Cárcere e fábrica: as origens do sistema penitenciário (séculos XVI-XIX)

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Coleção Pensamento Criminológico

Dario Melossi e Massimo Pavarini

Cárcere e fábrica As origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX)

Tradução Sérgio Lamarão

~

Instituto

Carioca de

Criminologia

Editora Revan

:Il!!!IiiSPensarnento

Criminológico Sumário Direção Prof. Dr. Nilo Batista

© 2006 Instituto Carioca de Criminologia

Prefácio à edição brasileira ............ ,............................................. 5

Rua Senador Dantas, 75 - Cob. 02 - Centro Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP 20031-204 Tel.: (5521) 2221-1663 Fax.: (5521) 2224-3265 Email:[email protected]

Apresentação .. .... .... .... ...... ....... ...... ........ .. ..... ..... ... .... .... .... .......... 11

Edição e distribuição Editora Revan S.A. Rua Paulo de Frontin, 163 Rio de Janeiro - RJ 20260-01 O tel. (21) 2502-7495 fax (21) 2273-6873 [email protected] www.revan.com.br Projeto gráfico Luiz Fernando Gerhardt Revisão Sylvia Moretzsohn Diagramação lida Nascimento

Melossi, Dario e Pavarini, Massimo. Cárcere e fábrica-As origens do sistema penitenciário (séculos XVI-XIX)-Dario Melossi e Massimo Pavarini. - Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2006. (Pensamento criminológico; v. 11). 2-ª-edição, agosto de 2010, !'reimpressão, setembro de 2014. 272p. Inclui bibliografia ISBN85-7106-335-4 1. Direito penal

Introdução . ... ... ... ... ... ... .. ... ... .... ..... ... ...... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ..... .... 19 Primeira parte - Dario Melossi A gênese da instituição carcerária moderna na Europa .................... 29 I. A criação da instituição carcerária moderna na Inglaterra e na Europa continental entre a segunda metade do século XVI e a primeira metade do século XIX ................................................. 31 1. "Bridewells" e "workhouses" na Inglaterra elisabetana ...... 33 , 2. A Rasp-huis de Amsterdã e a manufatura ..... ,................... 39 3. Gênese e desenvolvimento da instituição carcerária nos outros países da Europa ................................................. 48 4. Acontecimentos posteriores da instituição na experiência inglesa .......................................................... 60 5. A construção da moderna práxis carcerária na Europa continental entre o Iluminismo e a primeira metade do século XIX ....................................... 79 II.A gênese da instituição carcerária na Itália ................................ 101 1. Os séculos XVI e XVII ...................................... ...... ...... 103 2. O Século XVIII . ........ ............. ... ................... .. ............ ... 109 3. Do período napoleônico à situação pré-Unificação ........... 127 Segunda parte - Massimo Pavarini A invenção penitenciária: A experiência dos Estados Unidos na primeira metade do século XIX .............. ... ............................... 149 I. A era jacksoniana: desenvolvimento econômico, marginalidade e política do controle social ........................................................... 151

1. Propriedade imobiliária e instituição familiar na origem do controle social no período colonial ................................... 153 2. O quadro estrutural: de uma sociedade agrícola a uma economia industrial .... ... ....... ........... ......... ..... ..... ....... 166 a. O período pós revolucionário: processos de acumulação e economia mercantil . . . . . . ............... ........................ .. ..... 166 b. A decolagem industrial (1820-1860) ............................... 172 3. Processos desagregadores e a nova política do controle social: a hipótese institucional ........................................................ 177 4. O nascimento da penitenciária: de Walnut Street Jail à Auburn Prison .................................. 184 5. As formas da exploração e a política do trabalho carcerário ........................................... 192 II. A penitenciária como modelo da sociedade ideal ........................ 209 1. O cárcere como "fábrica de homens" ............................... 2. A dupla identidade: "criminoso-internado" e "não proprietário-internado" ............................................. 3. "The Penitentiary System": o novo modelo de poder disciplinar ......................................... 4. O produto da máquina penitenciária: o proletário ...............

211 212 217 231

Apêndice 1 A subordinação do ser institucionalizado (pesquisa na penitenciária de Filadélfia, outubro de 1831) ................. 237 Apêndice2 A soberania administrativa em regime de "silent system" (conversas com G. Barrett, B. C. Smith e E. Lynds) ....................... 249 III. Conclusões Razão contratual e necessidade disciplinar nas origens da pena privativa da liberdade ....................................... 259

Prefácio à edição brasileira

O livro Cárcere e fábrica - as origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX), de Dario Mel os si e Massimo Pavarini - composto de dois ensaios individuais independentes, mas com pressupostos metodológicos e objetivos científicos comuns, apresentados ao público brasileiro na excelente tradução de Sérgio Lamarão, historiador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc), da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro -, retoma uma linha de pesquisa aberta por Rusche e Kirchheimer em Punishment and Social Structure (1939), que demonstrou a relação mercado de trabalho/prisão e propôs a tese de que cada sistema de produção descobre o sistema de punição que corresponde às suas relações produtivas. Em Criminologia, essa linha de pesquisa é critica porque insere as questões do crime e do controle social na estrntura econômica e no sistema de poder político e jmidico das sociedades contemporâneas, pensadas com as categorias teóricas desenvolvidas pela tradição marxista, fundadas no conceito de modo de produção da vida social, que exprime a integração das forças produtivas materiais em detenninadas relações de produção históricas, nas quais se manifesta a luta de classes da formação social capitalista. Nessa perspectiva, o ensaio de Dario Melossi (Cárcere e trabalho na · Europa e na Itália, no período de formação do modo de prod11ção capitalista) define a relação capital/trabalho assalariado como a clave para compreender a instituição carcerária, elegendo a formação do proletariado - o aspecto sübordinado das relações de produção capitalistas - como objeto do interesse científico da pesquisa: expropriados dos meios de produção e expulsos do campo - o violento processo de acumulação primitiva do capital nos séculos XV e XVI-, os camponeses se concentram nas cidades, onde a insuficiente absorção de mão-de-obra pela manufatura e a inadaptação à disciplina do trabalho assalariado originam a formação de massas de desocupados urbanos. O estudo mostra a população de mendigos, vagabundos, ladrões e outros delinqüentes dos centros urbanos - então conhecidos como as classes perigosas -, produtos necessários de determinações estruturais, 1nas interpretados como expressão individual de atitudes defeituosas, tangidos para as workhouses - uma invenção do século XVI para resolver problemas 5

de exclusão social da gênese do capitalismo. A transformação do castelo de Bridewell (Londres) em casa de trabalho forçado de camponeses expropriados, com a finalidade de disciplina para o trabalho assalariado na manufatura, é emblemática da política de controle das massas marginalizadas do mercado de trabalho, sem função na reprodução do capital - mas obrigadas a aceit~r empregos por salários miseráveis para evitar a internação nas workhouses. No início do século XVII, a estrutura celular do aparelho carcerário de Rasp-huis (Amsterdã) seria o modelo de disciplina da força de trabalho ociosa formada por camponeses expropriados dos meios de subsistência material, em toda Europa continental: raspar troncos de paubrasil para produzir tintura com o pó da serradura - nossa involuntária contribuição para o sistema penal moderno -, além de disciplina para o trabalho assalariado, cumpriria funções de prevenção especial e geral, segundo o princípio de menor elegibilidade, pelo qual a eficácia da prisão pressupõe condições carcerárias piores do que as condições do trabalho livre - outra descoberta de Rusche e Kirchheimer. Definir a disciplina da força de trabalho pela instituição carcerária, primeiro para a manufatura, depois para a fábrica, reforçando o trabalho da fann1ia, da escola e de outras instituições sociais, é um dos grandes méritos do texto de Melossi. Na sociedade de produção de mercadorias, a reprodução ampliada do capital pela expropriação de mais-valia da força· de trabalho - a energia produtiva capaz de produzir valor superior ao seu valor de troca (salário), como ensina Marx-, pressupõe o controle da classe trabalhadora: na fábrica, instituição fundamental da estrutura social, a coação das necessidades econômicas submete a força de trabalho à autoridade do capitalista; fora da fábrica, os trabalhadores marginalizados do mercado de trabalho e do processo de consumo - a chamada superpopulação relativa, sell\ utilidade direta na reprodução do capital, mas necessária para manter os salários em níveis adequados para valorização do capital -, são controlados pelo cárcere, que realiza o papel de instituição auxiliar da fábrica. Assim, a disciplina como política de coerção para produzir sujeitos dóceis e úteis, na formulação de Foucault, descobre suas determinações materiais na relação capital/trabalho assalariado, porque existe como adestramento da força de trabalho para reproduzir o capital, processo definido por Dario Melossi como fenômeno de economia política - e não simples investimento do corpo por relações de poder, na linguagem de Foucault. A segunda parte do livro é o ensaio de Massimo Pavaríni ("A invenção penitenciária: a experiência dos EUA na primeira metade do século XIX"), 6

que situa o nascimento da moderna penitenciária na transição da prisão de Walnut Street, em Filadélfia (1790) para a prisão de Auburn, em Nova York (1819), origem dos modelos de penitenciária de Filadélfia e de Auburn, éoncebidos corno instituições de controle social da sociedade capitalista mais desenvolvida da era moderna. O texto situa a gênese do modelo de Filadélfia na decadência das workhouses americanas, igualmente dedicadas à reclusão de pequenos delinqüentes, vagabundos, devedores e pobres em geral - afinal, também nos United States of America ser pobre é crime, como disse Disraeli sobre a Inglaterra: a crise das workhouses americanas seria desencadeada pela produção manufatureira, que reduziu as casas de trabalho a instituições de terror, com trabalho manual repetitivo e sem função de adestramento da força de trabalho encarcerada. A pesquisa de Pavarini demonstra que o modelo de Filadélfia, criado pela inspiração religiosa Quaker, com celas de isolamento em forma panótica para oração, arrependimento e trabalho individual em manufaturas, é a solução para a crise da política de controle: os reduzidos custos administrativos da vigilância carcerária explicam sua rápida difusão nos EUA. Mas novas transformações estruturais da sociedade americana produzem nova crise: a natureza antieconômica do trabalho individual isolado e a impossibilidade do trabalho coletivo em condições de isolamento celular colocam o modelo de Filadélfia na contramão das mudanças do mercado de trabalho - e a solução da crise aparece no modelo de Auburn, mais tarde conhecido como o sistema penal americano, caracterizado pelo trabalho comum durante o dia, sob a lei do silêncio. A tese da dependência do sistema punitivo em face dos processos econômicos do mercado de trabalho reaparece nos parâmetros de execução penal do modelo de Auburn, orientados menos para a correção pessoal e mais para o trabalho produtivo; assim corno a manufatura produz o confinamento solitário do modelo de Filadélfia, a indústria engendra o trabalho coletivo do modelo de Auburn, com o silent system para isolar e controlar- abrindo novas possibilidades de exploração do trabalho carcerário por empresários privados. Mas o conluio do capital com a prisão para explorar o trabalho do preso também entra em crise, como mostra Pavarini: por um lado, a exploração destruidora da força de trabalho, o emprego do preso como força de trabalho escravo na agricultura sulista, a brutalidade dos castigos corporais por razões de ritmo de trabalho e o compromisso entre empresários e juízes de transformar penas curtas em penas longas de prisão 7

para maior extração de mais-valia; por outro lado, a luta de sindicatos e organizações operárias contra os custos inferiores e maior competitividade do trabalho carcerário (salários menores, ausência de tributos etc.) e as dificuldades de industrialização do aparelho carcerário em época de renovação tecnológica acelerada - tudo isso contribui para decretar o fim da prisão como empresa produtiva nos Estados Unidos da América, já no começo do século XX. Afinal, na definição de Pavarini, a penitenciária não é uma célula produtiva, mas uma fábrica de homens para transformar criminosos em proletários, ou uma máquina de niutação antropológica de sujeitos reais, agressivos e violentos, em sujeitos ideais, disciplinados e mecânicos, segundo Foucault. A tese do crinzinoso encarcerado como não-propn.etário encarcerado ilumina a tarefa do cárcere na sociedade burguesa, instituição coercitiva para transformar o criminoso não-proprietário no proletário não-perigoso, um sujeito de necessidades reais adaptado à disciplina do trabalho assalariado. Entre os aspectos comuns dos ensaios de Melossi e de Pavarini aparece a valorização do conceito de Pasukanis (A teoria geral do direito e o marxismo, 1929) da pena como retribuição equivalente da sociedade capitalista, no sentido de troca jurídica que realiza o princípio da igualdade do Direito, correspondente à troca de força de trabalho por salário no mercado de trabalho, que exprime a redução de toda riqueza social ao trabalho abstrato medido pelo tempo, o critério geral do valor na economia e no Direito. Assim, a pena como retribuição equivalente representaria o momento jurídico da igualdade formal, que oculta a submissão total da instituição carcerária, como aparelho disciplinar exaustivo para produzir sujeitos dóceis e úteis, que configura o cárcere como fábrica de proletários; por outro lado, o salário como retribuição equivalente do trabalho, na relação jurídica entre sujeitos "livres" e "iguais" no mercado, oculta a dependência substancial e a desigualdade real do processo de produção, em que a expropriação de mais-valia significa retribuição desigual e a subordinação do trabalhador ao capitalista significa dependência real, determinada pela coação das necessidades econômicas, que configuram a fábrica como cárcere do operário.

esqueceram o fracasso histórico da exploração lucrativa do trabalho carcerário e iniciaram novo programa de prisões/empresas: a indústria do encarceran1ento privado cresceu de 3.100 presos em 1987 para 276.000 presos em 2001, sob o sistema de fitll-scale management, de gestão total do estabelecimento penitenciário pela empresa privada, segundo Loic Wacquant, em A ascensão do Estado penal nos EUA.

Em poucas palavras, a relação cárcere/fábrica evoluiu para a sin1biose fábrica/cárcere, que fundiu essas instituições em uma unidade arquitetônica punitiva/produtiva, com a fábrica construída como cárcere, ou o cárcere erigido em forma de fábrica, a realização definitiva do ideal de exploração do trabalho pelo capital, na perspectiva da intuição de Pavarini: os detidos devem ser trabalhadores; os trabalhadores devem ser detidos. Curitiba, dezembro de 2004. Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos Professor de D.ireito Penal da Universidade Federal do Paraná Presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal (Curitiba, PR)

Todavia, o último capítulo da história da relação cárcere/fábrica ainda está Pílra ser escrito. A política americana de criminalização da pobreza, promovida pelo desmonte do Estado social e sua substituição pelo Estado penal - iniciada por Reagan e continuada por Bush (agora com apoio do exterminador.do futuro Schwarzenegger, governador da Califórnia) -, quintuplicou a população carcerária daquele país em vinte anos: de 500 mil presos em 1980 para 2,5 milhões em 2000. Governo e eleitorado americanos 8

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Apresentação Para o estudioso italiano que quer se aprofundar na pesquisa histórica sobre as origens das instituições penitenciárias, este é um momento certamente muito interessante. Em novembro de 1976, foi finalmente publicado na Itália o texto de Foucault Vigiar e punir. E hoje aparecem reunidos organicamente num volume dois ensaios importantes de Dario Melossi e Massimo Pavarini, um dedicado às relações entre cárcere e trabalho na Europa e na Itália, entre o século XVI e a primeira metade do século XIX, e o outro às experiências penitenciárias dos Estados Unidos da América, na primeira metade do século XIX.

O interesse, evidentemente, não é apenas histórico. Revisitar as origens do sistema penitenciário na Europa e nos Estados Unidos significa, na realidade, buscar as razões de fundo que explicam a crise do sistema carcerário nos dias de hoje e colocar-se o problema da homogeneidade entre as instituições carcerárias e os modelos econômicos e políticos da nossa sociedade. Não se pretende dizer com isso que a pesquisa histórica deva ter ou tenha sempre como fmalidade uma melhor compreensão do presente. Porém, tantos os ensaios de Melossi e de Pavarini quanto, embora de uma maneira diversa, a obra de Foucault, servem a essa finalidade, pois o método que utilizam fornece modelos de investigação suscetíveis de serem aplicados, em seus pressupostos de ordem geral, também a sociedades e períodos históricos diversos daqueles examinados. A reflexão sobre o presente é, pois, uma conseqüência obrigatória, o que atribui a essas pesquisas uma indiscutível atualidade. O dado comum - que se faz presente tanto na obra de Foucault quanto na extensa e em muitos aspectos original sistematização que Melossi e Pavarini fizeram de um material bibliográfico pouco conhecido ou até mesmo desconhecido na Itália - é a inversão de um certo modo de considerar o cárcere como uma instituição isolada e separada do contexto social. É bem verdade que o cárcere e as demais instituições de confmamento são locais fechados e por isso mesmo fisicamente isolados e separados da sociedade livre, porém essa separação é mais aparente que real, uma vez que o cárcere não faz mais do que propor ou levar ao paroxismo modelos de organização social ou econômicos que se deseja impor ou que já existem na sociedade. li

Foucault, de um lado, e Melossi e Pavarini, do outro, seguem posturas e métodos ideológicos muito diferentes para chegar a uma mesma conclusão, que pode ser considerada, desde já, como o ponto de partida da atual pesquisa histórica sobre as instituições penitenciárias. Para Foucault, o cárcere é o emblema do modelo de organização do poder disciplinar exercitado no contexto social de quem detém o próprio poder, um modelo que assume aspectos quase metafísicos e que perde, exatame~te devido à sua generalização e abstração, uma dimensão histórica precisa. E bem verdade que Foucault examina o nascimento da instituição carcerária e de outras instituições de confinamento a ela afins na França, no período compreendido entre o final do século XVIII e os primeiros anos do século XIX. Porém, o alcance que ele atribui à descoberta do modelo de organização penitenciária é tamanho que faz dele um esquema universal, que parece destinado a reproduzir-se sem modificações, malgrado as mudanças ocorridas na sociedade francesa dos primeiros anos dos Oitocentos até os dias de hoje. Em outras palavras, parece que a Foucault interessa mais a descoberta deste modelo de controle disciplinar e dos seus mecanismos abstratos de funcionamento do que as modalidades concretas de gestão do sistema penitenciário e dos outros instrumentos análogos de controle social (escola, hospital, hospício, quartel, fábrica etc.) no período histórico considerado. Por conta disso, não é de todo injustificado perguntar se os organogramas de controle disciplinar colocados em prática pela sociedade burguesa funcionaram efetivamente e que exigências concretas de poder, e não apenas de uma organização social abstrata, corresponderam a eles. Cabe perguntar, enfim, se foram alcançados os resultados que se propunha obter. Bem diferente é o método seguido por Melossi e Pavarini na individualização das conexões entre cárcere e organização econômica e política da sociedade. Aqui, a preocupação de situar o cárcere num contexto histórico preciso constitui 0 fio condutor da pesquisa; ao mesmo tempo, os autores procuram constantemente comparar os esquemas teórico-interpretativos que propõem para explicar primeiro a gênese e depois o desenvolvimento dos distintos sistemas

penitenciários e a incidência concreta que as instituições penitenciárias têm na organização econômica e social que estão analisando. Veremos como tampouco este método está isento de um certo mecanicismo, especialmente em relação àqueles períodos históricos e àquelas realidades nacionais, entre as quais a Itália, em que as hipóteses de trabalho e as tentativas de explicação propostas para outras situações encontram menor correspondência na realidade concreta. De todo modo, trata-se de uma 12

tribuição de grande valia, que estimula a análise das relações entre o cárcere diferentes situações socioeconômicas, bem como do papel que a instituição ,~ 1utemciária desempenha atualmente. Esse método de trabalho emerge com clareza desde as primeiras páginas texto de Melossi, "Cárcere e trabalho na Europa e na Itália no período da .fõ'tmação do modo de produção capitalista". Os bridewells e workhouses na ·fílglaterra elisabetana, da mesma forma que os rasp-huis de Amsterdam, são . enfocados e examinados à luz de precisas exigências econômicas e de :!liercado, numa visão que, ao menos no que concerne à bibliografia carcerária füiliana, é completamente nova. As origens do internamento compulsório na Inglaterra na segunda metade •do século XVI, para recolher ociosos, vagabundos, ladrões e autores de delitos i!e: menor importância, e submetê-los ao trabalho obrigatório e a uma rígida ·11isciplina, e a difusão, tendo como referência o primeiro experimento feito no · ·•castelo de Bridewell, de casas de correção em diversas partes da Inglaterra, são i"êlacionadas às hipóteses avançadas por Marx sobre a necessidade de enfrentar, cõm instrumentos repressivos, as grandes massas de ex-trabalhadores agrícolas . ede desenraizados que, em conseqüência da crise irreversível do sistema feudal, ãfluem para a cidade e não podem ser absorvidas pela nascente manufatura . d()m a mesma rapidez com que abandonam os campos. Mas na realidade, nesta :fíümeira fase a segregação não se deve tanto a exigências de destrnição ou de êliminação física, mas sim à utilização de força de trabalho e, mais ainda, à · "nê~essidade de se adestrar para o trabalho manufatureiro os ex-camponeses .Yque se recusam a se submeter aos novos mecanismos de produção. Este processo é seguido, de maneira mais analítica, nas casas de trabalho .. holandesas da primeira metade dos Seiscentos. Da organização dessas casas de ·'trabalho emerge, de forma particularmente evidente, que o seu propósito era o · "áprendizado forçado da disciplina da fábrica. Demonstra-se, com toda a 'objetividade, que esta finalidade prevaleceu sobre o controle do mercado de ttabálho, não fosse por outro motivo senão pela importância relativamente limitada que essas instituições tiveram naquele período histórico. A precisão é importante porque, quando se cede a uma excessiva Supervalorização e generalização do fenômeno, corre-se o risco, uma vez encontrada uma fórmula interpretativa, de se estender o seu alcance até aplicála mecanicamente a situações em que o cárcere, ou casa de trabalho ou o que quer que seja, tenha urna dimensão tão reduzida a ponto de não ser possível átribuir-lhe nenhuma função real de controle social ou alguma incidência sobre o mercado de oferta e demanda de trabalho. 13

Devemos ser ainda mais cautelosos quando nos deparamos com afirmações do tipo "o segredo das workhouses ou das rasp-huis ( ... ).consiste em representar, em termos ideais, a concepção burguesa da vida e da sociedade, em preparar os homens, em particular os pobres, os proletários, a aceitar uma ordem e uma disciplina que os tomem dóceis instrumentos da exploração", ou quando se afirma tout court - é esta a con.c~usão a que chegam Rusche e Kirchheimer - que "a primeira forma de pnsao moderna está( ... ) estreitamente ligada às casas de correção-manufaturas". Proceder desse modo significa atribuir à nascente burguesia manufatureira e à sua organização social uma importância e uma capacidade que, na realidade, permanecem confinadas a experiências certamente emblemáticas, mas de circunscrito alcance quantitativo e territorial. A relação entre o cárcere e o mercado de trabalho, entre confinamento e adestramento à disciplina da fábrica não pode, após os resultados da pesquisa de Melossi e Pavarini, ser colocada em questão, mas ao lado desta lógica economieista existem provavelmente outras, que não constituem simplesmente coberturas ideológicas ou justificativas moralistas. A chave para uma reconstrução da função global desenvolvida pelas instituições segregacionistas no longo período da sua gestação, que se estende do século XVI ao século XVIII, deve ser buscada numa abordagem que também leve em conta outros componentes, certamente contraditórios e menos racionais, que encontramos nas atuais instituições penitenciárias e que abarcam uma vasta esfera de motivações, às vezes abertamente mistificadoras, mas às vezes reais, que vão desde as exigências de defesa social até o mito da recuperação e da reeducação do desviante, desde o castigo punitivo como um fim em si mesmo até os modelos utópicos de perfeitos microcosmos disciplinares. É certo, porém, que a análise interpretativa que des(.lf!rrcerário 1, ninguém colocara com bastante clareza um problema que nos · ''.i•·,'~~ecia cada vez mais crucial: por que o cárcere? Por que motivo, em todas ·.0~~sociedades industrialmente desenvolvidas, essa instituição cumpre, de modo ·. . ~t~dominante, a função punitiva, a ponto de cárcere e pena serem considerados s R. B.Pugh, Imprisonment in Medioeval England, Cambridge, 1970. 21

é, em seguimento a uma ação arbitrária de uma das partes ( ... ) a · pena, portarto, atua como equivalente que equilibra o dano sofrido pela vítima . A passagem da vingança privada à pena como retribuição, isto é, a passagem de um fenômeno quase "biológico" a categoria jurídica impõe, como pressuposto necessário, o domínio cultural do conceito de equivalente, medido como troca de valores. A pena medieval certamente conserva esta natureza de equivalente, mesmo quando o conceito de retribuição não é mais diretamente conectado ao dano sofrido pela vítima do delito, mas sim com a ofensa a Deus. Por isso, a pena adquire cada vez mais o sentido de expiatio, de castigo divino. Essa natureza um tanto híbrida - retributio e expiatio - da sanção penal na época feudal não pode, por definição, encontrar no cárcere, ou seja, na privação de um quantum de liberdade, sua própria execução. Com efeito, no que concerne à natureza de equivalente, Para que pudesse aflorar a idéia da possibilidade de expiar o delito com um quantum de liberdade abstratamente predeterminado, era necessário q· ue todas as formas da riqueza fossem • reduzidas à forma 7 mais simples e abstrata do trabalho humano medido no tempo . Por conseguinte, na presença de um sistema socioeconômico como o feudal, no qual ainda não se historicizara completamente a idéia do "trabalho humano medido no tempo" (leia-se, trabalho assalariado), a pena-retribuição, como troca medida pelo valor, não estava em condições de encontrar na privação do tempo o equivalente do delito. O equivalente do dano produzido pelo delito se realizava, ao contrário, na privação daqueles bens socialmente considerados como valores: a vida, a integridade física1 o dinheiro, a perda de status. Pelo lado da natureza da expiatio (vingança, castigo divino), a pena só podia esgotar-se numa finalidade meramente satisfatória. Através da pena se operava, assim, a perda do medo coletivo do contágio, provocado originariamente pela violação do preceito. Nesse sentido, o juízo sobre o crime e o criminoso não se fazia tanto para defender os interesses

6 E. B.Pasukanis, La teoria generale del diritto e il marxismo, Bari, 1975, pp. 177178 (N. do T.: edição brasileira A teoria geral do direito e o marxismo. Rio de

Janeiro, Renovar, 1989). 7 Ibidem, p. 189. 22

eretamente ameaçados pelo ato ilícito cometido, mas sim para evitar (veis - porém não previsíveis e por isso socialmente fora de controle é.itos negativos que pudessem ter estimulado o crime cometido. Daí derivava \i·~J/~necessidade de reprimir o transgressor, porque só deste modo se poderia . roubo nos campos, das revoltas camponesas e, nas cidades, dos primórdios· '.;íl~- um confront~ de classe. Embora a violência ainda exerça um papel deter. · ante na gestao, por parte do poder monárquico-burguês, das classes subal0 as, o mundo a ser construído deverá lançar mão, de forma cada vez mais (~~~pcional, desse recurso. Essa "liberdade" do trabalhador será expressa pelo '. corresponde perfei~amente à situação das obras numa soc1edad: na qual elas nao>

Depois de ter proclamado a vontade divina do isolamento humano, Lutero escenta: "Porém, quando se sublevam, quando se unem aos outms, quando nfurecem e sacam a espada, aos olhos de Deus eles são merecedores de denação e de morte"66 • Aqui, Lutero não apenas define a prática penal 1do seu tempo (se o "cárcere" é para todos, é justo que o pobre, exatamente lo fato de ser pobre, acabe no cárcere; e se se rebela, que o enforquem, o e efetivamente acontecia), como também toma posição contra aquele · vimento que as suas próprias palavras ajudaram a fazer nascer- a revolta camponeses. Revolta que aparece, nas palavras do seu líder Thomas tintzer, como a rebelião dos expropriados contra o processo multiforme

são mais produzidas imediatamente para o consumo (como na sociedade camponesa),_,_ mas sim para 0 mercado, para a troca (aí reside a diferença e~tre valor de uso e valor> de troca): a obra não vale por aquilo que ela é, mas por aquilo que po~e representar (para a religião do capital, não há grande diferença entre acun1ulaçao e graça).

,.~'An ideal house of terror", ver adiante item 4, nota 105. Martin Lutero, op. cit., p. 566 (o itálico é meu).

62

Michel Foucault, Storia della follia, Milão, 1963 (N. do T.: edição brasileira :

História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1987).

Cf. Max Weber, op. cit., pp. 259 ss, e Herbert Marcuse, op. cit., pp. 27-31. 64 Como Karl Marx vai esclarecer esplendidamente, esta desvalorização do signifi~ado--,­ 63

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. .d M rx como "acumulação primitiva","_: acima descnl'to e {ute foi ad;!~~li~:::su~e um significado político, que vai: Com a revo ta coe iva, do banditismo e é muito 0 bem além da resposta ime~iat~ do furto ~:~:~~ Müntzer, é d1aríssima.' mais perigoso. A consc1en.crn, nas pa Referindo-se a Lutero, ele afirma: , . livro do con1ércio diz-se continuamente_ que os pnn~1pes_ ( ... ) no d "'l mente entre os ladroes e os bandidos, devem poder an ar tranqm a . ( ) d' 1 e' a origem de todos os furtos e da~ rapma ... 0 Mas nao se iz qua . .iores usurar10 , . s , ladrões e bandidos são os nossos pnnc1pes, que ~ ~ ds >, P . t Os peixes da agua, os passaras a oderam de tudo o que ex1s e. . o! P d (! , s V) E depois têm a coragem de ensmar ar, tudo deve ser e1es saia · en uanto eles' nto de Deus - nao roubar -, q ,. andame b aosporesom d d · •' -o obedecem a este mandamento. Devastam tu o, espoJ,am, mesmos na · -< e sangram o pobre camponês, o artesão e todos os seres vivos .

1

Esta rebelião é para Lutero a coisa mais grave. Citando Lutero, Marcus afirma: . - o1en e dem ao chefe ' que pode e O bandid.o e o assassino nao . - puni-los "

Portanto abre a possibilidade do castigo, mas a sediçao ataca t.:.· · - apenas uma cer ró rio 'castigo" e, por conseguinte, ataca nao . ~arie da ordem vigente, mas sim esta ordem em s1 mesma,. que s. baseia essencialmente na possibili?ade do seu poder pumt1vo, n reconhecimento da sua autoridade . Ao longo de todo o período das monarquias absolutas, aumelntarat . t t' ue comportavam, gera men continuamente os crimina lesae ni~ies a is, q .b.rd d de "correção" a ena ca ital; para estes, não havia nenhuma po~si i i a e_

p

top a rebelião se expressa numa simples madaptaçao, mesmo qu

:;a~~~~s relações sociais dominantes, a domesticação, alcançada na base d . p. 35 (3) . É sintomático como Em Herbert Marcuse, op. clf., d os estratos . m "osocia pob indicados por Müntzer como vítimas dos prílnecsipqeuse pp:~!:i::~f:;r:m de fo " - " 1· sto é exatamente aque . •. _ . da transformação em proletar1ad carnpones, o artesao ' 0 mais dura o peso da expropnaçao, ~~epo1~ ver o clássico de Friedrich Enge Sobre a revolta 4os c~n:~oneses na. ~man (N. do T.: edição brasileira: La guerra dei contadtnt in Gennan1a, orna, 949.. 1977) uerras canlponesas na Alemanha. São Paulo: Grtjalbo, . . g . 36 Este autor faz referência a Lutero, op. cit., p 68 Herbert Marcuse, op. cu., p. . " . base da teoria pe - estara, pre sente , em essenc1a , na 522-524. Esta concepçao . 67

ªi

hegeliana.

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momento), porém, se a rebelião se dirige- ainda que sob formas mistificadas, 'f;:-:,:não claras - contra as próprias relações sociais, contra a autoridade, é evidente que não há nada a fazer. Quem se revoltou contra a própria disciplina, não contra alguma aplicação particular dela, não é passível de correção: · ·:-inerece a morte.

· .·. e

o exemplo da casa de trabalho de Amsterdã foi seguido em muitas outras . ·eidades européias, especialmente de língua alemã 69• Também aqui a expansão i da experiência advém, não por acaso, daquelas regiões onde já havia um grande desenvolvimento de tipo mercantil-capitalista, ou seja, nas cidades da Liga Hanseática (as Zuchthiiuse), em Lubeck e Bremen (1613), Hamburgo (1622), Dantzig (1630). Uma outra região na qual a casa de trabalho se '

77

Ver G. Rusche e O. Kirchheimer, op. cit., p. 48.

78 \_

Ver item 5 e parte II desta pesquisa sobre a Itália. G. Rusche e O. Kirchheimer oncluem que o "fato de ambas as doutrinas religiosas, a velha e a nova, Col~b~rarem para º. dese~~olvimento da nova instituição leva a pensar que as -pos1çoe: p~ramente 1deolog1cas representaram motivações secundárias em relação ~! ec_onom1cas com_o forças causadoras de toda esta mudança" (op. cit., p. 52). Ibidem, p. 43; Mtchel Foucault, Storia dei/a /o/lia, cit., p. 85 e pp. 95 ss .

59

À medida , , · que a produção~ capitalista avança ' desenvolve- seu mac1asse operana que por educaçao, tradição e hábito reconhece com t . 'b · · " · ona ura1s e o vias as modo de produção. A orgamzaçao . - do d exigencias - daquele . processo · - · e produçao capitalista desenvolvido quebra toda e qua1quer resistencia; _ relativa . , .a constante produção de uma superpopu 1açao , . mantem a lei. da oferta e da procura de trabalho, e portanto o salano d entro . - do . . d e tnlhos _ que . convêm às necessidad es d e va lonzaçao 1' a coerçao silenciosa das relações econo' . capita 1 d d · m1cas co oca 0 selo ba ommaçao d d do capitalista sobre o operário . C on t"inua-se a usar e, em ver ' · a1 e, a força extra-econômica • im e d"Ia t a, mas apenas excepc1ona mente. Para curso usual da . , , , , 0 8 ,,, · , " . coisas, e passivei confiar o operaria as le1s naturais da produção" • 18 . to e. ,, a , sua dependenc1a " . d · o capital, que nasce das inesmas condições da prod uçao, e que e, .d 85 garan ti a e perpetuada por essas leis .

aprendizado de uma disciplina, visto como punição. Como observa Foucault: ·.• O internamento é assim justificado duplamente, num equívoco indissociável, a título de benefício e a título de punição. É ao mesmo tempo•• recompensa e castigo, dependendo do valor moral daqueles a quem se• impõe. Até o final da época clássica, o uso do internamento será pri- · sioneiro deste equívoco; terá a estranha reversibilidade que a faz mudar 80 de significado de acordo com o mérito daquele ao qual se aplica •

Neste período, na passagem do século XVII para o século XVIII, uma grande sensibilidade invade o mundo católico no que concerne aos problemas do objeto concreto da pena. Num texto do final dos Seiscentos, publicado postumamente em 1724, o padre beneditino francês Jean Mabillon, reconsiderando a experiência punitiva de tipo carcerário que fazia parte dó próprio direito penal canônico, formula uma série de considerações qu antecipam, em várias décadas, algumas das assertivas típicas do Iluminismo sobre a questão penal. A proporcionalidade da pena ao delito cometido e força física e espiritual do réu e o problema da reintegração na comunidade 81 encontram em Mabillon um dos seus primeiros defensores .

a

4. Acontecimentos posteriores da instituição na experiência inglesa A casa de trabalho é uma das manifestações típicas do modo pelo qual os Estados das jovens monarquias nacionais, na época do mercantilismo, apóiaIIJ:. o desenvolvimento de um capital ainda incerto, inseguro, que necessitava de proteção e de privilégios. O nascente modo de produção capitalista te . • necessidade "do poder do Estado, violência concentrada e organizada sociedade" 82 , não apenas em relação ao proletariado, "para' regular' o salár' , (... ) para prolongar a jomada de trabalho e para manter1o próprio operári num grau normal de dependência" 83 , mas também nas relações entre Estad 84 e Estado e, de modo ainda mais evidente, em relação às colônias • Todavia, "" Michel Foucault, Storia della follia, cit., pp. 98-99. Ver G. Rusche e O. Kirchheimer, op cit., pp. 69 ss.; Jean Marbillon, "Reflexio sur les prisons des ordres religieux", in Ouvrages Posthu111es de D. Jean Mabillo si

et de D. Thierri Ruinart... , Paris, 1724, pp. 321-335, publicado em inglês em T. Sellin, "Dom Jean Mabillon - A Prison Reformer of the Seventeenth Century", in Joun1al of An1erican lnstitute of Crinlinal la\V and Crin1inology, XVII (1926-27)

pp.581-602. " Karl Marx, Il Capita/e, cit., !, 3, p. 196. "Ibidem, p. 219 e cap. XXV, pp. 225 ss. 84 Ibidem, p. 210. 60

~ão se pod~ria expressar de maneira mais clara e sintética o desenólv1mento particular da ,relação de classe ' entre o século XVIII e a pnme1ra .· . , 1 E com base nela que d . . tade .do secu o XIX. . evem ser compreendidos os lugar na casa de corre çao _ na I ng 1ate1rn, naquela .ontec1mentos d 1 que d tiveram . . em suas analises , . açao-mo e o as ongens do capital ' que Marx pnv1 . ·1 eg1a

todo o século XVII e .boa pmte do s,ecu10 XVIII , um dos problemas· 'Durante . s ~raves e~frentados pelo capital foi o da escassez de força de trabalho engo continuam , com ente sub"~acente do possível aumento do nível de salários" problema nao se apresenta, contudo, com a mesma gravidade dos . . . d , l XVI pnmeiros os o secu o ~ 1, quer porque já estava começando a ocorrer um certo .rementa demografico, quer porque o processo de expulsão e de expropria ão . nifi1cat1va ·s estratos · r· · camponeses estava em pleno andamento·N·ao obstante, e, s1g ns1s encia com que se pede o uso de trabalho forçado" O mod d d "t l" · · o e pro uçao de um longo período de te . . .. p1 a 1sta necessita . . mpo para terminar de destrmr . 1 ~que a capacidade residual de resistência do proletariado qu tinh . velho modo de produção. ' e a ongem no

~

Qu~nto mais _avanç~ a expropriação, menor é a possibilidade de defesa para uem e exprop~ad?. ~ a_pe~as com a extensão do mercado que a economia amponesa de subs1stencia e gradativamente destruída" · N"ao causa surpresa, '"'Ibidem, pp. 196 ss. 5 :} · Ver

Maurice Dobb, op.cit., pp. 26& ss.

·ª7 Jbiden1.

''"Ibidem, p. 264. 61

portanto, que a lei dos pobres baixada pela rainh~ Elisabeth tenha.sido ~vo de tantas acusações. Na verdade, críticas e ataques sao dmg~dos ~ontmuadam~nte contra o sistema elisabetano de relief até que, em 1834, 1medrntamente apos a assunção formal do poder por parte da burguesia, a nova Poor Law não acolher~ as solicitações tantas e tantas vezes encarrunhadas. A Old Poor Law - como e normalmente chamado o conjunto de disposições examinadas e promulgadas . entre 1572 e 1601 - havia transformado o sistema da caridade privada em caridade pública e tinha também imposto a obrigação, para as comunidades locais de fornecer trabalho aos pobres em condições de trabalhar. Entretanto, o. lado ~ssistencial prevalecia na prática sobre o lado do trabalho e na opinião unânime de seus críticos a lei tendia a reduzir a quantidade de força de trabalho disponível e, por isso, mantinha os saláiios acima do nível que teria sido possível:, sem o relief systen1. Esta vergonha dos altos salários pagos aos artesãos deve-se, na Inglaterra, ao ócio de um número muito grande de pessoas que pertencem a essas condições sociais. Por isso, os industriosos e os que têm vontade de trabalhar se fazem pagar com aquilo que julgam merecer. Mas se o~· trabalho, esses homens serão obrigados\ Pobres forem encaminhados ao 89 a abaixar as suas tarifas (... ) . Um coro unânime de vozes se levanta para decantar os efeitos benéfico~· de uma utilização mais ampla e tendencialmente exclusiva das workhouses"'. Um primeiro resultado é alcançado com o Workhou~e ~u General A=t d 1722-1723, com o qual se permitiu a um grupo de paroqmas a construçao. d casas de trabalho para nelas alojar todos aqueles que requeressem algum l!p de assistência". Como observa Marshall, as disposições da Old Poor La eram, em grande parte, impotentes diante de um desemprego cujas origen eram estruturais 92 ; não havia capitais suficientes para dàr trabalho a todos o pobres e as casas de correção que deveriam ter sido construídas eram, s9 Citado em T. E. Gregory, "The Economics of Employrnent in England, 1669' 1713'', in Econonlica, 1921, 1, p. 44. Para urna resenha das posições sobre est tema, ver R. Bendix, Work and Authority in Industry, Nova Iorque-Lond~es, 1?56 pp. 60 ss.: é interessante o texto de D. Defoe, "Giving Alms No Chanty", tn Select Collection of Scarce and Valuable Econonlic Tracts, Londres, .1859, p. 4 o volume de Bendix é bastante interessante para toda a política social inglesa d6,:_,,

séculos XVI ao XIX (primeira parte, cap. II). 'ºVer F. M. Eden, op. cit., pp. 25 ss. "Ver J. D. Marshall, The Old Poor Law 1795-1834, Londres, 1968, p. 14. 92 Ibiden1, p. 15. 62

acordo com a Old Poor Law, em número muito menor do que o daquelas •· · efetivamente construídas". Como afirma um texto da época, mesmo aqueles condenados ao açoite e ao desterro, por serem considerados vagabundos e ociosos, maldiziam abertamente os magistrados por não serem capazes de garantir-lhes trabalho". E tudo isso acontecia num período marcado por uma relativa escassez de força de trabalho. É muito difícil distinguir o desenvolvimento da casa de correção propriamente dita do da workhouse para pobres ou poorhouse. Como já se esclareceu anteriormente, por outro lado essa distinção não estava incluída na Old Poor Law, que só afirmava que a casa de correção a ser construída em cada paróquia devia se destinar a desempregados, vagabundos, ladrões etc. Por um certo lapso de tempo, o sistema funcionou, mas pouco a pouco foi se deteriorando. O trabalho nas casas de correção começou a rarear e recomeçou-se a punir os vagabundos com o açoite e com o ferro em brasa, preferencialmente ao internamento. No entanto, a prática da casa de correção fez com que cada vez mais comumente a punição fosse do tipo detentivo e esta absorveu, pouco a pouco, a antiga gaol, a prisão de custódia. Ainda que formalmente a diferença entre gaol e bridewell tenha sido eliminada apenas em 1865, com o Prison Act, em 1720 já era possível condenar os responsáveis por delitos menores a qualquer uma das duas instituições, com base em critérios totalmente discricionários. Desde então, fü~qü,ernten1er1te, a instituição penal, a bridewell, confundia-se com a casa de trabalho para os pobres, dividida apenas formalmente por ela como uma das suas seções, ou vice-versa95 . Havia, sem dúvida, e como já foi visto, uma contínua pressão para "pôr os pobres para trabalhar" e foram feitas tentativas nessa direção com muita freqüência em todo esse período; concomitantemente, a cada vez maior afinidade da casa de correção com o velho cárcere de custódia faz a instituição penal, ao menos na Inglaterra, retomar ao período da Idade Média tardia, no que diz respeito ao regime interno%. O trabalho desapareceu completamente da prisão, voltou-se à prática funesta do lucro privado do guarda, desapareceu todo e qualquer tipo de classificação e de diferenciação, por mais grosseira que pudesse ter sido

93

Ver F. M. Eden, op. cit., pp. 25, 34-35. Ibidem, p. 27. "Ver S. e B. Webb, op. cit., pp. 15-17; L. W. W. Fox, The Modem English Prison, 1934, p. 3; Max Grünhut, op. cit., p. 17. 96 Sobre o que se segue, ver S. e B. Webb, op. cit., pp. 18 ss. 94

63

praticada antes. As seções femininas do cárcere se transformaram em bordéis regidos pelos carcereiros. Foi essa situação que provocou a intervenção e os escritos dos reformadores da segunda metade do século XVIII, situação sinistramente representada pelo flagelo da gaol fever, que matava quase a quinta parte dos presos anualmente, não poupando às vezes nem mesmo: juízes, guardas, testemunhas e todo o aparato que de um modo ou de outro;: tinha relação com o cárcere. A tendência histórica que não muda - ao contrário,. é consolidada e afirmada nesse período - é a substituição das velhas penas' corporais e de morte pela detenção. Uma detenção, todavia, cada vez mais' inútil e dolorosa para os internos. A raiz dessa progressiva decadência deve ser buscada nas grande transformações ocorridas na segunda metade do século XVIII. Uma excep\ cional aceleração do ritmo do desenvolvimento econômico, o fenômeno da. Revolução Industrial97 , rompe com todos os tradicionais equilíbrios sociais precedentes. Uma repentina inclinação da curva do crescimento demográfic juntamente com a introdução das máquinas e a passagem do sistem manufatureiro para o sistema de fábrica propriamente dito, servem para assinalar contemporaneamente a idade de ouro do jovem capitalismo, acompanhado pelo período mais escuro da história do proletariado. A incrível aceleração d penetração do capital no campo e, concomitantemente, a expulsão da class camponesa, em especial através dos bills for inclosures of commons, as lei& para o cercamento das terras comunais98 , contribui para levar ao mercado de· trabalho uma oferta de mão-de-obra sem precedentes. Um novo período de/ grande compressão dos salários se estende na Inglaterra de 1760 aproximadamente 1815. Os fenômenos do urbanismo, do pauperismo e da "criminalidade" crescem numa intensidade até então desconhecida. A "silenciosa ~oação das relações sociais" substitui a violência do regulamento. Ingressa-se na era do liberalismo, quando o capital, agora capaz de caminhar sobre suas próprias pernas, proclama.·· se orgulhosamente seguro de si mesmo e, auto-suficiente, zomba do sistema de privilégios, desigual e autoritário, que nos séculos anteriores o havia alimentado; •. É um lapso que dura pouco. Logo a "violência imediata, extra-econômican · deverá ser invocada contra as primeiras tentativas de organização do proletariado.

.. Ver F. Piven e R. A. Cloward, op. cit., p. 29. Cf. E.P.Thompson, op. cit., pp. 59 ss.

Os acontecimentos revolucionários na França são bastante claros a esse respeito e o novo Estado napoleônico mostra-se muito mais forte, centralizador

>~~ 1 Sobre todos esses instrumentos, ver J. D. Marshall, op. cit. :/~Sobre a elaboração da nova lei para os pobres, ver ibiden1, p. 17; F. Piven e R. A.

a

{ciente do que o do Ancien Régime. Desde o início, o liberalismo significa •0 capitalismo é livre do Estado, que o Estado é coisa sua- como afirmará as décadas depois o jovem Marx99 - e deve, portanto, prestar seus serviços onsieur le Capital. Este fato aparecerá com bastante clareza em toda a stão da assistência e do cárcere. "O delito, as revoltas, os incêndios dolosos" a resposta necessária e espontânea da parcela mais pobre do proletariado a a situação diante da qual ainda não aprendeu a reagir através da luta de classe anizada 1"'- Ao grande incremento do pauperismo, que corresponde, entre os, a um aumento do preço do trigo, responde-se, num primeiro momento, os instrumentos renovados da Old Poor Law. Entre 1760 e 1818 os impostos os pobres aumentam seis vezes; a assistência deve ser financiada mediante ·ação de mais pauperismo. Uma série de instrumentos já praticados anteriormente - a deterrent workse, o roundsn1an syste111, a allowance in aid of wages 101 - é introduzida de ma mais ampla. Com a nova situação e particularmente com o custo . scente do relief system elisabetano, as críticas que pontualmente eram · idas contra este nos séculos precedentes chegam agora ao extremo. É i~obretudo a allowance in aid of wages, ou Speenhamland system - uma ~entribuição em dinheiro dada aos mais pobres de acordo com o preço cor. do pão (na realidade uma maneira de evitar a instauração do salário nimo) - que suscita, depois de 1815, as críticas mais ferozes. À crítica dicional e reco1rente de que essas formas de assistência incentivavam o ócio recusa ao trabalho e mantinham elevados os salários, sobrepunha-se agora a malthusiana da população, aspecto extremo do liberalismo econômico: o ;tief permitia a sobrevivência e a reprodução de uma população que se ·ultiplicava, inútil e mesmo danosa para o desenvolvimento econômico. Foi sa, em essência, a visão do problema manifesta pela Comissão de Invesgação de 1832-1834, de cujos trabalhos saiu a nova Poor Law 102 : Convencidos, como Malthus e os outros partidários da livre concorrência, de que a melhor coisa a fazer era deixar a cada um o cuidado Ver Karl Marx, "Dibattiti sulla legge centro i furti di legna'', in Scritti politici vanili, cit., p. 213.

C(oward, op. cit., pp. 33-34; G. Rusche e O. Kirchheimer, op. cit., p. 94; Friedrich 97

98

Ver Maurice Dobb, op. cit., pp. 296 ss. Ver supra nota 6.

64

'.~ngels, La situazione della classe operaia in Inihilterra, Roma, 1972, pp. 310 ss. _:fN. do T.: edição portuguesa A situação da classe operária na Inglaterra. Lisboa,

;Presença, 1975]. 65

de si mesmo, que se colocàsse em prática, coerentemente,_ o laissez~ faire, eles teriam preferido abolir, sem dúvida alguma, as leis sobre os pobres. Porém , como não tinham nem a coragem nem . a autondade_ lth · para isso, propuseram uma lei sobre os pob~es a m.ais ma us1ana possível, que é ainda mais bárbara do que o laissro~-fmre, uma vez que

intervém ativamente, onde este é apenas passivo . Qual foi a solução proposta e adotada por Nicholls e outros reformadores? Já em 1770, ainda que este modo de conceber a workhouse fos~~ antenor: ª, ideal workhouse era definida como house of terror, casa do terror . A soluçao plenamente acolhida pela burguesia inglesa, pouquíssimo tempo depms da., sua ascensão definitiva ao poder político, foi a deterrent workhouse, a ca.sa de trabalho terrorista, que significava a substituição de qualquer forma de ass1S" tência fora das casas de trabalho (outdoor relief) pelo int~rnamento e o trabalho forçado no seu interior. Qual era a finalidade desta medida e em que sentido a workhouse era definida, pelos próprios reformadores, como deterrent? .As' condições de vida e trabalho na casa ~ram t~is que ninguém, a não ser premido 5 por uma extrema necessidade, aceitana mternar-se nela. As palavras dos. próprios comissários são extremamente reveladoras a e~se respeito: Numa casa desse tipo, ninguém entrará voluntariamente; o trabalho'. 0 isolamento e a disciplina atemorizarão o indolente e o .malvado, e nada, senão a extrema necessidade, induzirá alguém~ a~e1tar aq~el~ confortos que deverão ser obtidos ao preço da renuncia da .prop liberdade de contratar-se nor si mesmo, e do sacrifício da gratificaç • 10~ e das práticas habitua1S . objetivo da casa de trabalho era, uma vez mais, forçar o pobre. s oferecer a qualquer um que se dispusesse a dar-lhe trabalho, nas condiço que fossem'06. Para isso, era necessário que a vida na casr de trabalho of~re; cesse, sob qualquer aspecto, a começar, ~bviamente pelo padrão de VI~! menos do que 0 trabalhador livre do mais baixo estrato social pudesse obter '· internamento na casa de trabalho atua sobre o mercado, mas .nesse cas3í ao contrário do que acontecia anteriormente, quando um setor da produçao funcionava a um custo muito baixo devido ao custo da força de trabalho .se: forçosamente comprimido, agora, devido ao caráter declaradamente terronst

o

ª-

o

1m

Friedrich Engels, La situazione della classe operaia in lnghilterra, c~t., P· 312_,-

'°' Ver Karl Marx, II Capita/e, cit., !, l, p. 301. '°' F. Piven e R. A. Cloward, op. cit., pp. 33-34. 106

Ibidem.

101

Ibidem, p. 35. Este princípio se chamava less eligibility.

66

comporta, o trabalhador é levado a evitar, custe o que custar, a cair nas as da instituição. Pretende-se garantir dessa vez um controle do proletariado ue não está privado- no período em que a lei é aprovada, após a experiência a Revolução Francesa e das primeiras lutas operárias inglesas - de um \çtmteúdo imediatamente político. Sir George Nicholls, o principal artífice da nova Poor Law, vê o pobre 'êomo "um jacobino em potencial", "pronto para atentar contra a propriedade -,:do seu vizinho mais rico" ios. Engels descreve com muita pertinência a vida casa de trabalho, que em tudo e por tudo é semelhante a uma prisão, tanto :{que o povo a rebatizou de poor-law-bastiles, as Bastilhas da lei sobre os 'pbbres 1°'- O regulamento interno da casa, além de garantir um standard de t::;~ida que é, às vezes, inferior ao do cárcere, impõe uma série de limitações à 'C:iiberdade pessoal, que é típica do cárcere; ademais, e esse aspecto é esta.belec1~entos carcerar1os, foi 0 grão-ducado da Toscana129. Também aqm, dep01s que se restabeleceu a situação em vigor antes da era napoleônica,

119

120

Cf. D. lzzo, op. cit., p. 303. Ver M. Beltrani-Scalia, op. cit., p. 424. 124 Ibide111, pp. 430 ss.

122

5

n lbide111, pp. 414 ss; A. Bernabà-Siiorata, op. cit. 126 M. Beltrani-Scalia, op. cit., p. 413. 127 Ibiden1, p. 414. tts lbiden1, p. 416.

123

134

12'

Ibidem, p. 435 ss.; C. l. Petitti di Rereto, op. cit., p. 421; A. Bemabô-Silorata, op. cit. 135

------------

: ucas exceções, o ~istema filadelfiano da segregação contínua, que era dorosamente defendido por Peri. Esse sistema foi definitivamente sancionado regulamento geral de 1850 e, mais tarde, pelo novo código penal de )1853, que permanecerá em vigor mesmo após a Unificação.

as reformas só se iniciaram por volta de 1840. Primeiramente, destinou-s casa de Volterra aos trabalhos forçados; depois, foi abolida a prisão Stinche, em Florença, e, enquanto as mulheres eram instaladas em Gimignano, foi inaugurado o novo cárcere das Murate. No início dos a 1840, o Maschio de Volterra e as Murate são transformados em cárce celulares. Em 1845, foi adotado um regulamento geral que reformava pD fundamente o regime dos cárceres toscanos 130 . Com ele, estabelecia'":sé(

pelo

,

das necessidades internas do cárcere (móveis, vestiário etc.), com a expressa ínotivação do perigo da concon·ência para as empresas externasDJ_ O isolainento contínuo não permaneceu muito tempo sem detratores. Fonna-se

separação noturna, permanecendo, porém, o princípio comunitário durari

a escola e o trabalho. O regulamento vetava uma série de usos de orig ainda medieval, tais como as janelas baixas, que permitiam um cont,contínuo com o exterior 131 , o uso de lautos banquetes em dias de festa e . Introduzia-se, assim, o regime carcerário burguês propriamente dito e é dig de nota o fato de que, não obstante este tipo de reforma aparecer co _ _ humanitário, estabelecia-se, conscientemente de que se tratava de -U, endurecimento da pena, a sua não retroatividade: só eram submetidos a , a sua entrad a em vigor . 132 . aqueles que eratn con dena dos apos Em 1848, C. Peri, o artífice máximo de toda a reforma penal toscana metade dos anos 1840 até a Unificação, publicou a obra Cenni sulla rifor del siste111a penitenziario in Toscana, na qual examina, de forma minucio atenta, a situação carcerária então vigente e reproduz também muitas esta _ , ticas interessantes. Ele registra a história de cada estabelecimento,"'",

movimento dos detentos, o custo de manutenção e o produto do trabalho, registro moral (prêmios e punições) e as doenças sofridas anualmente pel presos. Incorpora, além disso, a planta da edificação. Não é possível, aqu examinar detidamente estes dados que seriam extremamente significativ se dispuséssemos de outros com os quais comparar. Basta dizer que, entã os estabelecimentos penais em funcionamento na Toscana eram seis: os Bag

de Livorno e Portoferraio, destinados aos condenados a trabalhos públic o estabelecimento penal de Volterra; o estabelecimento penal e correcional Florença; a casa correcional de Piombino; e o estabelecimento penal correcional para mulheres de S. Gimignano. O número total de detentos po volta do final do ano, para 1844, 1845, 1846 e 1847, era respectivamente · 672, 658, 759 e 770. Em 1849, adotou-se em toda parte, com algumas: uo Ver M. Beltrani-Scalia, op.cit., p. 441; A. Bernabà-Silorata, op. cit.; C. Períf: Cenni sulla rifonna del siste111a penitenziario in Toscana. Florença, 1848, traz oregulamento nas pp. 15 ss. 31 1 Ver M. Beltrani.:.Scalia, op. cit., p. 440. 132 fbiden1, p. 441; A. Bernabà-Silorata, op. cit.

136

A introdução do sistema filadelfiano corresponde a uma desvalorização atendimento

go trabalho carcerário, que se orienta então, sobretudo, para 0

0

phamado "partido dos filantropos", que critica duramente as danosas conseqüências desse regime para a saúde dos condenados. O texto do médico C. Morelli - Saggio di studi igienici sul regime pena/e de/la segregazionejra 134 i rech1si - é particular1nente eficaz. Foi então constituída urna comissão .encarregada de estudar o problema. Em suas conclusões, a comissão destaca que, admitindo como indiscutível a bondade do princípio do isolamento a ;grande rigidez do sistema filadelfiano é inaceitável, especialmente - e ess~ é uma afirmação bastante comum àquela época - "para os países do sul da 135 Europa''



O resultado de todo este debate pode ser encontrado na reforma que entra em vigor no dia 10 de janeiro de 1860,já no clima pré-Unificação, com a qual se abole a pena de morte, reduz-se a duração de quase todas as penas e, sobretudo, introduz-se o princípio misto, segundo o qual a primeira parte da condenação deve ser cumprida, em geral, no isolamento contínuo, ao passo que a segunda - ao menos nas penas mais longas - é regulada de acordo com o princípio do trabalho em comum e em silêncio. Isso parece particularmente importante não apenas porque a legislação penal toscana permanecerá em vigor até o código Zanardelli, mas porque, como já se observou, este código adotará esse sistema para a disciplina das penas de detenção. Não há nada particularmente inovador a assinalar no que concerne aos

ducados e aos Estados Pontificais. Basta observar que os processos de transformação social descritos para os períodos anteriores se aceleram cada

vez mais, preparando o terreno para a explosão das décadas pós-Unificação, produzindo assim uma intensificação dos diversos fenômenos de roubos no 133

Ver M. Beltrani-Scalia, op. cit., p. 445.

134

Essa obra foi publicada em Florença, em 1859. C. Peri publicou uma Risposta del cav. Cario Peri a/l'opusco/o del dottor Carla Morelli, FJorença, 1860. 135 M. Beltrani-Scalia, op. cit., p. 449. 137

campo, vagabundagem etc. É exatamente nos anos 1840 e 1850 que a re,0 tomada geral do desenvolvimento na planície do Pó presencia a cnação do institutos de polícia preventiva no Piemonte, que depois serão rntegrados à legislação do novo Estado italiauo. Isso aconteceu precisamente p~a controlar. aquelas categorias de "ociosos e vagabundos", os ladrões dos campos e os operários - e esta é uma novidade daqueles tempos'"· Registra-se, naquel!li. época, a continuação dos fenômenos de banditismo na Romanha, que dãg:• vida a figuras legendárias como a do Passatore 131 • Isso demonstra o m~rasm~% econômico da região; porém, sob esse marasmo está em fermentaçao to 0 tecido das relações sociais, aqui muito mais em crise do que na Tose ou no sul"'- Na realidade, não passarão muitos anos até que o jovem advogad Enrico Ferri reivindique ao movimento socialista, diante dos jurados dq: tribunal criminal de Veneza, o mérito de ter sabido transformar uma massa> de trabalhadores agrícolas miseráveis, que viviam do roubo nos campos, em combatentes da causa proletária 139 • A situação de marasmo se manifesta, porém, sobretudo nas instituições_.E entre estes nos cárceres, mantidos pela Igreja 140 num estado de abominável confusão e corrupção, pelo menos de acordo com Beltrani, que não é muitd gentil com os Estados Pontificais. Entre outras coisas, ele faz referência â urria crônica, datada de 1838, que descreve um uso continuado dos ferros de tortura nos cárceres de Bolonha 141 • Não muito melhor é a situação das prisões no Reino das Duas Sicílias, não obstante uma certa atividade refor, mista, posta em prática sobretudo por Mancini e Volpicella' 42 • Vale acrescentar, contudo, que tanto o Papa quanto os Bombons, quando foram derrotados

136

Sobre a figura dO "ocioso e vagabundo" na origem das medidas de prevenção_-

no ordenamento jurídico italiano, ver M. Pavarini, "Il 'socialmente pericoloso~ nell' attività di prevenzione'', in Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, ,-,

1975, p. 396. 137 Ver F. Serantini. Fatti nieniorabili della banda del Passatore in terra di Ron1agna. Ravenna, 1973. iJs Ver E. Sereni. li capitalisn10 nelle canipagne, cit., pp. 216-221. 139 Ver E. Ferri, "I contadini mantovani all'Assise di Venezia (1886)", in Difese. Penali e Studi di Giurisprudenza. Turim, 1899. 14º Ver M. Beltrani-Scalia, op. cit., p. 464. 141 Ibidem, p. 466. 142 Jbideni, pp. 467 ss.; C. I. Petitti di Roreto, op. cit., p. 420. Volpicella es~reveu Delle prigioni e del /oro ordina1nento, Nápoles, 1837. Sobre a obra de Volp1cella, ver D. Palazzo, "A.proposito di 'riforma delle prigioni' nella prima metà dei secolo 138

pelos exércitos piemonteses, abriram, num ato magnânimo, todas as prisões dos seus reinos. A função desempenhada pela cultura burguesa entre o Iluminismo e a Restauração nos países europeus em que tivera lugar a Revolução Industrial, roais especificamente na Inglaterra, faz-se presente na Itália nos anos 1840 e mais ainda após a Unificação. Nesse período, a cultura italiana se propõe a fornecer à classe dirigente as indicações práticas e teóricas - e, ao mesmo tempo, naturalmente, a ideologia- do processo de estruturação de um sistema capitalista na Itália, ou, pelo menos, das condições a fim de que esse processo se possa desenvolver. Deixando de lado a contribuição no campo mais estritamente econômico, que não nos interessa aqui, uma das tarefas fundamentais é a da elaboração de uma política social, diferenciada e aprofundada, em todos os seus múltiplos aspectos, que favoreça e complemente o desenvolvimento que está na própria lógica dos fatos: a formação do proletariado. Trata-se da formação .consciente cuidadosamente cultivada de uma massa de camponeses e artesãos expropriados que deve se transformar no moderno proletariado industrial. Em outras palavras, a educação da força de trabalho toma-se necessária para garantir a sua transformação, da velha à nova situação, da forma mais ordenada e mais produtiva para a sua valorização. Isso talvez não possa ser feito com a mesma geração que foi brutalmente transferida de uma situação para outra; de todo modo, esse problema deve ser colocado, com toda a certeza, para as gerações seguintes. Trata-se, portanto, da educação da juventude. Já observamos que esta é a causa de uma série de medidas de natureza corretiva que antecederam as de natureza carcerária propriamente dita, criadas no século XVIII para jovens criminosos ou que deviam ser "corrigidos". Uma política social deste teor, que historicamente não é outra senão a política social, articula-se em diversos momentos: a escola, nos seus diversos graus e diferenciações; a assistência social; a variedade multiforme das instituições de isolamento: cárceres, colégios, institutos para menores, hospitais psiquiátricos, asilos para pobres e velhos; as instituições hospitalares; o serviço de recrutamento militar (a caserna) e assim por diante. Em toda essa variedade . de mecanismos trabalham os filósofos, os cientistas, cuja tarefa é delinear os

scorso", in Rassegna di Studi Penitenziari, 1970, p. 677. Do mesmo autor, ver "Su alcune speciali prigioni dei secolo scorso", in Rassegna di Studi Penitenziari, 1971, p. 591, e "Delle carceri che si dissero di 'buon governo' e 'di polizia"', in Rassegna di Studi Penitenziari, 1972, p. 377. 139

problemas, pensar as soluções, colaborar, muitas vezes, com as atividad de governo 143 .

Naturalmente, seria a ciência, neutra e objetiva- em breve chegará a hora de{ positivismo! - a indicar as exigências objetivas dos fatos, e as suas soluçõ " objetivas. Uma ciência, a bem da verdade, um pouco insegura, pouco especializact' e refinada, que ainda refletia o universalismo iluminista no tratamento - d mesmas pessoas e nos mesmos lugares 144 - de toda a vasta gama

Encyclopédie, uma ciência, portanto, que ainda mal desempenha seu papel anc· enquanto não refere - não mais por idealismo, mas sim por estar baseada n fatos - a ausência da divisão intelectual do trabalho à prescrita domesticida deste, como alguns equívocos estarão a demonstrar. Uma ciência burguesa apenas nas suas soluções, é claro, mas também nos seus pressupostos

íntimos, na formulação dos problemas e das respostas a eles. Nos vá · congressos organizados pelos cientistas italianos nos anos 1840, estava presentes os filantropos, a discutir tudo aquilo que um país pobre e ainda pau desenvolvido, mas já resolutamente destinado à hegemonia de relações so · próprias do modo de produção capitalista, devia enfrentar e resolver. Entre e problemas, entre as discussões sobre as técnicas agronômicas e sobre o siste fabril, entre o problema financeiro e o religioso, entre a medicina e as ciên -·

naturais, alinhavam-se também as questões da política social e penitenciár' Prosseguia-se na postura que havia sido adotada por Muratori e q triunfara nesse mesmo período na Inglaterra, a qual defendia a necessida de excluir da assistência o "pobre não laborioso" e propunha formas trabalho compulsório, fora do qual seria negado qualquer tipo de ajuda. S

143 Todo esse processo se dará, na prática, após a Unificação. Mas as bases se' colocadas - o caso da questão carcerária é exemplar a esse respeito - antes di sobretudo no Piemonte, Estado-guia do ordenamento burguês no processo unificação italiano. Aqui, apresentamos apenas algumas indicações. Assim cq para a reforma penal, seria necessário proceder a determinadas reconstruç científicas do modo em que as outras diversas instituições se conectam co questão central da formação e do controle do proletariado. Todavia, no mame

da Unificação, já está em grande parte eláborado o patrimônio cultural, científi ideológico que servirá de suporte à construção da sociedade capitalista na Itál Muito interessante, neste sentido, é o livro de F. C. Marino, La fornzazione de spirito borghese in ltalia, Florença, 1974, que se baseia sobretudo na análise~ atas das diversas "reuniões dos cientistas italianos" que têm lugar nos anos 1&1 144 É este exatamente o caso das "reuniões dos cientistas" que F. C. Mari examinou em sua obra.

140

sintomáticas da sit~ação italiana, do seu escasso desenvolvimento industrial , nes~e .1nome~to, nao mais as propostas de casas de trabalho, mas sim de

colomas agncolas l' · . , . , que saneassem terrenos incultos, assolados pela maana etc., dd an o 1n1c10 aquela estranha assonância, que ainda estará etn voga 't . d u 'f' mm o d~p~1s . a n1 1cação, entre saneanzento social do pauperismo e da c~1r_:i1nahdade e sanean1ento agrícola dos terrenos incultos 145. Talvez essa v1sao guardasse uma correspondência com a indiscutível supremact'a d . 1· ; ( os grupos capita istas agrarios. De fato, com estas propostas tendia-se não tanto a acolher o ca~ponês expulso para as cidades, mas sim a devolvê-lo para 0 lugar de onde vmha, a reempregá-lo na terra. De qualquer modo, elas expres' savam ~mda aquele estado de desconforto tão bem ilustrado por Dei Pane para o seculo XVIII: o fenômeno de uma proletarização camponesa e de uma .·fuga dos campos, aos quais não correspondia a capacidade industrial de acolhimento. Esta.va em gestação a gigantesca deportação de milhões e milhões .de trabalhadores italianos_ que_teria lugar na passagem do século XIX para 0 século XX. A acumulaçao nao conhece fronteiras nacionais e a força de trabalho hvre produzida na Itália destinava-se a outras realidades industriais. Como já foi visto, o começo dos anos 1840, em todos os Estados italianos .onde o problema era mais grave, sobretudo no Piemonte, na Lombardia·~eneza e .na Toscana (que, ademais, eram os mais adiantados), é tempo de mtensa at1v1dade n~ campo da reform.a carcerária. Estavam sendo lançadas as bases para o penado de mtensa ut1hzação das instituições que vicejariam apó~ a Unificação. Disso se ocupam os congressos dos cientistas, em particular os realizados em Florença (1841 ), Pádua (1842) e Lucca (1843)1''· Em Florença o problema foi apenas levantado, particularmente por iniciativa ,de Pe'.itti. No intervalo entre este congresso e o de Pádua, surgiu uma série de memonas sobre o tema, entre as quais as do próprio Petitti e de Carla Cattaneo

,_~t~s memóri~s .davam continuidade aos escritos com os quais os dois autore~ haviam se pos1c10nado sobre o assunto 147• Típico representante de uma cultura

)4'

Ibidem, pp. 330 ss.

46

- -~ lbide111, pp. 345 ss. 41

Trata-se do trabalho muitas vezes citado de Petitti, De/la condizione attuale elle carceri e dei mezzi di 111igliorarla. Ele retoma aqui os temas de uma outra bra ~e sua lavra, lançada em 1837, na qual dedicou um amplo espaço à questão ?s car~eres. Trata-se de Saggio sul buon governo della n1endicità, degli istituti 1 ben:J1cenza e delle carceri (Turim, 1837). O escrito de M. A. Cattaneo "Delle arcen", também citado, foi publicado em Il Politécnico, em 1840. ' 141

solidamente ligada à atividade prática e de governo, Petitti estava em contato com os mais ilustres autores europeus no campo da reforma penitenciária, e participava ativamente do debate e da problemática, bastante acesa naqueles anos, sobre os "dois sistemas" americanos 148 • Após descrever a "condição atual dos cárceres'' 149 , e a ''história da educação corretiva'' 15º nos diversos países europeus, ele passa a discorrer sobre o tema fundamental do seu texto: Dei sistema di educazione correttiva che sembra degno di preferenza [Do sistema de educação corretiva que parece digno de preferência]1 51 , e, por conseguinte, analisa as vantagens e as desvantagens dos vários sistemas: o da vida em comum, o filadelfiano, o de Aubum e os mistos, que os combinam de várias maneiras. Ora, o que aparece à primeira vista é a absoluta indiferença na escolha entre os dois sistemas que se comparam, devido à importância que é atribuída ao princípio fundamental do isolamento. O que se destaca em Petitti, assim como em todos os outros escritores da época, é a sua extrema hostilidade à vida em comum no cárcere. Todos estes trabalhos, estas afirmações, estes escritos, são uma espécie de florilégio da Weltanshauung burguesa-manchesteriana. Como testemunha disso, pode ser citada a obra de Petitti, Ragioni addotte dagli aderenti alia scuola detta della segregazione notturna e della riunione silenziosa diurna col lavoro 15'. Não faz muita diferença citar esta obra e não aquelas que respaldam o sistema filadelfiano, uma vez que, no que diz respeito à questão fundamental, as distinções são mínimas. Nota-se, em particular, a estreitíssima correlação entre fobia sexual, produtividade do trabalho, espírito de obediência e disciplina. Os adeptos da escola dita da segregação noturna e da reunião silenciosa diurna com trabalho afirmam: !. Que graças à segregação noturna se eliminam os mais graves inconc · venientes dos maus hábitos que costumam acontecer nos dorn1itórios. 148 Ver C. I. Petitti di Roreto, Della condizione attuale delle carceri e dei niezzi di;_ niigliorarla, cit., pp. 448 ss. Petitti é um intelectual de estatura européia, qu~,­ mantém contato com todos os teóricos e homens de governo mais conhecidos de_~:º seu tempo no campo carcerário. Ele se ocupava, além disso, de uma temátic_,:, socioeconômica bem mais vasta, o que pode ser constatado nos seus trabalhOS'' reunidos na já citada Opere scelte. Seu conteúdo é muito variado, mas sempfi ligado às necessidades concretas de organização do Estado piemontês. 149 Ver C. !. Petitti di Roreto, op. cit., pp. 327 ss. 150 Ibidem, pp. 361 ss. 151 Ibidem , pp. 448 ss. 152 Ibidem, pp. 450 ss.

2. Que, isolado na cela, o homem, cansado do longo e pesado trabalho

c~rre me~os ~scos de abandonar-se a outros atos viciosos, aos quais, quand~ so, podena ainda abandonar-se. 3. Que a regra do silêncio, se observada com exatidão, impede as relações corruptoras e, ao mesmo tempo favorece tanto a reflexão quanto uina coação 1noral so~~e a vontade. Essa coação opera eficazmente para encaminhar esses esp1r1tos, antes indisciplinados e rebeldes, à obediência e à subniissão. 4. Que enq~a~to o trabalho realizado em comum tempera os efeitos funestos d~ soh~ao com a visão dos companheiros, torna-os, ao mesmo te~po, n1a1~ ass1d~os, mais 11rodutivos e mais eficazes em decon·ência da fadiga contmuada a qual eles são submetidos (... ). 5. Que e~te estado de coação material e moral responde ao objetivo de alcançar a /ao.necessária intimidação, produzida pelo rigor da pena, 0 que fica clar~ no fato de que, apesar da melhor comida oferecida aos presos ne_ss~es carceres, _os ah detidos que são reincidentes prefeririam voltar a outras pnso~s - organizadas com base em outros sistemas de vida em comum _ mclmdas as galeras, ainda que nestas estejam submetidos a trabalhos mai~ penosos,," pancadas e tenham comida e alojamento muito piores.

. Este ultimo ponto, que Petitti menciona como uma grande vantagem do s~ste.ma do isolamento'. é .de '_?nge o mais terrível e testemunha bem 0 que sigmfica a d~cantada civilzzaçao carcerária. São preferíveis as pancadas, a su-

ierra, as humilh~ções, a fadiga a uma ordem e a um bem-estar que representam t~rturas mm to piores do que a situação encontrada nas velhas galeras! 153 Emitindo fmalmente a sua opinião, Petitti se declara partidário da escola de Aubum par~ as deten.ções mais longas, uma vez que permite um rendimento industrial mais produtivo e oferece a possibilidade de os detidos participarem dos N·a no ta da pagina , . 45 1 da obra citada, · Petitti refere-se a urna conversa que teve com um preso no cár~:re d~ Genebra, o qual funcionava segundo os princípios de Auburn. (~ste preso Jª ha_v~a cumprido anteriormente uma pena nas galeras de Toulon). ~le [o preso] dizia que desde que havia adquirido melhores sentimentos, se havia dado conta de que o rigor da disciplina do cárcere de Genebra era p~ra o seu bem, mas que 1~rnentava não ter cometido o segundo delito (de traiçao) n_a Fra1~ça porque tena retornado às galeras. Ali, apesar da aparência de um.a vida ~ais dura, a estada. era 111ais agradável para a n1aior parte dos presos po1que p~d•.ª. se gozar do ar ltvre, ter relações mais livres, pela esperança de fuga, pela ?oss1b1hdade de se ter bebidas alcoólicas etc. Ele acrescentou que mesmo depois de se ter, tornado uma pessoa melhor, a recordação da vida inelhor nas g~ler~s voltava a ..sua mente de vez em quando, e o fazia detestar a sua pernla11enc1a naquele carcere". 153

143

142

ritos, que se desenvolvenz eni comum, da religião católica. Para as penas mais curtas, nas quais é possível se recorrer a meios de intimidação mas não corretivos, pode-se aceitar o método da segregação contínua 154 •

Já Cattaneo pronuncia-se sempre a favor deste último sistema, enfatizando.·· a eficácia psicológica do isolamento continuado'"· Essa tese foi quase aceita no Congresso de Pádua de 1842 156 , não obstante chegassem informações de· outros segmentos profissionais, sobretudo dos médicos, dando conta dos resultados de investigações desenvolvidas no exterior sobre os efeitos dos · dois sistemas comparados, que mostravam um grande aumento da · mortalidade (e também dos suicídios) e da alienação mental (a "eficácia· psicológica"!) onde se implementava o isolamento contínuo 157 • A comissão encarregada de fazer seu relatório no congresso de Lucca se dividiu. A reação dos médicos provocou uma severa crítica contra os membros da. dita comissão, que pretendiam deixar o papel de "técnicos da saúde" puros para envolver-se em assuntos políticos 158 • Essa crítica não levava em conta,-_;:: todavia, o fato de que os médicos tinham sido chamados exatamente com · essa finalidade, para que fornecessem o seu aval científico à solução política que, parecia, já tinha sido tomada 159 • A contradição foi resolvida no congresso graças à mediação de Petitti, que conseguiu aprovar a solução por ele proposta e à qual já nos referimos: 154

Ibidem, pp. 455 ss.

"' Ver M. A. Cattaneo, op. cit., pp. 302 ss. 156

Ver F. C. Marino, op. cit., p. 351.

Na nota 200 da primeira parte do nosso trabalho, referimo-nos ao parágrafo d~; Marx no qual ele estabelece urna relação entre a situação do isolamento continu"'.', ado e a criação, da parte do homem isolado, "de fantasmas palpáveis, sensíveis'\ -que representam seja "o mistério de todas as visões religiosas", seja "a forma universal da loucura" (Karl Marx e Friedrich Engels, La sacra fa111iglia, Roma;_-~: 1969, p. 239). Esse parece ser o processo descrito por Cattaneo na obra citada. na:qual descreve a eficácia psicológica que o isolamento contínuo acarreta para o; condenado: "No silêncio dos homens e no sonho das paixões, os conselhoStantas vezes não ouvidos, as palavras que pareciam não ter tocado a sua memória"_-, os terrores religiosos, todas as imagens e as recordações do bem e do mal, ressur gem na consciência culpada, e se tornam a cada dia mais poderosos e irresistíveis'-~­ (p. 304). Tanto Petitti (p. 462) quanto F. C. Marino (pp. 355-356) referem-se a~ resultados de investigações da época sobre os efeitos desastrosos (suicídios ecasos de loucura) do sistema filadelfiano. 157

158

Ver F. C. Marino, op. cit., pp. 362-363.

159

Ver F. C. Marino, ibiden1.

144

>0 sistema filadelfiano para as detenções de curta duração, e o silent system para as penas longas. Foi ele, portanto, o verdadeiro vencedor de toda a disputa, não apenas porque foi a sua posição final que se impôs, mas também e sobretudo porque, como já se viu, às vésperas da Unificação o sistema misto era o que atraía as experiências mais avançadas e que, de um modo ou

de outro, vinha se consolidando tanto no novo reino de Itália quanto em outros Estados europeus. Marino destaca justamente que o filantropismo dos partidários de Auburn resultava bastante falso, visto que eles se preocupavam muito mais com as finanças dos governos do que com a saúde dos presos, em razão dos enormes gastos que deviam ser feitos com a

introdução de um sistema integralmente celular 160 • Assim, também na Itália o debate sobre a questão carcerária, bem como as soluções praticadas, seguem um caminho determinado pelas circunstâncias sociais existentes e, ainda assim, são substancialmente semelhantes às observadas

no resto da Europa. As experiências realmente reformadoras, como as lombardas, toscanas e as da Casa de Sabóia, nascem e se desenvolvem por períodos limitados, quando a orientação "corretiva" de uma força de trabalho ainda escassa e relutant.e apresenta-se como uma necessidade efetiva do modo de produção. Todavia, todo o debate travado por volta dos anos 1840 já revela um andamento bastante próximo ao que se observa na Inglaterra ou na França (e é de fato significativo que isso penetre profundamente na cultura italiana). A introdução das máquinas e a rápida produção de uma grande superpopulação como conseqüência da Revolução Industrial afastam cada vez mais qualquer possibilidade de cárcere produtivo e, ao mesmo tempo, ressocializante (segundo os critérios capitalistas). A diatribe sobre os vários sistemas ganha cores acima de tudo ideológicas, "espirituais". Numa situação assim, confere-se cada vez mais à instituição um

significado simbólico e representativo: o único valor no qual se tem ou se diz ter confiança é o do isolamento, seja ele garantido pela separação contínua, seja pelo silêncio. Mas abaixo deste valor jaz uma única exigência, a do controle e da intimidação

161

,

o que aparece na análise que vimos fazendo e como reconhece

'"'Ibidem, pp. 364-365. 161

M. A. Cattaneo· se expressa assim, com toda a clareza: "Infelizmente, as reformas incompletas que o humanitarismo moderno introduziu no cárcere atribuíram a este único instrumento de pena todo o terror. O malvado desordeiro aí encontrava abrigo e cama, comida segura, trabalho leve e companhia que era do seu agrado. Para muitos operários honestos, carregados de filhos, para muitos diaristas descalços e famintos entre férteis ca1npos, a estada no cárcere parecia sedutora. Porém, diante de uma severa solidão, por mais que a cela seja espaçosa, limpa,

145

autor politicamente mais lúcido do período, que se mostr.~. substa~cialmente_indiferente ao "sistema" escolhido. -

Petitti

0

A preferência pelo sistema "auburniano" nas detenções mais longas deconi de exigências financeiras, destinadas a não agravar excessivamente as despesa~ com os cárceres. Entre aqueles que o defendem não se levanta uma só voz, para argumentar em favor daquilo que deveria ser o motivo fundamental dá. escolha: a possibilidade de trabalho em comum, um trabalho, portant · produtivo, de tipo industrial. A ênfase que todos colocam na necessidade d isolamento mascara- sob a fórmula da penitência e da polêmica espirituali contra a excessiva atenção da filantropia iluminada para com a situação materi dos detentos - uma concepção do cárcere como instrumento intimidatório de "prevenção geral". E nesse sentido, indo-se além das belas palavras sob a "eficácia psicológica" do isolamento, um sistema carcerário como o q existiu mesmo depois da Unificação, que mantém prisões superlotadas com as de Nápoles, Roma e Palermo, descritas por Howard, ainda responde muit, bem às suas finalidades. O princípio da less eligibility, da menor elegibilidade do regime penite ciário com relação ao que existe de pior do lado de fora, é salvaguardad qualquer custo. O espiritualismo do século XIX no tema carcerár~o enco ; 0 próprio núcleo de verd~de ao buscar a deteri?ração d_as cond1çoes de. v no interior do ·cárcere e a impressão que a 1nshtu1çao deve produzir "espírito" dos réus, mas sobretudo dos réus em potencial. A atividade anteri à Unificação prepara assim o amplo uso que será dado ao cárcere, não ape~· porque constrói (poucos) novos cárceres e elabora os instrumentos .leg correspondentes, mas também porque indica uma linha de tendên~.ta ~· explodirá literalmente com a conquista, por parte da casa de .saboia, províncias meridionais, e a conseqüente criação de um enorme exéi~! industrial de reserva, que a crônica carência de capitais do sul da Itália e moderado desenvolvimento das regiões setentrionais não poderão, de fo alguma, encaminhar para as fábricas.

pré-capitalistas sobretudo no Mezzogiorno, e, portanto, do uso particular que será dado ao proletariado meridional, exército industrial de reserva da indústria setentrional (e, mais tarde, com a emigração, da indústria estrangeira), e massa de manobra para as forças de governo. Também na Itália, a instituição é criada como instituição essencialmente burguesa, cuja finalidade precípua é a educação pela disciplina e pela obediência. Porém, mais do que em outras situações nacionais, o desprezo por uma força de trabalho permanentemente superabundante fará dela um instrumento terrorista de controle social. Por um lado, portanto, a revolução nos módulos punitivos que se vinha desenvolvendo lentamente desde as origens do modo de produção capitalista até o capitalismo desenvolvido do liberalismo oitocentista define, também na Itália, o cárcere como o tipo de pena dominante, pena burguesa por excelência. Por outro lado, os traços particulares da instituição refletem os aspectos próprios a cada sociedade nacional nos diversos períodos. E se a estrutura de fundo é igual por toda parte, é modelada sobre as exigências ideológicas ··de um modo particular de produção (o da fábrica), a utilidade da instituição .não pára aqui, mas se refere ao complexo das relações de classe num contexto determinado. Na Itália que caminha para a Unificação, assim como na Inglaterra ou na França da primeira metade do século XIX, a existência de estratos muito numerosos de proletários desempregados faz com que o cárcere não persiga nenhuma finalidade imediatamente ressocializante (como aconteceria, e como aconteceu, em sociedades caracterizadas por uma disponibilidade limitada de força de trabalho industrial), mas se proponha à gestão ideológico-terrorista •dessas camadas da população, excluídas da produção. Nos debates dos cientistas sociais, filantropos, penalistas e médicos dos anos 1840 (assim como nos anos após a Unificação e ainda durante muito tempo), estará encerrada, sob o invólucro ideológico das suas ciências, esta simples verdade.

Daí deriva a crônica situação de "crise" do cárcere italiano. Ela depend muito mais do que por razões internas à instituição, da permanência de relaç.-

bem iluminada, ventilada, quente, dotada de tudo o que uma pobreza labori necessita, o verdadeiro criminoso preferirá sempre a hediondez e o desconfi de um porão promíscuo, mesmo que aí o chão fosse nu e ?ouvesse :orr~nte-imigrantes mais recentes não se fez presente. Da mesma forma, em colônias , como a Carolina e a Pensilvânia, áreas de volumosos e constantes fluxos imigratórios, o comportamento hostil para com os novos colonizadores foi menos sentido. Não obstante, pode-se afirmar que o ideal do farmer americano do século XVIII era o da comunidade economicamente auto-suficiente; com base nesse ideal se privilegiava a população residente (townmen) contra a população migrante e indigente (dependent outsiders).

Por isso, a sociedade colonial tinha uma legislação que tendia a limitar o · fenômeno da vagabundagem, contendo normas particularmente severas, quando não sanguinárias, como as vigentes em alguns países europeus, em particular a Inglaterra. Já o primeiro código de Nova Iorque, em 1683, traçava aquelas que seriam, por mais de um século, as linhas constantes da legislação colonial contra a vagabundagem e a pobreza, como formas de assistência à indigência local e residente e a luta contra a imigração pobre 1'. A lei em questão tornava obrigatório que os comandantes das embarcações registrassem os nomes dos passageiros e reembarcassem à força aqueles . que não tivessem condições de demonstrar possuir propriedade ou ter trabalho estável no local para onde estavam se dirigindo. Da mesma maneira, os agentes •. de polícia deviam acompanhar de volta à fronteira os vagabonds e os beggars

que entrassem na sua jurisdição sem autorização 13 . A legislação nova-iorquina de 1721 endureceu ainda mais as sanções contra a imigração clandestina, prevendo para os reincidentes penas pecuniárias e corporais, bem como as primeiras formas de internamento obrigatório por um período determinado nas jails, os primeiros cárceres preventivos 14 . Posteriormente, em 1773, a Assembléia Legislativa da colônia de Nova Iorque impôs o certificado de residência, mediante o qual a autoridade administrativa podia exercerum rígido controle sobre a mobilidade social interna e externa 15 • 12

Ver Colonial Laws of Nelv Yo1k Fron1 the Year 1664. to the Revolution, Albany, 1894.

13

D. M. Schneider, The History of Public Welfare in New York State. 1609-1866. Chicago, 1938, capítulo 2. 14

Ver Lalvs of New Yorkfron1 the Year 1692 to 1751, inclusive, Nova Iorque, 1752, pp.143-145. 15

Ver Colonial Laws ofNew York, V, pp. 513-517. 157

o modelo legislativo aqui descrito foi logo imitado. Rhode Island, por exemplo, já em 1748 tornava obrigatório aos novos imigrantes a compra de terra por um certo valor, sob pena de expulsão 16 • E não foi diferente nas colônias do Sul. Em 1741, a Assembléia de Delaware promulgou um texto normativo muito semelhante àquele já em vigor na colônia de Nova Iorque"; em 1654, a Carolina do Norte regulamentou a matéria por meio de uma lei que sublinhava a diferença de tratamento entre local poors e strangers 18 • A situação muda significativamente, sobretudo no que concerne às formas · de controle da população não residente, nas colônias mais densamente povoadas, onde a ocorrência de constantes processos imigratórios assumia

proporções relevantes. Nessas áreas, assistimos ao surgimento, embora ainda .· limitado, das tradicionais instituições européias de controle e repressão da vagabundagem: as lvorkhouses, as abnshouses e as houses of correction. A introdução dessas instituições na América colonial remonta, provavelmente, ao período da legislação de William Penn, datada de 1683. A variada sorte que acompanha estas instituições marca significativamente as contradições da política de controle social ao longo do século XVIII nos Estados Unidos. A reconstrução cronológica, ainda que sumária, da evolução destas instituições pode oferecer um quadro geral da complexidade da legislação destinada a exercer o controle social das classes marginais na América colonial. Esta análise introduz, em seguida, o tema mais específico da prevenção/repressão da criminalidade. O teatro desta primeira política social é a Pensilvânia 19 e os atores principais

as comunidades quakersw Antes da legislação de 1682, a única instituição conhecida na colônia da Pensilvânia era a country jail, originalmente um fortim militar utilizado exclusivamente para a detenção preventiva21 • Nesse período, estavam em vigor os códigos da mãe-pátria (especificamente a legislação penal anglo-saxónica). No que diz respeito ao sistema de sanções, prevaleciam as penas corporais, em primeiro lugar a pena de morte. W. Penn, inspirador da primeira legislação de 1682, abole a pena de morte para todos os crimes, com exceção do homicídio premeditado e voluntário e do delito de alta traição". Segundo a vontade do grande reformador, a country jail deveria ter mantido o papel de cárcere preventivo, ao passo que a introdução de uma nova instituição - a house ofcorrection, baseada no modelo holandês, teria servido para internar os fellons (os transgressores daquelas normas para quem não se destinavam nem penas corpoi'ais nem a pena de

morte). Em 1718, sempre de acordo com a lei, decide-se pela construção de uma nova jail para os devedores, para os aprendizes fugitivos e obviamente para os acusados à espera de julgamento, e de uma workhouse para os criminosos 23 . A empresa, naqueles teinpos, é utópica e veleitária, porém

significativa do ponto de vista político. Diversos fatores contribuíram para essa reforma revolucionária na legislação penal: em primeiro lugar, a vontade política de "emancipação", mesmo que legislativa, da mãe-pátda; a necessidade de propor uma hipótese punitiva que, de algum modo, se harmonizasse com a forte tensão ético-moral quaker; e finalmente o fascínio que as experiências mais avançadas na política social exerciam sobre uma certa intelligentsia cosmopolita e ainda culturalmente ligada à realidade européia. Há que se considerar, nesta ótica, que o projeto institucional proposto por Penn para a house of correction - às vezes chamada de workhouse - já

16

Ver Acts and únvs of English Colony of Rhode /sland and Providence Planta~

tions, in New England, in America, New Port, R. !., 1767, pp. 228-232. 11

Ver Laws o/ the Governn1ent of New Castle, Kent, and Sussex upon Dela-~vare.

Filadélfia, 1741, pp. 208-215. 18 Ver A Complete Record of Ali the Acts of the Assembly of the Province of North Carolina Now in Force and Use, Newbern, Carolina do Norte, 1773, pp. 172-174, 19 Sobre as posições de vanguarda na política social em geral e na reforma penitenciátia em particular, ver, por enquanto, entre diversos ensaios, T. Sellin, "Philadelphia: Prisons of the Eigtheenth Century", in Transactions of the American Philosophical Society, 1953, v. 43, parte!, pp. 326-330; H. E. Barnes, The Evolution of Penology in Pennsylvania, Indianapolis, 1927; H. E. Bames e N. K. Teeters, New Honzons i~i Criminology, Nova Iorque, 1943, pp. 490 ss.; N. K. Teeters, The Cradle ofthe Pem· tentiary, Filadélfia, 1955 (capítulo I); O. F. Lewis, The Development of Anzer~cafl Prisons and Prison Custo111s, 1776-1845, Albany, 1922; B. McJKelvey, Anzencan Prisons. A History of Good lntentions, Montclair, Nova Jérsei, 1977, capítulo 1.

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Sobre as implicaçõe~ sociais do sentimento religioso na política americana prérevolucionária, ver Haimert e Miller (ed.), The Great Awakening, op. cit., A. Haimert, Religion and the A111erican Mind: from the Great Awakening to the Revolution, Cambridge, Massachusetts, 1966. Mais particularmente sobre o papel das seitas quakers·nas colônias da América, ver J. Sykes, The Quakers. A New Look at Their Place in Society, Nova Iorque, 1958. 21 O texto normativo, aprovado na Assembléia de Chester em 4 de dezembro de 1682, levou o nome de The Great Law or Body of Laws. 22 O texto normativo em questão tem início com uma _deClaração não usual para a época, garantindo a liberdade de consciência e a liberdade de culto e abolindo uma longa série de delitos religiosos. N. K. Teeters detém-se neste pQilto (The Cradle of Penitentiary, op. cit., p. 3). 20

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A informação foi retirada de N. K. Teeters, The Cradle.of Penitentiary, op. cit., p.3. 159

contemplava o isolamento dos detidos, a divisão dos presos com base numa articulada tipologia e o internamento obrigatório dos ociosos e vagabundos. E mais ainda: ele previa o emprego dos presos em atividades laborais, bem como a remuneração deste trabalho forçado 24 • De um ponto de vista prático, o experimento logo fracassou. Com a morte de Penn, a legislação inglesa foi reintroduzida e, com ela, as penas corporais e em pmticular a pena de morte. Significativamente, porém, foi revogada a aplicação da pena máxima para o furto (estatisticamente, os delitos contra a propriedade representavam 2/3 do total), para o qual foi mantida a reforma introduzida em 1682, ou seja, a pena da reclusão por um tempo determinado nas workhouses. A situação penal na Pensilvânia colonial passou a se apresentar nos seguintes termos:

1. Ajail manteve a função original de cárcere preventivo. Nesta instituição, prevalece o fee system, de origem anglo-saxónica, segundo o qual o prisioneiro deve prover a sua manutenção com recursos próprios, pagando um Nessa perspectiva, já se pode perceber o equívoco sobre o qual se baseará· todo o interesse positivista pelo fenômeno criminal, i.e., a estreita equiparaçãi:f} entre delinqüente e preso. Sobre a identificação acrítica destes dois term · se fundamenta um tipo particular de ideologia cientificista, uma ideologia qu~ confundirá a agressividade e a alienação do "homem institucional" com sita intrínseca perversidade, uma ideologia que classificará e tipificará como mod diversos do ser criminoso tanto as formas de sobrevivência à realidade penitenciária quanto, num segundo momento, as adaptações aos modelos impostos, à violência classificatória sofrida pelos detentos. Mas para qu~ esta "ciência infeliz" conseguisse crescer e se impor como "ciência positiva,'~f-, como "ciência da sociedade", era necessário que o cárcere moderno, o '~cru:;, cere panóptico" se mostrasse capaz de se transformar em laboratório, eíllc · gabinete científico, onde, após atenta observação do fenômeno, se ousasse. promover o grande experimento: a transformação do homem. Foucault percebe com extrema lucidez o significado do panoptismo6 , isto. é, daquele movimento ideológico que se realizará essencialmente, em termos. completos e orgânicos, na invenção institucional, de tipo disciplinar, norte~ americana do século XIX. O cárcere, como qualquer outra "instituição total" . estruturada com base no "modelo panóptico", é de fato, uma máquina excepcional, apta para romper com o binômio "ver e ser visto"7 . Trata-se, nesse sentido, de um dispositivo que permite a poucos não-vistos observar, 4

Ver parágrafos 3 e 4 da Parte I. Micher Foucault, Surveiller et punir. Naissance de la prison, cit., p. 254. 6 Idem, cap. III, pp. 197-229. 7 Idem, p. 203. 5

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investigar minuciosamente, analisar permanentemente uma coletividade 'eternamente exposta. Realiza-se, assim, a c?ndição es~encial para que os oucos se transformem em cientistas, os muitos em objetos, em cobazas, e p l b , . _0 cárcere em a oratorto. A exposição à "curiosidade científica" é absoluta. Cada gesto, cada sinal de desconforto, de dor, de impaciência, cada intimidade será descrita, comparada, analisada, estudada. O internado introjetará, progressivamente, a consciência da sua permanente visibilidade, da sua exposição expropnante. Nesse nível de consciência, a sua salvação - ou a sua completa alienação como realidade "diversa", "desviante" - dependerá somente do seu auto-controle, da disciplina que impuser ao seu próprio corpo, da sua capacidade de assumir como modelo de comportamento a imagem do "sujeito ao poder". A altematlva só é a "destruição", a loucura. O detido observado transforma-se, assim, no instrumento da sua submissão, da sua transformação em algo diferente'. A inspeção, tornada princípio e interiorizada, transforma o aspecto disciplinar em exercício de poder tout court. Mas com base em que "projeto ideal" o poder disciplinar, o poder institucional, medirá a sua capacidade de transformar o objeto criminal? A hipótese que se projeta aqui, na sua cristalina racionalidade, é total. Exaustiva é a sua capacidade de resolver, em termos gerais, a temática do controle social das classes dangereuses. O "modelo", o "paradigma" é único; diversas são, ao contrário, as áreas de aplicação, os setores, os objetos de sua intervenção. Quer se realize no cárcere de tipo filadelfiano, quer se concretize nas instituições assistenciais (para/contra os menores transviados', para/contra a infância abandonada'° etc.), quer seguindo a própria dilatação do projeto hegemônico, que inspira as novas formas de disciplina militar 11 ou a refo~ma da instrução escolar, ou ainda a arquitetura, a geografia urbana do bamo operário, a sua dimensão real reproduzirá sempre e ao infinito - até nos mais restritos espaços sociais - a ordem social burguesa. o cárcere - enquanto "lugar concentrado" no qual a hegemonia de classe (uma vez exercitada e nas formas rituais do "terror punitivo") pode desen-. volver-se racionalmente numa teia de relações disciplinares - torna-se o "M. Horkheimer e T. W. Adorno, Dialettica dell'Iluminismo, Turim, 1966, p. 343344 (N. do T.: edição brasileira Dialética do esclarecimento, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985, tradução de Guido Antonio de Almeida). 9 Ver nota nº 93 da Parte I. w Ver nota nº 94 da Parte I. 11 Michel Foucault, Surveiller et punir, cit., pp. 212 ss. 215

símbolo institucional da nova "anatomia" do poder burguês, o lócus priv· giado, em termos simbólicos, da "nova ordem". O cárcere surge assimconíó:o modelo da "sociedade ideal". E mais: a pena carcerária - como sistema dominante do controle social - surge cada vez mais como o parâmetro de uma radical mudança no exercício do poder. De fato, a eliminação do "outro" a eliminação física do transgressor (que, enquanto "fora do jogo", se torqa destrutível), a política do controle através do terror se transforma - e. 0 cárcere é o centro desta mutação - em política preventiva, em contenção, portanto, da destrutividade 12 • Passa-se, assim, da eliminação à integração d.!> criminoso ao tecido social. Os tempos, os modos e as formas desta "transformação" do criminoso na imagem burguesa de como "deve ser" o "nãoproprietário", isto é, o "proletário", são complexos e se calcam numa outra identidade: exatamente aquela entre não-proprietário e criminoso". O tema central, vivido em termos de uma verdadeira obsessão, torna-se, portanto, a periculosidade social do potencial agressor da propriedade''. Sob esta ótica, a classe dos não-proprietários já é considerada - ideologicamente - como homogênea à dos criminosos e vice-versa. A relatividade da diferença entre os dois termos encontra uma correspondência - como um espelho - na diferença entre os mecanismos econômicos e extra-econômicos do controle social. O cárcere - em sua dimensão de instrumento coercitivo - tem um objetivo muito preciso: a reafirmação da ordem social burguesa (a distinção nítida ente o universo dos proprietários e o universo dos nãoproprietários) deve educar (ou reeducar) o criminoso (não-proprietário) a ser proletário socialmente não perigoso, isto é, ser não-proprietário sem ameaçar a propriedade. O projeto roça a utopia. Mas a educação para a sujeição, a educação para a disciplina do trabalho assalariado, a redução de toda iudividualidade proletária a "sujeito das necessidades materiais", passíveis de satisfação apenas nó/ com o trabalho alienado, encontrará no cárcere - em particular na hipótese penitenciária norte-americana - um modelo historicamente realizado. Porém, inclusive presciudindo desta dimensão objetiva (educação para o trabalho assalariado), a pena carcerária oferece ao discurso hegemônico burguês uma contribuição ideológica relevante. Com efeito, a organização interna do

12

P. Costa, II progetto giuridico. Ricerche sul/a giurisprudenza dei liberalismo classico. Vai. !: Da Hobbes a Bentham, Milão, 1974, p. 364. 13 P. Costa, ll progetto giuridico, cit., p. 358. 14 Idem, pp. 334 ss. 216

cárcere, a comunidade "silenciosa" e "laboriosa" que o habita, o tempo inexoravelmente repartido entre trabalho e oração, o isolamento ~b~oluto de cada p;esotrabalhador, a impossibilidade de qualquer forma de assocrnçao entre os operanos. ternos a disciplina do trabalho como disciplina "total", tudo isso torna os :rmos p;,,.,,digrnáticos daquilo que "deveria ser" a sociedade dita livre. "O iuterior" urge como modelo ideal daquilo que deveria ser "o exterior". O cárcere assume, s ortanto, a dimensão de projeto organizativo do universo social subalterno, a ser imposto, espalhado, universalizado: "Se todos nós ficássemos na prisão duas ou três gerações, no final o mundo inteiro se tornaria melhor" 15 •

~odeio

3. "The Penitentiary System": o novo modelo de poder disciplinar Os muros do "grande laboratório" - não mais fortaleza inacessível, como no passado, à curiosidade dos "súditos" - tomam-s~ algo relativamente "transparente": o interesse burguês pode finalmente sat:Jsfazer-se e •. mesmo, regojizar-se. Urna aparência de dernocraticidade acompanha os pnme1ros passos da "aventura penitenciária". Os bons cidadãos podem agora, pessoalmente, verificar o emprego (útil e profícuo) do patrimônio público (os altos wstos do cárcere são, de algum modo, justificados), comprovar o empenho c1vilreligiosÓ que inspira a ação do staff, constatar a ordem que reina no "universo institucional", compadecer-se da "doçura" do tratamento e do comportamento "remissivo" dos internados, informar-se sobre os satisfatórios resultados alcançados (por exemplo, a diminuição das reincidências) etc. Os depoimentos escritos acerca dessas visitas institucionais, _como já indicamos são numerosas e ricas em observações interessantes, ainda que revelem_' com as devidas e relevantes exceções - mais uma diligência de colecionador do que urna verdadeira lucidez científica, mais um amor, quase uma obsessão no ato de recolher, registrar, amontoar o maior número possível de notícias, mesmo que contraditórias entre elas, do que uma capacidade de sistematizar, em termos teórico-políticos, o material recolhido 1'.

"J. B. Finley, Memoriais of Prison Life, Cincinnati, 1851, p. 41. 16 Além da obra de B. de Beaumont e A. de Tocqueville, On the Penitentiary System in the United States and lts Applicatfon in F:an~e ,