A Busca do Eu Superior [1]

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AUTOR DE O

runton

SECRETO,flÍNDIA SECRETA, ETC

pensamento

PAUL

BRUNTON

A BUSCA DO EU SUPERIOR Tradução

de

GILBERTO BERNARDES DE OLIVEIRA

EDITORA

PENSAMENTO SÃO PAULO

ÍNDICE PRIMEIRA P A R T E : I —

Preâmbulo:

II — O

O

A ANÁLISE

Escritor F a l a da sua O b r a

Mistério do Homem

9 37

I I I — A Análise do E u Físico

53

IV — A

73

Análise do E u Emocional

V — A Análise

do

V I — Eternidade

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Dentro

91

do

Génio

117

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Génese

Eu

Intelectual

80

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SEGUNDA P A R T E : O S E X E R C Í C I O S V I I I — A C u l t u r a Espiritual dos Sentimentos mais Nobres

131

IX — O

Exercício do Domínio Mental

145

X — O

Caminho da Auto-Investigação

158

X I — O Mistério XII — O XIII — O

da

Respiração

Mistério do Olho

179

Mistério do

195

Coração

X I V — O E u Superior X V — O E u Superior em Ação X V I — A Busca Epílogo

168

213 221 233 254

Dedicatória a Sua Alteza

SRI KRISHNARAJA

WADIYAR

B A H A D U R I V , G.G.S.I.,

G.B.E.

MARAJÁ D E M I S O R E

Alteza: No momento em que, esgotado pelo calor tropical e enfraquecido pela temperatura escaldante da Índia meridional, deparei-me com a tarefa ingente de escrever o grosso desta obra, teve Vossa Alteza a bondade de colocar à minha disposição um retirado local de veraneio situado no cume do Monte Kemmangandi, na cordilheira de Baba Buda, possibilitando-me assim desempenhar-me da minha tarefa em ambiente mais fresco e em melhores condições físicas. \.• Ali, em sítio tranquilo e solitário, pude dedicar-me sem estorvos à difícil tarefa de erigir uma ponte entre os antigos métodos de domínio da mente, tal como praticados na pátria de Vossa Alteza, e as modernas necessidades psicológicas da minha gente ocidental. Ali, o encanto infinito e a opulenta grandeza da Natureza contribuíram com grande dose de inspiração para a feitura desta obra. Todos quantos formaram sua ideia da Índia a partir de suas planícies extensas e monótonas jamais esquecerão, desde que tenham a ventura de conhecer o país, o panorama de Misore, com suas montanhas verdes e marrons revestidas de florestas, suas matas brenhosas, suas quedas d'água saltitantes e seus vales encantadores, para não falar do céu crepuscular tinto dê lilás $ rubro incandescente ou então coalhado de nuvens prateadas e fosforescentes. Foi-me agradável recordar que o Kemmangandi havia sido santificado pela proximidade da Gruta de Babèb Buda, onde, séculos antes, o Divinizado e Místico Dattatreya fizera suas derradeiras meditações, desaparecendo a seguir 7

_ para retomar apenas, segundo predisse, quando a miséria da face da terr estivessem a exigir que um divino Avatar viesse o ™ '2 anidade. E Dattatreya deixou sem dúvida sua marca seráauxilio aa , pois tão logo sentei-me no chão áspero minha fica ^ ° Mões e resvalou depois para uma paz indizível. a,er a

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^Aouele que me põe um teto sobre a cabeça e me protege o corpo dos amentos nada faz porém pela minha alma. Vossa Alteza, contudo, fez ambas coisas Pois foi através da vossa intervenção mdireta que me iniciei no estudo da mais elevada sabedoria intelectual da Índia. Entrementes Vossa Alteza é um exemplo vivo daquele caráter altaneiro. daquela sabedoria compreensiva e daquele senso prático que tornaram o Estado de Misore famoso em toda a Índia como o mais bem governado e o mais progressista de todos. A mente de Vossa Alteza não está dirigida apenas para a filosofia mas também para a ciência, e vós procurastes colocar à disposição do progresso do vosso povo aqueles recursos da técnica que hoje em dia estão transformando a face do mundo. Acaso não terei visto em Bhadravati as grandes fundições de Misore, a segunda maior fábrica de ferro gusa do Império Britânico? Vós libertastes a filosofia daqueles que dela fazem um mero refúgio da frustração e a transformastes numa inspiração dinâmica para uma ação mais efetiva. Se os senhores do mundo imitassem Vossa Alteza e dedicassem um átimo do seu tempo à filosofia pura, o que ganhariam em clarividência lhes seria de imensa utilidade na sua conduta política e eles propiciariam aos seus povos uma vida mais feliz; a paz se tornaria então uma realidade ao invés do espectro que é hoje. Vossa Alteza se constitui num exemplo para todos os homens, mostrando ser possível chegar a uma sobranceira espiritualidade sem descurar, contudo, dos deveres mais imediatos, tratando-os de forma tão eficaz como as pessoas mais materialistas, ou de forma mais eficaz ainda. A esclarecida mente helénica de Platão previu que "o mundo só poderá ser salvo se os reis se transformarem em filósofos ou se os filósofos se transformarem em reis". O amor que todos em Misore têm por Vossa Alteza revela a veracidade dessas palavras. Ao dedicar, com o máximo respeito, estas páginas a Vossa Alteza, não faço senão externar sentimentos até aqui não manifestos, conquanto sinceros e profundos. PAUL BRUNTON

NOTA: Três anos depois de ter aceitado esta dedicatória, o Marajá de Misore deixou o seu corpo terreno, tendo o autor comparecido à sua cremação.

PRIMEIRA A

PARTE

A N A L I S E

CAPÍTULO I PREAMBULO: O ESCRITOR FALA D A SUA OBRA

U m homem que se proponha a tarefa de comunicar seus pensamentos mais profundos a certo número de leitores e, em particular, conduzi-los a domínios do saber, formas de experiência e fases de consciência que transcendem o habitual, precisa agir com um espírito de devoção à sua tarefa, se quiser atingir os corações desses leitores e não se limitar a forrar o papel branco com palavras frias. Por compreender cabalmente esse truísmo, abstive-me faz alguns anos de escrever o meu primeiro livro de ensinamentos — O Caminho Secreto — até que senti uma necessidade interior imperiosa à qual não podia nem queria desobedecer. Numerosas pessoas me haviam pedido, por carta ou pessoalmente, que escrevesse um livro ensinando a arte da meditação espiritual. Sabiam elas que eu havia aprendido um pouco dessa arte tanto por lhe haver dedicado alguns anos de grandes esforços quanto por, durante minhas andanças pelo Oriente, haver passado temporadas esporádicas como discípulo de alguns Sábios do Oriente que, reconhecidamente, são autoridades nesse setor do conhecimento. Reiteradamente recusei-me a atender tais pedidos e quanto mais insistiam comigo mais me mostrava impermeável e obstinado na minha recusa. Minhas razões para assim agir eram puramente pessoais, sendo a principal delas um desprazer cínico, que por vezes tocava ao horror, de ser tachado de mestre espiritual, profeta ou mensageiro. Se acabei cedendo e sendo levado a empunhar a pena e escrever o livro, isso se deveu, í

i imposição de uma força a que não me era dado desoante a qual minhas preferências pessoais se dobravam. Porém, Ventregue à minha tarefa, esqucci-me por completo das ojerizas Jf me peavam e procurei deliberadamente colocar-me receptivo aoVabalho que me fora confiado. í s s e

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Minha posição era exatamente esta: "Cá está uma parte de uma técnica estranha que muito me ajudou; ofereço-a a outrem pois ela lhe poderá ser igualmente valiosa, mas não tenho qualquer intenção de propagá-la seia por que forma for. Se houver gente capaz de dar valor a este método dar-me-ei por satisfeito, mas, se não houver, não ficarei dissatisfeito por isso. As láureas do advogar com êxito uma mensagem espiritual, já que implicam em publicidade, adeptos, correspondência e visitantes, são-me tão desagradáveis como os espinhos do martírio. Se, por um lado, não desejo as honrarias do fundador da fé evangélica, não quero, por outro, a coroa de espinhos que é também a sina do pioneiro herético. N ã o peço ao mundo senão que me permita realizar minhas andanças, meus rabiscos e minhas contemplações. í mais do que sabido que um profeta não encontra eco em seu próprio país e, seria justo acrescentar, em seu próprio tempo, mas, sendo eu um homem que tem o mundo por pátria, não me posso queixar de falar em vão, pois tenho tido a sorte de despertar alguma atenção ainda em vida, malgrado a minha natural aversão à publicidade. Minha posição antes de escrever O Caminho Secreto foi aqui referida por ser curiosamente análoga à minha posição antes de escrever a presente obra. Pessoas que haviam lido, e com aparente proveito, aquele livro começaram a solicitar-me que desenvolvesse os ensinamentos ali contidos num volume versando sobre o mesmo assunto, porém mais detalhado. Repetidamente me faziam perguntas surgidas durante os esforços dos leitores para compreender e praticar os ensinamentos de O Caminho Secreto. Descobri, outrossim, que leitores diferentes não raro faziam as mesmas perguntas e pareciam esbarrar nos mesmos problemas, e, a t a l , ponto, que logo percebi a premente necessidade de uma obra mais ampla contendo mais copiosas informações sobre o assunto. A f i n a l de contas, nao pretendia que O Caminho Secreto fosse mais do que uma introdução esquematizada à meditação, tema obscuro e de compreensão nem sempre acil — e um esboço da maneira de desenvolver formas potenciais de consciência do maior valor para os homens. U m bom número de aspectos práticos havia sido propositadamente omitido a f i m de que os principiantes nao perdessem de vista os problemas mais importantes, do mesmo

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modo que na teoria muitos aspectos tinham sido evitados para que as pessoas pudessem penetrar diretamente no âmago do assunto. E u tinha como essencial essa simplificação preliminar do assunto porque minha experiência havia demonstrado que reinava a máxima confusão e incompreensão até mesmo entre os que haviam tido um interesse prévio pela matéria. Até que ponto iria então essa confusão e incompreensão entre os que pela primeira vez a abordavam? Tudo isso foi razão para que eu, no princípio, apresentasse tão apenas um esboço, cujo primeiro objetivo era esclarecer os fundamentos da meditação; agora, porém, surgiu a necessidade de uma obra mais alentada que terá, por assim dizer, não apenas de guarnecer de carnes o todo esquelético de O Caminho Secreto e fornecer uma análise detalhada de todos os trechos do caminho para proveito de todos quantos desejam palmilhá-lo com êxito, mas também mostrar como funciona o interior divino do nosso eu material. A necessidade de uma obra de tal cunho me foi sempre lembrada pelo derrame de cartas de leitores de outras obras minhas, os quais desejavam maiores explicações acerca de tópicos nelas contidos e os quais, muitas vezes, tinham encontrado dificuldades para praticar a meditação e buscavam solução para seus problemas. O Caminho Secreto era reconhecidamente uma flecha disparada ao acaso, mas uma flecha que tinha atingido o alvo e o êxito alcançado entusiasmaria qualquer outro escritor a desenvolver ainda mais o tema. Contudo, hesitei ainda uma vez em escrever, pois não apenas temia mas sabia ao certo agora que um novo livro consolidaria a minha posição de mestre espiritual junto do público, e eu jamais conseguiria livrar-me de tal rótulo, embora o simples pensamento me provocasse arrepios, tal o horror que me inspirava. D e modo que, uma vez mais, não cedi às instâncias dos leitores e às imposições dos amigos e, obstinadamente, mantive-me inativo. E u me recusava a ser posto num pedestal e chamado de mestre espiritual — designação que sem sombra de dúvida faria com que o público me associasse com um certo tipo. Continuei a repelir o termo "mestre espiritual", pois compreendia que a sua aceitação iria enquadrar-me na abominável categoria dos proseiitistas. Desejava ser conhecido apenas pelo que sou: um homem normal com alguns interesses paranormais, vivendo porém uma vida normal e não tendo qualquer pretensão de superioridade. E u desejava enfatizar aquilo que já havia dito algures — que não procurava ensinar as pessoas, mas sim mostrar-lhes como orientar seus pensamentos para dentro e, assim fazendo, construir uma vida interior

mie lhes permitiria viver em contínua comunicação com o reino espiritual, sVm deixar de atender às atividades comerciais normais e às ocupações habituais do mundo material. E u não queria discípulos, pois preteria conduzir os homens à descoberta do Mestre e Guia que existe em todos nós o onipotente Eu Superior, tornando-os destarte discípulos, nao de alguma pessoa ou entidade externa, mas do verdadeiro Espírito Superior que habita o coração de cada um de nós. Seja como for, posso agora confessar que gostava do meu trabalho em O Caminho Secreto pois esperava que o livro pudesse ajudar as pessoas, embora a sua mensagem básica fosse um convite à auto-indagação. Antevi que poderia auxiliá-las a encontrar um pouco de paz interior e domínio sobre a mente no mundo conturbado de hoje; o livro iria animá-las e inspirá-las. A mensagem de esperança dessa pequenina obra correu mundo e penetrou nas classes mais díspares da sociedade. Muitos declararam que a sua leitura se constituiu num marco em suas vidas, permitindo-lhes encarar a existência com mais coragem e compreensão. Tentei despojar todo o tema da meditação — bem como a Ioga, seu correspondente hindu — do mistério, das imprecisões teológicas e das complicações desnecessárias em que o encontrei envolto. Por isso, em última instância, senti grande satisfação em constatar que tinha sido suficientemente obediente para escrever o livro. O título foi objeto de críticas, por sensacionalista e inadequado. Minha resposta é que descrevi um determinado caminho de realização espiritual que ficou quase totalmente perdido para o mundo moderno e que no mundo antigo só era ensinado em segredo e de pessoa para pessoa, através da palavra falada, e apenas a discípulos escolhidos. Como prova,' alinho algumas citações dos escritos daqueles que seguiram o mesmo Caminho, ou algumas variantes. mais de setecentos anos. — fce trilhares o Caminho Secreto, chegarás antes" — diz o Hino dos Preceitos Iogues, contido no fetsum Kahbum ou História Biográfica de Milarepa, o mais afamado dos Iogues tibetanos. S

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^ ^ * ™ * intitulada O Catecismo da Indagação, cuja versão inglesa I n d i a

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não foi ainda publicada, o famoso Maharishee d Arunachala escreve: "Este método de compreender o Absoluto é conhecido como O Caminho Secreto do Coração. Que mais será preciso dizer? É preciso que intuamos a coisa". Tentei assim tornar claras algumas das circunstâncias peculiares que envolveram a publicação de O Caminho Secreto e a minha atitude relativamente à obra; torna-se, portanto, oportuno voltar-me agora para as minhas demais obras e passá-las em revista, fazendo-as desfilar em retrospecto e referindo-me concisamente à sua génese, objetivos e resultados. T a l referência justifica-se agora porque essas obras são independentes, ocupam uma categoria à parte, e porque existe enorme incompreensão quanto à sua natureza, bem como muita crítica ao seu autor.



*

Pela ordem, a primeira é A Índia Secreta. Fiquei feliz com a oportunidade de mostrar que existe alguma coisa de valor na índia — um país digno de um tratamento muito melhor pelos ocidentais, tanto em suas conversações como em seus escritos — valor esse que vai além da visão de alguns escritores contemporâneos. Nós ocidentais nos orgulhamos com razão de nossas conquistas "revolucionárias", mas ficamos por vezes um tanto perturbados ao sabermos que um faquir seminu realiza uma façanha que nos é inacessível e que não podemos compreender. As coisas acontecem com frequência suficiente para nos lembrar a existência de antigos segredos e vetusta sabedoria nos países a leste de Suez e que os habitantes daquelas terras pitorescas não são os pagãos incultos alardeados por muitos dentre nós. Imaginamos os iogues como entusiastas sonhadores que abandonam os procedimentos normais da humanidade para refugiarem-se em lugares estranhos, grutas sombrias, montanhas ermas e florestas distantes. Mas eles agem com um propósito bem definido, propondo-se nada menos que a aquisição de um perfeito domínio sobre a carne. Para chegar ao fim colimado praticam a dura e extenuante disciplina prescrita em suas tradições. O fato de, hoje em dia, o público ter contato principalmente com vagabundos, impostores e desocupados, que enganam aos outros ou a si próprios fazendo-se passar por iogues, não invalida a verdade contida na tradição nem a legitimidade dos melhores iogues. Quando Macaulay veio para a Índia a fim de ocupar o seu posto no governo do país e elaborar um plano educacional, ele atirou fora todas

as antigas tradições locais, observando, desgostoso tratar-se de um mísero amontoado de puerilidades e superstições absurdas Teria ele inteira razão? De qualquer forma, fiquei em duvida e decidi-me a apurar as coisas por mim mesmo. Espero que a Verdade seja o regente do meu horóscopo, pois a seu mando embarquei para mares longínquos, abandonando os frutos tentadores de longos anos de trabalho ambicioso. Viajei sob pressão, atendo-me à procura de iogues autênticos, fazendo acuradas enquetes de seus métodos. Na Índia, não devotei um só momento à sofisticada e laboriosa etiqueta europeia.' Não me era possível desperdiçar as horas dançando e bebendo. A sede de penetrar sob a superfície da existência indiana e desvendar-lhe os estranhos segredos perseguia-me como um demónio. Meus passos naquela terra estrangeira pareciam guiados pelos favores de uma curiosa Providência. Deparei-me com toda a espécie de homens e aventuras estranhos. Eram adeptos itinerantes da Ioga — faquires que pareciam múmias galvanizadas, filósofos pensadores mergulhados em coma de tanto pensar, parasitas sociais errantes e vagabundos hipócritas, meio maníacos, com cabelos desgrenhados e corpos besuntados de cinzas, que me fitavam medrosamente nos olhos, de par com santos ascéticos, desligados do mundo, sinceramente entregues à obra de encontrar o Grande Espírito, formando a maior mescla humana que eu jamais havia visto — e, por fim, aqui e acolá, um raro e verdadeiro Sábio que me acolhia de mãos postas e com palavras carinhosas, emprestando-me uma confiança dificilmente outorgada a um forasteiro naquelas paragens e tornando-me o herdeiro momentâneo de um repositório de verdades transcendentais demasiado sutis para serem colocadas nas páginas de um livro popular. Vivi uma vida de curiosas alternativas, jantando em companhia de um Ministro de Estado uma semana, para, na semana seguinte, fazer companhia a homens-santos indigentes. Aprendi a esperar todos os dias o inesperado ou topar a cada passo com novos deslumbramentos. Sena de bom alvitre responder a uma pergunta amiúde proposta e confessar que não presenciei o famoso Truque da Corda, embora tenha perambulado sem destino por todos os rincões da Índia. N ã o encontrei nenhum faquir capaz de executá-lo ou disposto a tanto. Estou convencido de que as declarações maciças em abono dessa prática são demasiado < emasiado p * Para não ser aceitas por mentalidades

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viu a tão decantada maravilha em sua juventude. Ele declara peremptoriamente que — não se tratando de mera prestidigitação ou malabarismo — trata-se antes de um efeito hipnótico, uma operação praticada por uma mente mais poderosa junto a mentes mais fracas. O fato é que uma fotografia feita na ocasião não revelou nenhum garoto subindo pela corda, o que constitui uma prova da asserção do mestre. A objeção de que uma multidão de quinhentas pessoas não poderia ser hipnotizada em massa é por ele rebatida com o princípio de que quinhentas mentes mais fracas cederiam sempre diante de uma mais poderosa ou, em termos aritméticos, 500 multiplicados por zero dão zero. E m razão de haver buscado com afinco aquilo que procurava, eu aprendi bastante e, a despeito daqueles dias em que a temperatura subia de forma inclemente e os músculos se negavam a desempenhar suas funções normais, consegui separar a ciência da superstição, a sabedoria da ignorância e a verdade da ficção. Hoje em dia percebo que, se não encarássemos a sabedoria da Índia como antagónica à ciência e à religião ocidentais, mas como uma precursora de ambas, tal providência nos poderia ser de grande utilidade. U m faquir muçulmano encontrado por mim por acaso e que, sonhadoramente, predisse, cruzando as pernas e enlaçando as mãos: "Vós fareis

longos escritos de vossas experiências entre os meus e os colocareis em livros para que os ocidentais os leiam. Contareis aos sahibs a vossa vida entre aqueles a quem votam desprezo e vossas palavras farão com que as suas mentes se inquietem." — foi a verdadeira razão do aparecimento de A Índia Secreta, pois colocou-me na cabeça a ideia de transmitir a outros aquilo que até então eu considerava mera propriedade pessoal. D a l i em diante passei a anotar as coisas com mais cuidado. Posso acrescentar que havia numerosos homens sobre quem não me apetecia escrever. Tentei no livro relatar a história de uma busca e referir-me apenas a determinados episódios e pessoas pertinentes a essa

busca.

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Voltei do Oriente com uma nova visão. Minhas experiências místicas tinham operado minha alma de catarata e meus olhos se haviam libertado de numerosos males. Deixei de ver a sociedade moderna como uma civilização gloriosa e passei a encará-la como uma catacumba de almas adormecidas. Espero que não me interpretem mal. Não estou propugnando a Ioga ou qualquer outro "ismo" ou culto oriental procurando despertar atenção para algumas jdéias vahosas que pode*i se recolhidas ao Oriente. Também não me alinho entre aqueles que « *

*~Mn a assim chamada espiritualidade do Leste a fim de depreciar o materialismo do Oeste. Todas as comparações deste tipo são tolas e forretas O segredo está em nós mesmos e nao em qualquer local deste nosso planeta. Não obstante, permanece de pé o fato de que a Asia e a Africa, em razão da sua idade e da sua existência menos atribulada tiveram tempo para descobrir alguns profundos segredos, de natureza espiritual, mental e material, bem como uma sabedoria que me parece de algum valor para nós. Tais segredos e filosofias só podem agora ser localizados com grandes dificuldades, porque o tempo restringiu sua propriedade a uns poucos privilegiados, mas eles existem e podem ser encontrados. A Índia possui uma antiga herança de pensamento espiritual vinda do passado que não tem quem lhe iguale em profundidade e amplitude. Os jovens hindus deveriam por isso reivindicar esse direito de nascença, considerando-o valioso e aplicável às necessidades modernas. Não deviam espantar-se diante do ceticismo ocidental, nem deixar-se corromper pelo materialismo moderno, nem confundir-se com a controvérsia religiosa, mas procurar orientação junto aos seus melhores pensadores. Também o misticismo está representado na Índia e encontrei a sua mais elevada corporificação na pessoa do misterioso Maharishee. Ao contrário do misticismo religioso da Europa medieval, o seu assumia uma forma inteiramente racional. Foi ele na verdade a figura preeminente do meu livro e com justa razão a descrição da sua figura e do seu ambiente ocupou espaço tão vasto dentro da obra. Este ambiente, contudo, modificou-se bastante desde a minha primeira visita, há muitos anos, e perdeu muito da sua primitiva tranquilidade. Já não me sinto atraído por ele, pois, francamente prefiro o mundanismo honesto à pieguice hipócrita.

A Índia Secreta foi um livro muito lido.

O romancista John Knittel teve a bondade de escrever no prefácio da edição alemã: — "Neste livro se construirá uma ponte. Os europeus e americanos poderão agora dar maior valor à Índia e dedicar-lhe um pouco mais de respeito". E preciso que eu toque agora num assunto a respeito do qual vinha mantendo longo silêncio. A extraordinária natureza do conteúdo do meu livro originou uma onda de críticas que ou punham em dúvida a sua verossimilhança ou troçavam das minhas afirmativas. Estando eu, com exagerado egoísmo talvez, mais interessado na minha busca privativa da vemaae do que em controvérsias públicas a esse respeito, não tomei conijecirnento dos meus críticos. Até mesmo quando um cavalheiro hindu posição nos círculos governamentais escreveu acusando-me de

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naráerafos para defender-me nesta oportunidade. Antes de tudo, é desnecessário salientar que Sir Francis Y o u n g h u s band figura de autoridade ímpar na Índia não se colocaria como au~tor do prefácio da minha obra se julgasse tratar-se de u m relato u n a . einário A falta de provas mais cabais, ele possuía grande quantidade de fotografias não publicadas, as quais examinou certa tarde no T r a vellers Club. Alegro-me porém de ter a sua confiança por outras e mais profundas razões. E m segundo lugar, o estilo pictórico impressionista do volume criou entre os críticos a falsa impressão de que eu havia revestido a verdade com as tintas douradas da ficção. N ã o poderiam enganar-se mais. Tenho todo o direito, se assim o desejar, de romper com os moldes convencionais dos relatos de viagens a f i m de tornar a m i n h a narrativa a mais interessante possível. O fato de haver tentado relatar cenas e incidentes incomuns, entrevistar homens incomuns e registrar minhas experiências incomuns não me tira a condição de jornalista, pois m i n h a obrigação é apresentar-me perante o grande público. Nesse sentido, m e u l i v r o é jornalismo puro. Reivindico, por isso, o direito de todo o r e p ó r t e r a tirar o máximo do material disponível e trabalhá-lo de maneira a conseguir tudo em termos de sucesso jornalístico. N ã o vejo por que vazar meus relatórios num estilo monótono e sem v i d a ; não vejo por que n ã o tornar minhas experiências tão vívidas perante o leitor como f o r a m p a r a mim. E mesmo que pretendesse, o que na realidade não acontece ser o meu livro uma obra literária, ainda assim teria o privilégio do artista de selecionar e retocar o seu material ao invés de apresentá-lo causal e silogisticamente como o mestre-escola. D e v e ser igualmente lembrado que em minhas conversações com esses iogues tentei sempre atingir a quintessência das coisas, chegar à interpretação derradeira que tais homens inham para mim; para depois, em benefício do leitor, deXÚÍ^Z formas ainda mais concentradas P

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soai do místico mergulha numa tranquila imobilidade enquanto o Poder Maior que ele adora parece tomar posse dele. E l e pode — e na verdade irá fazer isso — interpretar sua experiência santa com o auxílio de imagens, símbolos e doutrinas pertinentes ao seu próprio credo religioso mas sua experiência essencial é a de um influxo, uma fusão num estado em que o eu comum aparentemente deixa de funcionar e uma santa e extática harmonia toma conta do seu ser. E l e provavelmente entrará em transe quando a experiência atingir o auge, aquela condição em que tudo parece envolvido em Deus. E l e pagou o preço da verdadeira inspiração — o abandono do eu pessoal a seu ritmo mais baixo de modo a que possa ser engolfado por uma indizível e exaltada emoção. O iogue hindu que encurrala seus pensamentos por meio de um implacável poder de concentração e faz a seguir um supremo esforço para bani-los de vez da sua mente, chega também a um estado de ser inspirado no qual o intelecto pensante já não bloqueia o influxo da paz que ele busca. Também este iogue, no clímax da sua busca, pode entrar num transe semelhante ao do santo. Embora ele tenha palmilhado o caminho do controle do pensamento, ao passo que o santo jornadeou nos domínios da emoção exaltada, o poder que os arrasta a ambos para a condição de transe e para fora da sua diminuta personalidade e limitado intelecto é o mesmo. Ambos satisfazem-se com gozar a bênção da comunhão com tal poder, com não fazer qualquer esforço no sentido de transmitir ou expressar sua fina florescência por u m meio material como a arte, a invenção ou a oratória; mas na raiz de ambos os homens encontra-se o elemento superior que estende o seu manto sobre o santo. Este elemento é igual em qualidade àquele que se apodera do génio. A música, a escultura, a poesia e a arquitetura eram sagradas aos olhos dos antigos, e só podiam ser exercidas por sacerdotes especiais dos templos ou talentosos iniciados nos Grandes Mistérios no Egito, Grécia, Índia e C h i n a antigos.

concentração intensa funde o eu pessoal na impessoal e universal Mente Superior, uma Graça benjazeja bafeja o místico ou o iogue, e uma inspiração criadora, o escritor ou o pintor. Aqueles que se absorvem na criatividade artística a ponto de esque- s e a si mesmos e ao seu ambiente atingem de fato uma condição cer interior na qual abrem uma porta para a universal Mente Superior nao muito diferente daquela que os seguidores de Deus conhecem ern seus transes. A diferença importante é que o iogue está voltado sobre si mesmo, sobre a sua mente mais íntima, e deixa seu corpo permanecer imóvel, ao passo que o artista conserva o seu corpo ocupado em transmitir a algum meio, seja este o papel, a tela ou a pedra, as imagens ou ideias fulgurantes que mantêm a sua mente como que enfeitiçada; o grau de absorção mental pode ser o mesmo em ambos os casos. Pois o artista não é menos apresado e seguro por essas imagens que está transmitindo do que o iogue é apresado e seguro pela luz da consciência integral que experimenta quando todos os pensamentos se calam. Ambos perdem a consciência do correr do tempo quando atingem essa inspiração suprema — que os alimenta na mesma fonte sagrada — e assim demonstram inconscientemente que o tempo é na realidade apenas u m conceito. w

Coisa importante a ser observada é que a atividade de concentração e o influxo dela decorrente são exatamente iguais aos dos poetas e pintores inspirados; apenas a manifestação é diferente, pois onde o artista sente uma intensa necessidade de comunicar sua visão ou ideia e retorna ao mundo exterior para expressar a sua experiência, o místico contenta-se com perder-se na sua contemplação. A arte é uma forma de meditação, um caminho para aquele estado satisfeito a que os místicos chamam de Deus; só que os artistas chamam a sua D i v i n d a d e de Beleza.

E até mesmo pessoas que não são nem artistas, nem inventores, nem santos, nem iogues, têm às vezes experiências semelhantes na espécie, embora inferiores em grau, quando sentem o poder dessas visitações à mente concentrada e absorta. O génio pode manifestar-se num escritório cheio de mesas de trabalho, numa loja cheia de mercadorias ou numa apinhada bolsa de valores; por que não? Acaso estará tão circunscrito que não possa aparecer numa metrópole entre pessoas que se ocupam de algumas das mais importantes atividades humanas? Magnatas dos negócios, à testa de grandes organizações, têm com muita frequência, descoberto novas políticas financeiras do maior valor para eles, quando mentalmente concentrados nos problemas das suas empresas. A iluminação que veio e talvez os colocou no caminho certo para o êxito, ocorreu depois de profunda concentração. Este ato de concentrar os pensamentos com grande tenacidade sobre um só caminho levou-os um dia, ainda que por um instante apenas, a uma inspirada condição de auto-esquecimento e abstração mental do meio ambiente, por paradoxal que possa ser tal reação. Mas aquele átimo foi suficiente para lhes dar a revelação desejada no setor do planejamento de produção ou nas diretrizes de vendas.

A Graça de Deus, cuja vinda recompensa os anseios dos místicos, possui seus equivalentes na inspiração, cuja vinda recompensa os esforços do artista. Ambas as coisas originam-se na mesma raiz. Quando uma

Ademais, a inspiração que propicia a u m homem de negócios uma visão profética daquilo que ele vai conseguir não o abandona necessariamente por completo, mas deixará um rescaldo, uma influência engran-

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decedora que ajudará a levar a bom termo o seu trabalho. A inspiração não apenas propicia a visão, como também dá a força necessária para conseguir o desiderato. Q u e m reconhece essa influência interior e a ela se curva constata que os resultados justificam sempre sua orientação. E l a fixa um certo objetivo perante os olhos durante os primeiros inebriantes momentos da auto-absorção, pressiona de dentro para fora, cresce cada vez mais com uma imperiosa iluminação, carrega consigo o sentido da inspiração, a certeza positiva do sucesso ou da justeza daquilo a que está levando o homem. O paralelo entre todas essas manifestações de génio inspirado, indo desde o religioso até o mundano, é claro. U m só princípio, uma fonte idêntica, encontra-se sob esses fenómenos variados. Fundo em nós existe uma reserva maravilhosa e infinita de sabedoria, poder, beleza e harmonia. O génio pode recrutar tais qualidades e usá-las para inspirar a sua obra, seus pensamentos e o seu ser. Se um indivíduo é advogado, ele se torna um advogado melhor e mais digno de confiança quando inspirado. Se é professor, poderá adquirar uma melhor compreensão da psicologia dos alunos; saberá como melhor lidar com eles, pois perceberá a variedade dos seus pontos de vista individuais. Nenhum homem pode tocar o seu eu mais profundo sem desenvolver um sentido de harmonia e simpatia para com os outros. A barreira entre o docente e o discente desaparecerá, portanto, e as possibilidades do estudante encontrarão melhor campo para medrar. A colaboração entre a técnica perfeita e a inspiração perfeita é necessária para produzir o génio perfeito e completo. Se este último fenómeno é extremamente raro entre nós, isto se deve a que quase todos nós somos seres mistos e heterogéneos; mesmo os nossos génios reconhecidos não podem funcionar sempre em condições ótimas, embora tenham a técnica ao seu dispor, porque nem sempre dispõem de inspiração. U m homem só pode esperar conservar sua fase de brilhante inspiração durante pouco tempo; depois verá que ela se dissipa. Mas não quer isto dizer que a possibilidade de entrar numa relação permanente com a inspiração não possa um dia ser materializada. T a l possibilidade significa que, se pesquisarmos e estudarmos a fonte da inspiração e começarmos a compreender as condições da sua manifestação, então poderia tornar-se praticável descobrir como a sua aparição subliminal poderia nos ocorrer com maior frequência e como desenvolver algum método através do qual se pudesse reter mais longamente essa inspiração. O autor acredita que isto pode ser feito, que se um homem dominar a técnica da sua arte ou negócio o mais perfeitamente possível, e treinar

também sua mente na auto-absorção, a combinação infalivelmente irá produzir um génio da melhor cepa. T a l homem poderia produzir sempre obras inspiradas, sem exceção. Enquanto os nossos génios aceitos são em determinadas condições génios difusos e os técnicos o são em outras, apenas uma combinação como a aqui indicada pode fornecer uma manifestação e demonstração permanentes das ainda remotas possibilidades de um legítimo super-homem entre a humanidade. Tudo depende, então, do grau de auto-esquecimento através da concentração completa que alguém é capaz de alcançar. Nas atividades cotidianas estamos demasiado enredados nos interesses do nosso ego pessoal aos quais permitimos circunscrever nossa consciência para procurar nos esquecer de nós mesmos, e contudo esse ego, que julgamos tão importante, não passa afinal de um minúsculo fragmento de existência dentro de uma existência infinitamente mais vasta da humanidade e do mundo. O nosso ego funciona como um anteparo que não deixa passar a consciência da realidade suprema, o E u Superior que nos alimenta a vida, pois não é senão um conglomerado de pensamentos descontrolados, e é apenas retirando aquele anteparo que podemos chegar ao conhecimento, poder e possibilidades transcendentais do E u Superior. Todas as coisas originaram-se naquela realidade, todas as coisas são possíveis por causa e através da sua ajuda, todo o conhecimento encontra-se como uma serpente enrodilhada dentro do seu alcance. Aquilo que impede o homem de entrar na posse dessa herança maravilhosa que em verdade é dele, é apenas esse acanhado ego, esse ténue fragmento de ser consciente que ele erigiu em torno de si como uma espécie de campo de concentração e do qual asininamente ele recusa-se a sair. Com o encerramento deste capítulo encerra-se também a primeira parte da obra que constituirá o documento deste sistema analítico. Até aqui o leitor tem sido conduzido por um caminho preparatório. Deu-se-lhe material para uma análise intelectual e, se ele fizer a sua parte com seriedade e paciência, preparar-se-á devidamente para o caminho intermediário, o qual consiste de um grupo de práticas espirituais destinadas a preencher o vácuo entre as experiências mundanas e a realidade mística. Neste segundo caminho será o leitor treinado para compreender e tornar reais em sua vida, as verdades espirituais que talvez até aqui não passassem de cognições intelectuais mal delineadas. Levou-se o leitor a reconhecer a existência do seu eu desconhecido, o E u Superior, que se esconde no mais recôndito da sua mente como uma pérola luzidia se oculta na concha da ostra. Ensinou-se-lhe o verdadeiro significado do tempo e revelou-se-lhe a morada secreta da vida 129

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eterna. Ele foi levado a compreender como chegar à fonte das mais valiosas inspirações que já beneficiaram a raça humana. Por fim, mostrou-se de diversos ângulos da mais alta experiência humana ser verdade que o anteparo impedindo a consciência do E u Superior não passa do ego pessoal e da incapacidade de controlar os pensamentos. A entrada nessa condição mais divina do eu é impossível a menos e até que o leitor possa mortificar um e submeter o outro na realidade uma operação simultânea, conforme se demonstrou quando ambos os eus foram analisados e referidos à mesma e única raiz.

SEGUNDA PARTE

É preciso agora encontrar-se um método prático através do qual isto possa ser feito. T a l método existe e parte dele é conhecida dos sábios do Oriente e dos iluminados do Ocidente desde há muitos séculos. Alterado, adaptado e complementado de modo a suprir as necessidades europeias e americanas, apresentado ao gosto da mentalidade moderna, vai aqui o método oferecido com confiança nas próximas páginas, na qualidade de um legado provado de uma raça, e de incalculável valor.

AS

P R A T I C A S

CAPÍTULO V I I I A C U L T U R A ESPIRITUAL DOS SENTIMENTOS MAIS NOBRES

O treinamento mental prático que, a partir do próximo capítulo é preconizado na segunda divisão deste tratado, constitui-se num trabalho sobre a porção mais importante do ser humano, mas os elementos emocionais também requerem uma certa dose de educação. N a verdade, para não poucos temperamentos, os métodos puramente mentais terão menos atrativos do que aqueles que tocam os sentimentos. Os seres humanos são construídos de maneiras diferentes e são naturalmente atraídos pelo tipo de atividade mais condizente com o seu temperamento dominante. A religião em especial é uma questão de sentimento e atinge o seu ápice no misticismo religioso. Vanguardeiro do ponto de vista da ocorrência universal, o elemento religioso tem sido predominante no passado entre as massas humanas. A adoração assume maior valor quando dá uma reorientação dos pensamentos do adorador no sentido de transferi-los da sua própria personalidade para uma outra pertinente a uma ordem espiritual, e o seu valor máximo quando dirigida àquele Poder Infinito a que chamamos de Deus. A adoração torna-se realmente eficaz na medida em que evoca a qualidade da aspiração, o anseio de ser guindado da nossa condição banal e frágil àquilo que é divino e sagrado. T a l aspiração, naquilo que tem de melhor, transforma de fato em misti-

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II

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cismo a religião popular; pode-se por isso dizer que só é absolutamente religioso aquele que se transformou n u m místico — tudo mais roça apenas a fímbria da devoção. A s pessoas devotas poderão utilizar com proveito este caminho. Elas poderão tomar a figura e a vida do seu Senhor e meditar nelas como um ideal de existência. Reverenciando o retrato dessa grande alma, deverão pôr N e l e toda a força de sua aspiração, e com tal intensidade que todos os demais pensamentos fiquem excluídos. A imagem deverá ser formada o mais claramente possível, com detalhes vívidos e cores vivas, e a seguir a mente poderá demorar-se com amor nos incidentes da vida pessoal do Inspirador, ou em algum, aspecto dos Seus ensinamentos, ou num único dos Seus ditos, cujo conteúdo poderá ser examinado durante a contemplação. É preciso vê-Lo de modo tão claro que E l e pareça então uma figura materializada, não menos real do que o ambiente físico. É preciso visualizar as situações e acontecimentos até que estes ganhem " v i d a " . O elemento místico desta prática começa realmente quando Cristo — se for E l e o G u i a escolhido, por exemplo já não parece ser externo aos adoradores porém interno, quando E l e transcendeu como pessoa e tornou-se uma presença. V a l e dizer, Sua imagem deve em última instância desaparecer durante o auge da devoção, enquanto Seu próprio ser, Sua vida, devem manifestar-se dentro dos devotos como o eu-Cristo. Alcançado esse elevado estado de renascimento espiritual, E l e já não aparece como um ser distintivo e separado, mas toda a personalidade se funde Nele, atende ao Seu primeiro chamado, de forma absoluta e incondicional. E n t ã o nasce o eu-Cristo, uma presença difusa que é o nosso verdadeiro e incorruptível legado. T e m de haver um verdadeiro anseio, u m amor devastador pelo D i v i n o Personagem antes que tais meditações produzam resultados satisfatórios. Devemos implorar-lhe a Sua Graça, mas o pedido tem que partir do fundo do coração, se é que se espera ser atendido. Se E l e é colocado como tema das nossas aspirações mais sinceras, e é entronizado na silenciosa catedral do coração, sendo todos os demais pensamentos afastados durante a adoração; se nos demorarmos na Sua presença espiritual durante a meditação e permitirmos que a Sua presença espiritual se demore em nós durante outras atividades, decerto virá o tempo em que teremos a inesquecível experiência do êxtase místico. A s diversas agruras e as mágoas inevitáveis, as preocupações e atribulações da vida pessoal serão temporariamente elididas no gozo indizível que se apossará de nós. Descobriremos o verdadeiro significado desse amor tão incompreendido, e desejaremos amar o mundo inteiro, ainda que ao preço do

nosso próprio martírio. D a l i em diante procuraremos fazer a Sua vontade, submeter o pessoal ao Divino, e compreenderemos com júbilo que todas as coisas criadas avançam com a evolução do universo no sentido de um objetivo estupendo. Se, nessas contemplações devotas e nesses anseios religiosos, as lágrimas começam a nos encher os olhos, não devemos refreá-las. Elas devem ser aceitas como parte do preço inevitável que é exigido. Elas ajudarão a remover as barreiras invisíveis entre nós outros e o Ideal Divino.

Aqueles que choram no seu exílio espiritual não choram em vão. É necessário explicar aqui, em atenção às pessoas que não pertençam ao hemisfério ocidental ou que professem uma fé diferente do Cristianismo, que idênticos resultados têm sido e podem ser obtidos fora do âmbito dos seguidores de Jesus, e através de caminhos exatamente iguais aos preconizados. Muitos são os místicos para quem os nomes de Krishna, Maomé ou Buda foram suficientes para despertar a mais profunda devoção do coração, e que chegaram, através de uma aspiração genuína e uma meditação constante, a uma abençoada e estática união com uma existência mais divina. O poder de atração de um Personagem religioso de tão elevada condição ajuda positivamente a concentrar a mente e capacitá-la a superar os defeitos e as fraquezas, É por isso que na índia e na Pérsia, por exemplo, os místicos religiosos tomam hoje, assim como tomavam no passado, retratos físicos do seu mestre vivo ou a imagem mental de algum antigo mestre espiritual como foco da sua meditação. Tais místicos servem-se dessas práticas para conseguir uma ajuda vital no tocante à coibição dos pensamentos errantes, pois elas falam ao coração e despertam o desejo de realizar esforços frequentes. É necessário, no entanto, assinalar que a dádiva extática não é o objetivo final com que nos presenteia a vida meditativa. T a l dádiva não é o critério mais elevado da verdade, embora não esteja distanciada da verdade. É um fato que numerosos místicos tenham pensado assim e cessado seus esforços com a sua consecução, fazendo com isso um convite a esse terrível flagelo: a atra noite da alma ou a escuridão espiritual. O místico que medita precisa aprender a não demorar-se demais no reino do jubiloso emocionalismo espiritual, e, pelo contrário, transcendê-lo. Pois existe ainda um reino mais alto a ser atingido, o qual não é outro senão a paz completa que suplanta a compreensão, um reino de ampla calma e suprema tranquilidade. Até mesmo daqueles que não são naturalmente religiosos, e que por essa razão não serão afetados por esta breve descrição do caminho

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retromencionado, requer-se uma certa cultura da aspiração. Nos seus casos, contudo, não é necessário dirigir tais anseios a qualquer personagem ou Princípio religioso, mas à ideia e ao ideal da Verdade que os atrai. Embora a mente seja assim transformada no principal instrumento para a consecução desta obra, ela carece de uma força interior e anterior a ela que a impulsione rumo ao êxito. Esta força propulsora deve ser suprida pela aspiração. O valor deste fator não pode ser sobrestimado. Enviar amiúde ao universo um pedido verbal ou silencioso, um desejo ou anseio de verdade espiritual, de paz ou de orientação, 6 pôr em ação determinadas forças inteligentes que existem no universo e que em última instância respondem, na exata proporção do grau de intensidade da aspiração. O universo não é um mecanismo que funcione às cegas, mas o traje envergado por uma hierarquia de seres inteligentes e conscientes. Boa ocasião para

começar a aspirar, se tivermos aprendido a fazê-lo antes, ê quando os grandes desesperos que se seguem aos golpes mais duros do destino criam um sentido melancólico de transitoriedade e vacuidade da existência mortal. Quer se tenha ou não inclinações religiosas, quer se aspire ou não ao conhecimento da verdade intelectual, existe ainda uma terceira forma de desenvolvimento emocional que deve ser tentada. Repousa ela parte na sensibilidade às impressões estéticas, tanto na Natureza como na arte, e parte nos mais elevados sentimentos éticos e na fuga às emoções indignas. Nós nos deleitamos com cenas de beleza natural que não podemos ver nas ruas da cidade. Quem não se comoveu ante o espetáculo de maravilhosas paisagens que requerem a altaneira linguagem da poesia para descrevê-las com justeza? Quem ainda não encontrou aqueles momentos de elevação na vida em que ficamos perdidos em nós mesmos, numa vizinhança de imponente esplendor que nos obriga a nos embebermos na sua contemplação sublime? Muito mais gente do que se supõe neste nosso mundano Ocidente passou uma vez por uma experiência emocional — ou mesmo mais de uma vez — que fez a vida assumir durante algum tempo um aspecto totalmente diferente. A alusão e àqueles lampejos de extática iluminação, de contato com uma linda e rósea realidade que abarca o universo material, que aparece de forma inesperada e deixa no seu rastro uma exaltação alegre ou pacífica. Tais momentos podem sobrevir quando estamos sós num convés de navio, à noite, cercados pelo oceano imenso, ou quando contemplamos a rubra aurora sobre os picos de uma montanha, ou também, com súbita incongruência mas

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com força irresistível, em meio ao barulhento vozerio de um mercado. Eles sobrevem quando recebemos a Natureza no nosso coração, não como o botânico que disseca uma flor ou arranca sem piedade as pétalas para estudar a estrutura, mas como um amante ardente ou um amigo. Eles sobrevêm quando vemos uma paisagem com olhos de poeta, e quando nos damos conta de que o paraíso pode começar num relvado próximo da nossa casa. Venham como vierem, obrigam-nos a esquecer as preocupações de caráter pessoal e as ansiedades, fazendo com que nos alcemos a uma visão impessoal das coisas até ali impossível de obter e mais ainda de conservar. O tempo parece parar, a sensação de que a vida é eterna se infiltra à vontade em nossa mente, o ambiente físico perde um pouco da sua tangibilidade e a sua realidade resvala levemente para uma substância de sonho. Uma paz etérea, não sentida até então, surge no coração e traz consigo uma satisfação intensa que a gratificação de nenhum desejo mortal poderia jamais produzir. Uma compreensão mais clara também desponta; a vida parece clarificada e pressentimos, antes de vermos, um propósito inteligente no coração das coisas. O horror, o caos e o conflito que parecem inseparáveis da existência humana e animal neste mundo desaparecem durante algum tempo da nossa vista, porque nesta atmosfera divina e em que fomos introduzidos as recordações desagradáveis não podem perdurar. A maravilhosa verdade, tão impalpável e no entanto tão inefável, tocou o coração. A gente sabe. . . mas, ah! a experiência retrocede, embora a sua lembrança fique para sempre. Não poderemos esquecê-la ainda que assim desejemos; seu caráter permanecerá e nunca se desgastará como as experiências normais da existência terrena. Mais e mais, a recordação sublime nos segue e nós ansiamos pela renovação de tais movimentos divinos. O que significa a lembrança desses raros momentos? Podemos recolhê-los de novo assim como fazemos com as flores perfumadas que colhemos diariamente do seio prolífico da terra? A resposta a esta pergunta é que por detrás do eu que todos conhecem existe um outro eu que via de regra passa desapercebido, e que é essa coisa misteriosa e enganosa chamada alma ou espírito. Esse E u Superior é a parte mais secreta da natureza do homem e, não obstante, a mais fundamental. A bem-aventurança impessoal da qual obtemos esses pequenos fragmentos é inerente à natureza daquele eu. As nossas inspirações não passam, portanto, de migalhas que tombam do eterno banquete. A resposta à segunda pergunta é: " s i m ! " Esses maravilhosos estados do sentimento, esse esplendoroso pedaço de tempo podem ser recapturados e prolongados de acordo com o desejado, depois que o método do auto-adestramento descrito neste livro tiver sido compreendido e sufi-

cientemente exercitado, pois a cultura certa dos nossos sentimentos mais nobres é parte integrante desse adestramento.

É preciso que nos disponhamos a procurar e cultivar certos estados instáveis do coração. Tais estados acontecem na vida da maioria das pessoas em ocasiões diferentes, amiúde por acaso e de forma inesperada, mas via de regra têm curta duração, e, não sendo cultivados, são postos de lado e muito do seu valor se perde. Trata-se de estados evocados o mais das vezes de forma inconsciente através de prazeres estéticos, por meio de coisas como ouvir extaticamente uma música belíssima, ler uma poesia inspirada e deixar-se penetrar pelas impressões produzidas nos nossos sentidos por cenas naturais de inesquecível grandiosidade: mais raro aparece um estado muito valioso de profunda veneração e grande apreço provocado pelo encontro de alguém que de alguma forma se tenha identificado com o E u Superior. Sempre que esse estado de poderoso encanto, intensa reverência ou paz completa acontece, é necessário que mantenhamos nele toda a nossa mente e o reconheçamos como um importante mensageiro e ouçamos a sua mensagem. Devemos ponderar longa e profundamente nessa mensagem e tentar referi-la à sua origem mais alta; devemos tentar tecer com os seus efeitos o pano do nosso caráter. Porque tais estados não nos vêm rotulados com o nome do país da sua origem mística, nós talvez lhe subestimemos o valor. Eles são quase sempre de curta duração e lhes devemos dar o justo valor e extrair-lhes conscienciosamente a essência íntima, pois, na verdade, tais momentos podem ser tidos em alta conta e as experiências que os ocasionaram não podem ser vãs. Tudo aquilo que ajuda no amor de uma beleza excelsa, que tende a nos influenciar no sentido de uma atitude mais nobre, no sentido de uma consciência mais profunda da vida do que a propiciada pela sequência das modificações simplesmente materiais que compõem a rotina diária, deve, assim, ser aceito e incentivado; a sensibilidade às forças mais nobres, necessária neste caminho, resultará aumentada. A Natureza, o Grande Artista, é capaz de inspirar nas almas sensíveis estados tão enaltecedores e profundos como os produzidos pelo trabalho manual do homem mortal. A qualquer instante poderemos correr para os seus braços bondosos à procura de alívio ou socorro das misérias terrenas. A Natureza é beleza feita terra e serenidade e pedra.

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Quando, por exemplo, caminhamos pelo interior silencioso de uma floresta e lhe penetramos o latejante silêncio, a sós com a sua imensidade, devemos manter nossa atenção concentrada nas primeiras emoções assim despertadas e aumentá-las a um grau em que passem a ser algo de genuíno valor espiritual. Precisamos começar assim por ficar alerta às primeiras sensações de encantamento e tranquilidade que se apresentem. Depois precisamos fazer dessas sensações o tema de um prolongado devaneio e nos deleitar com elas, sinais da divindade que são. Precisamos sorver repetidamente esses sentimentos, com alegria crescente, e sentir-lhes sem cessar o gosto na boca. Assim, mesmo ao caminhar pelo chão coberto de folhas, um estado de concentração poderá ser induzido e poderá aumentar gradualmente até que, se tivermos sorte, aquela eterna serenidade do E u Superior que se encontra na base dos nossos intermitentes estados de alma surja e nos proporcione uma experiência inesquecível. Precisamente da mesma forma, poderemos caminhar por uma longa praia e escutar o quebrar das ondas. Depois poderemos nos sentar um pouco sobre alguma pedra ou trecho de areia seca, e ali contemplar a vasta extensão de mar azul de encontro ao horizonte cor de ametista. O marulhar rítmico das ondas e a imensidão do oceano, ambos trazem uma mensagem para o homem. Devemos deixar que essa mensagem entre com toda a sua força no nosso ser, de preferência a tentar entendê-la intelectualmente. Sentados tão quietos quanto possível, com o olhar e o coração concentrados, e com alma passiva e receptiva, é preciso que deixemos os sentidos da vista e da audição tornarem-se os mediadores de um estado mais elevado. Quando esse novo estado tiver de fato sido produzido, real e intensamente, devemos entregar-nos livremente e permitir que ele viva dentro de nós sem, contudo, transformá-lo em objeto de análise intelectual. N a verdade é de grande importância, no despertar e no cultivo desses estados de emoção mais elevados, não colocar em ação as nossas faculdades críticas, não tentar dissecá-los mentalmente até que se tenham ido de todo; devemos de preferência deixar-nos dissolver suavemente neles. Se interferirmos, acontecerá que atalharemos o novo estado e dissiparemos uma provável preciosa experiência espiritual. Existe uma sutil razão psicológica pela qual os cenários naturais incluindo planícies extensas e desertos imensos, cordilheiras distantes c longínquos horizontes marinhos possuem uma capacidade especial de elevar o nosso ser a um estado espiritualizado. Quando os olhos primeiro contemplam um tal cenário e o olhar está fixo no seu ponto mais extremo,

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a mente que é o verdadeiro agente consciente da visão e que apenas se vale dos órgãos visuais como instrumentos — projeta-se no espaço até chegar aos limites do cenário. T o d a a operação se faz num átimo de tempo, pois a mente viaja com espantosa rapidez. Como resultado, a mente se prende ao objeto distante enquanto conserva ainda o pé na sua base, isto é, o cérebro físico. A atividade é até certo ponto semelhante àquela curiosa atividade da minhoca que, ao tentar passar de uma posição para outra, na verdade se alonga ao deixar o seu ponto de apoio inicial. O resultado psicológico nas pessoas é, no entanto, que aquele momento em que primeiro se fixa o olhar remotamente, retira em parte a consciência do corpo físico e liberta a mente do seu costumeiro egocentrismo. Involuntariamente, nós trocamos o pessoal pelo impessoal com a rapidez do relâmpago, deixamos de estar imersos em constantes cogitações, toda a atenção sendo colocada no ato de avistar, e depois voltamos novamente à condição comum. Porém, esse intervalo místico basta para criar o estado do E u Superior. Se pudéssemos, com cuidado e zelo, captar tais momentos divinos e, sem deixar que se dissipassem desapercebidos, alimentá-los bem, saboreando por assim dizer o seu gosto espiritual, poderíamos algum dia abençoado passar toda a consciência para o E u Superior e retê-la ali algum tempo. T a l dia seria inesquecível, pois o seu êxtase seria sublime. Quando nos acercamos corretamente de um cume de montanha, este poderá gerar a quietude na nossa mente, o silêncio nos nossos lábios e a tranquilidade no nosso coração, porque os picos e os pináculos encerram uma atmosfera mais pura que a das planícies e dos vales. Eles são menos contaminados pelas emanações das aglomerações humanas, menos familiarizados com as cenas da cobiça, miséria e selvageria humanas. E nos seus pontudos picos as montanhas nos apresentam uma lição altaneira de aspiração a uma vida perfeita; a ampla extensão de céu que as cobre sendo como a ampla extensão de Deus que nos abrange a todos. As montanhas e as colinas sempre foram associadas com a ideia do sagrado e do santo. N ã o há quase nenhum país, nenhum povo, que não tenha uma lenda, um mito ou uma história ligando uma coisa à outra. O profeta Elias jejuou durante quarenta dias no Monte Horeb a fim de esmagar para sempre a sua natureza animal e voltou com severas e corajosas acusações aos pecados de Ahab e à idolatria do povo judeu. Naquelas altas paragens ele adquiriu a força inquebrantável com a qual enfrentou o rei e a sua rainha, adoradora de Baal. N o s desertos da Arábia, Maomé encontrou o seu Deus e a sua fé durante uma oração numa gruta nos altos do Monte H i r a . O s persas primitivos acendiam

as suas fogueiras nas colinas mais altas, fogueiras que eram mantidas perpetuamente acesas como simbolismo da natureza eterna da Divindade, e ali adoravam Deus ao ar livre, considerando a colina encimada de fogo como um templo. O seu profeta Zoroastro orou num alto cume, onde Ahura-Mazda, o Deus, lhe apareceu e revelou o Livro da Lei, que se transformaria no divino código de leis do seu povo. Semelhantemente, foi no desolado Monte Dieta que uma divindade deu ao Rei Minos as leis que iriam governar Creta. Tanto para os tibetanos quanto para os hindus, os gigantescos montes do Himalaia carregam uma tradição de santidade sem rival nas suas terras. Os druidas da velha Inglaterra tinham grande veneração pelas suas colinas, considerando-as como residências consagradas da divindade. Os sacerdotes do México antigo escolhiam cumes sobranceiros, entre outros lugares, para os seus ritos mais sagrados. Melantes, que se aproxima muito mais do que nós da antiguidade, assegurou aos seus leitores que era uma prática universal entre os antigos adorar a sua mais alta divindade no topo da mais alta montanha. E nos nossos tempos as montanhas continuam a ser procuradas por aqueles que renunciaram à existência mundana para viver uma vida ascética longe das tentações e da atividade. Os Dervixes de Nakshabendi que talharam suas cavernosas moradas na pedra das colinas que sobrepairam o Ciro; os monges gregos que se escondem do sexo frágil no escarpado Monte Athos; os irmãos italianos, mais joviais, que construíram para si um enorme mosteiro numa bela colina salpicada de jardins nas cercanias de Florença, não menos do que Moisés passando quarenta dias no Monte Sinai para obter a revelação Divina da lei que seria a do seu povo, ou Jesus em retiro no Monte Carmelo, o rosto resplandente de beleza espiritual quando comungou com Seu Pai, testemunham a iluminação e o poder encontrados na solidão das montanhas. Todo o amor e adoração à Natureza provêm, na verdade, do mais fundo do nosso ser; a concentração nas emoções pertinentes à "alma" constitui-se portanto numa prática valiosa. O importante é reagir na forma sugerida às impressões produzidas pela Natureza.

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Quando deixamos o reino da Natureza e nos voltamos para o da arte, no qual o homem tenta copiar a variegada beleza natural, a ordem e os padrões naturais, encontramos novas oportunidades de disciplinar as emoli 9

a mente — que é o verdadeiro agente consciente da visão e que apenas se vale dos órgãos visuais como instrumentos — projeta-se no espaço até chegar aos limites do cenário. T o d a a operação se faz num átimo de tempo, pois a mente viaja com espantosa rapidez. Como resultado, mente se prende ao objeto distante enquanto conserva ainda o pé na sua base, isto é, o cérebro físico. A atividade é até certo ponto semelhante àquela curiosa atividade da minhoca que, ao tentar passar de uma posição para outra, na verdade se alonga ao deixar o seu ponto de apoio inicial. a

O resultado psicológico nas pessoas é, no entanto, que aquele momento em que primeiro se fixa o olhar remotamente, retira em parte a consciência do corpo físico e liberta a mente do seu costumeiro egocentrismo. Involuntariamente, nós trocamos o pessoal pelo impessoal com a rapidez do relâmpago, deixamos de estar imersos em constantes cogitações, toda a atenção sendo colocada no ato de avistar, e depois voltamos novamente à condição comum. Porém, esse intervalo místico basta para criar o estado do E u Superior. Se pudéssemos, com cuidado e zelo, captar tais momentos divinos e, sem deixar que se dissipassem desapercebidos, alimentá-los bem, saboreando por assim dizer o seu gosto espiritual, poderíamos algum dia abençoado passar toda a consciência para o E u Superior e retê-la ali algum tempo. T a l dia seria inesquecível, pois o seu êxtase seria sublime. Quando nos acercamos corretamente de um cume de montanha, este poderá gerar a quietude na nossa mente, o silêncio nos nossos lábios e a tranquilidade no nosso coração, porque os picos e os pináculos encerram uma atmosfera mais pura que a das planícies e dos vales. Eles são menos contaminados pelas emanações das aglomerações humanas, menos familiarizados com as cenas da cobiça, miséria e selvageria humanas. E nos seus pontudos picos as montanhas nos apresentam uma lição altaneira de aspiração a uma vida perfeita; a ampla extensão de céu que as cobre sendo como a ampla extensão de Deus que nos abrange a todos. As montanhas e as colinas sempre foram associadas com a ideia do sagrado e do santo. Não há quase nenhum país, nenhum povo, que não tenha uma lenda, um mito ou uma história ligando uma coisa à outra. O profeta Elias jejuou durante quarenta dias no Monte Horeb a fim de esmagar para sempre a sua natureza animal e voltou com severas e corajosas acusações aos pecados de A h a b e à idolatria do povo judeu. Naquelas altas paragens ele adquiriu a força inquebrantável com a qual enfrentou o rei e a sua rainha, adoradora de Baal. N o s desertos da Arábia, Maomé encontrou o seu Deus e a sua fé durante uma oração numa gruta nos altos do Monte H i r a . O s persas primitivos acendiam

as suas fogueiras nas colinas mais altas, fogueiras que eram mantidas perpetuamente acesas como simbolismo da natureza eterna da Divindade, e ali adoravam Deus ao ar livre, considerando a colina encimada de fogo como um templo. O seu profeta Zoroastro orou num alto cume, onde Ahura-Mazda, o Deus, lhe apareceu e revelou o Livro da Lei, que se transformaria no divino código de leis do seu povo. Semelhantemente, foi no desolado Monte Dieta que uma divindade deu ao Rei Minos as leis que iriam governar Creta. Tanto para os tibetanos quanto para os hindus, os gigantescos montes do Himalaia carregam uma tradição de santidade sem rival nas suas terras. Os druidas da velha Inglaterra tinham grande veneração pelas suas colinas, considerando-as como residências consagradas da divindade. Os sacerdotes do México antigo escolhiam cumes sobranceiros, entre outros lugares, para os seus ritos mais sagrados. Melantes, que se aproxima muito mais do que nós da antiguidade, assegurou aos seus leitores que era uma prática universal entre os antigos adorar a sua mais alta divindade no topo da mais alta montanha. E nos nossos tempos as montanhas continuam a ser procuradas por aqueles que renunciaram à existência mundana para viver uma vida ascética longe das tentações e da atividade. Os Dervixes de Nakshabendi que talharam suas cavernosas moradas na pedra das colinas que sobrepairam o Ciro; os monges gregos que se escondem do sexo frágil no escarpado Monte Athos; os irmãos italianos, mais joviais, que construíram para si um enorme mosteiro numa bela colina salpicada de jardins nas cercanias de Florença, não menos do que Moisés passando quarenta dias no Monte Sinai para obter a revelação Divina da lei que seria a do seu povo, ou Jesus em retiro no Monte Carmelo, o rosto resplandente de beleza espiritual quando comungou com Seu Pai, testemunham a iluminação e o poder encontrados na solidão das montanhas. Todo o amor e adoração à Natureza provêm, na verdade, do mais fundo do nosso ser; a concentração nas emoções pertinentes à "alma" constitui-se portanto numa prática valiosa. O importante é reagir na forma sugerida às impressões produzidas pela Natureza.

Quando deixamos o reino da Natureza e nos voltamos para o da arte, no qual o homem tenta copiar a variegada beleza natural, a ordem e os padrões naturais, encontramos novas oportunidades de disciplinar as emoli*

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ções no caminho que conduz à abertura espiritual do homem. A poesia o retrato, a pose, o som, o monumento, a gravação, tudo fornece na verdade, um fascinante caminho preliminar rumo do reino divino ' e é uma força em evolução espiritual. A arte não é um simples apêndice decorativo da vida embora amiúde o seja para as mentes superficiais. E l a pode afetar o ser humano de urna forma profundamente espiritual; pode ser usada de forma a propiciar-lhe valiosas experiências psicológicas. O artista de sucesso é aquele que comunica suas sensações de beleza etérea, suas exaltações extáticas, de modo a que os observadores participem, compreendam ou sintam também as mesmas sensações. Longe de ser um luxo ocioso reservado aos ricos, o poder latente na verdadeira arte de qualquer tipo é capaz de colocar-nos no portal da autêntica divindade. O grande artista, na exaltada beleza de sua percepção, é um transmissor inconsciente de valores ulteriores à sua concepção normal. Esquecer por algum tempo as atividades da existência cotidiana e entrar no mundo gerado pela criação artística genuína, é conhecer um alargamento de horizontes além do puramente pessoal, uma elevação de sentimentos além do puramente material. Podemos na realidade, desde que aprendamos a fazê-lo, usar as produções do artista não apenas para nosso deleite, mas também como uma alavanca para alçar a mente a um grau de consciência superior ao comum. Sempre que nos deparamos com uma obra inspirada que veio a lume através de um artista iluminado, devemos dar a essa obra a nossa mais cuidadosa e concentrada atenção; assim reproduzimos em nós mesmos o estado de absorção mental que acompanhou o artista na melhor parte do seu trabalho e podemos mais tarde tocar a fonte profunda que ele tocou. Se não houvermos confundido talento com génio, nós começaremos pela admiração, passaremos à adoração e terminaremos na inspiração. Aquele momento de eletrificante contato deve ser procurado e agarrado, as primeiras sensações de exaltação ou encantamento não devem ser postas de lado por obra do descaso, pelo contrário, devem ser encarecidas como as meadas que, uma vez seguidas, nos guiam ao inestimável estado. E importante que não se dissipe a exaltação com a pressa de passar para a impressão mental ou sensação física seguinte. Requer-se algum esforço de vontade a fim de manter à distância os pensamentos e emoções externos, de modo que a mente seja abstraída da rotina pessoal, trazida a uma atmosfera mais elevada e mantida concentrada na vitalidade espiritual com a qual está sendo alimentada pelo estilo da música ou de outra qualquer forma de arte.

No momento supremo de tal resposta, devemos começar os exercícios especiais de respiração, vista e coração descritos em capítulos posteriores, e executá-los muito rapidamente, mas uns em seguida aos outros, durante algum tempo. Desta maneira se tirará da arte o maior proveito, de modo que, ao invés de ser apenas um veiculo de prazer, ela se transformará num verdadeiro vestíbulo dourado para uma incomum existência espiritual. Se tivermos a boa sorte de possuirmos uma natureza equilibrada, artística e intelectual, com um senso e sensibilidade reais para a beleza de par com um autocontrole intelectual suficiente para manter os nossos pés no chão, faremos mais progressos neste caminho do que alguém desprovido de tal natureza. Pode-se, por isso, dizer que a cultura artística é, na sua forma mais verdadeira, um patrimônio que vale a pena ter. Não é possível ser um artista de verdade ou um verdadeiro apreciador de arte sem acentuar a nossa sensibilidade dessas elevadas emoções que se situam acima da média. A música tem especial valor como chamariz da faculdade oculta da alma; os compassos rítmicos de um som inspirado atraem o coração não se sabe para onde. Nas maravilhosas árias da nobra Quinta Sinfonia de Beethoven, por exemplo, ou na sublime angústia da Balada em Sol menor de Chopin, há proveito espiritual tanto quanto valor criativo para aqueles que as sabem apreciar devidamente. Existe um elemento divino na sinfonia, na modinha e na canção que tende a nos colocar no estado espiritual, êxtase ou angústia em que os grandes artistas conceberam as suas obras. O asceta que nelas só vê uma armadilha que nos faz esquecer Deus ou ocupa um tempo que devera ser dedicado a assuntos religiosos, é livre para não correr tais perigos; nem todos são chamados a palmilhar este caminho onde não existe o medo. O próprio Beethoven disse: " A música é o mediador entre a vida espiritual e a sensorial." N o entanto, se tivesse vivido o suficiente para ouvir alguns dos ruídos que hoje em dia passam por música, ele poderia ter agregado um adjetivo qualificativo ao primeiro substantivo da sua frase. Não obstante, devemos lembrar que o tipo de artista que se perde em entusiasmos exagerados e desequilibrados ou gasta as suas energias em dissipações violentas ou que adora em templos de arte poluídos por uma atmosfera de hospício é inteiramente inadequado para o nosso caminho, ao passo que a sua produção artística ao invés de ajudar o espectador ou ouvinte no sentido de uma visão mais elevada da vida, na verdade irá prejudicá-lo em razão da sua natureza distorcida. Devemos procurar preferentemente aquelas produções que não nos arrastam para emoções

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indesejáveis, mas que, pelo contrário, elevam a alma, dão-lhe refinamento e colocam-na na majestade do gozo espiritual. H á na verdade homens de reconhecido génio, de génio até mesmo atemorizante, que se transformaram em veículos psiquicamente distorcidos da sua inspiração ou, em sua impotente mediunidade, permitiram que suas maravilhosas habilidades e dons fossem usados por forças do próprio inferno. Quando colocados diante dessas obras, nós podemos reconhecer e confessar que estamos também diante da presença de génios, mas devemos também sem falta lembrar que estamos diante da presença da distorção da verdade isto é, da falsidade, de uma expressão das invisíveis forças saídas da própria terra do mal. E , percebendo tudo isto, é mais prudente não nos afastarmos à procura de um ar mais são e mais puro. A música despertará exatamente esses sentimentos, a literatura acarretará exatamente esse estado mental, os quadros criarão no expectador exatamente o mesmo estado de espírito que presidiu a sua confecção daí a importância de encontrar a melhor arte, a arte de inspiração espiritual. Nós ficamos prisioneiros do mundo imaginário que o artista criou. O grande artista deveria ser um intérprete da vida espiritual para os mortais de nível mais baixo. O artista sem inspiração e materialista é como uma lâmpada elétrica desligada da corrente de força. Ademais, devíamos deliberadamente tentar cultivar esses sentimentos e qualidades de caráter que são úteis na procura de uma vida mais elevada. Todas as expressões emocionais do tipo do ódio, ciúme e medo são altamente indesejáveis. Talvez nos percebamos tal coisa ao lidar com algo tão completamente invisível como a emoção, pois um sentimento antagónico amargo e cheio de suspeita pode ser mais destrutivo nos seus efeitos não apenas sobre a própria pessoa — no tipo e nas circunstâncias e mais ainda ao apagar a luz espiritual que poderia ajudá-la — como também sobre os outros, pois ele se desloca, silenciosamente e telepaticamente, através do espaço até atingir, sem ser visto, a pessoa que o despertou. Devemos portanto estar atentos e evitar a continuidade dos sentimentos indesejáveis — talvez a sua primeira manifestação não possa ser evitada — e devemos estar preparados para compreender que no mundo interior, onde a mente funciona telepaticamente, tais coisas são realidades definidas. Assim como um homem não abrigaria conscientemente um bando de feras selvagens em sua casa, assim também ele deveria lutar por manter longe de si o tigre selvagem, a cúpida pantera e a serpente traiçoeira. Muita coisa na história contemporânea é deplorável, mas o que se exige não é ódio, medo ou destrutividade, porém compreensão em sua

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forma mais elevada; não é a adição de mais antagonismo e mais distorção num mundo demasiado antagonístico porém a adição de mais construtividade, mais bondade e mais verdade. O cultivo da vida emocional prepara as condições certas para o advento da revelação espiritual e na verdade o incentiva no âmbito da vida cotidiana. Toda vez que expressamos sentimentos de reverência, veneração, devoção, admiração, homenagem e humildade relativamente àquilo que é maior e mais grandioso nas pessoas e na Natureza, nós ajudamos a apressar o dia em que essa revelação poderá vir. Pergunta-se amiúde se alterações radicais e austeras de caráter ascético e autodisciplinador devem ser feitas no nosso modo de vida habitual quando nos decidimos a trilhar um caminho espiritual deste tipo. Na verdade, a maioria das pessoas parece pensar que tais inovações são esperadas, e algumas tremem ante a perspectiva das dificuldades que lhes serão criadas. N o que tange ao caminho aqui preconizado, tais temores podem ser em grande parte reduzidos. Não se exigem quaisquer modificações ascéticas e nenhuma lei ascética será proclamada. O trabalho básico tem de ser interior e os gestos externos que possam ser necessários devem vir gradualmente e a partir da nossa própria orientação interior, não de alguma autoridade externa ou de ideias convencionais preconcebidas a respeito do assunto. Muito mais importante que o sacrifício de algum hábito físico é o sacrifício do hábito mental; por isso pode a pessoa entrar nesse caminho sem fazer qualquer exibição indevida, de modo que até mesmo aqueles que moram na mesma casa ou pertençam a sua família deixem por vezes de perceber que ela está empenhada num tipo de vida mais elevado. Não obstante, a verdade é que, se fosse possível evitar atritos ou sobrecarregar-se a si próprio ou aos mais próximos, determinadas modificações na vida física seriam aconselháveis. É desnecessário fugir às atividades necessárias da vida, correndo para ermidas, "ashrams", retiros e assim por diante. Os nossos pensamentos opressivos e o nosso ego pessoal irão juntos onde quer que estejamos. A salvação é um assunto puramente pessoal: a crença de que só pode ser ganha em grupos ou sociedades espirituais ou em ordens religiosas não passa de uma ilusão; "as almas não se salvam aos magotes" disse Emerson e a experiência comprova as suas palavras. Por outro lado, um retiro espiritual por breves períodos é sempre útil. Nessas ocasiões a própria Natureza fornecerá um mosteiro melhor e mais harmonioso do que o homem 143

Outra dificuldade surge na forma da preservação da castidade física Aqui também é comum a crença de que precisamos renunciar a toda relação sexual, por vergonhosa, e ingressar numa vida de celibato total. Se as pessoas sentem uma grande atração para esse tipo de vida, seu dever óbvio é obedecer. Mas a existência humana é suficientemente espaçosa para conter outros caminhos para o E u Superior. Neste ponto o autor se apressa a desfazer incompreensões que poderão ter surgido entre os que leram a referência contida em Um Eremita no Himalaia. Sua nota sobre o assunto naquela obra foi bastante incompleta, não passando de um rabisco num diário, e, por isso, requer agora uma ampliação. O que se quis dizer é que o casamento não era obstáculo à consecução espiritual e que era possível viver uma vida matrimonial normal e ainda assim obter a consciência do E u Superior. Decerto não se quis dizer que se pode dar rédea livre às paixões, apenas porque o desejo apareceu. Pelo contrário, acredita o autor que é através da conservação e controle sensatos da força sexual que o homem pode tornar-se uma força dinâmica nos mundos da matéria e do espírito. Uma civilização mais adiantada perceberá no casamento aquilo que apenas uma minoria de casais jovens percebe hoje em dia — a oportunidade para que duas almas amadureçam juntas com um propósito dual, espiritual-material, ficando o relacionamento físico como mero complemento e não como o objetivo do casamento. A presença de um clérigo e os cânticos de um coro de igreja não santificam necessariamente uma cerimónia de casamento; apenas quando marido e mulher compreendem que precisam afinal encontrar a unidade na adoração conjunta da L u z Suprema, o seu casamento alcança um status mais elevado que o de um contrato civil. Não quer isto dizer que o celibato total, a negação da relação do casamento, sejam o único caminho para a espiritualidade, como declaram tantos ignorantes e intolerantes. Uma vez que este livro não se ocupa das injunções morais, é essencial advertir o leitor de que a meditação mística deve ser salvaguardada por ingentes esforços para melhorar o caráter e elevar os padrões éticos. Sem estes, há perigo.

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CAPÍTULO I X O EXERCÍCIO D O DOMÍNIO M E N T A L O homem comum passa irresponsavelmente de um pensamento para outro e permite que sua mente trabalhe à vontade. No entanto, os pensamentos são uma responsabilidade do homem e, por sua vez, irão reagir, como estão reagindo, sobre o conjunto da sua vida material. A conveniência de eliminar os pensamentos indesejáveis e incentivar os mais elevados é algo que o homem apenas entrevê. Poderia parecer fantástico e artificial asseverar a existência de uma ligação entre aquilo que um homem pensa e aquilo que lhe acontece no mundo material, entre a sua condição mental e o seu bem-estar material, mas aqueles que praticaram os métodos aqui propostos durante um certo número de anos e observaram os resultados nas suas vidas saberão que não se trata de uma fantasia, mas sim da verdade, e que a vida externa de um homem é em grande parte reflexo do seu mundo mental. Infelizmente, a nossa era se saturou a tal ponto de pontos de vista materialistas sobre a vida que perdeu em grande parte a recordação e a crença nos mais sutis poderes mentais do homem. T a l perda, contudo, não pode e não altera o fato básico da nossa existência. «Enquanto preferirmos continuar na ignorância espiritual, teremos de seguir tateando com a venda do materialismo a nos tapar a visão.« O resultado é muito sofrimento desnecessário e uma total incapacidade para perscrutar os desígnios mais profundos da Natureza e o destino da nossa raça. Dominar os nossos pensamentos e sentimentos esparsos é restabelecer a soberania perdida. O homem tem de ser o senhor absoluto da região da sua mente, se pretender enquadrar-se perfeitamente na evolução que a Natureza colocou diante dele. Ele poderá considerar a tarefa como desprezível, mas o prejuízo será só seu, pois a incapacidade de controlar o pensamento leva às mais misteriosas ramificações e aos mais variados sofrimentos. Pois é um truísmo que muitos acontecimentos e decisões nas nossas vidas sofrem grande influência do nosso modo habitual de pensar. Portanto, mudar esse modo de pensar é mudar até certo ponto as circunstâncias e o ambiente da nossa vida, bem como adquirir autoconfiança e bem-estar íntimo. Ademais, precisamos realizar o milagre interior da conquista da mente, antes de podermos realizar qualquer milagre externo. Nenhuma prática pode, por isso, ser mais importante para aqueles que de alguma forma estejam insatisfeitos com a vida do que o controle do pensamento. E nesta era da praticidade, em que as pessoas

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estão sempre à procura de resultados tangíveis e não de teorias intangíveis, é sem dúvida um argumento muito forte dizer ao mundo: "Faça isto! adote estes exercícios e dentro de algum tempo você verá a corrente da sua vida fluindo através de canais mais suaves, através de estradas mais ensolaradas e cenários mais agradáveis." Por estas, senão por outras razões, devemos dispensar a mais cuidadosa atenção à vida do pensamento. Existem outras e mais elevadas razões pelas quais precisamos renovar a mente, pois através da mente poderemos penetrar nos mistérios do reino do céu, descobrirmos por nós mesmos se a alma existe e como se parece ela. E um princípio fundamental que a certeza da nossa existência espiritual jamais pode vir de provas objetivas, mas apenas de uma tentativa intelectual ou emocional. Através de uma mente convenientemente dirigida o eu íntimo se abre para nós e nós lhe atravessamos o velado santuário rumo a um estado mais divino. Essa orientação, que recebe os nomes de "quietude mental", "meditação", "ioga" e "misticismo", remodela a mente e obriga o pensamento a servir o homem, ao invés de tiranizá-lo. T a l é o supremo valor dos exercícios de quietação mental que Inácio de Loyola, o Fundador da Ordem de Jesus, confessou certa vez ao Padre Laynez que uma única hora de meditação em Manfesa lhe havia revelado mais verdades acerca das coisas do céu do que todas as doutrinas de todos os teólogos reunidas poderiam ensinar. Se o leitor está agora pronto para encetar essa altiva aventura da alma, ele precisa satisfazer a esta condição preliminar:

Precisamos encontrar, durante as vinte e quatro horas do dia, um intervalo certo de cerca de meia hora em que possamos nos afastar das atividades corriqueiras e estarmos sós, sem falar nem mexer, com os nossos pensamentos. Alguém cujos horários sejam permitir meia hora por dia, poderá nutos diários. Importa menos o qualidade do pensamento, a atenção aqueles poucos minutos.

tão rigorosos a utilizar vinte ou tempo dedicado concentrada que

ponto de não lhe mesmo quinze mià tarefa do que a nela se põe durante

A maioria das pessoas que alegam não ter tempo para a meditação via de regra encontram sempre tempo para as diversões, para ir ao teatro, assistir ao cinema, ler os últimos mexericos das colunas dos jornais, bater papo, ir a festas, jantares e outros compromissos. Será que essas pessoas jamais terão um compromisso com o seu eu mais divino? O que elas realmente pensam é que o trabalho, o esforço e o pequeno sacrifício que

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a meditação impõe não parecem valer a pena, e que todos os benefícios prometidos se afiguram um tanto remotos, nebulosos e vagos. No entanto, se lhes fosse dada uma compreensão justa do assunto, elas entenderiam que esses pequenos fragmentos do dia dedicados à quietude mental são preciosos momentos na nossa vida, infinitamente importantes, pois podem propiciar tesouros eternos e ganhos certos aos pacientes de coração. Aqueles minutos de sacrifício, dados à quietude mental, não são dados em vão. A Divindade adorada recompensa regiamente Seus fiéis devotos. A duração do período a ser dedicado aos exercícios diários deve ser decidida de antemão e, naturalmente, só será determinada depois de se tomar em consideração os deveres específicos que nos são impostos pelo ambiente e pelo status. Não necessitamos, e não devemos, negligenciar os deveres normais do dia-a-dia caseiro e comercial a fim de encontrar tempo para os exercícios espirituais; contudo não devemos ser tolos a ponto de afirmar não dispormos de um momento sequer para a sua prática. Não há ser humano que não possa, com pequeno sacrifício da atividade trivial ou do prazer supérfluo, criar tempo suficiente para tais exercícios. Meia hora é um intervalo médio excelente para a maioria das pessoas e essa meia hora sempre pode ser encontrada em algum lugar do nosso programa diário, se o estudante estiver de fato determinado a encetar a busca. Se ele o desejar, poderá mesmo ter dois períodos diários de exercícios, de manhã e à noite, e, embora isto seja aconselhável quando possível, não é decerto essencial. Os períodos escolhidos devem ser de molde a ter uma interferência mínima nos quefazeres diários, bem como estorvar ao mínimo as pessoas com quem acaso vivamos. Há, contudo, certas horas do dia em que esses exercícios são particularmente indicados pela Natureza e em que ficarão mais fáceis e darão mais frutos. Tais horas são a manhãzinha, logo após a aurora, e o fim da tarde, à beira do crepúsculo. A produtividade do período matutino está em que a mente se encontra então fresca, tranquila e a salvo de perturbações. As agitações do dia ainda não começaram a agitar-lhe a plácida superfície. E uma vantagem de fazer os exercícios àquela hora é que os resultados perdurarão o resto do dia, de modo que a nossa vida será presidida por uma atmosfera impregnada dos seus ecos. A quietude mental constitui o melhor início de dia possível. Quando alcançada com êxito, ela nos coloca na devida relação com o Infinito e em sintonia com o universo. T a l harmonia augura uma harmonia externa em todos os assuntos a serem tratados durante o dia que começa. Diminui a probabilidade de

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desentendimentos chocantes, ajuda o dia a correr de forma agradável e cria uma reserva de serenidade e sabedoria com que enfrentar os problemas. As inspirações e as ideias surgem mais tarde, como os seus frutos mais agradáveis. O raiar do dia é bem indicado principalmente aos que habitam os países do Leste. Os ocidentais levam uma desvantagem com relação a essa hora, por duas razões: acham-se então ansiosos para retornar ao mundo da atividade e se apressam a sair à rua e começar a faina diária; essa mesma ansiedade e essa mesma pressa transformam-se em sérios obstáculos aos seus exercícios e comprometem a boa qualidade da sua meditação. Devemos nos sentar para tal meditação com uma espécie de paciência sublime, sem ser espicaçados ou perturbados pelo pensamento daquilo que teremos de fazer depois no mundo exterior. A segunda razão é que o amanhecer é amiúde muito frio na Europa e na América e as sensações físicas de frio distraem a atenção. O crepúsculo é portanto mais fácil para algumas pessoas, pois, cansadas pelo trabalho do dia, elas antecipam com alegria um período de relaxamento e repouso; sendo a meditação uma mudança para a mente e um descanso. Por outro lado, existe quem se declare demasiado fatigado no final do dia para dar-se ao trabalho de meditar ou aborrecer-se com qualquer outra coisa que não seja jantar ou divertir-se. Tais pessoas devem escolher alguma meia hora durante o dia ou a noite, quando não estiverem cansadas. Tanto a madrugada como o crepúsculo são "períodos de junção", segundo a tradição dos iogues, quando as forças espirituais estão especialmente ativas na atmosfera do nosso planeta. Os períodos que precedem e seguem imediatamente o nascer e o por do sol são os grandes pontos de encontro nos horários da Natureza, quando as forças da atividade diária encontram-se com as da calada da noite. E quando ambas se misturam, cria-se uma sutil e penetrante quietude que exerce profunda influência sobre a mente da humanidade sensível. E m tais momentos é mais possível e algo mais fácil entrar em contato com a alma íntima do homem. Uma yez fixada, a hora deve ser adotada com determinação. Cria-se assim um firme hábito de horário que, dentro de meses ou anos, transforma a hora da quietude mental numa parte integrante do programa diário, de modo que, se a perdermos, sentiremos uma lacuna, assim como sentiremos fome se deixarmos de fazer uma refeição. É portanto melhor dedicar alguns minutos em horários regulares do que um espaço mais longo em intervalos irregulares. Como a mente desenvolve esse novo hábito da meditação, será naturalmente mais fácil executar espontanea-

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mente os exercícios quando chegar a hora marcada cada dia, ao invés de qualquer outra hora. É desaconselhável escolher uma hora imediatamente após uma refeição, pois então a energia de absorção do corpo está empenhada na digestão e a mente tende a tornar-se menos alerta e mais preguiçosa, e, portanto, menos adequada para a refinada e sutil prática da concentração que se exige. Na verdade, os melhores resultados serão colhidos se fizermos a meditação com o estômago vazio. Qualquer que seja a hora escolhida, há dois dias todos os meses que desempenham um papel especial nesse sistema. Deve-se então fazer um esforço, não apenas para seguir com a prática, mas também para alongar o período a ela dedicado. Tais dias são quando o sol e a lua ficam em conjunção e oposição, isto é, as noites de lua nova e cheia. Em tais ocasiões forças espirituais são liberadas no mundo e o aspirante deve beneficiar-se delas, pois necessita de todo o auxílio possível e essas forças constituem-se numa espécie de graça para as almas reflexivas prontas a recebê-las. Não devemos ficar surpresos com a existência de tais influências ligadas aos marcos horários dos corpos celestiais, bastando lembrar que a lua influencia os movimentos de milhões de toneladas de água nas marés do oceano, não menos do que influencia o delicado crescimento das plantas. Por que não haveria ela de poder, juntamente com o sol, influenciar a vida íntima do homem? Os psiquiatras de há muito constararam que os sentimentos humanos sofrem tais influências, pois numerosos lunáticos, ao que se sabe, passam pelas piores bem como as melhores fases da sua doença nesses dois dias do mês. Devemos, portanto, cuidar de nos exercitarmos durante um espaço de tempo maior na véspera da lua nova e da lua cheia, ou na madrugada seguinte. Vale a pena dobrar a meia hora, porque a consecução do nosso objetivo fica mais fácil. A potência espiritual dessas duas fases do sol e da lua foi reconhecida por quase todos os antigos sábios e videntes. Os monges budistas continuam a celebrar os seus rituais mais importantes no dia da lua nova, ao passo que os hindus de alta casta consideram-no como o mais sagrado de cada mês, sendo que os rigorosamente ortodoxos fazem desse um dia de silêncio, jejum e descanso, seguido de uma noite de vigília dedicada à meditação ou à oração. A seguinte consideração de ordem prática é para as condições físicas. A primeira regra é tomar um banho completo ou pelo menos lavar o rosto e os braços até os cotovelos, antes de começar a meditação. Isto estabelece condições de pureza magnética. Vem depois a questão da postura física. A posição em pé, obviamente, é contra-indicada, pois leva

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mais rapidamente à fadiga em vista do esforço de manter as pernas eretas. Deitar de lado ou de costas, embora^ seja muito melhor, ainda assim não se presta inteiramente, pois é de hábito a postura do sono e tende a privar a mente da sua agudez e agilidade. A melhor posição para o corpo é, portanto, aquela que implique em sentar sobre as coxas, com a espinha esticada e firme. O melhor assento, seja ele um tapete, uma cadeira ou um sofá, é aquele que for mais confortável, fácil e menos indicado para desviar a mente para o corpo em razão de uma má acomodação física. Não é necessária nenhuma contorção física para este caminho. Podemos acrescentar aqui que para as pessoas de boa altura que não gostem de ficar de cócoras, os assentos que proporcionariam os melhores resultados neste tipo de exercício seriam uma cadeira baixa ou banquinho com cerca de quarenta centímetros de altura. O s calcanhares podem ser cruzados, caso em que as mãos devem ser postas uma sobre a outra com as palmas voltadas para cima; ou as pernas poderão repousar perpendicularmente ao chão, caso em que as mãos deverão ser colocadas sobre os joelhos. Os principiantes que desejarem experimentar acocorar-se terão grande ajuda se providenciarem um amparo para as costas, como uma parede ou o espaldar de uma cadeira, por exemplo. Qualquer que seja a posição adotada, deseja-se que seja confortável e esquecida da existência corporal durante meia hora. Deve-se assumir a mesma posição toda vez que se praticar o exercício. Outro fator de importância é evitar uma vizinhança hostil. O ambiente exerce grande influência sobre a mente; os principais requisitos são aqui: solidão, quietude, elevação, inspiração e a ausência de temperaturas extremas. Não devemos ser perturbados pelo corpo físico durante essas tentativas de penetrar no recesso do nosso ser. Por isso, mesmo depois de nos havermos instalado numa posição confortável, convém lembrar que os sentidos físicos prosseguirão ativos, continuando o seu trabalho normal de transmitir as impressões sensoriais ao cérebro. Se pretendermos penetrar nas profundezas da mente esses sentidos têm de ser obrigados a silenciar. Por essa razão devemos nos exercitar tanto quanto possível num local totalmente isolado e perfeitamente tranquilo, e, se usarmos um quarto, deveremos trancar a porta a fim de evitar alguma súbita intrusão. Melhor ainda, se residirmos no campo ou nas proximidades, deveremos escolher algum local ermo no interior de um bosque ou às margens de um rio ou na encosta de uma colina, onde a beleza e o silêncio da Natureza poderão ajudar nossas aspirações espirituais. Não há realmente melhores lugares para a meditação do que esses locais tranquilos que são o tesouro oculto da Natureza e dos quais

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um cómodo numa casa — onde amiúde existe uma má atmosfera mental — pode, na melhor das hipóteses, ser um substituto forçado, como no caso dos moradores da cidade. N o entanto, até mesmo a atmosfera mental e emocional de um quarto pode ser muito melhorada conservando-se a peça imaculadamente limpa, enfeitando-a com flores coloridas e belas pinturas sobre as paredes, e decorando harmoniosamente o ambiente com mobiliário adequado. Todas essas coisas ajudam a colocar corpo e alma à vontade e tendem a criar a atmosfera inspiradora que se requer. Aqueles que quiserem dar-se ao trabalho, poderão queimar um pouco de incenso, tomando o cuidado de usar apenas incenso de boa qualidade e de aroma agradável. O frio demasiado, tanto quanto o calor demasiado, faz o corpo sentir-se desconfortável e com isso dificulta a meditação. Nos países ocidentais frequentemente há um excesso de frio e, a menos que se disponha de bons aparelhos de aquecimento ou de cobertores adequados, o mal-estar do corpo reagirá sobre a mente, interferindo com a quietude mental. N o entanto, não se deve assegurar o calor através algum recurso que torne o quarto abafado, pois o ar viciado embota a mente. Durante as meditações seria de bom alvitre que o estudante conservasse os olhos fechados a fim de facilitar a concentração e impedir a entrada de impressões externas. Se os olhos forem mantidos abertos, transmitirão ao cérebro estímulos luminosos que mantém o mundo físico demasiadamente presente no campo da atenção. Tanto a luz do sol como a luz elétrica são perturbadores, de modo que as janelas e lâmpadas devem ser veladas. Então começamos a relaxar completamente e abandonar todas as tensões físicas. Nos primeiros estágios dos exercícios seria aconselhável interromper a meditação de quando em quando e examinar com cuidado a situação do nosso corpo. Estará o corpo retesado? Os músculos estarão distendidos? E os nervos tensos? Devemos nos corrigir continuamente, formando assim hábitos adequados de postura. Será de utilidade tocar boa música antes da concentração. Canções como Sttlle Nacb, HeiltRe Nackt ou a Ave Maria de Schubert exaltam a mente e fazem-na voltar-se sobre si mesma. N o capítulo anterior o autor já esboçou rapidamente o caminho do misticismo religioso para aqueles que desejam segui-lo. Há outros caminhos para as pessoas de diferentes estágios de desenvolvimento e de gostos e temperamentos diferentes, mas tais caminhos poderão ser :onvenientemente agrupados sob o título de Caminho da Concentração, pois

são variantes da muito comentada porém pouco conhecida ioga oriental Quanto menos se falar acerca dos métodos mais perigosos da ioga q buscam atrair os ignorantes através do engodo dos maravilhosos poderes ocultos, melhor será, e as pessoas que os praticarem ou divulgarem agirão por sua conta e risco. O mais seguro e melhor dos sistemas de ioga consiste em tomar algum objeto material, conceito mental, qualidade espiritual ou personagem e concentrar toda a força da atenção através de pensamentos sucessivos vinculados à nossa escolha até que a nossa mente se torne literalmente una com ela. O encadeamento do raciocínio deve ser rigorosamente lógico e o tema particular da meditação é de menor importância do que poderiam supor alguns novatos. O que realmente conta é a qualidade de atenção que se lhe dispensa, a capacidade de conservar os pensamentos fugidios fixos no tema durante um dado espaço de tempo. Os pensamentos que carecem de poder de concentração são esquivos, não passam de rabiscos na areia. Quando, depois de longa prática, através de muitos anos de exercícios e muita força de vontade, a massa de impressões mentais deixa de redemoinhar no cérebro, e o objetivo da mente bem orientada é alcançado, um novo passo surge pela frente, mas ele não poderá ser dado por quem não haja ainda adquirido o poder de concentração mental para manter a atenção ininterrupta sobre um único ponto, conceito ou ideia, sem recair numa mediunidade psíquica e tornando-se um canal para seres muito inferiores ao Eu Superior. u e

A esse estado chama-se contemplação e requer-se do praticante que retire a sua atenção do objeto, conceito ou imagem mental no auge do exercício, sem, contudo, perder o estado de atenção fixa e inabalável que foi criado. Se isto for feito convenientemente — coisa que não é fácil — a mente aquietada permanece em estado de vácuo durante um espaço mínimo. Poderá ocorrer um lapso de memória temporário, um instante de auto-esquecimento, e então se verificará que o centro do ser deslocou-se mais para dentro, para um outro plano inteiramente diferente do normal. Nesse plano a mente se funde num estado de paz, iluminação, compreensão, liberdade e saciedade deslumbrantes. Esta condição maravilhosa não perdura muito, porém, se vai de forma quase tão imperceptível como veio. A tarefa final daquele que contempla é repetir a experiência tantas vezes quantas puder, até que por fim ela se prolonga durante todo o dia, sem interrupções e sem poder ser interrompida. No plano logo abaixo da conquista final, todos os caminhos da meditação e contemplação se fundem e unem. Quanto mais estes se aproximam daquele plano tanto mais se parecem entre si. É igual-

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mente verdadeiro que determinadas condições da prática se aplicam, num ou noutro estágio, a todos os caminhos — especialmente a necessidade do pensamento concentrado. A concentração consiste em deter a habitual mobilidade do intelecto e conservá-lo firmemente dirigido para uma única linha de deslocamento, entrando profundamente num pensamento especial. Para conseguir isto é necessário ignorar as impressões e sensações físicas que o ambiente atira sobre nós, abafar o ruído da vida mundana, silenciando-o; e manter à distância o enxame de pensamentos intrusos e externos, praticando o controle consciente da mente durante a meia hora de meditação. Em suma, enquanto pensamos integralmente no assunto escolhido, é preciso que haja uma resistência voluntária aos impactos da percepção, que vêm de fora, e as rebeliões dos pensamentos aleatórios, que vêm de dentro. Não nos é possível destruí-los ou apagá-los de pronto, mas podemos fixar um alvo inarredável, um ideal de permanecer indiferentes a eles como a rocha contra a qual as ondas do mar batem em vão, impotentes para deslocá-la da sua base. Durante a primeira metade do exercício sentimos uma necessidade quase incontrolável de abandoná-lo, de nos erguermos e tratarmos de outra coisa. A mente se queixará amargamente de ser desviada da sua trilha habitual, da tirania de ser contrariada pela interiorização, quando de bom grado aceita a tirania muito maior de ser o dia todo levada para o exterior. A inquietude da mente é a descoberta genérica de todos quantos adotam a meditação. Tal descoberta é confirmada por cada esforço e conduz a princípio a um certo desencanto. Os primeiros e canhestros esforços deixam uma sensação de fracasso e fadiga. Compreendemos então que apenas uma pequena fração dos nossos pensamentos é realmente nossa, o resto não passando de uma turba indisciplinada e rebelde. Se cedermos a esses sentimentos negativos estaremos caminhando para o fracasso. Se, contudo, aceitarmos o fato de que a tarefa empreendida é séria e difícil — conquanto exequível e digna de ser cumprida — , atacando com coragem e sem desfalecimentos os exercícios, um dia haverá uma recompensa, quando no tumulto da mente surgir uma estiada maravilhosa e a tendência exteriorizante for inteiramente dominada. Até aqui temos obedecido irresistivelmente à constante mobilidade da mente e cedido a ela; no instante em que começamos a silenciar a agitação habitual da mente, aparece, claro está, uma séria resistência. E isso seria de esperar. Devemos aceitar, por conseguinte, o fato da inevitabilidade dessa resistência e, ao invés de abandonar os exercícios, por faltos de inspiração e estéreis, devemos perseverar com paciência e con-

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fiança a fim de que o intelecto se torne um pouco mais firme a cada mês que passe. Porque a mente foi aprisionada pelo corpo e sujeitada ao seu serviço, o objetivo da meditação é inverter as posições e libertá-la de um jugo despótico, de modo que ela possa reunir-se com o seu legítimo senhor, o Eu Superior. Quando a mente foge ao nosso domínio e faz com que sensações externas ou lapsos se imponham à nossa atenção, devemos fazer o mais difícil: impedi-la de divagar; tentar torná-la introspectiva e, pacientemente, fazer sua atenção reverter ao foco apropriado, por mais cansativo e repetitivo que possa ser. Paciência e indiferença aos fracassos

reiterados são essenciais na obtenção do sucesso final.

A concentração do pensamento é como cavalgar uma mula teimosa que não se cansa de enveredar para onde bem entende; sempre que o montador percebe que a sua montada está desgarrando, é obrigado a fazê-la endireitar a cabeça e retomar o caminho certo. O nosso E u Superior interno está sempre ao nosso alcance, mas os nossos pensamentos itinerantes devem transformar-se no seu combustível; há tanto tempo agimos como filhos pródigos que a jornada da volta demandará um apreciável espaço de tempo. Por essa razão requer-se paciência nesses esforços. A ninguém é dado tornar-se um bom músico em apenas três meses, contudo a maioria dentre nós espera conseguir o melhor da vida depois de uns poucos esforços, tornando-se pessimista quando imediata.

não há uma

resposta

É preciso acrescentar uma observação final a fim de eliminar uma confusão que frequentemente ocorre à mente dos que adotam a ioga — o caminho da concentração. A conservação de uma linha de pensamentos consecutivos e ordenados, ou meditação, é o único processo preliminar e intermediário desse caminho. Trata-se de um estado de transição. A concentração ou contemplação adiantada consiste em fixar a atenção num único pensamento, objeto ou pessoa, deixando que ela ali se demore e evitando outros pensamentos sobre o mesmo tempo. E m consequência, um pensamento consecutivo efetivo é o esforço inicial que leva à concentração, mas não é a concentração final propriamente dita, porque envolve a passagem de uma sucessão de pensamentos. A concentração envolve apenas um objeto, ou apenas um pensamento. Precisamos aprender a encarar o intelecto como uma máquina de pensar que deve ser temporariamente posta de lado quando houver servido aos seus propósitos, ao invés de ser continuamente manipulada. A ação mental disciplinada tem de ser seguida por um repouso mental controlado —

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repouso que, abrindo o momento presente, faz-nos entrar na eternidade e liberta o pensador do sempre febricitante casulo dos pensamentos.

Estes exercícios podem parecer a princípio extremamente enfadonhos ao homem comum porque não se lida com alguma coisa tangível, alguma coisa que possa ser tocada e percebida com as mãos ou vista com 08 olhos. O homem poderá sentir uma aversão natural a ser arrancado à suas amarras no mundo físico e levado a tatear nesse mundo mental aparentemente tão sombrio, mas que na verdade é da maior importância para o seu bem-estar. Tais pensamentos podem e devem lhe ocorrer, mas não deve o homem ceder debilmente aos seus engodos; que ele vença a preguiça espiritual, enfeitiçado, se for o caso, pela ideia das elevadas recompensas que o aguardam no caminho, recompensas que não podem ser aferidas por um único padrão material, pois vêm em todas as formas: harmonia material, contentamento emocional, satisfação mental e, acima de tudo, sabedoria espiritual. Não se pode estabelecer um preço para estas coisas e elas deveriam ser suficientes para tentar um homem a encetar essa tarefa cotidiana da autodescoberta, por extensa e laboriosa que ela possa mostrar-se. Existem obstáculos e dificuldades; são naturais e quase sempre comuns a todos os novatos. A mente, inevitável e obstinadamente, se afasta como uma mula do tema escolhido ou perde contato com a imagem escolhida. Amiúde os seus lapsos passam desapercebidos durante algum tempo; depois o mediador percebe subitamente que, ou estivera a pensar numa dúzia de coisas diferentes ao invés de uma só, ou então se esqueceu do próprio objeto da sua meditação. Não é surpresa que os iogues hindus comparem a mente com um macaco enlouquecido que salta sem finalidade para cá e para lá. A maioria de nós flutua o dia todo numa torrente de pensamentos e desejos borbotantes, quando não se entrega a uma pressa frenética e tola. A meditação é um esforço de atracar numa ilha a fim de restaurar tranquilamente o eu; consequentemente, a oposição da torrente a este esforço é inevitável. Uma vez que os pensamentos tenham sido incendiados pela aspiração e um agudo desejo de entrar em sintonia seja sentido, o progresso não será tão lento e a pessoa começará então a entrar no "estado concentrado" com menor esforço e maior frequência.

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O estudante que pratica fielmente e com regularidade estes exercícios, dispondo-se o conquistar o controle sobre o pensamento, mais cedo ou mais tarde chegará a um ponto em que começará a perceber uma não articulada sensação de progresso, e em que começará a libertar-se daquela condição vaga que necessariamente presidia aos seus primeiros esforços. T a l premonição merece fé e deve fortalecer a esperança e a confiança, duas qualidades que serão de grande valia ao longo do caminho. A esperança é essencial porque serão inevitavelmente muitas as tentativas fracassadas de fazer progressos sensíveis, durante anos talvez; a mente teimando em se esquivar da tarefa que lhe foi imposta. O homem que apesar de tudo está disposto a levar avante os exercícios, que está disposto a conservar a sua fé na eficácia final desses exercícios, é o homem que um dia descobrirá, surpreso, ter sido agraciado com uma repentina e rica recompensa interior por sua paciência e seu otimismo. Afinal, basta um curto período de exercícios por dia. Durante o resto do dia, a pessoa poderá conduzir-se de forma perfeitamente normal, usando o seu intelecto tão ativamente como antes. Os efeitos dessa aquietação diária do intelecto começarão, contudo, a aparecer gradualmente e de todas as formas possíveis. As coisas que mais nos ajudarão neste caminho são grátis: orientação, coragem, fé, trabalho e paciência continuam a não custar nada; e a recompensa à espera dos praticantes é nada mais e nada menos do que o divino E u Superior, na melhor das hipóteses, ou a tranquilidade mental, na pior. Fé e paciência são fundamentais, não uma fé cega e uma paciência letárgica, mas uma crença inteligente e lógica e uma calma confiança em que o esforço certo irá, mais cedo ou mais tarde, produzir os resultados desejados. Pode-se acrescentar por fim que algumas pessoas são particularmente suscetíveis ao desenvolvimento da concentração através da audição de determinados sons. Os mestres orientais da arte colocam tais pessoas nas proximidades de uma queda d'água e lhes solicitam que fiquem atentas à musicalidade dos sons, excluindo todos os demais sons e pensamentos. Isto unifica a mente com o som e atenua a tendência da primeira a divagar. Resultado semelhante poderá ser conseguido concentrando a audição no zumbido de um ventilador elétrico. O homem que prosseguiu meditando tranquilamente no recesso do seu quarto ou numa floresta pacífica, lutando muitos meses ou talvez anos para chegar a uma compreensão intelectual de si mesmo à base do

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seu próprio pensamento individual, durante todo esse tempo esteve a construir lentamente um pano de fundo e um palco que mais tarde se transformarão no cenário do seu renascimento espiritual. Através do poder de um raciocínio progressivamente mais abstrato, ele está aprendendo a fugir do ambiente puramente material, a esquecer a existência do mundo físico e a entrar nesse mundo das ideias que é uma região intermediária entre a matéria e o espírito. Embora nada de espantoso ou de notável deva ocorrer durante esses exercícios estritamente preparatórios, deve-se contudo compreender que se está preparando o caminho para um estado que torna possíveis as coisas surpreendentes e notáveis. Tudo aqui, como alhures na Natureza, é uma questão de crescimento gradual. Os pensamentos que parecem terminar apenas em vagas abstrações metafísicas estão na verdade, embora não o saibamos, nos conduzindo para as fronteiras desse país do intelecto onde novos guias e novos métodos de transporte estarão à nossa disposição. Por esta razão, quando não por outras, é necessário muita paciência. Chegará também um estágio em que os pensamentos começarão a assumir uma importância maior na nossa vida do que antes. Quando seguimos um caminho como o aqui descrito e buscamos ordenar os nossos pensamentos no sentido de chegar a alguma coisa ulterior ao nosso eu cotidiano, e, por isso, de grande valor, começamos a nos aperceber da crescente importância de controlar a nossa vida reflexiva com maior rigor do que antes. N a verdade, à medida que essa força de abstração interna e concentração mental aumenta, ficaremos surpresos de constatar que a ligação entre os nossos pensamentos persistentes e concentrados e os acontecimentos da nossa vida exterior se evidencia por vezes com insuspeitada clareza. Os nossos pensamentos transformam-se em forças criativas. Essa compreensão nos levará a ter mais cuidado com os pensamentos de ódio, ciúme, avareza, timidez, medo e todos os demais pensamentos inúteis e destrutivos em geral. N a verdade começaremos a entreter de bom grado os pensamentos opostos. Quando tal estado é alcançado, trata-se de um bom sinal e de uma demonstração de que o homem está fazendo progressos reais, e ele próprio perceberá, tanto quanto as outras pessoas, que o resultado dos seus exercícios se traduz num equilíbrio emocional e numa compostura interior. E dessa busca da mente emerge a altaneira grandiosidade da calma espiritual — tão necessária num mundo atribulado, tão marcante em todo homem que se avizinha do E u Superior.

U m resultado curioso desses exercícios mentais é que mais cedo ou mais tarde extraordinárias faculdades mentais poderão começar a desenvolver-se, mas será desaconselhável procurá-las pelo que elas são. O poder telepático de enviar ou receber pensamentos de outras mentes torna-se extremamente acentuado e, com o tempo, poderá tornar-se tão familiar ao nosso viver cotidiano a ponto de transformar-se em lugar comum. A s premonições acerca de acontecimentos futuros também poderão surgir de maneira natural e espontânea e encontrar notáveis confirmações. O s vínculos que nos prendem ao corpo físico começam a desfazer-se e a alma liberada poderá voar pelo mundo e aparecer a outros em visões ou em sonhos. A nossa própria vida onírica se transforma por completo, convertendo-se numa existência coerente e racional que possui a extraordinária consciência de que se está em estado de sonho. A s s i m sendo, este último perde o seu caráter vago e fantástico e se torna uma verdadeira continuação da nossa existência cotidiana. A vida onírica perderá o caráter caótico e disparatado que de hábito possui, transformando-se numa condição ordenada, útil e lógica.

CAPÍTULO

X

O C A M I N H O D A AUTO-INVESTIGAÇÂO Estando o palco agora pronto para as nossas primeiras meditações, de acordo com este sistema, poderemos começar o trabalho prescrito para o período elementar. Consiste ele em apenas ler e estudar algumas sentenças ou parágrafos, um por vez, e utilizando-os como temas para a concentração mental até que, afinal, toda a Primeira Parte, exceção feita ao preâmbulo de pouca importância, seja completada da mesma forma pela qual completamos a leitura de uma história em série. Cada texto diário transforma-se assim na carne que servirá de alimento à mente do mediador. A s palavras deverão formar o seu sustento; deverão ser mastigadas repetidamente e o molho das ideias subsequentes adicionado até que o bolo seja engolido e digerido; em resumo, até que as ideias pareçam aceitáveis. O crítico objetará de pronto que isto equivale a amordaçar o leitor e é uma tentativa no sentido de empurrar-lhe pela garganta mental um amontoado de opiniões. A resposta do autor é que sem essa inversão do âmbito mental da sua costumeira vinculação a um critério de verdade preconcebido, vale

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dizer, apenas^ a experiência desperta, jamais se poderá ter uma ideia real da constituição íntima do homem e jamais se poderá fazer qualquer progresso neste caminho. U m a investigação certa, uma auto-indagação não convencional, como as aqui formuladas, podem talvez levar a respostas diferentes das apresentadas, se nos recusarmos a nos afastar da opinião preconcebida de que as fronteiras físicas são os limites do homem. Mas a aceitação de tal opinião é por si só uma admissão de que a principal parte da verdade acerca da personalidade humana já é conhecida. Afinal de contas trata-se de mera suposição. As perguntas que constituem parcialmente este sistema de análise espiritual não foram levianamente formuladas. Foram deliberadamente elaboradas por aqueles que já conhecem as respostas. Originaram-se nas mentes de antigos videntes que se compadeciam da cegueira da humanidade e que, propositadamente, colocaram as perguntas na cabeça dos homens como uma espécie de fio de Ariadne o qual, devidamente seguido, conduziria suas mentes através do dédalo deste mundo até a descoberta do mundo espiritual nele encerrado. Se também as respostas são aqui inseridas, não é com a intenção de encontrar quem as espose, mas com a finalidade de traçar um caminho através de uma região virgem para aqueles que querem segui-lo. Se o próprio autor não tivesse sido levado à descoberta desse mundo espiritual do ser, ele necessariamente encararia estas respostas, a exemplo de outras pessoas, como meras opiniões intelectuais. Mas elas são muito mais do que isso. São não apenas respostas racionais corretas, mas também declarações de fatos observados. As observações foram feitas por quem de direito, isto é, videntes e sábios que formam a vanguarda de milénios de evolução espiritual. O assunto pode agora ser colocado de forma mais incisiva, afirmando-se que uma leitura compreensiva destas páginas e uma ruminação do seu conteúdo até que a verdade daquilo que elas têm a dizer comece a infiltrar-se na nossa mente — mais através de uma percepção interior do que através de uma fé cega — levem por fim a reações definidas no mais recôndito da natureza humana. Cada página da Primeira Parte destina-se, direta ou indiretamente, a trabalhar sobre a mente do leitor, quando este não obsta a influência por meio de alguma inclinação inata, e quando traz as palavras para o seu período diário de quietude mental e medita nelas com tal concentração que o espírito da qual elas formam ur*

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veículo também é capaz de entrar nelas. N a verdade, não devemos ler apenas, mas meditar enquanto lemos, recolhendo de palavras e frases esparsas indicações para a nossa própria orientação pessoal. Através dessa reflexão imparcial e dessa confiança depositada nessas observações e concepções formadas a partir de experiências incomuns, combinadas com o preenchimento das demais condições recomendadas, o leitor poderá extrair experiências espirituais insuspeitadas, pois irá liberar forças até aqui ocultas que residem sob o limiar da sua própria personalidade. A auto-análise, quando praticada segundo as indicações aqui expostas, proverá o treinamento intelectual essencial que aprofunda o conhecimento interior. A leitura não deve ser feita de maneira preguiçosa e superficial como nos jornais; isto seria apenas inútil; deve ela ser feita com toda a força da nossa atenção girando em torno do ponto focalizado. Por esta razão, o estudante irá sem dúvida achar necessário reler várias vezes determinados trechos antes de lhes captar o conteúdo, e só quando o fizer poderá progredir realmente no caminho. Mesmo aqueles que não são principiantes nos assuntos espirituais c que já têm alguma ideia da vida espiritual, não desperdiçarão seu tempo fazendo esta leitura, porque terão azo de ordenar algumas de suas próprias ideias e experiências, esclarecendo destarte o seu autoconhecimento e talvez acrescentando fatos importantes. Uma vez que a obra exige um trabalho rigoroso de pensamento, alguns críticos poderão alegar que uma mera "maneira de pensar" não poderia em hipótese alguma acarretar uma alteração tão profunda na consciência de um homem ou proporcionar-lhe uma experiência tão elevada. D e fato, a leitura superficial destas páginas pode levar a essa conclusão; contudo, seria uma conclusão falsa. Nós subestimamos o poder do pensamento, apenas porque temos um conhecimento imperfeito da natureza do intelecto. Embora não saibamos, o intelecto propriamente dito é envolvido pelo Espírito Divino e o seu ato de envolver no sentido da sua fonte oculta leva inevitavelmente a esse Espírito. Devemos manter a nossa consciência tão atenta e concentrada quanto possível. Devemos nos sentar com esta ideia: "Agora vou-me esquecer de mim mesmo e colocar toda a força da minha atenção nesta busca interior!" A essência deste método é, portanto, bastante simples, embora o esforço para pô-lo em prática talvez requeira um grau de concentração, de atenção que poucos têm, mas que muitos poderão adquirir. Se tal qualidade falta no momento, ela pode ser adquirida através de exercícios persistentes, da mesma forma pela qual uma pessoa pode adquirir um

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certo desembaraço no manejo de um instrumento musical por obra de um treinamento perseverante. N a verdade, a analogia é bastante precisa. N a música, os ouvidos dos estudantes têm de ser gradualmente treinados para discernir as diferenças mais óbvias entre notas e tons e, mais tarde, as graduações mais sutis entre^ eles. Semelhantemente, o estudante que se exercita neste método psicológico e filosófico de aproximação da Divindade começa aprendendo a discernir as diferenças .mais óbvias entre ele mesmo, seus sentimentos e seus pensamentos e, mais tarde, as nuanças mais sutis dessas diferenças. Por fim, ele aprende a detectar a divindade que é a subcorrente sob o seu ego pessoal, da mesma forma pela qual o estudante de música aprende a detectar a existência de certos motivos básicos na composição musical. O pensamento pode, portanto, tornar-se um poderoso instrumento de autolibertação nas mãos daqueles que são ensinados a usá-lo adequadamente e nestas páginas o leitor encontrará ideias, palavras, frases, sentenças, parágrafos e perguntas que, convenientemente consideradas, adestrarão realmente o seu pensamento e o capacitarão a dedectar e por fim penetrar aquelas misteriosas regiões de pensamento e compreensão sutil até então fora do seu âmbito mental, da mesma forma pela qual o estudante de música desenvolverá suas faculdades musicais até por fim chegar a ouvir aquelas delicadas harmonias que inicialmente escapavam ao âmbito da sua detecção. %

O próprio estudo deste caminho para a consciência tetra-dimensional do E u Superior nos ajuda a ganhar aquele novo descortínio intelectual que constitui uma parte do sistema. Os parágrafos desta obra são o fruto de um campo de experiência diferente e, por isso, encerram uma orientação libertadora e reveladora. A função deste trabalho é apanhar a mente e colocá-la numa nova trilha; e assim como um homem que tomou a estrada errada pode ser reconduzido à estrada certa, assim também podemos ser impelidos para diante no rumo que a Natureza deseja que tomemos. Grande quantidade de pensamento super-concentrado foi comprimida num mínimo de espaço nos capítulos precedentes. A sentença mais curta pode encerrar a verdade mais profunda e, por isso, o benefício real vem quando fazemos a leitura com a lentidão requerida para nos assenhorearmos de um assunto novo. Qualquer um pode ler um capítulo em uma hora ou menos, se assim desejar, mas o estudo desse capitulo demandará uma semana ou mais e a sua absorção possivelmente demandará meses. Se o espaço permitisse, o autor teria isolado cada ideia e imprimido numa

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larga divisão de espaço em branco a f i m de separá-la da ideia seguinte, inculcando assim na mente do leitor que se exige dele u m cuidadoso trabalho mental no sentido de dominar cada novo pensamento, antes de prosseguir na caminhada. Se tal ponderação for feita de maneira acertada e com a devida atenção, cada ideia apresentada poderá transformar-se num pensamento-semente sobre o qual a mente do leitor poderá operar, levando-o com o tempo a fazer progressos rumo do objetivo colimado: o conhecimento do E u Superior. Pois estas verdades se enraizarão em níveis mais profundos e depois aflorarão lentamente à superfície da consciência. O curso prático exige, portanto, que o estudante armazene umas poucas frases, sentenças ou mesmo parágrafos das suas leituras na câmara silenciosa do cérebro, a f i m de que sejam fixados na mente, profunda e integralmente ponderados e transformados em matéria-prima para divagações abstraías. Exige-se a participação ativa do pensamento e da imaginação. Tudo aquilo que se disse no capítulo precedente acerca da arte de concentrar os pensamentos e excluir todos os tópicos irrelevantes deve ser lembrado com relação a isto. A mente deve ser mantida calma e resoluta, atenta na cabal exploração de todas as ideias, pois apenas em tal condição pode chegar a uma compreensão não distorcida. Todas as sentenças são escritas com o propósito de provocar uma certa reação e alimentar um determinado estado na mente do leitor. Mas apenas os leitores que desde o princípio abraçaram uma atitude realmente impessoal, imparcial e correta deverão experimentar essa reação e verificar, em consequência, que o seu pensamento adquiriu significação espiritual. H á portanto nestas páginas uma certa energia latente à espera de liberação através uma atitude de receptividade adequada e apreciação racional. Que sou eu? Esta é uma pergunta que deve penetrar fundo na nossa consciência. E l a deve ser formulada em silêncio e feita com reverência, com seriedade e, mais tarde, até mesmo num espírito de quase-prece. Devemos começar a tomar consciência dessa indagação e nos absorvermos nela durante um espaço limitado ao menos uma vez ao dia em nossa vida reflexiva. Devemos fazer uma tentativa de analisar a nossa natureza e — com espírito responsável e meticuloso — dissecar o conceito do eu assim como um anatomista disseca o corpo físico, até tomar ciência daquilo que o corpo realmente é. Esta análise deve ser mais do que um mero esgravatamento das paixões humanas, o qual, segundo

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numerosos psicólogos modernos, já seria suficiente. E l a deve ser um esforço para perscrutar uma seção transversal da experiência humana, em sua totalidade, desde o mais grosseiro até o mais etéreo. Voltamos sempre ao único fator que deve ter preeminência, seja na filosofia teórica, seja na vida prática: o conhecimento do eu. E m consequência, O Caminho Secreto dirige-se diretamente para este objetivo: uma análise mental do eu pessoal que resulte na descoberta do eu espiritual. T a l descoberta jamais surgirá se nos debruçarmos sobre uma mesa de laboratório. É essencial uma profunda meditação acerca do tema QUE SOU EU? O princípio básico deste método é, portanto, tomar essa indagação, e tentar referir a natureza e a origem do conceito do eu; analisar a totalidade dos componentes que de hábito consideramos como partes do nosso ser individual; examinar, uma por uma, cada parte do corpo e suas respectivas emoções e pensamentos; e através disto tudo buscar aquilo que realmente se pode chamar de eu, relegando tudo mais a um esquecimento temporário.

*

Este caminho do auto-adestramento está dividido em dois estágios e contém diferentes exercícios. O primeiro estágio é intelectual e consiste de análises que propiciam compreensão; o segundo é místico e fomenta a compreensão. N o primeiro estágio formamos uma corrente mental de auto-indagação, tentando descobrir aquilo que realmente somos e localizar o ser vivo que pensa e sente dentro do corpo; ao passo que no segundo a mente racional é desligada, o assim chamado consciente é posto em recesso e o erroneamente chamado subconsciente pode assim aparecer. Os componentes da personalidade são sujeitos a uma rígida análise durante o período da meditação. O corpo e suas partes, órgãos e sentidos, são cuidadosamente examinados em pensamento, visando-se apurar se o eu reside ou não nele, e, através de numerosas análises, verifica-se que tal não acontece. Elimina-se então o corpo da análise e as emoções são submetidas a um exame semelhante. Aqui, uma vez mais, a temporalidade das emoções e as implicações da frase instintiva, " E u sinto", indicam que o eu é alguma coisa à parte. A s faculdades da mente: imaginação, raciocínio e percepção são semelhantemente observadas e analisadas; descobre-se que o eu não é inerente em nenhuma dessas funções. O próprio intelecto é cortado em pedaços, verificando-se que nâo



passa de um conglomerado de pensamentos. Observamos os pensamentos no processo e depois tentamos transfixá-los na mística quietude da qual provêm. Afinal o eu consciente é referido a um único pensamento. Do grande silêncio e vazio anteriores à mente, o pensamento do eu é o primeiro surgindo do eu pessoal interior à consciência. Dele proveio a multidão de outros pensamentos que criaram o conceito de um ser pessoal dotado de existência própria. Toda a personalidade desenvolveu-se em torno dessa única raiz-pensamento. Erradicando-se esse pensamento primordial não restará senão a V i d a impessoal. Se persistirmos e nos dedicarmos a frequentes meditações sobre o tema, o esforço propiciará o mais elevado emprego criativo da lógica e, em última instância, iremos referir esse pensamento à sua origem, o eu à sua toca e a consciência ao seu estado primordial indivisível. No final desta análise mental a mente deverá, portanto, ser silenciada tanto quanto possível e um estado emocional de quase-oração deverá sobrepor-se. Aquela quietude da qual o eu surgiu deve ser o objeto dessa devoção. O próprio eu é imobilizado e tornado inerte. Toda a nossa atenção deverá ser focalizada na misteriosa vacuidade anterior a ele. É a esta altura que a eletrizante orientação de um verdadeiro Iniciado — se tivermos a ventura de encontrá-lo — torna-se uma poderosa ajuda. Mas antes de conseguirmos essa quietude, precisamos dominar a tendência dos pensamentos a divagar e dissipar-se, e chegar àquela concentração de atenção que é tão essencial; em consequência alguns acessórios da prática mental se fazem necessários e breve serão apresentados. Primeiro existe um exercício respiratório a ser feito; ele acalma a mente. A seguir há um exercício de vista, que fixa a atenção e induz um estado concentrado. A cessação da atenção no campo externo coloca a atenção no campo interno. Atingido esse estado, que acontecerá então? Se o esforço tiver sido corretamente executado, cria-se uma espécie de vácuo provisório. na consciência, mas a Natureza, tendo horror ao vácuo, rapidamente reajusta as coisas. A investigação mental cessando então, fica assegurada uma revelação interior. Os pensamentos banidos são substituídos pela Universal Mente Superior; esta, por sua vez, dá mais tarde lugar ao divino E u Superior, que entra no campo da nossa consciência. Esta investigação traz consigo "a paz que ultrapassa a compreensão" na expressão de São Paulo. (Melhor tradução seria: "a paz que ultrapassa o intelecto".) Uma vez consumado o salto, o verdadeiro eu revela-se à mente estupefata. Somos então compelidos a uma quietude mental absoluta, porque compreendemos estar diante de uma presença divina. Trata-se

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de uma experiência que não pode ser suplantada. Ela romperá todas as ilusões tolas e desfará todos os sonhos erróneos. A confusão e a contradição desaparecerão com o escuro. A iluminação inundará de um brilho radiante os recantos escuros da mente. Nós saberemos, e, sabendo, aceitaremos. Pois descobriremos que o coração do nosso ser é também o coração do Universo. E isso é bom. Depois, a tarefa que se resumia num retiro temporário transforma-se na criação de um hábito de auto-recolhimento ao qual se deve recorrer sempre que necessário durante o dia e onde quer que estejamos, até que surja uma disposição fixa e prevalecente quando o coração estiver para sempre imerso no Único, mesmo estando a cabeça e as mãos ocupadas com outras coisas. Devemos ter presente que uma frieza e insensibilidade não bastará durante a análise; este caminho exige que coloquemos nele o coração, tanto quanto a cabeça. A esta altura também é importante compreender que a duplicação intelectual dos pensamentos dada nessa análise meditativa é por si só insuficiente; se a análise fria e crítica pudesse por si só alcançar o sutil reino do espírito, muitos dos pensadores deste mundo não se teriam transformado em materialistas; não, algo mais é requerido. Esse algo mais é a inspiração íntima no sentido da verdade, um desejo sincero e genuíno de guindar-se à região espiritual. Devemos pôr de lado todos os demais desejos durante o período da auto-investigação. Essa inspiração atua como uma força propulsora e, sem ela, um detalhamento seco e intelectualizado do ego poderá levar a resultados estritamente negativos. O que se deseja então é induzir estados em que o pensamento seja incendiado pelo sentimento; e criar emoções quando a mente é inflamada pelas centelhas da inspiração espiritual. Se seguirmos cuidadosamente as instruções, tal resultado será conseguido. Desta forma um desenvolvimento equilibrado nos preparará para progredirmos no caminho e, embora o treinamento fundamental seja de caráter intelectual, a exaltação essencial das emoções caminhará pari-passu com ele. Assim, no devido tempo, surgirá uma atmosfera adequada à sublime manifestação interior do divino e a que se aspira. Depois de havermos treinado um espaço de tempo suficiente, o segundo estágio começará a desdobrar-se gradualmente e nele a leitura atenta destas páginas tornar-se-á desnecessária e as ideias e frases básicas precisarão ser apenas reavivadas mentalmente pela memória e meditadas. A questão da duração da meditação deve ser resolvida por nós mesmos. A meditação é necessária enquanto sentirmos que está sendo exigida; é ne-

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cessaria até que se obtenha a mais ampla convicção intelectual das verdades ensinadas nestas páginas. É necessária até que a achemos tão fácil, espontânea e agradável que ansiamos por aquela meia hora diária e nos apressamos a fazer o nosso exercício diário; é necessária até que possamos abandonar todos os tipos de pensamento digressivo e sentir uma crescente luminosidade no cérebro, de maneira que todas as ideias verdadeiras apareçam como imagens de espantosa clareza ou como certezas inspiradas a essa luz deslumbrante. Os exercícios devem ser continuados até que possamos superar o clamor constante das impressões externas, das sensações físicas e dos pensamentos inquietos em favor de uma vigilância interior que, embora intensa, dispensa na aparência qualquer esforço. O estado induzido deve ser reiteradamente reproduzido até tornar-se habitual; só então poderá ser deixado de lado. Não pode haver pressa nem paciência. A menos que o estudante caminhe nesse mundo mental com calma e confiança e tranquila determinação, ele não atingirá seus propósitos. Pensamentos meramente superficiais, a passagem apressada de dados insuficientes a conclusões vagas e generalizadas, a pressa em terminar a meditação — todos estes fatores entravam o progresso da vida interior; tal pressa não é realmente velocidade e na verdade atrasa o estudante e o impede de penetrar no profundo mundo da alma a que ele aspira. Devemos nos sentar para a nossa prática de meia hora com a compreensão de que um determinado espaço de tempo é necessário para a perscrutação preliminar da mente, antes que as camadas mais profundas sejam atingidas; outro fator é preciso para a entrada na Mente Superior; daí precisarmos estar prontos para esperar com resignação pelos resultados enquanto lutamos por eles. A questão da atitude íntima tem alguma importância nesta busca, como também é importante a atitude do corpo. É preciso que nos entreguemos ao exercício dessa meditação com um estado de espírito esperançoso, confiante e otimista, e jamais vacilemos; contudo não devemos jamais perder de vista a importância capital da humildade. A humildade é o primeiro passo em todos os caminhos que conduzem ao Infinito, por mais diferentes que sejam, e é também o último. Mas devemos começar acreditando que a Verdade pode ser atingida, que a mente pode ser dominada, que o próprio antagonismo de um ambiente hostil fornece oportunidades para superar tal ambiente, e que esse esforço constante no sentido de encontrar a luz-Alma terminará por evocar a sua Graça. Não devemos hesitar em manter essa atitude íntima porque o simples fato de havermos adotado uma tal prática significa que o E u Superior

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está começando a nos tocar, a nos despertar. E o interesse do E u Superior e em si mesmo um arauto da vinda da sua Graça. Devemos agora lutar por captar a essência deste método especial. Nao e apenas a ruminação diária das verdades metafísicas, pois se trata em parte de um processo de refinar a mente e dar-lhe uma tendência à abstraçao. Nem é tampouco o cultivo intermitente de determinados estados que exaltam a alma, porque, isto também não passa da aquisição daquela enaltecedora força da aspiração que nos faz progredir na busca interior. Não; trata-se também da criação de uma atitude de indagação correta. Esse deslocamento da vida mental para o campo da auto-interrogação é uma diferença vital que distingue o método presente de todos os demais. Ao invés de fazer do esforço pessoal o único fator do nosso progresso, ele consegue a colaboração de uma parte mais elevada do nosso ser num estágio mais adiantado do caminho. Pois, a questão permanente do eu, a busca do eu, quando praticadas como aqui se recomenda, fornece bases adequadas para tal colaboração, porque depois de propiciar a preparação devida, convida o E u Superior a participar mais ativamente do jogo, e fazer algo que nos empurre para diante! Dificilmente se poderá exagerar a importância deste princípio da auto-interrogação. Ao invés de fazer afirmações positivas porém vãs como: " E u tenho uma alma" ou " E u sou uma alma" o que se faz é perguntar: "Tenho eu uma alma?" ou "Sou eu uma alma?" E a resposta fica a cargo do componente anímico do nosso ser. Enquanto o primeiro método resume-se em dogmatizar intelectualmente, o último torna humilde o intelecto, silencia o seu balbuciar incessante e aguarda que a resposta seja dada pela única parte do nosso ser competente para dá-la. Significa isto que já não valorizamos em excesso o intelecto, mas mantemo-lo em seu devido lugar. Uma busca espiritual só pode ter êxito quando recebe satisfação na região espiritual do nosso ser, e não apenas na intelectual. Os pensamentos nos trarão para a estrada do eu espiritual, mas eles próprios não contêm esse eu. Se alegássemos que continham, então as acusações dos críticos de que poderíamos nos tornar vítimas de visões autosugestivas seriam corretas. E , na verdade, se a alma não existisse, se a divindade não passasse de uma ilusão e o corpo fosse todo o ser e todo o fim do homem, jamais poderíamos obter uma resposta espiritual genuína para as nossas perguntas e teríamos de nos contentar com meras teorizações. Por isso, este método ocupa o seu lugar na realidade do eu divino da humanidade. Porque o E u Superior é de fato uma realidade, esse método pode ser entregue ao mundo com confiança, na certeaa de que aqueles que o seguirem com sinceridade e paciência obterão um dia

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resultados demonstráveis, vale dizer, resultados em Suas próprias experiências. Se o E u Superior não existisse, ou mesmo dando de barato a sua existência, se fosse totalmente indiferente às aspirações do homem c aos seus anseios de um consolo que apenas a vida material não pode proporcionar, então este método não teria valor nem produziria resultados. Mas, pelo contrário, o E u Superior é o fator fundamental mais revelador da nossa existência e está sempre pronto a revelar-se, a dar o supremo consolo da vida àqueles que preencham as condições já mencionadas. Por isso esta investigação não passa desapercebida, mas no devido tempo o investigador que se mantém fiel à sua busca toma consciência do seu eu divino.

diário de meditação de uma forma diferente. Nos estágios mais elementares a pessoa esteve formulando uma análise da sua estrutura íntima. Esteve empenhada numa dissecação de si mesma por meio de um pensamento concentrado adestrado. Porém, com o passar do tempo, deverá desenvolver uma atitude que ao menos intelectualmente compreenda que a alma ou eu não se limita ao corpo. Conseguida essa atitude, não será preciso prosseguir ^numa repetição estéril e detalhada da análise e, na verdade, a pessoa não se sentirá inclinada a fazê-lo. Pelo contrário, suas meditações poderão sofrer uma guinada e, com rápidas generalizações, ela poderá superar em pouco tempo as fases que antes eram assaz demoradas.

Este princípio envolve, por isto, uma completa inversão da mente, que passa de uma atitude de afirmação positiva para uma atitude de humilde indagação. A verdade não faz questão de revelar-se aos intelectualmente arrogantes, mas se entrega àqueles que se prostram humildemente de joelhos; e a prática deste método leva invariavelmente o homem à humildade de espírito. N ã o foi à toa que Jesus se pronunciou dizendo que o Reino dos Céus só está aberto aos que se comportam como criancinhas. O dito constitui uma referência simbólica à condição de humildade intelectual de que tanto carece a nossa época. Embora tenhamos primeiro que penetrar com cérebro aguçado a casca do ego, precisamos contudo não hesitar em abandonar esse instrumento ao atingirmos um ponto em nossos exercícios no qual percebemos que aquela condição foi atingida. Essa disposição para "pedir" a verdade em determinado estágio, com espírito de uma criancinha, depois de empregadas todas as forças intelectuais, não é um sinal de fraqueza. Se a nossa orgulhosa época pudesse compreendê-lo, isto seria um indício de fortaleza espiritual. Reconhecer livremente as limitações do intelecto quando houvermos chegado ao limite extremo daquela faculdade é facilitar a vinda de alguma coisa mais elevada. Este é o verdadeiro desiderato da ioga: submeter o pensamento e a seguir descartar-se dele.

Que se deve fazer a seguir? O E u Superior, conquanto perceptível pela cognição intelectual, continua impossível de ser descoberto através da experiência, embora a pessoa compreenda agora onde ele não se encontra, ou melhor, onde não deve procurá-lo.

CAPÍTULO X I

Tentar suspender o pensamento cedo demais no caminho é roubar a nossa personalidade humana do enriquecimento a que tem direito. Determinar quando tal ponto foi realmente atingido não é fácil. Precisamos ser orientados por uma espécie de sentido íntimo; tal sexto sentido começa na verdade a despertar e fazer-se progressivamente sentido dentro do homem, depois que este persistiu algum tempo nestes exercícios mentais. O homem não pode criá-lo por si próprio; pode apenas dizer que

O MISTÉRIO D A RESPIRAÇÃO Quem houver praticado este método de auto-indagação durante um espaço de tempo suficiente e feito um progresso apreciável na arte, precisa então aprender a manejar os pensamentos durante seu exercício

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Agora pode a pessoa entrar numa nova e adiantada fase do seu trabalho, em que, com auxílio do controle da respiração, da fixação visual e do adestramento da imaginação, ficará capacitada a fazer progressos nesse reino mais profundo. Trata-se de fato de uma fase crítica que precede a grande e gloriosa chegada ao E u Superior. É chegada a época em que a própria função do raciocínio que tão bem serviu ao homem durante as detalhadas auto-análises feitas tem de ser inteiramente suspensa porque aprisiona o homem ao tempo! Não devemos tomar tal providência, porém, antes que surja finalmente um sentimento interior dizendo-nos que estamos deveras preparados; se cedermos à impaciência, esperando resultados mais rápidos, nada conseguiremos e acabaremos desapontados. A busca intelectual precisa agora ser sucedida por uma busca intuitiva, mas o ponto em que devemos passar de uma para outra deve ser determinado com grande cuidado. Se a tentativa for feita demasiado cedo, nossos esforços serão baldados e se for tardia, teremos perdido muito tempo valioso e um sentimento de medo terá tomado conta de nós. Enquanto nada deve ser forçado, nada deve, por outro lado, ser esquecido.

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o sentido lhe está vindo. U m a vez porém manifestado, deve o homem entregar-lhe toda a sua confiança e permitir-se guiar para onde for. A maior dificuldade neste progresso é agora libertar a atenção do fluxo constante dos pensamentos indesejáveis. Somente quando tentamos fazê-lo é que descobrimos até que ponto nos encontramos escravizados até que ponto somos incapazes de manter à distância essas ondas de pensamento que de contínuo batem às praias do nosso ser. Fazê-las cessar parecerá a princípio a coisa mais difícil do mundo, contudo pode ser conseguido por um esforço lento e firme. Pôr-se de lado e observar os nossos pensamentos durante algum tempo todos os dias é constatar que tão logo u m dos nossos pensamentos se vai, outro se apressa em tomar-lhe o lugar no nosso cérebro. Isto se repete sem cessar. A s rodas do cérebro não param de girar até que o sono sobrevenha afinal e lhes proporcione uma trégua temporária. Para os orientais a dificuldade de deter os pensamentos não é tão formidável como para os ocidentais e aqueles nem sempre compreendem que estes últimos precisam desenvolver u m esforço muito maior para alçarem-se à região da calma abstração. A ajuda que o europeu e o americano médio precisam nesse sentido tem de ser ao menos em parte física; eles precisam de algum método indireto envolvendo um ato físico para fortalecê-los na tarefa da autodisciplina. Ademais, os orientais estão acostumados a recorrer à presença e assistência de guias espirituais cuja atmosfera ajuda espontaneamente os outros a subjugar os pensamentos, ao passo que os ocidentais raramente encontram tais guias em seus países. A ajuda está bem próxima; fica na regulagem da respiração. Principalmente para as pessoas que estão sempre ocupadas com assuntos prementes ou que estão fortemente vinculadas ao mundo material pelos desejos e ambições, este exercício presta-se admiravelmente para lhes proporcionar o controle da mente. Nossos sábios ocidentais acumularam u m acervo de conhecimentos que deve impressionar todas as mentes em virtude das suas proporções colossais, contudo existem algumas coisas que estacam aos seus olhos perspicazes — coisas, porém, da m á x i m a importância para a humanidade. Por exemplo, a respiração ocupa uma posição algo peculiar. Seus efeitos mais imediatos são claramente visíveis e fisicamente registráveis, mas, declaram os videntes do Oriente, existem efeitos remotos não tão facilmente identificáveis. A s s i m é que fazemos nossos maiores esforços com a respiração contida e os de pouca monta com a respiração curta, fcxis também uma inter-relação especial entre a respiração e o pensamento. Ambos possuem uma ascendência comum, uma origem aparentada.

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t e s orientais não deixaram tais doutrinas sem demonstração, mas amiúde provaram a sua veracidade nas suas próprias pessoas. Disciplinando e controlando a respiração de diversas formas, conseguiram eles produzir os mais extraordinários resultados físicos e mentais. Os faquires que, ainda nos dias de hoje, se deixam enterrar vivos por períodos de até quarenta dias ilustram um desses notáveis efeitos e mostram que a vida pode continuar no corpo mesmo depois que a função da respiração tenha sido completamente paralisada. Este fato mais do que comprovado deveria ao menos diminuir a nossa pressa em escarnecer as antigas doutrinas. m

0

s

V l d e n

Podemos agora provar a ligação que existe entre a respiração e o pensamento de uma maneira bem simples. Tome-se o caso de um homem que se tenha deixado enfurecer — observe-se a sua respiração pesada e se constatará que ela se tornou tão agitada como os seus pensamentos e paixões. A respiração vai bem, arquejos curtos e apressados, e quanto mais violenta for a conduta do homem tanto mais violenta será a sua respiração. Tome-se agora o caso de um poeta cismando, sonhador, em algum poema ainda em embrião e percebemos que, muito ao contrário, sua respiração é plácida, leve, calma e lenta. Tome-se a seguir um homem refletindo sobre algum intrincado problema matemático. Automaticamente, ele respira mais devagar e mais suavemente. A corrente de vida do homem, tal qual uma árvore, desenvolveu dois ramos: um é a mente e outro é a respiração. Tome-se também o caso extremo do faquir oriental que reprimiu por completo sua respiração e, depois de ficar enterrado vivo durante algum tempo, retornou a existência ativa. Suas declarações são que a mente passou por um abençoado estado de inconsciência e que todos os pensamentos desapareceram com a suspensão da respiração. Este último caso não demonstra por si só que a função do pensamento, no que respeita a vida física, tem uma inter-relação com a função da respiração, tanto quanto os dois outros casos demonstram que uma modificação numa delas acarreta quase sempre uma modificação correspondente na outra? Quando o autor terminou este parágrafo um homem surgiu inesperadamente à porta do seu bangalô, colocado no alto de uma desolada cordilheira e sobrepairando florestas despovoadas — onde por acaso estava hospedado — dizendo que desejava falar-lhe. O visitante era Sinha, um jovem iogue do Estado de Missore, capaz de executar corn êxito façanha de permanecer enterrado vivo! E m numerosas experiências da mesma ordem a concentração do autor sobre um dado tema tem sincronizado com acontecimentos que ocorrem logo a seguir ou são induzidos a

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ocorrer. O jovem Sinha constitui um exemplo perfeito da consciência sendo inteiramente apagada pela supressão da respiração, enquanto a existência física continua. O próprio iogue afirma que no seu caso a respiração e o pensamento desaparecem simultaneamente. "Sete anos de prática garantiram-me total capacidade" acrescenta ele. Tome-se, por fim, outros casos de faquires egípcios que laceram seus corpos com ferimentos horríveis porém incruentos e que comem escorpiões e cobras vivos; de iogues hindus que caminham sobre pedras em fogo e bebem ácido nítrico; e eremitas tibetanos que permanecem nus entre as neves do Himalaia e não sentem frio. Todos esses homens, quando interpelados, revelam haverem adquirido o controle sobre os seus corpos por meio de alentados e difíceis exercícios respiratórios, cujos resultados alteraram a fragilidade da carne e aumentaram espantosamente a sua capacidade de resistência. Através dos mesmos meios, porém com

exercícios diferentes e, felizmente, conseguir o domínio da mente.

muito mais fáceis,

também

é

possível

A força vital imanente na respiração e a força mental que ativa o cérebro provém de uma fonte comum. T a l fonte é a Única Corrente de V i d a que impregna o universo e, em cada ser humano, transforma-se no seu E u Divino, seu E u Superior. " A respiração é a marca da vida" é uma frase cuja significação é bem mais profunda do que imaginam os muitos que a empregam. Como resultado dessa íntima correlação, as modificações na respiração trazem modificações na mente, e vice-versa.

* Podemos agora tentar nos servir destes fatos curiosos e dar-lhes uma aplicação prática na busca a que nos entregamos. O s ritmos da respiração trabalham em uníssono com os ritmos dos nossos estados mentais; a excitação provoca uma respiração irregular e entrecortada; a contemplação tranquila provoca uma respiração regular e suave. Uma vez que o pensamento e a respiração estão tão entrelaçados, basta-nos apenas manter uma atenção constante — bem como dosar o ritmo — sobre a respiração para que produzamos um efeito correspondente sobre os pensamentos. E m consequência, a aquietação da respiração tende a aquietar os pensamentos. Quando, a exemplo do que ocorre no exercício seguinte, o pensamento e a respiração são amalgamados com tal propó-

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sito começará a surgir um estado de calma inalterável dentro do qual a verdadeira meditação torna-se muito mais fácil para a superativa mente ocidental. r

Devemos então adotar o seguinte exercício que deve ser praticado imediatamente após a análise intelectual do eu, e não antes. Há, contudo, três breves preliminares a serem cumpridas. A primeira exige a direitura da espinha dorsal de uma forma fácil e natural enquanto estivermos sentados. Isto porque a postura física afeta a respiração e uma postura adequada é de grande valia para o controle da respiração. Os iogues hindus da escola do Domínio do Corpo conhecem nada menos do que oitenta e quatro posturas diferentes cujo objetivo primordial é provocar determinadas mudanças na respiração, mas essas práticas complicadas e árduas não são exigidas neste caminho. Depois os olhos devem ser fechados e mantidos assim durante todo o exercício. Por fim, todo o ar viciado dos pulmões deverá ser expelido por meio de quatro exalações seguidas. Feito isto, deve-se cuidar do processo de alterar o ritmo normal da nossa respiração.

( 1 ) Devemos diminuir gradualmente a velocidade da respiração de semana para semana, e durante cinco ou dez minutos por dia até que, aproximadamente, essa velocidade fique reduzida à metade. ( 2 ) No final de cada inalação devemos interromper a atividade respiratória, reter o ar durante dois ou três segundos, e a seguir expirar o ar impuro. ( 3 ) Simultaneamente, a respiração deve ser tornada tranquila, suave, plácida e isenta de esforço; ( 4 ) devemos manter em cuidadosa observação a respiração e enfocar nela toda a nossa atenção. O presente exercício é dado por ser infinitamente mais simples do que os vetustos exercícios tradicionais que os pacientes faquires do oriente são obrigados a fazer, e porque o autor acredita que o homem moderno deve alcançar as suas metas espirituais com a máxima economia de meios e com a trajetória de tempo mais simples. Claro que os resultados não serão tão assustadores e dramáticos, mas acontece que o homem moderno tem muito mais necessidade do anódino da tranquilidade mental do que da capacidade de ingerir uma valente porção de H S 0 sem cair morto! Ademais, o exercício aqui preconizado tem de seguro o que têm os outros de arriscado. 2

4

É importante que o exercício seja convenientemente praticado, apesar da sua simplicidade. Ele só será eficaz se todas as condições forem satisfeitas. Por isso, tais condições serão mais cabalmente explicadas.

O número de respirações em condições normais está entre catorze e vinte por minuto e varia com o indivíduo. V a l e dizer que o homem médio executa uma respiração completa naquele número de vezes cada sessenta segundos. A inspiração e a expiração em conjunto contam como uma respiração completa. Este ciclo normal deve ser reduzido. Deve ser diminuído, dentro de um período de no mínimo um e no máximo seis meses, de acordo com o tipo físico do indivíduo, para uma média de cerca de sete respirações completas por minuto. Aqueles que por natureza respiram lentamente não precisarão reduzir o seu ritmo tanto quando aqueles que respiram mais depressa. Nesta questão de reduzir o ritmo até uma média adequada todos os que praticam os exercícios devem deixar-se guiar pelos seus instintos físicos; devem progredir lentamente e não ultrapassar o ponto em que sintam fadiga ou dor, sufocação ou mal-estar insuportável. Que a sensação de conforto ou de desconforto nos pulmões lhes indique até onde deverão retardar o seu ritmo respiratório. Assim, se normalmente inspiramos quinze vezes por minuto, o exercício pode ser iniciado diminuindo a frequência para doze inspirações por minuto durante a primeira semana, para dez durante a segunda e depois para sete respirações por minuto ao cabo do primeiro mês. Estes números são dados apenas como orientação aproximada para uso dos indivíduos; cada um deve encontrar por si mesmo o melhor caminho. Pode-se usar um relógio para cronometrar os ciclos respiratórios durante as primeiras semanas de exercícios, mas o hábito de depender de ajuda externa para esse fim não é aconselhável e deve ser abandonado logo que possível, isto é, logo que nos acostumemos a regular corretamente o ritmo desejado, que é metade do ritmo normal. N ã o necessitamos e não devemos adotar a mesma atitude meticulosa com que um cozinheiro fiscaliza o cozimento de um ovo. Devemos fazer o exercício durante cinco minutos cada vez — não mais. Se nos exercitarmos pela manhã, poderemos repetir a dose à noite. Não se deve tentar progredir com rapidez exagerada; gredir lenta e naturalmente nesta esfera.

deve-se pro-

E m todos os casos a diminuição do ritmo respiratório deve acontecer de tal forma que não se verifique nenhum desconforto agudo e anormal. Naturalmente, no princípio será inevitável uma ligeira sensação de tontura, pois quando começamos a usar de forma diferente um órgão do corpo, este reage e resiste durante algum tempo à atividade inusitada que lhe está sendo imposta. Se patentear-se alguma dor real, ou uma sensação

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definida de sufocação ou qualquer outro sintoma obviamente anormal, o exercício deverá ser imediatamente suspenso e o estudante reverá com cuidado o método prescrito, a fim de verificar se o está seguindo à risca, pois tais sintomas só podem surgir em decorrência de uma má interpretação do método, ou em virtude de algum mal orgânico do coração ou do pulmão. Pessoas afetadas por doenças deste tipo não devem jamais fazer exercícios respiratórios. Desde que uma pessoa comum mantenha-se dentro do mínimo de sete respirações completas por minuto durante o breve período do exercício, não precisará temer perigo algum. O exercício não oferece riscos e antes que o autor lhe desse publicação em O Caminho Secreto, pediu a dois amigos, médicos com larga experiência, que o examinassem cuidadosamente sob todos os ângulos e lhe dessem a certeza — que ele já possuía por experiência própria — de que a-prática, desde que rigorosamente seguida, não traria inconveniente algum. T a l certeza lhe foi dada. Quando formos capazes de respirar dessa maneira sem mal-estar, e depois de havermos treinado durante semanas ou meses a fim de obter a confiança necessária, o intervalo de cinco minutos destinado ao controle, da respiração deverá ser aumentado. Poderá aumentar para dez ou mesmo quinze minutos à medida que progredirmos. U m período maior não deverá ser praticado por um europeu ou um americano, sem orientação especial, pois nesse caso a segurança desapareceria. Não há também nenhuma necessidade disso. É possível reduzir a média da respiração durante o exercício para menos do que o mínimo de sete acima mencionado e a esta nova redução poderá corresponder um efeito mais poderoso sobre a mente; não obstante, apenas as pessoas que estão muito adiantadas devem adotar tal medida e isso sob a orientação pessoal de um perito na matéria, caso contrário o limite de segurança estará sendo ultrapassado. A segunda condição deste exercício quadripartido exige que a respiração seja suspensa, mas isto não deve ser jeito por mais de três segundos. O intervalo compreendido entre a inspiração e a expiração do ar é de peculiar importância no sentido físico. Quando o movimento do aparelho respiratório cessa, cessa também a consciência. Os iogues hindus de uma certa classe esmeram-se em prolongar esse intervalo durante vários minutos, sabedores de que se trata do ponto neutro ou de junção em que a respiração encontra-se com a mente. Tradicionalmente se lhe s ensina que, sustando a respiração pode-se sustar em consequência os pensamentos. Trata-se de uma verdade, mas as condições em que lhes é facultado levar avante seus exercícios diferem em muito daquelas que 175

encontra o ocidental médio. Por isso, quem tenta imitar aqueles iogues contendo a respiração por espaços de tempo anormalmente alentados —L dois minutos que sejam — age por sua conta e risco. O s exercícios iogues só podem ser executados com segurança a sós, onde não pode haver nenhuma espécie de interrupção ou interferência, quando o praticante estiver entregue a uma vida de total abstinência sexual e, acima de tudo, quando se achar sob a zelosa vigilância de um guru (professor experimentado). Os europeus e americanos que se deixaram atrair para essas práticas ante a promessa da obtenção de poderes psíquicos e ocultos extraordinários têm-se arrependido bastante. O s exercícios de contenção exagerada da respiração via de regra trazem resultados desastrosos para eles, pois podem ser seguidos de crises de saúde e desequilíbrio. Tais práticas perigosas não serão recomendadas indiscriminadamente pelo autor ao público em geral, e ele faz esta advertência com seriedade pois já viu numerosos exemplos dos infortúnios sobrevindos aos desavisados. Três segundos é o. intervalo colocado neste sistema para o homem médio, e não há o menor perigo na cessação da respiração durante tal intervalo de tempo. N a verdade, depois de havermos praticado o exercício sem inconvenientes e nos havermos familiarizado com ele, poderemos prolongar o intervalo e deter a respiração durante cinco segundos. Mas é o máximo. Ninguém deverá fazer a tola tentativa de ultrapassar esta marca, porque o esforço é desnecessário e poderá levar a pessoa a perigos desconhecidos. A terceira condição é fácil. Devemos evitar uma série de movimentos bruscos ao inspirar e objetivar de preferência uma ação firme, leve e contínua. A respiração deve ser propositadamente convertida num fluxo lento e suave. Deve-se evitar um ofegar audível. . O nosso esforço deve ser no sentido de acalmar o processo respiratório. O ar deve correr com tal suavidade que, segundo dizem com muita propriedade os místicos chineses, uma pena colocada diante das narinas não deverá se agitar. Assim como devemos relaxar inteiramente o corpo a f i m de conseguir a postura física para a meditação, assim também devemos relaxar por completo a respiração. A arte do relaxamento deve ser levada através do corpo até os pulmões. Por meio de treinamento adequado a respiração poderá tornar-se tão suave que apenas uma ténue corrente de ar se movimente como um fio entrando e saindo das narinas. A quarta e última e constante sobre ele, Requer-se uma vigília uma observação mental

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condição deste processo exige uma atenção firme de maneira que não pensemos em outra coisa. contínua durante os poucos minutos da prática, atenta da entrada e saída do ar. A mente deve

estar abstraída de qualquer outra atividade e presa tão apenas ao movimento respiratório; essa observação voluntária acabará por proporcionar o controle sobre esse movimento e reduzi-lo ao ritmo mínimo, que é o objetivo. Precisamos ater a mente a isso. Este exercício não deve ser feito com indiferença, mas com uma concentração consciente sobre o fluxo da respiração; isto é muito importante se desejarmos um aproveitamento integral. Todos os demais pensamentos devem ser elididos e esquecidos, e o nosso eu deve ser totalmente imerso no ritmo respiratório. A potencialidade do método será proporcional à concentração nele empregada. Se a atenção for interrompida ou pausas desnecessárias acontecerem durante os exercícios, o poder de alterar o estado mental ficará reduzido. Enquanto empenhados no exercício respiratório é possível que adquiramos uma consciência muito aguda do nosso batimento cardíaco, que se apresentará não como um latejar descompassado mas como um pulsar suave. Trata-se de uma consequência natural da maior atenção dispensada à respiração e não há razão para alarme. O êxito poderá surgir de pronto, como também poderá vir apenas com o tempo, mas os exercícios não são difíceis de seguir. Algumas pessoas levarão mais tempo que outras porque a capacidade física, mental e pulmonar varia de indivíduo para indivíduo. Qual será o resultado destes exercícios? A mente será posta numa condição de estreita harmonia com a respiração. Os pensamentos espontaneamente se tornarão mais escassos à medida que a respiração for se tornando mais escassa. Todo o processo do pensamento será retardado. Uma impressão global de calma interior e equilíbrio começará a impor-se gradualmente. As paixões flutuantes e inquietas tornar-se-ão pacíficas e tranquilas. O intelecto será aprisionado como um pássaro cativo; ao nos apossarmos da vida respiratória, a vida reflexiva será também dominada. A total serenidade da inalação moderada será refletida na moderação da mente. Naqueles compridos momentos em que a respiração é realmente sustada o intelecto será apanhado por uma reação e o seu poder de encobrir a realidade tornar-se-á menor. Este é precisamente o esforço necessário para nos levar ao estágio seguinte no caminho do desenvolvimento espiritual. O intelecto atingiu os seus limites e chegou o momento de prepará-lo para cessar os seus esforços. U m a análise ulterior a este ponto seria improdutiva e, na verdade, desvantajosa. Precisamos estar agora preparados para invocar e intensificar toda a nossa faculdade da atenção e mergulhar mais íunòv no nosso ser, na busca do E u Superior.

U m homem que mergulhe no mar não se entregará a uma sucessão de pensamentos acerca do mar, mas, esquecendo o resto, sustará a respiração e fará diretamente o mergulho. D a mesma forma, quando nos prepararmos para mergulhar na região^ fronteiriça do E u Superior, não devemos nos entregar a novas meditações a respeito, mas, esquecendo o resto, trataremos de controlar a respiração a ponto de sustá-la intermitentemente e a seguir mergulhar diretamente no ser mais profundo. A simplicidade do exercício respiratório não nos deve iludir quanto à sua importância. Pelo contrário, o autor já ouviu relatos impressionantes quanto à sua eficácia por parte de pessoas que o seguiram fielmente, de par com os exercícios analíticos intelectuais. Algumas pessoas conseguiram desde o princípio bons resultados ao passo que outras foram obrigadas a esperar vários meses. N ã o se pode, portanto, prever o prazo em que os resultados serão obtidos, porque os indivíduos diferem bastante em suas predisposições, mas podemos estar seguros de que uma concentração perseverante jamais deixará de subjugar a mente rebelde. Por outro lado, onde essa regulagem da respiração não estiver conscientemente conjugada com uma busca espiritual, ela terminará apenas — em sua forma extreiaa — ou num transe de inútil vacuidade ou numa mera auto-hipnose, que não passa de uma sonolenta abstração da nossa habitual vida volitiva e ativa. É concebível a existência de tipos altamente metafísicos ou altamente espiritualizados sobre os quais esses exercícios respiratórios não exerçam nenhuma atração e para os quais pareçam totalmente desnecessários. Tais pessoas poderão prescindir dos exercícios desde que encontrem força interior para passar sem dificuldades do estágio da análise intelectual para o estágio intuitivo que se segue. Mas a esmagadora maioria dos ocidentais não será capaz de fazer a passagem de um estágio para o outro, a não ser com a maior dificuldade, e este simples exercício foi concebido para auxiliá-las. Pois, extrovertidas como de hábito são, com mentes sempre a produzir imagens do mundo externo, elas não podem subtrair-se com facilidade aos assuntos mundanos, colocando-se numa região de profunda abstração espiritual. Poderemos também nos beneficiar do exercício mesmo fora dos minutos de retiro diário. Se em qualquer período do dia formos pertur-

bados por estados de indesejável melancolia ou ira desordenada, de extrema irritabilidade ou paixões descontroladas, nervosismo desenfreado ou medo opressivo, basta-nos apenas praticar essa respiração vagarosa, onde quer que estejamos, e de imediato surgirão os efeitos benéficos, acalmando os nervos e reajustando harmonicamente as nossas perspectivas.

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A respiração pode ser diminuída para a taxa de sete por minuto de maneira tão discreta que ninguém senão nós dará conta disso, podendo ser feita em movimento ou em repouso, em público ou na tranquilidade do lar. Existe mais um pequeno exercício que pode ser acrescentado (ou mesmo incorporado) ao exercício precedente, embora não seja uma parte essencial do processo. Desde aquela tranquila noite de dezembro em que o autor pela primeira vez ouviu uma explicação a respeito por parte de um letrado iogue residente nas margens do Ganges — a face magra do místico iluminada pela luz amarela e trémula de uma lanterna — vem este autor, por sua vez, ensinando o exercício a estudantes para os quais tem sido de grande utilidade. Consiste a prática em imaginar e acreditar fortemente, enquanto respiramos, que uma corrente de um ser divino entra em nós com a inalação do ar e sai com a exalação, retornando a seguir. Por esta maneira sugestiva, a divindade é identificada com a própria energia respiratória. O iogue explicou ainda mais que, quando adquirimos a consciência divina, a essência espiritual de cada movimento respiratório alça-se ao topo da cabeça e lá permanece, conferindo destarte imortalidade à mente, ao passo que permanecendo sob o domínio do egoísmo pessoal, a essência invisível da nossa respiração perde-se no vácuo.

CAPÍTULO X I I O MISTÉRIO D O O L H O Quando tivermos adquirido proficiência bastante no exercício respiratório para realizá-lo de forma automática e isenta de esforço, poderemos então nos ocupar com um outro exercício que poderá ser acrescentado ao primeiro. Trata-se também de um complemento físico ao trabalho intelectual, e emprega o sentido mais delicado do corpo humano: o olho. Este novo exercício não deve ser iniciado antes que o presente estágio tenha sido atingido, porque nas mãos de pessoas despreparadas o resultado conseguido será outro, não apenas inferior mas também prejudicial. E m virtude da probabilidade do mau uso ou do uso prematuro pelas pessoas mais apressadas, o autor até agora não publicou o exercício. N i o obstante, o seu valor quando empregado na forma devida e no devido tempo é considerável e, por isso, já não é mais possível deixar de descrevê-lo, num relato deste método que pretenda ser completo.

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O estágio seguinte exige uma retração maior da mente, mas o domimor\ Ar\ r r m n r l n _»Yf_»rnr. #» (\(* t a l o r n e m nn#» ammrl/» n c i m » . . 1 _ _____---, —w ______ 1 — ________ V-._ algum «UgUm objeto externo e tangível para focalizar os nossos pensamentos, como preparativo para o mergulho da meditação racional na contemplação abstrata e, especialmente, para fixar internamente a atenção. Por isso imaginou-se um exercício visual excelente para a obtenção desse resultado. Não foi à toa que a Natureza colocou os olhos mais alto no corpo físico do que os demais canais sensoriais especializados. A função da vista ocupa um lugar de suprema importância na vida humana. Através dela o mundo nos é revelado em todo o seu caráter compreensivo. Contudo não é apenas face a essa posição de destaque que podemos avaliar a importância conferida pela Natureza aos nossos instrumentos de visão, mas também face a sua qualidade especial. Nenhum outro canal sensorial é de construção tão delicada, tão refinado em substância, e tão sensível em sua função como o olho. Basta isso para nos sugerir que a Natureza lhe reserva uma parte mais sutil e menos materialista nas nossas vidas que a dos demais órgãos. É o que de fato acontece, pois o olho não apenas nos pode revelar o grosso do mundo exterior, como também pode ajudar na revelação do mundo interno mais sutil, pois, nas palavras de Edgar Allan Poe, o brilhante contista e poeta americano: " O s olhos são as janelas da alma". Por detrás da superfície brilhante dos olhos as pessoas de discernimento poderão ler as tendências gerais do pensamento e emoção do possuidor. Tal é o poder de reflexão dos olhos. Aquilo que está oculto no cérebro ou no coração pode tornar-se involuntariamente manifesto através dos olhos. Por nenhum outro canal sensorial poderemos obter uma real compreensão e estimativa do caráter e da alma de um homem como através dos seus olhos. N a verdade, trata-se de um fato tão notável que Buffon, o grande especialista francês em História Natural, já no século dezoito escrevia: " A s imagens das nossas agitações secretas desenham-se especialmente nos olhos. Os olhos pertencem mais à alma do que qualquer outro órgão; eles parecem afetados por todos os movimentos anímicos bem como participantes de todos eles. Explicam-nos em toda a sua força, toda a sua pureza, como que incutindo em outras mentes o fogo, a atividade, a própria imagem em que eles próprios se inspiram. O olho recebe e reflete ao mesmo

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tempo a inteligência do pensamento e o calor da sensibilidade. Ele é o sentido da mente, da língua e da compreensão". E o falecido Lorde Leverhulme, capitão de indústria que montou a maior organização industrial da sua época, confessou certa vez que: "Com relação aos candidatos a lugares na minha organização, minha atenção maior prende-se aos olhos". É portanto óbvio que o olho, esse maravilhoso e belo órgão do corpo humano, com suas pálpebras móveis e suas pupilas giratórias, possui uma relação única com o ser íntimo do homem, por meio de alguma afinidade. Exploremos a natureza dessa relação. O anatomista assinala a existência de um importante meio de comunicação entre o olho e o cérebro ao qual denomina de nervo ótico. O simples ato de ver implica em muito mais do que pode parecer. Baseia-se na ação da luz vibrando através do meio da atmosfera, tanto sobre o objeto que se vê como sobre o olho propriamente dito. As impressões recebidas de fora são causadas pelas ondas luminosas propagadas dos objetos externos; estes são focalizados sobre a retina e ali fotografados por meio de alterações químicas. Tais alterações estão ligadas a correntes de energia nervosa e são transmitidas através do nervo ótico ao cérebro. Já vimos que o cérebro, por mais que condicione o nosso pensamento e limite a nossa consciência, não é, apesar de tudo, o verdadeiro criador de nenhum deles, porquanto é, por sua vez, um canal ou órgão para a mais sutil e intangível força do E u Superior. Sabemos agora, pela análise, que o pensamento se efetua mesmo fora dos movimentos das moléculas do cérebro; e que o E u Superior, a verdadeira essência do eu que se encontra no âmago do nosso ser, é muito mais do que uma passageira combinação de partículas atómicas materiais. Apenas essa força interior que aciona o mecanismo corporal ocasiona a passagem da impressão fotográfica para a consciência e torna possível a visão. Precisamos então recordar que a mente é uma força tão real como a própria existência e tão evidenciável, à sua maneira, como a onda invisível de energia elétrica que se acha oculta no interior do átomo material e constitui a sua natureza essencial. Por isso a mente não pode deixar de projetar uma onda de sutil energia através dos nervos óticos até os olhos, todas as vezes que olhamos para o ambiente externo, todas as vezes que corremos os olhos por algum objeto externo e todas as vezes que olhamos para alguém. Essas vibrações devem fazer parte da natureza, do caráter e da intensidade da mente da qual se originam. Quando compreendemos isto, podemos começar a compreender por que o olho humano tem a capacidade de não 1S1

apenas registrar tantas coisas acerca da personalidade humana, mas também transmitir as qualidades características desta última. Trata-se de um órgão passivo e ativo a um só tempo. A força que assim passa do cérebro ao olho físico, com a mesma rapidez de relâmpago com que as impressões fotográficas do meio ambiente chegam aos centros cerebrais, não se localiza, porém, em última instância naqueles centros. Ela usa os olhos apenas como um portão abrindo para o mundo externo. Para expressá-lo de forma concisa e científica: existe uma irradiação definida partindo do olho humano. K própria ciência ofereceu provas definitivas da existência desses raios que fluem do olho humano sem que os nossos sentidos normais se dêem conta disso. Exemplo interessante é encontrado na obra de Raoul Montandon intitulada Les Radiations Humaines: " A ação mecânica das radiações oculares foi demonstrada por diversas experiências. O Sr. Jounet fez com que a agulha de um zoomagnetômetro oscilasse sem a intervenção de qualquer agente que não fosse a "vontade" transmitida à distância através daquilo a que poderíamos chamar olhar magnético. "Tentei", disse ele, "orientar o balanço da agulha numa determinada direção, baixando as mãos e mantendo apenas os olhos diante da agulha; consegui que a agulha oscilasse na direção desejada". A conclusão tirada foi que é possível a determinadas pessoas, apenas pela ação da mente colocar em ação uma agulha de cobre suspensa num receptáculo de cerâmica mantido fechado e parado. Sem dúvida alguma, o mesmo ocorreria com qualquer outro artigo suficientemente movediço. Conhece-se também uma espécie de eletroscópio com cujo auxílio se pode medir a energia emanando do olhar humano. O experimentador, fixando os seus olhos num anel sensível (note-se que o anel deve ser de metal puro: ouro (de preferência), ou prata (ou platina etc.) suspenso num fio de seda, seria capaz de provocar uma oscilação que variaria em função do indivíduo que faz a experiência. . . o que nos permite concluir que existe realmente um campo de vibração magnética". Outro interessante instrumento foi mostrado pelo D r . Charles Russ, M . R. C. S., no Congresso Oftalmológico de Oxford em 1 9 2 1 . Tratava-se de um aparelho eletromagnético cuja principal característica era um delicado solenóide feito de um ténue fio de cobre e suspenso no interior de uma caixa metálica por meio de uma fibra de seda. O solei s

nóide era mantido fixo por meio de um ímã que, naturalmente, descansava no meridiano magnético. Quando um olho humano espreitava através de uma fenda colocada numa janela de observação e fixava com firmeza o solenóide, este deslocava-se numa direção inversa ao movimento inicialmente provocado. O efeito do olhar também acontecia seletivamente na linha de visão durante outras experiências. Em consequência, o Dr. Russ concluiu a existência de uma força acompanhando o ato da visão humana. Os antigos hindus encontraram correspondências entre as várias partes do corpo humano e os vários elementos da Natureza. Assim sendo, ligaram a terra com os braços e a água com a língua, mas o fogo, rei das energias da Natureza, foi relacionado com os olhos. Por isso acreditam que a consciência espiritual do homem encontra expressão na aparência dos seus olhos. N a Índia empresta-se tanta importância à aparência dos olhos que, pelas leis religiosas dos hindus, se algum não-brâmane fixa demoradamente o olhar sobre algum utensílio ou algum alimento pertencente a um brâmane, este é obrigado a lavar imediatamente o utensílio ou a deitar fora a comida a fim de que nem uma coisa nem outra seja contaminada pelo magnetismo inferior atribuído ao membro da outra casta. Essa radiante torrente de magnetismo invisível é por vezes percebida por pessoas sensíveis, como, por exemplo, o incidente comum de um homem voltar-se inconscientemente em resposta à fixidez de algum olhar que lhe é dirigido pelas costas. Por que a convergência dos olhos sobre algum ponto haveria de criar esse estranho poder? Esta questão não é suficientemente profunda por não perceber que é a força anterior aos olhos, vale dizer, a mente, que está concentrada. Ainda mais, a existência é evidenciada pelas emoções que experimentamos sob o olhar de uma pessoa possuidora de uma forte vida interior, sejam essas emoções de caráter reflexivo, anímico ou passional. Nossa existência cotidiana no campo dos negócios, da atividade profissional, social ou da rotina doméstica, nos propicia, de tempos em tempos, ilustrações positivas dessa verdade. Basta a cada um de nós consultar as suas próprias experiências passadas para recordar quantos casos surgiram no nosso âmbito pessoal. Desde o mais humilde operário até o mais alto governante, ninguém está isento de experiências desse tipo. As mulheres compreendem instintivamente esta verdade. Quando mulheres de personalidade marcante buscam dominar o sexo oposto ou desejam apenas entregar-se à coqueteria, elas cultivam aquele tipo de olhar que acreditam ser o mais eficiente para a consecução dos seus propósitos.

A História está cheia de exemplos em que as mulheres conquistaram os homens usando o olhar como uma arma das mais eficientes; Salomé conquistou o Rei Herodes e Cleópatra subjugou Marco Antônio' na antiguidade da mesma forma pela qual Greta Garbo conquistou milhões de espectadores nos cinemas modernos. Passando a um plano mais elevado, encontramos génios, santos, místicos e iogues que exemplificam de forma ainda mais extraordinária o poder inerente ao olhar.

I O olho de um verdadeiro iogue é inconfundível. O homem que por longo espaço de tempo teve os pensamentos sob controle, que voltou sua mente para dentro de si mesmo em fixa contemplação, trai tais coisas pelo olhar. A s lendas sagradas dos hindus nos contam que os deuses têm olhares fixos e não piscam. O s olhos de Napoleão eram assim — fato que Heinrich Heine notou ao ver o maior dos imperadores modernos entrar vitorioso em Dusseldorf. Ademais: "Seu olhar indagador tem algo de singular e inexplicável, que se impõe até mesmo aos nossos Governantes; imaginem se não basta para intimidar uma mulher", escreveu Josefina de Beaumarchais a respeito do jovem General Bonaparte, que desejava casar com ela. O próprio Napoleão disse: "Raramente desembainhei minha espada; ganhei minhas batalhas com os olhos, não com as armas". O s olhos de Goethe eram semelhantes: mantinham-se sem piscar, absortos em pensamentos interiores, mesmo no fim da sua longa vida. Napoleão foi grandemente incompreendido pelos seus contemporâneos; ele era um mistério psicológico e um iogue inconsciente, um instrumento nas mãos de poderes altíssimos, assim como o foi o Imperador Akbar da Índia, que alcançou o mais esplendoroso êxito na construção e manutenção de um vasto império, tanto pela sua forte personalidade quanto pelo poder das suas armas. Akbar também possuía um par de olhos notáveis. O s missionários jesuítas que visitaram a sua corte descreveram-nos como "vibrantes como o mar sob a luz do s o l " . O poder do olhar atinge, e apoteose suprema no caso do eficácia e o poder dos olhos e o pensamento de uma pessoa presenciada, é mais convincente

contudo, sua irretorquível demonstração hipnotizador. A q u i vemos claramente a como um meio de sobrepor a vontade sobre outra. T a l demonstração, quando do que uma centena de argumentos.

Finalmente, existe o fato curioso de que em abstração profunda ou auto-hipnotismo induzido através dos olhos podemos não apenas influenciar os outros como também a nós mesmos! Os escritores em especial tem por vezes o costume de cair em devaneios quando estão revolvendo alguma ideia centralizada na mente, ao tempo em que estão simultaneamente fixando com o olhar algum objeto tangível. A este respeito devemos lembrar que, ao analisar a inspiração, a condição do devaneio foi classificada como particularmente favorável aos grandes cometimentos dos génios, pois coloca em evidência o E u Superior. Jacó Boehme, o místico setecentista do vilarejo alemão de Goerlitz, recebeu notáveis iluminações durante sua vida, nas quais os mais recônditos segredos da Natureza e de Deus lhe foram revelados. Sua primeira iluminação veio aos vinte e cinco anos de idade e começou de forma inesperada, estando ele sentado certo dia em seu quarto sem ter o que fazer. Seus olhos recaíram sobre uma bandeja polida de estanho sobre a qual o sol se refletia com tanta intensidade que o seu olhar ali demorou-se involuntariamente, tal a beleza e o esplendor que se desprendiam da bandeja. Boehme caiu em transe e sua mente retirou-se para um mundo interior. A l i e daquela maneira veio-lhe o conhecimento de coisas divinas. Todas as coisas vivas da Natureza pareciam iluminadas no seu interior, as forças sagradas anteriores à criação tornaram-se visíveis e os mistérios das bases ocultas do mundo material foram explicadas. Dali em diante ele viveu em grande paz espiritual mas se manteve em silêncio, anotando suas visões num livro a título de recordação. A princípio nada comentou com ninguém, mas agradeceu a Deus em silêncio. A respeito dessa maravilhosa modificação que lhe aconteceu, ele escreveu num livro que era como que ressuscitar dos mortos! O inculto sapateiro, cuja humildade era tal que prefaciou seus livros com esta declaração: "Relativamente aos mistérios ocultos, eu era tão ingénuo como os mais ignorantes, mas as minhas visões das maravilhas de Deus ensinaram-me alguma coisa, de modo que sou obrigado a escrever sobre essas maravilhas; embora a minha intenção seja na verdade escrever um diário para uso próprio", foi levado de uma revelação espiritual para outra, depois da sua entrada no reino mais elevado, pelo poder do olhar transiixado, até que lhe veio a iluminação final e ele pôde escrever: " O s portais se abriram para mim, de modo que no espaço de um quarto de hora eu vi e aprendi mais do que se tivesse passado muitos anos numa universidade, coisa que me deixou extremamente admirado e me fez louvar o Senhor. Eu conheci e vi em num os

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três mundos, a saber: o divino (angelical e p a r a d i s í a c o ) , o escuro e depois o externo e visível (sendo este u m a procriação ou nascimento externo dos mundos interno e e s p i r i t u a l ) . " Algumas pessoas tremerão ante a ideia de entrar em transe a f i m de obter um estado superior e o considerarão como uma condição altamente desagradável que deve ser evitada a todo custo. Isto acontecerá em especial na Europa e na América onde os únicos fenómenos dessa ordem geralmente registrados ligam-se ou ao hipnotismo ou a doenças. N ã o sabem aquelas pessoas que há várias formas e fases de transes e que algumas delas são atraentes e valiosas tanto quanto outras são repulsivas e danosas. O Oriente compreende melhor tais coisas. Pois o génio ou o homem inspirado que cai num devaneio durante os seus momentos criativos está simplesmente entrando na forma elementar do estado de transe. Se fosse possível esquecer sua obra por algum tempo, retendo contudo a sua condição de abstração e buscando aprofundá-la, tal pessoa com toda certeza cairia n u m transe completo, e dos mais deleitáveis. O olho é o canal sensorial em contato mais íntimo com a mente. N ã o é um mero instrumento fotográfico, u m receptor passivo, mas também u m instrumento mental e anímico poderosamente ativo da personalidade humana. C o m esse reconhecimento da íntima relação existente entre o olho, o ego e o E u Superior, estamos mais bem preparados para apreciar o valor do exercício de vista que será agora apresentado. A s s i m como o exercício respiratório destina-se primordialmente a ser um instrumento físico na aquisição do domínio da mente pelas pessoas de temperamento ativo e vida atribulada, particularmente as pessoas do Ocidente, assim também o exercício que se seguirá destina-se ao mesmo tipo de gente. Mas não servirá apenas para chegar a esse f i m ; conduzirá também a um f i m ainda mais avançado, qual seja o de entrar em devaneio, o de abeirar-se da condição do transe. Este exercício não é novo; ele é conhecido e praticado desde há muito pelos lamas do Tibete, pelos iogues da índia e pelos profetas da China, ao passo que todo o sacerdote do Antigo Egito tinha a obrigação de adotá-lo. N ã o devemos começar este exercício até que tenhamos praticado os exercícios respiratórios durante um espaço de tempo suficientemente longo para nos assegurarmos da sua eficiência e, o que é mais importante, até que possamos executá-los automaticamente e sem inibições. A duração de tal período não pode ser preconizada, pois varia de indivíduo

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para indivíduo; pode ser coisa de umas poucas semanas ou de alguns meses. ^ Mas bastará dizer que o ponto em que poderemos iniciar este exercício para a vista é indicado por um êxito bem definido — ainda que parcial — no silenciar os pensamentos através do exercício diário do controle da respiração. Começa-se colocando numa posição conveniente ao nível dos olhos, seja sobre a parede, seja sobre uma prateleira, um mesa ou qualquer outra peça do mobiliário, a fotografia de uma pessoa a quem verdadeiramente veneramos. Se possível a superfície do retrato deve ser brilhante. Poderá ser a fotografia de um mestre espiritual vivo, um santo vivo ou um sábio vivo, pois tal objeto possuirá um poder peculiar de ajudar no atingimento da quietude mental. O autor poderia dizer algo mais acerca de outros importantes usuários deste curioso método, mas é obrigado a calar-se, no interesse da ética pública. A existência de tal poder e a capacidade das fotografias de funcionar como canais transmissores de sua influência é conhecida dos místicos muçulmanos da Pérsia e da África e por eles ensinada, bem como dos iogues da índia, mas a mente ocidental dificilmente dará crédito à asserção. T a l ajuda, se existir, será convenientemente atribuída à auto-sugestão. Felizmente uma leitura casual de um jornal, o The New York American, forneceu ao autor uma inesperada confirmação científica da sua afirmativa. N u m exemplar datado de 30 de março de 1933, encontrou ele uma reportagem acerca de um instrumento recém-inventado capaz de determinar, a partir de uma fotografia, se a pessoa havia morrido desde que a dita fotografia tinha sido feita. O jornal acrescenta: " O instrumento detecta o movimento das "ondas de vida" ou "ondas Z " sobre uma chapa fotográfica e a imobilidade dessas ondas depois da morte da pessoa foi hoje anunciada por E . S. Shrapnell-Smith, uma autoridade em química, que declarou: " A vida, assim como uma estação de rádio, emite um determinado tipo de radiação sobre uma chapa fotográfica. Enquanto a pessoa fotografada estiver viva, o movimento das ondas será ativo. N o momento em que a pessoa morrer, por mais distante que esteja da fotografia, as ondas de vida deixarão de emanar da chapa. Não posso revelar agora em que consiste o instrumento. Mas ele se baseia e depende de primeiro, radiação; segundo, magnetismo; terceiro, eletricidade estática; e quarto, eletricidade corrente. Não há nada de psíquico * ou misterioso no caso. Trata-se de uma nova aplicação das leis da ciência."

Poderíamos acrescentar aquilo que o inventor ainda não sabe: a obtenção da quietude mental é positivamente de grande utilidade para o nosso elevado propósito. Se não conhecermos nenhum sábio, santo ou guia espiritual cujas características possam ser transmitidas através dessas ondas de vida ou se não pudermos conseguir uma fotografia, poderemos substituí-la por um retrato gravado. Se, por outro lado, preferirmos venerar algum santo ou mestre espiritual que viveu em outros séculos, quando a arte da fotografia não era ainda conhecida, os mesmos substitutos poderão ser usados. E, se, por fim, não quisermos adotar essa atitude de veneração relativamente a nenhum personagem espiritual, presente ou passado, poderemos colocar em seu lugar um dos objetos seguintes: ( 1 ) U m a fotografia ou um quadro de algum cenário natural de grande beleza e imponência. De preferência haverá ali apenas um perfil, como acontece com o estilo japonês: por exemplo, um pico solitário ao invés de uma floresta inteira. ( 2 ) Uma única flor, perfumada se possível, colocada num vaso simples. ( 3 ) Uma pedra preciosa cujo brilho contraste com o pano de fundo sobre o qual estiver colocada. Por essa razão a cor desse fundo, que poderá ser um pedaço de pano ou seda, deverá ser escolhida com cuidado. Como, porém, a radiação de determinadas gemas é inimiga da prática da meditação, a escolha das pedras deverá cingir-se às seguintes: diamante, safira, cristal, pérola, topázio e particularmente as pedras negras como o ônix, a ágata preta e o azeviche. O objeto escolhido, seja qual for, deverá ser de tamanho pequeno e colocado ao nível dos olhos, nunca acima. Ademais, deverá estar colocado de forma a que a luz, de uma janela ou do sol, caia diretamente sobre ele. Depois deveremos sentar-nos a uma distância do objeto variando entre trinta centímetros e um metro e começarmos a fitá-lo. No caso de usarmos a fotografia de algum sábio, devemos fixar o olhar entre

as suas sobrancelhas. Os olhos não deverão permanecer totalmente abertos, pois deverão estar um pouco voltados para baixo. Não é recomendável olhar sem interrupção a menos que se trate de uma extensa vista de uma paisagem distante. Aqueles que estiverem se exercitando ao ar livre não apenas poderão usar qualquer um dos objetos retromencionados, como também poderão prescindir deles e concentrar o olhar sobre algum ponto nas redondezas, como por exemplo, uma determinada folha numa árvore próxima, o aime de um monte ou as pétalas de uma flor sobre a margem oposta de um rio. Os anacoretas tibetanos que chegaram ao estágio de preparação ao transe,

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começam por fixar os olhos sobre um pequeno objeto metálico do tamanho de uma bolinha de gude ou sobre algum objeto distante. Adverte-se aqui ao leitor que tanto os exercícios de meditação como os de respiração são mais bem executados com os olhos fechados, porque as distrações físicas ficam assim diminuídas e que, por isso, o presente exercício não deverá ser começado se os preparativos mencionados não tiverem sido feitos. Quem se entregar a ele sem tal preparação não colherá qualquer benefício espiritual e, de duas uma: ou cairá no sono ou na mediunidade ou então desperdiçará por completo o seu tempo.

Nao se trata de um método para principiantes mas sim para pessoas experimentadas. Depois de nos acomodarmos à maneira escolhida e compormos os nossos pensamentos, devemos concentrar-nos e dirigir o nosso olhar inteiramente para o objeto selecionado e tentar mantê-lo dentro do nosso campo de visão durante um espaço de cinco minutos para começar, e durante sete minutos quando estivermos mais adiantados nessa prática,

í desaconselhável

prolongar o olhar além desse limite máximo de tempo.

Fica o leitor advertido de que existe um certo risco de desenvolver um ligeiro astigmatismo, caso o exercício seja exagerado. Que ele releia o último parágrafo do Capítulo V I I I . O olhar deve ser mantido sem vacilações e as pálpebras não devem piscar durante o maior espaço de tempo durante o exercício, mesmo que os olhos se encham de água. A princípio não será fácil, mas se perseverarmos acabaremos por compreender tal possibilidade. A mente, tanto quanto o olhar, não deve ser desviada do objeto escolhido; não obstante, não devemos permitir o aparecimento de pensamentos digressivos relativamente a esse objeto. Não devemos pensar acerca do objeto, mas apenas percebê-lo com uma ininterrupta fixidez de atenção que impeça o desenvolvimento de quaisquer especulações ou de quaisquer incursões lógicas em algum raciocínio ligado a ele. Devemos manter o olhar sobre o objeto sem pestanejar, sem piscar, tanto quanto nos for possível, evitando também qualquer excesso de fadiga. O esforço deve ser feito no sentido de levar a cabo o exercício de uma maneira descontraída e natural, não permitindo que os olhos vacilem.

A fixação da vista leva à fixação da mente. -atenção fixa, porque esta última faculdade segue um objeto externo. Quando o ser consciente de inteiramente voltado para um ponto, seus recursos apenas latentes — começam a mostrar-se.

E l a cultiva e produz a o caminho ditado por um homem está assim interiores — até aqui

Depois de algum treinamento essa fixação da vista deverá tornar-se corriqueira e um olhar firme deverá ter sido conseguido; poder-se-á tentar então a segunda e mais elevada parte deste exercício. Consiste ela em

retirar mentalmente a consciência do objeto externo e colocá-la no nosso eu interior, mantendo, contudo, o olhar fixo sobre o objeto e somente sobre ele. O efeito de alguns minutos de um exercício deste tipo, quando feito no estágio para o qual foi recomendado, será o de induzir uma intensa calma interior e, mais ainda, um esquecimento de tudo o que é externo. Seguir-se-á uma espécie de semi-transe durante o qual precisamos nos

esforçar para permanecermos perfeitamente despertos, perfeitamente alertas, sem, contudo, nos entregarmos a qualquer movimento mental, emocional ou físico de qualquer espécie. U m a quietude absoluta deverá envolver o nosso corpo e penetrar a nossa mente e, na realidade, o corpo se tornará tão imóvel como uma acha de madeira. Ao retirarmos a atenção do objett) focalizado, não deveremos então procurar nenhuma experiência inusitada, mas nos contentarmos com uma simples auto-absorção, o olhar permanecendo fixo sem ver. D e fato, quando, através de esforços e tentativas reiteradas, houvermos progredido o suficiente na análise mental do eu, no controle da respiração e, por fim, na fixação do olhar, virá o tempo em que não será preciso nenhum esforço para retirar o foco de atenção do objeto, pois este desaparecerá automaticamente do nosso campo mental, já que a concentração profunda gera um estado de devaneio em que a mente se interioriza profundamente e em que os contornos habituais do eu pessoal tornam-se de per si indistintos. Para explicar ainda mais esta condição o autor deverá definir a palavra "desaparecer", tal como ela foi usada na sentença precedente, dizendo que o desaparecimento se faz do primeiro para o segundo plano da atenção. N ã o há assim um desaparecimento total; é como o caso de um ator de génio que talvez desempenhe à perfeição o papel de Hamlet, por exemplo, e viva intensamente cada uma das palavras que proferir, cada um dos gestos que fizer, e, contudo, no fundo da sua mente, conserve a consciência da sua própria identidade. D a mesma maneira se poderá olhar para a fotografia, por exemplo, mas percebê-la de uma forma ape-

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nas obscura, vaga e totalmente indiferente. Ela é usada como o é o andaime pelo pedreiro: erguida a estrutura, joga-se fora o andaime. Somente quando este exercício é executado com êxito passamos durante essa condição de devaneio profundo por uma modificação interna de consciência. Já não fazemos esforço de espécie alguma, permanecemos numa condição de extrema inércia; todas as coisas que lutávamos por conseguir — seja o conhecimento do eu, seja o controle emocional ou mental — desaparecem no seu próprio plano. O objeto físico sobre o qual estávamos focalizando a nossa atenção subtrai-se, por assim dizer, ao nosso controle mental, na fixidez profunda que se sente. O que realmente aconteceu é que a consciência torna-se assim intensamente concentrada na região do seu centro pouco conhecido, ao passo que a sua periferia mais conhecida foi anestesiada. Deixando esta última de funcionar como uma entidade, a primeira ténue revelação do nosso verdadeiro ser começa a propagar-se no círculo da nossa consciência. A princípio tal propagação será extremamente débil e difícil de reter por mais de alguns minutos; precisamos por isso aprender por meio de reiterados exercícios (ao longo de semanas inteiras e talvez mesmo meses), a ceder por completo diante das primeiras manifestações e não resistir a elas. Por esta forma prolongaremos aqueles períodos seráficos em que o homem, despertando a circunferência das coisas, voltando a sua consciência para o centro, encontra a bem-aventurança do ser unificado. Esse poder de olhar fixo mas distraidamente é chamado de "Trataka" pelos iogues hindus. Ele é facilmente adquirível pelas pessoas que o pratiquem fielmente em conjunto com as demais condições prescritas. Incorretamente feito, porém, sobrevirá uma sensação de sonolência e uma tendência a adormecer. Sempre que isto acontecer, deveremos impedi-lo, levantando-nos imediatamente e interrompendo o exercício. Uma vez mais se faz necessária uma advertência quanto ao uso indevido deste exercício. Se praticado antes de haver uma preparação adequada por meio da auto-análise mental e da aspiração espiritual, ele pode facilmente acarretar tão apenas um auto-hipnotismo ou transe mediúnico e o resultado espiritual mais elevado não será conseguido; o que talvez se consiga poderá ser altamente indesejável. As pessoas que não alcançaram o desejado equilíbrio entre o intelecto e as suas emoções devem dar especial atenção a esta advertência. Aquelas que são espiritualmente imaturas ou que deixaram de adaptar-se àquilo que lhes foi exigido nos capítulos anteriores correrão risco ao adotar este exercício. Poderão induzir uma condição de mediunidade psíquica e atrair a atenção de entidades-espíriros 191

indesejáveis que habitam na fronteira do mundo espiritual e que se podem agarrar aos portadores de mediunidade desprotegidos e aos hipnotizados. Uma vez que este exercício torna tensos os músculos dos olhos imediatamente após nos erguermos e terminarmos a prática, deveremos combater o efeito, deixando de prolongar o olhar, piscando repetidamente os olhos e permitindo depois que as pálpebras baixem suavemente por algum tempo. Desta forma os músculos se descontrairão. E para fazer a consciência voltar mais rapidamente ao mundo exterior deveremos fazer uma pressão sobre os olhos cerrados com os indicadores. As pessoas que já estão maduras encontrarão, porém, neste exercício de vista uma ajuda no sentido da consecução das suas aspirações, pois a fusão do pequeno eu no E u Superior fica facilitada. O exercício vincula o ego pessoal com Aquilo que é a sua fonte sagrada. N ã o foi sem razão que Mestre Jesus disse, no decurso de uma de suas despretensiosas manifestações: " A luz do corpo é o olho: se, por isso, o teu olho for singelo, teu corpo será pleno de luz" (Mateus, v. V , 2 2 ) . Milhões de pessoas leram este dito, mas poucas compreenderam o seu significado mais profundo. Para chegar a ele é preciso que nos munamos da lanterna do conhecimento. Antes de mais nada, se o leitor reportar-se a declarações contidas em outras obras do autor ( ) , ficará sabendo que a L u z é na verdade a primeira e melhor manifestação de Deus, o Criador Supremo, no nosso mundo material. A primeira ordem do Criador foi: "Faça-se a L u z ! " Dessa Luz primordial vieram todas as formas criadas, porque ela é realmente Força-Luz, e alguma coisa inerente em todos os átomos da matéria. Cientistas de primeiro plano estão agora empenhados em mostrar que as ondas luminosas constituem talvez a derradeira essência da matéria. A luz é o elemento mais próximo da Divindade com o qual o homem-físico é capaz de entrar em contato. Por essa razão, quase todos os povos antigos, desde os argutos egípcios da África até os ingénuos incas da América, basearam suas religiões no culto da L u z e a adoraram na sua expressão máxima, o Sol. O s místicos que encaram Deus frente a frente são obrigados primeiro a vê-Lo como uma luz universal transcendental, de terrível fulgor. Eles percebem em torno de si essa luz sagrada durante a sua elevada transfiguração. O s apóstolos cristãos também compreenx

(1)

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O Egito Secreto e Um Eremita no Himalaia.

deram esta verdade. Assim é que existe uma sentença na Epístola aos Efésios que complementa a frase já citada de Jesus: " O fruto da Luz está em toda a bondade, probidade e verdade." O autor não ignora que a versão corrente no Novo Testamento substitui a palavra "Espírito" por " L u z " , mas na verdade, os primeiros e mais autorizados manuscritos dessa escritura, especialmente nos códices Sinaíta, Alexandrino e Vaticano, além do Manuscrito Bizantino em sua forma original, concordam em ler "photos" ( " l u z " ao invés de '"pneumatos" (espírito). A palavra grega "haplous" que no dito de Jesus é traduzido por "singelo", significa literalmente "simples", ou "singelo" no sentido daquilo que não é composto. A palavra também é usada com a acepção de "natural". Juntando os dois significados e usando de um pouco de discernimento, chegamos a uma interpretação que nos permite desenvolver a sentença em todo o seu significado:

A vida espiritual do corpo entra através do olho; se, por isso, o olho for desviado da complexa multiplicidade do mundo, e a tua mente que usa esse olho for encaminhada para o seu próprio ser natural, todo o teu corpo se inundará de luz espiritual." t(

A última parte desta sentença é interessante: "Todo o teu corpo se inundará de luz espiritual". É a declaração de um fato literal e não uma metáfora poética. Entre aqueles que tiveram a oportunidade de conhecer um santo perfeitamente sintonizado com a Divindade ou um sábio plenamente cônscio do E u Superior, uns poucos informaram que durante alguns momentos viram o corpo dessa pessoa circundado e invadido por uma estranha luminosidade. Os halos e auréolas que os artistas europeus medievais pintavam em torno dos retratos dos santos constituem uma reminiscência fragmentária dessa verdade física. Daí não ser nenhum exagero da parte de Jesus afirmar que o homem que unificou a sua visão e recolheu sua mente ao seu estado natural e simples, isento de impressões e pensamentos, ficará plenamente iluminado do ponto de vista espiritual e físico. Esta prática introduz a força-luz espiritual no corpo

físico até que este fique tão impregnado a ponto de irradiar por sua vez essa força. As escrituras orientais também fazem referências ao assunto. "A liberação encontra-se no olho", anuncia o chinês Y i n F u K i n g , no Livro das Correspondências Secretas. N a Índia existe uma coleção de 108 antigos livros sânscritos escritos pelos primitivos sábios, que, segundo os hindus, contêm a sabedoria mística da sua religião. Tais livros chamam-se Upanichades e durante milhares de anos, até o advento dos c u n o 193

sos estudiosos ingleses, foram mantidos em segredo pelos brâmanes Numa dessas obras, o Upanichade Madala Brahmana, significativa sentença:

encontra-se

esta

"Quando a visão espiritual está voltada para dentro e os olhos físicos estão vendo externamente sem piscar, esta é a grande ciência oculta em todos os Tantras (Livros Sagrados do P o d e r ) . Sabido isto, nós nos libertamos das limitações da matéria. Praticar tal exercício é alcançar a salvação." Finalmente, pode-se mencionar que entre os Magos da Pérsia em épocas remotas e entre os místicos Sufis da Pérsia moderna, bem como entre umas tantas escolas iogues da índia contemporânea, existe um rito especial em que o mestre inicia o aspirante qualificado nos segrados da vida interior do Espírito apenas fixando-o profunda e atentamente nos olhos durante alguns minutos. O aspirante sente em seguida que um véu foi levantado e o seu progresso se torna mais fácil. O fato evidencia que os Iniciados encontram no olho o único órgão físico suficientemente delicado e sensível para ser usado como meio de transmissão e comunicação dos seus poderes espirituais. Aqui a prática da fixação do olhar se baseia na estrutura psicológica do homem. Nós precisamos realmente nos colocar por detrás dos nossos pensamentos, interiorizar nossa atenção de uma forma inusitada, a fim de nos absorvermos no nosso próprio eu, mas de uma forma totalmente diferente. Este exercício constitui-se numa maneira eficaz de refrear a mente. O ego fugidio é subjugado através dele, mas de uma forma extremamente suave. Não é necessário nenhum esforço violento para forçar o ego recalcitrante à submissão, pois o controle combinado da respiração e da vista leva ao fim colimado. N ó s possuímos um legado incomparável na natureza divina e nas elevadas possibilidades do homem, mas é preciso que nos mexamos e façamos as nossas reivindicações; tranquilizada, concentrada e aquietada a nossa mentalidade, estarão provados os nossos direitos a essa herança.

CAPÍTULO X I I I O MISTÉRIO D O CORAÇÃO Quem houver palmilhado até aqui este estranho caminho interior estará agora em condições de receber a revelação que está para ser feita, e que se constitui numa resposta a uma pergunta amiúde colocada: Onde está esse E u Superior de quem o senhor fala tão encomiasticamente ? ^ Que o leitor tome primeiramente em consideração determinadas analogias que insinuam uma misteriosa relação entre o divino E u Superior e o seu corpo físico. Que observe a ação espontânea e automática de um homem, particularmente um homem pertencente a uma raça primitiva, o qual deseja, por um gesto físico, designar-se a si próprio em contraposição com outros. T a l homem irá erguer sua mão direita e apontar o dedo indicador para o próprio peito, para aquela porção do tórax em que está localizado o coração. A importância deste ato para o espectador interessado é que ele foi ditado pelo consciente do homem ao seu eu subconsciente. De grande significação é esse mudo testemunho da Natureza, operando por meio dos instintos mais profundos da criatura humana, da vinculação do eu com o mais importante órgão do corpo físico, o coração. Ademais, é comum o homem levar a mão ao coração e dizer: " E u sinto" ou " E u acho". Assim, o próprio uso dos termos e gestos ditados pelo bom-senso é uma forte indicação da mesma verdade. Que o leitor se lembre a seguir de que é um hábito comum das pessoas dar vazão a expressões como "o coração de uma organização" ou "chegar ao coração de um assunto" quando desejam expressar a essência fundamental de alguma coisa; que se lembre também de que a essência fundamental do homem é o seu eu. Examine-se a seguir a posição anatómica do coração em relação ao resto do corpo. Localiza-se ele a meio caminho entre o alto da cabeça e o final do tronco; vale dizer, se traçássemos um círculo em torno dos limites extremos do tronco, o centro da circunferência seria aproximadamente o coração. E por demais sabido que a posição mais importante em qualquer estrutura ou organismo é o centro. Este é o miolo vital em torno do qual todas as demais partes estão construídas. Portanto, constatando que o coração é o órgão central do corpo humano, é lícito supor-se que seja também o mais importante. E a suposição é correra. Homem algum

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pode funcionar como ser vivo neste mundo se não tiver um coração. Os cirurgiões conseguiram operar milagres na recuperação dos feridos na última guerra, enxertando pedaços de órgãos aqui e acolá ou criando substitutos artificiais para as partes do corpo, mas nenhum deles é capaz de conservar vivo um homem cujo coração se tenha tornado imprestável. A primeira batida do coração significa a vida; sua última batida significa a morte. O meio por ele usado para atuar sobre o corpo é o sangue, esse fluido vermelho que se combina com a respiração para transportar o princípio vital, erigindo e mantendo o corpo em sua interminável circulação. Fisiologicamente, constata-se que o coração é o mais exigido de todos os órgãos do corpo. E l e pulsa mais de cem mil vezes por dia. E l e conduz de sete a oito toneladas de sangue através das artérias, da cabeça até os calcanhares. Esta posição é análoga à de um rei residindo numa capital e se comunicando, comandando e controlando todo o reino por meio de oficiais. O coração é a capital. O centro do governo, os oficiais representam o sangue e o reino é o corpo propriamente dito. O rei representa o eu real e essencial —

o E u Superior!

A antiquíssima e simbólica referência ao "coração" feita pela humanidade quando se trata de dizer alma ou espírito, bem como o pressuposto universal de que os sentimentos humanos mais profundos provêm do "coração", também fornece um testemunho inconsciente de alguma misteriosa vinculação entre a divindade no homem e o seu coração físico. N a realidade, que sentimento poderia ser mais profundo do que o experimentado pelo homem ao tomar conhecimento dessa presença divina? A experiência do explorador espiritual que atinge as profundezas do coração e descobre o E u Superior encontra assim um eco remoto no falar cotidiano e nas ações da maior parte da humanidade, quando esta se refere à sua própria essência. Não seria de dar crédito à existência de forças desconhecidas situadas no interior desse órgão? "Esta é a minha alma no mais recôndito coração, menor do que um grão de arroz ou de cevada, ou do que uma semente de mostarda, ou de painço; esta é a minha alma no mais recôndito coração, maior do que o mundo, maior do que a atmosfera, maior do que o céu, maior do que estes mundos", é a estranha descrição inserida no Upanichade Chandogya, um antigo tratado místico oriental que em outras épocas foi conservado em segredo. Houve também místicos ocidentais que fizeram a mesma descoberta. Assim é que a Irmã Juliana de Nórvico — que pertence ao grupo dos santos medievais ingleses — escreveu ao relatar suas experiências espirituais pessoais: "Depois disso, vi Deus num Ponto,

quero dizer, na minha compreensão." usada no sentido de consciência.)

( A palavra compreensão é aqui

A análise já trouxe à luz o fato de que o verdadeiro eu do homem é pura consciência; de que ele transcende todo o mecanismo do intelecto, e de que toda a série de pensamentos que compõem a vida mental se enraíza, em última instância, no pensamento primordial do eu. Podemos agora ligar estes resultados com a revelação precedente. Se o Eu Superior é de fato a consciência pura, o agente vital anterior à toda atividade mental, então o verdadeiro sítio da consciência humana não é o cérebro mas o coração! Os pensamentos não poderiam nascer e o raciocínio não poderia perdurar sem a existência da luz da consciência para iluminar a ambos. Eles dependem tanto do pano de fundo da autoconsciência como estas palavras escritas dependem do papel branco que forma o seu pano de fundo. Assim, todo o movimento do pensamento recebe o seu apoio e a sua sanção da força criativa do E u Superior. O conceito do ego sendo um pensamento consciente, conquanto o primeiro dentre os pensamentos, não pode ter outra fonte derradeira que não seja o verdadeiro eu transcendente, o E u Superior. Há, portanto, um movimento sutil e secreto sempre em marcha entre o coração e a cabeça, entre o E u Superior e o intelecto. O primeiro, sendo a origem derradeira de todas as ramificações da corrente de vida e do ser consciente, é solicitado pelo ego e pelo intelecto para sustentar-lhes a existência. Sem o E u Superior para alimentá-los, ambos pereceriam e desapareceriam. Este movimento começa no coração sempre que, em virtude de um hábito ancestral da raça, a impressão sensorial das coisas externas coloca a atenção em movimento. A primeiro consequência desse movimento é a separação de um minúsculo fragmento de transcendente força vital e maior consciência. Como um sol separado da ígnea fonte original, esse fragmento começa uma vida própria a partir daquele momento, resultando na formação do ego pessoal. Esse sentido do ego relativamente limitado sobe então do coração, porque o órgão mais delicado e sensível com o qual pode entrar em comunicação fica situado na cabeça. O dito sentido é por si mesmo demasiado fino, demasiado espiritual em sua origem para entrar em contato com o grosseiro universo matend sem algum intermediário que participe da natureza de ambos. No cérebm na mente pensTnte, « t á o intermediário adequado. Daí a ascensão ao cérebro.

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Aqui o fragmento de autoconsciência puramente impessoal necessariamente se reduz a uma consciência pensante pessoal e atravessa os diversos órgãos sensoriais, como que passando através de portas, para associar-se com o mundo externo, afogando-se em última instância no mar das impressões externas. A esta altura terá esquecido inapelavelmente seu lugar de origem — o átomo do E u Superior no coração. 0

Assim o ego se perde inteiramente na vida físico-mental onde por fim se encontra, e nada sabe da sua origem divina e do seu nascedouro no coração. O cérebro torna-se o seu lar, uma morada que o tempo torna tão familiar que o desterrado vem a imaginar e a acreditar que ali está o seu lar primordial e que o mundo físico é o seu ambiente primordial.

Deve-se dar cuidadosa atenção às explicações neste capítulo porque elas são baseadas na anatomia invisível da alma. Se começarmos a ordenar a vida reflexiva de modo a colocá-la em harmonia e não em conflito com esta estrutura anatómica, poderemos progredir neste caminho com maior êxito e de uma forma mais inteligente. T e r alguma noção da direção e do lugar para o qual devemos ir, por mais remoto que o objetivo possa parecer, é de extrema utilidade. Esta relação entre coração e cérebro significando a relação entre espírito e intelecto, quando compreendida, faz jorrar luz sobre numerosos problemas da psicologia e da religião. Pois nos é possível agora captar um pouco melhor o processo que, após séculos de involução e evolução, fez do homem a criatura espiritualmente cega que ele é hoje. Se imaginarmos o átomo do E u Superior como uma fonte borbulhante cujas águas são perenemente alimentadas pelo Criador Supremo, então a trina e una torrente de água que é jorrada para a cabeça vem a ser a corrente de vida, a inteligência e a individualidade. A s três últimas aparecem no ego pessoal, e são encontradas como elementos atravessando a grande estrutura do universo, pois são encontradas na forma da réplica microcósmica dessa estrutura: o homem. Se imaginarmos esses elementos como emanações do coração que primeiro sobem e depois saem através dos cinco órgãos sensoriais que abrem para o mundo físico e os colocam em relação com os objetos e criaturas físicas, poderemos dizer que há tanto tempo na história humana vêm sendo aprisionados e traídos por este processo que o ego pessoal,

que constitui a sua totalidade, acredita erroneamente autosuficiente, independente e completa.

ser uma criatura

Este erro, que tão pronunciadamente se apossou da raça humana, atingiu o seu ápice no século dezenove, quando o intelecto científico proclamou orgulhosamente ao mundo a abolição da necessidade de qualquer alma espiritual no homem. O coração, a fonte da vida, foi desdenhado, a cabeça glorificada, a alma esquecida. Contudo, do ponto de vista fisiológico fácil é perceber que o cérebro não pode funcionar sem o sangue de que se alimenta. Esse fluido vital lhe vem do coração. Por isso, até mesmo o cérebro físico depende do coração físico para poder operar. Assim sendo, mesmo de uma maneira puramente material, pode-se demonstrar que o intelecto, em última instância, provém do coração. Não será então o coração o lugar mais adequado e simbolicamente correto para o E u Superior escolher para a sua morada? O incessante fluxo de pensamento na cabeça é amparado pela consciência do coração. O intelecto é apenas uma limitada modificação projetada para o alto pelo ilimitado E u Superior. Que é o intelecto senão a somatória dos nossos pensamentos? O intervalo de tempo entre dois pensamentos — por mais infinitesimal e por mais desapercebido — é o momento em que o ego entra inconscientemente em contato com o E u Superior, pois em tal momento o intelecto capta, com a rapidez do raio, a luz de consciência necessária à continuação da sua atividade. O intervalo pode ser infinitamente pequeno, mas existe. Ademais, pode mesmo ser matematicamente medido no homem comum, tanto quanto sabe o autor. Sem esse intervalo, que acontece centenas de vezes por dia, o intelecto não poderia funcionar porque o cérebro cairia num estupor inútil. Quando o intervalo entre dois pensamentos é prolongado cria-se a possibilidade de entrar, e permanecer durante algum tempo, no estado do E u Superior. Essa é a chave para o trabalho interno que tem de ser feito ao longo deste caminho, quando o estágio adiantado tiver sido alcançado. Nós pensamos cada vez menos pensamentos durante o período dos exercícios diários de quietação mental; isto é provocado pelo retardamento do ciclo respiratório e pela fixação do olhar. A ideia generalizada de que a consciência ocupa o seu lugar no cérebro não passa de uma verdade relativa. O cérebro não é senão o sítio da consciência refletida uma reflexão proveniente do verdadeiro centro o coração. A luz intelectual não passa de luz emprestada, como a luz f

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da lua. A consciência intelectual é secundária. A consciência do coração é primordial, e é o sol que fornece a sua própria luz ao intelecto. Devemos, porém, estar atentos ao erro comum de que por consciência do coração entende-se a simples emoção. Nada poderia estar mais longe da verdade. Assim como, na análise filosófica final, a realidade do mundo material não passa de uma percepção mental, assim também a realidade do intelecto não passa da sua fonte secreta, do seu sustentáculo do coração. O Ser Infinito — fonte de toda a vida e inteligência imortais — restringe sua entrada no homem através do coração, não da cabeça. Assim sendo, o ego pessoal ganhou existência como uma criatura que extrai todo o seu poder de existir, compreender e até mesmo agir inteiramente do impessoal E u Superior, mas que, infelizmente, hoje em dia perdeu a consciência da sua ascendência divina. E l e existe na crença de que vive e se movimenta apenas por sua própria força, mas engana-se a si mesmo quanto a isso. Sem o seu vínculo secreto com a sua essência imortal, o E u Superior, ele não poderia prolongar sua existência por um momento sequer. A luz da consciência através da qual ele compreende o universo material, pensa no interior do cérebro e atua dentro do corpo, não passa de uma luz emprestada pelo eterno E u Superior. A vida que ele mantém durante algum tempo dentro do corpo físico não é senão uma gota da força infinita e imperecível do E u Superior. Enquanto o ego mantiver sua atenção perpetuamente exteriorizada e olhar através das janelas dos sentidos para o universo material, persistirá na ilusão de que ele próprio, o corpo e esse universo material constituem a totalidade da vida. Esse fragmento atenuado — o pensamento do eu — obscurecido à luz da compreensão como um farol baixo de automóvel, aliou-se com a forma física em que se encontra e relacionou-se com o mundo físico com o qual está em contato, olhando sem cessar através das janelas dos cinco sentidos como uma pessoa hipnotizada. Contudo, apesar dessa imensa redução dos seus poderes, dessa ampla limitação do seu âmbito de consciência, ele permanece como o único elo entre o homem e o seu E u Superior, porque a sua estirpe é divina e sua linha ancestral, por mais oculta que esteja, continua a existir. Sc o pensamento do eu isolado Existe uma linha de da qual o E u Superior envia a Ego. Este último, por si só,

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reside no cérebro, não está ali totalmente comunicação com o coração, linha através sua vida e a sua luz para a alimentação do não pode fazer nada, pois depende desse

auxílio. O ego surgiu do intemporal E u Superior e segue sendo o seu involuntário pensionista. Por isso existe ainda um caminho de volta, um vínculo com o seu local de nascimento. Se o ego pudesse ser despertado da sua exteriorização e levado a voltar-se para dentro e para trás, refazendo o caminho até o seu sítio original, ele se deslocaria necessariamente no sentido do Eu Superior. Encontrado este último, bastaria ao ego manter-se em comunicação constante com aquela fonte sagrada, beber o néctar com os deuses e ficar feliz. O real objetivo de todos os exercícios espirituais genuínos é, portanto, persuadir a mente pessoal a se afastar do universo material e, através dessa abstração na meditação e na oração, reconstruir lentamente o seu caminho de volta ao coração. Então, e somente então, cessada a usurpação e recolocada no devido lugar, e devidamente resignada e obediente ao absoluto E u Superior, poderá a mente capacitar o homem a adquirir uma consciência nítida daquilo que ele realmente é. Esse é o objetivo espiritual apresentado ao homem pela vida, por Deus — e na realidade não existe nenhum outro! Para alcançar tal liberação, "Precisamos do mutismo da vaca, da simplicidade da criança, do estado sem-eu do homem totalmente exausto, do estado ainda mais sem-eu do sono profundo", assinalou Sri Vidyaranya, um sábio ainda desconhecido no Ocidente. Cientificamo-nos através da análise que esse eu real é inteiramente isento de pensamentos, emoções e corpo; que subsiste no plano da consciência pura e imaterial; e que a atividade do raciocínio, os processos da argumentação lógica, constituem na realidade uma modificação da sua natureza divina. E m consequência, ao atingirmos as fronteiras do intelecto e constatarmos que não podemos avançar mais, basta-nos inverter o processo da evolução, transferir o centro da atividade consciente do sítio do intelecto para o sítio do Eu Superior, para cruzar aquelas fronteiras c alargar os nossos horizontes. Quer isto dizer, em outras palavras, que a corrente da consciência deve ser canalizada do cérebro para o seu sítio primordial, o coração! Estando a mente rigidamente concentrada e introvertida — alerta mas não ansiosa — começa então de fato o caminho desejado. Deve haver uma pressão introspectiva na espectativa da revelação que está por vir E preciso que através do pensamento passemos ao impensável. Agora que entramos realmente na busca espiritual, a nossa condição pode ser comparada à do pescador de pérolas que procura preciosidades no fundo do mar Apenas quando o homem desce abaixo do nível das aguas e

que ele realmente começa a caça às pérolas; a viagem de barco desde a praia até o ponto indicado para fazer o mergulho não passa de um preparativo e corresponde às análises intelectuais daquele que busca Eu Superior. Também então, com suas faculdades aguçadas e concentradas, o mergulhador deve penetrar fundo nas águas, sua mente voltada para uma coisa apenas \ a obtenção da pérola que se encontra no fundo do oceano. Ele está cego, surdo e mudo a tudo que não seja o cobiçado objeto da sua procura. Semelhantemente, o caçador espiritual neste estágio mais avançado dos seus exercícios deve estar inteiramente voltado para uma única coisa: a anelante confrontação com o E u Superior. 0

O paralelo vai ainda mais além; o pescador de ostras deve manter sua respiração sob perfeito controle durante o tempo em que estiver imerso nas profundezas salgadas; o explorador espiritual neste estágio também estabeleceu completo domínio sobre o seu ritmo respiratório, embora dispense um controle tão drástico como o do mergulhador. O único pensamento que deverá predominar francamente é o do E u Superior encrustado como uma pérola no fundo do seu ser; todo e qualquer pensamento estranho entrando na mente neste estágio seria como a água marinha entrando pela boca ou pelas narinas do pescador: o homem se distrairia e sua busca redundaria em fracasso. Estamos agora prontos para o derradeiro exercício deste curso. Mas não se deve tentá-lo antes que os exercícios respiratórios e visuais tenham sido praticados durante um período de tempo suficiente para torná-los familiares e fáceis de executar. Quem tentar o terceiro método antes de amadurecer devidamente neste caminho não alcançará bons resultados: seu esforço necessariamente será em vão. Quando o exercício de visão do último capítulo tiver sido concluído com êxito, a consciência, através dos olhos, terá sido drenada do mundo exterior para a cabeça; neste ponto poder-se-á acrescentar o seguinte exercício:

Devemos oferecer o eu-vontade pessoal em sacrifício à divindade. A seguir, de maneira suave e gradual, deslocaremos a atenção consciente da mente, fazendo esta introverter-se ainda mais, mas no sentido descendente até que atinja a região do átomo do Eu Superior, e ali se fixe. A energia mental deverá ser trazida para baixo e enterrada no peito. A princípio haverá um doce sentimento de fusão nas profundezas do coração, como que o sopro de uma presença sagrada a nos inundar progressivamente. A chegada deste sentimento não deverá passar desapercebida nem o seu significado desprezado. Os novatos poderão subestimar

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esta mensagem suprema porém silenciosa. Depois de certo número de tentativas, e de uma longa prática, a consciência irá se acomodando aos poucos num só ponto e ali permanecerá fixa. Esse ponto "prenderá" a atenção num aperto suave, uma sensação de submissão deliciosa da qual jamais nos esqueceremos. Seria incorreto dizer que nenhuma sensação física acompanha esta experiência. Ela existe, mas é uma sensação que transcende o mundo material! Existe uma sensação muito nítida de penetrar o espirãculo do E u Superior. " A verdadeira oração", disse o Profeta Maomé, " é aquela que se faz com o coração aberto". Simultaneamente ocorre u m contato com o mundo de um sereno ser interior. Como poderemos, contudo, descrever tal paradoxo? Intrigado, o autor é obrigado a deter-se. Para nossa surpresa descobriremos que esse processo de "inverter" a consciência irá na verdade aprofundá-la, tornando-a ainda mais apartada do mundo material. Os derradeiros reflexos do mundo eterno desaparecerão. Aquilo que anteriormente era subjetivo — como, por exemplo, uma imagem mental — muda agora por completo a sua relação, pois se torna objetivo no eu interior. Nesse novo estado até mesmo o pensamento parece ser uma invasão de fora. Sentiremos, aliviados, a sensação de que agora estamos realmente em contato conosco mesmos, que estamos perscrutando o âmago até aqui incompreensível do nosso ser. O intelecto será capturado e conservado no coração; durante muitos anos é possível que um resíduo de pensamento continue a existir lado a lado com essa deliciosa sensação, mas no derradeiro estágio do desenvolvimento, que poucas pessoas conseguirão atingir, todos os pensamentos cessarão. Durante este último estágio dos exercícios e por vezes quando o coração tiver sido encontrado, talvez sintamos uma certa impressão de calor naquela região; através de um estranho processo de introvisão, poderemos mesmo perceber uma certa luminosidade áurea brilhando no mesmo ponto. Às vezes essa radiação será tão fulgurante como o relâmpago. Os pintores católicos medievais vez por outra pintaram a Virgem Maria e o Cristo com o coração em chamas. Artistas de inspiração religiosa não raro extravazam coisas que suplantam sua percepção e conhecimento normais. Mas tais sensações psíquicas não são uma parte essencial do processo e não devem ser mais valorizadas do que os seus poucos importantes subprodutos. § Nesse estado sublime encontramos a orla do glorioso centro do espírito do homem, e compreendemos então como o coração se constitui

no verdadeiro — embora oculto — centro de toda a atividade do homem de toda a sua vida mental e de todos os seus cometimentos físicos. p j esta forma, somos conduzidos a uma experiência de iniciação no E u Superior através da descida da consciência do cérebro — onde ela costuma residir — até o coração. Assim mergulhamos fundo no nosso ser interno, encontrando como recompensa as pérolas da benfazeja harmonia da vida eterna.

fácil de dar, mas ••Esta é a nova me resta tentar". de surgir por si receptivo. Esta mais alto.

O que aconteceu é que o ego pessoal preparou as condições certas para a sua não-identificação com o corpo material e para o seu retorno ao sítio original. Tudo agora está pronto para a sua submissão suprema e derradeira. Mesmo este estado é de grande exaltação e a chama do nosso ser espiritual começa agora a brilhar intensamente. Impediu-se que os pensamentos funcionassem exteriormente e a mente terá forçosamente de despertar no coração.

preciso que ele para lá volte voluntariamente para morrer. Toda aquela vasta rede interior de pensamentos e sentimentos que se teceu em torno do primeiro pensamento do eu já não se deve mirar na nossa consciência. Devemos arriscar a nossa posição interna e chegar à reconciliação com esse desconhecido E u Superior.

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e

Nestes exercícios o ponto mais profundo passível de descrição está agora próximo. Quem houver seguido à risca tudo aquilo que lhe foi exigido até agora, e perseverou até que os seus esforços alcançaram um certo êxito, não fez senão preparar-se para este passo que o aguarda. Não se trata necessariamente do estágio final pelo qual terá de passar, mas é impossível levar adiante uma descrição externa dos estados espirituais que agora se tornam progressivamente internos a ponto de desafiar na sua sutileza e finura as limitadas definições do intelecto. Pode-se dizer que o ponto agora atingido deve ser tratado em termos de religião e, na verdade, difícil será não fazê-lo, pois existe um nível em que a revelação religiosa e o pensamento racional, a criação artística e a investigação científica, encontram-se e se unificam, e quanto mais nos aproximarmos desse nível tanto mais tudo tenderá a convergir e mesclar-se. A consciência introvertida deverá agora ocupar-se exclusivamente de si, mantendo-se distante das coisas externas e das suas recordações. E l a deve pressionar fortemente para dentro e deixar que todos os pensamentos se escoem. E l a já não precisa perguntar " Q u e sou e u ? " por meio de meras palavras, porque o ato de viver profundamente no coração se constituirá agora na derradeira formulação dessa sempre presente indagação. O ego continua a fazer um esforço, embora seja um ego transformado a ponto de se haver tornado irreconhecível à luz dos padrões comuns. Nessa espiritualizada inversão sobre si mesmo em que está agora empenhado o intelecto deve ser inteiramente silenciado, a respiração suspensa, o olhar firmado e a atenção focalizada em sua plenitude dentro do coração. U m a vez chegados a este ponto, é preciso que agora enfrentemos a experiência mais crítica. Teoricamente falando, trata-se de um passo

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na prática não é assim. Pois já não nos devemos dizer tarefa que me está reservada", mas sim: N a d a mais Qualquer experiência que a alma necessite agora tera própria. Serei apenas um agente expectante, passivo e vida pessoal e esta vontade serão ofertadas ao Poder

O ego precisa agora desaparecer.

Nascido no coração humano,

é

Aqui as palavras do salmista: "Cala-te e sabe que eu sou D e u s " , devem ser tomadas

literalmente.

Daqui por diante não deverá haver

nenhum objetivo, nenhum desejo, nenhum esforço nem mesmo no sentido da consecução espiritual. É preciso que deixemos tudo de lado. Somente na medida deixarmos de lado tudo que até então considerávamos como nós poderá a verdadeira consciência sobrevir. Bastará pedir, aguardar para que um convite seja enviado através dos corredores do invisível E u Superior dê a sua resposta.

em que mesmos, e ouvir, ser e o

A consciência está agora pronta para libertar-se por inteiro do ego com o qual até aqui vinha se identificando. E ela o fará espontaneamente, se permitirmos, mas qualquer tentativa de acelerar o processo por nossa própria vontade prejudicará os seus desígnios e invalidará a "mudança". O primeiro fruto do sucesso será uma sensação de estarmos sendo libertados das nossas amarras na vida, uma perda momentânea do sentido da realidade do universo. É como mergulhar num abismo infinito onde a essência da nossa existência ameaça desaparecer inapelavelmente. Esta curiosa condição combina um momentâneo porém forte receio da morte com um senso de liberação. Ambos brigam entre si pela posse da nossa alma, encenando um drama divino que tem lugar no centro do nosso ser. Requer-se agora um destemor total, uma preparação para a morte. T a l flamante propósito reduzirá, com o tempo, toda e qualquer resistência a pó e cinzas. C o m a prática, chega o dia em que essa luta termina e surge a premonição de que a suprema modificação está prestes a exercer total ascendência sobre as nossas disposições. U m a atitude de total sub missão deverá estar presente. " N ã o a minha, mas a T u a vontade seja

cumprida", eis o reflexo exato da atitude desejada. Isto envolve até mesmo abandonar todos os pensamentos de estar percorrendo um caminho espiritual, de estar buscando um objetivo espiritual. A princípio trabalhávamos para chegar a este ou àquele estágio da conquista interior" agora é preciso que nos tornemos um recipiente, auto-esvaziado, à espera de que o fluxo divino surja quando e como quiser. Deve haver a maior franquia possível em nós mesmos. N ã o pode haver a menor restrição em nenhuma direção. Devemos descansar, dominada a respiração, como uma paisagem escurecida à aproximação do crepúsculo. Devemos esperar com paciência, total paciência, que uma resposta surja da quietude. Ao invés de prosseguir na busca do eu através de esforços intelectuais, devemos nos deter e esperar que o E u nos procure! Somente depois de ultrapassado este ponto é que o poder miraculoso da meditação nos leva da sublime quietação à fonte divina da qual o E u emana. Todas estas repetições e reiterações da necessidade de deixar de lado o egoísmo em suas formas mais sutis e menos aparentes — até mesmo a do esforço — são necessárias por causa da importância crucial dessa transformação da individualidade na impessoalidade. T a l transformação corresponde ao estágio em que a mãe grávida, depois de nove meses de preocupações, angústia, sofrimento e existência anormal, chega ao ponto de entregar ao mundo a criança — criança esta que pode nascer morta ou viva, ou que pode transformar-se na causa involuntária da morte da mãe. O grande cuidado que se faz necessário no nascimento do filhote humano não é maior do que aquele requerido no nascimento do ser humano no E u Superior. Com isto o homem "renasce" literalmente e consegue uma prova inesquecível da sua própria divindade. Sua busca terminará de sopetão, e a alma, que até ali parecia uma nebulosa abstração, tornar-se-á uma realidade viva na sua existência renovada. •

cicios espirituais.

depo

Começamos pela auto-investigação. Passamos à auto-aquiescência e chegamos por fim ao auto-renascimento. Este é, portanto, o objetivo final de todos estes exercícios espirituais e destes esforços mentais que em sua maior parte são tao estranhos à nossa rotina diária. Procuramos descobrir o ego, essa entidade que aparentemente constitui o próprio eu, essa entidade que, tanto quanto sabemos, é a nossa própria vida, e depois, da forma mais paradoxal possível localizado e acuado o ego em sua toca, nós nos propomos a sacrifica-lo, abandonando por completo a nossa conquista. Mas queremos abandoná-lo apenas para encontrar o reverberante E u Superior; desejamos atirá-lo ao mar da divindade, para que ali seja absorvido e ganhe plena cons* " J ~ i c*r Secundo Tesus, "Aquele que perde a ciência da fonte real do seu ser. Segundo sua vida viua n irá a icciitunua-io reencontrá-la". . Por vezes é verdadeiramente difícil caminhar sem u m . luz que nos guie através do labirinto do nosso ser interior até que a raiz-eu seja descoberta, mas é ainda mais difícil entregá-la em holocausto no altar da devoção ao E u Superior. Temos que desempenhar o mesmo papel desempenhado na passagem bíblica pelo Patriarca Abraão, quando lhe pediram que sacrificasse o seu filho Isaac sobre u m altar do Senhor. O Senhor pediu a Abraão porque nada era mais caro ao coração do Patriarca, nenhuma coisa mortal lhe merecia tanto amor. E assim devemos entregar em sacrifício voluntário ao E u Superior aquilo que nos é mais caro, o ego, o eu como de hábito o chamamos. Precisamos renunciar à falsidade fundamental da concepção que torna o ponto de vista egoístico o único ponto de vista possível na vida. apegamos aos nossos desejos e ao ego j , « A o \* a * telicidade, ç+\\r\A*A*mas mas satisfaçãoucde tais pessoal porque estamos procurando aa sansraçao iais desejos não passa de u m reflexo da satisfação básica que apenas o E u Superior pode proporcionar aos seus adeptos. D e fato, a felicidade provisória que encontramos ao conseguir aquilo que desejamos é apenas uma fagulha na pira que é a felicidade do espírito.

experimentamos

Nossas meditações, pode-se dizer, são movimentos de fora para dentro porque tendem a desviar nossa atenção do mundo exterior para o centro do nosso eu, mas quando nos aproximamos daquele centro não devemos fazer mais nenhum esforço; devemos apenas permanecer quietos e permitir que o E u Superior aflore das ocultas profundezas em que o encerramos, e assim desloque-se de dentro para fora. Pois o "fora" do Eu Superior é o nosso "dentro". O domínio mental deste princípio é essencial a uma compreensão adequada do trabalho a ser feito nos exer-

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A partir da rugiaia mas raivez imensa sausiayíu vjuc « ^ « A U U W U V M W M todas as vezes que uma nossa vontade é satisfeita, podemos aquilatar a sublimidade daquela satisfação superior que nos é proporcionada pela entrada no estado do E u Superior. Pois mesmo as fugazes alegrias da vida terrena propiciam uma felicidade que é como uma migalha atirada do festim. Tais alegrias, por assim dizer, presenteiam-nos com microscópicos fragmentos de felicidade extraídos do perene repositório do E u Superior. poética, mas mas da indicação N ã o se trata aqui de uma declaração ooética. indicação de

Superior não fosse a mais

forma de felicidade possível ao homem, todas as alegrias humanas nada proporcionariam ao homem, porque o instante em que qualquer alegria atinge o seu ápice é o momento em que o desejo desaparece — p estar satisfeito — o mesmo sucedendo ao ego que é a raiz de tal desejo, , num átimo, o homem sente o Eu Superior. Durante aquele átimo o or

e

homem experimenta o máximo prazer que a obtenção de um determinado desejo poderia lhe proporcionar. Mas ele pratica, contudo, o erro capital de supor que é a satisfação do desejo que lhe traz a sensação de felicidade. Não é assim. O que na realidade acontece é que o homem deixa por instantes que o desejo se vá e sente a consequente sensação de intensa paz. Conseguida a coisa ou pessoa desejada, depois de longos anos talvez, o desejo naturalmente desaparece com a consecução do objetivo; simultaneamente, a sua raiz, o ego, desaparece por igual. O homem, momentânea e miraculosamente entra no estado do E u Superior, dá-se conta da sua beleza não telúrica e imperecível, mas não se dá conta da verdade: que a personalidade foi deslocada. Isto não pode durar senão um instante, pois enquanto o ego governar o homem, este sentirá novos desejos, os quais precisarão ser satisfeitos. N a verdade, tão rápida é a ação psicológica dessa introversão divina que o homem não percebe — e não poderia mesmo perceber — a transição completa do desejo satisfeito para o desejo seguinte ainda por satisfazer, o qual lhe poderá causar, por sua vez, dias, meses ou anos de novos anseios. O ponto essencial que deve aqui ser captado é que é durante o repente de ausência de desejo, essa condição meteórica de ausência do ego que sobrevêm durante uma fração infinitesimal de segundo à satisfação de um prazer sensual ou de um desejo gratificado, que a máxima felicidade chega ao homem e se irradia da sua alma. A sensação do desaparecimento do eu pessoal produz um sentimento de liberação extraordinário e único. N o momento em que um desejo é satisfeito, há um intervalo de total alívio do ego e a mente de fato se recolhe na sua fonte secreta e prova as bênçãos do E u Superior. A Natureza é sempre criativa. Quando os intermitentes desejos do ego pessoal desaparecem, ela fornece o equivalente divino da paz permanente do E u Superior. E m consequência o melhor lugar para procurar a verdadeira satisfação não é na gratificação dos frívolos desejos pessoais, que podem na verdade amesquinhar, degradar e dominar a pessoa, mas na ventura mais profunda do ser impessoal. Qual será então a beatífica condição daquele que alcançou de forma definitiva essa condição elevada, que permanece sempre a coberto dos anseios e a salvo dos desejos que clamam por gratificação? A resposta

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é que a bem-aventurança que ele experimenta em seu grau mais elevado durante o momento que sobrevêm à total gratificação torna-se aquela bem-aventurança que é uma propriedade eterna do homem que — não a título provisório, mas permanentemente — é uno com o seu excelso Eu Superior. Pode-se também revelar aqui que o estado do Eu Superior não apenas sobrevem durante um átimo de ausência de desejo e de ego decorrente de algum prazer satisfeito, como também em outros momentos insuspeitados, como, por exemplo, os choques súbitos. Assim, quando alguém segue despreocupadamente o seu caminho e se depara súbita e inesperadamente com uma situação de grande perigo, como o encontro com um animal feroz num floresta ou com uma bomba prestes a explodir, sofre uma extraordinária cessação de todas as suas faculdades. Tal pessoa parece ficar literalmente estática de corpo e alma. Sua única participação no acontecimento é a de um espectador impessoal, e não a de um protagonista atuante. Porém, com a velocidade do raio tudo muda; ela recobra suas faculdades, seus instintos de conservação desabrocham numa súbita explosão de medo ou terror, sua razão faz um levantamento da situação e tenta encontrar uma saída e, afinal, o seu último estado acaba por ser infinitamente pior do que o inicial. Contudo, inteiramente sem saber, a pessoa provou no primeiro instante a divina quietação do ser e desavisadamente deixou-a desaparecer. Outra situação paralela ocorre no intervalo infinitesimal compreendido entre o estado desperto e o sono, quando os cuidados e desejos da vida pessoal cotidiana desapareceram por completo, mas antes que a consciência integral do sono se tenha apossado da mente. O que são esses momentos misteriosos senão interrupções na perene torrente dos pensamentos egoístas ? Se nos fosse dado controlar rigorosa-

mente tais intervalos e reter e prolongar conscientemente sua condição mental, poderíamos receber uma revelação transcendental e chegar ao mms alto estado ao alcance do homem. Este ponto é de extrema sutileza e exigirá acurado exame das nossas experiências pretéritas, acurado auto-estudo antes que a sua verdade revolucionária possa ser integralmente compreendida. Quase todos os ps.cologos modernos não se deram conta dele, embora tenham anahsadoe reanalisado o ser humano por todas as formas poss.ve.s. Nao s e r ^ n * verdade, o supremo paradoxo da vida que a culmmaçao do m a , o - t e » * volvimento do homem só possa ser conseguida através do mento ? O u , como disse o E u Superior, através das palavras àt Jesus.

"Vinde a Mim todos vós que trabalhais e tendes pesados encargos, e E u vos darei descanso". O pensamento do eu é como um rosário ao qual a imensidão das nossas recordações sensoriais, dos nossos interesses, temores, desejos, pensamentos e sentimentos está presa. E quando se fala na sujeição do ego, o que se quer dizer não é a sujeição de uma determinada conta, mas de toda a fieira que mantém unidas as diversas contas e sem a qual tudo se desfaria. Isto se faz, e só poderia ser feito, interiorizando a mente e nos concentrando cada vez mais no coração até que as contas individuais do pensamento e do sentimento deixem de ocupar a nossa consciência, restando apenas o pensamento único da auto-existência. Então descobrimos que somos realmente anjos caídos do céu.

sinal de que a pessoa se inclua entre aquele poucos felizardos. E mesmo que esse ponto elevado não seja atingido, os esforços jamais serão desperdiçados. U m pouco de paz, um pouco. de iluminação com certeza serão conseguidos em troca. A atuação desse poder da Graça é misteriosa. O nosso dever é preparar as condições adequadas, a atmosfera conveniente dentro da qual o E u Superior possa conceder sua revelação, pois não somos capazes de prever o momento exato em que tal revelação irá ocorrer, mesmo depois de preparadas as condições. A Graça é considerada como um movimento definido do ser interior do aspirante, um movimento que tende a apossar-se dele e introvertê-lo ainda mais. A Graça ê sempre experimentada como uma manifestação

interior à região do coração.

*

*

Não é preciso que façamos qualquer gesto exterior de renúncia ao mundo — embora o destino talvez o ordene — a fim de chegar a esse ponto de total auto-sujeição. Pois não somos instados a nos render a um determinado assunto ou pessoa, mas ao sentido pessoal interior que nos mantêm cativos. Esse sentido do ego não pode ser banido por nenhuma força nossa, da mesma forma pela qual um homem não pode erguer-se com a ajuda dos cordões dos próprios sapatos. Conquanto durante a fase adiantada todo o objetivo do nosso esforço dirija-se para o esvaziamento da mente de todos os seus pensamentos e para possibilitar ao incontestável E u Superior responder à nossa pergunta, não devemos, contudo, imaginar que seremos capazes de parar de pensar à custa dos nossos próprios esforços. O pensamento só cessará quando um poder superior se impuser a ele. T a l poder pertence ao E u Superior e, assim sendo, aquilo que realmente fazemos é convidar, rogar e permitir ao E u Superior que torne o turbulento intelecto silencioso e calmo. O que pode ser feito é preparar o caminho e remover os obstáculos ao advento de um Poder Maior, que não é senão a Graça do E u Superior. A Graça é o guardião do tempo. É a comunicação da Graça, essa manifestação de uma autoridade maior do que a nossa, que acaba por extinguir a nossa vinculação com o ego e dar-nos a inimaginável paz da liberação. Talvez haja uma grande distância a percorrer até se chegar a esse ponto, mas isso não nos deve impedir de fazer a tentativa. "Muitos são chamados, mas poucos são escolhidos" são as palavras do Mestre Cristão, embora a mera manifestação de interesses ligados a este caminho possa ser um

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E l a surge no interior do aspirante com tal força e se apossa de tal forma dos seus sentimentos e pensamentos que ele não apenas percebe ser inútil qualquer resistência como também não sente nenhuma inclinação a resistir, pois sua consciência está como que sob o efeito de um encantamento. Tudo começa com a sensação de que algo se está derretendo dentro do coração. A seguir acontece uma revolução de todos os primitivos pontos de vista acerca da vida, durante a qual o orgulho, o preconceito, as ideias arraigadas, os desejos e as aversões são todos atirados a um canto e desaparecem «por algum tempo. O desfecho é uma maior ou menor rendição do ego ao divino governante recém-aparecido. Esta experiência poderá repetir-se amiúde ou não voltar a acontecer por muito tempo. Se se der a primeira hipótese, então o aspirante é um homem de sorte e o progresso da sua iluminação será deveras rápido; espantosas transformações irão ocorrer em sua vida, até que ele chegue a uma revelação não menos certa, precisa e definitiva do que sublime. A Graça poderá baixar tão apenas por cinco minutos, como poderá também persistir durante cinco horas. Nesta eventualidade o aspirante será um grande felizardo e, em consequência, passará por uma grande modificação. Foi através dessas generosas manifestações da Graça que ocorreram notáveis conversões na história religiosa da humanidade, tanto no Leste como no Oeste. Há indícios que pressagiam a vinda da Graça. O principal dentre eles é um forte desejo de luz espiritual que mais e mais toma conta do coração, que atormenta o homem com frequência e que faz o resto parecer insatisfatório. A vida comum parece tornar-se insípida, estúpida, oca, mecânica e opressiva. A rotina diária torna-se espectral e despropositada. 211

Quando essa aspiração intensa transforma-se como que numa poderosa corrente na vida emocional de um homem, ele poderá começar a p e então que a sua gratificação não está muito distante. E quanto maior a intensidade do desejo, maior será a manifestação da Graça concedida. n s a r

Entre os arautos da vinda da Graça encontra-se logo a*seguir o ato de chorar, seja em virtude da ausência dessa luz espiritual, seja em virtude de alguma palavra, acontecimento, pessoa ou retrato que recorde a existência do E u Superior. T a l pranto nem sempre será visível e exterior; poderá ocorrer silenciosamente no fundo do coração. Quando, porém, as lágrimas fizerem a sua aparição, não deveremos lhes resistir, mas ceder à sua pungente emoção, até mesmo ao ponto de derramá-las com frequência, tanto quanto o permitam as circunstâncias externas. Essas lagrimas

são aliados de valor na causa do aspirante; elas trazem consigo uma misteriosa influência que tende a dissolver as duras incrustrações construídas pelo ego que barram a entrada da Graça. Através de sua ajuda suave porém poderosa muita coisa é conseguida, às vezes tanto quanto conseguido através do esforço da meditação.

seria

Por essa razão recebamos de braços abertos essas visitantes, quando elas vierem e choremos franca e desabridamente se nos for possível estar a sós, ou silenciosa e ocultamente se for o caso, permitindo destarte que as nossas deficiências auto-engendradas desapareçam. T a i s anseios e tal pranto para serem eficazes deverão abalar o aspirante até as profundezas do seu ser. N a verdade, as lágrimas devem decorrer de uma compulsão interior. Somente aquele que sabe como chorar pelo Mais Alto e como abster-se de chorar pelos desenganos mundanos está apto a conhecer a Verdade. Outros sintomas também poderão manifestar-se; o aspirante poderá ter um único e profético sonho, o qual será capaz de traduzir intuitivamente como uma mensagem do seu E u Superior. T a l sonho será extraordinariamente vívido e inesquecível. Ademais, poderá ocorrer alguma modificação nas circunstâncias da sua vida terrena ou até mesmo alguma crise nos seus negócios indicando que é chegada a hora — ou que chegará dentro em breve — de mudar-se para novas vizinhanças, portadoras de novas influências. Desta e de outras maneiras, bem como em função dos seus sentimentos interiores, poderá o aspirante saber que se aproxima um período de luz espiritual. U m canal importante através do qual a Graça poderá atuar quando, finalmente, vier, é aquele que a ligue com alguma atividade externa do homem. Não raro a separação ou a morte de uma pessoa muito querida

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acarreta tal coisa, e como consequência do intenso sofrimento resultante, a vida do aspirante poderá receber uma orientação inteiramente nova em que a Graça poderá vir como uma espécie de compensação pela perda sofrida. A princípio ele terá contudo que passar por todas as fases da agonia da sua perda e quando, por fim, a Graça começar a bafejá-lo, o aspirante irá descobrindo gradualmente que é capaz de suportar a dor com resignação. Já não terá um fardo a esmagá-lo, pois perceberá que o desaparecimento da outra pessoa da sua vida encerra um significado espiritual. O sacrifício que lhe foi imposto poderá fazer nascer em sua alma, primeiro um sentimento de resignação e depois a aceitação da vontade de Deus, o que afinal lhe trará a compensação da paz interior. O próprio ato da aceitação transferirá para Deus o seu ónus e em boa parte o libertará de novos sofrimentos nesse sentido. O sofrimento numa forma tão aguda poderá em última instância ser o arauto de uma serenidade compensadora ainda por vir. Não devemos, contudo, imaginar a partir disto que a Graça sempre nos magoa onde somos mais passíveis de nos magoar. E l a pode vir sem o concurso de um arauto tão pouco auspicioso. A outra forma humana através da qual a Graça pode vir inicialmente a um aspirante é a de um sábio ou iniciado — ou mesmo um discípulo especial de qualquer um destes — que via de regra poderá ser usado como um instrumento adequado para transmiti-la. Mas isto supõe alguns fatores incomuns, e tais homens raramente surgem no nosso caminho neste século vinte, embora alguns iniciados autopromovidos continuem a enganar aos outros ou a si mesmos.

CAPÍTULO X I V O E U SUPERIOR Que é o E u Superior? Será uma espécie de fantasma que à maneira de um irmão siamês

não se desgruda do indivíduo? Será um apêndice psicológico agregado ao cérebro como uma excrescência? Perguntas contendo essas implicações têm realmente sido dirigidas ao autor, dando azo à necessidade de uma ulterior definição. Antes de responder à pergunta o autor deseja tornar claro que está lidando aqui com um assunto realmente inexpressável, salvo para aqueles a quem a vida já propiciou a experiência necessária; de maneira que ele

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compreende perfeitamente que as palavras seguintes poderão muito bem não satisfazer a todos. Isto não se pode evitar. A s palavras são simples expressões dos pensamentos, o produto do intelecto. A q u i estamos lidando com uma região que transcende o intelecto. O único método adequado para expressar essa região é o uso de não-palavras, isto é, o uso de um profundo silêncio telepático. U m livro, sendo uma coleção de palavras, é um método rasteiro de comunicação; não obstante, tem a sua razão de ser, desde que desperte estados de espírito, crie uma atmosfera e prepare condições mentais que tornem possível a verdadeira iluminação. Embora o E u Superior seja na realidade uma unidade, intelectualmente pode ser considerado de pontos de vista diferentes, e assim sendo poderemos constatar que possui diferentes aspectos. Seja o que for, o essencial, antes de mais nada, é captar a ideia da sua natureza unitária. O E u Superior não se compõe de diversas camadas ou seções do nosso ser, mas é na verdade o ponto central, o âmago vivo do próprio homem. E m primeiro lugar pode-se dizer que o E u Superior é primordialmente o ser essencial do homem, o todo-importante resíduo que sobra com a eliminação do pensamento de identificação com o corpo físico e com o intelecto. Convém assinalar o realce emprestado à palavra "pensamento" nesta sentença. Cientistas como Jeans e Eddington nos dizem que o universo é na realidade uma ideia, mas como o corpo é uma parte desse universo, nos é lícito considerá-lo como uma ideia também. O que é uma ideia, porém, isso não nos dizem aqueles homens da ciência. Este é o passo seguinte no aprendizado, pois através de constantes indagações e análises as ideias se assimilarão um dia no E u Superior dentro do qual estão enraizadas. O E u Superior é a força criativa que dá à luz o ego pessoal, sustenta-o durante um período cósmico e a seguir o reabsorve no seu seio. Esta é a explicação da ousada frase panteísta de S. Paulo: " N e l e vivemos, atuamos e somos". Invisível, intangível dínamo da vida, alimentando a existência das suas criaturas; vida destilada até a última gota — também isso é o E u Superior Não nos é possível dar vida a um só pensamento ou tomar um só fôlego sem que no ato sejamos assistidos por ele. A mais minúscula molécula do estômago, dos pulmões e da face, tudo se baseia em última instância no Invisível. Ele é o eixo de uma roda para o qual todos os raios — corpo, intelecto e sentimento — basicamente convergem. Assim como um único raio de sol não pode ser realmente separado do sol propriamente dito, assim também o átomo do E u Superior no

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corpo nao pode ser separado do seu pai _ Deus no universo. Quando no capitulo anterior, se disse que o E u Superior reside no coração poder-se-ia ter acrescentado mais alguma coisa a essa declaração. De'fato aquilo que até agora foi explicado é apenas relativamente verdadeiro, foi contado de um ponto de vista parcial, pois é preciso que o leitor'seja gradualmente preparado para a revelação final que será feita agora.

Aquilo que existe no interior do ser humano na qualidade de centro do Eu Superior, existe também fora dele no Espírito Universal, do qual é um fragmento. A posição é paradoxal, pois não há senão um E u Superior, um eu universal divino residindo em todos os homens. Não há um Eu Superior em separado para cada indivíduo, por assim dizer. O monismo é a verdade derradeira. " E u sou em meu Pai, e vós em mim, e Eu em vós", anunciou o E u Superior através da palavra de Jesus. Não há senão um E u Superior para todos os corpos, e não um para cada indivíduo. Não há milhões de Eus Superiores eternos, apenas milhões de individualidades perecíveis. Aquilo que aparece num homem como divino quando o ego pessoal é subjugado, é precisamente aquilo que aparece em todos os demais homens. Assim como um raio de sol qualquer não difere em qualidade do sol propriamente dito, assim também o átomo do Eu Superior, o raio de Deus, não difere do sol-Deus do qual emana. Assim o E u Superior é tanto um ponto matemático vazio como o espaço circundando um universo, numa aliança sagrada. Esta asserção paradoxal contraria a lógica comum e o bom-senso; ela não pode ser devidamente apreendida pelo intelecto; um conglomerado de palavras nao é capaz de lhe captar o significado etéreo e enganoso; ela só pode ser compreendida e captada quando a razão houver viajado até o seu limite extremo, para depois cair em inatividade diante de uma presença tao excelsa. O E u Superior é eterno. nós.

Nós,

contudo,

E m momento algum esteve distanciado de

deixamo-lo

passar desapercebido.

No

seu seio

etéreo nós vivemos para sempre. "Homem algum poderá ver Deus e viver", é o que nos diz o Velho Testamento. O real significado destas palavras é que_ n ^ / & £ £ vidual pode entrar no E u Superior e prosseguir na sua anUga e 1 m.t.da existência pessoal. Tão logo o ego descansa no ^ ^ \ ~ totalmente tranquilizado, mesclado na unidade deste ultimo, e de agenre X

á

e

se conserva em paciente.

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Nós não "vemos" o E u Superior; nós o apreendemos. A s visões apenas revelam as suas mais belas vestimentas, seus mantos de luz deslumbrante, mas mantos apenas. Nós não contemplamos a beleza do E u Superior; nosso ser se dissolve no seu hálito e nós nos tornamos aquilo que o poeta, o pintor, o escultor, o músico procuram mas raramente encontram. O E u Superior é a realidade suprema, mas a sua realidade é demasiado sutil, demasiado refinada, demasiado rara, para ser expressa de forma audível. O melhor é saboreá-la em alentados silêncios.

uma porta ( C ) ; um espelho refletindo a luz ( D ) está preso à parede de tal forma que recebe e reflete os raios luminosos da lâmpada no quarto interno e os projeta no quarto externo ( F ) e também na varanda externa ( H ) . O simbolismo do esboço é o seguinte: a lâmpada representa o Eu Superior, a luminosa consciência fundamental do homem. O quarto interno que contém a lâmpada é a Eternidade, o mais elevado estado suprafísico, a região do ser real que é universal, impessoal e em si mesma

O E u Superior é o raio de Deus no homem, o Infinito incomensurável que impregna o ser mensurável, o verdadeiro espírito anterior à criatura humana; é aquilo que o homem tem de inteiramente isento da marca das paixões, dos desejos e das fraquezas. É para o homem o pináculo de toda a moralidade genuína, a perfeição de toda a ética verdadeira, porque lhe fala da sua unicidade com todo ser vivo — humano ou animal — e, em consequência, inculca o dever primordial da compaixão universal. O E u Superior não expressa senão a si próprio. N ã o expressa a moralidade ou a virtude (que são coisas do h o m e m ) . O E u Superior independe delas; nós criamos e recriamos a nossa moralidade de tempos em tempos, mas a ética do E u Superior é eterna e imutável. Contudo, toda a moralidade provém, em última instância, da sua fonte gloriosa, e toda a virtude é por último concedida através do seu toque benigno. Aquele que vive à sua luz é superior em caráter ao homem bom, assim como o homem bom é superior ao maldoso. Finalmente, o E u Superior é o sentimento do eu aprofundado, divinizado e por derradeiro convertido no elemento transcendente em que tal sentimento se origina. Quando buscamos compreender a natureza de alguma coisa suprafísica, amiúde torna-se útil fazer a mente basear-se em alguma analogia. Quando entretida em tais ponderações, a mente evoca mais facilmente um sentido interno de verdades suprafísicas cuja compreensão não seria tão fácil através da simples leitura de uma declaração crua. Uma analogia que será de particular utilidade para os que desejam compreender como o E u Superior se relaciona com a mente e com o corpo, e a interação existente entre os três, é a de uma lâmpada colocada de uma certa forma no interior de uma casa. Como a maioria das analogias, esta não é perfeita, e os críticos não devem exigir muito dela. O diagrama na página 217 explica a disposição. Eis um quarto ( B ) contendo uma lâmpada ( A ) ; entre esse quarto e o quarto contíguo existe

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absolutamente remota da comoção do nosso mundo; é uma região de luz e quietude perfeita. Se imaginarmos a porta fechada, não haverá nada senão o E u Superior absorto em si mesmo ou, na poética descrição da Bíblia: "Deus remirando Seu rosto nas águas do profundo". Assim, a porta fechada exemplifica o estado de sono profundo sem sonhos, no qual a luz central da consciência do E u Superior é menos obscurecida. Signi-

fica isto que na condição do sono profundo sem sonhos, nós nos aptoximamos ao máximo do Eu Superior; todos quantos despertarem de um tal sono recordarão o sentimento de bem-aventurança e paz remanescente no despertar, o qual se prolonga ainda um pouco como uma espécie de eco sutil daquela bela e misteriosa condição. O motivo é que o sentido da personalidade ainda não nasceu. Se imaginarmos agora que uma rajada de vento ( E ) faz a porta abrir-se, o vento representará a entrada do primeiro fator perturbador da sublime harmonia: o tempo. A corrente de vida cósmica começou a colocar em ação as suas forças, de acordo com um plano previamente traçado, e como o menor movimento gera a sucessão, o tempo aparece simultaneamente com a cessação do sono profundo, revelando o seu aliado inseparável, o ego pessoal, o pensamento primordial do eu, a limitada mente humana. Esta última é representada pelo espelho. Aberta a porta, a superfície refletora do espelho entra em ação. O s raios luminosos que a luz emite do quarto interno atravessam a soleira da porta e incidem sobre o espelho. A divina consciência do E u Superior entrou em contato com o ego humano, com o intelecto que tanto amortece a força enorme que está agora captando. U m a mínima refração passa para o quarto externo. Este último representa o estado de sonho. Assim a consciência espiritual original passa por uma profunda transformação; deixa de ser uma coisa prístina e pura, convertendo-se numa simples e embaçada reflexão da luminosidade inicial; esta primeira aparição no estado transformado e enfraquecido é portanto o estado de sonho. Nesta derradeira condição nós começamos a funcionar como indivíduos conscientes, como personalidades definidas. J á não existe a abençoada inconsciência do sono profundo e o efeito desta alteração mostra-se igualmente no despertar. N ã o temos então nenhuma sensação de serenidade continuada nem daquela alegria ímpar que assinala a saída do sono sem sonhos. A pacífica consciência reduziu-se a uma pálida sombra do seu eu original. O E u Superior — fonte de toda a bem-aventurança duradoura — já não se encontra condignamente representado, ou melhor, encontra-se mal representado pela atividade do ego. O ego não é senão o pensamento eu — raiz do intelecto. £ u m refletor que, no homem

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comum, perde a maior parte da luz da divina consciência, mas que, no sábio, permite que o brilho passe à perfeição. Continuemos pois a acompanhar o desenvolvimento desses raios de luz simbólicos; eles deslocam-se através do quarto externo e atingem afinal as cinco janelas daquela peça que representam os órgãos sensoriais do corpo. Significa isto que a autoconsciência entrou no corpo físico e se aliou com ele. Atravessando as janelas abertas, os raios chegam à varanda, que corresponde à condição desperta da atividade diária. Vemos então que esta derradeira reflexão no exterior do quarto é o estágio final de uma luminosidade original três vezes deslocada. A cada deslocamento perdeu-se um pouco do brilho primitivo, de modo que a condição cotidiana da vigília exterior que acreditamos piamente representar o grau máximo da consciência humana é na verdade o estado mais rasteiro possível. O valor dos exercícios espirituais prescritos poderá ser agora melhor aquilatado, pois se pode dizer que o hábito da introspecção diária acaba por nos capacitar a cultivar, durante os momentos de quietude mental, uma condição de devaneio fortemente aparentada com a do sonho. Se a introspecção for suficientemente profunda, a condição do sonho será fielmente reproduzida. Não quer isto dizer que tenhamos entrado numa região de pura fantasia. Pelo contrário, neste estado constatamos que nós próprios, tanto quanto os nossos pensamentos, somos pelo mínimo tão reais como parecemos durante a existência externa desperta. Com uma prática constante, essa condição se torna tão clara, que os sonos vagos e esporádicos da pessoa comum não poderão se lhe comparar. Somente aqueles que tiveram sonhos impregnados do mais alto realismo, nos quais tudo parece participar da natureza da realidade suprema, poderão avaliar a condição em que se encontra o meditador profundamente enleado em suas abstrações. Mas trata-se apenas do primeiro estágio, embora possa representar o resultado de muitos anos de esforços. O estágio seguinte do progresso na senda traz-nos, no decurso dos exercícios a uma condição bendita semelhante àquela do sono profundo sem sonhos, P J ^ J^o A rença essencial: permanecemos totalmente cônscios do ~ ^ d a ^ importância desta diferença é vital; provamos toda a beatitude, toda a S u a d a paz com a qual emergimos do sono prof s e ^ h j mas o fazemos com plena autoconsciência através de toda a duração ao mas o r a z c m u ^ ^ f j ^ ^ ^ a i o muito avançado ao longo O

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profundo e, ao invés de sentirmos a presença maravilhosa do E u Superior como uma coisa à parte, em cujos raios nos acalentamos, nós nos transformamos na própria luz. Não há portanto, mais nenhuma necessidade de continuar com os exercícios, porque o objetivo já foi conseguido e o raio de luz referido à sua origem; o acanhado e diminuto ego que para nós é motivo de tanto estardalhaço e sobre cuja instabilidade emocional e reflexiva tanto nos preocupamos, fundiu-se no único ser universal. Esta analogia é correta. A lâmpada é a fonte de luz, calor e energia; similarmente, o E u Superior é a fonte de luz da compreensão consciente, o calor do amor universal e a energia da criatividade divina. O s três estágios por que passa a radiação da lâmpada, aquele do quarto interno, o do refletor e o do quarto externo, representam com muita propriedade respectivamente a proximidade do sono profundo do espírito, a natureza emprestada do poder do intelecto e o efeito circunscritivo da nossa consciência comum. Levantar-se-á a questão: " O que é que corresponde à impulsão por trás do vento do tempo, que abriu a porta?" A resposta é que as forças de evolução e involução que são inerentes embora latentes no estado de sono profundo envolvendo o E u Superior, colocam em ação uma atividade que funciona de fo^ma rítmica por todo o universo. Tais forças, naturalmente, estão em estado latente e se manifestam primeiro na mente do ego. Podemos apenas dizer que no imo das grandes profundezas do ser cósmico, tais forças atuam e têm atuado através de toda a eternidade, expandindo-se e retraindo-se como na sístole e na diástole cardíacas. Como, quando e por que tal ação começou está além do nosso objetivo humano imediato, pois é coisa tão velha como o próprio universo.

objetivo, a realidade essencial e duradoura, por trás desse cenário multifacetado a que chamamos criação. Entendamos como literal o fato de que neste mesmo instante minha língua não seria capaz de falar não fosse a ação direta, ou melhor, a presença pessoal da Testemunha Universal em nossas almas no transcurso dessa operação tão trivial na aparência. Nós nos iludimos ao falarmos das leis da ciência e do seu poder irresistível. Tudo se origina no Deus Supremo, tudo emerge Dele, tudo converge para Ele, tudo termina Nele. O Senhor em Seu Ego santificado está presente na alma mais íntima, assentado no próprio coração de tudo aquilo que é criado". Poder-se-á perguntar: por que neste livro o E u Superior é localizado como um átomo no coração, mas em outras obras minhas é considerado como não-localizado? Não haverá aqui uma clara contradição, uma posição absurda? A resposta é que os meus outros livros tratam da prática da Ioga, não do estudo da metafísica. A Ioga é uma técnica prática e, com a finalidade de tornar eficaz tal técnica, desde tempos imemoriais a meditação no centro do coração vem sendo preconizada na Asia. Daí, dentro do espírito de fornecer uma regra prática para a meditação, e não uma sublime verdade metafísica, estar correto o presente capítulo. Ele descreve o E u Superior sendo atingido por um processo no tempo e no espaço, ao passo que a metafísica descreve o E u Superior tal como ele é, intemporal e não-dimensional e, portanto, intangível seja por que processo for. A diferença é uma questão de ponto de vista. Precisamos começar pelo ponto de vista prático, isto é, o da Ioga, complementá-lo com o teórico, isto é o metafísico, mas terminar pelo ponto de vista filosófico, que inclui e harmoniza a ambos.

O estágio final consiste em voltar para a existência normal, ativa e desperta no mundo material, atendo-nos com firmeza à iluminação interior conseguida. Assim o E u Superior, na qualidade de raio de Deus no homem, é algo a que não se pode escapar. Sua eterna presença foi eloquentemente proclamada pelo falecido Venkata Ratnam, um dos chefes da F é Brâmane e uma das raras almas imersas em Deus na índia, cujo devoto discípulo, o Marajá de Pithapuram, colocou em contato com este autor. N u m de seus pronunciamentos disse aquele vidente: " N ó s nos esquecemos, em meio às nossas recordações humanas, de que a vitalidade central é o próprio D e u s . E l e não é apenas uma distante força propulsora mas também a vitalidade sempre presente, imediata e mais recôndita. Deus é o plano e o

CAPÍTULO X V O E U SUPERIOR E M AÇAO O título deste capiuuio e m c u v » — ^ — » " * o supremo E u Superior está sempre em ação, sempre a nos amparar e L t e n a^sem jamais adormecer. Escolheu-se este titulo R u e j ^ S à S agora u ma vasta extensão de terreno numas poucas pagma, 6

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apareça nele a fim de gozar de alguns dos seus benefícios. Várias coisas acontecerão para mostrar-lhe que ele está na trilha certa e para dar-lhe uma crescente confiança no sucesso final. Muito antes que ele tenha a ventura de entrar na região da absoluta luz divina, uma modificação íntima se tornará visível para ele. A s vantagens de uma iluminação, parcial que seja, surgirão em todos os departamentos da sua vida. Talvez este primeiro e formidável efeito seja uma liberação gradual da tirania do ambiente, trate-se de pessoas, lugares, acontecimentos ou coisas. Nós nos tornamos interiormente independentes das cenas circunjacentes e nos livramos da antiga submissão a elas. O que aconteceu foi que a independência cultivada durante aqueles curtos períodos diários de quietude mental espraiou-se vagarosa e espontaneamente como uma ondulação sobre toda a nossa vida interior. A atitude argumentativa inicialmente adotada com relação ao conceito comum do eu reaparece durante todo o dia e se dirige para os acontecimentos e ambientes. J á não reagimos cegamente a estes mas, ao contrário, refletimos na sua verdadeira significação e no seu real valor. Adquire-se, assim, um sentimento de independência interior que nos permite admitir as influências externas apenas na medida em que elas nos pareçam úteis. E m suma, podemos escolher o tipo de impressões e emoções que irão fluir em nossa mente e em nosso coração. T a l independência não nos torna inaptos para executar as atividades cotidianas normais, conforme se mostrará logo mais, como também não nos desumaniza. Se ser humano significa precisar estar sempre numa condição agitada, ansiosa, instável e torturada, neste caso essa reconfortadora serenidade nos eleva acima dos padrões comuns da humanidade; mas por que nos atermos a uma apreciação tão baixa das verdadeiras possibilidades da natureza humana? U m segundo efeito será uma mudança nas nossas atitudes relativamente ao valor da vida. Iremos progressivamente transferindo os nossos interesses dos padrões superficiais para os básicos. Tenderemos a ser cada vez menos enganados pelas aparências; poremos em dúvida a conveniência dos padrões convencionais de verdade, felicidade, moralidade e conduta. Novos e mais altos ideais surgirão no horizonte mental. Já não aceitando o pensamento das massas acerca de um assunto qualquer, começaremos decididamente a pensar por nós mesmos. N o interior do coração e da mente iremos descobrir recursos inesperados que nos capacitarão a encontrar prazer e felicidade onde o mundo não os vê. Quem adotar tais exercícios durante um espaço de tempo suficiente não se poderá furtar à interferência de um estranho e calmo monitor,

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uma voz^ interior que se levantará nos momentos de maior carência de autodomínio. Quando sob o domínio de emoções indesejáveis como a ira, o ciúme e o medo, essa voz silenciosa erguer-se-á das nossas entranhas e nos repreenderá pelos nossos sentimentos. Jamais seremos capazes de acabar com a sua existência. Sempre que deixarmos de exibir o necessário autodomínio da nossa vida emocional, essa voz se manifestará concitando-nos a recuperar o equilíbrio perdido, pois, verdadeiramente, um resultado inevitável destes exercícios é que eles nos colocarão frente a frente com nós mesmos, e sempre nos momentos mais azados. N a vida social, permanecemos calados quando outros estiverem empenhados em discussões estéreis, jamais discutiremos com aqueles que discutem apenas pelo prazer da discussão e jamais tentaremos persuadir o que não pode ser persuadido. Não obstante, jamais deixaremos de semear os frutos da verdade em solo fértil. Quando o meditador chega ao fim da sua meditação, movimenta as mãos e os pés, sai do seu quarto ou do seu local segregado, e retoma um interesse ativo no mundo externo, o frescor da sua revelação espiritual esvanecerá rapidamente e a vívida sensação de um mundo interior fugirá ligeiro, como um encantamento que perdeu a sua força. Quanto mais ele tentar analisar a experiência por que passou tanto mais concorrerá para que ela desapareça. O paradoxo é que a análise ajuda a criar a experiência, mas uma vez procedida, esta foge à qualquer análise posterior! Para o novato, de qualquer forma, a volta à condição normal desperta não propicia a retenção dos estados místicos, conquanto tal retenção torne-se gradualmente possível e mesmo habitual para os proficientes. A maioria das pessoas contenta-se com viver com uma recordação parcial dessas beatíficas experiências, cuja lembrança de sonho será para sempre uma fonte de genuíno refrigério e resplandescente ventura. É por isso da mais alta importância treinar a volta do centro interior sem a perda dessa recordação. Devemos não apenas alcançar a quietude, mas também segurá-la nas mãos enquanto retornamos gradualmente a vida externa, pois não nos devemos perder novamente por inteiro no nosso ambiente. Trata-se de uma condição de equilíbrio a se aprender — e como andar de bicicleta, onde se é obrigado a olhar para a frente e permanecer sentado no selim. D a mesma forma devemos p e ™ ^ e c e r no centro impessoal e contudo tomar parte ativa nos trabalhos do mundo e na vida social. A prática e o hábito possibilitam tal coisa. Será de bom alvitre regressar aqui ao caso do ocidental ~ J ^ ^ ou mulher médio envolvido na febricitante atividade da época rm SernTVque, em razão de profundos anseios espirituais amiúde r e p n m .

dos, vive de forma desconfortável e infeliz, face à impossibilidade de satisfazer a tais anseios em meio ao crasso materialismo do seu ambiente. Ele poderá sentir os efeitos constrangedores de uma posição, u m a j a r e f a , umajfflçatfiQ Ba negócio que não pareçam ter nenhuma^relação cqr^ ^J^aTâSpir^ Talvez chegue por vezes a desesperar-se pjj£"7>l^^ até 5ue_as condições sejam mudadas. Tais casos existem em grande número em todas as nossas grandes cidades. Qual será o caminho certo para essa pessoa? u

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O autor aconselha-a a encetar os exercícios religiosos com a maior ^ j ^ r j p m a r S n pn^jyel^ pois muito forte será a oposição a v e n c e r p t ã l oposição deverá estimulá-la a desenvolver um grande esforço no sentido Hpji"pprar as sua.s_barreirag. Mesmo se, durante um dia pleno de inúmeros quefazeres, a pessoa dedicar vinte minutos que sejam a u m retiro espiritual com o tempo, "será decerto beneficiada. Esse sse constante estorço es diário, obra de longos anos se for o caso, poderá mostrar-se infrutífero a princípio, mas nas profundezas subterrâneas da pessoa o apelo terá repercutido silenciosamente e, mais cedo ou mais tarde, o sempre-alerta e sempre-presente E u Superior acabará por dar a sua resposta. Então, aquilo que de início foi conseguido com dificuldade, mais tarde passará a sê-lo com a facilidade advinda da prática. Lembre-se essa pessoa de que o mais importante não é o tempo dedicado à meditação, mas sim a qualidade. Q u e os seus pensamentos durante os exercícios sejam claros e dirigidos para um só ponto, e que a sua concentração seja profunda e firme. Que ela mergulhe todo o seu ser num decisivo esforço cotidiano para esquecer o meio ambiente durante o~breve período de retiro, para extinguir todos os pensamentos_ej;ecordações das suas atividades pessoais diárias e para manter sua atenção inabalavelmente^ fixada na análise mental ou busca interior^ Se, a despeito dos empecilhos da sua situação, a pessoa entregar-se ao desempenho de suas práticas diárias com zelo e fé impossíveis de desencorajar, reconhecendo que um fracasso eventual constitui-se numa boa experiência, o mais provável é que as circunstâncias constrangedoras cedam à pressão das forças espirituais invocadas. Exteriormente, ela poderá continuar a vida que sempre levou. Quando, porém, tal modificação transforma-se num imperativo para o progresso na vida espiritual, o E u Superior, trabalhando com o destino, irá decerto dispor as coisas de modo a que a modificação aconteça. E o desaparecimento dos empecilhos poderá revelar o aparecimento de novas e mais elevadas tarefas, proporcionando um âmbito mais vasto e trazendo ao coração da pessoa um sentimento de intensa satisfação. T u d o assim sairá pelo melhor. U m

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homem poderá realmente constatar que o trabalho adequado ou mesmo as oportunidades comerciais que em vão estivera a procurar, talvez durante toda a vida, chega-lhe agora através das manobras misteriosas do E u Superior, quase sem nenhum esforço da sua parte. U m tal caso ilustra a veracidade das palavras: ^ B u s c a i primeiro o R e i n o d o s Céus e todas essas coisas vos serão dadas^'. / / " " • 1

Este Caminho Secreto não é apenas uma trilha mental; ele pode, e deve, transformar-se facilmente num precursor de uma trilha de cometimentos externos mais dinâmica por ser mais inspirada. Seu objetivo não

é encerrar o homem numa indolência monástica, mas ajudá-lo a trabalhar de maneira mais sábia e mais eficaz na sua própria esfera de utilidade. D e modo geral, pode-se dizer que o homem suficientemente avançado neste caminho irá, mais cedo ou mais tarde, construir para si um ambiente inteiramente adequado e entrar num domínio de atividade mundana muito agradável às suas mais elevadas perspectivas; ali estará o refúgio externo para as suas criações mentais interiores. H á exceções a este princípio geral e elas são representadas pelos casos em que os homens, num ato de autosubmissão voluntária, entram destemidamente em ambientes incompatíveis ou até mesmo hostis, prestando algum serviço voluntário a outras pessoas ou em obediência a alguma imposição mais divina. N u m certo sentido tais homens são verdadeiros mártires, mas a rendição da sua vontade pessoal à vontade do E u Superior suprimiu a pior parte do seu martírio. Eles não esperarão ser pagos pelo serviço, não reclamarão quaisquer recompensas tangíveis ou expressões de gratidão. Nós ocidentais detestamos e desacreditamos as concepções filosóficas que parecem desviar-nos do mundo da atividade para um reino "irreal" e nebuloso. Nós acreditamos e só podemos acreditar em credos que glorifiquem a vida ativa. Sem dúvida alguma estamos certos. N o entanto existe um caminho que nos dá o que têm de melhor os dois mundos. O poder de concentração desenvolvido por um homem durante esses exercícios diários ser-lhe-á de igual valor na esfera da existência ativa. T u d o aquilo a que ele se propuser será marcado por uma atenção mais decidida. Por exemplo, o seu trato com as demais pessoas tornar-se-a mais direto e frutífero para ambas as partes e, nas conversações, ele chegará muito mais rapidamente ao que interessa. E m suma, u m novo elemento, uma espécie de praticidade maior, aparecerá tanto nos assuntos de pouca monta como nos mais importantes. Ele cumprira c o m o máximo zelo a mais devota fidelidade e a mais elevada integridade todo e 8

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qualquer dever que lhe seja confiado pelas forças combinadas do destino e do Eu Superior. Do ponto de vista psicológico, os efeitos dos exercícios de meditação corretamente executados mostrar-se-ão através de uma melhor qualidade de raciocínio, um maior aprofundamento do poder de concentração e um aclaramento generalizado da mente. Os princípios basilares de q u a l q assunto ou situação serão prontamente percebidos, quando outras pessoas estiverem ainda no estudo dos detalhes. u e r

Um homem com adiantamento bastante nestes exercícios para conseguir uma certa dose de domínio mental, um sentido mais acurado da existência do E u Superior, não precisa arrecear-se do efeito materializante de uma atividade ininterrupta. Ele exemplificará o repouso em meio à atividade. Enquanto sua mente descansar numa calma mais ou menos permanente, seu cérebro, suas mãos e seus pés poderão estar deveras ocupados nos assuntos ativos do dia-a-dia. Sua vida interior poderá estar correndo suavemente como um córrego no prado, ao tempo em que a sua vida externa estará sendo fustigada por violentos temporais. O valor de uma vida interior bem equilibrada é inestimável nesta nossa época agitada. O homem em tela será uma prova, ainda que imperfeita, de que a combinação da inspiração sublime com a ação positiva é perfeitamente possível. Todos os dias se converterão então em dias santos. Quando o E u Superior entra assim em ação, a mais pecaminosa das vidas torna-se sagrada. O perfume da divindade é espargido sobre os incidentes banais da vida cotidiana, tornando-os gloriosos. Uma paz extraordinária e indescritível passa a viver dentro da pessoa e será o seu ancoradouro ameno numa época conturbada em que nada parece seguro ou estável. A pessoa seguirá assim tranquilamente os seus caminhos, os pés assentando-se firmemente no chão a cada passo que fizer. Ela obrará com aquele espírito de suave serenidade aliada a uma inexorável eficiência que de forma tão marcante caracteriza os japoneses bem sucedidos. N a verdade, a sublime serenidade do E u Superior parece bastante remota do desagradável estridor do elevado nova-iorquino, dos motores ronronantes que trafegam sem cessar nos Campos Elísios e das indefectíveis aglomerações londrinas — não obstante, até mesmo em meio a ambientes como esses, não deixa ela de acompanhar a pessoa! Desta maneira, vivendo tão próxima como possível do ÇentroJ^iyjno, noderá a pessoa - » — 1

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um^scravo _mas^omo um colaborador da Natureza. A o passo que o seu ser mais íntimo desfrutará de uma estranha elpiritualidade, ela pró1

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pria poderá viver entre tensões e tumultos, não cega à sua existência ou indiferente aos seus problemas, mas conservando uma compostura íntima imperturbável Por esta razão poderá enfrentar mais eficazmente tais problemas. Ela já descobriu que no centro — do eu ou do universo — residem a segurança e sanidade verdadeiras. Todos estes efeitos surgirão fatalmente, quer um homem os procure quer não, pois um novo árbitro foi trazido para todos os seus empreendimentos. A prática constante desses exercícios espirituais nos proporcionará sem falta a atitude correta, o descortínio exato, e nos eximirá de recearmos a entrada na arena em que são travadas as batalhas deste mundo — tanto as batalhas incruentas pela subsistência quanto as carnificinas da guerra propriamente dita. Apenas os novatos, os covardes e os fracos precisam esquivar-se de forma permanente à luta pela existência, refugiando-se em eremitérios ou mosteiros. Pois com o domínio da mente tudo se torna possível, mas sem ele, a vida do homem perde o seu significado. Trata-se de uma atividade inspirada que dá um alvo espiritual, uma significação duradoura, àquilo que de outra maneira não passaria de um existir banal e efémero. Uma vida deveras inspirada representa a verdadeira sanidade. O mundo ocidental é de fato desequilibrado, pois vive imerso numa atividade incessante, sem a contrapartida da atividade interior. Se algum tipo de exercício espiritual fosse incorporado ao seu programa diário, o Ocidente não apenas se safaria das aflições neuróticas da nossa época, não apenas teria mais paz, eficiência e compreensão no trato dos seus assuntos, como também alcançaria um nível de vida mais elevado paralelamente à sua rotina de trabalho. Deste modo o homem pode cumprir o objetivo invisível e oculto do seu ser. Pode, realmente, ao tratar das coisas do seu dia-a-dia — na rua, no comércio, em casa ou na fábrica — dizer com justeza que está tratando das coisas do Senhor. O secular ter-se-á transformado em sagrado. Nós podemos aprender o segredo de eliminar da nossa existência diária o servil, substituindo-o pelo divino. Todas as coisas são símbolos do Deus invisível. Até mesmo o trabalho pode constituir-se numa prece da nossa parte. Todo o assoalho devidamente varrido é um caminho que leva ao Senhor. Nenhuma das nossas ocupações é mundana a ponto de não nos permitir exibir alguma qualidade de Deus. Nós nos revelamos através do nosso trabalho. Aqueles poucos que estão possuídos do espírito de Deus lutam por mostrar a Sua perfeição através de um trabalho executado com maestria; o Seu poder através de um trabalho operoso; a Sua sabedoria através de um trabalho inteligente. As nossas

capacidades mais elevadas podem ser reveladas por essa forma; também por essa forma o tempo pode ser valorizado e as verdades celestes trazidas para a terra.

Um homem dependente de outros em termos de ajuda e felicidade depende de escoras que podem ruir; mas um homem que depende do Eu Superior jamais será defraudado. Podemos agora examinar sucintamente a ajuda material que o E u Superior nos proporciona quando nos encontramos desesperados. Não há na realidade o que possa escapar ao âmbito dessa ajuda. Saúde precária, disfunções orgânicas, problemas técnicos, relacionamentos difíceis — tudo isto, e muito mais, tem sido maravilhosa e divinamente corrigido na vida de numerosas pessoas conhecidas do autor. Trata-se de pessoas capazes de "sintonizar" o E u Superior — ainda que em grau ínfimo — e atirar-lhe sobre as largas costas os seus fardos. A força poderosa do destino inflingindo-lhes essas dores ou essas dificuldades; a força onipotente do E u Superior encarregar-se-á, em última instância, de elidi-las. O problema económico, por exemplo, parece preocupar hoje em dia as pessoas mais do que qualquer outro. Embora aquele que esteja trilhando este caminho possa continuar a dar o valor devido ao dinheiro — que, seja como for, representa a segunda maior força no mundo — cada vez menos ele padecerá dessa sede insaciável de riqueza que parece dominar por completo a época presente. Pois, aumentando progressivamente a sua consciência do E u Superior, à medida que a firmeza mental e o equilíbrio emocional gerados pelos exercícios tendem a arraigar-se cada vez mais em sua atitude habitual, ele irá sentindo apreensões sempre menores quanto ao seu bem-estar material. N a realidade ele acreditará na veracidade do conselho de Jesus, segundo o qual o Pai conhece suas necessidades e ele não precisa procurar fazer amizades em desespero de causa. Mas isto não significa que deva descambar e tornar-se apático ou preguiçoso; o indicado será redobrar a atenção ao trabalho e cuidar dos negócios com maior diligência do que nunca, pois, como já se explicou, passará a encarar o dever como uma coisa quase sagrada. O segredo de toda a ajuda suprapessoal é a submissão. Não a submissão à fraqueza, à letargia, à preguiça, ao desespero ou a um fatalismo míope, mas a submissão do poder pessoal ao poder central que existe dentro de nós. Então, ao invés de lamentar a debilidade das nossas restritas faculdades ante as circunstâncias infelizes com que nos deparamos

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nas batalhas da vida, deixamos que esse poder central trabalhe em nosso favor. Quando fracassarmos, ele se sairá bem; onde esbarrarmos apenas em sólidos muros de dificuldades, ele atravessará sem problemas. Ele trabalhará por nós e melhor do que nós, embora tudo o que tenhamos de fazer é nos abrirmos à sua expressão. Mas antes de nos podermos submeter ê preciso que encontremos a morada desse poder divino. Simples palavras não serão capazes de jazê-lo. O caminho aqui descrito nos conduz diretamente ao centro daquela morada. Precisamos nos entregar a uma dura labuta interior para alcançar tal ponto, mas lá chegados, já não precisaremos trabalhar, basta que nos deixemos ser trabalhados. Devemos possuir uma grande dose de bom-senso que nos permita dizer: "Não mais interferirei. Interromperei esta série interminável de cálculos de modos e meios. Arriarei minha carga de preocupações e deveres sobre o chão ao meu lado. Vejo agora aquilo que, na minha cegueira, recusava-me a ver antes: o Eu Superior que me ampara e conduz, pode encarregar-se de todos os cálculos, cuidar de todos os assuntos, suportar todos os ónus muito melhor do que eu jamais poderia fazê-lo, simplesmente porque ele é em si mesmo infinito em poder e sabedoria". Há ocasiões em que a palavra prudência não é senão um sinonimo de erro de julgamento; há outras em que uma prudência maior é exigida, vale dizer, a confiança na Providência. Há momentos em que se verifica que os cálculos não são senão enganos de cálculo. Pois a mente pessoal fica limitada em suas perspectivas, apequenada em profundidade face à incomensurável intuição que surge infalivelmente do Eu Superior e que ignorando todas as fachadas distorsivas dos homens e das circunstâncias, aponta diretamente para a estrada certa. Nossos cuidados e ansiedades estão relacionados com o eu pessoal, não com o excelso Eu Superior. A supressão dessa condição tirânica depende da volta ao impessoal Eu Superior. Nossas ações deixarão então de ser o mero resultado de nossos caprichos pessoais, das ambições da cobiça e dos desejos de posse. Nós nos transformaremos em límpidos canais do Eu Superior, instrumentos úteis em suas mãos e servidores impessoais da sua vontade divina. Viveremos daí por diante sem as tensões do esforço pessoal, sem premonições aflitivas, sabendo que o nosso Pai, o E u Superior, fará por nós todos os esforços e planejamentos necessários, operando por nosso intermédio ou por intermédio de outrem. Está aberto o caminho para que todos os homens vençam os horrores do sofrimento e as amarguras da pobreza, as desilusões do fracasso e a causticidade da angústia, desde que os homens dominem as mas mentes.

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Problema algum é demasiado difícil para que o £u Superior o resolvaele não seria o átomo revigorante da divindade dentro de nós se fo ç fraco. Não é necessário que jamais alguma nuvem negra do pessimismo ou algum pesadelo inquietante nos assalte a vida; os raios abençoados do Eu Superior estão conosco o tempo todo, prontos para nos bafejar com o seu calor benfazejo desde que saibamos invocá-lo devidamente. A propalada fortaleza do eu pessoal é na verdade a sua fraqueza; a verdadeira fortaleza está naquilo que habita por trás do eu pessoal. Podemos ir até o infinito, se quisermos, conseguindo assim o que na aparência é impôssível. Os poderes do corpo e do intelecto estendem-se até um ponto determinado, mas os poderes do Eu Superior são ilimitados. SS

A divindade que deu vida às nossas almas, assim como as mães que deram vida aos nossos corpos, é capaz de nos amparar, manter, curar, proteger e guiar exatamente da mesma maneira pela qual as mães amparam, protegem e guiam os seus filhos. Não se trata de uma comparação poética; trata-se de uma asserção científica, conquanto a referência aqui feita prenda-se à ciência da vida. E tanto quanto uma mãe de verdade

ama o seu filho e procura sempre proporcionar-lhe uma felicidade real, o Eu Superior ama o seu rebelde rebento, o eu pessoal, e procura sempre o seu bem-estar, conduzindo-o através dos caminhos do arrependimento e da volta. Esta é a mensagem global da religião prática, e para instilar esta verdade nas nossas mentes entaipadas Deus mandou Seus profetas até nós e continuará a mandá-los enquanto formos pródigos errantes e não tivermos o bom-senso de dizer: " E u me erguerei e irei ter com o meu Pai". O homem que a título definitivo chegou à consciência do E u Superior dispensa orientação ou ensinamento de quem quer que seja, pois um poder mais alto lhe dará ambas as coisas. Mas o homem que está progredindo e já se adiantou algo no domínio da quietude mental pode valer-se com proveito de um método simples de auto-ajuda espiritual e material o qual pode ser sempre prontamente aplicado mesmo nas mais adversas condições. Tal método não dará a todos tudo quanto desejam porque outras forças também se farão presentes — as forças do destino, a evolução universal e Aquilo que criou a ambas: Deus! O eu pessoal precisa adaptar-se na estrutura cósmica que o rodeia, e não esperar que essa estrutura se altere para adaptar-se a ele. Nem sabe ele tampouco aquilo que é melhor para si, aquilo que lhe trará felicidade genuína ou bem-estar verdadeiro. Nem sempre devemos nos esquivar dos sofrimentos; por vezes eles são tutores tão bons como os melhores professores universitários. É preciso que encaremos o lado

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conturbado da vida como uma instrução espiritual e aprendamos uma lição de sabedoria à cada infelicidade que nos sobrevier. Por isso não existe nenhum método através do qual o homem imperfeito possa dirigir-se a Deus, fazendo com que sempre se evitem os infortúnios, as doenças, a pobreza, as tragédias, a opressão e tudo aquilo que seria desejável evitar-se. Mas existe um método através do qual ele pode aproveitar ao máximo as circunstâncias e ligar a ajuda divina, não às suas exigências egoísticas, mas às suas reais necessidades. Antes que o exercício seja apresentado, será de bom alvitre reiterar que apenas a pessoa que desenvolveu um certo grau de força mental por meio das práticas deste caminho secreto e da quietude mental poderá beneficiar-se dele. Não é possível erigir muros de tijolos sem argamassa, como também não é possível invocar forças espirituais sem antes haver estabelecido uma espécie de contato preparatório com elas. Quem desejar invocar o auxílio do Eu Superior sempre que estiver perturbado, sacrificado, tentado, magoado, deprimido, aflito, preocupado, indeciso ou irado — na verdade, sempre que estiver sofrendo ou pecando de alguma forma — deveria habituar-se a este exercício adicional. O método consiste no seguinte: Diminuímos o ritmo da respiração durante dois ou três minutos e, simultaneamente, nos perguntamos: " A quem isto perturba?", " A quem isto deprime?", " A quem isto tenta?" ou " A quem isto confunde?", e assim por diante, em função do problema específico. A seguir devemos provocar uma pausa mental e acalmar os pensamentos, concentrando-os e fixando-os na questão. Tudo mais, seja o ambiente externo sejam as ideias, deve ser rigidamente ignorado, e a mente interiorizada até mergulhar tão fundo no eu interior quanto o permitam os progressos feitos pela pessoa nos exercícios. Todo o exercício não deve levar mais do que uns poucos minutos e deve ser feito com simplicidade, naturalidade e recato. Este método é aplicável a qualquer espécie de problema que precisa tão somente de ser trazido à presença perene e sublime do Eu Superior. Embora este seja capaz de solucionar qualquer caso, não deveremos incorrer no erro de esperar sempre uma solução imediata. Os Poderes Maiores precisam agir à sua moda, que, muitas vezes, é inteiramente imprevisível. Talvez um resultado surpreendente surja no espaço de uma hora, talvez sejamos obrigados a aprender uma lição de paciência. Esses poderes nao são falíveis apenas por não poderem ser ligados como uma torneira. A òdU

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impaciência lhes quebra o encanto e é sempre prejudicial.

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Quando um homem se houver habituado, através da prática, a este exercício, ficará maravilhado com a sua bela simplicidade e eficácia relaxar-se e mergulhar suavemente na silenciosa submissão do seu e g pessoal. O tentar pode ser deveras penoso. a o

E u Superior. Alguma iluminação ou proteção irá decerto transporta se misteriosamente pelo espaço até essa outra pessoa.

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Sempre que a discórdia ou qualquer outro tipo de desastre nos ameaçar este exercício deverá ser imediatamente iniciado. Dessa forma a impressão mental será interceptada e nós nos recusaremos a nos identificar com ela. A metade dos malefícios mesméricos é suprimida através desse expediente. Adota-se a atitude da testemunha atenta; a impressão perturbadora é rapidamente atalhada, e tudo o que é indesejável é neutralizado ao invocarmos e percebermos o E u Superior. O homem comum que se entrega aos pensamentos negativos corteja e fortalece as dificuldades que ele deseja evitar. Toda dor que ameaça, todo problema que surge, devem ser de pronto levados para o centro divino e observados sob esse novo ponto de vista. Essa é a forma certa a ser adotada quanto tratar-se de nos esclarecermos, curarmos e iluminarmos. E m meio a grandes dificuldades, constrangedoras frustrações, esmagadoras derrotas ou deprimentes perturbações um homem poderá ainda liberar-se, recusando-se a aceitar a imposição dos pensamentos e atitudes convencionais. E até mesmo quando o destino é inexorável e não se deixa dobrar o suficiente para que os problemas possam ser materialmente resolvidos, o assunto comportará uma solução espiritual, pois poderá ser erradicado da mente. O objetivo evolutivo cósmico tem de, vez por outra, entrar em conflito com a felicidade pessoal e, quando não for possível dobrá-lo a prática do auto-recolhimento espiritual livrará a mente do seu fardo, introduzindo a luz radiante e o poder místico do E u Superior. Mas tal método só pode mostrar-se eficaz quando possuímos a fé inabalável de que o E u Superior está sempre ao nosso dispor e de que a sua presença é inseparável; quando repudiamos de pronto os pensamentos e estados de espírito que nos arrastariam qual escravos aguilhoados para longe do seu amor bondoso e dos seus recursos misteriosos, e quando, sem delongas, afastamos as preocupações e as sensações dolorosas ou degradantes através de uma afirmação silenciosa e inamomível da sua existência interna no eterno. T a l é a amplitude deste exercício que ele pode ser usado de forma indireta para ajudar até certo ponto outras pessoas. Se tivermos um amigo ou um parente muito caro que se encontre numa situação difícil, depois de executarmos o exercício, poderemos imaginar mentalmente tal pessoa e a seguir colocá-la, em respeitoso silêncio, diante do altaneiro

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Sempre que um problema mental ou um ónus material for devidamente submetido ao E u Superior, uma sensação de tranquilidade mental ou de alívio emocional será sentida logo após. Quando esse hábito de recorrer prontamente ao E u Superior através da indagação de quem está sofrendo, quem está aborrecido, e assim por diante, já estiver automatizado na pessoa, esta se sentirá espiritualmente segura e materialmente confiante. Embora haja determinantes do nosso destino ulteriores à intenção consciente e ao esforço pessoal, a maioria dentre nós carrega consigo uma dose desnecessária de preocupações. O E u Superior pode suportar muito melhor o mesmo fardo. Que ele e nós aceitemos o seu perene convite, a sua suave orientação, aprendendo destarte a enfrentar com serena equanimidade as variadas situações da vida, sabedores de que os seus cuidados providenciais jamais nos faltarão. Quem seguir fielmente este caminho, por vezes se quedará imóvel, a respiração suspensa, ao perceber que uma vontade maior do que a sua está intervindo em seus assuntos e sempre, num sentido elevado, em seu benefício. T a l pessoa tornar-se-á um instrumento eficaz nas mãos divinas dessa vontade. Todos os acontecimentos se transformação em movimentos de xadrez sobre o tabuleiro celeste. Todas as coisas conspirarão para resultarem no melhor — tanto os sofrimentos amargos quanto as alegrias mais doces fornecerão lições bem aceitas de fortaleza e sabedoria. Mesmo a maldade dos inimigos não será sentida, pois, pouco a pouco, se aprenderá a conhecer o mais alto e derradeiro segredo da vida: toda criatura viva encerra em si os indícios ocultos da divindade e vive lutando inconscientemente, entre os seus pecados mais negros, pela satisfação, pela verdade e pelo poder imortais que existem apenas no Eu Superior.

CAPÍTULO X V I A

BUSCA

Durante suas pesquisas orientais o autor dedicou parte do seu tempo

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mais tarde da existência de uma antiga tradição entre os agora desap . a

recidos saberdotes de Mênfis segundo a qual a Pirâmide era o cenário sagrado da iniciação nos mais profundos e grandiosos mistérios espirituais do Egito. Entre as suas explorações o autor atravessou a passagem vertical que leva às famosas Câmaras do Rei e da Rainha cuja estrutura estudou cuidadosamente à luz de uma certa "chave" que lhe havia sido fornecida. Durante a noite, ele também desceu de gatinhas pela estreita passagem que corta ao longo de dezenas de metros o rochoso platô sobre o qual se ergue toda a Pirâmide; passagem esta vedada aos viajantes modernos em virtude de uma série de dificuldades e perigos. De modo geral, o simbolismo adequado daqueles tristonhos corredores impressionou-o o tempo todo. Esses caminhos materiais que levam desde uma abertura inicial até os aposentos internos correspondem com propriedade aos caminhos espirituais que levam a humanidade do estado da mais crassa ignorância a uma completa compreensão de que a sua verdadeira natureza é algo divino. Foi dado a perceber ao autor que o interior da Grande Pirâmide representa em pedra o progresso destinado a cada ser humano, ao passo que o edifício inteiro é u m símbolo solene da existência humana, carregando uma mensagem silenciosa através do vazio dos séculos mortos e desaparecidos. O trémulo neófito de outras eras era obrigado a transpor o fragoso portal da Pirâmide e a seguir tatear na mais completa escuridão através das passagens escuras escorando-se nas paredes e fazendo cada passo com o maior cuidado possível. A mente excitada do escritor fez nascerem fossos invisíveis dentro dos quais ele poderia cair, mas que na realidade não existiam. Sem coragem não lhe seria possível avançar; sem prudência só poderia avançar correndo enormes perigos. Seu único guia era uma intuição, uma voz interior impessoal que amiúde não era possível distinguir dos seus próprios sentimentos. N u m estágio mais adiantado da sua caminhada pelas passagens escuras como túneis, ele deparava-se com perigos que punham em risco sua sanidade. Pois entidades psíquicas hostis infestavam o local e criaturas-espíritos as mais malignas rondavam à noite por ali. A qualquer instante elas poderiam fazer-se visíveis aos seus sentidos espicaçados. A quaisquer limites, pois elas eram os guardiões que habitavam a horrível fronteira separando o mundo do além dos intrusos tolos. Se o neófito sucumbisse aos próprios temores e aos efeitos daquela inimizade natural, sua tensão nervosa entraria em colapso e tais efeitos poderiam persegui-lo por muitos anos.

A luta de cada um daqueles intrépidos candidatos, refletiu o autor, exemplifica também a luta de todo o homem que busca compreender o objetivo global da Natureza. A vida ele a encontra sempre envolta em impenetrável escuridão, toldada por grossas nuvens de mistério. Nós não nascemos senão para uma existência de poucas e incertas décadas, e logo todas as nossas esperanças mais ardentes, todas as nossas ambições mais imperiosas e todos os nossos amores mais fortes são extintos como a chama de uma vela pelas garras da morte. Saberemos, se tivermos alguma capacidade de raciocínio, que, se isso representa tudo para o homem, obviamente a esperança da imortalidade não passa de uma ilusão, a alma resume-se em mera fantasia da imaginação e a religião e a filosofia não são senão um espetáculo a caráter encenado por profissionais interessados. A vida não se explica facilmente a si própria. Nós não nascemos com o grande segredo preso ao pescoço como um amuleto. D a mesma forma pela qual o neófito nos Mistérios Egípcios era obrigado a subir e descer rampas escuras às apalpadelas, assim também nós humanos somos obrigados a caminhar às apalpadelas através da escuridão de um futuro desconhecido, estorvados por obstáculos ou empurrados por tentações que transformam a existência em íngremes subidas ou em ladeiras vertiginosas. Se houver alguma diferença a assinalar-se, talvez seja a de que o neófito de então não se conformava tanto como nós com a própria ignorância. A busca incansável da verdade o havia trazido até ali e feito com que ele arrastasse os pés descalços sobre aquelas pedras antiquíssimas, mas quem estará disposto a dar-se a grandes trabalhos em troca da dúbia recompensa de um segundo nascimento? As criaturas malignas que o perseguiam pertencem ao mundo do mal e da oposição, ou, pelo mínimo, da incompreensão que afeta a todos quantos procuram romper com os padrões do conformismo e têm por isso de ser penalizados pelo seu anticonvencionalismo. Aquilo que a aventura na Pirâmide ensinou ao autor, a raça humana irá aprender de qualquer forma na sua peregrinação do ventre ao túmulo através dos atos da evolução. Ele condensou numas poucas horas ouvias lições que exigiriam vidas inteiras de homens menos afortunados. O êxito ensinou-lhe que cada homem carrega consigo um objetivo ulterior àquele que considera como o seu, e ainda mais elevado. Ao chegar a Camara do Rei chegou também diante daqueles que o aguardavam e velavam sem ser vistos, da mesma forma pela qual os deuses aguardam e velam pela humanidade ainda nos dias que correm. E quando, na mais elevada das iniciações, sua consciência entrou no espiraculo do E u S u ^ « câmara mística do coração, ele conseguiu de forma abreviada e prematura 235

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aquilo que toda a raça humana devera conseguir em ultima instância Hoje em dia o mundo considera como impossível u m tal despertar esni ritual; os sábios iniciados consideram-no como inevitável. N o entanto^ a Natureza é paciente. Prosseguindo com a alegoria, o átomo do E u Superior está situado no interior do corpo humano, ocupando tão apenas uma cabeça de alfinete assim como a Câmara do Rei está situada n u m diminuto espaço da maior obra de alvenaria que este planeta conheceu em muitos séculos. O E u Superior é invisível a olho nu, tanto quanto o é o principal compartimento da Pirâmide na escuridão do local. O E u Superior é o segredo cuja solução desafia o homem, assim como os corredores levando à câmara real tinham outrora a protegê-los uma porta de entrada astutamente feita de madeira, a qual parecia pertencer à superfície externa e não permitia nem de longe supor uma existência em separado. As antigas tradições egípcias forneciam guias àqueles que estavam prontos para ser trazidos até essa porta sagrada, assim como a tradição espiritual da raça humana continua a fornecer guias àqueles que estão prontos a ser trazidos à presença do E u Superior. A t é mesmo a quietude sepulcral do interior da Grande Pirâmide é perfeitamente comparável ao silêncio que envolve a mente do aspirante, quando este p õ e hoje em dia o pé sobre o limiar sagrado. Por f i m , há o fato pitoresco de que se exigia ao neófito, ao se esgueirar de gatinhas sob a porta basculante, uma humildade física e mental que ainda hoje se exige. O santuário sem sacerdotes do E u Superior jamais franqueia a sua minúscula porta aos arrogantes. Assim sendo, a derradeira busca que se propunha ao egípcio reflexivo era nada mais e nada menos do que a procura do objetivo final da vida imposta ao homem reflexivo do século vinte. E l e era obrigado a recuperar um dia a plena consciência da sua real natureza, deixando de identificar-se inteiramente com o seu corpo físico a princípio, e com o seu ego pessoal a seguir, assim como somos obrigados a fazer hoje. Estamos vazios quando podíamos estar cheios. Somos como o filhote de leão que foi criado entre carneiros e, já adulto, julga-se u m carneiro também. Assim sendo, passeia, inofensivo, entre o rebanho, até que um dia se faz ouvir na floresta o rugido gutural de u m outro leão. A natureza oculta do animal desperta então subitamente; ele ruge espontaneamente em resposta e, naquele instante, reconhece-se t a m b é m como u m leão. A

verdade

absoluta de todos

os homens

região do ser parapessoal deve chegar forma que o primeiro urro

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ouvido por

ao

que

homem

atingiram

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intuitivo da

aquele leão.

Trata-se

divina mesma de

um

apelo que lhes afeta as misteriosas profundezas do coração e que os perturba ou encanta, dependendo do caso. Pois jamais podemos nos satisfazer plenamente com as limitações, as aflições e a transitoriedade da existência humana. Ninguém pode asseverar com franqueza haver encontrado uma felicidade sem jaça na vida frágil e espavorida da personalidade humana e, ainda que ousasse fazê-lo, o vulto aterrador da morte continuaria a fazer-lhe sombra, troçando de suas possíveis esperanças para o futuro. A beleza divina que jaz oculta na natureza humana tem uma existência prévia e não precisa ser criada, de modo que a busca é menos no sentido de uma descoberta do que no de uma recuperação. A consciência é a nossa verdadeira natureza. O E u Superior é consciente e vivo, mas por ser eterno, tem também de ser impessoal. Existe na Bíblia Hebraica uma sentença na qual o Senhor respondeu a Moisés, sendo: " E U S O U O Q U E S O U " . A importância desta declaração é que toda ela está escrita com caracteres maiúsculos. O significado é que a consciência Absoluta é o " E U S O U " por trás de cada existência individual, o sentido mesmo do ser. O átomo divino é o mesmo em todos os homens, idêntico em Cristo e em todos os seus seguidores. E na verdade o eu-Cristo em cada um de nós. Quando Cristo deixou este mundo, os mais esclarecidos dentre os seus primeiros adeptos passaram a usar e a compreender o seu nome apenas nesse sentido universal. O Cristo era para eles a sua própria divindade interior — não um determinado corpo de carne e osso que havia sido sepultado — e o seu trabalho consistia em fazer a consciência baixar da cabeça e focalizar-se no coração espiritual, onde o reino do céu se achava localizado para todos os verdadeiros Cristãos.

O homem que enceta essa busca é como o raio que volta à sua fonte. Quando ele segue o " E U S O U " dentro de si até a sua raiz ocu ta, quando

lhes deu vida. Esse elemento nao e senão o Ser Absoluto, o Único E u Superior a Realidade Suprema e o Espirito Subjacente q subsiste éternamente'entre os nascimentos e mortes dos homens mortais e dos mundos materiais. Essa augusta revelação nos aguarda ja no começo dos primeiros e incertos passos da nossa busca. u e

No entanto o homem teme tal caminho, porque teme perder a sua personalidade, que para ele é a própria vida. A grande verdade é que o ego pessoal é submetido, convertido^ em agente de um poder mais alto e não desaparece enquanto o corpo físico dura. O que há então a temer-se? A existência individual não é senão uma casca de noz que, uma vez rompida, mostra o seu núcleo valioso. O valor das nozes não está nas suas cascas resistentes, mas nos seus frutos. Aqueles que se satisfazem com as limitações do ego transformam o período de vida numa ilusão. Eles estão operando com apenas uma milésima parte da sua capacidade potencial e temem, contudo, avançar um pouquinho mais. Ninguém deve, porém, levar a culpa, pois a ilusão é universal. Confunde-se personalidade com consciência e não se sabe que já que a ninguém é dado escapar a si próprio, o fim da vida não pode ser uma simples inconsciência de caráter letal. Esta doutrina é mais velha do que a própria terra; como, porém, cada homem a encontra por si mesmo, em consequência de sua própria iluminação espiritual, ela se lhe afigura tão nova como as mais recentes descobertas dos cientistas de hoje. Mas o homem sempre a temeu, pois teme submeter o seu ego pessoal, desconhecendo o que acontecerá a seguir. Ele reluta em entregar-se a poderes mais altos. Nisto tem muito o que aprender. N a passagem bíblica do sacrifício do primogénito de Abraão, o barbudo patriarca estava a pique de apunhalar o corpo trémulo do filho quando o Senhor deteve-lhe a mão e lhe disse que o filho poderia viver. A fidelidade de Abraão tinha passado pela mais dura das provas; aquilo bastava ao Senhor, que na realidade não queria a vida de Isaac mas o amor de Abraão. Este havia demonstrado sua disposição de antepor o divino ao pessoal; por isso foi-lhe permitido conservar o pessoal, uma vez que dali por diante este passaria a desempenhar u m papel secundário na sua vida. Aquele que nesta vida busca atingir o estágio em que a meditação reduz todos os pensamentos ao único pensamento do eu, e a seguir corajosamente confiar esse pensamento ao nada aparente do qual proveio, ouvira também do Senhor que poderá conservar o seu ego, ao invés de

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matá-lo. Poderá viver sua vida pessoal no mundo, pois esta ocupará apenas o lugar competente na sua escala de valores, e a pessoa compreenderá, a partir de então, que é um agente e apenas isso. A santidade é, portanto, apenas harmonia. £ cessar os esforços incessantes do ego neste ou naquele sentido, submeter todas as honras e todos os anos aos desejos maravilhosos do E u Superior. No entanto, nós não atingimos tal estado abençoado sem sofrer, porque a autosubmissão é extremamente difícil aos seres humanos como tais, e eles só a aceitam quando não têm outra alternativa. Compreendemos, então, que o poder maior que nos trouxe até ali não permitirá que nos detenhamos; fará com que corramos para regiões ínvias e impessoais, como o demonstrou Francis Thompson em seu belo poema O Cão

Celeste. Essa condição da fusão do ego no E u Superior foi cabalmente descrita pelo apóstolo Paulo: " F u i crucificado com Cristo; no entanto estou vivo; porém, já não sou eu quem vive; é o Cristo que vive em mim". Esta declaração torna-se clara ao compreendermos que na mente de Paulo, Cristo não se identificava com a individualidade física de Jesus, o qual jamais chegou a conhecer, mas com o espírito-Cristo que existe em todos os homens. A crucificação a que se refere é no seu caso, assim como será no nosso, a crucificação do sentido do ego, a imolação da individualidade. O Cristo de Paulo é a realidade oculta que constitui o substrato de todos os egos. Apreendida a sua realidade divina, o centro do seu círculo pessoal do apóstolo coincide com o centro do círculo do universo, que é infinito. O sacrifício não pode ser devidamente compreendido quando restrito a gestos meramente exteriores. Trata-se primordialmente de um acontecimento íntimo. O sacrifício pode ou não tornar-se um ato exterior, mas isso não é o mais importante. O destino de cada homem é diferente. Se alguns perdem tudo o que é visível e valioso ao perder a sua antiga vinculação com a personalidade, outros poderão receber em suas maos reinos inteiros ao assumirem uma nova vinculação com a divindade. Tais acontecimentos não podem ser julgados pelas aparências. Misteriosos são os caminhos do E u Superior. Assim como Abraão deixou de sofrer ao afastar seu filho anistiado do altar do sacrifício, assim também o sofrimento que a auto-renunc,a amiúde provoca desaparece ao completar-se o ajustamento compensador dT vida interior. Quanto maior tiver sido a luta, tanto maior sera a sensacão de paz que lhe tomará o lugar. O sentimento de alivio interne seínpre uín sinal de que o sacrifício foi correto, e de que o E u Super**

acalmou a ferida./Todas as mágoas pessoais se abrandam quando trazidas à luz do Absoluto, Quando um homem fez o que lhe foi possível para compreender estas análises e seguir estes exercícios com fidelidade e perseverança, cabe-lhe então esperar pelo momento em que seus esforços desabrocharão numa verdadeira iluminação. Ele poderá passar por estados depressivos, experimentar sentimentos de frustração, pois é difícil conseguir algo de valor sem recaídas, mas isso não justificaria o abandono da busca. D e uma coisa o homem pode estar certo: aquilo que lhe é devido não faltará no final. Existe uma hora adequada, um momento azado para todos os acontecimentos, todos as fatos interiores. Isto é particularmente verdadeiro com relação à iluminação espiritual ou despertar psicológico. Se a coisa vem cedo demais, nós a rejeitamos; se vem tarde demais, não a aceitamos. É preciso que venha no momento certo, vale dizer, é preciso que venha de nós mesmos. Quando vem, porém, ocorre uma sensível modificação, ainda que as portas do paraíso não se abram por mais do que cinco minutos. Não saberá o homem a esta altura que o E u Superior existe de fato e não é mera ficção? A tremenda intensidade do Eu Superior não será a realidade das realidades? E no seu toque benfazejo não encontra o homem a prova definitiva e indiscutível de que o esforço das suas meditações solitárias não foi em vão, e de que os poderes divinos não são totalmente indiferentes aos homens? Aqueles que não confiam nestes misteriosos ensinamentos alegam que esta deificação do eu é uma tentativa de equiparar Deus com a personalidade humana e degradar a Divindade com o fito de endeusar uma parte da Sua criação. Trata-se de um mal-entendido. Todo aquele que passa pela experiência de entrar em contato íntimo com o mais recôndito do seu ser, dela só pode emergir com um respeito maior por Deus. Pois percebe a sua impotência e dependência com relação ao Ser Maior do qual obtém permissão até para existir. Ao invés de ter sido deificado, o eu pessoal foi completamente humilhado. O eu, no sentido comum da expressão, precisa na realidade ser afastado para que Deus entre. A história do filho pródigo contida no Novo Testamento é também a história do pródigo ego. O pai abandonado não é outro senão o E u Superior. Por mais rebelde e refratário que o ego se torne na sua procura das satisfações externas, ele não deixa de provir das entranhas do E u Superior./ O pródigo arrependido da Bíblia espantou-se de ver que o seu pai nao o acolheu com admoestações, mas, pelo contrário, tomou-o nos braços e beijou-o^ Quando o ego se introverte e enceta a caminhada de retorno rumo ao E u Superior, o amor do E u Superior começou a sua conquista

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e se constitui no fator que verdadeiramente está atraindo o filho de volta. E quando ambos se encontram, no momento da iniciação, também aqui não surgem palavras de admoestação, mas sim lágrimas de reconhecimento de par com uma calorosa afeição. Somente aqui, nesta volta arrependida e nesta auto-rendição, o homem aprende a soletrar com todas as letras o próprio nome. Assim chegamos à venerável e antiga verdade, verbalizada por tão numerosos videntes, de que sem esta vida mais profunda e inspirada do espírito o homem perece internamente ou, quando muito, leva uma existência que não passa de uma pálida caricatura de uma existência mais sublime que está aberta para ele. E mesmo aqueles que são incapazes de compreender a vasta e profunda discrição do E u Superior, que são incapazes de ver a fonte sagrada de onde emana o seu ser, bem como de acompanhar o curso sinuoso das suas vidas além daquele momento misterioso que assinala o fim físico, mesmo essas pessoas podem confiar na palavra de homens superiores que foram mandados para a nossa raça na qualidade de mestres e podem acreditar que existe uma divindade viva interior às coisas.

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Muito antes de penetrar de fato na realidade oculta, o homem empenhado nesta busca começará a sentir uma sutil atração interior que^o tornará por vezes mentalmente distraído. Trata-se na realidade da atração para o eu interno e da expressão da força centrípeta do Eu Superior. Tal homem não precisará esperar alcançar o objetivo fixado para que comecem a surgir resultados surpreendentes e palpáveis em seus exercícios. Aquilo que o Iniciado e o Sábio ali encontram todos os homens poderão encontrar em menor grau, nos primeiros estágios da sua busca. O breve período diário de recolhimento, combinado com um uso persistente do método explicado no capítulo precedente irá gradualmente induzindo o eu pessoal a manter-se à parte até certo ponto e permitir que poderes mais altos entrem em ação. Uma ajuda providencial e uma orientação extraordinária poderão começar a aparecer por si mesmas. Sem que ele mova um dedo, as reais necessidades de um homem que começou a estabelecer contato com o E u Superior poderão começar a ser ^ d t d j e sempre no momento psicológico azado. Isto se aplica tanto as necessidades espirituais e mentais quanto às materiais. Esta ideia nos joga sobre o nosso sentimento de credulidade um. carga demasiado pesada para suportar.

Por que não haverá o poder que sustenta o mundo ser capaz de amparar também tal homem? Sua torrente secreta flui incessantemente sob a existência pessoal de toda a criatura viva. O corpo físico não poderia continuar a funcionar como um organismo se o E u Superior não estivesse presente em cada molécula da carne. Pois o E u Superior como Espírito é a fonte da vida, um fonte que é infinita, e flui através de todas as coisas e todos os seres. Sua silenciosa atividade mantém todo o universo material em estado de constante procriação, razão pela qual não existe morte real em parte alguma. Paradoxo espantoso, porém universal, é ser o E u Superior invisível conquanto onipresente. Do ponto de vista científico, a matéria aproxima-se do nada e o Espaço é a realidade. U m cientista ilustre salientou recentemente que a porosidade do átomo é tal que, se eliminarmos todos os vazios existentes no corpo humano e reunirmos numa massa única os prótons e elétrons, todo o corpo ficaria reduzido a um minúsculo fragmento e para enxergá-lo teríamos de recorrer a uma lente de aumento. O E u Superior é tão fundamental e compreensivo que preenche todo o espaço. Não estamos aqui fazendo uma conjectura mas uma declaração exata, não uma teoria mas uma descrição comprovada pela experiência. Há um século tais assertivas poderiam parecer tolas; hoje em dia é quase racional fazê-las. T a l como os chapéus femininos, as teorias também caem de moda. As velhas teorias do materialismo mecânico já tiveram a sua época. O tempo e a verdade uniram-se para derrubá-als. A ciência sabe hoje em dia que não existe espaço vazio, mas sim um vasto universo oculto de E N E R G I A V I V A que é a raiz secreta da matéria. E m suma, o E u Superior nos abrange a todos e o desconhecimento do fato deverá ser debitado à nossa ignorância. Ademais, o E u Superior está sempre presente nos três estados da vida humana: desperto, de sonho e de sono profundo sem sonhos; de outra forma, não poderíamos tomar consciência de qualquer desses estados e a existência em qualquer um deles seria impossível. D o ponto de vista do E u Superior não há perda de consciência em nenhum dos três estados, cuja totalidade inclui os vivos e dois dos quais incluem os "mortos". O E u Superior é a testemunha dos três, os quais se lhe sobrepõe mas não podem jamais esmagá-lo. O reconhecimento da presença do E u Superior é contudo necessário antes que a participação na sua atividade se torne possível. O uso da técnica já descrita destrói todos os temores e revela um elemento mais elevado agindo em nossas vidas. Essa técnica pode ser aplicada a todos

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os problemas humanos pois, se estes comportarem uma solução prática, a sabedoria interior infalivelmente nos levará a adotar as medidas práticas adequadas, e, se as circunstâncias estiverem enredadas a ponto de não haver nenhuma solução à vista no momento presente, ser-nos-á dada a força para suportar tudo e viver mentalmente acima de todas as adversidades. "Tenho recebido inúmeras provas da proteção divina de que gozo; particularmente durante a nossa Revolução, da qual não deixei de ter indicações p r é v i a s . . . Numa palavra, vivo em paz, e isto me acontece onde quer que eu esteja. No famoso dia 10 de agosto, ocasião em que eu me encontrava encurralado em Paris, caminhando o dia todo pelas ruas em meio aos maiores tumultos, tive provas do que estou afirmando, pois cheguei a ser humilhado ao máximo. . . Minha apreensão, minhas privações, minhas atribulações não me alarmam e não me perturbam. Tenho consciência, em meio

a toda esta negra angústia, de que um poder secreto cuida de preservar-me São palavras memoráveis. Foram escritas numa carta particular redigida por Louis Claude de Saint-Martin, o sábio francês do século X V I I . E l e havia praticado um método de quietude mental cujo objetivo era o autoconhecimento. Muitos anos depois, aproximando-se do fim da vida, ele ainda declarava: "Minha vida corporal e espiritual foi tão bem cuidada pela Providência que não me cabe senão render-lhe graças". Vale a pena recordar mais uma vez que os benefícios deste método tornam-se aparentes muito antes que o objetivo aponte no horizonte. N ã o estamos aqui escrevendo para pseudo-Cristos ou Krishnas, mas para os milhões de pessoas que se acotovelam nas cidades modernas, prisioneiras de uma existência materialista confinada a escritórios, fábricas, lojas e ruas. O Nirvana não é fácil de conseguir, mas muito mais pessoas poderão dele aproximar-se e uma conquista como a descrita nestas páginas será mais do que suficiente. Muito mais, numerosas pessoas poderão encontrar um grau satisfatório de centralidade, serenidade, sabedoria e poder muito acima da média. D a mesma forma pela qual uma lâmpada elétrica pendurada a um poste de rua numa noite escura ilumina uma porção de espaço bastante grande em torno de si, enfraquecendo a medida que a distância for aumentando, assim também o homem que * está acercando do E u Superior começa a refletir algumas das su*j qualidades e poderes muito antes de entrar por inteiro na sua plena r a d i c a *

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Armados com este método poderemos banir da consciência todos os pensamentos débeis e prejudiciais. Poderemos desafiar todas as preocupações desfigurantes e lograr rápidas vitórias sobre as emoções depressivas. Satisfazer às exigências desta técnica é usufruir dos seus benefícios sem par. As decepções podem ser dominadas e poderemos aprender a recorrer a fontes de um poder mais alto, a exorcizar metade dos fantasmas que rondam a vida humana. ^ N ã o é possível fugir às dificuldades, mas é possível capturá-las e atirá-las no calabouço. A nossa mente, que opera em silêncio, é o nosso vínculo com o E u Superior, e o criador da vida externa do homem. Consequentemente, este método deve ser posto em prática tão logo surja uma situação difícil ou tão logo nos deparemos com uma situação desagradável. A s sugestões que normalmente ocorrerão deverão ser postas de lado e submetidas à apreciação do divino. T a l apreciação se consegue introvertendo a mente e fazendo indagações, tal como está explicado no capítulo anterior. Nós nos desembaraçamos de tais situações deixando de submetê-las à nossa mente, rompendo o nosso sentido de identificação com elas, e afastando-as provisoriamente do campo da consciência — ainda que por alguns momentos apenas. Quando um homem diz de si para consigo: "Estou infeliz", ele está colocando grilhões em torno da sua mente. Quando, porém, em circunstâncias idênticas, ele arrosta o desafio e pensa com insistência: " A quem sobreveio esta infelicidade?", ele se coloca de imediato numa posição objetiva com relação ao seu atro estado de espírito. Essa indagação precisa destrói tais estados de espírito porque inicia um processo que leva à destruição das suas bases, ou seja, a auto-identificação com eles. Embora a busca principie como um processo mental, ela terminará, se fielmente executada, com um estado de ser espiritual espontâneo. A necessidade de introverter-se, por pouco tempo que seja, e de esperar pela silenciosa resposta, é real, pois a percepção daquilo que o eu realmente é afasta a ideia falsa de que as disposições do corpo, os estados de espírito, sejam a própria pessoa. Por esta forma a dor mais pungente pode ser mantida a uma distância psicológica. O verdadeiro sentido do eu nunca é esmaecido pelas circunstâncias, por piores que sejam. Ele confere uma autoridade sobre a existência tão logo mudamos a nossa forma de pensar do ponto de vista puramente pessoal e esposamos um ponto de vista mais elevado. Diante do espelho todo homem pode ver um rosto que tanto poderá ser do seu maior amigo como do seu pior inimigo. Pois todos os homens têm o título de propriedade da sua mente e são o responsável único pelos pensamentos que entretém. U m estado mental positivo pode ser adquirido através do

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hábito, da mesma forma pela qual a maioria das pessoas adquire estados negativos através de hábitos tolos. esiaaos H

A inteligência divina interior ao homem é capaz de solucionar todos os problemas, pois e mais sabia do que o homem. Quando o desespero bate sem cessar a porta do coração humano, é chegada a hora de entregar-se por inteiro ao E u Superior. Isto pode ser feito dirigindo a mente para dentro de si mesma o mais breve possível, e mantendo tal atitude face a toda oposição até que se chegue ao âmago da quietude, onde uma ajuda misteriosa estará aguardando. O homem deve absorver-se a tal ponto nessa quietude que o problema doloroso inicial deverá ser esquecido por alguns momentos ou minutos, ou até mesmo por mais tempo. Tal esquecimento sobrevêm sempre quando o ego pessoal é capturado e seguro pelo E u Superior. Até mesmo dois segundos dessa condição serão sufi-

cientes para produzir notáveis resultados.

O êxito nessa empreitada não raro exige que toda a prova sensorial em contrário seja deixada de lado, pois a divindade interna deve ser abordada com humilde esperança e confiança. As privações, perturbações e tentações desaparecerão de per si da mente, mas a hora do seu desaparecimento será fixada pelo destino. Mas devemos nos recolher ao silêncio mental sempre que necessitarmos de uma ajuda maior do que aquela que o intelecto ou os meios externos poderão proporcionar. Não existe campo da vida humana onde estas verdades não encontrem aplicação prática. Os negócios podem ir à falência, as situações podem tornar-se irremediáveis e a doença poderá minar o organismo, mas a proteção interna proveniente da comunicação com o Eu Superior jamais faltará ao homem, jamais poderá entrar em colapso e jamais se perderá, a não ser que ele próprio a renegue. Quer o indivíduo perambule pelas planuras desertas da Asia Central ou pelas apinhadas metrópoles de um Estado americano, essa proteção se constituirá numa fonte infalível de apoio moral e material, dispondo dos acontecimentos e das pessoas em seu favor de uma maneira maravilhosa. Devemos contudo estar atentos à auto-ilusão. Se a comunhão íntima não houver sido genuinamente estabelecida, então tudo o que se disser a respeito não passará de fantasia mental, de uma cacofonia de palavras ocas que conduz apenas aos desenganos. Estas ideias de nada valem se não puderem ser postas em prática ou se não puderem produzir resultados efetivos. , A s paixões que de outra forma seriam irrefreáveis podem ser d a nadas colocando \ mente em sintonia com o Eu Supenor Qualjuer paixão ou desejo perturbador pode ser venc.do e controlado, tao logo

surja através de uma aquietação total da mente. O processo é de resultados rápidos, amiúde instantâneos. A s s i m que nos damos conta de q estamos perdendo o autodomínio, o pensamento deverá ser introvertido e paralisado na medida do possível. Este ato acalmará simultaneamente a paixão. A causa é simples mas pouco conhecida.^ T o d o s os desejos e paixões têm a sua raiz real não apenas no corpo físico — como geralmente se acredita — mas também nos hábitos mentais que as atividades do corpo originaram. Esses inconvenientes têm de ser dominados na mente e jamais o serão em qualquer outra parte. Por esta razão o ascetismo físico é muitas vezes fútil, levando mesmo a reações sensuais quando a roda propulsora do poder da vontade é suprimida. u e

Essa espontânea quietação da mente deve ser fácil de conseguir para todo aquele que tenha praticado com rigor o m é t o d o presente, e a pessoa pressentirá um elemento mais alto despontando simultaneamente em sua consciência a cada desejo pessoal que surgir. A s últimas palavras acerca deste método devem ser como aquele que automaticamente acerta a sua própria posição, acerta t a m b é m toda a sua vida. "Comecemos de maneira certa e por todo o caminho progrediremos com rapidez", este era o sábio conselho do A l t o Sacerdote D e Amen-Ra no antigo Egito. E ele não pretendia senão aquilo que aqui foi escrito: quando alguém entra em sintonia com o E u Superior — que é a primeira entre todas as coisas fundamentais — dali por diante a sua existência passa a receber um apoio maior. O destino tem o seu papel em todas as questões, pois é u m a força tão operante e real como a eletricidade. N ã o obstante, trabalha em harmonia com o E u Superior, já que os propósitos de ambos são idênticos.

/Aquele que sabe quando deve submeter-se ao destino resistir-lhe ê o verdadeiro senhor da sua sortef

e quando

deve

N ã o é fácil saber a priori a maneira pela qual uma dificuldade qualquer será solucionada, pois os frutos dos nossos desejos talvez resultem desalentadores. O E u Superior sabe, e sabe melhor do que qualquer um; por que não confiar nele? Desde que cumpramos com o nosso dever, de acordo com a luz que nos foi concedida, podemos tranquilamente deixar a cargo do E u Superior todas as questões de maneiras e meios. Somente ele sabe como harmonizar as nossas necessidades com os decretos do destino e chegar a soluções que sejam em última instância as melhores. U

que será, será! É o dedo de Alá- não nos queixemos", murmura

o muçulmano fatalista nos momentos

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de aflição, voltando os olhos

na

direção das estrelas. Mas nós europeus e americanos somos rebeldes pois, inconscientemente, alcançamos a verdade de que o dedo de Alá é tao somente o nosso dedo; não alcançamos, porém, com igual presteza a verdade complementar tão explicitamente enunciada por Jesus segundo a qual cada um colhe conforme semeia. N o entanto, sem o princípio das reiteradas reencarnações o destino torna-se falto de sentido, as palavras de Jesus tomam-se mentirosas e toda a vida uma farsa inútil. A prática do presente método nada tem a ver com a magia. U m erro em que a maioria dos principiante incorre é confundir a busca do E u Superior com a busca de poderes ocultos. O vazio entre uma e outra coisa não é muito notado nos primeiros estágios mas, posteriormente, torna-se assaz pronunciado. A verdade monumental porém simples de que o homem é essencialmente divino — tão monumental porém tão simples como as colunas dóricas de um templo grego — pode ser aprendida sem romarias aos estranhos e complicados labirintos do ocultismo. D e fato, é por todos os títulos condenável a ideia de nos entregarmos a estudos estrambólicos e fantásticos, a experiências fantasmagóricas ou medonhas; ou perambularmos entre duendes e diabretes, com o fito de descobrir aquilo que é fundamentalmente bom e belo no homem. Aqueles que assim agem começam por perder o seu caminho espiritual e terminam às vezes perdendo o juízo. A verdade jamais é atestada por meio da taumaturgia ou dos milagres. E l a deve manter-se ou desmoronar por si mesma, por sua sublime racionalidade e alta eficácia. O s pseudo-ocultistas esquecem-se ou ignoram que o poder supremo básico a todos os poderes ocultos é o poder do E u Superior. Todas as forças menores nele têm a sua origem. É mais seguro ir diretamente à fonte do que cortejar a aquisição de faculdades fugidias e dons perigosos. O homem perde facilmente o seu rumo no império nebuloso do ocultismo e é obrigado a retomar a sua linha à custa de algum sacrifício. Nem são esses poderes extra-normais mais baratos de conseguir do que os frutos mais elevados do encontro do E u Superior. A iniciação no E u Superior é amiúde confundida com as experiências psíquicas sensacionalistas. T a l iniciação é uma experiência íntima e inefável que nenhuma arenga verbal, nenhum rasgo de teatralidade e nenhum milagre manipulado pode conferir. É uma coisa enorme e extrao£ dinária, sagrada e bela, e dinheiro algum é capaz de paga-la. Somente ela faz dos homens verdadeiros apóstolos e padres. Quando os estudos do psíquico e do oculto são por creditados, não se pretende com isso dizer que sejam destituídos de *alor.

Tais estudos ajudam a satisfazer mento popular; podem mesmo grosseiro. Mas eles só merecem experimentados; com certeza não

a curiosidade científica e o deslumbraquebrar o espinhaço do materialismo investigação por parte de pesquisadores merecem as nossas vidas.

Jesus disse a pura verdade ao afirmar que todas essas coisas nos seriam dadas se primeiro buscássemos o reino do céu. T o d o aquele que descobre o reino divino descobre também que milagres extraordinários começam a acontecer e que maravilhas insuspeitadas passam a assinalar os dias da sua existência. Mas, nesse caso, as coisas vêm sem ser procuradas, inteiramente por si mesmas, diretamente da atividade misteriosa e silenciosa do E u Superior. A pessoa não lutou por elas e assim elas vêm de forma certa, fácil, sem dano à própria pessoa ou aos outros. Assim como uma delicada flor não tem consciência da própria beleza nem da fragrância que exala, assim também um nome verdadeiramente espiritualizado raro tem consciência pessoal das mágicas que opera, bem como do bem que faz e da ajuda que prodigaliza.

vive as suas crenças e converte os princípios em prática. Ele não apenas confiara aos cuidados do E u Superior seus amigos e entes q u e r í d o s S também os seus inimigos. Ele sabe que perdoando ganha-se mais To que se perde. Quem guarda rancores é cego e não percebe que terá de pagar pela reincidência nos antigos erros. O homem sensato transforma-se assim num enviado secreto do E u Superior junto a todos quantos lhe cruzam o caminho; no interior da sua mente existe uma mensagem divina para todos que dele se aproximem, mas é preciso que lhe solicitem com humildade tal mensagem, caso contrário ela ficará no nascedouro. A s potencialidades da ação inspirada, da atividade isenta de atritos, são pouco conhecidas. Nós somos incapazes de perceber a imensidão dos feitos ao alcance do homem centralizado. A divindade e a praticabilidade não são necessariamente incompatíveis. O místico moderno pode encarar a vida como um participante e não como um mero espectador. E l e não teme entregar-se à ação. Ele sabe que, se der atenção ao pensamento, os atos se encarregarão de si mesmos, e sabe que tudo aquilo que se conquista com a mente conquista-se com as ações, e tem de dar bons frutos. E l e não tem necessidade de enganar-se a si ou aos outros adotando certos ascetismos de fachada que pertencem a uma época já ultrapassada. O mundo é o seu mosteiro. A vida, o seu mestre espiritual. A s experiências vivenciais são as doutrinas cujo estudo o interessa.^ y

^Nunca é demais salientar o valor do equilíbrio proporcionado pela quietude mental. Os hospitais ficariam menos cheios, os sanatórios menos apinhados e inúmeros lares teriam uma felicidade muito maior se a quietude mental fosse universalmente praticada/ Nestes dias de confusão, conflitos e horrores: uma mente equilibrada, a calma interior e uma madura sabedoria, bem como um senso dos valores genuínos, não são coisa destituída de vantagens. O s Estados Unidos, país estuante de atividade física e mental, têm mais necessidade dessa qualidade de tranquilidade íntima do que a própria Europa. A agitação, a pressa indevida e a ansiedade excessiva desaparecem do vocabulário da existência quando se recorre à quietude mental. E l a propicia ao homem uma perspectiva filosófica revigorante eficiente.

que o torna mais e não menos

O homem sensato transforma toda a oposição em oportunidade. O s defeitos daqueles com quem é obrigado a entrar em contato transformam-se em pedras de amolar das suas próprias virtudes. E l e enfrenta a irritabilidade alheia com sublime paciência, a qual só faz crescer tão logo sua atenção é transferida para o eu interno. E l e não torna piores as coisas demorando-se exageradamente nos pensamentos negativos. Ela

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Homens profundamente envolvidos nos assuntos mundanos têm encontrado o caminho para o E u Superior. N a efervescência dos negócios não lhes é difícil conservar a calma interior. Há uma necessidade, nestas horas críticas da vida do nosso planeta, de homens de espírito iluminado capazes de harmonizar o secular com o sagrado, capazes de agregar uma sutil espiritualidade aos seus naturais modernos e complexos e capazes de romper a crisálida da opinião pública para proclamar a sua luz interior. , H á uma necessidade de homens que procuram servir à humanidade tanto quanto aos seus interesses. "Surjam as grandes personalidades, e o resto virá", bradava W a l t W h i t m a n / 1

Todo aquele que se converter num ponto de encontro da praticidade do mundo com a" fortaleza transcendental sobra para ser útil. sua

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na escuridão da vida rateiam desesperadamente a c a t d e um E l e se transformará num refúgio, num « ^ j u d t palavras jamais se perderão " . ™ J ^ homem fale acerca da vida mais divina ele e

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mudear. Escritas ou faladas, as suas palavras terão um efeito liberador sobre algumas pessoas e inspirador sobre outras, mas poderão penetrar fundo como setas pontudas nas mentes de não poucos indivíduos. Cada palavra transforma-se numa força criativa viva, num mágico veículo de luz e poder e chegará mesmo a viajar os cinco continentes para alcançar aquelas pessoas que provavelmente se beneficiarão delas. O ponto de partida desta busca é onde nós nos encontramos e que coisa somos. O ponto final é o mesmo. A religião, o misticismo, a arte, a ciência e a filosofia são apenas caminhos indiretos, pois o problema do autoconfronto não pode em última instância ser evitado. Daí não podermos nunca nos atirar com precipitação à tarefa. O trabalho está fadado ao êxito final porque o infinito é tão inerente em nós como o sal é inerente na água do mar. A obra da não-identificação não é necessariamente enfadonha, como também não é um passatempo para as horas de lazer. Aventura alguma é na realidade tão elevada. N ã o obstante, os nossos cérebros são voluntariosos e relutam em aquietar-se segundo os nossos desejos. Exige-se uma disciplina feita no dia-a-dia para dominá-los. O processo indicado irá provocar uma utilização diferente da função corriqueira do intelecto e a transformará numa passagem efetiva para p Eu Superior. A faculdade cotidiana do raciocínio será no final absorvida por uma parte mais profunda do nosso ser; ela ficará imobilizada enquanto estivermos tomando consciência do silêncio amplo e livre em torno de nós. Isto é possível porque a vida e o trabalho do intelecto provêm, em última instância, do E u Superior. Não que possamos viver sem pensamentos; pensaremos na medida em que isto for exigido pelas circunstâncias da vida, mas ficaremos capacitados a manter a nossa experiência da realidade bem viva no seio desses pensamentos. O resultado obrigatório é que essa vida reflexiva ganhará um poder e uma capacidade de comando incomuns, uma significação totalmente diversa daquela que é atribuída aos pensamentos banais não inspirados. Dessa maneira poderemos manter uma bela harmonia entre a vida do espírito e a vida do mundo, não encontrando nenhuma contradição entre ambas. Ninguém que atinja essa vida equilibrada se transformará num tagarela sentimentalista vagando num mar de sentimento, sem fazer algo de valor criativo para si ou para a humanidade. O fluxo e refluxo do êxtase emocional, a ascenção e a queda dos prazeres pessoais, são ninharias diante da grandiosa dignidade da inalterável placidez do E u Superior. Todos os êxtases religiosos têm de acabar, todas as visões psíquicas têm

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de dissipar-se, mas a quietude do E u Superior pode permanecer para sempre no interior de um homem, pois o Eu Superior é ele próprio Sempiterno.

Quem experimentar uma hora dessa lucidez supramundana adquirirá uma tranquila consciência do profundo significado oculto na expressão enigmática porém sublime que ainda hoje se vê no rosto mutilado da Esfinge do Egito. Penetrará no segredo do sorriso beatífico que acaricia os lábios mudos da gigantesca imagem do Buda japonês. Compreenderá também por que uma determinada pintura de um determinado palácio de Florença faz os turistas de sensibilidade quedarem-se mudos de espanto. A seguir poderá perceber que a verdade é uma deusa que se assenta num alto pedestal, bem acima da multidão barulhenta. Ela está sempre pronta a receber todos os homens, mas nem todos os homens estão prontos a receber a verdade. O mundo nrecisa humilhar-se e corteiá-la, pois ela não se rebaixará a ponto de cortejar o mundo. Algumas pessoas que se tornaram receptáculos dos seus favores, que foram admitidas à sua i n r Z n fnrrncflmpntp de nortar-se como humildes intermediários w



entre eia. ela ce a. a massa. mooaa. A pessoa poderá perceber também que essa coisa que entrou na sua vida não é senão espírito; não é movimento vivo mas quietude viva. As palavras roçam-lhe W *

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mais profundo dos discursos, oua. entre as montanhas do Himalaia e os desertos do Saara. UIMUI

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Sua transparên-

cia surge no rosto do sábio que compreende ser melhor viajar para o Centro do que para o exterior. Os tolos talvez nada aprendam dos sábios, mas os sábios aprendem bastante com os tolos.

Aprendem que por toda a parte a humanidade

confunde palração com adoração. O silêncio nos é mais útil do que o mais eloquente dos ditos. O homem que penetrou para sempre no silêncio não se polémicas estéreis nem convidará outros para entreterem ° P ^ pelo contrário, conduzirá seus semelhantes a novos pensamen os e a nu,s nobres experiências. Ele não batalhará para converter-o. cetcos ou con vencer os pusilânimes, pois compreende agora ^ ^ ^ ^ ^ Z a galgar a comprida escada do desenvolvimento espiritual, t que. p « m e r

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tanto, a indefectível experiência é a melhor mestra que há. O Iniciado tem uma paciência infinita e não impõe sua vontade a ninguém. Não obstante, por ter compreendido a unicidade do E u Superior, ele não terá a partir desse momento outro objetivo — não poderá ter outro objetivo — que não seja o bem-estar de todos os seres. E m seu coração não haverá distinções, embora a necessidade de alcançar seu desiderato com o máximo de economia e o mínimo de esforço restrinja seus serviços àqueles que já estão maduros para receber a sua ajuda, àqueles que não o acolherão com desprezo ou com ingratidão elementar. Por esta razão movimenta-se silenciosa e discretamente pelo mundo, ocultando sua entidade espiritualmente régia sob o invólucro de carne que o destino lhe deu e forçando os seus discípulos a tomar conhecimento do público sempre que uma causa pública se apresente. Essa é a velha busca com que se depara a humanidade: o anseio do eu fragmentário pelo íntegro E u Superior. Para isso a minúscula ameba lutou durante milénios até transformar-se no bípede humano; para isso o universo labutou eternamente; e para isso a nossa pobre terra gira em imensas extensões do espaço. A Natureza nos dá o exemplo de uma paciência imensa e incrível. Nós bem poderíamos imitá-la durante algum tempo. E m b o r a o nosso progresso seja duvidoso e espasmódico, acreditemos que a presente busca tem um objetivo certo e divino. A luz poderá brilhar durante u m ilusório momento e a seguir deixar-nos privados da visão, fi possível que por um instante apenas enxerguemos com espantosa clareza e depois voltemos a ficar cegos. Através de tudo, não devemos esquecer que existe Alguém que vela por nós durante as dores do crescimento e as moléstias da adolescência, Alguém dotado de uma benevolência total e de uma consciência plena do nosso glorioso objetivo. O triunfo do processo evolutivo não será senão o triunfo do Amor, porque todos nós nascemos do ventre da Mãe Suprema cujo amor por nós não é menor que o nosso amor por nós mesmos. E por mais tardiamente que tais verdades tenham surgido em nossas vidas, elas jamais terão chegado demasiado tarde. Jesus deu início à sua breve missão colocando em destaque a ideia do arrependimento. O Novo Testamento ao repetir suas palavras iniciais, emprega a palavra grega metanoe para expressar a ideia. O mais pleno significado do termo e na realidade mudar o modo de pensar. Essa é a nossa necessidade mais urgente.^ Nossas mentes se divorciaram da sua fonte espiritual. E um curto período diário dedicado à quietude mental provocará a desejada

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mudança do nosso modo de pensar. Estas despretenciosas linhas não levam o intuito de trazer ao mundo novas ilusões religiosas, nem de ensiná-lo a recitar as litanias de superstições já gastas, nem de encorajar vãs esperanças de encontrar uma solução para os assuntos práticos ignorando os espirituais. A s necessidades materiais e as angústias mentais da humanidade são inseparáveis da sua perspectiva espiritual. O autor não tem como declarar estas verdades em termos mais definitivos do que estes que empregou. Aqueles que o compreenderam devidamente devem esforçar-se por captar não apenas as palavras, mas também aquilo que se encontra entre elas e na sua base. O estilo descontínuo não expressa essa transcendência de difícil comunicação que paira de forma impalpável em torno de nós. Estes pensamentos ou são verdadeiros ou não têm nenhum valor. Jamais poderão ficar estagnantes, bem como jamais poderão ser negados. Eles têm mantido as mais lúcidas mentes humanas empenhadas desde a aurora do tempo; e assim continuará a ser quando os derradeiros dias do planeta estiverem à vista. Eles poderão ficar esquecidos durante determinados períodos de tempo, mas sempre conseguirão uma nova reencarnação. Eles são imortais e um dia abarcarão toda a raça humana, A verdade poderá permanecer negligenciada mas ela é, em última instância, irresistível, e a humanidade terá um dia de submeter-se sem restrições às suas poderosas injunções. O Absoluto tornará a interpretar-se a Si mesmo em todas as eras e em todas as partes. O Divino Silêncio romperá periodicamente sua sagrada discrição, enviando em carne e forma sua interminável mensagem de Esperança ao homem. Assim é "a palavra tornada carne" e sempre haverá quem nos recorde aquilo em que poderemos nos transformar. .

Quem alimentar por estas verdades uma exaltada estima jamais será defraudado. . Jamais temamos, portanto, s u b m e t e m o s àquele podei_ rrms ako que exerce um soberano domínio sobre as vidas dos homens^ Comecemos

vinda do reino do céu à terra.

seus sacrários desérticos poderemos encontrar um retr.gerio eterno para os nossos corações.

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E P I L O G O A mais negra tragédia desta nossa negra época é a crença tola de que os pensamentos desta ordem não têm utilidade prática. Pelo contrário, é nas ideias eternamente verdadeiras que o homem pode colher uma inspiração genuína para uma ação mais efetiva, uma coragem indómita para enfrentar os piores problemas, uma esperança renovada para seguir avante, e até mesmo a paciência necessária para suportar aquilo que tem de ser suportado — e não menos um elevado incentivo para trabalhar incessantemente em prol do bem-estar universal, como se se tratasse do seu próprio. Os cadeados são rapidamente destravados, os trincos girados com satisfação e as portas se abrem com presteza em numerosos lares para receber o homem capaz de trazer para dentro deles a bênção benfazeja do E u Superior. Quem estude e compreende estas ideias vitais poderá aprender a viver neste mundo azafamado, invocando em seu auxílio forças de uma região mais elevada. T a l pessoa tornar-se-á um elemento cada vez melhor dentro da sociedade, se fizer da verdade a sua vida, se fizer, de quando em quando, com que a sua mente fique tão plácida como a superfície de um lago montês, e se conduzir-se com um sereno autodomínio, cuja suave correnteza sempre a assistirá em toda e qualquer dificuldade. Os cegos poderão dizer o que quiserem, mas o E u Superior é o nosso verdadeiro redentor e faz valer os seus desígnios secretos apesar de tudo. Não será mais sensato, então, nos colocarmos voluntariamente sob a sua influência divina, evitando com isso os sofrimentos desnecessários que atraímos sobre nós graças à nossa ignorância? Muitos temem os pensamentos deste tipo, pois receiam ter de privar-se das coisas agradáveis que tanto representam na vida terrena. Esses homens podem deixar de lado as suas hesitações, pois apenas um fanático pretenderia que eles se entregassem a uma série de renúncias irracionais. Estando a mente sob controle, por que razão haveríamos de temer o mundo ? A capacidade de controlar a vida resume-se na capacidade de controlar a própria mente. Nós erramos primeiro em pensamento e só mais tarde em ação. O tumulto do mundo desabou sobre nós e uma perplexidade universal nos franze o sobrolho apenas porque ignoramos que, com muito risco, a verdade espiritual está sendo desprezada. A humanidade deriva

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hoje em dia como um navio acidentado: sem capitão, sem mapas e sem âncora — uma verdadeira carcaça que de um momento para outro poderá chocar-se contra icebergs semi-aparentes. ^No entanto a espantosa Inteligência que compôs a anatomia humana e pôs o branco nas plumas do cisne continua a enfeixar o mundo e não abandonou a sua criação. Nós não somos órfãos perdidos. Cristo veio de longe para o nosso conturbado planeta. Suas armas eram apenas uma mensagem de uma ética muito elevada e uma missão de fazer curas espirituais. Ele trouxe aos desencantados corações humanos a esperança — não uma espada para trespassá-los. Mas a paz anda mais longe do que nunca da nossa lastimável estrela. Terá Cristo falhado? A resposta só poderá ser dada por quem vê o drama cósmico na sua totalidade e conhece por antecipação o que está por vir. Entrementes nós rondamos os umbrais de uma nova era. Os dias da meninice desta nossa terra há muito já se foram. Uma humanidade adolescente precisa preparar-se para arcar com as responsabilidades intelectuais e espirituais da maturidade que desponta. Não é dever de todos os homens guiar nações e governar povos. É dever de cada homem, no entanto, guiar sua vida pessoal e governar a sua mente turbulenta, conquistar para si aquilo que o Estado jamais lhe poderá dar. O verdadeiro consolo e a sabedoria infalível habitam apenas nas profundezas divinas do eu. O hábito da introversão sempre que surge a necessidade tem de, mais cedo ou mais tarde, ser adotado por todos. E essa necessidade é hoje maior do que nunca. Ninguém precisa recear submeter-se ao eu mais sublime e transformar o seu ego em soberano ao invés de escravo. Não há e nao pode haver uma perda real. Aquilo que sustenta o universo, ira doravante encarregar-se dele também. Quando os homens se derem sem restrições ao divino Eu Superior —

o divino E u Superior se dará sem restrições a eles. A fim de exaltar a verdade fulgurante e servir aos poucos que a ela darão atenção, este ongmal é enviado do vetusto Oriente para o ,ovem Ocidente.