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Portuguêz Pages [174] Year 1957
paul brunton or ile 0
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pensamento
SABEDORIA ALÉM DA
OCULTA IOGA
ÍNDICE
I
II
A L É M DA IOGA
O
CAMINHO
GRAUS
FINAL
RELIGIOSOS E MÍSTICOS
III
Os
IV
A
FILOSOFIA O C U L T A
V
A
DISCIPLINA
VI
O
C U L T O DAS PALAVRAS
VII
A
BUSCA
VIII
A
REVELAÇÃO
IX
DA
COISA
DA ÍNDIA
FILOSÓFICA
DA VERDADE
AO
DA R E L A T I V I D A D E
PENSAMENTO
X
O
SEGREDO DO ESPAÇO E DO T E M P O
XI
A
MAGIA
DA
XII
A
QUEDA
DO MATERIALISMO
EPÍLOGO:
A
MENTE
Vida Filosófica
Esclarecendo alguns equívocos tulo de suplemento explicativo da obra)
APÊNDICE:
CAPITULO I
ALÉM
DA
IOGA
Quanto mais eu perambulo por este mundo de Deus, tanto m a i s percebo que não apenas os indivíduos, governos ou povos devem levar a c u l p a pela desoladora condição atual da raça h u m a n a — tão fascinada pelas maluquices d a moda e tão iludida pelos mitos t r a d i c i o n a i s ! — m a s vejo também que boa parcela d a culpa deve ser atribuída ao desconhecimento destas três questões fundamentais: Qual o significado do mundo tência?
e da experiência?
Que sou eu?
Qual
o objetivo
da exis-
Vejo c o m assustadora nitidez que, rompida essa antiga ignorância, nosso conturbado mundo mais do que nunca poderia contar com u m a paz duradoura. A essência do- problema do inundo é demasiado óbvia p a r a ser percebida pela nossa complexa e r a : todos os atos são ditados pela fonte oculta d a mente e apenas quando aprendermos a pensar direito, e não antes, agiremos com acerto. Os nossos atos não podem nunca ultrapassar as nossas ideias, porque são os comandos inaudíveis d a mente que irão determinar o chão a ser pisado pelos pés. A s m a i s amargas dores do mundo e os pecados mais bestiais não passam dos sintomas de u m a doença c u j a causa é u m a antiga ignorância e c u j a única c u r a é a renovação dos conhecimentos. Ê dever inelutável de todo o ser inteligente e racional que alimenta, desejos rudimentares e semiconscientes de u m a existência melhor não permanecer n a indolência mental, mas persistir n a busca das respostas àquelas três perguntas, vale dizer n a busca da estrela cintilante da V E R D A D E . Chavão muito conhecido é o de que vivemos hoje n u m inundo c u j a situação não encontra paralelo n a história. Nós nascemos n u m a encruzilhada crucial. Certas novas correntes de pensamentos, sentimentos e atividades vêm agitando fortemente o globo desde o começo deste século, e, e m menor grau, desde há muito mais tempo. A guerra não fez senão colocá-las n u m a convulsão ainda maior e mais dramática. A crónica monótona de outras eras carece de u m mínimo de significação quando comparada com a da nossa. As multidões
cegas quedam-se estupefatas ante as mudanças iconoclastas, e desconcertadas ante os seus efeitos devastadores. Marte colocou este planeta no pelourinho. Nêmesis tem percorrido as nações como u m j u i z , envergando u m a soturna peruca e manipulando com rispidez a esquecida balança da justiça. E todos os povos e r r a m às cegas através de u m a das mais momentosas transições j a m a i s impostas à raça. Sete dessas novas características transformadoras da nossa época merecem maior atenção do ponto de vista filosófico e têm u m a ligação final com a publicação desta obra. A primeira característica digna de nota é o incrível desenvolvimento do transporte mecânico entre as cidades, os países e os continentes, através do uso dos trens elétricos e a vapor, dos automóveis e ônibus, dos navios e aviões. Com isso o planeta encolheu-se e, sem querer, os homens foram forçados a aproximar-se u n s dos outros. O
fato ampliou
definitivamente
o sentido
de espaço
de milhões
de
pessoas. F e z com que elas entrassem e m contato íntimo c o m os vizinhos, com os estranhos e estrangeiros; e m consequência, testemunhamos u m intercâmbio de culturas raciais, u m a multiplicação das ideias e u m a expansão nos horizontes. Aconteceu, assim, ao mundo algo que não encontra paralelo nos anais d a história. A s ideias já não podem permanecer insuladas, a não ser por obra da força b r u t a — e isso mesmo por u m período de tempo bastante breve. E u m a consequência até aqui subestimada é que a voz da sabedoria asiática está sendo agora ouvida n a E u r o p a e n a América. A segunda característica é a formidável elevação tanto do status político quanto do padrão de v i d a das classes trabalhadoras, e m comparação com as duas ou três últimas gerações. T a l elevação desenvolveu entre os trabalhadores u m sentido de auto-respeito que i n e x i s t i u enquanto eles viveram presos aos laços de u m a escravidão atávica. Aristos entregou o seu cetro a Demos ( m u i t o a contragosto, sem dúvida), e Demos o está manejando — por vezes com respeito e discrição ou então de forma ditatorial e absoluta. E l e adora as multidões e se humilha perante a magnitude. A turba carrega consigo o poder; o seu veredicto constitui a p a l a v r a final. Mas a consequência m a i o r dessa emancipação sem precedentes foi por s u a vez o desenvolvimento de u m interesse pela v i d a ulterior à preocupação corriqueira de garantir apenas a subsistência. As massas começaram a enxergar adiante do nariz e a libertarem-se do sentimento de submissão.'% As questões mais amplas e os pontos mais discutíveis da religião, d a política e da cultura já não permanecem por inteiro fora do seu alcance. A terceira característica é a erradicação do analfabetismo e a democratização da instrução. O conhecimento deixou de ser o monopólio de uns poucos privilegiados. A instrução livre e compulsória operou modificações miraculosas nas mentes de pessoas que e r a m antes tratadas como simples crianças pelo despotismo das classes dominantes. A onda educacional v a r r e u o mundo c o m ímpeto crescente
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e a consequência é que as massas são hoje bem mais sofisticadas do que outrora. E l a s superaram notavelmente as doutrinas de j a r d i m da infância que sempre lhes foram impingidas.fi 0 aparecimento dos primeiros tipos impressos anunciou a queda dos velhos tempos de c r a s s a ignorância. Enquanto o camponês ou o operário europeu de há m i l anos e r a incapaz de ler u m a carta e sequer assinar o próprio nome, o camponês e o operário europeu e americano de hoje não apenas sabe ler todas as letras do alfabeto como também sabe escrevê-las. Tampouco acha-se t a l progresso restrito a esses continentes, embora tenha neles atingido o seu clímax. Também a Ásia e a África estão avançando. Mas não devemos incorrer n a crença errónea de que tal fato tenha contribuído substancialmente p a r a que a humanidade aprendesse a raciocinar corretamente. E x i s t e m duas espécies de instrução: a que se l i m i t a a divulgar os fatos e ajuda o homem a memorizá-los, e a que os ajuda a ponderar devidamente tais fatos. A maior parte da instrução enquadra-se n a primeira categoria (que depende do uso do intelecto), mas há também a instrução que se enquadra na segunda (que depende da altaneira faculdade da razão). Contudo, o progresso generalizado n a área do conhecimento gera algum progresso n a área da indagação, advindo u m certo despertar do raciocínio, por incipiente que seja. As pessoas estão hoje mais aptas a usar a razão do que em outras épocas, embora não estejam preparadas p a r a fazer desse uso u m componente vital da sua existência. Pode-se, portanto, alimentar u m a razoável esperança de que aumentará bastante o número de neófitos à procura de iniciação filosófica quando as doutrinas forem despojadas do opaco véu do jargão e colocadas em termos mais compreensíveis. A quarta característica é a relação das surpreendentes invenções surgidas no campo da comunicação desde que Gutenberg, n a Alemanha, i m p r i m i u sobre o papel em branco a primeira palavra e William Caxton, n a Inglaterra, montou a primeira e barulhenta prensa manual. A máquina impressora, o correio barato, o telégrafo elétrico, o telefone, o cinema e o telégrafo sem fio são instrumentos civilizadores que se combinaram para comunalizar e popularizar o conhecimento, colocando-o ao alcance imediato de todos. O resultado é que por toda a parte se processa u m contínuo intercâmbio de fatos, pensamentos, ideias e pontos de vista. O tempo perdeu muito da sua importância numa época em que o sem fio e o cabo se j u n t a r a m para trazer as últimas notícias de todo o mundo à nossa porta n u m instante, em que os jornais diários ou as revistas colocam a mais recente descoberta científica britânica diante dos olhos do leitor chinês na mesma semana. U homem falando de Londres fará eco n u m sétimo de segundo e n : fraçáo de tempo sua voz terá percorrido toda a T e r r a e sido capta pelos ouvidos de milhares de pessoas. Assim, estas invenções I contribuíram para alterar e ampliar o sentido de tempo da maioria
pessoas. Mais ainda, abriram-se ao estudo imensos períodos evolutivos da história pretérita do homem e o universo habituou as pessoas instruídas a raciocinar em termos de tremendas perspectivas de tempo. A antiquada ideia de tempo como u m a coisa e m lento deslocamento foi varrida pelo vento do progresso. Vivemos agora n u m mundo em movimento e não estático. O ritmo da v i d a americana subiu a u m nível j a m a i s sonhado pelo inca ou pelo azteca. O ambiente e os mecanismos caseiros dos lares europeus permitem inúmeras atividades cotidianas nunca vislumbradas pelos indolentes romanos de outrora. Os hábitos de u m a centena de gerações estão se desintegrando diante dos nossos olhos, mas aqueles que passam toda a s u a v i d a e m cidades ocidentais talvez deixem de notar e levar e m conta essa surpreendente alteração tanto quanto o fazem aqueles que vez por outra dirigem-se para as cidades do Oriente, onde os dias podem ser passados longe de todos os sinais da nossa época e d a nossa ciência. A evolução da mente humana processa-se, portanto, de forma muito mais rápida do que e m séculos passados. 0 jornal, produzido n u m ritmo de vinte m i l exemplares por h o r a , transformou-se n u m a grande força formadora n a v i d a moderna. S e o homem medieval não conseguia u m só livro p a r a ler, em razão do alto custo das obras, o homem de hoje, por seu turno, pode conseguir u m j o r n a l todos os dias e ler u m novo l i v r o por preço acessível todas as semanas. A folha impressa disseminou o conhecimento, preparou o caminho p a r a a ciência, demonstrou-a em todos os idiomas modernos, e pode agora a b r i r u m a v i a — ainda que estreita — p a r a a filosofia em geral. O nascimento da imprensa assinalou a morte de todas as eras do esoterismo. Vivemos agora a hora de franquear por inteiro para o mundo ocidental o pouco visitado caminho da filosofia oculta do Oriente. A quinta característica é o surgimento d a ciência no horizonte intelectual da humanidade. P a r a o b e m ou p a r a o m a l , a ciência afetou a mentalidade de hoje. O seu nascimento n a E u r o p a foi o arauto da era dos fatos e obrigou o mundo a começar a dizer adeus à era da fantasia. Os homens estão passando do antigo domínio da magia para o domínio mais maduro da lógica. O desenvolvimento da mentalidade h u m a n a talvez não seja muito grande, mas é digno de nota e contrário à superstição humana. A ascensão do p r i m e i r o i m plica n a queda da segunda. Os fatos científicos foram u m d i a meros intrusos n u m mundo em que imperavam as suposições, m a s hoje e m dia dominam o cenário mundial. B a c o n não foi senão u m precursor da guerra darwiniana entre os ensinamentos racionais e as crenças dogmáticas, guerra essa que marcou de forma decisiva o pensamento do século passado. Qualquer que tenha sido a posição da fé cega e m séculos passados, esta já não poderá, por muito tempo, voltar a u m a condição de comando n u m século em que a razão v e m triunfando por toda a parte de forma tão visível e tão tangível. Nós começamos a
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crescer e o balbuciar insípido das mentes primitivas irá, mais cedo ou mais tarde, deixar de apoquentar os nossos ouvidos. As conquistas da ciência constituem-se em fatos inseparáveis do nosso dia-a-dia. As maravilhas científicas enchem os nossos lares, apinham as nossas ruas, flutuam nos cinco mares e deslocam-se invisivelmente pelo espaço. E destarte demonstram cabalmente ao mundo o valor superior da razão aplicada. A aparição dos novos conhecimentos científicos na forma de publicações acessíveis a todo o mundo começou a alterar as fundações da vida humana, a afetar o espírito da nossa época e a modificar as nossas perspectivas. Todo aquele que acompanha fielmente as descobertas da ciência foi obrigado a fazer uma revisão do seu conceito de existência em geral e da sua existência em particular. O momento histórico do surgimento da moderna era científica começou n a realidade quando Galileu rompeu com a tradição e realizou a sua famosa experiência n a torre inclinada de Pisa. Foi o início de u m a vasta série de pesquisas de âmbito mundial que culminaram com o quadro científico do mundo como uma imensa máquina automática e casualmente governada. Deus, como criador exigente, como supervisor caprichoso e juiz arbitrário, foi devidamente retirado do velho quadro medieval. F o i esta a primeira revolução na perspectiva ocidental. A segunda veio quando Rontgen descobriu a base elétrica do átomo. A pesquisa progrediu de forma ainda mais rápida; tão rápida n a verdade que os cientistas entregam-se agora ao trabalho de refazer o quadro. O universo deixou de ser uma máquina. Aquilo em que ele se transformou ninguém sabe ao certo o que é. O novo quadro é embaçado e vago, até mesmo amorfo, mas isto em razão de pertencer ao domínio da filosofia. Pois houve um processo gradual de abstração, u m a transição do ponto de vista empírico para o metafísico, u m a crescente tendência da ciência a transformar-se em parte do seu próprio campo de investigação e a transformar matéria e mecanismo e m conceitos. Todos os indícios mostram agora que a ciência não apenas anda de mãos dadas com a filosofia, mas também Mercúrio se prepara para casar com Minerva! De especial interesse é o fato de que a ciência inadvertidamente está se transportando para o campo da filosofia oculta, pois alguns dos seus mais recentes princípios, n a f o r m a e m que foram enunciados por Einstein, Planck, Heisenberg, Jeans e outros, foram antecipados e afirmados pelos sábios hindus n u m a época em que a civilização ocidental engatinhava ainda na sua p r i m e i r a infância. Pela primeira vez na história torna-se possível form u l a r os produtos do pensamento oriental em termos ocidentais — vale dizer, em termos científicos e sintetizá-los com os frutos abu dantes das pesquisas ocidentais. A Europa e a América fornecera novas e mais amplas bases à sabedoria asiática. E s t a última jcjjj ser agora explicada com uma amplitude nunca antes posta em palavras. A s s i m é que o sábio antigo e o cientista moderno encontram-se i
cientemente, e toma-se possível agora construir u m a síntese intelectual tremendamente significativa, uma ideologia então impossível.
universal
da verdade
até
A sexta característica é u m a possibilidade relativamente maior de lazer oferecida às pessoas de todas as classes, de modo especial às classes trabalhadoras, através do uso da máquina e m todos os departamentos da existência humana, como é de praxe desde a revolução industrial. É comum entre os modernos a queixa da ausência de lazer, mas na verdade o homem das cavernas descansava muito menos. E l e era obrigado a arrostar a inclemência da Natureza, enfrentar os seus semelhantes desenfreados e as feras selvagens. E r a obrigado a l u t a r pela simples subsistência, pela alimentação cotidiana e pela própria satisfação. Por isso, somente tornou-se possível p a r a o homem voltar o seu pensamento p a r a coisas mais elevadas depois que ele superou essas necessidades básicas. Quando e m toda a história conseguiu o homem os resultados surpreendentes de que dispõe hoje? O homem dispõe hoje de mais tempo para vencer a própria ignorância. P o r essa razão, se no passado uns poucos puderam estudar a filosofia, a maior possibilidade de lazer que hoje se apresenta faz deste o momento azado p a r a que mais numerosos estudantes, dispostos a empregar sabiamente o seu tempo vago, sejam atraídos p a r a esse domínio ilustre. A sétima característica é o fato histórico de que os períodos de após guerra c r i a m dúvidas de caráter religioso e m numerosas mentes, com a consequente busca de u m a explicação mais satisfatória p a r a a vida por parte de algumas dessas mentes. Mas quando duas guerras são travadas no espaço de u m a única geração, sendo essas guerras as piores que o mundo já v i u , e havendo se espalhado n a m a i s gigantesca escala de que se tem notícia, não será decerto u m erro prever que a fé vacilará seriamente depois do impacto do cataclisma. O sentimento desesperador de que a vida é destituída de objetivo se propagará entre todas as classes. O poder da religião de dominar eticamente o homem com certeza também sofrerá rebate, o que representará u m a posição de profundo perigo social. 0 colapso dessas antigas sanções c m meio à inquietação e à revolta está a exigir o seu fortalecimento quando não a s u a substituição. Pois a maioria dos homens é incapaz de viver confortavelmente com o pensamento de que não existe u m significado fundamental e u m objetivo grandioso p a r a a v i d a . As pessoas logo procurarão alguma fé o u teoria que lhes forneça direção à existência. Por isso a época presente, conturbada e decadente, testemunhará u m a busca de tais doutrinas que nenhuma época anterior testemunhou. E porque tais modificações encontrarão sempre m a i o r repercussão entre as classes m a i s instruídas, as formas a serem tomadas pela busca e m tela serão predominantemente místicas e vez por outra filosóficas ao invés de religiosas. O misticismo receberá provavelmente o seu maior contingente de adeptos e m todos os tempos, já que oferece u m a paz
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emocional interior grandemente necessária depois dos horrores da guerra, mas a filosofia terá também de acolher no seu seio uns tantos novos pesquisadores que modificaram os seus pontos de vista intelectuais. Se estes sete fatores têm algum significado, todo esse significado resume-se em que a história encontra-se prestes a contornar a sua c u r v a mais aguda, e m que o crescimento cultural da humanidade foi notavelmente acelerado, em que u m a nova e única época n a sabedoria humana está se abrindo perante o mundo educado, em que o campo potencial de receptividade à filosofia da verdade é agora maior e mais profundo do que nunca, em que o esoterismo está se tornando supérfluo, e em que, pela primeira vez, u m a nova e universal propagação de pontos de vista mais elevados tornou-se possível. Ademais, as condições da política e economia internacionais de hoje são tais que obrigam por toda a parte as pessoas a verem os acontecimentos e as coisas e m sua relação com o todo, isto é, a filosofar I É impossível encontrar algo semelhante a esse oportuno fenómeno — merecedor do maior destaque — em outros séculos que não o século X X . E s t a espantosa era de transição social, dissolução generalizada, revolução tecnológica e iluminação mental é, em suma, uma aceleração contínua do processo de fazer do homem primitivo u m animal científico, Mas mesmo isto não basta. O homem deve viver da maneira que lhe é mais adequada, e não como u m a fera, u m réptil ou u m parasita. Consequentemente é chegado o momento de revelar uma doutrina que, ao contrário da maior parte das religiões, não contradiz as descobertas da ciência, mas de preferência apóia-se nelas. Torna-se realmente aconselhável nestas condições esquecer as antigas restrições e liberar u m a porção do antigo e genuíno conhecimento ariano suficiente para ajudar as classes culturalmente mais adiantadas a agir de forma mais sensata, de modo que algo mais nobre possa surgir e a todos nós seja dado avançar no sentido de u m mundo humano melhor. Pois é a essas classes que as massas sempre recorrem à procura de orientação; são as suas maneiras de pensar que servem de padrões a serem imitados; e são as suas maneiras de viver que se prestam a ser ambicionadas ou copiadas. 0 progresso flui do alto, dos círculos dominantes e das classes mais elevadas de cada comunidade, e desce até penetrar n a populaça. As ideias e crenças alimentadas pelos mais instruídos e esclarecidos pouco a pouco são recebidas por aqueles que estão colocados mais abaixo. Seus pontos de vista e suas atitudes influem grandemente sobre o mundo. Por esta razão, a filosofia oculta ora apresentada destina-se especialmente àquelas pessoas. As flamantes atividades dos cientistas europeus podem agora harmonizar-se com as tranquilas contemplações dos sábios orientais. A libélula da sabedoria integral pode agora romper o casulo dentro do qual amadureceu e se abrigou no passado. Essa união pode pressagiar a nova civilização Leste-Oeste que talvez surja u m dia, quando
o tempo p a r a nós já não puder ser contado e a prímariedade do m a terialismo houver sido deixada de lado, e quando a verdade estiver entronizada e a presidir o verdadeiro renascimento de toda a v i d a humana e de todo o trabalho do homem. A humanização da h u m a n i dade terá de acontecer u m dia, e, se essa concepção grandiosa pudesse difundir-se entre as classes cultas de u m mundo sem guerras, desde a Sibéria até a Espanha, desde Colombo até a Califórnia, as consequências seriam notáveis. Infelizmente a materialização dessa miragem parece deveras remota. N a realidade encontra-se bastante distante. Não obstante, a imensa renovação que tem de seguir-se ao gigantesco colapso do mundo trará c o m certeza numerosos candidatos aos portais da filosofia, sedentos de novos caminhos, novos conhecimentos e novos axiomas. T a n t o os sofrimentos quanto os conhecimentos dos nossos tempos uniram-se p a r a a t u a r como u m agente cataclísmico que forçosamente despertará u m a nova orientação n a mentalidade do mundo. Não que se deva considerar aquilo que é novo como melhor, m a s antes como desfrutando d a oportunidade de ser melhor. E s s a s são as razões pelas quais se torna aconselhável que a vetusta sabedoria deixe o seu esconderijo nas mentes de u m número microscopicamente diminuto de asiáticos e se coloque ao alcance de u m círculo mais amplo, conquanto limitado ainda. O seu advento é claramente u m produto d a necessidade histórica. N e n h u m a o u t r a cultura de âmbito total se ajusta tão bem ao sentido recentemente a m pliado de tempo e espaço da humanidade. Quem sou eu? Ao longo deste tratado, portanto, e u percorro c o m os meus leitores parte do caminho que leva a esse ponto de v i s t a m a i s elevado. A ascensão exigirá muito deles, m a s dará m a i s e m troca, pois, quando for completada n u m volume subsequente, irá solucionar todos os problemas, elidir as dúvidas mais profundas e p r o p i c i a r a todos u m a escora indestrutível e granítica p a r a toda a vida. Ademais, o cientista reflexivo que se der ao trabalho de estudar estas páginas com a mente aberta poderá encontrar as pistas restantes de que necessita p a r a progredir no sentido da revelação d a realidade; o devoto religioso que deseja adorar o Deus vivo ao invés do dogma morto poderá descobrir a fonte secreta d a s u a própria f é ; o místico poderá aprender a passar do bem-aventurado pensamento de Deus, que não é senão u m a imagem, p a r a o Deus sem pensamento e sem i m a g e m t a l qual E l e é n a realidade; ao passo que o filósofo cujo cérebro é perturbado pela diversidade das opiniões predominantes e m todas as partes poderá encontrar aqui u m a atitude mental e m última instância infalível e poderá deixar de lado toda e qualquer crítica. Pois as raízes destes escritos alcançam a A s i a p r i m i t i v a , e u m a época e m que surgiram Napoleões no mundo do pensamento p a r a sacudir o jugo d a tradição hierática e forçar passagem através das b a r r e i r a s alpinas dos problemas mentais. Paradoxalmente e contudo inevitavelmente essa c u l t u r a arcaica logo será alvo do tributo deste j o v e m e adolescente
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mundo ocidental. Nem mesmo o próprio tempo pode tornar antiquada a antiguidade de t a l cultura. E l a vence o tempo porque decorre da realidade permanente dentro da qual o universo está compreendido. E u não sabia, quando pela primeira vez desembarquei nas praias da Índia, que h a v i a encetado u m a busca que afinal iria transportar-me ainda além das doutrinas do misticismo e da prática da meditação propriamente dita, as quais durante muito tempo considerei como a m a i s elevada forma de vida ao alcance do homem. E u não sabia, ao penetrar lenta porém seguramente os mais recônditos segredos da ioga ortodoxa da Índia, que a empreitada de desvendar a verdade da v i d a não apenas me levaria até o coração e o limite extremo desse sistema, como também me obrigaria a chegar ainda além desse limite. E u não sabia que h a v i a jogado os dados com o Destino e que o jogo não t e r m i n a r i a n a forma esperada por m i m — isto é, adotando u m a f o r m a de v i d a que consagra como sua meta suprema e conquista mais — sublime o recolhimento físico e mental, na forma de u m a contemplação profunda. P a r a esclarecimento dos leitores para quem estes termos não são familiares, diremos aqui que ioga é u m a palavra sânscrita que diz respeito a várias técnicas de autodisciplina envolvendo a concentração mental e levando a experiências ou intuições místicas, técnicas que serão descritas n u m capítulo posterior, ao passo que iogue é a pessoa que. p r a t i c a tais métodos. À m a n e i r a dos iogues hindus eu estive em transe, mas depois ergui-me, p a r a primeiro redigir u m a crónica das suas vidas e a seguir descrever p a r a os meus irmãos ocidentais o caminho para chegar e o valor de chegar à tranquilidade mental. Contudo, quando as satisfações intermitentes da paz mental entraram em conflito com u m racionalismo inato e sempre inquiridor, tremendas questões começar a m lentamente a apresentar-se. E u percebi que embora o pequeno foco de luz em que e u caminhava houvesse aumentado de tamanho, a área escura em torno apresentava-se mais. impenetrável do que nunca. Muito naturalmente, quando o pensamento, o tempo e a experiênc i a levantavam determinados problemas fundamentais, em minha prim e i r a esperança de encontrar u m a orientação esclarecida eu recorria ao Maharishee. Os leitores de A índia Secreta recordarão que este é o nome do famoso iogue da Índia Meridional com o qual eu pratiquei a meditação muitos anos atrás. Mas a orientação jamais v e i a Espc rei pacientemente, n a esperança de que o tempo a fizesse brotar dele, mas esperei em vão. Pouco a pouco fui me dando conta de que até a l i o Maharishee j a m a i s havia instruído quem quer que fosse para a obtenção de u m conhecimento mais elevado. E a razão começdEPí aflorar lentamente à medida que eu ponderava no assunto. .Minha longa amizade com ele permitia entrever que primordialmente não se
tratava do seu caminho e o assunto não lhe interessava muito. S u a imensa conquista ficava nos reinos do ascetismo e d a meditação. E l e possuía u m tremendo poder de concentrar interiormente a atenção e perder-se num transe extático; de permanecer sentado, calmo e imóvel como uma árvore. Mas com todo o profundo respeito e afeição que lhe devoto, devo dizer que a história íntima do seu ashram é das mais desalentadoras. 0 papel de sábio professor não foi o seu forte porque ele era primordialmente u m místico absorvido e m s i mesmo. Isto explica por que seu desdém confesso pela prática do serviço desinteressado em favor do próximo levou a inevitáveis decepções pessoas dos seus círculos mais próximos. E r a indiscutível p a r a ele, como o era para os seus fiéis seguidores, o fato de que ele se h a v i a aperfeiçoado na indiferença aos atrativos mundanos e no domínio d a mente irrequieta. E ele não pedia mais. O problema do significado do universo em que vivia, aparentemente, não o preocupava. O problema da significação do ser humano preocupava-o e ele h a v i a chegado a uma resposta satisfatória. Tratava-se porém da mesma resposta encontrada por todos os místicos, fossem eles d a velha Ásia ou da E u r o p a medieval Cristã. A meditação sobre s i mesmo e r a u m desiderato necessário e admirável, mas não constituía toda a atividade que a vida está sempre a exigir do homem. E r a u m a coisa boa, mas demonstrou-se insuficiente. Pois o correr do tempo me havia mostrado as limitações dos místicos e ainda que tais limitações se deviam à unilateralidade dos seus pontos de vista e à exiguidade da sua experiência. Quanto m a i s e u me ligava a eles em todos os cantos do mundo tanto mais começava a perceber que os seus defeitos decorriam simplesmente de u m a complacência exagerada, de u m íntimo complexo de superioridade e de u m a atitude de santidade injustamente adotada por eles com relação ao resto do mundo, bem como decorriam da presunção p r e m a t u r a de u m total conhecimento da verdade quando aquilo que h a v i a m conseguido não passava de u m a verdade parcial. F u i afinal obrigado a concluir que a perfeição da sabedoria humana j a m a i s poderia desenvolver-se a partir de qualquer eremitério místico e que apenas u m a c u l t u r a integral e sintética pode dar qualquer esperança do seu desenvolvimento. Assim sendo, palmilhei aos poucos u m caminho de reflexão que me fez ver que a clássica forma de meditação do Maharishee, quem sou eu?, a qual constatei mais tarde haver sido tomada por emprés" timo a determinados autores sânscritos da antiguidade, não bastava. embora calhasse maravilhosamente como u m marco miliário no caminho do domínio do eu. Por esta razão julguei conveniente há alguns anos alterar essa fórmula, coisa que fiz ao escrever os meus livros mais recentes, nos quais ofereci essa semente p a r a a meditação analítica com u m a variante, que sou eu? A diferença entre as duas pequeninas palavras iniciais é de apenas u m a l e t r a sobre o papel m a s em pensamento representa u m a diferença de perspectiva das m a i s
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importantes. A palavra quem era u m pronome pessoal e se prestava ao místico preocupado consigo próprio como individuo e entidade autónoma, ao passo que a palavra que era u m pronome interrogativo impessoal reportando-se a u m nivel mais elevado. Quem sou eu? era u m a pergunta que pressupunha que o eu derradeiro do homem demonstrar-se-ia u m ser pessoal, ao passo que Que sou eu? alçava racionalmente o problema à indagação impessoal da natureza desse eu derradeiro. Não que a p r i m e i r a fórmula devesse ser abandonada. E l a era necessária e excelente em s i mesma, mas era apropriada para os noviços, ao passo que a outra fórmula destinava-se a ser usada por pessoas de nível mais alto. A passagem destes últimos anos, com o alargamento da compreensão que se seguiu à busca incessante e com o crescimento gradual de u m a experiência inusitada, não me permitiu dar-me por satisfeito nem mesmo c o m este importante desenvolvimento. Os instrutivos episódios do viver cotidiano se me depararam, com crescente desilusão, com as limitações e deficiências do misticismo e as intolerâncias e os defeitos dos místicos, de cujo rol não me excluo; e os esforços para compreender os problemas que ocasionalmente se apresentavam fizeram-me v e r a precariedade de até mesmo essa perspectiva, ampliada. Percebi que assim como a fé religiosa resignada no dogma puro e simples não bastava ao místico, assim também o próprio sentimento intuitivo não bastava agora a m i m , e que a intuição deve ser colocada e m seu devido lugar e dela não podemos esperar milagres. Tanto u m a coisa como outra h a v i a sido experimentada e se mostrara incompleta. Contudo a outra fonte de conhecimento disponível — o intelecto — também se mostrou imperfeita em todos os seus aspectos, e incapaz de passar pela prova da experiência. 0 intelecto poderia mostrar-se tão enganoso como as outras formas. Pois intelecto é raciocínio gico, e o Arcebispo Whately chegou certa vez a provar, e da forma mais irónica, que do ponto de vista lógico podemos muito bem pô. e m dúvida a existência histórica do grande Napoleão! A indução lógica é bastante útil dentro das suas possibilidades, mas é demasiado incompleta p a r a produzir resultados definitivos. Seus resultados são sempre passíveis de alterações com o prosseguimento das experiências. E x i s t e algo e m todos esses três caminhos que o homem necessita par u m a Vida equilibrada. Durante muitos anos fiz uso dessa combinação colhendo orientação nas palavras de homens considerados sábios, v a i dizer, n a autoridade; no meu próprio sentimento durante a medi taça e a absorção extática, Vale dizer, no misticismo; e no exame da auto dúvida e d a autocrítica, vale dizer, no intelecto. Na verdade eu me gabara de ser u m místico racional e de me recusar a me amo aos modelos convencionais. Contudo, nem mesmo a totalidade des combinação bastou para revelar u m a verdade que jamais precisará de revisão. H a v e r i a por acaso urna outra e mais satisfatória fonte r
a obtenção do conhecimento? a exigir resposta.
E i s u m a pergunta que também estava
Poucos dentre os devotos do Maharishee lhe h a v i a m proposto, tanto quanto e u sei, problemas desse cunho, e consequentemente m i n h a própria incapacidade de obter dele u m a m a i o r iluminação s e r i a decerto atribuída por esses devotos ao insaciável espírito de indagação gerado pela minha venenosa educação ocidental moderna. Não obstante, eu respeitava e reverenciava o Maharishee pela s u a extraordinária conquista no campo da quietude mental, pois poucos outros se h a v i a m guindado com igual êxito a esse ápice psicológico, e isso b a s t a r i a p a r a manter-me a seu lado até hoje, como amigo, a i n d a que e u não pudesse permanecer na qualidade de pesquisador da verdade, r u m i n a n d o n u m silêncio solitário e resignado as perguntas roazes que ele não respondia. Porém no decurso de m i n h a s duas últimas v i s i t a s à índia tomara-se dolorosamente claro que a instituição conhecida como o A s h r a m que em torno dele proliferara durante os últimos anos, e sobre a q u a l a sua ascética indiferença p a r a com o inundo e v i t a v a que exercesse o menor controle, só poderia me estorvar ao invés de me a u x i l i a r nos meus esforços para chegar ao objetivo m a i s alto, de m a n e i r a que não me restou senão despedir-me do lugar de forma a b r u p t a e definitiva. A fama é o castigo inexorável do êxito n a m i n h a profissão — o ciúme é o castigo indesejável d a fama e o ódio constitui o seu medonho fruto. O comportamento violento vez p o r o u t r a derrota a ousadia do vitupério verbal e detém as ameaças de violência física. Compreendi, no entanto, que preciso ater-me a este precioso talismã do D h a m m a pada B u d i s t a : — entre aqueles que nos odeiam, sigamos isentos de ódio — ; compreendi também que ninguém deve manter-se alheio à compaixão. Não obstante, essas amargas experiências de v i d a ensinaram-me com rigor o preço exato a ser dado a essa coisa frágil que é a amizade h u m a n a verbalizada e a exteriorização da santidade. Aqueles que são incapazes de compreender inclinam-se sempre a interpretar mal. Porém aqueles poucos que, pela finura do seu temperamento ou em razão de u m a experiência altruística, estendem instintivamente as mãos através da escuridão do mundo, compensam plenamente as mágoas causadas pela ignorância maliciosa. Juntamente com eles nós somos membros de u m a igreja invisível que une aqueles que nasceram destinados a deixar o seu recanto do mundo u m pouco melhor do que encontraram. Qual o significado do mundo? É hora de voltar ao tipo de pensamento de quê tenho tratado. A passagem da fórmula p a r a a contemplação analítica de quem sou eu? p a r a que sou eu? não terminou aí. Ambas as perguntas ainda se enquadravam no âmbito do misticismo e a lógica dolorosa de determinados acontecimentos tinha afinal comprovado por inteiro aquilo que a lógica da reflexão crítica começara a revelar. Comecei a perceber incisivamente que o misticismo não bastava por si só para transformar ou mesmo disciplinar o cará ter hu-
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mano e p a r a elevar os seus padrões éticos até ura ideal satisfa O m i s t i c i s m o é incapaz de vincular-se inteiramente à vida no mundo e x t e r n o ! Trata-se de u m a lacuna demasiado importante para ser ignor a d a . Até mesmo as exaltações do êxtase místico (por mais maravilhosas que possam s e r ) são passageiras tanto na experiência como no efeito, e se m o s t r a r a m insuficientes para enobrecer o homem em caráter permanente. O desdém pela ação e a recusa em aceitar a responsabilidade pessoal que assinalaram o cará ter dos verdadeiros místicos impediu-os de comprovar a veracidade dos seus conhecimentos bem como o valor das suas conquistas e deixou-os suspensos no ar, por a s s i m dizer. S e m a sadia oposição da participação ativa nos assuntos do mundo não tinham eles meios para saber se estavam ou não vivendo n u m reino de alucinação. A meditação apartada d a experiência e r a inevitavelmente vazia; a experiência apartada d a meditação não passava de tumulto. 0 mistic i s m o monástico que despreza a vida e as responsabilidades do mundo dos negócios amiúde se perde a martelar inutilmente o ar. A verdade obtida através da contemplação carecia de ser provada e comprovada, não p o r meio de palavreado pio mas por meio de u m a expressão ativa; o a s s i m chamado conhecimento mais alto que deixava de aparecer no dia-a-dia e r a m a l apreendido e talvez não passasse de uma inócua excentricidade. O verdadeiro sábio não poderia ser u m anêmico sonhador m a s deveria transformar continuamente as sementes da sua sabedoria nas plantas visíveis e tangíveis dos atos bem executados. A s exaltações emocionais conquistadas através da devoção religiosa constituíam-se n a verdade em satisfações de caráter pessoal mas pod e r i a m transformar-se e m perigosas ilusões, caso lhes faltasse o indispensável equilíbrio externo. A sociedade representava uma oportunidade p a r a que o sonhador espiritual examinasse a verdade dos seus sonhos e pusesse à prova a fortaleza dos castelos por ele engendrados. Mas, p a r a fazê-lo, ele precisava modificar a sua atitude de desprezo p a r a c o m o mundo d a praticidade, deixar por vezes de lado o seu perigoso orgulho ascético e ampliar e equilibrar as suas perspectivas através da c u l t u r a intelectual. O tempo, a experiência e o pensamento haviam destarte se en regado de provar errónea a teoria que a tradição me havia entrega como u m atalho para o reino dos céus, para depois indicaremsilenciosamente u m outro caminho, instando-me a dar seguimento m i n h a busca alhures. O misticismo era um fator importante, n< sário e v i a de regra descurado na vida humana, mas, no frigir dos ovos, não passava de u m simples e único fator e jamais poderia ser tomado pela totalidade da vida. Tornava-se necessária uma culti mais integral, capaz de ser completada pela razão e capaz de resisti a qualquer experiência. T a l cultura só poderia advir do fato de admitir-se que o home aqui está p a r a viver ativamente tanto quanto meditar passivament
O campo da s u a atividade situa-se, s e m dúvida, no m u n d o externo, e não no mundo do transe. Ao passo que a prática d a meditação l e v a o homem a u m determinado g r a u de autoconhecimento, n a m e d i d a e m que penetra no substrato dos seus pensamentos e sentimentos, e l a não o leva, por outro lado, à auto-suficiência. P o r e s t a razão, ao s a i r do transe, o mundo externo sempre lhe antepõe a silenciosa exigência de que ele o conheça integralmente e compreenda devidamente. A menos, portanto, que o homem pesquise a fundo a v e r d a d e i r a n a t u r e z a do mundo exterior e some o conhecimento r e s u l t a n t e à s u a percepção mística, ele permanecerá n a b r u m a e não verá o S o l b r i l h a r e m s u a plenitude, como j u l g a fazer o místico e m t r a n s e . A m a i o r i a dos místicos, n a tentativa de conhecer-se a s i mesmo, fecha, p o r a s s i m dizer, os olhos ao enigma m a i s profundo do mundo e m torno, m a s t a l atitude não leva a desconsiderar por inteiro esse mundo. A derradeira extensão lógica deste argumento permite perceber que o significado do e u inevitavelmente se t o r n a r i a m a i s c l a r o quando entendido no seu devido lugar, dentro d a unidade orgânica de toda a existência. Pois, assim como u m a visão inteiramente correta de qualquer u m a das peças de u m a máquina só é possível a p a r t i r de u m a visão de toda essa máquina, assim também u m a visão perfeita do indivíduo só é possível a p a r t i r d a visão d a existência u n i v e r s a l d a qual ele participa. É preciso aprender a distinguir o toque v a c i l a n t e dos quartos de verdade, d a impressão hesitante das meias verdades e d a empunhadura firme d a verdade plena. Dos mais instrutivos é o velho conto asiático acerca dos quatro cegos. Q u e r i a m eles saber como e r a u m elefante, de modo que p e d i r a m ao condutor que lhes permitisse tocar o a n i m a l c o m as suas mãos. O p r i m e i r o cego tocou no abdome do elefante e e x c l a m o u : — Ê u m a b a c i a redonda. — O segundo tocou n u m a das pernas e emendou: — N ã o . . . parece u m enorme p i l a r I — O terceiro tateou u m a orelha e protestou que e r a como u m a cesta. A f i n a l o quarto pegou n a t r o m b a do elefante e afirmou que o a n i m a l e r a como u m a bengala torta. A s s i m , u m a visão limitada gerou u m a discussão inconsequente. O condutor liquidou afinal a controvérsia, dizendo: — Cada u m de vocês tomou u m a parte do elefante pelo todo e todos se enganaram. O místico adorava a meia-verdade de s i mesmo, enquanto a verdade plena que unifica o e u interno e o mundo exterior permanecia ignorada ou incompreendida. A história contemporânea prenuncia claramente que o cientista preocupado apenas com o mundo exterior e que não toma conhecimento do seu mundo interior, se do ponto de v i s t a mental for suficientemente arguto e do ponto de vista anímico suficientemente corajoso, ver-se-á e m última instância obrigado a interiorizar as suas preocupações. Assim, o homem que principiou pela fórmula — Que é o universo? — foi forçado a terminar pela correspondente: — Que sou eu? — A obra mais recente de fiddington A Filosofia da Ciência Física
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não é senão u m reconhecimento franco da veracidade destas afirmações. O oposto porém é igualmente corre to, segundo me demonstrou a experiência. O místico que principia deslumbrando-se consigo próprio, irá, se é que dá maior importância à verdade do que aos estados de espírito agradáveis, forçosamente acabar por deslumbrasse com o universo. E n q u a n t o ele contornar ou ignorar esta questão: — 0 que é o universo? — permanecerá falto de equilíbrio e seu conhecimento será incompleto. Se tentássemos, por u m minuto que fosse, retirar qualquer criat u r a d a s u a atividade sensorial externa, não apenas a retiraríamos do universo m a s também do seu eu consciente. Pois em tal condição a pessoa m e r g u l h a r i a prontamente n u m sono profundo ou desmaiaria, e de f o r m a a l g u m a poderia dar-se conta do seu eu. Isto significa não apenas que o indivíduo é u m a parte efetiva do mundo mas também que o mundo
da impressão sensorial
é uma parte do individuo, pois
desaparece c o m o desaparecimento do ego. E m consequência, o verdadeiro conhecimento do eu em sua plenitude tem de depender de um conhecimento adequado do mundo físico. A verdade só pode ser obtida através de u m a análise compreensiva do Todo, a qual necessariamente i n c l u i a análise do mundo e a análise do indivíduo. G r a n d e é o mérito do alemão Hegel por haver antecipado através do raciocínio puro o mesmo problema com que me deparei na rota do m i s t i c i s m o . Assinalou o filósofo que a experiência individual era p a r c i a l e finita, não podendo por isso abarcar a plenitude da realidade. Desde que m a n t i d a e m s i mesma, isolada da experiência universal, d a se apresentava repleta de contradições e anomalias. Mas estas desap a r e c i a m tão logo inseríamos o indivíduo no Todo, cuja existência era já pressuposta e tida como iminente. Hegel deu-se conta, em suma, de que o indivíduo só poderia ser adequadamente explicado em termos do todo e que p a r a esclarecer a sua própria significação era obrigado a p r o c u r a r além de s i . A s s i m sendo, avancei hereticamente no sentido do clímax de todo esse processo de raciocínio e deparei-me com a fórmula final. De — Que sou eu? — eu passara finalmente para — Qual o significado da experiência do mundo? — e daí para — Qual o objetivo de toda a existência? — E u havia chegado à conclusão de que todas as questões env o l v i a m a ascensão do misticismo avançado rumo da filosofia pura propriamente dita. Iniciação à Ioga. E x i s t e u m a época apropriada para todas as coisas, diz a Natureza ao exibir todos os anos como num ritual as suas quatro diferentes faces. Aquele que se beneficiar dos seus ensinamentos silenciosos aprenderá o antigo método de fazer as auto-revelaçôes apenas no momento azado. Este é, sem dúvida, u m momento em que me compete obedecer aos ensinamentos da velha mestra. Consequentemente, os dois primeiros capítulos desta obra são exclusivamente m
autobiográficos, podendo parecer por isso u m tanto egoístas dentro de u m trabalho de caráter predominantemente filosófico. Não obstante, é essencial lê-los c o m paciência a título de preparação p a r a u m a compreensão adequada de u m a aparente retomada da m i n h a o b r a já publicada. Ademais, este toque de egoísmo não m a i s será imposto aos meus leitores daqui p a r a a frente, pois esforcei-me p a r a que os assuntos pessoais não m a i s apareçam no restante deste volume, desvirtuando os seus objetivos. É preciso que e u diga agora de m a n e i r a m a i s explícita aquilo que apenas deixei entrever no p r i m e i r o capítulo de A índia Secreta, primeiro l i v r o através do qual m e apresentei perante meus contemporâneos. A l i eu confessei que m u i t o antes de c r u z a r c o m o p r i m e i r o iogue vestido de amarelo — e u v i v e r a u m a v i d a i n t e r i o r totalmente desvinculada das circunstâncias externas. P a s s a r a grande parte do m e u tempo entregue ao estudo de livros secretos e percorrendo pequenos atalhos da experimentação psicológica. Esmiuçara assuntos que sempre h a v i a m permanecido envoltos no m a i s denso mistério. Desde então nada foi acrescentado àquelas p a l a v r a s pouco esclarecedoras. Conservei-me em silêncio enquanto o silêncio s e r v i u às m i nhas finalidades, m a s tais finalidades já p e r d e r a m s u a razão de s e r . P o r outro lado, acontecimentos recentes d e m o n s t r a r a m que, perante u m a sucessão de mal-entendidos por parte dos ignorantes e u m a torrente de interpretações falsas por parte dos pseudo-ashrams, b e m como por parte do mundo materialista, o silêncio tornou-se ignominioso. Tudo isto não passa de u m preâmbulo à necessária confissão de que ao v i r para a Índia pela p r i m e i r a vez eu não e r a u m novato n a prática da ioga, não e r a n e n h u m pasmado "bicho novo" à p r o c u r a de aprender o A B C de u m a arte estrangeira n a s u a t e r r a de origem. Cedo rompi c o m a estreita bitola segundo a q u a l a hereditariedade b u s c a v a modelar a m i n h a natureza, pois todo o m e u pensamento e temperamento eram de outro feitio. A m i n h a infância eu a passei inteiramente ofuscado por u m terrível e enorme desejo de penetrar o significado intimo da vida. S e m mapas que me pudessem esclarecer os labirintos, sem guias que me informassem o r u m o a tomar e os perigos a evitar, rodeado por u m a civilização que tachava de ridícula a m i n h a própria tentativa, ainda assim díspus-me a explorar — ou melhor, percorrer às apalpadelas — aquela terra estranha. Aquilo que afugenta a m a i o r parte das pessoas da investigação do misticismo e r a precisamente o que me atraía p a r a ela. A imensidão do enigma enchia-me de vontade de desvendá-lo. E u não saí ileso de mente e corpo dessas explorações nos labirintos do meu cérebro e nas profundezas do m e u coração à p r o c u r a da " a l m a " . Cometi erros e tive de pagar por eles. O acaso, contudo, pareceu fornecer-me o melhor caminho. Antes que e u atingisse os umbrais da maturidade a capacidade da contemplação íntima já me havia sido outorgada como u m tesouro celeste, os inefáveis êxtases do transe místico se t i n h a m tornado coisa corriqueira no ca*
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lendário d a m i n h a vida, os fenómenos mentais paranormais que presidem às p r i m e i r a s experiências n a ioga estavam reduzidos a simples lugares c o m u n s , ao passo que o árido labor da meditação cedera lugar a u m a facilidade despida de esforço. A fugaz bem-aventurança do místico que faz o movimento mundano parecer tão pobre e pretensioso não faltou aos laureados, como facilmente pode comprovar u m a referência aos anais da poesia. Durante aqueles alentados devaneios em que, sem o entrave do rubro sangue e dos brancos ossos, a mente excedia seus supostos limites, o mundo físico permanecia como u m a coisa remota e estranha, o corpo físico c o m o seu séquito inevitável de problemas difíceis, preocupações irritantes e desejos insatisfeitos assumia u m aspecto secundário e ser* v i l ; o grosso do nosso interesse e atenção estando focalizado interiormente nessa experiência incrível e surpreendentemente serena que parecia alçar a mente acima do ramerrão comum da existência terrena. N o m a i s profundo do transe eu parecia distender-me no espaço, tornar-me incorpóreo. Quando, posteriormente, encontrei em meu cam i n h o traduções de obras hindus sobre a ioga além de livros europeus medievais acerca do misticismo, verifiquei, assombrado, que o sabor arcaico d a fraseologia formava descrições familiares das minhas próprias experiências mais cruciantes. Assim, eu me havia inserido inconscientemente no reino da ioga e encetado novas atividades pesquisadoras que u m d i a levar-me-iam bem além dos seus domínios. Não m e ocorreu, porém, naqueles dias que eu não passava então de u m canhestro principiante. E u havia começado a compreender o homem através d a introspecção, mas só podia começar a compreender a v i d a através d a retrospecção. E u padecia daquele defeito típico da inexperiência d a j u v e n t u d e : a falta de autoconfiança. Minha imaginação compunha quadros vívidos (direi mesmo fantásticos) daquilo que s e r i a possível conseguir com mais vinte ou trinta anos de prática. E m consequência, eu colocava n u m pedestal bem alto todos os togues e místicos que houvessem alcançado a mcia-idade, ao passo que os anciãos a s s u m i a m p a r a m i m o caráter de legítimos heróis I 0 engano de que todo o progresso seguia u m a linha direita e contínua confundia o meu raciocínio, e eu tinha como certo que lodos aqueles que haviam praticado a meditação, por alguns anos que fosse, eram merecedores de u m a reverência que beirava a adoração. De nenhum proveito me foi o fato de a minha evolução haver subitamente passado da constante contemplação da vida externa como um desfile de sombras bruxuleantes para um trabalho penoso executa» do sob as fortes pressões do cinismo do mundo editorial e do materialismo jornalístico, bem como o fato de que eu jamais tenha sido capaz de ultrapassar os limites das minhas ulteriores contemplações ocasionais. A mudança inesperada e aquela provocadora incapacidade foram atribuídas às minhas próprias falhas pessoais, e eu jamais deixei de esperar que u m dia alguma súbita explosão de progresso me aeo*
meteria. Se eu ao menos soubesse que os fracassos são m u i t o m a i s instrutivos que os êxitos! Chegou o tempo em que j i não me foi possível esperar m a i s . S a bedor de que a Índia conservava a tradição dos iogues ( a t e n u a d a que fosse) mais do que qualquer outro país, p a r t i afinal p a r a lá, n a esperança de encontrar os principais protagonistas do sistema e aperfeiçoar a minha técnica. Viajei pelas planuras escaldantes d a Índia e dediquei preciosos anos da m i n h a juventude à investigação. O conhecimento procurado encontrava-se muitas vezes difundido e m centenas de livros e, vez por outra, corporificado de fato e m algum homem. E n t r e estes eu considerava — como ainda considero — o Maharishee como o mais eminente iogue d a Índia Meridional. C o m ele r e v i v i espontaneamente os meus primeiros transes extáticos. A v i d a de total absorção íntima tornou-se u m a vez mais a única v i d a que v a l i a a pena. Sob a influência daquele homem e do ambiente modorrento da Índia emergi bruscamente da m i n h a excursão tangencial, voltando a desprezar as atividades e os serviços mundanos por destituídos de objetivo e inúteis. U m a vez mais o pensamento foi canalizado no sentido de negar-se a s i mesmo. U m a vez mais entreguei-me à prática reiterada d a ioga, considerando-a como a finalidade mais elevada do homem, ao passo que a antiga esperança de ser agraciado com u m a súbita explosão de progresso no sentido de u m a nova dimensão da consciência h a b i t a v a perenemente no m e u coração. A descrição da m i n h a mais profunda experiência de transe e m companhia do Maharishee dada ao final de A Índia Secreta é bastante rigorosa enquanto descrição daquilo que senti, embora e u n a ocasião não compreendesse a nítida distinção entre o sentimento e o conhecimento. O que omiti então e revelo agora é que não se tratou de u m a experiência nova, porque muitos anos antes de conhecer o santo iogue do Arunachala eu já gozara êxtases semelhantes, igual tranquilidade íntima e intuições igualmente luminosas durante o período de auto•aprendizado das minhas meditações. M i n h a dívida p a r a c o m o notável místico prende-se em parte ao fato de haver ele revivido as belíssimas experiências interiores que eu tivera, dívida que reconheço com gratidão e procuro saldar tornando o meu muito amado inspirador mais conhecido entre os seus próprios concidadãos por meio dos meus livros. Os leitores perspicazes perceberão com clareza que vali•me do seu nome e dos seus feitos como u m apoio p a r a o meu ponto de vista acerca do valor da meditação. A principal razão deste modo de proceder é que ele se constitui n u m recurso literário adequado para prender a atenção e conservar o interesse dos leitores ocidentais, os quais sem dúvida emprestariam grande importância à conversão à ioga de u m jornalista aparentemente contrário ao sistema. Pois o escopo geral das minhas investigações reflete-se no meu principal objetivo ao escrever o livro, qual seja o de a t r a i r os europeus e americanos para o desprezado caminho da paz íntima, vale dizer, setyttos.
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E a atitude generalizada no Ocidente e r a a de desconsiderar a ioga moribunda, bem como toda e qualquer outra superstição de u m a Índia senil e estéril. Cabia-me, portanto, mostrar que a ioga postula ao menos algum valor p a r a a vida, e, para fazê-lo, o melhor era lançar mão de pessoas vivas p a r a ilustrar o meu ponto de vista. Os anos se passaram e o meu desejo de revelar os maiores mistérios d a ioga não sofreu rebate, de maneira que me pus a escrever acerca dos menores, que tinham deixado de ser segredo. Descobri na Índia que a verdade acerca do sistema da ioga era que, na prática do século X X , ela deixara de ser u m sistema, tornando-se mais heterogénea do que u m a paella espanhola. E r a difícil distinguir o que era mítico daquilo que e r a místico. A ioga e r a considerada totalmente inút i l pelo mundo moderno porque alguns faquires fantásticos a mantin h a m prisioneira de u m a infeliz e deformante superstição. A religião dogmática h a v i a destorcido bastante os seus objetivos psicológicos, ao passo que a magia antiga havia transformado o que restava num espetáculo circense. E u não viera à Índia a fim de desenterrar velhos erros e remexer nos ossos dos seus esqueletos. Desenvolvi esforços hercúleos p a r a salvar o que e r a aproveitável n a ioga e a seguir elaborar u m método prático conciso, em primeiro lugar p a i a o meu próprio esclarecimento e depois para esclarecimento do mundo. M i n h a peregrinação prosseguiu com o seu inevitável séquito de duras lutas e inesquecíveis êxtases, intermitentes desilusões e gloriosas revelações. Não fiz t a l peregrinação sozinho. Uma legião invisível e desconhecida peregrinou lado a lado comigo. E s s a coorte de colegas era cosmopolita e sem classe. Espalhava-se por todo o planeta. Sempre que u m a imposição do alto pressionava a minha vontade relutante, eu lhes comunicava,as minhas descobertas. Assim nasceram os meus livros. Aqueles que o dever mantinha presos às engrenagens do moderno mundo materialista puderam beneficiar-se das descobertas de alguém que lograra êxito em afastar-se delas. Não me foi fácil escrever palavras que pudessem atrair u m a era de total praticidade. Por vezes eu m a l podia compreender por que razão, havendo no mercado tão numerosas obras mais objetivas e excitantes, alguém haveria de dar-se ao trabalho de ler u m a das minhas. No entanto havia os desorientados que exibiam essa tendência perversa! Só me resta agradecer-lhes e à minha boa estrela o incentivo que me foi dado. O valor deste somente a minha pena poderia expressar melhor do que eu. Que Alá prodigalize a essa boa gente u m a longa v i d a ! U m a vez mais, porém, vi-me na antiga situação de estar colocado diante de u m a barreira intransponível. Minhas ligações com o Maharishee não me ajudaram a vencer tal barreira. Muitos hindus me t i nham inveja por eu haver mergulhado nas profundezas da ioga, pois não sabiam que intimamente eu não estava satisfeito com o que conseguira; mas uns poucos amigos ficaram admirados ao saber. Per* guntas intrigantes pontilhavam minhas satisfações extáticas. E certo 25
que a capacidade de entrar e m transe místico não é c o i s a de pouca monta; a capacidade de concentrar o pensamento durante longos períodos de tempo não é c o m u m ; o poder de gozar de u m a paz inefável, ainda que temporária, através de u m a simples reorientação d a atenção não é obra desprezível. Todas essas e a i n d a outras características d a ioga eu as possuía. Qual seria então a v e r d a d e i r a c a u s a d a insatisfação? A menos que u m a explicação seja dada ao leitor ele terá o direito de ficar confuso.
meditação, e c u i d a v a m de aprimorar-se ainda mais, v i a de regra term i n a v a m por embalar-se ao som da melancólica melodia do ascetismo e fugir à esposa, à família, ao l a r , à propriedade e ao trabalho; refugiavam-se eles e m a s h r a m s , grutas, mosteiros, florestas ou montanhas, de m a n e i r a que o mundo sendo deixado bem para trás, seus esforços por alcançar o estado contemplativo podiam tornar-se ininterruptos e contínuos. Ao p r o c u r a r o gozo diário da paz da ioga eram obrigados a s a c r i f i c a r os afazeres d a v i d a cotidiana.
Depois que emergimos de u m estado de transe ou contemplação o sentimento de exaltação v a i gradualmente arrefecendo, deixando por fim apenas u m eco. P o r essa razão somos obrigados a repetir diariamente a experiência, se é que desejamos voltar a v i v e r nas condições originais, da mesma forma pela q u a l somos obrigados a repetir cotidianamente as nossas refeições p a r a não vivermos c o m fome. Aqueles que são peritos no assunto sabem como prolongar durante longo espaço de tempo os doces efeitos residuais do transe, m a s é impossível retomar qualquer atividade de ordem prática sem tornar a perdê-los. Assim sendo, as iluminações propiciadas pela ioga são sempre passageiras. É preciso que sejam diariamente renovadas ao preço d a renúncia temporária aos deveres práticos e às atividades m u n d a n a s .
Ademais, o fato de que a prática reiterada da meditação diária i n c a p a c i t a inevitavelmente o homem para as atividades de ordem prática tornava-se progressiva e intrigantemente mais claro para m i m . N a verdade, e u fora obrigado a abandonar minha carreira jornalística durante algum tempo, e m parte por haver exagerado n a prática da meditação e e m parte p o r causa d a hipersensibilidade resultante que t r a n s f o r m a v a quase todas as ambiências em verdadeira tortura. Muito m a i s fácil e r a escrever livros, pois se tratava de u m a atividade que poderia s e r desenvolvida n u m remoto cume de montanha, se necessário; longe d a agitação da vida citadina. Não obstante, dei-me conta de que ao menos noventa por cento da população ocidental vivia involuntariamente presa ao turbilhão de u m a existência tumultuada, sem qualquer esperança de escape. U m sistema completo de ioga não poderia, portanto, s e r oferecido como coisa viável ao grosso das pessoas. Como poderia então u m a forma de v i d a que prometia ao mundo apenas u m a p a z intermitente como recompensa constituir-se n a forma perfeita, verdadeira e integral há muito procurada pelas pessoas reflexivas? A combinação d a prática da meditação com o trabalho mundano v i a de regra só tinha valor p a r a aqueles que faziam concessões a u m tipo imperfeito de meditação.
E s s a transitoriedade do estado contemplativo tomou-se u m i m portante problema que ocupou boa parte das m i n h a s considerações mais sérias. O mesmo problema perturbou alguns iogues m a i s experientes do que eu, foi o que fiquei sabendo há alguns anos, quando de u m a das minhas visitas ao grande A s h r a m de S r i Aurobindo Ghose, em Pondichery, n a Índia Francesa. Lá me m o s t r a r a m algumas cartas escritas por ele a seus discípulos, e u m a dessas cartas continha o seguinte parágrafo, c u j a veracidade impressionou-me de t a l modo que eu o copiei imediatamente. A autoridade d a declaração tornar-se-á patente se acrescentarmos que S r i Aurobindo é provavelmente o m a i s famoso dos iogues hindus vivos e sem n e n h u m a dúvida o m a i s culto dentre eles. E i s o trecho: — 0 transe é u m a forma de fuga — o corpo permanece aquietado, a mente física f i c a n u m estado de torpor, a consciência ínt i m a é liberada p a r a d a r prosseguimento à experiência. A desvantagem é que o transe se torna indispensável e que, se o problema da consciência desperta não for resolvido, ele será imperfeito.
Ademais, o homem que é obrigado a v i v e r e t r a b a l h a r neste mundo, que é obrigado a participar das suas atividades, presa d a voragem do trabalho, prazer e sofrimento, mais cedo ou mais tarde terá de abandonar a meditação e voltar à atividade, da m e s m a forma pela q u a l abandonou a atividade p a r a entregar-se à meditação. — F a z e i o que quiserdes mas pagai o preço — disse certa vez E m e r s o n com helénico discernimento. A prova do acerto dessa declaração reside no fato de que os orientais que começavam a fazer algum progresso n a senda d a
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H a v i a , contudo, u m a única exceção. O sistema que outrora prev a l e c i a entre os Zen-Budistas do Japão e r a sensato e prático. Os jovens que e x i b i a m gosto e predisposição p a r a a meditação eram levados p a r a os mosteiros Zen e a l i exercitados durante cerca de três anos. D u r a n t e esse período não h a v i a distrações p a r a perturbá-los, de maneira que o trabalho visando ao domínio da mente não sofria solução de continuidade. Os mestres japoneses, com u m senso prático que amiúde f a l t a v a aos seus colegas hindus, não permitiam que seus discípulos abusassem d a meditação ou do transe, mas insistiam na parcimónia. Contrariando a opinião generalizada, as capacidades dos japoneses i a m além da imitação p u r a e simples. Os japoneses j a m a i s se sujeitai a ser seguidores inconscientes dos costumes nascidos na índia e culados pelos chineses. E l e s adotavam aquilo que atendia às suas próprias necessidades e rejeitavam o resto. O objetivo final do Z< medieval e r a c r i a r homens argutos e determinados, donos de u m a mentalidade pronta e lúcida, capazes de manter-se em calma a tivida* e hábil concentração através de todos os seus empreendimentos; ca] de entregar-se por inteiro ao serviço do seu país. A crassa le( a melancolia espectral e o antimundanismo de numerosos monges
dus não convinha a u m a raça tão v i r i l , otimista e prática. Não se permitia aos estudantes passar o d i a de u m a forma indolente, fútil ou parasitária; pelo contrário, eles recebiam tarefas rigorosas que os mantinham ativos. Sendo o objetivo Z e n u m a existência equilibrada, os jovens eram obrigados a trabalhar bastante e m e d i t a r muito. Mas, ao final do período disciplinador, exceção feita àqueles que sentiam uma forte e inata vocação p a r a o retiro monástico, os jovens e r a m devolvidos ao mundo a f i m de que casassem, abraçassem u m a c a r r e i r a e tivessem êxito. Dotados do poder de concentrar-se instantânea e firmemente, preparados para enfrentar as dificuldades e vicissitudes do viver cotidiano com imperturbável equanimidade, universalmente respeitados por sua elevação de caráter, eles geralmente se destacavam dos demais homens, colhendo enormes êxitos em suas c a r r e i r a s . Numerosos dentre os mais famosos soldados, estadistas, a r t i s t a s e humanistas japoneses eram homens de formação Zen. O seu ideal e r a u m equilíbrio perfeito entre o homem exterior e o interior, sendo a eficiência o traço dominante de ambos. Tão elevada e r a a qualidade da sua meditação que bastavam trinta minutos diários, depois de deixarem o mosteiro, p a r a mantê-los em permanente paz espiritual. A s s i m , sua vida mundana não sofria rebate, pelo contrário, enriquecia-se. Parecia não haver como acomodar t a l coisa à existência moderna, de maneira que éramos obrigados a encarar os fatos tais como são hoje. À Espera da Sabedoria. E s t a s foram as desagradáveis conclusões que tirei a partir das minhas experiências orientais e hindus conj a ioga, tal como então eu a entendia, experiências essas que m e colocaram em condição de u m a intensa abstração interior, m a s não m a i s do que isso. Decerto ficará claro que a m i n h a preocupação não e r a apenas pessoal, mas até certo ponto altruística. Devotamente, e u esperava encontrar no misticismo u m sistema capaz de satisfazer por completo às aspirações mais elevadas de todos aqueles que, assim como eu, faziam da experiência a prova derradeira. Cheguei a pensar certa vez que o materialismo contemporâneo poderia encontrar no misticismo a sua c u r a parcial. Tais percepções só me ocorreram depois de e u tíaver incorrido no erro inicial de crer e mesmo apoiar todas as alegações e m favor da ioga que tradicionalmente se faziam. Só mais tarde, e c o m m u i t a dificuldade, graças à ampliação do meu descortínio, aprendi a distinguir em tais alegações aquilo que era válido daquilo que não passava de superstição. E s t a s palavras poderão facilmente ser m a l interpretadas. A tranquilidade mental foi fortemente defendida em meus livros e não me arrependo n e m u m pouco dessa defesa. A inserção de u m pouco de paz n u m a v i d a atribulada possui u m valor relativamente grande, e até mesmo a recordação de u m a manhã repleta de abençoada tranquilidade adoça a faina mais árida e disciplina os prazeres mais degradan-
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tes. Reiteradamente, repeti em meus livros que não era meu propósito induzir os ocidentais a refugiarem-se em ashrams, mas apenas a refugiarem-se ocasionalmente em s i mesmos. Esses livros mostram como fazê-lo; a prática dos seus exercícios acarreta grandes benefícios, os quais bastarão à maioria das pessoas. Os demais benefícios da meditação, quando corretamente praticada, (o que é raro) constituem-se também n u m apreciável patrimônio, tendo uma vinculação de ordem prática com a v i d a e a conduta. São eles: a capacidade de concentrar o pensamento; o arrefecimento da emoção e da paixão; o poder de afastar d a mente os fatores perturbadores ou indesejáveis; e, finalmente, u m a melhor compreensão de si mesmo. Claro que tais benefícios não devem ser subestimados, pois são da maior utilidade até mesmo nas circunstâncias rotineiras do viver cotidiano. Tanto quanto sei, numerosos homens de negócios — tais como Lorde Kitchner, o falecido Marechal de Campo inglês, e Lorde Brabourne, o falecido Governador de Bengala — alimentavam grande interesse por tais práticas. Mas p a r a aqueles poucos (como e u ) que procuravam compreender o significado da vida e desvendar o imperioso problema da verdade, a paz e a autodisciplina não poderiam por s i sós saciar a fome aguda da mente. E m síntese, eu procurava a realização daquelas promessas de sabedoria com que acenavam os antigos textos sânscritos, classificando-a como pertinente aos mais elevados mistérios da ioga. Cabe-me aqui fazer u m a pausa para esclarecer o que entendo por " m a i s elevados mistérios da ioga". Eles representam a diferença entre saber e sentir alguma coisa. Nas profundezas da meditação sente-se, ao lado da transitoriedade das exaltações emocionais, que o mundo é como u m sonho passageiro, que o corpo não é senão u m estorvo para o eu real, e que o único valor permanente repousa no recôndito inefável do coração. Através de u m a série de alentadas experiências eu hav i a penetrado as profundezas da ioga, tal como esta era conhecida pelos místicos e iogues das minhas relações, e descoberto os limites exatos da s u a utilidade. S e m dúvida, o que se ganha é muito: ganha-se a vaga sensação de haver chegado à verdade, mas não se ganha a consciência irrefutável da verdade. A ioga proporciona apenas esses sentimentos imprecisos, mas não os transforma em formulações definitivas. Ademais, ela só possibilita converter essas experiências intermitentes em atitudes permanentes se nos dispusermos a passar o dia todo meditando. I s t o não apenas é pouco prático para a maioria dos homens como também, b e m o sei agora, inexequível. Meu espanto foi intenso até que aos poucos comecei a perceber que tal permanência só poderia advir do equilíbrio entre o conhecimento e o sentimento. Quando o intelecto houvesse descoberto aquilo que a emoção entrevia, quando houvesse firmado tal descoberta sobre u m a base irretorquível de fatos definitivamente provados, todo o ser do homem se harmonizaria, suas perspectivas ficariam firmemente consolidadas e sua paz interior resultaria íntegra e inquebrável como um
Moco de aço fundido. Já não t e r i a importância que ele fosse u m elemento ativo n u m mundo febricitante o u u m s e r p a s s i v o m e r g u l h a d o n u m transe constante, pois s u a v i d a s e r i a então u m a unidade integral. Há declarações nos antigos textos hindus que vêm de encontro a estas ideias. E m b o r a t a l compreensão d a n a t u r e z a m a i s íntima do m u n d o , tal percepção dos significados m a i s sutis d a v i d a , só possa a d q u i r i r uma existência real ao invés de teórica n a medida em que for da nossa própria elaboração, não é menos verdade que u m dedo antigo teve de emergir da escuridão p a r a apontar o c a m i n h o certo. A s s i m , o conhecimento de que h a v i a picos a i n d a por galgar, e de que os c a m i n h o s p a r a eles não estão à v i s t a hoje e m d i a , encheu-me p o r vezes de p u n gente descontentamento. E s s a necessidade de u m m a i o r esclarecimento i n t e l e c t u a l r e l a t i v a mente à natureza do mundo e s u a e x a t a relação c o m a visão mística do homem — e m suma, a Verdade e m toda a s u a plenitude — fez-me olhar e m torno e p r o c u r a r onde m a i s poderia s e r encontrado. E u conhecia diversas das respostas do Ocidente; s a b i a também que amiúde e r a m excelentes até certo ponto, m a s não de grande a l c a n c e . A ciência confessava francamente a s u a deficiência e cientistas de escol c o m o Jeans, Eddington e P l a n c k t i n h a m começado a voltar-se p a r a a filosofia. E u conhecia algo das filosofias ocidentais, a d m i r a v e l m e n t e a r r a z o a d a s e laboriosamente trabalhadas, m a s o tremendo conflito de opinião e n t r e elas restringia grandemente o v a l o r de c a d a u m a , deixando atónitos os estudantes. E u sabia, contudo, que os m a i s eminentes pensadores d o Oriente h a v i a m ponderado longamente no p r o b l e m a m u i t o antes que o s primeiros gregos citadinos começaram a pensar nele n a E u r o p a . Ademais, existia esta diferença v i t a l : ao passo que os pensadores ocidentais pretendiam geralmente que ninguém h a v i a descoberto a v e r d a d e d e r r a deira e que as limitações h u m a n a s e r a m de ordem a que ninguém pudesse descobri-la, os autores dos antigos textos asiáticos a l e g a v a m que a verdade derradeira poderia, s e m a menor dúvida, s e r descoberta e que alguns sábios inquestionavelmente a h a v i a m conhecido. Recordo-me do entusiasmo com que, nos dias d a m i n h a j u v e n t u d e , defendia ardorosamente este ponto de v i s t a j u n t o a u m cético a r t i s t a francês, quando caminhávamos lado a lado pelas margens do S e n a e m noites de. l u a r . M a s , infelizmente, naqueles dias e u u s a v a indiferentemente as p a l a v r a s sábio e místico; hoje e m d i a já não o faço. Percebo muito bem que se há esperança e m alguma parte, t a l esperança tem sede n a Asía, continente onde nasceram os m a i s renomados místicos e mestres filosóficos desde Jesus até Confúcio. E não são necessárias m u i t a s considerações m a i s p a r a c o n c l u i r que a b u s c a deve cingir-se à Índia, pois sei, e m função dos estudos e das numerosas v i a gens que fiz, que todos os países asiáticos, como o Tibete, á C h i n a , o Japão, direta o u indiretamente, c o l h e r a m seus s i s t e m a s iogues e especulações religiosas n a m e s m a e única fonte. A torrente do pensamento filosófico c o m toda certeza seria m a i s p u r a n a s u a fonte original,
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de m a n e i r a que cuidei de e x a m i n a r a s u a posição n a Índia contemporânea. À p r i m e i r a v i s t a tornava-se evidente p a r a qualquer indivíduo de inteligência normal que a mixórdia de opiniões antagónicas e a ausênc i a de resultados frutuosos que afligem a filosofia ocidental prevalecia por igual n a Índia. H a v i a seis sistemas clássicos que pretendiam explicar racionalmente o universo, m a s cada qual p a r t i a de prenrssas diferentes e apelava p a r a fatos totalmente diversos. E m consequência» chegavam a noções irreconciliáveis acerca da Verdade, tíavia também inúmeros sistemas teológicos e escolásticos que passavam por filosofias, ocultando o seu apelo final à fé através de u m apelo imediato à razão, quando não alardeando a s u a grandiosa estrutura racional ao mesmo tempo e m que p r i n c i p i a v a m pelo maior de todos òs dogmas, qual seja o da existência de u m Deus pessoal. H a v i a não poucos videntes e santos que pretendiam p r i v a r da intimidade do Criador Supremo e que verborragicamente esclareciam o significado do universo, tal como o C r i a d o r e m pessoa lhes h a v i a confiado. Também aqui havia tanta discrepância doutrinária que a única conclusão possível era que o plano divino m u d a v a de mês p a r a mês, segundo os impulsos momentâneos do C r i a d o r ! H a v i a também u m grande número de pseudo-autores que ofereciam u m máximo de palavreado e u m mínimo de conteúdo. Onde quer que estivéssemos nesse país de tagarelas, fácil era encontrar professores de p a l a v r a pronta e mente ágil capazes de executar surpreendentes truques de prestidigitação lógica e sempre prontos para despejar, à menor provocação, u m a caudalosa torrente de palavras polissilábicas — amiúde sem sentido, por vezes crípticas e v i a de regra combinando-se p a r a f o r m a r declarações improvadas e improváveis. Mas o significado d a experiência deste mundo era e m última instância assaz enganoso. E u queria u m a filosofia destituída de dogma c u j a verdade pudesse ser provada de m a n e i r a tão irrefutável como qualquer experiência científica. E m poucas palavras, queria pisar em chão firme. A m a i o r i a dos homens e m m e u lugar ficaria contente com as conquistas iogues que fiz e se entregaria ao gozo da paz diária d a meditação, recolhendo-se ao eu interior e deixando aos xeretas do intelecto a tarefa de preocupar-se c o m o significado do universo I Infelizmente o m e u temperamento não e r a esse. Os astros da razão pura e as estrelas m a i s quixotescas deveriam estar em conjunção quando do meu nascimento. E u já t i v e r a u m a experiência suficientemente madura da sociedade e s u a esmagadora esterilidade para saber até que ponto são incompletas as satisfações que ela oferece e m comparação com a s conquistas interiores. U m a grande pobreza arrastara-se de muletas até m i m , quando o m e u alvo e r a a plenitude de u m a rica existência, e e u odiara essa pobreza. U m a grande riqueza surgira a meus pés n u m a época e m que o m e u ideal era a mais simples das vidas e eu a desprezara. Agora eu não tomava conhecimento de ambas as coisas porque a m i n h a v i d a pessoal tinha sido entregue e m mãos mais ele*
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vadas e eu me t o r n a r a capaz de a c e i t a r c o m alegria o que m e estivesse reservado. E u h a v i a alcançado a idade m a d u r a e m q u e os cabelos b r a n c o s alastram-se de modo a l a r m a n t e e a m i n h a m e n t e desenvolvera-se o suficiente p a r a fazer-me perceber que q u a l q u e r t e n t a t i v a p a r a fugir à s u a insistente inquirição e n v o l v e r i a u m a violação d a integridade d a consciência. O tempo me h a v i a a t i r a d o a u m a época t e m e r o s a das consequências do destino, e m que o m u n d o i n t e i r o e s t a v a sendo estupidificado por u m a devastadora série de espantosas experiências e enredado n u m a e m a r a n h a d a teia de acontecimentos, dos q u a i s só poderia s a i r a r r u i n a d o o u rejuvenescido. E r a u m a época q u e t e n t a r a equipar-se como u m candidato à morte. C o m o e u f a z i a p a r t e d a f r a ternidade m a l s i n a d a , m u i t o n a t u r a l m e n t e m e i n t e r e s s a v a pelo destino dos habitantes desta triste estrela. À aspiração de s e r v i r a m i n o r i a dos pesquisadores conscientes entre a m a s s a ignorante e sofredora, dando-lhe u m pouco d a piedosa V e r d a d e ( p o r h u m i l d e e i m p e r f e i t a que fosse), d a m e s m a f o r m a pela q u a l antes e u p r o c u r a r a d a r u m pouco de Paz, queimava-me internamente como u m fogo abrasador. •
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Poucos anos r e s t a r i a m ao m e u desgastado organismo e e u não p o d i a dar-me ao luxo de esperar passivamente pelo túmulo enquanto questões dessa ordem p e r m a n e c i a m e m aberto. Mas e u estava n u m beco s e m saída m e n t a l , do q u a l p a r e c i a não h a v e r como fugir. A f i n a l ocorreu-me que, se não h a v i a ninguém v i v o n a Índia que me pudesse ajudar, talvez me fosse possível desencravar alguém do seu passado já morto. A s m a i s sérias reflexões a c e r c a do significado d a existência j a z i a m encerradas n u m a cópia de papiros manuscritos. Talvez entre aquelas vozes emudecidas fosse possível encontrar u m a o u duas capazes de falar-me c o m benevolência e compreensão através dos séculos. De modo que decidi-me a p r o c u r a r u m a tal obra. Não se deve pensar que umas poucas divergências ideológicas tenham bastado para modificar a minha devoção profunda e o meu amor intenso pelo Maharishee. Eis o que escrevi num jornal londrino de 1950, quando da sua morte: — Foi ele o místico hindu que mais me inspirou... O contato telepático Intimo e a grande afinidade espiritual entre nós mantiveram-se vívidos e ininterruptos... Através de um amigo que foi visitá-lo ele mandou-me a sua derradeira mensagem falada: — Quando o coração fala ao coração, o que mais é preciso dizer?
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Espero que V . S . colocará perante o Congresso o real objetivo da filosofia hindu, a conquista da felicidade para todos os seres, tal como preconizam os grandes ditados sânscritos: 'Sarve Janah Sukhino Bhavantu* (Que toda • humanidade seja feliz) e 'Sarve Satwa Sukho Hitah* (Faça-se o bem-estar de tudo aquilo que existe) — Mensagem telegráfica de Sua Alteza o falecido Marajá de Misore ao Delegado Hindu ao Congresso Filosófico Internacional de Paris de 1937.
— Não se sente n a companhia de alguém que tem por hábito disc u t i r o destino n e m com ele entabule conversação. — Este foi o sensato conselho do pragmático Profeta Maomé, que destarte liquidou com u m a só pincelada a questão, poupando, não padece dúvida, aos seus fiéis adeptos m u i t o tempo e palavrório. Decerto o Destino, que no passado não me favorecera com a sua amizade quando eu procurara despertar a s u a atenção, fazia agora u m a súbita aparição em cena. Tateando nas escuras prateleiras da memória tentarei dar busca ao l i v r o e m que o incidente se encontra relatado. E u havia me dirigido p a r a o alto de umas montanhas recobertas de florestas a fim de fugir à sociedade por algum tempo e a f i m de compilar e dar forma a u m a série de anotações sobre pesquisas que se haviam acumulado ap m e u redor. A s necessidades de u m temperamento hipersensível t o r n a v a m obrigatório esse afastamento periódico do convívio da sociedade. A princípio eu alimentara a esperança de que na assim chamada convivência espiritual de u m . certo ashram, equivalente hindu de eremitério fraterno ou instituição monástica, pudesse encontrar a harmonia de u m pensamento elevado e de u m a estada tranquila, como conviria àqueles períodos de fuga à atividade mundana. A esperança acabou por demonstrar-se u m a risível ilusão, ao passo que o ashram provou não ser senão u m fragmento daquele mesmo mundo imperfeito que eu a c a b a r a de deixar. Àqueles que sentem a mesma necessidade interior e u por isso recomendaria com empenho, louvado na minha
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própria experiência, o único ambiente perfeitamente adequado ao seu caso. Cuide-se de voltar às solidões cénicas d a Mãe Natureza e fazer da sua encantadora beleza a nossa dona. E n t r e florestas umbrosas e silentes ou entre picos altaneiros e agrestes, ao lado de regatos tranquilos ou praias despovoadas, na quietude da terra, n a cor do céu e na pureza das montanhas, sempre se encontrará u m bálsamo p a r a curar as feridas provocadas pelos contatos c o m u m mundo hostil e sem amor. O novo ninho que eu encontrara graças à generosa hospitalidade do falecido Marajá de Misore era u m desses locais abençoados. Quando se corria os olhos por todo aquele rincão acolhedor e inspirativo da índia Meridional não se divisava nenhuma a l d e i a ; nenhuma cidade espraiava seus tentáculos cruéis como u m polvo gigante p a r a enlaçar as campinas verdejantes. A Natureza e r a m i n h a c o m p a n h e i r a ; s u a grandiosidade solitária e b r a v i a o m e u encanto. E m s u a presença maravilhosa, sob esperançosas auroras cor de pêssego e abafados crepúsculos rubros, tive a certeza de que breve não apenas recuperaria o que havia perdido entre homens mesquinhos, como também daria conta de certas tarefas mais urgentes. Três luminosas semanas se p a s s a r a m e, de repente, u m acontecimento inesperado sobreveio. Meu criado veio trazer-me certa tarde u m a carta que lhe havia sido entregue por u m estranho. Tratava-se apenas de u m convite, p a r a u m a rápida entrevista, feito por u m cavalheiro hindu que se dizia leitor dos meus livros, e que, por acaso, passava as suas férias nas redondezas. Contudo, m a l sabia e u que aquele pedaço acinzentado de papel encerrava a fase seguinte do m e u tortuoso destino. Aquela v i s i t a inesperada divertia-me, pois e u achava que naquele lugar obscuro a m i n h a solidão estaria absolutamente resguardada. Saboreei u m pouco daquela sensação de s u r p r e s a que acometeu u m famoso missionário de há muito perdido nas florestas da Africa Central ao dar de chofre com u m homem branco, aparentemente saído do n a d a : — Senhor Livingstone, suponho! — foi tudo quanto ele pôde dizer. Surgiu então o m i s s i v i s t a : u m velho brâmane de feições plácidas e baixa estatura, turbante branco e óculos, três pequenos l i v r o s metidos debaixo do braço. O fato é que dentro de dez minutos e u o ouvia com sofreguidão, enquanto ele discorria precisamente sobre o problema que me perturbava a mente I A s s i m , a mola espiralada do destino começava a distender-se u m a vez mais, e de u m a f o r m a a u m tempo curiosa e oportuna. Logo ele entrou a v i r a r as páginas de u m dos livros que trazia, o famoso clássico BhaRavad Gita, e a elucidar as citações u m a por u m a em abono de u m a tese pouco c o m u m : a visão ortodoxa d a ioga e r a v i a de regra inexata e, sem a menor dúvida, insuficiente; a prática d a meditação e r a u m a excelente preparação m e n t a l p a r a a b u s c a d a verdade mas, por s i só, j a m a i s poderia produzir a verdade; noventa
e nove por cento dos iogues praticavam as disciplinas preparatórias sob a impressão muito encontradiça porém errónea de que todas elas levavam diretamente ao mesmo e supremo objetivo; raro u m iogue moderno conhecia e seguia o único caminho que poderia conduzir o homem à compreensão da verdade derradeira, caminho este denominado "ioga do discernimento filosófico", cujo derradeiro estágio era a "ioga do irretorquível". 1
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A seguir o m e u hóspede apanhou o segundo dos livros que coloc a r a sobre a mesa e disse: — Permita-me apresentar-lhe u m livro pouco conhecido, muito desprezado e raramente lido, porque o seu conteúdo ou está fora do alcance do leitor comum ou é contrário às preconcepções dos pânditas e m geral. Chama-se Ashtavakra Samhita.* T e m nada menos que três m i l anos de idade, talvez mesmo quatro, pois os nossos remotos ancestrais pouco se preocupavam com o registro das datas. E s t e é o misterioso livro que o venerado sábio e iogue de Bengala, S r i R a m a k r i s h n a , há coisa de u m século costumava ocultar sob o travesseiro e só manuseava quando a sós com o seu mais desenvolvido e amado discípulo, o famoso Swami Vivekananda. Nenhum dos seus demais seguidores j a m a i s foi instruído nas altaneiras doutrinas desta obra, pois estas concorreriam para abalar as suas crenças mais caras. Como o senhor poderá perceber, não se trata de um livro p a r a principiantes. Contém ele os avançados ensinamentos ministrados pelo sábio Ashtavakra, que realizara em s i o objetivo derradeiro d a sabedoria hindu, ao R e i Janaka, ardente pesquisador da verdade que, não obstante, sempre se mantivera fiel às suas obrigações de dirigente de u m a nação. Os últimos capítulos salientam que o verdadeiro sábio não se refugia em grutas ou permanece indolentemente em ashrams, m a s se entrega a u m constante labor em prol do bem-estar alheio. Salientam ainda que o verdadeiro sábio procurará ser externamente igual às pessoas comuns, a f i m de que estas não o coloquem n u m pedestal. Mas o princípio para o qual desejo chamar de forma especial a sua atenção está condensado no verso X V do primeiro capítulo: — E i s a tua sina, a prática da meditação! — 0 significado é que a meditação constitui-se n u m exercício para desenvolver a tranquilidade, a abstração e a concentração mentais, e que o verdadeiro pesquisador não deve deixar-se enlear pela sensação de paz resultante a ponto de v a c i l a r nesse estágio disciplinador, mas, ao contrário, deve prosseguir r u m o da verdade mais elevada. Ashtavakra adverte ao seu régio discípulo que não se dê por satisfeito com o misticismo, a ioga habitual ou a religião pura e simples, mas trate de passar à fase subsequente da aquisição dos conhecimentos da filosofia
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Gnana-ioga. Asparsa-ioga. A Canção do Sábio Ashtavakra.
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da verdade. T a l fase está contida n u m s i s t e m a m a i s elevado, denominado discernimento filosófico, do q u a l o poder de t r a n q u i l i z a r e concentrar o pensamento propiciado pela ioga c o m u m é decerto u m componente essencial, sem deixar, contudo, de s e r secundário. O senhor compreenderá agora por que essas doutrinas revolucionárias não caem no gosto público. O visitante depôs o livro, fez u m a p a u s a e m s u a narração e olhou para m i m através das grossas lentes dos seus óculos redondos. E u sentia u m interesse crescente por ele. Assegurando-lhe o m e u m a i s profundo interesse, roguei-lhe que prosseguisse. Carinhosamente, ele entregou-me o terceiro volume d a s u a pequena coleção, elogiando-o em alta voz. O volume consistia de u m breve texto intitulado Upanichade Mandukya,* contendo doze límpidos parágrafos, ao lado de u m suplemento denominado Gaudavada Karika, contendo duzentos e quinze curtos parágrafos e, afinal, u m comentário mais extenso acerca do texto e do tratado, de a u t o r i a do renomado Shankara. — Aquele que dominar intelectualmente tanto o texto como o comentário terá se assenhoreado da mais elevada verdade d a q u a l a índia tornou-se a única depositária durante m i l h a r e s de anos e d a qual alguns fragmentos foram tomados por empréstimo pelo restante da Asia, — assinalou o visitante. — E s t a o b r a contém a chave-mestra para 'os mistérios maiores além da ioga, dos quais o senhor o u v i u falar, ( e os quais tem procurado), conhecidos como a ioga do discernimento filosófico, a qual, por sua vez, c u l m i n a n a derradeira faceta denominada a ioga .do irretorquivel. E s t e s métodos começam onde termina a meditação, pois são n a verdade disciplinas filosóficas que empregam a intensa concentração ocasionada pela prática d a ioga, sendo orientados no sentido de libertar a mente d a s u a ignorância inata e dos seus erros costumeiros. E l e s são de compreensão deveras difícil p a r a nós do Oriente, e mais difícil a i n d a p a r a vocês do Ocidente. As togas mais adiantadas são desconhecidas de quase todos os nossos iogues hindus e v i a de regra incompreendidas pela quase totalidade dos nossos pânditas. Contudo, conhecendo esses negligenciados sistemas, não se precisa conhecer n e n h u m outro. Mesmo n a índia, local do seu nascimento, sendo este texto tão pouco valorizado e menos ainda compreendido, claro que não resta n e n h u m a esperança de vê-lo penetrar corretamente entre vocês, orientalistas do Ocidentel g
E n t r e os motivos das minhas várias andanças pela índia aquele que me levou primeiramente a visitar Misore foi a reputação ímpar desfrutada n a índia pelo falecido Marajá, autor de u m generoso convite à minha pessoa. O caráter irrepreensível de S u a Alteza, s u a sincera devoção à cultura e seus esforços incansáveis no sentido de pro-
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A Doutrina Secreta do Sábio Mandukya. As Concisas Estâncias de Gaudapada.
mover o bem-estar do seu povo durante u m longo reinado de mais de quarenta anos transformaram-no no mais respeitado e querido de todos os governantes nativos. Gandhi lhe havia conferido com admiração o título único de Rajarishee, isto é, rei-sábio. Quando me foi dado conhecer mais intimamente S u a Alteza descobri que a fonte secreta de toda a s u a grandeza j a z i a n a filosofia com a qual se identificara e a q u a l tentarei explicar ao longo desta obra. Desde as praias beijadas pelo m a r do Cabo Comorin até o venerando H i m a l a i a ele v i a j a r a p a r a conhecer os mais renomados eruditos e homens santos do seu país. Desde a Cachemira até Benares ele t i n h a conversado c o m os m a i s notáveis pânditas e iogues; cruzara até as gélidas cordilheiras que levam ao Tibete, em mística peregrinação. P e r s c r u t a r a o íntimo de todos esses homens. Por esta razão, melhor do que a maioria dos hindus, podia ele julgar aquilo que era m a i s valioso n a cultura do seu povo. Acabou por encontrá-lo n a filosofia oculta, c u j a real interpretação personificou, não apenas na vida p r i v a d a m a s também n a pública. S u a Alteza sintetizou o valor prático daquilo que aprendera na mensagem ao Congresso Filosófico Internacional transcrita no cabeçalho deste capítulo, u m a mensagem p a r a que toda a humanidade fosse tratada como u m a família. Recado mais altaneiro e de maior valor não poderia ser transmitido ao mundo numa época de tanta perplexidade. Nenhuma religião institucionalizada ou filosofia esotérica transmitiu-o até agora, pois todas as religiões e filosofias, no próprio ato de rotularem-se, excluem os seguidores de outros credos ou outros ensinamentos do seu âmbito. A Europa não fez caso da advertência, ignorando que os conceitos da genuína filosofia, longe de serem fúteis, contêm implicações reais para a orientação ética, e, dois anos após, estourou o maior conflito da sua história. As duas passagens em sânscrito mencionadas n a mensagem eram cantadas diariamente no Palácio de Misore. S u a Alteza provou, dentro do seu próprio Estado, que a filosofia podia ser aplicada com grande sucesso às pessoas comuns. Misore fez j u s ao título de estado modelo, e amiúde era citado como o mais progressista da índia. A f a m a do Marajá espalhou-se por toda parte e quando da sua morte o Times, expoente da imprensa inglesa, afirmou que ele havia criado um modelo p a r a o restante da índia. Esse era o fruto prático da verdadeira filosofia. Talvez também se possa mencionar aqui que o falecido Marajá acompanhou com crescente interesse o meu progresso filosófico e literário, e me afirmou alguns anos antes da sua morte: — Você estudou e levou a ioga aos ocidentais; agora estude aquilo que de m i l a índia tem p a r a d a r : a nossa filosofia mais elevada! Chegara afinal a hora de desempenhar-me da segunda missão me tinha sido confiada. S u a Alteza ansiava tanto pela propagação da Verdade que me incentivou grandemente na feitura deste livro, %
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para meu pesar, não viveu o suficiente p a r a testemunhar a s u a publicação. Sábios já desaparecidos proclamaram do alto d a s u a sapiência a existência de um caminho derradeiro que e r a o único a proporcionar à mente inquiridora do homem o repouso da sabedoria perfeita e do poder oculto, a beleza ética e o benefício u n i v e r s a l d a compreensão derradeira. Nessa consciência sublime sabe-se, até m e s m o no ritmo atordoante da vida moderna, que tudo e todos não diferem em essência de cada u m dos indivíduos. ISSO merece realmente s e r pesquisado. E u comecei a compreender melhor a ioga depois de u m alentado período de pesquisas; aprendi a separar o que é p r e l i m i n a r e intermediário daquilo que constitui os estágios pouco conhecidos e adiantados, dos quais a dita pesquisa foi n a verdade u m a preparação. Os Três Graus da Ioga. Pode-se fazer agora u m sucinto levantamento das relações entre essa doutrina oculta, que pretende ser o coroamento e a realização d a ioga, e as iogas m a i s conhecidas e menos elevadas. Isto requer a inclusão de algumas visões prévias de um material que pertence propriamente a estágios m a i s avançados. Tais relações surgirão com maior clareza se d i v i d i r m o s o método iogue em três graus crescentes através dos quais chegamos a u m a consciência mais ampla. O grupo mais elementar é todo ele dedicado aos exercícios físicos de concentração, pois estes exercem u m a atração mais direta sobre aqueles (sempre mais numerosos) cujos intelectos não são cultivados. O principiante em matemática decerto f i c a r i a m u i t o surpreso se o seu curso começasse pelo estudo do T e o r e m a B i n o m i a l , que, por essa razão, é reservado para u m a fase posterior dos estudos. Analogamente, o novato em ioga que, por temperamento e g r a u de instrução não está apto p a r a outra coisa, é colocado e m a l g u m desses exercícios físicos. Mas alguns dentre os que se i n i c i a m v i s a m algo m a i s do que o cultivo da concentração, pretendendo melhorar a saúde, a u m e n t a r a fortaleza e curar as moléstias que porventura os a f l i j a m . Sabe-se que u m organismo doente perturba a mente e escraviza o pensamento à doença propriamente dita. Por isso, não r a r o , estes exercícios são prescritos como u m a providência preliminar até mesmo p a r a os portadores de u m desenvolvimento cultural suficiente p a r a iniciar-se n u m g r a u mais elevado. Os métodos empregados podem parecer estranhos aos ouvidos ocidentais, mas nem por isso são destituídos de extraordinária eficácia no que tange às finalidades específicas a que se propõem. O p r i m e i ro método consiste em colocar o corpo n u m a determinada e r a r a postur a e mantê-lo fixo e imóvel durante algum tempo. O segundo método envolve diversos exercícios característicos disciplinando r i t m i c a m e n t e durante certos períodos de tempo a inalação, a retenção e a soltura da respiração. O terceiro método consiste e m olhar s e m p i s c a r os olhos p a r a u m determinado ponto durante o mesmo intervalo de
tempo todos os dias. 0 quarto método manda murmurar m i l e uma vezes por d i a u m dos nomes escriturais de Deus. 0 quinto método é cantar determinadas sílabas sagradas em rítmica conjunção com os movimentos de inspiração e expiração da respiração. O segundo grupo de exercícios da ioga, ou grupo intermediário, situa-se a c i m a do corpo físico e cuida de educar os sentimentos no campo da devoção e treinar os pensamentos no campo da concentração. I n c l u i diversos exercícios místicos de meditação cujo objetivo final é a obtenção da paz emocional e mental; pode igualmente abarcar a aquisição de u m constante desejo da presença de Deus. 0 panorama genérico deste grupo de exercícios será esboçado no próximo capitulo. Seus arroubos de meditação e transes extáticos propiciam ao estudante rápidas visões d a não-materialidade básica do mundo e da sua harmoniosa unidade subjacente, mas tais visões não passam, em última instância, de sensações passageiras, conquanto elevadas. A seguir o estudante tem de aprender a transformá-los n u m a compreensão permanente, coisa que só pode ser feita interpretando-a à luz mais elevada da razão, atividade esta que se enquadra n u m outro estágio. O êxito neste segundo g r a u é caracterizado pelo poder de chegar a u m estado de devaneio e nele manter-se por longo tempo, estando a pessoa perfeitamente concentrada e a atenção permanecendo afastada do meio ambiente. Valendo-se dos benefícios ganhos no auto-aprendizado dos primeiros métodos, o estudante pode ascender ao terceiro grau, a ioga do discernimento filosófico. É este o m a i s elevado grupo d a família d a ioga; em última instância, é supermístico, mas, inicialmente, é apenas intelectual e r a cional. Trata-se da doutrina oculta. Parte dela encontra-se delineada neste livro, mas antes de chegar ao l i m i a r da porção mais adiantada e s u a derradeira e assombrosa revelação, a ioga do irretorquível, é forçoso que se faça u m a pausa nestas páginas. Nesse terceiro estágio o estudante luta, lado a lado com a concentração e a disciplina de sentimento e pensamento, p a r a aguçar o seu raciocínio e aplicar a sua inteligência assim aguçada a u m a bem orientada consideração do significado e da natureza tanto do mundo quanto da vida. Até então só cuidou ele de si próprio, só se preocupou com o seu diminuto ego; agora expande os limites das suas perspectivas e transforma e m problema seu o problema do mundo. Ê preciso que ele treine bastante a f i m de i m p r i m i r as novas ideias em cada molécula do seu ser. É preciso que pense com profundidade e empenho nessas verdades sutis que está aprendendo até que o pensamento adquira o caráter de introvisão. Quando estes esforços por f i m amadurecerem ele praticará os exercícios da contemplação ultramística e procurará através do poder da s u a agora iluminada inteligência perscrutar o místico derradeira; a relação entre a grandiosa realidade final do mundo e ele própria» E l e atingiu o clímax de u m a aventura em que mente e corpo precisam
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caminhar, lutar e labutar e m uníssono. E s s e caminho-ápice é a ioga do irretorquível. E m primeiro lugar se p r o v a o princípio f i n a l d a identidade secreta do homem com a realidade u n i v e r s a l e a seguir se mostra ao homem como entendê-lo e m meio à a t i v i d a d e d a v i d a prática. Mais alto do que isso a mente h u m a n a não pode c h e g a r ; e os anos que lhe restam, o homem irá passá-los ocupado e m estabelecer definitivamente n a s u a consciência a verdade, e m v i v e r c o m e l a c a d a momento e cada dia, e m expressá-la p r a t i c a m e n t e c o m u m a plenitude contínua e sem concessões, e m manter-se embebido n o s e u espírito e caráter até que ela se transforme e m conhecimento imediato, certo e comprovado. O conhecimento deve dinamizar-se, sendo praticado até que os exercícios propriamente ditos se p e r c a m n a s u a consecução completa. O estudante terá então terminado c o m as f o r m a l i d a d e s d a religião, com as visões da meditação, c o m os arrazoados d a filosofia. Assim como os andaimes são erguidos c o m cuidado e p e r m a n e c e m durante todo o processo de construção d a casa, p a r a apenas no f i n a l serem desmontados, a s s i m também, p r i m e i r o a religião, depois a ioga e afinal a filosofia, podem ser agora v i s t a s como meros a n d a i m e s que permitem ao homem erguer a e s t r u t u r a d a verdade. N o f i n a l , depois de c u m p r i r a sua missão, também elas são repudiadas. M a s t a l repúdio refere-se apenas às pretensões de p r o p i c i a r a realização d a verdade unicamente através dos seus canais i n d i v i d u a i s , e não aos restantes e menos importantes usos. U m a vez estabelecido a título definitivo, o mestre poderá residir e m todos esses mundos diferentes, se quiser, e sentir-se em casa em qualquer deles. Poderá c o n t i n u a r estudando a filosofia com o fito de orientar as correntes m e n t a i s d a s u a época, poderá submeter-se aos ritos e imposições d a religião o r t o d o x a c o m o fito de encorajar outras pessoas s e m condições p a r a sobrepor-se a eles, poderá até mesmo entrar e m transes meditativos c o m o fito de relaxar-se, mas j a m a i s reincidirá no erro de j u l g a r q u a l q u e r dessas coisas como os únicos e derradeiros caminhos p a r a a verdade. Quando muito elas poderão projetar suas reflexões no pensamento; o h o m e m propriamente dito deve tomar consciência da s u a substância, coisa que bruxaria alguma poderá propiciar. O leitor não terá compreendido estas explicações se não se der conta do fato importante de que aqueles que não dominaram a ioga do segundo g r a u não poderão, p o r i s s o , d o m i n a r a ioga do grau mais elevado. Pois a prática do devaneio é necessária para transformar e m êxito a investigação d a filosofia. A indagação da verdade é o conteúdo adequado p a r a o transe meditativo. A disciplina ascética da vontade, do corpo e do ego deve c o r r e r lado a lado com o seu estudo e implementar através da ação as descobertas teóricas da filosofia. A ioga, t a l como é geralmente entendida, não deve, portanto, ser posta de lado, conquanto tenha deixado de ser u m f i m em s i mesma para transformar-se tão apenas n u m meio p a r a u m f i m . A capacidade de praticar a ioga não é essencial apenas no princípio do caminho derradeiro m a s também no seu f i n a l , É a perfeita combinação de u m a arguta indagação intelectual fundida n u m profundo
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devaneio meditativo e revelando suas consequências lógicas no viver cotidiano que acaba por produzir os frutos da compreensão derradeira. A simples compreensão intelectual dos ensinamentos ocultos sem a correspondente capacidade iogue de manter íntegra essa compreensão é tão p a r c i a l , incompleta e pouco satisfatória como o simples poder iogue de r e t i r a r a atenção do meio ambiente e focalizá-la em estados abstratos despidos de esforço filosófico. Nem u m árido intelectual i s m o académico n e m u m a prática pouco esclarecida da ioga pode levar à verdade, n e m ambos conjuntamente, se não forem vivificados pela ação. A s s i m sendo, o novato passa de u m grau para outro, da disciplina corporal p a r a a disciplina emocional e daí para a intelectual. Os três grupos combinam-se p a r a formar u m desdobramento progressivo das suas capacidades e d a s u a compreensão. É importante notar que se t r a t a de etapas e não terminais. A verdade aprendida é sempre proporcional ao nível de compreensão do indivíduo. A confusão entre as segunda e terceira iogas é u m fato mais ou menos generalizado entre os religiosos e letrados da Índia contemporânea. P a t a n j a l i é amiúde citado, mas ele só fala no objetivo de controlar a mente e os sentidos e não n a união da alma com o Derradeiro. É certo que faz u m a referência a I s h w a r a (Deus), mas isso apenas p a r a i n d i c a r u m método de exercícios. Aqueles que fazem da ioga da concentração mental u m caminho final enganam-se redondamente. O Bhagavad Gita declara textualmente no décimo quinto capítulo que não há n a d a igual à ioga do conhecimento, e no décimo terceiro que ela é a m a i s elevada forma de realização. Por isso, não devemos confundir as coisas. É preciso conservar a religião apartada do misticismo e m nossas mentes, e o misticismo apartado da filosofia. Se, por obra do sentimento, do hábito e dos enganos confundirmos u m com o outro, perderemos o rumo e acabaremos aturdidos. Ver-se-á que os diferentes métodos de ioga conduzem sucessivamente de uma para outra coisa e, decididamente, não são caminhos levando para u m único objetivo central, t a l como generalizada porém erroneamente se ensina n a Índia hoje em dia. Não terá o próprio Atmarama Swami. autor do clássico m a n u a l da" ioga do controle corporal intitulado Hatha Yoga Fradipika confessado que compusera a sua obra com a finalidade de a j u d a r aquelas pessoas incapazes de praticar a ioga da concentração mental? — Apenas p a r a a obtenção da ioga da concentração é que se preconiza a ioga do controle corporal — escreveu o autor. As Togas m a i s conhecidas são altamente inadequadas aos elevados propósitos da suprema realização; quando muito propiciam u m conhecimento mediato ou indireto da verdade, mas nunca a verdade propriamente dita. E l a s não são senão unidades de u m a série progressiva, degraus preparatórios de u m a escada e, para chegar ao alto, é pi que os galguemos u m a u m ; u m único estágio j a m a i s poderá colocar* -nos no topo, salvo o estágio final. Analogamente, nenhum tipo 41
ioga é auto-suficiente e n e n h u m trará a compreensão f i n a l , salvo a ioga final do irretorquível. O termo ioga é u m a m p l o guarda-chuva que abriga numerosas ideias e práticas diferentes. E l e abrange o asceta que se tortura sobre u m leito de pregos tanto quanto o reflexivo filósofo que aplica a s u a sabedoria à v i d a prática. P o r isso aqueles que limitam a ioga à prática d a meditação, excluindo dela a indagação filosófica, adotam u m a atitude errónea. No entanto, o valor prático de cada fase m a i s do que n u n c a se conserva no lugar devido. Mas p a r a aqueles poucos que de início adotam a ioga n a esperança de chegar à verdade a c i m a de todas a s coisas, que exercitam os métodos elementar e intermediário c o m sucesso, existe sempre o convite não verbalizado p a r a e x p l o r a r u m método mais elevado. Se aceitarem esse convite p a r a c o m p l e m e n t a r a ioga da experiência com a ioga do conhecimento não estarão fugindo ao esquema da ioga, m a s , pelo contrário, estarão completando-o. Pois 0 trabalho da ioga integral não t e r m i n a c o m a meditação n e m a devoção esgota as suas possibilidades. A passagem poderá s e r feita pelas pessoas sensatas sem prejuízo p a r a a s u a integridade intelectual, ao passo que os tolos não verão senão perigos e r u p t u r a s n o método mais elevado. Os perigos são ilusórios e consistem apenas e m colocar em segundo plano a benfazeja experiência da meditação que o hábito antigo obrigava a considerar como p r i m o r d i a l , ao passo que a t e m i d a ruptura consiste apenas n a sujeição do sentimento i n t u i t i v o ao poder mais alto do discernimento racional. A s pessoas poderão d a r seguimento às suas meditações e intuições ( n a d a p r e c i s a s e r perdido ou abandonado), mas as exageradas pretensões de s u p r e m a c i a absoluta da meditação e das teimosas extravagâncias d a intuição devem ser deixadas de parte sempre que colidam com u m a razão filosoficamente adestrada.!~ Realmente, a incapacidade de p r a t i c a r c o m êxito a meditação, e a incapacidade de entrar voluntariamente no estado de devaneio continuado, tornariam totalmente impossível a grandiosa compreensão final. Pede-se, portanto, às pessoas que escolham entre a paz momentânea e a paz duradoura. O trabalho d a ioga não t e r m i n a | com a meditação, não termina com a devoção, não t e r m i n a c o m pos1 turas ou exercícios respiratórios; termina, isto s i m , c o m a f i r m e compreensão que é a única a propiciar u m a paz sempre presente, quer o homem pratique a meditação quer não. Assim, a realidade pode ser concebida de quatro pontos de v i s t a diferentes, dispostos ao longo de u m caminho a ser percorrido em estágios progressivos. E m primeiro lugar, pode a realidade ser adorada religiosamente como coisa à parte d a individualidade. Pode a seguir ser objeto de meditação mística como coisa inerente ao eu. E m terceiro lugar, pode ser filosoficamente estudada, afastando-se todos os falsos conceitos acerca dela. Finalmente, pode ser conscientemente compreendida t a l como é e m si mesma e através de processos ultramísticos.
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Onde me encontro agora. S e m o poder de entrar em transe m i * tico e s e m a reonentação moral que gera, a filosofia só pode terminar n u m intelectualismo estéril e frustrante. A vida é u m produto do h o m e m integral, e quando o pensamento filosófico já percorreu todo o s e u c a m i n h o e produziu a verdade que decorre de fazer o pensamento v i a j a r até o l i m i t e das suas possibilidades, a ioga u m a vez m a i s deve e n t r a r e m cena p a r a completar as conclusões filosóficas por meio do s e u poder característico de absorver no eu a ideia de mundo. Não foi e m razão de sobrestimar o meu próprio discernimento que dei a público este livro, mas em razão do desejo de comun i c a r u m a atitude mental que tem sido da maior valia na solução de clamorosas questões. É o melhor serviço que posso prestar ao próximo. Não se interprete erroneamente a minha posição no tocante a estes assuntos. No momento estou trilhando u m caminho solitário. É u m a grande verdade que e u deixei de procurar iogues e mestres, no sentido convencional das expressões, e já não me identifico com os seus a s h r a m s . Isto se deve e m parte a que a utilidade dessa busca desapareceu e e m parte a que u m a longa experiência em determinados a s h r a m s acabou por desencantar-me inteiramente. Outrora eu confundia iogues e outros indivíduos com sábios — t a l como faz a maioria — m a s hoje e m d i a já não incorro nesse erro. Continuo a encarar m i n h a s passadas experiências místicas como indispensáveis em seu tempo, e experiências análogas sempre o serão para outras pessoas. A mudança por que passei envolve não a negação mas uma interpretação diferente dessas experiências. U m a pesquisa mais aprofundada e u m a orientação melhor ajudaram-me a estabelecer o seu justo valor e determinar o seu exato lugar. Não obstante, trata-se de fases essenciais d a experiência mística pelas quais todos os aspirantes têm que passar. Ademais, j a m a i s m e passaria pela cabeça permanecer u m só d i a sem u m intervalo, por breve que fosse, dedicado ao recolhimento mental e ao esquecimento dos assuntos pessoais e da atividade mundana, e pleno de u m a serena e beatífica tranquilidade ou meditação profunda, coisa que u m a longa prática possibilita-me conseguir segundo os meus desejos, a qualquer momento e em qualquer lugar. E u não desisti da meditação e ainda a encaro como u m a parle atraente e essencial do programa diário. No entanto, recuso-me a continuar confundindo as coisas. As visões, os êxtases e as intuições são agora meros acidentes da meditação e constituem-se apenas n u m subproduto dela. Não há padrão universal pelo qual se possa aferir a sua validade, de modo que considero de bom alvitre ter sempre em mente o objetivo essencial da meditação. E m duas obras anteriores prometi fornecer u m dia a decl intelectual completa acerca das verdades derradeiras que se cons m a m além d a ioga popularmente conhecida. A tarefa de formul neste volume essa declaração, há muito aguardada por u m públí internacional, n e m mesmo agora será completada e não esgota a re*
lação das coisas que ainda estão p o r ser dadas ao m u n d o . Será preciso u m segundo volume. Aquilo que a q u i será apresentado c o n s t i t u i parte da ioga do discernimento filosófico m a s não a s u a totalidade. 0 restante, de p a r com o fecho do arco d a verdade que venho tentando arigir, forçosamente ficou intato. S e estas páginas d e s p e r t a r e m suficiente interesse, então tanto as doutrinas que estão faltando quanto a ioga do irretorquível, que é o fecho derradeiro, serão erigidas e a tarefa resultará completa. A composição do último v o l u m e será extremamente difícil e a s u a separação d a o b r a presente é imprescindível. Pois esta última não apenas funciona como u m a ponte cobrindo o vazio entre as minhas primeiras obras sobre o m i s t i c i s m o e o m e u atual trabalho de cunho puramente filosófico, como também reorienta a mente do leitor, preparando-a eficazmente p a r a o estudo adiantadíssimo diante do qual a s u a busca irá decerto colocá-lo. A linguagem comum é deficiente como veículo p a r a os conceitos abstratos; daí a necessidade corrente de i n v e n t a r u m a terminologia filosófica especial. E u procurei, contudo, Iembrar-me daqueles p a r a quem escrevo — não, decerto, os pedantes e n c l a u m r a d o s n e m os metafísicos académicos, mas os homens de r u a que a i n d a se p r e o c u p a m com o significado da v i d a — e, por isso, reluto e m lançar mão dessa terminologia distante e pouco conhecida, salvo quando h o u v e r absolutamente necessidade ou quando a s u a compreensão for fácil. T a n t o quanto possível, minhas pesquisas sobre essas complexas abstrações foram trazidas p a r a o campo de u m a linguagem não-técnica ao alcance das inteligências normais, e isso sem prejuízo d a exatidão e da profundidade. As pasmosas verdades a l i contidas e s t i v e r a m u m d i a restritas a u m a diminuta elite intelectual, porém, e m b o r a e u não tenha escrito para ignorantes, coloquei-as e m p a l a v r a s simples e b e m ao alcance da compreensão do leitor capaz de entender o estilo de u m jornal bem redigido. Não obstante, aqueles que n u n c a p r a t i c a r a m a meditação ou a concentração n e m estudaram filosofia talvez não tenham gosto para pensamentos dessa ordem, ao passo que aqueles que trilham a estreita senda da ortodoxia religiosa possivelmente se assustarão com eles. E todo leitor constatará que embora estas páginas estejam abertas e sejam acessíveis a quem se dispuser a folheadas, a penetração no seu sentido real é vedada a quantos se r e c u s a r e m a u m mínimo de esforço mental. Aconselha-se, portanto, u m a c u r t a leitura por vez, seguida de u m a pausa p a r a reflexão a c e r c a do fruto filosófico que acabou de ser colhido. Talvez não seja também desarrazoado prever a publicação por escrito de críticas que já ouvi formuladas n a intimidade e até mesmo v i estampadas n u m pasquim h i n d u d a pior qualidade, porta-voz de lastimáveis criaturas que se dedicam ao cultivo d a inimizade pessoal. Tais críticas ficarão sem dúvida mais cristalizadas com o aparecimento desta obra. Primeiro me será imputada a pecha de incongruente. Dir-se-á que eu investi com fúria iconoclasta contra definições e doutrinas passadas, modifiquei u m ponto de v i s t a firmado, alterei velhas
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estimativas a c e r c a dos homens e da experiência, demonstrando-me, assim, instável de caráter e falho de julgamento. Meus amigos par ticulares irão decerto divertir-se com a injustiça destas últimas palav r a s , sendo certo que a tónica das acusações t r a i u m a indiscutível incompreensão das m i n h a s atuais perspectivas. E u não reneguei velhas opiniões, simplesmente ampliei-as. S e j a como for, a integridade dos meus propósitos obriga-me a confessar que a congruência não é para m i m u m espantalho. Só me preocupo com ela no que respeita a busca da v e r d a d e ; se os resultados dessa busca se alteram e divergem à medida que avanço, pouco i m p o r t a ! Não me esquivarei ao reconhecimento dos fatos. A honestidade dos meus propósitos no passad encoraja-me a agir a s s i m agora. P a r a u m escritor que firmou st reputação pesquisando e advogando a ioga não é fácil reconhecer público as limitações do sistema. Obviamente, razões de grande peso, além de u m a extensa experiência, fazem-me assumir tão grande re: ponsabilidade. E u vivo a aprender e a pôr à prova coisas novas, bem como a amadurecer a m i n h a capacidade de julgamento. Quando isso acontece, torna-se inevitável que u m homem se ache na contingência de modificar suas p r i m e i r a s conclusões e as primeiras interpretai das suas experiências — a menos que se trate de u m cego que acredita e m tudo quanto lhe dizem e aceita passivamente tudo que lhe sobrevêm. E s s a b u s c a é como escalar u m a montanha desconhecida, jornada que envolve sucessivas modificações d a paisagem. A gente divisa lá no alto aquilo que parece ser o cume. Depois de muitos anos de penosos esforços chega-se ao topo da crista. Desilusão! Naquele fatídico momento de êxito constata-se que o verdadeiro cume fica ainda m a i s a c i m a e que talvez mais alguns anos de dura luta nos aguardem. A s visões místicas, a s experiências iogues, as crenças religiosas e as teorias científicas são cristas com que topamos na nossa escalada e que amiúde confundimos com o pico final. Colhemos visões variadas e até aqui insuspeitadas d a verdade à medida que os velhos marcos vão desaparecendo atrás de nós e nós vamos ganhando altura. O derradeiro existe, não tenhamos qualquer dúvida a respeito, mas, a dar-se crédito aos registros históricos, apenas aqueles que têm a coragem de s e r incongruentes poderão encontrá-lo! Até mesmo Buda, quando entreviu u m caminho mais elevado, não hesitou em pôr de lado as formas elementares de ioga que vinha praticando há seis anca. A segunda acusação saída de lábios ignorantes é a de que sou u m renegado. I m e n s a tolice, pois j a m a i s esposei outra causa que não a da verdade, e com esta continuo casado. Se algumas mentes superficiais e não indagativas até aqui me têm — e estou certo de que a s s i m é — como u m homem convertido ao Hinduísmo, ou como u m propagandista de algum a s h r a m hindu em particular, isto se deve a u m a presunção vã da sua parte e nunca à minha atitude pessoal Se. contudo, a passagem de u m ponto de vista menos elevado para um ponto de v i s t a mais elevado faz de m i m u m renegado, então com muito prazer declaro-me culpado.
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A terceira acusação, a de que repudiei a ioga, é i g u a l m e n t e t o l a E u não me afastei do m e u antigo modelo. N ã o o c o m b a t o agora, m a s continuo a dar-lhe o devido valor, como sempre, recusando-me, porém, a concentrar sobre ele toda a m i n h a atenção; pelo contrário, procuro apreciá-lo, criticá-lo e compreendê-lo à l u z m a i s potente d a verdade derradeira. Ademais, já não acolho todas a s grosseiras alegações em favor dos caminhos inferiores d a ioga a p r e s e n t a d a s p o r iogues irresponsáveis e destituídos de senso crítico; hoje e m d i a tenho p a r a m i m que tais caminhos servem p a r a nos conduzir a regiões a i n d a além dos seus domínios. E u não repudio a ioga, desenvolvo-a a p e n a s . De parceria com a filosofia, a ioga irá d e f i n i t i v a m e n t e p r o d u z i r como fruto a verdade; por s i só não poderá p r o d u z i r senão a paz. O cultivo da intuição mística, a prática da quietude m e n t a l e os exercícios de meditação são absolutamente indispensáveis a todos quantos se encontrem ainda n a fase d a b u s c a . Todo pesquisador d a verdade, todo h o m e m que ousou p e n s a r com honestidade e acatar os resultados das suas lucubrações — fossem estes amargos como o fel ou doces como o m e l — foi u m nómade. Seus pontos de v i s t a j a m a i s f o r a m rígidos. E l e sabe que a sabedoria é o último resíduo do agitado processo de destilação d a v i d a e não o primeiro. A busca e m que está empenhado é dinâmica e não estática. Não lhe é possível b a i x a r à s e p u l t u r a e colocar p o r c i m a u m a lápide proclamando u m ponto de v i s t a teimoso p a r a a n u n c i a r a sua morte. P o r essa razão só quero como leitores aqueles q u e estejam dispostos a penetrar comigo a imensidão b r a v i a do desconhecido. O esforço por descobrir a verdade é u m a grandiosa a v e n t u r a , u m a antiga incursão no domínio do desconhecido e não u m mísero p e r m a n e c e r enfurnado n a própria toca. O pioneiro t e m de l a b u t a r e s o f r e r p a r a aprender como verdade nova aquilo que os seus descendentes receberão como u m a antiga verdade; A congruência deve s e r f e s t e j a d a como um elegante traje novo quando a u x i l i a r n a p r o c u r a d a verdade, m a s deve ser atirada fora como u m traste velho s e m p r e que e s t o r v a r t a l procura. As perguntas são amplas e m s u a m a i o r i a ; elas têm m a i s de uma faceta. Se no passado a n a u de u m h o m e m enveredou p a r a u m lado e no presente envereda p a r a outro — b e m , tanto m e l h o r p a r a a veracidade do seu ponto de v i s t a ! O tempo decerto tornou-me u m pouco m a i s sensato nesses assuntos, u m pouco mais dotado de autocrítica, b e m c o m o propiciou-me u m a maior capacidade de analisar os famosos a s h r a m s e as decantadas personalidades místicas que conheci. E u p e r s c r u t e i m a i s a fundo os seus fundamentos e m busca de u m a compreensão m a i s c l a r a , ff Neste esforço vali-me das descobertas dos m a i s competentes psicólogos modernos do Ocidente b e m como dos antigos psicólogos h i n d u s . T e r i a sido mais agradável à m i n h a vaidade p e r m a n e c e r ao lado de colegas místicos — fossem da obscura antiguidade o u d a l u m i n o s a e r a contemporânea, fossem do j o v e m Ocidente o u do velho O r i e n t e — n a
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aceitação p a s s i v a dessas visões extraordinárias e experiências inefáveis v i s t a s sob u m p r i s m a m a i s róseo e deter-me aí. 0 destino, porém, foi m a i s bondoso e, ferindo-me no m e u amor-próprio, conduziu-me a t u n a atmosfera m a i s elevada de verdade. Os êxitos mais deleitosos e os fracassos m a i s acachapantes foram pequenos mestres que preparar a m o c a m i n h o . D a m a i o r v a l i a foi a filosofia ao mostrar-me como a v a l i a r as visões místicas à l u z daquela Verdade Suprema, que poucos se dão ao t r a b a l h o de p r o c u r a r porque esmaga o desejo egoísta e põe e m ridículo todas as razões de ordem pessoal. Aqueles, portanto, que encararem este livro como u m símbolo da incongruência estarão errados. Não tenho nenhuma necessidade de desculpar-me perante o t r i b u n a l da razão. Alguns dos novos ensinamentos a q u i apresentados não apresentam incongruências com relação a anteriores declarações m i n h a s . E u já estava de posse deles desde a época e m que escrevi a Busca do E u Superior, obra em que dizia claramente no p r i m e i r o capítulo que a última palavra não havia ainda sido e s c r i t a : — T o d o escritor o u mestre tem forçosamente de adotar uma posição diferente segundo o grau de desenvolvimento da mente com que está l i d a n d o . . . Não se deve interpretar mal o objetivo destas páginas. Têm elas a intenção de mostrar u m caminho iogue adequado aos o c i d e n t a i s . . . elas mostram como conseguir determinadas satisfações, m a s não procuram nesta fase solucion a r o mistério do u n i v e r s o . . . Quando a quietude da mente e a concentração do pensamento forem conseguidas, e só então, estará a pessoa e m condições de encetar a busca da Verdade Derr a d e i r a . Continuamos empenhados no processo de revelar uma sabedoria s u t i l e espantosa que ainda não foi dada a conhecer a u m a n u m milhão de pessoas. E m b o r a a m i n h a lealdade ao misticismo permanecesse inabalável, eu s a b i a que este não bastava, que e r a incompleto e insuficiente. E u h a v i a começado a perceber que a verdade estava tão distante do m i s t i c i s m o quanto este estava distante da religião. No livro seguinte ( A Realidade I n t e r n a ) , c o m m u i t a coragem, admiti reiteradas vezes que o m i s t i c i s m o por s i só não bastava e que havia u m caminho derradeiro u l t e r i o r a ele. Mas apenas com o presente trabalho chegou o momento oportuno p a r a e x p l i c a r com clareza as razões da minha passagem de u m a perspectiva fragmentária p a r a u m a visão mais plena. C a d a l i v r o que fiz brotar da fluida obscuridade da tinta represent portanto, u m m a r c o superado, u m oásis no deserto da existência no qual a c a m p e i durante algum tempo ao longo da minha jornada em b u s c a de u m a explicação válida p a r a a v i d a e a realidade. Talvez eu não v i v a o suficiente p a r a escrever u m testamento filosófico ou u m credo f i n a l , m a s no presente volume os leitores irão decerto verificar que a B u s c a se aproximará bastante do seu termo. Não se pense,
porém, que os demais volumes poderão s e r ignorados. T a l e r r o seria fatal ao desenvolvimento de c a d a u m . O s p r i m e i r o s e n s i n a m e n t o s persistem e são agora complementados. Aqueles e s c r i t o s sobreviverão e serão necessários enquanto os homens f o r e m obrigados a e s c a l a r progressivamente o c a m i n h o d a verdade, enquanto a m e n t e h u m a n a tiver de amadurecer como os frutos n a s árvores; v a l e dizer, r e p r e s e n t a m portais que não poderemos e v i t a r e s e r e m o s obrigados a f r a n q u e a r . Aqueles que estão demasiado apressados não p o d e m e s p e r a r p o r u m a súbita e m i r a c u l o s a transição p a r a a v e r d a d e d e r r a d e i r a . | P o r essa razão os primeiros livros, representando tão f i e l e l u c i d a m e n t e quanto possível o m e u pensamento e a m i n h a experiência p o r ocasião d a s u a feitura, são registros factuais que representarão i g u a l m e n t e a q u i l o que muitos outros virão a p e n s a r e s e n t i r à m e d i d a q u e f o r e m t r i l h a n d o o mesmo caminho.
inexpressável e fazer c o m que ele siga u m caminho de inexorável 1 gicidade. P o d e m o s p r o v a r que dois e dois são quatro, que a T e r r a é redonda, e que a água não é senão u m a combinação de dois gases; m a s c o m o poderemos p r o v a r a realidade daquilo que se situa acima do p e n s a m e n t o formulado, que é totalmente inaudível e invisível, e que só poderá s e r conhecido depois que todos os argumentos tiverem sido esgotados? E i s n a verdade u m paradoxo provocante, quando aquilo que é parece s e r aquilo que não é ! Podemos chegar à dimensão inefável do d e r r a d e i r o viajando através de u m a série de pensamentos e experiências, m a s o derradeiro propriamente dito não é n e m u m pensamento n e m u m a experiência. A Verdade em sua nat u r e z a a b s o l u t a não poderá j a m a i s ser encerrada em palavras ou transm i t i d a p o r q u a l q u e r outro meio. Daí o misterioso silêncio de Cristo, de B u d a e d a E s f i n g e .
E i n s t e i n descobriu que o r a i o de l u z descreve u m a c u r v a através do espaço. Todos os cientistas que o a n t e c e d e r a m a c e i t a v a m p a c i f i c a mente que a trajetória d a l u z e r a r e t i l i n e a . S e r i a m eles mentirosos ou estariam enganados? A T e o r i a d a R e l a t i v i d a d e desfaz a m b a s as hipóteses. Demonstra que as p r i m i t i v a s explicações e r a m deveras r i gorosas quando enfocadas do ponto de v i s t a e m que o o b s e r v a d o r se colocava. E r a como u m ativo cientista sempre entregue a experiências de laboratório visando a u m a m a i o r compreensão dessas m e s m a s experiências. Até mesmo aos princípios aceitos d a matemática devemos atribuir u m caráter apenas relativo. A sede do conhecimento absoluto salvou-me d a letargia d a saciedade c o m as descobertas existentes. É verdade que eu escrevi c o m forte dose de convicção e c o m aparente dogmatismo. A justificação é que, tendo p r a t i c a d o a meditação durante u m quarto de século e tendo m e v a l i d o dos seus benefícios, muito naturalmente desejei transmiti-los a o u t r e m . S e n t i necessidade de fazer o papel de u m advogado e a t r a i r forçosamente c o m isso a atenção dos meus irmãos do Ocidente p a r a o fato de que t a l l i n h a de experiência encontra-se aberta também p a r a eles, desde que d e m o n s t r e m u m mínimo de interesse.
M a s a solitária senda que leva à augusta verdade pode ser delineada através de p a l a v r a s humanas, o duro caminho da sua compreensão pode s e r p o r meio delas debuxado, e os homens podem, através de u m processo de rigoroso raciocínio, ser levados a u m a posição que indicará c o m o torná-lo r e a l p a r a s i próprios. Desde que a meada secreta de A r i a d n e s e j a colocada e m nossas mãos, a razão analítica c o m b i n a d a c o m a ioga poderá levar-nos até os portais da realidade. M a s a razão não poderá j a m a i s penetrar tais portais adentro, pois então o próprio ente que r a c i o c i n a irá deixar cair ao chão o instrum e n t o dos seus pensamentos, ao perceber, finalmente, aquilo que na realidade ele é. Aquele que não e r a capaz de ver a luz, por enganar-se c o m a i d e i a de que não e r a senão u m a pessoa finita, presa a alguns centímetros de u m a pobre t e r r a , é despertado pela força inerente da s u a própria percepção ultramística, quando esta for suficientemente forte p a r a afetar e f u n d i r s u a vontade e seus sentimentos, e irá agora libertar-se p a r a sempre d a s u a velha ilusão. Naquele instante ele desaparece p o r t a i s adentro e a s u a peregrinação chega ao fim. Não desejo perder o m e u tempo, n e m o dos meus leitores, pedindo-lhes que se esforcem p o r atingir altitudes intangíveis, mas peço-lhes, isto sim, que p r o c u r e m , por u m lado, todo o significado da existência terrena, e, por outro, o objetivo da encarnação, até que lhes seja dado conviver h a r m o n i c a m e n t e c o m ambos.
O presente esforço é m a i s do que u m a simples incursão nos domínios d a redação de u m livro. Ê u m a e s t r u t u r a f u n d i d a de pensamento Leste-Oeste construída com v i s t a s à nossa época. É u m a interpretação à moda do século vinte p a r a t u n a antiga sabedoria que c a t i v o u graves e vetustos sábios que v i v e r a m m u i t o antes de C r i s t o . Ê u m a contribuição p a r a a compreensão do t e m a m a i s obscuro e, paradoxalmente, m a i s importante da vida, escrita ante as pressões do tempo e d a i n clinação pessoal. E n c a r a r e i francamente a m i n h a a t u a l consecução, bem como a s u a f u t u r a complementação, como a m a i s elevada e sagrada tarefa da m i n h a c a r r e i r a até aqui. N u m a e r a e m que se v e n e r a a autoridade d a ciência e se repudia tudo o que não f o r passível de u m a demonstração intelectual, não é coisa de pouca m o n t a a tarefa de organizar o pensamento e m defesa d a realidade transcendental
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j u s à denominação de revelação, pois era antes u m apelo à fé e à fantasia do que à capacidade crítica do homem.
OS G R A U S R E L I G I O S O S E MÍSTICOS
Algumas antiquíssimas indagações vêm confrontando permanentemente a humanidade. Será a v i d a tão-somente u m a t r e m e n d a porém trágica e patética brincadeira que o C r i a d o r faz c o m a h u m a n i d a d e ? Esse vasto panorama de estrelas incandescentes ocupando u m a enorme porção de espaço tem ou não u m significado? Não passaremos nós de meros acidentes biológicos e m perene e inútil desfile através do tempo? Não será o homem senão u m círio tremeluzente que esparge a s u a pequenina luz nas sombras por alguns instantes p a r a depois desaparecer p a r a todo o sempre? As primeiras respostas a estas perguntas f o r a m dadas pelos homens nas primitivas religiões, a esta a l t u r a perdidas no atro a b i s m o da pré-história, e cujos ecos, atravessaram os tempos p a r a chegar até nós. U m pouco de pesquisa basta p a r a m o s t r a r que n e n h u m a fé é inteiramente nova, que poucos dogmas são características e x c l u s i v a s de u m a única religião, m a s todos têm u m a ascendência m i s t a . A s s i m como n a linguística a palavra sânscrita bharter, a l a t i n a frater, a francesa frère, a alemã bruder, e a inglesa brother i n d i c a m a m e s m a r a i z a r i a n a , assim também a semelhança entre diversas doutrinas religiosas i n d i c a a influência de contatos mais .antigos. A s pesquisas conhecidas d a religião comparada e as revelações d a mitologia c o m p a r a d a já fizeram franzir o cenho àqueles que entretém a estreita visão de que a l g u m credo em p a r t i c u l a r contém a única revelação feita p o r Deus, qualquer que seja ele. E m cada u m a das religiões ouvimos aproximadamente os mesmos s o n s : o receio do sombrio mundo do além, o deslumbramento ante a pompa d a Natureza, o preito a u m maravilhoso S e r superior que criou tanto o conhecido quanto o desconhecido, súplicas em prol de favores pessoais ou nacionais, consolações p a r a os aflitos, sussurros abafados acerca de princípios profundamente filosóficos e débeis esboços de altas verdades — tudo curiosamente misturado e terminando e m benéficas injunções de ordem m o r a l .
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Religião pode ser concisamente definida como a crença n u m E n t e ou E n t e s sobrenaturais. | C a d a religião e m s u a origem fazia decerto
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A m a i s importante e significativa de todas as religiões foi a consequência d a tentativa feita por u m homem realmente sábio, posteriormente convertido pela história em líder titular dessa mesma religião, de p a r t i l h a r os seus conhecimentos com a massa ignara valendo-se do único recurso ao alcance da gente simples: utilizar crenças simbólicas e fábulas simples ao invés de verdades claras e diretamente enunciadas. T a i s homens muito raramente têm aparecido neste nosso mundo. Não é preciso que os imaginemos como superseres, como de hábito fazem os seus seguidores, embora tenhamos que reconhecer que u m profundo destino reservou u m a enorme importância às suas vidas e às suas palavras. Até mesmo Macaulay, cético como era, não r e s i s t i u ao desejo de escrever q u e : — D a r à mente humana uma orientação que e l a conservará durante milénios é a prerrogativa de alguns espíritos imperiais. São tais espíritos que movimentam os homens que, por s u a vez, movimentam o mundo. U m t a l defensor de u m a nova e genuína fé surgiu com u m facho e m punho p a r a dissipar u m pouco da escuridão ética do seu tempo e do seu meio, p a r a decifrar o primeiro significado da vida aos olhos da empedernida m a i o r i a e p a r a abrir as portas da salvação derradeira à m i n o r i a interessada. P o r u m a questão de compaixão e nobreza desej o u ele tornar u m a pequena parte do seu saber acessível àqueles que do ponto de v i s t a mental não tinham condições para compreender a s u a deslumbrante totalidade. E l e não pretendeu ocultar seu conhecimento das massas obreiras, m a s não ousou ignorar o fato psicológico de que t a l saber só poderia ser transmitido em sua plenitude àqueles que houvessem atingido u m estágio suficiente para capacitá-los a compreender. P a r a todos os demais a coisa ficaria ininteligível e maçante. Pois as derradeiras verdades da vida eram remotas e abstratas. P e r t e n c i a m aos domínios d a filosofia, palavra que não deverá ser confundida c o m a metafísica. E s t a acabou por significar uma especulação a c e r c a da verdade, ao passo que filosofia significa aqui a verificação d a verdade. T a i s opiniões não poderiam ser trazidas perante mentes i m a t u r a s sem antes receberem u m a forma sólida e concreta. Isto só poderia ser feito transformando-as em símbolos corriqueiros e a sistematização desses símbolos cotejados constituiria uma religião histórica. O simbolismo teria de aparecer na forma de rituais, lendas, mitos, pseudo-histórias, simples dogmas e assim por diante, m a s qualquer que fosse a forma assumida, ele representaria necessariamente u m desaparecimento dos conceitos profundamente abstratos e sua substituição por conceitos mais diretos e concretos. Assim sendo, a filosofia m o r r e r i a n a aparência apenas para renascer disfarçada na f o r m a de religião. O metafísico poderá lamentar tal transformação, m a s o verdadeiro sábio não o fará. E l e saberá que as massas que a c h a v a m a filosofia desagradável e impossível de aprender encontra* SI
r i a m ajuda nessa solução e não p e r m a n e c e r i a m cingidas à escuridão. Saberá também que a populaça irá l e n t a m a s seguramente e v o l u i r desses ténues bosquejos p a r a as apreensões i n t e l e c t u a i s a c e r c a da sua origem. Um Deus que não fosse p a r c i a l n e m pessoal, q u e não se interessasse vivamente pelas vidas i n d i v i d u a i s dos seus fiéis servidores p a r e c e r i a contristador e frio aos olhos das pessoas c o m u n s . E s t a s t i n h a m mentes demasiado incultas e subdesenvolvidas p a r a l i d a r f r u t u o s a m e n t e c o m os conceitos abstratos; s u a inteligência e r a demasiado o b t u s a p a r a visualizar u m a Mente impessoal d i s t a n c i a d a dos interesses terra-a-terra. N a qualidade de proficiente psicólogo o sábio líder religioso apercebeu-se deste fato. Não e r a seu desejo a t u r d i r m a s s i m a j u d a r . Consequentemente, ele j u l g a v a errónea a providência de d a r à grande maioria aquilo que só poderia s e r v i r a u m a r e f i n a d a m i n o r i a . E l e compreendia cabalmente que a apresentação d a v e r d a d e filosófica t e m necessariamente de ser determinada pelos l i m i t e s d a compreensão dos adeptos, e que u m longo espaço de tempo p r e c i s a d e c o r r e r antes que ela possa tornar-se acessível às m a s s a s e m toda a s u a p u r e z a . Não lhe restava, portanto, o u t r a a l t e r n a t i v a senão fazer e s s a apresentação de u m a forma c r u a , apelando p a r a a anedota mitológica a fim de revestir as verdades m a i s sutis, oferecendo a realidade derradeira, sob o pesado véu de u m a Divindade pessoal, c o m o objeto das orações das pessoas ou como foco da s u a adoração, e propiciando u m código de preceitos éticos m a i s elevado do que o até então adotado p o r essas pessoas. F o i também o mestre forçado a colocar o conhecimento em termos simbólicos, lançar mão daquilo que e r a m a i s i m e d i a t o p a r a apresentar à s u a gente — os fenómenos d a N a t u r e z a — atribuindo tais fenómenos a seres invisíveis facilmente imagináveis, dotados de poderes mais extraordinários do que os m o r t a i s c o m u n s ; foi a i n d a obrigado a inserir s u a sabedoria e m interessantes contos de caráter semi-histórico a f i m de despertar o senso do pictórico e m mentes i m a turas e captar-lhes a imaginação por meio d a dramatização de certos fatos n a forma de cerimónias rituais; a sugerir u m a realidade m a i s elevada, expressando-a n a f o r m a de u m h o m e m enormemente exagerado, isto é, u m Deus pessoal; e a v i n c u l a r o todo ao s e u objetivo prático imediato, acenando c o m as agradáveis recompensas d a v i r t u d e ou intimidando com os desagradáveis castigos do pecado. Que m a i s poderia fazer ao t r a t a r com crianças intelectuais? Acaso as crianças de todo o mundo não adoram os contos de fadas e não se deliciam com as fábulas? U m a religião c r i a d a por u m h o m e m de genuíno saber nunca deixava de ser u m a fábula -significativa, u m a tremenda metáfora, cujo derradeiro objetivo e r a o r i e n t a r o pensamento das massas no sentido de ideias mais elevadas e ideais m a i s nobres, e cujo objetivo imediato e r a inculcar, através do apelo à fé e à esperança, u m certo grau de responsabilidade m o r a l n a s v i d a s i n d i v i d u a i s de cada u m .
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Q u a l e r a o significado prático dessa religião? E l a fornecia u m credo p a r a satisfazer a curiosidade das ignorantes classes obreiras, que não apenas não t i n h a m tempo ocioso como também não dispun h a m d a capacidade de indagação necessária para aprofundar-se em determinados aspectos da torrente da vida. E l a oferecia u m a fé para satisfazer a grande necessidade de consolo nas aflições e trazer um lenitivo p a r a as dores. Estabelecia u m salutar código de ética para orientar a conduta e m meio às perplexidades do comportamento humano, p a r a resguardar os homens de s i próprios e para erigir u m ideal excelso p a r a as aspirações correntes. E r a u m a autoridade no fornecer orientação prática p a r a a configuração das formas sociais e p a r a a junção dos indivíduos n a formação de nações inteiras. E r a u m a força estética p a r a inspirar e incrementar as belas artes. E r a a p r i m e i r a indicação de que u m a existência melhor do que o simples permanecer a mercê das circunstâncias, melhor do que essa feira i n terminável de tristezas indesejáveis e alegrias fugidias, melhor do que essa l u t a incessante c o n t r a o infortúnio e a debilidade interior, melhor do q u e esse extenso r o l de agitações materiais que só terminam no pó e n o n a d a — aguardava p a r a sempre o homem a fim de acolhê-lo e m s u a paz e beatitude. A s s i m , toda a estrutura do dogma religioso e da doutrina estabelecida, do c e r i m o n i a l aparatoso e do milagre legendário, originalmente não e r a senão u m símbolo de assuntos mais elevados. Aqueles que i a m à i g r e j a o u ao templo e adoravam Deus não estavam perdendo por completo o seu tempo, nem se entregavam ao luxo de u m solilóquio estéril. E l e s h a v i a m feito u m passo decisivo no caminho do reconhecimento de que o mundo m a t e r i a l não esgotava a realidade, conquanto se tratasse a i n d a de u m passo inicial e vacilante. O discreto temor que s e n t i a m naquele local que tomavam pela morada da divindade era u m pálido reconhecimento d a verdade de que o homem poderia dar-se conta d a presença dessa realidade derradeira. 0 consolo que colhiam nos ensinamentos das escrituras e nas imagens esculpidas que postulavam a existência eterna de u m a Divindade constituía a sua primária introdução ao valor filosófico do conceito de u m a existência eterna que sobrevivia a este mundo sempre cambiante. 0 simbolismo conceptual d a religião e r a de hábito antropomórfico, fato que o torn a v a inteligível perante a massa. A adoração era, portanto, dirigida a u m s e r imaginário, m a s e r a a única forma pela qual se podia adorar aquilo que afinal e r a tido como a suprema verdade. Quando, ao longo do extenso período da evolução, as capacidades intelectuais se achassem suficientemente desenvolvidas, as dúvidas obrigatoriamente iriam aparecer e forçar a procura de u m conceito mais satisfatório. Isto prov o c a r i a eventualmente a penetração na superfície do símbolo e a aproximação do verdadeiro significado. Tentar-se-ia revelar Deus t a l qual E l e realmente é e não como se supõe que seja. 0 instinto primitivo de adoração e r a , destarte, u m instinto salutar, mas a forma segundo 5S
a qual os homens se submetiam a esse instinto t i n h a necessariamente que v a r i a r em função dos diferentes graus de c u l t u r a . Dai podermos concluir acertadamente que o grosso d a humanidade precisa sempre de u m a religião condigna funcionando como u m vislumbre inicial da filosofia, mas que os símbolos sagrados e os emblemas históricos, os dogmas pontificais e as doutrinas tradicionais, não são eternos mas apenas conjeturais e passíveis de alterações ou melhorias, sem prejuízo p a r a os reais objetivos da religião. T a i s são a natureza, os valores, as operações e os serviços de u m a religião condigna. Mas é comum ouvir-se de racionalistas zombeteiros reiteradas referências a selvagens aterrorizados que g r a v a m n a madeir a grotescos fetiches p a r a representar o seu D e u s ; a povos primitivos que personificam a s . forças impessoais da Natureza como Espíritos diante dos quais se devem efetuar sacrifícios rituais; e a ritos sagrados que são indisfarçáveis adorações fálicas. A ideia cética de que toda fé originou-se nos vagos temores de fantasmagóricos avoengos ou ainda nas superstições animistas do desorientado homem p r i m i t i v o é contraditada pela pieguice da crença que u m Deus antropomórfico enviou u m emissário especial munido de u m l i v r o sacro a u m grupo de privilegiados arbitrariamente escolhidos, transformando-os n a S u a raça eleita. Ambas as explicações são demasiado tendenciosas p a r a perceber corretamente a razão pela qual surgem as religiões b e m como o lugar n a sociedade que elas devem ocupar. Cada religião fornece u m caso diferente p a r a estudo. Se u m a apareceu em razão do desejo de u m tipo ambicioso, agressivo e sem escrúpulos de influenciar mentes mais fracas do que a s u a , outra apareceu e m razão da crença honesta, porém errónea, de u m h o m e m bem intencionado e altamente imaginoso de que se j u l g a v a o veículo da santa missão de saívar a humanidade. Se u m a fé constituía u m a tentativa p a r a aplacar poderosas forças naturais, a o u t r a constituía n a realidade u m esforço por parte de u m homem profundamente benévolo no sentido de elevar seus companheiros eticamente menos disciplinados, inculcando-lhes conceitos mais elevados acerca do b e m e do m a l e impondo-lhes restrições sociais por meio de u m código fixo. Reconhece-se com tristeza que até mesmo u m a religião valiosa pode degenerar com o correr do tempo e infelicitar a humanidade; toda a história testemunha que crentes sinceros e honestos se têm perseguido e se matado mutuamente; igualmente verdadeiro é o fato de que charlatães e embusteiros têm-se utilizado d a religião p a r a a satisfação de motivos pessoais e apetites egoístas; não se pode também negar que o progresso do mundo tem sido repetidas vezes entravado por religiosos ignorantes e fanáticos. Pecados colossais m a c u l a m as páginas d a história religiosa. N u m a análise cabal do assunto essas apreciações têm de ser objeto de u m a crítica franca porém construtiva à luz da filosofia. Aqui se deseja apenas salientar a posição ocupada pela religião relativamente ao ensinamento oculto n a Índia. Trata-se
tão-somente de u m a tentativa incipiente para compreender a vida e que encerra atrativos p a r a os que estão no primeiro estágio da evolução mental. Virá decerto o tempo em que dúvidas acerca da verdade e do valor da religião assaltarão a mente dos mais reflexivos, que poderão repudiar tanto a salvação oferecida pela religião quanto o aniquilamento previsto pelo ateísmo ortodoxo, pois poderão achar a primeira pretensiosa e o segundo terrível. Onde então procurar? A filosofia oculta situa-se v i a de regra além da capacidade e do âmbito desses indivíduos, ao demais de ser dificílima de encontrar. E homem algum é capaz de saltar o alto obstáculo que separa a religião simples da filosofia sutil. O feito supera as suas capacidades. A vida é crescimento e não u m salto. É preciso encontrar u m estágio intermediário e m a i s acessível. É o que se pode conseguir no misticismo, que se constitui no segundo passo da escalada ascensional. O Que é a Meditação. 0 misticismo é u m fenómeno surgido em todas as partes do mundo e entre todas as comunidades religiosas. Não há lugar aqui para abordar a sua origem histórica; numerosas penas competentes já se reportaram às suas fontes. Desprezando as aparências externas decorrentes da ignorância dogmática, das diferenças geográficas, da ambiência religiosa e das perspectivas raciais poder-se-á dizer que o misticismo do Ocidente pode ser equiparado com a ioga asiática de grau médio em suas duas ramificações: a ioga da Devoção e a ioga do Controle. Pede-se, por isso, ao leitor ter em mente que a palavra misticismo, tanto ao longo destas páginas quanto no restante d a obra, abrange ambas as iogas e que a palavra místico i n c l u i também o iogue. A conveniência literária desta prática supera e m muito o cuidado de assinalar neste exame sucinto as mínimas diferenças existentes. Ademais, a palavra ioga tornou-se tão ambígua n a sua terra de nascença como o é a palavra misticismo n a E u r o p a e n a América. 1
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Podemos considerar o misticismo — com sua tentativa de penet r a r sob a superfície comum da religião e sua busca das satisfações íntimas em lugar das decorrentes dos ritos externos — como uma fase inevitável no desenvolvimento da mente humana, quando esta se desilude c o m a estreiteza da fé ortodoxa. Essa modificação processa-se de forma lenta (às vezes, porém, repentina) a partir da adoração teísta comum. Pode ela ocorrer de três maneiras. No primeiro caso o pesquisador se desencanta dos resultados da religião ou se desgosta da antiga hipocrisia praticada em nome desta, ou ainda se aborrece com as contradições e os conflitos teológicos, quando não se decepciona c o m a aparente impotência de Deus para socorrer este nosso convulsionado planeta. Os símbolos outrora glorificandos perdem o seu
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Bhakti-ioga. Raja-ioga.
encanto histórico e deixam de ser sacrossantos; o indivíduo experimenta u m período de f r i a dúvida e sombrio agnosticismo, t a l v e z m e s m o de ateísmo militante, durante o q u a l perde as suas a m a r r a s . Seguir-se-á, contudo, desde que ele insista n a busca, a interessante descoberta de que u m a diminuta minojria verificou s e r possível abraçar u m a visão mais ampla da religião —• visão que permite p e r m a n e c e r apartado da ortodoxia insatisfatória e suas organizações sacerdotais e aproximar-se mais da atmosfera original de u m a religião. O pesquisador ficará tão interessado no estudo da l i t e r a t u r a dessa visão a m p l a como o estava antes em ater-se à visão m a i s r e s t r i t a . A seguir ele aprenderá que existe u m método prático — a contemplação mística — através do qual poderá provar por s i mesmo a beleza e a paz de u m espírito divino sempre presente no q u a l e m outros tempos lhe foi dado crer, mas o qual não lhe foi dado conhecer. T u d o o que lhe pedem aqueles que atestam t a l experiência é que faça uso dos exercícios básicos. Nesta nossa e r a sequiosa de resultados positivos a s promessas desse tipo encerram não poucos atrativos. Poderá também a modificação v i r s e m a ocorrência de u m a fase inicial de descrença e através da intensidade, ardor e sinceridade da aspiração religiosa do pesquisador, conduzindo-o gradualmente d a repetição formal e da petição materialística d a oração verbalizada convencional p a r a a espontânea e silenciosa aspiração que amadurece de forma suave e natural, provocando u m a concentração i n t e r i o r i z a d a e uma aquietação total d a mente. A s orações d e i x a m de s e r então meros pedidos de cunho pessoal p a r a transformarem-se e m auto-sacrifícios. O devoto religioso que encontra satisfação n a oração c o m u m t e m necessariamente de v i s i t a r alguma igreja o u templo a f i m de louvar sua Divindade ou conseguir-lhe os favores, o u a i n d a b u s c a r consolo j u n t o a u m a das figuras sagradas entronizadas no i n t e r i o r do local santificado, ao passo que o devoto que encontra satisfação n a prática da meditação não tem necessidade de fazer t a l coisa. Basta-lhe recolher-se dentro de s i mesmo e v e r i f i c a r que o seu próprio coração já é u m local sagrado habitado pela Divindade. A i m a g e m m a t e r i a l anteriormente adorada no templo é substituída pela i m a g e m m e n t a l adorada agora no interior da mente. E m lugar d a pedra coloca o devoto o seu próprio coração, e m lugar d a e s c r i t u r a o s e u próprio espírito e em lugar do padre o seu próprio pensamento. A meditação é, portanto, superior à oração no sentido de que o h o m e m capaz de p r a t i cá-la possui obrigatoriamente u m a capacidade m e n t a l m a i s elevada, pois não depende de coisas ou de lugares m a t e r i a i s . E l e poderá l e v a r consigo seu objeto o u local de concentração, n a f o r m a de i m a g e m ou conceito mental, onde quer que vá. A oração falada não é senão u m a alegoria e no sacro silêncio da contemplação humilde surge u m a prece sem palavras que dispensa por completo a fala a r t i c u l a d a . Os resultados éticos de u m a verdadeira consecução são também importantes. O homem deixa de sacrificar suas ovelhas e seu gado nos altares s a cerdotais e começa a sacrificar u m a parte m a i o r ou menor do seu c/U
excessivo materialismo, suas atividades desregradas e sua cega proc u r a dos prazeres físicos no altar do próprio coração. A t e r c e i r a maneira pela qual a modificação poderá se processar é através do variegado recurso da receptividade à beleza, seja esta criada pelo homem — como a boa música —- seja natural — como as verdes campinas. Do ponto de vista prático as formas físicas em que a beleza é encontrada possuem o seu valor intrínseco, mas de u m ponto de v i s t a m a i s elevado o desfrutar dessa beleza é uma atividade que existe não apenas e m s i mesma, mas também como u m meio para u m f i m m a i s alto. 0 homem que gosta de entregar-se às impressões recebidas através de canais como as Belas Artes e a Natureza irá u m d i a experimentar espontaneamente a sensação de encontrar-se perdido e m s i mesmo, ao escutar maravilhosos acordes musicais, ou contemplar o soberbo panorama de picos nevados alçando-se até o céu, ou deixar-se penetrar pelo encanto dos sublimes crepúsculos que vêm com o fecho do dia. E s s a suave sensação borbulha docemente como u m riacho, v i n d a não se sabe de onde, e carrega consigo os pensamentos interiorizados do homem. Toda a oposição e resistência se desvanecem. A sensação poderá transformar-se imperceptivelmente n u m êxtase inesquecível. A mente do homem ter-se-á libertado dos grilhões do tempo, por assim dizer. U m a quietação suprema se apossa do seu coração e toma conta das suas emoções. É difícil descrever com propriedade t a l estado. Nietzsche sentiu-o por instantes em sua moradia n a montanha e escreveu: — Os maiores acontecimentos — esses não são as nossas horas de maior barulho; pelo contrário são as de maior tranquilidade. O mundo não gira em torno do descob r i d o r de novos ruídos, m a s e m torno do descobridor de novos valores; s e m se fazer o u v i r ele gira. A referência do autor alemão à mudança de valores indica a nova visão d a v i d a induzida pela intensa quietude do pensamento, visão que faz parecer efémera, fugaz e irreal a existência material, mas — infel i z m e n t e ! — trata-se apenas de u m breve lampejo. Não obstante, esse refinado sentimento revelou possibilidades mais elevadas. E m seguida a s u a aparição o homem viverá na recordação da sua vinda até aprender que através da disciplina mística u m gozo puramente estético poderá ser revivido sem ajuda externa e intermitentemente repetido. P o r essa forma, principiará o homem a compreender a subjetividade básica do sentimento em tela, dado que a contemplação p u r a é capaz de evocar, como n u m passe de mágica, toda a gama de tais variações, desde os mais ténues prazeres até o mais profundo êxtase. T a i s efeitos não são em absoluto u m a característica exclusiva nem do puramente místico nem do puramente estético, mas pertenc e m a ambos. E s t a s declarações aplicam-se também ao homem que produz formas artísticas, bem como àquele que delas desfruta. A disposição c r i a t i v a faz o homem viver impressões, ritmos, devaneios, silêncios, quietudes, êxtases e outros aprofundamentos emocionais análogos do ser.
O princípio básico de todo o exercício místico é a abstração m e n t a l , que pode ser i l u s t r a d a de duas m a n e i r a s . Q u e m e s t i v e r perdido a seguir atentamente u m veio de pensamentos o u totalmente entregue às fantasias do devaneio, tornar-se-á m e n o s consciente d a s condições físicas e poderá mesmo não se aperceber delas. A s s i m , a a l e i j a d o chega quase a esquecer a s u a deformidade, o pedestre n e m chega a n o t a r as multidões que por ele p a s s a m n a calçada, o e s c r i t o r s e q u e r t o m a conhecimento do seu ambiente caseiro, e a s s i m p o r diante. E s t e s exemplos demonstram que a consciência pode libertar-se t e m p o r a r i a m e n t e da presunção h a b i t u a l de estar r e s t r i t a aos l i m i t e s i m e d i a t o s do cérebro e do corpo físico. Trata-se de indícios das a m p l a s possibilidades da mente quando l i b e r a d a d a s u a d o m i n a d o r a gravitação u n i v e r s a l e m torno dos sentidos físicos, gravitação que a impede de t o m a r consciência d a s u a própria natureza não-material e que i n c o n s c i e n t e m e n t e converte a existência física n u m a prisão perpétua. Como segunda ilustração poderemos i m a g i n a r a superfície de u m lago agitada por ondas frequentes e repetidas t o r m e n t a s c o m o sendo a condição n o r m a l de inquietação e m que se e n c o n t r a a m e n t e do homem médio. A s ondas desse lago poderão i m p e l i r u m b a r c o desgovernado ( v a l e dizer, s e m leme n e m r e m o s ) p a r a cá e p a r a lá, s e m levar e m conta o bem-estar do barqueiro, de m a n e i r a que a mente deste último permanecerá sempre preocupada c o m a s u a sorte. A n a logamente, os nossos pensamentos i m p e l e m de contínuo a n o s s a atenção p a r a cá e p a r a lá n u m a reação m e r a m e n t e mecânica à existência física e sem levar e m conta o verdadeiro bem-estar e t r a n q u i l i d a d e da mente, que é a única alma c u j a existência é conhecida do h o m e m . Os métodos empregados pelos iogues e místicos v a r i a m grandemente, m a s consistem, v i a de regra, e m seguir u m d e t e r m i n a d o s i s t e m a de rígido ascetismo pessoal ou renúncia m u n d a n a , ao l a d o das tentativas de c r i a r u m a disposição contemplativa, d i s c i p l i n a n d o durante períodos de tempo estabelecidos a confusa m a s s a de pensamentos e impressões que constitui a existência íntima do h o m e m . T a l disposição surge quando tudo aquilo que é i r r e l e v a n t e é afastado d a mente e apenas a l i n h a de concentração escolhida persiste. A c h a v e do s u cesso encerra dois aspectos: u m a exercitação constante e u m a a j u d a proficiente. E s s e esforço deve s e r d i a r i a m e n t e repetido e a vontade deve ser treinada ho sentido de controlar os ímpetos de fuga d a mente, b e m como a inquietação das ideias. I s t o não é fácil de conseguir e numerosos novatos sentem-se desencorajados, pois a o n d a dos pensamentos flui e reflui de m a n e i r a desordenada. A faculdade da atenção deve ser dominada e drenada do exterior de m a n e i r a a que se estabeleça u m estado de total abstração. A seguir a atenção será mantida imóvel como u m a cobra prestes a d a r o bote. E s t e esforço poderá ser ligado n a imaginação com a ideia p u r a m e n t e religiosa de encontrar a presença de Deus, ou ligado c o m a ideia p u r a m e n t e psicológica de encontrar o e u r e a l , ou mesmo c o m a ideia p u r a m e n t e má-
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g i c a de p e n e t r a r no mundo do invisível. O êxito revela-se por etapas quando aquele que medita é capaz de deixar de lado todo e qualquer esforço, e quando o ritmo do raciocínio se retarda até imobilizar-se e ele m e r g u l h a imperceptivelmente n u m estado de intensa absorção interior, s e m deixar-se d i s t r a i r ou perturbar pelo espetáculo da vida. O místico evoluído não precisa fazer qualquer esforço consciente para r e p e l i r os pensamentos importunos, pois a firmeza das suas intenções conserva à distância tais pensamentos. Ignorando com regularidade o m u n d o externo e os seus assuntos e interiorizando os pensamentos c o m aguçada atenção, ele poderá entrar n u m a condição de paz mental e conseguir u m a quietude emocional profundamente satisfatória. Por vezes os sentidos físicos poderão até entrar n u m coma temporária O t r a n s e extático, e m diferentes graus de profundidade poderá também s o b r e v i r . A m b o s os estados são de hábitos inócuos, embora por vezes pareçam assustadores p a r a aqueles que não estão familiarizados c o m eles. Há certos acompanhantes fugazes e subjetivos da experiência mística. O devoto religioso talvez tenha visões de luz ou do querido Guia Espiritual ( v i v o o u m o r t o ) cujo auxílio invocou durante a tentativa. Outros praticantes poderão imaginar-se a flutuar fora do seu corpo o u a conversar c o m espíritos ou a receber ordens de algum ser angelical. Conquanto os fenómenos mentais difiram bastante entre si, e x i s t e m determinados fatores comuns às experiências místicas mais adiantadas, tais c o m o : ( a ) sentimentos de sereno gozo ou abençoada c a l m a ; ( b ) sensações de distanciamento da ambiência física; e, em intervalos m a i s raros ( c ) exaltação extática acima da existência física e pessoal. S u r g e m estas depois que as lutas voluntárias contra as ondas dos pensamentos houverem logrado algum êxito. O místico v i a de regra colhe satisfações extremas nessas experiências e, ao atingir o estado extático, considera sua busca em fase term i n a l , por h a v e r entrado em união com Deus ou encontrado a sua a l m a i m o r t a l . O sutil refinamento desse estado só pode ser avaliado por aqueles que lhe deram realidade dentro do seu próprio ser. Não obstante, a seiva v i t a l que alimenta a árvore do misticismo é extraída das suas raízes tão apenas e m sentimento. Os benefícios essenciais da prática bem sucedida da ioga indiscutivelmente existem, digam os críticos o que quiserem nas suas apreciações a c e r c a das eventuais visões e intuições religiosas surgidas no decorrer dessa prática. Dir-se-ia que a maldição de Babel caiu sobre os homens tão logo estes começaram a raciocinar. Suas mentes encontram-se agora n u m tal estado de inquietação que o poder de acalmá-las devidamente já não existe. Quando o cérebro se cansa dos seus intermináveis pensamentos e o coração se enfada dos seus instáveis humores, quando o mundo se f a r t a de ambos e os nervos ficam abalados, a nossa grande necessidade de repouso mental e paa íntima se m a n i f e s t a e pode ser em parte satisfeita por meio do hábito da
meditação tranquila. U m certo sistema de desenvolvimento d a memória granjeou u m a legião de adeptos e m todo o m u n d o n o s anos subsequentes à guerra de 1914-1918. Hoje, u m a legião de pessoas assoberbadas de problemas acolheria de b o m grado u m s i s t e m a que as ajudasse a esquecer! 0 Conde K e y s e r l i n g arriscou-se a predizer que o próprio materialismo d a civilização ocidental acabará p o r a c a r r e t a r , no mínimo, a reação do misticismo, e poucos observadores abalizados discordarão dele. Nós nos encontramos apresados como ratos n a r a t o e i r a giratória deste mundo. Galgamos os degraus do engenho rotativo n a ilusão de u m a atividade incessante. Os mais sensatos suspendem de quando e m quando os seus esforços, descansam interiormente e p o u p a m o fôlego. E l e s chegam mais longe do que nós, pois, ao menos, conseguem u m a certa dose de paz, ao passo que nós...? A disciplina da quietação m e n t a l foi descoberta há m i l h a r e s de anos e continua, não obstante, igualmente válida n e s t a n o s s a e r a de maravilhas mecânicas e de ruas cheias de automóveis. E l a continua a mostrar ao homem como deixar que a faculdade d a atenção trabalhe a seu favor e não contra ele. E s t a s vantagens psicológicas nada têm a v e r c o m o lado religioso da meditação, embora a maioria dos místicos tenda a negar t a l afirmação. E nem poderiam eles agir de o u t r a f o r m a , já que o seu enfoque é preconcebido, tendencioso e anticientífico. Contudo, o i n vestigador i m p a r c i a l descobrirá por s i só que a meditação pode ser praticada até mesmo por u m ateu, que dirá u m agnóstico, produzindo sempre os mesmos benefícios! Sem dúvida a introdução de u m a técnica de meditação b e m planificada, simplificada, não-religiosa e impecável como a u x i l i a r p a r a u m a v i d a correta demonstrar-se-ia altamente vantajosa p a r a o m u n d o moderno, e em particular p a r a o moderno mundo ocidental. T a l sistema teria de ser absolutamente r a c i o n a l e escoimado de todas as absurdas superstições que de hábito i m p r e g n a m a ioga n a Índia. A grande necessidade da s u a adoção torna-se m a i o r a c a d a ano que passa. Nas tensões e nas febricitantes batalhas do viVer europeu e americano, a meditação, como método p a r a desenvolver a capacidade de manter à distância os pensamentos perturbadores, assegurar u m melhor equilíbrio emocional, a c a l m a r temores obsessivos e p r o p i c i a r u m a agradável paz interior deveria constituir-se n u m a necessidade imperiosa. A s u a adoção como componente do v i v e r cotidiano merece ampla reivindicação. Os exercícios poderiam e deveriam s e r iniciados n u m a idade .conveniente como parte do currículo escolar nos ginásios e colégios, a f i m de disciplinar a mente dos estudantes e concentrar os seus pensamentos. Mas os estúpidos preconceitos dos pais, a atitude desconfiada dos clérigos e a completa ignorância dos próprios alunos erguem altas barreiras à consumação desse importante projeto
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Uma Súmula do Misticismo. E s t e é o segundo grau n a ascensão do h o m e m r u m o d a verdade. O misticismo poderia ser enigmaticamente descrito como u m modo de v i d a que pretende, sem mais loas ao Senhor, aproximar-nos m a i s Dele do que qualquer u m dos métodos religiosos h a b i t u a i s ; como u m a visão da vida que refuta o Deus demasiadamente h u m a n o construído pelo homem segundo a sua própria imagem, substituindo-o por u m a divindade amorfa e infinita; e como u m a técnica psicológica que procura estabelecer u m a comunicação d i r e t a c o m esses espíritos, através do canal da contemplação interior. Certos princípios coletivos do misticismo não se limitam a nenhum a fé, n e n h u m país ou povo e m particular, e são mais ou menos univ e r s a i s . E s s a s posições cardeais do pensamento místico são em núm e r o de cinco e poderão ser sucintamente a p o s t a s como segue. Os místicos asseguram inicialmente que Deus não deve ser localizado e m n e n h u m lugar, igreja ou templo em especial, mas que o S e u espírito é onipresente n a Natureza e que a Natureza está nele e m toda a parte. A ideia ortodoxa de que Deus é u m a Pessoa determ i n a d a entre numerosas outras, com a diferença de que é muito mais poderoso, s e m deixar de apresentar gostos e aversões, ódios e ciúmes e m profusão é rejeitada por infantil. O panteísmo é, portanto, a p r i m e i r a nota a ser tocada. O pensamento acertado santifica ou prof a n i z a u m lugar, e a verdadeira santidade existe apenas no interior d a mente. A seguir, como corolário do primeiro princípio, asseguram os místicos que Deus está presente no coração de todos os homens d a m e s m a f o r m a pela q u a l o S o l está presente em todos os seus incontáveis raios. O homem não é apenas u m simples corpo físico, como a c r e d i t a m os materialistas, nem u m corpo acrescido de u m a alma que o abandona após a morte, como acreditam os religiosos, mas aqui vive, divino, n a s u a própria carne. O reino do céu tem de ser encontrado enquanto vivemos, sob pena de ficar perdido para sempre. Não se t r a t a de u m prémio que talvez nos venha a ser conferido no nebuloso t r i b u n a l d a morte. A consequência prática desta doutrina acha-se corporificada no terceiro princípio dos místicos, que assegura ser perfeitamente possível a todos os homens que se submetam à inicial da d i s c i p l i n a ascética entrar em comunhão direta, através da contemplação e d a meditação, com o E s p i r i t o de Deus, sem a intervenção de qualquer padre o u prelado e sem a articulação formal de qualquer prece v e r b a l . I s t o torna totalmente desnecessário erguer as mãos súplices e m prece a qualquer S e r superior. Assim, a aspiração silenciosa substitui a recitação mecânica. O quarto principio é tão pouc simpático à religião oficial como o terceiro, pois declara que as est n a s , as passagens, os incidentes e os ditados que constituem u m a esc r i t u r a sagrada não passam de u m a mistura de alegorias imaginária e acontecimentos reais, umà preparação literária através da qual as verdades místicas são sagazmente transmitidas n a forma de mitos simbólicos, personificações lendárias e fatos históricos verdadeiros. De-
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clara, outrossim, que o século vinte poderia m u i t o b e m escrever suas novas Bíblias, Coroes e Vedas, porque o Espírito S a n t o poderá tornar a baixar a qualquer momento. Os místicos asseguram, e m quinto lugar, que as suas práticas levam e m última instância ao desenvolvimento de faculdades supranormais e poderes m e n t a i s extraordinários ou mesmo poderes físicos estranhos, s e j a e m razão das dávidas divinas seja em razão dos esforços d a própria pessoa. Claro está que quando o êxtase místico é forte, logicamente o homem será levado a contemplar-se como u m portador d a divindade e, em casos extremos, como a própria D i v i n d a d e . A s s i m é que u m famoso Sufi muçulmano exclamou perante u m a a s s o m b r a d a plateia em Bagdá, há coisa de m i l a n o s : — E u s o u D e u s ! Infelizmente, o Califa pensava de o u t r a f o r m a e p u n i u aquela i m piedade com torturas romanas, acabando por m a n d a r a t i r a r o corpo do místico às águas do Tigre. F o i este o destino do festejado H a l l a j . O efeito ampliador do m i s t i c i s m o sobre as perspectivas religiosas de u m homem.é u m incentivo à tolerância e, por isso, u m notável cabedal neste nosso mundo intolerante. Considerar, p o r exemplo, a Bíblia como a única base autêntica da verdade religiosa, ignorando por completo a possibilidade de que outras raças, a c h i n e s a e a h i n d u , entre outras, possam ter produzido e s c r i t u r a s merecedoras de i g u a l consideração, é ter u m a visão tacanha. E s s e f a n a t i s m o religioso que impede o reconhecimento de qualquer o u t r a fé religiosa que não a sua não tem cabimento hoje e m d i a , quando o estudo d a religião comparada pode provar à saciedade a existência de laços de parentesco entre as várias crenças do mundo. A elevação religiosa não é p r i v i légio de qualquer indivíduo, movimento o u raça. O místico plenamente desenvolvido compreende que o S o l de Deus aquece a todos p o r i g u a l , e que todos têm a liberdade de adotar a crença que d e s e j a m , se é que pretendem adotar alguma. Aquilo que o indivíduo p r o c u r a ele precisa encontrar por s i mesmo e e m s i mesmo através d a introversão meditativa. O inspirador ou fundador de u m culto religioso que s e j a realmente evoluído saberá como escalonar os seus ouvintes e devotos, saberá quando d a r à populaça e n t r a d a tão apenas p a r a o p r i m e i r o grau, e quando d a r aos portadores de u m a m e n t a l i d a d e m a i s mística entrada p a r a o segundo grau. Podemos t o m a r as p a l a v r a s de J e s u s como exemplo desse tipo de conhecimento, quando ele disse aos seus discípulos mais próximos: — A vós é dado conhecer os Mistérios do Reino do Céu, m a s não a e l e s . . . P o r isso e u lhes falo através de metáforas; porque ouvindo, eles não e s c u t a m n e m compreendem. A p a l a v r a Mistérios tem no original a significação de " o u t r o r a ocultos m a s hoje revelados", ao passo que Moffat não hesitou e m classificá-la como verdade secreta n a s u a tradução do Novo T e s t a m e n t o . T a i s mistérios, porém, não têm relação c o m a filosofia. Que J e s u s iniciou alguns dos seus primeiros seguidores, e através destes m a i s
t a r d e os apóstolos, nos princípios do segundo grau, isto é a ioga e o misticismo, isso se demonstra amplamente nos ditos e nas vidas dos primeiros adeptos, como, por exemplo, no transes místicos de João e nas sentenças místicas de Paulo. E s s a compreensão puramente mística da verdade eivou posteriormente de falhas os ensinamentos dos apóstolos, bem como impregnou de incompreensões o seu entendimento da real natureza da personalidade de Jesus, erros e falhas de que os ulteriores filósofos gnósticos se aperceberam até certo ponto e que buscaram corrigir. Se, porém, a história e o mistério de Jesus intrigaram a sua própria gente, não é s u r p r e s a que v e n h a m intrigando o restante do mundo desde então. U m exame atento do Novo Testamento mostrará que embora a m a i o r i a das suas partes possa ser devidamente caracterizada como do p r i m e i r o grau, vale dizer, matéria estritamente religiosa, existe por igual u m a v e i a de misticismo do segundo grau correndo por todas as páginas. P o r exemplo, a f r a s e : — O Reino do Céu está em vós — não t e m qualquer ligação com a religião oficial e se refere inteiramente às experiências iogues e místicas. A explicação para a existência dessa m e s c l a de conceitos encerra dois aspectos. E m primeiro lugar, a compilação dos registros n u m único volume não foi feita senão uns c e m anos após a d a t a presumível do passamento de Jesus. O obscuro Concilio de Nicéia, ao reunir-se p a r a fazer a compilação, encontrou u m a quantidade de evangelhos n a forma de u m a variada coleção de livros religiosos destinados às massas e volumes místicos para uso de uns poucos privilegiados. O elevado número de bispos que constituíam o concílio empenhou-se e m séria luta quanto à natureza de Cristo; as escolhas, obviamente, foram feitas em obediência a opiniões e inclinações p e s s o a i s . D a i a seleção irregular de evangelhos autênticos e a não j u s t i f i c a d a rejeição de determinados apócrifos. E m segundo / lugar, J e s u s se rebelara contra a rígida ortodoxia dos sacerdotes j u deus, a m a i o r parte dos quais não apenas desconhecia o grau mais elevado, como também m o v i a f r a n c a perseguição às pessoas de inclinações místicas. S u a indignação Jesus a expressou nestas palavras: — A i de vós! Vós próprios não entrastes, e impedistes aqueles que q u e r i a m fazê-lo. L
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Ê evidente que as simpatias de Jesus pela massa ignara eram tão grandes que ele chegou a abrir-lhe de certa forma as portas de u m ensinamento místico m a i s elevado, conquanto tão-somente os seus discípulos m a i s chegados tenham recebido u m a iniciação plena. Buda, s e m dúvida alguma, e r a movido pelos mesmos sentimentos e abriu essas m e s m a s portas a i n d a mais do que Jesus.
A versão oficial de que os livros durante a noite te reagruparam lamente a si próprios, resultando daí a classificação, pode t deve ser rejeitada pelo que é: uma tentativa infantil de impressionar os ignorantes. 8
Não existiu praticamente n e n h u m povo antigo que não encarecesse os seus princípios místicos. Quando pesquisamos os seus registros mais secretos constatamos que quase todos p r o c l a m a m j u n t a m e n t e com E p i c u r o : — Os Deuses e x i s t e m m a s não são a q u i l o q u e a gente comum imagina. Ideias semelhantes são adotadas hoje e m d i a n o s m a i s altos escalões de algumas religiões, m a s , de modo geral, pouco se f a l a a respeito. 0 Vaticano sabe como conservar os seus segredos históricos e preservar o seu acervo de raríssimos m a n u s c r i t o s e l i v r o s místicos. Houve quem não, se surpreendesse c o m a recente confissão de u m antigo Deão d a Catedral de S . Paulo, e m L o n d r e s , q u a n d o este declarou de público: — Quanto a r e f u t a r dogmas já obsoletos, trata-se de u m assunto difícil. Não temos o direito de ofender os pequeninos que crêem... É perfeitamente inútil t e n t a r e l a b o r a r u m c r e d o q u e satisfaça a u m só tempo o letrado e a s u a c r i a d a . O Misticismo não Basta. Mas a lei da v i d a é o movimento. O homem não pode permanecer imóvel como u m sapo h i b e r n a d o e m prolongado transe. E l e tem de emergir dessa condição m a i s cedo o u mais tarde. T e m de ligar-se aos seus c a m a r a d a s místicos, o u à s u a família ou ao grande mundo. O u então terá de desincumbir-se de u m a o u o u t r a necessidade fisiológica. A d e m a i s , cedo o u t a r d e terá de confrontar as várias limitações do m i s t i c i s m o e^ os defeitos característicos dos místicos. Alguns desses defeitos são graves e relevantes. O pesquisador que n u n c a se deparou c o m eles, o u que, tendo se deparado, j a m a i s teve a coragem de encará-los devidamente, não poderá nunca elevar-se a c i m a do segundo grau, m a s colocajrá p r e m a t u r a m e n t e u m ponto final n a s u a b u s c a e permanecerá p a r a sempre u m estudante sem diploma, presunçoso e oco. Como o presente capítulo t r a t a apenas do valor prático do misticismo e não do filosófico, t o d a e qualquer consideração acerca deste último ficará p a r a u m capítulo posterior. Assim, o pesquisador chegará u m d i a ao m u r o que d e l i m i t a o âmbito do misticismo. E l e verá que, conquanto benéfico, o m i s t i cismo não t e m condições p a r a fazer todo o b e m que a l a r d e i a . Verá, ainda, que o valor social do m i s t i c i s m o histórico é tão pequeno como é grande o seu v a l o r i n d i v i d u a l , e que, p o r essa razão, não pode o misticismo constituir-se n u m a solução completa p a r a o p r o b l e m a d a existência h u m a n a , n e m pode funcionar como u m a p a n a c e i a p a r a os males da hun^anidade sofredora. Afastar-se-á, desgostoso q u a n d o não desiludido, da velada exploração d a ignorância, credulidade, recursos financeiros, moléstias, ansiedades o u desejos p r a t i c a d a p o r aqueles que professam ensinar a matéria ou que p r o c l a m a m a s u a autoridade p a r a atuar como guias espirituais. Perguntar-se-á p o r que t a n t a charlatanice perniciosa e t a n t a superstição grosseira a n u v i a m os céus d a história do misticismo. A conclusão f i n a l só poderá s e r a de que a própria possibilidade desses inconvenientes r e v e l a a s deficiências e as limitações do misticismo. E s t e , e m s e u aspecto meritório, é ad-
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mirável, embora não seja perfeito. Falta-lhe algo. 0 elemento em f a l t a é precisamente igual àquele mesmo elemento de que carece a religião. U m apela diretamente p a r a a fé emocional; outro para a experiência emocional. Nenhum
deles apela para o critério da verdade
mais elevada. Ambos carecem de u m a base racional e chegam mesmo a vangloriar-se dessa carência. P a r a aquele que respira a atmosfera r a r e f e i t a d a verdade não é possível nenhuma charlatanice, nenhuma superstição, n e n h u m a exploração. E l e j a m a i s se enganará a s i mesm o e tampouco enganará os outros. A s variações e contradições da experiência mística estão a i n d i c a r que, necessariamente, a verdade derradeira deve situar-se além dos domínios do misticismo. Pois tem que h a v e r u m a verdade única a respeito da vida, não duas o u m a i s . Os fracassos éticos dos místicos e dos ocultistas devem ser atribuídos à s u a incapacidade de descobrir e compreender essa verdade suprema» b e m como à s u a dependência a u m a fonte instável e incerta de inspiração, vale dizer, o sentimento, que é reconhecidamente volúvel por m a i s que possa ser temporariamente exaltado e m função da contemplação. A s dificuldades intelectuais dos místicos e dos ocultistas são o resultado lógico do seu desdém pela lógica e d a s u a íntima oposição aos processos racionais comprovados e m favor de métodos intuitivos dos mais discutíveis. Claro que aquele que busca o mais alto tem de resolver-se u m d i a a i r a i n d a além do misticismo, por útil que este tetaha sido n a s u a progressão. A incapacidade de obter respostas satisfatórias e convincentes para as perguntas que a plenitude d a experiência e o amor do conhecimento irão eventualmente suscitar deve conduzir o místico reflexivo que não se acomodou a u m a situação de passividade e autolouvação a u m e r m o bravio, onde durante algum tempo ele errará aturdido, da mesm a f o r m a pela q u a l terá decerto u m d i a penetrado no ermo da dúv i d a , do desespero e do ceticismo, ao emergir das autocontradições d a religião dogmática. O processo d a passagem de u m a submissão total ao sentimento místico p a r a u m a percuciente autocrítica racional não é fácil n e m rápido p a r a u m homem que durante muitos anos esteve entregue à p r i m e i r a . S u a consumação demandará algum tempo e o princípio d a gradação funcionará c o m certeza. Embora ele não o saiba, o próprio descontentamento que lhe assaltou a mente é u m precursor d a s u a proximidade da invisível fronteira de u m a região m a i s elevada do pensamento. Contudo, essa fronteira permanecerá fechada a menos que ele prossiga n a s u a solitária jornada e se recuse a ser obstado por hábitos antigos ou opiniões alheias. A coragem que dele s e exige agora não é menor do que a anteriormente requerida n a s u a memorável passagem da religião ou do agnosticismo p a r a o m i s t i c i s m o . N a ocasião poucos estavam prontos a acompanhá-lo, m a s agora serão infinitamente menos numerosos aqueles que lado a lado c o m ele se disporão a invadir aquele ermo ululante. Mas se d e não perder de v i s t a a gravidade da s u a empreitada, não vacilará e m ceder às circunstâncias. Acabará por perceber, ainda que obscura65
mente, que a sua Compulsão íntima deve s e r respeitada a c i m a de todas as coisas, pois carrega u m a inefável santidade que s u p e r a e m m u i t o a santidade da fé religiosa o u d a intuição mística. A posição elementar de todas as religiões e s i s t e m a s místicos torna-se, portanto, c l a r a quando estes são coordenados segundo as concepções mais amplas d a filosofia. Aquilo que de verdade contêm não é senão a tradução simbólica de sutis princípios filosóficos. As pias confecções de u m Deus h u m a n i z a d o p r o p i c i a m u m c a m p o fértil p a r a as crendices populares; os tranquilos devaneios d a meditação são como bênçãos p a r a as mentes m a i s evoluídas; m a s , p a r a ambas as classesL a comida sofisticada de u m a elite m o r a l , emocional e intelectual sabe inevitavelmente f r i a e insossa. Assim, o místico cujo l e m a é Excelsior! t e m de s o f r e r e l u t a r , mesmo e m meio aos frequentes, se b e m que i r r e g u l a r e s , interlúdios d a paz contemplativa a que chegou. Chegará o m o m e n t o e m que ele se encontrará postado diante d a própria f r o n t e i r a a c i m a r e f e r i d a . A l guns passos m a i s e poderá transpô-la. Além f i c a u m a n o v a t e r r a , extremamente misteriosa e quase virgem. Trata-se d a região do terceiro grau, o império da suprema sabedoria aberto ao h o m e m . N o entanto, este não chegará a saber o quanto está próximo desse império, a menos que surja u m guia p a r a fazer-lhe a revelação e acompanhá-lo território adentro. T a l guia poderá s e r antigo e f a l a r ao h o m e m através das páginas manuscritas de u m velho texto o u das páginas impressas de u m l i v r o . Poderá também estar v i v o e f a l a r ao h o m e m frente-a-frente. No p r i m e i r o caso será como u m a carroça capaz de carregá-lo lentamente durante certo trecho do caminho, ao passo que no segundo o homem será levado mais longe e c o m m a i o r rapidez. M a s , u m a vez iniciada a nova j o r n a d a e deixada p a r a trás a f r o n t e i r a , n u n c a m a i s será dado ao homem saber o que é o descanso complacente o u a i n dolência egoísta. Pois o novo acólito do Absoluto t e m agora de l u t a r incessantemente, p r i m e i r o com os olhos fitos no s e u posicionamento final, depois p e l a liberação dos outros, sob o comando autoritário de u m poder superior — A V E R D A D E 1
CAPÍTULO I V
A FILOSOFIA OCULTA DA
ÍNDIA
Os leitores que abordarem estes capítulos com .uma atitude cari tativa não o estarão fazendo de caso pensado. £ de se temer que algumas das proposições os tenham assustado e outras, alarmado. Mas os ensinamentos ainda por serem apresentados constituirão u m a surpresa p a r a quantos saborearam as narrativas do autor acerca de suas aventuras iogues ou suas experiências místicas. Que esperem, porém, com paciência, pois acabarão por constatar que todo o verdadeiro tesouro da religião e do misticismo não estará perdido e que a sua paciência será devidamente recompensada. Tudo aquilo que é admirável n a religião e presta bons serviços à laboriosa humanidade será aqui respeitado; tuao aquilo que torna o misticismo u m beneficio para o indivíduo lutador terá os seus méritos devidamente reconhecidos. Nossa balança é j u s t a . Não obstante, impossível de enganar. E l a não aceitará o espúrio de cambulhada com o genuíno, nem o fictício e m meio ao factual. Tampouco permitirá que o prejudicial suba aos seus pratos à sombra do benéfico. E m b o r a o apelo destas páginas se dirija apenas à compreensão racional e não à fé sentimental e à credulidade, nem mesmo à imaginação (sempre facilmente exdtável), a amplitude distintiva da verdade é t a l que abrange todas as coisas. U m a unidade jamais sonha u m a síntese sublime aproximando o Real, o Verdadeiro, o B o m e Belo aguarda a todos no final. As intermináveis guerras doutrinárias e os ódios bestiais entre os homens encontrarão aqui a sua derradei sepultura. A relação da filosofia com a religião foi aqui tratada e relação com o misticismo fartamente sugerida. As inter-relações entre as três coisas são tais que, se a religião for encarada como u m vestíbulo p a r a o misticismo, este, por sua vez, ocupará a mesma posi relativamente à filosofia. No entanto, torna-se necessário evidenci com maior clareza a relação entre a filosofia oculta e aquilo que tanto no Leste como no Oeste é amiúde erroneamente chamado de fi Isto exige algumas considerações preliminares acerca do signi genérico do termo.
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Nenhum a n i m a l torturado j a m a i s indagou do bondoso B u d a por que existia o sofrimento u n i v e r s a l , n e m tampouco q u i s p e n e t r a r além das primeiras aparências, indagando que significado m a i s a m p l o estaria por detrás do enigma d a v i d a . D e todas a s espécies v i v a s o hom e m foi o único a fazê-lo. O macaco é o a n i m a l que m a i s se parece c o m o h o m e m , contudo os conflitos éticos da religião, a apreciação estética d a a r t e e a s torturantes indagações d a filosofia j a m a i s l h e p a s s a r a m pela cabeça. Qual será então a mais acentuada diferença entre a mente h u m a n a e a do macaco? À m a i o r i a dos a n i m a i s certamente p e n s a e guarda recordações, ao passo que numerosos dentre eles são, c o m certeza, portadores de inteligência. Alguns, como o elefante d a Índia, possuem u m elevado grau de inteligência. Há, porém, algo que a n i m a l algum pode fazer, e isso é u s a r s u a inteligência no abstrato. E l e é incapaz de arrazoar teoricamente o u fazer c o m que a reflexão t r a n s c e n d a os domínios d a s u a ambiência física. S u a s ações são i n v a r i a v e l m e n t e determinadas pelas condições concretas que o rodeiam. U m a outra atividade m e n t a l que escapa à inteligência do a n i m a l é a de pensar impessoalmente. Ao que se sabe, n e n h u m a n i m a l j a m a i s tentou estabelecer comunicação c o m outro a n i m a l vivendo n u m outro continente, pois não sente necessidade de preocupar-se c o m aqueles que não estão colocados n a s u a vizinhança i m e d i a t a o u que dificilmente poderão v i r a entrar e m contato direto c o m ele. I m p l i c a isto e m que o animal é incapaz de transcender s u a própria i n d i v i d u a l i d a d e , a c a u s a sendo a s u a incapacidade de relacionar devidamente q u a l q u e r i t e m da sua experiência c o m o universo. O a n i m a l é incapaz de colocar-se e m separado do seu próprio corpo e contemplar c o m total isenção o caráter, a natureza e a v i d a de u m outro a n i m a l que se m o v i m e n t a a c e m metros de distância; menos a i n d a as estrelas no céu. P a r a todo anim a l a principal preocupação são as necessidades p r i m o r d i a i s do seu corpo. N o seu universo, o eixo e m torno do q u a l tudo g r a v i t a , é, e sempre será, ele próprio, e a s u a reação a todas as demais c r i a t u r a s variará em função dos seus temores, desejos etc. A v i d a é u m fato simples p a r a t a l c r i a t u r a , enquanto o intelecto do h o m e m está fadado a c r i a r problemas com c u j a solução irá torturar-se m a i s tarde. O homem foi o único que julgou v a l e r a pena a g i t a r a s u a mente e fazer todas essas coisas. Apenas ele é solicitado pelo u n i v e r s o a colocar perguntas e procurar as respostas correspondentes, o que prova possuir faculdades mentais distintivas de que os a n i m a i s não dispõem. E a soma de tais faculdades n a d a m a i s é do que a capacidade de r a ciocínio desenvolvida não apenas até u m g r a u m a i s elevado, como também até u m nível de abstração impessoal. O intelecto do h o m e m pode alçar-se até u m a atividade puramente teórica; pode empenhar-se em estudos assaz impessoais, como a astronomia, por exemplo, e estabelecer os movimentos de planetas remotos; pode desdenhar as exigências d a cerceante vizinhança m a t e r i a l e entregar-se a altaneiras
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considerações acerca das causas e da marcha de toda a estrutura do universo; ao mesmo tempo em que pode tomar os fatos e os itens da experiência e, através de u m a reflexão constante, relacioná-los racionalmente, terminando por conjugá-los n u m modelo compreensível e sistemático de explicação. Ao procurarmos o significado de tudo isto somos obrigado a concluir que apenas ao homem foi dada a capacidade de interessar-se pela verdade acerca da sua própria vida, investigá-la, analisá-la e, possivelmente, compreendê-la, bem como a vida do universo. Nenhum inseto, planta ou animal possui esse privilégio único de busc a r a verdade e nela refletir. Vaishta, u m antigo sábio hindu, exclamou : — Melhor é o sapo do brejo, melhor é o verme da terra, melhor é a cega serpente das cavernas do que o homem sem investigação. T a l investigação denomina-se filosofia. Ninguém pense, porém, ser a filosofia algo que o homem pode adotar quando melhor lhe aprouver; pelo contrário, é a filosofia que adota o homem! O simples fato de ele ser u m ente humano e não u m a n i m a l torna-o obrigatoriamente u m filósofo, se bem que u m filósofo inconsciente. Claro que t a l honraria ele não pediu, mas também não há como fugir delai Os pensamentos iniciais e desconexos acerca do meio ambiente que primeiro perpassaram a mente do selvagem primitivo, os toscos retalhos de conhecimento de s i mesmo que ele coletou durante breves períodos de nebulosas reflexões, o deslumbramento e a adoração que o raiar do S o l matutino sempre despertava nele — esses foram os começos de u m a vida mental que diferençava o homem do animal e que caracterizaram os seus primeiros e incertos passos naquela busca da sabedoria para cujo derradeiro estágio d e u m d i a desperta e para a qual reserva o nome de filosofia. Sua atitude torna-se então consciente e racional; atinge u m alto nível. Dali e m diante os movimentos do homem jamais são lentos, imprecisos ou canhestros, mas ao invés rápidos e diretos. Fazendo perguntas abstratas, investigando a fundo a existência universal, d e mostra até que ponto suplantou os brutos. Mas a busca é na realidade uma unidade, conquanto possa ser dividida nesses dois estágios claramente definidos. Todos são, consequentemente, u m tanto filósofos, ainda que imperfeitos e rudimentares. Já se explicou por que a religião é uma iniciação elementar a u m a forma subalterna de filosofia e daí todas as pes Religiosas enquadrarem-se também nessa categoria. A diferença é que" ela prefere as parábolas às explicações racionais. O homem de negócios demasiado ocupado para cansar a cabeça com essa coisa estéril e sem valor que ele considera a filosofia possui, contudo, u m ponto de vista próprio acerca da vida, acerca daquilo que ele é e acerca da realidade da matéria. E l e talvez acredite destituída de significado a pantomima cósmica, talvez ache que o objetivo primordial da sua carnação seja exclusivamente económica E l e poderá encarar a cadeira sobre a qual se senta como portadora de uma materialidade tão óbvia que dispensa qualquer consideração. Pouco importa que tais pontos
de vista sejam correios o u não, pois o simples fato de esposá-los demonstra que ele também, à m a n e i r a do metafísico académico que despreza, possui u m a filosofia. Ademais, essa filosofia i n f l u e n c i a a s u a conduta e tem u m a vinculação prática c o m a s u a v i d a tanto quanto a de qualquer outro homem. Chegamos a s s i m à verdade pouco conhecida de que a s opiniões do homem c o m u m a c e r c a da completa i n u t i l i d a d e d a s cogitações filosóficas e da futilidade das questões que p r e o c u p a m o s filósofos constituem-se
elas próprias em frutos
da reflexão filosófica!
A o elaborá-las
o homem emprega o mesmo método que o filósofo adota, se b e m que mais tosco. A esterilidade no tocante aos resultados práticos e a f a l t a de conclusões definitivas que ele r e c l a m a à filosofia devem-se e m parte ao fato de que os filósofos são m u i t o m a i s cautelosos n a s u a abordagem, muito menos precipitados nos seus procedimentos e m u i t o m a i s clarividentes n a sua mentalidade p a r a se satisfazerem c o m a s conclusões apressadas que tanto lhe agradam. Até m e s m o o estilo d a s u a argumentação constitui u m a conclusão t i r a d a pelo raciocínio lógico generalizado a p a r t i r de fatos dados — exatamente o m e s m o método usado pela filosofia. P o r isso, s e u parecer contrário à filosofia torna-se nulo face à forma pela qual foi obtido! Ademais, ele é obrigado a pensar n a vida, quer queira quer não, porque os fatos e circunstâncias m a i s banais da s u a v i d a pessoal r e c l a m a m u m a c e r t a dose de reflexão (por pequena que seja) acerca d a s u a significação. A diferença entre ele e o filósofo é que ele reflete de m a n e i r a c a s u a l e s u p e r f i c i a l , ao passo que o filósofo reflete de m a n e i r a consciente e p r o f u n d a , não cessando de fazer perguntas enquanto tudo não l h e p a r e c e claro. Queixa muito encontradiça é a de que filosofia não enche b a r r i g a . Hoje e m d i a as pessoas d i z e m : — Ponhamos e m o r d e m a nossa c a s a económica, ou ponhamos e m ordem a nossa c a s a política, e depois haverá tempo p a r a filosofar. Os antigos romanos diziam mais o u menos a m e s m a coisa n o seu conhecido provérbio: — P r i m e i r o viver, depois filosofar. A i n d a essa mesma queixa já e r a ouvida quando Nabucodonosor r e i n a v a sobre a cálida Babilónia e continuará a sê-lo quando todos os colossos arquitetônicos da Cidade de Nova Iorque não forem senão relíquias do passado. Todo homem goza, p o r conseguinte, de total liberdade p a r a ignorar o estupendo problema que a v i d a silenciosamente coloca diante dele, e ninguém se dará ao trabalho de recriminá-lo p o r isso. A existência no século X X já é por s i suficientemente difícil, c o m a s u a carga de tensões, fadigas e l u t a s ^ p a r a j u s t i f i c a r que u m h o m e m se preocupe tão-somente c o m as suas necessidades m a i s i m e d i a t a s , deixando de lado todas essas questões, deveras remotas na aparência, que a filosofia suscita. É o que geralmente acontece. O h o m e m relega o assunto a uns poucos ermitões académicos que não têm nada melhor a fazer do que entregar-se a intricadas especulações a c e r c a de u m a b s t r a i o
Derradeiro. E s t a é a sua visão inicial e superficial do lugar da filosofia. Mas, assim como numerosas outras visões iniciais, esta permanece e m aberto a u m a possível revisão com o correr do tempo. A objeção geral implica em que o mundo pode passar muito bem sem a filosofia. Não ocorre ao mundo que aqueles que resolvem para onde irão r u m a r antes de saltar para o lombo dos seus cavalos talvez cheguem a u m destino melhor do que aqueles que se põem a cavalgar a esmo. Ao que se sabe, o mundo continua batendo-se para escapar às dificuldades insanas em que o meteu essa política muito prática porém irrefletida. Suas aflições são u m melancólico atestado da ausência da filosofia em seu seio. A queixa específica de que é mais fácil para u m homem rico do que p a r a u m pobre entregar-se a estudos desse tipo, bem como é m a i s fácil p a r a u m homem livre do que para u m escravo fazer o mesmo, encerra decerto u m a verdade. Mas a leis das compensações começa a operar aqui e torna mais fácil para o pobre do que para o rico praticar a filosofia! E s t a verdade tornar-se-á mais nítida posteriormente. É também justificável afirmar que se necessita de uma certa quantidade de tempo ocioso para dar prosseguimento a tais estudos, bem como refletir nos seus aspectos, e que é indispensável uma certa retaguarda de conhecimentos para a sua compreensão. No que tange a este último aspecto, a biografia está repleta de exemplos em que homens desprovidos de meios tornaram-se autodidatas ao invés de cederem à derrocada cultural, e — com relação ao problema do tempo — aqueles que se queixam da sua falta poderão encontrá-lo roubando alguns momentos ao sono. Desta maneira conseguirão pelo menos uma hora por dia. Não se arriscarão a nenhum inconveniente, pois o tempo é pouco e sacrificado a u m a boa causa. Mas há outros que poderiam a r r a n j a r tempo com maior facilidade. São aqueles que têm demasiadas ocupações e deveriam suprimir algumas. Não é preciso que negligenciem deveres essenciais nem cancelem relações já existentes com o fito de atender a este reclamo. Mas, quando houverem encontrado u m a forma de encaixar o período de estudo, decerto encontrarão a s u a recompensa. Assim sendo, a verdade final é que os esperançosos e os ambiciosos agirão sempre enquanto os demais limitar-se-ão a gemer. Se a nenhum de nós é dado não ser filósofo, por que há de parecer pueril a solicitação de que aprendamos a filosofar com correção, consciência, sistematização e olhos abertos ao invés de fazê-lo com defeito, sonolência e cegueira? E m suma, sejamos verdadeiros filósofos e não u m bando de tolos desarvorados I Nosso esforço no sentido de negar a supremacia deste tipo de pensamento generalizado e direto, igno» randoo, será sempre vão. Não poderá ser nunca estúpido e inútil, m a s s i m indispensável esse proceder que permitirá retirar toda a nossa atividade de v i d a do nível da adivinhação elevandoa ao nível da consciência. A vida nos presenteia com u m currículo educacional próprio,
a
expresso n a forma de experiências dolorosas o u agradáveis, m a s a busca consciente d a verdade é u m i t e m q u e cabe a nós n o s i n s e r i r nele. Os pensamentos que são h a b i t u a i s l e v a m às s u a s consequências na ação. A s perspectivas gerais do h o m e m c o m u m determinarão sempre o curso das suas ações, tanto quanto o farão a s d o filósofo. Mas, enquanto o homem c o m u m é v i a de r e g r a s a c u d i d o pelos ventos das circunstâncias, e, por isso, afligido p e l a i n c e r t e z a , o filósofo l e v a a vantagem de haver refletido longamente e t r a z i d o à l u z certos princípios p a r a u m a conduta sã. U m h o m e m q u e j a m a i s f o r m u l o u perguntas fundamentais, que j a m a i s elaborou p o r s i m e s m o u m a atitude racional, ver-se-á p r e s a d a dúvida o u d a escuridão q u a n d o eclodir a p r i m e i r a grande crise d a s u a v i d a . P o r outro lado, todas a s situações, todas as eventualidades encontrarão s e m p r e p r e p a r a d o aquele que domina a verdadeira filosofia. A f a l t a de princípios p r e d e t e r m i n a d o s leva o homem desprevenido a agir não apenas e m d e t r i m e n t o do seu próprio bem-estar como também do bem-estar alheio. E a i n d a a s s i m o homem do mundo não t e m paciência c o m os filósofos! As pessoas chegam mesmo a fugir ante a s i m p l e s menção d a pal a v r a filosofia. Até mesmo P l u t a r c o dignou-se r e n d e r homenagem tão-somente aos homens públicos, guerreiros e políticos e m s u a obra Vidas Paralelas. A s s i m é que elogiou L i c u r g o e e s c a r n e c e u Platão por ser filósofo, p o i s : — enquanto o p r i m e i r o c o n s o l i d o u e d e i x o u atrás de s i u m a constituição, o outro não deixou senão p a l a v r a s e l i v r o s escritos. Não obstante, a filosofia desempenhou u m p a p e l de relevo n a antiga c u l t u r a dos coríntios. O s gregos p r o f e s s a v a m u m a c e r t a consideração pelo raciocínio correto. M a s a atitude desta e r a de j a z z é : — por que esquentar a cabeça c o m problemas desse tipo? — A m a i o r parte dos homens e mulheres dos nossos dias prefere o grosseiro tagar e l a r que passa p o r conversação e conforma-se c o m o c o r r e r do berço p a r a o túmulo c o m ambos os olhos fechados. E s s e s i n c a p a z e s do intelecto não têm condições p a r a t i r a r proveito de u m a s u b i d a aos píncaros do raciocínio e de u m solilóquio n a q u e l a s paragens m a i s rarefeitas. N a imaginação do indivíduo médio o a s s u n t o é c o m o u m a árvore ressequida, m o r t a e estéril: u m a insípida e descolorida teia de pensamentos. T a l imagem m e n t a l não d e i x a de t e r s u a s boas r a zões, pois m u i t a coisa duvidosa p a s s a p o r filosofia, m a s , quando i n vestigamos u m pouco m a i s a fundo a base desse temor e desse ressentimento, descobrimos deverem-se eles antes à ignorância do que ao conhecimento da matéria. O indivíduo pensa, porém, c o m j u s t a razão que a filosofia irá alçar a s u a mente do terreno conhecido d a realidade concreta até desconhecidas alturas d a v i d a , e t a l como m u i t a s pessoas adultas antes do seu p r i m e i r o voo e m avião, sente medo. E quando por acaso, f i c a conhecendo u m dessecado s e r h u m a n o que se c h a m a a s i mesmo de filósofo, acrescenta u m a c e r t a dose de irritação aos seus temores, porque aquele homem parece-lhe e r r a r n u m e r m o selvagem onde não se pode encontrar nada que s e j a frutífero ou comestível.
Os nossos amigos cientistas também formam esse coro de queixosos. E l e s fazem u m muxoxo de desdém ante os parcos resultados dos três m i l anos de filosofia que o mundo já conheceu; com orgulho apontam p a r a a imensa enciclopédia de fatos comprovados e aceitos que a ciência conseguiu reunir e m menos de trezentos anos. Contam também a v e l h a piada sobre o filósofo cego que procura num quarto escuro u m gato preto que lá não está; piada que o século vinte atualizou, j u n t a n d o à t r a m a u m teólogo e esclarecendo que este acaba encontrando o gato! Aquele que tem a ousadia de falar numa filosofia d a verdade será decerto u m néscio, desconhecedor da história da filosofia e disposto a despertar em s i próprio e nos outros uma esperança condenada a m o r r e r ingloriamente. E s s a s reclamações são justas. A história da exploração filosófica é u m fascinante relato de inconcludentes incursões nos domínios da futilidade. T o d a a história demonstra que os filósofos não têm uma p l a t a f o r m a de conhecimentos estabelecida sobre a qual se fixem harmonicamente, e que eles continuam vivendo no reino das conjeturas, no que respeita a interpretação do significado do mundo. Aquilo que u m filósofo erigiu de maneira muito convincente, o filósofo seguinte demoliu enfaticamente; aquilo que no século dezoito se t i n h a como u m a grande descoberta foi sumariamente repudiado no dezenove; os sistemas mais caros a u m povo foram atirados à rua d a a m a r g u r a por outro. Inumeráveis páginas da mais cândida branc u r a f o r a m afogadas e m tinta negra por ávidos pensadores, mas a f o r m a d a verdade continua sem ser vista. Com certeza aquelas graves discussões sobre se a v i d a tem ou não o cemitério como objetivo c o n t i n u a m m a i s pendentes do que nunca. As respostas dos filósofos às perguntas que eles próprios colocaram têm sido tão diametralmente opostas como os dois pólos da T e r r a . A importância de ser frívolo é encarecida aos leitores todas as vezes que eles apanham muitas dessas páginas arrebitadas e maçudas. Talvez no final venham a exclamar, irónica e irreverentemente, como Anatole France: — As coisas têm aparências diversas e nem mesmo sabemos o que elas são... na min h a opinião não se deve ter opinião! Já se assinalou que esse mesmo demónio da autocontradição infesta também os domínios do misticismo e da religião. Não haverá, então, como escapar a ele? Estará Herbert Spencer certo ao declarar que a verdade absoluta deve ser relegada ao domínio do intangível? Os pesquisadores religiosos, místicos e filosóficos estarão condenados a permanecer n u m atro labirinto sem ponto de partida visível e se objetivo tangível? É de a d m i r a r que o homem não tenha deixado inteiramente de filosofar. O que o obriga a construir e reconstruir, criticar e demolir as teorias dos seus antecessores e as especulações dos seus contemporâneos? P o r que razão ele não abandona, agastado, essa vã linha de conduta, seguindo o exemplo do talentoso poeta persa Omar Khayyám:
expresso n a forma de experiências dolorosas o u agradáveis, m a s a busca consciente da verdade é u m i t e m que cabe a nós n o s i n s e r i r nele. Os pensamentos que são habituais l e v a m às suas consequências na ação. As perspectivas gerais do h o m e m c o m u m determinarão sempre o curso das suas ações, tanto quanto o farão as do filósofo. M a s , enquanto o homem comum é v i a de r e g r a s a c u d i d o pelos ventos das circunstâncias, e, por isso, afligido p e l a incerteza, o filósofo l e v a a vantagem de haver refletido longamente e trazido à l u z certos princípios para u m a conduta sã. U m h o m e m que j a m a i s f o r m u l o u perguntas fundamentais, que j a m a i s elaborou por s i m e s m o u m a atitude racional, ver-se-á presa d a dúvida o u d a escuridão q u a n d o eclodir a primeira grande crise d a s u a v i d a . P o r outro lado, todas as situações, todas as eventualidades encontrarão sempre p r e p a r a d o aquele que domina a verdadeira filosofia. A f a l t a de princípios predeterminados leva o homem desprevenido a agir não apenas e m detrimento do seu próprio bem-estar como também do bem-estar alheio. E a i n d a a s s i m o homem do mundo não t e m paciência c o m os filósofos! As pessoas chegam mesmo a fugir ante a s i m p l e s menção d a p a lavra filosofia. Até mesmo P l u t a r c o dignou-se r e n d e r homenagem tão-somente aos homens públicos, guerreiros e políticos e m s u a obra Vidas Paralelas. A s s i m é que elogiou L i c u r g o e escarneceu Platão por ser filósofo, p o i s : — enquanto o p r i m e i r o consolidou e d e i x o u atrás de si u m a constituição, o outro não deixou senão p a l a v r a s e l i v r o s escritos. Não obstante, a filosofia desempenhou u m papel de relevo n a antiga cultura dos coríntios. Os gregos professavam u m a c e r t a consideração pelo raciocínio correto. M a s a atitude desta e r a de j a z z é : — por que esquentar a cabeça c o m problemas desse tipo? — A m a i o r parte dos homens e mulheres dos nossos dias prefere o grosseiro tagarelar que passa por conversação e conforma-se c o m o c o r r e r do berço para o túmulo com ambos os olhos fechados. E s s e s incapazes do intelecto não têm condições p a r a t i r a r proveito de u m a s u b i d a aos píncaros do raciocínio e de u m solilóquio naquelas paragens m a i s rarefeitas. N a imaginação do indivíduo médio o assunto é como u m a árvore ressequida, morta e estéril: u m a insípida e descolorida teia de pensamentos. T a l imagem mental não deixa de ter suas boas r a zões, pois m u i t a coisa duvidosa passa por filosofia, m a s , quando i n vestigamos u m pouco mais a fundo a base desse temor e desse ressentimento, descobrimos deverem-se eles antes à ignorância do que ao conhecimento da matéria. O indivíduo pensa, porém, com j u s t a razão que a filosofia irá alçar a s u a mente do terreno conhecido d a realidade concreta até desconhecidas alturas da vida, e t a l como m u i t a s pessoas adultas antes do seu primeiro vôo e m avião, sente medo. E quando por acaso, fica conhecendo u m dessecado ser humano que se c h a m a a s i mesmo de filósofo, acrescenta u m a certa dose de irritação aos seus temores, porque aquele homem parece-lhe e r r a r n u m ermo selvagem onde não se pode encontrar nada que seja frutífero ou comestível.
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Os nossos amigos cientistas também formam esse coro de queixosos. E l e s fazem u m muxoxo de desdém ante os parcos resultados dos três m i l anos de filosofia que o mundo já conheceu; com orgulho apontam p a r a a i m e n s a enciclopédia de fatos comprovados e aceitos que a ciência conseguiu r e u n i r e m menos de trezentos anos. Contam também a v e l h a piada sobre o filósofo cego que procura n u m quarto escuro u m gato preto que lá não está; piada que o século vinte atualizou, j u n t a n d o à t r a m a u m teólogo e esclarecendo que este acaba encontrando o gato! Aquele que tem a ousadia de falar numa filosofia da verdade será decerto u m néscio, desconhecedor da história da filosofia e disposto a despertar e m s i próprio e nos outros u m a esperança condenada a m o r r e r ingloriamente. E s s a s reclamações são justas. A história da exploração filosófica é u m fascinante relato de inconcludentes incursões nos domínios da futilidade. T o d a a história demonstra que os filósofos não têm uma p l a t a f o r m a de conhecimentos estabelecida sobre a qual se fixem harmonicamente, e que eles continuam vivendo no reino das conjeturas, no que respeita a interpretação do significado do mundo. Aquilo que u m filósofo erigiu de maneira muito convincente, o filósofo seguinte demoliu enfaticamente; aquilo que no século dezoito se tinha como u m a grande descoberta foi sumariamente repudiado no dezenove; os sistemas m a i s caros a u m povo foram atirados à r u a d a a m a r g u r a por outro. Inumeráveis páginas da roais cândida branc u r a f o r a m afogadas e m t i n t a negra por ávidos pensadores, mas a f o r m a d a verdade continua sem s e r vista. Com certeza aquelas graves discussões sobre se a v i d a tem ou não o cemitério como objetivo continuam m a i s pendentes do que nunca. As respostas dos filósofos às perguntas que eles próprios colocaram têm sido tão diametralmente opostas como os dois pólos d a T e r r a . A importância de ser frívolo é encarecida aos leitores todas a s vezes que eles apanham muitas dessas páginas arrebitadas e maçudas. Talvez no final venham a exclamar, irónica e irreverentemente, como Anatole F r a n c e : — As coisas têm aparências diversas e n e m mesmo sabemos o que elas são... na min h a opinião não se deve ter opinião! Já se assinalou que esse mesmo demónio da autocontradição infesta também os domínios do misticismo e da religião. Não haverá, então, como escapar a ele? Estará Herbert Spencer certo ao declarar que a verdade absoluta deve ser relegada ao domínio do intangível? Os pesquisadores religiosos, místicos e filosóficos estarão condenados a permanecer n u m atro labirinto sem ponto de partida visível e sem objetivo tangível? É de a d m i r a r que o homem não tenha deixado inteiramente de filosofar. O que o obriga a construir e reconstruir, criticar e demolir as teorias dos seus antecessores e as especulações dos seus contemporâneos? P o r que razão ele não abandona, agastado, essa v i linha de conduta, seguindo o exemplo do talentoso poeta persa Omar Khayyám:
desenvolvimento a p a r t i r dos fatos, por meio do mais agudo e apurado tipo de raciocínio j a m a i s praticado pela mente humana e terminando pela p r o v a d a experiência h u m a n a total. Numerosos metafísicos esgotaram s u a capacidade inventiva imaginando, por exemplo, u m Número, u m a Substância, u m Espírito, u m Absoluto etc. subjacente ao mundo das aparências, mas a filosofia da verdade não permite nem aos seus expoentes n e m aos seus estudantes recorrer sequer a uma única fantasia ou aceitá-la sem investigação. 0 Espírito pode na verdade existir, m a s à filosofia da verdade cabe descobrir a sua existência por meio d a investigação e não aceitá-la por princípio. Os fatos são a única base e a realidade é a s u a superestrutura.
N a mocidade convivi Com Santos e Doutores, de q u e m m u i t o a p r e n d i ; E o que deles recebi Nunca, nunca discuti. A verdade é que o homem está, e c a d a vez m a i s , abandonando a filosofia. E l a , que u m d i a esteve colocada a c i m a de todas as ciências empíricas, não passa hoje de u m a desprezada C i n d e r e l a . Aqueles que se dão ao trabalho de estudar a filosofia c o m a finalidade de chegar à verdade diminuem rapidamente e m número. P o r toda a parte ocorre esse processo de esvaziamento e perda de prestígio. A A l e m a n h a , que há não mais de u m século gabava-se de ser a pátria d a filosofia europeia, tacha hoje a matéria de inútil, encarando-a c o m o u m simples passatempo intelectual. A Índia, que, m i l anos atrás m a n t i n h a universidades como a de Nalanda, onde ninguém i n g r e s s a v a se não fosse capaz de responder às mais intricadas perguntas de caráter metafísico, e onde, a despeito dessa enorme b a r r e i r a p r e l i m i n a r , contavam-se em certa época dez m i l alunos inscritos — a Índia, que a l i m e n t o u todos os demais países asiáticos com os seus pensamentos, não consegue hoje em dia formar senão classes cujo número de alunos é r i d i c u l a mente reduzido. Sabe-se que numerosos colégios s u p r i m i r a m mesmo do seu currículo a cadeira de filosofia. A matéria sofreu realmente uma séria queda, tornando-se aos olhos do m u n d o u m m u s e u de antiguidades cujos curadores são os seus mestres de metafísica! O espírito moderno v i a de regra se exaspera ante q u a l q u e r tentativa de atraí-lo p a r a os empoeirados salões d a especulação metafísica. A Filosofia da Verdade. T a l crítica justifica-se apenas quando a pseudofilosofia se desvia da ação prática ao invés de i r de encontro à mesma, quando entra n u m círculo vicioso e permanece inconclusa, e quando principia o seu movimento de pensamento c o m m e r a s fantasias ao invés de fatos comprovados, embora possa, até m e s m o nesses casos, ser de utilidade p a r a quantos apreciem o estímulo intelectual da ginástica mental. Mas tudo isto n a d a t e m a v e r c o m a filosofia oculta. O erro generalizado misturando a f a n t a s i a i n d i v i d u a l c o m a filosofia ou a teologia dogmática com a metafísica r e c l a m a o esclarecimento de que a filosofia da verdade, tal como é revelada na índia, não deve ser confundida com essa especulação filosófica d a verdade. Se a meia-filosofia e a pseudofilosofia já t i v e r a m a s u a vez e estão agora no ostracismo, então o caminho p a r a a v e r d a d e i r a filosofia se acha aberto, h As primeiras adejam no reino da fantasia como u m pássaro em liberdade e a segunda cinge-se estritamente aos fatos. Começa com eles n a medida e m que estão disponíveis e se r e c u s a a excedê-los. Não aceita nada gratuitamente, não p a r t e de qualquer tipo de pressupostos, dogmas o u crenças. S e u processo consiste n u m lento P9 Â
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A filosofia académica apresenta u m quadro de opiniões confli' tantes principalmente por causa dos variados pontos de vista esposados ' pelos filósofos. Tão-somente u m ponto de vista é possível ao verda/ deiro filósofo, isto é, mais elevado. T a l ponto de vista tem de basear-se f nos fatos da experiência total. Por isso, todos os pressupostos, todos os dogmas, toda a fé cega, toda a submissão ao sentimento, todos os sonhos a c e r c a do invisível e do desconhecido, são de pronto eliminados. Onde quer que a filosofia tenha fracassado, seu insucesso deve-se em parte à violação desse fator. A vida não pode nunca ser satisfatoriamente interpretada estudando-se as fantasias em detrimento dos fatosT Até esse ponto, portanto, a genuína filosofia deve abarcar a ciência» começar juntamente com ela, acompanhá-la pari-passu, embora mais tarde tenha de adiantar-se-lhe, mais arrojada que é. A ciência é n a verdade u m a parte, se b e m que preliminar, da filosofia da verdade. P o r ciência entende-se principalmente o método científico, a abordagem científica, a v a s t a coleção de fatos comprovados, mas não as conj e t u r a s flutuantes e as opiniões individuais dos cientistas. Perante numerosas pessoas do Ocidente a especulação metafísica é u m jogo o u passatempo p a r a diletantes, quando muito u m exercício intelectual p a r a as horas vagas. A genuína filosofia é uma ocupação infinitamente m a i s séria e produtiva do que essa. E l a considera esta nossa v i d a como u m a preciosa oportunidade para colher da sua aparente provisoriedade benefícios eternos. Consequentemente, não p« ela desperdiçar tempo com esforços vãos ou inúteis, condenados de antemão a perderem-se no vazio. 0 método da investigação filosófica não é usado com o fito de encontrar desculpas para u m a vida vazia, m a s p a r a propiciar orientação no sentido de u m a existência mais plena; não p a r a atenuar os interesses humanos, mas para ampliá-los; e não p a r a c o r r e r atrás de fugazes espectros, mas para encontrar a permanente Realidade. N u m capítulo posterior abordaremos u m a outra característica especial d a filosofia mais elevada, qual seja a justificação real (quan« todas as demais filosofias não o conseguem) da sua alegação de necer u m exame lato do mundo e u m a correspondente visão sii d a V i d a . A possibilidade de comprovar as suas alegações explica
que as inteligências hindus lograram êxito e m penetrar n a escuridão do mundo, enquanto as mentes ocidentais c o n t i n u a m a e n c a r a r a tarefa como impossível ou passível de ser completada apenas n u m futuro muito remoto. Já vimos que as explicações d a religião são excelentes p a r a as pessoas simples ou tímidas, mas demasiado elementares e demasiado contrárias à consciência e ao bom senso das pessoas c u l t a s . V i m o s também que os princípios e as práticas do m i s t i c i s m o são melhores e mais amplos, mas são, por s u a vez, igualmente insuficientes p o r produzirem u m a visão meramente p a r c i a l da v i d a . Assegura a filosofia oculta da verdade — que daqui por diante neste l i v r o será simplesmente chamada de filosofia, e m parte por u m a questão de conveniência verbal e em parte porque a etimologia d a p a l a v r a reporta-se à verdade e não à simples especulação e m que ela degenera — que somente ela cuida de investigar todas as fases d a experiência u n i v e r s a l total, sem deixar nada de fora, e somente e l a b u s c a a m a i s c a b a l e derradeira explicação; ademais, ela não apenas i n i c i a a investigação, mas prossegue com férrea determinação até atingir plenamente o seu objetivo. Pode-se concluir desta declaração que a v e r d a d e i r a filosofia não tem u m a só cor, mas é tão rica que não apenas deve a b a r c a r os métodos adotados pela religião, pelo misticismo, pela ciência e p e l a arte, por exemplo, mas deve também u s u f r u i r dos resultados p o r estes conseguidos ; não deve apenas abranger no âmbito do s e u interesse assuntos diversos como o comércio, a indústria, a guerra, o matrimónio, a maternidade, os sonhos e a pobreza, por serem estes componentes da vida humana; não deve apenas i n c l u i r a i m e n s a legião de a n i m a i s , plantas, rios e montanhas entre os seus interesses por pertencerem à existência universal; deve também ser autocrítica, porque, a f i n a l de contas, toda investigação — seja ela religiosa, mística, científica o u filosófica — é feita com a mente. E m consequência, a filosofia b u s c a também descobrir por que a mente quer saber todas essas coisas, por que ela enceta a busca da verdade, qual é a s u a v e r d a d e i r a natureza, quais são os limites da s u a capacidade de percepção d a verdade, como chega a conhecer o mundo, e q u a l é, e m suma, a d e r r a d e i r a verdade de todas as verdades já conhecidas. A filosofia exige a verdade e m sua totalidade, não meias verdades. A filosofia dá grande valor às já mencionadas contribuições dos fatos e d a fé, bem como a todas as demais, ao tempo e m que foge à especialização, pois nega-se a deter-se e m qualquer delas e m p a r t i c u l a r ou a l i m i t a r suas investigações ao seu campo. A ciência, por m a i o r que seja a s u a valia ao proporcionar-nos u m enfoque razoável d a v i d a e ao organizar o nosso conhecimento do mundo, padece, obviamente, de muitas limitações. E l a opera com fragmentos. Não se pode esp e r a r que o cientista médio entenda de música, por exemplo. Como todos os especialistas, ele u s a antolhos, pois se l i m i t a a u m determinado
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departamento e é obrigado a aceitar tanto as limitações como as estreitas perspectivas desse departamento. Todo especialista sofre a influência inconsciente da ênfase emprestada àquele aspecto particular da v i d a m a i s intimamente ligado à sua atividade. E m consequência, o seu conceito de verdade é forçado a encaixar-se dentro de uma perspectiva estanque e ele ignora o objetivo da verdade tal qual ela é quando a salvo de t a l limitação. % Por mais funcional que isto seja quando se t r a t a de finalidades práticas, quando se visa ao objetivo mais amplo da verdade derradeira, universal e irretorquível, torna-se u m estorvo. Ê difícil saber como colocar u m a atitude mental tão notável, pois ser antiquado é demasiado moderno, ser medieval é demasiado racional e ser moderno é demasiado histórico. T a l é o paradoxo da mais arcaica sabedoria do mundo, sabedoria esta que se situa tão adiante da contemporânea que nós estamos apenas começando a nos inteirar dela! T a l é a singularidade de u m a filosofia que é u m corajoso esforço para atingir o significado da existência, p a r a fazer uso da mais elevada faculdade do homem c o m o mais elevado dos objetivos e para descobrir u m critério adequado p a r a a ética, u m inatacável cânone de verdade e u m a sabedoria necessária à preservação da ação social. Somente pessoas de espírito superficial ousam pôr e m dúvida a utilidade prát i c a e as vantagens desse sistema, mas é notório que tal esforço não é m i n t o encontradiço n a v i d a cotidiana das populações mais densas. Encontra-se ele muito mais amiúde entre os esparsos montanheses. O habitante d a cidade tem o direito de recusar-se a abandonar a sua comodidade, retirando-se p a r a u m a região desconhecida, mas não deve menosprezar aqueles que deixam de lado os temores e tentam a jornada. N e s t a não há o perigo do tédio, pelo contrário só se encontra •fascínio e estímulo. Trata-se de u m a empreitada realmente absorvente que, ao apontar no horizonte do estudo toda a sua significação prática, assume aspectos de v i t a l interesse humano. Os episódios da vida cotidiana passarão a ser vistos sob u m prisma de crescente grandiosidade. V i m o s como o enfoque da verdade se faz através de u m a série gradativa, cujo desenvolvimento acompanhamos até o final da segunda fase. I s t o está concorde com os antigos ensinamentos da índia, que postulam três estágios de evolução através dos quais o homem tem de passar, três atitudes progressivas com relação à vida. 0 primeiro estágio é a religião e se baseia n a fé; o segundo, o misticismo, é controlado pelo sentimento; e o terceiro, a filosofia (que é inclusive u m a ciência) é disciplinado pela razão. Nem poderia ser de outra forma, pois a compreensão do homem acerca do mundo tem, necessariamente, de crescer e m função da sua capacidade mental, S u a perspectiva i n variável e inevitavelmente fica limitada pelo grau da sua inteligência* Daí ser impossível a todos os homens responder da mesma forma a todas as indagações d a vida.
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Ê preciso que cheguemos agora à p o r t a do t e r c e i r o g r a u do arcaico templo da sabedoria e batamos com a esperança no coração. S e é que pretendemos alcançar o máximo desenvolvimento é m i s t e r que atravessemos o limiar e descubramos o q u e há no i n t e r i o r . Diante de nós veremos em caracteres sóbrios a inscrição: F i l o s o f i a d a V e r d a d e ; a coruja de Minerva estará fixando e m nós o s e u o l h a r severo. Pois esse estranho pássaro entra e m atividade quando a s s o m b r a s d a noite começam a cair e distingue com clareza os objetos quando o homem não é capaz de entrever senão vultos. Mas quem já ouviu falar nessa filosofia não catalogada? Já ouvimos falar em filosofia alemã, filosofia grega, filosofia h i n d u ; guardamos longínquas recordações de alguns dos m a i s obscuros volumes do mundo, escritos por algumas das maiores inteligências humanas, enchendo de emoções atordoantes e confusas os nossos dias escolares; guardamos recordações de haver queimado as pestanas n a l e i t u r a de maçantes volumes sobre o assunto; mas, ao invés de nos i l u m i n a r , as teorias contraditórias só fizeram escurecer a i n d a m a i s o nosso c a m i n h o ; ironicamente, acreditávamos s e r u m a r e g r a geral n a discussão filosófica que quanto mais banal e r a a questão tanto m a i s séria deveria ser a argumentação; captamos u m pouco do jargão do s i s t e m a de Spinoza, do sistema de Anaxágoras, do s i s t e m a de K a n t , m a s j a m a i s encontramos, e tampouco sabemos que alguém h a j a encontrado, u m a filosofia representando mais do que as opiniões de u m h o m e m o u uma escola. Existem, contudo, uns poucos que e x p l o r a r a m a fundo os luminosos reinos da religião, do misticismo e d a metafísica, não se limitando a percorrer apenas as suas fronteiras; u n s poucos que também sabem o que tem a ciência a dizer acerca do mundo e que não são portadores daquele pessimismo. S e u deslumbramento i n i c i a l e s t a v a fundido com o desejo de saber, este com a paixão de compreender e e s t a última com a busca da realidade. E l e s percebem que essa b u s c a absorvente que os impeliu para frente e p a r a o alto reage e m resposta a alguma coisa que é. Uma esperança indestrutível os a n i m a . Pois aquilo que começaram a crer com a religião, s e n t i r a m e m s u a plenitude c o m o misticismo, suspeitaram racionalmente c o m a ciência e debateram especulativamente com a metafísica é que existe a l g u m a essência derradeira que é a real natureza das coisas e dos homens, e que, sendo essa essência eterna e onipresente, e l a confere ao u n i v e r s o a maior significação possível, e, consequentemente, o p r i m e i r o e m a i o r dever do homem é conhecê-la de perto. Mas esses poucos percebem que a essência universal antes de ser devidamente conhecida deve s e r compreendida do ponto de vista intelectual e especulativo t a l como é, e, inevitavelmente, t a l como não é. Daí surge a compreensão d a necessidade de u m a filosofia adequada: não a filosofia desta o u daquela escola, deste ou daquele indivíduo, deste o u daquele país, m a s unicamente a filosofia da verdade. T a l filosofia, se descoberta, funcionaria
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como u m m a p a imprescindível com a ajuda do qual o explorador poderia encetar por conta própria a busca da verdade. Mas por que não haveriam as esperanças dessas poucas pessoas de ser m a i s que u m engano, u m a ilusão gerada pelo desejo individual disfarçado e m intuição profunda? Apenas u m a resposta cabe a esta j u s t a queixa, m a s se t r a t a de u m a resposta que despertará assombro nos círculos ocidentais portadores de u m complexo de superioridade que só se explica talvez face à ignorância daquilo que há milhares de anos se v e m fazendo e pensando no outro hemisfério. Contudo, ela merece tanto quanto qualquer outra ser ouvida por nós e isto será objeto de a m p l a demonstração através de todo este livro. A esperança de u n s poucos transformou-se (ainda que de forma intermitente) n a realização comprovada de uns tantos privilegiados e, digam o que disser e m os repositórios do pensamento mundial, tanto os registros escritos como os não-escritos d a Índia indicam que aquela verdade considerada pelo Ocidente como inatingível já foi no passado alcançada por tais indivíduos e mesmo no presente poderá constituir-se n u m prémio àqueles que estiverem dispostos a pagar o seu alto preço. Ao testemunharmos as maravilhas operadas pela mente humana no sentido de alterar a face da T e r r a , cabe-nos ser desesperançados a ponto de c r e r que a Natureza teme a revelação da verdade e sagazmente m a n o b r o u p a r a que j a m a i s seja dado ao homem compreender o significado derradeiro da s u a existência neste planeta? E se alguém afirm a s e r esse significado impossível de conhecer, estará afirmando i n conscientemente que está a p a r daquilo que as gerações vindouras chegarão ou não a saber — asserção destituída de fundamento e impossível de s e r provada. Mas por que não concordarmos em aprender dos antigos aquilo que não podemos aprender dos modernos? A Doutrina Secreta da índia. U m a recôndita doutrina hindu, que constitui essa filosofia d a verdade e se situa acima da religião e do misticismo, existe, segundo o testemunho dos eruditos, há mais de cinco m i l anos, m a s n a verdade é muito mais antiga, pois suas origens remontam a tempos imemoriais. T a l doutrina pertencia tradicionalmente a u n s poucos iniciados, que formavam u m círculo fechado e conservavam-na c o m grande zelo (já que se tratava da quinta-essência da sabedoria do seu país), impedindo que a ela tivessem acesso quantos não fossem iniciados no assunto. N a verdade, até o romper da era moderna u m brâmane que ousasse revelar que a verdade latente na, religião só se realiza n a filosofia era passível de punição. A transmissão e r a feita de geração p a r a geração, mas o processo era mantido e m segredo tão rigoroso que os ecos que se filtravam ocasionalmente p a r a o mundo mais lato pouco custavam p a r a tornarem-se distorcidos. Mais tarde apareciam perante o público representantes autopromovidos e auto-iludidos p a r a converter os recentes ecos da filosofia pura que lhes h a v i a m chegado aos ouvidos e m escolasticismo religioso quando não e m misticismo teológico. A incompreensão gerava a mutilação.
transformando, destarte, u m a grandiosa verdade u n i v e r s a l n u m a reduzida verdade tribal. Não obstante, mesmo quando os seus legítimos representantes estiveram a pique de desaparecer d a superfície d a T e r r a , a filosofia conservou s u a existência i m o r t a l nuns r a r o s e s c r i t o s e r u 'ditos e fê-lo ainda de f o r m a fragmentária e m numerosos escritos de cunho popular. No entanto, as interpretações erróneas decorrem i n variavelmente das leituras feitas sem a orientação pessoal de u m mestre competente, figura sempre imprescindível. Deve-se, portanto, esperar que diversas das explicações dadas nestes capítulos sejam consideradas como inautênticas p o r m u i t o dos m a i s sábios letrados da Índia contemporânea, o u condenadas como perversões pelo grosso dos místicos e iogues convencionais, o u denunciadas como ateísticas pela m a i o r parte das autoridades religiosas. Que a s s i m seja. Nós não falamos a esses n e m aos seus inúmeros seguidores, m a s apenas aos que possuem u m a mentalidade inteiramente v o l t a d a p a r a a busca da verdade. A verdade poderá permanecer invisível durante milénios, pois depende do sufrágio secreto de alguns poucos, m a s a hipótese é improvável; a s s i m como u m vasto oceano, e l a sobreviverá à escuma da opinião m o r t a l e à névoa dos interesses preconceituosos. E m b o r a a nossa heterodoxa apresentação dessa sabedoria s e j a moderna e ocidental, s u a fonte original é antiga e h i n d u . T a n t o os textos silenciosos como as vozes v i v a s que forneceram informações à nossa obra são e m s u a maior parte hindus, complementados, por vezes, por a l guns documentos tibetanos e também por u m a instrução esotérica mongólica transmitida de pessoa p a r a pessoa. U m milhão de homens poderá contestar a solidez dos princípios a q u i desenvolvidos, m a s ninguém poderá negar tratar-se de princípios h i n d u s ( a i n d a que desconhecidos) sem deturpar antigos documentos d a m a i o r antenticidade em função da s u a mentalidade medíocre. S e não fazemos a q u i a c i tação desses textos é porque os nossos leitores são, e m s u a quase totalidade, ocidentais e não é nosso desejo sobrecarregá-los c o m a enfadonha obrigação de consultar alentados glossários à c a t a de desconhecidos nomes sânscritos. N a realidade, o fato de que neste l i v r o não se u s a mais do que duas expressões filosóficas e m sânscrito dará motivo a que se assaque ainda mais u m a crítica c o n t r a ele, pois se alega que determinados conceitos filosóficos d a Índia não apenas são incompreenssíveis p a r a o Ocidente como também são inexpressíveis e m qualquer u m a das línguas ocidentais tradicionais. É acertado dizer que lidamos aqui com ideias que em sânscrito se e x p r e s s a m através de u m a única palavra, enquanto amiúde se requer toda u m a f i e i r a de palavras ocidentais p a r a t r a n s m i t i r a m e s m a coisa. M a s a verdade já existia antes do nascimento do mesmerismo do sânscrito; e, c o m certeza, sobreviverá e m muito àquela língua. Os homens devem t e r encontrado ou inventado termos expressivos antes do s e u aparecimento, e, talvez, pressionados pelas necessidades, voltem a fazê-lo.
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Haverá também ferozes negativas e oposições de ordem pessoal por parte daqueles restritos círculos que tanto no Oeste como no Leste intitulam-se esotéricos e reivindicam a posse da sabedoria oculta. A confusão e a incompreensão entre os mal-informados é desculpável A c r e d i t a m eles, e c o m j u s t a razão, que alguns dos mais renomados mestres do m u n d o ensinaram u m a doutrina secreta aos seus discípulos mais chegados. Acreditam também, mas sem razão, que tal doutrina consistia e m grande parte de magia, taumaturgia e teologia. Os grandes mestres t i n h a m coisa melhor com que se ocupar. A finalidade última do esoterismo h i n d u e r a conduzir os homens a descobrir o significado essencial d a v i d a h u m a n a , ajudá-los a adquirir u m a percepção da real e s t r u t u r a do universo e m o s t r a r o S o l da verdade absoluta brilhando no horizonte de toda a existência. Antes m e s m o que as vitoriosas andanças de Alexandre colocassem os pensamentos helénico e o oriental em contato fértil, fragmentos dessa doutrina já h a v i a m sido trazidos para a Europa por intermédio de industriosos viajantes como Apolônio de Tiana e Pitágoras. E m nossa própria época provas fragmentárias da existência desse ensinamento oculto r e s v a l a r a m p a r a o mundo exterior, pois a crescente legião dos orientalistas ocidentais entregou ao mundo os frutos de sua pesquisa de u m século entre os tesouros culturais da Índia. As muralhas que i n s u l a v a m n a posse de u n s poucos brâmanes os mais importantes l i vros secretos f o r a m derrubadas. Aquele que se der ao trabalho de v a s c u l h a r tais obras constatará por s i mesmo inúmeras indicações de u m ensinamento velado que não era dado senão àqueles que se most r a v a m capazes de preencher determinados requisitos e que possuíam certas r a r a s virtudes de caráter e capacidade. Encontrará também reiteradas referências ao fato de que o conhecimento pleno só pode ser obtido através do contato pessoal com u m professor competente. Não apenas u m a v e l h a tradição dizia que os brâmanes iniciados que revelassem os seus conhecimentos a estrangeiros não qualificados eram passíveis de sanções, m a s assim também o afirmam numerosos textos sânscritos c u j a tradução pode ser hoje facilmente encontrada: Os Upa nichades, Bhagavad
o Bhagavad Gita, os Comentários de Shankara acerca do Gita, Vivekachudamani, os Brama Sutras, o Panchadasi, e
outros. C o m tais declarações poderemos cotejar as seguintes palavras do B u d a , tiradas do Saddharma Pundarika: —• Homens superiores e de vasta compreensão preservam a doutrina, preservam o mistério e não o revelam... T a l conhecimento é de difícil compreensão; os simples ficariam perplexos ao ouvi-lo de supetão... Falo de acordo com o seu alcance e a s u a capacidade; através de diferentes significações adapto a eles a m i n h a doutrina. Já v i m o s como, segundo esse ensinamento oculto, existem progressivos estágios de desenvolvimento através dos quais tem
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passar o pesquisador d a verdade. A declaração é e x p r e s s a m e n t e formulada pelo sábio Gaudapada no seu velho v o l u m e já r e f e r i d o : — Há três estágios de v i d a correspondendo a três poderes da compreensão: o inferior, o médio e o s u p e r i o r . . . A i o g a do i r r e torquível é de difícil acesso p a r a os iogues despidos do conhecimento preconizado n a filosofia m a i s e l e v a d a . . . esses iogues que também se encontram no c a m i n h o m a s são portadores de u m a compreensão inferior ou mediana. Comentando tais opiniões, observa o grande m e s t r e S h a n k a r a : — As ordens da humanidade também são três e m número. C o m o ? I s t o se deve a que os homens são dotados de três g r a u s de compreensão, a saber: inferior, médio e superior. Pitágoras que viajou até a índia e conseguiu iniciar-se n a sabedoria secreta dos brâmanes, d i v i d i u os homens e m três classes, colocando os que a m a v a m a filosofia n a classe m a i s elevada. F o i nesse sentido que criou e usou a expressão filosofia, sendo, portanto, o p r i meiro europeu a fazê-lo. Amónio, fundador de u m a i m p o r t a n t e escola mística e filosófica e m Alexandria, também d i v i d i u os seus discípulos em três graus, exigindo-lhes sob j u r a m e n t o o c o m p r o m i s s o de não revelarem os seus mais elevados ensinamentos filosóficos. S u a s regras foram calcadas nos antigos mistérios gregos de O r f e u , o q u a l , segundo o historiador Heródoto, as h a v i a trazido d a índia. Não se deve pensar que o rigoroso segredo que envolveu u m d i a o aprendizado dessa matéria e r a inteiramente intencional. Quatro fatores respondem pelo fato. Ò primeiro é a c l a r a percepção de que a verdade real da religião sendo popularizada, todo o estofo d a moralidade pública resultaria seriamente comprometido. A veiculação i n discriminada de u m ensinamento descrevendo Deus t a l q u a l E l e é n a realidade e repudiando a S u a imagem presumível, e demonstrando que todos os ritos, sacrifícios e sacerdócio não p a s s a m de recursos meramente provisórios, e m pouco tempo e l i d i r i a a influência d a religião institucionalizada junto àqueles que dela têm necessidade; e concomitantemente desapareceriam as consequentes restrições de caráter ético e as disciplinas morais. As confusas massas das pessoas s e m instrução voltar-se-iam então contra os seus ídolos aceitos, s e m contudo dar-se conta das inegáveis vantagens que e m troca p r o p i c i a r i a a filosofia mais elevada, pois esta última v i r i a a ser rejeitada p o r demasiado diante dessas mesmas massas. E s t a s ficariam mergulhadas n u m vácuo mental, ou, pelo mínimo, n u m a desnorteante incompreensão, com o resultado de que a sociedade seria a t i r a d a ao caos e a v i d a social possivelmente reverteria à impiedosa l e i da selva. S e r i a danoso perturbar a mente das massas ainda adolescentes do ponto de v i s t a mental, suprimindo-lhe a fé n a religião tradicional quando n a d a que estivesse a seu alcance se lhe poderia d a r e m troca. Daí terem os sábios tratado de conservar p a r a s i os seus conhecimentos e só ins-
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traído aqueles poucos que estavam e m condições de iniciar-se por hav e r e m perdido o gosto pela religião ortodoxa e sentido a necessidade de a l g u m a c o i s a m a i s racional. Ao demais das pessoas mentalmente amadurecidas, a iniciação e r a também propiciada aos reis, estadistas, generais, altos sacerdotes brâmanes e outros investidos nas responsabilidades de o r i e n t a r aj> vidas das pessoas. Por essa forma, proporcionava-se-lhes melhores condições p a r a u m desempenho mais sensato e eficaz das suas tarefas. O segundo fator repousa n a natureza aristocrática desta filosofia. E l a não se p r e s t a igualmente a leões e cordeiros. Não pode ser levada até a s g r u t a s e cabanas dos iletrados n a esperança de encontrar ali boa acolhida. É tão impenetrável do ponto de vista mental e tão avançada do ponto de v i s t a ético que paira muito além do alcance popular. S e pudesse encontrar u m a aceitação fácil, tal aceitação se t e r i a consumado tão logo foi pela primeira vez enunciada. Por ser impossível de i n c u l c a r a não ser a uns poucos privilegiados seu destino certo é o ostracismo. Seus princípios só podem ser entendidos por pessoas de b o m desenvolvimento intelectual e nobre caráter; são princípios demasiado sutis p a r a as mentes imaturas, para as pessoas obtusas e estúpidas, b e m como p a r a as mesquinhas e egoístas. As populações p r i m i t i v a s e r a m compostas principalmente de camponeses que d a a u r o r a ao crepúsculo labutavam arduamente nos campos ou de pastores que se entregavam a acompanhar mecanicamente seus rebanhos. A m b a s as classes não poderiam desenvolver com facilidade inteligências aptas e dispostas a ponderar longo tempo nos tópicos mais abstratos que p a r e c i a m deveras distantes do campo e do lar, mas se i n c l i n a r i a m de preferência a dar crédito a estórias singelas. Por esta razão contentavam-se e m acreditar tão-somente naquilo em que seus pais acreditavam. A s massas eram, v i a de regra, iletradas e viviam n u m mundo que as obrigava a manterem-se deveras ativas para gar a n t i r a s u a subsistência e dentro do qual o polvo gigantesco da atividade pessoal e d a responsabilidade familiar as mantinha firmemente presas entre os seus tentáculos; tão firmemente que não lhes sobrava ânimo n e m tempo p a r a explorar o significado mais sutil da sua próp r i a existência e menos ainda o conhecimento derradeiro da mais amp l a e r e m o t a existência universal. Trabalhar, sofrer, perpetuar a espécie e m o r r e r ; eis o resumo do seu acanhado horizonte. Pouco se lhes dava a razão mais elevada da sua presença neste mundo. Como se poderia então desejar que compreendessem princípios e apreciassem devidamente valores que se encontram tão distantes da sua órbita quanto o estão as conferências de nível pós-universitário dos alunos do curso primário? É preciso que a imatura mente popular tenha tempo p a r a desenvolver-se e, naquelas épocas primitivas, não se poderia esperar que e l a tivesse condições p a r a opinar sobre assuntos que amiúde superam a capacidade dos mais sagazes. Ademais, a frase do Novo Testamento: — Muitos são chamados mas poucos são escolhidos —- encontra o seu equivalente hindu no
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to: — E n t r e as multidões u m h o m e m , vez p o r o u t r a , l u t a p o r compreender a verdade — estampado no Bhagavad Gita. N ã o há a q u i nenhum exclusivismo arbitrário, apenas u m reconhecimento das l i m i tações humanas, pois esta última o b r a diz a i n d a : — E u não m e revelo a toda a gente, a m a i o r i a das pessoas tendo a s u a visão toldada p e l a ilusão. 0 terceiro fator do segredo é que os poucos sábios que d o m i n a r a m essa doutrina v i v i a m , quase sempre, e m eremitérios o u e m obscuros retiros monteses. E s s a f o r m a de v i v e r à distância das multidões não era escolhida por atender às suas necessidades pessoais, p o i s aqueles sábios possuíam u m a fortaleza de caráter q u e lhes p e r m i t i r i a p e r m a necer incólumes e m meio às atividades das cidades m a i s populosas, como no caso de S h a n k a r a , o u manter-se alheios ao áureo esplendor das cortes, como no caso de J a n a k a . T a l reclusão e r a e s c o l h i d a c o m vistas aos interesses daqueles que dela n e c e s s i t a v a m , v a l e dizer, os poucos discípulos já maduros p a r a a iniciação filosófica. A concentração constante e a reflexão profunda exigidas p e l a d e u s a d a sabedoria oculta aos seus adeptos encontrava u m mínimo de antagonismo e de interrupção e m seus derradeiros postos avançados no seio de florestas bravias ou n a i m e n s a grandiosidade de m o n t a n h a s solitárias. A t a l ponto se reconhecia e s s a tendência a r e c o r r e r a l o c a i s desérticos c o m o fito de estudar que os antigos textos usados pelos m e s t r e s e m suas preleções chamavam-se ( e a i n d a se c h a m a m ) Doutrinas da Floresta. Seria, porém, u m grave e r r o confundir esse exílio voluntário de u n s poucos visando a equipar-se melhor, através de laboriosos estudos, p a r a primeiro compreender e depois a j u d a r a h u m a n i d a d e , c o m o ascetismo barato que prevalece hoje e m d i a nos avantajados e apinhados arremedos daqueles pequeninos eremitérios de o u t r o r a . A l e t a r g i a estéril e a especulação supersticiosa o c u p a m hoje o l u g a r do esforço m e n t a l e do estudo disciplinado. Os antigos estudantes do t e r c e i r o g r a u e r a m homens que compreendiam estar há m u i t o empenhados m u n a atividade incessante, sem perceber as razões determinantes dessa m e s m a atividade; que se d a v a m conta de v i v e r e m presos c o m o marionetes a cordéis e serem obrigados a dançar ao s o m de u m a música alheia. E l e s h a v i a m chegado ao ponto de entender o significado das coisas, o motivo d a s u a presença n a T e r r a , e os r u m o s p a r a onde e r a m impe1
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Shankara era um antigo filósofo que atingiu o mais alto grau de iluminação numa idade extraordinariamente precoce, percorrendo a seguir todos os rincões da índia com s finalidade de ajudar as massas ignaras e iluminar os raros eruditos; ambas as classes à sua maneira. Um rei que governou um grande Estado no nordeste da Índia e estudou a doutrina oculta sob a orientação do sábio Ashtavakra com tal profundidade que compreendeu a derradeira essência das coisas. Esse rei sentia-se tão à vontade junto BO plácido sábio na floresta, como entre a massa agitada dos seus súditos que num salão de audiências solicitavam favores, como entre os seus toldados prontos a entrar em ação num campo de batalha. 1
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lidos pela roda da vida. Sentiam que era preciso reservar u m lugar n a s u a programação p a r a o estudo da filosofia. U m a vida totalmente v a z i a de pensamentos mais profundos era considerada como indigna do h o m e m , pois aproximava-o do animal. E m resumo, o que se queria e r a conhecer a verdade. Daí o fugir ao mundo da atividade, em função não de u m a frustração emocional mas de u m a séria empreitada espiritual. E s s e prolongado afastamento da sociedade, embora destinado a s e r apenas u m meio provisório e não u m fim permanente, de f o r m a gradual (porém inapelável) foi retirando o conhecimento adq u i r i d o d a tradição cultural normal da sociedade até que a palavra sânscrita significando Doutrina da Floresta terminou por traduzir-se também p o r Doutrina Oculta. Não que os sábios se mantivessem sempre escondidos, m a s quando se aventuravam a apresentar-se perante o público ensinavam às pessoas apenas aquilo que consideravam m a i s adequado, isto é, a religião pura na maior parte dos casos e o m i s t i c i s m o p u r o e m alguns casos. O quarto fator já foi mencionado. Trata-se do perigo de os textos tradicionais s e r e m m a l interpretados e incompreendidos, de maneira a que a falsidade comece gradualmente a passar por verdade e venha mesmo no futuro a ser rotulada como t a l . Aqueles que do ponto de v i s t a ético e m e n t a l estivessem despreparados iriam atribuir aos textos o seu r e a l significado, imaginariam interpretações condizentes com os seus gostos pessoais e temperamentos. E este perigo é assaz verdadeiro, pois os textos são altamente condensados e requerem laboriosas explicações. A s s i m sendo, o esoterismo surgiu primeiro como u m fenómeno n a t u r a l , embora, sob os efeitos deteriorantes do tempo, tenha chegado a extremos, ante o egoísmo de alguns e a indiferença humana da maioria. A matéria-prima p a r a u m histórico desse lento declínio, se fosse possível dispor dela, não seria de pequeno interesse no que tange a vários setores distintos d a filosofia. D u a s perguntas aflorarão com certeza aos lábios do crítico ocidental. E m p r i m e i r o lugar, se t a l filosofia existiu desde há tanto tempo n a Índia, por que não terá conseguido erguer a cultura hindu aos pináculos da admiração mundial? A resposta é que, conforme já foi explicado, os hindus possuidores desse conhecimento sempre foram poucos p a r a assinalar a sua presença n a cultura de u m vasto subcontinente. Contudo, embora a sua influência imediata se limitasse a u m círculo restrito e influente, sua influência derradeira e mdiretã foi imensa.
As dificuldades materiais e linguísticas da comunicação cultural entre a Índia e a E u r o p a até o século passado, ao lado do caráter esotérico dessa filosofia, explicam a não-influência do sistema no mundo, j u s t i f i c a t i v a que se comprova pelo fato de que no restante da Ásia, onde a comunicação com a Índia sempre foi mais fácil e abundante, ele goza do m a i s alto prestígio. Não obstante, é significativo que o
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íntmdutor d a p a l a v r a filosofia n a E u r o p a t e n h a s i d o o p r i m e i r o „ Sn^cido aventurar-se Índia a d e n t r o e m b u s c a d a s a b e d o r i a . p f ° b e m recompensado pelas v i c i s s i t u d e s d a s u a longa viagem g e trouxe de volta ao Ocidente n o v a s e m a i s e l e v a d a s concepçc£ da verdade. a r e
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A segunda pergunta que s e r i a de esperar-se é p o r q u e , já que essa doutrina durante muitos séculos p e r m a n e c e u inacessível às massas haverá ela de ser agora a p r e s e n t a d a e e x p l i c a d a e m d e t a l h e à popula^ çáo. Pode-se apresentar u m a r e s p o s t a tríplice. A revelação positivamente não é nova, pois v e m acontecendo desde q u e a s forças armadas britânicas, já no século dezoito, p r e p a r a r a m o c a m i n h o p a r a os estudiosos ingleses, franceses e alemães. O s t e x t o s f o r a m sendo reunidos um por u m , inicialmente a título de p i l h a g e m m i l i t a r , depois n a forma de compras regulares feitas j u n t o aos círculos brâmanes q u e se h a v i a m convertido nos zelosos guardiães das o b r a s . H o j e e m d i a esses livros estão à disposição de u m m a i o r número de p e s s o a s . N u m e r o s a s cidades foram vasculhadas p o r c o m p r a d o r e s e n u m e r o s o s m a n u s c r i t o s , que o receio ao conquistador muçulmano e a s i m p l e s i n c a p a c i d a d e de compreensão m a n t i n h a m encerrados e m baús, v i e r a m a f i n a l à luz. A l guns desses textos f o r a m traduzidos p a r a i d i o m a s e u r o p e u s e estão ao dispor de qualquer interessado, ao passo q u e a m a i o r p a r t e deles foi cuidadosamente reunido e p r e s e r v a d o e m e x c e l e n t e s b i b l i o t e c a s , como a do Secretário de E s t a d o p a r a a Índia, a de M i s o r e , a de B a r o d a , a de Travancore, a da R e a l Sociedade Asiática e o u t r a s , onde podem ser hoje consultados pelos estudiosos. Há c e r c a de d u z e n t o s a n o s poucas dessas obras poderiam s e r conseguidas p o r alguém q u e não pertencesse a u m a d i m i n u t a elite d a iníelligentzia h i n d u . H o j e é possível conseguir centenas de antigas o b r a s filosóficas t a n t o n a E u r o p a como na América. Não se está, portanto, fazendo a q u i n e n h u m a n o v a revelação; apenas se está dando sequência a u m a revelação que começou há cento e setenta e cinco anos. A apresentação a q u i oferecida será, contudo, considerada como n o v a e e s s e n c i a l m e n t e m o d e r n a e, positivamente, heterodoxa. Contudo, u m elemento n o v o n e s t a s páginas é que os seus princípios se b a s e i a m e m p a r t e n u n s poucos l i v r o s que a escolástica europeia deixou p a s s a r e m b r a n c o p o r q u e s u a especial importância e sua difícil interpretação não f o r a m d e v i d a m e n t e captadas e em parte n u m aprendizado pessoal que é t a l v e z único no a t u a l panorama hindu.
eido. A s mentes das pessoas encontram-se atualmente em estado de perturbação e as suas convicções religiosas estão abaladas. De t a l f o r m a está a l t e r a d a a posição hoje em dia que chega a ser um tanto p a r a d o x a l , pois a filosofia oculta, ao invés de destruir o que resta da religião, poderá salvá-la através da sua exegese simbólica e da sua j u s t i f i c a t i v a perante os espíritos cultos do lugar e dos objetivos da religião institucionalizada. Suas revelações m a l poderiam hoje afetar as m a s s a s , pois estas não t o m a r i a m conhecimento delas, como não tom a m de toda a filosofia abstrata, ou então, caso viessem a fazê-lo, não c h e g a r i a m a aperceber-se das sutilezas. O terceiro fator que ensejou u m a explicação mais franca, ousada e c a b a l d a filosofia m a i s elevada é deveras excepcional e o mais importante de todos. Desde a época em que essa filosofia foi pela prim e i r a vez f o r m u l a d a o mundo tem passado por grandes transformações, o m e s m o acontecendo com a humanidade. Os detalhes de tais modificações, n a m e d i d a e m que afetam a filosofia, já foram fartamente fornecidos nas páginas iniciais desta obra.
A outra resposta à pergunta do crítico é que a p r i n c i p a l proibição a revelação da filosofia o c u l t a e m o u t r a s épocas e r a atribuída ao P £ ngo q e essa filosofia representava p a r a a a u t o r i d a d e d a religião o r t * 5 2 . f ^ e n t e m e n t e , p a r a a m o r a l i d a d e . Desde aqueles d u * reS P a n d o t a l a u t o r i d a d e que e l a m a l t e m cons£ U
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dão e a t i t u d e se t o r n a s s e m aceitáveis, lamentavelmente, ele não podia i n i c i a r o aprendizado. Pouco i m p o r t a v a aos guardiães da sabedoria que ele tivesse ou não a l g u m a fé religiosa, que fosse ateu, cristão ou muçulmano; o que i m p o r t a v a é que do ponto de vista psicológico estivesse apto. A diferença é importante e ajuda a explicar os melhores resultados e os notáveis êxitos conseguidos pelos asiáticos. Fichte, no entanto, deve t e r entrevisto a necessidade desse preparo disciplinador, ao dizer c e r t a v e z : — O tipo de filosofia que u m homem escolhe depende, e m última análise, do tipo de homem que ele é. A assimilação d a verdade m a i s elevada estará e m rigorosa proporção c o m a qualificação pessoal do indivíduo.
O simples fato de que o indivíduo médio p e r m i t e q u e os seus eventuais desejos de conhecimento s e j a m esmagados p e l a aversão decorrente d a s u a impressão s u p e r f i c i a l a c e r c a d a filosofia, q u a n d o não pelo receio do abstrato, incapacita-o p a r a d a r p r o s s e g u i m e n t o aos estudos. Pois há determinadas características c a r d e a i s q u e se e x i g e m de todos os homens antes que l h e s s e j a dado t r a n s p o r os u m b r a i s d a filosofia. Ninguém que não possua sete d e t e r m i n a d a s q u a l i d a d e s filosóficas poderá esperar filosofar c o m proveito. São essas qualidades necessárias porque representam os meios através dos q u a i s se poderá atingir os fins colimados. O explorador que deseja p e n e t r a r e m inóspitos novos territórios, e que será obrigado a c r u z a r rios, m o n t a n h a s e desertos n a s u a j o r n a d a , deve, se é que entende do r i s c a d o , começar os seus preparativos p a r a a empreitada equipando-se convenientemente. Aquele que a l m e j a explorar a filosofia o c u l t a e p e n e t r a r no n o v o t e r r i tório d a verdade deve igualmente c u i d a r d a n a t u r e z a e d a qualidade do seu equipamento pessoal antes que s u a m e n t e p o s s a aventurar-se n u m a atividade que decerto irá pôr à p r o v a toda a s u a capacidade. N e m todos podem encetar u m a expedição dessa o r d e m . Apenas aqueles que preenchem os requisitos básicos podem c o n t a r s e r b e m sucedidos. T a i s requisitos não são de imposição externa, m a s inerentes à própria natureza d a apreensão d a verdade e, p o r isso, s u a satisfação é inadiável. Tampouco são eles a r b i t r a r i a m e n t e fabricados por a l g u m mestre exigente. São impostos pela própria N a t u r e z a e aceitos p o r u m a longa tradição. Contudo, ninguém p r e c i s a preocupar-se e m demasia, a menos que conte entre aqueles poucos que q u e r e m a todo custo descobrir o segredo derradeiro d a v i d a . Todos os demais poderão dar-se ao luxo de ignorá-los e v i v e r e m comodamente a s suas v i d a s . E m e r s o n bem d i s s e : — F a z e i como quiserdes, m a s pagai o preço. E s t a s p a l a v r a s cabem maravilhosamente a e s t a a l t u r a d a n o s s a b u s c a . Nos países ocidentais sempre foi possível a q u a l q u e r u m i n i c i a r os estudos filosóficos, m a s n a A s i a o candidato e r a obrigado a e x i b i r previamente u m a c e r t a capacidade p a r a a tarefa. Até que a s u a apti-
Depois de l e r o presente capítulo o estudante deveria fazer um e x a m e consciencioso de s i m e s m o e determinar de maneira objetiva até que ponto a s características desejadas estão presentes no seu equipam e n t o m e n t a l . O e x a m e deverá s e r procedido à base da maior honestidade. O s resultados desse levantamento poderão ser espantosos para o estudante compenetrado, vexatórios p a r a o sensível, ou esclarecedores p a r a aquele que t e m sede de autoconhecimento. U m a das primeiras coisas q u e ficarão patenteadas é até onde a pessoa é influenciada pelos m a u s i n s t i n t o s , pelos preconceitos correntes, pelas inclinações desconhecidas, pelos temores ocultos, pelas esperanças tolas, pelas atitudes injustas, pelas disposições do momento, pelas alucinações violentas o u pelas ilusões a r r a i g a d a s ; e como ela se conduz em meio a uma névoa de motivos conflitantes e poderosa influência subconsciente. Dessa f o r m a se descobre o que se é realmente! A revelação decerto não s e r $ agradável. S e a pessoa não tiver pendores para a filosofia esse m o m e n t o tornar-se-á c r u c i a l , e ela irá atirar raivosamente o livro p a r a u m c a n t o e abandonar por inteiro o assunto. Mas, se a pessoa t i v e r a têmpera ideal, irá adotar a disciplina necessária e aos poucos começarão a s u r g i r as modificações desejadas. A p r i m e i r a preocupação do instrutor de filosofia é derrubar os ídolos de pés de b a r r o do estudante o u explicar-lhe com franqueia aquilo que ele n a realidade faz ao adorá-los. Pois o instrutor ocupa aquela m e s m a e desagradável posição do diretor de u m hospital psiquiátrico que m u i t a s vezes é obrigado a concordar com os doentes que j u l g a m s e r aquilo que não são — u m Napoleão, por exemplo — mas que n u m dado momento se vê forçado a dizer intempestivamente àquelas pobres c r i a t u r a s que elas não são o que julgam s e r ! Naquele momento detestável o médico, sem a menor dúvida, tornar-se-á a pessoa m a i s odiada de toda a instituição! A consciência de encontrarem-se numa posição análoga «— pouquíssimas pessoas gostam de ouvir que não estão aptas a rece a verdade — é u m a razão a mais para que os instrutores da filosofi, oculta se tivessem mantido à sombra durante tantos séculos. Na verdade, do ponto de vista da filosofia poucas pessoas apresentam o 1
líbrio requerido e, consequentemente, cria-se o a x i o m a de que o candidato deve ser tratado e curado desse desequilíbrio c o m u m a milhões de seres humanos. Pois a filosofia b u s c a colocar os seus estudantes no ângulo exato p a r a que v e j a m o préstito d a existência cósmica tal qual ele realmente é, despojado de fascínio e embustes. I s t o não poderá ser conseguido enquanto o intelecto não f o r b e m esclarecido e a força dos seus complexos ocultos não desaparecer. A t a r e f a de reordenar a mente pode ser u m processo assaz doloroso. O t r a b a l h o de afastar as falsidades e tolices que a d o m i n a m pode d e i x a r p a r a trás algum vácuo. É essencial descobrir quais as forças que estão atuando n a mente e influenciando o raciocínio e as perspectivas m e n t a i s . U m a vez que o estudante tenha desenterrado a base r e a l das suas ações e atitudes, ele poderá filosofar livremente, m a s não antes. P o r m e i o de u m a crítica rigorosa é preciso que desmascare impiedosamente os seus motivos ocultos, desejos inconscientes e tendências v e l a d a s . Os complexos que recamam a porção inferior d a mente h u m a n a e não são reconhecidos n e m nomeados respondem e m parte p e l a incapacidade de apreender a verdade. U m a fase d a m a i o r importância durante essa atividade preliminar é, portanto, aquela e m que se e r r a d i c a esses parasitas mentais, expondoos à poderosa l u z d a consciência. m "ti Depois de aperceber-se dos processos secretos d a s u a mente e do funcionamento secreto dos seus desejos, o estudante irá descobrir que numerosas crenças falsas e distorções emocionais de há m u i t o v i n h a m atuando como poderosos empecilhos a u m a c o n d u t a a c e r t a d a e a u m a nítida percepção d a verdade. Descobrirá s e r pesado o fardo das ilusões e racionalizações que carrega e que impedem a e n t r a d a do verdadeiro conhecimento. Somente através dessa compreensão p l e n a daquilo que acontece nos bastidores d a v i d a pessoal consciente poderá surgir a liberação a f i m de preparar o advento de novos progressos no caminho derradeiro. As características m a i s íntimas deverão ser postas a n u , sem concessões de qualquer espécie, procurando-se c o m destemor compreender as mais amargas verdades a nosso próprio respeito. É preciso que nos vejamos t a l q u a l somos, expondo o e u ao e u . E s s a é a delicada operação psicológica necessária p a r a determinar, a fim de que sejam suprimidas do processo do pensamento e d a ação, todas as tendências, alucinações e racionalizações que i m p e d e m a entrada da verdade n a mente ou que colocam a mente n a t r i l h a errada. Até que tais influências sejam determinadas através da análise e expostas através da perguntação não cessará a u m a ação maléfica. E s s e s complexos surgem para dominar o homem e r e t a r d a r o seu l i v r e uso da razão. Compete-lhe humilhar-se desde o princípio, não hesitando e m reconhecer que o seu caráter, tanto n a fase f r a n c a como n a oculta, é u m a coisa deformada, aleijada e desequilibrada. E m s u m a , é preciso estudar u m pouco de psicologia antes de abordar frutuosamente a filosofia. É preciso analisar as próprias emoções, e x a m i n a r a interação
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entre sentimento e razão, perceber como são formados os conceitos das ideias e das coisas e atacar o problema da motivação inconsciente. Quando, por exemplo, u m a determinada ideia ressurge ínapeíavelmente a c a d a instante e acaba por converter-se numa obsessão, eia interfere com o livre curso do raciocínio e impossibilita com isso uma rigorosa reflexão filosófica. Ou quando u m homem faz restrições mentais a determinados pontos de vista acerca de u m assunto ou campo de interesse específico e não permite que suas faculdades a l i operem e m s u a plenitude, s u a mente ficará então dividida em dois ou mais compartimentos estanques, os quais j a m a i s poderão interagir logicamente entre s i . Poderemos ter então o espetáculo de u m a credulidade completa n u m departamento e u m a crítica racional no outro. O hom e m apresentará u m r e a l desequilíbrio n u m dos departamentos, mantendo, contudo, apreciável equilíbrio no outro. A excelência deste último disfarçará os defeitos do primeiro. O problema não é a incapacidade de r a c i o c i n a r adequadamente mas u m complexo específico cuja interferência se faz sentir a u m a dada altura. U m a vez mais, quando o auto-respeito ou o respeito humano exige que se façam concessões à razão, testemunhamos o curioso processo em que u m a pessoa encontra p a r a as suas conclusões u m a base e m tudo diferente da real. Por essa f o r m a e l a se ilude a s i própria e talvez aos outros através dessas racionalizações de desejos egoístas e preconceitos injustificáveis. Também constituem dificuldades as ilusões que assumem um caráter rígido a ponto de proporcionar à razão u m a defesa inexpugnável. Sua persistência v i a de regra se registra no domínio das crenças políticas, religiosas, sociais ou económicas. Trata-se do que poderia s e r chamado de moléstias da mente e, enquanto não forem curadas, impedirão o funcionamento normal daquelas faculdades que são chamadas a intervir quando nos empenhamos n a p r o c u r a d a verdade. Pois determinam os processos do raciocínio e d a ação. E s s a é a auto-revelação que aguarda o estudante. E l a não é agradável, m a s se a pessoa tiver a coragem de aceitá-la como u m remédio, mostrar-se-á purificadora. Não pode haver cura a menos que a pessoa se dê conta de que está enferma. É difícil chegar a u m a análise acurada por s i mesmo, e aqui a ajuda — sempre que for possível — de u m filósofo proficiente, vale dizer, u m sábio, será de grande utilidade; mas tais homens são extremamente raros. O filósofo competente verifica, depois de u m pouco de conversação, quais são os complexos atuantes numa pessoa, sem a necessidade de empregar os alentados e não raro fantásticos processos d a psicanálise. Ademais, ele os verá com clareza muito maior que o analista, pois este decerto carrega u m a carga de variados complexos desde que não se tenha submetido à disciplina filosófica! U m exame dessa natureza só pode ser eficazmente executado por alguém que do ponto de v i s t a mental seja absolutamente livre.
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itanto, estas páginas deverão s e r de algui todo o leitor consciente empenhado n u m auto-exame, ao passo que a busca incessante do altaneiro ideal da verdade v i a de r e g r a fará muito no sentido da c u r a dos complexos. N e n h u m m e s t r e genuíno poderá efetuar pelo aluno a s u a autoconquista f i n a l ; ao discípulo cabe promovê-la por s u a livre vontade e através do s e u próprio esforço. M a s a crítica construtiva de t a l mestre será sempre esclarecedora, e s u a presença pessoal inspiradora. E s s e mergulho introspectivo n a s profundezas do caráter e d a capacidade do estudante é u m a a v e n t u r a que deve s e r f e i t a c o m frieza e destemor. Inevitavelmente, haverá resistências i n a t a s , oposições instintivas e impedimentos emocionais p a r a obstar a descida. T a i s fatores decorrem naturalmente das tendências inatas, b e m c o m o do meio ambiente, d a educação e das circunstâncias. Trata-se, n a m a i o r parte dos casos, de fraquezas disfarçadas o u repressões psicológicas. Não obstante, ao inteirar-se delas através de u m a t r a n q u i l a autocrítica, o estudante encontrará n a s u a própria presença — se t i v e r u m a mentalidade filosófica — u m incentivo especial p a r a corrigi-las e assegurar à sua v i d a o desejado ajustamento. Exige-se p a r a tanto grande dose de honestidade intelectual com a consequente r e c u s a e m fugir à realidade, e u m a coragem intelectual a i n d a m a i o r p a r a s u p e r a r o obscurant i s m o ; trata-se, portanto, de u m a tarefa p a r a u m herói m e n t a l que não se envergonhe de reconhecer que p r e c i s a m u d a r e não receie contribuir voluntariamente p a r a as modificações r e q u e r i d a s . É u m processo de metabolismo interno que provoca sofrimentos temporários mas leva a u m a saúde permanente. E é a única f o r m a pela q u a l o estudante pode colocar-se e m condições de d o m i n a r a filosofia oculta. 1
Imensamente difícil é convencer as pessoas a c o n t r a r i a r ou modificar os seus antigos hábitos de raciocínio, porque a n a t u r e z a h u m a n a é basicamente conservadora. E esses velhos hábitos se r e a f i r m a m teimosamente a cada passo. No entanto, se a pessoa a c h a r que essas qualificações psicológicas estão muito além do seu alcance, e que esse padrão de conduta intelectual é demasiado elevado, não é preciso que ela se mortifique. Os notáveis resultados clínicos conseguidos c o m o auxílio d a psicoterapia estão a m o s t r a r as insuspeitadas forças de auto-aperfeiçoamento que existem e m estado latente n a mente h u mana. Nenhum de nós atingiu o l i m i t e extremo d a s u a capacidade. S e m p r e acumulamos m a i s discernimento quando buscamos novos horizontes. Numerosos homens poderiam tornar-se filósofos se se pusessem e m ação, se quisessem pagar o preço de u m esforço persistente e ininterrupto no sentido de romper o encanto dos velhos vícios, se se dedicassem com afinco a u m tipo de v i d a e m que i r i a m ganhando fé à medida que as suas possibilidades fossem crescendo. Anos atrás costumávamos pensar que os homens n a s c i a m c o m u m caráter estabelecido, u m grau fixo de capacidade, u m a dose l i m i t a d a de força mental, e que j a m a i s poderiam exceder tais limites. | Hoje
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e m d i a a percuciente análise psicológica relegou esse mito ao esquecimento e m que ele merece ficar. Assim como o poder da cultura física é hoje reconhecido como definitivo, assim como sabemos que os nossos músculos podem ser fortalecidos e a nossa circulação sanguínea a t i v a d a através da exercitação diária, assim também sabemos que a nossa capacidade mental e as nossas características naturais poderão ser desenvolvidas de u m a forma bem precisa, se atacarmos corretamente a tarefa. — U m a caminhada de m i l léguas começa pelo primeiro passo — diz u m provérbio chinês. N e n h u m homem sensato irá desesperar-se, portanto, ante as perplexidades e dificuldades do estudo desta filosofia. Ninguém chega realmente a fracassar enquanto não desiste. Por que não haveremos de fazer hoje aquilo que outros homens pretendem fazer amanhã? Ou — adaptando o verso de Milton: nada recebem, aqueles que se l i m i t a m a esperar passivamente. Nós podemos refazer a nossa mentalidade se assim o desejarmos. Pois as teorias da psicologia e as realidades da experiência demonstram claramente o fato de que a capacidade d a mente é extraordinariamente flexível e expansível. Essa capacidade pode desenvolver-se de forma inimaginável quando u m esforço paciente no sentido de compreender aquilo que na aparência é incompreensível se aliar à esperança, que é a derradeira das possessões humanas, assim como a sabedoria é a melhor. Por isso, é preciso que nos disciplinemos mentalmente e nos moldemos eticamente para despertar a atitude correta para a árdua jornada que temos pela frente. E s s a é a providência preliminar. Se este l i v r o apresenta ao mundo u m a doutrina que exige uma dose i n u s i t a d a de atenção contínua apenas para acompanhá-la, que requer da parte dos estudantes u m pensamento concentrado de intensidade pouco encontradiça entre as pessoas, e que professa um ideal de altruísmo aparentemente inatingível, a sua defesa poderá ser feita com auxílio de Thoreau, que disse: — cumpre-nos objetivar os píncaros, embora a turba j a m a i s chegue a alcançá-los. Tampouco quer isto dizer que precisamos possuir as características requeridas p a r a a perfeição; quer dizer, isto sim, que devemos fazer u m esforço interior no sentido de desenvolvê-las a u m ponto que nos p e r m i t a captar pelo menos os princípios elementares da filosofia, e que devemos, mais do que nunca, conservar entre os nossos ideais aquelas sete qualidades. Assim, a estreita fresta da luz intelectual poderá alargar-se até transformar-se numa faixa luminosa capaz de clarear m u i t a coisa até então obscura. U m começo modesto poderá ser suficiente, pois, quando houvermos dominado mais alguns desses princípios, teremos provado o sutil encanto e o extraordinário fascínio que se encontram n a alma, profundamente ocultos atrás da fachada proibitiva d a filosofia. Iremos então ceder de bom grado às exigências p a r a u m maior aprimoramento daquelas qualidades, embora posSÉ
samos nos dar conta de que a s u a aquisição p l e n a não poderá se consumar de forma rápida e simples. Teremos, portanto, de desdobrar as características u m a a u m a , não de u m a só vez. Quase todos nós começamos como pecadores; cabe-nos esperar que terminemos u m d i a como sábios. M a s há u m a enorme diferença entre o homem que se l i m i t a a c h a f u r d a r nos seus pecados e o homem que se ergue descontente e insatisfeito depois de c a d a ocasião de pecar. O primeiro está atolado e s e m perspectivas, ao passo que o segundo não apenas se movimenta como também o faz n a direção c e r t a . Pois a alegria de enobrecer o caráter, aguçar a inteligência e ganhar fortaleza à medida que vivemos é u m a das inúmeras vantagens d a filosofia. U m simples olhar p a r a as qualidades necessárias a esse estudo purificador mostrará que não se t r a t a de u m m e r o esmalte superficial destinado a pôr e m relevo o intelecto do indivíduo e n e m m e s m o de u m ornamento c u l t u r a l ; elas exigem m u i t o do h o m e m m a s , no final, dão-lhe ainda mais e m troca, pois têm ação preponderante no que respeita tanto a v i d a m a t e r i a l como a eterna. E s s a s qualidades l e v a m ainda a u m a equilibrada compreensão d a engrenagem d a v i d a , não p a r a efeito de demonstrações teóricas m a s p a r a u m a ação efetiva e sensata. Já foi demonstrado que a justificação prática d a religião é a defesa que ela faz da boa v i d a ; demonstrar-se-á m a i s tarde que a justificação prática d a filosofia é a defesa que e l a faz d a m e l h o r v i d a . Ainda que o presente estudo m a i s não faça, os objetivos práticos e psicológicos que nos apresenta lançam u m sólido fundamento m e n t a l e moral para u m a personalidade excepcional, que, m a i s cedo ou m a i s tarde, está fadada a distinguir-se n u m a ou n o u t r a esfera de atividade. E l e será u m guia seguro p a r a u m a conduta adequada e u m a satisfação dos mais puros e exaltados sentimentos. Nós temos de sofrer u m a profunda transformação c o m vistas à melhoria da atitude, d a perspectiva e dos hábitos. Assim sendo, aquelas horas dedicadas à disciplina filosófica ou ao estudo não são e m vão. A divindade que por essa forma adoramos recompensa os seus fiéis devotos. S e r i a fácil aos inexperientes subestimar a necessidade dessas sete qualificações psicológicas, mas o filósofo militante sabe que se trata dos seus mais preciosos atributos. C o m elas ele f i c a pronto p a r a a iluminação e pode esperar realizar o supremo objetivo d a v i d a , m a s sem elas — nunca 1 A Verdade Acima de Tudo. A p r i m e i r a característica não é senão u m forte desejo de encontrar a verdade. O candidato tem de aprender a pôr-se de joelhos p a r a libertar-se d a ignorância. N e n h u m sábio asiático chegaria sequer a tocar no alfabeto da filosofia p a r a qualquer pesquisador se notasse a ausência ou a insuficiência desse desejo. Não é possível atear fogo a u m a p i l h a de lenha encharcada enquanto a madeira não secar u m pouco. Tampouco poderá u m mestre consciencioso tomar u m a pessoa mundana, p a r a quem o mundo dispensa discussões e está muito bem t a l qual se encontra, e elevar a s u a mente
às mais altas regiões do ser. Esse desejo representa u m a oitava acima do mesmo e profundo anseio para chegar ao coração oculto da vida a que os místicos denominam de manifestação da Graça; mas aqui ele passa de u m a emoção compulsiva para u m calmo pensamento à medida que assume u m a forma mais avançada e exige a verdade derradeira de preferência a u m a satisfação temporária. Não são muitos os que nascem com esse dom de amar a verdade pela verdade, pois de hábito a mente não tem nenhuma propensão a esgotar-se na sua proc u r a . Aquelas pessoas que mais tarde adquirem tal dom fazem-no quase sempre e m razão de algum sofrimento profundo, alguma perda trágica o u alguma decepção com a religião ou o misticismo. Pode também o dom despertar através do contato com u m sábio genuíno, quando a demonstração externa das suasj vantagens, particularmente nos momentos críticos, torna-se não só patente como também chamativa p a r a a mente. O desejo da verdade significa realmente o desejo de livrar-se da ignorância. Nenhum homem realmente reflexivo pode quedar-se satisfeito como u m simples animal sensual, mas depois do pasmo ou dúvida inicial perante o espetáculo cósmico terá de empolgar-se com o esforço p a r a rasgar o véu que oculta o significado da vida. Cumpre-lhe empenhar-se n a extinção da sua ignorância; se ele coloca como dogma que a verdade é inacessível, torna-se com isso inapto. Que ele se esforce primeiro, e j a m a i s desista desse esforço, se deseja pontificar com acerto sobre o assunto. E todo aquele que sentir apenas u m a curiosidade passageira tornar-se-á igualmente inapto, pois dentro de pouco tempo irá também escapar pela tangente. Com relação à sabedoria o homem tem de ser u m discípulo ardente ou nada. Mais talhado para a filosofia é aquele que p a r a ela é atraído por u m a paixão abrasadora pela verdade ao invés de u m a repugnância ascética pelo mundo. A verdade exige uma devoção profunda antes de revelar-se. Poucos a desejam com tal intensidade. A maior parte dos homens e das mulheres poderá interessar-se por e l a como u m passatempo ou como um pretexto para algum ameno debate social, mas não permitirá de forma alguma que ela se imiscua n a sua vida. O resultado é que sairão logrados, recebendo em troca u m pálido substituto, porque assim como nas habituais transações com as coisas materiais o que se recebe é exatamente aquilo que se paga. De qualquer forma, muito cedo n a busca as pessoas são postas à prova. Aquelas que inconscientemente são insinceras ou cujos motivos são apenas medíocres ou cujos objetivos são limitados permitirão que o seu amor por coisas menores porém tangíveis suplante o seu amor pela verdade intangível. Pois virá o tempo em que i r i r entregar-se a profundas considerações, não apenas se desejarem a ver» dade mais elevada mas também se a desejarem independentemente da s u a amenidade ou não. 0 verdadeiro pesquisador prosseguirá até o fim e então aceitará o que vier sem atentar para o sabor, seja est
de néctar o u de veneno, pois ele terá compreendido a implicação e sentido a força dos dizeres de B a c o n : — N e n h u m p r a z e r s e i g u a l a àquele de estar a cavaleiro d a verdade. Todo aquele que anseia o u v i r o c h a m a d o d a v e l a d a d e u s a e está disposto a segui-la onde quer que e l a vá, s e j a e m t e r r a desconhecida ou e m pensamentos desconhecidos, tornar-se-á u m s e u devotado apóstolo, Persista e Tenha Fé.^ M a s a deusa não surgirá c o m o u m a aparição e m nosso c a m i n h o ; é preciso p e r s i s t i r i n c a n s a v e l m e n t e n a b u s c a . N a d a mais natural, portanto, p a r a alguém portador de u m a tão forte inclinação pela verdade do que l u t a r p e l a posse d a segunda qualificação, que é u m a firme determinação de encetar a b u s c a d a verdade e perseverar, aconteça o que acontecer, até que o objetivo f i n a l s e j a conseguido. A b u s c a será, inevitavelmente, u m a a l t a e e s c a r p a d a m o n t a n h a a ser escalada c o m l u t a e esforço, e não u m a e s t r a d a p l a n a onde o progresso é sempre certo e fácil. E s s e fator de u m a inquebrantável persistência e m meio a toda escuridão e perplexidade q u e envolvem o estudante é de fato essencial, pois este não deve d e s a n i m a r e abandonar a busca. É essencial por proporcionar a necessária força propulsora p a r a fazê-lo superar todas as dificuldades, todas as desvantagens e todos os obstáculos, a f i m de que possa chegar ao amargo f i m . Mesmo aquele que sente o desejo d a v e r d a d e deve preservá-lo c o m cuidado, porque está nadando c o n t r a a corrente d a superficialidade dos nossos dias — t a r e f a difícil porém exequível, p o i s todo aquele que está realmente convicto adquire u m a coragem indómita n a s c i d a do desespero. Inevitavelmente, os estados de ânimo depressivo aparecerão e desaparecerão, m a s a determinação de prosseguir n a b u s c a t e m de persistir. Os camaleões mentais que m u d a m a c o r do s e u objetivo a cada ano que passa não se p r e s t a m p a r a e s t a empreitada. O investigador deve ser suficientemente paciente p a r a s u p o r t a r impávido as provações e tentações, as perturbações e alegrias, conservando toda a s u a determinação. A s provações não deixarão j a m a i s de lhe s u r g i r no caminho d a v i d a e lhe assaltarão continuamente o espírito. Voltemos à nossa analogia do explorador p a r a dizer que ele p a r t i u p a r a a travessia do norte d a A f r i c a . Se, e m qualquer ponto do trajeto, ele se detivesse por f a l t a de água, pela hostilidade do meio, por causa de algum ataque de mosquitos ou cobras, j a m a i s chegaria ao cabo da sua travessia. O pesquisador d a verdade deve u s a r de igual perseverança dentro d a s u a própria esfera de exploração intelectual e não interromper e m hipótese alguma o seu avanço. É preciso que saiba como levar avante estudos que não irão produzir quaisquer resultados imediatos e como esperar pelo privilegiado momento d a iluminação. N e n h u m de nós é inteiramente senhor de s i e todos temos de esperar pelo momento azado, pela h o r a destinada d a compreensão m a i s ele-
vada, e, contudo, não podemos esmorecer no nosso trabalho enquanto esperamos. O tempo é assim u m fator que deve ser levado em conta. O salto do Coronel l i n d b e r g h por sobre o Atlântico foi n a época u m h i n o aos céus e m que ele voou. Mas só se concretizou depois de o aviador r e a l i z a r sete m i l viagens preparatórias. 0 encanto da conquista filosófica empresta cores vivas a u m nome histórico, mas n a base d a história do êxito corre u m rio invisível de labor cotidiano e persistente. A revelação d a verdade deve fazer-se pouco a pouco dentro d a pessoa, à ifiedida que v a i acarretando u m a transfiguração n a mente; contudo a compreensão final poderá ocorrer de forma inopinada. É preciso que combatamos a nossa fraqueza de propósitos. N a v i d a , a v e r d a d e i r a l u t a é a l u t a do homem consigo mesmo. E nela poucos se empenham porque ela exige muito d a pessoa. Não obstante, é a única que vale a pena. N a d a grande ou grandioso poderá ser conseguido simplesmente a custa de desejar. P a r a se receber é preciso estar preparado p a r a d a r — a s i mesmo 1 Houve certa feita u m mestre itinerante n a Galileia que notou u m a corriqueira tendência à fraqueza entre os seus próprios seguidores. O mestre foi obrigado a dizer-lhes: — Aqueles que praticarem as minhas palavras conhecerão a m i n h a doutrina. A mente determinada consegue mais. Quando a válvula de segurança de u m a caldeira a vapor começa a subir, u m maior volume de energia começa a sair da máquina. Quando aqueles mesmos'fios que conduziam u m a débil carga de corrente elétrica começam subitamente a receber u m a voltagem maior, resulta a u m a pronta melhoria. E i s aqui duas parábolas que os homens deveriam levar em conta. Por f i m , a determinação filosófica de estabelecer aquilo que é verdade nega-se a confundir u m a derrota com o fracasso. A primeira proporciona-lhe os dividendos da advertência ou da sabedoria, mas o segundo ela j a m a i s aceita. Pensei A terceira característica exigida é a capacidade de pensar é u m a inteligência suficientemente vigorosa para sopesar a importância relativa das coisas ou a validade das declarações de forma correia e não apenas convencional. A filosofia exige perspectiva. Procura ver as coisas como elas realmente são. Isto implica u m a certa presteza mental sempre atenta ao dito comum porém verídico de que as coisa n e m sempre são aquilo que aparentam. Amiúde o falso parece ou faz por parecer verdadeiro. O raciocínio deveria ser independente a ponto de recusar simplesmente u m a opinião que expressasse o ponto de v i s t a de todos. 0 rebanho se afunda na torrente das opiniões e teorias alheias porque vive sujeito a crenças erróneas do ponto de vis mental, a realidades aparentes e aparências enganadoras, mas o sador não se abala. A fuga a essa escravidão se faz através da refle correta, da análise profunda e da indagação constante. Talvez a noss geração não assimile muito essas coisas, mas a mente pioneira certo o fará. U m a inteligência intensa é necessária. Precisamos peo» 97
sar, precisamos agir, não c o m v i s t a s a nós próprios m a s c o m v i s t a s à verdade. E s s e cultivo d a percepção r a c i o n a l facilitará a compreensão da filosofia. Não está aqui toda a implicação. D e i g u a l importância é a aguda capacidade de distinguir o efémero do eterno, a s coisas de u m d i a das coisas de u m a v i d a , o espetáculo passageiro d a existência m a t e r i a l dos fatores mentais relativamente m a i s permanentes. Poder-se-ia c h a m a r de sexto sentido aquilo que sabe o q u e é genuinamente f u n d a m e n t a l no jogo d a v i d a . S u a ação deve s e r de m o l d e a l e v a r a u m constante exercício de discernimento entre os valores d u r a d o u r o s e os temporários. E deve a m a r a t a l ponto o fato rigoroso ao invés d a f a n t a s i a deleitável que a determinação de d i s c r i m i n a r o r e a l do ilusório — coisa essencial através de todo o estudo e prática d a f i l o s o f i a — assum a gradualmente u m a importância máxima. A filosofia não pode tornar-se inteligível s e m m u i t o esforço m e n t a l ; é difícil acompanhá-la — tão difícil que amiúde o esforço é c o m o tentar c a m i n h a r sobre u m a c o r d a b a m b a intelectual s e m p e r d e r o equilíbrio — e aqueles que não q u e r e m o u não podem desenvolver o esforço acabarão achando que algumas p a r t e s deste l i v r o são quebra-cabeças, por m a i s simples que s e j a a linguagem. Os tímidos de intelecto e os débeis de mente gostam de escusar-se, dizendo q u e t a i s indagações são dispensáveis. I s t o porque desconhecem o l u g a r do legítimo pensamento n a v i d a ; e m consequência, não compreendem que e s t i m u l a r o pensamento é tão importante como fornecer-lhe informações. Entreter-se c o m u n s tantos problemas a f i m de equipar-se p a r a fazer determinadas observações espirituosas e m sociedade não faz de ninguém u m filósofo. Somente aquele q u e p e n s a a s c o i s a s até esgotá-las, que devassa todo e qualquer problema até o âmago s e m hesitar n u n c a ante a oposição dos demais homens, q u e a p l i c a inflexivelmente suas conclusões à s u a conduta n a v i d a , merece a designação de filósofo. Todo aquele que não estiver disposto a e x a m i n a r u m princípio com o propósito de a p u r a r se é o u não verdadeiro, apenas por encontrar-se diante de alguma coisa desconhecida, não t e m o direito de receber a verdade. E todo aquele que se nega a i n v e s t i g a r u m a dout r i n a porque esta não é corrente no s e u país o u entre a s u a gente, mas provém de u m outro país e de outras gentes, é igualmente indigno desse dom precioso. A razão desconhece as fronteiras geográficas. Nesta esfera da pesquisa filosófica a introdução das s i m p a t i a s políticas ou dos preconceitos r a c i a i s contra algum princípio o u mestre é inteiramente fatal ao êxito. O homem c o m u m sente-se impaciente ante a reflexão continuada e é dominado pelas impressões i m e d i a t a s ; ele t i r a conclusões demasiado apressadas, amiúde baseando-as e m aparências superficiais e enganosas. A s s i m sendo, vive presa d a ignorância. E s s a fraqueza é u m defeito que pode ser corrigido por meio d a disciplina. T a l inteligência p r e c i s a aprofundar e aguçar o seu próprio caráter, e habituar-se
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a penetrar sob as superfícies. Nenhuma inteligência que se recuse a submeter-se a esse processo de fortalecimento pode desincumbir-se da empreitada filosófica, ou seja, da busca daquilo que é. Exige-se u m a compreensão aguçada p a r a eliminar tudo quanto não é verdadeira, todas as ilusões e dissipar todos os mal-entendidos. Ademais, essa necessidade ficará patente quando, n u m volume posterior, fizermos o estudo do significado do sono e do sonho. O ideal derradeiro é u m a inteligência tão afiada como u m a lâmina de Toledo, de modo que o seu gume possa realmente rasgar as ilusões e fantasias, os sentimentos e superstições. As ideias mais caras e alegres talvez tenham que desaparecer, quando dissecadas por u m a lâmina tão cortante, pois se verá à medida que o estudo progredir que a quase totalidade dos homens abriga u m a quantidade de ilusões apenas porque a movimentação d a sua inteligência é defeituosa e lenta, e porque a s u a lâmina intelectual não tem fio. Isenção Intima. Quando a mente estiver convenientemente afiada maior será a sua predisposição p a r a desenvolver a quarta característica. Trata-se de u m a firme atitude de isenção íntima tanto e m relação aos episódios desagradáveis quanto e m relação às coisas agradáveis que constituem o nadir e o zénite do viver mundano. Qualquer que seja a desgraça trazida pela roda da fortuna à vida do estudante, este deve cultivar u m a indiferença oculta, e, qualquer que seja as alegrias ou os desejos da hora presente, deve conservar u m desapego suficiente para deixá-los de lado, caso isso se torne necessário. Se o estudante desejar assegurar-se u m a perspectiva filosófica, precisa manter-se nessa posição de indiferença, porque as suas vinculações geram u m favoritismo mental, impedindoo destarte de conseguir u m a atitude imparcial ao pesar provas, dar seguimento a investigações ou proferir julgamentos. Ademais, t a l qualificação é necessária para que o estudante não corra o risco de ser desviado da sua busca por engodos passageiros. Pois, se ele estivesse preso à experiência ordinária do mundo a ponto de considerá-la como a única coisa importante, não haveria sequer razão para encetar essa busca filosófica. Uma inteligência não estupidificada pelas convenções sociais, pelo status pessoal, pela ambição desmedida, pelo hedonismo hílare ou pelos desejos insatisfeitos, não pode furtar-se a perceber que a vida neste nosso globo é u m cambiante fluxo de acontecimentos favoráveis e desfavoráveis aos quais ninguém pode escapar. E , se essa mesma inteligência for bastante aguçada, perceberá também que tudo, d a i n clusive, é perecível, tudo é evanescente. Todos os atrativos mundanos, todos os bens terrenos, todas as relações humanas, todos os prazeres sensuais bem como os seus objetos podem morrer ou desaparecer amanhã. Por isso exige-se do estudante de filosofia uma atitude corr e i a face a esse encanto enganoso: nem u m cego enfamamento nem u m a repulsa total. Deve ele atribuir o devido valor a esse instável panorama dos dias que passam, se é que não pretende iludir-se a s i
icsmo. AO constatar que t u ao 6 r e l a t i v o e q u e as pessoas são provisórias, compreenderá que no máximo lhe poderão p r o p o r c i o n a r u m a felicidade relativa e provisória. E l e t e m de c o m p r e e n d e r que é pouco seguro considerar aquilo que é passageiro c o m o o f i m e a essência de toda a sua encarnação. Deve, p o r i s s o , t e r seriedade s u f i c i e n t e p a r a usar s u a inteligência no sentido i n c o m u m d a p r o c u r a de algo que não morra e não desapareça. S e t a l coisa pode o u não s e r e n c o n t r a d a , isso já é outro problema, m a s a b u s c a filosófica é n o sentido de u m a realidade duradoura e u m a verdade absoluta que t r a n s c e n d e a s i m p l e s opinião humana. Mas não apenas se r e q u e r inteligência p a r a perceber tudo isto, como também coragem p a r a reconhecê-lo. S e f o r dado ao estudante chegar até a q u i ( o que acontece c o m p o u c o s ) , ele estará preparado p a r a adotar a atitude p r e c o n i z a d a : u m a c e r t a isenção estóica das flutuações do destino i n d i v i d u a l e u m a ascética equanimidade com relação ao prazer. Há, contudo, outras inteligências que talvez não s e j a m suficientemente argutas p a r a perceber a necessidade de u m a t a l a t i t u d e e a i n d a assim chegarão a ela, como resultante de d e t e r m i n a d a s experiências pelas quais terão passado. Nelas essa atitude surge e m decorrência de grandes sofrimentos, perdas amargas, choques súbitos, esforços m a l sucedidos ou perigos exagerados. T a i s pessoas são amiúde r i c a s e m experiências terrenas. Quando elas se c a n s a m de c o r t e j a r o i n c i d e n t a l em detrimento do f u n d a m e n t a l ; quando se c a n s a m de t a t e a r n a s épocas de escuridão e n a m o r i c a r n a s m a i s l u m i n o s a s , inconscientemente formam as características filosóficas por s i m e s m a s . O s sofrimentos que nos corações femininos provocam os homens indelicados o u infiéis, tanto quanto a sombria vacuidade que a s m u l h e r e s volúveis trazem aos corações dos homens enfeitiçados, podem, e v e n t u a l m e n t e , fazer com que surja essa qualificação. O sofrimento intenso i n j e t a no sangue humano u m a certa indiferença c o m relação à v i d a . As aflições e sofrimentos generalizados q u e de f o r m a tão grave atingiram o nosso século foram responsáveis p o r u m a c e r t a iniciação a t a l atitude. Quando os indivíduos, apercebem-se de que a existência dos seus bens materiais, propriedades e pessoas c o r r e r i s c o , e pode desaparecer de u m momento p a r a o u t r o ; quando e x p e r i m e n t a r a m a angustiante sensação de perder a s u a riqueza o u a presença de parentes amados, eles tendem a perder u m pouco d a s u a vinculação m u n d a n a . Percebem como a v i d a é transitória e instável, e os dias de caos terrív e l e insegurança contínua tornam-se menos atraentes aos seus olhos. Por essa fornia a dor gera a compreensão. C a d a lágrima converte-se n u m mestre. Facilmente poderia a natureza dessa qualidade s e r incompreendida por aqueles que j a m a i s a s e n t i r a m o u j a m a i s a v i r a m e m ação ou, tendo visto a sua manifestação teórica, entenderam-na p o r aquilo que não é. E l a não i m p l i c a n u m a fuga ascética à v i d a h u m a n a n e m n u m repúdio da atividade pessoal, n e m mesmo n u m alheamento dos pra-
zeres comuns, m a s algo bem diferente. U m simples aborrecimento temporário devido a u m a aflição passageira não basta. Exige-se algo m a i s profundo: u m verdadeiro romper de invisíveis grilhões. N a verdade aquele que possui esta qualidade poderá exteriormente participar da m e s m a r o t i n a de obrigações de família, trabalho e diversão, como qualquer mortal, mas no fundo dará o devido valor às coisas, reconhecendo-as como transitórias e sem duração. E s t a característica não precisa necessariamente divorciá-lo da v i d a prática e i n d i v i d u a l — ele continuará a c u m p r i r à risca todas as suas exigências e suas relações externas poderão continuar a existir como antes — m a s ele formará delas u m a apreciação algo diferente da habitual. O indivíduo poderá agir da mesma forma que os demais, mas não se perderá n a sua ação. E l e poderá apreciar as delícias de u m ambiente confortável e poderá saber desfrutá-las melhor do que qualquer u m . Não obstante, todas as suas esperanças de felicidade não estarão subordinadas a essa base, pois a transitoriedade das coisas é algo perfeitamente claro p a r a ele. Nesse sentido pode-se dizer apenas que ele se abstém mentalmente. Tampouco significa esta característica u m enfraquecimento das c a pacidades mundanas. S u a interpretação correta se fará quando for enfatizado o fundo e não a superfície da mente. O homem se manterá tão firme e pragmático nos seus assuntos cotidianos como qualquer empresário, m a s o dever será maior motivação p a r a ele do que o desejo. Se não houver lugar aqui p a r a u m otimismo fácil acerca da vida, não haverá também para u m sombrio pessimismo. O objetivo é demasiado grandioso p a r a tanto. A pessoa comum poderá mascarar seu profundo desaponto atrás de u m sorriso polido o u de u m cinismo pungente, m a s o filósofo dispensa t a l máscara, e, mesmo que tenha u m objetivo muito sério n a vida, sabe que pode ser responsável sem ser solene. E l e poderá até gostar de rir. E sempre desejará que j a m a i s chegue o d i a e m que terá de rir-se de s i mesmo. Mas, se t a l desgraça lhe sobreviesse, sendo u m verdadeiro filósofo, ele não pediria senão u m favor as seus amigos: envolvê-lo n u m a branca mortalha e despachá-lo celeremente p a r a o crematório mais próximo I Pois preferiria não afligir o mundo com alguém que se tivesse e m conta tão alta a ponto de esquecer que o seu presente nascimento não é senão u m n u m milhão, e que desse tão pouco valor à realidade a ponto de não poder v i v e r a sua v i d a externa com a mesma alegria da criança que roda o seu pião. E se, n a s u a busca da verdade através da força do raciocínio, matasse o que de poético havia em sua alma, pusesse a perde todas as mais refinadas nuanças de sentimento que lhe haviam prapf ciado as belas artes e a Natureza, ele estaria liquidado. S e t a l busca o fizesse chegar ao ponto em que a floresta se transforma tão-somente n u m a coleção de umas tantas m i l árvores, carente de paz suave e de beleza clássica, ele estaria liquidado. Se não fosse capaz de fazer u m
pausa todos os fins de tarde e m seus quefazeres p a r a a p r e c i a r a s encantadoras tonalidades do pôr do S o l , ele e s t a r i a i g u a l m e n t e l i q u i d a d o . 0 gosto da apreciação rigorosa p e l a mente lógica não p r e c i s a obrigatoriamente desbancar o gosto do e n c a n t a m e n t o p e l o coração; n a v i d a há espaço mais do que suficiente p a r a a m b a s a s c o i s a s . Assim sendo, é possível e preferível que o d i s c e r n i m e n t o filosófico responsável pela isenção esteja lado a lado c o m o p l e n o d e s e n v o l v i m e n to da cultura e d a atividade h u m a n a . A p e r d a do s e n t i m e n t o e u m a n seio desfigurado de v i v e r são menos desejáveis do q u e o c u l t i v o de u m profundo sentimento de isenção e m meio àqueles m o m e n t o s de sentimento e desejo. Concentração,
Calma
e Devaneio.
A
necessidade
de
assegurar-se
a quinta característica jà foi m e n c i o n a d a e m capítulo a n t e r i o r . Consiste t a l característica n a capacidade de p r a t i c a r a técnica d a m e d i tação. Os aspectos gerais dessa técnica já f o r a m a m p l a m e n t e abordados em outras obras do autor, e a q u i bastará a s s i n a l a r apenas três pontos que o praticante precisará enfatizar, p a r t i c u l a r m e n t e se e s t i v e r empenhado n a b u s c a filosófica também. Não há n e n h u m a preocupação c o m as demais consequências d a ioga. N a v e r d a d e , a s experiências ocultas, as visões extraordinárias e outros acontecimentos anormais semelhantes servirão apenas p a r a estorvar os progressos nos domínios d a filosofia, se a pessoa lhes d i s p e n s a r u m a atenção i n d e v i d a . T a i s coisas não têm a q u i n e n h u m a importância, p o r m a i s encorajadoras que possam s e r no caminho do m i s t i c i s m o . O p r i m e i r o desses pontos é o poder de regular os pensamentos e d o m i n a r a atenção e a seguir concentrar-se totalmente e m qualquer direção desejada. A mente possui u m a tendência n a t u r a l p a r a correr e m todas as direções e s a l t a r de u m assunto p a r a outro, e m função d a pressão d a s fixações emocionais, d a ambiência física ou das imperfeições c u l t u r a i s . T a l tendência pode ser detida e corrigida pela d i s c i p l i n a psicológica d a meditação. O poder de deixar-se absorver i n t e i r a m e n t e pelo a s s u n t o e m pauta pode ser então desenvolvido. E s s a concentração s i g n i f i c a u m a atenção extrema p a r a o tópico e m consideração, j a m a i s p e r m i t i n d o que resvale p a r a a preguiça ou p a r a a fadiga. A mente deve deslocar-se tão-somente p a r a onde a vontade ordenar. M u i t a c o i s a se pode conseguir através desse simples poder de concentração. T r a t a - s e de u m a força constante que, dirigida c o n t r a qualquer objetivo o u obstáculo, vence toda e qualquer resistência. O raio de acetileno — que funde o mais duro metal — é u m bom exemplo de concentração física. Analogamente, a faculdade de f i x a r e reter a atenção à vontade a j u d a , e m última instância, a a b r i r caminho através dos m a i s difíceis problemas intelectuais. O segundo fator de importância filosófica a se p r o c u r a r n a discip l i n a mística é o equilíbrio — u m a disposição m e n t a l c a l m a , f i r m e e uniforme capaz de aparar todos os choques. Quando as paixões ferv e m no íntimo de u m homem, quando a i r a se* incendeia c o m dema-
siada frequência ou quando o desejo ameaça submergi-lo, esse homem torna-se u m desequilibrado. E quando poderosos complexos emocionais e n t r a m em choque com a razão, quando os problemas domésticos ou profissionais absorvem inapelavelmente a sua atenção, ou quando o temperamento é instável ou vacilante, os conflitos mentais surgem inapelavelmente p a r a perturbar o homem. E m todas essas situações é possível conseguir a fixação da mente através da prática da meditação. C o m a s u a ajuda u m melhor equilíbrio entre sentimentos e pensamentos, entre pensamentos e pensamentos, entre paixão e razão, pode ser aos poucos desenvolvido e periodicamente obtido. O equilíbrio permanente, contudo, só pode ser conseguido terminando-se u m curso de disciplina filosófica. Não obstante, a meditação nas mãos de u m praticante razoavelmente adiantado poderá em pouco tempo suprimir da mente a violência e a agitação, bem como pacificar os conflitos. Os sentimentos exasperados poderão ser dominados, a força da i r a reduzida, e os desejos ardentes que desfiguram a vida poderão ser removidos recorrendo-se à disciplina da meditação. A medida acalma a mente, restaurando-lhe o equilíbrio e a uniformidade, ao menos a título provisório. Os iogues hindus denominam essa condição de resistência às paixões momentâneas de autocontrole nivelador. Preferiremos chamá-la de paz interior. O terceiro ponto a ser notado é o desenvolvimento do devaneio. É ele de profunda importância e do mais alto valor quando, nos estágios m a i s avançados, o estudante tenta colher os frutos derradeiros dos seus esforços filosóficos, vale dizer a realização da verdade derradeira. É isso que parece no constante esforço do místico cessar a atividade externa, afastar as distrações do meio ambiente, deter o funcionamento dos seus cinco sentidos e desenvolver u m a condição de completa introversão. E s t a última é aparentada com a profunda abstração e as disposições criativas notadas nas vidas de numerosos génios. E s s a interiorização contínua pode consumar-se até mesmo no transe, m a s o fator essencial é a capacidade de reorientar a atenção do mundo das coisas concretas no sentido dos pensamentos abstratos. Muitos comerciantes e industriais possuem u m a inteligência atilada e aguda m a s , ainda assim, são incapazes de se haver com as ideias abstratas, pois só conseguem f i x a r a atenção em objetos concretos. E s s a capacidade de u m a sutil introspeção é bastante rara. Torna-se agora conveniente explicar u m assunto relacionado com o m i s t i c i s m o e a ioga que não cabia n a explanação anterior e que irá fazer l u z sobre u m problema colocado no primeiro c a p i t u l a Todo filósofo precisa possuir essas três qualidades de concentração» calma e devaneio. Sob esses aspectos ele será como u m místico, *roas os místicos em s u a maioria não são filósofos. 0 misticismo poderá ser agora encarado como u m estágio disciplinador através do qual o futuro filósofo tem de passar, se achar, como ocorre com a maioria, que lhe faltam tais qualificações. A dificuldade de concentrar inteira-
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mente os pensamentos n a v i d a c o m u m , que é tão f a m i l i a r e pessoal, é assaz conhecida; o quanto não será m a i o r n a p e s q u i s a filosófica, que é tão remota e impessoal? A s dificuldades dessa p e s q u i s a logo cansam as mentes despreparadas, a menos q u e estas desenvolvam previamente a força p r o p i c i a d a p o r essa d i s c i p l i n a . E s e m a completa concentração que mobiliza a mente p a r a u m único f i m , e q u e . m a n tém à distância todos os pensamentos aleatórios, o s esforços no sentido de captar o significado dos problemas filosóficos o u no de chegar às soluções desejadas serão cerceados p e l a resistência. O s alentados exercícios de raciocínio a que o estudante de filosofia t e m de entregar-se requerem peremptoriamente a presença dessa qualidade. S u a mente deve estar a p t a a empreendê-los s e m p e r m i t i r - s e d e s v i a r dos seus objetivos e m razão de ideias exteriores o u de ambiências perturbadoras. Ademais, a serenidade d a paz m e n t a l é u m prelúdio essencial a u m a imperturbável investigação d a verdade. O h o m e m i n c a p a z de manter a s u a mente isenta de conflitos e ansiedades é também incapaz de manter s u a atenção i n i n t e r r u p t a m e n t e f i x a d a n o s assuntos filosóficos. A compostura exigida p a r a t a l reflexão pode s e r conseguida através da meditação e será de u t i l i d a d e p a r a e v i t a r as interferências emocionais, s u p r i m i r a s obstruções ideológicas e p e r m i t i r ao estudante abordar os seus estudos c o m u m a m e n t e m a i s c l a r a . F a t o sabido é que a excitação obscurece a inteligência, q u e é impossível f o r m a r u m juízo sensato e equilibrado estando a m e n t e c h e i a de i r a ; mas ambos desaparecem sob a influência t r a n q u i l i z a n t e d a ioga. Mesmo que u m homem possua u m a aguda inteligência, ele poderá comprometer o s e u valor filosófico se fizer u s o d e l a e m estado de i r a . A mente deve estar emocionalmente l i v r e p a r a o estudo. Quando algum sentimento de hostilidade p a r a c o m u m o u t r o h o m e m o u o ressentimento por alguma afronta feita à pessoa f e r v e m d e n t r o dela, ou quando há u m excessivo descontentamento, e l a se t o r n a distraída e, e m consequência, i n a p t a p a r a a reflexão p r o f u n d a .
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Posteriormente, no decurso desta b u s c a se tornará necessário desconsiderar o ingénuo relatório dos sentidos físicos e p e n e t r a r n u m a [região desconhecida p a r a eles. Trata-sfe de u m a t a r e f a difícil, pois o homem médio acredita estar a s u a mente e n c a r c e r a d a n o corpo e, inconscientemente, se embaraça c o m e s s a crença, a q u a l se demonstrará ser e r r a d a . 1 A realizar-se e s t a t a r e f a , i s t o só poderá s e r feito libertando p r i m e i r a m e n t e a mente d a s u a auto-reclusâo e tornando-a a s s i m flexível bastante p a r a e n c o n t r a r e s s a região. O s hábitos d a introspecção e d a abstração engendrados p e l a meditação demonstram-se a q u i pré-requisitos indispensáveis. E n a investigação do significado do sono o valor dessa e x t r e m a sutileza m e n t a l será também compreendido. Ademais, todo o raciocínio metafísico resultará bastante facilitado pelo recurso a u m a experiência prévia de meditação. E quando a mente for obrigada a deslocar-se r a p i d a m e n t e do m u n d o prático
para a consideração de princípios derradeiros c temas abstratos, a extrema capacidade de atenção do iogue poderá permitir-lhe captá-las com esforço muito menor. Ver-se-á a p a r t i r destas observações que a filosofia encara a ioga da concentração como u m treinamento psicológico de inestimável valor e recomenda-o a todos quantos desejam aprofundar-se no seu estudo. T a l ioga ajuda n a compreensão do mundo n a medida em que ajuda a modelar o instrumento mental com cujo auxílio se conseguirá essa compreensão. O místico que desenvolve o devaneio e a calma através da meditação e aí se detém, preso ao gozo da paz e do êxtase que estará sentindo, permanecerá ignorante da suprema verdade acerca da vida, embora tenha chegado além da maioria n a trilha do autoconhecimento. E l e poderá sentir-se feliz, mas não será sábio. Resumindo: a ioga do discernimento filosófico é a sequência inadiável da ioga da concentração mental. U m a é chamada a preparar o instrumento mental que terá de ser usado pela outra. Deve-se também repetir que apenas quando corretamente praticada a meditação poderá ser de utilidade para esta ou qualquer outra busca. Quando erradamente praticada ou levada ao exagero torna-se ela u m estorvo à atividade filosófica, ensejando novos males, estados de espírito e fantasias que não existiam anteriormente e que precisarão ser vencidos. A meditação deve ser prescrita dentro de certos limites. Quando as pessoas perdem de vista esses objetivos disciplinares e purificadores do misticismo e os ampliam ao ponto de exclui todas as demais coisas, elas não apenas fracassam n a supressão do seus complexos como também chegam a aumentá-los!
Discipline
a Emoção e Purifique
o Caráter. 0 sexto deste grupo
de atributos psicológicos que assinalam o estudante competente diricilmente agradará à maioria das pessoas. E m todos os estágios da pesquisa filosófica o estudante deve reprimir suas emoções e seus sentimentos sempre que estes entrem em conflito com a razão. Sempre que se analisou o processo psicológico, constatou-se que, particularmente no exame dos problemas complexos, bem como na apreciaçi das ideias rivais, a tendência das pessoas indisciplinadas a embaralha: u m raciocínio claro por meio de u m confuso emaranhado emocion era insopitável. V i a de regra, tais pessoas vêem o mundo e interpret a m as experiências da vida através dessa bruma. Cabe ao estudante desobstruir o caminho. A personalidade humana encerra em seu seio conglomerados de desejos antagónicos e impulsos contraditórios. E l a abriga paixões i n : tintivas c antigos anseios cujo caráter arraigado nem sempre é suspeitado enquanto os momentos críticos não o traz à baila. Todas e forças são tão poderosas que é acertado dizer que os homens v i mais do sentimento do que da razão, g A consequência é que pintam a maior parte dos seus pensamentos com desejos e anelos conscientes ou subconscientes, com temores irracionais e outros complexos emo205
cionais. Não raro colocam cadeias nos próprios pés n a f o r m a de indecorosos anelos pessoais que são essencialmente danosos aos seus interesses. O fluxo e refluxo desses sentimentos e i m p u l s o s empurra-as contra a sua vontade e torna difícil p a r a elas b a s e a r s u a atitude genérica face à v i d a e m fatos concretos o u n u m raciocínio correto. Poderemos ver mais claramente o sentido destas declarações observando a emoção sem controle operando e m c a m p o s m a i s amplos que o individual. Durante os tensos dias d a g u e r r a as paixões se disseminam entre as pessoas, atingindo não r a r o u m crescendo impressionante. U m a nação pode s e r então levada, como rês ao matadouro, a tomar decisões fatais aos seus reais interesses. D u r a n t e as eleições politicas multidões inteiras caem e m estado de excitação emocional e se tornam presa fácil p a r a os demagogos; e m tais ocasiões torna-se Óbvio que as inteligências f i c a m ofuscadas e o raciocínio lógico desaparece de cena. Os médicos ligados a manicômios s a b e m que quando a excitação emocional das multidões chega ao ponto de não poder ser controlada torna-se reconhecidamente igual aos sintomas d a insanidade. As rajadas emocionais mais fortes erigem u m a b a r r i c a d a c o n t r a a qual nada podem os ataques d a razão. A emoção não controlada p e l a razão é u m dos grandes traidores d a humanidade. D u a s emoções poderosas — o ódio e a cobiça — respondem e m conjunto por numerosos crimes n a história do mundo. As paixões criadas pelo sexo são responsáveis por terríveis distúrbios. Aqui está u m a das causas dos tradicionais vetos que a sociedade v e m colocando à l i v r e e p l e n a manifestação d a emoção no convívio humano decente. O estudante de filosofia e m p a r t i c u l a r não se pode d a r ao luxo dessas explosões emocionais. E l e sabe que quando o sentimento inunda a vida do homem, isto se faz e m detrimento d a s u a n a t u r e z a intelectual. E u m a vez que o principal instrumento de penetração no domínio da verdade não é senão a própria mente, devidamente aguçada, ele, mais cedo ou mais tarde, terá de chegar a u m a escolha definitiva entre o exercício constante da razão e d a contenção o u o abandono à emoção e à paixão. Mais do que os outros, deve ele precaver-se contra as ilusões fomentadas pelos sentimentos pessoais, c o n t r a a prevalência do entusiasmo contagioso sobre o julgamento sóbrio, c o n t r a o sacrifício do fato objetivo à imaginação acalorada o u c o n t r a as ilusões ocasionadas pelos sentimentos pessoais o u pelo desejo sexual. E l e não poderá, de forma alguma, descobrir a verdade, se não estiver disposto a p a r t i r de u m a posição fidedigna. Não é o prazer n e m a dor produzidos por u m a ideia ou acontecimento que irão d e t e r m i n a r o valor ou a veracidade dessa ideia ou acontecimento, pois tais emoções apenas revelam algo acerca do seu próprio caráter, mas nada cm a respeito da real natureza da ideia ou do acontecimento mente dito.
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absoluto propria-
Os sentimentos facilmente enredam a faculdade do raciocínio, impedindoo de funcionar com clareza. 0 elemento irracional na alma h u m a n a está sempre a procurar o sentimento de satisfação e sempre a evitar o de frustração, simplesmente porque u m produz prazer e outro dor. Os povos primitivos que não desenvolveram a sua capacidade de raciocínio fornecem u m a ilustração mais clara desse princípio que os indivíduos civilizados. E quem não sabe que os veredictos d a r a i v a são em sua maioria efémeros, ao passo que os da razão são sempre duradouros? As questões que n a filosofia se apresentam à consideração são amiúde tão sutilmente balanceadas que a emoção poderá perfeitamente impor o seu parecer arbitrário à voz fria da razão, impedindo, assim, o estudante de perceber a verdade real. E as dificuldades ficarão acentuadas porque os sentimentos humanos sabem como camuflar-se habilmente. Os desejos humanos, especialmente, são deveras competentes e m seduzir a razão. Poucas pessoas reconhecem os reais motivos p a r a as suas ações mais importantes. Há numerosas barreiras íntimas a t a l reconhecimento erigidas pela própria pessoa ou então puramente inatas. E numerosos complexos emocionais envolveram-nas e m suas ataduras que precisarão ser agora penosamente removidas a f i m de que a verdade possa ser vista. Não raro o conhecimento é distorcido de modo a atender às conveniências da pessoa. É possível, por hipótese, que u m estudante seja dotado de u m a inteligência aguda e desenvolvida e ainda assim a sua dependência aos desejos faça-o acreditar n a materialidade derradeira do mundo físico, quando todas as provas estiverem a indicar que essa derradeira natureza é essencialmente espiritual. E l e poderá também não gostar desta ou daquela pessoa, porém, com o objetivo de compreendê-la, deve estar preparado para impedir que esse sentimento perturbe a sua capacidade de julgamento. Caso contrário s u a percepção resultará anulada. O estudante gostar ou não de certos fatos ou de certas experiências nada t e m a v e r com a veracidade ou a realidade dessas coisas. Se ele teimar e m fazer dessas atrações ou repulsões o seu guia (como faz a m a i o r i a das pessoas), então jamais conseguirá descobrir a ver* dade ou a realidade. A superfície de u m lago só é capaz de refletir s e m distorção u m a imagem quando livre da ação do vento; a mente só pode investigar devidamente a verdade quando livre da ação dos sentimentos fortes. A racionalização do desejo é sempre agradável mas amiúde pouco proveitosa. A esperança d a filosofia está em obedecer à razão e não em frustrá-la obedecendo a desejos desordenados e excentricidades emocionais, Até mesmo a ambição desequilibrada e a vaidade indevida distorcerão o raciocínio e impedirão a aquisição de u m conhecimento exalo. Contudo, a i r a e o ódio são desencaminhadores confessos. Quando tne10?
freadas, todas essas emoções são enganosos i n v a s o r e s q u e não obstante alegam propalar a verdade. Daí, aqueles que i n s i s t e m e m negar a razão no interesse dos seus sentimentos t o r n a r e m - s e i n a p t o s p a r a esta busca, da mesma f o r m a pela q u a l aqueles q u e p r e f e r e m m a n t e r desvirtuada a s u a mentalidade, descontrolada a s u a paixão e irrefreada a sua repulsão i n s t i n t i v a j a m a i s chegarão a u m a v e r d a d e i r a compreensão do significado d a v i d a . Pois se entregarão a o esforço fútil e até mesmo impossível de acomodar a v e r d a d e n u m rijo leito de compulsões involuntárias e i n t e r n a s .
Chegamos assim à antiga sabedoria de que, se no reino dos homens a emoção i m p e r a momentaneamente, no final a razão deverá impor-se. E s t a s declarações não são agradáveis. É bem provável que venham a s e r incompreendidas. Portanto, pela segunda vez neste capítulo, faz-se necessária u m a advertência no sentido de que não se pede ao estudante que mate a emoção íntima e destrua os sentimentos mais calorosos; isto n a verdade é inteiramente impossível; pede-se apenas ao estudante que subordine aquelas coisas à razão e não permita que aflorem ao topo do seu ser, quando forem irracionais. E l e , com justa razão e proveito, poderá apelar para a emoção, quando esta se basear n a razão. S e u objetivo não deverá ser o de destruir os sentimentos, m a s o de orientá-los e controlá-los. A emoção é parte integrante da natureza do homem, sendo por isso indestrutível; é preciso que se lhe dê o devido lugar n a vida, mas à razão cumpre dirigir o seu curso sempre que ambas entrem e m choque. Não se deve sufocar nada que mereça s e r conservado, m a s tudo deve ser colocado na devida relação.
Apenas u m a fidelidade científica aos fatos, a l h e i a a todo e qualquer sentimento de ordem pessoal, l e v a i á o e s t u d a n t e a b o m êxito em suas pesquisas. Quando a faculdade do raciocínio está recamada de sentimentos grosseiros e preferências m e s q u i n h a s e l a logo se perverte inconscientemente. T o d a emoção torna-se p o t e n c i a l m e n t e perigosa quando avoca a s i o trabalho de o r i e n t a r a razão, ao invés de ser por esta orientada. A f i m de p e n s a r c o m v e r a c i d a d e , portanto, o neófito deve t e r a coragem de impor-se u m a r i g o r o s a a u t o d i s c i p l i n a . É esse o tremendo sacrifício que ele é c h a m a d o a f a z e r : u m a sagrada oferenda daquilo que ele deseja no sobranceiro a l t a r d a q u i l o que é. U m a manifestação de sentimento que se tende de f o r m a especial a colocar em perigo o estudante desavisado é u m e n t u s i a s m o injustificado. Trata-se de u m a estrela que amiúde b r i l h a c o m intensidade durante algum tempo, p a r a depois desaparecer no horizonte d a decepção. É sabido que os entusiastas n a v e g a m l i v r e m e n t e nos m a r e s dos fatos estabelecidos r u m o de u m f i r m a m e n t o m e r a m e n t e teórico; não raro falta-lhes discriminação e, sobretudo, isenção. P o r i s s o seus j u l gamentos são quase sempre distorcidos. O investigador deve, portanto, ter cuidado p a r a não se deixar a r r e b a t a r p o r q u a l q u e r espécie de en-
tusiasmo quando estiver analisando provas ou formando
juízos.
Ele
deverá estar sempre e m guarda quando n a presença e s c r i t a o u física do doutrinador acalorado, b e m como n a do fanático inflexível. Deverá recusar-se a qualquer pronunciamento a c e r c a de u m a s s u n t o que não haja investigado além das interpretações equívocas das preferências pessoais. Se não tomar esses cuidados irá decerto a b r i r a porta às fantasias ou permitir que u m raciocínio especioso v e n h a a enganá-lo. O novato e m filosofia deve dedicar-se s e r i a m e n t e à t a r e f a de impedir que tanto as aversões emocionais como as s i m p a t i a s emocionais o perturbem durante as suas horas de estudo. É p r e c i s o que ele liberte a sua mente das distorções herdadas, i n a t a s e a d q u i r i d a s . È preciso que impeça a s fantasias impossíveis e os a r r o u b o s visionários de transportá-lo p a r a fora de s i mesmo. T o d a s essas imaginações deverão ser trazidas p a r a análise ao plano d a mente e a l i s u b m e t i d a s ao escrutínio mais rigoroso e i m p a r c i a l . S e o novato não a d o t a r este processo e não se f u r t a r às ditas imaginações — c o i s a viável n o s p r i m e i r o s estágios — ele simplesmente estará retardando o m o m e n t o d a verdade.
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T a m p o u c o se deve subestimar o valor do entusiasmo convenientemente dirigido. E l e proporciona ao novato u m a preciosa força motriz e o defende dos críticos tendenciosos e da oposição irracional. Na verdade, todo sentimento é o elemento propulsor na personalidade" h u m a n a e, m a i s do que qualquer outra coisa, leva à ação* daí o espetáculo melancólico dos livrescos insensíveis que na prática são incapazes de fazer j u s aos seus nobres arrazoados. N o entanto, o estudante terá com certeza de dominar as estropiantes paixões d a i r a e apagar o pecado abismal do ódio, porqui apenas o hábito d a autocrítica irá conduzi-lo à verdade. E m todos ~~os conflitos é preciso que esta resolução fique bem evidenciada. r
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É preciso que ele se exija u m a completa candura. O fato de não desejar e n c a r a r u m problema não deverá ser motivo para desviara dele. N e m sempre lhe será possível dominar a onda de sentimento interiores n e m deter as compulsões irracionais, mas em tais ocasiõt compete-lhe, pelo mínimo, tentar compreendê-las e aquilatá-las pelí que são. A s s i m sendo, mesmo ao render-se a elas, o estudante nã< estará agindo às cegas. É u m enorme benefício para u m novato gar a t a l ponto. Seus desejos irão decerto arrefecer ante u m a análise aguda e a mente com isso se tornará mais calma. E do império dos sentimentos surgirá inevitavelmente o mais organizado e disciplinado império da conduta. O estudante começará a ser u m homem melhor e mais sál Não será surpresa constatar a esta altura das reflexões que a filosofia é u m a coisa mais masculina do que feminina (mais própria do sexo masculino do que do feminino), mais da maturidade Que dfl lescênciaT Geralmente, é mais fácil para os homens do que para H mulheres seguir este caminho, embora a Natureza forneça uma com-
freadas, todas essas emoções são enganosos invasores que não obstante alegam propalar a verdade. Daí, aqueles que i n s i s t e m c m negar a razão no interesse dos seus sentimentos tornarem-se inaptos p a r a esta busca, da mesma forma pela qual aqueles que p r e f e r e m m a n t e r desvirtuada a sua mentalidade, descontrolada a s u a paixão e irrefreada a sua repulsão instintiva j a m a i s chegarão a u m a v e r d a d e i r a compreensão do significado da vida. Pois se entregarão ao esforço fútil e até mesmo impossível de acomodar a verdade n u m r i j o leito de compulsões involuntárias e internas.
Chegamos a s s i m à antiga sabedoria de que, se no reino dos homens a emoção i m p e r a momentaneamente, no final a razão deverá impor-se. E s t a s declarações não são agradáveis. É bem provável que venham a ser incompreendidas. Portanto, pela segunda vez neste capítulo, faz-se necessária u m a advertência no sentido de que não se pede ao estudante que mate a emoção íntima e destrua os sentimentos mais calorosos; isto n a verdade é inteiramente impossível; pede-se apenas ao estudante que subordine aquelas coisas à razão e não permita que aflorem ao topo do seu ser, quando forem irracionais. E l e , com justa razão e proveito, poderá apelar p a r a a emoção, quando esta se basear n a razão. S e u objetivo não deverá ser o de destruir os sentimentos, m a s o de orientá-los e controlá-los. A emoção é parte integrante da natureza do homem, sendo por isso indestrutível; é preciso que se lhe dê o devido lugar n a vida, mas à razão cumpre dirigir o seu curso sempre que ambas entrem e m choque. Não se deve sufocar nada que mereça ser conservado, m a s tudo deve ser colocado na devida relação.
Apenas u m a fidelidade científica aos fatos, a l h e i a a todo e qualquer sentimento de ordem pessoal, levai á o estudante a b o m êxito em suas pesquisas. Quando a faculdade do raciocínio está recamada de sentimentos grosseiros e preferências m e s q u i n h a s e l a logo se perverte inconscientemente. T o d a emoção torna-se potencialmente perigosa quando avoca a s i o trabalho de orientar a razão, ao invés de ser por esta orientada. A f i m de pensar c o m veracidade, portanto, o neófito deve ter a coragem de impor-se u m a r i g o r o s a autodisciplina. É esse o tremendo sacrifício que ele é c h a m a d o a f a z e r : u m a sagrada oferenda daquilo que ele deseja no sobranceiro a l t a r daquilo que é. U m a manifestação de sentimento que se tende de f o r m a especial a colocar em perigo o estudante desavisado é u m e n t u s i a s m o injustificado. Trata-se de u m a estrela que amiúde b r i l h a c o m intensidade durante algum tempo, p a r a depois desaparecer no horizonte d a decepção. É sabido que os entusiastas navegam l i v r e m e n t e nos m a r e s dos fatos estabelecidos rumo de u m firmamento m e r a m e n t e teórico; não raro falta-lhes discriminação e, sobretudo, isenção. P o r isso seus j u l gamentos são quase sempre distorcidos. O investigador deve, portanto, ter cuidado para não se deixar a r r e b a t a r p o r q u a l q u e r espécie de entusiasmo quando
estiver
analisando
provas
ou formando
juízos.
Ele
deverá estar sempre em guarda quando n a presença e s c r i t a o u física do doutrinador acalorado, bem como n a do fanático inflexível. Deverá recusar-se a qualquer pronunciamento a c e r c a de u m assunto que não haja investigado além das interpretações equívocas das preferências pessoais. Se não tomar esses cuidados irá decerto a b r i r a porta às fantasias ou permitir que u m raciocínio especioso v e n h a a enganá-lo. O novato e m filosofia deve dedicar-se seriamente à t a r e f a de impedir que tanto as aversões emocionais como as s i m p a t i a s emocionais o perturbem durante as suas horas de estudo. É preciso que ele liberte a sua mente das distorções herdadas, inatas e adquiridas. É preciso que impeça as fantasias impossíveis e os arroubos visionários de transportá-lo p a r a fora de si mesmo. Todas essas imaginações deverão ser trazidas para análise ao plano d a mente e a l i submetidas ao escrutínio mais rigoroso e imparcial. Se o novato não adotar este processo e não se furtar às ditas imaginações — coisa viável nos p r i m e i r o s estágios — ele simplesmente estará retardando o momento da verdade.
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Tampouco se deve subestimar o valor do entusiasmo convenientemente dirigido. E l e proporciona ao novato u m a preciosa força motriz e o defende dos críticos tendenciosos e da oposição irracional. Na verdade, todo sentimento é o elemento propulsor na personalidade h u m a n a e, m a i s do que qualquer outra coisa, leva à ação* daí o espetáculo melancólico dos livrescos insensíveis que na prática são incapazes de fazer j u s aos seus nobres arrazoados. N o entanto, o estudante terá com certeza de dominar as estropiantes paixões d a i r a e apagar o pecado abismal do ódio, porque apenas o hábito d a autocrítica irá conduzi-lo à verdade. E m todos """os conflitos é preciso que esta resolução fique bem evidenciada. É preciso que ele se exija u m a completa candura. 0 fato de não f, desejar encarar u m problema não deverá ser motivo para desviar-sc • dele. N e m sempre lhe será possível dominar a onda de sentimentos interiores n e m deter as compulsões irracionais, mas em tais ocasiões compete-lhe, pelo mínimo, tentar compreendê-las e aquilatá-las pelo que são. A s s i m sendo, mesmo ao render-se a elas, o estudante não estará agindo às cegas. É u m enorme beneficio para u m novato che\ gar a t a l ponto. :
Seus desejos irão decerto arrefecer ante uma análise aguda e a mente com isso se tornará mais calma. E do império dos sentimentos surgirá inevitavelmente o mais organizado e disciplinado império da conduta. O estudante começará a ser u m homem melhor e mais sábio. Não será surpresa constatar a esta altura das reflexões que a filosofia é u m a coisa mais masculina do que feminina (mais própria do sexo masculino do que do feminino), mais da maturidade Que da adolescência. Geralmente, é mais fácil para os homens do que para as mulheres seguir este caminho, embora a Natureza forneça uma com-
nsação, tornando a t r i l h a do m i s t i c i s m o m a i s acessível às m u l h e r e s . As mulheres têm u m a inclinação n a t u r a l a p e r m i t i r q u e a razão ceda à emoção sentimental, anuviando c o m isso os céus d o pensamento. Por questões sociais, as mulheres ocidentais são m a i s i n t e l e c t u a l i z a d a s do que as suas irmãs do Oriente, m a s se a p e g a m m a i s fortemente ao egoismo. Daí, no que tange a esta b u s c a de v e r d a d e , não se saírem melhor. Contudo, permanecerá s e m p r e c o m o u m a x i o m a q u e u m a mulher excepcional conseguirá sempre libertar-se d e s s a f r a q u e z a , enfrentar os motivos inconscientes que a a s s e d i a m e r e c l a m a r à N a t u r e z a os seus mais elevados direitos. P o r f i m , c o n s t a t a m o s q u e a filosofia se presta melhor às pessoas de meia-idade do q u e aos j o v e n s . Os moços deixam-se comover m a i s r a p i d a m e n t e p e l a emoção e p e l a paixão do que os m a i s velhos, os quais, possuindo u m a m a i o r experiência n a disciplina d a v i d a , têm a cabeça m a i s t r a n q u i l a . Porém, u m a vez mais a magnífica l e i das compensações e n t r a a o p e r a r também aqui. Pois é privilégio dos jovens p i s a r novos c a m i n h o s do p e n s a m e n t o com u m a ousadia magnífica que f a l t a aos m a i s idosos. Abandone o Ego! De todas essas lutas surgirá p o r s i m e s m a a sétima e última característica, m a s o estudante deve entregar-se ao seu cultivo com plena consciência do que está fazendo e após a m p l a deliberação. Trata-se d a disposição de enfocar a v i d a através de u m a lente límpida e não através de u m a lente embaçada pelas predileções e preconcepções do ego. T a l v e z essa t a r e f a p r e l i m i n a r de desenvolver conscientemente t a l impessoalidade seja a m a i s difícil que se lhe apresenta. No entanto, dificilmente se poderá s o b r e s t i m a r a s u a importância. Todo o homem que nunca adotou a d i s c i p l i n a filosófica está inclinado a atribuir aos seus julgamentos u m v a l o r m u i t o m a i o r que o devido. V i a de regra, ele p r o c u r a t i r a r conclusões que v e n h a m de encontro aos seus mais caros preconceitos e c o n v e n h a m às suas tendências herdadas. È p a r a ele u m hábito não a c e i t a r n u m a discussão senão os fatos que se encaixam perfeitamente nos seus pontos de vista j a existentes. Por essa t o r m a , e não r a r o , v e m ele a r e c u s a r aquilo que mais urgentemente necessita, d a m e s m a m a n e i r a p e l a q u a l u m inválido poderá recusar-se a tomar u m medicamento de gosto amargo do qual necessita inadiavelmente, por preferir a l g u m a guloseima de" sabor adocicado."" Toda vez que u m homem insere o seu ego n u m raciocínio, este resulta desequilibrado e distorcido no que respeita o seu sentido da L verdade. Se ele se limitar a j u l g a r todo e qualquer fato pelos padrões da sua experiência prévia, impedirá com isso o surgimento de novos conhecimentos. Ao examinarmos as manifestações d a s u a mentalidade e m palavras e atos, sua atitude habitual (conquanto inconsciente) será e s t a : — Isto se encaixa dentro daquilo e m que eu creio; deve, portanto, ser verdade; este fato não contradiz aqueles fatos dos quais eu I tenho conhecimento; por isso, aceitá-lo-ei; esta crença é totalmente
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contrária às m i n h a s ; deve, portanto, ser errónea; este fato não me I i n t e r e s s a ; portanto não t e m valor n u m a discussão; aquela explicação / é de difícil compreensão p a r a mim, por isso ignoro-a em favor de uma o u t r a a q u a l compreendo e a q u a l deve, consequentemente, ser verdadeira ! Todos os que desejarem iniciar-se n a verdadeira filosofia devem começar por deixar de lado esses pontos de vista meramente egoístas. O que neles se evidencia é apenas orgulho e vaidade: cuida-se tão -somente de corroborar os próprios preconceitos e não de promover a Dusca d a v e r d a d e ; a l i o estudo 3 i i ÕEFIi fiíipre^ãs visa pjcclmiva mente a c o n f i r m a r conclusões prévias; o recurso ao mestre se faz não p a r a obter novos conhecimentos mas para ratificar antigas crenças. Mantendo o E u e m p r i m e i r a plana no seu pensamento, o indivíduo será inconscientemente atraído para numerosos e perigosos enganos. A s s i m p a t i a s e antipatias geradas por esses pontos de vista pessoais constituem empecilhos à descoberta daquilo que u m a ideia ou objeto realmente é. Amiúde fazem com que u m homem veja coisas que absolutamente não existem, m a s que, através de associações de ideias, ele i m a g i n a existir. F a t o patológico é que as várias formas de insanidade e perturbações mentais estão enraizadas no ego e que todas a s " obsessões e complexos estão igualmente vinculados ao eu. Aquele que j a m a i s adotou a disciplina filosófica amiúde se enam o r a de s i mesmo e a s u a disposição mental fica presa por todos os lados ao pronome E u . E s s e eu priva-o da verdade, bloqueando o seu acesso à percepção correta. Esse eu prejulga de forma inconsciente os argumentos e decide por antecipação as crenças, de modo que desaparece a garantia de se chegar às conclusões certas, restando apenas voltar, através das justificativas e racionalizações, ao ponto de vista mental inicial. E s s e eu é como u m a aranha apanhada n a sua própria teia. Quando tal egoísmo dita o padrão do raciocínio, a razão tem de permanecer à parte por impotente. Esse eu tranca a mente dentro de u m armário, perdendo assim as vantagens das novas ideias que de bom grado entrariam. Quando o ego se converte no centro dos estados obsessivos, nós nos deparamos com inteligências amesquinhadas pela intolerância religiosa ou toldadas pelas sinuosidades metafísicas ou embrutecidas pelo materialismo irreflexivo ou desequilibradas pelas crenças tradicionais e sobrecarregadas pelas crenças adquiridas — todas recusando-se cegamente a examinar aquilo que não é conhecido, que não é agradável, que não é sabido, repudiando tudo a priori. Tais inteligências aceitam de boa vontade aquilo que lhes agrada e repud i a m aquilo que lhes desagrada, inventando depois racionalizações para j u s t i f i c a r as suas preferências, mas em nenhum dos casos a pergunta: — Isto é verdade? — é investigada independentemente das suas predileções, nem é o resultado de tal investigação aceito, quer venha de encontro àquelas predileções quer não. 111
B e r t r a n d R u s s e l l assinalou alhures que: — o âmago do enfoque científico é a s u a recusa e m contemplar os próprios desejos, gostos e interesses como chave p a r a a compreensão do mundo.
Significa tudo isto que aqueles que professam as opiniões pessoais mais fortes são os mais difíceis de levar à verdade. T a i s pessoas precisariam absorver a lição de J e s u s : — Se não vos tornardes como as criancinhas, j a m a i s entrareis no reino do Céu. /
A humildade implicada neste dito t e m sido objeto de m u i t a incompreensão. Trata-se de u m a mentalidade inocente m a s não p u e r i l . Não se trata de u m a dócil submissão a pessoas malévolas ou de u m a ridícula sujeição a pessoas tolas. Trata-se de d e i x a r de p a r t e todos os preconceitos oriundos d a experiência e todas as preconcepções decorrentes do pensamento inicial até que, ao enfrentar o problema da verdade, não nos sintamos peados n e m perturbados por eles. Trata-se de chegar a u m a alienação total das inclinações pessoais e de fugir por completo à influência dos pensamentos do eu e do meu. Trata-se de deixar de usar como argumento as expressões: — E u penso a s s i m — ou — Ficarei com a m i n h a opinião — e de deixar de c r e r que aquilo que nós sabemos tem, necessariamente, de s e r verdadeiro. T a l argumento leva simplesmente a u m a opinião, e não à verdade. A s crenças pessoais podem ser falsas, o conhecimento aceito pode s e r fictício. £ preciso caminharmos com humildade nestes redutos filosóficos. Os mestres certos são reconhecidamente raros, m a s os discípulos certos também o sãol A filosofia é u m estudo puramente desinteressado e deve s e r abordada sem quaisquer restrições mentais prévias. M a s as predisposições estão amiúde tão arraigadas, e por conseguinte tão escondidas, que os estudantes nem sempre suspeitam, e menos a i n d a c o n s t a t a m , a s u a presença. Até mesmo alguns dos assim chamados filósofos são portadores de tuna determinação subconsciente de não a c e i t a r senão aquilo que contam ouvir e sob a influência dessa auto-sugestão p e r m i t e m que as suas inclinações sobreponham-se aos seus julgamentos e que a prepotência escravize a razão. Por isso o estudante compenetrado deve extirpar de forma consciente esses confortáveis subterfúgios atrás dos quais ocultam as insinceridades e as hipocrisias do raciocínio, suas fraquezas pessoais e seu egoísmo. N o decurso dos seus estudos, e sempre que a sua mente estiver empenhada e m algum problema, ele deverá pelejar por livrar-se d a pressão de todas as predileções de ordem pessoal. T a l desprendimento mental é r a r o e só poderá ser conseguido através de u m desenvolvimento intencional. Deve o estudante lembrar-se sempre que lhe cabe p r i m e i r o e n u n c i a r simplesmente e depois analisar com isenção u m caso sob todos os ângulos, antes de preferir u m julgamento. A verdade n a d a teme d a investigação plena, pelo contrário, é por ela fortalecida. S e descobrir então que está errado, o estudante deverá acolher de boa sombra a revelação e não esquivar-se a ela, por condoer-se das machucaduras d a vaidade ferida e da inesperada humilhação. E l e precisa de u m a completa elasticidade mental a fim de livrar-se da escravidão aos preconceitos e conseguir u m a integridade interior absoluta e u m a saúde m e n t a l genuína.
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Trata-se de u m a excelente declaração acerca da qualificação aqui exigida, d a impessoalidade de toda a investigação do conhecimento, do registro m e n t a l das coisas como elas são e não como se desejaria que fossem, d a colocação de cada problema n u m plano mental própria i
O estudante não deve nunca esquivar-se a u m problema. Não se deve f u r t a r a enfrentar seus próprios complexos. Não lhe resta senão encará-los resolutamente. E l e tem de, ao menos, ser sincero consigo próprio, tentando colocar-se a c i m a das preconcepções pessoais, pois somente a s s i m poderá v e r as coisas n a s u a exata perspectiva. | S u a afeição à verdade t e m de s e r tão sincera e incorruptível como era a de Sócrates. U m a firme objetividade intelectual ao invés de uma débil esperança emancipará a s u a mente da servidão ao ego e capacita-la-á a absorver a verdade sem oferecer resistência. A mente será assim alçada a u m a atmosfera de imparcialidade e impessoalidade e habituada a u m raciocínio ininterrupto de autonegação, que é o único a propiciar u m discernimento correto. E mesmo aqueles que consideram essa tarefa demasiado difícil n a vida cotidiana podem ao menos tentar objetivar temporariamente o seu ideal durante aqueles minutos ou i horas dedicados a tais estudos. Onde quer que a verdade conduza, para lá deverá i r o estudante. S e ele t r a i r a s u a percepção racionalista e se demonstrar u m traidor do s e u m a i s alto ideal ante as pressões violentas de preconcepções que e x i j a m u m rasteiro conformismo, ele se condenará à pena de permanecer perpetuamente cativo de u m a ignorância banal. E m r e s u m o : a b u s c a da verdade encetada pelo estudante principia pela dependência à autoridade, prossegue com o uso da lógica e depois d a razão, tem continuidade com o cultivo da intuição e da experiência mística, e c u l m i n a com o desenvolvimento da percepção ultramística. A filosofia mais elevada é tão sabiamente balanceada e tão lindamente integrada que não desdenha qualquer das formas de conhecimento, mas usa-as cada u m a no seu devido lugar. Daí, embora o nome filosofia tenha por vezes sido usado n a sua acepção académica referindo-se a u m sistema metafísico, o mais das vezes foi ele usad~ na s u a acepção m a i s antiga e verdadeira referindo-se à visão unificada que completa a metafísica com o misticismo e incorpora a re* ligião à ação. Deye-se
fazer aqui uma advertência indispensável: este livro nã
pretende fornecer instrução p a r a o preparo moral para a Busca, omissão é intencional, pois t a l instrução já foi ampla e livremen dada à humanidade por inúmeros professores de ética, escritores giosos, pregadores e profetas. E m b o r a não tenhamos desenvolvido a matéria porque muito já se escreveu a respeito em numerosos I h
. não deverá s e r s u b e s t i m a d a . P e l o con„ assim a sua ímportanw» d o c a n d i d a t o c o m o u m a das o Sunto deve ser < ^ n d o estudante t â n r í a
3k .
n A
gr^ t o
?
^ u m a vez q u e ele também p m i c a de filosofia deveria comp^en* „ m o s requisitos p u r i f i c a a meditação, é * J ^ e s t u d a n t e místico. S e os seus exercidores que são P / ? ^ dos perigos a l i envolvidos, ele cios de meditação devem ser P J * ^ , enobrecendo a s s i m deverá abster-se sempre a c P J c u l t i v a n d o s u a s v i r t u d e s , essas T s e u caráter, d o m i ^ P « » religiões, virtudes recomendadas pelos m e s
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CAPÍTULO V I
O C U L T O DAS PALAVRAS
Até a q u i vimos dando sequência a este estudo na suposição de que a s p a l a v r a s usadas, pertencendo ao cotidiano, têm sido bem compreendidas tanto pelo autor quanto pelo leitor. Mas a filosofia oculta, fiel à s u a determinação de não aceitar nada pacificamente, insurge-se agora contra essa complacência generalizada e exige que conheçamos c o m m a i o r precisão aquilo de que estamos falando. Na realidade, ela empresta enorme importância à análise da linguagem e à revelação do significado como fundamento essencial do raciocínio lógico que e n t r a n a s u a construção. Tampouco é o reconhecimento dessa necessidade de esclarecimento v e r b a l u m a peculiaridade asiática, embora somente a Asia haja cuidado de satisfazê-la até o seu extremo limite. U m ilustre professor da Universidade de Londres fez há pouco tempo a seguinte e surpreendente confissão: — Quando tomei sobre os ombros a tarefa de expressar min h a própria filosofia e m linguagem não-filosófica, constatei, não sem espanto, como era vaga a minha própria apreensão do real significado dos termos técnicos que de hábito emprego com grande precisão. A tentativa de descobrir-lhes o significado acabou sendo a p r i m e i r a disciplina filosófica que jamais me impus; disciplina essa que foi mais valiosa p a r a a compreensão da filosofia do que qualquer estudo dos textos clássicos. Quando u m famoso filósofo faz u m a descoberta tão desconcertante — que equivale a reconhecer que ele m a l sabia o que estava dizendo — nós devemos estar preparados para surpresas ainda maiores quando nos dispusermos a examinar a forma pela qual as pessoas comuns fazem uso d a linguagem. T a l exame forma uma parte essencial deste curso, já que não podemos fugir às palavras. Estas c o n s t i t u e m o meio de comunicação, de estudo, de raciocínio e de compreensão. São os instrumentos com que trabalhamos. Aquilo que será revelado neste capítulo bem poderá fazer os tímidos encherem-se de surpresa
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ou recuarem de medo. O estudante que s o b r e v i v e u às humilhações do capítulo anterior e se m o s t r a disposto a prosseguir pode agora preparar-se para ver mais alguns dos seus ídolos jogados p o r t e r r a . Aqui, porém, os projéteis visarão as p a l a v r a s ! Assim sendo, ficamos advertidos a t o m a r e m consideração a grande importância da expressão verbal. E s s a importância nos i n s t a a sermos realmente cuidadosos nesse reino d a linguagem e s c r i t a o u f a l a d a . Pois toda a mente se retrata n a p a l a v r a . Nossos processos de raciocínio são em grande parte pensionistas da linguagem. Somos incapazes de desenvolver o pensamento conceptual s e m o c o n c u r s o das p a l a v r a s . A maior parte do pensamento do homem, e m oposição à percepção, se faz mais à custa de palavras do que de imagens. A s p a l a v r a s dão forma ao pensamento e fornecem as ferramentas a s e r e m u s a d a s pela razão. E m última análise, a s p a l a v r a s não são senão e s c r a v a s do pensamento e, como todos os escravos, devem s e r m a n t i d a s n o devido lugar. Talvez tenhamos, por isso, de nos t o r n a r m a i s cuidadosos no uso que fazemos das palavras, m a s acabaremos t r i u n f a d o r e s embora os nossos vizinhos talvez s a i a m perdedores. Houve certa vez u m político do P a r t i d o T r a b a l h i s t a Inglês que e r a capaz de subir a u m a tribuna e discorrer c o m fluência e facilidade sobre qualquer tema. E l e matriculou-se n u m curso de dois anos no Ruskin College, onde os seus companheiros de p a r t i d o r e c e b i a m o equivalente a u m a instrução semi-acadêmica. A o s a i r , e r a u m h o m e m diferente. F a l a v a devagar e c o m hesitação. P o r quê? O aumento do patrimônio intelectual fizera-o perder a antiga segurança e convicção: em consequência, ele tornou-se m a i s cauteloso c o m as p a l a v r a s . 0 seguinte ponto a assinalar-se é evitar a tentação de n a aparência dizer muito e n a verdade dizer m u i t o pouco. Os homens amiúde mascaram a vacuidade das suas cabeças sob a enganosa abundância de uma floreada verbalização. S a n k a r a A c h a r y a , u m sábio h i n d u do século nono, comparava os prolixos letrados do seu tempo c o m homens perdidos numa floresta de extensas palavras. H a m l e t foi m u i t o eloquente n a sua resposta à indagação de Polónio a c e r c a do que estava lendo: — Palavras, palavras, palavras. O uso abusivo e papagaiado das p a l a v r a s o u apresa o pensamento ou emaranha-o n u m a sucessão de nós, que p r e c i s a m s e r desfeitos a fim de que se possa raciocinar com acerto; ou ainda gera u m a traiçoeira facilidade de leitura que transmite u m a ilusão de progresso no campo do conhecimento. Aqueles que confundem verbosidade com sabedoria e volume com verdade gostam de deleitar-se n u m pretensioso dédalo de palvras. mas aqueles que sabem quão enganosas são a sabedoria e a verdade tratam as palavras com m a i o r cuidado. Os f primeiros falam antes de pensar, fazendo e refazendo seus passos nu/ m a confusão interminável, ao passo que os últimos p e n s a m antes de k falar.
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Por outro lado, é igualmente perigoso para a compreensão falar demasiado pouco. Dois escolares lêem a palavra caneta. O primeiro, pobre, pensa de imediato n u m toco de madeira. O outro, rico, liga prontamente a p a l a v r a a u m objeto de ouro. O autor que escreveu a p a l a v r a não t i n h a e m mente nenhuma das duas coisas, pois se referia a u m a caneta metálica comum. Assim, declarações fragmentatárias e inconsequentes não podem levar à correta compreensão da experiência comunicada. A linguagem deve ser adequada ao significado, quando não o é, somos deixados a tatear n a escuridão mental ou ficamos então l i v r e s p a r a propor significados da nossa criação, os quais poderão ser inteiramente falsos. E r r o c o m u m é pensar que o significado da maioria das palavras é evidente por s i mesmo. 0 fato é que numerosas palavras têm diferentes nuanças de significado. A linguagem do incompleto é u m óbice à compreensão adequada. Diz-se com frequência, por exemplo, que u m a determinada providência, se transformada em lei, será u m estouro. Mas aquilo que constitui u m estouro p a r a u m a dada pessoa poderá ser o inverso p a r a outra. Se o assunto for fazer passar u m a ferrovia pelas terras de u m lavrador, a proposição poderá ser u m estouro para o público m a s u m inconveniente p a r a o lavrador. Analogamente, é perfeitamente inútil que alguém diga estar o mundo progredindo sem acrescentar m a i s nada. Os horrores que se desencadearam sobre a humanidade durante as duas principais guerras deste século indicam u m progresso técnico, m a s não evidenciam qualquer progresso moral por parte daqueles que perpetraram tais atos; bem pelo contrário. Torna-se, portanto, necessário particularizar a aplicação dessas expressões indefinidas. A menos que se amplie a declaração, tais expressões são inúteis do ponto de vista do investigador da verdade, por m a i s aproveitáveis que sejam n a produção de u m efeito de oratória ou de u m a sensação de deslumbramento entre u m a plateia irreflexiva. U m a p a l a v r a que é lida mas não é inteiramente compreendida, é u m a p a l a v r a morta. Se u m sentido totalmente inteligível não voar direto d a p a l a v r a falada ou escrita p a r a a mente, nós ficaremos sem proveito. Quanto mais devemos então aprender para dispensar uma cuidadosa atenção às palavras que usamos n u m estudo importante ou n u m a momentosa discussão? E s s a incerteza é a verdadeira causa da qual provém muita controvérsia desnecessária. Muita polémica intelectual em torno de fatos não passa n a verdade de u m a discussão do significado real de certas palavras, sem referência a coisas, tornando-se, destarte, uma disputa tão inócua como a de ser a parte convexa ou a côncava da c i n rência que forma o círculo. Quando nos deparamos com u m a linguagem ambígua, nós nos deparamos com gente traiçoeira, contra a qual devemos estar prevenidos. Altercações seculares continuam a arrastar-se e m razão desse defeito. Palavras nebulosas foram responsáveis por dores de cabeça de três m i l anos infligidas a atónitos meta-
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físicos. Como poderão duas pessoas esperar conseguir u m a perfeita compreensão mútua quando empregam dois pensamentos diferentes com relação à mesma palavra o u duas p a l a v r a s diferentes c o m relação à mesma coisa? Quantas discussões evitáveis, quantos debates desnecessários, surgiram em decorrrência dessa c a u s a o c u l t a ? Admitamos que alguém pronuncie a p a l a v r a homem d u r a n t e u m a discussão da qual participam cinco pessoas. A d m i t a m o s que a pessoa esteja pensando n u m monge h i n d u de corpo esguio, pele m o r e n a e crânio raspado. O que pode acontecer n a s mentes dos seus ouvintes? O primeiro forma a imagem mental de u m h o m e m e x t r e m a m e n t e alto, forte e corado. O segundo vê u m indivíduo b e m baixo, retaco e de tez pálida. O terceiro pensa n u m h o m e m de e s t a t u r a m e d i a n a e tez clara. 0 quarto imagina u m homem idoso e grisalho, ao passo que o quinto compõe o quadro de u m h o m e m j o v e m , de cabelos castanhos. Alguma destas cinco definições corresponde exatamente à i d e i a do orador? — Não. — Nenhuma das seis pessoas foi portanto, capaz de dar u m significado estabelecido p a r a u m a p a l a v r a c o r r i q u e i r a como homem. E s s a palavra aparentemente simples pode d a r azo a u m a pletora de definições diferentes. Quando os ouvintes reagem de forma tão disparatada à articulação de u m a p a l a v r a tão c o m u m , quando deixam de concordar unanimemente n u m caso tão s i m p l e s , torna-se c l a r o que numerosos significados contraditórios são criados o u encontrados por aqueles que ouvem as palavras, significados estes que j a m a i s passaram pelas cogitações daqueles que f a l a m . T a m p o u c o é inteiramente evitável a fuga a essas ambiguidades. Aqueles que f a r i a m a p a l a v r a homem representar sempre a m e s m a i d e i a t e r i a m i m e d i a t a m e n t e de limitá-la a u m único homem entre os milhões que h a b i t a m a T e r r a , deixando assim anónimos todos os d e m a i s ! O procedimento é deveras impraticável. P a r a os efeitos práticos d a v i d a c o t i d i a n a b a s t a geralmente usar qualquer definição aplicável d a p a l a v r a , m a s p a r a os efeitos mais elevados da reflexão rigorosa o hábito torna-se perigoso. 0 único método satisfatório é, portanto, exigir o u fornecer u m a descrição mais extensa do tipo de homem de que se está falando. E s t e é, porém, apenas u m exemplo de u m a desinteligência decorrente do uso incompleto de u m a única p a l a v r a . Sabendo-se que a mesma p a l a v r a traz diferentes imagens às mentes de diferentes pessoas, o que deverá acontecer quando várias p a l a v r a s de significado ambíguo são combinadas p a r a a formação de d i v e r s a s sentenças? Só se consegue u m a comunicação satisfatória quando u m conteúdo é comunicado e compreendido pelo leitor exatamente como o compreendeu o próprio autor. O serviço prestado por u m a p a l a v r a dependerá do significado que lhe é dado por aqueles que a u s a m . U m a p a l a v r a que não possui u m significado comum para todas as pessoas d e i x a de t e r u m v a l o r comum para todas as pessoas. Quando é u s a d a de f o r m a tão indefinida que pode ser empregada com relação a diversos conceitos men-
tais e l a se t o r n a u m chão perigoso de pisar. Quantas pessoas se empenham e m amargas controvérsias ou discutem em vão, apenas porque as m e s m a s p a l a v r a s significam coisas diferentes perante as mentes de pessoas diferentes! Se, portanto, escoimar a linguagem das suas c i l a d a s interpretativas e traduzir perfeitamente o significado de u m a mente p a r a o u t r a é muito mais difícil do que supõem as massas, como não deve ser mais difícil fazê-lo quando se procede a u m a investigação filosófica! Sócrates foi talvez o primeiro investigador semântico f o r a d a Asia. Possivelmente entendamos agora por que ele se d e u ao trabalho de i n q u i r i r professores e pedir definições de oradores. A s s i m sendo, n e m sempre é suficiente definir o significado de u m a p a l a v r a j amiúde necessitamos definir a aplicação precisa dessa p a l a v r a . E m se tratando de falar ou escrever, é possível que alguém a t r i b u a u m certo significado a u m a palavra, mas que outra pessoa entenda diferentemente a m e s m a palavra. Aquilo que parece riqueza a u m a pessoa desfavorecida parecerá pobreza ao dono de uma polp u d a conta bancária. N u m caso como esse torna-se necessário relac i o n a r a p a l a v r a riqueza c o m u m a determinada esfera, a fim de evidenciar o seu pleno significado. E m b o r a seja mais próprio das crianças que dos adultos f a l a r sem fazer u m a ideia nítida daquilo que se está dizendo, u m pouco de investigação poderá revelar que as pessoas, v i a de regra, movimentam-se m u n a b r u m a de vagos pensamentos e obscuras noções, apenas porque nunca se dão ao trabalho de aprofundar-se n a significação das suas palavras. Ademais, o significado v a r i a em função do homem que emprega a p a l a v r a . E s t e só percebe aquilo que a s u a experiência pretérita e a s u a capacidade a t u a l lhe permitem. Consequentemente, a mesma p a l a v r a poderá significar muito para u m homem e quase nada para outro. Não sejamos cegos a tais limitações da linguagem. Para o camponês pobre d a Itália a p a l a v r a América resumiu em certa época a visão de u m a t e r r a onde abundava a riqueza e para onde era desejável emigrar, a f i m de fazer fortuna rápida. A mesma palavra na mente de u m desempregado operário italiano vivendo em Chicago evoca agora u m significado inteiramente diferente: uma terra em que i m p e r a u m a l u t a desenfreada e impiedosa pela sobrevivência do mais forte e onde a pobreza é a i n d a mais dura do que na mãe-pátria. O significado derivado de u m a palavra nada é. Tudo aquilo que a sociedade o u o indivíduo decidir atribuir-lhe transformar-se-á em interpretação aceita. Apenas o uso importa. U m significado pode até mesmo v a r i a r de u m século p a r a outro ou de u m autor para outi U m léxico moderno dificilmente concordará com os significados necidos por u m já anacrónico. 0 pensamento tem, inevitavelmem de tornar-se capcioso quando for inconsequente no uso dos t e r m a t r i b u i n d o o r a u m o r a outro significado à mesma palavra. Não que pretenda que as p a l a v r a s permaneçam para sempre fixas no seu
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significado e n u n c a s e j a m u s a d a s a não s e r no m e s m o s e n t i d o . T a l desejo seria impossível de concretizar-se. Até m e s m o n e s t a n o s s a época, tão f a r t a e m dicionários, a i m p o s s i b i l i d a d e s e c o m p r o v a . A linguagem é u m fluxo contínuo. E l a s e a d a p t a e r e a d a p t a p a r a manter-se atualizada. Não é, n u n c a f o i e n e m será estática. Cresce por possuir características de modificação, expansão e p e r d a . É passível de nascer e deteriorar-se c o m o q u a l q u e r o u t r a f o r m a da atividade h u m a n a . M a s o q u e é desejável é q u e o s i g n i f i c a d o seja de início estabelecido c o m c l a r e z a através de u m a definição mútua e a seguir seja mantido sempre que se u s e u m a p a l a v r a desempenhando u m papel importante n a instrução o u n a discussão. P a r t i r do princípio de que já conhecemos o significado é o m e s m o que u s a r antolhos mentais. Não há palavras realmente e r r a d a s , c o m o também não a s há correias. O que existe é o b o m e o m a u uso das p a l a v r a s . A p a l a v r a será deficiente apenas se a compreendermos de u m a m a n e i r a deficiente. E para efeito de uso cotidiano, p a l a v r a a l g u m a é t o t a l m e n t e destituída de significado, pois a mente a t r i b u i u m significado a c a d a p a l a v r a ouvida ou falada. P o r isso, devemos s e p a r a r o significado pretendido de u m a p a l a v r a do seu significado aceito, a f i m de q u e a comunicação seja precisa. Mas é no uso filosófico que s u r g e m os grandes problemas e a l i nós nos deparamos c o m apenas a o u t r a escuridão onde o m u n d o externo só percebe claridade e b r i l h o . A Psicopatologia das Palavras. U m ato que j a m a i s se permitirá ao matemático é a inserção de favoritismos pessoais, inclinações emocionais ou interesses subjetivos tanto no uso como n a compreensão de u m sinal ou símbolo algébrico ou geométrico. O estudante deve aproveitar a valiosa lição desse especialista e aplicá-la ao t r a t o dos sinais e símbolos linguísticos, vale dizer, as p a l a v r a s . A s s i m é que numerosas pessoas manifestam-se dizendo: — E x c e l e n t e este chá! — quando seria mais correto confessar: — E s t e chá parece-me excelente. A diferença entre estas duas f o r m a s linguísticas poderá s e r pouco importante em se tratando apenas de chá, m a s será v i t a l quando se tratar da verdade filosófica, pois representará a diferença entre o fato objetivo e a projeção pessoal inconsciente do fato. N a verdade, n u merosas crenças populares erróneas são a consequência dessa linguagem estruturalmente defeituosa. Os fatores psicopatológicos despontam n a f a l a de toda a mente indisciplinada, quando esta se manifesta. Quando u m objeto ou u m acontecimento é desagradável a u m homem, este emprega u m termo de referência bem diferente daquele que u s a r i a se se t r a t a s s e de a l g u m a coisa ao seu gosto. Mas, u m a vez que e m ambos os casos seus sentimentos individuais — e não o objeto ou acontecimento propriamente dito — ditaram a adoção do termo escolhido, os termos empregados não podem constituir-se em indicadores rigorosos d a referência. Chega a ser perigoso admitir que conhecemos o significado de u m a pala-
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v r a apenas porque e l a desperta em nós fortes reações. Como deve então estar atento o investigador ao entrar no reino da linguagem! As pessoas a m o l d a m os significados aos seus desejos pessoais. Quando alguém consegue derrubar pela força u m governo, passa a chamar-se chefe do novo governo, ao tempo em que aos seus rivais r e s e r v a a qualificação de traidores. Durante a luta armada, porém, ele próprio m e r e c i a do regime anterior a designação de rebelde e traidor. S e e r a então u m traidor, não terá deixado de sê-lo agora, e, se não e r a , nesse caso o governo deposto estava fazendo u m uso totalmente incorreto de u m a palavra, ou, falando claro, estava propalando m e n t i r a s . E m consequência, u m traidor nunca é bem sucedido, pois, ganhando, d e i x a de ser u m traidor de fato e de direito. Apenas os derrotados l e v a m a pecha de traidores! E m ambos os casos a palavra representa u m a confusão de pensamento com desejo, assumindo um v a l o r puramente privativo. Nós costumamos colorir as palavras com emoções pessoais de agrado ou desagrado, faltando, assim, com o rigor. Os líderes trabalhistas são, não raro, rotulados de agitadores pelos empresários que não os vêem c o m bons olhos, e de burgueses conservadores pelos operários extremistas. A s s i m , se dermos ouvidos a ambas as partes e não tivermos ânimo p a r a fazer u m a análise crítica, acabaremos por constatar que líder trabalhista é algo que se pode definir simultaneamente como u m revolucionário e u m reacionário! Tais exemplos ress a l t a m o enorme valor da análise verbal, por permitir distinguir o fato p u r o d a opinião preconceituosa. Quando o propagandista religioso ou o político polemista usa uma expressão como ateu ou radical com u m ardor depreciativo suficiente p a r a t r a n s f o r m a r a própria palavra em veredicto antes mesmo que qualquer discussão racional seja possível, torna-se evidente que a ele não interessa chegar à verdade acerca dessas expressões, mas apenas despertar comoção e hipnotizar a audiência. Quando u m termo inocente é pronunciado em tom de desprezo ou de asco como se fosse u m epíteto abusivo, as massas mentalmente desavisadas raro se d têm p a r a e x a m i n a r como convém a ideia implicada, deixando-se, pel contrário, enredar pela sugestão psicológica. Palavras-chaves e slogans constituem recursos muito apreciados pelos políticos inescrupulosos, pelos demagogos baratos e pelos anunciantes sem ética que se preocupam mais com os lucros do que com a verdade. T a i s frases são usadas para desencadear na mente da maior i a emoções exageradas, falsas representações, meias verdades intencionais ou imagens distorcidas que prejudicam o bom julgamento. As pessoas repetem tais slogans na ilusão de que estão raciocinando. Por mais úteis que tais frases possam ser para os propagandistas, é selhável investigar com maior atenção o seu significado antes de tá-las, da mesma forma pela qual se deve examinar os floreados oratória objetivando encontrar-lhes a substância. m
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As concepções superficiais de t a l f o r m a se e n t r o s a r a m e m nossa linguagem que as mais verdadeiras só poderão desbancá-las vencendo uma enorme resistência. O h o m e m c o m u m , i r r e f l e x i v o e falastrão, recusa-se a se preocupar com o problema dos significados, de m a n e i r a que o filósofo tem de l u t a r sozinho. A linguagem — e s c o l h a de palavras e de estruturas de sentenças — pode a u x i l i a r o u e n t r a v a r sensivelmente a busca filosófica, e, por essa razão, o filósofo deve t o m a r m u i t o mais cuidado com ela do que as o u t r a s pessoas. O desleixo irresponsável do homem c o m u m é no filósofo u m a f a l t a imperdoável. Os êxitos da ciência moderna devem-se p r i n c i p a l m e n t e a que e l a lida em essência com fatos. O fracasso d a lógica e d a escolástica medievais deveu-se a que elas l i d a v a m e m essência c o m p a l a v r a s . O êxito da filosofia oculta n a solução do p r o b l e m a d a v e r d a d e deve-se em grande parte a que ela l i d a tanto c o m fatos c o m o c o m p a l a v r a s . A teologia o u escolástica medieval está c h e i a de n u m e r o s a s pseudoquestões, como, por exemplo, a de quantos a n j o s c a b e m n o fundo de uma agulha, apenas porque n u n c a se deu ao t r a b a l h o de a p u r a r o quanto realmente sabia. — Melhor é s e r ignorante do q u e teólogo e saber tantas inverdades — declarou u m h o m e m de negócios a m e r i c a n o que tinha s u a própria m a n e i r a de a d o r a r e soube c o m o m o r r e r c o m dignidade e elevação quando o Lusitânia foi posto a pique. Os perigos das construções metafóricas são m u i t o m a i s conhecidos que os das frases literais. Quando abordarmos o estudo d a mente descobriremos como a junção de u m a pequenina preposição c o m u m a figura anatómica de p a l a v r a é responsável por m u i t a c o i s a e r r a d a no nosso enfoque. Pois quando dizemos que u m pensamento está na nossa cabeça, inconscientemente situamos a mente n a c a i x a óssea do crânio. C o m isso damos-lhe u m a certa dimensão l i m i t a d a no espaço, sem j a m a i s haver investigado a exatidão dessa localização. Descobriremos, ao final da nossa busca, que ela não é e x a t a e que o u s o dessa perigosa metáfora espacial induz-nos a confusões e erros. Linguagem comum é linguagem descuidada. E l a tolera ilogicidades, ambiguidades, irrealidades, ilusões e enganos. A s p a l a v r a s , declarações e definições desempenham importante papel n a solução dos problemas filosóficos. A s s i m , o h o m e m c o m u m m u i t o j u s t a m e n t e se contenta em dizer: — Vejo u m a árvore. — E s t e tipo de declaração é perfeita p a r a o uso prático diário, m a s insuficiente p a r a a filosofia. O estudante tem de aprender a perguntar: — q u a l é o significado correto da declaração de que vejo u m a árvore? — Através dessa dissecação da palavra e da sentença obtém-se a inestimável vantagem de s e p a r a r o fato da asserção e a verdade da presunção. Trata-se de trazer à l u z do dia a perene luta entre o certo e o incerto. N a realidade, a p u r a r aquilo que sabemos e aquilo que não sabemos, m a s erroneamente acreditamos saber, é u m a grande conquistai De posse desse conhecimento o estudante poderá progredir; sem ele poderá estagnar ou pass a r anos inteiros caçando fantasmas. P o r essa f o r m a ele podará os
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pretensiosos conceitos a s s i m dizer.
do conhecimento hipotético, retalhandoos por
É possível que os homens encerrem inconscientemente toda a sua atitude face à v i d a em duas ou três palavras que de hábito pronunc i a m com displicência. O processo mental do indivíduo revcla-se tanto n a m a i s breve frase como n a mais longa sentença. Qual é a nossa reação 5 p a l a v r a sobrenatural'} A definição de u m clérigo será decerto piedosa, m a s de u m cético só se poderá esperar sarcasmo. Assim, a m e s m a p a l a v r a irá forçosamente dar margem a definições antagónicas. Qualquer que s e j a o significado que ambos os indivíduos associem arb i t r a r i a m e n t e à p a l a v r a , eles acreditarão estar dando uma definição, quando n a realidade não estão fazendo senão enunciar u m pensamento que corresponde ao seu conceito pessoal d a definição. Consequentemente, pensarão por engano estarem interpretando fatos, quando aquilo que estão interpretando não passa de imaginações, suas ou alheias, relativas a esses fatos. P o r último, a definição dada por u m homem depende da sua teor i a i n d i v i d u a l a c e r c a do universo. 0 significado torna-se uma criação da m e n t e ! A s s i m sendo, o elemento da preconcepção pessoal, contra o q u a l o estudante foi reiteradamente advertido, tenderá uma vez mais a intrometer-se nos lugares mais insuspeitados, até mesmo na compreensão e no uso que o homem faz dessas unidades de pensamento que se t o t a l i z a m n a linguagem. T o d a p a l a v r a tem portanto dois significados: o significado externo, que é o fato o u acontecimento objetivo n a experiência externa, e o significado interno, que é a ideia desse fato ou evento formada na mente. O fato propriamente dito e a sua declaração divergirão sempre, j a m a i s coincidindo. Qualquer que seja o significado atribuído a um termo, ele não poderá nunca corresponder à coisa que rotula. Pois significado é apenas u m a abstração preferencial — usando-se este termo no sentido técnico. Todos nós sabemos o que Napoleão disse aos seus soldados antes da B a t a l h a das Pirâmides, mas ninguém sabe ao certo a e x a t a tonalidade c o m que aquelas palavras foram proferidas nem a exata reação que provocaram em cada u m dos homens. * Por isso, seríamos m a i s rigorosos se confessássemos saber algo acerca da famosa exortação, m a s não sabermos — como jamais poderíamos saber — tudo a repeito do acontecimento. As p a l a v r a s nos dizem o que está na nossa imaginação, e não a coisa propriamente dita. E l a s traduzem uma definição nossa e não a p u r a realidade. Consequentemente, existe uma outra armadilha contra a qual convém prevenir os incautos. • £ impossível comprovar de maneira direta qualquer asserção acerca da experiência pessoal de u m indivíduo feita por ele próprio. Só podemos aceitar a verdade de tal asserção n u m a base analógica ou inferencial, vale dizer, indireta. Diga ele o que disser, a única coisa ao nosso alcance é imaginar a ideia concebida pela s u a mente. Portanto, quando nos convencemos de qut
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foi conseguida u m a compreensão direta e u m a d u p l a verificação, aquilo que realmente se conseguiu foi u m a imaginação i n d i v i d u a l . Quando usamos para u m objeto o mesmo nome que u s a m o u t r a s pessoas, amiúde cometemos o engano de pensar que nos referimos todos ao mesmo objeto. Mas objeto algum pode s e r idêntico e m todos os sentidos para todas as pessoas. A m o n t a n h a q u e e u v e j o não é a m e s m a que vê u m outro observador colocado n u m a posição diferente, por exemplo. Contudo, nós ambos a designamos p e l a m e s m a p a l a v r a ! Sejamos francos conosco mesmos e m tais casos e reconheçamos que amiúde elaboramos imagens mentais diferentes d a q u e l a s elaboradas por outras pessoas, ao passo que nós todos colocamos o m e s m o rótulo nessas entidades dessemelhantes. Um homem que h a j a recebido a notícia d a m o r t e de u m grande amigo poderá, se perguntado, explicar toda a s u a t r i s t e z a pelo acontecido. Mas o ouvinte poderá apenas c a p t a r p o r alto aquilo que está escutando e nunca aquilo que o outro está sentindo. E , como a força da expressão verbal do outro poderá s e r f r a c a , m e s m o essa compreensão aproximada poderá ser m a i s imperfeita do que e m outros casos. De qualquer forma, o ponto m a i s importante é que e x i s t e e deve e x i s t i r u m a lacuna entre aquilo que o h o m e m contristado diz e aquilo que realmente sente. T a l lacuna denota o fato de que o significado v e r b a l é necessariamente incompleto e imperfeito, isto é, i m p r e c i s o ! E m consequência, a p a l a v r a não pode e não r e p r e s e n t a toda a ideia. E l a nos diz algo acerca d a ideia, não p a s s a de u m excerto significado total, apenas isso. A sensação de enfatuamento que de hábito sentimos quando falamos é enganosa. Apenas e m p a r t e ela se ampara, e pode se amparar, n u m a comunicação eficaz. Será o significado da palavra mesa, por exemplo, a i m a g e m m e n t a l que se f o r m a n a mente de alguém quando a p a l a v r a é a r t i c u l a d a o u será a ideia daquele determinado objeto ao qual o ouvinte se senta p a r a comer? Se for este o caso estaremos diante do problema de que a imagem que se forma n a mente do ouvinte pode d i f e r i r enormemente d a mesa que está sendo pensada por aquele que profere a p a l a v r a . U m a poderá ser u m a mesa de três pernas e o u t r a poderá ser u m a m e s a de quatro pernas. As convenções linguísticas não merecem confiança. P r e c i s a m o s , evidentemente, i r além da simples p a l a v r a ou do seu s o m a f i m de chegar à precisão. Nós devemos ter presente a c l a r a relação existente entre o termo e a coisa propriamente dita. O h o m e m instruído dirá, agastado, que sabe perfeitamente aquilo que a s p a l a v r a s s i g n i f i c a m ; m a s n a realidade ele costuma confundir c o m frequência s e u domínio das regras da gramática e a amplidão do seu vocabulário c o m o conhecimento real que essa estrutura de linguagem representa. Pois p a l a v r a s não são coisas. É fácil confundir a p a l a v r a escrita c o m a coisa propriamente dita ou esquecer que a p a l a v r a falada não é senão u m a abstração da coisa que ela significa. Quando muito, u m a p a l a v r a
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transmitirá apenas u m a aproximação seletiva do pensamento ou da emoção, do acontecimento ou do fato que está na mente de quem fala. T a l erro pode transformar o mundo n u m óbice ao conhecimento adequado do objeto propriamente dito. O estudante de filosofia deve, portanto, ter o cuidado de separar a p a l a v r a do pensamento que ela representa e, por sua vez, o pensamento da p a l a v r a que representa. Só assim poderá perceber com precisão o v a l o r que a p a l a v r a tem para ele. Deve analisar as palavras e as estruturas das frases individuais, tornando a traduzi-las para referenciais preferivelmente factuais do que imaginados. Isto exige penetrar sob a superfície como faz o cirurgião com a sua lanceta. U m ponto tem de estar bem c l a r o : o próprio significado de u m a palavra pode s e r puramente verbal, isto é, tão-somente u m a coisa real. E se a s s i m for, haverá também a questão de saber quanto daquela coisa é simbolizado pela palavra. As sentenças descritivas nos contam algo acerca de u m a parte de u m objeto, mas não nos elucidam acerca do todo, pois são sempre necessariamente abstratas. Culpa não lhes cabe por isso, pois elas possuem, como todas as coisas, suas limitações e delas não se pode exigir milagres. Isto posto, porém, não é preciso que agravemos as coisas comportando-nos com displicência e descaso ao colocar n a m a t r i z linguística o conteúdo dos nossos pensamentos. Ê costume entre os leigos, quando pela primeira vez colocados diante desses problemas de significação, afastá-los por imerecedores dc u m a atenção especial e por demasiado triviais para uma consideração prolongada. E até mesmo estudantes professos da filosofia não raro se m o s t r a m altamente impacientes quando submetidos a essa inquirição daquilo que parece ser tão-só a linguagem do dia-a-dia. Para eles trata-se de u m a completa perda de tempo, quando não de uma tremenda maçada. A tarefa não lhes parece nem vantajosa nem interessante. Tampouco deixa entrever qualquer ligação com a busca d a verdade. Perguntam o que toda essa preocupação com simples pal a v r a s t e m a v e r c o m a filosofia. 0 assunto não deveria interessar apenas aos filólogos? A resposta é que a implicação plena desse estudo semântico só pode v i r c o m u m desenvolvimento mais cabal deste curso. Apenas quando esta pesquisa estiver bem adiantada poderá o estudante perceber por si mesmo por que se insistiu n a importância desta investigação, tendo em v i s t a o fato de que a maior parte das pessoas instruídas supõe compreender muito bem as palavras que de hábito emprega. Não obstante, ainda dentro deste capítulo se mostrará u m pouco da importância da presente investigação. O futuro filósofo que do ponto de vista psicológico se equipou para a s u a expedição encarará todo o campo da existência como território seu. E l e terá de p a r t i r p a r a a exploração da veracidade daquilo que lê e ouve nas camadas subsuperficiais, d a veracidade daquilo que diz e escreve, da veracidade do mundo e m torno, da veracidade daquilo
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que pensa e que os outros p e n s a m e d a v e r a c i d a d e do m u n d o interior, isto é, da mente. Mas é preciso que p a r t a de a l g u m l u g a r e será d a máxima conveniência p a r t i r do ponto m a i s próximo, o q u e s i g n i f i c a que deve começar pelas p a l a v r a s , pois todo o r e s t a n t e do s e u conhecimento terá de ser formulado e m p a l a v r a s . 0 candidato p r i n c i p i a portanto a s u a investigação pondo-se m e n t a l e linguisticamente tão a contragosto c o m o possível! Há que esconj u r a r fantasmas! Pois a m a i o r p a r t e dos h o m e n s , a totalidade talvez, tem entretido ténues espectros e lidado c o m t r a n s p a r e n t e s aparições n a ilusão de que se t r a t a de sólidas f i g u r a s de c a r n e e osso. E m s u m a , é preciso descobrir até onde o pensamento e x p r e s s o e m p a l a v r a s é mera tolice e até onde é comprovável e c o m p r o v a d o ; até o n d e é i n compreendido e até onde é corretamente i n t e r p r e t a d o . Q u a n t o m a i s seus significados se tornam claros p a r a o e s t u d a n t e t a n t o m a i s este se aproxima d a verdade. A não-ambiguidade é p o r t a n t o u m ingrediente essencial do bom vocabulário filosófico. O uso arbitrário das p a l a v r a s poderá muitas vezes ser de pouca importância n a e s f e r a d o s assuntos mundanos, m a s quando se t r a t a r d a recepção o u d a comunicação d a verdade será mister o máximo cuidado e m f i x a r o s e u e x a t o significado, excluindo a s s i m a possibilidade de q u a l q u e r incompreensão. C o m u m conjunto de termos b e m definidos c o n s t i t u i n d o u m a linguagem c o m u m entre o escritor e o leitor, a m b o s poderão a l m e j a r algum progresso. S e m t a l conjunto ambos poderão c a i r n a v e l h a esparrela de erigir toda u m a e s t r u t u r a filosófica c o m b a s e tão-só n a ambiguidade. Considerar essa dissecação v e r b a l c o m o p u r o p e d a n t i s m o é, portanto, u m grave erro.
Ela é parte
do equipamento
essencial
para
a
comprovação da verdade. Todo aquele que não d i s p e n s a r o tempo necessário a esse esforço preparatório está fadado a não p e n e t r a r n a antecâmara da filosofia. Quantos esperam furtar-se a esse e x a u s t i v o l a b o r e ainda assim colher os tardos frutos d a f i l o s o f i a ! M a l s a b e m eles que o domínio da análise v e r b a l lhes permitirá d e s m a s c a r a r posteriormente os argumentos tendenciosos e o s falsos p r e s s u p o s t o s , p r e p a r a n do destarte o terreno p a r a o s e u progresso r u m o d a v e r d a d e ! P o i s a s palavras desabrocham e m sentenças que, por s u a vez, g e r a m s i s t e m a s inteiros de asserções que constituem encadeamentos c o m p l e t o s de r a ciocínio. S e as próprias p a l a v r a s pressupõem a q u i l o que n a realidade é falso, quem poderá chegar à verdade m i s t u r a n d o p a l a v r a s c o m p a lavras? Se os homens i n s i s t i r e m n u m a atitude de indiferença p a r a c o m os problemas do significado ficarão inaptos p a r a prosseguir nos estudos filosóficos. Pois o efeito psicológico d a s u a obstinação é n a d a menos que o abandono da atividade de pensar e n a d a m a i s que u m a silenciosa pretensão de sapiência, a qual, n a verdade, i n e x i s t e no i n t e r i o r d a s suas cabeças. É como u m a súbita p a r a l i s i a da faculdade d o raciocínio. 0 resultado é u m a aceitação dos argumentos especiosos. Totai s
mente, se i m a g i n a que tais problemas são apenas fantasiosos e académicos, pertencendo aos domínios das inúteis discussões medievais, tal como o problema do número de anjos que cabem no fundo de uma agulha! N a d a m a i s errado. A solução desses problemas tem uma aplicação tanto prática como filosófica e u m valor deveras insuspeitado por quantos neles não ponderaram longamente. E s s a exigência de precisão filosófica no uso dos termos não é arbitrária. Trata-se, n a realidade, de u m a exigência da clareza, já que o progresso é obstado pelos conceitos falsos e enganosos. Trata-se de u m a exigência p a r a que examinemos as palavras com o fito de estabelecer u m a nítida distinção entre fato e falsidade, descobrir os vícios básicos no emprego das palavras e pôr a n u pressupostos injustificados o u inconscientes. Devemos, portanto, estar atentos às expressões inadv e r t i d a s e despidas de significado. Estranhas
Descobertas
Sobre
a Verdade,
Deus e o Espírito, /k filo-
sofia é a b u s c a total da verdade universal, do significado básico de toda a existência. À maior parte dos homens que se filia a u m determinado credo religioso, culto ou escola de pensamento adota a atitude de considerar tais doutrinas como a última palavra da sabedoria, atitude de hábito eivada de contradições^ A implicação inconsciente dessa atitude é e s t a : — Eu sei que isto é verdade. — Mas como lhes é possível ter certeza de que aquilo que sabem é verdadeiro, se não f i z e r a m previamente u m exame crítico e analítico das bases do seu conhecimento, se não fizeram u m estudo semelhante de todas as doutrinas comparativas e antagónicas, e, a c i m a de tudo, se ainda não f i z e r a m u m esforço no sentido de determinar o exato significado da verdade? N a d a melhor p a r a conseguir u m a visão da aplicação filosófica dos princípios o r a estabelecidos do que começarmos a examinar os significados atribuídos a essa palavra verdade por alguns dos nossos contemporâneos. Será conveniente nos darmos ao trabalho de apurar aquilo que os eruditos têm a dizer acerca d a verdade. N u m dicionário comum encontramo-la definida c o m o : — u m a declaração r e a l ; u m a representação a c u r a d a ; u m a explicação real. — Quando recorremos aos filosofe p a r a verificar-lhes a definição, deparamos com u m a interessante variedade de teorias e opiniões sobre a verdade! Diz a escola Pragmática, com W i l l i a m J a m e s , que — verdadeiro é tudo aquilo que se demonstra bom e m matéria de crença. — Os defensores da teoria da Correspondência a f i r m a m q u e : — verdade é aquilo que está concorde com os fatos e corresponde a u m a situação real. — Os protagonistas da teoria da Coerência a f i r m a m que verdade é coerência. Outros dizem que a p a l a v r a verdade é passível de quatro outras interpretações; em primeiro lugar pode ser considerada como algo que não é contestado. E m segundo, pode ser tomada como u m a indicação da realidade factual; e m terceiro, pode ser considerada como u m a simples asserção acerca da realidade f a c t u a l ; por f i m , pode ser a indicação da corre ta relação
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existente entre duas coisas, duas pessoas 3 + 2 = 5.
o u duas u n i d a d e s como
Podemos perceber nesse amontoado de definições m u t u a m e n t e contrárias que a p a l a v r a é tão versátil que a rigor não é senão u m estranho jargão e que a crença generalizada de que todos conhecem o seu significado é errónea. A s diferenças n a conotação são demasiado grandes p a r a fazer sentido. Contudo o m u n d o u s a l e v i a n a m e n t e essa palavra verdade e j u l g a possuir j u s t a compreensão do s e u significado. Claro que o mundo se engana. O h o m e m c o m u m é logo v i t i m a d o pela sedutora simplicidade dessa breve p a l a v r a e não s u s p e i t a j a m a i s que se trata do ponto de p a r t i d a d a compreensão filosófica. P a r a ele trata-se, no entanto, d a m e t a f i n a l ! A coisa mais difícil do m u n d o é chegar à v e r d a d e , a m a i s fácil é chegar a u m simulacro d a verdade. P o r isso, todo h o m e m imagina conhecer a verdade. No dicionário filosófico a p a l a v r a d e v e r i a merecer o lugar mais importante, t a l como acontece n o s m e l h o r e s textos da Índia, mas o Ocidente foi incapaz de e n c o n t r a r u m a definição f i x a a gosto de todos os seus pensadores. D e modo geral não se cuidou do problema de definir a verdade, e m b o r a s e j a do domínio de todos a importância do princípio geral de definir o s t e r m o s . M a s a crença comum é a de que a natureza d a verdade d e r r a d e i r a não pode ser determinada e, portanto, é inútil tentar definir o incognoscível. M Porém, se a filosofia pretende l e v a r a cabo os seus objetivos de a p u r a r o significado do Todo, isto é, a verdade do Todo, que m a i s espera os seus escritores e leitores senão u m mergulho n a o b s c u r i d a d e quando a sua palavra m a i s importante escapa a qualquer definição inconteste? Aqueles raros, no entanto, que f i z e r a m a t e n t a t i v a de defini-la oferecem explicações tão desabridamente diferentes que se t o r n a patente estar e m oferecendo meras opiniões sob a elaborada f a c h a d a d a linguística. Todas as definições correntes têm as suas falhas e p o d e m s e r pulverizadas por u m a mente atilada. Chegamos com isso à surpreendente posição de que o significado das palavras mais importantes usadas n a b u s c a d a v e r d a d e não é fixo mas apenas relativo à interpretação de c a d a u m . T a l descoberta ajuda contudo a explicar por que B u d a conservou-se e m silêncio quando alguém o interpelou a respeito d a n a t u r e z a do N i r v a n a e p o r que Jesus se manteve igualmente calado quando P i l a t o s lhe perguntou sobre a natureza d a verdade. Qualquer resposta fornecida p o r u m deles encerraria, inevitavelmente, alguma coisa i m a g i n a d a , e m consequência, alguma coisa diferente n a s mentes do interrogador e do interrogado. Mas a explicação completa desses misteriosos silêncios cabe à parte mais adiantada deste curso. Talvez se pergunte onde está a importância de se chegar a u m a definição universalmente aceitável e inteiramente irretorquível d a natureza d a verdade antes de se chegar à verdade p r o p r i a m e n t e d i t a . A resposta é que nós somos como exploradores n u m continente desco-
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precisamos de ui ra nos orientar os passos, u m homem de carne e osso ou u m a bússola mecânica. U m a definição fidedigna de verdade f i x a r i a u m rumo certo p a r a os esforços dos pensadores, mostrando-lhes o caminho a ser seguido para a s u a consecução. S e r i a como a agulha magnética que adverte quando se está perdendo o caminho ou cometendo u m erro e que incentiva e encoraja quando se está no caminho certo. S e r i a como u m a estrela polar no céu mental fulgindo perpetuamente p a r a que não se perca tempo em infrutíferas especulações n e m e m teorizações complicadas. E não é tudo. E s s a definição evitaria que as pessoas se iludissem aceitando u m a verdade apenas por ela lhes saber agradavelmente. E v i t a r i a que tomassem a sua própria imaginação — bem como a imaginação alheia — acerca d a verdade como sendo a própria verdade. Propiciaria u m a segura perspectiva final que não é dada àqueles que não sabem se aquilo que sabem é verdade ou não e que, por isso, estão sempre propensos a mudar de opinião. Pode-se oferecer agora mais u m aspecto do valor filosófico de u m a vigorosa análise verbal. Quantos homens se apavoram ante u m a pal a v r a imponente como Deus, ficando com isso impedidos de fazer u m a tranquila verificação e u m a análise imparcial de todas as suas i m p l i cações? E i s aí u m a palavra que proporciona grande conforto e mágico alívio a milhões de pessoas, mas o pesquisador d a verdade — infelizmente! — não pode amparar-se nela antes de haver refletido mais demoradamente n a ideia do que n a palavra. Porque a sociedade v e m usando ininterruptamente a palavra através dos séculos certas mentes superficiais tendem a acreditar que o termo representa algo que existe dentro d a experiência humana, algo que é. O estudante precisa, porém, analisar inicialmente do ponto de vista psicológico aquilo que foi feito. Pois é necessário começar as investigações com u m a base isenta de dogmas e ainda assim favorável ao desenvolvimento da compreensão, caso contrário tudo ficará em mero palavreado. U m a definição específica e rigorosa tem de ser o ponto de partida no estudo. O estudante não tem a sorte dos gárrulos clérigos e sábios teólogos que f a l a m em Deus c o m intimidade e segurança suficientes para dar a impressão de que eles próprios estavam presentes quando E l e criou o mundo, ou, pelo menos, como diria Matthew Arnold: — Fosse E l e u m vizinho de bairro. A p r i m e i r a coisa então descoberta é que essa palavrinha de quatro letras pode ser compreendida em vários sentidos diferentes. À medida que o indivíduo vasculha o conglomerado de associações piegas que o termo possui, ele v a i constatando que os homens podem pronunciar a p a l a v r a Deus, mas há importantes diferenças de ponto de vista por detrás de c a d a manifestação embora o som seja sempre o mesmo. A p a l a v r a pode referir-se a u m ser pessoal ou impessoal, pode reportar-se à abstrata totalidade das leis d a Natureza ou a u m a existência indivi* dual e m particular, a u m pedaço de madeira entalhada ou a uma ima129
gem fundida em metal. Segundo o h o m e m p r i m i t i v o trata-se tão-só de u m termo animista, ao passo que p a r a o f i n a d o L o r d e Haldane trata-se de u m termo abstrato e absoluto. O e s t u d a n t e não deve limitar a sua investigação ao conceito corrente a p e n a s n o s e u m e i o ambiente, no seu próprio país ou entre a s u a raça; ele é u m pesquisador da verdade de toda a v i d a e deve, por isso, r e u n i r e c o m p a r a r os conceitos vigentes em todos os quadrantes do globo. Descobrirá então a existência de deuses raciais como Jeová, deuses t r i b a i s e m profusão, ditadores universais personificados — como V i s h n u —, e espíritos impessoais e universais totalmente amorfos; e que a m e n t e h u m a n a , e m sua primitividade, adora u m a Divindade totalmente d i v e r s a d a q u e l a que adora n a maturidade. A tentativa de penetrar no significado desse t e r m o e fixá-lo em sua plenitude leva, destarte, o estudante a e m p r e e n d e r u m a t a r e f a estafante, além de interminável e inconsequente. P o i s , faça o q u e fizer, ele jamais terá condições p a r a descobrir exatamente a q u i l o que se quer dizer com â pequenina p a l a v r a . Cabe u m a i n f i n i d a d e de estranhas interpretações. P a r a quinze pessoas diferentes poderá h a v e r quinze interpretações diferentes. Talvez n e n h u m a o u t r a p a l a v r a registrada no dicionário tenha margem a tantas explicações nebulosas. Tudo quanto lhe é possível descobrir é o que u m a multidão de pessoas, abrangendo desde o simplório nativo das I l h a s F i j i até o sofisticado portador de u m diploma universitário, i m a g i n a , a c r e d i t a , deseja, supõe, ou espera venha a ser o significado, m a s ninguém — n e m u m a só pessoa — sabe realmente o que é. A intrigante consequência é que todas as definições propostas se contradizem entre s i . A diversidade das definições de Deus, fornecidas não apenas pelos selvagens incultos mas também pelos indivíduos mais eruditos, é d e v e r a s escandalosa. Pouquíssimos deuses mentais são parecidos. C o m o é obrigada a usar as palavras como elementos primordiais do s e u raciocínio, como o significado precisa primeiro assumir a f o r m a de p a l a v r a s p a r a depois ser devidamente apreendido pela inteligência, essa r u i d o s a multidão dos que falam acerca de Deus não sabe n a verdade o q u e está dizendo, não conhecendo o" significado preciso d a p a l a v r a . E não apenas não sabe essa gente o que está falando como também não a compreendem aqueles que a escutam. Pois as ideias formadas n a s mentes destes últimos serão decerto b e m diferentes do que a s f o r m a d a s n a s mentes dos oradores. Todos, n a verdade, o b j e t i v a r a m seus pressupostos individuais n a palavra e através desta no mundo que os rodeia. O estudante de filosofia não deve submeter-se s e m resistência a uma situação tão extraordinária. £ preciso que ele se coloque de sobreaviso e tome medidas profiláticas c o n t r a esses sérios perigos que ameaçam a sua saúde mental. £ preciso que s u b m e t a à p r o v a do pensamento desinteressado todo o falatório a c e r c a de Deus que constantemente lhe chega aos ouvidos ou lhe passa diante dos olhos nas páginas impressas. Isto não poderá s e r feito através de u m a simples
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consulta ao dicionário c o m o fito de encontrar u m a resposta p a r a esta p e r g u n t a : — Q u * 6 a significação de Deus? — Deve o estudante saber que todos os dicionários não passam de tentativas de estabilizar os significados e que j a m a i s chegam a alcançar plenamente os seus objetivos, porque dicionários diferentes oferecem significados diferentes e, a f i n a l de contas, não são senão indicadores de opiniões interpretativas existentes por ocasião da compilação: sua autoridade não é absoluta. A única saída será reformular a pergunta nestes termos: — O que sente a m i n h a mente quando e u faço uso dessa palavra? O que há n a experiência do mundo ou da v i d a que corresponda ao termo Deus? a
Assim, quando refletimos a fundo no significado do significado constatamos que não se trata, afinal de contas, senão de u m a ideia da mente, de u m pensamento que entretemos ou mesmo de u m a imaginação que construímos. E , por possuir u m a existência puramente mental, é impossível comparar a ideia contida n a mente de u m homem com a ideia contida n a mente de outro. Objetos exteriores como dois lápis podem, facilmente, ser colocados lado a lado e comparados, mas não duas ideias internas. Consequentemente, aquele que ouve ou lê uma p a l a v r a pode e v a i imaginar apenas aquilo que prefere como significado. P o r essa forma, a comunicação exata e a recepção perfeita fic a m frustradas. T a l frustração só poderá ser evitada entrando-se com m a i s cuidado n u m cauteloso exame e n u m a definição prévia. Quando o estudante houver compreendido não apenas como avaliar o valor das palavras, m a s também como avaliar o significado do significado, então virá a descoberta daquilo que Deus realmente é — e m contraposição com aquilo que alguns pensam que é — antes disso: nunca! T a l descoberta não virá logo, e não se fará senão no f i m d a busca filosófica, m a s surgirá com certeza se houver perseverança, e, a partir de então, não haverá mais o risco de ser enganado por imagens esculpidas ou deuses falsos.
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Outra p a l a v r a que muito tem contribuído para aturdir os homens ou fazê-los c a i r e m armadilhas é a palavra espiritual. Tèm-na usado os chefes totalitários p a r a rotular os seus pontos de vista sobre a vida, mas têm-se valido dela por igual os maiores adversários desses ditadores ! Há algo de irónico n a forma pela qual ditadores e democrata se assacam mutuamente a pecha de materialistas e não-espiritualizados. Obviamente, as ideias dos políticos acerca dessa simpática palavra são deveras confusas. Quando, porém, entramos nas esferas da religião e do misticismo a cõnfiisão aumenta ainda mais. Fala-se de expenêncías espirituais que, submetidas a u m a apreciação analítica, demonstram-se magníficas manipulações emocionais, ou fugas extremamente imaginosas, o u belos estados de intensa paz, ou grosseiras conversões sentimentais, ou visões de seres imateriais e assim por diante. As i n terpretações possíveis são por isso numerosas. Por fim, se dissermos que determinado homem é muito espiritualizado, u m dos ouvintes entenderá que ele é nobre de caráter, outro que ele possui u m tempeJSJ
ramento tranquilo, u m terceiro imaginará que ele l e v a u m a v i d a de ascética simplicidade, u m quarto pensará n u m a v i d a e x t r e m a m e n t e religiosa, ao passo que u m quinto ouvinte pensará q u e ele v i v e n u m misterioso estado de consciência desconhecido d a m a i o r i a dos mortais e assim por diante. Assim, cada definição difere de todas a s demais. Analisemos agora com maior profundidade as implicações da palavra espiritual. Qualquer que seja a n a t u r e z a d a experiência o u consciência espintual da pessoa, se nos reportamos até o s e u término verificaremos que é a mente dessa pessoa que lhe f a l a dessa experiência e lhe mostra tratar-se de u m a parte d a s u a existência. O r a , a mente só nos pode dar consciência de alguma c o i s a — trate-se de u m a m i núscuia mosca o u de u m D e u s . imponente — se ocupar-se de pensar nessa coisa. Portanto, tudo aquilo que é sabido de a l g u m a f o r m a , é sabido como u m pensamento. A s experiências e s p i r i t u a i s não fazem exceção a esta regra universal. E l a s também não p a s s a m de pensamentos, por mais inusitadas que s e j a m as suas demais características. Daí não haver diferença entre as p a l a v r a s espiritual e mental. Toda vida consciente é vida-pensamento. O h o m e m m a i s espiritualizado vive em pensamentos tanto quanto o h o m e m m a i s m a t e r i a l i s t a . Não lhe é possível agir de outra forma e permanecer desperto. Torna-se agora possível compreender não apenas p o r q u e a s pessoas não formam u m a ideia c l a r a e consistente do significado d a palav r a espiritual, m a s também por que sequer chegam a f o r m a r a l g u m a ideia. Tudo o que conseguem é construir n a imaginação u m significado que venha de encontro aos seus gostos e temperamento. O filósofo deve esquivar-se ao fascínio dessa p a l a v r a e, através de u m raciocínio mais rigoroso, deve disciplinar o uso que dela faz, a s s e g u r a n d o " a clareza daquilo que .está dizendo. 0 Que é um Fato? U m quarto inimigo linguístico, c o n t r a cujos enganos e embustes deve o filósofo estar atento, é a p a l a v r a fato. Pois a filosofia da verdade jacta-se de t e r por base os fatos e não as crenças. Mas o que é u m fato? E i s u m a p a l a v r a c u j o u s o n o linguaj a r diário é a dotado pacificamente; m a s u m a indagação analítica .irá demonstrar que o termo encerra u m a série de nuanças obscuras. Se alguém, considerando demasiado o esforço de prosseguir n a investigação, aceitar arbitrariamente a p r i m e i r a o u a t e r c e i r a dentre todas as interpretações oferecidas, como poderá então estar certo de que o seu conhecimento baseia-se realmente e m fatos? Suponhamos que u m rapaz esteja caminhando à l u z i n c e r t a do crepúsculo e veja u m a serpente enrodilhada j u n t o d a s a r j e t a . Seguindo o seu caminho, ele mais tarde c r u z a com u m outro pedestre que segue na direção oposta. 0 rapaz sente-se n a obrigação de i n f o r m a r ao outro a existência de u m a cobra j u n t o da s a r j e t a , a f i m de que o viandante não corra o perigo de ser atacado pelo réptil. N o d i a seguinte o rapaz torna a encontrar-se com o homem, que o i n f o r m a h a v e r
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atirado n a serpente antes de acercar-se dela. E , com enorme surpresa, constatara ao aproximar-se que não se tratava de u m réptil mas s i m de u m rolo de corda. A obscuridade os h a v i a enganado a ambos! A serpente não passava de u m produto de suas imaginações, de u m auto-engano inconsciente. S e r i a u m fato o rapaz haver visto a cobra? A resposta deve ser a f i r m a t i v a . S e r i a u m fato que o objeto visto e r a n a realidade u m a corda? U m a vez mais a resposta deve ser afirmativa. Imaginemos, porém, que o rapaz j a m a i s voltasse a «ncontrar-se com o homem. Não ocorreria então que ele i r i a a f i r m a r peremptoriamente haver visto u m a c o b r a e que o h o m e m i n s i s t i r i a n o fato de que o rapaz não h a v i a visto cobra alguma? Tornar-se-á claro p a r a a mente reflexiva que é necessário muita cautela ao empregar o termo. Se u m fato é alguma coisa comunicada pelos cinco sentidos, nesse caso é possível que os cincos sentidos nos enganem, fornecendo-nos u m a falsa interpretação. Sendo assim, o estudante deverá i n c l u i r a p a l a v r a fato n a relação daquelas cujo uso indiscriminado deve ser evitado. Se, ao invés de pensar: — E u v i u m a cobra — ele houvesse pensado: — V i alguma coisa que aparenta ter as características de u m a cobra — o rapaz não se teria enganado e não t e r i a induzido a erro outras pessoas. E s t a , porém, é a mais simples das dificuldades n a aceitação do termo. P a l a v r a s pertencentes à e r a pré-científica e a concepções extremamente distantes no tempo continuam a integrar a nossa linguagem e podem tornar-se enganosas agora, reportando-se a coisas a respeito das quais é muito extenso o saber contemporâneo. Os resultados conseguidos e m nossa geração não o teriam sido em gerações anteriores, pois f o r a m e m grande parte possibilitados peles maravilhosos novos instrumentos e delicados aparelhos concebidos p a r a auxiliar os cinco sentidos a funcionar de maneira que não lhes e r a dado funcionar em outras épocas. A s s i m é que o telescópio e o espectroscópio, a superfície fotográfica sensível e a célula fotoelétrica tornaram viáveis comunicações visuais impossíveis ao olho humano desarmado. O microscópio, por exemplo, descerra aos nossos olhos u m novo mundo, u m mundo maravilhoso que nos revela que o cadáver por nós julgado como estaticamente morto está n a realidade dinamicamente v i v o e cheio de parasitas ativos; que a água por nós julgada desabitada fervilha de minúsculas criaturas; que o fio da navalha por nós julgado perfeitamente direito é n a realidade denteado e recurvo; e que aquilo que é dado perceber aos cinco sentidos não passa de u m mísero infinitésimo daquilo que ainda existe para ser visto. Há poucos séculos dizia-se correntemente que as simples impressões dos sentidos físicos referiam-se aos fatos, ao passo que a ciência moderna declara que apenas as impressões transmitidas pelos meios mais aperfeiçoados se referem aos fatos. Ambos os grupos de observações parecem contradizer-se mutuamente ou desautorar-se entre s i . Contudo,
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milhões de pessoas p e n s a v a m e a i n d a p e n s a m q u e a s observações m a i s simples constituem os fatos. Continuamos a empregar os t e r m o s p r i m i t i v o s c o m relação a tais fenómenos» embora qualquer estudioso d a s ciências os s a i b a h o j e i m precisos e enganosos. Nossas mentes a i n d a u s a m c o n c e i t o s do m u n d o tal qual este é assinalado pelos sentidos físicos p u r o s . O nosso f a l a r ainda abarca expressões v e r b a i s baseadas n e s s e s c o n c e i t o s enganosos. A linguagem se a r r a s t a morosamente m u i t o atrás do n o s s o conhecimento. Como podem aqueles que i n a d v e r t i d a m e n t e e m p r e g a m u m tão deficiente meio de pensamento, compreensão e comunicação esper a r trazer p a r a o s e u âmbito a v e r d a d e d e r r a d e i r a d a v i d a ? Qual é, pois, e m última análise, o s i g n i f i c a d o dessas declarações? É que os homens podem facilmente t o m a r c o m o fatos a s s u a s próprias crenças. Quando consideramos a matéria do p o n t o de v i s t a científico, aprendemos que todo objeto m a t e r i a l é constituído de elétrons em movimento. A nossa máquina de escrever poderá apresentar-se aos sentidos como continuamente existente e constante, m a s , p e r a n t e as modernas investigações de laboratório, apresenta-se c o m o u m a f o r m a de energia cujas ondas se a l t e r a m de u m m o v i m e n t o p a r a o u t r o . M a i s a i n d a : a ciência não tendo conseguido e n c o n t r a r u m a substância última, abandonou a p a l a v r a objeto p e l a p a l a v r a acontecimento, de modo que a nossa máquina é u m complexo de a c o n t e c i m e n t o s n o espaço-tempo que j a m a i s poderão repetir-se e m condições idênticas. A máquina de escrever, como u m fato do espaço-tempo, não pode j a m a i s ser idêntica e m momentos sucessivos do tempo. E n q u a n t o nossas preocupações com a máquina não forem senão de o r d e m prática, t a i s considerações não nos interessarão, pois não e n c e r r a m n e n h u m v a l o r p a r a quem está querendo escrever alguma coisa sobre u m a f o l h a de p a p e l . M a s , quando o nosso interesse for de cunho científico, e e s t i v e r m o s empenhados e m saber mais a respeito d a máquina de e s c r e v e r c o m o u m objeto material entre muitos outros, essas considerações assumirão v i t a l importância. S e r i a então erróneo e enganoso p e n s a r n a p a l a v r a máquina de escrever, isto é, defini-la d a m e s m a f o r m a p e l a q u a l se pensaria nela segundo o ponto de v i s t a prático. S e nos ativéssemos de forma servil à antiga definição pré-científica, o b v i a m e n t e não chegaríamos à verdade científica, m a s seríamos l u d i b r i a d o s pelos cinco sentidos e corrompidos pela própria p a l a v r a . Se i n s i s t i r m o s e m considerar o termo fato como encerrando apenas o significado s u p e r f i c i a l que o homem comum v i a de r e g r a lhe a t r i b u i , v a l e dizer, referindo-se à matéria d a m a n e i r a m a i s tosca, referindo-se apenas àquilo q u e é tangível aos sentidos desarmados, permaneceremos n u m a a t m o s f e r a de pensamento que impede a aquisição d a verdade. E não é tudo. Se nos fosse possível esperar m i l h a r e s de anos e testemunhar o processo de enferruj amento e deterioração g r a d u a l pelo qual passaria a máquina, chegaria o momento e m que esta se desfaria e m pó e desapareceria. Desta forma f i c a r i a t r a n s f o r m a d a e m o u t r a
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matéria. Sob u m a f o r m a inteiramente diferente, s u a existência teria prosseguimento. A investigação da natureza dessa existência derrad e i r a é o b r a que transcende a ciência e compete à filosofia, a qual r e v e l a então u m a versão anteriormente insuspeitada do significado da p a l a v r a fato; versão esta a que o estudante chegará no devido tempo e que no momento encontra-se além dos horizontes do cientista especializado. A filosofia não se satisfaz assim com o conhecimento do fato momentâneo : quer também o fato permanente, se é que este existe. Daí ser de pouca utilidade p a r a o filósofo ouvir que alguma coisa é u m fato, quando a declaração parte de alguém que j a m a i s procurou saber as características e comprovações do fato. Se o filósofo desejar realmente chegar à verdade derradeira, ele será obrigado a retraduzir em \ p a r t e a terminologia d a v i d a cotidiana. Não lhe será permitido sequer u s a r indiscriminadamente u m termo pré-científico como fato sem m u t i l a r o conhecimento moderno, pois se trata de u m a das mais importantes p a l a v r a s tomadas por empréstimo ao reino da experiência diária e o u s o abusivo de tais palavras poderá ser u m estorvo ao raciocínio correto, já que os seus significados se tornaram demasiado obscuros e m razão do m a u emprego pelo povo. E quão mais verdadeiro será isso à m e d i d a que se passar do nível científico p a r a a atmosfera m a i s r a r e f e i t a d a interpretação filosófica! U m a correção no vocabulário acarretará u m a correção no raciocínio, pois ambas são inseparáveis. A s p a l a v r a s irrefletidas deste tipo carregam consigo u m a pesada c a r g a de meias-compreensões, interpretações erróneas e maneiras antigas de pensar d a q u a l deve ser escoimada sempre que se tratar de algo m a i s elevado do que os objetivos práticos primários. Deve-se proc u r a r a isenção desses defeitos. A linguagem está vinculada ao conhecimento e deve evoluir c o m este ao invés de engatinhar atrás dele. O exame destes quatro termos: verdade, Deus, espiritual e fato revelou as definições contraditórias que cada qual poderá ensejar aos diferentes usuários. Todos os a r t i c u l a m com displicência, seja o hom e m de r u a que j a m a i s lhes dedicou u m minuto de reflexão, sejam os incapazes de t a l reflexão e — convenhamos — mesmo o místico que se j u l g a no direito de dar a última palavra sobre o assunto em v i r t u d e das suas experiências extáticas. Como poderá qualquer u m destes ter certeza acerca das suas palavras, se não se deu ao trabalho prévio de v e r i f i c a r o que n a realidade a elas corresponde? Mas o enevoado do seu raciocínio lhes fornece u m abrigo onde refugiasse das perguntas embaraçosas e das dúvidas repentinas. O estudante não pode dar-se ao luxo de tolerar tais fraquezas. O presente exame mostrou também a importância vital de obter-se u m a compreensão c l a r a das palavras-pensamentos que podem funcion a r como u m bússola que nos ajude a fugir de toda essa confusão, orientando-nos devidamente n a nossa busca. Esse esforço por alcançar a compreensão semântica deve ser daqui por diante a principal pre* 135
ocupação do estudante, e a este caberá t r a z e r p a r a o âmbito dessa compreensão determinados termos análogos i m p o r t a n t e s à m e d i d a que estes se forem apresentando. Caber-lhe-á também abster-se das palavras que trazem satisfação emocional m a s c a r e c e m de e s c l a r e c i m e n t o intelectual;" bem como prevenir-se c o n t r a os t e r m o s q u e e n c e r r a m antigos preconceitos e são de u s o t r a d i c i o n a l m a s não d e f i n e m nada factual. Deve o estudante reconhecer que libertar-se d a t i r a n i a d a superficialidade linguística é l i b e r t a r a mente do ónus d a ignorância e da incompreensão. Deve ele proteger-se das f a l s a s teorias que repousam não sobre fatos comprovados m a s sobre ficções p u r a m e n t e verbais. Não pretende o presente capítulo r e u n i r todas as p r i n c i p a i s ideias ' expressas nos termos religiosos, místicos, filosóficos o u cotidianos e analisá-las u m a a u m a . P a l a v r a s como intelecto, razão, realidade, existe, mente e assim por diante surgirão e serão definidas n o corpo deste livro e se poderá proceder a u m a reeducação do pensamento quando o seu significado f i c a r devidamente estabelecido. O objetivo específico deste capítulo é p r e p a r a r a mente do leitor, m o s t r a n d o a m plamente a m a n e i r a pela q u a l t r a t a r os p r o b l e m a s v e r b a i s que surgirem e explicando o princípio geral a s e r seguido d a q u i p o r diante. A p r i m e i r a dificuldade dos problemas d a filosofia é q u e a s u a n a t u reza real permanece de hábito o c u l t a p a r a aqueles que p r o c u r a m solucioná-los, porque os termos e m que t a i s p r o b l e m a s são vazados pertencem à etapa f i n a l de u m a extensa série de processos conhecidos e desconhecidos. A análise a j u d a ' a d e s e n t r a n h a r o q u e neles está implícito. O, pesquisador será portanto obrigado a e m p r e g a r o método d a disciplina verbal não apenas agora m a s também e m todas as etapas p o s i m u i e s úo S E U ES lLido. K m consequência, terá de a p r e n d e r a q u i u m a característica intelectual especial. N o capítulo a n t e r i o r foi-lhe dito que aprendesse certas o u t r a s características essenciais à investigação filosófica. P o r esta razão, os dois capítulos se c o m p l e m e n t a m . 0 resultado de t a l esforço é que o indivíduo irá g r a d u a l m e n t e libertando-se daquela ilusão m u i t o encontradiça e n t r e os religiosos, místicos e metafísicos de que a p r e n d e r a m algo v e r d a d e i r a m e n t e novo quando o que de fato a p r e n d e r a m não f o i senão u m amontoado de palavras ressonantes. E l e descobrirá que a s pessoas b u s c a m n a s p a lavras ideias que elas não contêm, n u n c a c o n t i v e r a m e j a m a i s poderão conter, sendo tais palavras tão-somente sons ocos. D e m o d o especial, aprenderá a temer esses significados indefinidos, essas p a l a v r a s emocionais que parecem tão plena de sentido e n a v e r d a d e não têm sentido algum. Os políticos, oradores e demagogos e m e s p e c i a l gostam de empregar palavras grandiloquentes, slogans e f r a s e s que exageram brutalmente quando não carecem por completo de relevância o u que se destinam a despertar fortes sentimentos i r r a c i o n a i s o u que b u s c a m m ascarar fatos desconcertantes — e conseguem I
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T a i s recursos possuem u m encanto, u m efeito hipnótico que lhes empresta certa aura de significação mas lhes oculta a vacuidade. Quando o pesquisador se entrega resolutamente à análise de tais sentenças ele pode destruir as falsas pretensões de sabedoria nelas contidas. f
O emprego de palavras destituídas de significado pode levar até mesmo u m homem de reconhecida inteligência a acreditar que está investigando dados concretos e fatos objetivos quando na verdade está investigando apenas suas próprias alucinações, às quais decerto se enredará como u m a mosca n u m a teia de aranha. A maioria das pessoas padece d a ilusão de que toda palavra tem necessariamente de representar u m a coisa não-verbal. Mas, sob a superfície da palavra poderá não haver absolutamente nada. A falsidade dessa crença de que toda palavra tem necessariamente de possuir u m significado é demonstrada pela possibilidade de usar-se frases como: — filho de m u l h e r estéril — e flores celestes — que são ridículas até para u m menino de curso primário, mas que p a r a o filósofo não são mais ridículas do que numerosas expressões que até as pessoas mais categorizadas empregam por inadvertência. A base desta crítica é que devemos silenciar acerca da verdade dessas coisas c u j a existência nunca verificamos n e m poderemos verificar. N u m caso como esse falar equivale a imaginar e, por conseguinte, afastar-se do caminho do fato rigoroso. Não devemos perm i t i r que u m a palavra nos leve a crer que estejamos lidando com objetos, experiências e existências quando n a verdade nada disso estiv e r ocorrendo. — E s t a p a l a v r a designa algo real ou algo fictício? — tal é a investigação a que nos deveremos entregar quando diante das asserções de numerosos advogados e propagandistas. Quando u m a palavra faz as vezes do inconcebível ela poderá em pouco tempo obscurecer a capacidade de julgamento de u m homem e levá-lo à aceitação do não-existente. É apenas pseudo-interpretação esse contínuo matraquear de termos s e m sentido e esse permanente deslocar-se n u m círculo que t e r m i n a n a p a l a v r a original, sem que no percurso surja qualquer explicação r e a l do significado. P o r essa forma se constroem esplêndidos mundos verbalizados nos quais os seus criadores vivem felizes o resto d a existência! P o r toda parte os homens alimentam opiniões falsas e m virtude do seu incorrigível hábito de inferir que toda a coisa portadora de u m nome é coisa necessariamente existente e em virtude da s u a tradicional tendência de confundir palavras vazias com realidades substanciais. Daí a necessidade de examinar as declarações f i m de v e r i f i c a r se são realmente pensáveis ou não passam de pseudo-significados: conjuntos de símbolos sem nada substancial na experiêr c i a h u m a n a que realmente lhes corresponda. E m suma, trata-se da necessidade de chegar-se àquilo que realmente é sabido, pôr a n u pret supostos ocultos e elucidar aquilo que acontece quando se diz que u m a coisa é verdadeira.
estudante de filosofia não tem o u t r a a l t e r n a t i v a senão começar desconfiando de toda p a l a v r a que não r e p r e s e n t a u m a d e t e r m i n a d a coisa dentro da sua experiência pessoal d e f i n i d a c u n i v e r s a l . Compete-lhe pôr em dúvida os ídolos v e r b a i s que os a n t e p a s s a d o s o u a tradição atual lhe apresentam à adoração. Cabe-lhe d e i x a r de lado a crença simplória de que a existência de u m a p a l a v r a i m p l i c a necessariamente na existência de u m a c o i s a o u u m a i d e i a designada por tal palavra. Descobrirá então o estudante, c o m m u i t a s u r p r e s a talvez, que essa suposta existência não é e m absoluto u m a existência! Claro que, embora tal p a l a v r a não represente u m objeto e x i s t e n t e — como se supõe — ela poderá representar u m sentimento daquele q u e a pronuncia e, por s u a vez, estimular u m outro sentimento de m e s m a classe no ouvinte. Assim sendo, tem o estudante de p r o c u r a r a substância sólida por trás da fachada d a linguagem, a f u r o a r o significado dos significados. Antes de poder principiar corretamente por u m a sentença c o m o : — Qual é a natureza do mundo e m torno? — deve ele i n d a g a r : — Qual o caráter dessa expressão natureza do mundo? — É p r e c i s o saber como colocar devidamente as perguntas a f i m de que a s respostas resultem corretas. Os químicos oitocentistas perderam-se n a falsidade da teoria do flogístico por perguntarem: — Que substância especial está envolvida no processo da combustão? — ao invés de p e r g u n t a r e m : — Que espécie de processo é a combustão? A linguagem deve ser ajustada aos objetivos d a filosofia e não vice-versa. As palavras que não e n c e r r a m significado d e v e m s e r impiedosamente banidas. As palavras que e n c e r r a m significado falso devem ser rigorosamente corrigidas. As p a l a v r a s que e n c e r r a m significado ambíguo devem ser cabalmente esclarecidas. A s p a l a v r a s que parecem representar fatos m a s n a realidade r e p r e s e n t a m imaginações devem ser desmascaradas. Todas as p a l a v r a s desse tipo mantêm cativo o filósofo em formação e restringem o seu c a m p o de investigação até que ele separe a realidade conceptual dos seus significados d a realidade verdadeira, o significado fictício do significado r e a l . A elucidação do significado derradeiro das ditas p a l a v r a s é u m estágio necessário n a elucidaçãç da verdade derradeira, porque envolve a reconstrução em grande escala do pensamento. A reorientação envolvida nesta revisão dos padrões v e r b a i s a fim de adaptá-los às perspectivas filosóficas é r e c o n h e c i d a m e n t e difícil a princípio. Tornar-se meticuloso do ponto de v i s t a linguístico pode ser u m a tarefa embaraçosa, m a s , c o m o tempo, o árido esforço sc transforma em hábito fácil. Não obstante, os h o m e n s de p o u c a instrução consideram a tarefa como maçante e as m u l h e r e s consideram-na francamente insuportável! Daí vermos poucas m u l h e r e s abraçar a filosofia e poucos homens darem-lhe a l g u m a atenção, a menos que a sua estrutura mental ou o seu desejo de verdade s e j a de u m a qualidade especial.
ÉÉ
É verdadeiro acrescentar que o efeito geral desse auto-adestramento verbal aparecerá com certeza no campo do viver cotidiano. À medida que a mente começa a tornar-se mais exigente com relação aos pensamentos e às palavras no decurso da investigação filosófica, o hábito irá se estendendo progressivamente até abarcar os assuntos práticos normais. Aquela condição genérica de descaso que caracteriza a maior parte dos raciocínios, impregna boa parte dos escritos e distorce a conversação do dia-a-dia irá aos poucos cedendo lugar a u m a certeza significativa, intencional e realista. T a i s consequências com toda certeza serão de longo alcance. Não apenas os rótulos mas também o próprio conteúdo do pensamento resultará alterado e melhorado. Quando voltamos nossa atenção para o significado estamos cuidando de alguma coisa cujo âmbito vai muito além da esfera da comunicação e do aprendizado; nossa atenção é transportada, em razão do seu ímpeto natural, p a r a outras ambiências e outros campos de atividade onde colhemos os benefícios consequentes. Não será exagerado dizer que se processa u m a reeducação mental. Desenvolvemos destarte a capacidade de pensar de forma independente. — As palavras violentam e submetem francamente a compreensão — confessou o insigne mestre das palavras F r a n c i s Bacon. Teve ele a perspicácia de assinalar que, — dentre todos os obstáculos impostos ao raciocínio correto, as palavras eram o mais renitente — e a sua advertência a todos os futuros filósofos merece ser lembrada: — As palavras, tal como o bumerangue, voltam-se sobre a compreensão, enredando e dis- ~ * torcendo poderosamente o julgamento. S e a estrutura da linguagem não é afinal de contas senão u m sistema de implicação, a s possibilidades de erro e incerteza são deveras reais. As declarações representando de maneira imperfeita uma coisa podem sempre gerar raciocínios incorretos a respeito dessa coisa. T a l como em outra altura desta obra, faz-se agora necessário registrar u m a advertência. Não se deve interpretar m a l a função da análise linguística. Não se pretende que a fala existe apenas para a comunicação de fatos. Não se pretende que toda a linguagem metafórica, todas as belezas da poesia, todos os prazeres da ficção, todas as distrações do humor e todo o trabalho imaginativo não devam ser expressados o u apreciados. Os toques ligeiros e por vezes exagerados que o humor põe n a conversação, os hiatos coloridos que a leitura dos romances propicia ao lazer, não devem ser desdenhados. Nada se diz aqui contra tais prazeres inocentes da vida. — Seja filósofo — aconselhou H u m e — mas e m que pese sua filosofia não deixe nunca de ser u m homem, O que realmente se pretende é que, ouvindo ou fazendo humor, não devemos perder de v i s t a o fato de que se trata de simples gracejos; de que escrevendo ou lendo irrealidades imaginosas devemos estar plenamente conscientes daquilo que estamos fazendo, sem cair jamais A* na crença de que tais fantasias tenham alguma substância;
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em meio a todo o palavrório vazio que p a r t i c i p a inapelavelmente da etiqueta social não devemos ficar perdidos no desconhecimento dessa vaziez ou na confusão entre as necessidades práticas e a s filosóficas. Aquilo que necessitamos para a vida cotidiana não deve necessariamente ser julgado pelos padrões daquilo que necessitamos p a r a a pesquisa filosófica. Dentro dos limites do gosto pessoal, c o m relação ao primeiro nós podemos gracejar tanto quanto quisermos, m a s com relação ao segundo não nos é permitido g r a c e j a r de f o r m a alguma. Nós podemos pronunciar u m milhão de p a l a v r a s s e m significado nas conversas banais de toda u m a vida, sem q u a l q u e r dano p a r a nós, mas não podemos pronunciar ou pensar u m a só p a l a v r a s e m significado durante a busca filosófica s e m perder o r u m o certo. Podemos rechear nossas sentenças de tanta criatividade artística o u colorido emocional como desejarmos, desde que c o m isso não nos enganemos a nós mesmos e conservemos plena consciência do q u e está sendo feito. Podemos esquadrinhar páginas e m a i s páginas de ficção desde que compreendamos a natureza não-filosófica d a linguagem c o m que estamos lidando. Podemos até mesmo engodar u m a p l a t e i a de eleitores políticos com metáforas enganosas e d i s c u r s o s f i g u r a d o s , se for essa a nossa sina, mas não devemos s e r apanhados pelos erros que preparamos para os outros. Não é preciso que a linguagem seja e s v a z i a d a de colorido e imaginação, desde que tenhamos presente tratar-se apenas de colorido e imaginação. A arte é tão admissível n a v i d a do filósofo c o m o n a do empirista. Todas estas coisas nós as podemos u s a r e m s u a plenitude, mas não as adotemos como padrões segundo os q u a i s a verdade haverá de ser aferida e conservemo-las conscientemente f o r a dos limites da intensa busca daquilo que e m última instância é r e a l . É preciso certa renúncia para atingir as culminâncias, m a s a q u a l q u e r momento poderemos retomar o que deixamos, desde que a m e n t e se desvie do estudo. Assim sendo, surgirá gradualmente u m ponto de v i s t a duplo: o prático e o filosófico. T a l dualidade perdurará enquanto o h o m e m for u m pesquisador, mas para o sábio que a t i n g i u o objetivo oculto toda a vida torna-se u m a sublime unidade e não há n a d a c o n t r a o que manter-se precavido. 0 que faz a mente quando empenhada n a p r o c u r a de u m significado? A pergunta sugere u m trabalho filosófico de p r i m e i r a grandeza e a resposta correspondente é e m s i m e s m o u m t r i u n f o m e n t a l . 0 presente capítulo pode s e r resumido p e l a declaração de que quando u m homem fala ou escreve ele revela não apenas a q u i l o que sabe mas também (e de forma inconsciente) a q u i l o que não sabe. Sua ignorância tanto quanto s u a sabedoria, desponta d a s suas frases para a observação filosófica. E s s a s frases c o n s t i t u e m u m documento de auto-revelação, u m a manifestação igual ao do subconsciente e do consciente do indivíduo. Apenas o sábio é c a p a z de c h e g a r a u m a formulação exata dos seus conhecimentos, ao passo q u e os demais
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traem a pobreza do seu raciocínio através do uso de construções lia» guísticas ambíguas, tendenciosas, inexatas ou vazias. Assim é que" apenas o sábio e capaz de descobrir a partir do estilo de u m homem o caráter das suas estruturas linguísticas e o exato estágio na trilha da verdade a que a inteligência e o conhecimento desse homem o trouxeram. A análise filosófica nos assuntos linguísticos segundo os moldes aqui preconizados ajudará o estudante a apurar se qualquer declaração formulada por ele próprio ou por outrem veicula informações genuínas ou meras falsidades. Pois a filosofia da verdade é ensinada de uma maneira especial e peculiar. E l a começa por conduzir os homens à verdade apontando-lhes os eiros, mostrando-lhes onde pensam ou fal a m tolices, denunciando-lhes a falsa sabedoria e a seguir lembrando-lhes que a penetração n u m nível mais profundo de investigação não apenas é possível como também desejável. E l a se estabelece na mente dos estudantes não tanto pela afirmação daquilo que é, mas pela eliminação daquilo que não é. E l a mostra os princípios primordiais de todas as visões conhecidas da existência e trata a seguir de apontar-lhes os erros e enganos. Quando tais enganos são banidos da mente, com eles desaparecem numerosos problemas, pseudoproblemas e questões perturbadoras que há muito vêm perturbando o pensamento da humanidade, mas que j a m a i s foram suprimidos — e bem poderiam sê-lo — pois não t i n h a m nenhuma necessidade de aparecer. Por fim, diz a análise filosófica: — Deus existe, mas não poderá ser revelado a ti" t a l qual E l e é enquanto a t u a mente não ficar livre das ideias erróneas a S e u respeito. Agora o caminho está preparado para que t u O encontres, p a r a que descubras a Verdade e a Realidade, a santa trindade que de fato e UmãT Daí a grande importância deste método de análise. Portanto, as sutilezas da linguagem podem ser moldadas numa chave-mestra capaz de a b r i r numerosas portas dos mistérios do pensamento e do ser.
c u r a de prosseguir n u m a busca impossível. Coube a I . K a n t a honra de ter sido o primeiro pensador ocidental a levantar o problema de estar ou não o homem equipado com u m instrumento mental adequado p a r a conhecer a verdade. A conclusão de K a n t foi negativa. Felizmente, não é preciso que sejamos tão pessimistas, pois iremos constatar, a s s i m como o fizeram os antigos sábios hindus, que no final aguarda-nos o melhor e que o enigma d a vida pode ser decifrado com os atuais recursos do homem.
A BUSCA DA V E R D A D E
Haverá alguma outra e m a i s satisfatória fonte de conhecimento? — T a l foi a pergunta feita no p r i m e i r o capítulo deste l i v r o , depois que u m a breve referência à fé religiosa, ao raciocínio lógico e à experiência mística caracterizou todas essas fontes c o m o p a r c i a i s , insuficientes e destituídas de u m a certeza a b s o l u t a . O s capítulos subsequentes forneceram ainda outros fatos p a r a e s s a conclusão. Ê preciso proceder a u m a análise e encontrar, se possível, u m a resposta para a pergunta que encabeça o presente parágrafo. N ã o se deverá pensar, no entanto, que a fé, a intuição, o raciocínio lógico e o t r a n s e místico careçam de valor. Pelo contrário, tais coisas têm o s e u l u g a r próprio e os seus usos específicos, m a s devem s e r e n c a r a d a s c o m o apenas intermediárias. Não são e j a m a i s poderão s e r i n s t r u m e n t o s perfeitos para o serviço de u m homem que b u s c a n a d a m e n o s do q u e a certeza absoluta. Se fossem, então o mundo já t e r i a há m u i t o solucionado antigos problemas e a alentada b u s c a s e r i a hoje desnecessária. A mera presença de numerosos pontos de v i s t a discordantes q u e c o n t i n u a m a intrigar a humanidade demonstra a insuficiência e a indefinição dessas fontes, nas quais os homens se a p o i a r a m n o p a s s a d o . 0 investigador b e m poderá s e r p r o v o c a d o a p e r g u n t a r se de alguma forma é dado à mente h u m a n a resolver p r o b l e m a s fundamentais. Trata-se de u m a importante pergunta. T r a t a - s e , n a v e r d a d e , d a nossa indagação preliminar, m a s sob o u t r a f o r m a . A r e s p o s t a envolve a resposta a outras perguntas, como estas p o r e x e m p l o : — C o m o ganhar conhecimento? O que se entende p o r c o n h e c i m e n t o ? Q u e espécie de conhecimento é verdadeiro? — as quais d e v e m s e r a b o r d a d a s pelo filósofo, se é que este deseja c a m i n h a r e r e t o à l u z do S o l e não se arrastar titubeante n a escuridão. Toda investigação do significado f i n a l d a experiência e do mistério do mundo seria p u r a perda de tempo s e o s próprios l i m i t e s de t a l investigação fossem previamente fixados p o r b a r r e i r a s intransponíveis que entravassem os meios de conhecimento disponíveis. M e l h o r portanto será conhecer o pior, se houver o pior, do que entregar-se à lou-
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U m a criança não tem como encontrar por s i só os seus caminhos n a vida. E l a tem, forçosamente, de confiar em outras pessoas, isto é, os pais. A s s i m também os adultos que se sentem até certo ponto ignorantes e inseguros quanto à interpretação da existência em geral têm de r e c o r r e r à a j u d a alheia. Assim sendo, para a satisfação dessa necessidade surge a p r i m e i r a orientação oferecida ao homem, qual seja a da autoridade: religiosa, política, cultural ou de qualquer outro tipo, tradicional ou não. E a recomendação é: — Acredita e estarás salvo! $ | | Precisamos, portanto, começar u m exame desse autoritarismo com o espantoso postulado da ignorância universal. Significa isto que as massas seguem sendo infantis sob u m a porção de aspectos. Milhões de c r i a t u r a s adultas vivendo hoje no mundo não passam de crianças sob o ponto de v i s t a intelectual, as quais aceitam e acreditam piamente n u m a porção de coisas tolas e falsas. Não devemos recear tal declaração. A aritmética nos ensina que a cifra de u m milhão multiplicada por n a d a continua sendo igual a zero. N a vida humana, u m cálculo semelhante permite aquilatar o conhecimento da maioria das pessoas. Mas a sociedade sendo o que é, as massas humanas — ocupadas no labor ou penando n a dor — devem confiar no autoritarismo e nas épocas n o r m a i s não encontram v i a de regra melhores orientadores nos labirintos d a v i d a do que os tradicionais, especialmente se não houver abuso de confiança. Tome-se o exemplo d a religião. U m a religião tem de estabelecer a s u a autoridade consolidando os seus pontos de vista em asserções formais e dogmas fixos. T e m de anunciar tais doutrinas como sendo de revelação sobrenatural e a c i m a de contestação pelos humanos. No momento e m que se dispuser a discutir seus princípios em quaisquer outras bases que não as da revelação dada e infalível, estará aberta a p o r t a p a r a numerosos cismas e p a r a u m lento porém certo enfraquecimento de toda a s u a posição. A continuação desse enfraquecimento acarretará u m d i a o colapso religioso. Por isso, a religião tem o cuidado de oferecer ao homem os seus conhecimentos como coisa proveniente de u m a fonte mais elevada, de u m ser mais elevado ou de u m m u n d o m a i s elevado, cabendo-nos aceitá-los e conservá-los reverentemente como u m a tradição indiscutível. E x a m i n e m o s esta posição. P a r a as massas ela é historicamente satisfatória, já que as massas principiam naturalmente a vida com as i*3
c u r a de prosseguir numa busca impossível. Coube a I . Kant a h de ter sido o primeiro pensador ocidental a levantar o problema de estar ou não o homem equipado com u m instrumento mental adequado p a r a conhecer a verdade. A conclusão de K a n t foi negativa. Felizmente, não é preciso que sejamos tão pessimistas, pois iremos constatar, a s s i m como o fizeram os antigos sábios hindus, que no final aguarda-nos o melhor e que o enigma d a vida pode ser decifrado com os atuais recursos do homem.
Haverá alguma outra e mais satisfatória fonte de conhecimento? — T a l foi a pergunta feita no p r i m e i r o capítulo deste l i v r o , depois que uma breve referência à fé religiosa, ao raciocínio lógico e à experiência mística caracterizou todas essas fontes c o m o p a r c i a i s , insuficientes e destituídas de u m a certeza absoluta. Os capítulos subsequentes forneceram ainda outros fatos p a r a essa conclusão. Ê preciso proceder a u m a análise e encontrar, se possível, u m a resposta p a r a a pergunta que encabeça o presente parágrafo. Não se deverá pensar, no entanto, que a fé, a intuição, o raciocínio lógico e o transe místico careçam de valor. Pelo contrário, tais coisas têm o s e u l u g a r próprio e os seus usos específicos, m a s devem s e r e n c a r a d a s c o m o apenas intermediárias. Não são e j a m a i s poderão s e r i n s t r u m e n t o s perfeitos para o serviço de u m homem que b u s c a n a d a menos do q u e a certeza absoluta. Se fossem, então o mundo já t e r i a há m u i t o solucionado antigos problemas e a alentada busca s e r i a hoje desnecessária. A mera presença de numerosos pontos de v i s t a discordantes que c o n t i n u a m a intrigar a humanidade demonstra a insuficiência e a indefinição dessas fontes, nas quais os homens se apoiaram n o passado. 0 investigador b e m poderá s e r provocado a p e r g u n t a r se de algum a forma é dado à mente h u m a n a resolver problemas fundamentais. Trata-se de u m a importante pergunta. Trata-se, n a verdade, d a nossa indagação preliminar, m a s sob o u t r a f o r m a . A resposta envolve a resposta a outras perguntas, como estas p o r e x e m p l o : — C o m o ganhar conhecimento? O que se entende por conhecimento? Q u e espécie de conhecimento é verdadeiro? — as quais devem s e r abordadas pelo filósofo, se é que este deseja c a m i n h a r ereto à l u z do S o l e não se arrastar titubeante n a escuridão. Toda investigação do significado f i n a l d a experiência e do mistério do mundo seria p u r a perda de tempo se os próprios l i m i t e s de t a l investigação fossem previamente fixados p o r b a r r e i r a s intransponíveis que entravassem os meios de conhecimento disponíveis. M e l h o r portanto será conhecer o pior, se houver o pior, do que entregar-se à lou-
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U m a criança não tem como encontrar por s i só os seus caminhos n a vida. E l a tem, forçosamente, de confiar em outras pessoas, isto é, os pais. Assim também os adultos que se sentem até certo ponto ignorantes e inseguros quanto à interpretação da existência em geral têm de recorrer à ajuda alheia. Assim sendo, para a satisfação dessa necessidade surge a primeira orientação oferecida ao homem, qual seja a da autoridade: religiosa, política, cultural ou de qualquer outro tipo, tradicional ou não. E a recomendação é: — Acredita e estarás salvo! Precisamos, portanto, começar u m exame desse autoritarismo com o espantoso postulado da ignorância universal. Significa isto que as massas seguem sendo infantis sob u m a porção de aspectos. Milhões de c r i a t u r a s adultas vivendo hoje no mundo não passam de crianças sob o ponto de v i s t a intelectual, as quais aceitam e acreditam piamente n u m a porção de coisas tolas e falsas. Não devemos recear tal declaração. A aritmética nos ensina que a cifra de u m milhão multiplicada por nada continua sendo igual a zero. N a vida humana, u m cálculo semelhante permite aquilatar o conhecimento da maioria das pessoas. Mas a sociedade sendo o que é, as massas humanas — ocupadas no labor o u penando n a dor — devem confiar no autoritarismo e nas épocas normais não encontram v i a de regra melhores orientadores nos labirintos d a v i d a do que os tradicionais, especialmente se não houver abuso de confiança. Tome-se o exemplo da religião. U m a religião tem de estabelecer a s u a autoridade consolidando os seus pontos de vista em asserções formais e dogmas fixos. T e m de anunciar tais doutrinas como sendo de revelação sobrenatural e a c i m a de contestação pelos humanos. No momento e m que se dispuser a discutir seus princípios em quaisquer outras bases que não as da revelação dada e infalível, estará aberta a porta p a r a numerosos cismas e pára u m lento porém certo enfraquecimento de toda a s u a posição. A continuação desse enfraquecimento acarretará u m d i a o colapso religioso. Por isso, a religião tem o cuidado de oferecer ao homem os seus conhecimentos como coisa proveniente de u m a fonte mais elevada, de u m ser mais elevado ou de u m mundo m a i s elevado, cabendo-nos aceitá-los e conservá-los reverentemente como u m a tradição indiscutível. E x a m i n e m o s esta posição. P a r a as massas ela é historicamente satisfatória, já que as massas principiam naturalmente a vida com as
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concepções mais simples possíveis e de b o m grado a c e i t a m o universo em que se encontram sem esquentar m u i t o a cabeça pensando nele. No entanto, pequeno é o valor d a posição o r a enfocada p a r a aqueles que se dedicam à busca d a certeza d e r r a d e i r a e que, p o r essa razão, são aconselhados a começar com o exercício d a investigação agnóstica. Por que terão os sábios adotados u m a a t i t u d e tão c a u t e l o s a ? Porque, afinal de contas, toda escritura conhecida não é senão u m livro que alguém escreveu u m d i a — s e m o que não p o d e r i a t e r vindo à luz — e porque as crenças religiosas florescem n u m a i m e n s a variedade de intrigantes contradições. Quem se a v e n t u r a r a investigá-las com I imparcialidade acabará presa de inevitável confusão. Ficará totalI mente impossibilitado de condensar a m a s s a das c o s t u m e i r a s alegações antagónicas e m qualquer espécie de u n i d a d e . J a m a i s saberá ao certo qual dos deuses adorados existe r e a l m e n t e o u q u a i s dentre as estórias cosmológicas são corretas ou c o m o h a r m o n i z a r dogmas irreconciliáveis ou as diferentes descrições correntes de céu e inferno. Tampouco poderá perscrutar a mente de u m o u t r o h o m e m que porventura tenha diante de s i , porque a mente é a única característica não aberta à inspeção pública. Como poderá então p e r s c r u t a r a mente de u m ser inteiramente invisível — Deus — e a s s e v e r a r q u e este último é todo-misericordioso? Tanto quanto lhe é dado saber. D e u s poderá ser todo-inclemente. /O conhecimento daquilo que v a i n a mente de Deus, necessariamente, limita-se tão-somente a D e u s m e s m o . Quando p homem tenta ler a mente divina tudo o que consegue é l e r a sua própria ideia de Deus, isto é, s u a imaginação!/ S u a crença relativamente a Deus não passa, em última instância, de u m a imaginação acerca de Deus; não é, e m absoluto, u m c o n h e c i m e n t o provado. E quando o homem percebe a presença do dedo d i v i n o n a s u a v i d a ou n a vida alheia, t a l percepção não p a s s a n a r e a l i d a d e de u m simples esforço imaginativo da sua p a r t e ; o esforço poderá v i r de encontro aos seus sentimentos, bem como trazer-lhe m u i t o consolo, m a s , como critério de verdade, não será mais valioso do q u e q u a l q u e r outro. E m suma, quando a mente h u m a n a resolve a c e i t a r determinado credo religioso é porque se sente incapaz de u m a investigação mais ampla ou simplesmente porque está e x a u s t a de p e n s a r , e não porque encontrou afinal a verdade 1 Repetidamente, os anais de história e a experiência i n d i v i d u a l têm demonstrado que a fé não merece confiança e, e m consequência, não pode propiciar u m conhecimento certo e u n i f o r m e . Perguntar-se-á, talvez com horror, se os sábios não se dedicam então a ensinar o ateísmo. T a l acusação não pode s e r a c e i t a n e m repudiada. Os sábios ensinam o ateísmo q u a n d o se t r a t a de deuses duvidosos, vale dizer, deuses imaginados. N e g a m o ateísmo quando se trata do verdadeiro Deus, vale dizer, Deus t a l q u a l E l e é. C o m relação a este último, porém, não há dogmatização. A q u i l o que Deus é deve constituir parte do objetivo d a n o s s a b u s c a e só pode f i c a r
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estabelecido depois dessa busca. Trata-se de u m enigma a ser decifrado, não de u m dogma a ser firmado. Se a princípio somos obrigados a pôr e m dúvida os deuses pré-fabricados e rejeitá-los bem como aos seus legados de revelações como fontes para u m conhecimento seguro, isto se faz apenas para abrir caminho para uma completa investigação daquilo c u j a veracidade é irretorquível. E , se nos for dado antecipar aqui posteriores conclusões, diremos que através da filosofia teremos o prazer de redescobrir o verdadeiro Deus, e não perdê-Lo. U m famoso cientista contemporâneo, depois de defender admiravelmente o valor da filosofia p a r a a ciência e da verdade do idealismo metafísico, rompeu suas vinculações tanto com a filosofia quanto com a ciência e se entregou à especulação pura e simples. E l e escreveu c o m reverência a respeito do divino arquiteto que é o responsável por este mundo. C a i u ele no engano muito comum de pensar que uma vez que as melhores classes de seres humanos planificam arquiteturalmente suas casas antes de edificá-las, também Deus deve planejar o S e u universo d a mesma maneira. Com isso, reduziu Deus todo-poderoso ao nível de u m a criatura humana. Onde a justificação para reb a i x a r dessa m a n e i r a o status da Divindade? O cientista não viu, infelizmente, que todas essas especulações antropomórficas não passav a m de refinada blasfémia! T a l Deus existia na imaginação pessoal desse homem e s u a existência de fato não poderia ser provada à saciedade. O estudante de filosofia deve abster-se de fazer uma oferenda de fé e m altares desse tipo, porque ele, mais do que qualquer outro, proc u r a a verdade, isto é, deve limitar-se exclusivamente aos fatos e não a elucubrações especulativas. E s t a s p a l a v r a s não serão do agrado das pessoas sinceramente religiosas. Porém, qualquer que seja a conclusão dos críticos a respeito de tais declarações, persiste u m fato inconveniente que os religiosos v i a de regra procuram evitar. /Deus nos dotou a todos — ainda que e m pequeno grau — com u m a capacidade de raciocínio, com a capacidade de d i s c r i m i n a r e arrazoar por nós mesmos. Não nos cumpre então fazer uso desse dom ao invés de desprezá-lo?^ Não obstante, nossa preocupação a esta altura é menos com a existência e a natureza de Deus do que com a ajuda que o pesquisador da verdade poderá auferir das revelações da religião n a sua forma popular. A questão está contida n u m a outra mais ampla, qual seja a da validade d a crença em alguma autoridade, religiosa ou não. Aqui, m a i s u m a vez, se deve advertir o leitor contra o erro de confundir diferentes sistemas de dimensão no mundo do pensamento. Não se deve empregar o mesmo padrão n a medida da utilidade e da verdade. Não nos preocupa no momento o valor prático do autoritarismo; este tem s e m dúvida o seu lugar e é realmente indispensável na ordenação dos assuntos d a sociedade. E s t a m o s estudando a questão sob o ângulo
de uma dimensão muito mais alta, a d a filosofia, a d a b u s c a d a v e r d a d e derradeira, e por ora o leitor será obrigado a a b a n d o n a r p o r completo a dimensão mais baixa do pensamento; caso contrário, irá m i s t u r a r as coisas e confundir a sua mente. E é agora que a s qualificações essenciais descritas em capítulo anterior provarão o s e u v a l o r . N a verdade, sem o passaporte dessas qualificações o leitor não poderá s e q u e r franquear o limiar dessa elevada dimensão. É preciso que haja u m a r e c u s a peremptória a deixar-se i n t i m i d a r pela autoridade. Deve haver u m a atitude que i n v e s t i g u e a fundo e disseque cada u m dos dogmas propostos ao c o n s u m o ; deve h a v e r t o t a l isenção dos antigos preconceitos e das predileções i r r a c i o n a i s ditados pela hereditariedade, pelo ambiente e p e l a experiência; deve h a v e r a coragem para resistir à pressão emocional gerada pelas forças sociais convencionais, pressão esta que a r r a s t a a m a i o r p a r t e d a s pessoas n a torrente das inverdades, da dissimulação e do i n t e r e s s e egoísta. Que coisa devemos pensar quando a autoridade de u m l i v r o , bíblia, homem ou instituição é oferecida como única sanção d a v e r d a d e filosófica de alguma declaração? Devemos p e n s a r que é s e m p r e possível descobrir alhures u m outro livro, bíblia, h o m e m o u instituição que poderá ser oferecido como sanção de u m a declaração f r o n t a l m e n t e oposta! Tudo aquilo que pode ser por u m lado proposto, pode — * com ou sem justa razão — ser por outro contestado. D i f i c i l m e n t e se encontra u m princípio religioso, sociológico, económico, político, literário, artístico, metafísico o u místico n a história d a c u l t u r a antiga, medieval e moderna que não tenha ( o u não t e n h a t i d o ) a s u a contrapartida. Dificilmente haverá u m a asserção que não t e n h a sido violentamente combatida por asserções contrárias. Aquele que declara que a religião h i n d u promete n u m e r o s a s vidas terrenas ao homem será contestado por alguém que dirá: — A religião cristã promete tão-somente u m a v i d a t e r r e n a ao h o m e m . — Aquele que cita Buckle para mostrar que a história não é senão o r e s u l t a d o do esforço individual e nacional do homem, será contestado p o r alguém citando Bunsen para provar que a história é o r e s u l t a d o d a vontade f de Deus sobre o mundo. T a l oposição entre as autoridades pode prolongar-se indefinidamente, coisa que t e m acontecido através dos tempos. As religiões entrarão e m frontal contradição, os escritores promoverão sisudos confrontos de teses antagónicas, dois historiadores despudoradamente acharão que o mesmo acontecimento é p r o v a e negação de u m a finalidade no d r a m a do m u n d o ! De onde provêm esses princípios opostos e essas asserções discordantes? Invariavelmente, eles foram propostos por a l g u m a autoridade viva ou morta. Nem todos podem ser verdadeiros; muitos se elidem mutuamente. 0 investigador tímido ignora de hábito e s s a c a n h e s t r a posição, mas o corajoso irá enfrentá-la de peito aberto, pois há u m a c l a r a indicação de que e m alguma parte dessas declarações existe a l gum erro de lógica. O investigador será então obrigado a reconhecer
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aquilo que os sábios de há m u i t o e n s i n a m : que a simples palavra ae u m h o m e m — r e v e r e n c i a d o como Maomé ou odiado como Nero — não tem q u a l q u e r v a l o r p a r a o estudante de filosofia, mas precisa ser pesq u i s a d a a fundo p a r a saber-se se é verdadeira, tanto quanto precisa sê-lo a p a l a v r a de u m desconhecido qualquer. Tampouco pode qualq u e r a u t o r i d a d e i m p e d i r e m caráter permanente que as pessoas investiguem os dogmas q u e lhes são impostos. Até mesmo a formiga corre de u m lado e de o u t r o a f i m de v e r i f i c a r se as várias substâncias são de fato comestíveis! A credulidade é filha da debilidade mental: deve-se superá-la fortalecendo a f i b r a mental. S e o p e s q u i s a d o r não toma qualquer autoridade individual como f i n a l é porque t a l fonte amiúde tem-se mostrado falível e poderá voltar a sê-lo no f u t u r o . A única utilidade de t a l autoridade é como um possível i n d i c a d o r d a verdade m a s nunca como árbitro. 0 estudante não t e m o direito de aceitar certas crenças apenas porque outros as a c e i t a m o u porque a m a i o r i a as aceita. Pois, se os outros firmam suas crenças e m t a i s bases, então todos poderão haver aceitado falsidades integrais c o m o verdades. Daí ser a filosofia incapaz de dobrar o joelho ante os falíveis humanos, mas apenas ante os fatos incontestáveis. E s t a fórmula é aplicada a todos os homens sem exceção, sej a m eles r e i s coroados, iogues descalços, cardeais mi trados ou escritores aureolados por u m a f a m a suficiente para que qualquer palavra sua s e j a obedecida à risca por milhões de pessoas. A citação de milhares de sentenças não tem nenhum valor como prova filosófica, malgrado o s e u v a l o r n a existência empírica, nos numerosos casos em que as autoridades citadas são peritos em conhecimentos especializados. O método d a discordância pode ser aplicado a todos quantos apont a m d e t e r m i n a d a autoridade como final. Quando dizem a título de p r o v a que A a f i r m a t a l coisa, isso não resolve o assunto. Será sempre possível a s s u m i r u m a posição antagónica e citar B , cuja asserção será diametralmente oposta à de A. I s t o basta para demonstrar que hom e m a l g u m pode s e r tomado como autoridade final. 0 estudante em busca filosófica deve, portanto, descartar por completo a fé cega, a aceitação incondicional, a adoção fácil' da tradição e a submissão à t i r a n i a dos grandes números, porque tudo isso deve ser considerado como erros de raciocínio! Conquanto úteis p a r a a maioria dos homens no que se refere aos assuntos práticos do viver cotidiano, estas coisas não têm n e n h u m v a l o r p a r a a comprovação de uma verdade que não pode s e r defraudada. Não quer isto dizer que tais autoridades estejam sempre erradas; pelo contrário, às vezes elas têm razão. Quer dizer que as autoridades podem e s t a r erradas, que não há nenhuma garantia da sua infalibilidade. A própria ocorrência no homem do desejo de saber, a necessidade de compreender — quer n a forma de crença quer não — indica que a ignorância está igualmente presente. E m consequência, é melhor re-
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conhecer que será mais conveniente t r i l h a r u m c a m i n h o diferente, coisa que só se pode fazer começando pela dúvida. A menos que se introduza nas concepções diárias o elemento d a perguntação intimorata, não se poderá esperar obter maiores informações a c e r c a d a validade dos conhecimentos adquiridos. Não é possível atingir o ápice do conhecimento d a v e r a c i d a d e de todas as coisas se não começarmos pelo p r i m e i r o p a s s o , q u e é pôr e m dúvida a veracidade de todas as coisas! E s t a é a única f o r m a p e l a q u a l se obtém uma garantia de que todos os passos posteriormente feitos i serão seguros e de que não será preciso refazer m e l a n c o l i c a m e n t e o caminho percorrido. Importante é ressaltar que não se u s a a q u i o termo dúvida em sentido cético m a s agnóstico. Não é u m a atitude correta negar intolerantemente aquilo que n e m m e s m o compreendemos, mas é perfeitamente correto o b s e r v a r : — E u não sei. E u não v i . P o r isso não posso começar com nenhuma asserção dogmática: s e j a de afirmação, seja de negação. — T a l posição não será a d o t a d a pelas pessoas de natural impaciente, sempre prontas a a c e i t a r e m p r i m e i r a instância tudo aquilo que lhes for agradável, sempre r e l u t a n t e s e m rever opiniões apressadas e colocar perguntas pertinentes antes de aceitar u m argumento. Aqueles que se a g a r r a m à p r i m e i r a e m a i s simples das conclusões eximem-se dos aborrecidos conflitos interiores mas inconscientemente incorrem no erro do p r i m i t i v i s m o . N o f i n a l , por isso, sua atitude viciosa terá u m d i a de p r o d u z i r seus f r u t o s decepcionantes. U m espírito não-apressado é, por isso, u m a vantagem aqui. Não queremos dizer com isto que devamos nos d a r p o r satisfeitos com as nossas dúvidas, nem tampouco com o sombrio confinamento do agnosticismo. Queremos dizer que devemos t r a n s f o r m a r o nosso ato de duvidar num aguilhão a forçar continuamente u m a investigação mais profunda, e não numa gélida mão que nos desencoraje a prosseguir. Dizem os sábios que as dúvidas são de grande u t i l i d a d e , p r i n c i palmente quando somos induzidos a dissipá-las através de u m a b u s c a perseverante que nos conduza u m d i a a u m nível m a i s elevado de compreensão. Não devemos expulsá-las à força ou dissimulá-las t i m i damente. E se formos tolos a ponto de p e r m i t i r que as dúvidas interrompam toda e qualquer investigação posterior, nesse caso não teremos o direito de dogmatizar com pessimismo acerca da intangibilidade da verdade em geral, como fazem numerosas pessoas no Ocidente. Diz a filosofia oculta, contrariando a autoridade: — Recebe de boa sombra a dúvida — passo inicial no caminho da certeza — e serás salvo! — Mas isto é dito apenas àquele que p r o c u r a a verdade m a i s elevada. Para todos os outros, para todos quantos não têm tempo para u m a busca tão longa ou não têm vontade n e m capacidade p a r a encetá-la, a filosofia oculta endossa sem hesitação as injunções d a autoridade. B e m conhece ela o valor prático que t e m p a r a tais homens as instituições pré-fabricadas, que, através de l i v r o s s a c r o s e s a -
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cerdotes ungidos, dirigentes entronados e líderes empossados, irá ditar as suas formas habituais de pensar, seus hábitos de conduta e seus pontos de v i s t a básicos. Agora ficará m a i s claro por que, quando da descrição das qualificações necessárias ao pesquisador filosófico, colocou-se grande ênfase n a supressão d a arraigada tendência humana de ver as coisas pelo p r i s m a do egoísmo. Pois podemos agora observar que os autoritários de todos os tipos v i v e m tão imbuídos das cores das suas predileções pessoais e pressuposições emocionais que inconscientemente fixam l i mites p a r a as suas possibilidades de chegar à verdade das coisas. A raiz o c u l t a das suas asserções é — o ego! Estou com a razão diz u m ; não, e u é que estou com a razão, retruca outro. O E u se o c u l t a sob a ignorância gregária, os fátuos enganos e as p r i m i t i v a s incompreensões do género humano. Dentre todas as falsas crenças e enganosas ilusões que obscurecem a mente a m a i s forte é a de que tudo aquilo que sabemos, acreditamos, vemos o u endossamos mentalmente é necessariamente verdadeiro. — E u s e i l — é u m a declaração que qualquer tolo poderá fazer, como dizem os sábios, m a s se t a l conhecimento é correto isso é coisa que r a r o o indivíduo se dá ao trabalho de verificar. Por esta razão é a dúvida necessária. £ u m a característica dessa gente (e de quase toda a h u m a n i d a d e ) a c r e d i t a r que compreende cabalmente quando na realidade não o faz. Daí o fato de o sábio que inicia seu discípulo no c a m i n h o derradeiro adotar como s u a primeira tarefa a revelação desse defeito u n i v e r s a l . E l e explica que o — E u s e i ! — é a presunção consciente o u inconsciente d a humanidade e que a humildade em seu sentido m a i s verdadeiro deve ser procurada e encontrada pelo aspirante antes que este possa ensaiar o primeiro passo em frente. E a presente acepção não apenas é m o r a l como também psicológica. —- E u s e i ! — v i a de regra significa — E u acho — ou — E u sinto — ou — E u prefiro — e n e n h u m a destas expressões é u m critério válido de verdade. Daí a inadiável necessidade de pôr em dúvida aquilo que j u l gamos saber, de afastar rigorosamente as nossas imaginações, de verif i c a r as idéis e pôr à p r o v a os conceitos que com tanta veemência abraçamos e de levantar questões nos assuntos que confessadamente ignoramos. Não devemos c r e r n a crença. Pois a crença se apresenta onde a razão teme pisar. O caminho do Raciocínio. 0 estudante tem agora de retirar-se. E l e poderá voltar-se noutra direção e i r bater noutra porta: a da lógica. Todos u s a m a lógica até certo ponto. 0 pássaro, o castor e o peixe são guiados por u m instinto natural, mas o homem só se orienta à custa de u m a c e r t a dose de raciocínio. A lógica possui u m imenso v a l o r no reino do dia-a-dia; ela é capaz de ordenar os nossos pensamentos de u m a forma conveniente; é capaz de descobrir erros graves e enganos variados nas nossas peregrinações das premissas às conclusões; é capaz de nos mostrar como raciocinar. Mas i preciso
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que reconheçamos com humildade que o conhecimento teórico das leis da lógica não tem impedido os homens de p r a t i c a r erros absurdos. Os advogados são obrigados a u s a r a lógica n a s u a argumentação perante os tribunais. Mas, como o seu propósito consciente o u subconsciente é fazer triunfar a sua causa, não r a r o a verdade f i c a desfigurada no correr do processo pelo exagero de pontos pouco importantes, pela omissão de fatos desagradáveis e pelos apelos à sensibilidade do júri. Ademais, quando examinamos o repisado silogismo da lógica sob u m ponto de vista filosófico constatamos s e r ele assaz enganoso. — Todos os homens são mortais. Sócrates é h o m e m . Logo, Sócrates é mortal — E n t r e as sílabas inteiramente plausíveis deste clássico silogismo existe a gigantesca presunção de que conhecemos todos os homens que viveram no passado, todos os que v i v e m hoje e m dia e todos os que viverão no futuro: coisa de todo impossível. O silogismo começa, portanto, com u m conhecimento provado que, n a realidade, não é em absoluto u m conhecimento. Logicamente ele é perfeito, mas filosoficamente é defeituoso. Talvez se preste às l i m i t a d a s condições do uso prático cotidiano, m a s p a r a efeito da apuração final da verdade mais elevada é totalmente inaceitável. Os maiores especialistas em lógica reconhecem hoje e m d i a que esta é incapaz de produzir uma nova verdade, podendo apenas e x t r a i r aquilo que está contido nos fatos já dados. A lógica é u m instrumento imperfeito e como tal não pode produzir u m a certeza absoluta. E l a f u n c i o n a dentro de certos limites de utilidade e validade. Não pode, por isso, revelar o significado derradeiro da existência; os muros e m torno são demasiado difíceis de escalar. Acontece vez por outra que aqueles que tomam consciência desses defeitos insanáveis da lógica enveredam por u m atalho p a r a o alívio intelectual, recuando no seu desespero ou n a s u a escuridão e descendo ao vago nível do sentimento pessoal — saída que lhes parece s e r a única disponível. Aqui o intelecto poderá abdicar v o l u n t a r i a m e n t e e encontrar descanso durante algum tempo, porém, m a i s cedo o u m a i s tarde, surgirão decerto sérias decepções e gritantes contradições, como que a indicar a impossibilidade de alcançar algum alívio pela v i a fácil. Outros, sem disposição para refazer o seu caminho, começaram a abandonar os antigos métodos formais e a construir sistemas não-Aristotélicos de lógica. Estes, porém, permanecem n u m estágio a i n d a experimental. O investigador que deseja trocar a lógica por u m método m a i s elevado passará, em última instância, p a r a a etapa seguinte, que é a da razão amadurecida. Por amadurecida entende-se u m a faculdade de raciocínio que não apenas preenche rigorosamente os requisitos do fato, da indução e dedução, não apenas se mantém imparcialmente distante de toda espécie de predisposição, preconceitos, favoritismos ou egoísmos, como também aprende a operar tão livremente sobre os níveis concretos como sobre os abstratos. Segundo os sábios d a antiguidade trata-se de u m requisito preliminar à aquisição d a introvisão.
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Antes de prosseguirmos é essencial que retiremos o term da ambiguidade e da confusão que v i a de regra o cercam. Razão é a faculdade que apreende e julga a verdade, distinguindo-a da falsidade, da opinião, da imaginação ou da ilusão. Torna-se oportuno inserir aqui a definição de verdade dos sábios. Já se demonstrou que sem tal definição os homens ficam perdidos numa árida solidão de fantasias ocas, opiniões infundadas, teorias sem valor e palavras substancializadas. A definição talvez seja das mais simples, mas suas implicações são das m a i s profundas. É preciso gravá-la fundo no coração. Ei-la: VERDADE é aquilo que está acima de qualquer contradição e livre de toda dúvida; aquilo que na realidade está além da possibilidade tanto da contradição como da dúvida; aquilo que está além das modificações e da alternação do tempo e da vicissitude; aquilo que é sempre igual a si mesmo, inalterável e inalterajdo; universal e por isso independente de toda ideação humana.
O objeto dessa filosofia é u m conhecimento independente das intermináveis vicissitudes d a opinião humana. Aplicando o critério dessa definição, constatamos que toda dependência às volúveis autoridades humanas, toda crença nas palavras escritas ou faladas, toda aceitação de qualquer coisa que não seja a razão como a mais elevada instância de apelação, traz-nos de pronto para os domínios das contradições, contradeclarações, e dúvidas e por isso essas dúbias fontes de conhecimento são banidas das nossas operações. Não há certeza nelas. Por esse motivo a p a l a v r a razão não é aqui usada como mero sinonimo de árida argumentação. Os Escolásticos de outras eras empregaram a p a l a v r a nesse sentido e mostraram como as pessoas argutas são capazes de invocar numerosas razões em abono de suposições ocas. Lógica é a arte que b u s c a assegurar u m raciocínio correto, mas, infelizmente, não cuida de p a r t i r de dados corretos; ela pode e amiúde começa c o m pressupostos que não passam de fantasias ou de informações erradas. Razão é a faculdade de pensar corretamente, que proc u r a a verdade e que assegura que a sua atividade deve começar com todos òs fatos observados da experiência real. 0 lógico cujas premissas são falsas pode, não obstante, pensar corretamente e chegar a conclusões erradas. A razão evita t a l erro. T a m p o u c o é o termo usado como sinónimo de simples especulação. Os a n a i s d a metafísica estão repletos de numerosos voos da mais pura fantasia aos quais se deu u m a orientação aparentemente racional. O pensamento que ignora os fatos da experiência não é raciocínio tal como o entendemos. E o raciocínio limitado exclusivamente aos fatos da experiência pessoal também não é raciocínio no sentido mais amplo da p a l a v r a . E m b o r a tanto a lógica como a razão estabeleçam como critério que o raciocínio não deve cair em autocontradição, e que não deve ser frouxo n e m vicioso, a primeira contenta-se com fatos parei
ao passo que a última exige nada menos do que a totalidade dos fatos. 0 intelecto, que pode ser definido como a a t i v i d a d e de p e n s a r com lógica, é levado pelos desejos de cunho pessoal e pelas predisposições individuais a escolher seus dados segundo u m critério de preferência, ao passo que o raciocínio, que pode ser definido c o m o a atividade de pensar com acerto, é rigorosamente impessoal e a p a r t a asceticamente os seus sentimentos do manuseio dos fatos.
quer outro elemento do grupo científico, cujos componentes têm por conseguinte a possibilidade de concordar entre s i . Fator de inexpugnabilidade d a genuína filosofia é que apenas ela apela para a experiênc i a universal, p a r a aquilo que qualquer homem a qualquer momento e m qualquer lugar poderá verificar, desde que possua a capacidade m e n t a l necessária.
Esse arrazoado competente o u integridade i n t e l e c t u a l é r a r o . E possui, como veremos, u m a auto-expressão bifacetada. A primeira reside n a ciência, m a s é l i m i t a d a e imperfeita. A segunda existe n a filosofia, e aqui encontra o seu melhor e m a i s a m p l o desenvolvimento. Pode-se, por isso, assinalar que a ciência é o vestíbulo d a filosofia. A própria vanguarda dos cientistas modernos está começando a fazer essa descoberta, pois, façam o que fizerem c o m a finalidade de escapar, a pressão dos seus próprios resultados e a força do s e u próprio raciocínio os levam passo a passo à b u s c a do significado derradeiro de toda experiência, o que v e m a s e r filosofia.
É c o m u m entre os místicos, intuitivos e alguns religiosos criticar causticamente as cambiantes hipóteses científicas e entornar o ácido do desprezo sobre a s conquistas modernas e as aplicações tecnológicas da ciência. Ademais, quando hoje em dia estoura u m a guerra, parte dos seus horrores é atribuída também à ciência. Tudo isto trai uma confusão de pensamentos de p a r com predisposições emocionais. Se as mudanças da teoria revelam as imperfeições da ciência — como reconhecidamente o fazem — devemos admitir que revelam igualmente u m duplo objetivo interno c u j a extrema significação a filosofia prazerosamente aceita. 0 primeiro é u m a busca da verdade que ocasiona u m a propensão a trocar u m ponto de vista imperfeito por outro melhor, quando houver fatos adicionais indicando conclusivamente tais imperfeições. O segundo é u m esforço no sentido de generalizar os dados, f o r m u l a r leis universalmente compreensivas. Trata-se, na realidade, de u m a tentativa de i n c l u i r a multidão n a unidade, de receber a diferenciada miríade das coisas n u m a única e grandiosa unidade. São características que, ao f i m e ao cabo, trarão o exército em marcha dos cientistas p a r a o sempre receptivo acampamento dos verdadeiros filósofos.
Poder-se-á objetar que os antigos h i n d u s j a m a i s c o n h e c e r a m a ciência* tal como hoje a entendemos. A objeção será c o r r e t a desde que se faça referência ao método experimental inaugurado p o r B a c o n , mas os sábios de então conheciam o princípio científico d a verificação e o valor filosófico da observação que são elementos essenciais d a s suas doutrinas.
N o que tange às acusações de que a ciência torna piores as guerras, pode-se dizer que — assim como todas as demais coisas — ela tem seus aspectos luminosos e escuros, suas agradáveis vantagens e suas repelentes desvantagens. S e a ciência nos deu explosivo de alta potência e aviões de caça, deu-nos também o conforto da luz elétrica e do aquecimento central.
Tanto o cientista quanto a místico p a r t i l h a m deste fator c o m u m : o cansaço das crenças cegas e a vontade de chegar à comprovação d a experiência. P o r isso ocupa o m i s t i c i s m o u m l u g a r tão elevado n a escala da evolução mental, além da fé, da intuição e d a lógica. C e r t a s diferenças importantes devem, contudo, s e r salientadas. O místico busca e considera satisfatória s u a própria experiência, enquanto o cientista não se satisfaz com a validade da s u a experiência pessoal mas procura também a experiência de u m número m a i o r de indivíduos. Daí ser mais ampla a s u a verificação. Ciência é colaboração; seus resultados são os resultados dos esforços de grupos, como os biólogos, químicos ou físicos. Fraqueza irremediável do m i s t i c i s m o é que s u a validade repousa naquilo que u m homem sente e encontra no seu intimo, região inacessível aos outros, e, por isso, a m a i o r p a r t e d a s suas descobertas não pode ser comprovada. Força admirável d a ciência é que a s u a validade repousa naquilo que está acessível n a N a t u r e z a ou nos laboratórios, sendo por isso passível de verificação p o r q u a l -
Não se deve c u l p a r a ciência porque alguns homens são demasiado tolos o u demasiado imorais p a r a usá-la como de direito. A ciência é inteiramente n e u t r a . Os mesmos explosivos químicos que podem mand a r pelos ares todo u m pelotão de homens podem também fertilizar o solo e ensejar o aparecimento de novas colheitas, O mesmo motor de combustão i n t e r n a que aciona u m letífero tanque de guerra pode também acionar u m veículo de transporte coletivo. A mesma emissora de rádio que enche as cabeças dos homens com mentiras, ódios e propaganda tendenciosa pode também divulgar verdades sublimes, grandiosas e i n s t r u t i v a s . As invenções científicas invadiram o século vinte como u m a enchente. O conhecimento científico tanto pode ser bem como m a l empregado pelos homens, mas os seus notáveis progressos náo podem s e r detidos. T a l conhecimento veio para ficar. Trata-se do mais notável fenómeno d a nossa e r a . Nós somos obrigados a aceitá-lo. Os místicos talvez tentem ignorá-lo m a s não lograrão êxito. Nenhum ho-
Apenas quando o pensamento não é apenas rigidamente lógico m a s também rigidamente impessoal; apenas quando é levado aos seus extremos e sempre baseado em fatos u n i v e r s a l m e n t e válidos — q u e podem ser comprovados tanto nos desertos do N o r t e d a África como nas ruas de Nova Iorque e que daqui a dez séculos continuarão tão verdadeiros como agora — apenas então merece ele a a l t a n e i r a designação de razão.
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mem moderno pode passar u m a s e m a n a sequer s e m se s e r v i r u m a centena de vezes dos frutos d a pesquisa científica. E não será melhor escravizar máquinas de aço ao invés de homens gemebundos? Outro hábito corrente entre os místicos orientais, dos quais Gandhi é u m excelente exemplo, é denunciar tudo quanto é moderno em favor daquilo que é medieval e, consequentemente, a t r i b u i r u m a origem satânica à ciência e u m a origem celestial às f o r m a s p r i m i t i v a s de cultura e civilização. Não é necessário p r o c u r a r m u i t o p a r a obter a resposta, pois o próprio G a n d h i não hesitou e m r e c o r r e r aos m a i s recentes métodos da cirurgia p a r a livrar-se do seu incómodo apêndice; os iogues não pensam duas vezes p a r a e m b a r c a r nos modernos trens que os levam p a r a perto dos seus retiros no sopé do H i m a l a i a ; peregrinos atopetam entusiasticamente os caminhões à g a s o l i n a q u e o s transportam através das planícies e m demanda das cidades s a n t a s ; e até mesmo os críticos que f o r m u l a m tais denúncias fazem-no usando canetas-tinteiros e papel produzido e m fábricas, p a r a depois mandá-las a u m a impressora a f i m de que sejam tiradas m u i t a s cópias dos seus escritos! A ciência ocupa assim o seu inevitável l u g a r e m suas vidas, por mais ingratos que sejam aqueles a quem está servindo. A capacidade de prejudicar a humanidade através das guerras, conquanto lamentável, pode ser removida unicamente de u m a m a n e i r a , isto é, trazendo a verdade filosófica p a r a a alçada d a h u m a n i d a d e . Torna-se necessário fazer agora u m a advertência conhecida dos psiquiatras militantes e dos psicólogos p r o f i s s i o n a i s . ! A faculdade do raciocínio pode ser bastante desenvolvida no que r e s p e i t a a s u a aplicação a u m a esfera especial de interesse, e, contudo, no m e s m o h o m e m pode ser quase que inteiramente não-utilizada ou, quando m u i t o , pouquíssimo usada quando se t r a t a r de u m a esfera diferente. É o conhecido fenómeno denominado esquizofrenia. P o r exemplo, u m hom e m poderá ter-se guindado rapidamente a u m a posição de relevância dentro do seu campo de atividade graças ao uso efetivo d a razão e, no entanto, tão logo suas atenções se v o l t e m p a r a o u t r o s assuntos não haverá crenças suficientemente tolas p a r a que ele não as a c e i t e ! É muito possível que o mesmo homem s e j a u m a criança e m assuntos religiosos e u m adulto e m matéria de negócios; daí poder s e r múltiplo do ponto de v i s t a mental e uno do ponto de v i s t a físico! A mente pode estar dividida e m compartimentos de ideias, u m dos quais será eficiente e o outro, por obtuso ou m e s m o defeituoso, permanecerá inteiramente isolado do p r i m e i r o . Determinados juízes e estadistas de comprovada argúcia e x i b i r a m h i s t o r i c a m e n t e essa curiosa enfermidade mental, quando, por exemplo, s u a razão recusou-se a discutir as bases da religião tradicional. E s s e m a l do compartim&ntalismo mental decorre de u m a recusa, consciente ou não, e m u s a r a razão quando no trato de determinados assuntos. E m consequência testemunhamos o doloroso espetáculo de u m h o m e m sensato valendo-se de recursos ridículos p a r a defender crendices ridículas. A s pessoas
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costumam cometer o engano de acreditar que por possuir um nomen u m a grande capacidade n u m determinado terreno, ou por desempenhar-se ele com eficiência de u m cargo público, suas opiniões nos assuntos estranhos à s u a esfera de atividade profissional têm o mesmo valor. O que não se sabe é que a insanidade pode localizar-se em determinados setores da mente, por assim dizer. A esquizofrenia é muito encontradiça entre os dementes. Mas há vários graus de demência. Apenas quando u m a pessoa demente se torna perigosa p a r a os seus semelhantes ou prejudicial a si mesma é ela rotulada como t a l e recolhida a u m hospício. Numerosas pessoas não se enquadram nessa categoria mas são suficientemente desequilibradas p a r a serem parcialmente dementes, embora nem elas próprias n e m a sociedade de modo geral se dêem conta disso. Não é exagero a f i r m a r que as guerras, crimes, ódios, conflitos e lutas sociais que afligem o mundo se devem a que a maior parte da humanidade é mais ou menos demente. E , de acordo com o ensinamento oculto, apenas os sábios conseguiram u m a sanidade completa e u m equilíbrio integral! A demência tende a desenvolver-se gradualmente. Aquilo que princ i p i a como u m a branda e inócua forma de crença supersticiosa pode evoluir p a r a u m completa impossibilidade de conduzir os assuntos corriqueiros d a v i d a . A tentativa de j u s t i f i c a r fantasias sem base ou ingénuas superstições herdadas através de u m a demonstração lógica plausível é racionalização. O esforço de pensar rigorosa e impessoalmente sobre os fatos é arrazoar. A diferença entre ambas as coisas pode ser observada nos casos de numerosos homens públicos. A p a l a v r a razão parece ser tão familiar, apresenta-se com tanta frequência n a arenga dos oradores e n a pena dos escribas, que o leitor que ansiosamente aguardava alguma nova revelação irá provavelmente desapontar-se agora. E l e terá alimentado a esperança de que talvez os sábios do E x t r e m o Oriente, na qualidade de elite da evolução mental e ética d a humanidade, tenham desenvolvido u m novo órgão de conhecimento, algo que o restante da ronceira humanidade irá decerto desenvolver em épocas futuras. Tais esperanças serão amplamente gratificadas, quando os mais altos mistérios da meditação ultramística forem revelados no segundo volume desta obra. Esse novo órgão existe. É a introvisão ultramística. Mas não pode ser desenvolvido sem a evolução p r e l i m i n a r da corriqueira, batida e comentada faculdade da razão. V e j a m o s . S e r i a m os sábios suficientemente tolos e desavisados a ponto de propor u m instrumento de conhecimento que na aparência foi exaustivamente provado pelos gregos e continua a sê-lo pelos cientistas e filósofos euro-americanos, mas que em nenhum dos casos conduziu a qualquer solução do problema do mundo, o qual parece fadado a permanecer p a r a sempre u m objeto de controvérsia; seriam 155
tais sábios ridículos a ponto de designar como perfeito u m i n s t r u m e n t o desse tipo? A resposta é que tanto o grego antigo como o moderno pensador têm contra si três acusações principais por esse f r a c a s s o : ( a ) — deixar de coletar dados completos, ( b ) — ignorância d a aplicabilidade da lei da relatividade não apenas aos fenómenos físicos observados mas também aos fenómenos psicológicos observados e, a f i n a l , à mente do observador propriamente dita. ( c ) — d e i x a r de l e v a r s u a l i n h a de raciocínio até o extremo limite, e x a u r i n d o destarte possibilidades ainda desconhecidas. São acusações de peso, m a s é p r e c i s o que sej a m demonstradas. Não obstante, mesmo que as três incorreções fossem corrigidas, ainda assim a verdade p e r m a n e c e r i a f o r a do alcance do investigador científico médio a menos que este estivesse disposto a disciplinar-se de alguma forma. I s t o feito, porém, a m e n t e h u m a n a , escoimada do seu egoísmo inato, perfeitamente concentrada, aguçada para as sutilezas mais metafísicas e abstraída no intenso devaneio d a autoobservação intencional, poderá a f i n a l esperar conseguir u m a i n trovisâo única da real natureza das coisas, do significado d e r r a d e i r o da existência universal e da verdade o c u l t a do seu próprio e misterioso ser. A primeira acusação poderá ser agora j u s t i f i c a d a . A filosofia ocidental não tem honrado o seu credo. Aquilo que m a i s t e m atraído através dos tempos os homens reflexivos e as mentalidades generosas para o estudo da filosofia é talvez a s u a pretensão de p r o c u r a r (sendo a única a fazê-lo entre todos os ramos da c u l t u r a h u m a n a ) u m a visão compreensiva da vida como um todo. Contudo, é estranhável que toda a tradição histórica da filosofia grega, europeia e a m e r i c a n a t e n h a negligenciado por completo e m suas investigações u m aspecto d a v i d a tão importante que ocupa nada menos do que u m terço d a duração da existência humana. Referimo-nos à condição do sono. Os poucos que e s t u d a r a m o assunto foram psicólogos ou médicos, e não filósofos, e, consequentemente, não se interessaram senão p o r alguns limitados aspectos físicos do sono. Não é, portanto, de surpreender que os pensadores ocidentais não tenham chegado a u m a solução quanto ao p r o b l e m a d a existência, quando todos eles deixaram de investigar o problema do sono, contentando-se com u m a visão fragmentária e incompleta da v i d a , e m b o r a sua preocupação como filósofos fosse investigar o p a n o r a m a e m s u a totalidade! Não devemos ficar espantados de h a v e r e m eles divagado de maneira tão inconsequente, pois, sem os fatos a serem elucidados por t a l investigação, estavam insuficientemente equipados p a r a a s u a ambiciosa tarefa e fadados a retornar frustrados ao ponto de p a r t i d a , à maneira do tigre mutilado que e r r a e m círculos p e l a floresta*sobre suas três patas sãs. Como poderiam t e r eles coberto e m pensamento toda a nossa complexa v i d a h u m a n a quando aquela v a s t a porção gasta
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no sono — tranquilo ou agitado — e r a considerada como demasiado insignificante p a r a merecer algum estudo, quando toda a sua atenção voltava-se, de f o r m a i n j u s t a , tão-somente para o estado desperto? T a l perspectiva e r a por inteiro inadequada ao desiderato que se propun h a m e a derrota desenhava-se, por isso, certa já nos inícios da batalha pela verdade. N e n h u m sistema de pensamento que exclua o estudo do sono poderá s e r concludente; pelo contrário, a probabilidade maior é que as suas conclusões v e n h a m a ser erróneas, defeituosas ou imperfeitas. Se a ciência deve evoluir p a r a a filosofia, e se a lógica deve evoluir p a r a a razão, é preciso que os três estados d a existência sejam incluídos n a órbita dos estudos. Deve-se creditar aos poucos conhecidos sábios h i n d u s o fato de que n u m a época e m que a civilização europeia a i n d a engatinhava eles já h a v i a m captado esse importante aspecto d a v i d a e já e n s i n a v a m aos seus atentos discípulos que a l i estava a chave p a r a os m a i s profundos mistérios do s e r ; e a matéria descle cedo foi incluída entre os seus estudos filosóficos. Realmente, os sábios h i n d u s a f i r m a v a m que u m a investigação da natureza e das implicações do sono e r a essencial, pois t a l fenómeno da vida era de grande importância p a r a a compreensão do estado desperto. E x i s t e no Ocidente u m a ideia corrente porém desculpável de que apenas os indivíduos primários necessitam d a r atenção aos sonhos e de que as mentes científicas nada têm a aprender com o sono profundo. A superficialidade deste ponto de vista será amplamente de monstrada quando o assunto vier a ser tratado e m detalhe. O u t r a desvantagem dos filósofos bem como dos cientistas ocidentais não reside apenas n a insuficiência dos dados mas também na imperfeição do s e u instrumento. A ferramenta com a qual u m filósofo p r e c i s a t r a b a l h a r é a s u a mente. Os sábios antigos não permitiam que u m h o m e m iniciasse os estudos filosóficos enquanto sua mente não estivesse devidamente preparada e e m condições de funcionar c o m eficiência. A fase preparatória consistia de u m curso prático da ioga d a concentração m e n t a l , v i a de regra combinada com u m curso paralelo de auto-abdicação ascética. Ambos os cursos, porém, eram em geral temporários e se prolongavam apenas n a medida em que e r a m necessários p a r a colocar as faculdades mentais n u m grau aceitável de capacidade de concentração e p a r a colocar o caráter do aluno n u m g r a u de isenção suficiente p a r a empreender a difícil tarefa da reflexão filosófica. Os pensadores ocidentais fizeram tentativas admiráveis, mas frac a s s a r a m e m parte porque não dispunham dessa mentalidade iogu p u r i f i c a d a e controladora, necessária p a r a a b r i r as portas da verdad A f a l t a de dade de certos plicações m a i s les c i e n t i s t a s e
u m curso de ioga responde igualmente pela incapa cientistas ocidentais de destaque para chegar às i plenas das suas próprias descobertas. Por isso, aqu filósofos que não a d q u i r i r a m os duradouros beneffc?
mentais do exercício místico ( e m oposição às visões e sentimentos passageiros) terão de reexaminar a s u a conduta e t r a t a r de adquiri-los. T a l deficiência é até certo ponto responsável p e l a s e g u n d a acusação contra eles assacada, pois entre todos os seus t r a b a l h o s de investigação eles não foram capazes de descobrir — conforme se demonstrará no segundo volume — que o seu próprio ego i n t e r f e r i u e m s e u trabalho, conquanto relativo, passageiro e objetivo c o m o todos os demais fenómenos por eles observados; ademais, o ego impediu-os, e m sua maioria, de ver a sutil verdade d a n a t u r e z a m e n t a l de todos os fenómenos, seja do mundo exterior s e j a do ego i n t e r i o r . A justificação da terceira acusação será também a m p l a m e n t e fornecida n u m volume posterior, m a s bastará p o r o r a a s s i n a l a r q u e apesar das descobertas de Heisenberg, autor d a Lei da Indeterminação, e das de M a x Planck, formulador d a T e o r i a dos Q u a n t a , n e m u m só líder do pensamento euro-americano ousou t o m a r u m a posição corajosa e decisiva relativamente à questão d a Não-Causalidade. Peio contrário, tais homens mantêm-se todos n a d i v i s a que s e p a r a a v e l h a e conhecida lei d a causação do novo, estranho e revolucionário p r i n cípio cuja aceitação integral t r a n s f o r m a r i a i n v o l u n t a r i a m e n t e os cientistas em filósofos consumados I No entanto, a física, n a qualidade de mais v i r i l das ciências modernas, tomou de c e r t a f o r m a a i n i c i a t i v a e tem lançado olhares hesitantes n a direção d a filosofia, s u a a t u a l v i zinha e região p a r a a qual e l a será u m d i a obrigada a r u m a r . Pensamento, Intuição e Misticismo. O estudante p r e c i s a calçar os sapatos e deixar o recinto da fé cega, d a lógica p u r a e das limitações racionais. P a r a onde deverá i r ? A p r i m e i r a reação à dependência dos outros é a dependência de s i mesmo. S u r g e m a s s i m referências aos sentimentos pessoais alheias às da experiência e x t e r n a , i n t u i t i v a e interna. O estudante passa assim p a r a o segundo g r a u d a inteligência humana, onde o conhecimento que lhe é oferecido p a r e c e s e r s u perior à fé cega. Aqueles que estão fartos das contradições d a s e r v i l dependência aos outros voltam-se por vezes p a r a essas fontes pessoais e a l i encontram, ao que parece, u m a renovada certeza e u m a satisfação que parece liberá-los daquela duvidosa dependência. E x e m p l o s disto, nós os encontramos e m K a n t , c o m o seu imperativo categórico i n t e r i o r no campo da m o r a l ; em H i t l e r , que só reconhecia como correto a q u i l o que julgava ser melhor p a r a s i ; no D r . F r a n k B u c h m a n , cujos grupos oxfordianos dedicam-se a escutar durante a hora do silêncio mensagens intuitivas p a r a orientação de suas atividades m u n d a n a s . Intuição é u m pensamento ou ideia que surge espontaneamente e é aceito sem hesitações pelo ego. A intuição surge por s i m e s m a n u m a fração de segundo, permanece independentemente d a n o s s a volição e some sem pedir permissão. E l a pode esclarecer-nos n u m relance a real natureza de u m a coisa, pode traduzir-se n a previsão de alguiii acontecimento futuro ou n a descrição de algo ocorrido n u m
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passado longínquo o u ainda — o que é mais comum — pode fornecer u m a orientação imediata quanto à atitude a ser tomada em face das circunstâncias do momento. Será possível f i x a r aqui u m a fonte que por si só produza u m conhecimento seguro a c e r c a do objetivo da existência e do significado do u n i v e r s o ? Infelizmente 1 u m a pequena pesquisa histórica em pouco tempo trará à b a i l a a desconcertante informação de que os intuitivos de todas as eras divergiram entre s i em suas conclusões finais, t i v e r a m u m a orientação espontânea absurdamente contraditória e atreveram-se a fazer declarações que o tempo encarregou-se de dem o n s t r a r falsas. N e m todas as suas predições deixaram de cumprir-se, n e m todas as suas intuições foram vãs; houve n a verdade notáveis exemplos e m que as palavras se j u s t i f i c a r a m amplamente e se demonst r a r a m corretas. A descoberta de surpreendentes invenções tecnológicas e de leis científicas da maior utilidade surgiu por vezes de forma i n t u i t i v a e espontânea durante momentos de repouso ou devaneio. M a s t a i s exemplos f o r a m relativamente tão poucos que a ninguém é dado a s s e g u r a r a priori a infalibilidade de qualquer dessas declarações. P o r outro lado, os exemplos de discordância, não-realização, propensão emocional e indiscutível abandono dos fatos conhecidos foram tão numerosos que somos obrigados a reconhecer, contrafeitos, que o chão pisado pelo i n t u i t i v o é incerto e inseguro. Se o seu guia interior serviu-o s e m e r r a r algumas vezes, não há nenhuma garantia de que continuará a s e r a s s i m . P o r que isso? Porque os sentimentos fortes, os complexos inconscientes, os impulsos repentinos e o desejo que é pai do pensamento são de hábito confundidos com as genuínas intuições. Apenas aqueles poucos que adotaram a disciplina filosófica são capazes de d i s t i n g u i r todas essas pseudo-intuições das verdadeiras. Como, porém, a pessoa c o m u m raro adotou a disciplina filosófica, frequentemente é e l a i l u d i d a por algum engodo no exato momento em que a c r e d i t a e s t a r sendo dirigida pela intuição, coisa n a verdade tão m a r a v i l h o s a quanto i n c o m u m . Não obstante,/quando a verdadeira faculdade i n t u i t i v a realmente se apresenta, ela se demonstra mais valiosa que q u a l q u e r outra, m a i s profunda que o raciocínio e mais digna de confiança como guia./? A ilustração histórica do fato encontra-se em R a l p h Waldo Emerson, c o m o seu simbólico
influxo
da mente
divina na nossa mente,
em
J . Boehme, c o m a súbita iluminação que adquiriu através dos transes que a s s i n a l a r a m a s u a v i d a , e e m E m m a n u e l Swedenborg, com suas estranhas visões de homens e mulheres falecidos em seus ambientes celestiais o u no purgatório. A experiência mística é por vezes espontânea m a s v i a de regra é auto-induaida. Neste último caso decorre ela d a prática d a concentração mental ou de u m a intensa aspiração emocional ou d a atenção interiorizada transformada numa condição de devaneio o u mesmo de transe. Durante tais estados poderão sur» gir n a mente visões extraordinariamente vívidas de homens, aconteci159
mentos ou lugares; o místico, se b e m que só ele, t a l v e z ouça vozes, e tais vozes poderão trazer-lhe u m a mensagem, u m a advertência, u m a série de instruções ou u m a revelação r e l i g i o s a ; até m e s m o D e u s poderá ser sentido como u m a presença próxima e s u b l i m a d o r a ; o místico, poderá sentir-se arrebatado no espaço c o m o p o r vezes acontece em sonho aos não-místicos, de modo que lhe é possível fazer v i s i t a s mentais a locais, pessoas e esferas distantes. O u poderá a i n d a chegar ao clímax em glorioso êxtase, o q u a l será violento e erótico ou sereno e beatífico, m a s será encarado como o s i n a l d a e n t r a d a n u m reino mais elevado do ser, v i a de regra c h a m a d o de espiritual, alma, realidade divina e assim por diante. No entanto, não devemos aceitar falsificações d a s m a r a v i l h o s a s realidades de tais experiências. E m p r i m e i r o lugar, e m p r e g a n d o u m critério consistente, vejamos até que ponto os místicos não se c o n t r a dizem entre s i . S e m fazer alentadas incursões n u m t e r r e n o controverso, pode-se dizer concisamente que não se deve p e n s a r q u e o m i s t i cismo seja u m a experiência tão privilegiada que a s e u respeito todos os místicos estejam sempre de acordo. Longe disso. A s s i m c o m o o s homens de religião — desde o m a i s tosco campônio até o m a i s r e f i nado pregador — v a r i a m bastante e m c a l i b r e pessoal e p e r s p e c t i v a mental, assim também existem diferenças entre o s místicos e é fácil constatar que, tirante os cinco princípios já mencionados e m capítulo anterior, até mesmo os místicos t r a e m e m suas p a l a v r a s e atos a inexistência de u m a unanimidade entre eles. Malgrado a s d i v e r s a s a n a logias em suas doutrinas e práticas, há também n u m e r o s a s e insanáveis diferenças entre elas. E n q u a n t o a m a i o r i a gasta u m bocado de tempo desencravando problemáticos significados esotéricos e n t e r r a dos nas escrituras, u n s poucos desdenham as e s c r i t u r a s e têm t a i s práticas n a conta de acrobacias intelectuais e não de descobertas espirituais, sustentando que o tempo s e r i a m e l h o r empregado n a m e d i tação sobre s i mesmo. E n q u a n t o a m a i o r i a agarra-se de a l g u m a f o r m a ao nome de u m personagem sagrado como Jesus o u K r i s h n a , alguns declaram que pouco i m p o r t a a quem estejam seguindo desde que sint a m a presença da divindade. As doutrinas a c e r c a das q u a i s discordam estão repletas de prolíficas fantasias e são m u i t o m a i s n u m e r o s a s do que os cinco requisitos essenciais acerca dos quais tendem a s e r uníssonos. Aqueles que contestam este fato — pessoas e m s u a m a i o r i a b e m intencionadas, m a s despidas de espírito crítico — d e v e r i a m t e n t a r i m a ginar u m conclave dos seguintes famosos místicos encerrados n u m a sala até que conseguissem chegar a u m a total unanimidade de pontos de vista ( s e r i a t a l coisa realmente possível?): Cornélio Agrippa, que mesclou a piedade mística com u m a magia e s t r a n h a ; E m m a n u e l S w e denborg, que conversava familiarmente com anjos e espíritos; S . S t y l i tes, que permaneceu muitos anos sentado no topo de u m p i l a r de pedra, mortificando-se; Anna Kingsford, que confessava abertamente
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m a t a r pela força do pensamento os vivisseccionistas a f i m de s a l v a r a v i d a dos a n i m a i s ; Miguel Molinos, que impregnou de toda a emotividade e s p a n h o l a a s u a união c o m Deus; E l i p h a s L e v i , que aplicou curiosas interpretações cabalísticas à teologia católica; Jacob Boehme, que foi p r e s a de t r a n s e entre os remendos d a s u a velha sapataria; H u i K o , que e n s i n o u aos camponeses chineses o seu misticismo e foi cruelmente m a r t i r i z a d o p o r i s s o ; e W a n g Y a n g Ming, que descobriu no próprio coração u m m u n d o d i v i n o ! A limitação o c u l t a e a fraqueza desconhecida do misticismo é que não se t r a t a de u m a b u s c a d a verdade definitiva e s i m de u m anseio de experiências emocionais. P o r isso, o místico preocupa-se mais e m ter os seus sentimentos t e m p o r a r i a m e n t e apresados n u m a grande paz o u t e m p o r a r i a m e n t e espicaçados p o r u m a grande visão o u temporariamente exaltados p o r a l g u m a mensagem o r a c u l a r de caráter pessoal. Daí a filosofia abordá-lo o u assustá-lo c o m a pergunta: — Como sabe que a fonte d a s u a comunhão é de fato Deus o u a Realidade, Jesus ou Krishna? Mas ele se recusará a o u v i r qualquer crítica, por procedente que seja, a respeito d a possível irrelevância das suas conclusões. E insistirá e m fazer do fato indiscutível d a s u a própria experiência o critério discutível d a s u a validade. I n t e i r a m e n t e inevitável e humano é que e m tais circunstâncias ele se deixe empolgar pelo sentimento de extraordinária imediação do acontecimento e pela força das suas inusitadas exaltações a ponto de d a r m a i o r importância ao que é menos essencial e que isto lhe baste, s e m maiores investigações da natureza oculta e d a v e r a c i d a d e d a d i t a experiência. O valor d a meditação p a r a a paz interior, o êxtase sublime e a auto-absorção i n t e g r a l é imenso. Mas o seu valor para a busca da verdade e d a realidade, s e m o auxílio da filosofia, é coisa bem dife-^ rente e r e q u e r c u i d a d o s a investigação por parte de inteligências criticas e i m p a r c i a i s dotadas de senso das proporções e de argúcia filosófica — qualidades quase sempre ausentes da constituição do místico. O êxtase é n a verdade u m a f o r m a de satisfação pessoal, mas não é n e m u m completo critério de realidade n e m u m a prova adequada da verdade. Pois qualquer tipo de satisfação, por mais nobre que seja, não é e m absoluto u m a p r o v a d a verdade. De fato, quanto mais calorosos f o r e m os sentimentos de u m homem e quanto mais caloroso for o seu entusiasmo, tanto m a i s ele deverá esfriá-los e refreá-los a fim de e x a m i n a r a experiência de u m a forma imparcial e impessoal. Se esta for v e r d a d e i r a , n a d a perderá com t a l exame, mas se for falsa, a c a l m a do h o m e m será de grande valia n a constatação da falsidade. Ademais, nós nos deparamos com a insuperável dificuldade de que é impossível v e r i f i c a r a experiência interna de u m outro homem, porque de hábito é impossível e n t r a r diretamente n a mente alheia. Até mesmo a transmissão de pensamento e a leitura de pensamento, conquanto genuinamente possíveis, são ainda raras e imperfeitas.
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podemos fazer inferências, i m a g i n a r c r i a t i v a m e n t e e tecer c o n j e t u r a s , mas não é o mesmo que p a r t i c i p a r r e a l e p e r f e i t a m e n t e do conhecimento e da experiência i n t i m a de u m o u t r o h o m e m , c o i s a s q u e necessariamente estão fora do alcance h u m a n o . A s s i m , q u a n d o u m místico afirma haver visto Deus, nós não temos m e i o s irrefutáveis de confirm a r ou desmentir s u a visão. Não há t r a n s m i s s i b i l i d a d e . M e s m o que consigamos reproduzir mentalmente t a l visão, tratar-se-á então d a nossa própria reprodução e j a m a i s poderemos c o l o c a r lado a l a d o a m bas as visões e aferir as suas semelhanças. M e s m o reconhecendo a eventual exatidão do conhecimento especial ganho através d a meditação, infelizmente não é possível p a r a a m a i o r i a dos h o m e n s e m o u t r a s partes do mundo ter a certeza de d u p l i c a r d a m e s m a m a n e i r a a m e s m a descoberta por s i próprios: é preciso que eles a p e l e m p a r a a fé p u r a e simples o u se esqueçam por completo deste método. Daí s e r a experiência mística estritamente i n d i v i d u a l e p o r t a d o r a de u m a certeza apenas pessoal. A s s i m sendo, a ausência d a c e r t e z a u n i v e r s a l encontrada entre os homens de fé é agora e n c o n t r a d a e n t r e os h o m e n s de visões. Onde a garantia de que aquilo que agora e n c a r a m c o m o o m a i s elevado dos estados, como a realidade f i n a l , não será m a i s t a r d e substituído por outra coisa? Goethe a s s i n a l o u c o m m u i t a p r o p r i e d a d e q u e : — o misticismo é o escolástico do coração e o dialético dos s e n t i m e n t o s . Todo o nível e m que opera é o do sentimento não p r o v a d o . M a s como saberá o místico o u o iogue que aquilo c o m q u e e n t r o u e m contato durante a meditação é a realidade d e r r a d e i r a ? — E u s e n t i , portanto deve ser r e a l — eis u m a atitude generalizada e n t r e os místicos que nunca se dão ao trabalho de investigar. E l e s a d m i t e m a r e a l i d a d e dos seus sentimentos porque estão de t a l f o r m a ligados a eles q u e não enxergam a diferença entre a existência aparente de u m a c o i s a e a realidade provada, ou entre aquilo que parece s e r e a q u i l o q u e é. C o m o poderão saber que atingiram o estado de conhecimento m a i s elevado? Por que u m a paz extraordinária haverá de s e r g a r a n t i a suficiente p a r a o estado da verdade? P o r que haverá de s e r u m sinónimo de onisciência? Ê perfeitamente justificável colocar questões d e s s a o r d e m , pois, ao fazê-lo, estamos prestando u m duplo serviço: a nós m e s m o s e à verdade. Os adeptos d a meditação que n a s u a t r a n q u i l i d a d e encontraram a verdade derradeira deveriam fazer u m a p a u s a p a r a i n dagar se se trata realmente d a verdade, a i n d a que t a l p a u s a se prolongasse por vários meses o u mesmo p o r toda a v i d a . U m a vez que os místicos não penetram além dos seus sentimentos, por mais exaltados que possam ser estes, somos obrigados a c o n c l u i r que toda a espécie de conhecimento de que eles nos dão notícia a p a r t i r d a sua meditação talvez não represente a verdade d e r r a d e i r a . P o r quê? Porque os sentimentos são volúveis; aquilo que a g o r a se t e m por verdade poderá ser amanhã repudiado p o r falso. Até Plotino, que é saudado pelos antigos místicos e pelos modernos teosofistas como u m a das m a i s ilustres figuras das suas hostes, confessou q u e a m a i s
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a l t a realização mística não produz qualquer emoção, visão ou preocupação do belo. Não fosse ele discípulo de Amónio e talvez j a m a i s chegase a e s s a conclusão. Pois a escola de Amónio em Alexandria ensin a v a tanto o m i s t i c i s m o como a filosofia, sendo esta última, contudo, r e s e r v a d a p a r a a classe m a i s adiantada e baseada, como já se explicou, n u m a tradição de iniciação proveniente em última análise da índia. — Que desejas? — perguntou R a m a k r i s h n a , o ilustre sábio que r o m p e u a escuridão d a Índia no século dezenove. Replicou seu famoso discípulo S w a m i V i v e k a n a n d a : — Desejo permanecer imerso em transe místico durante três ou quatro dias a fio, quebrandoo apenas p a r a alimentar-me. — E R a m a k r i s h n a emendou: — És u m tolo! Existe um estado
muito
mais
elevado
do que esse.
N o s s a b u s c a de u m a fonte válida de conhecimento só poderá term i n a r apenas quando s u r g i r u m conhecimento universal e permanentemente inalterável, que seja sempre o mesmo e obedeça às mesmas leis de comprovação e m todas as épocas e condições, e não durante a meditação apenas. Há, contudo, ao nosso alcance tuna o u t r a forma de comprovar a o b r a d a orientação mística. Pensemos no número das declarações místicas que p a s s a m s e m contestação, no número das que não encontram contrapartidas, no número das que se s i t u a m além de quaisquer dúvidas. Que os anais d a ciência cética e da religião ortodoxa dêem u m a resposta! Torna-se, portanto, claro que como fonte de conhecimento certo a experiência mística o u iogue não merece confiança. S e u valor princ i p a l existe p a r a aquele que a pratica, mas não p a r a a sociedade e m geral. E m consequência, apenas quando u m discípulo já superou todas a s p r e l i m i n a r e s d a autodisciplina pessoal e completou u m extenso c u r s o de meditação pode ser ele considerado apto p a r a a iniciação nos m a i s altos mistérios do conhecimento além da ioga. Então o estudante do c a m i n h o derradeiro que tiver a sorte de contar com u m professor p a r t i c u l a r irá notar que este último começará a instilar certas dúvidas e m s u a mente. I s t o se faz de forma tão sagaz e cuidadosa que o discípulo será gradual e imperceptivelmente levado a passar da sua posição a t u a l p a r a u m a m a i s elevada. Nada acontece de forma súbita e violenta, caso contrário o aluno perderia a fé n a sua posição atual s e m conseguir e m t r o c a encontrar esperança n u m a mais nova e sólida posição. A modificação é conseguida com o mestre fazendo certas observações indiretas e colocando certas perguntas enigmáticas perante o aluno, de m a n e i r a que a mente deste último comece a adquirir nova força e tornar-se m a i s lúcida até que determinadas dúvidas se apresentem espontaneamente. Quanto mais submeter-se a essa disciplina d a dúvida tanto m a i s tenderá o aluno a deixar de lado velhas atitudes mentais. E l e adquirirá a coragem de contestar suas próprias experiências e reexaminá-las à l u z de u m novo ponto de vista. Apenas por essa f o r m a poderá interpretar-lhes acertadamente o significado. De-
pois começará a notar a insuficiência das suas conquistas, a não-validade das suas crenças e as limitações das suas práticas. A s ilusões que porventura o dominavam começarão a perder a s u a força. M a s o mestre irá aconselhá-lo a não descansar enquanto todas a s dúvidas não se houverem dissipado. A presente análise não significa que devamos desprezar a meditação ou ignorar as experiências do místico por carentes de v a l o r . P a z , tranquilidade e êxtase não são coisas s e m v a l o r . Cético a l g u m poderá negar que de quando e m quando o místico a s alcança. N e m o sábio nem o novato precisa afastar essas e o u t r a s satisfações, m a s o primeiro j a m a i s permitirá que elas desviem s u a mente d a verdade. A meditação transforma-se n u m estorvo apenas quando se prende à i m a ginação como se esta f o r a a realidade ou se a g a r r a à visão como se esta fora a verdade, ao passo que se t r a n s f o r m a e m ajutório à técnica filosófica quando se restringe à m a i s completa t r a n q u i l i d a d e . Aquele que p r o c u r a a verdade pode r e j e i t a r a s visões do místico e a sua acanhada perspectiva do mundo, m a s nós seríamos deveras tolos se repudiássemos as valiosas dádivas de concentração e paz que o misticismo nos oferece. O principiante que d u r a n t e a l g u m tempo praticou conscienciosamente a meditação pode desenvolver u m a c e r t a capacidade de concentração e sutileza que será d a m a i o r v a l i a ao pass a r ele para u m grau mais elevado, pois ser-lhe-á exigido m a n t e r s u a mente inteiramente fixada n u m só ponto d u r a n t e o s e u desenvolvimento n a ioga do discernimento filosófico. A Introvisão Filosófica. O êxito dos antigos sábios não se deveu a u m a cega obediência às injunções de alguma personalidade; não veio da receptividade aos lenitivos propostos por a l g u m l i v r o s a c r o ; não veio da intuição mística, que surgia de i m p r o v i s o e c o n t r a a vontade; não veio exclusivamente das satisfações d a ioga elementar, m a s veio depois de laborioso raciocínio metafísico seguido d a s u p r e m a ioga que mergulhava o ego no Todo U n i v e r s a l e aquietava tanto pensamento como sentimento. Não obstante, deve-se assinalar também que a s fontes de conhecimento caracterizadas como falíveis n e m por isso devem s e r excluídas da v i d a racional. Algumas crenças são assaz razoáveis, c o n q u a n t o muitas sejam inteiramente ridículas. Onde as autoridades e a s e s c r i turas, as intuições e iluminações, os argumentos e a s conclusões concordam com a experiência u n i v e r s a l e c o m a razão genuína tais c r e n ças são plenamente aceitáveis. E l a s c o n s t i t u e m valioso ajutório, e m b o r a isoladamente não mereçam confiança. O filósofo não se nega a o u v i r o que elas têm a lhe dizer, pois sabe que o conhecimento pode ser amiúde conseguido através de tais fontes, m a s , c o n t r a r i a m e n t e às demais pessoas, desejará sempre julgá-los p o r d e r r a d e i r o à l u z de padrões m a i s elevados, de m a n e i r a a poder a v e r i g u a r a s u a fidedignidade. Pois o filósofo b u s c a u m a posição irremovível. E l e não r e j e i t a n a d a a priori, m a s debate tudo e m última instância c o m o fito de
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a p u r a r a s u a veracidade; ao passo que os homens pouco esclarecidos e v i t a m deliberadamente o contato da intuição com a razão, enquanto os místicos pouco esclarecidos recusam-se a submeter a sua verdade a qualquer prova. O filósofo não seria tolo a ponto de repelir uma intuição, por exemplo, m a s só a aceitaria depois de controlá-la, examiná-la e confirmá-la. Mentalmente fortalecido, ele usará suas próp r i a s intuições o u práticas de modo a que funcionem para ele como u m ajutório inestimável. A fidelidade à razão não exclui m a s admite a fé, portanto, apenas quando for preciso que ponhamos à prova as nossas crenças e apurem o s a s u a veracidade. A existência da intuição espontânea é igualmente aceita, m a s é necessário que examinemos as nossas intuições e comprovemos a s u a correção, sem vacilar u m instante sequer em repudiá-las quando se m o s t r a r e m insatisfatórias. A razão admira sem restrições a inusitada tranquilidade encontrada nas meditações místicas, m a s nos aconselha a investigar com empenho para apurar se a sensação de realidade que nos é propiciada é o u não verdadeira. E l a a p r o v a sempre o exercício d a lógica n a organização do raciocínio, mas a s s i n a l a o u t r o s s i m que as operações da lógica são limitadas pela quantidade de dados disponíveis e que, n a melhor das hipóteses, a lógica é capaz de reorganizar, ordenando, aquilo que explícita ou implicitamente já sabemos. E m suma, o que se procura é u m a verificação inatacável. S e , p o r exemplo, aqueles que estão tendo experiências místicas se dispuserem, s e m obrigar-se a abandoná-las, a submetê-las às provas a q u i descritas, o proveito será grande e o progresso acentuado. U m a das funções d a disciplina filosófica é atuar como u m corretivo da experiência mística. Como poderemos então pôr à prova as nossas crenças, averiguar nossas intuições, investigar a realidade d a experiência da meditação, saber se a nossa lógica está se valendo de todos os fatos possíveis e não e l i m i n a r os erros de c a d a u m desses métodos? Não há senão u m a resposta a todas essas indagações, u m só meio de dissipar todas as nossas dúvidas a respeito: começar e terminar com o s cânones da razão como único critério de julgamento. Pois somente u m a análise crítica poderá mostrar-se frutuosa. 0 que é aquilo que até mesmo os teólogos t e n t a m u s a r quando pretendem discriminar entre as escrit u r a s autênticas e as espúrias? 0 que eles tentam usar é a razão. 0 que é a q u i l o que nos f a l a d a insuficiência d a lógica e da falibilidade da intuição? Não é a intuição propriamente dita, nem a revelação, n e m a visão; é a razão. E quando se alega que tanto a intuição como o sentimento místico estão a c i m a d a razão, por que então aqueles que se a r r i s c a m a manifestar-se c u i d a m de debater, argumentar e provar através do raciocínio que aquilo que sentiram ou v i r a m é correto? Não será u m a referência inconsciente à razão como o supremo tribunal de apelação, u m a referência ao veredicto do raciocínio como o supremo
árbitro? Não será u m a tácita admissão de que apenas a razão t e m o direito de julgar o valor último de todas a s o u t r a s faculdades? Os pensamentos não cessam, salvo no sono o u no t r a n s e , e todas a s formas de pensamento — sejam as usadas pelos empedernidos r e a l i s t a s ou pelos etéreos místicos — envolvem a l g u m raciocínio, p o r i m p e r f e i t o e grosseiro que seja. P o r que então não haveremos de i r até o f i n a l — já havendo chegado até este ponto do c a m i n h o — aceitando s e m reservas a supremacia da razão? Uma convicção absoluta e u m a irrepreensível compreensão dos verdadeiros princípios só pode ser conseguida através d a exercitação adequada da capacidade de raciocínio intensamente c o n c e n t r a d a e a l çada ao seu grau mais elevado. N e n h u m outro método de abordagem poderá produzir tão duradoura correção e m todos os casos. E e s t a será eventualmente a única m a n e i r a de conseguir u m entendimento universal em todos os recantos do globo, porque a razão não pode variar em suas conclusões acerca d a verdade; e l a pode s e r p o r todos verificada e assim, o será daqui a u m a centena de m i l h a r e s de anos. Tais variações pertencerão, contudo, àquilo que pretende s e r a razão. E continuarão a existir sempre que a razão fique i n j u s t a m e n t e r e s t r i t a tão-somente ao estado desperto. Torna-se assim possível chegar a u m conhecimento do significado da existência mundana que será válido e m qualquer ocasião, conhecimento que algum sábio hindu residindo e m s u a escola h i m a l a i a há quatro séculos admitiu e acatou e m s u a plenitude; e que não passará por falso nem daqui a outros quatro séculos, quando e x a m i n a d o p o r algum arguto cientista americano, a despeito do fato de que este será então o herdeiro de todo o conhecimento das desaparecidas gerações que o precederem. E s s a série de invariáveis conclusões j a m a i s poderá ser invalidada pelas atividades de novos pensadores n e m desbancada pela novel sabedoria da ciência moderna. Os antigos sábios hindus colocaram-se e m o u t r a s épocas e m determinadas posições ocupadas pelos cientistas de hoje, m a s não hesitaram em estender suas investigações até u m a região e m que todos os pontos de referência conhecidos f i c a r a m perdidos. E l e s desconsider a r a m o fator pessoal, começando como heróis c o m p r o m i s s a d o s a não se deter enquanto a última p a l a v r a do pensamento h u m a n o a c e r c a d a verdade não houvesse sido dita. C o m f i r m e z a l e v a r a m o raciocínio até a sua derradeira possibilidade, até u m ponto que, n a realidade, não poderia ser ultrapassado porque a faculdade do raciocínio d e i x a de operar naquele misterioso momento e m que a verdade o c u l t a é revelada, entrando imediatamente em recesso. D e s c o b r i r a m , ademais, que há na realidade duas espécies de pensamento a que podemos c h a m a r estágios inferior e superior do raciocínio. No p r i m e i r o a força do julgamento analítico é aplicado ao mundo externo, n u m esforço de distinguir aquilo que é substancialmente r e a l daquilo que é apenas aparente. Desenvolvido esse esforço até o s e u extremo l i m i t e — e
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só então — deve o pensamento voltar-se sobre s i mesmo e examinar sem hesitações a sua própria natureza, numa etapa derradeira que só poderá t e r êxito se t i v e r havido u m êxito prévio n a prática da ioga. Trata-se de u m a tarefa imensamente difícil por requerer u m máximo de concentração d a m a i s sutil qualidade. Tampouco poderá u m a inteligência débil e frágil desenvolver o esforço exigido. Quando t a l concentração h o u v e r afinal cumprido as suas finalidades o conhecimento d a realidade apresentar-se-á de pronto, e naquele momento a razão deixará de funcionar, já que os seus serviços internos no julgamento e n a discriminação não m a i s são necessários. E s s a cessação espontânea dos pensamentos não deve ser confundida, como amiúde acontece, c o m a intuição direta da realidade do místico. Assinala-se a l i a conclusão t r i u n f a l do pensamento e não a abolição do pensamento. A reflexão não deve r e n u n c i a r a s i própria antes de completar integralmente a s u a obra. N e m consegue o místico a abolição dos pensamentos simultaneamente com a retenção da consciência desperta, proeza que só é possível quando se chega ao caminho deradeiro. Assim, aquilo que o místico considera como a conquista final da sua obra, é considerado pelo sábio tão-somente como meio caminho andado. Onde o místico limita-se a sentir, o sábio compreende integralmente. Os sábios do passado p r o c u r a v a m no seu próprio ego a realidade permanente de preferência à experiência ocasional, a verdade derrad e i r a ao invés d a satisfação emocional e, acima de tudo, a conclusão e não o início do seu exame do mundo — daí terem sido os únicos a descobrir o verdadeiro objetivo. E porque não se furtavam, como os místicos, ao e x a m e do inquietante problema do mundo, foram também capazes de resolvê-lo no exato instante e m que lhes foi dado compreender o s e u próprio e u . E s s e r a r o instante de compreensão total, no m a i s profundo de u m reflexivo transe místico, constituiu-se no ápice da pirâmide do s e u esforço filosófico. Os sábios chamaram-no o darão do relâmpago, pois foi como u m corisco percorrendo e m velocidade alucinante o c a m p o d a consciência. Conseguido isto, o passo seguinte foi r e c u p e r a r e e s t a b i l i z a r o lampejo gratificador. Assim a s u a busca chegou a u m desfecho perfeito. Pois o S o l da manhã deixou de nascer apenas p a r a eles no r u b r o Oriente. Desde então a secular causa de todo o género h u m a n o passou a ser deles também. Aquilo que s a b i a m , e r a aquilo que e r a m ! Tendo aperfeiçoado o raciocínio, s e m titubear deixaram-no p a r a trás e t r a t a r a m de aperfeiçoar a faculdade d a introvisão, n a q u a l o conhecimento e o ser fundem-se n u m a só coisa.
CAPITULO V I I I
A REVELAÇÃO DA R E L A T I V I D A D E 0 estudante que c o m determinação e compreensão a c o m p a n h o u até aqui este veio de pensamento ter-se-á colocado a c i m a d a s p r i m i t i vas consolações d a religião e das inconsistentes c o n j e t u r a s d a i m a g i nação; terá despertado dos beatíficos sonhos do m i s t i c i s m o , dos sistemáticos enganos d a lógica e do profundo e n t o r p e c i m e n t o do v e r b a l i s mo; terá aguçado a s u a compreensão e m o l d a d o os seus s e n t i m e n t o s para encetar a mais a l t a n e i r a a v e n t u r a p a r a a q u a l o h o m e m pode s e r recrutado: a b u s c a d a verdade d e r r a d e i r a . O e s t u d a n t e estará decerto bem preparado p a r a a p r i m e i r a p r o v a de fortaleza p e l a q u a l terá de passar agora. O problema do mundo se l h e a p r e s e n t a p r i m e i r o porque é o problema concernente àquilo que é m a i s conhecido e m a i s visível. E m b o r a o problema do ego pareça m a i s próximo, está n a v e r d a d e m a i s distante, e, conquanto simples n a aparência, é n a r e a l i d a d e de solução mais difícil que o enigma desse indefectível u n i v e r s o q u e n o s r o d e i a a todos. Ê mister, por isso, p r i n c i p a l m e n t e c o m u m a investigação d a natureza deste curioso mundo ao q u a l somos a t i r a d o s de supetão e do qual vamos sendo aos poucos sacados s e m s e r m o s a b s o l u t a m e n t e consultados! Já se explicou por que a atitude i n i c i a l de u m filósofo é a dúvida. T a l atitude ele deve conservá-la não apenas quando p r o c u r a u m a fonte satisfatória de verdade m a s também n a s suas expedições m e n t a i s que de hábito aturdem o homem c o m u m . O filósofo deve s e r suficientemente ousado p a r a começar s u a investigação p r o c u r a n d o i r a i n d a do seu conhecimento convencional do u n i v e r s o p r o p r i a m e n t e d i t o ! O estupefato leitor, porém, que se t r a n q u i l i z e . N ã o se l h e pede que ponha e m dúvida a existência deste m u n d o , q u e é o p r i m e i r o fato com que ele se depara ao a b r i r os olhos p e l a manhã e o último q u e contempla antes de adormecer todas a s noites. O q u e se l h e pede é que discuta a veracidade das visões, dos sons e das sensações de que se dá conta e a realidade dos objetos p o r e s s a f o r m a v i s t o s , ouvidos o u sentidos, cujo conjunto apenas u m m a l u c o s e r i a c a p a z de t a c h a r de não-existente. Trata-se de duas questões d i s t i n t a s q u e r e q u e r e m u m tratamento diferente; bastará, portanto, e x a m i n a r neste capítulo
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até onde o nosso conhecimento é basicamente verdadeiro e reservar p a r a o seguinte a apuração até onde é basicamente real aquilo que se sabe. O estudante, a s s i m como todas as demais pessoas, experimenta de fato o mundo dado, m a s será que se detém eventualmente para averiguar a validade dessa experiência? Caso não o faça, é preciso que comece a agir a s s i m . Pois, se levar t a l investigação até o seu ponto extremo, fará as m a i s estranhas e surpreendentes descobertas intelectuais. Q u a l foi u m dos acontecimentos máximos no mundo científico dos nossos dias? Que princípio revolucionário veio fazer nova luz sobre antigos problemas? S e m dúvida alguma a formulação da Teoria da R e l a t i v i d a d e p o r A l b e r t E i n s t e i n não apenas resumiu dois m i l anos de pesquisas matemáticas e passou em revista três séculos de experimentação física, como também a b r i u novos caminhos e rasgou enormes horizontes p a r a os pensadores pioneiros. A prova racional dessa comp l i c a d a conclusão está cheia de fórmulas que superam a capacidade do leigo, e a d o u t r i n a só pode ser explicada através de intrincadas equações matemáticas. O próprio Einstein, solicitado certa vez a coloc a r a s u a teoria e m p a l a v r a s de fácil compreensão confessou que precis a r i a de três dias p a r a fornecer u m a definição concisa! No entanto, s e m nos perdermos n u m emaranhado de difíceis símbolos técnicos e nos indigestos cálculos de variáveis e invariantes, podemos e devemos s i m p l i f i c a r e i l u s t r a r determinados aspectos da hipótese de Einstein que são de p a r t i c u l a r interesse p a r a os filósofos. Que ele próprio enc a r e c o m r e s e r v a s a filosofia, isso é u m a consequência natural (conquanto lamentável) d a s u a especialização científica; mas o fato decorre também d a confusão que faz entre a especulação pura e a filosofia p r o v a d a , engano c u j a resposabilidade cabe também aos pseudofilósofos e meios-filósofos. E m seu horror à metafísica, Einstein procurou pensar e m s u a o b r a e m termos bem definidos, mas jamais poderia ter desenvolvido s u a hipótese exclusivamente com o auxílio da experimentação, e, n a medida e m que se serviu de u m a rigorosa reflexão, foi, a i n d a que a contragosto, u m filósofo inconsciente. Ê impossível p a r a o físico e n c a r a r a questão da relatividade com a meticulosidade que o i m p o r t a n t e princípio exige sem abordar questões finais e sem consequentemente, a d e r i r temporariamente à fraternidade filosófica. E i n s t e i n , porém, é u m físico e matemático e deseja ater-se rigorosamente à s u a especialidade. Daí recusar-se a levar em conta as ulter i o r e s implicações d a s u a obra, vale dizer, recusar-se a filosofar. Mas n e m todos os seus discípulos são igualmente bitolados. Eddington e Whitehead aventuraram-se a arrostar as consequências de levar sua d o u t r i n a p a r a domínios e m que o pensamento se aprofunda mais, o p r i m e i r o n a psicologia filosófica e o segundo n a lógica filosófica, domínios e m que o mestre não se a r r i s c a r i a . No entanto, apenas tio antigo pensamento asiático seguiu-se até o cabo a trilha da análise que ambos começaram a p a l m i l h a r . 169
ão é preciso que o cunho altamente matemático dos cálculos de Einstein nos desanime ou nos afaste d a hipótese p r o p r i a m e n t e dita. Pois a matemática não passa de u m a espécie de e s t e n o g r a f i a lógica cujos símbolos fornecem conclusões a p a r t i r de informações dadas c o m uma rapidez desconhecida d a lógica. A matemática a b r e v i a o processo silogístico substituindo fórmulas e equações. A essência conceptual das descobertas de E i n s t e i n já e r a c o n h e c i d a dos desaparecidos sábios hindus, os quais não e r a m , como E i n s t e i n , matemáticos formados, enquanto filósofos gregos como Platão e Aristóteles davam-se conta da sua profunda importância. Os pensadores j a i n a s f o r m u l a r a m uma doutrina filosófica semelhante, a S y a d v a d a , q u e l e m b r a a R e l a t i vidade, dois m i l anos antes que E i n s t e i n enunciasse a s u a d o u t r i n a científica. Assim, os pensadores hindus e gregos a n t e c i p a r a m u m princípio que somente muitos séculos m a i s tarde s e r i a e x p e r i m e n t a l m e n t e provado. O que E i n s t e i n n a realidade fez f o i corroborá-lo cientificamente, colocá-lo em bases de observações matemáticas o r i g i n a i s e provas experimentais, ilustrando a s u a aplicação prática n u m a e s f e r a especial. Einstein formulou a relatividade a f i m de a d a p t a r a hipótese da física às observações já feitas. E l e t o r n o u a ciência responsável pela comprovação e verificação de u m princípio q u e até então t i v e r a uma existência precária seja no controverso c a m p o d a s especulações de obscuros metafísicos, seja no campo das antigas d o u t r i n a s de completos desconhecidos. E foi o desenvolvimento de ciências tecnológicas como a ótica e a eletrodinâmica que p o s s i b i l i t o u o s e u trabalho experimental n a investigação d a influência g r a v i t a c i o n a l do S o l sobre os raios luminosos, por exemplo. E m consequência, tal prova não poderia
ter surgido antes nos anais
da
história!
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A luz desempenha um papel sui-generis entre os elementos. O raio luminoso é a coisa mais veloz que a ciência conhece e o mais importante meio de comunicação do homem com o mundo exterior. A introdução da teoria da relatividade no pensamento científico deve-se a uma famosa experiência sobre a velocidade da luz realizada pelos americanos Michelson e Morley em fins do século passado. Os trabalhos desses cientistas mostraram que a velocidade de propagação da luz é sempre a mesma, independentemente da direção ou do corpo no espaço para o qual ela se dirige. A experiência mostrou que a luz se desloca na mesma velocidade relativa à Terra, quer esta se aproxime ou se afaste dela. Era difícil conciliar a descoberta com o fato de que a Terra se desloca no espaço. Seria de esperar-se que a velocidade de deslocamento da luz fosse maior quando a luz se aproximasse da Terra. O princípio é o mesmo das velocidades combinadas de dois trens que correm em sentido contrário, aproximando-se um do outro: essa velocidade somada é maior que a velocidade de cada um dos trens em separado. Por isso, um observador colocado num planeta que avançasse rapidamente na direção de um raio de luz deveria constatar que a velocidade de propagação deste seria maior do que quando ele se deslocasse em sentido oposto. Mas o novo experimento afirmava que a velocidade da luz permanecia inalterável, mantendo-se sempre igual a 360 000 km por segundo, tal como acontecia antes de se levar em conta o movimento do observador e da luz. Esse fantástico resultado correspondia aritmeticamente portanto a: 2 + 1 = 2! 1
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A relatividade tomou a inalterável fixidez do tempo e transformou* -a n u m a dimensão variável. E m linguagem mais simples, o tempo não tem u m significado determinado, sempre fixo e igual para todos os seres h u m a n o s . Aqueles que o l i m i t a m à sua medida pelos relógios ou pelas revoluções de corpos celestes estão simplesmente alimentando u m preconceito. P o i s o sentido do tempo não é u m a realidade absoluta m a s u m a interpretação tanto de relógio como de astro feita por u m ser consciente. É a f o r m a pela qual as sensações se dispõem n a mente. Medida a b s o l u t a de tempo é coisa que não existe. U m a análise rigor o s a revelará que todas as medidas baseadas nas revoluções planetár i a s não p a s s a m em última instância de nossas impressões relativas. E i n s t e i n foi o p r i m e i r o a fazer t a l observação, sem, porém, dar-se conta de todas a s suas consequências. A d o u t r i n a ensina que por movimento entende-se apenas a modificação posicionai d a relação entre u m a e outra coisa, e, por isso, u m a mudança física, como o movimento, j a m a i s é absoluta mas sempre r e l a t i v a . Admitindo-se que os padrões de medida de tempo e espaço podem v a r i a r , seremos então obrigados a abandonar nossas ideias convencionais a c e r c a d a s ciências físicas, geométricas e astronómicas. A
Por que os raios de luz, de acordo com as leis conhecidas, não aumentavam a sua velocidade de deslocamento? Antes de Einstein não surgiu nenhuma explicação realmente adequada dessa peculiaridade. Einstein assinalou em linguagem matemática que toda a reflexão anterior acerca do assunto baseara-se em princípios que interpretavam erroneamente a experiência, e que seria mais sensato modificar tais princípios até que eles retratassem com fidelidade os fatos a que se referiam. Isto, porém, colocou na berlinda a própria maneira pela qual a velocidade da luz era medida e a maneira pela qual cada instrumento e cada observador usando esse instrumento chegava às dimensões de espaço e tempo resultantes. Caso tal modificação viesse a ser feita, seria então necessário modificar os conceitos vigentes de espaço e tempo. Tais conceitos até então eram considerados como coisas fixas em todas as ocasiões e em todos os lugares, e em quaisquer condições. Porém, ficou provado através da dita experiência que os antigos padrões eram deficientes em se tratando do comportamento da luz num sistema deslocando-se em alta velocidade. Promovendo uma modificação no caráter desses padrões, privando-os da sua pretensa fixidez e colocando-os numa dependência fundamental da situação do observador, reconhecendo que toda medida espacial é a comparação entre as posições relativas de duas coisas no espaço, e aceitando que não existe nada em última instância constante no tempo ou no movimento ou na medida dos comprimentos, surgiria uma nova visão do mundo, capaz não apenas de explicar satisfatoriamente o problema da velocidade constante da luz como também outros problemas físicos que os mais recentes progress da ciência suscitaram. Foram esses os inícios do principio da relatividade, E s tein aplicou a seguir o princípio à influência da gravitação solar sobre os raios da luz e calculou com exatidão a refração sofrida pelos raios luminosos. Quando, em 1919, observações astronómicas feitas durante um eclipse confirmaram suas previsões o princípio da relatividade logrou um magnífico triunfo no campo d tífico. Já não era possível continuar a ignorá-lo. A base de todo o pensamen científico convencional teria de passar por uma ampla revisão.
astronomia tem por hábito f a l a r e m constelações de e s t r e l a s fixas. Trata-se, contudo, de u m termo apenas r e l a t i v o , p o i s s e m a m e n o r dúvida essas estrelas também c o r r e m o espaço q u a n d o c o n t e m p l a d a s p o r alguém situado n u m ponto fixo r e l a t i v a m e n t e a e l a s . F a l a m o s d a Estrela Polar como se ela estivesse p e r m a n e n t e m e n t e e m r e p o u s o , porém o fenómeno da precessão dos equinócios d e m o n s t r a t r a t a r - s e de uma estrela igualmente móvel. A s estrelas f i x a s são a s s i m c h a m a d a s não porque saibamos que elas p e r m a n e c e m estacionárias n o espaço mas porque a astronomia a i n d a não c r i o u i n s t r u m e n t o s c a p a z e s de aproximá-las o suficiente p a r a que nelas p o s s a m o s i d e n t i f i c a r c o m segurança qualquer espécie de movimento. Q u a n d o E i n s t e i n a f i r m o u não haver no universo u m a só posição de absoluto r e p o u s o — e, consequentemente, nenhuma posição d a q u a l o f o r m a t o e a m e d i d a de um objeto possam ser estabelecidos e c o n f i r m a d o s e m q u a i s q u e r condições de observação — a f i r m o u c o m efeito q u e a ciência é i n c a p a z de chegar a u m a estimativa f i n a l a c e r c a do m u n d o . Nós fazemos nossas medições espaço-tempo de posição e m o v i m e n to em relação a algum padrão que supomos p e r m a n e n t e , inalterável e imutável; em suma, e m contínuo repouso. E i n s t e i n , porém, demonstrou convincentemente não haver no u n i v e r s o n a d a q u e se p o s s a d i z e r em repouso. Tanto quanto sabemos q u a l q u e r c o i s a pode e s t a r revoluteando em torno de u m a segunda que também se supõe e m repouso. Como podemos saber que alguma c o i s a está p e r p e t u a m e n t e e m repouso — sem j a m a i s se mover — quando o âmbito d a n o s s a percepção é tão limitado? Habitualmente, os nossos j u l g a m e n t o s s e b a s e i a m n a s aparências externas plausíveis, naquilo que os nossos l i m i t a d o s cinco sentidos nos dizem, e não r a r o tomamos sólidas r o c h a s p o r matéria em repouso. Contudo a verdade é c l a r a m e n t e r e v e l a d a p e l a m o d e r n a investigação nos maravilhosos domínios dos átomos e d a s moléculas. Pois a totalidade da matéria estática é constituída de elétrons, prótons e nêutrons e m constante movimentação t a l q u a l u m e n x a m e de irrequietas abelhas. É preciso que revisemos n o s s a s noções s i m p l i s tas acerca do mundo. Se durante algum tempo permanecermos sentados n o i n t e r i o r de u m trem em movimento, apreciando a verde p a i s a g e m q u e d e s f i l a através das janelas envidraçadas, nossos olhos se acostumarão ao movimento e logo julgaremos estar n u m a condição n o r m a l . S e o t r e m se detiver sobrevirá a ilusão temporária de que a p a i s a g e m está a v a n çando ou de que o t r e m está recuando. E m d e t e r m i n a d a s relações com o universo toda a humanidade é c o m o o passageiro do t r e m . U m homem que esteja contornando a pé u m a c u r v a d a v i a férrea não notará, se mantiver os olhos fixos nos pés, q u e os próprios t r i l h o s sobre que caminha são curvos. P a r a ele serão i n t e i r a m e n t e direitos. Apenas quando erguer os olhos, o l h a r u m pouco a d i a n t e de s i , e a l terar com isso a sua perspectiva irá o h o m e m perceber que os t r i l h o s são realmente curvos. O mesmo objeto, portanto, p a r e c e diferente
quando v i s t o de perspectivas diferentes. Até que ponto se alteraria a nossa visão do m u n d o se nos fosse dado alterar a nossa perspectiva? U m a c a r a v a n a de quinhentos camelos descansando num vale parece e m completo repouso p a r a u m observador postado no alto de u m a m o n t a n h a adjacente. I s t o porém só é válido com relação às ideias de espaço pertinentes à física pré-relativista, pois ignora o fato de que a T e r r a g i r a e m torno do S o l arrastando consigo a caravana. O observador, n a impossibilidade de notar esse movimento, ilude-se inconscientemente com a crença de que aquilo que é verdadeiro do seu ponto de v i s t a também o é de qualquer outro ponto de vista no universo. Obviamente, v a i aí u m engano, pois u m segundo observador com toda certeza v e r i a a passagem d a c a r a v a n a através do espaço, se fosse possível s u p e r a r a dificuldade de colocá-lo no S o l , munido de um instrumento ótico adequado à s u a finalidade. Tudo quanto o primeiro observador t e m o direito de dizer é que os camelos estão em repouso relativamente à T e r r a ; m a i s não poderá a f i r m a r sem erro, a menos que lhe s e j a possível m u d a r s e u ponto de observação. Contudo, nenhum dos observadores está totalmente certo ou totalmente errado. 0 fato é que, a s s i n a l a E i n s t e i n , todo corpo e m movimento possui o seu próprio padrão de tempo e o s e u próprio sistema de espaço com o qual u m observador estará sempre e m relação. V i a de regra, este não saberá que os d e m a i s padrões e sistemas podem diferir dos seus e que, se i n s i s t i r s e m p r e nestes últimos, não terá condições para explicar a presença no u n i v e r s o de fatores inteiramente incompreensíveis e de todo irracionais. E s t a s declarações são a consequência lógica do nosso conhecimento de que a T e r r a g i r a e m torno do S o l . Mas o movimento de qualquer planeta pode s e r medido e descrito por comparação mútua com algum a o u t r a c o i s a totalmente imóvel como, por exemplo, a totalidade das estrelas f i x a s . Consequentemente, a relatividade ensina que podemos conhecer apenas a s relações entre os corpos no espaço e que a descrição de t a i s corpos é apenas comparativa. Só podemos comparar u m a c o i s a c o m o u t r a . Somos obrigados a lidar com dualidades. Pois s e m u m dado padrão de referência o nosso conceito de espaço é destituído de significação. 2
S e de a l g u m a f o r m a estivéssemos tão perto a ponto de não nos ser possível v e r a s outras estrelas e planetas no céu, não poderíamos saber que a n o s s a T e r r a se desloca no espaço. Teríamos a exata sen-
Um homem que habitualmente escuta o carrilhão da sua cidade dar o meio-dia dirá que o som provém sempre do mesmo lugar. Se, contudo, fosse possível a um outro homem colocado no Sol escutar a mesma coisa, esse segundo homem diria que a cada novo dia o som proviria de locais distantes 482 000 quilómetros do anterior. Pois a Terra e o carrilhão se deslocariam regularmente com relação ao Sol. Assim é que uma modificação do ponto de observação acarreta uma enorme modificação nos resultados obtidos. 2
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sacão de que ela se mantém imóvel no f i r m a m e n t o . P o i s não disporíamos de nenhum padrão de referência. A s s i m sendo, o m o v i m e n t o é essencialmente relativo. A Terra caminha dinamicamente pelo espaço e m t o r n o do S o l à enorme velocidade de 113 000 quilómetros p o r h o r a , s e m q u e alguém perceba o menor indicio dessa movimentação; pelo contrário, todos os habitantes terrestres têm a impressão de q u e o p l a n e t a se mantém n a mais completa imobilidade! Nós costumamos usar displicentemente a p a l a v r a aqui. Contudo, no preciso instante em que apontamos p a r a o l o c a l a T e r r a se desloca com gigantesca velocidade no espaço, carregando consigo o referido local, de maneira que poucos minutos após o m e s m o estará a m u i t o s quilómetros de distância da p r i m i t i v a posição. O aqui torna-se, portanto, um termo relativo, vinculado a a l g u m ponto o u p e s s o a sobre a Terra mas falto de significação quando aplicado ao espaço. Ademais a T e r r a gira sobre s i m e s m a e depois e m t o r n o do S o l . Mas este, por sua vez, desloca-se c o m relação à V i l a Láctea e, embora o assunto escape por o r a às nossas medições, a V i a Láctea com toda certeza desloca-se também no espaço. Q u a n d o todos esses movimentos são levados em conta devemos entender q u e não n o s é possível estimar a distância realmente p e r c o r r i d a p o r u m m e s m o ponto no decurso de uns tantos minutos. Tampouco haverá q u a l q u e r experiência capaz de estabelecer a real velocidade de deslocação desse ponto, pois não há nenhum corpo e m repouso absoluto c o m o qual o movimento possa ser comparado. Tudo o que p o d e m o s d e t e r m i n a r é o lugar relativo e a velocidade r e l a t i v a de deslocamento. E isso será o resultado da posição e m que nos c o l o c a r m o s .
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Chegamos assim, uma vez mais, à base d a d o u t r i n a de E i n s t e i n , que diz não ter o espaço u m padrão último de m e d i d a e não s e r o mesmo em todas as circunstâncias. O espaço não p o s s u i , e m última análise, as propriedades mencionadas p o r E u c l i d e s e m seus postulados e axiomas. E s t a é a conclusão da relatividade. C o n t u d o , m u i t o antes de Einstein, já Zenão e Pitágoras n a Grécia e d i v e r s o s sábios d a Índia haviam descoberto as contradições inerentes à i d e i a de q u e o espaço tem uma existência característica e u m a inalterável f i x i d e z própria. Perceberam eles que sob u m certo ponto de v i s t a o espaço é mensurável, relativo e finito, mas sob outro é incomensurável e i n f i n i t o e m todas as direções. Segundo o primeiro ponto de v i s t a p o d e m o s l i m i t a r o espaço às suas partes, as quais podem s e r f a c i l m e n t e destacadas das outras partes ocupadas pela extensão dos objetos físicos, m a s do segundo ponto de vista tais partes não têm u m a existência e m separado do todo, e não nos é possível determinar l i m i t e s à s u a c o n t i n u i d a d e indefinida. Pois, quando tentamos r e u n i r todas a s s u a s p a r t e s , j a m a i s conseguimos chegar a u m agregado que s e j a a totalidade do espaço; haverá sempre mais espaço estendendo-se a i n d a além d a q u i l o que j u l gamos ser o todo, através de u m processo contínuo e interminável. As-
s i m , se pensarmos no espaço como u m a parte menor estaremos negando a s u a existência como u m todo. Se ambos os pontos de vista se elidem mutuamente, devemos então concluir que o espaço é mais u m a ideia subjetiva do que u m elemento objetivo. A d e m a i s , se aplicarmos algumas das valiosas lições aprendidas no sexto capítulo a determinadas palavras que se usam quando a existência do espaço é pacificamente aceita, as palavras aqui e ali, encontrar-nos-emos diante de u m a curiosa situação. Pois espaço supõe-se ser aquilo e m que alguma coisa existe ou aquilo em que a ordem do mundo se diferencia. Pensemos agora n u m ponto colocado sobre u m a folha de papel em branco. A geometria define ponto como sendo u m a posição sem grandeza. Ponto não t e m qualquer dimensão. V a l e dizer que o ponto não contém n a d a no seu interior e que não ná lugar p a r a colocar-se a l g u m a coisa dentro dele. Prosseguindo-se nesta análise ver-se-á que o ponto não é e m absoluto espacial e por isso o espaço, t a l como entendido pelo termo aqui, a u m só tempo existe e não existe, contradições que também se elidem mutuamente. Pensemos novamente e m alguma coisa que se encontra lá adiante, digamos o continente australiano. Significa isto que t a l terra não está aqui. P o r aqui, no entanto, entende-se esta cidade, este país o u este continente; ou ainda, talvez, todo o planeta T e r r a . Não se pode i r m a i s além, pois já não existe u m outro ponto de vista que permita d i s t i n g u i r u m lugar de outro. A estreiteza que restringe a definição de aqui ficará então abolida. Mas, chegando onde chegamos, incluímos a Austrália n a nossa definição de aqui. A s s i m aqui e ali se contradizem entre s i e c o m isso o próprio conceito de espaço como u m a realidade e m separado que repousa sobre aquelas definições falece inteiramente. O que acontece à nossa concepção n o r m a l de espaço quando a investigação r a d i o a t i v a nos diz que o ponto mais agudo d a mais delgada agulha j a m a i s f a b r i c a d a é u m mundo e m m i n i a t u r a onde milhões de corpos e m movimento c i r c u l a m incessantemente sem nunca se toc a r e m u n s aos outros? Aqueles que consideram a análise de tais paradoxos como mero jogo de p a l a v r a s não compreendem o importante papel desempenhada pelas p a l a v r a s n a construção dos nossos pensamentos, como també: não compreendem que os problemas semânticos são n a realidade 1 gicos e, não r a r o , epistemológicos. E não compreendem que o s i " ficado de u m a c o i s a é inseparável daquilo que nós próprios julgam ser; e não apenas aquilo que u m dicionário registra. E não compreendem a i n d a que o funcionamento oculto da mente n a contemplação do mundo é algo b e m diferente daquilo que habitualmente se supõe. A relatividade m o s t r a ao menos que precisamos alterar os : hábitos arraigados de encarar o mundo. Espaço e tempo req
exame porque entram e m todas as concepções do m u n d o e x t e r n o . São as formas em que a nossa experiência nos é d a d a . U m a compreensão integral deste mundo envolveos a ambos. N o s s a v i d a o b j e t i v a n a T e r r a obviamente se processa dentro das condições i m p o s t a s pelo espaço e pelo tempo; toda a nossa experiência é r e a l m e n t e inseparável deles. Todos os corpos mensuráveis e todas as c r i a t u r a s v i v a s são apresentados aos nossos sentidos como espacial e t e m p o r a l m e n t e existentes e não podemos nos furtar a imaginar o u n i v e r s o dentro de u m a e s t r u tura de espaço e tempo. Não nos é possível p e n s a r n a s miríades de fatos e nos variados acontecimentos d a N a t u r e z a s e m c o n s i d e r a r que ocupam u m a posição e m algum lugar do tempo e do espaço. M a s o seu significado é sempre relativo e se m o d i f i c a c o m a modificação das circunstâncias. Por isso esses fenómenos d a N a t u r e z a só p o d e m s e r interpretados de forma relativa. S e m o d i f i c a r m o s o nosso enfoque teremos de modificar também as características c o n h e c i d a s do nosso universo. Este perderá a s u a fixidez f u n d a m e n t a l , s e u inalterável absolutismo. Não pode haver u m a relação e s p a c i a l única n e m u m a observação inalterável do tempo. Ao e x a m i n a r m o s c o m m a i o r profundidade o espaço, este tende a t r a n s f o r m a r o s e u a p a r e n t e caráter de fato externo n u m fator mental interno. É preciso, e m s u m a , q u e comecemos a mentalizar o espaço e espacializar a mente. L o n g e de s e r u m a propriedade do mundo externo, o espaço começa a s u r g i r c o m o u m misterioso elemento subjetivo que condiciona a n o s s a percepção de todo o mundo exterior. E s t e ponto de vista abandona, no entanto, os velhos conceitos da física. E se enquadra nas deduções matemáticas de E i n s t e i n q u e tornaram variável a m a s s a dos corpos. O antigo conceito a c e r c a d a m a téria era que a sua característica m a i s destacada e tangível — tecnicamente denominada m a s s a — e r a também a m a i s p e r m a n e n t e . T a l coisa é verdadeira com relação às pequenas velocidades dos objetos cotidianos, mas deixa de sê-lo c o m relação aos m o v i m e n t o s de altas velocidades, pois E i n s t e i n obrigou a ciência a a b a n d o n a r u m a a n t i g a crença, provando que a m a s s a pode v a r i a r . A s s i m , os objetos físicos transformam-se e m campos de força elétrica, de energia p u r a , assumindo formas ditadas pela velocidade. A crença e m a l g u m a c o i s a e m separado, alguma substância sólida, ficou s e r i a m e n t e a b a l a d a . Até aqui não era possível falar e m matéria e m separado do espaço p o r e l a ocupado; não obstante, pode-se falar e m energia s e m q u a l q u e r necessidade de colocá-la no espaço. E s s e novo conceito de que a energia t e m m a s s a e de q u e a m a s s a de u m corpo material pode v a r i a r proporcionalmente a c i m a de c e r t a s velocidades de deslocamento faz c o m que o aspecto m a t e r i a l de u m a coisa deixe de ser o mais importante. A imaginação não pode a q u i acompanhar com facilidade a razão, m a s não se deve u s a r Q fato c o m o desculpa para que aquela estorve esta última. O novo enfoque científico necessariamente c o n t r a r i a o b o m senso, destruindo a n a t u r e z a
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estática de u m objeto. Não é possível à mente produzir quaisquer imagens adequadas d a ideia de como a relatividade afeta a massa do nosso u n i v e r s o m a t e r i a l . É preciso que nos contentemos com saber, s e m s a b e r como. As Mágicas do Tempo. A estranha luz que a relatividade fez j o r r a r sobre a s n o s s a s crenças a c e r c a do espaço é e m tudo semelhante àquel a que fez j o r r a r sobre as nossas crenças acerca do tempo. A segurança c o m que colocamos u m a data n u m acontecimento ficará comp r o m e t i d a quando soubermos que t a l acontecimento será visto em ocasiões diferentes p o r dois observadores colocados em corpos dotados de diferentes velocidades de deslocamento. Igualmente surpreendente é s a b e r q u e d u a s ocorrências que p a r a u m a testemunha são simultâneas, p a r a o u t r a parecerão intervaladas. A T e r r a já não g i r a no espaço com a mesma velocidade dos dias d a s u a j u v e n t u d e e, consequentemente, a duração do nosso dia é pelo menos o d o b r o dos dias de então! A r e l a t i v i d a d e do tempo é t a l que a tarda tartaruga que vive u m século i n t e i r o poderá não perceber que dura mais do que o fugaz inseto que nasce, cresce, reproduz-se e morre numa única semana, pois ela d e t e r m i n a a s u a experiência segundo u m ponto de vista diferente. O que i m p o r t a é o número de sensações que passam pela mente; se o número f o r o m e s m o e m ambos os casos, os anos não terão a menor importância. Aqueles que já experimentaram certas drogas sabem que u m a das consequências é o surgimento de u m sentido anormal de tempo de modo que u m ato b a n a l como o erguer a mão tomará meia h o r a n a consciência p a r a se consumar, conquanto para u m espectador s e j a o b r a de u m a fração de segundo. Pessoas que escaparam de morr e r afogadas d i z e m que durante o curto intervalo que precede a inconsciência a história de toda a nossa vida nos vem à mente com a velocidade de u m relâmpago. Nós adormecemos e temos a sensação de acordar logo após em sonhos, m a s descobrimos posteriormente que despertamos apenas n a manhã seguinte. Nós nos sentimos tão despertos durante o sonho como d u r a n t e o d i a . N o entanto, e m cinco minutos de sonho fazemos uma viagem q u e e m estado desperto levaria três semanas. E m sonhos vivemos longas sequências de acontecimentos dramáticos, amiúde cheias de detalhes, e nos parece que horas ou dias se passaram, quando a investigação revela que toda a fieira de acontecimentos ocupou tão» -somente u m a fração de minuto! Assim, a experiência revela as estran h a s flutuações d a nossa noção de tempo quando abordamos o mesmo fato segundo ângulos diferentes. U m h o m e m colocado em posição diferente, no planeta Vénus, digamos, t e r i a necessariamente u m a noção de tempo diferente da nossa. A ideia de que v i n t e e quatro horas serão sempre vinte e quatro horas e m queisquer condições e em quaisquer lugares não é correia. T a l
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afirmação poderá chocar profundamente os n o s s o s hábitos r o t i n e i r o s de raciocínio. Tome-se, porém, o caso de u m j o v e m q u e t e n h a passado três ou quatro horas em c o m p a n h i a de u m a n a m o r a d a a r d e n t e m e n t e desejada. Esse intervalo de tempo parecerá p a r a ele não t e r durado mais do que u m a hora. Tome-se, e m contraposição, o c a s o de u m i n válido que tenha caído desastradamente s o b r e a c h a p a q u e n t e de u m fogão e não possa erguer-se c o m presteza! P a r a ele c a d a segundo parecerá durar uma h o r a ! C a d a h o m e m t e m s u a percepção i n d i v i d u a l do tempo, conforme esclarecem os exemplos dados, e é u m a ilusão acreditar que essa percepção s e j a o u t r a c o i s a q u e não a s u a experiência pessoal exclusiva. Cada qual vê os acontecimentos n a p e r s p e c t i v a do seu ponto de vista particular, porque o próprio t e m p o não p a s s a de uma relação. N a verdade, nós n u n c a m e d i m o s o t e m p o p r o p r i a m e n t e dito. Até mesmo o tempo do relógio é apenas a medição de u m movimento no espaço, isto é, u m a relação e n t r e d u a s c o i s a s . A Natureza nos obriga a e n c a r a r todas a s c o i s a s c o m o existentes no espaço e no tempo. No processo do raciocínio o t e m p o é i m u t a velmente pressuposto. O espaço é u m a condição necessária do processo de percepção. Não nos é possível j a m a i s a p a r t a r u m a só c o i s a do tempo e do espaço. Contudo, j a m a i s v e m o s o t e m p o e o espaço propriamente ditos! Não recebemos n e n h u m a impressão s e n s o r i a l direta do espaço puro e do tempo puro. Não nos é possível r e v e s t i r o simples conceito de espaço c o m n e n h u m a i m a g e m m e n t a l ; só podemos pensar em alguma coisa ocupando u m a distância, u m a extensão; daí conhecermos o espaço apenas como u m a p r o p r i e d a d e d a s coisas e o tempo como u m a propriedade do m o v i m e n t o . 0 processo comum é considerar o tempo c o m o a l g u m a c o i s a semelhante a uma torrente ou a u m a sucessão de m o m e n t o s d i s t i n t o s . N a d a mais natural, pois a mente h u m a n a não é capaz de i m a g i n a r u m tempo isento da passagem dos acontecimentos o u no q u a l o antes, o agora e o depois não existam. É no tempo que os p e n s a m e n t o s se s u c e d e m uns aos outros e é no tempo que o c o r r e m os a c o n t e c i m e n t o s . Será possível formar alguma ideia de tempo s e m o c o n c e b e r m o s e m p r i n cípios e fins ou em interrupções e alterações? I n f e l i z m e n t e , porém, isto nos conduz a ilusões. Pois supomos o tempo d i v i d i d o e m momentos, mas tentamos capturar tais momentos e eles d e s a p a r e c e m . A análise não revela partes separadas n e m momentos independentes; não há intervalo entre o presente e o passado. C o m o pode alguém distinguir quando o momento presente começa o u t e r m i n a ? Tente-se encontrar o ponto de separação entre o passado e o f u t u r o , e n t r e o antes e o depois. Aquilo que tomarmos por t a l ponto deixará de sê-lo no instante em que o houvermos distinguido. No entanto, que é o momento presente senão esse ponto hipotético? U m a das ilusões do tempo é que nós acreditamos sempre estar vivendo nos acontecimentos do tempo presente quando t a l divisão n a realidade não existe. Trate-se de u m único segundo, ou de u m milésimo de segundo o u a i n d a de u m
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milionésimo de segundo m a i s tarde, o assim chamado momento presente já se terá transformado no assim chamado passado. Quando falamos descuidadamente e m passadas, presentes e futuras fases de tempo f a l a m o s e m coisas que ninguém pode determinar e das quais ninguém pode f o r m a r u m a ideia suficientemente correta para suportar qualquer análise. Que acontece então à nossa ideia global de tempo quando não é possível f o r m a r qualquer ideia dos seus constituintes e m separado? A s s i m , aquilo que parecia ser u m a realidade provavelmente será até certo ponto pelo mínimo u m a ideia arraigada em nossas mentes, isto é, o movimento do tempo está em grande parte dentro de nós próprios. Observe-se qualquer coisa que cresce, u m a semente por exemplo. Será possível d e t e r m i n a r o exato momento em que a semente se transf o r m a e m p l a n t a ? Impossível. Onde então aquele momento em que a semente d e i x o u de ser semente e se fez planta? Se é que existe, deve e s t a r n a n o s s a mente ou n a nossa imaginação. Assim sendo, a p a s s a g e m do tempo é n a verdade u m a experiência nossa. Os momentos não existem. O tempo não é u m a soma de não-existências. Some-se zero c o m zero e o resultado continuará sendo zero; por isso, o tempo não é u m a realidade independente mas uma abstração da realidade. O tempo, a exemplo do espaço, é u m a abstração. Quando, porém, se t o m a u m a abstração por u m a realidade cai-se numa contradição. L e v a n d o m a i s além o nosso raciocínio, somos obrigados a reconhecer que a n o s s a noção de tempo pode encolher-se da mesma forma pela q u a l pode expandir-se a nossa noção de espaço, e que ao medirmos a p a s s a g e m do tempo a mente de alguma forma e até certo ponto c r i a esse tempo. A relatividade ensina que as formas assumidas pelo tempo n a experiência não são finais. São aspectos que podem alterar-se d a m a n e i r a m a i s radical. E x i s t e , contudo, u m elemento inseparáv e l que p e r s i s t e através de todas as alterações e que unifica e conserva todas essas f o r m a s . Trata-se do fator da mente. T u d o isto serve p a r a mostrar que o tempo não é a coisa simples que supomos, m a s u m amontoado de mistérios. — A humanidade morre r a p i d a m e n t e por pensar que o tempo é real, 0 pequeno espaço de tempo que gastei indagando: "será que o tempo existe?" revelou-m a P a z perfeita, a Divindade propriamente dita — tal foi a observaçi de T i r u m o o l a i , escritor medieval de língua tamil. Com sapiência ainda maior, ele p e r g u n t o u : — Não sabeis que o tempo desaparece quando se p r o c u r a a s u a origem? De que adianta então limitar-vos a ele? S e r i a u m grande erro imaginar que se está fazendo aqui alguma tentativa de negar que o homem possua u m a noção de tempo. Não é preciso que se faça t a l negação. 0 homem percebe certamente a passagem do tempo e percebe-a com real intensidade. 0 que se tenta a q u i é fazer a l g u m a luz sobre a natureza do tempo. A fonte oculta
da sensação da sua realidade tornar-se-á patente à m e d i d a que o presente curso for-se desenvolvendo. A Doutrina dos Pontos de Vista. O v a l o r d a o b r a de E i n s t e i n ao provar a verdade da relatividade através de fatos físicos ao invés de fantasias metafísicas é imenso, Aquilo que ele inconscientemente conseguiu foi uma crítica do conhecimento, e m b o r a tenha l i m i t a d o suas investigações aos métodos científicos de medida. T o d o o princíoio da relatividade suscita u m a grande dúvida c o m relação à n o s s a experiência do universo e, em consequência, c o m relação às nossas definições de conhecimento. Que sabemos realmente? O m u n d o d e i x o u de ser um fato difícil para transformar-se n u m problema a i n d a m a i s difícil. A relatividade é u m a lei fundamental b a s i l a r e m todos os acontecimentos físicos, todos os objetos d a Natureza. N a d a se sabe que não seja sabido relativamente a outras coisas. Daí a declaração de Lotze de que existir é estar e m relação. A ideia de que e x i s t e m sistemas herméticos no universo desaparece à l u z i n q u i r i d o r a d a r e l a t i v i dade. Cada sistema é apenas u m estágio experimental n a abordagem da verdade e nunca a etapa final. O universo requer u m a constante reinterpretação. Poderá haver no mundo físico tantas verdades r e l a t i v a s quantas forem as posições possíveis ou as maneiras de v e r as coisas. E s s a é a falha antropocêntrica que vicia o conhecimento c o m u m . Poderá haver tantas visões da verdade do mundo quanto são os homens. E s s e s pontos de vista pluralistas e multiformes dependem das limitações humanas, sendo sempre por isso condicionais e passíveis de alterar-se. Cada qual é apenas u m aspecto, nenhum deles é a verdade total. O materialismo vitoriano, por exemplo, é hoje e m d i a contestado por cientistas de proa com a mesma veemência c o m que foi defendido pelos seus predecessores. E i s o nosso sinal vermelho de advertência. U m a observação pode ser inteiramente verdadeira quando decorrer d a fixação d a n o s s a atenção em algum ponto de vista específico nos domínios e m que i m p e r a a relatividade e pode, contudo, não ser verdadeira e m si mesma. São duas coisas diferentes. Todos estes fatores devem ser encarados como pontos de v i s t a individuais e incompletos, pois dependem d a flexibilidade do gosto humano, dos tipos de temperamentos humanos, dos graus do conhecimento humano ou dos graus da capacidade h u m a n a . P o r isso encontramos tão amplas diferenças de opinião, tão estranhos conflitos de experiência e tão variadas espécies de crenças, perspectivas, costumes e conclusões. Por esta razão tais departamentos se d e n o m i n a m ver* dodes relativas. Tão variada é a gama dos pontos de v i s t a i n d i v i d u a i s decorrentes dessa dependência à verdade r e l a t i v a que o número deles é praticamente ilimitado. Cada departamento, como a biologia e a farmacologia, por exemplo, tem u m ponto de v i s t a próprio a c e r c a d a vida ou se ocupa de u m fragmento da mesma, m a s n e n h u m possui
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u m a perspectiva que seja c o m u m a todos, da mesma forma pela qual nenhum se ocupa d a totalidade da existência. Quando a relatividade assomou no l i m i a r da ciência assustou os tímidos. E s t e s decerto não teriam coragem para examinar-lhe as últimas consequências. E continuam hesitando em fazê-lo, de maneira que f i c a p a r a a filosofia a responsabilidade de arcar com a tarefa. Do seu ponto de v i s t a m a i s elevado, o qual, é preciso que se assinale, é o d a verdade d e r r a d e i r a e não o do valor prático, todo conhecimento não-filosófico, científico o u não, ocupa u m território traiçoeiro. Nen h u m a das suas conclusões é ou pode ser final. Todas dependem do ponto de v i s t a paroquiano dos observadores do nosso insignificante planeta, simples fagulha entre milhões de outros corpos celestes. Todos os resultados podem sofrer modificações quando novos pontos de v i s t a s u r g i r e m e m função de conhecimentos adicionais. Pode-se esperar a descoberta de distorções da realidade final por meio dos métodos atuais, m a s n u n c a a realidade propriamente dita. O conhecimento não-filosófico vive, portanto, a borboletear de u m princípio provisório p a r a outro como o eterno judeu errante. P o r essa razão, é b e m possível que nos aturdamos ante a natureza deste intrigante planeta e m que vivemos. É ela a mais paradoxal que se poderia imaginar. E m nosso mundo a razão violenta, a experiência e os fatos negam o pensamento. Todo o conhecimento intelectual humano padece de u m a total relatividade e acaba sempre caindo num ciclo vicioso. Parece impossível sair desse ciclo. Dir-se-ia que jamais podemos chegar à verdade final do universo e que somos prisioneiros eternamente condenados a receber tão-somente a ilusão de novos conhecimentos, m a s n u n c a os conhecimentos e m s i . A verdade transformou-se n u m mito. 0 finalismo é uma quimera. Significa apenas u m a entre inúmeras visões possíveis. Toda perspectiva pode, a s s i m , ser justificada. Nenhuma observação científica poderá ser declarada c o r r e t a p a r a sempre e para todos os casos. Não existe nenhuma teoria científica que não carregue o estigma indelével de u m total relativismo. Esses aspectos diferentes e divergentes da mesma coisa quando os observadores ou pontos de vista são diferentes podem levar-nos ao desespero quanto ao conhecimento da verdade acerca do mundo. Pois os homens irão sempre modificar sua posição intelectual e passar-se p a r a novas ideias, p a r a , logo após, abandonarem-nas também. A s s i m , e m última análise, tudo se transforma ou numa fugidia aparência ou n u m a insignificante ilusãol Nada poderá ter pretensões ao finalismo. V a l e dizer que as nossas visões do mundo são apenas fragmentárias e j a m a i s vemos o mundo como u m todo. Vale dizer que nos acontece apenas u m a sucessão interminável de doutrinas. Vale dizer que a mente substitui sempre u m conjunto de ideias por outro. Vale dizer que o fato propriamente dito depende do ponto de vista por nós ado» tado. Aquilo que convém a u m ponto de vista não convirá a outro.
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Pois aquilo que captamos são detalhes e não entidades independentes, A vista de u m detalhe e x c l u i todas a s d e m a i s . N ã o e x i s t e f i n a l i s m o na metafísica porque, a s s i m como a ciência, e l a padece d a r e c a l c i t r a n t e moléstia do relativismo. A tentativa de c h e g a r a u m s i s t e m a irreversível de explicação mostrou-se vã. E m s u m a , a i m a g e m do m u n d o que nós possuímos ( o u que a ciência p o s s u i ) não é a d e r r a d e i r a . Neste mundo do relativismo e m que todas a s opiniões são a u m tempo falsas e verdadeiras, e m que aquilo que p o r u m l a d o pode s e r afirmado pode por outro ser negado, parece não h a v e r u m significado último. Os pesquisadores hindus que se d e r a m c o n t a d a i n e v i t a b i l i dade dessa consequência f i c a r a m insatisfeitos. Q u e r i a m eles s a b e r se era possível chegar a u m ponto de v i s t a que pudesse e x p l i c a r todos os fatos e não apenas u m a parte deles. D e m o d o que u m a vez m a i s a pergunta crucial se lhes apresentou. Como Pôncio P i l a t o s , eles buscavam u m a resposta p a r a a s u a indagação s u p r e m a : — Q u e é a verdade? Será possível chegar à última p a l a v r a d a v e r d a d e e m toda a sua integridade? Visavam com isto algo que não fosse tão imperfeito, m a s q u e fosse tão universalmente válido p a r a todos como o fato de que u m m a i s dois somam três. Ninguém, e m n e n h u m a parte do m u n d o o u e m tempo algum, contestou esse resultado aritmético. U m princípio de verdade igualmente invariável é o que b u s c a v a m os pesquisadores h i n d u s . É o que chamavam de verdade derradeira. Por fim, encontraram u m a resposta satisfatória e então o ensinamento oculto foi f o r m u l a d o . Prov a r a m que tudo e r a u m a questão de ponto de v i s t a , de galgar u m a altura suficiente p a r a que todos os picos fossem escalados. E n c a r e c e r a m a necessidade de não nos desesperarmos ante a i m p o s s i b i l i d a d e de encontrar u m a característica absoluta nos componentes do nosso conhecimento do universo. Deveria ser p a r a nós e s t i m u l a n t e o u v i r a voz da filosofia oculta que diz explicitamente que se deve p r o c u r a r u m a nova abordagem p a r a o problema, u m a vez que e s t a pode s e r encontrada. Euclides mostrou que as linhas paralelas j a m a i s se e n c o n t r a m ; Einstein mostrou que elas podem encontrar-se. Contudo, pode-se dizer que ambos estão com a razão, desde que tenhamos presente que divergem em função da adoção de diferentes pontos de v i s t a . O habitante de u m outro planeta usando u m relógio dividido exatamente como os nossos, aparentemente i r i a medir o tempo d a m e s m a m a neira, mas n a verdade a semelhança seria fictícia. O s e u d i a poderia ser mais longo ou mais curto do que o nosso e, por isso, a s suas três horas poderiam não equivaler às nossas. Pois os padrões d a referência espacial seriam diferentes e os sistemas de tempo também i r i a m necessariamente diferir. A diferença de ponto de v i s t a será sempre fatal à uniformidade de observação; a aparência daquilo que o h o m e m d a T e r r a vê não pode ser separada da sua própria posição no espaço. A forma de u m a coisa, a posição que ela ocupa e o lugar no tempo e no espaço que ela possui são, afinal de contas, aparências apresentadas
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sob f o r m a s d i v e r s a s a diferentes observadores. da T e o r i a G e r a l d a R e l a t i v i d a d e de E i n s t e i n .
E s s a é a implicação
A necessidade de adotar novos pontos de vista a fim de assegurar a expansão d a s perspectivas é a s s i m u m a lição essencial e importante de r e l a t i v i d a d e . O princípio d a relatividade não desautoriza Newton n e m t o r n a necessária pôr de lado as velhas medições. Traça uma linha divisória e m t o r n o de todos os tipos de resultado e dentro de cada s i s t e m a de referência as velhas medições e as ideias newtonianas cons e r v a m s u a v a l i d a d e . M o s t r a que estas nem sempre são aplicáveis, pois são r e l a t i v a s a u m ponto de v i s t a apenas. U m ponto de v i s t a m a i s elevado que outro revelará u m horizonte m a i s a m p l o . Até mesmo u m a experiência essencialmente superficial d a v i d a m o s t r a que numerosas coisas não são aquilo que aparentam ser à p r i m e i r a v i s t a , que as primeiras e singelas impressões a seu respeito se m o s t r a m insuficientes à luz de u m a análise mais profunda. E s s a é a p r i m e i r a lição da filosofia e a última da experiência. É a diferença entre aquilo que realmente é e aquilo que parece ser, entre aquilo que é s u b s t a n c i a l e aquilo que parece ser substancial. T a l contradição d a experiência nós a encontramos por toda a parte. Tanto na sociedade h u m a n a como nos processos planetários. A órbita, o tamanho e a distância de u m corpo astral não se revelam ao nosso olhar, por m a i s longamente que o contemplemos. É preciso que desenvolvamos u m esforço intelectual, colhamos ensinamentos na astronomia, para depois a r r a n c a r os segredos daquilo que estamos vendo. Se tudo revelasse a s u a n a t u r e z a integral à p r i m e i r a e precária impressão, a ciência j a m a i s s e r i a necessária e a filosofia não precisaria estafar-se acompanhando as pegadas da ciência. A enorme discrepância entre a experiência e a veracidade da experiência obriga-nos a i r além do fato plausível e refletir no fato. P e r m a n e c e r sempre preso a u m a única posição e considerar as coisas a p a r t i r dessa posição apenas porque é fastidioso encontrar u m a n o v a é, e m última instância, perigoso e antifilosófico. De que ponto de v i s t a procuramos a verdade? E m que posição nos colocamos quando contemplamos aquilo que julgamos ser a verdade? Pois tudo isso determinará tanto aquilo que vemos como a extensão da veracidade daquilo que vemos. 0 significado daquilo que acreditamos verdadeiro e o v a l o r de u m julgamento são inteiramente condicionados pelo ponto de v i s t a adotado. Assim, a possibilidade de assegurar-se u m a m a i o r veracidade n a esfera científica aumenta com a simples adoção de u m ponto de v i s t a mais elevado. A filosofia absorve esta liçâ e a seguir desenvolvc-a ainda mais, dizendo: adotemos, portanto, o mais elevado, o derradeiro ponto de vista, onde não haja relatividade e só então tiremos as nossas últimas conclusões acerca do mundo. Ass nala a i n d a que não podemos fugir à necessidade de u m ponto de vist duplo; e m p r i m e i r o lugar incluindo todas as posições possíveis e r c L tivas abrangidas pela v i d a cotidiana e pela ciência experimental; e*f A
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segundo, abarcando a razão universal, r e m o t a , a u s t e r a , única, independente de toda a relatividade. Pois o ponto de v i s t a o b t i d o através desta última independerá por completo daquelas características h u m a nas que tornam todos os resultados p a r c i a i s e r e l a t i v o s . E s t e s talvez sejam da maior utilidade p a r a fins práticos e i m e d i a t o s , m a s não se prestam à rigorosa busca da verdade d e r r a d e i r a . Uma mente que se canse facilmente irá, ante o espetáculo de caminhos inusitados, contentar-se c o m o p r i m e i r o e m a i s próximo ponto de vista, qual seja o da utilidade prática, t o m a n d o as c o i s a s t a l como as percebem os sentidos; ao passo que u m a m e n t a l i d a d e imbuída do amor da verdade esforçar-se-á p a r a alçar-se a c i m a d a s aparências imediatas, ou superfície comum das coisas, e chegar às s u a s explicações, adotando uma posição crítica e indagativa. É o q u e f a z o c i e n t i s t a . Mas se detém aí. Daí a queixa da filosofia o c u l t a . E s t a vê c o m bons olhos a marcha do cientista. Não o teme, c o m o faz a religião. Apenas lhe encarece a necessidade de não acomodar-se senão a u m a posição que lhe permita a f i r m a r a verdade d e r r a d e i r a . T a l posição só pode pertencer à rigorosa atividade d a razão p u r a a m p l i a d a ao máximo, e não será nunca revelada pela observação física o u através de e x p e r i m e n tações de laboratório. 0 ponto de vista primitivo é u m a necessidade do v i v e r cotidiano. E l e pode demonstrar-se de grande v a l i a c o m relação às f i n a l i d a d e s práticas ( e m oposição às teóricas), dispensando c o m i s s o q u a l q u e r o u t r a sanção por parte do homem c o m u m . Baseia-se, v i a de r e g r a , n a s grosseiras e ingénuas informações dos cinco sentidos; o fato de t a i s informações lá está e todos têm de aceitá-lo. O simplório contenta-se c o m o valor nominal do seu fato e e m s u a pobreza m e n t a l se r e c u s a a i r além da experiência real, mas tanto o filósofo q u a n t o o c i e n t i s t a só o aceitará condicionalmente e tratará de e x a m i n a r - l h e o significado. Ambos percebem que é necessário u l t r a p a s s a r e m p e n s a m e n t o a experiência imediata e efetuar u m a investigação m a i s a m p l a e m a i s profunda da maneira pela qual o fato veio a acontecer. S e o p e n s a m e n t o popular fosse sempre certo não h a v e r i a necessidade de instrução; se as impressões de momento bastassem p a r a d a r a conhecer toda a v e r d a d e acerca de alguma coisa, não se r e c o r r e r i a à educação p a r a c o r r i g i - l a s ; e se os homens percebessem n a t u r a l m e n t e o significado do u n i v e r s o e das suas próprias vidas a obra d a filosofia s e r i a i n t e i r a m e n t e s u pérflua. Os homens nascem, n a verdade, presos ao e r r o ; e só conseguem chegar a u m conhecimento seguro através de u m a l a b o r i o s a correção dos seus julgamentos espontâneos. C o n t u d o , o h o r r o r h a b i tual aos esforços mentais faz c o m que as pessoas, de hábito, s e satisfaçam com o ponto de vista m a i s fácil, conquanto pejado de falsidades, e suspeitem amiúde dos filósofos, e m b o r a estes últimos representem a extensa batalha e a vitória f i n a l d a razão. Chegamos assim à conclusão de que haverá s e m p r e d u a s f o r m a s possíveis de encarar o mundo. O p r i m e i r o ponto de v i s t a é múltiplo
e pode i n c l u i r inúmeros graus daquilo que se acredita real ou verdadeiro, m a s está sempre envolvido naquilo que em lógica se designa por falácia d a simplicidade. Pode-se descrevê-lo como sendo primitivo, inferior, relativo, c o m u m , simples, prático, sensato, empírico, imediato, p a r c i a l , finito, fenomenal, local, ignorante e óbvio. 0 segundo ponto de v i s t a pode s e r descrito como sendo absoluto, derradeiro, filosófico, unificado, máximo, numênico, reflexivo, universal, verdadeiro, pleno, único, superior, f i n a l e oculto. Já v i m o s como a ciência c o n t r a r i a o ponto de vista do homem c o m u m . Quanto m a i s nãó será então ofendido este ponto de vista por algo que s u p l a n t a a própria ciência? O ponto de vista mais elevado não apenas é absolutamente necessário como também afortunadamente possível. Apenas a filosofia o propicia pois só ela galga o cume e se r e c u s a a cingir-se ao compartimentalismo, explorando toda a existênc i a , inclusive
a exploradora
mente propriamente
dita. A filosofia busca
preencher o vazio criado pelo compartimentalismo da vida prática e d a p e s q u i s a científica cuidando que nenhum aspecto da existência m e n t a l e m a t e r i a l — por insignificante que possa parecer a outros — fique f o r a do s e u amplo campo de ação. A ciência não pode n u n c a completar por s i mesma a sua tarefa. S u a saga é g r a n d i o s a m a s não chega a u m f i m . Quando se cansa de a n d a r e m círculos a ciência é obrigada a procurar repouso; não entregando-se nos braços balsâmicos do dogmatismo mas alçando-se à atm o s f e r a r a r e f e i t a d a filosofia, encontrará ela a paz duradoura. A r o n d a v i c i a d a d a relatividade não tem saída a menos que a ciência r e c o r r a à a j u d a d a filosofia. Surgem, assim, dois pontos de vista distintos e b i f u r c a m a nossa visão d a natureza. Só pode haver u m a verdade d e r r a d e i r a e u m ponto de v i s t a final cujo caráter seja a u m tempo inalterável e invulnerável. O filósofo b u s c a encontrá-los e não se satisfaz c o m menos. 0 conceito do mundo que decorre da mais pura reflexão é diferente daquele que decorre da primeira impressão sens o r i a l . É p r e c i s o estabelecer u m a nítida distinção entre ambos. 0 p r i m e i r o é perfeito, ao passo que o segundo é prematuro. 0 primeiro ponto de v i s t a é o do universo propriamente dito, o segundo é o do h o m e m : o p r i m e i r o opera do ponto de v i s t a de todo o universo e não apenas do ponto de v i s t a do conhecimento de algum homem e m part i c u l a r , sendo, p o r conseguinte, absoluto e verdadeiro, enquanto o segundo vê apenas de u m a f o r m a antropocêntrica, vale dizer relativa. A t r o c a do ponto de v i s t a m a i s baixo pelo mais elevado adotad pelo e n s i n a m e n t o oculto só pode acontecer depois de subirmos os ar d a i m e s d a vivência o u depois de atravessarmos a nado o r i o da r e f l e x ' p r o f u n d a . P o i s é a t r o c a do p r i m e i r o a m o r pelo definitivo. Amiúde ela p r e n u n c i a d a quando a s circunstâncias apresentam problemas diffr que e n t r a m èm conflito c o m as crenças preconcebidas e confundem a mente e s c r a v i z a d a . Aí é evocado o atro espectro da dúvida, o qual, por s u a vez, r e c l a m a novas e m a i s profundas investigações. Mas a invés
gação suscita e m breve agudas questões. O c o n h e c i m e n t o resultante da adoção do ponto de v i s t a m a i s elevado é o único e m condições de fornecer u m a resposta satisfatória a tais questões, p o r s e r o único a lidar com aspectos derradeiros, ao passo que todos o s d e m a i s pontos de vista oferecem respostas que poderão s e r m o m e n t a n e a m e n t e satisfatórias; respostas que durante a l g u m tempo poderão s e r visões úteis e pragmáticas, m a s estão condenadas a f r a c a s s a r a q u a l q u e r momento sob o impacto dos fatos. A história m o s t r a c o m o p o r f i m os governos, as religiões, as teorias e a s instituições e n t r a m e m colapso, a p e s a r d a sua aparente inexpugnabilidade. Pois não há permanência absoluta senão n a verdade derradeira. É m u i t o menos i m p o r t a n t e v i a j a r do Canadá à Cidade do Cabo do que v i a j a r do ponto de v i s t a p r i m i t i v o até o filosófico. Assim, apenas a filosofia pode converter-se no ápice p a r a o qual convergem todas as linhas d a pirâmide do c o n h e c i m e n t o e d a ação. Seus pronunciamentos são adamantinos; p o d e m s e r r a t i f i c a d o s m a s nunca retificados pela passagem do tempo. A virtude sem p a r e o v a l o r incomparável de t a l a t i t u d e mostram-se na corajosa alegação que apenas a filosofia o c u l t a o u s a fazer q u a l seja, a alegação de chegar à inteireza dos resultados, à i n d i s c u t i b i l i d a d e d a verdade e ao princípio provado subjacente a todas a s fases d a experiência e do conhecimento que, u m a vez atingido, todas as c o i s a s r e s u l t a m compreendidas. A alegação, como todas as d e m a i s , p r e c i s a s e r posta à prova, e a filosofia oculta de b o m grado e s e m receios se submeterá a todas as provas imagináveis, pois, tendo sido através dos tempos o seu mais ferrenho crítico, ela sabe h a v e r estabelecido u m a base tão sólida como o Rochedo de G i b r a l t a r . S e e m toda p a r t e a q u i l o que passa por filosofia difere dos filósofos p r o p r i a m e n t e ditos, e m parte alguma pode a genuína filosofia afastar-se u m a l i n h a e m matéria de princípios essenciais daquilo que sempre foi e s e m p r e terá de s e r . Assim, e m nossa busca é preciso que a p r e n d a m o s a e m p r e g a r o ponto de vista adequado. Queremos a última p a l a v r a e m matéria de verdade? Nesse caso é preciso que abordemos o m u n d o segundo o ponto de vista filosófico. Queremos u m a visão prática e funcional? Nesse caso poderemos f i c a r c o m o ponto de v i s t a i n f e r i o r e limitado. Porém, o que quer que façamos, não devemos c o n f u n d i r a s nossas categorias. Pois o castigo será a distorção d a v e r d a d e e a impossibilidade de encontrar u m a regra funcional. O ponto de v i s t a filosófico deve ser mantido apartado do prático, caso contrário f i c a r e m o s c o m u m a perspectiva confusa e embaçada, diz a d o u t r i n a o c u l t a . Ademais, não se deve pensar que a adoção do ponto de v i s t a elevado significa a destruição do ponto de v i s t a m a i s b a i x o . A antítese ent r e eles pertence ao mundo do pensamento elementar e não desloca a s fontes d a ação cotidiana. Os dois pontos de v i s t a podem s e r coordenados e m função das circunstâncias i n d i v i d u a i s . São dois pontos de
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vista que podem ser distinguidos, mas não podem ser separados, não podem ser divorciados. Podemos estudar u m deles independentemente do outro, m a s c o m isso estaremos fazendo u m a simples abstração de ambos, sendo verdadeiro o todo. Não devemos tomá-los como divisões rígidas m a s como distinções necessárias. Ninguém poderá negligenciar o p r i m e i r o s e m deixar de ser u m ser humano, enquanto ninguém poderá negligenciar o segundo sem condenar-se a permanecer alheio ao reino da verdade. Ninguém poderá prescindir do ponto de vista primitivo porque a v i d a prática tem de basear-se na crença muito mais do que n a verdade. É preciso que confiemos n a nossa cozinheira, por exemplo, pois não há tempo p a r a investigar ou supervisionar os pequenos detalhes d a cozinha cotidiana. Vale dizer que devemos nos contentar c o m a ignorância da veracidade de tal ponto de vista, com a falta de provas de que as coisas são aquilo que pretendem ser. A vida ativa seria impossível se tivéssemos que esperar e coletar todos os fatos antes de c a d a ato o u movimento, de maneira que somos obrigados a aceitar quase tudo e m função dos valores aparentes. A aplicação do ponto de v i s t a m a i s elevado às pequenas coisas do dia-a-dia não é nem desejável n e m necessária. Os assuntos mais banais se transformariam em grandes dores de cabeça. Seria essa aplicação tão tola e impossível como a t e n t a t i v a de aplicar os cânones do julgamento comum aos problemas d a filosofia p u r a . B a s t a , portanto, que tenhamos sempre presente e m conhecimento a redondez da nossa Terra, sem exigir que a v i s t a e o tato no-la confirmem. B a s t a que o filósofo permaneça sempre u m s e r h u m a n o sensível, desde que se atenha com firmeza aos princípios que generalizam a verdade anterior ao cambiante cenário do seu d i o r a m a diário. T a l método, contudo, tanto quanto o prático, é por si mesmo demasiado falho p a r a a filosofia, que é obrigada a investigar minuciosamente c a d a centímetro da sua progressão. Quando o homem começa a pensar no significado da vida e no significado do mundo deve deixar de lado as irrelevantes transações que constituem a existência comum e s u b i r a vertiginosas alturas mentais. Quando filosofa, livre-se ele das transações dessa ordem, de todas as concessões fáceis às enfermidades da nossa adolescente raça, e permaneça fiel à sua mestra. O m o v i m e n t o do pensamento é inevitável em ambos os estágios. E s t e s são complementares. Temos que coordená-los. Confundir ou t r a n s a c i o n a r c o m os dois pontos de vista é, porém, misturar os problemas d a v i d a e do pensamento. Do seu ponto de vista único a filosofia b u s c a fornecer u m a explicação consistente e final de tudo aquilo que existe, s e m negar, contudo, o valor da obra realizada por aqueles que se l i m i t a m tão-somente ao ponto de vista comum nem o da experiência daqueles que só conseguem achar a verdade naquilo que vêem. Mas d e m o n s t r a a inadequação do cunho puramente relacional de t a i trabalhos, experiência, julgamento e conhecimento para uma visão extensiva d a v i d a que nada omita do seu campo de observação. r
J
Assim, podemos acomodar as reivindicações d a v i d a prática às reivindicações da verdade filosófica e h a r m o n i z a r todo o conhecimento. Para a experiência, a ciência é o ponto de p a r t i d a d a genuína filosofia. Quando a ciência reunir forças suficientes p a r a d a r o salto, quando a revelação da relatividade obrigá-la a confessar a s u a impotência de chegar a uma certeza absoluta por s i só, assumirá e l a então a elevada dignidade da filosofia. Ao fazê-lo não precisará a ciência abandonar as conquistas práticas, pois ambas as coisas podem e devem c a m i n h a r lado a lado. Assim é que a ciência deve l a b o r a r e m meio ao tumulto da labuta terrena, apegando-se ao silêncio i n t e r i o r do s e r extraterreno; deve conciliar as limitações que c e r c a m o h o m e m p o r todos os lados com a liberdade que reside bem no fundo do s e u s e r ; deve eliminar a falsa oposição entre o prático e o filosófico, promovendo a s u a unidade. Pois, enquanto o primeiro ponto de v i s t a p r o p i c i a visões da verdade, o segundo propicia a verdade propriamente d i t a ! Repousa o derradeiro ponto de vista n u m a base dupla de razão e experiência. É inexpugnável porque leva tanto u m a como o u t r a a u m desenvolvimento jamais sonhado. Aqueles que se passam da relatividade do pensamento do p r i m e i r o ponto de vista para a rígida certeza do segundo e x p e r i m e n t a m a suprema revolução da mente humana. A n o v a posição torna-se c r u c i a l para a sua reflexão acerca do universo e p a r a a s u a atitude relativamente aos demais humanos. Quando t a l reflexão é l e v a d a aos seus extremos, o que exige tanto de coragem como de paciência, a r e l a t i v i dade de todo o seu conhecimento psicológico se patenteará. E s t e princípio, aplicado no seu devido lugar no início do segundo v o l u m e que completará a presente obra, funcionará p a r a o leitor c o m o u m a operação de catarata no caso de u m homem cego. Será então possível chegar a surpreendentes resultados, únicos n a história do conhecimento do mundo, os quais irão revelar u m insuspeitado m u n d o do s e r no qual as esperanças mais altaneiras d a raça h u m a n a poderão concretizar-se à medida que as suas mais grandiosas intuições forem-se realizando. A Noção Espaço-Tempo
do Homem
se Amplia.
Salientou-se n a s
páginas de abertura desta obra que recentes invenções forçavam a humanidade a ampliar a s u a noção de espaço b e m como a s u a noção de tempo. Algumas importantes implicações u l t e r i o r e s daqueles progressos podem ser agora mostradas. Será que percebemos que o homem chegou à ideia de que a T e r r a é redonda a m p l i a n d o a s u a noção de tempo? Quando os navegadores medievais começaram a fazer v i a gens mais longas e afinal circunavegaram o globo, quando os astrónomos inventaram instrumentos superiores e t o m a r a m conhecimento da existência de estrelas mais remotas, a crença de que a T e r r a e r a chata tornou-se ridícula e insustentável. Copérnico i n a u g u r o u a i d e i a d a relatividade d a direção no pensamento europeu e m o v i m e n t o u forças que foram gradualmente revolucionando toda a c u l t u r a europeia.
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A hipótese d a relatividade nasceu da investigação num campo espacia de amplitude sem precedentes n a história de tais experimentações. Isso p e r m i t i u a E i n s t e i n descobrir que os raios de luz, aparentemente retos, são n a realidade curvos e que u m a linha reta, suficientemente prolongada, acaba tornando-se curva! As linhas retas parecem direitas apenas porque não acompanhamos a luz n u m trajeto de milhões de quilómetros e durante u m espaço de tempo devidamente longo. Se pudéssemos fazê-lo, veríamos que as retas são curvas. T a l descoberta, porém, subverte todos os axiomas de Euclides, toda a geometria baseada sobre tais axiomas, todos os velhos conceitos de corpos mater i a i s fixos dispostos no espaço segundo as antigas leis euclidianas. A geometria de E u c l i d e s funcionava com perfeição, desde que aplicada a porções l i m i t a d a s do universo. Quando, porém, u m campo mais vasto e r a considerado, tornava-se ela insatisfatória e sistemas não-euclidianos, como o de Riemann, demonstravam-se mais adequados à medição d a T e r r a . Aqui, u m a vez mais, a ampliação da noção de espaço revolucionou até mesmo o caráter da matemática. Se, por u m lado, exigiu o abandono de noções limitadas, por outro, ofereceu explicações m a i s amplas e genéricas para os fenómenos físicos. A ampliação d a noção de tempo da humanidade é igualmente importante p a r a o pensamento e para a cultura e apareceu de diversas maneiras. Os homens já não se surpreendem hoje diante dessas chocantes transformações, como decerto o fariam há quinhentos anos atrás. O gramofone lhes traz aos ouvidos u m a voz que falou uma déc a d a antes, o rádio lhes permite ouvir de imediato vozes ou músicas que e m outras épocas só poderiam ouvir depois de semanas e até meses de viagem. O mundo do tempo se contraiu, ao passo que a noção de tempo se dilatou. E s s e alargamento d a noção de espaço que produziu as descobertas de Copérnico e E i n s t e i n no campo da ciência trouxe também no seu r a s t r o outras novas verdades. Está ele influenciando a política prática dos estadistas e os princípios teóricos dos economistas. Está influenciando os m a i s importantes departamentos da vida e cultura humanas. E n a m e d i d a e m que t a l alteração está fazendo com que os homens se dêem conta d a unidade da existência, nessa medida enquadrasse e l a no ensino prático d a filosofia ligado à vida social e à conduta ética. Ciência e filosofia tendem a encontrar-se aqui e os seus caminhos se t o r n a m cada vez menos divergentes. Ademais, todas essas novas verdades acerca de espaço e tempo estão trazendo grande desenvolvimento aos pensamentos dos homens e grande desenvolvimento às suas concepções acerca do mundo. Estão destarte preparando a mente do público p a r a acolher de b o m grado as verdades da filosofia oculta da índia, p a r a as quais tendem de forma inapelável, À medida que as pessoas se h a b i t u a r e m a raciocinar dessa nova maneira, ficará mais fácil p a r a elas a q u i l a t a r o valor do mais elevado ponto de vista filosófico.
A relatividade propiciou u m a n o v a visão do m u n d o c o m o base para todo o pensamento futuro a c e r c a d a s c o i s a s . U m a compreensão integral do significado d a r e l a t i v i d a d e não f a z senão t r a z e r à l u z u m a nova perspectiva para os homens r e f l e x i v o s e e m a n c i p a r - l h e s a mente das ideias mortas, porque até a q u i a característica d o m u n d o externo era a sua inevitabilidade, o s e u status mecânico, j ; É r a m o s obrigados pelos nossos sentimentos a aceitá-los t a l c o m o ele p a r e c i a s e r . Sentíamos instintivamente que não se t r a t a v a d a q u i l o q u e desejávamos pensar a respeito, m a s daquilo que devíamos p e n s a r . Daí, todas as pessoas, os cientistas inclusive, h a v e r e m se a p e g a d o à i d e i a de que tudo aquilo que ocupava u m a c e r t a f o r m a possuía u m a aparência e uma medida em separado que e r a r r f c o b j e t i v a m e n t e s u a s , e x a t a m e n t e na forma em que e r a m percebidas. A c r e d i t a v a - s e t a m b é m q u e sempre que tinha lugar algum acontecimento, s u a duração e r a também alguma coisa precisamente inerente a ele, c o m o h a v i a d i t o N e w t o n — e todos os cientistas que v i e r a m depois dele — e m t o d o s o s c a s o s , absolutamente inalterável e uniforme, e, e m consequência, i n t e i r a m e n t e i n dependente da experiência h u m a n a a respeito. O u n i v e r s o e s t e l a r que nós humanos acreditávamos lá fora e c o n s t a n t e através do t e m p o não era de forma alguma afetado pela n o s s a posição, presença o u ausência e seguia com s u a existência u n i f o r m e c u j a s características f u n d a m e n tais eram as mesmas p a r a todos os o b s e r v a d o r e s e m t o d a s a s épocas. Espaço e tempo, definitivamente, e r a m " d a d o s " . Com o advento de E i n s t e i n , mostrou-se q u e t a i s opiniões e r a m erróneas, imperfeitas e enganosas. E l e d e m o n s t r o u q u e o s padrões convencionais de medida, feitos no espaço e n o tempo, não são de f o r m a alguma absolutos e irrevogáveis. Dependem i n t e i r a m e n t e de fatores, tais como a posição do observador, os q u a i s são e m s i m e s m o s variáveis e relativos. Aquilo que realmente sabemos do m u n d o não é estereotipado p a r a todos e todos os lugares m a s é r e l a t i v o ao ponto de vista específico que se esposou. M u d a n d o o p o n t o de v i s t a i r e m o s visualizar o mesmo mundo de u m a m a n e i r a diferente. Note-se, porém, que transformar o espaço n u m a variável é privá-lo do s e u caráter euclidiano e fazer c o m que u m fator m e n t a l e n t r e nele. Durante todo o século passado a ciência, c o m o se fosse u m observador empenhado em investigar a fundo o m u n d o , não soube q u e os dados conseguidos e r a m mais úteis p a r a q u e às c o i s a s f o s s e m feitas do que para chegar-se à verdade d e r r a d e i r a . E r a c o m o u m h o m e m n u m sistema astronómico fechado, incapaz de dizer se a T e r r a se deslocava ou não, por não ter nada c o m o que compará-la. O sono m e n t a l da raça estava, porém, terminando. A história t i n h a d e s t i n a d o o século vinte a ser o século do súbito despertar. A ciência começou a e s c r u t a r a sua própria posição, por s i m e s m a , a d q u i r i n d o c o m i s s o consciência da falta de u m elemento e m s u a observação de o u t r o s m o v i m e n t o s — seu próprio movimento! A ciência tinha-se absorvido no estudo do m u n d o e x t e r n o m a s deixava de levar e m conta o estudante p r o p r i a m e n t e dito, a s condições
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c m q u e ele t r a b a l h a v a e as preconcepções com que trabalha va-se, contudo, de fatores que e n t r a v a m n a observação e, em consequência, m o d i f i c a v a m os resultados obtidos. Pensar nos objetos à parte dos homens que os estudam é pensar em abstrações. É como as duas e x t r e m i d a d e s de u m a m e s m a v a r a — não se pode, em hipótese a l g u m a , s e p a r a r u m a e o u t r a . É preciso que haja alguém para conhec e r o objeto; tanto quanto alcança o conhecimento humano ambas e x i s t e m c o m o coisas conhecidas. Tratá-las de outra forma é abstrair u m a d a s pontas d a v a r a e fingir que a outra não existe. Afirma claramente a r e l a t i v i d a d e que não se pode separar o observador das suas observações, que o espaço não é u m grande vácuo no qual os objetos estão suspensos e n e m é o tempo u m a larga torrente em cujo seio se e n c o n t r a m . A s f o r m a s que percebemos, as medições que fazemos, dependem d a posição daquele que percebe e mede. Se ele mudar sua posição, novas f o r m a s e novas medidas se lhe apresentarão. Por essa razão o conhecimento empírico está continuamente sujeito à revisão. S e m a filosofia j a m a i s podemos chegar a u m a determinação do caráter do u n i v e r s o que s e j a e se mantenha p a r a sempre absoluta. O significado íntimo d a relatividade é que o mundo pode ser conhecido de m a n e i r a s diferentes n a experiência de diferentes seres humanos. O princípio pode ser aplicado à forma particular segundo a q u a l u m objeto se nos m o s t r a de u m a determinada posição ou pode ser aplicado ao fato de que o objeto propriamente dito também é conhecido c o m o u m a ideia e m relação à mente que conhece. U m objeto não é n u n c a independente das condições que afetam u m determinado observador. O u n i v e r s o f i c o u privado de u m a entidade inalterável. A relatividade converteu-o n u m universo de interpretação individual ou coletiva. Mesmo que as observações de u m milhão de pessoas sejam mais ou menos concordes, n u n c a deixarão elas de ser meras interpretações. O princípio d a relatividade não perde s u a veracidade porque u m milhão de pessoas reunidas n u m a cidade não denota diferenças n a sua observação geral de u m determinado objeto. 0 princípio se lhes aplic a , conquanto coletivamente, porque essas pessoas usam a mesma posição g e r a l o u empregam o mesmo padrão geral de referência. T i r a n t e o s e u v a l o r prático, c u j a consideração não cabe aqui, o v a l o r d a o b r a de E i n s t e i n p a r a o mundo da cultura é haver abalado a presunçosa tradição científica que buscava estabelecer u m a representação f i x a p a r a o universo. E i n s t e i n inaugura u m a nova era para as mentes reflexivas. O aspecto d a s u a obra que mais importa prova convincentemente que o universo observado, vale dizer, o u n i conhecido, e m separado do suposto universo exterior, quanto à $ aparência, depende, ao menos e m parte, do observador propriarr.: dito. No entanto, qualquer pessoa poderá compreendê-lo sem precisar p a r a tanto transformar-se n u m matemático que domine as nuanças relatividade, desde que se resolva a estudar o mundo com mais aí
ção, atendose de preferência ao que ele é e não ao q u e parece ser. T a l pessoa irá forçosamente n o t a r que os aspectos espaço e tempo na experiência humana não são tão objetivos c o m o supõe o pensamento cotidiano. Se nada existe em isolado, independentemente d a s u a relação com aquele que percebe, então, s e m a s s u m i r p o r i n t e i r o a personalidade de u m outro homem, torna-se impossível o b s e r v a r q u a l q u e r objeto exatamente como ele o faz. A s s i m é que, r e c a l c i t r a n t e m e n t e , nós carregamos conosco a nossa visão do m u n d o onde q u e r q u e estejamos. As observações que fazemos efetuam-se n a v e r d a d e d e n t r o desse mundo e são inseparáveis dele. 0 nosso m u n d o de fatos o b s e r v a d o s é também u m mundo de julgamentos! Nós s e p a r a m o s p o r u m processo de abstração algum aspecto especial e a ele d a m o s a denominação da coisa. Nós isolamos determinadas aparências do objeto, fazemos a abstração de todas as aparências possíveis e a s e g u i r a f i r m a m o s haver visto o objeto! A lógica que p r o v a que o objeto conhecido não pode nunca ser separado do sujeito que conhece c o m o u m a entidade independente, que o observador é parte de toda a observação que faz, e que o mundo só pode ser descrito e m termos de relações é irretorquível. Quando E i n s t e i n m o s t r a não h a v e r tempo n e m espaço c o m u n s a todos os grupos de seres humanos, é como se m o s t r a s s e a utilização simultânea de numerosos óculos, as lentes de c a d a grupo tendo u m colorido diferente e, consequentemente, produzindo u m a i m a g e m de matiz diferente. Onde ocorrem n a realidade t a i s alterações de aspecto? As imagens resultantes, referidas à s u a p r i m e i r a o r i g e m , não se encontram lá fora, no objeto, m a s s i m nos observadores propriamente ditos. Se cinco homens estudando a m e s m a c o i s a de cinco posições diferentes encontram diferenças de tamanho, m a s s a , velocidade e a s s i m por diante, quem senão eles próprios é responsável pelas alterações no objeto observado? E s s a é a única f o r m a possível de conceber t a l relatividade. Retire-se dos cálculos o observador e todo o s i s t e m a da relatividade entrará e m colapso. A s observações dependem e m boa parte do observador. 0 mundo dos imensos continentes e majestosos oceanos parece destacado no espaço, contudo, ao p o n d e r a r m o s no assunto, as próprias relações espaciais se m o s t r a m inapelavelmente envolvidas com o observador. S e a T e r r a parece s e r a c h a t a d a e n a realidade é redonda, se parece parada e não cessa n u n c a de g i r a r , onde o erro a ser procurado? Obviamente, no próprio observador, pois os seus sentidos trabalham continuamente p a r a f o r m a r a s u a i m a g e m da T e r r a . A suposição muito plausível, gravada e m nossas mentes p e l a hereditariedade e pelo hábito, de que entramos e m contato direto c o m u m mundo independente e separado de nós mesmos já não encontra justificação. A relatividade nos a r r a n c a a deplorável confissão de que existem sempre diferentes maneiras de v e r o mundo, de que não existem características fundamentais percebidas i n d i s t i n t a m e n t e por todos os observadores e de que a modificação d a posição o u do padrão
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de referência irá a c a r r e t a r u m a alteração da imagem sensorial do mun do nos observadores propriamente d i t o s . E essa imagem sensorial é a única à q u a l se a t r i b u i sem restrições u m a realidade, por ser a única conhecida. 8
Os fatos do mundo nós habitualmente os percebemos através dos órgãos sensoriais, essas complicadas estruturas que num remoto passado não e r a m senão pedaços sensíveis de pele. 0 cientista é obrigado a t r a b a l h a r c o m medições obtidas a partir de u m instrumento consultado c o m a s u a própria faculdade da visão. Sob esse aspecto permanece ele n a total dependência dos seus dois olhos. 0 químico altera os pesos n a balança do laboratório e a seguir lê os algarismos indicados por u m ponteiro que se desloca sobre u m a escala numerada. N a verdade, s u a consciência anotou certas sensações visuais, certas experiências acontecidas com os mecanismos nervosos do seu corpo. Diz-se que a ciência se baseia apenas em medições, mas, evidentemente, trata-se de u m a declaração incompleta; o observador humano tem de ser computado como u m a parte dos resultados também. Não se pode separar a ciência dos cientistas. Por isso, o padrão criado pela ciência é também o padrão da experiência humana. Einstein o reconheceu, incluindo a ideia matemática de u m observador em suas conclusões. E o observador, por s u a vez, baseia todas as suas informações nos seus cinco sentidos. — M a s que tem toda esta análise a ver comigo? — perguntará alguém. — Não será ela prerrogativa dos cientistas e matemáticos? — A resposta é : — tudo! Pois o caro leitor é também u m observador, sendo o mundo e a s u a ambiência o seu campo de observação. A obra de E i n s t e i n está sendo aqui usada como u m mero exemplo, apenas p a r a i l u s t r a r alguns importantes princípios do ensinamento oculto da índia. E i n s t e i n demonstrou que nada sabemos de definitivo acerca da realidade e demonstrou tacitamente a necessidade do ponto de vista filosófico m a i s elevado. Ademais, embora sua descoberta se referisse a medições quantitativas no espaço e no tempo, pode ser d a aplicada a numerosos outros campos de investigação. A relatividade é u m princípio c u j a validade se mantém em quase todos os lugares e o seu estudo filosófico é consequente p a r a todos. Servirá ele como u m útil t r a m p o l i m p a r a u m nível de referência único, no qual o verdadeiro
Observando sobre uma tela de cinema uma imagem em câmara lenta de um cavalo saltando um obstáculo, veremos que as patas se movem com tal lentidão que o animal leva sessenta segundos para completar uma ação que na verdade não dura mais do que dois. Que aconteceu? O fotógrafo acelerou a rotação da sua câmara de modo a tirar centenas de imagens por segundo, ao passo que o operador projetou-as em ritmo lento de modo que os movimentos tendem a desaparecer. Não se trata de uma ilusão. A máquina ampliou de fato a nossa noção de tempo, modificando o número das nossas sensações. Demonstrou-se de forma simples e prática aquilo que o princípio da relatividade expressa por meio de fórmulas matemáticas. 8
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caráter do mundo e, posteriormente, o r e a l s i g n i f i c a d o d a existência podem ser desvendados. A relatividade reina tanto no m u n d o m e n t a l q u a n t o n o físico. A crença dá colorido ou condiciona a percepção. A predileção é seletiva e elimina da observação camadas i n t e i r a s de f a t o s . O egoísmo é enganoso e amiúde vê apenas aquilo que d e s e j a v e r . A presunção falsifica até mesmo aquilo que vê. A emoção s o b r e c a r r e g a o t r i v i a l , foge ao mental e ignora o substancial. A imaginação, s e m q u a l q u e r esforço, fabrica os dados m a i s improváveis. Ademais, a obra de E i n s t e i n não apenas d e s p o j a t e m p o e espaço da sua realidade independente como também l e v a l o g i c a m e n t e a u m outro ponto que não deve s e r ignorado. Q u a n d o E i n s t e i n patenteia que u m homem n a L u a t e r i a u m tempo diferente de u m h o m e m na T e r r a , fica demonstrado que a referência de t e m p o t e m vinculação com a referência de espaço. M o s t r a a r e l a t i v i d a d e q u e não se pode separar o espaço do observador, que não se pode s e p a r a r o tempo do observador, e que tanto espaço como tempo se c o n s t i t u e m e m partes de u m a mesma coisa. O contínuo espaço-tempo é u m a só c o i s a , não duas: não há espaço sem tempo ( s e u c o m p a n h e i r o inseparável). 0 quando e o onde vivem e m perpétua união. Todas as percepções de tempo d e v e m e n v o l v e r referência ao mundo externo e, consequentemente, envolver percepções de espaço também. E l a s são inseparáveis. O tempo e m que u m objeto o c u p a a s s u a s três dimensões no espaço tem de ser levado e m c o n t a p a r a se completar a medição desse objeto. Todo o nosso conhecimento d a n a t u r e z a é o conhecimento de coisas presentes no espaço e acontecendo no tempo; toda a nossa experiência é a experiência de objetos o c u p a n d o u m a determinada posição espacial e u m a d e t e r m i n a d a o r d e m n o tempo. Não apenas vemos o mundo e m torno m a s também o fazemos n u m a relação espaço-tempo. Tempo e espaço se i m p l i c a m reciprocamente; dependem u m do outro. Pois vemos os objetos no espaço s e p a r a d a m e n t e e portanto sucessivamente e n a dimensão total do espaço-tempo. I n v e r s a m e n t e , se não nos fosse possível separar no espaço a T e r r a do S o l , não teríamos como medir o tempo. A s s i m , todas as nossas sensações são correlativas no espaço-tempo. Nós espacializamos fugindo a r b i t r a r i a m e n t e ao contínuo tetradimensional e m que espaço e tempo p e r m a n e c e m em perpétua união. 0 contínuo espaço-tempo é o f u n d a m e n t o que baseia toda a nossa experiência do mundo. Não é preciso que nos atemorizemos diante dessa ressonante pal a v r a contínuo. Torna-se ela explicável quando sabemos que espaço e tempo são relativos à mente do observador e que esse contínuo está misteriosamente vinculado à própria mente. Espaço-tempo é a f i n a l de contas u m conceito matemático, u m a i m a g e m c o n c e p t u a l e, consequentemente, u m a coisa mental.
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C o m o acontece então encontrarmos espaço e tempo como realidades s e p a r a d a s ? É porque a mente inconscientemente os tomou e destacou de s i m e s m a até certo ponto, impondo-os a s i mesma como descobertas o b j e t i v a s . A s s i m , a e s t r u t u r a do mundo depende em parte da e s t r u t u r a d a mente. Não devemos desprezar o fato de que a mente está sempre a i n t e r p r e t a r o mundo p a r a nós, sempre ocupada por detrás de c a d a m o v i m e n t o no tempo e cada coisa medida no espaço. O fato e x t r e m o d a ciência é que o espaço-tempo é a matriz derradeira que a m o l d a os objetos e acontecimentos dotados de existência: é a u m tempo a s u a fonte m i s t e r i o s a e a q u a r t a dimensão d a matéria. Quando, contudo, chegarmos à compreensão de que o espaço-tempo é também inseparável d a mente, veremos que rumo a investigação e as descobertas obrigarão a ciência a tomar. Quanto mais esta hesitar e m t o m a r t a l atitude tanto maior será o acúmulo de provas. N o i n s t a n t e e m que E i n s t e i n proclamou suas descobertas a ciência física já não pôde manter-se alheia, como no passado, face ao problema da relação d a mente c o m o mundo. Pois a relatividade solapava toda a n a t u r e z a objetiva dessa ciência e introduzia involuntariamente u m fator subjetivo. Nada, portanto, segundo a relatividade, é completamente auto-existente. E s t e nosso interpretado mundo depende, ao me> nos e m parte, da mente interpretadora do observador. 0 velho conceito de que espaço e tempo são continentes e m que todas as coisas são exibidas, p r e c i s a s e r posto de lado. 0 novo conceito de que espaço e tempo estão contidos n a mente do observador precisa ser esposado. O corolário a ser tirado é que mente e sensação são fatores inarredáveis n a c o n t e x t u r a do mundo que conhecemos, pois esse mundo é inseparável do espaço tanto quanto o é do tempo. A verdade, t a l como existe e m s i mesmo, incondicionada, é segundo E i n s t e i n intangível; a verdade, t a l como existe e m relação com as faculdades dos indivíduos é a única tangível. O ensinamento oculto discorda c o m veemência desse pessimismo, assinalando que a entidade isenta de toda relação só pode ter u m a natureza mental comum e pode ser apreendida por meio de u m a abordagem não-individual. De qualquer forma, os princípios que determinam o conhecimento humano existem, ao menos até certo ponto, dentro dos sentidos humanos e da mente h u m a n a e não além deles no universo. S e m a ajuda da mente somos incapazes de saber o que quer que seja. A proposição é irrefutável. A s s i m , no estágio e m que nos encontramos, o mundo gira e m grande parte e m torno de nós como observadores. Mas que somos nós sem os nossos instrumentos de observação, os nossos sentidos? Nada! T u d o é recebido através deles. A t e r r a que pisamos e a cadeira e m que sentamos e n t r a m n a nossa percepção apenas porque são registradas n a pele, nos olhos e n a s orelhas. O mundo que conhecemos é u m mundo sensorial, pouco importando o que exista além dele. E s s e mundo irá v a r i a r e m função da variação das nossas sensações pentavalentes. Aquilo que estas nos dizem constitui o mundo. E o que dizem podem s e r coisas diferentes p a r a homens colocados e m posições dife»
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rentes. Esta é a lição fundamental d a r e l a t i v i d a d e . A r e l a t i v i d a n introduz um cunho individual ou grupai a todas a s observações A pessoas irreflexivas não compreendem que pelo m e n o s p a r t e daouii que julgam externo a s i existe antes como impressões sensoriais i ternas delas próprias. Aquilo que se supõe e x i s t i r além dessas im* pressões não se sabe ao certo. ' Estamos seguindo u m a trilha sugestiva e e x p l o r a d o r a que, atravé das coisas do espaço e do tempo, levou-nos de v o l t a ao h o m e m p r o p r i mente dito, em parte à sua mente e de modo especial às sensações o * ele forma do mundo externo. Isto suscita a questão fisiológica e psic lógica de como experimentamos as sensações e o que elas n a re r " dade são. Habitualmente, nós aceitamos as comunicações desses tidos como verdadeiras e, por isso, não nos detemos p a r a e x a m i n a " até onde vai tal veracidade. A tarefa seguinte é i n v e s t i g a r a s u a exata natureza, bem como estabelecer quanto daquilo que v e m o s depende desse fator mental. u n
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CAPÍTULO I X
DA
COISA AO
PENSAMENTO
Encontramo-nos agora no l i m i a r de u m antigo mistério, 9 E x i s t e u m estimulante aspecto d a descoberta científica ao qual não se atrib u i u a devida significação e o adequado valor no Ocidente, mas o qual já e r a conhecido, compreendido e valorizado pelos pensadores da antiga índia. T a l mistério é a relação entre as coisas da nossa experiência, os sentidos e a mente. Pois foi-nos dado ver a esta altura que cada coisa e m separado da q u a l o homem tem ou pode ter consciência é n a aparência o produto de dois ingredientes, o mental e o material, e não apenas o m a t e r i a l . A proporção, porém, em que ambos se comb i n a m está a i n d a pendente de determinação. Quanto de u m a coisa é dado pela mente e quanto é recebido do mundo externo é u m enigma que v e m desafiando os homens desde K a p i l a até K a n t , mais porque a resposta c e r t a é demasiado inesperada e insuspeitada para ser aceita e menos porque a s u a dificuldade é de impossível superação. Sabemos que existe e m torno de nós u m mundo de objetos comuns, como casas de tijolos e árvores folhudas. Mas aquilo que realmente sabemos a c e r c a do mundo depende de como adquirimos tal conhecimento. Pode a descuidada ignorância a f i r m a r que nós o vemos, que determinadas imagens correspondentes se registram em nossos olhos e são de a l g u m a f o r m a captadas pela mente. A visão, porém, não é coisa tão simples como parece, pois, submetida a u m processo analítico, produz surpreendentes revelações. A mente comum contenta-se que a s u a consciência do mundo, suas experiências pessoais e modificações ambientais s e j a m coisas simples, mas a mente científica sabe o quanto elas n a realidade são complexas.
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As formas que vemos e m todos os cantos não se explicam por s i mesmas. S e quisermos saber a s u a verdade é preciso que procedamos a u m a rigorosa investigação. O mundo dado à mente não o é de par com u m a explicação simplificadora. É preciso que procuremos esta última c o m todas as nossas reservas de energia. Caso contrário ela não se apresentará e nós j a m a i s sairemos do j a r d i m da infância do pensamento.
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Antes de darmos o u não crédito ao t e s t e m u n h o dos n o s s o s sentidos deveríamos compreender adequadamente c o m o c h e g a m esses sentidos a oferecer t a l testemunho. Não é p r e c i s o n e g a r m o s q u e n o s f a l a m de u m mundo externo, m a s devemos assegurar-nos e x a t a m e n t e d a q u i l o de que nos tentam falar. Aqueles que t i v e r e m a paciência necessária p a r a proceder com seriedade a essas investigações estarão t o m a n d o importantes providências no sentido de d e s p e r t a r do sono d a ignorância que mantém prisioneira dos seus pesados grilhões a m a i o r p a r t e d a h u m a nidade; terão começado a desfazer a ilusão u n i v e r s a l n a única f o r m a através da qual ela pode s e r desfeita, através d a interpelação. Tais pessoas serão os precursores de u m a população d e v i d a m e n t e instruída e nobremente elevada. Precisamos começar como a ciência m o d e r n a , p a r t i n d o lúcida e logicamente do ponto de v i s t a do conhecido p a r a depois c h e g a r ao desconhecido. É preciso, p o r isso, que n o s t r a n s f o r m e m o s momentaneamente e m físicos, fisiologistas e psicólogos. P r e c i s a m o s e x a m i n a r o nosso aparelho corporal, o b s e r v a r a s u a f o r m a de c o n d u t a a o perceber as coisas e pesquisar o nosso c a m p o de consciência. E se u n s poucos termos científicos t i v e r e m de s e r u t i l i z a d o s p a r a t a n t o , eles serão simples e conhecidos d a m a i o r p a r t e dos l e i t o r e s ; não obstante, sua explicação plena também será fornecida, de m o d o q u e n a d a permanecerá obscuro p a r a q u e m quer que s e j a . A investigação física e fisiológica d e v e r i a s e r p r o c e d i d a e m p r i meiro lugar, pois o corpo é m a i s compreendido do q u e a m e n t e . T a l estudo irá revelar fatos peculiares a c e r c a do f u n c i o n a m e n t o dos nossos sentidos. T o d a experiência ganha consciência através d a s p o n t a s dos instrumentos dos sentidos: olhos, ouvidos, n a r i z , língua e pele. Desnecessário é f r i s a r que a percepção e a interação c o m o m u n d o s e r i a m impossíveis se não possuíssemos esses c i n c o i n s t r u m e n t o s sensíveis que nos mantêm informados quanto ao m u n d o d a s c o i s a s q u e n o s rodeiam, esses cinco canais das sensações: visão, audição, tato, olfato e paladar. U m a v i d a destituída de qualquer desses c i n c o sentidos é u m a v i d a tragicamente l i m i t a d a . P o r essa razão sentimos u m a piedade instintiva pelos cegos, pelos surdos e pelos mudos, que v i v e m n u m m u n d o sem cor, sem fala e s e m som. A pele está cheia de t e r m i n a i s nervosos e m f o r m a de b u l b o que lhe ficam sob a superfície. Através desses t e r m i n a i s recebemos a s sensações de tato, temperatura e pressão, a s q u a i s são comunicações m a i s simples que as dos demais instrumentos dos sentidos. A língua e p a r t e da boca são recamadas de t e r m i n a i s nervosos c a p i l a r e s q u e n o s dão o sentido do paladar, a doçura e o a m a r g o r das coisas. A p a r t e super i o r do n a r i z contém u m a m e m b r a n a n e r v o s a cota auxílio d a q u a l cheir a m o s as partículas gasosas que e n t r a m n a composição do a r . O apêndice a u r i c u l a r que vemos não é o verdadeiro i n s t r u m e n t o d a audição m a s u m a espécie de proteção do mesmo. N a r e a l i d a d e o u v i m o s as ondas sonoras através de u m a m e m b r a n a cilíndrica que f i c a n o i n t e r i o r
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d a cabeça, n a p a r t e t e r m i n a l de u m canal de dois centímetros de comprimento. U m sexto sentido é a consciência dos nossos próprios movimentos m u s c u l a r e s , u m sétimo é o do equilíbrio físico, mas bastará alcançar o princípio que preside a todos esses sentidos. Os nossos sentidos nos contam algo acerca de u m objeto, mas j a m a i s nos c o n t a m m a i s do que u m a fração dos fatos concernentes a tal objeto. Pois f u n c i o n a m dentro de u m campo de vibrações limitado e b e m definido. S e fossem capazes de nos contar tudo, se os ouvidos t i v e s s e m a capacidade de distinguir sons de alta frequência ou as narinas t i v e s s e m sensibilidade a todo e qualquer odor, a vida tornar-se-ia intolerável, quando não impossível de viver. Veja-se aqui u m a séria advertência n o sentido de não confiar demasiadamente no conhecimento s e n s o r i a l . E u m a asserção franca no sentido de que aquilo que sabemos d a fonte dos sentidos deve não apenas ser complementado pela investigação r a c i o n a l como também controlado por da.'fr Algo a respeito foi aprendido no capítulo anterior, no nosso estudo do princípio d a relatividade, estudo que mostrou a imperiosa necessidade da adoção de u m ponto de v i s t a duplo, e algo mais será aprendido no corr e r do presente capítulo. A filosofia não teima, portanto, em mostrar-se descontente c o m a nossa p r i m e i r a visão do mundo, tal como ele de pronto se apresenta aos nossos sentidos. A filosofia vê mistério onde o h o m e m c o m u m n a d a pressente. E l a procura n a verdade desvendar o mistério a n t e r i o r às aparências percebidas. D e todo os cinco sentidos, aquele que mais nos conta acerca do mundo e x t e r i o r é a visão. V i a de regra, apreendemos a existência de c a d a coisa i n d i v i d u a l através da instrumentalidade da visão. Todos os outros sentidos lhe estão subordinados. A visão é, portanto, o mais importante dos nossos sentidos; e m segundo lugar vem a audição. Ê também a visão o m a i s útil dos cinco sentidos, porque quase sempre pensamos no mundo e m termos de imagens visuais, enquanto a maior parte das imagens que e n t r a m n a memória e n a imaginação é também v i s u a l . A d e m a i s , a função dos olhos é muito superior em alcance à função de qualquer dos outros sentidos. Assim é que eles são capazes de perceber grande número de coisas diferentes, tanto longe como perto, n u m átimo de tempo, ao passo que o tato, por exemplo, lirnita-se apenas às que se encontram ao alcance da mão. Por fim, a visão é o m a i s s u t i l e mentalizado dos nosso sentidos. Que acontece quando contemplamos a legião dos objetos em tomo de nós? Que queremos dizer quando afirmamos haver visto alguma coisa? A visão não é e m absoluto o processo simples que aparenta ser. É u m processo altamente complicado. A primeira coisa a ser not a d a é que, e m c o m u m com os demais sentidos, a visão partilha da necessidade de u m estímulo físico para entrar em atividade» As ondas sonoras a t i v a m o ouvido ao tocarem o tímpano e as ondas luminosas i n c i d e m sobre o olho, colocando-o e m ação. A luz é o verdadeiro está-
mulo do olho. 0 tecido nervoso do olho é m a i s sensível à l u z do que qualquer outra coisa. E i s u m a caneta-tinteiro. Os r a i o s de l u z d e v e m t e r n e s t e objeto o seu ponto de partida, sendo refletidos d a s u a superfície p a r a a seguir viajarem e estimularem esse espantoso m e c a n i s m o ótico d a N a t u r e z a : os olhos. Duas esferas de tecido fibroso encontram-se e n c r a v a d a s n o recesso do crânio. Há três camadas de f i b r a s n e r v o s a s s o b r e c a d a globo o c u l a r e a mais interna é a m a i s sensível à l u z e, p o r conseguinte, à cor. Tecnicamente, denomina-se essa c a m a d a de r e t i n a . D e s e m p e n h a ela o mesmo papel desempenhado n u m a câmara fotográfica p o r u m filme sensível ou por u m visor, pois r e g i s t r a a i m a g e m de o b j e t o s exteriores. Mas, enquanto u m filme só pode s e r usado u m a vez, a r e t i n a pode ser utilizada u m sem-número de vezes, prestando s e m p r e b o n s serviços. Nela os raios luminosos se e n c o n t r a m e a f e t a m n u m e r o s o s t e r m i n a i s nervosos cilíndricos e cónicos, c u j a atividade põe e m ação o segundo elo n a corrente de processos que se estendem desde a caneta-tinteiro até a nossa percepção da s u a existência. Q u a l q u e r o u t r o i n s t r u m e n t o sensorial, como o ouvido e a pele, contém i g u a l m e n t e t e r m i n a i s nervosos, caso contrário s u a utilidade desapareceria. E s s a estrutura da r e t i n a possui u m a f i n u r a microscópica e permite, em consequência, a formação sobre a s u a superfície de imagens dotadas de u m a precisão e c l a r e z a j a m a i s igualadas p e l a s informações fornecidas pelos demais sentidos. Não devemos e s q u e c e r q u e a presença de t a l imagem não é senão a influência p u r a e s i m p l e s d a l u z sobre a retina. A fim de ver qualquer objeto externo é preciso q u e este t e n h a u m pano de fundo colorido, pois é através do c o n t r a s t e e n t r e a s cores que distinguimos a forma e o tamanho do objeto, m a s , p a r a h a v e r c o r é preciso que haja luz, pois a cor é u m produto dos r a i o s l u m i n o s o s . Apenas quando nos é possível estabelecer u m a comparação e n t r e duas cores podemos a f i r m a r haver u m objeto diante de nós. Nós notamos o flamante esplendor do flamingo e m v i r t u d e dos tons m a i s baços do cenário em que a ave se encontra. Percebemos a gigantesca pirâmide porque as suas pedras pardacentas se erguem de u m leito fulvo de areia e porque o seu cume agressivo projeta-se no olímpico a z u l do céu egípcio. Se u m a única cor nos rodeasse, objeto a l g u m poderia assumir u m a forma perante nossos olhos, porque o f o r m a t o aparente de u m a coisa é a consequência d a presença de u m a segunda c o r o u de diversas outras cores contra a q u a l fazemos o contraste. Esses raios são decompostos pelos objetos n a s tonalidades m a r rons, cinzentas e verdes que a superstição popular a t r i b u i às coisas que vê. A casca de u m a l a r a n j a , por exemplo, reflete e decompõe a luz branca de maneira que a nós nos dá a impressão de s e r d o u r a d a . É u m a experiência de nível escolar p r o v a r que a l u z b r a n c a pode decompor-se e dividir-se em diversas outras cores, tecnicamente deno-
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m i n a d a s cores do espectro, pois basta colocar u m prisma de vidro diante d a j a n e l a de u m quarto escuro e de pronto surgirão lindos matizes violetas, amarelos, vermelhos, azuis etc. A s s i m sendo, não vemos diretamente as coisas, mas s i m a luz por elas refletida o u e m i t i d a . Não é a caneta que realmente entra em contato c o m os olhos; são os raios luminosos que partem da caneta. A superstição negada pela ciência é serem as cores pertencentes às coisas p r o p r i a m e n t e ditas. T a l não acontece. A s cores são o resultado d a decomposição d a l u z b r a n c a . A luz não está nas coisas prop r i a m e n t e ditas. Ê apenas refletida por elas. A experimentação científica o d e m o n s t r o u cabalmente, m a s u m exemplo simples serve para i l u s t r a r a verdade. O crepúsculo d i m i n u i a luz no interior das casas e c o m i s s o a s coisas a l t e r a m o seu matiz e escurecem. As mesas marrons tornam-se pretas, cortinas verdes tornam-se cinzentas. Pois a cor não é n a realidade u m a propriedade essencial das coisas. Pode-se dizer c o m acerto que o único mundo que vemos é u m misterioso m u n d o de l u z , t a l como a f i r m a r a m outrora antigos cultos e tal como d e m o n s t r o u a ciência moderna. A filosofia, porém, não pode deter-se aí. E l a t e m de penetrar n a própria raiz das coisas. T e m de v e r i f i c a r até mesmo a proveniência da luz. Do Olho à Mente. Voltemos à nossa caneta-tinteiro. A impressão de tê-la v i s t o p r i n c i p i a c o m a l u z entrando no olho, o qual, em resposta a este estímulo, f o r m a u m a imagem n a retina. A Natureza transformasse, por a s s i m dizer, e m artista, e pinta u m quadro luminoso sobre u m a tela de tecido nervoso. Nós, porém, não temos consciência da existência de t a l quadro, a prova sendo que a imagem formada sobre a r e t i n a é i n v e r t i d a t a l como é no negativo do filme fotográfico. Se não tivéssemos senão essa imagem, também a caneta ficaria de cabeça p a r a b a i x o ! Torna-se, portanto, claro, que a imagem passa por u m outro processo de transformação antes que nós tomemos plena consciência d a caneta. O que o c o r r e u foi u m a alteração química e estrutural na camada superior d a r e t i n a . N e n h u m a consciência da cor rebrilhante, do formato esgalgado e d a pena dourada conseguiu ainda penetrar na nossa ignorância. P a r a nós não existe ainda u m a caneta, A nova da sua existência a i n d a não chegou à mente e é preciso que seja levada ainda além dos olhos; é preciso, n a verdade, que seja levada até algum ponto c e n t r a l n u m corpo que possa funcionar como u m a câmara de compensação p a r a todos os informes dos sentidos enviados de diversos pontos localizados por todo o corpo. T a l ponto existe no cérebro. A N a t u r e z a cuidou admiravelmente da tarefa. Todo o corpo é na realidade u m aparelho receptor nervoso que reage diferentemente a cada estímulo físico recebido. Infinitos filetes nervosos brancos se entretecem desde a superfície do corpo até o cérebro e constituem u m sistema global de comunicação, u m a espécie de sistema telegráfico nervoso e c e r e b r a l .
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E x i s t e u m processo genérico de interação e n t r e o s o b j e t o s externos e o cérebro interno através do f u n c i o n a m e n t o d o intermediário entre eles: os cinco sentidos físicos. D e t e r m i n a d o s a c o n t e c i m e n t o s o c o r r e m com os instrumentos sensoriais e, através d e vibrações q u e p e r c o r r e m os nervos de ligação, i n i c i a m i m p u l s o s q u e s e d i f u n d e m s o b r e u m a determinada porção do cérebro. A caneta, que produziu u m a impressão n o olho, c o m o se d i z em linguagem técnica, colocou e m a t i v i d a d e a s inúmeras p a r t e s cilíndricas e cónicas da retina e através delas os n e r v o s q u e p a r t e m d a s u a base. E s s a corrente de movimento ondulatório é t r a n s m i t i d a a o n e r v o principal que parte do globo ocular, o n e r v o ótico, e este p o r s u a vez comunica a sua resposta ao s e u n a s c e d o u r o n o f u n d o d o cérebro. A l i uma porção da superfície c e r e b r a l d e n o m i n a d a córtex t o m a conhecimento da atividade vibratória que c o n s t i t u i a m e n s a g e m e n v i a d a pelo olho. Consideremos u m aspecto deste último ponto. A q u i l o q u e torna possível a imagem e a t i r a a s u a f o r m a s o b r e a r e t i n a é a l e n t e composta formada pela córnea do olho e pelo c r i s t a l i n o . A superfície dessa lente é convexa e se a N a t u r e z a houvesse a u m e n t a d o e s s a convexidade nós estaríamos condenados a v e r s e m p r e a c a n e t a e x a g e r a d a n a s suas dimensões e distorcida n a s u a f o r m a . T u d o m a i s n o u n i v e r s o assum i r i a a mesma grotesca aparência, fosse u m a g i g a n t e s c a c o r d i l h e i r a himalaia, fosse u m minúsculo inseto c o m o a f o r m i g a . D o n a s c i m e n t o à morte permaneceríamos n a crença de q u e todas a s p e s s o a s e objetos possuíam realmente aquela aparência. O s a s s i m c h a m a d o s espelhos mágicos das feiras e parques de diversões f o r n e c e m u m a cómica ilustração dos estranhos rostos e figuras q u e t e r i a m os h o m e n s . Por que é isso possível? Porque o cérebro depende i n t e i r a m e n t e da imagem fornecida pelos olhos. O b v i a m e n t e , ele não pode e n t r a r e m contato direto com qualquer c o i s a e x t e r n a . Há casos e m que a s pessoas n a s c e m daltônicas. A t é q u e alguém lhes chame a atenção p a r a aquela p a r t i c u l a r i d a d e d a s u a visão elas talvez n e m percebam qualquer a n o r m a l i d a d e . É possível q u e e l a s assegurem que duas coisas de cores diferentes c o l o c a d a s d i a n t e delas tenham exatamente a m e s m a cor. T a l v e z a f i r m e m q u e a r o s a a m a r e l a e o cravo vermelho têm a m e s m a c o r , s i m p l e s m e n t e p o r q u e não são capazes de distinguir. Também não são capazes de d i s t i n g u i r m o r a n gos ainda verdes de morangos já m a d u r o s , b e m c o m o o s i n a l semafórico verde do vermelho que i n d i c a perigo. P o r e s t a razão a s f i r m a s exigem que os motoristas passem p o r u m rigoroso e x a m e e m matéria de distinção de cores. A lição a s e r extraída d a análise desse defeito é que a cor errada, não fazendo parte d a lâmpada n e m do morango, deve fazer parte da imagem que c a i n a r e t i n a , e q u e o cérebro é l i m i tado por aquilo que se encontra n a representação d a r e t i n a e não por aquilo que está n a coisa e x t e r n a p r o p r i a m e n t e d i t a . O e s s e n c i a l a q u i é aquilo que de -fato vemos e não aquilo q u e deveríamos v e r segundo a observação comum.
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T u d o q u a n t o os olhos podem oferecer, no caso da caneta-tinteiro, está contido n a porção sensível d a retina e consiste numa imagem de menos de dois centímetros de diâmetro, invertida e bidimensional apen a s . M a s a c a n e t a que lá está t e m doze centímetros de comprimento e não dois, está de pé e não de cabeça p a r a baixo e possui três dimensões: a l t u r a , l a r g u r a e profundidade. E i s aqui três indicações de que a c a n e t a e x t e r n a presente e m nossa visão não é a caneta percebida da q u a l a m e n t e t o m a consciência e também de que a crença popular de que vemos a s coisas propriamente ditas não passa de u m a ilusão. Pois a i m a g e m c o m que o cérebro lida está dentro dos nossos olhos, isto é, dentro do nosso corpo, dentro de nós próprios, portanto! Não nos é sequer possível i r além dela. Vale dizer que vemos imagens, aparências, e que estas são sempre relativas ao observador — lição que aprendemos no capítulo anterior a partir de outros dados, bem c o m o a p a r t i r d a reflexão acerca da obra de Einstein. Para efeitos de o r d e m prática é preciso a d m i t i r que percebemos uma coisa exatamente como e l a é, m a s e m se tratando da investigação filosófica é preciso p e n e t r a r sob a superfície dessa premissa. A m e n s a g e m dos olhos acerca da existência da caneta é o único relato que o cérebro pode esperar receber, pois ele está demasiado afastado d a c a n e t a . Contudo, do ponto de vista físico, o que se lhe oferece é apenas u m a m i n i a t u r a invertida. U m a mensagem tão imperfeita não f a z j u s à caneta externa e não pode ser tomada literalmente. É preciso que s e j a t r a b a l h a d a até que a caneta seja representada com exatidão p o r aquilo que é visto, vale dizer, interpretada. A mensagem chegou, portanto, ao cérebro n a forma de u m código Morse fisiológico. I m a g i n a r que a imagem v i s u a l propriamente dita percorre o nervo ótico é o m e s m o que i m a g i n a r as próprias palavras percorrendo o fio telegráfico ao invés dos correspondentes impulsos eiétricos. Esses impulsos chegam ao s e u destino n a forma de sons destituídos de significado até s e r e m captados e traduzidos e m Morse por u m operador, u m ser h u m a n o c u j a inteligência os traduz e m letras e palavras significativas. A d e m a i s , u m telegrama propriamente dito não é senão uma série de sinais negros sobre u m a folha de papel em branco. Tais sinais têm de s e r decifrados e convertidos em pensamentos pelas pessoas que os lêem. Analogamente, a inteligência precisa pôr-se a trabalhar a fim de d e c i f r a r os i m p u l s o s nervosos ondulatórios recebidos pelo cérebro e retraduzi-los n a consciência das impressões correspondentes dos seus impulsos físicos originais, que, no caso presente, constituem-se n a caneta Ê e x t r e m a m e n t e difícil definir a palavra mente, segundo recente confissão dos filósofos e cientistas modernos, 0 ensinamento oculto compreende cabalmente a significação daquilo que há por detrás dessa pequenina p a l a v r a , m a s t a l significação só poderá ser revelada em sua totalidade ao f i n a l deste curso e não no momento presente, quando nos achamos a i n d a a meio caminho. Contudo, poderemos definir por ora a p a l a v r a mente, de u m a f o r m a breve, simples e conjetural, como sendo aquilo que nos faz pensar nas coisas e nos torna conscientes das coi
T a l interpretação tem necessariamente de s e r u m a a t i v i d a d e mental. Tem ela de transpirar n a mente, pois exige u m a a t i v i d a d e p o s i t i v a da inteligência ao invés da passividade do olho, do n e r v o e do cérebro. Inteligência implica em consciência de a l g u m a espécie e, c o m o de hábito não nos damos conta desse processo, s o m o s obrigados a c o n c l u i r que ele ocorre antes do l i m i a r d a consciência c o m u m e é totalmente subconsciente. Conhecemos apenas os r e s u l t a d o s desse t r a b a l h o invisível: a visão acurada deste belo i n s t r u m e n t o de e s c r i t a . É este o instante e m que a consciência e n t r a n o p r o c e s s o e determina o nascimento de u m a observação p a r a nós. É o i n s t a n t e c r u c i a l em que começamos a saber que a c a n e t a lá está. Até a l i permanecíamos alheios à s u a existência, a despeito d a i m a g e m n a r e t i n a , a despeito da vibração que percorre o nervo ótico e a despeito d a resposta do cérebro. Prova disto encontra-se nos anais d a c i r u r g i a . A pele de c a d a u m dos dedos está vinculada à espinha d o r s a l p o r m e i o de feixes fibrosos de nervos. Se estes últimos forem seccionados próximo d a e s p i n h a os dedos poderão ser cortados o u esmagados, m a s não sentirão d o r alguma. Suas mensagens já não poderão chegar ao cérebro e, consequentemente, não poderão chegar à consciência. Q u a n d o , p o r t a n t o , dizemos sentir dores n u m pé machucado, nós nos e x p r e s s a m o s indevidamente, pois a sensação deveria s e r localizada no ponto e m q u e é realmente sentida, isto é, depois do movimento de vibração n o cérebro. Nós localizamos as sensações de doce e a m a r g o n a língua, q u a n d o n a realidade elas só acontecem depois que o cérebro d e u a s u a resposta. Mas em ambos os casos o pé e a língua podem a p e n a s r e c e b e r a s i m pressões de dolorosa pressão e doce fluidez r e s p e c t i v a m e n t e , ao passo que as impressões só se t r a n s f o r m a m e m experiência consciente depois que os nervos as fizeram deslocar-se até o c e n t r o c e r e b r a l competente. Situar tais sensações localmente nos t e r m i n a i s nervosos é incidir em erro grosseiro, conquanto perfeitamente desculpável. A importância reservada pela Natureza aos n e r v o s e aos centros cerebrais pode tornar-se agora m a i s c l a r a . Desde que a ligação dos nervos com o cérebro se mantenha contínua os i n s t r u m e n t o s sensoriais continuarão a funcionar. U m leproso, c u j a comunicação n e r v o s a entre a mão e o cérebro foi destruída, perderá o sentido do tato. S u a mão lesada poderá ser queimada o u decepada e ele n a d a sentirá. Destruído o nervo, paralisado o nervo ou surgida u m a lesão no c e n t r o c e r e b r a l correspondente o instrumento sensorial deixará de f u n c i o n a r n o r m a l mente — a visão desaparecerá e o tato deixará de e x i s t i r nos dedos. Por isso, nosso conhecimento de u m objeto não se pode obter senão à custa dos nervos e do cérebro. Os olhos p o d e r i a m e s t a r inteiramente ilesos e exibir todos os seus reflexos n o r m a i s e a i n d a a s s i m u m homem poderia não enxergar coisa alguma, se a seção c o r t i c a l do cérebro apresentasse alguma lesão ou moléstia o u se o n e r v o ótico fosse seccionado. Não é possível a visão sem a v i t a l cooperação entre cérebro, nervo e olho: u m a tríplice sociedade.
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Explicação concludente do fato é que o conhecimento da existência de u m objeto não surge no olho, n a pele, n a língua ou no nariz, que se s i t u a m n a s extremidades dos nervos, mas apenas depois que a mensagem a t i n g i u os centros cerebrais, que se localizam nos pontos de p a r t i d a dos nervos. Pois só então se revela aquele misterioso elemento denominado consciência. Nós começamos a tomar conhecimento de u m a c o i s a anotando as particularidades que a distinguem das demais coisas, como, p o r exemplo, a forma, o tamanho, a dureza; só nos é possível fazê-lo através do conhecimento dessas qualidades. S a b e m o s que temos diante de nós u m pequenino objeto chamado relógio porque existe nos olhos u m a minúscula imagem do relógio, nos ouvidos s o a m a s batidas rítmicas e nos dedos há a sensação de dureza do m a t e r i a l ; todas essas impressões se combinam e corroboram mutuamente. Sabemos que u m a l a r a n j a é u m a laranja porque ela é redonda e a m a r e l a , t e m sabor doce e é polpuda ao tato. São as características m a i s conhecidas dessa fruta. Mas como tomamos consciência delas? Só podemos fazê-lo através dos efeitos imediatos que a laranja produz e m nossas mentes por meio dos sentidos. Cada efeito individual, como o tato polpudo d a l a r a n j a e não todo o fruto, que surge n a nossa consciência recebe a designação técnica de sensação. T u d o aquilo que é percebido pelos sentidos ou pelo pensamento n a reflexão torna-se u m objeto no campo d a consciência. Por essa r a zão, pode-se r e s e r v a r a denominação técnica de objeto para tais coisas. Todo objeto possui determinadas qualidades reconhecíveis que se apresentam perante a mente como sensações. São estas grandemente var i a d a s ; contam-nos onde o objeto está, qual o seu tamanho, qual a sua forma, q u a l o s e u paladar, qual o seu cheiro, qual o seu peso, qual o seu g r a u de t e m p e r a t u r a e ainda se está e m repouso ou em movimento. Quando os impulsos nervosos originados nos ouvidos completam a s u a c a m i n h a d a e chegam ao cérebro criam-se sensações de sons. E s tas variarão e m intensidade, volume e caráter. A intensidade poderá ser a l t a o u b a i x a , o volume forte ou fraco, e o caráter musical ou simplesmente ruidoso, m a s cada efeito sonoro será u m a sensação em separado.
A s impressões produzidas sobre a pele e m u m a das extremidades e os processos consequentes despertam processos correlatos na outra extremidade do cérebro, de onde provêm as nossas sensações de tato que, a grosso modo, podem ser enquadradas em três classes: as de contato, as de t e m p e r a t u r a e as de dor superficial. Ê o reconhecimento de qualidades distintas tais como calor e frio, lisura e aspereza, peso o u leveza, dor, movimento e pressão. A maior parte das sensações táteis é recebida através da pele da mão, por tratar-se do mais ativo dos m e m b r o s do homem. Segurando-se na mão este livro, ter-se-á as sensações de pressão n a pele e tensão nos nervos. Conjuntamente, essas duas sensações formam a impressão combinada do peso do l i v r o . Quando apanhamos u m pedaço de ferro, as nossas mãos, enm
trando e m contato c o m a s u a superfície, s e n t e m u m a sensação de dureza. Os nossos dedos nos c o n t a m q u e o c o r p o d a c a n e t a - t i n t e i r o é redondo e liso, o que significa que e s t a m o s r e c e b e n d o sensações de redondez e l i s u r a . S e a s e g u r a r m o s c o m f i r m e z a n a p a l m a d a mão, a caneta e o dedo começarão a repelir-se u m ao o u t r o e n o v a s sensações surgirão, como as de resistência e d u r e z a . Q u a n t o m a i s firmemente apertarmos, tanto m a i s fortes serão t a i s sensações. As luzes e sombras que b r i n c a m e m t o r n o d a s c o i s a s n o s fornecem as sensações de formas coloridas. A o t o m a r m o s a c a n e t a e examinarmos com m a i s atenção o s e u belo e x t e r i o r e x p e r i m e n t a r e m o s sensações de vermelho, cinza, a m a r e l o e p r e t o . S a b e a ciência que as diferentes velocidades de vibração de u m m e s m o r a i o l u m i n o s o são lidas pelos olhos como cores diferentes. A c o r de u m a c o i s a é, portanto, tuna interpretação ótica. Aquilo q u e p e r c e b e m o s c o m o c o r não é percebido e m separado de nós m e s m o s . Quando falamos a u m h o m e m e o u v i m o s a s u a r e s p o s t a , o que n a realidade está acontecendo? O s o m , vibração s o n o r a q u e é, a t u a sobre ambos os corpos, e determinados m o v i m e n t o s o c o r r e m então n o s terminais nervosos dos tímpanos dos ouvidos. E s s e s estímulos são propagados n a forma de comoção através dos p r i n c i p a i s n e r v o s até o cérebro, onde surgem a seguir as sensações c o r r e s p o n d e n t e s . S e tocarmos o corpo desse homem armazenaremos n a f o r m a de sensações musculares de pressão e afrouxamento os resultados d a s impressões produzidas sobre a pele. Onde se originam, por exemplo, a s sensações de d u r e z a o u aspereza? Estarão elas n a coisa o u no observador d a c o i s a ? A análise mostrará que estão no observador, superficialmente n o s e u corpo, m a s realmente no seu cérebro. Analogamente, a s sensações de peso e form a não se encontram nas coisas m a t e r i a i s m a s n a s sensações que estas produzem e m nós. Onde o ponto em que u m h o m e m t o m a consciência de h a v e r cheirado u m a rosa? Quando a r o s a se a p r o x i m a das n a r i n a s ? Quando as partículas odoríferas tocam a m e m b r a n a i n t e r n a d a s n a r i n a s ? Quando o nervo registra u m a alteração? Quando essa alteração chega ao cérebro? Não! O homem não conhece e não pode conhecer o perfume da rosa enquanto a s u a mente não efetua o registro, enquanto o seu pensamento não dá existência ao perfume. Somente neste ponto a interação física entre a rosa e ele adquire significação p a r a ele. A interpretação das impressões d a experiência física c o m u n i c a d a s pelos nervos é seguida por u m a reconstrução das sensações r e s u l t a n t e s n a experiência mental. Cada sensação é, portanto, falando-se e x c l u s i v a mente e m termos de fisiologia, u m a resposta apenas m e n t a l e m que se traduziu u m estímulo nervoso material. C a d a sensação é u m assunto mental; acontece dentro do campo d a consciência, ao passo que as i m pressões sensoriais pertencem ao corpo. o/l/?
Torna-se m a i s fácil captar este aspecto quando levamos em conta o que acontece quando cortamos o dedo com u m a faca. Surge u m a sensação de dor. T a l sensação está, indubitavelmente, dentro de nós e de ninguém m a i s ; ademais, trata-se de u m estado da nossa consciência e não de u m estado d a faca. Trata-se, e m suma, de u m a sensação de dor. Semelhantemente, se colocarmos a mão sobre u m livro, o ato dá origem a u m a sensação de resistência, pois a superfície da palma e n c o n t r a a resistência d a superfície do livro. Quando se diz que sentimos o l i v r o , não é b e m a s s i m ; o que de fato sentimos é aquela parte da n o s s a pele que o l i v r o toca, e da pele é enviada u m a mensagem para a espinha d o r s a l e d a l i p a r a o cérebro, em seguida ao que surge u m a sensação de resistência n a nossa zona individual de consciência. Daí não s e n t i r m o s o l i v r o , m a s aquilo que nos está acontecendo a nós. Todas as demais espécies de sensações — olfativas, gustativas ou sonoras — d a n o s s a experiência diária são igualmente estados da nossa consciência. Onde está o t r a v o r que sentimos ao morder u m fruto verde? N a realidade, a s s i m como todos os demais gostos, trata-se de u m a sensação proveniente d a língua, pois, antes de mais nada, é u m a consciência, u m i t e m d a consciência. E s s a sensação tem que identificar-se com a nossa mente. Como experiência, portanto, existe dentro de nós, emb o r a de f o r m a inconsciente a projetemos no fruto exterior. O fruto produz em nós o travor, m a s dizemos erradamente que ele próprio é amargo. A s s i m , u m estado de consciência é erroneamente atribuído a u m a coisa e x t e r n a ! O presente exemplo mostra até onde a linguagem inadequada pode desvirtuar o pensamento. Aprendemos em capítulos anteriores a estar prevenidos contra as palavras e a prestar atenção às ciladas que elas p r e p a r a m à nossa compreensão do mundo. Conheceremos algo mais de u m relógio do que essas sensações que nos f a l a m d a s u a aparência e dos seus sons? Se nos detivermos para analisar a posição e a nossa análise for correta e profunda, seremos obrigados a confessar que são unicamente os informes dos sentidos que compõem p a r a nós o relógio que conhecemos. Suprima-se o colorido m a r r o m , dourado e negro, a sensação de dureza, redondez, lisura e frescor, o tique-taque rítmico — e quanto sobrará do relógio? S e m essas coisas não pode haver relógio p a r a quem quer que seja. Contudo, s e m n e n h u m a exceção, trata-se de sensações, de eventos mentais, de ideias — se a s s i m preferirmos. Aquilo que vemos, aquilo que ouvimos, aquilo que sentimos são as primeiras coisas de que tomamos consciência c o m relação a qualquer objeto. Os movimentos intern< aos sentidos, nervos, cérebro e mente processam-se com velocidade tã grande que nós não temos sequer como perceber o processo.; As s< sacões são, portanto, não apenas as primeiras coisas que ficamos s bendo a c e r c a do relógio como também as últimas. E s s a incrível pidez d a ação mental c r i a a ilusão de haver sido feito u m contato direto c o m alguma coisa externa, quando n a verdade entramos apenas nas nossas próprias sensações. Analogamente, a visão de uma pessoa que
esteja próxima não é senão a r e s u l t a n t e de várias sensações, v a l e dizer, a soma daquilo que os sentidos a p r e s e n t a m à n o s s a m e n t e , e apenas isso. Cada coisa que vemos o u e x p e r i m e n t a m o s p o s s u i , p o r t a n t o , u m conglomerado de qualidades e características e c a d a q u a l i d a d e se imprime individualmente nos sentidos, p r o d u z i n d o d e s t a r t e u m a sensação separada de cor, s o m , gosto e a s s i m p o r d i a n t e . . Q u a n d o penetramos a fundo nas bases do nosso c o n h e c i m e n t o do m u n d o , c o n s t a t a m o s que o sustentáculo é esse fato p r i m o r d i a l d a sensação. N e n h u m conhecimento é possível s e m que a visão, audição, t a t o e o u t r a s sensações — ou suas recordações r e a v i v a d a s — e s t e j a m p r e s e n t e s de início. Pois cada qual é u m i t e m d a experiência h u m a n a . Nós poderemos conhecer m u i t a s c o i s a s , m a s a s únicas c o i s a s que conhecemos com certeza são a s condições d a n o s s a consciência, isto é, as nossas sensações e n a d a m a i s . A p e n a s o s n o s s o s c i n c o s e n t i d o s nos falam d a existência deste m u n d o tão f a m i l i a r e n o s f o r n e c e m i n f o r m a ções a seu respeito. Ê impossível chegar d i r e t a m e n t e a o o b j e t o com u m a existência independente. Chegamos a p e n a s à interpretação sensorial do objeto; vale dizer, chegamos a u m a condição fisiológica interior.
Cada sensação é u m assunto p r i v a t i v o e i n d i v i d u a l p o r s e r u m a atividade que se origina dentro do e u . N ã o se p a r t i l h a n a d a c o m os outros; v i a de regra, não conseguimos v e r d i r e t a m e n t e o i n t e r i o r da mente alheia. Normalmente, c a d a h o m e m só pode o b s e r v a r a q u i l o que se passa n a s u a própria consciência. E l e e x p e r i m e n t a sensações que são separadas e podem mesmo d i f e r i r d a s de u m o u t r o h o m e m postado diante do mesmo objeto. E s s a s impressões p e s s o a i s de l u z , s o m e tato que nos f a l a m do objeto externo são a q u i l o q u e s a b e m o s e m prim e i r a mão, aquilo de que tomamos c o n h e c i m e n t o i m e d i a t o e aquilo que só nós temos a certeza de e x p e r i m e n t a r . 0 ponto a s e r alcançado — e será necessária u m a c e r t a s u t i l e z a concentrada de reflexão p a r a alcançá-lo — é q u e jamais conhecemos o mundo apenas
panorâmico externo propriamente dito. Vemos esse mundo através das lentes fixas dos informes sensoriais que recebemos
a respeito. Não nos é dado submetê-lo a u m a observação d i r e t a . 0 que observamos de f o r m a d i r e t a é a n o s s a reação m e n t a l face ao m u n do, isto é, nós próprios! Sem nunca tomar consciência dessa verdade simples, vivemos dia e noite num mundo que não é senão aquele cuja forma nos é configurada por aquilo a que se denomina de sensação.
A s pessoas de formação anticientífica e antifilosófica j a m a i s s u s p e i t a m d a existência desta verdade. E não se p e r c a de v i s t a o fato de q u e estas declarações são feitas a p a r t i r de u m a e x a u s t i v a observação n o edifício d a ciência m o d e r n a e que se b a s e i a m e m experiências r e a l i z a d a s c o m pessoas v i v a s , tanto quanto e m dissecações de corpos m o r t o s . Que ninguém se agaste c o m a repetição nestas páginas de fatos científicos sobejamente conhecidos do m u n d o . T a i s fatos são, s e m dúvida, conhecidos, m a s de modo especial n o r e s t r i t o círculo dos estu-
diosos d a m e d i c i n a e d a psicologia. Não o são entre a maioria dos leigos. S u a importância p a r a nós repousa em duas razões: primeiramente, c o n f i r m a m de modo amplo u m princípio crucial do ensinamento oculto que p r e c i s a s e r absorvido a esta altura dos nossos estudos. Depois, p o r q u e estamos recorrendo a fatos, porque estamos interpelando a N a t u r e z a à m a n e i r a de F r a n c i s Bacon, o fundador da ciência mod e r n a . U m a apresentação moderna do antigo ensinamento hindu tem de basear-se n a ciência, porque esta última é o traço marcante da cult u r a m o d e r n a e porque as novas descobertas científicas estão começando a r a t i f i c a r e r e v a l i d a r as antigas descobertas hindus. Mas, enquanto a ciência está a t u r d i d a diante dos fatos que coletou e não sabe ao certo o q u e fazer c o m eles, a filosofia oculta domina perfeitamente tais fatos, pois compreende de f o r m a plena o seu lugar e significação. Enquanto a ciência, m a i s cedo o u m a i s tarde, terá de assumir u m cunho filosófico, sob p e n a de permanecer eternamente perplexa, o ensinamento oculto e l a b o r o u c a d a princípio de u m a forma completa até o derradeiro detalhe. Não se conhece aqui nenhuma dúvida, nenhuma incerteza, n e n h u m a t u r d i m e n t o . A verdade foi conseguida e os adeptos pod e m s e r conduzidos diretamente até ela. Se, portanto, adotarmos aqui a ciência, não nos l i m i t a r e m o s a ela. Continuaremos destemidamente a n o s s a m a r c h a até chegarmos a u m conhecimento provado em comparação c o m o q u a l as declarações da ciência não passem de um tímido gaguejar ante o mistério u n i v e r s a l . Tenham, portanto, paciência os leitores, pois temos algo deveras novo reservado para eles. Esperem pelo v o l u m e f i n a l , no q u a l pela p r i m e i r a vez e m forma moderna e numa língua o c i d e n t a l será apresentado o ensinamento da mais antiga filosofia d a A s i a , berço d a m a i s antiga cultura da humanidade. O Nascimento da Experiência Consciente. Qualquer fato ou acontecimento que é realmente observado ganha o direito de ser chamado de experiência. V i a de regra, nós pensamos e m objetos e acontecimentos s e m j a m a i s perceber que estamos pensando em sensações. T a l percepção só pode v i r m a i s tarde, quando u m a análise reflexiva tentar compreender as experiências reais. Normalmente, nós nos preocupamos m a i s c o m u m objeto do que c o m o conteúdo mental a ele referente o u c o m a f o r m a pela q u a l tomamos consciência da sua existência. I s s o é d a alçada específica do psicólogo. N o i n s t a n t e e m que olhamos p a r a u m a caneta nós não nos damo conta d a extraordinária complexidade desse ato. Poder-se-ia acredit que quando tomássemos consciência de todas as sensações produzi' pela c a n e t a perceberíamos essa complexidade. As opiniões não escl recidas a c r e d i t a m que reconhecer a existência da caneta resume-se em receber p a s s i v a m e n t e todas as sensações produzidas pelo objeto t apenas isso. A investigação científica revela, contudo, que a operação é algo b e m m a i s complicado. U m a Sensação não é passível de subdivisão pela análise, pois tingue u m a única qualidade básica do objeto. Mas, normalmente,
não nos damos conta de u m a sensação i s o l a d a . Q u e r i s t o d i z e r que nunca enxergamos o amarelo d a p e n a de u m a c a n e t a à p a r t e d a forma da pena. A cor, por exemplo, não v e m à consciência d i v o r c i a d a do tamanho e da forma. Ninguém pode e x a m i n a r u m a c o i s a e m separado da outra à luz da consciência. T a l c o i s a só e x i s t e p a r a nós e m teoria e é a consequência da análise teórica. I s t o p o r q u e t e m o s consciência de u m a variedade de experiências diferentes n o m e s m o i n s t a n t e ; de um turbilhão de numerosas sensações simultâneas. A s s i m , a sensação de topar com alguma coisa d u r a ao tato chega simultaneamente com a sensação de que se t r a t a também de algo l i s o e m s u a superfície, com nuanças de vermelho e de f o r m a a r r e d o n d a d a . T o d a s essas qualidades, se tomadas e m separado, não n o s d i r i a m q u e o objeto em questão era u m a caneta. A s s i m c o m o u m a m o n t o a d o de t i j o l o s produz tão-só u m a sensação de caos até que o m a t e r i a l s e j a ordenado para a construção d a casa, a s s i m também a s sensações não têm valor racional enquanto não são relacionadas e c o l o c a d a s n u m a o r d e m inteligível. Precisamos não apenas f o r m a r sensações: p r e c i s a m o s também saber distinguir u m a coisa de o u t r a , p r e c i s a m o s também s a b e r discriminar a forma d a caneta d a f o r m a de u m a g a r r a f a , p o r exemplo. Nós vemos u m a flor. Também a tocamos e l h e c h e i r a m o s o perfume. A visão, o tato e o cheiro d a flor são sensações s i m p l e s . Todo o griipo das sensações precisa combinar-se antes de c o m p o r p a r a nós a flor. 0 estímulo simples da superfície c o l o r i d a d a r o s a pode r e s u l t a r numa sensação de vermelho, m a s apenas a reação d a m e n t e — não apenas a essa mas a todas as demais sensações r e c e b i d a s , como, por exemplo: suavidade, fragrância e leveza — d e t e r m i n a a n o s s a compreensão d a existência d a rosa. E aquilo que é verdadeiro d a r o s a é v e r d a d e i r o de todas a s coisas. Ver alguma coisa é pensar nela, s e n t i r u m pedaço de pano m a c i o ou uma acha de pesada madeira é pensar nessas c o i s a s , e o u v i r u m som qualquer — seja u m leve sussurro, s e j a u m r i b o m b a n t e trovão — é também pensar nele. Toda experiência s e n s o r i a l é impossível s e m a associação com u m ato de pensamento equivalente. T u d o , desde o infinitesimal micróbio até o espaço infinito, é antes de m a i s n a d a u m objeto do pensamento, u m a imagem, u m a ideia. Assim sendo, as sensações p u r a s p e r m a n e c e m s e m sentido até serem reunidas, não em séries m a s simultaneamente, e c o n s t r u t i v a m e n t e montadas de modo a formar a coisa percebida p e l a mente. Talvez u m a multidão de sensações seja suscitada s i m u l t a n e a m e n t e pela c a neta aos olhos, mas apenas quando a operação m e n t a l d a composição e soldagem dessas sensações houver sido completada se chegará ao estágio do reconhecimento efetivo d a caneta. Só então a significação do objeto poderá ser apreciada. A identificação de q u a l q u e r objeto envolve u m processo criador de a t r i b u i r u m significado adequado e dar u m a associação significativa às sensações elementares. I s t o só pode acontecer depois que todas as sensações proeminentes houverem
sido u n i f i c a d a s n u m a só experiência. É precisamente o que aconte e por essa f o r m a as sensações são convertidas em pensamentos d a coisas o u acontecimentos tais como de hábito os conhecemos. A men dispõe, s i n t e t i z a e constrói essas sensações simples e simultâneas e: pensamentos o u imagens completos. Cada pensamento compõe-se concomitantemente de duas o u mais sensações conjugadas. Cada sensação é de p e r s i u m elemento n a construção ordenada da percepção, de modo que a imagem percebida da caneta é n a realidade u m grupo desses elementos trazido à luz plena da consciência. Nós sentimos u m a sensação como u m a p r i m e i r a reação subconsciente a u m estímulo externo, e o nosso pensamento consciente é a primeira reação consciente à s o m a das sensações. Toda a série surge, portanto, como o estímulo dos instrumentos sensoriais por meio de u m objeto externo, seguido de u m a impressão sensorial, u m a transmissão nervosa, uma resposta c e r e b r a l , u m a resposta subconsciente (sensação), e, por fim, u m a resposta plenamente consciente (imagem mental, ideia, acontecimento, imagem, pensamento). V i a de regra só tomamos conhecimento do d e r r a d e i r o estágio d a escala, por tratar-se da experiência consciente completa e conhecida, enquanto o penúltimo é tão-somente a maíéria- p r i m a dessa experiência. 1
Não devemos, contudo, incidir no erro de considerar esse pensamento perceptivo como u m a simples justaposição de sensações novas: estas constituem, s e m dúvida, a s u a essência, mas precisam ser complementadas por mais alguma coisa para que a experiência seja devidamente integrada. A mente precisa em primeiro lugar interpretar e depois, criativamente, elaborar a sua própria imagem da caneta, não apenas a p a r t i r das impressões colhidas pelos sentidos mas também a p a r t i r das impressões ligadas às recordações de anteriores experiências c o m canetas. Precisa imaginar e acrescentar algo à simples mensagem dos sentidos a f i m de reiterpretar a imagem invertida, atrofiada e bidimensional da retina. Daí três outras contribuições mentais e n t r a r e m inevitavelmente em cada ato de percepção e misturarem-se n-se c o m o m a t e r i a l fornecido pelas sensações, consolidando destarte o t s desse erro primário, desse engano ^raTenVLt * f ™ * u m a rigorosa reflexão, poderemos Amassa, ™ i* nosso conhecimento do mundo. ' " r a l m e n t e , pensam e sentem que toda coisa externa vem a
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por m a i s que a mente se esforce no sentido de não o fazer, ela será obrigada a a t r i b u i r algum tipo de colorido a toda substância vista, porque a s duas coisas têm de coincidir, Ê, portanto, impossível separar inteiramente a c o r do objeto percebido.
A QUEDA D O M A T E R I A L I S M O Voltemos e a sentimos mento ocorre é tão mental
à nossa locomotiva. M e s m o q u a n d o e s t e n d e m o s a mão presente no espaço, a p a r t a d a de nós, todo o acontecidentro d a n o s s a consciência e a p e n a s a l i . P o i s o espaço como o tempo.
A locomotiva não é senão u m a construção m e n t a l . T e n t e m o s tom a r consciência dela s e m aquelas características q u e p r o d u z e m as sensações da s u a existência no i n t e r i o r d a m e n t e . V e r e m o s que não é possível fazê-lo. Afastemos do pensamento a c o r , a f o r m a , a dureza, o peso d a locomotiva; afastemos todas a s s u a s p r o p r i e d a d e s e, n a verdade, o que restará? N a d a restará, porque é através d a s o m a dessas propriedades que nos tornamos capazes de t o m a r c o n h e c i m e n t o da locomotiva. — Reconhecidamente — talvez m e a r g u m e n t e m , — a máquina terá de desaparecer quando não h o u v e r sensações d e l a ; m a s não esquecemos a substância de que é feita, a matéria a q u e t a i s características pertencem, a r a i z de todas essas p r o p r i e d a d e s ? Vejamos se é a s s i m . Será possível v e r a substância? — S i m — dirão, — ela é verde. — M a s aquilo que se vê c o m o v e r d e é u m a cor e já se demonstrou que as cores não são i n e r e n t e s às c o i s a s propriamente ditas. S e a alegada substância e s t i v e r r e a l m e n t e a l i , e l a não deverá possuir c o r a l g u m a . Será possível v e r n a máquina a l g u m a substância incolor? Forçoso é reconhecer q u e não e q u e quando se pensa n e l a s e m pensar s i m u l t a n e a m e n t e n u m a c o r , se é obrigado a imaginar que alguma cor deve s u b s i s t i r n e l a e que, p o r e s s a razão, a cor faz parte d a matéria. Trata-se, no entanto, de u m a m e r a ilusão, porque a ciência demonstrou que a s cores de todos o s objetos que vemos, já vimos no passado e c o m certeza a i n d a v e r e m o s no futuro, não constituem u m a parte do objeto p r o p r i a m e n t e d i t o m a s ganham existência através do jogo dos r a i o s l u m i n o s o s . E m o u t r a s p a l a v r a s a c o r é de fato u m a interpretação ótica d a l u z p r o p r i a m e n t e d i t a e não do objeto revelado pela luz. A análise fisiológica d a visão p r o v a que a produção d a c o r é o b r a dos olhos, ao p a s s o q u e a sensação d a c o r é obra da mente. É impossível i m a g i n a r u m a «matéria incolor;
I s t o leva, porém, a u m a curiosa situação. Pois a cor não pode e x i s t i r interiormente enquanto a coisa exista exteriormente. Ambas devem estar j u n t a s e, assim como acabamos por descobrir que a cor tem u m a existência mental, assim também a substância ou matéria do objeto possui u m a existência mental. Ambas são construídas pela mente e apenas por ela. — M a s como podem as cores v a r i a r se são apenas interpretações? Q u a l é a c a u s a dessas variações? — A pergunta suscita o complexo p r o b l e m a d a c a u s a e efeito. I . K a n t salientou que essa relação é uma f o r m a n a t u r a l do raciocínio humano, que é a mente que começa acreditando n a existência d a causa e, em consequência, põe-se a procurá-la, e que existe u m a substância pura, misteriosa e intangível, cuja presença nos dá a ideia d a substância material. Aquilo que o ensinamento oculto t e m a dizer a respeito dessa substância será aqui explicado, mas o p r o b l e m a m a i s difícil d a causa e efeito será reservado para u m volume ulterior. — M a s —- dirão, — mesmo que a substância não possa ser vista, a i n d a a s s i m será possível tocá-la com os dedos. — A resposta à objeção é que aquilo que se sente é a solidez, a resistência e a impenetrabilidade. M a s trata-se de qualidades que nos chegam n a forma de sensações m u s c u l a r e s e que pertencem por isso à mente. Não são separadas dela. Não são a pretensa substância não-mental. £ impossível s e p a r a r o tamanho e a forma de u m objeto da cor e da sensação que produz ao s e r tocado. Isto é, não nos é possível situar os prim e i r o s no exterior e a última no interior da mente. Ambos existem e p o r n a t u r e z a só podem existir juntos. Nós somos capazes de ident i f i c a r u m a f o r m a pelo s e u tato e cor, e, se pusermos estas num lugar e a m a s s a o u volume e m outro, estaremos violentando o próprio ato d a percepção e tornando-o impossível. Por isso, a conclusão final é que todo o objeto e não apenas u m a parte dele, toda a matéria de que é composto, só pode existir mentalmente. A p r i m i t i v a objeção de que, a ser verdadeira esta doutrina, então u m a enorme locomotiva não deveria ser dura nem pesada, por ser constituída tão-somente de substância mental, poderá mais uma vez ser mencionada como insustentável. Pois podemos agora perceber até que ponto confundiu as coisas e deixou de apreender a verdadeira nat u r e z a d a doutrina. Ninguém nega a dureza e o peso do veículo. Mas as coisas são aceitas porque nos vêm n a forma de sensações. Na verdade percebemos que podemos tocar mas não podemos deslocar a locomotiva, que e l a é d u r a e pesada. Contudo a dureza, o peso e a resistência de que tomamos conhecimento são conhecidos apenas pela mente e no i n t e r i o r d a mente. I s t o prova que a mente é inteiramente capaz de experimentar todos os tipos de sensação, seja esta de dureza,
maciez, peso o u leveza. É, p o r t a n t o , e r r a d o d e c l a r a r q u e a q u i l o que é mental não pode s e r e x p e r i m e n t a d o n a f o r m a d e s s a s sensações substanciais e tácteis. A s e r isso c o r r e t o , j a m a i s poderíamos t e r sonhos! A esta a l t u r a é possível que alguém se a f a s t e e n f a s t i a d o o u que permaneça apenas p a r a t e i m a r e m a f i r m a r q u e e x i s t e e d e v e existir algo mais da matéria d a máquina do q u e s i m p l e s sensações, q u e u m registro nervoso delicado como u m a sensação j a m a i s p o d e r i a assemel h a s s e a u m a coisa s u b s t a n c i a l c o m o a matéria. Somos aqui obrigados a fazer u m a p e r g u n t a f r o n t a l e exigimos uma resposta d i r e t a : — C o m o é e s s a matéria? — P o r m a i s q u e façamos, por mais voltas que dermos ao cérebro, não s e r e m o s capazes de falar em matéria a não s e r e m t e r m o s de sensação. N ã o é possível citar u m só exemplo e m que a matéria s e j a d i f e r e n t e d a sensação. Qualquer que s e j a o enfoque escolhido, e l a n e c e s s a r i a m e n t e será visível ou tocável, cheirável o u audível o u degustável; v a l e d i z e r , a matéria estará residindo n a s nossas sensações e, c o n s e q u e n t e m e n t e , n a nossa mente. Se a nossa percepção d a máquina f o r e s v a z i a d a de todas as sensações não restará n a d a d a máquina p a r a s e r p e r c e b i d o , b e m como nenhum resíduo m a t e r i a l . P o r q u e não haverá alguém de a c r e d i t a r nessa misteriosa matéria? Nós podemos a c r e d i t a r n a s sensações porque sabemos que elas e x i s t e m , m a s e s s a p r e t e n s a matéria não pode ser de fato apreendida n e m p e l a mão n e m p e l a m e n t e . A substancialidade existe como u m a sensação d a m e n t e , ao p a s s o q u e a substância por s i só existe apenas n a imaginação. A matéria do crítico é apenas u m a adição desnecessária às suas sensações; é fictícia e não-existente. Quando atentamente e x a m i n a d a , e l a falece c o m o m e r a ficção d a mente humana. Verdade é que, a mente p u r a está e l a própria tão distante da vista, tão alheada do tato e tão v a z i a à percepção h u m a n a como a matéria. samentos, completo
Mas enquanto conhecemos os seus efeitos através dos ideias e imagens, isto é, da consciência, desconhecemos quaisquer efeitos da matéria.
penpor
Dizem os dicionários que matéria é a q u i l o de q u e u m a c o i s a física é feita, e é, nesse sentido que se u s a a q u i a p a l a v r a . M a s ao r e a b r i r m o s as páginas do dicionário veremos que substância é a essência o u parte mais importante de alguma c o i s a e que físico s i g n i f i c a a q u i l o que é feito de matéria. 0 resumo f i n a l é s i m p l e s m e n t e e s t e : todas a s coisas em torno de nós são essencialmente m a t e r i a i s ; e matéria é matéria! Consultar o dicionário não foi m a i s do q u e u m esforço perdido. 0 que de fato ficamos sabendo foi tão-só a f r a s e de H a m l e t , — Palavras, palavras, p a l a v r a s ! — A aplicação d a análise semântica é da maior importância aqui. Amiúde nós somos l e v a d o s pelo uso habitual de palavras n a aparência inocentes a a c r e d i t a r q u e e l a s representam fatos, quando n a verdade r e p r e s e n t a m a p e n a s s o n s . Pois a análise m o s t r a que a p a l a v r a matéria é v a z i a de significado. Temos o direito de grifá-la c o m u m ponto de interrogação. T e m o s o direito de fazer as perguntas: — Alguém já terá observado a matéria e m si 07A
m e s m a , à p a r t e dos objetos c o m os quais se supõe vestir-se? A matéria a l g u m a vez já se m o s t r o u acessível aos cinco sentidos do homem? Alguém já a terá observado antes de formada a ideia a seu respeito? A s s i m , d e f i n i r adequadamente a matéria é negá-la. A existência d a matéria o u substância despida de todas as qua dades q u e p e r m i t e m a u m objeto existir perante os nossos sentidos é impensável. É a totalidade dessas qualidades que constitui o objeto; até aí nós s a b e m o s , m a s o conhecimento da matéria propriamente dita é psicologicamente impossível. E m separado dos produtos mentais, não existe traço sequer d a substância material. Não podemos apreender u m objeto, s e j a u m pedaço d a p a u ou u m a pedra, que não é apreendido n a experiência consciente, isto é, mentalmente apreendido. A matéria c o m o entidade independente coloca-se em antítese direta à mente, a menos que admitamos não ser ela senão a própria mente. A ideia d a i m a t e r i a l i d a d e desta última entrará sempre em conflito com a ideia d a s u b s t a n c i a l i d a d e em separado da primeira. Aquilo que está presente diante d a consciência dificilmente poderá ser encarado como m a i s r e a l do q u e a consciência propriamente dita. A matéria não é diferente d a mente, e m b o r a a s s i m pensem aqueles que não a investig a r a m e m profundidade. I s t o é tão verdadeiro das máquinas como o é dos t r i l h o s de aço sobre os quais elas correm. 0 mental não apenas e x p l i c a a existência d a matéria m a s também a sua própria existência, ao passo q u e é impossível explicar de forma irretorquível o mental pelo m a t e r i a l . T a l v e z s e j a desconcertante a afirmação de que a matéria não é senão u m a ideia, m a s mente alguma foi até agora capaz de form a r u m conceito desse fantasma t a l como ele é, mas apenas como se supõe ser. É próprio de u m a criança tomar os relatórios dos sentidos como verdadeiros relatórios de u m mundo material, e é próprio de um pensador pôr e m dúvida tais relatórios. Se a matéria for teoricamente a p a r t a d a d a mente e l a se tornará u m a substância espúria, uma quim e r a , que poderemos p r o c u r a r m a s que jamais encontraremos. 0 pensador irá, portanto, repudiar a s u a existência. Há m u i t o s m i l h a r e s de anos, através apenas da mais rigoro concentração m e n t a l , o sábio h i n d u percebeu aquilo que o cientist; ocidental começa apenas a perceber nos nossos dias — que a matéria não é a substância independente que aparenta ser. Aqueles que estud a r a m física no colégio há pouco mais de uma geração recebe ensinamentos a c e r c a de alguma coisa que já desapareceu do âmbi científico, m a s onde desapareceu, que cientista é capaz de sabê-lo c clareza? Pois a s u a mente vive e m luta contra o incompreensível a menos e até que ele se disponha a abraçar a filosofia. 0 desagradável dilema e m que dentro e m breve a ciência se encontrará e do qual poderá fugir é : como saber que existe u m objeto material corres dente à ideia dele, se j a m a i s se v i u u m objeto material, e se não possível u m a experiência real de t a l objeto? 275
ois u m a das maiores conquistas teóricas d a ciência neste século foi a desmaterialização d a matéria! 0 conceito de matéria s o f r e u u m a modificação tão radical e rápida que c i e n t i s t a a l g u m o u s a dogmatizar a respeito nos dias que c o r r e m . A i d e i a de q u e matéria é substância foi substituída pela ideia de que matéria é e n e r g i a ondulatória. Não obstante, a derradeira ideia, conquanto m u i t o m a i s plausível, segue sendo u m a inferência tanto quanto a p r i m e i r a . A matéria, aceita pelo homem de r u a , convertida e m ondas de força pelo h o m e m de laboratório, é reconduzida à mente pelo filósofo. A q u i l o q u e d e l a conhecemos é apenas sensação, e as sensações de l u z , p e d r a e f e r r o são inteiramente mentais e m s u a origem. Nós tocamos e seguramos f i r m e m e n t e a l g u m a c o i s a , a p e r t a m o s e contraímos os nossos músculos ao a g a r r a r m o s n a mão a c o i s a sólida, parecendo c o m isso nos assegurarmos d a existência d a matéria, m a s tudo quanto n a realidade fazemos é t r a i r u m a grande dose de ignorância e tendenciosidade. Aqueles que j u l g a m r e a l a matéria, como o impaciente D r . Johnson, b a t e m i m p u l s i v a m e n t e os pés no chão p a r a prová-lo, provando apenas que t o m a m os próprios músculos como critérios válidos de verdade! S e u t r i u n f o é grotesco e ilusório. Pois as sensações m u s c u l a r e s de resistência e pressão são s e m p r e sensações, e as sensações são, por derradeiro, acontecimentos d a consciência; vale dizer, são próprias d a pessoa e não d a matéria. A sensação do tipo m u s c u l a r é e m última instância tão m e n t a l c o m o a do tipo v i s u a l . Aqueles que e n c a r a m u m mundo p e r c e p t u a l c o m o u m mundo espectral não compreenderam estas explicações. P o i s é o m u n d o sólido e palpável aquele no q u a l nós vivemos cotidianamente. A suposição habitual de que u m a certa substância m i s t e r i o s a c h a m a d a matéria, da qual todas as coisas são feitas, existe f o r a desse m u n d o perceptual os engana. Não compreendem tais pessoas h a v e r e m a d m i t i d o a s u a existência quando o certo e r a colocá-la e m dúvida. Não há a m e n o r prova de que existe alguma coisa neste u n i v e r s o m e n t a l i z a d o q u e não s e j a inteiramente mental. A esta a l t u r a deve e s t a r c l a r o que, a o falarmos de matéria, falamos de u m a p a l a v r a enganosa e não de a l g u m a coisa passível de ser captada pelos nossos sentidos, f a l a m o s de u m a vaga abstração e não de u m objeto concreto, falamos de u m a ilusão e não de u m a realidade. Pois a matéria n e m pode s e r r e t r a t a d a p e l a i m a ginação nem pode ser j u s t i f i c a d a p e l a razão. Não obstante, a nossa crença n a matéria — a m a i s v a g a de todas as abstrações — está quase incuravelmente a r r a i g a d a . I s t o porque de hábito restringimos a mente aos limites d a cabeça, acreditando erroneamente b r i l h a r ela no interior d a m a s s a c e r e b r a l fosforescente, ao invés de a ampliarmos até conter todas as coisas percebidas. Nós acreditamos v e r e tocar a matéria e até mesmo deslocá-la, simplesmente porque não apreendemos esse aspecto f u n d a m e n t a l de que a mente é destituída de dimensão e é imensurável. A s s i m , o m e n t a l i s m o se baseia em fatos provados e não apenas e m inferências como o matéria-
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lismo. O m e n t a l i s t a t e m a certeza positiva de que não está afirmando u m a suposição ou u m a dedução como faz o materialista, mas s i m u m a realidade comprovada e irretorquível. Exigem os materialistas que aceitemos como verdadeira alguma coisa que eles próprios confessam ser incapazes de conhecer e m s i mesma, e que tomemos como independente e e x t e r n a alguma coisa que n a verdade só é dada internamente como u m objeto da consciência e que só pode ser plenamente inteligív e l p a r a nós através d a atividade da consciência, o que é u m absurdo. O m a t e r i a l i s m o não explica satisfatoriamente a vida mental mais elevada. Não t o r n a perfeitamente claro por que somos capazes de form a r ideias a b s t r a t a s , por que temos a capacidade de conduzir o pensamento segundo u m a diretriz de raciocínio puro, por que temos o poder de distinguir entre o certo e o errado, não explica a imaginação criadora do a r t i s t a , a faculdade inventiva do cientista, a capacidade de c o n s t r u i r ideias gerais, o raciocínio metafísico do filósofo e, acima de tudo, não e x p l i c a por que podemos pensar n a nossa própria consciênc i a como u m a coisa i m a t e r i a l . 0 materialismo não toca sequer na consciência. Contudo, a degradação intelectual da humanidade v a i a tal ponto que e l a denuncia, irada, a verdade do mentalismo como ilusória e, impulsivamente, propala como verdade o engano do materialismo! O materialismo só consegue resolver os seus numerosos problemas de pequena m o n t a fechando os olhos ao seu problema maior — ele próprio. Pois ninguém j a m a i s v i u a matéria, ninguém a manuseou e ninguém j a m a i s soube onde apontar a s u a presença. A existência da matéria é u m engodo. A s s i m é que a matéria se torna apenas uma entidade ilegítima n a nossa explicação do mundo, u m a ficção que se justifica no âmbito d a v i d a prática m a s que perde por completo o significado à luz da verdade filosófica. Quando essa ideia errónea é vista tal como é, e l a simplesmente desaparece d a nossa compreensão e deixa de ser levada e m consideração. É possível que continuemos ativos no mundo das coisas, m a s estas deixarão de ser pedaços de matéria. Serão ideias. Deixarão de estar em oposição à mente mas se integrarão nela. Nós nos afastamos bastante do argumento do homem comum de que a matéria é demasiado evidente em s i mesma para sequer entrar e m discussão. Pois nós a transformamos numa aparência significativa, apontando a mente como a s u a realidade oculta. Contudo, uma extraordinária a n o m a l i a d a razão h u m a n a é que a consciência (mente) seja popularmente considerada como muito menos real que a matéria, conquanto u m a reflexão correta revele merecer ela u m status de realidade p r i m o r d i a l e único. A crença popular, j a m a i s havendo investigado a veracidade das crenças i n t u i t i v a s , fica a l a r m a d a ao ouvir pela primeira vez falar nesse terrível princípio do mentalismo que põe em dúvida alguma coisa até então a c i m a de qualquer discussão. Pois não há como conciliar a visão c o m u m do mundo c o m o fato filosófico do mentalismo.
No nosso estudo das ilusões e d a s alucinações, r e f e r i m o s a s suas origens p r i m e i r a s à n a t u r a l tendência d a m e n t e a e x t e r i o r i z a r suas próprias imagens e encará-las c o m o e n t i d a d e s s e p a r a d a s . D e grande importância é l e m b r a r agora q u e m e s m o q u a n d o c o n h e c e m o s c o m o tais as ilusões, e quando h o u v e r m o s d e s c o b e r t o e c o r r i g i d o m e n t a l mente certos erros dos sentidos, a i n d a a s s i m não p o d e r e m o s nos furtar a percebê-los exatamente n a m e s m a f o r m a p e l a q u a l os percebíamos anteriormente. A s u a aparência segue sendo contrária ao nosso conhecimento. Ê possível que l o c a l i z e m o s u m e n g a n o e m v i r t u d e d a força do nosso raciocínio, m a s isso não f a z c o m q u e o engano propriamente dito desapareça. T a l v e z , através d a reflexão e d a razão, descubramos que u m a aparência q u e se oferece à consciência é ilusór i a ; contudo, talvez não t e n h a m o s forças p a r a r e s i s t i r ao s e u poder e à magia da s u a aparente realidade. Trata-se de u m a demonstração p o s i t i v a do caráter c o m p l e x o das nossas percepções e do m i s t e r i o s o poder d a m e n t e e m i m p i n g i r os seus produtos aos nossos sentidos s e m q u e n o s d e m o s c o n t a disso, t a l como ocorre durante o sono. A viabilidade e a prevalência dessas ilusões d e v e r i a s e r u m a advertência à toda a h u m a n i d a d e no sentido de começar a r e f l e t i r n a possibilidade de estar s u j e i t a a outros tipos de ilusão, e m a s s u n t o s que v i a de regra se têm como corretamente percebidos. D e v e r i a s e r também u m a advertência c o n t r a o excesso de confiança c o m q u e se nega a c l a r a indicação de que a materialidade de todo o m u n d o t a l v e z seja u m a ilusão ainda m a i o r . A d e m a i s , as façanhas d o s m a l a b a r i s t a s e prestidigitadores profissionais, obrigando-nos a v e r c o i s a s totalmente contrárias aos fatos, p r o v a m que as ilusões p o d e m s e r p a r t i l h a d a s cole tivamente p o r grande número de pessoas ao m e s m o t e m p o ; ào passo que sugerem a possibilidade de toda a h u m a n i d a d e s e r e n v o l v i d a n u m a mesma ilusão. Não será possível que a ilusão c o l e t i v a d a e x t e r i o r i dade e materialidade do m u n d o t e n h a s u r g i d o n a m e n t e d a s pessoas porque todas apresentam analogias psicológicas e fisiológicas? Quando descobrimos como as ilusões a r r a i g a d a s são capazes de a b a l a r o i n d i víduo, adquirimos condições p a r a a posterior d e s c o b e r t a de q u e podem também abalar e coagir coletivamente a raça h u m a n a . E é u m fato r e a l que as poderosas ilusões d a m a t e r i a l i d a d e e e x t e r i o r i d a d e são persistentemente partilhadas por todos os homens e m todos os q u a d r a n t e s do globo. Por essa razão, os antigos sábios h i n d u s c o s t u m a v a m comp a r a r a humanidade ignorante a u m a raça a d o r m e c i d a e s o n h a d o r a , enquanto os sábios e r a m comparados àqueles q u e se m a n t i n h a m alertas e plenamente conscientes. A crença n a matéria é, e m s u m a , a crença n u m a grande porém mesmérica ilusão. E s t a é a enfática m e n s a g e m do e n s i n a m e n t o oculto p a r a u m a e r a m a t e r i a l i s t a , u m a mensagem q u e e n c e r r a também u m a advertência c o n t r a u m a inútil caça a f a n t a s m a s . Nós destruímos o poderio de u m pesadelo a t e r r a d o r quando despertamos e d e s c o b r i m o s a
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sua i r r e a l i d a d e . Analogamente, destruímos o poderio da ilusória t e r i a — esse ídolo de pés de b ^ r r o que multidões de cegos adoradores têm r e v e r e n c i a d o i n d e v i d a m e n t e — sobre a mente quando despertamos p a r a a V e r d a d e . N o entanto, a estupenda dificuldade dessa tarefa revel a d o r a d a f i l o s o f i a poderá s e r apreendida comparando-a com a tarefa de c o n v e n c e r u m s o n h a d o r durante o seu sonho de que as casas, pessoas e vozes que o r o d e i a m são apenas imaginárias. Nós que estamos no e s t a d o desperto também v i v e m o s n u m mundo imaginário, mas esta declaração n o s p a r e c e tão incrível a nós no estado desperto como o s e r i a p a r a o s o n h a d o r hipotético. D i z i a m os sábios gregos antigos que filosofia era morte. Poderemos i n t e r p r e t a r à n o s s a vontade tais palavras. Numerosos moribundos p e r c e b e m o s e u passado n a f o r m a de u m sonho vívido e rápido. E n quanto v i d a m e n t a l , a v i d a h u m a n a é u m a série de ideias, vale dizer, tem a m e s m a substância dos sonhos. A filosofia busca fazer os homens c o m p r e e n d e r e m q u e toda a tessitura da v i d a é puro pensamento, mas quer q u e eles se dêem c o n t a disso agora e não n a hora da sua morte. Pois, se p u d e r e m d e s p e r t a r p a r a a verdade quando esta é mais necessária, i s t o é, q u a n d o empenhados e m v i v e r e trabalhar, sofrer e divertir-se, s a r a r o u adoecer, então saberão como enfrentar as vicissitudes das q u a i s a ninguém é dado escapar. Não se t e m a , porém, que todos nós nos transformemos em meros sonhadores; pelo contrário, depois de haver penetrado na realidade o c u l t a a n t e r i o r e i n t e r i o r tanto ao sonho como ao estado desperto nós p a s s a r e m o s a d i s p e n s a r os sonhos e aprenderemos a permanecer em incessante a t i v i d a d e , não apenas e m nosso próprio benefício mas também no de o u t r a s pessoas. E n q u a n t o os ignorantes vivem cegamente, nós v i v e r e m o s n a l u z , e enquanto eles encarecem ilusões nós encareceremos a verdade. Nós não fugiremos a este sonho da vida terrena, pois não nos é possível fazê-lo: não foi a nossa mente individual e finita que t r o u x e a l u m e esse sonho e não será a nossa mente individual e f i n i t a que o irá fazer desaparecer. Nós o aceitaremos de forma global e não p r o c u r a r e m o s e m vão negá-lo. Com firmeza estimularemos a ação ao invés de desestimulá-la, m a s e m meio ao nosso sonho semel h a r e m o s de c e r t a f o r m a u m adormecido que tenha consciência de estar d o r m i n d o e sonhando. A s s i m , não nos deixaremos arrebatar por amargos pesadelos o u por deliciosos devaneios: sempre procuraremos a paz e m vez d a agitação. Do Irreal pata o ReaL Pelejamos por atravessar u m a difícil fronteira, m a s e m diferentes trechos da nossa caminhada nos vimos repetidamente a braços c o m u m certo problema. É preciso enfrentá-lo agora. P o i s , necessariamente, surgirá a pergunta: se as coisas exteriormente e x p e r i m e n t a d a s não p a s s a m de pensamentos, será que elas existem de fato? C a d a u m dos objetos é irreal? Se assim for, como pode a n o s s a experiência c o t i d i a n a contradizer flagrantemente essas surpreendentes possibilidades?
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Não é preciso que ninguém se a l a r m e . Nós não n e g a m o s a existência de u m a só c o i s a que faça p a r t e d a n o s s a experiência do m u n d o . Mas é preciso que nos esclareçamos q u a n t o ao p r o b l e m a . As experiências de M i c h e l s o n e M o r l e y q u e a n t e c e d e r a m a s de E i n s t e i n d e m o n s t r a r a m que a v e l o c i d a d e d a l u z p e r m a n e c e constante quando toda a experiência ordinária, o senso c o m u m e a razão científica dizem que e l a deve a u m e n t a r b a s t a n t e . D a i h a v e r e m sido t a i s experiências u m a enorme s u r p r e s a . P o i s não se t r a t a v a de u m simples caso de especulação metafísica m a s de u m e x p e r i m e n t o científico efetuado c o m auxílio de i n s t r u m e n t o s a p r o p r i a d o s . O s r e s u l t a d o s experimentais c o n t r a r i a r a m a e x p e c t a t i v a , b e m c o m o a q u i l o q u e deveria acontecer. A ciência poderia l i v r a r - s e d a q u e l a s i n c o m o d a s observações, tachando-as de m e r a ilusão dos sentidos. M a s , c o r a j o s a m e n t e , e l a teve a ombridade de aceitar como realidade a p r e t e n s a ilusão. O assaltante que o v i a j a n t e vê à b e i r a do c a m i n h o é o u não real? Se não é, o que é então? O fato de o a s s a l t a n t e t e r sido v i s t o significa que ele existe, a i n d a que e x i s t a c o m o u m a s i m p l e s ilusão. I s t o suscita u m a importante diferença — a diferença entre o significado de real e o de existir. Poderemos nos v a l e r a q u i d a lição a p r e n d i d a n o capítulo V I , no q u a l se enfatizou a necessidade de a n a l i s a r a s p a l a v r a s e m termos factuais e não nos do s e u significado aparente. Torna-se necessário ponderar o assunto e descobrir o que p r e t e n d e m o s dizer c o m esses termos, pois a relatividade também l e v a n t a v a toda a questão. A f i m de fazê-lo adequadamente p r e c i s a m o s antes de m a i s n a d a voltar às nossas p r i m e i r a s considerações a c e r c a d a ilusão. Tanto o assaltante quanto a m o i t a p a r t i l h a m d a característica com u m de serem experimentados, pois e s s a é a única f o r m a pela qual demonstram a s u a existência. O p r i m e i r o , porém, é negado p o r u m a investigação m a i s rigorosa, ao passo que o segundo é p o r e s t a confirmado. Apenas quando nos vemos diante d a i m p o s s i b i l i d a d e de conc i l i a r o conhecimento espúrio dessa ilusão c o m o conteúdo d a experiência n o r m a l a dúvida começa a crescer dentro de nós e somos levados a descobrir ser ele ilusório. E n q u a n t o nos dermos por satisfeitos com o conhecimento que temos, nós aceitaremos a s p r i m e i r a s impressões acerca das coisas o u das pessoas pelo que elas p a r e c e m ser, m a s quando tais impressões e n t r a m e m conflito direto c o m outros fatos que emergem no decurso d a experiência subsequente apresenta-se-nos a questão do s e u critério de validade. Sente-se então a necessidade de pôr à p r o v a as ditas impressões e corrigi-las quando for o caso. Se u m a ilusão deve ser tomada como t a l , então o testemunho dos sentidos tem de s e r negado, ao passo que se o testemunho dos sentidos deve ser aceito, temos nesse caso duas realidades coexistentes pretendendo ser a m e s m a e única coisa. Significa essa situação a b s u r d a que não nos devemos f i a r inteiramente naquilo que dizem os nossos sentidos acerca d a realidade de alguma coisa, conquanto possamos conf i a r neles relativamente à existência d a coisa. S i g n i f i c a também que
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c h a m a r a l g u m a c o i s a de r e a l é u m procedimento dúbio e perigoso. 0 que sucede à experiência cotidiana da matéria, por exemplo, quando ela é c o n t r a d i t a d a pela razão p u r a ? P o r isso, parecer é u m a coisa e ser é o u t r a . P r e c i s a m o s aprender a tomar o cuidado de distinguir entre u m conceito e outro. A s intrigantes contradições da ilusão desaparec e m quando entendemos que pontos de vista diferentes produzem percepções diferentes, que do ponto de vista da razão reflexiva nós talvez percebamos u m a coisa diferentemente que do ponto de vista da experiência s e n s o r i a l , e que é u m a atitude primária considerar sempre t a l experiência como u m a sanção definitiva. A existência de uma ilusão como o assaltante visto à beira da estrada não pode ser negada. S e r i a absurdo negar alguma experiência de alguém a respeito; pois negar u m a ilusão é negar o conteúdo da experiência e negar aquilo que é dado n a consciência. Tudo quanto podemos fazer sem errar é repudiar u m a determinada interpretação da ilusão; vale dizer, repudiar a s u a realidade. A ilusão existe m a s não é real T e m o s n a verdade que fazer u m a distinção entre os vários tipos de existência, pois vemos agora que alguma coisa pode existir e ser real, ao passo que u m a o u t r a coisa pode existir e ser irreal. Aqui u m a vez m a i s se patenteia a necessidade de penetrar sob a fachada de u m a p a l a v r a . Provou-se e m capítulo anterior que o termo fato estava aberto a interpretações insuspeitadas, de modo que aqui a análise dos termos existe e real se m o s t r a útil, embora todos quantos hajam refletido indevidamente sobre a questão pensem conhecer já o seu significado! T a i s p a l a v r a s enganam a maioria das pessoas, pois estas pensam que tudo aquilo que lhes aparece ou tudo aquilo que lhes parece real deve necessariamente ser real. O erro é contentar-se com que simplesmente as coisas, por serem percebidas, são também reais. Percepção não é p r o v a de realidade. Pois podemos ter percepções erradas e percepções imaginárias mesmo entre as assim chamadas percepções reais! No delírio, é possível que os homens vejam cobras azuis e ninguém ousará negar que elas são percebidas. Deve-se, portanto, dizer que tais cobras existem, já que elas existem na mente dos sofredores, p a r a os quais são de u m a realidade indiscutível. Analogamente, ninguém pode negar que as coisas objetivas existem, pois estas são percebidas pela mente dos homens, os quais também as consideram como de u m a realidade indiscutível, mas em ambos os casos o filósofo tem o direito de a r g u i r não a s u a existência mas a sua realidade. Todos podem ver e ninguém pode contestar que exista diante de nós u m m u r o de tijolos, por exemplo. Quando se diz, no entanto, que t a l m u r o só pode ter u m a existência mental, é totalmente falso, totalmente estúpido e totalmente injusto distorcer tal declaração, pretendendo que ela implique que o muro não tem qualquer tipo de existência. E quando dizemos estar tocando esse muro não queremos dizer que estamos tocando a sombra de u m muro real chamado de ideia, mas
que o toque propriamente dito é u m a i d e i a e q u e a s várias sensações mentais do m u r o são tudo a q u i l o que j a m a i s s a b e r e m o s a c e r c a do muro, não que se trate de u m a cópia do m u r o m a t e r i a l r e a l , o qual parece estar além do nosso corpo. Ê a b s u r d o e p o u c o inteligente confundir os resultados d a presente análise c o m a declaração de q u e u m m u r o que é claramente v i s t o não p a s s a d a s o m b r a do m u r o r e a l e de que a cadeira e m que nos sentamos não é senão u m a cópia d a cadeira real, a q u a l existe e m a l g u m o u t r o l u g a r do espaço. T a n t o a cadeira como o m u r o e x i s t e m igualmente p a r a o filósofo m e n t a l i s t a e para o materialista, a diferença sendo que o p r i m e i r o , através de u m a reflexão profunda e continuada, a f u r u o u a v e r d a d e i r a n a t u r e z a d a s u a existência. C o m toda certeza ele j a m a i s a terá negado. E , se t a l filósofo pensar que a c a d e i r a e m que s e n t a e a c a n e t a c o m q u e escreve não existem n a realidade, ele não se dará ao t r a b a l h o de e s c r e v e r l i v r o algum. E àqueles que objetam dizendo que u m a r e a l i d a d e m e n t a l equivale a u m a ausência total de realidade, ele responderá que não há outra realidade conhecida pelos seres h u m a n o s . A p a l a v r a r e a l só t e m significado quando e m oposição à p a l a v r a irreal, da m e s m a f o r m a pela q u a l u m a c o r só pode s e r d i s t i n g u i d a e m contraste c o m o u t r a cor. P o r isso, não se poderá e n c o n t r a r u m a definição adequada p a r a realidade enquanto não se e n c o n t r a r u m a definição p a r a o seu oposto. A s pessoas i n c o r r e m amiúde n o e r r o de pensar que u m a coisa por s e r i r r e a l t e m também de s e r invisível. A s ilusões provam o contrário. O m u n d o será visível tanto p a r a o filósofo quanto para o homem ignorante, m a s enquanto este último suporá o mundo exatamente aquilo que ele vê, o filósofo o considerará fisicamente i r r e a l e de construção m e n t a l . Os objetos são vistos física e externamente m a s não podem e x i s t i r apartados d a s u a construção pela mente. Não nos é pedido que duvidemos da aparência r e a l das coisas n e m abandonemos a n o s s a crença n a s u a existência: é-nos pedido que nos certifiquemos do tipo de existência das coisas, ilusório o u r e a l ; é-nos pedido d i s t i n g u i r a pretensa realidade daquilo que é apenas u m a ideia d a genuína realidade daquilo que imutavelmente é — aspecto que dentro e m b r e v e i r e m o s e x a m i n a r . Há u m a diferença v i t a l entre os termos irreal e não-existente. E v i ? temos saltar apressadamente sobre essas p a l a v r a s : é preciso o máximo cuidado ao denunciar alguma coisa como i r r e a l o u como não-exisl tente. Podemos falar no filho de u m a m u l h e r estéril c o m o não-existente. Não podemos, contudo, rotular o assaltante visto n a m o i t a como tam/ bém inexistente, m a s apenas como i r r e a l . Pois o assaltante adquire / existência, conquanto não realidade, através do simples fato de ser I percebido. As duas categorias são inteiramente diferentes no significado e não devem ser confundidas. A s coisas não-existentes devem ser cuidadosamente distinguidas das existentes quando c l a s s i f i c a r m o s a ambas entre as ilusões. U m unicórnio e u m quadrado redondo pertencem à p r i m e i r a classe pois não é possível imaginá-los sequer. São
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frases ocas e s e m sentido, ao passo que u m a miragem v i s t a no deserto pertence à segunda classe porque é u m a aparição desacreditada. Os p r i m e i r o s não poderão j a m a i s s e r observados seja e m que condições forem, m a s a última poderá s e r v i s t a sob determinadas condições. É i m p o r t a n t e , portanto, e s t a r atento a que não se confunda a existência m e n t a l a b s o l u t a c o m a não-existência absoluta. Tudo aquilo que vemos e tocamos existe realmente. Não pode haver a menor dúv i d a quanto à s u a existência, m a s t a l existência poderá ser diferente daquilo que imaginamos. U m a coisa pode existir mentalmente e não e x i s t i r fisicamente. Torna-se agora necessário investigar com rigor ainda maior aquilo que devemos entender quando usamos essa palavra real. Será possível f o r m a r a l g u m a i m a g e m m e n t a l que lhe corresponda? Se for, existirá a surpreendente situação de que outros poderão formar u m a imagem diferente, dando u m a definição diferente. A ideia que postula o r e a l como sendo aquilo passível de ser me dido e pesado, e que i m p l i c a que todas as coisas mentais são como que u m a b r u m a l u m i n o s a flutuando acima do mundo físico real e sem n e n h u m a possibilidade afetá-lo de alguma maneira, é, conforme se m o s t r o u anteriormente, má ciência o u filosofia ainda pior; devemos protestar c o n t r a e l a . Quais são então os critérios e as características da realidade? Responder c o m a maioria que somente a experiência do m u n d o externo das coisas é real, ou a f i r m a r com a minoria que a experiência do mundo interno dos pensamentos é a única real, é ignor a r que t a l ponto de v i s t a se baseia n a sensação de realidade e esquecer que d u r a n t e o sono temos tuna sensação semelhante que ambos os pontos de v i s t a talvez denunciem como irreal. Daí a inutilidade de j u l g a r a p a r t i r das sensações. É preciso que encontremos primeiramente u m a definição válida em todas as circunstâncias. Poucos são os que se dão ao trabalho de definir de forma tão escrupulosa; o que de hábito se faz é j u l g a r pelas sensações e pelo temperamento. A consequência é que se imagina a realidade, estuda-se apenas o próprio conceito de realidade e, lamentavelmente, não se consegue fugir ao engodo de aceitar tão-só aquilo que é agradável, e não aquilo que é verdade. Disse a certa a l t u r a a ciência que a realidade anterior ao mundo era feita de átomos; posteriormente disse que se tratava de moléculas e m a i s tarde ainda, de elétrons. Agora ensaia dizer algo diferente. A ciência confessa hoje em d i a não haver nenhuma garantia de que tenha chegado ao derradeiro segredo d a substância do mundo. Não seria então o caso de s u p r i m i r do seu vocabulário a palavra real — e não deveríamos nós fazer o mesmo? Tanto a ciência como nós lidamos apenas com aquilo que se nos apresenta, mas não com aquilo que em última instância se acha oculto por detrás de todo esse cortejo de átomos, moléculas, elétrons e sabe lá que mais. Tendo, porém, queimado os dedos, a ciência aprendeu a manter u m a posição de cautela com
relação ao seu conceito de r e a l i d a d e . P o r i s s o , a p r e n d e u a não propor relaç m a! i s u m a afirmação d e f i n i t i v a p a r a e s s a e n g a n o s a p a l a v r a . A s s i m jiaam sendo, o caminho do conhecimento h u m a n o é u m p r o g r e s s i v o d e s p e r t a r das coisas ilusórias, que existem m a s q u e são, e m última instância, irreais.
0 fato a f i n a l conhecido t a l c o m o é a r e a l i d a d e , e n q u a n t o o conhecimento derradeiro d a c o i s a é a v e r d a d e . A afirmação só é c o r r e t a segundo o ponto de v i s t a dos a s s u n t o s práticos e até c h e g a r m o s ao Derradeiro. Não há então duas coisas, m a s a u n i d a d e , e daí não h a v e r distinção entre verdade e realidade. O s metafísicos e u r o p e u s desenvolveram u m a d o u t r i n a plausível q u e m u l t i p l i c a os g r a u s d a realidade. E teriam chegado m a i s perto d a v e r d a d e se h o u v e s s e m a f i r m a d o h a v e r graus de apreensão d a realidade. N a q u e l a u n i d a d e q u e é o i m u t a v e l mente r e a l não pode h a v e r q u a l q u e r t i p o de gradação. P o i s , c o m o diz i a m os antigos filósofos h i n d u s : — é real aquilo que não apenas nos dá certeza da sua existência de fato, acima de qualquer dúvida e independentemente da ideação individual do homem, como também pode permanecer inalterável no fluxo deste mundo sempre cambiante. Tal realidade é, depois da busca da verdade derradeira, a mais importante busca da filosofia, leve o rótulo de 'Deus', 'Espírito', 'Absoluto' ou qualquer outro.
O que aconteceu a milhões de seres h u m a n o s q u e m o r r e r a m ? Que aconteceu aos palácios pré-históricos de r e i s não c o n h e c i d o s ? Que aconteceu a esses r e i s p r o p r i a m e n t e d i t o s ? T u d o d e s a p a r e c e u n a poeira. Mas o que aconteceu ÀQUILO que a p a r e c i a n a f o r m a desses homens e edifícios? Q u e m j u l g a tratar-se de matéria não s a b e s e q u e r que estava lidando c o m a mente. A n o s s a investigação a r e s p e i t o n o s levará não apenas através das aparências d a matéria m a s também além dos produtos d a mente. Trata-se d a investigação d a d e r r a d e i r a r e a l i d a d e permanente; trata-se de filosofia. Quando tivermos a sorte de a t i n g i r a compreensão p l e n a de t a l realidade descobriremos, t a l c o m o f i z e r a m os antigos sábios, q u e este mundo enigmático não a contradiz f r o n t a l m e n t e c o n f o r m e t e m e m o s . Pois, de u m a f o r m a s u t i l que p o r o r a não n o s é d a d o a p r e e n d e r , u m a e o u t r a coisa são igualmente r e a i s . O m u n d o não é e s s e n c i a l m e n t e u m a ilusão. E m última instância é tão r e a l c o m o o m u n d o d e s s a indescritível entidade que é o verdadeiro Deus. A s c o i s a s não são, p o r t a n t o , ilusórias e m s i mesmas, m a s é a n o s s a apreensão delas, t a l c o m o no-la dão os sentidos, que é ilusória. Ninguém p r e c i s a preocupar-se c o m a p e r d a d a matéria. Matéria é algo que j a m a i s possuímos e, consequentemente, a perda não é real. O m u n d o que foi r e v e l a d o pelos n o s s o s p e n s a m e n t o s é o único mundo que nos foi dado c o n h e c e r , c o n q u a n t o não s e j a o derradeiro m u n d o que i r e m o s conhecer. P o r i s s o a v e r d a d e n a d a nos r o u b a . Aquele .que u m desdenhoso a s c e t i s m o f a z f u g i r a o m u n d o foge à realidade; ele deveria e m p r i m e i r o l u g a r c o r r i g i r - s e , a p r e n d e n d o c o m isso a compreender devidamente o q u e é a q u i l o q u e se a p r e s e n t a c o m o
o m u n d o . O q u e é, o q u e e s s a realidade derradeira significa para a vida do h o m e m , é a segunda b u s c a da filosofia, vindo em seguida à b u s c a d a v e r d a d e , p o r q u e logo verificamos que ambas as buscas se i m p l i c a m r e c i p r o c a m e n t e . E s s a é por isso a segunda recompensa com que a f i l o s o f i a a c e n a ao h o m e m : a possibilidade de aprender a viver conscientemente n a realidade ao invés de permanecer n u m a cega ilusão. O Mundo Como Pensamento. Temos tratado de casos de objetos simples e coisas isoladas, constatando que e m última instância trata-se de ideias. T e m o s , porém, que l e m b r a r que esses fatos fragmentários que são a s ideias a p a r e c e m continuamente e m nossas vidas cotidianas. Torna-se, p o r t a n t o , necessário aglutiná-los n u m a unidade, juntá-los no processo do m u n d o e relacioná-los a s s i m ao mundo em que vivemos. Descobrimos q u e c a d a c o i s a i n a n i m a d a e cada c r i a t u r a viva é u m a construção m e n t a l . E todo o mundo é apenas u m a reunião de todas as coisas e c r i a t u r a s e m s u a totalidade. Teremos então coragem suficiente p a r a d a r o m e r g u l h o intelectual e m a r c h a r em direitura à conclusão lógica de que todo o mundo propriamente dito é também u m a ideia? O m u n d o é u m m u n d o de relativos, u m entretecido de cores, sons, espaços, tempos e seus dependentes; todas as coisas existem em relação c o m o u t r a s c o i s a s , m a s a s relações propriamente ditas não passam de ideias. O p a n o r a m a i l i m i t a d o do mundo que passa é mental. 0 tremendo pensamento c o m que nos deparamos é t a l que os antiquíssimos s i s t e m a s s o l a r e s que r o l a m no espaço são construções mentais tanto q u a n t o o é a caneta que analisamos até reduzir a u m a percepção p u r a . O u n i v e r s o e m toda a s u a imensidão consiste afinal de u m a construção m e n t a l . E s s a é a imagem psicológica do nosso mundo externo; trata-se de u m a gigantesca construção mental e nada mais. Pois a experiência p e r c e p t u a l a b a r c a todas as coisas e tudo quanto é conhecido do h o m e m não pode permanecer fora dela. Apenas o m e n t a l i s m o oferece u m a explicação adequada. Expõe ele a m a n e i r a p e l a q u a l a mente c r i a o seu próprio espaço a f i m de conter todos os objetos que igualmente constrói por s i . O espaço é u m a i d e i a tanto quanto as coisas que nele parecem estar. Se, t a l como a r e l a t i v i d a d e começou a m o s t r a r , o espaço-tempo é o contínuo do m u n d o dos objetos m a t e r i a i s , então o que quer que seja essa mister i o s a q u a r t a dimensão, e l a só poderá ser alguma coisa interior à mente e portanto m e n t a l e m s i m e s m a . A s s i m , embora comecemos contemplando o u n i v e r s o como sendo apresentado à mente, nós terminamos por contemplá-lo como sendo construído pela mente. Que existe u m m u n d o e m torno e externo ao nosso corpo é u m a certeza e não u m engano. Que existe u m mundo e m torno e externo à n o s s a m e n t e é u m engano e não u m a certeza. Pois não existe existência f o r a o u dentro d a mente. A s ideias podem estar fora o u dentro u m a s d a s o u t r a s m a s todas elas mantêm u m a relação não-espacial com 285
a mente. U m mundo e x t r a m e n t a l de o b j e t o s é c o i s a q u e não existe. Contudo, os homens c o s t u m a m t e r c e r t e z a d e s s a existência! O corpo humano é u m a parte do mundo, o m u n d o é u m a i d e i a e o corpo tem também de ser u m a ideia. S e o m u n d o f i c a f o r a d o c o r p o , não f i c a fora da mente e deve, portanto, f i c a r d e n t r o dela. S e o m u n d o existisse fora da mente que o percebe, não p o d e r i a j a m a i s s e r percebido, pois a mente não ultrapassa seus próprios domínios, i s t o é, a s ideias. 0 papel desempenhado pelos c i n c o i n s t r u m e n t o s s e n s o r i a i s é, portanto, o de propiciar as condições através d a s q u a i s o h o m e m p a r t i c i p a da percepção dos objetos externos ao corpo. O s s e n t i d o s são o meio através do qual ele p a r t i l h a das ideias de u m m u n d o m a t e r i a l que subsiste n a mente não-dimensional. A função do c o r p o s e r i a então a de fornecer as condições p a r a o a p a r e c i m e n t o d a consciência i n d i v i d u a l finita; sem essas condições a mente d e r r a d e i r a p e r m a n e c e sendo o que é: o misterioso e único fato de toda a existência. Naquele primeiro momento e m que a consciência d e s a b r o c h a em ser ideado o silêncio da mente f a l a . Não que ele precise de voz nem de ouvintes — mas trata-se de um mistério que por ora ficará de reser*
va. O tique-taque do tempo e a i m p o r t a n t e p a i s a g e m do u n i v e r s o existem apenas mentalmente. E s s e m u n d o que t a n t o n o s p e s a não é senão Aparência, u m a sombra projetada pelo I n t e m p o r a l . Chegamos assim à conclusão final de que, não porque a s coisas s e j a m e x t e r n a s ao nosso corpo, não porque estejam m u i t o distantes do nosso corpo, n e m porque tenham u m a enorme dimensão, n e m porque o s e u número s e j a muito grande, n e m porque u m a variedade de elementos e n t r e n a s u a composição, poderemos negar a n a t u r e z a m e n t a l dessas c o i s a s . A ideia do mundo é, e m última análise, f a b r i c a d a p e l a m e n t e . É u m a construção mental transitória. Quando contemplamos u m trecho de u m a p a i s a g e m campestre e observamos u m a cadeia de montes c o m u m p e q u e n a f l o r e s t a no primeiro plano, não sonhamos por u m i n s t a n t e sequer q u e estejamos olhando p a r a u m a cena reconstruída. O s m o n t e s são tão altos e tão substanciais, as árvores tão verdes e tão folhosas, q u e os tomamos todos como sólidos e impossíveis de c o m p a r a r c o m a s imagens que a mente constrói durante o devaneio. M a s a ciência d a psicologia ensina que toda a paisagem é tão m e n t a l como a s imagens que d e s f i l a m diante da consciência no devaneio. T o d a vez que surge u m a percepção n a mente, ela tem necessariamente de s e r reconstruída e p o r isso nada pode ter u m a existência contínua n e m aparecer d u a s vezes n a m e s m a experiência. Aquilo que aparece é u m a incessante reconstrução daquilo que se supõe ser a mesma coisa, e esse é o v e r d a d e i r o segredo do mistério da maya, famosa e incompreendida d o u t r i n a h i n d u . P o r essa form a aprendemos a lição maior d a ilusão, lição aplicável não apenas à nossa percepção das coisas solitárias m a s também à n o s s a percepção de todo o mundo. 286
E s t e pedaço de Céu que nos É q u a l mágica l a n t e r n a que S e r o S o l o foco — A T e r r a , Nós, os entes que isso tudo
cobre prove: a luz; seduz. O m a r Khayyám
M a s o m u n d o sólido e objetivo não é destruído pelo mentalismo. É deixado exatamente como está. Os seus cinco continentes não são negados, a s u a imponente grandiosidade não é suprimida. Apenas, pela p r i m e i r a vez e l a começa a ser compreendida ao invés de incompreendida. T o d o o nosso passado é agora u m pensamento. Todo o nosso futuro é também u m pensamento. 0 presente é intangível e indeterminável, conforme se demonstrou e m capítulo anterior. Mesmo que nos fosse possível apanhá-lo, o passado o reclamaria prontamente e ele s e r i a t r a n s f o r m a d o e m ideia. P o r isso, toda a nossa vida — incluindo-se aí todo o pano de fundo do mundo panorâmico — não é senão u m pensamento! S e não houvesse mais nenhuma prova, esta bastaria! Até v e r m o s que o m u n d o é apenas u m a ideia nós seremos meros m a t e r i a l i s t a s , p o r m a i s pios, religiosos ou espiritualizados que nos julguemos. Nós tomamos a matéria pelo que ela não é. Quando desc o b r i r m o s que o u n i v e r s o m a t e r i a l é apenas u m a experiência mental, só então ficaremos l i v r e s do materialismo. Mas a presença de ideias postula a presença fundamental da mente, dessa c o i s a que nos t o r n a conscientes das ideias. Daí o retrato materialista do m u n d o explicar tudo menos o mundo propriamente dito! Pois deixa de l e v a r e m conta a nossa consciência do mundo, consciência essa que é o único mundo que conhecemos. Qualquer outro mundo será meramente inferido. A s s i m como não se pode retirar o centro de u m círculo e conservar o círculo, assim também não se pode retirar do universo a mente e conservar a matéria. Ambos estão indissoluvelmente ligados. T o d a s as teorias materialistas naufragam diante deste fato fatal. 0 que quer que examinemos neste mundo, a mente estará presente desde o começo, porque o mundo só existe para a consciência. Ademais, a mente é também a entidade final. E l a não pode ser alheada de n e n h u m a cogitação e m nenhum de seus pontos. E s t a m o s nos aproximando do final do primeiro estágio da nossa busca. Reduzimos o mundo à posição de u m a grande e grandiosa aparência, m a s sempre u m espetáculo. Todo espetáculo implica a existência de u m espectador. O que é esse mistério que se oculta sob o espetáculo do mundo? Poder-se-ia pensar que o ponto fraco do mentalismo é a provável propensão a admitir-se que o mundo é uma criação mental p r i v a t i v a d a pessoa, posição essa cujo absurdo se poderia facilmente demonstrar. Pois a implicação seria que poderíamos formar segundo os nossos caprichos novas estrelas, simplesmente imaginando-as, ou c o n s t r u i r cidades inteiras fazendo uso apenas da fantasia* Ade-
mais, as cidades já e x i s t i a m antes d a n o s s a chegada a o m u n d o e provavelmente continuarão a e x i s t i r depois d a n o s s a p a r t i d a , ao passo que a s nossas estrelas e cidades imaginárias d e s a p a r e c e m e m c o i s a de poucos momentos. A s m o n t a n h a s do H i m a l a i a lá estão, q u e r nós pensemos nelas o u não; s u a existência é pelo m e n o s r e l a t i v a m e n t e m a i s permanente, ao passo que o nosso p e n s a m e n t o a s e u r e s p e i t o é m a i s transitório. A s montanhas estão f o r a do domínio d a n o s s a mente, s e j a p a r a construí-las s e j a p a r a destruí-las. C o m o pode então o m e n t a l i s m o fazer a ousada e fantástica a f i r m a t i v a de que o m a j e s t o s o H i m a l a i a é penas u m a ideia, apenas u m estado m e n t a l dos débeis h u m a n o s que são incapazes de c r i a r através do p e n s a m e n t o u m a s i m p l e s árvore e menos a i n d a a m a i s imponente c o r d i l h e i r a do m u n d o ? A crítica tem m u i t o fundamento, m a s t r a i u m a incompreensão total. E n q u a n t o deve s e r rigidamente sustentado q u e toda c o i s a física que existe deve e x i s t i r como pensamento, não devemos c a i r no grave e r r o de considerar tais pensamentos c o m o originados n a m e n t e f i n i t a de u m indivíduo e m p a r t i c u l a r . T a l não acontece. P o i s i s t o levará à ideia subsequente de que não há c o i s a , pessoa e m u n d o senão o e u individual. E s s a é u m a conclusão errónea que se p o d e r i a t i r a r dessas declarações. M a s não é e s s a a descoberta d a f i l o s o f i a o c u l t a . E s t a última não coloca o l i m i t a d o e u pessoal c o m o a única c o i s a r e a l , sendo o resto ilusório. Recebe este e r r o a denominação técnica de solipsismo. Solipsismo é p u r a l o u c u r a . S e fosse verdade, este nosso cérebro finito converter-se-ia no c r i a d o r e sustentáculo do u n i v e r s o ! Todo objeto é u m a ideia; é u m a i d e i a presente n a m e n t e do h o m e m ; m a s não c r i a d a pela mente i n d i v i d u a l e independente do h o m e m . Apenas p a r t i c i p a dela. Pois, quando investigamos m a i s a fundo, descobrimos que a mente i n d i v i d u a l f a z p a r t e de u m a m e n t e u n i v e r s a l , e é a l i que devemos p r o c u r a r a origem dessa i d e i a . N ã o n o s atrevemos a dizer que o próprio h o m e m cria as ideias dos objetos m a t e r i a i s , m a s podemos dizer que ele as tem. Pois u m a i d e i a s e m u m a m e n t e a que pertença é absurdo. A s infindáveis manifestações d a m e n t e fazem u m surpreendente contraste c o m a unidade p r i m o r d i a l e p e r f e i t a d a mente propriamente dita. A multidão das coisas i n d i v i d u a i s q u e são n a realidade ideias deve, e m última instância, s e r o c o n j u n t o de ideias de u m a mente global. Penetrando sob a mente i n d i v i d u a l encontramos de supetão a mente u n i v e r s a l como a s u a realidade o c u l t a e c o m o a origem das suas ideias a c e r c a dos objetos m a t e r i a i s . O m e n t a l i s m o não pretende s e r o mundo a criação de n e n h u m indivíduo. Pretende que o mundo é a criação dessa mente, não a criação d a minha mente. Não ensina que o mundo é o produto de u m a m e n t e i n d i v i d u a l , de u m e u pessoal. A experiência c o r r i q u e i r a por s i só b a s t a p a r a i n v a l i d a r esse princípio. Não poderá defendê-lo n e n h u m filósofo q u e t e n h a i n vestigado a natureza d a mente e do e u , investigação e s s a q u e será feita no segundo volume desta o b r a , no q u a l serão revelados os m a i s elevados mistérios d a mente.
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A e s t a a l t u r a poderemos m a i s u m a vez apanhar as duas extremidades soltas d a ioga e d a Filosofia e juntá-las. Pois, quando a mente é m a i s b e m compreendida, então o verdadeiro lugar do misticismo e as extraordinárias práticas da ioga são também mais bem compreendidas. Ê b e m m a i s fácil p a r a alguém que se entregou a tais práticas apreender a verdade do mentalismo. T a l pessoa já terá sentido a irrealidade do mundo, m a s aqueles que j a m a i s se exercitaram encontram de início u m a c e r t a dificuldade e m acreditar no mentalismo. — Como — dizem — pode este m u n d o sólido e tangível ser apenas u m a ideia? Tolice! — A d u r e z a d a matéria os engana, mas para o iogue é bem m a i s fácil t r a n s f o r m a r essa d u r a matéria e m imaginação e todo o mundo e m pensamento. A ioga foi e m parte concebida como u m a forma de preparar a mente p a r a a c e i t a r o ensinamento do mentalismo. Pois quando a mente g a n h a sutileza, isenção e concentração através da prática da ioga e l a apreende c o m m a i s facilidade e convicção aquela difícil dout r i n a . O exercício desenvolve u m a capacidade de abstrair a atenção do meio ambiente e concentrá-la nos estados interiores ou ideias, cujo v a l o r é grande como acessório do mentalismo, por tornar o mentalismo menos difícil de aceitar. A mente que nunca praticou a meditação ou n u n c a se entregou à criação artística tropeça inevitavelmente já nos u m b r a i s dessa d o u t r i n a grandiosa, ao passo que a flexibilidade e a capacidade de abstração de u m a mente disciplinada a ponto de poder encerrar-se por completo nos seus próprios pensamentos, esquecendo i n t e i r a m e n t e o meio ambiente, ajuda-a a transpor esses umbrais e perceber d a l i p o r diante a oculta idealidade das coisas. A u n i v e r s a l i d a d e d a mente e a implicação do mentalismo possibil i t a m também a nós do Ocidente começar a compreender como estranhas faculdades de há muito conhecidas n a vetusta Asia podem operar e m perfeita obediência às leis científicas; como a telepatia, as aparições, a transmissão e a captação de pensamentos, as façanhas mesméricas e toda a magia das religiões primitivas e medievais, a história mística e iogue, podem ter base factual; e como a pouco compreendida energia do karma pode estar tão universal e incessantemente presente como a igualmente misteriosa energia da eletricidade e ser tão precisa e m seu funcionamento e seus efeitos como esta última. Chegamos à posição de que o mundo é u m a ideia, mas a ela chegamos por meio de u m a profunda análise da experiência e com a mente aguçada pela reflexão concentrada acerca de fatos comprováveis. O iogue que é b e m sucedido nas suas práticas meditativas chega à mesm a posição, m a s chega a ela por meio do devaneio ou transe baseado e m sentimentos m a i s sutis. Mas o sentimento não é u m padrão válido p a r a todos. A s conclusões do iogue são de cunho pessoal e por isso de pouco v a l o r p a r a os outros. Mergulhado e m sua meditação* ele tem u m a noção nítida do caráter onírico do mundo e de quanto este se a p r o x i m a de u m a grande pensamento. Mas, ao tentar i r mais além e •89
penetrar n a realidade que p o r e s s a f o r m a s e e x p r e s s a , ele d e i x a de perceber a verdadeira relação entre a s d u a s c o i s a s e se confunde. Subestima o mundo como u m meio de d e s e n v o l v e r a s c r i a t u r a s q u e nele habitam. D a i por diante torna-se t e m p e r a m e n t a l m e n t e a l h e i o ao mundo, c u j a s atividades práticas v e m a e n c a r a r c o m o t o l a s . 1
U m efeito d a ioga não-filosófica, à p a r t e d a t r a n q u i l i d a d e intermitente, é fazer o h o m e m v e r o m u n d o d a m e s m a f o r m a p e l a q u a l v e r i a u m objeto de sonho e fazê-lo s e n t i r q u e a s experiências c o t i d i a n a s da existência c o m u m c a r e c e m de realidade. Daí a inclinação do místico ao escapismo, seu h o r r o r à atividade utilitária e s e u m e d o ao mundo prático. Mas isto é deter-se a meio c a m i n h o n a b u s c a . N ã o é com certeza o objetivo d a filosofia. P o i s a m a i s a l t a f i n a l i d a d e d a filosofia é fazer o h o m e m sentir q u e a s f o r m a s deste m u n d o são oníricas, m a s saber que são reais n u m sentido m a i s elevado, s u a essência sendo nada menos do que a realidade p r o p r i a m e n t e d i t a . A s s i m como recebe a ilusão de p e n e t r a r n a r e a l i d a d e , a s s i m também o místico i m a t u r o recebe a ilusão de h a v e r a b a n d o n a d o o seu ego. I s t o acontece durante a meditação, de f o r m a i n t e r m i t e n t e portanto, o u de m a n e i r a m a i s d u r a d o u r a n o m u n d o e x t e r n o através do desenvolvimento de u m complexo de mártir o u através d a prática da não-resistência e x t e r n a ao m a l . O filósofo, p o r o u t r o lado, perde inicialmente a noção d a realidade do ego através d a percepção d a s u a relação c o m o todo e a seguir o abandona no m u n d o e x t e r n o através do serviço ao próximo. Daí gostar o v e r d a d e i r o sábio de e s t a r constantemente e m ação, p o r gostar de p r e s t a r r e a i s serviços. A ioga é u m passo, não u m a p a r a d a . Q u a n d o f o r m o s m a i s sábios nós lhe atribuiremos grande significância c o m o u m m a r c o i m p o r t a n t e e m nosso caminho, m a s apenas u m m a r c o . Não devemos p e r m i t i r que os seus encantos nos enganem. R e s t a a i n d a m u i t o c a m i n h o a percorrer. As pessoas de inclinações místicas o u religiosas, i n e v i t a v e l m e n t e , se cansarão das páginas precedentes e se queixarão c o m impaciência do seu cunho semicientífico. I s s o porque não c o m p r e e n d e m estarmos nós empenhados n u m a momentosa j o r n a d a e porque não compreendem que, se estamos usando a ciência, não p e r m a n e c e r e m o s n e l a . Ans e i a m aquelas pessoas por êxtases íntimos d a a l m a o u p o r novas revelações d a Divindade. S a i b a m elas que não estamos p a r a d o s . S e fizemos este mergulho no mentalismo é porque não e x i s t e n e n h u m outro caminho a ser tomado quando nos d e s i n c u m b i m o s d a t a r e f a de levá-las intelectualmente ao verdadeiro Deus, o verdadeiro Espírito; e a u m a Há um quarto de século, em consequência de uma prática constante da meditação em virtual isolamento, o autor experimentou na Europa a série de exaltações místicas do estado de transe profundo descrito no primeiro capítulo. A seguir voltou ao convívio social, mas lhe pareceu que todas as atividades eram vazias e despidas de finalidade, e que todas as pessoas não passavam de espectros. Tal era o seu estado de desequilíbrio provocado pelo misticismo sem a sanção filosófica. O filósofo, por seu turno, pio perde o equilíbrio de forma alguma. 1
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IMA
realização satisfatória d a alma, que é a única coisa durável. O cam i n h o p a r a a t e r r a p r o m e t i d a passa através d a solidão de fatos aparentemente áridos; isto, porém, não deve elidir as delícias das meditações repassadas de paz. Pois reflexão correta acerca desses fatos produzirá a compreensão, e esta, combinada c o m a auto-absorção mística, a reeducação m o r a l , e a reverência devota, constitui a ioga do discernimento filosófico. Nós não nos estamos afastando de Deus, como p o d e r i a m pensar os ignorantes; estamos n a verdade nos acercando Dele. Não é preciso que troquemos a grandiosidade do êxtase místico p o r u m intelectualismo seco e maçante, mas poderemos conservá-la, tão .logo descubramos u m a satisfação permanente que não venha e vá de f o r m a intermitente como esses êxtases. Não se p e r m i t a que estas críticas sejam m a l interpretadas. Que elas não nos ceguem p a r a o valor que tem a ioga e m seu devido lugar e dentro dos seus competentes limites. Aí pode ser ela de grande utilidade. E podemos v e r agora a profunda e prática sabedoria dos mestres h i n d u s que p r e s c r e v i a m a ioga àqueles c u j a capacidade intelectual não e r a suficientemente forte p a r a captar a verdade do mentalismo através do raciocínio, pois a s s i m esses homens ficavam aptos a chegar ao m e s m o objetivo através do sentimento e não através do conhecimento. Pela m e s m a razão esses mestres preconizavam também o estudo das ilusões às pessoas comuns, porque as ciências da física, fisiologia e psicologia e r a m então demasiado primitivas para comportar a análise global e detalhada que se fez nestas páginas para uso dos estudantes modernos. No entanto, o iogue sem adestramento filosófico corre sempre o perigo de perder a s u a convicção de que o mundo é u m a ideia, por que, sendo baseada no sentimento, está d a sujeita à l e i dos sentimentos e pode sempre alterar-se. Por outro lado, o filósofo preparado pela ioga não pode nunca perder a profunda percepção que a d q u i r i u através do uso da síntese. Trata-se de algo que cresceu dentro dele e chegou à maturidade. E l e não pode decrescer tal percepção, d a m e s m a m a n e i r a que u m a criança de três anos não pode decrescer, retornando ao ventre materno. A certeza permanente tem de v i r através da atitude de fazer da verdade do mentalismo a nossa verdade, c o m a rígida certeza que dispensa o amparo de qualquer autoridade falível o u emoção passageira. T a l certeza pode surgir quando essa verdade é vista, não como teoria científica mas apenas como fato científico. Não devemos j a m a i s esquecer que o mentalismo é apenas u m so n a direção d a verdade derradeira. É u m obstáculo que bloqueia caminho do pesquisador da verdade. Precisa ser galgado e transpôs; E m seu devido lugar essa transposição tem u m a importância vital. Ê também u m sítio provisório que a mente indagadora deve ocupar enquanto consolida a s u a p r i m e i r a vitória sobre a matéria. Uma v ; plenamente efetuada essa consolidação, a mente deve reencetar a sua caminhada; precisa abandonar o mentalismo! A realidade derradeira não pode consistir de pensamentos, porque estes estão destinados a
aparecer e desaparecer; e l a deve t e r u m a b a s e m a i s estável. N ã o obstante, nós podemos v e r nos p e n s a m e n t o s , a o s q u a i s r e d u z i m o s todas as coisas, indícios d a presença d e s s a r e a l i d a d e . A seguinte e derrad e i r a b a t a l h a deve l e v a r à vitória s o b r e a i d e i a p r o p r i a m e n t e dita. T a n t o m a t e r i a l i s m o c o m o m e n t a l i s m o são pontos de v i s t a c o n j e t u r a i s que devem s e r adotados e a seguir a b a n d o n a d o s q u a n d o o ponto de v i s t a derradeiro for atingido. Só então p o d e r e m o s d i z e r : — I s t o é real. — Daí, se p r e c i s a r m o s e n c e r r a r o p r e s e n t e e s t u d o c o m as perguntas: — Que é o pensamento? — e — Q u e é m e n t e ? — q u e lamentavelmente permanecem s e m resposta, i s t o se deve a q u e t a i s respostas pertençam ao estágio f i n a l d a n o s s a j o r n a d a , q u e não a p e n a s a s necessidades de espaço e a premência do t e m p o n o s a c o n s e l h a m a reservar p a r a u m v o l u m e posterior, m a s também o u t r a s e m a i s importantes razões. E n t r e m e n t e s é e s s e n c i a l e s t u d a r a f u n d o e s s a base do mentalismo, pois sobre e l a se erguerá m a i s t a r d e a s u p e r e s t r u t u r a de u m a estupenda porém r a c i o n a l revelação. Os tolos que se a g a r r a m àquilo q u e é p e s s o a l q u a n d o todas as angústias de u m a época sofredora a p o n t a m a f u t i l i d a d e desse procedimento ficarão decepcionados ante a a p a r e n t e v a c u i d a d e destes ensinamentos e talvez deles se a f a s t e m c o m u m m u x o x o . M a s os inteligentes, que m u i t o a p r e n d e r a m , m u i t o p e n s a r a m e m u i t o s o f r e r a m , estarão prontos a aceitá-los. Pois compreenderão q u e ao fazê-lo estarão aceitando a verdade depois de m e n t i r a s , a paz depois d a dor, a v i s t a depois d a cegueira e a realidade depois d a ilusão. S e posteriormente se dedicarem a eles de f o r m a integral, alcançarão a m a i s p l e n a realização, logrando a f i n a l u m a h a r m o n i a i n t e r i o r m a i s s a g r a d a e abençoada do que qualquer religião r i t u a l , m a i s s e r e n a do q u e qualquer experiência iogue. Até aqui nós não nos adiantamos, salvo talvez u m a o u o u t r a vez, ao pensamento c u l t u r a l ocidental. S e alguém q u e fez u m c u r s o de filosofia lembrar-se de alguns destes princípios, suplicamos-lhe benevolência, já que se deve t e r presente h a v e r e m estas páginas sido esc r i t a s primordialmente p a r a aqueles que se i m p o r t a m c o m a verdade, tenham o u não alguma familiaridade académica c o m a filosofia. O Ocidente conhece sob o nome de idealismo algumas ramificações desta doutrina. Deve-se, contudo, a s s i n a l a r que se t r a t a de u m t e r m o genérico abrangendo princípios contraditórios. Q u e m e s t u d a r e m s u a plenitude o idealismo absoluto de Hegel, o idealismo s u b j e t i v o de B e r k e ley, o idealismo objetivo de K a n t e o idealismo n i i l i s t a de H u m e , por exemplo, ficará atónito e confuso. Pois é o m e s m o que e s t u d a r religião, p a l a v r a que pode referir-se às macaquices de negros centro-africanos e m torno de grotescos totens de m a d e i r a o u às t r a n q u i l a s meditações dos quacres cristãos. Ninguém parece conhecer a verdade o u a falsidade do idealismo. Há idealistas que a c e i t a m Deus e idealistas que r e p u d i a m Deus, da m e s m a forma pela q u a l há idealistas que defendem a existência da matéria e idealistas que a negam. E m todos os casos, além do idealismo tudo é sombra e escuridão, pois mesmo os propug-
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nadores d a d o u t r i n a só vêem mistério além dela. Cada passo e m frente que se a v e n t u r a m a d a r r u m o a esse mistério, faz com que eles se p e r c a m e m adivinhações e conjeturas. Apenas o ensinamento oculto d a Índia e x p l o r o u c o r a j o s a e frutiferamente as regiões que do idealismo se estendem até a verdade final. O B i s p o B e r k e l e y professava a estranha ideia de que aqueles a quem ignorantemente denominava de idólatras poderiam ser convencidos a renegar a s u a adoração ao S o l se lhes fosse dado saber que o Sol é tão-somente u m a i d e i a s u a . J a m a i s lhe ocorreu que os letrados entre os adoradores do S o l conheciam tão b e m como ele a doutrina do idealismo. Mas, e m p a r t e p o r não poder colocar perante as massas esses conceitos metafísicos, a p o n t a v a m o S o l como sendo a única coisa neste mundo comparável a Deus. E s t e porém não é o momento nem o lugar para estabelecer u m debate académico sobre o tema. E s t e volume não é u m tratado de metafísica; ele representa u m testamento formal e final de verdade. N o entanto, talvez seja conveniente explicar àqueles que temem que o ensinamento oculto leve necessariamente ao ateísmo que o termo Deus não é do nosso agrado, porque significa tudo para todos os homens. Descendo, porém, a u m nível não-filosófico pode-se afirmar que encontraremos Deus ao final desta busca, mas será Deus tal qual E l e é. Não será n e m o glorificado homem da religião nem o gás atenuado da metafísica. T o d a v i a , não deixará de ser esse Deus que os homens vener a m nos templos orientais e nas igrejas ocidentais, em mesquitas e capelas, e o q u a l espezinham e buscam torturar através dos seus ódios irracionais e suas perseguições intolerantes a outros homens. Encontraremos esse Deus c u j a imagem caricatural os racionalistas e os amargos ateus c o m m u i t a razão repudiam e contra cuja crueldade muitos justamente se rebelam, m a s a quem erradamente negam, porque E l e não é senão o seu eu derradeiro. Encontraremos esse Deus que os ascetas proc u r a m m a s não encontram e m sombrias grutas e corpos famintos e ante o q u a l os epicuristas saciados fecham as portas em cabarés e salões de dança, e que, paradoxalmente, habita tanto nas grutas como nas casas de diversões, sem ser visto, desapercebido e desconhecido. E n contraremos aquele Deus que os místicos em meditações e os iogues e m transe b u s c a m prematuramente tocar no íntimo dos seus corações: a a u r a D i v i n a de serena luz é tudo quanto tocam, pois a chama pulver i z a r i a instantaneamente o seu ego ávido de êxtase; mas, tão logo ten h a m obedecido ao anjo c u j a espada mais cedo ou mais tarde os impelirá de volta ao mundo que desejam renegar, e tão logo tenham aprendido o que é essa coisa que os rodeia, a investigação do eu de pronto lhes revelará o segredo final, o mesmo que os antigos sábios da índia já h a v i a m assinalado. Todos esses homens que de forma vã porém inconsciente tentaram desalojar a realidade e se dispuseram a adorar u m Deus da s u a própria fabricação, u m simples ídolo da sua lavra, á p filosofia conduzirá ao Deus verdadeiro, o qual passarão a adorar de for-
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m a consciente. P o r f i m , e n c o n t r a r e m o s e s s a e n g a n o s a essência do mundo desconhecida h o j e dos c i e n t i s t a s , a q u a l j u l g a m eles tratar-se de u m a espécie de energia. Podemos começar agora a p e r c e b e r p o r q u e o c a m i n h o d e r r a d e i r o sempre foi ensinado e m segredo. O s l i v r o s e t e x t o s f i c a v a m n a posse do mestre, p a r a s e r e m revelados e e x p l i c a d o s a p e n a s q u a n d o o s iniciados já houvessem p e r c o r r i d o o u t r o s c a m i n h o s . S e r i a i m p r u d e n t e ens i n a r o público e m geral. O s h o m e n s não s u p o r t a v a m o conhecimento da verdadeira natureza do m u n d o , de m o d o q u e se r e f u g i a v a m n o conforto imediato d a existência ilusória. P o i s a i d e i a de q u e e x i s t e u m mundo m a t e r i a l diante de nós é instantânea, i m e d i a t a e irresistível. Não se t r a t a de a l g u m a c o i s a a q u e se chegue através de a l g u m laborioso processo de raciocínio lógico: trata-se de a l g u m a c o i s a evidente e m s i mesma, u m a d o m i n a d o r a percepção i n t u i t i v a q u e p a r e c e incontestável e que, aparentemente, não depende de q u a l q u e r argumentação passível de ser pulverizada. Apenas u m a série contínua de sagazes perguntas formuladas ao longo de u m extenso c u r s o de instrução pessoal poderia m o s t r a r ao h o m e m i r r e f l e x i v o que o s e u r e a l i s m o m a t e r i a l i s t a não tem fundamento e que o ponderado m e n t a l i s m o do filósofo baseia-se e m fatos de granítica solidez. O grande temor que acomete a s pessoas q u a n d o estas f i c a m sabendo que matéria, espaço e tempo não e x i s t e m e m s e p a r a d o do h o m e m propriamente dito é injustificado. P o i s e s s a não-existência não a s p r i v a das sensações d a matéria, espaço e tempo. Não b a s t a v e r u m mundo aparentemente objetivo ocupando o espaço e v e r os seus acontecimentos desdobrarem-se no tempo e s e n t i r a s u a solidez? O m e n t a l i s m o não rouba ao h o m e m essas sensações que ele e x p e r i m e n t a , apenas as explica. Que diferença faz n a realidade p e r d e r a s ilusões a c e r c a delas? Por que haverá o h o m e m de exigir m a i s do q u e a v e r d a d e propriamente dita? Pois a filosofia t e m de cingir-se aos fatos; a sensação é u m fato, m a s matéria, tempo e espaço são suposições p r o v a d a s . A q u i a filosofia é m u i t o m a i s rigorosa do que a ciência. Não há diferença palpável n a v i d a prática do h o m e m e o que ocorre é apenas u m a retificação de ideias erróneas n a s u a v i d a m e n t a l . O chocolate continuará tão doce e delicioso quando ele souber que não p a s s a de u m conglomerado de sensações, como e r a quando ele e r r a d a m e n t e o t o m a v a por u m a substância m a t e r i a l . O motor do s e u c a r r o continuará a roncar tão barulhentamente como antes. O h o m e m não perderá nen h u m a das coisas que encarece, n e n h u m dos p r a z e r e s d a v i d a , apenas por compreender devidamente certas coisas. Pois a s r u a s , as casas e as pessoas e m torno apresentam exatamente o m e s m o aspecto ao sábio e ao ignorante. O p r i m e i r o , porém, é i l u m i n a d o pela reflexão e sabe que toda essa variedade de formas é m e n t a l ; sabe também que a mente é a substância de todos esses produtos, ao passo que o ignorante permanece cego a essa verdade por o b r a d a irreflexão. O m e n t a l i s m o a s s o m b r a os. simplórios c o m a s u a aparente profundidade e complexi-
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dade, e, no entanto, u m a vez investigado e compreendido, nada parecer; m a i s s i m p l e s n e m m a i s patente. A s s i m é que os antigos sábios hindus colocaram por escrito u m ensinamento q u e a n t e c i p o u algumas descobertas dos mais destacados cientistas o c i d e n t a i s modernos. E s s a mesma ciência que em fins do século p a s s a d o n o s d e u a s o m b r i a desesperação da mortalidade e do m a t e r i a l i s m o nos dará agora a fúlgida esperança do mentalismo. A verdade será estabelecida n a base da demonstração provada; não precisará de q u a l q u e r a m p a r o místico. E s t e é o momento azado para o m u n d o t o m a r conhecimento de u m a antiquíssima verdade, mas tal tomada de conhecimento deverá ser feita e m termos dos conceitos científicos do século v i n t e . É chegada a h o r a de romper o isolamento dessa d o u t r i n a . Não bastará t r a d u z i r os seus ensinamentos para as línguas o c i d e n t a i s ; é preciso interpretá-los de forma construtiva. E s t a m o s vivendo u m a e r a de transição. Reis, Governos e Constituições f o r a m apeados dos seus pedestais e conceitos científicos conhecidos f o r a m a t i r a d o s pelas janelas dos laboratórios. Mas a maior de todas a s transições no mundo do conhecimento do século vinte é aquela que a v a n g u a r d a d a ciência está procedendo diante dos nossos olhos. E s s a alteração fundamental n a perspectiva dos homens instruídos consistirá de n a d a menos que trazer todo o mundo para o círculo do pensamento, transformando com isso a matéria em ideia. A s s i m c o m o o estudo das substâncias radioativas abriu u m novo horizonte p a r a a ciência quando os antigos veios pareciam já esgotados, a s s i m também este estudo da relação mundo-homem, matéria-mente, irá dentro e m b r e v e r e s u l t a r n a descoberta de que todo o panorama do mundo, desde as estrelas v i s t a s ao telescópio até as células vistas ao microscópio, é n a realidade u m a construção mental. A raiz e as ramificações do m a t e r i a l i s m o serão destruídas e serão abertas as portas que l e v a m à realidade infinita cujo conhecimento é a V E R D A D E .
dos dialéticos, a ponto de esquecer-se das suas próprias bases: os fatos d a experiência h u m a n a . T a l v e z e m nenhum outro estudo sejam os homens tão a r r e b a t a d o s por palavras ressonantes e polissilábicas que disfarçam e r r o s e c r i s t a l i z a m engodos, e e m nenhum outro estudo tenha surgido tão desnecessariamente u m a terminologia tão proibitiva. U m filósofo que não s e j a capaz de dizer aquilo que tem a dizer com u m mínimo de p a l a v r a s extensas e difíceis, m a s se envolva numa terminologia c o m p l i c a d a , não apenas se enredará em inverdades como também evitará que m a i s de u m sincero aspirante adentre os portais da filosofia.
S e este e n s i n a m e n t o f i c o u esquecido, n e g l i g e n c i a d o e incompreendido d u r a n t e t a n t o s séculos e m m o d o r r e n t o s m o s t e i r o s o u e m distantes grutas monteses, c u l p a não l h e cabe. A c u l p a é d o s h o m e n s . Aqueles que e r a m capazes de c o m p r e e n d e r t o d a a s u a i m e n s a importância prática e v i t a l imediação e r a m , n e c e s s a r i a m e n t e , e m p e q u e n o número. T a l compreensão só poderá s e r c o n s e g u i d a através de v i g o r o s o s esforços intelectuais q u e s u p e r a m e m m u i t o a c a p a c i d a d e d o h o m e m c o m u m . V i a de r e g r a , porém, nós s o m o s pagos n a j u s t a m e d i d a d o n o s s o serviço. O único e n s i n a m e n t o q u e p o d e r i a o r i e n t a r a h u m a n i d a d e n o sentido d a e x a t a solução de difíceis p r o b l e m a s deve s e r d e v i d a m e n t e v a lorizado. T r a t a - s e de u m custoso e p u r o d i a m a n t e , não de u m a lasca de v i d r o b a r a t o . Nós vivemos n u m m u n d o prático. O s h o m e n s p o d e m t e o r i z a r à vontade, m a s são obrigados a i n t e r a g i r e t r a b a l h a r c o m o u t r o s homens. P o r isso não há como fugir à p e r g u n t a : irá t a l e n s i n a m e n t o i n f l u e n c i a r de a l g u m a f o r m a o modo de v i d a d a s p e s s o a s ? P o i s é crença generalizada que a filosofia se mantém a r i s t o c r a t i c a mente alheada das necessidades m a i s p r e m e n t e s do v i v e r cotidiano; que o filósofo — quando não f o r louco o u tolo! — é u m h o m e m i n c u r a velmente teórico sempre às voltas c o m p r o b l e m a s m a n u f a t u r a d o s ; e que a b u s c a d a verdade é u m m e r o p a s s a t e m p o a q u e se e n t r e g a m aqueles que não têm responsabilidades sobre os o m b r o s o u os r a t o s de biblioteca o u o s sonhadores que v i v e m fugindo à ação. Acredita-se amiúde que o filósofo adote u m a d i c o t o m i a postiça de a t i t u d e entre a v i d a i n t e r i o r do pensamento e a v i d a e x t e r i o r d a ação. T a l c o i s a pode s e r v e r d a d e i r a dessa s i m p l e s especulação metafísica o u desse entretecido teológico que p a s s a p o r filosofia, m a s não o é d a genuína filosofia, t a l c o m o a q u e l a a que se d e d i c a v a m numerosos gregos antigos, e menos a i n d a o é d a filosofia o c u l t a d a índia. S e a a s s i m c h a m a d a filosofia perdeu contato c o m a v i d a i s t o s e deve a que se perdeu n u m l a b i r i n t o de quilométricos t e r m o s técnicos o u então t r a n s f o r m o u e m preocupação s u a c e r t a s sutilezas lógicas m u i t o a gosto 296
S e t a l filosofia desapareceu do âmbito cotidiano, caindo num vácuo v e r b a l , o u p e r d e u cotação, tombando no desprezo, então os assim chamados filósofos devem s e r inculpados. E l e s escrevem os seus pensamentos n a f o r m a de u m jargão técnico que oculta o significado e prej u d i c a a c l a r e z a , e que erige proibitivas fortalezas de incompreensão e m torno d a s m a i s grandiosas verdades. Constroem sistemas de reflexão sobre o m u n d o e sobre a v i d a que deixam de levar em conta fotos p r i m o r d i a i s do mundo e d a vida. Ignoram o tremendo cabedal da ciênc i a e a c a b a m às voltas tão-somente com as suas fantasias. Principiam suas reflexões c o m as fantasias de outros filósofos ao invés de começar pelos fatos comprovados do mundo que têm em mãos. Sob este aspecto assemelham-se curiosamente aos místicos. Imitam-se uns aos outros e a c a b a m apanhados n a história literária da filosofia ao invés de criar e m ativamente u m a nova filosofia. O que v e m a s e r filosofia? Que finalidade definida tem ela? Qual é a vocação a p r o p r i a d a p a r a u m filósofo? Quais são as lições práticas d a filosofia? A resposta mais c u r t a a todas estas perguntas é: a genuín a filosofia m o s t r a ao homem como viver! Se não pudesse fazê-lo, se não lhe fosse possível s e r v i r a finalidades práticas, não valeria a pena tê-la. A filosofia não p e r f u r a afanosamente as mais espessas camadas do pensamento p a r a depois alienar-se deste mundo sofredor. E l a não t e r m i n a e m abstração, m a s e m ação. Os frutos da filosofia só poderão ser colhidos neste nosso sofrido mundo, e não n u m remoto empíreo metafísico. A filosofia abrange u m labor individual e social que deve c o n t r i b u i r visivelmente p a r a o bem-estar da raça e fazer-se sentir ao longo d a história, caso contrário não é verdadeiramente filosofia. A filosofia t e m de j u s t i f i c a r a sua existência através daquilo que é capaz de fazer, não apenas através daquilo que é capaz de imaginar, A filosofia deve m o s t r a r aos homens não apenas aquilo que eles realmente são m a s também que r u m o devem i m p r i m i r à sua conduta, O fato é que a filosofia faz u m a revolucionária diferença quando aplicada à existência humana, expressada em feitos humanos e inser i d a no trato humano. Desejo ardente dos defensores vivos do ensinamento oculto nesta nossa tormentosa e r a é que o divórcio artificial existente entre a filosofia e a v i d a prática chegue ao fim. Anseiam eles fazer c o m que os homens se dêem conta de que a filosofia está intima 29;
mente ligada à v i d a e é u t i l c o m o g u i a , i n s p i r a d o r e j u i z . U m a das finalidades do volume subsequente será a de a r g u i r a v a l i d a d e d a crítica costumeira de que os filósofos l i d a m c o m preocupações demasiado distantes d a v i d a cotidiana p a r a s e r e m de a l g u m a u t i l i d a d e p a r a alguém. Ali se mostrará que o correto é e x a t a m e n t e o contrário, n o q u e tange ao ensinamento oculto, pois as suas derradeiras mento da existência terrena do homem.
lições afetam
cada mo*
Pois a filosofia não é u m a pálida ficção f e i t a a p e n a s p a r a o s sonhadores, m a s se destina p r i m o r d i a l m e n t e aos h o m e n s de ação. Interessasse ela por todo o ciclo d a existência, não a p e n a s p o r u m segmento. No instante e m que começamos a r e f l e t i r n a v i d a , no i n s t a n t e e m que começamos a levar e m conta a s lições d a experiência, n o i n s t a n t e e m que nos pomos a p r o c u r a r o significado o u a explicação do m u n d o e m que vivemos, nesse i n s t a n t e nós n o s t r a n s f o r m a m o s p r o v i s o r i a m e n t e em filósofos. Onde o filósofo especializado v a i m a i s além do que nós é quando exige que toda experiência s e j a t o m a d a c o m o matéria p a r a a reflexão, que a experiência de toda a existência s e j a a l v o de meditação. Mas o crítico perguntará como pode s e r i s s o q u a n d o a história não escreveu ainda a s u a última página, a experiência c o n t i n u a a u m e n t a n d o e a v i d a não chegou ao f i m . A resposta é q u e a s s i m c o m o u m círculo pode ser indefinidamente aumentado s e m d e i x a r de s e r u m círculo, a s s i m também a experiência pode s e r a m p l i a d a s e m q u e a verdade d a experiência deixe de s e r verdade. E que a v e r d a d e é o d e r r a d e i r o a l v o do filósofo. P o r isso t e m ele de t r a b a l h a r m e t o d i c a m e n t e , p r i m e i r o determinando o r e a l significado d a experiência u n i v e r s a l e depois procurando t r a d u z i r esse significado e m t e r m o s de a t i v i d a d e s concretas. Suas ações visíveis devem s e r i n i c i a l m e n t e j u s t i f i c a d a s pelas suas reflexões invisíveis. O mundo não t e m qualquer aplicação p a r a u m a d o u t r i n a q u e t r a t a a v i d a c o m u m dos homens como algo e s t r a n h o e à p a r t e . O m u n d o está c o m a razão. O filósofo não conhece q u a l q u e r l u g a r neste vasto universo do q u a l a verdade deva ser e x p u l s a . Daí c o n s t a t a r que os seus princípios são aplicáveis e m toda parte e estão presentes e m toda parte e que todo aquele que ignora tais princípios a s s i m faz p o r s u a conta e risco. A filosofia é exequível; é posta e m prática, c a s o contrário não passa de meia filosofia. E l a a c r e d i t a n a ação i n s p i r a d a e n o serviço iluminado. O seu valor não é conhecido dos diletantes que se entretém durante u m d i a c o m teorias académicas e depois se e s q u e c e m delas. A filosofia pode ser posta e m ação: pode s e r t o r n a d a útil aos trabalhadores, aos sofredores e aos executivos d a sociedade: m o s t r a a todos como v i v e r nas circunstâncias específicas e m que se e n c o n t r a m . Pois todos os atos de u m verdadeiro filósofo descendem d i r e t a m e n t e dessas ideias de verdade pelas quais ele l u t o u c o m tanto empenho. O filósofo aprende as regras certas do jogo d a v i d a e se dispõe a obedecê-las. Por isso, a filosofia se destina igualmente ao h o m e m condenado a m o r r e r n a forca e ao homem que o condena do estrado d a magistrat u r a . A filosofia revela u m a verdade c u j a aplicação à v i d a diária eii-
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m i n a o medo, desfaz a s dúvidas, fornece inspiração e ativa a fortaleza m e n t a l . Q u e r sejamos trabalhadores de enxada e arado, cirurgiões de b i s t u r i e l a n c e t a , o u executivos e m mesas de tampo de vidro, nós todos n o s d e p a r a m o s c o m momentos críticos nos quais precisamos d a orientação segura, do dedo esclarecedor que apenas a filosofia pode oferecer. Pois só e l a se preocupa com a rígida verdade de u m a situação ao invés d a s suas distorções emocionais ou dos seus disfarces egoísticos. P o r isso, o v a l o r d a filosofia é o valor da sua contribuição prática p a r a o v i v e r cotidiano. A ligação entre escritório, fábrica, fazenda, teatro, l a r e filosofia é direta e clara. A filosofia é o guia para toda a v i d a . O s e u v a l o r final é dizer-nos como viver e como enfrentar e vencer a s nossas dificuldades e tentações. O estudo do ensinamento oculto exige que passemos por u m a rigorosa d i s c i p l i n a intelectual que poderá prolongar-se por alguns anos, e m função d a capacidade de raciocínio do estudante. Decerto não será feita às pressas. U m a vez conquistado esse conhecimento, porém, o s e u v a l o r prático resistirá a qualquer prova. A sabedoria propiciada, a ética, a força que dá, a tranquilidade que esparge e a capacidade i n t e l e c t u a l que desenvolve — tudo se combina para fazer do estudante que completa o curso, que passa da ignorância ao conhecimento, u m h o m e m melhor. Se t a l homem abraçar a política prestará serviços de relevância e não de pequena monta. Se se tornar industrial seus produtos serão honestos e cheios de valor. O homem treinado nos ardores e n a s agruras d a reflexão filosófica enfrentará cada problema, à m e d i d a que este se apresentar, com clara percepção e terá melhores condições que os demais para opinar corretamente sobre as coisas. T o d a s a s nossas ideias são mudas até que nos resolvemos a pô-las e m prática. Então elas ganham voz e povoam a nossa mensagem. A v i d a filosófica não é u m mero fragmento a ser vivido numa poeirenta biblioteca; é u m a experiência contínua, quer seja vivida no lar, no escritório, no parlamento o u n a fazenda. E u m homem será melhor cidadão p o r s e r filósofo da m e s m a forma pela qual será melhor filósofo por s e r u m cidadão. Se os seus estudos o separarem externamente d a v i d a d a comunidade, certo será que não se trata de estudos filosóficos. Pois o filósofo tem de colocar o conteúdo de uma ação continuada e desinteressada nas frases finas e inteligentes que escreve ou fala, sob pena de ser apenas u m meio filósofo. Apenas quando os princípios d a filosofia entrarem n a sua corrente sanguínea poderá ele tornar-se u m filósofo de verdade. A verdade é dinâmica, não u m narcótico. E m suas atividades diárias o filósofo se mostrará sempre u m hom e m r a c i o n a l , sensato, prático e equilibrado. E l e compreende muito bem que as duas asas de u m pássaro precisam movimentar-se para que o vôo seja equilibrado e que as duas faces do homem — pensamento e ação — p r e c i s a m funcionar para que a sua existência se con-
serve equilibrada. M a s o equilíbrio do filósofo é a i n d a m a i o r . No burburinho inquieto d a sociedade m o d e r n a ele se c o n s e r v a i n t i m a m e n t e calmo e imperturbável. E a s u a paz é de t a l têmpera q u e subsiste quando ele s a i d a tranquilidade do s e u refúgio filosófico p a r a a agitação da r u a . A disciplina filosófica t r e i n a a mente e através d a m e n t e todos os atos do homem. Pensamentos constante e i n t e n s a m e n t e entretidos tendem mais cedo ou m a i s tarde a t r a n s f o r m a r e m - s e e m atos. P o r não haverem compreendido o poder do p e n s a m e n t o concentrado em termos de ajuda ou dano ao próximo d e r a m os h o m e n s o r i g e m a esta era odiosa que estamos vivendo. S e m a d e r i r àqueles q u e comprometem u m a boa causa c o m u m a lógica deficiente o u r e b a i x a m a filosofia negando a força d a ambiência e x t e r n a , podemos d i z e r q u e a diretriz geral e habitual de pensamento tende, e m última instância, a reproduzir-se nas características do ambiente das pessoas. A m e n t e tanto tem propriedades de atração como de repulsão. E l a a t r a i o u t r a s mentes e condições materiais de natureza a f i m ; e repele a s de n a t u r e z a antagónica. E s s a atividade se processa amiúde n o subconsciente do homem; não é necessário que ele se dê c o n t a dela p a r a q u e e l a seja efetiva. E s s a silenciosa influência não cessa j a m a i s de a t u a r . Apenas quando a vemos c o m espantosa evidência n a s v i d a s dos bons e m a u s génios entrevemos o poder latente do pensamento c o n t r o l a d o e concentrado. Ê esse invisível homem interior de pensamento e sentimento que dita as ações e reações diárias do h o m e m , que o e n f r e n t a quando ele está só e que vive u m a existência secreta que põe e m perigo o u protege toda a s u a existência externa. Os pensamentos que m a i s amiudadamente lhe ocupam a mente e os estados de ânimo que c o m m a i o r frequência lhe enchem o coração são os ditadores invisíveis do homem e, e m comparação com o seu corpo físico, c o n s t i t u e m o m a i s importante do seu e u . A s raças mais jovens do ocidente e x a m i n a m primeiro a estatura externa de u m homem quando interessados e m avaliá-lo, ao passo que os mais antigos asiáticos já s a b i a m há m i l h a r e s de anos que n a mente encontra-se a maior fonte de poder do indivíduo. Aqueles antigos sábios de rostos benignos que se s e n t a v a m de pernas c r u zadas nas florestas do H i m a l a i a ensinavam aos seus reverentes discípulos essa verdade vital. A s s i m sendo, este ensinamento se j u s t i f i c a amplamente do ponto de v i s t a utilitário. Conduta e Arte. Tudo e todos estão e m relação c o m a l g u m a coisa ou alguém. Nada ou ninguém está só. A v i d a de toda c r i a t u r a está interligada com as vidas de o u t r a s : a s u a suposta independência não passa de u m engano. A humanidade de f o r m a especial se encontra inter-relacionada. Por isso, o filósofo não é apenas u m filósofo; é também u m membro da sociedade. E l e não pode furtar-se a isso, não pode desenredar-se por completo. Mesmo que se retire p a r a u m a caverna ele precisará de alguém que cuide dele o u de u m cão o u de u m a
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v a c a que lhe dê leite, e, pronto, aí estará formada u m a sociedade! A f o r m a pela q u a l ele irá se conduzir nessa sociedade dependerá de princípios éticos que seguirão sendo exatamente os mesmos até mesmo se se t r a t a r de u m a sociedade de dois milhões de seres e não apenas dois. C o n t r i b u i então a filosofia de alguma forma para a ética, p a r a os v a l o r e s , p a r a algo que oriente no sentido do exato caminho do dever? A resposta é que a filosofia é a única coisa no mundo que presta t a l contribuição n a máxima medida em que é necessitada pela existência h u m a n a . U m a vez que tomemos consciência desta grande verdade, todas as questões de maior importância que perturbam a humanidade assumirão u m aspecto totalmente novo. Então, e somente então, poderão s u r g i r soluções satisfatórias para antigos e graves problemas. A própria atmosfera e m que essas respostas serão elaboradas sofrerá profundas transformações. Seremos obrigados, contra a nossa vontade o u não, a d a r formas novas às antigas indagações, porque o padrão de referência será agora bem diferente daquilo que era. Aqui o estudante de filosofia encontra o real valor dos seus estudos e recebe a s u a recompensa através de u m a percepção despertada que lhe m o s t r a como agir corretamente, sabiamente e bem. 0 filósofo não pode n u n c a s e r u m fracassado n a vida, por mais que a sorte não lhe seja favorável. A filosofia se destina não apenas a interpretar o mundo, mas também a melhorá-lo, pois e l a averigua as ideias até a sua conclusão prática. O idealismo social ou pessoal deve estar relacionado com u m objetivo exequível, caso contrário será ruinoso. A filosofia propicia u m a bússola aos desorientados. E m consequência, destina-se tanto àqueles que têm consciência da ausência de qualquer princípio de orientação ética e m suas vidas quanto àqueles que buscam o conhecimento puro. A filosofia é de grande valia n a tomada de decisões face às exigências d a v i d a prática. O que, em todo o âmbito d a cultura humana, poderia ser de maior utilidade? Não há u m minuto sequer durante o dia e m que não estejamos ocupados e m fazer alguma coisa ou em pensar alguma coisa e o processo prossegue através de toda a nossa vida desperta; trata-se de uma atividade interminável e incessante. 0 problema de aquilo que estamos fazendo o u pensando ser certo ou errado, melhor ou pior, vale dizer, o problema d a ética, é u m dos mais fundamentais e importantes que podemos levantar. Duas perguntas confrontam diariamente todos os homens: Qual será a m a n e i r a certa de agir? Qual será a coisa certa a se procurar? Diversos outros problemas estão envolvidos e giram em torno desse único problema daquilo que constitui o dever do homem; eis alguns desses problemas: ( a ) Qual é o nosso maior dever em oposição ao nosso dever imediato, o intrínseco em oposição ao instrumental? ( b ) Qual a j u s t i f i c a t i v a para a aceitação da existência do dever e como se
explica não se t r a t a r de u m a m e r a f a n t a s i a ? ( c ) Q u a l o padrão de medida que permite graduar os deveres segundo a l g u m a e s c a l a ? Todos estes, porém, são problemas filosóficos. O q u e i n d i c a que a filosofia p u r a tem grande pertinência c o m a v i d a prática. E tudo aquilo que u m h o m e m estabelece c o m o certo o u e r r a d o é o reflexo consciente o u inconsciente d a s u a filosofia de v i d a consciente ou inconsciente. S u a visão genérica do u n i v e r s o , v a l e dizer, são visão filosófica consciente o u inconsciente, fornece-lhe u m padrão p a r a assinal a r ou pôr à prova o dever o u o desejo. C o m relação à conduta, a filosofia preocupa-se menos c o m o estabelecimento de r e g r a s específicas e mais c o m o estabelecimento de princípios f u n d a m e n t a i s . E l a cuida menos de certos aspectos legais de p o u c a importância e m a i s das maneiras m a i s amplas de v i v e r . De hábito, a conduta h u m a n a é governada pelo desejo. Todos os desejos, emoções, paixões, energias, anseios, s i m p a t i a s e a n t i p a t i a s começam a se regular a s i próprios quando os c o m p r e e n d e m o s melhor, quando nos compreendemos melhor a nós m e s m o s e q u a n d o compreendemos melhor o mundo. O v a l o r deste estudo n a restauração do equilíbrio emocional pode ser expresso e m t e r m o s físicos c o m o estes. E l e normaliza a pressão sanguínea e regula a s secreções grandulares. Mas ainda, integra harmonicamente as funções neurofisiológicas. Disciplina as paixões, e l i m i n a os m a u s hábitos e os temores nervosos. Tranquiliza o coração, dá raciocínio ao cérebro e f i n a l i d a d e à v i d a . S e u valor é notório p a r a os reis, governantes, presidentes, m i n i s t r o s de estado e chefes de estado e, e m menor escala, p a r a o s profissionais l i berais como os médicos, advogados, educadores e h o m e n s de empresa. Os benefícios recebidos abrangem tanto o lado pessoal c o m o o lado profissional d a vida. É errado, porém, imaginar que o filósofo t e m de s e r u m acólito do ascetismo, u m adepto d a negação d a v i d a , mantendo-se totalmente distanciado dos interesses humanos e dos prazeres h u m a n o s . Não há lugar n a verdadeira filosofia p a r a a incurável a n t i n o m i a do conflito ascetismo-hedonismo. O bitolado asceta nega a v i d a e e n c a r a o mundo como u m a perigosa a r m a d i l h a . M a s o filósofo a e n c a r a c o m o u m a proveitosa escola n a q u a l aprende m u i t o e vive de f o r m a compreensiva. A experiência não apenas lhe oferece alimento teórico o u pensamento m a s também adestramento prático p a r a a sabedoria. Não obstante Cupido e a cupidez p r e c i s a m s e r trazidos de rédea curta. Todo homem sensato que deseja f o r t i f i c a r a s u a v i d a é n a verdade u m a espécie de asceta. A força que a contenção e m p r e s t a ao seu caráter mental, ético e físico o a j u d a por todas a s f o r m a s . E quando t a l homem se entrega à busca d a verdade, m a i s do que n u n c a precisa da s u a fortaleza íntima. O fracalhão que cede a todos os impulsos desconhece as delícias da independência, a satisfação de não estar escravizado a coisa alguma. Não se deve, porém, c o n f u n d i r essa saudável contenção c o m a insalubre e a r t i f i c i a l rejeição de tudo aquilo
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que é humano. A q u i estamos p a r a viver e não para fugir à vida. Precisamos encontrar u m a forma de existência que seja razoável e equilibrada e não fanática e remota. Qualquer exagero é u m erro; u m bem exagerado gera u m novo m a l ; u m a virtude exagerada redunda num novo vício. 0 filósofo não teme nenhuma das facetas da vida. E l e faz do contraditório a complementação! P o r isso não precisa fugir do mundo como o asceta. Aquele tanto de fuga que julga necessário é realizado e m segredo dentro do seu coração e não abertamente, como acontece com o monge que exibe ao mundo o seu hábito colorido. Nenhuma fuga ao mundo poderá, segundo ele, propiciar qualquer sabedoria, pois estamos no mundo p a r a aprender as suas lições. Não obstante, o filósofo é uno c o m o monge naquilo em que deseja permanecer livre da sujeição aos desejos e e m que procura dominar as próprias emoções. Além desse ponto, ele não pode caminhar lado a lado com o fanático asceta. Seus maiores esforços sendo concentrados no controle do pensamento e n a disciplina do intelecto, quando bem sucedidos garantem-lhe a capacidade de enfrentar o conforto e o desconforto com isenção suficiente p a r a manter a sua mente tranquila e lhe asseguram também o poder de trabalhar nos ambientes mais agitados sem perda: u m mínimo sequer d a s u a calma interior. A v i d a ascética é u m começo bom e necessário, mas quando se t r a n s f o r m a e m rigidez, frigidez e uma profissão torna-se u m mau fim. 0 sábio endossa s e m v a c i l a r os generosos e excelentes dizeres de Terence: — S o u u m h o m e m ; nada que diga respeito à humanidade me é estranho. E l e caminhará, sem o risco de tentações, entre a multidão estuante das cidades, onde precisam dele, enquanto os tímidos escondem-se e m grutas; ele conservará sua serenidade no trabalho ou no lazer, pois o seu ascético abandono encontra-se oculto nas profundezas da s u a mente. E l e não precisará esmagar a afeição humana a fim de esmagar o egoísmo humano. Não precisará ignorar os tesouros da arte o u deixar de reagir aos encantos da Natureza a fim de manter o equilíbrio mental. Mas os problemas d a ação e da conduta não esgotam a preocupação do h o m e m c o m a sociedade e o mundo. E l e busca também embelezar a ambas as coisas. Assim*nasce a arte. A filosofia tem que encontrar u m lugar também p a r a ela, bem como levar em conta a sua contribuição p a r a o todo. A arte é n a verdade o combustível do empreendimento filosófico. P o r que o homem se sente atraído pela música, pintura, arquitetura, poesia, drama e outras artes? O que é essa beleza que prende o homem aos seus amores secundários? A cultura da sensibilidade artística é u m estágio da sua busca? Àqueles que imaginam que a filosofia isola o homem de tudo o que é cálido e belo na vida estão enganados. A fragrância do branco jasmim proporciona tanto prazer ao filósofo como aos demais, a beleza arrebatadora de u m pôr de S o l não o deixa indiferente e a terna voz do violino tem
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para eie os mesmos encantos. O filósofo é d i f e r e n t e d o s d e m a i s homens apenas naquilo e m que se mantém s e m p r e p r e s o a o p o n t o de vista mais elevado que coloca essas experiências n o s e u d e v i d o l u g a r e na medida em que não se d e i x a s u b m e t e r p o r e l a s . A obra do verdadeiro a r t i s t a é p r i m o r d i a l m e n t e i m a g i n a t i v a . Tem ele o direito de considerar-se u m a r t i s t a c r i a t i v o n a m e d i d a e m que se utiliza n u m trabalho o r i g i n a l do p r i m e i r o m e i o de q u e dispõe — a imaginação. Se se v a l e r apenas do s e u segundo m e i o , i s t o é, limitar-se a copiar fotograficamente n a t i n t a , n a m a d e i r a , n a p e d r a , n a palavra ou no som aquilo que os outros c r i a r a m , nós l h e r e s e r v a r e m o s a designação de a r t i s t a talentoso, m a s não c r i a t i v o . R e a l m e n t e , os críticos de maior competência c h e g a r a m ao p o n t o de s e p a r a r a m b a s a s classes, recusando-se a conceder aos pouco i m a g i n o s o s o título de a r t i s t a , chamando-os simplesmente de t r a b a l h a d o r e s . G e r a l m e n t e , há n a s obras dos génios autênticos indicações que m o s t r a m a p r o f u n d i d a d e do seu poder de imaginação. Contudo, a imaginação p r o p r i a m e n t e d i t a não p a s s a a f i n a l de um tecido de imagens mentais, i s t o é, pensamentos. M o z a r t , q u e e m criança já e r a u m génio, descreveu o processo d a s u a experiência d a composição m u s i c a l p o r meio de u m a f r a s e c u r t a porém l u m i n o s a : — Todas as descobertas e criações acontecem d e n t r o de m i m c o m o se fossem u m sonho muito intenso. — Neste m u n d o a u t o c r i a d o o a r t i s t a deve estar tão à vontade e tão completamente a b s o r v i d o q u e considerará como intrusões e perturbações o a p a r e c i m e n t o de a m i g o s o u a hora das refeições. P o r isso B a l z a c se t r a n c a v a n o s e u q u a r t o literalmente dia e noite. A o escrever seus m a r a v i l h o s o s r o m a n c e s , ele e s t a v a e m estado de semitranse tanto quanto o iogue h i n d u . Q u e B a l z a c compreendia perfeitamente o cunho místico d a s u a o b r a f i c o u a t e s t a d o p o r esta sua declaração: — Hoje e m d i a o e s c r i t o r s u b s t i t u i o p a d r e . . . ele consola, condena, v a t i c i n a . S u a voz não ecoa n a n a v e d a c a t e d r a l apenas; espalha-se, ribombante, de u m a e x t r e m i d a d e d o m u n d o a o u t r a . Pois a produção d a a r t e genuína é n a d a m e n o s d o q u e a prática da ioga genuína. O a r t i s t a e o místico e n c o n t r a m - s e n o m e s m o nível, mas aquele busca a beleza i m o r r e d o u r a a o p a s s o q u e este p r o c u r a a paz imorredoura. Inspiração significa apenas que o a r t i s t a está tão a r r e b a t a d o por u m a série de ideias que estas, d u r a n t e a l g u m tempo, o d o m i n a m por inteiro. P a r a ele o pensamento tornou-se p r o v i s o r i a m e n t e a q u i l o que acredita s e r o R e a l . S o b este aspecto o a r t i s t a é v e r d a d e i r a m e n t e u m místico. Ambos adquirem u m a fé a c e n d r a d a n a r e a l i d a d e d a s suas construções mentais. Ambos chegam, i n c o n s c i e n t e m e n t e , à verdade do mentalismo através d a m e s m a v i a : u m a auto-absorção concentrada e intensa n u m a só ideia dominante o u n u m a só série de pensamentos. Ambos são a f i n a l crentes conscientes, s e m i c o n s c i e n t e s o u inconscientes do mentalismo. O pintor W h i s t l e r v i u g r a n d e beleza n o b r u m o s o R i o T a m i s a amortalhando a s suas i m u n d a s barcaças, os s e u s c a i s infesta-
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dos de r a t o s e os seus roufenhos rebocadores; significa isto que a beleza realmente v i s t a por ele estava contida n a sua própria mente. 0 a r t i s t a a f i m de colocar-se n a vanguarda dos génios criadores tem de ser u m m e n t a l i s t a . T e m de ser u m crente dessa doutrina sutil e refinada que só se coaduna c o m os temperamentos sutis e refinados. De o u t r a f o r m a , ele seria falso à s u a própria experiência e cego ao seu significado implícito. O u v i m o s f a l a r amiúde no êxtase absoluto dentro do qual o artista c r i a a s u a o b r a e n a triste melancolia que se segue. E l e caminha nas nuvens d u r a n t e algum tempo e depois volta a pisar era terra firme, lamentando não t e r sido capaz de conservar o estado de espírito anterior. Não lhe tenhamos inveja. O preço dos seus êxtases é muito alto. O a r t i s t a os paga n a moeda dos mais negros estados depressivos. Há duas explicações, duas causas que explicam esse fato encontradiço n a s biografias dos génios: a primeira é que durante a obra c r i a t i v a o a r t i s t a se esquece de s i , perde por completo o seu Eu, pois só através de u m a concentração perfeita pode produzir uma obra perfeita. S e for i n c a p a z de esquecer o seu ego, não saberá concentrar-se com perfeição, e, consequentemente, não será u m artista perfeito. Ou então se une e m sentimento c o m a s u a plateia em perspectiva, isto é, funde a s u a individualidade nos outros, e entrega com isso o seu ego a uma o u t r a c a u s a . A segunda é que o breve prazer extraído dos poucos minutos e m que permanece absorvido e m sua imaginação é o mesmo que a plateia irá m a i s tarde sentir ao contemplar ou experimentar o produto acabado d a s u a obra. Se, porém, este segundo fato tem algum significado é que no exato momento da produção inspirada do a r t i s t a o u d a enlevada recepção pela plateia, ambos estão ou devem estar mergulhados no mundo das imaginações. Naquele instante sagrado se sabe que o pensamento é todo importante e tão real como até então se considerava o mundo material. Ademais, n a ânsia do artista por e n c o n t r a r u m a expressão perfeita p a r a as suas ideias na tinta ou no papel, procura-se d e r r u b a r as supostas barreiras entre o pensamento e a coisa, entre a mente e a matéria. E m suma, o artista luta por c o n s t r u i r u m a segunda ideia que deverá ser uma cópia da sua primeira ideia. Podemos agora compreender por que o artista sofre quando a sua disposição c r i a d o r a desaparece. Pois é então que, psicologicamente, ele r e c a i no estado egoístico corriqueiro e no estado não-concentrado de todas a s h o r a s . O contraste é tão marcante como o contraste entre o branco e o preto e afeta correspondentemente as emoções do artista. E s t a s são algumas lições elementares que a filosofia ensina com relação à arte. A Doutrina do Karma. E m virtude de desprezar o fato primordial que a mente é a base de tudo.mais n a vida humana, a cultura científica do século passado encontrou-se n a posição de u m matéria eticamente perigoso que fazia do homem u m bípede mecanicam
manipulado. E m b o r a os c i e n t i s t a s de e s c o l p r o p r i a m e n t e d i t o s estejam agora emergindo dessa fase m a t e r i a l i s t a , a s a r r e m e t i d a s d o s seus antecessores c o m p r o m e t e r a m s e r i a m e n t e a e s t r u t u r a d a a u t o r i d a d e religiosa e enfraqueceram e n o r m e m e n t e o p o d e r i o d a influência religiosa. A popularização d a ciência no O c i d e n t e t o r n o u a s m a s s a s menos sujeitas às sanções e d i s c i p l i n a s i m p o s t a s p e l a religião. A d e m a i s , todo período de pós-guerra mostrou-se s e m p r e de decadência d a fé religiosa e de indiferença aos códigos m o r a i s . E s t a m o s , portanto, nos a p r o x i m a n d o de u m período e m que a principal j u s t i f i c a t i v a s o c i a l p a r a a religião — s e u p o d e r de restringir a certos limites a conduta d a s m a s s a s — ficará d e f i n i t i v a m e n t e enfraquecida. O exemplo d a v i o l e n t a rejeição n a Rússia d a religião organizada, e m seguida à g u e r r a e à revolução, é u m fenómeno a s e r analisado c o m c a l m a e isenção. N ã o deve s e r e n t u s i a s t i c a m e n t e a d m i r a d o pelos irresponsáveis e desequilibrados, n e m v i o l e n t a m e n t e denunciado pelos reacionários e incompreensíveis. P o i s e s t a m o s a d i a n t e de tuna época e m que a decadência d a s sanções m o r a i s , o a f r o u x a m e n t o dos laços sociais, o r e b a i x a m e n t o dos padrões i n d i v i d u a i s e a inclinação generalizada p a r a i n s t a b i l i z a r e p e r t u r b a r a s o c i e d a d e s e c o m b i n a m para c r i a r u m a situação eticamente perigosa. A q u e l e s q u e se i m p o r t a m com o bem-estar d a h u m a n i d a d e d e v e r i a m c o m p r e e n d e r q u e aplicar sanções antiquadas que p e r d e r a m m u i t o d a s u a força não resolverá satisfatoriamente esta situação. A religião será i n c a p a z de e v i t a r o problema e melhor s e r i a p a r a a h u m a n i d a d e e p a r a e l a própria se se dispusesse a enfrentar o p r o b l e m a c o m c o r a g e m e b o m senso. S u a contribuição é sempre necessária, m a s d e v e s e r c o r r e t a . T o d a religião i n s t i t u c i o n a l o r t o d o x a pode c o l o c a r - s e a s a l v o da crise cujos primeiros indícios se f a z e m s e n t i r se, e m p r i m e i r o lugar, tiver a coragem de deixar de lado os m a u s c o s t u m e s e e n c o n t r a r u m a vida melhor p a r a o homem, e, se, e m segundo l u g a r , f i z e r j u s a o s seus mais elevados padrões éticos e não se a c o m o d a r a o m a i s b a i x o s ; e, se, em terceiro lugar, abandonar a escravidão m e n t a l dos d o g m a s infantis e tornar-se intelectualmente p r o g r e s s i v a . O ideal s e r i a acrescentar novas crenças ou a l t e r a r e a d a p t a r o s i s t e m a s e m p r e q u e necessário. Deve a religião progredir lado a lado c o m o i n t e l e c t o do h o m e m , avançar juntamente c o m a nossa p r o g r e s s i v a e r a , e não p e r m a n e c e r p a r a sempre u m credo inflexível e obstinado. A l g u n s dos eclesiásticos m a i s sensatos já abandonaram suas v e l h a s i d e i a s d i a n t e d o s p r o g r e s s o s do conhecimento, m a s muitos dentre esses eclesiásticos não p a s s a m de porções de antigas superstições c o n v e n c i o n a i s , elegantemente compostas e ataviadas com chapéu, hábito e sapatos. O Reverendíssimo Inge não hesitou e m defender ousadas alterações r a c i o n a i s n a d o u t r i n a cristã, ao passo que n a A f r i c a e n a Ásia, sacerdotes muçulmanos, h i n d u s e budistas fizeram até certo ponto a m e s m a c o i s a . M a s até que os m a i s altos dignatáríos corajosamente p r o m u l g u e m concepções m a i s refinadas e racionais, u m a fé m a i s defensável, até q u e c o m e c e m a d a r m a i o r valor à ética v i v a do que à m o r i b u n d a história, a s tendências
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atuais irão f e r i r o s seus dogmas obsoletos e, o que é pior, irão ferir os suportes m o r a i s dos seus devotos. A s ilusões dos fiéis poderão s e r desculpadas, mas a ignorância ou a obstinação dos clérigos propriamente ditos é indesculpável. 0 mundo está p r e n h e de novos pensamentos. As dores do parto começam a acometê-lo e é de se e s p e r a r que ele se ponha a gritar. Todo o universo está s u j e i t o à l e i das modificações; toda a histeria não é senão u m r e l a t o de u m a contínua adaptação ao ambiente; e quando os líderes de u m a religião submetem-se voluntariamente a essa lei sua recompensa é grande sob todos os aspectos. Aqueles que se submetem em tempo oportuno estão praticando a sabedoria; aqueles que resistem no momento impróprio estão praticando a estupidez. Numa era em que a instrução progride c o m o n a nossa a religião precisa de moto próprio proceder à l i m p e z a dos seus dédalos, acabando com a estultícia tradic i o n a l e se reorganizando e m bases m a i s intelectuais. 0 mistério e a tradição t o r n a r a m as religiões organizadas poderosas instituições; a ciência e o espírito de investigação estão desfazendo tal poderio. Por isso, a d e r r a d e i r a p a l a v r a de orientação de todo elemento bem intencionado q u e não e s t e j a morto p a r a o espírito da época nem cego para a c r i s e do m u n d o é que a religião deve crescer com o crescimento da mente h u m a n a . A posição de u m a instituição religiosa não-progressista que dirige c o m mão férrea seus adeptos, escraviza-os eternamente a u m credo de j a r d i m de infância e desincentiva o interesse em torno dos conhecimentos contemporâneos não é diferente da posição do mestre-escola que, ao tempo e m que dá as boas vindas aos seus novos alunos, impede q u e os antigos passem p a r a a série seguinte, segurando-os perenemente n a s u a classe. Não deve a instituição religiosa jamais esquecer o s e u m a i s alto objetivo que é preparar os seus mais adiantados adeptos p a r a o estágio seguinte. C o m isso, deixará de ressentir-se do i n d i v i d u a l i s m o dos místicos, passando a encantar-se com os seus progressos. P o r e s t a f o r m a ajudará melhor aos outros e a s i mesma. F i n a l m e n t e , haverá m u i t o futuro p a r a a religião pela razão de ser d a necessária, desde que e l a se encha de novas energias e se ponha corajosamente a reconstruir-se. M a s m e s m o que este acontecimento improvável se consume, a situação eticamente perigosa do após-guerra não será facilmente solucionada c o m isso. Numerosas pessoas permanecerão irremediavelmente perdidas p a r a a religião, por mais que esta se adapte. Pois quando homens ignorantes pensam que a religião é u m a ilusão, incorrem amiúde no engano de que a moralidade é u m mito. Mostra a história que por ocasião d a s grandes modificações foi desastroso identificar a ética c o m a l g u m credo religioso e m particular. Ao cair o credo, cai concomitantemente a ética correspondente. Q u e m se i m p o r t a c o m o bem-estar da raça não pode deixar de preocupar-se c o m e s s a negra perspectiva. Que se poderá fazer? 0 remédio está e m l e m b r a r que aqueles que adotaram a atitude moderna
não cederão às imposições éticas a m e n o s q u e e s t a s t e n h a m b a s e cientifica. Será, porém, e s s a b a s e possível de o b t e r ? H a v e r á à disposição dessas pessoas u m a ética r a c i o n a l c a p a z de exaltá-las e não degrada-las e capaz de p r o p i c i a r u m m o t i v o s e n s a t o p a r a a prática d o bem? A resposta é q u e há m u i t o e x i s t e n a Ásia u m a d o u t r i n a d a s m a i s r a zoáveis. I n f e l i z m e n t e não c o n s e r v o u e l a a s u a íntegra p u r e z a ; e o tempo encarregou-se de eivá-la de m u i t a superstição i r r e l e v a n t e , ao passo que homens i m a g i n o s o s i n s e r i r a m n u m e r o s o s d o g m a s religiosos naquilo que é a base f u n d a m e n t a l m e n t e sólida e científica de u m perfeito código de ética. O n o m e h i n d u d e s s a venerável d o u t r i n a é karma. A essência d a d o u t r i n a é, p r i m e i r o , a reação psicológica, i s t o é, que os pensamentos h a b i t u a i s se t r a n s f o r m a m e m tendências, afetando a s s i m o nosso caráter; i s t o , p o r s u a v e z , m a i s c e d o o u m a i s t a r d e se expressa nos atos; estes, p o r s e u t u r n o , não a p e n a s a f e t a m a o u t r a s pessoas, c o m o também, p o r u m m i s t e r i o s o princípio d e reação, a s i próprios. 0 desenvolvimento desse princípio i m p l i c a , e m segundo l u gar, o r e n a s c i m e n t o físico, i s t o é, a persistência d o p e n s a m e n t o n a esfera d a Mente I n c o n s c i e n t e , b e m c o m o m a i s c e d o o u m a i s t a r d e a reaparição de m a i s o u menos o m e s m o caráter o u p e r s o n a l i d a d e n a face d a T e r r a . O k a r m a c r i a a n e c e s s i d a d e d e r e a j u s t e s e c o n d u z , inevitavelmente, ao r e n a s c i m e n t o , a u m a válvula de e s c a p e p a r a o s fatores dinâmicos q u e f o r a m colocados e m ação. A consequência desse princípio é a retribuição p e s s o a l , i s t o é, o s a t o s através d o s q u a i s m a goamos o s o u t r o s i n e v i t a v e l m e n t e se r e f l e t e m e m nós m e s m o s , m a goando-nos destarte, enquanto o s a t o s através d o s q u a i s beneficiamos outras pessoas a c a b a m p o r n o s b e n e f i c i a r a nós. E s s a d o u t r i n a , a s s i m c o m o o m e n t a l i s m o , f o i d e s c o b e r t a pelos astutos sábios h i n d u s p o r m e i o do p o d e r r e v e l a d o r d a concentração ment a l intensa, u s a d a p a r a aguçar u m a inteligência d e d i c a d a a o s intrigantes problemas d a desigualdade e m caráter e circunstância e n t r e os h u manos. P o r e s s a f o r m a chegou-se a d e s c o b r i r o f u n c i o n a m e n t o de u m certo r i t m o sob o i n c e s s a n t e f l u x o d a s v i c i s s i t u d e s h u m a n a s . Não existe l e i n a t u r a l n o sentido de u m a obrigação arbitrária e absoluta i m p o s t a p o r a l g u m s e r s u p r e m o . O h o m e m c r i a u m a l e i d a N a t u r e z a e m s e u pensamento a f i m de d e s c r e v e r c o m o u m a determin a d a parte d a N a t u r e z a o p e r a . O k a r m a é u m a l e i p e r f e i t a m e n t e científica. E l e se e n c a i x a m u i t o b e m e m três g r a n d e s d e s c o b e r t a s científicas c u j a verificação e proclamação d u r a n t e o século d e z e n o v e movim e n t o u os homens reflexivos c o m a s t r e m e n d a s p o s s i b i l i d a d e s a b e r t a s , como também se e n c a i x a e m d u a s o u t r a s d e s c o b e r t a s de m e n o r repercussão. A s duas p r i m e i r a s d e s c o b e r t a s f o r a m : ( a ) a evolução das f o r m a s a n i m a i s e h u m a n a s ; ( b ) a conservação e i n d e s t r u t i b i l i d a d e d a energia. A p r i m e i r a destas r e u n i u a s infindáveis espécies n a N a t u r e z a n u m a espécie de e s q u e m a de m e l h o r i a p r o g r e s s i v a , f o r n e c e n d o pelo menos u m a j u s t i f i c a t i v a p a r a a imolação do indivíduo n o a l t a r d a s u a classe, enquanto a última r e u n i u a s d i f e r e n t e s manifestações de c a l o r ,
t r a b a l h o e e n e r g i a química n u m sistema simples e unificado. E m b o r a pontos de v i s t a m a i s modernos tenham modificado grandemente a explicação o r i g i n a l do método de tais processos, e embora o como de a m b o s siga sendo u m mistério, seus princípios básicos permanecem íntegros. O caráter evolutivo das grandes modificações da Natureza e a persistência d a força encaixam-se melhor do que qualquer outra h i pótese nos fatos conhecidos do universo. U m t e r c e i r o ensinamento científico que exige menção é a hereditariedade. O s padrões do corpo c a r n a l são herdados. S e r e c u a r m o s a i n d a m a i s no tempo, encontraremos u m quarto ens i n a m e n t o científico significativo. A terceira l e i do movimento de N e w t o n r e v e l a que p a r a c a d a ação existe u m a reação, igual e de sinal contrário. M a s não t e r m i n a m o s ainda. Pois existe u m a quinta descoberta da ciência, q u e não deve ser ignorada, dizendo que toda a vida é em últim a , instância unitária. 0 universo constitui u m a só entidade. Todas por s i só. A u n i d a d e do universo é a l e i fundamental da sua existência. Q u a n d o h a r m o n i z a m o s c o m o k a r m a todos esses princípios científicos v e r i f i c a m o s c o m o eles analogamente o fundamentam. A lei da evolução r e v e l a q u e a v i d a é u m a continuação de tudo aquilo que já p a s s o u . Nós somos apenas os elos de u m a longa cadeia. Começamos c o m o u m a molécula p r i m o r d i a l e terminamos como u m complexo hom e m . Nós fazemos pressão r u m o a u m objetivo invisível porque sent i m o s a necessidade de complementação. Já é longa a nossa caminhada desde a l a m a planetária até o nosso eu dos dias que correm. Mas topem o s de i r a i n d a além. Pois o f i m dessa jornada será a sublime descob e r t a de q u e o h o m e m não é u m a simples c i f r a n u m a tábua estatística, não é u m s i m p l e s m a c a c o sofisticado, m a s u m partícipe inconsciente de u m a abençoada e benigna Realidade. O princípio d a conservação d a energia expressa o fato de que nen h u m a energia pode s e r destruída nas transformações. D a mesma form a , os pensamentos e atos humanos não são senão energias que não são destruídas m a s reaparecem n a forma dos seus efeitos sobre os outros e sobre nós mesmos. São sementes que no devido tempo desab r o c h a m n u m a manifestação tempo-espaço. A ciência a d m i t e n a doutrina da hereditariedade que todos têm a l g u m tipo de existência antes do nascimento. Analogamente, a mente deve t e r a l g u m tipo de existência antes do nascimento. As características m e n t a i s são t r a n s m i t i d a s e só podem ser provenientes de u m a existência t e r r e n a anterior, A l e i de N e w t o n reaparece no mundo da ética, onde a mesma sequência acontece. T u d o aquilo que fazemos aos outros nos é devolvido de a l g u m a f o r m a e m algum tempo. A vida nos paga em nossa própria moeda. O s nossos malefícios se reencontram conosco mais cedo o u m a i s tarde. O s benefícios que fazemos prenunciam a boa sorte que decerto colheremos. Nós recebemos aquilo que damos.
O caráter unitário de todo o u n i v e r s o deve i n c l u i r também a vida do homem. Q u a l q u e r violação d e s t a l e i do s e u próprio s e r deve, c o m o reação, a c a r r e t a r m a i s cedo o u m a i s t a r d e o s e u próprio castigo n a f o r m a de sofrimento o u discódia. Q u a l q u e r c u m p r i m e n t o d a m e s m a lei terá como resultado h a r m o n i a e f e l i c i d a d e . A d e m a i s , e s s a m e s m a unidade i n d i v i d u a l i n d i c a q u e o r e n a s c i m e n t o é inevitável e m razão da continuidade do processo do m u n d o , e m razão de q u e c a d a aparência de v i d a t e m de p r o v i r de a l g u m a c o i s a j á a c o n t e c i d a a n t e r i o r m e n t e , e m razão de que o presente não pode s e r s e p a r a d o do p a s s a d o . A s s i m , a v i d a h u m a n a se t o r n a , f a l a n d o e m s e n t i d o a m p l o , u m a educação d a mente, do caráter e d a c a p a c i d a d e . T a l educação se desenvolve ao longo de extensos períodos de t e m p o n u m a série de reencarnações físicas interligadas, c a d a u m a d a s q u a i s f o r n e c e lições apropriadas através das experiências e reflexões n e l a e n c e r r a d a s . V i v e r é aprender. T o d a encarnação é educação. A s s u m i r u m n o v o corpo é a s s u m i r u m novo l u g a r n a e s c o l a d a v i d a . O c r e s c i m e n t o d a mente é a verdadeira biografia do h o m e m . T o d a a história se t o r n a u m a alegoria. A s s i m c o m o a L e i t u r a , a E s c r i t a e a Aritmética c o n s t i t u e m p a r a a criança toda a s u a instrução e l e m e n t a r n a escola, a s s i m também p a r a o adulto a compreensão d a Reação, do R e n a s c i m e n t o e d a Retribuição constitui a s u a educação elementar n a e s c o l a d a v i d a . D o ponto de visto m e n t a l , a s l u t a s p e l a existência t e n d e m de início a desenvolver e depois a aguçar o raciocínio; do ponto de v i s t a ético, a i d e i a de que colheremos conforme semeamos f a z c o m q u e u m a b o a s a f r a amadureça lentamente dentro de nós; do ponto de v i s t a técnico, d a c a n h e s t r a mediocridade surge u m a capacidade q u e se c o n c e n t r a e m determinados aspectos até atingir s u a culminância n u m a genialidade fácil. A l e i do k a r m a é a única que poderá de c e r t a f o r m a j u s t i f i c a r certos flagelos d a existência que de o u t r a f o r m a têm de s e r encarados como lamentáveis produtos do acaso p u r o o u c o m o i n j u s t a s determinações de u m a D i v i n d a d e arbitrária. S e m o k a r m a nós s o m o s obrigados a abandonar tais problemas e m desespero de c a u s a , e n c a r a n d o o s como simples peças de u m insolúvel quebra-cabeça. O bebé nascido cego, a criança c r i a d a n u m i m u n d o cortiço, o j o v e m esfomeado que l u t a e m vão p o r u m lugar ao S o l , a m u l h e r de meia-idade c u j o casamento f r a c a s s o u , o velho a r r i m o de família q u e s u c u m b e sob a s rodas de u m caminhão — essas são tragédias que f a z e m a v i d a p a r e c e r ou u m simples jogo de a z a r o u u m m a l s i n a d o joguete n a s mãos de u m Deus impiedoso. O k a r m a , contudo, confere u m aspecto m a i s r a c i o n a l a todos esses enigmas, considerando-os c o m o o desfecho de atos erróneos anteriormente perpetrados, tanto n a m e s m a existência quanto n u m a encarnação anterior. C o m isso responde a u m profundo anseio do coração h u m a n o por u m a justiça m a i s equânime n a v i d a . U m a ideia i m p e r f e i t a a c e r c a deste princípio é a q u e l a que coloca o efeito dos pensamentos e atos a t u a i s apenas nos f u t u r o s n a s c i m e n t o s e e m remotas encarnações. P r e c i s a m o s i m p r e g n a r n o s s a s mentes c o m
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a f i r m e convicção de que as consequências dos nossos atos talvez sej a m colhidas a qualquer instante n a presente encarnação; e de que não há necessidade de esperar vidas vindouras para experimentar os benefícios d a v i r t u d e o u pagar pelos males infligidos a outrem. 0 k a r m a abrange tanto o a t u a l nascimento como os futuros.; Suas reações podem e n t r a r e m funcionamento no mesmo d i a em que u m a ação é feita o u no mesmo ano o u no mesmo nascimento sem que seja preciso esperar p o r u m a encarnação futura. A relação entre u m a má ação e a s s u a s consequências é certa, m a s a época e m que irá manifestar-se é desconhecida e t e m necessariamente de v a r i a r de indivíduo para indivíduo. Não obstante, esta doutrina não implica que todos os nossos sofrimentos, s e m exceção, sejam merecidos. Pois a humanidade está tão interligada que n e m sempre podemos fugir aos efeitos das más ações feitas p o r o u t r a s pessoas com as quais temos contato, embora o infortúnio provocado não seja responsabilidade nossa. Mas nesse caso podemos e s t a r certos de que a obra compensadora do karma trará oportunamente à cena c e r t a dose de boa sorte que normalmente não seria nossa. O k a r m a não nos condena, portanto, a u m fatalismo completo. E l e é apenas u m componente d a vida. O elemento liberdade está i g u a ~ mente presente. Não há liberdade absoluta n a vida, mas não há também f a t a l i s m o absoluto. O k a r m a nos torna pessoalmente responsáveis pelos nossos pensamentos e atos. Nós não podemos atirar sobre os outros a c u l p a pelas nossas más ações, nem sobre o nosso próximo, n e m sobre Deus. Nós retomamos nossas velhas tendências a cada novo nascimento neste frágil invólucro c a r n a l , renovamos grandes amores e grandes amizades, voltamos a enfrentar antigos problemas de inimizades, sofremos o u gozamos os castigos merecidos e bebemos no cálice da experiência da v i d a até nos saciarmos. Mas a saciedade obriga à reflexão, e esta, por s u a vez, t r a z a sabedoria. Quando tivermos percorrido toda a escala, desde o andrajoso mehdigo até o monarca aureolado, aprenderemos a f i n a l como l i d a r sabiamente com as contrastantes situações da existência h u m a n a . Quando houvermos sido tentados, atormentados e desiludidos, quando tivermos queimado os dedos em virtude de más ações o u houvermos colhido as recompensas das boas ações, compreenderemos a f i n a l a melhor maneira de nos conduzirmos no trato com os outros. Todos nós somos os produtos da nossa invisível experiência passada e do nosso esquecido pensamento passado, e não temos culpa pelo que s o m o s : não podemos evitá-lo, mas culpa nos cabe se não nos esforçarmos p a r a melhorar. O tempo é, portanto, o supremo mestre. M o r t a l a l g u m poderá dar-nos as lições que ele coloca aos nossos olhos. O tempo nos traz toda a riqueza da experiência, reduz erros a sabedoria, dor a paz, desilusão a disciplina e ódio a boa vontade. 0 tempo terá p a r a nós páginas melhores que as dos livros e nos falará mais
sabiamente que os lábios dos h o m e n s . E l e n o s e n s i n a a t i r a r partido das nossas fraquezas e não c h o r a r p o r c a u s a d e l a s . É u m e r r o colocar o k a r m a n u m p l a n o a p e n a s m o r a l . E l e opera também no plano intelectual. A s s i m sendo, a inteligência m a i s fraca de u m h o m e m b o m e m confronto c o m a m a i o r inteligência de u m hcT m e m m a u poderá a c a r r e t a r perdas e até m e s m o s o f r i m e n t o s têmpora^ rios ao primeiro, conquanto este s e j a m o r a l m e n t e m e l h o r . P o i s ele J tem de aprender a c o n s t r u i r u m a p e r s o n a l i d a d e e q u i l i b r a d a e não froux a . Ademais, as pessoas pias que p a d e c e m de u m excesso de sentimentalidade não compreendem que a c a r i d a d e só é v i r t u d e quando feita n a ocasião c e r t a à pessoa c e r t a , e que não p a s s a de u m vício quando deslocada o u extemporânea. O k a r m a n o s dá a c e r t e z a de que os esforços j a m a i s são desperdiçados. Neste o u e m o u t r o n a s c i m e n t o , nós iremos, sem dúvida, u s u f r u i r dos seus benefícios. Q u a n d o a hereditariedade não consegue e x p l i c a r u m filho inteligente n a s c i d o de p a i s estúpidos, o k a r m a entre e m cena p a r a m i n o r a r o p r o b l e m a . Nós herdamos características físicas dos nossos p a i s , m a s características mentais de nossa personalidade t e r r e n a a n t e r i o r . I s t o e x p l i c a a s crianças demasiado velhas p a r a a s u a idade e os adultos d e m a s i a d o infantis. O k a r m a coloca o r d e m e justiça onde a n t e r i o r m e n t e i m p e r a v a m o caos e a crueldade. Aqueles que negam o k a r m a negam tudo a q u i l o q u e é patente e m torno de s i . S u a s próprias v i d a s estão até certo p o n t o inalteravelmente predeterminadas, façam eles o que fizerem. A b o a o u má família e m cujo seio nascem, a pele b r a n c a o u negra q u e p o s s u e m — são assuntos e m que não f o r a m chamados a opinar e nos quais a t u a r a m c o m o meros recipientes do k a r m a . Até determinado ponto, p o r t a n t o , m a s só até aí, o k a r m a f o r j a u m anel de aço e m torno de todos o s h o m e n s . Outros que erguem a v e l h a objeção de que q u a n d o não há recordação de vidas passadas não pode h a v e r o privilégio dos prazeres ou sofrimentos atuais delas decorrentes estão passando p o r c i m a de dois aspectos. O p r i m e i r o é a própria constituição d a mente, a q u a l apreJ senta a dupla face do Inconsciente e do Consciente à n o s s a observação. U m a simples iniciação à psicologia é u m a iniciação a esse fato indubitável. Quanto d a experiência presente já desapareceu no a r q u i v o do Inconsciente? O segundo aspecto é que não é possível t e r recordações de u m a determinada encarnação prévia s e m t e r recordações das m i lhares de outras encarnações que a precederam. M a s q u e m s e r i a capaz de suportar a a b e r t u r a desses volumes fechados d a experiência hum a n a por .um d i a que fosse? Q u e m s e r i a capaz de a b s o r v e r todo o rolo do filme de u m a miríade de prazeres p r i m i t i v o s q u e já não são prazeres e de u m a miríade de horrores b e s t i a i s ? O r e s u l t a d o de u m a semelhante experiência s e r i a a l o u c u r a total. A o invés, nós devemos d a r graças à Natureza por esse d o m do esquecimento, d a m e s m a f o r m a \ pela q u a l lhe devemos d a r graças pelo d o m do sono. P o i s se não o
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houvéssemos recebido, não seríamos absolutamente capazes de nos conc e n t r a r n a v i d a presente. 0 k a r m a devidamente compreendido não mata a iniciativa, pelo contrário fomenta-a. Aquilo que sabemos contribuirá ativamente para a f e i t u r a do nosso futuro, pouco importando o que tenhamos feito no passado esquecido o u relembrado. P o r isso, há sempre uma certa esperança p a r a todos. Nós somos a u m só tempo o produto do passado e os esperançosos arquitetos do futuro. Aquilo que os homens não compreendem a c e r c a do destino é que embora certos acontecimentos da v i d a e s t e j a m m a i s o u menos predeterminados pelo karma no nascimento, a i n d a a s s i m podem s e r eles alterados até certo ponto pelo caráter. P o i s o caráter é a semente, a raiz de todo o destino. Se somos obrigados a s u p o r t a r certas limitações impostas pelo destino, temos também u m a c e r t a liberdade p a r a operar dentro dessas limitações. A a r t e de b e m v i v e r consiste e m conciliar ambos os fatores e adaptámos de f o r m a sensata. Será de b o m a l v i t r e observar aqui que o ensinamento hindu acrescenta que os derradeiros pensamentos de u m moribundo se comporão c o m as suas tendências gerais e subconscientes para determinar as características que se farão presentes na encarnação seguinte. Seria de bom a l v i t r e , portanto, conhecer melhor o fato e utilizá-lo mais amiudadamente. P o i s a s s i m poderemos nos reencontrar mais rapidamente com aqueles a quem amamos, poderemos retratar mentalmente e obter u m determinado r a m o de serviço desejado, e assim o discípulo se liga m a i s i n t i m a m e n t e ao mestre. Há ocasiões de combater o destino e ocasiões de aceitá-lo. Quando estes últimos períodos se apresentam deve-se aplicar a técnica chinesa de e n f r e n t a r u m ciclo de infortúnios desenvolvida nos seus antigos textos. Baseia-se e l a n a adaptação ao ciclo através da paciente aceitação das restrições impostas e da contenção ante as perspectivas desagradáveis. Observe-se u m malabarista aparar ovos sobre uma travessa de porcelana s e m quebrar os ovos nem a travessai Como consegue fazê-lo? Quando ocorre o momento do encontro dos ovos com a travessa, ele faz u m ligeiro movimento para baixo como esta última. A velocidade desse movimento coincide com a velocidade de queda dos ovos e o choque fica assim reduzido. Ou observe-se a técnica dos bons*pugilistas. Quando u m lutador atira u m golpe duro sobre o outro, este último e m geral recua como que para fugir ao golpe. Se ele se deslocasse p a r a a frente a fim de aparar o ataque o impacto seria naturalmente maior, d a mesma forma pela qual as velocidades combinadas de dois trens que se aproximam é maior que a velocidade de qualquer u m dos trens e m separado. O lutador que se esquiva, recuando ligeiramente, d i m i n u i a potência do soco que recebe. Da mesma forma devemos a p a r a r os golpes do k a r m a , adaptando-nos com flexibilidade ao inevitável, não tentando novas empresas no decurso de um ciclo negro, por exemplo.
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^qui, u m a vez m a i s , podemos i n v o c a r a confirmação d a ciência. A teoria dos Q u a n t a e o princípio d a i n c e r t e z a f i z e r a m u m a l u z insuspeitada sobre a ciência d a física. O s antigos pontos de v i s t a d a ciência e r a m favoráveis à fé n a ideia do k a r m a ; o s novos pontos de v i s t a favorecem a ideia do l i v r e arbítrio. Os antigos pontos de v i s t a se baseavam n u m a estrutura do m u n d o e n c e r r a d a e n t r e a s g a r r a s de f e r r o d a lei física. 0 determinismo e o n e c e s s i t a r i a n i s m o e r a m inevitáveis e m t a l universo. A nova ciência foi a i n d a além dessa f r i a r i g i d e z e penetrou n a estranha espontaneidade d a v i d a subatômica. S u a d e s c o b e r t a completa o circulo. A verdade é que o u n i v e r s o t e m a l i b e r d a d e no coração e o destino n a periferia, e que o h o m e m , consequentemente, é u m a c r i a t u r a de ambas as influências.
É dever dos governantes, dos que orientam o pensamento, influenc i a m a educação e dirigem a religião promover essa reabilitação. A verdade a exige, m a s a segurança e a sobrevivência d a civilização ocidental exigem-na m u i t o mais. Quando os homens aprenderem que não podem fugir às consequências daquilo que são e daquilo que fazem, sua conduta será m a i s cuidadosa e seu raciocínio mais prudente. Quando compreenderem que o ódio é u m perigoso bumerangue que fere não apenas a pessoa odiada m a s também a que odeia, pensarão duas ou três vezes antes de entregar-se ao mais nefando de todos os pecados h u m a n o s . Quando compreenderem que a sua vida neste universo se destina a s e r u m processo evolutivo de crescimento gradual começarão a a q u i l a t a r melhor os seus valores físicos, morais e mentais. U m a v i d a ética saudável seguir-se-á naturalmente como decorrência dessa compreensão. O Ocidente tem grande e urgente necessidade de aceitar o k a r m a e o renascimento porque com eles os homens e as nações se t o r n a m eticamente responsáveis perante s i próprios, coisa que n e n h u m dogma i r r a c i o n a l e incoerente é capaz de fazer. 0 moderno conhecimento científico pode facilmente acomodar essas doutrinas na sua e s t r u t u r a referencial, desde que elas sejam adequadamente apresentadas, pois só elas explicam com clareza como u m simplório hotentote pode evoluir p a r a u m sutil Hegel. 1
A lição prática é : mude-se a tónica dos nossos pensamentos e, no devido tempo, se mudará as condições prevalentes nos nossos assuntos. C o r r ijam-se os erros m e n t a i s e éticos e t a l correção e m última instância tenderá a mostrar-se n u m caráter m e l h o r a d o e n u m ambiente aprimorado. E m grande parte, o h o m e m erige e m o d i f i c a a s u a ambiência, constrói a história d a s u a v i d a e a m o l d a a s s u a s próprias circunstâncias simplesmente através do poder d a mente, p o i s o destino é afinal conquistado e construído pela mente. O k a r m a m o s t r a como pode ser a s s i m , e a d o u t r i n a do m e n t a l i s m o m o s t r a p o r que t e m de ser assim. . P o r f i m , precisamos aprender através d a prática d a ioga e d a reflexão filosófica a arte d a imperturbabilidade. P o i s a s dificuldades têm de surgir, m a s a s s i m como surgem desaparecem. A m e s m a força que as traz leva-as embora também. A sorte é u m a r o d a giratória. Entrementes deve a mente permanecer a n c o r a d a no s e u devido lugar — n a verdade e não n a ilusão.
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E m b o r a o k a r m a seja n a verdade u m a l e i científica, as religiões asiáticas e as p r i m i t i v a s fés pagãs europeias dele se a p r o p r i a r a m . Mas e m virtude de u m aparente acidente histórico poderia também t e r sido u m dos princípios do moderno C r i s t i a n i s m o , pois sobreviveu n a fé Cristã quinhentos anos após a morte de J e s u s . Então u m grupo de homens, o Concilio de Constantinopla, baniu-o do e n s i n a m e n t o ' C r i s tão, nao porque ofendesse a ética de Jesus ( q u e poderia s e r m a i s nobre do que a s u a perfeita consonância c o m a frase do m e s t r e : — Cada" u m colhe conforme semeia?), n e m porque ofendesse a integrida3ê i n s n a m s m o tonae se encontrará melhor defesa s u a do que nos escritos do Grande P a t r i a r c a Cristão?), m a s porque ofendia os seus i n s i m i ficantes preconceitos pessoais. A s s i m , u m punnaao a e tolos reunidos nas proximidades do M a r de Mármora, quinhentos e c i n q u e n t a anos depois do aparecimento de Jesus, pôde s u p r i m i r u m princípio Cristão que não vinha de encontro ao seu temperamento. C o m isso o Ocidente' foi roubado de u m a crença religiosa que, no g i r a r d a r o d a d a história, t e m de s e r agora reabilitada perante o m u n d o moderno c o m o a verdade científica que na realidade é. 1
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Nós vivemos n u m a confusa torre de Babel. Quase todos têm a l guma coisa a dizer, e aos berros, e, contudo, a despeito de toda essa g r i t a r i a poucos chegam a dizer de fato alguma coisa de valor, pois poucos são os que nos dizem por que estamos aqui n a Terra. Daí a urgência de popularizar a doutrina do k a r m a . O Bem-Estar do Mundo. Até aqui tratamos o k a r m a do ponto de v i s t a científico e prático. Aquilo que a filosofia oculta tem a dizer a respeito confere u m aspecto totalmente diferente ao assunto, mas trata-se de u m a matéria reservada também. N a verdade nós esquecemos por u m instante o filósofo p a r a nos voltarmos para as necessidades mais prementes das massas não-filosóficas que foram alcançadas pelo fermento indagativo da nossa era. Pode-se dizer, contudo, que os nossos estudos sobre o mentalismo revelaram que a substância primordial deste mundo é o pensamento e que a matéria não é senão mente, de m a n e i r a que é preciso dar à mente u m a realidade e uma permanência que de hábito lhe negamos. E precisamos conceder ainda que, u m a vez que toda a vida e atividade humanas são puramente mentais, os pensamentos podem enterrar-se nas profundezas do I n consciente sem ficar perdidos. Pois a mente está sempre a gerar novas construções, sem o estorvo das limitações de tempo e espaço porque estes últimos são também construções suas. Daí poderem os veios in-
O Rev, Sigurgeir Sigurdsson, Bispo da Islândia e amigo pessoal do autor, fez uma corajosa experiência. Os resultados foram notáveis entre as gerações mais novas, que reagiram intensamente. 1
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dividuais de ideias reaparecer o u r e a g i r r e c i p r o c a m e n t e através de longos períodos de tempo e enormes porções de espaço. A s s i m , a doutrina do k a r m a pode ter u m a justificação mentalística. 0 filósofo, porém, e n c o n t r a u m a b a s e a i n d a m a i s e l e v a d a que o k a r m a p a r a u m a ética a l t a n e i r a e i m p e s s o a l , ao e n c o n t r a r a verdade e a realidade. P a r a compreendê-lo p r e c i s a m o s a n t e c i p a r avançados estudos e tomar e m consideração p o r u m i n s t a n t e q u e a p a z extática que sobrevêm ao a r t i s t a d u r a n t e os m o m e n t o s c r i a t i v o s não difere daquela que sobrevêm ao místico. Assinalou-se q u e i s s o se deve à liberação temporária do ego que e x p e r i m e n t a m . O E u c a r r e g a u m grande fardo — de ulcerosas preocupações o u de alegres p r a z e r e s . Poucos sabem que o auto-esquecimento é a c h a v e p a r a u m a felicidade maior. N a filosofia, depois que todos os fatos são v e r i f i c a d o s , esse ideal é fixado como u m a de suas conclusões r a c i o n a i s ; descobre-se igualmente então a existência de u m a m e a d a s e c r e t a c o r r e n d o de h o m e m p a r a homem, c r i a t u r a p a r a c r i a t u r a , b e m c o m o se descobre q u e a constituição oculta do mundo é tão u n i f i c a d a que todo aquele q u e a c r e d i t a independer a s u a felicidade e bem-estar daquilo q u e acontece aos outros está destinado a sofrer as maiores desilusões. E n q u a n t o o vazio entre o Eu e o Você permanecer grande e profundo c o m o é, E u e Você estarão condenados a sofrer. Ademais, u m a d a s implicações filosóficas do princípio da relatividade é que n a d a no u n i v e r s o está isolado das demais coisas, nada existe por s i mesmo. U m a t e i a de inter-relacionamento se estende através do mundo. E m e s m o a interdependência da sociedade moderna — c o m suas reações económicas, políticas e sociais de u m extremo do mundo a outro — é p o r s i só u m indício desse fato. Não há praticamente n e n h u m h o m e m instruído e m n e n h u m recanto do globo que não esteja m a i s a p a r dos a s s u n t o s i n t e r n a c i o n a i s hoje em d i a do que estava o homem instruído médio a n t e s d a g u e r r a de 1914. T a l é a crescente consciência dessa interdependência. A filosofia prega o autodomínio e advoga o serviço do próximo não porque, possam s e r coisas boas apenas p a r a o o u t r o h o m e m ou boas apenas p a r a o filósofo, m a s porque são boas p a r a ambas as partes! A perspectiva que ela tem do h o m e m é a p e r s p e c t i v a d a sociedade como u m todo. Daí ensinar e p r o v a r que o indivíduo só pode gozar de uma felicidade ilusória quando os seus c a m a r a d a s e s t e j a m sofrendo. A velha ideia de que o filósofo é impermeável aos acontecimentos cor rentes deve desaparecer. E l e se i n t e r e s s a p o r esses acontecimentos porque se interessa pelo bem-estar dos demais h o m e n s . M a s não irá permitir que a s u a capacidade de j u l g a m e n t o fique embotada o u a sua paz ameaçada, pois e m todas as circunstâncias ele c o n s e r v a a sua calma filosófica e o seu raciocínio i m p a r c i a l . Todo aquele que se vê agraciado c o m o alto privilégio dessa sabedoria descobre, automaticamente, que se t r a t a de u m a lâmina de dois gumes — de u m lado está o novo privilégio e de o u t r o a n o v a responsabilidade — pois o altaneiro conhecimento obtido impõe agir dali
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por diante dentro d a m a i s elevada ética. Ao descobrir a unidade final de todas a s coisas e c r i a t u r a s , ao renascer, como diz Jesus, ao perceber que o E u S u p e r i o r do q u a l tem agora consciência é também o E u S u p e r i o r de todos os outros seres vivos, não lhe resta outra alternat i v a senão perceber que o bem-estar do mundo equivale ao seu próprio bem-estar. O serviço do T O D O irá dali por diante substituir e m seu coração o serviço do ego individual. Seus atos precisam não apenas satisfazer ao seu próprio ego m a s ser também benéficos aos outros: p r e c i s a m sempre tentar c u m p r i r s u a dupla função. Por esta razão o o verdadeiro sábio não é u m hibernado eremita. 2
T a l sábio faz a descoberta de que a L e i Áurea de fazer aos outros aquilo que queremos que nos façam a nós é o extraordinário convertido e m b o m senso. Religião alguma j a m a i s ensinou u m a ética mais elevada e experiência a l g u m a poderá j a m a i s sugerir u m a ética mais sensata. N e n h u m a o u t r a máxima p a r a a conduta n a vida senão essa simples máxima de Jesus e K r i s h n a , Confúcio e Buda, ajudará o homem a progredir suavemente e s e m empecilhos nos caminhos pedregosos da ) existência. Trata-se de u m a l e i que opera milagres e que pode ser universalmente aplicada a todos os homens, em todas as quadras da vida e e m todos os tempos. E l a é tão boa para os escuros orientais como p a r a os alvos ocidentais, tão satisfatória para os maltrapilhos párias como p a r a os bem-alimentados milionários, e o seu valor está em grande desproporção c o m a s u a simplicidade. Pois somos todos filhos da única V i d a I n f i n i t a e membros da mesma e imensa família human a . Façamos, portanto, aquilo que é bondoso, generoso e caridoso sempre que possível, de preferência àquilo que é maldoso, egoísta e c r u e l , a f i m de que o k a r m a seja bondoso para conosco. S e se perguntar p o r que deve o homem incomodar-se com a definição d a verdade, quando ele já estiver praticando a boa vontade para com todos os seus semelhantes, a resposta é: porque, em primeiro lugar, ele não saberá que se trata da verdade, podendo, em consequência, m u d a r de ideia amanhã e abandonar com isso a sua atitude de boa vontade. E l e estará agindo com base nos sentimentos, que são reconhecidamente volúveis. E , em segundo lugar, os assuntos humanos são notoriamente complexos, sendo que o certo e o errado amiúde se m i s t u r a m . E , e m terceiro lugar, a filosofia oferece a única garantia de u m a v i d a ética e desinteressada que se baseie inteiramente na razão, m a s não leve ao egoísmo ou à maldade. Quando, portanto, o B u d a inculcou a compaixão, não o fez à base do sentimento puro m a s à base de u m conhecimento profundo. O homem que abandonou a esposa amante e o palácio de mármore à p r o c u r a de coisas intangíveis como paz e verdade não era nenhum sentimentalóide.
Este termo inventado é aqui introduzido e será mais tarde reiteradamente empregado por já se haver tornado conhecido dos leitores de outras obras da autor. Significa ele a derradeira realidade do homem e do universo. 2
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G r a v e erro seria, contudo, s u p o r , c o m o de hábito se faz, que por haver B u d a ensinado também a d o u t r i n a d a não-violência ( q u e G a n d h i tornou famosa nos tempos m o d e r n o s ) , d e s t i n a v a - s e e l a a s e r p r a t i c a d a por todos os homens. A d o u t r i n a destinava-se a p e n a s a o s monges e àqueles ascetas que t i n h a m r e n u n c i a d o à v i d a m u n d a n a e s u a s responsabilidades. Como todos os v e r d a d e i r o s sábios, o B u d a reconhecia não haver u m código u n i v e r s a l de m o r a l i d a d e e não h a v e r gradações no dever n e m estágios n a ética. E m consequência, q u a n d o o General S i m h a o interpelou sobre o a s s u n t o , a c a b r u n h a d o p o r não s a b e r se devia o u não c o n t i n u a r n a s u a c a r r e i r a m i l i t a r , r e s p o n d e u o B u d a : — Aqueles que m e r e c e m castigo d e v e m s e r c a s t i g a d o s , p u e m t e m de sofrer punição pelos c r i m e s q u e c o m e t e u p a d e c e não e m v i r t u d e d a má vontade do j u i z , m a s e m v i r t u d e do s e u e r r o . O B u d a não e n s i n a que aqueles que vão à g u e r r a e m defesa de u m a c a u s a j u s t a , depois de esgotados todos os meios de p r e s e r v a r a paz, são c u l p a d o s . C u l p a cabe àquele que provoca a g u e r r a . O B u d a e n s i n a u m a sujeição total do ego m a s não ensina a sujeição do que q u e r q u e s e j a à forças do m a l .
inércia o u u m a apática não-violência diante de atos de flagrante violação d a justiça é inteiramente inaceitável à luz da filosofia. E s s a i n compreensão dos antigos sábios e essa fraqueza de coração e mente j a m a i s a j u d a r a m a Índia, m a s só s e r v i r a m p a r a degradá-la. 0 místico que teme m i n i s t r a r punição por receio de causar sofrimento deixa-se l e v a r pela emoção. O filósofo que não receia fazê-lo quando necessário sabe que o sofrimento é o melhor mestre do homem; pois aquilo que o h o m e m não aprende por meio da razão, ele tem de aprender por meio do sofrimento. Aquele que não pensa sofre. Aquilo que poderia s e r aprendido e m alguns minutos de reflexão será gravado à força pelo sofrimento no decurso dos anos. Muitos golpes tombam sobre a cabeça do h o m e m apenas p a r a que u m a única ideia nela penetre. 0 homem tem de aprender através da angústia pessoal aquilo que se negou a a p r e n d e r através d a reflexão pessoal. T e m de compreender através d a a m a r g a d o r aquilo que não compreendeu através das persuasões da filosofia. Pois o místico não deseja ser perturbado nem perturbar os outros, ao passo que o filósofo deseja ser altruísta e servir a todos.
E s t a s p a l a v r a s são c i t a d a s apenas p o r q u e e x p r e s s a m precisamente o ponto de v i s t a do ensinamento oculto s o b r e a m e s m a questão. Não se nega que a atitude c o r r e t a p a r a os monges o u místicos é não exterm i n a r n e n h u m a v i d a s e j a m q u a i s f o r e m a s circunstâncias, m a s s i m sofrê-las n a s u a c a r n e , deixar-se m a t a r a n t e s . G a n d h i , p o r t a n t o , c o m a s u a doutrina d a não-violência, r e p r e s e n t a o m i s t i c i s m o h i n d u naquilo que este tem de m e l h o r : m a s s e r i a u m e r r o c r a s s o encará-lo como u m representante d a m a i s elevada filosofia h i n d u . E s t a não e n s i n a u m a ética de i r r e a l i s m o emocional m a s u m a ética de serviço r a c i o n a l . Ê u m a filosofia forte quando a o u t r a é s e n t i m e n t a l .
Não obstante, o filósofo a j u d a a humanidade à sua maneira e não à m a n e i r a dos homens comuns. Pois estes só sabem aquilo que desej a m , ele aquilo que necessitam. O filósofo ajuda com sabedoria, o que significa que não é u m sentimental. Coração e cabeça têm de justificar-se reciprocamente. P o r fim, ele prefere dirigir-se tranquilamente à fonte e a j u d a r aqueles poucos através dos quais poderá ajud a r a todos. A s s i m fazendo, economiza tempo, recursos e energia e, no f i n a l , consegue muito mais resultado do que dando todo o seu tempo aos indivíduos.
A famoéa injunção de J e s u s n o sentido de não r e s i s t i r ao m a l deve ser interpretada à m e s m a luz. Deve e l a s e r seguida à l e t r a pelos místicos m a s de f o r m a íntima e inteligente pelos sensatos. P o i s , embora estes tenham conhecimento d a s u a u n i c i d a d e c o m o s m a l f e i t o r e s e c r i minosos, isso não os impede de proteger-se a s i e a o s o u t r o s do m a l e do c r i m e , como também não os impede de p u n i r o s i n f r a t o r e s pelos seus erros, principalmente se, conforme r e s s a l t o u B u d a , não o fizerem c o m ódio. Pois então, observou o grande m e s t r e asiático, — o c r i m i noso t e m de aprender a v e r que o castigo é o f r u t o d a s s u a s próprias ações e tão logo chegue honestamente a e s s a compreensão, o castigo irá purificar-lhe a a l m a e ele deixará de l a m e n t a r a s u a s i n a , preferindo mesmo rejubilar-se dela. U m m i s t i c i s m o que reduz o h o m e m a u m m e r o espectador d a m a i s agressiva injustiça o u de u m violento a s s a s s i n a t o o u u m a s c e t i s m o que o faça a d m i t i r que se i n f l i j a o m a l e m s u a presença, alegando h a v e r renunciado ao mundo e às suas coisas não r e p r e s e n t a v a a v e r d a d e i r a sabedoria d a Índia. É dever do filósofo não r e c u s a r a j u d a quando vítimas sofredoras e s t e j a m a pedir-lhe, m a s propiciá-la, r e c o r r e n d o até à violência se necessário for. U m a d o u t r i n a q u e pregue u m a letárgica
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Nos nossos momentos de m a i o r franqueza nós descobrimos que j a m a i s fomos altruístas, m a s que procuramos u m a sutil ou declarada satisfação íntima e m todas as nossas ações. A ausência de egoísmo é a n t i n a t u r a l . Nós todos olhamos a v i d a através das lentes do E u ! — P o r que então terei de fazer o bem aos outros? — é u m a pergunta espontânea e correta que se pode fazer. A filosofia responde dizendo: — Porque secreta e finalmente toda a humanidade forma u m a única família. Porque a plena consciência deste fato é o grande objetivo de toda a evolução h u m a n a . Porque a v i d a é muito mais sagrada do que supõem as pessoas pias. Porque aquela realidade desconhecida que os homens no seu distanciamento c h a m a m de Deus, que melhormente se poderá c h a m a r de E u Superior, é a u m só tempo o nosso e u secreto e o e u secreto do mundo. Aquele que compreendeu essa consciência unitária, compreendeu simultaneamente que é dever dos fortes a j u d a r os fracos, dos evoluídos a u x i l i a r os retardados, dos santos orient a r os pecadores, dos ricos a l i v i a r o fardo dos desfavorecidos, e dos sábios i l u m i n a r os ignorantes. E porque a ignorância é a raiz de todos os demais problemas. But s a l i e n t o u : —- explicar e divulgar a verdade é a maior de todas as
A m a i o r i a dentre nós t e m de t r a b a l h a r , a i n d a q u e a contragosto, em alguma coisa, sejamos o u não filósofos. A f i l o s o f i a não a l t e r a tal estado de coisas, m a s pode a l t e r a r os fins últimos q u e estejamos v i sando. Nós podemos t r a b a l h a r s i m p l e s m e n t e p a r a g a n h a r a v i d a , como podemos também t r a b a l h a r p a r a v i v e r u m a v i d a memorável. P a r a a maioria das pessoas a v i d a consiste de a l g u m a s obrigações e muitos prazeres. Ê preciso que os homens r e f l i t a m nos v a l o r e s que desejam obter da vida. Quererão eles ganhar apenas a subsistência? Quererão divertir-se? Quererão a verdade a c e r c a do m u n d o e d a finalidade da vida? E , no entanto, podem t e r todas estas c o i s a s , p o i s elas não são contraditórias; basta apenas m a n t e r o senso de proporção e o devido equilíbrio. São tremendas a s possibilidades de u m a existência regida pela lei filosófica de u m a v i d a e q u i l i b r a d a , a n i m a d a pelo desejo altruísta de m e l h o r a r o próprio rincão do m u n d o , d i n a m i z a d a pelo agudo poder do pensamento concentrado e d i r i g i d a p e l a l u z p l e n a desta nova sabedoria Leste-Oeste. H o m e n s m u i t o menos equipados a s s o m b r a r a m o mundo c o m as suas realizações p a r a o b e m o u p a r a o m a l ; haverá uns poucos c o m coragem suficiente p a r a a r r i s c a r s u a s v i d a s pessoais a f i m de enriquecer a s u a época e fazer o b e m aos o u t r o s , c o m sabedoria suficiente p a r a d e i x a r de lado o egoísmo m e s q u i n h o c u j o f i m último é apenas u m frio túmulo? Será que a v e r d a d e irá encontrar uns tantos amigos capazes de servi-la e defendê-la através de toda u m a vida de dedicação? Quem será capaz de d e i x a r p a r a trás o s e u ego e esticar os braços o suficiente p a r a alcançar este grande paradoxo? Uma Visão Filosófica da Crise
do Mundo.
S e o apelo aos homens
animados pelo desejo de a j u d a r não apenas a s i próprio c o m o também ao restante da humanidade está s e m p r e presente n o s ouvidos daqueles que compreendem o significado d a v i d a , hoje e m d i a ele se faz ouvir de m a n e i r a c e m vezes m a i s forte. Pois e m n e n h u m a o u t r a época d a história do mundo a ignorância e a miséria e s t i v e r a m tão disseminadas. A necessidade de esclarecimento é m u i t o m a i s p r e m e n t e h o j e do que nos séculos de J e s u s e B u d a — essas esplêndidas f i g u r a s de fulgurante passagem pela história. Considere-se a nossa época. A época moderna é a mais deliciosa e miserável dentre todas as épocas. F o i e l a gerada por Mamon, pela incompreensão das finalidades d a v i d a , e embalada no conforto do automóvel. Começou c o m altíssimas esperanças e róseas promessas de u m a ciência i n v e n t i v a e a p l i c a d a , m a s a c a b o u mergulhando em frustração absoluta. É p a s m o s a a decrepitude dos ideais nela verificada. Nós avançamos c o m tanta rapidez que nos i l u d i m o s c o m a sensação de u m progresso rápido e generalizado. T a l ilusão veio agora a furo. O mundo conheceu u m tempo de intermináveis ajustes. Pois o nosso progresso é algo unilateral. Processou-se m u i t o m a i s no campo tecnológico do que no teleológico. Quando os homens c r i s t a l i z a m os seus hábitos de pensamento, modos de v i d a e perspectiva geral dos assuntos materialistas perdem a consciência dos seus perigos éticos e
do seu desperdício da preciosa oportunidade da reencarnação. Somente u m terrível impacto exterior poderia devolver-lhes a consciência da futilidade e da frustração de tal vida. Esse impacto fornece-o a crise mundial, com as duas guerras e os pesadelos nacionais que têm sido o seu foco de atração. 0 k a r m a está sempre ativo na história de todas as nações e de todos os indivíduos. E não opera apenas entre os indivíduos: pode também ser coletivo e operar em grupos, como as famílias, tribos e povos inteiros. Mas esse destino é autofecundado. Não é arbitrariamente imposto por algum poder externo. As venturas ou desventuras de u m país não se devem totalmente à capacidade ou à insensatez daqueles que o governam. São em parte o reflexo da capacidade ou da insensatez do povo propriamente dito. Devemos ter sempre em mente que tanto no passado como no presente tanto o povo como os governantes da nação ajudaram e ajudam a criar, amiúde sem sabê-lo, as causas e condições que atingem o seu clímax com sofrimentos confessos. Até que aconteça u m a transformação no seu modo de pensar eles terão de haver-se com conflitos intermitentes que redundarão em sofrimentos. Não obstante, é u m dever inarredável dos governantes, que de moto próprio ou pela força das circunstâncias se colocaram numa posição de comando, controlar e influenciar o povo, adaptar-se às suas necessidades. Enquanto a s u a própria mente estiver aturdida e confusa e eles não tiverem como colocar-se na posição da posteridade e contemplar a nossa era através do telescópio do tempo, até lá lhes será impossível dirigir ou governar corretamente os outros. O domínio da filosofia, o estudo dos seus pensamentos liberadores, os ajudará a dirigir com acerto ao invés de e r r a r ao acaso. E s t a s são duras palavras, mas as bombas destruidoras e calamidades avassaladoras começaram a destruir as ilusões dos homens e reduzir a pó as mentiras das suas vidas. A crise mundial provoca a tristeza da desilusão e faz subir à cabeça as inquietações da insatisfação. Vale a pena lembrar que a filosofia surgiu na Grécia numa época em que, segundo disse Sócrates, não parecia haver nada a fazer-se a não ser esconder-se atrás do muro até que a tempestade amainasse. Pensar errado foi a ruína da E u r o p a . Pensar certo poderá ser a sua redenção. O estado atual da E u r o p a não é senão u m retrato daquilo que a emoção concentrada e desenfreada — para o bem ou para o m a l — é capaz de provocar. As antipatias raciais e os antagonismos económicos, os ódios nacionalistas e os horrores militaristas do nosso sombrio planeta testemunham o fato de que nós nos esquecemos das elevadas razões da nossa presença na T e r r a : fazer com que a nossa v i d a pessoal revele u m pouco da sua realidade fundamental, romper a velha ilusão de que o ego é o nosso único e u e o corpo a nossa única existência, B e m poderíamos ficar tristes ante o espetáculo de u m a humanidade sem
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pensamentos, cuidando de tudo m e n o s d a q u i l o q u e é p r i m o r d i a l , se não soubéssemos que o s o f r i m e n t o p r o p r i a m e n t e d i t o é u m tutor. 0 mundo conheceu a s u a Via Dolorosa e a p r e n d e u a m a r g a s verdades à custa da queda daquilo que e r i g i u p o r engano. U m a g r a n d e guerra condensa várias décadas n u m a só, o c a s i o n a n d o p r o f u n d a s alterações nos homens e n a s u a m e n t a l i d a d e , n a s o c i e d a d e e n o s s i s t e m a s . A calamidade gera sabedoria e o b r i g a a s pessoas a t o m a r os caminhos da sensatez que d e v e r i a m t e r escolhido p o r s u a l i v r e v o n t a d e . Assim, seus dolorosos sofrimentos e seus esforços f r u s t r a d o s g e r a m sabedor i a . A guerra a s despoja d a s u a cómoda complacência, a p u n h a l a suas fraquezas e se c o n s t i t u i e m severo c o r r e t i v o . A s g r a n d e s g u e r r a s que nos t r a z e m t r i s t e z a pessoal trazem-nos também a u r o r a s m e n t a i s . A compensação p a r a o caos são a s n o v a s i d e i a s g e r a d a s . A s revoluções históricas desempenham geralmente o p a p e l de prelúdio às revelações nas mentes dos homens. £ u m engano c o n s i d e r a r a a d v e r s i d a d e como u m eterno inimigo. M u i t a s vezes e l a poderá s e r u m a m i g o disfarçado. Ê verdade q u e o estudo d a t e o r i a d a f i l o s o f i a não f l o r e s c e durante u m a crise, embora não se p o s s a d i z e r o m e s m o d a s u a prática. Pois é então que os estudantes filosóficos p o d e m m o s t r a r o s benefícios das suas conquistas, p o d e m e x i b i r a s u a i m p e r t u r b a b i l i d a d e diante das provações e a s u a segurança e determinação q u a n d o guindados a posições de responsabilidade; então o s e u p e n s a m e n t o pode descansar n u m a t r a n q u i l a cidadela i n t i m a e n q u a n t o o c o r p o e n t r a a a g i r enérgica e destemidamente e m m e i o às g r a v e s e v i o l e n t a s pressões exteriores. Quando do romper das g u e r r a s nós nos s e n t i m o s desencorajados ante a constatação d a t r a n s i t o r i e d a d e d a v i d a , a f l i g i d o s pelas decepções e mortificados. D e hábito, a s pessoas não se dão c o n t a dessa instabilidade d a existência, não vêem q u e t u d o está s e m p r e a modificar-se o u a desaparecer. M a s o período contemporâneo — c o m suas características de a l t a velocidade e i m p r e v i s i b i l i d a d e tão c l a r a s nas meteóricas transformações históricas — começou a t o r n a r evidente o fato. E s s e sofrimento é i n s t r u t i v o e nos t r a z à cabeça pensamentos que de o u t r a f o r m a não n a s c e r i a m . A i n s t a b i l i d a d e d a existência sensual e a seriação d a v i d a pessoal são n i t i d a m e n t e colocadas diante de nós, c o m o que fica r e d u z i d a a estreiteza d a s n o s s a s a c a n h a d a s perspectivas, vale dizer, f i c a m elas p u r i f i c a d a s pelo a p a r e c i m e n t o de u m desejo de encontrar a l g u m a c o i s a m a i s estável, imutável e duradoura. T a l desejo só pode s e r satisfeito n a b u s c a de u m a r e a l i d a d e o u t r a que não a simples existência m a t e r i a l . Q u a n d o t o m a m o s consciência da nossa fraqueza começamos a p r o c u r a r u m a n o v a fonte de fortaleza íntima. Quando percebemos a n o s s a i n c a p a c i d a d e p a r a o r d e n a r a vida nós encetamos a b u s c a do s e u significado. Q u a n d o d e s c o b r i m o s haver sido ludibriados pelas aparências estamos p r o n t o s p a r a a p r e n d e r algo acerca da realidade. A guerra nos ensina d a m a n e i r a m a i s d u r a a t r a n s i t o r i e d a d e de todas as coisas; indaguemos, portanto, o que s i g n i f i c a isso. Onde está
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aquela bela casa que foi destroçada, onde a encantadora criança, onde o patrimônio perdido? Que são hoje essas coisas? Apenas recordações que parecem sonhos muito vívidos. Mas que são as recordações? Construções mentais, isto é, pensamentos! Que serão essas coisas no futuro? Pensamentos! Se tivermos, portanto, a coragem de completar o círculo lógico, seremos obrigados a concluir que alguma coisa que no passado e no futuro é puramente mental deve ser também mental naquilo que repousa entre ambos — o presente. Assim, o mentalismo é silenciosamente ensinado pelas vicissitudes da v i d a corriqueira das pessoas não filosóficas. Nós podemos nos conservar m a i s calmos e equilibrados entre os terrores d a nossa época se nos ativermos à verdade do mentalismo, se encararmos tais erros como experiências cujo conteúdo é em última instância tão mental como o dos sonhos. - E assim como os homens durante os pesadelos sofrem por se sentirem presos à realidade da experiência, coisa que não aconteceria se lhes fosse dado saber que estavam apenas sonhando, a s s i m também nós modificamos os nossos sofrimentos físicos mantendo-nos despertos p a r a o fato de que eles não são senão ideias que sobrevêm e são sentidas, m a s que, assim como vêm, vão-se embora. 0 filósofo, mais que qualquer outra pessoa, é capaz de mostrar o caminho aos outros n u m a época de perplexidade e m que o mundo se encontre n u m a encruzilhada. Há sempre u m a forma de liberação. Através do arrependimento. N a d a parece ser mais simples, contudo, nada é mais difícil. Mas não há o u t r a saída. E o sofrimento e ainda mais difícil de suportar. No entanto, não é falso que a noite é mais escura quando se aprox i m a a a u r o r a . Nós estamos vivendo u m período inesquecível. A história está-se fazendo, c o m toda a sua terrível dramaticidade e todo o seu trágico interesse. Pois estamos n u m a época de transição. A singularidade do seu caráter prepara o caminho para u m singular renascimento. A s depredações da guerra precisarão ser reparadas. Nós precisamos aprender a enfrentar os maus tempos com melhores pensamentos. Precisamos lutar por u m a nova e r a caracterizada por u m a sincera universalidade. Cabe-nos soletrar o enigma do futuro com letras tomadas ao alfabeto do presente. Cabe-nos avaliar os movimentos revelados pela história e seguir a sua irónica lógica. Cabe-ne t i r a r proveitosas lições dos séculos já idos com vistas à nossa orientação ética e prosperidade material. A p r i m e i r a dentre todas essas lições é que estamos vivendo o final de u m ciclo e m que o k a r m a está encerrando todas as contas nacionais, corrigindo todos os desacertos coletivos. E s t a m o s presenciando o desaparecimento de u m a era. O círculo está sendo completado. Os monumentos do antigo mundo estão ruindo. E s s a transição tem ne