A Sabedoria do Eu Superior

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pensamento

PAUL

BRUNTON

A SABEDORIA DO E U S U P E R I O R

tradução de R A F A E L FALCO

a EDITORA

PENSAMENTO

SÃO PAULO

Í N D I C E

I II

À Guisa de Prefácio

7

A Significação do Mentalismo

14

III

O Nascimento do Universo

36

IV

Estudos dos Sonhos

61

A Metafísica do Sono

87

v

VI VII

O Segredo do " E U "

106

O Observador Oculto

'



119

VIII

O Escorpião da Morte

127

IX

O E u Superior Imortal

157

As Sombras do Mal e do Sofrimento

172

A Guerra e o Mundo

201

A Mente-Mundial

226

X XI XII

252

XIII

O Desvelar da Realidade

XIV

Iniciação à Experiência Mística

276

A Ioga da Mente Discernente

302

Os Fenómenos Místicos da Meditação

330

Alguns Frutos da Filosofia

349

XV XVI XVII

g

CAPITULO I

À

GUISA

D E PREFÁCIO

Escrevi este livro cumprindo a promessa feita no " O Ensino Secreto além da Yoga" ( * ) , que, em verdade, foi uma tentativa para aclarar uma das vias intelectuais para os seus princípios complicados e abstratos. O aldeão hindu, quando junta algum dinheiro, umas moedas de ouro ou jóias, enterra-os o mais fundo possível no chão e daí não podem ser retirados senão após árduo trabalho. E u também, encerrei as minhas verdades mais preciosas no seio mais profundo desta obra que já encontrou leitores em todo o mundo civilizado. O 1.° volume anterior continha, cá e lá, alegações que o leitor não podia compreender plenamente se não dispusesse do ensino completo, e que poderiam conduzi-lo a falsas interpretações. Críticas apressadas saudaram a publicação do "Ensino Secreto além da Yoga", que também desgostou a muitos que não procuravam senão agradáveis páginas de leitura, e não verdades. Se desagradei, entretanto, foi unicamente por ter querido salvar o misticismo de seus piores inimigos, que não se acham fora de suas fronteiras, mas dentro delas. Os espíritos estreitos e intolerantes nunca compreenderão o duplo caráter de interpretação e de criação da tarefa assim empreendida. Não posso, pois, oferecer aos meus críticos senão minha simpatia intelectual e minha boa vontade. Compreender-nos-emos um dia, mas não neste mundo em que as coisas e os homens são julgados pelas aparências. Não me desagrada, de modo algum, esperar. Os dois volumes de que dispõe o leitor lhe fornecem um ensino que é uma tentativa para explicar à nossa época através da significação fundamental da existência, ensino redigido pela primeira (*)

A ser publicado pela Editora Pensamento. AT. da

Ed.

vez na linguagem ocidental. Uma vez lido o 1.° volume, os que esperaram pacientemente para conhecer o conjunto deste ensino oculto, em vez de se queixarem ao não perceber o fim visado, recusando-se a anotar em certos pontos as contradições que existam no livro, achar-se-ão, sem dúvida, recompensados: compreenderão melhor, visto que o primeiro volume se limitou a destacar tão-somente os primeiros planos intelectuais, deixando em plano de fundo o verdadeiro fim de todos esses esforços, — o Eu Superior. Eles verão porque é que foi preciso preparar seus espíritos em face do ensino específico dado aqui e porque foi necessário muni-los de lentes intelectuais que varassem a bruma ideológica que os envolve tantas vezes e os fazem oscilar lamentavelmente entre doutrinas e crenças contraditórias. Eles apreciarão porque foi preciso injetar o sérum do mentalismo e combater o veneno do materialismo que geralmente infeta, não apenas o pensamento racional mas, sutilmente, a maior parte do pensamento religioso e uma parte do pensamento místico.



mem estas, portanto, e reservem o resto para a ocasião em que alcançarem a maturidade intelectual nesta encarnação ou noutra. Sua esperança e seu interesse trarão para si excelentes frutos. Mesmo aqueles que não dispõem de condições exteriores nem de propensão interior necessárias para compreender esta procura, podem ser reconfortados ao saber que o Eu supremo existe, que a vida tem sua significação, que o mundo constitui um todo racional e a vida do justo traz sua recompensa. É necessário explicar que não medi sacrifícios para explorar as fontes mais intrincadas com o fim de recolher a matéria que serviu parcialmente à redação do presente livro, que não descobri o ensino oculto sob a forma de conjunto inteiriço, mas sob a forma de fragmentos dispersos entre os diversos herdeiros culturais da Ásia, muitos dos quais não são hindus. Se o primeiro volume assinala que os textos eram em sânscrito — que foi em certa época a linguagem sagrada do Turquestão oriental, do Tibete e da China, seria necessário não concluir que provinham todos da índia. Por outro lado, todos não sobreviveram até nossos dias, em sua língua original, mas somente alguns dos mais importantes, com traduções em tokhari, em chinês e tibetano. Este fato apenas chegaria para explicar porque certas críticas hindus, insuficientemente informadas, puderam qualificar de inabituais e de heterodoxos certos traços deste ensino.

O que o mentalismo procura fazer compreender é a diferença entre o espírito e o cérebro, entre a essência intangível e a coisa tangível, entre um princípio invisível e um pedaço de carne visível, revestida de ossos. Se eles se queixam do largo espaço consagrado a este assunto, advogaremos a necessidade não somente de demonstrar runa verdade pouco conhecida e difícil de ser aceita pelos espíritos modernos, mas também de impregnar o pesquisador do E u Superior da importância capital que há em bem apanhar este conceito ousado. Todo este trabalho preliminar era também essencial num sentido diferente. Com efeito, se preparou a via para as revelações mais sutis do presente volume, estabeleceu igualmente uma visão do universo, sem dúvida, radicalmente nova, para muitos leitores.

Centenas de textos foram estudados no empenho de encontrar e colecionar as ideias fundamentais. Veneráveis autoridades entraram em conflito sobre muitos pontos importantes, o que me fez compreender a necessidade inevitável de me libertar de todas elas. Isso era contrário às noções e tradições asiáticas, mas eu não podia agir de outra forma para ficar fiel ao ideal procurado.

Mesmo aqueles que não têm tempo nem gosto para se consagrar a árduas descobertas metafísicas, acharão talvez proveito nas descobertas daqueles que os têm, um e outro. Estas páginas interessarão talvez apenas àqueles que, possuindo muita perseverança para vencer seu primeiro terror pelas formas inabituais do pensamento, estejam prontos a abrir um caminho, mesmo com extrema lentidão, através da metafísica até a verdade, ainda mais sutil, relativa a este universo imaginado por Deus, que ele procura expressar. Que não se desencorajem se não tiverem apanhado este ensino em sua integridade. Ele apresenta profundidades e obstáculos, convenho, mas também planuras e simplicidades ao seu alcance. Que to-

Tendo começado as minhas pesquisas em textos hindus, fui conduzido a abandonar meu princípio original segundo o qual somente eles podiam trazer-me o ensino completo e puro e estender minha busca a toda a Ásia. Foi visitando o Cambodje que descobri o fio de Ariadne que me iria guiar através do labirinto metafísico, na pessoa de um filósofo asiático encontrado nas majestosas ruínas de Angkor. Recebi dele uma formação esotérica inesquecível, que não devia, infelizmente, dar todos os frutos, senão com certo atraso por causa de diversos acontecimentos, penosos mas instrutivos, sobrevindos durante minha estada entre místicos, puramente emotivos, e de metafísicos, puramente intelectuais, que não tinham a vantagem da sua experiência muito mais vasta e profunda.

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Todo este preâmbulo tende unicamente a estabelecer que a doutrina apresentada nestes volumes não é, em seus princípios essenciais, uma tradição localizada na índia, mas generalizada em toda a Ásia. Segundo este filósofo, que me iniciou nas descobertas da escola metafísica yakakoulgane (mongol) voltada ao estudo de uma fase particular desta doutrina, esta nasceu na Ásia central e não ganhou a índia, senão ulteriormente. Teria sido mais fácil relacionar somente o que outros homens escreveram ou declararam e muito mais lisonjeiro fazer ostentação de meu saber salpicando meus dois volumes de. citações, normas ou palavras em sânscrito, chinês ou tibetano. Mas eu me enamorei mais pela aparência austera da verdade, ainda tocado pelo que havia visto ou experimentado pessoalmente em nossa época em que o mundo treme em suas bases, para me satisfazer com outra coisa que não fosse a reconstrução plena da vida. Desse modo, não podia hesitar em fazer uso das fontes desconhecidas da antiguidade, como também refundir todos os meus conhecimentos dentro do molde traçado pela experiência científica e o saber metafísico do Ocidente. Não tinha a pretensão arrogante — eu que me considero apenas um modesto estudante — de melhorar o ensino antigo, visto que suas bases essenciais são inatacáveis e assim serão eternamente; o que desejaria era melhorar sua apresentação contemporânea e fazer a aplicação humana de uma metafísica que parece, muitas vezes, no Ocidente, sair do domínio humano. A despeito de nossas incursões pelos reinos celestes, temos necessidade, por motivos justos, de ficar incorrigivelmente terrestres. Também, embora este livro tenha sido escrito sob uma forma intelectualista para responder às exigências de nossa época, enganar-nos-íamos gravemente se supuséssemos que ele se baseia em uma inspiração moderna de antigos pergaminhos embolorados ou de textos escritos em folhas de palmeira corroídas pela formiga. Que seja categoricamente estabelecido para encorajar o estudioso: várias de suas exposições são o resultado não apenas de tais interpretações, mas da experiência corrente atual. O que anima estas páginas é o desejo de vir em auxílio daqueles que querem modificar seu género de vida, a fim de alcançar o fim supremo. Para aí chegar mais eficazmente, procurei, de maneira criadora e não imitativa, facilitar a um grupo de homens de nossa época, largamente espalhados, a compreensão íntima da existência e a realização de sua própria vitalidade intelectual.

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O que se faz necessário hoje não são os dogmas, mas dinamismos novos. Nosso século deve falar em seu próprio nome. Que o passado nos instrua, mas não nos acorrente. É a única maneira de 10

tornar essas doutrinas difíceis tão claras ao espírito do homem moderno como a água de um lago suíço o é a nossa vista.

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É, pois, sobre seus próprios méritos que apresento este ensino e não sobre virtudes da tradição da qual ele possa resultar. É aos espíritos livres, não aos espíritos acorrentados, que o ofereço. Para terminar, basta dizer que em meu esforço para dar a estas ideias uma forma sistemática e uma apresentação científica, no desejo de facilitar a tarefa dos que estudam, fazendo progressivamente decorrer uma verdade da precedente, de maneira ordenada e consistente, na ambição de dar a estas ideias um meio de expressão comodamente inteligível a meus contemporâneos, na necessidade, enfim, de basear o todo sobre fatos verificáveis; e não simplesmente sobre afirmações dogmáticas, foi-me preciso reconstruir da base à cumeada toda a antiga pirâmide de revelação exterior, sob linhas atuais. O que eu apresento aqui é uma reencarnação e não um cadáver ressuscitado. A cultura torna-se cada vez mais cosmopolita. Nenhuma ideia pode mais ser apanágio de uma só nação. Tudo o que é digno disso tende a transpor fronteiras. Além disso, a melhor resposta a fazer aos críticos orientais é que a luz interior existe em cada homem, ocidental ou oriental, que a luz da Verdade pode chegar a quem quer que seja e a descoberta do que é verdadeiro não está condicionada em limites geográficos, mas unicamente nos limites individuais. A Filosofia, no sentido integral que lhe dou, não é hoje, no Oriente, uma força viva, embora a Metafísica siga aí uma existência precária e o misticismo uma vida anêmica. Querer pintar a Ásia de hoje através destes textos sânscritos, velhos, de 2 a 7 milénios, que constituem os restos destes ensinamentos — ou dizer como certos entusiastas ou como eu mesmo na experiência da minha juventude, que o Oriente é espiritualista e o Ocidente, materialista, é cometer um erro tão grave como querer pintar a Europa de hoje através dos livros latinos da escolástica medieval. Estes entusiastas se deixam cegar pela razão de que o Oriente ficou num passado inteiramente superado. Eu vivo desde este momento na mais total independência de pensamento. Minha vida não tem sido mais que uma busca perpétua da ver dade e, se já me obriguei a mudar de opinião, a deusa que me havi enganado merece tanto a censura como eu mesmo, se alguém deve ser censurado. Durante muitos anos estudei e experimentei pessoal mente — não sem prestar atenção às experiências de outros ho-

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mens — uma multidão de ideias e de exercícios que deviam presumidamente franquear um caminho para diversas terras prometidas que cultuam as iogas, ocultas e sagradas. Não me cabe culpa se os resultados não foram sempre concludentes. Repito aqui incisivamente que nunca me revesti, ao escrever, da roupagem de um mestre e, menos, munido de palmatória. A minha única ambição foi sempre partilhar da luta seguida pelo estudante. Conheço demais as dificuldades, as obscuridades, os erros e as quedas contadas em cada quilómetro percorrido no caminho da pesquisa. Mas conheci também visitas supraterrestres e comunhões celestes; alguma coisa de imperativo me obriga a deixar, antes de abandonar este mundo, a marca de minha luta. Não quero para mim grau mais alto que o de um estudante entre estudantes, o que não diminui, de maneira alguma, a importância do que comunico aqui. É um empreendimento literalmente ousado, mas o espírito que me anima é cheio de humildade. No meio da confusão, dos desesperos de uma época em que a estrutura da civilização ruiu sobre nossas cabeças como um frágil castelo de cartas, é dever inelutável para quem quer que saiba que há uma esperança mais alta, proclamá-la por amor àqueles que o queiram escutar. Aqueles dentre nós que se preocupam com o verdadeiro bem-estar da humanidade devem propagar estas ideias, acender diante delas archotes não apenas para si, mas para os outros, porque os homens vivem de acordo com suas ideias dominantes, quer sejam verdadeiras, quer sejam falsas. Escrevo para aqueles, em pequeno número, que foram levados, pela última guerra, a constatar que nem o materialismo inerte, nem o misticismo cego podem ser suficientes aos que muitas perguntas formularam entre lábios, que procuram uma verdade superior, que englobe tudo o que vale a pena nas duas maneiras de pensar, e transcendente, entretanto, aos seus defeitos. Os homens devem vir bater à porta desta escola levados por um impulso interior, por suas reflexões desabusadas relativas às aflições e alegrias da vida presente, no seu desejo de não mais sofrer como cegos. É-lhes necessário entrar na condição definida por Virgílio: "cansados de tudo menos de compreender". E as tremendas experiências de nossa época de guerra, com seus horrores vivos e suas esperanças enterradas, aproximaram enormemente os homens desta condição. Se estes pensamentos estivessem verdadeiramente muito fora do mundo, e inacessíveis aos homens que infelizmente vivem nele, não haveria razão para empunhar a pena. Mas o espírito, sendo a base, não reconhecida, de toda a vida, o conhecimento da verdade, no que toca o espírito, não poderá trazer senão uma ajuda eficaz 12

a essa vida. É assim que as mais antigas verdades relativas à realidade e às suas sombras podem ser postas em relação com os cuidados práticos da vida individual ou nacional, como verão claramente os que tiverem a paciência de seguir o curso deste ensino até o fim. Jogo estas folhas pela janela sem ter nenhuma ilusão do que lhes advirá. Se algumas delas caírem ao alcance de um ou dois amigos para lhes lembrar sua origem e seu destino divinos, isso será seguramente o suficiente. PAUL

BRUNTON

a maior parte das pessoas só vê superfícies lisas. Não suspeita que a relatividade governa toda a existência, incluindo a sua própria. Tudo possui, pois, um caráter e um aspecto duplo e eis porque é necessário adotar dois pontos de vista. Deveríamos apenas considerar o lado prático? Não seria melhor juntar-lhe o ponto de vista filosófico? A soma de pontos de vista é, evidentemente, melhor. A percepção sensorial é parcial e incompleta. Os sentidos não nos ajudam a conhecer certas coisas sem excluir muitas outras que são do domínio de nossa experiência. Para conhecer o mundo tal como ele é realmente, são precisas dimensões vastas no campo de nossa tomada de consciência. É sobre fatos da experiência e não sobre imaginações incontroláveis que se deve basear a Filosofia. Um conhecimento que não parta da experiência nunca pode alcançar a certeza e é condenado a estagnar no domínio da conjectura. O primeiro fato é, certamente, decepcionante. A própria experiência não é realmente o que parece. As lições do volume precedente sobre a relatividade do espaço e do tempo, o golpe de vista sobre o encanto mágico pelo qual a ilusão pode nos enganar, as descobertas sobre a natureza mentalista de todas as coisas e a análise semântica das expressões e palavras com que elas se revestem, tudo se combinou para que fiquemos de guarda contra as decepções dos sentidos, os artifícios da tomada de consciência; em suma, para nos prevenirmos contra o que chamamos experiência. Esta experiência, o homem a registra no quadro das ideias que possui. Acontece que raramente ele pensa que este quadro é defeituoso e limitado e que, somente ao sair dele, pode descobrir a significação verdadeira da experiência. Kant, na maneira especulativa, e Einstein, em seu modo científico, nos ensinaram que a percepção ordinária do homem se limita a simples aparências, isto é, jamais alcança o que é definitivo neste mundo e é condenado a sempre ver o Deus da Realidade ao sabor das imagens. Nosso conhecimento se limita ao que dizem nossos sentidos. Nunca alcançamos a verdade absoluta das coisas, mas somente a maneira pela qual elas afetam nossos sentidos. Olhando por cima uma mesa polida, o olho vê aí uma superfície lisa; mas, desde que o exame se efetue com lentes de aumento, essa mesma superfície aparece extremamente desigual, com montanhas e valados em miniatura. | Em que devemos crer? No olho nu ou nas lentes de aumento? Acontece o mesmo no domínio das ideias, 14

Quando dois trens correm na mesma direção e na mesma velocidade, o viajante de um não notará que o outro está em movimento; parecer-lhe-á imóvel, baseando-se apenas nos olhos para informar-se. Esta experiência banal mostra bem a significação da relatividade e da ilusão. Ter consciência de alguma coisa é ter consciência de suas relações simultaneamente com outras coisas e consigo mesmo. O conhecimento não existe, pois, senão na base de relações; é sempre relativo. O filósofo deve distinguir: a) o estado das coisas tal como elas se apresentam a nossos cinco sentidos; b) o estado das coisas tal como elas existem em sua natureza essencial. O primeiro fornece o conhecimento baseado na aparência; o segundo, um conhecimento mais verdadeiro. O ponto de vista prático, tomado intrinsecamente, deve conduzir à conclusão de que a verdade não é acessível; mas se sublinha a necessidade de recorrer a um sistema de referências absolutas, faz seu papel na pesquisa da verdade. § O recurso a critérios materiais pode fazer calar nossas dúvidas sobre a realidade daquilo que a experiência material fornece, mas não as resolve. Com efeito, para compreender a realidade é preciso, antes, compreender o irreal, isto é, o que não é real. Não é fácil dizer o que é uma coisa como julga poder fazê-lo aquele que nunca a conheceu. Baseando-se nas impressões obtidas pelos olhos e pelos dedos, ele a toma como imóvel e constantemente semelhante a si própria, quando, na verdade se produz uma circulação constante de seus elementos íntimos, uma deslocação contínua dos seus elétrons, por exemplo, e assim esta coisa não é palpável aos dedos intelectuais. O fato parece estranho, até absurdo, e no entanto, do ponto de vista científico, as coisas não são, em sua essência, senão campos de energia eletrônica e protônica movendo-se a velocidades prodigiosas. j| Nada existe em nosso vasto universo que esteja, estritamente falan13

do, inteiramente em repouso. Como o mostrou Einstein, nós não constatamos senão aparências de repouso. Mesmo as partículas de um pedregulho inerte, à beira dò caminho, estão perpetuamente em movimento, t Que achamos quando penetramos na estrutura oculta do mundo microscópico do átomo? Seus elétrons têm um movimento de rotação permanente, seus pró tons não cessam de vibrar, g Na consciência humana também descobrimos um turbilhão perpétuo de ideias e de sensações. Há, por acaso, um só pensamento cuja duração leve mais que alguns instantes? Os pensamentos nascem num segundo e morrem no seguinte. O mentalismo demonstra que nossa experiência do mundo é unicamente constituída pelas ideias que dele fazemos. Essas ideias não têm existência permanente; apagam-se e são substituídas por outras que lhes são similares (embora não idênticas) e nos dão, assim, o sentimento de continuidade. O mundo que conhecemos não é, pois, imutável; está perpetuamente em renovação. Tudo, no domínio material como no domínio mental, está submetido à lei do movimento. Um movimento implica numa variação, o abandono de uma situação antiga, coisa ou pensamento e na adoção de uma nova, isto é, numa transformação. Daí resulta que o universo se parece menos a um edifício que a uma corrente. 9 A realidade do mundo é a sua transformação incessante. A estabilidade e a solidez que nos apresentam nossos sentidos não são senão aparências.^ Tal é o vem redito da razão. A forma tomada pela experiência humana está, pois, vincada de ilusões. ^ Não há nenhuma substância, mesmo a mais resistente, que, levada a uma temperatura suficiente, não possa ser fundida e transformada em vapor gasoso. Um gás, se é examinado num microscópio suficientemente poderoso, se revela feito de partículas cintilantes de luz em perpétuo movimento. Nossos sentidos não nos indicam, entretanto, que a luz seja, do ponto de vista científico, a matéria última do universo, nem o movimento, o estado último deste! A vibração do mundo nunca para, a energia atómica, em qualquer de suas formas, não conhece o menor instante de repouso. Nada espera. Os sábios, já há certo tempo, não dizem que a natureza se compõe apenas de coisas, mas é uma série de acontecimentos, de transformações, isto é, a natureza é um processo. Neste domínio, não podemos confiar no simples testemunho de nossos olhos, ouvidos e mãos. Somente os ignorantes acreditam singelamente que o mundo é estável e imóvel não somente na aparên16

cia. Para eles, tocar com o dedo constitui o critério último da realidade! Esta concepção é, naturalmente, essencial para a vida prática e possui, nela mesma, suas verdades limitadas. Mas, quando nos elevamos ao ponta de vista filosófico, constatamos que não resisti ao exame. Se até aí ela é justa, torna-se falsa porque não abrange todas as possibilidades do universo. A razão derruba, pois, o julgamento dos sentidos; a Filosofia faz calar a voz da opinião. Emerson disse no "Essai sur la Nature": — A cultura inverteu o aspecto ordinário da natureza ... As crianças, na verdade, crêem no mundo exterior. A crença de que ele é somente uma aparência nasce apenas da reflexão. O que a ciência descobriu, graças a instrumentos aperfeiçoados, os antigos sábios já o tinham achado, há mais de dois mil anos, unicamente pela concentração do pensamento. "Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio", afirmava o grego Heráclito, | Para aquele que percebe ria sabedoria e na verdade que as coisas não cessam de passar, neste mundo, é impossível dizer isto é disse o hindu Buda, que sublinhava também que nada se conserva semelhante em dois instantes consecutivos. Mas esta doutrina foi professada com muita antecedência por sábios da Ásia — a Leste, e da América, — a Oeste. - Eles ensinavam, exatamente como os sábios modernos, que o universo estava em perpétuo movimento e que este movimento tinha uma forma rotatória. Iam mais longe, declarando que, do mesmo modo como é impossível dizer onde começa ou acaba um círculo, não se pode indicar onde começa o cosmo, nem onde acaba. Eis porque, a fim de representar ao mesmo tempo a construção do mundo, o incessante escoamento das coisas, sem começo nem fim, eles empregavam o símbolo da suástica, que é uma forma de roda. Seus raios em cruz representam o eixo polar atravessado pelo equador, e sua rotação traduz o fato de que a terra é dinâmica, não de "matéria" inerte. A ciência escrutou a matéria sólida e constatou que ela é, praticamente, cava. O vazio da substância material é fantasticamente imenso quando o comparamos às dimensões dos elétrons que se movem perpetuamente no interior. O que vale dizer que o solo que pisamos é quase inteiramente espaço vazio. Ao nosso sentido do tato^ele é, entretanto, firme, compacto, imóvel e impenetrável. É uma ilusão devida, evidentemente, às limitações extremamente estreitas deste sentido. Não podemos nos espantar se alguns sábios eminentes, antes mesmo que outros fatos ainda mais importantes tivessem s i descobertos, tenham começado, embora receosos, a sancionar a consJ

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atação tardia de que o materialismo (*) que cogita de um mundo objetivo e material, se tornou insustentável. A ciência nova declara que os átomos não constituem, de modo algum, a última palavra, nem a matéria a substância última, como afirmava a ciência antiga. Os átomos foram penetrados; déscobriu-se que eram "ondas". Mas, ondas de quê? — perguntamos. Certamente, não de matéria, mas de energia, responde ela. Um conjunto de processos dinâmicos substitui o bloco antigo de matéria inerte.



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Mas, além das descobertas efetuadas no domínio da radioatividade, uma revolução tinha sido já lançada pela teoria da Relatividade e desenvolvida pela mecânica dos "quanta". A substância do mundo não é estável, é uma série de acontecimentos dinâmicos. O universo é um "vir a ser", não uma coisa e muito menos uma coisa material. Resumindo, vivemos em um mundo em que a realidade primeira e final não é uma coisa imóvel, mas uma força perpetuamente ativa que, fato espantoso mas verdadeiro, toma para nós a aparência de uma coisa. Os sábios que não mais crêem na matéria, crêem ainda na energia. Esta se tornou a sua "substância" última. A energia, porém, da qual eles fazem derivar o mundo, é tão incerta como a matéria. Quando nós nos inteiramos do modo pelo qual ela é produzida, não se fala senão de suas supostas "transformações", isto é, do som, do calor, da luz, e t c . . . Não encontramos a energia pura em si. Por quê? Porque ela é uma criação conceituai unicamente para fins práticos. Os sábios nunca a isolaram. Nunca perceberam senão as aparências. Como realidade, é tão imperceptível como a matéria. Como teoria matemática para fins práticos, e como símbolo de cálculo para fins tecnológicos, é extremamente útil, mas conserva-se no domínio da hipótese. Supõe-se que ela está em obra por trás do movimento universal, mas nunca foi encontrada. No fim de contas, a justificação do materialista não é a razão, como está persuadido. Ele não possui senão uma simples crença. É por um ato de fé que aceita o testemunho da experiência dos sentidos. A ciência do 19.° século pretendia poder tocar no mundo real. A ciência relativista do 20.° século começou a admitir, um pouco contrariada, que ela não tocava senão um mundo de abstrações. Descobriu que abordava apenas certos caracteres particulares

(*) 18 uma doutrina segundo a qual toda a coisa presente à experiência dos sentidos constitui a realidade final; crença em que o conceito "matéria" representa o que se acha no fundo desta experiência; ideia de que o universo todo é feito desta matéria em movimento.

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de uma coisa, nada mais, e talvez nem a própria coisa. Ela se move numa direção que a constrangerá — e esta predição realizar-se-á antes do fim de nosso século — a constatar, conforme seus próprios fatos e seu próprio raciocínio, que a substância do mundo é a mesma de que são feitas as nossas ideias. Verá então que a energia não é a raiz original do universo, que a realidade última, sendo de caráter mental, não pode limitar-se a ela, que constitui unicamente um dos aspectos principais desta realidade, não uma força independente. O próprio espírito é a fonte de energia à qual a ciência desejaria reduzir o universo. Em suma, descobrir-se-á que a energia é um atributo do espírito, alguma coisa que este espírito possui como o homem possui o poder de falar. Este espírito não é, evidentemente, a fraca coisa que designamos por esse nome e que não é senão uma sombra, mas a realidade projetando essa sombra, o Espírito universal, existindo por detrás de todos os nossos pequenos espíritos. A ciência moderna começou a estudar e descrever as propriedades das coisas; ela não poderá acabar senão descobrindo a sua substância última. Porém, antes de aí chegar, a significação revolucionária de suas próprias descobertas a obriga a fazer uma espécie de salto perigoso que a fará recair na metafísica. Suas conclusões derradeiras acabarão por se confundir com aquelas a que chegou, de que a matéria era uma simples criação verbal e a energia, unicamente, uma atividade do espírito. Embora os sábios se esforcem em dizer, depois de procurar levadas a fundo, que toda a substância física está em perpétuo movimento, que seus átomos são conjuntos turbilhonantes, continuamos a ver somente coisas sólidas e estáveis. Nenhum raciocínio pode afastar este fato da experiência. Achamo-nos diante de um paradoxo espantoso. Como resolvê-lo? Poderemos nos aproximar dessas concepções tão opostas? Sim, podemos. A luz solar, por exemplo, ao passar através de um prisma, se manifesta como não sendo o que ela parece, visto que se decompõe em sete cores. Um diamante brilha à luz, sua composição química é a mesma, entretanto, que a de um pedaço de carvão. O primeiro aspecto não é, certamente, o bom para certos fins. Os sentidos nos informam sobre a aparência das coisas, mas não sua realidade. Vimos no primeiro volume, ao estudar as ilusões, que é perfeitamente possível perceber formas cuja existência é puramente mental. Se vemos uma coisa perfeitamente inerte, quando nos diz a ciência que ela se acha em movimento perpétuo, ficamos no direito de concluir que esta anomalia provém das limitações das nossas per19

cepções que, finalmente, constituem nossa consciência. A estabilidade que constatamos não pode ser senão uma construção mental. Somos obrigados a relegar a atualidade da coisa ao domínio do espírito de onde ela nunca saiu, aliás. Tal é a significação fundamental de todas as mudanças de forma como é a explicação da relatividade. O paradoxo se torna explicável racionalmente e desaparece uma vez que compreendemos que sua experiência do mundo tempo-espaço-matéria, uma vez colocada em sua. origem oculta, se revela uma construção mental. O mundo que conhecemos é feito de pensamentos e de sentimentos, porque, com efeito, cada sensação é pensada e experimentada como tal. Em que consiste este mundo fora deste conjunto de ideais e emoções? Não existe mundo físico no sentido que os ignorantes dão a esse nome. Existe, isso sim, uma série contínua de pensamentos que se manifestam de instante a instante, salvo apenas no momento do sono sem sonhos. A percepção e o pensamento são unicamente fases da atividade do espírito, a primeira dependendo da segunda. Se pensamos, o mundo aparece; se não pensamos, o mundo desaparece. A conclusão de que o espírito e o mundo são inexplicavelmente fundidos é inelutável. Uma análise final do mundo demonstra que é de uma substancia inteiramente diferente da de que parece ser fpito. Cada objeto material, seja um rochedo ou a nuvem que ornamenta o céu, nada mais é que um fragmento do espírito, isto é, uma ideia. A multidão desses fragmentos, cuja totalidade constitui o universo não é outra coisa, em última análise, que as modificações infinitamente variadas de um único elemento original que é o Espírito. Isso permite perceber a grande verdade que o Espírito, como essência imaterial, é fonte final de onde nascem a energia e a matéria. A R E L A T I V I D A D E DO MUNDO O mentalismo deve seu nome ao princípio fundamental segundo o qual o Espírito constitui a única realidade, a única substância, a única existência: as coisas, sendo nossas ideias e nossas ideias formando-se em nosso espírito. É uma doutrina afirmando que em última análise não há nada fora do Espírito. Vimos no primeiro volume, que os objetos de que temos conhecimento, não têm lugar senão em nosso espírito, que o mundo inteiro é uma construção mental.§ Não seria possível nessa obra preparatória, fornecer uma explicação suficiente e oferecer a justificação final desta doutrina. 20

Quando consideramos bem atentamente o mundo físico, seja sob a forma da experiência corrente, seja sob a forma de reavaliação científica desta experiência, descobrimos realmente que o mundo é aquilo que nossos sentidos anunciam. | Estes nos indicam somente a cor, a forma, o peso, a resistência, a temperatura e outros carateres de uma coisa, não podem dizer-nos que existe uma "matéria" separada apresentando estas propriedades. Declarando que esta substância existe, formulamos unicamente uma opinião, não um conhecimento. Indo mais a fundo, descobrimos que o que nos dizem os sentidos é o que justamente diz nosso espírito. Cada um admite que somente conhecemos as coisas do mundo segundo o modo com que nossos sentidos tomam conhecimento de suas propriedades. O simples contato físico dos sentidos não chega para provocar esta tomada de consciência. É preciso alguma coisa mais. E somente a tomada de consciência mental daquilo que anunciam os sentidos que nos dá o conhecimento do mundo. Impossível sair daí: o único mundo de que temos o direito de.falar é de caráter mental. Os próprios materialistas não podem deixar de concordar; são incapazes de nos mostrar um mundo inteiramente despojado deste caráter mental. O termo "mentalismo" aqui empregado não representa a forma híbrida chamada "idealismo objetivo", sob a qual alguns de seus princípios elementares foram adotados por um certo número de metafísicos ocidentais e hindus, mal desvencilhados ainda de suas tendências materialistas. Eles distinguem as coisas mentais das coisas materiais declarando que, embora tenhamos somente conhecimento das primeiras, é preciso admitir a existência de suas contrapartidas materiais. Eis aqui o sentido que lhes damos: todas as coisas da experiência humana, sem exceção alguma, são coisas inteira e unicamente mentais e não cópias de coisas materiais; o panorama da existência universal, em sua totalidade, não é outra coisa que uma experiência mental e não somente a representação mental de uma existência material isolada; podemos chegar a estas conclusões não somente pelo raciocínio lógico, mas também por uma reorientação do conhecimento no correr da meditação mística avançada. Mas o materialista objetará, com um semblante de pertinência, que o mentalismo anularia teoricamente toda a existência do universo antes de haver podido aparecer a um espírito capaz de o perceber, porque durante os imensos períodos geológicos da terra antes do aparecimento do homem, não havia espírito humano para poisá-lo e nenhuma ideia para representá-lo. Não poderia, pois, ser tomado em consideração. Do mesmo modo, o crítico religioso ortodoxo ale21

gará que nenhum homem pôde observar o acontecimento da criação divina, nem o período de preparação do planeta que o seguiu, porque o homem ainda não havia sido criado por Deus; nenhum espírito humano pôde tomar conhecimento dela e nenhuma ideia da criação, portanto pode nascer. Um preâmbulo é necessário antes de responder a essas críticas. Quer consideremos o mundo de hoje, percebido pelos sentidos, como formado por um conjunto de ideias separadas na consciência ou pelas aparências isoladas de um observador, não podemos abstraí-lo em uma existência, completamente independente. Alguma coisa liga todos os fatos cambiantes da experiência e une os diversos acontecimentos exteriores. Se procurarmos a significação disso, descobriremos que esta ligadura, de que dependem, é o espírito que os percebe. Algum espírito deve sempre acompanhá-los porque eles não existem senão nele e para ele. A série das experiências é feita em continuidade pela própria continuidade do espírito que a observa. Não existe realidade independente, nem a existência separada no mundo conhecido — o único que podemos considerar — fora do espírito. Tudo o que é pensado, sentido ou observado é ligado de um modo ou de outro ao espírito que pensa, sente ou observa. Crer que as ideias podem existir separadamente sem um ser pensante para concebê-las e percebê-las é crer no absurdo. Nossos cinco sentidos não nos dão o conhecimento da existência do mundo senão porque temos o conhecimento de nossa própria existência. As ideias não podem ficar suspensas no vazio; elas têm necessidade de um solo de repouso e este solo está sempre pronto, suporte ou não ideias. É este princípio mental que nos permite por em dúvida o valor nominal das aparências materiais porque sua existência a ele só se refere. Pensar no mundo pressupõe a existência simultânea de espírito pensante. Mas o eu pensante é rodeado pelo não-eu, isto é, pelo que é exterior ao corpo, Tudo o que pertence a esse domínio exterior constitui o que se chama o mundo. Os dois não podem ser separados. A ideia do eu, em si próprio, implica que ele é distinto do que não é "ele", isto é, daquilo que lhe é exterior. Cada um deles pressupõe, pois, a existência do outro. O eu existe para seu mundo e o mundo existe para ele; os dois são interdependentes porque, embora sentidos na experiência, como separados e opostos, são conhecidos pela análise, unidos e amalgamados. Eles aparecem sempre juntos. Estão sempre presentes juntos no conhecimento ordinário; nunca o eu aparece separado na experiência quotidiana. 22

O materialismo que se declara incapaz de compreender o mentalismo, cegado que está pelo que percebe como um contraste evidente entre as coisas exteriores e os pensamentos interiores, esquece de considerar que elas podem ser distintas mas não separadas do conhecimento mesmo. Estes dois elementos — o eu que conhece e o não-eu que é conhecido apresentam-se sempre como contrários, o que não os impede de estar indissoluvelmente ligados em cada ato do conhecimento. Podem parecer separados no espaço, mas não o são na consciência. Nosso estudo sobre as ilusões nos mostra que o "mentalismo" não as impede de ser sentidas como se fossem exteriores ao corpo. Assim, pois, conforme a linguagem técnica de Einstein, o observador entra em toda observação. Os dois são inseparavelmente associados no momento indivisível de cada consciência individual. É absurdo crer que a idéia-mundo possa existir sem estar presente em uma consciência desta espécie. Podemos agora retomar as objeções de nossos críticos. Diz-se que fomos precedidos pela nebulosa e esta, resfriando-se, deu lugar ao sistema solar, depositou seus estratos, enrugou-se para formar as cadeias de montanha, foi habitada em seguida pelos dinossauros gigantescos e por miríades de animais já desaparecidos. A Geologia, a Astronomia e a Biologia nos fizeram descrições apaixonantes dessas épocas passadas. Mas não são senão descrições. E não será a consciência que restituiu sua existência? Esquecemos que, no fim de contas, não se trata senão de reconstruções mentais e de imaginações. 5 Tudo o que conhecemos da idade da pedra, na Europa, por exemplo, é alguma coisa de construído por nossa imaginação. Descrevemo-la como se tivesse sido vista por alguém. O fato de que uma imaginação exista implica a existência de um espírito. Uma aparência implica um observador vivo. Nem a imaginação nem as aparências podem ser concebidas se não estiverem realizadas por alguma consciência. O que a Física e a Biologia nos dizem da vida antiga em nosso globo, não se pode entender sem implicar a presença de um observador vivo, inconscientemente suposto e capaz de o conceber. Como poderiam os pardos rochedos e os mares azuis ser pensados de modo diverso do que supondo-os vistos? Como poderiam eles ser vistos senão pela consciência de alguém? As duas coisas, o existente e o conhecido realizam uma união quase mística. O homem não pode separar o que a Natureza uniu! A relatividade não nos revelou que o observador existe sempre, consciente ou inconscientemente, em cada ato da percepção, tanto quanto em cada ato da descrição?

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Vê-se, pois, que, nas objeções do materialista e do crítico religioso, existe um observador inconfessado, porque, mesmo quando falam de uma época em que o planeta era inabitado não o fazem senão em termos, que implicam uma percepção pelo espírito e não o poderiam fazer senão assim. Um planeta não existe e não pode existir fora de uma tal percepção. Eles não podem falar de nenhuma existência que não seja uma existência conhecida. A perspectiva do mundo, de onde eles pensam ter completamente eliminado todo observador, pressupõe a coexistência de um tal observador! Todo aquele que cita ou descreve um mundo inabitado, um lugar ainda virgem, é obrigado a tomar como base dessa descrição a presença de alguém que haja tomado um contato experimental com esse mundo ou lugar. É apresentar a posição do mentalismo de maneira inteiramente errónea quando o fazemos afirmar que o mundo não existe quando não pensamos nele, que uma montanha desaparece quando nenhum homem a olha e reaparece quando se apresenta alguém. O que o mentalismo afirma é que a existência do mundo em si mesmo, sem un} espírito que o perceba «5o pode ser provada. Cada mentalista supõe inconscientemente a presença de um tal espírito ao presumir que o mundo pode existir independentemente. Um mundo que não é objeto de consciência fica ainda a descobrir. Se se objeta finalmente que o mundo não desaparece quando cessamos de pensar nele, no sono, por exemplo, responderemos que o crítico se engana grosseiramente se quer dizer que ele não desaparece do homem adormecido, mas tem razão se quer dizer que o mundo não desaparece para aqueles que ficam acordados, ff No primeiro caso, ele substitui inconscientemente o que dorme por um espectador imaginário. Não esqueçamos a lei irrevogável da experiência do mundo: a suspensão completa da atividade do espírito produz o sono ou o coma, sua volta completa produz o estado desperto. Daí resulta que a atividade do espírito, que é o pensamento, está indissoluvelmente ligado à experiência do mundo que nasce com o estado desperto. É esta atividade que dá origem à experiência, visto que o espírito, e nada mais, fornece todos os elementos de sua própria experiência. Eis aí o que proclama o mentalismo: o conhecido e o existente coincidem e a inteligência mais sutil não os pode separar. Se procuramos imaginar um mundo fora do espírito chegamos a uma impossibilidade. A existência pressupõe uma certa vida e a vida, por sua vez, pressupõe uma certa inteligência que indica, naturalmente, a presença de um espírito. Consequentemente, se nós retiramos o espírito do mundo nada mais haverá. Compreendendo-se bem isto, a questão de saber o que acontece ao mundo nos intervalos em que se tem a consciência de sua presen24

ça e a pergunta conexa de saber como é que um planeta inabitado pôde ser observado tornam-se impossíveis e não podem ser propostas: elas supõem para nós desde que nos desviamos dela, mas a ideia similar pode continuar a ter uma existência independente em outros espíritos observadores. O problema se formula, portanto, de outro modo: de que espírito se trata, neste caso? Em suma, o mundo no qual vivemos e nos deslocamos vem ao nosso conhecimento somente porque nosso corpo é sensível a ele, de cinco maneiras diferentes, isto é, porque o tocamos, o vemos, ouvimos e lhe percebemos o cheiro e o gosto. Suas cores, formas, distâncias, por exemplo, não existem para nós senão porque elas existem para nossos olhos. Elas são a experiência visual, uma experiência sensorial. Más as impressões sensoriais em si mesmas não têm nenhum sentido se não chegam ao espírito e não são por ele traduzidas. Se a realidade do mundo conhecido reside nas impressões sensoriais, a realidade destas reside em um espírito vivo. O indivíduo, por conseguinte, se acha por detrás do mundo, embora, paradoxalmente, ele aí esteja igualmente compreendido. É preciso levantar este paradoxo, porque se tomamos o espírito de um indivíduo como a única fonte de sua experiência, caímos na curiosa situação de fazer dele o único criador e timoneiro deste imenso cosmo, tão variado, cheio de estrelas e de planetas. É absurdo! Uma árvore recusará, evidentemente, de se mudar em rio a seu mando. Manifestamente, deve existir um outro elemento por trás da experiência individual, um elemento criador e contribuitívo fora do controle do observador e como se estivesse fora de sua consciência. É a unidade de ação dos dois elementos, o individual e o supra-individual, desconhecido, que deve dar-nos uma explicação inteligível da existência e da estrutura do mundo acessível à nossa experiência. Portanto, embora nosso ponto de partida seja o de que as impressões sensoriais constituem nossa primeira visão do que é real no mundo experimental, somos constrangidos a chegar a um fator mental supra-individual para obter a visão definitiva do que nele é real. No primeiro volume, sugerimos que o antigo mundo inabitado devia ter sido objeto de consciência para algum espírito, como o é o mundo de nossos dias. O momento é chegado de cobrir esta lacuna na explicação. A exposição feita no X I capítulo do primeiro volume deve ser desenvolvida para conduzir o leitor à posição mais alta que lhe vai ser revelada. Constatamos que nossas impressões sensoriais não provinham de um mundo material anterior e separado. Elas devem provir dum

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poder criador de nosso próprio espírito que funciona, independentemente de nossa intenção e acima de nosso eu consciente. Mas embora saibamos que nosso espírito representa um papel subconsciente na criação da experiência fazendo apelo ao capital das experiências anteriores, não podemos restringir o nascimento das coisas unicamente ao nosso espírito limitado; seja o que for que fizermos nenhum ser humano é, pessoal e voluntariamente, responsável pelo mundo que o cerca. Nós nos achamos, entretanto, diante do fato demonstrado, de que as coisas e o mundo nada mais são que pensamentos e seu começo deve ter sido o produto de algum espírito. Existirá com certeza uma causa desconhecida da sucessão constante de formas-pensamentos que nos são apresentadas como experiência. Esta causa existe e é preciso dar-se conta disto. As formas-pensamentos que entram na consciência individual, devem ser, pois, o correlativo mental de um espírito supra-individual, possuindo o poder, ao mesmo tempo, de as modelar e as impor ao espírito individual. Porque não nasceriam elas em um espírito menos limitado do que o nosso e ao qual este pertenceria sem que tivéssemos consciência? Porque limitar as possibilidades mentais ao círculo estreito da experiência humana? Porque não conceber as coisas, o eu e o mundo, como sendo na origem, trazidos à existência por um espírito super-humano que vnje em relação íntima com o nosso? Não temos o direito de querer obstinadamente, que o mundo seja um objeto de consciência para qualquer pessoa munida dos cinco sentidos, isto é, unicamente por um ser humano ou animal. Isto seria um antropomorfismo da experiência, seria considerar ilegitimamente uma experiência limitada como constituindo a mais alta forma possível de toda experiência. A existência não pode ser limitada simplesmente aos dados fornecidos pelas sensações humanas, unicamente às imagens que se apresentam aos cinco sentidos. É um erro limitá-la ao simples conteúdo da consciência humana. Uma pequena reflexão mostra quanto é absurdamente limitada esta consciência, visto que ela é incapaz de ver os milhões de seres inferiores ao homem na forma de micróbios que enchem a atmosfera. A inteligência deve admitir que um ser superior ao homem pode ter lugar neste universo tão variado. O homem não pode ser a última palavra da natureza. Não é razoável crer, desde que existem miríades de formas de vida diferentes, abaixo do homem, escala de evolução, que não possam igualmente existir outras formas que lhe são superiores, mesmo uma forma última de inteligência suprema que possua uma percepção cósmica das coisas. Haveria, de algum modo, arrogância, se atribuíssemos a esta inteligência superior apenas os sentidos desenvolvidos pela experiência parcial do homem, 26

visto que ela pode tomar consciência do mundo a seu próprio modo muito mais vasto. Deve se tratar de espírito universalmente difundido, caso contrário não se poderia ter consciência destas miríades de coisas e seres que existem pelo mundo. Ele deve ser original, permanente, existindo por si mesmo, sem o que não poderia apanhar todas as mudanças, todas as vicissitudes que não cessam de se produzir no curso da existência contínua do mundo. Esse espírito deve estar constantemente ligado ao universo, sem o que não poderia observar. E um tal es pírito, sem limites, que seria o observador necessário de um mundo inabitado ou local virgem. E não é apenas na base de um raciocínio lógico, mas na da intuição ultramística que o ensino oculto afirma a existência deste espírito supremo. Não somos apenas testemunhas de nossas próprias impressões, mas também co-participantes de uma experiência comum. A despeito da relatividade do pormenor em todas as observações feitas no tempo e no espaço, uma montanha não é uma montanha para uma pessoa e um rio, para outra. Sua identidade geral de montanha é um fato para todos os observadores. As sensações de milhões de homens estão ligadas entre si e, pelo menos superficialmente, semelhantes para o mundo físico presente a todos. Esta ligação indica que elas têm uma base comum. O fato de que outros têm uma percepção do mundo exterior e similar à nossa prova que todos somos englobados em um superespírito único e permanente. Uma paisagem percebida em sonho parece tão exterior no espaço como uma paisagem contemplada em estado acordado. Mas a primeira não é vista senão por nós mesmos, enquanto que a segunda o é por todas as criaturas dotadas de olhos. A primeira nasce unicamente de nosso pensamento; a segunda é dele independente. Esta diferença é tão importante como a constatação segundo a qual as duas paisagens são puramente mentais. Ela existe porque nós vfàemos todos num universo de ideias e porque a segunda paisagem não cessa de existir para seu pensador original — o espírito cósmico em que tudo está incluído. É a mesma resposta que se precisa fazer à objeção de que a existência do mundo não depende de nosso pensamento voluntário que não é o produto arbitrário de cada espírito isolado e individual, mas é imposta aos sentidos do indivíduo, agrade ou não. Mesmo aqueles que podem compreender que o espírito é, ao mesmo tempo ator e espectador, no drama universal de luzes, cores, sons, cheiros e sensações e podem apanhar que o ato de pensar é, em si mesmo, criador visto que ele constrói seu tempo e seu espaço e podem julgai

que o cosmo, ém sua integridade, é unicamente uma forma-pensamento e que nada pode chegar à experiência humana sem ser pelo pensamento, — não podem explicar porque, quando não têm nenhuma intenção deliberada de criar o mundo seu pensamento pode fazê-lo, inteiramente ignorante do funcionamento interior do processo que o cria. A imagem do mundo não entra em existência conforme sua vontade arbitrária; é alguma coisa mais de que lhe é dado. Eles fazem a experiência em si mesmos, mas sabem que não a criam. A doutrina, ensinando que um pensador cósmico, operando por trás do espírito individual de modo subconsciente, e que logo será explicada, preenche esta lacuna em sua compreensão. Deve reconhecer que um outro Espírito age sobre o seu. Se o indivíduo e seu mundo espaço-tempo são indissoluvelmente ligados, se é a consciência individual que, por sua própria natureza, contém o mundo, se por conseguinte, a consciência é a realidade dos dois, é porque eles dois são somente manifestações de uma terceira coisa que lhes é transcendente e deve, pois, ser uma forma mais elevada da consciência. Quanto à similitude das sensações, ela se explica pelo fato de que esta alta consciência que anima os espíritos individuais não é senão uma e mesma coisa só o Espírito comum universal. O mundo que se estende aos nossos olhares é, assim, a indicação da presença de um Espírito onipresente que imprime sua imagem aos nossos sentidos, pelo interior. Cada objeto não é somente uma ideia no espírito individual, mas também uma ideia no espírito universal. Com efeito, este não é um criador arbitrário nem alguma coisa de separado e independente do individual. Ambos contribuem a construir o mundo individual. No próximo capítulo exporei como é que isso se produz e o processo psicológico pelo qual o espírito particular recebe estas ideias. Como se pode compreender que o mundo continue a existir nos intervalos, tais como os do sono, em que ele se tornou inexistente nas sensações de numerosos indivíduos? Como se compreende que os móveis de uma sala fechada continuem a existir quando não se acha ninguém dentro dela? Como é que o cosmo existiu antes de entrar nas sensações de criaturas vivas e como continuará ele a existir, quando todas essas criaturas tiverem perecido? A única resposta possível a todas essas perguntas é que é preciso admitir uma relação, não somente entre o mundo e o indivíduo, mas também entre o mundo e um Espírito universal. É preciso, além disso, reconhecer que as operações mentais de todos os homens são finalmente ligadas entre si, pelo que todos vêem o mundo na mesma ordem espaço-tempo.

Qual é esta ligação? É simplesmente a sua existência múltip em um E S P I R I T O único maior, à maneira como existem milhar de células em um corpo. O que determina a experiência que um h mem tem do mundo pelo interior, a determina igualmente em um outro. De fato, há uma unidade oculta englobando todos os espíritos humanos do mesmo modo que um grande círculo engloba uma quantidade de outros menores e concêntricos. Se alguma região polar fica desconhecida, impensada por um ser humano, não fica por isso menos conhecida e pensada pelo ESPÍRITO universal. Sua existência primeira não lhe é conferida pelo pensamento humano, mas pelo pensamento divino. Uma coisa não é apenas uma ideia na consciência individual, embora ela seja a ideia formada por esta própria consciência. Aí está porque o mentalista não nega a existência de todas essas coisas que não entraram, num momento ou noutro, no campo de sua experiência. Que nome é preciso dar a este ESPÍRITO supremo? Antes de utilizar um termo tão nebuloso como DEUS é preciso antes defini-lo. Mas Ele já tomou tantas definições diferentes em intelectos tão diversos que é difícil, se não impossível, achar uma que satisfaça a todos. É por isso que temos o direito de empregar um termo que contenha a sua própria explicação. Empregaremos, portanto, no decorrer desta obra a expressão — ESPÍRITO-MUNDO para designar esta inteligência universal. Expresso em linguagem poética, este ESPÍRITO-MUNDO é a alma da Natureza.

AS COISAS PODEM SER PENSAMENTOS? A experiência sobre o mundo reveste uma forma dupla. Não temos somente as coisas que se apresentam à nossa atenção por nosso quadro sensorial, temos também as que nos apresentamos, a nós mesmos, introspectivamente. Devemos, porém, colocar o mundo exterior que é, tão manifestamente o mesmo para nós todos, no mesmo plano do mundo interior de nossas fantasias arbitrárias e pessoais? Como faremos para esse fim? Devemos estabelecer um paralelo entre a forma rígida, não deformável, relativamente estável e em repouso, e o mundo plástico de nossos pensamentos interiores cambiantes? O mundo real, como o chamamos comumente, as coisas enfim estão num estado de fixidez perfeita, mas os pensamentos que lhes concernem variam perpetuamente. As imagens e as ideias aparecem e desaparecem mais ou

menos à nossa vontade, dobram-se aos nossos desejos, enquanto que as impressões sensoriais se conservam mais ou menos inafetadas por essa vontade ou desejo. O mundo físico se impõe fora de nosso poder, enquanto este poder se exerce sobre as imaginações que ele provoca. Como é possível fazer entrar na mesma categoria uma ideia, como a da lembrança de uma árvore, que representa o processo interior do conhecimento dessa árvore, e a própria árvore. Ninguém percebe que os fatos da imaginação individual e os objetos da experiência física são os mesmos na consciência, mas cada um reconhece que existe uma forte diferença entre eles. Aí está sem dúvida um dos mais graves percalços no caminho da maioria dos estudantes desta doutrina. É este contraste impressionante que obriga a humanidade a supor que os objetos em torno dela são substanciais e reais, enquanto julga que as ideias, as lembranças, as imaginações e as imagens mentais relativas são irreais e sem substância. Como pode acontecer que uns e outros não sejam de fato, uma só e mesma substância?

I

A resposta é que esta distinção se justifica quanto ao grau somente e não quanto à espécie; é uma distinção sem diferença que não destrói o caráter essencialmente mental do mundo exterior. O que se chama habitualmente uma coisa é, como veremos ulteriormente, uma criação do espírito cósmico, antes de tudo. O que se chama, habitualmente, um pensamento é apenas uma criação do espírito humano. As ideias diferem pela força, pela intensidade, pela vivacidade que tomam na consciência. Não perderão por isso como ideia. Enquanto os mentalistas são os únicos a aceitar os objetos da experiência como estados mentais, todo o mundo aceita como tais e sem hesitação, as ideias que a experiência faz nascer. Mas os pensamentos nascem somente para o indivíduo que os forma, enquanto que as coisas existem para todos e de modo semelhante. É a segunda distinção importante que apresentam. Por que é que existem diferenças tão evidentes entre as duas categorias de experiências se as duas são mentais pelo caráter? Por que é que nos sentimos tão seguros e categóricos relativamente à experiência das coisas? É porque conhecemos uma das categorias em um conjunto de condições diferentes daquele pelo qual conhecemos o outro, embora eles sejam puramente mentais. A diferença entre as coisas materiais e os pensamentos, e também as lembranças, é exatamente a mesma que há entre as experiências do estado de vigília e as do sonho, isto é, as primeiras são comuns a todos c as segundas, inteiramente pessoais. A grande força com a qual uma

impressão sensorial se impõe à nossa consciência vem de sua origem cósmica; a pequena força da imaginação interior vem de origem humana. Cada um pode reconstituir sensações físicas utilizando imagens da memória, mas essas sensações reconstruídas não possuem a potência das originais. Não compreendemos ordinariamente, que aqui nos defrontamos apenas, com uma diferença na qualidade da nossa tomada de consciência e cometemos o erro de ver que se trata de uma diferença de espécie. Essa diferença se produz não somente por causa da origem cósmica de nossa ambiência como também porque o espírito está continuamente concentrado quando olha o exterior e apenas o faz vagamente, com intermitências, quando olha o interior. A consequência da primeira atividade é a experiência física exterior, c a segunda, a experiência imaginativa interior; as duas porém são do mesmo tecido mental. Aí está porque em certos momentos de intensidade particular, mesmo as formas-pensamentos do segundo grupo tomam toda a potência das do primeiro. Esses momentos são conhecidos pelas pessoas que se amam, marido e mulher, por exemplo, quando separados por uma eventualidade dolorosa qualquer; por poetas, pintores, romancistas, no grau mais elevado de suas imaginações criadoras; sentem assim também os místicos, mergulhados em seu santo ideal. Não negaremos que as coisas exteriores pareçam completamente diferentes dos pensamentos interiores mas é preciso negar categoricamente que, qualquer que seja sua força e sua consistência, elas possam existir fora da experiência do espírito. A fraqueza relativa às imaginações particulares, a força relativa às impressões sensoriais, a inegável diferença de acuidade, de atualidade que existem entre essas duas categorias de pensamentos, dissimulam sua identidade oculta, dissimulam que elas são formadas de uma substância fundamental única. Isso explica igualmente por que é que o espírito divide sua atividade de maneira tal que um género de experiência é público e o outro é privado, do ponto de vista, do caráter e dos sentimentos pessoais. O Espírito-Mundo possui o poder de irradiar suas imaginações, de projetar suas construções de pensamentos, de encher seu próprio e aparente vazio por inúmeros pensamentos de coisas, de tal modo que eles são apreendidos pela humanidade inteira. Cada indivíduo recebe expontaneamente essas ideias através de suas próprias operações mentais. A persistência da ideia do mundo, a semelhança da impressão que ela produz nos inumeráveis espíritos, sua acuidade sua caraterística concreta nos são impostas de maneira poderosa, quase magnética. Elas são mantidas sob nossos olhares diante de nossa experiência pelo Espírito-Mundo como se fossem estáveis e imutáveis e se refletem as31

sim sobre nossos espíritos individuais. Dizemos — como se ela fosse.*., porque esta instabilidade e imutabilidade do mundo exterior só existem de conformidade com os critérios de nosso tempo presente. O que é imutável durante um milhão de anos para nosso espírito limitado pode facilmente igualar-se a um simples. segundo no pensamento do Espírito-Mundo. O tempo