteriori. De mais a mais, as possíveis decisões a serem adotadas pelo juiz por ocasião da convalidação judicial da prisão em flagrante serão de igual ou menor gravida­ de que a própria prisão em flagrante, de modo que a inobservância do contraditório prévio não acarretará maiores prejuízos ao agente. Isso, no entanto, não impede que a defesa se pronuncie nesse momento, seja postulando o relaxamento da prisão, seja pugnando pela concessão de liberdade provisória. 2. Relaxam ento da prisão em flagrante ilegal: o primeiro passo do magistrado, ao receber o auto de prisão em flagrante delito, diz respeito à análise da legalidade da medida constritiva. Essa análise passa pela verificação da regularidade da prisão em flagrante, seja pela presença dos requisitos materiais, seja pela presença dos requisitos formais, a saber: a) se o auto de prisão em flagrante noticia a prática de infração penal; b) se o agente capturado estava em uma das situações legais que autoriza o flagrante, elencadas nos incisos do art. 302 do CPP; c) se foram observadas as formalida­ des estabelecidas pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal, realizando-se um exame ad solemnitatem do auto, ou seja, analisando-se se está formalmente em ordem, sem vícios formais. Assim, verificada a ilegali­ dade da prisão em flagrante, deve o magistrado determinar seu relaxamento. 2.1. Remessa de peças dos autos ao M inis­ tério Público para fins de análise de eventu­ al crime de abuso de autoridade: verificando o magistrado a presença de ordem ou execução de medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder, também deve encaminhar ao órgão do Ministério Público as peças comprobatórias da ilegalidade, a fim de promover a responsabili­ zação criminal do funcionário, nos termos do

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art. 4o, “a”, e “c”, da Lei n. 4.898/65. Além disso, vale lembrar que também configura abuso de autoridade deixar o juiz de ordenar o relaxa­ mento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada (Lei n. 4.898/65, art. 4o, “d”). 2.2. Relaxamento da prisão em flagrante seguido da decretação da prisão preventiva (ou temporária): o relaxamento da prisão em flagrante não impede a decretação da prisão preventiva e/ou temporária, nem tampouco a decretação das medidas cautelares diversas da prisão, desde que presente seus requisitos legais. Não se pode confundir o juízo de le­ galidade da prisão em flagrante com o juízo de necessidade das medidas cautelares. O que não se pode admitir, todavia, é o relaxamento da prisão em flagrante, porque ilegal, e a sub­ sequente e automática decretação de eventual prisão preventiva. Esta modalidade de prisão cautelar somente se afigura possível quando presentes o fum us comissi delicti, consubstan­ ciado na prova da materialidade e indícios de autoria, e o periculum libertatis - garantia da ordem pública, da ordem econômica, da apli­ cação da lei penal e conveniência da instrução criminal - , e desde que se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão listadas no art. 319 do CPP. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...) Nulidade: auto de prisão em flagrante, nota de culpa e auto de apreensão de entorpecente não assinados pela autoridade policial: superação ou irrele­ vância, nas circunstâncias d o caso. A falta de assinatura da autoridade policial no auto de prisão em flagrante e na nota de culpa - valendo por prova de sua ausência à lavratura - torna ilegítima a prisão, o que, entretanto, ficou superado no caso, d a d o que o Juiz relaxou o flagrante e decretou a prisão preventiva. N o auto de apresentação e apreensão d o entorpecente, elemento essencial é a assinatura d o policial que a tenha apreen­ dido com o preso, não a da autoridade policial". (STF, 1aTurma, H C 77.042/RJ, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19/06/1998 p. 3).

STJ:"(...) Penal. Processo Penal. Prisão preventiva. Fun­ damentação. O rdem pública. O relaxamento da segre­ ga ção provisória, por vício de form a que m aculava o auto de prisão em flagrante, não im pede a decretação da custódia preventiva, por conveniência da instrução criminal e c o m o garantia da ordem pública. Recurso

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Art. 310

im provido". (STJ, 6 a Turma, RH C 3.429/RJ, Rei. Min. Pedro Acioli, DJ 16/05/1994 p. 11.787).

2.3. Inexistência de nulidade do processo penal subsequente: eventual vício no m o­ mento da prisão em flagrante só tem o condão de repercutir na legalidade da medida restri­ tiva, não gerando nulidade do processo penal subsequente, nem tampouco servindo como óbice à formação da opinio delicti, ressalvada, logicamente, a hipótese de provas obtidas por meios ilícitos por ocasião da referida prisão. 2.4. (Des) necessidade de recurso de ofí­ cio: relaxada a prisão em flagrante nos termos do art. 310, I, do CPP, descabe o recurso ex officio referido no art. 5 7 4 ,1, do CPP, uma vez que, nessa hipótese, o Juiz não está concedendo habeas corpus de ofício. Ora, remetido o auto de prisão em flagrante ao Poder Judiciário, o preso fica à disposição do magistrado, e, assim, não tem sentido possa o juiz conceder habeas corpus contra si próprio. 3. Conversão da prisão em flagrante em preventiva (ou temporária): de acordo com a nova redação do art. 310, II, do CPP, verifi­ cada a legalidade da prisão em flagrante, o juiz poderá fundamentadamente converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, hipótese em que deverá ser expedido um mandado de prisão. Tal preceito está em perfeita harmonia com o disposto a respeito da liberdade provi­ sória no art. 321, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11, segundo o qual, ausentes os pressupostos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 do CPP. Cabe ao juiz, nesse momento, questionar-se acerca da existência de alguma hipótese que autorize a prisão preventiva do acusado: garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, garantia de aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal. Em síntese, após analisar os aspectos relacionados à

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legalidade da prisão em flagrante, relaxando-a em caso de ilegalidade, deve o juiz se questio­ nar: se o agente estivesse em liberdade, seria caso de decretação da sua prisão preventiva? As medidas cautelares diversas da prisão são adequadas e suficientes para assegurar a eficácia do processo ou será necessária a decretação do cárcere ad custodiam? Se o juiz entender que, no caso concreto, existe uma hipótese que autoriza a prisão preventiva do acusado, e que as me­ didas cautelares diversas da prisão revelam-se inadequadas ou insuficientes, deve converter a prisão em flagrante em prisão preventiva. 3.1. Insuficiência da prisão em flagrante, por si só, para a manutenção da prisão do agente: em face do art. 310, inciso II, do CPP, a prisão em flagrante deixa de ser motivo para que alguém permaneça preso durante todo o processo, o que se afigura correto, porquanto a finalidade cautelar do flagrante, no tocante a seu caráter processual, esgota-se precisamente na sua função probatória. A prisão em flagrante não poderá ser mantida sob este específico fun­ damento: a flagrância. Não poderá fundamentar presunção de culpa. Para que o acusado possa permanecer preso, para além da evidência da prova do crime e de indícios de autoria (fumus comissi delictí), decorrentes da prisão em fla­ grante delito em si, deve-se acrescentar outra e nova fundamentação, confirmando a imprescindibilidade da constrição à liberdade de lo­ comoção a partir da presença do suporte fático e normativo autorizadores da prisão preventiva ou temporária (periculum libertatis). Em outras palavras, a manutenção do agente no cárcere somente será possível se estivessem presentes as mesmas razões que autorizariam a imposição de eventual prisão preventiva e/ou temporária sem a situação de flagrância. Deve o magistrado, por conseguinte, ao receber cópia do auto de prisão em flagrante, examinar não só a legalidade da medida - para fins de eventual relaxamento da prisão - , como também se há algum motivo que justifica a decretação da prisão preventiva à luz dos arts. 312 e 313 do CPP - ou da prisão temporária, consoante disposto no art. I oda Lei n. 7.960/89. 866

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de

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3.2. Ônus da prova quanto à necessidade da conversão em preventiva: da mesma forma que se exige do Estado a demonstração da presença do suporte fático e de direito justificadores da prisão preventiva em relação ao acusado que esteja solto, também se impõe ao Estado o ônus da prova da necessidade da manutenção da prisão na hipótese do art. 310, inciso II, do CPP, sob pena de se estabelecer indevida presunção de necessidade da custódia cautelar daquele que foi preso em flagrante, violando a regra de tratamento que deriva do princípio da presunção de inocência. Daí a necessidade de uma mudança de postura do papel da autoridade policial por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante delito, que não pode mais se limitar ao mero registro da prisão em flagrante e subsequente remessa do APF à autoridade judiciária. Veri­ ficando a autoridade policial que há elementos concretos que recomendam a manutenção da prisão do agente, incumbe a ela arregimentar, de imediato, o maior número de inform a­ ções nesse sentido, auxiliando o trabalho do magistrado no momento da conversão da prisão em flagrante em preventiva. A título de exemplo, em caso concreto do qual tivemos conhecimento, ao efetuar a prisão em flagrante de determinado agente pela prática do crime de estupro, a autoridade policial verificou que 02 (dois) outros crimes sexuais tinham sido praticados em circunstâncias semelhantes na mesma localidade. Dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas que dispõe para reme­ ter o APF à autoridade judiciária, o delegado conseguiu que as vítimas dos outros 02 (dois) crimes sexuais fossem à delegacia e fizessem o reconhecimento pessoal do preso. Com tais informações em mãos, procedeu à remessa do APF ao juízo competente, ao mesmo tempo em que representou no sentido da decretação da preventiva. Nesse caso, diante da excelência do trabalho da autoridade policial, terá o magis­ trado substrato fático e jurídico para proceder à conversão do flagrante em preventiva. 3.3. (Im) possibilidade de conversão da prisão em flagrante em preventiva de ofício pelo magistrado: leitura apressada do art. 310, inciso II, do CPP, com redação dada pela Lei n.

TITULO IX • DA PRISÃO, DAS M EDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

12.403/11, pode levar à conclusão (equivocada) de que o magistrado pode converter a prisão em flagrante em prisão preventiva de ofício, independentemente de provocação do titular da ação penal. Nesse contexto, aliás, já começam a surgir alguns precedentes do STJ. Ora, ao tratarmos do procedimento para a decretação das medidas cautelares - comentários ao art. 282 do CPP - , vimos que não é possível que 0 juiz determine de ofício a imposição de medidas cautelares de natureza pessoal, aí incluída a pri­ são, durante a fase pré-processual, mas somente na fase processual, sob pena de evidente viola­ ção ao sistema acusatório. Destoa das funções do magistrado exercer qualquer atividade de ofício na fase investigatória que possa carac­ terizar uma colaboração à acusação. O que se reserva ao magistrado, na fase investigatória, é atuar somente quando for provocado, tutelando liberdades fundamentais como a inviolabilidade domiciliar, a vida privada e a intimidade, assim como a liberdade de locomoção. Portanto, o art. 310, inciso II, do CPP, deve ser interpretado sistematicamente com o art. 306, caput, do CPP, que inseriu no CPP a comunicação da prisão em flagrante ao Ministério Público, o que permitirá requerer ao juiz as medidas que entender ade­ quadas, independentemente de vista promovida pelo julgador, e com o arts. 282, §2°, e 311, que preveem que, na fase investigatória, ao juiz só é dado decretar uma medida cautelar se for provocado nesse sentido. Enfim, a conclusão a que se chega é a de que o Ministério Público deve se apresentar em juízo para reivindicar a decretação da prisão preventiva (ou temporá­ ria), caso entenda necessária a manutenção da privação da liberdade do acusado, ou, ainda, no sentido da imposição de medida cautelar diver­ sa da prisão. Em síntese, para que seja possível a conversão da prisão em flagrante em preventiva nos termos do art. 310, inciso II, do CPP, que não pode ocorrer de ofício, sob pena de violação ao sistema acusatório, é indispensável prévia representação da autoridade policial - que pode ser feita no próprio auto de prisão em flagrante - , referendada pelo Parquet, ou requerimento do Ministério Público ou do ofendido - neste caso, apenas nos crimes de ação penal privada.

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♦ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A decisão que converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva se encontra devidam ente fun­ dam entada, em face das circunstâncias d o caso que, pelas características delineadas, retratam, in concreto, a periculosidade d o agente, a indicar a necessidade de sua segregação para a garantia da ordem pública, considerando-se, sobretudo, que o crime foi com etido em via pública e com o e m p rego de desnecessária violência física contra a vítima. As condições pessoais favoráveis, tais c o m o primariedade, b on s anteceden­ tes, ocupação lícita e residência fixa, não têm o condão de, por si sós, desconstituir a custódia antecipada, caso estejam presentes outros requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da m edida extrema. Independentem ente de representação do M inistério Publico ou da Autoridade Policial, sem pre que presentes os requisitos constantes d o art. 312 do C ó d ig o Penal, ao receber o auto de prisão em flagrante, o Juiz deverá converter a custódia em prisão preventi­ va. Ausência de ilegalidade flagrante apta a ensejar a eventual concessão da ordem de ofício. Habeas corpus não conhecido". (STJ, 5a Turma, H C 280.980/MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 18/02/2014, DJe 07/03/2014).

STJ: “(...) Não é nula a decisão d o Juízo singular que, de ofício, converte a prisão em flagrante em preventiva, q u an d o presentes o s requisitos e fu n dam en tos para a m edida extrema, m esm o sem prévia provocação/ m anifestação d o Ministério Público ou da autoridade policial. Exegese d o art. 310, II, d o CPP. Precedentes deste STJ. Habeas corpus não conhecido". (STJ, 5a Tur­ ma, HC 281.756/PA, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 15/05/2014, Dje 22/05/2014).

3.4. Pressupostos necessários para a con­ versão em preventiva: outro aspecto impor­ tante a ser analisado quanto ao art. 310, inciso II, do CPP, diz respeito à necessidade de ob­ servância do art. 313 do CPP por ocasião da conversão da prisão em flagrante em preventiva. Corrente minoritária sustenta que é possível a conversão em preventiva independentemente da observância do art. 313 do CPP, já que o art. 310, inciso II, do mesmo Código, faz menção apenas à presença dos requisitos constantes do art. 312. Trabalha-se, assim, com uma interpretação gra­ matical do art. 310, II, do CPP. Logo, segundo essa corrente, em se tratando de crime de furto simples, cuja pena é de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, caso um agente primário tenha sido preso em flagrante, e o juiz entenda que sua prisão é necessária para impedir a prática de novos delitos (garantia da ordem pública), poderá converter a prisão em flagrante em pre­

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CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

ventiva, pouco importando o fato de o delito não preencher nenhuma das hipóteses de admissi­ bilidade do art. 313 do CPP. A nosso juízo, tal posição revela-se completamente absurda. Em primeiro lugar porque não se pode admitir que o ordenamento jurídico disponha de espécies diversas de prisão preventiva, uma condicionada à observância do art. 313 do CPP, e outra não. Segundo, não se pode admitir que a sorte (ou azar) de uma pessoa no processo penal esteja condicionada ao simples fato dela ter sido presa em flagrante ou não. Com efeito, a se admitir a corrente anterior, o agente detido em situação de flagrância poderia ter sua prisão convertida em preventiva, independentemente da observância do art. 313. Porém, caso tivesse conseguido fugir, evitando o flagrante, sua preventiva não poderia ser decretada. Qual o critério lógico e razoá­ vel capaz de justificar tal discriminação? Não conseguimos encontrar. Terceiro, é sabido que a interpretação gramatical costuma ser a pior interpretação possível. Deve-se buscar, sempre, uma interpretação sistemática. Revela inviável, pois, querer concluir que o art. 313 não precisa ser observado por ocasião da conversão pelo simples fato de o inciso II do art. 310 do CPP não fazer menção a ele. De modo semelhante ao art. 310, II, do CPP, ao se referir à decretação da prisão preventiva do acusado citado por edital que não compareceu nem constituiu advogado, o art. 366 do CPP também faz menção apenas ao disposto no art. 312. Não obstante, ninguém jamais ousou dizer que, por conta disso, o art. 313 do CPP não precisaria estar presente. Por tais motivos, não há como negar que a conversão em preventiva só será possível se, para além da comprovação do fumus boni iuris e do periculum in mora (CPP, art. 312), também restar pre­ enchida uma das hipóteses de admissibilidade do art. 313 do CPP. 3.5. Conversão da prisão em flagrante em temporária: apesar de o art. 310, inciso II, do CPP, fazer menção apenas à conversão da prisão em flagrante em preventiva, parece-nos ser plenamente possível a conversão em prisão temporária (Lei n. 7.960/89), desde que haja requerimento do Ministério Públi­ co ou representação da autoridade policial nesse sentido. Com efeito, se o art. 310, II,

do CPP, autoriza a conversão do flagrante em preventiva, não há razão lógica para não se autorizar, por meio de analogia, a mesma conversão para a temporária. Afinal, onde im­ pera a mesma razão, impera o mesmo direito. Considerando a vocação da prisão temporária para assegurar a eficácia das investigações, é plenamente possível a conversão da prisão em flagrante em temporária, desde que preenchi­ dos os seguintes requisitos: a) demonstrada a imprescindibilidade da prisão do agente para assegurar as investigações; b) a infração penal deve ser crime hediondo ou equiparado (Lei n. 8.072/90, art. 2o, §4°) ou um dos crimes listados no art. I o, III, da Lei n. 7.960/89; c) requeri­ mento do Ministério Público ou representação da autoridade policial postulando a conversão do flagrante em temporária; d) demonstração da inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão. 3.6. O b rigatoried ade (ou não) da con­ versão em preventiva nas hipóteses de liberdade provisória proibida: não se revela possível advogar a tese de que a conversão da prisão em flagrante em preventiva (ou tempo­ rária) seria obrigatória em relação aos crimes que não admitem a concessão de liberdade provisória. A uma porque não há prisão cautelar obrigatória, sob pena de patente violação à regra de tratamento que deriva do princípio da presunção de inocência. Em segundo lugar, até mesmo em relação ao crime de tráfico de drogas tem sido considerada inconstitucional a vedação em abstrato da concessão de liber­ dade provisória. Logo, não se pode admitir a conversão automática da prisão em flagrante em preventiva, por meio de simples remissão ao óbice à liberdade provisória contido no art. 44 da Lei 11.343/2006. Afinal, a garantia da fundamentação a que se refere a Constituição Federal (art. 5o, LXI, c/c art. 93, IX) importa o dever judicante da real ou efetiva demonstra­ ção de que a segregação atende aos requisitos dos arts. 312 e 313 do CPR Destarte, ante a declaração incidental da inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória” constante do art. 44 da Lei 11.343/06 pelo Plenário do Supremo (STF, HC 104.339, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 10/05/2012), conclui-se que, mesmo

TfTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

para o crime de tráfico de drogas, a conversão do flagrante está condicionada à apreciação fundamentada dos pressupostos que autorizam a prisão preventiva e/ou temporária. Logo, não é dado ao juiz indeferir o pedido de liberdade provisória e proceder à automática conversão do flagrante fazendo mera alusão à referida vedação legal, sem a indicação de elementos concretos e individualizados, aptos a justificar a necessidade da constrição da liberdade de locomoção do flagranteado. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) M E D ID A

CAUTELAR ALTERNATIVA À PRISÃO.

IN C ID Ê N C IA D A LEI N. 12.403/2011. T E M A PARCIAL­ M EN TE D IR IM ID O PELO T RIB U N A L A QUO. C O N SID E ­ RAÇÕ ES G E N É R IC A S SO M E N T E A C ERC A D A INAFIANÇ A BILID A D E D O DELITO. ILEGALIDADE CONFIGURADA. O R D E M C O N C E D ID A NESSE PONTO. 1. C om a inovação legislativa introduzida pela Lei n. 12.403/2011, o C ó ­ d ig o de Processo Penal p assou a capitular diversas providências substitutivas à prisão, sendo essa aplicada apenas q u an d o aquelas não se mostrarem suficientes a repressão e a reprovabilidade d o delito. 2. Nota-se, da leitura d o aresto im pugnado, que o tem a referente à incidência das m edidas alternativas à prisão foi exa­ m inado som ente em parte peloTribunal de Origem , o qual lim itou-se a tecer com entários apenas acerca da im possibilidade de arbitram ento de fiança aos crimes hediondos, om itindo-se q u an to às dem ais m edidas cautelares. (...)". (STJ, 5aTurma, HC 219.101/RJ, Rei. Min. Jorge M ussi,j. 10/04/2012).

STJ:"(...) O correndo

um a ou m ais hipóteses autoriza-

doras da prisão preventiva, defesa está a concessão da liberdade provisória para o preso em flagrante, a teor d o art. 310, parágrafo único, do C ó d ig o de Pro­ cesso Penal. As condições pessoais do recorrente - ser primário, trabalhador, possuir b o n s antecedentes e residência fixa - não são garan tidoras de eventual direito à liberdade, q u an d o outros elem entos cons­ tantes nos autos recom endam a sua custódia cautelar.

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do flagrante em preventiva (ou temporária), deverá, fundamentadamente, conceder liber­ dade provisória, com ou sem fiança (CPP, art. 310, III). Como visto acima, se o juiz verificar a ilegalidade da prisão em flagrante, deverá relaxá-la, o que, no entanto, não impede a decretação da prisão preventiva, desde que presentes seus pressupostos legais. Todavia, caso a prisão em flagrante seja legal, e desde que ausentes os pressupostos que autorizam a prisão preventiva, deverá o juiz conceder ao preso liberdade provisória, com ou sem fiança. O novel dispositivo põe fim a decisões em que o magistrado se limitava a dizer: “flagrante formalmente em ordem - aguarde-se a vinda dos autos principais”, permitindo que alguém permanecesse preso pelo simples fato de ter sido preso em flagrante, independentemente da análise da necessidade de manutenção do cárcere ad custodiam, o que importava em vio­ lação à regra que obriga o juiz a fundamentar a necessidade da prisão cautelar (CF, art. 5o, LXI, c/c art. 93, IX). Como visto nos comentários ao art. 282 do CPP - princípio tácito da individualização da prisão - , toda espécie de prisão de natureza cautelar está submetida à apreciação do Poder Judiciário, seja previamente, seja pela necessidade de imediata convalidação da prisão em flagrante, devendo o magistrado indicar de maneira fundamentada, com base em elementos concretos existentes nos autos, a necessidade da manutenção da segregação cautelar, inclusive com apreciação do cabimen­ to da liberdade provisória. Destarte, diante da nova redação do art. 310, inciso III, do CPP, inexistindo os requisitos que autorizam a pri­ são preventiva, deve o juiz conceder liberdade provisória ao preso, com ou sem fiança.

Se o Tribunal de origem não conheceu da ordem ali im petrada - no que diz respeito à suposta invalidade d o processo por não ser atendida diligência da defesa -, esta Corte não tem competência para dele conhecer, so b pena de indevida supressão de instância. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido". (STJ, 5aTurma, RHC 21.278/DF, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 15/10/2007 p. 299).

4. Liberdade provisória com (ou sem) fiança: ao receber o auto de prisão em flagrante, verificada a legalidade da medida, se o juiz concluir que não há necessidade de conversão

4.1. (Im) possibilidade de concessão da liberdade provisória com ou sem fiança cumulativamente com as medidas caute­ lares diversas da prisão: leitura apressada do art. 310, inciso III, do CPP, pode levar o intérprete à conclusão de que somente seria possível a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, o que não é verdade. Isso porque tal dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o art. 321 do CPP, o qual prevê que, ausentes os requisitos que autorizam a

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CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP e observados os critérios constan­ tes do art. 282. Como se percebe, com o adven­ to da Lei n. 12.403/11, a liberdade provisória já não se restringe mais àquela anteriormente concedida: com ou sem fiança. Para além da concessão (ou não) da fiança, é plenamente possível que o juiz aplique isolada ou cumu­ lativamente as medidas cautelares diversas da prisão, desde que evidenciada sua necessidade para neutralizar uma das situações de perigo listadas no art. 2 8 2 ,1, do CPP. Supondo, assim, funcionário público flagrado na prática do cri­ me de concussão, ao juiz é permitido conceder liberdade provisória com fiança, impondo, cumulativamente, a suspensão do exercício da função pública, nos termos do art. 319, VI, c/c art. 2 8 2 ,1, do CPP, desde que evidenciado que a manutenção do agente no exercício funcional daria ensejo à reiteração delituosa. 5. Liberdade provisória sem fiança nas hipóteses de descriminantes (excludentes da ilicitude): de acordo com a nova redação do art. 310, parágrafo único, do CPP, se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato acobertado por uma das excludentes da ilicitude listadas no art. 23, incisos I, II e III - estado de necessi­ dade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito - , poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do pro­ cesso, sob pena de revogação. Essa liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único, do CPP, só pode ser concedida pela autoridade judiciária, sendo cabível tanto em relação aos crim es afiançáveis quanto no tocante aos inafiançáveis. Por meio de interpretação extensiva, há de se admitir a liberdade provisória do art. 310, parágrafo único, nas hipóteses de exclusão da ilicitude previstas na Parte Especial do Código Penal (v.g., art. 128, incisos I e II; art. 142, incisos I, II e III; art. 146, §3°, incisos I e II; art. 150, §3°, incisos I e II, etc.). Apesar de o disposi­ tivo legal usar a expressão o juiz poderá, não

se trata de mera faculdade do juiz, mas sim de direito público subjetivo do acusado, a ser concedido se presentes os pressupostos legais. Não obstante o art. 310, parágrafo único, do CPP, faça menção à expressão “se o juiz verificar”, não é necessário que o juiz tenha absoluta convicção de que o agente tenha praticado o fato acobertado por uma causa excludente da ilicitude. Por se tratar de medida de contracautela, com relação ao fum us boni iuris, não é necessário um juízo de certeza, bastando a probabilidade de que a descriminante esteja presente. Somente ao final do processo condenatório é que o juiz irá acertar a certeza da ocorrência ou não da excludente de ilicitude. De mais a mais, com a nova redação do art. 386, inciso V I, do CPP, a dúvida fundada quanto à existência de causa excludente da ilicitude autoriza a absol­ vição do acusado. Ora, se a dúvida autoriza a prolação de um decreto absolutório, deve igualmente permitir a concessão de liberda­ de provisória prevista no art. 310, parágrafo único, do CPP. 5.1. Liberdade provisória sem fiança nas hipóteses de exculpantes (excludentes da culpabilidade): o art. 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, limitou a concessão da liberdade provisória às causas excludentes da ilicitude, silenciando, todavia, quanto às causas excludentes da culpabilidade. Esse si­ lêncio, no entanto, não deve ser compreendido como um silêncio eloquente, a significar que, em hipótese alguma, a liberdade provisória sem fiança possa ser concedida diante de causa excludente da culpabilidade. A nosso ver, res­ salvada a hipótese de inimputabilidade do art. 26, caput, do Código Penal, que será melhor es­ tudada nos comentários ao art. 319, inciso VII, do CPP, essa liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único, do CPP, também é aplicável quando o juiz verificar pelas provas constantes do auto de prisão em flagrante ter o agente praticado o fato acobertado por uma causa excludente da culpabilidade, como obe­ diência hierárquica, coação moral irresistível, inexigibilidade de conduta diversa, etc. Ora, se o próprio Código de Processo Penal auto­ riza a absolvição sumária do agente quando o

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juiz verificar a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade (CPP, art. 397, II), seria de todo desarrazoado negar-se a concessão de liberdade provisória em tal hipótese. Ade­ mais, admitindo a legislação processual penal comum o emprego da analogia (CPP, art. 3o, caput), afigura-se possível a aplicação do art. 253 do Código de Processo Penal Militar, se­ gundo o qual é cabível a concessão de liberdade provisória sem fiança nos casos de coação moral irresistível e obediência hierárquica (CP, art. 22, caput). 5.2. Não com parecim ento a os atos do processo e (im) possibilidade de revoga­ ção da liberdade provisória: atente-se para o indispensável cotejo do art. 310, parágrafo único, com o disposto no art. 314 do CPP, a ser estudado na sequência, segundo o qual a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato ao abrigo de uma causa excludente da ilicitude. Da com­ paração entre os dois dispositivos, conclui-se que, mesmo que o agente deixe de comparecer a determinado ato do processo, a liberdade provisória concedida com fundamento no art. 310, parágrafo único, do CPP, não poderá ser revogada, pois incabível a prisão preventiva. A rigor, então, diante da impossibilidade de revogação da liberdade provisória do art. 310, parágrafo único, do CPP, já que incabível a decretação da preventiva, não estamos diante de regime cautelar de liberdade provisória,

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porquanto ausente qualquer força coercitiva a impor o comparecimento do agente aos atos processuais. 5.3. Conversão da liberdade provisória com fiança em liberdade provisória sem fiança: se o indiciado já estiver em liberda­ de provisória com fiança, nada impede que solicite ao juiz sua conversão em liberdade provisória sem fiança, nos term os do art. 310, parágrafo único, do CPP. A título de exemplo, suponha-se que, por ocasião da lavratura de auto de prisão em flagrante em relação à infração penal com pena máxima não superior a 4 (quatro) anos, a autoridade policial tenha concedido fiança ao agente. Todavia, como a conduta delituosa fora prati­ cada sob o amparo de excludente da ilicitude, é bem mais vantajoso que o agente pleiteie ao juiz a concessão da liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único, do CPP. Seria desarrazoado permitir que esse agente continuasse a suportar os ônus da fiança e as vicissitudes por que ela passa: quebramento, cassação, inidoneidade. Nesse caso, como a autoridade policial não pode conceder a liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único, do CPP, é possível que o agente peça ao magistrado a conversão de sua liberdade provisória. Em tal hipótese, o valor da fiança deve ser restituído a quem a prestou, e o indiciado, ou acusado, ficará, apenas, obrigado a comparecer a todos os atos do processo, assinando, nesse sentido, o respectivo termo, que será juntado aos autos.

Capítulo III DA PRISÃO PREVENTIVA1 3 Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial4 ou do processo penal,5caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal,6 ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.7 (Redação dada pela Lei n. 12.403/2011).

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1. Conceito de prisão preventiva: espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representa­ ção da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, em qualquer fase das investigações ou do processo criminal (nesta fase também pode ser decretada de ofício pelo magistra­ do), sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais (CPP, art. 313) e ocorrerem os motivos autorizadores listados no art. 312 do CPP, e desde que se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 319). 2. Inexistência de prisão preventiva obri­ gatória: na redação original do Código de Pro­ cesso Penal, era possível se falar em uma prisão preventiva obrigatória e outra facultativa. Isso porque, embora o Código não usasse as refe­ ridas expressões, segundo a redação original do art. 312 do CPP, a prisão preventiva seria decretada nos crimes a que fosse cominada pena de reclusão por tempo igual ou superior a dez anos. Logo, nessas hipóteses, tinha-se espécie de prisão preventiva obrigatória. A expressão prisão preventiva facultativa era usada em contraposição à preventiva compul­ sória, sendo cabível quando, além de prova da materialidade e indícios de autoria, estivessem presentes outros pressupostos. Com a extinção da prisão preventiva obrigatória pela Lei n. 5.349/67, que deu nova redação ao art. 312 do CPP, não há mais falar em prisão preventiva obrigatória nem facultativa. 3. Distinção entre prisão preventiva e tem­ porária: a prisão preventiva não se confun­ de com a prisão temporária, pelos seguintes motivos: a) a prisão temporária só pode ser decretada durante a fase pré-processual (Lei n. 7.960/89, art. I o, incisos I, II e III); a prisão preventiva pode ser decretada tanto durante a fase investigatória quanto durante o processo (CPP, art. 311); b) a prisão temporária não pode ser decretada de ofício (Lei n. 7.960/89, art. 2o); durante a instrução processual, é cabí­ vel a decretação da prisão preventiva de ofício pelo magistrado (CPP, art. 311); c) a prisão temporária só é cabível em relação a um rol 872~)

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taxativo de delitos, listados no art. I o, inciso III, da Lei n. 7.960/89, e no art. 2o, §4°, da Lei n. 8.072/90 (crimes hediondos e equiparados); não há um rol taxativo de delitos em relação aos quais seja cabível a decretação da prisão preventiva, bastando, para tanto, o preenchi­ mento dos pressupostos constantes do art. 313 do CPP; d) a prisão temporária possui prazo pré-determinado: 5 (cinco) dias, prorrogáveis por igual período em caso de extrema e com­ provada necessidade (Lei n. 7.960/89, art. 2o); 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade, em se tratando de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo (Lei n. 8.072/90, art. 2o, §4°), findo o qual o preso será colocado imediatamente em liberdade, independentemente da expedição de alvará de soltura pelo juiz, salvo se tiver sido decretada sua prisão preventiva. De seu turno, a prisão preventiva não tem prazo pré-determinado. 4. Decretação da prisão preventiva duran­ te a fase preliminar de investigações: de acordo com a nova redação do art. 311, caput, do CPP, a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal. 4.1. (Im) possibilidade de decretação da prisão preventiva durante a fase preliminar de investigações nos crimes que admitem a prisão temporária: com o advento da Lei n. 7.960/89, que versa sobre a prisão tem ­ porária, pelo menos em relação aos delitos constantes do art. I o, inciso III, da referida lei, bem como no tocante aos crimes hediondos e equiparados (Lei n. 8.072/90, art. 2o, §4°), somente será possível a decretação da prisão temporária na fase preliminar de investiga­ ções, à qual não poderá se somar a prisão preventiva, pelo menos durante esta fase pre­ liminar. Portanto, em relação a tais delitos, não se afigura possível a aplicação da temporária seguida de preventiva, exclusivamente durante a fase investigatória. Ora, se, em relação a tais delitos, foi criada uma modalidade de prisão cautelar com o escopo específico de tutelar as investigações, não faz sentido que a

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

prisão preventiva também seja decretada na fase preliminar. Logo, se a prisão temporária tiver sido decretada pelo magistrado pelo prazo de 60 (sessenta) dias para auxiliar as investigações de um crime hediondo, não faz sentido que, findo esse prazo, seja decretada a prisão preventiva, concedendo-se à autoridade policial mais 10 (dez) dias para finalizar o in­ quérito. Portanto, se a autoridade policial não conseguir concluir as investigações no prazo máximo previsto para a prisão temporária, o indivíduo deve ser posto em liberdade, sem prejuízo da continuidade da apuração do fato delituoso. No entanto, uma vez expirado o pra­ zo da prisão temporária, e oferecida denúncia ou queixa, nada impede que o magistrado, ao receber a peça acusatória, converta a prisão temporária em preventiva, medida esta que deverá perdurar durante o processo enquanto subsistir sua necessidade. Isso não significa dizer que a Lei da prisão temporária tenha afastado a possibilidade de decretação da prisão preventiva na fase investigatória. Na verdade, subsiste a possibilidade de prisão preventiva na fase pré-processual em relação aos delitos que não autorizam a decretação da prisão temporária, desde que preenchidos os pressupostos do art. 313 do CPP e verificada sua imperiosa necessidade. Imagine-se uma hipótese de estelionato em continuidade delitiva, praticado contra inúmeras vítimas por agente com maus antecedentes, que demonstre a intenção de se evadir do distrito da culpa. Nesse caso, como não é cabível a prisão tem­ porária, apresenta-se viável a decretação da prisão preventiva durante o inquérito policial. Nessa linha: Luís Geraldo SanfAna Lanfredi (Prisão temporária: análise e perspectivas de uma releitura garantista da Lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989. São Paulo: Quartier Latin, 2009) e Guilherme de Souza Nucci (Tribunal do Júri. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 57). 4.2. (Im) possibilidade de decretação da preventiva com base em procedimentos investigatórios diversos do inquérito policial: sendo o inquérito policial peça dispensável ao oferecimento da peça acusatória, desde que a justa causa necessária à deflagração do proces­

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so esteja respaldada por outros elementos de convicção (CPP, art. 39, §5°), não é obrigatória a existência de inquérito policial em anda­ mento para a decretação da prisão preventiva, mas sim que haja uma investigação preliminar que demonstre a imprescindibilidade da pri­ são preventiva do investigado para melhor apuração do fato delituoso. Assim, além do cabimento da prisão preventiva durante o curso de um inquérito policial, também o será diante de outros procedimentos investigatórios, tais como comissões parlamentares de inquérito, inquéritos civis ou procedimentos investigatórios criminais presididos pelo órgão do Ministério Público. 4.3. (Im) possibilidade de prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito quan­ do o investigado estiver preso preventiva­ mente: Parte majoritária da doutrina entende que, havendo elementos para a segregação cautelar do agente (prova da materialidade e indícios de autoria), também há elemen­ tos para o oferecimento da peça acusatória, sendo inviável, por conseguinte, a devolução dos autos do inquérito policial à autoridade policial para realização de diligências comple­ mentares. Apesar de ser esse o entendimento que prevalece na doutrina, comungamos de entendimento diverso. Explica-se: se presentes os requisitos legais do art. 312 do CPP, a prisão preventiva deve ser decretada. Porém, mesmo após a decretação da preventiva, caso subsista a necessidade de realização de diligência im­ prescindível para a formação da opinio delicti, os autos podem retornar à autoridade policial. No entanto, o prazo total para a conclusão do processo, que começa a contar a partir da prisão, estará correndo, o que pode dar ensejo a eventual excesso de prazo, autorizando o rela­ xamento da prisão. Denílson Feitoza comunga do mesmo entendimento (op. cit. p. 860). 5. Decretação da prisão preventiva duran­ te o curso do processo criminal: de acordo com a antiga redação do caput do art. 311, determinada pela Lei n. 5.349/67, a prisão preventiva podia ser decretada em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução cri­ minal. A instrução criminal tem início com o

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recebimento da peça acusatória (CPP, art. 396) e vai até a audiência una de instrução e julga­ mento (CPP, art. 400, caput), salvo se houver requerimento de diligências cuja necessidade tenha se originado de circunstâncias ou fatos apurados na instrução (CPP, art. 402, caput), quando, então, a instrução encerrar-se-á com a realização da diligência. Quanto ao pro­ cedimento comum sumário, pelo menos de acordo com o art. 534 do CPP, não é possível requerimento de diligências, razão pela qual a instrução crim inal se encerra na própria audiência una de instrução e julgamento. Por sua vez, no tocante à primeira fase do procedi­ mento do júri, a instrução vai até a audiência de instrução (CPP, art. 411, caput). Como o art. 311 do CPP, em sua redação anterior, dis­ punha que a prisão preventiva somente seria cabível durante o curso do inquérito policial ou da instrução criminal, poder-se-ia pensar, à primeira vista, que a prisão preventiva não seria cabível após o encerramento da instrução criminal. No entanto, com a superveniência da Constituição Federal de 1988 e a consagração expressa do princípio da presunção de não culpabilidade, já não havia mais espaço para uma prisão provisória como efeito automático de sentença condenatória recorrível (CPP, re­ vogado art. 393, inciso I) ou da pronúncia (vide antiga redação do art. 408, §§1° e 2o, do CPP). Em outras palavras, se o acusado permanecera solto durante o processo, devia permanecer em liberdade quando da pronúncia ou da senten­ ça condenatória recorrível, salvo se surgisse alguma hipótese que autorizasse sua prisão preventiva. Por outro lado, tendo o acusado permanecido preso ao longo da instrução, devia permanecer preso, salvo se desaparecesse o motivo que autorizava sua prisão preventiva, quando então devia ser posto em liberdade. Obviamente, para que o agente fosse mantido preso, devia o magistrado fundamentar a ne­ cessidade da manutenção de sua segregação. Se assim o era, e se a decretação de tais prisões tinha que se dar com fundamento no art. 312 do CPP, estávamos diante de uma hipótese de prisão preventiva decretada após o encerra­ mento da instrução criminal, e não de uma espécie de prisão cautelar autônoma. Desde a

Constituição de 1988, a prisão decorrente de pronúncia e a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível já não podiam mais, de p er si, legitimar uma custódia cautelar. Deviam, sob pena de constrangimento ilegal, cingir-se, fundamentadamente, à órbita do art. 312 do CPP. Como bem ressaltava Pacelli em momento anterior à vigência da Lei n. 12.403/11, haverá quem diga, em relação à pos­ sibilidade de decretação de prisão por ocasião de sentença condenatória recorrível quando demonstrados os pressupostos listados no art. 312 do CPP, que a prisão preventiva somente pode ser decretada até o fin al da instrução cri­ minal. Dessa forma, faltaria previsão legal para a prisão. Ocorre que a previsão de decretação da prisão preventiva até o final da instrução criminal, tal qual prevista na antiga redação do art. 311, caput, do CPP, tinha firmes propósitos e coerência lógica, ao tempo da elaboração do Código de Processo Penal. De fato, como ad­ verte o autor, “não havia a menor necessidade de se prever a prisão preventiva para além dessa fase, pela simples razão de que, após a instrução, a só superveniência da sentença condenatória já implicava o recolhimento à prisão, nos termos da redação primitiva do Código de Processo Penal. A prisão, àquele tempo, era, pois, consequência automática da condenação em primeiro grau” ( Curso de processo penal. 9a ed. Rio de Janeiro/RJ: Edi­ tora Lumen Juris, 2008. p. 431). Como, hoje, a prisão não surge mais como efeito simples e automático da sentença condenatória ou da pronúncia, nada impede, portanto, que a prisão preventiva seja decretada mesmo após o encerramento da instrução criminal. Com as alterações trazidas pelas leis que alteraram o procedimento comum e o procedimento do júri, pôs-se fim a tal controvérsia, restando inequívoca a possibilidade de decretação da prisão preventiva mesmo após o encerramento da instrução criminal, já que o recolhimento à prisão não mais subsiste como efeito automáti­ co da pronúncia ou da sentença condenatória recorrível, mesmo que o acusado não seja primário e não tenha bons antecedentes. De fato, com a nova redação dada ao art. 413, §3°, do CPP, pela Lei n. 11.689/08, quando da

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

pronúncia, o juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação, ou substitui­ ção da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriorm ente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decre­ tação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. Por sua vez, segundo o art. 387, §1°, do CPP, o juiz, ao proferir sentença condenatória, decidirá fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta. Em relação ao Tri­ bunal do Júri, o Juiz-presidente, ao proferir sentença condenatória, mandará o acusado recolher-se ou recomenda-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva (CPP, art. 4 9 2 ,1, “e”). Daí se entende a razão de ser da nova redação do art. 311 do CPP, segundo a qual a prisão preventiva será cabível em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal. Hoje, portanto, não há mais dúvidas: a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da persecução penal, seja na fase investigatória, seja no curso do processo criminal. + Jurisprudência selecionada: S T J :"(...) A decretação de prisão cautelar, seja ela: preventiva, decorrente de sentença de pronúncia ou decorrente de sentença penal condenatória, em razão do princípio constitucional da presunção de inocência, deve, obrigatoriamente, dem onstrar os pressupostos e m otivos autorizadores elencados no art. 312 d o C ód igo de Processo Penal, devidam ente fu n dam en tad os nos term os do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal m orm ente em se tratando de réus que responderam em liberdade a toda a fase d o judicium accusationis. A prisão do s pacientes, na hipótese, é com pletam ente ilegal, pois não foi sequer fundam entada, tendo sido im posta, arbitrariam ente, pelo m agistrado. Prece­ dentes d o STJ. O rdem concedida para revogar a pri­ são cautelar d o s pacientes, perm itindo aos acusados aguardarem em liberdade o julgam ento perante o Júri Popular". (STJ, 5aTurma, HC 48.090/MS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 14/03/2006, DJ 03/04/2006, p. 380).

5.1. Concessão antecipada dos benefícios da execução penal ao preso cautelar: a vedação à execução provisória da pena decor­ rente do princípio da presunção de não cul­

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pabilidade não impede a antecipação cautelar dos benefícios da execução penal definitiva ao preso processual. Para mais detalhes acerca do assunto, consultar comentários à súmula n. 716 (“Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imedia­ ta de regime menos severo nela determina­ da, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”) e à súmula n. 717, ambas da Suprema Corte (“Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial”). 6. Decretação da prisão preventiva pelo juiz de ofício: de acordo com a nova redação do art. 311 do CPP, em qualquer fase da inves­ tigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou mediante requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Ao dispor que a prisão preventiva poderá ser decretada de ofício, se no curso da ação penal, conclui-se, a contrario sensu, que referida medida cautelar não poderá ser decretada de ofício na fase investigatória. Todavia, uma vez provocada a jurisdição por denúncia do Ministério Público ou queixa-crime do particular ofendido, a autoridade judiciária competente passa a deter poderes inerentes à própria jurisdição penal, podendo, assim, decretar a prisão preventiva de ofício, se acaso verificar que a supressão da liberdade do denunciado é necessária para preservar a prova, o resultado do processo ou a própria segurança da sociedade. Em se tratando de processo da competência originária dos Tribu­ nais, a competência é do Relator, nos termos do art. 2°, parágrafo único, da Lei n. 8.038/90, porque a ele são outorgadas as atribuições que a legislação processual confere aos juizes singulares. Para mais detalhes acerca da impos­ sibilidade de decretação de medidas cautelares pelo juiz ex ojficio durante a fase investigatória, remetemos o leitor aos comentários ao art. 282 do CPP. 7. Legitimidade para o requerimento de decretação da prisão preventiva: durante a ^

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fase investigatória, a prisão preventiva pode ser decretada a partir de representação da autori­ dade policial, assim como em face de requeri­ mento do Ministério Público ou do ofendido, neste último caso exclusivamente quando se tratar de crime de ação penal privada. Durante

o curso do processo criminal, a decretação da prisão preventiva pode se dar de ofício, como também em virtude de requerimento do Parquet, do querelante ou do assistente. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 282, §2°, do CPP.

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada'-3 como garantia da ordem pública,4 da ordem econômica,5 por conveniência da instrução criminal,6ou para assegurar a aplicação da lei penal,7quando houver prova da existência do crime8 e indício suficiente de autoria.9 (Redação dada pela Lei n. 12.403, de 2011). Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, §4°).'° (Incluído pela Lei n. 12.403, de 2011). 1. P re ssu p ostos para a decretação da preventiva: como toda e qualquer medida cautelar, a prisão preventiva também está con­ dicionada à presença concomitante àofu m u s boni iuris, aqui denominado d efum us comissi delicti, e do periculum in m ora (periculum

duzido no CPP pela Lei n. 12.403/11 evidencia que as cautelares diversas da prisão são prefe­ ríveis em relação à prisão preventiva, dentro da ótica de que sempre se deve privilegiar os meios menos gravosos e restritivos de direitos fundamentais. Tem-se aí, na dicção de Badaró

libertatis).

{Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas alternativas - comentários à Lei 12.403, de 04/05/2011. Coordenação: Og Fernandes.

1.1. Insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão: com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, para além da demonstração àofum u s comissi delicti, consubstanciado pela prova da materialidade e indícios suficientes de autoria ou de participação, e do periculum libertatis (garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução crim i­ nal ou garantia de aplicação da lei penal), tam­ bém passa a ser necessária a demonstração da ineficácia ou da impossibilidade de aplicação de qualquer das medidas cautelares diversas da prisão. Nesse sentido, o art. 282, §6°, do CPP, estabelece que a prisão preventiva será determinada quando não fo r cabível a sua subs­ tituição por outra medida cautelar. Na mesma linha, o art. 310, inciso II, do CPP, autoriza a conversão da prisão em flagrante em preven­ tiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas

ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão. Pode-se dizer, então, que o novo sistema de medidas cautelares pessoais intro­

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 223), a característica da preferibilidade das medidas cautelares diversas da prisão, da qual decorre a consequência de que, diante da ne­ cessidade da tutela cautelar, a primeira opção deverá ser sempre uma das medidas previstas nos arts. 319 e 320. Por outro lado, como reverso da moeda, a prisão preventiva passa a funcionar como a extrema ratio, somente podendo ser determinada quando todas as outras medidas alternativas se mostrarem inadequadas. Portanto, o magistrado só po­ derá decretar a prisão preventiva quando não existirem outras medidas menos invasivas ao direito de liberdade do acusado por meio das quais também seja possível alcançar os mes­ mos resultados desejados pela prisão cautelar. 1.2. Possibilidade de decretação da pre­ ventiva independentemente da presença de condições pessoais favoráveis: com ­ provada a periculosidade do agente com base

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS M EDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

em dados concretos, ou na eventualidade da presença de outra hipótese que autorize a pri­ são preventiva (garantia da ordem econômica, garantia de aplicação da lei penal ou con­ veniência da instrução criminal), condições pessoais favoráveis como bons antecedentes, primariedade, profissão definida e residência fixa não impedem a decretação de sua prisão preventiva. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

C on soante o pacífico m agistério jurispru-

dencial, eventuais condições pessoais favoráveis ao Recorrente - tais com o primariedade, b on s antece­ dentes, endereço certo, família constituída ou profissão lícita - não garantem o direito à revogação da custódia cautelar, q u an do presentes os requisitos previstos no art. 312 do C ó d ig o de Processo Penal. Recurso ordi­ nário a que se N E G A PROVIM ENTO". (STJ, 6 a Turma, RH C 21.989/CE, Rei. Min. Carlos Fernando Mathias, j. 06/12/2007, DJ 19/12/2007).

2. Fumus comissi delicti: indispensável para a decretação da prisão preventiva, este pressu­ posto para a decretação da prisão preventiva está previsto na parte final do art. 312 do CPP:

prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. É indispensável, portanto, que o juiz verifique que a conduta supostamente praticada pelo agente é típica, ilícita e culpável, apontando as provas em que se apoia sua convicção. 3. Periculum iibertatis: o periculum libertatis, indispensável para a segregação preventiva, está consubstanciado em um dos fundamen­ tos do art. 312 do CPP: a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica; c) garantia de aplicação da lei penal; d) conveni­ ência da instrução criminal. Por força do novo parágrafo único do art. 312 do CPP, a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obri­ gações impostas por força de outras medidas cautelares (CPP, art. 282, §4°). Para que a prisão preventiva seja decretada, não é necessária a presença concomitante de todos esses funda­ mentos. Basta a presença de um único destes para que o decreto prisional seja expedido. Logicamente, caso esteja presente mais de um fundamento (v.g., garantia da ordem pública

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e conveniência da instrução criminal), deve o magistrado fazer menção a cada um deles por ocasião da fundamentação da decisão, confe­ rindo ainda mais legitimidade à determinação judicial. Assim o fazendo, na eventualidade de impetração de habeas corpus, ainda que o juízo ad quem reconheça a inexistência de um dos fundamentos, a prisão preventiva poderá ser mantida. Em síntese, pode-se dizer que, no caminho para a decretação de uma prisão preventiva, cabe ao magistrado, inicialmente, verificar o tipo penal cuja prática é atribuída ao agente, aferindo, a partir do art. 313 do CPP, se o crime em questão admite a decretação da prisão preventiva. Num segundo momento, incumbe ao magistrado analisar se há ele­ mentos que apontem no sentido da presença simultânea de prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria (fumus comis­ si delicti). O último passo é aferir a presença do periculum Iibertatis, compreendido como o perigo concreto que a permanência do suspeito em liberdade acarreta para a investigação cri­ minal, para o processo penal, para a efetividade do direito penal ou para a segurança social. 4. Garantia da ordem pública: a expressão “garantia da ordem pública” é extremamente vaga e indeterminada, gerando controvérsias na doutrina e na jurisprudência quanto ao seu real significado. Por esse motivo, por ocasião da elaboração do Projeto de Lei n. 4.208/01, que deu origem à Lei n. 12.403/11, foi proposta pela Comissão uma nova redação ao art. 312, caput, do CPP, nos seguintes termos: “A pri­ são preventiva poderá ser decretada quando verificados a existência de crime e indícios suficientes de autoria e ocorrerem fundadas razões de que o indiciado ou acusado venha a criar obstáculos à instrução do processo ou à execução da sentença ou venha a praticar

infrações penais relativas ao crime organizado, à probidade administrativa ou à ordem eco­ nômica ou financeira consideradas graves, ou mediante violência ou grave am eaça à pessoa” (nosso grifo). Tal redação definia de maneira mais precisa a natureza da prisão preventiva nessa hipótese, pois, além de deixar claro que a expressão “ordem pública” não significa­ va clamor social provocado pelo delito, nem

Art.312

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

tampouco repercussão do crim e na mídia, permitia a decretação do cárcere quando hou­ vesse risco de reiteração delituosa em crimes de especial gravidade. Não obstante o teor da proposta, o Congresso Nacional optou por não alterar a redação do art. 312, caput, do CPP, mantendo a possibilidade de decretação da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública e da ordem econômica. Des­ tarte, diante da manutenção da possibilidade de decretação da prisão preventiva com base nessas hipóteses, urge delimitar seu signifi­ cado. Acerca do conceito e da possibilidade de se decretar a prisão preventiva com base na garantia da ordem pública, são 03 (três) as correntes existentes na doutrina e na juris­ prudência: a) inconstitucionalidade da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública; b) garantia da ordem pública como sinônimo de risco de reiteração delituosa; c) garantia da ordem pública como sinônimo de risco de reiteração delituosa e nas hipóteses clamor social provocado pelo delito. 4.1. Inconstitucionalidade da prisão pre­ ventiva com base na garantia da ordem pública: para uma primeira corrente (mino­ ritária), a prisão preventiva decretada com fundamento na garantia da ordem pública não é dotada de fundamentação cautelar, figurando como inequívoca modalidade de cumprimento antecipado de pena. Para os adeptos dessa pri­ meira corrente, medidas cautelares de natureza pessoal só podem ser aplicadas para garantir a realização do processo ou de seus efeitos (fina­ lidade endoprocessual), e nunca para proteger outros interesses, como o de evitar a prática de novas infrações penais (finalidade extraprocessual). Entre outros, é esta a posição sustentada por Odone Sanguiné, segundo o qual “a prisão preventiva para garantia da ordem pública (ou, ainda, o clamor público) acaba sendo utilizada com uma função de prevenção geral, na medi­ da em que o legislador pretende contribuir à segurança da sociedade, porém deste modo se está desvirtuando por completo o verdadeiro sentido e natureza da prisão provisória ao atribuir-lhe funções de prevenção que de ne­ nhuma maneira está chamada a cumprir” (“A inconstitucionalidade do clamor público como

fundamento da prisão preventiva”. In: Revis­ ta de Estudos Criminais, n. 10, p. 114/115). Em sentido semelhante: TOURINHO FILHO (op. cit. p. 530); GOM ES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. Op. cit. p. 66-67; PRADO, Geraldo. Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas alternativas - comentários à Lei 12.403, de 04/05/2011. Coordenação: Og Fernan­ des. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 120. 4.2. Garantia da ordem pública como risco de reiteração delituosa: para uma segunda corrente, de caráter restritivo, que empresta natureza cautelar à prisão preventiva decretada com base na garantia da ordem pública, entende-se garantia da ordem pública como o risco considerável de reiteração de ações delituosas por parte do acusado, caso permaneça em liberdade, seja porque se trata de pessoa pro­ pensa à prática delituosa, seja porque, se solto, teria os mesmos estímulos relacionados com o delito cometido, inclusive pela possibilidade de voltar ao convívio com os parceiros do crime. Acertadamente, essa corrente, que é a majori­ tária, sustenta que a prisão preventiva poderá ser decretada com o objetivo de resguardar a sociedade da reiteração de crimes em virtude da periculosidade do agente. O caráter caute­ lar é preservado, pois a prisão tem o objetivo de assegurar o resultado útil do processo, de modo a impedir que o réu possa continuar a cometer delitos, resguardando o princípio da prevenção geral. Há, de fato, evidente perigo social decorrente da demora em se aguardar o provimento jurisdicional definitivo, eis que, até o trânsito em julgado da sentença condenatória, o agente já poderá ter cometido diver­ sas infrações penais. Como adverte Scarance Fernandes (Processo Penal Constitucional, op. cit. p. 302), “se com a sentença e a pena priva­ tiva de liberdade pretende-se, além de outros objetivos, proteger a sociedade, impedindo o acusado de continuar a cometer delitos, esse objetivo seria acautelado por meio da prisão preventiva”. No caso de prisão preventiva com base na garantia da ordem pública, faz-se um juízo de periculosidade do agente (e não de culpabilidade), que, em caso positivo, demons­

TITULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

tra a necessidade de sua retirada cautelar do convívio social. Portanto, de acordo com essa corrente, a prisão preventiva poderá ser decre­ tada com fundamento na garantia da ordem pública sempre que dados concretos - não se pode presumir a periculosidade do agente a partir de meras ilações, conjecturas desprovi­ das de base empírica concreta - demonstrarem que, se o agente permanecer solto, voltará a delinquir. As mudanças produzidas pela Lei n. 12.403/11 vêm ao encontro dessa segunda corrente, porquanto, segundo a nova redação do art. 2 8 2 ,1, as medidas cautelares poderão ser adotadas não só para tutelar a aplicação da lei penal e a investigação ou instrução criminal, como também para evitar a prática de infra­ ções penais. Essa segunda corrente acerca do conceito de garantia da ordem pública sempre prevaleceu nos Tribunais Superiores. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O fu ndam ento da garantia da ordem pública é suficiente, no caso, para sustentar o decreto de pri­ são preventiva d o paciente. Decreto, afinal, m antido pela sentença de pronúncia, com o reconhecim ento de que perm anecem incólum es os fundam entos da preventiva. N ão há com o refugar a aplicabilidade do conceito de ordem pública se a concreta situação dos autos evidencia a necessidade de acautelam ento do

Aft. 312

não reside no distrito da culpa, há sério risco de que se furte a eventual aplicação da pena, caso não seja m antida a custódia cautelar. A dem ora na conclusão da instrução criminal, decorrente da residência d o s réus em outro estado e da dificuldade em localizá-los, não p od e ser atribuída ao Poder Judiciário. Excesso de prazo justificado. O rdem denegada. (STF, 2aTurma, HC 88.608/RN, Rei. Min. Joaquim Barbosa, DJ 06/11/2006 p. 51).

STF:"(...) Receptação de fuzis de uso exclusivo das For­ ças A rm adas (art. 254, CPM). Inexistência de constran­ gim ento ilegal. Periculosidade d o agente comprovada. Interesse de ordem pública. Prisão preventiva mantida. H abeas C orpus indeferido". (STF, 2aTurma, HC 86.002/ RJ, Rei. Min. Gilm ar M endes, DJ 03/02/2006 p. 88).

STF: “(...) A

referência à p ericu losidade d o agente,

considerados os fatos retratados no pronunciamento, respalda a prisão preventiva, ten do em conta a preser­ vação da ordem pública". (STF, 1aTurma, HC 88.196/MS, Rei. Min. M arco Aurélio, DJ 18/05/2007 p. 82).

STF: "(...)

A garantia da ordem pública, baseada no

perigo representado pelo agente para a coletividade, é apta à m anutenção d o decreto de prisão preventiva. Pressupostos legais da custória cautelar devidam ente evidenciados no caso. C ondições pessoais favoráveis d o paciente que, por si m esm as, não im pedem a m a­ nutenção do decreto constritivo. O rdem denegada". (STF - HC 89.266/GO - I a Turm a - Rei. Min. Ricardo Lewandow ski - DJ 29/06/2007 p. 58).

STJ: "(...) Revela-se devidam ente justificada a custó­ dia provisória na necessidade de garantia da ordem pública em razão da periculosidade concreta d o pa­

m eio social. Q u an d o da maneira de execução do delito

ciente, acusado da prática de hom icídio triplamente

sobressaíra extrema periculosidade d o agente, abre-se

qualificado, atentado violento ao pudor e ocultação de

ao decreto de prisão a possibilidade de estabelecer

cadáver, restando evidenciado, pelo m enos na fase em

u m vín culo fu n cion al entre o m o d u s ope ran di do suposto crime e a garantia da ordem pública. N ão há

que se encontra o processo, que a vítima foi subm etida a intenso sofrim ento antes de morrer de form a brutal,

que se falar em inidoneidade d o decreto de prisão, se este em basa a custódia cautelar a partir d o contexto

de Justiça da Bahia, por conveniência da instrução

assim tam bém , com o deixa certo o acórdão doTribunal

empírico da causa. Contexto, esse, revelador da gra­

criminal, dado que teria intim idado testem unhas do

vidade concreta da conduta (de violência incom um )

processo, inexistin do o a le g a d o c o n stra n gim e n to

e da periculosidade d o paciente. O decreto prisional, para além de apontar o paciente com o investigado em

ilegal. A s condições pessoais favoráveis do paciente

vários outros delitos (fls. 60), encontra apoio, ainda, na fu ga do acusado. Fuga, essa, que se deu lo go ap ó s o

não têm o con dã o de, por si sós, im pedir a decretação da prisão antecipada, existindo nos autos outros ele­ m entos capazes de autorizar a ad oção da providência

com etim ento d o delito, a dem onstrar o claro intento

extrema. Habeas corpus denegado". (STJ, 6aTurma, HC

de se frustrar a aplicação da lei penal. O que, se gu n d o jurisprudência d o Suprem oTribunal Federal, materiali­

81.089/BA, Rei. Min. Paulo Gallotti, j. 17/04/2008, DJe 19/05/2008).

za a hipótese descrita no art. 312 do C ó d ig o de Proces­

STJ:"(...)

so Penal. O rdem denegada". (STF - HC 97.688/MG - 1a

periculosidade concreta do agente que, com outras

Evid en cian do as circunstâncias d o crim e

Turma - Rei. Min. Carlos Britto - DJ223 26/11/2009).

pessoas, pelo sim ples fato de a vítima integrar torcida

STF:"(...)

Em bora sucinto, o decreto de prisão está

diversa, ap ós im pedir sua fuga, passou a agredi-la com

fun dam e n tad o nos fortes indícios de periculosidade d o paciente apurados no inquérito policial, em que há

reiterados go lp e s de paus, pedras e socos, causando-Ihe a morte, resulta ser evidente a necessidade de sua

notícia d o seu envolvim ento em diversos crimes, em

retirada cautelar d o convívio social. H abeas corpus

especial delitos contra o patrim ônio praticados em

denegado. (STJ, 6aTurma, HC 52.745/SP, Rei. Min. Paulo Gallotti, DJ 09/04/2007 p. 270).

diferentes estados da Federação. Visto que o paciente

Art.312

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

STJ: “(...) A necessidade de interrupção da conjuntura criminosa, aqui consubstanciada no desm antelam ento de milícia, c om p osta tam bé m por Policiais Militares, que detém controle de favela carioca, exigindo taxa de segurança, exploran do transporte alternativo e co b ran d o pela distrib u ição de sinal de televisão a cabo obtid o clandestinam ente e cujos integrantes, há fu n dad os indícios, com eteram os crimes de form ação de quadrilha armada, extorsão circunstanciada e furto qualificado, constitui fundam entação idônea, capaz de justificar o decreto constritivo, para garantia da ordem pública. (...) O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 119.115/RJ, Rei. Min. N apoleão Nunes M aia Filho, DJe 11/05/2009).

4.2.1. Im possibilidade de decretação da preventiva com base na gravidade em abs­ trato do delito: compreendendo-se garantia da ordem pública como expressão sinônima de periculosidade do agente, não é possível a decretação da prisão preventiva em virtude da gravidade em abstrato do delito, porquanto a gravidade da infração pela sua natureza, de p er si, é uma circunstância inerente ao delito. Assim, a simples assertiva de que se trata de autor de crime de homicídio come­ tido mediante disparo de arma de fogo não é suficiente, por si só, para justificar a custódia cautelar. Todavia, demonstrada a gravidade em concreto do delito, seja pelo modo de agir, seja pela condição subjetiva do agente, afigura-se possível a decretação da prisão preventiva, já que demonstrada sua periculosidade, pondo em risco a ordem pública. É por isso que a Suprema Corte tem censurado decisões que fundamentam a privação cautelar da liberdade no reconhecimento de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem a estrutura jurídica do tipo penal. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não imposta. Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito daquela Corte, ainda que o delito imputado ao acusado seja legalmente classificado como crime hediondo. Afinal, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5o, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do acusado, qualquer que seja a

natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada. 4.2.2. Im possibilidade de decretação da preventiva com base no clamor social pro­ vocado pelo delito: também não será possível a decretação da prisão preventiva em virtu­ de da repercussão da infração ou do clamor social provocado pelo crime, isoladamente considerados. Tais argumentos, de per si, não são justificativas para a tutela penal cautelar. Afirmações a respeito da gravidade do delito trazem aspectos já subsumidos ao próprio tipo penal, ou seja, aspectos como a gravidade em abstrato do delito, o clamor social provocado pelo delito, ou a necessidade de segregação cautelar do agente como forma de se acautelar o meio social devem permanecer alheios à ava­ liação dos pressupostos da prisão preventiva, mormente para garantia da ordem pública, pois desprovidos de propósito cautelar. Nessas hipóteses de clamor público e repercussão social do fato delituoso, não se vislumbra periculum libertatis, eis que a prisão preventiva não seria decretada em virtude da necessidade do processo, mas simplesmente em virtude da gravidade abstrata do delito, satisfazendo aos anseios da população e da mídia. Não custa lembrar: o poder judiciário está sujeito à lei e, sobretudo, ao direito, e não à opinião da maioria, facilmente manipulada pela mí­ dia. A propósito, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que não constituem fundamentos idôneos, por si sós, à prisão preventiva: a) o chamado clamor público provocado pelo fato atribuído ao réu, mormente quando confun­ dido, como é frequente, com a sua repercussão nos veículos de comunicação de massa; b) a consideração de que, interrogado, o acusado não haja demonstrado interesse em colaborar com a Justiça: ao indiciado não cabe o ônus de cooperar de qualquer modo com a apuração dos fatos que o possam incrim inar - que é todo dos organismos estatais da repressão penal; c) a afirmação a ser o acusado capaz de interferir nas provas e influir em testemunhas, quando despida de qualquer base empírica; d) o subtrair-se o acusado, escondendo-se, ao cumprimento de decreto anterior ilegal de prisão processual. Vale lembrar que somente a

TtTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

prisão penal pode ter finalidade de prevenção geral - positiva ou negativa - (intimidação e integração do ordenamento jurídico), ou prevenção especial - positiva ou negativa (ressocialização e inocuização), sendo vedado que a medida cautelar assuma tais encargos. Essa linha de pensamento, segundo a qual o clamor público, por si só, não autoriza a prisão preventiva, foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal em caso de repercussão nacional, no qual o jornalista P.N. fora acusado de matar sua namorada, também jornalista (STF, 2a Turma, HC 80.719/SP, Rei. Min. Celso de Melo, DJ 28/09/2001, p. 37). Nas palavras do Min. Celso de Mello, a prisão preventiva, que não deve ser confundida com a prisão penal, pois não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas sim atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal, não pode ser decretada com base no estado de comoção social e de eventual indig­ nação popular, isoladamente considerados. Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação da segregação caute­ lar, a alegação de que o acusado, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública. Lado outro, também não se pode dizer que o clamor público no sentido da população revoltar-se contra o suspeito e querer linchá-lo autorize a decretação de sua prisão preventiva. Ora, o Estado tem a obri­ gação de garantir a integridade física e mental do acusado. Segregá-lo, cautelarmente, a fim de assegurar sua integridade física e mental, significa o completo desvirtuamento da tutela cautelar, em evidente desvio de finalidade. Significa o reconhecimento da incompetência dos poderes constituídos, colocando sobre os ombros do suspeito todo o ônus da desídia do Estado em manter a ordem e a paz no seio da sociedade.

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A lt . 3 1 2

de caráter condenatório, bem com o perante a garantia constitucional da proibição de juízo precário de cul­ pabilidade, de ven d o fundar-se em razões objetivas e concretas, capazes de corresponder às hipóteses legais (fattispecie abstratas) que a autorizem. (...) Decreto fu n dad o na gravidade do delito, a título de garantia da ordem pública. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Constrangim ento ilegal ca­ racterizado. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva que, a título de necessidade de garantir a ordem pública, se funda na gravidade d o delito. (...) Decreto fundado na necessidade de restabelecimento da ordem pública, abalada pela gravidade d o crime. Exigência d o clam or público. Inadm issibilidade. Ra­ zão que não autoriza a prisão cautelar. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva b ase ado no clam or público para restabelecimento da ordem so ­ cial ab alada pela gravid ad e d o fato. (...) H om icíd io doloso. Júri. Prisão preventiva. Decreto de stitu ído de fu n dam en to legal. Pronúncia. Silêncio a respeito. C on tam in ação pela nulidade. Precedentes. Q u an d o a sentença de pronúncia se reporta aos fundam entos d o decreto de prisão preventiva, fica contam inada por eventual nulidade desse e, a fortiori, q u an do silencie a respeito, de m o d o que, neste caso, é nula, se o decreto da preventiva é destituído de fundam ento legal. (...) Prisão preventiva. M o tiv a ç ã o ilegal e insuficiente. Suprim ento da m otivação pelas instâncias superiores em HC. Acréscim o defundam entos. Inadmissibilidade. Precedentes. H C concedido. N ão é lícito às instâncias superiores suprir, em habeas corpu s ou recurso da defesa, com novas razões, a falta ou deficiência de fu n dam en tação da decisão penal im pugnada". (STF, 1a Turma, HC 87.041/PA, Rei. M in. Cezar Peluso, DJ 24/11/2006 p. 76).

STF:"(...) A convivência das figuras da prisão cautelar e da presunção da não-culpabilidade pressupõe que o decreto de prisão esteja e m b a sa d o em fatos que de n ote m a n ecessidade d o cerceio à liberdade de locom oção. Às instâncias colegiadas não é facultada a com plem entação d o decreto de prisão, eventualmente im pugnado. N o caso, o fu n dam en to da conveniência da instrução criminal foi acrescentado, pelo Tribunal de Justiça, ao decreto de prisão preventiva. Ilegalidade caracterizada. A sim ples afirmação de que os pacientes carecem de dom icílio certo e con hecido não tem a força de lastrear a se gre gação provisória para asse­ gurar eventual aplicação da lei penal. É ilegal a prisão preventiva para a garantia da ordem pública, baseada tão-som ente na gravidade d o fato, na hediondez do



Jurisprudência selecionada:

delito ou no clam or público. Precedentes. A alteração da base empírica, existente no m om e nto da decreta­

STF:"(...)

M e d id a extrem a q u e im plica sacrifício à liberdade individual, a prisão preventiva deve ordenar-

ção da prisão, implica a m udança do s fundam entos da

-se com redobrada cautela, à vista, sobretudo, da sua

d e com parecim ento d o s pacientes aos atos processu­

função m eram ente instrumental, enquanto tende a garantir a eficácia de eventual provim ento definitivo

ais". (STF, 1aTurma, HC 91.616/RS, Rei. Min. Carlos Britto,

custódia. Ordem concedida, mediante o com prom isso

DJ 07/12/2007, p. 59).

881

Art.312

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

STF:"(...) A jurisprudência

d o Su p rem o Tribunal está

da lei penal, sem esteio em situação fática, não se

sedim entada no sentido de que a alusão à com oção social não consubstancia base empírica idônea para a decretação da prisão preventiva. (...) Ordem concedida". (STF - H C 92.368/MG - 2a Turma - Rei. Min. Eros Grau

prestam a e m b asar a custódia provisória. O clam or

tritiva, ten do em vista a sua excepcionalidade, pois

p úblico e a in dign ação social cau sada p elos delitos, isoladam ente, não p o d e m justificar a m ed ida cons­

- D J E 70-18/04/20 08).

so m en te p od e ser decretada q u a n d o presente um a

STF:"(...) O clam or social e a credibilidade das institui­

das hipóteses elencadas n o rol exaustivo d o art. 312

ções, por si sós, não autorizam a conclusão de que a

d o CPP. Sobressai, por conseguinte, a im propriedade

garantia da ordem pública está am eaçada, a p on to de legitimar a m anutenção da prisão cautelar d o paciente enquanto aguarda n ovo julgam e nto pelo Tribunal do Júri. (...) Ordem concedida”. (STF - HC n° 84.662/BA, Rei. Min. Eros Grau, 1aTurma, unânime, DJ 22.10.2004).

d o acórdão m antenedor da segregação, b em com o

STF: "(...)

N ão constitui fu n d a m e n to id ô n e o à pri­

são preventiva a invocação da gravidade abstrata ou concreta do delito im putado, definido ou não com o hediondo - muitas vezes, inconsciente antecipação da punição penal. (...)". (STF, 1a Turma, HC 90.858/SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 21/06/2007).

d o decreto prisional, pois a custódia deve ser fundada em fatos concretos indicadores da sua real necessida­ de, ate nd en d o aos term os d o art. 312 d o C ó d ig o de Processo Penal e da jurisprudência dom inante. Ordem concedida para cassar o acórdão recorrido, bem com o as decisões m onocráticas por ele confirm adas, para determ inar a expedição de alvarás de soltura, se por o utro m o tivo n ão estiverem presos, se m prejuízo de que seja decretada nova custódia, com base em fu n dam e n tação concreta". (STJ - H C 84.683/SP - 5a Turm a - Relatora M inistra Jane Silva - D ese m b a rga -

STF:"(...) A

gravidade (em abstrato) d o delito não se presta, ao ver desta Suprem a Corte, com o fundam ento idôneo para a prisão preventiva. Precedentes. A eva­

dora con vo cada d o T J /M G - DJ 05/11/2007 p. 332);

STJ:"(...) O juízo valorativo sobre a gravidade genérica

são ap ó s a prática delitiva é fu ndam ento idôneo para a se gre ga çã o cautelar para resguardar a aplicação da lei penal. O rdem denegada". (STF, I a Turma, HC 90.162/RJ, Primeira Turma, Rei. Min. Carlos Britto, DJU

d o delito im putado ao paciente, bem com o a existên­

de 28/06/2007).

prisão para garantia da ordem pública, se desvincu­

STF:"(...) É ilegal o decreto de prisão preventiva que se funda na periculosidade presum ida d o réu. (...)". (STF, 2a Turma, HC 90.471/PA, Rei. Min. Cezar Peluso, DJU

lados de qualquer fator concreto que não a própria

de 13/09/2007).

STF:"(...) É nula a decisão que decreta prisão preventiva com base em razões abstratas. (...) É ilegal o decreto de prisão preventiva baseado em exigência d o clam or público. (...) É ilegal o decreto de prisão preventiva que se fu n da na periculosidade presum ida d o réu. (...)". (STF, 2a Turmâ, H C 84.311/SP, Rei. Min. Cezar Peluso,

cia de indícios da autoria e prova da m aterialidade dos crimes e a com oção social que a conduta teria gerado não constituem fundam entação idônea a autorizar a

prática, em tese, crim inosa. A sp e c to s q u e devem perm anecer alheios à avaliação d o s pressupostos da prisão preventiva, m orm ente para garantia da ordem pública, pois desprovidos de propósito cautelar, com o fim de resguardar o resultado final d o processo. As afirmações a respeito da gravidade d o delito trazem aspectos já subsum idos no próprio tipo penal. (...) Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem com o o decreto prisional, para revogar a prisão preventiva d o paciente,

DJU de 06/06/2007).

determ inando-se a im ediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro m otivo não estiver

STF:"(...) É ilegal o decreto de prisão preventiva base­

preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada

ad o na necessidade de aplacar a intranquilidade no

novam ente a custódia, com base em fundam entação

m eio social, a título de garantia da ordem pública". (STF, 2a Turma, HC 86.748/RJ, Rei. Min. Cezar Peluso, DJU de 06/06/2007).

concreta. (...) Ordem concedida, nos term os d o voto do

STJ:"(...) A

Relator". (STJ, 5a Turma, HC 51.100/PB, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 11/04/2006, DJ 08/05/06, p. 257).

existência de indícios de autoria e prova

da m aterialidade d o s delitos, assim c o m o a grav id a­ de e a natureza he dio nd a d o s crimes, corroboradas c om a sim ples m en ção à necessidade de resguardar o m eio social e de garantir a instrução criminal, bem c o m o resguardar a eventual aplicação da lei penal, n ão con stitue m m o tivação idô n ea para o decreto d e prisão preventiva. A s afirm ações a respeito da gravid ad e d o delito trazem asp e ctos já su b su m id o s no próprio tipo penal, se n d o que a natureza h e d io n ­ da d o s crimes, igualm ente, n ão justifica a m edida constritiva de liberdade. A sim ples m en ção à suposta necessidade de resguardar a ord em social e a instru­ ção criminal, bem c o m o garantir a futura aplicação

4.2.3. Prática de atos infracionais durante a adolescência com o fundam ento para a decretação da prisão preventiva: a prática de ato infracional durante a adolescência pode servir de fundamento para a decretação de pri­ são preventiva. Para tanto, devem ser observa­ dos os seguintes critérios fixados pela 3a Seção do STJ: a) a particular gravidade concreta do ato infracional, não bastando mencionar sua equivalência a crime abstratamente conside­ rado grave; b) a distância temporal entre o

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

ato infracional e o crime que deu origem ao processo (ou inquérito policial) no qual se deve decidir sobre a decretação da prisão preven­ tiva; e c) a comprovação desse ato infracional anterior, de sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrên­ cia. Ora, se uma pessoa, recém ingressa na maioridade penal, comete crime grave e possui histórico de atos infracionais também graves, indicadores de seu comportamento violento, como desconsiderar tais dados para a avaliação judicial sobre a sua periculosidade? Enfim, os registros sobre o passado de uma pessoa, seja ela quem for, não podem ser desconsiderados para fins cautelares. Se os atos infracionais não servem, por óbvio, como antecedentes penais e muito menos para firmar reincidência (por­ que tais conceitos implicam a ideia de "crime" anterior), não podem ser ignorados para aferir o risco que a sociedade corre com a liberdade plena do acusado.

Art.312

penais e m uito m enos para firmar reincidência (porque tais conceitos im plicam a ideia de "crime" anterior), não p od em ser ign orad os para aferir a personalidade e eventual risco que sua liberdade plena representa para terceiros. É de lembrar, outrossim, que a proteção estatal prevista no ECA, em seu art. 143, é voltada ao adolescente (e à criança), condição que o réu deixou de ostentar ao tornar-se im putável. C o m efeito, se, durante a infância e a adolescência d o ser hum ano, é im periosa a m aior proteção estatal, a justificar todas as cautelas e peculiaridades inerentes ao processo na justiça juvenil, inclusive com a im posição do sigilo sobre os atos judiciais, policiais e adm inistrativos que d igam respeito a crianças e, em especial, aos adoles­ centes aos quais se atribua autoria de ato infracional (art. 143 da Lei n. 8.069/1990), tal dever de proteção cessa com a m aioridade penal, c o m o bem destacado no referido precedente. A tod a evidência, isso não equivale a sustentar a possibilidade de decretar-se a prisão preventiva, para garantia da ordem pública, sim­ plesm ente porque o réu com eteu um ato infracional anterior. O raciocínio é o m esm o que se utiliza para des­ considerar antecedente penal que, por dizer respeito a fato sem m aior gravidade, ou já lo n gín q u o no tempo, não deve, autom aticam ente, supedanear o decreto

> Jurisprudência selecionada:

preventivo. Seria, pois, indispensável que a autoridade judiciária competente, para a consideração d o s atos

STJ:"(„.) A controvérsia entre as turm as que com p õe m

infracionais d o então adolescente, averiguasse: a) A

a Terceira Seção desta Corte - possibilidade de que, tal qual se dá em relação ao s antecedentes penais,

fracionais, não bastando m encionar sua equivalência a

sejam o s atos infracionais perpetrados pelo acusado, q u a n d o ain d a era inim putável, c o n sid e ra d o s para

tem poral entre os atos infracionais e o crime que deu

particular gravidade concreta d o ato ou d o s atos in­ crime abstratamente considerado grave; b) A distância

fins cautelares - de m an da uniform ização qu an to ao

origem ao processo (ou inquérito policial) no curso

entendim ento sobre a questão jurídica suscitada, o

d o qual se há de decidir sobre a prisão preventiva; c)

que justifica a afetação deste writ ao ó rgão colegiado m ais qualificado. A probabilidade de recidiva d o c om ­

A com provação desses atos infracionais anteriores, de

portam ento crim inoso se afere em face d o passado do acusado ou pelas circunstâncias específicas relativas ao m odus operandi d o crime so b exame. Isso equivale a dizer que se o im pu tado com eteu o crime com, por exemplo, requintes de crueldade e excesso de violên­ cia, pode-se concluir que se trata de pessoa perigosa ao convívio social. Ou, por outro ângulo, m ais centrado no passado d o acusado, se os seus registros criminais denotam ser algu ém que já respondeu ou responde por outros crimes de igual natureza, que traduzem um

sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecim ento judicial de sua ocorrência. Na espécie, a par de ausente do cum e n tação a respeito, o Juiz natural deixou de apontar, concretamente, quais atos infracionais foram com etidos pelo então adolescente e em que m om ento e em que circunstâncias eles ocorreram, de sorte a permitir, pelas singularidades d o caso concreto, aferir o com portam ento passad o do réu, sua personalidade e, por conseguinte, elaborar um p rognóstico de recidiva delitiva e de periculosidade d o acusado. No entanto,

com prom etim ento com práticas ilícitas graves, não é

há outras razões invocadas pelo Juízo singular que

leviano concluir que se trata de algu ém cuja liberdade representa um consistente risco de dano à ordem pú­

se m ostram suficientes para dar ares de legalidade à

blica, à paz social, à própria vítima e/ou à coletividade.

crime foi praticado com grave violência, dem onstran­

O s registros sobre o passado de um a pessoa, seja ela q uem for, não p od em ser desconsiderados para fins

d o conduta perigosa que não aconselha a liberdade",

cautelares. A avaliação so bre a p ericu lo sid a d e de

razão de dívida de drogas, em concurso de pessoas,

algu ém im põe que se perscrute to d o o seu histórico de vida, em especial o seu com portam en to perante a

das quadrilhas de tráfico de entorpecentes da região".

com unidade, em atos exteriores, cujas consequências tenham sido sentidas no âm bito social. Se os atos in­

RH C 63.855/MG, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 11/05/2016,

fracionais não servem, por óbvio, com o antecedentes

DJe 13/06/2016).

ordem de prisão d o ora paciente, ao ressaltar "que o

bem com o o fato de o delito ter sido com etido em por determ inação d o paciente, "que com an da um a Recurso em habeascorpus desprovido". (STJ, 3a Seção,

Art.312

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

4.3. Prisão preventiva com base na garantia da ordem pública para assegurar a credibi­ lidade da Justiça nos crimes que provocam clamor público: para uma terceira corrente, com caráter ampliativo, a prisão preventiva com base na garantia da ordem pública pode ser decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinquir, e também nos casos em que o cárcere ad custodiam for necessário para acautelar o meio social, garan­

tindo a credibilidade da justiça em crimes que provoquem clamor público. Entre os adeptos dessa terceira corrente, Fernando Capez (Curso de processo penal. 16a ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 279) assevera que “a brutalidade do delito provoca comoção no meio social, ge­ rando sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional, de tal forma que, havendo fum us boni iuris, não convém aguardar-se até o trânsito em julgado para só então prender o indivíduo”.

♦ Jurisprudência selecionada: S T F :"(...) Q u an to ao requisito da garantia da ordem pública, em linhas gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas as possibilidades norm ativas de sua aplicação judicial, destaco as seguintes circunstâncias principais: i) a necessidade de resguardara integridade física d o próprio paciente ou do s dem ais cidadãos; ii) o im perativo de im pedir a reiteração das práticas criminosas, desde que tal objetivo esteja lastreado em elem entos concretos expostos fundam entadam ente no decreto de custódia cautelar; e iii) para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do Poder Judiciário, q u an to à visibilidade e transparência

daquelas providências de resguardo à integridade das instituições, à sua credibilidade social e ao aum ento da confiança da população nos m ecanism os oficiais de repressão às diversas form as de delinquência". (STJ, 5a Turma, RHC 26.308/DF, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 08/09/2009, DJe 19/10/2009).

5. Garantia da ordem econômica: o pres­ suposto da garantia da ordem econôm ica foi inserido no Código de Processo Penal pelo art. 86 da Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994 (Lei antitruste), tendo sido mantido no caput do art. 312 pela Lei n. 12.403/11. Seu conceito assemelha-se ao de garantia da ordem pública, porém relacionado a crimes contra a ordem econômica, ou seja, possibilita a prisão do agente caso haja risco de reitera­ ção delituosa em relação a infrações penais que perturbem o livre exercício de qualquer atividade econômica, com abuso do poder econôm ico, objetivando a dom inação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros (CF, art. 173, §4°). Na mesma linha, de acordo com o art. 36 da Lei n. 12.529/11, constituem infração da ordem econôm ica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma mani­ festados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrên­ cia ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

de políticas públicas de persecução criminal e desde que diretam ente relacionadas com a ad oção tem pes­ tiva de m edidas ad eq u ad as e eficazes associadas à base empírica concreta que tenha ensejado a custódia cautelar". (STF, 2aTurma, HC 89.090/GO, Rei. Min. Gilmar M endes, DJ 05/10/2007 p. 38).

STJ:"(...) A garantia da ordem

pública não se restringe

às m edidas preventivas para evitar conflitos e tum u l­ tos, m as abrange tam bé m a prom oção daquelas pro­ vidências de resguardo à integridade das instituições, à sua credibilidade social e ao au m en to da confiança da população nos m ecanism os oficiais de repressão às diversas form as de delinquência". (Informativo n. 397 d o STJ, 5a Turma, H C 120.167/PR, Rei. Min. N apoleão Nunes M aia Filho, j. 04/06/2009.

STJ: "(...)

A pre se rvação da o rd em p ú blica n ão se restringe às m edidas preventivas da irrupção de con­ flitos e tumultos, m as abrange tam bé m a prom oção

5.1. Crimes contra a ordem econôm ico-financeira: esses crimes que atentam contra a ordem econômica estão previstos na Lei n. 1.521/51 (crimes contra a economia popular), Lei n. 7.134/83 (crimes de aplicação ilegal de créditos, financiamentos e incentivos fiscais), Lei n. 7.492/86 (crimes contra o sistema fi­ nanceiro nacional), Lei n. 8.078/90 (crimes previstos no Código de Defesa do Consumi­ dor), Lei n. 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo), Lei n. 8.176/91 (crimes contra a ordem econômica), Lei n. 9.279/96 (crimes em matéria de propriedade industrial) e Lei n. 9.613/98 (crimes de lavagem de capitais).

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

> Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) a

Art.312

prisão preventiva, c o m fu n d am e n to n o art. 30, da Lei 7.492, de 1986, c/c o art. 312 d o CPP. N ão merece

garantia da ordem econôm ica autoriza a

censura o ju lgad o local ao amparar-se, tam bém , no

custódia cautelar, se as atividades ilícitas d o gru p o

fato objetivo da fuga, m algrado em recurso exclusivo

crim inoso a que, supostam ente, pertence o paciente repercutem negativam ente no com ércio lícito e, por­

da defesa, cabendo ponderar, diante da notoriedade

tanto, alcançam um indeterm inando contingente de

deve ficar alheio a eles, levando-os, pelo contrário, na

trabalhadoresecom ercianteshonestos.Vulneraçãodo princípio constitucional da livre concorrência."(STF, 1a

devida linha de conta em suas decisões, deixando de

Turma, HC 91.285/SP, Rei. Min. Carlos Britto, DJe 074 25/04/2008).

d o s acontecimentos, que o Judiciário não pode e nem

ser, na lin gu age m d o M inistro FRA N C ISCO C A M P O S, "um espectador inerte". A fuga, na maioria das vezes, indica a intenção de se subtrair aos efeitos de eventual condenação. Se, por lo n go tem po, com o é notório, o

5.2. M agnitude da lesão causada nos cri­ mes contra o Sistema Financeiro Nacional: importante ficar atento ao art. 30 da Lei n. 7.492/86, segundo o qual a prisão preventi­ va do acusado da prática de crime contra o sistema financeiro nacional, sem prejuízo do disposto no art. 312 do CPP, poderá ser decre­ tada em razão da magnitude da lesão causada. À primeira vista, pode-se concluir que, em se tratando de crimes contra o sistema finan­ ceiro nacional, a magnitude da lesão causada é fundamento suficiente e autônomo para a decretação da prisão preventiva. No entanto, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, tal prisão preventiva funda-se não somente na magnitude da lesão causada, mas também na necessidade de se resguardar a credibilidade das instituições públicas. Em outras palavras, nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacio­ nal, a magnitude da lesão causada, por si só, não autoriza a prisão preventiva - deve estar conjugada com um dos pressupostos do art. 312 do CPP. > Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Verificados

os p re ssu postos estabelecidos

pela norm a processual (CPP, art. 312), coadjuvando-os ao disposto no art. 30 da Lei n° 7.492/86, que reforça os m otivos de decretação da prisão preventiva em razão da m agnitude da lesão causada, não há falar em revo­ ga ção da m edida acautelatória. A necessidade de se resguardar a ordem pública revela-se em consequência d o s graves prejuízos c a u sa d o s à credibilidade das instituições públicas. Habeas C orpus indeferido". (STF, Pleno, HC 80.717, Rei. Min. Ellen Gracie,j. 13/06/2001, DJ 05/03/2004). STJ:"(...) O desvio de vultosas quantias do s cofres pú­ blicos, causa repercussão negativa na opinião pública, até m esm o em função da publicidade opressiva envol­ vente d o caso e invoca a garantia da ordem pública, aliada à m agn itu d e da lesão, a justificar o decreto de

paciente esteve foragido, m e sm o com to d o apareIham ento d o Estado à sua procura, e scu d ado por um alvará judicial, pelo m enos na atualidade, a presunção é de que, m uito possivelmente, buscará evadir-se e com êxito. Ordem negada". (STJ, 6a Turma, HC 14.270/ SP, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 12/12/2000, DJ 19/03/2001, p. 142).

5.3. Caráter subsidiário da prisão preven­ tiva com base na garantia da ordem econô­ mica diante da possibilidade de decretação de m edidas cautelares patrimoniais: não olvidamos a importância da privação cautelar da liberdade de locomoção de agentes envol­ vidos com organizações criminosas e/ou com crimes contra a ordem econômica. Todavia, não se pode ser ingênuo a ponto de acreditar que a prisão cautelar de um ou mais agentes terá o condão de pôr fim às práticas delituosas. Um dos meios mais eficientes para o combate aos crimes contra a ordem econômica passa pela recuperação de ativos ilícitos, sendo impe­ riosa a criação de uma nova cultura, uma nova mentalidade, que, sem deixar de lado as prisões cautelares, passe a dar maior importância às medidas cautelares de natureza patrimonial e ao confisco dos valores espúrios. Em crimes contra a ordem econômica, a prisão de um e/ou mais integrantes da organização não a destruirá, sendo certo que outro agente fatal­ mente irá ocupar seu lugar. No entanto, se o braço financeiro da organização for atingido, torna-se possível seu enfraquecimento ou até mesmo sua destruição. Assim, para atacar o poder financeiro da criminalidade organizada, é imprescindível uma eficiente colaboração nacional e internacional na identificação de fundos patrimoniais ilegais, no confisco de bens e na adequação das legislações dos países soberanos sobre essa criminalidade. Nesse sen­

Art. 312

V

cpp COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

tido: SCARTEZZINI, Cid Flaquer. A situação do Brasil quanto à lavagem de dinheiro sujo.

Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, Brasília, v. 16, n. 2, p. 1-87, jul/ dez. 2004, p. 15.

STJ:"(...) Resta devidam ente fundam entada a decisão d o e.Tribunal a q u o que determ inou o restabelecimen­ to da prisão cautelar, com a expressa m enção à situa­ ção concreta que se caracteriza pela conveniência da instrução criminal, tendo em vista a notícia nos autos de que as testem unhas, que poderão ser ouvidas na sessão de julgam ento pelo Tribunal d o Júri, estariam

6 . Conveniência da instrução criminal: a prisão preventiva decretada com base na con­ veniência da instrução criminal visa impedir que o agente perturbe ou impeça a produção de provas. Tutela-se, com tal prisão, a livre produção probatória, impedindo que o agente comprometa de qualquer maneira a busca da verdade. Assim, havendo indícios de inti­ midação ou aliciamento de testemunhas ou peritos, de supressão ou alteração de provas ou documentos, ou de qualquer tentativa de turbar a apuração dos fatos e o andamento da persecução criminal, será legítima a adoção da prisão preventiva com base na conveniência da instrução criminal. Apesar de o legislador usar a expressão “conveniência da instrução criminal”, a medida cautelar não pode ser de­ cretada com base em mera conveniência. Sua decretação está condicionada, sim, à necessi­ dade ou indispensabilidade da medida a fim de possibilitar o bom andamento da instrução criminal.

se sentido intim idadas diante de certas condutas prati­



6.1. Im p o ssib ilid ad e de decretação da preventiva em virtude da não realização do interrogatório: levando-se em conta que o interrogatório é considerado meio de defe­ sa, a ausência do acusado ao interrogatório não autoriza, por si só, a decretação da pri­ são preventiva com base na conveniência da instrução criminal. O direito de audiência, que se materializa através do interrogatório, desdobramento da autodefesa, é renunciável, o que significa que o acusado pode abrir mão do direito de formar a convicção do juiz quanto a sua versão sobre os fatos, sem que isso im­ porte em risco à aplicação da lei penal e/ou à conveniência da instrução criminal. Na verdade, em bora o acusado não possa obstruir a atividade probatória, não se admite que sua prisão seja decretada com o objetivo de obrigá-lo a contribuir para a apuração do fato delituoso. Afinal, por força do princípio do nemo tenetur se detegere, o acusado não

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) É legítim o o decreto de prisão preventiva que ressalta, objetivamente, a necessidade de garantir a ordem pública, não em razão da hediondez d o crime praticado, m as pela gravidade d o s fatos investigados na ação penal (sequestro de criança m enor de idade pelo período de 2 meses), que bem dem on stram a personalidade d o paciente e d o s dem ais envolvidos nos crime, sendo evidente a necessidade de m antê-los segregados, especialmente pela organização e o m od o de agir da quadrilha. Por outro lado, o fu n dam en to da conveniência da instrução criminal, diante d o tem or das testem unhas ao paciente, que, se nd o residente no m esm o con d o m ín io das vítimas, causa evidente intranquilidade caso permaneça em liberdade, merece relevado e mantido". (STF, 1a Turma, HC 92.839/SP, Rei. Min. M enezes Direito, DJe 070 18/04/2008).

STJ:"(...) o fato de o paciente haver am eaçado o corréu delator, intim idando-o com o nítido propósito de alte­ rar as suas declarações perante a autoridade judicial, constitui m otivação idônea à decretação da prisão preventiva para a conveniência da instrução criminal". (STJ, 5aTurma, HC 75.492/RS, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 10/12/2007 p.404).

cadas pelos recorrentes". (STJ, 5aTurma, REsp 909.021/ RN, Rei. Min. Felix Fischer, DJ 17/03/2008 p. 1).

STJ:"(...) Deve ser m antida

a prisão preventiva deter­

m inada em desfavor da paciente q u an d o m otivada em fatores concretos de m on strando a presença do s requisitos d o artigo 312 d o C ó d ig o de Processo Pe­ nal. A am eaça a testem unhas no curso d o inquérito policial por parte da acusada é suficiente para con ­ figurar a necessidade de sua prisão preventiva para a conveniência da instrução criminal. A e vasão da paciente d o distrito da culpa lo go ap ó s a m orte da vítima, consoante dep oim entos de vizinhos e de sua própria genitora, m otiva a m anutenção da custódia cautelar para a garantia de eventual aplicação da lei penal". (STJ, 5a Turma, HC 84.241/PE, Relatora Ministra Jane Silva, D esem bargadora C on vocada doTJ/MG, DJ 12/11/2007 p. 263).

STJ:"(...) Sen do dem onstrada

a necessidade concreta

da prisão preventiva para assegurar a conveniência da instrução criminal, em virtude de am eaças feitas à vítima, e havendo sua confirm ação em sentença de pronúncia, não há constrangim ento ilegal a ser sana­ do". (STJ, 5a Turma, RH C 20.500/RJ, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 10/12/2007 p. 398).

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

está obrigado a contribuir ativamente com a produção de prova que possa incriminá-lo. Ao decretar a prisão preventiva com base nessa hipótese, deve o juiz ter sempre em mente o princípio da proporcionalidade, notadamente em seu segundo subprincípio, qual seja, o da necessidade, devendo se questionar se não existe outra medida cautelar menos gravosa que a prisão preventiva. De fato, se uma bus­ ca e apreensão for idônea a atingir o objetivo desejado, não se faz necessária uma prisão preventiva; se a condução coercitiva do acu­ sado para o reconhecimento pessoal for apta a alcançar o fim almejado, não se afigura correto escolher medida mais gravosa consubstanciada na privação da liberdade de locomoção do acusado; se a proibição de manter contato com pessoa determinada ou a monitoração eletrônica (CPP, art. 319, III e IX, respecti­ vamente) se revelarem adequadas e idôneas para assegurar a eficácia da investigação ou da instrução criminal, deve o magistrado evitar a decretação do cárcere ad custodiam. + Jurisprudência selecionada;

STF:"(...) a prisão cautelar da paciente se apoia, exclu­ sivamente, no con te ú do de entrevista concedida a program a de televisão. Entrevista pela qual a pacien­ te, com o legítim o propósito de autodefesa, narrou sua própria versão aos fatos crim inosos a ela m esm a im putados. A análise d o s autos evidencia ilegítim o cerceio à liberdade de locom oção da paciente". (STF, 1aTurma, HC 95.116/SC, Rei. Min. Carlos Britto, D Je43 05/03/2009).

STJ:"(...) o fato de

o réu não com parecer a seu inter­

rogatório, sem outros da d o s concretos, não é m otivo suficiente a autorizar seu recolhim ento cautelar. A resistência d o réu em com parecer a juízo, m e sm o para ser ouvido, c on q u an to denote ao lo n ge certo propósito de evasão d o distrito da culpa, não pode confundir-se com real ato de fu ga a ponto de desen­ cadear a m edida extrema". (Informativo n. 402 d o STJ,

6a Turma, HC 115.881/RS, Rei. Min. M aria Thereza de Assis Moura, j. 13/08/2009).

6.2. R e vogação da preventiva ao final da instrução criminal: a prisão preventiva decretada com base na conveniência da ins­ trução criminal subsiste enquanto persistir a instrução processual. Em outras palavras, uma vez encerrada a instrução processual (ou até mesmo ouvida a testemunha que estava

Art.312

sendo ameaçada), deve o juiz revogar a prisão preventiva decretada com base nessa hipótese, de acordo com o art. 316, caput, c/c art. 282, §5°, ambos do Código de Processo Penal. Relembre-se que, em se tratando de processo criminal da competência do Júri, a prisão pre­ ventiva decretada com base na conveniência da instrução crim inal pode perdurar até o julgamento em plenário, já que as testemunhas ameaçadas pelo acusado poderão vir a ser chamadas para depor em plenário. 7. Garantia de aplicação da lei penal: a prisão preventiva com base na garantia de aplicação da lei penal deve ser decretada quan­ do o agente demonstrar que pretende fugir do distrito da culpa, inviabilizando a futura execução da pena. 7.1. Im p o ssib ilid a d e de presunção da fuga: sob pena de evidente violação ao prin­ cípio da presunção de inocência, não se pode presumir a fuga do agente simplesmente em virtude de sua condição socioeconômica favo­ rável. Meras ilações ou conjecturas desprovi­ das de base empírica concreta não autorizam a decretação da prisão do agente com base nesse pressuposto. O juiz só está autorizado a decretar a prisão preventiva com base em elementos concretos constantes dos autos que confirmem, de maneira insofismável, que o agente pretende se subtrair à ação da justiça. Além disso, diante da regra probatória que deriva do princípio da presunção de não cul­ pabilidade, não é do réu o ônus de assegurar que não pretende fugir, mas sim da acusação e do juízo o de demonstrar, à vista dos fatos concretos, ainda que indiciários - e não de vagas suposições - haver motivos para temer a fuga às consequências da condenação even­ tual. Acerca da prisão preventiva decretada com base na garantia de aplicação da lei penal, oportuno relembrar rumoroso caso concreto relativo ao cidadão S.A.C., natural da Itália, acusado da prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, notadamente de gestão fraudulenta e temerária, respectivamente, das instituições financeiras MARKA S/A e FONTECIDAM S/A, bem como o auxílio prestado pelo BACEN a ambas, indevidamente, de que

Art.312

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

resultou, segundo laudos periciais oficiais, um prejuízo público da órbita de 1.574.805.000,00 (um bilhão, quinhentos e setenta e quatro milhões, oitocentos e cinco mil reais). Após obter decisão da Suprema Corte suspendendo, em sede liminar (HC 80.288/RJ), os efeitos de mandado de prisão contra ele decretado, o cidadão S.A.C. viajou para a Itália, país que, à semelhança do Brasil, não extradita seus nacionais. Posteriormente, por concluir que o acusado não demonstrara sua intenção de retornar ao Brasil, e, por consequência, man­ ter-se alheio à ação penal, o Juízo da 6a Vara Federal houve por bem decretar nova prisão preventiva do acusado, fazendo-o mais uma vez sob o fundamento da garantia da ordem econômica. Assim é que, em 15 de setembro de 2007, S.A.C. acabou sendo preso quando se encontrava no principado de Mônaco. Im­ pugnada a decisão que decretara sua prisão preventiva, concluiu-se que a manutenção de sua prisão era medida de rigor em face da efe­ tiva fuga do agente, o qual, logo após a decisão que, em sede de liminar, suspendera a eficácia do mandado de prisão, viajou às pressas para a Itália, lá permanecendo sem qualquer intenção de retornar. A magnitude da lesão causada, desde que aliada aos demais requisitos do ar­ tigo 312 do Código de Processo Penal, é fator capaz de influenciar na decisão que examina o pedido de prisão preventiva do acusado: inteligência do artigo 30 da Lei 7.492/1986 (STJ, 3a Seção, HC 111.111/DF, Rei. Ministra Jane Silva - Desembargadora convocada do TJ/MG -, Dje 17/02/2009).



Jurisprudência selecionada:

a expedição de carta precatória. (...) Conveniência da instrução criminal, c o m o form a d e evitar am eaças às testem u n has. Au sê n cia de base em pírica. Fuga com o justificativa da prisão cautelar para garantia da aplicação da lei penal. Necessidade de avaliá-la, caso a caso, para concluir-se se a intenção d o paciente é frustrar o cum prim ento da pena ou im pu gn ar prisão que considera injusta. Ausente, no caso, dem onstração de que o paciente pretende subtrair-se à aplicação da lei penal. Ordem concedida". (STF, 2aTurma, HC 91.971 / AC, Rei. Min. Eros Grau, DJe 31 22/02/2008).

STF:"(...) Sentença condenatória: prisão cautelar: m o ­ tivação idônea, q u an to à garantia da ap licação da lei penal, tendo em vista o lo n go período em que o paciente teria p erm an ecido foragido: existência de fatos concretos que, so m a d o s à superveniência da condenação, indicam densa probabilidade de o Pa­ ciente se evadir. (...) Deferim ento de habeas corpus, de ofício, para redução da pena aplicada". (STF, 1a Turma, HC 90.265/AL, DJ 31/08/2007 p. 36).

STF:"(...) a sim ples m udança, para o exterior, de d o m i­ cílio ou residência de indiciado, com a devida com u ni­ cação à autoridade competente, não justifica, por si só, a prisão preventiva. (...)". (STF, 2aTurma, HC 102.460/SP, Rei. Min. Ayres Britto, j. 23/11/2010).

STJ:"(...) O fato de o paciente ter se evadido d o distrito da culpa, tendo conhecim ento de que estava sendo investigado, constitui fundam entação idônea, capaz de justificar o decreto constritivo, por dem onstrar a necessidade de se assegurar a instrução crim inal e garan tira eventual aplicação da Lei Penal. O rdem d e ­ negada, em conform idade com o parecer ministerial". (STJ, 5aTurma, HC 88.313/RS, Rei. Min. Napoleão Nunes M aia Filho, DJ 25/02/2008 p. 344). STJ:"(...) A real periculosidade d o réu, evidenciada no m odus operandi (quadrilha num erosa e de posse de gran de q u an tid ade de entorpecentes) e na audácia d o paciente que con tin u ou a praticar a traficância m esm o ap ós a prisão de dois m em bros da organiza­ ção criminosa, b em c o m o a possibilidade de o réu, que não é radicado no distrito da culpa, em preender fuga, são m otivações idôneas, capazes de justificar a m anutenção da constrição cautelar, por dem onstra­

STF: "(...)

a sim ples afirm ação de que o s pacientes carecem de dom icílio certo e conhecido não tem a

e de se assegurar a eventual aplicação da lei penal.

força de lastrear a segregação provisória para assegurar eventual aplicação da lei penal. (...)". (STF, 1aTurma, HC

em conform idade com o parecer ministerial". (STJ, 5a

91.616/RS, Rei. Min. Carlos Britto, DJ 07/12/2007 p. 59).

Turma, HC 88.101/SP, Rei. Min. N apoleão N unes M aia

STF: "(...) Conform e

rem ansosa jurisprudência desta

Suprem a Corte, a fu ga d o réu d o distrito da culpa jus­ tifica o decreto ou a m anutenção da prisão preventiva. (...) O rdem denegada". (STF, 1a Turma, HC 90.967/PR, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 26/10/2007 p. 63).

rem a necessidade de se resguardar a ordem pública Precedentes d o STJ. (...) H ab eas C orpu s d e n e gad o,

Filho, DJ 10/03/2008 p.1". STJ: “(...) Presentes do s fortes indícios de que as pa­ cientes fazem parte de poderosa organização crimi­ nosa voltada para o tráfico internacional de dro gas e lavagem de dinheiro proveniente d o tráfico, com

STF:"(...) Residência fora d o distrito da culpa. Circuns­

ramificações na América d o Sul e Europa, não se mostra

tância que não autoriza a prisão preventiva por con­

inidôneo o decreto de prisão cautelar, arrim ado no res­

veniência da instrução criminal, especialmente porque o endereço d o paciente é conhecido, o que viabiliza

gu ardo da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal, p ois há sérios riscos das atividades ilícitas

TfTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

serem retomadas com o livramento, além de se mostrar bastante provável que as rés se furtem à aplicação da lei penal, já que são estrangeiras em situação irregular e sem vínculos no Brasil. A prisão cautelar im posta às pacientes, concretam ente justificada no resguardo da ordem pública e econôm ica e para garantia da aplica­

Art.312

to m a le gitim ad o c om a posterior fu ga d o Paciente, um a vez que o a c u sad o não deve suportar o ô nu s d e se recolher à p risão para im p u g n a r a m e d id a constritiva m anifestam ente ilegal. Precedentes desta Corte Superior e d o Suprem oTribunal Federal. Ordem

ção da lei penal, tem por escopo prevenira reprodução

con ce d id a para revogar o decreto judicial de prisão preventiva e x p e d id o em de sfavor d o Paciente, se

de fatos crim inosos e acautelar o m eio social, retirando d o convívio da com u nidade aqueles que dem onstram

p or outro m otivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de prisão cautelar devidam ente

ser do tado s de intensa periculosidade, consubstancia­ da no m odusoperandi, na habitualidade das condutas

fundam entada". (STJ, 5aTurma, HC 80.269/SP, Relatora

e, c o m o no caso em exame, na suposta participação

STJ:"(...) A fu ga d o distrito da culpa, diante de decreto

em poderosa organização crim inosa ligada ao tráfico internacional de drogas. (...) Em acordo com o parecer ministerial, d e n e ga-se a ordem". (STJ, 5a Turma, HC 97.520/RJ, Rei. Min. N apoleão N u nes M aia Filho, DJ 07/04/2008 p. 1).

7.2. Ausência m om entânea para evitar uma prisão em flagrante ou para evitar uma prisão decretada arbitrariamente: os Tribu­ nais têm analisado essa intenção de se subtrair à aplicação da lei penal com certo temperamento. Assim, uma ausência momentânea, seja para evitar uma prisão em flagrante, seja para evitar uma prisão decretada arbitrariamente, não caracteriza a hipótese de garantia de aplicação da lei penal. Além disso, não pode justificar uma ordem de prisão a fuga posterior à sua decretação, cuja validade se contesta em juízo: do contrário, seria impor ao acusado, para questioná-la, o ônus de submeter-se à prisão processual que entende ser ilegal ou abusiva. Se é verdade, então, que a simples fuga para se evitar a prisão em flagrante ou para im ­ pugnar decisão constritiva tida por ilegal não autorizam, de per si, a decretação da prisão preventiva, também é verdade que, demonstra­ da inequívoca intenção do agente de se furtar à aplicação da lei penal, em situações em que comprovada sua fuga em momento anterior à expedição de decreto prisional, haverá causa idônea a justificar sua segregação cautelar com base na garantia da aplicação da lei penal.

M inistra Laurita Vaz, DJ 05/11/2007 p. 317).

prisional m arcado pela carência de fundam entação, não corporifica, por si só, o risco para aplicação da lei penal, mas, antes, exercício regular de direito: legítima oposição ao arbítrio estatal. Ordem concedida". (STJ, 6a Turma, H C 91.083/BA, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJ 10/03/2008 p.1).

STF:"(...) A particularidade de o acusado evadir-se do distrito da culpa não esteia, por si só, a prisão preventi­ va, morm ente q u an do a seguir busca ajustiça, m edian­ te peça subscrita por profissional de advocacia, para apresentar-se e ser interrogado. (...)". (STF, I a Turma, H C 84.470/MG, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 24/08/2004, DJ 08/10/2004).

STF:"(...)Amera evasão d o distrito da culpa -

seja para

evitar a configuração d o estado de flagrância, seja, ainda, para questionar a legalidade e/ou a validade da própria decisão de custódia cautelar - não basta, só por si, para justificar a decretação ou a m anuten­ ção da m edida excepcional de privação cautelar da liberdade individual d o indiciado ou do réu. - A pri­ são cautelar - qualquer que seja a m odalidade que ostente no o rdenam ento positivo brasileiro (prisão em flagrante, prisão tem porária, prisão preventiva, prisão decorrente de sentença de pronúncia ou prisão m otivada por condenação penal recorrível) -som ente se legitim a, se se com provar, c o m a p o io em base empírica idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária m edida de constrição do "status libertatis" d o indiciado ou d o réu. (...) M e sm o que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5o, LVII) - presum ir-lhe a culpabilid ade . N in g u é m p od e ser tratado c o m o culpado, qualquer que seja a natureza d o ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão

-f Jurisprudência selecionada:

judicial condenatória transitada em julgado. O prin­

STJ: "(...)

cípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra um a regra de tratam ento

A in da que o crime seja classificado c o m o

hediondo, a sim p les ale g açã o de ssa natureza não é, de per si, justificadora d o deferim ento d o decreto de se g re g a ç ã o cautelar, de ven d o, tam b é m , a au ­ toridade judicial dem onstrar com d a d o s concretos d o s autos, a im pe rio sidad e da m edida. O decreto de prisão carente d e fu n d am e n tação legal, não se

que im pede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, c o m o se estes já houvessem sido condenados, definitivam ente, p or sentença d o Poder Judiciário. Precedentes". (STF, 2a Turma, HC 89.501/GO, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 16/03/2007 p. 43).

889

Art.312

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

STF:"(...) Fuga e posterior apresentação espontânea. C om p ortam en to expressivo de que a aplicação da lei penal não está am eaçada. O rdem concedida". (STF, HC 91741/PE, rei. orig. Min. Ellen Gracie, rei. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 3.6.2008).

7.3. Prisão de estrangeiros: enfoque espe­ cial está a merecer a situação do estrangeiro que comete crime no território nacional. De início, cumpre firmar que o fato de o suposto autor do delito ostentar a condição jurídica de estrangeiro não lhe inibe, só por si, o acesso aos instrum entos processuais de tutela da liberdade, nem lhe subtrai, por tais razões, o direito de ver respeitadas, pelo Poder Pú­ blico, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o orde­ namento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada pelo Estado. Logo, pelo simples fato de o acusado ser estrangeiro, não se pode estabelecer uma presunção absoluta de fuga. Assim, caso o estrangeiro se encontre em situ­ ação regular no país, com residência fixa, além de desenvolver atividade lícita, não se afigurará necessária sua prisão com base na garantia de aplicação da lei penal. Por outro lado, em se tratando de estrangeiro em situação irregular no País, sem residência fixa, nem tampouco no exercício de atividade lícita, afigura-se lícita a decretação de sua prisão preventiva. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A com provação de b on s antecedentes, resi­ dência fixa e a entrega voluntária de passaporte por estrangeiro, acu sad o da prática de crim es contra o sistema financeiro, dem onstra a intenção de submeter-se à jurisdição brasileira. (...) Custodiado que, ademais, encontra-se em situação anti-isonôm ica com relação a outro detido, tam bé m estrangeiro, preso por m otivos semelhantes, m as posteriorm ente libertado. O rdem concedida". (STF, I a Turma, H C 93.134/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 036 29/02/2008).

STJ:"(...) Sen do induvidosa a prática d o crime e presen­ tes suficientes indícios de sua autoria por estrangeiro, não será arbitrária, abusiva nem tam po u co absurda, a assertiva judicial de que, em liberdade, o agente se furtará à aplicação da lei penal, sendo de extrema valia, para a verossim ilhança de tal afirmação, a natu­ reza d o delito, as condições em que o foi praticado, a personalidade d o agente e sua facilidade para evadir-se d o País. O M agistrad o processante, ao decretar a prisão preventiva d o ora paciente, o fez p autado em

veem entes indícios de autoria e materialidade, além da necessidade de resguardo d o regular andam ento da futura ação penal, asseverando que o paciente é estrangeiro em situação irregular no País, não possui residência fixa, nem desenvolve atividade lícita, além de que, um de seus ofícios, era burlar a fiscalização aeroportuária, transitando livremente pelo território nacional, m esm o a despeito de sua situação irregular. Destarte, encontram -se presentes os requisitos autorizadores da custódia cautelar, tendo sido indicados elem entos concretos suficientes, extraídos do s autos d o inquérito, entre eles a facilidade de fu ga que possui o paciente, de m on strand o a necessidade da m edida extrema, em razão da garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal. Habeas C orpu s denegado, em conform idade com o parecer ministerial". (STJ, 5a Turma, H C 86.112/MA, Rei. Min. N apoleão N unes M aia Filho, DJ 10/03/2008 p. 1).

7.3.1. Acordos de assistência judiciária e (des) necessidade de decretação da pre­ ventiva do estrangeiro: com a crescente ce­ lebração de acordos de assistência judiciária em matéria criminal pelo governo brasileiro, os Tribunais Superiores têm optado pela não decretação da prisão preventiva com base na garantia de aplicação da lei penal, sobretudo quando o agente demonstrar que possui resi­ dência certa no país de origem. Acerca desses acordos de assistência judiciária, Walter Nunes da Silva Júnior (op. cit. p. 365) assevera que, “a par da cooperação jurídica internacional com a qual um país pede que o outro, tendo em conta decisão dada pela sua justiça, acate e determine o cumprimento do que nela restou determina­ do, no âmbito internacional tem-se admitido a chamada cooperação direta, hipótese na qual o país, tendo interesse na realização de uma di­ ligência ou que seja determinada uma medida coercitiva em território alheio, solicita ao país estrangeiro o patrocínio dessa pretensão peran­ te os órgãos jurisdicionais nacionais. A diferen­ ça é que, na assistência direta, ao invés de o Es­ tado requerente solicitar que seja cumprida, no território alheio, a decisão dada pela sua justiça, ele pede que o Governo do Estado requerido patrocine, em seu nome, perante o seu Poder Judiciário, que este determine a realização da audiência ou proceda à diligência solicitada. Nesse caso, a cooperação jurídica internacional se faz perante a jurisdição de primeira instân­ cia, apresentando-se, assim, como forma difusa e descentralizada de enfrentar a questão”. Por

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

isso, em caso concreto apreciado pelo Supremo, entendeu-se que, prevendo o Tratado celebrado entre o Brasil e a Espanha a troca de presos, inexiste óbice ao retorno do acusado ao país de origem. Conforme versado no referido tratado, inserido na ordem jurídica nacional mediante o Decreto n° 2.576/98, mostra-se possível exe­ cutar na Espanha eventual título condenatório formalizado pelo Judiciário pátrio. Destarte, conclui-se que a condição jurídica de não na­ cional e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório, mormente se houver acordo de assistência judiciária entre o Brasil e o país de origem do acusado em matéria penal, a permi­ tir apoio durante a tramitação do inquérito e de eventual processo criminal. A propósito, no julgamento do HC 2006.01.00.043351-1 (Rei. Desembargador Federal Cândido Ribeiro - DJ 12/01/2007, p. 17), relativo ao acidente aéreo envolvendo o jato ‘legacy’ e o boeing da gol, do qual resultou a morte de 154 (cento e cinquenta e quatro) pessoas, entendeu o Tribunal Regio­ nal Federal da I a Região não estar demonstrada a cautelaridade da retenção dos passaportes dos pilotos americanos, in verbis: “(...) A condição de estrangeiros, por si só, não se justifica para a restrição à liberdade de locomoção, eis que a Constituição Federal não faz distinção entre brasileiros e estrangeiros. Ademais, não obstan­ te a natureza do delito não permitir a custódia cautelar, foi demonstrado que possuem família e trabalho regular no seu país, estando há mais de 60 (sessenta) dias retidos sem que tenham prestado depoimento ou mesmo sido indi­ ciados, a configurar constrangimento ilegal. Existência de acordo de assistência judiciária entre Brasil e Estados Unidos em matéria pe­ nal, a permitir apoio durante a tramitação do inquérito e eventual ação penal. Ordem que se concede em parte para determinar a restituição dos passaportes dos pacientes no prazo de 72 (setenta e duas) horas”. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Prevendo oTratado celebrado entre o Brasil e a Espanha a troca de presos, inexiste óbice ao retorno d o acu sad o ao país de origem . C on form e versado no referido tratado, inserido na ordem jurídica na­

.

A lt . 3 1 2

cional m ed ian te o Decreto n° 2.576/98, m ostra-se possível executar na Espanha eventual título con de ­ natório form alizado pelo Judiciário pátrio". (STF, 1a Turma, HC 91.690/SP, Rel. Min. M arco Aurélio, DJe-018 01/02/2008)

STF:"(...) Interrogatório do s pacientes. Cidadãos norte-americanos. Ato essencialm ente de defesa. Possibili­ dade de ser praticado perante as autoridades judiciá­ rias estrangeiras, por força d o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal, assin ado entre o Brasil e o s EUA. Decreto n° 3.810/01.0 Acordo de Assistência Judiciária em M atéria Penal, a ssin ad o pelo Brasil e pelos Estados Unidos, tem com o objetivo "facilitar a execução das tarefas das autoridades responsáveis pelo cum prim ento da lei de am b o s os países, na in­ vestigação, inquérito, ação penal e prevenção d o crime por m eio de cooperação e assistência judiciária m útua em matéria penal". 2 .0 artigo i, item 2, letra "a", desse acordo prevê que a assistência incluirá, entre outros atos processuais, a tom ada de de poim ento ou decla­ ração de pessoas, incluindo-se aí o interrogatório do s acusados. 3. C onsiderando as peculiaridades d o caso concreto e o que previsto no Acordo de Assistência, em especial n o artigo V, item 3, o interrogatório dos pacientes poderá ocorrer perante as autoridades e sob as regras processuais d o s Estados Unidos. 4.0 artigo X, item 1, d o m esm o diplom a estabelece que, qu an d o o Estado requerente solicita o com parecim ento de um a pessoa para prestar depoim ento, o Estado requerido "convidará" essa pessoa para que com pareça peran­ te a autoridade com petente n o Estado requerente, deven do este aguardar a resposta d o depoente. Esse dispositivo indica a não-obrigatoriedade do com pare­ cim ento pessoal d o depoente que poderá responder, por escrito, aos quesitos form ulados pela Justiça bra­ sileira. 5. Ordem concedida. (STF, 1aTurma, HC 91.444/ RJ, Rel. Min. M enezes Direito, DJe 078 02/05/2008).

STJ:"(...) os fundam entos de que houve a fu ga d o pa­ ciente estrangeiro e de que seria necessário, por isso, o resguardo da aplicação da lei penal não justificam a m edida extrema, pois ele logrou com provarque possui residência fixa no país de sua nacionalidade (Paraguai) e que o interrogatório foi perfeitamente viabilizado m ediante o cum prim ento de rogatória remetida ao endereço que inform ou ao juízo". (Informativo n. 417 do STJ, 6aTurma, HC 87.752/PR, Rel. Min. O g Fernandes, j. 24/11/2009).

8. Prova da existência do crime: no tocante à materialidade, como denota a expressão pro­ va da existência do crime constante do art. 312 do CPP, exige-se um juízo de certeza quando da decretação da prisão preventiva. Por con­ seguinte, quanto à materialidade delitiva, é necessário que haja prova, isto é, certeza de que o fato existiu, sendo, neste ponto, uma exceção

A rt. 3 1 3

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

do exame de corpo de debto. Na verdade, como é cediço, o laudo pericial pode ser juntado durante o curso do processo, salvo nos casos de drogas (laudo de constatação da natureza

9.1. Distinção entre indícios e meras suspei­ tas de autoria: não se pode confundir o indício, que é sempre um dado objetivo, em qualquer de suas acepções (prova indireta ou prova semiplena), com a simples suspeita, que não passa de um estado de ânimo. O indício é constituído por um fato demonstrado que autoriza a indução sobre outro fato ou, pelo menos, constitui um elemento de menor valor; a suspeita é uma pura intuição, que pode gerar desconfiança, dúvida, mas também conduzir a engano.

da droga - art. 50, §1°, da Lei n. 11.343/06) e de crimes contra a propriedade imaterial (CPP,



ao regime normal das medidas cautelares, na medida em que, para a caracterização dofumus

boni iuris, há determinados fatos sobre os quais o juiz deve ter certeza, não bastando a mera probabilidade. No caso de crimes que deixam vestígios, não há falar em indispensabilidade

art. 525), hipóteses em que o exame de corpo de delito assume natureza jurídica de verda­ deira condição específica de procedibilidade.

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O

habeas corpus contra a prisão preventiva

não com p orta em linha de princípio, so pe sam e nto d o valor probante de elem entos inform ativos c o n ­ trapostos, m as a verificação da existência, contra o

9. Indício suficiente de autoria: no que tan­ ge à autoria (ou participação), exige o Código a presença de indício suficiente de autoria. Como é cediço, a palavra indício possui dois significados. Ora é usada no sentido de prova indireta, tal qual preceitua o art. 239 do CPP, ora é usada no sentido de uma prova semiplena, ou seja, aquela com menor valor persuasivo. É exatamente neste último sentido que a palavra indício é usada no art. 312 do CPP, da mesma forma que ocorre nos arts. 126 e 413 do CPP, ou seja, cuida-se de prognóstico de um julgamento positivo sobre a autoria. En­ fim, diversamente do que ocorre em relação à existência do crime, sobre a qual deve haver um juízo de certeza, basta um juízo de proba­ bilidade de autoria (ou de participação) para a caracterização do fum us comissi delicti.

réu ou o indiciado, de "indício de autoria”, locução na qual “indício" não tem o sentido específico de prova indireta - e eventualm ente conclusivo - que lhe dá a lei (CPr.Pen., art. 239), mas, sim, apenas, o de indicação, com eço de prova ou prova incompleta: existente um indício, só a contraprova inequívoca ou a própria e gritante inidoneidade dele p od em elidir a legitim ida­ de da prisão preventiva que nele se funda. (...)". (STF, Pleno, RH C 83.179/PE, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22/08/2003 p. 22).

10. Descum prim ento de qualquer das obrigações im postas por força de outras m edidas cautelares: por ocasião da aná­ lise do descum prim ento injustificado das obrigações inerentes às medidas cautelares, fizemos detida análise do art. 282, §4°, e do art. 312, parágrafo único, ambos do CPP. De modo a evitar repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 282, §4°, do CPP.

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decre­ tação da prisão preventiva:' (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;2 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença tran­ sitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;3 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para

TfTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

Art.313

garantir a execução das medidas protetivas de urgência;4 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11); IV - (Revogado pela Lei n. 12.403/11). Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houverdúvida sobrea identidade civil da pessoa ou quando esta nãofornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendara manutenção da medida.5 (Incluído pela Lei n. 12.403/11). 1. Hipóteses de admissibilidade da prisão preventiva: presentes os pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada em relação aos crimes listados no art. 313 do CPP. Na hipótese de inadmissibilidade da decretação da prisão preventiva, porquanto não preenchidos os requisitos do art. 313, incisos I, II e III, e parágrafo único, do CPP, nada impede a de­ cretação de medida cautelar diversa da prisão pela autoridade judiciária, desde que à infração penal seja cominada pena privativa de liber­ dade, isolada, cumulativa ou alternativamente (CPP, art. 283, §1°). Aliás, no tocante à possi­ bilidade de aplicação das medidas cautelares diversas da prisão em relação às infrações de menor potencial ofensivo, confira-se o teor do Enunciado n. 121 do X X X FONAJE, realizado em São Paulo entre 16 e 18 de novembro de 2011: “As medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP e suas consequências, à exceção da fiança, são aplicáveis às infrações de menor potencial ofensivo para as quais a lei cominar em tese pena privativa de liberdade”.2 2. Crim es d o lo so s p u n id o s com pena m áxim a superior a 4 (quatro) anos: nos termos do art. 312 do CPP, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liber­ dade máxima superior a 4 (quatro) anos (CPP, art. 313, I, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11). Logo, independentemente da natureza da pena, reclusão ou detenção, será cabível a decretação da prisão preventiva quando a pena máxima cominada ao delito for superior a 4 (quatro) anos. O dispositivo guarda pertinência com o quantum de pena fixado com o limite para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de

direitos e para o início do cumprimento da pena em regime aberto. Com efeito, segundo o art. 44, inciso I, do Código Penal, pelo me­ nos em regra, será cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando for aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. Por sua vez, de acordo com o art. 33, §2°, alínea “c”, do CP, o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri­ da em regime aberto. Atento ao princípio da proporcionalidade, o dispositivo visa evitar que o mal causado durante o processo seja desproporcional àquele que, possivelmente, poderá ser infligido ao acusado quando de seu término. Ou seja, ao decretar a prisão preventiva, deve o juiz fazer um prognóstico se, ao término do processo, ao réu poderá ser aplicada pena privativa de liberdade. Assim, se o juiz, ab initio, percebe que o crime cometido pelo agente terá sua pena privativa de liberdade convertida em restritiva de direitos, não faz sentido que decrete uma prisão preventiva. Impõe-se, pois, a observância da homogenei­ dade ou proporcionalidade entre a prisão pre­ ventiva a ser decretada e eventual condenação a ser proferida, porquanto não se pode admitir a utilização da tutela cautelar quando a medida instrumental apresentar o risco de ultrapassar os resultados finais e possíveis do processo. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O art. 324, IV, d o diplom a processual, ressalva que não se concederá fiança q u an d o estiverem pre­ sentes os m otivos que autorizariam a decretação da prisão preventiva. Entretanto, no caso, a questão deve se resolver à luz d o princípio da proporcionalidade, um a vez que se nd o a liberdade a regra e a prisão a

Art.313

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

exceção neste m om e nto processual, não se justifica manter o acusado preso em infração que admite fiança, m orm ente q u an do a pena privativa de liberdade em tese projetada não seja superior a quatro anos". (STJ, 6a Turma, HC 59.009/SP, Relatora Ministra M aria Thereza de Assis Moura, DJ 03/09/2007 p. 228).

2.1. Pena máxima superior a 4 (quatro) anos nas hipóteses de concursos de crimes conexos e/ou continentes im putáveis à mesma pessoa, qualificadoras, privilégios, causas de aum ento e de dim inuição de pena, agravantes e atenuantes: o critério fixado pelo legislador no art. 313, inciso I, do CPP, leva em consideração a pena máxima prevista para o crime doloso, que deve ser superior a 4 (quatro) anos. Tendo em conta que, pelo menos em regra, o cabimento da prisão preventiva será determinado a partir do quantum de pena máxima cominada ao delito, há de se dispensar especial atenção às hipóteses de concursos de crimes, qualifica­ doras, privilégios, causas de aumento e de diminuição de pena, agravantes e atenuantes. Nos casos de concursos de crimes imputáveis à mesma pessoa, deve ser levado em consi­ deração o quantum resultante da somatória das penas nas hipóteses de concurso material (CP, art. 69) e de concurso formal impróprio (CP, art. 70, infine), assim como a majoração resultante do concurso formal próprio (CP, art. 70, I a parte) e do crime continuado (CP, art. 71). Não se pode confundir a determinação do cabimento da prisão preventiva (CPP, art. 313, I) com a contagem da prescrição, que incide sobre cada delito isoladamente, nos termos do art. 119 do Código Penal. Isso será possível apenas quando houver alguma modalidade de conexão e/ou continência entre os delitos. Afinal, é a reunião dos processos e a unidade de julgamento que irá permitir a possibilidade de condenação final a uma pena superior a 4 anos, justificando, pois, a imposição da prisão preventiva. Não por outro motivo, a 2a Turma do Supremo concedeu habeas corpus para cassar decreto de prisão preventiva em face de suposta prática dos delitos de resistência (CP, art. 329) e de desacato (CP, art. 331), ambos com pena máxima abstratamente cominada de 2 anos de detenção (STF, HC 107.617/ES,

Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 23/08/2011). Da mesma forma que ocorre com as hipóteses de concurso de crimes, as qualificadoras também devem ser levadas em consideração na hora de se aferir o cabimento da prisão preventiva. Supondo, assim, a prática do crime de abando­ no de incapaz qualificado pelo resultado lesão corporal de natureza grave (CP, art. 133, §1°), será admissível a decretação da prisão preven­ tiva, porquanto a pena cominada para a figura qualificada em questão é de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. Em se tratando de causas de aumento e de diminuição de pena, deve-se atentar para o fato de que, nos termos do art. 313, inciso I, do CPP, o cabimento da prisão preventiva é aferido com base no máximo da pena cominada ao delito. Logo, em se tratan­ do de causas de aumento de pena, leva-se em consideração o quantum que mais aumente a pena; quando se tratar de causa de diminuição de pena, utiliza-se o quantum que menos dimi­ nua a pena. Raciocínio distinto será aplicável nas hipóteses de agravantes e atenuantes. Estas não são levadas em consideração quando da análise do cabimento da prisão preventiva. Isso porque não há critério legal predeterminado de majoração ou diminuição da pena em virtude de sua incidência. 3. Reincidente em outro crime doloso: nos termos do art. 312 do CPP, também será admitida a decretação da prisão preventiva se o investigado ou acusado tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal (CPP, art. 313, II). Independentemente de o crime ser punido com reclusão ou detenção - onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo - , a prisão preventiva poderá ser decretada se o acusado for reincidente em outro crime doloso, salvo se entre a data do cumprimento ou extin­ ção da pena e a infração posterior tiver decorri­ do período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação, de acordo com o art. 64, inciso I, da nova Parte Geral do Código Penal, ou, ainda, se na condenação anterior o réu tiver sido beneficiado pelo instituto do perdão judicial,

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hipótese em que a sentença não pode ser consi­ derada para fins de reincidência (CP, art. 120). Como se pode notar, não basta que o acusado seja reincidente. Na verdade, o legislador exige que esta reincidência seja específica em crime doloso, hipótese em que sua prisão preventiva poderá ser decretada independentemente da quantidade de pena cominada ao delito. De se lembrar que, em recente julgado (Plenário, RE 453.000/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 04/04/2013), o Plenário do Supremo concluiu ser constitucional a aplicação da reincidência, não só como agravante da pena (CP, art. 61, inciso I), mas também como fator impeditivo para a concessão de diversos benefícios, sem que se possa objetar a configuração de bis in idem. Logo, não há falar em inconstitucionalidade do art. 313, II, do CPP, por permitir a prisão preventiva do reincidente específico em crime doloso, independentemente do quantum de pena cominado ao segundo delito doloso por ele cometido. 4. Crime envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adoles­ cente, idoso, enfermo ou pessoa com defi­ ciência, para garantir a execução das me­ didas protetivas de urgência: por violência doméstica e familiar compreende-se qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psi­ cológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consi­ deram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (Lei n. 11.340/06, arts. 5o e 7o). 4.1. Mulher, criança, adolescente, idoso, enfermou ou pessoa com deficiência: a ví­ tima desse crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar que autoriza a decretação da prisão preventiva não é apenas a mulher,

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mas também a criança, o adolescente, o ido­ so, o enfermo ou pessoa com deficiência. O conceito de criança e de adolescente pode ser extraído do Estatuto da Criança e do Adoles­ cente. Segundo o art. 2o da Lei n. 8.069/90, considera-se criança a pessoa até 12 (doze) anos de idade incom pletos, e adolescente aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade. Idoso, por sua vez, é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (Lei n. 10.741/03, art. I o). Pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo pra­ zo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 2o do Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei n. 13.146/15). 4.2. Crime doloso, independentem ente da quantidade de pena a ele cominada: à primeira vista, pode-se pensar que, nessa hipótese, a prisão preventiva seria cabível tanto em relação a crimes dolosos quanto em face de crimes culposos, já que o inciso III do art. 313, diversamente dos dois incisos anteriores, não estabelece qualquer distinção, referindo-se apenas à prática de crime. Não obstante, se o inciso III do art. 313 pressupõe a prática de crime envolvendo violência do­ méstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, é evidente que referido crim e só pode ter sido pra­ ticado dolosamente. Afinal, se se trata de violência de gênero, deve ficar evidenciada a consciência e a vontade do agente de atingir uma das vítimas vulneráveis ali enumeradas, assim como sua intenção dolosa de violar as medidas protetivas de urgência, o que não resta caracterizado nas hipóteses de crimes culposos. Como a redação do inciso IIII do art. 313 não faz distinção quanto à natureza da pena do crime doloso, deve-se entender que, independentemente da quantidade de pena cominada ao delito, pouco importando, ademais, se punido com reclusão ou deten­ ção, a prisão preventiva pode ser adotada

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como medida de ultima ratio no sentido de compelir o agente à observância das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, mas desde que presente um dos fundamentos que autorizam a prisão preven­ tiva (CPP, art. 312). + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) É legal

o decreto de prisão preventiva que, partindo da singularidade d o caso concreto, assevera

a necessidade de acautelam ento da integridade, so ­ bretudo física, das vítimas, as quais, ao que consta do s autos, correm risco de sofrerem novas ofensas físicas, em se considerando o histórico do Paciente. A despeito de os crim es pelos quais responde o Paciente serem pu nid os com detenção, o próprio ordenam ento jurí­ dico (art. 313, inciso IV, d o C ó d ig o de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.° 11.340/2006) prevê a possibilidade de decretação de prisão preventiva nessas hipóteses, em circunstâncias especiais, com vistas a garantir a execução de m ed idas protetivas de urgência". (STJ, 5a Turma, HC 132.379/BA, Rei. Min. Laurita Va z, Dje 15/06/2009).

4.3. M edidas protetivas de urgência: as medidas protetivas de urgência a que se refere o art. 313, III, do CPP, estão previstas na Lei Maria da Penha. Aquelas que obrigam o agres­ sor estão listadas no art. 22 da Lei n. 11.340/06, podendo ser aplicadas em conjunto ou sepa­ radamente: a) suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente; b) afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; c) proibição de determinadas condutas, entre as quais a aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor, o contato com a ofendida, seus familiares e teste­ munhas por qualquer meio de comunicação, e a frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; d) restrição ou suspensão de visi­ tas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; e) prestação de alimentos provisionais ou provisórios. Se tais medidas não surtirem o efeito almejado, a prisão preventiva pode ser usada como soldado de reserva, a fim de se evitar reiteração de violência doméstica e familiar contra a mulher. Aqui reside uma apa­

rente contradição do inciso III do art. 313 do CPP, com redação dada pela Lei n. 12.403/11. As medidas protetivas de urgência a que se refere o inciso III estão previstas na Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), a qual dispõe apenas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Como, então, explicar-se o teor do inciso III do art. 313 do CPP, que faz menção à garantia da execução dessas medi­ das protetivas de urgência quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência ? Na verdade, mesmo antes do advento da Lei n. 12.403/11, apesar de a Lei n. 11.340/06 ter por objeto apenas a violência doméstica e familiar contra a mulher, as medidas protetivas nela previstas já vinham sendo utilizadas por meio de analogia em toda e qualquer hipótese de violência de gênero, ou seja, desde que presente situação de hipossuficiência física e/ou econômica. Assim, mesmo que a violência doméstica e familiar fosse prati­ cada, por exemplo, contra uma criança do sexo masculino, tais medidas protetivas de urgência já vinham sendo aplicadas cautelarmente, seja por meio de analogia, seja com fundamento no poder geral de cautela. Daí o motivo pelo qual a Lei n. 12.403/11 inseriu no inciso III do art. 313 do CPP a violência doméstica e familiar contra crianças, adolescentes, idosos, enfermos ou pessoas com deficiência, já que também se afigura possível a adoção das medidas proteti­ vas de urgência listadas na Lei Maria da Penha em face dessas situações de vulnerabilidade. 4.4. Im p o ssib ilid ad e de decretação da preventiva diante do simples descumprimento injustificado das medidas protetivas de urgência: leitura isolada do inciso III do art. 313 do CPP pode levar à conclusão de que o descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, por si só, pode dar ensejo à decretação da prisão preventiva do acusado. Não seria necessário, assim, que se demonstrasse a presença da garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e garantia de aplicação da lei penal. Deixamos de inserir o pressuposto da garantia da ordem econômica por não ser aplicável aos casos de violência doméstica e

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familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência. A nosso ver, o inciso III deve ser lido em conjunto com o teor do caput do art. 313 do CPP, que expressamente faz menção aos termos do art. 312 do Código. Ora, se o caput do art. 313 faz menção aos termos do art. 312 do CPP, signi­ fica dizer que, mesmo nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, a decretação da prisão preventiva também está condicionada à demonstração da necessidade da imposição da custódia para garantia da ordem pública, por conveniência da instrução crim inal ou para assegurar a aplicação da lei penal. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) M u ito e m b o ra o art. 313, IV, d o C ó d ig o de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n° 11.340/2006, admita a decretação da prisão preventiva nos crimes dolo so s que envolvam violência dom éstica e familiar contra a mulher, para garantir a execução de m edidas protetivas de urgência, a ad oção dessa providência é con dicion ada ao preenchim ento dos requisitos previstos no art. 312 daquele diplom a. É im prescindível que se dem onstre, com explícita e concreta fundam entação, a necessidade da im posição da custódia para garantia da ordem pública, da ordem econôm ica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, sem o que não se mostra razoável a privação da liberdade, ainda que haja descum prim ento de m edida protetiva de urgên­ cia, notadam ente em se tratando de delitos punidos com pena de detenção". (STJ, 6 aTurma, H C 100.512/MT, Rei. Min. Paulo Gallotti, DJe 23/06/2008).

STJ:"(...) Na espécie, diante da notícia de que o pa­ ciente, m e sm o ap ós cientificado da m edida proteti­ va imposta, consistente na determ inação de não se aproxim ar da vítima, bem com o de seus familiares, continuou a rondar a residência daquela, causando-lhe temor, acertada a decretação da prisão preventiva do acusado. D e fato, está devidam ente fundam entada a segregação cautelar do paciente não som ente na g a ­ rantia da instrução criminal, m as tam bém na garantia da ordem pública, ante a necessidade de preservação da integridade física e psicológica da vítima, bem com o de sua família". (STJ, 5aTurma, HC 123.804/MG, Rei. Min. Felix Fischer, Dje 27/04/2009).

4.5. Compatibilidade do inciso ill do art. 313 do CPP com a autorização constitu­ cional e convencional para a prisão civil apenas para as hipóteses de dívida de ali­

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mentos: outro ponto que merece destaque quanto ao inciso III do art. 313 diz respeito à compatibilidade da decretação da prisão pre­ ventiva para garantir a execução das medidas protetivas de urgência e o princípio constitu­ cional esculpido no art. 5o, inciso LXVII, que autoriza a prisão civil apenas para as hipóteses de dívida de alimentos ou depositário infiel - de se lembrar que, a partir da decisão do Supremo no RE 466.343, somente subsiste a prisão civil no ordenamento pátrio nos casos de dívida alimentar, haja vista o status supralegal conferido aos tratados internacionais de direitos humanos. Explica-se: como várias das medidas protetivas de urgência possuem, inequivocamente, caráter civil, ao se decretar a prisão preventiva do agressor como forma de garantir sua execução, estar-se-ia criando uma nova hipótese de prisão civil, o que não seria permitido pela Constituição Federal. Por isso, se o descumprimento de uma medida protetiva de urgência estiver relacionado à prática de de­ terminado delito (v.g., lesão corporal, tentativa de homicídio), será possível a decretação da preventiva. Todavia, se ao agente for atribuído tão somente o descumprimento da medida protetiva de urgência (v.g., inobservância da determinação de afastamento do lar), não será possível a decretação do carcer ad custodiam, sob pena de se instalar uma nova e inconstitu­ cional modalidade de prisão civil. Para as hi­ póteses não penais de desobediência, a própria Lei Maria da Penha prevê a possibilidade de o juiz se valer da tutela específica (art. 22, §4°), cujo objetivo é conferir efetividade à decisão que tenha por objeto obrigação de fazer. 5. Dúvida sobre a identidade civil da pes­ soa ou não fornecim ento de elem entos suficientes para seu esclarecimento: para que o Estado possa deflagrar a persecução pe­ nal, é indispensável que se saiba contra quem será instaurado o processo. Individualiza-se a pessoa por meio de seu prenome, nome, apelido, estado civil, naturalidade, data de nascimento, número da carteira de identidade, número do cadastro de pessoa física (CPF), profissão, filiação, residência, etc. Portanto, havendo dúvida sobre a identidade civil da pessoa, ou caso esta não forneça elementos

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suficientes para seu esclarecimento, a prisão preventiva poderá ser decretada para assegu­ rar a aplicação da lei penal ou a conveniência da instrução criminal, evitando-se, ademais, possíveis erros judiciários, por conta da ins­ tauração de processos criminais contra even­ tuais homônimos do autor do delito. Destarte, a custódia cautelar sob o argumento de que se destina a conhecer a identidade do indiciado só pode ser aceitável no caso de fracasso das diligências policiais que devem ocorrer pre­ viamente e, mesmo assim, o tempo limite de cárcere deve ser o estritamente necessário para se obter sua identificação. O próprio art. 313, parágrafo único, in fine, do CPP, confirma esse raciocínio, ao dispor que o preso deve ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. -f Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) Diante da dúvida acerca da identidade d o Pa­ ciente e tendo em vista haver indícios de o m esm o utili­ zar-se de vários CPFs e identidades diversas, afigura-se inocorrente a existência de constrangim ento ilegal na prisão preventiva, que se baseou na necessidade de conclusão da investigação e do desenvolvim ento da instrução criminal". (STJ, 6aTurma, H C 103.523/PR, Rei. Min. M aria Thereza de Assis Moura, DJe 02/03/2009).

5.1. Possibilidade de decretação da pri­ são preventiva independentem ente da natureza da infração penal e do quantum de pena a ela cominada: diversamente dos incisos do art. 313 do CPP, seu parágrafo único nada diz quanto à natureza da infração penal. Portanto, quando a prisão preventiva for necessária para esclarecer dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, a prisão preventiva poderá ser decretada em relação a crimes dolosos e culposos, pouco importando o quantum de pena a eles cominado. Com o entendimento de que, na hipó­ tese do art. 313, parágrafo único, do CPP, a prisão preventiva também pode ser decretada em relação a crimes culposos, pouco impor­ tando a pena cominada ao delito: PRADO, Geraldo. Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas alternativas - com entários à

Lei 12.403, de 04/05/2011. Coordenação: Og Fernandes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 148. 5.2. Imediata identificação criminal: o pa­ rágrafo único do art. 313 do CPP deve ser interpretado em cotejo com a possibilidade de obtenção da identificação do indiciado por meio da identificação criminal. Em outras palavras, mesmo diante da dúvida sobre a identidade civil da pessoa, da recusa do indi­ ciado em fornecer ou indicar elementos para esclarecer sua identidade, caso a identificação criminal efetuada por meio do processo datiloscópico e fotográfico seja capaz de sanar a dúvida quanto a sua verdadeira identidade, não se faz necessária a decretação de sua prisão preventiva. Logo, se o indivíduo não fornecer ou não indicar elementos para esclarecer sua identidade, sendo tal omissão suprida pela identificação criminal, não se justifica a de­ cretação de sua prisão preventiva. A propósito, desde a vigência da Lei n. 10.054/00, uma das hipóteses que autorizava a identificação crimi­ nal se dava quando o indiciado ou acusado não comprovasse, em 48 (quarenta e oito) horas, sua identificação civil (Lei n. 10.054/00, art. 3o, inciso V I, revogado pela Lei n. 12.037/09). Ora, se a Lei autorizava a identificação criminal nessa hipótese, não se justifica a adoção de meio mais gravoso. A nova lei de identifica­ ção criminal também permite a identificação criminal caso o indivíduo não se identifique civilmente (Lei n. 12.037/09, art. I o, c/c art. 2o). 5.3. Compatibilidade da prisão preventiva para fins de identificação com o princípio do nemo tenetur se detegere (direito à não autoincriminação): certamente, haverá quem diga que o parágrafo único do art. 313 do CPP é incompatível com o direito que assiste ao acusado de não produzir prova contra si mesmo ( nemo tenetur se detegere), porquan­ to, nessa hipótese, a prisão preventiva seria decretada caso ele não fornecesse elementos para esclarecer sua identidade. A nosso ver, o direito ao silêncio não abrange o direito de falsear a verdade quanto à identidade pessoal. A propósito, entende o Supremo que tipifica o crime de falsa identidade o fato de o agente, ao

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

ser preso, identificar-se com nome falso, com o objetivo de esconder seus maus antecedentes (STF, 2a Turma, HC 72.377/SP, Rei. Min. Car­ los Velloso, DJ 30/06/1995 p. 271. E também: STF, I a Turma, RE 561.704, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 64 02/04/2009). 5.4. Natureza jurídica do art. 313, parágra­ fo único, do CPP: ousando inovar em relação ao entendimento consolidado da doutrina, parece-nos que o art. 313, parágrafo único, do CPP, não é espécie de prisão preventiva. Funciona, na verdade, como verdadeira con­

Art.314

dução coercitiva do investigado (acusado) para fins de investigação criminal. Deveras, como exposto nos comentários ao art. 260 do CPP, por meio da medida cautelar prevista no art. 313, parágrafo único, do CPP, o indivíduo é privado de sua liberdade de locomoção pelo lapso temporal estritamente necessário para que seja identificado, após o que o próprio dispositivo legal determina que seja coloca­ do em liberdade. Logo, sem embargo de o próprio dispositivo fazer uso do termo prisão preventiva, cuida-se de m andado de condução

coercitiva.

Art. 314. A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal1-2 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Prisão preventiva e excludentes de ilicitude: não se admite a decretação da prisão preventiva quando o juiz verificar das provas colhidas nos autos que o agente praticou o crime acobertado por uma causa excludente da ilicitude, ou seja, em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e no exercício regular de direito. Não faz sentido a decretação da prisão preventiva se o juiz já visualiza futura e provável absolvição do agente com fundamento no art. 386, inciso V I, do CPP (com redação dada pela Lei n. 11.690/08). Por analogia, a doutrina estende a aplicação do art. 314 às justificantes previstas na Parte Especial do Código Penal e em leis especiais (CP, arts. 1 2 8 ,1 e II, 1 4 2 ,1, II e III, 146, §3°, 150, §3°, I e II, etc.). 2. Prisão preventiva nas hipóteses de ex­ cludentes da culpabilidade: seria possível aplicarmos o art. 314 do CPP às exculpantes? Ressalvada a hipótese de inimputabilidade do art. 26, caput, do Código Penal, o art. 314 do CPP também é aplicável quando o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato acobertado por uma causa excludente da culpabilidade, como obediência hierárquica, coação moral

irresistível, inexigibilidade de conduta diver­ sa, etc. Ora, se o próprio Código de Processo Penal autoriza a absolvição sumária do agen­ te quando o juiz verificar a existência m ani­ festa de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade (CPP, art. 397, II), seria de todo desarrazoado permitir-se a decretação da prisão preventiva em tal situação. De mais a mais, com o a legislação processual penal comum admite o emprego da analogia (CPP, art. 3o, caput), afigura-se perfeitamente possível a aplicação subsidiá­ ria do art. 258 do Código de Processo Penal Militar, segundo o qual a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar, pelas provas constantes dos autos, ter o agente praticado o fato nas condições dos arts. 35 (erro de direito), 38 (coação moral irresistível e obediência hierárquica), observado o disposto no art. 40 (coação física ou m aterial), e dos arts. 39 (estado de neces­ sidade como excludente da culpabilidade) e 42 (excludentes de ilicitude), do Código Penal Militar. Portanto, seja diante de causas excludentes da ilicitude, seja nas hipóteses de excludentes da culpabilidade (v.g„ coação moral irresistível, inexigibilidade de conduta diversa), a prisão preventiva não poderá ser

Art.315

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decretada. Importante ressalva, todavia, deve ser feita quanto ao inimputável do art. 26, caput, do Código Penal, cuja condição de

periculosidade pode ensejar a internação provisória, consoante será analisado ao tra­ tarmos do art. 319, inciso V II, do CPP.

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão pre­ ventiva será sempre motivada.1'6 1. Fundamentação da decisão que decreta a prisão preventiva: as prisões cautelares são, invariavelmente, medidas de natureza urgen­ te. A urgência da medida cautelar pleiteada, bem como a sumariedade ou superficialidade da cognição, não podem, entretanto, servir como justificativas para o arbítrio ou qualquer forma de automatismo no tocante a decisões que decretem a segregação cautelar. De fato, nos exatos termos do art. 5o, inciso LXI, da Constituição Federal, ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita

as circunstâncias fáticas que apontam no sen­ tido da adoção da medida cautelar, sob pena de manifesta ilegalidade do decreto prisional. Caso a decisão proferida pela autoridade ju ­ diciária competente não esteja devidamente fundamentada, haverá constrangimento ilegal ensejador de pedido de habeas corpus, pleite­ ando a cassação da prisão preventiva.

e fundam entada de autoridade judiciária com­ petente, salvo nos casos de transgressão militar

inciso IX d o artigo 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pres­

ou crime propriamente militar, definidos em lei. Por sua vez, o art. 93, inciso IX, da Carta Magna, determina que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, efundam entadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Evidente, pois, a necessidade de que todo e qualquer decreto prisional seja devida­ mente fundamentado. Pela própria excepcionalidade que caracteriza a prisão preventiva, a decisão que a decreta pressupõe inequívoca demonstração da base empírica que justifica a sua necessidade, não bastando apenas aludir-se a qualquer das previsões do art. 312 do Código de Processo Penal. Logo, não há espaço para decisões que se limitem à mera explicitação textual dos requisitos previstos pelo art. 312 do CPP: "... Decreto a prisão preventiva com fundam ento na garantia da ordem pública ”. Afinal, a tarefa de interpretação constitucional para a análise da excepcional situação jurídica de constrição da liberdade dos cidadãos exige que a alusão a esses aspectos estejam lastreados em elementos concretos. Meras ilações ou conjecturas desprovidas de base empírica concreta não autorizam a segregação cautelar da liberdade de locomoção. É indispensável que o magistrado aponte, de maneira concreta,

suposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente do s fatos e d o direito que a sustentam, de

+ Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) A toda evidência, a fundam entação das deci­ sões d o Poder Judiciário, tal com o resulta da letra do

m o d o a certificar a realização da hipótese de incidên­ cia da norm a e os efeitos dela resultantes. Tal funda­ mentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro d o s limites d o pedido, não se confundindo, de m o d o algum , com a sim ples reprodução de expressões ou term os legais, p ostos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norm a invocada. Em se oferecendo suficientem ente fu n d am e n tad o o decreto de prisão preventiva, evidenciando, com o evidencia, o s p re ssu p o sto s e m otivo s da cautelar, definidos no artigo 312 d o C ó d ig o de Processo Penal, não há falar em constrangim ento ilegal". (STJ, 6a Tur­ ma, HC 86.113/DF, Rei. Min. H am ilton Carvalhido, DJ 17/03/2008 p. 1).

STJ:"(...) A

prisão processual é m edida de exceção, so m e n te p o d e n d o su bsistir q u a n d o p resentes os requisitos e fu n d am e n to s elencados no art. 312 do C ó d ig o de Processo Penal, e d e sd e q u e sua oco r­ rência v e n h a in dicada, de m aneira concreta, nas decisões constritivas. Carece de idônea m otivação a custód ia cautelar im p o sta ap e n a s com base em con sid e ra çõ e s ab stratas acerca da g ra v id a d e das con du tas crim inosas, sem que haja m en ção a fatos relacionados à atuação d o paciente que justifiquem a determ inação da m edida. Encontrando-se os dem ais co-réus, ain da presos, em idêntica situação fático-processual, ab rangid os pelo m esm o decisum carente defundam entação, e não se fu n d a n d o a concessão do

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

benefício em circunstância em inentem ente pessoal, im põ e -se a extensão d o s seus efeitos, a teor d o art. 580 d o C ó d ig o de Processo Penal. O rdem concedida, de term in an d o-se a expedição d o com petente alvará de soltura em favor d o paciente, c om a extensão da m edida ao s de m ais corréus que se encontrarem no cárcere, se por outro m otivo não estiverem presos". (STJ, 5a Turma, H C 101.827/RJ, Rei. M in. Jorge M ussi, DJe 30/03/2009).

2. Função endoprocessual e extraprocessual da motivação: antigamente, entendia-se que a fundamentação das decisões judiciais era apenas uma garantia técnica do processo, com objetivos endoprocessuais: através dela, proporcionava-se às partes o conhecimento necessário para que pudessem impugnar a decisão, permitindo, ademais, que os órgãos jurisdicionais de segundo grau examinassem a legalidade e a justiça da decisão. Destacava-se, assim, apenas a fu n ção endoprocessual da motivação. Com o passar do tempo, a ga­ rantia da motivação das decisões passou a ser considerada também garantia da própria jurisdição. Afinal de contas, os destinatários da fundamentação não são mais apenas as partes e o juízo ad quem, como também toda a coletividade que, com a motivação, tem con­ dições de aferir se o magistrado decidiu com imparcialidade a demanda. Muito além de uma garantia individual das partes, a motivação das decisões judiciais funciona como exigência inerente ao próprio exercício da função jurisdicional. Não por outro motivo, a garantia da motivação vem prevista na Constituição Fede­ ral no capítulo pertinente ao Poder Judiciário, e não no capítulo dos direitos e garantias indi­ viduais, em que se encontra grande parte das garantias processuais. Destarte, sob o enfoque da sociedade, pode-se dizer que a motivação também apresenta uma relevância extraprocessual. Nesse sentido: FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 129. Funciona, assim, a motivação dos atos jurisdicionais, verdadeira garantia processual de segundo grau, como importante forma de controle das partes sobre a atividade intelectual do juiz, a fim de que verifiquem se este levou em consideração todos os argumentos e provas produzidas pelas partes, e se teria aplicado

Art.315

de maneira correta o direito objetivo ao caso concreto. 3. M oderação de linguagem : se ao magis­ trado se impõe o dever de apontar elementos concretos que confirmem a necessidade da segregação cautelar do acusado, também se lhe impõe o dever de moderação de linguagem. Ao exteriorizar seu convencimento no momento da fundamentação, a utilização de linguagem sóbria por parte do magistrado serve, assim, para demonstrar que não está havendo um julgamento antecipado do acusado. 4. Individualização da fundamentação: ha­ vendo mais de um acusado no mesmo proces­ so, a fundamentação deve ser individualizada, considerando-se as condições pessoais de cada um dos acusados na verificação do periculum libertatis. Nessa linha: GRINOVER, Ada Pellegrini, etalii. As nulidades no processo penal. Op. cit. p. 274-275. Para a jurisprudência, todavia, não se exige fundamentação exaustiva, sendo suficiente que o decreto constritivo, ainda que de forma sucinta, concisa, analise a presença, no caso, dos requisitos legais ensejadores da prisão preventiva. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...) A custódia preventiva foi decretada de m a­ neira suficientem ente fundam e n tad a para a ga ra n ­ tia da ordem pública e a conveniência da instrução criminal, pois faz referência expressa às am e aças à vítim a e a seu s familiares, "em especial se u s filhos menores", conform e os requisitos legais d o art. 312 d o C ó d ig o de Processo Penal. Sobre a fu n dam en ta­ ção da prisão preventiva, este Suprem o Tribunal tem decidido que ela não precisa ser exaustiva, bastando que a decisão analise, ainda que de form a sucinta, os requisitos ensejadores da custódia preventiva". (STF, 1aTurma, RH C 89.972/GO, Rei. Min. Cárm en Lúcia, DJU de 29/06/2007).

5. Vedação ao reforço de fundamentação: o dever de fundamentar a decisão que decreta a prisão preventiva é do juiz natural, geralmente um juiz de I a instância. Assim, o Tribunal terá competência para decretá-la em nível de segundo grau de jurisdição apenas diante de recurso interposto pela acusação contra a decisão que indeferiu a prisão preventiva (CPP, art. 581, V). Portanto, o chamado indevido

Art. 315

V

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

reforço de fundamentação não pode substituir a decisão do juiz natural que decreta ou man­ tém a prisão, que deve subsistir por si só. Não se admite, assim, que o órgão ad quem possa suprir eventual deficiência da fundamentação do juízo a quo por ocasião do julgamento de habeas corpus, nem tampouco que a autori­ dade coatora complemente a decisão omissa ao prestar informações em pedido de habeas corpus. Nesse contexto, como já se pronunciou o Min. Celso de Mello, “a legalidade da decisão que decreta a prisão cautelar ou que denega liberdade provisória deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe dão suporte, e não em face de eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias judiciá­ rias superiores. A motivação há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que de­ creta o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas a posteriori”. (STF, 2a Turma, HC 98.862/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 23/06/2009, DJe 200 22/10/2009). De mais a mais, em recurso exclusivo da defesa, também não se afigura possível a decretação da prisão cautelar, de ofício, pelo Tribunal, sob pena de violação ao princípio da ne reformatio in pejus. A teor do art. 316 do Código de Processo Penal, é possível a decretação de prisão preventiva no curso do processo, ainda que esta tenha sido anteriormente revogada, se sobrevierem razões que justifiquem tal medida. Contudo, essa pro­ vidência - de apreciar as alterações fáticas da situação determinantes da custódia - compete ao juiz da causa, não podendo supri-la o Tri­ bunal de origem em recurso exclusivo da D e­ fesa. Nessa linha: STJ, 5a Turma, HC 169.412/ AL, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 05/08/2010, DJe 13/09/2010. -f

J u r is p r u d ê n c ia s e l e c io n a d a :

STF:"(...) A ção penal por tráfico ilícito de entorpecen­ tes e lavagem de dinheiro. Prisão cautelar decretada apenas com fundam ento no artigo 312 d o C ó d ig o de Processo Penal, sem de m on stração d o s elem entos necessários à constrição prematura da liberdade. Cir­ cunstância reconhecida por D ese m bargador Federal que, ao exam inar habeas corpus, oficiou ao ó rgã o a q u o d a n d o conta da ausência de fundam entação da

decisão proferida por Juiz Federal Substituto, possibi­ litando o agravam ento da situação d o paciente, em lugar de deferir a liminar. Com p ortam e n to censurável.

2 . É legítima a fu ga com o objetivo de im pu gn ar prisão cautelar considerada injusta (precedentes). O rdem concedida". (STF, 2aTurma, H C 93.803/RJ, Rei. Min. Eros Grau, DJe 172 12/09/2008)

STF:"(...)

N ão é perm itido ao ó rgão ad q uem suple­

mentar os fundam entos d o decreto de prisão". (STF, 2a Turma, HC 93.114/SP, Rei. Min. Eros Grau, DJe 70 18/04/2008).

STJ: "(...)

Por força d o p rin cíp io c o n stitu c io n al da

presunção de inocência, as prisões de natureza cau­ t e la r - assim entendidas as que antecedem o trânsito em ju lga d o da decisão condenatória - são m edidas de índole excepcional, as quais som ente p o d e m ser d e cre tadas (ou m an tid as) caso v e n h a m a c o m p a ­ nhad as de efetiva fundam entação, que dem onstre, principalm ente, a n e ce ssid ad e de restrição a o sa­ gra d o direito à liberdade. Na hipótese, e m b o ra se trate de crim e grave, o decreto de prisão preventiva é extrem am ente evasivo e genérico, restringindo-se a sim ples m en ção à gravid ad e abstrata d o crim e e à inquietação causada na sociedade por delitos dessa natureza. Adem ais, a decisão constritiva ap e n a s afir­ m ou a presença d o s requisitos ex igid os pelo art. 312 d o C ó d ig o de Processo Penal, sem dem onstrar, com base em d a d o s concretos, de que form a a liberdade do paciente poderia colocarem risco a ordem pública, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal. Assim , nada há de particular q u e tenha sid o con side rado pelo m agistrad o local. Tendo em vista que o habeas corpu s constitui m eio exclusivo de defesa d o cidadão, não é lícito ao Tribunal de ori­ ge m inovar na fu n dam e n tação para m anter a prisão de natureza provisória. O rdem concedida a fim de revogar a prisão preventiva recaída sobre o paciente, m ediante assinatura de term o de com parecim ento a to d o s os atos d o processo, a ser firm ad o perante o Juiz da causa". (STJ, 6 a Turma, HC 199.533/SP, Rei. M in. O g Fernandes, j. 03/05/2011, DJe 16/05/2011).

6. Fundamentação per relationem: é aque­ la em que a autoridade judiciária adota como fundamento de sua decisão as alegações con­ tidas na representação da autoridade policial ou no requerimento do órgão do M inisté­ rio Público, do querelante ou do assistente. Há controvérsias em torno da possibilidade da adoção dessa espécie de fundamentação. Grande parte da doutrina posiciona-se con­ trariamente, por nela não haver explicitação, por parte do Magistrado, das suas razões de decidir, não bastando o reenvio à justificação contida na manifestação de uma das partes

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

ou, até mesmo, da autoridade policial, o que afetaria até mesmo a própria imparcialidade da decisão, porquanto não é certo que as razões do provimento jurisdicional sejam dadas por uma das partes. É nesse sentido a lição de Antônio Magalhães Gomes Filho (A motivação das decisões penais. Op. cit. p. 221). No entanto, na visão dos Tribunais, tem -se admitido a possibilidade de o juiz adotar como fundamento de sua decisão as alegações da autoridade policial, do M inisté­ rio Público ou do querelante, desde que nelas haja argumentos suficientes que autorizem a decretação da prisão preventiva, sendo des­ necessária, inclusive, a sua reprodução nos mesmos autos. Nesse contexto, entendeu a I a Turma do Supremo que, muito embora o sucinto decreto de prisão preventiva tivesse adotado como fundamentação o requerimen­ to do M inistério Público, sem, entretanto, transcrevê-lo, a constrição cautelar teria sido baseada em fatos concretos, portanto, em conformidade com o disposto no art. 312 do CPP. (STF, I a Turma, HC 102.864/SP, Rei.

Art.316

M in. Ricardo Lewandowski, j. 03/08/2010, DJe 173 16/09/2010). ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) N ão configura ausência de fu n dam e n tação d o decreto constritivo a ad o ç ão da cota ministerial, c o m o razões de decidir, prom ovid a pelo M agistrado, caso se constate a presença d o s requisitos autorizadores da prisão preventiva n os a rgu m en tos lançados pelo Parquet, c o m o é a situação d o s autos". (STJ, 5a Turma, HC 29.293/SC, Rei. Min. Jorge Scartezzini, DJ 10/05/2004 p. 312).

STJ:"(...) M u ito em bora se m ostre possível, no m o ­ m ento da decretação da prisão preventiva, o acolhi­ m ento pelo m agistrad o das alegaçõe s d o M inistério Público c o m o razões de decidir, tal circunstância não afasta a necessidade da dem on stração d o s requisitos autorizadores da se gre ga ção antecipada, que devem vir trad u zid os n o s argu m e n to s la n çad os p elo par­ quet'. (STJ, 6 a Turma, HC 31.015/SP, Rei. M in. Paulo Gallotti, j. 19/05/2005, DJ 20/03/2006, p. 355). C om e ntendim ento sem elhante: STJ, 5aTurma, H C 84.262/ SP, Relatora Ministra Jane Silva, DJ 22/10/2007 p. 336; STJ, 6 a Turma, H C 25.352/SC, Rei. M in. H am ilton Carvalhido, j. 20/05/2003, DJ 30/06/2003, p. 318.

Art. 316.0 juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.1-6 1. Revogação da prisão preventiva: os pres­ supostos que autorizam a decretação da prisão preventiva devem estar presentes não apenas no momento da sua decretação, como também durante toda a continuidade de sua imposição no curso do processo. Diz-se, por isso, que a decisão que decreta ou denega a prisão preven­ tiva é baseada na cláusula rebus sic stantibus, ou seja, mantida a situação fática e jurídica que motivou a decretação da prisão cautelar, esta deve ser mantida; alterados os pressupostos que serviram de base à decisão, pode o juiz pro­ ferir nova decisão em substituição à anterior, na medida em que tal decisão não faz preclusão pro judicato. Enfim, como toda e qualquer espécie de medida cautelar, sujeita-se a prisão preventiva à cláusula da imprevisão, poden­ do ser revogada quando não mais presentes

os motivos que a ensejaram, ou renovada se acaso sobrevierem razões que a justifiquem. Logo, considerando que a natureza cautelar da prisão preventiva exige que a mesma só seja mantida se presentes os requisitos do art. 312 do CPR caso o motivo que autorizou sua decretação desapareça, deverá o próprio juiz que a decretou revogá-la. Essa modificação do status quo que motivou a decretação da prisão preventiva pode ser relativa a qualquer um de seus elementos, seja no tocante ao fumus comissi delicti, seja quanto ao periculum libertatis. Exemplificando, encerrada a instrução criminal, se o juiz passa a ter dúvidas quanto à própria existência do crime, tem-se que o fum us comissi delicti deixou de existir. Impõe-se, pois, a revogação da custódia preventiva. Da mesma forma, suponha-se que uma prisão

\

Art.316

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

preventiva tenha sido decretada com base na conveniência da instrução criminal, porquanto o acusado estaria constrangendo determinada testemunha. Uma vez realizada a audiência una de instrução e julgamento, inclusive com a oitiva da referida testemunha, percebe-se que o motivo que deu origem à prisão deixa de existir. Mais uma vez, também será cabível a revogação da prisão preventiva. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) OTribunal de Justiça estadual, em aplicação incorreta de precedente deste Suprem oTribunal Fede­ ral, considerou preclusa a decisão d o juízo de primeiro grau que, por ocasião da pronúncia, decretou a prisão preventiva d o paciente. A preclusão pro judicato se aplica, apenas, à pronúncia em si (HC 69.994), m as

poder de polícia da autoridade judiciária. É nesse sentido a lição de João Gualberto Garcez Ramos: A tutela de urgência no processo penal brasileiro. Belo Horizonte/MG: Editora Del Rey, 1998. p. 387. 1.2. Efeito extensivo da revogação da pre­ ventiva: se o fundamento que deu ensejo à revogação da prisão preventiva de um dos acusados não tiver como fundamento argu­ mento de caráter exclusivamente pessoal, os efeitos da decisão serão extensivos aos demais acusados, por meio do denominado efeito extensivo, constante do art. 580 do CPR Nesse contexto: STJ, 5a Turma, PExt no HC 50.829/ RJ, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 20/06/2006, DJ 01/08/2006 p. 478.

não à prisão preventiva com ela sim u ltan eam ente decretada. A natureza cautelar da prisão processual exige que a m esm a só se m antenha caso presentes o s requisitos d o art. 312 d o C ó d ig o de Processo Penal, p o d e n d o revogá-la o próprio juízo que a decretou, nos term os d o art. 316 d o C ó d ig o de Processo Penal. Ordem de habeas corpus concedida para restabelecer a decisão do juízo de primeiro grau que, considerando desnecessária a cautela, revogou a prisão preventiva d o paciente". (STF, 2a Turma, HC 88.129/SP, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 15/05/2007, DJe 082 16/08/2007).

STF:"(...)

Prolatada a sentença de pronúncia, há de

afastar-se a justificativa d o receio de eliminação de pro­ vas. O artigo 316 d o C ó d ig o de Processo Penal prevê a revogação da prisão cautelar, no curso d o processo, q u a n d o exauridos os m otivos de sua subsistência". (STF, 1a Turma, HC 86.374/MG, Rei. Min. Eros Grau, DJ 06/10/2006 p. 50).

1.3. R e vogação da prisão tem porária: conquanto a Lei da prisão temporária (Lei n. 7960/89) tenha deixado de prever a possibi­ lidade de sua revogação, tal lacuna pode ser preenchida por meio da analogia. Assim, se, no curso da investigação, a cautela não se mostrar mais necessária, a prisão temporária deixa de possuir sustentáculo, não devendo, portanto, persistir. Deve, portanto, ser objeto de revoga­ ção, nos exatos termos do art. 316 do CPP. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A

prisão temporária, m edida judicial de na­

tureza cautelar, com o as dem ais espécies de prisão provisória, deve ser devidam ente justificada, estando

STJ:"(...) Não m ais subsistindo os m otivos que levaram

diretamente relacionada a um quadro fático revelador

a sua decretação, im põe-se que seja revogada a prisão

da prática recente de um d o s crimes descritos na Lei

cautelar. (artigo 316 d o CPP). Decretada a preventiva

n° 7.960/89, pelos m otivos por ela previstos, dizendo

d o Réu por conveniência da instrução criminal ante a

de perto com a atividade policial de se n volvid a na

am eaça a testem unhas e, tendo sido encerrada a ins­

apuração do ilícito.Tendo a prisão tem porária sido d e ­

trução processual, a prisão cautelar deve ser revogada".

cretada em data próxima à prática do s crimes, qu an do

(STJ, 6 a Turma, H C 53.856/RS, Rei. Min. Paulo Medina,

foi considerada indispensável para o b om andam ento

DJ 26/02/2007 p. 646).

das investigações, e passad o mais de um an o sem que fosse cum prida, não se m ostra razoável a sua m an u ­

1.1. Natureza jurídica da revogação da prisão preventiva: a revogação da prisão preventiva é um provimento de urgência, marcado pela sumariedade formal. Não faz coisa julgada material. No entanto, não é decretado com base na aparência, além de não ser uma medida referível. Logo, não se trata de medida cautelar nem antecipatória, mas sim de uma medida urgente, baseada no

tenção, não obstante as observações da autoridade policial destacadas no parecer d o M inistério Público Federal".(STJ, 6a Turma, HC 49.948/SP, Rei. Min. Paulo Gallotti, DJ 09/10/2006 p. 363". Na m esm a linha: STJ, 5a Turma, RH C 4.877/RJ, Rei. Min. Cid Flaquer Scartezzini, DJ 23/10/1995 p. 35.685.

2. Nova decretação da prisão preventiva: da mesma forma que, uma vez decretada a pri­ são cautelar, esta pode ser revogada, caso o juiz

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

verifique a falta de motivo para que subsista, também é possível o contrário, ou seja, revo­ gada a prisão preventiva, nada impede que, sobrevindo razões que a justifiquem, possa o magistrado decretá-la novamente. A superveniência de fato novo, provocado pelo acusado, que se encontrava em liberdade, seja por força de anterior revogação da prisão preventiva, seja por concessão de liberdade provisória, com ou sem a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, elimina a falta de justa causa, ensejando, por conseguinte, a cassação da liberdade concedida com a consequente decretação de nova segregação cautelar. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "(...)

Se m procedência a afirm ativa d o s Im p e ­

trantes de que a nova custódia cautelar teria afron­ tado decisão d o Superior Tribunal de Justiça, porque apresentados novos fu n dam en tos a justificar a prisão preventiva da Paciente. 3. Habeas corpus indeferido". (STF, I a Turma, HC 94.062/RJ, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 29/04/2008, DJe 117 26/06/2008).

STJ:"(...) Se

é certo que a prisão preventiva p od e ser

decretada novamente, ap ó s a revogação da primeira ordem, tam bé m é corrido que isso só p od e acontecer diante de fatos novos que a justifiquem, hipótese inocorrente, no particular". (STJ, 6aTurma, RH C 6.630/MG, Rei. Min. W illiam Patterson, DJ 24/11/1997 p. 61.286).

3. Competência para a revogação da pri­ são preventiva: recai, originariamente, sobre o órgão jurisdicional que decretou referida medida cautelar. Destarte, mesmo que um determinado Tribunal tenha atuado em sede recursal, ao apreciar um habeas corpus impe­ trado contra a decretação da prisão cautelar, caberá ao magistrado de primeiro grau decidir, inicialmente, acerca do pedido de revogação da prisão preventiva decretada, sob pena de supressão de instância, levando em conside­ ração a verificação da continuidade (ou não) dos motivos que autorizaram a decretação da prisão preventiva. Caso esse magistrado con­ clua pela necessidade de manutenção da prisão preventiva, aí sim ter-se-á referido magistrado de I o grau como autoridade coatora para fins de impetração de habeas corpus perante o respectivo tribunal.

3 -j g

4. Revisão periódica da necessidade de manutenção da prisão preventiva: apesar de o CPP não trazer qualquer dispositivo expresso quanto à obrigatória revisão da subsistência da necessidade da prisão cautelar por parte da autoridade judiciária, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público editaram Resolução Conjunta - Re­ solução n. 01, de 29 de setembro de 2009 - a fim de institucionalizar mecanismos de revisão periódica das prisões provisórias e definitivas. De acordo com o art. I o da referida Resolução, as Unidades do Poder Judiciário e do Minis­ tério Público, com competência em matéria crim inal, infracional e de execução penal, implantarão mecanismos que permitam, com periodicidade mínima anual, a revisão da lega­ lidade da manutenção das prisões provisórias e definitivas, das medidas de segurança e das internações de adolescentes em conflito com a lei. Especificamente quanto à prisão provisória, a Resolução estabelece que a revisão consistirá na reavaliação de sua duração e dos requisitos que a ensejaram (art. 2o). 4.1. Sistem a inform atizado de acom pa­ nhamento das prisões cautelares: a Lei n. 12.714/12 dispõe sobre um sistema informa­ tizado de acompanhamento da execução das penas, das prisões cautelares e das medidas de segurança, cujos dados serão acompanhados pelo magistrado, pelo representante do Minis­ tério Público e pelo defensor e estarão dispo­ níveis à pessoa presa ou custodiada. Por força do art. 2o da Lei n. 12.714/12, tal sistema deve conter o registro dos seguintes dados e infor­ mações: I - nome, filiação, data de nascimento e sexo; II - data da prisão ou da internação; III - comunicação da prisão à família e ao defensor; IV - tipo penal e pena em abstra­ to; V - tempo de condenação ou da medida aplicada; V I - dias de trabalho ou estudo; VII - dias remidos; V III - atestado de compor­ tamento carcerário expedido pelo diretor do estabelecimento prisional; IX - faltas graves; X - exame de cessação de periculosidade, no caso de medida de segurança; e X I - utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado. Consoante disposto no art. 4o da referida Lei, esse sistema informatizado deve

Art. 316

A CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

conter ferramentas que: I - informem as datas estipuladas para: a) conclusão do inquérito; b) oferecimento da denúncia; c) obtenção da pro­ gressão de regime; d) concessão do livramento condicional; e) realização do exame de cessa­ ção de periculosidade; e f) enquadramento nas hipóteses de indulto ou de comutação de pena; II - calculem a remição da pena; e III identifiquem a existência de outros processos em que tenha sido determinada a prisão do réu ou acusado. Aliás, segundo o art. 4o, §1°, da Lei n. 12.714/12, as datas mencionadas no inciso I do art. 4o devem ser informadas tempestiva e automaticamente, por aviso ele­ trônico, ao Ministério Público, ao Defensor e ao magistrado responsável pela investigação criminal, processo penal ou execução da pena ou cumprimento da medida de segurança, a fim de que possa analisar o cumprimento das condições legalmente previstas para soltura ou concessão de outros benefícios à pessoa presa ou custodiada.

decretá-la, apontando os fundamentos que a autorizam.

5. Apresentação espontânea do acusado: a apresentação espontânea continua figurando como causa impeditiva da prisão em flagran­ te. Afinal, não tem cabimento prender em flagrante o agente que se entrega à polícia, que não o perseguia, e confessa o crime. Ora, quando o agente se apresenta espontaneamen­ te, não há flagrante próprio, impróprio, nem tampouco presumido (CPP, art. 3 0 2 ,1, II, III e IV), desautorizando sua prisão em flagran­ te. Obviamente, caso estejam presentes os pressupostos dos arts. 3 1 2 e 3 1 3 d o CPP, nada impede a decretação da prisão preventiva pela autoridade judiciária competente, caso se reve­ lem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP. Nesse contexto, a apresentação espontânea de acusado primário, com bons antecedentes, inclusive com a entrega de pas­ saporte, denota, pelo menos a princípio, que o agente não pretende fugir do distrito da culpa, desautorizando, por conseguinte, eventual decretação de sua segregação cautelar. Obvia­ mente, se o magistrado perceber que o agente utiliza a apresentação espontânea apenas como um subterfúgio para escapar da indispensá­ vel segregação cautelar, deve o magistrado

tar a interpretação literal d o artigo 317 d o C ó d ig o de



Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

N ão subsiste a necessidade da prisão para

garantia da aplicação da lei penal com a apresentação espo n tâne a d o paciente, p ou co te m p o d e p ois d o s fatos, e um dia ap ós o decreto da sua prisão preventiva, de m on strand o que pretende colaborar com a ad m i­ nistração da justiça, inclusive confessando a prática do crime, e fornecendo a sua versão. O rdem concedida para permitir ao paciente que aguarde em liberdade até o julgam e nto pelo tribunal d o júri". (STJ, 6 a Turma, HC 71.708/SE, Relatora Ministra MariaThereza de Assis Moura, DJ 05/11/2007 p. 378).

STF:"(...)

A repercussão d o crime e o clam or social

não legitim am a prisão preventiva. De igual m odo, a custódia cautelar não pod e ter suporte na fu ga do paciente, q u e se ap resentou à au torid ad e policial dois dias ap ó s o fato delituoso. Esse com portam ento deve ser interpretado c o m o intenção de arcar com as consequências d o processo. A fuga, c o m o causa justificadora da necessidade da prisão cautelar, deve ser analisada caso a caso, de m o d o que se deve afas­ Processo Penal". (STF, 1aTurma, HC 87.425/PE, Rei. Min. Eros Grau, j. 14/03/2006, DJ 05/05/2006).

STF:"(...)

A prisão preventiva para assegurar a apli­

cação da lei penal, considerada a fu ga d o paciente ap ó s a prática delituosa, foi, n u m prim eiro m om ento, a m e d id a a d e q u ad a. Esclarecim e n to s p osteriores evidenciaram que a e vasão d o distrito da culpa ocor­ reu por receio de v in ga n ç a d o s parentes da vítima, o que acab ou con firm ad o pelo ato d e van d alism o perpetrado contra sua tia, na se m ana se gu in te ao evento crim inoso. O artigo 316 d o C PP autoriza o juiz a revogar a custód ia cautelar se, no correr d o processo, verificar a falta de m otivo para que subsista. N o caso concreto, c essad o o receio justificador da fuga, o paciente se apresentou à autoridade policial, desautorizando, com essa atitude, ilações de que pre­ tendia furtar-se à aplicação da pena. Sob re inúm eros precedentes desta Corte no sentido de que a fuga, por si só, constitui base suficiente à decretação da prisão preventiva, n ão parece correta a a p lic açã o linear desse entendimento. A fuga, com o causa justificadora da necessidade da prisão cautelar, deve ser analisada caso a caso. Na hipótese presente, há particularidades a serem ponderadas: além de ser legítim o o tem or da perm anência no distrito da culpa, deve-se considerar, ainda, que o paciente é primário, trabalhador, chefe de fam ília e n ão possu i m aus antecedentes. O rdem concedida". (STF, 1a Turma, H C 85.453/AL, Rei. Min. Eros Grau, DJ 10/06/2005 p. 51).

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

6. Duração da prisão preventiva: impera, no processo penal comum brasileiro, absoluta indeterminação acerca do prazo de duração da prisão preventiva, que passa a assumir contornos de verdadeira pena antecipada. Isso porque, ao contrário da prisão temporária, que possui prazo prefixado, o Código de Processo Penal não prevê prazo determinado para a du­ ração da prisão preventiva. Assim, a prisão pre­ ventiva, cuja natureza cautelar deveria revelar a característica da provisoriedade, acaba por assumir caráter de verdadeira prisão definitiva. Uma exceção a essa indeterminação estaria prevista no art. 390 do Código de Processo Penal Militar, que estabelece o prazo de 50 (cinquenta) dias para a conclusão da instrução criminal quando o acusado estiver preso. Em sentido semelhante, o art. 22, parágrafo único, da nova Lei das Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/13), dispõe que a instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu. 6.1. Excesso de prazo na formação da cul­ pa e consequente relaxamento da prisão preventiva: ao longo dos anos, em virtude dessa indeterminação do prazo da custódia preventiva, diversos abusos foram cometidos, em patente violação à natureza provisória da prisão cautelar, que se via transformada, me­ diante subversão dos fins que a legitimam, em inaceitável antecipação executória da própria sanção penal, violando não só o princípio da presunção de inocência, como também o di­ reito à razoável duração do processo, previsto expressamente na Constituição Federal (art. 5o, LXXVIII) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 7o, §5°). 6.2. Antigo prazo para a formação da cul­ pa: no Brasil, por se entender que a ausência de fixação de prazo certo para a duração da prisão preventiva deixava o acusado inteiramente à mercê do Estado, consolidou-se entendimento jurisprudencial segundo o qual, se o acusado

J

Art. 316

estivesse preso, o processo penal na I a instância deveria estar concluído no prazo de 81 (oitenta e um) dias, sob pena de restar caracterizado o denominado excesso de prazo na formação da culpa, hipótese de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção a autorizar o rela­ xamento da prisão (CPP, art. 648, inciso II), sem prejuízo, obviamente, da continuação do processo. De fato, se a duração da prisão cautelar exceder um prazo razoável, torna-se ilegal, porquanto viola a garantia constitu­ cional da razoável duração do processo. Se a prisão é ilegal, deve ser objeto de relaxamento, já que a Constituição Federal prevê que toda prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária, sem prejuízo, todavia, da continuidade do processo. Esse prazo de 81 (oitenta e um) dias foi fixado em leading case do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em consideração aos prazos legais fixados para a prática de atos processuais no antigo procedimento comum ordinário dos crimes punidos com reclusão, em se tratando de acu­ sado preso, decorrendo da soma do prazo de todos os atos da persecução penal, desde o início do inquérito policial ou da segregação do acusado, até a prolação da sentença, sem que fossem levados em consideração nessa contagem os prazos para a movimentação cartorária. Confira-se tais prazos: 1) Inquérito: 10 (dez) dias (CPP, art. 10, caput); 2) Denúncia: 5 (cinco) dias (CPP, art. 46, caput); 3) Defesa Prévia: 3 (três) dias (CPP, antiga redação do art. 395, caput); 4) Inquirição de testemu­ nhas: 20 (vinte) dias (CPP, antiga redação art. 401, caput); 5) Requerimento de diligências: 2 (dois) dias (CPP, revogado art. 499, caput); 6) Despacho do requerimento de diligências: 10 (dez) dias (CPP, revogado art. 499, c/c art. 800, §3°); 7) Alegações das partes: 6 (seis) dias (CPP, revogado art. 500, caput); 8) Diligências ex officio: 5 (cinco) dias (CPP, revogado art. 502, c/c art. 800, inciso II); 9) Sentença: 20 (vinte) dias (CPP, revogado art. 502, c/c art. 800, §3°). 6.3. Contagem global (e não isolada) do prazo para a form ação da culpa: por se tratar da somatória de prazos específicos, isto é, estipulados para a prática de atos processu­ ais isolados, havia entendimento minoritário

Art. 316

v CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

segundo o qual o excesso de prazo estaria ca­ racterizado pelo descumprimento de qualquer um deles. Em outras palavras, a contagem seria feita de modo isolado e não globalmente. No entanto, sempre prevaleceu o entendimento de que a contagem seria global, a significar, portanto, que o prazo de 81 (oitenta e um) dias deveria ser observado até o final da instrução criminal, ou seja, até a fase de diligências, prevista no revogado art. 499 do CPP. Assim, eventual excesso no momento do oferecimento da denúncia podería ser compensado ao longo da instrução processual. Nesse sentido, aliás, o Superior Tribunal de Justiça editou duas súmulas: a) Súmula n. 21: “Pronunciado o réu, fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução”; b) Súmula n. 52: “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo”.



Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Proferida a sentença condenatória, não há falar em excesso de prazo na form ação da culpa. Or­ dem denegada". (STF, 1aTurma, HC 91.973/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 55 28/03/2008).

STF:"(...)

A superveniência de sentença penal con ­

denatória que agre ga nova fundam entação jurídica à constrição cautelar do s pacientes prejudica o exam e d o ale gad o excesso de prazo na form ação da culpa. Precedentes: HCs 82.056-QO e 69.448, M inistro Celso de Mello; HC 80.776, M inistro limar Galvão; HC 81.729, M inistro M aurício Corrêa; HCs 83.090 e 82.902, M inis­ tra Ellen G rade; HC 86.753, M inistra Cárm em Lúcia; HC 88.292, M inistro Eros Grau; RH C 84.994, M inistro Gilm ar M endes; e H Cs 85.292-AgR e 90.258, de m inha relatoria. Precedentes: 2. Habeas C orpus prejudicado". (STF, 1a Turma, HC 90.407/MG, Rei. Min. Carlos Britto, DJe 65 11/04/2008).

STF: "(...)

A sentença de pronúncia con su bstan cia

título novo, em que se decide sobre a decretação ou a m anutenção da custódia cautelar d o acusado. O HC que aprecia o decreto de prisão anterior à pronúncia deve, necessariamente, considerar a existência desse novo título, so b pena de tornar inviável a apreciação d o pedido. No caso, não havendo o STJ procedido a tal exame, haveria indevida supressão de instância pelo STF. H abeas corpu s não-conhecido". (STF, 1a Turma, H C 90.809/PE, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 55 28/03/2008).

6.4. Reforma processual de 2008 e novo prazo para a form ação da culpa: com o

novo procedimento comum ordinário (Lei n. 11.719/08), aplicável quando o crime tiver sanção máxima igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade (CPP, art. 394, §1°, inciso I), a contagem do prazo para o encerramento do processo criminal quando o acusado estiver preso foi sensivelmente altera­ da, podendo variar entre 95 (noventa e cinco) e 190 (cento e noventa) dias. É bom esclarecer que, de modo semelhante ao que se dava com a construção pretoriana da contagem do prazo de 81 (oitenta e um) dias, não levamos em con­ sideração os prazos relativos à movimentação cartorária. Sem dúvida alguma, para fins de contagem desse prazo, o termo inicial deve ser a data do início da prisão do agente, pouco importando se se trata de prisão em flagrante, preventiva ou temporária, bem como se houve modificação da natureza da prisão (v.g., prisão temporária decretada na fase investigatória, sendo convertida em preventiva na fase judi­ cial). Vejamos, então, cada um desses prazos, separadamente. 6.4.1. Inquérito Policial: 10 (dez) dias (CPP, art. 10, caput). De acordo com o art. 66 da Lei n. 5.010/66, na Justiça Federal, quando o indi­ ciado estiver preso, o prazo para a conclusão do inquérito policial será de 15 (quinze) dias, podendo ser prorrogado por mais 15 (quinze). Logo, no âmbito da Justiça Federal, o prazo para a conclusão do inquérito pode chegar a 30 (trinta) dias. Por outro lado, em se tratando de crimes hediondos e equiparados, a prisão temporária pode ser decretada por 30 dias, prazo esse que é prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (Lei n. 8.072/90, art. 2o, §4°). Limitamo-nos a tratar da prisão temporária em relação a cri­ mes hediondos e equiparados, porquanto, nas demais hipóteses da Lei n. 7.960/89, o prazo máximo da prisão temporária é idêntico àquele estabelecido para a conclusão do inquérito, ou seja, 10 (dez) dias. Surge, então, a questão de se saber se o prazo da prisão temporária em crimes hediondos e equiparados deve (ou não) ser levado em consideração para o computo do prazo para o encerramento do processo. Parte da doutrina entende que o prazo da prisão temporária não deve ser levado em

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

consideração para o computo do prazo para o encerramento do processo. Isso porque se trata, a prisão temporária, de espécie de pri­ são cabível para determinados delitos, mais gravemente apenados, do que se depreende um grau maior de dificuldade na apuração dos delitos. É nesse sentido a lição de Pacelli: Curso de Processo Penal. I I a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 464/465. Denilson Feitoza comunga do mesmo entendimento (op. cit. p. 880). A nosso ver, o prazo da prisão temporária, sobretudo em se tratando de cri­ mes hediondos, não pode ser deixado de lado no computo do prazo para o encerramento do processo. Caso tenha sido decretada a prisão temporária por 60 (sessenta) dias com o obje­ tivo de se acautelar as investigações em crimes hediondos e equiparados, o prazo de 10 (dez) dias para a conclusão do inquérito do art. 10 do CPP deve ser automaticamente substituído pelo prazo previsto na lei dos crimes hedion­ dos, quando, então, o prazo para a conclusão da fase investigatória será de 60 (sessenta) dias. Respeitadas opiniões em sentido contrário, não há fundamento para a não inclusão do prazo de 60 (sessenta) dias de prisão temporária em crimes hediondos e equiparados no computo do prazo de encerramento do processo. Diante da inserção do direito à razoável duração do processo no bojo da Constituição Federal, que abrange não somente o processo propriamente dito, mas também a fase preliminar de investi­ gações, não se pode admitir que alguém possa permanecer preso por até 60 (sessenta) dias, e que tal prazo não seja levado em consideração para o computo do prazo para o encerramen­ to do processo. Deve-se ter em mente que o Código de Processo Penal é anterior à Lei da Prisão Temporária: daí o próprio art. 10 do CPP, ao falar do prazo de 10 (dez) dias para a conclusão do inquérito de investigado preso, mencionar tão somente a prisão em flagrante e a prisão preventiva. Logo, o art. 10 do CPP deve ser lido em cotejo com o prazo de prisão temporária previsto no art. 2o, §4°, da Lei n. 8.072/90, ou seja, em se tratando de inqué­ rito para investigação de crimes hediondos e equiparados, o prazo para a conclusão do procedimento investigatório poderá ser de

Art. 316

até 60 (sessenta) dias. Portanto, para fins de contagem do prazo para o encerramento do processo, ao invés de se contar apenas 10 (dez) dias para a conclusão do inquérito, o prazo a ser levado em consideração é o de 60 (sessenta) dias, caso tenha havido decretação da prisão temporária com base no prazo máximo pre­ visto no art. 2o, §4°, da Lei n. 8.072/90. Do que foi dito, denota-se que não há um prazo único e inflexível para o encerramento do processo. Cada caso é um caso, podendo o prazo variar de acordo com suas peculiaridades. No âmbito da Justiça Estadual, o prazo para a conclusão das investigações será de 10 (dez) dias, pelo menos em regra, nos termos do art. 10 do CPP; na Justiça Federal, esse prazo pode chegar a 30 (trinta) dias, por força do art. 66 da Lei n. 5.010/66; caso tenha sido decretada a prisão temporária pelo prazo máximo em relação a crimes hediondos, o prazo para o encerra­ mento da fase investigatória pode ser de até 60 (sessenta) dias. 6.4.2. Oferecimento da peça acusatória: 5 (cinco) dias (CPP, art. 46, caput). 6.4.3. Recebimento da peça acusatória: 5 dias (CPP, 396, caput, c/c art. 800, inciso II). 6.4.4. Resposta à acusação por escrito: 10 (dez) dias (CPP, art. 396, caput). Caso a res­ posta não seja apresentada no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, deve o juiz nomear defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos, hipótese em que deverão ser acrescidos mais 10 (dez) dias (CPP, art. 396-A, §2°); 6.4.5. Eventual vista à acusação, caso a defesa tenha juntados docum entos dos quais o M P ou o querelante não tinham ciência: após a apresentação da resposta à acusação pela defesa, pode surgir a necessidade de se ouvir a acusação acerca de fatos e provas novas, em fiel observância ao princípio do con­ traditório, hipótese em que deve ser acrescido ao computo do prazo o interstício de 5 (cinco) dias (CPP, art. 409, aplicável subsidiariamente ao procedimento comum);

Art.316

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

6.4.6. A nálise da resposta à acusação apresentada pelo acusado e decisão fun­ dam entada rejeitando eventual pedido de absolvição sumária: 5 (cinco) dias (CPP, art. 397, c/c art. 800, inciso II). No computo do prazo para o encerramento do processo, parte da doutrina não tem levado em consideração o prazo de 5 (cinco) dias para o recebimento da peça acusatória, nem tampouco o prazo de 5 (cinco) dias para análise da resposta à acusação apresentada pelo acusado, com even­ tual rejeição de pedido de absolvição sumária. É essa posição de Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró: Direito ao processo penal no prazo razoável. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 146. Com a devida vênia, pensamos que tais prazos não podem ser des­ prezados na contagem do prazo, sobretudo por estarmos diante de importantes decisões jurisdicionais, que demandam a concessão de lapso temporal ao magistrado para que, de maneira fundamentada, possa analisar o recebimento (ou a rejeição) da peça acusatória, bem como eventual pedido de absolvição sumária. Ne­ gar a concessão de prazo ao magistrado para proferir tais decisões é querer equipará-las a meros despachos de movimentação cartorária, quiçá feitos pelos próprios funcionários do cartório, com o que, evidentemente, não se pode concordar. 6.4.7. D e sign ação de audiência una de instrução e julgamento: deve ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias (CPP, art. 400, caput ). No caso do procedimento comum sumário, a audiência de instrução e julgamento dar-se-á no prazo máximo de 30 dias (CPP, art. 531, caput). 6.4.8. Substituição das alegações orais por memoriais: caso tenha sido determina­ da a realização de diligências consideradas imprescindíveis para o julgamento da causa (CPP, art. 404, parágrafo único), bem como nas hipóteses de complexidade do caso ou plu­ ralidade de acusados, deverá o juiz conceder à cada parte o prazo de 5 (cinco) dias suces­ sivamente para a apresentação de memoriais, tendo, nessa hipótese, o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença (CPP, art. 403, §3°).

de

Lima

Ressalte-se, no entanto, que esse prazo de 10 (dez) dias para proferir sentença pode ser du­ plicado, chegando a 20 (vinte) dias, desde que o juiz declare justo motivo (CPP, art. 800, §3°). Como se percebe pela somatória dos prazos acima discriminados, o prazo mínimo para o encerramento do processo é de 95 (noventa e cinco) dias. Porém, a depender das pecu­ liaridades do caso concreto, esse prazo pode chegar a 190 (cento e noventa) dias. De fato, na hipótese de crimes hediondos, a prisão temporária pode ter sido decretada por 60 (sessenta) dias; some-se a isso o prazo para o oferecimento (+ 5 dias) e recebimento da peça acusatória (+ 5 dias); suponha-se que, citado para apresentar a resposta à acusação (+ 10 dias), o acusado não tenha constituído defensor, hipótese em que o juiz será obrigado a nomear advogado dativo para oferecê-la (+ 10 dias); apresentada a resposta à acusação com documentos dos quais a acusação não tinha ciência, o Ministério Público deve ter vista dos autos (+ 5 dias), com subsequente análise, por parte do magistrado, de eventual pedido de absolvição sumária (+ 5 dias); por fim, apesar de o art. 400, caput, do CPP, prever que a audiência de instrução e julgamento deva ser realizada no prazo máximo de 60 dias, é possível que, por conta da complexi­ dade do caso, ou em virtude da realização de diligências, haja a concessão às partes de prazo para apresentação de memoriais (+ 10 dias), hipótese em que a sentença pode ser proferida em até 20 dias, perfazendo, assim, um total de 190 (cento e noventa) dias. 6.4.9. Excesso de prazo no âm bito do Tri­ bunal do Júri: quanto à I a fase do procedimen­ to do Tribunal do Júri (judicium accusationis), o prazo pode variar entre 100 (cem) e 120 (cen­ to e vinte) dias, na Justiça Estadual e Federal, respectivamente. É bem verdade que o art. 412 do CPP, com redação determinada pela Lei n. 11.689/08, determina que o procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias. Todavia, não se pode olvidar que o dispo­ sitivo refere-se ao prazo para o encerramento do procedimento. Logo, não se pode esquecer que a este prazo de 90 (noventa) dias, referente ao encerramento do procedimento judicial, deve

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

ser acrescido o prazo relativo às investigações: + 10 (dez) dias na Justiça Estadual (CPP, art. 10); + 1 5 (quinze) dias, prorrogáveis por outro tanto, na Justiça Federal (Lei n. 5.010/66, art. 66); ou, ainda, + 60 (sessenta) dias, caso tenha sido decretada a prisão temporária em seu prazo máximo para crimes hediondos e equi­ parados. Quanto à 2a fase do procedimento do júri (judicium causae), diante da ausência de prazo expresso em lei para o julgamento em plenário do acusado já pronunciado, pode-se estabelecer uma presunção relativa de excesso de prazo caso o julgamento não seja realizado no prazo de 6 (seis) meses contado da preclusão da pronúncia, aplicando-se aí o prazo previsto para o desaforamento (CPP, art. 428, caput, com redação determinada pela Lei n. 11.689/08). 6.5. Natureza do prazo para o encerramen­ to do processo e princípio da proporciona­ lidade: com o incremento da criminalidade no país, e a crescente e consequente complexidade dos processos criminais, consolidou-se perante os Tribunais Superiores o entendimento de que o prazo para a conclusão da instrução proces­ sual de réu preso não tem natureza absoluta, podendo ser dilatado com fundamento no princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade), seja em virtude da complexidade da causa, seja em face da pluralidade de réus envolvidos no fato delituoso. Portanto, não é o simples somatório aritmético dos prazos abstratamente previstos na lei processual penal que servirá de balizamento para fins de deli­ mitação do excesso de prazo na formação da culpa. Dependendo da natureza do delito e das diligências necessárias no curso do processo, é possível, então, que eventual dilação do feito seja considerada justificada.

/

Alt. 316

vância d o postu lad o da razoabilidade. H abeas corpus parcialm ente con he cido e, nesta parte, indeferido". (STF, 1a Turma, H C 92.202/RS, Rei. Min. Carlos Britto, DJe 65 11/04/2008)

STF:"(...) O

entendim ento desta Corte está alinhado

no sentido de que o prazo de oitenta e um dias para o término da instrução criminal não é absoluto, podendo ser dilatado mercê da com plexidade d o s autos e da quantidade de réus envolvidos no fato delituoso. A circunstância de o paciente e outros responderem pela prática de quatro hom icídios qualificados [chacina] torna razoável a dilação da instrução criminal para além d o prazo legalm ente estipulado. O rdem denegada". (STF, 2a Turma, HC 92.483/PE, Rei. Min. Eras Grau, DJe 31 22/02/2008).

STF:"(...) Excesso de prazo da instrução criminal. C o m ­ plexidade d o feito, contribuição da defesa, necessida­ de de expedição de carta precatória e núm ero excessi­ vo de testem unhas a serem inquiridas. Circunstâncias que tornam razoável o térm ino da instrução criminal em prazo superior ao previsto em lei. Habeas corpus conhecido, em parte, e d e n e g a d o nessa extensão". (STF, 2a Turma, HC 91.430/PA, Rei. Min. Eros Grau, DJe 31 22/02/2008).

STJ:"(...) Aplica-se

o princípio da razoabilidade, para

justificar o excesso de prazo, caso haja regular tram i­ tação d o feito, com eventual retardam ento no jul­ ga m e n to d o paciente c au sad o pela com p le xid ade d o processo, decorrente da pluralidade de acusados (onze), d o de sm em bram en to d o feito em relação aos pacientes, bem com o pela necessidade de expedição de diversas cartas precatórias para o interrogatório do s réus. Justifica-se eventual dilação de prazo para a conclusão da instrução processual, q u an do a dem ora não é provocada pelo Juízo ou pelo Ministério Público, m as sim decorrente de incidentes d o feito e devido à observância de trâmites processuais sabidam ente com plexos. (...) O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 91.982/CE, Relatora M inistra Jane Silva, D ese m bargado ra convocada d o TJ/MG, DJ 17/12/2007 p. 285).

STJ:"(...) C onform e

pacífica jurisprudência de n ossos

Tribunais Superiores, os prazos previstos na lei proces­ sual penal não devem ser so m ado s deform a aritmética a fim de ser reconhecida coação ilegal à liberdade de locom oção d o acu sado em razão de eventual excesso, perm itindo-se ao Juízo, em hipóteses excepcionais,



Jurisprudência selecionada:

c o m o in casu, a ultrapassagem desses marcos, o que decorre da aplicação d o princípio da razoabilidade. O

STF:"(...) Im procedência d o a le g a d o excesso de pra­

excesso de prazo na form ação da culpa é justificado se

zo na form ação da culpa. O s elem entos constantes d o s autos n ão dã o facilitada conta d e que eventual

se tratar de ação penal com plexa, com várias pessoas

dem ora na prestação jurisdicional é de ser debitada à inércia ou desídia d o Poder Judiciário. O alon gam e n to

precatórias para oitiva de testem unhas, de sd e que

da c u stód ia cautelar decorre da co m p le xid ad e da causa. C au sa a envolver 8 (oito) réus, necessidade da

(...) Coação ilegal não caracterizada. Ordem denegada".

oitiva de várias testem u n has e a expedição de cartas precatórias para outros Estados da Federação. Obser­

- D ese m bargado r con vo cado d o TJ/SP -, ju lga d o em

denunciadas e necessidade de expedição de cartas não sejam ultrapassados os limites da razoabilidade. (STJ, 6aTurma, HC 138.654/GO, Rei. Min. Celso Lim ongi 14/09/2010).

911

Art.316

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

6.6. Hipóteses que autorizam o reconhe­ cimento do excesso de prazo: como dito acima, na visão dos Tribunais, o prazo para o encerramento do processo não tem natureza peremptória, subsistindo apenas como referen­ cial para verificação do excesso, de sorte que sua superação não implica necessariamente em constrangimento ilegal, podendo ser ex­ cedido com base em juízo de razoabilidade. Diante dessa natureza relativa do prazo para o encerramento do processo, indaga-se: quando restará caracterizado o excesso de prazo, auto­ rizando-se o relaxamento da prisão? No Brasil, tem-se considerado que o excesso de prazo na formação da culpa é medida de todo excepcio­ nal e somente estará caracterizado nas seguin­ tes hipóteses: 1) mora processual decorrente

de diligências suscitadas exclusivamente pela atuação da acusação: a título de exemplo, por conta das inúmeras interceptações telefônicas em andamento, tem havido grande lentidão na realização de exames periciais para compa­ ração das vozes (espectrograma da voz). Ora, não se pode admitir que o excessivo volume de trabalho pericial sirva como desculpa para a morosidade, gerando dilações indevidas e permitindo que o acusado permaneça preso cautelarmente por prazo irrazoável; 2) mora

processual decorrente da inércia do Poder Judiciário, em afronta ao direito à razoável duração do processo: é óbvio que o excessivo volume de trabalho isenta o magistrado pes­ soalmente de qualquer responsabilidade, mas não escusa o atraso da prestação jurisdicional. De outro lado, a organização defeituosa da Ad­ ministração da Justiça, sua carência de pessoal e de material não podem servir como justifica­ tivas para a morosidade, afrontando o direito a um processo sem dilações indevidas; 3) mora

processual incompatível com o princípio da razoabilidade, evidenciando-se um excesso abusivo, desarrazoado, desproporcional: nas palavras do Min. Gilmar Mendes, “a demora na instrução e julgamento de ação penal, desde que gritante, abusiva e irrazoável, caracteriza o excesso de prazo. Manter uma pessoa presa cautelarmente por mais de dois anos é despro­ porcional e inaceitável, constituindo inadmis­ sível antecipação executória da sanção penal” 912

(STF, 2a Turma, HC n. 86.915/SP, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 21/02/2006, D J 16/06/2006).



Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...) Paciente preso cautelarm ente há um ano e seis meses, sem que tenha d a d o causa ao excesso de prazo, que, no caso, resulta de diligências requeridas pelo M inistério Público e de incidente de suspeição suscitado pelo Juiz. Constrangim ento ilegal reconheci­ do, independentem ente de o feito encontrar-se na fase d o artigo 499 do CPP. Ordem concedida". (STF, 1aTurma, H C 85.400/PE, Rei. Min. Eros Grau, DJ 11 /03/2005 p. 38).

S T F : "(...) Nada pod e justificar a perm anência de um a pessoa na prisão, sem culpa formada, qu an do configu­ rado excesso irrazoável no tem p o de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ 180/262-264 - RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão m eram ente processual d o indiciado ou d o réu. - O excesso de prazo, q u an do exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatóriocausalm ente atribuível ao réu - traduz situação an ôm ala que com prom ete a efetividade d o processo, pois, a lém de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade d o cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o di­ reito à resolução d o litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5°, LXXVIII) e com tod as as garantias reconhecidas pelo ordenam ento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tem p o irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. - A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de m od o frontal, o postulado da digni­ dade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1°, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conform a e inspira to d o o ordenam ento constitucional vigente em n osso País e que traduz, de m o d o expressivo, um do s fundam entos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional posi­ tivo. Constituição Federal (Art. 5°, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. C o n v e n çã o Am e rican a sobre Direitos H u m ano s (Art. 7°, ns. 5 e 6 ). Doutrina. Jurisprudência. - O indiciado e o réu, q u a n d o configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não p o ­ dem perm anecer expostos a tal situação de evidente abusividade, so b pena de o instrum ento processual d a tutela cautelar penal transm udar-se, m ediante subversão d o s fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) m eio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes". (STF, 2aTurma, HC 91,662/PR, Rei. Min. Celso de Mello, DJe 60 04/04/2008).

S T F : "(...) O prazo para a conclusão da instrução proba­ tória não pod e ser a mera som a aritmética d o s prazos de cada ato processual. De outra sorte, é inadmissível

TÍTULO IX •DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

A rt. 3 1 6

que a prisão provisória - com o o próprio nom e diz -

Turma, HC 84.095/GO, Rei. Min. Joaquim Barbosa, DJ

perdure sem nenhum a limitação. A duração da custó­

16/12/2005 p. 111).

dia cautelar deve ser a m ais breve possível, m as sempre vista sob o prism a da razoabilidade. Precedentes. No caso concreto, o prazo da prisão preventiva é excessivo, um a vez que o paciente perm aneceu so b custódia cautelar por m ais de dois anos, sem que tivesse sido realizada a oitiva de testem unhas arroladas pela acu­ sação. 0 excesso de prazo é largam ente atribuível ao

6 .7 . Excesso d e p razo p ro vo cad o pela d e ­ fesa: consultar comentários à súmula n. 64 do STJ (“Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa”).

aparelho judiciário, um a vez que a juíza redesignou a data de au d iê n cia so m e n te para u m a n o e oito m eses de p ois de frustrada a audiência para oitiva das testem unhas arroladas pela acusação. Habeas corpus deferido, para que o paciente aguarde em liberdade o encerramento da ação penal, salvo se por outro motivo estiver preso". (STF, 2a Turma, H C 86.850/PA, Rei. Min. Joaquim Barbosa, DJ 06/11/2006 p. 50).

STJ:

“(...) Constitui evidente constrangim ento ilegal,

por excesso de prazo, o fato de o paciente aguardar preso o encam inham ento de laudo de exame de corpo de delito, ainda não confeccionado por ineficiência do aparelho estatal, especialm ente quando, transcorridos m ais de 3 (três) an os de sua custódia cautelar e mais de 9 (nove) m eses da decisão que deu por finalizada a instrução, ainda não se encerrou a fase de judicium accusationis, e m orm en te q u a n d o para a d e lo n ga em nada contribuiu a defesa. O rdem concedida para relaxar a prisão d o paciente, determ inando a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por o u ­ tro m otivo não estiver preso". (STJ, 5aTurma, HC 92.444/ SP, Rei. Min. Jorge Mussi, DJe 26/05/2008)

STF:"(...) Prisão preventiva. Excesso de prazo. Custódia que perdura por mais de dois anos. Instrução processu­ al ainda não encerrada. D em ora não im putável à defe­ sa. Feito de certa com plexidade. Gravidade d o delito.

6.8. R econhecim ento d o excesso de prazo m esm o após a p ronúncia ou o en cerram en ­ to da instrução c rim in al (m itig a ç ã o das sú­ m ulas 21 e 52 d o STJ): consultar comentários à súmula n. 21 do STJ.

6 .9 . Excesso d e p razo e aceleração d o ju l­ g a m e n to : caracterizado o excesso de prazo na formação da culpa, impõe-se o relaxamento da prisão, que pode ser determinado pelo próprio juiz que preside a instrução processual, ou pelo respectivo Tribunal, seja em face da interposição de habeas corpus, seja de ofício, quando da apreciação de eventual recurso. Em alguns precedentes jurisprudenciais, no entanto, ao invés de se reconhecer o excesso de prazo, com o consequente relaxamento da prisão, os Tribu­ nais têm se limitado a determinar a realização imediata do julgamento, de modo semelhante à novel aceleração do julgamento inserida no procedimento do desaforamento por força da Lei n. 11.689/08 (CPP, art. 428, §2°).

Irrelevância. Dilação não razoável. C onstrangim ento ilegal caracterizado. H C concedido. Aplicação d o art. 5o, LXXVIII, da CF. Precedentes. A duração prolongada e abusiva da prisão cautelar, assim entendida a dem ora não razoável, sem culpa d o réu, nem julgam e nto da causa, ofende o p ostu lad o da d ign id ade da pessoa hum ana e, c o m o tal, substancia constrangim ento ile­ gal, ainda que se trate da im putação de crime grave". (STF, 1a Turma, HC 84.931/CE, Rei. Min. Cezar Peluso, DJ 16/12/2005 p. 83).

♦ Jurisprudência selecionada: STF:

"(...) A questão de direito tratada neste habeas

corpus diz respeito ao possível constrangim ento ilegal sofrido pelo paciente devido ao excesso de prazo na m anutenção da prisão processual d o paciente, sem fato im putável à defesa. (...) Há elem entos indicativos de que a instrução criminal foi finalizada com a prolação da sentença de pronúncia, encontrando-se o feito

prazo para a conclusão da instrução proba­

praticamente pronto para realização da sessão d o tri­ bunal d o júri. Desde que devidam ente fundam entada

tória não p od e ser a mera som a aritmética do s prazos

e com base no parâmetro da razoabilidade, é possível

de cada ato processual. De outra sorte, é inadmissível

a prorrogação do s prazos processuais para o térm ino

que a prisão provisória - c o m o o próprio n om e diz - perdure sem n e n h u m a lim itação. A du ração da

da instrução criminal de caráter com plexo (HC 71.610/ DF, Pleno, rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.03.2001;

custódia cautelar deve ser a m ais breve possível, m as

HC 82.138/SC, 2a Turma, Rei. Min. M aurício Corrêa, DJ

STF:"(...) O

sempre vista sob o prisma da razoabilidade. Preceden­

14.11.2002; HC 81.905/PE, 1aTurma, de m inha relatoria,

tes. N o caso concreto, em bora presentes os requisitos

DJ 16.05.2003). N o caso, a despeito da com plexidade

legais autorizadores da prisão preventiva d o paciente,

d o caso - devido às várias circunstâncias existentes relacionadas à autoria d o fato crim inoso -, é justificado

o prazo da prisão preventiva configura-se excessivo. Habeas corpus deferido, para que o paciente aguarde em liberdade o encerram ento da ação penal". (STF, 2a

o excesso de prazo, m as deve haver expressa recom en­ dação ao juiz de direito que providencie a realização da

Art.316

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

sessão d o tribunal d o júri dentro do prazo de 30 (trinta) dias a contar da apresentação da contrariedade pelas defesas. Habeas corpus denegado, com recomendação ao juiz". (STF, 2a Turma, HC 95.314/SP, Rei. Min. Ellen Gracie,DJe 211 06/11/2008).

6 .1 0 . R e la x a m e n to da prisão p o r excesso d e p razo e d e c re ta ç ã o d e nova prisão: de nada adianta o reconhecimento do excesso de prazo na formação da culpa em julgamento de habeas corpus, com a consequente expedição de alvará de soltura, se o juiz puder decretar nova e automática prisão preventiva do acu­ sado, mantendo seu status quo. Fosse isso possível, haveria clara e evidente afronta ao direito à razoável duração do processo, previsto na Constituição Federal (art. 5o, LXX V III) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8o, n. 1). Deve­ ras, se a prisão cautelar anterior foi relaxada por excesso de prazo no encerramento do processo, seria expediente arbitrário e desleal restabelecer a detenção por meio de novo mandado de prisão preventiva, pois, assim, ficaria burlada a lei quando reclama, estando preso o acusado, se conclua o processo em prazo menor que o fixado para os processos de réu solto. Portanto, uma vez relaxada a prisão preventiva por excesso de prazo, não pode o juiz decretar nova prisão cautelar, salvo diante de motivo superveniente que a autorize. Essa motivação que autoriza nova prisão cautelar deve ser completamente nova, seja quanto aos argumentos jurídicos, seja quanto aos fatos. Na verdade, deve-se exigir que essa motivação cautelar nova refira-se a fatos novos posteriores à soltura do réu, ou, quando muito, de fatos que, embora não posteriores à soltura do réu, eram estranhos ao processo penal e comple­ tamente desconhecidos do juiz quando da revogação da prisão preventiva.

♦ Jurisprudência selecionada: STF:"(...) O

relaxam ento da prisão preventiva, por ex­

cesso de prazo, não im pede sua decretação por outros fundam entos explicitados na sentença. Precedentes da Corte (HC n° 86.304/PE - Se gu n d a Turma - Rei. Min. Eros Grau, DJ de 3/2/2006; HC n° 67.557/SP - Primeira Turma - Rei. Min. Sydney Sanches, DJ de 25/8/1989). O rdem denegada". (STF, 1aTurma, H C 103.881/M G, Rei. Min. Dias Toffoli, ju lgad o em 31/08/2010).

6 .1 1 .

Efeito exten sivo: se o excesso de pra­ zo não tiver como fundamento argumento de caráter exclusivamente pessoal, surgindo idêntica a situação de corréu, impõe-se um tratamento igualitário, estendendo-se a ordem concedida a todos os acusados, consoante o disposto no art. 580 do CPP. Segundo o referi­ do dispositivo, no caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros. ♦ Jurisprudência selecionada: STF: "(...)

C onfigurado o excesso de prazo na custó­

dia preventiva, im p õ e -se a de v olu ção d o direito à liberdade de ir e vir ao acusado, presente o princípio constitucional da não-culpabilidade: "n in gu é m será considerado culpado até o trânsito em ju lgad o de sen­ tença penal con d e n atória "- inciso LVII d o artigo 5° da Carta Federal. O R D E M - EXTENSÃO. Su rgin do idêntica a situação de corréu, observa-se o tratam ento iguali­ tário, estendendo-se a ordem concedida, conform e o disposto no artigo 580 d o C ó d ig o de Processo Penal (...)". (STF, I a Turma, H C 87.132/MG, Rei. M in. M arco Aurélio, DJ 31/10/2007 p. 91).

STF: “(...) O rdem

de habeas corpus concedida ao Pa­

ciente com fundam ento no excesso de prazo da prisão preventiva, a dizer, por critério objetivo. O s m esm os fu n d am e n to s d o acórdão con cessivo da ord em de habeas corpus ao Paciente servem para afastar o cons­ trangim ento ilegal a que estão sendo su bm etidos os ora Requerentes. Pedido de extensão concedido". (STF, 1a Turma, HC se gu n d a extensão 87.913/PI, Relatora Ministra Cárm en Lúcia, DJ 23/03/2007 p. 109).

6 .1 2 . R e la x a m e n to da prisão e n atu reza da infração p enal: uma vez reconhecida a ile­ galidade da prisão, impõe-se seu relaxamento, ainda que o delito praticado pelo agente tenha natureza hedionda. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comen­ tários à súmula n. 697 do Supremo Tribunal Federal: Â proibição da liberdade provisória

nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo. 6 .1 3 . Excesso d e p razo e in vestig ad o ou acusado solto: em regra, restringe-se a aná­ lise acerca do excesso de prazo na formação da culpa em relação ao indivíduo preso. E

TlTULO IX •DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

isso porque, tratando-se de acusado preso, apresenta-se o reconhecimento do excesso de prazo como causa de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, autorizando o re­ laxamento da prisão com fundamento no art. 648, inciso II, do CPP. No entanto, pela própria dicção do texto constitucional (CF, art. 5o, inciso LXXVIII), depreende-se que o direito à razoável duração do processo é aplicável tanto ao acusado que está preso quanto àquele que está em liberdade. O problema é que, enquanto o relaxamento da prisão afigura-se como con­ sequência da ilegalidade decorrente do excesso de prazo quando o acusado está preso, a legis­ lação processual penal pátria silencia acerca de medidas a serem adotadas em caso de dilação indevida referente a investigações ou processos criminais de acusados que estejam em liberda­ de. No plano internacional, Daniel R. Pastor

(Elplazo razonable em elproceso dei Estado de Derecho: una investigación acerca dei problema de la excesiva duración dei proceso penal y sus posibles soluciones. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2002. p. 504-540) apresenta algumas soluções, aplicáveis tanto ao acusado preso quanto ao acusado solto: 1) compensatórias, que podem ser: a) de direito internacional - com a conde­ nação do Estado infrator, por órgãos interna­ cionais de direitos humanos (como o TEDH), à compensação pelos prejuízos causados ao acusado, que poderá ser em dinheiro ou, ainda, através de indulto ou perdão da pena aplicada (total ou parcial); b) de direito civil - por meio de ressarcimento, indenização ou reparação; c) de direito penal - por meio de redução de pena ou de suspensão de sua execução - no Brasil, seria possível a aplicação, nesse caso, da

Art.317

circunstância atenuante genérica do art. 66 do Código Penal; 2) processuais, que podem ser resumidas na possibilidade de reconhecimento de nulidade do processo ou dos atos proces­ suais posteriores ao cumprimento do prazo razoável; 3) punitivas, traduzidas em sanções disciplinares, administrativas ou penais para os agentes responsáveis pela dilação indevida do processo. Não obstante o silêncio da legislação brasileira quanto às consequências de eventual dilação indevida referente a persecuções cri­ minais em que o acusado esteja em liberdade, convém destacar que, em pioneiro julgado acerca do assunto (STJ, 5a Turma, HC 96.666/ MA, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 04/09/2008, DJe 22/09/2008), a 5a Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem para determinar o trancamento de inquérito policial em andamento em relação a suspeitos que estavam em liberdade, por entender que, no caso concreto, passados mais de sete anos desde a instauração do inquérito, ainda não teria havido o oferecimento da denúncia contra os pacientes. Nas palavras do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, “é certo que existe juris­ prudência, inclusive desta Corte, que afirma inexistir constrangimento ilegal pela simples instauração de Inquérito Policial, mormente quando o investigado está solto, diante da ausência de constrição em sua liberdade de locomoção; entretanto, não se pode admitir que alguém seja objeto de investigação eterna, porque essa situação, por si só, enseja evidente constrangimento, abalo moral e, muitas vezes, econômico e financeiro, principalmente quan­ do se trata de grandes empresas e empresários e os fatos já foram objeto de Inquérito Policial arquivado a pedido do Parquet Federal”.

Capítulo IV DA PRISÃO DOMICILIAR1 2 Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.35

Art.317

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de Lima

1. In tro d u ç ã o d a prisão d o m ic ilia r no CPP pela Lei n. 1 2 .4 0 3 /1 1 : com as mudanças pro­ duzidas pela Lei n. 12.403/11, o Capítulo IV do Título IX do Livro I do CPP passou a dispor sobre a prisão domiciliar. Levando em consideração certas situações especiais, de natureza humanitária, a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar visa tornar menos desumana a segregação cautelar, permitindo que, ao invés de ser recolhido ao cárcere, ao agente seja imposta a obrigação de permanecer em sua residência. Para que ocorra essa substituição, que só pode ser determinada pela autoridade judiciária, deve se exigir prova idônea dos requisitos estabelecidos no art. 318 do CPP. Caso haja descumprimento da prisão domiciliar, o juiz deve analisar se é caso de re­ vogação do benefício, restaurando-se a prisão preventiva do agente, nos termos do art. 282, §4°, do CPP. Nada diz a lei quanto à natureza do crime como requisito para a substituição da prisão preventiva pela domiciliar. Destarte, queremos crer que o benefício sob comento é aplicável a qualquer espécie de infração penal, tenha ou não natureza hedionda, desde que, logicamente, preenchidos os requisitos alter­ nativos dos incisos do art. 318 do CPP.

♦ Jurisprudência selecionada: STF: "(...) A u to s in struídos com d o c u m e n to s com pro bató rio s d o d e b ilitad o e stad o de saú d e d o p a­ ciente, q u e pro vave lm e nte definhará na prisão sem a assistência m édica d e q u e necessita, o e stab e le ­ cim e nto prisional recon h e ce n do não ter c on diçõe s d e prestá-la. O artigo 117 da Lei de Execução Penal d e term in a, n as h ip ó te se s m e n c io n a d a s em seu s incisos, o recolhim en to d o ap e nado, q u e se e n c o n ­ tre n o regim e aberto, em residência particular. Em q u e pese a situ ação d o paciente não se enq u ad rar n as h ip ótese s legais, a e x ce p c io n alid ad e d o caso enseja o afa stam e n to da Sú m u la 691-STF e im põ e seja a prisão do m iciliar deferida, pen a de vio lação d o princípio da dig n id a d e da p essoa hu m an a [artigo I o, inciso III da C o n stitu ição d o Brasil]. O rde m c o n ­ cedida". (STF, 2a Turma, H C 98.675/ES, Rei. M in. Eros Grau, j. 09/06/2009, DJe 20/08/2009).

2. Prisão d o m ic ilia r d e n a tu re z a c a u te la r: interessante perceber que o legislador esta­ beleceu a prisão domiciliar no Capítulo IV, denominado “Da prisão domiciliar”. Como este capítulo está inserido no Título IX (“Da

prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória”), e por ser a prisão dom iciliar medida substitutiva da prisão preventiva, mantém o mesmo caráter cautelar desta, isto é, a prisão domiciliar também possui natureza cautelar e a sua finalidade será a mesma da prisão substituída. Também é im portante notar que a prisão domiciliar foi inserida em tópico diverso daquele pertinente às medidas cautelares diversas da prisão (Capítulo V, arts. 319 e 320). Isso significa que a prisão domiciliar é considerada pelo legislador como uma forma de prisão preventiva domiciliar e não com o medida cautelar alternativa à prisão. Portanto, a prisão domiciliar não foi criada, em princípio, com a finalidade de impedir a decretação da prisão preventiva, mas justamente de substituí-la, por questões hum anitárias e excepcionais, previstas no art. 318 do CPP. Da constatação de que a prisão dom iciliar funciona com o espécie de prisão preventiva decorrem importantes consequências: a) possibilidade de uso de habeas corpus; b) possibilidade de detração; c) necessidade de ser limitada no tempo, de acordo com prazo razoável; d) possibilidade de haver guarda permanente da habitação; e) possibilidade de caracterização, em tese, do crime de evasão (CP, art. 352), se houver violência contra a pessoa.

2 .1 . D is tin ç ã o e m relação a o re c o lh im e n ­ to d o m ic ilia r no p e río d o n o tu rn o e nos dias d e fo lg a : a prisão domiciliar prevista nos arts. 317 e 318 do CPP, que funciona como substitutivo da prisão preventiva ju sti­ ficada por razões humanitárias, também não se confunde com o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, previsto com o medida cautelar autônoma no art. 319, inciso V, do CPP. Na primeira situação, temos a verificação da presença dos elementos necessários para a decretação da prisão preventiva do agente (CPP, art. 312). Porém, por conta da presença de uma das situações especiais do art. 318, a prisão pre­ ventiva será substituída pelo recolhimento domiciliar, sendo que o agente só pode se ausentar de sua residência com autorização judicial. Lado outro, a medida cautelar de

TÍTULO IX •DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

recolhimento dom iciliar apenas no período noturno e nos dias de folga deve ser adotada quando o juiz entender que, apesar de ser cabível a prisão preventiva, sua decretação não é necessária, porque a medida cautelar do art. 319, V, do CPP, já seria suficiente para produzir o mesmo resultado. Nesse caso, não é necessário que o agente preencha os requi­ sitos do art. 318, os quais são pressupostos para a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, e não para a aplicação da medida cautelar autônoma do art. 319, inciso V. O u­ tra diferença é que a medida cautelar diversa da prisão do art. 319, V, do CPP, permite que o agente trabalhe durante o dia, recolhendo-se à residência apenas à noite ou nos dias de folga.

2 .2 . U tiliz a ç ã o d a prisão d o m ic ilia r co m o m e d id a c a u te la r d iv e rs a da p ris ã o p re ­ v e n tiv a : a prisão domiciliar regulamentada pelos arts. 317 e 318 do CPP foi pensada como medida substitutiva de anterior prisão preventiva. Não funciona, pois, como medida cautelar diversa da prisão, o que pode ser con­ firmado pelo fato de não estar arrolada dentre as medidas do art. 319 do CPP. Discute-se, no entanto, acerca da possibilidade de aplicação da prisão domiciliar de modo a impedir a decretação da prisão preventiva, isto é, como medida alternativa à referida prisão. Tendo em conta que o art. 282, §6°, do CPP, dispõe que a prisão preventiva somente pode ser de­ cretada se não for possível a substituição por outra medida alternativa à prisão, caso o ma­ gistrado entenda que a prisão domiciliar, por si só, é suficiente para resguardar a eficácia do processo, neutralizando uma das situações de perigo previstas no art. 282, inciso I, do CPP, pensamos não haver óbice à aplicação da prisão domiciliar como medida alternativa à prisão preventiva. É bem verdade que o art. 282, §6°, do CPP, faz referência apenas às me­ didas cautelares do art. 319 do CPP. Porém, não se pode perder de vista que, por força do princípio da proporcionalidade, a medi­ da extrema da prisão preventiva só deve ser utilizada pelo juiz quando não for possível o emprego de medida menos gravosa. De mais a mais, como visto nos comentários ao art. 282

Art.317

do CPP, é plenamente possível a aplicação do poder geral de cautela no processo penal. Des­ tarte, sempre que o magistrado verificar que a prisão domiciliar se mostra adequada ao caso concreto, revelando-se por demais gravosa a imposição da prisão preventiva, poderá impor a prisão dom iciliar com o medida cautelar autônoma. Nesse caso, não será necessária a observância das hipóteses do art. 318 do CPP. Basta que a prisão domiciliar seja ade­ quada e suficiente para neutralizar os perigos indicados no art. 2 8 2 ,1, do CPP. Lado outro, caso o juiz constate que a prisão domiciliar não é suficiente para resguardar a eficácia do processo, deverá decretar a prisão preventiva, hipótese em que a prisão domiciliar só poderá ser concedida de maneira substitutiva, e desde que presentes os requisitos do art. 318 do CPP. Com esse entendimento: MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão e outras medidas cau­ telares pessoais. São Paulo: Editora Método, 2011. p. 418.

2 .3 . D etração : nada disse a Lei n. 12.403/1 1 quanto à detração nas hipóteses de substitui­ ção da prisão preventiva pela prisão domi­ ciliar. Em que pese o silêncio do legislador, entendemos que, funcionando a prisão do­ miciliar como modalidade de cumprimento de prisão preventiva, o desconto do tempo de cumprimento da medida em caso de conde­ nação previsto no art. 42 do Código Penal é medida de rigor e adequada. Nesse contexto, o STJ (5a Turma, HC 11.225/CE, Rei. Min. Edson Vidigal, j. 06/04/2000, DJ 02/05/2000 p. 153) já concluiu que o tempo de prisão cautelar efetivamente cumprida em regime domiciliar deve ser computado na pena pri­ vativa de liberdade para fins de detração (CP, art. 42). 3. Fiscalização d a prisão d o m ic ilia r: ape­ sar de os arts. 3 1 7 e 3 1 8 d o CPP silenciarem acerca do assunto, a substituição da prisão preventiva pela prisão dom iciliar deve ser adotada em conjunto com a medida cautelar do monitoramento eletrônico (prisão domi­ ciliar eletrônica). Primeiro, porque o próprio art. 282, §1°, do CPP, permite que as medidas cautelares sejam aplicadas isolada ou cumula-

Art.318

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

tivamente. Segundo, porque a própria Lei de Execução Penal, ao tratar da prisão-albergue domiciliar, permite que o juiz defina a fiscali­ zação por meio de monitoramento eletrônico quando conceder a prisão domiciliar (Lei n. 7.210/84, art. 146-B, IV, acrescentado pela Lei n. 12.258/10). Caso não seja possível a utilização do monitoramento eletrônico, não há óbice ao emprego de vigilância contínua na residência, caso se entenda necessária e conveniente, desde que com discrição e sem constrangimento ao preso. Afinal, cuida-se, a prisão domiciliar, de verdadeira espécie de prisão, cumprida, porém, na residência do acusado. Nesse caso, afigura-se possível a utilização, por analogia, do quanto disposto no art. 3° da Lei n. 5.256/67, que dispõe sobre a prisão especial: “Por ato de ofício do juiz, a requerimento do M inistério Público ou da autoridade policial, o beneficiário da prisão domiciliar poderá ser submetido a vigilância policial, exercida sempre com discrição e sem constrangimento para o réu ou indicado e sua família”.

4 . S a íd as c o n tro la d a s : de acordo com o art. 317, a prisão domiciliar consiste no re­ colhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Como se percebe, toda e qualquer saída do agente de sua residência pressupõe prévia autorização judicial, que

pode ser: a) específica: trata-se de autori­ zação judicial para que o acusado possa se ausentar de sua residência apenas para uma situação determinada. Nesse caso, é possível a aplicação analógica do art. 120 da LEP, que autoriza a saída dos condenados que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto e dos presos provisórios, mediante escolta, nos seguintes casos: a .l) falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão; a.2) ne­ cessidade de tratamento médico; b) genérica: para situações mais amplas e corriqueiras, tais como frequência a cultos religiosos, etc. Uma vez autorizada a saída, a permanência do preso fora de sua residência terá duração necessária à finalidade da saída. Ademais, é possível que essa saída seja acompanhada por escolta policial. Para tanto, basta que o juiz aplique, por analogia, o quanto disposto nos arts. 120 e 121 da LEP.

5. T ra b a lh o d o preso d o m iciliar: afigura-se inviável que o preso domiciliar possa traba­ lhar. Isso porque as hipóteses que autorizam a substituição da prisão preventiva pela domi­ ciliar são absolutamente incompatíveis com a possibilidade laborai. Com efeito, soaria muito estranho que agente extremamente debilitado por motivo de doença grave (CPP, art. 318, II) estivesse em condições de desem­ penhar uma atividade laborativa.

Art. 318. Poderá o juiz substituira prisão preventiva1 pela domiciliar quando o agente for:2-3 I-m a io r de 80 anos;4 II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;5

III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência;6 IV - gestante (redação dada pela Lei n. 13.257/16)7 V - mulher, com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei n. 13.257/16)8

V I - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. (Incluído pela Lei n. 13.257/16)9 P arágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.10

TlTULO IX •DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

1. (Im ) p o s s ib ilid a d e d e s u b s titu iç ã o da prisão te m p o rá ria p e la prisão d o m ic ilia r: certam ente haverá questionamentos quan­ to à possibilidade de substituição da prisão temporária pela prisão domiciliar. O art. 318, caput, do CPP, refere-se apenas à possibilidade de substituição da preventiva pela domiciliar, silenciando acerca da prisão temporária. A nosso ver, esse silêncio eloquente deve ser interpretado no sentido da impossibilidade de substituição da prisão temporária pela domici­ liar. Em primeiro lugar, porque a prisão tempo­ rária tem prazo de duração bem reduzido - 5 (cinco) dias, prorrogáveis por igual período, ou 30 (trinta) dias, também prorrogáveis por igual período, em se tratando de crimes hediondos e equiparados. Esse prazo de duração mais curto demonstra que a prisão temporária não tem o condão de causar os mesmos prejuízos à saúde que a prisão preventiva, cuja indeterminação temporal acaba por repercutir de maneira bem mais grave e cruel. Em segundo lugar, conside­ rando que o objetivo precípuo da prisão tem­ porária é assegurar a eficácia das investigações, parece-nos que esse objetivo estaria seriamente comprometido se acaso o agente permanecesse no gozo de prisão domiciliar.2

2. A d m is s ib ilid a d e d a s u b s titu ição da p ri­ são p re v e n tiv a pela d o m ic ilia r e aplicação d o p rin c íp io da ad eq u a ç ã o : antes de anali­ sarmos as hipóteses que autorizam a substi­ tuição da prisão preventiva pela domiciliar, convém destacar que a presença de um dos pressupostos indicados no art. 318, isolada­ mente considerado, não assegura ao acusado, automaticamente, o direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar. O princípio da adequação também deve ser aplicado à substituição (CPP, art. 282, II), de modo que a prisão preventiva somente pode ser substi­ tuída pela domiciliar se se mostrar adequada à situação concreta. Do contrário, bastaria que o acusado atingisse a idade de 80 (oitenta) anos para que tivesse direito automático à prisão domiciliar, com o que não se pode concordar. Portanto, a presença de um dos pressupostos do art. 318 do CPP funciona como requisito mínimo, mas não suficiente, de per si, para a substituição, cabendo ao magistrado verificar

Art. 318

se, no caso concreto, a prisão domiciliar seria suficiente para neutralizar o periculum libertatis que deu ensejo à decretação da prisão preventiva do acusado.

3. D istin ção e n tre a prisão d o m ic ilia r caute la r e a prisão d o m ic ilia r d e n atu re za p e ­ nal prevista na LEP: a substituição da prisão cautelar pela prisão domiciliar prevista nos arts. 3 1 7 e 3 1 8 d o CPP não se confunde com a medida prevista no art. 117 da Lei de Execução Penal. Este dispositivo cuida da possibilidade do recolhimento do beneficiário do regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condena­ da gestante. Além das hipóteses previstas no art. 117 da LEP, é pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que, na falta de vagas em estabelecimento compatível ao regime a que faz jus o apenado (v.g, semi-aberto), configura constrangimento ilegal a sua sub­ missão ao cumprimento de pena em regime mais gravoso, devendo o mesmo cumprir a reprimenda em regime aberto, ou em prisão domiciliar, na hipótese de inexistência de Casa de Albergado. Como se vê, enquanto os arts. 3 1 7 e 3 1 8 d o CPP cuidam da substituição da prisão preventiva, espécie de prisão cautelar, pela prisão domiciliar, a prisão-albergue do­ miciliar prevista no art. 117 da LEP funciona como modalidade de prisão aberta, ou seja, hipótese de cumprimento de prisão penal de regime aberto em residência particular.

+ Jurisprudência selecionada: STJ: "(...)

É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, na falta de v a ga s em estabelecim en­ to com patível ao regim e a que faz jus o apenado, con figu ra c on stran gim e n to ilegal a sua su b m issão ao cum prim ento de pena em regim e m ais gravoso, de v e n d o o m e sm o cum prir a reprim enda em regi­ m e aberto, ou em prisão domiciliar, na hipótese de inexistência de Casa de A lbe rgad o Hipótese em que deve ser m antido o acórdão que deferiu à apenada o desconto de sua reprim enda em prisão domiciliar, até que surja estabelecim ento ad eq u ad o ao regim e aberto". (STJ, 5a Turma, 1.187.343/RS, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 17/03/2011, DJe 04/04/2011).

(Z®19

Art.318

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

STJ:"(...) Se o paciente foi beneficiado com a progres­

trom b ose e aneurism a abdom inal, bem c o m o apre­

são ao regim e prisional aberto e não existe v aga em

senta quadro depressivo, conform e com p ro vad o nos

estabelecim ento ad eq u ad o ou casa d o albergado, é possível a concessão do s benefícios da prisão d o m i­

autos. Assim, em bora o estabelecim ento prisional seja

ciliar, até o seu surgim ento. Ordem concedida, para o u torgar ao paciente o benefício d e aguardar, em

as enferm idades descritas necessitam de cuid ado s

prisão domiciliar, v a ga em estabelecim ento próprio ao cum p rim e nto da pena em regim e aberto”. (STJ, 6a Turma, H C 158.783/RS, Rei. M in. C elso Lim ongi, D ese m bargado r C on vo ca d o do TJ/SP, j. 31/08/2010,

prisão dom iciliar com o medida, até m esm o, de cunho

DJe 20/09/2010).

STJ: "(...)

Se, por culpa d o Estado, o c on de n ado não vem cum prin do pena em estabelecim ento prisional ad eq u ad o ao regim e fixado na decisão judicial (aber­ to), resta caracterizado o con stran gim en to ilegal. A superlotação e a precariedade d o estabelecim ento penal, é dizer, a ausência de condições necessárias ao cum prim ento da pena em regim e aberto, permite ao con de n ado a possibilidade de ser colocado em prisão domiciliar, até que solvida a pendência, em hom en a­ ge m aos princípios da d ign id ade da pessoa humana, da hum anidade da pena e da individualização da pena. O rdem concedida para que o paciente seja im ediata­ m ente colocado em regim e aberto domiciliar, até o surgim ento de v aga em casa de albergado com condi­ ções m ínim as necessárias ao adeq u ad o cum prim ento da pena em regime aberto, restabelecido o decisum de primeiro grau". (STJ, 6aTurma, HC 216.828/RS, Rei. Min. M aria Thereza de Assis M oura, j. 02/02/2012).

STJ: "(...) A

teor d o entendim ento desta Corte, ad m i­

te-se a con cessão da prisão dom iciliar ao ap e nado su b m e tid o ao regim e aberto que se enquadre nas situações d o art. 117 da Lei de Execução Penal ou, excepcionalmente, qu an do o sentenciado se encontrar cum prindo pena em estabelecim ento destinado ao re­ gim e m ais gravoso, por inexistência de vaga, situações essas não verificadas no caso dos autos. O s argum entos de superlotação e de precárias condições da casa de albergado não permitem, por si sós, a concessão do benefício pleiteado, m orm ente q u a n d o tais situações n ão foram recon he cid as pelo Tribunal de origem . O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, H C 240.715/RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 23/04/2013).

4 . A g e n te m a io r d e 8 0 anos: verificando o juiz que se trata de pessoa maior de 80 (oitenta) anos, com o estado de saúde debilitado e fragi­ lizado, o que demonstra a inconveniência e a desnecessidade de sua manutenção no cárcere, é possível a substituição da prisão preventiva pela domiciliar. > Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) C on q u an to esteja recluso no regim e fechado, verifica-se que o paciente possui m ais de 70 (setenta) an o s de idade e é p ortador de câncer de próstata,

dotado de estrutura para atendim entos emergenciais, específicos e continuados, ensejando a concessão da humanitário. O rdem concedida a fim de determinar a transferência d o paciente para a prisão domiciliar, em virtude d o seu com p rovad o estado de saúde d e ­ bilitado e da sua idade avançada. (STJ, 6a Turma, HC 138.986/DF, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 17/11 /2009, DJe 07/12/2009).

5. A g e n te e x tre m a m e n te d e b ilita d o por m o tiv o d e d o e n ç a g ra v e : não basta que o acusado esteja extremamente debilitado por motivo de doença para grave para que possa fazer jus, automaticamente, à prisão domiciliar. Há necessidade de se demonstrar, ademais, que o tratamento médico do qual o acusado necessita não pode ser ministrado de m aneira adequada no estabelecim ento prisional, o que estaria a recomendar que seu tratamento fosse prestado na sua própria residência. Mesmo antes do advento da Lei n. 12.403/11, os Tribunais Superiores já admi­ tiam a possibilidade de o magistrado substituir a prisão preventiva por domiciliar na hipótese de doença grave. Em caso concreto referente a acusado que foi submetido à cirurgia para a retirada de câncer da próstata e, em razão disso, necessitava de tratamento radioterápico sob risco de morte, além de precisar ingerir medicamentos específicos, entendeu o STJ (STJ, 6a Turma, HC 202.200/RJ, Rei. Min. Og Fernandes, j. 21/6/2011, DJe 24/08/2011) que, excepcionalmente, pode-se conceder ao preso provisório o benefício da prisão domiciliar, porquanto demonstrada a gravidade do estado de saúde e a impossibilidade de o estabeleci­ mento prisional prestar a devida assistência médica. Na mesma linha de raciocínio, porém no tocante à possibilidade de substituição da prisão penal pela prisão domiciliar, nos termos do art. 117, inciso II, da LEP, sempre foi esse o entendimento jurisprudencial: “(.••) ser portador de doença crônica incurável não garante, por si só, o direito à prisão domiciliar, sendo indispensável a prova incontroversa de que o custodiado depende efetivamente de tra­

TÍTULO IX •DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

tamento médico que não pode ser ministrado no estabelecimento prisional”.

Art.318

d e tratam entos médicos". (STJ, 5a Turma, H C 84.685/ RS, Rei. Min. Jane Silva - D ese m bargado ra convocada do T J/M G , j. 27/09/2007, DJ 15/10/2007).

+ Jurisprudência selecionada:

STF: "(...) É adm itida a c on cessão de prisão dom iciliar

STJ:"(...) Ser portador de doença crônica incurável não

grave que necessite de tratam ento m éd ico que não

hum anitária ao c o n d e n a d o a c o m e tid o de d o e nça garante, p or si só, o direito à prisão domiciliar, se nd o

p ossa ser oferecido no estabelecim ento prisional ou

indispensável a prova incontroversa de que o custo­

em unidade hospitalar adequada. N o caso, a avaliação

dia d o de p e n d e efetivam ente de tratam ento m édico

m édica oficial realizada por profissionais distintos e

que não p od e ser m inistrado no estabelecim ento pri­ sional". (STJ, 5aTurma, H C 47.115/SC, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 18/10/2005, DJ 05/12/2005 p. 349).

STJ: "(...) So m en te

em casos excepcionais é possível

o deferim ento da prisão domiciliar, q u a n d o d e m o n s­

ren o m ado s atestou a possib ilidad e de continuação d o tratam ento no regim e sem iaberto e a inexistência de doença grave. A g rav o regim ental a que se nega provim ento". (STF, Pleno, EP 23 AgR/D F , Rei. M in. Roberto Barroso, DJe 222 11/11/2014).

trada, de plano, a necessidade de especial tratam ento de saúde, que não poderia ser suprida n o local em que o c o n d e n a d o se encontra preso. Precedentes. Im p e tra ção q u e lo gro u c o m p ro v a r as circu n stâ n ­ cias p elas q u a is o pacie n te teria n e c e ssid a d e de tratam ento especial, que não poderia ser su p rido p elo Sistem a Prisional. C o m p ro v a d a a situ ação de excepcionalidade, deve ser con ce d id o o p e d id o de c o n c e ssã o d o b e n e fício d e re g im e d o m icilia r de prisão, possib ilitan d o-se q u e o paciente perm aneça nesta con dição até seu julgam ento". (STJ, 5a Turma, H C 66.702/MT, Rei. Min. G ilson Dipp, j. 12/12/2006, DJ 05/02/2007 p. 309).

STJ: "(...)

A inserção daquele se gre ga d o provisoria­

m ente em prisão dom iciliar de p e n d e de c om p ro va­ ção da im prescindibilidade d o tratam ento externo, o que não deflui de q u adro de diabete e hipertensão, m ales que p o d e m ser, m edicam entosam ente, c o n ­ trolados no interior da u nidade penitenciária. O rdem denegada". (STJ, 6a Turma, H C 120.121/SC, Rei. Min. M aria Thereza de A ssis M ou ra, j. 03/09/2009, DJe 21/09/2009).

S T J: "(...)

Em bo ra o art. 117 da Lei das Execuções

Penais d isp o n h a que so m e n te será con ce d id a pri­ são dom iciliar ao s a p e n a d o s em regim e aberto, a jurisprudência desta Corte con solido u-se no senti­ d o da p ossib ilid a d e de defe rim e nto d o benefício, excepcionalm ente, aos co n d e n a d o s a cum prir pena em regim es m ais gravosos, de sd e que dem onstrada, de form a incontroversa, a gravid ad e da m oléstia e a im po ssibilid ade de o ap e n a d o receber o tratam ento d e vido no estabelecim ento prisional on d e se e nco n ­ tra custodiado. N ão o bstante o fato de o ap e n a d o efetivam e n te ap rese n tar lim itaçõ es físicas, te n d o sid o a c o m e tid o p o r acid e n te v ascu la r e nce fálico isquêm ico, n ão restou d e m o n stra d a a im p o ssib ili­ d a d e de prestação da devida assistência m édica no estabelecim ento penal em que se encontra recolhido, bem c o m o a precariedade d o seu e stado de saúde. H ipóte se na qual o s ate stad os m éd ico s aco stad o s aos autos ap e nas evidenciam a im po ssibilid ade de o sentenciado executar atividade laborativa, se nd o que foram deferidos o s p ed ido s de saída para realização

6. A g e n te q u e seja im prescind ível aos cui­ dados especiais de pessoa m e n o r d e 6 (seis) anos d e id ad e ou com deficiência: ao contrá­ rio da LEP, que permite à mulher condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental cumprir a pena em prisão domiciliar, o CPP não exige que se trate de mulher, já que se refe­ re ao agente que seja imprescindível aos cuida­ dos especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência. Apesar de não ser tão comum, há situações em que a única pessoa responsável pelo menor ou deficiente é o pai ou outro homem da família, como, por exemplo, na hipótese em que o genitor tem a guarda exclusiva dos filhos. Nitidamente, o objetivo da prisão domiciliar do art. 318, III, do CPP, é não prejudicar a criança menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência em decorrência da decretação da prisão preventiva da pessoa indispensável aos seus cuidados. Trata-se de situação excepcional, tanto que o próprio legis­ lador refere-se à imprescindibilidade do agente para os cuidados especiais. Assim, se houver familiares em liberdade que possam ficar res­ ponsáveis por esse cuidado especial, não há ne­ cessidade de substituição da prisão preventiva pela domiciliar. Ademais, caso esses cuidados especiais possam ser dispensados pelo agente no próprio estabelecimento prisional, não há falar em aplicação do art. 318, III, do CPP. Nessa linha, o STJ (5a Turma, HC 133.287/ SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 02/03/2010, DJe 03/05/2010) já teve a oportunidade de concluir que, firmada a possibilidade de se assegurar o direito à amamentação contínua na prisão,

Art.318

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de Lima

não há porque se conceder à mulher o direito à prisão domiciliar previsto na LEP.

♦ Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) O juiz deverá substituira prisão preventiva do acu sado pela prisão domiciliar, q u an d o o agente for im prescindível aos cuidados especiais de pessoa m e­ nor de 6 (seis) an os de idade e tal m edida revelar-se útil e suficiente com o alternativa à prisão ad custodiam . N o caso do s autos, a paciente não ostenta registros criminais, os contornos da sua participação delitiva não estão m uito b em de lin e ados e ela com provou ser genitora de duas crianças, um a delas de u m ano. Assim, a prisão domiciliar deve ser deferida, por razões humanitárias, em decorrência da doutrina da proteção integral à criança e do princípio da prioridade absoluta,

to prisional não puder conceder tratamento adequado à gestante. A despeito do silêncio do legislador acerca do termo ad quem dessa prisão domiciliar, conclui-se que o direito à substituição cessa com o nascimento ou, ao menos, findo o puerpério, que se estende, em média, por cerca de três meses após o parto. Findo esse lapso temporal, a manutenção da prisão domiciliar somente será possível se presente uma das hipóteses do art. 318, in­ cisos III e V, do CPP, leia-se, caso a pessoa seja imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência, ou se for mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

previstos no art. 227 da Constituição Federal, no ECA e, ainda, na C o n v e n çã o Internacional d o s D ireitos da Criança, ratificada pelo Decreto Presidencial n. 99.710/90, m esm o porque a m edida cautelar revela-

A Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Tráfico ilícito de entorpecentes. Paciente em

-se adequada para a salvaguarda da ordem pública,

estágio avançado de gravidez. Pedido de substituição

diante das condições favoráveis que a paciente ostenta

da prisão preventiva por domiciliar. Ausência de prévia

(prim ariedade e residência fixa) e das peculiaridades

m anifestação das instâncias precedentes. D upla su­

d o caso, em que o juiz de primeiro grau não d e m o n s­

pressão de instância. Superação. Preenchim ento dos

trou ser a cautela extrema a única idônea a tutelar a

requisitos d o art. 318 d o CPP. C on cessão da ordem, con firm an do a lim inar deferida". (STF, 2a Turma, HC

ordem pública. A violação da prisão dom iciliar enseja o restabelecimento da prisão preventiva, que tam bém

128.381/SP, Rei. Min. Gilm ar M endes, j. 09/06/2015,

p od e ser novam ente aplicada pelo julgador, se sobre­

DJe 128 30/06/2015).

vier situação que configure a exigência da cautelar

STJ:"(...) N ão há ilegalidade na negativa de substituição

m ais gravosa. Habeas C orpus não conhecido. Ordem

da preventiva por prisão dom iciliar q u a n d o não c o m ­

concedida de ofício para substituir a prisão preventiva

provada a inadequação d o estabelecimento prisional à

por prisão domiciliar". (STJ, 6a Turma, HC 291.439/SP,

condição de gestante ou lactante da condenada, visto

Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 22/5/2014).

que asseguradas todas as garantias para que tivesse a assistência m édica devida e condições de am am entar

7. G estan te: na LEP, o art. 117, IV, permite o

o recém-nascido. Habeas corpus não conhecido". (STJ,

cumprimento da pena em regime domiciliar quando se trata de condenada gestante. No CPP, o art. 318, IV, com redação dada pela Lei n. 12.403/11, referia-se, inicialmente, à gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Com o advento do Marco Civil da Primeira Infância - Lei n. 13.257, com vigência em data de 9 de março de 2016 - , o inciso IV do art. 318 passou a autori­ zar a referida substituição quando se tratar de gestante. Ou seja, pelo menos de acordo com a nova redação do dispositivo legal, não mais se faz necessária que a gestante esteja no sétimo mês de gravidez ou que sua gestação seja de alto risco. Basta que se trata de gestante. No­ vamente, há de se entender que a substituição da preventiva pela prisão domiciliar só deverá ocorrer na hipótese em que o estabelecimen­

5aTurma, HC 328.813/SP, Rei. Min. Leopoldo de Arruda R apo so - D e se m b a rga d o r con vo ca d o d o TJ/PE -, j. 01/10/2015, DJe 08/10/2015). Na m esm a linha: STJ, 5a Turma, H C 231.265/RJ, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 18/12/2014, DJe 02/02/2015.

8. M u lh e r com filh o d e a té 12 (doze) anos d e id a d e in co m p leto s: a nova hipótese de substituição da prisão preventiva pela domi­ ciliar do art. 318, inciso V, incluído pela Lei n. 13.257/16, visa atender ao melhor interesse da criança (CF, art. 227, caput), permitindo que mãe e filho façam uso do direito à convivência familiar em local diverso do cárcere. Encontra raízes em im portante documento interna­ cional intitulado Regras de Bangkok, que são

Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Tais

TÍTULO IX •DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

Art.318

Regras propõem um olhar diferenciado para as especificidades de gênero no encarceramento feminino, tanto no campo da execução penal, como também na priorização de medidas não privativas de liberdade, ou seja, que evitem a entrada de mulheres no sistema carcerário. A propósito, nos autos do Habeas Corpus n. 134.069/DF (Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 21/06/2016), a 2a Turma do STF concedeu a ordem para fins de determinar a substituição de prisão preventiva por domiciliar de pacien­ te, acusada de tráfico de drogas, que dera à luz enquanto se encontrava encarcerada, para que a criança e a mãe pudessem permanecer juntas em ambiente que não lhes causasse danos. O novel inciso V do art. 318 do CPP deve ser interpretado com extrema cautela. Isso por­ que, à primeira vista, fica a impressão de que o simples fato de a mulher ter filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos daria a ela, automaticamente, o direito de ter sua prisão preventiva substituída pela prisão domiciliar, o que não é correto. Na verdade, se conside­ rarmos que o próprio Marco Civil da Primeira Infância introduziu diversas mudanças no CPP, tornando obrigatória a colheita de informações da (o) investigada (o) quanto à existência de filhos, respectivas idades, se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos (CPP, art. 6o, inciso X, art. 185, §10, art. 304, §4°, todos com redação determinada pelo art. 41 da Lei n. 13.257/16), fica evidente que, para fins de concessão do benefício da prisão domiciliar cautelar, incumbe à interessada comprovar que não há nenhuma outra pessoa que possa cuidar do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Logo, se houver familiares (v.g., avó, tia, pai) em liberdade que possam ficar responsáveis por esse filho, não há por que se determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar.

trado possa absolver o acusado (v.g., CPP, art.

♦ Jurisprudência selecionada:

da preventiva pela domiciliar, trata-se de ônus

STF:"(...) Prisão em flagrante. Prisão preventiva. M ulher

perfeito, ou seja, o in dubiopro reo não favorece

brasileiro: CPP, LEP, Lei das M e d id a s Cautelares e Lei da Primeira Infância. Outorga de tratam ento diferenciado à m ulher presa que ostente, entre outras, a condição de grávida ou de nutriz (lactante). Legitim idade desse tratamento, que tam bé m se justifica pela necessidade de respeito ao princípio constitucional que consagra o dever estatal de proteção integral da criança e do adolescente. Incidência da C on ve n ção do s Direitos da Criança. Precedentes d o Suprem oTribunal Federal, particularm ente de sua S e gu n d a Turma. Conversão d o julgam e nto deste "habeas corpus" em diligência, para que o im petrante com prove que a paciente se enquadra em qualquer das situações previstas no art. 318 d o CPP". (STF, H C 134.734/SC, Rei. Min. Celso de Mello, j. 05/07/2016)

9. H o m e m , caso seja o único responsável pelos cu id ad o s d o filh o d e a té 12 (doze) anos d e id a d e in c o m p le to s : com melhor redação que o inciso anterior, o art. 318, inciso VI, incluído pela Lei n. 13.257/16, deixa claro que não basta que o preso preventivo seja o pai de uma criança. Fosse assim, praticamente todo preso cautelar teria direito à substituição da preventiva para domiciliar. Para além disso, o interessado deve demonstrar cabalmente que não há nenhuma outra pessoa que possa assu­ mir os cuidados do seu filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

10. Ô nus da prova: recai sobre o interessado o ônus de comprovar categoricamente uma das situações que autorizam a prisão domiciliar. É nesse sentido, aliás, o teor do parágrafo único do art. 318 do CPP. Diversamente do que se dá no âmbito do processo penal condenatório, em que o ônus da defesa é imperfeito, ou seja, basta criar uma dúvida razoável para que o magis­ 386, VI, in fine), na hipótese de substituição

que se encontra em qualquer das situações excep­ cionais referidas no rol taxativo inscrito no art. 318 d o CPP. C onversão em prisão domiciliar. Regras de

o agente, daí por que, ausente a comprovação cabal pelo interessado da ocorrência de qual­

Bangkok, p ro m u lgad as pela Assem bléia Geral das Na­

quer das hipóteses bstadas no art. 318, deve

ções Unidas. Inovações introduzidas no direito interno

ser indeferido o pedido.

\, A rt. 3 1 9

V

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

Capítulo V DAS OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES1 3 Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:4 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11) I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;5 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quan­ do, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;6 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;7 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;8(Incluído pela Lei n. 12.403/11). V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;9 (In­ cluído pela Lei n. 12.403/11). VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natu­ reza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;10 (Incluído pela Lei n. 12.403/11). VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes prati­ cados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;11 (Incluído pela Lei n. 12.403/11). VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o compareci­ mento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;12(Incluído pela Lei n. 12.403/11). I X - monitoração eletrônica.13 (Incluído pela Lei n. 12.403/11).

1. D a a m p lia ç ã o d o rol d e m e d id a s cau ­ te la re s d e n a tu re z a pessoal p revistas no C ódigo d e Processo Penal: seguindo a orien­ tação do direito comparado e com o objetivo de superar a lógica maniqueísta, de tudo ou nada, a Lei n. 12.403/11 ampliou de maneira signi­ ficativa o rol de medidas cautelares pessoais diversas da prisão cautelar, proporcionando ao juiz a escolha da providência mais ajustada ao caso concreto, dentro de critérios de legalidade e de proporcionalidade. Assim é que, na busca de alternativas para o cárcere cautelar, ou seja, a previsão legal de outras medidas coercitivas

que o substituam com menor dano para a pes­ soa humana, porém com similar garantia da eficácia do processo, o art. 319 do CPP passou a elencar 09 (nove) medidas cautelares diversas da prisão, tendo o art. 320 do CPP passado a autorizar expressamente a possibilidade de retenção do passaporte. Como espécies de provimentos de natureza cautelar, tais medi­ das jamais poderão ser adotadas como efeito automático da prática de determinada infração penal. Sua decretação também estará condi­ cionada à presença do fum us comissi delicti e do periculum libertatis. A propósito, o art.

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

282, inciso I, prevê que as medidas cautelares previstas no Título IX do CPP deverão ser aplicadas observando-se a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. Em outras palavras, verificando o ma­ gistrado que tanto a prisão preventiva quanto uma das medidas cautelares previstas no Pro­ jeto do novo CPP são idôneas a atingir o fim proposto, deverá optar pela medida menos gravosa, preservando, assim, a liberdade de locomoção do agente. Caso a liberdade plena do agente não esteja colocando em risco a eficácia das investigações, o processo criminal, a efetividade do direito penal, ou a própria segurança da coletividade, não será possível a imposição de quaisquer das medidas cautelares substitutivas e/ou alternativas à prisão cautelar.

2. (Im ) possibilidade d e u tilizaçã o das cau­ telares diversas da prisão dos arts. 3 1 9 e 3 2 0 do CPP e m p ro c e d im e n to s crim inais diversos previstos na legislação especial: por força do art. I o, parágrafo único, do CPP, as medidas cautelares diversas da prisão podem ser aplicadas não apenas aos procedimentos regulados pelo CPP, mas a todo e qualquer pro­ cedimento criminal, em primeira ou segunda instância. A título de exemplo, o art. 22, §1°, da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), es­ tabelece que as medidas protetivas de urgência ali previstas não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comuni­ cada ao Ministério Público.

3. C o e rc ib ilid a d e das caute lares diversas da prisão: de nada adianta a imposição de determinada medida cautelar diversa da prisão se a ela não se emprestar força coercitiva. De fato, a eficácia de qualquer norma que venha a impor deveres está condicionada à cumulação de sanções, sob pena de se transformar em mera recomendação, simples admoestação, desprovida de força coercitiva. Portanto, a criação dessas medidas cautelares diversas da prisão resultará absolutamente inócua se, concomitantemente, não for trabalhada uma

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estrutura adequada e eficiente para sua operacionalização e fiscalização. Se isso não ocorrer, haverá um certo temor quanto à adoção de tais medidas, com o surgimento de uma natural resistência por parte de juizes e membros do Ministério Público, que irão se voltar nova­ mente à prisão cautelar como o instrumento mais eficiente para tutelar a eficácia do pro­ cesso, a despeito do sacrifício da liberdade de locomoção do agente. Ademais, caso não haja a menor possibilidade de fiscalização de uma medida cautelar diversa da prisão, isso signi­ fica dizer que tal medida será ineficiente para neutralizar as situações de perigo indicadas no art. 2 8 2 ,1, do CPP. Logo, de modo a evitar a imposição de medida totalmente inócua e absolutamente inadequada para resguardar a aplicação da lei penal, a investigação criminal e para evitar a prática de infrações penais, ao magistrado não restará outra opção senão deixar de decretá-la, preservando-se, assim, o princípio da proporcionalidade em sua vi­ são positiva (vedação da proteção deficiente). Por isso, apesar do silêncio do legislador, que se limitou a prever que do descumprimento de qualquer das obrigações impostas poderá resultar a substituição da medida, imposição de outra em cumulação, ou, em último caso, a decretação da prisão preventiva (CPP, art. 282, §4°), acreditamos que, para cada medida cautelar diversa da prisão, devem ser pensados instrumentos idôneos para assegurar sua operacionalidade e eficácia.

4. O u tra s m e d id a s c a u te la re s d iv e rs a s da prisão previstas na legislação especial: mesmo antes da entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, a legislação extravagante já se apre­ sentava mais rica em alternativas dadas ao magistrado para salvaguardar a eficácia do processo criminal, sem ter que recorrer à me­ dida extrema da prisão cautelar. Em virtude do principio da especialidade, tais medidas continuam plenamente válidas. E isso sem prejuízo da aplicação das medidas cautelares recentemente introduzidas no CPP (arts. 319 e 320) pela Lei n. 12.403/11, nos termos do art. I o, parágrafo único, do CPP.

A rt. 3 1 9

cpp COMENTADO •Renato B rasileiro de Lima

de medida cautelar de natureza pessoal distinta da prisão cautelar ou da liberdade provisória é o afastamento do Prefeito do cargo nos crimes de responsabilidade. Em relação aos crimes comuns listados no art. I o do Decreto-Lei n. 201/67, o art. 2o, inciso II, do mesmo Decreto-Lei, prevê a obrigatoriedade de o órgão fra­ cionário do Tribunal de Justiça (lembre-se que Prefeitos, por força da Constituição Federal, são processados e julgados, em regra, pelo Tribunal de Justiça, ex vi do art. 29, inciso X, da Carta Magna), ao receber a denúncia, manifestar-se motivadamente sobre a prisão preventiva do acusado, nos casos dos crimes previstos nos incisos I e II do art. I o, e sobre o

delitos de trânsito, pondo em risco a segurança viária e a incolumidade pública, em virtude de sua acentuada imprudência, negligência ou imperícia. A fim de se preservar a homogenei­ dade da medida, a aplicação desse dispositivo só poderá ocorrer nos casos em que constar do preceito secundário da conduta delituosa a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor como pena. É o que acontece com os crimes do art. 302 (homicídio culposo na direção de veículo automotor), art. 303 (lesões corporais culposas no trânsito), art. 306 (embriaguez no trânsito), art. 307 (violação da suspensão ou da proibição de se obter a permissão ou habi­ litação) e art. 308 (racha no trânsito), todos do Código de Trânsito Brasileiro.

seu afastamento do exercício do cargo durante a instrução criminal, nas hipóteses dos demais

- f Jurisprudência selecionada:

4 .1 . A fa s ta m e n to d o P re fe ito nos crim es d e re s p o n sab ilid ad e: um primeiro exemplo

incisos do mesmo artigo. Tratando-se, o afas­ tamento do exercício do cargo, de medida de natureza cautelar, é evidente que só poderá ser decretada se presentes os pressupostos do fumus comissi delicti e do periculum in mora, sob pena de evidente afronta ao princípio da presunção de inocência.

STJ: "(...)

N o processo-crim e originário im puta-se ao

Paciente a prática d o crime de homicídio, e não o de condução de veículo autom otor sob a influência de ál­ cool ou substância de efeitos an álogo s (art. 306 d o C ó ­ d ig o deTrânsito Brasileiro). Assim, ainda que, em tese, venha a ser constatada a veracidade da afirmação de que a quantidade de álcool detectada pelo etilômetro seria suficiente apenas para caracterizar um a infração

4 .2 . Suspensão da perm issão ou da h a b i­ litaçã o para d irig ir v e íc u lo a u to m o to r ou p ro ib iç ã o d e sua o b te n ç ã o : outro exemplo

administrativa, não teria ela, por si só, o condão de fazer

de medida cautelar de natureza pessoal está previsto no art. 294 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97). Segundo o referido dispositivo, “em qualquer fase da investigação ou da ação penal, havendo necessidade para a garantia da ordem pública, poderá o juiz, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante re­ presentação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permis­ são ou da habilitação para dirigir veículo auto­ motor, ou a proibição de sua obtenção”. Como toda e qualquer medida cautelar, a aplicação do art. 294 do CTB também está condicionada à presença do fum us boni iuris e do periculum in mora. O periculum in mora a que se refere o art. 294 do CTB está relacionado única e exclusivamente à garantia da ordem pública, a ser aqui compreendida como o cuidado de se evitar que o agente volte a praticar novos

não autoriza a custódia preventiva, m orm ente no caso

cessar a persecutio criminis. (...). O tão-só fato de o réu residir em comarca diversa da que está sendo processa­ do, sem a adição de nenhum outro elem ento concreto, concreto em q u e o pro ce sso tram ita em C om arca sediada em m unicípio integrante da região m etropo­ litana da capital m aranhense, na qual o Paciente tem residência fixa e ocupação lícita. A assertiva de que, em razão d o clam or público cau sado pelo crime, e que a concessão da liberdade provisória ao Paciente geraria "descrédito ao Poder Judiciário", tam bé m não é apta para dar suporte à segregação cautelar. N ão de m o n s­ trada a periculosidade d o réu, por m eio de elem entos que indiquem, de form a plausível, o risco de que haja a prática de novos crimes, caso colocado em liberdade, não se justifica a custódia cautelar efetivada em 30 de novem bro de 2008. O rdem parcialm ente concedida". (STJ, 5a Turma, HC 162.678/MA, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 18/11/2010,DJe 13/12/2010).

4 .3 . M e d id a s p ro te tiv a s d e u rg ê n c ia da Lei M a ria da Penha: além das medidas cautelares previstas no Decreto-Lei n. 201/67 e no Código de Trânsito Brasileiro, não po­ demos nos esquecer das medidas protetivas

TÍTULO IX •DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

de urgência introduzidas no ordenamento pátrio por força da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06). De acordo com o art. 22 da referida lei, constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei n. 10.826/03; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemu­ nhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. À exceção da medida protetiva prevista no art. 22, inciso V, referente à prestação de alimentos provisionais ou provisórios, que tem caráter patrimonial, as demais medidas previstas no art. 22 da Lei n. 11.340/06 possuem nítida natureza cautelar pessoal, pois relacionadas à pessoa do suposto agressor. A título de exemplo, no tocante à me­ dida protetiva do art. 22, inciso III, alínea “b”, da Lei n. 11.340/06, é bastante que comum que o autor da violência doméstica contra a mulher passe a incomodá-la por meio de ligações tele­ fônicas, prejudicando-a durante seu horário de trabalho e/ou descanso. A fim de se evitar esse tipo de conduta, pode o juiz impedir qualquer comunicação do agressor com a vítima. Para mais detalhes acerca das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, remetemos o leitor à outra obra de nossa au­ toria: Legislação Criminal Especial Comentada. 3a ed. Ed. Juspodivm. Salvador, 2015.

4 .4 . A fa s ta m e n to c a u te la r d o s e rv id o r p ú b lic o nos casos d e trá fic o d e d ro g a s : também merece especial atenção a medida

Art.319

cautelar de natureza pessoal prevista no art. 56, §1°, da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06): “Tratando-se de condutas tipificadas como infração do disposto nos arts. 33, caput, e §1°, e 34 a 37 desta Lei, o juiz, ao receber a denúncia, poderá decretar o afastamento cautelar do de­ nunciado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando ao órgão respectivo”. Referida medida cautelar, cuja decretação está condicionada à presença do fum us boni iuris e do periculum in mora, somente poderá recair sobre o funcionário público que tiver se aproveitado de suas funções para a prática de tráfico de drogas, ou seja, deve haver um nexo funcional entre a prática do delito e a atividade funcional desenvolvida pelo agente. O periculum in mora, por seu turno, deve se basear em fundamentação que demonstre que a manutenção do agente no exercício da função pública servirá como estímulo para a reitera­ ção delituosa. Nessa linha: THUMS, Gilberto; PACHECO, Vilmar. Nova lei de drogas: crimes, investigação e processo. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008. p. 292.

4 .5 . A fa s ta m e n to c a u te la r d o m a g is tra ­ d o d e n u n c ia d o : a Lei Orgânica Nacional da Magistratura também prevê que, quando, pela natureza ou gravidade da infração penal, se torne aconselhável o recebimento de denúncia ou de queixa contra magistrado, o Tribunal, ou seu órgão especial, poderá, em decisão tomada pelo voto de dois terços de seus membros, de­ terminar o afastamento do cargo do magistra­ do denunciado (LC 35/79, art. 29). Trata-se de medida aconselhável de resguardo ao prestígio do cargo e à própria respeitabilidade do juiz, sem que se possa objetar eventual ofensa ao princípio da presunção de não culpabilidade (CF, art. 5o, LVII). ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "(...)

M A G IST R A D O . A ção penal. Denúncia. Re­

cebimento. Infrações penais graves. Afastam ento do exercício da função jurisdicional. Aplicação d o art. 29 da Lei O rgânica da Magistratura Nacional - L O M A N (Lei C om plem en tar n° 35/79). M e d id a aconselhável de resguardo ao prestígio d o cargo e à própria res­ peitabilidade d o juiz. Ofensa ao art. 5o, LVII, da CF. N ão ocorrência. N ão viola a garantia constitucional da cham ada presunção de inocência, o afastam ento do

Art.319

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

cargo de m agistrado contra o qual é recebida denúncia ou queixa". (STF, Pleno, Inq. 2424/RJ, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 26/11/2008, DJe 55 25/03/2010).

4 .6 . A fa s ta m e n to c a u te la r do a g e n te p ú ­ blico nas h ipó teses de im p ro b id a d e a d m i­ n istrativa: a Lei n. 8.429/92 (Lei que dispõe sobre os atos improbidade administrativa) também prevê a possibilidade de afastamento cautelar do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, quando a medi­ da se fizer necessária à instrução processual (art. 20, parágrafo único). Antes da entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, os Tribunais Superiores entendiam que a aplicação dessa medida limitava-se aos casos de improbidade administrativa, não sendo viável sua adoção no seio do processo penal. Com a entrada em vigor da referida Lei, verifica-se que, doravan­ te, será possível a adoção da medida cautelar da suspensão do exercício de função pública quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais (CPP, art. 319, VI).

+ Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) É inviável, no

seio d o processo penal, deter-

minar-se, q u an d o da revogação da prisão preventiva, o afa stam e n to d o c a rg o d isc ip lin a n d o n o art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92, previsto para casos de im probidade administrativa. N ão há falar, para fins restritivos, de poder geral de cautela no processo penal.Tal concepção esbarra nos princípios da legalidade e da presunção de inocência. O rdem concedida para revogar a providência d o art. 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92, determ inada pelo Tribunal a quo, no seio da ação penal n. 2007.70.09.001531 -6, da 1.aVara Federal de de Ponta Grossa/PR". (STJ, 6a Turma, HC 128.599/PR, Rei. Min. Maria Thereza de Assis M oura, j. 07/12/2010, DJe 17/12/2010).

5. C o m p a re c im e n to p e rió d ic o e m ju íz o , no p razo e nas condições fixad as p e lo ju iz , para in fo rm a r e ju s tific a r a tiv id a d e s : a m e­ dida cautelar do art. 3 1 9 ,1, do CPP, tem como objetivo precípuo verificar que o acusado per­ manece à disposição do juízo para a prática de qualquer ato processual, mas também pode ser usada para se obter informações acerca das atividades que o acusado está exercendo. É per­ tinente para situações em que o acusado não possui vínculos com o local e há risco de não

ser encontrado posteriormente. Determinada esta medida, o acusado deve comparecer, pes­ soalmente, perante a Secretaria do Juízo para informar onde está residindo e qual atividade está exercendo, caso esteja empregado. A nosso ver, a medida pode ser aplicada inclusive para aqueles que não possuem emprego. Evidente­ mente, esse comparecimento deve ser pessoal. De fato, não faz sentido em se permitir que o comparecimento se dê por procuração ou por meio de pessoa da família, porquanto a medida tem em vista a pessoa do acusado.

5 .1 . A cusado res id en te e m o u tra co m a r­ ca e (im ) p o s s ib ilid a d e d e e x p e d iç ã o d e p re cató ria: caso o acusado resida em outra comarca, o acompanhamento dessa medida pode ser feito perante o juízo onde ele reside, expedindo-se, para tanto, carta precatória. É sabido que grande parte da clientela do direi­ to penal é composta por pessoas miseráveis. Exigir-se o deslocamento de acusado pobre até o juízo processante poderia acabar por inviabilizar o cumprimento da medida em virtude de fator alheio a sua vontade. Essa carta precatória seria expedida apenas para a fiscalização da medida. Destarte, na hipótese de descumprimento injustificado da medida, deve o juízo deprecado comunicar o fato ao juízo deprecante imediatamente, recaindo so­ bre este a competência para possível e eventual revogação da medida, nos termos do art. 282, §4°, do CPP.

5 .2 . P eriodicidade do com p arecim ento em ju ízo : a cautelar diversa da prisão do art. 319, I, do CPP, assemelha-se àquela prevista no art. 89, §1°, IV, da Lei n. 9.099/95, que impõe ao acusado, como condição a ser cumprida no período de prova da suspensão condicional do processo, o comparecimento pessoal e obri­ gatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. Porém, ao contrário da condição imposta para a suspensão con­ dicional do processo, o art. 319, inciso I, do CPP, deixa em aberto a periodicidade com que o acusado deve se apresentar em juízo. Na verdade, a fim de não prejudicar o beneficiário no que diz respeito a suas ocupações regulares, laborativas, etc., deve o juiz fixar essa perio-

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

dicidade de acordo com as peculiaridades do caso concreto - semanal, mensal ou até em períodos maiores que um mês atento aos ditames do art. 282, incisos I e II, do CPP. 5.3. Distinção em relação à liberdade pro­ visória do art. 310, parágrafo único, do CPP: a medida cautelar do art. 319, inciso I, do CPP, não se confunde com aquela prevista no art. 310, parágrafo único, do CPP, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11, a saber, comparecimento a todos os atos do processo, como vinculação a que fica submetido o agente beneficiado pela liberdade provisória sem fian­ ça ali prevista, quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante delito, que o fato foi pra­ ticado sob o amparo de causa exdudente da ilicitude. Enquanto o comparecimento periódico em juízo para informar e justificar as atividades é medida cautelar autônoma, que pode ser im ­ posta isolada ou cumulativamente com outra medida, o compromisso de comparecimento a todos os atos processuais é vinculação a que fica submetido o agente para ser beneficiado pela liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único, do CPP, funcionando como medida de contracautela que substitui a prisão em flagrante. Além disso, enquanto o descumprimento da medida cautelar do art. 319, inciso I, do CPP, autoriza a substituição da medida, a imposição de outra em cumulação, ou, em último caso, a decretação da prisão preventiva, do não comparecimento aos atos processuais não é possível o recolhimento do acusado à prisão, já que, por força do art. 314, a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do art. 23 do Código Penal.

/\rt. 3 1 9

310, parágrafo único, do CPP, que autoriza a imposição de tal medida nas hipóteses em que o acusado é posto em liberdade por verificar o juiz que a conduta fora praticada sob o amparo de exdudente da ilicitude. Ora, se tal medida pode ser imposta àquele que possivelmente será absolvido ao final do processo (v.g., em face do reconhecimento da legítima defesa), não faz sentido não poder o juiz impor seme­ lhante restrição ao acusado, quando verificar sua necessidade no caso concreto. Portanto, para além das hipóteses do art. 310, parágrafo único, do CPP, o comparecimento aos atos processuais também pode ser imposto como medida cautelar diversa da prisão, o que pode ser feito inclusive por meio da medida cautelar do art. 3 1 9 ,1, desde que o juiz fixe a periodici­ dade do comparecimento pessoal do acusado de acordo com os atos processuais a serem praticados em juízo. Tal medida pode se revelar necessária em situações em que a presença do acusado durante a audiência seja necessária para eventual reconhecimento pessoal. Nesse caso, é bom lembrar, o princípio do nemo teneturse detegere não pode ser por ele invocado, já que o reconhecimento não demanda nenhum comportamento ativo por parte do acusado. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O

com parecim ento d o réu aos atos proces­

suais, em princípio, é um direito e não um dever, sem e m b argo da possibilidade de sua condução coercitiva, caso necessário, por exemplo, para audiência de re­ conhecim ento. N em m esm o ao interrogatório estará obrigado a comparecer, m esm o porque as respostas às perguntas form uladas fica ao seu alvedrio. Já a presen­ ça do defensor à audiência de instrução é necessária e o brigatória, seja de fen sor constituído, defensor público, dativo ou n o m e ad o para o ato. 3. Recurso especial não conhecido". (STJ, 6 aTurma, REsp 346.677/ RJ, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 10/09/2002, DJ 30/09/2002 p. 297).

5.4. (Im) possibilidade de determinação de comparecimento do acusado a todos os atos processuais: firmada a possibilidade de decretação da medida cautelar do compa­ recimento periódico em juízo, pensamos não haver nenhum óbice à decretação do compa­ recimento do acusado a todos os atos proces­ suais, seja com base no poder geral de cautela, seja por meio de utilização subsidiária do art.

6. Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circuns­ tâncias relacionadas ao fato, deva o indicia­ do ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações: a expressão acesso deve ser compreendida como a simples ação de entrar ou ingressar em determinado local, não tendo qualquer

Art. 319

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

conotação de reiteração ou repetição. A expressão frequência traduz a noção de repetição sistemática de um fato ou comportamento, in casu, a repetição habitual do investigado em comparecer a determinado lugar. A lei não dispõe sobre a espécie de lugar cujo acesso ou frequência poderá ser objeto da medida. Logo, poderá ser determinada a restrição ao acesso a locais públicos (v.g., parques em que há venda de drogas), locais privados abertos ao público (v.g., casas noturnas) e até mesmo locais privados (v.g., casa do ofendido ou de testemunhas). De todo modo, deve haver uma relação entre o local cujo acesso está proibido e a prática do ilícito (v.g., impedir que um integrante de torcida organizada frequente estádios de futebol). Além disso, por ocasião de sua adoção, deve o magistrado especificar quais os lugares que o acusado não pode fre­ quentar, sendo inadmissível a proibição de frequência a determinados locais em termos genéricos, sem especificá-los. A fim de asse­ gurar a operacionalidade e eficácia da medida, devem ser pensados instrumentos idôneos para a fiscalização dessa medida. A despeito do silêncio da lei, sua adoção deve ser comunicada de imediato à Polícia Judiciária e à própria Polícia Militar, a fim de que deem apoio ao seu cumprimento. 6.1. Afastamento do lar: no âmbito da cautelar diversa da prisão do art. 319, II, do CPP, também pode ser determinado o afastamento do lar, já que a proibição de aceso ou frequência do acusado pode ser determinada em relação a sua própria residência, quando, por exemplo, lá residir a vítima em situação de coabitação. Nesse caso, ainda que não se trate de situações abrangidas pela Lei Maria da Penha, que faz menção expressa ao afastamento do lar (Lei n. 11.340/06, art. 22, II), é possível que o juiz determine o afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. 6.2. Utilização para fins de se evitar a rei­ teração delituosa: quanto à utilização da cautelar diversa da prisão do art. 319, II, do CPP, com o objetivo de evitar a reiteração de­ lituosa, é sabido que determinados locais, por sua natureza, finalidade, localização ou tipo de

frequência, favorecem a prática de infrações penais. Daí a importância da proibição de aces­ so ou frequência do acusado a determinados lugares, que se afigura adequada para os casos em que a vedação se mostrar necessária para prevenir a prática de novos ilícitos. Nos mes­ mos moldes que se questiona a possibilidade de decretação da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública ou da ordem econômica, é certo que haverá doutrina que irá questionar a cautelaridade dessa medida. Não visualizamos qualquer inviabilidade de adoção dessa medida, porquanto, como vis­ to ao tratarmos do conceito de garantia da ordem pública - comentários ao art. 312 do CPP - , é perfeitamente possível a adoção de medidas cautelares quando ficar evidenciado o risco de reiteração delituosa por parte do agente. O próprio art. 282, inciso I, do CPP, confirma esse entendimento, ao afirmar que as medidas cautelares poderão ser adotadas quando necessária para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos em lei, para

evitar a prática de infrações penais. 6.3. Utilização para fins diversos: apesar de o inciso II do art. 319 referir-se à decre­ tação dessa medida para evitar o risco de reiteração delituosa, a medida também pode ser utilizada para preservar e proteger a prova, no caso de fontes orais, como testemunhas ou vítimas, evitando ameaças, agressões, tenta­ tivas de suborno e outras atitudes do mesmo gênero. 6.4. Utilização restrita ao in vestigado/ acusado: evidentemente, essa medida caute­ lar só pode ser aplicada àquele que figurar na condição de investigado ou acusado, sendo vedada sua utilização contra terceiros. Afinal, a decretação de toda e qualquer medida cautelar pressupõe a presença àepericulum libertatis e fum us comissi delicti, compreendendo-se este como a presença de prova da existência do cri­ me e indícios de autoria ou participação. Logo, a não ser que a pessoa também esteja sendo investigada pela prática delituosa, afigura-se inviável a aplicação dessa (e de qualquer outra) medida cautelar a familiares do acusado.

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA



Jurisprudência selecionada:

S T J :"(...) N ão há com o impor, sem a devida fu n da­ m entação, o afa stam e n to d o lar àq u e le s que não figuraram na relação litigiosa, im plicando tal, no caso, restrição ao direito de locom oção e, por conseguinte, c o n stran gim e n to ilegal. C aso em que se ad m ite o e m p re g o d o hab e as corpu s - determ in a a norm a (constitucional e infraconstitucional) que se conceda habeas corpus sem pre que algu ém esteja sofrendo ou se ache am eaçado de sofrer violência ou coação; trata-se de dar proteção à liberdade de ir, ficar e vir, liberdade induvidosam ente possível em to d o o seu alcance. H abeas corpus deferido de ofício, para que cessem o s efeitos da decisão que im pôs restrição ao direito de locom oção d o paciente". (STJ, 6 a Turma, HC 108.437/DF, Rei. Min. Nilson Naves, j. 16/10/2008, DJe 16/02/2009).

7. Proibição de manter contato com pes­ soa determinada quando, por circunstân­ cias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante: o art. 319, III, do CPP, refere-se à proibição de manter contato com pessoa determinada, sem restringir a aplicação da medida apenas à vítima. Logo, é possível que ao acusado seja imposta a proibição de manter contato com a vítima, com testemunhas e, a depender da necessidade do caso concreto, até mesmo com eventuais corréus. O dispositivo também não estabeleceu a forma de contato que poderá ser proibida. Evidentemente, o contato pessoal é sempre o mais importante, porém não se pode descartar a possibilidade de utilização da medida para fins de se impedir eventuais contatos telefônicos, por meio de msn, messenger, Skype, e-mail, enfim, por qualquer meio de comunicação. Esta medida cautelar pode ser utilizada com as seguintes finalidades:

a) proteção de determinada (s) pessoa (s), colocadas em situação de risco em virtude do comportamento do agente: a título de exemplo, suponha-se que uma pessoa esteja sendo vítima de ameaças por parte do agente, ou, ainda, hipótese em que um indivíduo esteja sendo ofendido em sua honra subjetiva por meio de ligações telefônicas. Em tais situações, como os crimes de ameaça e de injúria têm pena máxima inferior a 4 (quatro) anos, não seria cabível a decretação da prisão preventiva. Porém, a fim de se evitar que haja a reiteração

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da conduta delituosa, poderá o juiz determinar que o acusado se abstenha de manter contato com a vítima, hipótese em que referida medida seria adotada de modo a evitar a prática de novas infrações penais; b) impedir que, em

liberdade total e absoluta, possa o agente influenciar o depoimento de um ofendido e/ou testemunha, causando prejuízo à des­ coberta dos fatos: se o magistrado verificar a necessidade da medida sob comento para tutelar a investigação ou a instrução criminal, protegendo-se uma fonte de prova que se sente intimidada pelo rotineiro contato com o acu­ sado, assim como a adequação do provimento, consoante a gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado, poderá determinar que o investigado ou acusado se abstenha de manter contato com tais pessoas. 7.1. Fixação de limite mínimo de distância: tendo em conta que o art. 319, III, do CPP, autoriza a imposição da medida cautelar de proibição de manter contato com pessoa deter­ minada, é possível que o magistrado fixe uma distância mínima (em metros ou quilômetros) que o acusado deve se manter da vítima ou de sua residência, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 22, III, “a”, da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06). -f Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Conform e anotado no parecer ministerial, nos term os da d o art. 22, III da Lei 11.340/06, conhecida por Lei M aria da Penha, poderá o M agistrad o fixar, em metros, a distância a ser m antida pelo agressor da vítima - tal com o efetivamente fez o Juiz processante da causa -, sendo, pois, desnecessário nom inar quais o s lugares a serem evitados, um a vez que, se assim fosse, lhe resultaria burlar essa proibição e assediar a vítima em locais que não constam da lista de lugares previamente identificados. (...) Recurso Ordinário desprovido".(STJ, 5aTurma, RHC 23.654/AP, Rei. Min. N apoleão N unes M aia Filho, j. 03/02/2009, DJe 02/03/2009.

7.2. M ecanism os de fiscalização: ao criar a medida cautelar do art. 319, III, do CPP, silenciou o legislador quanto à previsão legal de mecanismos hábeis para sua fiscalização. A despeito do silêncio da lei, e de modo a assegurar a operacionalidade e eficácia da

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medida, o ideal é que a vítima ou pessoa com quem o investigado ou acusado está proibido de manter contato seja informada acerca da adoção da referida medida, sendo adverti­ das de que, no caso de eventual violação à determinação judicial, poderão comunicar o fato imediatamente à autoridade policial, ao Ministério Público ou à autoridade judiciária. Para tanto, é possível a aplicação por analogia dos §§2° e 3° do art. 201 do CPP, com redação determinada pela Lei n. 11.690/08, os quais permitem que o ofendido seja comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem, sendo que tais comunicações devem ser feitas no endereço indicado pelo ofendido, admitindo-se o uso de meio eletrônico. É evidente que, comunicado acerca da inobservância da medida cautelar, não deve o juiz proferir sua decisão baseado única e exclusivamente na palavra da vítima e/ou da testemunha objeto da medida. Cabe a ele levar em consideração os demais elementos probatórios, consoante seu livre convencimento motivado. Ademais, para que fique caracterizado o descumprimento da medida, há de ser demonstrado que o acusado se aproximou conscientemente da pessoa com a qual devia evitar o contato. Assim, na hipótese do contato ter sido invo­ luntário, casual, não há falar em descumprimento da medida. 8. Proibição de ausentar-se da Comarca ou do País quando a permanência do acusado for conveniente ou necessária para a inves­ tigação ou instrução: com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, confere-se ao magistrado a possibilidade de, verificada sua necessidade e adequação, determinar a aplicação da medida cautelar de proibição de se ausentar da co­ marca, quando a permanência do acusado for conveniente ou necessária para a investigação ou instrução (CPP, art. 319, IV). Referida me­ dida cautelar também pode abranger a vedação de saída do País, porquanto, tratando-se de saída do território nacional, necessariamente também haverá saída da comarca. De mais a mais, o art. 320 do CPP refere-se expressa­

mente à retenção do passaporte na hipótese de proibição de ausentar-se do País. 8.1. Finalidades da cautelar diversa da prisão do art 319, IV, do CPP: à primeira vista, pode parecer que essa medida só po­ dería ser decretada quando ela se mostrasse conveniente ou necessária para a investigação ou instrução (v.g., reconhecimento pessoal). Não obstante, parece-nos que essa impressão não se confirma e que essa medida também pode ser decretada para outras finalidades cautelares, desde que abrangidas pelo art. 282, I, do CPP. Na verdade, o que o art. 319 visa, ao estabelecer a finalidade da medida, é apenas dar uma orientação ao magistrado no sentido da medida a ser adotada e, também, na aptidão dela para atingir tal ou qual objetivo. Porém, isso não importa em restrição à possibilidade de o magistrado decretar a medida cautelar com o objetivo de neutralizar outros riscos, desde que restritos àqueles indicados no art. 2 8 2 .1, do CPP: necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. 8.2. Mecanismos de fiscalização: para que a adoção dessa medida não funcione na prática como uma mera advertência ao acusado, e ob­ jetivando assegurar sua operacionalidade e efi­ cácia, o art. 320 do CPP prevê que a proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 horas. Para além dessa medida, pensamos ser possível uma interpretação extensiva do quanto disposto no art. 289-A do CPP, de modo a se entender que, no banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, deve ser providenciado não só o registro imediato dos mandados de prisão, como também de qualquer outra medida cautelar que tenha sido imposta. Com efeito, imagine-se hipótese em que o magistra­ do tenha determinado o cumprimento dessa medida cautelar de proibição de se ausentar da Comarca. Ora, seria extremamente válido e importante que essa decisão também fosse

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

incluída no cadastro do Conselho Nacional de Justiça, possibilitando que autoridades po­ liciais ou judiciais de outras comarcas ou de outras unidades federativas tivessem conhe­ cimento das restrições impostas ao agente, auxiliando seu cumprimento e fiscalização. Ademais, nada impede que tal medida seja determinada cumulativamente com outra(s) medida(s) prevista no art. 319 do CPP, tal como o comparecimento periódico em juízo, o monitoramento eletrônico, mormente no caso de aparelhos com tecnologia de GPS. 8.3. Subsistência da prisão preventiva com base na garantia de aplicação da lei penal: a criação dessa medida cautelar da proibição de se ausentar da comarca não re­ vogou a prisão preventiva decretada com base na garantia de aplicação da lei penal. Com efeito, não se pode perder de vista que, em certas situações, o agente acaba se valendo de meios ilícitos para empreender sua fuga, tais como corrupção de agentes responsáveis pela fiscalização das saídas do território nacional, falsificação de documentos de identidade e passaportes, etc. Em tais hipóteses, a prisão preventiva ainda se apresentará como medida de ultima ratio a ser adotada pelo juiz de modo a tutelar a aplicação da lei penal. 9. Recolhimento domiciliar no período no­ turno e nos dias de folga quando o investi­ gado ou acusado tiver residência e trabalho fixos: a decretação de uma prisão cautelar é a interferência mais agressiva do Estado na vida e na dignidade do indivíduo, pois, além da segregação em si, o cárcere produz intensa estigmatização social e psicológica. Não se pode, pois, banalizar a prisão preventiva, já que seus efeitos criminógenos, mais que ressocializar o agente, causam profunda desagregação dos valores da pessoa, inserindo-a em um contexto capaz de afetar de maneira definitiva qualquer processo de socialização. Por isso, verificando que não é necessário privar o agente de sua liberdade de locomoção em absoluto, e que seu mero recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga já será suficiente e necessário para garantir a aplicação da lei penal, para tutelar a investigação ou a instru­

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ção criminal e para evitar a prática de novas infrações penais, deve o magistrado optar pela medida cautelar do art. 319, inciso V, do CPP. Trata-se de medida menos gravosa que a prisão domiciliar, porquanto se admite que o acusado possa exercer sua atividade laborativa durante o dia. Esta medida baseia-se na autodisciplina e no senso de responsabilidade do acusado, que, de modo a não perder seu emprego e poder manter sua rotina de vida praticamente inalte­ rada, sujeita-se à obrigação de não se ausentar de sua casa no período noturno e nos dias de folga. Por implicar privação de liberdade, ainda que parcial, há quem entenda que o tempo em que o investigado ou acusado ficar submeti­ do ao recolhimento domiciliar noturno deva ser considerado para fins de detração penal. Nesse sentido: BADARÓ (Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas alternativas comentários à Lei 12.403, de 04/05/2011. Co­ ordenação: Og Fernandes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 247). 9.1. (Des) necessidade de residência e trabalho fixos: para a aplicação dessa medida, o art. 319, V, do CPP, exige que o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos. Sem embargo do texto da lei, parece-nos que a medida sob comento deve ser admitida no caso em que o investigado ou acusado não tenha trabalho, mas esteja estudando. Em síntese, o fato de o acusado estar estudando deve receber igual tratamento à hipótese em que estiver trabalhando. Nessa linha, aliás, a própria LEP foi alterada recentemente pela Lei n. 12.433/11 para fins de prever expressa­ mente que o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. Segundo o art. 126, §1°, da LEP, essa contagem será feita à razão de: I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fun­ damental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profis­ sional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho. A propósito, mesmo antes do advento da Lei n. 12.433/11, a súmula n. 341 do STJ já dispunha que “a frequência a curso de ensino

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formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto”. 9.2 . M e ca n ism o s de fiscalização: a fim de se conferir maior eficácia a essa medida, a prudência recomenda que sua aplicação seja feita em conjunto com o monitoramento eletrônico. Primeiro, porque o próprio art. 282, §1°, do CPP, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11, permite que as medidas cautelares sejam aplicadas isolada ou cumula­ tivamente. Segundo, porque a própria Lei de Execução Penal, ao tratar da prisão-albergue domiciliar, permite que o juiz defina a fiscali­ zação por meio de monitoramento eletrônico quando conceder a prisão domiciliar (Lei n. 7.210/84, art. 146-B, IV, acrescentado pela Lei n. 12.258/10). De fato, se aplicada isoladamen­ te, essa medida de recolhimento domiciliar no período noturno será de difícil, senão impos­ sível fiscalização. Aplicada cumulativamente com a fiscalização eletrônica, a verificação de seu cumprimento será facilitada, conferindo-se maior eficácia à medida. 10. Su spen são do exercício de função pública ou de atividade de natureza eco­ nômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais: trata-se de medida cautelar específica, cuja utilização está voltada, precipuamente, a crimes praticados por funcionário público contra a administração pública (v.g., peculato, concussão, corrupção passiva, etc), e crimes contra a ordem econômico-financeira (v.g., lavagem de capitais, gestão temerária ou fraudulenta de instituição financeira). Tal me­ dida somente poderá recair sobre o agente que tiver se aproveitado de suas funções públicas ou de sua atividade de natureza econômica ou financeira para a prática do delito, ou seja, deve haver um nexo funcional entre a prática do delito e a atividade funcional desenvolvida pelo agente. 10.1. Função pública: compreende toda atividade desempenhada com o objetivo de consecução de finalidades próprias do Estado, por meio daquele que exerce cargo, emprego ou função pública, nos termos do art. 327 do

Código Penal. Exercem função pública todos aqueles que prestam serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração indireta, aí incluídos os agentes políticos, os servidores públicos, assim como os particulares em cola­ boração com o Poder Público. Sob a lógica do menor sacrifício do direito afetado, entende-se que, na medida em que o art. 319, inciso VI, do CPP, autoriza a suspensão do exercício da função pública, é perfeitamente possível que o juiz determine a suspensão de apenas par­ te da atividade rotineiramente desenvolvida pelo funcionário público. Exemplificando, da mesma forma que o juiz pode determinar a suspensão da função pública de um policial rodoviário investigado pela prática de suces­ sivos crimes de concussão em fiscalizações de trânsito, também pode determinar que este se limite a cumprir expediente interno. 10.2. Atividade de natureza econômica ou financeira: o conceito de atividade de na­ tureza econômica ou financeira guarda relação com o tipo de delito investigado, qual seja, cri­ mes contra a ordem econômico-financeira, os quais estão previstos nas seguintes leis: a) Lei n. 1.521/51 (crimes contra a economia popular); b) Lei n. 7.134/83 (crimes de aplicação ilegal de créditos, financiamentos e incentivos fiscais); c) Lei n. 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro nacional); d) Lei n. 8.078/90 (crimes previstos no Código de Defesa do Consumi­ dor); e) Lei n. 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo); f) Lei n. 8.176/91 (crimes contra a ordem econômica); g) Lei n. 9.279/96 (crimes em matéria de propriedade industrial); h) Lei n. 9.613/98 (crimes de lavagem de capitais). 10.2.1. Suspensão do exercício de ativida­ de de natureza econômica ou financeira e (in) compatibilidade com a livre iniciativa: a suspensão do exercício de atividade de na­ tureza econômica ou financeira é plenamente compatível com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. I o, IV, c/c art. 170, caput). Afinal, esta liberdade de iniciativa não é absoluta e pode ser restringida em favor de outros bens jurídicos constitucionalm ente tutelados. Por isso, o próprio Supremo ( I a Turma, AI 636.883 AgR, Rei. Min. Cármen

TÍTULO I X . DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

Lúcia, j. 08/02/2011, DJe 40 28/02/2011) já teve a oportunidade de asseverar que a livre iniciativa não pode ser invocada para afastar a regulamentação do mercado e as regras de proteção ao consumidor. Logo, considerando que a decretação da medida cautelar do art. 319, VI, está condicionada ao abuso da livre iniciativa no exercício de atividade econômico-financeira, não há falar em inconstitucionalidade da medida. 10.3. Finalidades da cautelar do art. 319, VI, do CPP: de uma leitura apressada do art. 319, inciso VI, do CPP, pode parecer que essa medida só poderia ser decretada quando ela se mostrasse conveniente ou necessária para impedir a reiteração delituosa. Não obstante, parece-nos que essa impressão não se confirma e que essa medida também pode ser decretada para outras finalidades cautelares, desde que abrangidas pelo art. 28 2 ,1, do CPP. Na verdade, o que o art. 319 visa, ao estabelecer a finalidade da medida, é apenas dar uma orientação ao magistrado no sentido da medida a ser adotada e, também, na aptidão dela para tal ou qual objetivo. Porém, isso não importa em restrição à possibilidade de o magistrado decretar a medida cautelar com o objetivo de neutralizar outros riscos, desde que restritos àqueles indi­ cados no art. 2 8 2 ,1, do CPP: necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações pe­ nais. Assim, da mesma forma que a suspensão do exercício da função pode ser determinada para evitar novas práticas delituosas, a medida também pode ser imposta para que o acusado não se utilize de suas funções para destruir provas, pressionar testemunhas, intimidar vítimas, ou seja, para obstruir a investigação de qualquer forma ou prejudicar a busca da verdade. Portanto, apesar de o art. 319, VI, fazer menção à suspensão apenas para evitar a prática de novas infrações, é evidente que o agente também poderá ser suspenso para garantia da investigação ou instrução criminal. +

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) A s

razões que levaram ao afastam ento d o

investigado são relevantes e denotam a gravidade dos

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fatos investigados, os quais tem intrínseca relação com a autoridade cautelarm ente afastada de suas funções. É razoável a duração por pou co m ais de um an o de um a investigação que, com o na espécie, envolve fatos com plexos, exigindo, v.g., a análise de diversas opera­ ções bancárias, contratos administrativos e relatório de contas, tornando o trabalho de descortinação da trama engendrada um verdadeiro "quebra-cabeças". N ão há previsão legal específica regulando e estabelecendo prazo certo para o afastam ento cautelar, sendo rele­ vante tão som ente as peculiaridades de cada hipótese para aferição casuística de razoabilidade na duração da m edida. A sim ples existência de um a investigação criminal, tão robusta com o se verifica in concreto, torna no m ínim o temerária a recondução d o investigado ao seu cargo, na m edida em que o seu principal mister, c o m o integrante de um a Corte de Contas, consiste exatam ente na salvaguarda e prestígio à m oralida­ de administrativa e boa gestão d o dinheiro público. D ecisão unipessoal referendada”. (STJ, Corte Especial, Inq. 780/CE, Rei. Min. N ancy Andrighi, j. 06/06/2012, DJe 27/08/2012).

10.4. Suspensão do exercício de função pública decorrente de m andatos eletivos: face a pobreza do teor do art. 319, inciso VI, do CPP, tem surgido discussão na doutrina acerca da possibilidade de aplicação dessa medida cautelar no caso de funções públicas decorrentes de mandatos eletivos. Há quem se posicione contrariamente, já que, como o CPP não estabelece o prazo máximo de sua duração, essa medida poderia ser utilizada como um mecanismo para uma cassação, de fato, do mandato eletivo. Nesse contexto: BADARÓ, Gustavo Henrique. Medidas cautelares no pro­

cesso penal: prisões e suas alternativas - comen­ tários à Lei 12.403, de 04/05/2011. Coordena­ ção: Og Fernandes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 249. Sem embargo de opiniões em sentido contrário, pensamos que a função pública a que se refere o art. 319, inciso VI, abrange toda e qualquer atividade exercida junto à Administração Pública, seja em cargo público, seja em mandatos eletivos. De mais a mais, se considerarmos que há precedentes do STJ e do Supremo admitindo inclusive a prisão preventiva de Governador de Estado, seria de se estranhar que uma medida de tal porte pudesse ser utilizada, negando-se, po­ rém, a possibilidade de suspensão da função pública, a qual, a depender do caso concreto, pode se revelar igualmente eficaz para asse-

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gurar a eficácia do processo, só que com grau de lesividade bem menor. Logo, se se admite a aplicação de medida mais gravosa (prisão cautelar), não há restrição para a aplicação de medidas menos gravosas. A única ressalva à suspensão da função pública nos casos de mandatos eletivos fica por conta daquelas pes­ soas que possuem imunidade absoluta à prisão preventiva. Logo, se o Presidente da República não pode ser preso em hipótese alguma, tam­ bém não pode ser suspenso de suas atividades. Com entendimento semelhante: PACELLI, Eugênio. Atualização do processo p en a l Lei n. 12.403/11 - capítulo a ser incorporado à obra Curso de processo penal. 15a ed. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2011. p. 21. O ideal, portanto, é admitir a possibilidade de aplicação dessa medida cautelar a todos aqueles que podem ser presos, vedando-se sua aplicação apenas àque­ les que possuem imunidade absoluta à prisão preventiva. Assim, apesar de promotores e juizes serem dotados de imunidade relativa, já que só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável, é de se admitir a possibilidade de suspensão das funções, porquanto se admite a decretação da prisão preventiva e temporária de tais autoridades. Ademais, a própria LC n. 35/79 prevê que, a depender da natureza ou gravidade da infração penal, se se tornar aconselhável o recebimento de denúncia ou de queixa contra magistrado, o Tribunal, ou seu órgão especial, poderá, em decisão toma­ da pelo voto de dois terços de seus membros, determinar o afastamento do cargo do ma­ gistrado denunciado (art. 29). Recentemente, o tema foi objeto de análise pelo Plenário do Supremo Tribunal (AC 4.070/DF, Rei. Min. Teori Zavascki, j. 05/05/2016). Por reputar que os elementos fáticos e jurídicos teriam de­ monstrado que a presença de parlamentar na função de Presidente da Câmara dos Deputados representaria risco para as investigações penais sediadas no Supremo Tribunal Federal, o Ple­ nário daquela Corte confirmou a suspensão do exercício do mandato do Deputado Federal E. C. Na visão do STF, a denúncia descrevera diversos fatos supostamente criminosos prati­ cados com desvio de finalidade, sob a atuação direta do referido parlamentar que estaria a

utilizar o cargo de deputado federal e a função de Presidente da Câmara dos Deputados para fins ilícitos e, em especial, para obtenção de vantagens indevidas. In casu, a decretação da medida cautelar do art. 319, inciso VI, do CPP, serviría a dois interesses públicos indivisíveis: a) a preservação da utilidade do processo (pela neutralização de uma posição de poder que possa tornar o trabalho de persecução mais acidentado); e b) a preservação da finalidade pública do cargo (pela eliminação da possibili­ dade de captura de suas competências em favor de conveniências particulares sob suspeita). A

J u r is p r u d ê n c i a s e le c i o n a d a :

ST J:"(...) Aplica-se aos detentores de m an dato eletivo a possibilidade de fixação das m ed idas alternativas à prisão preventiva previstas no art. 319 d o CPP, por tratar-se de norm a posterior que afasta, tacitamente, a incidência da lei anterior. A decisão de afastam ento d o m andatário m unicipal está devidam ente fu n da­ m entada com a dem onstração de suas necessidade e utilidade a partir dos elementos concretos colhidos dos autos. A Constituição Federal garante aos litigantes a duração razoável d o processo con jugado com o prin­ cípio da presunção de não culpabilidade. Configura excesso de prazo a investigação criminal que dura mais de 1 (um) an o sem que se tenha concluído o inquérito policial, m uito m enos oferecida a Denúncia em des­ favor do paciente. In casu, o paciente já está afastado d o cargo há cerca de um ano, o que corresponde a 1/4 (um quarto) d o m andato, p o d e n d o caracterizar verdadeira cassação indireta, papel para o qual o Po­ der Judiciário não foi investido na jurisdição que ora se exercita. H abeas corpus parcialm ente concedido". (STJ, 5a Turma, HC 228.023/SC, Rei. Min. Adilson Vieira M acabu,j. 19/06/2012). STJ: "AFASTAMENTO D O S PACIENTES D A S SU A S FUN ­ Ç Õ ES PÚBLICAS. (...) PRÁTICA C R IM IN O S A RELA CIO N A­ D A C O M O M A N D A T O ELETIVO. F U N D A D O RECEIO DE C O N TIN U ID A D E D A S ATIVIDADES ILÍCITAS. C O N ST RAN ­ G IM EN T O ILEGAL INEXISTENTE. (...) N o caso d o s autos, estando-se diante de prática crim inosa que guarda relação direta com os cargos públicos exercidos pelos pacientes, e havendo o fu n dad o receio de que a sua perm anência no cargo p od e ensejar a continuidade das atividades ilícitas em apuração, bem c o m o dificul­ tar a produção de provas nos inúmeros processos a que respondem perante o Tribunal de Justiça d o Am apá, inexiste qualquer ilegalidade ou desproporcionalidade na im posição da m edida em questão". (STJ, 5a Turma, HC 262.103/AP, Rei. Min. Jorge M ussi, j. 09/09/2014, DJe 15/09/2014).

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS M EDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

10.5. (Im) possibilidade de suspensão da remuneração do funcionário público: de um lado, há quem entenda que a manutenção do pagamento do servidor suspenso de suas funções criaria uma situação de desigualdade ou injustiça em comparação com o funcio­ nário que teve que trabalhar durante todo o mês para perceber sua remuneração. Logo, é imperativa a suspensão da remuneração do servidor afastado de suas funções em virtude da aplicação da cautelar do art. 319, V I, do CPP. A nosso ver, tendo em conta o princípio da presunção de inocência, esse afastamento coativo das funções não pode implicar em desconto ou suspensão do subsídio. Afinal, o afastamento do funcionário não é voluntário, mas sim resultado da aplicação de uma medida cautelar, valendo lembrar que, como efeito de uma possível condenação, poderá haver inclusive a perda do cargo, tal qual previsto no art. 9 2 ,1, do CP. Analogicamente, pode-se utilizar o quanto disposto no art. 147, caput, da Lei n. 8.112/90, que prevê o afastamento cautelar do funcionário público no processo administrativo disciplinar, porém sem prejuízo da remuneração. Nesse contexto, em Recurso extraordinário (STF, Pleno, RE 482.006/MG, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 07/11/2007, DJe 162 13/12/2007) no qual se discutia a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impunha a redução de vencimen­ tos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional (art. 2o da Lei n. 2.364/61, que deu nova reda­ ção à Lei n. 869/52), o Plenário do Supremo afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação aos princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 5o, LVII, e art. 37, XV, respectivamente). Isso porque, a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada im ­ portando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição.



j

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Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) N ão

prestado o serviço pelo agente público,

a consequência legal é a perda da rem uneração do dia em que esteve ausente, salvo se houver m otivo justificado. E, por induvidoso, a ausência d o agente público no serviço devido ao cum prim ento de prisão preventiva não constitui m otivação idônea a autorizar a m anutenção d o p agam e n to da remuneração. C om efeito, não há falar, em hipóteses tais, em força maior. Isso porque, em boa verdade, é o próprio agente pú ­ blico que, m ediante sua conduta tida por criminosa, deflagra o óbice ao cum p rim e nto de sua parte na relação que m antém com a Adm inistração Pública. Por outras palavras, não há falar em imprevisibilidadee inevitabilidade, afastando, por isso mesmo, um do s ele­ m entos essenciais ao reconhecimento da alegada força maior. A Lei n° 8.112/90, em seu artigo 229, assegura à fam ília d o servidor ativo o auxílio-redusão, à razão de dois terços da remuneração, q u an do afastado por m otivo de prisão preventiva. A pretensão, todavia, há de ser deduzida pelos próprios beneficiários. Em caso de absolvição, o servidor terá direito à integralização da rem uneração (artigo 229, parágrafo I o, da Lei n° 8.112/90)". (STJ, 6 a Turma, REsp 413.398/RS, Rei. Min. H am ilton Carvalhido, j. 04/06/2002, DJ 19/12/2002 p. 484).

10.6. Absolvição em primeira instância e retorno imediato ao exercício funcional: caso o indivíduo seja absolvido em primeira instância, deve o magistrado afastar a medida cautelar, retornando o servidor ao exercício normal de suas funções. E isso por força de uma interpretação analógica com o disposto no art. 386, parágrafo único, inciso II, do CPP, que prevê que, na sentença absolutória, o juiz ordenará a cessação das medidas cautelares provisoriamente aplicadas. 10.7. Condenação irrecorrível e perda do cargo: se o agente for condenado, prevê o art. 92, inciso I, alínea “a”, do Código Penal, que um dos efeitos da condenação é exatamente a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, quando aplicada pena privativa de li­ berdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, efeito este que só poderá incidir após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Para mais detalhes acerca desse efeito espe­ cífico da sentença condenatória irrecorrível,

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

remetemos o leitor aos comentários ao art. 387 do CPP.

constitucional da individualização das sanções penais prevista no artigo 5o, XLVI, da CF, de tod o aplicável às m edidas de segurança. A previsão legal de internação

11. Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com vio­ lência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração: como toda e qualquer me­ dida cautelar, a internação provisória também está condicionada à presença do fum us comissi delicti (prova da materialidade e indícios de autoria) e do periculum libertatis (CPP, art. 282, I). Este pode restar caracterizado não apenas pela necessidade da medida para a garantia da ordem pública, ou seja, pela necessidade de adoção da medida para evitar a prática de novas infrações penais com violência ou grave ameaça (CPP, art. 2 8 2 ,1, c/c art. 319, V II), mas também para assegurar a aplicação da lei penal ou impedir que a permanência do acusado em liberdade cause prejuízos à investigação ou instrução processual. + Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) A prisão preventiva não é o instrum ento pro­ cessual penal hábil para enfrentar a situação pessoal d o paciente diante do s fortes indícios de que portador de enferm idade mental capaz de sujeitá-lo a m edida de segurança futura - relatos de internam entos e de tratam ento am bulatorial anteriores, de diagnósticos psicóticos, de adição a dro gas e de déficit de atenção, ao que se agre ga o incidente de insanidade em curso, cujo pressuposto de instauração é a "dúvida sobre a integridade m ental d o acu sado " (artigo 149 d o C ó ­ d ig o de Processo Penal). O regim e de se gre ga ção d o paciente, sob a form a de prisão provisória, não se revela a solução m ais adequada à hipótese. Impróprio, o am biente prisional, a indivíduos com indicativos de distúrbios com o o s que acom etem o paciente (razões de integridade física própria ou de terceiros e razões psiquiátricas/terapêuticas, sobretudo), além de não ser, o regim e de prisão, a resposta penal prevista, pelo direito positivo vigente, para casos dessa natureza. Na dicção d o artigo 319, inciso VII, d o C ó d ig o de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n° 12.403/2011, possível a "internação provisória d o acusado nas hi­ póteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, q u an do o s peritos concluírem ser inim putá­ vel ou sem i-im putável e houver risco de reiteração". Em bora tratada c o m o "m e d id a cautelar diversa da prisão" em sinalização de alternatividade, im positiva a substituição da prisão preventiva, em juízo cautelar, em caso de inim putabilidade, em respeito ao postulado

provisória ap ós a conclusão pericial definitiva da inim­ putabilidade não exclui juízo cautelar em m om ento anterior pela autoridade judicial q u a n d o presentes seus pressupostos. O rdem de habeas corpus conce­ did a para substituir a prisão preventiva decretada contra a paciente pelo regim e de internação provisória com pulsória (artigo 319, VII d o CPP)". (STF, 1a Turma, HC 125.370/SP, Rei. Min. Rosa Weber, j. 19/05/2015, DJe 151 31/07/2015).

11.1. (Im) possibilidade de execução pro­ visória da medida de segurança: em sua redação original, o art. 80 do Código Penal dispunha que, durante o processo, o juiz podia submeter os inimputáveis e os ébrios habituais ou toxicômanos às medidas de segurança que lhes fossem aplicáveis. Essa aplicação provi­ sória da medida de segurança era referendada pelo art. 378 do Código de Processo Penal. Com as mudanças produzidas pela reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei n. 7.209/84, aí incluída a revogação do art. 80 do CP, doutrina e jurisprudência concluíram que o art. 378 do CPP também fora revogado, já que ambos tratavam da mesma matéria. De modo semelhante, em virtude da exclusão das denominadas penas acessórias, dentre as quais se encontrava a interdição de direitos, os dispositivos do CPP que versavam sobre a matéria (arts. 373 a 380) também foram tacitamente revogados, porquanto lei posterior tratou da matéria de forma diferente. Ademais, essas modalidades de interdições temporárias de direitos e as medidas de segurança provi­ sórias previstas até então no CPP não haviam sido recepcionadas pela Constituição Federal, mormente diante do princípio da presunção de inocência. Portanto, apesar de o art. 152, §1°, do CPP, dispor que o juiz poderá, na hipótese de doença mental superveniente à infração penal, ordenar a internação do acusado em manicômio judiciário ou em outro estabele­ cimento adequado, estabelecendo verdadeira imposição automática da internação quando verificada a presença de doença mental, sem­ pre se entendeu que esse dispositivo não fora recepcionado pela Constituição Federal, por estabelecer indevida antecipação do resultado

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

final da ação penal condenatória, em flagrante violação ao princípio da presunção de não culpabilidade. Com efeito, à semelhança do que ocorre com a pena privativa de liberdade aplicada aos imputáveis, também não se pode admitir a execução provisória de medida de se­ gurança, que também é uma espécie de sanção penal, cujo cumprimento está condicionado, pois, ao trânsito em julgado de sentença absolutória imprópria. Apesar de não ser possível que a internação provisória fosse decretada como efeito automático da constatação da inimputabilidade do acusado, entendia-se pos­ sível que, presentes os pressupostos da prisão preventiva, e comprovada a periculosidade do agente, fosse decretada sua prisão preven­ tiva, a ser cumprida em hospital de custódia. Essa possibilidade de internação do acusado em Hospital de Custódia e Tratamento Psi­ quiátrico era referendada pela interpretação sistemática do art. 108 e do art. 2o, parágrafo único, da Lei de Execução Penal. O art. 108 estabelece que “o condenado a quem sobrevier doença mental será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico”. Por sua vez, o art. 2o, parágrafo único, da LEP, permite a aplicação do dispositivo ao preso provisório, ao prever que “esta lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório, e ao condenado pela Jus­ tiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária”. Portanto, a despeito do art. 172 da LEP dizer que “ninguém será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, ou submetido a tratamento ambulatorial, para cumprimento de medida de segurança, sem a guia expedida pela autoridade judiciária”, depreende-se que a exigência àegu ia expedida pela autoridade judicial ocorre apenas para o cumprimento de medida de segurança, e não para a internação provisória de acusado submetido a prisão preventiva. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, o art. 319, inciso VII, do CPP, passa a prever, dentre as medidas cautelares diversas da prisão, a internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável

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ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração.

♦ Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) Na hipótese, a Corte a quo, ao julgar recurso em sentido estrito interposto contra a sentença que im pron u n ciou o Paciente, determ inou incontinenti, sem qualquer fundam entação no ponto, a expedição de m an d ad o para captura d o Paciente, inimputável, para imediata aplicação de m edida de segurança de internação. A m edida de segurança se insere no gênero sanção penal, d o qual figura com o espécie, ao lado da pena. Se assim o é, não é cabível no ordenam ento jurídico a execução provisória da m edida de segurança, à sem elhança d o que ocorre com a pena aplicada aos imputáveis, conform e definiu o Plenário d o Suprem o Tribunal Federal, por ocasião d o julgam e nto d o HC n.° 84.078/MG, Rei. Min. EROS GRAU. Rememore-se, ainda, que há regra específica sobre a hipótese, prevista no art. 171, da Lei de Execuções Penais, se gu n d o a qual a execução iniciar-se-á ap ós a expedição da com petente guia, o que só se m ostra possível depois de"transitada em ju lgad o a sentença que aplicar a m edida de se gu ­ rança". Precedente d o Su p rem o Tribunal Federal. 4. O rdem de habeas corpus concedida". (STJ, 5a Turma, HC 226.014/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 19/04/2012).

STJ:"(...) Constitui constrangim ento ilegal passível de reparação por via de habeas-corpus a segregação, em hospital de custódia, de réu inim putável e desprovido de periculosidade pelo longo período de três anos, sem que se tenha d a d o curso ao procedim ento próprio. Recurso ordinário provido. H abeas-corpus concedido". (STJ, 6 a Turma, RH C 11.329/BA, Rei. Min. Vicente Leal, DJ 10/09/2001 p. 414).

11.2. Crim es praticados com violência ou grave ameaça associados ao risco de reiteração: a internação provisória somente será aplicável ao inimputável ou semi-imputável nas hipóteses de fatos típicos e ilícitos cometidos com violência ou grave ameaça, quando houver risco de reiteração, o que demonstra que essa medida deve ser aplicada com a finalidade de proteção da sociedade contra possível prática de crimes graves. O dispositivo não estabelece distinção entre quem já era inimputável ou semi-imputável à época do crime (CP, art. 26, caput, e parágrafo único) e aquele cuja doença mental sobreveio à infração. Logo, a medida pode ser aplicada em ambas as hipóteses, jamais como medi­ da de segurança provisória, mas sim como instrumento de natureza cautelar destinado

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CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

à tutela da garantia da ordem pública, para evitar a prática de novas infrações penais com violência ou grave ameaça. Há quem entenda que, em fiel observância ao princípio da pro­ porcionalidade, além de se tratar de crime cometido com violência ou grave ameaça, a internação provisória só deve ser imposta quando houver o prognóstico de, ao final do processo, ser aplicável a medida de segurança detentiva, ou seja, de internação. Assim, caso a medida mais adequada a ser aplicada ao final do processo seja a de tratamento ambulatorial, deve ser evitada a imposição da medida cautelar de internação provisória. Com esse entendimento: MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão e outras medidas cautelarespessoais. São Paulo: Editora Método, 2011. p. 453. 11.3. Com provação da inimputabilidade ou semi-imputabilidade: de acordo com o art. 319, VII, do CPP, a aplicação dessa me­ dida cautelar está condicionada à conclusão dos peritos no sentido de ser o acusado inimputável ou semi-imputável (CP, art. 26). Há necessidade, portanto, de prévio incidente de insanidade mental, cuja realização só pode ser determinada pela autoridade judiciária, jamais pela autoridade policial (CPP, art. 149). No en­ tanto, embora a regra seja a existência de pré­ vio laudo de exame de insanidade mental, não se pode concluir que referido exame funcione como condição sine qua non para a imposição da medida. Como há excessiva demora para a elaboração desse laudo, e tendo em conta que essa medida também pode ser aplicada aos inimputáveis e semi-imputáveis cuja do­ ença mental sobreveio à infração, podem ser utilizadas outras provas do estado mental do acusado, pelo menos enquanto não for con­ cluído o exame de insanidade mental. Nessa linha, como destaca Nucci ( Prisão e liberdade. As reformas processuais penais introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de m aio de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 85), apesar de se exigir a conclusão pericial de inimputabilidade ou semi-imputabilidade para a adoção da medida, conforme o caso, deve o juiz valer-se de seu poder geral de cautela, determinando a internação provisória, antes mesmo do laudo ficar pronto, pois é incabível

manter-se em cárcere comum o doente mental, que exiba nítidos sinais de sua enfermidade. O art. 319, inciso V II, do CPP, faz menção à conclusão dos peritos no sentido da inimputa­ bilidade ou semi-imputabilidade do acusado. Apesar de o dispositivo usar a palavra peritos no plural, isso não significa que o exame tenha que ser feito por dois peritos. Na verdade, tal dispositivo deve ser lido à luz do art. 159, caput, do CPP, que prevê que os exames de corpo de delito e outras periciais devem ser feitos apenas por 1 (um) perito, salvo na hipótese de falta de perito oficial, em que o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas. 11.4. Local destinado ao cum prim ento da internação provisória: a internação pro­ visória deve ser cumprida em estabelecimento hospitalar adequado, ou seja, em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, nos ter­ mos do art. 9 6 ,1, do Código Penal. De acordo com o art. 99 da LEP, o acusado inimputável ou semi-imputável deve ficar no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Caso não haja referido hospital, deve ser mantido em outro estabelecimento adequado. Na hipótese de não haver vaga em estabelecimento públi­ co ou em estabelecimento adequado, caso o acusado esteja enquadrado no art. 318, II, do CPP, encontrando-se extremamente debili­ tado por motivo de doença grave, é possível que a internação provisória seja substituída por uma prisão domiciliar, a ser aplicada cumulativamente com tratamento ambulatorial. Todavia, é certo que haverá situações em que a prisão domiciliar será insuficiente para impedir a reiteração delituosa. Nesses casos, indaga-se: o que fazer? O STJ tem precedentes no sentido de que caracteriza constrangi­ mento ilegal manter o acusado em presídio com um em razão da falta de hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado, devendo, diante de sua ausência, submeter-se a tratamento ambulatorial. Não obstante, considerando que a internação provisória do art. 319, V II, está voltada para impedir a reiteração de­ lituosa de crimes praticados com violência ou grave ameaça, seria de todo tem erário colocar em liberdade agente inimputável que

TlTULO I X . DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

possa voltar a cometer delitos de tal natureza. Portanto, a única solução que se pode aventar para situações de notória periculosidade de agente inimputável ou semi-imputável seja determ inar sua perm anência em ala hos­ pitalar do estabelecim ento prisional, com tratamento adequado, pelo menos até que seja encontrada vaga em local adequado.

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lecim ento adequado, devendo, na ausência de vaga, aguardar, em regim e de tratam ento ambulatorial, o surgim ento da vaga correspondente". (STJ, 5a Turma, H C 231.124/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 23/04/2013).

STJ:"(...) A

incapacidade absoluta d o paciente está

devidam ente com provada pelo laudo de exame elabo­ rado pelo Serviço de Psiquiatria e Psicologia Forense da Superintendência de Polícia Técnico-Científica, tanto assim que a sentença reconheceu a inim putabilidade e aplicou-lhe a m edida de segurança de internação; isso,



Jurisprudência selecionada:

em maio/07. Em razão da falta de v aga em nosocôm io apropriado, o paciente permanece, até a presente data,

STJ:"(...) A

m edida de segurança tem finalidade pre­

em cadeia com um , embora, se gu n d o o Juiz da VEC, re­

ventiva e assistencial, não sendo, portanto, pena, m as instrum ento de defesa da sociedade, por um lado, e de

cebendo atendim ento médico. O entendim ento desta

recuperação social d o inimputável, por outro. Tendo em vista o propósito curativo, destina-se a debelar o

de inim putável em prisão com u m constitui constran­

desvio psiquiátrico acom etido ao inimputável, que era, ao tem p o da ação, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determ inar-se de acordo

é inviável a concessão da liberdade pura e simples.

com esse entendimento. N o caso d o s autos, im posta

cução, à luz d o artigo 96, inciso I, d o CPB, transfira o

Corte, em casos semelhantes, é de que a m anutenção gim en to ilegal; todavia, evidenciada a periculosidade, Recurso conhecido c o m o Habeas Corpus, concedida a ordem, em parte, apenas para que o Juízo da Exe­

m ed ida de se gu ra n ça de internação, obse rva-se a

sentenciado para outro estabelecim ento adeq u ad o

existência de patente constrangim ento ilegal o fato de ter sido o paciente colocado em presídio com um , em razão da falta de hospital de custódia e tratam ento

e, em caso de total im possibilidade, com as cautelas

psiquiátrico ou outro estabelecim ento adequado. A insuficiência de recursos d o Estado não é fu n dam e n ­ tação idônea a ensejar a m anutenção d o paciente em regim e prisional, q u an d o lhe foi im posta m edida de segurança de internação. Precedentes d o STJ. Ordem concedida para determ inar a im ediata transferência do paciente para hospital de custódia e tratam ento psiq u iátrico ou o utro e stab e le cim e n to ad eq u ad o, devendo, na falta de vaga, ser su bm etido a regim e de tratam ento ambulatorial". (STJ, 5a Turma, HC 108.517/ SP, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16/09/2008, DJe 20/10/2008).

STJ:"(...) O

entendim ento desta Corte Superior é de

que a m anutenção de inim putável em prisão com u m constitui constrangim ento ilegal. Parecer d o M PF pela concessão da ordem. O rdem concedida, para que o Juízo da Execução, n os term os d o art. 9 6 , 1 d o CPB, transfira o sentenciado para outro estabelecim ento adeq u ad o e, em caso de total im possibilidade, com as cautelas devidas, considere a possibilidade de substi­ tuição da internação por tratam ento ambulatorial". (STJ, 5a Turma, H C 121.760/SP, Rei. M in. N a p o le ã o Nunes M aia Filho, j. 13/08/2009, DJe 14/09/2009).

STJ:"(...) A teor da

pacífica orientação desta Corte, o inim putável su b m e tid o à m ed ida de segu rança de internação em hospital de custódia e tratam ento psi­ quiátrico não p od e p erm an ecerem estabelecim ento prisional com u m , ain da q u e so b a justificativa de ausência de v agas ou falta de recursos estatais. Pre­ cedentes. Habeas corpus não conhecido. O rdem de habeas corpus concedida, de ofício, para determ inar a im ediata transferência d o Paciente para hospital de custódia e tratam ento psiquiátrico ou outro estabe­

devidas, considere a possibilidade de substituição da internação por tratam ento ambulatorial". (STJ, 5a Tur­ ma, RH C 22.654/MG, Rei. Min. N apoleão N unes M aia Filho, j. 04/09/2008, DJe 22/09/2008).

11.5. R ecuperação d o agente: além da finalidade precípua inerente a essa medida, no sentido de se evitar a reiteração delituosa de crimes praticados com violência ou grave ameaça, a internação provisória também visa à recuperação do agente, já que este será co­ locado à disposição médica. Esse tratamento terá como finalidade permanente a reinserção social do paciente em seu meio e será estru­ turado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros - vide Lei n. 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. A este indivíduo internado provisoriamente, portador de trans­ torno mental, são assegurados os seguintes direitos: ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas ne­ cessidades; ser tratado com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na

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comunidade; ser protegido contra qualquer forma de abuso e exploração; ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; ser tratado em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis. 11.6. Detração: por acarretar restrição da liberdade de locomoção, o lapso temporal em que o acusado inimputável ou semi-imputável ficar submetido à internação provisória deve ser levado em consideração para fins de detra­ ção penal, seja no tocante à eventual quantum de pena privativa de liberdade (quando houver recuperação das faculdades mentais daquele cuja doença mental sobreveio à infração), seja quanto ao prazo mínimo de aplicação da medida de segurança. 12. Fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu anda­ mento ou em caso de resistência injustifi­ cada à ordem judicial: a liberdade provisória com (e sem) fiança sempre foi tratada pelo ordenamento jurídico pátrio como espécie de medida de contracautela, funcionando como substitutivo da prisão em flagrante. Ou seja, nosso sistema nunca admitiu que alguém fosse submetido ao regime de liberdade provisória, com ou sem fiança, sem que tivesse sido an­ teriormente preso em flagrante. No entanto, a partir da vigência da Lei n. 12.403/11, a fiança também passou a funcionar como medida cautelar autônoma, que pode ser imposta, isolada ou cumulativamente, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustifi­ cada à ordem judicial (CPP, art. 319, V III). Na mesma linha, segundo o art. 319, §4°, a fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares. Evidentemente, essa aplicação da fiança cumulativamente com ou­ tras medidas cautelares somente será possível se entre elas houver compatibilidade lógica. Logo, não se afigura viável a cumulação da fiança com a prisão preventiva, com a prisão

temporária, com a prisão domiciliar e com a internação provisória do inimputável, já que tais medidas já acarretam restrição completa à liberdade de locomoção do agente. Portan­ to, verificada a necessidade da medida para a aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expres­ samente previstos, para evitar a prática de infrações penais, ao invés de decretar a prisão preventiva, poderá o juiz optar por impor ao acusado o recolhimento de fiança, isolada ou cumulativamente com outras medidas caute­ lares, desde que verifique que sua adoção se revela igualmente eficaz e suficiente para o fim desejado pela providência cautelar, porém com menor sacrifício à liberdade do acusado. Para mais detalhes acerca da fiança, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 321 a 350. 13. M onitoração eletrônica: consiste no uso de dispositivo eletrônico não ostensivo de monitoramento, geralmente afixado ao corpo da pessoa, a fim de que se saiba, permanente­ mente, à distância, e com respeito à dignidade da pessoa humana, a localização geográfica do agente, de modo a permitir o controle judicial de seus atos fora do cárcere. 13.1. Origem: o monitoramento eletrônico surgiu na década de 60, porém passou a ser utilizado principalmente a partir dos anos 80, quando sua utilização se popularizou nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, notadamente na Inglaterra. No Brasil, após alguns Estados da Federação regulamentarem o assunto por meio de legislação estadual (v.g., Lei Paulista n. 12.906/08), de duvidosa constitucionalidade, já que leis estaduais não podem cuidar de execução penal, nos termos dos arts. 22, inciso I, e 24, inciso I, da Cons­ tituição Federal, o monitoramento eletrônico foi finalmente introduzido por meio da Lei n. 12.258, de 15 de junho de 2010, que institui o monitoramento eletrônico apenas no âmbito da execução penal, alterando dispositivos da Lei de Execução Penal. 13.2. M onitoram ento back e front-door: o Projeto de Lei do qual se originou a Lei n. 12.258/10 possuía contornos mais amplos e

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objetivava permitir o monitoramento tam ­ bém em relação aos condenados submetidos ao regime aberto, penas restritivas de direito, livramento condicional e suspensão condi­ cional da pena. Porém, em virtude dos vetos sofridos, a referida Lei passou a permitir a monitoração eletrônica apenas em relação àqueles beneficiados com saídas temporá­ rias no regime semiaberto (LEP, arts. 122 a 125, c/c art. 146-B, II) e aos que estiverem em prisão domiciliar (LEP, art. 117, c/c art. 146-B, IV ), disciplinando o chamado m onitoram ento-sanção. Esse sistema, introduzido na LEP, é conhecido como back-door, pois visa utilizar o monitoramento eletrônico para retirar antecipadamente do sistema carcerário aquelas pessoas presas que possuam condi­ ções de term inar o cumprimento da pena fora do cárcere. Busca-se, assim, diminuir o tempo de cumprimento da pena na prisão. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, a utilização do m onitoram ento eletrônico deixa de ser uma exclusividade da execução penal e passa a ser possível também como medida cautelar autônoma e substitutiva da prisão (CPP, art. 319, IX). Adota-se, a par­ tir de agora, o sistema do m onitoramento eletrônico chamado fro n t-d o o r, isto é, tal tecnologia passa a ser utilizada de modo a se evitar o ingresso do agente na prisão. Trata-se, portanto, de uma medida alternativa à prisão, que visa evitar o contato do agente com o cárcere. A distinção dos sistemas front-door e back-door é trabalhada por Carlos Eduardo Ariano Japiassú e Celina Maria Macedo: O

Brasil e o monitoramento eletrônico. Monito­ ramento eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências internacionais e perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Crim inal e Penitenciária, 2008. p. 15. Destarte, seja no curso das investigações, seja durante o processo criminal, verificando a necessidade da medida para aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução criminal e, nos casos expressamente previs­ tos, para evitar a prática de infrações penais, poderá o magistrado determinar a utilização do m onitoram ento eletrônico, isolada ou

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cumulativamente com outra medida cautelar diversa da prisão. 13.3. Aplicabilidade imediata: há quem entenda que, antes do advento de uma lei dis­ ciplinando todos os aspectos necessários para o funcionamento e controle da monitoração eletrônica, não será possível sua aplicação. Tem prevalecido, porém, o entendimento de que o monitoramento pode - e deve - ser aplicado de imediato, sobretudo porque sua utilização já foi objeto de regulamentação pelo Decreto n. 7.627/11, cujo art. 2° conceitua a monitoração eletrônica como a vigilância telemática posicionai à distância de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por sentença transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização. 13.4. Zonas de inclusão e exclusão: como forma de acompanhamento, e a depender da tecnologia disponível, o monitoramento eletrônico pode ser utilizado pelo juiz com a imposição de zonas de inclusão e exclusão, isto é, locais em que o monitorado poderá/deverá permanecer (zonas de inclusão) ou lugares onde não pode com parecer ou frequentar (zonas de exclusão). 13.5. Finalidades: o monitoramento ele­ trônico pode ser utilizado para a obtenção de 3 (três) finalidades: a) Detenção: o monito­ ramento tem como objetivo manter o indiví­ duo em lugar predeterminado, normalmente em sua própria residência; b) R estrição: o monitoramento é usado para garantir que o indivíduo não frequente certos lugares, ou para que não se aproxime de determinadas pessoas, em regra testemunhas, vítimas e coautores; c) V igilância: o monitoramento é usado para que se mantenha vigilância contínua sobre o agente, sem restrição de sua movimentação. 13.6. Tecnologias existentes de m onito­ ração eletrônica: visando atingir as finalida­ des apontadas no tópico anterior, podem ser usadas as seguintes tecnologias: a) Sistemas passivos: o monitorado é periodicamente acio­ nado pela central de monitoramento por meio

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de telefone ou ‘pager’, para garantir que ele se encontra onde deveria estar, sendo sua identi­ ficação feita por meio de senhas ou biometria, como impressão digital, mapeamento da íris ou reconhecimento de voz. Esse sistema não per­ mite que o acusado tenha grande mobilidade, mas pode ser aplicado para verificar o cumpri­ mento do recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga ou prisão domici­ liar; b) Sistemas ativos: o dispositivo instalado em local determinado (v.g., casa) transmite o sinal para uma central de monitoramento. Nesse caso, se o monitorado se afastar do local determinado acima da distância determinada, a central é imediatamente acionada; c) Sistema de Posicionamento Global (GPS): por conta de seus três componentes - satélites, estações de terra conectadas em rede e dispositivos móveis (braceletes ou tornozeleiras eletrôni­ cas) - , essa tecnologia elimina a necessidade de dispositivos instalados em locais predeter­ minados, sendo utilizada como instrumento de detenção, restrição ou vigilância. Pode ser usado de forma ativa, permitindo a localização do usuário em tempo real, ou na forma passiva, hipótese em que o dispositivo é capaz de regis­ trar toda a movimentação do monitorado ao longo do dia, sendo tais dados transmitidos a uma central, que gera um relatório diário. Sua utilização também permite que se saiba se o acusado se distanciou de local onde deveria permanecer (zona de inclusão) ou se adentrou em local que não devia frequentar (zona de exclusão). 13.7. Aplicação isolada ou cumulativa: na medida em que o monitoramento eletrônico é capaz de fornecer inform ações precisas acerca da localização da pessoa, sua utilização pode ser feita de formas distintas: a) medida cautelar em si, isoladamente aplicada: nessa hipótese, o objetivo precípuo do m onito­ ramento será o de evitar a fuga do agente. Nesse caso, a medida deve ser utilizada com extrema cautela e de maneira excepcional, porquanto é plenamente possível o rompi­ mento do dispositivo eletrônico a qualquer momento. Daí a importância de se verificar a efetiva possibilidade de se realizar a prisão do agente antes que sua intenção de fuga seja

concretizada; b) medida cautelar auxiliar de

outra medida diversa da prisão, aplicada cumulativamente com esta (art. 282, §1°, do CPP): é certo que várias medidas cautelares diversas da prisão são de difícil fiscali­ zação. É o que ocorre, a título de exemplo, com a proibição de ausentar-se da comarca ou o recolhim ento dom iciliar no período noturno e nos dias de folga. Nesses casos, o monitoramento eletrônico pode se revelar extremamente útil, porquanto será capaz de auxiliar na identificação do espaço geográfico onde o acusado se encontra, permitindo a fiscalização da medida. Nesse sentido, sua aplicação cumulativa é compatível com a prisão domiciliar e com as cautelares diversas da prisão do art. 319, incisos II (proibição de acesso ou frequência a determinados lugares), III (proibição de manter contato com pessoa determinada ou obrigação de permanecer distante dela), IV (proibição de ausentar-se da comarca) e V (recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga). 13.8. (Des) necessidade de consentimen­ to do acusado para fins de aplicação do monitoramento eletrônico: nada diz o art. 319, inciso IX, do CPP, acerca da necessidade de consentimento do acusado para fins de aplicação da medida cautelar do monitora­ mento eletrônico. No entanto, é evidente que o consentimento do agente está implícito na utilização dessa medida, daí por que o mo­ nitoramento não deve ser imposto diante de eventual recusa expressa por parte do acusado. Afinal, a apbcação dessa medida pressupõe que o acusado observe os deveres que lhe serão impostos fora do cárcere (zonas de inclusão e/ ou exclusão). Ademais, caso não concorde com a utilização do dispositivo eletrônico, basta que o acusado rompa o dispositivo eletrônico tão logo implantado, dando ensejo à cassação do benefício. Portanto, a despeito do silêncio da lei, parece-nos que, diante de manifestação em sentido contrário do acusado, a medida não deve ser implementada. 13.9. M e c a n ism o s de fiscalização: tal qual ocorreu em relação às demais medidas cautelares do art. 319 do CPP, o legislador

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silenciou acerca de mecanismos de controle e fiscalização do monitoramento eletrônico. Sem embargo desse silêncio, com a utilização da tecnologia do sistema de posicionamento global (GPS), é possível que a autoridade ju ­ diciária monitore os locais e horários onde o condenado deva estar ou permanecer, aferindo em tempo real a observância (ou não) das condições impostas. Também é possível a aplicação subsidiária do quanto disposto no art. 146-C da LEP, que cuida da monitoração eletrônica back-door nas hipóteses de saída temporária no regime semiaberto e na prisão domiciliar. Segundo esse dispositivo, o conde­ nado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres: I - receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrô­ nica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações; II - abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça. Deve ser determinada, ademais, a imediata comuni­ cação à polícia de eventual rompimento do dispositivo de monitoração eletrônica, a fim de que consiga recapturar o agente. Para tanto, é recomendável que seja feita uma audiência de advertência, à qual estarão presentes o juiz, o órgão do Ministério Público, o defensor e o investigado ou acusado, oportunidade em que este será cientificado de seus deveres e das consequências do descumprimento da medida, notadamente quanto à possibilidade de decretação de sua prisão preventiva. 13.10. (In) constitucionalidade do m oni­ toram ento eletrônico à luz da dignidade da pessoa humana: certamente haverá ques­ tionamentos quanto à constitucionalidade da utilização do monitoramento eletrônico como medida cautelar autônoma e substitutiva da prisão cautelar. Haverá quem diga que sua utilização é extremamente dispendiosa, com alto custo orçamentário. Haverá quem diga que, como a ocultação do dispositivo eletrô­ nico é complicada, sobretudo para pessoas de baixa renda em locais com temperatura elevada, sua utilização sujeitará o agente a um constrangim ento perante a sociedade,

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violando sua intimidade e o próprio princípio da presunção de não culpabilidade. Com a devida vênia, tais argumentos não merecem acolhida. Se é verdade que a utilização do monitoramento eletrônico é extremamente dispendiosa para o Estado, também é verdade que seu emprego acaba sendo compensado pelas inúmeras vantagens que ele traz. Trata-se de dispositivo eletrônico não ostensivo, ou seja, deve ser assegurada a discrição dos aparelhos a serem utilizados - braceletes ou tornozeleiras eletrônicas - , evitando-se que o agente sofra qualquer tipo de estigmatização perante a sociedade. A propósito, a evolução tecnológica tem permitido a diminuição des­ ses dispositivos eletrônicos, permitindo que fiquem ocultos ou até mesmo imperceptíveis, assemelhando-se a acessórios geralmente uti­ lizados pelas pessoas, como um relógio, por exemplo. Aliás, consoante disposto no art. 5o do Decreto n. 7.627/11, o equipamento de monitoração eletrônica deverá ser utilizado de modo a respeitar a integridade física, moral e social da pessoa monitorada. De mais a mais, ao contrário do que ocorre com o monitora­ mento eletrônico previsto na Lei de Execução Penal, cabível apenas em relação àqueles be­ neficiados com saídas temporárias no regime semiaberto e aos que estiverem em prisão do­ miciliar, ou seja, representando um “plus” no controle de pessoas que já foram condenadas, a previsão do monitoramento eletrônico no art. 319, IX, do CPP, se apresenta como alter­ nativa à privação da liberdade de locomoção tendente a reduzir a superpopulação prisional. A utilização do monitoramento eletrônico é capaz de, a um só tempo, diminuir a massa carcerária, o que, inevitavelmente, proporcio­ nará a melhora das condições daqueles que permanecerem encarcerados, mas também de facilitar a reintegração do agente, sem a perda da capacidade de vigilância do Estado sobre os presos, permitindo que este possa trabalhar, manter seus vínculos familiares, assim como a participação em cursos e atividades educa­ tivas. Com a necessária discrição, a fim de que não haja nenhum tipo de estigmatização pela sociedade, o monitorado terá condições de circular com relativa liberdade, exercendo

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suas atividades regulares, ao mesmo tempo em que o Estado mantém sua vigilância e a possibilidade de recaptura no caso de eventual tentativa de fuga. Enfim, diante das mazelas do sistema carcerário, verdadeira fábrica de reincidência, que não protege a integridade

física e moral do preso, sujeitando-o a uma série de sevícias sexuais, à transmissão de doenças como aids e tuberculose, qualquer instrumento que venha a servir como subs­ titutivo do encarceramento cautelar deve ser acolhido pelo sistema.

Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.1(artigo com redação determinada pela Lei n. 12.403/11). 1. Retenção do passaporte: nas hipóteses em que o ju iz determ inar a proibição do acusado de se ausentar do País, é de todo conveniente e recomendável que também determine a retenção do passaporte. No âm­ bito do Mercosul, essa retenção do passaporte acaba se revelando pouco eficaz, porquanto os países que o integram dispensam o referi­

do documento para entrada e saída de seus respectivos territórios. De todo modo, não se pode negar que a entrega do passaporte pode ser útil no sentido de dificultar a movimen­ tação do acusado no estrangeiro, desde que se impeça a expedição de outro passaporte por autoridades diplomáticas e consulares no exterior.

Capítulo VI DA LIBERDADE PROVISÓRIA, COM OU SEM FIANÇA1 5* Art. 321 . Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código.6*-13(Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Liberdade provisória: o direito à liberdade provisória tem fundamento constitucional no art. 5o, inciso LXVI, segundo o qual ninguém

será levado àprisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Como consectário lógico da regra de tratamento que deriva do princípio da pre­ sunção de inocência, cuida-se de verdadeiro direito subjetivo do cidadão preso frente ao Estado, quando ausentes razões de cautela, e não de um poder discricionário atribuído ao

juiz, que não pode impor uma prisão cautelar sem a necessária motivação judicial. 2. Natureza jurídica: a liberdade provisória pode funcionar como medida de contracautela ou como medida cautelar. Deveras, com o advento da Lei n. 12.403/11, a liberdade provisória deixa de ser tratada apenas como medida de contracautela, substitutiva apenas da prisão em flagrante, e também passa a ser dotada de feição cautelar, desempenhando o mesmo papel que é atribuído à prisão cautelar,

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porém com menor grau de sacrifício da liber­ dade de locomoção do agente. Sua aplicação pode se dar de duas formas: a) poderá o juiz condicionar a manutenção da liberdade do acusado ao cumprimento de uma das medidas elencadas no art. 319, sob pena de decretar a prisão preventiva, quer originalmente (art. 311/c/c art. 312), quer como sanção proces­ sual, justificada pela verificada insuficiência da medida menos gravosa para proteção do interesse ameaçado, decorrente do descumprimento da providência cautelar alternativa (CPP, art. 282, §4°); b) poderá o juiz substituir a situação de prisão em flagrante, ou mesmo a prisão preventiva ou temporária, por uma das medidas menos gravosas arroladas no art. 319, que funcionarão como alternativas para obviar a providência extrema, somente justificada ante a constatação de que essa medida seja igualmente eficaz e idônea para alcançar os mesmos fins, porém com menor custo para a esfera de liberdade do indivíduo. 2.1. Liberdade provisória com o medida de contracautela: antes do advento da Lei n. 12.403/11, a liberdade provisória, com ou sem fiança, funcionava apenas como uma medida de contracautela, substitutiva exclusivamente da prisão em flagrante - nunca da preventiva e da temporária, com as quais era incompatível - , se presentes determinados pressupostos e sob determinadas condições de manutenção da liberdade. Funcionava, pois, tão somente como sucedâneo da prisão em flagrante. Nessa hipótese, em que a liberdade provisória funcio­ na como medida de contracautela, que ainda subsiste com o advento da Lei n. 12.403/11 (CPP, art. 310, III), o acusado posto em li­ berdade fica submetido a certas obrigações que o vinculam ao processo e ao juízo, com o escopo de assegurar sua presença aos atos do processo sem a necessidade de que permaneça privado de sua liberdade. Daí se dizer que é provisória, pois a liberdade não é definitiva, encontrando-se sujeita a condições resolutórias, que podem acarretar sua revogação. Com o advento da Lei n. 12.403/11, a liberdade provisória deixa de funcionar como medida de contracautela substitutiva exclusivamente da prisão em flagrante, porquanto, doravante,

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também poderá ser usada para substituir even­ tual prisão preventiva ou temporária, se acaso o magistrado visualizar que sua concessão com ou sem fiança, cumulada (ou não) com as cautelares diversas da prisão, seja capaz de afastar as situações de perigo do art. 282, inciso I, do CPP, sem a necessidade de imposição do cárcere cautelar. 2.2. Liberdade provisória com o medida cautelar: como exposto acima, antes das m o­ dificações produzidas pela Lei n. 12.403/11, nosso sistema processual não admitia submeter alguém ao regime de liberdade provisória sem que estivesse previamente preso em flagrante. Ou seja, se alguém estava em liberdade desde o início da persecução penal, não poderia ser submetido ao regime de liberdade provisória - que importa obrigações processuais - , pois esta demandava que o acusado tivesse sido preso em flagrante. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, a liberdade provisória deixa de funcionar tão somente como medida de contracautela substitutiva da prisão em flagrante. Isso porque, apesar de o legislador não se valer dessa expressão no art. 319 do CPP, fica evidente que a liberdade provisória agora também pode ser adotada como providência cautelar autônoma, com a imposição de uma ou mais das medidas cautelares diversas da prisão ali elencadas. Veja-se que tais medidas cautelares são alternativas à prisão, podendo ser impostas mesmo se o acusado estiver em liberdade desde o início da persecução penal, como condição para que assim permaneça. Essa liberdade provisória, aliás, pode ser con­ vertida em prisão preventiva, ex vi do art. 312, parágrafo único, em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas ao acu­ sado. Tal modificação da natureza jurídica da liberdade provisória é confirmada pela própria colocação da fiança dentre as medidas caute­ lares diversas da prisão (CPP, art. 319, V III). Isso confirma que, doravante, a fiança pode ser concedida independentemente de prévia prisão em flagrante, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória (CPP, art. 334), quando o juiz verificar sua necessidade para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento

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ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial. A nova redação do art. 321 do CPP também comprova essa nova natureza empres­ tada à liberdade provisória. Inserido que está no Capítulo VI - “Da liberdade provisória com ou sem fiança” o art. 321 prevê que o juiz de­ verá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código, quando considerar que tais medidas são suficientes para produzir o mesmo resultado que a prisão preventiva - garantia de aplicação da lei penal, tutela da investigação ou da instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. 3. Im posição de vínculos com o consectário lógico da liberdade provisória: para que se possa falar em liberdade provisória, é indispensável que o agente fique sujeito ao cumprimento de certas condições. Por isso, uma das características da liberdade provisória consiste exatamente na possibilidade de sua revogação caso ocorra o descumprimento das vinculações a que o agente ficou submetido. Logo, nas hipóteses em que o indivíduo é colocado em liberdade sem a imposição de quaisquer vínculos, não há - tecnicamente falando - liberdade provisória, mas sim defi­ nitiva, porquanto ausente qualquer força co­ ercitiva a impor o comparecimento do agente aos atos processuais. 4. Con seq u ê n cias decorrentes d o não cum prim ento d o s vínculos decorrentes da liberdade provisória e a im possibili­ dade de restauração de anterior prisão em flagrante: quando a liberdade provisó­ ria funciona como medida de contracautela substitutiva da prisão em flagrante, é errado dizer que a revogação da liberdade provisória acarreta a restauração de anterior prisão em flagrante. É evidente que o descumprimento das obrigações a que o agente ficou submetido acarretará a revogação da liberdade provisó­ ria. Mas isso não significa dizer que haverá a restauração da prisão em flagrante. Afinal, a flagrância é acontecimento fugaz do mundo do ser. Existe para se esfumar com o máximo de

rapidez por ocasião da convalidação judicial da prisão em flagrante, seja para fins de eventual relaxamento, conversão em preventiva (ou temporária), seja para fins de substituição pela liberdade provisória, com ou sem finaça, cumulada (ou não) com as cautelares diversas da prisão. Logo, a prisão em flagrante não pode ser restaurada diante do descumprimento de vínculos impostos por ocasião da concessão da liberdade provisória, até mesmo porque não haverá situação de flagrância a legitimar tal medida. Na verdade, no caso de descum­ primento das obrigações impostas em decisão concessiva de liberdade provisória, seja como medida de contracautela, seja como medida cautelar, cabe ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva (CPP, art. 282, §4°). Destarte, descumprida a obrigação assumida pelo agente por ocasião da conces­ são da liberdade provisória, não há falar em restauração de flagrante, até mesmo porque o próprio art. 310, inciso II, do CPP, demonstra que a finalidade cautelar do flagrante esgota-se precisamente na sua função probatória. 5. Distinção entre relaxamento da prisão, liberdade provisória e revogação da prisão cautelar: a) o relaxamento da prisão está pre­ visto no art. 5o, inciso LXV, da Constituição Federal, e foi objeto de análise por ocasião do estudo do art. 310, III, do CPP; b) A revogação da prisão preventiva e/ou temporária ocorre quando não mais subsistem os motivos que legitimaram a segregação. Para mais detalhes acerca da revogação, remetemos o leitor aos co­ mentários ao art. 282, §5°, e ao art. 316, ambos do CPP; c) A liberdade provisória está prevista no art. 5o, inciso LXVI, da Carta Magna. Com as mudanças produzidas pela Lei n. 12.403/11, a liberdade provisória continua funcionando como substitutivo da prisão em flagrante, logo, como medida de contracautela. É nesse sentido, aliás, que o art. 310, inciso III, do CPP, prevê que, verificada a legalidade da prisão em flagrante, e a ausência dos pressupostos que autorizam a prisão preventiva, deverá o juiz conceder ao agente liberdade provisória com ou sem fiança. Porém, conquanto o legislador não tenha se utilizado da expressão liberdade

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provisória no art. 319 do CPP, fica evidente que esse instituto agora também pode ser adotado como providência cautelar autônoma, com a imposição de uma ou mais das medidas cautelares diversas da prisão ali elencadas. Veja-se que tais medidas cautelares são alternativas à prisão, podendo ser impostas mesmo se o acusado estiver em liberdade desde o início da persecução penal, como condição para que assim permaneça. Essa liberdade provi­ sória, aliás, pode ser convertida em prisão preventiva, ex vi do art. 312, parágrafo único, em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas ao acusado. 6. Espécies de liberdade provisória: com as mudanças produzidas no Código de Processo Penal pela Lei n. 12.403/11, afigura-se possível a seguinte classificação quanto às espécies de liberdade provisória: a) quanto à fiança: a.l) liberdade provisória sem fiança (CPP, art. 310, parágrafo único, e art. 350); a.2) liberdade provisória com fiança (CPP, arts. 322 a 349); b) quanto à sujeição ao cumprimento de obri­ gações: b. 1) liberdade provisória com vinculação; b.2) liberdade provisória sem vinculação (como será visto na sequência, quando não há quaisquer vínculos, trata-se de liberdade definitiva, e não provisória); c) quanto à possi­ bilidade de concessão: c.l) liberdade provisória obrigatória; c.2) liberdade provisória proibida. 7. Liberdade provisória sem fiança: com as mudanças produzidas pela Lei n. 12.403/11, subsiste a possibilidade de concessão de liber­ dade provisória tão somente em duas hipóte­ ses: a) quando constatada a presença de causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade, salvo a inimputabilidade do art. 26, caput, do CP (CPP, art. 310, parágrafo único); b) quando a situação econômica do preso inviabilizar o recolhimento da fiança (CPP, art. 350, caput). 8. Liberdade provisória com fiança: trata-se, a liberdade provisória com fiança, de direi­ to subjetivo constitucional do acusado, a fim de que, mediante caução e cumprimento de certas obrigações, possa permanecer em liberdade até a sentença condenatória irrecorrível. Com as modificações produzidas pela Lei n. 12.403/11,

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a liberdade provisória com fiança deixa de ser apenas uma medida de contracautela (CPP, art. 310, III), e passa a funcionar também como medida cautelar autônoma, podendo ser de­ terminada pelo juiz nas infrações que admitem a fiança, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injusti­ ficada à ordem judicial (CPP, art. 319, VIII). Portanto, seja como medida de contracautela substitutiva da prisão em flagrante, seja como medida cautelar autônoma, a fiança tem como finalidade precípua assegurar o cumprimento das obrigações processuais do acusado, na medida em que este, pelo menos em tese, tem interesse em se apresentar, em caso de conde­ nação, para obter a devolução da caução. Na prática, todavia, diante da defasagem do valor da fiança que vigorou durante anos e anos, não havia, pelo menos até o advento da Lei n. 12.403/11, qualquer estímulo ao acusado para que permanecesse vinculado ao processo. Outro objetivo importante da fiança é o de garantir o pagamento das custas, da indeni­ zação do dano causado pelo crime e também da multa. 8.1. Fiança: pode ser conceituada como uma caução real destinada a garantir o cumprimen­ to das obrigações processuais do réu. Enfim, trata-se de uma garantia real, consistente no pagamento em dinheiro ou na entrega de valores ao Estado, para assegurar ao investi­ gado (ou acusado) o direito de permanecer em liberdade durante o curso da persecução penal. Não só o investigado (ou acusado) pode prestar fiança. Também poderá fazê-lo, em seu nome, um terceiro. Já não existe mais a chamada fiança fidejussória, consubstanciada em garantia pessoal do preso, pelo empenho de sua palavra, de que ia acompanhar a instrução e se apresentar, em caso de condenação. Pode ser prestada de duas maneiras: por depósito ou por hipoteca, desde que inscrita em pri­ meiro lugar. O depósito pode ser de dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, e títulos da dívida federal, estadual ou municipal (art. 330, CPP). Já os bens dados em hipoteca estão definidos no art. 1.473 do Código Civil. Efetu­ ada a prestação da fiança em moeda corrente,

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,

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deverá a autoridade fazer seu recolhimento nas Agências da Caixa Econôm ica Federal ou do Banco do Brasil, em nome de quem a prestou e à disposição da autoridade judiciária competente.

juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições dos incisos I, II e III do art. 23 do Código Penal, poderá conceder ao acusado liberdade pro­ visória, mediante termo de comparecimento a

9. Liberdade provisória com vinculação: o acusado é posto em liberdade, porém fica vinculado ao cumprimento de certas obriga­ ções processuais. A depender do caso, pode ser concedida com ou sem fiança, sendo que, com o advento da Lei n. 12.403/11, também se afigura possível a imposição cumulativa das medidas cautelares diversas da prisão previstas nos arts. 319 e 320 do CPP. Vejamos, separa­ damente, cada uma das hipóteses de liberdade provisória com vinculação.

Perceba-se que, nesse caso, e diversamente das hipóteses acima citadas, a vinculação do agente é bem menor, pois se sujeita apenas a comparecer a todos os atos processuais. Outrossim, quanto à possibilidade de revogação dessa liberdade provisória, já foi dito que, por força do art. 314 do CPP, a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz ve­ rificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato ao abrigo de uma causa excludente da ilicitude. Logo, mesmo que o agente deixe de comparecer a determinado ato do processo, a liberdade provisória concedida com fundamento no art. 310, parágrafo único, do CPP, não poderá ser revogada, pois incabível a prisão preventiva. A rigor, então, diante da impossibilidade de revogação da liberdade provisória do art. 310, parágrafo único, do CPP, já que é incabível a decretação da preventiva, não estamos diante de regime cautelar de liber­ dade provisória, porquanto ausente qualquer força coercitiva a impor o comparecimento do agente aos atos processuais.

9.1. Liberdade provisória no caso de miserabilidade (CPP, art. 350, caput): o crime é afiançável, porém, por se tratar de acusado pobre, o juiz concede a ele liberdade provisória sem fiança, sujeitando-o ao cumprimento das seguintes obrigações: 1) comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento; 2) o acusado afiança­ do não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante; 3) o acusado afiançado não poderá ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem com unicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado. Com a vigência da Lei n. 12.403/11, também é possível a imposição cumulativa das cautelares diversas da prisão dos arts. 319 e 320 do CPP. 9.2. Liberdade provisória com fiança (arts. 322 a 349): o acusado fica sujeito às mesmas obrigações acima referidas (arts. 324, inciso I, 327 e 328, todos do CPP), sem prejuízo, evidentemente, da imposição das cautelares diversas da prisão, se acaso necessárias para afastar uma das situações de perigo do art. 282, I, do CPP. 9.3. Liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único do CPP, com reda­ ção determinada pela Lei n. 12.403/11: se o

todos os atos processuais, sob pena de revogação.

9.4. Liberdade provisória cum ulada com uma ou mais das m edidas cautelares di­ versas da prisão: por força das alterações produzidas pela Lei n. 12.403/11, a liberdade provisória não é mais apenas uma medida de contracautela, podendo ser também adotada como providência cautelar autônoma, com a imposição de uma ou mais das medidas cautelares diversas da prisão elencadas no art. 319 do CPP. A nova redação do art. 321 do CPP confirma que, doravante, deverá o juiz conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código, quando considerar que tais medidas são suficientes para produzir o mesmo resultado que a prisão preventiva, porém com menor lesividade à liberdade de locomoção do agente.

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

10. Liberdade provisória sem vinculação: o acusado é posto em liberdade sem qualquer dever processual. Era o que ocorria com a extinta liberdade provisória sem fiança nas hipóteses em que o conduzido se livrava solto (CPP, antiga redação do art. 321). Como dito anteriormente, a rigor, cuidava-se de liberdade definitiva, e não provisória. Afinal de contas, o caráter provisório decorre exatamente da exis­ tência de vínculos, restrições ou obrigações, cujo descumprimento acarreta a revogação da liberdade e consequente possibilidade de substituição da medida, imposição de outra em cumulação, ou, em último caso, decretação da prisão preventiva. 11. Liberdade provisória obrigatória: cuida-se de direito incondicional do acusado, não lhe podendo ser negado em hipótese algu­ ma. Antes das alterações produzidas pela Lei n. 12.403/11, a primeira espécie de liberdade provisória obrigatória era aquela em que o preso se livrava solto (redação pretérita do art. 321 do CPP). Parte da doutrina também costuma apontar a hipótese do art. 69, pará­ grafo único, da Lei n. 9.099/95, como espécie de liberdade provisória obrigatória, na medida em que, se o cidadão assumir o compromisso de comparecer ao Juizado, ou a ele comparecer imediatamente, não se imporá prisão em fla­ grante ao autor de infração de menor potencial ofensivo. Dispositivos semelhantes a este tam­ bém são encontrados na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06, art. 48, §2°) e no Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97, art. 301). Diversa­ mente do disposto no art. 69, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95, no caso do delito de porte de drogas para consumo pessoal, ainda que o agente se recuse a assumir o compromisso de comparecer ao Juizado, a ele não se imporá pri­ são em flagrante, haja vista que o próprio delito não mais prevê pena privativa de liberdade de locomoção, mas tão somente advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Daí prever o art. 48, §3°, da Lei n. 11.343/06, que, “ausente a autoridade judicial, as providências previstas no §2° deste artigo serão tomadas de

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imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente". 12. Liberdade provisória proibida: há inú­ meros dispositivos constitucionais e legais que vedam a liberdade provisória, ora com e sem fiança, ora apenas com fiança: a) o art. 31 da Lei n. 7.492/86 veda a concessão de liberdade provisória com fian ça aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; b) a prática do racismo, previsto na Lei n. 7.716/89, constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão (CF, art. 5o, LXII, c/c art. 323, I, do CPP); c) a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem (CF, art. 5o, XLIII, c/c art. 323, II, do CPP); d) a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, com moldura na Lei n. 7.170/83, que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, constitui crime inafiançável e imprescritível (CF, art. 5o, XLIV, c/c art. 323, III, do CPP); e) o art. 2o, inciso II, da Lei n. 8.072/90, em sua redação original, vedava a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, aos crimes hediondos e equiparados. Posteriormente, a lei dos crimes hediondos foi alterada pela Lei n. 11.464/07, passando a vedar tão somente a concessão de liberdade provisória com fiança (art. 2o, inciso II, da Lei n. 8.072/90); f) o art. 7o da revogada Lei n. 9.034/95 vedava a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança aos agentes que tivessem tido intensa e efetiva participação na organização criminosa. A nova Lei das Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/13) não traz nenhum dispositivo expresso quanto à vedação da liberdade provisória; g) o art. I o, §6°, da Lei n. 9.455/97, veda a concessão de liberdade provisória com fiança ao crime de tortura; h) o art. 3o da Lei n. 9.613/98, em sua redação original, vedava a concessão de liberdade provisória com e sem fiança aos crimes de lavagem de capitais. Ocorre que a Lei n. 12.683/12, com vigência em 10 de julho

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de 2012, revogou o art. 3o da Lei n. 9.13/98. Logo, referido delito passa a admitir, em tese, a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, cumulada ou não com as medidas cautelares diversas da prisão (v.g., suspensão do exercício de atividade de natureza econô­ mica ou financeira); i) antes do julgamento da A D I3.112, osarts. 14, parágrafo único, 15,pa­ rágrafo único, e 21, todos da Lei n. 10.826/03, vedavam a concessão de liberdade provisória em relação a certos crimes previstos no Esta­ tuto do Desarmamento; j) o art. 44, caput, da Lei n. 11.343/06 veda a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, aos crimes previstos nos arts. 33, caput, e §1°, e 34 a 37 da referida lei. No entanto, como será visto adian­ te, tal vedação foi declarada inconstitucional pelo Supremo no julgamento do HC 104.339. A questão tormentosa acerca de todos esses dispositivos é a seguinte: pode a lei ordinária vedar, de maneira peremptória, a concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança? Pode o legislador ordinário, independente­ mente de verificação pelo Poder Judiciário da necessidade de manutenção da prisão cautelar, estabelecer de forma genérica e absoluta que determinado delito é insuscetível de liberdade provisória, estabelecendo verdadeira prisão ex lege para aquele que foi preso em flagrante? Em relação aos crimes inafiançáveis listados pela própria Constituição - racismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terro­ rismo, os definidos como crimes hediondos e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado D e­ mocrático - , não há maiores discussões quanto ao não cabimento de fiança, o que foi inclusive reforçado com a nova redação do art. 323, incisos I, II e III. Em relação a esses delitos, não cabe liberdade provisória com fiança, por imposição do próprio legislador constituinte originário. Mas e a liberdade provisória sem fiança, cumulada, se for o caso, com as medidas cautelares diversas da prisão? Poderia o legis­ lador ordinário vedá-la peremptoriamente? 12.1. Constitucionalidade da vedação em abstrato da liberdade provisória: durante anos prevaleceu o entendimento de que não haveria qualquer inconstitucionalidade nos

dispositivos que vedam a concessão da liber­ dade provisória em abstrato, sobretudo em virtude do teor da própria Constituição, segun­ do a qual ninguém será levado à prisão ou nela

mantido, quando a lei admitir a liberdade pro­ visória, com ou sem fiança (CF, art. 5o, LXVI). Assim, se a lei vedava a concessão de liberdade provisória, fazendo uso do permissivo consti­ tucional, não haveria razão para se questionar a validade do dispositivo legal. Ademais, havia quem dissesse que, nas hipóteses em que a própria Constituição Federal veda a concessão de fiança (v.g., crimes hediondos), também estaria vedada, por consequência, a concessão de liberdade provisória sem fiança. A título de exemplo, no julgamento do HC 93.302/SP, a I a Turma do Supremo concluiu que a proibição de liberdade provisória nos casos de crimes hediondos e equiparados decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição da República à legislação ordinária (art. 5°, inc. XLIII). Logo, seria irrelevante a existên­ cia, ou não, de fundamentação cautelar para a prisão em flagrante por crimes hediondos ou equiparados, considerando-se suficiente para impedir a concessão da liberdade provisória a menção ao art. 5°, inc. XLIII, da Constituição da República, e ao art. 44 da Lei n. 11.343/06. + Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) A vedação à concessão d o benefício da liber­ dade provisória prevista no art. 2°, II, da Lei 8.072/1990 é fu ndam ento suficiente para o im pedim ento da con ­ cessão d o benefício ao paciente. A dem ora na tram i­ tação d o processo é justificada pela com plexidade d o feito, dada a necessidade de expedição de precatórias para oitiva de testem unhas e a presença de vários réus com procuradores distintos. Ordem denegada". (STF, 2a Turma, H C 86.814/SP, Rei. Min. Joaquim Barbosa, DJU 26/05/2006, p. 38).

S T F : "(...) A p roibição de liberdade provisória, n os casos de crimes he dio nd os e equiparados, decorre da própria inafiançabilidade im posta pela Constituição da República à legislação ordinária (Constituição da República, art. 5°, inc. XLIII): Precedentes. O art. 2°, inc. II, da Lei n. 8.072/90 atendeu o com an d o constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e d ro gas afins, o terrorismo e os definidos com o crimes hediondos. Inconstitucional seria a legislação ordinária que dispusesse diversam en­ te, ten do c o m o afiançáveis delitos que a Constituição da República determina sejam inafiançáveis. Desneces­ sidade de se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei

s TÍTULO I X . DA PRISÃO, DAS M EDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

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n. 11.464/07, que, ao retirar a expressão "e liberdade

a hipótese de não ocorrência n o caso d o s m otivos

provisória"do art. 2°, inc. II, da Lei n. 8.072/90, limitou-se a um a alteração textual: a proibição da liberdade

autorizadores da prisão preventiva"(v.g., H H CC 83.468, 1aT„ 11.9.03, Pertence, DJ 27.2.04; 82.695,2aT„ 13.5.03,

provisória decorre da vedação da fiança, não da ex­ pressão suprimida, a qual, se gu n d o a jurisprudência

Velloso, DJ 6.6.03; 79.386,2aT„ 5.10.99, M arco Aurélio,

deste Suprem oTribunal, constituía redundância. Mera alteração textual, sem m odificação da norm a proibi­

N os precedentes, com efeito, há ressalva expressa no sentido de que a proibição de liberdade provisória

tiva de concessão da liberdade provisória ao s crimes

decorre da própria "inafiançabilidade im posta pela

he diond os e equiparados, que continua vedada aos

Constituição" (CF, art. 5°, XLIII)." (STF - H C 91550/SP,

presos em flagrante por quaisquer daqueles delitos. A Lei n. 11.464/07 não podería alcançar o delito de tráfico de drogas, cuja disciplina já constava d e lei especial (Lei n. 11.343/06, art. 44, caput), aplicável ao caso vertente. Irrelevância da existência, ou não, de fu n dam en tação cautelar para a prisão em flagrante por crim es hediondos ou equiparados: Precedentes. Licitude da decisão proferida c om fu n d am e n to no art. 5o, inc. XLIII, da Constituição da República, e no art. 44 da Lei n. 11.343/06, que a jurisprudência deste Suprem oTribunal considera suficiente para im pedira concessão de liberdade provisória. O rdem denegada. (...)". (STF, I a Turma, HC 93.302/SP, Rei. Min. Cárm en

DJ 4.8.00; 78.086, 1a T., 11.12.98, Pertence, DJ 9.4.99).

Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 06/06/2007). Writ denegado". (STJ, 5aTurma, HC 85.682/RO, Rei. Min. Felix Fischer, DJ 18/02/2008 p. 50).

STJ: "(...)

Na linha d o e n te n d im e n to firm ad o pelo Su p re m o T ribunal Federal, a ve d ação expressa d o benefício da liberdade provisória aos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, disciplinada no art. 44 da Lei n.° 11.343/06 é, por si só, m otivo suficiente para im pe­ dir a concessão da benesse ao réu preso em flagrante por crime h e dio n d o ou equiparado, n os term os do disposto no art. 5°, inciso LXVI, da Constituição Federal, que im põe a inafiançabilidade das referidas infrações

Lúcia, DJe 83 09/05/2008). N o m e sm o sentido: STF,

penais. O rdem parcialmente conhecida e, nessa parte, denegada". (STJ, 5a Turma, H C 116.174/ES, Rei. Min.

I a Turma, H C 97.883/MG, Rei. Min. Cárm en Lúcia, DJe 152 13/08/2009.

Laurita Vaz, j. 04/11 /2008, Dje 24/11 /2008).

STF:"(...) O s crimes de tráfico de d ro gas e associação para o tráfico são de natureza permanente. O agente encontra-se em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. A vedação à liberdade provisória para o delito de tráfico de dro gas advêm da própria C o n s­ tituição, a qual prevê a sua inafiançabilidade (art. 5o, XLIII). A Lei 11.343/2006 é especial em relação à Lei do s Crimes Hediondos, não existindo antinomia no sistema jurídico. O rdem denegada". (STF, 1a Turma, H C 97.463/ MG, Rei. Ricardo Lewandowski, DJe 218 19/11/2009).

STJ:"(...) A

proibição de concessão d o benefício de

liberdade provisória para os autores do crime de tráfico ilícito de entorpecentes está prevista no art. 44 da Lei n° 11.343/06, que é, por si, fu n dam en to suficiente por se tratar de norm a especial especificam ente em relação ao parágrafo único d o art. 310, d o CPP. Além d o mais, o art. 5o, XLIII, da Carta M agn a, proibindo a conces­ são de fiança, evidencia que a liberdade provisória pretendida não pode ser concedida. Precedentes do Pretório Excelso (A gR eg no H C 85711-6/ES, 1aTurma, Rei. M inistro Sepúlveda Pertence; HC 86118-1/DF, 1a Turma, Rei. M inistro Cezar Peluso; H C 83468-0/ES, I a Turma, Rei. Min. Sepúlveda Pertence; HC 82695-4/RJ, 2a Turma, Rei. M inistro Carlos Velloso). "D e outro lado, é certo que a L. 11.464/07 - em vigor desde 29.03.07 - deu nova redação ao art. 2°, II, da L. 8.072/90, para excluir d o dispositivo a expressão "e liberdade provi­ sória". Ocorre que - sem prejuízo, em outra oportuni­ dade, d o exam e m ais detido que a questão requer -, essa alteração legal não resulta, necessariamente, na virada da jurisprudência predom inante d o Tribunal, firme em que da "proibição da liberdade provisória nos processos por crimes hediondos (...) não se subtrai

12.2. Inconstitucionalidade da vedação em abstrato da liberdade provisória: o entendimento segundo o qual é permitida a vedação em abstrato da liberdade provisória acabou sendo gradativamente modificado ao longo dos anos. Isso porque o inciso LXVI do art. 5o da Constituição Federal não pode ser interpretado de maneira isolada dos demais dispositivos constitucionais que cuidam da prisão cautelar. Em outras palavras, apesar de o inciso LXVI do art. 5o da Carta Magna parecer deixar nas mãos do legislador ordiná­ rio a discricionariedade para vedar (ou não) a concessão da liberdade provisória, não se pode perder de vista que a mesma Constitui­ ção contempla o princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5o, LVII), bem como a regra de que toda e qualquer prisão antes do trânsito em julgado de sentença condenatória tem natureza cautelar, ficando sua decretação condicionada à ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5o, LXI). Em outras palavras, ao se restringir a liberdade provisória em relação a determi­ nado delito, estar-se-ia estabelecendo hipó­ tese de prisão cautelar obrigatória, em clara e evidente afronta ao princípio da presunção de não culpabilidade. De mais a mais, ao se

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

vedar de maneira absoluta a concessão da liberdade provisória, tais dispositivos legais estariam privando o magistrado da análise da necessidade da manutenção da prisão cautelar do agente, impondo verdadeira prisão ex lege. Criar-se-ia, então, um juízo prévio e abstrato de periculosidade, feito pelo Legislador, reti­ rando do Poder Judiciário o poder de tutela cautelar do processo e da jurisdição penal, que só pode ser realizado pelo magistrado a partir dos dados concretos de cada situação fática. Ora, como dito acima, se o ato de prender em flagrante delito, constatada a situação de flagrância, está autorizado pela Constituição Federal, a manutenção da prisão em flagrante se baseia em necessidade cautelar, cuja análise deve ser feita pela autoridade judiciária com­ petente (CF, art. 5o, LXI, c/c art. 310, II). Daí ser impossível se deferir ao legislador a análise da necessidade da prisão cautelar, afastando do Poder Judiciário o poder geral de cautela que lhe é inerente. Não é dado ao legislador ordinário legitimidade constitucional para vedar, de forma absoluta, a liberdade provi­ sória. A manutenção da prisão em flagrante deve, necessariamente, ser calcada em um dos motivos constantes dos arts. 3 1 2 e 3 1 3 d o Código de Processo Penal e, por força do art. 5o, XLI e 93, IX, da Constituição da República, o magistrado, ao negar a liberdade provisória, está obrigado a apontar os elementos con­ cretos que dão legitimidade à medida. Com efeito, quando o art. 5o, inciso LVII, da Cons­ tituição Federal, estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, de modo al­ gum afirma que o acusado deva, ao longo da fase investigatória e judicial, permanecer em liberdade e que nenhuma tutela cautelar possa recair sobre ele. Afinal, a própria Constituição Federal permite a prisão cautelar nos casos de flagrante delito, bem como por ordem escrita e

fundam entada de autoridade judiciária com ­ petente (CF, art. 5o, LXI). Na verdade, o que se pode extrair do princípio da presunção de ino­ cência é a premissa básica de que a liberdade do acusado, ao longo do processo penal, con­ figura a regra geral; a permanência do acusado preso, a exceção. Outra premissa que decorre

do citado princípio é a de que as prisões cautelares não são com ele incompatíveis, desde que preservem seu caráter excepcional, não percam sua qualidade instrumental, estando a necessidade da segregação cautelar devida­ mente demonstrada em decisão fundamenta­ da da autoridade judiciária competente, à luz das hipóteses listadas nos arts. 3 1 2 e 3 1 3 d o CPR Não se pode admitir, pois, que medidas de cautela percam seu caráter instrumental, transformando-se em mecanismos de coerção pessoal a funcionar como cumprimento antecipado de pena. Na verdade, dispositivos que vedam peremptoriamente a concessão de liberdade provisória a quem foi preso em flagrante, sem determinar ao mesmo tempo uma prisão preventiva obrigatória para aque­ les que estão respondendo ao processo em liberdade, criam uma situação no mínimo inusitada. Isso porque aquele que praticou o crime e foi preso em flagrante, quiçá inclusive porque não tinha a intenção de se esquivar à aplicação da lei penal, irá permanecer preso ao longo do processo em virtude da vedação à concessão da liberdade provisória. Por outro lado, se o mesmo agente tivesse fugido para evitar o flagrante, poderia responder ao pro­ cesso em liberdade, caso o juiz entendesse que não havia hipótese que autorizasse sua prisão preventiva. Parece-nos incompreensível essa desigualdade de tratamento. A se admitir que a lei vede peremptoriamente a liberdade provisória, independentemente de qualquer análise pelo poder judiciário da necessidade de manutenção da prisão cautelar, restaurar-se-á, de maneira transversa, a famigerada prisão preventiva obrigatória, revogada do Código de Processo Penal com a edição da Lei n. 5.349/67. Do mesmo modo, infirmar-se-ia a natureza cautelar da prisão provisória, pois a negativa de concessão da liberdade provisória resultaria na manutenção de alguém no cár­ cere sem que houvesse qualquer necessidade. Em síntese, em um Estado Democrático de Direito, que assegura o princípio da presunção de não culpabilidade, já não há mais espaço para decisões como “indefiro a liberdade provi­

sória com fundam ento no art. 44, caput, da Lei n. 11.343/06”. Definitivamente não. Se o juiz

TITULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

entende que o acusado deve ser mantido pre­ so, deve demonstrar a necessidade da privação cautelar de sua liberdade de locomoção. Exa­ tamente por tais motivos, o Supremo Tribunal Federal tem se manifestado no sentido de que o fato de o crime ser hediondo, por si só, não impede a concessão da liberdade provisória, na medida em que qualquer prisão imposta antes do trânsito em julgado de sentença pe­ nal condenatória, por ser dotada de natureza acautelatória, só pode ser determinada excep­ cionalmente, e, quando estiver demonstrada sua necessidade a partir de dados concretos constantes dos autos. Em caso concreto no qual o jornalista P.N. era acusado de matar sua namorada, também jornalista, concluiu o Supremo (HC 80.719) que a privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade, e não por conta do clamor social provocado pelo delito. Para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, a prisão preventiva impõe, além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de au­ toria), que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do acusado. Outra decisão importante acerca do assunto foi proferida pelo Supremo na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.112/DF, cujo pedido foi julgado procedente, em par­ te, para declarar a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 e do art. 21, todos da Lei n. 10.826/03, que vedavam a concessão de liberdade provisória em relação a certos crimes previstos no Estatuto do D e­ sarmamento. ♦

Jurisprudência selecionada:

Art. 321

que lhe tenha sido im putada. (...) A prisão cautelar que tem função exclusivam ente instrum ental - não pod e converter-se em form a antecipada de punição penal. A privação cautelar da liberdade - que constitui providência qualificada pela nota da excepcionalidade - som ente se justifica em hipóteses estritas, não p o d e n d o efetivar-se, legitimamente, q u an d o ausen­ te q u alq u e r d o s fu n d am e n to s le gais necessários à sua decretação pelo Poder Judiciário. (...) Im põe-se o relaxamento da prisão cautelar, m esm o que se trate de p ro ce d im e n to in stau rado pela su p o sta prática de crim e hediondo, de sd e que se registre situação configuradora de excesso de prazo não im putável ao indiciado/acusado. A natureza da infração penal não p od e restringir a aplicabilidade e a força norm ativa da regra inscrita no art. 5o, LXV, da Constituição da Repú­ blica, que dispõe, em caráter imperativo, que a prisão ilegal "será im ediatam ente relaxada" pela autoridade judiciária. Precedentes". (STF, 2a Turma, HC n. 80.379/ SP, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 25/05/2001). N o m esm o sentido: STF, 2aTurma, HC 80.719/SP, Rei. Min. Celso de Melo, DJ 28/09/2001 p. 37.

STJ: "(...) Ain da

que o crim e seja classificado com o

he d io n d o pela Lei n.° 8.072/1990, a sim p les alega­ ção da natureza h e dionda d o delito com etido, em tese, pelo paciente não é, de per si, justificadora do indeferim ento d o p e d id o de liberdade provisória, devendo, tam bém , a autoridade judicial devidam ente fundam entar e discorrer sobre os requisitos previstos no art. 312 d o C ó d ig o de Processo Penal. Precedentes d o STJ. O rdem concedida para que seja assegu rado ao paciente o benefício da liberdade provisória, com a conseqüente expedição d o alvará de soltura, se por outro m otivo não estiver preso, m ediante condições a serem estabelecidas pelo juízo processante, sem pre­ juízo de eventual decretação de custódia cautelar, d e ­ vidam ente fundam entada". (STJ, 5aTurma, HC 38.466/ SC, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 13/12/2004 p. 400).

STF:"(...) A

proibição de estabelecim ento de fiança

para os delitos de"porte ilegal de arma de fo g o de uso perm itido" e de "disparo de arma de fogo", mostra-se desarrazoada, porquanto são crimes de mera conduta, que não se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou am eaça de lesão à vida ou à propriedade. Insusceptibilidade de liberdade provisória qu an to aos delitos elencados nos arts. 16,17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto m a g n o não autoriza a

prerrogativa jurídica da liberdade - que

prisão ex lege, em face d o s princípios da presunção

possui extração constitucional (CF, art. 5o, LXI e LXV)

de inocência e da obrigatoriedade de fundam entação

- não pod e ser ofendida por atos arbitrários d o Poder

do s m an d ad o s de prisão pela autoridade judiciária

Público, m esm o que se trate de pessoa acusada da

competente. (...) Ação julgada procedente, em parte,

STF: “(...) A

suposta prática de crime hediondo, eis que, até que

para declarar a inconstitucionalidade d o s parágrafos

sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art.

únicos d o s artigos 14 e 15 e d o artigo 21 da Lei 10.826,

5o, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade

de 22 de dezem bro de 2003". (STF, Pleno, A D I 3.112/DF,

d o réu, qualquer que seja a natureza da infração penal

Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJU 26/10/2007, p. 28).

Art. 321

*

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

12.2.1. Lei n. 11.464/07 e alteração da Lei n. 8.072/90 para fins de se permitir a concessão de liberdade provisória sem fiança para crimes hediondos e equipara­ dos: como desdobramento natural da posição jurisprudencial que vinha se firmando nos Tribunais Superiores quanto à inconstitucionalidade da vedação em abstrato da concessão da liberdade provisória, foi editada a Lei n. 11.464/07, que, ao modificar a Lei dos Crimes Hediondos, passou a admitir expressamente a concessão de liberdade provisória sem fiança aos crimes hediondos e equiparados. Apesar do inconformismo de diversos setores da so­ ciedade e da mídia diante da nova redação da lei dos crimes hediondos, a modificação foi ex­ tremamente salutar. Isso porque, ao se permitir em tese a concessão de liberdade provisória sem fiança aos autores de crimes hediondos, de modo algum se está afirmando que todo e qualquer autor de crime hediondo e equipa­ rado será colocado em liberdade. Na verdade, admite-se a análise da imprescindibilidade da manutenção da prisão cautelar do indivíduo, devendo o juiz apontar de maneira fundamen­ tada a hipótese do art. 312 do CPP que justifica sua segregação, ou, caso contrário, que seja concedida ao preso a liberdade provisória sem fiança, cumulada, se for o caso, com as medidas cautelares diversas da prisão. Diante da nova redação conferida à Lei dos Crimes Hediondos pela Lei n. 11.464/07, dispositivos como o art. 44 da Lei n. 11.343/06 foram derrogados no tocante à vedação à concessão de liberdade provisória sem fiança. De fato, se, pelo menos em tese, admite-se liberdade provisória sem fiança para um crime hediondo de homicídio qualificado, latrocínio, ou estupro, como se jus­ tificar a negativa da concessão de tal benefício a crimes menos graves, como, por exemplo, o tráfico de drogas? Reiteramos o quanto foi dito acima: de modo algum está se dizendo que todo e qualquer agente preso em flagrante por um desses delitos será necessária e auto­ maticamente posto em liberdade. Afirma-se na verdade que, pelo menos em tese, será cabível a concessão da liberdade provisória, ficando a manutenção da prisão do agente condicionada à existência de decisão judicial devidamente

fundamentada, que aponte a necessidade de sua segregação cautelar. Não se pode concor­ dar com o argumento de que a proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos e assemelhados decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição à legislação ordinária. Quando a Constituição se refere à inafiançabilidade para determinados delitos, a única conclusão que se pode extrair é a vedação da concessão de liberdade provi­ sória com fiança. Não há falar em proibição de aplicação da liberdade provisória sem fiança, cumulada, se for o caso, com as medidas cau­ telares diversas da prisão, na medida em que não houve referência expressa na Constituição - e é a própria Constituição que reconhece a também existência do regime de liberdade provisória com ou sem fiança (art. 5o, LXVI). A impossibilidade de concessão de fiança a que se refere a Constituição Federal quer sig­ nificar apenas que a lei infraconstitucional não pode prever como condição suficiente para a concessão da liberdade provisória o mero pagamento de uma fiança. Por isso, a prisão em flagrante não pré-exclui o benefício da liberdade provisória, mas, tão-só, a fiança como ferramenta da sua obtenção. Há de se considerar inválida, portanto, homologação de prisão em flagrante na qual o juiz se limite a negar a concessão de liberdade provisória com base, apenas, no art. 44 da Lei n. 11.343/06, sem demonstrar, concretamente, situações de fato que, vinculadas aos arts. 312 e 313 do CPP, justifiquem a necessidade da custódia cautelar. + Jurisprudência selecionada:

STF: "(...) A

regra estabelecida na Constituição, bem

assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de m o d o que, a adm itir-se que o artigo 5o, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre norm as estaria instalado. A inafiançabilidade não pod e e não deve — con si­ derados os princípios da presunção de inocência, da d ign id ade da pessoa hum ana, da am pla defesa e d o devido processo legal — constituir causa im peditiva da liberdade provisória. N ão se nega a acentuada n o ­ cividade da conduta do traficante de entorpecentes. N ocividade aferível pelos m alefícios p rovocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a dano s concretos e a riscos iminentes. N ão obstante, a

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS M EDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

regra con sagrada no ordenam ento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações m arcadas pela dem onstração cabal da necessidade da se gre ga ção ante tem pus. Im põe-se

321

para o caso concreto, face a sua peculiaridade. Pacien­ te primária, de b on s antecedentes, com e m p rego e residência fixos, flagrada c om pequena quantidade de m aconha q u an d o visitava o m arido na penitenci­

porém ao Juiz, nesse caso o dever de explicitar as ra­ zões pelas quais algu ém deva ser preso cautelarmente,

ária. Liberdade provisória deferida pelo Juiz da causa, posteriorm ente cassada peloTribunal de Justiça local.

assim perm anecendo. O rdem concedida". (STF, 2a Tur­

M a n d a d o de prisão expedido há cinco anos, não cum ­

ma, H C 101,505/SC, Rei. Min. Eros Grau, j. 15/12/2009, DJe 27 11/02/2010).

prido devido a irregularidade no cadastram ento do

vedação da concessão de liberdade pro­

endereço da paciente. Superveniência de doença con­ tagiosa [AIDS], acarretando outros males. Intenção, da

visória ao preso em flagrante por tráfico de entorpe­ centes, veiculada pelo artigo 44 da lei n. 11.343/06,

paciente, de entregar-se à autoridade policial. Entrega não concretizada ante o m e d o de morrer no presídio,

consubstancia afronta escancarada aos princípios da

deixando desam parada a filha menor. (...) A paciente

presunção da inocência, d o devido processo legal e

apresenta estado de saúde debilitado e dela depende,

da d ign id ade da pessoa hum ana [arts. 1°, III, e 5°, LIV e LVII, da CB/88], D aí a necessidade de ad eq u ação desses princípios à norm a veiculada no artigo 5o, in­

inclusive econom icam ente, um a filha. Subm etê-la ao cárcere, isso é incompatível com o direito, ainda que

STF: "(...) A

se possa ter com o adequ ado à regra. D aí que a captura

ciso XLII, da CB/88. A inafiançabilidade, por si só, não

da exceção se impõe. O rdem deferida, a fim de que a

pode e não deve constituir-se em causa im peditiva da liberdade provisória. N ão há antinomia na Constituição

paciente perm aneça em liberdade até o trânsito em ju lg a d o de eventual sentença penal condenatória".

d o Brasil. Se a regra nela estabelecida, bem assim na

(STF, 2a Turma, HC 94.916/RS, Rei. M in. Eros Grau, j.

legislação infraconstitucional, é a liberdade, se n d o a prisão a exceção, existiría conflito de norm as se o

STJ:"(...)

artigo 5°, inciso XLII estabelecesse expressamente,

30/09/2008, DJe 236 11/12/2008). C o n fo rm e reiterada jurispru dên cia desta Corte Superior de Justiça, toda custódia im posta antes

além das restrições nele contidas, vedação à liberdade

d o trânsito em ju lgad o de sentença penal condena­

provisória. Nessa hipótese, o conflito dar-se-ia, sem

tória exige concreta fundam entação, nos term os do

dúvida, c om o s princípios da d ig n id ad e da pessoa hum ana, da presunção de inocência, da am pla e do devido processo legal. É inadm issível, ante tais g a ­ rantias constitucionais, possa algu ém ser com pelido a cum prir pena sem decisão transitada em julgado, além d o m ais im possibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade d o preceito legal m e parece inquestionável. O rdem concedida a

disposto no art. 312 d o C ó d ig o de Processo Penal. Se o m agistrado de primeira instância deferiu o pedido de liberdade provisória, por entrever dúvidas acerca da autoria, o u seja, não se sabe se a dro ga é m esm o da paciente e nem se foi, de fato, encontrada na sua residência, não poderia oTribunal, em recurso em sen­ tido estrito, sem dem onstração concreta da custódia cautelar, invocar, pura e sim plesm ente, o art. 44 da

fim de que a paciente aguarde em liberdade o trânsito

Lei n. 11.343/06 e o m ontante de dro ga apreendido.

em ju lgad o da sentença condenatória". (STF, 2aTurma,

A quantidade de droga, em casos deste jaez, não sem

HC 97.579/MT, Rei. Min. Eros Grau, j. 02/02/2010, DJe N o m esm o contexto: STF, 2a Turma,

mostra idônea ao indeferimento da liberdade provisó­

86 13/05/2010).

HC 98.966/SC, Rei. Min. Eros Grau, j. 02/02/2010, DJe 76 29/04/2010.

STF:"(...) Prisão preventiva. M an u te n ção de flagrante.

ria, pois depende da prem issa maior, é dizer, a própria definição da autoria que, in casu, é nebulosa. Ordem concedida para restabelecera decisão de primeiro grau de jurisdição, concessiva da liberdade provisória". (STJ,

D ecisão fundada apenas em referência ao art. 44 da

6a Turma,

Lei n° 11.343/06. Inadm issibilidade. Insuficiência da mera capitulação norm ativa d o delito. Necessidade

Assis Moura, j. 30/06/2010, DJe 16/08/2010).

da dem on stração de existência de um a das causas previstas no art. 312 d o CPP. Constrangim ento ilegal

12.2.2. Possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos crimes de tráfico de drogas e inconstitucionalidade parcial do art. 44 da Lei n. 11.343/06: um último argumento em favor da concessão de liberdade provisória ao crime de tráfico de drogas não pode ser ignorado - em recente decisão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, incidentalm ente, a inconstitucionalidade da expressão vedada a conversão em penas restri­ tivas de direitos, constante do §4° do art. 33,

caracterizado. Ordem concedida. V oto vencido. Inter­ pretação d o art. 5°, incs. XLIII, LIV, LV, LXI, LXVI, LVII, da CF, e art. 310 d o CPP. É ilegal a decisão que m antém prisão em flagrante ou decreta prisão preventiva, m ediante sim ples referência ao disp o sto no art. 44 da Lei n° 11.343, de 2006, sem m encionar a existência de um a das causas previstas no art. 312 d o C ó d ig o de Processo Penal". (STF, 2a Turma, HC 96.041/SP, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 02/02/2010, DJe 67 15/04/2010).

STF:"(...) Controvérsia

a propósito da possibilidade,

ou não, de concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante portráfico de entorpecentes. Irrelevância

HC 170.005/RS, Rei. Min. M aria Thereza de

Art.321

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

e do art. 44, ambos da Lei 11.343/2006. Sob o argumento de que a vedação, em abstrato, da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é incom­ patível com o princípio da individualização da pena (CF, art. 5o, XLVI), foi concedida a ordem em habeas corpus não para assegurar ao paciente a imediata substituição, mas para remover o obstáculo da Lei n. 11.343/06, devolvendo ao juiz da causa a tarefa de aferir a presença das condições objetivas e subjeti­ vas listadas no art. 44 do Código Penal. Por consequência, foi editada a Resolução n. 5 do Senado Federal, publicada em 15/02/2012, cujo art. I o dispõe: “É suspensa a execução da expressão ‘vedada a conversão em penas restritivas de direitos’ do §4° do art. 33 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 200, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Su­ premo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus n. 97.25/RS”. Ora, se a Suprema Corte entende que, mesmo em relação ao tráfico de drogas, as penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere, conferindo ao juiz natural da causa poderes para que, em tese, verifique se, no caso concreto, a pena alternativa se apresenta como a reprimenda suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, além de inibir condutas de igual desvalia, como não se lhe deferir, também, a possibilidade de conceder liberdade provisória ao acusado? Sob pena de manifesta violação ao princípio da proporcionalidade, porquanto alguém seria mantido preso (ante a negativa de liberdade provisória) durante o processo para, ao final, ter sua pena privativa de liber­ dade substituída por restritiva de direitos, há de se concluir pela possibilidade, em tese, de concessão de liberdade provisória em relação ao delito de tráfico de drogas. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...)

N o m o m e n to sentenciai da dosim etria da

pena, o juiz sentenciante se m ovim en ta com inelim inável discricionariedade entre aplicar a pena de priva­ ção ou de restrição da liberdade d o c on de n ado e um a outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico m aior da liberdade física d o sentenciado. Pelo q u e é

v e d a d o subtrair da instância ju lgad ora a possib ilida­ de de se m ovim entar com certa discricionariedade n o s q u a d ra n te s da alte rn ativid ade san cion atória. A s p e n a s restritivas de dire itos são, em essência, um a alternativa ao s efeitos certam ente traum áticos, estigm atizantes e o n e roso s d o cárcere. N ão é à toa que tod as elas são com u m e n te ch am ad a s de penas alternativas, pois essa é m esm o a sua natureza: con s­ tituir-se n u m substitutivo ao encarceram ento e suas sequelas. E o fato é q u e a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cum prir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As de m ais penas tam b é m são vocacio n adas para esse ge m in a d o papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e n in g u é m m elh or d o q u e o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tip o alternativo de reprim enda é suficiente para castigar e, ao m esm o tem po, recuperar socialm ente o apenado, prevenindo c om p ortam e n to s d o gênero. (...) O rd e m p arcialm e n te c o n c e d id a tã o -so m e n te para rem over o óbice da parte final d o art. 44 da Lei 11.343/2006, assim c o m o da expressão an álo ga "vedada a conversão em penas restritivas de direitos", constante d o § 4o d o art. 33 d o m esm o dip lo m a legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito exnunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; d e term in an d o-se ao Juízo da e xecução penal que faça a avaliação das con dições objetivas e subjetivas da con vo lação em causa, na concreta situação d o paciente”. (STF, Pleno, H C 97.256/RS, Rei. Min. Ayres Britto, ju lg a d o em 1°/09/2010).

12.2.3. Inconstitucionalidade da expres­ são "e liberdade provisória" constante do art. 44, caput, da Lei de Drogas: pondo fim à controvérsia em torno da (im) possibilidade de vedação em abstrato da liberdade provisória, o Plenário do Supremo declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória”, constante do caput do art. 44 da Lei n. 11.343/06 (HC 104.339). Perceba-se que a decisão do Supremo não garantiu a liberdade provisória ao acusado. Na verdade, limitou-se a devolver os autos ao juiz de primeiro grau competente para, afastada a vedação legal, examinar a presença dos requisitos descritos nos arts. 3 1 2 e 3 1 3 d o CPP. Isso significa dizer que, doravante, não se pode impor, de forma obrigatória e antecipa­ da, a restrição à liberdade provisória a todos os acusados de comercializar entorpecentes. Impõe-se ao magistrado que fundamente, caso a caso, a necessidade da segregação cautelar,

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

apontando a imprescindibilidade da medida extrema com amparo em fatos existentes nos autos. O que não se admite é a decretação da prisão preventiva com base na gravidade em abstrato do tráfico de drogas. Por serem de­ masiadamente genéricas e, portanto, passíveis de serem invocadas para qualquer conduta de traficância, afirmativas de que o delito de tráfico de drogas é grave, causa repulsa social, gera danos à saúde, destrói a vida de jovens, desestrutura famílias e dá causa ao cometimento de outros delitos, entre outras, não constituem motivação hábil a embasar a restrição cautelar da liberdade de locomoção.

Art. 321

parte e, nessa extensão, denegada". (STJ, 6a Turma, HC 229.815/SC, Rei. Min. O g Fernandes, j. 29/05/2012, DJe 18/06/2012).

STJ:"(...)

A in dicação de e le m e n to s concretos, no

tocante à necessidade de garantia da ordem pública em razão da periculosidade d o acu sado e da gravi­ dade concreta de suas condutas, constitui m otivação satisfatória à m an u te n ção da custódia cautelar que, por óbvio, não caracteriza coação ilegal. Na vertente hipótese, restou registrado que o paciente foi m on i­ torado em interceptações telefônicas, nas quais se evidenciou que ele era gerente do tráfico de d ro gas na favela da Rocinha, determ inando a distribuição de entorpecentes, e que tam b é m n egociava a aquisição de d ro ga s e arm am en tos para a organização crimi­ nosa. O rdem de habeas corpu s denegada". (STJ, 6a Turma, HC 207.111 /FU, Rei. Min. Vasco Delia G iu stin a -



D e se m b a rga d o r con vo cado d o TJ/RS -, j. 15/05/2012, DJe 13/06/2012).

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Paciente preso em flagrante

por infração ao

STJ:"(...) Na hipótese, a prisão encontra-se suficiente­

art. 33, caput, c/c 40, III, da Lei 11.343/2006. Liberdade

mente fundam entada na garantia da ordem pública,

provisória. Vedação expressa (Lei n. 11.343/2006, art.

tendo em vista a existência de indícios que apontam

44). Constrição cautelar m antida som ente com base

para o fato de ter a paciente posição de destaque com o

na proibição legal. N ecessidade de análise do s requi­

integrante de organização criminosa voltada ao com e­

sitos d o art. 312 d o CPP. Fu ndam entação inidônea.

tim ento de tráfico de drogas, cuja atuação reiterada

Ordem concedida, parcialmente, nos termos da liminar

revela requintes de planejam ento estratégico, com

anteriormente deferida". (STF, Pleno, HC 104.339/SP,

utilização, inclusive, de carros batedores no transporte

Rei. Min. Gilm ar M endes, j. 10/05/2012). A d m itind o

realizado entre diferentes cidades da região. Ordem

a concessão de liberdade provisória sem fiança, sem

denegada". (STJ, 5a Turma, H C 226.772/RS, Rei. Min.

prejuízo da im posição das cautelares diversas da pri­

Gilson Dipp, j. 05/06/2012, DJe 12/06/2012).

são, a flagranteado pelo crime de tráfico de drogas: STF, 1a Turma, HC 129.474/PR, Rei. Min. Rosa Weber, j. 22/09/2015.

STJ:"(...) Não há falar em constrangim ento ilegal q u an ­

STF:"(...) A análise da se gre gação cautelar da paciente autoriza o reconhecimento de que existem fundam en­ tos concretos e suficientes para justificar a privação processual da sua liberdade, nos term os do art. 312

do a custódia cautelar está devidam ente justificada na

d o C ó d ig o de Processo Penal, especialm ente em razão

garantia da ordem pública, com base em elem entos

da sua evasão d o distrito da culpa. (...) Habeas corpus

concretos d o s autos que evidenciam a efetiva peri-

denegado". (STF, 1a Turma, HÇ 111.022/DF, Rei. Min.

culosidade d o agente, dada a natureza do s delitos e

Dias Toffoli, j. 22/05/2012, DJe 118 15/06/2012).

o m o d o com que foram perpetrados. Evidenciada a gravid ad e concreta d o s crimes em tese com etidos, diante da elevada quantidade de dro ga apreendida 108,700 kg (cento e oito quilos e setecentos gram as) de m aconha -, mostra-se necessária a continuidade da se gre gação cautelar d o acu sado para a garantia da ordem pública. Condições pessoais favoráveis não têm, em princípio, o con dão de, por si sós, revogarem a pri­ são preventiva, se há nos autos elem entos suficientes a dem onstrar a necessidade da custódia antecipada, com o ocorre in casu. Ordem denegada". (STJ, 5aTurma, HC 233.469/MS, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 12/06/2012, DJe 19/06/2012).

STJ:"(...) O

STJ:"(...) Na hipótese, o Juízo m onocrático apresentou fundam entação sólida e concreta para a decretação da prisão, enfatizando a especial periculosidade dos pacientes, ensejadora de risco à ordem pública, em razão do envolvim ento com o tráfico de entorpecentes. O m agistrado considerou, ainda, o fato de estarem, na oportunidade, foragidos, bem com o as am eaças de m orte perpetradas contra as testem unhas, o que tam bém justifica a prisão para a garantia da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal, respectivamente. O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, H C 223.853/SP, Rei. M in. M arco Aurélio Bellizze, j. 14/02/2012, DJe 06/03/2012).

paciente respondeu preso à ação penal e

a custódia foi m antida na sentença m ediante fu n da­ m en tação idônea, con su bstan ciad a na q u an tid ade expressiva de droga apreendida, a saber, m ais de três quilos de cocaína, bem com o na necessidade de se estancar a reiteração criminosa. O rdem conhecida em

12.3. (Im) possibilidade de aplicação das cautelares diversas da prisão - à exceção da fiança - para crimes hediondos e equipara­ dos: com a entrada em vigor Lei n. 12.403/11,

Art. 321

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

muito será discutido quanto à possibilidade (ou não) de aplicação das medidas cautelares diversas da prisão - à exceção da fiança - em relação às infrações inafiançáveis previstas na Constituição Federal e na legislação ordinária. A nosso ver, em um Estado que consagra o principio da presunção de não culpabilidade (art. 5o, LVII), e a regra de tratamento que dele deriva de que toda e qualquer prisão antes do trânsito em julgado de sentença condenatória deva ter natureza cautelar, ficando sua decre­ tação condicionada à ordem escrita e funda­ mentada de autoridade judiciária competente (art. 5o, LXI), não se pode privar o magistrado da análise da necessidade (ou não) da manu­ tenção da prisão cautelar do agente, impondo verdadeira prisão ex lege. O próprio art. 310, inciso II, do CPP, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11, impõe que, ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá o juiz fundamentadamente converter a prisão em flagrante em preventiva, se acaso presentes os requisitos constantes do art. 312 e se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cau­ telares diversas da prisão. Fica evidente que a manutenção da prisão daquele que fora detido em flagrante se baseia em necessidade caute­ lar, cuja análise deve ser feita pela autoridade judiciária competente (CF, art. 5o, LXI, c/c art. 310, II). A conversão da prisão em flagrante em preventiva deve, necessariamente, estar calca­ da em um dos motivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e, por força do art. 5o, XLI e 93, IX, da Constituição da Repú­ blica, o magistrado, ao negar a liberdade pro­ visória, está obrigado a apontar os elementos concretos que dão legitimidade à medida. De mais a mais, ao tratar das medidas cautelares diversas da prisão, o legislador não estabeleceu qualquer restrição à concessão dessas medidas aos crimes inafiançáveis. Portanto, quanto ao autor dessas infrações inafiançáveis, quer esteja ele em liberdade desde a prática do delito, quer tenha sido ele preso em flagrante, pensamos ser perfeitamente possível a concessão de liberda­ de provisória cumulada com a imposição de uma ou mais das medidas cautelares diversas da prisão listadas no art. 319 do CPP, à ex­ ceção da fiança. A propósito, o próprio art.

321 do CPP, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11, estabelece que o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 e observados os critérios constantes do art. 282, quando considerar que a adoção de tais medidas seja suficiente para produzir o mesmo resultado que seria produzido pela prisão preventiva, porém com menor grau de lesividade à liberdade de locomoção do agente. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O fato em si da inafiançabilidade d o s crimes hediondos e d o s que lhe sejam equiparados não tem a antecipada força de im pedir a con cessão judicial da liberdade provisória, ju n g id o q u e está o juiz à im prescindibilidade d o princípio tácito ou implícito da individualização da prisão (não som ente da pena). A inafiançabilidade da prisão, m esm o em flagrante (inciso XU II d o art. 5o da CF), quer apenas significar que a lei infraconstitucional não p od e prever com o con dição suficiente para a con ce ssão da liberdade provisória o m ero p agam e n to de um a fiança. A prisão em flagrante não pré-exclui o benefício da liberdade provisória, mas, tão-só, a fiança com o ferramenta da sua obtenção. A inafiançabilidade de um crime não im plica, necessariam ente, v e d aç ão d o benefício à liberdade provisória, m as apenas sua obtenção pelo sim ples disp ê n d io de recursos financeiros ou bens materiais. T ud o vai de p e n d e r da concreta aferição judicial da periculosidade d o agente, atento o juiz aos vetores d o art. 312 d o C ó d ig o de Processo Penal. (...) Na concreta situação d o s autos, o ato im p u gn ad o não contém o conteúdo m ínim o da garantia constitu­ cional da fundam entação real das decisões judiciais. D ecisão constritiva q u e sim p le sm e n te a p o n to u o óbice à liberdade provisória, con tid o no art. 44 da Lei 11.343/2006, para restabelecer a prisão cautelar d o paciente. O que não tem a força de preencher a finalidade da garantia que se lê na se gu n da parte do inciso LXI d o art. 5o e na parte inicial d o inciso IX do art. 93 da Constituição e sem a qual não se viabiliza a am pla defesa, nem se afere o dever d o juiz de se manter equidistante das partes processuais em litígio. (...) A garantia da fundam entação im porta o dever judicante da real ou efetiva dem onstração de que a segregação atende a pelo m enos um do s requisitos d o art. 312 do C ó d ig o de Processo Penal. Pelo que a vedação legal à concessão da liberdade provisória, m esm o em caso de crim es h e d io n d os (ou equiparados), opera um a patente inversão da lógica elementar da Constituição, se gu n d o a qual a presunção de não culpabilidade é de prevalecer até o m om e nto d o trânsito em ju lgad o de sentença penal condenatória. D aí entender o Suprem o Tribunal Federal que a mera alusão à gravidade do delito ou a expressões de sim ples apelo retórico não

TlTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

valida a ordem de prisão cautelar, se nd o certo que a proibição abstrata de liberdade provisória tam bém se m ostra incompatível com tal presunção constitu­ cional de não-culpabilidade. O rdem concedida para cassar a decisão singular que restabeleceu a custódia d o paciente, ressalvada a expedição de nova ordem prisional, em basada em novos e válidos fundam entos. Facultada, ainda, a ad oção das m edidas alternativas à prisão cautelar, descritas no art. 319 d o C ó d ig o de Processo Penal". (STF, 2a Turma, H C 110.844, Rei. Min. Ayres Britto, DJe 19/06/2012).

STF:

"(...) Liberdade provisória indeferida c om fu n ­

d a m e n to na v e d a ç ã o con tid a n o art. 44 da Lei n. 11.343/06, sem indicação de situação fática vinculada a qualquer das hipóteses d o artigo 312 d o C ó d ig o de Processo Penal Entendim ento respaldado na inafiançabilidade d o crime de tráfico de entorpecentes, es­ tabelecida no artigo 5°, inciso XLIII da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, d o devido processo legal e da dignidade da pesso a hum ana. Inexistência de an tin o m ias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses prin­ cípios, da norm a infraconstitucional e da veiculada no artigo 5o, inciso XLIII da Constituição d o Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de m o d o que, a admitir-se que o artigo 5°, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre norm as estaria instalado. A inafiançabilidade não pod e e não deve — considerados os princípios da presunção de inocência, da dignid ade da pessoa hum ana, da am pla defesa e d o devido processo legal — constituir causa im peditiva da liberdade provisória. N ão se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante d e entorpecentes. N ocividade aferível pe­ los malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a dano s concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenam ento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações m arcadas pela dem onstração cabal da necessidade da se gre ga­ ção ante tem pus. Im põe-se porém ao Juiz o dever de explicitar as razões pelas quais algu ém deva ser preso ou m antido preso cautelarmente. Situação de flagrante constrangim ento ilegal a ensejar exceção à Súm ula n. 691/STF. O rdem concedida a fim de que o paciente seja posto em liberdade, se por al não estiver preso". (STF, 2a Turma, H C 100.745/SC, Rei. Min. Eros Grau, j. 09/03/2010, DJe 67 15/04/2010).

12.4. Espécie de liberdade provisória a ser concedida nas hipóteses de crimes hedion­ dos e equiparados: firmada a premissa no sentido do cabimento da liberdade provisória sem fiança para crimes inafiançáveis (v.g., hediondos e equiparados), parece-nos que as

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demais medidas cautelares diversas da prisão à exceção da fiança devem ser utilizadas pelo magistrado em relação a tais delitos de modo a se evitar que o autor de um crime hediondo, por exemplo, seja colocado em liberdade com a imposição de vínculos menos rigorosos que aqueles estabelecidos para a liberdade provi­ sória com fiança. Explica-se: quando alguém é beneficiado com a liberdade provisória com fiança, ficará sujeito às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do CPP: comparecimento perante a autoridade todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instru­ ção, proibição de mudança de residência ou de se ausentar por mais de 8 (oito) dias sem prévia autorização judicial, sob pena de quebramento da fiança. Ora, se para os crimes afiançáveis são impostos tais vínculos, seria no mínimo desarrazoado que o autor de um crime hediondo e/ou equiparado, tido por inafiançável por força da própria Constituição Federal, fosse colocado em regime de liberda­ de provisória sem fiança com a imposição de vínculos menos gravosos que aqueles. Haveria evidente violação não apenas ao princípio da isonomia, porquanto autores de crimes mais graves estariam recebendo tratamento mais be­ néfico do que autores de infrações afiançáveis, mas também ao mandamento constitucional do art. 5o, XLIII, que impõe tratamento mais severo aos crimes hediondos e equiparados. Em síntese, por força inafiançabilidade cons­ titucional inerente aos crimes hediondos, a restituição (ou manutenção) da liberdade de tais agentes há de ser concedida com vínculos mais onerosos que aqueles concedidos ao au­ tor de crimes afiançáveis. A propósito, Rogé­ rio Schietti Machado Cruz observa que “não será qualquer medida cautelar que poderá ser imposta ao investigado ou acusado de crime hediondo ou assemelhado, mas tão somente aquelas que lhe tragam alguma restrição maior se comparadas com afian ça. A não ser assim, o juiz deixará de levar em conta, ao apreciar o auto de prisão em flagrante, que o propósito do constituinte de 1988 foi o de conferir trata­ mento mais rigoroso - penal, processual pena e penitenciário - aos autores de crimes hedion­ dos e assemelhados, de maneira a impingir,

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também no plano judicial, um rigor maior no momento de interpretar e aplicar, em casos tais, o novo sistema cautelar” (Prisão cautelar: dramas, princípios e alternativas. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p 45). Na mesma linha: MENDONÇA, Andrey Borges; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Lei de drogas: Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006 comentada artigo p or artigo. 3a ed. São Paulo: Editora Método, 2012. p. 222. 13. Liberdade provisória e recursos: da decisão que concede a liberdade provisória, cabe recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, inciso V ), o qual não é dotado de efeito suspensivo, o que, na prática, significa que o preso

será colocado imediatamente em liberdade. Nessa hipótese, pensamos que o Ministério Público pode impetrar mandado de segurança objetivando a concessão de efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito, mantendo-se, assim, a prisão do réu (Lei n. 12.016/09, art. 5°, II). Da decisão que indefere o pedido de hberdade provisória admite-se a impetração de habeas corpus, sob o fundamento de que não haveria justa causa para a coação à hberdade de locomoção, na medida em que a lei admite a concessão da hberdade provisória (CPP, art. 648, inciso I). Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 282, §5°, do CPP.

Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.’ 5 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.6(Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Concessão de fiança pela autoridade policial: antes da entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, caso a infração penal fosse punida com pena privativa de hberdade de detenção ou prisão simples - a pena de prisão simples deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semiaberto ou aber­ to (Decreto-Lei n. 3.688/41, art. 6°) - , e desde que não se tratasse de crime contra a economia popular, ou crime de sonegação fiscal (CPP, art. 325, revogado §2°), o art. 322 do CPP permitia que a própria autoridade policial concedesse fiança. Nos demais casos, somente a autori­ dade judiciária poderia concedê-la. Com as mudanças produzidas pela Lei n. 12.403/11, a autoridade policial passa a ter atribuição para conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de hberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos, pouco importando se se trata de pena de reclusão ou detenção. 2. Exclusivamente nas hipóteses de ante­ rior prisão em flagrante: como exposto ante­ riormente, om o advento da Lei n. 12.403/11, 962^)

a fiança, espécie de medida cautelar diversa da prisão prevista no inciso V III do art. 319 do CPP, pode ser concedida não apenas como es­ pécie de medida cautelar para que o indivíduo possa continuar em hberdade, se acaso presen­ tes as situações de perigo do art. 2 8 2 ,1, do CPP, mas também como medida de contracautela, substituindo anterior prisão em flagrante, preventiva ou temporária. Isso, no entanto, não significa dizer que o Delegado de Polícia possa exigir do indivíduo em hberdade o reco­ lhimento de fiança. Na verdade, a possibilidade de concessão de fiança pela autoridade policial está restrita às hipóteses de anterior prisão em flagrante. Trata-se da única hipótese em que o Delegado poderá conceder fiança. Nas demais hipóteses, apenas o juiz poderá fazê-lo. 3. Crime afiançável com pena máxima de reclusão ou detenção não superior a 4 anos: o Delegado de Polícia poderá conceder fiança ao preso em flagrante apenas se à infração penal não for cominada pena máxima superior a 4 (quatro) anos, pouco importando se a pena cominada é de reclusão ou detenção, e desde

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

que se trate de infração penal susceptível de concessão de fiança (CPP, arts. 323 e 324, inter­ pretados a contrario sensu). Para tanto, devem ser levadas em consideração eventuais qualificadoras, privilégios, causas de aumento e de diminuição de pena, assim como os critérios do cúmulo material ou da exasperação resul­ tantes das hipóteses de concursos de crimes, sempre se buscando a pena máxima cominada ao delito. Logo, em se tratando de causas de aumento de pena, há de ser utilizado o quantum que mais aumente a pena. Lado outro, nas hipóteses de minorantes, o quantum que menos diminua a pena. Exemplificando, em se tratando de crime de furto qualificado tenta­ do, não se admite a concessão de fiança pelo Delegado de Polícia. Explica-se: ao crime de furto qualificado é cominada pena de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, consoante disposto no art. 155, §4°, do Código Penal. Se tal crime resultar tentado, aplica-se a causa de dimi­ nuição de pena prevista no art. 14, parágrafo único, do CP. Porém, pelo menos para fins de concessão de fiança pelo Delegado de Polícia, há de ser levado em consideração o quantum que menos diminua a pena, ou seja, 1/3 (um terço). Diminuindo-se 1/3 (um terço) de 8 (oito) anos, ter-se-á a pena máxima cominada ao delito de furto qualificado tentado: 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses. Como se trata de pena máxima superior a 4 (quatro) anos, não se admite a concessão de fiança pela autoridade policial, tão somente pelo juízo competente. Por outro lado, se o flagrante ocorrer pelo crime de estelionato tentado, é perfeitamente possível a concessão de fiança pelo Delegado de Polícia, porquanto a diminuição de 1/3 (um terço) da pena máxima cominada ao crime do art. 171 do CP - 5 (cinco) anos - irá atingir um valor abaixo de 4 (quatro) anos.4 4. Liberdade provisória e definição jurídica do fato delituoso pela autoridade policial (ou pelo Ministério Público): para fins de análise quanto à possibilidade de concessão de liberdade provisória, o juiz não fica vinculado à classificação formulada pela autoridade po­ licial em seu relatório, nem tampouco àquela constante da peça acusatória. Como vimos em tópico anterior, alguns dispositivos legais, de

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duvidosa constitucionalidade, ainda insistem em vedar a concessão de liberdade provisória. Assim, lavrado auto de prisão em flagrante pelo delito de tráfico de drogas, inviável seria a concessão de liberdade provisória, se acaso o juiz ainda considerasse válido o disposto no art. 44 da Lei n. 11.343/06, que foi declarado inconstitucional pelo próprio plenário do Su­ premo no julgamento do HC 104.339. Todavia, é possível que o juiz visualize, desde logo, a pos­ sível desclassificação do delito de tráfico para porte de drogas para consumo pessoal, seja em virtude da natureza e quantidade da substância apreendida, local e condições em que se desen­ volveu a ação, circunstâncias sociais e pessoais, seja em virtude da conduta e antecedentes do agente (Lei n. 11.343/06, art. 28, §2°). Nesse caso, como a análise da classificação está in­ serida no caminho a ser percorrido pelo juiz para resolver tal questão, torna-se impossível impedi-lo de corrigir a adequação do fato fei­ ta pelo promotor, embora o faça de maneira incidental e provisória, apenas para decidir quanto ao cabimento da liberdade provisória. Não faria sentido manter o acusado preso ao longo de toda a instrução processual penal para, ao final, desclassificar a imputação para porte de drogas para consumo pessoal, e somente então poder colocar o acusado em liberdade. Vige, nessa hipótese, o princípio da correção do excesso, segundo o qual o juiz pode corrigir eventuais excessos formulados pela acusação, quando estiverem desprovidos de justa causa. Portanto, como garantidor constitucional, e no exercício desse mister, pode o juiz conceder be­ nefícios legais, relativamente ao status libertatis do acusado, se verificar a possibilidade de outra tipificação do fato descrito na inicial, porém com a cautela de não declarar expressamente o tipo penal que entende adequado, para não ensejar um prejulgamento. 5. N e g a tiv a d e concessão d e fian ç a: nos casos em que a fiança for cabível, a autoridade que a denegar poderá responder por crime de abuso de autoridade. De fato, segundo o art. 4o, alínea “e”, da Lei n. 4.898/65, constitui abuso de autoridade levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei. Essa negativa de concessão

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v

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da fiança também é apta a gerar constran­ gimento ilegal à liberdade de locomoção, à luz do art. 648, inciso V, do CPP, ensejando concessão de ordem de habeas corpus. Caso a autoridade policial se recuse a conceder fiança nas hipóteses do art. 322 do CPP, nada impede que a autoridade judiciária a conceda, valendo-se do permissivo constante do art. 335 do CPP. Portanto, ao invés de se impetrar um habeas corpus com fundamento no art. 648, inciso V, do CPP, poderá o preso ou terceiro prestar a fiança por simples petição perante o juiz competente. Recusando-se o magistrado a conceder a fiança, apesar de o art. 581, V, do

Art. 323.

CPP prever o cabimento de recurso em sentido estrito, a medida mais pertinente e célere será o habeas corpus, a ser impetrado perante o Tribunal competente. 6. Requerimento ao juiz: quando não for possível ao Delegado de Polícia conceder fiança, a exemplo de prisão em flagrante por crime com pena máxima superior a 4 (quatro) anos, a fian­ ça deve ser requerida ao juízo competente, que terá o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para analisar o pedido, sob pena de se transformar em autoridade coatora para fins de impetração de eventual ordem de habeas corpus.

Não será concedida fiança:1'2 (Redação dada pela Lei n.

12.403/11). I - nos crimes de racismo;3 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;4 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;5 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Infrações inafiançáveis que passaram a admitir fiança após a Lei n. 12.403/11: quan­ do se compara a antiga redação dos incisos do art. 323 do CPP com a nova, fica evidente o quanto o legislador quis revigorar o instituto da liberdade provisória com fiança. Tanto é verdade que houve uma diminuição dos crimes inafiançáveis, o que reforça o entendimento de que, doravante, a regra será a concessão da liberdade provisória com fiança, cumulada (ou não) com as medidas cautelares diversas da prisão do art. 319 do CPP. 1.1. Crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada fosse superior a 2 (dois) anos (antiga redação do art. 323,1): de acordo com a antiga redação do art. 3 2 3 ,1, do CPP, não era possível a concessão de fiança nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada fosse superior a 2 (dois) anos. Quanto à possibilidade de concessão de fiança nas hipóteses de concurso de crimes se a soma das penas (ou a majoração no caso de

concurso formal próprio e crime continua­ do) ultrapassasse o mínimo de 2 (dois) anos, entendia-se não ser possível a aplicação do art. 119 do CP, que se refere à prescrição. De acordo com a súmula n. 81 do Superior Tri­ bunal de Justiça, não se concedefiança quando,

em concurso material, a soma das penas mí­ nimas cominadas fo r superior a dois anos de reclusão. Quando se compara o antigo inciso I do art. 323, do CPP, com a nova redação do dispositivo, depreende-se que essa hipótese de inafiançabilidade deixou de existir. Destarte, a partir da Lei n. 12.403/11, será cabível, em tese, a concessão de liberdade provisória com fiança ainda que o delito tenha pena mínima de reclusão superior a 2 (dois) anos. 1.2. Contravenções penais (antiga reda­ ção do art. 323, II): de acordo com a antiga redação do art. 323, inciso II, do CPP, não era possível a concessão de fiança em relação às contravenções penais de vadiagem e mendi­ cância - esta última foi revogada pela Lei n.

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

11.983/09. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, a contravenção penal de vadiagem deixa de ser considerada inafiançável. De fato, o novo inciso II do art. 323 do CPP refere-se à inafiançabilidade dos crimes de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e crimes hediondos. Se tal contravenção deixou de ser considerada inafiançável, e se a nova redação do art. 323 do CPP limitou-se a dispor que são inafian­ çáveis apenas as infrações assim consideradas pela Constituição Federal, forçoso é concluir que, doravante, também deve ser admitida a concessão de fiança às contravenções penais de apostas sobre corridas de cavalos e às refe­ rentes ao jogo do bicho e outras loterias, pre­ vistas nos arts. 45 a 49, e 58 e seus parágrafos, do Decreto-lei n. 6.259/44. Estão revogados tacitamente, portanto, o art. 9o, §2°, da Lei n. 7.291/84, que estabelecia ser inafiançável a contravenção decorrente de apostas sobre corridas de cavalos, prevista no art. 50, §3°, “b”, da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/41), assim como o art. 59 do D ecreto-Lei n. 6.259/44, que previa que as contravenções referentes ao jogo do bicho e outras loterias, previstas nos arts. 45 a 49, e 58 e seus parágrafos, desse mesmo Decreto-Lei, eram inafiançáveis. 1.3. Crimes doloso s pun idos com pena privativa de liberdade, se o réu já tivesse sido condenado por outro crime doloso em sentença transitada em julgado (antiga redação do art. 323, III): de acordo com o art. 63 do Código Penal, verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Logo, é considerado rein­ cidente aquele que, tendo contra si sentença condenatória irrecorrível por crime culposo, pratica novo delito, dessa vez doloso, ou vice-versa. Comparando-se o art. 63 do Código Penal com a antiga redação do inciso III do art. 323 do CPP, percebe-se que o dispositivo processual trazia uma hipótese de reincidência específica, circunscrita aos crimes dolosos. Para fins de vedação à fiança, portanto, somen­ te se levava em consideração sentença tran­ sitada em julgado por crime doloso, e desde

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que o segundo crime também fosse doloso e punido com pena privativa de liberdade. Com a nova redação do art. 323, III, esta vedação à concessão da liberdade provisória com fiança deixa de existir. Portanto, pelo menos em tese, será cabível a concessão de liberdade provisó­ ria com fiança, cumulada ou não com outras medidas cautelares, ao reincidente específico em crime doloso punido com pena privativa de liberdade. 1.4. Em qualquer caso, se houvesse no processo prova de ser o réu vadio (revo­ gad o inciso IV do art. 323): por ‘vadio’ com ­ preende-se aquele individuo que, sendo válido para o trabalho, entrega-se habitualmente à ociosidade, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita’ (Dec.-lei n. 3.688/41, art. 59, caput). Inequívoco resquício do direito penal do autor no Código de Processo Penal, a antiga redação do inciso IV do art. 323 do CPP estabelecia uma presunção indevida de que, sendo vadio o acusado, era provável que praticasse novos delitos. Criava-se, então, odiosa discriminação em desfavor de enorme parcela da população brasileira, utilizando-se a prisão cautelar para resolver um problema socioeconômico do país. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, essa vedação à concessão da liberdade provi­ sória com fiança para acusados vadios deixou de existir, já que o art. 323, IV, foi expressa­ mente revogado. Aliás, sob o argumento de que o sistema penal brasileiro trabalha com o direito penal do fato, e não com o direito pe­ nal do autor, o Plenário do Supremo concluiu que o art. 25 da Lei de Contravenções Penais é incompatível com a Constituição Federal. Para o STF, a condição especial “ser conhecido como vadio ou mendigo”, atribuível ao sujeito ativo do referido crime-anão, criminalizaria, em verdade, qualidade pessoal e econômica do agente, e não fatos objetivos que causassem relevante lesão a bens jurídicos importantes ao meio social. (STF, Pleno, RE 583.523/RS, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 03/10/2013). 1.5. Crim es pun idos com reclusão que provocassem clamor público ou que tives­

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sem sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave ameaça (revogado inciso V do art. 323): essa vedação em abstrato à concessão da fiança já era alvo de críticas pela doutrina mesmo antes do advento da Lei n. 12.403/11. Isso porque não se pode segregar cautelarmente a liberdade de locomoção de alguém tão somente em virtude da gravidade em abstrato do delito, repercussão da infra­ ção ou clamor social provocado pelo crime. Afinal, nessas hipóteses, não se vislumbra periculum libertatis, eis que a prisão preventiva não seria decretada em virtude da necessidade do processo, mas simplesmente em virtude da gravidade abstrata do delito, satisfazendo aos anseios da população e da mídia. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, essa vedação à concessão da fiança deixa de existir, já que o art. 323, V, do CPP, foi expressamente revogado. 1.6. Preso em go zo de su spensão con­ dicional da pena ou de livramento con­ dicional, salvo se processado por crime culposo ou contravenção que adm itisse fiança (revogado inciso III do art. 324): com as mudanças produzidas pela Lei n. 12.403/11, o art. 324, inciso III, do CPP, foi expressamente revogado. Destarte, será cabível, em tese, a concessão de liberdade provisória com fiança àquele que estiver no gozo de suspensão con­ dicional da pena ou de livramento condicional.2 2. Infrações inafiançáveis: o Código de Pro­ cesso Penal não estabelece quais infrações pe­ nais admitem fiança. Estabelece, sim, os casos que não admitem fiança. Portanto, a fim de se estabelecer quais infrações são afiançáveis, deve-se fazer uma interpretação a contrario sensu dos arts. 323 e 324 do CPP, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11. A despeito da impossibilidade de concessão de fiança para tais delitos, isso não significa dizer que jamais será possível a concessão de liberdade provi­ sória, com a aplicação cumulativa das demais

medidas cautelares diversas da prisão. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 321 do CPP. 3. Racismo: de acordo com o art. 5o, XLII, da Constituição Federal, a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. Os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor estão previstos na Lei n. 7.716/89. Com a Lei n. 12.403/11, o legislador ordinário procedeu à adequação do Código de Processo Penal à Constituição Federal de 1988, inse­ rindo o delito de racismo dentre os crimes inafiançáveis (CPP, art. 3 2 3 ,1). 4. Crimes hediondos, tráfico de drogas, terrorismo e tortura: consoante a dicção do art. 5o, XLIII, da Constituição Federal, a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetí­ veis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes he­ diondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. Com a Lei n. 12.403/11, o legislador ordinário procedeu à adequação do Código de Processo Penal à Constituição Federal de 1988, inserindo referidos delitos dentre os crimes inafiançáveis (CPP, art. 323, II). 5. Ação de grupos armados, civis ou mi­ litares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático: nos exatos termos do art. 5o, inciso XLIV, da Carta Magna, a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, constitui crime inafiançável e imprescritível. Com a Lei n. 12.403/11, o legislador ordinário procedeu à adequação do Código de Processo Penal à Constituição Federal de 1988, inserindo dentre os crimes inafiançáveis referidos delitos (CPP, art. 323, III), os quais estão previstos na Lei n. 7.170/83, que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social.

Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:1 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11).

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TÍTULO IX • D A PRISÃO, D A S M E D ID A S CAUTELARES E D A LIBERDADE PROVISÓRIA

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324

I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormen­ te concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;2 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). II - em caso de prisão civil ou militar;2 3 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). III - revogado pela Lei n. 12.403/11; IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).4 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Situações incompatíveis com a fiança: enquanto o art. 323 do CPP elenca diversos crimes inafiançáveis, o art. 324 do CPP prevê um rol de situações incompatíveis com a liber­ dade provisória com fiança, pouco importando qual seja o crime. A título de exemplo, se considerado de maneira isolada, o crime de roubo admite a concessão de fiança. Trata-se, portanto, de crime afiançável. No entanto, se presentes os pressupostos que autorizam a prisão preventiva (CPP, arts. 312 e 313), ter-se-á uma situação que inviabiliza a concessão da fiança, nos termos do art. 324, IV, do CPP. 2. Anterior quebram ento de fiança no m esm o processo ou descumprimento das obrigações dos arts. 327 e 328 do CPP: de acordo com a nova redação do art. 324, inci­ so I, do CPP, não será concedida fiança aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida, ou seja, aos investigados (ou acusados) que deixarem de respeitar as condições fixadas pelo juiz (ou pelo Delegado de Polícia) por ocasião da con­ cessão da liberdade provisória com fiança. As hipóteses de quebra de fiança estão previstas no art. 341 do CPP, segundo o qual reputa-se quebrada a fiança quando o acusado, regular­ mente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo, deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo, descumprir medida cautelar im­ posta cumulativamente com a fiança, resistir injustificadamente a ordem judicial ou praticar nova infração penal dolosa. O quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão

preventiva. Ainda segundo a nova redação do art. 324, inciso I, do CPP, não se concede fiança aos que, no mesmo processo, tiverem infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do CPP: comparecimento perante a autorida­ de, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento, impossibilidade de mudança de residência sem prévia permissão da autoridade processante, além da proibição de se ausentar por mais de 8 (oito) dias de sua residência sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado.

♦ Jurisprudência selecionada: S T J : "(...) N ão há ilegalidade na decisão que indefere pedido de liberdade provisória m ediante novo arbi­ tram ento de fiança, se evidenciada a quebra da fiança anteriormente concedida ao paciente, em função do com etim ento de nova infração penal na vigência da fiança anterior - justificando o restabelecimento da prisão em flagrante e afastando eventual direito à liber­ dade provisória. O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 16.562/PE, Rei. Min. Gilson Dipp, D J 17/09/2001 p. 178).

S T J : "(...) O quebram ento da fiança im portará a perda de m etade do seu valor e a obrigação, por parte d o réu, d e recolher-se à prisão, p ro sse gu in d o-se , e n ­ tretanto, à sua revelia, no p rocesso e julgam e nto , enquanto não for preso." (Código de Processo Penal, artigo 343). Inexiste ilegalidade na decisão que revoga liberdade provisória, em razão d o descum prim ento de suas condições. A fu ga d o réu d o distrito da culpa é circunstância que, por si só, autoriza a decretação da custódia cautelar, em obsé q u io da aplicação da lei penal. Precedentes d o STJ. O rdem denegada". (STJ, 6 a Turma, HC 36.203/SP, Rei. Min. Ham ilton Carvalhido, DJ 05/02/2007 p. 384).

S T J : "(...) De acordo com o art. 324 d o C ó d ig o e Proces­ so Penal, após a quebra da fiança, é vedada a concessão de nova fiança. Entretanto, na hipótese de condenação p or crim e sem violência o u grave am eaça, à pena

Art. 325

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inferior a três an os de reclusão, em regim e diferente d o fechado, à luz d o princípio da proporcionalidade, é plausível o restabelecim ento da liberdade provi­ sória, d e sd e q u e haja apresentação, fornecim ento de endereço e o com p ro m isso d e colaboração com a Justiça, nos m oldes do s arts. 327 e ss. D o Estatuto Processual Penal. À luz d o E stado D em ocrático de Direito, m arcado pela con sagração d o due process o f law, a exigência de recolhim ento à prisão para que se conheça da apelação corporifica constrangim ento ilegal, remediável por m eio d o habeas corpus. O rdem concedida para restabelecer ao paciente a liberdade provisória, condicionada a sua efetivação ao com parecim ento ao Juízo de primeiro grau, no prazo de cinco dias, para com unicar seu novo endereço e renovar o c om p ro m isso de cum prir as obrigaçõe s insculpidas n o art. 327 e ss. d o C ó d ig o de Processo Penal, sob pena de revogação; e, para determ inar que, um a vez atendida a condição acima enunciada, seja processada a apelação d o paciente. (STJ, 6a Turma, HC 88.681/PE, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25/02/2008, Dje 07/04/2008).

3. Prisão civil ou militar: de acordo com antiga redação do art. 324, inciso II, do CPP, não seria possível a concessão de fiança em caso de prisão por mandado do juiz do cível, de prisão disciplinar, administrativa ou m i­ litar. Com a nova redação dada pela Lei n. 12.403/11, o art. 324, inciso II, passa a dispor que não será concedida fiança em caso de prisão civil ou militar. Quando o legislador se refere à prisão militar como espécie de infra­ ção inafiançável, refere-se tanto à prisão nos casos de transgressão militar, como também nos casos de crimes propriamente militares. Se tais prisões funcionam como instrumentos coercitivos de tutela da hierarquia e da disci­ plina, seria de todo desarrazoado admitir-se

a concessão de fiança quanto a elas. O mesmo pode ser dito em relação à prisão civil. Como se trata de medida voltada a pressionar al­ guém a cumprir uma obrigação alimentar, a concessão da fiança frustraria, integralmente, o caráter coercitivo a ela inerente. O art. 324, II, do CPP, deixa de fazer menção à prisão administrativa e à prisão disciplinar. Quanto à prisão administrativa, desde a Constituição Federal de 1988, grande parte da doutrina já sustentava que tal modalidade de prisão dei­ xara de existir, tese esta que ganhou reforço com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, a qual, ao dar nova redação aos arts. 319 e 320 do CPP, pôs fim à antiga prisão adminis­ trativa prevista em tais dispositivos. Logo, se não é cabível a prisão administrativa, não há necessidade de dizer que tal prisão não com ­ porta fiança. Daí o porquê da nova redação do inciso II do art. 324 do CPP. 4. Presença das hipóteses que autorizam a prisão preventiva: de modo a emprestar coesão ao sistema, caso esteja presente um dos motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva, não será cabível a concessão de liberdade provisória com fiança (CPP, art. 324, IV). Assim, ao ser comunicado da prisão em flagrante, quando presentes os requisitos constantes dos arts. 312 e 313 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, deverá o magistrado, fundamentadamente, converter a prisão em flagrante em preventiva (CPP, art. 310, II).

Art. 325.0 valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites:' (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). a) revogada pela Lei n. 12.403/11; b) revogada pela Lei n. 12.403/11; c) revogada pela Lei n. 12.403/11; I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; (Incluído pela Lei n. 12.403/11); II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei n. 12.403/11).

T IT U L O IX • D A PR ISÃ O , D A S M E D ID A S C A U T E L A R E S E D A L IB E R D A D E P R O V IS Ó R IA

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§1° Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser:2 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código; (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes. (Incluído pela Lei n. 12.403/11). 1. Valor da fiança: um dos principais obje­ tivos da Lei n. 12.403/11 foi o de revigorar o instituto da fiança. De fato, há muitos anos já se fazia necessária a atualização de seus valo­ res, a fim de que a cifra arbitrada fosse algo mais razoável, de modo que a possibilidade da perda da sua metade (quebramento) ou da sua totalidade (perdimento) fosse capaz de exercer uma coação indireta sobre o benefi­ ciário, obrigando-o a respeitar as condições estabelecidas. Assim, para que a fiança não se torne ilusória para os ricos e impossível para os pobres, a nova redação do art. 325 do CPP dispõe que, atento aos critérios estabelecidos no art. 326, a autoridade deve fixar o valor da fiança nos seguintes termos: a) de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; b) de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (qua­ tro) anos.

2. Adequação do valor da fiança: a fim de adequar o valor da fiança e levando-se em consideração a situação econômica do preso, é possível que a fiança seja dispensada, reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços) ou aumenta­ da em até 1.000 (mil) vezes. Ao se referir à dis­ pensa da fiança, o art. 325, § I o, I, faz menção ao art. 350 do CPP, o qual estabelece que somente o juiz poderá dispensar a concessão de fiança. Portanto, nas hipóteses de prisão em flagrante, não é dado ao Delegado de Polícia dispensar a fiança, pois somente o juiz competente é dota­ do de competência para fazê-lo (CPP, art. 350, caput). No entanto, ao se referir à redução da fiança em até 2/3 (dois terços) e aumento em até 1.000 (mil) vezes, os incisos II e III do §1° do art. 325 do CPP não estabelecem qualquer restrição quanto à autoridade competente. Portanto, tanto a autoridade policial quanto a judiciária podem reduzir o valor da fiança até o máximo de 2/3, assim como aumentá-la em até 1.000 (mil) vezes, nos termos do art. 325, §1°, incisos II e III.

Art. 326. Para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento.1-2 1. Critérios para determinação do valor da fiança: o art. 326 do CPP, que não teve sua redação modificada pela Lei n. 12.403/11, estabelece que, a fim de se estabelecer o va­ lor da fiança, a autoridade deverá levar em consideração: a) a natureza da infração; b) as condições pessoais de fortuna do preso; c) a vida pregressa do acusado; d) as circunstâncias indicativas de sua periculosidade; e) a impor­

tância provável das custas do processo, até final julgamento. Deve a autoridade policial ou o magistrado fixar seu valor em quantia apreci­ ável, sob pena de o valor não exercer qualquer caráter coercitivo sobre o agraciado. Some-se a isso o fato de que a caução servirá, também, para o pagamento das custas, da indenização do dano ex delicto, da prestação pecuniária e da multa, em caso de condenação. Ç j)6 9

Art. 327

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2. C ó d igo de Defesa do Consum idor: dis­ põe o art. 79 da Lei n. 8.078/90 que o valor da fiança, nas infrações de que trata o referido código, será fixado pelo juiz, ou pela auto­ ridade que presidir o inquérito, entre cem e duzentas mil vezes o valor do Bônus do Te­ souro Nacional - BTN, ou índice equivalente

que venha substituí-lo, o que equivalia, em março de 2010, ao valor de R$ 154,72 a R$ 309.450,00. Se assim recomendar a situação econôm ica do indiciado ou réu, a fiança poderá ser reduzida até metade de seu valor mínimo, ou aumentada pelo juiz até vinte vezes.

Art. 327. A fiança tomada por termo obrigará o afiançado a compa­ recer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento.1 Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada.1 2 1. O brigações processuais: uma vez con­ cedida a liberdade provisória com fiança, deverá o afiançado assumir os deveres enu­ merados pelos arts. 327 e 328 do CPP, seja na fase de investigação, seja durante o curso do processo judicial: 1) Comparecimento pe­ rante a autoridade todas as vezes que for in ­ timado para atos do inquérito e da instrução crim inal e para o julgamento, reputando-se quebrada a fiança em caso de não compa­ recimento; 2) O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da au­ toridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado; 3) Se o réu praticar nova infração penal dolosa, a fiança também será julgada quebrada. Essas condições fixadas por ocasião da concessão da fiança devem ser explícitas e claras, notadamente no to ­ cante à possibilidade de quebra da fiança e decretação da prisão preventiva do cusado,

até mesmo para evitar possíveis questiona­ mentos por parte do beneficiário. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

N ão te n d o a Paciente se ap resen tad o em

cartó rio na d a ta ap razada, v io la n d o o te rm o de c o m p ro m isso assinado, é correto o decreto de q u e ­ b ram e n to da fiança. Existência d e do m icílio s diver­ so s in d ica d o s pela Paciente, a indicar q u e h o u ve m u dan ça de endereço sem a devida com u n icação ao Juízo processante. En ten dim en to reiterado desta Corte Superior no sentido da ido n eid ade da prisão preventiva para garantia da ordem pública, à vista da grav id ad e em concreto d o crime, e videnciada pelo m o d u s operandi, assim c o m o p elo risco concreto de reiteração crim inosa. Paciente q u e p o ssu i três id e n tid a d e s civis, te n d o fa c ilid a d e em lid ar c om falsificaçõe s d o c u m e n tais. A s c o n d iç õ e s p e sso ais favoráveis da Paciente não têm o c o n d ã o de, p or si sós, desconstituírem a prisão preventiva, cuja neces­ sidad e restou de vidam e nte fu n dam e n tad a. Recurso im provido". (STJ, 5a Turma, RH C 34.050/ES, Rei. M in. R egin a Helena Costa, j. 05/11 /2013, Dje 11/11 /2013).

2. Quebramento da fiança: vide comentá­ rios ao art. 341 do CPR

Art. 328. O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade pro­ cessante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado.1 1. Demais obrigações processuais decor­ rentes da fiança: vide comentários ao art. 327 do CPP.

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

Art. 331

Art. 329. Nos juízos criminais e delegacias de polícia, haverá um livro especial,' com termos de abertura e de encerramento, numerado e rubri­ cado em todas as suas folhas pela autoridade, destinado especialmente aos termos de fiança. O termo será lavrado pelo escrivão e assinado pela autoridade e por quem prestar a fiança, e dele extrair-se-á certidão para juntar-se aos autos. Parágrafo único. O réu e quem prestar a fiança serão pelo escrivão notificados das obrigações e da sanção previstas nos arts. 327 e 328, o que constará dos autos. 1. Livro especial d estinado aos term os de fiança: em todos os juízos crim inais e delegacias de polícia, deve haver um livro, com termos de abertura e de encerramento, numerado e rubricado em todas as suas folhas pela autoridade, destinado especialmente aos termos de fiança. O termo será lavrado pelo

escrivão e assinado pela autoridade e por quem prestar a fiança, e dele extrair-se-á certidão para juntar-se aos autos. O réu e quem prestar a fiança serão pelo escrivão notificados das obrigações e da sanção previstas nos arts. 327 e 328 do CPP.

Art. 330. A fiança, que será sempre definitiva, consistirá em depósito de dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública, federal, estadual ou municipal, ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar.' §1° A avaliação de imóvel, ou de pedras, objetos ou metais preciosos será feita imediatamente por perito nomeado pela autoridade.2 §2° Quando a fiança consistir em caução de títulos da dívida pública, o valor será determinado pela sua cotação em Bolsa, e, sendo nominativos, exigir-se-á prova de que se acham livres de ônus. 1. Fiança definitiva: dispõe o art. 330 do CPP que a fiança será sempre definitiva. Explica-se: até 1871, a fiança era sempre definitiva, mas sua concessão ficava submetida a um procedimento moroso, o que acarretava a permanência do cidadão preso por vários dias. Com o objetivo de pôr fim a esse formalis­ mo exagerado, surgiu em 1871 o instituto da fiança provisória, que, no entanto, foi extinto pelo atual Código de Processo Penal, tendo o legislador do CPP de 1942 tomado a cautela de fixar previamente o quantum a ser atribuído a título de fiança (CPP, arts. 325 e 326).

2. Avaliação de imóveis, pedras, objetos ou metais preciosos: o art. 330, caput, do CPP, deixa claro que a fiança pode consistir não apenas no depósito de dinheiro, mas também de pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública, ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar. Ora, quando se trata de fiança prestada por meio de imóveis, pedras, objetos ou metais preciosos, a exemplo de uma obra de arte, é indispensável a nomeação de um perito para apontar de maneira mais acurada o exato valor do objeto, evitando-se, assim, possível e ulterior necessidade de reforço da fiança.

Art. 331.0 valor em que consistir a fiança será recolhido à repartição arrecadadora federal ou estadual, ou entregue ao depositário público, juntando-se aos autos os respectivos conhecimentos.' Parágrafo único. Nos lugares em que o depósito não se puderfazer de pronto, o valor será entregue ao escrivão ou pessoa abonada, a critério da

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Art. 332

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autoridade, e dentro de três dias dar-se-á ao valor o destino que lhe assina este artigo, o que tudo constará do termo de fiança.2 1. Depósito do valor da fiança em institui­ ção financeira estadual ou federal: os valo­ res em moeda corrente devem ser depositados em instituições financeiras utilizadas pelo Poder Judiciário, em conta aberta especifica­ mente para tais finalidades (depósito judicial), e submetidos à aplicação financeira disponível (juros e correção monetária).

2. Im possibilidade de depósito imediato: a depender do local e horário em que efetuada a prisão em flagrante, pode não ser possível o depósito imediato do valor da fiança. Como não se pode admitir que o beneficiário da fiança permaneça preso por força disso, o va­ lor deverá ser entregue ao escrivão, que terá o prazo de 3 (três) dias para fazer o depósito na respectiva instituição financeira.

Art. 332. Em caso de prisão em flagrante, será competente para con­ ceder a fiança a autoridade que presidir ao respectivo auto, e, em caso de prisão por mandado, o juiz que o houver expedido, ou a autoridade judiciária ou policial a quem tiver sido requisitada a prisão.1 1. Autoridade com atribuições para a con­ cessão da fiança: tratando-se de prisão em flagrante, a autoridade policial com atribuição para arbitrar a fiança é aquela que presidir a lavratura do auto, pouco importando que a prisão tenha se verificado em comarca diversa daquela onde o processo deva tramitar. Nas hipóteses de prisão preventiva e temporária, que demandam prévia autorização judicial, a competência para a concessão de fiança re­ cai, inicialmente, sobre o próprio magistrado

responsável pela expedição do mandado de prisão. À evidência, negada a substituição da prisão preventiva e/ou temporária pela fiança ou por qualquer outra medida cautelar diver­ sa da prisão por este magistrado, tornar-se-á autoridade coatora para fins de impetração de habeas corpus. Em se tratando de processo da competência originária dos Tribunais, a competência para deliberar sobre a concessão da fiança será do Relator, nos termos do art. 2o, parágrafo único, da Lei n. 8.038/90.

Art. 333. Depois de prestada a fiança, que será concedida indepen­ dentemente de audiência do Ministério Público, este terá vista do processo a fim de requerer o que julgar conveniente.1 1. (Des) necessidade de prévia oitiva do Ministério Público para fins de concessão de fiança: segundo o art. 333 do CPP, não há necessidade de prévia oitiva do Ministério Pú­ blico para fins de concessão de fiança, seja ela arbitrada pelo Delegado de Polícia, seja ela fi­ xada pelo juiz competente. Na verdade, em fiel observância ao princípio da celeridade e com o objetivo de evitar que alguém seja mantido no cárcere em infrações afiançáveis por conta da morosidade na tramitação do pedido de liberdade provisória com fiança, o dispositivo 972

sob comento prevê a oitiva do Parquet tão so­ mente após a concessão da fiança, até mesmo para que o órgão ministerial delibere sobre a interposição de recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, V ), ou para exigir o reforço da garantia (CPP, art. 340). Sem embargo do disposto no art. 333 do CPP, como se trata, a fiança, de espécie de medida cautelar diversa da prisão (CPP, art. 319, V III), parece-nos in­ viável sua concessão de ofício pelo magistrado sem antes ouvir o titular da ação penal pública, sob pena de verdadeira violação ao sistema

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

acusatório. O raciocínio é bem semelhante à impossibilidade de conversão ex officio da prisão em flagrante em prisão preventiva por ocasião da convalidação judicial da prisão em flagrante. Por isso, de modo a evitarmos repe­

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tições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 310 do CPP, notadamente no tópico “(Im) possibilidade de conversão da prisão em flagrante em preventiva de ofício pelo magistrado”.

Art. 334. A fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória.1 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. M om ento para a concessão da fiança: antes da entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, prevalecia na jurisprudência o entendimento de que o juiz não era obrigado a se manifestar de ofício quanto ao cabimento da liberdade provisória. Diante dessa posição, era possível a compreensão do disposto no art. 334 do CPP, pois, se o juiz não estava obrigado a se manifestar de ofício quanto à concessão de li­ berdade provisória - e desde que não houvesse qualquer pedido formulado pelo MP ou pela defesa - , era possível que alguém permane­ cesse preso ao longo de todo o processo em virtude da ‘prisão em flagrante’, pleiteando, então, a concessão de liberdade provisória com fiança enquanto não houvesse o trânsito em julgado de sentença condenatória (CPP, art. 334). Com a nova redação dada ao art. 310 do CPP, a análise judicial acerca do cabi­ mento da liberdade provisória, com ou sem fiança, passa a ser obrigatória. Isso porque, ao receber o auto de prisão em flagrante, 0 magistrado deverá fundamentadamente: 1 - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312

do CPP, e se revelarem inadequadas ou in­ suficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Como se pode perceber, será mais difícil a visualização da concessão da fiança como medida de contracautela em momento posterior ao da prisão em flagrante, já que a análise por parte do juiz acerca do cabimento da liberdade provisória, com ou sem fiança, deve ocorrer tão logo seja comu­ nicado da prisão em flagrante. Isso, todavia, não significa dizer que o art. 334 do CPP não tenha qualquer validade. Afinal, por força da Lei n. 12.403/11, a fiança não é mais apenas uma medida de contracautela substitutiva ex­ clusivamente da prisão em flagrante. De fato, elencada como medida cautelar diversa da prisão, a fiança pode ser aplicada não apenas como medida de contracautela substitutiva de anterior prisão preventiva ou temporária, mas também de maneira autônoma, se acaso presentes as situações de perigo do art. 2 8 2 ,1, do CPP. Logo, é evidente que a fiança pode ser arbitrada durante todo o curso da persecução penal, enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória (CPP, art. 334).

Art. 335. Recusando ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz competente, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.1 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Recusa ou retardam ento da autorida­ de policial em conceder fiança: consoante disposto no art. 322 do CPP, havendo prévia prisão em flagrante, o Delegado de Polícia pode conceder fiança, desde que a infração penal não tenha pena máxima superior a 4

(quatro) anos. Havendo demora ou retar­ damento da autoridade policial no tocante à concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz competente, que terá 48 (quarenta e oito) horas para p roferir

Art.336

\

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

sua decisão, sob pena de acionamento das instâncias superiores por habeas corpus. À primeira vista, quando o art. 335 dispõe que o preso, ou alguém por ele, poderá prestar a fia n ç a m ediante simples petição, fica a im ­ pressão que o indivíduo poderia ser colocado em liberdade provisória independentemente de prévia autorização judicial. Tal raciocínio revela-se equivocado, até mesmo porque o próprio dispositivo prevê que o juiz deverá deliberar sobre o pedido de concessão de fiança em 48 (quarenta e oito) horas, do

que se conclui que é indispensável prévia autorização judicial. Na verdade, ao fazer remissão a uma simples petição, o art. 335 do CPP demonstra que não há necessidade de im petração de habeas corpus contra a autoridade policial. Basta um singelo pedido ao magistrado. À evidência, se o juiz com ­ petente negar a concessão de fiança, ou não se pronunciar em 48 (quarenta e oito) horas, transformar-se-á em autoridade coatora para fins de im petração de habeas corpus perante o Tribunal competente.

Art. 336. O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pa­ gamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado.1'2 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). Parágrafo único. Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110 do Código Penal).3 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Execução da fiança: com o advento do trânsito em julgado da sentença condena­ tória, os bens dados em garantia devem ser convertidos em dinheiro, para propiciar o pa­ gamento das custas, da indenização do dano (CPP, art. 387, IV ), da prestação pecuniária e para quitar eventual multa. A novidade desse dispositivo fica por conta do acréscimo da hipótese de prestação pecuniária, pena restri­ tiva de direitos inserida no Código Penal pela Lei n. 9.714/98, após a elaboração do Código de Processo Penal. 2. Preferência para o p a gam e n to : não consta do art. 336 do CPP a ordem de pre­ ferência para o pagamento, no caso de con­ denação. Há quem entenda que, diante do silêncio, a destinação preferencial deve levar em consideração o disposto no art. 326, que estabelece os fatores que o juiz deve levar em conta ao estabelecer o valor da fiança, sendo que há menção expressa às custas em tal dispositivo. A nosso ver, a analogia deve ser buscada com o art. 140 do CPP, que prevê que as garantias do ressarcimento do dano alcançarão também as despesas processuais e as penas pecuniárias, tendo preferência sobre estas a reparação do dano ao ofendi­

do. Portanto, deve ser dada preferência ao pagamento da indenização do dano causado à vitima. 3. Prescrição da pretensão executória: essa modalidade de prescrição atinge ape­ nas o direito do Estado de executar a sanção principal constante da sentença condenatória em virtude do decurso de determinado lapso temporal, mas não afeta os efeitos secundários da condenação, dentre eles a obtenção do va­ lor das custas e o pagamento de indenização à vítima. Por isso, o parágrafo único do art. 336 do CPP dispõe que a execução da fiança também deverá ocorrer no caso de prescrição depois da sentença condenatória (CP, art. 110). Estranham ente, no entanto, com o o parágrafo único do art. 336 do CPP não faz qualquer ressalva, fica a impressão inicial de que o dinheiro ou objetos dados como fiança também poderão servirão ao pagamento da prestação pecuniária e da multa ainda que sobrevenha ulterior prescrição da pretensão executória, o que se revela inviável. Afinal, se se trata, a prestação pecuniária e a multa, de espécies de sanções principais, é evidente que também estarão fulminadas pela prescrição da pretensão executória. Logo, parece-nos

TITULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

que o disposto no art. 336, parágrafo único, do CPP, é aplicável exclusivamente para fins

Art. 338

de pagamento das custas e da indenização do dano.

Art. 337. Se a fiança for declarada sem efeito’ ou passar em julgado sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal, o valor que a constituir, atualizado, será restituído sem desconto, salvo o disposto no parágrafo único do art. 336 deste Código.2-3 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Fiança sem efeito: é o resultado da negativa ou omissão do indiciado ou acusado em com­ plementar o valor da fiança, reforçando-a, quan­ do necessário. Destarte, se não houver o reforço da fiança, esta será declarada sem efeito e o juiz poderá decretar a prisão preventiva do agente (CPP, art. 340, parágrafo único). Sem embargo da possível prisão cautelar do beneficiário, o valor por ele (ou por terceiro) anteriormente caucionado será integralmente restituído. 2. Restituição da fiança ao acusado (ou ao terceiro): se o acusado for absolvido, o valor referente à caução será restituído sem descon­ to, devidamente atualizado. Declarada extinta a punibilidade, perderá a fiança seu objetivo, igualmente se impondo a restituição dos va­ lores dados a título de caução. No entanto, se a extinção da punibilidade se der em virtude da prescrição da pretensão executória, não há falar em restituição, como deixa entrever o art. 337, c/c art. 336, parágrafo único, do CPP.

sentença absolutória recorrível, o juiz deverá ordenar a cessação das medidas cautelares. Esse conflito aparente deve ser resolvido com a prevalência do art. 386, inciso II, do CPP. Afi­ nal, diante da absolvição do acusado, ainda que por meio de sentença recorrível, desaparece o fum us comissi delicti, pressuposto inerente à decretação de toda e qualquer medida cautelar, inclusive a fiança. Logo, diante da absolvição do acusado, ainda que não tenha havido o trânsito em julgado, o valor da fiança já deve ser restituído ao acusado, corrigido monetariamente, pouco importando a possibilidade de reforma da decisão absolutória pelo Tribunal competente. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T J :"(...) Hipótese na qual o inquérito policial instau­ rado em desfavor d o paciente foi trancado por esta Corte, por não estar con figu rado o tipo penal a ele atribuído, não tendo sido exam inado o pleito de de ­ volução da fiança prestada pela defesa. Reconhecida a atipicidade da con du ta im p u tad a ao réu, c om o conseqüente trancam ento d o inquérito policial con­

3. (Des) necessidade do trânsito em julga­ do da sentença absolutória ou declaratória da extinção da punibilidade: há uma apa­ rente contradição entre o art. 337, que prevê que o valor da fiança será restituído se passar em julgado a sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal, e o art. 386, inciso II, do CPP, que prevê que, na

tra ele instaurado, resta caracterizada hipótese legal perm issiva da devolução integral da fiança prestada pela defesa. Em bargo s de declaração que m erecem ser acolhidos, face à ocorrência da apontada omissão, para que seja determ inada a restituição d o valor p a go pelo paciente a título de fiança. Em bargos acolhidos, n os term os do voto d o Relator". (STJ, 5aTurma, EDcl no H C 45.796/RR, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 17/08/2006, DJ 11/09/2006 p. 318).

Art. 338. A fiança que se reconheça não ser cabível na espécie será cassada em qualquer fase do processo.'-21 1. Cassação da fiança: a fiança deverá ser cassada pela autoridade judiciária, e somente

ela, em qualquer fase da persecução penal, nas seguintes hipóteses: a) quando for concedida

Art. 339

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

por equívoco (CPP, art. 338): exemplificando, suponha-se que a autoridade policial conceda fiança em relação a delito com pena máxi­ ma superior a 4 (quatro) anos; b) quando ocorrer uma inovação na tipificação do deli­ to, reconhecendo-se a existência de infração inafiançável (art. 339, CPP): esta inovação poderá ocorrer no próprio oferecimento da peça acusatória, em comparação com a ti­ pificação provisória do auto de prisão em flagrante, pela decisão de recebimento da de­ núncia ou queixa, em razão do recebimento de aditamento da denúncia, ou, ainda, em face de nova classificação por ocasião da pronúncia ou da sentença condenatória recorrível; c) se houver aditamento da denúncia, acarretando a inviabilidade de concessão de fiança. A título de exemplo, suponha-se indivíduo no gozo de liberdade provisória com fiança acusado da prática de homicídio simples. Durante o curso do processo, porém, surge prova de qualificadora não contida na peça acusatória, acarretando o aditamento da denúncia, com fundamento no art. 384, caput, do CPP. Nessa hipótese, recebido o aditamento, como o crime de homicídio qualificado é hediondo e, por­ tanto, inafiançável (CPP, art. 323, II), a fiança deve ser cassada.

2. C o n seq u ên cias d e c o rre n te s da fianç a inidô nea: cassada a fiança, diz-se que a mesma foi julgada inidônea. Fiança inidônea, portanto, é a denominação conferida à fiança que não poderia ter sido concedida, seja porque a lei proíbe, seja porque os requisitos legais não foram corretamente preenchidos. Nesse caso, o quantum da caução será devolvido a quem a prestou, devendo o juiz verificar a necessidade da decretação de uma ou mais das medidas cautelares diversas da prisão, ou, se for o caso, a imposição da prisão preventiva. A decisão

de cassação da fiança comporta recurso em sentido estrito sem efeito suspensivo (CPP, art. 581, V). Com o provimento do recurso, a fiança será restaurada. Se a decisão relativa à cassação da fiança se der em sede de sentença condenatória recorrível, o recurso cabível será o de apelação, que tem o condão de absorver o RESE, ex vi do art. 593, §4°, do CPP. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

N ã o co n stitu i c o n str a n g im e n to ile gal a

cassação da fiança precip itadam e nte con ce d id a na fase indiciária, se a im p u taçã o con tid a na den ú ncia recebida em juízo a torna inviável (arts. 338 e 339 d o CPP). (Precedentes.) N ão se con ce d e liberdade p ro visó ria m e d ia n te fian ça em c aso d e restarem presentes o s requisitos qu a autorizam a decretação da prisão preventiva. (Precedentes.) A a d e q u aç ão típica, atribuída p elo D e le g a d o de Polícia, em fase de inquérito policial, n ão im p e d e que o M inistério Público, verdadeiro d om inus litis, vislum b re outras c o n d u ta s d e litu osas. (...) A d e c isã o q u e m otiva a m ed ida constritiva para garan tia da ord em pública, c o n sid e ra n d o a real p ossib ilid a d e da prática de n o ­ v o s delitos, m ostra-se de v id am e n te fu n dam e n tad a. (Precedentes.) W rit den egado". (STJ, 5a Turm a, HC 26.920/SC, Rei. M in. Felix Fischer, j. 04/03/2004, DJ 03/05/2004 p. 188).

STJ: "(...)

N ão é ile gal a d e c isã o m on o crática que

m o tivad am e n te , q u a n d o d o re c e b im e n to da d e ­ n ú n cia e a te n d e n d o p ro m o ç ã o m inisterial, cassa fiança con ce d id a pela autoridade policial, a p ó s nova definição jurídica d o s fatos feita pela acusação, que a p o n to u a existência de delito m ais grave inafian­ çável. Precedentes. N ão se m ostrando, de pronto, ab u siv a a classificação feita pelo M in istério Público, tem -se o habeas corpus c o m o m eio im próp rio para a reavaliação d o c on ju n to fático-probatório, para fins de recon hecim ento d e crim e afiançável ou para permitir. N ão se con h e ce de p e d id o de ap licaçã o de benefício previsto pela Lei n° 9.099/95, se a m atéria se q ue r foi ventilada em 2° grau de jurisdição, so b p e n a de in d e vid a su p re ssão de instância. O rd e m parcialm ente con hecida e denegada". (STJ, 5aTurma, H C 13.273/RJ, Rei. M in. G ilso n Dipp, j. 13/03/2001, DJ 23/04/2001 p. 171).

Art. 339. Será também cassada a fiança quando reconhecida a exis­ tência de delito inafiançável, no caso de inovação na classificação do delito.1 1. Cassação da fiança quando reconhecida a existência de delito inafiançável, no caso

de inovação na classificação do delito: as hipóteses de cassação da fiança foram objeto

/ TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

349

de comentários no artigo anterior, para o qual remetemos o leitor.

Art. 340. Será exigido o reforço da fiança:'-2 I - quando a autoridade tomar, por engano, fiança insuficiente; II - quando houver depreciação material ou perecimento dos bens hi­ potecados ou caucionados, ou depreciação dos metais ou pedras preciosas; III - quando for inovada a classificação do delito. Parágrafo único. A fiança ficará sem efeito e o réu será recolhido à prisão, quando, na conformidade deste artigo, não for reforçada.3 1. Reforço da fiança: de acordo com o art. 340 do CPP, cuja redação não foi modificada pela Lei n. 12.403/11, será exigido o reforço da fiança: I - quando a autoridade tomar, por engano, fiança insuficiente: não há falar em preclusão consumativa, nem tampouco direito adquirido quanto ao valor inicialmente aceito. Constatada a insuficiência do montante fixado originalmente, não há qualquer óbice à exigên­ cia do reforço da caução; II - quando houver depreciação material ou perecimento dos bens hipotecados ou caucionados, ou depreciação dos metais ou pedras preciosas; III - quando for inovada a classificação do delito. A sim­ ples leitura do dispositivo legal sob comento demonstra que se trata, o reforço da fiança, de retificação de erro na concessão da fiança ou de perda superveniente do valor do bem oferecido. Em face de situação de pobreza, o agente poderá ser dispensado do reforço (CPP, art. 350, caput), permanecendo em liberdade, com pleno efeito da fiança prestada.2 2. Consequências decorrentes da fiança não reforçada: se for possível a apresentação do reforço e o agente não o fizer, a caução será considerada sem efeito e o réu poderá ser recolhido à prisão, desde que presentes os pressupostos que autorizam a prisão preventi­ va (CPP, arts. 312 e 313). Advirta-se, mais uma vez, que esse recolhimento à prisão não pode ser tido como automático, devendo antes o ma­ gistrado verificar a possibilidade de imposição de medida cautelar diversa da prisão. A decisão que julga sem efeito a fiança comporta recurso em sentido estrito, sem efeito suspensivo (CPP,

art. 581, V). Se a decisão relativa à fiança se der em sede de sentença condenatória recorrível, o recurso cabível será 0 de apelação, que tem o condão de absorver o RESE, ex vi do art. 593, §4°, do CPP. 3. Fiança sem efeito (inidoneidade da fiança): o Código de Processo penal trata da fiança sem efeito em dois dispositivos. De acordo com o art. 340, parágrafo único, do CPP, quando não houver o reforço da fiança, esta ficará sem efeito. Por outro lado, o art. 337 do CPP dispõe que se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado a sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal, o valor que a constituir, atualizado, será restituído sem desconto, salvo o disposto no parágrafo único do art. 336 deste Código. Além dessas hipóteses, a fiança também será considera­ da sem efeito quando houver sua cassação. Portanto, a fiança ficará sem efeito quando for cassada, ou seja, quando for concedida por equívoco, quando ocorrer uma inovação na tipificação do delito, reconhecendo-se a existência de infração inafiançável, e quando houver aditamento da denúncia, acarretando a inviabilidade de concessão de fiança (CPP, arts. 338 e 339). Perceba-se que o art. 581, V, do CPP, não fala em fiança sem efeito, mas sim em inidoneidade da fiança. Por sua vez, como aquele dispositivo se refere à cassação da fian ça e a sua inidoneidade, não fazendo men­ ção à fiança sem efeito, conclui-se que fiança inidônea é aquela que, não reforçada, tal como exige o parágrafo único do art. 340 do CPP,

Art. 341

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

ficou sem efeito. Destarte, para o legislador, fiança sem efeito é aquela não reforçada.

Art. 341. Julgar-se-á quebrada a fiança quando o acusado:1 I - regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo;2 II - deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo;2 3* III - descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança,-4 IV - resistir injustificadamente a ordem judicial;5 V - praticar nova infração penal dolosa.6 1. Q uebram ento da fiança: considera-se quebrada a fiança quando o beneficiário não cumpre as condições impostas para o gozo da liberdade provisória. Para além das h i­ póteses listadas nos incisos do art. 341 do CPP, a fiança também será julgada quebrada quando descumpridas as condições dos arts. 327 e 328 do CPP. O quebramento da fiança só pode ser determ inado pela autoridade judiciária, jamais pelo Delegado de Polícia, haja vista dispor o art. 581, inciso V II, do CPP, que cabe recurso em sentido estrito em face da decisão que o decretar, obviamente referindo-se o caput do art. 581 à decisão do magistrado. Antes de decretar o quebramen­ to, é plenamente possível que o juiz intime a parte para que possa se justificar, nos termos do art. 282, §3°, do CPP. 2. Não comparecimento injustificado aos atos processuais: como desdobramento da autodefesa, o acusado tem o direito - e não o dever - de comparecer aos atos processuais, seja para acompanhar a instrução probatória (direito de presença), seja para tentar formar a convicção do juiz no sentido de sua inocência (direito de audiência). Por isso, se se trata de ato processual capaz de ser realizado sem a presença do acusado - por exemplo, oitiva de testemunhas abonatórias da defesa - , sua ausência, ainda que injustificada, não pode dar ensejo ao quebramento da fiança. Por outro lado, na hipótese de ato processual que depende da presença do acusado, e que não

esteja acobertado pelo nemo teneturse detegere (princípio que veda a autoincriminação), a exemplo do reconhecimento de pessoas, sua ausência injustificada é causa de quebramento da fiança. 3. Obstrução ao andamento do processo: a doutrina tem citado como exemplos a hipótese em que o acusado tenta se evadir da citação ou da intimação do oficial de justiça ou quando apresenta atestados falsos visando à redesignação de atos processuais. À evidência, se o ato de obstrução ao andamento do processo for capaz de prejudicar a instrução probatória, como, por exemplo, ameaças às testemunhas, para além de decretar o quebramento da fiança, deve o magistrado decretar a prisão preventiva do acusado com base na conveniência da instru­ ção criminal. 4. Descumprimento injustificado de cau­ telar diversa da prisão imposta cumulati­ vamente com a fiança: além de autorizar a substituição da medida, a imposição de outra medida cumulativamente ou, em último caso, até mesmo a decretação da prisão preventiva (CPP, art. 282, §4°), o descumprimento injus­ tificado de cautelar diversa da prisão imposta cumulativamente com a fiança também im­ plicará a perda da metade do valor dado em fiança, em razão de seu quebramento. 5. Resisitência injustificada à ordem judi­ cial: somente dará ensejo ao quebramento da fiança a recusa injustificada à ordem judicial.

r TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

Assim, na hipótese de o acusado recusar-se a produzir prova contra si mesmo, com funda­ mento no princípio do nemo tenetur se detegere, não há falar em resistência injustificada. Por isso, o ideal é compreender que essa hipótese de quebramento do art. 341, IV, do CPP, fun­ ciona como reforço de fundamentação quanto à necessidade do comparecimento obrigatório do acusado a todos os atos do processo, sempre que a tanto intimado, nos termos dos arts. 327 e 328 do CPP. 6. Prática de nova infração penal dolosa: o dispositivo é claro ao prever o quebramento tão somente quando o beneficiário da fiança praticar nova infração penal dolosa. Portanto, em se tratando de infração penal culposa, não há falar em quebramento da fiança. Noutro prisma, como o art. 341, V, do CPP, faz remis­ são à infração penal, há de se concluir que o termo abrange tanto crimes quanto contra­ venções penais, desde que, logicamente, de natureza dolosa. Sob outro aspecto, a simples prática de nova infração penal dolosa autoriza, de per si, o quebramento da fiança, sendo des­ necessário aguardar-se o trânsito em julgado de sentença condenatória em relação a esta

Art. 343

nova infração penal, porquanto esta demora acabaria por inutilizar o próprio objetivo da fiança, que é sujeitar o agente ao cumprimento de certos vínculos para que possa permanecer em liberdade durante o curso da persecução penal. -f Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) D isp õe

o C ó d ig o de Processo Penal que se

julgará quebrada a fiança q u a n d o o acu sado m udar de residência sem prévia p erm issão da autoridade processante (art. 328) ou, entre outras circunstâncias, praticar nova infração penal dolosa (art. 341, V). No caso, as pacientes foram presas em outro estado da Federação pela prática de crimes diversos, deixando de com parecer à audiência de instrução em julgam ento da ação penal a que se refere o presente writ. E, ao serem colocadas em liberdade, informaram ao Juízo de p iso q u e seu endereço residencial era diverso daquele que teria sido inform ado qu an d o concedida a liberdade provisória com fiança, o que justifica o reconhecim ento de sua quebra. Ademais, o sim ples com etim ento de delito d o lo so praticado na vigência da fiança autoriza o q u e b ram e n to d o benefício, e tal não precisa se evidenciar pela sentença c o n d e ­ natória, m u ito m e n o s pelo trânsito em ju lg a d o da condenação. H abeas corpus não conhecido". (STJ, 6 a Turma, HC 270.746/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 27/05/2014, DJe 11/06/2014).

Art. 342. Se vier a ser reformado o julgamento em que se declarou quebrada a fiança, esta subsistirá em todos os seus efeitos.1 1. Restauração da fiança quebrada: a de­ cisão pela quebra da fiança comporta recurso em sentido estrito (art. 581, V II, CPP), que terá efeito suspensivo apenas quanto ao perdimento da metade do valor prestado em fiança (art. 584, § 3o, CPP). Este recurso pode ser interposto até mesmo pelo terceiro que prestou fiança em favor de outrem. Com o provimento do recurso pelo Tribunal - ou em sede de juízo de retratação pelo próprio juízo a quo -, a fiança volta a subsistir em todos os seus efeitos, colocando-se imediatamente o

agente em liberdade, nas mesmas condições anteriores (art. 342, CPP). Se a decisão relativa ao quebramento da fiança se der em sede de sentença condenatória recorrível, o recurso cabível será o de apelação, que tem o condão de absorver o RESE, ex vi do art. 593, §4°, do CPP. Como o RESE interposto contra o quebramen­ to da fiança não é dotado de efeito suspensivo, na hipótese de decretação da prisão preventiva do beneficiário, talvez lhe seja mais vantajosa a impetração de habeas corpus com pedido de medida liminar.

Art. 343.0 quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras

Art. 343

,

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva.' (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Consequências decorrentes do quebramento injustificado da fiança: a) perda de metade do valor caucionado; b) imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva. Como se percebe pela própria redação do dispositivo, o recolhimento ao cárcere não deve ser auto­ mático, devendo o magistrado antes verificar a possibilidade de substituição da medida, impo­ sição de outra medida cautelar em cumulação, ou em último caso, a decretação da prisão preventiva. Há de ser demonstrada, pois, a indispensabilidade do cárcere, não mais como restauração de anterior prisão em flagrante, mas sim com a demonstração da presença do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, pressupostos inafastáveis para a decretação da prisão preventiva, associada à ineficiência das medidas cautelares diversas da prisão, c) impossibilidade, naquele mesmo processo, de nova prestação de fiança (art. 3 2 4 ,1, CPP).

-f Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Deferida a liberdade

provisória ao acu sado

m ediante term o de com parecim ento a to d o s os atos d o processo, sua ausência a um a audiência im porta em revogação da m edida. Precedente. Porém, evi­ de n cian d o-se que a defesa, em seguida, apresentou m otivação idônea para o n ão -com p arecim e n to d o acusado, com p ro van d o docum entalm ente que ele se encontrava de vidam ente e m p re g a d o em outra U ni­ dade da Federação (com registro em sua CTPS), nada o bsta o restabelecim ento da liberdade provisória. A ausência d o s requisitos d o artigo 312 d o C ó d ig o de Processo Penal diante d o caso concreto im possibilita a m an u te n ção da constrição provisória d o acusado, n o ta d a m e n te q u a n d o su as c o n d iç õ e s p e sso a is o favorecem , eis q u e ele é p rim ário e p o ssu id o r de b o n s antecedentes e o cu p açã o lícita, além de que se encontrava de vidam ente e m p re g a d o até a prolação da decisão que determ inou seu recolhim ento ao cár­ cere. O rde m concedida para restabelecer a liberdade provisória d o paciente, m edian te condições". (STJ,

6 a Turma, H C 113.547/MG, Rei. Min. Jane Silva - D ese m b argad ora con vo cada d o T J / M G -, j. 14/10/2008, Dje 28/10/2008).

Art. 344. Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta.'-3 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Perda da fiança: transitada em julgado a sentença condenatória, não pode o con­ denado frustrar a efetivação da punição, esquivando-se da apresentação à prisão, ou evadindo-se para não ser encontrado pelo oficial ou outra autoridade encarregada de levá-lo ao cárcere. Se o fizer, a fiança será ju l­ gada perdida. Na redação antiga do art. 344, como o dispositivo fazia referência apenas à “prisão”, caso o acusado não se apresentasse para dar in ício ao cum prim ento de uma pena restritiva de direitos ou não efetuasse o pagamento da pena de multa, não haveria o perdimento da fiança. Com a nova reda­ ção do art. 344, fica evidente que a perda irá ocorrer quando o acusado, condenado irrecorrivelmente, não se apresentar para o início do cumprimento da pena, aí incluída

qualquer espécie: privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. 2. Recurso adequado: de acordo com o art. 581, inciso VII, do CPP, a decisão que decreta a perda, privativa do magistrado, comporta recurso em sentido estrito, o qual é dotado de efeito suspensivo quanto à destinação do valor remanescente (art. 584, caput, CPP). Não obstante, como o perdimento da fiança é decretado, em regra, pelo juízo da execução, porquanto ocorre após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o recurso cabível será o agravo em execução, nos exatos termos do art. 197 da Lei de Execução Penal. 3. Lavagem de capitais: especial atenção deve ser dispensada ao art. 7o, I, da Lei 9.613/98, com redação dada pela Lei n. 12.683/12, que prevê,

TÍTULO IX • DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

dentre os efeitos da condenação pelo crime de lavagem de capitais, a perda, em favor da União - e dos Estados, nos casos de competência da Justiça Estadual - , de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos na referida Lei,

inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. Ao contrário do que ocorre no regime normal do Código de Processo Penal, que prevê a perda da totalidade do valor dado em fiança,

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se o acusado for condenado e não se apresentar para cumprir a pena (art. 344), e a perda da metade do valor dado em fiança, no caso de seu quebramento (art. 343), a nova regra firmada pela Lei n. 12.683/12 em relação aos crimes de lavagem de capitais prevê a perda do valor dado em fiança como um efeito da condenação, independentemente de o acusado ter ou não quebrado a fiança ou apresentar-se ou deixar de se apresentar para cumprir a pena.

Art. 345. No caso de perda da fiança, o seu valor, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.1 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. D e stin o final d o valor da fiança no caso de perda: após as deduções (paga­ mento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa), o que restar será destinado ao fundo penitenciário. Na verdade, as fianças quebradas (CPP, art. 346) ou perdidas serão destinadas ao Fundo Penitenciário Estadual, se houver, ou Nacio­

nal (FU N PEN ). Este último foi instituído através da Lei Complementar n. 79/94, que foi regulamentada pelo Decreto n. 1.093, de 23 de março de 1 9 9 4 .0 art. 3o da referida Lei Complementar dispõe acerca da destinação dos recursos do FUNPEN (v.g., construção de estabelecimentos penais, manutenção dos serviços penitenciários, etc.).

Art. 346. No caso de quebramento de fiança, feitas as deduções pre­ vistas no art. 345 deste Código, o valor restante será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.1 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Destinação do valor restante no caso de quebramento da fiança: se decretado o quebramento da fiança, que importa na perda de metade do seu valor, feitas as deduções pre­

vistas no art. 345 de metade desse montante caucionado pelo agente, o restante também será recolhido ao Fundo Penitenciário Esta­ dual, se houver, ou Nacional.

Art. 347. Não ocorrendo a hipótese do art. 345, o saldo será entregue a quem houver prestado a fiança, depois de deduzidos os encargos a que o réu estiver obrigado.1 1. Restituição parcial da fiança: se o acusa­ do for condenado e se apresentar para cumprir a pena imposta, desde que não tenha havido anterior quebramento da fiança, o valor dado em garantia deverá ser devolvido ao próprio

beneficiário ou ao terceiro que prestou a fian­ ça, sendo que tal valor deve ser atualizado, abatendo-se o valor das custas, da indenização do dano (se houver), da prestação pecuniária e da multa (caso existente).

Art. 348

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CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

Art. 348. Nos casos em que a fiança tiver sido prestada por meio de hipoteca, a execução será promovida no juízo cível1 pelo órgão do Minis­ tério Público.2 1. Execução da fiança nos casos de hipo­ teca: quando a caução tiver sido prestada por meio de hipoteca, na hipótese de perda ou quebramento da fiança, diz o art. 348 do CPP que a execução será promovida no âmbito cível pelo Ministério Público. Em síntese, caberá ao Ministério Público requerer a venda do bem dado em caução em hasta pública, de modo a garantir o ressarcimento das custas, da inde­ nização da vítima, da prestação pecuniária, da multa, bem como dos valores que serão destinados ao Fundo Penitenciário Estadual ou nacional. 2. Legitimidade do Ministério Público: no tocante à legitimidade do M inistério Público para o processo de execução, parece-nos

que sua atuação está restrita às custas. Com efeito, em se tratando de reparação do dano causado pelo delito, a legitimação do Parquet para a execução seria incompatível com a própria Constituição Federal, que prevê que ao M inistério Público incumbe a tutela dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput), e não disponíveis, como é o interesse da vítima em obter o ressarcimento do prejuízo ex delicto, salvo em se tratando de vítim a pobre m oradora de localidade desprovida de Defensoria Pública. Para mais detalhes acerca da ação civil ex delicto ou da execução civil ex delicto promovida pelo Ministério Público em favor de vítima pobre, remetemos o leitor aos comentários ao art. 68 do CPP.

Art. 349. Se a fiança consistir em pedras, objetos ou metais preciosos, o juiz determinará a venda por leiloeiro ou corretor.1 1. Execução da fiança prestada por meio de pedras, objetos ou metais preciosos: com o objetivo de resguardar o valor dos bens dados em caução, o art. 349 do CPP dispõe que,

na hipótese de a fiança consistir em pedras, objetos ou metais preciosos, o juiz determinará a venda por leiloeiro ou corretor.

Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso.1(Redação dada pela Lei n. 12.403/11). Parágrafo único. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qual­ quer das obrigações ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no §4° do art. 282 deste Código.2'3 (Redação dada pela Lei n. 12.403/11). 1. Liberdade provisória sem fiança por m otivo de pobreza: réu pobre não é necessa­ riamente o mendigo ou o indigente. O conceito de miserabilidade pode ser extraído do art. 32, §1°, do CPP: “Considerar-se-á pobre a pessoa que não puder prover às despesas do proces­ so, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família”. O ônus

da prova quanto à situação de pobreza é do requerente. A dispensa da fiança não é uma discricionariedade do magistrado, mas sim direito do beneficiário. Logo, por força do art. 350 do CPP, desde que o crime seja afiançável - interpretação a contrario sensu dos arts. 323 e 324 - , e o agente não possa prestar a fiança por motivo de pobreza, pode o juiz, e somente

TÍTULO IX- DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

ele, conceder ao preso liberdade provisória sem fiança, cumulada (ou não) com as demais cautelares diversas da prisão, mas com as mesmas obrigações da fiança: a) comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento; b) o acusado afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante; c) o acusado afiançado não poderá ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado.2 2. Descum prim ento das obrigações im­ postas: se o beneficiado da liberdade provisó­ ria descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, o juiz, de ofí­ cio (somente durante o processo), ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do art. 282, §4°, do CPP.

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359

3. Consequências decorrentes da prática de novo delito pelo agente no go zo de liberdade provisória: comparando-se a an­ tiga redação do art. 350, caput, do CPP, com a nova, dada pela Lei n. 12.403/11, percebe-se que o legislador não fez menção expressa no referido dispositivo à prática de nova infração penal como causa de revogação do benefício. Esse silêncio não deve ser tido como um silên­ cio eloquente, no sentido de se entender que, doravante, a prática de outra infração penal não acarretará a revogação do benefício. Em que pese o esquecimento do legislador, se o beneficiado posto em liberdade por força do art. 350, caput, do CPP, volta a praticar nova infração penal, fica evidente que a concessão do benefício da liberdade provisória sem fiança não está sendo suficiente para tutelar a eficácia do processo, daí por que deve ha­ ver a substituição por outra medida cautelar, ou, em último caso, a conversão em prisão preventiva, nos termos do art. 312, parágrafo único, do CPP.

TÍTULO X

DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES1 2 Capítulo I DAS CITAÇÕES3 10

Art. 351. A citação inicial far-se-á por mandado, quando o réu estiver no território sujeito à jurisdição do juiz que a houver ordenado." 1. Com unicação dos atos processuais: o processo penal não pode prosseguir validamente sem a observância do contraditório e da ampla defesa. Afinal, é por meio da co­ laboração das partes que o Poder Judiciário pode chegar ao acertamento do fato delituoso. Por conseguinte, de modo a se preservar o contraditório, concebido pelo binômio co­ nhecim ento e reação, às partes envolvidas devem ser asseguradas condições de saber o que nele se passa, podendo reagir de alguma forma aos atos ali praticados. É natural, pois, a preocupação do Código de Processo Penal e da legislação especial com a comunicação dos atos processuais, isto é, com a forma pela qual os sujeitos do processo são informados sobre os acontecimentos sucedidos ao longo de toda a marcha procedimental. O Título X do Livro I do Código de Processo Penal trata dos atos de comunicação processual entre os arts. 351 e 372. 2. Meios de comunicação dos atos proces­ suais: apesar de não haver um rigor terminoló­ gico por parte do legislador, há 03 (três) meios de comunicação dos atos processuais, quais sejam, a citação, a intimação e a notificação.

Sem sombra de dúvidas, a citação é o ato mais solene, porquanto dá ciência ao acusado acerca da instauração de um processo penal. O legis­ lador também utiliza as expressões notificação e intimação. Na primeira, comunica-se à parte a necessidade de praticar ato futuro, ao passo que o termo intimação deve ser utilizado para a comunicação de ato já praticado no passado. 3. Citação: é um dos mais importantes atos de comunicação processual, porquanto dá ciência ao acusado do recebimento de uma denúncia ou queixa em face de sua pessoa, chamando-o para se defender. Considerando-se que a instrução criminal deve ser conduzida sob o crivo do contraditório, a parte contrária deve ser ouvida (audiatur et altera pars). Para que ela seja ouvida, faz-se necessário o chamamento a juízo, que é feito por meio da citação. Funciona a citação, portanto, como misto de contraditó­ rio e de ampla defesa, já que, ao mesmo tempo em que dá ciência ao acusado da instauração de demanda penal contra ele, também o chama para exercer seu direito de defesa. Portanto, além de assegurar o exercício do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5o, LV), a citação também dá concretude ao quanto previsto na 985

Art. 351

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de Lima

Convenção Americana sobre Direitos Huma­ nos, que assegura que toda pessoa acusada de delito tem direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada (Dec. 678/92, art. 8o, n. 2, “b”).

gravíssimo vício de eventual relação processual que se desenvolva sem a presença do acusado pelo fato de não ter sido citado.

4. Vícios por ocasião da citação (circundução): tamanha a importância da citação que o próprio CPP estabelece que sua falta configura nulidade absoluta (CPP, art. 564, III, “e”). Logo, se a citação não existiu ou, tendo existido, estava eivada de nulidade, o processo estará nulo ab initio. Denomina-se circundução o ato pelo qual se julga nula ou de nenhuma eficácia a citação; quando anulada diz-se que há citação circunduta. Se a citação válida é providência essencial à validade do processo, a nulidade absoluta decorrente da inobservância da forma prescrita em lei poderá ser arguida mesmo após o trânsito em julgado de sentença condenatória ou absolutória im­ própria, na medida em que, nessa hipótese, há instrumentos processuais aptos a fazê-lo, como a revisão criminal e o habeas corpus, que somente podem ser ajuizados em favor do condenado. A despeito da importância da citação, sua falta ou nulidade estará sanada, desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de argui-la. Afinal, o fim da citação terá sido alcançado. Nesse caso, a lei permite que o juiz ordene a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte (CPP, art. 570). Exemplificando, diante do comparecimento do preso em juízo em virtude de requisição à autoridade carcerária, não é possível invocar nulidade por ausência de citação. Com efeito, a apresentação do de­ nunciado ao juízo, a despeito de não cumprir o disposto no art. 360 do CPP, supre a eventual ocorrência de nulidade, nos exatos termos do art. 570 do CPP. A citação deve ser realizada ainda que o acusado tenha constituído advoga­ do antes do início do processo (v.g., prisão em flagrante). Quando o advogado é constituído antes do oferecimento da denúncia, é, de fato, possível que ele tenha informado o cliente sobre o desenrolar do processo, mas isso se trata de mera conjectura que não pode afastar o

STF: "(...) A nulidade que vicia a citação pessoal do



Jurisprudência selecionada:

acusado, im pedindo-lhe o exercício da auto-defesa e de constituir defensor de sua livre escolha causa pre­ juízo evidente. Tal vício p od e ser ale gad o a qualquer tempo, por tratar-se de nulidade absoluta. (...) Ordem concedida para anular o processo a partir da citação". (STF, 1aTurma, HC 92.569/MS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11/03/2008, Dje 074 24/04/2008).

STF: “(...) Ausência de citação d o paciente para audiên­ cia de interrogatório. Réu apenas requisitado à autori­ dade carcerária. Vício sanado com o com parecim ento d o a c u sad o em juízo. N u lidad e suscitada em sede de e m b argo s de declaração opo sto s contra acórdão form alizado em apelação. N ulidade não configurada. Recurso a que se nega provimento". (STF, 2aTurma, RHC 106.461/DF, Rei. Min. Gilm ar M endes, j. 07/05/2013, DJe 178 10/09/2013).

STF: "(...) eventual nulidade da citação d o acu sado é sanada com a constituição de defesa técnica que passou a atuar desde o início d o processo, com ofe­ recimento de alegações preliminares, requerim entos e alegaçõ e s finais. (...) H abeas corpu s parcialm ente conhecido e, nesta parte, denegado". (STF, 2aTurma, HC 94.619/SP, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 02/09/2008, DJe 182 25/09/2008). Em sentido semelhante: STF, 1aTurma, HC 96.465/MG, Rei. Min. DiasToffoli, j. 14/12/2010, DJe 084 05/05/2011. E ainda: STF, 1a Turma, HC 85.950/PE, Rei. Min. Eros Grau, DJ 11/11/2005.

STJ:"(...) A citação é p re ssu po sto de existência da relação processual e sua obrigatoriedade não p od e ser relativizada som ente porque o réu constituiu ad vo ­ g a d o particular q u an do foi preso em flagrante. O fato de o Juiz ter determ inado a juntada, nos autos da ação penal, de cópia da procuração outorgada ao ad vogad o no processo apenso, relacionado ao pedido de liberda­ de provisória, bem com o que o causídico apresentasse resposta à acusação, não supre a falta de citação e nem demonstra, sem o com parecim ento espontâneo do réu a nenhum ato do processo, sua ciência inequívoca da denúncia e nem que renunciou à autodefesa. O pre­ juízo para a am pla defesa foi registrado no acórdão estadual, não havendo falar em violação d o art. 563 do CPP. A am pla defesa desdobra-se na defesa técnica e na autodefesa, esta última suprim ida d o réu, pois não lhe foram oportunizadas diversas possibilidades, tais com o a presença em juízo, o conhecim ento do s argum entos e conclusões da parte contrária, a exteriorização de sua própria argum entação em interrogatório etc. Recurso especial não provido". (STJ, 6a Turma, REsp 1.580.435, Rei. M in. R o gé rio Schietti Cruz, j. 17/03/2016, DJe 31/03/2016).

TÍTULO X •DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

5. Unicidade da citação: no âmbito pro­ cessual penal, a citação é feita uma única vez, sendo que, uma vez citado o acusado, fica este vinculado à instância com todos os ônus daí decorrentes. Portanto, não há necessidade de nova citação para a execução, já que a pretensão deduzida na ação penal somente se realiza com o cumprimento da sentença condenatória, e, assim, uma vez proferida sentença condena­ tória, ou mesmo absolutória com imposição de medida de segurança, segue-se a fase da execução, que, no processo penal, constitui um prolongamento da relação processual. Ressalva especial quanto à desnecessidade de se proceder à nova citação na execução diz respeito à pena de multa. De fato, de acordo com o art. 164 da Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84), “extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requere­ rá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora”. 6. Finalidade da citação no procedimento comum ordinário e sumário e na primeira fase do procedimento do júri (iudicium accusationis): antes da reforma processual de 2008, a citação nesses procedimentos era feita para que o acusado comparecesse em juízo a fim de ser interrogado, porquanto o interrogatório era o primeiro ato da instrução processual. Com as mudanças produzidas pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08, a citação passou a ser feita para fins de apresentação da resposta à acusação. De fato, de acordo com o art. 396 do CPP, recebida a peça acusatória, deve o juiz ordenar a citação do acusado para responder à acusação , por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Na mesma linha, o art. 406, caput, prevê que o juiz, ao receber a denún­ cia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Esta observação é extremamen­ te importante, pois, em vários dispositivos do CPP, o legislador continua dizendo que a citação será feita para que o acusado compareça em juízo. É o que ocorre, a título de exemplo, nos arts. 352, VI, 354, IV, 359,362, parágrafo único, do CPP. Não obstante, como o interrogatório passou a ser o último ato da instrução probató­

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ria no procedimento comum, é certo que, pelo menos em regra, a citação não é mais feita para que o acusado compareça em juízo, mas sim para que apresente resposta à acusação, no prazo de 10 (dez) dias. 7. Finalidade da citação em procedimen­ tos diversos: não se pode perder de vista que ainda há procedimentos em vigor em que o acusado é citado para ser interrogado. De modo a evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 185 do CPP. 8. Espécies de citação: a) real (ou pessoal): constitui a regra, devendo ser compreendida como aquela que é feita pessoalmente, ou seja, na pessoa do próprio acusado. Pode ser con­ cretizada por mandado, por precatória, carta de ordem, ou por carta rogatória. No processo pe­ nal comum, não se admite citação pelo correio, nem tampouco citação por e-mail ou telefone. Além disso, segundo disposição expressa da Lei n. 11.419/06 (art. 6o), que dispõe sobre a infor­ matização do processo judicial, não se admite citação eletrônica no processo penal; b) ficta ou presumida: apesar de ser muito improvável que o acusado tenha tomado conhecimento da instauração do processo penal, trabalha-se com uma presunção legal (ficção) de tal ciência, com isso se satisfazendo o ordenamento processual. Sua utilização é medida excepcional, e deve ser levada a efeito apenas quando demonstrado que o acusado não foi encontrado para ser citado pessoalmente, ou quando se oculta para não ser citado. São exemplos de citação ficta no processo penal a citação por edital e a citação por hora certa, hipóteses em que se presume que o acusado teve ciência da acusação e da instauração do processo. 9. Citação de pessoas jurídicas: nahipótese de crimes ambientais em que haja dupla imputação à pessoa jurídica e à pessoa física que atua em seu nome ou benefício, a citação do ente moral deverá ser feita na pessoa de seu representante legal ou de algum diretor com poderes para receber a citação.

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Art. 352

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

10. Citação de inimputáveis (citação im­ própria): em relação aos inimputáveis, cuja doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado tenha sido diag­ nosticado antes da citação, a citação deve ser feita na pessoa de seu curador. A propósito, consoante disposto no art. 245, caput, do novo CPC, não se fará citação quando se verificar que o citando é mentalmente incapaz ou está im possibilitado de recebê-la. Cuida-se da denominada citação im própria. Ora, se a própria lei prevê a nomeação de curador ao acusado quando o juiz determinar a realiza­ ção de exame médico-legal para verificar sua (in) sanidade mental (CPP, arts. 149, §2°, e 152, caput), é evidente que a citação há de ser feita na pessoa daquele. Se, no entanto, a dúvida sobre a integridade mental do acusa­ do surgir por ocasião de sua citação pessoal, deve o Oficial de Justiça certificar no verso do mandado tal circunstância. Nessa situação, ao juiz caberá determinar a realização de exame médico-legal, nomeando curador ao acusado, a quem incumbirá, então, receber a citação. Aplica-se, in casu, o procedimento delineado pelos parágrafos do art. 245 do novo CPC. Não há mais necessidade de curador para o indiciado menor de 21 (vinte e um) anos. Isso porque, por força do Código Civil (art. 5o), a menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos com­ pletos. Ademais, o art. 194 do CPP, que previa a necessidade de nomeação de curador para o

menor de 21 anos por ocasião do interrogató­ rio judicial, foi revogado pela Lei n. 10.792/03. Daí o entendimento da doutrina no sentido da revogação tácita do art. 15 do CPP. Apesar de os privilégios processuais para os menores de 21 e maiores de 18 anos terem deixado de existir em face do novo Código Civil, é de se notar que as normas de natureza material que lhes são favoráveis ainda permanecem em vigor, como, por exemplo, a contagem da prescrição pela metade (CP, art. 115). 11. Citação por mandado: ao contrário do processo civil, que admite que a citação seja feita pessoalmente ao réu, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado (CPC, art. 215 - art. 242, caput, in fine, do novo CPC), em sede processual penal somente o sujeito passivo da pretensão punitiva é que pode ser citado. Quando o acusado estiver no território sujeito à jurisdição do juiz que a houver ordenado, a citação inicial far-se-á por mandado. Portanto, se o acusado estiver em local certo e sabido no território do juiz processante, sua citação deverá ser feita, em regra, por mandado, compreendido como uma ordem escrita, assinada pelo juiz competente, a ser cumprida por Oficial de Justiça. Não há previsão legal para que o mandado seja cum­ prido por escrivão ou diretor de secretaria. Os requisitos do mandado de citação podem ser subdivididos em intrínsecos (art. 352) e extrínsecos (art. 357).

Art. 352. O mandado de citação indicará:' I - o nome do juiz; II - o nome do querelante nas ações iniciadas por queixa; III - o nome do réu, ou, se for desconhecido, os seus sinais característicos; IV - a residência do réu, se for conhecida; V - o fim para que é feita a citação; VI - o juízo e o lugar, o dia e a hora em que o réu deverá comparecer; VII - a subscrição do escrivão e a rubrica do juiz. 1. Requisitos intrínsecos do m andado de citação: a) o nome do juiz; b) nome do quere­ lante nas ações iniciadas por queixa; c) nome do réu, ou, se for desconhecido, os seus sinais

característicos; d) residência do réu, se for co­ nhecida; e) fim para que é feita a citação: com as mudanças produzidas pela Lei n. 11.719/08 e a nova redação do art. 396, caput, do CPP,

TÍTULO X •DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

o acusado é citado no procedimento comum ordinário e sumário para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias; f) o juízo e o lugar, o dia e a hora em que o réu deverá comparecer: como visto anteriormente, antes da reforma processual de 2008, o acusado era citado para que comparecesse em juízo para ser interrogado, porquanto era este o primeiro ato da instrução processual (antiga redação do art. 394 do CPP). Daí dispor o art. 352, inciso VI, do CPP, sobre o dia e a hora em que o acusado deve comparecer. No entanto, com as altera­ ções produzidas pela Lei n. 11.719/08, a citação passou a ser feita para que o acusado apresente resposta à acusação (CPP, art. 396-A), sendo que ainda não se sabe se haverá (ou não) au­

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diência una de instrução e julgamento, já que é possível que ocorra sua absolvição sumária (CPP, art. 397). O dia e a hora em que o acusa­ do deverá comparecer em juízo somente serão conhecidos na hipótese de o acusado não ser absolvido sumariamente, quando, então, será designada a referida audiência. A propósito, o art. 399 do CPP estabelece que “recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente”; g) a subscrição do escrivão e a rubrica do juiz: mandado sem a subscrição do escrivão e a rubrica do juiz não tem qualquer valor e deve ser considerado apócrifo.

Art. 353. Quando o réu estiver fora do território da jurisdição do juiz processante, será citado mediante precatória1'1 2 1. Citação por carta precatória: se o acusado estiver no território nacional, em local certo e sabido, porém fora do âmbito da competên­ cia territorial do juízo processante, a citação deverá ser feita por meio de carta precatória. Para tanto, é importante que o acusado esteja em local certo e sabido, sob pena de não ser possível o cumprimento da carta precatória. 2. Distinção entre a carta precatória e a carta de ordem: a carta de ordem é semelhante à carta precatória, diferenciando-se desta em virtude do órgão jurisdicional de que emana. Quando o órgão jurisdicional que a solicita e aquele a quem se solicita estão no mesmo grau de jurisdição, trata-se de carta precatória; quando o órgão jurisdicional que solicita o

cumprimento é de grau superior, fala-se em carta de ordem. A título de exemplo, é o que ocorre com a citação quando quem tiver que ser citado não residir no local da sede da jurisdição do Tribunal. Nessa Unha, o art. 9o, §1°, da Lei n. 8.038/90, determina que “o relator poderá delegar a realização do interrogatório ou de outro ato da instrução ao juiz ou membro de tribunal com competência territorial no local de cumprimento da carta de ordem”. Na mesma esteira, o art. 239, §1°, do Regimento Interno do Supremo estabelece que “o Relator poderá delegar o interrogatório do réu e qualquer dos atos de instrução a juiz ou membro de outro Tribunal, que tenha competência territorial no local onde devam ser produzidos”.

Art. 354. A precatória indicará:1 I - o juiz deprecado e o juiz deprecante; II - a sede da jurisdição de um e de outro; III - o fim para que é feita a citação, com todas as especificações; IV - o juízo do lugar, o dia e a hora em que o réu deverá comparecer. 1. Requisitos da precatória: a) juiz deprecado (aquele a que se pede) e o juiz deprecante (aquele

que faz a solicitação); b) sede da jurisdição de um e de outro; c) fim para que é feita a citação, com

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todas as especificações; d) juízo do lugar, dia e hora em que o réu deverá comparecer. De modo a

evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 352 do CPP.

Art. 355. A precatória será devolvida ao juiz deprecante, independen­ temente de traslado, depois de lançado o "cumpra-se" e de feita a citação por mandado do juiz deprecado.1 §1° Verificado que o réu se encontra em território sujeito à jurisdição de outro juiz, a este remeterá o juiz deprecado os autos para efetivação da diligência, desde que haja tempo para fazer-se a citação.2 §2° Certificado pelo oficial de justiça que o réu se oculta para não ser citado, a precatória será imediatamente devolvida, para o fim previsto no art. 362-3 1. Cumprimento da carta precatória: uma vez recebida a carta precatória, o juízo depre­ cado determinará a expedição de mandado para efetivação da citação do acusado no foro do juízo deprecado. Este mandado deverá ser cumprido com fiel observância dos requisitos dos arts. 352 e 357 do CPP. Após a realização do ato de citação, a precatória deve retornar à origem, sem maiores formalidades. 2. Carta precatória itinerante: ao cumprir o mandado de citação expedido pelo juízo deprecado, é possível que o Oficial de Justiça verifique que o acusado não se encontra na­ quela comarca, mas sim em outra, sujeita à competência de outro juízo. Nessa hipótese, desde que haja tempo para fazer-se a citação, deve o juiz deprecado remeter os autos da carta precatória ao juiz da comarca onde se encontra o acusado para fins de efetivação da diligência, o que deverá ser feito independentemente de determinação do juízo deprecante. É o que a doutrina denomina de carta precatória itine­ rante, prevista no art. 355, §1°, do CPP.

3. Desnecessidade de devolução da pre­ catória para fins de imediata citação por hora certa pelo oficial de justiça no juízo deprecado quando o acusado se ocultar para não ser citado: diante das alterações produzidas pela reforma processual de 2008, especial atenção deve ser dispensada ao art. 355, §2°, do CPP. Na redação original do CPP, o art. 362 dizia que se o réu não fosse encon­ trado, seria citado por edital, com o prazo de 15 (quinze) dias. Ocorre que, por força da Lei n. 11.719/08, o art. 362 sofreu importante modificação, passando a prever a possibilidade de citação por hora certa no processo penal. Destarte, verificando que o réu se oculta para não ser citado, o Oficial de Justiça certificará a ocorrência e procederá de imediato à citação por hora certa, na forma dos arts. 227 a 229 do CPC (arts. 252 a 254 do novo CPC). Após aperfeiçoada a citação por hora certa, aí sim deve ser devolvido o mandado ao cartório a fim de que a precatória seja restituída ao juízo deprecante.

Art. 356. Se houver urgência, a precatória, que conterá em resumo os requisitos enumerados no art. 354, poderá ser expedida por via tele­ gráfica, depois de reconhecida a firma do juiz, o que a estação expedidora mencionará-' 1. Urgência para o cumprimento da pre­ catória: conquanto o art. 356 do CPP faça menção à expedição da carta precatória apenas

por via telegráfica, com o advento da Lei n. 12.403/11, qualquer meio de comunicação pode vir a ser utilizado. Isso porque, de acordo

TÍTULO X •DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

com a nova redação do art. 289, §1°, do CPP, havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como o valor da fiança se arbitrada. Ora, se o novel dispositivo admite que a prisão seja requisitada p or qualquer meio de comunica­ ção, tal dispositivo também deve ser aplica­ do à expedição da carta precatória, tomadas as devidas providências para averiguação da autenticidade do pedido. Ademais, por força

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do art. 7o da Lei n. 11.419/06, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, cuja aplicação é possível aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição, as cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas preferentemente por meio eletrônico.

Art. 357. São requisitos da citação por mandado:1'2 I - leitura do mandado ao citando pelo oficial e entrega da contrafé, na qual se mencionarão dia e hora da citação; II - declaração do oficial, na certidão, da entrega da contrafé, e sua aceitação ou recusa. 1. Requisitos extrínsecos para o cumpri­ mento do m andado de citação: a) leitura do mandado ao citando pelo oficial e entrega da contrafé, na qual se m encionarão dia e hora da citação - o mandado deve ser sempre acompanhado de cópia da denúncia ou queixa (e eventuais aditamentos) para ser entregue ao acusado (a chamada contrafé); b) declaração do oficial, na certidão, da entrega da contrafé, e sua aceitação ou recusa. 2. Distinção entre o processo civil e o pro­ cesso penal quanto à citação por mandado: o art. 217 do CPC (art. 244 do novo CPC) dispõe que não se fará a citação, salvo para

evitar o perecimento do direito: I - a quem estiver assistindo a qualquer ato de culto reli­ gioso; II - ao cônjuge ou a qualquer parente do morto, consanguíneo ou afim, em linha reta, ou na linha colateral em segundo grau, no dia do falecimento e nos 7 (sete) dias seguintes; III - aos noivos, nos 3 (três) primeiros dias de bodas; IV - aos doentes, enquanto grave o seu estado. No âmbito processual penal, não há restrições semelhantes, do que se conclui que a citação pode ser feita em qualquer lugar em que o acusado seja encontrado, pouco impor­ tando o dia e a hora, respeitando-se apenas a inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5o, XI).

Art. 358. A citação do militar far-se-á por intermédio do chefe do respectivo serviço1-4 1. Citação do militar: a fim de se preservar a hierarquia e disciplina militares, evitando-se que o Oficial de Justiça ingresse em dependên­ cias militares à procura do acusado, o art. 358 do CPP prevê que, em se tratando de militar, o juízo processante deve expedir um ofício ao Comandante da Organização Mihtar em que se encontra lotado o acusado. Prevalece a orienta­ ção de que, nessa hipótese, não há necessidade

de expedição de um mandado em conjunto com o ofício, bastando que este contenha todos os elementos essenciais ao mandado (CPP, art. 352) para que não haja prejuízo à defesa. Recebido o ofício, o Comandante Militar dará ciência ao militar do inteiro teor do ofício, ao mesmo tempo em que comunica o juízo sobre o cumprimento da requisição. Se, porventura, encontrar-se o militar fora da comarca do juízo

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processante, haverá necessidade de expedição de carta precatória, hipótese em caberá ao juízo deprecado proceder à requisição, nos exatos termos do art. 358 do CPP. 2. Aplicação restrita ao militar da ativa: o art. 358 do CPP é aplicável somente ao militar da ativa, ou seja, aos militares de carreira, aos incorporados às Forças Armadas para presta­ ção de serviço militar inicial, aos componentes da reserva das Forças Armadas quando con­ vocados, reincluídos, designados ou mobili­ zados, aos alunos de órgão de formação de militares da ativa e da reserva e, em tempo de guerra, a todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço ativo nas Forças Armadas (Lei n. 6.880/80, art. 3o, §1°, alínea “a). Logo, se o militar estiver na inatividade (v.g., militares da reserva ou reformados), não há necessidade de se observar o art. 358 do CPP, porquanto refe­ rido dispositivo foi criado como instrumento de tutela do serviço e disciplinas militares, e não como privilégio de natureza pessoal. 3. Comparecimento em juízo: caso a cita­ ção seja efetuada apenas com o objetivo de comunicar o acusado acerca da instauração do processo penal contra sua pessoa e da fi­ xação do prazo para apresentação da resposta à acusação (CPP, art. 396, caput), não haverá

necessidade de constar do oficio a requisição de comparecimento a juízo. Logicamente, tão logo o magistrado rejeite eventual pedido de absolvição sumária (CPP, art. 397), designan­ do a data para a realização da audiência una de instrução e julgamento (CPP, art. 399), deverá determinar a expedição de novo ofício requisitando o comparecimento do acusado à audiência una de instrução e julgamento. De outro lado, caso a citação seja realizada com o objetivo de determinar o comparecimento do acusado em juízo para fins de ser interrogado (v.g., procedimento da Lei de Drogas), tam­ bém deverá constar do ofício encaminhado ao Chefe da Organização Militar a requisição de comparecimento no dia e hora aprazados. 4. Citação do militar no âmbito processual penal militar: de acordo com o art. 280 do CPPM, a citação a militar da ativa far-se-á mediante requisição à autoridade sob cujo comando ou chefia estiver, a fim de que o citando se apresente para ouvir a leitura do mandado e receber a contrafé. Como se per­ cebe, ao contrário do que ocorre no processo penal comum, o militar da ativa é requisitado para comparecer em juízo, geralmente alguns dias antes de seu interrogatório, oportunidade em que é citado pessoalmente pelo Oficial de Justiça.

Art. 359.0 dia designado para funcionário público comparecer em juízo, como acusado, será notificado assim a ele como ao chefe de sua repartição3 1 1. Citação de funcionário público: o funcio­ nário público também deve ser citado pessoal­ mente, seja por mandado, seja por carta preca­ tória. Porém, de acordo com o art. 359 do CPP, o dia designado para o funcionário comparecer em juízo, como acusado, será notificado assim a ele como ao chefe de sua repartição. Como se percebe, o dispositivo diz respeito apenas ao comparecimento do funcionário em juízo como acusado. Na verdade, o art. 359 do CPP visa preservar a regularidade e a continuidade do serviço público, que poderia ser prejudicada caso o funcionário se ausentasse sem prévia

com unicação ao chefe da repartição. Para Pacelli (Curso de processo penal. 1 I a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 501), ao chefe do serviço deverá ser informada apenas a existência do compromisso do funcionário público, sem mais referências à imputação penal, para que se preserve o direito à inti­ midade e à privacidade do acusado. Destarte, caso determinado funcionário público figure como acusado em um processo penal, se a citação for realizada apenas com o objetivo de apresentação da resposta à acusação (CPP, art. 396, caput), é dispensada a expedição de

TÍTULO X • DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

qualquer notificação ao Chefe da Repartição, já que não haverá necessidade de afastamen­ to do servidor de suas funções para tanto. Todavia, tão logo haja a rejeição de eventual pedido de absolvição sumária (CPP, art. 397), designando o juiz a data para a realização da audiência una de instrução e julgamento (CPP,

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art. 399), deverá ser determinada a expedição de ofício ao chefe do órgão em que o acusado estiver lotado. Como o art. 359 do CPP visa evitar prejuízo ao bom andamento do serviço público, há de se concluir que sua aplicação não será necessária caso o funcionário esteja, por qualquer motivo, afastado de suas funções.

Art. 360. Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado.13 (Redação dada pela Lei n. 10.792/03). 1. Citação de acusado preso: em sua re­ dação original, o art. 360 do CPP preceituava que, estando o acusado preso, sua apresenta­ ção em juízo no dia e hora designados devia ser requisitada. Nada falava o CPP acerca da citação pessoal do acusado preso. Com a en­ trada em vigor da Lei n. 10.792/03, o art. 360 passou a prever que, na hipótese de o acusado encontrar-se preso na comarca do juízo processante, a citação deve ser feita por mandado regularmente cumprido por Oficial de Justiça. De outro lado, se o acusado estiver preso em outra comarca, a citação deverá ser feita por meio de carta precatória, situação em que o juízo deprecado deverá expedir mandado de citação, a fim de que o acusado seja pessoal­ mente citado. Posteriormente, a apresentação do preso deverá ser requisitada ao diretor do presídio, a não ser que seu interrogatório seja realizado no próprio estabelecimento prisional ou por videoconferência (CPP, art. 185, §§ I o e 2o). 2. Requisição para comparecimento em juízo: se a citação visar apenas à comunicação acerca da instauração do processo penal e à fixação de prazo para apresentação da res­ posta à acusação, não haverá necessidade de requisição de comparecimento do preso. No entanto, posteriormente, uma vez rejeitado o pedido de absolvição sumária do acusado e designada audiência una de instrução e julga­ mento, o acusado preso deverá ser requisitado para comparecer ao interrogatório e demais atos instrutórios, devendo o poder público providenciar sua apresentação (CPP, art. 399, §1°). Na hipótese de procedimento em que a

citação também se destine a dar ciência ao acu­ sado acerca da data de seu interrogatório (v.g., tráfico de drogas), juntamente com o mandado de citação deverá ser expedido ofício ao Dire­ tor do estabelecimento penitenciário em que o acusado estiver preso, requisitando-se seu comparecimento em dia e hora designados. 3. Acusado preso em outra unidade da federação: como a nova redação conferida ao art. 360 do CPP pela Lei n. 10.792/03 não estabelece qualquer distinção quanto ao fato de o acusado estar preso na mesma unidade da Federação (ou não), parece-nos que está ultrapassado o enunciado constante da súmula n. 351 do STF (“é nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da Federação em que o juiz exerce a sua jurisdição”). Ora, se o acusado está preso, independentemente da unidade federativa em que estiver recolhido, isso significa dizer que se encontra à disposição do Estado. Logo, é obrigação do Poder Judici­ ário tomar conhecimento disso, procedendo à citação pessoal do preso, nos termos do art. 360 do CPP, sob pena de evidente violação à ampla defesa. Para fins de ser respeitado o direito à citação pessoal daquele que está preso, são irrelevantes eventuais alegações do Poder Público concernentes à dificuldade de comu­ nicação entre os estados-membros. Afinal, razões de mera desorganização administrativa não têm - nem podem ter - precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao contraditório e à ampla defesa (CF, art. 5o, LV). Nessa linha, como já se pronunciou o Supremo (2a Turma, HC 69.873/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 08/03/1993, D J 16/04/1993),

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ao Estado incumbe, ao menos, organizar-se de modo a ter cadastro atualizado de tantos quan­ tos se encontrem recolhidos às cadeias públicas e penitenciárias. Se, à época da declaração de revelia, o acusado encontrava-se sob a custódia do Estado, exsurge a nulidade absoluta dos atos processuais praticados. Destarte, estando o acusado preso, deverá ser citado pessoalmen­ te, nos moldes do art. 360 do CPP. Há de ser considerada nula eventual citação por edital de acusado preso, mesmo que este se encontre custodiado em localidade diversa daquela em que tramita o processo. Não se pode objetar que o Estado não dispõe de instrumentos para verificar se o acusado está preso em outra unidade da Federação. Isso porque, com o advento da Lei n. 12.403/11, passou a constar do art. 289-A do CPP a existência de um banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para fins de registro dos mandados de prisão expedidos em todo o território nacio­ nal. Em síntese, se passamos a contar com um banco nacional de mandados de prisão, é de todo evidente que, doravante, há instrumento

disponível para fins de verificação de prisão de determinada pessoa em qualquer unidade da Federação. Logo, não mais se justifica a realização da citação por edital de acusado preso. Sem embargo do nosso entendimento, é de se notar que há precedentes do STJ no sentido de que se o acusado estiver preso em outra unidade da Federação, continua sendo possível a citação por edital, tal qual disposto na súmula n. 351 do STF, desde que compro­ vado o esgotamento dos recursos disponíveis para localizar o acusado. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T J: "(...) a Súm ula 351 da Suprem a Corte, que prevê a nulidade da 'citação por edital de réu preso na m esm a unidade da Federação em que o juiz exerce a sua juris­ dição', só tem incidência nos casos de réu se gre gado no m esm o Estado no qual o Juiz processante atua, não se estendendo às hipóteses em que o acusado se encontra custodiado em localidade diversa daquela em que tramita o processo no qual se deu a citação por edital". (STJ, 5a Turma, H C 162.339/PE, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 27/09/2011, DJe 28/10/2011).

Art. 361 . Se o réu não for encontrado, será citado por edital,1'7 com o prazo de 15 (quinze) dias8 1. Citação por edital: trata-se de espécie de citação ficta, já que não é realizada pessoal­ mente, presumindo-se que o acusado dela to­ mou conhecimento, já que o edital é afixado à porta do edifício onde o juízo funciona, sendo publicado pela imprensa quando possível. 2. Juizados Especiais Criminais: a citação por edital não é admissível no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. De acordo com o art. 66 da Lei n. 9.099/95, a citação será pes­ soal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado. O parágrafo único do referido dispositivo, por sua vez, preceitua que não encontrado o acusado para ser cita­ do, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum, no qual deverá ser observado o procedimento sumário (CPP, art. 538, com redação dada pela Lei n. 11.719/08). O pro­ cesso só será remetido ao Juízo comum após a denúncia e tentativa de citação pessoal no

Juizado Especial. Nessa hipótese, mesmo que o acusado seja posteriormente encontrado, não será restabelecida a competência dos Juizados, que é exaurida no momento em que os autos são encaminhados ao juízo comum. 3. Hipóteses que autorizam a citação por edital: as hipóteses que autorizavam a ci­ tação por edital foram alteradas pela Lei n. 11.719/08. Vejamos, então, quais eram as hi­ póteses em que se admitia a citação por edital e como a matéria passou a ser regulamentada a partir da reforma processual de 2008. 4. Acusado em local inacessível: quando o acusado estivesse em local inacessível, em virtude de epidemia, de guerra ou por outro motivo de força maior, o revogado inciso I do art. 363 do CPP dizia que sua citação deveria ser feita por edital, com o prazo de dilação variando entre 15 (quinze) e 90 (noventa)

TlTULO X • DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

dias, de acordo com as circunstâncias. Ocorre que esse dispositivo legal foi expressamente revogado pela Lei n. 11.719/08. Apesar da revogação expressa do inciso I do art. 363, é oportuno esclarecer que o texto original da Lei n. 11.719/08 aprovado pelo Congresso Nacional e levado à sanção presidencial, pre­ via, em seu art. 366, que “a citação ainda será feita por edital quando inacessível, por motivo de força maior, o lugar em que estiver o réu”, praticamente repetindo a redação anterior. No entanto, o art. 366, tal qual constava do texto do projeto, acabou sendo vetado pelo Presidente da República sob o argumento de que “a nova redação do art. 366 não inovaria substancialmente no ordenamento jurídico pátrio, pois a proposta de citação por edital, quando inacessível, por motivo de força maior, o lugar em que estiver o réu, reproduz o pro­ cedimento já previsto no Código de Processo Civil e já extensamente aplicado, por analogia, no Processo Penal pelas cortes nacionais”. Ora, vetado que foi o texto original do art. 366, era de se esperar que fosse mantido o inciso I do art. 363, o que não aconteceu. Diante desse evi­ dente equívoco, pensamos que continua sendo possível a citação por edital do acusado que estiver em local inacessível, quer por meio de analogia com o art. 231, inciso II, do Código de Processo Civil (art. 256, II, do novo CPC), tal qual permite o art. 3o do CPP, quer por força do art. 363, §1°, do CPP, que continua prevendo a possibilidade de citação por edital do acusado que não for encontrado. Aliás, de acordo com o novo CPC, considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória (art. 256, §1°). Ademais, nos termos do art. 256, §2°, do novo CPC, no caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão. 5. Incerteza quanto à pessoa a ser citada: antes da reforma processual de 2008, dispunha o art. 363, II, do CPP, que a citação também seria feita por edital quando incerta a pessoa que tivesse de ser citada. Nesse caso, o prazo do edital era de 30 (trinta) dias. Com o advento da Lei n. 11.719/08, esse dispositivo foi expressa­

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mente revogado. Apesar da revogação do art. 363, II, do CPP, há quem entenda que continua sendo possível a citação por edital de pessoa incerta, a qual deve ser feita com fundamento no art. 363, §1°, que permite a citação por edital quando o acusado não for encontrado. Nesse sentido: TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 4a ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2010. p. 628. Com a devida vênia, pensamos que a revogação do art. 363, inciso II, do CPP, denota a intenção do legislador de não mais admitir o oferecimento de denúncia quando incerta a pessoa que tiver de ser citada. É bem verdade que, segundo o art. 41 do CPP, não havendo a qualificação completa do acusado, e não sendo possível a sua identificação crimi­ nal, a parte acusadora pode apontar os esclare­ cimentos pelos quais seja possível identificá-lo. Assim, o fato de ser desconhecida a identifi­ cação completa do acusado não seria óbice ao oferecimento da peça acusatória, desde que se possa mencionar seus traços característicos, permitindo distingui-lo de outras pessoas. No entanto, tais dispositivos, que autorizam a de­ flagração de um processo penal contra alguém com base em “esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo” devem ser interpretados com muita cautela. Isso porque, em tempos atuais - lembre-se que o CPP entrou em vigor na década de 40 - , não se afigura crível que uma denúncia seja oferecida em face de “Tício, cidadão de cor branca, alto e magro”, sem quaisquer outros elementos de identificação. Se uma peça acusatória fosse oferecida nes­ ses termos, caberia ao magistrado rejeitá-la de plano (CPP, art. 3 9 5 ,1), já que se trata de indicação vaga de pessoa fisicamente incerta que impossibilita até mesmo a citação inicial, prejudicando o regular andamento do feito. Por isso, nos parece que a revogação do art. 363, II, do CPP, demonstra a clara intenção do legislador de não mais se admitir a instaura­ ção de processo penal contra pessoa incerta. Por isso, deixou de haver previsão legal de citação por edital quando incerta a pessoa que tiver de ser citada. É nesse sentido a lição de Luiz Flávio Gomes ( Comentários às reformas

do Código de Processo Penal e da Lei de Trân­

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V

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sito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 321), que sustenta que, preocupado em inibir pretensões temerárias e atendo-se, ainda, ao fato de que, na prática, não se tem notícia de denúncia oferecida contra pessoa incerta, foi o inciso II revogado. Destarte, caso não se tenha certeza quanto à qualificação do acusado, deve a parte acusadora se abster de apresentar denúncia ou queixa, pelo menos enquanto tais dados não forem coligidos. Para que a pretensão punitiva não seja frustrada pela não identificação do acusado, a solução passa pela decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 312, parágrafo único, do CPP. 6. Acusado ocultando-se para não ser ci­ tado: o prazo do edital era de 5 (cinco) dias (antiga redação do art. 362 do CPP). Com as mudanças produzidas pela Lei n. 11.719/08, o acusado que se oculta para não ser citado não é mais citado por edital, mas sim por hora certa. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 362 do CPP. 7. Acusado não encontrado: o art. 361 do CPP foi um dos poucos dispositivos legais referentes à citação por edital que não sofreu qualquer alteração com a Lei n. 11.719/08. Tal dispositivo continua a dispor que “se o réu não for encontrado, será citado por edital, com o prazo de 15 (quinze) dias”. Por sua vez, o art. 363, §1°, do CPP, prevê que “não sendo encon­ trado o acusado, será procedida a citação por edital”. 7.1. Esgotam ento dos meios de localiza­ ção do acusado: tratando-se de hipótese de citação presumida, é evidente que a citação por edital é medida de ultima ratio, que só deve ser adotada quando esgotados todos os meios de localização do acusado. Portanto, para além de diligenciar o Oficial de Justiça no sentido da localização do acusado em todos os endereços existentes nos autos do inquérito e do processo, outras diligências também deverão ser empre­ endidas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário (v.g., ofícios às concessionárias de serviço público, aos órgãos responsáveis pela

administração penitenciária, etc.). A propósito, consoante disposto no art. 256, §3°, do novo CPC, subsidiariamente aplicável ao processo penal, o réu só pode ser considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tenta­ tivas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O juízo processante atestou que, conquanto tenham sido esgotados todos os m eios possíveis para a localização d o réu, não foi este encontrado, daí porque citado por edital. Nulidade inexistente. (...) Ordem denegada". (STF, 1aTurma, HC 98.101/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski.j. 01/06/2010, DJe 110 17/06/2010).

STF:"(...) Citação editalícia diretam ente determ inada pelo Juízo, à vista de anterior informação, colhida na fase de inquérito, de que o então indiciado não fora localizado em seu local de trabalho e no endereço residencial que constava de sua ficha cadastral. Constata-se que não foram esgotados todos os meios disponíveis para a cita­ ção pessoal do paciente, antes de proceder-se à citação por edital. N ão se verificando a regular cientificação d o acusado, com uso de todos os meios ao alcance do Juízo para que fosse localizado, negou-se-lhe o direito ao interrogatório, ato classificado pela melhor doutrina, ao m esm o tempo, com o meio de prova e de defesa, e, em acréscimo, lhe foi retirada a prerrogativa de, livremente, escolhero advogado incumbido de sua defesa, elegendo, junto com este, as testemunhas que caberia arrolar e as demais provas que poderia produzir. Precedentes. Paten­ te situação de constrangimento ilegal. Ordem deferida para anularo processoa partir da citação editalícia levada a efeito pelo Juízo do 2°Tribunal do Júri da Capital de São Paulo, daí renovando-se o feito em todos os seus demais termos, devendo o Paciente ser colocado em liberdade se, por outro motivo, não estiver preso" (STF, 2a Turma, HC 88.548/SP, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 18/03/2008, DJe 182 25/09/2008). No sentido de que é nulo o processo na hipótese de citação editalícia determ inada antes de serem esgotados todos os meios disponíveis para a citação pessoal do acusado: STJ, 5a Turma, HC 213.600/ SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 04/10/2012.

8. Prazo de dilação: cuida-se do tempo que deve permear entre a publicação do edital e a data em que se considera efetivado o ato pro­ cessual. Em outras palavras, considerar-se-á aperfeiçoada a citação por edital não com a simples publicação do edital, mas sim com o decurso do prazo de dilação nele consignado. Quando o acusado não é encontrado, e se faz necessária a citação por edital, esse prazo de

TÍTULO X • DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

dilação será de 15 (quinze) dias, como textual­ mente dispõe o art. 361 do CPP. Portanto, no âmbito do procedimento comum, o prazo de 10 (dez) dias para apresentação da resposta à acusação começará a fluir tão somente após o término desse prazo de dilação.

STF:"(...) Citação

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por edital. Interrogatório realizado

14 dias após a publicação. N ulidade absoluta. Violação ao art. 361 d o CPP. Ordem concedida. Prescrição reco­ nhecida de ofício. É nulo, a partir da citação editalícia, o processo em que não se observa o prazo de 15 dias entre a publicação d o edital de citação e a data do interrogatório". (STF, 2a Turma, H C 91.431/MA, Rei.



Jurisprudência selecionada:

Min. CezarPeluso,j. 04/12/2009, DJe027 11/02/2010).

Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa,1'2* na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil3-4(Redação dada pela Lei n. 11.719/08).5 Parágrafo único. Completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo.6 (Incluído pela Lei n. 11.719, de 2008). 1. Citação por hora certa: antes do advento da Lei n. 11.719/08, quando o acusado se ocul­ tava para não ser citado, sua citação era feita por edital. Era essa, aliás, a antiga redação do art. 362 do CPP: “Verificando-se que o réu se oculta para não ser citado, a citação far-se-á por edital, com o prazo de 5 (cinco) dias”. A Lei n. 11.719/08 deu nova redação ao art. 362 do CPP, inaugurando a possibilidade de cita­ ção por hora certa em sede processual penal. Destarte, verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 do Código de Processo Civil. 2. (In) constitucionalidade do art. 362 do CPP: a citação por hora certa é plenamente compatível com a Constituição Federal e com a Convenção Americana sobre Direitos Huma­ nos. Não se pode querer assemelhar a situação daquele que está em local incerto e não sabido, o qual deve ser citado por edital, com a situação daquele que está em local conhecido, porém deliberadamente se furta à citação com o obje­ tivo de provocar o retardamento da prestação jurisdicional. Em relação àquele que não foi encontrado para ser citado, a ele se reserva a suspensão do processo e da prescrição (CPP, art. 366). Porém, se o acusado se oculta para não ser citado, inviável se apresenta a suspen­ são do processo e da prescrição, sob pena de

se premiar sua própria torpeza. De fato, apesar de o acusado ter direito de ter ciência da acu­ sação, não se pode valer da própria torpeza, ocultando-se para, posteriorm ente, querer alegar a falta de conhecimento da imputação. Se se ocultou ardilosamente com o objetivo de fugir da citação pessoal, não pode alegar ignorância quanto ao processo que contra ele foi instaurado. De mais a mais, se o acusado se ocultou para não ser citado - lembre-se que essa ocultação é o núcleo central da citação por hora certa - isso significa dizer que tomou co­ nhecimento, efetivo ou potencial, da acusação. Nesse caso, basta que se dirija ao seu familiar, vizinho ou ao próprio fórum para que tenha acesso à imputação que recai sobre sua pessoa. Não se deve esquecer, ademais, que receberá carta do escrivão dando-lhe conhecimento pormenorizado da acusação. Por isso, sem embargo de ter sido citado fictamente, deve o processo ter regular prosseguimento, com a nomeação de defensor dativo. Nessa linha, aliás, o próprio art. 565 do CPP estabelece que nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para a qual tenha concorrido. O tema foi levado à apreciação do Plenário do STF (RE 635.145/RS, Rei. Min. Luiz Fux, j. l°/08/2016), que concluiu que a citação por hora certa no âmbito processual penal é plenamente constitucional, resguar­ dando a legítima opção do acusado de não se

Art. 362

v

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

defender pessoalmente em juízo. Na visão da Corte, conquanto se trate de espécie de citação presumida, não se pode negar que o acusado tem consciência da existência da demanda, o que, aliás, é corroborado pela deliberada ocultação para não ser citado. De mais a mais, mesmo depois de formalizada a citação com hora certa, a autodefesa fica resguardada na medida em que o réu será cientificado dela, inclusive da continuação do processo (NCPC, art. 254). Enfim , não se pode admitir que a premeditada ocultação do acusado tenha o condão de impedir o prosseguimento do feito, sob pena de dar a ele verdadeiro direito potestativo sobre o curso do processo penal, ignorando a indisponibilidade inerente à persecução penal. É preciso, pois, compatibilizar a garantia do acusado à autodefesa com o caráter público e indisponível do processo-crime. 3. Norma processual penal em branco e referência ao Código de Processo Civil: a fim de se evitar qualquer vício, a citação por hora certa deve ser levada a efeito nos exatos termos dos arts. 227 a 229 do CPC. Assim, quando, por três vezes - para o novo CPC, basta que o citando seja procurado por 2 (duas) vezes (art. 252, caput) - , o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou residên­ cia, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa da família, ou, em sua falta, a qualquer vizinho, que, no dia imediato - com sútil diferença, o novo CPC dispõe que o oficial de justiça deve retornar no dia útil imediato (art. 252, caput, infiné) - , voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar. Dois são os pressupostos, portanto, para a realização da citação por hora certa: a) que o acusado seja procurado por três vezes (duas vezes, à luz do novo CPC) em seu endereço e não seja encontrado; b) que haja suspeita de ocultação. No dia e hora designa­ dos, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou residência do citando, a fim de realizar a diligência. Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando tenha se ocultado em outra comarca. Da certidão da ocorrência, o

oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da família ou com qualquer vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome. Feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe de tudo ciência. Como se pode notar, o ato citatório é efetivado com a diligência à residência e a entrega da contrafé (cópia integral do instru­ mento). A expedição da carta, telegrama ou radiograma, ainda que funcione como parte integrante do ato, de modo algum interfere na contagem do prazo para a apresentação da resposta à acusação, cujo marco inicial será a data designada pelo Oficial de Justiça para o novo comparecimento, com a entrega da contrafé. Nessa linha, aliás, é bom lembrar que, “no processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem” (Súmula n. 710 do STF). 4. Revogação dos arts. 227 a 229 pelo novo Código de Processo Civil: de se notar que o art. 362, caput, do Código de Processo Penal, faz referência expressa a 3 (três) dispositivos legais do antigo Código de Processo Civil: arts. 22 7 ,2 2 8 e 229. Poder-se-ia pensar, então, que a revogação do antigo diploma processual civil pelo novo CPC tornaria ineficaz a aplicação do art. 362 do CPP, porquanto os dispositivos por ele mencionados foram expressamente revo­ gados pelo art. 1046, caput, do novo CPC. No entanto, atento a possibilidades semelhantes a esta, o próprio legislador do novo CPC já teve o cuidado de prever que as remissões a dispo­ sições do Código de Processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código (art. 1046, §4°). Portanto, quando o art. 362 do CPP - espécie de norma processual penal em branco - faz referência à realização da citação com hora certa na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 do antigo CPC, deve ser lido, na vigência do novo CPC, na form a estabelecida

nos arts. 252 a 254 do novo CPC. 5. Direito intertemporal: interessante dis­ cussão diz respeito à aplicação imediata (ou não) da citação por hora certa (nova redação do art. 362 do CPP) aos processos criminais

TlTULO X • DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

que estavam em andamento à época da vigên­ cia da Lei n. 11.719/08, que se deu no dia 22 de agosto de 2008. Quanto àqueles que ainda não haviam sido citados, é evidente que, com a vigência da Lei n. 11.719/08, caso o acusado estivesse se ocultando para não ser citado, sua citação deveria ter sido feita por hora certa, ainda que o processo estivesse relacionado a crimes cometidos antes do dia 22 de agosto de 2008. Como aduz Badaró (As reformas no

processo penal: as novas Leis de 2008 e os pro­ jetos de reforma. Coordenação Maria Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo: Editora Re­ vista dos Tribunais, 2008. p. 25), “a nova norma do art. 362 é puramente processual, tendo por objeto a comunicação dos atos processuais. Não altera nenhuma disposição sobre prazos prescricionais, posto que não os amplia ou reduz, não cria, altera ou extingue fatos interruptivos ou suspensivos da prescrição, enfim, não tem qualquer incidência, nem mesmo indireta, sobre jus puniendi. Assim sendo, sua aplicação é imediata, por força do disposto no art. 2o do CPP”. Raciocínio distinto, todavia, deve ser aplicado àqueles que foram citados por edital antes da entrada em vigor da Lei n. 11.719/08 com fundamento na antiga redação do art. 362 do CPP por se ocultarem para não ser citados. Em relação a eles, o curso do processo e a prescrição estavam suspensos por força da aplicação do art. 366 do CPP. Seria possível que, diante da nova redação do art. 362, caput, do CPP, o juiz determinasse nova citação dos acusados, porém desta vez com hora certa? Parte da doutrina entende que não é possível a realização de nova citação. Como a citação por edital fora feita antes da vigência da Lei n. 11.719/08, e em fiel observância à então vigente redação do art. 362 do CPP, trata-se de ato perfeito e acabado, que não pode ser substituído por uma nova citação. Logo, se o acusado fora citado por edital por ter se ocul­ tado em conformidade com a lei processual vigente antes da reforma processual de 2008, a superveniência de lei determinando a citação por hora certa em tal hipótese não implica na necessidade de renovação do ato processual já perfeito e acabado. A nosso ver, o disposto na nova redação do art. 362 do CPP deve retroagir

A rt.

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no tempo para alcançar todos os processos suspensos com fundamento em citações por edital pelo fato de o acusado ter se ocultado para não ser citado. Ora, comparando-se a situação anterior, em que o processo e a prescri­ ção ficavam suspensos, verifica-se que a nova redação do dispositivo é mais benéfica sob o ponto de vista do direito material, porquanto, apesar de o processo retomar seu curso normal à reveba do acusado, não mais haverá a suspen­ são do curso do lapso prescricional. Aliás, esse raciocínio inclusive já fora feito por ocasião da entrada em vigor da Lei n. 9.271/96, que deu nova redação ao art. 366 do CPP: por se tratar de norma de natureza mista, que possui tanto aspectos processuais penais (suspensão do pro­ cesso) quanto aspectos penais (suspensão da prescrição), acabou preponderando o aspecto penal deste dispositivo, já que a aplicação da lei penal no tempo tem assento constitucional (CF, art. 5o, XL). Destarte, como na sistemática anterior havia a suspensão do lapso prescricio­ nal por força da aplicação do art. 366 do CPP, forçoso é concluir que a nova redação do art. 362 é mais benéfica ao acusado, pois deixa de prever a possibilidade de se suspender o curso da prescrição. Assim, como o aspecto penal da norma mista é mais benéfico, a nova redação do art. 362 deve retroagir para alcançar todos os processos que se encontrem suspensos com fundamento no art. 366 em razão de ocultação do acusado. Incumbe ao magistrado, portanto, determinar a citação por hora certa de tais acusados, caso constatado que ainda estão se ocultando para não ser citados. Nessa hipóte­ se, não apresentada a resposta à acusação, o processo prosseguirá à revelia dos acusados, restabelecendo-se o fluxo do prazo prescricio­ nal. Com esse entendimento: MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de

Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008. p. 218. 6. Decretação da revelia: completada a ci­ tação com hora certa, se o acusado não com­ parecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo. Perceba-se que a redação desse parágrafo úni­ co é passível de crítica, já que, no âmbito do procedimento comum, o acusado não é mais citado para comparecer à sede do juízo, mas

Art.363

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

sim para apresentar resposta à acusação, no prazo de 10 dias. Assim, o dispositivo deve ser lido da seguinte forma: “se o acusado citado por hora certa não apresentar resposta à acusação, deverá o juiz providenciar a nomeação de de­ fensor dativo”. Obviamente, se o acusado citado por hora certa comparecer perante o juiz, ou constituir advogado para fins de apresentação da resposta à acusação, o processo seguirá seu curso normalmente. Ao contrário da citação por edital, em que o processo e a prescrição ficam suspensos caso o acusado não compareça nem

constitua advogado, no caso da citação por hora certa, o processo seguirá seu curso normal, devendo o magistrado apenas providenciar a nomeação de defensor dativo em favor do acu­ sado, preservando-lhe, assim, o direito à defesa técnica. Portanto, apesar de se tratar de hipótese de citação presumida, conclui-se que, nos casos de citação por hora certa, se o acusado não comparecer, deixando de apresentar a resposta à acusação, ser-lhe-á nomeado defensor dativo, prosseguindo o processo a sua revelia.

Art.363.0 processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado.12 (Redação dada pela Lei n. 11.719, de 2008). I - (revogado); (Redação dada pela Lei n. 11.719, de 2008). II - (revogado). (Redação dada pela Lei n. 11.719, de 2008). §1° Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por edital.3 (Incluído pela Lei n. 11.719, de 2008). §2° (VETADO) (Incluído pela Lei n. 11.719, de 2008). §3° (VETADO) (Incluído pela Lei n. 11.719, de 2008). §4° Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o processo observará o disposto nos arts. 394 e seguintes deste Código.4 (Incluído pela Lei n. 11.719, de 2008). 1. Efeitos da citação válida: no processo penal, o único efeito da citação é estabelecer a angularidade da relação processual, fazendo surgir a instância. Forma-se, assim, a relação angular que instala em um ponto a acusação, noutro o juiz a quem o pedido é endereçado e, por último, o acusado, que, citado, passa a compor essa relação, formando-se o actum

trium personarum.2 2. Distinção entre o processo civil e o pro­ cesso penal quanto aos efeitos da citação: no âmbito processual civil, por força do dispos­ to no art. 219 do CPC, a citação válida torna prevento o ju ízo , induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o deve­ dor e interrompe a prescrição. Em sentido um pouco distinto, o art. 240 do novo CPC prevê que a citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o

devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 do Código Civil. De se notar que, à luz do novo Código de Processo Civil, não é a citação válida que torna prevento o juízo. Na verda­ de, o simples registro ou a mera distribuição da petição inicial já terá o condão de tornar prevento o juízo (art. 59 do novo CPC). Em sede processual penal, todavia, a litispendência está presente desde o recebimento da segunda peça acusatória, independentemente da cita­ ção válida do acusado, já que o CPP nada diz acerca do assunto. À evidência, para aqueles que entendem que o processo penal tem início com o mero oferecimento da inicial acusatória, a litispendência estaria caracterizada a partir do ajuizamento da segunda demanda. Ao con­ trário do processo civil, o que torna prevento o juízo no processo penal é a distribuição (CPP, art. 75) ou a prática de algum ato de caráter decisório, ainda que anterior ao oferecimento da peça acusatória, quando houver dois ou mais juizes igualmente competentes ou com

TÍTULO X • DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

jurisdição cumulativa (CPP, art. 83). Ademais, não é a citação válida que interrompe a prescri­ ção, mas sim o recebimento da peça acusatória pelo juízo competente, nos exatos termos do art. 117, inciso I, do Código Penal. 3. Citação por edital do acusado que não for encontrado: de modo a evitarmos repe­ tições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 361 do CPP. 4. Com parecim ento do acusado citado por edital: decretada a suspensão do processo e da prescrição com fundamento no art. 366 do CPP, na hipótese de o acusado citado por edital vir a comparecer, a qualquer momento, o processo observará o disposto nos arts. 394 e seguintes do CPP. Na mesma linha, segundo o art. 396, parágrafo único, do CPP, no caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor consti­

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tuído. Portanto, se ficar evidenciado que o acusado tomou conhecimento da instauração do processo penal, seja por meio de seu com­ parecimento pessoal em juízo, seja por força do comparecimento de advogado constituído, o processo retomará seu curso normal a partir da apresentação da resposta à acusação. Na mesma linha de raciocínio, caso o juiz tome conhecimento de onde se encontra o acusado (por exemplo, chega aos autos a notícia de que o acusado foi preso e está recolhido a determinado estabelecimento penitenciário), é perfeitamente possível que determine sua citação pessoal. Nesse caso, se o acusado for citado pessoalmente, subentende-se que, ainda que coativamente, tomou conhecimento da existência do processo, o qual voltará a cor­ rer, sendo lhe concedido o prazo de 10 (dez) dias para apresentação da resposta à acusação (CPP, art. 396, parágrafo único), sob pena de nomeação de defensor dativo.

Art. 364. No caso do artigo anterior, n° I, o prazo será fixado pelo juiz entre 15 (quinze) e 90 (noventa) dias, de acordo com as circunstâncias, e, no caso de n° II, o prazo será de trinta dias1* 1. Prazos de dilação tacitam ente revo­ g a d o s pela Lei n. 11.719/08: apesar de a redação do art. 364 não ter sido expressa­ mente modificada pela Lei n. 11.719/08, a reform a processual de 2008 produziu sua revogação tácita. Explica-se: os incisos I e II do art. 363 a que ele se refere - acusado em

local inacessível, em virtude de epidemia, de guerra ou por outro motivo de força maior, ou quando incerta a pessoa que tiver de ser citada, respectivam ente - foram expres­ samente revogados pela Lei n. 11.719/08. Logo, seu conteúdo deixou de ter qualquer aplicação.

Art. 365. O edital de citação indicará:1'2 I - o nome do juiz que a determinar; II - o nome do réu, ou, se não for conhecido, os seus sinais característicos, bem como sua residência e profissão, se constarem do processo; III - o fim para que é feita a citação; IV -

o juízo e o dia, a hora e o lugar em que o réu deverá comparecer;

V - o prazo, que será contado do dia da publicação do edital na imprensa, se houver, ou da sua afixação. Parágrafo único. Oedital será afixado à porta do edifício onde funcionar o juízo e será publicado pela imprensa, onde houver, devendo a afixação ser certificada pelo oficial que a tiver feito e a publicação provada por exemplar

Aft. 366

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

do jornal ou certidão do escrivão, da qual conste a página do jornal com a data da publicação3 1. Requisitos do edital de citação: a) nome do juiz que a determinar; b) nome do acusado, ou, se não for conhecido, os seus sinais caracte­ rísticos, bem como sua residência e profissão, se constarem do processo; c) fim para que é feita a citação; d) juízo e dia, hora e lugar em que o acusado deverá comparecer; e) prazo, que será contado do dia da publicação do edital na imprensa, se houver, ou da sua afixação. 2. (Des) necessidade de transcrição, no edital, da integralidade da peça acusatória: prevalece o entendimento de que não há necessidade de se transcrever, no edital, a

integralidade da peça acusatória. A propósito, a súmula n. 366 do Supremo estabelece que “não é nula a citação por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia”. 3. Publicidade do edital de citação: o edital deve ser publicado em jornal de grande circu­ lação, na imprensa oficial, ou afixado no átrio do fórum, com o prazo de 15 (quinze) dias, admitindo-se a possibilidade de que o acusado, ou pessoa a ele ligada, faça sua leitura, toman­ do ciência da existência do processo penal.

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado,1-3 ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional,4podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes5e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos ter­ mos do disposto no art. 312.6(Redação dada pela Lei n. 9.271, de 17.4.1996)7 §1° Revogado pela Lei n. 11.719/08. §2° Revogado pela Lei n. 11.719/08. 1. Pressupostos para a suspensão do pro­ cesso e da prescrição: na dicção do art. 366 do CPP, para que ocorra a suspensão do processo e da prescrição, exige-se o preenchimento de três pressupostos: a) que o acusado tenha sido citado por edital; b) que o acusado não tenha comparecido para o interrogatório; c) que o acusado não tenha constituído defensor. Porém, tendo em conta que o interrogatório deixou de ser o primeiro ato da instrução, passando a citação a ser feita no âmbito do procedimento comum para fins de apresen­ tação da resposta à acusação, é intuitivo que a aplicação do art. 366 do CPP está condicionada à não apresentação da resposta à acusação a partir do prazo de 10 (dez) dias, contados do fim do prazo de dilação do edital. O objetivo do dispositivo é evidente: visa assegurar uma atuação efetiva e concreta do contraditório e da ampla defesa. De fato, sobretudo em casos de nomeação de defensor público ou advogado

dativo, a citação por edital do acusado, com ulterior decretação de revelia, tal qual ocor­ ria anteriormente, inviabilizava por demais o exercício da ampla defesa, na medida em que impossibilitava que o acusado apresentasse ao juiz sua versão a respeito do fato da imputação, cerceando também o direito de acompanhar, ao lado de seu defensor, os atos da instrução processual. Atende, portanto, o citado dispo­ sitivo, aos ditames da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92), que, em seu art. 8.°, § 2.°, assegura a toda pessoa acusada de delito as garantias mínimas de comunicação prévia e pormenorizada da acu­ sação formulada (“b”), concessão do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa (“c”) e o direito de comunicar-se, livre­ mente e em particular, com seu defensor (“d”). 2. (Im) possibilidade de aplicação do art. 366 do CPP no âm bito da Justiça Militar: não se revela possível a aplicação do art. 366

TITULO X . DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

do CPP no âmbito da Justiça Militar. Em pri­ meiro lugar, porque o CPPM dispõe expres­ samente que o processo seguirá à revelia do acusado que, citado, intimado ou notificado para qualquer ato do processo, deixar de com­ parecer sem motivo justificado (art. 292). Na mesma linha, o art. 412 do CPPM também prevê que será considerado revel o acusado que, estando solto e tendo sido regularmente citado, não atender ao chamamento judicial para o início da instrução criminal, ou que, sem justa causa, se previamente cientificado, deixar de comparecer a ato do processo em que sua presença seja indispensável. Como se percebe, não há qualquer omissão do CPPM a ensejar a incidência da legislação comum. Ademais, a pretensão de aplicação do art. 366 do CPP no processo penal militar implicaria situação desfavorável ao paciente no tocante à suspensão do prazo prescricional, uma vez que esta hipótese não estaria prevista na legislação castrense. De fato, a aplicação do art. 366 do CPP traz consigo a incidência da suspensão da prescrição, norma de direito material eviden­ temente prejudicial ao acusado, a qual, fosse aplicável subsidiariamente no processo penal militar, caracterizaria verdadeira analogia in malam partem, o que não se admite, sob pena de violação ao princípio da legalidade. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:“(...) Na hipótese, a norm a de regência está previs­ ta n o art. 292 d o C ó d ig o de Processo Penal Militar, não se nd o o caso de se invocar a regra geral da matéria, prevista no art. 366 d o C ó d ig o de Processo Penal, por força d o princípio da especialidade. Afastada a ale­ ga ção de nulidade da citação por edital porque não teriam sido e sgo tad os tod os os m eios de encontrar o paciente, um a vez que este foi considerado foragido durante toda a ação penal, sendo, inclusive, acusado por outro crime de roubo a um posto de gasolina, co­ metido pouco antes d o delito objeto desta impetração. (...). O rdem denegada". (STF, I a Turma, HC 108.420/PE, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, 16/08/2011, DJe 167 30/08/2011). Em sentido semelhante: STF, I a Turma, H C 90.977/MG, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 08/05/2007, DJ 08/06/2007.3

3. (Im) possibilidade de aplicação do art. 366 do CPP na Lei de Lavagem de Capitais: de acordo com o art. 2o, § 2°, da Lei 9.613/98,

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Aft. 366

com redação dada pela Lei n. 12.683/12, no processo por crime de Lavagem de Capitais, não se aplica o disposto no art. 366 do CPP, devendo o acusado que não comparecer nem constituir advogado ser citado por edital, pros­ seguindo o feito até o julgamento, com a nome­ ação de defensor dativo. A vedação à aplicação da regra do art. 366 pela Lei de Lavagem de Capitais encontra a seguinte fundamentação feita pelo legislador na exposição de motivos: “Trata-se de medida de política criminal diante da incompatibilidade material existente entre os objetivos desse novo diploma legal e a macrocriminalidade representada pela lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e va­ lores oriundos de crimes de especial gravidade. A suspensão do processo constituiría um prê­ mio para os delinquentes astutos e afortunados e um obstáculo à descoberta de uma grande variedade de ilícitos que se desenvolvem em parceria com a lavagem ou a ocultação”. (item 63 da Exposição de Motivos 692/MJ). Em que pese o teor do citado dispositivo, nos parece ser plenamente possível a aplicação do art. 366 do CPP aos processos criminais referentes à lavagem de capitais. Isso em virtude de ver­ dadeira inconstitucionalidade de que padece o dispositivo do art. 2o, §2°, da Lei 9.613/98. De fato, em prol de uma maior efetividade no combate à lavagem de capitais, não se pode desprezar a aplicação do preceito do art. 366, consectário lógico da garantia da ampla defesa (art. 5.°, LV, da CF/88). Trata-se, assim, o art. 2°, §2°, da Lei 9.613/98, de mais um exem­ plo de norma que ganhou vigência com sua publicação, mas que não possui validade. Na verdade, conforme assevera Marco Antônio de Barros (Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas - com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/98. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 226), “o prosseguimento do processo até final sentença, em ação penal na qual o réu foi fictamente citado, nos remete a um longo período de produção em série de condenações de réus revéis. Camuflava-se a efetividade das garantias do contraditório e da ampla defesa com o chamado faz-de-conta. Faz-de-conta que o réu tem ciência da existência da ação penal; faz-de-conta que o réu tem ciência da

Art. 366

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existência da ação penal; faz-de-conta que a sua defesa - ainda que elaborada em termos técnicos é a melhor; faz-de-conta que todas as providências tendentes ao estabelecimento da verdade foram determinadas e realizadas, enfim, faz-de-conta que o processo criminal, assim concluído, não representa uma séria restrição à defesa de mérito”. A ausência do acusado citado por edital, com a subsequente suspensão do processo, jam ais funcionará como um prêmio ou obstáculo à descoberta de uma grande variedade de ilícitos relacio­ nados à lavagem de capitais. A uma, porque o próprio art. 366, além de impor a suspensão da prescrição, pesado fardo que recai sobre o acusado que se encontra em local incerto e não sabido, possibilita que o juiz determine a produção antecipada das provas consideradas urgentes, além de estar autorizado a decretar sua prisão preventiva, desde que presente uma das hipóteses listadas no art. 312 do CPP. A duas, porque ao juiz é deferido o poder de determinar a execução de medidas cautelares, como a busca e apreensão e o sequestro de bens, direitos e valores do acusado, ou existentes em seu nome (art. 4o, caput, da Lei 9.613/98), salvaguardando, assim, a eficácia do processo principal, com a ressalva de que a restituição dos bens só poderá ser deferida com o comparecimento pessoal do acusado (art. 4o, §3°, da Lei 9.613/98). A três porque, consoante decidiu o Supremo Tribunal Federal no RE 460.971, a prescrição deve permanecer suspensa por prazo indeterminado, afastando-se, assim, eventual argumento no sentido de que a aplicação do art. 366 seria sinônimo de impunidade. 4. Limitação temporal do prazo de sus­ pensão da prescrição: aspecto polêmico re­ lacionado ao art. 366 do CPP diz respeito à eventual inconstitucionalidade no ponto em que prevê a suspensão da prescrição de modo indeterminado. Na medida em que o disposi­ tivo não fixa quando deveria cessar a suspen­ são da prescrição, parte da doutrina passou a sustentar que o dispositivo teria criado nova hipótese de imprescritibilidade, com ofensa à Constituição, que teria limitado os delitos imprescritíveis à prática de racismo e à ação

de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (CF, art. 5o, XLII e XLIV). Com o objetivo de dar interpretação conforme ao dispositivo, surgiram duas orientações: a) admite-se como tempo máximo de suspensão da prescrição o tempo máximo de prescrição admitido pelo Código Penal - 20 (vinte) anos - , quando, então, deverá ser declarada extinta a punibilidade; b) admite-se como tempo máximo de suspensão da prescrição o tempo de prescrição pela pena máxima em abstrato do crime da denúncia, após o que a prescrição voltaria a correr novamente, permanecendo o feito suspenso. Exemplificando, supondo a prática de um crime de furto simples (CP, art. 155, caput), cuja pena máxima é de 4 (quatro) anos, a prescrição poderia ficar suspensa por até 8 (oito) anos, que é o prazo da prescrição da pre­ tensão punitiva abstrata previsto no art. 109, IV, do CP. Decorrido o prazo de 8 (oito) anos, a despeito de o processo permanecer suspenso pelo menos enquanto o acusado não fosse encontrado, a prescrição voltaria a fluir nova­ mente. Nessa linha, o STJ editou a súmula 415, com o seguinte teor: O período de suspensão do

prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada. Em que pese o entendimento sumulado do STJ, o Supremo Tribunal Federal tem precedente antigo no sentido de que a suspensão da prescrição deve perdurar por prazo indeterminado. Na visão do Supremo, a indeterminação do prazo da suspensão não constitui hipótese de imprescritibilidade, não impede a retomada do curso da prescrição, apenas a condiciona a um evento futuro e incerto, situação substancialmente diversa da imprescritibilidade. Ademais, a Constituição Federal se limita, no art. 5o, XLII e XLIV, a excluir os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição, sem proibir, em tese, que a legislação ordinária criasse ou­ tras hipóteses. Também não se afigura possível sujeitar o período de suspensão de que trata o art. 366 do CPP ao tempo da prescrição em abstrato, pois, do contrário, o que se teria seria uma causa de interrupção, e não de suspensão da prescrição. Sem embargo desse importante precedente do Supremo, especial atenção deve

T lT U L O X . DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

ser dispensada ao RE n. 600.851/DF, com julga­ mento ainda não concluído, em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral em Recurso Extraordinário em virtude da controvérsia sobre a existência de limitação temporal acerca do prazo de sus­ pensão do processo e do prazo prescricional nos casos do art. 366 do CPP (Informativo n. 633 do STF). É provável que o Supremo mude seu entendimento acerca do assunto, passando a entender que a suspensão da prescrição não pode perdurar por prazo indeterminado, nos mesmos moldes do entendimento do STJ. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Citação

por edital e revelia: susp en são d o

dos pressupostos do art. 312 do CPP, e desde que se revelem inadequadas ou insuficien­ tes as medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 310, II). Ademais, também deve ser observado o quanto previsto no art. 313 do CPP. Destarte, mesmo que o acusado não atenda ao chamamento judicial, deixando de comparecer e constituir advogado, sua prisão cautelar somente poderá ser decretada caso esteja presente uma das hipóteses elencadas no art. 312 do CPP. Em síntese, a revelia do acusado citado por edital não gera, por si só, a presunção de que o acusado pretenda se furtar à aplicação da lei penal, não justificando, iso­ ladamente, a decretação da prisão preventiva.

processo e d o curso d o prazo prescricional, por tem po



indeterm inado - C.Pr.Penal, art. 366, com a redação da L. 9.271/96. Conform e assentou o Suprem o Tribunal

STF:"(...) A

Federal, no ju lgam e n to da Ext. 1042, 19.12.06, Per­ tence, a Constituição Federal não proíbe a su spen são da prescrição, por prazo indeterminado, na hipótese d o art. 366 d o C.Pr.Penal. A indeterm inação d o prazo da su spen são não constitui, a rigor, hipótese de imprescritibilidade: não im pede a retom ada d o curso da prescrição, apenas a condiciona a um evento futuro e incerto, situação substancialm ente diversa da imprescritibilidade. Ademais, a Constituição Federal se limita, no art. 5o, XLII e XUV, a excluir os crimes que enum era da incidência material das regras da prescrição, sem proibir, em tese, que a legislação ordinária criasse outras hipóteses. N ão cabe, nem m esm o sujeitar o período de susp en são de que trata o art. 366 do C.Pr. Penal ao tem p o da prescrição em abstrato, pois, "do contrário, o que se teria, nessa hipótese, seria um a causa de interrupção, e não de suspensão."RE provido, para excluir o limite tem poral im posto à su spen são d o curso da prescrição". (STF, 1aTurma, RE 460.971 /RS, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 13.02.2007, DJ 30.03.2007).

5. Produção antecipada de provas urgen­ tes: consultar comentários à súmula n. 455 do STJ (“A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo”).6 6. Prisão preventiva: o art. 366 do CPP não criou hipótese de prisão preventiva obrigató­ ria. Como se depreende da própria redação do caput do art. 366 do CPP, a decretação da prisão preventiva está subordinada à presença

Art. 366

Jurisprudência selecionada: m era decretação de revelia d o acu sado

não é fundam ento suficiente para legitimar, só por si, a decretação ou a m anutenção da prisão cautelar de qualquer pessoa.(...) M e sm o que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5o, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade. N inguém , absolutam ente ninguém , p od e ser tratado com o culpado, qualquer que seja o ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial con de n a­ tória transitada em julgado. O princípio constitucional d o estado de inocência, tal com o delineado em nosso sistem a jurídico, consagra um a regra de tratam ento que im pede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, com o se estes já houvessem sido condenados, definitivam ente, por sentença d o Poder Judiciário. Precedente". (STF, 2a Turma, HC 84.619/SP, Rei. Min. Celso de Mello, 27.3.2007).

7. Lei n. 9.271/96 e nova redação do art. 366 (suspensão do processo e da prescri­ ção): o art. 366 do CPP, com redação determi­ nada pela Lei 9.271, de 17.04.1996, alterou so­ bremaneira a disciplina da revelia no processo penal brasileiro, visando salvaguardar a mais ampla defesa do acusado. Com efeito, em prol de maior garantia ao direito de defesa, notadamente no que tange ao direito de audiência e de presença, desdobramentos da autodefesa, a Lei n. 9.271/96 deu nova redação ao art. 366 do CPP. Em sua redação original, o art. 366 do CPP previa que o processo seguiría à revelia do

Art. 367

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

acusado que, citado inicialmente ou intimado para qualquer ato do processo, deixasse de comparecer sem motivo justificado. Portanto, caso o acusado fosse citado por edital e não comparecesse, era possível que fosse conde­ nado à revelia, bastando que o juiz providen­ ciasse a nomeação de defensor técnico. Com a entrada em vigor da Lei n. 9.271/96, o art. 366 do CPP passou a ter a seguinte redação: “Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção an­ tecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312”. Conquanto os §§1° e 2o do art. 366 do CPP tenham sido revogados pela Lei n. 11.719/08, sendo vetada pelo Presidente da República a nova redação do art. 366, caput, do CPP, permanece em ple­ no vigor o caput do art. 366, cuja validade não foi afetada pela revogação de seus parágrafos. Como a nova redação conferida ao art. 366 do CPP pela Lei n. 9.271/96 contempla regras de direito processual (suspensão do processo) e de direito material (suspensão da prescrição), grande polêmica foi formada quanto à aplica­ ção imediata da lei aos processos em andamen­

to à época. Formaram-se três posições: 1) o art. 366 teria aplicação aos processos em curso à época, tanto no que se refere à suspensão do processo como à suspensão do prazo prescri­ cional; 2) seria possível a aplicação imediata da norma processual referente à suspensão do processo, mas não haveria, em relação a fatos anteriores, a suspensão da prescrição; 3) não haveria aplicação imediata, só sendo atingidos pela nova lei os fatos cometidos após a sua vigência. No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça acabou prevale­ cendo esta última posição, sob o argumento de que, por ser mais grave a norma que manda suspender a prescrição (novatio legis inpejus), não poderia retroagir, e, por isso, o artigo não podería incidir sobre fatos anteriores. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Citação por edital e revelia: L. 9.271/96: apli­ cação no tem po. Firme, na jurisprudência doTribunal, que a su spen são d o processo e a suspensão d o curso da prescrição são incindíveis no contexto d o novo art. 366 CPP (cf. L. 9.271/96), de tal m o d o que a im po s­ sibilidade de aplicar-se retroativa m ente a relativa à prescrição, por seu caráter penal, im pede a aplicação imediata da outra, m algrad o o seu caráter processual, aos feitos em curso q u an do d o advento da lei nova. Precedentes. (...)". (STF, 1a Turma, HC 83.864/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 20.04.2004, DJ 21.05.2004).

Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo.1'2 (Redação dada pela Lei n. 9.271, de 17.4.1996). 1. Revelia: uma vez concretizada a citação, o acusado fica vinculado ao processo, com todos os ônus daí decorrentes. Logo, se o acusado tiver sido citado pessoalmente e deixar de apre­ sentar resposta à acusação, o processo correrá a sua revelia, o que também irá ocorrer caso mude de endereço sem comunicar ao juízo seu novo endereço. Como deixa entrever o art. 367 do CPP, a revelia também será decretada se o acusado, notificado pessoalmente para qual­ quer ato do processo, deixar de comparecer e não justificar sua ausência. Pelo menos em regra, essa ausência deve ser justificada antes da realização do ato processual. Se aceita, deve

o magistrado determinar seu adiamento. No entanto, pode haver situações em que a escusa só possa ser apresentada após a prática do ato (v.g., acidente automobilístico no dia da audi­ ência). Caso a justificativa seja aceita pelo juiz, nada impede que seja determinada a renovação do ato, preservando-se, assim, a autodefesa à que o acusado faz jus. Ainda em relação ao acusado que, regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer sem motivo justo, é bom lembrar que, na hipótese de anterior prestação de fiança, e consequente sujeição aos deveres dos arts. 327 e 328 do CPP, sua ausência injustificada também é considera­

TITULO X • DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

da causa de quebramento da fiança (CPP, art. 3 4 1 ,1, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11), o que acarretará a perda de metade do valor recolhido, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão pre­ ventiva. Com a introdução da citação por hora certa no processo penal pela Lei n. 11.719/08, a revelia do acusado também será decretada caso não seja apresentada a resposta à acusação. De fato, segundo o parágrafo único do art. 362 do CPP, completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo. A revelia também é medida de rigor caso o acusado não compareça à sessão de julgamento no Tribunal do Júri. Neste ponto, é importante lembrar que, antes da reforma processual de 2008, o julgamento no júri só podia ser realizado sem a presença do acusado se se tratasse de crime afiançável (revogado § Io do art. 451). Com a entrada em vigor da Lei n. 11.689/08, o art. 457, caput, do CPP, passou a dispor que o julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto que ti­ ver sido regularmente intimado. Destarte, não mais haverá a suspensão do processo caso o acusado pela prática de crime inafiançável não compareça à sessão de julgamento, hipótese em que seu julgamento será realizado sem a sua presença.2 2. Efeitos da revelia: no processo penal, os efeitos da revelia não são semelhantes aos do processo civil. De acordo com o art. 334, inci­ sos II e III, do Código de Processo Civil (art. 374, II e III, do novo CPC), não dependem de prova os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária ou aqueles admitidos, no processo, como incontroversos. Além disso, referindo-se à revelia, dispõe o CPC que reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor se o réu não contestar a ação. No âmbito processual penal, por for­ ça do princípio da presunção de inocência, mesmo que o acusado venha a confessar a prática do delito, subsiste o ônus da acusa­ ção de comprovar a imputação constante da peça acusatória. Portanto, mesmo que seja decretada a revelia do acusado com funda­ mento no art. 362, parágrafo único, ou art.

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367, ambos do CPP, não há falar em confissão ficta ou presumida no processo penal, com a consequente presunção da veracidade dos fatos narrados na peça acusatória. Ainda que se trate de acusado revel, o órgão ministerial deverá desincumbir-se a contento de seu ônus probatório, sob pena de o pedido condenatório ser julgado improcedente. Por isso, a única consequência da revelia no processo penal é a desnecessidade de intimação do acusado para a prática dos demais atos processuais, exceção feita à intimação da sentença, que deve ser realizada sob quaisquer circunstâncias (CPP, art. 392). Afinal, no processo penal, o acusado possui capacidade postulatória autônoma para interpor recursos. Daí o motivo pelo qual deve ser intimado da sentença, ainda que seja revel. Portanto, uma vez decretada a revelia do acusa­ do, a comunicação dos atos processuais deverá ser feita apenas ao advogado, pois o acusado não será notificado ou intimado para qualquer outro termo do processo, salvo em relação à sentença. Na visão dos Tribunais Superiores, a intimação da sentença a que se refere o art. 392 do CPP só é exigível quando se tratar de sentença condenatória proferida no primeiro grau de jurisdição, porquanto é apenas nessa hipótese que o acusado é dotado de capacidade postulatória para interpor recursos (CPP, art. 577, caput). Logo, em se tratando de decisões proferidas pelos Tribunais, a intimação do réu se aperfeiçoa com a publicação do respectivo decisório no órgão oficial de imprensa. Caso o acusado revel compareça em momento pos­ terior, cessarão os efeitos da revelia, passando o acusado a participar do processo conforme o estado em que este se encontrar. + Jurisprudência selecionada: S T J :"(...) Conform e entendim ento desta Corte Su p e ­ rior de Justiça, o disp o sto no artigo 392 d o C ó d ig o de Processo Penal se aplica apenas para a sentença condenatória proferida no primeiro grau de jurisdição, sendo certo que a publicidade do s acórdãos proferidos em sede recursal pelos Tribunais pátrios se dá por publicação no respectivo ó rgão incum bido da publi­ cidade d o s atos judiciais, sem prejuízo da prerrogativa d o defensor n om e ad o prevista no artigo 370, § 4o, d o Estatuto Processual Penal. (...) O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, H C 171.159/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 28/09/2010, DJe 16/11/2010).

Art. 368

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

Art. 368. Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante carta rogatória,''5 suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu cumprimento.6 (Redação dada pela Lei n. 9.271, de 17.4.1996). 1. Citação de acusado no estrangeiro: se o acusado estiver no estrangeiro, em local certo e sabido, será citado mediante carta rogatória. Se o acusado estiver no estrangeiro em local incerto e não sabido, sua citação será feita por edital. 2. Afiançabilidade ou inafiançabilidade do delito: em sua redação original, o art. 367 do CPP previa que, estando o réu no estrangeiro, mas em lugar sabido, sua citação seria feita mediante carta rogatória apenas se a infração fosse inafiançável. Caso a infração fosse afiançável, sua citação seria feita por edital, com o prazo de 30 (trinta) dias, no mínimo, sabido ou não o lugar em que se encontrava. Com as mudanças produzidas pela Lei n. 9.271/96, o art. 367 passou a dispor sobre a decretação da revelia daquele que for citado ou intimado pessoalmente e não comparecer injustificadamente. O art. 368 do CPP, por sua vez, passou a dispor que “estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante carta rogatória, suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu cumprimento”. Portanto, afiançável ou não o delito, estando o acusado em local certo no estrangeiro, sua citação será feita mediante carta rogatória. 3. Procedimento adequado: a carta roga­ tória deve ser encaminhada ao Ministério da Justiça, cabendo a este solicitar ao Ministério das Relações Exteriores o seu cumprimento. De lá, pela via diplomática, a carta seguirá à Justiça rogada. O Código de Processo Penal nada diz acerca dos requisitos da carta roga­ tória. Diante do silêncio do CPP, afigura-se possível a utilização subsidiária do Código de Processo Civil, que aponta os requisitos essen­ ciais da carta de ordem, da carta precatória e da carta rogatória em seu art. 202 (art. 260 do novo CPC).4

rogatória para fins de citação do acusado no estrangeiro: o art. 222-A, caput, do CPP, foi introduzido no nosso diploma processual pela Lei n. 11.900/09 e prevê que “as cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio”. Esse preceito não é aplicável à citação de acusado no estrangeiro, porquanto a imprescindibili­ dade da citação é evidente e dispensa o prévio recolhimento das custas. De fato, indepen­ dentemente de o acusado residir no Brasil ou no estrangeiro, é evidente que tem direito à citação. Portanto, é de se concluir que o dispo­ sitivo legal acima citado tem aplicação restrita à oitiva de testemunhas. Esse entendimento é corroborado pela própria localização topográ­ fica do referido preceito, o qual está situado no Capítulo VI do Título V II (“Da Prova”) do CPP, o qual trata “das testemunhas”, e não da citação do acusado no estrangeiro. 5. Juizados Especiais Criminais: considera-se que a expedição de carta rogatória (art. 368 do CPP) não se coaduna com o sistema dos Juizados Especiais Criminais, de sorte que, no caso de o acusado estar no estrangeiro, as peças existentes devem ser encaminhadas ao Juízo comum, nos moldes do que ocorre no caso de o acusado não ser encontrado para citação pessoal, eis que o procedimento da citação por edital, da mesma maneira que o da carta rogatória, não apresenta compatibilidade com os princípios adotados pela Lei 9.099/95. Em sentido semelhante: MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5a ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002. p. 79. + Jurisprudência selecionada: S T J : "(...) A conciliação e a transação penal são insti­ tutos peculiares ao Juizado Especial Criminal, sendo,

4. (Des) necessidade de comprovação da imprescindibilidade de expedição da carta

portanto, inviável a utilização de m eios de com u n i­ cação afetos à Justiça C o m u m (carta rogatória), a fim

TÍTULO X •DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

de intim ar o paciente para a audiência preliminar, pois essa providência não se am o ld a aos princípios da e c o n o m ia e celeridade processuais, ín sitos ao pro ce d im e n to su m aríssim o. N ão c o m p are c e n d o à audiência preliminar, eis q u e ausente d o território nacional, inexiste c on stran gim e n to na rem essa do p rocesso à Justiça C om u m , n o s term os d o art. 66, parágrafo único, da Lei n° 9.099/95. Recurso im provido". (STJ, 6aTurma, R H C 10.476/SP, Rei. M in. Fernando Gonçalves, DJ 05/03/2001).

6. Suspensão da prescrição: de acordo com o art. 368 do CPP, a citação do acusado no es­ trangeiro por meio de carta rogatória acarreta a suspensão da prescrição até o seu cumprimen­

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370

to. Justifica-se a suspensão da prescrição em virtude da demora inerente ao cumprimento da carta rogatória. Mas até quando deve per­ manecer suspenso o prazo prescricional? A nosso ver, a fluência do lapso prescricional possui como dies a quo não a data em que os autos da carta rogatória derem entrada no car­ tório, mas sim aquela em que se der o efetivo cumprimento no juízo rogado. Nessa linha, é sempre bom lembrar que, “no processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem” (súmula 710 do STF).

Art. 369. As citações que houverem de ser feitas em legações estran­ geiras serão efetuadas mediante carta rogatória.1'2 (Redação dada pela Lei n. 9.271, de 17.4.1996). 1. Citação em legações estrangeiras: as ci­ tações que houverem de ser feitas em legações estrangeiras (embaixadas e consulados) serão efetuadas mediante carta rogatória. Portanto, havendo a necessidade de se proceder à citação de funcionário que resida em uma embaixa­ da ou consulado estrangeiro, e desde que tal pessoa não goze de imunidade diplomática, a comunicação deverá ser feita por meio de carta rogatória, preservando-se a inviolabilidade física de tais localidades. 2. Suspensão da prescrição: na hipótese do art. 369 do CPP não haverá a suspensão do curso do prazo prescricional. Perceba-se

que tanto o art. 368 quanto o art. 369 do CPP tiveram suas redações alteradas pela Lei n. 9.271/96. Porém, enquanto o art. 368, que cuida da citação de acusado no estrangeiro, ex­ pressamente faz menção à suspensão do curso do prazo prescricional até o cumprimento da carta rogatória, o art. 369 do CPP, que versa sobre as citações a serem feitas em legações estrangeiras, nada diz acerca do assunto. Des­ tarte, como não se admite analogia in malam partem, e como o art. 369 do CPP silencia acerca do assunto, pensamos que a expedição da carta rogatória para fins de citação em le­ gações estrangeiras não suspende o curso do lapso prescricional.

Capítulo II DAS INTIMAÇÕES15 Art. 370. Nas intimações dos acusados, das testemunhas e demais pessoas que devam tomar conhecimento de qualquer ato, será observado, no que for aplicável, o disposto no Capítulo anterior.6-7 (Redação dada pela Lei n. 9.271, de 17.4.1996). § 1 0A intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade

Art.370

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado.810 (Redação dada pela Lei n. 9.271, de 17.4.1996). §2° Caso não haja órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo.11 (Redação dada pela Lei n. 9.271, de 17.4.1996). §3° A intimação pessoal, feita pelo escrivão, dispensará a aplicação a q u e a lu d e o § 1°.(lncluídopela Lei n.9.271,de 17.4.1996) §4° A intimação do Ministério Público12 e do defensor nomeado será pessoal.1314 (Incluído pela Lei n. 9.271, de 17.4.1996) 1. Distinção entre intimação e notificação: pelo que se percebe da própria redação do CPP e da legislação especial, é comum a utilização equivocada de tais expressões. De todo modo, pelo menos sob um ponto de vista doutrinário, é possível trabalhar com a seguinte distinção: a) intimação: é a comunicação feita a alguém no tocante a ato já realizado. A título de exemplo, podemos citar a intimação da degravação de audiência, a intimação de sentença prolatada pelo magistrado, etc; b) notificação: diz respeito à ciência dada a alguém quanto à determina­ ção judicial impondo o cumprimento de certa providência. Exemplos: notificação para que a testemunha compareça em juízo para prestar seu depoimento; notificação do acusado para que compareça à audiência una de instrução e julgamento para fins de reconhecimento pessoal. 2. Intimação por meio de carta precatória: nessa hipótese, conta-se o prazo a partir da data da intimação e não da juntada aos autos da carta precatória. Nesse sentido, a súmula n. 710 do STF estabelece que “no processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem”.3 3. Intimação por meio de diário eletrônico: nesse caso, o início da contagem do prazo acon­ tece no primeiro dia útil subsequente à data da publicação, e não a partir do momento em que o acórdão impugnado tornou-se público.

♦ Jurisprudência selecionada: S T J: "(...) Q u an d o o ato judicial é divu lgad o n o diário oficial eletrônico, a data da publicação a ser conside­ rada corresponde ao primeiro dia útil subsequente,

co n so a n te d isp õ e a Lei 11.419/06 (art. 4 o, §4°). In casu, a publicação d o acórdão ocorreu em 18.11.10, primeiro dia útil ap ós a sua divu lgação no diário oficial eletrônico, tendo o prazo de quinze dias iniciado em 19.11.10 e findado em 03.12.10, data em que foi proto­ colizada a inicial, evidenciando-se a tem pestividade da reclamação. Segurança concedida". (STJ, Corte Especial, M S 16.180/DF, Rei. Min. Castro Meira, j. 05/10/2011).

4. Intimação na sexta-feira: especial aten­ ção deve ser dispensada à súmula n. 310 do Supremo Tribunal Federal, a qual estabelece que “quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir”. 5. Intimação do ofendido: a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06) assegura à mulher o direito de ser notificada de todos os atos pro­ cessuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão (art. 21). A Lei n. 11.690/08 estendeu tal previsão aos demais procedimentos do processo penal, determinando “a comunicação ao ofendido dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, bem como da designação de audiência, da sentença e dos acórdãos (CPP, art. 201, §2°). Essa comunicação poderá ser feita por meio eletrônico, se assim o desejar o ofendido (CPP, art. 201, §3°). 6. Aplicação subsidiária do procedimento referente à citação: às intimações e notifica­ ções será aplicável, subsidiariamente, o proce­ dimento referente à citação. Perceba-se que o próprio art. 370, caput, do CPP, destaca “no que for aplicável”. Afinal, não faria sentido intimar

TlTULO X • DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

por edital uma testemunha para comparecer em juízo para prestar seu depoimento. 7. Intimação (ou notificação) por hora cer­ ta: é bem verdade que a reforma processual de 2008 só previu expressamente a citação por hora certa, hoje regulamentada pelo art. 362 do CPP. Ocorre que, ao tratar das intimações no Capítulo II do Título X (“Das citações e inti­ mações”), o art. 370, caput, do CPP, dispõe que, nas intimações dos acusados, das testemunhas e demais pessoas que devam tomar conheci­ mento de qualquer ato, será observado, no que for aplicável, o disposto no capítulo anterior. Ora, considerando que o capítulo anterior a que se refere este dispositivo passou a prever a citação por hora certa, é de se concluir que também passa a ser possível a realização da intimação por hora certa. 8. Intimação do defensor constituído, do advogad o do querelante e do advogado do assistente da acusação por meio de publicação no Diário Oficial: deve ser feita mediante publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado. Portanto, independentemente da finalidade da comunicação, que pode variar desde a intimação para audiências até a ciên­ cia de decisões judiciais, é indispensável que conste da publicação no órgão próprio o nome do acusado, sob pena de nulidade. + Jurisprudência selecionada: S T J: "(...) A intim ação pessoal a que se refere o art. 370 d o CPP som ente é exigível q u an d o se tratar de defen­ sor público ou dativo, sendo que, in casu, a ré nom eou ad vo gad os para prom over a sua defesa. O s patronos da apenada foram devidam ente intim ados da inclusão do apelo em pauta de julgam e nto através de publicação d o respectivo decisório n o órgã o oficial de imprensa. A falta de intim ação pessoal do s a d v o ga d o s nom ea­ d o s pela própria ré acerca da data d o julgam e nto do

370

9. Publicação em final de semana: nesse caso, o termo a quo para contagem do prazo recursal é o primeiro dia útil subsequente (geralmente, segunda-feira), entendendo-se como dia útil aquele em que haja expediente forense, sendo que a contagem do prazo deve iniciar-se no dia seguinte. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T J: “(...) Se a publicação d o acórdão deu-se em um sáb ad o/do m in go (10/11 de fevereiro de 2007), quando não houve expediente forense, deve-se considerar realizada a intim ação no prim eiro dia útil seguinte, ou seja, segunda-feira (12.02.07). Logo, o prazo para o p o siçã o de E m b a rgo s de D eclaração inicia-se na terça-feira (13.02.2007), sendo, portanto, tem pestiva a petição protocolada no dia 14.02.2007. Esta Corte já assentou que, publicada a sentença no Diário Oficial de sábado, considera-se com o data da intimação o primei­ ro dia útil posterior, no caso em exame, segunda-feira, iniciando-se a con tage m d o prazo no dia seguinte, terça-feira (REsp. 457.665/RN, Rei. Min. PAULO GALLOTTl, DJU 22.03.2004). Ordem concedida, para determinar que o Tribunal a qu o analise o mérito d o s Em bargos de Declaração ju lgad o s intempestivos, em que pese o parecer ministerial em contrário". (STJ, 5a Turma, HC 85.686/BA, Rei. M in. N ap oleão N u nes M aia Filho, j. 04/12/2007, D J 17/12/2007 p. 257). Com entendimento semelhante: STJ, 6a Turma, REsp 457.665/RN, Rei. Min. Paulo Gallotti, j. 16/12/2003, DJ 22/03/2004 p. 369.

10. Publicação em nom e de a d v o ga d o falecido: caso a intimação mediante publica­ ção seja feita em nome de advogado falecido, o ato deve ser considerado ineficaz, porquanto não é idôneo a produzir o efeito pretendido. Se este advogado for o defensor do acusado, há de se concluir pela ausência de defesa, com a consequente nulidade absoluta do feito, nos termos da súmula n. 523 do Supremo. No entanto, tendo o acusado diversos advogados, constituídos em conjunto, basta que conste o nome de apenas um deles na publicação da pauta de julgamento da apelação. O falecimen­ to de um dos defensores, justamente aquele em cujo nome ocorrer a publicação, não é capaz de anular o julgamento do apelo.

recurso não consubstancia nulidade processual, não havendo falar em m itigação d o exercício d o direito de am pla defesa. Consta do s autos certidão de publicação



Jurisprudência selecionada:

com a data da disponibilização d o acórdão no Diário

S T J: "(...) A intim ação para ju lgam e nto feita em nom e

da Justiça Eletrônico. (...) Ordem denegada, nos term os

de a d v o ga d o falecido é ineficaz, porque não produz

d o voto d o Relator". (STJ, 5aTurma, HC 187.757/SP, Rei.

o efeito pretendido. Em caso que tal, é até possível concluir pela ausência de defesa, com consequente

Min. Gilson Dipp, j. 22/05/2012, DJe 29/05/2012).

Art. 370

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

prejuízo para o paciente, que era representado pelo

4- Jurisprudência selecionada:

a d v o ga d o falecido. D aí que, na espécie, nulo é o julga­ m ento realizado, outro deven do realizar-se precedido

S T F : "(...) A entrega de processo em setor adm inistra­

de intimação. Habeas corpus deferido, concedendo-se

tivo d o M inistério Público, form alizada a carga pelo

ao paciente liberdade para, solto, aguard ar a nova

servidor, configura intim ação direta, pessoal, cabendo

sessão de julgamento". (STJ, 6a Turma, HC 110.119/SP,

tom ar a data em que ocorrida c o m o a da ciência da

Rei. Min. Nilson Naves, j. 17/03/2009, DJe 22/06/2009).

decisão judicial. Im própria é a prática da colocação do

N o m esm o contexto: STJ, 5aTurma, HC 84.181/CE, Rei.

processo em prateleira e a retirada à livre discrição do

Min. N apoleão N unes M aia Filho, j. 03/04/2008, DJe 28/04/2008; STJ, 6a Turma, HC 226.673/SP, Rei. Min.

m em bro do M inistério Público, oportunidade na qual, de form a juridicam ente irrelevante, apõe o 'ciente',

Sebastião Reis Júnior, j. 04/09/2012.

com a finalidade de, som ente então, considerar-se

S T J:"(...) A jurisprudência do Pretório Excelso é pacífica no sentido de que, tendo o acusado múltiplos advogados, constituídos em conjunto, basta que conste o nom e de apenas um deles na publicação da pauta de julgam ento da apelação. O falecimento de um dos defensores, jus­ tamente aquele cujo nom e foi publicado, in casu, não é capaz de anular o julgam ento do apelo, porquanto o óbito ocorreu há mais de três anos, sem que este fato tenha sido com unicado nos autos pela defesa. Ordem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 33.771/RJ, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 17/06/2004, DJ 23/08/2004).

11. Inexistência de circulação do Diário Oficial na comarca: nesse caso, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por man­ dado, ou via postal com comprovante de rece­ bimento, ou por qualquer outro meio idôneo. Isso significa dizer que o Diretor de Secretaria deverá intimar o advogado no próprio cartório. Caso não seja possível, deve ser expedido man­ dado de intimação a ser cumprido por Oficial de Justiça. Ademais, como o dispositivo faz menção a qualquer outro meio idôneo, existe a possibilidade de incidência da Lei n. 11.419/06, que permite aos advogados constituídos de­ vidamente cadastrados a intimação por meio eletrônico em portal próprio, dispensando-se, nesse caso, a publicação no órgão oficial. 12. Intimação pessoal do Ministério Públi­ co: de acordo com a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, constitui prerrogativa do membro do MP, no exercício de sua função, além de outras, a de receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, através da entrega dos autos com vista (Lei n. 8.625/93, art. 41, IV). Prevalece o entendimen­ to de que a entrega dos autos em setor admi­ nistrativo do Ministério Público, formalizada a carga pelo servidor, configura intimação direta, pessoal, cabendo tomar a data em que ocorrida como a da ciência da decisão judicial.

intim ado e em curso o prazo recursal. Nova leitura do arcabouço normativo, revisando-se a jurisprudência predom inante e observando-se princípios consagradores da paridade de armas". (STF, Pleno, H C 83.255/ SP, Rei. Min. M arco Aurélio, DJ 12/03/2004). Na m esm a linha: STJ, 6aTurma, A g R g no REsp 478.751 /SP, Rei. Min. Paulo Gallotti, j. 28/06/2007, DJ 20/08/2007 p. 310; STJ, 5a Turma, EDcl no REsp 286.679/PR, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima,j. 19/09/2006, DJ 16/10/2006 p.415.

13. Intimação pessoal dos Defensores Pú­ blicos e contagem dos prazos em dobro: os Defensores Públicos também têm assegura­ da a prerrogativa de receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos (LC n. 80/94, art. 4 4 ,1). Quanto à obrigatoriedade de intimação pessoal do Defensor Público, é importante destacar que esta deve ser feita em relação ao Defensor que oficia perante o órgão judiciário prolator da decisão. Exemplificando, se se trata de habeas corpus impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça, no qual a defesa tenha manifestado seu interesse em proceder à sustentação oral, há de se reconhecer a nulidade do feito se a intimação pessoal for feita na pes­ soa do defensor público que atua perante a I a instância. Afinal, este defensor público que atua na I a instância não tem atribuições para fazer sustentação oral perante Tribunais Superiores. Na verdade, a intimação quanto à data da sessão de julgamento do habeas corpus deveria ter sido feita na pessoa do Defensor que oficia perante o respectivo Tribunal. De se notar que, à luz do art. 186, §3°, do novo CPC, subsidiariamente aplicável ao processo penal, esse prazo em dobro para todas as manifestações processuais também se aplica aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica

TITULO X . DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

gratuita em razão de convênios firmados com a Ordem dos Advogados do Brasil ou com a Defensoria Pública. A concessão desse prazo em dobro à Defensoria Pública não é incompatível com o princípio da isonomia e paridade de ar­ mas. Afinal, o defensor padece das deficiências de recursos materiais e humanos inerentes ao serviço público, quase sempre assoberbado pelas demandas sociais das mais variadas espécies. De todo modo, este prazo deve ser contado em dobro apenas para a prática de atos futuros, para os quais o defensor tenha sido notificado, e não de atos em que ele já esteja presente, como, por exemplo, sustentação oral no curso da audiência una de instrução e julgamento ou no plenário do júri. Para a 2a Turma do STF (HC, 133.476, Rei. Min. Teori Zavascki, j. 14/06/2016), a não observância da intimação pessoal da Defensoria Pública deve ser impugnada imediatamente, na primeira oportunidade processual, sob pena de preclusão. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A sustentação oral -

que traduz prerrogativa

jurídica de essencial im portância - com p õe o estatuto constitucional d o direito de defesa. A injusta frustração desse direito, por falta de intim ação pessoal d o Defen­ sor Público que oficia perante o órgã o judiciário com ­ petente para o julgam ento d e "h a b e a s corpus", afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional

Art. 371

notadam ente em sede de persecução penal, atende a um a im posição que deriva do próprio texto da Consti­ tuição da República, no ponto em que o estatuto fun­ dam ental estabelece, em favor de qualquer acusado, o direito à plenitude de defesa em procedim ento estatal que respeite as prerrogativas decorrentes da cláusula constitucional d o "due process o f law". Precedentes". (STF, 2aTurma, R H C 106.561 /RJ, Rei. Min. Celso de Mello, j. 21/06/2011, DJe 164 25/08/2011).

14. Intimação pessoal do defensor dativo: a partir da edição da Lei 9.271/96, que incluiu o § 4o ao art. 370 do CPP, os defensores nomea­ dos, dentre os quais se inclui o defensor dativo, também passaram a possuir a prerrogativa da intimação pessoal. Portanto, na medida em que o defensor dativo faz jus à intimação pessoal, há de se considerar inválido o trânsito em julgado de sentença penal condenatória se o advogado dativo foi intimado por meio de publicação no Diário de Justiça. No sentido de que esse entendimento também se aplica à Justiça Militar, por força do art. 3°, alínea “a”, do CPPM: STF, 2aTurma, HC 91,247/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, Informativo n. 489 do Supremo, 20/11/2007. Logicamente, se o defensor dativo tiver declinado da prerrogativa de ser intimado pessoalmente, optando expressamente pela intimação pela imprensa oficial, não haverá qualquer nulidade na hipótese de haver eventual intimação por meio de publicação.

da am plitude de defesa. O cerceam ento d o exercício dessa prerrogativa - que constitui um a das projeções concretizadoras d o direito de defesa - enseja, qu an do



Jurisprudência selecionada:

configurado, a própria invalidação d o julgam e nto re­

STJ:"(...) N ão se desconhece o entendim ento pacífico

alizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável

neste Sodalício no sentido de que a ausência de inti­

de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes d o STF. - O

m ação pessoal da Defensoria Pública ou d o defensor

ordenam ento positivo brasileiro torna imprescindível

dativo sobre os atos d o processo, a teor d o disposto no

a intim ação pessoal d o defensor n o m e a d o dativa-

artigo 370 d o C ó d ig o de Processo Penal e d o artigo 5o,

m ente (CPP, art. 370, § 4°, na redação dada pela Lei n°

§ 5°, da Lei 1.060/1950, gera, via de regra, a sua nulida­

9.271/96) e reafirma a indispensabilidade da pessoal

de. N o caso dos autos, o próprio defensor dativo optou

intim ação d o s Defensores Públicos em geral (LC n°

por ser intim ado pela im prensa oficial, declinando da

80/94, art. 4 4 , 1; art. 8 9 ,1, e art. 128 ,1), inclusive a do s

prerrogativa de ser p esso alm e n te cientificado d o s

D efe n sore s Pú b lico s d o s E sta d o s-m e m b ro s (LC n°

atos processuais, o que im pe de o reconhecim ento

80/94, art. 128,1; Lei n° 1.060/50, art. 5°, § 5°, na redação

da m ácula suscitada na impetração. Precedente. (...)".

dada pela Lei n° 7.871/89). - A exigência de intim ação

(STJ, 5a Turma, HC 3 1 1.676/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j.

pessoal d o Defensor Público e d o A d v o g a d o dativo,

16/04/2015, DJe 29/04/2015).

Art. 371 . Será admissível a intimação por despacho na petição em que for requerida, observado o disposto no art. 357.1 (j0 1 3

1. Intim ação diretamente na petição: é relativamente comum que determinada peti­ ção seja despachada diretamente com o juiz, pedindo, por exemplo, o adiamento de uma audiência. Nesse caso, se o pedido for deferido

de imediato pelo juiz, não haverá necessidade de intimação formal do advogado, porquanto sua ciência dar-se-á no próprio despacho cons­ tante da petição. Por cautela, é prduente que o magistrado ou o escrivão colham o “ciente” da parte no corpo da petição.

Art. 372. Adiada, por qualquer motivo, a instrução criminal, o juiz marcará desde logo, na presença das partes e testemunhas, dia e hora para seu prosseguimento, do que se lavrará termo nos autos-1 1. Adiamento da instrução criminal: estan­ do todos os interessados na intimação reuni­ dos por ocasião da realização de audiência, a prática de ato processual futuro poderá, ob­ viamente, ser intimada pessoalmente naquela assentada. Nos mesmos moldes, nas hipóteses em que a decisão é proferida em audiência (v.g., sentença proferida na própria audiência una de instrução e julgamento - CPP, art. 403, caput), o prazo recursal começa a fluir desse ato, se a ele estiverem presentes as partes. Logo, no âmbito do Tribunal do Júri, como a senten­ ça é publicada em plenário, estando presentes o acusado e seu defensor, assim como o órgão do Ministério Público, o termo inicial do prazo recursal será a data da sessão de julgamento. Se, no entanto, o acusado optar por não estar pre­ sente à sessão de julgamento, o prazo recursal para ele somente começará a fluir a partir do momento em que for intimado da sentença.



Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Sentença condenatória proferida em Plenário na data d o julgam ento, presentes o réu e seu patrono. Termo inicial d o prazo recursal na form a d o art. 798, § 5o,"b", do C ó d ig o de Processo Penal (CPP). (...) Ordem indeferida". (STF, 2a Turma, H C 89.999/SP, Rei. Min. Gilm ar Mendes, j. 16/10/2007, DJe 041 06/03/2008).

STJ: “(...) Para fins de configuração d o marco interruptivo d o prazo prescricional, considera-se publicado o acórdão condenatório na data da realização da sessão pública de julgam ento em que exarado aquele julgado, independentem ente de q u an d o se dê sua veiculação no Diário da Justiça ou m eio de com u nicação con ­ gênere. Na hipótese d o s autos, o s pacientes foram con de n ado s a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) m eses de reclusão. Entre a data d o recebim ento da denúncia (15/12/2000) e a data em que realizada a sessão de ju lga m e n to da qual resultara p rolatado o acórdão c o n de n atório reform ador da sentença absolutória (20/10/2008), transcorreu lapso tem poral inferior a 8 (oito) anos, não havendo falar, assim, em prescrição da pretensão punitiva. O rdem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 233.594/SP, Rei. Min. Alderita Ram os de Oliveira, j. 16/04/2013).

T Í T U L O XI

DA APLICAÇÃO PROVISÓRIA DE INTERDIÇÕES DE DIREITOS E MEDIDAS DE SEGURANÇA 1

Art. 373. A aplicação provisória de interdições de direitos poderá ser determinada pelo juiz, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante, do assistente, do ofendido, ou de seu representante legal, ainda que este não se tenha constituído como assistente: I - durante a instrução criminal após a apresentação da defesa ou do prazo concedido para esse fim; II - na sentença de pronúncia; III - na decisão confirmatória da pronúncia ou na que, em grau de recurso, pronunciar o réu; IV - na sentença condenatória recorrível. § 1° No caso do no I, havendo requerimento de aplicação da medida, o réu ou seu defensor será ouvido no prazo de 2 (dois) dias.

§2° Decretada a medida, serão feitas as comunicações necessárias para a sua execução, na forma do disposto no Capítulo III doTítulo II do Livro IV. Art. 374. Não caberá recurso do despacho ou da parte da sentença que decretar ou denegar a aplicação provisória de interdições de direitos, mas estas poderão ser substituídas ou revogadas: I - se aplicadas no curso da instrução criminal, durante esta ou pelas sentenças a que se referem os ns. II, III e IV do artigo anterior; II - se aplicadas na sentença de pronúncia, pela decisão que, em grau de recurso, a confirmar, total ou parcialmente, ou pela sentença condena­ tória recorrível; III - se aplicadas na decisão a que se refere o no III do artigo anterior, pela sentença condenatória recorrível.

Art. 375. O despacho que aplicar, provisoriamente, substituir ou revogar interdição de direito, será fundamentado. Art. 376. A decisão que impronunciar ou absolver o réu fará cessar a aplicação provisória da interdição anteriormente determinada. Art. 377. Transitando em julgado a sentença condenatória, serão executadas somente as interdições nela aplicadas ou que derivarem da imposição da pena principal. Art. 378. A aplicação provisória de medida de segurança obedecerá ao disposto nos artigos anteriores, com as modificações seguintes:

Art. 379

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

de

Lim a

I - o juiz poderá aplicar, provisoriamente, a medida de segurança, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público; II - a aplicação poderá ser determinada ainda no curso do inquérito, mediante representação da autoridade policial;

III - a aplicação provisória de medida de segurança, a substituição ou a revogação da anteriormente aplicada poderão ser determinadas, também, na sentença absolutória; IV - decretada a medida, atender-se-á ao disposto no Título V do Livro IV, no que for aplicável.

Art. 379. Transitando em julgado a sentença, observar-se-á, quanto à execução das medidas de segurança definitivamente aplicadas, o disposto no Título V do Livro IV. Art. 380. A aplicação provisória de medida de segurança obstará a concessão de fiança, e tornará sem efeito a anteriormente concedida. 1. N o ta ao leitor: os arts. 373 a 380 do Título X I tornaram-se sem efeito em face do disposto nos arts. 147, 171 e 172 da Lei de Execução

Penal (Lei n. 7.210/84). Conservamos os dispo­ sitivos originais desta parte por mero interesse histórico.

T Í T U L O XII

DA SENTENÇA

Art. 381. A sentença conterá:' I - os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações neces­ sárias para identificá-las; II - a exposição sucinta da acusação e da defesa;2 III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;3" IV - a indicação dos artigos de lei aplicados; V - o dispositivo;12 VI

- a data e a assinatura do juiz13

1. Estrutura e requisitos da sentença: a sentença encerra um silogismo, que é um ra­ ciocínio formado de três proposições, em que a premissa maior é o texto legal, a premissa menor, ou premissa fática, é o fato sub judice e, finalmente, a conclusão, que nada mais re­ presenta senão a subsunção do fato examinado à lei. Com efeito, a partir da prova constante dos autos, e, subsidiariamente, dos elementos informativos colhidos na fase investigatória, ao proferir a sentença, procura o juiz reconstruir, num trabalho intelectual, a situação fática imputada ao acusado e, com base no direito aplicável, concluir pela condenação ou absol­ vição, julgando procedente ou improcedente a pretensão punitiva deduzida por meio da peça acusatória. Os requisitos da sentença constam dos incisos do art. 381 do CPP, os quais podem ser subdivididos em em intrínsecos - relatório, fundamentação e dispositivo - e extrínsecos, leia-se, relacionados à autenticação da decisão. 2. Relatório: é um resumo da demanda. Deve o juiz indicar os nomes das partes ou, quando não for possível, as indicações necessárias para

sua identificação, fazer uma exposição sucinta da acusação formulada e das teses apresentadas pela defesa, apontando, ademais, os principais atos praticados no curso da persecução penal. Costuma-se dizer que o objetivo do relatório é demonstrar que o juiz teve pleno contato com a demanda que está prestes a julgar, já que sua elaboração obriga o juiz a tomar conhecimento integral do processo, das provas produzidas, das alegações das partes, dos incidentes veri­ ficados, etc. A exigência de identificação das partes, inserida no art. 381, I, do CPP, é de fundamental importância para que possam ser fixados os limites subjetivos da coisa ju l­ gada, impedindo, por exemplo, que acusado absolvido por sentença transitada em julgado possa ser novamente processado em relação à mesma imputação. Na hipótese de processo penal instaurado por meio de denúncia, não há necessidade de se fazer menção ao nome do Promotor de Justiça, já que este atua em nome da instituição e não em nome próprio, sendo a impessoalidade uma das características do Parquet. No entanto, em se tratando de pro­ cesso instaurado por meio de queixa-crime, 1017

Art. 381

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

deve haver menção ao nome do querelante. Em relação à identificação do acusado, cuida-se de formalidade essencial da sentença. O art. 381, I, do CPP, permite que, não sendo possível indicar seu nome, conste da sentença apenas indicações necessárias para sua identificação. O dispositivo guarda certa semelhança com o art. 41 do CPP, que permite que a peça acusatória seja apresentada com a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo. Portanto, o fato de ser des­ conhecida a identificação completa do acusado não é óbice à prolação da sentença, desde que se faça menção a seus traços característicos, permitindo distingui-lo de outras pessoas. Outrossim, eventual erro material quanto ao nome do acusado não é substancial, desde que sua identidade física seja certa, não sendo incomum que acusados sejam processados com nomes falsos sem que isso acarrete a nulidade da sentença. Nessa linha, o art. 259 do CPP dispõe que “a impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou ou­ tros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes”. A sentença também deve fazer menção ao nome da vítima, mesmo na hipótese de processo penal referente a crime de ação penal pública. Isso porque, considerando os efeitos inerentes à sentença condenatória por exemplo, fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, que poderá ser executada pelo ofendido no âmbito cível - , é de fundamental importância que seu nome conste da sentença, inclusive para que não haja questionamentos quanto a sua legitimidade para ulterior execução. Prevalece o entendimento de que a ausência de relatório é causa de nulidade absoluta da sentença, nos termos do art. 564, IV, do CPP. A nosso ver, a ausência do relatório, isolada­ mente considerada, não autoriza a anulação da sentença, sobretudo se restar comprovado que o juiz realmente tinha pleno conhecimento da demanda. Cuida-se, portanto, de nulidade relativa. Prova disso, aliás, é a dispensa do

relatório da sentença no âmbito dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95, art. 81, §3°), o que acaba por confirmar que a decisão pode ser considerada válida mesmo sem esse elemento. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) N ão há nulidade por ausência de m enção do nom e da vítima na sentença condenatória, se esta faz alusão constante à denúncia, ond e consta a qualifi­ cação com pleta daquela (vítima); ademais, a defesa, em m om e nto algum , afirm ou o desconhecim ento de todos os term os da acusação, bem com o m encionou a existência de prejuízo. (...) N ão se constata, ainda, dos docum en tos acostados aos autos, a patente nulidade da sentença por falta de m enção aos depoim entos das testem unhas ou às teses da defesa. Em bora sucinto, o relatório delineia todas as fases da instrução processu­ al, com a m enção aos argum entos das partes pelo Juiz. Deveras, para cum prir a determ inação constitucional de fu n dam e n tação das decisões judiciais, é de sn e ­ cessário que o M agistrad o transcreva ou responda a toda sorte de alegações suscitadas no transcorrer do processo penal, bastando que exam ine as circunstân­ cias fáticas e jurídicas relevantes, podendo, na fu n da­ mentação, apresentar tese contrastante com aquela d e fe n dida p elas partes, valer-se da dou trina e da jurisprudência, além, por óbvio, das provas produzidas, desde que fique claro, pela sua exposição, as razões que em basaram o seu convencim ento. Precedentes d o STJ e d o STF. (...) O rdem denegada, em que pese o parecer ministerial em sentido contrário". (STJ, 5a Turma, HC 89.324/PE, Rei. Min. N apoleão Nunes M aia Filho, j. 07/02/2008, DJe 03/03/2008).

STJ:"(...) Se gu n d o

o princípio pas de nullité sans grief, evidenciado no art. 563 d o CPP, não há que se falar em declaração de nulidade se não estiver concretamente dem onstrado o prejuízo (Precedentes). Na hipótese do s autos, apesar de as teses da defesa não terem sido delineadas no relatório da sentença penal condena­ tória, foram todas devidam ente apreciadas pelo Juízo de primeiro grau na fundam entação do r. de cisu m .'0 entendim ento pretoriano, capitaneado pelo Suprem o Tribunal Federal, se direciona no sentido de que a falta ou deficiência da exposição das teses articuladas pelas partes som ente nulifica a sentença se provado prejuízo para o réu. Afasta-se ainda a mácula de nulidade se, m esm o existente o defeito no relatório, o decisum analisa em seu bojo a prova coletada em face d o s argum entos oferecidos pela defesa'(RHC 7934/MG, 6a Turma, Rei. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 09/11 /98). Writ denegado". (STJ, 5a Turma, HC 69.967/RJ, Rei. Min. Felix Fischer, j. 13/03/2007, DJ 14/05/2007 p. 348).

3. F u n d am en tação : de acordo com o art. 93, inciso IX, da Carta Magna, todos os julgamen­ tos dos órgãos do Poder Judiciário serão pú­

TfTULO X II. DA SENTENÇA

blicos, e fundam entadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Essa garantia constitucional é exigência inerente ao Estado Democrático de Direito, pois viabiliza o controle das decisões judiciais e assegura o exercício do direito de defesa. A decisão judicial não é um ato autori­ tário, um ato que nasce do arbítrio do julgador, daí a necessidade de adequada fundamentação. Sendo a sentença um ato decisório de funda­ mental importância no processo penal, por­ quanto haverá a análise da pretensão punitiva do Estado para fins de absolver ou condenar o acusado, é evidente que a fundamentação não pode ser dispensada. Incumbe ao juiz, nesse momento, enfrentar todas as questões de fato e de direito relevantes para a solução do caso concreto, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes, justificando, assim, a conclu­ são a que chegará no dispositivo. Daí dispor o CPP que a sentença conterá a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fun­ dar a decisão e a indicação dos artigos de lei aplicados (art. 381, III e IV). Essa indicação dos artigos de lei aplicados, todavia, pode ser suprida se houver referência implícita a eles. Exemplificando, por mais que o juiz sequer tenha feito menção ao art. 16 do CP, que trata do arrependimento posterior, não haverá nuli­ dade da decisão se dela constar que foi negada a diminuição da pena pelo fato de não ter sido comprovada a reparação integral do dano até o recebimento da denúncia. 4. Função endoprocessual e extraprocessual da motivação: antigamente, entendia-se que a fundamentação das decisões judiciais era apenas uma garantia técnica do processo, com objetivos endoprocessuais. Através dela, proporcionava-se às partes o conhecimento necessário para que pudessem impugnar a decisão, permitindo, ademais, que os órgãos jurisdicionais de segundo grau examinassem a legalidade e a justiça da decisão. Destacava-se, assim, apenas a função endoprocessual da motivação. Com o passar do tempo, a ga­ rantia da motivação das decisões passou a ser considerada também garantia da própria jurisdição. Afinal de contas, os destinatários da fundamentação não são mais apenas as

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partes e o juízo ad quem, como também toda a coletividade, que, com a motivação, tem condições de aferir se o magistrado decidiu com imparcialidade a demanda. Muito além de uma garantia individual das partes, a mo­ tivação das decisões judiciais funciona como exigência inerente ao próprio exercício da função jurisdicional. Não por outro m oti­ vo, a garantia da motivação vem prevista na Constituição Federal no capítulo pertinente ao Poder Judiciário, e não no capítulo dos direitos e garantias individuais, em que se en­ contra grande parte das garantias processuais. Destarte, sob o enfoque da sociedade, pode-se dizer que a motivação também apresenta uma relevância extraprocessual. Funciona, assim, a fundamentação, verdadeira garantia processu­ al de segundo grau, como importante forma de controle das partes sobre a atividade intelectual do juiz, a fim de que verifiquem se este levou em consideração todos os argumentos e provas produzidas pelas partes, e se teria aplicado de maneira correta o direito objetivo ao caso concreto. É nesse sentido a lição de Ferrajoli

((Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2a ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 573/574). 5. Sistema do livre convencimento moti­ vado (persuasão racional do juiz): quanto à valoração da prova pelo magistrado por oca­ sião da sentença condenatória, o ordenamento pátrio adota, pelo menos em regra, o sistema da persuasão racional do juiz, em virtude do qual o magistrado tem ampla liberdade na valoração das provas constantes dos autos, as quais têm, legal e abstratamente, o mesmo valor. Esse sistema confere ao juiz discricionariedade na hora da valoração das provas, isola­ damente e no seu conjunto, mas desde que tais provas estejam no processo ( id quod non est in actis non est in mundus - o que não está nos autos não existe), sendo admitidas pela lei e submetidas a um prévio juízo de credibilidade, não podendo ser ilícitas ou ilegítimas. À discricionariedade de avaliação do quadro proba­ tório soma-se a obrigatoriedade de motivação da conclusão do magistrado. A obrigação de fundamentar permite às partes não somente aferir que a convicção foi realmente extraída

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do material probatório constante dos autos, como também analisar os motivos legais que levaram o magistrado a firmar sua conclusão. A propósito, o art. 155 do CPP estabelece que o juiz formará sua convicção pela livre apre­ ciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Da adoção do sistema da livre persuasão racional do juiz, derivam importantes efeitos: a) não há prova com valor absoluto; b) deve o magistrado valorar todas as provas produzidas no pro­ cesso, mesmo que para refutá-las; c) somente serão consideradas válidas as provas constantes do processo e os elementos de informação constantes de investigação preliminar: não se pode emprestar validade aos conhecimentos privados do magistrado. 6. (Des) n e ce ssid ad e de fu n d a m e n ta ­ ção no âm bito do Tribunal do Júri: se a fundamentação funciona como regra geral para a prolação de uma sentença, não se pode esquecer que, no âmbito do Tribunal do Júri, as decisões dos jurados não precisam ser motivadas. Isso porque, de acordo com o art. 5o, inciso X X X V III, da Magna Carta, tem -se como uma das garantias do jú ri o sigilo das votações. Ou seja, fosse o jurado obrigado a fundamentar sua decisão, seria possível identificar-se o sentido de seu voto. Daí a desnecessidade de fundamentação do voto do jurado, lim itando-se o mesmo a um singelo “sim” ou “não” para cada quesito que lhe for formulado, nos exatos termos do art. 486, caput, do CPP. Perceba-se que essa desnecessidade de motivação aplica-se apenas às questões apreciadas pelos jurados - materialidade, autoria, eventual absolvição do acusado, causas de diminuição de pena, qualificadoras e causas de aumento de pena - , já que apenas o juiz leigo está protegido pela garantia constitucional do sigilo das vo­ tações. Todavia, quanto à pena a ser aplicada pelo juiz presidente, há necessidade de fun­ damentação do decreto condenatório, já que vigora, em relação ao juiz togado, o sistema da persuasão racional (livre convencimento motivado).

7. (Im) possibilidade de utilização su b ­ sidiária dos elementos informativos para fins de form ação do convencim ento do juiz: quanto à possibilidade de utilização de elementos informativos produzidos na fase investigatória - portanto, sem a obrigatória observância do contraditório e da ampla de­ fesa - para fundamentar a prolação de uma sentença, prevalece o entendimento de que sua utilização pode se dar de maneira subsidiária, complementando a prova produzida em juízo sob o crivo do contraditório. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A o contrário d o que ale gad o

pelos ora agra­

vantes, o conjunto probatório que ensejou a con de ­ nação do s recorrentes não vem em b asado apenas nas declarações prestadas em sede policial, tendo suporte, tam bém , em outras provas colhidas na fase judicial. Confirm ação em juízo do s testem unhos prestados na fase inquisitorial. O s elem entos d o inquérito podem influir na form ação do livre convencim ento d o juiz para a decisão da causa q u a n d o com p le m e n tam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contra­ ditório em juízo. A gravo regimental improvido". (STF, 2a Turma, RE-AgR 425.734/MG, Rei. Min. Ellen Gracie, DJ 28/10/2005 p. 57). Em sentido semelhante: STF, 2a Turma, HC 89.877/ES, Rei. Min. Eros Grau, j. 07/11/2006, DJ 15/12/2006; STF, 1aTurma, RE 287.658/MG, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/10/2003 p. 22.

8. Fundamentação per relation em : há con­ trovérsias em torno da possibilidade da adoção da denominada fundamentação per relatio­ nem, assim compreendida como aquela em que a autoridade judiciária adota como funda­ mento de sua decisão as alegações contidas na manifestação das partes. A nosso juízo, em se

tratando de sentença ou acórdão condenatório e/ou absolutório, é inadmissível a fundamenta­ ção per relationem, porquanto viola, à evidên­ cia, o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal. Afinal, nesse tipo de fundamentação, não há explicitação, por parte do Magistrado, das suas razões de decidir, cuja ausência não pode ser suprida pelo simples reenvio à justi­ ficação contida na manifestação de uma das partes, o que afetaria até mesmo a própria im ­ parcialidade da decisão, porquanto não é certo que as razões de uma decisão condenatória (ou absolutória) sejam dadas por uma das partes. Na dicção de Antônio Magalhães Gomes Filho

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

(A motivação das decisões penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 221), “incumbe ao juiz efetivamente decidir sobre esse ponto, até porque sua função é indelegável, não cabendo remissão ao que entenderam a au­ toridade policial ou o órgão da acusação, sendo imprescindível, portanto, a fundamentação expressa.” Perceba-se que fomos enfáticos ao dizer que não se admite a fundamentação per relationem quanto à sentença condenatória e/ ou absolutória. Porém, no tocante às decisões interlocutórias, sobretudo aquelas referentes às medidas cautelares de natureza urgente (v.g., prisão temporária, preventiva, etc.), parece­ mos ser plenamente possível que o juiz adote como fundamento de sua decisão as alegações da autoridade policial, do Ministério Público, do assistente da acusação ou do querelante, desde que nelas haja argumentos suficientes a autorizar a imposição da referida medida, sen­ do desnecessária, inclusive, a sua reprodução nos mesmos autos.

331

autos da d e m an da atende ao com an d o norm ativo e constitucional que im põe a necessidade de motivação das decisões judiciais, já que o que não se adm ite é a ausência de fundam entação: STJ, Corte Especial, EREsp 1.021.851/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 28/06/2012.

STJ:"(...) N ão configura ausência de fundam entação do decreto constritivo a ad oção da cota ministerial, com o razões de decidir, prom ovida pelo Magistrado, caso se constate a presença do s requisitos autorizadores da prisão preventiva nos argum entos lançados pelo Parquet, c o m o é a situação do s autos. Ordem denegada". (STJ, 5a Turma, H C 29.293/SC, Rei. Min. Jorge Scartezzini, D J 10/05/2004 p. 312). N o m esm o sentido: STJ, 6a Turma, HC 31.015/SP, Rei. Min. Paulo Gallotti, j. 19/05/2005, DJ 20/03/2006, p. 355; STJ, 5a Turma, HC 84.262/SP, Relatora Ministra Jane Silva, DJ 22/10/2007 p. 336; STJ, 6aTurma, HC 25.352/SC, Rei. Min. Ham ilton Carvalhido, j. 20/05/2003, DJ 30/06/2003, p. 318. N o julgam ento do HC 102.864/SP, entendeu a 1aTurma do Su p rem o que, m uito em bora o sucinto decreto de pri­ são preventiva tivesse ad otad o c o m o fundam entação 0 requerimento d o Ministério Público, sem, entretanto, transcrevê-lo, a constrição cautelar teria sido baseada em fatos concretos, portanto, em conform idade com o disposto no art. 312 d o CPP: STF, 1aTurma, H C 102.864/ SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 03/08/2010, DJe



Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) N ão

se desconhece a existência de inúm e­

ros julgados, tanto desta Corte Superior, quanto do Suprem oTribunal Federal, que afastam a alegação de nulidade pela suposta ofensa ao artigo 93, inciso X, da Constituição Federal, q u an do a autoridade judiciária, ao fundam entar sua decisão, reporta-se à sentença ou ao parecer ministerial. Contudo, conquanto se admita que o m agistrado reenvie a fundam entação de seu decisum a outra peça constante do processo, e ainda que se permita que a m otivação d o s ju lgad o s seja sucinta, deve-se garantir, tanto às partes d o processo, quanto à sociedade em geral, a possibilidade de ter acesso e de com preender as razões pelas quais determ inada decisão foi tom ada. Na hipótese d o s autos, o ju lgad o c o le giad o não atende ao c o m a n d o constitucional, porquanto não apresenta de form a m ínim a os fu n da­ m entos que ensejaram a negativa de provim ento do apelo interposto pela defesa d o paciente, de m od o q u e o recon hecim ento de sua nulidad e é m ed ida que se im põe. (..) O rdem concedida para, reconhe­ cendo a nulidade do acórdão por falta de motivação, determ inar que seja realizado n ovo ju lgam e n to da apelação interposta pelo paciente, p ro m oven d o-se a devida fundam entação d o decisum". (STJ, 5a Turma, H C 176.238/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 24/05/2011). Todavia, em recente julgado, a Corte Especial d o STJ ente nd e u que, ap e sar de não ser a m elhor form a de se decidir u m a controvérsia, a rep rod ução d o s fundam entos declinados pelas partes ou pelo órgão do M P ou m esm o de outras decisões proferidas nos

173 16/09/2010.

9. Ausência de fundamentação: por força do art. 489, §1°, do novo CPC, subsidiariamente aplicável ao processo penal, não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: 1 - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indetermi­ nados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra deci­ são; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distin­ ção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Quando a decisão incorrer em qualquer dessas hipóteses, admite-se, inicial­

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

mente, a oposição de embargos de declaração com o objetivo de suprir tal omissão (art. 1022, parágrafo único, II, do novo CPC). À evidência, opostos os embargos de declaração, se o magistrado insistir em manter a ausência de fundamentação, caberá à parte manejar o recurso adequado contra a referida decisão em sede processual penal (v.g., RESE, apelação, etc). Trata-se, a ausência de fundamentação, de vício de extrema gravidade, mas daí não se pode falar em inexistência jurídica do ato. Na verdade, a ausência de fundamentação acarreta a nulidade absoluta da sentença, nos exatos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal.

+ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O dever de motivar as decisões implica neces­ sariamente cognição efetuada diretamente pelo órgão julgador. N ão se p od e admitir que a Corte estadual limite-se a transcrever a sentença de primeiro grau, se nd o de rigor que acrescente fundam entação que seja própria d o ó rgã o judicante. A mera repetição da decisão atacada, além de desrespeitar o regram ento d o art. 93, IX, da Constituição Federal, causa prejuízo para a garantia d o d u p lo grau de jurisdição, na exata m edida em que não conduz a substancial revisão ju­ dicial da primitiva decisão, m as a côm od a reiteração. O rdem concedida". (STJ, 6a Turma, HC 91.894/RS, Rei. Min. M aria Thereza de Assis Moura, j. 03/11/2009, DJe 23/11/2009). N o m esm o contexto: STF, I a Turma, RE 540.995/RJ, Rei. Min. M enezes Direito, j. 19/02/2008, DJe 78 30/04/2008.

10. (Des) necessidade de enfrentamento de todas as teses apresentadas pela defesa por ocasião da sentença: os Tribunais Su­ periores têm entendido que não há falar em nulidade da sentença se ficar evidenciado que todas elas foram apreciadas pelo magistrado, ainda que de maneira sucinta, direta ou indiretamente. Embora seja necessário que o Magistrado aprecie todas as teses ventiladas pela defesa, torna-se desnecessária a menção expressa a cada uma das alegações se, pela própria decisão condenatória, restar claro que o Julgador adotou posicionamento contrário. Assim, não se tem como omissa uma sentença que, conquanto não se refira, expressamente, a um suposto álibi apresentado pelo acusado, fundamente sua condenação com base em elementos probatórios válidos que confirmem a prática delituosa e a respectiva autoria.

♦ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O decreto condenatório, ao contrário do aven­ tado no m andam us, refutou as teses sustentadas pela defesa em sede de alegações finais, especialm ente em relação à aventada nulidade das interceptações telefô­ nicas sucessivam ente renovadas e à alegada ausência do s extratos telefônicos nos autos, razão pela qual não há que se falar em om issão por parte d o juízo m onocrático.Tendo a sentença condenatória apreciado, ainda que de maneira sucinta, tod as as teses aventadas pela defesa nas alegações finais apresentadas - circunstân­ cia confirm ada pelo acórdão objurgado -, observa-se que esta se encontra em conform idade com o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, m otivo pelo qual não se vislum bra o aventado constrangim ento ilegal. Or­ dem denegada". (STJ, 5aTurma, HC 166.533/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 14/06/2011, DJe 30/06/2011). Na m esm a linha: STJ, 5aTurma, HC 61.715/RJ, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 29/08/2007, DJ 08/10/2007 p. 325; STJ, 5a Turma, HC 87.095/MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 08/05/2008, DJe 02/06/2008. Em outro julgad o, o STJ afirm ou que, para cum prir a determ inação constitucional de fu n ­ dam en tação das decisões judiciais, é desnecessário que o M agistrad o transcreva ou responda a toda sorte de alegações suscitadas no transcorrer d o processo penal, bastando que examine as circunstâncias fáticas e jurídicas relevantes, podendo, na fundam entação, apresentar tese contrastante com aquela defendida pelas partes, valer-se da doutrina e da jurisprudência, além, por óbvio, das provas produzidas, desde que fique claro, pela sua exposição, as razões que em basaram o seu convencim ento: STJ, 5aTurma, HC 89.324/ PE, Rei. Min. N apoleão Nunes M aia Filho, j. 07/02/2008, DJe 03/03/2008.

11. Instrumento adequado para a im pug­ nação de sentença desprovida de funda­ mentação: o recurso adequado é a apelação com a alegação de error in procedendo intrín­ seco, o que, evidentemente, não impede a utilização do habeas corpus, se acaso houver risco à liberdade de locomoção. Na hipótese de sentença citrapetita, ou seja, uma decisão que não analisa todos os fatos delituosos imputados ao acusado, apesar de sua evidente nulidade, é plenamente possível a oposição de embargos de declaração, que terão efeitos infringentes, já que a apreciação de ponto omisso da decisão pode provocar a modificação do sentido da decisão. Reconhecida a ausência de fundamen­ tação pelo Tribunal no julgamento de eventual apelação (ou habeas corpus), a sentença deve ser anulada, com a remessa dos autos ao pri­ meiro grau de jurisdição para a prolação de

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

uma nova decisão. Há quem entenda que, nesse caso, seria aplicável subsidiariamente o disposto no art. 515, §3°, do CPC (art. 1013, §3°, I, do novo CPC), que autoriza que o tribu­ nal de segundo grau anule a sentença e passe, de imediato, à prolação de uma nova decisão de mérito da demanda. Porém, essa posição é minoritária, já que o enfrentamento do mérito pelo Tribunal poderia acarretar verdadeira supressão de instância. Outrossim, declarada nula a sentença condenatória, por ausência de fundamentação, desconstitui-se a causa interruptiva da prescrição correspondente (CP, art. 117, IV, primeira parte), contando-se o prazo a partir da causa interruptiva anterior, qual seja, o recebimento da denúncia (CP, art. 1 1 7 ,1), pelo menos enquanto não houver a publicação de nova sentença condenatória. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) N ão

há c o m o se adm itir o atendim ento da

necessidade de motivação das decisões judiciais quan­ d o sim plesm ente se afirma 'Se gu n d o apurado, ainda que constituída licitamente, m ascarava objetivo de

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o juiz declinar um dos fundamentos a que faz menção o art. 386 do CPP. Isso porque, a de­ pender do fundamento adotado pelo magistra­ do, a sentença absolutória pode (ou não) fazer coisa julgada no âmbito cível. Evidentemente, a ausência de menção expressa a um dos incisos do art. 386 pode ser suprida se for possível deduzir, a partir do conteúdo da motivação da sentença, qual teria sido o fundamento que deu ensejo à absolvição do acusado. Na hipótese de sentença condenatória, deve o juiz indicar o dispositivo legal no qual se dá o juízo de tipicidade da conduta delituosa imputada ao acusado. A não indicação da capitulação legal autoriza o reconhecimento da nulidade da sentença, que pode ser sanada, todavia, se houver referência ao nomen iuris do delito. A ausência de dispositivo é vício gravíssimo, até mesmo pela conclusão lógica de que uma de­ cisão sem dispositivo não é propriamente uma decisão, já que nada decide. Por isso, é tratada pela doutrina como hipótese de inexistência jurídica do provimento judicial, que deve ser tratado como um não ato.

intermediar e aplicar recursos do s sócios estrangeiros (captação)', sem nada definir da conduta típica. Decla­ rada nula a sentença condenatória, desconstitui-se a causa interruptiva correspondente (artigo 117, inciso IV, d o C ó d ig o Penal), contando-se o prazo a partir da causa interruptiva anterior, recebim ento da denúncia (artigo 117, inciso I, d o C ó d ig o Penal). Recurso co­ nhecido, em parte, e parcialm ente provido". (STJ, 6a Turma, REsp 931.151 /RJ, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 11/03/2008, DJe 29/09/2008).

12. Dispositivo: trata-se da conclusão decisória da sentença, representando o comando da decisão no sentido de condenar ou absolver o acusado. É a parte da sentença responsável pela geração dos efeitos da decisão, transfor­ mando o mundo dos fatos. O dispositivo é a conclusão do juiz que decorre da fundamen­ tação. No dispositivo, deve o juiz indicar os artigos de lei aplicados (CPP, art. 381, IV e V). Em se tratando de sentença absolutória, deve

13. Autenticação: para além dos requisitos intrínsecos, a sentença também possui requi­ sitos extrínsecos. São eles: a) data e assinatura (CPP, art. 381, V I); b) rubrica do juiz em todas as páginas, se a sentença for digitada (CPP, art. 388). Caso a sentença seja proferida oralmente em audiência, hipótese em que geralmente é registrada por meio da estenotipia ou grava­ da, o provimento jurisdicional somente terá valor como decisão judicial quando houver sua conferência, revisão e assinatura. Preva­ lece 0 entendimento no sentido de que a não aposição da assinatura do juiz torna a decisão inexistente, já que é ela que confere autentici­ dade à sentença. Há, todavia, quem entenda que, desde que ainda seja possível que o juiz prolator da decisão aponha validamente sua assinatura na sentença, trata-se de mera irre­ gularidade.

Art. 382. Qualquer das partes poderá, no prazo de 2 (dois) dias, pedir ao juiz que declare a sentença,1 sempre que nela houver obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão.27

Art. 382

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

1. Em bargos de Declaração: toda decisão judicial deve ser clara e precisa. Daí a im ­ portância dos embargos de declaração, cuja interposição visa dissipar a dúvida e a incer­ teza criada pela obscuridade e imprecisão da decisão judicial. O art. 382 do CPP versa sobre os embargos de declaração opostos contra decisões do juiz singular (“embarguinhos”). O art. 619 do CPP, de seu turno, versa sobre a oposição dos referidos embargos contra acór­ dãos proferidos pelos Tribunais de Apelação, câmaras ou turmas. Apesar de o CPP referir-se apenas aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação e às sentenças de primeiro grau, o certo é que os embargos de declaração podem ser interpostos contra qualquer decisão judi­ cial, pois é inconcebível que não haja remédio processual idôneo para sanar eventual obscu­ ridade, ambiguidade, contradição ou omissão do pronunciamento judicial. 2. Hipóteses de cabimento: os embargos de declaração funcionam como o instrumento de impugnação posto à disposição das partes vi­ sando à integração das decisões judiciais, sejam elas decisões interlocutórias, sentenças ou acór­ dãos. No âmbito do CPP, são cabíveis quando a decisão impugnada estiver eivada de: a) am bi­ guidade: ocorre quando a decisão, em qualquer ponto, permite duas ou mais interpretações. Na Lei n. 9.099/95 (art. 83, caput), a palavra "am­ biguidade” é substituída pela palavra “dúvida”, que, no fundo, tem o mesmo significado; b) obscuridade: ocorre quando não há clareza na redação da decisão judicial, de modo que não é possível que se saiba, com certeza absoluta, qual é o entendimento exposto na decisão; c) con­ tradição: ocorre quando afirmações constantes da decisão são opostas entre si. Exemplificando, suponha-se que o juiz reconheça que a conduta delituosa atribuída ao acusado é atípica, por conta do princípio da insignificância. Porém, ao invés de o acusado ser absolvido com fun­ damento no art. 386, inciso III, do CPP (“não constituir o fato infração penal”), a sentença absolutória é fundamentada no art. 386, inciso V I (“existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência”). Inexiste contradição quando a decisão está em

desacordo com opiniões doutrinárias, outros acórdãos ou sentenças e mesmo com a prova dos autos. Na verdade, a contradição que auto­ riza a impetração dos embargos de declaração é aquela da decisão judicial consigo próprio; d) omissão: ocorre quando a decisão judicial deixa de apreciar ponto relevante acerca da controvérsia. A título de exemplo, suponha-se que o juiz tenha deixado de fixar o regime inicial de cumprimento da pena. 3. Em bargos de declaração para fins de prequestionamento: para fins de admissibi­ lidade do recurso extraordinário e do recurso especial, é indispensável que a matéria tenha sido discutida nas instâncias inferiores. Daí a importância dos embargos de declaração com fins de prequestionamento. Afinal, consoante dispõe a súmula n. 356 do STF, “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios não pode ser objeto de recurso extraordinário por faltar o requisito do prequestionamento”. Na mesma linha, eis o teor da súmula n. 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a des­ peito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”. 4. Prazo: os arts. 382 e 619 do CPP preveem que os embargos de declaração opostos na I a e na 2a instância estão submetidos ao prazo de 2 (dois) dias. Segundo o art. 263 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, aos acórdãos proferidos pela Corte Especial, pelas Seções ou pelas Turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no prazo de 5 (cinco) dias, em se tratando de matéria cível, ou no

prazo de 2 (dois) dias, em se tratando de matéria penal, contados de sua publicação, em petição dirigida ao Relator, na qual será indicado o ponto obscuro, duvidoso, contraditório ou omisso, cuja declaração se imponha. Nos Jui­ zados Especiais Criminais, o prazo é de 5 dias (Lei n. 9.099/95, art. 83, §1°), mesmo prazo a que estão submetidos os embargos de declara­ ção no Supremo Tribunal Federal (Regimento Interno do STF, art. 337, §1°). ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A o portu n idade do s em b argo s declaratórias voltados à integração de decisão d o Suprem oTribunal Federal, prolatada em p rocesso revelador de ação

TÍTULO X II. DA SENTENÇA

penal da respectiva com petência originária, é de cinco dias, resolvendo-se o conflito de norm as no espaço pelo critério da especialidade, sendo aplicável o artigo 337, § 1o, d o Regim ento Interno, e não o artigo 619 do C ó d ig o de Processo Penal". (STF, Pleno, A P 361 ED/SC, Rel. Min. M arco Aurélio, j. 03/03/2005, DJ 06/05/2005).

STJ: "(...)

Em matéria criminal são intem pestivos os

e m b argo s de declaração o p o sto s ap ós o prazo de 2 (dois) dias, a teor do s artigo s 619 d o C PP e 263 do RISTJ. Em bargos não conhecidos". (STJ, 5a Turma, E D d no A g R g nos EDcl no AREsp 594.340/SP, Rel. Min. Felix Fischer, j. 15/10/2015, DJe 23/10/2015).

STJ:"(...) O juízo criminal, ao aplicar m ulta com inatória à em presa responsável pelo fornecim ento de dados

Art. 382

e injusto que a parte que contribuiu para a celeridade processual seja prejudicada com a declaração de intempestividade do recurso por ela interposto antes da publicação da decisão impugnada. Com o advento do novo Código de Processo Civil, parece-nos que os Tribunais deverão rever sua jurisprudência. Isso porque, consoante disposto no art. 218, §4°, do novo CPC, “será considerado tempestivo o ato pra­ ticado antes do termo inicial do prazo”. Há precedente recente do Plenário do STF nesse sentido.

decorrentes da q u eb ra de sigilo de term in ad a em inquérito policial, estabelece com ela u m a relação jurídica de natureza cível, seja porque o responsável pelo cum prim ento da ordem judicial não é parte no processo criminal, seja porque a aplicação de m ulta por eventual descum prim ento - ou retardo no adim plem ento - tem am paro no art. 475-J d o C ó d ig o de Processo Civil. Existência, ademais, de dúvida razoável quanto à natureza - cível ou criminal - da matéria, a justificar a aplicação d o princípio da boa-fé processual, reforçado no novo C ó d ig o de Processo Civil, de in egá­ vel valor c o m o referência d o direito que está por vir. Aplicabilidade, na hipótese, do art. 536 do CPC, que fixa em cinco dias o prazo para a oposição de em b argo s de declaração, por constituir a com inação de multa diária por atraso no cum prim ento de ordem judicial tema tipicam ente cível. Recurso especial provido". (STJ, 6a Turma, REsp 1.455.000/PR, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 19/03/2015, DJe 09/04/2015).

+ Jurisprudência selecionada:

STF:"(...)

Interposição de e m b argo s de divergência

antes da publicação d o acórdão em bargado. Extemporaneidade. Instrum entalism o processual. Preclusão im própria para prejudicar a parte que contribui para a celeridade processual. Boa-fé exigida d o estado-juiz. (...) A extem poraneidade não se verifica com a interposição de recurso antes d o term o a qu o e conse­ quentem ente não gera a ausência de preenchim ento de requisito de adm issibilidade da tem pestividade. O princípio da instrum entalidade d o Direito Processual reclama a necessidade de interpretar os seus institutos sempre d o m od o m ais favorável ao acesso à justiça (art 5o, XXXV, CRFB) e à efetividade do s direitos materiais (...). As p redu sões se destinam a permitir o regular e célere desenvolvim ento do feito, não se nd o possível penalizar a parte que ag e de boa-fé e contribui para o progresso da marcha processual com o não conheci­

4.1. Embargos de declaração antecipados ou prematuros: a (im) possibilidade de interposição dos embargos de declaração antes da publicação do acórdão - situação que não se apresenta possível em caso de sentença - é alvo de grande controvérsia. Pelo menos por ora, ainda é dominante o entendimento jurisprudencial no sentido de que os embargos de declaração ajuizados antes da publicação da decisão colegiada são intempestivos, por mais que a Sessão de julgamento do Tribunal em que o recurso fora apreciado tenha sido pública. Nessa linha, eis o teor da Súmula n. 418 do STJ: “é inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação dos embargos de decla­ ração, sem posterior ratificação”. A nosso ver, para além de revelar um apego exagerado a um formalismo estéril e inócuo, tal entendimento também vai de encontro à garantia da razoável duração do processo. Revela-se contraditório

m ento d o recurso por ela interposto antecipadamente, em decorrência de purism o form al injustificado. (...)". (STF, Pleno, Al 703.269 A g R -E D -E D -E D v-E D /M G , Rel. Min. Luiz Fux, j. 05/03/2015, DJe 85 07/05/2015).

STF:"(...)

Interposição de e m b argo s de divergência

antes da publicação d o acórdão em bargado. Extem­ poraneidade. Instrum entalism o processual. Preclusão im própria para prejudicar a parte que contribui para a celeridade processual. Boa-fé exigida d o estado-juiz. A gravo regim ental provido. A extem poraneidade não se verifica com a interposição de recurso antes d o term o a q u o e consequentem ente não gera a ausência de preenchim ento de requisito de adm issibilidade da tempestividade. O princípio da instrum entalidade do Direito Processual reclama a necessidade de interpretar o s seus institutos sem pre do m o d o m ais favorável ao acesso à justiça (art. 5°, XXXV, CRFB) e à efetividade d o s direitos materiais (...) As preclusões se destinam a permitir o regular e célere desenvolvim ento d o feito, não sendo possível penalizar a parte que ag e de boa-fé e contribui para o progresso da m archa processual com o não conhecim ento d o recurso por ela interposto antecipadam ente, em decorrência de purism o formal injustificado. O s e m b argo s de declaração o p o sto s o b ­

Art. 382

v

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

jetivando a reforma da decisão d o relator, com caráter

(STJ, 3a Seção, EDcl no M S 12.665/DF, Rei. Min. Gilson

infringente, devem ser convertidos em agravo regi­

Dipp, j. 28/09/2011, DJe 10/10/2011).

mental, que é o recurso cabível, por força d o princípio

STJ: "(...)

da fungibilidade. (...) A gravo regim ental provido para cassar a decisão de inadm issão d o s e m b argo s de di­

A jurisprudência d o s Tribunais Superiores firm ou-se no sentido de que, em se cuidan do de e m ­ b argos declaratórios com efeitos infringentes, faz-se

vergência com fu n dam en to na extem poraneidade recursal". (STF, Pleno, Al 703.269 AgR-ED -ED -ED v-ED /M G ,

necessária a intim ação d o em bargado, m orm ente em caso de im pu gn ação a acórdão absolutório penal, em

Rei. Min. Luiz Fux, j. 05/03/2015, D Je85 07/05/2015).

que a resposta d o réu é obrigatória, por requisição do direito à am pla defesa, assegu rado na Constituição da

5. Procedimento: os embargos de declaração devem ser opostos por petição já acompanha­ da das respectivas razões. Não se admite sua interposição por termo nos autos. Se opostos contra sentença, deverão ser endereçados ao próprio juiz prolator da decisão impugnada; na hipótese de acórdãos, os embargos serão dirigidos ao desembargador relator. No âmbito dos Juizados Especiais Criminais, os embargos de declaração podem ser opostos por escrito ou oralmente (Lei n. 9.099/95, art. 83, §1°). 6. (Des) necessidade de intimação da par­ te adversa nos em bargos de declaração com efeitos infringentes: pelo menos em regra, não há necessidade de intimação da parte contrária para apresentação de contrarrazões, porquanto os embargos de declaração visam apenas a esclarecer obscuridade, ambi­ guidade, contradição ou omissão da decisão impugnada. No entanto, na hipótese de em ­

bargos de declaração com efeitos infringentes, ou seja, aqueles que, diante da apreciação de ponto omisso da decisão, podem provocar a modificação do sentido do decisum, doutrina e jurisprudência são uníssonas em afirmar a ne­ cessidade de se intimar a parte contrária para apresentar contrarrazões, em fiel observância ao princípio do contraditório. A propósito, consoante disposto no art. 1.023, §2°, do novo CPC, aplicável subsidiariamente ao processo penal, “o juiz intimará o embargado para, querendo, manifestar-se, no prazo de 5 (cin­ co) dias, sobre os embargos opostos, caso seu eventual acolhimento implique a modificação da decisão embargada”. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O s

e m b argo s de declaração devem atender

aos seus requisitos, quais sejam, suprir omissão, contra­ dição ou obscuridade. Inexistindo qualquer um desses elem entos essenciais, rejeita-se o recurso integrativo".

República (artigo 5°, inciso LV). Ordem concedida". (STJ,

6aTurma, HC 37.686/AM, Rei. Min. Flamilton Carvalhido, j. 18/08/1002, DJ 07/11/2005, p. 388).

7. Efeitos quanto aos dem ais prazos recursais: diante do silêncio do CPP acerca do assunto, aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Civil, que prevê que a interposição dos embargos de declaração interrompem o prazo para o recurso cabível, que só começará a fluir, integralmente, após a decisão dos em­ bargos. A propósito, o art. 1026, caput, do novo CPC, prevê que os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso. Essa interrupção do prazo para interposição de outros recursos ocorrerá ainda que os em­ bargos de declaração não sejam acolhidos. Todavia, se os embargos de declaração não forem conhecidos, em virtude, por exemplo, da intempestividade, não haverá a interrupção do prazo para oposição dos outros recursos. O início do prazo recursal terá tido início, portanto, no primeiro dia útil subsequente à intimação da decisão embargada. Na mesma li­ nha, quando os embargos de declaração forem reconhecidos como meramente protelatórios, não se deve conceder aos mesmos a interrup­ ção, nem tampouco a suspensão do prazo de outro recurso, pois se estaria premiando a manobra fraudulenta (v.g., Regimento Interno do STF, art. 339, caput, e §2°). A propósito, segundo a súmula 98 do STJ, “embargos de declaração manifestados com notório propó­ sito de prequestionamento não tem caráter protelatório”. Novamente, há de se prestar atenção às diferenças entre os embargos regu­ lamentados pelo CPP e aqueles previstos na Lei dos Juizados Especiais Criminais. Isso porque, nos Juizados, quando opostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para o recurso (Lei n. 9.099/95, art. 83, §2°),

TÍTULO X II- D A SENTENÇA

ou seja, julgados os embargos, o prazo para eventual apelação voltará a ocorrer pelo tempo que faltava. Perceba-se que o art. 83, §2°, da Lei n. 9.099/95, refere-se apenas aos embargos declaratórios opostos contra sentença. Logo, a suspensão do prazo recursal não se aplica aos embargos opostos contra acórdão de Turma Recursal: aqui, o efeito será a interrupção do prazo para interposição de outro recurso, aplicando-se, por analogia, o quanto disposto no art. 538 do CPC (art. 1026, caput, do novo CPC). Atente o leitor para as mudanças que serão produzidas nos embargos de declara­ ção dos Juizados por ocasião da vigência do novo Código de Processo Civil. Por força do art. 1066 do novo CPC, o art. 83 da Lei n. 9.099/95 passará a ter a seguinte redação: “Art. 83. Cabem embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição ou omissão. (...) §2° Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso”. Quanto aos embargos de declaração no âmbito do STJ, o art. 265, caput, do RISTJ prevê que sua oposição acarretará a suspensão do prazo para a interposição de re­ cursos por qualquer das partes. Por sua vez, no âmbito do Supremo, os embargos de declaração suspendem o prazo para interposição de outro recurso, salvo quando reconhecido seu caráter protelatório (RISTF, art. 339, caput, e §2°). ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:“(...) Os em bargos de declaração, tempestivamente apresentados, ainda que considerados protelatórios,

j

Art. 382

(STF, 1a Turma, Al 534.868 AgR/SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 24/05/2005, DJ 17/06/2005).

STF:"(...) Lei 9.099/95, artigos 48 e 50. Cabim ento

de

e m b argo s de declaração contra sentença. Suspensão d o prazo recursal. N orm a restritiva aplicável a sen­ tenças, q u e não p o d e ser e stendida à hipótese de e m b a rgo s declaratórios o p o sto s contra acórdão de turm a recursal, apesar de os juizados especiais estarem alicerçados sobre o princípio da celeridade processual, cuja observância não deve implicar redução do prazo recursal. Em bargos declaratórios o p o sto s contra acór­ dã o de turm a recursal. Efeito. Interrupção d o prazo estabelecido para eventual recurso. Aplicação da regra prevista no C ó d ig o de Processo Civil. Norm a restritiva. Interpretação. A s norm as restritivas interpretam -se restritivamente. (...)". (STF, I a Turma, Al 451.078 A g R / RJ, Rei. Min. Eros Grau, j. 31/08/2004, DJ 24/09/2004).

8. A buso de direito: não é incomum que as partes utilizem os embargos de declaração com a finalidade única de protrair o trânsito em julgado de decisões judiciais que lhes se­ jam desfavoráveis. Sem negar a importância do princípio da ampla defesa, não se pode admitir práticas desse jaez. Afinal, “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa fé” (art. 5o do novo CPC). Por isso, se a interposição reiterada de diversos embargos de declaração confirmarem o intuito meramente protelatório da parte apenas para impedir o exaurimento da prestação jurisdicional e o imediato início do cumprimento da pena, incumbe ao juiz (ou ao Desembargador) reconhecer o uso abusivo do direito de recorrer e, consequentemente, atestar o trânsito em julgado da decisão para fins de imediata execução da reprimenda.

interrom pem o prazo para a interposição de outros re­ cursos, porquanto a pena pela interposição d o recurso protelatório é a pecuniária e não a sua desconsidera­ ção. Precedentes. A gravo regim ental a que se nega provimento". (STJ, 6a Turma, A g R g no A g 876.449/SP, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 02/06/2009, DJe 22/06/2009).

+ Jurisprudência selecionada:

STF:"(...)

O s e m b a rgo s de declaração - de sd e que

ausentes o s seus requisitos de adm issib ilid ad e - não p o d e m ser utilizados com o objetivo de infringir o julgado, so b pena de inaceitável de svio da específica

e m b argo s de declaração intem pestivos

função jurídico-processual. A reiteração de em b argo s de declaração, sem q u e se registre q u a lq u e r d o s

não interrompem o prazo para a interposição de recur­

seus p re ssu postos [CPC, art. 535], evidencia o intuito

so extraordinário. Recurso extraordinário: descabim en-

m eram ente protelatório. A interposição de em b argo s de declaração com finalidade m eram ente protela-

STF: “(...) os

to: a com petência para a aferição da tem pestividade do s e m b argo s de declaração o po sto s ao acórdão de instância a intem pestividade do s em bargos, não cabe

tória autoriza o im ediato cum p rim e nto da decisão e m an ada pelo Su p re m o Tribunal Federal, inde pe n ­ dentem ente da publicação d o acórdão. Precedente

ao Suprem oTribunalreexam inaresse pronunciamento

[E D -E D -A gR g-A I n. 438544, Relator o M inistro C ELSO

- que se situa n o âm bito processual ordinário -, m as

D E MELLO, DJ 01.10.2004]. E m b a rgo s de declaração rejeitados". (STF, 1a Turma, R M S 23.841 A g R -E D -E D /

se gu n d o grau é d o Tribunal a quo, afirmada por essa

sim as conseqüências dele na tem pestividade d o RE".

Art. 383

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

DF, Rei. Min. Eros Grau, j. 18/12/2006, DJ 16/02/2007).

Turma, EDcl n os EDcl n o A g R g n o A g 1.142.020/PB,

N o sentido de que a utilização indevida das espécies

Rei. M in. N ap oleão N u nes M aia Filho, j. 07/10/2010,

recursais, consubstanciada na interposição de in úm e­

DJe 03/11 /2010. E ainda: STJ, 5a Turma, EDcl n os EDcl

ros recursos contrários à jurisprudência c o m o m ero

n o A g R g no A g 862.591/MG, Rei. M in. Felix Fischer, j.

expediente protelatório, desvirtua o próprio p o stu ­ lado constitucional da am p la defesa: STF, 2a Turma, Al 759.450 ED/RJ, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 01/12/2009, DJe 237 17/12/2009. Na m esm a linha: STF, Pleno, A O 1.046 ED/RR, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 28/11 /2007,

15/09/2009, DJe 05/10/2009. O a b u so d o direito de recorrer no processo penal, com o e sco p o de obstar o trânsito em ju lg a d o da con de n ação e, por c o n se ­ quência, de se alcançar a prescrição da pretensão punitiva, autoriza inclusive a determ inação m o n o -

DJe 31 21/02/2008. Para o STJ, q u a n d o verificada a o p o sição de recursos m anifestam ente protelatórios

crática de baixa im ediata do s autos p or M inistro de

ap e n a s para se evitar o exaurim ento da prestação

Tribunal Superior, independentem ente de publicação

jurisdicion al, tem sid o ad m itid a a baixa im ediata

da decisão. N essa linha: STF, Pleno, RE 839.163 Q O /

d o s autos, para o início da execução penal: STJ, 5a

DF, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 05/11/2014.

Art. 383.0juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa,' poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.2'8 (Redação dada pela Lei n. 11.719/2008). §1 ° Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibili­ dade de proposta de suspensão condicional do processo,9' ' 0o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. (Redação dada pela Lei n. 11.719/2008). §2°Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos."'12 (Incluído pela Lei n. 11.719/2008). 1. Princípio da correlação entre acusação e sentença (ou da congruência): a sentença deve guardar plena consonância com o fato delituoso descrito na denúncia ou queixa, não podendo dele se afastar, sendo vedado ao juiz julgar extra petita, ou seja, fora do pedido v.g., reconhecendo a prática de outro crime, cuja descrição fática não conste da peça acusatória - , nem tampouco ultra petita, leia-se, além do pedido - por exemplo, reconhecendo qualificadora não imputada ao acusado - , sob pena de evidente afronta ao princípio da am­ pla defesa, do contraditório e, até mesmo, ao próprio sistema acusatório. Diversamente do que se dá no âmbito processual civil, em que o provimento final deve se ajustar ao pedido formulado pela parte, em sede processual penal a correlação entre acusação e sentença não leva em consideração o pedido formulado pela parte acusadora, já que este é sempre ge­ nérico, no sentido da condenação do acusado. No processo penal, o que realmente interessa é a causa petendi, ou seja, a imputação de determinada conduta delituosa, comissiva ou omissiva, que configure específica modalidade

delituosa. A inobservância ao princípio da cor­ relação entre acusação e sentença dará ensejo ao reconhecimento de nulidade absoluta do feito, porquanto haverá violação a preceitos constitucionais como os da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. 2. Em endatio libelli : está prevista no art. 383, aplicável à sentença, e no art. 418, referente à pronúncia. Por força dela, o fato delituo­ so descrito na peça acusatória permanece o mesmo, ou seja, é mantida inalterada a base fática da imputação, limitando-se o juiz a cor­ rigir uma classificação mal formulada, o que poderá ser feito ainda que haja a aplicação de pena mais grave. De fato, quando o art. 383, caput, do CPP, faz menção à definição jurídica diversa, refere-se à capitulação ou classifica­ ção feita pelo autor na inicial acusatória, em cumprimento ao disposto no art. 41 do CPP. Assim, dar definição jurídica diversa consiste apenas em alterar a capitulação, ou seja, fazer o juízo de tipicidade de maneira adequada, permanecendo inalterada a imputação fática. Exemplificando, suponha-se que, em denún­

TITULO XII • DA SENTENÇA

cia oferecida pelo M inistério Público, seja imputado ao acusado a prática do crime de furto qualificado pela fraude, cuja pena é de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos e multa, constando da peça acusatória que o agente teria se valido de fraude para burlar a vigilância da vítima, afastando seu cuidado com a res, posteriormente subtraída. Porém, por ocasião do juízo de subsunção, o órgão Ministerial, equivocadamente, classifica esse fato delituoso como um crime de estelionato, previsto no art. 171, caput, do CP, com pena de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, deixando de oferecer a proposta de suspensão condicional do processo pelo fato de o acusado estar sendo processado por outro crime. Ao sentenciar o feito, é evidente que a autoridade judiciária não está vinculada à classificação formulada pela acusação. Vigora, nesse caso, o princípio iuria novit curia, ou seja, o juiz ou tribunal conhece o direito, ou, como preferem alguns, narra mihifactum dabo tibi ius (narra-me o fato e te darei o direito). Portanto, independentemente do aditamento da peça acusatória e da adoção de quaisquer providências instrutórias, é ple­ namente possível que o juiz profira a sentença condenatória com a capitulação jurídica que lhe parecer mais adequada, ainda que dessa nova definição jurídica resulte pena mais gra­ ve. Logo, no exemplo acima citado, caberia ao juiz condenar o acusado pela prática do crime de furto qualificado (CP, art. 155, §4°, II), aplicando o quantum de pena cominado ao referido delito: reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. Nesses casos de emendatio libelli, não há falar em violação ao princípio da correlação entre acusação e sentença. Afinal, firmada a premissa de que, no processo penal, o acusado defende-se dos fatos que lhe são imputados, não haverá qualquer violação à ampla defesa, nem tampouco ao contraditório, já que o fato delituoso pelo qual o acusado se viu condenado foi imputado a ele na peça acusatória. 3. Formas de e m e n d a tio libelli passíveis de aplicação pelo magistrado: a) em en datio libelli por defeito de capitulação: situação na qual o juiz profere sentença condenatória ou decisão de pronúncia em conformidade exata

Alt. 383

com o fato descrito na peça acusatória, porém reconhecendo a subsunção do fato delituoso à classificação distinta daquela que constou da inicial. A título de exemplo, suponha-se que o Ministério Público ofereça denúncia contra alguém imputando-lhe a prática de crimes contra a ordem tributária, dos quais tenha re­ sultado um prejuízo superior a R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais). Por ocasião da classi­ ficação constante da denúncia, consta pedido expresso para que o acusado seja condenado pela prática do crime previsto no art. I o, inci­ sos I e II, da Lei n. 8.137/90, olvidando-se o órgão ministerial, todavia, quanto à majorante do art. 12, I, do referido diploma legal, que prevê um aumento de pena de 1/3 (um terço) até 1/2 (metade) quando o crime ocasionar grave dano à coletividade. Nesse caso, como o acusado defende-se dos fatos que lhe são imputados na denúncia e não da classificação jurídica nela estabelecida, por mais que a causa de aumento de pena sob comento não tenha sido expressamente mencionada por ocasião da classificação constante da peça acusatória, como ela foi descrita na denúncia - não se pode negar a eloquência da quantia sonegada de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), indubitavelmente capaz de provocar grave dano à coletividade - , é perfeitamente pos­ sível a aplicação da referida pelo magistrado sentenciante, sem que se possa objetar even­ tual violação ao princípio da congruência; b) Em endatio libelli por interpretação diferente: mais uma vez, a imputação fática constante da peça acusatória não é alterada por ocasião da sentença ou da pronúncia, porém o juiz faz interpretação diversa daquela feita pelo Ministério Público ou pelo querelante quanto à tipificação do fato delituoso. A título de exemplo, suponha-se que o Ministério Público ofereça denúncia em face de alguém imputan­ do-lhe um crime de roubo tentado, haja vista não ter havido a inversão da posse do bem, porém classificando a referida conduta como roubo consumado. In casu, é perfeitamente possível que o acusado seja condenado pelo crime de roubo em sua forma tentada, ainda que não tenha havido aditamento à denúncia. Como o acusado não se defende da capitula­ ção da denúncia - no caso concreto, roubo

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CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

consumado mas sim dos fatos descritos na inicial acusatória, não há nulidade por ofensa ao art. 384 do CPP, quando o magistrado se limita a dar definição jurídica diversa (roubo tentado) da que constou na denúncia (roubo consumado), inclusive aplicando pena menos grave; c) Em endatio libelli por supressão de elementar e/ou circunstância: nessa hipótese, o magistrado atribui nova capitulação ao fato imputado em razão de a instrução probatória revelar a ausência de elementar ou circuns­ tância descrita na peça acusatória. Perceba-se que, nessa hipótese, haverá certa alteração fática, mas não para acrescentar, como ocorre nas hipóteses de mutatio libelli, mas sim para subtrair elementares e/ou circunstâncias do fato descrito, supressão esta que acaba por provocar uma mudança da capitulação do fato delituoso. Exemplo: no curso de processo penal referente ao crime de furto qualificado pelo emprego de chave falsa (C P ', art. 155, §4°, III), esta circunstância não resta compro­ vada. Nesse caso, é plenamente possível que o juiz condene o acusado pela prática de furto simples, sem que se possa arguir qualquer vio­ lação à correlação entre acusação e sentença, porquanto, ao se defender quanto à imputação de furto qualificado, o acusado já teve a opor­ tunidade de se defender da imputação de furto simples, caracterizada pela subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel. É nesse sentido a lição de Norberto Avena (op. cit. p. 1008), para quem, apesar de o art. 383, caput, fazer menção à atribuição de nova definição jurídica sem modificar a descrição do fato con­ tida na denúncia ou queixa, deve-se entender que a mutatio libelli deve ser utilizada apenas quando houver o acréscimo de elementar ou circunstância. Logo, na hipótese de supressão de alguma elementar e/ou circunstância que já havia constado da peça acusatória, tem-se, por exclusão, hipótese de emendatio. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O

princípio da congruência, dentre os seus

vetores, indica que o acusado defende-se d o s fatos descritos na denúncia e não da capitulação jurídica nela estabelecida. Destarte, faz-se necessária apenas a correlação entre o fato descrito na peça acusatória e o fato pelo qual o réu foi condenado, sendo irrelevante

a m enção expressa na denúncia de eventuais causas de aum ento ou dim inuição de pena. (...) In casu, con ­ soante destacou o Superior Tribunal de Justiça, "de fato, a denúncia não efetivou pedido expresso para que fosse reconhecida a aludida majorante, contudo é certo que dela consta que o paciente'reduziu tributo federal, qual seja, Im posto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ, no m ontante de R$ 2.836.392,38 (dois milhões, oitocentos e trinta e seis mil e trezentos e noventa e dois reais)', reduziu, 'por 12 vezes, a Contribuição para o Program a de Integração Social - PIS, no m ontante de R$ 15.948,27 (quinze mil, novecentos e quarenta e oito reais)', e'reduziu, por 12 vezes, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, instituída pela Lei n. 7.689/9, no m ontante de R$ 847.523,63 (oitocentos e quarenta e sete mil e quinhentos e vinte e três reais)' (fl. 57). Os valores, assim, são eloquentes e mostram, de forma induvidosa, tal com o consignou o acórdão im pugnado, a ocorrência de'grave d a n o a coletividade', de que fala a circunstância de especial aum ento d o citado art. 12, inciso I, da Lei dos Crim es contra a O rdem Tributária". (...) Habeas corpus extinto por inadequação da via elei­ ta, cassada a liminar anteriormente deferida". (STF, I a Turma, H C 120.587/SP, Rei. Min. Luiz Fux, j. 20/05/2014). S T J :"(...) O delito co n su m a d o e a tentativa não são duas diferentes m odalidades de delito, m as som ente distintas manifestações de um único delito. C om o o réu não se defende da capitulação da denúncia, m as do fato descrito na exordial acusatória, não há a nulidade prevista no art. 384 d o CPP, visto que o m agistrado limitou-se a dar definição jurídica diversa (crime ten­ tado) da que constou na denúncia (crime consumado), aplicando pena m enos grave. O rdem denegada". (STJ,

6a Turma,

H C 297.551/M G, Rei. Min. Rogério Schietti

Cruz, j. 05/03/2015, DJe 12/03/2015).

4. M om ento adequado para a realização da em en d atio libelli : é dominante o enten­ dimento de que, em regra, a emendatio libelli prevista no art. 383 do CPP só deve ser feita pelo juiz na fase da sentença. A uma porque o dispositivo que trata da emendatio libelli no CPP - art. 383 - está inserido no Título que trata da “sentença”. Em segundo lugar, ainda prevalece o entendimento de que, no pro­ cesso penal, o acusado defende-se dos fatos que lhe são imputados, pouco importando a classificação que lhes seja atribuída. Des­ tarte, o recebimento da peça acusatória não é o momento adequado para a apreciação do verdadeiro dispositivo legal violado, até mes­ mo porque o magistrado não fica vinculado à classificação do crim e feita na denúncia (narra mihifactum dabo tibijus). Exatamente por isso, segundo a doutrina majoritária, por

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

ocasião do recebimento da peça acusatória, não deve o juiz alterar a definição jurídica do fato, pois há momentos e formas específicos para se corrigir a classificação legal incorreta. Em reforço à tese de que a emendatio libelli só pode ser feita por ocasião da sentença, convém destacar que o Projeto de Lei do qual se origi­ nou a nova redação do art. 383 do CPP trazia um parágrafo (§2°) que dizia expressamente que a em endatio “poderia ser adotada pelo juiz no recebimento da denúncia ou queixa”. Entretanto, tal dispositivo foi suprimido pelo Congresso Nacional. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) não é lícito ao Juiz, no ato de recebim ento da denúncia, q u an do faz apenas juízo de adm issibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narra­ do s na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadam ente no m om ento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a em endatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar". (STF, HC 87.324/SP, Rei. Min. C Á R M E N LÚCIA, Primeira Turma, DJ 18/5/07). Em sentido semelhante: STF, 1aTurma, HC 111.445/PE, Rei. Min. DiasToffoli, j. 16/04/2013.

5. (Im) possibilidade de desclassificação provisória e incidental pelo juiz em momen­ to distinto da sentença: conquanto prevaleça o entendimento de que o momento adequado para a perfeita qualificação jurídico-penal é o da prolação da sentença, seja por meio da emendatio libelli, seja por força da mutatio libelli, parece-nos que, em determinadas situações, é perfeitamente possível que o magistrado, no ato do recebimento da exordial acusatória, faça a correção da classificação formulada pelo acusador, sobretudo para fins de análise quan­ to à possibilidade de concessão de liberdade provisória e/ou aplicação de medidas despenalizadoras, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo, cuja pro­ posta, evidentemente, deve ser formulada pelo titular da ação penal. Em tais situações, a nosso ver, não fica o juiz vinculado à classificação formulada pela autoridade policial em seu rela­ tório, nem tampouco àquela constante da peça acusatória. Tal situação, porém, deve ser muito excepcional e somente quando não depender de nenhuma dilação probatória, bastando, para tanto, a análise dos fatos na denúncia, in status

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assertionis, para verificar o erro na imputação. Ao contrário, se depender de revolver as provas existentes nos autos, não deverá o magistrado fazê-lo neste momento procedimental, sob pena de prematura análise, com riscos à efetividade do processo, em razão dos incidentes que ge­ rará. É nessa linha a lição de Antônio Scarance Fernandes (A reação defensiva à imputação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 220), que aponta a presença de 3 (três) vícios principais que podem macular a classificação e eventualmente exigir a sua correção: a) classifi­ cação atípica: quando não há o tipo penal nela indicado. É muito difícil que o promotor ou o querelante crie um tipo novo, antes inexistente no ordenamento, como oferecer acusação por crime previsto em projeto não sancionado ou em medida provisória não convertida em lei. O que pode suceder é a classificação por crime banido do sistema normativo por lei posterior, sem ser possível enquadrar o fato em outro tipo remanescente. Nesses casos, o fato descrito é atípico e, por isso, o juiz deve rejeitar a denún­ cia ou queixa (CPP, art. 4 3 ,1) e, se não o fizer, o tribunal pode trancar o processo por falta de justa causa em processo de habeas corpus; b) classificação errônea: ocorre erro quando falta correspondência entre o artigo de lei indicado na denúncia ou queixa e o fato narrado; c) classificação excessiva: há abuso quando o promotor ou o querelante classifica o fato des­ crito em um tipo rigoroso em vez de situá-lo em outro menos grave e mais apropriado. A título de exemplo, basta imaginar hipótese em que, por evidente excesso da acusação, veja-se o acusado denunciado pela prática do crime de tráfico de drogas. Ora, supondo que o juiz visualize, desde logo, a possível desclassificação do delito de tráfico para porte de drogas para consumo pessoal, seja em virtude da natureza e quantidade da substância apreendida, local e condições em que se desenvolveu a ação, cir­ cunstâncias sociais e pessoais, seja em virtude da conduta e antecedentes do agente (Lei n. 11.343/06, art. 28, §2°), estaria o juiz obrigado a determinar o prosseguimento do feito com a classificação de tráfico de drogas pelo simples fato de não se admitir a realização da emendatio libelli por ocasião do juízo de admissibilidade da peça acusatória? A nosso ver, não se cuida

Art. 383

V

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de rejeição da peça acusatória, nem de adita­ mento pelo Ministério Público, mas sim de atuação jurisdicional objetivando assegurar ao acusado a garantia constitucional da liberdade provisória. Nesse caso, incumbe ao juiz receber a denúncia, o que, no entanto, não o impede de apreciar o excesso na capitulação para admitir a liberdade provisória, fazendo-o por meio de um juízo provisório e não de prejulgamento do mérito da acusação. Nesse caso, como a análise da classificação está inserida no caminho a ser percorrido pelo juiz para resolver tal questão, torna-se impossível impedi-lo de corrigir a adequação do fato feita pelo promotor, em ­

bora o fa ça de maneira incidental e provisória, apenas para decidir quanto ao cabimento da liberdade provisória. Não faria sentido manter o acusado preso ao longo de toda a instrução processual penal para, ao final, desclassificar a imputação para porte de drogas para con­ sumo pessoal, e somente então poder colocar o acusado em liberdade. Vige, nessa hipótese, o princípio da correção do excesso, segundo o qual o juiz pode corrigir eventuais excessos formulados pela acusação, quando estiverem desprovidos de justa causa. Portanto, como garantidor constitucional, e no exercício desse mister, pode o juiz conceder benefícios legais, relativamente ao status libertatis do acusado, se verificar a possibilidade de outra tipificação do fato descrito na inicial, porém com a cautela de não declarar expressamente o tipo penal que entende adequado, para não ensejar um prejulgamento. Na mesma esteira, havendo, na peça acusatória, simples erro de direito na classificação da imputação de fato idoneamente formulada, também é possível que o juiz, sem antecipar formalmente a desclassificação, afaste de imediato as consequências processuais ou procedimentais oriundas do equívoco e pre­ judiciais ao acusado. Nessa hipótese de erro de direito na tipificação do fato contido na peça acusatória, também é possível, de logo, proceder-se à desclassificação, recebendo-se a exordial com a classificação adequada à imputa­ ção fática, caso da qualificação jurídica dependa a fixação da competência ou do procedimento a ser observado. Solução diversa, todavia, deve ser aplicada quando a imputação de fato não for idônea, seja porque divorciada dos elementos de

informação disponíveis, seja porque a descrição contida na peça acusatória não corresponda à acertada tipificação do episódio real, segundo os elementos informativos recolhidos. É bem verdade que o órgão jurisdicional não pode substituir-se ao órgão do Ministério Público, titular da ação penal pública, para, a fim de retificar a classificação jurídica proposta, aditar à denúncia elementar ou circunstância nela não contida, mesmo que resultante dos elementos produzidos na fase investigatória, sob pena de violação ao sistema acusatório adotado pela Constituição Federal (art. 1 2 9 ,1). Isso, no en­ tanto, não significa dizer que o juiz não possa rejeitar a peça acusatória por ausência de justa causa (CPP, art. 395, III), quando verificar que a denúncia veicula circunstância essencial de­ samparada por elementos mínimos de suspeita plausível da sua realidade, ou quando omitir circunstância do fato, igualmente essencial à sua qualificação jurídica, cuja realidade os ele­ mentos de informação evidenciem. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) em não se ajustando a denúncia aos elem en­ tos de prova inquisitorial que a instruem, unívocos na direção d o ilícito tipificado no artigo 16 da Lei de Tóxicos, im põe-se assegurar que o réu responda em liberdade ao processo, ante a parcial ausência de justa causa para a ação penal, afirmável no estado inicial do feito". (STJ, 6aTurma, HC 29.637/MG, Rei. Min. Ham ilton Carvalhido, DJ 28/02/2005 p. 371).

STJ:"(...) Se a aplicação d o direito aos fatos denuncia­ do s dá-se em regra pela sentença, m antendo ou não a tipificação indicada pela inicial acusatória - arts. 383 e 384 d o C ó d ig o de Processo Penal -, o reconhecim ento de incontroversos direitos processuais ou materiais, caracterizados com o tem as de ordem pública, pode dar-se em qualquer fase d o processo, inclusive com fundam entação então necessária de correto enqua­ dram ento típico. Nada im pede possa o magistrado, m esm o antes da sentença condenatória, evitando a m ora e os efeitos de indevida persecução criminal, reconhecer desde lo go clara incompetência, prescri­ ção, falta de justa causa, direitos de transação, sursis processual, ou tem as outros de ordem pública, relevan­ tes, certos e urgentes. Válido é o reconhecim ento do direito à transação penal, por fatos denunciados que com preende o m agistrado claramente configurarem crim e de p e q u e n o p otencial ofensivo. (...) H abeas corpu s n ão conhecido, m as con ce d id a d e ofício a ordem para tornar nulo o acórdão d o habeas corpus noTribunal local, restabelecendo a decisão de I a grau que determ inou o p ro sse gu im e n to da persecução

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

criminal p or crime de peq u e n o potencial ofensivo". (STJ, 6a Turma, H C 241.206/SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 11/11/2014, DJe 11/12/2014).

STF:"(...) Se se tem, na denúncia, simples erro de direito na tipificação da im putação de fato idoneam ente for­ m ulada é possível ao juiz, sem anteciparform alm ente a desclassificação, afastar de lo go as conseqüências processuais ou procedim entais decorrentes d o equí­ voco e prejudiciais ao acusado. Na m esm a hipótese de erro de direito na classificação d o fato descrito na denúncia, é possível, de logo, proceder-se à desclas­ sificação e receber a denúncia com a tipificação ade­ quada à im putação fática veiculada, se, por exemplo, da qualificação jurídica d o fato im putado de p e n d e ra fixação da com petência ou a eleição d o procedim ento a seguir. A m esm a alternativa de solução, entretan­ to, não parece ad equ ar-se ao s princípios, q u a n d o a im pu tação de fato não é idônea: seja (1) porque divorciada - no tocante à classificação jurídica que propõe - do s elem entos de inform ação disponíveis; seja (2) porque a descrição que nela se contenha se­ quer corresponda à acertada qualificação jurídica do episódio real, se gu n d o os m esm os dados empíricos de convicção recolhidos. D e um lado, não pod e o órgão jurisdicional, liminarmente, substituir-se ao Ministério Público - titular exclusivo da ação penal - e, a fim de retificar-lhe a classificação jurídica proposta, aditar à denúncia circunstância nela não contida, ainda que resultante d o s elementos informativos que a instruam. Por outro lado, carece de justa causa a denúncia, tanto q u an do veicula circunstância essencial desam parada por elem entos m ínim os de suspeita plausível da sua realidade, quanto se omite circunstância d o fato, igual­ mente essencial à sua qualificação jurídica, cuja realida­ de os m esm o s elem entos de inform ação evidenciem. Verificada essa última hipótese, não podia ser recebida a denúncia, nem sob a capitulação que form ula - fruto da o m issão de circunstância d o fato, que a inviabiliza -, nem m ediante desclassificação que a ajustasse aos d ado s unívocos d o inquérito, solução que implicaria inadm issível aditamento, pelo juízo, de fato não cons­ tante da im putação form ulada pelo Ministério Público. HC deferido para rejeitar a denúncia, sem prejuízo de que outra seja ad e q u ad am e n te oferecida". (STF, 1a Turma, H C 84.653/SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 02/08/2005, DJ 14/10/2005).

6. E m e n d a tio libelli e (des) necessidade de oitiva das partes: é majoritário o entendi­ mento no sentido de que, na emendatio libelli, não há necessidade de se abrir vista às partes para que possam se manifestar acerca da nova classificação do fato delituoso. A justificativa para tanto é a de que, em sede processual penal, o acusado defende-se dos fatos que lhe são imputados e não da capitulação (princípio

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da consubstanciação). Assim, como não há alteração da imputação na emendatio libelli, mas mera correção de classificação mal for­ mulada, acusado e defensor já teriam tido a oportunidade de oferecer resistência quanto à pretensão acusatória. A propósito, ao ser apresentado ao Congresso Nacional, o Projeto de Lei n. 4.207/2001, que deu origem à Lei n. 11.719/08, estabelecia a necessidade de oitiva das partes na proposta de nova redação do art. 383, §1°, do CPP: “As partes, todavia, deverão ser intimadas da nova definição jurídica do fato antes de prolatada a sentença”. Todavia, esse projeto foi modificado e, quando apro­ vado, a redação final dada ao art. 383 do CPP não previu a intimação das partes. Em que pese ser essa a posição majoritária, pensamos que, em fiel observância ao contraditório, há necessidade de manifestação das partes na hipótese de possível alteração da capitulação atribuída ao fato delituoso. Se é verdade que o princípio do iuria novit curia confere ao juiz a possibilidade de alterar a classificação dos fatos constantes da peça acusatória, também não é menos verdade que o princípio do con­ traditório lhe impõe a comunicação prévia às partes, antes de tomar uma decisão, ainda que se trate daquelas que podem ser tomadas de ofício, evitando-se, assim, que as partes sejam indevidamente surpreendidas no momento da sentença com uma nova capitulação. Afinal, o contraditório não é aplicável apenas às ques­ tões fáticas, notadamente quanto à produção da prova, mas também guarda relação com as questões de direito debatidas no curso do processo. Perfeitamente aplicável, nessa h i­ pótese, o quanto disposto no art. 10 do novo CPC, que prevê que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifes­ tar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. Como o dispositivo não faz qualquer ressalva quanto à natureza desse fundamento, não se pode interpretá-lo de maneira restritiva. Logo, independentemente de sua natureza - questão de fato ou de direito - , ambas as partes devem ter a oportunidade de se manifestar quanto a ele. Nesse caso, o juiz não está obrigado a proferir a sentença

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de acordo com a nova capitulação jurídica dos fatos em relação à qual convidou as partes a se pronunciarem. Na verdade, até mesmo como forma de se evitar um prejulgamento, deve o juiz se limitar a comunicar às partes acerca da possibilidade de os fatos narrados na peça acusatória serem capitulados em tipo penal diverso. Nesse momento, o que existe é apenas uma possibilidade, mas não a certeza da nova classificação jurídica dos fatos, que só exis­ tirá por ocasião da sentença. Afinal, a partir dos argumentos apresentados pelas partes - e daí sobressai a importância de observância do contraditório - , é possível que o julgador sentencie o acusado levando em consideração tanto a capitulação originária quanto a nova. No mesmo sentido: BADARÓ, Gustavo Hen­ rique. Correlação entre acusação e sentença. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 141; LOPES JR., Aury. Direito proces­

sual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1 .3a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 93; FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6a ed., rev., ampl. e atual, com a Reforma Processual Penal. Niterói/RJ: Impetus, 2009. p. 1021. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ; "(...) N o sistem a processual pátrio, o agente se defende d o s fatos a ele atribuídos e não da sua capi­ tulação jurídica. N ulidade não caracterizada. Ordem denegada. N o sistema processual pátrio, o agente se defende do s fatos a ele atribuídos e não da capitulação jurídica. O paciente foi denunciado por ter de so be d e ­ cido ordem de superior hierárquico. O s fatos foram descritos na inicial, de form a a permitir o exercício da am pla defesa. Falta de correlação entre a denúncia e os fundam entos da r. sentença não caracterizada. Ordem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 146.367/MG, Rei. Min. Celso Lim ongi - D ese m bargado r convocado do TJ/SP, j. 18/03/2010, DJe 05/04/2010).

STF: "(...)

Na acusação por lavagem de dinheiro (art. 1° da Lei n° 9.613/98), ten do a denúncia narrado em

detalhes o crime antecedente (art. 22, parágrafo úni­ co, parte final da Lei n° 7.492/86), é possível acolher, em sede de alegações finais, proposta d o Ministério Público para que julgam e nto final ocorra apenas em vista d o delito antecedente. Aplicação d o art. 383 do C ó d ig o de Processo Penal. Ausência de prejuízo aos réus que por m ais de u m a o p o rtu n id a d e teceram considerações escritas acerca da não materialização d o crime antecedente. Inviabilidade de concessão de habeas corpu s de ofício, dada a com p le xid ade das

de

L im a

provas a serem exam inadas. A g ra v o s im providos". (STF, Pleno, A P 461 AgR-terceiro / SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 16/06/2011, DJe 160 19/08/2011).

7. Em endatio libelli nas diferentes espécies de ação penal: a emendatio libelli pode ser feita nas diferentes espécies de ação penal: pública incondicionada, pública condiciona­ da, exclusivamente privada, privada perso­ nalíssima e privada subsidiária da pública. A própria redação do art. 383, caput, confirma essa conclusão, já que o dispositivo legal não estabelece qualquer distinção quanto à espécie de ação penal. Assim, em processo criminal instaurado por meio de denúncia, uma classi­ ficação incorreta feita pelo órgão ministerial não impede que o juiz, por ocasião da sen­ tença, faça a devida retificação, desde que a realidade fática da sentença continue sendo a mesma daquela constante da peça acusatória. Raciocínio semelhante também se aplica a processos criminais instaurados por meio de queixa-crime: supondo que o advogado do querelante tenha imputado ao acusado a prá­ tica de um crime de calúnia, classificando-o, porém, como injúria, nada impede que o juiz faça a correção da classificação ao proferir a sentença condenatória. 8. Em endatio libelli na 2a instância: é ple­ namente possível que a emendatio libelli seja feita pelo órgão jurisdicional de 2a instância por ocasião do julgamento de eventuais re­ cursos, desde que respeitado o princípio da ne reform ado in pejus. Consoante dispõe o art. 617 do CPP, o Tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383 - que trata da emendatio libelli - , 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser

agravada a pena, quando somente o réu hou­ ver apelado da sentença. Em outras palavras, em recurso exclusivo da defesa, ou mesmo se houver recurso da acusação sem a impugnação dessa matéria, não é permitido que o tribunal retifique a classificação constante da peça acusatória, se dessa correção puder resultar o agravamento da pena do acusado. Todavia, se, por força da emendatio libelli, puder resultar uma diminuição da pena do acusado, esta poderá ser feita independentemente de reque­

TfTULO XII • DA SENTENÇA

rimento da defesa nesse sentido, já que vigora, no processo penal, o princípio da reformatio in mellius. Noutro giro, quando se fala em ve­ dação à reformatio in pejus na 2a instância, há de se ter em mente que, ao fazer a emendatio libelli, o juízo ad quem não pode reformar a decisão impugnada para piorar a situação do acusado sob qualquer ponto de vista, leia-se, quer do ponto de vista quantitativo, quer sob o ângulo qualitativo e nem mesmo para corrigir eventuais erros materiais. Logo, a vedação à reformatio in pejus não está restrita ao quantum de pena. Exemplificando, suponha-se que, no julgamento de recurso exclusivo da defesa, o Tribunal dê provimento à apelação para refor­ mar a sentença condenatória impugnada no sentido de dar nova definição jurídica ao fato delituoso ( emendatio libelli), desclassificando a condenação de furto qualificado praticado por um funcionário público (CP, art. 155, §4°, II) para o crime de peculato (CP, art. 312, §1°), po­ rém mantida a pena imposta pelo juízo a quo. À primeira vista, como foi mantido o quantum de pena privativa de liberdade anteriormente aplicado, poder-se-ia concluir que não houve violação ao princípio da non reformatio in p e­ jus. No entanto, se atentarmos para os efeitos da condenação pela prática de um crime de peculato, não se pode negar que houve, sim, reformatio in pejus. Ora, não se pode olvidar que a pena não é o único efeito ou única cir­ cunstância a permear uma condenação. Para condenados pela prática de crimes contra a Administração Pública, a exemplo do peculato, a progressão de regime do cumprimento da pena está condicionada à reparação do dano causado ou à devolução do ilícito praticado (CP, art. 33, §4°). Ainda que se queira objetar que, no exemplo citado, teria sido fixado o regime inicial aberto, do que se poderia con­ cluir que jamais seria possível a progressão de regimes, não se pode descartar a possibilidade de o condenado sofrer eventual regressão de regime durante o cumprimento da sanção penal, hipótese em que seria frontalmente pre­ judicado pela emendatio libelli aparentemente inofensiva. Destarte, no exemplo citado, ainda que mantida a pena imposta pelo juízo a quo, não se pode admitir a emendatio libelli pelo Tribunal no julgamento do recurso exclusivo

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da defesa para desclassificar a imputação de furto qualificado para peculato, sob pena de violação ao princípio da non reformatio in pejus. Na verdade, a correta solução para o caso concreto sob comento seria a manuten­ ção da condenação do juízo a quo pelo crime de furto qualificado. Nesse sentido: STF, 2a Turma, HC 123.251/PR, Rei. M in. Gilmar Mendes, j. 02/12/2014. Nos mesmos moldes do que ocorre na I a instância, prevalece o en­ tendimento de que a realização da emendatio libelli na 2a instância não depende da oitiva das partes, leia-se, pode ser feita de ofício pelo relator, desde que respeitado o princípio da non reformatio in pejus. Mais uma vez, em fiel observância ao contraditório e à ampla defesa, somos obrigados a discordar dessa orientação dominante. Subsidiariamente, é perfeitamente aplicável ao processo penal a regra constante do art. 933 do novo CPC, in verbis: “Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se mani­ festem no prazo de 5 (cinco) dias”. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) H avendo a descrição,

na peça inaugural, de

elementar d o tipo diverso da definição jurídica adota­ da na acusação, perm anecendo assim inalterados os fatos im putados, p od e o M agistrado, ao sentenciar, dar classificação distinta da constante na denúncia, sem que isso represente cerceam ento de defesa, pois, com o é sabido, a defesa volta-se aos fatos im putados. Inteligência d o art. 383 do CPP. In casu, verifica-se que o s fatos processuais, ou seja, o que concretam ente aconteceu, gu ard a m correspondência com o s fatos penais ou tipos penais previstos no art. 297 d o CPB (falsificação de do cum e n to público) e 304 d o m esm o diplom a (uso de docum en to falso) e aplicados pelo Tribunal a quo, que deu parcial provim ento ao apelo ministerial. A em endatio libelli (art. 383 d o CPP), tam ­ bém p o d e ser aplicada em se gu n d o grau desde que n os limites d o art. 617 d o CPP, que proíbe a reformatio in pejus. O rdem denegada, em conform idade com o parecer ministerial". (STJ, 5a Turma, H C 87.984/SC, Rei. Min. N apoleão N u nes M aia Filho, j. 27/03/2008, DJe 22/04/2008). N o m esm o contexto: STJ, 5a Turma, HC 104.047/RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 02/09/2008, DJe 03/11/2008.

STF:"(...) Devido processo legal e am pla defesa. Obser­ vância. Descrição das elementares e circunstâncias do

Art. 383

V

cpp COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

tipo penal na denúncia. Art. 384 do C ó d igo de Processo Penal, na redação dada pela Lei 11.719/2008. M utatio libelli. Desnecessidade. A descrição, na denúncia, da ação administrativa que resultou na constituição do crédito tributário, bem c o m o d o m ontante apurado são suficientes ao exercício da am pla defesa quanto à causa de au m en to de pena disposta no art. 12,1, da Lei 8.137/90. O rde m denegada". (STF, 2a Turma, HC 123.733/AL, Rei. Min. Gilm ar M endes, j. 16/09/2014, DJe 19403/10/2014).

9. Possibilidade de oferecimento da pro­ posta de suspensão condicional do pro­ cesso: consultar comentários à súmula n. 337 do STJ (É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva”). 10. Possibilidad e de oferecim ento da proposta de transação penal: o momento procedimental correto para o oferecimento da proposta de transação penal prevista no art. 76 da Lei n. 9.099/95 é na fase preliminar do procedimento sumaríssimo dos Juizados, ou seja, antes do recebimento da peça acusatória. Discute-se, no entanto, acerca da possibilidade de concessão da transação penal nas hipóteses em que, por força da mudança da capitulação do fato delituoso narrado na peça acusatória - emendatio libelli - , ou na hipótese de adita­ mento da peça acusatória para fins de inclusão de elementar ou circunstância não contida na peça acusatória - mutatio libelli a nova classificação passar a admitir a concessão desse benefício despenalizador. A título de exemplo, suponha-se que o Ministério Público ofereça denúncia perante o juízo comum em face de determinado indivíduo pela prática do crime de lesão corporal gravíssima (CP, art. 129, §2°, IV), cuja pena é de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. A peça acusatória é, então, regu­ larmente recebida pelo juiz, com a consequente instrução do processo. Ocorre que, por ocasião da prolação da sentença, o magistrado chega à conclusão de que não restara comprovada quaisquer das circunstâncias previstas no §2° do art. 129 (incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou inutilização de membro, sentido ou função, deformidade permanente e aborto). Diante da inevitável desclassificação para o crime

de lesão corporal leve, tido como infração de menor potencial ofensivo, indaga-se: ainda seria cabível o oferecimento da proposta de transação penal? Até bem pouco tempo atrás, era possível encontrar quem sustentasse que, nesse caso, não seria viável o oferecimento da proposta de transação penal, já que, conside­ rando que o objetivo da transação é evitar o processo, referido instituto despenalizador mostrar-se-ia incompatível com o momento da sentença e, com mais razão ainda, por ocasião do julgamento de eventual recurso. Nesse con­ texto: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 660. Com as mudanças produzidas pela reforma processual de 2008, pode-se dizer que tal entendimento encontra-se ultrapassado, já que a matéria passou a ser regulamentada expressamente pelos §§1° e 2° do art. 383 do CPP, dispositivos estes que também são apli­ cáveis nas hipóteses de mutatio libelli (CPP, art. 384, §3°). Portanto, utilizando o exemplo acima citado, se, por conta da emendatio libelli, o juiz (ou o Tribunal) concluir que se trata de lesão corporal leve, e, portanto, infração de menor potencial ofensivo, não deve con­ denar o acusado, mas se lim itar a proferir uma decisão interlocutória na qual reconhece sua incompetência, determinando a remessa do feito ao Juizado Especial Criminal. Caso o Ministério Público não concorde com tal decisão, poderá interpor recurso em sentido estrito, já que a remessa dos autos aos Juizados por se tratar de infração de menor potencial ofensivo configura decisão que concluiu pela incompetência do juízo, nos termos do art. 581, II, do CPP. Nos Juizados, deve ser designada audiência para que o Ministério Público ou o querelante formulem proposta de transação penal, dando-se ao acusado a oportunidade de aceitar o cumprimento imediato de pena restritiva de direitos ou multa. Não sendo aceita a proposta de transação penal, o feito irá prosseguir perante o Juizado, cabendo ao magistrado proferir a sentença. Compartilha­ mos do entendimento de que a competência dos Juizados não tem natureza absoluta. Trata-se, na verdade, de competência de natureza relativa, porquanto é a própria Lei n. 9.099/95

TÍTULO X II. DA SENTENÇA

que prevê diversas hipóteses em que pode ha­ ver a alteração da competência dos Juizados: impossibilidade de citação por edital (art. 66, parágrafo único), conexão e/ou continência com outra infração penal (art. 60, parágrafo único) e complexidade da causa (art. 77, §2°). Enfim, o que realmente importa não é a tra­ mitação do processo perante o juízo comum ou perante os Juizados, mas sim a concessão dos institutos despenalizadores criados pela Lei n. 9.099/95 (composição civil dos danos, transação penal, representação nos crimes de lesão leve e suspensão condicional do pro­ cesso). Portanto, a despeito da nova redação do art. 383, §2°, que determina a remessa dos autos ao Juizado diante do reconhecimento da existência de infração de menor poten­ cial ofensivo, pensamos não haver qualquer prejuízo se a negociação quanto à transação penal for feita perante o próprio Juízo Comum. Aliás, é inclusive isso que ocorre no âmbito do procedimento do júri, em que, objetivando im­ primir maior celeridade ao feito, o art. 492, § I o, do CPP, autoriza que o próprio juiz presidente aplique o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei n. 9.099/95 na hipótese de o Conselho de Sentença desclassificar a imputação de crime doloso contra a vida para infração de menor potencial ofensivo. Para tanto, há, pelo menos em tese, um óbice, a saber, a necessidade de que tenha havido preclusão da decisão do juiz que reconheceu a emendatio libelli. Então, haveria necessidade de se aguardar o término do prazo para eventual recurso e, somente no caso de sua não interposição, seria oferecida, poste­ riormente, a proposta de transação penal. No entanto, é possível que o Ministério Público e a defesa renunciem ao direito de recorrer contra tal decisão, com o que irá se operar sua preclu­ são, sendo possível a formulação da proposta. De mais a mais, pode ocorrer de, na própria audiência una de instrução e julgamento, o Ministério Público propor a transação penal e a defesa a aceitar, do que decorrería preclusão lógica do direito de recorrer contra a decisão de desclassificação do juízo singular comum, em razão da prática de ato incompatível com a vontade de recorrer por ambas as partes.

Art. 383

11. M udança de competência: interpreta­ ção isolada do art. 383, §2°, do CPP, pode levar à conclusão (equivocada) de que, havendo mu­ dança da competência no momento da emen­ datio libelli, deverá, invariavelmente, ocorrer a remessa dos autos ao juízo competente. Na verdade, essa remessa dos autos ao juízo com­ petente só deve ocorrer na hipótese de haver o reconhecimento da incompetência absoluta, já que esta modalidade de competência não admite prorrogações e pode ser reconhecida de ofício pelo juiz a qualquer momento, enquanto não houver o esgotamento de instância. Nessa hipótese, é importante que o juiz se limite a realizar a desclassificação da imputação, sem, contudo, proceder ao juízo de condenação ou de absolvição. Essa decisão deve ter sua funda­ mentação restrita à tipificação do crime, sem externar qualquer outro juízo de mérito e tam­ pouco pronunciar-se acerca da condenação ou absolvição. Exemplificando, suponha-se que, no curso de processo em trâmite perante a Justiça Estadual referente ao crime de tráfico doméstico de drogas, surja a demonstração da internacionalidade da conduta em relação ao resultado. Ora, uma vez reconhecida essa internacionalidade e, tratando-se de crime previsto em tratado ou convenção interna­ cional, incumbe ao juiz estadual determinar a remessa dos autos à Justiça Federal, nos termos do art. 109, V, da Constituição Federal, já que se trata de competência absoluta estabelecida em razão da matéria, que não pode ser modi­ ficada pelo decurso do tempo, nem tampouco pela vontade das partes, sob pena de evidente violação ao princípio do juiz natural. Porém, em se tratando de incom petência relativa, o raciocínio é diverso. A propósito, convém lembrar que foi introduzido recentemente no CPP o princípio da identidade física do juiz (CPP, art. 399, §2°, com redação determinada pela Lei n. 11.719/08). Considerando-se que, por força desse princípio, o juiz que presidir a instrução deve proferir sentença, não faz sentido que, depois de concluída toda a ins­ trução do processo - lembre-se que, em regra, a emendatio libelli (ou a mutatio libelli) é feita no momento da sentença - determine o juiz a remessa dos autos ao juízo competente, pois, se assim o fizesse, este juízo recipiente estaria

Art. 383

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

obrigado a renovar toda a instrução probatória. Destarte, interpretando-se sistematicamente as mudanças produzidas pela Lei n. 11.719/08, pensamos que, por força da em endatio (ou mutatio) libelli, a remessa dos autos ao juízo competente só poderá ocorrer na hipótese de reconhecimento de incompetência absoluta. Caso se trate de hipótese de incompetência relativa, a qual pode ser modificada pelo de­ curso do tempo e em face da inércia das par­ tes, haverá a perpetuação da competência do juízo perante o qual o processo já tramitava, observando-se, assim, o princípio da identi­ dade física do juiz (CPP, art. 399, §2°). Se, no entanto, a emendatio (ou mutatio) libelli for feita antes do início da instrução probatória, e se dela resultar o reconhecimento da incom­ petência relativa, será possível a remessa dos autos ao juízo competente. 12. M udança da espécie de ação penal: a depender das circunstâncias do caso con­ creto, a emendatio e a mutatio libelli também podem acarretar alteração capaz de produzir mudanças quanto à titularidade da ação penal. Vejamos um exemplo: a denúncia imputou ao acusado a prática do crime de estupro de vulnerável pelo fato de ter mantido conjunção carnal com mulher que, por estar completa­ mente embriagada no momento da cópula vagínica, não tinha o necessário discernimento para a prática do ato sexual (CP, art. 217-A, §1°) - lembre-se que tal delito é crime de ação penal pública incondicionada, ex vi do art. 225, parágrafo único, do CP. Ocorre que, durante a instrução probatória, resta comprovado que a vítima não estava embriagada. Na verdade, o agente teria mantido conjunção carnal com ela após efetivo constrangimento por meio de violência ou grave ameaça (CP, art. 213, caput). Diante do surgimento da elementar violência e grave am eaça não contida na peça acusatória, o Ministério Público faz o aditamento da denúncia, nos termos do art. 384, caput, do CPP. Nesse caso, recebido o aditamento, haverá alteração da espécie de ação penal - de ação penal pública incondicionada para ação penal pública condicionada à representação (CP, art. 225, caput). Em tal hipótese, indaga-se: o que deve ser feito? A nosso ver, são inúmeras

as possibilidades, que podem ser sintetizadas nos seguintes termos: a) se o processo tiver se iniciado por denúncia e a nova classificação importar em crime em relação ao qual se deva proceder mediante queixa - por exemplo, desclassificação do crime de dano qualificado contra o patrimônio da União (CP, art. 163, pa­ rágrafo único, III), crime de ação penal pública incondicionada, para o delito de dano simples (CP, art. 163, caput), sujeito à ação penal pri­ vada (CP, art. 167) - , deve o juiz reconhecer a ilegitimidade ativa do Ministério Público e anular o processo desde o oferecimento da peça acusatória. Nesse caso, é plenamente possível o oferecimento de queixa-crime pelo ofendido ou por seu representante legal, desde que observado o prazo decadencial. Há quem entenda que, mesmo nessa hipótese, o prazo decadencial deve ser contado a partir do co­ nhecimento da autoria. Preferimos entender que, a partir do momento em que a vítima manifestou seu interesse na apuração do fato, requerendo a instauração do inquérito, não há falar em inércia de sua parte e consequente decadência. Na verdade, o direito de queixa só não foi exercido por conta do ajuizamento da ação penal, originariam ente pública incondicionada, por quem se julgava a tanto autorizado. Houve, assim, verdadeiro obstá­ culo judicial à iniciativa privada. A solução, portanto, é a intimação do ofendido para, querendo, oferecer queixa-crime em relação ao referido fato delituoso, contando-se o pra­ zo decadencial de 6 (seis) meses a partir desse momento; b) se o processo tiver se iniciado como espécie de ação penal pública incondi­ cionada e, posteriormente, mostrar-se que o crime é de ação penal pública condicionada à representação - exatamente como no exemplo acima citado, em que houve a mudança da imputação fática de estupro de vulnerável para estupro - , haverá necessidade do implemento da representação. Porém, considerando que não se exige maiores formalismos quanto à representação, pensamos ser plenamente possível que eventual requerimento para a instauração do inquérito policial, ou mesmo um exame de corpo de delito feito no curso das investigações, seja considerado como verdadeira representação, já que denota o

TITULO XII • DA SENTENÇA

interesse da vítima no sentido da persecução penal; c) caso o processo tenha se iniciado por meio de queixa e a nova capitulação indicar que o correto teria sido o oferecimento de de­ núncia, deve o juiz reconhecer a ilegitimidade ad causam do querelante e anular o processo ab initio, com fundamento no art. 564, II, do CPP. Nesse caso, desde que não tenha havido a prescrição da pretensão punitiva, é plenamen­ te possível ulterior oferecimento de denúncia pelo Ministério Público; d) caso tenha havido o oferecimento de representação do ofendido e a nova definição legal indicar que se trata de crime de ação penal pública incondicionada, deve o juiz determ inar o prosseguimento normal do processo, absolvendo ou conde­ nando o acusado. Nesse caso, não há falar em decadência, nem tampouco em ilegitimidade ativa. O que há, na verdade, é uma representa­ ção que, posteriormente, acabou se revelando

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desnecessária. Todavia, se a nova qualificação indicar que se trata de crime de ação penal pri­ vada, a queixa-crime só poderá ser oferecida se ainda não tiver havido o decurso do prazo decadencial; e) caso o processo tenha tido início por meio de queixa-crime, mas a nova capitulação demonstrar que devia ter havido o oferecimento de denúncia, assim como o oferecimento de representação, deve o juiz reconhecer a ilegitimidade ativa do querelante. Todavia, ainda que já tenha transcorrido o lap­ so temporal de 6 (seis) meses para o exercício do direito de representação, não há falar em decadência. Afinal, se não se exige maiores formalismos quanto à representação, bastando que fique evidenciado o interesse do ofendido no sentido da persecução penal, é evidente que a queixa-crime por ele oferecida anteriormente supre tal exigência, devendo ser tratada como verdadeira representação.

Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato,' em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação,2'4 o Ministério Público deverá aditar5-6 a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública,7 reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.8 (Redação dada pela Lei n. 11.719/2008). §1° Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código.9 ” (Incluído pela Lei n. 11.719/2008). §2° Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) diasl 2 e admitido o aditamento,13'14o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.15 (Incluído pela Lei n. 11.719/2008). §3° Aplicam-se as disposições dos §§ 10 e 2o do art. 383 ao caput deste artigo.16 (Incluído pela Lei n. 11.719/2008). §4° Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) teste­ munhas, no prazo de 5 (cinco) dias,17 ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.1819 (Incluído pela Lei n. 11.719/2008). §5° Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.20-23 (Incluído pela Lei n. 11.719/2008). 1. M u ta tio libelli : ocorre quando, durante o curso da instrução processual, surge prova de elementar ou circunstância não contida na peça acusatória. Nesse caso, como há uma al­

teração da base fática da imputação, é evidente que há necessidade de aditamento da peça acusatória, com posterior oitiva da defesa e renovação da instrução processual, pelo menos Q

1039 o :

Art. 384

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

para fins de realização de novo interrogatório do acusado, sob pena de se permitir que o acusado seja condenado por fato delituoso que não lhe foi imputado, o que viola, à evidência, os princípios do contraditório, da ampla defesa e da correlação entre acusação e sentença. Em sala de aula, costumamos trabalhar com um exemplo bastante simples: denúncia oferecida pelo Ministério Público imputa ao acusado a prática do crime de furto simples, corretamen­ te classificado pelo Parquet no art. 155, caput, do Código Penal. Durante o curso da instrução probatória, todavia, ofendido e testemunhas são uníssonas em afirmar que, durante a sub­ tração, teria havido o emprego de violência, elementar do crime de roubo (CP, art. 157) que não teria constado da peça acusatória. Nesse caso, é evidente que o juiz não pode, de imediato, proferir sentença condenatória pelo crime de roubo, por mais que esteja convenci­ do quanto ao emprego de violência. Ora, como se entende que, no processo penal, o acusado defende-se dos fatos que lhe são imputados na peça acusatória, se lhe foi imputada originariamente a prática do crime de furto simples, e se não houve qualquer aditamento à peça acusatória, não pode o juiz querer condená-lo pela prática de um crime de roubo. Pudesse o juiz fazê-lo, sem prévio aditamento da peça acusatória, estar-se-ia, violando, de uma só vez, os princípios do contraditório, da ampla defesa e da correlação entre acusação e sentença. Com efeito, o acusado não teve ciência da imputação de roubo circunstanciado pelo concurso de duas ou mais pessoas, o que caracterizaria violação ao contraditório; não teria tido a pos­ sibilidade de se insurgir quanto à imputação de roubo, malferindo a ampla defesa; ademais, ver-se-ia condenado por fato delituoso que não lhe fora imputado, contrariando o princípio da congruência ou correlação entre acusação e sentença. De mais a mais, também teria havido violação ao próprio sistema acusatório, já que, por não haver imputação em relação ao fato diverso - no exemplo citado, roubo - , estaria o juiz usurpando função que é primordial e característica do titular da ação penal pública, em clara e evidente afronta ao art. 1 2 9 ,1, da Constituição Federal. Daí a importância de se

observar o procedimento da mutatio libelli, previsto no art. 384 do CPP. 2. Surgim ento de prova nos autos de ele­ mentares ou circunstâncias não contidas na peça acusatória: como se depreende da redação do art. 384, caput, do CPP, o proce­ dimento da mutatio libelli deve ser observado sempre que surgir, no curso da instrução pro­ batória, prova de elementar ou circunstância da infração penal não contida na peça acu­ satória. Elementares são dados essenciais da figura típica, cuja ausência pode acarretar a atipicidade absoluta (a conduta é atípica) ou a atipicidade relativa (desclassificação). É o que ocorre no exemplo acima citado: em processo penal referente ao crime de furto simples, se restar provado que teria havido o emprego de violência, elementar do crime de roubo que não constou da peça acusatória, será necessá­ ria a observância do art. 384 do CPP para que não haja violação ao princípio da correlação entre acusação e sentença. C ircunstâncias são dados periféricos que gravitam ao redor do tipo básico. Podem aumentar ou diminuir a pena do delito, mas não têm o condão de alterar a tipificação básica da conduta delitu­ osa (v.g., qualificadoras, causas de aumento ou de diminuição de pena, etc.). Supondo-se que o Ministério Público tenha oferecido de­ núncia em face da prática do crime de roubo simples (CP, art. 157, caput), porém, no curso da instrução probatória, restar provado que a ameaça fora exercida com o emprego de arma, esta circunstância que autoriza o aumento da pena do crime de roubo (CP, art. 157, §2°, I) só poderá constar de eventual sentença con­ denatória se houver a mutatio libelli. Como ensina Bitencourt ( Tratado de direito penal. Parte Geral. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 663), para se diferenciar uma elementar do tipo penal de uma simples circunstância, basta exclui-la, hipoteticamente: se esse raciocínio levar à descaracterização do fato como crime (atipicidade absoluta) ou fizer surgir outro tipo de crime (atipicidade relativa), estare­ mos diante de uma elementar. Se, todavia, a exclusão de determinado requisito não alterar a caracterização do crime, tratar-se-á de uma circunstância do delito. Exemplificando, no

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

crime de peculato, a qualidade de funcionário público é uma elementar do delito, visto que, diante de sua ausência, haverá a desclassifica­ ção para apropriação indébita. Por outro lado, no furto, o fato de o delito ter sido praticado durante o repouso noturno autoriza a inci­ dência da causa de aumento de pena prevista no art. 155, §1°, do CP. Suprimido o repouso noturno, o tipo fundamental continuará o mesmo, ou seja, furto. Logo, trata-se de mera circunstância. Destarte, surgindo prova de elementar ou circunstância não contida expli­ citamente na peça acusatória, deverá haver o aditamento, nos termos do art. 384, caput, do CPP. Importante frisar que a peça acusatória deve fazer menção explícita à elementar ou circunstância, já que não se admite imputação implícita. Antes da reforma processual de 2008, apesar da crítica da doutrina, o art. 384, caput, do CPP, sugeria a possibilidade de uma imputação implícita, já que fazia menção à circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa. Com a nova redação conferida ao art. 384, caput, do CPP, pela Lei n. 11.719/08, foi suprimida essa previsão que admitia uma imputação implícita. A nova redação do dispositivo apenas men­ ciona “elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação”. Absolutamente correta a alteração, já que a imputação deve ser clara, precisa e completa, sob pena de violação à ampla defesa. 3. (Des) necessidade de aditamento para fins de acréscimo de circunstâncias agra­ vantes nos crimes de ação penal pública: a necessidade de aditamento para fins de inclu­ são de elementar ou circunstância não contida explicitamente na peça acusatória a que se refere o art. 384, caput, do CPP, não se aplica às circunstâncias agravantes em sentido estrito (CP, arts. 61 e 62) nos processos iniciados por meio de ação penal pública. Isso porque, por força do art. 385 do CPP, nos crimes de ação pública, o juiz pode reconhecer agravantes, em­ bora nenhuma tenha sido alegada. Conforme será visto mais adiante nos comentários ao art. 385 do CPP, a despeito da crítica de parte da doutrina quanto a esse dispositivo, sua constitucionalidade vem sendo referendada pelos

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Tribunais Superiores. Portanto, pelo menos sob a ótica da jurisprudência, a necessidade de aditamento na hipótese do surgimento de prova de circunstância não contida na peça acusatória aplica-se apenas às qualificadoras, privilégios, causas de aumento e de diminuição de pena, mas não às agravantes em sentido estrito dos arts. 61 e 62 do CP, já que tais circunstâncias sequer precisam constar da peça acusatória da ação penal pública, tal qual previsto pelo art. 385 do CPP. 4. Fato novo e fato diverso: apesar de ser pouco trabalhada pela doutrina a distinção entre fato novo e fato diverso, o procedimento da mutatio libelli só deve ser utilizado na hi­ pótese em que, durante o curso da instrução probatória, surgir prova de um aspecto diverso do fato imputado ou de um dado fático des­ conhecido que altera o fato originário, enfim, uma alteração fática que guarde certa relação com a imputação inicial. Assim, na hipótese de surgimento de fato novo, totalmente distinto do fato inicialmente imputado ao acusado, não é possível a aplicação do art. 384 do CPP. O fato é novo quando os elementos de seu núcleo essencial constituem acontecimento criminoso inteiramente diferente daquele resultante dos elementos do núcleo essencial da imputação, ou seja, o fato novo não se agrega àquele ini­ cialmente imputado, mas 0 substitui por com­ pleto (v.g., furto/receptação). Nesse caso, como se trata de fato novo, que não guarda qualquer relação com o fato inicialmente imputado ao acusado, substituindo integralmente a impu­ tação originária, não há razão para se aplicar o procedimento da mutatio libelli do art. 384 do CPP, porquanto é plenamente possível uma imputação autônoma, dando ensejo à instau­ ração de outro processo. Se, porventura, optar a acusação por fazer um aditamento, deverá fazê-lo com fundamento no art. 569 do CPP (e não pelo art. 384), hipótese em que haverá necessidade de se renovar a instrução crim i­ nal. Evidentemente, caso haja conexão entre as infrações penais, é plenamente possível que o juiz determine a reunião dos feitos, nos termos do art. 79, caput, do CPP. Se, todavia, os processos estiverem em estágios distintos da marcha procedimental, é possível a apli-

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cação do art. 80 do CPP, com a consequente separação dos feitos. Por outro lado, o fato é diverso quando os elementos de seu núcleo essencial correspondem parcialmente aos do fato da imputação, mas com o acréscimo de algum elemento que o modifique. É para o fato diverso que se reserva a mutatio libelli, já que o art. 384 do CPP trata da possibilidade de nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal que fo i impu­ tada originariamente ao acusado. Portanto, na hipótese de fato diverso, em que surgir prova de elementar ou circunstância que possa ser acrescida à imputação originária, deve ser observado o procedimento da mutatio libelli (CPP, art. 384 e parágrafos), com o consequen­ te aditamento da peça acusatória e subsequente oitiva da defesa. Nesse caso, como não há a substituição da acusação, mas a adição a ela de uma elementar ou circunstância que se agrega àquele fato principal já imputado, não haverá renovação integral da instrução e nem mesmo modificação da interrupção da prescrição. Ou seja, na mutatio, não há novo processo, mas mero aproveitamento daquele já instaurado, em razão de provas surgidas apenas na fase de instrução. 5. Necessidade de aditamento, indepen­ dentemente do q u a n tu m de pena cominado à im putação diversa: antes das mudanças produzidas pela reforma processual de 2008, o art. 384, caput, e seu parágrafo único, do CPP, distinguiam duas situações, no que se refere à necessidade de aditamento. Se a alteração do fato processual pudesse implicar a aplicação de uma pena inferior ou igual à pena que seria consequência do fato originariamente impu­ tado, não havia necessidade de aditamento. Nesse caso, bastava que o juiz abrisse vista à defesa para que se pronunciasse no prazo de 8 (oito) dias (antiga redação do art. 384, caput). Por outro lado, se a mudança fática pudes­ se redundar na aplicação de uma pena mais grave, aí sim seria obrigatório o aditamento (revogado parágrafo único do art. 384). Tal distinção sempre foi alvo de críticas por parte da doutrina, porquanto, independentemente da pena que vier a ser aplicada ao agente, certo 1042

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é que não se pode admitir que o acusado seja condenado por fato diverso daquele que lhe foi imputado. Diante da nova redação do art. 384, caput, do CPP, já não há mais dúvidas: diante do surgimento de elementar ou circunstância não contida na acusação, o aditamento sempre deverá ocorrer, independentemente se da nova imputação resultar pena mais grave, igual ou inferior. A correlação entre acusação e sen­ tença é indispensável, independentemente da pena aplicada ao fato imputado. É o que pode ocorrer, a título de exemplo, quando, no curso de processo penal instaurado em relação ao crime de peculato doloso, restar comprovado que, na verdade, o agente não teria dado causa ao resultado de maneira consciente e voluntária, mas sim em virtude de conduta manifestamente culposa. Nesse caso, é bem verdade que a pena aplicada ao peculato culposo é bem mais branda que a do peculato doloso. Porém, independente­ mente do quantum de pena cominado ao delito, o certo é que, fosse o acusado condenado por peculato culposo sem que houvesse o aditamen­ to da denúncia para que lhe fosse imputada uma conduta imprudente, negligente ou imperita, ter-se-ia evidente violação ao sistema acusatório, porquanto o acusado seria condenado por um crime que não lhe foi imputado. Por isso, pensamos que andou mal o Supremo ao apreciar o RHC 85.657/SP ( I a Turma, Rei. Min. Carlos Britto, j. 31/05/2005, DJ 05/05/2006), no qual reconheceu que eventual desclassificação de peculato doloso para peculato culposo carac­ teriza emendatio libelli, daí por que não havería necessidade de se abrir vista à defesa. Nesse julgado, concluiu o Supremo que “inocorre mutatio libelli se os fatos narrados na denúncia (e contra as quais se defendeu a recorrente) são os mesmos considerados pela sentença condenatória, limitando-se a divergência ao elemento subjetivo do tipo (culpa x dolo). Não é de se anular ato que desclassifica a infração imputada à acusada para lhe atribuir delito menos grave. Aplicação da parêmia pas de nullité sans grief (art. 563 do CPP)”. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O fato im putado aos réus na inicial acusatória, em especial a form a de com etim ento d o delito, da qual

TÍTULO XII-D A SENTENÇA

se infere o elem ento subjetivo, deve guardar corres­ p on dên cia c om aquele reconhecido na sentença, a teor d o princípio da correlação entre a acusação e a sentença. Encerrada a instrução criminal, concluindo-se que as condutas do s recorrentes su bsu m e m -se à m odalidade culposa d o tipo penal e ausente a descri­ ção de circunstância elementar, atinente ao elem ento subjetivo d o injusto na denúncia, imperativa a obser­ vância da regra inserta no art. 384, caput, d o CPP, ainda que a nova m odalidade de delito com ine pena inferior, baixando-se os autos ao Ministério Público para aditar a inicial, sob pena violação ao princípio da am pla d e ­ fesa e contraditório. (...) Recurso parcialmente provido para anular a sentença condenatória e julgar extinta a punibilidade do s recorrentes". (STJ, 6a Turma, REsp 1,388.440/ES, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 05/03/2015, DJe 17/03/2015).

6. Aditamento espontâneo (CPP, art. 384, caput): outra importante mudança produzida pela Lei n. 11.719/08 diz respeito à espontanei­ dade do aditamento a que se refere o art. 384, caput, do CPP. Na redação original do art. 384, parágrafo único, do CPP (antes da reforma processual de 2008), se o juiz verificasse o surgimento de elementar ou circunstância não contida na peça acusatória, deveria baixar os autos a fim de que o Ministério Público aditasse a peça acusatória. Tinha-se, nesse caso, aquilo que a doutrina chama de aditamento provo­ cado, assim compreendido aquele no qual o juiz, no exercício de função anômala de fiscal do princípio da obrigatoriedade, verificando a necessidade de se acrescentar algo à peça acu­ satória, provoca o Ministério Público a fazê-lo. A reforma processual de 2008 pôs fim parcial ao aditamento provocado na mutatio libelli. Ao contrário da antiga redação do art. 384, parágrafo único, que previa que o juiz deveria baixar o processo a fim de que o Parquet aditas­ se a peça acusatória, a nova redação conferida ao caput do art. 384 do CPP deixa claro que, pelo menos em regra, esse aditamento deve ser feito pelo órgão ministerial espontaneamente, preservando-se, assim, a imparcialidade do magistrado. Por mais que, antigamente, o juiz fizesse apenas uma sugestão de aditamento, valendo-se de tons sóbrios e comedidos, sem frases taxativas, esse aditamento provocado sempre foi criticado pela doutrina. O fato de o juiz baixar os autos do processo para que o Ministério Público aditasse a peça acusatória,

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além de revelar uma manifestação de vontade acusatória de sua parte, também implicava em inegável comprometimento psicológico do julgador, que acabava por adiantar seu convencimento quanto à condenação do acu­ sado, acarretando perda de sua imparcialidade. Dissemos que a reforma processual de 2008 pôs fim parcial ao aditamento provocado na mutatio libelli, porque, a nosso juízo, ainda subsiste essa modalidade de aditamento, nos moldes preconizados pelo art. 384, §1°, do CPP (“não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código”), objeto de análise mais adiante. 7. M utatio libelli nas diferentes espécies de ação penal: é majoritário o entendimento no sentido de que a mutatio libelli só pode ser feita nos crimes de ação penal pública (incondicionada e condicionada) e nas hipóteses de ação penal privada subsidiária da pública. Ade­ mais, recai exclusivamente sobre o Ministério Público a legitimidade para o aditamento da peça acusatória, vez que a lei não confere seme­ lhante legitimidade ao assistente da acusação, nem tampouco ao querelante. Essa conclusão é firmada por grande parte da doutrina a partir de uma interpretação do art. 384, caput, do CPP, que prevê que o Ministério Público deve aditar a denúncia ou queixa, se em virtude des­ ta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública. Ora, ao se referir à queixa que deu causa à instauração do processo penal em crime de ação penal pública, é de se concluir que o dispositivo refere-se à ação penal privada subsidiária da pública. Logo, não seria possível a mutatio libelli em crimes de ação penal exclu­ sivamente privada ou privada personalíssima. Nesse sentido: MIRABETE, Julio Fabbrini. Có­ digo de processo penal interpretado. 1 I a ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 993. Na mesma linha: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 1 I a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 529; FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6a ed., rev., ampl. e atual, com a Reforma Processual Penal. Niterói/RJ: Impetus, 2009. p. 316-317. Sem embargo dessa posição, parte minoritária da doutrina - posição à qual nos filiamos - entende que, tal como ocorre com o

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Ministério Público, o querelante também pode vir a tomar conhecimento de elementares ou circunstâncias apenas no curso da instrução processual, daí por que não se pode negar a ele a possibilidade de proceder ao aditamento. A título de exemplo, suponha-se que, no curso de processo penal instaurado por meio de queixa-crime que imputara ao acusado o crime de calúnia (CP, art. 138, caput), surja prova de que o delito teria sido cometido na presença de várias pessoas, circunstância esta não contida na peça acusatória e que autoriza o aumento da pena em 1/3 (um terço), nos termos do art. 141, III, do CP. Nesse caso, pensamos ser plenamente possível o aditamento da queixa-crime, observado, evidentemente, o prazo decadencial. Nessa hipótese, há de se analisar se a omissão do querelante em incluir tais fatos na peça acusatória teria sido voluntária ou involuntária, e se foi observado o prazo decadencial. Afinal de contas, se o querelante tinha consciência quanto à circunstância em questão - no exemplo citado, crime de calúnia cometido na presença de várias pessoas - , e deliberadamente a omitiu da peça acusatória, forçoso é concluir que teria havido renúncia tácita em relação a ela, e consequente extinção da punibilidade exclusivamente quanto à causa de aumento de pena. Porém, se a exclusão foi involuntária, há de se admitir a possibilidade de aditamento, desde que observado o prazo decadencial de 6 (seis) meses, o qual começou a fluir a partir da ciência do fato. Assim, se ainda não ocorreu a decadência, ou se o fato se tornou conhecido do querelante apenas no curso da instrução processual, há de se assegurar a ele a possibilidade de aditar a queixa-crime, com fundamento no art. 569 do CPP, ou oferecer nova queixa-crime; caso não o faça, haverá a extinção da punibilidade. Com entendimento semelhante: BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre acusa­ ção e sentença. 2a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 159. Nessa hipótese, a legitimidade para o aditamento da queixa-crime para a inclusão de elementares ou circunstâncias recai sobre o próprio que­ relante. Nesse ponto, especial atenção deve ser dispensada ao art. 45 do CPP, que deixa transparecer, à primeira vista, que o Ministério

Público teria ampla legitimidade para proce­ der ao aditamento da queixa-crime. Porém, deve se distinguir as hipóteses de ação penal privada exclusiva e privada personalíssima das hipóteses de ação penal privada subsidiária da pública. Nas hipóteses de ação penal exclu­ sivamente privada e privada personalíssima, como o Ministério Público não é dotado de legitimatio ad causam, não tem legitimidade para incluir coautores, partícipes e outros fatos delituosos de ação penal de iniciativa privada, podendo aditar a queixa-crime apenas para incluir circunstâncias de tempo, de lugar, modus operandi, etc. Lado outro, na ação penal privada subsidiária da pública, como a ação penal, em sua origem, é de natureza pública, conclui-se que o Ministério Público tem ampla legitimidade para proceder ao aditamento, seja para incluir novos fatos delituosos, coautores e partícipes, seja para acrescentar elementos acidentais como dados relativos ao local e ao momento em que o crime foi praticado (CPP, art. 29). 8. A ditam e n to escrito ou oral: o adita­ mento previsto no art. 384, caput, do CPP, pode ser feito oralmente, ou seja, no curso da audiência una de instrução e julgamento, hipótese em que, obviamente, será reduzido a termo, ou por meio de petição escrita, a ser apresentada pelo órgão ministerial no prazo de 5 (cinco) dias. 9. Aditam ento provocado: se o órgão do Ministério Público não proceder ao aditamen­ to de maneira espontânea nos moldes preconi­ zados pelo caput do art. 384 do CPP, incumbe ao juiz aplicar o art. 28 do CPP, determinando a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, no caso do M inistério Público dos Estados, ou à 2a Câmara de Coordenação e Revisão, no caso do Ministério Público Federal (CPP, art. 384, §1°). Como se vê, apesar de o juiz não poder baixar o processo a fim de que o Promotor de Justiça adite a peça acusatória, como estava previsto no revogado parágrafo único do art. 384 do CPP, ainda incumbe ao magistrado o exercício da função anômala de fiscal do princípio da obrigatoriedade, poden­ do encaminhar os autos à Chefia do Ministério

T ÍT U L O X II-D A SE N T E N Ç A

Público caso o órgão do Ministério Público de I a instância não proceda ao aditamento. Para Paulo Rangel {Direito processual penal. 17a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010. p. 326), não oferecendo o MP o aditamento no prazo previsto em lei, não poderá o ofendido ingressar com aditamento de iniciativa privada subsidiário do público. Segundo o autor, “o ofendido somente pode ingressar, no processo penal, na qualidade de assistente de acusação, ou de autor da ação penal de iniciativa priva­ da quando o MP não promove a ação penal pública, no prazo legal (CF, art. 5°, LIX). No caso em tela há ação penal pública proposta, não sendo caso de o ofendido se imiscuir nas funções do M P”. 10. (In) constitucionalidade do art. 384, §1 °, do CPP: há quem entenda que, diante da nova redação do caput do art. 384, não há como se dar aplicação ao §1° do mesmo dispositivo, por ser claramente incompatível com o sistema acusatório, sendo incabível qualquer forma de provocação de aditamento pelo juiz. Cuida-se, porém, de posição m inoritária. Na verda­ de, apesar de a aplicação do art. 28 do CPP acarretar certo prejuízo à imparcialidade do magistrado, é sabido que essa função anômala exercida pelo juiz de fiscalização do princípio da obrigatoriedade é extremamente comum no âmbito processual penal, não apenas nos casos de não aditamento espontâneo pelo Promotor de Justiça, mas também nas hipóteses de con­ trole judicial do arquivamento do inquérito policial e nos casos de recusa injustificada do oferecimento da proposta de transação penal ou de suspensão condicional do processo (Sú­ mula n. 696 do STF). No sentido da inconstitucionalidade do art. 384, §1°: BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre acusação e sentença. 2a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 157. Em sentido diver­ so: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 1 I a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 532. No sentido de que o aditamento provocado previsto na antiga redação do parágrafo único do art. 384 do CPP não afrontava o princípio da imparcialidade do órgão jurisdicional: STF, 2a Turma, HC

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109.098/RJ, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 20/03/2012, DJe 167 23/08/2012. 11. Providências a serem adotadas pelo Procurador-Geral de Justiça (ou pela Câm a­ ra de Coordenação e Revisão): remetidos os autos ao Procurador-Geral de Justiça (ou à Câ­ mara de Coordenação e Revisão) pelo magis­ trado com fundamento no art. 28 do CPP, são duas as possibilidades. Se o Procurador-Geral de Justiça oferecer o aditamento (ou designar outro órgão do MP para oferecê-lo), o processo seguirá seu curso normal, com a consequente oitiva da defesa no prazo de 5 (cinco) dias e ulterior juízo de admissibilidade do aditamento. Havendo insistência do Procurador-Geral de Justiça em não proceder ao aditamento, ao juiz nada restará fazer senão julgar o acusado pela imputação originária que constou da denúncia, absolvendo ou condenando-o. Evidentemente, se o juiz estiver convencido de que os fatos se passaram de forma completamente diversa do quanto narrado na peça acusatória, será impossível a condenação do acusado pelo fato inicialmente imputado ao acusado, haja vista a ausência de imputação típica. Todavia, caso não haja o aditamento da denúncia no exemplo acima citado do furto, para o acrés­ cimo da elementar violência e consequente alteração da imputação para roubo, deve o juiz condenar o acusado apenas pelo delito menos grave, porquanto provada a subtração da coisa. Evidentemente, na hipótese de não aditamento para inclusão da violência, não poderá o juiz querer julgar o acusado com base no fato diverso que surgiu durante o curso da instrução probatória - no exemplo, roubo - , sob pena de violação ao devido processo legal. + Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) Se os fatos narrados na denúncia não se am ol­ dam ao crime de roubo sim ples e não sendo possível a m utatio libelli em se gu n d a instância a teor da Súm ula 453 d o STF, incabível a condenação d o réu por infração ao art. 157, caput, c/c o art. 14, inciso II, am b o s do CP, em virtude de circunstância elem entar não contida na denúncia. In casu, o Parquet denunciou o recorrido pela prática d o crime de roubo im próprio tentado, narrando na exordial que a violência foi perpetrada ap ó s a subtração da res furtiva e para garantir a sua posse. Contudo, estando incontroverso no v. acórdão objurgado que a violência, ao contrário, foi em pregada

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contra a vítima desde o início, para viabilizar a su b ­ tração de seu patrimônio, incabível a condenação do recorrido por tentativa de roubo simples, ante o óbice da Súm ula 453 d o STF. Destarte, irretocável o acórdão que afastou a condenação d o recorrido pelo crime de tentativa de roubo impróprio, porque não houve e m ­ prego de violência para a m anutenção da posse da res, circunstância elementar d o tipo. C om efeito, no crime previsto no art. 157, § 1o, d o C ó d ig o Penal a violência é e m p regada ap ós o agente tornar-se p ossuidor da coisa, não se adm itindo a tentativa (Precedentes). (...) Recurso especial parcialmente provido". (STJ, 5aTurma, REsp 1.155.927/RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 18/05/2010, DJe 21/06/2010).

12. Reação defensiva ao aditamento mi­ nisterial: uma vez aditada a peça acusatória pelo Ministério Público, deve ser observado o quanto disposto no art. 384, §2°, do CPP. Mes­ mo antes de admitir (ou não) o aditamento da peça acusatória, deverá o juiz ouvir o defensor do acusado, em espécie de manifestação que funciona como um misto de defesa preliminar e de resposta à acusação. Deveras, como a defe­ sa é ouvida antes de o juiz se pronunciar quanto à admissão do aditamento, conclui-se que, ao mesmo tempo em que o defensor deve atacar o aditamento da peça acusatória em si, buscando sua rejeição com fundamento no art. 395 do CPP, também deve apresentar manifestação semelhante a uma resposta à acusação (CPP, art. 396-A), seja objetivando eventual absol­ vição sumária, seja especificando as provas que pretende produzir caso o aditamento seja recebido pelo juiz. De mais a mais, também é plenamente possível a apresentação de eventu­ ais exceções, nos termos do art. 396-A, §1°, do CPP. Afinal, a depender do aditamento, pode ocorrer situação que justifique, por exemplo, a alegação de uma exceção de incompetência, se acaso a denúncia for aditada para se acres­ cer que a coisa subtraída era de propriedade da União, o que acarretará o reconhecimento da incompetência da Justiça Estadual para o processo e julgamento do feito. 13. Juízo de adm issibilidade do adita­ mento à peça acusatória: uma vez ouvida a defesa, haverá um juízo de admissibilidade sobre o aditamento da peça acusatória. Com efeito, ao se referir à admissão do aditamento, o §2° do art. 384 do CPP deixa claro que o 1046^)

magistrado tem 02 (duas) opções: receber ou rejeitar o aditamento. Portanto, o magistrado não é obrigado a receber o aditamento, poden­ do rejeitá-lo, caso entenda presente uma das hipóteses do art. 395 do CPP. O próprio §5° do art. 384 confirma esse entendimento, ao prever que, não recebido o aditamento, o processo prosseguirá normalmente, com base na imputação originária. Portanto, à semelhança do que ocorre quando uma denúncia é oferecida, o aditamento também deverá ser submetido a um juízo de admissibilidade, do qual poderá resultar seu recebimento ou rejeição. 14. Recurso adequado contra o recebi­ mento do aditam ento à peça acusatória: à semelhança do que ocorre nas hipóteses de recebimento da denúncia, não há previsão legal de recurso adequado contra a decisão que recebe o aditamento à peça acusatória. Portanto, quando restar caracterizado cons­ trangimento ilegal, a solução adequada será a impetração de habeas corpus (ou de mandado de segurança), objetivando o trancamento do processo. O tema será objeto de análise nos comentários ao art. 396 do CPP, para onde remetemos o leitor (item “2.4. Recurso cabível contra o recebimento da peça acusatória”). 15. Nova instrução probatória e ju lg a ­ mento: recebido o aditamento da peça acu­ satória, o juiz deve designar dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento. Mesmo que as partes não requeiram a produção de qualquer tipo de prova, subsiste a necessidade de designação de nova data para a continuação da audiência de instrução e julgamento. Afinal, diante dessa imputação superveniente, será imprescindível a realização de novo interroga­ tório do acusado, a fim de que possa exercer a autodefesa (direito de audiência) sobre o fato diverso objeto do aditamento, com ulterior alegações orais e decisão do magistrado. 16. Aplicação dos §§1° e 2o do art. 383 do CPP à m utatio libelli: se a mutatio libelli produzir definição jurídica diversa com pena mínima igual ou inferior a 1 (um) ano, pre­

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

enchidos os demais requisitos do art. 89 da Lei n. 9.099/95, incumbe ao órgão ministerial oferecer a proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do art. 383, §1°, do CPP. Por sua vez, se a aplicação do art. 384 do CPP acarretar o reconhecimento da incompe­ tência absoluta, ao juízo competente deverão ser encaminhados os autos, tal qual disposto no art. 383, §2°, do CPP. Para mais detalhes acerca dos dois dispositivos legais, remetemos o leitor aos comentários ao art. 384 do CPP. 17. Especificação de provas pretendidas pelas partes: havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias. Apesar de o §4° do art. 384 prever que, havendo aditamento, a parte poderá arrolar até 3 testemunhas, é certo que poderá ser requerido qualquer tipo de prova. Note-se que o art. 384, §4°, do CPP, estabelece que, havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias. A redação do dispositivo é um pouco dúbia, já que parece referir-se à abertura de novo prazo de 5 (cinco) dias para que as partes possam arrolar testemunhas. Tendo em conta que a reforma processual de 2008 teve como um de seus escopos imprimir maior celeridade ao procedimento, não faz sentido a reabertura de novo prazo para apresentação das provas pretendidas pelas partes se cada uma delas já teve a oportunidade de se ma­ nifestar. Na medida em que a lei já confere o prazo de 5 (cinco) dias para o aditamento (CPP, art. 384, caput), e mais 5 (cinco) dias para a oitiva da defesa (CPP, art. 384, §2°), o ideal é concluir que as provas pretendidas pelas partes devem ser especificadas nessas oportunidades, sob pena de preclusão. 18. Vinculação do juiz aos termos do adita­ mento: a partir do momento em que o adita­ mento é admitido pelo juiz, há uma imputação superveniente. Assim, valendo-se do exemplo anteriorm ente citado, pode-se dizer que a imputação originária diz respeito ao crime de furto, ao passo que a imputação superveniente atribui ao acusado o cometimento do delito de roubo. Nesse caso, discute-se acerca da possibilidade de condenação do acusado por

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qualquer uma das imputações (originária e superveniente), ou se o juiz estaria vinculado à imputação superveniente. Antes do advento da Lei n. 11.719/08, sempre se entendeu que, nas hipóteses de aditamento à denúncia por força da mutatio libelli (antiga redação do art. 384, parágrafo único, do CPP), o juiz conti­ nuava livre para julgar o acusado tanto pela imputação originária quanto pela imputação superveniente. Ou seja, o aditamento não substituiria a imputação originária, mas a ela se somaria, de modo alternativo. Tinha-se aí a denominada imputação alternativa superve­ niente. Se essa imputação alternativa superve­ niente prevista no antigo parágrafo único do art. 384 do CPP era amplamente admitida pela doutrina e pelos Tribunais, pode-se dizer que, diante das modificações produzidas pela Lei n. 11.719/08, não se pode mais falar em denún­ cia alternativa superveniente. Isso porque, de acordo com a nova redação do art. 384, §4°, do CPP, havendo aditamento, ficará o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento. Em outras palavras, havendo aditamento da denúncia por força da mutatio libelli, o fato imputado passará a ser exclusivamente o fato superveniente, que substitui o fato originário. Nessa linha, como aduz Badaró ( Correlação entre acusação e sentença. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 172), “se o juiz condenar o acusado pelo fato originário, estará proferindo uma sentença extra petita e, consequentemente, viciada pela nulidade ab­ soluta, tal qual ocorre com qualquer sentença que viole a regra da correlação entre acusação e sentença”. Im agine-se, por exemplo, que alguém tenha sido denunciado pela prática do crime de peculato culposo (CP, art. 312, §2°). Posteriormente, no curso da instrução, fica provado que o funcionário público, que tinha a posse do bem em razão de seu cargo, teria se apropriado dolosamente da res. Feito o aditamento da denúncia para imputar a prática do crime de peculato-apropriação (CP, art. 312, caput), e sendo este aditamento recebido pelo magistrado (CPP, art. 384, §2°), não restará mais a acusação pelo peculato culposo, que terá sido substituída pela acusação de peculato-apropriação. Nesse contexto, o acusado não

Art. 384

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

poderá ser condenado por peculato culposo, já que o próprio Ministério Público afirmou no aditamento, recebido pelo magistrado, que houve a apropriação dolosa de bem móvel de que tinha a posse em razão do cargo. 19. Hipóteses que autorizam o julgam en­ to do acusado pela imputação originária e superveniente: como exposto anteriormente, uma vez admitido o aditamento, o acusado deverá ser julgado exclusivamente pela impu­ tação superveniente, não mais pela imputação originária. No entanto, essa inadmissibilidade de julgamento tanto pelo fato originário quan­ to pelo fato objeto do aditamento não será aplicável nas situações em que o aditamento não implicar substituição dos fatos originários pelos fatos provados no curso da instrução e, su­ pervenientemente, imputados pelo aditamento da denúncia. Na visão da doutrina (BADARÓ. Op. cit. p. 173-174), isso ocorrerá em duas hi­ póteses: a) no caso de imputação por um crime simples, com posterior aditamento da denúncia, para a inclusão de um elemento especializante, permitindo o surgimento de outro delito. Basta imaginar uma denúncia pela prática do crime de roubo simples, com posterior aditamento para incluir a causa de aumento de pena do emprego de arma. Em tal situação, se o juiz, no momento da sentença, entender que não ficou comprovado o emprego de arma, poderá conde­ nar o acusado pelo crime de roubo simples, por­ quanto estará realizando apenas uma exclusão parcial do fato, limitando-se a considerar não provados o elemento especializante agregado pelo aditamento; b) no caso de crime complexo: havendo a imputação originária por um crime simples (v.g., furto), com posterior aditamento para somar a tal imputação outro delito (v.g., lesão corporal), de modo a caracterizar um cri­ me complexo (in casu, o roubo), é possível que o juiz, na sentença, condene o acusado somente pela imputação originariamente imputada (no caso, o furto), caso considere que não restou provada a ocorrência de violência para a prática da subtração. 2 0 . Não recebimento do aditamento: na hipótese de o juiz visualizar a presença de uma das hipóteses do art. 395 do CPP, que autorizam

a rejeição da peça acusatória - inépcia do adita­ mento, ausência dos pressupostos processuais ou das condições da ação e falta de justa causa - , deve rejeitar o aditamento à peça acusatória, hipótese em que o processo deverá prosseguir com base na imputação originária, leia-se, aque­ la que constou da denúncia (ou queixa). 21. Recurso adequado contra a rejeição do aditamento à peça acusatória: se a re­ jeição do aditamento ocorrer por meio de decisão interlocutória, não temos dúvida em afirmar que o meio de impugnação será o recurso em sentido estrito, por meio de inter­ pretação extensiva do art. 5 8 1 ,1, do CPP. De modo diverso, caso a rejeição do aditamento da peça acusatória seja feita em sede de sentença, condenatória ou absolutória, o recurso cabível será o de apelação. Atente-se para o fato de que, por força da Lei n. 11.719/08, o Código passou a prever uma audiência una de instrução e julgamento (CPP, arts. 400 e seguintes). Logo, é possível que esse aditamento ocorra na própria audiência - note-se que o art. 384, caput, do CPP, fala em redução do aditamento a termo, quando feito oralmente - do que se infere a pos­ sibilidade de aditamento na própria audiência. Supondo, assim, que o aditamento tenha sido feito no curso da audiência una de instrução e julgamento e que, após rejeitá-lo, profira o ma­ gistrado sentença absolutória ou condenatória, há de se concluir pelo cabimento do recurso de apelação, ainda que se queira recorrer apenas contra a rejeição do aditamento. Isso porque, segundo o art. 5 9 3 ,1, do CPP, caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias das sentenças defi­ nitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular. Ademais, quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra (CPP, art. 593, §4°). 2 2 . M u t a t io lib e lli na 2 a instância: de modo a evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários à súmula n. 453 do STF (“Não se aplicam à segunda ins­ tância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em vir­ tude de circunstância elementar não contida,

TÍTULO XII* DA SENTENÇA

explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa”).

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Art. 385

23. M utatio libelli nos casos de com pe­ tência originária dos Tribunais: consultar comentários à súmula n. 453 do STF.

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição,' bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.2 1. Pedido abso lu tó rio form u lad o pela acusação e (im) possibilidade de conde­ nação: ao final da audiência una de instrução e julgamento, as partes devem apresentar suas alegações oralmente, pelo menos em regra. Subsidiariamente, também é possível a apre­ sentação de alegações escritas. Discute-se, nesse caso, o caminho a ser observado pelo juiz se, porventura, a acusação manifestar-se nesse momento no sentido da absolvição do acusado. Em se tratando de ação penal exclusivamente privada (ou personalíssima), na hipótese de o advogado do querelante não formular o pedi­ do de condenação do acusado nas alegações finais, considerar-se-á perempta a ação penal, com a consequente extinção da punibilidade do agente, nos termos do art. 60, III, in fine, do CPP, c/c art. 107, IV, do CP. Noutro giro, na hipótese de ação penal privada subsidiária da pública, eventual pedido de absolvição for­ mulado pelo advogado do querelante não dará ensejo à extinção da punibilidade, porquanto, em sua essência, esta espécie de ação penal é de natureza pública. De mais a mais, como a intervenção do MP é obrigatória, nada impede que, em sentido diverso do querelante, haja pedido de condenação formulado pelo órgão ministerial. No caso de ação penal pública (incondicionada ou condicionada), parte mi­ noritária da doutrina vem sustentando que, diante de pedido absolutório formulado pelo M inistério Público, não é possível a prolação de um decreto condenatório. Trabalha-se com a ideia de que, por imposição do sistema acusatório (separação das tarefas de acusar e julgar), há duas pretensões no âmbito pro­ cessual penal: uma de natureza acusatória, realizada pelo Ministério Público, e outra de natureza punitiva, exercida pelo Poder Judi­ ciário. Assim, se o Parquet pede a absolvição

do acusado, a ela está vinculado o juiz, já que o poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita pelo MP através do exercício da pretensão acusatória. É nesse sentido a lição de Aury Lopes Jr. (Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1 .3a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 103): “o pedido de absolvição equivale ao não-exercício da pretensão acusatória, isto é, o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém. Como consequência, não pode o juiz condenar, sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação, no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo”. Para Geraldo Prado ( Sistema acusatório: a con­

form idade constitucional das leis processuais penais. 3a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005. p. 116), por importar violação ao contraditório (CF, art. 5°, LV), é nula a sentença condenatória proferida quando a acusação opina pela absolvição. A despeito dessa posição doutrinária, é dominante o entendimento no sentido de que, nos exatos termos do art. 385 do CPP, é perfeitamente possível a prolação de uma sentença condenatória ainda que haja pe­ dido de absolvição formulado pelo Ministério Público. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: “(...) O

fato de ter o M inistério Público ped ido a

absolvição d o réu, na fase de alegaçõe s finais, não vincula o juiz. Princípio d o livre convencim ento d o juiz, que não caracteriza constrangim ento ilegal. Ordem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 106.308/DF, Rei. Min. Celso Lim ongi - D ese m bargado r con vo cado d o TJ/SP -, j. 03/09/2009, DJe 21/09/2009).

2. Reconhecimento ex officio de agravan­ tes nos crimes de ação penal pública: a des­ peito da crítica de parte da doutrina, tem sido

Art. 386

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

admitido pelos Tribunais o reconhecimento de circunstâncias agravantes nos crimes de ação penal pública, ainda que nenhuma tenha sido arguida pela acusação, nos exatos termos do art. 385 do CPP, sem que se possa objetar eventual violação ao princípio da correlação entre acusação e sentença. Essa possibilidade, todavia, não se aplica aos crimes de ação penal privada. Com efeito, o próprio art. 385 deixa entrever que o reconhecimento de agravantes de ofício só pode acontecer em crimes de ação penal pública.

- f Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) As agravantes, ao contrário das qualificadoras, sequer precisam constar da denúncia para serem reco­ nhecidas pelo Juiz. É suficiente, para que incidam no cál­ culo da pena, a existência nos autos de elementos que as identifiquem. No caso sob exame, consta na sentença que a paciente organizou a cooperação no crime, dirigindo a atividade criminosa. Ordem denegada". (STF, 2aTurma, HC 93.211/DF, Rei. Min. Eros Grau, j. 12/02/2008, DJe 74 24/04/2008). No m esm o contexto: STJ, 6a Turma, REsp 857.066/RJ, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 27/11/2007, DJe 14/04/2008; STJ, 6aTurma, HC 51.859/SP, Rei. Min. M ariaThereza de Assis Moura, j. 12/05/2009, DJe 01 /06/2009.

Art. 386. O juiz absolverá o réu,1'2 mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:3 I - estar provada a inexistência do fato;4 II - não haver prova da existência do fato;5 III - não constituir o fato infração penal;6 IV - estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;7 (Redação dada pela Lei n. 11.690/2008) V - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal,-8 (Redação dada pela Lei n. 11.690/2008) VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e §1° do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;9 (Redação dada pela Lei n. 11.690/2008) VII - não existir prova suficiente para a condenação.10 (Incluído pela Lei n. 11.690/2008) Parágrafo único. Na sentença absolutória, o juiz:11 I - mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade;12 II - ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas;13 (Redação dada pela Lei n. 11.690/2008) III - aplicará medida de segurança, se cabível.14 1. Espécies de sentenças absolutórias: a) sentença absolutória própria: é aquela que julga improcedente o pedido condenatório formulado pela acusação, importando em re­ conhecimento pleno da inocência do acusado, da qual não decorre a imposição de medida de segurança; b) sentença absolutória im pró­ pria: é aquela que, reconhecendo a prática de conduta típica e ilícita pelo inimputável do art. 26, caput, do CP - leia-se, por agente que era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato

ou de determinar-se de acordo com esse en­ tendimento em virtude de doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado - , a ele impõe o cumprimento de medida de segu­ rança, nos termos do art. 386, parágrafo único, III, do CPP; c) absolvição sumária: prevista no art. 397 (procedimento comum) e no art. 415 (primeira fase do procedimento do júri) do CPP, esta decisão também funciona como espécie de sentença absolutória, já que o fato de se tratar de um julgamento antecipado da demanda não lhe retira a natureza jurídica de

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

sentença, sobretudo se considerarmos que há efetivo julgamento do mérito, reconhecendo o juiz categoricamente, por exemplo, tratar-se de conduta manifestamente atípica. Em outras palavras, o fato de se tratar de uma decisão pro­ ferida no limiar do processo não tem o condão de alterar sua natureza jurídica de sentença, já que há efetiva análise do mérito, para fins de se absolver o acusado. Ressalva especial, todavia, deve ser feita quanto à hipótese do art. 397, IV, do CPP, que elenca a extinção da punibilidade como uma das causas de absolvição sumária. Pelo menos no âmbito do STJ - veja-se o teor da súmula n. 18 - , a decisão que reconhece a extinção da punibilidade tem natureza declaratória, e não absolutória; d) absolvição sumária im própria: consiste no julgamento antecipado da demanda para fins de absolvição do acusado inimputável do art. 26, caput, do CP, que, porém, sofre a imposição de medida de segurança (internação ou tratamento ambulatorial). Quanto à possibilidade de absolvição sumária imprópria, ou seja, a absolvição da qual decorre a imposição de medida de segu­ rança proferida no limiar do processo, é sabido que, no âmbito do procedimento comum, o art. 397, inciso II, do CPP, veda a possibilidade de absolvição sumária do inimputável. No âmbito do Júri, todavia, o art. 415, parágrafo único, do CPP, autoriza que o juiz absolva sumariamente o acusado inimputável do art. 26, caput, do Có­ digo Penal, desde que a inimputabilidade seja a única tese defensiva; e) sentença absolutória anômala: é a decisão que concede o perdão judicial ao acusado. Tal decisão é denominada de anômala porque não existe uma verdadeira absolvição, mas sim um pronunciamento que só formal e impropriamente pode ser chamado absolutório, visto que, substancialmente, é de condenação. Essa terminologia - absolvição anômala - é usada por poucos doutrinadores, como, por exemplo, Sérgio de Oliveira Médici {Revisão criminal. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 174), já que há intensa controvérsia quanto à natureza jurídica da decisão que concede o perdão judicial. Há quem entenda que, na verdade, referida de­ cisão tem natureza condenatória, pois o juiz somente perdoa o imputado, nas hipóteses

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expressamente previstas em lei, após valoração da prova e verificação da procedência da acu­ sação. Caso contrário, não haveria razão para perdoá-lo. Prevalece, todavia, o entendimento de que a decisão concessiva do perdão judicial é simplesmente declaratória de extinção da punibilidade. Nesse sentido, aliás, a súmula n. 18 do STJ preconiza que “a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”. 2. Presunção de inocência e regra pro­ batória: em sede processual penal, vigora o princípio da presunção de inocência, por força do qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5°, LVII). Desse prin­ cípio deriva a denominada regra probatória, segundo a qual recai sobre a acusação o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável. Essa regra probatória deve ser utilizada sempre que hou­ ver dúvida sobre fato relevante para a decisão do processo. Na dicção de Badaró ( Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 285), cuida-se de uma disciplina do acertamento penal, uma exigência segundo a qual, para a imposição de uma sentença condenatória, é necessário provar, eliminando qualquer dúvida razoável, o contrário do que é garantido pela presun­ ção de inocência, impondo a necessidade de certeza. 3. Fundamentos: formando sua convicção de acordo com a livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, sem pre­ juízo da utilização subsidiária dos elementos informativos colhidos na investigação (CPP, art. 155, caput), deve o juiz julgar improce­ dente a pretensão acusatória, absolvendo o acusado, quando ocorrer uma das hipóteses mencionadas no art. 386 do CPP. Para mais detalhes acerca dos reflexos civis da sentença absolutória, remetemos o leitor aos comentá­ rios aos arts. 63 a 68 do CPP. 4. Provada a inexistência do fato: nesse caso, o juiz formou sua convicção no sentido

Art. 386

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da inexistência do fato delituoso. Não se trata de falta de provas, ou de um estado de dúvida. Na verdade, há prova nos autos que confirmam peremptoriamente que o fato delituoso impu­ tado ao acusado não ocorreu. 5. Ausência de provas da existência do fato: essa decisão deve ser proferida pelo ma­ gistrado quando, por ocasião da sentença, persistir dúvida quanto à existência do fato delituoso. Em outras palavras, o fato delitu­ oso pode até ter existido, mas o juiz conclui que não há provas suficientes que atestem sua existência. Trata-se, pois, de decisão baseada no in dubio pro reo. 6. Atipicidade formal ou material: sem ­ pre que o legislador utiliza a expressão “não constituir o fato infração penal”, refere-se à atipicidade da conduta imputada ao agente, seja no plano formal, seja no plano material. Exemplificando, constatada a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade do agente, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inex­ pressiva, pressupostos indispensáveis para a aplicação do princípio da insignificância, deve o juiz absolver o acusado com base no inciso III do art. 386 do CPP, haja vista a atipicidade material da conduta. 7. Provada a negativa de autoria (ou de participação): nos mesmos moldes que a decisão do inciso I, a decisão absolutória do art. 386, IV, do CPP, também é baseada em um juízo de certeza, porém, nesse caso, no sentido de que o acusado não concorreu para a prática delituosa na condição de autor, coautor ou partícipe. A título de exemplo, é possível que a instrução probatória demonstre que o autor, efetivamente, não poderia ter praticado o fato delituoso, seja porque outro o autor, seja porque faticamente impossível a sua realização, vez que comprovada sua localização, temporal e espacial, em local diverso do crime. 8. Ausência de provas de autoria (ou de participação): cuida-se de decisão baseada na existência de dúvida razoável acerca da autoria, coautoria ou participação. A título de exemplo, em processo penal no qual seja imputada ao

acusado a execução de um crime patrimonial, se apresentado um álibi pela defesa, e o Minis­ tério Público não conseguir provar a contento que o acusado encontrava-se efetivamente no local do crime, deve o magistrado absolver o acusado com fundamento no art. 386, V, do CPP. 9. Existência de causas excludentes da ilicitude ou da culpabilidade, ou m esm o se houver fundada dúvida sobre sua exis­ tência: havendo certeza (ou mesmo fundada dúvida) sobre a existência de causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade, incumbe ao juiz absolver o acusado. Apesar de o dispositivo fazer menção expressa apenas aos dispositivos da parte geral do Código Penal, é evidente que a absolvição também será possível diante de causa excludente da ilicitude ou da culpabilida­ de prevista na parte especial do Código Penal ou no âmbito da legislação especial (v.g., art. 128 do CP). 10. Inexistência de prova suficiente para a condenação: sem dúvida alguma, reside no inciso VII do art. 386 do CPP a hipótese mais comum de absolvição. Como se demanda um juízo de certeza para a prolação de um decre­ to condenatório, caso persista uma dúvida razoável por ocasião da prolação da sentença, o caminho a ser adotado é a absolvição do acusado. 11. Efeitos principais e secundários decor­ rentes da sentença absolutória: para além dos efeitos principais da sentença absolutó­ ria, expressamente ressaltados pelos incisos do parágrafo único do art. 386, a doutrina costuma citar efeitos secundários decorren­ tes de um decreto absolutório, que podem variar a depender da hipótese em análise: 1) restituição integral da fiança: segundo o art. 337 do CPP, se passar em julgado a sentença que houver absolvido o acusado, o valor que a constituir, atualizado, será restituído sem des­ conto; 2) im possibilidade de novo processo em face da mesma imputação: por força do princípio do ne bis in idem processual, previs­ to expressamente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8o, n. 4), que é dotada de status normativo

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

supralegal, ainda que a sentença absolutória tenha sido proferida por juízo absolutamente incompetente, ninguém pode ser processado duas vezes pela mesma imputação. Supondo-se que determinado indivíduo tenha sido absol­ vido em um processo criminal pela prática de furto em virtude da ausência de provas, operando-se o trânsito em julgado, não será possível o oferecimento de nova denúncia (ou queixa) em relação à mesma imputação, mesmo que surjam, posteriormente, provas cabais de seu envolvimento no fato delituoso; 3) levantamento do sequestro: de acordo com o art. 131, III, do CPP, se o acusado for absolvido por sentença transitada em julgado, será determinado o levantamento de sequestro incidente sobre bens supostamente adqui­ ridos com o produto da infração penal; 4)

levantamento do arresto ou cancelamento da hipoteca: de acordo com o art. 141 do CPP, 0 arresto será levantado ou cancelada a hipoteca, se, por sentença irrecorrível, o acusado for absolvido ou julgada extinta a punibilidade; 5) retirada da identificação fotográfica dos autos do processo: de acordo com o art. 7o da Lei n. 12.037/09, no caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arqui­ vamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil.12

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lembrar que, ao tempo da redação originária do Código de Processo Penal, havia previsão legal no sentido de manutenção da prisão, mesmo após a prolação da sentença absolutó­ ria, quando se tratasse de imputação de crime cuja pena máxima fosse igual ou superior a 8 (oito) anos de reclusão. Ocorre que, por força da Lei n. 5.941/73, a redação do art. 596 do CPP acabou sendo modificada, passando a prever, então, a imediata colocação do acusado em liberdade, independentemente do quantum de pena cominado ao delito. 13. Revogação das m edidas cautelares aplicadas durante o curso da persecução penal: no curso das investigações, ou mesmo durante o processo penal, é possível que o magistrado tenha determinado a aplicação de alguma medida cautelar (v.g., patrimonial, pessoal, etc.). Se houver absolvição, deve o juiz ordenar a cessação imediata de todas as medidas cautelares provisoriamente aplica­ das, porquanto houve o reconhecimento da inexistência do fum us comissi delicti. Afinal, como medidas acessórias que são, as cautelares devem seguir a mesma sorte do processo penal. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) As m edidas assecuratórias, de natureza instru­ m ental - cuja efetivação dem anda, com o no caso do sequestro, prova da m aterialidade delitiva e indícios suficientes de autoria - têm por fim assegurar os efeitos civis de um a decisão judicial, pois o que garante os efeitos penais é a própria prisão, isto é, são cautelares

12. Colocação do acusado em liberdade: sem dúvida alguma, o principal efeito de­ corrente da sentença absolutória própria é a imediata colocação do acusado em liberdade, já que o recurso de apelação contra essa decisão não é dotado de efeito suspensivo, pouco im ­ portando a natureza do crime e os anteceden­ tes do agente. Daí dispor o art. 386, parágrafo único, do CPP, que, na sentença absolutória, mandará o juiz, se for o caso, colocar o acusado em liberdade. De seu turno, o art. 596, caput, do CPP, preceitua que a apelação da sentença absolutória não impedirá que o acusado seja posto imediatamente em liberdade. Embora pareça óbvio que o acusado absolvido deva ser colocado imediatamente em liberdade, é bom

reais, pois recaem sobre bens, com o a hipoteca legal, arresto e seqüestro. O juízo singular, so b e ra n o no con hecim en to de fatos e provas, ao entender pela absolvição, com base no art. 386, parágrafo único, II, do CPP, pod e encerrar a constrição sobre os bens do então denunciado.'O levantam ento d o seqüestro e o cancelam ento da hipoteca im põem -se com o efeitos acessórios da não-incriminação, seja pela absolvição ou pela extinção da punibilidade' (REsp 733.455/RS, Rei. M in. A R N A L D O ESTEVES LIM A, Q u in ta Turma, DJ 7/11/05). Por outro lado, con sign ada a corretude do levantam ento d o sequestro, não há desconstituir o ju lg a d o na via eleita, d a da a n ece ssid ad e de revolvim ento d o material probante, procedim ento de análise exclusivo das instâncias ordinárias e vedado ao Superior Tribunal de Justiça, a teor da Súm ula 7/ STJ. Agravo regim ental não provido". (STJ, 5a Turma, A g R g no REsp 1241961/PR, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 27/11 /2012, DJe 03/12/2012).

Art. 387

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

14. Aplicação de medida de segurança: na hipótese de sentença absolutória imprópria, da qual resulta a aplicação de medida de segu­ rança, há de se ficar atento ao caso concreto. Explica-se: a) se o acusado foi submetido ao longo de toda a persecução penal à medida cautelar de internação provisória (CPP, art. 319, V II, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11), significa dizer que o juiz visualizou a presença defu m u s comissi delicti e periculum libertatis. Logo, por ocasião da sentença absolutória imprópria, deve ser mantida a imposição da referida medida. Todavia, se o magistrado constatar a superveniente cessação da periculosidade, é plenamente possível a revogação da medida, a fim de que o acusado aguarde em liberdade o trânsito em julgado da decisão, para, somente então, ser executada a medida de segurança; b) se, a despeito da constatação da inimputabilidade à época do fato delituoso, o acusado tiver permanecido

Art. 387.0

em liberdade durante o curso do processo, significa dizer que o juiz não vislumbrou a necessidade de imposição da medida cautelar de internação provisória. Logo, em regra, se o inimputável permaneceu solto durante o curso da persecução, deve permanecer solto, a não ser que surjam motivos que autorizem a imposição da medida cautelar de internação provisória. Portanto, não se pode falar em aplicação provisória de medida de segurança, restando prejudicado o disposto no art. 596, parágrafo único, do CPP, à luz da regra de tratamento que deriva do princípio da pre­ sunção de inocência. A medida de internação provisória a que se refere o art. 319, VII, do CPP, só poderá ser decretada se presentes o fum us comissi delicti e o periculum libertatis, jamais como efeito automático da sentença absolutória imprópria, e desde que o crime tenha sido praticado com violência ou grave ameaça e haja risco de reiteração.

juiz, ao proferir sentença condenatória:1-2

I - mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no Código Penal, e cuja existência reconhecer;3-4 II - mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;5 (Redação dada pela Lei n. 11.719/2008). III - aplicará as penas de acordo com essas conclusões;6-" (Redação dada pela Lei n. 11.719/2008). IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela in­ fração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;’2 (Redação dada pela Lei n. 11.719/2008). V - atenderá, quanto à aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança, ao disposto no Título XI deste Livro;13 VI - determinará se a sentença deverá ser publicada na íntegra ou em resumo e designará o jornal em que será feita a publicação (art. 73, § 1°, do Código Penal).14 § 1° O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta.15-17 (Incluído pela Lei n. 12.736/2012)

§2° O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado18 para fins de de­ terminação do regime inicial de pena privativa de liberdade.19-20 (Incluído pela Lei n. 12.736/2012)

TÍTULO XII •DA SENTENÇA

1. Sentença condenatória: é a decisão ju ­ dicial que atesta a responsabilidade criminal do acusado em virtude do reconhecimento categórico da prática da conduta típica, ilícita e culpável a ele imputada na peça acusatória (ou aditamento), impondo-lhe, em consequência, uma pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. Para tanto, há necessidade de um juízo de certeza acerca da existência da infração penal e da respectiva autoria e/ou participação, sendo inviável a prolação de um decreto condenatório com base em um mero juízo de possibilidade e/ou probabilidade, sob pena de violação à regra probatória que deriva do princípio da presunção de inocência. 2. Individualização da pena: tem assento constitucional entre nós (art. 5o, XLVI). Segun­ do Alberto Silva Franco ( Crimes hediondos. 4a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 163), tal princípio garante, em resumo, a todo cidadão, condenado num processo-crime, uma pena particularizada, pessoal, distinta e, portanto, inextensível a outro cidadão, em situação fática igual ou assemelhada. Trata-se, pois, de verdadeiro direito fundamental do ci­ dadão posicionado frente ao poder repressivo do Estado. Daí por que, nas palavras do autor, “não é possível, em face da ordem constitucio­ nal vigente, a cominação legal de pena, exata na sua quantidade, nem a aplicação ou execução de pena, sem intervenção judicial, para efeito de adaptá-la ao fato concreto, ao delinquente ou às vicissitudes de seu cumprimento”. Em sentido semelhante: NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 338. São três os momentos distintos em que se dá essa individualização: a) legislativa; b) judicial; c) executória. 2.1. Individualização legislativa: processo por meio do qual são selecionados os fatos puníveis e cominadas as sanções respectivas, estabelecendo seus limites e critérios de fixação da pena. Por violar o princípio da individua­ lização da pena em sua acepção legislativa, no julgamento do HC 97.256/RS (Rei. Min. Ayres Britto, j. 01/09/2010, DJe 247 15/12/2010), o Plenário do Supremo Tribunal Federal decla­

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337

rou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão vedada a conversão em penas restritivas de direitos, constante do §4° do art. 33, e do art. 44, ambos da Lei 11.343/2006. Sob o argumento de que a vedação, em abstrato, da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, é incom­ patível com o princípio da individualização da pena, por ser vedado ao legislador subtrair do juiz a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade no sentido de deter­ minar a espécie de pena suficiente para castigar e, ao mesmo tempo recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero, foi concedida a ordem em habeas corpus não para assegurar ao paciente a imediata substituição, mas pelo menos para remover o obstáculo da Lei n. 11.343/06, devolvendo ao juiz da causa a tarefa de aferir a presença das condições objetivas e subjetivas listadas no art. 44 do Código Penal. Por conta dessa decisão, o Senado Federal deliberou pela suspensão da execução da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos” do §4° do art. 33 da Lei n. 11.343/06, nos termos do art. 52, X, da Constituição Federal (Resolução n. 5, de 2012). 2.2. Individualização judicial: elaborada pelo juiz na sentença, é a atividade que con­ cretiza a individualização legislativa que cominou abstratamente as sanções penais. Por meio do procedimento de aplicação da pena a ser estudado mais adiante, é vedado que o julgador imponha uma sanção padronizada ou mecanizada, olvidando os aspectos únicos do delito cometido. Se é verdade que 0 legislador confere ao juiz certa discricionariedade por ocasião da individualização da pena na senten­ ça condenatória, também é verdade que todas as operações realizadas na dosimetria da pena devem ser devidamente fundamentadas, apon­ tando o magistrado como valorou cada uma das circunstâncias analisadas, desenvolvendo um raciocínio lógico e coerente que permita às partes e à própria sociedade entender os critérios utilizados nessa valoração, evitando-se, assim, quaisquer arbitrariedades. Antes da reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei n. 7.209/84, discutia-se na doutrina qual

Art. 387

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

seria o melhor sistema a ser adotado quanto à fixação da pena. De um lado, o critério de­ fendido por Roberto Lyra preconizava que a pena devia ser aplicada percorrendo-se apenas duas fases (sistema bifásico): num primeiro momento, seriam avaliadas as circunstâncias judiciais em conjunto com as agravantes e atenuantes; em seguida, as causas de aumento e de diminuição de pena seriam levadas em consideração. Nelson Hungria, por sua vez, advogava que 03 (três) deveriam ser as fases de aplicação da pena (sistema trifásico): primeiro, deveriam ser consideradas as circunstâncias judiciais, isoladamente; em seguida, agravantes e atenuantes; por último, causas de aumento e de diminuição de pena. Com o advento da Lei n. 7.209/84, o Código Penal passou a adotar expressamente o sistema proposto por Nelson Hungria. De fato, segundo o art. 68 do Código Penal, o cálculo da pena deve ser feito em três fases distintas: primeiro, deve ser encontrada a pena-base, analisando-se, para tanto, as cir­ cunstâncias judiciais do art. 59 do CP; segun­ do, com base nas circunstâncias atenuantes e agravantes, deve ser fixada a pena provisória; por fim, chega-se à pena definitiva, levando-se em consideração as causas de aumento e de diminuição de pena. Antes de passar à análise do sistema trifásico, incumbe ao magistrado estabelecer os limites abstratos com os quais irá trabalhar, ou seja, o mínimo e máximo a serem levados em consideração. Para tanto, deve analisar as elementares da conduta de­ lituosa imputada ao agente e, assim, fazer o juízo de subsunção para definir o tipo penal em que o acusado está incurso. Deve, ademais, analisar a presença de eventuais qualificadoras (v.g., CP, art. 155, §4°) ou privilégios (v.g., CP, art. 317, §2°), que podem acarretar a alteração dos limites mínimo e máximo. Se alternativa a pena (privativa de liberdade ou multa), deve escolher qual delas se ajusta ao caso concreto e ao acusado. Se cumulativa a pena (privati­ va de liberdade e multa), ambas deverão ser aplicadas. Na hipótese de incidência de mais de uma qualificadora, apesar de haver certa divergência, prevalece o entendimento de que uma delas deve ser utilizada para estabelecer o novo limite abstrato (o mínimo e o máximo da figura qualificada), ao passo que as demais

devem ser levadas em consideração como circunstâncias agravantes, quando previstas legalmente, ou como circunstância judicial, subsidiariamente. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) C o n so a n te

orientação sedim entada nessa

Corte Superior, havendo pluralidade de qualificadoras, é possível a utilização de um a delas para qualificar o delito e das outras com o circunstâncias negativas agravantes, q u a n d o previstas legalm ente, ou com o circunstância judicial, residualmente". (STJ, 5a Turma, HC 170.135/PE, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 14/06/2011, DJe 28/06/2011). N o m esm o contexto: STJ, 6a Turma, HC 202.035/SP, Rei. Min. O g Fernandes, j. 02/06/2011, DJe 15/06/2011.

2.2.1. Indivualização judicial, princípio da proporcionalidade e (im) possibilidade de alteração do q u a n t u m de pena pelo Poder Judiciário: não se admite que o juiz sentenciante altere o quantum de pena cominado a determinado delito a título de aplicação do princípio da isonomia (ou proporcionalidade). Também não é dado ao Poder Judiciário com­ binar previsões legais, criando uma terceira es­ pécie normativa, não prevista no ordenamento, sob pena de ofensa ao princípio da Separação de Poderes e da Reserva Legal. Afinal, não há pena sem prévia cominação legal. Recente­ mente, algumas decisões de tribunais estaduais vinham trabalhando com a possibilidade de modificação do quantum de pena pelo juiz em relação ao crime de furto qualificado, por entenderem que a duplicação da pena do cri­ me de furto na hipótese de presença de uma qualificadora (CP, art. 155, §4°) seria despro­ porcional quando confrontada com o crime de roubo, que se limita a autorizar o aumento da pena de 1/3 (um terço) a 1/2 (metade) - CP, art. 157, §2° - , notadamente porque há cir­ cunstâncias semelhantes em ambos os delitos (v.g., concurso de duas ou mais pessoas). Pe­ rante os Tribunais Superiores, todavia, acabou prevalecendo o entendimento de que é inviável a aplicação, por analogia, da majorante prevista para o roubo circunstanciado pelo concurso de agentes para o furto qualificado em razão da norma expressa do §4° do art. 155, já que a analogia, para o seu uso, pressupõe uma lacuna involuntária (Lei de Introdução às normas do

TÍTULO X II. DA SENTENÇA

Direito Brasileiro, art. 4o), ausente na hipótese. Nessa linha, de acordo com a súmula n. 442 do STJ, “é inadmissível aplicar no furto qua­ lificado pelo concurso de agentes a majorante do roubo”. Da mesma forma, sob o fundamento de aplicação do princípio da proporcionalida­ de, na hipótese em que tiver havido a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal contra vulnerável, não é possível ao magistrado desclassificar o delito para a forma tentada em razão de eventual menor gravidade da conduta. De fato, conforme o art. 217-A do CP, a prática de atos libidinosos diversos da conjunção car­ nal contra vulnerável constitui a consumação do delito de estupro de vulnerável. Nesse caso, revela-se inadmissível que o julgador, de forma manifestamente contrária à lei e utilizando-se dos princípios da razoabilidade e da propor­ cionalidade, reconheça a forma tentada do delito, em razão da alegada menor gravidade da conduta. Na verdade, ao aplicar a pena, deve o magistrado sopesar os fatos ante os limites mínimo e máximo da reprimenda penal abs­ tratamente prevista, o que já é suficiente para garantir que a pena aplicada seja proporcional à gravidade concreta do comportamento do cri­ minoso. Se, até bem pouco tempo atrás, havia enorme resistência dos Tribunais Superiores em se admitir que o Poder Judiciário pudesse alterar o quantum de pena cominado à deter­ minada infração penal, nota-se, recentemente, uma mudança de orientação jurisprudencial acerca da matéria, notadamente a partir de alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça. Prova disso é o quanto decidido por sua Corte Especial no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade no habeas corpus 239.363/ PR, onde se concluiu ser inconstitucional o preceito secundário do art. 273, § 1°-B, V, do CP (“reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa”), devendo-se considerar, no cálculo da reprimenda, a pena prevista no caput do art. 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), com possibilidade de incidência da causa de diminuição de pena do respectivo §4°.

Art. 387

relativas ao furto - que p o ssu e m natureza jurídica de elem entar d o tipo - não se con fu nd e m com as causas de aum ento de pena na hipótese de roubo. É defeso ao julgad or aplicar, por analogia, sanção sem previsão legal, ainda que para beneficiar o réu, ao ar­ gu m e n to de que o legislador deveria ter disciplinado a situação de outra forma. Ordem denegada". (STF, I a Turma, HC 95.351 /RS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 21/10/2008, DJe 211 06/11 /2008). C om entendim ento sem elhante: STF, 2a Turma, HC 92.628/RS, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 19/08/2008, DJe 241 18/12/2008.

S T J: "(...) A con su m ação d o delito de estupro de vulne­ rável (art. 217-A d o C ó d ig o Penal) se dá com a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Pre­ cedentes. N o caso, o recorrido deitou-se por cim a da vítima com o m em bro viril à mostra, ap ós retirar-lhe as calças, o que, de per si, configura ato libidinoso para a c o n su m a ção d o delito de estupro de vulnerável. Im possibilidade de desclassificação d o delito para sua form a tentada, com base no princípio da proporcionali­ dade, em decorrência da m enor gravidade da conduta, por ser contrário à norm a legal. O SuperiorTribunal de Justiça entende que é'inadm issível que o Julgador, de form a m anifestam ente contrária à lei e utilizando-se d o s princípios da razoabilidade e da proporcionalida­ de, reconheça a form a tentada do delito, em razão da alegada m enor gravidade da conduta'(REsp 1313369/ RS, Rei. M inistro O g Fernandes, 6T., DJe 5.8.2013). Reconhecida a contrariedade aos artigos 217-A e 14, II, a m b o s d o C ó d ig o Penal Brasileiro, bem assim à jurisprudência d o SuperiorTribunal de Justiça, dá-se provim ento ao recurso especial, para restabelecer a sentença condenatória de primeiro grau em relação ao recorrido". (STJ, 6a Turma, REsp 1.353.575/PR, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 5/12/2013).

S T J : "(...) A intervenção estatal por m eio d o Direito Penal deve ser sem pre guiad a pelo princípio da pro­ porcionalidade, incu m bin do tam bé m ao legislador o dever de observar esse princípio c o m o proibição de excesso e com o proibição de proteção insuficiente. É viável a fiscalização judicial da constitucionalidade dessa atividade legislativa, exam inando, com o diz o M inistro Gilm ar M endes, se o legislador considerou suficientemente os fatos e pro gn ose s e se utilizou de sua m argem de ação de form a ad equ ada para a pro­ teção suficiente d o s bens jurídicos fundam entais. Em atenção ao princípio constitucional da proporcionali­ dade e razoabilidade das leis restritivas de direitos (CF, art. 5o, LIV), é im prescindível a atuação d o Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena com inada à conduta inscrita no art. 273, § 1°-B, d o C ó d ig o Penal. O crim e de ter em depósito, para venda, p ro du to destinado a fins terapêuticos ou m edicinais de proce­ dência ignorada é de perigo abstrato e independe da

♦ Jurisprudência selecionada:

prova da ocorrência de efetivo risco para q uem quer q u e seja. E a indispe n sab ilidad e d o d a n o concreto

ST F : "(...) N ão é possível aplicar-se a majorante d o crime

à saúde d o pretenso usuário d o p roduto evidencia

de roubo ao furto qualificado, pois as qualificadoras

ainda m ais a falta de harm onia entre o delito e a pena

Art. 387

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

abstratam ente com inada (de 10 a 15 an os de reclusão) se com parado, por exemplo, com o crime de tráfico ilícito de d ro ga s - notoriam ente m ais grave e cujo bem jurídico tam bé m é a saúde pública. A ausência de relevância penal da conduta, a desproporção da pena em ponderação com o da n o ou perigo de dano à saúde pública decorrente da ação e a inexistência de consequência calam itosa d o agir convergem para que se conclua pela falta de razoabilidade da pena prevista na lei. A restrição da liberdade individual não pode ser excessiva, m as com patível e proporcional à ofensa causada pelo com portam en to h u m an o crimi­ noso. Arguição acolhida para declarar inconstitucional o preceito secundário da norma". (STJ, Corte Especial, Al no HC 239.363/PR, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26/02/2015, DJe 10/04/2015).

2.3. Individualização executória: ocorre durante o cumprimento da sanção penal, ob­ jetivando a ressocialização do sentenciado. Considerando que o juiz da execução também precisa dispor de instrumentos para buscar a individualização do cumprimento da repri­ menda imposta ao condenado, no julgamento do HC 82.959/SP (Rei. Min. Marco Aurélio, j. 23/02/2006, DJ 01/09/2006), o Supremo Tri­ bunal Federal declarou a inconstitucionalidade da redação original do art. 2o, §1°, da Lei n. 8.072/90, que determinava que o condenado por crime hediondo devia cumprir sua pena em regime integralmente fechado. Na visão da Corte, a progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressociali­ zação do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. Daí por que não se pode privar o preso, em abstrato, do direito à progressão. Posteriormente, a Lei n. 11.464/07 conferiu nova redação à Lei n. 8.072/90, que passou a prever que a pena deve ser cumprida inicialmente em regime fechado, devendo a progressão em crimes hediondos se dar após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quin­ tos), se reincidente. Na sequência foi editada a súmula vinculante n. 26: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2o da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do

benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”. 3. Fixação da pena-base: a fim de se esta­ belecer a pena-base, que não pode ser fixada aquém do mínimo ou além do máximo previs­ to pelo tipo penal incriminador, são levadas em consideração todas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, as quais devem ser investigadas pelo juiz durante o curso da instrução probatória e, posteriormen­ te, individualizadas e valoradas, na sentença. É por esse motivo, aliás, que o próprio CPP prevê que o interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos (art. 187, caput). Tendo em conta que todas as circunstâncias judiciais, em conjunto ou isoladamente consideradas, podem ser fa­ voráveis ou desfavoráveis ao acusado, impõe-se ao magistrado uma análise individualizada de cada uma delas, sendo insuficiente, portanto, considerações genéricas e superficiais. De todo modo, convém destacar que, na visão da jurisprudência majoritária, eventual deficiên­ cia na fundamentação da fixação da pena não acarreta a nulidade da decisão se aquela for fixada no mínimo legal, o que, no entanto, não impede a interposição de apelação pela acu­ sação, objetivando a majoração da pena. Essa admissibilidade de aplicação da pena mínima sem fundamentação dá origem à chamada po­ lítica da pena mínima, assim compreendido o costume judiciário reiterado no Brasil de se fixar a pena-base sempre no menor patamar possível como consequência da ausência de análise individualizada e fundamentada das circunstâncias judiciais. Na hipótese de todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP serem favoráveis ao acusado, a pena-base deve ser fixada no mínimo previsto no preceito secundário. Caso alguma circunstância seja desfavorável, deve afastar-se do mínimo; se, todavia, o conjunto for desfavorável, a pena pode se aproximar do chamado termo médio, representado pela média da soma dos dois ex­ tremos, quais sejam, limites mínimo e máximo. Na prática, como destaca Bitencourt (Tratado de direito penal. Parte Geral. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 675), o cálculo tem início a

TÍTULO X II- D A SENTENÇA

partir do limite mínimo e só excepcionalmen­ te, quando o conjunto das circunstâncias do art. 59 revelar especial gravidade, se justifica a fixação da pena-base distanciada do mínimo legal. As circunstâncias judiciais do art. 59 do CP são de fundamental importância para a fi­ xação da pena-base, porém não se pode olvidar que há outras funções igualmente importantes por elas desempenhadas: 1) Em tipos penais com previsão alternativa de pena privativa de liberdade e multa, as circunstâncias judiciais interferem na escolha da sanção a ser imposta (prisão ou multa); 2) Na fixação da multa, o juiz deve fixar o número de dias-multa (de 10 a 360) de acordo com as circunstâncias judi­ ciais do art. 59 do CP; 3) A escolha do regime penitenciário fechado, semiaberto ou aberto, também leva em consideração as circunstân­ cias judiciais, além de outros critérios, como a espécie e a quantidade da pena e eventu­ al reincidência (CP, art. 33, §3°); 4) Possível substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (CP, art. 44, III); 5) Possível cabimento da suspensão condicional da pena (CP, art. 77, II). 3.1. Culpabilidade: deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade do compor­ tamento do agente, apontando a maior ou menor censurabilidade da conduta delituosa. A circunstância judicial “culpabilidade”, disposta no art. 59 do CP, atende ao critério constitu­ cional da individualização da pena. Para o Supremo, a análise judicial das circunstâncias pessoais do réu é indispensável para fins de adequação temporal da pena, em especial nos crimes perpetrados em concurso de pessoas, nos quais se exige que cada um responda na medida de sua culpabilidade (CP, art. 29). Quando cotejada com as demais circunstâncias descritas no art. 59 do CP, o dimensionamento da culpabilidade revelaria ao magistrado o grau de censura pessoal do réu na prática do ato delitivo, representando verdadeira lim i­ tação da discricionariedade judicial na tarefa individualizadora da pena-base. ♦

Jurisprudência selecionada:

,

Art. 387

dualização da pena, ch egan do à definição da m aior ou m enor participação d o agente. (...)". (STF, Pleno, H C 105.674/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 17/10/2013).

STJ:"(...) Vale com o circunstância judicial desfavorável, a ensejar m aior grau de reprovabilidade da conduta, o fato de o crime de corrupção passiva ter sido praticado por Promotor de Justiça, em ato diretamente vinculado às suas específicas atribuições (prom essa de que pedi­ ría arquivamento de inquéritos policiais que apurariam hom icídios), as q u ais são distintas e incom uns, se equiparadas aos dem ais servidores públicos lato sensu. Assim, o fundam ento considerado pelo Tribunal de ori­ ge m para justificar o desvalor da culpabilidade não se confunde com os elem entos inerentes ao próprio tipo penal, devendo, portanto, ser m antida a majoração da pena-base. (...) Recurso especial parcialmente provido, tão som ente para afastar a determ inação de perda de cargo exarada no acórdão recorrido". (STJ, 5a Turma, REsp 1.251.621/AM , Rei. Min. LauritaVaz,j. 16/10/2014).

3.2. Antecedentes: consultar comentários à súmula n. 444 do STJ (“É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena base”). 3.3. Conduta social: diz respeito ao com ­ portamento do agente no meio em que vive, abrangendo sua conduta no ambiente de tra­ balho, nos momentos de lazer, no âmbito de seu lar, etc. Para os tribunais superiores, o fato de o acusado ser usuário de drogas não pode ser considerado como má-conduta social para o aumento da pena-base. Esses antecedentes sociais não se confundem com os antecedentes criminais do acusado. Logo, não se admite a valoração da conduta social com elementos próprios e típicos dos maus antecedentes e da reincidência. + Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) A

dependência toxicológica é, na verdade,

um infortúnio, não podendo, por isso m esmo, ensejar a exasperação da pena-base a título de má conduta social. (...)". (STJ, 6a Turma, HC 201.453/DF, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 02/02/2012, DJe 21/03/2012).

STJ:"(...) N ão

p od em as instâncias ordinárias valorar

negativam ente a culpabilidade, a personalidade e a conduta social tendo com o fundam ento condenações por fatos posteriores ao crime em julgam e nto e, com isso, agravar a pena-base d o paciente. Precedentes. Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício, para

STF:"(...) A tom ada da culpabilidade com o circunstân­

afastar d o cálculo da pen a-b ase a culpabilidade, a personalidade e a conduta social, redim ensionando-

cia judicial atende ao critério constitucional da indivi­

-se a pena para 14 an os de reclusão, em regim e inicial

Art. 387

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

fechado, m antido, no mais, o acórdão im pugnado".

cidência. Precedentes. Q u an to à valoração negativa

(STJ, 6aTurma, H C 189.385/RS, Rei. Min. Sebastião Reis

das consequências d o delito, o M agistrado de primeira

Júnior, j. 20/2/2014).

instância alicerçou-se no fato de que o Paciente ceifou

STF: "(...)

A circu n stância jud icial c o n d u ta social,

a vida de um do s m em bros com ponentes d o núcleo

prevista no art. 59 d o C ó d ig o Penal, com preende o

familiar e que o fato abala a tranquilidade da socie­

com portam en to d o agente no m eio familiar, no am ­

dade. Esses fundam entos não justificam o aum ento

biente de trabalho e no relacionam ento com outros

ocorrido, pois o primeiro diz respeito ao próprio tipo

indivíduos. Vale dizer, o s antecedentes sociais d o réu

penal e o se gu n d o é genérico. Por outro lado, é m otivo

não se confundem com os seus antecedentes crimi­

válido para ensejar a m ajoração da pena-base a confi­

nais. São vetores diversos, com regram entos próprios. Doutrina e jurisprudência. Assim, revela-se inidônea a

guração de m aus antecedentes. Impõe-se, dessa feita,

invocação de condenações anteriores transitadas em

entretanto, ainda assim deve ficar um pou co acima do

a redução da pena na primeira fase da dosimetria, que,

ju lgad o para considerara conduta social desfavorável,

m ínim o legal. Ordem de habeas corpus parcialmente

sobretudo se verificado que as ocorrências criminais

concedida, com o fim de reduzir a pena para 8 (oito)

foram utilizadas para exasperar a sanção em outros

anos, 01 (hum) m ês e 15 (quinze) dias de reclusão, em

m om e ntos da dosimetria. Recurso ordinário em habe-

regime inicial fechado, m antidas as dem ais disposições

as corpus provido". (STF, 2aTurma, R H C 130.132/MS, Rei. Min.Teori Zavascki, j. 10/05/2016, DJe 106 23/05/2016).

da sentença penal condenatória". (STJ, 5a Turma, HC

3.4. Personalidade: funciona como a síntese das qualidades morais e sociais do indivíduo. Nesta circunstância, incumbe ao juiz aferir a boa (ou má) índole do acusado, sua maior ou menor sensibilidade ético-social, a presença ou não de eventuais desvios de caráter, de modo a se verificar se o crime constitui (ou não) um episódio acidental em sua vida. A despeito de haver certa controvérsia, prevalece o entendi­ mento de que atos infracionais praticados pelo acusado durante a menoridade podem servir para a análise da personalidade do agente, raciocínio este que também se aplica a even­ tuais infrações penais por ele cometidas após o crime objeto do processo sob julgamento. Havendo registros criminais já considerados na primeira e na segunda fase de fixação da pena (maus antecedentes e reincidência), essas mesmas condenações não podem ser valoradas para concluir que o agente possui persona­ lidade voltada à criminalidade, sob pena de indevido bis in idem. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...) A

pena-base fixada acim a d o m ínim o legal

em face do s m au s antecedentes, da personalidade e das consequências d o delito com etido. Correção que se im põe quanto à personalidade e consequências do crime. A personalidade do Paciente foi negativam ente valorada, com o voltada para a prática delitos, o que configura ilegal bis in idem. Isso porque já havia sido con sign ado anteriormente que as duas condenações existentes seriam devidam e nte consideradas, um a com o antecedentes criminais e a outra a título de rein­

165.089/DF, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 16/10/2012).

3.5. M otivos do crime: são os antecedentes psicológicos da conduta delituosa, ou seja, a soma dos fatores que levaram o agente à prá­ tica delituosa. Um delito pode ser cometido por um motivo fútil (v.g., briga de trânsito) ou nobre (v.g., ameaçar um traficante para que ele não pratique crimes em determinada praça). Quanto a essa circunstância, há de se dispensar especial atenção à possível previsão desse motivo como circunstância agravante ou atenuante genérica (p. ex., motivo torpe, futil, relevante valor social ou moral), ou até mesmo como causas de aumento, diminuição, privilégios ou qualificadoras (v.g., CP, art. 121, §1°), hipótese em que não poderá ser levada em consideração na fase de fixação da pena-base, sob pena de inaceitável bis in idem. 3.6. Circunstâncias do crime: diz respeito ao meio ou modo de execução do delito. Devem ser levados em consideração dados acidentais relevantes, tais como o lugar da infração, o instrumento utilizado pelo agente, eventu­ al brutalidade, duração da fase executiva do delito, etc. Novamente, há de se ter cautela para evitar um possível bis in idem. Afinal, há certas circunstâncias do crime que são alçadas à categoria de agravantes, atenuantes, causas de aumento, diminuição, privilégios ou qualificadoras. A título de exemplo, por força do disposto no art. 121, §2°, III, do CP, o emprego de fogo qualifica o crime de homicídio, daí por que incide na fase preliminar da aplicação da

T ITU LO X II -D A SEN TEN Ç A

pena (fixação dos limites abstratos), e não por ocasião da fixação da pena-base. 3.7. Consequências do crime: consiste na intensidade de lesão ou no nível de ameaça ao bem jurídico tutelado, abrangendo, ademais, os reflexos do delito em relação a terceiros, não apenas no tocante à vitima. Essa circunstância judicial não se confunde com as consequências naturais tipificadoras do delito praticado. Por­ tanto, não se pode sopesar como circunstância judicial desfavorável ao acusado o fato de ter havido a morte de uma pessoa em um crime de homicídio consumado, já que a morte da vítima é resultado inerente à consumação desse crime. Agora, se demonstrado que a vítima era arrimo de família, tendo deixado desamparados 02 (dois) filhos menores, sendo a mãe desprovida de qualificação profissional, é evidente que as consequências do crime devem ser sopesadas em detrimento do acusado. O exaurimento, que consiste no cometimento de nova conduta após a consumação do delito, provocando nova agressão ao bem jurídico tutelado, por causar consequências mais gravosas ao fato, também autoriza um aumento da pena-base, a não ser que haja disposição expressa em sentido con­ trário, como ocorre, por exemplo, no crime de corrupção passiva, em que o exaurimento é uma causa de aumento de pena (CP, art. 317, §1°).

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nante para desencadear a prática delituosa. Caso isso ocorra, essa circunstância deve ser apreciada para fixar uma reprimenda mais branda ao acusado. No entanto, se esse com­ portamento da vítima for alçado à categoria de eventual circunstância atenuante ou causa de diminuição de pena, não pode ser levado em consideração na fixação da pena-base, sob pena de bis in idem (p. ex., sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima - art. 121, §1°, do CP). Por fim, o fato de a vítima não ter contribuído para o delito é circunstância judicial neutra e não implica o aumento da sanção. Nesse sen­ tido: STJ, 6a Turma, HC 217.819/BA, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 21/11/2013. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

A jurisprudência d o Superior Tribunal de

Justiça é firme tam b é m no sentido de que o c o m ­ p orta m e n to da vítim a é um a circunstância neutra ou favorável q u an d o da fixação da primeira fase da dosim etria da condenação (HC 245.665/AL, Rei. M i­ nistro M O U R A RIBEIRO, QUIN TA TURM A, ju lgad o em 17/12/2013, DJe 03/02/2014). A experiência sexual anterior e a eventual hom ossexualidade do ofendido, assim com o não desnaturam o crime sexual praticado, com violência presumida, contra m enor de 14 anos, não servem para justificar a dim inuição da pena-base, à título de com portam ento da vítima. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença condenatória". (STJ, 6aTurma, REsp 897.734/PR, Rei. Min. Nefi Cordeiro,



Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A

circunstância judicial - mal causado pelo

tóxico - valorada negativam ente pelo juízo sentenciante é ínsita à conduta delituosa, incorporada ao próprio tipo penal, não podendo, pois, ser utilizada c o m o elem ento hábil a proporcionar a majoração da reprimenda, sob pena de indesejado bis in idem. No caso sob exame, o intuito de obter lucro fácil tam bém está contido na conduta de comercializar a droga, de m o d o que não cabe invocá-lo para o fim de majorar a pena-base, ante a p o ssib ilid ad e de, novam ente, incorrer-se em bis in idem. O rdem concedida apenas para determ inar a realização de nova dosim etria da pena". (STF, 2aTurma, HC 107.532/SC, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 08/05/2012).

3.8. Comportamento da vítima: apesar de não justificar a prática delituosa, nem isentar o acusado de pena, o comportamento da vítima pode servir como fator criminógeno determi­

j. 03/02/2015, DJe 13/02/2015).

4. Fixação da pena provisória: superada a análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, e uma vez fixada a pena-base, deverá o magistrado partir para a valoração das cir­ cunstâncias atenuantes e agravantes presentes no caso concreto. De modo a se evitar que uma mesma circunstância seja valorada duas vezes (ne bis in idem penal), é certo que uma agravante ou atenuante deve deixar de ser aplicada na hipótese de constituir o crime ou figurar como elementar, qualificadora, privi­ légio, causa de aumento ou de diminuição de pena. Por isso, não se aplica a circunstância agravante do art. 61, II, “h”, do CP (crime co­ metido contra criança) ao crime de homicídio praticado contra menor de 14 anos, já que tal circunstância figura como causa de aumento

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

de pena desse delito (CP, art. 121, §4°, infine). As circunstâncias agravantes estão listadas em um rol taxativo (numerus clausus), constante dos arts. 61, 62, 63 e 64 do Código Penal. As atenuantes, por outro lado, estão listadas em um rol exemplificativo no art. 65 do CP. Isso porque o art. 66 do CP admite que a pena possa ser atenuada em razão de circunstân­ cia relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. O Código Penal não estabelece em abstrato a quantidade de aumento ou de diminuição na hipótese de incidência de agravantes e atenu­ antes, deixando esse quantum ao prudente arbítrio do magistrado. Não obstante, é domi­ nante a posição no sentido de que a variação provocada por essas circunstâncias deve girar em torno de 1/6 (um sexto) da pena-base, que é o quantum previsto como limite mínimo das majorantes e minorantes nas demais disposi­ ções do Código Penal. A base de cálculo para a incidência das agravantes e das atenuantes será, sempre, a pena-base. É sobre ela que incide cada agravante ou atenuante. Havendo duas agravantes, por exemplo, cada uma delas será calculada sobre a pena fixada na primeira fase, jamais podendo fazer incidir uma agra­ vante sobre a pena já alterada pela incidência de agravante anterior. Nesse ponto, a fixação da pena é distinta em relação à terceira fase, em que a base da incidência será o resultado do cálculo anterior, incidindo cada aumento ou diminuição sobre a última operação. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Em bora a lei não preveja percentuais m ínim o e m áxim o de m ajoração da pena pela reincidência, a jurisprudência desta Corte tem-se inclinado no sentido de que o increm ento da pena em fração superior a 1/6, pela aplicação dessa agravante, deve ser devida e concretam ente fundam entada, o que não se verifica na hipótese do s autos. O rdem concedida para afastar a agravante da reincidência em relação ao delito de estupro consum ado e, quanto ao crime de estupro ten­ tado, diminuir a exasperação da pena pela reincidência à fração de 1/6, tornando a reprim enda d o paciente definitiva em 14 anos, 2 m eses e 20 dias de reclusão".

(STJ, 6aTurma, HC 200.900/RJ, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 27/09/2012). 4.1. Incidência de agravantes (ou atenu­ antes) e (im) possibilidade de aum ento

(ou redução) da pena além (ou aquém) do máxim o (ou do mínimo) legal: a despeito de haver certa controvérsia na doutrina, pre­ valece o entendimento de que a incidência de circunstâncias atenuantes não pode acarretar a redução da pena a patamar inferior ao mínimo cominado em abstrato pelo tipo penal. É nesse sentido, aliás, o teor da súmula n. 231 do STJ: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Tal raciocínio também se aplica às agravantes, que também não autorizam o aumento da pena além do patamar máximo fixado no preceito secundário. Por esse mo­ tivo, apesar de o art. 68 do CP indicar que as atenuantes devem ser examinadas antes das agravantes, prepondera o entendimento no sentido de ser mais adequada a apreciação, inicialmente, das agravantes, elevando-se a pena-base, e, na sequência, das atenuantes, reduzindo-a. 4.2. Ponderação entre agravantes e ate­ nuantes: nesse caso, é possível que o magis­ trado se depare com as seguintes situações, bem delineadas por André Estefam (Direito penal, volume 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 362): a) não há atenuantes ou agra­ vantes no caso concreto: deve a pena base ser mantida no patamar em que se encontrava, ou seja, a pena provisória ficará no mesmo valor da pena-base; b) só há atenuantes: a pena pro­ visória deve ser reduzida, adotando-se como limite o mínimo legal previsto no preceito secundário, nos termos da súmula n. 231 do STJ. Há quem entenda que deve ser adota­ do um montante previamente determinado para cada circunstância atenuante: assim, havendo somente uma, reduz-se a pena-base em 1/6 (um sexto); duas atenuantes, em 1/3 (um terço), e, assim, sucessivamente, sem ­ pre se respeitando o mínimo legal; c) só há circunstâncias agravantes: a pena provisória deve, obrigatoriamente, ser imposta em va­ lor superior ao da pena-base, geralmente utilizando-se o quantum acima referido - 1/6 (um sexto) - , respeitado o limite máximo fixado no preceito secundário; d) existem agravantes e atenuantes (p. ex„ acusado m e­ nor de 21 anos à época do fato delituoso, o

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

qual foi cometido contra ascendente): nesse caso, por meio de uma ponderação qualitativa, deve se avaliar qual é a circunstância que deve preponderar. Segundo o art. 67 do CP, “no concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência”. Em contraposição à ponderação qualitativa, há quem entenda que deve ser utilizado um critério de ponderação quantitativa, no qual uma atenuante compen­ sa uma agravante; assim, verificam-se quais fatores estão em maior quantidade, fixando-se, enfim, o valor da pena provisória. 4.3. Circunstâncias preponderantes: é do­ minante o entendimento de que a menoridade relativa (acusado menor de 21 anos à época do crime) deve ser a circunstância que merece a maior importância. Até bem pouco tempo atrás, entendia-se que a menoridade era segui­ da da reincidência, e, depois, das circunstâncias agravantes e atenuantes subjetivas e, por fim, das objetivas. A escala de preponderância, inclusive em relação às hipóteses previstas no artigo 67 do Código Penal, podia ser sin­ tetizada da seguinte forma: I o - menoridade (personalidade do agente); 2o - reincidência; 3o - confissão (personalidade do agente); e 4o motivos determinantes. Recentemente, porém, em julgamento paradigmático (STF, 2a Turma, HC 101.909/MG, Rei. Min. Ayres Britto, j. 28/02/2012), a 2a Turma do Supremo passou a entender que a assunção da responsabilidade pelo fato delituoso - confissão espontânea - por aquele que tem a seu favor o direito a não se autoincriminar revela a consciência do descumprimento de uma norma social, não po­ dendo, pois, ser dissociada da noção de perso­ nalidade. Por esse motivo, entendeu-se possível a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea. Em conclusão, convém lembrar que, aos olhos da 3a Seção do STJ (EREsp 1.416.247/GO, Rei. Min. Ribeiro Dantas, j. 22/06/2016, DJe 28/06/2016), a confissão, mesmo que qualificada, dá ensejo à incidência da atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do CP, quando utilizada para corroborar o

j

Art. 387

acervo probatório e fundamentar a condena­ ção. + Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

É possível, na se gu n d a fase d o cálculo da pena, a com p en sação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualm ente preponderantes, de acordo com o art. 67 d o C ó d ig o Penal. (...)". (STJ, 3a Seção, EREsp 1.154.752/ RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 23/05/2012). Na m esm a linha: STJ, 3a Seção, REsp 1.341.370/MT, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 10/04/2013. A o s olhos da 6a Turm a d o STJ, a confissão realizada em juízo, desde que espontânea, é suficiente para fazer incidir a atenuante prevista no art. 65, III, "d", d o CP, q u an do expressam ente utilizada para a form ação d o conven­ cim ento d o julgador. Por isso, o fato de as dem ais provas constantes d o s autos serem suficientes para a con de n ação d o acusado, a despeito da confissão espontânea, não autoriza a exclusão dessa atenuante, se ela efetivam ente ocorreu e foi u sada na fo rm a­ ção d o convencim ento d o m agistrado. STJ, 6a Turma, REsp 1.183.157/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 16/10/2012. É nesse sentido a súm ula n. 545 d o STJ: "Q u an d o a confissão for utilizada para a form ação do convencim ento d o julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do C ó d ig o Penal".

STJ:"(...) TRÁFICO

D E ENTORPECENTES. D O SIM ET R IA D A PENA. C O M P E N SA Ç Ã O D A AGRAVANTE DE EXECU­ TAR O C R IM E M E D IA N T E PAGA C O M A ATENUANTE D A C O N F ISS Ã O ESPONTÂNEA. PO SSIBILIDADE. C IR C U N S­ TÂN CIA S IG U ALM ENTE PREPONDERANTES. (...) A col. Terceira Seção deste eg. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgam e nto do Recurso Especial Repe­ titivo n° 1.341.370/MT (Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 17/4/2013), firm ou entendim ento se gu n d o o qual'é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a com p en sação da atenuante da confissão espontâ­ nea com a agravante da reincidência', entendim ento este q u e deve ser e ste n d id o à presente hipótese, p ois cuida-se de com p en sação entre circunstâncias igualm ente preponderantes, n os term os d o art. 67, d o C ó d ig o Penal, quais sejam, m otivos determ inantes d o crime (mediante paga) e personalidade do agente (confissão espontânea). (...) H abeas corpus não c o ­ nhecido. O rdem concedida de ofício". (STJ, 5a Turma, HC 318.594/SP, Rei. Min. Felix Fischer, j. 16/02/2016, DJe 24/02/2016).

4.4. (In) constitucionalidade da reincidên­ cia: em recente julgado (RE 453.000/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 04/04/2013), o Plenário do Supremo concluiu ser constitucional a apli­ cação da reincidência não só como agravante da pena (CP, art. 61, inciso I), mas também como fator impeditivo para a concessão de

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CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

diversos benefícios, sem que se possa objetar a configuração de bis in idem. Na visão da Corte, a reincidência não contraria a individualização da pena. Ao contrário, leva-se em conta, justa­ mente, o perfil do condenado, ao distingui-lo daqueles que cometem a primeira infração penal. Sua aplicação não significa duplicidade, porquanto não alcança delito pretérito, mas novo ilícito, que ocorre sem que ultrapassado o interregno do art. 64 do CP. Reputou-se ra­ zoável o fator de discriminação, considerado o perfil do réu, merecedor de maior repreensão porque voltara a delinquir a despeito da con­ denação havida, que deveria ter sido tomada como advertência no que tange à necessidade de adoção de postura própria ao homem médio. 4.5. Reconhecimento exofficio de circuns­ tâncias agravantes nos crimes de ação pe­ nal pública: de modo a evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comen­ tários ao art. 385 do CPP. 5. Fixação da pena definitiva: na terceira e última fase do cálculo da pena, devem ser analisadas as causas de aumento (majorantes) e de diminuição de pena (minorantes), estabelecendo-se a pena definitiva. 5.1. Distinção entre majorantes (e m ino­ rantes) e qualificadoras (e privilégios): estes constituem verdadeiros tipos penais - tipos derivados - , com novos limites, mínimo e má­ ximo de pena, enquanto aquelas, como simples causas modificadoras da pena em quantidades fixas, apenas estabelecem a sua variação (v.g., aumento de um terço da pena no homicídio culposo se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima - CP, art. 121, §4°, I a parte). Além disso, as majorantes e minorantes devem ser levadas em consideração na terceira fase do cálculo da pena, enquanto as qualificadoras são analisadas no momento de fixação da pena-base, leia-se, na primeira fase. 5.2. Distinção entre as majorantes (e mi­ norantes) e agravantes (e atenuantes): a) enquanto as agravantes e atenuantes estão localizadas apenas na Parte Geral do CP, as majorantes e minorantes estão previstas tanto na Parte Geral (causas gerais) quanto na Es­

pecial (causas especiais); b) enquanto não há um quantum de aumento ou de diminuição expressamente previsto em lei para agravantes e atenuantes - no dia-a-dia, costuma-se utilizar o critério de 1/6 (um sexto) - , as majorantes e minorantes dispõem de critério de variação da pena fixados em abstrato pelo legislador, em quantidades fixas ou variáveis; c) a jurispru­ dência majoritária entende que a incidência de agravantes (ou atenuantes) não pode acarretar o aumento (ou a redução) da pena a patamar superior (ou inferior) ao limites cominados em abstrato pelo tipo penal, o que não acontece na hipótese de majorantes e minorantes, em que a pena pode ser fixada acima do máximo ou abaixo do mínimo abstratamente cominado ao delito. 5.3. Critérios a serem observados pelo juiz por ocasião da aplicação das causas de au­ mento e de diminuição de pena: 1) Inicial­ mente, incumbe ao magistrado verificar quais circunstâncias são de incidência obrigatória. De acordo com o art. 68, parágrafo único, do CP, no concurso de causas de aumento ou de diminuição de pena previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua. Como o dispositivo faz menção às majorantes e mino­ rantes previstas na parte especial, conclui-se que, se previstas na parte geral, sua incidência será obrigatória. Quanto àquelas previstas na parte especial, havendo apenas uma causa de aumento ou de diminuição, sua incidência também é obrigatória; havendo mais de uma causa da mesma natureza na parte especial, permite-se que o magistrado aplique todas ou somente uma delas, optando sempre pelo maior aumento ou pela maior redução; 2) Na sequência, quando mais de uma se fizer aplicá­ vel, deve o juiz verificar qual deve ser a primei­ ra a incidir na dosagem da pena: em primeiro lugar, deve ser aplicada a circunstância prevista na Parte Especial, seja qual for; depois, aquela contida na Parte Geral. Trata-se de aplicação do princípio da especialidade, aplicando-se primeiro a circunstância específica (v.g., CP, art. 121, §1°), diretamente ligada à tipificação do fato delituoso e, na sequência, aquela de

TITULO XII • DA SENTENÇA

cunho genérico (p. ex„ CP, art. 14, parágrafo único); 3) Por fim, recai sobre o juiz o dever de proceder à análise de como deve ser efetuado o cálculo da segunda (ou terceira) causa, na hipótese anterior, se por meio da incidência simples ou cumulada: há quem entenda que o juiz deve aplicar ambas as causas diretamente sobre a pena provisória (incidência simples). Prevalece, todavia, 0 entendimento de que o juiz deve calcular a primeira causa à luz da pena provisória; depois, sobre este quantum, faz incidir a próxima circunstância, e daí por diante, sucessivamente (incidência cumulada ou na forma de cascata), sendo que, primeiro, devem ser aplicadas as causas de aumento de pena. Afinal, somente o critério da incidência cumulada é capaz de evitar o absurdo de uma pena igual a zero ou até mesmo de uma sanção negativa. Especificamente em relação à m ajo­ ração da pena no crime de roubo, a súmula n. 443 do STJ dispõe que “o aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concre­ ta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes”. Em conclusão, há de se ficar atento ao possível aumento da pena em virtude do concurso for­ mal, do crime continuado, do erro na execução e do resultado diverso do pretendido (CP, arts. 70, 71, 73 e 74). Apesar de estarem previstos na parte geral do CP, somente são aplicáveis ao final de todas as operações, uma vez reco­ nhecido o concurso formal ou a continuidade delitiva, etc. Na hipótese de concurso material ou concurso formal impróprio, as penas refe­ rentes a cada delito devem ser somadas. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Aplica-se o concurso form al im próprio entre os delitos de latrocínio (artigo 70, parte final, do C ód igo Penal), pois ocorreram dois resultados morte, ainda que apenas um a subtração patrim onial tenha sido efetivada. Na hipótese em exame, restou com provado

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as condutas d o s Recorrentes se revestem de especial reprovabilidade e extrapolam consideravelm ente as normais à espécie. (...) Recurso conhecido parcialmente e, nessa extensão, desprovido". (STJ, 5a Turma, REsp 1.164.953/MT, Rei. Min. Laurita Vaz,j. 27/03/2012, DJe 03/04/2012).

STF:"(...) A

exasperação das penas-base está satisfa­

toriam ente justificada na sentença condenatória, que considerou desfavoráveis os antecedentes criminais e a personalidade d o agente. O acórdão ora atacado está em perfeita consonância com o entendimento firm ado pelas duasTurm as desta Corte, no sentido de q u e'n ão basta que haja similitude entre as condições objetivas (tempo, lugar, m o d o de execução e outras similares). É necessário que entre essas condições haja um a ligação, um liame, de tal m o d o a evidenciar-se, de plano, terem sido os crimes subsequentes continuação d o primeiro) sendo certo, ainda, que 'o entendim ento desta Corte é no sentido de que a reiteração crim inosa indicadora de delinquência habitual ou profissional é suficiente para descaracterizar o crime continuado'(RH C 93.144/ SP, Rei. Min. M enezes Direito). (...) A tentativa de roubo ocorrida na área externa d o sh o p p in g center con su bs­ tancia crime autônom o, praticado com o objetivo de assegurar a fu ga d o paciente e d o seu com parsa, não h av e n d o falar, portanto, em c on tin u id ad e delitiva entre esse e os roubos c o n su m a d o s no interior d a ­ quele estabelecim ento comercial. Esta Corte já firm ou o e nte nd im e n to de que a c o n d e n aç ão sim ultânea pelos crimes de roubo qualificado com e m p rego de arm a de fo g o (art. 157, § 2°, I, d o CP) e de form ação de quadrilha arm ada (art. 288, parágrafo único, do CP) não configura bis in idem, um a vez que não há n enhum a relação de dependência ou subordinação entre as referidas condutas delituosas e porque elas visam bens jurídicos diversos. Precedentes. O rdem denegada". (STF, 2a Turma, HC 113.413/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 16/10/2012).

STJ:"(...) Consoante a pacífica jurisprudência do SuperiorTribunal de Justiça, os crimes de roubo e extorsão, conquanto de m esm a natureza, por serem de espécies diversas, não possibilitam a aplicação da regra do crime continuado, ainda q u an d o praticados em conjunto. Precedentes. (...) H abeas corpus não conhecido. C o n ­ cedida a ordem de ofício para reduzir penas aplicadas ao crime de roubo a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) m eses de reclusão e 13 (treze) dias-multa". (STJ, 6aTurma, HC 77.467/SP, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 02/10/2014).

que os agentes não se voltaram apenas contra um pa­ trimônio, m as que, ao contrário, o s crimes resultaram de de sígn ios autônom os. (...) N o caso, a p en a-basefoi majorada em 06 m eses quanto ao crime de roubo cir­ cunstanciado e em 01 ano de reclusão para o delito de latrocínio. A despeito de algu m a s impropriedades, as circunstâncias judiciais foram detidam ente analisadas pelas instâncias ordinárias, para dem onstrar por que

5.4. L im ite das penas: o tempo de cumpri­ mento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos (CP, art. 75, caput). Na hipótese de o agente ser condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser uni­

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

ficadas para atender ao limite máximo acima referido. 6. Fixação do regime penitenciário: uma vez fixada a pena definitiva, o passo seguinte é estipular o regime inicial de cumprimento da sanção. Tal regime deve ser fixado mes­ mo que o juiz vislumbre a possibilidade de substituição da pena de prisão por restritiva de direitos. Afinal, na eventualidade de haver o descumprimento injustificado da restrição imposta, a restritiva poderá ser convertida em privativa de liberdade, daí por que o regime já deve ter sido fixado na própria sentença condenatória. O Código Penal (arts. 34 a 36) e a Lei de Execução Penal (arts. 110 a 119) estabelecem 03 (três) regimes de cumprimen­ to da pena privativa de liberdade: fechado, semi-aberto e aberto. Em se tratando de crime apenado com reclusão e sendo o acusado reincidente, cabem os regimes fechado (CP, art. 33) e semiaberto, quando a pena não for superior a quatro anos e forem favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, nos exatos termos da súmula n. 269 do STJ: “É admissível a adoção do regime prisional sem iaberto aos reincidentes condenado a pena igual ou inferior a quatro anos se favo­ ráveis as circunstâncias judiciais”. Não sendo reincidente, deverá o juiz observar o quantum de pena imposto e as circunstâncias judiciais. Em síntese, pode-se dizer que: a) se a pena for superior a 8 (oito) anos, o regime inicial será o fechado; se igual ou inferior a 8 (oito), mas superior a 4 (quatro), poderá o cumprimento da pena iniciar-se no regime semiaberto, caso as circunstâncias judiciais sejam favoráveis; se igual ou inferior a 4 (quatro) anos, regime aberto, desde que favoráveis as circunstâncias judiciais. Lado outro, na hipótese de crime punido com detenção, tratando-se de acusado reincidente, o cumprimento da pena deve se dar em regime inicial semiaberto, indepen­ dentemente da quantidade da pena. Se, em ­ bora não reincidente, tiver sido condenado a pena superior a quatro anos, o regime inicial também será o semiaberto. Se o acusado não for reincidente e receber pena não superior a 4 anos, fará jus ao regime inicial aberto, desde que favoráveis as circunstâncias judiciais.

Quanto à fixação do regime penitenciário, há de se ficar atento ao entendimento pretoriano. Segundo a súmula n. 718 do Supremo, “a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a im posição de regim e mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”. Por sua vez, nos exatos termos da súmula n. 719 do STF, “a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada perm itir exige motivação idônea”. Em sentido semelhante, eis o teor da súmula n. 440 do STJ: “Fixada a pena base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Em bora

dem onstrada concretam ente a im-

prescindibilidade de constrição cautelar, é antijurídico determ inar ao Paciente que aguarde o julgam e nto do recurso de apelação em regim e m ais gravoso, porque fixada a pena-base no m ínim o legal.Súm ulas 718 d o STF e 440 d o STJ. Writ não conhecido. Ordem de habeas corpus, porém, concedida de ofício para assegurar ao Paciente o direito de aguardar o julgam ento do recurso de apenação em regime semiaberto, aplicando-se, des­ de já, as respectivas regras". (STJ, 5aTurma, HC 218.617/ SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 02/10/2012).

STJ: "(...) A

circunstância de a arm a de fo g o ter sido

ap ontada contra o rosto da vítima caracteriza grave am eaça - elem ento ínsito ao crime de roubo -, con­ sequentem ente não pode ser utilizada com o fu n da­ m ento para agravar a situação d o réu, nem ao m enos para se fixar regime m ais severo do que aquele previsto no art. 33, § 2o, do C ó d ig o Penal. A gravo regimental improvido". (STJ, 6aTurma, A g R g no AR Esp 349.732/RJ, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 05/11 /2013).

STJ:"(...) A

estipulação d o regim e de cum p rim e nto

da pena não está atrelado, em caráter absoluto, à pena-base. O fato de esta ser colo cada no m ínim o legal não torna obrigatória a fixação de regim e m enos severo, desde que, por m eio de elem entos extraídos da con du ta delitiva, seja de m on strada a gravidade concreta d o crime, de form a a autorizar a im posição de regim e m ais rigoroso d o que aquele perm itido pelo q u an tu m da reprim enda (HC 262.939/SP, Rei. M inistro Se b astião Reis Júnior, Sexta Turma, ju lga d o em 8.4.2014, DJe 25.4.2014). H a b e a s c o rp u s n ão conhecido". (STJ, 5a Turma, H C 294.803/SP, Rei. Min. N e w to n Trisotto - D e se m b a rg a d o r c o n v o c a d o d o TJ-SC -, j. 18/9/2014).

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

6.1. (In) constitucionalidade do regime inicial fechado: especial atenção deve ser dispensada a algumas leis especiais, que, pelo menos até bem pouco tempo atrás, não davam escolha ao juiz, senão a estipulação do regime inicialmente fechado: a) art. I o, §7°, da Lei n. 9.455/97 (tortura); b) art. 2o, §1°, da Lei n. 8.072/90 (crimes hediondos e equiparados). O art. 10 da revogada Lei n. 9.034/95 também estabelecia a obrigatoriedade de fixação do regime inicial fechado para os condenados por crimes decorrentes de organização criminosa. Todavia, a nova Lei das Organizações Crimi­ nosas (Lei n. 12.850/13) não trouxe dispositivo legal semelhante. Isso porque, em recente ju l­ gado (HC 111.840/ES, Rei. Min. Dias Toffoli, 27/06/2012), o Plenário do Supremo declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do §1° do art. 2o da Lei n. 8.072/90, na parte em que contida a obrigatoriedade de fixação de regime fechado para início de cumprimento de reprimenda aos condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados. Para o Supremo, se a Constituição quisesse a fixação do regime inicial aberto com base no crime em abstrato, teria incluído a restrição no tó­ pico inscrito no art. 5o, XLIII, da CF, o que não ocorreu, já que referido preceito afasta somente a fiança, a graça e a anistia, para, no inciso XLVI, assegurar, de forma abrangente, a individualização da pena. Destarte, pelo menos em tese, deve ser admitido o início de cum­ primento de reprimenda em regime diverso do fechado a condenados que preencham os requisitos previstos no art. 33, § 2o, b; e § 3o, do CP. Assim como no caso da vedação legal à substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo delito de tráfico — já declarada inconstitucio­ nal pelo STF —, entendeu-se que a definição de regime deveria sempre ser analisada inde­ pendentemente da natureza da infração. A nosso juízo, se o Plenário do Supremo afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33 c/c art. 59, ambos do CP, é evidente que essa interpretação também deve ser aplicada ao crime de tortura, porquanto se trata de crime

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equiparado a hediondo, nos termos do art. 2o, caput e §1°, da Lei n. 8.072/90. -f Jurisprudência selecionada:

STF:"(...)

O Poder Público, especialm ente em sede

penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda m ais em tem a de liberdade individual, acha-se essencialm ente condicionada pelo princípio da razoabilidade, q u e traduz lim itação m aterial à ação norm ativa d o Poder Legislativo. A te n d id o s os requisitos de índole subjetiva e os de caráter objetivo previstos no art. 44 d o C ó d ig o Penal, torna-se viável a substituição, por pena restritiva de direitos, da pena privativa de liberdade im posta aos con de n ado s pela prática d o s delitos previstos nos arts. 33,"caput"e § 1°, e 34 a 37, tod os da Lei n° 11.343/2006. Possibilidade de o con de n ado pelo crime de tráfico privilegiado de entorpecentes (Lei n° 11.343/2006, art. 33, § 4o) iniciar o cum prim ento da pena em regim e m enos gravoso que o regim e fechado. Precedentes". (STF, 2a Turma, HC 111,844/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 24/04/2012). N o m esm o sentido: STF, 2a Turma, H C 112.195/SP, Rei. Min. Gilm ar M endes, j. 24/04/2012; STF, 2a Turma, HC 133.308/SP, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 29/03/2016.

STJ:"(...)

M atéria concernente à fixação d o regim e

a p lic ad o ao Recorrente, c o n d e n a d o p or tráfico in­ ternacional d e dro gas, à pena de 4 anos, 10 m eses e 10 dias de reclusão, reapreciada, te n d o em vista o acolhim e n to d o s e m b a rgo s de divergência determ i­ n an d o o afastam ento da o brigatorie d ade d o regim e fe ch a d o para os c o n d e n a d o s p or crim es h e d io n d o s e equiparados, m as sem alteração d o julgad o. Ain da q u e se obse rve o d isp o sto no art. 33, § § 2.° e 3.°, c.c. o art. 59, a m b o s d o C ó d ig o Penal, q u a n d o da fixação d o regim e de cu m p rim e n to da pena, fica m a n tid o o m ais gravoso, n o caso, te n d o em vista a existência d e circunstâncias desfavoráveis ao Re­ corrente. (...) Recurso especial desprovido". (STJ, 3a Seção, EREsp 1.285.631/SP, Rei. M in. Se b astiã o Reis Júnior, j. 24/10/2012).

STJ: "(...)

É flagrante o con stran gim e n to ilegal em

relação à fixação d o regim e inicial fechado com base no art. 1°, § 7.°, da Lei de Tortura. C om a declaração pelo Pretório Excelso da in co n stitu cio n alid a d e d o regim e integral fechado e d o § 1,° d o art. 2.° da Lei de Crim es H ediondos, com redação dada pela lei n.° 11.464/2007 - tam bé m aplicável ao crime de tortura -, o cum prim ento da pena passou a ser regido pelas d isp o siçõ e s gerais d o C ó d ig o Penal. Porém, c on si­ deradas desfavoráveis as circunstâncias judiciais d o caso concreto, cabível aplicar inicialmente o regim e prisional semiaberto, atendendo ao disp osto no art. 33, c.c. o art. 59, a m b o s d o C ó d ig o Penal. Writ não conhecido. O rdem de habeas corpus concedida, de ofício, apenas para fixar o regim e inicial semiaberto". 1067

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CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

(STJ, 5a Turma, HC 286.925/PR, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 13/05/2014, DJe 21/05/2014).

6.2. Detração na sentença condenatória para fins de determinação do regime ini­ cial de cum prim ento da pena privativa de liberdade: para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 387, §2°, do CPP. 6.3. (Im) p ossib ilid ad e de m anutenção de condenado em regime prisional mais gravoso na hipótese de falta de estabele­ cimento penal adequado: de modo a evi­ tarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários à súmula vinculante n. 56. 7. Substituição da pena privativa de li­ berdade por restritiva de direitos: uma vez firmado o regime penitenciário, deve o juiz verificar a possibilidade de substituição da pri­ são por penas restritivas de direito, nos termos do art. 44 do Código Penal. Tais penas estão listadas no art. 43 do CP: prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; interdi­ ção temporária de direitos; limitação de fim de semana. Essas penas restritivas de direito são autônomas e substituem as privativas de liber­ dade. Logo, não se pode admitir que alguém seja condenado a cumprir determinada pena privativa de liberdade e, simultaneamente, ao cumprimento de penas restritivas de direito. A propósito, eis o teor da Súmula n. 493 do STJ: “É inadmissível a fixação de pena substitutiva (art. 44 do CP) como condição especial ao regi­ me aberto”. Verificada a presença dos requisitos que autorizam a substituição da pena de prisão pela restritiva de direitos, deve o magistrado escolher a mais adequada, assim como fixar a quantidade de restritivas que serão aplica­ das no caso concreto. Caso a pena de prisão substituída não seja superior a um ano, o juiz poderá aplicar uma pena restritiva de direitos ou multa. Se a pena for superior a um ano, a lei faculta ao juiz substituí-la por duas penas restritivas de direitos ou uma pena restritiva de direito cumulada com multa (CP, art. 44, §2°). Na hipótese de não ser cabível a substituição

da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, deve o juiz analisar a possibilidade de concessão da suspensão condicional da pena, nos termos dos arts. 77 e 78 do Código Penal. O condenado não tem o direito de escolher entre a sanção alternativa e a pena privativa de liberdade. É dizer, preenchidos os requi­ sitos legais, impõe-se a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pouco importando eventual manifestação da vontade do condenado no sentido de que lhe seria mais vantajoso o cumprimento da pena de prisão no regime aberto. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) O art. 33, § 2o, alínea c, d o C ó d ig o Penal, dito violado, apenas estabelece que o con d e n ad o não reincidente, con d e n ad o à pena igual ou inferior a 4 anos poderá, desde o início, cum pri-la em regim e aberto. Referido dispositivo legal não traça qualquer direito subjetivo do condenado quanto à escolha entre a sanção alternativa e a pena privativa de liberdade, que é a tese sustentada no recurso. A reconversão da pena restritiva de direitos im posta na sentença con ­ denatória em pena privativa de liberdade depende d o advento d o s requisitos legais (descum prim ento das con dições im postas pelo juiz da condenação), não cabendo ao condenado, que sequer iniciou o cum prim ento da pena, escolher ou decidir a form a com o pretende cum prir a sanção, pleiteando aquela que lhe parece m ais côm od a ou conveniente. Recurso especial desprovido". (STJ, 5aTurma, REsp 1.524.484/PE, Rei. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 17/05/2016, DJe 25/05/2016).

7.1. Requisitos para a substituição no to­ cante aos crimes culposos: nesse caso, não há qualquer pressuposto específico, a não ser a verificação das circunstâncias judiciais. Ou seja, basta que o juiz constate que a culpabili­ dade, os antecedentes, a conduta social e a per­ sonalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias do fato indicam que a medida seja suficiente, pouco importando o quantum de pena cominado ao delito. A reincidência, por si só, não impede a aplicação do benefício no caso de crime culposo, já que tal circunstân­ cia somente figura como óbice à substituição se o agente for reincidente específico em crime doloso (CP, art. 44, II). Evidentemente, se o juiz concluir que a reincidência demonstra que a substituição poderá não se mostrar me­

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

dida suficiente, por revelar conduta social ou personalidade incompatível com o benefício, poderá denegar a substituição por restritiva de direitos. 7.2. Requisitos para a substituição no to­ cante aos crimes dolosos: 1) Pena não supe­ rior a 4 (quatro) anos: se o acusado for conde­ nado no mesmo processo por vários crimes, o parâmetro a ser utilizado é a pena total imposta na sentença, e não aquela aplicada a cada delito isoladamente. Na hipótese de concurso formal próprio ou crime continuado, o parâmetro também será a pena final, nos termos dos arts. 70 e 71 do CP, não sendo possível a aplicação da regra do art. 119 do CP, referendada pela sú­ mula n. 497 do Supremo, que se refere apenas ao cálculo da prescrição; 2) Crime cometido

sem o emprego de violência ou grave ame­ aça contra a pessoa (CP, art. 4 4 , 1, in f in e ): por força do art. 4 4 , 1, do CP, não se admite a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito quando o crime for cometido com violência, mesmo que a pena seja inferior a 4 anos e fixado o regime inicial aberto. Na visão dos tribunais, tratando-se de norma restritiva da liberdade, esse dispositivo deve ser interpretado restritivamente. Por isso, entende-se que a violência a que se refere o art. 4 4 ,1, do CP, é apenas a violência real, ou seja, o emprego de força física sobre o corpo da vítima como meio de execução do delito. Portanto, se acaso o crime de roubo do art. 157, caput, do CP, for cometido mediante o emprego de vio­ lência imprópria (redução da possibilidade de resistência da vítima por qualquer outro meio que não caracterize violência ou grave ameaça, tal como, por exemplo, amarrar alguém a um poste), tem sido admitida a substituição por restritiva, desde que preenchidos, obviamente, os demais requisitos. Com raciocínio seme­ lhante, Estefam (Direito penal, volume 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 322) adverte que, se uma pessoa cometer uma tentativa de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), poderá, em tese, ter sua pena de prisão substituída. Em relação aos crimes de lesão corporal dolosa leve (CP, art. 129, caput) e ameaça (CP, art. 147), que têm, como elementares, a violência real e a grave ameaça, prevalece o entendimento

3 3 7

de que, por conta do princípio da especia­ lidade, é possível a substituição da pena de prisão por restritiva de direitos. Afinal, tais crimes são considerados infrações de menor potencial ofensivo, submetendo-se aos insti­ tutos despenalizadores da Lei n. 9.099/95, que expressamente admite a aplicação de penas não privativas de liberdade (art. 62). Todavia, não se admite substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos no caso de condenação pelo crime de lesão corporal previsto no art. 129, §9°, do Código Penal, já que se trata de infração penal praticada com violência no âmbito familiar, sendo de todo irrelevante o fato de se tratar de violência doméstica com requintes de crueldade extre­ ma ou que se restrinja às vias de fato (tapas, empurrões, socos, etc.). Em outras palavras, o termo “violência” a que faz menção o art. 4 4 , 1, do CP, não comporta quantificação ou qualificação, abrangendo a violência praticada em maior ou menor grau de intensidade; 3)

Acusado não reincidente específico em crime doloso (ou preterdoloso): de acordo com o art. 44, II, do CP, para que seja possível a subs­ tituição, o acusado não pode ser reincidente em crime doloso. Perceba-se que não basta que o acusado seja reincidente. Há necessida­ de de que sua reincidência seja específica em relação a crime doloso, ou seja, tanto aquele objeto anterior da condenação, quanto o outro delito, posteriormente cometido, devem ser crimes dolosos ou preterdolosos. Mesmo em se tratando de reincidente específico em crime doloso (ou preterdoloso), o art. 44, §3°, do CP, autoriza a substituição, mas desde que o juiz verifique que a medida se mostra socialmente recomendável e que a reincidência não tenha ocorrido pela prática do mesmo tipo penal de crime doloso, ainda que a classificação jurídica não seja a mesma (v.g., furto simples, e, após o trânsito em julgado, furto qualificado); 4) Circunstâncias judiciais favoráveis: de acor­ do com o art. 44, III, do CP, a substituição por restritiva de direitos deve ser deferida pelo juiz quando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do conde­ nado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Art. 387 ♦

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de Lima

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Para a substituição da pena privativa de liber­ dade pela restritiva de direitos, exige-se que o réu pre­ encha os requisitos objetivos e subjetivos constantes d o art. 44 d o CP. Conform e preceitua o art. 69 d o C ó ­ d ig o Penal, na hipótese de concurso material, as penas privativas de liberdade aplicam -se cum ulativamente. Verifica-se, no caso, a existência de concurso material entre o s crimes de receptação e adulteração de sinal de veículo autom otor, o que representa 6 an o s de reclusão. Dessa forma, considerando o disposto no art. 44,1, c/c o art. 69, caput, am b os d o C ó d ig o Penal, não se adm ite substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tendo em vista o quantum total da pena, superior a 4 anos de reclusão. O rdem denegada". (STJ, 5aTurma, HC 94.646/SC, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 11/12/2008, DJe 02/02/2009). S T F : "(...) Lesão corporal leve praticada no âm b ito dom éstico ou familiar. Lei 11.340/2006. Condenação. Detenção. Pena inferior a 4 anos. Crim e com etido com violência à pessoa. Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Im possibilidade. Art. 44, i, d o CP. Constrangim ento ilegal não caracte­ rizado. Ordem denegada". (STF, 2aTurma, HC 114.703/ MS, Rei. Min. Gilm ar M endes, j. 16/04/2013). S T J : "(...) Violência, n o C ó d ig o Penal, tem sem pre o sentido de e m p rego de força sobre a coisa ou pessoa, estabelecendo a lei penal, expressamente, porque se cuida de fictio iuris, os casos em que a presume, o que impede, na espécie, a invocação d o brocardo latino ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debem us. A violência de que trata o inciso I do artigo 44 d o C ó d ig o Penal é a real, fazendo-se-lhe estranhas as hipóteses legais de violência presumida. Recurso provido". (STJ, 6a Turma, RHC 9.135/MG, Rei. Min. Ham ilton Carvalhido, j. 06/04/2000, DJ 19/06/2000 p. 210). ST J:"(...) A substituição da pena privativa de liberdade p or restritiva de direitos pressupõe, dentre outras coisas, que o crime não tenha sido com etido com vio­ lência ou grave am eaça (art. 44, inciso I, d o CP), o que não ocorre na espécie, em que o paciente, utilizando-se de força física, desferiu socos e chutes contra a vítima, inviabilizando a aplicação da benesse prevista no art. 44 d o C ó d ig o Penal. Habeas corpus não conhecido". (STJ, 6aTurma, HC 192.104/MS, Rei. Min. O g Fernandes, j. 09/10/2012). S T F :"(...) A execução d o crime m ediante o e m p rego de violência é circunstância impeditiva da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, nos term os d o art. 4 4 , 1, d o CP. Interpretação que pretenda equipar os crimes praticados com violência dom éstica contra a mulher aos delitos subm etidos ao regramento previsto na Lei d o s Juizados Especiais, a fim de permitir a conversão da pena, não encontra am paro no art. 41 da Lei 11.340/2006. O rdem denegada". (STF, 2a Turma, HC 129.446/MS, Rei. Min.Teori Zavascki, j. 20/10/2015, DJe 221 05/11/2015).

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^)

7.3. Colaboração premiada na Lei de Lava­ gem de Capitais: em seu art. I o, §5°, a Lei de lavagem de capitais permite, entre outros be­ nefícios decorrentes da colaboração premiada, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, independentemente do quantum da sanção imposta ao condenado, quando o autor, coautor ou partícipe cola­ borar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. 7.4. (In) constitucionalidade da vedação em abstrato da conversão da pena priva­ tiva de liberdade em restritiva de direitos: apesar de a Lei n. 8.072/90 não vedar ex­ pressamente a possibilidade de substituição da pena de prisão por restritiva de direitos, grande parte da doutrina posiciona-se con­ trariamente a essa possibilidade. Para tanto, costuma-se invocar o argumento de que a Lei n. 8.072/90 determina que os condenados por crimes hediondos e equiparados iniciem o cumprimento da pena em regime fechado, daí por que não seria cabível a substituição. A Lei de Drogas caminha na mesma direção, já que, até bem pouco tempo atrás, seu art. 44, caput, vedava a conversão em restritivas de direitos. Sem embargo desse entendimento, ao apreciar o HC 97.256 (Rei. Min. Ayres Britto, j. 01/09/2010, DJe 247 15/12/2010), o plená­ rio do Supremo declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão vedada

a conversão em penas restritivas de direitos, constante do §4° do art. 33, e do art. 44, ambos da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006). Sob o argumento de que a vedação, em abstrato, da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, é incom­ patível com o princípio da individualização da pena, foi concedida a ordem em habeas corpus não para assegurar ao paciente a imediata substituição, mas pelo menos para remover o obstáculo da Lei n. 11.343/06, devolvendo ao juiz da causa a tarefa de aferir a presença das condições objetivas e subjetivas listadas no art. 44 do Código Penal. Por consequência, foi editada a Resolução n. 5 do Senado Federal,

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

publicada em 15/02/2012, cujo art. I o dispõe: “É suspensa a execução da expressão ‘vedada a conversão em penas restritivas de direitos’ do §4° do art. 33 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 200, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Fe­ deral nos autos do Habeas Corpus n. 97.25/ RS”. Ora, diante desse entendimento, não há como negar a possibilidade, pelo menos em tese, de substituição da pena privativa de li­ berdade por restritiva de direitos em relação aos crimes hediondos. Afinal, se o tráfico de drogas, que é crime equiparado a hediondo por força da própria Constituição Federal (art. 5o, XLIII), admite essa possibilidade, não há como não estendê-la às demais infrações do mesmo gênero, desde que preenchidos, obviamente, os demais requisitos do art. 44 do CR 8. Fixação da pena de multa: se a infração cominar multa juntamente com a pena pri­ vativa de liberdade, será necessário efetuar o respectivo cálculo, valendo-se dos critérios decorrentes dos arts. 49 e seguintes do Código Penal. Antes, porém, de analisarmos os crité­ rios fixados pelo Código Penal para a fixação da pena de multa, é oportuno lembrar que, aos crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher, não se admite a substituição de pena que implique o pagamen­ to isolado de multa (Lei n. 11.340/06, art. 17). 8.1. Sistema do dia-multa (critério bifásico): em primeiro lugar, deve ser fixado o número de dias-multa (de 10 a 360); na sequ­ ência, atribui-se o valor a cada dia-multa (de 1/30 ao quíntuplo do valor do salário mínimo vigente ao tempo do fato). Se o valor da multa for insignificante para o acusado, mesmo que aplicado no grau máximo (360 dias-multa fi­ xados em 5 salários mínimos cada um), poderá o juiz aumentá-lo até o triplo, de acordo com o art. 60, §1°, do CP. O Código Penal é taxativo ao prever que o valor de cada dia-multa deve ser arbitrado de acordo com a capacidade econômica do acusado (art. 60, caput). Quanto ao número de dias-multa, prevalece o enten­ dimento segundo o qual essa operação deve levar em consideração as circunstâncias judi­ ciais do art. 59 do CP. Quanto à possibilidade

337

de fixação do valor do dia-multa atrelado ao do salário mínimo, não há falar em suposta violação ao art. 7o, IV, da Constituição Federal, que prevê que é vedada a vinculação do salário mínimo para qualquer fim. Na verdade, como bem observa a doutrina (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 4a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 250), a norma constitucional em questão visa evitar que o salário mínimo seja utilizado como indexador econômico, impedindo que, a cada aumento do piso salarial, subissem, proporcionalmente, os preços de produtos e serviços, tornando inócua a elevação do mínimo. Essa a finalidade da regra (interpre­ tação teleológica), a qual não resulta vulnerada com a determinação de que o dia-multa seja calculado a partir do salário mínimo. Nesse contexto, a súmula vinculante n. 4 dispõe: “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

A pena de m ulta deve ser fixada em duas

fases (critério bifásico). Na primeira, fixa-se o núm ero de dias-m u lta, c o n sid e ra n d o -se as circu n stâncias judiciais (art. 59, d o CP). Na se gu n da, determ ina-se o valor de cada dia-m ulta, le van d o -se em conta a situação e con ôm ica d o réu (Precedentes d o STJ). In casu, não h ouve a devida p roporcionalidade entre a pen a-b ase e o qu an tu m d o s dias-m ulta. Na hipótese vertente a fixação da pena pecuniária (art. 45, d o CP), p o u c o acim a d o m ín im o legal, encontra-se de v id a­ m ente fundam entada, pois considerou-se, além da situação econôm ica d o réu, o m ontante auferido com a prática delitiva. Recurso parcialm ente provido". (STJ, 5a Turma, REsp 897.876/RS, Rei. Min. Felix Fischer, j. 12/06/2007, DJ 29/06/2007 p. 711).

9. Efeitos decorrentes da sentença penal condenatória: subdividem-se em penais e extrapenais. 10. Efeitos penais: podem ser classifica­ dos em principais (ou primários) e reflexos (ou secundários). São efeitos penais (ou pri­ mários) da sentença penal condenatória: 1) cumprimento da pena: de acordo com a nova

Q°71

Art. 387

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

orientação do STF acerca do assunto (HC 126.292), admite-se a execução provisória da pena quando proferido acórdão condenatório recorrível por Tribunal de 2a instância; 2) in­

clusão do nome do acusado no rol dos culpa­ dos: vide comentários ao revogado art. 393 do CPP. A sentença condenatória também produz efeitos penais reflexos (ou secundários), a saber: 1) induzir a reincidência: de acordo com o art. 63 do CP, verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Portanto, se, após o trânsito em ju l­ gado de sentença penal condenatória, o agente vier a praticar novo fato delituoso, desde que dentro do lapso temporal de 5 (cinco) anos a que se refere o art. 64, inciso I, do CP, e desde que não se trate de crime militar próprio e po­ lítico, o acusado será considerado reincidente;

2) possível regressão do regime carcerário: de acordo com o art. 118, inciso II, da LEP, a execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime; 3) revogação do sursis: nos termos do art. 81, I, do CP, tal benefício será obrigatoriamente revogado se, no curso do prazo, o benefici­ ário é condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso; o sursis pode ser revogado se o agente é irrecorrivelmente condenado por crime culposo ou por contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos (CP, art. 81, §1°); 4) revogação do livramento condicional: tal benefício será obrigatoriamente revogado se o liberado vem a ser condenado a pena privativa de liberdade por sentença transitada em julgado por crime cometido durante a vigência do livramento ou por crime anterior, observado, nesse caso, o disposto no art. 84 do CP; esta revogação será facultativa se o liberado for condenado irrecorrivelmente por crime ou contravenção a pena que não seja privativa de liberdade. I I . Efeitos extrapenais: subdividem-se em obrigatórios (ou genéricos) e específicos.

11.1. Efeitos extrapenais ob rigatórios (ou genéricos): estão previstos no art. 91 do Código Penal e são aplicáveis por força de lei, independentemente de expressa declaração por parte da autoridade jurisdicional, uma vez que são inerentes à condenação, qualquer que seja a pena imposta (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa). Na verdade, a única condição para o implemento desses efei­ tos é o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A nosso juízo, a nova orientação pretoriana acerca da execução provisória da pena não altera essa conclusão, porquanto a decisão proferida pelo STF nos autos do HC 126.292 ficou restrita à pena privativa de liberdade. Recebem essa denominação por serem aplicáveis, em tese, a toda e qualquer condenação criminal. É preciso ponderar, to­ davia, que sua efetiva aplicação dependerá das características do caso concreto. Por exemplo, a lei estabelece como efeito genérico da conde­ nação a obrigação de reparar os danos, o qual só poderá ser aplicado se a conduta do agente provocar algum tipo de dano. Há delitos que não acarretam qualquer prejuízo ao ofendido, daí por que seria inviável a incidência desse efeito (v.g., porte ilegal de arma de fogo). Ve­ jamos, então, separadamente, cada um desses efeitos. 11.1.1. Obrigação de reparar o dano: de acordo com o art. 9 1 ,1, do CP, a condenação do acusado torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Isso significa dizer que, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, esta decisão passa a valer como título executivo judicial, nos termos do art. 475-N, II, do CPC (art. 515, VI, do novo CPC). Porém, apesar de reconhecido o an debeatur, ou seja, a obrigação de indenizar, resta definir o quantum debeatur (valor da indenização de­ vida), daí por que a vítima (ou seus sucessores), independentemente do ajuizamento de uma ação ordinária de conhecimento, deve promo­ ver a liquidação por artigos e ulterior execução no cível. Com o advento da Lei n. 11.719/08, é possível que, na própria sentença condena­ tória, ocorra a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofen­

TITULO X II-D A SENTENÇA

dido (CPP, art. 387, IV). Trata-se de norma processual, daí por que tem aplicação imediata às sentenças proferidas após a entrada em vigor da Lei n. 11.719/08. Afinal, o disposto no art. 387, IV, do CPP, apenas modificou o momento em que deve ser fixado o mencionado valor. Esta importante mudança permite que, dora­ vante, o ofendido não seja obrigado a promo­ ver a liquidação para apuração do quantum debeatur, podendo promover, de imediato, a execução da sentença condenatória transitada em julgado. Esse valor, todavia, não é definitivo para a vítima. De fato, de acordo com o art. 63, parágrafo único, do CPP, transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do art. 387, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido. Esse dever de indenizar pode ser exercido contra os herdeiros do acusado condenado por sentença irrecorrível, desde que observados os limites do patrimônio transferido. Como se trata de efeito extrapenal da condenação, não há falar em violação ao princípio da pessoalidade da pena (CF, art. 5o, XLV). Outro detalhe impor­ tante é que somente pode figurar como legi­ timado passivo dessa execução civil lastreada na sentença condenatória irrecorrível aquele que figurou como acusado no processo penal. Na hipótese de a vítima pretender buscar o ressarcimento contra eventual responsável civil (e não diretamente em face do acusado), deve ingressar com ação de conhecimento no juízo cível, já que os efeitos da coisa julgada penal não podem prejudicar terceiros que não interviram no feito criminal. A Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A regra estabelecida pelo art. 387, IV, d o C ódi­ g o de Processo Penal, por ser de natureza processual, aplica-se a processos em curso. Inexistindo n os autos elem entos que perm itam a fixação d o valor, m esm o que mínimo, para reparação do s d ano s causados pela infração, o pedido de indenização civil não p od e pros­ perar, so b pena de cerceam ento de defesa. Recurso especial conhecido, m as improvido". (STJ, 6a Turma, REsp 1.176.708/RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 12/06/2012).

11.1.2. Perda em favor da União dos ins­ trumentos do crime, desde que consistam

Art. 387

em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé (CP, art. 91, II, "a"): deve incidir tão somente sobre os objetos proibidos ou que se encon­ trassem em situação de ilegalidade à época do cometimento do delito, e não sobre quaisquer instrumentos utilizados pelo agente. É sabido que, em regra, os instrumentos utilizados pelo agente para a prática delituosa (strumenta sceleris) devem ser apreendidos pela autoridade policial, nos termos do art. 6o, II, do CPP. Caso não tenham sido encontrados na cena do crime, é possível que sobre eles recaia posterior busca domiciliar e/ou pessoal, consoante disposto no art. 240, §§ 1° e 2o, do CPP. Ao final do processo, se a posse de tais instrumentos constituir fato ilícito, deve ocorrer o confisco, nos termos do art. 91, II, “a”, do CP, ressalvado o direito do lesado (aquele que sofreu o prejuízo material) e do terceiro de boa-fé (pessoa não vinculada à prática delituosa). Exemplificando, se um crime de latrocínio é cometido com uma arma de fogo, e o agente não tinha o registro nem tampouco o porte, como se trata de instrumento proibido, é evidente que, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, deve recair sobre ela a pena de confisco, sendo inviável sua devolução ao agente mesmo depois do cumprimento da pena. Todavia, se a posse do instrumento uti­ lizado para a prática delituosa não constituir fato ilícito, tal objeto poderá ser restituído ao agente, inclusive antes do trânsito em julgado, desde que não interesse mais ao processo. Por fim, deve ser respeitado o direito do terceiro de boa-fé. Logo, se um automóvel furtado for utilizado para o cometimento de um crime, por mais que sua detenção no momento da prática delituosa configurasse um fato ilícito, não se afigura possível o confisco, já que o próprio art. 91, II, “a”, do CP, ressalva o direito do terceiro de boa-fé. Especificamente quanto às armas de fogo apreendidas, vale lembrar que, segundo o art. 25 da Lei n. 10.826/03, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, quan­ do não mais interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, para destruição ou

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CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas. 11.1.3. Perda em favor da União do pro­ duto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, ressalvado o direito do lesado ou de ter­ ceiro de boa-fé: refere-se o art. 91, II, do CP, à pena de confisco incidente sobre o produto direto e indireto do crime. Produto direto do crime (producta sceleris) é o resultado imediato da operação delinquencial. São os bens que chegam às mãos do criminoso como resultado direto do crime: objeto furtado (art. 155, caput, do CP), dinheiro obtido com a prática da cor­ rupção passiva (art. 317, caput, do CP), ou o dinheiro obtido com a venda da droga (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006). Produto indireto ou proveito da infração (fructus sceleris) con­ figura o resultado mediato do crime, ou seja, trata-se do proveito obtido pelo criminoso como resultado da utilização econômica do produto direto do delito (e.g., dinheiro obtido com a venda do objeto furtado, veículos ou imóveis adquiridos com o dinheiro obtido com a venda de drogas etc.). Por força da Lei n. 12.694/12, com vigência em data de 23 de outubro de 2012, foram acrescidos dois pará­ grafos ao art. 91 do Código Penal. Doravante, o confisco também poderá recair sobre bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior (art. 91, §1°). Nesse caso, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do in­ vestigado ou acusado para posterior decreta­ ção de perda (CP, art. 91, §2°). 11.1.3.1. Distinção entre o confisco sobre o produto direto e indireto da infração pe­ nal e a perda de bens e valores prevista no art. 43, II, do CP: o confisco do patrimônio a que se refere o art. 91, II, “b”, do Código Penal, figura como efeito extrapenal obrigatório de sentença condenatória transitada em julgado. Logo, ainda que o condenado venha a falecer após o trânsito em julgado do decreto condenatório, é plenamente possível que haja o

confisco de tais bens. De seu turno, a perda de bens e valores do art. 43, II, do CP, tem natureza jurídica de pena restritiva de direitos, aplicada em substituição a uma pena privativa de liberdade. Isso significa dizer que, na hipó­ tese de morte do condenado após o trânsito em julgado da condenação, mas antes da perda dos valores, o cumprimento desta pena ficará prejudicado, haja vista o princípio constitu­ cional da intranscendência da pena, em razão do qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas até o limite do valor do patrimônio transferido” (CF, art. 5o, XLV). Além disso, a pena restritiva de perda de bens e valores tem destinatário diverso - Fundo Penitenciário, e não a União - , além de atingir o patrimônio lícito do condenado, ao passo que o confisco alcança bens ilícitos. 11.1.4. Dispositivos constitucionais e le­ gais diversos referentes à perda de bens com o efeito da condenação: a) por força do art. 243 da Constituição Federal, com re­ dação dada pela Emenda Constitucional n. 81/2014, as propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5o. Ademais, todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei; b) por força do art. 62 da Lei de Drogas, é possível o confisco de veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prá­ tica dos crimes definidos na Lei n. 11.343/06; c) a Lei que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor prevê que, na

TlTULO XII • DA SENTENÇA

hipótese do crime do art. 20 ser cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, constitui efeito da condenação transitada em julgado a destruição do material apreendido (Lei n. 7.716/89, art. 20, §4°); d) a Lei n. 9.613/98, com redação dada pela Lei n. 12.683/12, também prevê como efeito da condenação a perda, em favor da União - e dos Estados, nos casos de competência da Justiça Estadual - , de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; e) De acordo com o art. 184 da Lei n. 9.472/97, que prevê o crime de desenvolvimento clandestino de telecomu­ nicações em seu art. 183, um dos efeitos da condenação é a perda, em favor da Agência Nacional de Telecomunicações, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar. 11.2. Efeitos extrapenais específicos: são chamados de extrapenais porque repercutem em outros ramos do direito, à exceção do Penal. Se os efeitos obrigatórios operam-se por força da própria lei, os efeitos específicos, previstos no art. 92 do Código Penal, não são automáticos, nem tampouco obrigatórios, e demandam declaração expressa e fundamen­ tada constante da sentença condenatória. É nesse sentido, a propósito, o teor do art. 92, parágrafo único, do Código Penal: “Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença”. Outro detalhe importante acerca desses efeitos é que sua aplicação não está condicionada à existência de requerimento expresso nesse sentido constante da peça acusatória. Vejamos, então, separadamente, os diversos efeitos extrapenais específicos da sentença condenatória transitada em julgado. ♦

Jurisprudência selecionada:

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y \r t. 3 3 7

perda d o cargo, função pública ou m andato eletivo. Ausente a fundam entação requerida pelo parágrafo único d o art. 92 d o C ó d ig o Penal e pelo art. 93, IX, da Constituição, é nulo, nesse ponto, o disp o sitivo da sentença condenatória. (...) H abeas corpus d o qual se conheceu em parte e, nessa parte, se de n e gou a or­ dem. De ofício, expediu-se a ordem, estendendo-a aos dem ais corréus, a fim de cassar a sentença no ponto referente aos efeitos previstos no art. 92,1, b, d o C ód igo Penal e determ inar que o juízo proceda com o enten­ der de direito, sem pre com a devida fundam entação, reexam inando a questão da perda de cargo público". (STJ, 6aTurma, H C 180.981/GO, Rei. Min. Celso Lim ongi - D ese m bargado r con vocado doTJ/SP,j. 18/11/2010, DJe 07/02/2011). N o m esm o contexto: STJ, 5a Turma, REsp 810.931/RS, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 19/06/2007, DJ 06/08/2007 p. 649.

STF:"(...) Se n do

a perda do cargo público, conform e

disp o sto no artigo 92 d o C ó d ig o Penal, consequência da condenação, m ostra-se dispensável a veiculação, na denúncia, de pedido visando à implementação. (...)". (STF, I a Turma, HC 93.515/PR, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 09/06/2009, DJe 121 30/06/2009).

11.2.1. Perda do cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena

privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública: esta pri­ meira hipótese demanda a presença de dois elementos, um de natureza objetiva e outro de natureza subjetiva. Primeiro, a pena privativa de liberdade aplicada deve ser igual ou supe­ rior a 1 (um) ano (elemento objetivo). Logo, eventual substituição da pena de prisão por restritiva de direitos com base no art. 44 do CPP impede a aplicação desse efeito, já que a condenação não versará sobre pena privativa de liberdade. Ademais, o delito deve ter sido praticado com abuso de poder (elemento sub­ jetivo). Prevalece o entendimento de que, se o acusado encontrava-se, à época do crime, em pleno exercício do cargo, vindo a se aposentar dias depois, é plenamente legítima a cassação de sua aposentadoria, se tiver havido a decla­ ração fundamentada da perda do cargo como efeito extrapenal da condenação por crime cometido na atividade; b) quando for apli­

requisitos d o art. 9 2 , 1, d o C ó d ig o Penal, deve a sen­

cada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos, qualquer que seja a infração penal: para que seja declarada

tença declarar, m otivadam ente, os fu n dam e n to s da

a perda do cargo público na hipótese descrita

STJ:"(...) Os efeitos específicos da condenação não são automáticos, m esm o que presentes, em princípio, os

Art. 387

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

no art. 92, I, b, do CP, são necessários dois requisitos. Primeiro, que o quantum da sanção penal privativa de liberdade seja superior a 4 anos, pouco importando se o crime guarda (ou não) relação com o exercício das funções do agente. Para além disso, que a decisão proferida apresente-se de forma motivada, com a expli­ citação das razões que ensejaram o cabimento da medida. Em ambas as hipóteses do inciso I do art. 92 acima explicitadas, é certo dizer que, diante do trânsito em julgado de sentença penal condenatória que decreta a perda do car­ go público, a autoridade administrativa tem o dever de proceder à demissão do servidor ou à cassação da aposentadoria, independentemen­ te da instauração de processo administrativo disciplinar, que se mostra desnecessária. Aos olhos do STJ, os efeitos extrapenais de sentença condenatória de agente político (prefeito) não podem alcançar novo mandato de modo a afastá-lo do cargo atual. Por isso, se o mandato do acusado se expirar antes de ele ser julgado pelo crime cometido, não é possível que venha a perder o cargo para o qual tenha sido reeleito posteriormente. Isso porque a perda do cargo público é um efeito da condenação que deve recair sobre aquele cargo que permitiu o cometimento do crime, e não de outro que, no futuro, venha a ser ocupado pelo condenado. A perda do cargo, função pública ou mandato eletivo funciona como efeito permanente, ou seja, o agente não só perde o cargo, a função ocupada ou o mandato eletivo, mas se torna incapacitado para o exercício de outro cargo, função pública ou mandato. Somente por meio de reabilitação criminal (CP, arts. 93 a 95) poderá readquirir sua capacidade de ocupar novo cargo, função ou mandato, desde que por meio de uma nova investidura (concurso pú­ blico ou eleição), sendo vedado, entretanto, o restabelecimento da situação anterior, ou seja, o retorno aos postos anteriormente ocupados.

Pública, pois o paciente, na condição de D e le gad o da Policia Federal, utilizou-se d o cargo para perpetrar o crime pelo qual foi condenado. H abeas corpus não conhecido, por ser substitutivo d o recurso cabível". (STJ, 5a Turma, HC 150.786/SP, Rei. Min. Adilson Vieira M a c a b u - D e se m b a rg a d o r c o n v o c a d o d o TJ/RJ, j. 06/09/2011, DJe 10/10/2011).

STJ:"(...)

H ipótese em que o réu encontrava-se, na data d o crime, em pleno exercício d o cargo de policial militar, vin d o a se aposentar dias depois. Legítim a a cassação de aposentadoria d o réu que teve declarada a perda d o cargo, com o efeito extrapenal da condena­ ção, por crime com etido na atividade. Recurso provido, para restabelecer a sentença de primeiro grau". (STJ, 5a Turma, REsp 914.405/RS, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 23/11/2010, DJe 14/02/2011). Em sentido diverso, en­ tendendo que a cassação da aposentadoria não pode ser aplicada com o consectário lógico de condenação penal, m esm o que o fato apurado tenha sido com etido q u an do o funcionário ainda estava na ativa, o que, no entanto, não im pede que a prática de crime em serviço acarrete a cassação da aposentadoria em eventual pro­ cesso administrativo: STJ, 6aTurma, R M S 31.980/ES, Rei. Min. O g Fernandes, j. 02/10/2012. N o sentido de que, ainda que con de n ado por crime praticado durante o período de atividade, o servidor público não pod e ter a sua aposentadoria cassada com fu ndam ento no art. 92, I, d o CP, m esm o que a sua aposentadoria tenha ocorrido no curso da ação penal: STJ, 5a Turma, REsp 1.416.477/SP, Rei. Min. Walter de Alm eida Guilherm e D ese m bargado r con vocado d o T J /SP -,j. 18/11/2014.

STJ:"(...) Diante

d o trânsito em ju lgad o de sentença

penal condenatória que decreta a perda d o cargo público, a autoridade administrativa tem o dever de proceder à de m issão d o servidor ou à cassação da aposentadoria, independentem ente da instauração de processo adm inistrativo disciplinar, que se mostra desnecessária. Isso porque qualquer resultado a que chegar a apuração realizada no âm bito administrativo não terá o con dã o de m odificar a força d o decreto penal condenatório. Em conseqüência, nesses casos, não há falar em contrariedade ao devido processo legal e aos princípios constitucionais da am pla defesa e do contraditório, já p lenam ente exercidos nos rigores da lei processual penal, tam po u co na ocorrência de prescrição da pretensão punitiva d o Estado ou de bis in idem, sendo esta última oriunda de eventual apuração, na esfera administrativa, d o ilícito praticado. D o adm inistrador não se p od e esperar outra conduta, ten do em vista a possib ilidad e de, em tese, incidir



Jurisprudência selecionada:

no crime de prevaricação ou de desobediência, con ­ form e for apurado, se g u n d o o s arts. 319 e 330 do

STJ:"(...) A perda de cargo ou função públicos, em face

C ó d ig o Penal. O fato poderá, ainda, constituir ato

de condenação criminal, não é automática, pois, além

de im probidade administrativa, conform e art. 11, II,

d o s pressupostos exigidos pelo art. 92, l,"a", d o C ódi­ g o Penal, depende de fundam entação específica na

da Lei 8.429/92. Q u alqu e r m od ificação d o s efeitos da sentença condenatória, bem com o a extensão de

sentença. No presente caso, o delito foi praticado com

qualquer benefício ou vantagem , deve ser buscada e

evidente violação de dever para com a Adm inistração

solucionada na própria esfera penal. Em m an d ad o de

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

segurança impetrado contra ato que, em cum prim ento à sentença que decreta a perda da função pública, aplica a servidor público a pena de cassação de ap o ­ sentadoria, não cabe a reforma da decisão proferida no juízo criminal. Recurso ordinário improvido". (STJ, 5a Turma, R M S 22.570/SP, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 18/03/2008, DJe 19/05/2008).

STJ: "(...) C in ge -se a controvérsia à possibilidade de efeitos e x trap en ais d o d e c isu m c o n d e n a tó rio de agente político (prefeito) alcançarem n ovo m andato - recondução ao cargo público obtida por m eio de eleições dem ocráticas -, a provocar o afastam ento d o cargo atual (arts. 83 e 89 da Lei n. 8.666/1993). No caso, ao contrário da pretensão recursal - em relação ao pedido de afastam ento de prefeito eleito para novo m andato -, o acórdão estadual não violou o art. 83 da Lei n. 8.666/1993, pois, se fosse ju lgad o e con de n ado em 2001, ao te m p o em que era prefeito (m andato de 2001 a 2004), não resta dúvida de que perdería o m andato eletivo, em decorrência d o previsto no art. 83 da Lei n. 8.666/1993. C om a eleição para prefeito em 2009, firm ou-se nova investidura originária, com outra diplom ação concedida pelo juízo eleitoral - para período de m an dato eletivo diverso (2009 a 2012). C onsequentem ente, não p o d e perder o c argo por um fato anterior, com etido em 2001, porque aquele período de m andato eletivo já se encontra encerrado, desde o ano de 2004. A norm a de regência determina a perda d o m an dato eletivo. Logo, por óbvio, o cargo em questão só pode ser aquele que o infrator ocupava à época da conduta típica. Em outros termos, caso o servidor ou agente político se m antivesse no m esm o cargo, ceteris paribus, até o decisum condenatório, perderia-o em razão do disp o sto no art. 83 da Lei n. 8.666/1993. Hipótese inexistente in casu. Exige-se, em acréscimo, para a conveniente adequação do s efeitos da condenação penal, que o decisum seja revestido de m otivação concreta para o afastam ento d o m andato eletivo (art. 92, parágrafo único, d o CP). Recurso es­ pecial conhecido em parte e, nessa parte, improvido". (STJ, 6a Turma, REsp 1,244.666/RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 16/08/2012).

11.2.1.1. Situações especiais acerca da perda do cargo, função pública ou m anda­ to eletivo: a) Juizes e membros do Ministério Público: por força da garantia da vitaliciedade (CF, art. 9 5 ,1, e art. 128, §5°, I, “a”), somente podem perder o cargo mediante ação judicial própria. Portanto, em ação penal decorrente da prática de crime funcional praticado por membro vitalício do Ministério Público Esta­ dual, não é possível determinar a perda do cargo com fundamento no art. 9 2 ,1, a, do CP, pois, nessa hipótese, há norma especial que dispõe que a perda do referido cargo somente

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pode ocorrer após o trânsito em julgado de ação civil proposta para esse fim; b) Crimes definidos na Lei de Licitações: segundo o art. 83 da Lei n. 8.6666/93, os crimes nela defini­ dos, ainda que simplesmente tentados, sujei­ tam os seus autores, quando servidores públi­ cos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo. Há quem entenda que não se trata de efeito da sentença condenatória, mas de mera previsão legal de sanções administrativas a serem aplicadas, se for o caso, na própria esfera administrativa, segundo as garantias constitucionalmente as­ seguradas. Logo, a tais delitos, aplica-se a regra geral do art. 92, inciso I, do CP; c) Crimes

resultantes de preconceito de raça ou de cor: de acordo com o art. 16 da Lei n. 7.716/89, constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor pú­ blico, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não su­ perior a 3 (três) meses, efeitos estes que não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença; d) Tortura: tratando-se de crime previsto na Lei de tortura, qual­ quer que seja a quantidade de pena, a conde­ nação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exer­ cício pelo dobro do prazo da pena aplicada, nos termos do art. I o, §5°, da Lei n. 9.455/97. Na visão dos Tribunais, trata-se de efeito extrapenal automático e obrigatório da sentença condenatória, prescindindo inclusive de fun­ damentação; e) Perda do posto e da patente

dos oficiais e da graduação das praças das corporações militares estaduais: segundo o disposto no art. 125, §4°, da Constituição, compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir

sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Ao interpretar o artigo 125, § 4o, da Constituição Federal, a jurisprudência tem se posicionado no sentido da necessidade de processo específico para a perda de graduação de praças da Polícia M ili­ tar. Logo, se a perda da graduação decorrer de

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processo específico, nos termos do art. 125, § 4o, da Constituição Federal, e não como efeito secundário da condenação por crime militar, não haverá qualquer ilegalidade. Todavia, essa perda do posto e da patente dos oficiais, bem como da graduação das praças da corporação militar, por decisão do tribunal competente, mediante procedimento específico, só é exigível quando se tratar de crime militar. Nas condenações de policiais militares ocorridas na Justiça Comum, compete ao juiz prolator do édito condenatório decretar a perda da função pública; f) submissão do oficial das

Forças Armadas condenado à pena privativa de liberdade superior a 02 (dois) anos a jul­ gamento de indignidade do oficialato ou incompatibilidade: em virtude do art. 142, §3°, inciso V II, da Constituição Federal, o oficial das Forças Armadas condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; g) Organizações criminosas: por for­ ça do disposto no art. 2o, §6°, da nova Lei das Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/13), a condenação com trânsito em julgado acar­ retará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a inter­ dição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequen­ tes ao cumprimento da pena; h) Senadores e Deputados Federais: de acordo com o art. 55, §2°, da Constituição Federal, com redação determinada pela Emenda Constitucional n. 76/2013, no caso de condenação criminal em sentença transitada em julgado, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos D e­ putados ou pelo Senado, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congres­ so Nacional, assegurada ampla defesa. Por força do art. 27, §1°, da Carta Magna, essa regra também se estende a deputados estadu­ ais e distritais, mas não a vereadores, que estão submetidos ao regramento geral do art. 9 2 ,1, do Código Penal. Por força desse dispositivo, 1078^)

em processo penal do qual resultou a conde­ nação de um Senador à pena de 4 anos, 8 meses e 26 dias de detenção em regime inicial semiaberto em virtude da prática do crime do art. 90 da Lei n. 8.666/93, concluiu o Plenário do Supremo (STF, Pleno, AP 565/RO, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 07/08/2013) competir ao Senado Federal deliberar sobre a eventual perda do mandato parlamentar do acusado, nos termos do art. 55, VI e §2°, da Constituição Federal. No entanto, em caso concreto em que ex-deputado federal foi condenado irrecorrivelmente à pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão pela prática dos crimes de forma­ ção de quadrilha e peculato, concluiu o Plená­ rio do STF (AP 396 QO/RO, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 26/06/2013, DJe 196 03/10/2013) que tanto a suspensão quanto a perda do cargo seriam medidas decorrentes da condenação criminal e imediatamente exequíveis após seu trânsito em julgado, sendo irrelevante se o réu exercia ou não cargo eletivo ao tempo do jul­ gamento. Assim, rejeitou-se a alegação da defesa de que o acusado, em razão de haver sido eleito e diplomado, novamente, deputado federal, após a condenação, teria direito às prerrogativas dos arts. 53, §2°, e 55, §2°, ambos da CF. Como constou da decisão condenatória a suspensão de seus direitos políticos com fundamento no art. 15, III, da Constituição Federal, concluiu a Corte que esta suspensão seria inócua se o exercício de novo mandato parlamentar impedisse a perda ou suspensão dos direitos políticos. Nesse sentido, a perda do mandato parlamentar derivaria logicamen­ te do preceito constitucional a impor a limita­ ção dos direitos políticos, que poderia efetivar-se com a suspensão ou perda do mandato. Ressaltou-se que, além dos casos em que a condenação criminal transitada em julgado levasse à perda do mandato — em razão de o tipo penal prever que a improbidade adminis­ trativa estaria contida no crime — , haveria hipóteses em que a pena privativa de liberdade seria superior a quatro anos, situações em que aplicável o art. 92 do CP. Portanto, a condena­ ção também poderia gerar a perda do manda­ to, pois a conduta seria incompatível com o cargo. Ressalvadas essas duas hipóteses, em que a perda do mandato poderia ser decretada

TÍTULO X II- D A SENTENÇA

pelo Judiciário, observar-se-ia, nos demais casos, a reserva do Parlamento. Poderia, então, a casa legislativa interessada proceder na forma prevista no art. 55, § 2o, da CF. Reputou-se que, na linha jurisprudencial da Corte, a sanção concernente aos direitos políticos imposta a condenado por crime contra a Administração Pública bastaria para determinar a suspensão ou perda do cargo, e seria irrelevante o fato de ter sido determinada a condenação sem que o réu estivesse no exercício de mandato parla­ mentar, com sua posterior diplomação no cargo de deputado federal, antes do trânsito em julgado da decisão. No julgamento do caso Mensalão, o Plenário do Supremo também concluiu (AP 470/MG-228, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 17/12/2012) por maioria que, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, a suspensão dos direitos políticos (CF, art. 15, III) teria o condão de acarretar a perda do mandato eletivo dos então deputados federais condenados no referido processo, nos termos do art. 55, VI, e §3°, da Constituição Federal. Assinalou-se que as hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos seriam taxativas (CF, art. 15) e que o Poder Legislativo poderia decretar a perda de mandato de deputado fe­ deral ou senador, com fundamento em perda ou suspensão de direitos políticos, bem assim em condenação criminal transitada em julga­ do (CF, art. 55, IV e VI). Ressaltou-se que esta previsão constitucional estaria vinculada aos casos em que a sentença condenatória não ti­ vesse decretado perda de mandato, haja vista não estarem presentes os requisitos legais (CP, art. 92), ou por ter sido proferida anteriormen­ te à expedição do diploma, com o trânsito em julgado ocorrente em momento posterior. Afastou-se, na espécie, a incidência de juízo político, nos moldes do procedimento previs­ to no art. 55 da CF, uma vez que a perda de mandato eletivo seria efeito irreversível da sentença condenatória. Consignou-se, ade­ mais, a possibilidade de suspensão do proces­ so, com o advento da EC 35/2001, para evitar que o parlamentar fosse submetido à persegui­ ção política. Entretanto, não ocorrida a sus­ pensão, o feito seguiría trâmite regular. Frisou-se que os condenados réus teriam cometido crimes contra a Administração Pública quan­

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do no exercício do cargo, a revelar conduta incompatível com o exercício de mandato eletivo. ♦

Jurisprudência selecionada:

ST J:"(...) A teor d o art. 38, § 1 °, inciso I, e § 2.° da Lei n.° 8.625/93, a perda d o cargo de m em bro do Ministério Público so m e n te p o d e ocorrer a p ó s o trânsito em ju lgad o de ação civil proposta para esse fim. E, ainda, essa ação som ente pod e ser ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça, q u a n d o previam ente autorizado pelo C olé gio de Procuradores, o que constitui con ­ dição de procedibilidade, juntam ente com o trânsito em ju lgad o da sentença penal condenatória. Em se tratando de norm as legais d e m esm a hierarquia, o fato de a Lei Orgânica Nacional d o M inistério Público prever regras específicas e diferenciadas das d o C ód igo Penal para a perda de cargo, em atenção ao princípio da especialidade - lex specialis d e rogat generali -, deve prevalecer o que disp õe a referida lei orgânica. Recurso especial parcialmente provido, tão som ente para afastar a determinação de perda de cargo exarada no acórdão recorrido". (STJ, 5aTurma, REsp 1.251.621/ AM , Rei. Min. Laurita Vaz,j. 16/10/2014). ST J:"(...) A perda d o cargo público é efeito autom ático e obrigatório da condenação pela prática do crime de tortura (art. 1o., § 5o. da Lei 9.455/97), prescindindo inclusive de fundam entação. (...) Habeas C orpus não conhecido, em conform idade com o parecer M iniste­ rial". (STJ, 5aTurma, H C 134.218/GO, Rei. Min. Napoleão N unes M aia Filho, j. 06/08/2009, DJe 08/09/2009). Na m esm a linha: STJ, 6a Turma, HC 47.846/MG, Rei. Min. O g Fernandes, j. 11/12/2009, DJe 22/02/2010; STJ, 6a Turma, REsp 1,044.866/MG, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 02/10/2014. S T J :"(...) A o interpretar o artigo 125, § 4°, da C o n s­ tituição Federal, e specialm ente a p ó s as alterações prom ovidas pela Em enda Constitucional 19/1998, o Su p rem o Tribunal Federal posicionou-se no sentido da necessidade de processo específico para a perda de grad uação de praças da Polícia Militar, entendim ento se gu id o pelo Superior Tribunal de Justiça. In casu, a perda da graduação decorreu de processo específico, nos term os do art. 125, § 4o, da Constituição Federal e não com o efeito secundário da condenação por crime militar, observados, portanto, os princípios d o devido processo legal, d o contraditório e da am pla defesa. O rdem denegada". (STJ, 5aTurma, HC 185.112/RS, Rei. Min. Jorge Mussi.j. 18/08/2011, DJe 29/08/2011). S T J :"(...) A perda d o posto e da patente do s oficiais, bem com o da grad uação das praças da corporação militar, por decisão d o tribunal competente, mediante procedim ento específico, nos term os d o artigo 125, § 4°, da Constituição Federal, só é aplicável q u an do se tratar de crime militar. Nas condenações de policiais militares ocorridas na Justiça C om u m , com pete ao juiz prolator do édito condenatório, ou ao respectivo

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Tribunal, no ju lgam e nto da apelação, decretar a per­ da da função pública. N o caso d o s autos, o paciente foi co n d e n ad o por crim e d o lo so contra a vida, nas m odalidades tentada e consum ada, praticado contra civis, ou seja, por delito com um , de form a que inexiste qualquer nulidade na im posição da perda d o cargo público que ocupava peloTribunal de Justiça d o Estado de M ato Grosso d o Sul, por ocasião d o julgam e nto de apelação interposta pelo M inistério Público. Ordem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 144.441/MS, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 22/06/2010, DJe 30/08/2010). C om o entendim ento de que Tribunal de Justiça local tem com petência para decretar, c o m o consequência da condenação, a perda da patente e d o posto de oficial da Polícia Militar, na hipótese de a condenação não versar sobre crime militar: STF, 2a Turma, HC 92.181/ MG, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 03/06/2008, DJe 142 31/07/2008. N o sentido de que, em se tratando de crime com u m praticado por militar, com pete à Justiça C o m u m decretar a perda d o cargo, enquanto efeito da condenação, consoante previsto no art. 9 2 ,1, b, do C ó d ig o Penal: STF, 1“Turma, Ag. Reg. no ARE 717.734/ DF, Rei. Min. Rosa Weber,j. 04/02/2014.

11.2.2. Incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela e curatela, no caso de condenação por crime doloso, puni­ do com reclusão, contra filho, tutelado e curatelado: de acordo com o art. 92, inciso II, do CP, a aplicação deste efeito extrapenal específico independe do quantum de pena cominado ao delito, bastando que se trate de crime doloso cometido contra filho, tutelado ou curatelado, sujeito à pena de reclusão, capaz de revelar a incompatibilidade do exercício do poder familiar, tutela ou curatela. Em sentido semelhante, consoante disposto no art. 23, §2°, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), acrescentado pela Lei n. 12.962/14, a condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra o próprio filho ou filha. Logo, ao pai que deixa de prover ao sustento de seus filhos, sem justa causa, incorrendo no crime de abandono material (CP, art. 244), não se aplica esse efeito extrapenal, já que esse tipo penal é punido com pena de detenção. No entanto, se o pai abusar sexualmente de um de seus filhos menores de 14 (quatorze) anos, com ele praticando atos libidinosos, estará sujeito à incapacitação para o exercício do poder familiar, já que o crime

de estupro de vulnerável do art. 217-A do CP prevê pena de reclusão, de 8 (oito) a 15 (quin­ ze) anos. Prevalece o entendimento de que esse efeito atingirá todos os filhos, tutelados ou curatelados, e não apenas aquele que foi vítima do delito. Com a reabilitação criminal (CP, arts. 93 a 95), o agente recuperará a possibilidade de exercer novamente essas prerrogativas, salvo no tocante ao sujeito passivo do crime. Em outras palavras, em relação à vítima do deli­ to, trata-se de efeito permanente; quanto aos demais, é possível a reversão, com a retomada do poder familiar, tutela ou curatela, caso o condenado venha a ser beneficiado com a reabilitação criminal. Por fim, convém desta­ car que o art. 92, II, do CP, não foi revogado tacitamente pelo art. 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), que passou a prever que a perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previs­ tos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações dos pais. Na verdade, o art. 92, II, do CP, funciona como efeito extrapenal espe­ cífico decorrente de sentença irrecorrível que reconheceu a prática de crime doloso contra filho sujeito à pena de reclusão, ao passo que o art. 24 do ECA trata da perda ou suspensão do poder familiar como consequência do des­ cumprimento dos deveres atinentes ao poder familiar (v.g., sustento, guarda, educação, etc.), porém não referente à prática de crime doloso. 11.2.3. Inabilitação para dirigir veícu­ los automotores: previsto no art. 92, III, do Código Penal, este efeito específico deve ser aplicado na hipótese de sentença condenatória referente a crimes dolosos, em que o veículo automotor tenha sido utilizado como instru­ mento. O condenado poderá conduzir veículos novamente somente depois da reabilitação criminal (CP, arts. 93 a 95). Em conclusão, convém lembrar que, no Código de Trânsito Brasileiro, a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta isolada ou cumulativamente com outras penalidades (Lei n. 9.503/97, art. 292, com redação determinada pela Lei n. 12.971/14).

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

11.2.4. Suspensão dos direitos políticos: por força do art. 15, inciso III, da Constituição Federal, a condenação criminal irrecorrível, enquanto persistirem seus efeitos, também acarreta automática e obrigatoriamente a sus­ pensão dos direitos políticos do condenado. Cuida-se de efeito automático do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pres­ cindindo de fundamentação na sentença nesse sentido, pouco importando, ademais, a nature­ za da infração penal (crime doloso, culposo ou contravenção penal) e a espécie de pena a ela cominada (prisão simples, detenção ou reclu­ são). Perceba-se que a suspensão dos direitos políticos somente se aplica àquele condenado por sentença transitada em julgado. Logo, o preso cautelar tem mantidos seus direitos políticos, daí por que pode votar e ser votado. Essa suspensão dos direitos políticos irá cessar tão somente com a extinção da punibilidade do agente, independentemente de reabilitação ou de prova de reparação do dano causado pelo delito. É nesse sentido, aliás, o teor da súmula n. 9 do TSE: “A suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumpri­ mento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos”. Com relação a senadores, deputados federais, estaduais e distritais, não se aplica o disposto no art. 15, III, da CF, mas sim a norma constitucional prevista no art. 55, V I e §2°. Assim, tais parlamentares, se condenados irrecorrivelmente, somente sofrerão a suspen­ são de seus direitos políticos e a consequente perda de seu mandato se houver decisão da respectiva casa legislativa. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) D a

su spen são de direitos políticos - efeito

da condenação criminal transitada em ju lgad o - res­ salvada a hipótese excepcional d o art. 55, § 2o, da Constituição - resulta por si m esm a a perda do m an ­ dato eletivo ou d o cargo d o agente político". (STF, I a Turma, RE 418.876/MT, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 30/03/2004, DJ 04/06/2004).

11.2.5. Dem ais efeitos extrapenais da sentença condenatória irrecorrível: a Cons­ tituição Federal também prevê que a existência

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de condenação criminal transitada em julgado obsta o processo de naturalização do estran­ geiro. Com efeito, segundo o art. 12, inciso 11. alínea “b”, da Carta Magna, são brasileiros naturalizados os estrangeiros de qualquer na­ cionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. Por fim, vale lem­ brar que, segundo a Consolidação das Leis do Trabalho, o empregado que sofrer condenação criminal passada em julgado poderá ser demi­ tido por justa causa, a critério do empregador, salvo se beneficiado com a suspensão condi­ cional da pena (CLT, art. 482, “d”). 12. Fixação de valor mínim o para repa­ ração dos danos causados pela infração: o tema foi objeto de análise nos comentários ao art. 63 do CPP, para onde remetemos o leitor. 13. Aplicação provisória de interdição de direitos e m edidas de segurança: deixaram de existir com a reforma da Parte Geral do Código Penal pela Lei n. 7.209/84, tornando inaplicável o quanto disposto no art. 387, in­ ciso V, do CPP. 14. Publicação da sentença condenatória em jornal de grande circulação: em sua redação original, o Código Penal tratava da publicação da sentença nos seguintes termos: “Art. 73. A publicação da sentença é decre­ tada de ofício pelo juiz, sempre que o exija o interesse público. §1° A publicação é feita em jornal de ampla circulação, à custa do conde­ nado, ou se este é insolvente, em jornal oficial. §2° A sentença é publicada em resumo, salvo razões especiais que justifiquem a publicação na íntegra”. Daí o motivo pelo qual o art. 387, V I, do CPP, fazia referência expressa ao art. 73, §1°, do CP. Ocorre que essa possibilidade de publicação da sentença condenatória em jornais deixou de existir com a reforma da Parte Geral do Código Penal (Lei n. 7.209/84). Hoje, a sentença condenatória ou absolutória deve ser publicada tão somente nas mãos do escrivão (CPP, art. 389). De todo modo, no âmbito do Código de Defesa do Consumi­ dor (Lei n. 8.078/90), subsiste a possibilidade

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CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

de publicação da sentença condenatória em jornais de grande circulação. A propósito, confira-se: “Art. 78. Além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser impostas, cumulativa ou alternadamente, observado o disposto nos arts. 44 a 47 do Código Penal: (...) II - a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação”.

prisão no momento da sentença condenatória recorrivel. Porém, deve o magistrado apon­ tar, fundamentadamente, a presença de seus pressupostos, tanto quando mantém a medi­ da anteriormente decretada, como quando a determina nesse momento. Na verdade, o art. 387, §1°, do CPP, deve ser analisado com base na situação do acusado por ocasião da senten­ ça, leia-se, se o acusado estava em liberdade ou preso preventivamente.

15. Decretação (ou manutenção) da pri­ são preventiva ou das medidas cautelares diversas da prisão na sentença condena­ tória: a prisão como efeito automático da sentença condenatória recorrível encontra-se revogada pela Lei n. 11.719/08 - seu art. 3o revogou expressamente o art. 594 do CPP. Ao conferir nova redação ao art. 283, caput, do CPP, a Lei n. 12.403/11 também reforçou esse entendimento, porquanto tal dispositivo legal se refere apenas à prisão em flagrante, pre­ ventiva, temporária, e à prisão decorrente de sentença condenatória transitada em julgado. Para além disso, o art. 4o da Lei n. 12.403/11 revogou expressamente o art. 393 e o art. 595 do Código de Processo Penal, corroborando o entendimento de que o recolhimento à prisão não é mais efeito da sentença condenatória recorrível e que a apelação não mais poderá ser declarada deserta se o condenado fugir depois de haver apelado. Consoante disposto no art. 387, §1°, do CPP, na sentença condenatória, 0 juiz decidirá fundamentadamente sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta. Essas medidas cautelares diversas da prisão a que se refere o citado dispositivo foram introduzidas nos arts. 319 e 320 do CPP pela Lein. 12.403/11. Tais medidas podem ser impostas na sentença condenató­ ria não só em substituição à anterior prisão preventiva, como também nas hipóteses em que o acusado estava em liberdade, desde que presentes os pressupostos do fum us comissi delicti e do periculum libertatis (CPP, art. 282, 1 e II). Como se percebe, continua sendo pos­ sível a decretação da prisão preventiva ou a imposição de medidas cautelares diversas da

16. Acusado em liberdade durante o cur­ so do processo: se o acusado permaneceu solto ao longo de toda a instrução processual, pouco importando se primário ou reinciden­ te, portador de bons antecedentes (ou não), autor de crime hediondo (ou não), significa dizer que o juiz entendeu não ser necessária sua prisão, seja por força da ausência de uma das hipóteses que autoriza a prisão preventiva, seja porque as medidas cautelares diversas da prisão se mostraram adequadas e suficientes para tutelar a eficácia do processo. Não faz sentido, portanto, estabelecer como efeito au­ tomático da sentença condenatória recorrível o recolhimento do acusado à prisão, sob pena de patente violação ao princípio da presunção da não culpabilidade. Assim, se o acusado estava solto por ocasião da sentença, deve permane­ cer solto, salvo se surgir alguma hipótese que autorize a decretação de sua prisão preventiva. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A

prisão cautelar é necessária em razão da

elevada periculosidade do s agentes, com plexidade do esquem a delituoso e da m agnitude da lesão causada. S o b outro prisma, objetivando a proteção à ordem pública, destacou o m agistrado local a facilidade com que o s pacientes iludiam o p agam e n to de tributos e evadiam divisas para o estrangeiro, contando com a participação de servidores públicos (policiais federais, entre outros) cuja função era, justamente, de prevenir e coibir a prática de tais delitos. Diante de tal contexto, encontra-se a r. sentença devidam ente fundam entada nos termos do art. 312 do CPP, com a apresentação dos elem entos concretos e objetivos a indicar a necessi­ dade da custódia cautelar. D e outro lado, conform e ressaltou o Ministério Público Federal, em seu parecer, às fls. 343/344, conquanto os pacientes tenham perm a­ necido em liberdade durante a instrução criminal,'isto som ente aconteceu porque houve o excesso de prazo na instrução (fls. 300/303). Ou seja, a decisão singular

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

que concedeu liberdade provisória aos pacientes d u ­ rante a instrução criminal, foi concebida tão-som ente em razão de que a m esm a injustificadamente se pro­ longara m ais d o que o tem p o razoável, e não porque cessaram o s m otivos ensejadores da se gre gação cautelar. Portanto, incabível se m ostra o argu m en to de que a se gre gação antecipada não se justificaria em razão de ter respondido ao processo em liberdade. Na verdade, essa liberdade se deu por ordem de técnica processual, da qual poder-se-ia deduzir que se não houvesse qualquer excesso, certamente os pacientes ficariam custodiados até o desfecho da causa.'Ordem denegada". (STJ, 5aTurma, HC 29.445/RS, Rei. Min. Jorge Scartezzini, DJ 19/12/2003 p. 532).

STF: "(...) A prisão preventiva, decretada por ocasião da sentença condenatória, trouxe fundam entos con ­ cretos que justificam a custódia cautelar d o paciente, especialm ente no que diz respeito ao perigo concreto de fuga. O s requerim entos de expedição de p assa­ porte, a posse de duas aeronaves de pequeno porte em pregadas, se gu n d o consta da sentença, na prática d o crime de tráfico internacional de entorpecentes, utilizando-se de pistas de pou so clandestinas, e, ainda, a com provação, durante a instrução criminal, da lide­ rança exercida pelo paciente, que estava no com an do da ação crim inosa e do s valores utilizados na em prei­ tada crim inosa, conferem le gitim ida de ao decreto de prisão preventiva. Paciente que possui contatos no exterior, especialm ente na C olô m bia e na Ilha de C ab o Verde, o que dem onstra a probabilidade de sua fuga. (...) A interposição e o juízo de adm issibilidade do recurso de apelação não podem estar condicionados à efetivação do recolhim ento do réu à prisão, tendo em vista tratar-se de pressuposto recursal draconiano e desproporcional. Im possibilidade de se declarar deser­ ta a apelação, independentem ente d o cum prim ento d o m an d ad o de prisão preventiva. O rdem concedida apenas para fins de im pedir que a apelação d o pacien­ te seja julgada deserta, m antido o decreto de prisão preventiva. Extensão aos corréus". (STF, 2a Turma, HC 90.866/MA, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 01/04/2008, DJe 157 21/08/2008).

que, por ocasião da sentença, subsistem os mo­ tivos que deram ensejo à decretação da prisão preventiva do agente no curso do processo, é perfeitamente possível que faça remissão aos fundamentos da decisão anterior que implicou a decretação da prisão cautelar do agente, des­ de que, obviamente, não tenha havido qualquer alteração do quadro fático-processual desde a data da decretação da medida. Outrossim, embora demonstrada, fundamentadamente, a indispensabilidade da prisão cautelar do acusado por ocasião da sentença condena­ tória, os Tribunais vêm entendendo que é desproporcional determinar que o acusado aguarde o julgamento do recurso de apelação em regime mais gravoso que aquele fixado no decreto condenatório. Logo, considerando que a prisão cautelar acarreta o recolhimento do acusado à prisão em circunstâncias absoluta­ mente semelhantes ao cumprimento da pena no regime fechado, há diversos precedentes da 5a Turma do STJ no sentido de que, fixado o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena, o acusado tem o direito de aguardar o julgamento do recurso de apelação no mesmo regime, aplicando-se, desde já, as respectivas regras. Enfim, a prisão preventiva pode ser mantida por ocasião da sentença condenatória recorrível que aplicou o regime semiaberto para o cumprimento da pena, desde que persis­

tam os motivos que inicialmente a justificaram e que seu cumprimento se adeque ao modo de execução intermediário aplicado. -f Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) 17. Acusado que permaneceu preso du­ rante o curso do processo: se o acusado en­ contra-se preso preventivamente por ocasião da sentença condenatória recorrível, significa dizer que o juiz entende que há motivos que autorizam sua prisão cautelar (CPP, arts. 312 e 313). Portanto, não faz sentido que coloque o acusado em liberdade. Porém, nessa hipótese, deve o juiz apontar na sentença a persistência dos motivos que justificam sua segregação cautelar. Desaparecendo o motivo que deu ensejo a sua segregação, deve o acusado ser colocado em liberdade. Caso o juiz entenda

/y r j # 3 3 7

É pacífica a jurisprudência desta Suprem a

Corte de que não há lógica em permitir que o réu, preso preventivam ente durante toda a instrução cri­ minal, aguarde em liberdade o trânsito em ju lgad o da causa, se m antidos os m otivos da segregação cautelar. Precedentes. O rdem denegada". (STF, I a Turma, HC 89.824/MS, Rei. Min. Carlos Britto, j. 11/03/2008, DJe 162 28/08/2008).

STF:"(...) A remissão, na sentença, aos fundam entos do ato que im plicou a prisão preventiva, dada a ausência de alteração d o quadro fático-processual desde a data da decretação da m edida não configura ilegalidade. Precedentes: H C 98771 /RS - Relator: Min. D IASTO FFO Ll, 1aTurma, DJ de 23/4/2010; HC 88709/RS, Relator(a): M in. J O A Q U IM B A R B O S A Ju lgam en to: 10/04/2007 Se gu n d a Turma, DJ de 28/6/07; HC86019/RS, rei Min.

Art. 387

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

Carlos Britto, I a Turma, DJ de 7/4/2006. (...) Habeas corpus D EN EGA DO ". (STF, 1a Turma, H C 101.248/CE, Rei. Min. Luiz Fux, j. 21/06/2011, DJe 152 08/08/2011).

STJ:"(...) Em bora

dem onstrada concretam ente a im-

prescindibilidade de constriçâo cautelar, é antijurídico determ inar ao Paciente que aguarde o julgam ento do recurso de apelação em regim e mais gravoso, porque fixada a pena-base no m ínim o legal. Ordem de habeas corpu s parcialm ente concedida, para asse gu rar ao Paciente o direito de aguardar o julgam e nto d o re­ curso de apenação em regim e semiaberto, aplicando-se, de sd e já, as respectivas regras". (STJ, 5a Turma, HC 218.098/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 08/05/2012, DJe 21/05/2012). Na m esm a linha: STJ, 5a Turma, HC 227.960/MG, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 18/10/2012; STJ, 5a Turma, HC 89.018, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 18/12/2007, DJe 10/03/2008.

STJ:"(...) A orientação pacificada nesta Corte Superior é no sentido de que não há lógica em deferir ao con de ­ n ado o direito de recorrer solto q u an d o perm aneceu segregado durante a persecução criminal, se presentes os m otivos para a preventiva. N ão é razoável manter o réu constrito durante o desenrolar da ação penal, diante da persistência do s m otivos que ensejaram a prisão preventiva, e, por fim, libertá-lo apenas por­ que foi agraciado com regim e de execução diverso d o fechado, perm itindo-lhe que, solto, ou m ediante algu m a s condições, aguarde o trânsito em ju lgad o da condenação. Necessário, contudo, adequar a segre­ ga ção ao m o d o de execução intermediário aplicado, so b pena de estar-se im po n do ao con den ado m od o m ais gravoso tão som ente pelo fato de ter optad o pela interposição de apelo. Recurso improvido, concedendo-se, contudo, a ordem de habeas corpus de ofício, apenas para determ inar que o recorrente aguarde o julgam ento de eventual apelação no m odo semiaberto de execução". (STJ, 5a Turma, RH C 53.828/ES, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 14/04/2015, DJe 24/04/2015).

18. Detração: prevista no art. 42 do Código Penal, a detração consiste no desconto do tempo de prisão cautelar (ou de internação provisória) do tempo de prisão penal (ou de medida de segurança) imposto ao acusado em sentença condenatória (ou absolutória imprópria) transitada em julgado. A título de exemplo, se determinado acusado for conde­ nado irrecorrivelmente pela prática de um crime de homicídio simples à pena de 6 (seis) anos de reclusão, se acaso tiver permanecido preso preventivamente durante 1 (um) ano, terá direito à detração, restando a ele, portan­ to, o cumprimento de mais 5 (cinco) anos de reclusão.

19. Detração na sentença condenatória para fins de determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liber­ dade: antes da Lei n. 12.736/12, a detração era realizada apenas no momento da execução da pena, recaindo a competência sobre o juízo das execuções penais, nos termos do art. 66, III, “c”, da Lei n. 7.210/84 (LEP). Com o advento da Lei n. 12.736/12, e a nova redação do art. 387, §2°, do CPP, a detração deverá ser considerada pelo juiz que proferir a sentença condenatória, pelo menos em regra. Isso significa dizer que, a partir da entrada em vigor da Lei n. 12.736/12, o regime prisional inicial deixa de ser estabe­ lecido com base na pena definitiva, e passa a ser fixado levando-se em conta o quantum de pena resultante do desconto do tempo de prisão cautelar ou internação provisória a que o acusado foi submetido durante o processo. Como se pode notar, a intenção do legislador foi tornar mais célere a concessão dos bene­ fícios da execução penal, já que houve uma antecipação do momento de reconhecimento da detração para fins de fixação do regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade. Deveras, se antes a detração era feita apenas pelo juízo da execução, doravante essa análise deverá ser feita pelo próprio magistra­ do do processo de conhecimento, por ocasião da prolação da sentença condenatória. Exem­ plificando, suponha-se que um acusado pri­ mário, que permaneceu preso preventivamente durante 4 (quatro) anos, tenha sido condenado irrecorrivelmente à pena de 12 (doze) anos de reclusão pela prática do crime de homicídio qualificado (art. 121, §2°). Nesse caso, ante o disposto no art. 387, §2°, do CPP, caberá ao próprio juiz do processo de conhecimento reconhecer que o acusado ficara preso cautelarmente por 4 (quatro) anos, conferindo-lhe, então, a detração desse período, de modo que o restante da pena a ser cumprido passe a ser de 8 (oito) anos, com a consequente fixação do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Nesse caso, não se pode objetar que o regime inicial do cumprimento da pena teria que ser o regime fechado, já que se trata de crime hediondo (Lei n. 8.072/90, art. 2o, §1°). A uma porque,

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

como visto acima, o próprio Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade do regime inicial fechado para crimes hediondos e equiparados (STF, Pleno, HC 111,840/ES, Rei. Min. Dias Toffoli, 27/06/2012). A duas porque, apesar de se tratar de espécie de prisão cautelar, e não penal, não se pode negar que a forma do cumprimento da prisão cautelar assemelha-se bastante ao regime inicial fechado, daí por que não se pode desprezar o lapso temporal de 4 (quatro) anos em que o acusado permaneceu encarcerado preventivamente. Perceba-se que o critério de fixação da pena continua sen­ do o trifásico de Nelson Hungria, visto que a detração somente será realizada pelo juiz sentenciante após a conclusão da dosimetria da pena e antes da fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade. Em outras palavras, para fins de fixação do regime inicial - e apenas para isso - , a detra­ ção deverá ser feita pelo juiz sentenciante tão somente após a fixação da pena definitiva. Esse raciocínio é extremamente importante para fins de cálculo da prescrição da pretensão punitiva ou executória, que deve continuar sendo feito com base na pena definitiva fixada na sentença condenatória, e não levando-se em consideração o quantum resultante do desconto inerente à detração. 20. Im possibilidade de realização da de­ tração pelo juiz do processo de conheci­ mento por ocasião da sentença: conquanto não conste qualquer ressalva do art. 387, §2°, do CPP, do que se poderia deduzir que a detração sempre deverá ser feita na sentença condenató­ ria para fins de determinação do regime inicial

3 gg

do cumprimento da pena, pensamos que, a depender do caso concreto, é possível que o juiz do processo de conhecimento abstenha-se de fazê-lo, hipótese em que esta análise deverá ser feita, ulteriormente, pelo juiz da execução, nos termos do art. 66, III, “c”, da LEP, que não foi revogado expressa ou tacitamente pela Lei n. 12.736/12. Explica-se: se a regra, doravante, é que a detração seja feita na própria sentença condenatória (CPP, art. 387, §2°), não se pode olvidar que, em certas situações, é pratica­ mente inviável exigir-se do juiz sentenciante tamanho grau de aprofundamento em relação à situação prisional do condenado. Basta supor hipótese de acusado que tenha contra si diver­ sas prisões cautelares decretadas por juízos diversos, além de inúmeras execuções penais resultantes de sentenças condenatórias com trânsito em julgado. Nesse caso, até mesmo como forma de não se transformar o juiz do processo de conhecimento em verdadeiro juízo da execução, o que poderia vir de encontro ao princípio da celeridade e à própria garantia da razoável duração do processo (CF, art. 5o, LXXVIII), haja vista a evidente demora que a análise da detração causaria para a prolação da sentença condenatória na audiência una de instrução e julgamento, é possível que o juiz sentenciante se abstenha de fazer a detração naquele momento, o que, evidentemente, não causará maiores prejuízos ao acusado, já que tal benefício será, posteriormente, analisado pelo juízo da execução. Para tanto, deverá o juiz do processo de conhecimento apontar, fundamentadamente, os motivos que invia­ bilizam a realização da detração na sentença condenatória.

Art. 388. A sentença poderá ser datilografada e neste caso o juiz a rubricará em todas as folhas.1 1. Uso da datilografia: nosso Código de Pro­ cesso Penal entrou em vigor em I o de janeiro de 1942. À época, a sentença era elaborada à mão pelo juiz. O art. 388 do CPP autorizava, no entanto, que a sentença fosse datilografada. Nesse caso, de modo a conferir autenticidade à sentença, via-se o magistrado obrigado a

rubricar todas as folhas da sua decisão. Hoje, a sentença pode ser datilografada e impressa por qualquer outro meio, em especial por com­ putador. Especificamente em relação à rubrica do juiz em todas as páginas da sentença (CPP, art. 388), há precedentes do STJ no sentido da irrelevância dessa formalidade: STJ, 6a Turma,

Art. 389

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

RHC 3.155/SP, Rei. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 08/11/1993, DJ 13/12/1993.

Art. 389. A sentença será publicada em mão do escrivão,''3 que la­ vrará nos autos o respectivo termo, registrando-a em livro especialmente destinado a esse fim. 1. Publicação da sentença: a publicação dá efetiva existência à sentença, tornando-a um ato processual. Enquanto não publicada, a sentença é mero ato particular do juiz, um estudo ou parecer privado, sem força vinculante. A sentença é tida como publicada quando adquire publicidade. Mas não há necessidade de que várias pessoas tomem conhecimento dela. Daí por que se considera que, na hipótese de sentença escrita, esta se considera proferida quando publicada em cartório, pois é nesse momento que passa a valer como ato jurisdicional, e não na data que consta da sentença (CPP, art. 381, VI). Em face do art. 389 do CPP, tem-se que a sentença será publicada no momento em que é recebida pelo escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo, registran­ do-a em livro especialmente destinado a esse fim. Formaliza-se, então, a publicação, com a juntada da sentença aos autos pelo escrivão e o termo por ele lavrado, e o seu registro com a transcrição em livro próprio. Portanto, não se deve confundir a publicação em cartório, que se dá quando a sentença é entregue nas mãos do escrivão, com a intimação das partes, a ser feita pessoalmente ou por meio de publicação na imprensa. A intimação das partes repre­ senta apenas o termo inicial para o exercício de um direito - o de recorrer - que preexiste, nascido no dia em que se proferiu o julgado. Na hipótese de decisões interlocutórias proferidas em audiência, ou das sentenças orais, entende-se que o ato processual se tornou público no momento em que proferido na presença das partes, hipótese em que as partes presentes à leitura serão consideradas como intimadas por esse ato (CPP, art. 798, §5°, “b”). Raciocínio semelhante será aplicável no caso de decisões colegiadas, tomadas em sessão de julgamento pelos tribunais, em que se considera proferida

a decisão no momento em que o presidente, de público, anuncia o resultado do julgamen­ to. De todo modo, subsiste nessas hipóteses a necessidade de lavratura do termo de juntada e o registro da sentença. -f Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) Interrupção da prescrição pela publicação da sentença condenatória. Publicação e intimação da sen­ tença de pronúncia (CPPM, art. 125, § 5o). A publicação da sentença ocorre q u an d o o escrivão a recebe do juiz (CPP, art. 389; CPPM , art. 125, § 5o, II), independente­ m ente de qualquer outra formalidade. A publicação da sentença prolatada por ó rgã o colegiado da Justiça castrense se dá na própria sessão de julgam ento, tal com o previsto no art. 389 do CPP, e não se confunde com a intim ação das partes, interrom pendo a prescri­ ção (CPM, art. 125, § 5o, II). Precedentes. Habeas corpus deferido". (STF, I aTurma, HC 103.686/RJ, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 07/08/2012).

2. Efeitos decorrentes da publicação da sentença: em se tratando de sentença penal condenatória, é oportuno lembrar que um dos efeitos da publicação será a interrupção da prescrição. De acordo com o art. 117, inciso IV, do CP, com redação determinada pela Lei n. 11.596/2007, o curso da prescrição é interrom­ pido pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis. Essa data da publi­ cação da sentença também é extremamente importante para fins de incidência (ou não) da causa de redução do prazo prescricional do art. 115 do CP, segundo o qual é reduzido de metade o prazo de prescrição quando o criminoso era, na data da sentença , maior de setenta anos. Logo, se o condenado completou 70 (setenta) anos entre a data da publicação da sentença penal condenatória e a do acórdão que a confirmou em sede de apelação, não se afigura possível a aplicação do art. 115 do CP. ♦

Jurisprudência selecionada:

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

STF: "(...) Extinção da

punibilidade. Prescrição da pre­

te n são punitiva. C o n ta g e m d o prazo pela m etade (art. 115, CP). Im possibilidade. Idade atingida entre a prolação da sentença condenatória e o acórdão que a confirm ou. C on stran gim en to ilegal não caracteri­ zado. O rdem denegada". (STF, 2a Turma, H C 107.398/ RJ, Rei. Min. Gilm ar M endes, j. 10/05/2011, DJe 097 23/05/2011).

STF:"(...) Condenação. Prescrição. Incidência d o art. 115 d o C ó d ig o Penal. Impossibilidade. Paciente com idade inferior a 70 (setenta) anos na data da sentença con­ denatória. Precedentes. O rdem denegada. Se g u n d o a jurisprudência majoritária da Corte, a regra d o art. 115 d o C ó d ig o Penal som ente é aplicada ao agente com 70 (setenta) an os na data da sentença condenatória. Entendim ento jurisprudencial proveniente da inter­ pretação literal d o art. 115 d o C ó d ig o Penal. Ordem denegada". (STF, 2aTurma, HC 129.696/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 19/04/2016, DJe 109 27/05/2016).

3. Esgotamento da instância: com a publi­ cação da sentença, o juiz de I a instância exaure sua função jurisdicional. Não é mais possível querer revê-la. Portanto, proferida a sentença, não se admite que o juiz modifique a essência da decisão em aspectos relacionados ao seu mérito, sendo vedado, inclusive, 0 reconheci­ mento de nulidades absolutas. Sobre o assunto, dispõe o art. 463 do CPC (art. 494 do novo CPC), aplicável subsidiariamente ao processo penal, que, uma vez publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I - para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo; II por meio de embargos de declaração. A título de exemplo, uma vez proclamado o resultado do julgamento e encerrada a prestação juris­ dicional no tocante à apelação, não se admite que, na sessão subsequente e, por meio de uma suposta questão de ordem, possa o Tribunal, ao alvedrio das partes, rejulgar o feito e proclamar resultado completamente diverso do anterior, sob pena de evidente afronta ao devido proces­ so legal. Destarte, em virtude do esgotamento da instância, efeito genérico da sentença penal absolutória ou condenatória, compreende-se que, uma vez proferida a decisão, não é mais permitido que o mesmo juízo a modifique, salvo nas seguintes hipóteses: a) correção de erros materiais: presente um erro material, a decisão pode (e deve) ser corrigida de imediato pelo magistrado, independentemente de pro­

339

vocação das partes. O conceito de erro material diz respeito à inexatidão da sentença quanto a aspectos objetivos, que não guardem relação com matéria jurídica, tais como um cálculo errado, a digitação errônea do nome das partes, etc.; b) oposição de embargos de declaração ( 1e m barguinhos): qualquer das partes poderá, no prazo de 2 (dois) dias, pedir ao juiz que de­ clare a sentença, sempre que nela houver obs­ curidade, ambiguidade, contradição ou omis­ são (CPP, art. 382); c) interposição de recurso com efeito regressivo: é sabido que certos recursos permitem que o juiz possa se retratar de sua decisão anterior antes de determinar sua remessa ao Tribunal competente (v.g., RESE). Logo, interposto recurso dotado desse efeito, é plenamente possível a modificação do sentido da decisão anteriormente prolatada. Apesar do esgotamento da instância, o juiz ainda mantém certas funções jurisdicionais no processo, tais como o juízo de admissibilidade recursal na primeira instância, a preparação de subida do recurso ao tribunal, a determinação de pro­ vidências para cumprimento da sentença se ela tiver eficácia imediata (v.g., colocação do acusado em liberdade na hipótese de sentença absolutória própria), etc. Como a prescrição é matéria prejudicial ao exame do mérito por constituir fato impeditivo do direito estatal de punir e extintivo da punibilidade do réu, pode (e deve) ser analisada de ofício em qualquer fase do processo (CPP, art. 61), ainda que após o esgotamento da instância. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) N os term os do art. 556 d o C ó d ig o de Processo Civil, o julgam e nto n os órgãos colegiados se encerra ap ó s a proclam ação d o resultado final pelo seu Pre­ sidente, não p o d e n d o haver nenhum a retificação de ofício ap ós o seu desiderato, so b pena de ofensa aos princípios do devido processo legal, da segurança ju­ rídica e d o contraditório. Precedente. Recurso especial provido". (STJ, 6a Turma, REsp 1.147.274/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 03/11 /2011).

STJ:"(...) A

análise da adm issibilidade d o recurso es­

pecial, realizada pelo Tribunal de origem , restringe-se ao exam e d o s requisitos form ais, não se p o d e n d o adentrar na matéria de fundo. A prescrição da preten­ são punitiva estatal, a qual enseja a extinção da puni­ bilidade, deve ser reconhecida, nos term os d o artigo 61, caput, d o C ó d ig o de Processo Penal, em qualquer

Art. 390

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

fase d o processo, de ofício. A declaração da prescrição

delineada, na m od alid ade intercorrente, pois entre

pelo Tribunal de origem , em sede de juízo de ad m is­

o últim o m arco interruptivo, publicação da sentença

sibilidade, não significa indevido incursionam ento no

condenatória, e o trânsito em ju lgad o, o qual não

con teú do d o recurso, mas, antes, caracteriza-se com o

havia ocorrido, im plem entou-se o lapso d o artigo 109

devida análise do s pressupostos d o recurso especial,

d o C ó d ig o Penal. Reclam ação julgada improcedente".

por se tratar de fato im peditivo ou extintivo d o direito

(STJ, 3a Seção, R d 4.515/SP, Rei. Min. Maria Thereza de

estatal de punir. A prescrição restou devidam e nte

Assis Moura, j. 27/04/2011).

Art. 390. O escrivão, dentro de três dias após a publicação, e sob pena de suspensão de cinco dias, dará conhecimento da sentença ao órgão do Ministério Público.1 1. Intimação do Ministério Público: a intimação do órgão ministerial deve ser feita

pessoalmente dentro de 3 (três) dias após a publicação.

Art. 391. O querelante ou o assistente será intimado da sentença, pessoalmente ou na pessoa de seu advogado.1 Se nenhum deles for en­ contrado no lugar da sede do juízo, a intimação será feita mediante edital com o prazo de 10 dias, afixado no lugar de costume.2 1. Intimação do querelante e do assistente: se o querelante ou o assistente tiverem advo­ gados constituídos, a intimação do profissional da advocacia poderá ser feita pela imprensa oficial, nos termos do art. 370, §1°, do CPP. Se, no entanto, o querelante e o assistente forem representados em juízo por um Defensor dativo ou por um Defensor Público, a intimação destes deve ser feita pessoalmente. De todo modo,

nada impede que o advogado, constituído ou não, peça vista dos autos no cartório e tome ci­ ência da sentença proferida, quando o escrivão certificará sua intimação pessoal. 2. Intim ação por edital: a parte final do art. 391 do CPP tornou-se inaplicável diante da disciplina adotada pelo art. 370 quanto às intimações dos atos processuais.

Art. 392. A intimação da sentença será feita:1'5 I - ao réu, pessoalmente, se estiver preso; II - ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar solto, ou, sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança; III - ao defensor constituído pelo réu, se este, afiançável, ou não, a in­ fração, expedido o mandado de prisão, não tiver sido encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça; IV - mediante edital, nos casos do no II, se o réu e o defensor que houver constituído não forem encontrados, e assim o certificar o oficial de justiça; V - mediante edital, nos casos do no III, se o defensor que o réu houver constituído também não for encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça; VI - mediante edital, se o réu, não tendo constituído defensor, não for encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça.

TlTULO XII -D A SENTENÇA

j

Alt. 392

§1° O prazo do edital será de 90 dias, se tiver sido imposta pena priva­ tiva de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, e de 60 dias, nos outros casos. §2° O prazo para apelação correrá após o término do fixado no edital, salvo se, no curso deste, for feita a intimação por qualquer das outras formas estabelecidas neste artigo. 1. Intim ação da sentença: a parte toma conhecimento do conteúdo da sentença com a intimação, podendo, então, aferir seus acertos e desacertos, bem como optar pela interposição (ou não) de eventual recurso. Daí a importân­ cia de se observar a forma de intimação de cada uma das partes envolvidas no processo penal, cuja inobservância pode acarretar o impedi­ mento do trânsito em julgado da sentença, considerando-se nulos os atos posteriores que tomarem como base o trânsito em ju l­ gado. Logo, caso a vítima tenha se habilitado em determinado processo como assistente da acusação, nenhum efeito poderá ser colhido de decisão que não a intime de seu conteúdo, a qual deve ser considerada nula de pleno direito, haja vista a violação ao princípio do contraditório. De fato, o contraditório e o devido processo legal também atingem aquele que tem direito material e expressou livremen­ te interesse em exercer seu direito de figurar como assistente da acusação. Logo, enquanto não levada a efeito a intimação do assistente, a decisão não se aperfeiçoa e, portanto, não há como se reconhecer o trânsito em julgado para a acusação. + Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) Direito d o assistente de acu sação de ser intim ado por ocasião da remessa d o s autos ao Juízo competente. Direito d o assistente de acusação devi­ dam ente habilitado de ser intim ado pelo Juízo com ­ petente para dizer se tem interesse em prosseguir no feito. N ão ocorrência de trânsito em ju lga d o para a acusação em razão da ausência de intim ação do as­ sistente. Ofensa ao princípio d o contraditório. Recurso em H C a que se nega provimento". (STF, 2aTurma, RHC 106.710/AM, Rei. Min. Gilm ar M endes, 29/03/2011).2

2. Autodefesa e necessidade de intimação do acusado: especificamente em relação à intimação do acusado, é bom lembrar que, de acordo com o art. 577, caput, do CPP, o recurso

poderá ser interposto pelo Ministério Público, ou pelo querelante, ou pelo réu, seu procurador ou seu defensor. Depreende-se da leitura desse dispositivo que, no processo penal, tanto o defensor quanto o acusado são legitimados, autonomamente, a interpor recursos. Assim, da mesma forma que o defensor pode interpor recurso em favor do acusado, ainda que contra sua vontade, o acusado também tem capacida­ de postulatória própria para interpor recursos, independentemente de advogado. Ora, se tanto o acusado quanto seu defensor são dotados de legitimidade para interpor recursos, isso significa dizer que ambos devem ser intimados de eventual sentença condenatória ou absolutória imprópria. Na hipótese de sentença absolutória imprópria, a intimação deve ser feita na pessoa do curador do acusado, sem prejuízo da obrigatória intimação do defensor. Todavia, na hipótese de sentença absolutória própria, a intimação da sentença pode ser feita pessoalmente ao acusado ou na pessoa de seu defensor ou procurador. Por isso, conside­ rada a sucumbência inerente a tais decisões, não foram recepcionadas pela Carta Magna as regras que permitem que a intimação de sentença condenatória (ou absolutória impró­ pria) seja feita apenas ao réu ou tão somente a seu defensor (v.g., CPP, art. 392, II). Apesar de certos incisos do art. 392 dispensarem a intimação do acusado solto em alguns casos, é pacífico o entendimento no sentido da obri­ gatória intimação do acusado, pessoalmente ou por edital (se não for encontrado) e do defensor, seja o acusado preso, revel, foragido ou em liberdade provisória e seja o defensor constituído ou dativo, em fiel observância ao princípio da ampla defesa, salvo na hipótese de sentença absolutória própria (sem imposição de medida de segurança), quando se admite a intimação de um ou outro. Destarte, caso não haja a intimação do acusado e de seu defensor,

Art. 392

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

a consequência será a nulidade absoluta do feito. Assim, ainda que seja certificado pela vara criminal a preclusão da via impugnativa, afigura-se cabível a interposição de apelação ou a impetração de habeas corpus objetivando a rescisão do trânsito em julgado da decisão judicial, e subsequente julgamento de eventual recurso que venha a ser interposto. Apesar de ser obrigatória a intimação do acusado, não há dispositivo legal que determine a necessi­ dade de o mandado de intimação de sentença condenatória ser acompanhado de um termo de apelação. Na verdade, em se tratando de acusado preso, tal providência é de todo re­ comendável, porquanto, em tal hipótese, o réu poderá ter maiores dificuldades em manter contato com seu defensor. Mas daí não se pode concluir que esse termo de apelação seja obrigatório. + Jurisprudência selecionada: S T J : "(...) N ão é necessária a intim ação pesso al da

3. Forma de intim ação d o acusado: em regra, o acusado deve ser intimado pessoal­ mente. Se o acusado estiver preso em outra unidade da federação, caberá ao juiz fazer expedir carta precatória, sendo inadmissível a intimação por edital. Portanto, a intimação por edital do acusado somente poderá ser feita na hipótese de não ter sido possível sua loca­ lização. O prazo desse edital, segundo o art. 392, §1°, do CPP, será de 90 (noventa) dias, se tiver sido imposta pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, e de 60 (sessenta) dias, nos outros casos. Havendo a necessidade de intimação do acusado por edital, o prazo para apelação correrá apenas após o término do fixado no edital, salvo se, no curso deste, for feita a intimação pessoal (CPP, art. 392, §2°). Se o acusado for preso durante o curso do prazo de dilação da intimação por edital da sentença condenatória, o edital fica prejudicado e a intimação deverá ser efetuada pessoalmente, nos termos do art. 3 9 2 ,1, do CPP.

sentença condenatória ao a d v o g a d o contratado pelo acu sado para defendê-lo, um a vez que é suficiente a publicação da decisão na im prensa oficial, desde que dela con ste m o s d a d o s necessários à identifi­ cação da causa. O acusado que respondeu solto ao processo, ain d a q u e p o ssu a de fe n sor constituído, deve ser intim ado pessoalm ente da condenação, sob pena de nulidade por violação ao princípio da am pla defesa. Ordem concedida para anular a certidão de trânsito em ju lga d o e determ inar a intim ação pessoal d o paciente sobre o édito condenatório, reabrindo-se o prazo para que p ossa adotar as m ed idas que

-f Jurisprudência selecionada: S T J : "(...) Im perioso o reconhecim ento da nulidade da intim ação d o acusado acerca da sentença condena­ tória, porquanto não realizadas diligências para sua localização, além de que, restando posteriorm ente custodiado, necessária seria a sua intim ação pessoal acerca d o resultado da ação penal em andam ento, em observância ao art. 5o, LV, da Constituição Federal. A doutrina se orienta no entendim ento de que, preso o réu durante o prazo d o edital, deverá ser intim ado pessoalm ente d o r. decreto condenatório, na form a

entender pertinentes". (STJ, 5a Turma, HC 160.557/SE,

d o art. 392, inciso i, CPP, restando prejudicada a in­

Rei. Min. Jorge Mussi, j. 25/05/2010, DJe 02/08/2010).

tim ação editalícia, conform e leciona JÚLIO FABBRINI

Se o acusado não for encontrado para ser intim ado

M IRABETE (in "Processo Penal, 10a ed., Atlas, fls. 470)

pessoalmente, deve ser intim ado por edital, salvo se

(HC 15.481/SP, Rei. M inistro Felix Fischer, Quinta Tur­

possuir a d v o ga d o constituído, ex vi d o art. 392, VI, do

ma, DJ 10/09/2001). Recurso ordinário provido, para

CPP. Nesse sentido: STJ, 6a Turma, H C 128.694/ES, Rei.

declarar a nulidade da ação penal, desde a intim ação

Min. Maria Thereza de Assis M oura, j. 27/09/2011, DJe

d o acusado da sentença condenatória". (STJ, 6aTurma,

13/10/2011 .Tratando-se de sentença absolutória, não

RH C 45.584/PR, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 03/05/2016,

ocorre nulidade na ausência de intim ação pessoal do

DJe 12/05/2016).

réu d o teor da decisão: STJ, 5aTurma, HC 111.698/MG, Rei. Min. Felix Fischer, j. 05/02/2009, DJe 23/03/2009.

S T F : "(...) N ão há qualquer dispositivo legal que d e ­ termine a necessidade de o m an d ad o de intim ação de sentença condenatória ser acom p an h ad o de um term o de apelação. A usência de c o n stran gim e n to ilegal. N e g a d o provim ento ao writ". (STF, 2aTurma, HC 93.120/SC, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 08/04/2008, DJe 117 26/06/2008).

4. Ordem cronológica para a intimação do acusado e de seu defensor: há quem entenda que o defensor deve ser intimado apenas após a intimação do acusado. Não é essa, contudo, a orientação que prevalece. De fato, segundo os Tribunais Superiores, desde que ambos sejam intimados, é de todo irrelevante saber quem

TÍTULO XII • DA SENTENÇA

foi intimado em primeiro lugar - acusado ou defensor. Destarte, considerando a necessidade de intimação do acusado e de seu defensor acerca do conteúdo de sentença condenatória ou absolutória imprópria, ressalvada a hipótese em que a decisão seja publicada na audiência una de instrução e julgamento à qual ambos estejam presentes, hipótese em que o prazo recursal começará a fluir para ambos a partir daquele momento, o prazo a ser considerado para interposição do recurso da defesa será sempre o mais extenso, ou seja, o que termi­ nar por último, independentemente de quem tenha sido intimado em primeiro lugar - acu­ sado ou defensor. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) É indiferente a ord em cro no ló gica para a intim ação d o réu e de seu defensor. (...) Em regra, em se tratando de a d v o ga d o constituído a intim ação dos atos processuais se dá por m eio de publicação no ór­ g ã o incum bido da publicação d o s atos judiciais, salvo disposição expressa em contrário. Em primeiro grau, a intim ação da decisão condenatória não pode, até por respeito ao disposto no art. 5o, inciso LV, da Carta M agn a, ser feita pela imprensa. E isto, porque a regra específica d o art. 392 d o CPP não foi revogada pela norm a geral d o art. 370, § § I o e 2o d o m esm o Codex (com a redação dada pela Lei n° 9.271/96. Precedentes. Todavia, tal procedim ento não é aplicável às decisões de se gu n d o grau. Recurso parcialmente provido". (STJ, 5a Turma, REsp 873.052/TO, Rei. Min. Felix Fischer, j. 15/03/2007, DJ 04/06/2007 p.421).

5. (Des) necessidade de intimação do acu­ sado acerca de decisões proferidas pelos Tribunais: a intimação pessoal (ou por edital) do acusado em conjunto com a do defensor pela imprensa oficial, quando se tratar de ad­ vogado constituído, ou pessoalmente, quando se cuidar de defensor público e defensor dativo - , só é exigível quando se tratar de condenação (absolvição imprópria) proferida em primeiro grau de jurisdição. Logo, em se tratando de decisões proferidas pelos Tribunais, a inti­ mação do acusado se aperfeiçoa com a mera publicação do respectivo decisório no órgão oficial de imprensa. Isso porque a legitimidade autônoma do acusado para interpor recursos está restrita à impugnação de decisões pro­ feridas no primeiro grau de jurisdição (v.g.,

Art. 392

para interpor apelações, recursos em sentido estrito, etc.), não sendo ele dotado de capaci­ dade postulatória autônoma para impugnar decisões proferidas pelos Tribunais (v.g., re­ cursos extraordinários, embargos infringentes ou de nulidade, etc). Nas hipóteses em que o Tribunal estiver funcionando como I o grau de jurisdição, ou seja, nos casos de compe­ tência originária dos Tribunais, pensamos que também não há necessidade de intimação do acusado, porquanto este não tem capacidade postulatória autônoma para interpor recursos contra acórdão condenatório proferido por Tribunais. Não obstante, há precedente da 5a Turma do STJ em sentido contrário, in verbis: “o fato de a sentença condenatória ter sido proferida por órgão colegiado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais não retira do acórdão o caráter de decisão final de pri­ meiro grau, pois este se equivale à sentença proferida pelo Juízo monocrático, em virtude de ser o primeiro decisum e não reexame de condenação. As regras dispostas no art. 392 do CPP devem se aplicadas ao caso, pois não se trata de julgamento de segundo grau, no qual é abrandada a obrigatoriedade de intimação pessoal do réu e de seu defensor para que a publicação do acórdão ocorra na imprensa ofi­ cial” (STJ, 5a Turma, HC 74.550/MG, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 17/05/2007, DJ 29/06/2007 p. 681). ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A intim ação pessoal a que se refere o art. 392, d o CPP só é exigível q u an d o se tratar de condenação proferida em primeiro grau de jurisdição. Por sua vez, em se tratando de decisões proferidas pelosTribunais, a intim ação d o réu se aperfeiçoa com a publicação d o respectivo decisório no ó rgão oficial de imprensa (Precedentes). O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 111.698/MG, Rei. M in. Felix Fischer, j. 05/02/2009, DJe 23/03/2009). N o sentido de não ser necessária a intim ação pessoal d o acu sado acerca de acórdão condenatório proferido no julgam e nto de apelação criminal: STJ, 5aTurma, HC 196.784/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 09/08/2011, DJe 26/08/2011; STJ, 5a Turma, HC 215.681/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 11/10/2011, DJe 28/10/2011. Em sentido contrário, de claran do a nulidade de processo no qual apenas o defensor dativo foi in tim ado de acórdão condenatório, sem a intim ação d o acusado: STF, 2a Turma, HC 105.298/ PR, Rei. Min. Gilm ar M endes, j. 31/05/2011, DJe 113

Art. 393

V

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

13/06/2011; STF, 2a Turma, H C 96.975/DF, Rei. Min. Gilm ar Mendes, 07/06/2011.

Art. 393. Revogado pela Lei n. 12.403/11.’ 1. Inclusão do nome do acusado no rol dos culpados: em sua redação original, o art. 393 do CPP dispunha serem efeitos da sentença condenatória recorrível ser o acusado preso ou conservado na prisão, assim nas infrações ina­ fiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança, além da inclusão de seu nome no rol dos culpados. Este rol dos culpados é um livro cartorário destinado à inclusão do nome de condenados, sua qualificação e referência ao processo em que foi proferida sentença conde­

»)

1092

natória. Tais dispositivos sempre foram tidos pela doutrina como não recepcionados pela Constituição Federal, porquanto contrários à regra de tratamento decorrente do princípio da presunção de inocência. Com o advento da Lei n. 12.403/11, houve a revogação expressa do art. 393. Destarte, conclui-se que, nos mesmos moldes que o cumprimento da pena, o lança­ mento do nome do acusado no rol dos culpados somente poderá ocorrer com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

DOS PROCESSOS EM ESPÉCIE1 5

DO PROCESSO COMUM Capítulo I DA INSTRUÇÃO CRIMINAL

Art. 394. O procedimento será comum ou especial. (Redação dada pela Lei n. 11.719/08). § 1° O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo:6 I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;

II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima comi­ nada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei. §2° Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo dis­ posições em contrário deste Código ou de lei especial.7 §3° Nos processos de competência doTribunal do Júri, o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código.8 §4° As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.9 §5° Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.10 1. Processo e procedimento: são expressões que não se confundem. O processo é uma

entidade complexa, que pode ser conceituado em sentido amplo (ou formal) e restrito (ou

Art. 394

V

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

substancial). Em sentido amplo, o processo consiste na combinação de atos tendentes a uma finalidade conclusiva. Na segunda acep­ ção, processo é o instrumento por meio do qual o Estado exerce a jurisdição, o autor o direito de ação e o acusado o direito de defesa, havendo entre seus sujeitos (partes e juiz) uma relação jurídica diversa da relação jurídica de direito material, qual seja, a relação jurídica processual, que impõe a todos deve­ res, direitos, ônus e sujeições. De seu turno, o procedimento é o modo pelo qual os diversos atos se relacionam na série constitutiva do processo, representando o modo do processo atuar em juízo. Enquanto o processo funciona como uma direção no movimento, ou seja, o movimento em sua forma intrínseca, o proce­ dimento é o modo de se mover e a forma em que é movido o ato, isto é, o procedimento é esse mesmo movimento, porém em sua forma extrínseca. Assim, enquanto o processo penal é formado por um conjunto de atos processuais que o levam da formulação da peça acusatória ao provimento final, geralmente uma sentença absolutória ou condenatória, o procedimento é o modo como esse processo se desenvolve, a forma como tramita, enfim, a sequência dos atos que se realizam no exercício da jurisdi­ ção, bem como a relação que se estabelece entre eles na série, que pode ser, no âmbito criminal, comum ordinário, comum sumário, comum sumaríssimo ou especial; escrito ou oral; sumário ou dilatado; com uma ou várias instâncias. Por isso, costuma-se dizer que o procedimento funciona como a medida do processo. Se, até bem pouco tempo atrás, era dominante o entendimento no sentido de que o procedimento funcionava apenas como a expressão externa do movimento processual, hoje o procedimento tem sido compreendido como expressão essencial da unidade do pro­ cesso. Primeiro, porque os atos que compõem o procedimento estão postos pela lei de forma sucessiva, um constituindo consequência do precedente e condição necessária do sucessivo, havendo, entre eles, uma ordem preestabelecida. Segundo, porque, apesar de permanecerem distintos, esses atos estão todos ordenados no sentido de se obter o mesmo resultado - a sentença - , dando cada um deles a devida contribuição para a consecução desse objetivo.

2. Fases procedimentais: em sede proces­ sual penal, pode-se dizer que o procedimento é composto de quatro fases distintas: a) postulatória: a primeira fase do procedimento abrange não apenas a acusação em si, oferecida pelo Ministério Público ou pelo querelante, mas também, eventualmente, atos de reação defensiva do acusado (v.g., defesa preliminar, quando a defesa tem a oportunidade de ser ouvida pelo juiz antes do recebimento da peça acusatória). Em sede processual penal, é bom lembrar que, antes do início do processo, é costume haver uma fase preliminar de inves­ tigações (v.g., inquérito policial, procedimento investigatório criminal), destinada à colheita de elementos informativos acerca da autoria e materialidade do fato delituoso. Essa fase, todavia, não integra o processo, não estando inserida na unidade procedimental; b) instrutória: é a fase na qual são produzidas as provas requeridas pelas partes ou determinadas, subsidiariamente, pelo juiz. A instrução do proces­ so não se resume à audiência una de instrução e julgamento (CPP, art. 400, caput), quando são ouvidos o ofendido, as testemunhas, os peritos e o acusado. Na verdade, desde a fase postulatória, acusação e defesa já trazem aos autos elementos informativos e provas (v.g., provas cautelares, antecipadas e não repetíveis), que se somarão, posteriormente, à prova produzida em juízo; c) decisória: nesta fase, objetivando form ar a convicção da entidade julgadora no sentido da condenação ou absolvição do acusado, as partes terão a oportunidade de se pronunciar quanto ao material probatório constante dos autos do processo (v.g., alegações orais). Na sequência, deve ser proferida pelo juiz a sentença, ato dotado de eficácia externa que resume todo o procedimento e constitui o seu resultado final, pelo menos na I a instância; d) recursal: às partes o ordenamento jurídico outorga instrumentos para impugnação de de­ cisões judiciais contrárias aos seus interesses, em fiel observância ao princípio do duplo grau de jurisdição, previsto expressamente na Con­ venção Americana sobre Direitos Humanos. 3. Procedimento e devido processo penal: o procedimento não pode ser estudado como uma simples ordenação de atos, sem qualquer

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

regramento. Em um Estado Democrático de Direito, que tem como princípio básico o do devido processo legal, o procedimento deve ser realizado em contraditório, dentro de um prazo razoável, e cercado de todas as garantias necessárias para que as partes possam susten­ tar suas razões, produzir provas, concorrendo para a formação do convencimento do ma­ gistrado. As diretrizes paradigmáticas para a estruturação de um procedimento processual penal justo, em primeiro grau de jurisdição, eficiente e afinado com as garantias do devido processo legal são listadas por Antônio Scarance Fernandes ( Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 45-46): a) o ato inicial do procedimento deve se dar por meio de acusação oferecida por sujeito distinto do juiz, incumbindo-lhe delimitar o fato que constitui o objeto do processo e do julgamento. Afinal, quem julga não pode assumir as fun­ ções reservadas à acusação e à defesa, sob pena de violação ao sistema acusatório (CF, art. 129, I); b) os atos do procedimento devem ser de­ senvolvidos de modo a proporcionar a atuação imparcial do juiz e a participação contraditória e igualitária das partes. Em síntese, as normas procedimentais devem garantir a ambas as partes tratamento isonômico, assegurando-lhes a ciência dos atos da parte contrária e a oportunidade de contrariá-los; c) na ordem procedimental, devem ser proporcionados à defesa meios eficazes para reagir à acusação formulada e aos atos praticados pelo órgão acusatório. Face o bem jurídico geralmente em disputa no âmbito criminal - a liberdade de locomoção - , o acusado não pode ser con­ denado sem que tenha podido exercer, com plenitude, a ampla defesa, que se subdivide, em sede processual penal, em defesa técnica e autodefesa. Portanto, ao levar em conta o contraditório no encadeamento dos atos pro­ cedimentais, a defesa deve ser posta sempre em condições de reagir à acusação, daí por que, em regra, atua sempre depois dela; d) durante o procedimento, devem ser reservadas fases especiais para que a acusação e a defesa possam provar as suas alegações, sendo certo que o julgamento só pode ser proferido após a produção de prova pelas partes e depois que

Art. 394

essas tenham se manifestado a respeito da prova realizada; e) realização do procedimento dentro de um prazo razoável: a Constituição Federal assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5o, LXXVIII). Esse direito a um julgamento no prazo razoável não pode ser entendido, todavia, como o direito a um processo que busque a celeridade processual a qualquer custo. Como observam Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró, o processo no prazo razoável não é o processo em sua celeri­ dade máxima. Na verdade, segundo os autores

(Direito ao Processo Penal no prazo razoável. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris: 2006. p. 44), “para se respeitar o direito ao processo no prazo razoável, a busca de celeridade não pode violar outras garantias processuais como a ampla defesa e o direito de a defesa possuir o tempo necessário para seu exercício adequado”. 4. V io lação às regras procedim entais: quanto às consequências decorrentes da ino­ bservância do procedimento fixado em lei, prevalece o entendimento de que eventual inversão de algum ato processual ou a ado­ ção, por exemplo, do procedimento comum ordinário em detrimento de rito especial con­ duz à nulidade do processo apenas se houver prejuízo à parte. Conquanto o princípio do devido processo legal compreenda a garantia ao procedimento tipificado em lei, não se ad­ mitindo a inversão da ordem processual ou a adoção de um rito por outro, entende-se que as regras procedimentais não possuem vida pró­ pria, servindo ao regular desenvolvimento do processo, possibilitando a aplicação do direito ao caso concreto. Por isso, em caso concreto em que um cidadão foi processado por abuso de autoridade perante o juízo comum, tendo em vista o fato de não haver juizado especial crim inal instalado na respectiva comarca, concluiu o STJ (STJ, 5a Turma, HC 127.904/ SC, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 03/05/2011, DJe 24/06/2011) que a ausência de prejuízo impe­ diría o reconhecimento da nulidade do feito. A uma, porque a não realização da audiência preliminar, nos termos dos arts. 71 e 72 da Lei n. 9.099/95, não acarretou prejuízos, já

Art. 394

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

que, em se tratando de crime de ação penal pública incondicionada, a eventual homolo­ gação da composição civil dos danos entre autor e vítima - finalidade da mencionada audiência - não obstaria o prosseguimento do processo criminal. A duas, porque o acusado não fazia jus aos institutos despenalizadores da transação penal e da suspensão condicional do processo. Ademais, o não oferecimento de defesa preliminar antes de ter sido recebida a denúncia e a realização do interrogatório antes da oitiva das testemunhas não teria causado qualquer prejuízo ao acusado. No fundo, con­ cluiu o STJ, a adoção do rito comum ordinário trouxera benefícios ao acusado, porquanto perm itira a utilização de maior amplitude probatória. Logo, não haveria motivo para se declarar a nulidade do feito. 5. Procedim ento ade qu ad o no caso de conexão e/ou continência envolvendo in­ frações penais sujeitas a ritos distintos: a fim de se determinar o procedimento a ser aplicado nas hipóteses de conexão e/ou con­ tinência envolvendo infrações penais sujeitas a procedimentos distintos, deve ser verificado, inicialmente, qual juízo exercerá força atrativa, nos termos do art. 78 do CPP. Isso porque, a depender do juízo com força atrativa, somente será possível a aplicação do procedimento ali observado. É o que ocorre no âmbito do Júri: se um crime de homicídio doloso for praticado em conexão com um delito de tráfico de dro­ gas, ambos os crimes serão julgados perante o Tribunal do Júri, face a regra do art. 7 8 ,1, do CPP. Por conseguinte, se se trata de processo de competência do Tribunal do Júri, o pro­ cedimento a ser observado é aquele previsto entre os arts. 406 a 497 do CPP. Na verdade, a controvérsia gira em torno das situações em que a força atrativa para julgar os delitos conexos e/ou continentes com procedimentos distintos recai sobre o juízo singular comum. Sem dúvida alguma, talvez o melhor exemplo seja aquele pertinente à prática de um crime comum (v.g., furto), sujeito ao procedimento comum ordinário, e o delito de tráfico de dro­ gas, submetido ao procedimento especial da Lei n. 11.343/06. Acerca do assunto, a antiga lei de drogas - Lei 6.368/76 - , hoje revogada, tra­

zia solução expressa para a questão, ao dispor em seu art. 28 que o procedimento a ser ado­ tado era o previsto para a infração mais grave. Caso fosse seguida a previsão literal do revo­ gado art. 28 da Lei 6.368/76, o procedimento a ser seguido seria, via de regra, o da Lei de Drogas, na medida em que a Lei n. 11.343/06 aumentou consideravelmente as penas dos crimes de tráfico. Não obstante, mesmo antes da revogação do art. 28 da Lei n. 6.368/76, esse dispositivo já era alvo de críticas por parte da doutrina, que não admitia que a mera gravida­ de da infração fosse determinante do rito a ser seguido, tendo em vista que o procedimento tem correlação direta com a amplitude do direito de defesa. Era nesse sentido a posição de Vicente Greco Filho: Tóxicos - Prevenção - Repressão. Comentários à Lei 10.409/2002 e à parte vigente da Lei 6.368/1976. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 177. Firmada a premis­ sa de que deve ser utilizado o procedimento mais amplo, indaga-se: qual procedimento seria mais amplo - o procedimento comum ordinário do Código de Processo Penal ou o procedimento trazido pela Lei 11.343/2006? A nosso ver, o procedimento mais amplo não é necessariamente o mais demorado, mas sim o que oferece às partes maiores oportuni­ dades para o exercício de suas faculdades processuais. Se é verdade que a lei de drogas prevê a denominada defesa preliminar (Lei n. 11.343/06, art. 55, caput), conferindo ao acusa­ do a oportunidade de se manifestar antes de o juiz receber a peça acusatória, por outro lado, uma vez iniciado o processo, o procedimento resume-se a uma audiência una de instrução e julgamento, na qual se tem, segundo o texto da lei, o interrogatório como primeiro ato da instrução probatória, seguido da oitiva das testemunhas, os debates finais e a prolação da sentença. Ademais, o número de testemunhas no procedimento comum ordinário pode ir até oito (CPP, art. 401), enquanto que na Lei de Drogas fica em apenas cinco (Lei n. 11.343/06, art. 55, § I o). Conclui-se, portanto, que o pro­ cedimento comum ordinário é mais amplo do que o procedimento previsto na Lei de Drogas, já que oferece maiores oportunidades para o exercício das faculdades processuais. Daí por que deve prevalecer nas hipóteses de conexão

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

e/ou continência com os crimes de tráfico de drogas. Com entendimento semelhante: MEN­ DONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008.256.

♦ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Atribuindo-se à acusada

a prática de crimes

diversos, algu n s previstos na Lei 11.343/06 e outros que observam o rito estabelecido no C ó d ig o de Pro­ cesso Penal, este deve prevalecer, em razão da m aior am plitude à defesa no procedim ento nele preconizado (Precedentes STJ). A não ad oção d o rito previsto na Lei n° 11.343/2006 não ocasionou prejuízo à paciente, pois além d o procedim ento ordinário ser o apropriado ao caso em com ento, a apresentação de defesa prelimi­ nar lhe foi oportunizada nos term os d o art. 396 da Lei Adjetiva Penal antes d o recebim ento da exordial acusatória, m otivo pelo qual não se constata a ocorrência de vício a ensejar a invalidação da instrução criminal. A inobservância d o rito procedimental previsto no art. 55 da Lei 11.343/2006, que estabelece a apresentação de defesa preliminar antes d o recebim ento da denúncia, im plica em nulidade relativa d o processo, razão pela qual deve ser arguida no m om ento oportuno, sob pena de preclusão. N ão logran do a defesa dem onstrar que foi prejudicada, im possível agasalhar-se a pretensão de anular o feito, pois no sistem a processual penal brasileiro nen hu m a nulidade será declarada se não restar com provado o efetivo prejuízo (art. 563 do CPP). (...) Writ parcialm ente conhecido e, nesta extensão, d e n e gad a a ordem". (STJ, 5a Turma, HC 204.658/SP, Rei. Min. Jorge Mussi.j. 20/10/2011, DJe 09/11/2011).

STJ: “(...) C on figu rado o concurso

material de crimes,

algu n s previstos na Lei Antitóxicos e outros cujo rito é o estabelecido no C ó d ig o de Processo Penal, este deve prevalecer, haja vista a m aior am plitude à defesa no procedim ento nele preconizado (Precedentes STJ). Ainda que se considerasse que o rito a ser ad otad o fos­ se o previsto na Lei n° 10.409/02, a sua inobservância implicaria em nulidade relativa d o processo. N ão há que se falar em prejuízo suportado pelo paciente, ten­ do em vista que o processo seguiu seu curso regular, de tal sorte que em tod as as fases lhe foi garantida am pla o portu n idade de defesa, porquanto lhe foi oportuni­ zada a apresentação de defesa antes d o recebimento da exordial acusatória, bem com o o seu interrogatório foi realizado na presença do seu a d vo gad o - ainda que som ente em m om e nto posterior ao recebim ento da denúncia. Adem ais, não houve qualquer alegação de irregularidade d o ato em m om e nto opo rtu n o - por­ quanto som ente veio ser arguida pela defesa em sede de apelação criminal - circunstâncias que evidenciam que a nulidade encontra-se fulm inada pela preclusão. N ão logrando a defesa dem onstrar que foi prejudicada, im possível agasalhar-se a pretensão de anular o feito, pois no sistema processual penal brasileiro nenhum a

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nulidade será declarada se não restar com p rovad o o efetivo prejuízo (art. 563 do CPP). (...) O rdem d e n e ­ gada". (STJ, 5a Turma, HC 170.379/PR, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 13/12/2011, DJe 01/02/2012).

STJ: "(...)

A inobservância d o rito procedim ental da

Lei n° 11.343/06 para o processam ento do s crimes ali previstos é causa de nulidade absoluta, por violação d o s princípios da am pla defesa e d o devido processo legal. Precedentes desta Corte e d o STF. Entretanto, no caso, o réu foi denunciado pela prática de crimes conexos, quais sejam, tráfico ilícito de entorpecentes e porte ilegal de arm a de uso permitido, sendo possível a ad oção d o procedim ento ordinário em seu próprio benefício. Conform e vem decidindo reiteradamente o SuperiorTribunal de Justiça, havendo conexão ou con­ tinência entre crimes afetos a procedim entos distintos, não há nulidade na ad oção d o rito ordinário, por ser m ais am plo, viabilizando ao paciente o exercício da am pla defesa de form a irrestrita. O rdem denegada". (STJ, 6aTurma, HC 118.045/RJ, Rei. Min. O g Fernandes, j. 24/08/2009, DJe 28/09/2009).

6. Classificação do procedimento comum: com a entrada em vigor da Lei n. 11.719 em 22 de agosto de 2008, houve alteração da forma de classificação do procedimento comum. Se, antes, a classificação do procedimento comum levava em consideração a natureza da pena (v.g., reclusão ou detenção), hoje se leva em conta a quantidade de pena cominada em abstrato ao delito, independentemente de sua natureza. De acordo com o art. 394, §1°, do CPP, o procedimento comum será: I - ordiná­ rio: quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; II - sumário: quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) e superior a 2 (dois) anos de pena pri­ vativa de liberdade; III - sumaríssimo: para as infrações penais de menor potencial ofensivo, assim compreendidas as contravenções penais e crimes com pena máxima não superior a 02 (dois) anos, cumulada ou não com multa, ressalvadas as hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher. Cuida-se do pro­ cedimento destinado à apuração das infrações penais de competência dos Juizados Especiais Criminais, consoante disposto no art. 61 da Lei n. 9.099/95. Portanto, se determinada infração penal não estiver sujeita a algum procedimento especial, seu procedimento será o comum or­ dinário, sumário ou sumaríssimo, a depender

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x CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

do quantum de pena cominado ao delito. Por exemplo, se se tratar do crime de furto simples (CP, art. 155, caput), cuja pena é de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, o proce­ dimento será o comum ordinário. Na hipótese do crime de homicídio culposo previsto no art. 121, §3°, do CP, cuja pena é de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, o procedimento será o comum sumário. Por derradeiro, em se tratan­ do de desacato (CP, art. 331), o procedimento será o comum sumaríssimo, visto que a pena cominada a tal delito é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa. 6.1. Concursos de crimes, qualificadoras, privilégios, causas de aumento e de dim i­ nuição de pena, agravantes e atenuantes: tendo em conta que a utilização do procedi­ mento comum é determinada a partir do quan­ tum de pena cominado ao delito, discute-se na doutrina acerca das hipóteses de concursos de crimes, qualificadoras, privilégios, causas de aumento e de diminuição de pena, agravantes e atenuantes. 6.1.1. Concursos de crimes: nesse caso, deve ser levado em consideração o quantum resul­ tante da somatória das penas, nas hipóteses de concurso material (CP, art. 69) e concurso formal impróprio (CP, art. 70, in fine), assim como a majoração resultante do concurso formal próprio (CP, art. 70, I a parte) e do crime continuado (CP, art. 71). A propósito, não se pode confundir a determinação do procedimento com a contagem da prescrição, que incide sobre cada delito isoladamente, nos termos do art. 119 do Código Penal. Raciocínio semelhante já vem sendo aplica­ do pelos Tribunais Superiores em relação à suspensão condicional do processo, com a diferença, todavia, de que o art. 89 da Lei n. 9.099/95 leva em consideração a pena mínima de 1 (um) ano, e não a pena máxima comi­ nada ao delito, como o faz o art. 394, §1°, do CPP, na hora de estabelecer o procedimento comum. De fato, de acordo com a súmula 723 do Supremo Tribunal Federal, “não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da in­ fração mais grave com o aumento mínimo de

1/6 (um sexto) for superior a 1 (um) ano”. Nos mesmos moldes, a súmula 243 do STJ preconi­ za que “o benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de 1 (um) ano”. Supondo-se um crime de homicídio culposo (CP, art. 121, §3°), cuja pena é de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, praticado em concurso material com o delito de ocultação de cadáver (CP, art. 211), cuja pena máxima é de 3 (três) anos de reclusão, deve ser aplicado o critério do cúmulo material do art. 69 do Código Penal. Logo, somando-se as penas máximas, atinge-se o patamar de 6 (seis) anos, razão pela qual o procedimento a ser aplicado será o comum ordinário. 6.1.2. Qualificadoras e privilégios: da mes­ ma forma que ocorre com as hipóteses de con­ curso de crimes, as qualificadoras e privilégios também devem ser levados em consideração na hora de se estabelecer o procedimento comum. Supondo, assim, a prática do crime de abandono de incapaz qualificado pelo re­ sultado lesão corporal de natureza grave (CP, art. 133, §1°), o procedimento comum a ser aplicado será o ordinário, porquanto a pena cominada para a figura qualificada em questão é de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. 6.1.3. Majorantes e minorantes: em se tra­ tando de causas de aumento e de diminuição de pena, deve-se atentar para o fato de que, nos termos do art. 394, §1°, do CPP, o procedimen­ to comum ordinário, sumário ou sumaríssimo é determinado com base no máximo da pena cominada ao delito. Logo, como o procedimen­ to é estabelecido com base na pena máxima, em se tratando de causas de aumento de pena, leva-se em consideração o quantum que mais aumente a pena; quando se tratar de causa de diminuição de pena, utiliza-se o quantum que menos diminua a pena. 6.1.4. Agravantes e atenuantes: não são levadas em consideração por ocasião da de­ term inação do procedimento comum. Em primeiro lugar, porque não há critério legal

TlTULO I • DO PROCESSO CO M U M

predeterminado de majoração ou diminuição da pena em virtude de sua incidência. Em segundo lugar, porque, a despeito da crítica de alguns doutrinadores, ainda prevalece o entendimento jurisprudencial de que agravan­ tes e atenuantes não precisam constar da peça acusatória (CPP, art. 385, in fine). 6.2. Ressalvas à aplicação do procedimen­ to comum: a despeito do disposto no art. 394, §1°, do CPP, há de se ficar atento a certas infrações penais, que não estão sujeitas a tais critérios, mesmo não estando submetidas a procedimentos especiais. 6.2.1. Infrações penais praticadas com vio­ lência doméstica e familiar contra a mulher: ainda que a pena máxima cominada seja igual ou inferior a 2 (dois) anos, a infração penal cometida no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher não será submetida ao procedimento comum sumaríssimo dos Jui­ zados Especiais Criminais, visto que a própria Lei Maria da Penha dispõe que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099/95” (Lei n. 11.340/06, art. 41). Portanto, tais infrações devem ser processadas e julgadas perante o juízo comum, ou, se houver, pela Vara especia­ lizada de Violência Doméstica e Familiar con­ tra a mulher, sendo o procedimento comum ordinário ou sumário determinado a partir do quantum de pena cominado ao delito, nos termos do art. 394, §1°, I e II, do CPP. 6.2.2. Crimes tipificados no Estatuto do Idoso cuja pena máxima não ultrapasse 4 (quatro) anos: de acordo com o art. 94 da Lei n. 10.741/03, o procedimento a ser adotado neste caso será o previsto na Lei n. 9.099/95, ou seja, o procedimento comum sumaríssimo. Como se percebe, fosse aplicável o disposto no art. 394, §1°, II, do CPP, o procedimento a ser utilizado para o crime com pena máxi­ ma inferior a 4 (quatro) anos seria o comum sumário. Porém, o art. 94 da Lei n. 10.741/03 é categórico no sentido de firmar a aplicação do procedimento comum sumaríssimo. Como se trata de lei especial, este dispositivo deve prevalecer sobre o quanto disposto no CPP.

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Outrossim, se a pena do crime tipificado no Estatuto do Idoso ultrapassar 4 (quatro) anos, tal delito deverá ser julgado perante o juízo comum, aplicando-se, todavia, o procedimento comum ordinário. Recentemente, o Supremo concluiu o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República (ADI 3.096, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 16/06/2010, DJe 16402/09/2010) em face do art. 94 da Lei n. 10.741/03. Para a Suprema Corte, referido dispositivo legal deve ser interpretado em favor do seu espe­ cífico destinatário - o próprio idoso - e não de quem lhe viole os direitos. Com isso, os infratores não poderão ter acesso a benefícios despenalizadores de direito material, como a transação penal, a composição civil dos danos ou conversão da pena. Somente se aplicam as normas estritamente procedimentais para que o processo termine mais rapidamente, em benefício do idoso. 6.2.3. Crimes falimentares: segundo o art. 185 da Lei n. 11.101/05, recebida a denúncia ou a queixa, observar-se-á o rito previsto nos arts. 531 a 540 do Código de Processo Penal. Tais dispositivos legais, inseridos no Capítulo V (“Do processo sumário”) do Título II (“Dos pro­ cessos especiais”) do Livro II (“Dos processos em espécie”) versavam sobre o procedimento sumário. Com o advento da Lei n. 11.719/08, esse Capítulo V continua a tratar do procedi­ mento comum sumário, porém seu rito está compreendido apenas entre os arts. 531 e 536. Destarte, diante do teor do art. 185 da Lei n. 11.101/05, tratando-se de crime falimentar, o procedimento a ser observado será o comum sumário, ainda que a pena cominada ao delito seja inferior, igual ou superior a 4 (quatro) anos. À evidência, se o crime falimentar tiver pena máxima não superior a 2 anos, a exemplo do que ocorre com o delito de omissão de docu­ mentos contábeis obrigatórios (Lei n. 11.101/05, art. 178), logo, infração de menor potencial ofensivo, sujeitar-se-á ao procedimento comum sumaríssimo previsto na Lei n. 9.099/95. 6.2.4. Crimes previstos na nova Lei das Or­ ganizações Criminosas e infrações conexas: o art. 22, caput, da Lei n. 12.850/13, dispõe

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cpp COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

expressamente que os crimes previstos nesta Lei e as infrações penais conexas serão apurados mediante procedimento ordinário previsto no Código de Processo Penal. Como se percebe, de modo a permitir a adoção de um procedi­ mento mais amplo, que melhor assegure às partes o exercício de suas faculdades proces­ suais, o legislador instituiu o procedimento comum ordinário como regra para os crimes previstos na Lei n. 12.850/13 e para as infrações conexas, independentemente do quantum de pena a eles cominados. Apesar de o legislador ter determinado a sujeição ao procedimento comum ordinário de todos os crimes previstos na Lei n. 12.850/13, não consta do texto legal qualquer restrição à aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/95 (v.g., transação penal, suspensão condicional do processo, etc.). Nesse ponto, a nova Lei das Organizações Criminosas diferencia-se da Lei Maria da Penha, que tem dispositivo expresso vedando a aplicação da Lei n. 9.099/95 (Lei n. 11.340/06, art. 41). Logo, se não há qualquer vedação legal, nada impede a concessão da transação penal para o crime do art. 21 da Lei n. 12.850/13, já que a pena a ele cominada é de reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, desde que preenchidos os demais pressupostos. No mesmo contexto, se à infra­ ção penal for cominada pena mínima igual ou inferior a 1 (um) ano - é o que ocorre com os crimes dos arts. 18, 19, 20 e 21 da Lei n. 12.850/13 - , é cabível a suspensão condicional do processo (Lei n. 9.099/95, art. 89), pelo menos em tese. Noutro giro, em conformidade com a competência constitucional do Tribunal do Júri (art. 5o, X X X V III, “d”), se um crime doloso contra a vida for cometido em conexão e/ou continência com um crime previsto na Lei n. 12.850/13, a força atrativa será exercida pelo Tribunal do Júri. Logo, o rito procedimental a ser aplicado é aquele previsto entre os arts. 406 e 497, e não o procedimento comum ordinário.7 7. Procedim entos especiais: os procedi­ mentos são divididos em duas grandes classes, quais sejam, especiais e comuns. Procedimento especial é aquele previsto no CPP ou em leis especiais para hipóteses específicas, incorpo­ rando regras próprias de tramitação do feito

de acordo com as peculiaridades da infração penal. Exemplos: procedimento especial dos crimes dolosos contra a vida (CPP, art. 406 a 497); procedimento especial dos “crimes de responsabilidade” dos funcionários públicos (CPP, arts. 513 a 518); procedimento especial da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06); procedi­ mento especial dos crimes contra a honra não submetidos à competência dos Juizados (CPP, arts. 519 a 523); procedimento originário dos Tribunais (Lei n. 8.038/90). Procedimento comum, por sua vez, é o rito padrão previsto no CPP para ser aplicado subsidiariamente, ou seja, é o procedimento a ser utilizado para as infrações penais que não possuem procedi­ mento especial previsto em lei. É nesse sentido, aliás, o teor do art. 394, §2°, do CPP. 8. Procedimento especial dos crimes dolo­ sos contra a vida: o procedimento do Tribunal do Júri é especial, e não comum. Por consequ­ ência, a ele são aplicáveis as regras constantes dos arts. 406 a 497 do CPP. 9. Aplicação dos arts. 395 a 397 do CPP a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados pelo CPP: especial atenção deve ser dispensada ao art. 394, §4°, do CPP. Por força desse dispositivo, ainda que determinado crime esteja sujeito a um procedimento especial previsto no Código de Processo Penal ou na legislação extravagan­ te (v.g., drogas), se se tratar de procedimento penal de primeiro grau, a ele serão aplicáveis as disposições dos arts. 395 (causas de rejeição da peça acusatória), 396 (recebimento da peça acusatória e citação do acusado), 396-A (res­ posta à acusação) e 397 (absolvição sumária). Deixamos de fazer menção ao art. 398, citado no art. 394, §4°, porquanto referido artigo foi revogado pela Lei n. 11.719/08. 10. Aplicação subsidiária do procedimen­ to com um ordinário aos procedim entos especial, sum ário e sum aríssim o: as dis­ posições do procedimento comum ordinário são aplicáveis subsidiariamente aos procedi­ mentos especiais e ao rito comum sumário e sumaríssimo. Perceba-se que o procedimento comum ordinário será aplicado apenas a título subsidiário, ou seja, apenas quando o referido

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

procedimento for omisso acerca de determi­ nada matéria. A título de exemplo, como o procedimento especial da Lei de Drogas prevê expressamente a realização do interrogatório logo no início da instrução probatória, não há falar em aplicação da regra do procedimento comum ordinário prevista no art. 400 do CPP, que prevê que o interrogatório deve ser feito ao final da audiência una de instrução e julga­ mento. Por força do princípio da especialidade, como não houve lacuna por parte do referido procedimento, não se pode admitir a utilização

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do procedimento comum ordinário, que só pode ser aplicado aos demais procedimentos a título subsidiário. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T J : "(...) O regram ento específico estabelecido no art. 57 da Lei n. 11.343/2006 prevalece sobre a regra geral d o C ó d ig o de Processo Penal, se nd o legítim o o interrogatório d o réu antes da oitiva das testem unhas (precedentes d o STJ e d o STF). H ab eas corpu s em parte prejudicado e, no mais, não conhecido". (STJ, 6a Turma, HC 245.752/SP, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20/2/2014).

Art. 394-A. Os processos que apurem a prática de crime hediondo terão prioridade de tramitação em todas as instâncias. (Incluído pela Lei n° 13.285, de 2016). 1. Prioridade de tramitação d os processos que apuram a prática de crimes hediondos: no dia 11 de maio de 2016 entrou em vigor a Lei n. 13.285, que acrescentou ao Código de Processo Penal o art. 394-A. Trata-se de mais uma norma programática, fruto de um Direito Penal simbólico, que pretende dar ao cida­ dão uma falsa impressão de que a tramitação prioritária de processos referentes a crimes hediondos poderá resolver o problema da criminalidade do país. Apesar de o art. 394-A

referir-se apenas aos processos que apurem a prática de crime hediondo, parece-nos perfeitamente possível, a título de analogia, a aplicação de seus dizeres a processos atinentes aos crimes equiparados a hediondos - tráfico de drogas (Lei n. 11.343/06), terrorismo (Lei n. 13.260/16) e tortura (Lei n. 9.455/97). Afinal, como se trata de norma genuinamente pro­ cessual, não há qualquer óbice ao emprego da analogia, nos termos do art. 3o do CPP.

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:1*'3 (Redação dada pela Lei n. 11.719/08). I - for manifestamente inepta;4 II - faltar pressuposto processual5ou condição para o exercício da ação penal;6*ou

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.7 Parágrafo único. (Revogado).8 1. Rejeição (ou não recebimento) da peça acusatória: os incisos do art. 395 do CPP apontam as causas de rejeição da peça acusa­ tória. Há posição doutrinária (minoritária) que entende que existe diferença entre rejeição e não recebimento da peça acusatória. A rejei­ ção seria equivalente ao próprio julgamento antecipado do mérito, fazendo coisa julgada formal e material; o não recebimento não seria

um obstáculo à repropositura da ação, desde que satisfeita a condição. Assim, o recurso de apelação seria cabível contra a rejeição, já que há efetiva análise do mérito; o recurso em sentido estrito seria cabível em face do não recebimento da peça acusatória. Nessa linha: BOSCHI, José Antônio Paganella. Ação penal: denúncia, queixa e aditamento. 3a ed. Rio de Janeiro: AIDE, 2002, p. 233. Hoje, já não há

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mais controvérsias, já que o art. 395, inciso I, do CPP, aponta a inépcia da peça acusatória como causa de rejeição, sendo cabível, portanto, o recurso em sentido estrito (CPP, art. 5 8 1 ,1). 2. Rejeição parcial da peça acusatória: é perfeitamente possível a rejeição parcial da peça acusatória. A título de exemplo, suponha-se que o Ministério Público ofereça denúncia em relação a dois delitos. É possível que haja lastro probatório suficiente quanto a um deles, não havendo justa causa quanto à outra imputação. Em tal hipótese, deve o juiz receber a denúncia quanto à imputação cujas condições da ação estão presentes, rejeitando-a quanto à outra. Todavia, se acaso novos elementos pro­ batórios quanto à imputação que foi objeto de rejeição venham à tona no curso da instrução processual, nada impede o aditamento da peça acusatória ou o oferecimento de nova denúncia ou queixa. Caberá recurso em sentido estrito contra a rejeição parcial da peça acusatória (CPP, art. 5 8 1 ,1). 3. Recurso cabível contra a rejeição da peça acusatória: de acordo com o art. 581, inciso I, do CPP, caberá recurso em sentido estrito contra a decisão que não receber a de­ núncia ou a queixa. Especial atenção deve ser dispensada à Lei n. 9.099/95, que prevê que, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, caberá apelação contra a decisão de rejeição da denúncia ou queixa (art. 82, caput), apelação esta que deve ser interposta no prazo de 10 (dez) dias.4 4. Inépcia da peça acusatória: de acordo com o art. 41 do CPP, a peça acusatória deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas. Nem sempre a inobservância de um dos requisitos do art. 41 do CPP autoriza o reconhecimento da inépcia da peça acusatória. Exemplificando, se ausente o rol de testemunhas da denúncia, por entender o órgão ministerial que a auto­ ria e a materialidade do fato delituoso estão comprovadas por vasta prova documental, a

peça acusatória deve ser recebida. A incorreta classificação do crime também pode ser objeto de posterior emendatio libelli, independente­ mente de posterior aditamento, nos termos do art. 383 do CPP. Logo, também não pode dar ensejo à rejeição da peça acusatória. Todavia, se ausente a qualificação do acusado, ou se a peça acusatória não descrever o fato delituoso, deve o magistrado rejeitar a peça acusatória. 4.1. Inépcia formal e material: a inépcia da peça acusatória pode ser formal ou material. Inépcia form al ocorre quando a peça acusató­ ria não preenche os requisitos obrigatórios do art. 41 do CPP (v.g., denúncia com narrativa defeituosa do fato delituoso), dando ensejo à rejeição com base no art. 3 9 5 ,1, do CPP. Por outro lado, a inépcia material se dá quando não há justa causa para a ação penal, ou seja, quando a peça acusatória não está respaldada por aquele lastro probatório mínimo indispen­ sável para a instauração de um processo penal, hipótese em que a rejeição da peça acusatória terá como fundamento o inciso III do art. 395. ♦

J u r is p r u d ê n c i a s e le c i o n a d a :

ST J:"(...) O sim ples fato de o paciente estar na direção de veículo autom otor no m om e nto d o acidente não autoriza a instauração de processo criminal pelo delito de hom icídio culposo, porquanto o ó rgã o ministerial n ão narrou a in ob servâ n cia d o dever objetivo de cuid ado e a sua relação com a m orte da vítima, de form a b astante para a d e flagração da ação penal. A im putação, da form a c o m o foi feita, representa a im posição de indevido ô nu s d o processo ao paciente, ante a ausência da descrição de tod os o s elem entos necessários à responsabilização penal decorrente da m orte d o operário. O rdem não conhecida. H abeas corpus concedido, de ofício, para declarar a inépcia denúncia e anular, ab initio, o Processo n. 001569960.2014.815.2002, da 7a Vara Criminal da Com arca da Capital/PB, sem prejuízo de que seja oferecida nova denúncia em desfavor d o paciente, com estrita obser­ vância d o s ditam es previstos no art. 41 d o C ó d ig o de Processo Penal". (STJ, 6aTurma, HC 305.194/PB, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 11/11/2014, DJe 1°/12/2014).

4.2. M om ento oportuno para a arguição da inépcia da peça acusatória: de acordo com os Tribunais Superiores, eventuais ví­ cios da denúncia ou queixa só podem ser reconhecidos até o momento da sentença. Se

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

não houver a arguição da inépcia formal da peça acusatória até a prolação da sentença, entende-se que tais vícios não mais podem ser alegados, só tendo cabimento discutir-se a nulidade da sentença. Apesar da orientação jurisprudencial, grande parte da doutrina en­ tende que há vícios incidentes sobre formalida­ des essenciais da peça acusatória que não estão sujeitos à convalidação, tais como a omissão de elementar do tipo penal. Eventual ausência de impugnação oportuna da defesa quanto a falhas da denúncia ou da queixa relativos ao substrato nuclear da imputação não pode prejudicar o acusado, sendo inviável cogitar-se de sanação da nulidade pela prolação da sentença. Ou seja, o defeito que não permite a identificação do fato objeto da acusação não está sujeito à convalidação, porquanto não delimita a matéria submetida a julgamento, inviabilizando o exercício do contraditório e da ampla defesa. + Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A arguição de inépcia da denúncia está cober­ ta pela preclusão quando, c o m o na espécie, aventada após a sentença penal condenatória, o que som ente não ocorre q u an d o a sentença vem a ser proferida na pendência de habeas corpus já em curso. Precedentes. Denúncia que contém "a exposição d o fato criminoso, com todas as suas circunstâncias", com adequada in­

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395

processo penal c o m o tam bém para a própria con de ­ nação" (HC n. 88.963/RJ, Relator M inistro Carlos Britto, DJ de 11/4/2008). Im petração não conhecida". (STJ,

6 a Turma, H C 122.296/MG, Rei. Min. O g Fernandes, j. 16/10/2012).

4.3. Coisa julgada: a rejeição da peça acu­ satória com fundamento no art. 395, inciso I, do CPP, só faz coisa julgada formal, na medida em que não há anáhse do mérito da imputação. Diante dela, a parte acusadora tem a opção de recorrer em sentido estrito (CPP, art. 5 81,1), ou oferecer nova peça acusatória, desta vez com fiel observância dos requisitos do art. 41 do CPP. Como exposto anteriormente, até o ad­ vento da Lei n. 11.719/08, parte minoritária da doutrina sustentava que a não observância do art. 41 do CPP dava ensejo ao não recebimento da peça acusatória, hipótese em que o recurso a ser interposto seria o RESE (CPP, art. 5 8 1 ,1), ou o ajuizamento de nova denúncia ou queixa, desde que sanados os defeitos da inicial acusa­ tória. Hoje, já não há mais controvérsias, já que o art. 395, inciso I, do CPP, aponta a inépcia da peça acusatória como causa de rejeição, sendo cabível, portanto, o recurso em sentido estrito (CPP, art. 5 8 1 ,1). Nesse contexto: LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Confor­ midade Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. v. 1, p. 386.

dicação da conduta ilícita im putada aos recorrentes, de m o d o a propiciar a eles o pleno exercício d o direito de defesa (art. 41 do C ó d ig o de Processo Penal). (...) Recurso ao qual se nega provimento". (STF, I a Turma, RHC 98.091/PB, Rei. Min. Cárm en Lúcia, j. 16/03/2010, DJe 67 15/04/2010).

STF:"(...) A jurisprudência d o

Su p rem o Tribunal é no

sentido de que a questão da inépcia da denúncia está coberta pela preclusão q uando, c o m o na espécie, venha a ser aventada ap ó s a sentença penal condena­ tória, o que som ente não ocorre q u an d o a sentença vem a ser proferida na pendência de habeas corpus já em curso. Precedentes. A denúncia preenche, ademais, de form a suficiente, to d o s o s requisitos d o art. 41, do C ó d ig o de Processo Penal, em bora não seja exaustiva, o que, entretanto, não configura nulidade. (...) Ordem denegada". (STF, 1aTurma, RHC 99.787/RJ, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 14/09/2010, DJe 223 19/11 /2010).

STJ:"(...) consoante

entendim ento das Cortes Su p e ­

riores, a alegação de inépcia da denúncia perde força diante da superveniência de sentença condenatória, "título jurídico que afasta a dúvida quanto à existência de elementos suficientes não só para a inauguração do

5. Falta de p ressuposto processual: de acordo com o art. 395, inciso II, I a parte, do CPP, a denúncia ou queixa também deve ser rejeitada quando faltar pressuposto processual. Os pressupostos processuais subdividem-se em pressupostos processuais de existência e de validade da relação processual. A diferença en­ tre tais pressupostos é destacada por Marcellus Polastri Lima (Manual de processo penal. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 156): “a falta de um pressuposto de existência implica na virtual inexistência do processo, que será, assim, um nada jurídico. Tal, portanto, é um vício mais grave do que a nulidade, pois, enquanto esta em alguns casos pode ser sa­ nada, e sempre será exigido um instrumento legalmente previsto para sua decretação, a inexistência não precisa ser declarada e nem admite sanatória. Simplesmente aquele ato ou

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processo nunca existiu no mundo jurídico. Já a falta de um pressuposto de validade, como é intuitivo, só desafia a nulidade, que deverá sempre ser declarada, através de provocação de instrumento próprio, sendo certo que o ato anulável produz efeitos até que se dê a nulidade”. 5.1. Pressupostos processuais de existên­ cia: a) dem anda veiculada pela peça acusatória, onde se exteriorize uma pretensão punitiva: para que surja a relação processual penal, a pretensão punitiva deve ser deduzida perante o Poder Judiciário através da denúncia ou da queixa. Ao tecermos comentários aos princípios da ação penal, foi visto que ao juiz não é dado iniciar um processo de ofício (ne procedat iudex ex officio). Portanto, diante da adoção do sistema acusatório pela Consti­ tuição Federal (art. 129, I), distinguindo as funções de acusar, defender e julgar, é neces­ sária a iniciativa da parte para que se instaure a atividade jurisdicional. Logo, figurando a necessidade de demanda como pressuposto processual de existência, conclui-se que a falta de denúncia ou queixa não caracteriza, tec­ nicamente, uma nulidade, como prevê o art. 564, II, alínea “a”, do CPP, mas sim verdadeira inexistência do processo; b) órgão investido de jurisdição: o órgão jurisdicional em que se origina e se desenvolve o processo deve ser dotado de jurisdição, sob pena de verdadeira inexistência do processo. Supondo, assim, que um não juiz (v.g., juiz aposentado) profira deci­ sões em vários processos, tais feitos devem ser tidos por inexistentes; c) presença de partes que possam estar em juízo: a capacidade de ser parte também é exigida como pressuposto de existência de um processo. A capacidade de ser parte deriva da personalidade, consistindo na capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações (CC, art. I o). No âmbito processual penal, além de pessoas físicas e jurídicas, é in­ teressante perceber que alguns “entes” também são considerados como pessoas formais. É o que ocorre, por exemplo, com as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídi­ ca, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código

de Defesa do Consumidor, a quem o CDC atribui legitimidade não só para figurar como assistente do Ministério Público, como tam­ bém para ajuizar queixa-crime subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal (Lei n. 8.078/90, art. 82, III, c/c art. 80). 5.2. Pressupostos processuais de validade: dizem respeito, sobretudo, à inexistência de ví­ cio ou defeito de atos processuais e à questão da originalidade da demanda. Como exemplos de falta de pressupostos de validade, é comum se referir à perempção, à litispendência ou à coisa julgada. Também costumam ser apontados como pressupostos de validade a necessidade de se ter um juiz competente e imparcial (au­ sência de causas de suspeição, impedimento ou incompatibilidade), legitimidade adprocessum, capacidade postulatória, citação válida, observância das exigências legais atinentes aos requisitos da denúncia ou queixa (CPP, art. 41), e outros elementos cuja inobservância possa conduzir à nulidade do feito. Importante dei­ xar consignado que a capacidade de ser parte não se confunde com a capacidade processual (legitimatio ad processum), fenômeno rela­ cionado à capacidade de estar em juízo, tida como pressuposto processual de validade. Essa capacidade processual refere-se à capacidade de exercer direitos e deveres processuais, ou seja, de praticar validamente atos processuais. É o que ocorre com um ofendido menor de 18 (dezoito) anos, que não tem capacidade processual para oferecer queixa-crime, ra­ zão pela qual sua incapacidade é suprida por seu representante legal. Esse representante processual age em nome alheio na defesa de interesse alheio, não sendo considerado parte no processo, mas mero sujeito que dá à parte capacidade para que esteja em juízo. 6. Falta de condições para o exercício da ação penal: consoante dispõe o art. 395, in­ ciso II, infine, do CPP, a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar condição para o exercício da ação penal. Tradicionalmente, a doutrina aponta como condições genéricas da ação penal a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimatio ad causam, sen­ do que há controvérsias quanto à verdadeira

TITULO I • DO PROCESSO C O M U M

natureza jurídica da justa causa, hoje inserida de maneira autônoma como causa de rejeição da peça acusatória no inciso III do art. 395 do CPP. Para mais detalhes acerca de cada uma delas, remetemos o leitor aos comentários ao art. 24 do CPP. A ausência das condições da ação penal, sejam elas genéricas, sejam elas específicas (v.g., representação do ofendido, requisição do Ministro da Justiça), enseja a rejeição da peça acusatória, com fundamento no art. 395, II, infine, do CPP. Exemplifican­ do, a peça acusatória pode ser rejeitada com base no art. 395, II, 2a parte, tanto nos casos de ilegitimidade ad causam ativa, quando, por exemplo, o Promotor de Justiça oferece de­ núncia em crime de ação penal privada, como também na hipótese de ilegitimidade ad cau­ sam passiva, quando o MP ou o ofendido, após descreverem a conduta delituosa praticada por uma pessoa, imputam-na, equivocadamente, a outra pessoa (v.g., testemunha). Também se admite a rejeição da peça acusatória com base na ilegitimidade adprocessum, quando, a título de exemplo, uma pessoa com menos de 18 (dezoito) anos oferecer queixa-crime, já que, segundo o próprio art. 395, inciso II, I a parte, do CPP, a ausência de pressuposto processual de validade também enseja a rejeição da ini­ cial. Em ambas as hipóteses - ilegitimidade ad causam e ad processam a rejeição da peça acusatória só fará coisa julgada formal. Corrigida a falha, a ação poderá ser novamente intentada. 6.1. Im possibilidade jurídica do pedido e presença de hipótese autorizadora da absolvição sumária: em relação à rejeição da peça acusatória com base na ausência das condições da ação, especial atenção deve ser dispensada à possibilidade de absolvição su­ mária introduzida no procedimento comum pelo art. 397 do CPP. De acordo com o referido dispositivo, após o recebimento da peça acusa­ tória e respectiva citação, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar a presença manifesta de causa excludente da ilicitude, da culpabilidade, salvo inimputabilidade, atipicidade ou causa extintiva da punibilidade. Por força dessa possibilidade de julgamento antecipado do processo, indaga-se: o que fazer

y

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se o juiz, por ocasião do oferecimento da peça acusatória, já entende que está presente, por exemplo, uma causa excludente da ilicitude? Poderá, desde já, rejeitar a peça acusatória? Ou deve recebê-la, determinando a citação do acusado para apresentar resposta à acusação, para somente então absolvê-lo sumariamente com fundamento no art. 397 do CPP? A nosso juízo, a par da evidente violação ao direito à razoável duração do processo e aos princípios da celeridade e da economia processual, seria um enorme contrassenso exigir-se do juiz que recebesse a peça acusatória se, desde já, estivesse plenamente convencido de que a conduta prati­ cada pelo agente é manifestamente atípica, que está presente uma causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade (salvo a inimputabilidade), ou que está extinta a punibilidade. Nessa situ­ ação, o caminho natural é a rejeição da peça acusatória com base no art. 395, II, do CPP, seja com fundamento na impossibilidade jurídica do pedido, à luz da doutrina tradicional, seja por conta da ausência da condição da prática de fato aparentemente criminoso, segundo a doutrina processual penal própria das condições da ação penal - no caso da presença de causa extintiva da punibilidade, a condição ausente seria a pu­ nibilidade concreta, à luz dessa mesma doutri­ na. Em síntese, se a atipicidade, descriminante, exculpante (salvo inimputabilidade), ou causa extintiva da punibilidade estiverem cabalmente demonstradas no momento em que é oferecida a denúncia ou queixa, e desde que haja um juízo de certeza acerca de sua presença, deve o juiz rejeitar a peça acusatória, com fundamento no art. 395, II, do CPP, porquanto ausente uma das condições da ação penal (possibilidade jurídica do pedido, à luz da doutrina tradicional). Se, todavia, a convicção do juiz sobre a atipicidade, presença de causa excludente da ilicitude, causa excludente da culpabilidade (salvo inimputa­ bilidade), ou causa extintiva da punibilidade somente for atingida após a resposta à acusação (CPP, art. 396-A), com anterior recebimento da peça acusatória, deve o juiz absolver sumaria­ mente o acusado, nos exatos termos do art. 397 do CPP. Nesse caso específico, e independente­ mente da corrente que se queira adotar quanto às condições da ação penal, haverá análise do mérito pelo magistrado. Logo, a decisão de

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro

rejeição da peça acusatória fará coisa julgada formal e material, nos mesmos moldes do que ocorre, por exemplo, com o arquivamento do inquérito policial com base na atipicidade da conduta delituosa.

de

L im a

revela-se necessária inclusive quando se trata de infração de menor potencial ofensivo. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A

despeito da Lei n° 9.099/95 ser pautada

por critérios da oralidade, sim plicidade e informali­

7. Falta de justa causa (suporte probatório mínimo) para o exercício da ação penal: a peça acusatória também deve ser rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal (CPP, art. 395, III). A expressão justa causa é extremamente ampla, sobretudo quando utilizada como fundamento para impetração de habeas corpus (CPP, art. 6 4 8 ,1), o que acaba por dificultar sua conceituação para fins de rejeição da peça acusatória. A nosso ver, pelo menos para os fins do art. 395, inciso III, a expressão justa causa deve ser entendida como um lastro probatório mínimo indispen­ sável para a instauração de um processo penal (prova da materialidade e indícios de autoria), funcionando como uma condição de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar. Em regra, esse lastro probatório é conferido pelo inquérito policial, o qual, no entanto, não é o único instrumento investigatório. Ajusta causa

dade, a inicial acusatória (denúncia ou queixa-crime), m esm o nas infrações de m enor potencial ofensivo, deve vir acom p an had a com o m ínim o em basam ento probatório, ou seja, c om lastro probatório m ínim o apto a demonstrar, ainda que de m o d o indiciário, a efetiva realização d o ilícito penal. Recurso ordinário provido para determinar o trancamento d o Processo n° 2014.01.1.033564-5/DF". (STJ, 5aTurma, RHC 61,822/DF, Rei. Min. Felix Fischer, j. 17/12/2015, DJe 25/02/2015).

8. Coisa julgada: conquanto a regra do pa­ rágrafo único do revogado art. 43 do CPP não tenha sido reproduzida no art. 395, a rejeição da peça acusatória com base na inépcia da peça acusatória, em virtude da ausência dos pressu­ postos processuais ou das condições da ação, ou por força da falta de justa causa para o exercício da ação penal, só faz coisa julgada formal, pelo menos em regra, significando que, uma vez removido o vicio que deu causa à rejeição, nada impede o oferecimento de nova peça acusatória, enquanto não extinta a punibilidade.

Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa,1 o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á2 e ordenará a citação do acusado3 para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.4-5 (Redação dada pela Lei n. 11.719/08). Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.6 1. Juízo de adm issibilidade (rejeição ou recebimento) da peça acusatória: oferecida a peça acusatória, mesmo antes de proceder ao juízo de admissibilidade da peça acusató­ ria, incumbe ao magistrado pronunciar-se de ofício acerca de eventual causa de suspeição (impedimento ou incompatibilidade), sem prejuízo da verificação de sua competência. Com efeito, constatada a presença de hipótese capaz de prejudicar o exercício imparcial da função judicante (v.g., amizade íntima com a parte), deve o juiz reconhecer de ofício a n õ tT )

suspeição e encaminhar os autos ao substi­ tuto legal. Noutro giro, também incumbe ao magistrado analisar de ofício se é (ou não) o juízo competente para o processo e julgamento do feito, valendo lembrar que é plenamente possível o reconhecimento ex ojficio tanto da incompetência absoluta quanto da relativa. Superada essa análise pertinente à imparciali­ dade e competência, é certo que, por ocasião do juízo de admissibilidade da peça acusatória, duas são as opções dadas ao magistrado: pode ele rejeitar a peça acusatória, caso presente

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pro cesso com um

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o dispositivo também fala em recebimento, porém em um momento processual distinto, qual seja após a apresentação da resposta pelo acusado. Ou seja, entendendo-se o art. 399 do CPP como o momento processual correto para o recebimento da peça acusatória, a resposta à acusação prevista no art. 396-A do CPP deveria ser compreendida como espécie de defesa preliminar, já que o acusado teria uma oportunidade de ser ouvido pelo juiz antes do recebimento da denúncia ou da queixa. A nosso ver, embora a orientação dos autores do anteprojeto tenha sido no sentido de se criar uma defesa preliminar antes do recebimento da peça acusatória, não foi esta a sistemática aprovada pelo Congresso Nacional, que modi­ ficou a redação do art. 396, caput, do CPP, para inserir o “recebê-la-á” antes da manifestação I . 1. M o m e n to a d e q u a d o : antes da reforma da defesa, com nítida preocupação quanto ao momento de interrupção da prescrição. O art. processual de 2008, não havia qualquer con­ 396, caput, usa a expressão receber em seu téc­ trovérsia quanto ao momento do recebimento nico, significando um juízo de admissibilidade (ou rejeição) da peça acusatória no âmbito da acusação, porquanto presentes elementos do então denominado procedimento comum de informação que autorizam a deflagração do ordinário dos crimes punidos com reclusão. processo penal. Basta ver que o referido dispo­ O recebimento se dava imediatamente após o sitivo dispõe que, recebida a peça acusatória, oferecimento da denúncia ou da queixa, desde deverá ser ordenada a citação do acusado. que não fosse caso de rejeição (revogado art. Ora, a citação pressupõe, obrigatoriamente, a 43 do CPP).Com a entrada em vigor da Lei n. I I . 719/08, surgiu certa polêmica quanto ao existência de um processo penal. De fato, se o caput do art. 363 dispõe que o processo terá momento do juízo de admissibilidade da peça completada a sua formação quando realizada acusatória. Isso porque o Código passou a se a citação do acusado, como seria possível que referir ao recebimento da denúncia ou queixa a relação jurídica estivesse completa sem que em dois momentos distintos: art 396, caput, e art. antes tivesse ocorrido o recebimento da peça 399, caput. De um lado, o art. 396 do CPP, com acusatória? Além disso, como seria possível redação determinada pela Lei n. 11.719/08, falar-se em absolvição sumária do acusado prevê que, nos procedimentos ordinário e su­ sem anterior recebimento da peça acusató­ mário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, ria? Portanto, sem embargo de opiniões em se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e sentido contrário, pensamos que o momento ordenará a citação do acusado para responder, processual correto para o recebimento da peça por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Como acusatória é o do art. 396 do CPP. Se o art. 399 se percebe, o dispositivo fala em recebimento do CPP torna a mencionar o recebimento da logo após o oferecimento da peça acusatória, denúncia, há de se entender que o vocábulo tal qual ocorria antes da reforma processual recebida foi aí empregado indevidamente pelo de 2008. De outro lado, o art. 399 do CPP legislador, que teria andado melhor se tivesse dispõe que, recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, utilizado a expressão “não tendo ocorrido a ordenando a intimação do acusado, de seu absolvição sumária do acusado”. defensor, do Ministério Público e, se for o caso, ♦ Jurisprudência selecionada: do querelante e do assistente. Como se nota,

uma das hipóteses do art. 395 do CPP, ou deter­ minar o recebimento da peça acusatória, com a subsequente citação do acusado, nos termos do art. 396 do CPP. Se o magistrado não concorda com o oferecimento da peça acusatória, sob o argumento de falta de justa causa, por exemplo, deve determinar a rejeição da peça acusatória, nos termos do art. 395, III, do CPP. Discor­ dando da denúncia oferecida pelo Ministério Público, não é dado ao juiz determinar a rea­ lização de novas diligências pela Polícia antes de receber a peça acusatória. Ora, não sendo o juiz o titular da ação penal, não cabe a ele determinar de ofício diligências durante a fase investigatória. Caberá correição parcial contra a decisão judicial que determinar a realização de novas diligências entre o oferecimento e o recebimento da peça acusatória.

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STJ:"(...) A

par da divergência doutrinária instaurada, na linha d o entendim ento majoritário (Andrey Borges

de M e n d on ça; Leandro Galluzzi d o s Santos; W alter Nunes da Silva Junior; Luiz Flávio Gom es; Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto), é de se entender que o recebim ento da denúncia se opera na fase d o

485, VI, do novo CPC), aplicável por analogia ao processo penal, por força do art. 3o do CPP. Nesse contexto: PACELLI, Eugênio: Curso de processo penal. 11a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 164.

art. 396 d o C ó d ig o de Processo Penal. Apresentada resposta pelo réu nos term os d o art. 396-A d o m esm o dip lo m a legal, não verificando o julgad or ser o caso

+ Jurisprudência selecionada:

de absolvição sumária, dará prosseguim ento ao feito, de signando data para a audiência a ser realizada. A fun­ dam entação referente à rejeição das teses defensivas,

STJ:"(...) O fato de a denúncia já ter sido recebida não

nesta fase, deve limitar-se à dem onstração da adm issi­ bilidade da d e m an da instaurada, so b pena, inclusive,

396 e 396-A d o C ó d ig o de Processo Penal, reconside­

de indevido prejulgam ento no caso de ser adm itido o prosseguim ento d o processo-crime. N o caso concreto

constatar a presença de um a das hipóteses elencadas

a decisão com batida está fundam entada, ainda que

suscitada pela defesa. As matérias num eradas no art.

de form a sucinta. Ordem denegada". (STJ: 5.a Turma, HC 138.089/SC, Rei. Min. Felix Fischer,j. 02.03.2010).

condições da ação e pressupostos processuais, cuja

im pede o Juízo de primeiro grau de, lo go ap ós o ofe­ recimento da resposta d o acusado, prevista n os arts. rar a anterior decisão e rejeitar a peça acusatória, ao nos incisos d o art. 395 d o C ó d ig o de Processo Penal, 395 d o C ó d ig o de Processo Penal dizem respeito a aferição não está sujeita à preclusão (art. 267, § 3°, do

2. Recebimento da peça acusatória: ofere­ cida a denúncia pelo Ministério Público (ou a queixa-crime pelo querelante), incumbe ao juiz analisar se a peça acusatória deve ser recebida, ou se se trata de hipótese de rejeição. O Código de Processo Penal não diz, expressamente, em quais hipóteses deve o magistrado receber a peça acusatória. Porém, explicita os motivos de rejeição da denúncia ou queixa no art. 395. Destarte, interpretando-se a contrario sensu esse dispositivo, conclui-se que a peça acusatória deve ser recebida quando estiver formalmente em ordem, quando presentes os pressupostos processuais e as condições da ação penal, e quando houver um lastro probatório mínimo para a instauração do processo penal. 2.1. Recebim ento da peça acusatória e ulterior rejeição pelo m esm o magistrado: de acordo com a jurisprudência majoritária, recebida a peça acusatória, não pode o juiz rejeitá-la depois, porquanto teria ocorrido preclusão pro judicato. Caso pudesse fazê-lo, o juiz estaria concedendo habeas corpus de ofício contra si mesmo, o que não é possível. Há, todavia, entendimento doutrinário segundo o qual, diante da presença de uma das hipóteses do art. 395 do CPP, a peça acusatória pode ser rejeitada a qualquer momento, mesmo depois de já ter sido equivocadamente recebida pelo magistrado. Nesse caso, seria cabível a extinção do processo sem julgamento do mérito, na forma do disposto no art. 267, VI, do CPC (art. 1108

CPC, c/c o art. 3° d o CPP). Hipótese concreta em que, ap ó s o recebim ento da denúncia, o Juízo de primeiro grau, ao analisar a resposta preliminar d o acusado, re­ conheceu a ausência de justa causa para a ação penal, em razão da ilicitude da prova que lhe dera suporte. (...) Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, im provido”. (STJ, 6 a Turma, REsp 1.318.180/DF, Rei. M in. Se b astiã o Reis Júnior, j. 16/05/2013, DJe 29/05/2013).

2.2. (Des) necessidade de fundamentação do recebimento da peça acusatória: grande parte da doutrina entende que o recebimento da peça acusatória deve ser fundamentado pela autoridade judiciária. Afinal, considerando que essa decisão representa o marco deflagra­ dor da persecutio criminis in iudicio, além de ser causa de interrupção da prescrição e de possível fixação da competência por preven­ ção, elevando o status do agente de indiciado a acusado, não há como não negar que se trata de importante decisão judicial, e não de mero despacho, daí por que é indispensável a fundamentação por parte da autoridade judiciária competente, sob pena de violação ao art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. Logicamente, não deve haver um excesso de fundamentação, até mesmo para que não haja um pré-julgamento do acusado. Porém, deve o juiz manifestar-se quanto à regularidade da peça acusatória, quanto à presença dos pres­ supostos processuais e das condições da ação. Nessa linha, como adverte Antônio Magalhães Gomes Filho (A motivação das decisões penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

TÍTULO !• DO PROCESSO C O M U M

p. 208), ao prescrever os requisitos da peça acusatória (CPP, art. 41), ao indicar as hipóteses em que a acusação deve ser rejeitada (CPP, art. 395), do que se inferem, a contrario, os casos em que deve ser recebida, e também quando proclama ser ilegal a coação sem justa causa (art. 648, I), “a lei processual está traçando um modelo de decisão em que são estabele­ cidos os temas que devem ser objeto de cognição judicial nesse momento procedimental de graves repercussões para o acusado”. Sem embargo da posição doutrinária, prevalece na jurisprudência o entendimento de que o magistrado não está obrigado a fundamentar a decisão de recebimento da peça acusatória, até mesmo para se evitar que eventual excesso na fundamentação acarrete indevida antecipação da análise do mérito. Na dicção do Supremo, o ato judicial que formaliza o recebimento da denúncia pelo Ministério Público não se qualifica, nem se equipara, para os fins a que se refere o inciso IX do art. 93 da Constituição Federal, a ato de caráter decisório, daí por que não se exige que seja fundamentado. Aliás, há precedentes admitindo inclusive a possibihdade de recebimento tácito da inicial acusatória, quando o juiz, sem se referir expressamente ao recebimento, determina de imediato a citação do acusado. + Jurisprudência selecionada:

STF:"Decisão que recebe a denúncia. Prescindibilidade de fundam entação. Precedentes. Constrangim ento ile­ gal não evidenciado. Ordem denegada". (STF, 2aTurma, H C 95.354/SC, Rei. Min. Gilm ar M endes, j. 14/06/2010, DJe 15926/08/2010).

STF: “(...) O ato judicial que formaliza o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público não se qua­ lifica nem se equipara, para os fins a que se refere o art. 93, inciso IX, da Constituição, a ato de caráter decisório. O juízo positivo de adm issibilidade da acusação penal, ainda que desejável e conveniente a sua motivação, não reclama, contudo, fundam entação. Precedentes". (STF, 2a Turma, HC 93.056/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 16/12/2008, DJe 89 14/05/2009).

STF:"(...) À luz da jurisprudência d o Suprem oTribunal Federal, o despacho de recebim ento da denúncia não se enquadra no conceito de decisão contido no art. 93, IX, CRFB, sendo-lhe dispensada a fundam entação. Estão de vidam ente descritos o s fatos, em tod as as suas circunstâncias, e o te m p o d o crime. A d e n ú n ­ cia indicou o m on tan te su p o stam e n te d e sv ia d o e a o rige m d o su p o sto desvio, ap o n ta n d o o s laudos

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contábeis que devem ser considerados com o prova. A acusação tam bém individualizou os valores que teriam sido ilegalm ente percebidos pelos denunciados, com base em laudos técnicos, do m o d o que não procede a alegação de cerceam ento de defesa. Denúncia que permite o exercício da am pla defesa pelos recorrentes. O rdem denegada". (STF, 2a Turma, RHC 87.005/RJ, Rei. Min. Joaquim Barbosa, DJ 18/08/2000).

STF:"(...) O oferecim ento da denuncia pelo Ministério Público subm ete se, ap ó s a sua formalização, a estrito controle jurisdicional. Essa atividade processual do Poder Judiciário, exercida lim inarm ente no âm bito do processo penal condenatório, objetiva, em essencia, a própria tutela da intangibilidade do "statu s libertatis" d o im putado. - O C ó d ig o de Processo Penal não re­ clam a explicitude ao ato de recebim ento judicial da peca acusatória. O o rd en am e n to processual penal brasileiro não repele, em consequência, a formulação, pela autoridade judiciária, de um juízo im plícito de adm issibilidade da denuncia. - O mero ato processual d o Juiz - que designa, desde logo, data para o interro­ gatório d o denunciado e ordena-lhe a citação - supoe o recebim ento tácito da denuncia. (...)". (STF, 1aTurma, HC68.926/M G, Rei. Min. Celso de Mello, j. 10/12/1991, DJ 28/08/1992).

2.2.1. Procedimentos em que há previsão legal de defesa preliminar: apesar de a juris­ prudência entender que, em regra, não há ne­ cessidade de se fundamentar o recebimento da peça acusatória, ressalva importante deve ser feita quanto aos procedimentos que preveem defesa preliminar - peça da defesa apresentada entre o oferecimento e o recebimento da peça acusatória - , a exemplo do procedimento ori­ ginário dos Tribunais, Lei de Drogas, crimes funcionais afiançáveis e Juizados Especiais Criminais. Nesses casos, os próprios Tribunais impõem a necessidade de motivação do ato de recebimento da exordial acusatória. Nesse sen­ tido: STF, 2a Turma, HC 84.919/SP, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 02/02/2010, DJe 55 25/03/2010; STJ, 6aTurma, HC 76.319/SC, Rei. Min. Nilson Naves, j. 11/12/2008, DJe 23/03/2009. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 517 do CPP. 2.3. Consequências d o recebim ento da peça acusatória: além de ser possível causa de fixação da competência por prevenção (CPP, art. 83), o curso da prescrição é interrompido pelo recebimento da denúncia ou da queixa (CP, art. 1 1 7 ,1). O recebimento da denúncia por órgão judiciário incompetente não tem 1109

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o condão de interrom per a prescrição, eis que uma decisão nula não pode gerar a con­ sequência jurídica a que se refere o art. 117, I, do Código Penal. O recebimento da peça acusatória também é tido, por grande parte da doutrina, como o marco inicial do proces­ so. Prevalece o entendimento de que não é a propositura da peça acusatória que instaura a ação penal, mas sim o seu recebimento pelo juiz, sendo que o processo só se inicia uma vez estabelecida a tríplice relação processual, com o chamamento do réu, mormente se conside­ rarmos que, segundo a nova redação do art. 363 do CPP, o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acu­ sado. Nesse sentido: LIMA, Marcellus Polastri. Manual de processo penal. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 178. Em sentido diverso, Guilherme de Souza Nucci (op. cit. p. 187) entende que o início da ação penal se dá pelo oferecimento da denúncia ou da queixa, independentemente do recebimento pelo juiz. Quanto ao término do processo, este se dá com a entrega definitiva da prestação jurisdicional, por meio de uma sentença condenatória ou absolutória, a ser proferida depois de percorrido o iter procedimental. Essa é a regra. Ocorre que o processo nem sempre termina de forma normal. De fato, quando o magistrado rejeita a peça acusatória, acolhe as exceções de coisa julgada ou litispendência, ou, na ação penal privada, reconhece a perempção ou o perdão, o processo se extingue de forma anormal, com ou sem a apreciação do mérito. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) O recebim ento da denúncia, q u an d o efetua­ d o por órgão judiciário absolutam ente incompetente, não se reveste de eficácia interruptiva da prescrição penal, eis que decisão nula não p od e gerar a conseqüência jurídica a que se refere o art. 117,1, d o C ó d ig o Penal. Precedentes. Doutrina". (STF, Pleno, Inq. 1544 QO/PI, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 14/12/2001).

2.4. Instrumento adequado contra o re­ cebimento da peça acusatória: pelo menos em regra, não há recurso contra a decisão de recebimento da peça acusatória. 2.4.1. Trancamento da ação nas hipóteses de m anifesto constrangim ento ilegal: se não há previsão legal de recurso contra a de­

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cisão de recebimento da peça acusatória, não se pode perder de vista que a jurisprudência tem admitido, em situações excepcionais, a impetração de habeas corpus objetivando o trancamento do processo penal. Esse tran­ camento do processo só pode ser admitido quando evidente o constrangimento ilegal sofrido pelo investigado, nas seguintes h i­ póteses: a) manifesta atipicidade formal ou material da conduta delituosa; b) presença de causa extintiva da punibilidade; c) ausência de pressupostos processuais ou de condições da ação penal; d) ausência de justa causa para o exercício da ação penal. Quanto à possibili­ dade de trancamento do processo por meio de habeas corpus por conta da ausência de justa causa para o processo, não se pode confundir dilação probatória com a análise do suporte probatório necessário para o processo penal. A dilação probatória, vedada no procedimento do habeas corpus, impede que se instaure uma verdadeira instrução, com produção de provas no trâmite da ação constitucional. Difere, pois, da análise e do cotejamento dos elementos colhidos na fase investigatória com o suporte probatório exigido para que a acusação seja recebida, o que pode ser feito em sede do writ constitucional. No dia-a-dia dos Tribunais, é mais comum verificar-se a utilização da ter­ minologia trancamento da ação penal, o que, a nosso ver, apresenta-se incorreto. De fato, compreendida a ação como o direito subjetivo de se pleitear a tutela jurisdicional relaciona­ da a um caso concreto, não se pode falar em trancamento de um direito que já foi exercido. Logo, a boa técnica recomenda que se fale em trancamento do processo penal, pois é o curso deste que se quer fazer parar. O instrumento a ser utilizado para o trancamento do processo é, em regra, o habeas corpus. Para que seja cabível o habeas corpus, porém, é necessário que haja uma ameaça, ainda que potencial, à liberdade de locomoção. Verificando-se, assim, que se trata de infração penal à qual não é cominada pena privativa de liberdade (v.g., porte de drogas para consumo pessoal), ou à qual seja cominada única e exclusivamente a pena de multa, não há falar em cabimento de habeas corpus. Nessa linha, aliás, dispõe a súmula n. 693 do Supremo que não cabe habeas corpus

TITULO I • DO PROCESSO CO M U M

contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso p or infração penal a que a pen a pecuniária seja a única cominada. O habeas corpus também não é a via adequada para trancamento de processo administrativo disciplinar, vez que não está em jogo a liberdade de ir e vir (CF, art. 5o, LXVIII). Na hipótese de impossibilidade de impetração de habeas corpus, o mandado de segurança é o instrumento a ser utilizado. 3. Citação do acusado: recebida a peça acusatória, deve o juiz determinar a citação do acusado para responder à acusação, por escri­ to, no prazo de 10 (dez) dias. Como já fizemos amplo estudo da citação no título referente à comunicação dos atos processuais (arts. 351 a 369), para onde remetemos o leitor, convém apenas lembrar que, em regra, a citação deve ser feita pessoalmente. No entanto, se o acu­ sado não for encontrado, deve ser citado por edital. Nesse caso, não apresentada a resposta à acusação, deve ser determinada a suspensão do processo e da prescrição, nos termos do art. 366 do CPP. Por outro lado, verificando-se que o acusado se oculta para não ser citado, sua citação deve ser feita por hora certa, nos termos do art. 362 do CPP, hipótese em que, após a nomeação de defensor dativo, o proces­ so retomará seu curso normal. 4. Reação defensiva à peça acusatória: consoante disposto no art. 396, caput, do CPP, uma vez recebida a peça acusatória, o acusado será citado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. A nosso ver, essa peça a ser apresentada pela defesa deve ser denominada de resposta à acusação. Esta não se confunde em hipótese alguma com a cha­ mada defesa (ou resposta) prelim inar, peça defensiva apresentada entre o oferecimento e o recebimento da peça acusatória em alguns procedimentos especiais (v.g., crimes funcio­ nais afiançáveis, juizados especiais criminais, procedimento originário dos Tribunais e Lei de Drogas) com o objetivo de evitar a instauração de um processo temerário. Infelizmente, não há qualquer rigor terminológico na doutrina e na jurisprudência quanto à utilização dessa nomenclatura, referindo-se a tais peças como se fossem expressões sinônimas. No entanto,

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tamanhas são as diferenças entre elas que preferimos usar termos distintos. Para mais de­ talhes acerca da defesa preliminar, remetemos o leitor aos comentários ao art. 514 do CPP. 5. Resposta à acusação: enquanto a defesa preliminar é apresentada entre o oferecimento e o recebimento da peça acusatória, funcionan­ do como espécie de contraditório prévio ao juízo de admissibilidade da peça acusatória, a resposta à acusação introduzida no art. 396-A do CPP pela Lei n. 11.719/08 deve ser ofere­ cida após o recebimento da peça acusatória, imediatamente depois da citação do acusado. 5.1. (Im) possibilidade de apresentação pelo próprio acusado: a resposta à acusação não pode ser apresentada pelo próprio acusado, a não ser que este seja advogado. Ao contrário da antiga defesa prévia (revogado art. 395 do CPP), que podia ser apresentada tanto pelo acusado como por seu advogado, porquanto se restringia à apresentação do rol de teste­ munhas, a resposta à acusação passou a ser de mérito (e obrigatória), daí por que somente o profissional da advocacia pode oferecê-la, visto que o acusado não é dotado de conheci­ mentos técnicos suficientes. Admitir que esta peça seja apresentada pelo próprio acusado é negar importância ao seu conteúdo, com patente violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Na mesma linha: MUCCIO, Hidejalma ( Curso de processo penal. 2a ed. São Paulo: Método, 2011. p. 1303). 5.2. Prazo: a resposta à acusação deve ser ofe­ recida pelo defensor técnico dentro do prazo de 10 (dez) dias da citação. Este prazo proces­ sual de 10 (dez) dias começa a fluir a partir da efetiva citação, e não da data da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória. A propósito, confira-se o teor da súmula n. 710 do Supremo: “No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem”. Em se tratando de Defenso­ res Públicos, o prazo para apresentação da resposta à acusação será de 20 (vinte) dias, já que tais profissionais têm todos os prazos contados em dobro, por força do disposto na Lei Complementar n. 80/94 (art. 4 4 ,1, art. 89, I, e art. 1 2 8 ,1). Neste caso, é interessante que, dentro do prazo de 10 (dez) dias, o Defensor

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Público comunique ao juiz que o acusado terá sua defesa técnica patrocinada pela Defensoria Pública. Isso porque, decorrido o prazo de 10 (dez) dias, se o juiz não souber que a defesa téc­ nica será patrocinada pela Defensoria Pública, a qual irá fazer uso do prazo em dobro para apresentação da resposta à acusação, poderia ser levado a acreditar que o acusado simples­ mente não constituiu defensor, procedendo à nomeação de advogado dativo para tanto, nos termos do art. 396-A, §2°, do CPP. 6. Prazo para apresentação da resposta à acusação no caso de citação por edital:

no tocante ao acusado citado por edital, é sabido que se ele não apresentar resposta à acusação, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar a prisão preventiva, ex vi do art. 366 do CPP. Não obstante, se o acusado citado por edital tomar conhecimento da imputação, diz o art. 396-A, parágrafo único, do CPP, que o prazo para a apresentação da resposta à acusação co­ meçará a fluir a partir de seu comparecimento pessoal ou do defensor constituído.

Art. 396-A. Na resposta,’ o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa,2-3 oferecer documentos e justificações,4 especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.5 §1° A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código.6 §2° Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.7 1. Conteúdo da resposta à acusação: como a peça acusatória já foi recebida pela autorida­ de judiciária, o escopo principal da resposta à acusação é buscar eventual absolvição sumária, nas hipóteses de atipicidade, excludentes da ilicitude ou da culpabilidade, salvo inimputabilidade, ou causa extintiva da punibilidade (CPP, art. 397). De todo modo, como não se tem certeza quanto à absolvição sumária, que pode ser denegada pelo juiz, deve o defensor arguir, desde já, preliminares, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas, e arrolar testemunhas, qualificando-as e reque­ rendo sua intimação, quando necessário. 2. Grau de aprofundamento da resposta à acusação: sabedor de que, após a apresentação desta peça, os autos serão conclusos ao juiz para análise de possível absolvição sumária (CPP, art. 397), é evidente que o grau de apro­ fundamento da defesa de mérito da resposta à acusação depende do caso concreto. Por exem­ plo, se o advogado estiver convencido de que seus argumentos e os elementos probatórios acostados à sua peça são capazes, desde já, de

formar o convencimento do juiz no sentido do julgamento antecipado da lide (v.g., atipicidade material com base no princípio da insignifi­ cância), deve antecipar sua defesa de mérito neste momento, evitando-se, assim, que o acu­ sado seja submetido a desnecessário processo penal. Todavia, se o advogado vislumbrar que não há, ainda, um juízo de certeza acerca das hipóteses que autorizam a absolvição sumária do acusado (v.g., excludente da ilicitude), é evi­ dente que não convém aos interesses da defesa antecipar seus argumentos neste momento, sobretudo se considerarmos que, diante das mudanças do procedimento comum, o inter­ rogatório do acusado passou a ser realizado ao final da colheita da prova oral (CPP, arts. 400, caput, e 531). Nesse caso, à defesa interessa preservar, estrategicamente, seus argumentos de mérito, evitando que a acusação conduza a instrução probatória, desde o início, no sentido de buscar elementos probatórios capazes de refutar a tese defensiva. 3. A rguição de nulidades: verificando a presença de nulidade absoluta, deve a defesa

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verificar se sua arguição em sede de resposta à acusação atende (ou não) aos interesses do acusado. Não atendendo aos interesses do acusado, e sempre com o escopo de obter o melhor resultado para ele, deve a defesa relegar a arguição de nulidade absoluta para eventual recurso de apelação de sentença condenatória, em sede de preliminar, haja vista que, anulado o processo ab initio, menos distante ficará a prescrição, notadamente a retroativa. 4. Justificações: cuida-se de procedimento cautelar, que, de maneira não contenciosa, é instaurado com o objetivo de se produzir de­ terminada prova. Encontra-se regulamentado entre os arts. 861 e 866 do CPC, aplicáveis subsidiariamente ao processo penal por força do art. 3o do CPP. Consoante disposto no art. 381, §5°, do novo CPC (Lei n. 13.105/15), deve ser aplicado o procedimento atinente à produção antecipada de provas (arts. 381 a 383) àquele que pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, para simples docu­ mento e sem caráter contencioso, que exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção. 5. Especificação das provas pretendidas: as provas pretendidas pela defesa devem ser especificadas por ocasião da apresentação da resposta à acusação. As testemunhas da defesa também devem ser arroladas na resposta à acusação, sob pena de preclusão. Assim, se a defesa deixar de apresentar o rol de testemu­ nhas por ocasião da apresentação da referida peça, a produção de sua prova testemunhai ficará prejudicada pela preclusão temporal. Na prática, todavia, é bastante comum que o juiz determine a oitiva das testemunhas apresentadas intempestivamente pela defesa como testemunhas do juízo (CPP, art. 209, caput), com fundamento no princípio da busca da verdade e da ampla defesa. Nem sempre o Defensor responsável pela apresentação da resposta à acusação dispõe de conhecimen­ to fático suficiente acerca do fato delituoso para arrolar testemunhas. Invariavelmente, os nomes de testemunhas capazes de contri­ buir para a ampla defesa do acusado são de conhecimento exclusivo do acusado. Por isso, quando a defesa técnica for exercida pela Defensoria Pública e houver dificuldades para a

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apresentação do rol de testemunhas, a exemplo do que pode ocorrer quando o acusado estiver preso em localidade diversa daquela onde o feito estiver tramitando, inviabilizando, assim, uma entrevista prévia antes da apresentação da resposta à acusação, é perfeitamente possível que, a requerimento do Defensor Público, seja determinada pelo juiz a intimação pessoal do acusado para apresentar exclusivamente o rol de testemunhas. Nesse caso, aplica-se subsidiariamente ao processo penal o quanto disposto no art. 186, §2°, do novo CPC. + Jurisprudência selecionada: STJ: "(...) N ão há preclusão se a parte, no m om ento da apresentação da defesa prévia, form ula ped ido de indicação de rol de testem unhas a posteriori; tam ­ p ou co há violação d o contraditório se o m agistrado defere o pedido em busca da verdade real e diante da im possibilidade d o contato d o defensor público com o acusado. Recurso improvido". (STJ, 6a Turma, REsp 1,443.533/RS, Rei. Min. M aria Thereza de Assis Moura, j. 23/06/2015, DJe 03/08/2015).

6. Processamento das exceções em autos apartados: na resposta à acusação, a defesa também poderá opor quaisquer das exce­ ções processuais, quais sejam, incompetência, ilegitimidade de parte, litispendência, coisa julgada ou suspeição. Por força do art. 111 do CPP, a oposição deve ocorrer em separado, em petição avulsa. Deve a defesa analisar a conveniência (ou não) da oposição da exceção neste momento processual. Por exemplo, em se tratando de incompetência relativa, é sabido que à defesa incumbe suscitá-la por ocasião da apresentação da resposta à acusação, sob pena de preclusão temporal. Todavia, em se tra­ tando de hipótese de ilegitimidade ativa (v.g., denúncia oferecida pelo Ministério Público em crime de ação penal privada) em processo penal em que o acusado esteja solto, talvez seja muito mais oportuno que esta arguição não se dê na resposta à acusação, já que seu reconhecimento precipitado pode prejudicar eventual prescrição da pretensão punitiva. 7. O brigatoriedade de apresentação da resposta à acusação: o art. 396-A, §2°, do CPP, não deixa dúvidas quanto à obrigatorie­ dade de apresentação da resposta à acusação, já que prevê que, na hipótese de inércia do acusado, incumbe ao juiz nomear defensor dativo para oferecê-la no prazo de 10 dias.

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Portanto, a não apresentação da resposta à acusação implicará em nulidade absoluta, por força do art. 564, III, “e”, do CPP. Como a apre­ sentação dessa peça é obrigatória, parece-nos que, de modo a se evitar dilações indevidas, o juiz deve determinar ao oficial de justiça que, por ocasião da citação, indague ao acusado se possui condições de constituir um advogado. Caso o acusado declare que não tem recursos suficientes para tanto, poderá o juiz, desde logo, nomear advogado dativo ou solicitar a atuação da Defensoria Pública para a apre­ sentação da resposta à acusação, sem que seja necessário o decurso desse prazo adicional de 10 (dez) dias a que se refere o art. 396-A,

§2°, do CPP. Além disso, como costuma ser extremamente difícil o contato desse defensor nomeado com o acusado em momento ante­ rior à audiência una de instrução e julgamento, seria extremamente conveniente que o oficial de justiça questionasse ao denunciado, por ocasião da citação, os nomes das testemunhas que podem ser ouvidas em benefício da defesa, certificando nos autos os respectivos nomes e endereços, o que facilitaria sobremaneira o trabalho do Defensor Público ou do advoga­ do dativo, que são obrigados a especificar as provas pretendidas ao apresentar a resposta à acusação, sob pena de preclusão.

Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código,12 o juiz deverá absolver sumariamente3'6 o acusado quando verificar:7 (Redação dada pela Lei n. 11.719/08). I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato,-8 II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente,9 salvo inimputabilidade;10 III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime;" ou IV - extinta a punibilidade do agente.12 1. Possível oitiva da acusação antes de eventual absolvição sumária: no âmbito do procedimento comum ordinário, nada diz a lei acerca da oitiva do Ministério Público (ou do querelante) após a apresentação da resposta à acusação pelo acusado. Na verdade, pelo menos segundo o teor do art. 397 do CPP, após a apresentação da referida peça de defesa, os autos devem ser conclusos à autoridade judiciária para fins de análise de possível ab­ solvição sumária. Apesar do silêncio do CPP, tem prevalecido na doutrina o entendimento de que, em fiel observância ao princípio do contraditório, deve o juiz abrir vista dos autos ao Ministério Público ou ao querelante após a apresentação da resposta à acusação, notadamente quando a defesa apresentar alegações, fatos ou provas sobre os quais a acusação não tinha prévia ciência. É possível, portanto, a aplicação subsidiária do quanto previsto no art. 409 do CPP, inserido na I a fase do procedimen­ to do júri. À evidência, de modo a se evitar uma possível violação à paridade de armas inerente

ao princípio do contraditório, permitindo-se que a acusação sempre se pronuncie duas vezes - por ocasião do oferecimento da denúncia e, na sequência, depois da resposta à acusação - , quando a manifestação defensiva se restringir à refutação genérica da acusação, sem a apre­ sentação de alegações fáticas ou jurídicas que já não tivessem sido abordadas anteriormente pelo Ministério Público (ou pelo querelante), não há necessidade de se ouvir a acusação. + Jurisprudência selecionada: ST F :"(...) Q u an do a inversão implica nulidade absoluta, de scab e transportar para a fase prevista no artigo 396 d o C ó d ig o de Processo Penal a ordem alusiva às alegações finais. Apresentada defesa prévia em que são articuladas, até m esm o, preliminares, é cabível a audição d o Estado-acusador, para haver definição q u a n to à sequência, o u não, da ação penal". (STF, I a Turma, HC 105.739/RJ, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 07/02/2012, DJe41 27/02/2012).

2. Decisão judicial fun dam entada aco­ lhendo (ou não) as teses apresentadas na resposta à acusação: apresentada a resposta à

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acusação, incumbe ao juiz fundamentar, ainda que sucintamente, a decisão que acolher ou não as teses defensivas apresentadas pela defesa. + Jurisprudência selecionada: S T J : "(...) C om o advento da Lei n° 11.719/08, o recebi­ mento da denúncia passou a tratar-se de ato complexo, a ser exercido em duas fases distintas. Assim, ap ós o recebim ento da denúncia o juiz ordenará a citação d o acu sado para oferecer resposta à inicial acusatória, deven do se manifestar sobre as razões deduzidas na resposta à acusação. A inob servância d o d isp o sto no art. 397 d o C ó d ig o de Processo Penal contraria o devido processo legal, se nd o evidente o prejuízo o casionado ao paciente, que não teve as suas razões previamente analisadas pelo m agistrado de origem .'Se não fosse necessário exigir que o M agistrad o aprecias­ se as questões relevantes trazidas pela defesa - sejam preliminares ou questões de mérito - seria inócua a previsão norm ativa que assegura o oferecimento de resposta ao acusado.' (HC 138.089/SC, Rei. M inistro Félix Fischer, DJe 2.3.10) Habeas corpus concedido para anular o processo desde a apresentação da resposta à acusação, determ inando-se que o Juízo de primeiro grau analise as m atérias argu idas pela defesa, n os term os d o art. 396 e seguintes do C ó d ig o de Processo Penal". (STJ, 5aTurma, HC 183.355/MG, Rei. Min. Adilson Vieira M acab u - D ese m bargado r con vocado doTJ/RJ -,j. 03/05/2012).3

3. Absolvição sumária: apresentada a res­ posta à acusação pelo defensor do acusado, e ouvido o órgão ministerial (ou o querelante) caso tenham sido juntados documentos dos quais a acusação não tinha prévia ciência, o próximo passo do procedimento é a análise de possível absolvição sumária (CPP, art. 397). Essa possibilidade de absolvição sumária, que sempre existiu no âmbito do procedimento do júri, foi estendida ao procedimento comum pela Lei n. 11.719/08. Sua utilização, todavia, não é restrita ao procedimento comum. Isso porque, segundo o art. 394, §4°, do CPP, com redação determinada pela Lei n. 11.719/08, as disposições dos arts. 395 (causas de rejeição da peça acusatória), 396 (recebimento da peça acusatória e citação do acusado), 396-A (res­ posta à acusação) e 397 (absolvição sumária) aplicam-se a todos os procedimentos penais de

primeiro grau, ainda que não regulados neste Código - deixamos de fazer menção ao art. 398, citado no art. 394, §4°, porquanto referido artigo foi revogado pela Lei n. 11.719/08. Por isso, a absolvição sumária pode ser aplicada

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a quaisquer processos penais, sejam comuns, eleitorais ou militares, tendo em vista a forma categórica e abrangente com que o art. 394, §4°, do CPP, afirmou sua aplicabilidade a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados no CPP. Aliás, mesmo nos processos penais originários, leia-se, nas hipó­ teses de foro por prerrogativa de função (v.g., Deputado Federal julgado perante o Supremo), como o próprio Tribunal funciona como o I o grau de jurisdição, também seria possível a incidência da absolvição sumária. 3.1. Julgam ento antecipado da lid e no processo penal: a nova redação do art. 397 do CPP permite que, no limiar do processo, e antes mesmo de iniciada a instrução probatória em juízo, seja o acusado absolvido sumaria­ mente, desde que presente uma das hipóteses ah elencadas. Conquanto não seja apropriada a utilização da expressão lide no processo penal, já que não há propriamente um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resis­ tida, trata-se, à evidência, de verdadeiro julga­ mento antecipado da lide, nos mesmos moldes do que já existia no procedimento originário dos Tribunais e no procedimento dos crimes funcionais. Segundo a Lei n. 8.038/90 (art. 6°, caput), que cuida do procedimento originário dos Tribunais, é possível que, após a apresen­ tação da defesa preliminar, o Tribunal delibere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas. Por sua vez, o art. 516 do CPP, inserido no capítulo que versa sobre o procedimento dos crimes funcionais, prevê que o juiz rejeitará a queixa ou denúncia, em despacho fundamentado, se convencido, pela resposta do acusado ou do seu defensor, da inexistência do crime ou da improcedência da ação. Também haverá o encerramento antecipado do processo, porém não mediante julgamento de mérito, quando presente uma causa extintiva da punibilidade. De fato, segundo o art. 61 do CPP, em qual­ quer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício. Nos casos de ação penal exclusivamente privada ou personalíssima, também é possível o encerramento antecipado do processo em

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virtude de manifestação, isolada ou conjun­ ta, do poder de disponibilidade das partes. O corre encerramento do feito por vontade das partes, em conjunto, quando o querelante perdoa o querelado e este aceita o perdão, do que decorrerá a extinção da punibilidade, nos termos do art. 58, parágrafo único, do CPP. Ainda que o querelado não queira aceitar o perdão, o querelante também pode dar ensejo à perempção (CPP, art. 60), cujo reconheci­ mento também irá acarretar a extinção da punibilidade e consequente encerram ento antecipado do processo. ♦

Jurisprudência selecionada:

ST F : "(...) D e so b e d iê n cia eleitoral (art. 347 da Lei 4.737/65). Ordem judicial de abstenção de ingresso em prédios públicos com o intuito de realizar "atos inerentes à cam pan ha eleitoral". Prova que d e m on s­ tra o ingresso coletivo de ap oiadore s da coligação "Lagarto em Boas M ã o s" em prédio público, com o intuito de fiscalizar o trabalho de servidores públicos, m as sem realizar p ro p agan d a eleitoral. Ausência de vio lação à ordem judicial. A tipicidade da conduta. Acusação julgad a improcedente, na form a d o art. 6o da Lei 8.038/90, com b in ad o com art. 386, III, d o CPP". (STF, 2aTurma, Inq. 3.909/SE, Rei. Min. Gilm ar Mendes, j. 17/05/2016, DJe 113 02/06/2016).

4. Distinção entre a absolvição sumária do procedimento com um e a da 1a fase do procedimento do júri: não se pode confun­ dir a absolvição sumária do procedimento comum com aquela da I a fase do procedi­ m ento do jú ri - iudicium accusationis. A primeira distinção diz respeito ao momento da absolvição sumária: naquela, o decreto absolutório é proferido no lim iar do processo, antes mesmo de iniciada a instrução proces­ sual; no âmbito do júri, a absolvição sumária ocorre ao final da I a fase do procedimento bifásico, ou seja, após a realização da instru­ ção preliminar perante o juiz sumariante. Os fundamentos também são distintos. Enquan­ to a absolvição sumária no procedim ento comum pode ocorrer nas hipóteses acima mencionadas, o art. 415 do CPP estabelece que, no âmbito do júri, a absolvição sumá­ ria poderá ocorrer quando: I - provada a inexistência do fato; II - provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III - o fato não

constituir infração penal; IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Apesar de o art. 415 do CPP não fazer menção às causas extintivas da punibilidade, como expressamente o faz o art. 397, IV, do CPP, é certo que, por força do art. 61 do CPP, em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deve declará-la de ofício. Ademais, enquanto não se admite a absolvição sumária imprópria no procedimento comum, é perfeitamente possível a absolvição sumária do inimputável na I a fase do procedimento do júri, desde que a inimputabilidade seja a única tese defensiva (CPP, art. 415, parágrafo único), hipótese em que o juiz sumariante deve impor ao acusado o cumprimento de medida de segurança. 5. Coisa julgada: ao contrário da rejeição da peça acusatória (CPP, art. 395), que só faz coisa julgada formal, autorizando, portanto, o oferecimento de nova peça acusatória se removido o óbice que deu ensejo à rejeição, a decisão de absolvição sumária do art. 397 do CPP faz coisa julgada formal e material, porquanto o magistrado ingressa na análise do mérito, para fins de reconhecer que o fato é atípico, que não é ilícito, que não é culpável, ressalvada a inimputabilidade, ou que não é punível. 5.1. Coisa julgada da decisão que rejeita o pedido de absolvição sumária: a cognição exercida pelo juiz ao analisar o pedido de ab­ solvição sumária, em relação à profundidade, não é exauriente, mas sumária. Em razão do momento em que essa decisão é proferida - no limiar do processo - , o juiz exerce uma cog­ nição sumária, limitada em sua profundidade, permanecendo em nível superficial. Logo, eventual rejeição da absolvição sumária do acusado não faz coisa julgada formal e mate­ rial, nem tampouco impede que, por ocasião da sentença final, possa o juiz absolver o acu­ sado com base em fundamento anteriormente rejeitado (v.g., legítima defesa). 6. Recurso adequado: o recurso cabível contra a absolvição sumária é o de apelação. Afinal, trata-se de sentença definitiva de absol­ vição proferida por juiz singular (CPP, art. 593,

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inciso I). Especificamente quanto à absolvição sumária com base em causa extintiva da punibilidade, como tal decisão não tem natureza absolutória, mas sim declaratória, pensamos que o recurso correto seja o RESE, com funda­ mento no art. 581, VIII, do CPP. Por ocasião do julgamento dessa apelação interposta contra a absolvição sumária, não se admite que o Tribunal analise, de plano, o mérito da ação penal para condenar o acusado, devendo, pois, na hipótese de provimento do recurso, deter­ minar o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau, a fim de viabilizar o prosseguimento do feito, sob pena de violação ao duplo grau de jurisdição (supressão do primeiro grau). Caso o magistrado refute os argumentos expendidos pela defesa na resposta à acusação e não absol­ va sumariamente o acusado com fundamento no art. 397, determinando o prosseguimento do feito com a designação da audiência una de instrução e julgamento, exsurge para a de­ fesa a possibilidade de buscar o trancamento do processo, seja por meio de habeas corpus, quando houver risco à liberdade de locomoção, seja por meio de mandado de segurança, nas demais hipóteses. De se lembrar, todavia, que o trancamento do processo penal é uma medida de natureza excepcional que tem sido admiti­ do pelos Tribunais apenas quando evidente o constrangimento ilegal sofrido pelo investiga­ do nas seguintes hipóteses: a) manifesta atipicidade formal ou material da conduta delituosa; b) presença de causa extintiva da punibilidade; c) ausência de pressupostos processuais ou de condições da ação penal; d) ausência de justa causa para o exercício da ação penal. + Jurisprudência selecionada: STJ: "(..JSENTENÇA DE A B SO LV IÇ Ã O SU M Á RIA . C O N ­ D E N A Ç Ã O PELO TRIB U N A L EM SE D E D E APELAÇÃO. SU P R E S S Ã O DE IN ST Â N C IA C O N F IG U R A D A . C O N S ­ T R A N G IM E N T O ILEGAL. N U L ID A D E R E C O N H E C ID A DE OFÍCIO. (...) Viola os princípios d o juiz natural, devido processo legal, am pla defesa e duplo grau de jurisdição a decisão d o Tribunal que condena, analisando o m é­ rito da ação penal em apelação ministerial interposta ante sentença de absolvição sumária. Habeas corpus não conhecido, mas, de ofício, con ce d id a a ordem para reconhecer a nulidade do acórdão proferido em se gu n d a instância na parte que analisou o mérito da causa, para determinar o prosseguim ento da ação

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penal". (STJ, 6a Turma, HC 260.188/AC, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 08/03/2016, DJe 15/03/2016).

7. Grau de convencimento necessário para a absolvição sumária: como se pode perceber pela própria redação do caput (quando verifi­ car) e dos incisos do art. 397 ( existência mani­ festa, evidentemente), a absolvição sumária, por importar em verdadeiro julgamento antecipa­ do da lide, deve ser reservada para as situações em que não houver qualquer dúvida acerca da atipicidade do fato delituoso ou da presença das excludentes da ilicitude (justificantes), excludentes da culpabilidade (dirimentes), salvo inimputabilidade, e causas extintivas da punibilidade. Há necessidade, portanto, de um juízo de certeza. Vigora, então, no momento da absolvição sumária, o principio do in dubio pro societate, ou seja, havendo dúvida acerca da presença de uma das hipóteses do art. 397 do CPP, incumbe ao juiz rejeitar o pedido de absolvição sumária. Por isso, em caso concreto envolvendo acusado de crime de contrabando que sustentava que não tinha consciência da origem das máquinas caça-níqueis apreendi­ das em seu estabelecimento, entendeu o STJ (5a Turma, REsp 1.206.320/ES, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 04/09/2012) ser indevida sua absolvição sumária, porquanto pairavam controvérsias quanto ao dolo do agente. 8. Existência manifesta de causa exdudente da ilicitude do fato: o acusado deve ser absolvido sumariamente quando o juiz estiver convencido que o crime foi praticado sob o amparo de causa exdudente da ilicitude, ou seja, em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e no exer­ cício regular de direito. Também é possível a absolvição sumária com fundamento nas causas excludentes da ilicitude (justificantes) previstas na Parte Especial do Código Penal e em leis especiais (CP, arts. 128,1 e II, 142,1, II e III, 146, §3°, 150, §3°, I e II, etc.), assim como nas causas supralegais de exclusão da ilicitude, como, por exemplo, o consentimento do ofendido. 9. Existência manifesta de causa exdudente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade: como exemplos de causas excludentes da culpabilidade que autorizam a

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CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de Lima

absolvição sumária, podemos citar a coação moral irresistível, obediência hierárquica ou a inexigibilidade de conduta diversa, que fun­ ciona como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. 10. Inimputável do art. 26, caput, do CP: no âmbito do procedimento comum, o inim­ putável do art. 26, caput, do CP, não pode ser absolvido sumariamente, ainda que seja esta sua única tese defensiva, porquanto a impo­ sição de medida de segurança pressupõe a existência de um devido processo legal no qual tenha sido reconhecida a tipicidade e a ilicitude de sua conduta. Apesar de não ser pena, a medida de segurança possui nítido caráter de sanção penal. Logo, deve se permitir ao acusado que se defenda ao longo do processo para demonstrar sua inocência. Pelo menos em tese, existe a possibilidade de o inimpu­ tável conseguir demonstrar no curso da ins­ trução processual sua inocência, permitindo sua absolvição sem a imposição de medida de segurança (v.g., inexistência do fato delituoso, legítima defesa, etc.). Portanto, não se afigura possível uma absolvição sumária imprópria no âmbito do procedimento comum. 11. Fato narrado evidentemente não cons­ tituir crime: reconhecida a atipicidade formal ou material da conduta delituosa, é possível a absolvição sumária do agente. A título de exem­ plo, se o juiz verificar a possibilidade de aplica­ ção do princípio da insignificância, porquanto presentes seus 4 (quatro) requisitos - mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica - , deverá absolver sumariamente o agente. 12. Causa extintiva da punibilidade do agente: dentre as causas de absolvição sumá­ ria, o legislador elencou a hipótese em que o magistrado verificar a presença de causa ex­ tintiva da punibilidade (v.g., morte do agente, prescrição, decadência, etc.). Tecnicamente, pode-se dizer que houve um equívoco, por­ quanto prevalece o entendimento de que a sentença que declara extinta a punibilidade não é absolutória, pois o magistrado declara

simplesmente que o Estado não tem mais a possibilidade de aplicar sanção penal ao acusado, ou seja, não analisa se ele é inocente ou culpado. Nesse sentido, aliás, eis o teor da súmula n. 18 do STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.” De mais a mais, é de se ver que o inciso IV do art. 397 do CPP é absolutamente desnecessário, haja vista que o art. 61 do Códi­ go de Processo Penal dispõe que, em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício. 12.1. Regim e Especial de Regularização Cam bial e Tributária (RERCT) de valores lícitos não declarados mantidos no exterior e extinção da punibilidade: atente-se para a novel causa extintiva da punibilidade criada pela Lei n. 13.254/16, que cuida do regime especial de regularização cambial e tributária (RERCT) de valores lícitos não declarados remetidos ao exterior. Consoante disposto em seu art. 5o, §§1° e 2o, a adesão ao referido pro­ grama, associada ao pagamento integral dos impostos pertinentes e das multas devidas, des­

de que antes do trânsito em julgado da decisão criminal condenatória, acarretará a extinção da punibilidade em relação aos seguintes delitos: a) crimes tributários previstos nos arts. I o e 2o, I, II e V, ambos da Lei n. 8.137/90; b) crimes de sonegação fiscal previstos na Lei n. 4.729/65; c) sonegação de contribuição previdenciária (CP, art. Art. 337-A); d) falsificação de documento público, falsificação de documento particular, falsidade ideológica e uso de documento falso (CP, arts. 297,298,299 e 304, respectivamente), desde que exaurida sua potencialidade lesiva com a prática dos crimes citados nas alíneas “a”, “b” e “c”; e) evasão de divisas (Lei n. 7.492/86, art. 22, caput, e parágrafo único); f) lavagem de capitais, mas apenas quando o objeto do crime for bem, direito ou valor, proveniente, direta ou indiretamente, dos crimes acima citados. A Lei n. 13.254/16 também prevê que a regularização de ativos mantidos em nome de interposta pessoa estenderá a ela esta novel causa extintiva da punibilidade (art. 4o, §5°).

TÍTULO !• DO PROCESSO COMUM

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Art. 399

Art. 398. Revogado pela Lei n. 11.719/08. Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa,1 o juiz designará dia e hora para a audiência,2'3ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.4-5 (Redação dada pela Lei n. 11.719/08). § 1° 0 acusado preso será requisitado para comparecerão interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação.6 § 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.7"11 1. M om ento adequado para o recebimen­ to da denúncia: como exposto nos comen­ tários ao art. 396 do CPP (1.1), o momento adequado para o juízo de admissibilidade da denúncia (ou queixa) no procedimento co­ mum ordinário é imediatamente após o ofere­ cimento da peça acusatória. Portanto, se o art. 399 do CPP torna a mencionar o recebimento da denúncia, há de se entender que o vocábulo recebida foi aí empregado indevidamente pelo legislador. Melhor seria se o art. 399 dissesse “não tendo ocorrido a absolvição sumária do acusado”, o juiz designará dia e hora para a audiência. Prova disso, aliás, é que o próprio art. 399 fala em intimação das partes. Fosse este o momento do recebimento da peça acusatória, a lei teria que exigir a citação do acusado, e não mera intimação. Se assim o fez, é porque na verdade a peça acusatória já fora anteriormente recebida. 2. Designação de audiência específica para fins de aceitação da proposta de suspensão condicional do processo: importante ques­ tão a ser estudada quanto ao procedimento comum ordinário diz respeito à oportunidade processual na qual deve ser oferecida ao acusa­ do eventual proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério Público ou pelo querelante (Lei n. 9.099/95, art. 89). Antes do advento da Lei n. 11.719/08, como o interrogatório era o primeiro ato da instrução probatória, era nessa oportunidade que se oferecia ao acusado a proposta de suspensão, podendo o acusado aceitar ou rejeitá-la. Entre­ tanto, por força da reforma processual de 2008, o interrogatório foi deslocado para o final da audiência una de instrução e julgamento, sendo que a Lei n. 11.719/08 silenciou acerca do momento para a propositura da suspensão

condicional do processo. Há quem entenda que a proposta de suspensão condicional do processo deva ser feita apenas ao final da audiência una de instrução e julgamento. Em outras palavras, após a colheita de toda a prova oral - depoimento do ofendido, testemunhas, esclarecimentos dos peritos, interrogatório do acusado, etc. - , incum be ao juiz inda­ gar ao acusado se aceita (ou não) a proposta formulada pelo M inistério Público. Com a devida vênia, pensamos que não faz muito sentido proceder à instrução de um processo na hipótese de já ter sido oferecida proposta de suspensão condicional do processo. Afinal, se cumpridas as condições, haverá a extinção da punibilidade do agente (Lei n. 9.099/95, art. 89, §5°), o que demonstra que toda aquela ativida­ de instrutória anteriormente desenvolvida não serviu para nada. Ademais, se a suspensão foi pensada para imprimir maior celeridade aos processos penais relativos às infrações de mé­ dio potencial ofensivo, é de todo desarrazoado submeter o agente às cerimônias degradantes do processo se já se sabe, de antemão, que haverá a suspensão condicional do processo. Por isso, a oportunidade processual correta para o oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo é imediatamente antes da designação da audiência una de instrução e julgamento, caso afastada a possibilidade de absolvição sumária do acusado. Em outras palavras, havendo o oferecimento da proposta de suspensão em conjunto com a denúncia, uma vez recebida a peça acusatória, deve o juiz ordenar a citação do acusado para que apresente a resposta à acusação, nos termos dos arts. 396, caput, e 396-A, caput, ambos do CPP. O acusado terá, então, a possibilidade de apresentar a resposta à acusação, objetivando uma possível absolvição sumária (CPP, art.

Art. 399

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de Lima

397). À evidência, ao acusado é muito mais interessante ser absolvido sumariamente do que se sujeitar ao cumprimento de condi­ ções decorrentes da aceitação da proposta de suspensão condicional do processo por um período de prova que pode variar de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. Por isso, a negociação em torno da proposta de suspensão só pode ser levada adiante após ser descartada a possibi­ lidade de absolvição sumária. Com efeito, a despeito do silêncio do legislador, é intuitivo que o acusado só deve aceitar a proposta de suspensão condicional do processo se visualiza que sua conduta é típica, ilícita e culpável, e que não está presente nenhuma causa extintiva da punibilidade, enfim, que não vai ser absolvido sumariamente. Assim, a fim de não se ver processado criminalmente, pode ter in­ teresse na aceitação da proposta de suspensão condicional do processo. Agora, se o acusado vislumbra a possibilidade de ser absolvido su­ mariamente, é evidente que se deve deferir a ele a possibilidade de buscar a absolvição sumária do art. 397 do CPP antes de aceitar a proposta de suspensão condicional do processo. Por­ tanto, a aceitação da proposta de suspensão condicional do processo só deve ocorrer quan­ do não for possível a absolvição sumária do agente. Nesse caso, se o juiz entender que não se afigura possível a absolvição sumária, deve determinar a notificação do acusado para com­ parecer em juízo com o único objetivo de dizer, na presença de seu defensor, se aceita ou não a proposta oferecida pelo órgão ministerial. Esta audiência a ser designada pelo magistrado para fins de aceitação ou rejeição da proposta de suspensão condicional do processo não é a audiência una de instrução e julgamento a que se refere o art. 400 do CPP. Afinal, é absoluta­ mente irracional intimar vítima, testemunhas e eventualmente peritos a comparecer a uma audiência, causando-lhes evidente incômodo e prejuízo financeiro, se já se sabe de antemão que seu deslocamento à sede do juízo será inútil por conta de uma possível aceitação da proposta. Por conseguinte, a audiência una de instrução e julgamento do art. 400, caput, do CPP, só deve ser designada na hipótese de o acusado rejeitar a proposta de suspensão em

audiência anteriormente realizada para o fim específico de aceitação desse benefício. 3. Designação da audiência una de ins­ trução e julgam ento: caso o acusado não seja absolvido sumariamente, o procedimento seguirá seu curso normal. Destarte, na h i­ pótese de não haver proposta de suspensão condicional do processo, ou, havendo, ter sido ela rejeitada pelo acusado e por seu defensor, deve o magistrado designar dia e hora para a audiência una de instrução e julgamento. 4. Intimação das partes principais e aces­ sórias: conquanto o art. 399, caput, do CPP, refira-se apenas à intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente, é bom lembrar que também será necessária a notifi­ cação do ofendido, ainda que este não ocupe a posição de querelante ou de assistente do Ministério Público, e mesmo que não tenha sido requerido seu depoimento por qualquer das partes. Afinal, de acordo com o art. 201, §2°, do CPP, com redação determinada pela Lei n. 11.690/08, a vítima também deve ser comunicada dos atos processuais relativos à designação de data para audiência. Se as partes foram devidamente intimadas (pessoalmente ou por publicação), revela-se desnecessária a afixação da pauta de audiências no saguão do fórum. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF: "(...) A san ç ão da n u lidad e reclama, para sua configuração, a inobservância de norm a processual ou material, sendo certo que a ausência de previsão legal da necessidade de afixação da pauta no sagu ã o d o fórum, providência pretendida pelo im petrante ante a praxe adotada, im pede o reconhecim ento do vício. In casu, depreende-se do s autos que o ad vo gad o d o paciente foi regularm ente intim ado acerca da data de sign ad a para a prática do ato processual. (...) Ordem denegada". (STF, I a Turma, HC 107.882 Seg. Julg./MG, Rei. Min. Luiz Fux, j. 05/06/2012).

5. Prazo de antecedência mínima de in­ tim ação das partes para a realização da audiência una de instrução e julgamento: sem embargo do silêncio da lei processual pe­ nal comum acerca da matéria, parece-nos que a intimação deve ser feita com antecedência razoável à data designada para a audiência,

TlTULO I •DO PROCESSO COMUM

permitindo que as partes possam se preparar para o julgamento, sem quaisquer surpresas indevidas. Diversamente do CPP, o CPPM tem dispositivo expresso acerca do assunto: “Art. 291. As citações, intimações ou notificações serão sempre feitas de dia e com a antecedência de 24 (vinte e quatro) horas, pelo menos, do ato a que se referirem”. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ: "(...)

e m b o ra o d isp o sitivo - 552, §1°, d o CPC

- d ig a respeito à intim ação para a pauta da sessão de ju lgam e nto d o s recursos e ações originárias dos Tribunais e não haja disposição específica, n os C ó d ig o s de Processo Civil e Penal, acerca da antecedência com que devem ser as partes intim adas para a audiência de instrução e julgam ento, não se p od e olvidar que as leis processuais constituem um sistema, de forma que a ratio essendi da norm a irradia seus efeitos para além da sua literalidade, p assan do a constituir um a baliza para o julgador. 0 legislador erigiu o prazo de 48 (quarenta e oito) horas com o um a antecedência m ínim a para intim ação das partes e ad vo gad os, a fim de que pratiquem ou acom p an he m a realização dos atos de instrução ou julgam ento cuja realização ocorra na form a oral. O cham am ento com um a antecedência razoável não é mera formalidade, m as constitui uma condição para que haja um efetivo exercício d o contra­ ditório e da am pla defesa, m orm ente em se tratando de feitos criminais". (STJ, 5a Turma, HC 109.967/RJ, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 02/02/2010, DJe 01/03/2010).

6. Direito de presença e de audiência do acusado preso: para assegurar o direito de presença e de audiência do acusado, corolários da autodefesa, o art. 399, §1°, do CPP, determi­ na que uma ordem judicial deve ser expedida ao diretor do estabelecimento penitenciário no qual se encontra recolhido o acusado, de modo a providenciar sua apresentação em juízo, no dia e hora designados. 7. Princípio da identidade física do juiz: outrora adotado apenas no Código de Processo Ci­ vil de 1973 (art. 132), o princípio da identidade física do juiz finalmente foi introduzido no bojo do procedimento comum e na primeira fase do procedimento do júri pela Lei n. 11.719/08. Não se trata de uma novidade no âmbito do processo penal, porquanto, de certa forma, pode-se dizer que referido princípio já era aplicável na sessão de julgamento do Tribunal do Júri e no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. De acordo com a nova redação do art. 399, §2°, do CPP, o

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399

juiz que presidir a instrução deverá proferir a sentença. A adoção desse princípio proporciona o indispensável contato entre o acusado e o juiz, assim como a colheita imediata da prova por aquele que, efetivamente, irá proferir a decisão. Louvável a introdução desse princípio no processo penal, já que, antes da reforma processual de 2008, era extremamente comum que um juiz interrogasse o acusado, outro ou­ visse as testemunhas de acusação, outro as de defesa, com um quarto magistrado proferindo a sentença. Esse distanciamento entre a prova e o magistrado prejudicava a formação de um quadro probatório coeso e harmônico, prejudi­ cando um dos escopos do processo penal, que é a busca da verdade. 8. Exceções à aplicação do princípio da identidade física do juiz: ao introduzir o prin­ cípio da identidade física do juiz no processo penal, o art. 399, §2°, do CPP, não ressalvou situações em que o princípio será mitigado. Sem embargo do silêncio do legislador, sempre se ad­ mitiu a aplicação subsidiária do antigo Código de Processo Civil, como faculta o art. 3o do CPP. Portanto, o juiz que presidir a instrução deve julgar a demanda, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, pro­ movido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor (CPC/73, art. 132, caput). Diante da aplicação subsidiária do art. 132 do antigo CPC no âmbito processual penal, conclui-se que, ainda que determinado magis­ trado tenha presidido a instrução probatória de determinado feito, caso seja ele removido para outra vara judicial, deverá passar os autos a seu sucessor. Se, não obstante a remoção, o magis­ trado insistir em proferir sentença, deve ser reconhecida sua incompetência e a consequente nulidade da decisão por ele proferida. Afinal, nos termos do artigo 132 do antigo Código de Processo Civil, o juiz que presidiu a instrução, mas que por qualquer motivo estiver afastado, não proferirá sentença, devendo encaminhar os autos ao seu sucessor. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) De acordo com o princípio da identidade física d o juiz, que passou a ser aplicado tam bé m no âm bito d o processo penal ap ó s o advento da Lei n° 11.719, de 20 de ju n h o de 2008, o m agistrado que presidir a

Art. 399

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

instrução criminal deverá proferir a sentença no feito,

em virtude da remoção, não era m ais o com petente

n os term os d o § 2° d o art. 399 d o C ó d ig o de Processo

para se manifestar sobre o mérito da ação penal, já que,

Penal. Em razão da ausência de outras norm as e spe­ cíficas regulam entando o referido princípio, n os casos

o juiz que presidiu a instrução, m as que por qualquer

de convocação, licença, prom oção ou de outro m otivo que im peça o juiz que tiver presidido a instrução de

d o encam inhar os autos ao seu sucessor. Constatada a

m otivo esteja afastado, não proferirá sentença, deven­

sentenciar o feito, por analogia - permitida pelo art. 3o

incom petência d o Juízo prolator d o édito repressivo,

da Lei Adjetiva Penal -, deverá ser aplicado subsidia-

cum pre reconhecer a nulidade da sentença prolatada

riamente o contido no art. 132 d o C ó d ig o de Processo Civil, que dispõe que os autos passarão ao sucessor do

judicial com petente. Anulada a condenação, restam

nos autos, devendo outra ser proferida pela autoridade

m agistrado (Precedentes STJ). (...) N o caso em apreço,

prejudicados o s dem ais pedidos form ulados no m an-

não obstante já estivesse em v ig o r o § 2° d o art. 399

damus. Ordem concedida para anular a sentença con ­

d o C ó d ig o de Processo Penal q u an d o da prolação da

denatória proferida contra o paciente, devendo outra

sentença, não há qualquer inform ação nos autos do

ser prolatada pelo Juízo competente". (STJ, 5a Turma,

m otivo pelo qual o édito repressivo foi exarado pela

HC 184.838/MG, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 04/08/2011,

Juíza Substituta (...) e não pelo m agistrado que presidiu

DJe 25/08/2011).

a instrução do processo, qual seja, (...), razão pela qual não há com o se aferir se o presente caso enquadra-se nas exceções ao princípio da identidade física d o juiz preconizadas no art. 132 d o C ó d ig o de Processo Civil a ensejar ou não o reconhecim ento da aventada nulidade da decisão condenatória. (...) Ordem de n e gad a”. (STJ, 5a Turma, H C 133.407/RS, Rei. Min. Jorge Mussi, ju lgad o em 3/2/2011).

STJ: "(...)

Passou a figurar no rito processual penal o

princípio da identidade física d o juiz, com a alteração d o art. 399, § 2° d o CPP, pela Lei n° 11.719/08. N o entanto, no caso das hipóteses previstas no art. 132 d o CPC, outro m agistrado, devidam e nte investido, poderá determ inar a repetição das diligências que achar n ecessário para arrim ar o de cisu m ou, caso ache o acervo probatório suficiente, julgar o feito. (...) A gravo regim ental a que se nega provimento". (STJ, 5a Turma, A g R g no A g 1.357.894/DF, Rei. Min. Adilson Vieira M acabu - D ese m bargado r convocado doTJ/RJ, j. 03/05/2011, DJe 23/05/2011).

STJ:"(...) N o caso em

apreço, afirmou-se que à época

na qual foi prolatado o édito condenatório o m agis­ trado responsável pela colheita da prova no curso da instrução criminal se encontrava em um a das aludidas situações excepcionais - férias -, razão pela qual não se vislum bra qualquer m ácula na prolação de sen­ tença por Juiz de Direito diverso. O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 243.433/SP, Rei. Min. Jorge M u s ­ si, j. 28/08/2012, DJe 05/09/2012). Na m esm a linha: STJ, 5a Turma, HC 165.866/DF, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 09/10/2012, DJe 17/10/2012.

STJ:"(...) No caso em apreço, não obstante já estivesse em vigor o § 2° d o artigo 399 d o C ó d ig o de Processo Penal, introduzido pela Lei 11.719/2008, q u an d o pro­ ferida a sentença, o Juiz de Direito encontrava-se em go zo de férias regulamentares, e já havia sido removido da 3a Vara de Tóxicos de Belo Horizonte/MG, para a 2a Vara de Família da m esm a comarca. Assim, na hipó­ tese vertente, con q u an to tenha sido o responsável pela instrução d o feito, o Juízo que proferiu a decisão condenatória, tanto em razão das férias, com o tam bém

1122

nos term os do artigo 132 d o C ó d ig o de Processo Civil,

STJ:"(...) O fato de o juiz substituto ter sido de sign ad o para atuar na Vara d o Tribunal d o Júri, em razão de férias da juíza titular, realizando o interrogatório do réu e proferindo a decisão de pronúncia, não apresenta qualquer vício apto a ensejar a nulidade d o feito. Habeas corpus denegado". (STJ, 5aTurma, H C 161.881 /RS, Rei. Min. Laurita Vaz, ju lgad o em 17/5/2011).

9. Novo C ódigo de Processo Civil e a a b o­ lição do princípio da identidade física do juiz em sede processual civil: ao contrário de seu antecedente, o novo Código de Pro­ cesso Civil não contemplou o princípio da identidade física do juiz. Na verdade, o Pro­ jeto inicial encaminhado ao Senado Federal (Projeto 166/2010) previa o referido princípio em seu art. 112 (“O juiz que concluir a audi­ ência de instrução e julgamento resolverá a lide, salvo se estiver convocado .licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor”). No entanto, como o novo Código de Processo Civil não está assentado no princípio da oralidade, seria no mínimo estranho estar sujeito a um de seus corolários. Por isso, o princípio da identidade física do juiz acabou sendo suprimido do novo Código de Processo Civil. Isso, no entanto, não afasta a aplicação do referido princípio em sede processual penal, porquanto, nesse caso, há dispositivo legal expresso (CPP, art. 399, §2°). Diante da iminente revogação do art. 132 do antigo Código de Processo Civil, e o silêncio do novo CPC acerca das hipóteses que autorizam a mitigação ao princípio da identidade física do juiz, certamente surgirá o seguinte questio­ namento: será que as ressalvas à aplicação do

TfTULO I • DO PROCESSO C O M U M

referido princípio dele constantes - convoca­ ção, licença, afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria - , continuam válidas para o processo penal (CPP, art. 399, §2°)? A nosso juízo, a resposta é afirmativa. A despeito de o art. 132 do CPC estar na imi­ nência de ser revogado pelo novo CPC, que não contempla o princípio da identidade física do juiz, é evidente que, em qualquer ressalva outrora listada pelo referido dispositivo, cessa a competência do magistrado instrutor para o julgamento do feito. A título de exemplo, por mais que determinado magistrado tenha presidido a instrução probatória de determi­ nado feito como titular de uma vara criminal de I a entrância, a partir do momento em que promovido para uma vara criminal de 2a en­ trância, este juiz deixará de ter competência para o julgamento dos feitos por ele instruídos naquela vara criminal. Por consequência, sob pena de se admitir que um princípio com status de lei ordinária - identidade física do juiz (CPP, art. 399, §2°) - , possa se sobrepor a um princípio com envergadura constitucional - juiz natural (CF, art. 5o, incisos X X X V II e LIII) - , não se pode admitir que um juiz que deixou de ter competência para o julgamento do processo em virtude de afastamento legal, logo, incompetente, seja compelido a julgar o feito pelo simples fato de ter presidido a instrução probatória. Como se percebe, sem embargo da iminente revogação do art. 132 do CPC, as ressalvas à aplicação do princípio da identidade física do juiz nele inseridas continuam plenamente válidas, porquanto, em todas elas, há a cessação da competência do magistrado para o julgamento dos feitos por ele anteriormente instruídos. De todo modo, ante o afastamento do magistrado responsável pela instrução do feito, é perfeitamente possível que seu sucessor, se entender necessário, determine a repetição das provas já produzidas. Afinal, pelo menos em regra, o magistrado responsá­ vel pela prolação da sentença há de ser aquele que presidiu a instrução (CPP, art. 399, §2°). 10. (Im) possibilidade de realização de atos processuais por videoconferência ou por carta precatória: por ocasião da entrada em vigor da Lei n. 11.719/08, e a consequente

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inserção do princípio da identidade física do juiz no processo penal (CPP, art. 399, §2°), houve quem, apressadamente, passasse a di­ zer que não mais seria possível a realização de interrogatório por carta precatória, nem tampouco por videoconferência. A nosso ver, o princípio da identidade física do juiz não im­ pede a realização de atos instrutórios por meio de carta precatória ou por videoconferência. Ora, vivemos em um país de dimensões con­ tinentais, configurando um disparate impor-se ao acusado solto seu obrigatório deslocamento ao foro do juízo processante caso queira ser interrogado. A título de exemplo, basta imagi­ nar a hipótese de acusado solto que resida em Rio Branco/AC, que tenha que se deslocar até a cidade de Santa Maria/RS para fins de ser interrogado por seu julgador. Fosse tida por incabível a expedição de carta precatória para realização do interrogatório do acusado solto, estar-se-ia negando o exercício do seu direito de audiência, em verdadeira afronta à autode­ fesa, corolário lógico da ampla defesa (CF, art. 5o, LV). Portanto, o interrogatório por meio de carta precatória ou por videoconferência não fica vedado com a introdução do princípio da identidade física do juiz no processo penal, sob pena de inviabilizar a jurisdição penal no território nacional e o próprio exercício da autodefesa, mormente se considerarmos que grande parte da clientela do Direito Pe­ nal é desprovida de recursos financeiros para conseguir se deslocar ao juízo do feito. Para a I a Turma do STF (HC 115.189/AM, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 03/05/2016), quando o acusado está solto, não é ônus do Estado providenciar o seu transporte até a sede do órgão julgador para o seu interrogatório. Logo, não há qualquer impedimento à realização do referido ato por carta precatória, sob pena de se negar ao acusado o exercício do direito de audiência, consectário lógico da ampla defesa. Caso o interrogatório seja realizado por meio de carta precatória, sua realização deve ser feita ao final da instrução processual, tal qual previsto no art. 400, caput, do CPP. Portanto, o juízo deprecante deve envidar esforços para que a audiência una de instrução e julgamento seja realizada antes do interrogatório do acu-

Art. 399

cpp COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

sado, informando sua data ao juízo deprecado para que só realize o interrogatório após a audiência. Evidentemente, a sentença não po­ derá ser prolatada em audiência, já que a carta precatória ainda não terá retornado. Nesse caso, cabe ao juiz processante aplicar o quanto previsto nos arts. 402 e 404 do CPP: devolvi­ da a precatória atinente ao interrogatório do acusado, as partes deverão ser ouvidas acerca do interesse na realização de diligências cuja necessidade tenha surgido durante a instrução, com posterior apresentação de memoriais, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, cabendo ao magistrado proferir sentença em até 10 (dez) dias. + Jurisprudência selecionada:

STJ: ”(...) Com

a introdução do princípio da identidade

física d o Juiz no processo penal pela Lei 11.719/08 (art. 399, § 2o. d o CPP), o M agistrado que presidir os atos instrutórios, agora c on d e n sad o s em audiência una, deverá proferir a sentença, descabendo, em regra, que o interrogatório do acusado, visto expressamente com o autêntico m eio de defesa e deslocado para o final da colheita da prova, seja realizado por m eio de carta precatória, m orm ente no caso de réu preso, que, em princípio, deverá ser conduzido pelo Poder Público (art. 399, § 1o. do CPP); todavia, não está eliminada essa forma de cooperação entre os Juízos, conform e reco­ m endarem as dificuldades e as peculiaridades d o caso concreto, devendo, em todo o caso, o Juiz justificar a opção por essa forma de realização do ato. A adoção do princípio da identidade física do Juiz no processo penal não pode conduzir ao raciocínio simplista de dispensar totalmente e em todas as situações a colaboração de outro juízo na realização de atos judiciais, inclusive do interrogatório do acusado, sob pena de subverter a fina­ lidade da reforma do processo penal, criando entraves à realização da Jurisdição Penal que som ente interessam aos que pretendem se furtar à aplicação da Lei. (...)". (STJ, 3a Seção, CC 99.023/PR, Rei. Min. N apoleão Nunes Maia Filho, j. 10/06/2009, DJe 28/08/2009).

STJ:"(...) O princípio da identidade física d o juiz deve ser interpretado de acordo com as circunstâncias d o caso concreto, porque o legislador, por certo, não proibiu a re­ alização de interrogatório por precatória, nos processos em que tal m edida é a única forma de dar andam ento à ação penal. A ausência d o paciente às audiências de instrução não caracteriza nulidade, porque foram elas acom panhadas pelo defensor constituído, com exceção de apenas uma, realizada por precatória, de cuja expe­ dição a defesa não fora intimada. E, nesta, a nulidade decorrente é relativa, nos termos do enunciado n° 155 d o Suprem o Tribunal Federal, e, em princípio, o tema não pode ser apreciado em habeas corpus, por exigir

1124^)

exam e sobre eventual prejuízo à defesa, o que seria possível som ente com o exame aprofundado de todo o processo, o que é pertinente som ente nas instâncias ordinárias. Coação ilegal não caracterizada. Ordem denegada". (STJ, 6a Turma, HC 135.456/SC, Rei. Min. Celso Limongi, j. 18/03/2010, DJe 24/05/2010).

11. M agistrad os instrutores e princípio da identidade física do juiz: magistrados instrutores são desembargadores de Turmas Criminais dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais, bem como juizes de varas criminais da Justiça dos Estados e da Justiça Federal, convocados pelos Ministros do STF e do STJ pelo prazo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período, até o máximo de 2 (dois) anos, para a realização do interro­ gatório e de outros atos da instrução nos feitos de competência originária dos Tribunais Superiores.Essa figura do magistrado instrutor foi introduzida no art. 3o, III, da Lei n. 8.038/90, pela Lei n. 12.019/09. Até a entrada em vigor da Lei n. 12.019/09, a instrução dos processos de competência originária do STF e do STJ era feita por meio das chamadas cartas de ordem, nas quais os Ministros Relatores determina­ vam a juizes de todo o país que fizessem a coleta de provas nas comarcas onde residem testemunhas ou acusados. Com a mudança da Lei n. 8.038/90, esse trabalho passou a ser desempenhado pelo magistrado instrutor na sede do STF ou do STJ, ou no local onde se deva produzir o ato, imprimindo maior rapidez à fase processual em que são reunidas provas e depoimentos. Além de dar agilidade à coleta de provas, há um ganho sensível de qualida­ de, visto que o magistrado instrutor passa ao Ministro Relator observações relevantes obtidas durante os depoimentos. Embora a Lei n° 12.019/2009 faça referência expressa a ações penais de competência originária, uma interpretação do próprio STF tem permitido aos magistrados instrutores atuar também nas extradições. De acordo com a Emenda Re­ gimental 36/2009, que regulamentou a aplica­ ção da Lei n° 12.019/2009 no STF, o magistrado instrutor pode designar e realizar as audiências de interrogatório e inquirição de testemunhas; requisitar testemunhas e determinar condu­ ção coercitiva, caso necessário; determinar intimações e notificações; decidir questões

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

incidentes durante a realização dos atos sob sua responsabilidade; requisitar documentos ou informações existentes em bancos de dados; fixar ou prorrogar prazos para a prática de atos durante a instrução; realizar inspeções judi­ ciais. Se necessário, pode requisitar, junto aos órgãos locais do Poder Judiciário, o apoio de pessoal, equipamentos e instalações adequados para os atos processuais que devam ser produ­ zidos fora da sede do STF. A introdução dessa figura do magistrado instrutor é plenamente compatível com o princípio da identidade física do juiz (CPP, art. 399, §2°). Isso porque, a despeito da importância desse princípio, não se pode perder de vista que se trata de manda­ mento introduzido no âmbito processual penal por meio de lei ordinária (Lei n. 11.719/08). Se o princípio da identidade física do juiz não consta da Constituição Federal, nem tampouco da Convenção Americana sobre Direitos Hu­ manos, tem status de lei ordinária e, como tal, pode ser excepcionado por outra lei ordinária. Logo, da mesma forma que este princípio é excepcionado pelo art. 132 do CPC, há de se entender que a Lei n. 12.019/09 simplesmente

Art. 400

criou uma nova exceção ao mandamento da identidade física do juiz, permitindo que a instrução dos feitos de competência originária do STF e do STJ seja feita pelo magistrado instrutor. De mais a mais, não se pode perder de vista que a atuação desses magistrados ins­ trutores junto ao STF e STJ vem ao encontro da garantia da razoável duração do processo, do princípio da busca da verdade, além de evitar o advento da prescrição. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...) JUIZ INSTRUTOR. V IO L A Ç Ã O A O PRINCÍPIO D O JUIZ NATURAL. INEXISTENTE. (...) O Juiz Instrutor atuante n os Tribunais Superiores, derivação expressa d o art. 3o, III, da Lei 8.038/90, constitui lo n ga m anus do Relator e, nessa condição, atua sob sua constante su­ pervisão. A delegação de atos de instrução, observadas as disposições legais e regimentais, consubstancia m e­ dida direcionada à racionalização das forças dirigidas à consecução da razoável duração d o processo, sem que se subtraia d o s m em bros d o Tribunal a com petência para processam ento e ju lgam e nto das causas assim definidas pela Constituição. O rdem denegada". (STF, 1a Turma, HC 131.164/TO, Rei. M in. Edson Fachin, j. 24/05/2016, DJe 196 13/09/2016).

Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias,1proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido,2 à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa,3*'5 nesta ordem,6'7 ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos,8 às acareações9 e ao reconhe­ cimento de pessoas e coisas,10 interrogando-se, em seguida, o acusado.11 (Redação dada pela Lei n. 11.719/08). §1° As provas serão produzidas numa só audiência,12 podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.13 §2° Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes.14 1. Prazo máximo para a realização da au­ diência una de instrução e julgamento: no procedimento comum ordinário, a audiência una de instrução e julgamento deverá ser rea­ lizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias (CPP, art. 400). Ao dispor sobre esse prazo, nada disse o art. 400 do CPP se seria referente a acusado preso ou solto. Logo, conclui-se que referido prazo aplica-se a ambos. Na hipótese de acusado preso, eventual excesso, desde que

abusivo e desarrazoado, poderá dar ensejo ao relaxamento da prisão. Por isso, é evidente que os processos criminais envolvendo acusados presos terão prioridade em relação aos demais. Portanto, em relação ao acusado solto, conclui-se que se trata de um prazo impróprio, ou seja, aquele prazo cujo descumprimento não trará maiores consequências. No âmbito do proce­ dimento comum sumário, a audiência deve ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta)

Art. 400

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

dias (CPP, art. 531). Na prática, esses prazos introduzidos no CPP pela Lei n. 11.719/08 pa­ recem absolutamente inexequíveis em virtude do excessivo número de inquéritos e processos que superlotam a maioria das varas criminais no país. Logo, a importância desses prazos fica restrita aos processos criminais envolvendo acusados presos, em que poderá restar carac­ terizado o excesso de prazo na formação da culpa, dando ensejo ao relaxamento da prisão, sem prejuízo da continuidade do processo. 2. Declarações do ofendido: como se trata de prova produzida em juízo sob o crivo da ampla defesa e do contraditório judicial, é evidente que às partes deve se assegurar o direito de fazer reperguntas ao ofendido. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 201 do CPP. 3. Inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa: para mais deta­ lhes acerca da prova testemunhai, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 202 a 225 do CPP. Por ora, interessa-nos apenas o procedi­ mento atinente à prova testemunhai. 4. Substituição de testemunhas: antes das modificações produzidas pela Lei n. 11.719/08, dispunha o revogado art. 405 do CPP que, se as testemunhas de defesa não fossem encontra­ das, e o acusado, dentro em 3 (três) dias, não indicasse outras em substituição, prosseguir-se-ia o procedimento nos demais termos. Tal dispositivo foi revogado, sendo que a atual redação do art. 405 do CPP dispõe sobre o re­ gistro dos fatos ocorridos durante a audiência. De modo semelhante, previa a redação antiga do art. 397 do CPP que, se não fosse encon­ trada qualquer das testemunhas, o juiz poderia deferir o pedido de substituição, se esse pedido não tivesse por fim frustrar o ônus das partes em apresentar o rol de testemunhas quando do oferecimento da peça acusatória ou quando da apresentação da defesa prévia, outrora prevista no art. 395 do CPP. Com a Lei n. 11.719/08, a nova redação do art. 397 do CPP passou a sobre a possibilidade de absolvição sumária no procedimento comum, silenciando acerca da possibilidade de substituição de testemunhas. Não obstante tais mudanças, a ausência de previsão específica da possibilidade de substi­

tuição de testemunhas no Código de Processo Penal não pode ser interpretada como silêncio eloquente do legislador. Tendo em conta a im­ portância da prova testemunhai no processo penal, não se pode usurpar o direito da parte de, na eventualidade de não ser localizada uma das testemunhas que arrolou para compro­ var suas alegações, substituí-la por outra que considere apta a colaborar com a instrução. Destarte, desde que não fique evidenciada fraude processual ou preclusão temporal para o arrolamento da testemunha substituta, parece ser possível a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, com fundamento no art. 3o do CPP. Aplicando-se subsidiariamente o disposto no art. 408 do CPC (art. 451 do novo CPC), é possível a substituição de testemunha que falecer, que, por enfermidade, não estiver em condições de depor, ou que, tendo mudado de residência, não for encontrada pelo oficial de justiça. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...) A ausência de previsão específica d o C ó d ig o de Processo Penal acerca d o direito à substituição não p od e ser interpretada com o'silêncio e loqüen te'do le­ gislador. A busca por um provim ento jurisdicional final justo e legítim o não pod e ser fulm inado pelo legisla­ dor, sob pena de o processo não alcançar sua finalidade de pacificação da lide. A prova testem unhai é um a das mais relevantes no processo penal. Por esta razão, o juiz pode convocar, de ofício, testem unhas que considere im portantes para a form ação do seu convencimento. D aí porque não se pod e usurpar o direito da parte de, na eventualidade de não ser localizada um a das teste­ m unhas que arrolou para com provar suas alegações, substituí-la por outra que considere apta a colaborar com a instrução. É inadm issível a interpretação de que a"vontade d o legislador", na Reforma Processual Penal, seria no sentido de im pedir quaisquer substituições de testem unhas no curso da instrução, m esm o qu an do não localizada a que fora originalm ente arrolada. Tal interpretação inviabilizaria um a prestação jurisdicio­ nal efetiva e justa, m ais próxim a possível da 'verdade material'. 5. Perfeitamente aplicável, à espécie, o art. 408, III, d o C ó d ig o de Processo Civil, tendo em vista que a testem unha substituída não foi localizada em razão de m udança de endereço. O fato de a testem u­ nha arrolada em substituição ser conhecida desde a época do oferecimento da denúncia não im pede seu aproveitamento, q u an d o houver o portu n idade legal para tanto. N o caso, não é possível vislum brar fraude processual ou preclusão tem poral para o arrolam en­ to da testem unha substituta, ten do em vista que a testem unha que não foi encontrada existe e prestou

TÍTULO I* DO PROCESSO C O M U M

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Art. 400

Joaquim Barbosa, DJe 079 29/04/2009).

sobretudo quando houver a concordância do advogado de defesa, não há falar em nulidade do processo por conta da inversão da ordem de oitiva das testemunhas.

5. Desistência da oitiva de testemunhas: vide comentários ao art. 401, §2°, do CPP.

S T F : "(...) Se de um lado é certo que as testem unhas da

de poim ento na fase policial. Sua não localização no curso da instrução abre a possibilidade legal de sua substituição. A g ra v o regim ental desprovido". (STF, Tribunal Pleno, AP 470 A g R -se g u n d o /M G , Rei. Min.

6. Ordem de oitiva das testemunhas: da própria leitura do art. 400, caput, do CPP, que faz menção expressa à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, depreende-se que devem ser ouvidas primeiramente as testemunhas arroladas pela acusação e, depois, aquelas indicadas pela defesa. Uma única ressalva é feita pelo próprio dispositivo - quando uma testemunha tiver que ser ouvida por carta precatória por morar fora da jurisdição do juiz (CPP, art. 222). Nesse caso, é possível que uma testemunha arrolada pela defesa seja ouvida antes das testemunhas indicadas pela acusação, ou que uma testemunha arrolada pela acusação seja ouvida no juízo deprecado mesmo após a oitiva das testemunhas da defesa no juízo deprecante. 7. Inversão da ordem de oitiva das teste­ munhas: como a lei processual penal comum prevê uma audiência una de instrução e ju l­ gamento, é possível que todas as testemunhas arroladas pela defesa estejam presentes, ten­ do faltado, no entanto, uma testemunha da acusação, de cuja oitiva o Ministério Público (querelante) não abre mão. Nessa hipótese, em virtude do princípio da ampla defesa, não é possível a inversão da ordem de oitiva das testemunhas. Logo, se não for possível a imediata condução coercitiva da testemunha arrolada pela acusação, deverá o magistrado ouvir as testemunhas da acusação que este­ jam presentes, designando nova data para a oitiva da testemunha da acusação restante, assim como daquelas arroladas pela defesa. Não obstante, a jurisprudência entende que eventual inversão da ordem de oitiva das tes­ temunhas é causa de mera nulidade relativa, sendo indispensável a comprovação do pre­ juízo. É o que acontece, por exemplo, quando todas as testemunhas arroladas pela defesa são meramente abonatórias, sem qualquer conhe­ cimento acerca do fato delituoso. Nesse caso,

> Jurisprudência selecionada: acusação devem ser ouvidas antes das da defesa, de outro não m en o s correto é que a nulidade decorrente da inobservância desta ordem pressupõe prejuízo. H aven d o as testem u n has da defesa declarado d e s­ conhecer o acusado, descabe falar em prejuízo. (...)". (STF, 2aTurma, HC 75.345/MS, Rei. Min. M arco Aurélio, DJ 19/09/1997).

8. Esclarecimentos dos peritos: para mais detalhes acerca da prova pericial, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 158 a 184 do CPP. 9. Aca reações: vide comentários aos arts. 229 e 230 do CPP. 10. Reconhecimento de pessoas e coisas: vide comentários aos arts. 226 a 228 do CPP. 11. Interrogatório do acusado: vide co­ mentários aos arts. 185 a 196 do CPP. 12. Concentração: consectário lógico do princípio da oralidade, deriva do subprincípio da concentração a tentativa de reduzir o pro­ cedimento a uma única audiência, objetivando encurtar o lapso temporal entre a data do fato e a do julgamento. Afinal, quanto mais próxima do fato delituoso for proferida a decisão final, maior é a possibilidade de se atingir a verdade. Caso não seja possível concentrar a produção da prova em uma única audiência, deve-se designar a próxima audiência para a data mais próxima possível. 13. Indeferimento de provas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias: o direito à prova qualifica-se como prerrogativa jurí­ dica de índole constitucional, intimamente vinculado ao direito do interessado de exigir, por parte do Estado, a estrita observância da fórmula inerente ao devido processo legal. Daí por que juizes e Tribunais devem assegurar às partes o exercício pleno do direito de ação e de defesa, que compreende, dentre outros pode­ res processuais, a faculdade de produzir e de requerer a produção de provas. Isso, todavia, não significa dizer que tal direito possa ser

Art. 400

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

exercido de maneira abusiva e desleal, sendo plenamente possível que a produção de deter­ minada prova seja recusada, mediante decisão judicial fundamentada, se e quando ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias. Como destaca a doutrina (GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Comentários às reformas do

Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 354), “essa imprescindibilidade deve ser analisada com cautela pelo juiz. Difícil, por exemplo, se apurar, de antemão, se o depoi­ mento de determinada testemunha é ou não imprescindível para a apuração dos fatos. A realização da audiência, sem que seja ouvida (porque considerada prescindível ou porque frustrada sua condução coercitiva), pode en­ sejar eventual cerceamento de acusação ou de defesa. Talvez seja mais prudente o adiamento da audiência do que se ver declarada, mais à frente, a nulidade do processo. Decerto que o tempo perdido com a primeira providência será infinitamente inferior àquele decorrente de uma decisão do Tribunal, que pode, uma vez identificada a nulidade, de plano reconhecer a prescrição da pretensão acusatória”. Já foi dito anteriormente que a Lei n. 11.719/08 visou imprimir maior celeridade ao procedimento comum. Por isso, passou a prever a realização de uma audiência una de instrução e julga­ mento. Objetivando assegurar essa hiperconcentração dos atos probatórios, o art. 400, §1°, dispõe que as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as se­ guintes provas: a) prova irrelevante: é aquela que, apesar de tratar do objeto da causa, não possui aptidão de influir no julgamento da causa (v.g., acareação por precatória); b) prova im pertinente: é aquela que não diz respeito à questão objeto de discussão no processo; c) prova protelatória: é aquela que visa apenas ao retardamento do processo. Com base no livre convencimento motivado, incumbe ao juiz indeferir fundamentadamente a produção de provas que julgar impertinentes, irrelevantes ou protelatórias para o regular andamento do processo, hipótese em que não se verifica a ocorrência de cerceamento da acusação ou da defesa. Esse poder de polícia exercido pelo

magistrado durante todo o curso do procedi­ mento visa evitar a adoção de práticas desleais e abusivas que possam causar um indevido retardamento da prestação jurisdicional. Fun­ ciona, pois, como corolário lógico do princípio do impulso oficial, cabendo ao juiz velar pela observância da marcha procedimental (CPP, art. 251), em fiel observância à garantia da razoável duração do processo. Na mesma linha que o art. 400, §1°, o art. 184 do CPP também permite que o juiz negue a perícia requerida pelas partes quando não for necessária ao esclarecimento da verdade, ressalvado a h i­ pótese de exame de corpo de delito. Ao tratar da oitiva das testemunhas, o art. 212 também permite que o juiz indefira perguntas que não tenham relação com a causa ou importem na repetição de outra já respondida. Por sua vez, o art. 222-A , acrescido ao CPP pela Lei n. 11.900/09, dispõe que as cartas rogatórias só serão expedidas se demonstradas previamente a sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio. De seu turno, o art. 535 do CPP dispõe que nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condu­ ção coercitiva de quem deva comparecer. Este último dispositivo está localizado no Capítulo que trata do procedimento comum sumário, porém pode ser aplicado subsidiariamente ao procedimento comum ordinário. Para se assegurar o duplo grau de jurisdição e permitir que o indeferimento das provas reputadas ir­ relevantes, impertinentes ou protelatórias pelo juízo a quo seja questionado perante o Tribunal competente, a parte prejudicada deve requerer que perguntas ou outras provas indeferidas constem da ata de audiência. Assim o fazendo, a matéria poderá ser novamente discutida em eventual preliminar de apelação ou no bojo de um habeas corpus, quando em risco a liber­ dade de locomoção. Neste caso, para que seja reconhecido o cerceamento da acusação ou da defesa, recai sobre a parte prejudicada o ônus de comprovar a imprescindibilidade da prova cuja produção foi indeferida pelo magistrado. ♦

Jurisprudência selecionada:

S T F : "(...) O s juizes e Tribunais têm o dever de asse­ gurar, ao réu, o exercício pleno d o direito de defesa,

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

4Q-|

que com preende, dentre outros poderes processuais,

relevantes, se no ponto não se fundaram nem a acu­

a faculdade de produzir e de requerer a p rodução de

sação nem a defesa. Adem ais, não há cerceam ento de

provas, que som ente poderão ser recusadas, mediante

defesa no indeferim ento de declaração extrajudicial

decisão judicial fundam entada, se e qu an do ilícitas, im ­

de alguém , se - com o afirma o acórdão - conhecendo

pertinentes, desnecessárias ou protelatórias. (...) O fato de o Poder Judiciário considerar suficientes o s elemen­

o réu a sua identidade, não o arrolou nem tentou de

tos de inform ação produzidos no procedim ento penal

Turma, RE 345.580/SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence,

q u alq u e r m o d o a sua inquirição em juízo". (STF, I a

não legitim a nem autoriza a adoção, pelo m agistrado

j. 17/08/2004, DJ 10/09/2004). C o m e ntend im en to

competente, de m edidas que, tom adas em detrimento

semelhante: STF, 2a Turma, RH C 83.987/SP, Rei. Min.

daquele que sofre persecução penal, culm inem por

Cezar Peluso, j. 02/02/2010, DJe 55 25/03/2010.

frustrar a possibilidade de o próprio acusado produzir as provas que repute indispensáveis à dem onstração de suas alegaçõe s e que entenda essenciais à con ­ du ção de sua defesa. - M ostra-se claram ente lesiva à cláusula constitucional d o "due process" a supressão ou a injusta den egação, p or exclusiva deliberação judicial, d o direito à prova, que, por com p or o próprio estatuto constitucional d o direito de defesa, deve ter o seu exercício plenam ente respeitado por quaisquer

S T F : "(...) A obrigatoriedade de oitiva da vítima deve ser com preendida à luz da razoabilidade e da utilida­ de prática da colheita da referida prova. Hipótese de im putação da prática de 638 (seiscentos e trinta e oito) hom icídios tentados, a revelar que a inquirição da integralidade dos ofendidos constitui m edida impraticável. Indicação m otivada da dispensabilidade das inquiri­ ções para informar o convencim ento do Juízo, forte em

autoridades e agentes públicos, que não p od em im ­

critérios de persuasão racional, que, a teor d o artigo

pedir, so b pena de nulidade processual absoluta, que

400, §1°, CPP, alcançam a fase de adm issão da prova.

o réu, n os procedim entos de persecução contra ele instaurados, produza os elem entos de inform ação por

Ausência de cerceam ento de defesa. (...) Im petração

ele considerados im prescindíveis e que sejam eventu­

Min. Edson Fachin, j. 26/04/2016, DJe 19613/09/2016).

não conhecida”. (STF, I a Turma, H C 131.158/RS, Rei.

alm ente capazes, até mesm o, de infirmar a pretensão punitiva d o Estado, ainda m ais q u an d o se tratar de testem unhas arroladas com a nota de imprescindibilidade (CPP,art.461,"caput", na redação dada pela Lei n° 11.689/2008). Doutrina. Jurisprudência". (STF, 2aTurma, H C 96.905/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, j. 25/08/2009, DJe 146 29/07/2011).

S T F : "(...) Não há afronta à garantia da am pla defesa no indeferim ento de prova desnecessária ou irrelevante. De outro lado, em princípio, substantivam mera ques­ tão de fato - insuscetível de reexame n o RE (Súm ula 279) - a necessidade ou a relevância, no contexto do s fatos questionados, da prova indeferida, salvo a hipó­ tese em que a necessidade ou a relevância da prova den egad a resulte inequívoca, independentem ente da revisão de fatos controvertidos. N o caso - im putação de crime de concussão, m ediante exigência de vanta­ g e m para licenciar obra irregular - nem a existência das ale gad a s irregularidades da obra, nem, m en o s ainda, a sua especificação constituem circunstâncias

14. Esclarecimentos dos peritos: tanto a acusação quanto a defesa podem solicitar es­ clarecimentos dos peritos. Nesse caso, não se pode perder de vista a regra constante do art. 159, §5°, I, do CPP, que estabelece que, durante o curso do processo, as partes podem requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesito, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar. Outrossim, valendo-se de sua iniciativa proba­ tória (CPP, art. 156, II), o magistrado também pode determinar ex officio o esclarecimento dos experts acerca da prova pericial.

Art. 401. Na instrução poderão ser inquiridas até 8 (oito) testemunhas arroladas pela acusação e 8 (oito) pela defesa.' (Redação dada pela Lei n. 11.719/08). § 1 0 Nesse número não se compreendem as que não prestem compro­ misso e as referidas.2 §2° A parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código.3 1. Número m áxim o de testemunhas: no âmbito do procedimento comum ordinário, a

acusação pode arrolar até 8 (oito) testemunhas, mesmo número outorgado à defesa. Há certa 1129

Art. 402

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

controvérsia na doutrina e na jurisprudência acerca do número máximo de testemunhas que podem ser arroladas quando o processo versa sobre mais de um delito ou quando há mais de um corréu. Prevalece o entendimento de que, para a acusação, o número é estabelecido de acordo com a quantidade de fatos imputados, independentemente do número de acusados. Para a defesa, toma-se em conta não apenas o número de fatos, como também o número de acusados. Exemplificando, se são dois os acusados pela prática de um crime de roubo, cada um deles terá direito a arrolar até 8 (oito) testemunhas, mesmo que possuam o mesmo defensor. Por outro lado, se a um único acu­ sado forem imputados dois fatos delituosos, terá direito a arrolar 8 (oito) testemunhas para cada um deles. ♦

Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...)

o limite m áxim o de 8 (oito) testem u n has

descrito no art. 401, d o C ó d ig o de Processo Penal, deve ser interpretado em consonância com a norm a constitucional que garante a am pla defesa no processo penal (art. 5o, LV, da CF/88). Para cada fato delituoso im pu tado ao acusado, não só a defesa, m as tam bém a acusação, poderá arrolar até 8 (oito) testem unhas, levando-se em conta o princípio da razoabiiidade e proporcionalidade". (STJ, 5a Turma, H C 55.702/ES, Rei. Min. Honildo Amaral de M ello C a s tr o - Desem bargador con vocado doTJ/AP -, j. 05/10/2010, DJe 25/10/2010).2

2. Não computo das testemunhas que não prestam compromisso e das referidas: nesse número máximo de testemunhas que podem ser arroladas pela acusação e pela defesa, não são computadas as testemunhas referidas, as que não prestam compromisso e a pessoa que nada souber que interesse à decisão da causa (CPP, art. 209, §2° e art. 401, §1°).

3. Desistência da oitiva de testemunhas: antes da reforma processual de 2008, dispu­ nha o revogado art. 404 do CPP que as partes poderíam desistir do depoimento de qualquer das testemunhas arroladas, ou deixar de arrolá-las, caso considerassem suficientes as provas que tinham sido produzidas. Com a Lei n. 11.719/08, o art. 404 do CPP passou a dispor sobre a conclusão da audiência de instrução sem a apresentação de memoriais, na hipó­ tese de realização de diligência considerada imprescindível. A despeito da mudança do art. 404 do CPP, subsiste a possibilidade da parte desistir do depoimento de testemunha por ela anteriormente arrolada, podendo fazê-lo inclusive durante o curso da audiência una de instrução e julgamento, ressalvada, logicamen­ te, a hipótese em que o depoimento já tenha tido início. Daí a importância de o advogado de defesa, desejando ouvir testemunha arrolada pela acusação, também incluí-la no seu rol de testemunhas. Afinal, caso não o tenha feito, poderá o Ministério Público desistir da oitiva de testemunha por ele arrolada sem neces­ sidade de anuência da defesa. Nesse prisma, aliás, dispõe o art. 401, §2°, do CPP, que a parte pode desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 do CPP (testemunhas indicadas pelo juízo e testemunhas referidas). No âmbito do Tribunal do Júri, também é possível que a parte desista do depoimento da testemunha, mas desde que tal desistência ocorra antes do início da sessão de julgamento em plenário. Iniciada a sessão de julgamento, a desistência da oitiva de testemunha estará condicionada à aquiescência do juiz-presidente, dos jurados e da parte adversa.

Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências' cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.2-3 (Redação dada pela Lei n. 11.719/08). 1. Requerimento de diligências: antes da reforma processual de 2008, a fase do pro­ cedimento comum conhecida como fa se de diligências estava prevista no art. 499 do CPP.

3

1130

Este artigo foi expressamente revogado pela Lei n. 11.719/08, sendo que o momento para o requerimento de diligências passou a ser regulamentado pelo vigente art. 402 do CPP.

t ít u l o

São duas as mudanças importantes trazidas pela reforma processual de 2008: a) antes, o requerimento de diligências correspondia a uma fase autônoma do procedimento: por isso, as partes tinham vista dos autos por 24 (vinte e quatro) horas após terminada a inquirição das testemunhas. Com a reforma processual, o requerimento de diligências deverá ser feito na própria audiência. Todavia, se porventura o interrogatório for feito mediante carta pre­ catória, cuja possibilidade tem sido admitida pela doutrina e pela jurisprudência, uma vez apensado aos autos a carta precatória com o interrogatório, deverá o juiz abrir vista dos autos às partes no prazo de 5 (cinco) dias para que se manifestem quanto ao interesse na realização de diligências; b) ao contrário do re­ vogado art. 499 do CPP, que não fazia menção expressa ao requerimento de diligências por parte do assistente, o art. 402 do CPP admite textualmente que o assistente requeira a rea­ lização de determinada(s) diligência(s). Essa alteração vem ao encontro de outras recentes alterações legislativas - a título de exemplo, o art. 311 do CPP, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11, também passou a con­ ferir legitimidade ao assistente para requerer a decretação da prisão preventiva - , que con­ firmam o entendimento de que a presença do assistente da acusação no processo penal não mais se restringe à mera busca de um título executivo judicial para fins de satisfação de seus interesses patrimoniais. 2. Diligências passíveis de requerimento: pelo menos em tese, o requerimento a ser feito por ocasião do final da audiência deve se referir a diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução. Em outras palavras, se a necessidade daquela diligência já existia à época do início do processo, tal requerimento já devia ter sido formulado pelo Ministério Público ou pelo querelante quando do oferecimento da peça acusatória; pelo lado da defesa, o momento procedimental correto seria o da apresentação da resposta à acusação, já que o próprio art. 396-A estabelece que, na resposta, o acusado deve alegar tudo o que interesse à sua defesa, assim como especificar as provas pretendidas.

i. d o p r o c e s s o c o m u m

Art. 402

Exemplificando, se o inquérito policial aponta que se trata de investigado reincidente ou com maus antecedentes, eventual requerimento de folhas de antecedentes ou certidões de pé e andamento deve ser formulado por ocasião do oferecimento da peça acusatória - no caso do M inistério Público, tais requerimentos costumam ser feitos por meio da chamada cota ministerial. Todavia, se tal notícia surgir ape­ nas durante o curso da instrução processual, nada impede que o requerimento de juntada de antecedentes seja feito no momento do art. 402 do CPP. Não obstante, na vigência do revogado art. 499 do CPP, a jurisprudência costumava abrandar a exigência da disposição legal, admitindo quaisquer requerimentos, inclusive aqueles referentes à diligência cuja necessidade já existia à época do início do processo, desde que se mostrasse útil ao escla­ recimento do fato ou que contribuísse para a busca da verdade. O rigor do art. 402 do CPP também sofre certa mitigação em virtude do art. 404 do CPP, que, em fiel observância ao princípio da busca da verdade, autoriza que o próprio juiz, independentemente de requeri­ mento das partes, determine a realização de diligências consideradas imprescindíveis ao esclarecimento do fato delituoso. 3. Instrumento adequado para a im pug­ nação do (in) deferimento das diligências requeridas pelas partes: como se trata de decisão interlocutória proferida no curso da audiência una de instrução e julgamento, não há previsão legal de recurso contra a decisão que defere ou indefere o requerimento de diligên­ cias. No entanto, contra o deferimento, desde que fique evidenciado o caráter procrastinatório da diligência, afigura-se possível a interposição de correição parcial, sob o argumento de se tratar de ato tumultuário decorrente de error in procedendo em relação ao qual não há previsão legal de recurso. Lado outro, se indeferido o re­ querimento de düigência, e prolatada sentença absolutória ou condenatória na sequência, o recurso correto será o de apelação, arguindo-se, como preliminar, nuhdade processual por cer­ ceamento de acusação ou de defesa, a depender do caso concreto.

Art. 403

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

4- Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) Ante o devido processo legal, cum pre aco­ lher diligên cia v isa n d o a esclarecer a le gitim idade de interceptações telefônicas". (STF, I a Turma, HC

gências requeridas pela defesa na fase d o revogado artigo 499 d o C ó d ig o de Processo Penal, por entender que teriam caráter protelatório e não se m ostrariam necessárias para o desate da controvérsia. Ademais,

99.646/RJ, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 09/02/2010, DJe

em m om e n to algu m o im petrante-paciente logrou

55 25/03/2010).

dem onstrar quais prejuízos teria su p ortad o em face

S T J : "(...) A o m agistrado é facultado o indeferimento, de form a fundam entada, da p rodução de provas que ju lgar protelatórias, irrelevantes ou im pertinentes,

d o indeferim ento judicial das diligências por ele plei­ teadas, o que reforça a prescindibilidade das m edidas requeridas, tal com o c o n sign ad o pelas instâncias de

deven do a sua im prescindibilidade ser devidam ente

origem . (...)". (STJ, 5a Turma, HC 134.273/GO, Rei. Min.

justificada pela parte. Doutrina. Precedentes d o STJ e

Jorge Mussi, j. 02/03/2011, DJe 25/04/2011). N o m esm o

d o STF. N o caso d o s autos, o m agistrado responsável pelo feito indeferiu, m otivadam ente, as diversas dili­

sentido: STJ, 5a Turma, HC 99.798/CE, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 03/09/2009, DJe 28/09/2009.

Art. 403 .Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indefe­ rido,1-2serão oferecidas alegações finais orais3'5 por 20 (vinte) minutos, res­ pectivamente, pela acusação e pela defesa,6prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. (Redação dada pela Lei n. 11.719/08). §1° Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.7 §2° Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação desse, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.8 §3° O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais.5-1° Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferira sentença." 1. Apresentação imediata das alegações orais: não sendo o caso de se determinar diligências de ofício (CPP, art. 404), ausente requerimento das partes nesse sentido, ou se solicitação das partes for indeferida pelo juiz, o procedimento comum avança rumo às alegações orais. 2. Eventual necessidade de aditam ento em virtude de m u tatio libelli : encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstân­ cia da infração penal não contida na acusação, ao invés de apresentar alegações orais (ou memoriais), deve o Ministério Público aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instau­ rado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. Para mais detalhes acerca do

assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 384 do CPP. 3. Alegações orais (memoriais): consistem em ato postulatório das partes que precede a sentença final, no qual o Ministério Público, o querelante, o advogado do assistente e o defensor devem realizar minuciosa análise dos elementos probatórios constantes dos autos do processo (e do inquérito policial, subsidiariamente), valendo-se da doutrina e da jurisprudência, com o objetivo de influenciar o convencimento do juiz no sentido da proce­ dência ou improcedência de eventual pedido de condenação do acusado, fornecendo-lhe subsídios para a sentença. 4. Oralidade: homenageando-se o princípio da oralidade, que norteou diversas alterações produzidas pela reforma processual de 2008, e visando imprimir maior celeridade ao procedi­ mento, as alegações finais deverão ser apresen-

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

tadas oralmente pelas partes tão logo encerrada a instrução probatória. Diversamente do antigo procedimento comum ordinário, em que as alegações finais eram apresentadas por escrito (revogado art. 500 do CPP), a nova redação do art. 403 passou a dispor que as alegações devem ser apresentadas, pelo menos em regra, oralmente. As alegações orais assemelham-se bastante aos debates realizados na sessão de julgamento do Tribunal do Júri. Ou seja, as partes não devem ficar ditando ao escrivão aquilo que querem que conste como alegações orais, mas sim falar livremente sobre o teor da acusação/defesa, sobre a prova produzida ao longo da instrução processual, oferecendo ao juiz caminhos para a procedência ou improcedência do pedido condenatório, em suma, procurando influenciar na formação da con­ vicção do magistrado. No dia-a-dia de fóruns criminais, todavia, a apresentação dessas alega­ ções orais tem sido muito distinta. Com efeito, tem sido muito comum que as alegações orais se restrinjam a um mero ditado feito pela parte ao escrivão. Primeiro, dita a acusação; depois, dita a defesa. Perceba-se que esses ditados feitos ao escrivão nada mais são do que verdadeiros memoriais. Na verdade, o que se nota é que as partes têm receio de que não fiquem registrados todos os pontos por elas abordados durante sua manifestação, daí por que preferem ditar abso­ lutamente tudo, contrariando o quanto previsto no art. 403 do CPP, em evidente retrocesso às antigas alegações finais do revogado art. 500 do CPP. Convenhamos, não há necessidade de se registrar absolutamente tudo que foi dito pelas partes durante suas alegações orais, mas sim apenas os principais pontos. Exemplificando, em um caso concreto relativo à subtração de 01 (uma) bicicleta, pode o Defensor falar por 20 (vinte) minutos explorando amplamente o quadro probatório. Primeiro, pode sustentar a ausência de elementos de autoria, questionando a palavra da vítima, bem como levantar dúvidas acerca da imparcialidade das testemunhas ouvi­ das em juízo. Subsidiariamente, pode trabalhar com a incidência do princípio da insignificân­ cia, apontando os requisitos tradicionalmente exigidos pelos Tribunais Superiores: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma

,

Art. 403

periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e re­ lativa inexpressividade da lesão jurídica. De modo semelhante ao que ocorre no próprio Plenário do Júri, acusação e defesa devem falar livremente, sem que essas alegações orais sejam ditadas ao escrivão, porquanto não há necessi­ dade de transcrição ipsis litteris do que foi dito pelas partes em alegações orais. Basta que seja registrada a síntese: no exemplo acima citado, deve constar do termo de audiência que a defesa pugnou pela absolvição do acusado com base na ausência de prova de autoria e, subsidiariamen­ te, pelo reconhecimento da atipicidade material da conduta do acusado com fundamento no princípio da insignificância. Nessa linha, aliás, o próprio art. 405, caput, do CPP, estabelece que será lavrado termo em livro próprio do ocorrido em audiência, assinado pelo juiz e pelas partes,

contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos. Se essas alegações ditadas já contra­ riam à evidência o quanto disposto no art. 403 do CPP, em evidente prejuízo aos princípios da oralidade e celeridade, pior ainda tem sido a adoção do que costumamos chamar em sala de aula de memoriais por pen drive. Em regra, al­ guns membros do Ministério Público já trazem as supostas alegações orais prontas em seu pen drive, limitando-se a pedir ao escrivão que copie e cole referida peça na ata da audiência. Ora, se a lei prevê a realização de uma audiência una de instrução e julgamento, na qual deve ser colhida toda a prova em contraditório judicial, como é possível preparar antecipadamente alegações orais, sem sequer ouvir ofendido, testemunhas e o acusado? Tal prática deve ser refutada pelo magistrado, porquanto contrária ao art. 403 do CPP. Caso o Ministério Público insista em trazer de seu gabinete alegações orais previamente concebidas e formuladas ao arrepio da instrução probatória, o juiz deverá abrir vista à defesa para apresentação de memoriais no prazo de 5 (cinco) dias. 5. Conteúdo das alegações orais; as ale­ gações representam o último ato postulatório das partes antes da prolação da sentença. Des­ tarte, é evidente que as partes devem tentar influenciar a formação do convencimento do juiz, seja no sentido da prolação de um decreto

Art. 403

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

condenatório, seja quanto a uma possível ab­ solvição do acusado. Com o objetivo de obter uma decisão de mérito que venha ao encontro de seus interesses, deverão as partes fazer ampla e detida análise da prova produzida em juízo e, subsidiariamente, dos elementos de informação colhidos na fase investigatória. Não obstante, as partes não precisam se ater exclusivamente ao mérito da imputação. É plenamente possível a arguição de nulidades absolutas e/ou relativas. Quanto à arguição de nulidades pela defesa em sede de alegações orais, deve o defensor ficar atento à espécie de nulidade. Em se tratando de nulidade relativa ocorrida durante o curso da instrução probatória, além da comprovação do prejuízo, a defesa deve suscitá-la em alegações orais (ou memoriais), sob pena de preclusão (CPP, art. 571, II). Na hipótese de nulidade ab­ soluta, todavia, a defesa deve ter em mente que sua arguição pode ocorrer a qualquer momento, inclusive após o trânsito em julgado de sentença condenatória ou absolutória imprópria, já que há instrumentos adequados para tanto - revisão criminal e habeas corpus. Ora, se a nulidade absoluta não está sujeita à convalidação pelo decurso do tempo, talvez não seja conveniente aos interesses da defesa argui-la em alegações orais. Exemplificando, suponha-se que a Defesa esteja apresentando alegações orais em um crime de ação penal de iniciativa privada (v.g., calúnia), cuja peça acusatória tenha sido oferecida pelo Ministério Público. Por mais patente que seja a ilegitimidade ativa do Ministério Público para oferecer denúncia em crimes de ação penal pri­ vada, a defesa só deve suscitar esta nulidade ab­ soluta depois do decurso do prazo decadencial. Afinal, antes de decorrido o prazo decadencial, o reconhecimento da nulidade não impediría a propositura de queixa-crime pelo ofendido ou por seu representante legal. Assim, o ideal é que esta nulidade absoluta do art. 564, II, do CPP, somente seja suscitada pela Defesa depois de decorrido o prazo decadencial de 6 (seis) meses. Portanto, diante de uma nulidade absoluta, deve a defesa verificar se sua arguição em sede de alegações orais (ou memoriais) atende (ou não) aos interesses do acusado. Não atendendo aos interesses do acusado, e sempre com o escopo de obter o melhor resultado para ele, deve a defesa relegar a arguição de nulidade absoluta

para eventual recurso de apelação de sentença condenatória, em sede de preliminar, haja vista que, anulado o processo ab initio, menos distante ficará a prescrição, notadamente a retroativa. 6. Ordem de apresentação das alegações orais: primeiro fala a acusação (Ministério Público ou querelante), no prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez). D e­ pois, pronuncia-se o Defensor, pelo prazo de 20 (vinte) minutos prorrogáveis por mais 10 (dez). Em se tratando de ação penal privada subsidiária da pública, a intervenção do M i­ nistério Público é obrigatória (CPP, art. 29, c/c art. 564, III, “d”, in fine). O Parquet deve falar depois do querelante e pelo tempo de 10 (dez) minutos, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 403, §2°, do CPP. 7. Pluralidade de acusados: se houver mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual. O art. 403, §1°, do CPP, refere-se à presença de mais de um acusa­ do, porém não faz menção acerca da presença de um ou mais defensores. Como o dispositivo não estabeleceu qualquer restrição quanto ao número de advogados, pensamos que, inde­ pendentemente do número de defensores relembre-se que, desde que não haja colidência de defesas, um mesmo advogado pode patroci­ nar a defesa técnica de dois ou mais acusados - , o prazo para as alegações orais será de 20 (vinte) minutos por acusado. O art. 403, §1°, do CPP, também silencia acerca da eventual prorrogação do prazo da parte acusadora na hipótese de haver mais de um acusado. Ora, da mesma forma que esse prazo deve ser indi­ vidual para a defesa, igual prazo também deve ser concedido à acusação, sob pena de indevida violação ao contraditório em sua garantia da paridade de armas. De fato, seria de todo desarrazoado conceder-se à defesa o prazo de 60 (sessenta) minutos, por força da presença de 3 (três) acusados, defendidos pelo mesmo defensor (ou não), e se conceder à acusação apenas 20 (vinte) minutos. Tal tratamento desigual traria evidente prejuízo ao acusador, que não teria condições de explorar o quadro probatório à luz da conduta individualizada de cada um dos acusados. Portanto, no exemplo

TÍTULO |. DO PROCESSO

citado, à parte acusadora também deverão ser concedidos os mesmos 60 (sessenta) minutos. 8. Prazo para o assistente do Ministério Público: caso haja assistente da acusação, seu advogado deverá se manifestar após o Minis­ tério Público, sendo-lhe concedido, para tanto, 10 (dez) minutos, prorrogando-se por 10 (dez) minutos o tempo de manifestação da defesa. 9. Substituição das alegações orais por me­ moriais: como dito anteriormente, as alegações finais devem ser apresentadas oralmente, pelo menos em regra. Porém, em virtude da comple­ xidade da causa ou do número de acusados, é possível que o juiz conceda às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. As alegações orais também pode­ rão ser substituídas por memoriais caso tenha sido deferido o requerimento de diligências (CPP, art. 404). Ademais, se o interrogatório, último ato da instrução probatória, for feito mediante carta precatória, uma vez apensado aos autos a deprecata, deverá o juiz abrir vista às partes no prazo de 5 (cinco) dias para que se manifestem quanto ao interesse na realização de diligências. Não sendo o caso de se determinar diligências, ou ausente requerimento nesse sentido, ou se indeferido o formulado, também deve ser admitida a substituição dos debates orais por memoriais, porquanto já concluída a instrução probatória, sendo desnecessário designar uma audiência apenas para os deba­ tes e julgamento. Para além dessas hipóteses, é bom lembrar que, na vigência do antigo pro­ cedimento comum sumário (revogado §2° do art. 538), que também previa que as alegações finais deviam ser apresentadas oralmente, os Tribunais sempre entenderam que não haveria qualquer nulidade caso as alegações orais fos­ sem substituídas por memoriais em virtude de mero acordo entre as partes. Nesse sentido: STJ, 6a Turma, HC 945/SP, Rei. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 23/06/1992, DJ 03/08/1992. Contra a decisão que substitui os debates orais por memoriais, ausente as circunstâncias autorizadoras, é cabível correição parcial, pois constitui error in procedendo. 10. Não apresentação de alegações orais ou memoriais: há posição m inoritária no

comum

Art. 403

sentido de que as alegações finais não consti­ tuem termo essencial do processo, sendo mera faculdade das partes a manifestação, de modo que sua ausência não acarreta nulidade. Nuli­ dade haveria apenas se não fosse concedida às partes o prazo das alegações, nos termos do art. 564, III, “e”, infine, do CPP. Prevalece, todavia, o entendimento de que sua apresentação é obrigatória, sob pena de nulidade absoluta. 10.1. Inércia do Ministério Público: sob a ótica do Ministério Público, a não apresentação de memoriais pode ser tratada pelo magistrado como tentativa de desistência do processo, o que se apresenta incompatível com o princípio da indisponibilidade da ação penal pública (CP, art. 42). Como o órgão do Ministério Público tem o dever legal de agir e sua intervenção é obriga­ tória na ação penal pública, cabe ao juiz, diante da recusa de manifestação, dar vista dos autos ao Promotor de Justiça substituto automático, sem prejuízo de, aplicando-se subsidiariamente o art. 28 do CPP, determinar a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça. 10.2. Inércia do advogado do assistente do Ministério Público: a não apresentação de me­ moriais não acarreta a nulidade do feito. Afinal, cuida-se, o assistente, de sujeito secundário, aces­ sório ou colateral, o qual pode, eventualmente, vir a intervir no processo, a fim de deduzir uma determinada pretensão, mas cuja ausência não afeta a validade da relação processual. 10.3. Inércia do advogado do querelante: na hipótese de crime de ação penal privada, deve ser feita uma distinção. Tratando-se de crime de ação penal privada subsidiária da pública, evidenciada a negligência do quere­ lante pela não apresentação de memoriais, o órgão ministerial retomará a ação como parte principal (CPP, art. 29, in fine); na hipótese de ação penal exclusivamente privada e per­ sonalíssima, se o querelante não apresentar alegações finais, isso significa dizer que não postulou a condenação do acusado, o que acarretará a extinção da punibilidade em face da perempção (CPP, art. 60, III). 10.4. Inércia do defensor: sob a ótica da defesa, como se trata da última oportunidade para se manifestar antes da sentença, não há

Aft. 403

cpp COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

dúvidas quanto à imprescindibilidade de sua apresentação, sob pena de evidente violação à ampla defesa. Na medida em que as alegações finais concentram e resumem as conclusões que representam a posição substantiva de cada parte, enquanto último ato que lhes pesa a título de ônus e colaboração na formação da sentença, como exigência da estrutura contraditória do justo processo da lei, é de todo evidente que sua ausência caracteriza nulidade absoluta. Afinal, à luz da Constituição Federal (art. 5o, LIV e LV), a defesa técnica não é mera exigência formal, mas sim garantia insuprimível, de caráter ne­ cessário. Portanto, se o advogado constituído deixar de apresentar as alegações finais, apesar de regularmente intimado, essa circunstância não justifica que o acusado suporte as conse­ quências danosas da desídia de seu defensor. Logo, verificada a negligência ou a má-fé do defensor, cabe ao juiz intimar o acusado para constituir novo advogado para a apresentação dos memoriais, sob pena de nomeação de de­ fensor dativo. Tendo em conta que a falta de alegações finais da defesa é causa de nulidade absoluta, por transgressão ao princípio da ampla defesa, já que é necessário o pronunciamento da defesa técnica sobre a prova produzida, é de se concluir que a apresentação de tal peça fora do prazo deve ser tratada como mera irregu­ laridade. Logo, afigura-se inviável que o juiz determine o desentranhamento de alegações finais apresentadas intempestivamente pela defesa, sob pena de violação ao devido processo legal. Na verdade, caso o defensor constituído do acusado não apresente a referida peça pro­ cessual, incumbe ao juiz determinar a intimação do acusado para que constitua novo advogado, sob pena de nomeação de dativo, mesmo que provisoriamente ou só para o ato, sem prejuízo de aplicação da multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos ao defensor que abandonou o processo injustificadamente. + Jurisprudência selecionada: S T J :"(...) A falta das alegações finais defensivas torna

ser reaberto o prazo para efetivar a apresentação de alegações finais pela Defensoria Pública, ou, se assim não o fizer, o Juízo a q u o deverá nom ear defensor da­ tivo". (STJ, 6aTurma, H C 120.231/RJ, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 16/04/2009, DJe 04/05/2009). ST J:"(...) A garantia constitucional à am pla defesa nos processos judiciais, prevista no artigo 5o, inciso LV, da Constituição Federal, e nglo ba a autodefesa, exercida pelo próprio acusado, e a defesa técnica, a qual deve ser plena e efetiva, sob pena de ofensa ao aludido pre­ ceito. N o caso do s autos, embora intimado, o ad vogad o constituído não apresentou defesa prévia, razão pela qual não foram arroladas testem unhas para corroborar a tese defensiva. Na audiência de inquirição das vítimas e testem unhas de acusação, o patrono contratado pelo paciente m ais um a vez quedou-se inerte, não tendo form ulado sequer um a pergunta. Na fase d o antigo artigo 499 d o C ó d ig o de Processo Penal, o causídico não requereu quaisquer diligências. Por fim, apesar de cientificado, o defensor não ofereceu alegações finais, só as tendo apresentado ap ós a intimação d o paciente para constituir novo advogado, e ainda assim de forma sintética e genérica, sem nem ao m enos adentrar na tese defensiva apresentada pelo próprio acusado em seu interrogatório. (...) O rdem concedida para anular o processo desde a fase da defesa prévia, inclusive, d e v e n d o o s atos p roce ssu ais serem ren o vad os de acordo com as alterações feitas com o advento da Lei 11.719/2008, determ inando-se a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente, se por outro m otivo não estiver preso". (STJ, 5aTurma, HC 109.414/SP, Rei. Min. Jorge M ussi,j. 16/09/2010, DJe 16/11/2010). Em sentido semelhante: STJ, 6a Turma, HC 126.301/SP, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 31/05/2011.

11.

Sen ten ça: caso as alegações orais sejam

substituídas por memoriais, o juiz terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. Neste caso, como a sentença não será proferida na própria audiência, é importante lembrar que, por força da introdução do princípio da iden­ tidade física do juiz no processo penal (CPP, art. 399, §2°), cabe ao magistrado que chamou

nula a sentença proferida ante ausência de defesa,

os autos à conclusão proferir a sentença, o

conform e preceituam os princípios da am pla defesa e

que não acontecia antes da Lei n. 11.719/08,

d o contraditório. Precedentes. Ordem concedida para, declarada a nulidade da sentença, anular o processo n°

onde havia uma desvinculação absoluta entre

2008.028.005087-7 desde a decisão proferida, devendo

a colheita da prova e a figura do julgador.

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

4Q5

Art. 404. Ordenado diligência considerada imprescindível, de ofício ou a requerimento da parte, a audiência será concluída sem as alegações finais.1 (Redação dada pela Lei n. 11.719/08). Parágrafo único. Realizada, em seguida, a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suas alegações finais, por memorial, e, no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença.2 1. Diligências imprescindíveis: ao final da instrução probatória, o juiz pode determinar ex ojficio ou mediante requerimento das partes diligências que se revelem imprescindíveis para o esclarecimento dos fatos que interes­ sam à solução da causa. O art. 404, caput, do CPP, deixa transparecer que a realização de tais diligências só deve ser determinada pelo juiz quando imprescindíveis para o julgamento da demanda. Por consequência, é perfeitamente possível o indeferimento de diligências irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (CPP, art. 400, §1°). O dispositivo sob comento também revela que tais diligências podem ser determinadas ex ojficio pelo magistrado, o

que vem ao encontro do princípio da busca da verdade, que confere ao juiz certa iniciativa probatória residual durante o curso do proces­ so (CPP, art. 156, II). 2. Substituição das alegações orais por memoriais: determinada a realização das di­ ligências, a audiência será concluída sem a apresentação das alegações orais. Por conse­ quência, tão logo as diligências sejam juntadas aos autos, as partes terão vista dos autos para fins de apresentação de memoriais, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, devendo o magis­ trado proferir a sentença na sequência.

Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro pró­ prio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos.1 (Redação dada pela Lei n. 11.719/08). §1° Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audio­ visual, destinada a obter maior fidelidade das informações.2 §2° No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição. 1. Registro da audiência: às partes interes­ sa sobremaneira registrar todos os incidentes ocorridos no curso da audiência como, por exemplo, perguntas indeferidas pelo magistrado (CPP, art. 212), assim como o indeferimento de reperguntas formuladas ao acusado durante seu interrogatório (CPP, art. 188), o que será muito importante para fins de se suscitar cerceamento da acusação ou da defesa em preliminar de fu­ tura e eventual apelação. Daí dispor o art. 405, caput, que do ocorrido em audiência será lavra­ do termo em livro próprio (termo de assentada das audiências), contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos. De acordo com

o referido dispositivo, esse termo de audiência deverá ser assinado pelo juiz e pelas partes. Não obstante tal assertiva, a falta de assinatura do Promotor de Justiça, de testemunhas e do defensor tem sido considerada mera irregulari­ dade pela jurisprudência, notadamente quando a presença de tal pessoa na audiência constar do termo firmado pelo escrivão. + Jurisprudência selecionada: S T J : "(...) O só fato de não constar a assinatura d o defensor na ata da audiência de interrogatório d o réu não caracteriza nulidade se a presença d o causídico é confirm ada no próprio docum en to assinado pelo Juiz, Prom otor de Justiça, escrevente e interrogado. (...)".

Art. 406

v

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

(STJ, 5aTurma, H C 108.138/MG, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 01/12/2009, DJe 01/02/2010). N o sentido de que constitui m ero erro material a falta de assinatura d o defensor no term o de interrogatório, desde que sua presença possa ser constatada pelo conteúdo do referido docum ento: STJ, 5a Turma, H C 145.953/ES, Rei. Min. Felix Fischer, j. 16/03/2010, DJe 26/04/2010. Na m esm a linha: STF, 2a Turma, H C 69.005/SP, Rei. M in. Paulo Brossard, j. 10/12/1991, DJ 14/02/1992. Por sua vez, entendendo que a falta de assinatura do acu sado no term o de interrogatório das testem unhas traduz mera irregularidade, não se alçando ao nível de nulidade: STF, I aTurma, HC 74.931/SP, Rei. Min. limar

audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de trans­ crição (CPP, art. 405, §2°). Portanto, os depoi­ mentos documentados por meio audiovisual não precisam de transcrição, sendo que, quando for de sua preferência pessoal, o magistrado poderá determinar que os servidores que estão afetos a seu gabinete ou secretaria procedam à degravação, observando-se, nesse caso, as reco­ mendações médicas quanto à prestação desse serviço. (Resolução n. 105 do CNJ, art. 2o).

Galvão.j. 25/03/1997, DJ 09/05/1997.

+ Jurisprudência selecionada: 2. Forma de registro: sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. No caso de registro por meio

STJ:"(...) A conversão d o julgam e nto de apelação em diligência para que a primeira instância providencie a degravação de con teú do registrado em m eio au d io ­ visual contraria frontalm ente o art. 405, §2°, d o CPP, assim c o m o o princípio da razoável duração do pro­ cesso". (STJ, 5a Turma, HC 172.840/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 19/10/2010, DJe 03/11 /2010).

Capítulo II DO PROCEDIMENTO RELATIVO AOS PROCESSOS DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI1 3 (Capítulo com redação determinada pela Lei n. 11.689/08)

Seção I Da acusação e da instrução preliminar4 Art. 406.0juiz, ao receber a denúncia ou a queixa,s ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.6 § 1° O prazo previsto no caput deste artigo será contado a partir do efetivo cumprimento do mandado ou do comparecimento, em juízo, do acu­ sado ou de defensor constituído, no caso de citação inválida ou por edital.7

§2° A acusação deverá arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), na denúncia ou na queixa.8 §3° Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo que interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.9 1. Tribunal do Júri: é um órgão especial do Poder Judiciário de primeira instância, perten­ cente à Justiça Comum Estadual ou Federal, colegiado e heterogêneo, formado por um juiz togado, que é seu presidente, e por 25 (vinte e cinco) jurados, 7 (sete) dos quais compõem o

Conselho de Sentença, que tem competência mínima para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida, temporário, porquanto constituído para sessões periódicas, sendo depois dissolvido, dotado de soberania quanto às decisões, tomadas de maneira sigilo­

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

sa e com base no sistema da íntima convicção, sem fundamentação, de seus integrantes leigos. Nesse contexto: CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do Júri: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2010, p. 3. 2. Natureza jurídica e previsão constitu­ cional: como todo e qualquer órgão do Poder Judiciário, o Tribunal do Júri está previsto na Constituição Federal. Todavia, diversamente dos demais órgãos do Poder Judiciário, que estão inseridos no Capítulo do Poder Judiciário - arts. 92 a 126 da Constituição Federal - , o Júri é colocado no rol dos direitos e garantias individuais e coletivos (art. 5o, X X X V III), o que não afasta sua verdadeira natureza jurídica de órgão especial da Justiça Comum (Estadual ou Federal). Na verdade, a justificativa para a colocação do Júri no art. 5o da Constituição Federal guarda relação com a ideia de funcio­ nar o Tribunal Leigo como uma garantia de defesa do cidadão contra as arbitrariedades dos representantes do poder, ao permitir a ele ser julgado por seus pares. Além disso, não se pode perder de vista o cunho democrático ine­ rente ao Júri, que funciona como importante instrumento de participação direta do povo na administração da Justiça. Afinal, se o cidadão participa do Poder Legislativo e do Poder Executivo, escolhendo seus representantes, a Constituição também haveria de assegurar mecanismo de participação popular junto ao Poder Judicário. 3. Princípios constitucionais d o Tribu­ nal do Júri: de acordo com o art. 5o, inciso X X X V III, da Constituição Federal, é reconhe­ cida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a sobe­ rania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. 3.1. Plenitude de defesa: a primeira ga­ rantia constitucional do júri é a plenitude de defesa. Enquanto a ampla defesa é assegurada a todos os acusados (CF, art. 5o, LV), inclu­ sive em relação àqueles que são submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri, a plenitude de defesa é prevista especificamente

Art. 406

como garantia do Júri (CF, art. 5o, XX XV III, “a”). Há quem entenda que não há diferença substancial entre ampla defesa e plenitude de defesa. A nosso juízo, porém, a plenitude de defesa implica no exercício da defesa em um grau ainda maior do que a ampla defesa, compreendendo dois aspectos distintos: a) plenitude da defesa técnica: o advogado de defesa não precisa se restringir a uma atuação exclusivamente técnica, ou seja, é perfeitamente possível que o defensor também utilize argumentação extrajurídica, valendo-se de razões de ordem social, emocional, de políti­ ca criminal, etc. Incumbe ao juiz-presidente fiscalizar a plenitude dessa defesa técnica, já que, por força do art. 497, V, do CPP, é possí­ vel que o acusado seja considerado indefeso, com a consequente dissolução do Conselho de Sentença e a designação de nova data para o julgamento; b) plenitude da autodefesa: ao acusado é assegurado o direito de apresentar sua tese pessoal por ocasião do interrogatório, a qual também não precisa ser exclusivamente técnica, oportunidade em que poderá relatar aos jurados a versão que entender ser a mais conveniente a seus interesses. Daí o motivo pelo qual o juiz-presidente é obrigado a incluir na quesitação a tese pessoal apresentada pelo acusado, mesmo que haja divergência entre sua versão e aquela apresentada pelo defensor, sob pena de nulidade absoluta por violação à garantia constitucional da plenitude de defesa.

♦ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Há cerceam ento de defesa no indeferimento de quesito correspondente à tese defensiva de exclu­ são da culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa. Ordem concedida". (STJ, 5aTurma, H C 150.985/ PE, Rei. Min. H on ildo Am aral de M e llo Castro - D e ­ se m b argad or con vo cado doTJ/AP, j. 23/11/2010, DJe 29/11/2011).

STF:"(...) C on statado que a defesa d o acusado não se m ostrou efetiva, im põe-se a declaração de nulidade d o s atos praticado s n o processo, p ro clam an d o -se insubsistente o veredicto do s jurados. JÚRI - C R IM ES CON EXOS. U m a vez afastada a valia d o júri realizado, a alcançar os crimes conexos, cum pre a realização de n ovo ju lga m e n to com a ab ran gên cia d o primeiro". (STF, 1a Turma, HC 85.969/SP, Rei. M in. M arco Aurélio, j. 04/09/2007, DJe 18 31/01/2008).

Art. 406

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

S T F : "(...) O réu tem o direito de escolher o seu próprio defensor. Essa liberdade de escolha traduz, no plano da

aos comentários ao art. 485 e ao art. 466, §1°, ambos do CPP, respectivamente.

"persecutio criminis" específica projeção d o postulado da am plitude de defesa proclam ado pela Constituição. Cum pre ao m agistrad o processante, em não sendo possível ao defensor constituído assumir ou prosseguir no patrocínio da causa penal, ordenar a intim ação do réu para que este, querendo, escolha outro Ad vogad o. Antes de realizada essa intim ação - ou enquanto não exaurido o prazo nela assinalado - não é lícito ao juiz nom ear defensor dativo (ou Defensor Público) sem expressa aquiescência do réu. Precedentes. (...) O fato de o Poder Judiciário considerar suficientes os elemen­ tos de informação produzidos no procedim ento penal não legitim a nem autoriza a adoção, pelo m agistrado competente, de m edidas que, tom adas em detrimento daquele que sofre persecução penal, culm inem por frustrar a possibilidade de o próprio acusado produzir as provas que repute indispensáveis à dem onstração de suas alegaçõe s e que entenda essenciais à con ­ du ção de sua defesa. - M ostra-se claramente lesiva à cláusula constitucional d o "due process" a supressão o u a injusta den egação, p or exclusiva deliberação judicial, d o direito à prova, que, por com p or o próprio estatuto constitucional d o direito de defesa, deve ter o seu exercício plenam ente respeitado por quaisquer autoridades e agentes públicos, que não p od em im ­ pedir, so b pena de nulidade processual absoluta, que o réu, nos procedim entos de persecução contra ele instaurados, produza os elem entos de inform ação por ele considerados im prescindíveis e que sejam eventu­ alm ente capazes, até m esmo, de infirmar a pretensão punitiva d o Estado, ainda m ais q u an do se tratar de testem unhas arroladas com a nota de im prescindibilidade (CPP, art. 461 ,"caput", na redação dada pela Lei n° 11.689/2008). Doutrina. Jurisprudência". (STF, 2aTurma, HC 96.905/RJ, Rei. Min. Celso de Mello, j. 25/08/2009, DJe 146 29/07/2011).

3.2. Sigilo das votações: por força da ga­ rantia constitucional do sigilo das votações, a ninguém é dado saber o sentido do voto do jurado. Por esse motivo, aliás, é que o próprio Código de Processo Penal prevê que a vota­ ção ocorra em uma sala especial, onde serão distribuídos aos jurados pequenas cédulas, feitas de papel opaco e facilmente dobráveis, contendo 7 (sete) delas a palavra sim, 7 (sete) a palavra não, sendo que o Oficial de Justiça deve recolher em urnas separadas as cédulas correspondentes aos votos e as não utilizadas. Outro desdobramento do sigilo das votações é a incomunicabilidade dos jurados. Para mais detalhes acerca da sala especial e da incomu­ nicabilidade dos jurados, remetemos o leitor

3.2.1. Votação unânim e: atenta à prote­ ção do sigilo das votações, a Lei n. 11.689/08 corrigiu antiga falha da quesitação no júri nos casos de votação unânime. De fato, antes da reforma processual de 2008, o sigilo do voto do jurado era prejudicado na hipótese de votação unânime, porquanto era possível que se soubesse que todos os jurados haviam votado num ou noutro sentido. Afinal, antes da reforma processual de 2008, se o resultado da votação a determinado quesito terminasse em 7 (sete) a 0 (zero), era possível aferir o sentido do voto de cada um dos jurados, já que todos eles teriam votado num mesmo sentido. Com a entrada em vigor da Lei n. 11.689/08, essa incorreção foi sanada. Afinal, de acordo com a nova redação do art. 483, §1°, do CPP, a resposta negativa de mais de 3 (três) jurados aos quesitos atinentes à materialidade do fato e autoria ou participação encerra a votação e implica a absolvição do acusado, sem que seja necessário se proceder à colheita dos demais votos. Dispositivo similar a este é encontra­ do no §2° do art. 483. Apesar de não haver disposição expressa nesse sentido, doutrina e jurisprudência têm entendido que essa nova forma de quesitação deve ser trabalhada em re­ lação a todos os demais quesitos, e não apenas em relação àqueles relativos à materialidade e autoria. Como se percebe, por força desse novo regramento, a votação será automaticamente interrompida quando 4 (quatro) votos forem atingidos num sentido. Como o voto do jurado é sigiloso, esse novo regramento da contagem dos votos impede a revelação do sentido de cada um dos votos, vez que não mais será declarado pelo juiz que os 7 (sete) jurados votaram num mesmo sentido. 3.3. Soberania dos veredictos: na medida em que representa a vontade popular, a decisão coletiva dos jurados, chamada de veredicto, é soberana (CF, art. 5o, X X X V III, “c”). Da sobe­ rania dos veredictos decorre a conclusão de que um tribunal formado por juizes togados não pode modificar, no mérito, a decisão pro­ ferida pelo Conselho de Sentença. Por deter­

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

minação constitucional, incumbe aos jurados decidir pela procedência ou não da imputação de crime doloso contra a vida, sendo inviável que juizes togados se substituam a eles na decisão da causa. Afinal, fosse possível a um Tribunal formado por juizes togados reexami­ nar o mérito da decisão proferida pelos jurados, estar-se-ia suprimindo do Júri a competência para o julgamento de tais delitos. Se é verdade que, por força da soberania dos veredictos, as decisões do Tribunal do Júri não podem ser alteradas, quanto ao mérito, pelo juízo ad quem, isso não significa dizer que suas decisões sejam irrecorríveis e definitivas. Na verdade, aos desembargadores não é dado substituir os jurados na apreciação do mérito da causa já decidida pelo Tribunal do Júri. Essa impos­ sibilidade de revisão do mérito das decisões do Júri, todavia, não afasta a recorribilidade de suas decisões, sendo plenamente possível que o Tribunal determine a cassação de tal decisum, para que o acusado seja submetido a novo julgamento perante o Tribunal do Júri (CPP, art. 593, III, “d”, e §3°). Face a soberania dos veredictos, não se defere ao juízo ad quem a possibilidade de ingressar na análise do mérito da decisão dos jurados para fins de absolver ou condenar o acusado por ocasião do julgamento de apelação interposta contra decisões do Tri­ bunal do Júri. No entanto, é plenamente pos­ sível que o Tribunal dê provimento ao recurso para sujeitar o acusado a novo julgamento. Não há qualquer incompatibilidade vertical entre o art. 593, III, “d”, do CPP e o art. 5o, XX XV III, “c”, da Constituição Federal.

+ Jurisprudência selecionada: S T F : "(...) A soberania d o s veredictos d o Júri - não obstante a sua extração constitucional - ostenta valor m eram ente relativo, pois as decisões e m anadas d o C onselho de Sentença não se revestem de intangibilidadejurídico-processual. A com petência doTribunal do Júri, em bora definida no texto da Lei Fundam ental da República, não confere, a esse ó rgã o especial da Justiça com um, o exercício de um poder incontrastável e ilimitado. A s decisões que dele em anam expõem-se, em consequência, ao controle recursal d o próprio Po­ der Judiciário, a cujosTribunais com pete pronunciar-se sobre a regularidade d o s veredictos. A apelabilidade das d e cisõ e s e m a n a d a s d o Júri, n as hip ótese s de conflito evidente com a prova do s autos, não ofende o

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postulado constitucional que assegura a soberania dos veredictos doTribunal Popular. - A mera possibilidade jurídico-processual de o Tribunal de Justiça invalidar, em sede recursal (CPP, art. 593, III,"d"), a decisão em ana­ da d o Conselho de Sentença, q u an do esta se achar em evidente conflito com a prova d o s autos, não ofende a cláusula constitucional que assegura a soberania do veredicto d o Júri. É que, em tal hipótese, o provim ento da apelação, pelo Tribunal de Justiça, não importará em resolução do litígio penal, cuja apreciação remanes­ cerá na esfera d o Júri. Precedentes. Doutrina. - Inexiste, entre o art. 593, III,"d", d o CPP e o texto da Constituição p rom ulgada em 1988 (CF, art. 5o, XXXVIII,"c"), qualquer relação de incom patibilidade vertical. C onseqüente recepção, pelo vigente ordenam ento constitucional, da norm a processual em referência. (...)". (STF, 2aTurma, HC 81.423/SP, Rei. Min. Celso de Mello, j. 18/12/2001, DJe 7418/04/2011).

3.3.1. Cabim ento de apelação contra de­ cisões do Júri: a fim de se evitar uma possível violação à soberania dos veredictos, deve o juízo ad quem ficar atento àquilo que diz (ou não) respeito ao mérito ao julgar uma apelação contra decisão do Júri. Se a matéria devolvida à apreciação do Tribunal disser respeito ao mérito da decisão proferida pelos jurados, só se admite que o Tribunal determine a sujeição do acusado a novo julgamento. Todavia, se a impugnação não estiver relacionada ao mérito da decisão dos jurados, guardando relação com decisões proferidas pelo Juiz-Presidente, é plenamente possível a modificação do teor da decisão pelo juízo ad quem. É necessário que se distinga, então, na sentença subjeti­ vamente complexa do júri, qual matéria é de competência dos jurados - e, por conseguin­ te, acobertada pela soberania dos veredictos - e qual matéria é de competência do juiz presidente - desprovida, pois do atributo da soberania. Aos jurados compete decidir sobre a existência do crime e autoria delitiva, bem como em relação à presença de minorantes, qualificadoras e causas de aumento de pena. Portanto, somente com relação à decisão de tais questões é que se pode falar em soberania dos veredictos. Lado outro, como a fixação da pena é matéria afeta à competência do juiz presidente, e não aos jurados, não há falar em impossibilidade de reforma da decisão. Logo, com base no fundamento da alínea “d” do inci­ so III do art. 593 do CPP (decisão dos jurados

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CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de Lima

manifestamente contrária à prova dos autos), o Tribunal de Justiça (ou TRF), em grau de ape­ lação, somente pode fazer o juízo rescindente (judicium rescindem), ou seja, cassar a decisão anterior, remetendo a causa a novo julgamento, pois, do contrário, estaria violando a soberania dos veredictos. Todavia, quando estivermos diante de uma decisão do juiz-presidente (v.g., sentença do juiz presidente contrária à decisão dos jurados), o juízo ad quem poderá fazer não só o juízo rescindente como também o rescisório (judicium rescisorium), ou seja, substituir a decisão impugnada pela sua (v.g., corrigindo eventual erro no tocante à aplica­ ção da pena, matéria afeta à competência do juiz-presidente). Há posição minoritária na doutrina que entende que o disposto no art. 593, III, alínea “d”, do CPP é inconstitucional, sob o argumento de que, por força da sobe­ rania dos veredictos, não é possível que um tribunal superior composto por juizes togados determine a realização de novo julgamento, sob a justificativa de manifesto desrespeito à prova dos autos. Prevalece, todavia, a orien­ tação de que é inconcebível que uma decisão manifestamente contrária à prova dos autos não possa ser revista por meio de recurso, o que poderia inclusive caracterizar afronta ao princípio do duplo grau de jurisdição, previsto implicitamente na Constituição Federal, e ex­ plicitamente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8o, n. 2o, alínea “h”), o qual confere à parte prejudicada a possibilidade de buscar o reexame da matéria por órgão jurisdicional superior. De mais a mais, é bom lembrar que, ao dar provimento à apelação com base na alínea “d” do inciso III do art. 593, o Tribunal de Justiça (ou Tribunal Regional Federal) não estará substituindo a decisão dos jurados, mas apenas reconhecendo o equívoco manifesto na apreciação da prova e determinando a realização de outro julga­ mento pelo Júri. Em síntese, o juízo ad quem estará proferindo mero juízo de cassação (juízo rescindente), não de reforma (juízo rescisório), reservando ao Tribunal do Júri, juízo natural da causa, novo julgamento. ♦

Jurisprudência selecionada:

STF:"(...) A determ inação de realização de novo ju lga­ m ento pelo Tribunal d o Júri não contraria o princípio constitucional da soberania d o s veredictos q u an do a decisão for m anifestam ente contrária à prova do s autos. (...) A o determ inar a realização de n ovo jul­ gam e n to pelo Tribunal d o Júri, o Tribunal de Justiça procurou demonstrar, n os limites d o com edim en to na apreciação da prova, que não existe n os au tos material probatório a corroborar a tese defensiva que foi acolhida pelos jurados. Dever constitucional de fun­ dam entar todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX, da Constituição da República). Inexistência de excesso de linguagem . Habeas corpus denegado". (STF, 1a Turma, HC 102.004/ES, Rei. M in .C árm e n Lúcia, j. 11/05/2010, DJe 025 07/02/2011).

STF:"(...) A soberania d o s veredictos d o Tribunal do Júri, não se nd o absoluta, está sujeita a controle do juízo ad quem , nos term os do que prevê o artigo 593, inciso III, alínea d, d o C ó d ig o de Processo Penal. Resulta daí que o Tribunal de Justiça d o Paraná não violou o d isp o sto no artigo 5o, inciso XXXVIII, alínea c, da Constituição do Brasil ao anular a decisão do Júri sob o fu n dam en to de ter contrariado as provas coligidas nos autos,Precedentes. O Tribunal local proferiu juízo de cassação, não de reforma, reservando ao Tribunal d o Júri, juízo natural da causa, novo julgam ento. (...) O rdem denegada". (STF, 2a Turma, HC 94.052/PR, Rei. Min. Eros Grau,j. 14/04/2009, DJe 152 13/08/2009).

3.3.2. Cabimento de revisão criminal contra decisões do Júri: prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que ao Tri­ bunal de Justiça é conferida a possibilidade de, em sede de revisão criminal, proceder ao juízo rescindente e rescisório. Assim, se o Tribunal togado se convencer que a sentença condenatória se fundou em depoimentos, exames ou docu­ mentos comprovadamente falsos, pode, desde já, absolver o acusado, não havendo a necessidade de submetê-lo a novo julgamento perante o júri. Portanto, na ação autônoma de impugnação que é a revisão criminal, o tribunal de segundo grau tem competência tanto para o juízo rescinden­ te, consistente em desconstituir a sentença do tribunal do júri, quanto para o juízo rescisório, consistente em substituir a decisão do júri por outra do próprio tribunal do segundo grau. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 621 do CPP. 3.4. Com petência m ínim a do Júri para o julgam ento dos crimes dolosos contra a vida: da leitura do art. 5o, X X X V III, “d”, da Constituição Federal, depreende-se que

TÍTULO I • DO PROCESSO CO M U M

o Tribunal do Júri possui uma competência mínima, qual seja, a de processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, ai incluídos o homicídio (CP, art. 121), induzimento, ins­ tigação ou auxílio a suicídio (CP, art. 122), infanticídio (CP, art. 123) e abortos (CP, arts. 124,125 e 126). Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 74, caput, do CPP. 4. Procedimento bifásico (ou escalonado) do Tribunal do Júri: mesmo antes da entrada em vigor da Lei n. 11.689/08, já se dizia que o procedimento do Júri era bifásico ou esca­ lonado, porquanto estruturado em duas fases distintas: a primeira, denominada iudicium accusationis ou sumário da culpa, que conta apenas com a intervenção do juiz togado, aqui denominado de juiz sumariante, tinha início com o oferecimento da peça acusatória e per­ durava até a preclusão da decisão de pronúncia, objetivando o reconhecimento do direito de o Estado submeter o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri. A segunda fase, chamada iudicium causae, ia do oferecimen­ to do libelo acusatório - hoje suprimido - , estendendo-se até o julgamento em plenário. Com a entrada em vigor da Lei n. 11.689/08, foi mantida a estrutura bifásica do procedi­ mento do júri. A primeira fase tem início com o oferecimento da peça acusatória (denúncia ou queixa), culminando com a prolação de uma de quatro possíveis decisões - pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclas­ sificação. Noutro giro, em face da extinção do libelo acusatório e da contrariedade ao libelo, o início da segunda fase passa a ocorrer com a preparação do processo para julgamento em plenário (CPP, art. 422), que se dá logo após a preclusão da pronúncia, oportunidade em que as partes são intimadas para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência. 5. Denúncia ou queixa no júri: pelo menos em regra, o procedimento do júri tem início com o oferecimento da denúncia pelo Ministé­ rio Público. Isso porque todos os crimes dolo­

Art. 406

sos contra a vida - homicídio, participação em suicídio, infanticídio e abortos - são de ação penal pública incondicionada. Esta denúncia deve ser elaborada com fiel observância dos requisitos do art. 41 do CPP, atentando-se o Promotor de Justiça para a explicitação do ele­ mento subjetivo do agente, obrigatoriamente doloso - no homicídio doloso, a vontade de matar é denominada de animus necandi - , além de substituição do tradicional pedido de condenação pelo pedido de pronúncia. Se, em regra, o iudicium accusationis tem início com o oferecimento da denúncia, daí não se pode concluir pela impossibilidade de ajuizamento de queixa-crime no âmbito do Júri. Tal peça acusatória poderá ser oferecida nas seguintes hipóteses: a) ação penal privada subsidiá­ ria da pública (ou supletiva): por força da própria Constituição Federal (art. 5o, LIX), caracterizada a inércia do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal poderão ajuizar queixa-crime subsidiária. No caso de morte do ofendido, o direito de oferecer queixa passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (CPP, art. 31); b) litisconsórcio ativo

decorrente da conexão (ou da continência) entre o crime doloso contra a vida, que é de ação penal pública incondicionada, e um crime de ação penal de iniciativa privada, cuja titularidade é do ofendido ou de seu representante legal: supondo-se a existência de crimes conexos de ação penal pública e pri­ vada, como a conexão e a continência determi­ nam a reunião dos feitos (CPP, art. 79, caput), o Ministério Público deverá oferecer denúncia em relação ao crime doloso contra a vida ao passo que o ofendido terá a oportunidade de oferecer queixa-crime em relação ao crime de ação penal de iniciativa privada (v.g., calúnia). Neste caso, como são diversos os princípios da ação penal - por exemplo, é possível o perdão e a perempção em relação ao crime de ação penal de iniciativa privada, sem prejuízo da incidência dos institutos despenalizadores da Lei n. 9.099/95, já que, em regra, tais delitos têm pena máxima não superior a 2 (dois) anos - o ideal é que o juiz determine a separação dos processos, nos termos do art. 80 do CPP, que

Art. 407

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

autoriza a separação facultativa dos processos em face da presença de outro motivo relevante. 6. Recebimento da peça acusatória e ci­ tação do acusado para responder à acusa­ ção: o iter procedimental da I a fase do Júri é bastante semelhante ao procedimento comum ordinário: oferecimento da peça acusatória (denúncia ou queixa); juízo de admissibili­ dade da denúncia (rejeição ou recebimento); recebida a peça acusatória, será determinada a citação do acusado (pessoal, por hora certa ou por edital); apresentação da resposta à acusação, oportunidade em que devem ser arroladas as testemunhas de defesa, sob pena de preclusão, até o número máximo de 8 (oito); oitiva da acusação; audiência de instrução, ao final da qual o juiz sumariante poderá proferir uma de quatro possíveis decisões - impronúncia, desclassificação, absolvição sumária e pronúncia. Por sua vez, 7. Prazo para o oferecimento da resposta à acusação: a defesa tem o prazo de 10 (dez) dias para apresentar a resposta à acusação. Pelo menos em regra, este prazo deve ser contado a partir do efetivo cumprimento do mandado

de citação, pouco importando a data de sua juntada aos autos. A propósito, eis o teor da súmula n. 710 do STF: “No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem”. Em se tratando de citação inválida ou por edital, o prazo de 10 (dez) dias para apresentar a resposta à acusação deve começar a fluir a partir do comparecimento em juízo do acusado ou do defensor por ele constituído. 8. Rol de testemunhas: por força do art. 406, §2°, do CPP, a acusação pode arrolar na de­ núncia ou na queixa até 08 (oito) testemunhas, independentemente da natureza (reclusão ou detenção) e quantidade de pena cominada ao delito, já que o procedimento é único e não es­ tabelece qualquer distinção quanto aos crimes dolosos contra a vida. 9. Conteúdo da resposta à acusação: o art. 406, §3°, do CPP, tem redação semelhante ao art. 396-A, do CPP, inserido no âmbito do procedimento comum ordinário, para onde remetemos o leitor.

Art. 407. As exceções serão processadas em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código.' 1. Processamento das exceções em apartado: o dispositivo é semelhante art. 396-A, §1°,

do CPP, inserido no âmbito do procedimento comum ordinário, para onde remetemos o leitor.

Art. 408. Não apresentada a resposta no prazo legal, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em até 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos.' 1. Não apresentação da resposta à acusação no prazo legal: o dispositivo é semelhante ao art. 396-A, §2°, do CPP, inserido no âmbito

do procedimento comum ordinário, para onde remetemos o leitor.

Art. 409. Apresentada a defesa, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos, em 5 (cinco) dias.'-2

TÍTULO !• DO PROCESSO C O M U M

1. Oitiva da acusação após a apresentação da resposta à acusação: ao contrário do pro­ cedimento comum ordinário, que não prevê expressamente a oitiva da parte acusadora após a apresentação da resposta à acusação pela defesa, consta do art. 409 do CPP que, apresentada a resposta à acusação, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos, em 5 (cinco) dias. Em fiel observância ao princípio do contradi­ tório, esta manifestação da parte acusadora será necessária tão somente quando houver a juntada de documentos e/ou justificações dos quais o Ministério Público ou o querelante não tinham prévia ciência. 2. (Im) possibilidade de aplicação da ab­ solvição sumária do procedimento comum (CPP, art. 397) ao procedim ento do júri: no âmbito do procedimento comum ordi­ nário, imediatamente após a apresentação da resposta à acusação - e, portanto, antes da audiência una de instrução e julgamento - , é possível que o acusado seja absolvido sumariamente, caso presente uma das hipó­ teses elencadas no art. 397 do CPP: existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato, existência manifesta de causa excludente da culpabilidade, salvo inimputabilidade; que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou quando extinta a punibilidade do agente. No procedimento do júri, a absolvição sumária também é possível, porém só poderá

,

Aft. 410

ocorrer após a audiência de instrução (CPP, art. 415). Nesse sentido, o art. 411, §9°, do CPP estabelece que, encerrados os debates na audiência de instrução, o juiz proferirá a sua decisão, ou o fará em 10 (dez) dias, sendo que a absolvição sumária é uma das 4 (quatro) possíveis decisões que pode ser então proferida, além da pronúncia, desclassificação e impronúncia. Há quem entenda que, por força do art. 394, §4°, do CPP, a absolvição sumária prevista no art. 397 do CPP também pode ser aplicada à primeira fase do proce­ dimento do júri, permitindo o encerramento prematuro da demanda imediatamente após a apresentação da resposta à acusação. É nesse sentido a posição de Hidejalma Muccio: Cur­ so de processo penal. 2a ed. São Paulo: Método, 2011. p. 1303. Com tal assertiva não podemos concordar. A uma porque o próprio art. 394, §2°, prevê que o procedimento comum deve ser aplicado a todos os processos, salvo dis­

posição em contrário deste Código ou de lei especial. Ora, há disposição legal expressa inserida na primeira fase do procedimento do júri prevendo que a absolvição sumária só poderá ocorrer ao final da audiência de instrução. A duas porque o art. 394, §3°, do CPP, com redação determinada pela Lei n. 11.719/08, estabelece que nos processos de competência do Júri, o procedimento obser­ vará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 do CPP. Logo, inviável a aplicação subsidiária do art. 397 no âmbito do júri.

Art. 410.0 juiz determinará a inquirição das testemunhas e a realização das diligências requeridas pelas partes, no prazo máximo de 10 (dez) dias.' 1. Prazo de 10 (dez) dias para o despacho de deliberação quanto às provas pretendi­ das pelas partes: há quem entenda que esse prazo de 10 (dez) dias seria o prazo para a realização da audiência de instrução, posição com a qual não podemos concordar. A uma porque, em se tratando de im putação de crime doloso contra a vida, é absolutamente inviável a designação de uma audiência de instrução para um prazo tão exíguo. A duas porque o art. 412 do CPP prevê que o proce­

dimento pertinente à primeira fase deve ser concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias. O ra, fosse a audiência de instrução realizada no prazo de 10 (dez) dias após o despacho do juiz, o procedimento seria con­ cluído em um prazo bem mais curto que os 90 (noventa) dias a que se refere o art. 412 do CPP. Por isso, a nosso ver, o prazo de 10 (dez) dias a que se refere o art. 410 do CPP não é para a realização da audiência, mas sim para o despacho do magistrado.

Art. 411

CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de Lima

Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de de­ clarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimen­ tos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate.12 §1 ° Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de deferimento pelo juiz.3 §2° As provas serão produzidas em uma só audiência, podendo o juiz indeferiras consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.4 §3° Encerrada a instrução probatória,5 observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 deste Código.6 §4° As alegações serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez).7 §5° Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo previsto para a acusação e a defesa de cada um deles será individual.8 §6° Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.9 §7° Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.10 § 8 ° A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabe­ lecida no caput deste artigo.11

§9° Encerrados os debates, o juiz12 proferirá a sua decisão, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos.13 1. Audiência de instrução e julgamento da 1a fase do procedimento bifásico do Júri: mais uma vez, o legislador reproduz, para a I a fase do procedimento do júri, o mesmo iter procedimental estabelecido para o procedi­ mento comum ordinário. Com efeito, o art. 411, caput, do CPP, assemelha-se ao art. 400, caput, do CPP. Por isso, de modo a evitarmos repetições desnecessárias, remetemos o leitor aos comentários feitos à audiência una de instrução e julgamento (CPP, art. 400, caput). Vejamos tão somente as diferenças entre tais procedimentos. 2. Juntada de documentos: é plenamente possível a juntada de documentos durante a audiência de instrução. Antes da reforma processual de 2008, havia disposição expressa vedando a juntada de documentos na fase das alegações finais do Júri (antiga redação do art. 406, §2°). Esse dispositivo figurava como

uma das exceções à regra geral de que os do­ cumentos podem ser oferecidos pelas partes em qualquer fase do processo (CPP, art. 231). Com a entrada em vigor da Lei n. 11.689/08, tal restrição deixou de existir. Logo, diante da au­ sência de vedação expressa, é de se concluir que eventuais documentos poderão ser juntados durante o curso da audiência. Evidentemente, tais documentos deverão ser juntados antes de as partes procederem aos debates. Afinal, fosse possível a juntada de documento após as ale­ gações das partes, ter-se-ia evidente violação ao contraditório, porquanto seria possível que o magistrado proferisse sua decisão (pronún­ cia, desclassificação, absolvição sumária ou impronúncia) sem que a parte tivesse ciência do referido documento. 3. Esclarecimentos dos peritos: o art. 411, §1°, do CPP, é idêntido ao disposto no art. 400, §2°, do CPP, inserido no âmbito do procedi­

TlTULO I • DO PROCESSO C O M U M

mento comum ordinário, para onde remete­ mos o leitor. 4. Indeferimento de provas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias: o art. 411, §2°, do CPP, é idêntico ao art. 400, §1°, do CPP, inserido no âmbito do procedimento comum ordinário, para onde remetemos o leitor. 5. Requerimento de diligências: no proce­ dimento comum ordinário, ao final da audiên­ cia una de instrução e julgamento, há previsão expressa de requerimento de diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução (CPP, art. 402). Na primeira fase do procedimento escalona­ do do júri, não há semelhante previsão. Isso, todavia, não impede que o magistrado deter­ mine a realização de determinada diligência pleiteada pelas partes, valendo-se, para tanto, do quanto disposto no art. 156, inciso II, do CPP, que versa sobre o princípio da busca da verdade no processo penal. Portanto, em situa­ ções excepcionais, e desde que demonstrada a imprescindibilidade da diligência, deve o juiz deferir sua realização, evitando-se, assim, eventual arguição de nulidade do feito por cerceamento de acusação ou de defesa.6 6. M utatio libelli : encerrada a instrução pro­ batória, e antes da apresentação das alegações orais, incumbe ao Ministério Público verificar se é caso (ou não) de aplicação do art. 384 do CPP, que versa sobre a mutatio libelli (CPP, art. 411, §3°). De fato, é possível que, encerrada a instrução probatória, entenda o Parquet ser cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elementar ou circunstância da infração penal não contida na acusação. Supondo, assim, pro­ cesso penal em curso pela prática de homicídio simples (CP, art. 121, caput), em que, no curso da instrução probatória, venha a surgir prova do emprego de veneno (CP, art. 121, §2°, III), deve o Ministério Público aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o proces­ so em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento quando feito oralmente, observando-se, ademais, o quanto previsto nos §§1° a 5o do art. 384 do CPP. Não havendo

4 1 >J

,/

necessidade de se proceder ao aditamento por conta da mutatio libelli, tem-se, na sequência, a apresentação das alegações orais. Antes da entrada em vigor da Lei n. 11.689/08, havia certa controvérsia na doutrina quanto à possi­ bilidade de mutatio libelli ao final da I a fase do procedimento do Júri. Isso porque não havia dispositivo expresso acerca do assunto. Sob o argumento de que a pronúncia encerra mero juízo provisório, cabendo ao Júri decidir de forma definitiva acerca da presença (ou não) de determinada qualificadora, parte minoritá­ ria da doutrina entendia que não era necessária a observância do procedimento da mutatio libelli, sendo possível que o juiz sumariante in­ cluísse de ofício alguma qualificadora não alu­ dida na peça acusatória. Não era essa, todavia, a posição majoritária. De fato, mesmo antes do advento da reforma processual de 2008, preva­ lecia o entendimento de que o reconhecimento na pronúncia de qualquer qualificadora não articulada na denúncia acarretava a nulidade do processo por cerceamento de defesa, que era colhida de surpresa em face da não observância do art. 384 do CPP. Com a vigência da Lei n. 11.689/08, deixou de haver qualquer contro­ vérsia em torno do assunto. Isso porque o art. 411, §3°, do CPP, dispõe expressamente que, encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no ar. 384 do CPP. Em conclusão, convém ressaltar que não se admite a mutatio libelli na segunda fase do procedimento bifásico do Júri. 4- Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) Necessário o aditam ento da

peça acusatória,

nos term os d o art. 384 d o CPP, q u an do surgir, no curso d o processo, novo delineam ento fático não contido na inicial. N o caso, no decorrer da instrução, restou apurado que o paciente saiu da condição de partícipe da tentativa de homicídio para a de executor d o injusto penal. H abeas corpus não conhecido. Ordem conce­ dida de ofício para anular a decisão de pronúncia no que se refere à im putação d o art. 121, §2°, I e IV, c/c o art.14, II, d o C ó d ig o Penal, tendo em vista a ausência de aditam ento da peça acusatória ap ó s apurada m u ­ dança fática, deven do ser o bservado o trâmite d o art. 384 d o C ó d ig o de Processo Penal". (STJ, 5a Turma, HC 186.904/SP, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 02/12/2014, DJe 11/12/2014).

Art. 411 STF:"(...) O

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

procedim ento d o Júri, m arcado por duas

fases distintas e procedim entos específicos, exige a correlação obrigatória entre pronúncia-libelo-quesitação. Correlação, essa, que decorre não só da garantia da am pla defesa e do contraditório d o réu - que não pode ser surpreendido com nova im putação em ple­ nário

ordinário. Nesse caso, como ambas as partes terão concorrido para a inobservância do mo­ delo típico, não será possível o reconhecimento de eventual nulidade, haja vista o princípio da boa-fé (CPP, art. 565).

m as tam bém da necessidade de observância

à paridade de arm as entre acusação e defesa. D aí a im possibilidade de alteração, na se gu n da fase d o Júri (judicium causae), das teses balizadas pelas partes na primeira fase (judicium accusationis), não d isp o n d o o Conselho de Sentença do s am p los poderes da mutatio libelli conferidos ao juiz togado. Habeas corpus inde­ ferido". (STF, I a Turma, HC 82.980/DF, Rei. Min. Carlos Britto, j. 17/03/2009, DJe 200 22/10/2009).

7. A legações orais: antes da vigência da Lei n. 11.689/08, as alegações das partes ao final da I a fase do procedimento do Júri eram apresentadas por escrito, no prazo de 5 (cinco) dias, após a oitiva das testemunhas (antiga redação do art. 406 do CPP). Com a reforma processual de 2008, o art. 411 passou a prever que as alegações devem ser apresentadas oral­ mente em audiência. Inicialmente, a palavra será concedida à acusação pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez). Na sequência, fala a defesa pelo prazo de 20 (vinte) minutos, também prorrogáveis por mais 10 (dez). Apresentadas as alegações orais, o juiz sumariante poderá proferir uma decisão de impronúncia, desclassificação, absolvição sumária ou pronúncia. 7.1. (Im) possibilidade de substituição das alegações orais por memoriais: no procedi­ mento comum ordinário, há previsão expressa de substituição das alegações orais por memo­ riais em três situações: a) complexidade do caso; b) número de acusados; c) ordenada a realização de diligência considerada impres­ cindível ao julgamento da causa que não possa ser realizada de imediato. Na primeira fase do procedimento escalonado do júri, não há previsão expressa de substituição das alegações orais por memoriais: pelo menos de acordo com o texto da Lei, as alegações finais serão sempre orais (CPP, art. 411, §4°). Não obstante, é bem provável que, no dia-a-dia de fóruns criminais, juizes e partes acordem em subs­ tituir os debates por memoriais nas mesmas hipóteses autorizadas para o procedimento

7.2. Conteúdo das alegações orais: em suas alegações orais, as partes devem tentar antever qual é a provável decisão a ser proferida pelo magistrado. A título de exemplo, suponha-se que o acusado tenha confessado a prática do delito na fase investigatória e na primeira fase do procedimento do júri. Além da confissão, 04 (quatro) testemunhas confirmaram que o acusado fora visto efetuando os disparos de arma de fogo que causaram a morte da víti­ ma. O laudo necroscópico juntado aos autos, por sua vez, confirma a existência do crime e o nexo causai entre a conduta delituosa e o resultado lesivo. Neste caso, é intuitivo que a provável decisão a ser proferida pelo magis­ trado ao final do iudicium accusationis será a de pronúncia. Ao Ministério Público, então, incumbe fazer singela demonstração da ma­ terialidade do fato, fazendo menção ao laudo pericial, apontando os indícios suficientes de autoria - confissão e prova testemunhai. Suficiente, pois, a citação desses depoimentos, documentos ou provas, com a respectiva in­ dicação de sua localização no processo, sendo desnecessária aprofundada análise da prova, que poderia inclusive prejudicar o trabalho da acusação no plenário do Júri. À defesa, por sua vez, também não interessa antecipar sua tese de defesa. Se é evidente que o juiz sumariante irá pronunciar o acusado, deve o defensor oferecer suas alegações orais por negação geral, apenas para atender ao procedimento. Pode, por exemplo, sustentar genericamente que os pressupostos da pronúncia não estão presentes no caso concreto e que se reserva o direito de apresentar sua tese por ocasião do julga­ mento no plenário do Júri. Afinal, qualquer pronunciamento da defesa quanto ao mérito neste momento, detalhando e interpretando a prova, frustraria a possibilidade que ela tem de surpreender a acusação no plenário do Júri. Ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127, caput). Portanto,

TÍTULO I • DO PROCESSO CO M U M

o Parquet é livre para formular em alegações orais o pedido que atenda à correta aplicação da lei penal. Convencido, então, da pertinência da absolvição sumária, da impronúncia ou da desclassificação, deve o MP formular pedido nesse sentido, corroborando as alegações da Defesa. Neste caso, é bom lembrar que o juiz não está obrigado a atender ao pedido do M i­ nistério Público, sendo livre para decidir de acordo com seu convencimento (CPP, art. 385). 7.3. Não apresentação de alegações orais pelo querelante: em se tratando de crime de ação penal exclusivamente privada, a não apresentação de alegações orais ou eventual pedido absolutório formulado pelo querelante implicará em perempção, e consequente extin­ ção da punibilidade, nos termos do art. 60, III, do CPP. Lado outro, na hipótese de ação penal privada subsidiária da pública, como a ação penal em sua essência é pública, a consequên­ cia não será a perempção, mas sim a retomada da titularidade da ação penal pelo Ministério Público, nos termos do art. 29 do CPP.

Art. 411

STF:"(...) A desistência da oitiva de testem unhas arro­ ladas pela própria defesa, que inclusive poderiam vir a ser inquiridas em plenário caso algo de relevante tivessem a dizer, e o não oferecim ento das alegações finais em procedim ento da com petência d o Tribunal d o Júri constituem adequada tática da acusação e da defesa de deixarem os argu m en tos de que dispõem para apresentação no plenário, ocasião em que p o d e ­ rão surtir m elhor efeito, por não serem previamente con hecidos pela parte adversária. Precedentes (HC n° 74.631/SP, Se gu n d a Turma, da relatoria d o M inis­ tro M aurício Corrêa, DJ de 20/6/1997; HC n° 92.207/ AC, Primeira Turma, Relatora a M inistra Cárm en Lú­ cia, DJe de 26/10/07). (...) Habeas C orpus denegado". (STF, 1»Turma, H C 103.569/CE, Rei. Min. DiasToffoli, j. 24/08/2010,D Je 217 11/11/2010).

STF:"(...) N ão se com prova,

nos autos, qualquer nuli­

dade d o processo criminal por deficiência na defesa d o Paciente, especialm ente porque teria ela feito a o pção por deixar para o m om e n to d o julgam e nto no Tribunal do Júri a apresentação e a discussão das teses defensivas. N ão se vislum brando a existência de prova de prejuízo para o Paciente, incide, na espécie, a Sú m u ­ la 523 deste Suprem o Tribunal ("N o processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, m as a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu"). Precedentes. H abeas corpus denegado". (STF, 1aTurma, HC 92.207/AC, Rei. Min. Cárm en Lúcia,

7.4. Não apresentação de alegações orais pela Defesa: ao contrário do que ocorre no procedimento comum, em que a não apre­ sentação de alegações orais (ou memoriais) da defesa é causa de nulidade absoluta, prevalece o entendimento de que, ao final da primeira fase do júri, não há nulidade na hipótese de defesa genérica, ou mesmo na omissão em apresentá-la, desde que evidenciado que se trata de uma estratégia da defesa em benefício do acusado. Deveras, se o defensor antevê uma provável pronúncia, é de todo evidente que não atende aos interesses de seu cliente antecipar as teses que seriam sustentadas em plenário. Esta omissão também evita que o juiz se manifeste sobre a questão na decisão de pronúncia, o que poderia influenciar indevidamente os ju ­ rados. Assim, desde que evidenciado que não houve abandono do processo pelo defensor, é perfeitamente viável que, nos debates orais, como estratégia da defesa, sua manifestação seja sumária, no sentido de que o acusado é inocente, conforme será demonstrado nos debates em plenário. ♦

Jurisprudência selecionada:

j. 09/10/2007, DJe 131 25/10/2007).

7.5. Arguição de nulidades relativas:even­ tuais nulidades relativas da primeira fase do procedimento bifásico do júri devem ser arguidas nas alegações orais. De fato, ao contrário das nulidades absolutas, que podem ser arguidas a qualquer momento, as relativas devem ser suscitadas em sede de alegações orais, sob pena de preclusão e consequente convalidação. Sobre o assunto, o art. 571, inciso I, do CPP, dispõe que as nulidades relativas da instrução criminal dos processos da competência do júri devem ser arguidas nos prazos a que se refere o art. 406 - importante esclarecer que a antiga redação do art. 406 referia-se às alegações na primeira fase do procedimento do júri, hoje previstas no art. 411, §4°, do CPP. 8. Pluralidade de acusados: se houver mais de um acusado, o tempo previsto para a acusa­ ção e a defesa de cada um deles será individual. Como se percebe, o dispositivo se refere à presença de mais de um acusado, porém não faz menção acerca da presença de um ou mais defensores. Como o dispositivo não estabele­

Art. 411

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

ceu qualquer restrição quanto ao número de advogados, pensamos que, independentemen­ te do número de defensores - relembre-se que, desde que não haja colidência de defesas, um mesmo advogado pode patrocinar a defesa téc­ nica de dois ou mais acusados - , o prazo para as alegações orais será de 20 (vinte) minutos por acusado, prorrogáveis por mais 10 (dez). O art. 411, §5°, do CPP, também deixa claro que, diante da pluralidade de acusados, o tempo previsto para a acusação e a defesa de cada um deles será individual. Portanto, da mesma forma que esse prazo deve ser individual para a defesa, igual prazo também deve ser concedido à acusação, sob pena de indevida violação ao contraditório em sua garantia da paridade de armas. De fato, seria de todo desarrazoado conceder-se à defesa o prazo de 60 (sessenta) minutos, por força da presença de 3 (três) acusados, defendidos pelo mesmo defensor (ou não), e se conceder à acusação apenas 20 (vinte) minutos. Tal tratamento desigual traria evidente prejuízo ao acusador, que não teria condições de explorar o quadro probatório à luz da conduta individualizada de cada um dos acusados. Portanto, no exemplo citado, à parte acusadora também deverão ser concedidos os mesmos 60 (sessenta) minutos. 9. Assistente do Ministério Público previa­ mente habilitado: se o assistente da acusação já tiver se habilitado ao processo, suas alega­ ções orais serão apresentadas após a manifes­ tação do órgão do Ministério Público, sendo lhe concedidos 10 (dez) minutos para tanto. Nesse caso, respeitando-se a paridade de ar­ mas inerente ao contraditório, o prazo para manifestação da defesa será prorrogado por igual período. 10. Concentração dos atos processuais: o art. 411, §7°, do CPP, é absurdamente inócuo, porquanto diz o óbvio. Se a reforma processual de 2008 visou imprimir maior celeridade a todos os procedimentos, inclusive àquele do Tribunal do Júri, é de todo evidente que, pelo menos em regra, nenhum ato processual deve ser adiado, a não ser que a prova faltante seja fundamental para a busca da verdade. Adia­ do o ato, uma vez designada nova data para

a continuação da audiência, deve o juiz, por cautela, determinar a condução coercitiva de quem deva comparecer ao referido ato pro­ cessual, evitando-se, assim, novo adiamento da audiência. 11. Ordem de inquirição das testemunhas: com relação à prova oral, o §8° do art. 411 dispõe que a testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência. Esta regra pode dar a impressão, à primeira vista, de que seria possível uma “in­ versão” da ordem de oitiva de testemunhas, o que não pode ser aceito, diante da ressalva do próprio dispositivo no sentido de que seja “ob­ servada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput deste artigo”, que, por sua vez, prevê que, na audiência, haverá a “inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela de­ fesa, nesta ordem”. Assim, a possibilidade de se ouvirem as testemunhas, independentemente da suspensão da audiência, deve ser entendida em relação aos atos de instrução que, normal­ mente, devem ocorrer depois da prova teste­ munhai. Ou seja, se não for possível realizar, na audiência, os esclarecimentos dos peritos, porque estes faltaram ou não terminaram a perícia, ou se, diante do não comparecimento do acusado, for inviável que uma testemunha proceda ao reconhecimento pessoal do acusado ou mesmo seja realizada uma acareação entre ambos, em qualquer caso, as testemunhas serão ouvidas. No entanto, ausente uma testemunha de acusação, se o Ministério Público insistir na sua oitiva, somente poderão ser ouvidas as demais testemunhas de acusação presentes, sendo inviável ouvir, desde logo, as testemu­ nhas de defesa presentes, a não ser que haja concordância expressa da Defesa técnica, sob pena de inadmissível inversão da ordem de oitiva das testemunhas. Por outro lado, se faltar uma testemunha de defesa, poderão ser ouvidas todas as testemunhas de acusação, bem como as de defesa presentes, adiando-se apenas a oitiva da testemunha faltante. 12. Princípio da identidade física do juiz: embora não tenha constado expressamente do art. 411 do CPP, o princípio da identidade física do juiz também se aplica à primeira fase

TÍTULO I-D O PROCESSO C O M U M

do procedimento do júri. Logo, o magistrado que tomou conhecimento da prova continuará vinculado ao feito, devendo proferir a decisão final da primeira fase do procedimento do júri. Assim, em caso de eventual desmembramento da audiência una, o magistrado que iniciou a colheita da prova deverá proferir a decisão ou sentença. A razão para isto é que o art. 399, §2°, que introduziu o princípio da identidade física no processo penal, está incluído no Título I, que é aplicável ao procedimento do júri. 13. Prolação da decisão em audiência ou no prazo de 10 (dez) dias: no âmbito do procedimento comum, o juiz poderá, conside­ rada a complexidade do caso ou o número de

Art. 41 3

acusados, ou quando for ordenada a realização de diligência, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresen­ tação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. Em relação ao iudicium accusationis, o art. 411, §9°, do CPP, não prevê expressamente a possibili­ dade de substituição das alegações orais por memoriais, mas estabelece que, encerrados os debates, é possível que o juiz profira a sua deci­ são de imediato ou no prazo de 10 (dez) dias. O dispositivo em questão deixa ao critério do juiz proferir ou não sua decisão em audiência, independentemente da complexidade do caso ou do número de acusados.

Art. 412. O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias.1'2* 1. Prazo máximo para a conclusão do iud i­ ciu m accusationis (1a fase do procedimento

escalonado do júri): isoladamente conside­ rado, o art. 412 não deixa claro se este prazo refere-se ao procedimento como um todo primeira e segunda fase - , ou se faz referência apenas ao iudicium accusationis. Sem embargo, inserido que está na Seção I do Capítulo II, que trata “da acusação e da instrução preliminar”, forçoso é concluir que o prazo de 90 (noventa) dias refere-se exclusivamente à primeira fase do iter procedimental do Júri. 2. Prazo máximo para a conclusão do iu ­ d ic iu m c a u s a e (2a fase do procedim ento bifásico do júri): ao contrário do que ocorre

em relação ao iudicium accusationis, em que há previsão legal expressa de prazo para a con­ clusão do procedimento, o Código de Processo Penal silencia acerca de eventual prazo para o julgamento do acusado perante o plenário do Júri. Sem embargo do silêncio da lei, parece-nos possível a aplicação por analogia do prazo de 6 (seis) meses, contados da preclusão da pronúncia, previsto para o desaforamento (CPP, art. 428). Ora, se o próprio CPP dispõe que o julgamento deverá ser desaforado se houver excesso de serviço e o julgamento não for realizado no prazo de 6 (seis) meses após a preclusão da pronúncia, tal prazo também pode ser utilizado, por analogia, como parâ­ metro para a conclusão do iudicium causae.

Seção II Da Pronúncia, da Impronúncia e da Absolvição Sumária Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado,1"4 se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.5 §1° A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da mate­ rialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação,6 devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.7'8

Art.413

CPP COMENTADO •R enato B rasileiro de L ima

§2° Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória.9 §3° O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decre­ tação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas noTítulo IX do Livro I deste Código.10 1. Pronúncia: a decisão de pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação de crime doloso contra a vida, permitindo o jul­ gamento pelo Tribunal do Júri apenas quando houver alguma viabilidade de haver a conde­ nação do acusado. Assim, se o juiz sumariante estiver convencido da existência do crime e da presença de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve pronunciar o acusado, de maneira fundamentada. Há na pronúncia um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fum us boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabili­ dade de procedência. Em regra, a decisão de pronúncia é proferida após a apresentação das alegações orais pelas partes, ao final da I a fase àojudicium accusationis. Não obstante, é ple­ namente possível que referida decisão também seja proferida em sede de juízo de retratação de recurso em sentido estrito interposto contra a desclassificação, ou, ainda, por meio de decisão do respectivo Tribunal, ao apreciar recurso interposto contra a impronúncia e absolvição sumária (apelação), ou contra a desclassificação (RESE). Em relação à decisão que pronuncia o acusado em sede de juízo de retratação - RESE interposto contra a decisão de desclassificação (CPP, art. 581, II) - , cabe recurso em sentido estrito mediante simples petição, com dispensa de novos arrazoados, subindo os autos para reexame pelo Tribunal, nos termos do art. 589, parágrafo único, do CPP.2 2. Natureza jurídica: a pronúncia é tratada pela doutrina como uma decisão interlocutória mista não terminativa. Decisão interlocutória porque não julga o mérito, ou seja, não condena nem absolve o acusado; mista, porque põe fim

a uma fase procedimental; e não terminativa, porque não encerra o processo. Sobre o assunto, a Lei n. 11.689/08 corrigiu antigo erro técnico do CPP, que se referia à pronúncia como sen­ tença (antiga redação do §1° do art. 408 do CPP). Como a pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade (juízo de prelibação), cuja finalidade é submeter o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri, tem natureza pro­ cessual, não produzindo coisa julgada, e sim preclusão pro judicato, podendo o Conselho de Sentença decidir contrariamente àquilo que restou assentado na pronúncia. Há, por conseguinte, um equívoco na redação do art. 428 do CPP, que faz menção ao trânsito em jul­ gado da decisão de pronúncia. Assim, operada a preclusão da decisão de pronúncia, esta não mais poderá ser modificada, pelo menos em regra, sendo inevitável o julgamento do acusa­ do perante o Tribunal do Júri pelo crime nela reconhecido. Depois da preclusão, a pronúncia só pode ser modificada em caráter excepcional, vale dizer, desde que surja circunstância su­ perveniente que altere a classificação do crime - princípio da imodificabilidade da pronúncia, a ser objeto de análise nos comentários ao art. 421, §1°, do CPP. 3. Efeitos da pronúncia: são inúmeros os efeitos decorrentes da pronúncia. Vejamos cada um deles, separadamente. 3.1. Subm issão do acusado a julgam ento perante o Tribunal do Júri: a pronúncia en­ cerra um juízo de admissibilidade, determi­ nando o encaminhamento do feito à decisão do juízo natural da causa, o Tribunal do Júri. 3.2. Limitação da acusação em plenário (correlação entre pronúncia e quesitação): antes da Lei n. 11.689/08, o libelo tinha como objetivo lim itar a atuação da acusação em

TÍTULO I . DO PROCESSO C O M U M

plenário, evitando-se, assim, indevida surpresa à defesa por ocasião do julgamento. Com a supressão do libelo pela Lei n. 11.689/08, essa limitação será exercida pela pronúncia, que passa a fornecer à defesa o exato alcance da acusação. Destarte, é possível falar-se agora em princípio da correlação entre pronúncia e quesitação, significando dizer que teses não abordadas especificamente na decisão de ad­ missibilidade da acusação, ligadas ao tipo pe­ nal incriminador, não poderão ser trabalhadas em plenário pelo órgão acusatório. Nessa linha, o art. 482, parágrafo único, in fine, do CPP, estabelece que, na elaboração dos quesitos, o presidente levará em conta os termos da pro­ núncia ou das decisões posteriores que julga­ ram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes. Exemplificando, se o acusado for pronunciado por homicídio sim­ ples, não poderá o Ministério Público pugnar por sua condenação por homicídio qualificado. 3.3. Preclusão das nulidades relativas não arguidas até a pronúncia: como se depreende do art. 593, inciso III, alínea “a”, do CPP, as nulidades relativas ocorridas até a pronúncia devem ser arguidas até a sua prolação. Logo, após a pronúncia, ficam sanadas as nulidades relativas não arguidas. 3.4. Interrupção da prescrição: de acordo com o art. 117, inciso II, do Código Penal, o curso da prescrição interrompe-se pela pro­ núncia, valendo ressaltar que este efeito deve ser mantido, ainda que haja ulterior desclassi­ ficação pelos jurados. Nesse sentido, aliás, eis o teor da súmula n. 191 do STJ: “A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime”. 3.5. Preclusão da decisão de pronúncia e sua imodificabilidade: vide comentários ao art. 421, §1°, do CPP. 4. Recurso adequado: não houve qualquer alteração pela Lei n. 11.689/08. A impugnação deve continuar sendo feita por meio do recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, IV, do CPP. Para mais detalhes acerca do RESE in­ terposto contra a pronúncia, remetemos o leitor aos comentários ao referido dispositivo legal.

Al"t. 413

5. Pressupostos: para que o acusado seja pronunciado, deverá o juiz sumariante estar convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Como se denota da pró­ pria redação do art. 413, caput, em relação à materialidade do crime, deve o juiz estar convencido. Há necessidade, portanto, de um juízo de certeza. É bem verdade que os jura­ dos podem, posteriormente, vir a absolver o acusado no plenário do Júri por entenderem não estar provada a materialidade do delito. Porém, o juiz sumariante não pode permitir o julgamento de alguém pelo Júri sob a mera possibilidade de ter havido um crime doloso contra a vida. Se o art. 413 do CPP exige o convencimento do juiz sumariante quanto à materialidade do fato, raciocínio distinto se aplica à autoria e participação, em relação aos quais há necessidade de indícios suficientes. Apesar de grande parte da doutrina silenciar acerca do assunto, é importante ressaltar que a palavra indício é usada no Código de Processo Penal com dois sentidos distintos: a) prova indireta: a palavra indício deve ser compreen­ dida como uma das espécies do gênero prova, ao lado da prova direta, funcionando como um dado objetivo que serve para confirmar ou negar uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão judicial. É exatamente nesse sentido que a palavra indício é utilizada no art. 239 do CPP; b) prova semiplena: ele­ mento de prova mais tênue, com menor valor persuasivo. É com esse significado, aliás, que a palavra indício é utilizada no art. 413, caput, assim como nos arts. 126 e 312, todos do CPP. Na medida em que o próprio caput do art. 413 se refere ao convencimento da materialidade, percebe-se que, no tocante à existência do delito, exige-se um juízo de certeza quando da pronúncia. No tocante à autoria, todavia, exige o Código de Processo Penal apenas a presença de indícios suficientes de autoria. Em outras palavras, em relação à autoria ou participação, não se exige que o juiz tenha certeza, bastando que constem dos autos elementos informa­ tivos ou de prova que permitam afirmar, no momento da decisão, a existência de indício suficiente, isto é, a probabilidade de autoria. Portanto, para fins de pronúncia, e de modo a

Art.413

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

se evitar que alguém seja exposto de maneira temerária a um julgamento perante o Tribunal do Júri, ainda que não seja exigido um juízo de certeza quanto à autoria, é necessária a presença de, no mínimo, algum elemento de prova, ainda que indireto ou de menor aptidão persuasiva, que possa autorizar pelo menos um juízo de probabilidade acerca da autoria ou da participação do agente no fato delituoso. Apesar de não se exigir certeza, exige-se certa probabilidade, não se contentando a lei com a mera possibilidade.

5.1. R egra p ro b a tó ria : é muito comum na doutrina a assertiva de que o princípio apli­ cável à decisão de pronúncia é o in dubio pro societate, ou seja, na dúvida quanto à existência do crime ou em relação à autoria ou parti­ cipação, deve o juiz sumariante pronunciar o acusado. A nosso juízo, tal entendimento interpreta o art. 413 do CPP de maneira equi­ vocada. Referido dispositivo dispõe que, para que o acusado seja pronunciado, o juiz deve estar convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação (CPP, art. 413, caput). Ao fazer remissão ao convencimento da materia­ lidade do fato, depreende-se que, em relação à materialidade do delito, deve haver prova plena de sua ocorrência, ou seja, deve o juiz ter certeza de que ocorreu um crime doloso contra a vida. Portanto, é inadmissível a pro­ núncia do acusado quando o juiz tiver dúvida em relação à existência material do crime, sendo descabida a invocação do in dubio pro societate na dúvida quanto à existência do crime. Por sua vez, quando a lei impõe a pre­ sença de indícios suficientes de autoria ou de participação, de modo algum está dizendo que o juiz deve pronunciar o acusado quando tiver dúvida acerca de sua concorrência para a prática delituosa. Na verdade, ao fazer uso da expressão indícios, referiu-se o legislador à prova semiplena, ou seja, àquela prova de valor mais tênue, de menor valor persuasivo. Dessa forma, conquanto não se exija certeza quanto à autoria para a pronúncia, tal qual se exige em relação à materialidade do crime, é necessário um conjunto de provas que autorizem um juízo de probabilidade de autoria ou de participação.

Destarte, a nosso ver, havendo dúvidas quanto à existência do crime ou quanto à presença de indícios suficientes, deve o juiz sumariante impronunciar o acusado, aplicando o in dubio pro reo. Nesse contexto, como já se pronunciou o Supremo (STF, I a Turma, HC 81.646/PE, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 04/06/2002, DJ 09/08/2002), o aforismo in dubio pro so­ cietate jamais vigorou no tocante à existência do próprio crime, em relação à qual se reclama esteja o juiz convencido. Por isso, diante da conclusão dúbia de laudo pericial, que concluiu pela impossibilidade de se determinar a causa da morte investigada, somada à contradição entre a versão apresentada pelo acusado e a da irmã da vítima, concluiu o Supremo que, diante da dúvida do juiz sumariante acerca da existência de homicídio, não seria possível que o acusado fosse pronunciado sob o pálio do in

dubio pro societate. + Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) A decisão de pronúncia encerra sim ples juízo de adm issibilidade da acusação, exigindo o ordena­ m ento jurídico so m en te o exam e da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se de m an dando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de u m édito condenatório, se n d o que, nessa fase processual, as q u estões resolvem -se a favor da so ­ ciedade. Afirmar se o Réu agiu com do lo eventual ou culpa consciente é tarefa que deve ser analisada pela Corte Popular, juiz natural da causa, de acordo com a narrativa do s fatos constantes da denúncia e com o auxílio d o conjunto fático/probatório produzido no âm bito d o devido processo legal. Na hipótese, tendo a provisional indicado a existência de crime do lo so contra a vida - em b riagu ez ao volante, excesso de velocidade e condução d o veículo na contram ão de direção, sem proceder à qualquer juízo de valor acerca da sua motivação, é caso de submeter o Réu aoTribunal d o Júri. Recurso especial provido para restabelecer a sentença de pronúncia". (STJ, 5aTurma, REsp 1.279.458/ M G, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 04/09/2012).

STJ:"(...) Assim, havendo indícios de que o suposto aci­ dente de carro seja na verdade um crime de hom icídio perpetrado pelo ora recorrido contra sua cônjuge, a questão deve ser remetida para o Júri Popular, juízo natural para o ju lgam e nto d o s delitos d o lo so s contra a vida. C o m o é sabido, a pronúncia é um mero juízo de adm issibilidade da acusação, não exigindo prova incontroversa da existência d o crime, sendo suficiente que o juiz se convença de sua materialidade. Por outro lado, quanto à autoria, não é necessária a certeza exigi­

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

da para a condenação, bastando que existam indícios suficientes de que o réu seja o autor. Recurso especial provido para, cassan do o acórdão recorrido, restabe­ lecer a sentença de primeiro grau, que pronunciou o recorrido pela suposta prática do s crimes de homicídio sim ples e provocação de aborto". (STJ, 6a Turma, REsp 578.585/PA, Rei. M in. O g Fernandes, j. 06/10/2009, DJe 26/10/2009).

STF:"(...) Na

concreta situação d o s autos, enquanto

o Juízo da Vara d o Júri de Sobral/CE rechaçou a tese da m aterialidade delitiva, e m b asado no m ais detido exam e das circunstâncias d o caso, o voto condutor d o acórdão d o Tribunal de Justiça d o Estado d o Ceará (acórdão que pronunciou o paciente contra até m esm o a manifestação do Ministério Público Estadual) limitou-se a reproduzir, ipsis literis, o s term os da denúncia. Reprodução, essa, que assentou, de m o d o totalm ente alheio às contingências fáticas do s autos, a prevalência absoluta da m áxim a in du b io pro societate. D escon ­

j

413

acerca do caso concreto, é de se concluir que fere o princípio da soberania dos veredictos a afirmação peremptória do magistrado que diz na pronúncia, a título de exemplo, que está ple­ namente convencido da autoria do delito. Em síntese, não se admite que o juiz sumariante queira converter a pronúncia, de mero juízo fundado de suspeita, em inadmissível juízo de certeza. Quando o juiz sumariante abusa da linguagem, proferindo a pronúncia sem moderação, caracteriza-se o que se denomina de eloquência acusatória, causa de nulidade da referida decisão, que, uma vez declarada, acarreta o desentranhamento da pronúncia dos autos do processo e consequente necessidade de prolação de nova decisão.

siderando, com isso, as prem issas que justificam a incidência da excepcional regra d o § 2° d o art. 13 do C ó d ig o Penal. Premissas que não se fazem presentes

♦ Jurisprudência selecionada:

no caso para assentar a responsabilização d o paciente

STF: "(...)

por crime doloso, pois: a) o paciente não se omitiu; ao

m agistrado, qu an d o da prolação da sentença de pro­

contrário, atendeu a gestante nas o portunidades em

núncia, é de ser cum prido dentro de limites estreitos.

que ela esteve na Casa de Saúde; b) o paciente não es­

É dizer: a dita fundam entação deve limitar-se à com ­

teve indiferente ao resultado lesivo da falta de pronto

provação d o fato crim inoso e à mera indicação do s

O dever de m otivação que é im p o sto ao

atendim ento à gestante; c) o paciente agiu, dentro

indícios da autoria delitiva. Porque tu d o o mais, todas

d o possível, para minim izar os riscos que envolvem

as teses defensivas, tod os os elem entos de prova já co-

situações com o a retratada no caso. O rdem parcial­

ligidos hão de ser so pesad os pelo próprio Conselho de

m ente concedida". (STF, I a Turma, HC 95.068/CE, Rei.

Sentença, que é soberano em tem a de crimes dolo so s

Min. Carlos Britto, j. 17/03/2009, DJe 089 14/05/2009).

contra a vida. É ved ado aojuízo de pronúncia o exame conclusivo d o s elem entos probatórios constantes dos

6. Fundamentação da pronúncia e eloqu­ ência acusatória: sem embargo da necessi­ dade de fundamentação da decisão judicial de pronúncia, sob pena de nulidade absoluta (CF, art. 93, IX), deve o juiz sumariante (ou Desembargadores, no julgamento de eventual recurso) ter extrema cautela para que não o faça nos mesmos moldes que uma sentença condenatória. Deve o magistrado se limitar a apontar a prova da existência do crime e os indícios suficientes de autoria ou participação, valendo-se de termos sóbrios e comedidos, para que não haja indevida influência no animus judicandi dos jurados, que podem ser facilmente influenciados por uma pronúncia dotada de excessos (ex: “a covarde atitude do acusado reflete bem o seu caráter nefasto, com­ provando a futilidade do delito”). Com efeito, se é fato notório que os jurados são facilmente influenciados a partir do momento em que percebem qual é a opinião do juiz presidente

autos. Além de se esperar que esse juízo pronunciante seja externado em lin gu age m sóbria, com edida, para que os jurados não sofram n enhum a influência em seu an im u s judicandi. É dizer: o C onselho de Sentença deve m esm o desfrutar de total independência no exer­ cício de seu m únus constitucional. Revela-se idônea a sentença de pronúncia, q u an do o m agistrado que a profere se limita a dem onstrar a ocorrência d o crime e a pontuar os indícios de participação d o paciente, afastando os pedidos defensivos de absolvição su m á­ ria ou exclusão das qualificadoras. O rdem denegada". (STF, 1a Turma, H C 85.992/SP, Rei. Min. Carlos Britto, j. 13/12/2005, DJ 23/03/2007 p. 106).

STF: "Pronúncia: nulidade por excesso de"eloqüência acusatória". É inadmissível, conform e a jurisprudência consolidada d o STF, a pronúncia cuja fundam entação extrapola a dem onstração da concorrência d o s seus pressupostos legais (CPrPen, art. 408) e assum e, com afirmações apodíticas e m inudência no cotejo analítico da prova, a versão acusatória ou rejeita peremptoriamente a da defesa (v.g., H C 68.606,18/06/91, Celso, RTJ 136/1215; H C 69.133,24/03/92, Celso, RTJ 140/917; HC 73.126, 27/02/96, Sanches, DJ 17/05/96; RH C 77.044, 26/05/98, Pertence, DJ 07/08/98). O que reclama pro­ va, n o juízo da pronúncia, é a existência d o crime;

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CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

não, a autoria, para a qual basta a concorrência de indícios, que, portanto, o juiz deve cingir-se a indicar. N o caso, as expressões utilizadas pelo ó rgão prolator d o acórdão confirm atório da sentença de pronúncia, no que concerne à autoria do s delitos, não se revelam com patíveis com a dupla exigência de sobriedade e de com e dim en to a que os m agistrados e Tribunais, so b pena de ilegítim a influência sobre o ân im o do s jurados, devem subm eter-se q u an do praticam o ato culm inante d o judicium accusationis (RT 522/361)”. (STF, I a Turma, H C 85.260/RJ, Rei. M in. Se p ú lv e d a Pertence, j. 15/02/2005, DJ 04/03/2005).

STF:"(...) Fere o princípio da soberania do s veredictos a afirm ação peremptória d o m agistrado, na sentença de pronúncia, que se diz convencido da autoria do delito. A decisão de pronúncia deve guardar correla­ ção, m oderação e com edim ento com a fase de mera ad m issib ilid ad e e e n cam in h am en to da ação penal ao Tribunal d o Júri. O rdem concedida". (STF, I a Tur­ ma, HC 93.299/MG, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 16/09/2008, DJe 202 23/10/2008).

STF:"(...) A

sentença de pronúncia será nula q u an do e x trapolar a d e m o n stra çã o de seu s p re ssu p o sto s le gais e n ão deve realizar a p ro fu n d a d o exam e d o acervo probatório. A pronúncia exige, tão-somente, a dem onstração da materialidade e de indícios sufi­ cientes de autoria. A conciliação do preceito constitu­ cional que, de um lado, obriga a fundam entação das decisões judiciais, com aquele que, de outro, afirma a soberania do s veredictos d o Tribunal do Júri, im põe que o m agistrado se abstenha de realizar, na sentença de pronúncia, exam e aprofundado d o acervo pro ba­ tório. O rdem denegada". (STF, I a Turma, H C 89.833/ PR, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 27/03/2007, DJ 04/05/2007 p. 38).

STF:"(...) Tanto a antiga redação d o art. 408, quanto o atual art. 413 (na redação dada pela Lei 11.689/2008), am b o s d o CPP, indicam que o juiz, ao tratar da autoria na pronúncia, deve limitar-se a expor que há indícios suficientes de que o réu é o autor ou partícipe d o crime. Todavia, o texto da pronúncia afirma que o paciente foi o autor do crime que lhe foi im putado, o que, à evi­ dência, pod e influenciar os jurados contra o acusado. Em casos co m o esse, im põe-se anulação da sentença de pronúncia, por excesso de lin gu age m (HC 93.299, rei. min. Ricardo Lewandowski, DJe de 24.10.2008). (...) H abeas corpus parcialmente concedido, para anular a sentença de pronúncia". (STF, 2a Turma, HC 99.834/SC, Rei. Min. Joaquim Barbosa, 15/02/2011).

6.1. Reconhecim ento de nu lidad e em virtude da eloquência acusatória: antes da reforma processual de 2008, a nulidade decorrente da eloquência acusatória só era reconhecida quando fossem feitas referências à pronúncia pelas partes ou pelo Juiz-Presidente durante o julgamento no Tribunal do Júri. 115 6

Portanto, se, na sessão do júri, não fossem lidas ou referidas expressões que revelassem esse excesso constante da pronúncia, a nulidade não devia ser proclamada. Com o advento da Lei n. 11.689/08, certamente haverá quem entenda que essa nulidade não poderá mais ser reconhecida, porquanto, por força do art. 478, inciso I, do CPP, as partes não poderão fazer referências à decisão de pronúncia como argumento de autoridade que prejudique o acusado durante os debates. Logo, se as partes não podem fazer referência à pronúncia como argumento de autoridade para convencer os jurados, não há motivo para se declarar a nu­ lidade do feito em virtude da eloquência acu­ satória. A propósito, durante o julgamento do HC 96.123/SP (STF, I a Turma, Rei. Min. Carlos Britto, j. 03/02/2009, DJe 43 05/03/2009), o Min. Marco Aurélio manifestou-se no sentido de que, com a reforma processual penal, não havería mais interesse de agir por parte da defesa para impugnar eventual eloquência acusatória, já que não mais se admite a leitura da pronúncia no Plenário do Tribunal do Júri. É bem verdade que as partes não podem fazer referência à pronúncia como argumento de autoridade objetivando convencer os jurados. Porém, também é verdade que, tão logo for­ mado o Conselho de Sentença, o jurado rece­ berá cópia da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo (CPP, art. 472, parágrafo único), sendo-lhes facultado, ademais, o livre manuseio dos autos (CPP, art. 480, §3°). Destarte, independentemente de qualquer referência à pronúncia por ocasião do julgamento no Júri, deve ser reconhecida a nulidade do feito se presente a chamada eloquência acusatória. Ora, se os jurados obrigatoriamente alfabetizados - recebem cópia da pronúncia imediatamente após a formação do conselho de sentença, há de se concluir que o excesso de linguagem será causa de nulidade do feito, independentemente de qualquer referência à referida decisão durante o julgamento no plenário do Júri. Afinal, se tiveram eles a possibilidade de fazer a leitura de uma pronúncia dotada de expressões exces­ sivas, é evidente que houve lesão à soberania dos veredictos, porquanto foram os jurados

TÍTULO I* DO PROCESSO C O M U M

,

Art. 413

indevidamente influenciados em seu animus judicandi. Portanto, se, por força do art. 472,

o risco de influência no ân im o d o Tribunal Popular.

parágrafo único, do CPP, aos jurados será entregue cópia da pronúncia, é de se concluir que a ela o Conselho de Sentença terá acesso. Logo, o prejuízo à imparcialidade dos jurados e à soberania de seus veredictos é presumido, autorizando-se o reconhecimento de nulidade absoluta.

Rei. Min. Jorge Mussi, j. 19/08/2010, DJe 20/09/2010).

+ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) Configura-se excesso de linguagem

qu an do o

M agistrado, ao proferir decisão de pronúncia, avança in devidam en te na matéria de com petência consti­ tucional d o Tribunal d o Júri. N o caso, o M agistrad o afirmou categoricam ente a autoria d o crime atribuído ao paciente, além de afastar qualquer possibilidade de acolhim ento da tese defensiva se gu n do a qual a morte da vítim a decorrería d o m au atendim ento médico. Em bora a Lei n° 11.689/08 tenha restringido a possi­ bilidade de leitura de peças em Plenário, não há falar em prejudicialidade d o pedido, um a vez que o art. 472, parágrafo único, d o CPP, prevê que os jurados recebe­ rão cópia da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram adm issível a acusação (por exemplo, o acór­ dão d o recurso em sentido estrito). Além disso, o art. 480, § 3o, d o CPP, dispõe que os jurados terão acesso aos autos, o que evidencia a possibilidade de indevida influência. O rdem concedida, para anular a decisão de pronúncia, determ inando seu desentranham ento dos autos, bem c o m o assegurar que outra seja proferida, em observância aos preceitos legais". (STJ, 6a Turma, H C 85.591/GO, Rei. Min. O g Fernandes, j. 21/05/2009, DJe 08/06/2009).

STJ:"(...) Em bora o legislador ordinário, com a alteração dada pela Lei n. 11.689/2008 no procedim ento d o júri, tenha im pedido que as partes façam em plenário qual­ quer referência à decisão de pronúncia ou às decisões

(...) O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, HC 143.331/ES,

6.1.1. Impossibilidade de simples desen­ tranhamento (envelopamento) da pronún­ cia sem o reconhecimento da nulidade: em alguns julgados isolados (v.g., STJ, 6a Turma, REsp 982.033/PR, Rei. Min. Maria Thereza de AssisMoura, j. 03/12/2009, DJe 12/04/2010), a 6a Turma do STJ vem se manifestando no sen­ tido de que, uma vez reconhecida a eloquência acusatória, não há necessidade de se anular o processo. Basta que seja determinado o de­ sentranhamento da pronúncia, envelopando-a junto aos autos, de modo a se evitar que os jurados tenham contato com seus termos, certificando-se a condição de pronunciado do acusado, prosseguindo-se o processo. Com a devida vênia, somos obrigados a discordar da posição do STJ. Isso porque, como visto anteriormente, o defeito de fundamentação da pronúncia é causa de nulidade absoluta, o que acarreta, consequentemente, a necessidade de prolação de nova decisão. Além disso, o art. 472, parágrafo único, do CPP, é categórico ao afirmar que, realizada a exortação aos jurados, estes deverão receber cópias da pronúncia e do relatório do processo. Tratando-se de peça essencial ao julgamento, porquanto delimita a acusação, funcionando como principal fonte dos quesitos, seu conhecimento não pode ser subtraído aos julgadores, ou seja, aos jurados, sob pena de evidente violação à soberania dos veredictos (CF, art. 5°, X X X V III, “c”).

posteriores que julgaram admissível a acusação (art. 4 7 8 ,1, d o CPP), é certo que os jurados, caso solicitem,



terão acesso ao s autos e consequentem ente ao deci-

STF: "(...) A

sum o bju rgado (art.480, § 3°, d o CPP), razão pela qual caracteriza-se o risco de influência no ân im o doTribunal Popular, bem justificando o exame da existência ou não da eiva deduzida na inicial. (...) O rdem denegada". (STJ, 5a Turma, H C 123.148/RS, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 25/11/2010, DJe 14/02/2011).

STJ:"(...)

Em bora um a das alterações significantes

Jurisprudência selecionada: jurisprudência deste Su p re m o Tribunal

Federal é firme no sentido de que o defeito de fu n da­ m entação na sentença de pronúncia gera nulidade absoluta, passível de anulação, so b pena de afronta ao princípio da soberania dos veredictos. Precedentes. D e­ pois de form ado o C onselho de Sentença e realizada a exortação própria da solene liturgia doTribunal d o Júri,

no procedim ento d o julgam e nto d o s crimes dolosos

os jurados deverão receber cópias da pronúncia e do relatório d o processo; perm itindo-se a eles, inclusive,

contra a vida, com o advento da Lei n. 11.689/2008,

o m anuseio d o s autos do processo-crim e e o pedido

tenha sid o a proibição das partes se referirem em

ao orador para que indique a folha do s autos o nde se encontra a peça por ele lida ou citada. (...) A solução

Plenário à decisão de pronúncia (art. 4 7 8 ,1, do CPP), é certo que o s jurados, caso solicitem, terão acesso aos autos e, consequentem ente, à provisional objurgada

apresentada pelo voto m édio d o SuperiorTribunal de Justiça representa não só um constrangim ento ilegal

(art. 480, § 3°, d o CPP), razão pela qual vislum bra-se

im posto ao Paciente, m as tam bé m um a dupla afronta

Art. 413

CPP COMENTADO • Renato B rasileiro de L ima

à soberania d o s veredictos assegu rada à instituição d o júri, tanto por ofensa ao C ó d ig o de Processo Penal, conform e se extrai d o art. 472, alterado pela Lei n. 11.689/2008, quanto por contrariedade ao art. 5o, inc. XXXVIII, alínea "c", Constituição da República. Ordem con ce d id a para an u lar a sentença d e p ron ún cia e o s consecutivos atos processuais que ocorreram no processo principal". (STF, 1aTurma, HC 103.037/PR, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 22/03/2011, DJe 103 30/05/2011). So b a m esm a ótica: STF, 1aTurma, R H C 127.522/BA, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 18/08/2015.

STJ:"(...)

Na linha da jurisprudência desta Corte, re­

conhecida a existência de excesso de lin gu age m em sentença de pronúncia devidam ente fundam entada, o desentranham ento e envelopam ento da peça seria providência ad equada e suficiente para cessar a ilega­ lidade, um a vez que, além de contem plar o princípio da e co n om ia processual, evita q u e o C o n se lh o de Sentença sofra influência d o excesso e m p regado pelo prolator da decisão. Ocorre que a jurisprudência d o Su­ prem o Tribunal Federal tem considerado inadequada tal providência, assentando, em vários precedentes, q u e a so lu ção ap rese n tad a p elo Superior Tribunal de Justiça não só configura con stran gim en to ilegal im posto ao recorrente m as tam bé m dupla afronta à soberania d o s veredictos assegurada à instituição do júri, tanto por ofensa ao C ó d ig o de Processo Penal, conform e se extrai d o art. 472, alterado pela Lei n. 11.689/2008, qu an to por contrariedade ao art. 5°, inc. XXXVIII, c, da Constituição da República, um a vez que o acesso à decisão de pronúncia constitui garantia asse gu rada legal e constitucionalm ente, de ordem pública e de natureza processual, cuja disciplina é de com petência privativa da União. Concluindo, daí, que a providência ad eq u ad a é a an u lação da sentença. Considerando-se que tal posição já está consolidada, não há outra solução senão acom panhar a tese firmada na Suprem a Corte, so b o risco de que, postergada tal providência, outros ju lgad o s deste Superior Tribunal venham a ser cassados, geran do efeitos m aléficos na origem , sobretudo o atraso d o s feitos relacionados ao Tribunal d o Júri. N o caso d o s autos, há evidente e xcesso de lin g u a g e m na sentença de pronúncia. Reconhecida a ilegalidade, deve ser anulada a decisão, com a determ inação de que outra seja prolatada, sem o vício apontado. A gravo regim ental provido". (STJ, 6a Turma, A g R g no REsp 1.442.002/AL, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 28/04/2015, DJe 06/05/2015).

6.2. Inexistência de eloquência acusatória em sentenças condenatórias: se a pronúncia deve ser fundamentada sem excessos, seme­ lhante restrição não é aplicável às sentenças condenatórias. Na visão do STJ (5a Turma, REsp 1.315.619/RJ, Rei. Min. Campos Mar­ ques - Desembargador convocado do T J/ PR, j. 15/08/2013), a utilização de termos

^)

1158

mais fortes e expressivos em sentença penal condenatória, como, por exemplo, “bandido travestido de empresário” e “delinquente de colarinho branco”, não configura, por si só, situação apta a comprovar a ocorrência de quebra da imparcialidade do magistrado. Com efeito, o discurso empolgado, a utilização de certos termos inapropriados na sentença con­ denatória em relação ao réu ou a manifestação de indignação no tocante aos crimes não con­ figuram, isoladamente, causas de suspeição do julgador, até mesmo porque as causas de suspeição de magistrado estão dispostas de forma taxativa no art. 254 do CPP, dispositivo este que não comporta interpretação ampliativa. Na verdade, o emprego de expressões inadequadas ou de linguajar não compatível com a nobre função de julgar não significa, por si só, a ocorrência de julgamento parcial. A suspeição se comprova pelo laço íntimo de afeição ou de desafeição e não pela ausência de técnica escorreita de linguagem. 7. Conteúdo da pronúncia: de acordo com o art. 413, §1°, do CPP, a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da mate­ rialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, de­ vendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. Como se denota, é indis­ pensável que o juiz sumariante faça a classifi­ cação do delito, indicando não apenas o tipo penal a que se subsume o fato, como também qualificadoras e causas de aumento de pena. A não inclusão de uma qualificadora ou causa de aumento de pena implica no julgamento do acusado apenas por homicídio simples, já que os quesitos serão elaborados no plenário do júri levando-se em consideração os termos da pronúncia (CPP, art. 482, parágrafo único). Em se tratando de homicídio simples, deve o magistrado fazer menção ao art. 121, caput, do CP. Presente uma qualificadora, e desde que ela tenha constado da peça acusatória, deve o magistrado não só declarar qual seria o dispositivo legal, como também especificar em que teria consistido. Exemplificando, não basta apontar a qualificadora do art. 121, §2°,

TÍTULO I. DO PROCESSO C O M U M

II, do CP, sendo necessário que o magistrado descreva qual teria sido o motivo fútil que levou o agente à prática do delito. Causas de aumento de pena também devem constar da pronúncia. Apesar de o art. 413, §1°, do CPP, dispor que a pronúncia fará referência às causas de aumento de pena, sem distinguir se isto abrange tanto aquelas previstas na parte geral (v.g., crime continuado - art. 71, caput, do CP) quanto as da parte especial do Código Penal (v.g., homicídio doloso praticado contra maior de 60 anos - art. 121, §4°, in fine, do CP), é dominante o entendimento na doutrina e na jurisprudência que só devem constar da pronúncia aquelas inseridas na parte especial do Código Penal, já que aquelas constantes da parte geral não fazem parte do tipo básico ou derivado da conduta delituosa imputada, tendo como objetivo precípuo apenas auxi­ liar o juiz por ocasião da fixação da pena. A pronúncia também deve fazer menção ao tipo penal por extensão: tentativa (CP, art. 14, II), omissão penalmente relevante (CP, art. 13, §2°) e concurso de pessoas (CP, art. 29). Isso porque tais dispositivos não se relacionam apenas à dosimetria da pena. Na verdade, exercem influência na tipicidade da conduta por se tratar de norma de extensão, a permitir uma adequação típica de subordinação mediata. Logo, a indicação de tais dispositivos é imprescindível para a tipicidade formal.

+ Jurisprudência selecionada:

STJ:"(...) N os term os da antiga

redação d o art. 408, § I . °, d o C ó d ig o de Processo Penal (alterado pela Lei n.° II.

689/2008), a pronúncia deveria declarar o dispositi­

vo legal em cuja sanção julgasse incurso o réu. Assim, o julgador, ao pronunciar, deveria elencar o art. 29 do C ó d ig o Penal, que se refere ao concurso de pessoas, na indicação d o tipo penal incriminador. O art. 29, caput, d o C ó d ig o Penal, n ão se relaciona so m en te ao aspecto da dosim etria da pena, m as influencia na tipicidade da conduta, na m edida em que se trata de norm a de extensão, que permite a adequação típica de subordinação mediata. Recurso conhecido e provido". (STJ, 5a Turma, REsp 944.676/RS, Rei. Min. Laurita Vaz, j. 21/06/2011).

7.1. Causas de diminuição de pena: é ve­ dado ao juiz sumariante pronunciar o acusado reconhecendo causas de diminuição de pena,

Art. 413

salvo na hipótese da tentativa, integrante do tipo penal por extensão. A uma porque o art. 413, §1°, faz menção apenas às causas de au­ mento de pena. Logo, interpretando-se a con­ trario sensu referido dispositivo, depreende-se que eventuais causas de diminuição de pena não devem ser especificadas na pronúncia. A duas porque a Lei de Introdução ao Código de Processo Penal (Decreto-Lei n. 3.931/41, art. 7o) prevê que “o juiz da pronúncia, ao classificar o crime, consumado ou tentado, não poderá reconhecer a existência de causa especial de diminuição da pena”. De mais a mais, fosse possível a apreciação de causas de diminuição de pena por ocasião da pronúncia, poderia haver evidente prejuízo à defesa, que prefere, à evidência, postergar sua arguição para o julgamento perante o Tribunal do Júri. Impossível, portanto, a pronúncia do acusado pela prática de homicídio privilegiado (CP, art. 121, §1°), devendo o juiz sumariante limitar-se a apontar o denunciado como incurso no art. 121, caput, do CP. 7.2. Agravantes, atenuantes e concurso de crimes: como mero juízo de admissibili­ dade da acusação, a pronúncia não deve fazer remissão à aplicação da pena. Portanto, o juiz sumariante também não deve tratar de agra­ vantes e atenuantes na pronúncia, seja porque tais circunstâncias não integram o tipo penal, não constituem elementos do crime, estando afetas, portanto, exclusivamente à pena, seja porque tais circunstâncias podem ser sus­ tentadas em plenário pelas partes. Tampouco deve fazer menção ao concurso de crimes (material, formal ou crime continuado), já que tal matéria interessa à fixação da pena, devendo ser analisada após o julgamento em plenário, se porventura os jurados votarem pela condenação do acusado. 7.3. Exclusão de qualificadoras por oca­ sião da pronúncia (desqualificação): assim o fazendo, estaria o juiz sumariante imiscuindo-se em competência outorgada ao Tribunal do Júri pela Constituição Federal. Logo, compete ao juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, com exclusividade, decidir sobre a pre­ sença (ou não) de determinada qualificadora.

Art.413

CPP COMENTADO • R enato B rasileiro de L ima

Todavia, em situações excepcionais, e desde que demonstrada a inconsistência e excesso da acusação, é possível a exclusão de determinada qualificadora da pronúncia.

numérica daqueles em relação à vítima não constitui m otivo suficiente para incidir a majorante, pois, haven­



REsp 1.102.422/DF, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 14/09/2010,

Jurisprudência selecionada:

STJ: “(...) As qualificadoras só p od em

d o dúvidas acerca da existência de tal qualificadora, a questão deve ser subm etida ao conselho de sentença. Recurso especial a que se dá p rovim ento a fim de restabelecer a sentença de pronúncia". (STJ, 5aTurma, DJe 04/10/2010).

ser excluídas em

casos excepcionalíssimos, quando, de form a incontro­ versa, m ostrarem -se absolutam ente improcedentes, sem qualquer ap o io n os autos. Recurso parcialmente conhecido e desprovido". (STJ, 5aTurma, REsp 612.402/ AL, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 17/06/2004, DJ 02/08/2004 p. 546).

STJ:"(...) Em se tratando de crime afeto à com petência doTribunal d o Júri, o julgam ento peloTribunal Popular só p o d e deixar de ocorrer, provada a m aterialidade do delito, caso se verifique ser despropositada a acusação, porquanto aqui vigora o princípio in dubio pro societate. Diferente d o que ocorre em relação à sentença condenatória, a decisão que pronuncia o acusado exige, tão somente, a presença de indícios de autoria, além de prova da materialidade d o delito. Som ente pod em ser excluídas da r. decisão de pronúncia as qualifica­ doras m anifestam ente improcedentes. (Precedentes). O reconhecim ento d o vício d o excesso de lin gu age m reclama, in casu, a verificação d o uso de frases, afirma­ ções ou assertivas que traduzam verdadeiro juízo con­ clusivo sobre a participação d o s acusados, de maneira a influenciar os jurados futuram ente no julgam e nto a ser realizado. Veda-se, portanto, a eloquência acusatória, por extrapolar o mero juízo de adm issibilidade da acusação, invadindo a com petência d o C onselho de Sentença, hipótese inocorrente na espécie, em que não houve esse juízo antecipado da quaestio. Ordem denegada". (STJ, 5aTurma, HC 95.731 /RJ, Rei. Min. Felix

STJ:"(...) Cabe

ao conselho de sentença decidir se o

paciente praticou o ilícito m otivado por ciúmes, assim c o m o analisar se referido sentimento, no caso concre­ to, constitui o m otivo torpe que qualifica o crime de homicídio. Apenas p od em ser excluídas da sentença de pronúncia as circunstâncias qualificadoras m ani­ festam ente improcedentes, um a vez que não se deve usurpar doT rib un al d o Júri o pleno exam e do s fatos da causa. Recurso Especial a que se dá provimento, para cassar o acórdão ora recorrido, m antendo-se as qualificadoras reconhecidas na decisão de pronúncia". (STJ, 6aTurma, REsp 810.728/RJ, Rei. Min. MariaThereza de Assis Moura, j. 24/11/2009, DJe 02/08/2010).

STJ:"(...) Esta Corte Superior de Justiça possui enten­ dim ento con solidado no sentido de que o decote de qualificadoras por ocasião da decisão de pronúncia só estará autorizado q u an d o forem m anifestam ente improcedentes, isto é, quando com pletam ente destitu­ ídas de am paro nos elem entos cognitivos do s autos. A reiteração de go lp e s na vítima, ao m enos em princípio e para fins de pronúncia, é circunstância indiciária do 'm eio cruel' previsto no inciso III d o parágrafo 2° do artigo 121 do C ó d ig o Penal, não se tratando, pois, de qualificadora manifestamente improcedente que auto­ rize o excepcional decote pelo juiz da pronúncia, pena de usurpação da com petência constitucionalm ente atribuída aoTribunal d o Júri. Recurso provido". (STJ, 6a Turma, REsp 1.241.987/PR, Rei. Min. M ariaThereza de Assis M oura, j. 6/2/2014, DJe 24/02/2014).

Fischer, j. 19/06/2008, DJe 18/08/2008).

STJ:"(...) A s qualificadoras som ente p od em

ser exclu­

ídas na fase d o iudicium accusationis, se m anifesta­ mente im procedentes (Precedentes d o STF e d o STJ). A agressão física realizada pelo acu sado no m esm o con ­ texto em que efetuados, tam bém por este, os disparos de arm a de fogo, não pode ser tom ad a c o m o causa a afastar, ainda na fase de pronúncia, a qualificadora do m otivo fútil, pois esse quadro não configura situação em que resta evidenciada um a prévia an im osidade entre réu e vítima. Recurso especial provido". (STJ, 5a Turma, REsp 955.903/SE, Rei. Min. Felix Fischer, j. 23/08/2007, DJ 12/11/2007 p. 293).

STJ:"(...) C om p ete

ao Tribunal d o Júri, conform e dis­

posto na Constituição da República, o julgam e nto do s crim es d o lo so s contra a vida e todas as suas circuns­ tâncias. Na espécie, tendo o juiz singular pronunciado os réus pelo crime de hom icídio qualificado (art. 121, § 2°, II, III e IV, d o CP), não cabe ao Tribunal a qu o afastar a qualificadora d o m eio que impossibilitou a defesa da vítima sob o fundam ento de que a mera superioridade

8. Infrações conexas: ao pronunciar o acu­ sado, deve o magistrado se ater à imputação pertinente ao crim e doloso contra a vida, abstendo-se de fazer qualquer análise em re­ lação à infração conexa, que deve seguir a mesma sorte que a imputação principal. Logo, se o magistrado entender que há prova da existência de crime doloso contra a vida e indícios suficientes de autoria, deverá pro­ nunciar o acusado pela prática do referido delito, situação em que a infração conexa será automaticamente remetida à análise do Júri, haja ou não prova da materialidade, presentes (ou não) indícios suficientes de autoria ou de participação. Não lhe é permitido pronunciar o acusado pelo crime doloso contra a vida e absolvê-lo ou impronunciá-lo pelo crime cone­

TÍTULO I • DO PROCESSO C O M U M

xo, ou proceder à desclassificação da infração conexa. Se assim o fizesse, estaria usurpando do Tribunal do Júri sua competência para julgar ambos os delitos, em flagrante violação ao quanto disposto no art. 78, inciso I, do CPP, que prevê que ao Júri compete o julgamento das infrações conexas, salvo na hipótese de crimes militares e eleitorais. 9. Arbitramento de fiança pelo juiz sumariante por ocasião da pronúncia: antes do advento da Lei n. 12.403/11, a interpretação do art. 413, §2°, do CPP, gerava controvérsias. De fato, considerando-se que a prisão não funciona como efeito automático da pronúncia, e tendo em conta que, à época, a liberdade provisória era apenas uma medida de contracautela subs­ titutiva da prisão em flagrante, como se explicar que a fiança pudesse ser arbitrada por ocasião da pronúncia? Na verdade, o disposto no art. 413, §2°, do CPP, era justificado sob o argumen­ to de que, à época, a prisão em flagrante era compreendida como modalidade autônoma de custódia cautelar, podendo justificar, de per si, a manutenção do indivíduo no cárcere durante todo o curso do processo, independentemente de sua conversão em prisão preventiva no m o­ mento da análise da homologação do auto de prisão em flagrante. Assim, como era possível que o acusado permanecesse preso durante todo o processo pelo fato de ter sido preso em flagrante, sem que fosse obrigatória a análise da presença dos pressupostos que autorizam a preventiva, compreendia-se o dispositivo no art. 413, §2°, do CPP, como a possibilidade de se conceder liberdade provisória com fiança àquele que permanecera preso em flagrante até o momento da pronúncia em virtude do desaparecimento àopericulum libertatis. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, todavia, essa possibilidade de alguém permanecer preso em flagrante até o momento da pronúncia che­ ga ao fim. De fato, o art. 310 do CPP deixa claro que, ao receber 0 auto de prisão em flagrante, se o juiz entender que há necessidade de manter a prisão cautelar do flagranteado, impõe-se a conversão da prisão em flagrante em preventiva (ou temporária), devendo, para tanto, apontar a presença dos pressupostos dos arts. 312 e 313 do CPP (ou da Lei n. 7.960/89). Destarte, ainda

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que a persecução penal em relação a crime doloso contra a vida tenha tido início a partir de prisão em flagrante, a manutenção do agente no cárcere estará condicionada à demonstração da presença dos pressupostos que autorizam a preventiva, ex vi do art. 310, inciso II, do CPP. Isso, no entanto, não significa dizer que o art. 413, §2°, do CPP, tenha sido tacitamente revo­ gado. De modo algum. Deveras, apreendida a ideia de que, por força da Lei n. 12.403/11, a liberdade provisória, com ou sem fiança, também passa a funcionar como medida cau­ telar autônoma, independentemente de prévia prisão em flagrante, é fácil deduzir que, por ocasião da pronúncia, é perfeitamente possível que o magistrado arbitre determinado valor para a concessão ou manutenção da liberdade provisória, de modo a assegurar o comparecimento do agente aos demais atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judi­ cial (CPP, art. 319, VIII). Em outras palavras, ao proferir a decisão de pronúncia, é perfeitamente possível o arbitramento da fiança, seja como substitutivo de anterior prisão preventiva, seja como medida cautelar autônoma para aquele que estava em liberdade plena, quando o juiz entender que referida medida cautelar diversa da prisão é necessária e suficiente para produzir o mesmo resultado que o cárcere ad custodiam, porém com menor sacrifício à liberdade de locomoção do agente. 10. Decretação da prisão preventiva ou im posição de m edidas cautelares diver­ sas da prisão por ocasião da pronúncia: a prisão como efeito automático da pronúncia encontra-se revogada pela Lei n. 11.689/08. A Lei n. 12.403/11, ao conferir nova redação ao art. 283, caput, do CPP, também reforçou esse entendimento. Por isso, o art. 413, §3°, do CPP, deve ser interpretado a partir de duas situações distintas: a) acusado em liberdade por ocasião da pronúncia: se o acusado per­ maneceu solto ao longo de toda a I a fase do procedimento do Júri, pouco importando se primário ou reincidente, portador de bons ou maus antecedentes, autor de crime hediondo ou não, significa dizer que o juiz entendeu não ser necessária sua prisão, seja por força da

Art. 414

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CPP COMENTADO •Renato B rasileiro de L ima

ausência de uma das hipóteses que autorizava a prisão preventiva (CPP, art. 312), seja por­ que as medidas cautelares diversas da prisão se mostraram adequadas e suficientes para tutelar a eficácia do processo. Não faz sentido, portanto, estabelecer como efeito automáti­ co da pronúncia seu recolhimento à prisão, sob pena de patente violação ao princípio da presunção da não culpabilidade. Assim, se o acusado estava solto por ocasião da pronúncia, deve permanecer solto, salvo se surgir alguma hipótese que autorize sua prisão preventiva; b) acusado preso por ocasião da pronúncia: se o acusado permaneceu preso durante a I a

fase do procedimento do Júri, isso significa dizer que o juiz entendeu que havia motivos que autorizavam sua prisão preventiva. Por­ tanto, não faria sentido que o acusado fosse colocado em liberdade. Nesse caso, o acusado deve permanecer preso. Porém, nessa hipótese, deve o juiz sumariante apontar na pronúncia a persistência dos motivos que justificam sua segregação cautelar. Desaparecendo o motivo que deu ensejo a sua segregação, o acusado há de ser posto em liberdade, cumulada, se houver necessidade, com as medidas cautelares diversas da prisão.

Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da exis­ tência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.1'2 *5 Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova.6'7 1. Impronúncia: a nova redação do art. 414 do CPP conferida pela Lei n. 11.689/08 é me­ lhor que a anterior. Isso porque, segundo a antiga redação do art. 409 do CPP, se o juiz não estivesse convencido da existência do crime ou de indício suficiente de autoria, deveria julgar improcedente a denúncia ou a queixa. Ora, como não há propriamente julgamento de mérito por ocasião da impronúncia, o ideal é não utilizar a expressão procedência ou improcedência. Em regra, a decisão de impronúncia é proferida após a apresentação das alegações orais pelas partes. Não obstante, é plenamente possível que referida decisão seja proferida em sede de juízo de retratação de RESE interposto contra a decisão de pronúncia (CPP, art. 581, IV ), ou, ainda, em julgamento pela 2a instân­ cia, quando o juízo ad quem der provimento a RESE interposto contra anterior decisão de pronúncia. 2. Natureza jurídica: apesar de tratada equi­ vocadamente como sentença no art. 416 do CPP, trata-se, a impronúncia, de decisão interlocutória mista terminativa. Decisão interlocutória, porque não aprecia o mérito para dizer se o acusado é culpado ou inocente; mista,

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porque põe fim a uma fase procedimental; e terminativa, porquanto acarreta a extinção do processo antes do final do procedimento. 3. Infração conexa: por ocasião da decisão a ser proferida ao final da primeira fase do pro­ cedimento do júri, deve o magistrado se ater à imputação referente ao crime doloso contra a vida. Logo, se o juiz entender que não há prova da materialidade ou indícios suficientes de autoria ou de participação em relação ao crime doloso contra a vida, impronunciando o acusado em relação a tal imputação, deve se abster de fazer qualquer análise no tocante à infração conexa. Com a preclusão da decisão de impronúncia, os autos deverão, então, ser encaminhados ao juízo competente, que terá competência para apreciar o crime conexo, caso não seja ele próprio o competente. 4. Recurso adequado contra a im pronún­ cia: apelação. Para mais detalhes acerca do assunto, vide comentários ao art. 416 do CPP. 5. Despronúncia: ocorre quando uma an­ terior decisão de pronúncia é transformada em impronúncia em virtude da interposição de um recurso em sentido estrito. Supon-

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do, assim, que o acusado seja pronunciado, e contra tal decisão seja interposto um RESE (CPP, art. 581, IV), a despronúncia estará ca­ racterizada se referida decisão for reformulada, transformando-se em impronúncia. Como o RESE admite o juízo de retratação (CPP, art. 589, caput), essa despronúncia pode ser feita tanto pelo juiz sumariante como pelo respectivo Tribunal. De todo modo, se o juiz sumariante reformar sua anterior de pronún­ cia, impronunciando o acusado, não é mais possível que a parte contrária recorra por sim­ ples petição (CPP, art. 589, parágrafo único). Isso porque, com as mudanças produzidas pela Lei n. 11.689/08, deixou de ser cabível RESE contra a impronúncia. Logo, se o juízo a quo despronunciar o acusado em sede de juízo de retratação, deverá a parte prejudicada interpor apelação, nos exatos termos do art. 416 do CPP.

6. Coisa ju lg a d a : se não há análise do mérito na impronúncia, forçoso é concluir que refe­ rida decisão só produz coisa julgada formal. Isso significa dizer que, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formu­ lada nova denúncia ou queixa se houver prova nova (CPP, art. 414, parágrafo único).

6 .1 . Im p ro n ú n c ia a b s o lu tó ria : antes do advento da Lei n. 11.689/08, era possível que a impronúncia fizesse coisa julgada formal e material, situação em que referida deci­ são era chamada de impronúncia absolutória. Explica-se: antes das mudanças produzidas pela reforma processual de 2008, só era pos­ sível a absolvição sumária nas hipóteses de excludentes da ilicitude e da culpabilidade. Logo, se restasse provada a inexistência do fato, a negativa de autoria ou de participação, bem como a atipicidade do fato delituoso, não era cabível a absolvição sumária. Tinha lugar, então, a impronúncia absolutória: como havia efetiva apreciação do mérito, referida decisão produzia coisa julgada formal e material, isto é, operando-se o trânsito em julgado dessa de­ cisão, era vedado o oferecimento de nova peça acusatória, ainda que surgissem provas novas contra o acusado. Com a vigência da Lei n. 11.689/08, essas três hipóteses - inexistência do fato, negativa de autoria ou de participação

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