A História De Israel No Antigo Testamento [3ª Edição] 8526303376


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Table of contents :
Prefácio
Sumário
Ilustrações
Abreviaturas
Introdução
Considerações Preliminares
antigo Israel nos dias atuais
A presente abordagem da história de Israel
Israel em Moabe
O propósito da Torá
A história dos patriarcas
O significado do êxodo
A localização histórica do êxodo
A data do êxodo
A data e a duração do cativeiro egípcio
Cronologia dos patriarcas
A jornada no deserto
A terra como o cumprimento da promessa
O mundo antigo do Oriente Médio
Os 'apiru e a conquista
A estratégia de Josué
A data da conquista de Josué
A campanha contra os enaquins
Modelos alternativos da conquista e ocupação
A terra repartida entre as tribos
A segunda renovação da aliança em Siquém
A ERA D 0 S JUÍZES: A VIOLAÇÃO DA ALIANÇA, ANARQUIA E A AUTORIDADE HUMANA
O problema crítico-literário no livro de Juízes
A cronologia de Juízes
O mundo do antigo Oriente Médio
Os juízes de Israel
A trilogia de Belém
S A U L: A ALIANÇA MAL COMPREENDIDA
A exigência por um reinado
A cronologia do século onze
A escolha de Saul
O primeiro desafio de Saul
O declínio de Saul
Considerações teológicas
O surgimento de Davi
DAVI: 0 R E I N A 0 0 DA ALIANÇA
A falta de nacionalidade antes de Davi
Davi em Hebrom
Crônicas e história teológica
Jerusalém, a capital
O estabelecimento do poder de Davi
Uma introdução à cronologia davídica
0 Egito e a independência de Israel
As guerras contra os amonitas
O início dos problemas familiares de Davi
Jerusalém como centro do culto
A rebelião de Absalão
Os esforços de Davi para reconciliação
Mais problemas para Davi
O plano de Davi para construir um templo
A sucessão salomônica
A burocracia davídica
S A L 0 H A 0:
CO PINÁCULO d 0 P m G 0
Os problemas da transição
O fracasso da oposição contra Salomão
O conclave em Gibeão
Relações internacionais
Os projetos de construção de Salomão
Rupturas no império de Salomão
A forma de governo de Salomão
Apostasia moral e espiritual
Salomão e a natureza da sabedoria
As raízes da divisão nacional
A ocasião imediata da divisão nacional
O reino de Roboão
O reino de Jeroboão
A pressão das nações ao redor
Abias de Judá
Asa de Judá
O novo surgimento da Assíria
Nadabe de Israel
A dinastia de Baasa de Israel
Omri de Israel
Josafá de Judá
Acabe de Israel
A ameaça da Assíria
Os sucessores de Acabe
A unção de Hazael de Damasco
Jeorão de Judá
A unção de Jeú
A DINASTIA DE JEÚ E 0 J U D Á COKTEMPORÃNEO
0 reinado de Jeú em Israel
Atália de Judá
O papel das outras nações
Joás, rei de Judá
Jeoacaz, rei de Israel
O cenário internacional
Jeoás, rei de Israel
Amazias, rei de Judá
Jeroboão II, rei de Israel
Uzias, rei de Judá
O ministério dos profetas
0 CASTIGO DE Y A H W E H: ASSÍRIA E O JUÍZO DIVINO
Fatores responsáveis pela queda de Israel
O fim da dinastia de Jeú
A Assíria e Tiglate-Pileser III
Menaém de Israel
Os últimos dias de Israel
O impacto da queda de Samaria
Judá e a queda de Samaria
Ezequias de Judá
O ponto de vista dos profetas
ESPERANÇA DESVANECENTE: A DESINTEGRAÇÃO DE J U D Á
O legado de Ezequias
Manassés de Judá
Amom de Judá
O cenário internacional: Assíria e Egito
Josias de Judá
A queda de Jerusalém
O testemunho dos profetas
O EXÍLIO E O PRIMEIRO RETORNO
Uma visão panorâmica
A situação mundial durante o exílio
O povo judeu durante o exílio
A situação mundial durante o período de restauração
O primeiro retorno
Problemas decorrentes do retorno
A influência benéfica dos profetas
A influência persa
Outros retornos posteriores: Esdras e Neemias
Malaquias, o profeta
O Antigo Oriente Próximo
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A História De Israel No Antigo Testamento [3ª Edição]
 8526303376

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0 reino de sacerdotes que Deus colocou entre as nações

Tradução Romell S. Carneiro

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Todos os direitos reservados. Copyright © 2001 para a língua portuguesa da Casa Publicadora das Assembléias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina. Título original em inglês: Kingdom o f Priests Baker Books, Grand Rapids, MI, USA. Primeira edição em inglês: 1987 Tradução: Romell S. Carneiro Preparação de originais: Alexandre Coelho e Patrícia Oliveira Revisão: Jeferson Magno Capa: Flamir Ambrósio Editoração eletrônica: Olga Rocha dos Santos

CDD: 221 — Antigo Testamento ISBN: 85-263-0337-6 Para maiores informações sobre livros, revistas, periódicos e os últimos lançamentos da CPAD, visite nosso site: http://www.cpad.com.br As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida, edição de 1995, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário.

Casa Publicadora das Assembléias de Deus Caixa Postal 331 20001-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil T’ edição/2001 3- Edição 2002

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Prefácio

A

história de Israel não pode ser construída seguindo-se as linhas dos estudos históricos normais, pois baseia-se em documentos (o Antigo Testamento) que não são tão-somente históricos em seu caráter. O Antigo Testamento é, acima de tudo, teológico, e não literatura meramente histó­ rica. Isto significa que será necessário abordagens teológicas e não históri­ cas para conduzir ao propósito fundamental da mensagem a ser discernida. Ao contrário do que afirmam muitos estudos contemporâneos, ape­ nas porque o Antigo Testamento é por definição "história sagrada", não significa que lhe falte autenticidade histórica, como alguns acreditam. Com efeito, ele é o registro da aliança de Jeová com seu povo escolhido, um registro que constantemente chama a atenção para a divina interpre­ tação e até mesmo predição dos acontecimentos. Mas sempre pressupõe que estes mesmos acontecimentos ocorreram de fato no tempo e no es­ paço. A mensagem teológica, em outras palavras, está alicerçada na his­ tória genuína. O propósito deste estudo não é interpretar o significado dos aconteci­ mentos subjacentes - uma tarefa mais propriamente da teologia bíblica - , mas descobrir os dados históricos e, mediante todas as fontes à disposição (incluindo o texto bíblico, documentos extrabíblicos e arqueológicos), re­ construir a história de Israel seguindo as linhas e métodos historiográficos, até onde seja possível, em razão da natureza única do material. Qualquer sucesso obtido será importante para um verdadeiro entendimento do pas­ sado de Israel no Antigo Testamento, um objetivo de valor em si mesmo, e

H istória de I srael \o A\t ; c-. : í :~ - v e ‘-to

para a comprovação histórica do registro. A veracidade é absolutamente decisiva para tomar efetiva a mensagem religiosa e teológica. Todo o êxito que alcançarmos será em total benefício do leitor. A concretização de um projeto que trouxe tanta satisfação pessoal ao autor requer que aqueles que o tornaram possível sejam reconhecidos. Foi durante um período de licença gentilmente concedido pelo Seminário Te­ ológico de Dallas, de 1983 a 1984, que a maior parte desta obra foi elabora­ da. Portanto, quero expressar minha apreciação por esta política generosa e esclarecida. Além disso, o seminário colocou à disposição suas depen­ dências de informática. A digitação foi feita pelas mãos abençoadas de Marie Janeway. A editora Baker Books e, particularmente, a Allan Fisher e Ray Wiersma, eu credito minha especial gratidão por sua paciência, co­ nhecimento e atenção meticulosa em cada detalhe do projeto. Finalmente, agradeço a minha querida esposa, Janet, e a minha filha Sonya por supor­ tarem minha ausência, inquietação e freqüentes pedidos, e pelo constante encorajamento que delas recebi para concluir este projeto.

Sumário v xi xiii

Prefácio Ilustrações Abreviaturas

Introdução: A história de Israel e a historiografia........................................................ 1 Considerações preliminares 1 Os problemas enfrentados na produção de uma história do antigo Israel nos dias atuais A presente abordagem da história de Israel 4

2

1. Origens............................................... :............................................................... 7 Israel em Moabe 7 O propósito da Torá 8 A história dos patriarcas

11

2. O Êxodo: Nascimento de uma Nação..............................................................49 O significado do êxodo 49 A localização histórica do êxodo 50 A data do êxodo 59 A data e a duração do cativeiro egípcio Cronologia dos patriarcas 73 A jornada no deserto 73

69

3. A Conquista e a Ocupação de Canaã...............................................................89 A terra como o cumprimento da promessa 89 O mundo antigo do Oriente Médio 90 Os 'apiru e a conquista 99 A estratégia de Josué 106 A data da conquista de Josué 118 A campanha contra os enaquins 120 Modelos alternativos da conquista e ocupação 121 A terra repartida entre as tribos 129 A segunda renovação da aliança em Siquém 139

4. A Era dos Juízes: A Violação da Aliança, Anarquia e a Autoridade Humana...................................................................................... 143 O problema crítico-literário no livro de Juízes A cronologia de Juízes 149

143

H :-:> ’R!a de I srael so A ntigo Testamento

O mundo do antigo Oriente Médio Os juízes de Israel 162 A trilogia de Belém 184

154

5. Saul: A Aliança Mal Compreendida.............................................................. 197 A exigência por um reinado 197 A cronologia do século onze 200 A escolha de Saul 203 O primeiro desafio de Saul 208 O declínio de Saul 210 Considerações teológicas 219 O surgimento de Davi 222

6. Davi: O Reinado da Aliança...........................................................................235 A falta de nacionalidade antes de Davi 235 Davi em Hebrom 240 Crônicas e história teológica 244 Jerusalém, a capital 246 O estabelecimento do poder de Davi 249 Uma introdução à cronologia davídica 256

7. Davi: Os Anos de Luta................................................................................... 263 O Egito e a independência de Israel 264 As guerras contra os amonitas 265 O início dos problemas familiares de Davi 276 Jerusalém como centro do culto 277 A rebelião de Absalão 283 Os esforços de Davi para reconciliação 287 Mais problemas para Davi 289 O plano de Davi para construir um templo 290 A sucessão salomônica 296 A burocracia davídica 298

8. Salomão: Do Pináculo ao Perigo.................................................................... 303 Os problemas da transição 303 O fracasso da oposição contra Salomão 306 O conclave em Gibeão 308 Relações internacionais 309 Os projetos de construção de Salomão 312 Rupturas no império de Salomão 316 A forma de governo de Salomão 319 Apostasia moral e espiritual 330 Salomão e a natureza da sabedoria 332

9. A Monarquia Dividida................................................................................... 335 As raízes da divisão nacional 335 A ocasião imediata da divisão nacional O reino de Roboão 343 O reino de Jeroboão 345 A pressão das nações ao redor 350 Abias de Judá 351 Asa de Judá 352 O novo surgimento da Assíria 356

339

Nadabe de Israel 358 A dinastia de Baasa de Israel 358 Omri de Israel 360 JosafádeJudá 362 Acabe de Israel 366 A ameaça da Assíria 370 Os sucessores de Acabe 371 A unção de Hazael de Damasco 375 Jeorão de Judá 375 A unção de Jeú 377

10. A Dinastia de Jeú e o Judá Contemporâneo.... O reinado de Jeú em Israel 379 A táliadejudá 381 O papel das outras nações 382 Joás, rei de Judá 384 Jeoacaz, rei de Israel 388 O cenário internacional 390 Jeoás, rei de Israel 391 Amazias, rei de Judá 392 Jeroboão II, rei de Israel 395 Uzias, rei de Judá 398 O ministério dos profetas 400

11. O Castigo de Yahweh: Assíria e o Juízo Divino Fatores responsáveis pela queda de Israel O fim da dinastia de Jeú 414 A Assíria e Tiglate-Pileser III 415 Menaém de Israel 418 Os últimos dias de Israel 418 O impacto da queda de Samaria 422 Judá e a queda de Samaria 425 Ezequias de Judá 433 O ponto de vista dos profetas 445

413

12. Esperança Desvanecente: A Desintegração de Judá O legado de Ezequias 457 Manassés de Judá 459 Amom de Judá 462 O cenário internacional: Assíria e Egito Josias de Judá 468 A queda de Jerusalém 473 O testemunho dos profetas 481

462

i 13. O Exílio e o Primeiro Retorno.................................. Uma visão panorâmica 497 A situação mundial durante o exílio 504 O povo judeu durante o exílio 510 A situação mundial durante o período de restauração O primeiro retorno 521 Problemas decorrentes do retorno 524 A influência benéfica dos profetas 525

516

H istória de I srael no A ntigo T estamento

14. Restauração e Nova Esperança............................................. .........................529 A influência persa 5?9 Outros retornos posteriores: Esdras e Neemias Malaquias, o profeta

Bibliografia índice das Escrituras índice de temas

535

548

551 555 563

Ilustrações Tabelas cronológicas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.

A seqüência da Era do Bronze 17 Os Patriarcas 18 XII Dinastia do Egito 42 18a e 19a Dinastia do Egito 50 A vida de Davi 257 Os reis da monarquia dividida 340 Os reis neo-assírios 357 Os reis neo-babilônicos 476 Os reis da Pérsia 507

Mapas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17.

O Oriente Médio nos tempos do Pentateuco 14 Canaã nos tempos dos patriarcas 21 O êxodo 53 A chegada na Transjordânia 80 O Oriente Médio nos tempos de Josué e dos juízes 91 A conquista de Canaã 100 Os territórios das tribos 130-131 Israel durante a era dos juízes 146 O reino de Saul 199 O Oriente Médio durante a monarquia unida 207 O reino de Davi 236 Jerusalém nos dias de Davi e Salomão 247 Os doze distritos do reino de Salomão 325 A monarquia dividida 337 O Império Assírio 385 O Império Babilónico 461 O Império Persa 500

Abreviaturas AASOR ADA] AfO AJA AS ASOR AUSS BA BAR BASOR BES Bib Sac BTB BWANT BZAW CAD CAH CBQ EQ GTJ HTR HUCA IE] A:rv. 'ASES

Annual of the American Schools of Oriental Research Annual of the Department of Antiquities of Jordan Archiv für Orientforschung American Journal of Archaeology Assyriological Studies American Schools of Oriental Research Andrews University Seminary Studies Biblical Archaeologist Biblical Archaeological Review Bulletin of the American Schools of Oriental Research Bulletin of the Egyptological Seminar Bibliotheca Sacra Biblical Theology Bulletin Beiträge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament Beihefte zur Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft Assyrian Dictionary of the Oriental Institute of the University of Chicago Cambridge Ancient History Catholic Biblical Quarterly Evangelical Quarterly Grace Theological Journal Harvard Theological Review Hebrew Union College Annual Israel Exploration Journal Interpretação Journal of the Ancient Near Eastern Society

XIY

JAOS JBL JCS JEA JETS JJS JNES JNSL JSOT JSS JTS KJV LexTQ NEASB Or OTS PEQ RA RSV TD Tyn Bull UF VT WTJ ZAW

H istória de I srael no A ntigo T estamento

Journal of the American Oriental Society Journal of Biblical Literature Journal of Cuneiform Studies Journal of Egyptian Archaeology Journal of the Evangelical Theological Society Jornal of Jewish Studies Journal of Near Eastern Studies Journal of Northwest Semitic Languages Journal for the Study of the Old Testament Journal of Semitic Studies Journal of Theological Studies King James Version Lexington Theological Quarterly Near East Archaeological Society Bulletin Orientalia Oudtestamentische Studien Palestine Exploration Quarterly Revue d'assyriologie et d'archéologie orientale Revised Standard Version Theology Digest Tyndale Bulletin Ugarit-Forschungen Vetus Testamentum Westminster Theological Journal Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft

Introdução_ _ _ _ _ _ _ _ _ A História de Israel e a Historiografia

Considerações Prelim inares Os problem as enfrentados na produção de uma história do antigo Israel nos dias atuais A questão da inerrância A ausência de documentos pré-mosaicos Seletividade histórica A presente abordagem da história de Israel Reconhecimento do caráter revelador do Antigo Testamento Reconhecimento do método bíblico Reconhecimento do propósito bíblico

C o n s id e ra ç õ e s P re lim in a re s Qualquer tarefa científica deve partir de um conjunto de afirmativas, não importando quão especulativas sejam. Isto tornará o empreendimen­ to viável e racional. Este fato é especialmente verdadeiro quanto à história escrita, mais que a maioria das disciplinas, uma vez que os acontecimen­ tos ecoam no passado, que sua facticidade e significado podem ser reconstruídos (mesmo que parcialmente), e que é possível integrá-los e sintetizá-los em algum tipo de construção que seja crível e bem entendida pelo leitor moderno. Quando a história é a narrativa de um povo completamente envolto em literatura sagrada, a natureza da tarefa torna-se ainda mais complexa, e as afirmativas muito mais proféticas. A visão que o pesquisador tiver da integridade e autoridade daquela literatura influenciará a forma como ele irá trab alh ar com tais m ateriais, sem falar dos proced im entos metodológicos e de suas conclusões. Uma história de Israel depende quase inteiramente das fontes do Anti­ go Testamento, uma coleção de escritos reconhecidos pelo Judaísmo e Cris-

H istória de I srael no A ntigo T estamento

tianismo como as Sagradas Escrituras, a Palavra de Deus. O nível de res­ peito que os historiadores têm pelas Escrituras afetará sensivelmente a maneira como empreenderão sua tarefa. O cético contemplará as fontes como nada mais que uma coleção de mitos, fábulas, lendas, poesia e ou­ tros eeneros ou6 possuem crec^^i^clscle rclstivci e servir3.rn sioencis como veículo de transmissão das tradições antigas. Os crentes, por outro lado, saberão que têm em suas mãos uma obra completamente peculiar; um livro que é a própria revelação divina. Assim, não é possível aproximar-se desta literatura da mesma forma como se faz com outros textos antigos. Referimo-nos a ela como a Palavra de Deus, aceitando sua autoridade e dignidade como fonte histórica de inigualável valor. A' 1 Considerar que o Antigo Testamento é a Palavra de Deus alterará radi­ calmente a tarefa de escrever uma história de Israel; pois tal atividade estará em um nível teológico. Escrever a história de Israel e escrever a história de um outro povo envolvem perspectivas completamente dife­ rentes, pois no caso de Israel, história e teologia nãb podem ser separadas. Por esse motivo, o cepticismo tão familiar e necessário à historiografia convencional não poderá fazer parte desta obra. Em virtude da confissão de que respeitamos a autoridade das fontes que estaremos investigando, anulamos o direito de rejeitar o que não conseguirmos entender ou o que julgamos difícil de acreditar. ^ Isto não significa, entretanto, que uma história do Israel antigo escrita à luz da pesquisa moderna se restrinja tão-somente a uma recapitulação do registro bíblico. O próprio fato de que o Antigo Testamento relata aconteci­ mentos antigos como história sagrada, como fenômeno primariamente teo­ lógico em vez de social ou político, é suficiente para justificar as repetidas tentativas de reconstruir a história segundo as linhas normais da historiografia. Este livro representa tal esforço. Nosso propósito é compre­ ender a história de Israel como uma integração dos fatores políticos, sociais, económicos e religiosos, utilizando como base não apenas as informações do Antigo Testamento como Escritura, mas também as fontes literárias e arqueológicas do antigo Oriente Médio, do qual Israel fazia parte.

ws pruDiemas enirem aaos na proauçao a e um a nisum a ao a n tig o Is ra e l n o s d ia s atu a is A questão da inerrância Um dos fatores de maior influência para uma grande visão do Antigo Testamento, isto é, a visão de que ele é a própria Palavra de Deus revelada

INTRODUÇÃO

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aos homens, é a sua inerrância. Enquanto a maioria dos estudiosos evan­ gélicos conservadores admitem que esta inerrância pertence exclusivamen­ te ao autographa, os textos originais, também afirmam que o Antigo Testa­ mento em sua forma primitiva é completamente inerrante. Isto significa que ele não apenas é teologicamente livre de erros, mas também que trata acertadamente e com autoridade de assuntos relacionados à ciência e his­ tória, sempre que seja seu propósito fazê-lo. Honestamente, reconhecemos que esta visão do Antigo Testamento como uma testemunha inerrante da história de Israel é problemática para muitas pessoas orientadas cientificamente, pois está fundamentada em uma conjetura teológica: os mesmos textos usados como documentação histórica são de origem e natureza divinas, e têm sido sobrenaturalmente preservados. A ausência de documentos pré-mosaicos Embora possa haver alguma evidência de que Moisés utilizou alguns documentos para compor o livro de Gênesis - as chamadas toledot ("genealogias") - a existência desses documentos é completamente sem comprovação. Conseqüentemente, isto sugere que, ou ele dependeu ex­ clusivamente da infalível e inquebrável tradição oral (que cobria milhares de anos), ou recebeu as informações por revelação direta. A segunda hipó­ tese obviamente é rejeitada pela maioria dos estudiosos, ao passo que a sugestão da tradição oral é relativamente aceita. O oriente próximo testifica abundantemente acerca do uso de tradições orais, embora não do mesmo nível ou com a mesma integridade implicada no caso de Gênesis. Seletividade histórica E inevitavelmente necessário na história escrita incluir alguns aconte­ cimentos e excluir outros, geralmente com base na disponibilidade de da­ dos e nos interesses do historiador. Esta seletividade é particularmente visível no relato histórico de Israel no Antigo Testamento, porque o Autor (e autores) tinha objetivos determinados em mente. O verdadeiro impulso do Antigo Testamento é teológico. Os fatos mais relevantes para os gran­ des temas do propósito divino, por exemplo a redenção, são preservados enquanto outros são excluídos. Sem dúvida a história de Israel envolve mais do que as informações contidas no registro bíblico. De fato, as freqüentes referências a documentos não-canônicos, tais como o "Livro de Jasar" e o "Livro das Crônicas dos Reis de Israel [ou Judá]", deixam os

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H istória de I srael no A ntigo T estamento

estudiosos alarmados com respeito ao conteúdo que esses materiais pode­ riam fornecer. Entretanto, por razões não muito claras, seu conteúdo não foi adicionado ao registro histórico canônico. O problema para o historiógrafo, então, é a natureza seletiva do Antigo Testamento. Ele não é primariamente uma história, uma crônica, no senti­ do político do termo, mas uma relato descritivo, direcionado da obra de Deus na vida dos homens. A p re s e n te a b o rd a g e m d a h is tó ria d e Isra e l Reconhecimento do caráter revelador do Antigo Testamento Esta presente abordagem da história de Israel parte da confissão de que o Antigo Testamento é a revelação de Deus na forma escrita. Esta con­ fissão obviamente pressupõe sua inspiração como Palavra de Deus e rati­ fica sua inerrância em todas as áreas, incluindo a história. Isto não signifi­ ca que alguém possa escrever uma história de Israel sem enfrentar dificul­ dades - algumas insuperáveis - , mas que é possível fazê-lo reconhecendo plenamente que os problemas não são inerentes às fontes, mas à incapaci­ dade dos historiadores humanos de ter acesso e interpretar essas fontes. O registro pode estar in co m p leto; de fato, ele freqü entem ente é complementado pelas informações extrabíblicas. Contudo, ele nunca está errado quando entendido completamente. Reconhecimento do método bíblico De acordo com o que foi dito acima, esta presente obra reconhece o processo de seletividade no texto canônico e, portanto, não espera que o Antigo Testamento diga mais ou menos do que aquilo que se propõe a falar com respeito à história. Esse processo de seletividade não deveria nos surpreender, pois ocorreu em vários outros registros escritos da mes­ ma época. Por exemplo, alguns acontecimentos marcantes do Antigo Tes­ tamento não foram registrados na história secular quando, na verdade, qualquer um poderia esperar que eles tivessem sido. Do mesmo modo, muitos eventos cruciais no mundo também não são mencionados no Antigo Testamento. É realmente estranho que os textos egípcios (ou ainda mais surpreendente, hititas) sequer façam menção do êxodo de Israel, e também que o Antigo Testamento permaneça em abso­ luto silêncio com respeito ao poderoso Hamurabi. A única explicação para tais omissões repousa na idéia de que houve grande seletividade e (se­

IsTRODUÇÃO

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gundo os padrões modernos) e uma historiografia não-ortodoxa. O histo­ riador moderno precisa admitir que esta é a situação real e tratar os fatos dessa maneira. Não é responsabilidade ou trabalho do historiador dizer o que as fontes deveriam ter incluído, mas trabalhar com elas e tentar extra­ ir delas o melhor entendimento possível. Reconhecimento do propósito bíblico Um compromisso assumido por todo aquele que busca escrever uma história de Israel é aceitar o Antigo Testamento em seus próprios termos. De fato, ele é um livro de história, mas ao mesmo tempo é a revelação progressiva da mente e dos propósitos do Senhor. É desta forma que ele deve ser lido e interpretado teologicamente. Embora a totalidade dos fa­ tos perfaçam um corpo de informação histórica, cada fato, cada evento, cada pessoa do Antigo Testamento tem uma significação especial quando visto no contexto como um todo. O êxodo, por exemplo, é muito mais do que um episódio emocionante que lançou as bases para a nacionalidade de Israel. E um evento simbólico que tipifica a ação salvífica do Senhor com respeito a Israel e também a todo o mundo. Ver os fatos desta manei­ ra não interfere na historicidade literal. Mas deixar de enxergar assim é falhar em ver o Antigo Testamento como uma obra de história que trans­ cende infinitamente os limites da historiografia comum.

Israel em M oabe O propósito da Torá Gênesis Êxodo Levítico Números Deuteronômio A história dos patriarcas Abraão: o ancestral das nações As origens de Abrão A viagem até Canaã O estabelecimento em Canaã A viagem para o Egito A separação entre Abrão e Ló Os reis do Oriente Abrão e sua cultura A destruição de Sodoma e Gomorra Abraão e os filisteus A busca de uma esposa para Isaque Jacó: pai de muitas nações A bênção e o exílio A volta para Canaã O casamento de Judá A descida ao Egito A história de José O cenário A atmosfera cultural De José ao êxodo

Isra e l e m M o a b e Ao término do século quinze antes de Cristo1, uma multidão de pesso­ as conhecida como Israel - uma raça exclusiva entre todas as nações reuniu-se nas planícies de Moabe momentos antes da invasão e conquista de Canaã, que se daria diretamente ao ocidente e através do Rio Jordão. Moisés, que foi por mais de quarenta anos o seu venerado líder, estava prestes a morrer, e já tinha transferido as rédeas de autoridade a seu jo­ vem assistente Josué. Esse foi um momento totalmente singular. O Israel Os princípios que fundamentam a estrutura cronológica adotada nessa obra estão con­ tidos nas pp. 59-73.

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H istória de I srael no A ntigo T estamento

que anteriormente não passava de um povo escravizado e desorganizado foi miraculosamente libertado do domínio da mais poderosa nação da ter­ ra, o Egito, e encontrou-se com Jeová, Deus do céu e da terra, no Sinai. Lá eles entraram numa aliança com Ele e foram feitos seus servos e povo de propriedade exclusiva. Agora, após um intervalo de quarenta anos, eles chegaram a leste de Jerico, estando prestes a entrar na sua terra e futuro lar, a Canaã que o Deus da aliança lhes prometera. Mas existe uma multidão de perguntas que exigem respostas. Não há dúvida de que Moisés e muitos de seus antepassados tinham aprendido sobre os propósitos de Deus, seja por revelação direta ou por tradição oral, e que eles passaram as intenções de Deus para seus contemporâne­ os de várias formas diferentes. Apesar disso, até o presente momento não há qualquer sistematização que nos leve a compreender quais foram os "blocos formadores" da história e teologia que resultaram na estrutu­ ra de um povo unido em aliança com Deus, possuidor de uma tremenda responsabilidade e privilégio de agir como seu povo, segundo o seu pla­ no redentor. Quem, de fato, era esse povo? Qual era a significação de Israel? Como Israel veio à existência? Qual é, especificamente, o propósito que essa na­ ção tem de realizar na condição de mais um membro dentre todos os de­ mais povos e nações? Além de todas essas coisas, qual foi a razão da cria­ ção dos céus, da terra, e de toda a humanidade? O que o Criador tinha em mente para a sua criação? E se Israel foi eleito para lhe servir, como seria realizada essa servidão de forma que contribuísse para a implementação dos grandes propósitos salvíficos de Deus? O p ro p ó s ito d a T orá As tradições universais judaica e cristã ensinam inequivocamente que Moisés agiu como mediador e porta-voz de Jeová para seu povo. No pro­ pósito de providenciar respostas para as perguntas anteriores, dedicou a última parte de sua longa e produtiva vida a esse ministério.2 A forma como as respostas vieram a se constituir chama-se para os judeus de Torá, 2 O surgimento da chamada Alta Crítica, de cunho cético, no período então chamado de Iluminismo, ocorreu no décimo oitavo século. Seus partidários tentaram negar a auto­ ria mosaica do Pentateuco, e consideravam-no um apanhado de vários documentos que foram escritos muitos anos depois das datas tradicionalmente atribuídas a Moisés. Para uma descrição da história desse movimento e uma resposta contra seus argumen­ tos, ver em Roland K. Harrisson, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1969), pp. 3-82.

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e para os cristãos de Pentateuco, ou seja, os livros de Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Embora comumente sejam descritos . como "Lei", na verdade são mais história, porém escrita de forma muito mais elevada.3 Gênesis O propósito do Gênesis é documentar o fato de que o Deus de Israel é o Criador de todas as coisas e, inclusive, traçar a história da raça humana desde a criação até o tempo em que Israel se desenvolveu como uma na­ ção especial. O livro descreve as intenções cósmicas de Deus, a recusa da humanidade em se conformar com os propósitos divinos, e mostra os mecanismos e as promessas contidas na aliança, por meio dos quais Deus iria por fim alcançar todos os seus objetivos, apesar da desobediência dos homens. Isso envolve a chamada e a separação de Abraão que, através de sua inumerável descendência, se tornaria o canal de bênçãos para todo o mundo.4 Êxodo O Êxodo relata a história dos descendentes de Abraão desde a sua li­ bertação da escravidão e opressão egípcia até a sua constituição como povo de Deus no deserto do Sinai. Mostra que Israel não era digno dessa graça, mas que, por razões conhecidas apenas por Deus, foi separado para entrar num concerto com Ele a fim de servir tanto como um repositório das ver­ dades salvíficas quanto como um veículo através do qual essas verdades seriam comunicadas e, por fim, culminariam na encarnação de Jesus Cris­ to. Os principais temas do livro giram em torno dessa aliança. O ponto mais alto do êxodo histórico foi a dádiva da aliança, o texto inteiro que consta em Êxodo 20-23. Lá encontram-se descritas as prescrições de culto com respeito ao modo pelo qual os servos deveriam se aproximar da ma­ jestosa pessoa do Deus Soberano (sacrifício e ritual), e o local onde tal aproximação teria lugar (o tabernáculo).

’ Ver pp. 4,5 4 Gerhard von Rad, Genesis: A Commentary, trad. John H. Marks (London: SCM; Philadelphia: Westminster, 1961), pp. 154-56. O propósito das histórias patriarcais está bem descrito e por John Goldingway, "The Patriarchs in Scripture and History", em Essays on the Patriarchal Narratives, ed. A R. Millard e D. J. Wiseman (Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns, 1983), pp. 1-34.

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Levltico A terceira seção da Torá providencia os padrões de santidade que de­ veriam fazer parte da vida daqueles que estariam incumbidos de estabe­ lecer e manter o acesso ao santo e infinito Senhor da aliança. Esses pa­ drões não eram apenas para o povo de modo geral, mas caíam particular­ mente sobre os sacerdotes, que deveriam servir como intercessores na es­ trutura do culto público. Números O livro de Números descreve a migração de Israel do Egito até as planícies de Moabe, uma viagem repleta de uma sucessão de rebeliões contra o Senhor e contra os administradores de sua teocracia, que cul­ minou na morte de todos os adultos da geração do êxodo. Houve, por conseguinte, a necessidade de se fazer pelo menos uma legislação adi­ cional para os que faziam parte da nova geração, enfatizando nova­ mente as bases que regem a aliança antes que eles se estabelecessem em Canaã. Logo, muita coisa que temos em Números, da mesma forma que em Êxodo e Levítico, é prescritiva em sua natureza, e não narrativa técnica da história. Mas de forma geral, o livro de Números cita os even­ tos históricos significantes do período que vai da aliança do Sinai até a chegada de Israel às planícies de Moabe, um período de aproximada­ mente trinta e oito anos. O livro é assim qualificado como histórico e é de contribuição fundamental para a compreensão do Israel antes da conquista. Deuteronômio Dentre os livros do Pentateuco, Deuteronômio é sem dúvida o menos histórico, uma vez que em sua inteireza apresenta um longo discurso de Moisés para a comunidade da aliança que estava às vésperas da con­ quista. Do ponto de vista literário, esse discurso deve ser visto como um texto exaustivo de uma aliança, e seus elementos encontram paralelos em outros documentos da mesma característica que pertenciam ao anti­ go Oriente Médio.5 O propósito do livro é repetir, com algumas emen­ das e clareza, a mensagem básica de Êxodo 20-23 - uma repetição neces­ 5 Meredith G. Kline, The Structure ofBM ical Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), pp. 9-14.

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sária em face das circunstâncias históricas que transpiravam já por qua­ se quarenta anos desde a revelação no Sinai. A geração que presenciou e entrou em aliança no Sinai já havia morrido ou estava morrendo. Nesse caso, a nova geração também precisava ouvir e, por ela mesma, respon­ der às exigências que o pacto com Jeová lhes impunha. Em outras pala­ vras, precisava haver uma reafirmação daquela aliança, como era de cos­ tume por todo mundo ao leste do Mediterrâneo, quando se findava uma geração de um povo vassalo.6 Além disso, o pacto do Sinai - assim como suas prefigurações em Números - foi particularmente preparado para atender às necessidades de uma sociedade nômade que se dirigia para um vida permanentemente sedentária em Canaã. Finalmente, as tribos haviam chegado à entrada da terra prometida e, logo, uma alteração no pacto se tornava necessária como prevenção para as grandes mudanças que Israel iria encontrar. Deuteronômio é o discurso de despedida de Moisés, no qual ele alerta e lembra o povo acerca de quem eles são, de onde foram tirados e qual deve ser a sua missão daquele dia em diante, à medida que eles reivindicam a terra da promessa e trabalham como mediadores entre as nações. A h is tó ria d o s p a tria rc a s A história de Israel não começa com Moisés, com os acontecimentos do êxodo ou com a aliança. Porém, a compreensão e sistematização dos relatos com respeito às origens de Israel, seu trabalho e destino foram, sem dúvida, preparadas por Moisés nas planícies de Moabe, onde o profeta também manifestou seus dotes e habilidades de histori­ ador. Na criação da Torá, sua obra-prima, Moisés serviu tanto como testemunha ocular quanto como organizador e colecionador de todo o material necessário para documentar o passado. Sem dúvida que esta­ mos diante de um livro histórico, mas podemos dizer que na verdade é muito mais do que isso - estamos diante de um tratado de teologia cujo propósito é mostrar que o Deus Criador, por meio da nação esco­ lhida Israel, soberanamente realizará seu propósito redentor para toda a humanidade.7

6 Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy, New International Commentary on the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1976), pp. 28,30-32. ~Para um apanhado historiográfico um pouco diferenciado sobre as histórias dos patriar­ cas, ver inter alia, John T. Luke, "Abraham and the Iron Age: Reflections on the New Patriarchal Studies", JSOT 4 (1977): 35-47, esp. p. 47.

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Abraão: o ancestral das nações As origens de Abrão A história de Israel tem início com a chamada de Abrão para ser o pai da nação escolhida. No final da lista genealógica que começa com Sem, filho de Noé (Gn 11.10-26), aparece o nome de Terá, pai de Abrão, Naor e Arã. Terá viveu em Ur dos Caldeus (v. 28), a famosa cidade sumeriana localizada às margens do Rio Eufrates, cerca de 241 quilômetros a nordes­ te da costa atual do Golfo Pérsico.8 A mais satisfatória reconstrução da cronologia bíblica localiza o nascimento de Abrão em 2166 a.C.,9 uma época em que a cidade de Ur caiu nas mãos de um povo bárbaro e montanhês conhecido por Guti.10 Conforme já foi constatado, Ur era uma cidade da Suméria - a mais importante dentre um complexo de cidades-estados - povoada pela civili­ zação altamente culta dos sumários pelo menos desde a metade do quarto milênio. A Ur de Terá e Abrão era, por assim dizer, uma cidade altamente cosmopolita, já que não-sumérios como o próprio Abrão e seus antepassa­ dos - de origem semítica - lá viveram e fundiram seus conhecimentos intelectuais e sua cultura com o lastro cultural dos sumários.11 Visto que por aqueles tempos Sargão (2371-2316)12 estabeleceu em Agade o Império Acadiano, de dominação semita, aproximadamente 321 quilômetros a noroeste de Ur, é quase certo que Abrão era bilíngüe, domi8 Acerca de dados relativos às escavações em Ur, ver em C. Leonard Wooley, Ur of the Chaldees (New York: Norton, 1965). 9 Essa cronologia será melhor elaborada nas pp. 59-73. Que a era patriarcal se enquadra aproximadamente nos períodos I-II do Bronze Médio (aprox. 2000-1800) foi demonstra­ do por John J. Bimson, "Archaeological Data and the Dating of the Patriarchs", em Essays on the Patriarchal Narratives, editado por A.R. Millard e D. J. Wiseman (Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns, 1983), pp. 53-89; ver John Bright, A History of Israel, 3a ed. (Philadelphia: Westminster, 1981), p. 85. 10 C.J. Gadd, "The Dynasty of Agade and the Gutian Invasion", em Cambridge Ancient History (CAH), 3ed.., editado por I.E.S. Edwards et al. (Cambridge: Cambridge University Press, 1971), vol. 1, parte 2, pp. 454-61. O domínio dos Guti extendeu-se de aproximada­ mente 2240 até 2115. 11 Dietz Otto Edzard, "The Early Dynastic Period", em The Near East: The Early Civilization, editado por Jean Bottéro et al. (New York: Delacorte, 1967), pp. 86-87; Thorkild Jacobsen, "The Assumed Conflict Between Sumerians and Semites in Early Mesopotamian History", JAOS 59 (1939): 485-95. 12 As datas extrabíblicas para esse capítulo são as mesmas obtidas no Cambridge Ancient History, 3ed.

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nando tanto a língua sumeriana quanto a acadiana. O local de onde os descendentes de Abrão se originaram e como eles se estabeleceram em Ur não está registrado no relato histórico. A miscigenação entre os elementos étnicos sumerianos e semíticos no terceiro milênio está bem atestada na Mesopotâmia inferior; por esta razão, não há necessidade de se buscar por uma outra Ur além da que tem sido tradicionalmente associada a Abrão.13 A principal deidade adorada em Ur era o deus lua sumeriano Nannar, conhecido em acadiano como Sin. Não há dúvida de que Abrão e sua fa­ mília eram devotos fiéis a Sin e às divindades a ele associadas, pois em Josué 24.2 vemos o registro de que eles adoraram e serviram a outros deu­ ses além do rio (o Eufrates). Além disso, alguns estudiosos identificam o nome Terá como sendo uma forma da palavra hebraica yareah ("lua"), o que pode sugerir que o seu nome revelava qual era sua orientação religio­ sa.14 Quando Terá e sua família deixaram a cidade de Ur, restabeleceramse em Arã, um outro importante centro de adoração ao deus Sin. r O assunto que trata acerca do nascimento de Abrão no paganismo em contraste com sua descendência direta da linha escolhida de Sem é de gran­ de interesse, embora não possa ser considerado aqui em detalhes. Contu­ do, está claro que a genealogia que liga Sem a Abrão não deve ser vista como completa, mas apenas como seletiva. Ou seja, os nomes que apare13 Cyrus H. Gordon lançou a teoria que Abrão não tinha ligações com a Ur dos Caldeus mas com uma Ura' na Síria, um local muitíssimo mais próximo de Arã e, segundo seu ponto de vista, muito mais compatível com as narrativas de Isaque e Jacó, cujas esposas procederam da parentela de Abrão em Arã ou da parte mais alta da Síria. Ver detalhes em "Abraham of Ur", em Hébrew and Semitic Studies, editado por D. Winton Thomas e W.D. McHardy (Oxford: Clarendon, 1963), pp. 77-84. Mais recentemente foi ventilada a confirmação de uma outra Ur mais ao norte, que está registrada nos textos de Ebla. Mas, conforme Paul C. Maloney, os sinais cuneiformes usados por aquela Ur são dife­ rentes dos utilizados para soletrar o mesmo nome da Ur dos Sumérios ("The Raw Mate­ rial", BAR 6.3 [1980]: 59). Para uma veemente defesa do ponto de vista que a Ur dos Caldeus deve ser entendida como aquela cidade localizada no sul, ver H.W.F. Saggs, "Ur of the Chaldees", Iraq 22 (1960): 200-9. A frase identificadora "dos Caldeus" é sem dúvida uma glosa explicativa surgida tempos depois, já que os caldeus e os kaldu-(i.e. caldea) não eram conhecidos até o século nove a.C. O propósito, é claro, era distinguir a Ur que se localizava no sul daquelas outras cidades que tinham o mesmo nome. 14 William G. Dever e W. Malcolm Clark, "The Patriarchal Tradition", em lsraelite and Judaean History, editado por John H. Hayes e J. Maxwell Miller (Philadelphia: Westminster, 1977), p. 127. O nome mais provavelmente deve ser buscado no acadiano tarhu ("ibex"). Ver Claus Westermann, Genesis 1-11: A Commentary, traduzido por John J. Scullion (Minneapolis: Augsburg, 1984), p. 564.

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cem são talvez os representantes de muitos outros que, por motivos a nós desconhecidos e que não podem ser determinados, não foram inseridos no registro.15 Caso Sem e Abrão tenham sido contemporâneos, conforme uma interpretação estrita da genealogia nos forçaria a reconhecer, então torna-se extremamente difícil entender como os ancestrais mais imediatos de Abrão tornaram-se pagãos e, mais ainda, por que Abrão teria sido cha­ mado exclusivamente para essa sagrada missão, já que havia crentes dis­ poníveis para cumprir o propósito que Deus tinha em vista.16 E mais: caso Sem e Abrão tenham sido contemporâneos, torna-se difícil conciliar o fato de Abrão haver morrido aos 175 anos, "... em ditosa velhice, avançado em anos..." (Gn 25.8), pois o registro bíblico diz que Sem morreu aos 600 anos, uma idade consideravelmente mais jovem do que seu pai Noé (950 anos). Claramente, podemos ver que Sem precedeu Abrão por muito mais anos do que uma estrita leitura do texto permite enxergar. Portanto, houve tempo suficiente para permitir o fato de Jeová ter desaparecido da linhagem de Sem, tornando-se necessária a sua revelação ao pagão Abrão. A viagem até Canaã Não há como definirmos com precisão quando foi que Abrão partiu de Ur para Arã. Ele já era velho o suficiente para estar casado e ainda jovem o suficiente para continuar debaixo da autoridade patriarcal de seu pai. A despeito do fato de seu nome ser mencionado em primeiro lugar na genealogia, ele era o mais jovem dentre os três filhos de Terá.17 Arã mor­ reu em Ur; logo, apenas Naor, Abrão, e o filho de Arã chamado Ló, parti­

15 Para estudar as formas e funções das genealogias no Antigo Testamento e no antigo oriente médio, ver em Robert R. Wilson, Genealogy and History in the Biblical World (New Haven: Yale University Press, 1977); Jack M. Sasson, "A Genealogical 'Convention' in Biblical Cronology", ZAW 90 (1978): 171-85; Gerhard F. Hasel, "The Meaning of Chronogenealogies of Genesis 5 and 11", Origins 7 (1981): 53-70. Uma interpretação estrita, ou seja, uma interpretação que afirma que as listas genealógicas não omitem nenhuma geração, requereria que Noé tivesse morrido em 2168, apenas 2 anos antes do nascimento de Abrão, e que Sem morrera em 2016, antece­ dendo a Abrão em apenas 25 anos! Ver em Gênesis 9.28; 11.10,11; 25.7. (Nós assumimos nessa obra que Terá estava com 130 anos quando Abrão nasceu. Ver a nota 17). Isso está bastante evidente pelo fato de Abrão ter 75 anos quando partiu de Arã (Gn 12.4). Essa saída ocorreu somente após a morte de Terá (At 7.4), que faleceu aos 205 anos (Gn 11.32). Portanto, Abrão não nasceu antes dos 130 anos de Terá. O fato registrado em Gn 11.26 que Terá estava com 70 anos quando ele teve Abrão, Naor e Terá quer dizer que ele estava com essa idade quando nasceu o seu primeiro filho. Abrão é listado em primeiro lugar devido a sua importância na narrativa que se segue.

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ram com suas esposas seguindo Terá em direção à grande cidade de Arã, cerca de 965 quilômetros a noroeste de Ur. Por que Terá e sua família dei­ xaram a cidade de Ur é algo que não pode ser determinado, embora pos­ samos supor que os levantes políticos e culturais que estavam acontecen­ do na Sumária, em razão das conquistas impostas pelos Guti, devam ter contribuído diretamente para tal decisão. Terá não tinha como descobrir que os bárbaros Guti seriam expulsos em 2115, e que a gloriosa 3aDinastia de Ur seria estabelecida sob Ur-Nammu. Nessa ocasião, Terá e sua família já estavam vivendo em Arã, e dentro de vinte e cinco anos Abrão estaria partindo dali para Canaã (Gn 12.4; cf. At 7.4). Nos anos de sua estada em Arã - que na época era um centro comercial e de negócios habitado principalmente por uma raça conhecida pelos sumerianos por MAR.TU e pelos acadianos por Amurru (os amoritas bí­ blicos) - , Abrão sem dúvida tornou-se fluente no dialeto semítico amorita que lá era falado e adquiriu um estilo de vida nômade, com o qual ele viria mais tarde a se familiarizar em Canaã.18 Os amoritas nesse tempo não apenas ocupavam as principais cidades a noroeste da Mesopotâmia, mas também, por necessidade de expansão comercial, atingiram o sudes­ te e o sudoeste.19 Por fim, pelo fato de haver população suficiente na Mesopotâmia cen­ tral, surgiram as cidades-estados amoritas, tais como Isin, Larsa, e a mais importante de todas: Babilônia. O próprio Hamurabi (1792-1750), o mais Ninguém deve a priori rejeitar o grande número de anos que os patriarcas viveram simplesmente por não encontrarem paralelos nos dias de hoje. Uma análise objetiva dos únicos dados que temos disponíveis exigem que esses números sejam tomados do jeito que nos foram apresentados, a não ser que exista evidência histórica que nos prove o contrário. Será útil observar que é dito que Sargão de Acade reinou por cinqüenta e cinco anos, Rim-Sin de Larsa durante sessenta, Ramsés II do Egito por sessenta e seis anos e, Phiops II do Egito por noventa e quatro anos! Para mais informações, ver em William W. Hallo e William K. Simpson, The Ancient Near East (New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1971), p. 55; CAH 1.2, p. 64; 2.2, p. 232; 1.2, p. 195. Todos esses, com exceção de Ramsés, foram contemporâneos com o período dos patriarcas. Além disso, mesmo sendo grandemente exagerada, a lista dos reis sumérios fala de reis muito anti­ gos que reinaram por séculos e até mesmo por milênios. Sem dúvida que essa longevidade deve estar baseada nalguma fonte genuinamente histórica. Ver em Thorkild Jacobsen, The Sumerian King List, Assyriological Studies 11 (Chicago: University of Chi­ cago Press, 1939). 18 Para informações sobre MAR.TU ou amurru, da Alta Mesopotâmia no início do segun­ do milênio, ver em Jean Bottéro, "Syria During the Third Dynasty of Ur", em CAH 1.2, pp. 562-64. 19 Ignace J. Gelb, "Na Old Babylonian List of Amorites", JAOS 88 (1968): 39-46.

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ilustre dentre todos os reis da Antiga Babilônia, era um descendente dos amoritas. O deslocamento em sentido sudeste que vemos no povo amorita torna-se de importância fundamental para a história bíblica, pois envolve a penetração e ocupação desta raça tanto na Síria quanto em Canaã, esten­ dendo-se inclusive até as fronteiras do Egito. Esses amoritas, que foram equivocadamente caracterizados em certa ocasião como sendo de origem puramente nômade, eram na verdade seminômades em sua maioria, e geralmente urbanizados.20 As pesquisas arqueológicas realizadas em nu­ merosos sítios na Síria e em Canaã têm revelado, segundo o ponto de vista de alguns estudiosos, que as populações indígenas dessas regiões foram dominadas na última parte da Baixa Era do Bronze (2200-2000) por povos geralmente descritos como amoritas.21 Tabela 1 A seqüênria da Era do Bronze

Baixo Bronze Baixo Bronze I Baixo Bronze II Baixo Bronze III Baixo Bronze IV Médio Bronze Médio Bronze I Médio Bronze II Alto Bronze Alto Bronze I Alto Bronze II

3000-2000 3000-2800 2800-2500 2500-2200 2200-2000 2000-1900 1900-1550 1550-1450 1400-1200

20 Para um apanhado do estilo de vida "dimórfico" dos amoritas, ver Michael B. Rowton, "Urban Autonomy in a Nomadic Environment", JNES 32 (1973): 201-15; M. Liverani, "The Amorites", em Peoples o f Old Testament Times, editado por D.J. Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), p. 114. 21 A assim chamada hipótese amorita foi popularizada e encontrou um maior defensor no trabalho de Kathlen Kenyon, Amorites and Cananítes (London: Oxford University Press, 1966), esp. pp. 76,77. Mais tarde surgiu forte oposição contra esta teoria, representada especialmente por C.H.J. de Geus, "the amorites in the Archaeology of Palestine", UF 3 (1971): 41-60. É seguro afirmar que muitos estudiosos ainda acreditam a hipótese e que ela é a que supre-nos com a melhor explicação sobre a liberdade que os patriarcas ti­ nham de seu movimentar em Canaã nesse período, além de ser a melhor forma de se elucidar o padrão dos assentamentos descritos no Antigo Testamento. Maiores infor­ mações, ver Eugene H. Merril, "Ebla and Biblical Historical Inerrancy", Bib Sac 140 (1983): 302-21, esp. pp. 306-8; Benjamim Mazar, "Canaan in the Patriarchal Age", em World History of the Jewish People, vol. 2. Patriarchs, editado por Benjamim Mazar (Tel Aviv: Massada, 1970), pp. 169-87, 276-78.

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O historiador bíblico relata que Jeová disse a Abrão para deixar seu país (na ocasião era Arã), indo para um lugar que Ele progressivamente lhe revelaria. É tentador supormos que Abrão não tenha se movido da­ quele local sozinho, mas que tivesse participado das grandes migrações de amoritas que estavam em voga naqueles dias.22 E verdade que Abrão Tabela 2 Os Patriarcas

O nascimento de Terá O nascimento de Abrão A partida de Abrão de Arã Hagar é dada por mulher a Abrão O nascimento de Ismael A reafirmação da aliança A destruição de Sodoma e Gomorra O nascimento de Isaque A morte de Sara O casamento de Isaque O nascimento de Jacó e Esaú A morte de Abraão O casamento de Esaú A morte de Ismael A viagem de Jacó a Arã Os casamentos de Jacó t O nascimento de Judá Final dos catorze anos de trabalho pelos quais Jacó obteve suas duas esposas O nascimento de José O final da estada de Jacó com Labão A chegada de Jacó a Siquém Diná é deflorada O casamento de Judá José é vendido José é preso José é libertado Morte de Isaque O início da fome Primeira visita dos irmãos de José ao Egito Judá comete incesto com Tamar Segunda visita dos irmãos de José ao Egito Descida de Jacó ao Egito Morte de Jacó Morte de José

2296 2166 2091 2081 2080 2067 2067 2066 2029 2026 2006 1991 1966 1943 1930 1923 1919 1916 1916 1910 1910 1902 1900 1899 1889 1886 1886 1879 1878 1877 1877 1876 1859 1806

22 J. Kaplan, "Mesopotamiam Elements in the Middle Bonze II Culture of Palestine", JNES 30 (1971): 293-307, esp. 305-6. A hipótese amorita não é indispensável em nenhum as­ pecto à historicidade das narrativas patriarcais, pois Abrão poderia ter se movimentado independentemente da alta Mesopotâmia para Canaã.

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nunca é mencionado na Bíblia como sendo de origem amorita, embora a designação "Abrão, o Hebreu" possa indicar que ele era tido como al­ guém que estava associado a certos povos migradores.23 O estabelecimento em Canaã Quando Abrão chegou em Canaã, achava-se numa terra que in­ dubitavelmente tinha passado por algumas modificações culturais devi­ do às novas condições descritas anteriormente. Por um período de mais de mil anos o elemento étnico predominante na terra tinha sido o cananita.24 Quem eram os cananeus na época de Abrão continua obscuro, embora o Antigo Testamento ligue Canaã originalmente a Cão, filho de Noé. Se eles eram ou não semíticos em sua etnia, o fato é que falavam uma língua semítica que se comparava substancialmente à que Abrão deve ter apren­ dido em Arã.25 As escavações feitas recentemente em Tel Mardikh (a anti­ ga Ebla), situada a menos que 240 quilômetros a sudoeste de Arã, têm revelado diversas tabuinhas escritas numa linguagem tão parecida com o cananeu, que muitos estudiosos a têm classificado de protocananéia.26 O3 3 William F. Albright defende a idéia que Abrão não deva ser visto como um pastor de rebanhos que levava o estilo nômade de vida, mas como um mercador ou caravaneiro, ou seja, substancialmente um semi-nômade. ("From the Patriarchs to Moses: I. From Abrahan to Joseph", BA 36 [1973]: 11-15). Quanto à definição de hebreu, ver pp. 100-2. :J Embora não fosse possível até bem pouco tempo encontrar referências aos termos Canaã ou cananeus nos textos literários extrabíblicos mais antigos do que a metade do segun­ do milênio (ver Sidney Smith, The Statue of ldri-Mi [London: British Institute of Archaeology in Ankara, 1949], p. 15; Michael C. Astour, "the Origins of the Terms 'Canaan', 'Phoenician' and 'Purple'," JNES 24 [1965]: 346-47), não existe razão para du­ vidar de que as populações nativas da Palestina nos primórdios da Idade do Bronze tivessem sido cananéias. Conforme diz Roland de Vaux, "Visto que não houve alteração da raça ou da cultura no decurso do terceiro milênio, os 'cananeus' bem podem ser considerados os fundadores da primitiva Idade do Bronze." ("Palestine in the Early Bronze Age," em CAH 1.2, p. 234). Além disso, existe uma informação contida num texto de Ebla, e que antecede em mil anos à referência de Idri-Mi (Alalakh), citando um tal "senhor de Canaã" (be ka-na-na-im). Ver Giovanni Pettinato, The Archives o f Ebla (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1981), p. 253. := Sabatino Moscati, Na Introduction to the Comparative Grammar of the Semitic Language (Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1984), pp. 3-8; William L. Moran, "The Hebrew Language in Its Northwest Semitic Background", em The Bible and the Ancient Near East, editado por G. Ernest Wright (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1965), pp. 59-64. Pettinato, Archives, p. 56; quanto as escavações e dados arqueológicos, ver em Paolo Mathiae, Ebla: An Empire Rediscovered, traduzido por Christopher Holme (Garden city, X.Y: Doubleday, 1981).

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que é mais significativo ainda é o fato de tais tabuinhas datarem de 2500 a.C. Sendo assim, ainda antes da época de Abrão havia uma profunda afinidade entre as línguas faladas no noroeste da Mesopotâmia e Síria (e presumivelmente em Canaã).27 Já que Abrão era fluente no idioma amorita, a assimilação do novo idioma cananita, sua nova terra natal, seria uma tarefa muitíssimo fácil. Um dos efeitos da ocupação de Canaã pelos amoritas foi que eles restringiram o acesso dos cananeus à planície costeira do Mediterrâ­ neo, o vale de Jezreel, bem como o vale do Jordão (Nm 13.29). Os amoritas se estabeleceram na porção central das grandes regiões mon­ tanhosas, e desenvolveram um estilo de vida baseado na pecuária e na agricultura.28 Semelhantemente, Abrão se estabeleceu nas regiões mon­ tanhosas e limitou-se nessa área até ao sul na fronteira do deserto do Negueve. O primeiro local onde o patriarca levantou suas tendas foi Siquém (Gn 12.6), um nome que surgiu somente anos após seu estabelecimento, uma vez que nos dias de Abrão não havia cidade alguma naquele lo­ cal.29 Lá ele edificou um altar e também fixou sua residência, aparente­ mente sem qualquer oposição contrária. A terra se abriu diante dele e era dele para a possuir. As referências enigmáticas a respeito dos cananeus que habitavam a região (Gn 12.6; 13.7) não contradizem o quadro geral da época, e podem ter sido apenas anotações feitas por Moisés para mostrar que, mesmo sendo uma civilização urbanizada em sua época

27 Para uma posição cautelosa e ao mesmo tempo bem informativa quanto à relevância dos textos de Ebla com respeito a história, vida social, religião e linguagem da antiga Síria, ver em Lorenzo Vigano e Dennis Pardee, "Literary Sources fo the History of Palestine and Syria: The Ebla Tablets," BA 47 (1984): 6-16. 2S Kenyon, Amorites, pp. 76-77; William F. Albright, "The Jordan Valley in the Bronze Age", AASOR 6 (1926): 68; Norman K. Gottwald, The Tribes ofYahweh (Mary-knoll, N.Y.: Orbis, 1979), p. 452. O que não significa necessariamente nomadismo ou vida em cabanas, conforme D. J. Wiseman nos mostra com respeito aos patriarcas ("They Lived in Tents", em Biblical and Near Eastern Studies, editado por Gary A. Tuttle [Grand Rapids: Eerdmans, 1978], pp. 195-200). 29 William G. Dever, "Palestine in the Second Millenium BCE: The Archaeological Picture," em Hayes e Miller, History, p. 99; Joe D. Seger, "The Middle Bronze II C Date of the East Gate of Shechem," Levant 6 (1974): 117. Em 1900 Siquém desenvolveu-se num centro urbano, quase duzentos anos após a chegada de Abrão em Canaã (aprox. 2100). Na narrativa não existe sequer uma pista que nos indique que ali existiu uma cidade nos dias de Abrão. Pelo contrário, parece que ele construiu um altar num local desocupado, o qual mais tarde se tornou a cidade de Siquém.

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(ou seja, viviam em cidades-estados), nos dias de Abrão, eles tinham sido desapossados e estavam "na terra" no sentido de serem forçados a uma forma de vida mais agrária.30 Mudando-se para uma outra colina entre Betei e Ai, cidades que rece­ beram esses nomes tempos depois,31 Abrão e seu clã novamente não en­ contraram nenhuma resistência. Esse padrão foi mantido por todo um percurso na direção sul, através de toda a extensão da região montanhosa. Com os cananeus efetivamente habitando nas planícies e vales, e os amoritas (entre os quais Abrão viveu) levando um estilo nômade de vida, este patriarca moveu-se e se estabeleceu conforme sua vontade e livre esco­ lha, sem qualquer impedimento ou ameaça por parte daqueles que forma­ vam a população nativa da região. A viagem -para o Egito Pouco depois da chegada de Abrão ao Negueve, a terra foi afligida por uma severa seca, forçando-o a partir com sua família para o Egito a procura de alívio. Devido a infalível cheia do rio Nilo que, como conseqüência, irrigava continuamente as ricas fazendas da região, o Egito desde os tempos mais remotos sempre foi considerado o celeiro do mundo Mediterrâneo oriental. Não foi nada difícil chegar ao Egito, já que seus habitantes, com muita regularidade, vinham demonstrando aberta hospitalidade para com os povos semitas.32 Elavia, é claro, certa resistência e alerta com relação àqueles estrangeiros barbados, mas mesmo assim costumava-se estender o tapete de boas-vindas especial­ 30 Esse particularmente parece ser o caso de Gênesis 13.7, que fala de uma tensão entre Abrão e Ló por causa de pastos para seus rebanhos. Justamente porque os cananeus estavam "na terra", o espaço para Abrão e Ló era pequeno. 31 Confira em Gênesis 28.19 e Josué 8.28 (visto que o nome Ai significa "ruína", subenten­ de-se que esta cidade passou a se chamar assim somente após a conquista israelita do local). O nome anterior para o sítio de Betei, que chamava-se Luz, continua sem com­ provação, embora esteja claro que tal local se estabeleceu tão cedo quanto a primitiva Idade do Bronze. Ver em J.L. Kelso, The Excavation ofBethel 1934-1960, AASOR 39 (1968). Não há como localizar a cidade de Ai com precisão hoje em dia. Para termos uma visão completa do assunto, ver em John J. Bimson, Redating the Exodus and Conquest (Sheffield: JSOT, 1978), pp. 215-25. 32 Cyril Aldred, The Egyptians (New York: Praeger, 1961), pp. 103-4. Este estado de coisas continuou por todo o Primeiro Reino Intermediário e Reino Médio, conforme nos é demonstrado por O. Tufnell e W. A. Ward, "Relations Between Byblos, Egypt and Mesopotamis at the End of the Thrid Millennium B.C., Syria 43 (1966): 165-241, especial­ mente páginas 221-23.

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mente se os semitas fossem daqueles cuja inclinação voltava-se para o comércio.33 A visita de Abrão ao Egito aconteceu próximo ao final do Primeiro Pe­ ríodo Intermediário, provavelmente durante a 10a ou 11a Dinastia. Quan­ do ele chegou ao Egito e contemplou as grandes pirâmides próximas a Mênfis, sabemos que esses grandes monumentos do Reino Antigo já esta­ vam ali por mais de quatro séculos. Mas aquela era gloriosa tinha chegado ao fim com a 5a Dinastia e, por três séculos, o Egito entrou em profundo declínio, primariamente devido a ascensão do poder dos nomarcas ou governantes dos distritos locais. Visto que Abrão chegou em Canaã por volta de 2091 a.C., e que provavelmente entrou no Egito não muito depois dessa data, concluímos que o rei para quem ele mentiu com respeito a ser Sara sua esposa foi, ao que tudo indica, Wahkare Achthoes III (aprox. 2120­ 2070) da 10a Dinastia, e que provavelmente foi o compositor da famosa "Instrução para o Rei Meri-ka-Re".34 Esses conselhos coligidos para seu filho, que tratam da deslealdade dos asiáticos, bem podem estar relacio­ nados de uma forma ou de outra com a duplicidade apresentada por Abrão. A separação entre Abrão e Ló Apesar da deslealdade praticada por Abrão no Egito, ainda assim o Senhor decidiu abençoá-lo naquele lugar; por fim, o patriarca retornou para o Negueve e de lá moveu-se para a vizinhança de Betei e Ai, levando consigo grandes riquezas. A multiplicação dos rebanhos de Abrão e Ló foi tão significativa que eles chegaram à conclusão de que era impossível a coexistência nas mesmas terras de pastagens. Além disso, é claro, há toda uma possibilidade de haver existido naquele local o elemento cananeu não-sedentário também competindo pelos espaços abertos. No intuito de aliviar a tensão que estava se desenvolvendo em conseqüência do aglo­ merado de rebanhos, Abrão propôs a seu sobrinho Ló que se afastassem um do outro. Mais uma vez temos a nítida impressão de que a terra estava completamente disponível para eles, ou seja, não havia latifundiários de quem as terras devessem ser compradas, ou para quem fosse necessário pedir permissão para fixar residência. Todas essas informações condizem Ver o texto interessante "The Instmction for King Meri-ka-Re," em James B. Prithcard, Ancient Near Eastern to the Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton University Press, 1955), pp. 414-18, esp. 11.91ff: "Vede o maldito asiático... ele não consegue viver num único lugar, (mas) suas pernas foram feitas para perambular". ’ William C. Hayes, "The Middle Kingdom in Egypt," em CAH 1.2, pp. 466-68. Ver tam­ bém nota 33.

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exatamente com os padrões de fixação de residência conhecidos em Canaã nesse período. Olhando cobiçosamente para o oriente, Ló decide procurar sua fortuna nos pastos verdejantes das planícies do Jordão, provavelmente na parte baixa daquele vale, do leste de Betei para o mar Morto.35 A história da cultura daquela região nos diz que o local já havia sido ocupado por po­ vos cananeus que também tinham sofrido as mesmas devastações provocadas pelos amoritas, as mesmas experiências pelas quais os habi­ tantes irmãos da região montanhosa haviam passado.36 Alguns estudio­ sos sugerem que as cidades impenitentes da planície, inclusive Sodoma, devem ser situadas nessa região ao norte do mar Morto.37 Porém, é mais provável ainda que tais cidades estivessem fixadas a sudeste do mar, con­ forme a tradição de longos anos tem acreditado e as recentes escavações têm confirmado.38 Caso tenha sido assim, conclui-se que Ló deve ter en­ trado a princípio no vale do Jordão, depois continuou seguindo em dire­ ção sul até chegar aos arredores de Sodoma (Gn 13.12). Quanto a Abrão, as partes mais altas de Betei lhe proporcionavam uma vista panorâmica privilegiada de toda a região que Deus havia prometido dar a ele e a seus descendentes. A ordem de Deus "...percorre essa terra no seu comprimento e na sua largura..." (Gn 13.17) implica em afirmar a pos­ sessão e a dominação que Abrão tinha de toda aquela área.39 Como resul­ tado, Abrão deu seus primeiros passos, viajando com sua família e reba­ nhos para um acampamento próximo a Manre, que tinha sido assim cha­ 35 Yohanan Aharoni, The Land ofihe Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), pp. 133-4. 36 Jerico, a principal cidade da área, segundo a opinião de Kenyon (Amorites p. 9), tinha sido destruída por volta de 2300 e reconstruída por uma "população numerosa, embora fossem nômades" (p. 33). Esses primitivos anos do Médio Bronze sobreviveram até cer­ ca de 1900 (p. 35). A natureza não-urbana da área explicaria o porquê de Ló (cerca de 2090 a.C.) ter decidido escolher a "planície do Jordão" como sua porção. 37 Willem C. Van Hatten, "Once Again: Sodom and Gomorrah", BA 44 (1981): 87. 38 Ver particularmente a obra em andamento de Walter Rast e Thomas Schaub, "Survey of the Southeastern Plain of the Dead Sea," ADAJ 19 (1974): 5-53; "Bab edh-Dhra' 1975," AASOR 43 (1978): 1-60; "Preliminary Report of the 1979 Expedition Bab edh-Dhra' and Numeira: May 24-July 10,1981," ASOR Newsletter 4 (1982): 4-12. 39 A divina promessa da terra e as outras bênçãos (Gn 12.1-3; 15.18-21; 17.1-8) estão registradas numa forma de aliança tecnicamente conhecida nos estudos do antigo Ori­ ente Médio como sendo um "concerto da graça". É uma iniciativa que parte daquele que concede o favor, e quase sempre sem que para isso exista quaisquer prerequisitos ou qualificações. Ver em Moshe Weinfeld, "The Covenant of Grant in the Old Testament and in the Ancient Near East", JAOS 90 (1970): 184-203: Samuel E. Loewenstamm, "The Divine Grants of Land to the Patriarchs," JAOS 91 (1971): 509-10.

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mada em homenagem ao seu líder amorreu (Gn 14.13), e que seria um dia a cidade de Hebrom (Gn 13.18). Sabemos que a referência a Hebrom, por parte de Moisés, não passa de anotações explicativas feitas por ele, já que, de acordo com Números 13.22, a cidade não havia sido ainda construída até sete anos antes da construção de Zoan, a cidade mais importante construída pelos hicsos bem ao oriente do Delta do Egito. Esses dados colocariam a fundação da cidade de Hebrom a cerca de 1727, ou seja, tre­ zentos anos depois de Abrão.40 Os reis do Oriente A essa altura, a narrativa patriarcal envereda por um caminho comple­ tamente diferente. Até agora tudo tem girado em torno de uma atmosfera estritamente pessoal, com caráter muito mais biográfico do que qualquer outra coisa, o que resulta numa dificuldade quase intransponível quando tentamos associar essas narrativas ao contexto histórico internacional mais abrangente.41 Por outro lado, vemos em Gênesis 14 que Abrão se encon­ trou com reis e líderes de algumas tribos da região, cujos nomes não ape­ nas são mencionados, mas também seus territórios e alianças militares são descritos em detalhes. Praticamente todos os estudiosos admitem a natu­ reza historiográfica da narrativa, embora reconheçam a grande dificulda­ de existente em identificar os protagonistas e encaixá-los numa série de acontecimentos conhecidos nas fontes extrabíblicas.42 40 Zoan é identificada com Avaris ou (mais provavelmente) com a Tanis dos hicsos, situa­ da a cerca de 32 quilômetros de Avaris. Alguns estudiosos identificam Zoan e Tanis com a Per-Ramesse. Ver Jacquetta Hawkes, The First Great Civilizations (New York: Knopf, 1973), p. 315. Se Zoan é Avaris ou Tanis, em nada irá afetar a cronologia em questão, já que os sítios onde os hicsos viveram foram construídos por volta do mesmo período (ca. 1720). Ver William C. Hayes, "Egypt: From the Death of Ammenemes III to Seqenenre II," em CAH 2.1, pp. 57-58. 41 Não queremos com isso sugerir que as narrativas patriarcais, apenas por serem relatos biográficos, não devam ser consideradas históricas em seu gênero literário. Cada vez mais se tem reconhecido que o estilo literário em forma de biografia é uma forma extre­ mamente positiva e produtiva de se contar uma história. Ver em Luke, "Abraham and the Iron Age," fSO T4 (1977): 37; Lawrence Stone, "The Revival of Narrative: Reflections on a New Old History," Past and Present 85 (1979): 3-24; " 'Disilusioned' with Numbers and Counting, Historians Are Telling Stories Again," The Chronicle of Higher Education, 13 June 1984, pp. 5-6. 4: Da mesma forma, por exemplo, Ephraim A. Speiser, Genesis, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1964), pp. 108-9; Niels-Erik A. Andreason, "Genesis 14 in Its Near Eastern Context,", em Scripture in Context, editado por Cari D. Evans et al. (Pittisburgh: Pickwick, 1980), pp. 60,62-65.

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O resultado dessa dificuldade tem produzido duas ações em si negati­ vas: ou cria-se uma atitude de completo cepticismo acerca desse aconteci­ mento, produzindo a teoria de que tudo não passou de fábula histórica ou, por outro lado, desenvolve-se o desejo de identificar cada um desses personagens com indivíduos bastante conhecidos do antigo Oriente Mé­ dio. Por exemplo, durante muito tempo o rei de Sinar, Anrafel, foi identi­ ficado como o grande Hamurabi da Babilônia. Não há como negar que Sinear é uma palavra bíblica para descrever a Mesopotâmia (ver Gn 10.10; 11.2), mas Hamurabi (1792-1750) viveu cerca de trezentos anos depois de Abrão, segundo a melhor cronologia. Além disso, Anrafel, de modo filológico, não pode ser equivalente a Hamurabi. Da mesma forma, todas as tentativas de associar Arioque rei de Elasar a Arriyuk ou Arrwuk de Mari, Quedorlaomer a Kudur-lagamar de Elão, ou Tidal a Tudhaliyas I de Hati, falharam em conseqüência das razões lingüísticas e cronológicas. É muito mais prudente dizer hoje que apesar do relato possuir cada marca de credibilidade histórica, não há como fazer a identificação desses reis do Oriente.43 Quanto aos líderes das cidades que faziam parte da planície, é possível um pouco mais de exatidão. Alguns estudiosos que tiveram acesso a algu­ mas das tabuinhas de Ebla sugeriram que as cidades da planície e os no­ mes dos reis que ali estão contidos se encaixam perfeitamente com aque­ les outros descritos na narrativa bíblica.44 Até que esses textos sejam pu­ blicados e assim tornem-se acessíveis para o público em geral, tais reivin­ 43 Ver a discussão bastante elucidativa de Keneth A. Kitchen, Ancient Orient and Old Testament (London: Tyndale; Chicago: Inter-Varsity, 1966), pp. 43-44. Kitchen dá a en­ tender que embora as pessoas listadas em Gênesis 14 não possam por enquanto ser ligadas a indivíduos em histórias extrabíblicas, os nomes são por outro lado muito fa­ miliares no período do Bronze Médio. S.Yeivin vai até mais além: datando o período patriarcal como tendo existido do décimo oitavo ao décimo sexto séculos - trezentos anos mais tarde do que a nossa cronologia - ele identifica os reis com alguns governantes bem conhecidos ("The Patriarchs in the Land of Canaan," em World History ofthe Jezvish People, vol. 2, pp. 215-17). 44 David Noel Freedman, "The Real Story of the Ebla Tablets," BA 41 (1978): 143-64. Giovanni Pettinato, que foi o primeiro a fazer tal afirmativa, tempos depois recuou de sua posição por motivos até agora inteiramente desconhecidos. Ver em seu Archives, p. 387, para se achar evidências pelo menos acerca das cidades de Sodoma e Gomorra nos textos de Ebla. Precisamos, porém, adotar uma posição bastante cautelosa a fim de não atribuirmos tanta importância aos achados em Ebla, e não darmos ao Antigo Testamen­ to uma importância quase nula. Ver alguns avisos importantes em Robert Biggs, "The Ebla Tablets: An ínterim Perspective," BA 43 (1980): 82-83,85.

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dicações não poderão ser confirmadas. Mas não há absolutamente nada no relato bíblico que tenha sido reprovado pelas novas descobertas literá­ rias, e nem existe qualquer incongruência com o ambiente histórico onde tais narrativas tiveram lugar. A invasão de Canaã por quatro (presumivel­ mente) das maiores potências não deve nos conduzir necessariamente a idéia de que toda força militar foi usada por tais reis nessa campanha. E quase certo que tal campanha tivesse um caráter mais exploratório, cul­ minando nos resultados inesperados que produziram a conquista de al­ gumas cidades da planície (Gn 14.4). Depois de doze anos, as cidades se rebelaram. Como conseqüência, os reis do Oriente voltaram e deram fim à rebelião, levando consigo os prisi­ oneiros e despojos. Quando descobriu que seu sobrinho Ló estava conta­ do entre os prisioneiros, Abrão e seus confederados Manre, Escol e Aner perseguiram os inimigos e os subjugaram em Hobá, situada ao norte de Damasco. Não é difícil de acreditar que, com apenas "318 homens treina­ dos", Abrão tenha sido capaz de resgatar Ló e todos os seus bens, uma vez que os vizinhos amoritas também levaram suas tropas, o que no final deve ter somado milhares, sem falar que não há nenhum registro de que Quedorlaomer e seus aliados tenham vindo a Canaã com um considerá­ vel contingente militar. Abrão e sua cultura As referências a Abrão como "o hebreu" (Gn 14.13) são de especial in­ teresse, tanto porque é a primeira vez que as vemos em todo o Antigo Testamento, quanto porque tal palavra surge nos lábios de alguém nãoisraelita. Em raras ocasiões, o povo escolhido intitulou-se de hebreu, espe­ cialmente nos dias antigos. A razão para isso, sem dúvida, está no fato de que embora a designação étnica hebreu deva achar sua origem em Eber, o ancestral de Abrão (Gn 10.21,25), um nome similar conhecido por 'apiru (ou habiru) levou os contemporâneos de Abrão e as gerações subseqüentes a confundirem os dois.45 Ou seja, apesar de os hebreus fazerem clara dis­ tinção entre eles e os demais povos conhecidos por ‘apiru, outros não tive­ ram o mesmo cuidado para entender ou reconhecer essa distinção, já que eles passaram a se referir pejorativamente a Abrão e seus descendentes 45 Uma discussão mais aprofundada acerca dos 'apiru e seu relacionamento com os israe­ litas terá que esperar até que tratemos da questão da conquista de Canaã (pp. 100-8). Por enquanto, sugerimos pesquisar em Moshe Greenberg, The Hab/piru (New Haven: American Oriental Society, 1955); Michael B. Rowton, "Dimorphic Structure and the Problem of the 'Apiru-'Ibrim," Jnes 35 (1976): 17-20.

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como hebreus. Em contrapartida, essa atitude levou os hebreus a se utili­ zarem de um outro termo com o qual se identificariam, que se tornaria comum pelo menos em tempos posteriores, ou seja, passariam a se cha­ mar "israelitas". Algumas atitudes características de Abrão e sua mulher em Gênesis 15 e 16 requerem um pouco mais de nossa atenção, em relação a alguns hábitos e leis do antigo Oriente Médio, especialmente algumas práticas hurianas que estão registradas nas tabuinhas de Nuzi. Esses documen­ tos, que foram escavados e publicados há mais de cinqüenta anos, con­ sistem primariamente de registros de importantes famílias hurianas que viveram por volta de 1500 a .C , tendo habitado em Nuzi (a moderna Yorghan Tepe), aproximadamente oitenta quilômetros a sudoeste de Assur, na Assíria.46 Os documentos se referem a assuntos tais como he­ rança familiar e direitos de propriedade, escravidão, adoção e coisas se­ melhantes. Já foi notado por estudiosos mais antigos que os documentos de Nuzi tratam acerca de assuntos sociais e familiares como reminiscên­ cias das histórias patriarcais. Eles foram então utilizados para explicar alguns costumes bíblicos que até o momento não tinham praticamente nenhuma significação para nós. Um dos problemas em que a evidência dos documentos de Nuzi foi aplicada diz respeito à objeção feita por Abrão, que considerava a promes­ sa divina de uma inumerável multidão impossível, já que ele não possuía herdeiro algum, exceto Eliezer de Damasco, a quem ele descreveu como sendo "um servo nascido em minha casa" (Gn 15.3). O que está afirmado aqui é que Eliezer era um filho adotivo, algo também confirmado por Jeová, que assegurou não ser Eliezer o herdeiro de Abrão, mas "aquele que será gerado de ti, será o teu herdeiro" (v. 4). As tabuinhas de Nuzi parecem se referir a essa mesma situação: um escravo poderia se tornar o herdeiro de um casal que não tivesse filhos caso fosse por eles adotado. Outro caso interessante refere-se à esterilida­ de de Sara e às providências que ela mesma tomou para garantir sua des­ cendência mesmo em face dessas circunstâncias (Gn 16.1-6). Ela simples­ mente ofereceu sua escrava particular chamada Hagar para Abrão como uma espécie de mãe de aluguel, mas o filho dessa união, Ismael, seria considerado como o filho de Abrão e Sara. Esse costume também é encon-

46 Para informações que descrevem como foram as escavações e publicação dos textos, ver em Ephraim A. Speiser, New Kírkbuk Documents Relating to Family Laws, AASOR10 (1928­ 1929): 1-73.

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trado nos documentos de Nuzi, que descrevem a mesma estratégia em situações semelhantes.47 Estudiosos mais modernos têm chamado a atenção para a facilidade com que o conteúdo de Nuzi tem sido usado para iluminar detalhes sobre os costum es da época p atriarcal, chegando m esm o a "p ro v ar" a historicidade desse período.48 Os patriarcas têm sido classificados pela cronologia bíblica tradicional anteriores aos textos de Nuzi em aproxima­ damente quatrocentos ou quinhentos anos. Esse problema foi tão sério que levou estudiosos tais como Cyrus Gordon a regredir a era patriarcal para a Era do Bronze Superior (aprox. 1550-1200), de forma que os docu­ mentos de Nuzi pudessem ser nela encaixados.49 Isso é a pior espécie de subjetivismo. Aposição mais racional é assumir que as tabuinhas de Nuzi refletem na realidade costumes que não tiveram início nesta época, mas que já vinham sendo praticados por séculos. De fato, muitos costumes semelhantes aos vistos nos documentos de Nuzi foram comprovados em muitos sítios arqueológicos, os mais antigos, e ainda continuam sendo de utilidade indispensável na compreensão do estilo de vida patriarcal.50 De qualquer forma, não existe nada nos dois incidentes mencionados que necessitem de uma data posterior ao que tem sido requerido pela perspec­ tiva bíblica, nem devemos imaginar que esses incidentes aparecem como relatos isolados, sem qualquer analogia contemporânea. A destruição de Sodoma e Gomorra A história das cidades das planícies não termina com o final dramático do resgate efetuado por Abrão e seus companheiros. Algum tempo depois

47 Para esse e outros paralelos, ver em Cyrus H. Gordon, "Biblical Customs and the Nuzi Tablets," BA 3 (1940): 1-12; Speiser, Genesis, esp. pp. Xl-xliii; Samuel Greengus, "Sisterhood Adoption at Nuzi and the 'Wife-Sister' in Genesis," HUCA 46 (1975): 5-31. 48 Thomas L. Thompson, The Historicity of the Patriarchal Narratives (Berlin: de Gruyter, 1974); John Van Seters, Abraham in History and Tradition (New Haven: Yale University Press, 1975); Thomas L. Thompson, "The Background of the Patriarchs: A Reply to William Dever and Malcolm Clark,"/SOT 9 (1978): 2-43. 49 Cyrus H. Gordon, "Hebrew Origins in the Light of Recent Discovery/'em Biblical and Other Studies, editado por Alexander Altmann (Cambridge: Harvard University Press, 1963), pp. 5-6. 57 Ver em M.J. Selman, "Comparative Customs and the Patriarchal Age," em Essays on the Patriarchal Narratives, editado por A.R. Millard e D.J. Wiseman (Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns, 1983), pp. 91-139; Tikva Frymer-Kensky, "Patriarchal Family Relationships and Near Eastern Law,"BA 44 (1981): 209-14.

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desse incidente, o Senhor aparece a Abrão (agora Abraão - Gn 17.5)51 e lhe anuncia sua decisão de destruir as cidades por causa de sua renitente iniqüidade. Embora Abraão tenha intercedido em seu favor, ele não tinha condições de reter a ira de Deus; com exceção de Ló e suas duas filhas, todas as cinco cidades e seus habitantes pereceriam. Em decorrência do juízo divino, algum tipo de erupção vulcânica ou explosão petrolífera lan­ çou para os céus uma grande quantidade de material magmático que cho­ veu em seguida sobre a terra.52 Visto que a narrativa está posta entre a promessa feita a Abraão e Sara de que eles teriam um filho dentro de um ano (Gn 18.14) e o nascimento de Isaque (Gn 21.2), um fato que ocorreu em 2066 a.C.,53 concluímos que o julgamento e destruição dessas cidades só pode ter ocorrido por volta de 2067 a.C. Já mencionamos anteriormente que as inscrições em Ebla com certeza mencionam pelo menos as cidades de Sodoma e Gomorra. Uma vez que tais documentos não podem ser mais antigos que 2500 a.C., não é difícil deduzir que estas cidades não puderam ser destruídas antes dessa data. Por outro lado, escavações arqueológicas recentes têm de­ monstrado em Bab edh-Dhra' e noutros locais na península de el-Lisan e suas imediações, na extremidade a sudeste do mar Morto, a existência de restos de entulhos de antigos complexos urbanos aparentemente an­ teriores a 2000 a.C.54 Não há como não ser tentado a acreditar que algum desses locais - ou todos eles - compõe as cidades bíblicas da planície, já que tanto sua loca­ lização quanto as datas são compatíveis com o testemunho do Antigo Tes­ tamento. Sabemos que não há como ser dogmático nessa matéria por falta de confirmação literária extrabíblica acerca dessas cidades; mesmo assim, fica claro que as histórias patriarcais ganham maior corroboração do que jamais tiveram anteriormente.55

51 Abrão = "pai exaltado" e Abraão = "pai de multidões". Para saber sobre a proveniência e significação teológicas desses nomes, ver em D. J. Wiseman, "Abraham Reassessed," em Essays on the Patriarchal Narratives, pp. 158-60. 52 Os escavadores da região atribuem a destruição dos sítios urbanos a um terremoto. Ver em Michael D. Coogan, "Numeira 1981," BASOR 255 (1984): 81. 53 Para uma linha de argumento que apoia essas datas, ver Eugene H. Merrill, "Fixed Dates in Patriarchal Chronology," Bib Sac 137 (1980): 242-43. 54 Rast e Schaub, "Bab adh-Dhra' 1975," AASOR 43 (1978): 2; van Hatten, "Sodom and Gomorrah," BA 44 (1981): 89. 55 Albright, "Jordan Valley," AASOR 6 (1926): 62, chega mesmo a dizer que "É muito difí­ cil separar o abandono de Bab ed-Dra' da destruição das Cidades da Planície."

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Abraão e os filisteus Pouco depois da destruição das cidades da planície, Abraão viajou para o sul e oeste de Manre até uma região entre Cades-Barnéia e Sur, em al­ gum ponto bem ao norte da península do Sinai. Lá ele habitou por algum tempo com um homem chamado Abimeleque, rei de Gerar. Nesse local, Abraão disse à sua esposa que fingisse ser sua irmã, uma tática que ele já tinha empregado anteriormente no Egito. Esse subterfúgio tem levado al­ guns estudiosos a acreditar que estamos diante de um relato duplicado do mesmo acontecim ento.56 Da mesma forma, a mentira de Isaque para Abimeleque acerca de sua mulher Rebeca, chamando-a de sua irmã, tem sido colocado como uma duplicata da história de Abraão com Abimeleque, ou talvez uma tríade com o relato de Abraão e Faraó.57 Mas, além dos três relatos divergirem em detalhes e terem em comum apenas a mentira a respeito da esposa, não existe razão por que Abraão não poderia repetir o mesmo recurso que havia funcionado razoavelmente bem antes, e sem dúvida Isaque deve ter aprendido esse truque com seu pai.58 De maior importância histórica e também maior dificuldade é a identi­ ficação de Abimeleque como sendo um filisteu (Gn 21.32,34; ver 26.1). Geralmente, admite-se que essa identificação é anacrônica na melhor das hipóteses, já que os filisteus, como parte da migração feita pelos povos do mar, não entraram e possuíram a parte da costa inferior de Canaã até 1200 a.C. ou depois dessa data.59 Além disso, o nome Abimeleque é semítico e não filisteu.60 O segundo desses dois problemas será tratado em primeiro lugar. O nome Abimeleque significa "meu pai é o rei" e poderia, na verdade, ser mais um título do que necessariamente um nome próprio.61 O fato de que Isaque tratou com um rei filisteu do mesmo nome muitos anos depois poderia até dar suporte a tal proposta. Muitos anos depois, Josué derro­ 56 John Skinner, A Criticai and Exegetical Commentary on Genesis (New York: Scribner, 1910) p. 315. 57 Ibid., pp. 364-65. 58 Gleason L. Archer, Jr., A Survey ofOld Testament Introduction (Chicago: Moody, 1964), pp. 120- 21 . 89 Van Seters, Abraham, p. 52. Roland de Vaux, The Early History of Israel, traduzido por David Smith (Philadelphia: Westminster, 1978), pp. 503-4. Kitchen, Ancient Orient, p. 81; idem, "The Philistines," em Peoples ofOld Testament Times, editado por D.J. Wiseman, pp. 56-57; D.J. Wiseman, "Abraham in History and Tradition. II: Abraham the Prince," Bib Sac 134 (1977): 232-33.

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tou a jabim, de Hazor, um rei cananeu; e muitos anos depois disso Débora e Baraque subjugaram um rei de Hazor também conhecido por Jabim. Embora aqui tenhamos um nome próprio, podemos ver que esses são exem­ plos que nos mostram que diferentes reis ou governantes de um mesmo local podem ter nomes semelhantes. Mais relevante talvez seja o uso de títulos como Faraó ou Czar, usados de maneira que se tornaram praticamente nomes próprios em vez de pu­ ramente títulos. Sendo assim, não há como alguém determinar o caráter étnico do nome de Abimeleque, ou seja, se ele, mesmo sendo filisteu, pôde ter se utilizado de um título semítico ou se, por ter assimilado profunda­ mente a cultura semítica, adotou para si um nome semítico. O problema da presença de filisteus em Canaã quase um milênio antes da chegada dos povos do mar é mais complicado, embora não insolúvel. Uma série de textos oriundos de Mari, Ras Shamra e de outras partes, refere-se aos povos de Caftara, cujo local de origem pode ter sido a ilha de Creta ou um outro local em alguma região do mundo Egeu.62 E a Bíblia associa os primitivos filisteus aos caftorim, cujo lar era em Caftor ou Creta (Dt 2.23; Jr 47.4; Am 9.7; ver Gn 10.14). Os caftara ou caftorim eram clara­ mente o mesmo povo, e suas extensas viagens, conforme está registrado em documentos extrabíblicos, poderiam bem explicar sua existência em Canaã durante a era do Bronze Médio.63 A chegada dos povos do mar tempos depois teria apenas aumentado o número dos filisteus presentes na região. Essa hipótese, além de dar base à historicidade dos encontros dos patriarcas com os primitivos filisteus, tam­ bém explicaria a decisão de Israel quanto a não seguir o caminho do mar em direção reta do Egito para Canaã, "embora fosse mais curto" (Ex 13.17), pois isto significaria destruição certa por parte dos filisteus. Uma das mais fortes evidências em favor de uma data mais recente para o êxodo (aprox. 1250) e uma outra correspondente para a conquista da terra (após 1200) é justa­ mente a referência aos filisteus. Porém, se os filisteus já estavam habitando na terra desde os tempos patriarcais, então deduz-se que a data tradicional para o êxodo (1446) pode muito bem ser mantida em vigor. Seguindo a data de 2066 para o nascimento de Isaque, Abraão e Abimeleque viram-se às voltas com problemas relativos aos pastos e di­ 62 de Vaux, Early History, p. 504. 63 Caso um texto assírio posterior, que trata sobre o império de Sargão de Acade, possa de fato ser confiável, então as referências a Caftara podem mesmo estender-se para bem antes de seu tempo (ca. 2350 a.C.). Ver em Gadd, "Dynasti of Agade", em CAH 1.2, pp. 429-30.

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reitos à água potável; daí concluíram que deveriam entrar num acordo pelo qual passariam a respeitar os limites e poços. Um contrato de igual teor foi feito entre Isaque e um outro Abimeleque (Gn 26.26-33). Em ambas as situações, o local do tratado foi em Berseba, que deriva seu nome ("poço do juramento") do pacto que ali outrora foi realizado. As evidências arqueológicas nos dizem que Berseba não fora encontra­ da até bem depois do período Médio Bronze, sendo bem provável que Abraão e sua família não tivessem ocupado a área de forma permanente, mas apenas como um local para peregrinação religiosa ou como uma es­ pécie de acampamento para as migrações sazonais.64 De fato, não há nada nas narrativas bíblicas que explicitamente relacionem Berseba com um centro urbano até a época da conquista (Gn 21.14,31-33; 22.19; 26.23,33; 28.10; 46.1; cf. Js 15.28). Este local foi uma importante estalagem para os patriarcas, mas não era desenvolvido a ponto de produzir restos que pu­ dessem ser arqueologicamente reconhecíveis. A busca de uma esposa para Isaque Sara morreu em Hebrom em 2029 a.C. (Gn 23.1,2; cf. 17.17). Dentro de um espaço de três anos após seu sepultamento numa capela adquirida de Efrom, o hitita, Abraão tomou providências para obter uma esposa para seu filho Isaque, que na ocasião já estava beirando os quarenta anos (ver Gn 25.20). Ansioso para que seu filho se casasse com alguém que fosse membro de seu clã, Abraão enviou seu servo de volta até Arã-Naharaim (alta Mesopotâmia - Gn 24.10), de onde o próprio Abraão tinha vindo em direção a Canaã.65 Seu irmão, Naor, já tinha muitos filhos, incluindo "Quemuel (o pai de Arã)" (Gn 22.21) e Betuel, o pai de Rebeca e Labão (Gn 22.23; 24.29). Portanto, o Antigo Testamento indica que tanto os arameus quanto os israelitas podem ser remontados genealogicamente a Terá, pai de Abraão.66 (Embora em Gn 10.22 Aram seja descrito como um filho de Sem, sabemos que isso é verdade apenas no sentido de ser descendente.) O servo de Abraão viajou até a cidade de Naor (Gn 24.10). Esta prova­ velmente é apenas uma forma de identificar a residência de Naor, irmão de Abraão, embora houvesse uma cidade chamada por aquele nome, con­ forme nos indica as referências acadianas a Nahur(u). Visto que tais refeYohanan Aharoni, "Excavations at Tel Beer-Sheba," BA 35 (1972): 111-27; "Excavations at Tel Beer-Sheba," Tel Avivi 2 (1975): 146-68. “'.Terry J. Prewitt, "Kinship Structures and the Genesis Genealogies," JNES 40 (1981): 92. "■ Para uma defesa dessa tradição, ver em Merril E Unger, Israel and the Aramaeans of Damascus (Grand Rapids: Baker, 1980 reprint), pp.8-10.

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rências fazem parte de uma época bem posterior à vida de Naor, deduz-se que tal cidade provavelmente não foi aquela visitada pelo servo de Abraão.67 De qualquer maneira, Betuel e Labão concordaram que a moça Rebeca fosse entregue para Isaque, de forma que, após serem acertadas as obrigações costumeiras da época, ela voltou com o servo de Isaque para sua casa no Negueve cananeu. Abraão casa-se novamente e, através de sua esposa Quetura, torna-se o ancestral dos clãs de Joscan, Midiã e Dedã (Gn 25.2-4; 1 Cr 1.32,33). Os midianitas participariam de forma especial na história subseqüente do povo de Israel. Da mesma forma que os demais povos, eles também assumiram um estilo de vida nômade e, por fim, alcançaram toda a vasta península sírio-árabe. Abraão morreu na idade de 175 anos (1991 a.C.), deixando seus dois principais filhos, Isaque e Ismael, como seus herdeiros. A des­ cendência de Ismael se estabeleceu nos desertos a leste e ao sul de Edom e, seguindo os mesmos passos de Israel, desenvolveu-se numa federação de doze tribos. O relacionamento deles com os midianitas é incerto, embora os termos ismaelitas e midianitas pareçam por muitas vezes intercambiáveis (Gn 37.25,27-28,36). Jacó: pai de muitas nações A bênção e o exílio Isaque, é claro, era o filho da aliança de Abraão, aquele através do qual Deus mediou as promessas redentoras concernentes à nação e à terra (Gn 12.1-3; 15; 17.1-14; 25.21-24). Embora Isaque tivesse quarenta anos quando se casou, seus filhos gêmeos nascidos de Rebeca somente vieram ao mundo vinte anos após seu enlace, em cumprimento da pro­ messa (Gn 25.20,26). Abraão estava então com 160 anos, e dentro de quin­ ze anos seus olhos já não mais poderiam contemplar a fidelidade de Deus.68 Esaú, o herdeiro aguardado da aliança, perdeu seu direito de primogenitura e os demais privilégios da aliança, e assim teve de se con­ formar em tornar-se o pai das tribos edomitas. Embora Jacó tenha se 67 William F. Albright, From the Stone Age to Christianity (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1957), pp. 236-37. Nahur(u) não parece ser confirmado antes de 1750 a.C., ao passo que Naor, irmão de Abraão, teria se estabelecido em sua cidade por volta de 2100 ou algo semelhante. E claro que é possível que o nome da cidade por fim tenha refletido o de seu fundador. 68 Acerca de informações relativas a essas estimativas, ver Merrill, "Fixed Dates," Bib Sac 137 (1980): 243-44.

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utilizado da manipulação pessoal e do auxílio de sua mãe, ainda pôde experimentar em sua vida o favor do Senhor de se tornar o pai da nação escolhida. O resultado das maquinações de Jacó foi o afastamento de seu irmão Esaú e a fuga para Padã-Arã69 (noroeste da Mesopotâmia), ambos para escapar de seu irmão e conseguir uma esposa dentre sua própria parente­ la. Nessa ocasião, Jacó já estava com 76 anos de idade (cerca de 1930 a.C.), e tudo indicava que permaneceria sem descendentes.70 No caminho em direção à família de sua mãe, ele foi reanimado e encorajado pelo encon­ tro com o Senhor em Betei, um local conhecido anteriormente como Luz, mas que agora ganhava um novo nome, pois Jacó considerou aquele local como a "casa de Deus". Foi lá que Deus renovou a aliança anteriormente feita com Abraão e Isaque (Gn 28.13-15). Finalmente Jacó chegou à casa de Labão. Após muita discussão, ficou decidido que ele se casaria com Raquel, mas somente depois de servir a Labão, pai da moça, por um período de sete anos. Pode ser que esse tipo de serviço envolvesse aquilo que conhecemos ser comum nos contratos coligidos para criadores de gado da antiga Babilônia, através do qual es­ ses criadores se tornavam empregados por um determinado espaço de tempo, com vistas a receber em troca uma parte dos lucros. Não seria difí­ cil para um astuto criador de gado usar esse tipo de contrato para tomar proveito ao máximo das propriedades do seu senhor. Ao que tudo indica, foi essa a exata situação entre Labão e Jacó, pois na continuação da narra­ tiva vemos que os filhos de Labão já olhavam Jacó como uma ameaça aos seus direitos como herdeiros.71 O fato de Raquel ter roubado os ídolos domésticos pode ser visto como uma amável e zelosa esposa tentando

69 O termo deriva do acadiano paddanu ("estrada") + Aram, ou seja, "a estrada de Aram". Visto que este local é identificado com o Arã-ATaharaim ("Aram dos dois rios") em Gênesis 24.10 (cf. 28.2) e, mais tarde, com o Aram em 27.43 e 28.10, pode até ser que o nome signifique nada mais que Aram. E interessante observar que o termo acadiano harrãnu também significa "estrada". Ver em CAD,H, pp. 107-13. 70 Essa estimativa é deduzida dos fatos que tomam por base que o nascimento de José ocorreu 14 anos após a chegada de Jacó em Padã-Arã e que, quando Jacó desceu ao Egito, ele tinha cerca de 130 anos e seu filho José apenas 40. 71 O ponto de vista que propõe a teoria que o acordo feito entre Jacó e Labão é puro reflexo de práticas hurrianas de pseudo-adoções é corretamente rejeitada pela maioria dos es­ tudiosos hoje em dia. Os paralelos percebidos com os contratos firmados com criadores de gado da antiga Babilônia já foram claramente demonstrados. Ver, por exemplo, Martha A. Morrison, "The Jacob and Laban Narrative in Light of Near Eastern Sources," BA 46 (1983): 156-60.

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possuir, para si mesma e para seu marido, o direito legal à sua parte na propriedade de seu pai (Gn 31.19).72 Seja como for, o fato é que infelizmente Jacó descobriu que Labão era muito mais astuto do que ele. Após sete longos e penosos anos de traba­ lho, ele recebeu como esposa a filha mais velha Léia, e não Raquel. Para que ele pudesse ter esta última como esposa, teria de se comprometer a trabalhar para Labão por mais sete anos. Ao final dos catorze anos, Labão insistiu com Jacó que este permanecesse por mais seis anos, perfazendo um total de 20 anos (aprox. 1930-1910 a.C.), pois era bem evidente que a presença de Jacó trazia benefícios econômicos para Labão. No decorrer desses anos, Jacó teve onze filhos e pelo menos uma filha de suas duas mulheres e de suas duas concubinas. Esses filhos, juntamen­ te com Benjamim, que nasceu em Canaã, foram os ancestrais das doze tribos de Israel. Segundo a maioria dos críticos (incrédulos) da tradição, a história de Jacó e seus filhos foi uma lenda que servia apenas para firmar uma origem comum e um conjunto de tradições para as doze tribos que perfaziam o contingente e a confederação daqueles que haviam conquis­ tado a terra, conhecidos agora por Israel.73 Contudo, uma leitura respon­ sável da narrativa não ocasiona problemas históricos insuperáveis. Há milagres descritos na história que nos mostram a intervenção do Senhor em favor de Jacó e suas esposas. A integridade do relato só poderá ser rejeitada mediante uma leitura da história com olhos positivistas. Ora, se Deus tem de estar ausente dessa história, então não há como ver sua mão em outra parte, e o Antigo Testamento se torna uma mera obra de ficção, não importando o quão piedoso seja o seu intento. O nascimento de onze filhos em apenas sete anos já não mais é visto como um problema tão sério, como antes costumava se considerar. Os quatro primeiros, nascidos de Léia, podem ter vindo nos primeiros quatro anos (Gn 29.31-35). Nesse ínterim, Raquel, movida de intensa inveja para com sua irmã, instou veementemente com Jacó para que possuísse sua serva Bila, semelhante ao que Sara havia feito anteriormente com Abraão para obter o filho Ismael da escrava Hagar. Os dois primeiros filhos de Bila, Dã e Naftali, podem ter nascido também nos primeiros quatro anos (Gn 30.1-8). Após o nascimento dos dois filhos de Bila, Léia, crendo que já não mais poderia ter filhos, insiste com Jacó para que possua sua serva Zilpa em 72 Ibid., pp. 161-62. 73 Martin Noth, The History of Israel, 2a edição (New York: Harper and Row, 1960), pp. 121­ 27.

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seu lugar. Zilpa tem dois filhos no quinto e sexto ano (Gn 30.9-13). Léia mais uma vez engravida, provavelmente no quinto ano, e dá à luz dois filhos chamados Issacar e Zebulom, no sexto e sétimo ano (Gn 30.17-20). ■ Por fim, Raquel tem seu próprio filho, chamado José, no sétimo ano (Gn 30.22-24). Mesmo sendo todo esse cálculo hipotético, não é impossível que as coisas tenham acontecido assim, o que nos mostra inclusive como os problemas bíblicos podem ser resolvidos, desde que tenhamos a mente aberta para as soluções. A volta para Canaã Depois de vinte anos vivendo em Padã-Arã, Jacó voltou para Canaã. Durante o regresso, fez acordo de paz com seu sogro Labão (Gn 31.43-55) e com seu irmão Esaú (Gn 33.1-17); finalmente, chegou a Siquém. Muitos estudiosos concordam que Siquém foi fundada nessa mesma época (1910 a.C.),74 mas é duvidoso que esta cidade tenha ganho este nome ainda nos dias de Jacó. Sem dúvida, o seu nome foi dado em homenagem ao filho de Hamor (Gn 33.19), o maioral do clã que vivia naquela região, mas esse nome, com certeza, não poderia ter sido dado enquanto Siquém vivia. Além disso, é possível que a frase "E chegou Jacó salvo à cidade de Siquém..." (v. 18)75 deva ser entendida como "Jacó chegou a Salém, ou seja, à cidade de Siquém", significando que nos dias de Jacó a cidade chamava-se Salém, mas que em dias posteriores, em homenagem ao jovem personagem da história bíblica, teve seu nome mudado para Siquém. Em Siquém Jacó comprou uma propriedade onde decidiu cavar um poço, estabelecendo-se ali por vários anos. A princípio, tudo ia muito bem entre Hamor e Jacó, mas um dia Siquém, filho de Hamor, agarrou Diná, filha de Jacó, e a violou. Levi e Simeão vingaram a humilhação de

74 Esta aparece nos textos de execração egípcios como Skmimi por volta de 1850 a.C. Ver em Walter Harrelson, "Sechem in Extra-biblical References", BA 20 (1957): 2. O historia­ dor Dever argumenta que a ocupação de Siquém ocorreu no início do período do Bron­ ze Médio II A, que data de 2000-1800. Uma data a meio caminho em 1900 se encaixa bem com a cronologia bíblica ("The Patriarchal Traditions," em Israelite and Judaean History, p. 99; cf. pág 84). 75 Isso também já foi sugerido pela Septuaginta, pelas versões siríacas, Eusébio e Jerônimo. Citado por Franz Delitzch, A New Commentary on Genesis (Minneapolis: Klock and Klock, 1978 reedição), vol. 2,p p. 215. O hebraico salém no texto massorético pode ser um adje­ tivo significando "seguro" (Francis Brown, S.R. Driver e Charles A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon o f the Old Testament [Oxford: Clarendom, 1962], p. 1024), mas a forma natural de se traduzir essa idéia seria besalom.

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sua irmã, ferindo todos os homens da cidade, matando-os, inclusive o próprio Hamor e Siquém. Temendo a má repercussão do acontecimento entre os vizinhos cananeus, Jacó decidiu deixar a região e viajou em di­ reção ao sul até Betei. Lá ele experimentou a presença de Jeová numa teofania e, por mais uma vez, ouviu as promessas de Jeová a respeito da terra e de sua descendência. Novamente Jacó chamou aquele lugar de Betei, a casa de Deus, pois ali ele tinha visto a presença de Deus de uma maneira grandiosa. Enquanto Jacó e sua família avançavam ainda mais para o sul, em direção a Efrata (ou Belém), Raquel morreu ao conceber seu segundo filho, Benjamim. Após erigir um memorial de pedras sobre sua sepul­ tura, Jacó se deslocou até Hebrom, terra natal de seu pai. Isaque ainda era vivo, e morreria quinze anos mais tarde, numa boa velhice de 180 anos. Durante um ou dois anos nesse lugar, Jacó ordenou a seus filhos que voltassem a Siquém em busca das pastagens sazonais para seus rebanhos. Procurando saber melhores informações acerca de seus fi­ lhos, das pastagens e dos rebanhos, Jacó enviou José, seu filho predile­ to, para obter essas informações. Não os achando em Siquém, José in­ dagou dos habitantes locais o paradeiro de seus irmãos e descobriu que eles haviam partido em direção a Dotã, que ficava cerca de 24 qui­ lômetros a noroeste de Siquém. Vendo-o se aproximar, os irmãos de José, a princípio, cogitaram matá-lo, mas depois decidiram vendê-lo a uma caravana de ismaelitas que estava a caminho do Egito. E assim José se viu como escravo no Egito ainda em sua tenra mocidade - aos 17 anos (em 1899 a.C.). O casamento de Judá O quarto filho de Léia, chamado Judá, casou-se com uma cananéia que lhe deu três filhos. Essa união com pessoas que não pertenciam ao clã, especialmente com uma cananéia, era vista muito negativamente pelos patriarcas e considerada repreensível, pois vemos nos relatos que tanto Abraão quanto Isaque foram bem esforçados na tarefa de assegu­ rar que seus filhos se casassem com mulheres da mesma parentela (Gn 24.3; 27.46). Vemos esse mesmo princípio quando Diná, mesmo tendo sido violada por Siquém, foi radicalmente proibida por Jacó e seus ir­ mãos de se casar com ele (Gn 34.14). Havia uma tendência em andamen­ to que conduziria os filhos de Jacó a uma assimilação da cultura e reli­ gião cananéias, um processo que seria consideravelmente acelerado pela união matrimonial. Tudo isso deve ter alarmado o espírito de Jacó, parti­ cularmente porque um pouco do estilo de vida cananeu já tinha se apo­

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derado de seu filho mais velho, Rúben, que violou um dos mais severos tabus patriarcais - o incesto - coabitando com Bila, a concubina de seu pai (Gn 35.22).76 Mas a preocupação de Jacó nem podia se comparar à de Jeová, que tinha chamado o patriarca e seus pais para serem um povo separado de todas as demais nações. Essa exclusividade de Israel agora estava sendo ameaçada pelas tendências sincretistas em voga, através do casamento de Judá. Fica claro, então, que José não foi enviado ao Egito por causa de alguma punição, mas primordialmente para ser o canal da bênção da pro­ vidência divina, pois Jeová o estaria usando a fim de preparar o caminho para um período de incubação, no qual o povo de Israel iria crescer e ama­ durecer no Egito, tornando-se então uma nação apropriada (Gn 50.19-21). Logo, a venda de José como escravo poderia ser vista como uma reação divina ao casamento de Judá.77 A descida ao Egito A essa altura torna-se oportuno discutir um pouco acerca da cronolo­ gia referente à venda de José como escravo, o casamento de Judá, e a des­ cida de Jacó e sua família ao Egito, examinando os detalhes na ótica da história egípcia, cuja parte principal pode pelo menos ser reconstruída de forma razoavelmente correta. Baseando-nos na data de 1876 a.C. como o início da peregrinação no Egito, deduzimos que o nascimento de José ocor­ reu em 1916 a.C.78 José foi vendido aos egípcios quando tinha 17 anos (Gn 37.2), chegando ao Egito em 1899 a.C. Judá, o quarto filho de Léia, que não poderia ser muito mais velho que José, no máximo três anos (veja as pp. 36,37), não deve ter se casado muito antes de 1900, quando estaria com 19 anos. Caso esse casamento tenha de fato causado o ímpeto de Jeová em permitir que José fosse vendido ao Egito, como parece bem plausível, en­ tão esse casamento pode ser datado por volta de 1901 ou 1900, ou seja, pouco depois de Jacó e sua família terem se mudado de Siquém para Hebrom.

' Stanley Gevirtz diz que Rúben usurpou os direitos de concubinato do pai ("The Reprimand of Reuben", JNES 30 [1971]: 98). A atitude de Rúben foi típica do estilo de vida dos cananeus, e especialmente do estilo de vida dos supostos deuses da região. Ver em Charles F. Pfeiffer, Ras Shamra and the Bible (Grand Rapids: Baker, 1962); pp. 31-32. - Para outras razões sobre a localização desse capítulo 38 de Gênesis, ver Judah Goldin, "The Youngest Son or Where Does Genesis 38 Belong?" JBL 96 (1977): 27-44. ' Para uma discussão mais detalhada sobre essas datas e o devido apoio a elas, veja em Merrill, "Fixed Dates", Bib Sac 137 (1980): 241-51.

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Em 1876, quando Jacó estava com 130 anos de idade (Gn 47.9), José já vivia no Egito há 23 anos. Ele havia trabalhado cerca de dez anos na casa de Potifar e depois, provavelmente por mais três anos, sofreu na prisão de Faraó, vítima de acusações forjadas acerca de um possível assédio à esposa de seu senhor (Gn 40.1,4; 41.1). Por fim, aos 30 anos (1886 a.C.), ele foi libertado e passou a servir como o Ministro da Agricultura de Faraó ou alguma coisa semelhante (Gn 41.46). Foi nessa época que os sete anos de fartura principiaram (1886-1879), seguidos por tristes sete anos de fome (1879-1872). A primeira visita dos filhos de Jacó ao Egito para comprar grãos pode ter ocorrido no segundo ano da fome (1878). A segunda visita deve ter acontecido em 1877 (Gn 43.1; 45.6,11). Partiu Jacó e toda a sua família para o Egito em 1876, bem na metade do período da fome (Gn 46.6). José estava então com 40 anos de idade, e seu irmão Judá, com 43. Entre os que acompanharam Jacó ao Egito estavam Perez e Zerá, os filhos de Judá, frutos de sua união ilícita com a nora Tamar, e também seus netos Hezrom e Elamul (Gn 46.12). Os gêmeos Perez e Zerá nasce­ ram somente depois que o terceiro filho de Judá, chamado Selá, já estava completamente crescido (Gn 38.14). Devido à tenra idade na qual os va­ rões se casavam no antigo Israel, é totalmente possível que Judá tenha se casado aos dezoito anos, que seus dois primeiros filhos tenham nascido nos dois primeiros anos de seu casamento, e que Selá tenha vindo ao mundo dois ou três anos mais tarde. Isto fixaria o casamento de Judá em 1901, o nascimento de Er em 1900, e o de Onã em 1899. Talvez Selá tenha nascido não muito depois de 1896. Ao perceber que não poderia ter Selá como seu marido, Tamar se disfarçou de prostituta e engravidou, em uma data que não passa de 1880 (ou provavelmente mais tarde), e deu à luz Perez e Zerá nove meses depois. Mesmo espremendo as datas, ve­ mos que é impossível que Perez pudesse ter levado consigo descenden­ tes ao Egito em 1876, ou seja, dois ou três anos depois. Talvez a intenção da lista de Gênesis 46 seja simplesmente catalogar aqueles que entraram no Egito, inclusive aqueles como Hezron e Hamul que assim o fizeram potencialm ente.79 A inclusão do nome dos filhos de José, Manassés e Efraim, na lista das 70 pessoas que entraram no Egito, mesmo tendo eles nascido nesse país, nos mostra que essa lista não deve ser encarada lite­ ralmente ao extremo.

79 Delitzsch, Genesis, vol. 2, p. 340.

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Op.'GEXS

A história de José O cenário A história de José tem sido interpretada como uma composição de sa­ bedoria com pouca ou nenhuma base histórica.80 Entretanto, o Antigo Tes­ tamento apresenta sua carreira e os eventos que cercaram sua vida como história genuína. Podemos notar, entre aqueles que aceitam a historicidade das narrativas acerca de José, a existência de uma divisão profunda a res­ peito dos detalhes e do ambiente nela contidos. Alguns, baseados na teo­ ria de uma peregrinação no Egito de no máximo 215 anos, insistem que José serviu na corte dos reis hicsos que estavam no poder no período de aproximadamente 1661 a 1570.81 Os proponentes desse ponto de vista apon­ tam para o fato de que era muito mais provável que um rei hicso (em vez de um egípcio nativo) estabelecesse em seu governo um homem de ori­ gem semita, como foi o caso de José. Contra tal possibilidade precisamos levar em conta o fato de que não há qualquer chance de se provar uma peregrinação de 215 anos (ver pp. 69-73). Além disso, toda a narrativa sugere que o rei seja um governante egípcio, e não um hicso. Segundo a cronologia adotada nesta obra, José nasceu no ano 1916, entrou no Egito em 1899, subiu ao poder em 1886, e morreu em 1806 (Gn 50.22) na idade de 110 anos. Toda a duração de sua vida foi contemporâ­ nea à magnífica e deslumbrante 12a Dinastia do Médio Império Egípcio, uma dinastia que teve seu início em 1991 e findou-se em 1786. Embora saibamos que seja muitíssimo difícil a reconstrução da cronologia desse período, é certo também que as datas citadas pelo Cambridge Ancient History não podem estar muito distantes. Seguindo esse sistema de datação, apren­ demos que José foi vendido ao Egito já no final dos anos do reinado de Ammenemes II (1929-1895).82 Seu reinado foi conhecido como um gover­ no pacífico, caracterizado pelo alto desenvolvimento da agricultura e da situação econômica do país, e pelo incremento das relações internacionais que o aproximaram do ocidente da Ásia. Nesse caso, José não seria mal recebido nessa corte, por causa de seus ancestrais étnicos. Ao que tudo ' Gerhard von Rad, "The Joseph Narrative and Ancient Wisdom", em The Problem of the Hexateuch and Other Essays (Edinburgh: Oliver and Boyd; New York: McGraw-Hill, 1966), pp. 292-300. ' ■ G. Ernest Wright, Biblical Archaeology, edição abreviada (Philadelphia: Westminster, I960), pp. 35-37; Pierre Montet, Egypt and the Bible (Philadelphia: Fortress, 1968), pp. 7-15. Quanto à sua vida e época, ver em G. Posener, "The Middle Kingdom in Egypt," em ZAH 1.2, pp. 502-4.

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indica, foi durante o reinado de Sesostris II (1897-1878) que ele ficou apri­ sionado, cerca de dez anos após a sua chegada ao Egito (i.e., em 1889). Foram os sonhos de Sesostris que ele interpretou e sob quem ele serviu como um alto oficial do governo. Tabela 3 XII Dinastia do Egito

Ammenem.es I Sesostris I Ammenemes II Sesostris II Sesostris III Ammenemes III Ammenemes IV Sobkneferu

1991 - 1962 1971 - 1928 1929 - 1895 1897 - 1878 1878 - 1843 1842 - 1797 1798 - 1790 1789 - 1786

É bastante significativo que, durante o governo de Sesostris II, o nomarca de Beni Hasan tenha recebido Abisha com alegria em sua cidade, um líder tribal de origem semítica, um fato bastante comemorado e registrado nos murais de Beni Hasan. Sesostris também importou e empregou um gran­ de número de escravos asiáticos e não pouco mercenários, uma política que nos mostra que não havia qualquer espécie de anti-semitismo ou sen­ timento parecido.83 Mais marcante dentre todas as informações é que aque­ la foi uma época de grandes projetos do governo para o assentamento de colonos e para controle das inundações. O detalhe principal de tudo isso foi a construção de um canal cavado para ligar a bacia de Fayyum ao rio Nilo, um canal cujas ruínas permanecem até hoje, e que foi chamado de Bahr Yusef("Rio de José").84 Será que a sobrevivência desse nome não sig­ nifica um testemunho da contribuição que José deu ao rei Sesostris II nes­ ses seus projetos públicos? O texto bíblico nos diz que os sete anos de fome preditos por José foram precedidos por sete anos de abundância nas colheitas. Obviamente esse período teve seu início imediatamente após a libertação de José da prisão, e continuou pelos sete anos seguintes (1886­ 1879). Embora não possamos nos lançar em especulações devido à inexa­ tidão da cronologia egípcia, fica quase impossível não notar que, segundo 83 Ibid., pp. 541-42. Posener ainda observa: "A história bíblica de José faz-nos lembrar o comércio escravagista" (p. 542). Ver também Posener, "Les Asiatiques en Egypte sous les xii et xiii dynasties,"Sj/rw 34 (1975): 145-63. 84 Posener, "Middle Kingdom", em CAR 1.2, pp. 505, 510-11.

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o sistema adotado pelo Cambridge Ancient History, o rei Sesostris II morreu exatamente no final dos anos preditos de abundância e que seu sucessor, Sesostris III (1878-1843) inaugurou seu reinado coincidentemente com o período descrito de fome. Sesostris III, uma das maiores figuras do Médio Império, deve ter sido o rei que convidou Jacó e seus filhos a se estabelecerem no leste do Delta, que era visto como o jardim do Egito antigo. Dentre seus problemas mais antigos, temos as ameaças de rebelião feita pelos nomarcas locais, um fato que pode ser explicado, talvez, devido ao desespero da população por causa da fome, e à falta de confiança no governo central para providenciar uma solução. Esses tumultos foram todos reprimidos, e Sesostris, talvez com a ajuda de José, dividiu a terra em três partes ou "departamentos", cada qual dirigida por um oficial conhecido como "relator". Os relatores, por outro lado, estavam sob as ordens do vizir que, para todos os efeitos, era um primeiro mimstnx85 Alguma coisa dessa política está refletida em Gênesis 47. Na época da fome, José vendia os grãos que tinham sido armazenados durante os anos de fartura. Muito tempo antes, ele já tinha acumulado todo o di­ nheiro da terra nos cofres públicos (vv. 14,15). Ele aceitou o gado como pagamento pelos grãos, e quando não mais havia rebanhos para que o pagamento fosse efetuado, tomou então as terras e seus habitantes, com exceção das propriedades pertencentes aos sacerdotes (vv. 19-23). De­ pois, passou a dar aos agricultores a semente necessária para o plantio e exigiu em troca 20 por cento da colheita para os cofres de Faraó, como forma de imposto, e o restante eles podiam guardar para si. Dessa for­ ma, José possibilitou que o rei controlasse seu povo e suas terras de uma maneira jamais vista antes. O resultado positivo dessa sábia administra­ ção foi que também houve um crescimento da classe média, e foi preci­ samente na época de Sesostris III que irrompeu um significativo cresci­ mento de comerciantes e artesãos. Entretanto, o rei Sesostris III não se ocupava exclusivamente com ne­ gócios domésticos em seu governo. Na verdade, ele fortaleceu o domínio do Egito sobre a Núbia, ao sul, e também empreendeu pelo menos uma campanha à Palestina, onde ele diz ter chegado a Sekmem (provavelmen­ te Siquém). Mais importante de tudo, os textos de execração que foram produzidos nessa época mostram interesse e compreensão incomuns da Ibid., pp. 505-6; para uma indicação adicional de que Sesostris III é o faraó em vista, ver em James R. Battenfield, "A Consideration of the Identity of the Pharaoh of Genesis 47," JETS 15 (1972): 77-85.

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Palestina e da Síria. Entre os nomes contidos nos textos estão numerosas cidades e vilarejos mencionados, inclusive no Antigo Testamento.86 José faleceu no ano 1806, bem próximo ao final do reinado do último grande rei da 12a Dinastia, Ammenemes III (1842-1797).87 Nada se conhe­ ce acerca de José nesse período, mas Ammenemes estava totalmente en­ volvido na exploração das minas de turquesa no Sinai, no contínuo assen­ tam ento na região do Fayyum , e em alguns am biciosos projetos arquitetônicos. Ele gozava de vastíssima influência, mas, com sua morte, o poderio do Médio Império entraria em seus últimos dias. A atmosfera cultural Está bastante evidente que o fundo histórico e cronológico da vida de José encontra-se totalmente enquadrado no período do Médio Império egípcio. O que falta ainda ser demonstrado é que o arcabouço cultural visto em Gênesis 37-50 se adapta melhor a um governo de origem egípcia do que com uma dominação de reis hicsos.88 Caso tal afirmativa possa ser comprovada, todos os argumentos em favor de uma peregrinação de ape­ nas 215 anos perderão praticamente toda sua força. Qualquer um perceberá logo de início que todos os nomes próprios descritos em Gênesis são de origem egípcia, e não de hicsos.89 Precisamos, é claro, reconhecer que, embora poucas inscrições do período hicso te­ nham sobrevivido, está comprovado nesses registros um número consi­ derável de nomes próprios. Baseados nos dados obtidos através desses nomes próprios, alguns estudiosos, tais como John Van Seters, identifi­ cam os hicsos como semitas, especificamente os amoritas.90 Manetho su­ geriu que o termo hicso em si significa "reis pastores", porém estudos mais recentes indicam que seu significado quer dizer "dominadores de terras estrangeiras" ou algo parecido.91 De qualquer forma, os hicsos certamen­ te não eram egípcios, e suas tradições, costumes e estilo de vida eram tão diferentes dos egípcios quanto o eram seus nomes.

86 Ver em Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 328-29. 87 Posener, "Middle Kingdom", em CAH 1.2, pp. 509-12. 88 Os hicsos eram um povo de origem semítica que penetraram no Egito à nível do Delta por volta do século dezoito, e que eventualmente obtiveram o controle político da mai­ or parte do Baixo Egito por 150 anos. (1720-1570). Ver em Donald B. Redford, "The Hycsos Invasion in History and Tradition,", Or, n.s. 39 (1970): 1-51. 89 Montet, Egypt, pp. 14-15. 90 John Van Seters, The Hycsos (New Haven: Yale University Press, 1966), pp. 194-95. 91 Ibid., p. 187.

O rigens

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O primeiro nome estrangeiro que aparece dentro das narrativas da vida de José é o de Potifar, supervisor da guarda de elite de Faraó e senhor de José. Além de ser descrito especificamente em Gn 39.1 como um egípcio, seu nome também é totalmente egípcio (P^dyq/R', "aquele a quem Rá deu")-92 O próprio José casou-se com Asenate, filha de Potífera, o sacerdo­ te do deus On (ou Heliópolis). O nome dela significa "que pertence a Neith" (uma deusa egípcia), enquanto o nome de seu pai era apenas uma varian­ te de Potifar. O nome de José foi mudado logo após seu casamento para Zafenate-Panéia, o que possivelmente significava "o que fornece o alimento da vida". Ora, podemos até admitir que José tenha servido a um nobre egípcio mesmo durante os anos de dominação dos hicsos, mas é simples­ mente inadmissível que seu nome semítico tenha sido alterado para um outro de origem semítica, ainda que debaixo da dominação estrangeira dos hicsos. Não obstante, é difícil entender como ele teria se casado com a filh a d e um s a c e r d o te e g íp c io q u e serv ia n u m cen tro r e lig io s o em Heliópolis, bem ao sul do centro de controle político dos hicsos no Egito. Vários costumes e preconceitos confirmam um fundo histórico egíp­ cio. Quando José, pela primeira vez, compareceu perante o rei Sesostris II, logo após sua libertação da prisão, ele se barbeou para que o rei não se sentisse ofendido. Foi exatamente isso que um exilado egípcio chamado Sinuhe fez quando retornou ao Egito após ter vivido por anos entre os semitas da Síria.93 José teria cometido um grande insulto a um rei hicso, cujo costume era usar barba, caso tivesse comparecido diante dele com o rosto liso. Quando os irmãos de José vieram a ele a procura de grãos, não sabendo ainda qual era sua verdadeira identidade, ele os separou no ho­ rário do jantar porque os "egípcios não podiam comer com os hebreus" (Gn 43.32). Caso José tivesse se apresentando como um oficial de origem semítica a serviço do rei hicso, seria muito estranho o fato de ele mesmo afastar-se de elementos da mesma raça. O fato de ele estar agindo segun­ do uma tradição já existente por muitos anos prova que a história nada tem a ver com os hicsos. Outro detalhe que confirma ainda mais os preconceitos egípcios da narrativa é a declaração feita por José, que dizia serem os pastores uma abominação para os egípcios (Gn 46.34). Ora, urna coisa que os hicsos não

Para uma boa e produtiva discussão sobre esses nomes, ver em Montet, Egypt, pp. 14­ 15. ' Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 18-22. De acoi-do com Alan Gardner, Egypt of the Pharaohs (London: Oxford University Press, 1961), p. 130, este conto deve ser enqua­ drado durante os dias do rei Sesostris I (1971-1928).

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poderiam deixar de ser era pastores. Eles nunca desprezariam os hebreus pelo fato de serem estes também pastores como eles o eram. E, finalmente, o embalsamamento e a lamentação pela morte de Jacó se adapta melhor às práticas egípcias (Gn 50.2,3).94 Embora os rituais funerários dos hicsos não estejam ainda bem compreendidos hoje, é certo que diferiam radicalmen­ te dos que eram feitos pelos egípcios - os únicos dentre todas as nações do mundo antigo que possuíam os procedimentos funerários semelhantes aos descritos em Gênesis. Por último, temos a questão da língua. Em sua primeira viagem ao Egito, os irmãos de José, acreditando que ele era um egípcio, começaram a falar uns com os outros em hebraico (Gn 42.23). Querendo não decepcioná-los em sua apreensão, José fez sua parte e conversou com eles exclusivamente no idioma egípcio. Com certeza, se eles tivessem suposto por um momento que José fosse um hicso, não teriam conversa­ do em hebraico, na tentativa de evitar que José os entendesse, uma vez que, independente do estoque étnico de onde os povos hicsos derivaram sua língua, eles com certeza falavam os dialetos semíticos e iriam acabar entendendo o hebraico. Concluindo, é completamente evidente que José viveu no Egito e que serviu como um alto oficial da administração desse país durante os anos de dominação egípcia, e não na época dos hicsos. Esses dados evitam uma peregrinação de 215 anos de duração, e firmam a data do êxodo no tradi­ cional ano de 1446, embora uma data mais recente para esse acontecimen­ to (1260), associada com a peregrinação de 215 anos, nos permitiria locali­ zar José num período pós-hicso da dinastia egípcia. De José ao êxodo A dominação dos hicsos no Egito ocorreu entre a morte de José e o nascimento de Moisés, um período em que o Antigo Testamento se mos­ tra completamente silencioso. E bem razoável admitir que o relacionamento existente entre os hicsos e os hebreus tenha sido o mais amigável possível, uma dedução que tem ganhado apoio cada vez maior, caso os inimigos descritos em Êxodo 1.10 tenham sido os hicsos. De outra forma, tudo o que é necessário observar é que os hicsos mantiveram efetivo controle do Baixo Egito (o Delta) por cerca de 150 anos (1720-1570). Eles tomaram e reconstruíram a cidade de Avaris por volta de 1720, o que está confirmado 94 John Ruffle, The Egyptians (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1977), pp. 197-210; Van Seters, Hycsos, pp. 45-48.

:-ess

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na esteia que foi encontrada por August Mariette em 1863 e conhecida por "esteia dos quatrocentos anos".95 Esse monumento foi construído em 1320 a.C. por Seti, vizir do rei egípcio Horemheb, para marcar o quadrigentésimo aniversário da (re)construção da cidade, um fato cuja autenticidade não tem porquê de ser questionado. A dominação dos hicsos teve início du­ rante a 13a Dinastia egípcia que, devido à pressão exercida por esses inva­ sores, retirou-se para o sul e se estabeleceu em Mênfis. Quando por fim essa cidade caiu sob o poder dos hicsos, a dinastia moveu-se ainda mais para o sul, e finalmente chegou ao fim por volta de 1633.96 Enquanto isso, a 14a Dinastia egípcia permaneceu no controle da re­ gião oeste do Delta até cerca de 1603. Centralizados em seu Sais (Xois), essa linhagem de reis resistiu aos hicsos quase até o fim. As dinastias 15a e 16a foram representadas por reis hicsos; seu início ocorreu com a toma­ da de Mênfis (1674) e continuou até sua expulsão do Egito em 1567.97 Mesmo sendo culturalmente inferiores, os hicsos aprenderam e adota­ ram as artes egípcias e sua ciência.98 Eles também identificaram suas di­ vindades com as dos egípcios, igualando-as especialmente com Baal, Resheph ou Teshub.99 Um aspecto ainda mais positivo dessa dominação estrangeira foi a introdução e a popularização no Egito dos cavalos, car­ roças e carruagens,100 bem como do arco feito por diversos materiais.101 Alguns dos mais proeminentes reis hicsos da 15a Dinastia foram Salitis (Sharek); Khyan, que se auto-intitulava "filho de Re" (Rameses?); e Apophis I, cuja filha casou-se com um príncipe de Tebas que também se intitulava "filho de R e".102 Foi ele o primeiro a sofrer a maior resistência por parte dos egípcios de Tebas, e que por fim foi expulso do Alto Egito de volta para o Delta. Esse avivamento egípcio aconteceu durante a lide­ rança de Seqenenre II da 17a Dinastia (1650-1567), cujo filho Kamose deu início à expulsão dos odiados hicsos não apenas do Alto Egito, mas tam­ bém do próprio Delta. Ver p. 36, n. 40. Hayes, "From the Death of Ammenemes III," em CAH 2.1, pp. 44-54. Ibid., pp. 54-64. Ronald J. Williams, "The Egyptians", em Peoples ofOld Testament Times, editado por D.J. Wiseman, p. 87. ~9 Van Seters, Hycsos, pp. 171-80. --'Jack Finegan, Archaeological History of the Ancient M iidle East (Boulder, Col.: Westview, 1979), pp. 254-55. : : Roland de Vaux, Ancient Israel (New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 1, p. 243. ; : A semelhança do elemento Re (ou Ra) na formação dos nomes dos reis hicsos é de espe­ cial significação para uma data mais anterior para o êxodo. Ver p. 70.

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Em seu terceiro ano (1575), Kamose lançou-se num ataque contra Apophis, rei dos hicsos, mas morreu antes mesmo de terminar sua mis­ são. Seu objetivo foi alcançado por seu irmão Amosis (1570-1546), funda­ dor da 18a Dinastia (1567-1320), que, através de seu general Ahmose, re­ conquistou a cidade de Mênfis e, logo em seguida, Avaris. Ahmose não se contentou apenas em expulsar os hicsos para fora do Egito, mas os perse­ guiu até Sharuhen (aprox. 1563), e assim se assegurou de que eles nunca mais voltariam a trazer problemas para o Egito.103 As dinastias 18a e 19a (1567 - aprox. 1200) perfazem o substancial da terceira e última parte da grande civilização egípcia que existiu no antigo Oriente Médio, o chamado Novo Império (1567- aprox. 1100). Visto que o êxodo, a conquista, e muito do que temos acerca dos juízes se enquadra nesse período, torna-se vital que seja feita uma boa descrição de seu curso, especialmente naquilo que toca a narrativa do Antigo Testamento.

io3para um estudo acerca de todo esse período, ver em T. G. H. James, "Egypt: From the

Expulsion of the Hycsos to Amenophis l," em CAH 2.1, pp. 289-96.

0 Ê X 0 D 0: N A S t I N E 0 I 0 D E U HA N A ( Ã 0 O sig n ific a d o do êxodo A localização histórica do êxodo O novo reino egípcio O Faraó do êxodo As dez pragas A rota do êxodo A data do êxodo Evidência bíblica interna As evidências a favor de uma data recente Ausência de acampamentos sedentários na Transjordânia Os israelitas e a construção da cidade de Ramsés Evidências da conquista ocorrida no século XIII A data e a duração do cativeiro egípcio O problema A revelação dada a Abraão Evidências a favor de um longo cativeiro no Egito Evidências a favor de uma curta peregrinação no Egito Cronologia dos patriarcas A jornada no deserto Do mar de Juncos até o Sinai A aliança do Sinai Do Sinai até Cades-Barnéia De Cades-Barnéia às planícies de Moabe O encontro com Edom O encontro com os amoritas O encontro com Moabe

O s ig n ific a d o d o ê x o d o O êxodo é o evento teológico e histórico mais expressivo do Antigo Testamento, porque mostra a magnificente ação de Deus em favor de seu povo, uma ação que os conduziu da escravidão à liberdade, da fragmen­ tação à unidade, de um povo com uma promessa - os hebreus - à uma nação estabelecida - Israel. No livro de Gênesis encontram-se a introdu­ ção e o propósito, seguindo-se então todas as revelações subseqüentes do .Antigo Testamento. Um registro que é ao mesmo tempo um comentário inspirado e uma exposição detalhada. Em última análise, o êxodo serve

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como um tipo do êxodo promovido por Jesus Cristo, de forma que ele se torna um evento significativo tanto para a Igreja quanto para Israel.1 A lo c a liz a ç ã o h is tó ric a d o ê x o d o O novo reino egípcio Segundo 1 Reis 6.1, o êxodo aconteceu cerca de 480 anos antes da fun­ dação do templo de Salomão. De fato, Salomão deu início à construção em seu quarto ano, ou seja, em 966 a.C , de forma que, de acordo com uma hermenêutica normal e uma aproximação séria dos dados cronológicos bíblicos, o êxodo ocorreu em 1446 a.C. Antes de apresentarmos argumen­ tos detalhados em favor de tal data, vamos por enquanto nos deter na décima oitava dinastia do Egito que, de acordo com a data tradicional, forma o quadro da época em que o êxodo aconteceu. Como apontado no capítulo 1, a décima oitava dinastia foi fundada por Amósis, o responsável pela expulsão dos hicsos. E bem provável ter sido ele o que está descrito em Êxodo como o novo rei que não conhecia Tabela 4

18a e 19a Dinastia do Egito

18a Dinastia Amósis Amenotepe I Tutmose I Tutmose II Hatchepsute Tutmose III Amenotepe II Tutmose IV Amenotepe III Amenotepe IV (Akhenaten) Semenca Tutankamon Ai Horembeb 11Dinastia Ramsès I Setos I Ramsès II Merneptá

1570-1546 1546-1526 1526-1512 1512-1504 1503-1483 1504-1450 1450-1425 1425-1417 1417-1379 1379-1362 1364-1361 1361-1352 1352-1348 1348-1320

1320-1318 1318-1304 1304-1236 1236-1223

1 Ver, e.g., Claus Westermann, Elements of OM Testament Theology (Atlanta: John Knox, 1982), pp. 217 a 218; Eimer Martens, God's Design (Grand Rapids: Baker, 1981), p. 256.

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José (Êx 1.8).2 Isto não sugere que ele não tenha conhecido José pessoal­ mente, mas apenas que sua benevolência não mais se estendia aos descen­ dentes de José - os hebreus. Ele havia, afinal, expulsado os hicsos, um povo bastante aparentado aos hebreus, e pode ter ficado receoso de que a rápida multiplicação destes pudesse se constituir numa séria ameaça ao seu recente governo e autoridade. Ele ou seu sucessor, Amenotepe I (1546 - 1526), foi o responsável pela política repressiva que se seguiu naqueles dias. Isto incluía a redução dos hebreus à escravidão com trabalhos forçados em projetos de construções públicas (Êx 1.11-14),3 um plano que foi igualmente implementado por Amósis. Quando tal projeto fracassou, seguiu-se um decreto promulgan­ do o genocídio de todos os machos hebreus que nascessem (Êx 1.15,16). Esse decreto pode ter sido emitido por Amenotepe ou, o que é mais prová­ vel, por Tutmose I, de acordo com a reconstrução histórica promovida neste trabalho. Admitindo a data de 1446 a.C. para o êxodo, podemos determinar a data do nascimento de Moisés, um fato de elevada importância nesta conjuntura. O Antigo Testamento informa que Moisés tinha a idade de 80 anos pouco antes do êxodo (Êx 7.7), e 120 anos na sua morte (Dt 34.7).4 Visto que sua morte ocorreu bem no fim do período do deserto, podemos datá-la em 1406. Um simples cálculo então fornece o ano 1526 - Wiiliam F. Albright, "From the Patriarchs to Moses: II Moses Out of Egypt", BA 36 (1973): 54. - Embora Kenneth A. Kitchen aceite a data mais recente para o êxodo, ele cita evidência abundante sobre trabalhos forçados como escravos, incluindo semitas, na manufatura de tijolos no período da 18° Dinastia. Veja seu livro: "From the Brickfields of Egypt", Tyn Buli 27 (1976): 139-140. 4 A divisão da vida de Moisés em períodos de 40 anos - com 40 anos matou um egípcio, aos 80 retornou do exílio entre os midianitas, e aos 120 morreu - sugere para alguns estudiosos uma certa artificialidade. Argumenta-se que 40 anos é a representação de uma geração ideal, de forma que Moisés deve ter tido uma vida três vezes mais longa que uma geração normal. Veja, por exemplo, a obra de J. Alberto Soggin, A History of Anciente Israel (Filadélfia: Westminster, 1984), p. 383. Essa mesma idéia também se apli­ caria aos reinados de 40 anos de Saul, Davi e Salomão; aos 40 (ou ocasionalmente 20) anos de governo e períodos de descanso na época dos juízes; e a muitas outras utiliza­ ções deste número. E possível que esses períodos devam ser tomados em sentido literal, e que não reflitam qualquer artificialidade ou coincidências, mas sejam uma deliberada organização da história de acordo com o padrão estabelecido pelo próprio Deus. O nú­ mero 40, em outras palavras, também pode ter um significado teológico e tipológico em si mesmo, e o próprio Deus pode ter distribuído os acontecimentos dessa forma. Ver Tohn J. Davis, Bihlical Numerology (Grand Rapids: Baker, 1968), pp. 52-54. Davi, porém, vê apenas o número sete com valor simbólico (p. 124).

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para o seu nascimento. Por conseguinte, Moisés nasceu no mesmo ano da morte do faraó Amenotepe. E preciso enfatizar que não se pode es­ perar uma absoluta precisão, mas nossas datas para a cronologia do Novo Reinado, assim como todas as datas que usamos, são as mesmas utilizadas pelo Cambridge Ancient History, uma publicação lançada por estudiosos imparciais, reconhecidos academicamente como autorida­ des da mais alta confiabilidade.5 Quaisquer ajustes nas datas que au­ mentem ou diminuam alguns anos em nada afetarão as conclusões aqui propostas. Amenotepe foi sucedido por Tutmose I (1526-1512), um plebeu que ti­ nha se casado com a irmã do rei. Provavelmente foi ele o autor do decreto que ordenou o infanticídio, pois enquanto Moisés estava em iminente pe­ rigo de morrer, Arão, que havia nascido três anos antes (Êx 7.7), parece ter estado isento. Não seria difícil admitir que o faraó que promulgou essa política deve ter subido ao trono após o nascimento de Arão e antes do nascimento de Moisés. Nesse caso, a evidência bíblica aponta diretamente para Tutmose I. Tutmose II (1512-1504) casou-se com Hatchepsute, sua meia-irmã mais velha. Ele morreu jovem sob circunstâncias bastante misteriosas. Sentin­ do que se aproximava da morte, ordenou a nomeação de Tutmose III (1504­ 1550) como seu co-regente e herdeiro. Esse governante que, sem dúvida, foi o mais ilustre e poderoso dentre os que viveram no Novo Reino, distin­ guiu-se de várias maneiras. Seus primeiros anos não foram muito promis­ sores - era filho de uma concubina e tinha se casado com sua meia-irmã, filha de Hatchepsute e Tutmose II - mas por fim veio a obter notáveis vitórias nas terras ao seu redor, que incluíram nada menos que 16 campa­ nhas à Palestina. Porém, os primeiros 20 anos de seu reino foram domina­ dos por sua poderosa madrasta, Hatchepsute. Embora proibida pela cul­ tura de se tornar faraó, ela de fato agia como tal e, em todos os critérios, pode ser considerada a pessoa de maior fascínio e influência da história 5 Com respeito às datas para o rei Amenotepe (Amenophis)I, ver T.G.H. James, "Egypt: From the Expulsion of the Hyksos to Amenophis I", no Cambridge Ancient History, 3. ed. por I.E.S. Edwards e associados (Cambridge: Cambridge University Press, 1973), v. 2, parte 1, p. 308. Acerca de Tutmose (Tuthmosis)I, Tutmose II, Hatchepsute, Tutmose III e Amenotepe II, ver William C. Hayes, "Egypt: Internai Affairs from Thutmosis I to the Death of Amenophis III", em CAH 2.1, pp. 315-21. Para datas alternativas da 18a Dinas­ tia (cerca de 1533-1303) ver William W. Hallo e William K. Simpson, The Ancient Near East (New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1971), pp. 330-301. As datas do CAH (1546­ 1319) foram adotadas por George Steindorff e Keith C. Seele em When Egypt Ruled the East (Chicago University Press, 1957), pp. 274-275.

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egípcia.6 Sem dúvida, nos primeiros anos de Tutmose III, foi Hatchepsute quem ditou as resoluções, um relacionamento que decerto ele detestava, mas encontrava-se impotente para se opor. Somente após a morte da ma­ drasta, Tutmose III demonstrou toda repugnância que sentia por ela, man­ dando extinguir toda e quaisquer inscrições ou monumentos em sua ho­ menagem. O quadro geral de Hatchepsute leva-nos a identificá-la como a ousada filha do Faraó que resgatou Moisés. Somente ela dentre todas as demais mulheres de sua época seria capaz de ir contra uma ordem do Faraó, bem diante dele. Embora a data de seu nascimento seja desconhecida, ela pro­ vavelmente era vários anos mais velha do que seu marido, Tutmose II, que morrera em 1504, bem próximo de seus 30 anos.7 Ela devia estar no início de sua adolescência, por volta de 1526, data do nascimento de Moisés e, portanto, com condições de agir em favor de sua libertação. Tutmose III era menor de idade quando assumiu o poder em 1504 e m ais novo que M oisés.8 Se, de fato, Moisés foi filho de criação de Hatchepsute, há probabilidade de haver ele sido uma forte ameaça ao jovem Tutmose III, visto que Hatchepsute não tinha filhos naturais. Isso significa que Moisés era um candidato a ser faraó, tendo apenas como obstáculo sua origem semítica. Parece-nos que houve uma real animosi­ dade entre Moisés e o faraó. Isto fica claro em virtude de Moisés, após matar um egípcio, ter sido forçado a fugir para salvar a vida. O fato de ter o próprio faraó considerado a questão - que, em outra situação, seria pouco relevante - sugere que este faraó especificamente tinha interesses pessoais em se livrar de Moisés. O exílio auto-imposto por Moisés ocor­ reu em 1486, quando ele tinha 40 anos de idade (At 7.23). Tutmose III já estava no poder havia 18 anos; e a idosa Hatchepsute, que faleceria três anos mais tarde, não tinha mais condições de interditar a vontade de seu enteado/sobrinho.9 Durante longos quarenta anos, Moisés permaneceu fugitivo do Egito, tendo se abrigado entre os midianitàs do Sinai e da Arábia. Uma das ra­ 6 Uma visão fascinante e um pouco imaginativa acerca de sua vida e reinado pode ser vista na obra de Evelyn Wells, Hatshepsut (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1969). 7 Steidorff e Seele, When Egypt Ruled the East, pp. 39-40. 8Tutmose III foi designado vice-regente na última parte do reinado de Tutmose II, provavel­ mente não menos que em 1508. Ver Hayes, "Internai Affairs," do C4H 2.1, pp. 316-317. 9 Tutmose III sucedeu Hatchepsute em 1483. Para tentar apagar a memória dela dentre os egípcios, ele não apenas mandou destruir todos os monumentos construídos em sua homenagem, como também matou em público todos os oficiais que a serviram. Ver Hayes, "Internai Affairs," no CAH 2.1, p. 319.

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zões para tão longo exílio foi justamente o fato de continuar a viver e rei­ nar o Faraó de quem Moisés havia escapado. Somente após sua morte, Moisés sentiu-se livre para retornar ao Egito (Êx 2.23; 4.19). Tutmose II I ' morreu em 1450 e foi sucedido por seu filho Amenotepe II (1450-1425). Segundo os padrões cronológicos aceitáveis nesta discussão, era este Amenotepe quem reinava na ocasião do êxodo. Antes de deixarmos Tutmose III, é essencial notarmos que o relato bíbli­ co requer um reinado de quase 40 anos para o Faraó que perseguiu a vida de Moisés, porquanto o rei que morreu no fim dos anos do exílio de Moisés em Midiã era claramente o mesmo que o havia ameaçado quase 40 anos antes. Dentre todos os reis da 18a Dinastia, somente Tutmose III teve um reino tão longo. De fato, ele é o único governante que, em todo período durante o qual o êxodo poderia ter ocorrido, reinou tanto tempo - com ex­ ceção de Ramsés II (1304-1236). Mas Ramsés, o faraó preferido pela maioria dos estudiosos, é geralmente associado ao faraó do êxodo, não ao faraó cuja morte possibilitou o retorno de Moisés ao Egito. Caso a morte de Ramsés houvesse trazido Moisés de volta ao Egito, o êxodo deveria ter ocorrido após 1236, uma data muito tarde para ser satisfatória.10 O Faraó do êxodo Quando finalmente Moisés retornou ao Egito, ele e seu irmão Arão co­ meçaram a negociar com o novo rei, Amenotepe II, a respeito de uma per­ missão para Israel deixar o Egito com o propósito de adorar a Jeová e, enfim, deixar o país definitivamente. Este poderoso rei conduziu uma cam­ panha em Canaã em seu terceiro ano (aprox. 1450) e uma outra em seu sétimo ano, provavelmente em 1446,11 coincidindo com a tradicional data do êxodo. Não é difícil imaginar que a dizimação do exército de Faraó no mar de Juncos pode ter ocorrido após essa sétima campanha e que, após 10 As implicações dessa linha de raciocínio são devastadoras para a teoria de uma data mais recente para o êxodo; ver pp. 68-69. 11 Alan Gardiner, Egypt of the Pharaohs (London: Oxford University Press, 1961), pp. 200­ 202. Muitos historiadores defendem a idéia de uma co-regência entre Tutmose III e Amenotepe II, de cerca de três a seis anos. Seguindo a opinião de que sua morte ocorreu em 1450, seu filho deve ter governado com ele de 1453 (ou 1456) até 1450. Esta interpre­ tação se encaixa melhor quando se pensa em uma primeira campanha em parceria com uma segunda, onde ele já assumia o governo sozinho, portanto, em 1450 e 1446 respec­ tivamente. Veja Donald B. Redford, "The Coregency of Thutmosis III and Amenophis II, JEA 51 (1965): 107-22; William J. Murnane, "Once Again the Dates for Tuthmosis III and Amenothep II,"JANES 3 (1970-1971); 5.

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tamanha desmoralização, um total desinteresse por uma aventura imedi­ ata se abateu sobre o reino, especialmente para o norte.12 Nossa identificação de Amenotepe II como o faraó do êxodo está basea­ da em duas outras considerações. Em primeiro lugar, embora a maioria dos reis da 18a Dinastia tenha estabelecido sua principal residência em Tebas, bem ao sul dos israelitas no Delta, Amenotepe morava em Mênfis e, aparen­ temente, reinou daquele local por um bom tempo.13 Isto o colocava em gran­ de proximidade com a terra de Gósen, fazendo-o bastante acessível a Moisés e Arão. Em segundo lugar, evidências sugerem que o governo de Amenotepe não passou para seu filho mais velho, mas para o caçula Tutmose IV. Esta é uma informação subentendida na chamada "esteia do sonho", que foi en­ contrada na base da Grande Esfinge perto de Mênfis.14 O texto, que registra um sonho no qual Tutmose IV recebeu a promessa de que um dia viria a ser rei, sugere, como diz um historiador, que o seu reino sucedeu "mediante uma imprevista mudança no destino, como a morte prematura do irmão mais velho".15 E claro que isto é praticamente impossível de se provar, mas também não há como deixar de especular se tal morte prematura não tenha ocorrido por intermédio do juízo de Jeová que, na décima praga, matou todos os primogênitos do Egito que estavam sem a proteção do sangue da Páscoa, "...desde o primogênito de Faraó, que se sentava em seu trono, até o primogênito do cativo que estava no cárcere..." (Êx 12.29). As dez pragas Antes de continuarmos a integração entre a história da 18a Dinastia e a narrativa do êxodo, é preciso atentar para o relato do retorno de Moisés ao Egito, das dez pragas, e do evento do êxodo propriamente dito. Moisés havia fugido do Egito na idade de 40 anos (1486), e encontrou um santuá­ rio na terra de Midiã (Êx 2.15). Os midianitas, descendentes de Abraão 12 Gardiner, Egypt, p. 202, descreve uma campanha no nono ano (aprox. 1444) que foi "em menor escala" do que a ocorrida no ano sétimo. É tentador ver esta redução como um efeito colateral da experiência do êxodo. 13 Hayes, "Internai Affairs,", em CAH 2.1, pp. 333-34. Era comum aos reis da 18a Dinastia entregar o governo da cidade de Mênfis ao príncipe coroado. Veja Donald B. Redford, "A Gate Inscription from Karnak and Egyptian Involvemente in Western Asia During the Early 18thDynasty," JAOS 99 (1979); 277. 13 Quanto ao texto, procurar James B. Pritchard, Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton University Press, 1955), p. 449. 15 Hayes, "Internai Affairs", em CAH 2.1, p. 321.

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através de Quetura (Gn 25.2), moravam na península arábica, provavel­ mente ao leste da península do Sinai, passando pelo Golfo de Acaba.16 Moisés conheceu um sacerdote midianita chamado Jetro (ou Reuel), que claramente se tornou adorador de Jeová (Êx 18.11).17 Moisés então se ca­ sou com uma das filhas de Jetro, Zípora, com quem teve dois filhos, Ger­ son e Eliezer (Êx 18.3,4). Próximo ao quadragésimo ano em que Moisés habitava na terra de Midiã, Jeová lhe apareceu no monte Sinai em uma sarça ardente, identificando-se como o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Ele disse a Moisés que havia chegado o tempo em que o povo de Israel parti­ ria da terra da escravidão e possuiria Canaã, a terra da promessa. A Moisés coube o privilégio e a responsabilidade de conduzi-los para fora do Egito. Provavelmente poucos meses após esta revelação, Moisés e Arão se encontraram com faraó que, ao que tudo indica, era Amenotepe II. A prin­ cípio, eles solicitaram permissão para conduzir o povo ao deserto a fim de adorar a Jeová; este pedido não apenas foi negado, como também produ­ ziu uma intensificação dos trabalhos forçados sobre Israel. Nesta situação, os israelitas imediatamente passaram a questionar a autoridade de Moisés, o qual tornou a Jeová para uma confirmação de sua chamada. Mais uma vez, Jeová garantiu resgatar o seu povo (Êx 6.6), para torná-lo, mediante uma aliança, o seu povo especial (v. 7), fazendo-o chegar em segurança à terra uma vez prometida a seus pais (v. 8). Seguiu-se então uma seqüência de entrevistas com Faraó, e todas falharam em obter permissão para ado­ rar no deserto. Certamente o faraó sabia que a intenção não era simplesmente fazer uma romaria ao deserto para adoração, mas sim partir totalmente do Egito, para nunca mais lá voltar. Para provar a sua autoridade, Moisés operou sinais e maravilhas na presença de Faraó. O primeiro sinal envolveu a vara de Arão, que se tornou em uma serpente e, em seguida, devorou as serpentes produ­ zidas pelos mágicos do Egito. As dez pragas que se seguiram foram todas de caráter judicial - abatiam-se sobre o Egito após cada recusa do Faraó em permitir a partida de Israel. A última dessas pragas foi a morte dos primo­ gênitos, que atingiu até mesmo a própria família do Faraó. !6 Para uma discussão adicional acerca da identidade e localização dos midianitas, veja Roland de Vaux, The Early History of Israel (Philadelphia: Westminster, 1978), pp. 330-338. Mesmo que o relato (Êx 18.1-12) não apresente Jetro como um homem completamente convertido a Jeová, não há dúvida de que ele o reconheceu como o Deus supremo entre os deuses. Veja Umberto Cassuto, A Commentary on the BookofExodus (Jerusalém: Magnes, 1967), pp. 216-217. Para uma análise tradicional e histórica das supostas fontes acerca do casamento e do comissionamento de Moisés em Midiã, ver George W. Coats, "Moses in Midian", JBL 92 (1973); 3-10.

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É impossível compreender exatamente o que ocorreu por ocasião de cada praga, visto que as fontes egípcias - naturalmente - não atestam nada a res­ peito. Contudo, é evidente que cada uma das pragas causou uma aberração na natureza, uma anomalia que afetou o tempo, os animais, as águas, ou algo similar. Além disso, elas pareciam conter um polêmico desígnio. Cada praga era uma afirmação da superioridade de Jeová sobre a divindade (ou deuses) responsável pela área da natureza que estava sendo particularmente atingi­ da. Os céticos consideram as pragas como um relato bastante exagerado de fenômenos naturais perfeitamente compreensíveis, ainda que incomuns.18 Porém, uma séria avaliação da narrativa não permite tão arrogante descaso com as dimensões catastróficas das pragas. É preciso entender o que elas eram - autênticos derramamentos da ira de um soberano Deus que desejou mos­ trar, para todo o Egito e também para o seu povo, que Ele é o Senhor de toda terra e céu, o único perfeitamente capaz de resgatar o seu povo da penosa escravidão no Egito, fazendo com eles uma aliança, tornando-os seus servos. Quando sobreveio a última praga, havendo Jeová destruído toda autoconfiança humana, Faraó rendeu-se e permitiu que Moisés e seu povo partissem (Êx 12.31,32). Porém, quando os hebreus realmente saíram, Faraó voltou atrás e se encarregou de persegui-los. Abateu-se sobre o rei o pesar de ter deixado sair do Egito sua maior força de trabalho, aquela com a qual ele poderia realizar seus ambiciosos projetos públicos. Aquela altura, entretanto, os quase dois milhões19 de israelitas já haviam deixado a cidade de Ramsés (i.e., Gósen; Gn 47.6,11) e chegado a Sucote,20 bem a oeste do lago Timsa. Seguiram de lá em direção norte, tentando evidentemente penetrar em Canaã através da grande via costeira ao mar Mediterrâneo. Eles sabiam por certo que encontrariam os filisteus caso continuassem naquela rota, de sorte que Jeová os guiou para o sul, após terem cruzado, é claro, o mar de Juncos. A rota do êxodo O ponto exato onde Israel cruzou o mar de Juncos não pode ser deter­ minado, mas certamente não era o mar Vermelho, o que chamamos hoje 18 Para uma história de interpretação das pragas, ver Brevard S. Childs, The Book ofExodus (Philadelphia: Westminster, 1974), pp. 164-168. Para um estudo que considera as pragas do Egito como apenas "fenômenos naturais" e eventos históricos, veja Greta Hort, "The Plagues of Egypt", ZAW 69 (1957); 84-103; 70 (1958); 48-59, especialmente pp. 58-59. 19 As informações a respeito do enorme contingente que saiu no êxodo serão consideradas nas pp. 72-73. 20 Talvez t-k-w (ou seja, Tel el-Maskhütah), bem ao ocidente dos Lagos Amargos. Veja Yohanan Aharoni, The Land ofthe Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 196.

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de Golfo de Suez. Este local estava muito ao sul para se encaixar no iti­ nerário bíblico. Além disso, o termo hebraico para descrever a passagem pelas águas, yam süp ("mar de juncos"), é totalmente impróprio para o mar Vermelho. A tradução da palavra "mar Vermelho", vista em muitas versões inglesas, está baseada na Septuaginta, que por certo assumiu ser o mar de Juncos um nome antigo para mar Vermelho.21 O registro de Moisés declara que Israel estava em um local próximo a Pi-Hairote (lo­ calização desconhecida), entre Migdol (também desconhecido) e o mar. Mais especificamente, Israel encontrava-se "diante de Baal-Zefom" (Êx 14.2), local hoje identificado como Tel Dafanneh, ao ocidente do Lago Menzalé, uma bacia a sudeste do mar Mediterrâneo.22 As evidências hoje sugerem que esse é o mar de Juncos pelo qual Israel passou. Embora saibamos que o local tenha sofrido muitas dragagens para a construção e manutenção do Canal de Suez, o lago Menzalé sempre foi fundo o suficiente para impedir a passagem a pé sob quaisquer cir­ cunstâncias. A passagem de Israel pelo mar, que antecedeu o afoga­ mento dos exércitos e carruagens egípcias, não pode ser explicada como uma "travessia de um pântano". Foi preciso a poderosa ação de Deus, uma ação tão expressiva em sua extensão e significado que, a partir daquele m omento, na história de Israel, ela seria para sempre um paradigma por meio do qual os atos salvíficos e redentores de Deus seriam evocados. Se não existiu um milagre real nas proporções aqui descritas, todas as demais referências ao êxodo como o arquétipo do poder soberano e salvífico da graça de Deus tornam-se vazias e sem significação real.23 A d a ta d o ê x o d o Antes de narrarmos a viagem de Israel pelo deserto, é necessário exa­ minarmos uma questão crucial: a data do êxodo. A questão é fundamen­ 21 Para um ponto de vista que sugere que yam süp significa "mar distante" ou "mar da extinção", mesmo referindo-se ao mar Vermelho de uma forma mito-poética, veja Bernard F. Batto, "The Reed Sea: Requiescat in Face" JBL 102 (1983): 27-35. 22 Tel Dafanneh pode ser o mesmo local conhecido por Tahpanhes (Jr 2.16; 43.7,8; 44.1). Ver também Oxford Bible Atlas, editado por Herbert G. May, 2a edição (London: Oxford University Press, 1974), p. 58. Porém, na terceira edição de 1984, já não se identifica Baal Zefon como Tel Dafanneh. 22 Como um exemplo de uma aproximação que visa manter a integridade histórica do acontecimento, ainda que negue os detalhes registrados na Bíblia, ver Brevard S. Childs, "A Traditio-Historical Study of the Reed Sea Tradition", VT 20 (1970); 406-18.

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tal não apenas porque o êxodo é em si um evento central histórico e teológico, mas também porque nossa interpretação da história antece­ dente e subseqüente a este acontecimento será sensivelmente afetada pela data fixada. Evidência bíblica interna

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O ano de 1446 já foi proposto como a data do êxodo. Sobre esta base cronológica desenvolvemos nossa discussão a respeito dos reis hicsos, do Novo Império, e das narrativas de José. Visto que a integridade de nossa posição depende exclusivamente de uma data mais anterior, em vez de uma outra mais recente que tem sido defendida pela maioria dos estudio­ sos, torna-se então vital que apresentemos uma defesa contundente em favor da data mais antiga. Há duas datas bíblicas principais que tocam diretamente a questão do êxodo. A primeira delas se encontra em 1 Reis 6.1, onde está escrito que o êxodo precedeu a fundação do Templo de Salomão em 480 anos. Levando em consideração por enquanto que Salomão deu início à construção do templo em 966,24 podemos concluir que o êxodo aconteceu em 1446. Mas, por uma série de razões, essa data é quase universalmente rejeitada em favor de uma data mais recente, mais ou menos por volta do século XIII (1260).25 Para conciliar o fato a uma data mais recente, a cifra 480 não deve ser considerada literalmente, mas deve ser vista como uma forma misteri­ osa de descrever 12 gerações (sendo quarenta anos, como dizem, uma ge­ ração ideal). Entretanto, visto que uma geração na verdade está mais per­ to dos 25 anos, o período entre o êxodo e as obras iniciais do templo é estimado em 300 (25 X 12) anos, o que sugere aproximadamente o ano 126626 para o êxodo. Se fosse possível comprovar que a antiga cronologia israelita (ou qualquer outra) assim fazia os cálculos, e que 1 Reis 6.1 é um exemplo da aplicação de tal método, o caso pareceria estar solucionado.27 Infelizmente não há provas. A inevitável conclusão é que uma redução de 24 Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers ofthe Hebrew Kings (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), p. 28; ver também pp. 22,55. Nós aqui aceitamos como ponto de partida a reco­ nhecida e autorizada reconstrução da cronologia da monarquia dividida feita por Thiele. 25 John Bright, A History of Israel, 3a edição. (Philadelphia: Westminster, 1970), pp. 123-24. 26 Ibid., p. 123; John Gray, I & II Kings (Philadelphia: Westminster, 1970), pp. 159-60. 27 Kenneth A. Kitchen compara a cifra de 480 anos como um hábito dos escribas do Orien­ te Médio de chegar a determinados números, após extraí-los de números inteiros. Os 480 anos, então, seriam um total que na verdade deveria representar apenas cerca de 300 anos. Infelizmente, Kitchen não fornece evidências sólidas que provem que tais

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480 para 300 anos, a fim de satisfazer algumas conclusões subjetivas, tor­ na-se um exemplo de apelação indigno de qualquer historiador ou estudi­ oso da Bíblia. Certamente o ônus da prova recairá sobre os críticos que preferirem considerar os dados dos historiadores bíblicos de forma não literal. A segunda prova em defesa do ano 1446 aparece em uma mensagem do juiz Jefté aos seus inimigos amonitas. Jefté afirmou não ter eles razão para qualquer hostilidade contra Israel, uma vez que durante os 300 anos após a vitória de Israel sobre Seom, os amonitas nunca haviam contestado os direitos de Israel sobre a Transjordânia. Uma simples leitura desse lon­ go memorando (Jz 11.15-27) deixa claro que Jefté se referia ao período da história de Israel pouco antes da conquista, que ocorreu cerca de 40 anos após o êxodo. A vitória de Israel sobre os amonitas ocorreu por volta de 1100 a.C., uma data largamente reconhecida. Neste caso, Jefté se referia a acontecimentos que haviam ocorrido perto de 1400 a.C. Está claro que o número 300 não pode representar gerações ideais, com resultados satisfatórios (i.e., 300 não é divisível por 40). Logo, os propo­ nentes de uma data mais recente para o êxodo são forçados a utilizar no­ vos métodos de cálculo. Tipicamente eles postulam a conquista em duas etapas, afirmando que Jefté não se referia à conquista israelita como uma confederação das 12 tribos, mas a uma anterior, uma ocupação "pré-êxodo" da Transjordânia por uma tribo, ou tribos, que somente mais tarde asso­ ciou-se àquelas poucas tribos de Israel que possuíam a tradição do êxodo.28 A conquista da Transjordânia, segundo esta recriação da história do Anti­ go Testamento, precedeu a conquista de Canaã por mais ou menos um século. Além disso, Jefté inequivocamente referia-se aos conquistadores de Seom como os israelitas que tinham saído do Egito (Jz 11.13,16). Por­ tanto, a menos que se desconsidere a própria evidência interna, a data de 1446 para o êxodo permanece de pé. Além dos dados cronológicos bastante específicos, o Antigo Testa­ mento fornece uma descrição suficiente do êxodo e seu período antece­ dente, confirmando uma data mais antiga para o evento. Já foi exposto que a história de Moisés melhor se adapta às datas e circunstâncias da 18a Dinastia do Egito. Se aceitarmos a data mais recente para o êxodo, a qual sempre está associada a Ramsés II, será preciso desconsiderar todo o testemunho bíblico. Moisés não voltou ao Egito até que aquele faraó costumes estavam em vigor em 1 Rs 6.1 (Ancient Orient and Old Testament [London: Tyndale, 1966], pp. 74-75). T.J. Meek, Hebreia Origins (New York: Harper and Row, 1960), pp. 30-31, 34-35

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- que antes tentou tirar-lhe a vida - estivesse morto. O retorno de Moisés da terra de Midiã foi postergado por aproximadamente 40 anos; logo, o rei em questão deve ser alguém que reinou, no mínimo, por este perí­ odo de tempo. Na 19a Dinastia, somente Ramsés II - que reinou de 1304 a 1236 - satisfaz este requisito, porém ele não pode ser o faraó do êxodo, porque este foi sucessor de um outro que havia tido um reinado de longa duração. A data mais recente exige que Merneptah (1236 - 1223) tenha sido o rei durante a humilhação no êxodo. Porém, ainda que tal evento tives­ se ocorrido em seu primeiro ano como faraó, a jornada de 40 anos no deserto dataria o início da conquista em 1196. Os juízes de Israel de­ vem então ser reunidos no período desde o início de sua administração (cerca de 40 anos após do início da conquista - 1156) até a morte de Sansão, o último juiz (com exceção de Samuel, que viveu também sob a monarquia), por volta de 1084. Nenhuma manipulação das evidências consegue espremer os longos anos do governo dos juízes em 70 ou 100 anos. Além disso, o próprio Merneptah liderou uma campanha em Canaã no seu quinto ano (1231), durante a qual ele afirmou ter encon­ trado e vencido Israel.29 Obviamente é impossível que Israel, num es­ paço de apenas cinco anos, tivesse escapado do Egito, parado no mon­ te Sinai, peregrinado no deserto, conquistado Seom e Ogue, entrado em Canaã e, finalmente, por lá ter se estabelecido. Os que advogam uma data m ais recente precisam desconsiderar todo m étodo historiográfico, e reinterpretar o único documento genuíno - o Antigo Tes­ tamento.30 As evidências a favor de uma data recente Ausência de acampamentos sedentários na Transjordânia Há três argumentos principais desenvolvidos para apoiar uma data mais recente para o êxodo; dois destes são substanciais, e o terceiro é du­ vidoso até mesmo para os defensores de tal ponto de vista. Este será con­ siderado primeiro. Por muitos anos, o eminente arqueólogo e explorador

29 Para obter maiores informações sobre o texto da chamada "esteia de Israel", consulte Pritchard Ancient Near Eastern Texts, pp. 376-78. 30Isso é exatamente o que os críticos estudiosos fazem. Para uma aproximação mais deta­ lhada desse caso, ver H.H.Rowley, From Joseph to Joshua (London: Oxford University Press, 1950), esp. pp. 129-44.

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Xelson Glueck afirmava - baseado nos objetos de cerâmica encontrados na superfície e nas encostas dos morros por toda a Transjordânia e pelo Xegueve - que não havia quaisquer registros acerca de populações seden­ tárias que ali tenham residido entre os anos 1900 e 1300 a.C.31 Praticamen­ te todas as autoridades em Antigo Testamento aceitaram esta opinião e, portanto, concluíram que as referências aos povos estabelecidos em Canaã encontrados por Moisés e Josué precisariam de uma data após 1300 para a jornada no deserto. Segue-se que o êxodo também não poderia ter ocorrido muitos anos antes dessa data. Mais tarde, os sítios arqueológicos outrora escavados por Glueck - que até então eram considerados como evidência para uma data recente do êxodo - foram novamente pesquisados por ou­ tros cientistas, que concluíram exatamente o oposto, afirmando inclusive que muitos dos achados remontavam à Era do Bronze Recente, ou eram até mesmo mais antigos.32 Muitos locais relacionados às histórias de Moisés e Josué vindicaram de forma convincente a data de 1400. Os israelitas e a construção da cidade de Ramsés Um segundo argumento para a data mais recente é visto no próprio tex­ to bíblico. Êxodo 1.11 assinala que os israelitas, quando submetidos à escra­ vidão, construíram algumas cidades para Faraó, incluindo Piton e Ramsés. As cidades, à princípio, chamavam-se Pi-Atum e Per-Ramesse, e ambas não foram construídas, mas reconstruídas pelos israelitas.33 A insistência na re­ levância desse versículo como um indicador da data do êxodo fundamentase, exclusivamente, na pressuposição de que a cidade de Ramsés foi assim chamada por causa de Ramsés II, o famoso rei dà 19a Dinastia. Pode-se con­ siderar que ele construiu ou reconstruiu a cidade usando seu nome (PerRamesse), e que para isso tenha se valido da mão-de-obra escrava do povo 'apiru (embora isto não possa ser comprovado nos papiros freqüentemente utilizados).34 Todavia, é inseguro tentar provar que a cidade de Êxodo 1.11

?1Nelson Glueck, "Explorations in Eastern Palestine and the Negev", BASOR 55 (1934): 3­ 21; BASOR 86 (1942): 14-24. John J. Bimson, Redating the Exodus and Conquest (Shefield: JSOT, 1978), pp.67-74; James R. Kautz, "Tracking the Ancient Moabites", BA 44 (1981): 27-35; Gerald L. Mattingly, "The Exodus-conquest and the Archaeology of Transjordan: New Light on an Old Problem,", GTJ 4 (1983): 245-62. Veja E.P. Uphill, "Pithom and Raamses: Their Location and Significance", JNES 27 (1968): 291-316; JNES 28 (1969): 15-39. Para ver o texto (Leiden 348), consulte Moshe Greenberg, The Hab/piru (New Haven: American Oriental Society, 1955), p. 56, numero 162.

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é a mesma Per-Ramesse de Ramsés II, e que o povo 'apiru eram os israelitas. William Albright demonstrou há muitos anos que os Ramessidas não têm origem na 19a Dinastia, mas remontam ao período dos hicsos.35 Não pode­ ria ser verdade que os israelitas reconstruíram uma cidade chamada Ramsés bem antes do reinado de Ramsés II? Tem sido recentemente proposto por alguns estudiosos conservadores que a passagem de Êxodo 1.11 é um anacronismo. Ou seja, os israelitas reconstruíram na época uma cidade conhecida por Tanis e, anos mais tar­ de, um editor inspirado modificou o nome no texto para Ramsés, visto que o nome original não mais era usado, tornando-se sem sentido para os leitores. Embora seja uma distinta possibilidade (outros exemplos tam­ bém podem ser citados), parece-nos desnecessário, caso o nome Ramsés possa ser associado (e pode) a um período na história egípcia que antece­ da ao êxodo. Um outro fator que tem sido desprezado é o longo período entre a cons­ trução das cidades e o êxodo. A passagem diz que os israelitas eram força­ dos a trabalhar no projeto e que, quanto mais eram maltratados pelos egíp­ cios, mais se multiplicavam e enchiam a terra. E bem nítida a impressão de uma geração sucedendo a outra. Além disso, após falhar em seu desígnio, faraó promulgou o infanticídio, um evento que precisa ser datado na época do nascimento de Moisés. Amenos que alguém descarte a informação bíbli­ ca referente à idade de Moisés na época do êxodo, outros 80 anos haviam se passado antes deste acontecimento. Ora, se Ramsés II foi o faraó do êxodo e a cidade de Ramsés foi batizada em sua homenagem, então seu reino in­ cluiu os anos da construção, os anos entre a construção das cidades e o de­ creto do infanticídio, e os primeiros 80 anos de Moisés. Um total que bem pode ultrapassar 100 anos. Ainda que Moisés tivesse apenas 40 anos na época do êxodo, um reinado de 60 anos para Ramsés seria inadequado. E nenhuma tradição bíblica permite que Moisés tenha sido tão jovem naquele momento. Logo, se o testemunho do Antigo Testamento possui alguma credibilidade, a cidade de Ramsés, antes do êxodo, não foi batizada com 35 William F. Albright, From the Stone Age to Christianity (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1957), pp. 223-24. Gleason L. Archer Jr. faz uma citação acerca de uma pintura numa parede que data da época de Amenotepe III (1417-1379), na qual aparece o nome de um famoso vizir conhecido por Ramose. Conforme Archer tem procurado indicar, isso signi­ fica que nomes como o de Rameses têm datas anteriores a 19a Dinastia e que, por conse­ guinte, o nome da cidade de Êxodo 1.11 não necessariamente precisa ser datada tão recente quanto a época de Rameses II ("An eighteenth-Dynasty Rameses," JETS17 [1974]: 49-50). Mas Archer está errado ao dizer que a pintura jamais foi citada na literatura, já que a mesma está registrada em Hayes, "Internai Affairs", em CAH 2.1, pp. 342,405.

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esse nome por causa de Ramsés II. (Sobre o nome Ramsés, Charles Ailing tem outras informações.)36 Evidências da conquista ocorrida no século XIII O terceiro e mais utilizado argumento em defesa da data mais recente é a evidência arqueológica de uma devastação maciça de cidades e vilarejos da parte central de Canaã durante esse período. Uma vez que essas evi­ dências são incontestáveis, e o único evento histórico em qualquer perío­ do que poderia ser responsável por isto seria a invasão dos israelitas,.con­ clui-se que a conquista de Canaã foi a causa de tais destruições, tendo o êxodo ocorrido poucos anos antes.37 Entretanto, há alguns sérios problemas com esta interpretação dos dados arqueológicos. Em primeiro lugar, não há qualquer evidência extrabíblica encontrada nos sítios arqueológicos em Canaã, na metade do século XIII, que indique a origem de tais invasões. As supostas evi­ dências de transição cultural são, até hoje, motivo de discussão, de for­ ma que não podem indicar quaisquer mudanças à influência dos israe­ litas no local.38 É preciso observar quç os únicos documentos existen­ tes que descrevem levantes e conflitos militares, mesmo que remota­ mente similares ao relato bíblico da conquista, são as cartas de Tel elAmarna. Estas foram escritas por uma testemunha ocular dos fatos; descrevem os conflitos entre aá cidades cananéias e repetidamente mencionam os 'apiru, que\tomam posições diferentes em momentos diferentes.39 O momento histórico descrito nessas cartas endereçadas * Para mais exemplos, ver Charles F. Ailing, "The Biblical City of R a m s é s JETS 25 (1982): 136-37. Contudo, o próprio Ailing demonstra que o nome Ramsés, ou uma de suas vari­ antes, já foi coiivpfovado e achado em épocas tão remotas quanto a 12aDinastia (p. 133). Sendo assim,-, assumir que o nome da cidade descrita em Êxodo 1.11 deve conduzir a Rárftsés II é totalmente sem fundamento, embora a cidade deva sem dúvida ter sido assim chamada em homenagem a alguma personalidade dentre a realeza da época. Tentar achar nessa referência qualquer anacronismo também forçará na mesma direção em Gênesis 47.11, onde o texto mostra a fixação de Jacó e sua família na "terra de Ramsés" como seu no'' lar. _ x er teori; i e conduza a uma d ± l dal s o deve ser tida como fraca. 37 Esta é a visão tanto de estudiosos liberais quanto de conservadores. Maiores informa­ ções, ver Harry T. Frank, Bible, Archaeology, anã Faith (Nashville: Abingdon, 1971), p. 95; Kitchen, Ancient Orient, pp. 61-69; Roland K. Harrison, Old Testament Times (Grand Rapids: Eerdmans, 1970), pp. 175-76. 3' Kathleen Kenyon, Archaeology in the Holy Land (New York: Praeger, 1960), pp. 208-10. 3" Para consulta das principais cartas, ver Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 483-90.

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aos faraós Amenotepe III e Amenotepe IV (Akhenaten) está entre 1380 e 1358, precisamente a data tradicional da conquista! Embora não se deva identificar automaticamente os "apiru" como os hebreus, alguns estudiosos mais motivados e defensores da data recente para o êxodo sugeriram que as cartas de Amarna refletem, na realidade, uma con­ quista anterior por algum as tribos de Israel, tais como Efraim e Manassés, aproximadamente em 1375, e que as demais tribos conquis­ taram Canaã quase um século depois.40 Esta posição exige que Josué preceda Moisés por 100 anos ou mais, uma visão que desconsidera toda a evidência bíblica tradicional. Esta reconstrução falha ao produzir pro­ vas convincentes enquanto tenta acomodar os dados arqueológicos e inscrições extrabíblicas ao registro bíblico. Pode-se levantar a questão acerca do significado de camadas de entulho arqueológico do século XIII (que revelam algum tipo de destruição), e da falta desta evidência no início do século XIV.41 Vamos iniciar por esta últi­ ma. Primeiro, embora todos os estudiosos concordem que as cartas de Amarna refletem as condições reais e tumultuosas de Canaã no início do século XIV, reconhecem que as guerras civis e maus tratos provocados pelos 'apiru e outros povos quase não deixaram sinais de invasão ou conquista perceptíveis à pesquisa arqueológica.42 Portanto, também não seria possí­ 40 Meek, Hebrew Origins, pp. 23-25. Meek estabelece a data do êxodo e da conquista de Canaã bem próximo de 1200 a.C. 41 Para uma discussão mais abrangente, ver Eugene H. Merril, "Palestinian Archaeology and the Date of the Conquest: Do Tells Tell Tales?" GTJ 3 (1982): 107-21. 42 Kenyon, Archaeology, pp. 209-12; George E. Mendenhall, "The Hebrew Conquest of Palestine", BA 25 (1962): 72-73. Shemuel Ahituv cita alguns casos de destruição causa­ das pelos egípcios, mas não apresenta nenhum exemplo oriundo do interior de Canaã que possa ser datado depois de Tutmose III (1504-1450) e antes de Seti I (1318-1304). Além disso, nenhuma cidade ou vilarejo conquistado por Josué foi citado por Ahituv como tendo sido conseqüência de conflitos internos com os 'apiru ou devido a qualquer campanha egípcia na região. Sendo assim, as regiões montanhosas de Canaã permane­ ceram virtualmente ilesas durante o período de Amarna, o mesmo período da conquis­ ta descrita na Bíblia. ("Economic Factors in the Egyptian Conquest of Canaan", IEJ 28 [1978]: 93-96,104-5). Thutmose IV, que foi o faraó que reinou durante os anos da pere­ grinação no deserto (1425-1417), fez apenas uma campanha em Canaã, na qual conquis­ tou Gezer. Nem mesmo Amenotepe III (1417-1379) ou Amenotepe IV (1379-1362) - os governantes que reinaram durante os anos da conquista - se lançaram em qualquer ataque a Canaã. Ver James M. Weinstein, "The Egyptian Empire in Palestine: A Reassessment," BASOR 241 (1981): 13-16. Michael W. Several vai muito mais além, de­ monstrando que o período de Amarna foi caracterizado como uma era de paz jamais vista antes ou depois, uma condição que ele associa diretamente ao sólido controle egípcio

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vel que a conquista israelita não deixasse vestígios arqueológicos? Em se­ gundo lugar, e ainda mais importante, não existe evidência arqueológica da conquista no início do século XIV, especialmente porque as cidades e vilarejos ' cananeus, com poucas exceções, foram poupados da destruição material, como uma questão política iniciada por Moisés e implementada por Josué. Em outras palavras, sinais de uma grande devastação no período de 1400 a 1375 tornam-se um grande problema para a visão tradicional, já que o testemunho bíblico indica claramente que a Israel foi ordenado aniquilar a população cananéia, mas poupar as cidades e vilarejos nos quais eles vivi­ am. E o registro bíblico afirma que o mandato foi fielmente observado. As grandes exceções foram Jerico, Ai e Hazor. A cidade de Jerico tem sofrido tanto a degeneração causada pelo tempo e as escavações feitas sem a dire­ ção científica apropriada, que os especialistas estão completamente dividi­ dos em relação à cronologia, um fato que leva muitos a desconsiderarem o local como importante para a pesquisa em geral.43 A localização de Ai ainda está em debate e, enquanto não for definida, a data de sua destruição continuará sendo um ponto questionável.44 Quanto a Hazor, Ygael Yadin, escavador e principal autoridade no local, sugeriu a princípio que ela sofrera um terrível incêndio por volta de 1400 - uma cala­ midade por ele associada à conquista porém, mais tarde, ele modificou a data para o século XIII.45 Sem considerar o que o levou a reavaliar sua teo­ ria, muitos estudiosos ainda estão convencidos de que sua data original deve ser aceita.46 A razão da falta de comprovação arqueológica para as conquistas do século XIV é que não há nada para se confirmar, por assim dizer. Moisés disse que o Senhor daria a Israel cidades que eles não haviam construído, casas cheias de bens que eles não haviam ajuntado, cister­ nas que eles não haviam cavado, e vinhas e olivais que eles não haviam plantado (Dt 6.10,11). E Josué, após a conquista, pôde confirmar o cumsobre a região ("Reconsidering the Egyptian empire in Palestine During the Amarna Period," PEQ 104 [1972]: 128-129). As Cartas de Amarna falam de várias coisas, menos de paz. 43Roger Moorey, Excavation in Palestine (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), pp. 116-17. 44 Bimson, Redating, pp. 215-25. 45 Yigael Yadin, "The Raise and Fali of Hazor", em Archaeological Discoveries in the Holy Land, Archaeological Institute of America (New York: Crowell, 1967), pp. 62-63; "Excavations at Hazor, 1955-1958", em The Biblical Archaeologist Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr., e David Noel Freedman (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1964), vol. 2, p. 224; "The Fifth Season of Excavations at Hazor, 1968-69," BA 32 (1969): 55. 46 Bimson, Redating, p. 194.

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primento destas promessas (Js 24.13). Logo, as hipóteses de muitas au­ toridades que defendem uma conquista violenta da terra simplesmen­ te desaparecem diante da tradição bíblica. O silêncio da arqueologia com respeito à conquista do século XIV é, em si mesmo, um poderoso apoio a tal data. O que podemos fazer então com as evidências óbvias de uma destrui­ ção das cidades cananéias no século XIII? Em primeiro lugar, é impor­ tante notar que se a conquista israelita ocorreu no início do século XIV, então essas cidades eram de Israel havia muito tempo, e não dos cananeus. Atualmente, não há como fazer distinção entre os fenômenos culturais Idade do Bronze Recente Cananita e Idade do Bronze Recente Israelita. Em segundo lugar, deve ter havido outros fatores, além de Israel, que também agiram e contribuíram para a destruição. O livro de Juízes es­ clarece que Israel foi constantemente ameaçado e atacado por povos ini­ migos que estavam dentro e fora de Canaã. Nenhum momento da história foi tão devastador para Israel como o século XIII, ou seja, precisamente o tempo em que os defensores da data mais recente para o êxodo estabelecem a conquista. A cronologia tradici­ onal localiza o governo de Débora durante este período, e o de Gideão um pouco depois. Embora não seja descrita a extensão dos prejuízos cau­ sados pelos inimigos (os cananeus e os midianitas), o fato de que Jabim de Hazor "oprimia os filhos de Israel violentamente" por vinte anos (Jz 4.3), e que muitas das tribos foram unificadas sob o governo de Débora e Baraque na intenção de barrar a força dos adversários (Jz 5.12-18), suge­ re uma vasta operação militar que pode ter infligido graves danos mate­ riais às cidades de Israel.47 A opressão midianita parece não ter afetado Israel com a mesma intensidade, consistindo principalmente em destrui­ ção de plantações, mas com muita dificuldade a guerra pôde ser evitada durante o período de opressão midianita. Além disso, o conflito que se­ guiu a expulsão dos midianitas por Gideão envolveu destruição materi­ al: O filho de Gideão, Abimeleque, que se autoproclamou rei, reduziu a cidade de Siquém a escombros (Jz 9.45) antes de ser assassinado em um cerco malsucedido em Tebez.48 Não há nada que determine o agente da destruição nos sítios urbanos da Palestina do século XIII, exceto o que está registrado no Antigo Testamento. Somente este registro possui completa precisão. Uma construção cuidadosa 47 Bright, History, p. 176; Kenyon, Archaeology, p. 238. 48 Edward E Campbell, Jr., and James E Ross, "The Excavation of Shechem and the Biblical Tradition," BA 26 (1963): 16-17.

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da cronologia baseada em uma hermenêutica não distorcida requer uma outra explicação para tais destruições que não seja a conquista. A melhor . alternativa seria a opressão de Israel causada pelos cananeus e midianitas, e o restabelecimento da paz mediante a ação heróica dos juízes. Torna-se claro que os argumentos comumente produzidos em favor de uma data mais recente para o êxodo e para a conquista de Canaã não são convincentes e, de fato, pelejam contra qualquer análise objetiva do relato bíblico. O Antigo Testamento sustenta a data de 1446 a.C. Qualquer nega­ ção desse fato é simplesmente um apelo sem evidência sólida. A d a ta e a d u ra ç ã o d o c a tiv e iro e g íp cio O problema O estabelecimento de 1446 como a data do êxodo permite a reconstru­ ção das cronologias mais antigas. Consideraremos primeiro a duração do cativeiro no Egito e, em seguida, as principais datas da história patriarcal. Conforme sugerimos no Capítulo 1, a duração da peregrinação no Egito possui ramificações cruciais para um melhor entendimento das narrati­ vas patriarcais e de José. Uma peregrinação de 215 anos, por exemplo, situa José no contexto hicso, ao passo que uma duração de 430 anos apre­ senta José vivendo em uma típica dinastia egípcia. As implicações são sig­ nificativas. Semelhantemente, uma peregrinação de 215 anos posiciona Abraão e seus sucessores imediatos 215 anos mais tarde do que a data tradicional, requerendo assim uma reconsideração dos eventos contem­ porâneos, por exemplo, a destruição das cidades da planície. A revelação dada a Abraão O ponto de partida de nossa discussão centra-se na revelação dada por Jeová a Abraão de que seus descendentes seriam peregrinos em uma terra estranha por quatrocentos anos, e que nesse período sofreriam grande afli­ ção (Gn 15.13). Porém, na quarta geração, eles seriam libertados desse jugo pelo Senhor e seriam reintroduzidos em Canaã (Gn 15.16). A justaposição de "quatrocentos anos" e "quatro gerações" sugere firmemente que gera­ ção aqui deve ser entendida como um século.49 Uma grande dificuldade 4° William E Albright defende a idéia de que a palavra hebraica dôr ("geração") significa "duração da vida" no hebraico primitivo, de sorte que a passagem de Gn 15.16 está se referindo a quatro "durações da vida", de cem anos cada (The Biblical Periodfrom Abraham

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surge quando quase toda a peregrinação é caracterizada como um perío­ do de agonia, enquanto somente a última parte - após o surgimento do novo rei "que não conhecera a José" - foi de fato aflitiva.50 Sem dúvida, para as gerações subseqüentes de israelitas que refletiram sobre aqueles dias, essa peregrinação não poderia ser lembrada como um momento de crescimento, mas como dias de opressão e escravidão. O êxodo de fato foi visto como um escape de grande tormento. Evidências a favor de um longo cativeiro no Egito Em defesa de uma longa permanência no Egito temos a declaração explícita de Moisés: "O tempo que os filhos de Israel habitaram no Egi­ to foi de quatrocentos e trinta anos. E aconteceu que, passados os qua­ trocentos e trinta anos, naquele mesmo dia, todos os exércitos do Se­ nhor saíram da terra do Egito" (Êx 12.40,41). Isto situa a descida de Jacó e seus filhos ao Egito em 1876 (o êxodo em 1446 + 430 anos de peregrinação), uma data que estaria bem fundamentada no registro bíblico. Um problema parece surgir, entretanto, no relato da Septuaginta de Êxodo 12.40,41 e nas palavras de Paulo sobre esta passagem em Gálatas 3.17. A Septuaginta informa que a duração de tempo em que os israelitas viveram "no Egito e Canaã" foi de 430 anos; Paulo parece apoiar esta afirmação quando diz que a Lei de Moisés foi entregue 430 anos após a promessa feita a Abraão a respeito de sua descendência. De fato é verdade que o período desde a chamada de Abraão para dei­ xar Arã até a descida de Jacó ao Egito é de 215 anos. Assim sobrariam apenas 215 anos para a peregrinação, se Paulo (e a Septuaginta) pre­ tendia dizer que os 430 anos referiam-se a todo o período desde a cha­ mada de Abraão até o Êxodo. Todavia, é difícil sustentar a cronologia da Septuaginta. Além da cla­ ra afirmativa de uma peregrinação de 430 anos, há obviamente o contex­ to histórico egípcio (melhor do que o contexto hicso) nas histórias de to Ezra [ New York: Harper, 1963], p. 9). O acadiano cognato é dãru e também significa "duração da vida". Maiores informações em Harold Hoehner, "The Duration of the Egyptian Bondage," Bib Sac 126 (1969): 306-16. 50 Aí está a razão de Leon J. Wood afirmar que o "novo rei, que não conhecia a José" sem dúvida era um hicso, e não um governador egípcio. A subida dos hicsos ao poder por volta de 1720 deixaria um período de aproximadamente 280 anos de opressão até o momento do êxodo, em 1446 (A Survey of Israel's History [Grand Rapids: Zondervan, 1970], p. 37). Contudo, duzentos e oitenta anos não é o mesmo que quatrocentos anos. Logo, o problema dos quatrocentos anos não está ainda solucionado.

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José (pp. 41-46). Além disso, a referência de Paulo ao período entre a promessa abraâmica e o pacto com Moisés não aponta necessariamente para a primeira vez em que a promessa foi feita. Esta foi afirmada e rea­ firmada por várias vezes a Abraão, Isaque e Jacó, sendo a última ocasião precisamente na véspera da partida de Jacó para o Egito (Gn 46.3,4). Paulo poderia estar se referindo não exatamente a Abraão, mas ao Pacto Abraâmico, que foi feito pela última vez com Jacó, precisamente 430 anos antes do êxodo. Evidências a favor de uma curta peregrinação no Egito A teoria de uma peregrinação de apenas 215 anos tem atraído muitos estudiosos porque acomoda mais facilmente as "quatro gerações" descri­ tas em Gênesis 15.16 e as quatro gerações de Levi até Moisés (Ex 6.16-20). E possível entender como a distância entre Levi e Moisés poderia ser de 215 anos, mas como apenas quatro gerações preencheriam 430 anos?51 O significado da expressão "quarta geração" em Gênesis 15.16 já foi discuti­ do anteriormente - geração é sinônimo de século. A resposta para a genealogia torna-se um pouco mais complexa. Levi tinha aproximadamente 44 anos de idade quando desceu ao Egito com seu pai Jacó.52 Êxodo 6.16 registra que ele tinha 137 anos quando morreu; portanto, Levi viveu no Egito por aproximadamente 93 anos. Seu filho Coate viveu toda sua vida (ou quase toda) no Egito e morreu aos 133 anos. Anrão, que passou todos os seus dias no Egito, morreu aos 137 anos. Moisés, seu filho, deixou o Egito na idade de 80 anos. O tempo total destes quatro anos no Egito (incluindo os anos de Moisés em Midiã) resulta em 433 anos, o que não excede muito a 430. As quatro gerações - Levi, Coate, Anrão e Moisés - representam assim um total artificial de aproximada­ mente 430 anos. Dizemos artificial porque a sobreposição de gerações não foi levada em conta. Este método de cálculo é bem diferente do estabeleci­ do pelas modernas noções de cronologia, mas não se pode negar que o seu uso possa ser utilizado para propósitos literários.53 Rowley, From Joseph to Joshua, pp. 70-73. - Ver Eugene H. Merrill, "Fixed Dates in Patriarchal Chronology," Bib Sac 137 (1980): 244. B Um exemplo bem conhecido dè uma cronologia que aparenta ser diacrônica, mas que na realidade é sincrônica, é aquela vista na Lista dos Reis Sumerianos. As dinastias ali contidas parecem estar em ordem sucessiva, mas os registros mais recentes mostram que estavam freqüentemente em paralelo. Ver Thorkild Jacobsen, The Sumerian King List, Assyriological Studies 11 (Chicago: University of Chicago Press, 1939), pp. 161-64. O mesmo método parece estar envolvido na cronologia dos juízes (ver pp. 150-51). Tal-

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Além disso, Kenneth Kitchen sugeriu que a estrutura de Êxodo 6.16­ 20 não reflete gerações imediatamente sucessivas, mas tribo (Levi), clã (Coate), família (Anrão) e indivíduo (Moisés).54 Uma estrutura parale­ la é vista em Josué 7.16-18, onde tribo (Judá), clã (Zerá), família (Zimri) e indivíduo (Acã) aparecem. Este Acã, embora membro da família de Zimri, é especificamente identificado como filho de Carmi. Moisés, portanto, pode não ter sido filho direto de Anrão, como aparece suge­ rido em Êxodo 6.20. Como apoio à idéia de que a genealogia de Êxodo 6.16-20 é seletiva sendo a peregrinação, portanto, de longa duração - existem algumas con­ siderações. Bezalel, um dos artífices que supervisionaram a construção do tabernáculo (Êx 31.2-5), era contemporâneo de Moisés e também a sétima geração desde Jacó (1 Cr 2.1,4,5,9, 18-20), enquanto Moisés era apenas a quarta. Elisama, o líder da tribo de Efraim na ocasião da jornada de Israel pelo Sinai (Nm 1.10), era a nona geração desde Jacó (1 Cr 7.22-26). E ainda mais notável: Josué, assistente de Moisés, era a décima primeira geração desde Jacó (1 Cr 7.27). Embora essas onze gerações possam ser enquadradas perfeitamen­ te nos limites necessários para uma peregrinação de 215 anos, o fato é que não se pode usar as quatro gerações da genealogia de Levi a Moisés como um argumento para uma curta peregrinação, uma vez que é pra­ ticamente certo que a genealogia de Levi a Moisés seja representativa, e não completa. Uma última objeção à teoria de um curto período no Egito está baseada na dificuldade de se entender como as setenta (ou setenta e cinco) pessoas da família de Jacó, na ocasião da descida ao Egito, multiplicaram-se em apenas 215 anos para seiscentos mil homens, sem contar as mulheres e as crianças (Êx 12.37). Mesmo os 430 anos se mostram curtos em circunstân­ cias naturais. O registro bíblico, no entanto, declara que o notável cresci­ mento ocorreu como resultado da bênção e providência de Deus. Pode-se demonstrar matematicamente como, após dez ou doze gerações, 430 anos seriam suficientes para todo esse crescimento da população, mas 215 anos é algo realmente difícil de aceitar.55

vez então as quatro gerações de Levi a Moisés foram selecionadas porque o total de anos nelas envolvido aproximava-se de 430 anos. 54 Kitchen, Ancient Orient, pp. 54.5. 55 Quanto a uma evidência matemática, ver Cari R Keil e Franz Delitzsch, Biblical Commentary on the Old Testament, vol. 2, The Pentateuch (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), pp. 28-29.

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Concluímos que a idéia de uma peregrinação mais longa deve ser pre­ ferida, pois melhor acomoda os requisitos da cronologia bíblica, e ajustase à história egípcia de uma maneira bem mais satisfatória. C ro n o lo g ia d o s p a tria rc a s O estabelecimento das datas para o êxodo e para a permanência no Egito torna possível precisar as datas do período patriarcal. E essas datas somente serão admissíveis se o estudante estiver disposto a aceitar a facticidade da informação contida em Gênesis. Caso alguém ar­ gumente, baseado em qualquer informação, que a longa vida dos patriarcas é impossível ou que as narrativas registram acontecimentos não históricos, episódios legendários, tal pessoa não poderá dizer nada significativo a res­ peito de cronologia ou história. Rejeitar os únicos dados disponíveis signifi­ ca desprezar qualquer chance de reconstruir a história primitiva dos hebreus. De acordo com Gênesis 47.9 Jacó estava com 130 anos quando pela pri­ meira vez chegou ao Egito e apresentou-se perante o rei. A data deste acon­ tecimento, como já demonstrado, foi em 1876. Logo, Jacó nasceu em 2006. Seu pai Isaque tinha 60 anos na ocasião, uma indicação de que seu nasci­ mento ocorrera em 2066 (Gn 25.26). Abraão, é claro, gerou Isaque quando tinha 100 anos (Gn 21.5); portanto, ele nasceu em 2166. Embora haja defe­ sa para estes números, aumenta a aceitação de que as histórias dos patri­ arcas acomodam-se melhor no princípio da Idade Média do Bronze do antigo oriente. É impossível fazer com que todos aceitem os patriarcas como pessoas de carne e sangue, mas tem-se tornado cada vez mais difícil permanecer cético diante da profunda compatibilidade entre o relato de Gênesis e as descobertas sobre as épocas e os locais em que a Bíblia situa os patriarcas. A jo rn a d a n o d e se rto Do mar de Juncos até o Sinai Com este amplo quadro histórico em vista, examinemos os passos de Moisés e Israel desde a partida do Egito. Após terem atravessado o mar de Juncos, quase em uma disposição militar (Êx 12.51), os hebreus viajaram por três dias através do deserto de Sur e chegaram a Mara, onde as águas amargas foram feitas doces. De lá caminharam até Elim e entraram no deserto de Sin - mais ou menos quarenta e cinco dias após terem deixado o Egito (Êx 16.1) - onde pela primeira vez foram supridos com o maná.

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Movendo-se em direção a Refidim,56 foram atacados pelos amalequitas (Êx 17.8-16). Estes eram uma tribo de nômades guerreiros cuja ori­ gem não pode ser identificada, embora Amaleque, nascido de Timna, concubina de Elifaz (filho de Esaú), possa ser o pai dessa tribo (Gn 36.12,16). Se assim o for, o ataque a Israel é ainda mais repreensível, uma vez que envolvia irmão contra irmão. Não é de estranhar que Amaleque tenha sido incluído no herem de Deus (Êx 17.14).57 Israel os encontrou novamente quando estava para penetrar em Canaã pelo sul (Nm 14.39­ 45). Mais tarde, os mesmos amalequitas uniram-se aos moabitas (Jz 3.13) e midianitas (Jz 6.3) nas campanhas militares contra Israel no período dos juízes. Saul falhou em aniquilá-los como lhe havia sido ordenado (1 Sm 15.1-9), mas Davi atacou e destruiu muitos deles em suas expedições através do deserto (1 Sm 27.8; 30). Finalmente desapareceram, e a última referência bíblica a seu respeito provém dos tempos de Ezequias (cerca de 700 a.C.; 1 Cr 4.41-43). Sob o comando de Josué, o povo de Israel derrotou os amalequitas e por fim chegou à montanha sagrada do deserto do Sinai, no terceiro mês após o êxodo (Êx 19.1). Embora os tradicionais situem essa montanha na parte sudeste da península do Sinai, estudiosos mais modernos têm su­ gerido uma localização ao nordeste ou mais situada ao centro da penín­ sula. Visto que a maioria (se não todos) dos locais que fizeram parte daquele itinerário já não mais pode ser identificada, é praticamente im­ possível assegurar alguma informação. Mas isto é de menor importân­ cia. O principal é que neste local Israel encontrou-se com Jeová, e lá am­ bos fizeram um pacto.58 56 Os nomes desses cinco primeiros locais - Shur, Marah, Elim, Sin e Refidim - são exclu­ sivamente mencionados no Antigo Testamento, não havendo como associá-los aos mo­ dernos sítios arqueológicos. Sur era um deserto que se estendia por todo o ocidente central do Negueve (Gn 16.7; 20.1;25.18; ISm 15.7; 27.8). Mara é mencionada apenas nos acontecimentos ocorridos no itinerário do deserto (Êx 15.23; Nm 33.8,9), da mesma for­ ma que Elim (Êx 15.27; 16.1; Nm 33.9,10). Sin é o deserto que fica situado entre Elim e Refidim (Êx 16.1; 17.1; Nm 33.11,12). Refidim situa-se entre Alush (Nm 33.14) e o monte Sinai (Êx 17.1,8; 19.2). Para as possíveis localizações desses sítios, ver o mapa da p. 53. 57 O termo hebraico herem refere-se ao ato de consagrar alguém ou alguma coisa para o serviço exclusivo de Deus. Pode ser que (conforme nesse ocorrido) haja a possibilidade do objeto consagrado vir a ser aniquilado. Ver Leon J. Wood, herem, em R. Laird Elarris, Gleason L. Archer, Jr., e Bruce K. Waltke, editores de Theological Wordbook of the Olá Testament (Chicago: Moody, 1980) vol. 1, pp. 324-25. 58 Para um apanhado sobre os vários pontos de vista, ver Siegfried Elermann, A History of Israel in Olá Testament Times, traduzido por John Bowden (Philadelphia: Fortress, 1975), pp. 71-73.

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A aliança do Sinai Não serão tratadas aqui as questões teológicas que envolvem o cha­ mado pacto mosaico ou sinaítico. Basta mencionar que através desta ali­ ança o Senhor Jeová confirmou a redenção que efetuara - livrou os hebreus da suserania egípcia, tornando-os seus próprios servos, "...um reino sacerdotal e o povo santo" (Êx 19.6). O papel deste povo a partir daquele instante seria mediar ou interceder como sacerdote entre o Deus santo e as nações rebeldes do mundo, tendo em vista não somente pro­ clamar a salvação, mas também providenciar o canal humano através do qual esta seria efetuada.59 Pode-se afirmar historicamente que as doze tribos de Israel estavam presentes no Sinai para participar da aliança com Jeová. Esta afirmação é rejeitada por Martin Noth e outros estudiosos, que afirmam ter sido a tra­ dição sinaítica originalmente propriedade de uma ou duas tribos, que en­ tão compartilharam seu entendimento acerca do passado com as demais tribos, até que a herança de cada uma tornou-se a herança de todas.60 Notase claramente que uma das intenções da narrativa do êxodo e da aliança é provar que todo o Israel tomou parte no êxodo e encontrou-se com Jeová no Sinai. Somente uma avaliação céptica do texto fundada em hipóteses críticas improváveis pode afirmar algo que não seja a participação das doze tribos de Israel nesse momento crucial e sagrado de sua história. Um outro fato importante é que a forma literária em que a aliança do Sinai aparece (Êx 20-23) é profundamente semelhante aos tratados de suserania e vassalagem do antigo Oriente Médio, especialmente os hititas, que foram feitos no mesmo período.61 A semelhança torna-se ainda maior no livro de Deuteronômio, que efetivamente é uma aliança extensa e apro­ priada à geração de israelitas que estava para entrar em Canaã.62 De acor­ do com George Mendenhall, Meredith Kline, Kenneth Kitchen e outros estudiosos, Êxodo 20-23 e Deuteronômio seguem a mesma estrutura e Walther Eichrodt, Theology ofthe Old Testament (Philadelphia: Westminster, 1961), vol. 1, pp. 36-45,481-85. ' Martin Noth, History of Pentateuchal Traditions, traduzido por Bernhard W. Anderson (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1972). George E. Mendenhall, "Covenant Forms in Israelit Tradition", em Biblical Archaeology Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr., e David Nowl Freedman (Garden City, X.Y.: Doubleday, 1970), vol. 3, pp. 38-42; Klaus Baltzer, The Covenant Tormulary in OJd Testament, Jewish, and Early Christian Writings (Philadelphia: Fortress, 1970). J.A. Thompson, Deuteronomy: An Introduction and Commentary (Leicester: Inter-Varsity, 1974), pp. 14-21.

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contêm os elementos essenciais dos clássicos tratados entre suserano e vassalo, que foram descobertos em grande abundância nos arquivos dos hititas em Boghazkeui, Turquia (antiga Hatusas). Visto que a maior parte desses textos existe desde a Idade do Bronze Recente, conclui-se que os textos bíblicos semelhantes são deste período, ou seja, o período que tem sido tradicionalmente relacionado à época de Moisés. Porém, na intenção de defender uma data bem mais recente para o livro de Deuteronômio, muitos estudiosos preferem associar sua forma e conteúdo aos documen­ tos neo-assírios do sétimo século.63 Mas uma minuciosa comparação entre esses tratados e os textos bíblicos revela problemas insuperáveis de interpretação. Por exemplo, as fórmulas de bênçãos fazem parte integral tanto da literatura do Bronze Recente quanto dos textos bíblicos, embora sejam completamente estranhos aos documen­ tos assírios.64 Pela lógica, fica claro que Moisés adotou a forma e o estilo de tratados que já eram bem conhecidos no décimo quinto e décimo quarto séculos, compondo os textos bíblicos baseado nesses modelos.65 O motivo de Moisés ter adotado esta forma é perfeitamente compreen­ sível. Ele poderia com certeza ter criado um novo estilo literário, com seus próprios elementos peculiares; mas, visto que sua intenção era ser mais instrutivo do que criativo, ele utilizou um veículo com o qual o povo já estava bastante familiarizado. Em outras palavras, como um bom profes­ sor Moisés estava ciente do princípio pedagógico segundo o qual o aluno aprende melhor quando o ensinamento parte do conhecido para o desco­ nhecido. Moisés se utilizou desta forma de comunicação a fim de que a aliança entre Jeová e Israel pudesse ser revestida na forma dos tratados internacionais, intentando preservar as verdades teológicas profundas que a ela estão associadas. Do Sinai até Cades-Barnéia Desde a entrega da Lei - seguindo-se as cerimônias de confirmação, a instituição do sacerdócio e outros elementos essenciais - até a recém-for-

63 Moshe Weinfeld, Deuteronomy and the Deuteronomic School (Oxford: Clarendon, 1972), pp. 59-157; R. Frankena, "The Vassal Treaties of Esarhaddon and the Dating of Deuteronomy,", OTS 14 (1965): 122-54. 64 Moshe Weinfeld, "The Loyalty Oath in the Ancient Near East," ( if 8 (1976): 397. 65 Kenneth A. Kitchen, "Ancient Orient, 'Deuteronism,' and the Old Testament," em New Perspectives on the Old Testament, editado por J. Barton Payne (Waco: Word, 1970), pp. 1-24.

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mada comunidade teocrática, passaram-se praticamente nove meses (Êx 19.1; 40.17). Por volta do primeiro mês no ano seguinte após o êxodo (aprox. 1445) foi construído o Tabernáculo e, exatamente um mês depois, inicia­ ram-se os preparativos para que as tribos partissem do Sinai em direção a Canaã (Nm 1.1). A viagem teve início precisamente no vigésimo dia do segundo mês do segundo ano (Nm 10.11,12), o que significa que Israel esteve acampado no Sinai por quase um ano inteiro. É impossível saber acerca do cotidiano desse período, exceto que o povo era nômade e pasto­ ril. Existem oásis e terras de pastagem a sudeste do Sinai, mas estes não poderiam prover água e alimentação para um contingente de homens e animais tão grande. O relato bíblico sugere que todo o processo - desde a saída do Egito até Canaã - foi uma série de atos miraculosos de Deus por meio dos quais Ele redimiu, libertou e sustentou o seu povo. Leitores modernistas podem ler o texto da maneira que acharem melhor. Podem, inclusive, rejeitar catego­ ricamente o registro bíblico afirmando que as palavras não passam de um embelezamento exagerado produzidas por trovadores que glorificavam indevidamente seu modesto passado; ou podem aceitá-lo como uma reci­ tação de uma sóbria historiografia, não obstante a inabilidade de compre­ ender seus diversos mistérios. Tais julgamentos situam-se no campo da fé religiosa, e não nos estudos científicos das hipóteses históricas. Finalmente, Israel moveu-se em direção norte, ainda que com muita dificuldade. A maioria dos locais mencionados no itinerário de Números e Deuteronômio não mais pode ser localizada, de forma que o caminho exato não pode ser definido.66 O primeiro acampamento foi em Tabera (Quibrote-Hataavá - Nm 11.3,34), um local que distava três dias de via­ gem do monte Sinai (Nm 10.33), mas também não pode ser identificado. Do mesmo modo, Hazerote (Nm 11.35) é desconhecida hoje; mas o princi­ pal acampamento dos israelitas durante os quarenta anos - Cades-Barnéia - certamente é identificado como Tel el-Quddrat, localizado no deserto de Zim, aproximadamente oitenta quilômetros a sudoeste de Berseba (Nm 20.1).67 De Cades os doze espias penetraram em Canaã, viajando pelo nor-

- Não será por isso que devemos considerar o relato coaio não-histórico, conforme muitos têm pensado, tais como G.I. Davies, que identifica os tinerários de Deuteronômio como um embelezamento dos instantes de mudanças nas aitigas fontes narrativas e em P (a suposta fonte sacerdotal da legislação contida no Pentateuco), fazendo-as oarecer como verdadeiras, o que serviria apenas para trazer esperança à comunidade do exílio ("The Wilderness Itineraries and the Composition of the Pentateuch", VT 33 [1983]: 12-13). Para uma visão que identifica o sítio tão antigo quanio a Era do Bronze Médio I, ver

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te até Reobe, provavelmente a mesma Bete-Reobe que fica a oeste de Dã e a quarenta quilômetros ao norte do mar da Galiléia. Caso a "entrada de Hamate" (Nm 13.21) seja entendida como Lebo-Hamate (a moderna Lebweh), o reconhecimento feito pelos doze pode tê-los levado tanto para o norte que chegaram mesmo a alcançar a nascente do rio Orontes, 160 quilômetros ao norte do mar da Galiléia.68 No decorrer da viagem, os espias também visitaram a cidade de Hebrom, habitada naqueles dias pelos enaquins (uma raça de gigantes), e colheram enormes cachos de uvas em Escol ("cacho"), assim chamada em conseqüência do evento. Naqueles dias Hebrom já existia por aproxima­ damente trezentos anos (Nm 13.22; ver pp. 24,25), embora tenha sido an­ tes conhecida pelos patriarcas com o nome de Manre ou Quiriate-Arba (Gn 13.18; 23.2; Js 14.15). Quando retornaram a Cades-Barnéia, a maioria dos espias disse ao povo que Canaã era habitada por gigantes que viviam em cidades com mura­ lhas intransponíveis. Apesar de Josué e Calebe afirmarem exatamente o oposto, o povo deu crédito ao relato desanimador e decidiu rejeitar a lide­ rança de Moisés. Em conseqüência, Jeová condenou aquela geração de adultos a uma peregrinação sem fim nos desertos do alto Sinai. E foi assim por trinta e oito anos até que, por fim, morreu aquela geração, exceto Josué e Calebe. A conquista de Canaã, que poderia ter tido seu início dois anos após o êxodo, ocorreu na verdade quarenta anos mais tarde, em 1406 a.C. Neste ínterim o povo decidiu amenizar a sentença pronunciada por Jeová contra eles; lançaram-se em um ataque contra os amalequitas e cananeus que habitavam nas montanhas ao sul de Canaã. Moisés foi con­ tra essa tentativa doentia de vitória, não permitindo que a arca da alian­ ç a - a evidência tangível e simbólica da presença de Jeová - os acompa­ nhasse. Conforme as palavras de Moisés, os israelitas foram duramente derrotados e humilhados, fugindo de seus adversários até o sul de Horma (a moderna Tel el-M ishash),69 cerca de doze quilômetros a leste de RudolphCohen, "The Excavatiors at Kadesh-barnea (1976-78)," BA 44 (1981): 104. Cohen lança a novíssima teoria de que j destruição dos sítios arqueológicos do Bronze Médio I no Negueve e em outros locais, as quais têm sido atribuídas pelos estudiosos aos amoritas devem, na realidade, ser creditadas às tribos israelitas que, à medida que saí­ am do Egito pelo norte, devastavam a região. Isso colocaria o êxodo numa data muitís­ simo remota, aproximadamente 2000 a.C. ("The Mysterious MB I People," BAR 9 [1983]: 16-29)! Tudo o que se liga às atividades patriarcais na tradição deve ser associado à conquista israelita. 68 Yohanan Aaaroni, The Land of the Bible (Philadephia: Westminster, 1979), pp. 72-73. 69 Ibid., p. 201.

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Berseba. Esta lição parece ter sido suficiente, pois não houve mais qual­ quer outra tentativa de entrar em Canaã prematuramente. De Cades-Barnéia às planícies de Moabe O encontro com Edom No quadragésimo ano, Moisés traçou planos para retomar a marcha até Canaã. Desta vez a estratégia determinada era tentar uma penetração pelo leste, atravessando o rio Jordão em direção ao caminho próximo a Jericó. Para a concretização desse plano, Moisés sabia que teria de atraves­ sar os territórios edomita e moabita, já que a rota mais acessível ao norte de Cades-Barnéia passava bem no centro das duas nações. E além disso esta rota, a chamada Estrada Real, era muito bem defendida, especialmente nos locais onde havia estreitamentos entre montanhas. Logo, viajar por esse caminho obrigatoriamente exigia a permissão daqueles que controla­ vam os pontos principais. Primeiro Moisés enviou mensageiros a Edom e lembrou-lhe o pas­ sado histórico comum às duas nações, e como eles estavam ligados por laços fam iliares.70 Os edomitas eram primariamente descendentes de Esaú, que ocupou essa terra desde quando separou-se de Jacó (Gn 32.3). A tradição bíblica indica que os habitantes originais de Edom, conheci­ da anteriormente como Seir, eram os horitas, associados seguramente aos hurrians dos textos do antigo Oriente Médio. Eles foram expulsos por Esaú tanto por sua força quanto pela graciosa ação de Jeová (Dt 2.12,22; Gn 36). Os apelos de Moisés com respeito a uma mesma origem foram despre­ zados, bem como o discurso sobre o grande livramento dado por Jeová a Israel, quando os retirou do Egito, e a proposta de permanecerem estrita­ mente na estrada, abstendo-se da água ou comida de Edom. Frustrado, Moisés mesmo assim partiu de Cades e acampou-se nas regiões monta­ nhosas de Hor, onde morreu Arão (Nm 20.28,29). Essa região ainda não identificada provavelmente ficava a nordeste de Cades, "ao longo da es­ trada para Atarim".71 Entretanto, o rei da cidade-estado cananéia Arade soube que Israel se aproximava e lançou um ataque contra os israelitas. É muito difícil saber qual é essa Arade, embora seja provavelmente Tel el­ ’ Para uma visão panorâmica da identidade e história dos edomitas e moabitas, ver John R. Bartlett, "The Moabites and Edomites," em Peoples ofOld Testament Times, editado por D.J. Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), pp. 229-58. Aharoni, Land ofthe Bible, pp. 201-2.

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Milh em vez de Tel Arade, já que esta não existia em tempos présalom ônicos.72 Tel el-Milh situa-se cerca de 19 quilômetros a oeste de Berseba e 96 quilômetros a nordeste de Cades. O rei de Arade estava temeroso porque os exércitos de Israel aproximavam-se de sua cidade "ao longo da estrada para Atarin", um vale que ligava Arade a Cades. Isso parece sugerir que Moisés, apesar de forçado a abandonar os planos de passar pela Estrada dos Reis, estava uma vez mais determinado a penetrar em Canaã pelo sul. Em todo o caso, Jeová concedeu a vitória sobre Arade em Hormá, o mesmo local onde Israel havia sofrido terrível derrota trinta e oito anos antes. O encontro com os amoritas A resistência cananéia, contudo, desencorajou Moisés, que retornou ao sul com a intenção de passar a Edom pelo leste. Isso custaria uma viagem de mais de 160 quilômetros até Elate, no mar Vermelho (Golfo de Acaba), e 321 quilômetros de volta para o norte até as planícies de Moabe. É muito difícil reconstruir toda a trajetória de Israel, porque os detalhes são esparsos e muitos locais não mais podem ser identificados. Porém, juntando partes da narrativa de Números 21 com a lista de acampamentos em Números 33, pode-se traçar uma rota geral.73 ■ Após partirem de Hor, os israelitas seguiram em direção leste até Zalmona (es-Salmaneh?), dentro dos limites de Edom (Nm 33.41). De lá foram cerca de 28 quilômetros em direção sudeste até Punom (Feinan), um local de minas de cobre e talvez o local do episódio da serpente de bronze.74 Obote, o próximo local mencionado em ambas as listas (21.10; 33.43), não pode ser localizado com precisão, mas, ao contrário do que pensa a maioria dos estudiosos, provavelmente deve ser localizado ao les"2 Ibid., pp. 215-16. Para consultar algumas rotas sugeridas, ver Yohanan Aharoni e Michael Avi-Yonah, Macmillan Bible Atlas (New York: Macmillan, 1968), no mapa 52. A unidade e integrida­ de essencial das várias listas de itinerários são enfatizadas por Albright, "Moses Out of Egypt," BA 36, pp. 58-59. Z. Kallai, por outro lado, partindo da hipótese da crítica de tradição, advoga a idéia de que o relato de Números 33 é um resumo estilizado que se baseou em um conjunto de tradições que circulavam na época, e que cobre desde Êxodo até Números 21. Finalmente, Deuteronômio 1-2 seria uma "versão refinada do conceito que modelou a adaptação de Números 20-21" ("The Wandering-Traditions from KadeshBarnea to Canaan: A Study in Biblical Historiography," JJS 33 [1982]: 183-84). O proble­ ma com essa hipótese é que ela se apóia sobre uma aceitação indiscriminada das supo­ sições da crítica da tradição. ’’ .Aharoni, Land of the Bible, p. 204.

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te de Edom.75 Caso seja assim, uma viagem de Punon ao sul em direção ao mar Vermelho e outra em direção a Obote não foram mencionadas em momento algum de Números. Porém, Deuteronômio 2.1-8 revela que Is­ rael partiu de Hor seguindo a estrada que dá no mar Vermelho; depois voltou-se para o norte, não pela estrada de Arabá ou pela Estrada dos Reis, mas “pela estrada no deserto de Moabe", contornando ao leste a maioria dos centros populacionais de Edom. Depois de Obote veio IyeAbarim, na fronteira moabita, formado na ocasião pelo Vadi Zered, um riacho permanente que corria dos planaltos ao oriente para dentro do mar Morto, ao sudeste.76 E dali partiu Israel em direção norte, passando pelo rio Arnon (Nm 21.13), e acampou-se no território amorita em Dibom-Gade (Dhiban), a pouco menos de 64 quilômetros do Jordão. Israel passou pela fronteira oriental de Edom e pelo centro de Moabe sem qualquer incidente. Embora os moabitas não tivessem condições de resistir a Israel, ainda que tentassem, Jeová instruiu Moisés a não lhes fa­ zer nenhum mal, pois Ele havia dado aquela terra a Moabe (Dt 2.9). Os moabitas surgiram de uma relação incestuosa entre Ló e sua filha mais velha (Gn 19.37); eram, portanto, parentes próximos dos israelitas. Eles substituíram a população nativa dos planaltos mais altos da região orien­ tal, e construíram um reino cuja fronteira ao sul chegava até o rio Zerede. Sua fronteira ao norte variava de Arnon a uma linha que seguia direto para o oriente, e que partia da margem superior do mar Morto. Os habi­ tantes mais antigos eram chamados de Emim, um subgrupo, tal qual os enaquins, de uma raça chamada refain. Estes eram aparentemente um povo gigante, cujo nome significa "os terríveis", mas cuja origem é completa­ mente desconhecida.77 Ao chegar a Dibom, Israel deparou-se com os terríveis amorreus que, naqueles dias, controlavam toda a Transjordânia entre o Arnon e o Jaboque, com exceção das fortalezas amonitas do oriente. Esses amorreus descen­ diam provavelmente de uma antiga migração do povo amurru em dire­ ção a Canaã, da qual Abraão deve ter feito parte (ver pp. 16,17). Desde os tempos mais antigos, eles vinham forçando os cananeus nativos a deixa­ rem as montanhas, estabelecendo-se naquele local e iniciando uma forma de vida seminômade que, mais tarde, tornou-se urbanizada. Esse quadro

75 Martin Noth, Numbers: A Commentary, tradução de James D. Martin (Philadelphia: Westminster, 1968), p. 245. 76 Já por inúmeras vezes, lye Abarin tem sido identificada com el-Medeiyineh, 32 quilô­ metros a sudoeste do mar Morto (Aharoni, Land of the Bible, p. 202). 77 Conrad L'Heureux, "The Ugaritic and Biblical Rephain," HTR 67 (1974): 265-74.

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permaneceu até os dias de Moisés, como deixa claro o relato dos doze espias (Nm 13.29). Mesmo os mais distantes planaltos haviam sucumbido aos amorreus, e, como resultado, os moabitas e amonitas tiveram de entrincheirar-se e satisfazer-se com uma considerável redução de seus ter­ ritórios (Nm 21.26-30).78 Mesmo percebendo o iminente conflito, Moisés decidiu seguir a rota pelas terras amoritas até Beer (localização desconhe­ cida), Matana (desconhecida), Naaliel (desconhecida), Bamote (desconhe­ cida), e finalmente até Pisga, situada na margem de um alto planalto que possibilita a visão do mar Morto. Essa estrada passava bem próximo à capital dos amorreus, chamada Hesbon, o que sem dúvida provocaria a sua intervenção. Logo, Moisés solicitou a Siom, rei dos amorreus, permissão para conti­ nuar naquele caminho. Esse pedido - feito enquanto Israel achava-se no deserto de Quedemote (Dt 2.26) - foi negado; e Siom lançou-se para atacar Israel em Jaaz (Khirbet el-Medeiyineh?), situada cerca de 32 quilômetros ao sul de Hesbon. Israel prevaleceu e, em pouco tempo, tomou a cidade de Hesbon, matou a Siom, e ocupou todas as terras dos amorreus - desde Arnom até Jazer, a nordeste de Jerico. A ordem dos acontecimentos e o caminho percorrido são bastante obs­ curos, já que os diferentes relatos alistam diferentes lugares.79 A narrativa fundamental - Números 21.13-32 - parece descrever o itinerário de ma­ neira resumida (vv. 16-20), registrando a comunicação com Siom, sua per7 Embora equivocado quanto a capacidade de exatidão dos textos históricos referentes aos amoritas da Transjordânia, M. Liverani reconhece que, na tradição de Israel, os amoritas constituíram-se num povo pré-conquistado da região. Sua falha reside em não reconhecer que sua teoria não se fundamenta em bases históricas seguras ("The Amorites," em Peoples ofOld Testament Times, editado por D.J. Wiseman, pp. 125-26). 7lJ Veja Eugene H. Merrill, "Numbers", em The Bible Knowledge Commentary, editado por John F. Walvoord e Roy B. Zuck (Wheaton, 111.: Victor, 1985), vol. I, pp. 239-40. John Van Seters faz a tentativa de harmonizar os relatos de Números 21.21-35, Deuteronômio 2.26-37 e Juízes 11.19-26, utilizando fontes deuteronomistas, sobre as quais a versão de Números foi baseada. O "escritor-redator" de Números inseriu na narrativa um motejo em forma de cântico contra Moabe (Nm 21.27-30), um outro relato "críptico e artificial" a respeito da conquista de Jazer e, por último, a história acerca da guerra contra Ogue, um aconteci­ mento que ele extraiu de Deuteronômio 3.1-7 ("The Conquest of Sihon's Kingdom: A Literary Examination,"JBL 91 [1972]: 195). Uma variante disso - que Números 21.21-25 é a fonte de outras duas narrativas acerca da campanha contra Seom - é sugerida por John R. Bartlett, "The Conquest of Sihon's Kingdom: A Literary Re-examination," JBL 97 (1978): 347-51. Esses fatos apenas corroboram mais a verdade da tradição bíblica, embora até mesmo Bartlett, que nega a autoria mosaica de Números e Deuteronômio, falhe em admi­ tir que o mesmo autor possa ter contado o mesmo acontecimento com ênfases diferentes.

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tinácia e sua derrota em Jaaz e em outros lugares (vv. 21-32). O local de onde foi feita a primeira solicitação de passagem, o deserto de Quedemote, não se encontra em Números, mas consta no discurso pronunciado por Moisés sobre a conquista da Transjordânia, registrado em Deuteronômio 2.26. Talvez tenha sido esse o primeiro acampamento após Dibon-Gade e o anterior a Beer. A lista dos acampamentos registrados em Números 33 não menciona nenhum dos lugares descritos em Números 21.13-20, mas acrescenta Dibon-Gade, a primeira parada ao norte de Arnom (21.13); Almom Diblataim (Khirbet Dleilat esh-Sherqiyeh), dezenove quilômetros ao norte de Dibom-Gade; e os "montes de Abarim, defronte de Nebo" (33.47). Essas montanhas são, ao que tudo indica, uma cordilheira da qual Pisga (21.20) e Nebo (Dt 32.49) constituem os pontos mais altos. Foi prova­ velmente desses locais que Israel partiu a fim de capturar Hesbon, Jazer, Aroer e todas as demais cidades controladas pelos amorreus. Ao norte do reino de Siom estava um outro rei amorreu, Og de Basã. Sua jurisdição estendia-se de Jazer até o extremo norte do rio Iarmuque, e entre o Jordão e o oeste, tendo o reino amonita ao oriente. Tecnicamente, Basã situava-se ao norte do Iarmuque, mas parece que na época da con­ quista de Israel, Og também já controlava a região sul do Iarmuque, co­ nhecida por Gileade. Tanto Basã quanto Gileade eram constituídas de pla­ naltos bem irrigados com florestas verdejantes, pastagens e terrenos culti­ váveis. O local foi tão bem-visto pelos israelitas que Rúben, Gade e a me­ tade da tribo de Manassés decidiram ali se estabelecer em vez de cruza­ rem o Jordão. A marcha de Israel em direção a Basan foi tão rápida que Og não pôde interceptá-los até que chegassem a Edrei, sua cidade capital, aproximada­ mente 48 quilômetros a sudeste do mar da Galiléia. Neste local o rei gi­ gante foi derrotado e destruído (Nm 21.35), e as sessenta cidades foram tomadas (Dt 3.4). Israel controlou assim toda a Transjordânia das terras dos amorreus, desde o vale do Arnon, ao sul, até o monte Hermon, ao norte, uma distância de aproximadamente 241 quilômetros. O encontro com Moabe Quando ficou claro para Balaque, rei de Moabe, que Israel ficara no controle de todo o norte da Transjordânia, parte inclusive de seu reino, temeu que o seu território fosse o próximo a sucumbir. Por outro lado, a vitória sobre Siom havia finalmente removido os amorreus das terras do norte de Arnon, um território que Moabe vinha exigindo havia bastante tempo. Tentando afastar a ameaça do povo israelita e retomar os territóri­ os agora desocupados na região oriental do mar Morto (inclusive as planí-

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cies de Moabe), Balaque alugou os serviços de Balaão, um renomado adi­ vinho de Petor. Esta cidade era provavelmente a Pitru mencionada nos textos acadianos,80 cuja localização ficava em algum ponto próximo ao rio Eufrates, mais precisamente na alta Mesopotâmia (ver Dt 23.4). Escritos cuneiformes oriundos da importante cidade-estado de Mari revelam a existência de uma corporação de profetas que se especializavam em vári­ as habilidades, inclusive na previsão do futuro.81 Os documentos datam de aproximadamente 1700 a.C.; embora tais profetas e suas técnicas para prever o futuro tenham sido detectados no oriente do Mediterrâneo há centenas de anos antes de 1700 a.C. Portanto, o papel vivido por Balaão no contexto histórico de Moabe enquadra-se perfeitamente com as informa­ ções de fontes extrabíblicas. Atarefa solicitada por Balaque foi basicamente impetrar maldições con­ tra Israel em nome do próprio Jeová, Deus de Israel. Imagina-se que a técnica usada por Balaão consistia em usar o poder da palavra proferida unida à capacidade de adivinhar o futuro, trazendo à existência o que estava sendo solicitado. Assim, Balaão diferenciava-se do nabi ou rõ'eh do Antigo Testamento, que eram apenas mensageiros que proclamavam a vontade de Deus, mas a manipulavam. Balaão agiu, ao menos, como um bãrü ou mahhú - um profeta que se utilizava de vários meios para discernir e interpretar os presságios. Ele também era visto como um manipulador, ou seja, alguém que possuía a capacidade de persuadir os deuses.82 Uma vez que Jeová era o Deus de Israel, era evidente que Balaão passasse a agir em nome de Jeová a fim de alcançar a solicitação do rei Balaque. Porém tal

50William F. Albright, Yahiueh and the Gods of Canaan (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1969), p. 15, n. 38. 11 Herbert B. Huffmon, "Prophecy in the Mari Letters," BA 31 (1968): 101-24; John F. Craghan, "The ARM X 'Prophetic' Texts: Their Media, Style and Structure," JANES 6 (1974): 39-58. 52 Para um maior conhecimento do profetismo e adivinhação na Mesopotâmia, ver A. Leo Oppenheim, Ancient Mesopotamia (Chicago: University of Chicago Press, 1964), pp. 206-27. Balaão praticava uma forma de encantamento em que combinava algumas palavras ritualísticas com ações, o que supostamente ocasionava uma mudança no curso dos eventos divinos. Ver H.W.F. Saggs, The Greatness That Was Babylon (New York: New American Library, 1968), pp. 311-14; Frederick L. Moriarty, "Word as Power in the Ancient Near East," em A Light unto My Path, editado por Howard N. Bream, Ralph D. Heim e Carey A. Moore (Philadelphia: Temple University Press, 1974), pp. 345-62. Para uma confirmação sobre as funções de advinhador e amaldiçoador de Balaão, ver Jacob Hoftijzer, "The Prophet Balaam in a 6thCentury Aramaic Inscription," BA 39 (1976): 12-13.

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não sucedeu, e as maldições que Balaão intentava pronunciar tornaram-se bênçãos em seus lábios; e ele voltou em desgraça para Petor. Parece que ele retornou a Moabe tempos depois, e foi um dos responsáveis por enco­ rajar Israel a adorar Baal em Petor, um centro de culto situado a poucos quilômetros do Jordão (Nm 25; 31.8,16; 2 Pe 2.15; Jd 11; Ap 2.14). Os midianitas sofreram as conseqüências por participarem nesta sedução de Israel (Nm 25.6,16-18), e muitos deles pereceram juntamente com Balaão (Nm 31.1-12). E irônico que o mesmo povo que serviu de refúgio para Moisés, e de quem este tomou para si uma mulher como esposa, se tornas­ se um dos principais causadores da mais séria e importante apostasia de Israel após o monte Sinai. \ Terminada essa crise, Moisés passou a dar atenção à conquista de Canaã. Ele mesmo não participaria da campanha por sua intemperança ao ferir a rocha, em vez de falar-lhe. Mas como mediador da aliança, ainda possuía a responsabilidade de providenciar a aquisição da terra e a acomodação do povo no local. Antecipando-se às decisões de Moisés, os líderes das tribos de Rúben e Gade (e mais tarde a tribo de Manassés) solicitaram permissão para continuar na Transjordânia, tendo sua porção repartida naquela região. O pedido baseava-se especialmente no fato de ser aquela região bastante apropriada para a pecuária. Visto que eles eram criadores de gado, não haveria razão para buscarem uma herança em outro local. Moisés assentiu e tomou providências para repartir-lhes a terra, mas exi­ giu que se comprometessem a ajudar as demais tribos nas campanhas de conquista de Canaã. A Rúben e Gade coube todo o território entre Arnon ao sul e Jazer ao norte, isto é, toda a região que anteriormente era governada por Siom, rei de Hesbon. Em virtude de as cidades herdadas por Rúben e Gade serem espalhadas e misturadas umas com as outras (Nm 32.34-38), as duas tri­ bos foram progressivamente perdendo suas identidades independentes. Mais tarde, Josué procurou corrigir o problem a procedendo uma redistribuição (Js 13.8-33). O território oriental de Manassés, dividido en­ tre os clãs de Maquir e Jair, era substancialmente idêntico ao antigo reino de Ogue. Os maquiritas tomaram posse da parte sul, ou seja, de Gileade até as fronteiras de Rúben e Gade. Os jairitas receberam como herança a região ao norte de Gileade, definida mais precisamente como a cidade de Argob, pertencente ao reino de Ogue. Seus limites eram o monte Hermon ao norte e os pequenos reinos de Maaca e Gesur ao sul, bem acima do Iarmuque (Dt 3.13,14). Um terceiro elemento, conhecido por Nobá - que aparentemente não tinha ligação alguma com Manassés - apoderou-se de Quenate e das vilas ao seu redor (Nm 32.42). Quenate situava-se cerca de

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96 quilômetros ao oriente do mar da Galiléia, penetrando bastante o de­ serto Haurã. Enfim, chegou o momento da morte de Moisés. Após ter resolvido so­ bre a tática de conquista, as cidades de refúgio, e a justa alocação para as tribos ocidentais, Moisés recapitulou todas as instruções em seu discurso final à nação de Israel, registrado solenemente no livro de Deuteronômio. Embora para alguns este livro não tenha sido escrito por Moisés, mas por um historiador anônimo da linha "deuteronomista" que viveu no sétimo século, tornando-se corolários essenciais para tais críticos, o fato é que não há nada no livro que necessariamente conduza a tais conclusões, tanto na forma quanto no conteúdo em si. Os detalhes e o estilo do livro estão de acordo com o que é conhecido da Era do Bronze Recente de Canaã; é con­ sistente com o restante do Pentateuco; e provê uma conclusão literária satisfatória para os escritos de Moisés. A geração mais antiga já havia morrido, e a nova precisava de uma expressão mais recente da aliança com Jeová. Deuteronômio é uma iniciativa em favor da aliança à qual a nação de Israel, às vésperas da conquista, poderia e deveria responder.83 Para documentar a fidelidade de Deus a respeito de seu pacto, e o signifi­ cado de Israel na História, Moisés escreveu o livro de Gênesis e o restante da Torá nesse período.

Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy, New International Commentary on the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1976), pp. 30-32.

0N P I ST A E A P A ( Ã 0 DE C A N A Ã A terra como o cumprim ento da promessa O mundo antigo do Oriente Médio Mesopotâmia. . Mitani Os hititas 0$ estados sírios Egito Os 'apiru Os 'apiru e a conquista A estratégia de Josué A campanha de Jerico A campanha central Siquém e a renovação da aliança A campanha em direção sul A campanha em direção norte A data da conquista de Josué A campanha contra os enaquins M odelos alternativos da conquista e ocupação O modelo histórico-tradicional O modelo sociológico A terra repartida entre as tribos A distribuição em larga escala A distribuição da terra para cada tribo As cidades de refugio As cidades dos levitas A segunda renovação da aliança em Siquém

A te rra co m o o c u m p rim e n to d a p ro m e s s a Um elemento central e indispensável da promessa feita por Jeová aos patriarcas era a ocupação perpétua da terra de Canaã. Para lá foi que Ele conduziu Abraão desde Arã; abençoou-o com uma aliança e descendên­ cia, dizendo-lhe que embora seus descendentes viessem a sofrer sob o jugo de escravidão estrangeira por quatrocentos anos, um dia eles volta­ riam para Canaã. Após muitos anos, o próprio Jeová apareceu a Moisés e o comissionou para conduzir seu povo Israel para fora do Egito, levan­ do-o para a terra da promessa. Israel era tido por Jeová como seu filho. Mas seu filho havia se tornado escravo de um outro senhor, duro e exi­

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gente, que não admitia reconhecer os direitos de Jeová sobre o seu pró­ prio povo. Por conseguinte, em uma demonstração de poder e amor, Jeová sacudiu o jugo de seu povo, derrotando o opressor e libertando os hebreus através da passagem pelo mar de Juncos, até que chegaram ao local de­ terminado para a aliança - o Sinai. Foi lá que Ele afirmou sua soberania sobre os descendentes de Abraão, e ofereceu-lhes o grande privilégio de se tornarem seus servos na grandiosa missão de reconciliar a humanida­ de consigo mesmo. A aceitação por parte de Israel gerou uma aliança, um contrato mediante o qual Israel e Jeová ligavam-se e obrigavam-se mutuamente, e era garantido a Israel a apropriação de todas as promes­ sas feitas aos patriarcas. Os hebreus haviam se tornado uma nação, e como tal passaram a ter um rei, o próprio Jeová, e uma constituição, o livro da aliança ou concerto (Êx 20-23), e, mais tarde, o Deuteronômio. Tudo o que eles precisavam agora era de uma terra onde pudessem go­ zar tanto a nacionalidade quanto a estabilidade. Até mesmo a terra ain­ da era uma promessa a ser cumprida. O que Israel precisava fazer era tomar posse da ordem divina e partir para a ocupação da terra. Israel permaneceu nas planícies de Moabe bem às vésperas da ocupa­ ção e conquista da terra. Moisés era morto e o manto de mediador da ali­ ança agora repousava sobre os ombros de Josué. Animado e encorajado pela promessa de Jeová de que estaria sempre com ele - como havia esta­ do com Moisés - , Josué começa a planejar a estratégia que resultaria na conquista e ocupação da terra da promessa. O m u n d o a n tig o d o O rie n te M é d io Antes de dar continuidade ao relato bíblico, é importante notar com atenção o universo geopolítico em que tais fatos aconteceram. Isto é necessário não somente porque a história bíblica é parte de um vasto horizonte histórico, mas também por ser possível integrar a história de Israel com as de outros povos e eventos contemporâneos. Um proble­ ma encontrado é que a data tradicional estabelecida para a conquista (aprox. 1406-1399; ver p. 149), de modo similar ao evento do êxodo, tem sido o alvo de severa crítica por parte de alguns estudiosos moder­ nos, que preferem adotar o ano 1250 ou até outra data mais recente. E evidente que a narrativa da conquista deve refletir de certa forma o antigo mundo do Oriente Médio. Por outro lado, e igualmente impor­ tante, uma cuidadosa observação do ambiente em que se encontra o livro de Josué aumenta a compreensão de detalhes desta parte do Anti­ go Testamento.

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Mesopotâmia Embora a Mesopotâmia tenha apenas uma importância secundária para Canaã na Era do Bronze Recente, algumas observações podem ser de ex­ trema valia. Logo após o saque da Babilônia efetuado pelos hititas sob Mursilis, em 1595, o vácuo criado na Mesopotâmia central foi rapidamen­ te preenchido por um povo montanhês do oriente chamado cassitas, que dominou o local até cerca de 1150 a.C.1 Embora os cassitas não fossem tão bárbaros quanto às vezes são descritos, a maior parte de suas leis é com­ pletamente obscura. São particularmente interessantes algumas correspon­ dências enviadas pelo rei cassita Burnaburias II ao rei Amenotepe III, do Egito. Essa carta, que foi descoberta nos arquivos de El-Amarna, é um protesto contra a aliança estabelecida entre o Egito e a Assíria, o principal inimigo de Burnaburias, situado ao norte.2 Ele escreveu uma outra carta a Amenotepe IV, na qual reclamava o fato de seus mensageiros - que na ocasião viajavam por toda a terra de Canaã, na época uma província egíp­ cia ostensivamente vigiada - terem sido tratados com grande descaso.3 Essa carta, que deve ser datada perto de 1370, reflete as condições do final do período da conquista que, segundo a cronologia bíblica tradicional, foi uma fase descrita pelo próprio Antigo Testamento como um período peri­ goso e de desordem legal. Ao norte da Babilônia, a Assíria começava a despertar da longa dormência provocada pela política e supremacia cultural dos hurrianos. Um grande avivamento veio por intermédio de Assur-uballit (1365-1330), que deu início a uma campanha de expansão contra o reino hurriano de Mitani, ao ocidente, e contra o reino cassita de Babilônia, ao sul. Ele escre­ veu pelo menos duas cartas ao rei Amenotepe IV, pedindo-lhe não apenas ouro, mas também outros presentes, e por fim (mesmo relutante) entre­ gou a própria filha para ser esposa do monarca egípcio.4 Sem dúvida o casamento foi realizado com o objetivo de obter o apoio egípcio em suas 1 Para uma descrição dessa era tão obscura da história da Babilônia, ver em C.J. Gadd, "Hammurabi and the End of His Dynasty," no Cambridge Ancient History, 3a Edição, editado por I.E.S. Edwards et al. (Cambridge: University Press, 1973), vol. 2, parte 1, pp. 224-27; Margareth S. Drower, "Syria c. 1550 - 1500 B.C.," CAH 2.1, pp. 437-44; D. J. Wiseman, "Assyria and Babylonia c. 1200-1000 B.C.," no CAH 2.1, pp. 443-47. 2 Jorgen Alexander Knudtzon, Die El-Amarna Tafeln, 2 vols. (Aalen: Otto Zeller, 1964 reedição),# 9. 3 Ibid., # 8 4 Ibid., # 16; Albert Kirk Grayson, Assyrian Royal Inscriptions: (Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1972), vol. 1, pp. 47-49, # 10-11.

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campanhas militares contra os hurrianos e os cassitas. Contudo, não há registro de que tenha existido qualquer envolvimento de Assur-uballit em Canaã, nem que a Assíria tenha querido efetuar qualquer campanha mili­ tar naquela direção senão nos anos do reinado de Tiglate-Pileser I (1115­ 1077), próximo ao fim do período dos juízes de Israel. Mitani Mitani, o reino dos povos hurrianos, situava-se como um reino tampão entre a Assíria ao leste e os hititas ao oeste. Estando ao longo dos rios Habor e Balik, ambos tributários do Eufrates superior, Mitani alcançou seu apogeu e grande influência durante o período da Era de Amarna (aprox. 1400-1350), ou seja, precisamente na época da conquista de Israel.5 Por estar localizado em uma região praticamente indefensável, o reino de Mitani era constantemente varrido pela primeira potência que o atacasse. É improvável que este reino tenha representado alguma ameaça para Canaã. Os hititas Anatólia, agora a porção central da Turquia, era o lar dos hititas. Esse povo indo-europeu de origem ainda incerta, tendo assumido o controle de Hatti, a população original, já havia criado um reino de estabilidade e alto poder político-cultural em cerca de 1800 a.C.6 Após muitos anos de declínio, o Médio Reinado Hitita surgiu e não só reafirmou o poder hitita em Anatólia, como também iniciou um programa imperialístico de ex­ pansão territorial em várias direções. De grande importância para a histó­ ria de Israel foi o movimento em direção sul e sudeste promovido por Tudalias II que, por volta de 1440, atacou e capturou Halab (Aleppo), de Mitani, como também a maior parte da Síria dominada por Amenotepe II, rei do Egito.7 Porém, esse domínio foi de curta duração, uma vez que os monarcas egípcios e de Mitani fecharam acordos militares para reaverem as terras ocupadas. Além disso, os vários levantes e inquietações internas

5 J.R. Kupper, "Northern Mesopotamia and Syria," em CAH 2.1, pp. 36-41; Drawer, "Syria," em CAH 2.1, pp. 417-36; A. Goetze, "The Sruggle for the Domination of Syria (1400-1300 B.C.)", em CAH 2.2, pp. 1-8. - O.R. Gurney, The Hitites (Baltimore: Penguin, 1964); Seton Lloyd, Early Highland Peoples of Anatolia (New York: McGraw-Hill, 1967). ~ O. R. Gurney, "Anatolia c. 1600-1380 B. C.," em CAH 2.1, p. 676.

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na região forçaram Tudalias e seus sucessores a abrir mão de suas guarni­ ções na Síria. Por fim, essas perdas foram restabelecidas por um rei hitita, comumente apontado como o fundador do Império hitita, Suppiluliumas (1380-1346).8 Foi ele quem conduziu os hititas a uma posição de preeminência no extre­ mo oriente do mundo mediterrâneo, precisamente no mesmo tempo em que Josué conquistava e se estabelecia em Canaã. Essa supremacia foi al­ cançada por meio de ações militares e por tratados internacionais que re­ giam a situação entre suseranos e vassalos. Aproximadamente em seu pri­ meiro ano, Suppiluliumas lançou-se em uma campanha militar experi­ mental na Síria, que na época era dominada teoricamente pelo rei de Mitani, Tusratta. Mas segundo uma carta escrita por Tusratta para Amenotepe III, rei do Egito, os hititas foram forçados a retirar-se.9 Os egípcios e os hititas, nesse interregno, desenvolveram relações bastante amigáveis. Suppiluliu­ mas, por exemplo, escreveu uma carta congratulando Amenotepe IV por sua ascensão ao trono egípcio;10 e este, apesar de ligado por casamento ao rei Tusratta, não interferiu nos problemas entre os hititas e Mitani. Finalmente, para não mais ser restringido, o ambicioso monarca hitita lançou uma invasão de grandes proporções na Síria (aprox. 1365) e apode­ rou-se de toda a região entre o Mediterrâneo e o Eufrates, dominando ao sul até o Líbano. Isto causou um alarme considerável em Gubla (Biblos), como pode ser visto na desesperada correspondência entre Rib-Adda de Gubla e Am enotepe IV.11 A fim de não antagonizar-se com o Egito, Suppiluliumas resolveu não mais estender sua campanha para o sul. Vis­ to que Amenotepe estava nessa época extremamente envolvido em ques­ tões religiosas e filosóficas, os hititas nada tinham a temer. Essa situação provocou uma espécie de vácuo em Canaã, ou seja, não havia ali forte dominação de superpotências, o que permitiria o livre percurso de Israel para estabelecer-se ali como reino. Os estados sírios Os estados sírios achavam-se pressionados entre os hititas e o povo de Mitani. Halab, juntamente com Alalaque e Tunip, tornou-se vassalo dos

8 Goetze, "Domination of Syria", em CAH 2.2, pp. 5-20. 9 Knudtzon, El-Amarna, # 17. 10 Ibid., #41. 11 Ibid., # 68-96; Ronald F. Youngblood, "The Correspondence of Rib-Haddi, Prince of Byblos", dissertação para obtenção de Ph.D., Dropsie College, 1961.

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hititas. A princípio, Ugarite permaneceu independente dos hititas e dos egíp­ cios, mas por fim aliou-se a eles. O estado de Amurru, entretanto, tirou van­ tagem desse momento em que as grandes potências não se pronunciavam para expandir sua influência desde o Médio Orontes até o Mediterrâneo. Seu rei, 'Abdi-Asirta, tornou-se uma grande ameaça a Rib-Adda, e seu filho Aziru finalmente tomou Gubla. Aziru, então, fez um tratado com Niqmaddu de Ugarite, no qual ambos decidiram participar da mesma sorte dos hititas; isto disparou uma resposta dos mitanitas que, por sua vez, provocou uma retaliação por parte dos hititas. Suppiluliumas fez um tratado com Niqmaddu e então atacou a capital de Mitani, Wassugani, mas o rei Tusratta conseguiu escapar. Então Suppiluliumas manteve a Síria sob forte domina­ ção hitita e até poderia ter avançado por Canaã em direção ao Egito, o que não ocorreu devido à crescente ameaça dos assírios, fator que desviou sua atenção de marchar para o oriente até a sua morte.12 Egito Os egípcios também desempenharam função significativa durante o período da conquista. E estranho que a história egípcia não relate em nenhum lugar o êxodo ou a conquista, mas dado que os egípcios tendi­ am a registrar somente as vitórias e não as derrotas, não há porquê es­ pantar-se da omissão. Amenotepe II (1450-1425), o faraó do êxodo, não tinha mais qualquer interesse em empreender uma campanha na Pales­ tina após seu quinto ano de reinado - o ano do êxodo. Seu filho Tutmose IV (1425-1417) aparentemente lançou-se em uma campanha no extremo norte - em Arã-Naharaim. Isso pode ter acontecido enquanto Israel ain­ da estava no deserto do Sinai, não ocasionando qualquer efeito na con­ quista. Amenotepe III (1417-1379) reinava durante o período em que Is­ rael invadiu e ocupou Canaã. Porém sua atenção não se voltava para defender seus interesses em Canaã, mas para as artes e para a caça. Qual­ quer que tenha sido a atividade militar na ocasião, esta foi dirigida con­ tra a Núbia ao sul. Isto se tornou providencial para Israel, pois, confor­ me já vimos anteriormente, tanto os mitanitas quanto os hititas - e, mais tarde, os assírios - estavam em sua maior parte discordando uns dos outros, tornando-se incapazes de ocupar o espaço em Canaã produzido pelo desinteresse do Egito. Apenas os cananeus, completamente desor­ ganizados entre si, estavam no caminho. 12 Quanto ao reino de Suppiluliumas e seu relacionamento com a Síria, ver em Kenneth A. Kitchen, Suppiluliiima and Amarna Pharaohs (Liverpool: University of Liverpool, 1962).

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O destino dos egípcios em nada mudou com a ascensão de Amenotepe IV (1379-1362).13 Filho de Amenotepe III e de uma rainha mitanita chama­ da Tiy, ele tornou-se a figura mais intrigante da história do antigo Oriente Médio. Sua maior contribuição não foi no campo político, militar ou cul­ tural, mas no desenvolvimento de um quase monoteísmo ao redor do deus Re-Harakhte, uma divindade representada por Aton ou por um disco so­ lar. Ele centralizou o culto em uma cidade construída especificamente para esse fim, chamada Akhetaton (el-Amarna) e mudou seu próprio nome para Akhenaten, para se adequar melhor à significação de seu compromisso. Tamanho era seu interesse pela religião que se tornou indiferente aos ne­ gócios externos. Muitas das cartas de Amarna, encontradas em seus arquivos reais em Akhetaton, são oriundas de príncipes cananeus que, reconhecendo sua soberania formal sobre eles, apelavam a Akhenaten para sair em seu auxí­ lio e livrá-los de toda sorte de perigos. Tais apelos, também enviados a seu pai, ficaram sem resposta justamente porque os faraós estavam mais pre­ ocupados com seus respectivos lazeres. É importante notar que as datas relativas a Amenotepe III e Akhenaten coincidem com a tradicional data da conquista. O outro lado da moeda da indiferença egípcia pelos negóci­ os em Canaã revela, sem dúvida, a mão de Jeová, que providenciou as circunstâncias apropriadas para que seu povo pudesse possuir a terra que Ele lhes havia prometido. Os 'apiru Nossa perspectiva do mundo do Oriente Médio antes e durante a con­ quista não pode ser concluída sem a observação de alguns eventos na própria Canaã. Isso envolve primeiramente uma consideração dos 'apiru ou habiru - um povo cuja presença destruidora e maciça em Canaã é gritante nas cartas de Amarna. Eles são descritos como mercenários sem destino, que algumas vezes se tornavam uma ameaça para todos os esta­ dos cananeus, e outras vezes lutavam em lados opostos nas guerras en­ tre cidades. Quando a existência dos 'apiru foi pela primeira vez descoberta nos textos de Amarna, muitos estudiosos da Bíblia imediatamente concluíram que, após uma longa espera, uma evidência extrabíblica havia sido encon­ 13 Para um relato envolvente da história, cultura e contribuição de Amenotepe IV (Akhenaten), ver John A. Wilson, The Culture of Ancient Egypt (Chicago: University of Chicago Press, 1951), pp. 213-31.

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trada para confirmar a conquista de Canaã por Israel.14 Isto se baseava na coincidência da data das cartas com a cronologia tradicional da conquista e na admirável similaridade lingüística entre 'apiru (ou Habiru) e 'ibri ("hebreu"). Contudo, muito tempo antes, referências aos 'apiru já haviam sido confirmadas, oriundas do antigo mundo do Oriente Médio, tão anti­ gas quanto o antigo Período Acadiano (cerca de 2360-2180). Em muitas partes dos textos o nome aparece na forma logográfica SA.GAZ, a forma preferida nas cartas de Amarna, com exceção das que vinham de AbdiHepa, rei de Jerusalém.15 Etimologicamente SA.GAZ está ligado a um verbo sumeriano que significa "assassinar; matar"; um LUSA.GAZ era um assas­ sino. No acadiano essa forma aparece como habbatu, "ladrão", ou talvez "pessoa despejada".16 A forma silábica habiru/hapiru/ápiru é cronológica e geograficamente espalhada. A etimologia acadiana não é clara, embora William Albright tenha associado o termo a epeni ("poeira"; cf. Heb. 'apar) e sugerido que os 'apiru fossem caravaneiros, ou "homens do pó".17 Essa sugestão não tem achado apoio universal. Está claro que nenhum dos termos usados para descrever os 'apiru têm qualquer significação étnica. Os 'apiru não eram uma nacionalidade, mas provavelmente uma classe social. Eles são geralmente olhados com desprezo, como viandantes sem raízes, mercenários que vendiam seus serviços a quem mais lhes oferecesse. Este é o quadro que emerge muito claramente dos textos de Amarna.18 A questão do relacionamento dos 'apiru com os hebreus é de particular importância. É óbvio que os termos destes povos não são idênticos, visto que 'apiru aparece na história bem antes de qualquer data plausível para Abraão e existe em números muito além do que qualquer população de hebreus concebível, pelo menos até o tempo da conquista. Além disso, dificilmente os hábitos e costumes dos 'apiru se enquadrariam com o re­ trato bíblico dos hebreus. Finalmente, os termos 'apiru e ‘ibri, embora 14 Para um relato que procura relacionar a história de Israel como sendo a dos 'apiru, ver Moshe Greenberg, The Hab/píru (New Haven: American Oriental Society, 1955), pp. 3-12. 15 Para explicar a exceção, William L. Moran propõe a idéia que o escriba era de origem síria, da mesma forma que seu senhor ("The Syrian Scribe of the Jerusalem Amarna Letters," em Unity and Diversíty, editado por Hans Goedicke e J.J.M. Roberts [Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1975], p. 156). 16Assyrian Dictionary, editado por Ignace J. Gelb et al. (Chicago: Oriental Institute, 1956), vol. H, pp. 13-14. 17William F. Albright, "Abraham the Hebrew," BASOR 163 (1961): 36-54. 18 Greenberg, Hab/píru, pp. 70-76.

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fonética e lingüisticamente semelhantes, não parecem ter uma etimologia comum. Como já sugerido, a etimologia de 'apiru é desconhecida,19 mas 'ibri parece voltar ao ancestral de Abraão, Eber ('eher). Um hebreu, então, era um heberita. Isso parece ser quase certo à luz de Gênesis 10.21, que diz ter sido Sem "o pai de todos os filhos de Eber". A genealogia semita de Gênesis 11.10-26 começa com Sem e termina com Abraão, mas próximo ao meio dá ênfase a Eber (vv. 14-17). Parece que o genealogista quis informar ser Abraão um semita cuja ancestralidade derivava de Eber, tornando-o um eberita, ou seja, hebreu.20 Em virtude da semelhança entre 'apiru e 'ibri, é bem provável que este tenha sido ocasionalmente confundido com aquele.21 O estilo de vida patriarcal pode ter levado alguns observadores a concluir que Abraão, o hebreu, foi na verdade Abraão, o 'apiru. Talvez isso explique por que no Antigo Testamento os israelitas raramente se referiam a si mesmos como hebreus, pois se tratava de um epíteto usado normal­ mente pelos estrangeiros, na maioria das vezes com sentido pejorativo. Por exemplo, quando a esposa de Potifar, movida de frustração, acu­ sou José de tê-la assediado, ela o descreveu como "h eb reu " (Gn 39.14,17). Da mesma maneira a filha de Faraó referiu-se a Moisés (Ex 2.6), e os filisteus a Israel (1 Sm 4.6,9). Apesar de os estranhos não haverem distinguido de maneira bem clara os 'apiru dos hebreus, os israelitas eram bem conscientes de tal diferença. Percebe-se isto, conforme já proposto, em sua relutância em chamarem a si próprios de hebreus, como se vê em uma ou duas passa­ gens em que os israelitas falam acerca dos hebreus (mais corretamente, 'apiru), descrevendo um povo que não eles próprios. Em 1 Samuel 13, Saul manda tocar a trombeta de guerra e diz: "Ouçam isso os hebreus" (v. 3). Que a passagem não é uma referência aos israelitas é confirmada pela subseqüente diferenciação entre "os hom ens de Israel" e os "hebreus" (vv. 6,7). Toda a passagem indica que Saul, já nesse seu iní­ cio de carreira e em face da ameaça dos filisteus, alugou em seu favor tropas de mercenários para lutar ao lado de sua milícia israelita. Esses mercenários bem poderiam ter sido os 'apiru, em vez de os hebreus. A natureza instável dos 'apiru, uma peculiaridade atestada, parece refle­ tir-se em um encontro com os filisteus: "...e também estes se ajuntaram com os israelitas que estavam com Saul e Jônatas" (1 Sm 14.21). Sem 19 Ibid., pp. 90-91. 20 Ibid., pp. 92-93. 21 Ibid., pp. 93-94, n. 44.

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dúvida israelitas e hebreus, nessas passagens, não podem ser vistos como um mesmo povo.22 O s 'a p iru e a co n q u is ta Enquanto os israelitas faziam clara distinção entre si e os 'apiru, os escribas que compuseram a correspondência de Amarna a tinham muito mal definida. Visto que tal correspondência se refere às condições caóticas encontradas em Canaã na primeira metade do século XIV - condições atri­ buídas na maior parte aos ataques violentos feitos pelos 'apiru - , e que a data tradicional da conquista e ocupação de Canaã por Israel corresponde exatamente a esse período, é quase impossível não associar o tumulto que se passou em Canaã aos israelitas e 'apiru, ainda que ambos não sejam identificados separadamente nos textos de Amarna. Em outras palavras, para os cananeus, os 'apiru eram os hebreus e os hebreus eram os 'apiru. Esse ponto de vista é tão forte que alguns defensores da data mais re­ cente para o êxodo, conforme visto anteriormente (p. 66), afirmam que a conquista feita por Josué precede o êxodo de Moisés.23 Além de reivindi­ carem uma reinterpretação radical da tradição bíblica - que afirma terem sido ambos contemporâneos - essa tese exige necessariamente a rejeição das doze tribos no êxodo, da aliança feita no Sinai e da peregrinação no deserto, em favor de uma hipótese em que apenas algumas tribos teriam participado do êxodo, e as restantes teriam sido as que contribuíram para a conquista bem no início. Porém, seria muito mais satisfatório abandonar a hipótese de um êxodo mais recente e ver nos documentos de Amarna uma evidência extrabíblica para a participação das doze tribos na con­ quista de Canaã desde seus primórdios. Contudo, esta posição também não está isenta de problemas, uma vez que o livro de Josué parece não se referir aos 'apiru; nem o comportamen­ to destes, conforme claramente descrito nos textos de Amarna, pode en­ quadrar-se com a narrativa bíblica dos israelitas. A falta de referência aos 'apiru não é uma grande dificuldade, desde que a maior parte do período da conquista antecede a era de Amarna por cerca de vinte e cinco anos,

22 Essa posição tem sido não apenas exposta, mas forçosamente defendida por Norman K. Gottwald, The Tribes ofYahweh (Mary-knoll, N.Y.: Orbis, 1979), pp. 417-25. Para uma excelente discussão acerca da evolução dos termos que se referem aos hebreus, ver em Nadav Na'aman, "Habiru and Hebrews: The Transfer of a Social Term to the Literary Sphere," JNES 45 (1986): 271-88. 23 Por exemplo, T.J. Meek, Hebrew Origins (New York: Harper and Row, 1960), pp. 21-23.

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A esta altura, o leitor cuidadoso pode perguntar como foi possível aos homens de Judá obter acesso a Jerusalém, visto que a cidade permaneceu sob o domínio dos jebuseus até o período de Davi. Antecedendo à ques­ tão, o historiador continua relatando como Jerusalém, pelo menos tempo­ rariamente, veio a ser dominada por Israel. Para isto, o autor utiliza o re­ curso literário deflashback, voltando ao período remoto em que Josué ain­ da era vivo. Portanto, em Juízes 1.8 está contida a descrição da queda de Jerusalém, um acontecimento explicitamente não relatado em Josué, em­ bora sugerido sem dúvida pela morte do rei de Jerusalém durante a cam­ panha de Josué para o sul (Js 10.22-27). Naqueles dias Jerusalém havia sido capturada e queimada pelos homens de Judá, mas a população não foi destruída. De fato, pouco tempo depois, os jebuseus retomaram o con­ trole, e nem Judá (Js 15.63) nem Benjamim (Jz 1.21) puderam desalojá-los novamente. O resumo retrospectivo continua com a conquista realizada por Judá da região montanhosa, o Negueve e a Sefelá, focalizando a tomada de Hebrom. Provavelmente isto se refere a uma expedição particular contra Hebrom, em atenção ao pedido de Calebe por sua herança (Js 11.21-23; 14.13-15; 15.13-19), em vez de uma derrota anterior dos reis amorreus conseguida por Josué e todo o Israel (Js 10.36,37).4 Semelhantemente, a captura de Debir (Jz 1.11-15; cf. Js 10.38,39) enquadra-se na história da campanha de Calebe, e não na conquista israelita do sul. E especialmente apropriado que o historiador repita a história de Calebe e Otniel, uma vez que Otniel será introduzido como o primeiro dos juízes. Então, vê-se aqui outra ponte literária e histórica entre os livros de Josué e Juízes. Essa retrospectiva parentética até o tempo de Josué aparentemente ter­ mina repetindo o relato da entrega de Hebrom e Debir a Calebe. Agora, o autor retorna à narrativa dos versos 1-7, que diz respeito à conquista efe­ tuada por Judá e Simeão. O autor fala primeiro acerca da assimilação dos quenitas5 por Judá, e os ataques combinados contra a fortaleza cananéia 4 É mais uma vez importante notar que os inimigos nas campanhas remotas (Js 10) foram os amorreus, enquanto que na conquista da cidade de Hebrom, com a participação dire­ ta de Calebe, os inimigos foram os enaquins (Js 11) e os cananeus (Jz 1). Parece claro que os enaquins eram um povo cananeu, e não os amorreus, embora ambos possam ter coexistido (Nm 13.22; Js 15.13,14). " O Antigo Testamento identifica os quenitas como midianitas (Jz 1.16), e diz que seu ancestral foi Hobabe, cunhado de Moisés, que acompanhou o povo de Israel, pelo menos em parte, do Sinai até Canaã (Nm 10.29-32). Para estudar sobre tal ligação, ver em H. H. Rowley, From Joseph to Joshua (London: Oxford University Press, 1950), pp. 152-55.

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de Zeftá, um local antigamente conhecido por Hormá (Jz 1.17).6 Então eles conseguiram tomar três cidades dos filisteus: Gaza, Ascalom e Ecrom. Finalmente, o historiador relata que Judá e Simeão tomaram todas as ci­ dades montanhosas do sul, incluindo Hebrom, apesar de não ter sido pos­ sível ocupar as planícies porque os seus moradores possuíam carruagens de ferro.7 Em sintonia com o modelo de conquista descrito no livro de Josué, o historiador agora volta a atenção para o norte, para a conquista de Betei pelos homens da tribo de José (Jz 1.22-26). Através de suborno e ameaças a cidade foi conquistada. Betei tinha sofrido uma considerável perda de habitantes quando Josué conquistou Ai, mas nada além de uma breve menção em Josué 12.16 é dito acerca da captura da própria cidade naquele tempo. O acontecimento em Juízes, então, deve referir-se a um episódio posterior no qual a tribo de Efraim empreendeu esforços para ocupar o território herdado (Js 16.1,2). De modo similar, a tribo de Manassés oci­ dental tentou sem êxito reivindicar a sua herança. Com palavras que alta­ mente recordam o relato em Josué, (Jz 1.27,28; cf. Js 17.12), o narrador diz que Manasses não pôde repelir os cananeus de certas cidades, especial­ mente da planície de Jezreel (Bete-Seã, Tanaque, Ibleam e Megido) e da planície costeira (Dor). Estas cinco cidades foram por fim habitadas por Manassés, ainda que tecnicamente pertencessem a Issacar e a Aser (Js 17.11). A razão é que, em cada caso, elas estavam geograficamente contíguas a Manassés, e sofriam a intervenção dos cananeus que reivindicavam seus direitos originais sobre elas. Ao norte da planície de Jezreel a situação ainda era a mesma. Zebulom não expulsou os cananeus de Quitron e Naaol; Aser foi frustrado em 6 Israel destruiu certas cidades cananéias quando estava a caminho de Canaã, sendo tais cidades chamadas coletivamente de Hormá (de herem, "banido; proibido"), em conseqüência da sua punição (Nm 21.1-3). Zefate deve ter sido uma cidade reconstruída so­ bre essas ruínas. Ver Yohanan Aharoni, The Land of the Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 216. 7 Visto que a Idade do Ferro na Palestina deve ter-se iniciado por volta de 1200 a.C., o uso do ferro pelos cananeus constituiria um problema para a cronologia adotada neste vo­ lume, que fixaria as campanhas de Judá e Simeão descritas em Juízes 1 em cerca de 1350. Contudo, pelo menos os hititas já dominavam essa tecnologia e usavam o ferro aproximadamente em 1400; logo, não há razão por que Canaã não poderia ter importa­ do ferragens por volta do século XIV. Ver em Jacquetta Hawkes, The First Great Civilizations (New York: Knopf, 1973), p. 113; Leonard Cottrell, The Anvil of Civilization (New York: New American Library, 1957), p. 157; V. Gordon Childe, New Light on the Most Ancient East (New York: Norton, 1969), p. 157.

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H istória de I srael no A ntigo T estamento

Ac o, Sidon, Aczibe, e em muitos outros lugares; e Naftali foi forçado a coexistir com os cananeus em Bete-Semes e Bete-Anate. Quanto aos danitas, no sul, foram duramente resistidos pelos amorreus, que aparen­ temente estabeleceram-se nos vales após a conquista, particularmente em Aijalom e Shaalbim (Selbit), no vale de Aijalon.8 Os efraimitas saí­ ram em auxílio à tribo de Dã, e puseram os amorreus para além de uma linha que ia desde a Passagem do Escorpião (a "subida de Acrabim") em direção norte. Provavelmente isto se refere a uma demarcação entre a própria região montanhosa e a Sefelá, ou planícies ocidentais. Assim, os amorreus e os primitivos filisteus provavelmente ocuparam a mesma área pelo menos até a invasão de uma segunda leva de filisteus, os Po­ vos do Mar, em cerca de 1200. Talvez em resposta ao compreensível sentimento de frustração que Josué e Israel devem ter sentido pela incapacidade de conquistar a terra rapida­ mente, o Anjo do Senhor apareceu a Israel em Boquim (localização desco­ nhecida) e lhes disse que a inaptidão para possuir completamente a terra procedia da violação da aliança feita com Yahweh. Eles haviam feito alian­ ça com alguns nativos (os gibeonitas) e falharam em destruir os seus alta­ res. Como havia ameaçado fazer em caso de tal desobediência, Yahweh permitiu que os cananeus e seus deuses permanecessem na terra como instrumentos de disciplina. Parece que o narrador novamente interrompe seu relato da ocupa­ ção pós-conquista, desta vez para retornar à segunda renovação da ali­ ança feita em Siquém. Isto pode ser lido em Juízes 2.6: "E havendo Josué despedido o povo... cada um à sua herdade", e Josué 24.28: "Então Josué despediu o povo, cada um para a sua herdade". Juízes 2.6,7 - "foramse os filhos de Israel... para possuírem a terra" - é uma recapitulação de 1.1-2.5 (com exceção de 1.8-15), um resumo de todos os esforços subseqüentes durante o estabelecimento na terra. Em seguida a ceri­ mônia em Siquém, o povo assumiu a tarefa de ocupar a terra como vassalos do soberano Deus. E assim o fizeram fielmente durante os dias da geração de anciãos que viveram após a morte de Josué. Somente s A movimentação de Dã para localizar-se mais ao norte (Lais) deve ter ocorrido no perí­ odo remoto dos juízes. Não poderia ter acontecido antes do esforço para estabelecer-se na terra, descrito em Juízes 1.34-36, visto que foi exatamente a pressão dos amorreus que iniciara a relocação. Também claramente precedeu a chegada dos Povos do Mar/ filisteus, aproximadamente em 1200 a.C. Conforme indica Roland de Vaux, este é o úni­ co texto em que os amorreus se encontram nas planícies, um fato que poderia confirmar a opinião de que a conquista da região montanhosa, sob a liderança de Josué, foi um fait accompli (The Early History of Israel [Philadelphia: Westminster, 1978], p. 133, n. 28).

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depois disso passaram a adorar Baal e chafurdar a nação no abismo da apostasia e da anarquia, que constituem a grande marca do livro de Juízes.9 A c ro n o lo g ia de Ju íz e s A duração do período A data inicial Antes de iniciar o tópico acerca da apostasia de Israel, é necessário que uma base cronológica e hj^tórica seja instituída para toda a era dos juízes. Nossa proposta será prinielro considerar a evidência bíblica interna, e em seguida, pelo menos resumidamente, o mundo do antigo Oriente Médio naquela época. Ao determinar a estrutura cronológica do período^ps juízes, o passo inicial será o estabelecimento de tcrmini a quo e ad quem.^O segundo baseiase em dados precisos que serão considerados mais à frente, mas o primeiro requer uma reconstrução fundamentada em princípios mais subjetivosTEm primeiro lugar, está claro que jqsué morreu na idade de 110 anos, alguns anos após o início da conquista1' A data da conquista fixa-se aproximada­ mente entre 1406 e 1399, já que iniciou-se exatamente quarenta anos depois do êxodo em 1446 (Dt 1.3),% terminou sete anos mais tarde. Isto conforme o testemunho de Calebe, que informou estar com quarenta anos no momento em que ele e Josué espiaram a terra, e com oitenta e cinco ao término da conquista (Js 14.7-10). Os espias foram enviados dois anos após o êxodo; nessa época Calebe estava com quarenta anos em 1444, e oitenta e cinco em 1399. Pode-se concluir que Josué era da mesma idade. Ele foi um excelente guerreiro contra os amalequitas em 1446 (Ex 17.10), e foi chamado de "jo­ vem" pouco tempo depois (Ex 33.11). Embora seja um risco especular, uma idade de trinta anos para Josué na época do êxodo certamente não é exorbita n tcCTóesta forma, a data de seu nascimento seria por volta de 1476, e a data de sua morte, 1366. Otniel, o primeiro juiz, iniciou o seu governo após esta data. " O período dos juízes foi um tempo em que quase não houve autoridade central, e tam­ bém se caracterizou como um período em que não havia qualquer senso de patriotismo ou coesão religiosa, um ponto bem discutido por Alan J. Hauser, Unity and Diversity in Early Israel Befor Samuel, JETS 22 (1979): 289-303. ; Para uma pesquisa sobre as várias abordagens, ver J.H. John Peet, "The Chronology of the Judges - Some Thoughts", Journal of Christian Reconstruction 9 (1982-1983): 161-81.

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N A segunda consideração é ainda mais notável. Tanto Josué 24.31 quan­ to Juízes 2.7 enfatizam que Israel serviu a Yahweh fielmente não apenas nos dias de Josué, mas também durante os anos dos anciãos que lhe suce[deramJnsto não pode se referir aos anciãos contemporâneos de Josué na - época do êxodo e da p eregrin ação no d eserto, visto que estes presumivelmente foram incluídos na geração rebelde de Israel, e que fora sentenciad a à m orte no deserto (Nm 1 4 .2 6 -3 5 ).iS o m e n te uma desconsideração total do texto permitirá crer que houve um número sig­ nificativo de homens acima de vinte anos que sobreviveram ao deserto. Mas, ainda que tenha existido um pequeno número, houve anciãos desig­ nados posteriormente ao julgamento em Cades-Barnéia, e todos deviam estar com menos de vinte anos na ocasião. Alguns, sem dúvida, deviam ser consideravelmente jovens. Mesmo na visão mais conservadora, um ancião elegível para entrar em Canaã não poderia ter nascido antes de 1464, vinte anos antes da rebelião em Cades-Barnéia. Se ele viveu para ser tão velho quanto Josué, teria vivido até 1354. Se, porém, ele tivesse nasci­ do pouco antes da rebelião, poderia ter vivido até cerca de 1340. A data de 1340 não é improvável para o início da adoração a Baal. De fato, pode até ser um pouco antes, visto que Juízes 2.10 indica que toda geração de anciãos havia morrido, e outra geração, que não conhecia nada sobre Yahweh e seus atos salvíficos, tinha se estabelecido. E, é claro, Otniel, o primeiro juiz, não exerceu seu ofício até oito anos após o início do julgamento de Yahweh (Jz 3.8,9). Contra essas datas mais recentes, porém, temos a propria introdução feita por Otniel. Depois que Calebe conquistou' as>cidades de Hebrom e Debir, seu sobrinho Otniel tomou-lhe a filha, chamada Acsa, para ser sua esposa. Caso isto tenha ocorrido em 1399 ou pouco tempo depois, então por volta de 1340 Otniel devia estar em idade bastante avançada, mesmo que na época de seu casamento estivesse ainda muito jovem. Isto é intei­ ramente possível, embora improvável, pois parece que ele morreu qua­ renta anos após ter libertado o povo de Israel (Jz 3.11). Também pode-se argumentar que os anciãos da idade de Josué tiveram permissão para en­ trar em Canaã; Eleazar, filho de Arão, claramente tinha mais de vinte anos na época em que a antiga geração foi proibida de entrar em Canaã (Êx 6.23,25). Pode ser que a apostasia e a subseqüente era dos juízes tenha vindo após a morte desses anciãos.11 Parece que 1360-1350 é uma data razoável para a transição entre Josué e os juízes. 11 Warner, de fato, está disposto a admitir o ano de 1373 a.C. para o início da era dos juízes (.Period of the Judges, VT 28 [1978]: 463).

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A data de encerramento Como indicado anteriormente, as datas para o final do período dos juízes podem ser mais precisamente definidas. O argumento, contudo, é extremamente complexp, e a cada ponto assume a exatidão e a integrida­ de do texto bíblico. Emprimeiro lugar, a data de Juízes 11.26 é de impor­ tância crucial. O juiz Jefté está informando ao rei hostil de Amom que sua reclamação de que Israel está ilegalmente em território dos amonitas é inválida: Israel já estava lá por trezentos anos e, na verdade, a terra no tempo da conquista da Transjordânia não pertencia de forma alguma a Amom, mas sim aos amorreus. Se, diz Jefté, Amom tem algum legítimo direito, por que esperaram os amonitas trezentos anos para fazer a recla­ mação? 'V' O ponto que precisa ser enfatizado aqui é o fato de que Jefté comunicouse com os amonitas trezentos anos depois da conquista de Siom, um episó­ dio ocorrido em 1406, e dezoito anos após a opressão amonita haver inicia­ do (Jz 10.8). Essa opressão então Começou em 1124 e terminou somente quan­ do Jefté derrotou Amom em 1106, o mesmo ano de sua comunicação com o rei (Jz 11.33). Deve ser ligada a essas datas a história do governo de Sansão. Uma leitura cuidadosa de Juízes 10.7,8 mostrará que a opressão amonita iniciada em 1124 coincidiu com o começo da opressão dos filisteus.12 Po­ rém, o historiador traça apenas um curso de acontecimentos por vez; pri­ meiro escreve sobre a ameaça amonita e seu desfecho (Jz 10.8b - 12.7), e então trata da opressão dos filisteus e sua resolução (Jz 13.1 - 16.31). Os filisteus atormentaram Israel popquarenta anos (Jz 13.1), ou desde 1124 até 1084. Sansão nasceu logo no início deste período e julgou Israel "nos dias dos filisteus, vinte anos" (Jz 15.20). Ou seja, os anos de seu go­ verno caíram exatamente dentro dos quarenta anos de duração da opres­ são dos filisteus (Jz 14.4), mas aparentemente não ultrapassou este tempo, porque os filisteus parecem ter sido uma ameaça por pouco tempo após Sansão ter destruído o templo de Dagon (Samuel os subjugou em Mispa). Muito provavelmente os feitos heróicos de Sansão tenham se iniciado na metade do período da opressão, quando ele estava com cerca de vinte anos de idade, e morreu após vinte anos de governo, pouco antes do fim da opressão. Procedendo por um outro ângulo, é interessante notar que o golpe fi­ nal contra a opressão filistéia aconteceu sob a liderança de Samuel em Moore, Judges, p. 277; Abraham Malamat, "The Period of the Judges," em World History ofthe Jewísh People, vol. 3, Judges, editado por Benjamim Mazar (Tel Aviv: Massada, 1971), p. 157.

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Mispa (1 Sm 7.11,13), vinte anos após a arca da aliança ter sido levada pelos filisteus (v. 2).13 O fim da opressão, conforme observado acima, ocor­ reu em 1084, e essa data marca também a batalha de Mispa. A batalha de Afeque, que resultou na captura da arca, deve ter ocorrido em 1104, ou seja, na metade do período de quarenta anos de opressão filistéia. Tendese a especular que o ataque dos filisteus possa ter sido uma espécie de retaliação aos feitos heróicos de Sansão contra os adversários. Seja como for, a cronologia proposta neste trabalho encaixa-se em tudo o que é co­ nhecido acerca da vida e carreira de Samuel, como também de Sansão. Sem dúvida, o grande profeta ainda era muito jovem na época da batalha de Afeque, mas "velho" quando Israel exigiu um rei, e ele ungiu Saul (1 Sm 8.1,5; 10.1). Admita-se que "velho" é um termo extremamente subjeti­ vo, mas é a mesma palavra usada para descrever Davi em seus setenta anos (1 Rs 1.1,15; cf. 2 Sm 5.4). Saul foi ungido em 1051 a.C., uma data que será defendida no devido momento (p. 200); logo, se Samuel estava com setenta anos, seu nascimen­ to deve ter sido em 1121. Isto faria concluir que ele estava com dezessete anos de idade em 1104, quando a arca foi capturada. Sabemos que Samuel viveu no mínimo vinte e cinco anos após a ascensão de Saul, porque o juiz-profeta ungiu Davi como rei quando este tinha provavelmente doze anos. Davi nasceu em 1041, então uma data por volta do ano 1020 para a sua unção não pode estar distante da realidade. Samuel viveu até Davi fugir de Saul para o deserto de Parã (1 Sm 25.1), provavelmente no fim dos anos 20. O profeta então estava próximo dos cem anos, caso tenha nascido em 1121. É claro que, se a data parece extremamente avançada (mas compare com Eli, que morrera aos noventa e oito anos), pode-se mudar em alguns anos a data do nascimento de Samuel. Se, por exemplo, ele nasceu em 1116, então tinha apenas doze anos quando a arca foi captu­ rada, e cerca de noventa e cinco anos quando veio a falecer. Comprimindo a cronologia O propósito desta exaustiva discussão da cronologia da era dos juízes é mostrar a consistência dos dados bíblicos e responder às perguntas rela­ cionadas a todo o período entre o êxodo e Salomão. Baseando-se em datas mais recentes que muitos estudiosos assumem para o êxodo e para a con- quista (cerca de 1275 -1250), há somente 300 anos para acomodar os juízes, Saul, Davi e os quatro primeiros anos de Salomão, que começou a cons­ 13 Ralph W. Klein, 1 Samuel, World Biblical Commentary (Waco: Word, 1983). Pp. 65,66.

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truir o templo em 966, o quarto ano de seu reinado. Dificilmente se ques­ tiona os quarenta anos de Davi, e quanto a Saul, deve-se creditar pelo menos vinte anos. Isto faz restar apenas 235 anos para todos os aconteci­ mentos do livro de Juízes. A solução comum é ignorar os números registrados no livro ou postular uma considerável justaposição dos perío­ dos de opressão e liberdade. Alguma justaposição, conforme será demons­ trado, é necessária em qualquer posição viável. Mesmo a remota data proposta para o êxodo (1446) apresenta sérios problemas, considerando que dos 480 anos existentes entre o êxodo e o quarto ano do rei Salomão (1 Rs 6.1), 4 são necessários para Salomão, 40 para Davi, 40 para Saul, pelo menos 45 para a conquista e a ocupação, e 40 para a peregrinação no deserto. Sobram apenas 311 anos para o período dos juízes. Mas ao acrescentar os anos registrados em Juízes, que especifi­ cam a duração das opressões, dos juízes, e dos períodos intermediários de paz, obtém-se um total de 407 anos. Este resultado é claramente incompa­ tível com 1 Reis 6.1 e até mesmo com a data remota proposta para o êxodo, a menos que se aceite que os números registrados no livro dos Juízes se sobrepõem. Outro problema que parece surgir encontra-se em Atos 13.19,20, onde o apóstolo Paulo, em discurso feito na sinagoga de Antioquia da Psídia, indica que houve um período de 450 anos entre o final da conquista e a vinda do profeta Samuel (segundo a King James Version). Embora não seja possível saber o que Paulo quis dizer em sua referência a Samuel, parece melhor entendê-la como uma alusão ao início do ministério públi­ co de Samuel como profeta. Ora, Samuel assumiu o lugar de Eli, que mor­ rera ao receber a triste notícia da captura da arca da aliança pelos filisteus, na batalha de Afeque. Este fato, conforme mencionado acima, deve ser datado em cerca de 1104. Seguindo Paulo, é necessário uma data em 1554 para o início do governo de Otniel, algo obviamente impossível. De fato, o número 450 anos não pode encaixar-se em qualquer cronologia que consi­ dere seriamente 1 Reis 6.1. Este é o motivo por que muitos estudiosos op­ tam por uma leitura alternativa do texto de Atos 13.19,20, uma leitura que sugere que os 450 anos referem-se à permanência no Egito (400 anos), à peregrinação no deserto (40 anos), e a conquista (7 anos), um total que se aproxima de 450 anos. Não importando as objeções, o fato é que esta leitu­ ra contradiz explicitamente a passagem de Êxodo 12.40, que declara que a estadia de Israel no Egito durou 430 anos, e não apenas 400. Uma solução melhor é a concepção de que Paulo acrescentou alguns anos aos períodos de opressão, dos juízes e de paz descritos no livro dos Juízes, que, como já visto, totalizam 407 anos. Os 40 anos de Eli (1 Sm

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4.18), o juiz que precedeu Samuel, deve também ser incluído, perfazendo um total de 450 anos.14 Embora este método de reconstrução cronológica possa não satisfazer ao moderno homem ocidental, Paulo bem pode tê-lo usado. Ele não era um especialista em cálculos, mas alguém que se baseou nos dados dos livros de Juízes e de Samuel, organizando-os de forma a satisfazer melhor as necessidades. O fato de Paulo incorporar sua inter­ pretação desses dados em um discurso público significa que seus ouvin­ tes entenderam e compartilharam com ele seu modo peculiar de compu­ tar a cronologia. Não há motivo para rejeitar os dados bíblicos referentes à cronologia dos juízes pois, conforme já visto, os números são capazes de trazer solu­ ção, uma vez que se veja com seriedade os dados cronológicos fornecidos pelo Antigo Testamento. É somente quando os estudiosos sentem necessi­ dade, sobre bases puramente subjetivas, de rejeitar ou reinterpretar as in­ formações contidas no texto canônico que surgem dificuldades pratica­ mente insuperáveis, requerendo soluções muito mais criativas (e talvez até mesmo niilistas). O m u n d o d o a n tig o O rie n te M é d io O silêncio do Antigo Testamento Voltando à história da nação de Israel durante o governo dos juízes, surpreende inicialmente a descoberta de que não existe sequer uma refe­ rência aos desenvolvimentos cruciais que envolviam as nações de maior importância daqueles dias, nem mesmo as atividades no Egito. Um turbi­ lhão de assuntos de política internacional e várias campanhas militares parecem ter sido completamente desviados de Israel. É como se a história de Israel tivesse se tornado numa espécie de cuTde-sac, totalmente remo­ vida do cenário e dos acontecimentos que tumultuaram aqueles dias. A razão para esse silêncio é dupla. Em primeiro lugar, o silêncio por si mesmo é uma declaração em alto e bom som de que, devido às superpo­ tências da época estarem envolvidas com outros assuntos, não havia tem­ po ou energia para se gastar com um pequenino estado bastante isolado das principais rotas de intercâmbio internacional.15 Em segundo lugar, fi­ 14 Ver em Eugene H. Merril, "Paul's Use of 'About 450 Years' in Acts 13.20," Bib Sac 138 (1981): 246-57. 15 Abraham Malamat, "The Egyptian Decline in Canaan and the Sea Peoples," em World History of the Jewish People, vol. 3, p. 23.

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éis ao estilo e ao método de historiografia bíblica, os historiadores sim­ plesmente não tinham qualquer interesse no vasto mundo daquela época. Seu interesse era a história sagrada, no melhor sentido do termo, coinci­ dindo com os interesses de Yahweh, o Senhor da história, que desejava contar a história de seu povo como um agente redentor no mundo. So­ mente quando a Babilônia, Assíria ou Egito constituem-se em dados im­ portantes para essa história da salvação é que são incluídas na narrativa bíblica. Na verdade, até chegar à fase da monarquia, época em que Israel tomou-se um reino significativo, procura-se em vão por alguma pista acerca do mundo exterior. Mesopotâmia Para entender como a Palestina existiu em um vácuo por trezentos anos, é necessário falar pelo menos resumidamente sobre a história extrabíblica. Geograficamente é apropriado iniciar com Mesopotâmia. Conforme indi­ cado anteriormente (p. 92), o Antigo Império Babilónico abriu caminho para os cassitas por volta de 1595 a.C., que continuaram a dominar a parte central e mais baixa da Mesopotâmia até cerca de 1150. Esse foi um perío­ do de relativa regressão e inatividade para toda a região, o que resultou em pouca ou nenhuma ameaça em direção ao oeste naquele tempo. Para o norte, porém, os assírios tinham se tornado substancialmente fortes, e ti­ nham dado início à sua política imperialista pela qual tornaram-se famo­ sos. Foi graças a Assur-uballit (1365-1330) que os assírios libertaram-se da antiga dominação imposta pelos hurrianos. Era ele quem se assentava no trono dos assírios quando Josué finalmente encerrava a fase de conquista, e também quando a era dos juízes teve seu início. Seus problemas com os cassitas ao sul e com os hurrianos de Mitani ao ocidente, entretanto, dei­ xaram-no com pouco tempo e sem qualquer interesse por uma campanha militar em Canaã. As atividades anti-cassitas ocuparam os assírios por cerca de quarenta anos, até que Adade-Nirari I (1307-1275) lançou uma série de ataques e invasões ao reino de Hanigalbat, que era um estado vassalo situado na porção superior dos vales do Habor e Balik.16 Obviamente essa atitude ia contra os hititas que a princípio não tiveram condições para tomar qual­ quer medida punitiva contra os opositores, pois temiam consideravelmente 16 J.M. Munn-Rankin, "Assyrian Military Power 1300 - 1200 a.C.," em Cambridge Ancient History, 3a edição, editado por I.E.S. Edwards et al. (Cambridge: Cambridge University Press, 1975), vol. 2, parte 2, pp. 276-79.

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o Egito. Por fim, Hattusilis, rei dos hititas, fez um acordo com Ramsés II do Egito (em 1284) e, com seu moral restabelecido, tomou novamente Habigalbat das mãos dos assírios. Tukulti-Ninurta I (1244-1208), mesmo conseguindo resultados sur­ preendentes ao norte, oriente e sul através de suas campanhas militares, falhou terrivelmente no ocidente quando tentou subjugar os hititas.17 Esse fracasso abalou tão sensivelmente os assírios que acabaram tornan­ do-se fracos e incapazes de controlar até mesmo os cassitas da Babilônia. De fato, Assur-nirari III (1203 - 1198), neto de Tukulti-Ninurta, tornouse subserviente a Adad-suma-usur, rei de Babilônia (que agora não era cassita). Essas ocorrências persistiram até o reinado de Assur-resi-isi I (1133 -1116), que derrotou a Babilônia, na ocasião governada pelo ilustre Nabucodonosor I (1124 - 1103).18 O fato deu início a um período de ressurgência temporária dos assírios, abrilhantado fundamentalmente por Tiglate-pileser I (1115-1077).19 Rapidamente ele voltou-se para o oes­ te e derrotou Musri, Tadmor e outros territórios arameus, alcançando finalmente o Mediterrâneo, onde exigiria e receberia as devidas deferên­ cias do Egito, Fenícia e também dos hititas (que agora situavam-se ao norte da Síria). Contudo, ele não intentou marchar para o sul, em dire­ ção ao próprio Israel. Note que o final de seu reinado deve ser calculado por volta de sete anos depois de 1084 que, conforme proposto, seria o término da era dos juízes. Os hititas Nossa atenção agora volta-se para a segunda grande potência daquela época - os hititas. Esse reino, que havia permanecido em estado de dormência por algum tempo, ergueu-se até atingir uma posição de pree­ minência sob o governo de Suppiluliumas (1380 - 1346). Mais ou menos na época da morte de Josué, este Suppiluliumas tinha invadido a Síria, e sentiu-se no direito de exigir qualquer coisa que estivesse nos territórios até Gubla (Biblos).20 Ele não se esforçou para penetrar o sul de Canaã por­ que ainda sentia-se inseguro quanto ao poderio militar egípcio. Além dis­ so, ele via-se constantemente atacado e ameaçado em seus flancos pelos

17 Ibid., pp. 284-94. 18 D.J. Wiseman, "Assyria and Babylonia c. 1200-1000 B.C.", em CAH 2.2, pp. 453,54. 19 Ibid., pp. 457-64. 20 Anthony J. Spalinger, "Egyptian-Hitite Relations at the Close of the Amarna Period and Some Notes on Hitites Military Strategy in North Syria," BES 1 (1979): 55.

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homens de Mitani e pelos assírios, preferindo assim permanecer no norte de Canaã, não se estendendo demais nessas campanhas. O controle hitita da Síria continuou até o reinado de Muwatallis (1320 1294), que começou a resistir o imperialismo do Egito (19a Dinastia).21 Em 1300, Ramsés II do Egito atacou os hititas em Cades, no Orontes, mas en­ controu resistência e, por fim, teve de retirar-se. Os hititas não puderam manter uma política de guerra contra os egípcios por causa da constante ameaça dos assírios. Na verdade, Hattusilis dos hititas (1286-1265) foi for­ çado a assinar um tratado de paz com Ramsés II, em 1284, em que um não invadiria o território do outro.22 Depois da morte de Hattusilis, os hititas continuaram a enfraquecer-se, e certamente nunca fizeram qualquer tentativa de ataque contra a nação de Israel. Porém, eram eles que tinham o controle da maior parte da Síria até o tempo em que o império caiu diante de uma súbita e violenta inva­ são dos Povos do Mar, por volta de 1200.23 Sendo assim, os hititas não se constituíram em qualquer aspecto negativo durante os anos dos juízes. Egito Durante o período dos juízes, o Egito foi governado pela 18a, 19a e 20a Dinastia. A era de Amarna (cerca de 1379-1350), período em que a con­ quista chegou ao fim, já foi examinada em parte (pp. 95-106). Está claro que, embora Canaã fosse tecnicamente uma província egípcia, os reis do Egito não dispensavam qualquer interesse na região, mesmo em face dos constantes apelos enviados pelos reis vassalos de Canaã. Porém, somente nos anos do reinado de Seti I (1318-1304), membro da 19a Dinastia, realizou-se uma expedição (muito bem comprovada) até Canaã.24 Ele descreve em uma esteia em Bete-Seã uma campanha a Jezreel, 21 A. Goetze, "The Hitites and Syria (1300 -1200 B.C.)," em CAH 2.2, pp. 252-56. 22 Ibid., pp. 258,59 23 Para um relato sobre os últimos e desesperadores anos da independência dos hititas, ver em Itamar Singer, "Western Anatolia in the Thirteenth Century B.C. According to the Hitite Sources," AS 33 (1983): 205-17, especialmente 216,17. 24 R.O. Faulkner, "Egypt: From the Inception of the Nineteenth Dynasty to the Death of Ramesses III," em CAH 2.2, pp. 218-21. Há alguma possibilidade de que Horemheb, um comandante que servia sob as ordens de Tutankhamon, tenha conduzido uma campa­ nha em alguma parte de Canaã no princípio do reino desse monarca (aprox. 1360). Ver em Cyril Aldred, "Egypt: The Amarna Period and the End of the Eighteenth Dynasty," em CAH 2.2, p. 72. Caso seja verdadeiro, não produziu qualquer mudança significativa no curso dos acontecimentos no interior de Canaã.

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mencionando a tomada de Rafia (Rapha) e Gaza, ambas cidades costeiras ao mar Mediterrâneo, assim como Bete-Seã, Acco, Tiro e outras situadas mais ao norte. Em Bete-Seã, ele encontrou-se com os 'apiru, uma referên­ cia bastante provável a Israel, visto ser um registro ligado a uma data mais avançada.25 É praticamente impossível não notar que Seti evitou pruden­ temente entrar em contato com qualquer parte de Canaã, exceto as planí­ cies costeiras e o vale de Jezreel, ambos fora da área de ocupação israelita.26 Em sua segunda campanha militar, ele exerceu pressão pelo norte até Cades e Amurru, e na quarta campanha perdeu o controle sobre Cades, fazendo um tratado com o hitita Muwatallis.27 Em todas as ocasiões, ele evitou o interior de Canaã. Não há necessidade de se falar mais sobre Ramsés II (1304 0 1236).28 Embora desqualificado para obter o título de faraó do êxodo, ele perma­ nece contemporâneo por quase sete décadas da história de Israel, durante a fase central do período dos juízes. Apesar disso, em nenhuma ocasião seu nome é mencionado no livro dos Juízes, nem ele também faz qualquer referência a Israel em seus anais.29 A conclusão é que não houve interesse de ambas as partes. A primeira campanha realmente significativa de Ramsés foi contra os hititas em Nahr el-Kalb, no Líbano, durante seu quarto ano de reinado. No ano seguinte (1300), ele se encontrou com os hititas em Cades, próxi­ mo ao rio Orontes e, como já visto, sofreu uma humilhante derrota. Isto deve ter encorajado a rebelião entre os vassalos em Canaã, pois por mui­ tos anos Ramsés teve de atender esses pequenos estados, mas em ne­ nhuma vez ele interveio no interior de Canaã, a região dominada pelos 25 Benjamim Mazar, "The Historical Development," em World History ofthe Jezvish People, vol. 3, p. 15, descreve essas tribos semíticas como "etnicamente próximas aos israeli­ tas". Na verdade, é muito provável que eles realmente fossem os israelitas. 26 Yohanan Aharoni, "The Settlement of Canaan," em World History of the Jeiuish People, vol. 3, pp. 94,95. 27 A perda de Cades é explicada pelo fato de Ramsés II ter empreendido grande esforço para reconquistá-la em seu quarto ano de reinado. Ver em Faulkner, "Nineteenth Dynasty," em CAH 2.2, p. 221. Quanto ao texto do tratado, ver em James B. Pritchard, Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton University Press, 1955), pp. 476-79. 28 Faulkner, "Nineteenth Dynasty," em CAH 2.2, pp. 225-32; Anthony J. Spalinger, "Traces of the Early Career of Rameses II," JNES 38 (1979): 271-86. 29 Uma exceção é a referência feita aos "Asar", um povo costeiro que tem sido identificado pelos estudiosos como a tribo de Aser. Essa menção situaria a tribo no norte de Canaã, pelo menos nos primórdios do décimo terceiro século. Ver em Mazar, "Historical Development", p. 19.

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israelitas. Em 1284 fez um tratado de paridade com Hattusilis, e em 1270 casou-se com a filha do rei hitita, um fato que ele atribuiu à sua própria superioridade sobre Hattusilis. Todos os demais contatos no norte que ele deixou registrado são classificados como de pouca importância: em Moabe, Edom e no Negueve, e nenhum desses envolveu confrontos com Israel por razões óbvias - Israel não fizera nenhuma reivindicação sobre aquelas áreas. Por outro lado, Merneptá (1236-1223) não apenas empreendeu uma campanha na Palestina (em seu quinto ano, 1231), mas menciona uma derrota que infligiu aos israelitas.30 Esse ataque surpresa parece ter ficado restrito à região de Jezreel.31 Já foi visto (p. 62) que essa referência a Israel é uma prova contra uma data mais recente para o êxodo e para a conquis­ ta, pois é muito difícil imaginar como Israel poderia ter sido o maior ini­ migo de guerra de Merneptá em Canaã, caso o êxodo tenha ocorrido no início de seu reinado, conforme a evidência em favor de uma data mais recente parece sugerir.32 O reinado de Merneptá também representou o fim de qualquer envolvimento significativo do Egito na região Siro-Palestinense, e essa condição durou até o reinado de Shoshenq (945 - 924) da 22a Dinastia. Até mesmo Ramsés III (1198 -1166), que teve condições de derrotar e também repelir os líbios e os Povos do Mar, empreendeu apenas uma expedição à Palestina, sendo tal campanha limitada devido à oposição dos edom itas.33 Depois que ele morreu, as províncias da região SiroPalestinense foram todas perdidas. Quanto aos demais membros da 20a

30 Faulkner, "Nineteenth Dynasty," em CAH 2.2, pp. 232-35. 31 Malamat, "Egyptian Decline," em World History of the Jezoish People, vol. 3, p. 24. Malamat sugere que Gezer naquele tempo estava sob o controle egípcio, um fato que está em sintonia com o registro bíblico, que afirma que a conquista israelita deixou Gezer sob o comando dos cananeus (Js 16.10). 32 O determinador que tem sido usado para descrever Israel como um "povo" não pode conduzir à idéia de um corpo desorganizado; pelo contrário, estava tão organizado que chegou a ocupar totalmente o interior das regiões montanhosas. Essa é a conclusão pro­ duzida pela análise literária-estrutural da esteia de Merneptá, feita por G. W. Ahlstrõm e D. E. Edelman, "Merneptah's Israel," JNES 44 (1985): 59-61. 33 Faulkner, "Nineteenth Dynasty," em CAH 2.2, p. 244. Pierre Grandet recentemente pro­ pôs que Ramsés construiu fortificações em Bete-Seã, uma teoria que, caso esteja correta, não modifica o fato de que o Egito não se envolveu absolutamente na região central de Canaã ("Deux Etablissements de Ramsés III en Nubie et en Palestine," JEA 69 [1983]: 109-14; da mesma forma Malamat em, "Egyptian Decline," em World History ofthe jezoish People, vol. 3, p. 35).

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Dinastia (até cerca de 1085), sabe-se que o Egito não teve participação alguma nos negócios de Israel.34 Os estados siro-cananeus Finalmente, a situação da Síria e Palestina durante o período dos juízes deve receber ao menos uma breve atenção.35 Aproximadamente no início do governo do juiz Otniel, os hititas começaram dominar toda a Síria, en­ tre o Mediterrâneo e o Eufrates, estendendo essa dominação o máximo para o sul até o Líbano. O pavor que isso causou nos estados cananeus pode ser percebido, por exemplo, em uma carta escrita por Rib-Adda de Gubla (Biblos) para seu superior egípcio. Outros reinos na Síria tiveram rapidamente de escolher ficar do lado dos hititas ou de Mitani. Elalab (Aleppo), Alalakh e Tunip tornaram-se vassalos dos hititas. Ugarite, com seu característico estilo de independência, optou por permanecer fiel ao Egito. Amurru, entretanto, viu neste conflito entre superpotências uma chance para expandir sua própria influência. Seu rei, 'Abdi-Asirta, amea­ çou Gubla, e seu filho e sucessor, Aziru, por fim conseguiu anexar aquela importante cidade da Fenícia. Na ocasião ele firmou um acordo com Niqmaddu, de Ugarite, que serviu apenas para colocar ambos sob o con­ trole dos hititas. Foi durante aqueles dias que Suppiluliumas, rei dos hititas, acabou com o controle dos mitanitas sobre a Síria e criou seu próprio siste­ ma de estados vassalos, que incluía Ugarite e Amurru. Com a penetração de Seti I da 19a Dinastia egípcia no interior da Síria, os habitantes de Amurru quebraram seu pacto de submissão aos hititas, mas foram novamente postos sob controle depois que os exércitos de Ramsés II foram clamorosamente destruídos em Cades (1300).36 Próximo ao fim do Império hitita, os estados da Síria começaram a afirmar sua in­ dependência, mas sabe-se que até a época em que os Povos do Mar vie­ ram e destruíram esse império, a maioria dos estados da Síria permaneceu sob controle. 34 James M. Weinstein tenta defender a idéia de que, durante os séculos 12 e 13, percebeuse um envolvimento egípcio sem precedentes em Canaã. Porém, dentre todos os luga­ res por ele citados como fortalezas dominadas pelos egípcios, nenhum estava situado nas regiões montanhosas do interior de Canaã, precisamente onde Israel dominava ("The Egyptian Empire in Palestine: A Reassessment," BASOR 241 [1981]: 17,18). 35 A. Goetze, "The Strugle for the Domination of Syria (1400 - 1300 B.C.)," em CAH 2.2, pp. 2-16; para uma discussão quanto a maneira como Ugarit via estas coisas, ver em Anson F. Rainey, "The Kingdom of Ugarit," BA 28 (1965): 107-12. 36 Faulkner, "Nineteenth Dynasty," em CAH 2.2, pp. 220-21.

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Os Povos do Mar eram uma confederação de vários grupos étnicos e nacionalistas originada primariamente na área do mar Egeu, embora al­ guns possam ter vindo das longínquas regiões ao oeste da Sicília e da Itá­ lia.37 E possível que tenham auxiliado o rei Muwatallis em sua vitória con­ tra o faraó Ramsés em Cades. Alguns desses nomes são conhecidos: Dardani, Masa, Pitassa, Arawanna, Karkisa e Lukka. Eles penetraram pela primeira vez na Palestina (aprox. 1230) por terra, através da Cilicia, e apa­ rentemente marcharam até chegar ao Egito. O faraó Merneptá diz ter rechaçado alguns Povos do Mar que, passando pela Líbia, invadiram o Egito.38 E possível que os seiscentos filisteus feridos por Shamgar (Jz 3.31) fossem Povos do Mar penetrando através do norte.39 Uma segunda invasão, inclusive registrada nos textos de Ras Shamra e em outros lugares, foi responsável pela destruição completa da cidade de Hattusas (Boghazkeui), capital dos hititas, assim como de Tarso, Carquemis, Sidom, Quitom40 e Ugarite. Nessa época, os Povos do Mar estabeleceram residência permanente na baixa região da costa do Mediterrâneo, onde vieram a ser conhecidos pelos israelitas como filisteus. Esses filisteus não devem ser identificados com aqueles diretamente associados aos patriar­ cas e ao êxodo, embora representem de fato uma segunda leva de mesma raça daqueles filisteus primitivos.41 Relacionada aos Povos do Mar, está uma invasão feita pelos egípcios, que tentou estabelecer uma cabeça-de-ponte naquela região. Ramsés III descreve em alguns relevos em parede descobertos em Medinet Habu, que essa invasão, ocorrida em seu oitavo ano de reinado (aprox. 1190), incluía os seguintes componentes: Peleset, Tjekker, Sheklesh, Sherden, Weshesh e Denyen. Estes, ele informa, já haviam conquistado os hititas e os amurru anterior mente. Os peleset e os Tjekker buscaram estabelecerse em Canaã; estes habitavam na alta região costeira, próximo a Dor, e aqueles, conhecidos como os filisteus da Bíblia, habitavam na baixa re­ 37 Para ganhar mais base sobre esse assunto, consultar em Trude Dothan, The Philistines and Their Material Culture (New Haven: Yale University Press, 1982), pp. 1-23. 38 Trude Dothan, "What We Know About the Philistines," BAR 8.4 (1982): 25. 39 Ver em Benjamim Mazar, "The Philistines and Their Wars with Israel," em World Hístory of the Jewish People, vol. 3, pp. 172,324-25, n. 16. 40 Quiton situa-se na ilha de Chipre, que já produziu abundante material que comprova a conquista dos Povos do Mar. Ver em Vassos Karageorghis, "Exploring Phiistine Origin on the Island of Cyprus," BAR 10 (1984): 16-28. 41 Para se consultar uma boa e plausível hipótese que afirma terem os filisteus se origina­ do em Canaã, migrado para o Egeu e, mais tarde, voltado como parte dos Povos do Mar, ver em T.D. Proffit, "Philistines: Aegeanized Semites," NEASB 12 (1978): 5-30.

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gião.42 Os filisteus provaram ser inimigos inveterados de Israel, e 1 Samuel é o livro que trata deste assunto. Ao concluir essa história panorâmica dos vizinhos de Israel no perí­ odo de 1360 a 1085, deveria estar claro que Israel permaneceu pratica­ mente intocado diante da agitação internacional. Somente a chegada dos filisteus apresentou um problema maior, fato que está abundante­ mente registrado na Bíblia. Por outro lado, o Antigo Testamento silen­ cia sobre o vasto mundo e seus conflitos, porque eram considerados irrelevantes para a história de Israel. Vemos a providencial mão de Deus em ação para incubar seu povo durante esse período crítico de seu de­ senvolvimento. O s ju íz e s d e Isra e l O padrão cíclico que caracteriza o período A seção retrospectiva de Juízes termina com a referência à morte de Josué em 2.6-9. Então, de 2.10 até 3.6, o autor introduz o padrão cíclico que caracterizou a história de Israel por mais de trezentos anos. Após a gera­ ção de Josué haver passado, o povo esqueceu-se de Yahweh, trocando-o pelos deuses de Canaã. Isto provocou a ira de Yahweh, de forma que Ele enviou inimigos a Israel a fim de puni-lo e despertar-lhe o interesse em retornar para os caminhos de Deus. Quando Israel se arrependia, Yahweh levantava juízes que livravam a nação, e assim experimentavam um perí­ odo de paz e de justo governo. Novamente Israel dava as costas para o Senhor e caía em apostasia, então uma série de eventos desabavam sobre a nação, reiniciando o ciclo punitivo. Uma importante razão por que os israelitas não puderam expulsar todos os inimigos cananeus foi, de fato, que estes poderiam permanecer na terra como instrumentos sempre que Yahweh precisasse disciplinar seu povo. Também estes inimigos poderi­ am servir como um teste de lealdade a Yahweh, e treinar a nova geração de israelitas na arte de fazer guerra. Os inimigos que permaneceram na terra - os filisteus, cananeus, sidônios e heveus - habitavam na planície costeira ou na região mais baixa do vale de Baca, ao norte da Galiléia. Além disso, havia vários outros povos (amorreus, hititas e jebuseus) com os quais Israel se envolveu por meio de casamentos mistos e adoração religiosa sincretista.

42 Malamat, "Egyptian Decline," World Historyof the Jewish Peolple, vol 3, p. 34.

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A natureza da idolatria em Canaã A religião cananéia estava para penetrar em todos os níveis da vida dos israelitas desde o período dos juízes até pelo menos o tempo do cati­ veiro da Babilônia. Graças aos textos cananeus épicos e relativos ao culto encontrados em Ugarite (Ras Shamra), como também o Antigo Testamen­ to, é possível reconstruir pelo menos as linhas principais do pensamento e da prática religiosa em Canaã.43 Essencialmente, a religião em Canaã baseava-se no princípio de que as forças da natureza eram a expressão da presença e atividade divina, e que o único meio pelo qual alguém poderia sobreviver e prosperar seria iden­ tificar os deuses responsáveis por cada fenômeno e, mediante ritual pró­ prio, encorajá-los a exercer os poderes em seu favor. Isto é a introdução da mitologia na realidade. Os rituais sempre envolvem a participação huma­ na, particularmente os sacerdotes que são intimamente ligados ao culto, e as atividades dos deuses conforme descritas nos mitos.44 Não é possível recriar a totalidade do mito cananeu em detalhes, visto que os textos são incompletos, e falta em todos os casos um harmonioso e sistemático ponto de vista. Mas o quadro geral parece ser o seguinte: El é o cabeça do panteão dos deuses. Como seu próprio nome indica, ele é quase impessoal, um senhor transcendente, poderoso, uma figura paterna com ar de benevolência, mas com pouco ou nenhum interesse nos negócios dos homens. Há momentos em que parece estar à beira da senilidade, e por muitas vezes vê-se vítima da sedução e dos interesses dos deuses mais jo­ vens. Ele se assenta em um local elevado e sublime situado nas montanhas do norte, na nascente dos rios, onde possui sua corte e entretém os outros deuses. Sua esposa é Asherah, a deusa mãe, por cuja fertilidade toda a terra 43 Ver em Johannes C. de Moor, "The Semitic Pantheon of Ugarit," UF 2 (1970): 187-228; Cyras H. Gordon, "Canaanite Mythology," em Mitologies of the Ancient World, editado por Samuel N. Kramer (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1961), pp. 183-218; Arvid S. Kapelrud, Baal in the Ras Shamra Texts (Copenhagen: G.E.C. Gad, 1952); P.D. Miller, "Ugarit and the History of Religions," ]NSL 9 (1981): 119-28; Julian Obermann, Ugaritic Mithology (New Haven: Yale University Press, 1948); Ulf Oldenburg, The Conflict Between El and Ba'al in Canaanite Religion (Leiden: E.J. Brill, 1969); Helmer Ringgren, Religions of the Ancient Near East (Philadelphia: Westminster, 1973), pp. 124-76. 44 Para um importante estudo acerca do mito, especialmente quando ele se refere ao Anti­ go Testamento, ver em J. W. Rogerson, Myth in Old Testament Interpretation, BZAW 134 (Berlin: Walter de Gruyter, 1974). O mito de uma forma geral está muito bem elucidado nos trabalhos de Mircea Eliade, particularmente em seu Cosmos and History: The Myth of the Eternal Return (New York: Harper, 1959).

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é vivificada. Na Bíblia é referida como "asherim" ou "arbusto". O símbolo de sua presença e poder era representado pelas plantas sempre verdes. Por fim, até um tronco de árvore poderia representar essa deusa, servindo como um santuário onde pudesse ser realizado um ritual. Porém, a divindade mais importante era Baal, o "senhor" da terra. De acordo com muitos estudiosos, Baal era um epíteto do deus Hadad, filho de Dagan (Dagon), freqüentemente mencionado nos textos de Mari e em ou­ tras fontes da alta Mesopotâmia.45 Esses estudiosos propõem que juntamente a migração dos amorreus para Canaã, ocorrida em 2200 a.C., entrou na terra o seu panteão de deuses, inclusive o deus Hadad!'A introdução de novos deuses em Canaã conduziria ou a uma rejeição dos deuses nativos ou, mais provavelmente, a uma assimilação dos deuses novos. Assim, o que era Hadad em Mari tornou-se Baal em Ugarite. Como apoio a esta interpretação tem-se o próprio mito de Baal, que apresenta esse deus em contenda com várias outras divindades, incluindo o próprio El. Em geral o processo é o desapa­ recimento de El e a ascendência gradual de Baal. Hadad era o deus da tempestade dos amorreus, que se manifestava na chuva, trovão e raios. Baal exercia essa função em Canaã e, visto que a agricultura cananéia dependia totalmente da chuva, sua importância era óbvia. Mas Baal precisou lutar para obter reconhecimento e preeminência. Ele não apenas ameaçou o deus El, considerado até então como a fonte de toda a virilidade, mas também confrontou-se com outros deuses inimigos tais como Yammu (o Mar), Naharu (o Rio), e até mesmo Motu (a Morte). Todos estes, zelosos de suas posições no ciclo da natureza - semeadura, colheita, umidade e seca, vida e morte - opuseram-se vigorosamente a Baal, na esperança de impedi-lo de construir um palácio, um puro sinal de soberania, ou de conduzi-lo à morte. Baal frustou todos estes intentos. Ele tomou a esposa de El como sua consorte na ocasião. Também incitou um combate com Yammu e Naharu e castigou-os sem piedade, provando a superioridade da chuva sobre o mar e a terra. Mesmo quando assassinado por Motu, voltou à vida com o auxílio de sua irmã Anat, e finalmente extinguiu ele mesmo a morte. De­ pois de um grande intervalo, alcançou a supremacia e dominou tanto o panteão quanto o culto. / O ritual envolvia a dramatização do mito conforme descrito. Centravase na atividade sexual, uma vez que a chuva atribuída a Baal era tida como o seu próprio sêmen derramado sobre a terra para a fertilizar, impregnan­ do-a com vida, assim como impregnava Aserá (a deusa da fertilidade) no 45 Detalhes acerca do assunto, ver especialmente em Oldenburg, Conflict, pp. 46-163.

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mito. A religião cananéia era então grosseiramente sensual e perversa, porque requeria no culto os serviços de homens e mulheres prostitutos como atores principais no drama. Diferentemente de Israel, não havia um santuário central. Baal poderia ser adorado onde houvesse um lugar especialmente visitado pela nume­ rosa presença dos deuses. Esses locais eram originalmente nas colinas (por isso, "nos altos"), mas tempos depois podiam ser encontrados nos vales ou até mesmo nas cidades ou vilarejos. Cada local deveria ser marcado por um poste (áserâ), um pilar (massebâ), ou algum outro símbolo de culto. Visto que Baal não era onipresente em sentido estrito, cada centro de culto deveria ter o seu próprio Baal. Assim poderia ser Baal-Peor, Baal-Berite, Baal-Zebube e outros. Isto também explica por que os deuses de Canaã eram chamados de Baalim ("os Baals") no Antigo Testamento. Teorica­ mente, havia apenas um Baal, embora fosse senhor de muitos lugares. Esta descrição bastante simplificada e sintetizada dos mitos e rituais cananeus agora é suficiente para uma introdução à natureza da apostasia da de Israel - a sua rejeição de Yahweh, a verdadeira fonte de prosperida­ de e fertilidade, para a adoração do produto da imaginação depravada que confundia o resultado da bênção divina com sua causa. Foi uma ver­ gonhosa quebra da aliança e uma deslealdade, melhor descrita na frase "se prostituíram após outros deuses" (Jz 2.17). Otniel O primeiro surto de apostasia em larga escala ocorreu após a morte de Josué, e resultou na invasão de Israel por Cusan-Risatain, de Aram Naaraim. O escritor revela a atitude que será freqüentemente repetida: "se esqueceram do Senhor seu Deus; e serviram [adoraram] aos baalins e a Aserote." (Jz 3.7). Isto implica não apenas um interesse casual na mitolo­ gia, mas também uma participação ativa no ritual, precisamente como foi no caso em que Israel adorou a Baal-Peor (Nm 25). Cusan-Risatain não pode ser identificado, mas a segunda parte de seu nome, "Risatain", é sem dúvida mais um epíteto dado por seus inimigos do que um nome, pois significa "dupla iniqüidade". Aram Naaraim, literalmente "Aram dos dois rios", refere-se a uma região elevada do Eufrates ou ao norte da Síria, que talvez possa ser identificado com o "Kushan-rôm" dos anais de Ramsés II ou a região "Nhr(y)n" das outras fontes egípcias.46 Nada há em qual* Merril F. Unger, Israel and the Aramaeans of Damascus (Grand Rapids: Baker, reedição de 1980), pp. 40,41,134 e 135. '

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quer parte do nome que rejeite uma data próxima a 1340, visto que "Naharin" e "Nahrima", pelo menos, consta nos textos egípcios e acadianos do século quinze.47 É verdade que alguns estudiosos negam o elementoprova "Aram", mas Merril Unger tem demonstrado sua existência conti­ da num texto de Naram-Sin, que remonta aos primórdios de 2300 a.C.48 Conforme argumentado (p. 150), o mandato de Otniel deve ser datado por volta de 1350, que situa a invasão de Cusan-Risatain em 1358, oito anos antes. Isto é muito possível, visto que naqueles dias Assur-uballit, o podero­ so rei da Assíria, vinha sendo incessantemente atacado por uma tribo araméia conhecida por Sutu. O rei hitita Suppiluliumas encontrou-se em apuros com os homens de Mitani e com os assírios; e embora tivesse obtido o controle do norte da Síria por volta de 1360, os estados-vassalos, incluindo Naharema (Arã-Naharaim), gozavam de muita liberdade, podendo sem dúvida ter empreendido conquistas militares independentes, ou simplesmente segui­ do as ordens do próprio rei hitita.49 O Egito naquela época encontrava-se sem qualquer condição de interferir nesses negócios. Não é possível saber que tipo de prejuízo Cusan-Risatain causou a Is­ rael, mas certamente os oito anos de ocupação não foram impostos sem resistência. A expulsão dos arameus pelo juiz Otniel também deve ter cau­ sado algum tipo de destruição, cuja evidência pode ser constatada por diversas investigações arqueológicas.5051Especular além deste ponto não é aconselhável. O que é de mais interessante e importante é a natureza e a função de um juiz. Está claro que esses indivíduos foram escolhidos e dotados de poder por Yahweh, a fim de atender a certas emergências, e que este ofício não era hereditário. Também é aparente que o termo juiz não sugere uma função jurídica, já que esta responsabilidade recaía sobre os anciãos, mas significa um ofício de um líder militar e protetor.01 Alguns paralelos nos textos de Ebla têm sido recentemente apresentados, em que juízes (di-ku), 47 Abraham Malamat, "The Aramaeans," em Peoples of Old Testament Times, editado por D.J. Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), p. 140. 48 Unger, Israel and the Aramaeans, p. 39. 49 Goetze, "Domination of Syria," em CAH 2.2, p. 16. 50 William E Albright diz que a Palestina no décimo quarto século encontrava-se com baixo número de habitantes, uma conclusão mantida com base no pequeno número de cidades fortificadas durante aquele período ("The Amarna Letters From Palestine," em CAH 2.2, p. 108). Essa evidência de poucos centros urbanos poderia refletir a des­ truição causada pelos arameus e outros povos predadores durante os dias dos primei­ ros juízes. 51 Malamat, "Period of the Judges," em World History ofthe Jeiuish People, vol. 3, p. 131.

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coexistentes com reis e anciãos, também parecem não ter tido nenhuma função jurídica.52 Em Israel, no período entre os grandes mediadores (Moisés e Josué) e os reis, os juízes serviram como uma espécie de gover­ nadores ad hoc e generais encarregados de libertar o povo das mãos de ----—

Eúde Após Otniel ter conseguido repelir os arameus, Israel descansou du^ rante quarenta arios. Visto que a opressão de Cusan-Risatain parece ter afetado toda a nação, pode-se deduzir que nenhuma outra opressão es­ trangeira paralela atingiu Israel, e que apenas Otniel foi juiz nos anos de­ correntes. O período de paz existiu em toda a terra. Baseando-se na data de 1358 a 1350 para os anos de opressão, o fim do governo de Otniel dá-se por volta dé 1310. Então este juiz morreu, dando início ao ciclo. V;A opressão que surgiu em seguida parece ter afligido apenas uma área restrita, próxima a Jerico - "cidade das palmeiràs" (Jz 3.13). O inimigo era Eglon, rei de Moabe, cuja existência, apesar de não mencionada em qual­ quer documento extracanônico, dificilmente pode ser questionada.'Alia­ do aos amonitas e aos amalequitas, èle atacou Israel e exerceu uma sobe­ rania local por, no mínimo, dezoito anos. Não há como datar este período, precisamente porque deve ter havido algum espaço de tempo entre a morte de Otniel e a nova apostasia de Israel. Uma data no primeiro quartel do século XIII (1300-1275) não é de qualquer modo ilegítima.53 Em resposta ao clamor de seu povo, Yahweh levantou Eúde de Benjamim que, sob o pretexto de oferecèr tributos ao rei,54 assassinou Eglon.’ Eúde então esca­ pou para as regiões montanhosas de Efraim, onde arregimentou as milíci­ as de Israel para segui-lo até as margens do rio Jordão. Quando os moabitas tentaram retroceder para sua terra, acharam o caminho bloqueado e fo­ ram destruídos completamente. Os oitenta anos de descanso que se segui­ ram devem referir-se à região centro-leste de Israel, sobre a qual Moabe tinha exercido controle. Passou no mínimo esse tempo antes que a região no vámente sofresse em mãos inimigas.

- Giovanni Pettinato, "Ebla and the Bible - Observations of the New Epigrapher's Analysis," BAR 6 (1980): 40. - Numa disputa contra Norman Glueck, o estudioso Sean Warner diz que os moabitas, edomitas e amonitas ocuparam a Transjordânia entre 1400 e 1375, e que já estavam no local na época de Eúde ("Period of the Judges," VT 28 [1978]: 459). - Malamat, "Period of the Judges," em World Histoty of the Jeiuish People, vol. 3, p. 155.

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Sangar O terceiro juiz, Sangar, libertou Israel do poder dos filisteus pouco tempo após a morte de Eúde. Este acontecimento, presumivelmente um único incidente, pode estar ligado à chegada dos Povos do Mar, em cerca de 1230. Débora Depois da morte de Eúde - um acontecimento que não pode ser data­ do, mas que não necessariamente ocorreu logo no início dos oitenta anos de paz - , Israel mais uma vez voltou para os caminhos da perversidade. Nessa ocasião, o julgamento do Senhor concentrou-se no norte, no vale de Jezreel e acima deste, envolvendo Jabim, rei de Hazor, e seu general Sísera, de Harosete (Tel el-'Amr), uma cidade situada no ribeiro d e Quisom ao leste do monte Carmelo. Por vinte longos anos as tribos do norte sofreram sob a opressão cananéia, e nada podiam fazer em razão da superioridade militar do adversário. As referências a carruagens de ferro (Jz 4.3) não apenas enfatizavam esta vantagem estratégica, como também auxiliam a datar o evento, visto que o ferro não tinha se tornado comum em Canaã até por volta de 1200. Fixar uma data entre 1240 e 1220 para essa opressão cananéia não estaria distante da inform ação bíblica ou dos dados extrabíblicos adquiridos nas escavações arqueológicas.55 O agente da salvação nessa ocasião foi Débora de Efraim, que estabele­ ceu o local de sua administração entre a cidade de Ramá e Betei. Visto que a área sob ataque estava bem distante deste local, respondeu Débora aos urgentes apelos encorajando Baraque, de Cades em Naftali, a menos de 16 quilômetros ao norte de Hazor, a assumir ele mesmo o confronto com Jabim no monte Tabor. Yahweh conduziria Sísera até o ribeiro de Quisom. Baraque e as tropas de Naftali e Zebulom poderiam assim descer pelo Tabor e avan­ çar sobre o inimigo quando este estivesse no rio. Baraque recusou-se a 55 Ygael Yadin sugere 1230 ("Excavatíons at Hazor, 1955-58," em Biblícal Archaeologíst Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr., e David Noel Freedman [Garden City, N.Y.: Doubleday,1964], vol. 2, p. 223). Estudiosos que insistem em uma data mais recente para a conquista têm dificuldades aqui, pois não conseguem explicar a existência de Hazor no final do décimo terceiro século, já que tal cidade havia sido destruída por Josué. Se, porém, Hazor só foi destruída por volta de 1400, haveria tempo suficiente para ser reedificada e então mais tarde ser novamente destruída por Débora em 1230. Ver em Malamat, "Period of the Judges," em World History ofthe Jewish People, vol. 3, p. 135 que, contrariando a Yadin, data a queda de Hazor entre 1150 e 1125.

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prosseguir sem Débora, porque entendia que a juíza ungida de Israel sim­ bolizava a própria presença de Deus.56 Débora, portanto, juntou-se a ele no monte Tabor, e Baraque, encorajado por tê-la ali, investiu contra as car­ ruagens de Sísera, que aparentemente ficou imobilizado por uma rápida e inesperada cheia do Quisom (Jz 5.21).57 Sísera conseguiu escapar para Zaananin, uma cidade próxima de Cades, na região de Issacar,58 refugiando-se na tenda de Heber, o quenita. Os quenitas eram aparentados com os midianitas, conforme se deduz pelo fato de ser o sogro de Moisés chamado de midianita e de quenita (Ex 18.1; Jz 1.16). Esses nomes refletem uma raiz hebraica com significado de "que trabalha com metais", indicando que o fato de habitarem em tendas pode não significar um estilo de vida pastoral e nômade, mas um grupo de pes­ soas que, à medida que empreende suas viagens, muda de trabalho cons­ tantemente.59 A mudança de Heber para o norte e sua afiliação com Jabim podem de fato ter relação direta com o desenvolvimento da indústria do ferro pelos filisteus e cananeus. De qualquer modo, a mulher de Heber (Jael) permitiu que seu senso de lealdade aos israelitas sobrepujasse a hos­ pitalidade dos semitas, pois ela mesma matou Sísera dentro de sua tenda. A derrota de Sísera e o término da opressão de Jabim (Jz 4.24) foram celebrados no cântico de Débora e Baraque.60 Com uma referência especi­ al ao encontro decisivo no Quisom, eles recitaram os feitos de Yahweh desde a conquista da Transjordânia até aquele momento (Jz 5.1-5; cf. Dt 33.2,3; SI 68.7-9; Hc 3.3). Nos dias de Sangar e Jael, ocorridos pouco antes, as estradas eram inseguras para viagem, pois havia muitos bandidos e 56 A respeito da profetisa Débora como o agente de Yahweh no chamado de Baraque, ver em James S. Ackerman, "Prophecy and Warfare in Early Israel: A Study of the Deborah/ Bark Story," BASOR 220 (1975): 5-14. - Visto que esse ataque no Quisom não está registrado em Juízes 4, G. W. Ahlstrõm escre­ veu uma obra afirmando ser a referência ao ribeiro no capítulo 5 puramente mito-poé­ tica, não possuindo qualquer valor histórico. Como "prova" então cita o papel do mar de Juncos na história do êxodo ("Judges 5.20f. and History," JNES 36 [1977]: 287-88). Esta opinião, que nega a possibilidade da poesia bíblica ser historiográfica, não possui qualquer base. 55 Veja o mapa 16 em Aharoni, Land ofthe Bible, p. 222. ^ De Vaux, Early EEstory, pp. 537-38. ' Para análise literária e histórico-tradicional deste importante poema, ver David Noel Freedman, "Early Israelite History in the Light of Early Israelite Poetry," em Unity and Diversity, editado por Hans Goedicke e J.J. Roberts (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1975), pp. 3-35; Richard D. Patterson, "The Song of Deborah," em Tradition and Testament: Essays in Honor of Charles Lee Feinberg, editado por John S. Feinberg e Paul D. Feinberg (Chicago: Moody, 1981), pp. 123-60.

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salteadores. Essas condições caóticas existiam porque Israel tinha adota­ do novos deuses e estava, portanto, experimentando o juízo divino. Então Deus levantou Débora, que arregimentou homens dentre todas as tribos e alcançou uma poderosa vitória no Quisom e em Zaananin. Mas o poema também revela alguns aspectos da natureza provincial da opressão e a falta de unidade entre as tribos. Débora parece ter sido juíza de todo o Israel, mas não conseguiu comandar uma frente unida contra os cananeus no norte. Ela menciona a participação de certos efraimitas "amalequitas", Benjamim, Maquir, Zebulom, Issacar e Naftali. Rúben apenas deliberou a participação; Gileade (Gade) nem mesmo fez isto; Dã "se deteve em navios", que pode ser uma forma proverbial de descrever a covardia, e Aser permaneceu em sua terra. E notável a ausên­ cia de Judá e Simeão na lista. Isto não significa, contrariando muitos críti­ cos da tradição,61 que as duas tribos não tenham se envolvido na confede­ ração israelita, mas apenas que os fatores distância e rivalidade regional já começavam a minar a nação.62 Naquela época Judá já estava sentindo seu isolamento, e as tribos do leste sem dúvida começavam a tomar seu pró­ prio caminho. Gideão Após o triunfo de Débora, a terra descansou por quarenta anos. Isto precisa incluir pelo menos a região central de Israel, pois a próxima opres­ são está concentrada nesta área. Os quarenta anos seriam os anos de 1230 a 1190, caso a proposta de Yigael Yadin, segundo a qual a destruição de Hazor deu-se no ano 1230, seja aceita. A servidão sob os midianitas apa­ rentemente ocorreu no período de 1190 a 1180, e foi particularmente vio­ lenta, conforme registra a história. Casas e cidades foram totalmente de­ vastadas, de modo que covas e cavernas foram necessárias para abrigar os filhos de Israel (Jz 6.2). Todos os rebanhos e plantações eram destruídos, e a terra experimentou grande destruição. A extensão do massacre foi grave, alcançando desde o vale do Jordão até o sudoeste em Gaza, mas a narrativa não indica que tenha atingido 61 Por exemplo, A.D.H. Mayes, "The Period of the Judges and the Rise of the Monarchy," em Israelite and Judaean History, editado por John H. Hayes e J. Maxwell Miller (Philadelphia: Westminster, 1977), p. 310; Freedman, "Early Israelite History," em Unity and Diversity, p. 15. 62 Aharoni, "Settlement of Canaan," em World History ofthe Jewish People, vol. 3, p. 109; ver também em Carol L. Meyers, "Of Seasons and Soldiers: A Topological Apprisal of the Premonarchic Tribes of Galilee," BASOR 252 (1983): 56,57.

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todo o território.63 É importante notar isso, porque freqüentemente argu­ mentam que os midianitas não poderiam ser populosos ou poderosos o suficiente para devastar todo o Israel. Além de o próprio registro não afir­ mar que Midiã assolou toda a nação, é impossível afirmar qualquer coisa acerca do tamanho ou da força de Midiã, visto que o Antigo Testamento não traz informação a esse respeito. O historiador, na verdade, enfatiza que os midianitas estavam acompanhados pelos amalequitas e por outras hordas do oriente, e "vinham como gafanhotos, em tanta multidão que não se podiam contar" (Jz 6.5). Mesmo considerando a descrição como uma hipérbole, está bem claro que os midianitas eram inimigos bastante numerosos (cf. Jz 8.10), especialmente se observados à luz da falta de união entre as tribos de Israel e da falta de força política e liderança militar. Com infinita paciência, Yahweh levantou um campeão para livrar seu povo, quando este clamou por seu nome (Jz 6.7). Agora era Gideão, filho de Joás, o abiesrita, que morava na cidade de Ofra, em Manassés (talvez a moderna 'Affuleh na planície de Jezreel).64 A existência de assentamentos israelitas em territórios anteriormente dominados pelos cananeus atesta a eficácia da con­ quista sob a liderança da juíza Débora quarenta anos antes. Como havia feito aos outros, Yahweh manifestou-se como o Anjo do Senhor. Inicialmente, Gideão resistiu ao chamado de Yahweh, argumentando que Ele havia aban­ donado seu povo nas mãos dos midianitas, e que ele, Gideão, dificilmente estava qualificado para conduzir o povo, pois vinha de família humilde. Entretanto, seu protesto foi silenciado quando Yahweh miraculosamente enviou fogo do céu e consumiu totalmente o sacrifício que Gideão havia preparado. Naquela mesma noite Gideão desmantelou o altar de Baal e o poste de Aserá que seu pai havia erguido, construindo no local um altar em honra a Yahweh. Esta atitude ocasionou a fúria de toda aquela comu­ nidade apóstata e, não fosse a intercessão de seu pai, teria ele morrido nas mãos dos desobedientes. Se Baal realmente é deus, disse Joás, ele mesmo se defenda contra o sacrilégio de Gideão. Os midianitas e seus aliados reuniram-se por uma grande extensão, e acamparam-se na planície de Jezreel para confrontar Israel. Depois de con­ seguir o apoio de seu próprio clã, Gideão convocou todas as famílias da tribo de Manassés, Aser, Zebulom e Naftali, preparando-os para a bata­ lha. Essa lista confirma a tese de que os inimigos de Israel naquele período atacavam apenas em áreas limitadas - nesse caso, em Jezreel e na Galiléia - e também os juízes eram líderes apenas nestas áreas. Malamat, "Period of the Judges," em World History ofthe Jewish People, vol. 3, p. 143. ~4 Aharoni, Land ofthe Bible, p. 263.

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Gideão, após certificar-se de que a presença de Deus o acompanhava (por meio de sinais envolvendo um velo de lã em um terreno), estabeleceu sua posição na fonte de Harode, situada ao sul do monte Moré, no acam­ pamento dos midianitas. Lá Yahweh ordenou a Gideão que reduzisse o seu exército; assim, quando a batalha estivesse ganha, seria evidente para todos que Yahweh, não Israel, era o vencedor. Naquela noite, mediante uma estratégia que surpreenderia o inimigo - várias trombetas tocadas e diversos jarros quebrados - Gideão obteve grande vitória sobre seus ini­ migos com apenas trezentos soldados. Em total pânico e desespero, midianitas lançaram-se uns sobres os outros; depois de muitos serem mor­ tos nesse tumulto, outros fugiram para o leste em direção aos desertos. Gideão perseguiu-os até chegarem a Beth Shittah (um local até hoje desco­ nhecido), no caminho para Zererah (Zaretã, a moderna Tel Umm Hamad),65 que se situa no Jaboque oriental do Jordão. A localização aproximada de Beth Shittah pode ser determinada pela sua associação com Abel-Meolá (Khirbet Tel el-Hilu), situada pouco ao oeste do Jordão, do outro lado de Tabate (Ras Abu Tabat), e a noroeste de Zaretã.66 Para evitar a fuga de dois líderes midianitas, Orebe e Zeebe, através do Jordão, Gideão mandou um recado aos efraimitas para que guardassem a todos os vaus do Jordão ao sul, até Bete Barah, possivelmente próxima à entrada do Vadi Far'a, passando pelo Jordão através do Jaboque. Portan­ to, os efraimitas se envolveram no conflito porque as rotas de escape dos midianitas passavam dentro de seu território. A estratégia foi bem-sucedi­ da, e os efraimitas deram a Gideão as cabeças dos dois comandantes como prova. Aproveitaram, entretanto, para reclamar o motivo de não haverem sido incluídos no exército, mas Gideão aplacou-lhes a ira convencendo-os de que a glória maior da guerra ficara com eles, pois haviam matado os líderes dos midianitas. O próprio Gideão cruzou o Jordão em busca de dois outros líderes midianitas: Zeba e Zalmuna. A princípio, chegou a Suçote (Tel Deir 'Alla) na parte mais baixa do vale do Jordão, a menos de oito quilômetros ao leste do Jordão. Lá ele pediu alimento para sua tropa faminta, mas o povo de Suçote negou-lhe, baseando-se em que Gideão ainda não havia derrotado o inimigo e por isso não merecia apoio. Mais tarde reconhece­ riam a liderança de Gideão quando este voltasse com a cabeça dos che­ fes midianitas. Os residentes de Peniel (Tulul adh-Dhahab),67 a 11 quilô­ 65 Oxford Bible Atlas, editado por Herbert G. May, 3a edição (New York: Oxford University Press, 1984), p. 143. 66 Aharoni, Land ofthe Bible, p. 284, n. 222. 67 Oxford Bible Atlas, p. 137.

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metros acima do Jaboque, fizeram-lhe o mesmo. Em razão disso Gideão ameaçou ambas as cidades com punições quando ele retornasse de sua perseguição. O que é notável na narrativa dos ataques contra a Transjordânia é o profundo sentimento de regionalismo desenvolvido em Israel, em quase 150 anos; um espírito que refletia um rompimento da irmandade ou da coesão entre as tribos. Os homens de Suxote e Peniel eram afinal israelitas, particularmente da tribo de Gade. A resistência contra Gideão serve pára ilustrar, mais claramente, a preocupação outrora manifestada por Moisés e Josué a respeito das tribos estabelecidas ao leste do Jordão (Nm 32.6­ 15,20-27; Js 22.13-20). O rio não apenas era uma fronteira física, mas tam­ bém criara uma barreira psicológica e filosófica. As sementes da desinte­ gração israelita começavam a germinar, e não demoraria muito até que as tribos da Transjordânia se afastassem definitivamente do restante da con­ federação. Gideão passou adiante dos midianitas em Carcor (Qarqar), entrando pelo deserto siro-arábico, a mais de 96 quilômetros ao leste do mar Morto. A despeito do grande número de soldados que compunha o exército ad­ versário (quinze mil midianitas contra trezentos israelitas) Gideão preva­ leceu, espalhando os midianitas e capturarando Zeba e Zalmuna. Retornou triunfantemente a Peniel, quebrou sua cidadela e feriu de morte todos os seus habitantes. Então executou os dois reis midianitas como vingança pelos anos de terror e morticínio infligidos sobre o povo de Manassés. Quando por fim Gideão chegou à sua cidade natal, Ofra, o povo já o queria constituir rei, sendo este o primeiro registro de tal sentimento. Tor­ nara-se claro que somente um governo central poderia garantir segurança e estabilidade. Contudo, Gideão rejeitou a proposta, pois isto violava a essência do governo teocrático - a eleição divina pela liderança não here­ ditária. Então ele permitiu que uma estola de ouro fosse feita e a pôs em Ofra, talvez um tipo de paládio ou "manto sagrado",68 mas isto se tornou em um objeto de adoração que contaminaria o que Gideão havia alcança­ do em favor de Jeová. O reinado malogrado de Abimeleque A derrota dos midianitas introduziu quarenta anos de paz, estenden­ do-se de 1180 a 1140. Então, após a morte de Gideão, Israel afastou-se de Yahweh. A região central da nação passou a adorar no mínimo a divinda- Boling, Judges, p. 161.

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de pagã de Siquém, Baal-Berite. Sem dúvida isto aconteceu porque Abimeleque (filho de Gideão com uma concubina siquemita) atraiu al­ guns partidários oriundos de Siquém, conseguindo integrar o culto pagão que lá se desenvolvia com seus próprios interesses monárquicos. Havia muito tempo que Siquém estava distante da presença de Yahweh. Neste lugar Abraão construiu o seu primeiro altar, Jacó adquiriu uma pro­ priedade e cavou um poço, José foi enterrado, e Josué conduziu a nação a uma renovação da aliança. Entretanto, o santuário central fora estabelecido em Siló, e parece que Siquém foi tomada por elementos anti-javistas, que se apegaram ao seus velhos deuses estabelecendo um centro de culto a Baal.69 O verdadeiro nome de Baal naquele lugar, Baal-Berite ("Senhor da Alian­ ça"), provavelmente remonta às antigas tradições da aliança feita com Abraão, continuando até Josué. De acordo com a prática comum, o ato de fazer aliança com Yahweh foi simplesmente transferido a Baal, até que este, não Yahweh, foi visto como aquele que fez de Siquém um lugar santo.70 Abimeleque tomou vantagem dessa anti-teocracia e, como filho do he­ rói popular Gideão e a concubina siquemita, atraiu o povo de Siquém para sua causa política. Afinal, o povo já havia pedido que Gideão fosse o seu rei. Ele havia declinado a proposta, mas talvez aceitasse seu filho como seu soberano. Os únicos obstáculos eram os outros filhos de Gideão, então Abimeleque alugou assassinos para, juntamente com ele, ir à cidade de Ofra matar seus irmãos. Assim, em Siquém, Abimeleque foi feito rei. Todavia um dos filhos de Gideão conseguiu escapar àquela chacina. Jotão predisse que o reinado de Abimeleque não duraria muito tempo, e de fato dentro de três anos o povo de Siquém voltou-se contra ele. Depois de uma série de conspirações, Abimeleque achou por bem atacar e destruir a cidade de Siquém.71 Ele então foi a Tebez (Tubas), cerca de 14 quilômetros ao norte de Siquém, mas quando tentava incendiar a cidadela, foi morto por uma 69 Ronald E. Clements, "Baal-Berith of Shechem," fSS 13 (1968): 31-32. 70 Essa interpretação opõe-se àquela apresentada pela maioria dos estudiosos, que crêem que o local foi originalmente dedicado ao culto cananeu, e que mais tarde foi anexado pelos israelitas e dedicado à adoração de Yahweh. Ver em Martin Noth, The Histoty of Israel, 2a edição (New York: Harper and Row, 1960), pp. 98-99; G. Ernest Wright, "Deuteronomy," em Interpreter's Bible, editado por George A. Buttrick (New York: Abingdon, 1953), vol. 2, p. 326. 71 Bernhard W. Anderson data a destruição de Siquém em 1100 a.C., não divergindo da cronologia aqui apresentada, a qual determina o período de paz depois da derrota dos midianitas em 1180 - 1140. Parece que Gideão morreu alguns anos após esse período pacífico chegar ao fim (Jz 8.28,32,33), talvez em 1120 ("The Place of Shechem in the Bible," BA 20 [1975]: 16).

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mulher que lançou do telhado uma pedra de moinho sobre sua cabeça. Por­ tanto, a mais remota experiência monárquica de Israel foi abortada. A lista de lugares na história de Abimeleque deixa claro que seu reina­ do foi limitado não somente nos anos, mas também na extensão geográfi­ ca. Toda sua atividade esteve confinada à região de Manassés; não há qual­ quer sinal de que ele tenha atraído a atenção das demais tribos. Precisa­ mente, Israel como um todo não estava preparado para a monarquia, ou pelo menos não a que Abimeleque estava disposto a oferecer. Juízes menores O reinado de Abimeleque pode ter sido a ocasião para o governo de Tola, um descendente da tribo de Issacar, a tribo irmã de Manassés, que situava-se bem ao norte. E fácil imaginar a turbulência criada pelas idéias mal concebidas de Abimeleque em Manassés. O governo de Tola não en­ volvia um inimigo estrangeiro, mas foi designado para restaurar a paz dentro de Manassés. Ele vivia em Samir (Samaria?)72 e governou por cerca de vinte anos. Com base no período de 1180 a 1140 para o período de paz ocorrido após a derrota dos midianitas (segundo a nossa cronologia), Gideão pode ter morrido em 1120. Nesse caso Abimeleque reinou de 1120 a 1117, e Tola julgou Israel de 1117 a 1094. Embora não seja possível uma precisão, como tem sido repetido, as datas apresentadas de forma alguma são incompatíveis com o que se conhece acerca desse período. Provavelmente paralelo ou um pouco depois do governo de Tola, le­ vantou-se Jair de Gileade. Esse cidadão abastado de Camon (Qamm), si­ tuada cerca de 19 quilômetros a sudeste do mar de Quinerete, julgou a Israel (i.e., Gileade) por vinte e dois anos. Admitindo que seu governo teve início logo que Tola começou a julgar Israel, pode-se datá-lo perto de 1115 - 1093. Mas se for entendido que o governo de Jair iniciou após a morte de Tola, a data deve avançar para 1094 - 1072. Em qualquer caso é possível harmonizar o governo de Jair com o governo de Jefté, pois embo­ ra as datas de Jefté sejam quase certo 1106 - 1100, sua administração apa­ rentemente centrou-se em Mispa (JaTad),73 no mínimo 64 quilômetros ao sul de Camon. Jair limitou-se às cidades de Havote Jair, um distrito mais ao sul e ao oriente do mar de Quinerete. ’ ~ Oxford Bible Atlas, p. 140. Yohanan Aharoni e Michael Avi-Yonah, Macmillan Bible Atlas (New York: Macmilan, 1968), p. 181; ver também o mapa 78. Martin Noth, contudo, localiza a cidade de Mispa em el-Mishrefe, dois quilômetros ao norte de Jakad; ver Malamat, "Period of the Judges," em World History ofthe Jewísh People, vol. 3, p. 322, n. 78.

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Após a ameaça dos midianitas e a curta monarquia imposta por Abimeleque, Israel mais uma vez deu as costas para Yahweh, e desta vez foi uma apostasia em larga escala. Começaram a adorar os Baalins e Astarotes como já faziam de costume, mas agora juntaram os deuses de Arã, Sidom, Moabe, Amom e Filístia. Conseqüentemente, Yahweh "ven­ deu-os em mão dos filisteus, e em mão dos filhos de Amom... e oprimiram e vexaram aos filhos de Israel" (Jz 10.7,8). Essa declaração significa que filisteus e amonitas oprimiram o povo simultaneamente (ver pp. 151,152). O historiador procede narrando a opressão dos amonitas (Jz 10.8b - 12.7), e em seguida a dos filisteus (13.1 - 16.31). Este fato é muito importante para a reconstrução da cronologia desse período. Jefté Os amonitas referidos em Juízes 10.8b oprimiram os israelitas da Transjordânia por dezoito anos. Tentaram inclusive atravessar o Jordão para também devastarem as tribos de Judá, Benjamim e Efraim. Finalmente, os israelitas juntaram-se em Mispa e iniciaram uma busca frenética por um líder capaz de livrá-los. Jefté, filho de Gileade, havia sido forçado ao exílio em Tobe (et-Taiyibeh), no interior do deserto de Fíauran, onde rapi­ damente ajuntou um grupo marginal. A opressão amonita teve início al­ guns dias depois de seu exílio. Os anciãos de Gileade, que conheciam a sua força e as suas virtudes de liderança, buscaram-no e o instituíram como seu comandante. A primeira ação de Jefté foi tentar um entendimento di­ plomático com os amonitas. O inimigo reclamava que as tribos orientais de Israel estavam ocupando ilegalmente seu território por cerca de trezen­ tos anos. Jefté enviou uma delegação ao rei amonita e lembrou-lhe que Israel não tinha se apoderado de nenhuma terra dos amonitas na época da conquista. De fato, o que Amom agora reivindicava como seu território pertencia naquela época a Siom, rei dos amorreus. Foi a ele que Israel desapossou, e não aos amonitas. Caso eles realmehte tivessem o direito a alguma reivindicação, esta não poderia ser legalmente aceita naquele momento nem no anterior.74 Além disso, Jefté perguntou por que motivo Amom reclamava os territórios naquele momento, após três séculos da derrota de Siom (Jz 11.26). 74 Parece que, de fato, a reivindicação dos amonitas era verdadeira e que eles já tinham sido senhores daquela terra antes do tempo de Seon (Nm 21.26). Ver em Eugene H. Merrill, "Numbers," em The Bible Knowledge Commentary, editado por John F. Walvoord e Roy B. Zuck (Wheaton, 111.: Victor, 1985), vol. 1, pp. 240-41.

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Conforme mencionado anteriormente (pp. 151,152), o número trezen­ tos é importante para a definição não somente das datas do êxodo e da conquista, mas também dos anos de opressão causados pelos filisteus e amonitas. A conquista da Transjordânia ocorreu em 1406, exatamente qua­ renta anos depois do êxodo. Portanto, a comunicação entre Jefté e os amonitas deve ser datada perto de 1106. Não há de fato razão para enten­ der os trezentos anos de outra maneira que não literal. É certo que a vitó­ ria de Jefté sobre os amonitas (que ocorreu logo após Amom não ter dado ouvidos a Jefté) constituiu o fim de suas ameaças. Uma vez que essa opres­ são durara dezoito anos, seu início pode fixar-se em 1124. Nesse tempo, as terras em ambos os lados do Jordão desfrutavam um período de paz gra­ ças à eficiente expulsão dos midianitas promovida por Gideão, fato ocor­ rido décadas antes. É possível que as reivindicações dos filhos de Amom tenham surgido imediatamente após a morte de Gideão, já que não havia mais motivo para temer a nação de Israel. Após os amonitas rejeitarem os termos de paz propostos por Jefté, este os atacou em uma frente desde Aroer (localização desconhecida), situada em algum ponto ao leste de Rabá (a moderna Amman) até Minnith (loca­ lização desconhecida), também situada em algum lugar ao leste do Jaboque, chegando a Abel-Keramin (Na'ür?),75 poucos quilômetros a noroeste de Hesbom. Voltou Jefté para Mispa, onde cumpriu os votos que havia feito anteriormente solicitando o favor divino. ~ Evidências acerca da desunião contínua e latente hostilidade enjre as tribos podem ser vistas na reação dos efraimitas ao sucesso de Jefté-^Eles vinham sofrendo nas mãos dos amonitas e agora cruzavam o Jordão para encontrar-se com Jefté, a fim de repreendê-lo por não terem sido convoca­ dos para a batalha. Sem pensar nas conseqüências e mantendo o espírito anarquista da época, os efraimitas ameaçaram incendiar a casa de Jefté. Então Jefté protestou dizendo que na verdade os havia convocado, mas não fora atendido (Jz 12.2). Os efraimitas só puderam dizer que os gileaditas eram renegados por Efraim e Manassés, e assim desleais com Israel.76 Tudo isto, é claro, refletia problemas originados pela solicitação da Transjordânia feita pelas tribos de Rúben, Gade e meia-tribo de Manassés oriental. Mais

~ Aharoni, Land of the Bible, p. 429. Aharoni, "Settlement in Canaan," em World History of the Jewish People, vol. 3, pp. 123­ 24. Existe uma forte indicação de que Efraim havia reivindicado uma parte bastante considerável da Transjordânia, pois há referências acerca da floresta de Efraim (2 Sm 18.6; cí. 17.24). Ver em Malamat, "Period of the Judges," em World History of the Jewish People, vol. 3, p. 159.

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evidências da alienação das tribos ocidentais e orientais podem ser vistas na atitude de Jefté de proibir que os efraimitas retornassem ao lado oci­ dental do Jordão depois de pelejarem contra os gileaditas. Ele, inclusive, posicionou seus homens nos vaus, e qualquer sobrevivente que tentasse atravessar para o oeste do Jordão, era obrigado a pronunciar "Chibolete" (,sibbõlet). Caso dissesse "Sibolete", uma peculiaridade fonética do oeste, automaticamente era identificado como um efraimita, o que culminava em sua morte.77 Aqui está uma prova de que a distinção lingüística já co­ meçava a marcar a divisão da nação.78 Jefté viveu por mais sessenta anos após a expulsão dos amonitas (1106 1100), e foi sucedido três juízes locais. Ibsã, de Belém (provavelmente em Judá) serviu por sete anos (cerca de 1100 - 1093); Elom, de Aijalom em Zebulom, julgou por dez anos (cerca de 1093 -1083); e, por último, Abdom, de Piraton (Far'ata) em Efraim, julgou por oito anos (cerca de 1083 - 1075). Estes governos podem ter sido simultâneos, totalmente ou em parte, mas em todo caso não cobriram as áreas afligidas pelos amonitas e pelos filisteus. Sansão A opressão causada pelos filisteus iniciou no mesmo ano em que Israel foi oprimido pelos amonitas (1124), mas é descrita em detalhes somente após a conclusão do relato de Jefté e os amonitas (p. 151). Este aspecto não é invalidado pela versão tradicional de Juízes 13.1a - "tornaram a fazer o que parecia mal aos olhos do Senhor" - pois a palavra "tornaram" não aparece desta forma no texto hebraico original. Literalmente, o original quer dizer: "E os israelitas acrescentaram mais à sua maldade," uma ex­ pressão que pode significar "fazer novamente", mas não necessariamen­ te. O verbo yãsap aqui decerto significa "continuar a fazer", mas apenas acompanhado da partícula ‘ôd significaria "fazer novamente" (Jz 11.14).79 Assim, Israel continuou a fazer males, conforme o narrador registrou em Juízes 10.6, quando pela primeira vez introduziu a opressão dos filisteus. Juízes 13.1a serve como uma ponte literária que conduz à primeira refe­ rência, e não pretende sugerir uma seqüência Jefté-Sansão. 77 Ver Ephraim A. Speiser, "The Shibboleth Incident," BASOR 85 (1942): 10-13. Eduard Y. Kutscher, A History o f the Hebrew Language (Jerusalem: Magnes, 1982), pp. 14-15. 78 Para outras evidências a respeito dessa divisão, ver Malamat, "Period of the Judges," em World History of the Jewish People, vol. 3, pp. 160-61, onde o autor declara que Efraim sempre foi o principal instigador. Ver também Daniel I. Block, "The Role of Language in Ancient Israelite Perceptions of National Identity," JBL 103 (1984): 339, n. 75. 79 Boling, Judges, p. 85. /

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A ameaça dos filisteus afetou a tribo de Dã em particular, embora Efraim, Benjamim e Judá também tenham sentido seu impacto. Por lon­ gos quarenta anos Israel penou sob a incansável e brutal pressão dos filisteus até que Yahweh levantou Sansão e mais tarde Samuel para livrálos do jugo inimigo. A opressão iniciou em 1124 e continuou até 1084. O governo de Sansão coincidiu com a opressão (Jz 15.20) mas não a ultra­ passou (1 Sm 7.13,14). Visto que sua liderança se estendeu por vinte anos (Jz 16.31), ele deve ter iniciado o ministério mais ou menos na metade dos quarenta anos, em 1104. Não devia ter mais de vinte anos de idade na ocasião, pois seu nascimento ocorrera logo após o início da opressão filisteia (Jz 13.5). Para resumir, a opressão durou de 1124 até 1084, Sansão nasceu por volta de 1123, iniciou seu governo em 1104, e morreu no má­ ximo em 1084. Nascido de pais piedosos, naturais da tribo de Dã em Zorá (Sar'ah), situada no vale de Soreque, Sansão foi desde seu nascimento um nazireu poderosamente revestido pelo Espírito de Deus.80 Que isto não implica necessariamente em espiritualidade pessoal está claro pelo curso da vida deste jovem. Ele serve como um testemunho eloqüente da natureza dos juízes. Não era um ofício para o qual alguém se classificava por meio de dons naturais, integridade pessoal ou herança, mas apenas pela soberana atuação de Deus. Os vários romances de Sansão com mulheres filistéias são suficientes para mostrar que seu sucesso em favor de Israel não era devido ao seu próprio caráter, mas ao de Deus, que vinha sobre ele e o fortalecia para ser o salvador de seu povo. *Q) Sansão apaixonou-se por uma mulher filistéia natural de Timná (Tel Batash), uma cidade situada na fronteira entre Israel e os filisteus. Na festa de casamento, Sansão apostou trinta mudas de vestidos que seus compa­ nheiros não seriam capazes de decifrar um enigma. Após descobrir que fora enganado, partiu para a cidade filistéia de Ascalom, matou trinta ho­ mens e retirou deles as vestes festivas para pagar sua aposta. Isto marcou seu primeiro ataque contra os filisteus. Em seguida ele foi embora. Quan­ do Sansão retornou a Timná, descobriu que sua mulher havia sido dada a outro homem. Irado, pegou trezentas raposas e as amarrou umas às ou­ tras pela cauda e, após atear-lhes fogo, enviou os animais direto às searas dos filisteus, queimando totalmente suas colheitas. Quando, em retalia­ ção, os filisteus mataram sua mulher e seu sogro, Sansão matou um gran­ de número de filisteus, dando-lhes o troco. Então os filisteus armaram-se Para discussão acerca da natureza e função dos nazireus, ver Roland de Vaux, Ancient Israel (New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 2 pp. 466-67.

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contra Judá, cujos habitantes ficaram aterrorizados, visto que por seu pró­ prio consentimento viviam sob a dominação dos filisteus (Jz 15.11). Entre­ garam, portanto, Sansão aos filisteus, mas lá, em Ramate-Leí (local desco­ nhecido), Sansão feriu mil de seus inimigos. J A segunda mulher na vida de Sansão foi uma prostituta de Gaza. En­ quanto a visitava, Sansão foi descoberto por alguns filisteus que decidi­ ram vigiá-lo toda a noite, armando-lhe uma emboscada ao amanhecer. Porém, à meia-noite, ele levantou-se, tomou o portão da cidade, e o carre­ gou até Hebrom, a quarenta milhas de distância. Finalmente, Sansão cedeu aos encantos de Dalila, que o traiu revelan­ do aos filisteus que a força de Sansão residia nos cabelos não cortados. Ironicamente, ele foi levado a Gaza e forçado a mover um grande moinho. A cidade de onde ele, em toda a sua força, retirara o portão, agora havia se constituído em sua própria prisão. No devido tempo Sansão foi trazido ao templo de Dagom, a principal divindade dos filisteus. Seus cabelos - a marca de seu nazireado e o poder de Deus sobre sua vida - já haviam crescido novamente e, em uma última tentativa poderosa, derrubou o tem­ plo de Dagon sobre si e os filisteus, matando em sua morte mais inimigos do que havia matado em vida. Os críticos recusam-se a ver a narrativa de Sansão como história real em virtude dos feitos sobrenaturais do herói. Preferem descrevê-las como lenda ou saga, cujo propósito era enfatizar a idéia de que Yahweh vence­ ra seus inimigos através de um homem revestido de seu Espírito, e não mediante o uso de um exército de soldados.81 O problema com esse cepticismo é que ele interpreta erroneamente a natureza das sagas como um gênero literário82 e, além disso, baseia-se em uma afirmação não crí­ tica de que tais feitos heróicos por si só não poderiam acontecer, e que de fato não ocorreram. Mas esse tipo de apelação não encontra lugar de importância na história escrita. Se alguém admite não existir nada afora o registro bíblico que o contradiga, e que a história bíblica é sui generis, ou seja, uma história especial e única, então não há um bom motivo para se rejeitar as histórias de Sansão. Uniformitarismo histórico não deve pôr uma camisa de força nos fatos ou predeterminar o que aconteceu no passado. 81 Para conhecer mais este ponto de vista, ver James L. Crenshaw, Samson (Atlanta: John Knox, 1978), pp. 19-26. 82 Para uma excelente discussão a respeito de saga, especialmente da imprecisão do termo como uma tradução do alemão Sage, ver John J. Scullion, "Marchen, Sage, Legende: Towards a Clarification of Some Literary Terms Used by Old Testament Scholars," VT 34 (1984): 324-31.

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Samuel Os últimos cinco capítulos de Juízes formam, juntam ente com o li\rro de Rute, o que poderia ser chamado de trilogia belem ita de his­ tórias, cujo cenário é a era dos juízes. Antes deste fator ser exam ina­ do, é preciso atentar para a narrativa da opressão dos filisteus e todo o período dos juízes. Isto requer uma atenção aos primeiros capítulos de 1 Samuel. Esse livro inicia com a história do nascimento de Samuel, em resposta à oração de Ana, em Ramatain-Zofim (Rentis), localizada em Efraim, a ape­ nas oito quilômetros a noroeste de Timná Sera - local onde sepultaram o corpo de Josué, e aproximadamente 29 quilômetros a oeste do tabernáculo em Siló. Samuel foi dedicado por seus pais para ser um nazireu e servir ao Senhor em Siló. Embora não fosse um sacerdote de linhagem, era um levi­ ta (1 Cr 6.22-28), um descendente de Coate, e assim poderia ministrar no tabernáculo e em outros altares locais. Enquanto Samuel era jovem em Siló, o sumo sacerdote era Eli, um des­ cendente de Itamar, como sugerido pelo fato de mais tarde o sacerdócio da linhagem de Eli ter sido tomado e entregue a Zadoque, um descenden­ te de Eleazar (1 Rs 2.35; cf. Nm 3.4; 1 Cr 6.8). Embora não haja indícios de apostasia na vida de Eli, seus filhos efetivamente transformaram a casa de Yahweh em Siló num santuário cananeu, com toda a corrupção e imorali­ dade associadas ao culto a Baal (1 Sm 2.12-17, 22-25). Foi nesse ambiente que o jovem Samuel foi chamado por Yahweh e designado para ser profe­ ta e juiz. Também em razão dessas circunstâncias o Senhor trouxe os filisteus para servirem como instrumento de sua correção. A presença dos filisteus nos primeiros anos do juizado de Samuel deve ser a^spciada aos quarenta anos de opressão mencionadas em Juízes 13.T. Este fato é evidente porque nenhuma cronologia permite que Samuel tenha sido jovem antes de 1124 (ver pp. 152,153) - o início da única opressão filistéia conhecida no décimo segundo século - e também porque está claramente registrado que foi o próprio Samuel quem finalm ente liquidou os filisteus e permitiu que Israel obtivesse novamente seus antigos territórios (1 Sm 7.13,14). Esta tarefa realiza­ da por Samuel deve ser datada por volta de 1084, pois a opressão dos filisteus durou quarenta anos, de 1124 a 1084. A arca da aliança havia perm anecido em Quiriate-Jearim por vinte anos na época em que Samuel derrotou os filisteus (1 Sm 7.2). Uma vez que a arca esteve nessa cidade desde a queda de Siló, com exceção dos sete meses que

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passou na Filístia (1 Sm 6.1), conclui-se que a data da destruição de Siló seja por volta de 1104.83 Vejamos mais detalhadamente os eventos ocorridos em 1104. Õ histori­ ador relata que os filisteus tinham se reunido em Afeque, obviamente com a intenção de batalhar contra os israelitas que estavam acampados em Ebenézer. Esta Afeque é Râs el-'Ain, situada cerca de 40 quilômetros a oeste de Siló. Ebenézer ('Izbet Sartah?)84 achava-se a apenas três quilôme­ tros a sudeste de Afeque.85 Quando a batalha travou-se, Israel sofreu uma terrível derrota. Supersticiosamente, atribuíram o fracasso à ausência da arca da aliança na batalha. A presença de Yahweh como o Guerreiro de Israel que conduzia seu exército na guerra santa era simbolizada pela arca. Mas a guerra santa era sancionada por Yahweh - a mera presença da arca não era garantia de sua bênção. Apesar disso, a arca foi trazida desde Siló e, embora tenha aterrorizado os filisteus, que também viam-na como uma função automática, estes batalharam contra Israel e alcançaram um mag­ nífico triunfo. Os filhos de Eli, Hofni e Finéias, que estavam incumbidos de guardar a arca, foram mortos e a arca foi levada como um troféu de guerra. Quando a notícia do desastre chegou a Siló, Eli caiu para trás e morreu, e a mulher de Finéias deu à luz um filho prematuramente, que foi chamado de Icabô ("foi-se a glória do Senhor"), uma eloqüente descrição da perda da arca. O ataque sobre Israel em Afeque bem pode ter sido uma reação aos antigos ataques de Sansão contra os filisteus, que começaram mais ou menos nessa época (1104). Visto que Sansão foi fortalecido miraculosa­ mente pelo Deus de Israel, o que poderia ser melhor do que atacar o centro religioso israelita em Siló? Entretanto, os filisteus logo aprende­ ram que Yahweh não poderia ser contido dentro de uma caixa, nem seus poderes eram diminuídos por estar a arca transitando temporariamente 83 Essa data é aproximadamente cinqüenta anos mais antiga do que a usualmente aceita para a destruição da cidade de Siló; ver, por exemplo, o que diz John Bright em A History of Israel, 3a edição (Philadelphia: Westminster, 1981), pp. 185-86. Note que o relato bíbli­ co não diz expressamente que Siló fora destruída na época em que a arca foi levada pelos filisteus. A destruição pode ter ocorrido cinqüenta anos depois de a cidade ter deixado de ser um centro religioso para Israel. O Salmo 78.60 fala que Jeová abandonou Siló, um fato confirmado em 1 Samuel 4.11, ao passo que o profeta Jeremias refere-se a esta destruição (7.12,14; cf. 26.6,9) como conseqüência de sua rejeição como um centro de adoração a Deus. , 84 Oxford Bible Atlas, p. 127. 85 Para um excelente gráfico da batalha, ver Aharoni e Avi-Yonah, Macmillian Bible Atlas, mapa 83, p. 58.

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na Filístia. Como um virtual prisioneiro de guerra no templo de Dagom em Asdode, Yahweh permaneceu em abjeta humilhação (assim pensa­ vam os filisteus) aos pés da divindade filisteia. Mas, pela manhã, Dagom estava prostrado diante da arca. Seus assistentes levantaram-no, mas a cena repetiu-se, e desta vez tinha a cabeça e braços arrancados do lugar. Em termos bem apropriados, a inigualável invencibilidade de Yahweh estava sendo afirmada. Dagom não estava sozinho em sua humilhação, pois uma praga de ^hemorroidas veio sobre todo o povo de Asdode. Ao perceberem que es­ tavam sob o juízo de Yahweh, os líderes decidiram enviar a arca de volta a uma cidade coirmã chamada Gate. Mas a praga também lá se espa­ lhou; então a arca foi enviada para Ecrom, onde o mesmo aconteceu. Intensamente frustrados, os príncipes dos filisteus decidiram devolver a arca para Israel e ofereceram os devidos sacrifícios a Yahweh, a fim de aplacar-lhe a ira e induzi-lo a interromper a terrível praga. Conduzidos pelo Senhor, a junta de bois que levava a arca sobre o carro chegou até Bete-Semes, onde um certo Josué dela tomou conta temporariamente. Lá os levitas ofereceram a Yahweh um sacrifício de animais. Mas alguns do povo de Bete-Semes olharam para dentro da arca, um ato que violava a sua santidade, e por isso muitos morreram. Apavorados, os sobreviven­ tes suplicaram aos moradores de Quiriate-Jearim, distante uns 16 quilô­ metros a nordeste, que guardassem a arca. O porquê dos moradores de Bete-Semes terem sido mortos por desrespeitarem a arca, enquanto os filisteus puderam fazer o mesmo com relativa impunidade é bem claro: as expectativas de Yahweh quanto ao seu povo santo não são as mesmas para os que não são seus. Ou seja, a arca era santa apenas para o povo santo. Durante vinte anos a arca permaneceu em Quiriate-Jearim, na casa de Abinadabe. Somente após este tempo Samuel exortou o povo a desfazerse dos ídolos pagãos, a servir a Yahweh, e preparar-se para expulsar os filisteus de uma vez por todas. Esse repentino impulso de liderança em Samuel sugere que ele agora era um homem maduro, e não havia outros líderes preparados para tal tarefa. Sansão já devia estar morto. Ele morre­ ra enquanto destruía o templo de Dagom em Gaza, no final dos seus vinte anos de juizado, isto por volta de 1084. Então, vinte anos após os filisteus terem capturado a arca (em 1104), Samuel assumiu a liderança como juiz e profeta para pôr fim ao problema causado pelos filisteus. Ajuntou o povo em Mispa (Tel el-Nasbeh), entre Gibeão e Betei, e ofereceu sacrifícios a Yahweh, encorajando Israel a enfrentar os filisteus, que já estavam a cami­ nho da batalha. Com a ajuda de Yahweh, Israel derrotou poderosamente o

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inimigo, expulsando-o de volta a Bete-Car. Este local não pode ser identi­ ficado, mas visto que está associado a Sem (Jeshanah ou el-Burj)86, situada logo ao sul de Siló, devia localizar-se para o norte. Em todo caso, a batalha pôs fim à ocupação filistéia em Israel. A opressão de quarenta anos havia finalmente chegado ao fim. A referência à paz com os amorreus (1 Sm 7.14) significa que a vitória de Samuel sobre os filisteus ocasionou um período de paz e tranqüilidade entre as populações nativas da região mon­ tanhosa.87 Este feito de Samuel o marcou como juiz, o último de uma longa sucessão de líderes carismáticos que começara com Otniel. Porém, mesmo a jurisdição de Samuel era limitada, pois seu circuito ia de Betei a Gilgal, e desta para Mispa, uma área que não ultrapassava 32 quilô­ metros de extensão. Agora ele estava em constante movimento, mas periodicamente voltava a Ramá (i.e, Ramataim Zofim), local de sua re­ sidência. A era dos juízes estava abrindo caminho para a monarquia; dentro de trinta e cinco anos Samuel presidiria a coroação do primeiro rei em Israel. A trilo g ia d e B e lé m Antes de examinar a monarquia de Israel, é preciso atentar para a chamada trilogia de Belém - as três narrativas cujo cenário descreve o período dos juízes. São assim designadas porque a cidade de Belém figura proeminentemente em cada uma delas. De fato, as narrativas contêm outros temas e motivos em comum.88 Estaremos submetendo as três histórias a uma análisq detalhada porque representam melhor a narrativa da história escritaAÈlas dizem respeito a indivíduos em con­ texto mais ou menos particular, cujas identidades e atividades são ape­ sar de tudo inseparáveis, e cj^isivas para a compreensão da monar­ quia davídica que os seguiuVdk.elatos de eventos ocorridos na época dos juízes, foram eles incluídos no registro sagrado com o propósito de traçar as origens da dinastia davídica e justificar sua existência em opo­ sição à linhagem de Saul.

86 O texto massorético de 1 Samuel 7.12 diz hassen, mas a leitura preferida, baseada na Septuaginta, é haysanâ, Jeshanah. 87 R Kyle McCarter, Jr., I Samuel, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1980), p. 147. 88 Ver Eugene H. Merrill, "The Book of Ruth: Narration and Shared Themes," Bib Sac 142 (1985): 130-41.

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Mica e o levita A primeira narrativa descreve a história de Mica e o levita (Jz 17 -1 8 ).89 Parece que um abastado homem de Efraim, chamado Mica construiu uma casa de ídolos, instituindo seu próprio filho como sacerdote desse santuá­ rio pagão. Isto, segundo descreve o historiador, era característica daque­ les dias, quando "não havia rei em Israel" e "cada qual fazia o que parecia direito aos seus olhos" (Jz 17.6). Quando um levita de Belém passou pelo lugar à procura de emprego, Mica o persuadiu a servir como sacerdote em lugar de seu filho, que não era levita. Enquanto isso, a tribo de Dã, que não conseguia ocupar todo o territó­ rio herdado, enviou uma comitiva ao norte em busca de outro território. Pelo caminho, a delegação encontrou-se com o levita, solicitando-lhe in­ clusive um conselho a respeito de seu empreendimento. Satisfeitos, parti­ ram para Lais (Tel el-Qadi), cerca de 19 quilômetros ao norte do lago Hulé, e perceberam que os habitantes locais viviam vida pacata e desprotegida. O relatório da delegação encorajou os danitas a partir em massa para Lais. A caminho de Lais, seiscentos homens de Dã, incumbidos de vencer aquele povoado pacato, pararam para visitar Mica e insistiram para que o levita os acompanhasse, juntando-se a eles na condição de sacerdote de um novo centro religioso que construiriam em Lais. Chegando ao local, destruíram completamente a cidade e reedificaram-na com o nome de Dã. Somente neste ponto da narrativa o nome do levita é revelado - não era outro senão Jônatas, filho de Gérson, neto do próprio Moisés!90 Esta infor­ mação permite que o ambiente histórico seja mais precisamente definido. Gérson, filho de Moisés, deve ter morrido antes da conquista, como parte da geração rebelde. Jônatas tinha de estar com vinte anos ou menos em 1444 para que pudesse entrar na terra. Assim é bem provável que estives­ se com cinqüenta e oito anos no início da conquista, sendo portanto cha­ mado de "jovem" em Juízes 17.7. Apesar de ser este um termo impreciso, sem dúvida não pode ser aplicado a alguém acima de cinqüenta anos. E mais certo que ele fosse bem mais novo.91 De grande importância também “ Frank Anthony Spina, "The Dan Story Historically Reconsidered," JSOT 4 (1977): 60-71. O nun suspensum do Texto Massorético de Juízes 18.30 reflete apenas considerações apologéticas, e não pode derrubar a forte evidência de manuscritos que lêem "Moisés" em vez de "Manassés". Ver Moore, Judges, pp. 401-2. —■ Que Jônatas era muito mais novo é sugerido pela evidência de que Gérson nascera de Moisés e Zípora depois que estes tinham muitos anos de casados: ele fora circuncidado por sua mãe quando estavam a caminho do Egito, antes do êxodo (Ex 4.24-26). Não seria impróprio datar o seu nascimento em 1450. Neste caso, ele estaria entre aqueles

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é a referência em Juízes 18.1 ao fato de Dã ainda não haver tomado posse de sua herança. Por falta de paciência, a tribo decidiu seguir seu próprio caminho. Deve-se lembrar que o processo de alocação das tribos já havia terminado dentro de sete anos após o início da conquista (i.e., em 1399 ver p. 132). Ajornada de Dã até Lais não pode ter acontecido muito tempo depois disso. Os estudiosos geralmente entendem que a migração de Dã foi conseqüência de pressões exercidas pelos nativos da região, conforme sugerido em Juízes 1.34-36. É preciso observar a passagem de Josué 19.47, que rela­ ta que Dã tomou a cidade de Lais (Lesém), após ter sido o seu termo pe­ queno; Dã estava com dificuldades para ocupar seu território herdado. Em Juízes 18.8-13 esclarece que a tomada de Lais precedeu a ocupação do território original. A seqüência, então, mostra que uma parte da tribo, im­ paciente por não poder conquistar seu território, moveu-se para o norte (Lais) por conta própria; os danitas remanescentes ocuparam as cidades mencionadas em Josué 19.40-46. Destes danitas surgiu Sansão trezentos anos mais tarde. O levita e sua concubina A segunda história da trilogia é acerca de um levita de Efraim que to­ mara como concubina uma donzela natural de Belém (Jz 19-21).92 A cone­ xão Belém-Efraim é novamente posta em evidência; há obviamente uma deliberada intenção do autor em ambos os episódios. O levita obteve sua mulher em Belém (para onde ela havia fugido por razão desconhecida) e retornou a Efraim via Gibeá (Tel el-Füll), de Benjamim, onde encontrou abrigo e segurança na casa de um ancião. Infelizmente, a mulher foi vista por homens malignos de Gibeá, que a violentaram por toda uma noite, deixando-a morta à porta do homem que os hospedara tão gentilmente. O que obtiveram a graça de entrar em Canaã, já que devia ter menos de vinte anos (1444). Além disso, em 1399 ele estaria com cerca de cinqüenta anos, e seu filho Jônatas poderia ser facilmente descrito como um homem jovem. Embora o hebraico na'ar ("homem jo­ vem") possa também referir-se a um assistente ou ministro, em ambos os casos nunca dá o sentido de um velho ou ancião. Ver Aharoni, "Settlement of Canaan", em World History ofthe Jezvish People, vol. 3, p. 308, n. 15. 92 A historicidade desse relato é defendido por Malamat, "Period of the Judges," em World History ofthe Jezvish People, vol. 3, p. 161, que situa o ocorrido entre o juizado de Jefté e o ataque amonita contra Jabes-Gileade (1 Sm 11). Mesmo que essa data tão recente seja impossível (ver n. 95), Malamat corretamente chama a atenção para a ligação existente entre Benjamim e Jabes-Gileade.

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levita então expôs sua triste experiência aos anciãos de todo o Israel, pois haviam se reunido em Mispa. Então foram à cidade de Betei (Jz 20.18)93, onde buscaram a direção divina para agir.94 Visto que a concubina era oriunda de Belém, estabeleceu-se que os ho­ mens de Judá seriam os primeiros a atacar Benjamim. Depois de dois dias de atraso, os israelitas decidiram retirar-se para buscar o favor e a bênção de Deus através do sumo sacerdote Finéias, neto de Arão.95 No terceiro dia Israel prevaleceu sobre Benjamim, que quase foi aniquilada. Israel reu­ niu-se outra vez para discutir acerca da quase extinção da tribo. A resolu­ ção foi trazer muitas donzelas de Siló e Jabes Gileade, para servirem como esposas para cerca de seiscentos benjamitas sobreviventes, preservando assim a tribo. A referência a Jabes-Gileade não é sem propósito por parte do historia­ dor. A cidade era de certo modo o lar ancestral de Saul. Também está claro na narrativa que a mulher do benjamita sobrevivente, ancestral de Saul, veio ou de Siló ou de Jabes-Gileade. O interesse expressado por Saul na cidade de Jabes-Gileade parece demonstrar que suas origens remontam àquele lugar. Saul somente tornou-se rei depois que Jabes-Gileade foi cer­ cada pelos amonitas, e não a destruíram justamente por causa de sua in­ tervenção (1 Sm l l . l - l l ) . 96 Além disso, após a morte de Saul e a vergonha Tem sido sugerido que bêt-el aqui significa "local de Deus" (i.e., Mispa), e não aquela cidade com esse nome. Essa sugestão põe em evidência a necessidade de explicar o surgimento de Betei como um centro de culto, coisa que não tem comprovação neste período de Israel, exceto nessa narrativa. Portanto, as referências a Betei (Jz 20.18,26; 21.2) devem ser entendidas não como o nome de um lugar, mas como um "lugar santo", isto é, Mispa (ver Boling, Judges, p. 285). Embora Siló tenha sido o local escolhido para guardar o tabernáculo e a arca da aliança desde tempos antigos (Js 18.1), já não devia mais desfrutar do mesmo status pelo tempo da rebelião da tribo de Benjamim, um fato que está bastante claro tanto pela presença da arca em Mispa (Jz 20.18,23,26-28; 21.1-7) quanto pelo fato de que, aparentemente, a cidade de Siló já tinha caído em desfavor por essa época (Jz 21.12,19-23). Porém, alguns anos mais tarde, Siló readquiriu seu status de honra como o centro de culto da nação, conforme 1 Samuel 3-4. °4 Para um estudo que discorre acerca da função dessas reuniões, ver Hanoch Reviv, "The Pattern of the Pan-Tribal Assembly in the Old Testament," JNSL 8 (1980): 85-94. 45 Os eventos dessa narrativa, como aqueles da primeira, devem ser posicionados bem nos primórdios da era dos juízes. O neto de Moisés e um neto de Arão seriam contem­ ' porâneos de uma geração depois da conquista. * A dissecação dos bois feita por Saul é uma reminiscência do tratamento dado à concubina do levita, que fora brutalmente estuprada até a morte. Esse relato claramente liga o início do reinado de Saul com suas origens em Jabes-Gileade, e o acontecimento históri­ co referente à situação.

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diante dos habitantes de Bete-Seã, os homens de Jabes Gileade pegaram seu corpo e sepultaram-no em sua cidade (1 Sm 31.11-13), de onde Davi mais tarde o trouxe para sepultá-lo em Zela, cidade de Benjamim (2 Sm 21.12-14). A motivação para se incluir essa segunda narrativa da trilogia belemita é evidente. Reflete um mal aspecto dos benjamitas e, indiretamente, dos ancestrais que constituíram a dinastia de Saul. O sentimento pró-davídico parece cristalino para o historiador sagrado. A história de Rute: ligações patriarcais A terceira história, a de Rute,97 tem como personagem principal uma donzela moabita, embora a bênção (Rt 4.11-15) e a genealogia (Rt 4.17­ 22) no final mostrem claramente que o principal propósito do novelis­ ta98 foi traçar uma ancestralidade ligando o rei Davi à tribo de Judá e à cidade de Belém. Como nas duas histórias anteriores, houve um homem que partiu de Belém de Judá (Rt 1.1; cf. Jz 17.7,8; 19.1-10); mas enquanto os outros dois mancharam a reputação da cidade pelo comportamento, Elimeleque e sua família levantaram a sua moral. No livro de Rute vê-se que a cidade de Belém começa a se constituir no local ideal para o nasci­ mento do rei Davi. Na segunda história, os ancestrais de Saul, os benjamitas, tinham humilhado e desgraçado uma belemita, o que signi­ 97 A antiga tradição canônica entre os judeus tradicionalmente tem incluído e considera­ do o livro de Rute como livro dos Juízes, e tal raciocínio tem base nas fortes conside­ rações literárias e históricas. Seu autor coloca os acontecimentos no tempo "quando os juízes governavam" (Rt 1.1), e o cenário ainda está envolto nas duas últimas narra­ tivas do livro dos Juízes. (Enquanto as outras histórias são do princípio daquela era, Rute deve ser localizada no final do período, pois esta heroína está separada de Davi por apenas três gerações). Além disso, a acusação que comumente servia como um refrão por todo o livro dos Juízes - "Naqueles dias não havia rei em Israel: cada qual fazia o que achava mais reto" (jz 17.6; 18.1; 19.1; 21.25) - e que lançava toda aquela era em uma espécie de caos moral e apostasia da Lei, está sem dúvida refletida nas pala­ vras de abertura do livro de Rute - "Nos dias em que julgavam os juízes," ou seja, quando não havia um rei. 98 Críticos da forma desde a época de Herman Gunkel têm usado esse termo, que é sinôni­ mo de "história curta", para descrever o livro de Rute. Para defesa do termo, ver Edward F. Campbell, Jr., Ruth, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1975), pp. 3-6,21. Jack M. Sasson, contudo, prefere a classificação de "folclore" (Ruth: A New Translation with a Philological Commentary and a Formalist-Folklorist Interpretation [Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1979], p. 215), sendo o mesmo procedimento seguido por Oswald Loretz ("The Theme of the Ruth Story," CBQ 22 [1960]: 391-99).

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ficou para eles muita agonia e sofrimento futuros. Contudo, a cidade de Belém não apenas sobreviveu a essas crises, mas por fim produziu aque­ le que seria o sucessor de Saul, um homem segundo o coração de Deus. O papel da cidade de Belém nessas histórias jamais deve ser visto como de pouca importância. É bastante significativo que o livro de Rute não trace uma genealogia do rei Davi até os dias dos juízes. A seção genealógica, na verdade, inicia com Perez, filho de Judá (Rt 4.18); e a bênção de Boaz pelo povo de Belém explicitamente liga esta cidade (e, portanto, Davi) a Perez e Judá: O Senhor faça a esta mulher, que entra na tua casa, como a Raquel e como a Léia, que ambas edificaram a casa de Israel; e há-te já valorosam ente em Efrata, e faze-te nom e afamado em Belém. E seja a tua casa como a casa de Perez (que Tamá teve de Judá), da sem ente que o Senhor te der desta moça (Rt 4.11b-12).

Obviamente o uso dos sinônimos Efrata e Belém nessa passagem diz respeito a uma reminiscência da primeira justaposição dos dois nomes, que é vista na morte de Raquel e no nascimento de Benjamim (Gn 35.16­ 19). É possível que aquele incidente, em que Benjamim torna-se o moti­ vo da morte da mulher favorita de Jacó (Israel), em Belém, estivesse já antecipando o futuro conflito entre Saul e Davi, onde o benjamita (Saul) viria a se constituir no antagonista daquele que estaria ligado a Belém (Davi)? Seja como for, há outros antecedentes patriarcais para a narrati­ va Rute-Davi, que indubitavelmente trarão mais proveito e substância a este tema. Judá e Tamar Uma parte da bênção proferida a Boaz e a Rute era que esta família seria como "a casa de Perez (que Tamar teve de Judá)" (Rt 4.12). Deve-se lembrar que Tamar, como Rute, era uma estrangeira que havia se casado com alguém do povo da aliança (Gn 38.6). Quando seu marido Er (irmão mais velho de Judá) morreu, a lei do levirato passava a ser válida, e de fato o foi, e ela casou-se com o segundo filho, Onã. Mas esta alternativa legal não produziu qualquer fruto verdadeiramente útil. O resultado, é claro, foi a relação incestuosa entre Judá e Tamar, que culminou no nascimento dos gêmeos Perez e Zerá (Gn 38.24-30). A lei do levirato também está des­ crita na história de Rute (Rt 4.5), mas desta vez houve resultados bastante produtivos - Boaz suscitou descendência ao nome do falecido marido de

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Rute." As circunstâncias que produziram tais relacionamentos foram sur­ preendentemente parecidas. Sob um disfarce, Tamar seduziu seu sogro (Gn 38.14-16). Rute aproximou-se de Boaz escondida na escuridão da noite (Rt 3.6-14). Depois de saberem todos que Tamar estava grávida, Judá despediu-a diante do tribunal local, a fim de acusá-la formalmente de prostituição, para que também a conduzissem à morte. Mas, ao invés disto, ele mesmo foi envergonhado e condenado (Gn 38.24-26). Seme­ lhantemente, Boaz e Rute compareceram perante os anciãos para anun­ ciarem a redenção desta mulher e seu casamento imediato. Porém, na ocasião, o casal foi não só foi elogiado como também abençoado (Rt 4.1­ 12). Em cada um dos casos, o homem já era avançado em idade, mas ainda assim estava fértil o suficiente para ser pai de muitos outros filhos, embora as perspectivas para isto fossem definitívamente negativas. O que é mais significativo, é claro, é o fato de tanto Tamar quanto Rute terem filhos que constam da linhagem messiânica e davídica. Esse é o elo mais forte entre as duas histórias. A razão por que a Bíblia esforça-se para traçar uma linhagem da des­ cendência de Davi até Judá é encontrada em Gênesis 49.10, quando Jacó, no leito de morte, proferiu a seguinte bênção: O cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que venha Siló; e a ele obedecerão os povos. Fica bem claro, através de muitas passagens, que esta promessa foi re­ alizada em Davi, mas não é tão preciso quanto na história de Rute, parti­ cularmente na questão da genealogia. Seu primeiro nome é Perez, o filho ilegítimo de Judá e Tamar que afirmou seus direitos reais criando um ca­ minho (peres) para si mesmo (Gn 38.29). Ou seja, contrário a todas as ex-9 99 Instrutivos paralelos (e diferenças) entre as duas situações, ver em A. A. Anderson, "The Marriage of Ruth," JSS 23 (1978): 171-83. A problemática se a relação entre Rute e Boaz baseava-se na lei do levirato e/ou era uma espécie de casamento tipo go'el, não pode ser tratada aqui nesse momento. Ver especialmente a monografia de Donald A. Leggett, The Levirate and Goel Institutions in the Old Testament zvith Special Attention to the Book of Ruth (Cherry Hill, N.J.: Mack, 1974). Leggett defende persuasivamente a idéia de que o casamento de Rute era tanto do tipo go'el quanto levirato (ver esp. pp. 209-53). Mas isso não significa que go'el e levirato precisam sempre estar juntos; pelo menos é o que Jack M. Sasson procura defender em, "The Issue of Ge'ullah in Ruth," JSOT 5 (1978): 60-63.

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pectativas humanas, ele decidiu tomar a iniciativa de estabelecer-se na linhagem messiânica da promessa.100 Esse método de desviar-se da norma ou tradição comum é, na realida­ de, a maior característica dessa breve genealogia. O processo é repetido nas circunstâncias que permitiram a inserção de Boaz, visto que ele, con­ forme Mateus, era filho de Salmom com Raabe, a prostituta cananéia (Mt 1.5). Certamente o procedimento não apenas demonstrou ousadia, mas também provou ser completamente imprevisível, uma mudança no curso dos eventos. Judá tinha tido um filho de uma mulher, conhecida como uma prostituta em Canaã; seu descendente, Salmom, fez o mesmo W n uma outra prostituta cananéia que havia abraçado a fé javista. Pode-se dizer que até a escolha de Davi foi contrária à convenção, pois ele não era o filho mais velho de Jessé, senão o mais novo. Além dos limites da pró­ pria genealogia, é significativo o fato de o próprio filho d&.pavi, Salomão, filho de Bate-Seba, ter nascido de uma mulher que veio a ser a rainha sob circunstâncias bastante impróprias. Também ele não era o filho mais ve­ lho de Davi, não aquele que teria se tornado seu herdeiro de acordo com os padrões convencionais. Além disso, ele era filho de uma estrangeira, uma hitita. É evidente que o principal objetivo do escritor bíblico foi fazer uma conexão entre Judá e Tamar, por um lado, e Boaz e Rute, por outro. Essas ligações seriam o cumprimento da promessa feita a Judá na dinastia de Davi. Esses fatos não se cumpriram apenas para demonstrar afinidades entre as histórias de Tamar e Rute, mas também para que os contrastes mais fortes pudessem ser demonstrados. Os patriarcas e a monarquia O segundo propósito da história de Rute é servir de elo entre as eras patriarcais e a monarquia. O uso das genealogias no Antigo Testamento tem sido çuidadosamente estudado, e muitos resultados importantes têm brotado dessas pesquisas.101 Não menos significativo é o reconhecimento de que os patriarcas, representados por Perez, estão diretamente relacio­ nados com a verdadeira dinastia real de Israel, dinastia representada por 100A imagem é a de uma interdição violenta de seu irmão. Ver em John Skinner, A Criticai and Exegetical Commentary on Genesis (New York: Scribner,1910), pp. 455-56. 101Robert R. wilson, “The Old Testament Genealogies in Recent Research," JBL 94 (1975): 169-89; idem, Genealogy and History in the Biblical World (New Haven: Yale University Press, 1977); Marshal D. Johnson, The Purpose of Biblical Genealogies (Cambridge: Cambridge University Press, 1969).

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seu cabeça e protótipo messiânico, ou seja, Davi. Nesse contexto, chega a ser surpreendente o fato de Moisés nem sequer ser mencionado, o que leva a concluir que esta omissão era intencional porque o principal objeti­ vo era criar uma rápida ponte que ligasse os patriarcas à monarquia, sem tocar na linha divisória da completa experiência história e teológica de Israel: o êxodo e a aliança do Sinai. Ainda que este tema da aliança esteja um pouco fora de nosso alvo principal, é preciso observar pelo menos que a aliança feita através de Moisés era diferente das demais alianças descritas na Bíblia, com respei­ to aos aspectos da formalidade e funcionamento.102 Também é aceito que existem ligações e correspondências im portantes entre as alianças abraâmica e davídica, que são bem percebidas no livro de Rute. À medi­ da em que escreve, o narrador procura deixar claro que a dinastia de Davi não surgiu da aliança mosaica, mas, ao contrário, tem suas origens nas promessas feitas aos patriarcas. Israel, como servo de Yahweh, po­ deria cair ou se levantar, ser abençoado ou amaldiçoado, mas a dinastia de Davi permaneceria intacta para sempre, pois o próprio Deus decidira produzir através de Abraão uma linhagem de reis que se encaixariam na história de Israel, embora sua ramificação se estenderia além das fron­ teiras israelitas. Os reis (plural) prometidos a Abraão (Gn 17.6,16) fundi­ ram-se, mais especificamente, em uma só pessoa, por meio da qual o cetro real viria a brotar (Gn 49.10). O que brotaria de Judá exerceria além disso domínio sobre Moabe e Edom (Nm 24.17-19). Quando Samuel foi enviado a Belém para ungir o sucessor de Saul, foi-lhe dito que Yahweh já tinha se provido de um outro rei de entre os filhos de Jessé (1 Sm 16.1). A unção de Davi com óleo, acompanhada com a descida do Espírito San­ to sobre ele, confirmou não apenas a sua escolha dentre os filhos de Jessé, mas também o cumprimento de uma promessa feita aos patriarcas mui­ tos anos antes. A justaposição de unção e reinado é marcante em muitas passagens do Antigo Testamento, não apenas no Salmo 2. Embora este salmo seja anôni­ mo, há boas razões para vê-lo como uma das composições de Davi que confirmavam ser seu reinado de caráter messiânico, e também para mos­ 102A literatura nessa área é vasta, porém, quanto a esse assunto sugerimos especialmente Moshe Weinfeld, "The Covenant of Grant in the Old Testament and in the Ancient Near East," JAOS 90 (1970): 184-203; Delbert R. Hillers, Covenant: The History of a Biblical Idea (Baltimore: Johns Hopkins Press, 1969); e George E. Mendenhall, "Covenant Forms in Israelite Tradition," em The Biblical Archaeologist Reader, editado por Edward E Campbell Jr. e David Noel Freedman (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1970), vol. 3, pp. 25-53.

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trar sua posição como filho de Deus.103 O salmo 110 igualmente fala do reinado de Davi de maneira que transcende o mero ofício político, embora não seja a sua filiação o fator de maior ênfase aqui, mas seu sacerdócio.104 Digno de nota é sua ligação com Melquisedeque, um contemporâneo dos patriarcas que, mais uma vez, passa por cima de toda a instituição de cul­ to contida na aliança de Moisés. Davi funciona como rei e sacerdote, não em razão de qualquer relação com a nação israelita ou por virtude pró­ pria, mas porque ele permanece como um elo entre a promessa feita a Abraão e seu cumprimento. A ligação com os patriarcas é claramente vista na iniciação da aliança davídica (1 Cr 15-17). Depois de Davi preparar todas as estruturas para a acomodação da arca, e designar o pessoal especializado para cuidar do culto e de seu serviço como ministros, ele mesmo vestiu um éfode sacer­ dotal e trouxe a arca para seu novo local (lC r 15.25-28). Ele oficiou uma cerimônia de sacrifício (1 Cr 16.1-3), uma atitude que, da perspectiva aarónica, constituía-se numa verdadeira agressão, uma vez que o sacer­ dócio era vetado à tribo de Judá.105 Então, em meio à celebração do estabe­ lecimento da arca e trono, Davi canta um cântico de ações de graças (1 Cr 16.8-36), no qual faz uma referência direta à aliança abraâmica (vv. 15-17), mas com sabedoria evitou qualquer menção à aliança mosaica. Mesmo no relato da revelação da aliança com a dinastia de Davi e sua contrita res­ posta ao propósito, não há qualquer declaração explícita acerca da aliança mosaica, embora o tema de Israel como "o povo de Deus" e "a nação de Davi" permaneça em posição de destaque (1 Cr 17.7,9,22,24). Outra fato que chama a atenção é a associação que o evangelista, no Novo Testamento, faz entre os patriarcas e Davi, em que existe a dimen­ são extra do cumprimento da dinastia davídica na pessoa de Jesus Cristo. Mateus começa sua genealogia dizendo o seguinte: "Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão" (1.1). O objetivo é afirmar 103Ver Artur Weiser, The Psalms: A Commentary (Philadelphia: Westminster, 1962), pp. 110­ 14. 1[I4J.W. Bowker, "Psalm CX," VT 17 (1967): 36. 105Essa mesma questão é tratada pelo autor da epístola aos Hebreus, mostrando que o sacerdócio de Cristo é não-arônico (e, portanto, sem qualquer relação com a aliança mosaica), visto que Ele veio da tribo de Judá, embora seja assim mesmo superior aos sacerdotes da linhagem de Arão, já que seu sacerdócio provém da ordem de Melquise­ deque (Hb 7.11-17). Quanto ao sacerdócio Davi-Melquisedeque, ver Aubrey Johnson, Sacral Kíngship in Ancient Israel (Cardiff: University of Wales Press, 1955), pp. 27-46., que sem dúvida é uma apresentação bastante equilibrada e sadia, com exceção do que diz respeito aos aspectos de causas e origens.

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que o Messias tem suas raízes históricas em Abraão, e que veio como um rei da dinastia de Davi em resposta às promessas feitas aos patriarcas. Que essa era a esperança messiânica de Israel fica fácil provar, pois as multidões aclamaram a Jesus como seu Messias, quando este entrou triun­ fante em Jerusalém: "Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor!" (Mt 21.9). O próprio Jesus confirmou este sentimento quando, em resposta direta aos fariseus ali presentes, afirmou que ao iden­ tificar o Messias como o Filho de Davi, as multidões também confirma­ vam a anterioridade deste em relação ao próprio Davi, um ponto clara­ mente registrado no Salmo 110 (Mt 22.41-46). O mesmo salmo messiânico descreve o rei como um sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque. O autor de Hebreus trata bastante deste ponto e, embora em parte alguma mencione o rei Davi nessa conexão, fala do Senhor Jesus Cristo como sen­ do este sacerdote, exatamente como faz o salmo com respeito a Davi. Davi e Jesus Cristo, como sacerdotes da ordem de Melquisedeque, funciona­ vam fora da ordem estabelecida no sacerdócio mosaico, além de terem o escopo de seus sacerdócios numa perspectiva universal e muito mais abrangente, visto que em Hebreus 7.9,10 é dito que até mesmo Levi, que na ocasião ainda estava "nos lombos" de Abraão, pagou o dízimo a Mel­ quisedeque. Logo, a cadeia que liga Melquisedeque-Davi-Cristo não é de forma alguma interrompida pelo sacerdócio mosaico, assim como a ca­ deia real Abraão-Davi-Cristo também não é quebrada. O principal propó­ sito de Rute é estabelecer essa mesma continuidade, pelo menos entre Abraão e Davi. O papel da donzela moabita A terceira função do livro de Rute centraliza-se na própria Rute que, do ponto de vista da revelação e transmissão das verdades divinas, não po­ dia ser considerada um veículo apropriado para manifestar a realeza e sacerdócio messiânicos. Quando alguém procura entender o papel de Rute no processo, é fundamental não deixar de lado a questão da nacionalida­ de. Ela era moabita, filha de uma nação descendente de Moabe, filho de Ló com sua filha mais velha (Gn 19.37). Harold Fisch demonstrou recente­ mente que Ló havia se separado de Abraão, quebrando assim os laços familiares (Gn 13.11); do mesmo modo, Judá apartou-se de seus irmãos (Gn 38.1), e Elimeleque deixou a cidade de Belém e seu clã para empreen­ der uma viagem a Moabe (Rt 1.1).106 O desastre ocorreu em cada caso: a morte deixou ambas as mulheres viúvas. Em ambas as situações, além 106Harold Fisch, "Ruth and the Structure of Covenant History," VT 32 (1982): 429-32.

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disso, o problema de perpetuação da família foi resolvido por meio de um pai, ou a figura deste, embora tenha sido a mulher que dera início ao en­ contro, sempre de forma sutil. Amais notável conexão entre as histórias é o fato irônico de um descendente do teimoso Ló - a pura e nobre mulher chamada Rute - efetuar uma reunificação com o clã de Abraão, do qual anteriormente havia se separado. Ela foi então não apenas um elo vital na cadeia messiânica de Abraão a Davi (e finalmente Cristo), mas também um instrumento para unir o abismo entre Judá e Moabe, um típico paradigma da reconciliação que Deus deseja realizar entre as nações, re­ conciliação que irá cumprir as bênçãos patriarcais. Ao examinar a lista genealógica em Mateus 1, surpreende o fato de somente quatro mulheres terem sido ali mencionadas, sendo Rute uma delas.107 Dessas quatro, duas (Tamar e Raabe) eram cananéias, uma era moabita (Rute), e a outra, Bate-Seba, presumivelmente hitita. Sem dúvida elas exemplificam o princípio da soberana graça de Deus, que não apenas pode usar os estrangeiros (até mesmo o que não possui boa reputação) para realizar os seus propósitos eternos, como também se deleita em fazêlo. E ninguém ilustra tão bem este fato quanto a gentil e fiel Rute. No cumprimento da bênção profética, ela tornou-se "como a Raquel e como a Léia, que ambas edificaram a casa de Israel" (Rt 4.11).

ltl7Devemos prestar bastante atenção ao fato de as mulheres terem desempenhado um papel bastante significativo no ministério de Jesus, particularmente na ocasião de sua paixão e ressurreição (ver, e.g., Mt 26.6-13; 27.55,56; 28.1-8).

S A U L: A A L I A N Ç A C OMP R E E ND I D A

MAL

A exigência por um reinado A cronologia do século onze A escolha de Saul O primeiro encontro de Saul com Samuel O profetismo primitivo em Israel A unção de Saul O prim eiro desafio de Saul O declínio de Saul Desobediência em Gilgal A ira contra Jônatas Os inimigos de Saul Os estados arameus Os filisteus Os amalequitas Considerações teológicas A intenção divina para com um reinado humano Falta de entendimento de Saul para com a aliança: violação das prerrogativas sacerdotais O surgimento de Davi A unção de Davi Davi na corte de Saul Davi e Golias Davi e Jônatas A fu ga de Davi A conspiração de Saul Davi, o fora-da-lei O exílio de Davi na Filístia A morte de Saul

A e x ig ê n c ia p o r u m re in a d o O refrão do livro dos Juízes: "Naqueles dias não havia rei em Israel" (17.6; 18.1; 19.1; 21.25) foi finalmente traduzido pelo povo israelita em um forte clamor a Samuel: "...constitui-nos, pois, agora, um rei sobre nós, para que ele nos julgue, como o têm todas as nações" (1 Sm 8.5). Embora a reação esboçada por Samuel tenha sido negativa (v. 6), o problema não estava no desejo de possuir um rei, mas sim no espírito antiteocrático com que o pedido foi feito, e em sua prematuridade. Um reinado, longe de ser considerado antiético para o propósito de Deus para Israel,C^ra fundamental para se cumprir o plano da salva-

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ao

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ção.1 O homem foi criado segundo a imagem de Deus para que tivesse domínio "sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra". (Gn 1.26-28). Com este fim, o homem foi introduzido no jardim do Éden para exercer a autoridade sobre a criação e sobre todas as ou­ tras coisas. Abraão e Sara foram informados de que deles surgiriam reis (Gn 17.6,16), sendo a mesma promessa e aliança reafirmada a Jacó (Gn 35.11). No momento da bênção patriarcal, Jacó anunciou: "O cetro não se arredará de Judá, / nem o legislador dentre seus pés, / até que venha Siló; / e a ele se congregarão os povos" (Gn 49.10). Finalmente, em Deuteronômio 17.14-20 estão lançadas as regras para a monarquia que seria instaurada em Israel no tempo de Deus, seguindo os critérios divinos-^O rei devia ser um homem escolhido por Yahweh (v. 15), e í) deveria governar o povo de acordo com os princípios contidos na Torá (vv. 18-20). Então, a aparente tensão entre a atitude negativa de Samuel (1 Sm 8; 10.17-27) e seu apoio a Saul na época de sua escolha (1 Sm 9.1-10.16) não tem fundamento histórico.2 De fato, a contenda de Samuel não é por ad­ mitir um reinado em Israel, mas, como já dito, pelo caráter e espírito que norteavam a decisão do povo - "como o têm as nações" - e pela recusa em esperar que o próprio Deus fizesse a escolha. 1 A razão para a insistência do povo em possuir um rei é bastante óbvia. Samuel naquele tempo já era um homem velho, e seus dois filhos, a quem ele havia designado como juízes para sucedê-lo, eram venais e corruptos. Além disso, surgiam muitos perigos externos, vindos particularmente das

1 Walter C. Kaiser, Jr. Toward an Old Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1978), pp. 144-49; Claus Westermann, Elements o f Old Testament Theology (Atlanta: John Knox, 1982), pp. 108-9; Shemaryahu Talmon, "The Biblical Idea of Statehood," em The Bible World, editado por Gary Rendsburg et al. (New York: Ktav, 1980), p. 239. 2 Muitos críticos afirmam que a suposta tensão é resultado de narrativas paralelas conflitantes; ver, por exemplo, Siegfried Herrmann, A History of Israel in Old Testament Times, traduzido por John Bowden (Philadelphia: Fortress, 1975), pp. 131-37. Para ler um tratamento que rebate de forma convincente esses ataques que dizem haver tradi­ ções conflitantes no texto, ver J. Robert Vannoy, Covenant Renewal at Gilgal (Cherry Hill. N.J.: Mack, 1978), especialmente as páginas 197-239; também em Lyle Eslinger, "Viewpoints and Point of View in 1 Samuel 8-12," JSOT 26 (1983): 61-76. Um ponto de vista moderado, segundo o qual o "deuteronomista" integrou e harmonizou as tradi­ ções primitivas com o intuito de prover uma justificação para que a monarquia fosse introduzida em Israel, é proposto por Dennis J. McCarthy, "The Inauguration of Monarchy in Israel: A Form-critical Study of 1 Sam. 8-12," Interp. TJ (1973): 401-22.

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bandas dos arameus ao norte e dos amonitas ao oriente. Aquela época cla­ mava por um líder forte, que não fosse apenas um líder local, mas nacional, uma função que somente um rei poderia exercer. Por isso, Yahweh atendeu o pedido do povo; porém afirmou a Samuel que tal pedido era, na verdade, uma rejeição ao governo teocrático ideal, e que não era Samuel a pessoa que estava sendo desprezada. Uma vez que desejavam um rei como o tinham as demais nações, e não podiam mais esperar pelo escolhido de Yahweh, o pedido seria concedido para futuros sofrimentos.3 O rei escolhido criaria uma estrutura de autoridade que exigiria que seus jovens fossem alistados no exército à força, além de sobrecarregar o povo com um excessivo núme­ ro de impostos que os levariam a chorar e protestar em vão (1 Sm 8.11-18). Não obstante os alertas, o povo confirmou seu pedido, e iniciou toda a mo­ vimentação para o estabelecimento de Saul como rei. A c ro n o lo g ia d o s é c u lo o n ze Antes de considerarmos o reinado de Saul, é importante definir a cro­ nologia do século onze. A parte o período dos juízes, talvez não tenha havido uma outra era em Israel que tenha sido mais complexa a esse res­ peito do que o século onze. O ponto de partida será os reinados de Salomão e Davi, cujas datas fun­ damentam-se em dados precisos. Edwin Thiele definiu em sua magistral obra que a divisão do reino teve lugar em 931 a.C. Esta dada coincidiu com a morte de Salomão, que reinou por quarenta anos (1 Rs 11.42) e, portanto, deve ter sucedido Davi em 971. Davi, por sua vez, reinou por quarenta anos e meio (2 Sm 2.11; 5.5), tendo chegado ao poder em cerca de 1011.4 O maior problema diz respeito a duração do reino de Saul. Está claro que sua morte ocorreu no ano em que Davi começou a reinar em Hebrom (2 Sm 1.1; 2.1-4), ou seja, em 1011, embora o ano da ascensão de Saul seja desconhecido. O apóstolo Paulo, em discurso na sinagoga de Antioquia da Psídia, declarou que Saul reinara por quarenta anos (At 13.21). Isto dataria seu reinado no período de 1051 a 1011. A maioria dos estudiosos 3 Quanto a vontade permissiva de Deus, ver J. Barton Payne, "Saul and the Changing Will of God," Bib Sac 129 (1972): 321-25. 4 Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers of the Hebreu) Kings (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), pp. 51-52. O conflito entre marcar a coroação de Salomão no ano 971 e seu traba­ lho inicial no templo, o qual se sabe ter ocorrido em seu quarto ano, até 966, é mais aparente do que real. O assunto é muito complicado e fora de nosso objetivo para ser tratado aqui nesta obra. Basta dizer que existem vários métodos de registrar os anos de um reinado, e nem todos estão baseados estritamente no ano da ascensão.

S*.í l : A A liança M al C ompreendida

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rejeita esses números, e utilizam-se geralmente de argumentos em nada melhores que os comumente usados.5 Um exame acurado dos dados bí­ blicos levará a concluir que o número quarenta não foi uma criação de Paulo, nem uma tradição historicamente sem valor a que ele tenha re­ corrido. Na verdade, esse número é parte essencial do texto. Infelizmente, onde se poderia encontrar a fórmula comum que caracte­ rizava a duração do reinado de um rei - 1 Samuel 13.1 - existe uma cor­ rupção textual: "Saul tinha... :

Fora de questão, Davi sabia que Deus o tinha escolhido por sua exclu­ siva soberania, como um instrumento através do qual Ele traria as bên­ çãos temporais e eternas sobre o mundo. Preparativos para o templo O desejo de construir um templo para Yahweh resultou em benefícios inesperados para Davi. Não poderia cumprir o desejo de seu coração, mas Deus lhe construiria uma casa através da qual sua soberania encontraria expressão eterna e universal. Além disso, embora Davi não tivesse per­ missão para construir o templo, pelo menos possuía autorização para dar início aos preparativos da obra. O autor de 2 Samuel raramente dá pistas acerca dessa preparação, mas Crônicas, que é um livro particularmente interessado nas questões do culto, a menciona com muitos detalhes. O cronista deixa claro que os preparativos da construção somente ini­ ciaram depois da aquisição do campo de Araúna, um episódio que deve ter ocorrido pouco depois das rebeliões de Absalão e Seba. Isso exigiria uma data bem tarde no reinado de Davi, mas suficiente para acomodar o recrutamento de pessoal especializado, a compra de materiais e uma bre­ ve co-regência com Salomão. Uma data bem provável seria 973. Davi deu início ao projeto convocando todos os cortadores de pedras que viviam em Israel como estrangeiros, ordenando-lhes que preparas­ sem blocos de pedra com um corte perfeito, segundo as especificações (1 Cr 28.12). Isso só foi possível porque o Espírito de Deus já lhe tinha revela­ do todo o projeto e especificações necessárias detalhadamente (1 Cr 28.12). Ele também se incumbiu de buscar o ferro, o bronze e o cedro para a gran­ de construção. O próximo passo foi encarregar seu filho Salomão de completar o que ele podia apenas começar (1 Cr 22.6-13). Ele havia desejado construir o templo, mas Deus negou-lhe o privilégio, uma vez que era um homem de guerra. Mas seu filho Salomão (Selomoh), um homem de paz (salôm), seria o responsável pela construção. Seria o filho de Deus, conforme Yahweh tinha prometido na concessão real, e se assentaria no eterno trono de Davi (1 Cr 22.10). O rei Davi, ao sentir que havia chegado o tempo, advertiu Salomão de que fosse não apenas fiel à construção do templo, mas tam­ bém à Lei. Davi ordenou que todos os líderes de Israel cooperassem com seu filho Salomão (1 Cr 22.17). Deus tinha dado descanso ao povo em toda a terra, de forma que esta era a ocasião de construir o templo e colocar-lhe dentro a arca, como um sinal de que Deus habitava no meio de seu povo. Davi

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então firmou o pedido de honra e obediência a Salomão, fazendo-lhe seu co-regente, legitimando assim a autoridade de seu filho.58 Feito isso, Davi lembrou a seus oficiais as suas obrigações para com a aliança e o templo (1 Cr 28.1-8). Ele quisera construir o templo, Davi reite­ rou, mas não pôde porque era um homem de sangue. Porém Deus o havia escolhido para ser rei para todo o sempre, uma escolha tão antiga quanto a bênção das tribos pronunciada por Jacó. Então, dentre os seus filhos, Yahweh escolhera Salomão para sucedê-lo. Portanto, o mandato divino de Salomão era tão legítimo quanto o de Davi. Na presença de todos os oficiais reunidos, Davi procedeu em encarre­ gar Salomão da grande responsabilidade de reinar (1 Cr 28.20-21). Ele de­ veria ser fiel à Lei e a Yahweh. Esta fidelidade seria expressa em sua obe­ diência aos mínimos detalhes da construção, sobre os quais Davi tinha sido revelado e compartilhado com seu filho (1 Cr 28.11). O templo seria construído por mãos humanas, mas sua estrutura e dependências teriam de conformar-se com os desígnios do céu. A estrutura terrena seria um antítipo do que existia na mente de Deus, e cada detalhe serviria para comunicar algo de sua natureza e propósito. Nem mesmo o rei poderia usar sua imaginação ou criatividade nesse projeto tão santo.59 Quanto ao custo da obra, Davi afirmou que vinha acumulando metais e pedras preciosos no tesouro público (1 Cr 29.1-5). Esses objetos, provenien­ tes dos despojos militares e tributos pagos à nação, foram destinados espe­ cificamente para o serviço de Yahweh. Davi também colocou todos os seus bens à disposição da construção do templo, e desafiou seus oficiais a faze­ rem o mesmo. O resultado foi impressionante: juntos, os líderes deram 190 toneladas de ouro, 375 toneladas de prata, 675 toneladas de bronze, e 3750 toneladas de ferro, além de muitas pedras preciosas (1 Cr 29.6-9)! Finalmente, Davi encerrou a reunião cerimonial com uma oração de louvor e súplica (1 Cr 29.10-19). Exaltou ao Senhor por ser aquEle que 58 Que aqui temos, sem dúvida, uma solenidade de co-regênda, fica claro pelo fato que Davi, noutra ocasião mais à frente, refere-se a Salomão como sendo o escolhido de Deus (1 Cr 29.1) e que Salomão foi feito rei "pela segunda vez" (v. 22). Ver em Leon J. Wood, Israel’s United Monarchy (Grand Rapids: Baker, 1979), pp. 276-77; E. Ball, "The Co-Regency of David and Solomon (1 Kings 1)" VT 27 (1977): 268-79. 59 Tryggye N.D. Mettinger chega mesmo a dizer que o templo era "céu sobre a terra." Embora seus paralelos extraídos da antiga mitologia do Oriente Médio possam ser ques­ tionados, sua posição ao referir-se ao templo como a localização terrena de uma habita­ ção divina celestial não estaria longe da verdade ("YHWH SABAOTH - The Heavenly King of the Cherubim Throne," em Studies in the Period of David and Solomon, editado por Tomoo Ishida, pp. 119-23).

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concede todas as bênçãos, inclusive riquezas, e somente dEle os homens dependem para viver. O rei intercedeu pelo filho e pelo povo, a fim de que permanecessem fiéis e obedientes às exigências da aliança. Ao final da oração, o povo expressou seu compromisso, inclinando-se perante Yahweh e seu rei, o ungido. A s u c e ss ã o s a lo m ô n ic a Cerca de dois anos mais tarde, o jovem Salomão foi trazido diante do povo para a cerimônia pública de coroação. Salomão já havia sido desig­ nado como o sucessor pelo próprio Davi, mas era necessário que sua pos­ se fosse solenizada e ratificada. Um procedimento semelhante havia ocor­ rido com Saul e Davi. Haviam sido escolhidos particularmente em uma ocasião, e investidos da autoridade diante do povo em outra. O cronista diz que Salomão estava sendo reconhecido como rei pela segunda vez, e agora era ungido diante de Yahweh (1 Cr 29.22b). Foi ordenado que todos, o povo e os oficiais, prometessem obediência e submissão ao novo rei, incluindo os próprios filhos de Davi (1 Cr 29.23,24). A impressão comunicada pelo cronista é que a transferência de poder de Davi para Salomão ocorreu tranqüilamente e sem qualquer oposição. Mas este não foi o caso, como o escritor de 1 Reis esclarece. O cronista normalmente estava interessado em resultados básicos, não nas circuns­ tâncias ou ações pelos quais se concretizavam. Isto é verdadeiro especial­ mente em relação à área política, pois o cronista preocupava-se primaria­ mente com as questões do templo e do culto. Segundo alguns estudiosos, os primeiros dois capítulos de 1 Reis estão ligados à sucessão da narrativa de 2 Samuel 9-20, porque a ordem da nar­ rativa fica sem sentido sem essa conexão.60 O cenário inicial de 1 Reis 1-2 são os últimos dias do rei Davi, com ênfase nos dias entre a co-regência de Salomão como sucessor (1 Cr 23.1) e a formalização de seu reinado, na cerimônia de coroação (1 Cr 29.22b-24). Agora, Davi estava velho e sem condições para conduzir os negócios do reino. Ele havia iniciado os pre­ parativos da construção do templo, adquirindo a mão-de-obra e os mate­ riais necessários. Também todos estavam cientes de que seu filho Salomão o substituiria no trono e concretizaria a obra de construção do templo. A notícia da escolha oficial de Salomão não agradou a todos, particu­ larmente a seu irmão Adonias, que pensava ter maior direito ao trono. Salomão, afinal, não era o filho mais velho, e pelo costume não poderia 60 Ishida, "Solomon's Succession", pp. 186-87.

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esperar suceder a seu pai. O mais velho, Amnom, havia sido assassinado por seu irmão Absalão. E este, o próximo herdeiro (Quileabe, o segundo mais velho, desapareceu de cena), morreu em uma rebelião fracassada. Adonias era o quarto filho de Davi e o mais velho sobrevivente. Salomão era quinze anos mais novo do que Adonias; além disso, era fruto de uma união no mínimo escandalosa. Apesar disso, Salomão foi amado por Yahweh desde seu nascimento (2 Sm 12.24), e ficou claro para Davi desde aquele tempo que Salomão reinaria em seu lugar (1 Cr 22.9-10). Quando se tornou óbvio para Adonias e os seus seguidores que Davi tornaria pública a escolha oficial de Salomão, imediatamente tomou me­ didas preventivas. Ajuntou um contingente militar, sem fazer evidente­ mente qualquer alarme, e alistou como conspiradores Joabe e Abiatar. Es­ tes, juntamente com os demais irmãos e outros oficiais, reuniram-se em En-Rogel (Bir Ayyub), próximo à junção dos vales do Quidrom e Hinom. Lá aclamaram Adonias como o novo rei (1 Rs 1.9,11,18). O profeta Natã descobriu a conspiração e, por meio de Bate-Seba, in­ formou a Davi o que estava acontecendo. Natã entrou na câmara real e confirmou todas as palavras de Bate-Seba, asseverando a Davi que qual­ quer hesitação em tomar uma atitude significaria que seus planos de fazer Salomão o rei seriam em vão, pois Adonias usurparia o trono. Assim, Davi convocou o sacerdote Zadoque e outros homens que ainda lhe eram leais, e imediatamente ordenou-lhes que tomassem providências para coroar Salomão em Giom, que ficava no vale do Quidrom, pouco ao norte de EnRogel. De acordo com as ordens de Davi, Zadoque, Natã e os outros oficiais escoltaram Salomão, que foi carregado na mula oficial do rei Davi até Giom, onde Zadoque formalmente o ungiu rei. O povo, embora reunido às pressas e talvez em pequeno número, reconheceu com alegria e sole­ nidade a liderança de Salomão, prometendo servi-lo (1 Rs 1.39,40; 1 Cr 29.22). Os sons da festividade e aclamação do rei Salomão chegaram aos ouvidos de Adonias e seus conspiradores, que ainda celebravam a coro­ ação de Adonias não muito distante daquele local. Naquele momento, um mensageiro foi até Adonias dizer-lhe que a conspiração havia fracas­ sado, pois Salomão tinha sido coroado com a sanção de Davi e da maio­ ria do povo. Os seguidores de Adonias fugiram enquanto ele próprio apegou-se ao altar no monte Sião em busca de refúgio contra a ira de Salomão. Porém o rei Salomão perdoou-lhe a terrível ofensa, e o convi­ dou para as festividades da sucessão. De acordo com o cronista, "todos os príncipes, os grandes e até todos os filhos do rei Davi prestaram ho­ menagens ao rei Salomão" (1 Cr 29.24).

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Pouco tempo após a coroação de Salomão, Davi morreu, na idade de setenta anos. O seu reinado durou quarenta anos - sete em Hebrom e trin­ ta e três em Jerusalém. O cronista declara que ele desfrutou de uma longa vida, com riquezas e honra, e que os detalhes de seu reino podem ser acha­ dos nos registros de Samuel, Natã e Gade. Os registros de Samuel têm, é claro, sobrevivido nos livros canônicos de Samuel. As obras de Natã e Gade são mencionadas somente nos livros do cronista, e certamente serviram como principais fontes de informação não contidas em Samuel. A b u ro c ra c ia d a v íd ic a Militar Um estado amplo e importante como Israel requeria uma superestru­ tura administrativa e religiosa.61 De fato, já nos dias em que fugia de Saul, Davi começava a atrair pessoas ao seu redor, que conseqüentemente for­ maram o núcleo de seu governo. Por razões óbvias, esse grupo de seiscen­ tos (1 Sm 27.2) era essencialmente militar no princípio. No curso de seu exílio, Davi ganhou o apoio de Abiatar, filho de Aimeleque, o sacerdote. Abiatar serviria por muitos anos como capelão de Davi. Pouco se sabe dos sete anos em Hebrom, exceto que Joabe serviu como comandante militar, pelo menos extra-oficialmente. Depois de chegar a Je­ rusalém, Joabe foi confirmado na posição e manteve-a, não obstante os tem­ pos difíceis, até que veio a ascensão de Salomão, quando optou por seguir Adonias. Abiatar provavelmente continuou servindo na função de sacerdo­ te, embora como e com quais aparatos ele pôde oficiar os sacrifícios não seja conhecido. A família de Davi crescera bastante durante aqueles anos, em parte devido aos casamentos políticos de Davi. Assim ele estabelecia uma modesta relação internacional, mesmo durante o seu reino em Hebrom. Os seiscentos homens de Davi devem ter-se fortalecido após ele ser constituído rei de Judá, embora não haja informações específicas a respei­ to. O fato de Abner ter sentido necessidade de negociar com Davi, ao in­ vés de lhe fazer guerra, indica que Davi representava uma grande ameaça militar contra Israel. Deve-se lembrar, é claro, que os exércitos de Israel haviam sido dizimados em Gilboa pelos filisteus. Uma vez estabelecido como rei sobre todo o Israel, Davi foi capaz de derrotar os filisteus pelo menos por duas vezes em Refaim. 61 Para uma visão mais abrangente, ver S. Yievin, "Administration," World History of tbe ]ewish People, vol. 5, pp. 147-71.

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A unificação de Judá e Israel trouxe não apenas uma maior responsabi­ lidade para Davi, mas também a necessidade de criar estruturas adequa­ das a fim de possibilitar à nação recobrar-se dos traumas militares exter­ nos e dos conflitos internos. Com um pouco de unidade alcançada, Davi centralizou o governo em Jerusalém sem sacrificar as distinções e interes-' ses das tribos. Entretanto, estava ali, na melhor das hipóteses, uma frágil federação, pois até os últimos anos de Davi o rei precisou lutar contra a fragmentação, especialmente entre Judá e as tribos do norte. Mesmo as­ sim o sucesso de suas guerras contra os amonitas, arameus e outros atesta a sua habilidade de organizar a nação, ao menos sobre bases temporárias. O núcleo do exército de Davi permanecia constituído dos homens que o serviram no deserto. As tropas eram conduzidas por trinta chefes sobre os quais havia outros "três valentes" e Joabe (2 Sm 23.8-39). Enquanto es­ tava em Ziclague, juntaram-se a Davi certos parentes de Saul, bem como um número de gaditas e manassitas (1 Cr 12.1-22). Os homens aumenta­ ram em milhares desde que o pequeno rebanho ungira o rei em Hebrom. Muitas das tropas não eram regulares, mas convocadas segundo a neces­ sidade. Durante os períodos normais, vinte e quatro mil homens estavam de serviço a cada mês (1 Cr 27.1-15). Embora cada tribo tivesse seus oficiais superiores (vv. 16-22), não há indicação de que faziam parte da convoca­ ção mensal. Civil Além dos componentes militares, havia obviamente os oficiais civis que serviam nos vários departamentos do governo central. Esses incluíam um cronista, um escriba (ou secretário), conselheiros e outros oficiais cujas funções não são especificadas. Entre os mencionados por último estão os filhos de Davi (1 Cr 18.17). Os administradores menores estavam incum­ bidos dos armazéns, dos trabalhadores do campo, das vinhas e olivais e suas indústrias, dos sicômoros e figueiras, dos rebanhos de gado, came­ los, mulas e pequenos rebanhos (1 Cr 27.25-31). Isso implica a proprieda­ de real sobre as fontes de renda, bem como um forte controle sobre o setor privado. Religiosa A estrutura religiosa de Israel sob o comando de Davi era também alta­ mente organizada. Contudo, pode-se especular acerca da natureza do cul-

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to e de como se compunha o pessoal responsável pelo serviço antes da chegada da arca em Jerusalém. Abiatar, um descendente de Eli, era o sumo sacerdote nos tempos pré-Hebrom e nos anos em que Davi ali reinou, mas é obscuro a forma pela qual exerceu a função. Ele possuía a estola sacerdo­ tal, e por meio desta poderia saber a vontade de Deus, mas os sacrifícios do estado e outros serviços religiosos deveriam ser realizados em vários altos, particularmente em Gibeão, onde estava o tabernáculo de Moisés. Uma vez que Davi construiu seu próprio tabernáculo e nele pôs a arca da aliança, em Sião, apresentou uma hierarquia religiosa altamente sofis­ ticada para lá ministrar (1 Cr 23-26), enquanto traçava os planos para a construção do templo. Provavelmente, Davi continuou a exercer sua fun­ ção de sacerdote real. Abiatar e Zadoque serviam como sacerdotes arônicos na ocasião da transferência da arca para Jerusalém (1 Cr 15.11). Mais tarde o próprio Zadoque serviu no tabernáculo de Moisés em Gibeão (1 Cr 16.39,40). Contudo, lá permaneceu por apenas alguns anos, pois na época em que Absalão rebelou-se contra o seu pai, Zadoque já servia em Jerusa­ lém. Algum tempo depois, Abiatar aparentemente deixou as atividades sacerdotais, e seu filho Aimeleque exerceu a função (2 Sm 8.17; 1 Cr 18.16). Por alguma razão, Aimeleque desaparece de vista, e no momento da su­ cessão de Salomão, Abiatar aparece novamente como sacerdote, desta vez em oposição a Davi.62 O erro de Abiatar custou-lhe a posição de sacerdote, pois Salomão, ao tornar-se rei, o depôs, e fez permanecer apenas Zadoque. Assim o sacerdócio de Eli chegou ao fim, e o de Zadoque teve seu início formalizado. Os levitas participaram com os sacerdotes na relocação da arca. Até o momento não havia qualquer sinal de organização e distribuição de res­ ponsabilidades entre as várias famílias levitas. De fato, a falha em trazer a arca pela primeira vez é atribuída à falta de procedimentos levíticos apro­ priados (1 Cr 15.13). Portanto, Davi incumbiu alguns levitas de cuidar inin­ terruptamente da arca (1 Cr 16.4-6).63 Não está claro o que isto significava 62 P. Kyle McCarter, Jr., II Samuel, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1984), pp. 253-54, juntamente com outros estudiodos, sugere que 2 Samuel 8.17 está corrompido, devendo ser lido "Abiatar, filho de Aimeleque." Isto é pouco provável, já que em outra passagem Zadoque e Aimeleque são alistados como co-sacerdotes (1 Cr 24.3,31), e Aimeleque é identificado como um filho de Abiatar (1 Cr 24.6). Para uma forte defesa em favor de nosso ponto de vista, o de que Abiatar foi substituído por seu filho por um tempo e depois reapareceu em cena, ver Cari F. Keil e Franz Delitzch, Biblical Commentary on the Books of Samuel (Grand Rapids: Eerdmans, 1960 reedição), pp. 355-67. 63 Quanto a função dos sacerdotes, levitas e pessoal especializado do templo, no período de Davi, ver de Vaux, Ancient Israel, vol. 2, pp. 372-86.

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a respeito da adoração diária em Sião, pois o grande altar de bronze de Moisés ainda se encontrava em Gibeão. Pode-se deduzir que também fora construído um altar em Sião (após comprar a eira de Araúna, Davi ali construiu um altar), uma vez que a ministração diante da arca exigia sa­ crifícios (1 Cr 16.1,2). Com os planos para o templo e o culto mais elaborado, seria possível uma maior demarcação das responsabilidades levíticas. Davi fez uma con­ tagem e constatou que havia trinta e oito mil levitas da idade de trinta anos para cima. Desses, vinte e quatro mil foram designados para minis­ tros do templo, seis mil para oficiais e juízes, quatro mil para porteiros e quatro mil para músicos. Todos foram divididos por seus respectivos clãs - Gérson, Coate e Merari. Os sacerdotes foram organizados em vinte e quatro divisões determinadas pelo lançar de sortes; cada divisão tinha a sua vez no serviço do templo. Visto que os levitas serviam aos sacerdotes, foram divididos de forma semelhante (1 Cr 24.31). Próximo à morte de Davi, já havia um aparato político e religioso total­ mente estabelecido. As antigas distinções tribais ainda existiam, mas com Davi surgiu agora um sentimento de nacionalidade e unidade, em negóci­ os seculares e espirituais. Agora Israel era uma nação completa dentre as demais nações do mundo. Todos os ingredientes necessários à nacionali­ dade - exército, burocracia política e um culto centralizado - estavam bem estabelecidos. Agora dependia de Salomão construir sobre esse fundamento e fazer o povo de Deus transformar-se em um reino de sacerdotes por meio do qual Deus pudesse abençoar o mundo.

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Os problem as da transição O cojtceito de sucessão dinástica A deslealdade de joabe A deslealdade de Abiatar O fracasso da oposição contra Salomão O conclave em G ib elo Relações internacionais Israel e Tiro Israel e o Egito O s projetos de construção de Salomão O templo Construção e desenho A aparição do Senhor A oração de Salomão e a dedicação do templo O palácio real Outros projetos Rupturas no im pério de Salomão O princípio do declínio A independência de Edom Rezim de Damasco A rebelião de Jeroboão A forma de governo de Saiomão Quatro esferas de influência política A pátria As províncias Estados vassalos Estados aliados Administração interna Os distritos administrativos A política fiscal Comércio internacional Apostasia moral e espiritual Salom ão e a natureza da sabedoria

O s p ro b le m a s d a tra n siç ã o Ao chegar ao fim de sua vida, Davi via-se no momento de passar a monarquia que havia permitido a Israel um lugar entre as nações do mun­ do. Ele havia conseguido unir as tribos sem obliterar suas identidades; guardou as fronteiras da nação contra seus inimigos tradicionais; desen­ volveu relacionamentos internacionais com estados emergentes tais como os estados arameus, normaímeníe em uma posição superior; e estabeíe-

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ceu Jerusalém como o centro político e religioso da nação. Esta última con­ tribuição foi a mais importante de todas, pois simbolizava a fusão entre as tradições patriarcais e sinaíticas e a noção de monarquia humana divina­ mente estabelecida. Davi chegou ao entendimento de que era como um filho adotivo de Yahweh, que não apenas reinava sobre seu povo, mas também o representava. Ele conseguiu persuadir a nação desta verdade, e assim a preparou para assumir seu papel histórico e escatológico como a nação serva, por meio da qual os povos da terra buscariam a salvação. O conceito de sucessão dinástica Como já observado (pp. 296,297), a transferência de Davi para Salomão não procedeu sem obstáculos. A própria idéia de dinastia não era bem-vista por muitos israelitas. Além disso, para os que aceitavam a dinastia davídica, de acordo com as normas prevalecentes, o trono não pertencia a Salomão, mas a Adonias, por ser o filho mais velho. Esta opinião estava sendo tão fortemente sentida que, mesmo quando Davi tomou conhecido (bem antes de sua morte) que seu filho Salomão seria o sucessor real, houve uma tentativa de Adonias usurpar o trono. Embora o plano tenha fracassado, serviu para alertar Salomão dos perigos reais e potenciais que confrontavam a sua administração. As razões para o apoio dado a Adonias, especialmente pelos que ocu­ pavam posições estratégicas no reino, muitos deles fiéis amigos de Davi, não estão totalmente esclarecidas. Elas devem firmar-se além da tradição do filho mais velho como herdeiro dinástico, pois certamente a vontade expressa de Davi excedia em valor tal consideração. A causa não poderia ser a pessoa de Salomão, pois nada há no registro que o afete. Na realida­ de, o alvo da conspiração não era diretamente Salomão, mas Davi. Salomão apenas foi a pessoa que se colocou entre Adonias e o trono. A deslealdade de Joabe A solução mais plausível parece ser a vanglória pessoal e a ambição dos conspiradores. Adonias sentiu-se vítima de Davi por haver sido pre­ terido em favor de Salomão; então decidiu fazer ele mesmo justiça. Isso requeria alguns colaboradores, homens que compartilhavam da mesma ambição e eram semelhantemente frustrados. Não surpreende que Joabe fosse um deles. Joabe era sobrinho de Davi, filho de sua irmã Zeruia (1 Cr 2.16); havia ele se destacado pela sua lealdade a Davi desde os anos préHebrom. Por fim, assumiu o comando de todo o exército de Davi. Mas acabou cada vez mais sufocado com o que percebia ser uma atitude vaci­

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lante, ou no mínimo ambígua, de Davi a respeito de sua política diplomá­ tica e militar. Sempre que Joabe investia enérgica ou violentamente contra os inimigos de Davi, incluindo Abner e Absalão, o rei invariavelmente "oferecia a outra face" e buscava medidas mais amenas para resolver o . problema. Sem dúvida Joabe considerava isto uma fraqueza de Davi, e pode ser que a tenha percebido também no jovem Salomão. Uma motivação ainda maior foi que Joabe notou o desprestígio de sua posição nos planos de Davi. A responsabilidade pela morte de Absalão e insensibilidade para com o lamento de Davi fizeram com que fosse subs­ tituído, para sua humilhação, pelo seu primo Amassa, um homem que havia servido na mesma posição a Absalão! A fim de reaver sua posição, Joabe matou covardemente Amasa e, a partir daí, o relacionamento com Davi apenas piorou. Havia possibilidade de ser ainda mais rebaixado quan­ do o jovem Salomão ocupasse o trono. Nesse caso, ele decidiu seguir a rebelião disparada por Adonias na esperança de que o novo rei, ao assu­ mir o trono, o constituísse comandante no novo regime. A deslealdade de Abiatar



O segundo maior aliado de Adonias foi o sacerdote Abiatar que, como Joabe, havia estado com Davi em todos os piores momentos. Ele deixou o santuário em Nobe e juntou-se a Davi no deserto. Também teve o privilé­ gio de ministrar diante da arca no tabernáculo de Davi, enquanto seu cosacerdote Zadoque oficiava em Gibeão. O que então fez com que Abiatar abandonasse Davi e Salomão, juntando-se a um movimento rebelde co­ mandado por Adonias? A resposta certamente está nos mesmos motivos que impulsionaram a Joabe. Abiatar temia perder a influência e, talvez, ser substituído em seu ofício de sacerdote. Abiatar era descendente direto de Eli, um sacerdote aarônico da linha­ gem de Itamar (1 Cr 24.1-6)1 que seria encerrada por causa dos pecados dos filhos de Eli (1 Sm 2.30-36; cf. 1 Rs 2.27). Certamente Abiatar conhecia o julgamento e devia guardar-se constantemente contra a possibilidade

1 Quanto à defesa dessa genealogia, ver Eugene H. Merrill, "1 Chronicles," em The Bible Knowledge Commentary, editado por John E Walvoord e Roy B. Zuck (Wheaton, 111.: Victor, 1985), vol. 1, p. 613; Carl F. Keil e Franz Delitzsch, Biblical Commentary on the Books of Samuel (Grand Rapids: Eerdmans, 1960 reedição), pp. 39-40. Até mesmo Frank M. Cross admite que "o cronista traça a descendência de Zadoque ao sacerdote aronida Eleazar, e Abiatar ao sacerdote aronida It&max"(Canaanite Myth anã Hebrew Epic [Cambridge: Harvard University Press, 1973], p. 196).

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deste se cumprir em sua vida. Enquanto desfrutava o favor de Davi, pou­ co tinha a temer. Mas sua posição veio a tornar-se um tanto nublada nos últimos anos. Abiatar continuava como chefe dos sacerdotes, mesmo de­ pois de ter sido a arca levada para Jerusalém. Sentia-se, contudo, cada vez mais ameaçado pelo jovem sacerdote Zadoque. No registro bíblico, Zadoque aparece pela primeira vez quando Davi trazia a arca da casa de Obede-Edom (1 Cr 15.11). Muito tempo antes ele havia sido co-sacerdote com Abiatar, servindo primeiro em Gibeão, depois com a arca no monte Sião (2 Sm 15.24), até que por fim seu nome já precedia o de Abiatar quan­ do mencionados juntos (2 Sm 20.25). Porém, o que mais alarmava Abiatar era o fato de que a linhagem de Zadoque tinha origem em Eleazar, filho de Arão. Esta substituiria a linha­ gem de Abiatar algum dia. Não surpreende então que Abiatar tenha acha­ do prudente unir-se ao movimento pró-Adonias. Parecia-lhe inteiramente lógico que uma mudança no reino em favor de Salomão ocasionaria tam­ bém uma mudança no sacerdócio — Zadoque estaria dentro, e ele, fora. O passado de Zadoque como sacerdote é um mistério, embora 1 Crôni­ cas 16.39 revele que Davi deixou Zadoque "diante do tabernáculo do Se­ nhor, no alto que estava em Gibeão". Teria Zadoque servido lá anterior­ mente?2 Caso a resposta seja sim, é mais provável que tenha sido descen­ dente de uma família de sacerdotes lá instalada por Saul depois da atroci­ dade cometida em Nobe. E, se esta visão está correta, o próprio Saul, vol­ tando-se para os descendentes de Eleazar, em vez de voltar-se para os de Itamar, foi um instrumento para que a profecia de Samuel a respeito da nova sucessão sacerdotal fosse cumprida. Isto deve ter feito com que a convocação de Zadoque tenha sido mais ainda odiosa para Abiatar, pois este servia a Davi com toda lealdade desde os dias em que deixara Saul. A ascendência sacerdotal de Zadoque deve ter sido intolerável para Abiatar. O fra ca s s o d a o p o siç ã o c o n tra S a lo m ã o Mesmo com o apoio de tal influência, Adonias não conseguiu o seu objetivo. Zadoque, Benaia, Natã e outros fiéis servidores de Davi foram mais hábeis em suprimir seu maligno intento. Persuadiram Davi da rápi­ da coroação de Salomão antes que fosse muito tarde. Mas a aparente aqui­ escência de Adonias rapidamente deu outros sinais de deslealdade e insa­ tisfação. Davi advertiu Salomão a respeito, especialmente com referência 2 Roland de Vaux argumenta que este é o significado tencionado pelo cronista (Ancient Israel [New York: McGraw-Hill, 1965], vol. 2, pp. 373-74).

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a Joabe, e de fato aconselhou Salomão a fazer o que ele mesmo nunca havia determinado — punir Joabe pelos engenhosos assassinatos do pas­ sado (1 Rs 2.5,6). Salomão, entretanto, estava verdadeiramente interessa­ do em perdão e reconciliação. Uma punição com sangue logo no início de seu reinado poderia manchar a sua caracterização como homem de paz, e minar a moral que usufruía entre as tribos. Não passou muito tempo após a morte de Davi para que a oposição subterrânea contra Salomão começasse a emergir. Primeiro, Adonias pe­ diu a Bate-Seba, agora a rainha mãe, que lhe desse Abisague, concubina de Davi. Salomão entendeu imediatamente a intenção do pedido: "Pede também para ele o reino (porque é meu irmão maior)" (1 Rs 2.22). Adonias tentava incrementar sua autoridade política, e apoderar-se do harém real representaria transferir a autoridade real para suas mãos. Salomão, con­ vencido de que Adonias estava com seu espírito irreparável, ordenou que Benaia o executasse. Salomão também se convenceu da insatisfação de Abiatar, e determi­ nou que ele fosse confinado em sua cidade natal, em Anatote.3 Por fim, toda linhagem sacerdotal ficou exclusivamente com os descendentes de Eleazar. Joabe, ao ouvir acerca das decisões de Salomão, fugiu para salvar a vida e refugiou-se no grande altar em Sião. Depois de apelarem várias vezes para que saísse do santuário, Joabe, o instigador de assassinados brutais, foi morto por Benaia. Portanto, a vingança pelas mortes de Abner e Amasa finalmente se cumpriu. Benaia assumiu o lugar de Joabe como o comandante geral dos exércitos de Salomão. Embora Salomão eliminasse a ameaça de Adonias, seu apetite por vin­ gança havia apenas começado. Primeiro, mandou chamar Simei, parente de Saul que havia escarnecido de Davi em seu caminho para o exílio (2 Sm 16.5-8). Salomão o confinou em uma casa avisando-o de que se deixasse Jerusalém, morreria imediatamente. Três anos mais tarde, Simei deixou a cidade para pegar dois escravos fugitivos e foi imediatamente executado.

3 Nobe, provavelmente identificada com el-Tsãwíyeh, situava-se a menos de três quilô­ metros de Anatote, que sem dúvida é a Râs el-Kharrübeh. Ambas as cidades situavamse a menos de cinco quilômetros a nordeste de Jerusalém (Yohanan Aharoni e Michael Avi-Yonah, Macmillan Bible Atlas [New York: Macmillan, 1968], mapa 154). É provável que depois da queda de Siló como centro religioso, os sacerdotes da linhagem de Itamar (e de Eli) tenham residido em Anatote, mas fizeram da cidade de Nobe o local do tabernáculo. Ver Tryggve N.D. Mettinger, "YHWH SABAOTH - The Heavenly King on the Cherubim Throne," em Studies in the Period of David and Solomon and Other Essays, editado por Tomoo Ishida (Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns, 1983), p. 129.

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Em razão desses atos de vingança, não surpreende que o autor de Reis declare: "...assim foi confirmado o reino na mão de Salomão" (1 Reis 2.46). O c o n c la v e e m G ib e ã o A cronologia do reino de Salomão não apresenta dificuldades como a de Davi. Com exceção das passagens não narrativas, que se referem exclu­ sivamente a tópicos e temas, a ordem em 1 Reis e 2 Crônicas reflete o fluxo geral dos acontecimentos. Parece, entretanto, que a aliança política feita com Siamum do Egito (1 Rs 3.1) não aconteceu antes das negociações com os habitantes de Tiro para ajudá-lo na construção do templo. Isto deve ter sucedido ao momento em que Salomão pediu a Deus sabedoria, pois o rei de Tiro, Hirão, a reconheceu no filho de Davi (1 Rs 5.7). O cronista então está correto ao iniciar o relato do reinado de Salomão com o seu comparecimento em Gibeão. O motivo de Salomão preferir reu­ nir-se com o povo naquele local em vez de em Sião não está claro. Pode ser que, como sugere o cronista (2 Cr 1.1-6), o interesse de Salomão no mo­ mento estivesse mais no sacrifício ao Senhor do que na arca da aliança. Afinal, o grande altar de bronze em Gibeão era o altar original de Moisés; aquele que estava em Sião não desfrutava da mesma tradição.4 De qualquer forma, a decisão de Salomão de fazer o conclave em Gibeão não desagradou a Yahweh, pois foi ali que o Senhor lhe apareceu, conce­ dendo-lhe o desejo de seu coração — que ele obtivesse sabedoria para conduzir o povo. Em acréscimo, Yahweh lhe prometeu riquezas e honra incomparáveis. A oração de Salomão na ocasião é particularmente significativa, pois revela claramente sua percepção do papel que exercia como herdeiro na sucessão davídica. Ele via-se como o cumprimento da promessa divina a Davi (1 Rs 3.6), e como ocupante do trono de Davi em virtude da eleição eterna de Yahweh. Esses pensamentos serão ainda melhor trabalhados em sua oração quando da dedicação e consagração do templo.5

4 Em acréscimo, conforme Jacob M. Myers observa, Zadoque ainda estava associado com Gibeão, e pode ter insistido com Salomão para buscar Yahweh naquele local (II Chronicles, Anchor Bible [Garden City, N.Y.: Doubleday, 1965], p. 6). 5 Roddy L. Braun observa que o cronista começa todo seu relato de Salomão afirmando que ele tinha sido eleito por Deus para construir o templo (1 Cr 22. 28,29), como que esta tivesse sido a função mais importante em toda sua vida ("Solomon, the Chosen Temple Builder: The Significance of 1 Chronicler 22, 28 and 29 for the Theology of Chronicles," JBL 95 [1976]: 581-90). ”

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R e la çõ e s in te rn a c io n a is Israel e Tiro Pouco tempo depois da visitação de Deus, Salomão recebeu mensagei­ ros de Hirão, rei de Tiro, parabenizando-o por sua ascensão ao trono de Israel. Segundo 1 Reis 5.1, já por muitos anos Hirão vinha mantendo um relacionamento amigável com Davi. Sendo o monarca de um dos mais im­ portantes portos da época, o porto de Tiro, por volta de 980,6 Hirão foi con­ temporâneo de Davi por cerca de dez anos. Esteve envolvido nos progra­ mas de construção de Davi, de forma que Salomão, aproveitando-se da cor­ tesia e bom relacionamento entre os dois monarcas, o convidou a cooperar na construção do templo e em outros projetos públicos que tinha em mente. Hirão alegrou-se com a proposta, e sugeriu enviar a madeira a Jope, via mar, e de lá Salomão a transportaria para Jerusalém. Ele também enviaria artesãos para ajudar nas dificuldades da construção. Estes artesãos estariam sob a supervisão de Huram-Abi, um meio-israelita proficiente em todo tipo de habilidades manuais (2 Cr 2.13-14; cf. 1 Rs 7.13,14).7 Salomão supriria os celeiros de Hirão com grãos e outros gêne­ ros alimentícios em grandes quantidades. Quando todos os detalhes fo­ ram arranjados entre os dois monarcas, um contrato formal foi estabele­ cido (1 Rs 5.12).8 Israel e o Egito Pouco tempo entre a ascensão de Salomão e o início da construção do templo em seu quarto ano, fez-se um tratado entre Salomão e o faraó do

6 Ver p. 251. Michael B. Rowton, mesmo diminuindo as datas de Salomão e de Hirão em nove anos, mostra que há uma semelhança e concordância notável entre as fontes bíblicas e as fenícias quanto à data do templo ("The Date of the Founding of Solomon's Temple," BASOR 119 [1950]: 20-22). 7 Quanto à identificação de Huram-Abi, ver H. Jacob Katzenstein, The History of Tyre (Jerusalem: Schocken Institute for Jewish Research, 1973), p. 100. O autor do livro dos Reis o aponta como filho da viúva de Naftali, enquanto o cronista informa que ele era um danita. Sua mãe provavelmente era danita de nascimento e naftalita por residência ou vice-versa. Ver Eugene H. Merrill, "2 Chronicles," em Bible Knowledge Commentary, vol. 1, p. 621. 8 Está claro, pelo uso do termo técnico sãlôm ("relações pacíficas"), que esse contrato en­ volvia mais do que uma transação comercial. Ver John Gray, I & II Reis (Philadelphia: Westminster, 1970), p. 154.

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Egito. Este era Siamum, da 21a Dinastia, que reinou de 978 a 959. Embora Siamum estivesse basicamente preocupado com negócios internos, sabese que nutria algum interesse pela Palestina, conforme visto em alguns relevos que o ilustram em uma pose de vencedor sobre um grupo de pri­ sioneiros. Estes podem ser identificados como os filisteus, em razão de segurarem um machado duplo típico do Egeu e do oeste da Anatólia.9 Talvez estes filisteus tenham sido subjugados quando, segundo o registro em 1 Reis 9.16, faraó atacou e capturou a cidade de Gezer, incendiando-a e matando seus habitantes cananeus. A data dessa campanha anti-filisteus não é revelada. Já foi sugerido (pág.265) que, se Davi colaborou nessa cam­ panha, uma data pouco depois de 978 não seria improvável. Se, por outro lado, Davi não participou, a destruição de Gezer provavelmente ocorreu nos últimos anos de seu reinado, quando ele estava ocupado com outros problemas internos, como a praga que devastou milhares em conseqüência de ter ele levantado um censo.10 De qualquer forma, Siamum logo percebeu que Salomão estava se tor­ nando o monarca de um reino que lhe seria rival ou mesmo mais forte em poder e influência. Portanto, decidiu por uma política de bom relaciona­ mento e diplomacia com o jovem monarca, ainda que tivesse de reconhe­ cer que Salomão lhe era igual em poder.11 Isto se confirma pelo fato de entregar a sua própria filha como esposa a Salomão, uma concessão quase que sem paralelo em toda história egípcia, visto que representava o reco­ nhecimento da fraqueza do Egito e sua conciliação. Normalmente os reis do Egito tomavam princesas estrangeiras, mas jamais davam suas própri­ as filhas a outros reis.12

9 Pierre Montet, Egypt and the Bible (Philadelphia: Fortress, 1968), pp. 36-39. Contra essa interpretação do relevo de Tanis, ver Alberto R. Green, "Solomon and Siamum: A Synchronismo Between Dynastic Israel and the Twenty-first Dynasty of Egypt/' JBL 97 (1978): 363-64. Contudo, Green ainda considera Siamum como sogro de Salomão. 10 Abraham Malamat aceita que a conquista de Gezer possa ter precedido a total regência de Salomão ("A Political Look at the Kingdom of David and Solomon and Its Relations with Egypt," em Studies in the Period of David and Solomon, editado por Tomoo Ishida, p. 198). 11 O prestígio de Salomão era tão grande que as práticas de administração egípcias passa­ ram a ser feitas nos moldes das que eram praticadas em Israel. Ver Alberto R. Green, "Israelite Influence at Shishak's Court?" BASOR 233 (1979): 59-62. 12 Alan R. Schulman/'Dilomatic Marriage in the Egyptian New Kingdom,"/NES 38 (1979): 190-91. H. Darrell Lance sugere que Gezer pertencia ao Egito no início do reinado de Salomão e que um ataque malsucedido de Siamum contra Salomão permitiu com que a cidade ficasse sob a autoridade do monarca israelita. A "dádiva" da cidade como um

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A razão para este acordo pode estar baseada no medo que Siamum sentia quanto ao tratado existente entre Israel e Tiro, o que podia fazer Salomão voltar-se contra o Egito. Também há possibilidade de que o rei do Egito estivesse interessado em usar Salom ão como uma força neutralizadora contra os filisteus, pois eram inimigos do Egito e amea­ çavam-nos devido à posição fronteiriça que ocupavam ao nordeste. Po­ rém, o mais próximo da verdade é que Siamum conhecia muito bem as transformações militares que aconteciam na Assíria, e que tais modifica­ ções estavam criando um império ao oriente. Uma aliança com Salomão faria de Israel um estado tampão entre o Egito e a Assíria, e que se esten­ deria até o rio Eufrates. As preocupações com o poderio da Assíria eram bem fundadas. Cem anos antes, o rei assírio Tiglate-pileser I havia intimidado a Síria e a Fenícia o suficiente para fazer duras exigências ao Egito.13 E verdade que a Assíria havia entrado em um período de declínio, principalmente por causa das dificuldades com os arameus. Mas estava evidente que a Assíria se consti­ tuiria em uma séria ameaça para todo o mundo mediterrâneo oriental. Isto não se cumpriria nos anos de Salomão e Siamum, mas a possibilidade fez Israel e Egito entrarem em um acordo, pelo menos enquanto Salomão reinou sobre Israel. Como parte dos procedimentos legais do casamento, Faraó cedeu a cidade de Gezer como dote por sua filha. Gezer situava-se no caminho entre o porto de Jope e Jerusalém. Visto que os materiais enviados de Hirão para Salomão tinham de desembarcar naquele local, e que transi­ tavam sem qualquer obstáculo, conclui-se que Gezer estava sob o domí­ nio de Salomão na época da construção do templo. Duas considerações cronológicas precisam ser observadas a fim de datarmos o acordo entre Siamum e Salomão e o casamento envolvido. A construção do templo teve início em 966, no quarto ano de Salomão; este evento deve ter segui­ do a aquisição de Gezer por Salomão. Sabe-se também que a morte de Simei aconteceu em 967, o terceiro ano do reinado de Salomão (1 Rs 2.39). Esses e outros fatos testificaram a autoridade e controle de Salomão so­ bre seu reino (1 Rs 2.46), e provavelmente fizeram Siamum perceber o poderio do monarca de Israel.

dote foi, na verdade, um presente sobre o qual Siamum não tinha controle ("Gezer in the Land and in History," BA 30 [1967]: 34-47). 13 D.J. Wiseman, "Assyria and Babylonia c. 1200-1000 B.C.," em Cambridge Ancient History, 3a edição, editado por I.E.S. Edwards et al. (Cambridge: Cambridge University Press, 1975), vol. 2, parte 2, p. 461.

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O s p ro je to s d e c o n s tru ç ã o de S a lo m ã o O templo Construção e desenho Uma vez que Salomão obtinha um firme controle do reino, voltou-se para o extenso programa de construções, iniciando com a construção do templo. Davi já havia comprado a eira de Araúna — o local separado por Deus — e o rei ordenara que o terreno fosse totalmente limpo a fim de começar a obra. Ele também preparou os materiais da construção, particu­ larmente blocos de pedras trabalhadas e metais preciosos, e fez acordos com os fenícios para o fornecimento de madeira para construção. Tudo o que Salomão precisava fazer era reunir os materiais e construtores no mes­ mo local, e dar início à obra. Hirão foi informado de que tudo estava pronto, então começou o envio de madeiras para a construção, conforme havia prometido. Salomão en­ viou-lhe os gêneros alimentícios acordados e outros bens como forma de pagamento. Também foram convocados trinta mil cortadores de lenha para que mensalmente, em turnos de dez mil homens, fossem auxiliar os traba­ lhadores de Hirão no Líbano. Setenta mil carregadores foram destacados para o serviço, mais oito mil cortadores de pedras. Todos os trabalhadores foram supervisionados por três mil e trezentos homens que respondiam diretamente a Adonirão, o oficial encarregado dos trabalhadores forçados (1 Rs 5.13-18).14 Infelizmente, apesar da grande quantidade de informações nas fontes em relação às especificações e aparência do templo, é impossível reprodu­ zi-lo em detalhes.15 O estilo da construção se assemelha ao tabernáculo construído por Moisés e aos antigos templos do Oriente Médio em ge­ ral,16 mas além disso suas características têm de ser, em grande parte, fru­ to da imaginação estrutural, artística e arquitetônica, baseada nos dados esparsos e ininteligíveis do texto. Apesar disso, o templo era sem dúvida

14 Quanto ao sistema de trabalhos forçados em Israel, ver J. Alberto Soggin, “Compulsory Labor Under David and Solomon," em Studies in the Period of David and Solomon, edita­ do por Tomoo Ishida, pp. 259-67. 15 Para esforços na reprodução do templo, ver Carol L. Meyers, "The Elusive Temple," BA 45 (1982): 33-41; Mina C. Klein e Arthur Klein, Temple Beyond Time (New York: Van Nostrand Reinhold, 1970), pp. 35-49. 16 William F. Albright, Archaeology and the Religion of Israel (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1969), pp. 138-50.

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esplendoroso, um monumento impositivo da majestade e glória de Deus. A obra durou sete anos e certamente foi uma construção sem igual no mundo antigo do Oriente Médio. A aparição áo Senhor Quando o prédio estava terminado e sua mobília já instalada, manufa­ turada sob a supervisão de Huram-Abi, Salomão providenciou para que a arca da aliança fosse trazida do tabernáculo de Davi, no monte Sião, para seu novo local de habitação no monte Moriá (1 Rs 8.1-11).17 Com reverên­ cia, os anciãos, sacerdotes e o rei uniram-se em procissão com a arca da aliança, oferecendo muitos sacrifícios pelo caminho. Uma vez que a arca foi depositada no Santo dos Santos, atrás do véu, e os sacerdotes se retira­ ram do local, todo o prédio foi preenchido com a nuvem da presença de Yahweh. Este era um sinal de que Deus aprovara a obra de Davi e Salomão; este templo era o símbolo visível de sua residência entre o seu povo. Salomão respondeu a essa evidência da presença localizada de Deus comparando a forte passagem da nuvem com a divina possessão do tem­ plo. Naquele momento, sendo ele o mediador real e sacerdotal do povo, voltou-se para a multidão e a abençoou como havia feito seu pai, na oca­ sião em que a arca foi trazida para o tabernáculo em Sião. A bênção con­ sistia em reconhecer que a promessa de que o filho de Davi construiria o templo havia sido cumprida. Salomão demonstrou que nele se cumpria a expressão dinástica da aliança que Yahweh havia feito com seu pai (1 Rs 8.20). Agora sentava-se no trono de Davi, e como rei providenciara um local para que a arca da aliança, o símbolo do trabalho redentor de Deus para com seu povo, pudesse descansar. Assim ele liga a aliança mosaica, na qual um povo escravizado havia sido escolhido e libertado, à aliança davídica, em que um rei messiânico havia sido chamado para estabelecer uma linhagem que um dia reinaria sobre toda a terra.18 A oração de Salomão e a dedicação do templo A ligação dessas alianças apenas sugerida no momento em que Salomão abençoa o povo é melhor trabalhada em sua oração dedicató­ ria. Neste notável tratado teológico, Salomão primeiro celebra a singula­ ridade e incomparabilidade de Yahweh, o Deus que guardou sua aliança

17 Richard E. Friedman argumentou com firmeza que o próprio tabernáculo foi removido e colocado dentro do templo ("The Tabernacle in the Temple," BA 43 [1980]: 241-48). 18 Gray, I & II Kings, p. 213.

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com Davi e agora a confirmava em seu filho (1 Rs 8.22-26). O rei então reconhece a incapacidade do templo magnífico de abrigar o Soberano do céu e da terra. Porém, Deus permitiu-se localizar no templo, de for­ ma que as pessoas deveriam ir lá buscá-lo. Caso cometessem algum pe­ cado e conseqüentemente sofressem derrota, seca, pestilência ou mesmo cativeiro, deveriam, arrependidos, buscar Yahweh no templo, a fim de que fossem perdoados e restaurados. Yahweh assim faria, orou Salomão, porque eles eram o seu povo, a quem Ele havia resgatado do Egito como sua herança especial (vv. 27-53). Depois da oração, Salomão abençoou toda a multidão ali reunida. Lem­ brou-lhes de que a dedicação do templo era um sinal do cumprimento da promessa de Yahweh concedida por meio de Moisés. Ou seja, a sucessão dinástica e real de Davi e Salomão não era algo contrário aos propósitos de Deus; pelo contrário, era a extensão lógica e teológica daqueles propó­ sitos (vv. 54-61). Finalmente, como sacerdote real, Salomão oficiou o oferecimento de um imenso sacrifício a Yahweh.19 Proclamou que as festividades em Israel durariam catorze dias. Terminadas as comemorações, o povo voltou cada um para a sua casa, regozijando-se na bênção de Deus sobre seu rei e so­ bre toda a nação (vv. 62-66). O palácio real Depois de ser construído o templo, Salomão passou a construir o seu próprio palácio, uma obra que levou treze anos para ser concluída. Parece claro que os dois projetos foram realizados em seqüência, e não simultanea­ mente, pois embora 1 Reis 3.1 registre que Salomão construiu "seu palácio e o templo do Senhor," o historiador indica que foi preciso sete anos para a construção do templo (1 Rs 6.39), e treze para o palácio (1 Rs 7.1), soman­ do um total de vinte anos (1 Reis 9.10). O templo, então, foi terminado em cerca de 959 a.C., e o palácio depois de 946. A residência real era mais larga do que o templo, consistindo aparen­ temente de um edifício central maior, o Palácio da Floresta do Líbano, com alas ou estruturas geminadas, tais como a sala da Justiça e as de­

19 A real função de Salomão nos sacrifícios não está claramente definida, como foi no caso de Davi quando comandou a procissão trazendo a arca para Jerusalém (2 Sm 6), mas está claro, apesar disso, que Salomão está incumbido de alguns aspectos do culto. Ver Dennis J. McCarthy, "Compact and Kingship: Stimuli for Hebrew Covenant Thinking," em Studies in the Period of David and Solomon, editado por Tomoo Ishida, p. 81-82.

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pendências privadas de Salomão. Não é possível determinar como esses edifícios foram construídos um em relação ao outro, ou em relação ao templo, mas todo o complexo de prédios deve ter sido extremamente impressivo.20 Agora a nação de Israel começava a parecer com outros grandes reinos do mundo, se as construções públicas puderem servir como um tipo de barômetro. Por todo esse tempo a filha de Siamum morou em uma residência tem­ porária no monte Sião. Agora que o templo e o palácio estavam termina­ dos, Salomão construiu um palácio para sua esposa favorita, uma cons­ trução que se assemelhava à sala da Justiça e seus próprios quarteirões. O motivo por que ele a transferiu de Sião tem um significado — muralhas de proteção não foram previamente construídas em volta da nova parte da cidade onde estava localizado o templo (1 Rs 3.1; cf. 9.24) e, de um ponto de vista mais negativo, a permanência da mulher no palácio de Davi era uma afronta à sua santidade (2 Cr 8.11). O cronista registra a sensibilidade de Salomão quanto ao fato de ter uma esposa pagã no meio do povo da aliança.21 Outros projetos Embora nenhum dos outros projetos de construção de Salomão pos­ sam ser precisamente datados, é apropriado mencioná-los como um tributo à sua indústria e prosperidade doméstica, e ao seu domínio co­ mercial e político. Primeiro ele fortificou e alargou a cidade de Jerusa­ lém com uma muralha em forma de circunferência, que envolveu toda a cidade antiga (i.e., monte Sião ou a cidade de Davi), abrangendo tam­ bém o templo e os edifícios públicos situados ao norte de Ofel. A área media cerca de 99 quilômetros de norte para o sul, e vinte quilômetros do leste para o oeste. Para os padrões daquela parte do mundo, esta era uma cidade bastante significativa.22 Como parte do sistema de de­ fesa da cidade e nivelamento, Salomão construiu proteções em Milo (1 Rs 9.15,24; 11.27). Essa palavra, que literalmente significa "recheio", provavelmente refere-se às estruturas em forma de terraço que foram construídas nas encostas dos despenhadeiros de certas partes da cida­

20 David Ussishkin identifica pelo menos seis estruturas separadas, algumas das quais foram unidas em complexos ("King Solomon's Palaces," BA 36 [1973]:78-105). 21H. G. M. Williamson, I and 2 Chronicles, New Century Bible Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p. 231. 22 Kathleen Kenyon, Jerusalem (New York: McGraw-Hill, 1967), pp. 56-58.

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de.23 Isso facilitaria a construção de melhores muralhas para defesa e edifícios de vários tipos. Por fora da cidade, Salomão autorizou a reconstrução e fortificação de outras cidades, particularmente Hazor, Megido e Gezer (1 Rs 9.15).24 Este locais, estrategicamente localizados em rotas comerciais, serviam como cidades para armazenamento de suprimentos necessários e quartéis mili­ tares, pelos quais o rei exercia efetivo controle do território. Escavações feitas nesses locais têm fornecido abundante evidência do estilo das edificações no tempo de Salomão. Bete-Horom (Beit 'Ur et-Tahtã), situada pouco a noroeste de Gibeão e Baalate (Catra), e um pouco a sudoeste de Gezer, também foram reforçadas, principalmente porque precisavam pre­ venir-se contra os filisteus ou quaisquer outros que tentassem invadir pela planície costeira (1 Rs 9.17,18). Tamar ('Ain Husb), no Arabá, cerca de 40 quilômetros ao sul do mar Morto, guardava a fronteira ao sul.25 Postos avançados no exterior da cidade também receberam atenção espe­ cial. O livro dos Reis fala geralmente de locais "no Líbano e em toda terra do seu [Salomão] domínio" (1 Rs 9.19); o cronista especifica também que Salomão reconstruiu os locais que ganhara de Hirão, capturou e reconstruiu a cidade de Hamate Zobá (Hamã), no Orontes, e até mesmo restaurou e fortificou um importante oásis no deserto, chamado Tadmor (ou Palmyra), cerca de 225 quilômetros a noroeste de Damasco (2 Cr 8.2-6). Assim Salomão criou uma cadeia de posições defensivas que protegiam não apenas a cidade de Jerusa­ lém e Israel, mas também as principais rotas através de seu império. R u p tu ra s n o im p é rio de S a lo m ã o O controle de Salomão sobre um vasto número de cidades espalhadas pelo reino pressupõe o controle das nações e regiões nas quais as cidades 23 Ibid., pp. 50-51. Para uma visão contrária — que os terraços devem ser identificados com os "campos do vale do Quidron" (sadmôt qidrôn — 2 Rs 23.4) e não com Milo — ver Lawrence E. Stager, "The Archaeology of the East Slope of Jerusalem and the Terraces of the Kidron," JNES 41 (1982): 111-21. 24 Ver, respectivamente, Yigael Yadin, "Excavations at Hazor (1955-1958)," em The Biblical Archaeologist Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr., e David Noel Freedman (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1964), vol. 2, p. 199; Yadin, "New Light on Solomon's Megiddo," em The Biblical Archaeologist Reader, vol. 2, pp. 240-43; Yohanan Aharoni, "The Stratification of Israelite Megiddo," JNES 31 (1972): 302-11; William G. Dever, "Gezer Revisited," BA 47 (1984): 206-18. 25 Quanto às evidências arqueológicas das fortificações de Salomão no Negueve, ver Rudolph Cohen, "The Iron Age Fortresses in the Central Negev," BASOR 236 (199): 77-78.

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estavam localizadas.26 Isto não surpreende, uma vez que nas guerras con­ tra os amonitas Davi reduziu boa parte dos reinos da Síria e Transjordânia à condição de vassalos ou de província. E não há indicação de alguma mudança durante a fase depressiva do reinado de Davi. Certamente o im­ pério foi passado para Salomão intacto. Além disso, as alianças feitas por Davi com os estados amigos de seu reino, tais como Tiro, não só foram preservadas por Salomão como também fortalecidas. Além disso, é claro, ele cultivou importantes relacionamentos, como aquele com o Egito. O princípio do declínio Nos últimos anos de Salomão, o império começou a desintegrar-se ao re­ dor. Mesmo o antigo cisma entre Israel e Judá começou a ressurgir. A razão é explícita no registro bíblico: "Pelo que o Senhor se indignou contra Salomão, porquanto desviara o seu coração do Senhor Deus de Israel" (1 Rs 11.9). Espe­ cificamente, isto envolve pelo menos a tolerância da adoração idólatra, se não a promoção de um sincretismo religioso comandado pelo próprio rei. As muitas mulheres de Salomão, provavelmente adquiridas durante o curso das várias negociações, tratados internacionais e outras alianças, exigiram que ele lhes fizesse um local apropriado para os seus deuses. Nesse tortuoso caminho, Salomão construiu altares nos lugares altos e outras instalações de culto a fim de pacificá-las. Como conseqüência, o castigo de Yahweh levou à perda do império, um juízo que Salomão viu com seus próprios olhos. Mas, por amor a Davi, não estaria tudo perdido. Israel realmente se voltaria para Jeroboão, um dos oficiais chefes de Salomão, mas Judá e Jerusalém permaneceriam sob o domínio da casa de Davi para sempre. A independência de Edom A primeira ruptura na estrutura imperial de Salomão surgiu no leste do mar Morto, na província de Edom. Este reino orgulhoso havia sido tomado por Davi em algum tempo na primeira metade de seu reino, provavelmente em conexão com as guerras amonitas. No curso daquela conquista, Joabe implementou uma política de genocídio que destruiu a maior parte da população masculina. Mas um dos que compunham a família real, o príncipe Hadade, conseguiu escapar. Viajando pelo deser­ to, passando por Midiã e Parã, esse príncipe e seus seguidores chegaram ao Egito, onde encontraram refúgio, provavelmente sob a proteção do 26 John Bright, A Hístory o f Israel, 3a ed. (Phíladelphia: Westminster, 1981), p. 214.

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Faraó Amenemope (993-978).27 Hadade provavelmente não alcançou idade para se casar até o reinado de Siamum (978-959), e é provável que tenha se casado com a cunhada deste (1 Rs 11.19). Se isto estiver correto, percebe-se a ironia de Siamum ao dar sua filha como esposa a Salomão, e sua cunhada para Hadade, o maior inimigo de Israel. O retorno de Hadade para Edom deve ser datado bem no início do reinado de Salomão, porque, de acordo com o historiador sagrado, o que o incentivou a voltar foi a notícia das mortes de Davi e Joabe (1 Rs 11.21). Ele esperou o melhor momento por cerca de trinta anos, pois somente após Salomão envelhecer, Hadade, como outros adversários de Salomão, passou a reivindicar independência. A extensão reconquistada pelos edomitas não está clara,28 pois a próxima vez em que são mencionados (cerca de setenta e cinco anos depois) aparecem vivendo sob um fraco controle imposto por Jeosafá, rei de Judá (1 Rs 22.47). Rezim de Damasco A segunda fonte de dificuldades externas para o reinado de Salomão era Rezim de Damasco.29 Depois de Davi vencer Hadadezer, rei de Zobá, Rezim, que anteriormente era vassalo de Hadadezer, ganhou forças e estabeleceu seu próprio domínio em Damasco.30 Embora Damasco fosse, pelo menos teoricamente, uma província de Israel sob o comando de Salomão até o final de sua vida, fica claro que Rezim foi uma constante irritação durante todos esses anos. Finalmente ele ou seu sucessor, Tabrimmon, tirou a cidade de Damasco de sob o controle de Israel. Isso provavelmente ocorreu pouco depois da morte de Salomão e da divisão do reino. A rebelião de feroboão O terceiro instrumento registrado da punição de Yahweh foi um homem chamado Jeroboão, filho de Nebate, um dos mais confiáveis e importantes 27 Green, "Solomon and Siamum," JBL 97 (1978): 363, n. 49. 28 Pode ser que, conforme B. Oded, Hadade readquiriu o firme controle de Edom, mas não da região do Golfo de Acaba ("Neighbors on the East," em World Histoty of the Jewish People, vol. 4, parte 1, The Age of the Monarchies: Political History, editado por Abraham Malamat [Jerusalem: Massada, 1979], p. 254). 29 Para a sugestão de que Rezon é idêntico a Hezion, fundador da dinastia damascena, ver Merrill F. Unger, Israel and the Aramaeans of Damascus (Grand Rapids: Baker, 1980, reedição), p. 57. 30 Ibid., p. 54.

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oficiais da corte salomônica. O historiador informa que no processo de cons­ trução de Milo, em Jerusalém, Salomão encontrou-se com o jovem Jeroboão, o qual impressionou tanto ao rei por suas habilidades que rapidamente foi promovido ao cargo de supervisor dos trabalhadores no distrito de Efraim (1 Rs 11.27,28). Yahweh também havia notado Jeroboão. Quando Salomão começou com a apostasia, o profeta Aías, de Silo, um certo dia chamou Jeroboão à parte e disse-lhe que dez tribos de Israel se separariam do reina­ do de Davi e que ele, Jeroboão, havia sido escolhido por Yahweh para ser seu líder. Essas informações chegaram aos ouvidos de Salomão, e Jeroboão, embora aparentemente inocente de qualquer pretensão política, teve de fu­ gir para o Egito. O rei egípcio na ocasião era Shoshenq (945—924), da 22a Dinastia, conhecido por sua habilidade governamental, e que ainda causa­ ria sérios problemas a Judá e Israel cinco anos depois da morte de Salomão. Jeroboão ficou com Shoshenq até a morte de Salomão, voltando depois para tornar-se o primeiro rei do reino do norte de Israel. A fo rm a d e g o v e rn o de S a lo m ã o Quatro esferas de influência política A pátria Surge então a pergunta: pode o termo império ser aplicado à hegemonia israelita do décimo século?31 Se por "império" entende-se uma vasta exten­ são territorial, não. Mas, se o significado for uma relativa expansão territorial que impõe um domínio sobre países e povos, incorporando-os ao estado dominante, então os reinos de Davi e Salomão enquadram-se perfeitamen­ te na descrição.32 Porém, uma linha de raciocínio frutífera poderia conside­ rar as várias esferas de influência política que Davi e Salomão exerceram. A primeira é a própria terra. Israel, sob o domínio de Davi, conseguiu fazer a transição política de um agrupamento desunido e, muitas vezes, isolado uns dos outros, para uma nação definida, caracterizada por um forte gover­ no central, e uma presença diplomática e militar unificada entre as nações

31 Quanto aos termos descritivos para as várias fases do estado israelita e suas ramifica­ ções sócio-políticas, ver a obra de Malamat, "A Political Look," em Studies in the Period of David and Solomon, editado por Tomoo Ishida, pp. 192-97. 32 Um estudo que trata da profundidade do termo "império" foi feito por Carol L. Meyers, "The Israelite Empire: In Defense of King Solomon," Michigan Quarterly Review, 22 (1983): 415-16.

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do mundo. Mas Israel sob Davi e Salomão estava geograficamente coextensivo aos antigos territórios das tribos, ou seja, a nação ocupou ape­ nas aquela área que havia sido determinada para as tribos na época da con­ quista. Histórico e escatologicamente, o Antigo Testamento fala de um Isra­ el que se expandirá para além de suas fronteiras tribais, mas isso parece nunca ter sido o caso no período da monarquia unida. As províncias Sob o domínio de Salomão, Israel não incorporou formalmente, sob sua jurisdição, as terras que estavam fora de suas fronteiras tradicionais. Salomão herdou de Davi um complexo de províncias consistindo em rei­ nos e estados imediatamente contíguos a Israel. Esses incluíam Damasco, Amom, Moabe, Edom e outros principados menores. Como províncias, tais áreas não eram consideradas partes integrais da terra, mas, apesar disso, perdiam sua soberania nacional e ficavam sob o controle de Salomão, por meio de governadores ou outros subordinados. As províncias eram obrigadas a pagar tributos e taxas, e esperava-se delas que defendessem Israel contra as hostilidades externas. Em troca, podiam esperar a prote­ ção e os benefícios do governo central.33 Estados vassalos A terceira esfera de influência política, e a que melhor define o termo império, tornando-o aplicável ao Israel de Salomão, foi o complexo de esta­ dos vassalos mais distante e menos rígido. Essas nações clientes — inclu­ indo Zobá, Hamate, Arábia e possivelmente a Filístia — foram trazidas para debaixo do domínio de Israel por meio da diplomacia internacional ou mediante a força militar. Contudo, seja por um ou outro meio, tais esta­ dos vassalos possuíam certo grau de autonomia, incluindo governantes nativos e política fiscal interna. Eram obrigados a reconhecer a suserania do rei de Israel, providenciar os pagamentos das taxas de bens e serviços ao rei em datas definidas em um calendário e, acima de tudo, manter a lealdade ao governo central em quaisquer circunstâncias, especialmente em tempos de guerra. Salomão, o Grande Rei, responsabilizava-se por defender as áreas do seu império e fornecer apoio quando necessitassem.34 33 Albrecht Alt, Essays on Old TestamentHistory and Religion (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1968), pp. 284-97. 34 Detalhes sobre Salomão como o Grande Rei que exercia autoridade sobre um amplo sistema de estados vassalos são, na realidade, muito esparsos no registro bíblico, mas

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Estados aliados Finalmente, a política imperial de Salomão também incluía uma rede de tratados de mútuo benefício com potências próximas e mesmo distantes de seu reino, com quem ele se ligaria em termos de amizade e cooperativismo. Esses tratados reconheciam a igualdade das partes contratantes e normal­ mente continham provisões para mútua defesa, comércio, tráfego livre, ex­ tradição ou semelhantes. O melhor exemplo conhecido nas Escrituras é o re­ lacionamento entre Salomão e Hirão, rei de Tiro.35 Nenhum dos governantes estava subordinado ao outro, e as provisões acordadas beneficiariam ambas as partes. Tiro providenciou homens e materiais para os vultuosos projetos de construção de Salomão, ao passo que Israel enviou a Hirão navios cheios de alimentos. Mais tarde Salomão cedeu vinte cidades da Galiléia a Hirão. Embora Hirão não houvesse ficado satisfeito, pagou ainda assim 120 talentos de ouro por elas (1 Rs 9.10-14). Os fenícios — sem dúvida como uma expres­ são da validade de seu tratado — também supriram Israel com marinheiros para a marinha mercante israelita (1 Rs 9.26-28).36 No início de seu reinado Salomão também fez tal acordo com o Egito. O pacto foi ratificado pelo casamento de Salomão com a filha de Siamum e por seu dote: a cidade de Gezer. Não se sabe o que Salomão deu em retorno, embora possa ter sido não mais do que proteção à fronteira nordeste do Egito. O documento também continha cláusulas relativas ao comércio, pois Salomão comprou carruagens do Egito, as quais em seguida exportou para os hititas e reis arameus ao norte. Contudo, o tratado não devia ter uma cláusula a respeito de extradição, pois Jeroboão fugiu para o Egito e lá per­ maneceu em segurança até a morte de Salomão (1 Rs 11.40). Mas também é possível que naquele tempo as relações pacíficas entre Israel e Egito já tives­ sem sido rompidas. Certamente estavam nos últimos dias de Shoshenq, pois foi desferida uma forte invasão nos territórios de Judá e Israel. Administração interna Há pouca informação acerca de como se processava a administração imperial no dia-a-dia, mas o registro refere-se a uma organização e burotal relacionamento pode ser admitido sobre as bases de estruturas semelhantes no anti­ go Oriente Médio. Ver George E. Mendenhall, "Covenant Forms in Israelite Tradition," em The Biblícal Archaeologist Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr. e David Noel Freedman (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1970), vol. 3, pp. 28-32. 35 Dennis J. McCarthy, Old Testament Covenant (Atlanta: John Knox, 1972), p. 43. 36 Jack M. Sasson, "Canaanite Maritime Involvement in the Second Millenium B.C.," fAOS 86 (1966): 126-37.

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cracias em Israel.37 Quase simultaneamente à ascensão ao trono de Israel, Salomão teve de tomar medidas enérgicas para solidificar sua posição mediante várias decisões administrativas. Essas incluíram a substituição do sacerdote Abiatar pelo sacerdote Zadoque, e a escolha de Benaia para assumir o comando geral do exército. Entre os seus oficiais superiores es­ tão os secretários, o escrivão, o supervisor dos oficiais dos distritos, o con­ selheiro pessoal do rei, o chefe do pessoal que trabalhava no palácio, e o diretor dos trabalhos forçados. Os oficiais dos distritos eram, na verdade, governadores cujas jurisdi­ ções podem ser mais ou menos classificadas com o mesmo significado de áreas tribais. Cônscio da força da tradição, Salomão não combateu as dis­ tinções existentes entre uma tribo e outra, embora soubesse que a perma­ nência desses isolamentos apenas serviriam como obstáculos para o cres­ cimento de uma unidade, impedindo que Israel constituísse uma nação. A tarefa de Salomão era, sem dúvida, difícil, pois teria de desenvolver um sentimento de coletividade e nacionalidade, mediante a centralização do governo, sem com isso ofender os antigos ideais das tribos. A solução encontrada foi dividir a nação em doze distritos adminis­ trativos, preservando assim a identidade das tribos e, ao mesmo tempo, os doze meses do ano.38 Cada um dos distritos estava sob a supervisão de um governador (1 Rs 4.7-19) que se reportava diretam ente ao supervisor dos oficiais dos distritos. Cada distrito tinha a responsabili­ dade de prover os gêneros alimentícios para o governo central por um mês inteiro todos os anos. Quando havia a necessidade de se arregimentar soldados dentre as tribos, ou quando os projetos de construção civil exi­ giam um número maior de trabalhadores, havia uma convocação geral, provavelmente obedecendo a critérios de quantidade de população, sem estar relacionado à rotatividade anual. Por exemplo, quando Salomão recrutou 180.000 homens para seus projetos civis, ele os chamou dentre todos os que constituíam seu reino, sem levar em conta qualquer afiliação tribal (1 Rs 5.13-15). Entretanto, havia uma distinção entre os israelitas convocados para um serviço temporário e os não-israelitas que realizavam trabalhos forçados permanentemente (1 Rs 9.15-22). Estes eram os habitantes que sobraram

37 S. Yeivin, "Administration," em World History of the Jewish People, vol. 5, pp. 147-71. 38John Bright, "The Organization and Administration of the Israelite Empire," em Magnalia Dei, the Mighty Acts of God: Essays on the Bible and Archaeology in Memory of G. Ernest Wright, editado por Frank M. Cross et at. (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1976), pp. 193­ 208; de Vaux, Ancient Israel, vol. 1, pp. 133-36.

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das nações autóctones da terra de Canaã. Sem estarem sob o pacto da lei, não desfrutavam dos direitos de livres cidadãos do reino, e eram os pri­ meiros candidatos a todo tipo de trabalho requerido pelo rei. Os israelitas, por outro lado, serviam permanentemente apenas no serviço militar — talvez na reserva ou como profissionais — e como supervisores dos traba­ lhadores engajados nos projetos de construções civis.39 Os distritos administrativos Já se mencionou que os doze distritos correspondiam basicamente às áreas ocupadas pelas doze tribos, mas os limites são debatidos até hoje e não podem ser definidos. O historiador forneceu algumas informações; então é preciso esforçar-se para, pelo menos, ter uma idéia geral dos limi­ tes e de suas implicações na história de Israel.40 O primeiro dos distritos é conhecido como "a região montanhosa de Efraim" e pode ser considerado basicamente idêntico à tribo de Efraim. O segundo ficava a oeste de Judá e Benjamim, na região que original­ mente pertencia aos filhos de Dã. O terceiro distrito, "a terra de Hefer," estendia-se pela costa do Mediterrâneo entre Jope, na direção sul, e o Vadi Shihor, no norte. Portanto, sua situação geográfica correspondia ao oeste de Efraim e Manassés teoricamente, mas na prática esteve sob o controle cananeu até o tempo de Davi e Salomão. O quarto distrito abran­ gia toda planície costeira ao norte de Hefer, até que englobava o monte Carmelo. Essa região tinha sido parte de Manassés e Zebulom mas, como no caso de Hefer, permaneceu na maioria dos anos sob a dominação dos cananeus. O quinto distrito estendia-se irregularmente pelo Megido, no noroeste, até Bete-Seã, no leste, e Jokmeam, a sudeste. Este era essencial­ mente o lado mais ocidental de Manassés, com exceção das regiões cos­ teiras da tribo, que não foram incluídas. O sexto distrito, centralizado em Ramote-Gileade, era uma enorme área na Transjordânia que ocupava quase totalmente as terras entre os rios Jaboque e o Yarmuk, desde 16 quilômetros ao leste do Jordão até o interior dos vastos desertos orientais. Basicamente, pode-se dizer que esse distrito se comparava ao antigo lado oriental da tribo de Manassés. O sétimo dis­ trito também se situava na Transjordânia, correndo toda a extensão entre o mar de Quinerete e o mar Morto, ficando a oeste do reino dos amonitas. 39 Soggin, "Compulsory Labor Under David and Solomon," em Studies in the Period of David and Solomon, editado por Tomoo Ishida, p. 266. 40 Ver o interessante gráfico feito por de Vaux, Ancient Israel, vol. 1, p. 134.

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O oitavo estava para o norte e consistia na área original destinada à tribo de Naftali e no território conquistado pelos filhos de Dã. O nono distrito estava ao ocidente e incluía todo o território de Aser, e a parte de Zebulom não conquistada pelo quarto distrito. Foi deste nono distrito que Salomão cedeu algumas cidades para Hirão (1 Rs 9.11), tornando-se toda a costa ao norte do Carmelo um território fenício.41 O décimo distrito era virtualmente o mesmo da tribo de Issacar, estenden­ do-se para o vale de Jezreel, ao oriente, e para o norte de Bete-Seã. O décimo primeiro era coextensivo com Benjamim mas não incluiu a cida­ de de Jerusalém. O décimo segundo estava na Transjordânia, ao sul de Gileade e Amom, e ao norte do rio Arnom, fronteira com Moabe. Basica­ mente, este era o mesmo território de Rúben. Como é possível ver, os limites originais das tribos foram mantidos quando houve a distribuição dos distritos, embora houvesse novos distri­ tos sendo criados em áreas que haviam estado sob controle cananeu ou de outra força exterior. Vários outros aspectos dos distritos de Salomão pre­ cisam ser observados. Primeiro, nenhuma tentativa foi feita para incluir a Filístia no plano, embora Salomão tivesse poderio militar suficiente para conquistá-la e incorporá-la como parte de seu reino. E ele teria ampla base teológica para fazê-lo, porque a Filístia ficava exatamente nos limites da terra prometida aos patriarcas e a Moisés. Pode ter sido por razões práti­ cas que Salomão preferiu coexistir pacificamente com a Filístia a gastar suas energias e recursos para manter esse recalcitrante e ambicioso povo à força debaixo de seu controle.42 Segundo, é impossível não perceber o desaparecimento das tribos de Dã e Zebulom como entidades distintas. Não há como saber o motivo, mas parece que, no caso de Dã, o rei Salomão deliberou eliminá-la ou incorporá-la em Naftali, a fim de neutralizar a tendência ao paganismo que vinha caracterizando a tribo desde os primeiros dias dos juízes. O terceiro fato foi a transferência da faixa costeira de Aser de Israel para a Fenícia.43 A única explicação racional para isto é uma aparente ne­ cessidade de caixa da parte de Salomão. Após vinte anos de construções, 41 Quanto ao problema da fronteira geral entre Fenícia e Israel, assim como a transferência das cidades em particular, ver B. Oded, "Neighbors on the West," em World History of the Jeioish People, vol. 4, parte 1, pp. 234-35. 42 Oded, "Neighbors on the West," p. 239, é de opinião que a Filístia era, pelo menos, um estado tributário quando Salomão reinava em Israel. 43 Herbert Donner, "The Interdependence of Internai Affairs and Foreign Policy during the Davidic-Solomonic Period (with Special Regard to the Phoenician Coast)," em Studies in the Period ofDavid and Solomon, editado por Tomoo Ishida, pp. 207-8.

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faltou-lhe recursos financeiros para pagar toda a madeira e o ouro que Hirão e o rei da Fenícia haviam providenciado. Só o ouro avultava a 120 talentos. Hirão ficou insatisfeito com o negócio, mas parece que aceitou as cidades, pelo menos por pouco tempo. O mais notável de todo esse fato é que Judá e Jerusalém não foram incluídas no processo de designação dos distritos.44 Isto implica em que Jerusalém e seus arredores foram considerados um distrito federal isen­ to das obrigações determinadas para as demais tribos. Está claro que havia uma linha de demarcação entre Israel e Judá pelos comentários do historiador: "Judá e Israel eram tão numerosos quanto a areia da praia" (1 Rs 4.20) e "Judá e Israel habitavam seguros, cada um debaixo da sua videira, e debaixo da sua figueira" (1 Rs 4.25). A isenção de taxas, traba­ lhos forçados e outras obrigações pode ser compreendida à luz da ancestralidade judaítica de Salomão, mas também pode ter sido um fa­ tor decisivo que contribuiu para a divisão do reino.45 Quando Roboão, filho e sucessor de Salomão, decidiu aumentar ainda mais a carga do povo, ou seja, os serviços e impostos, ocasionou um clamor desesperado das tribos do norte: Que parte temos nós com Davi? Não há para nós heranças no filho de Jessé! As vossas tendas, ó Israel! Cuida agora da tua casa, ó Davi (1 Rs 12.16). E óbvio que as reclamações dos israelitas não se baseavam apenas no aumento de serviço ou impostos, mas também nos encargos discrimi­ natórios. O silêncio de Judá com respeito a essa opressão é uma evidência de que não eram vítimas.

44 Roland de Vaux, Ancient Israel, vol. 1, p. 136, sugere que Judá provavelmente está sendo mencionada em 1 Reis 4.19b ("o distrito"; cf. RSV: "E havia um oficial na terra de Judá"). Contudo, não há base para esta opinião, pois a designação de Judá, mencionada pelo historiador na época de Salomão pode perfeitamente estar associada às divisões feitas por Josué 15.21-62 muitos anos antes. 45 Simon J. De Vries sugere que havia um sistema, não registrado, de taxação e de alista­ mento para Judá — de outra forma teria havido, inevitavelmente, algum tipo de relato mencionando a insatisfação, inquietação e revolta (1 Kíngs, Word Biblical Commentary [Waco: Word, 1985], pp. 71-72). Mas este é precisamente o ponto! O tratamento discriminatório foi o principal motivo para a ruptura e divisão do reino. Ver J. Alberto Soggin, A History of Ancient Israel (Philadelphia: Westminster, 1984), pp. 82-83.

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revelou uma grande derrota. Em 479, Xerxes retornou do oeste e deixou no comando de suas tropas Mardonius, que foi finalmente derrotado na batalha de Platea. Parece claro que Ester se tornou rainha pouco tempo depois que Xerxes se retirou da Grécia. As derrotas de Xerxes podem ter suscitado uma conspiração contra si, um plano descoberto por Mardoqueu, o qual seria executado por dois oficiais do próprio palácio (Et 2.19-23). A atitude de Mardoqueu foi registrada nos anais da Pérsia e teria importância vital para que mais tarde ele pudesse ganhar o favor do rei. A necessidade de tal fa­ vor surgiu quando Xerxes promoveu Hamã a primeiro-ministro, e este ordenou que todos os oficiais se ajoelhassem em sua presença, mas Mardoqueu recusou-se a fazê-lo. Quando lhe perguntaram sobre o as­ sunto, Mardoqueu afirmou que o comportamento era contrário aos seus princípios como judeu. Enfurecido, Hamã decidiu eliminar não apenas Mardoqueu, mas também toda a comunidade judaica de Susã e em todo restante do império. Na ocasião, Xerxes já havia desistido de atacar os gregos, e buscava culpar alguém pelo seu fracasso. Aproveitando-se do episódio, Hamã sugeriu ao rei que os culpados poderiam ser os ju ­ deus; a idéia não pareceu mal aos olhos de Xerxes. Assim o decreto para a aniquilação dos judeus foi promulgado, e seria executado no décimo segundo ano de Xerxes, em 474. Durante esse intervalo, numa noite em seu palácio, o rei gastou parte de seu tempo lendo os arquivos da Pérsia que registravam os grandes feitos do reino. Então descobriu que o judeu Mardoqueu havia denuncia­ do a conspiração contra a vida do rei (Et 6.1-3). Percebeu ainda que nada havia sido feito para recompensar o ato. Então decidiu honrar Mardoqueu, fazendo-o um de seus oficiais superiores. Também declarou à rainha que fizesse qualquer pedido. Corajosamente, Ester revelou sua identidade ju­ daica e relatou ao rei tudo o que Hamã planejava contra Mardoqueu e o seu povo. Após tomar ciência de tudo, o rei ordenou a execução imediata de Hamã e emitiu um outro decreto concedendo direitos de defesa para os judeus de todo o império. Quando os oficiais de todas as províncias en­ tenderam que o próprio rei não era favorável à atitude de Hamã, suprimi­ ram toda campanha anti-semita. Por mais uma vez, o Deus de Israel es­ tendera seu poderoso braço em favor de seu povo. Para comemorar esta poderosa libertação, o povo instituiu a Festa do Purim, uma cerimônia que marcava o final do lamento e o início do júbilo (Et 9.26-28). Juntamente com as demais festividades mosaicas, esta festa também passaria a constar no calendário anual dos judeus, servindo como testemunho da fidelidade do Senhor.

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O u tro s re to rn o s p o s te rio re s : E s d ra s e N e e m ia s O problema da prioridade Passados dezesseis anos da instituição da Festa do Purim em Susã, Esdras, o sacerdote e escriba, empreendeu sua viagem de Babilônia para Jerusalém, liderando também um contingente de judeus que decidiram retornar para a terra santa. Ele especificamente data sua viagem no sétimo ano do rei Artaxerxes, ou seja, em 458 (Ed 7.8). O seu retorno contou não apenas com a permissão, mas também com um decreto do rei — o texto que Esdras deixou registrado — que dizia que toda prata e ouro que Esdras recebera do rei, de origem babilónica, poderiam ser usados no templo de Yahweh, na compra de animais para oferecer os sacrifícios prescritos na Lei, e que, para este fim, muitos judeus poderiam ser levados para se res­ ponsabilizarem pela compra dos animais. Caso as despesas fossem mais altas que o previsto, os cofres da Pérsia estariam abertos para o comple­ mento. Por fim, Esdras também recebeu autonomia para estabelecer ofici­ ais do governo por todas as satrapias estabelecidas além do Eufrates. Es­ ses seriam homens entendidos nos assuntos administrativos e que preser­ variam a Torá. Um problema que precisa ser tratado aqui é a identidade do Artaxerxes que promulgou o decreto. A data do retorno de Esdras e a seqüência cro­ nológica de Esdras e Neemias dependem da resposta a esse problema. Os eruditos tradicionais assumem que foi sob a administração de Artaxerxes I (464-424) que Esdras fez sua viagem para Jerusalém, e que Neemias foi beneficiado por este mesmo rei treze anos depois.14 As caravanas de Esdras partiram quando Artaxerxes estava em seu sétimo ano (458), e Neemias partiu em seu vigésimo ano (445). Uma visão alternativa propõe que quem retornou de fato para Jerusa­ lém em 445, sob os auspícios de Artaxerxes I, foi Neemias, e Esdras não viajou para a Palestina senão no sétimo ano de Artaxerxes II, que reinou de 404 a 358.15 Este ponto de vista tem sido aceito por muitos nos meios acadêmicos de ensino bíblico. O retomo de Esdras teria sido em 398, com uma vantagem cronológica de Neemias sobre Esdras de mais de quarenta

14 Uma discussão detalhada do problema pode ser vista em John Bright, A History of Israel, 3a edição (Philadelphia: Westminster, 1981), pp. 391-402. 15 Otto Eissfeldt, The Old Testament: An Introduction, traduzido por Peter R. Ackroyd (New York: Harper and Row, 1965), p. 554; Norman H. Snaith, "The Date of Ezra's Arrival in Jerusalem," ZAIN 63 (1951): 62-63.

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e cinco anos. Por outro lado, a posição de John Bright é de que Esdras chegou em 428, já que, segundo ele, o "sétimo ano" em Esdras 7.7,8 é um erro, pois deveria constar "trigésimo sétimo ano", uma opinião defendida sem muito fundamento.16 Há quatro grandes argumentos que vão de encontro ao ponto de vista tradicional: 1. Neemias voltou para Jerusalém para reedificar as muralhas; embora pareça que quando Esdras retornou, as muralhas estavam de pé.1718Porém, as palavras de Esdras — "... Deus, para restaurar as suas ruínas e para que nos desse um muro de segurança em Judá e em Jerusalém" (Ed 9.9b) — dificilmente podem ser entendidas literalmente, uma vez que não havia muros ao re­ dor de Judá. Além disso, Esdras emprega a palavra gader para "muralha", ao passo que a palavra comum para descrever as muralhas de Jerusalém é hômâN Contudo, há razão para se acreditar que havia algum tipo de mu­ ralha construída pouco antes da chegada de Neemias, já que ele está sur­ preso pelo fato de estarem destruídas (Ne 1.3,4).19 Por que ele ficaria sur­ preso ao descobrir, 140 anos depois do evento, que Nabucodonosor der­ rubara as muralhas da cidade? De fato, é inconcebível que Neemias des­ conhecesse o acontecimento. A muralha que ele menciona devia ser uma referida em seus dias. 2. Parece que Esdras e Neemias não faziam idéia da existência um do outro, e não há evidências de que foram contemporâneos. As três passagens em que eles aparecem juntos — Neemias 8.9; 12.26,36 — são simplesmente glosas posterio­ res.20 A última parte do argumento não possui qualquer base bíblica, e é um clássico exemplo de se tomar uma questão como provada. A primeira parte, então, perde completamente a sua força, uma vez que Neemias men­ ciona Esdras. O fato de Esdras não ter mencionado Neemias pode ser ex­ 16 Bright, History, p. 400. 17 Ibid., p. 393. 18 F. Charles Fensham, The Books of Ezra and Nehemiah, New International Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), pp. 130-31; I.H. Eybers, "Chronological Problems in Ezra-Nehemiah," Die Ou-Testamentiese Werkgemeenskap in Suid-Africa 19 (1979): 12. 19 Peter R. Ackroyd, Israel Under Babylon and Persia (London: Oxford University Press, 1970), pp. 174-75. Esdras 5.3 pode estar indicando que Zorobabel dera início à reconstrução da muralha. O significado do aramaico Tissarna é, por outro lado, pouco claro, embora a Vulgata e a Síríaca traduzam-na como "muralha". Ver Cari F. Keil, The Books of Ezra, Nehemiah, and Esther (Grand Rapids: Eerdmans, 1950 reedição), p. 27; Snaith, "Date of Ezra's Arrival," ZAW 63 (1951): 58-59; Eybers, "Chronological Problems," Die OuTestamentiese Werkgemeenskap in Suid-Africa 19 (1979): 10,12. 20 Eissfeldt, Old Testament, p. 552.

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plicado pelo fato de ele ter iniciado seu trabalho cerca de treze anos antes de Neemias chegar à Palestina. Além disso, era comum contemporâneos não mencionarem um o outro. Isto pode ser ilustrado por Ageu e Zacarias, Isaías e Miquéias, e outros. Tentando respeitar os textos em Neemias que se referem a Esdras, Bright admite que ambos foram contemporâneos, mas mantém que Neemias sur­ giu primeiro. Ele também propõe uma reorganização cronológica do ma­ terial histórico. Na interpretação tradicional, Esdras retornou para Jerusa­ lém em 458 (Ed 7—8). Quando ele foi informado de que muitos de seu povo haviam se casado com mulheres de outras culturas, raça e religião, conduziu o povo a uma confissão pública de pecados (Ed 9— 10). Em 445, depois de Neemias voltar e reconstruir as muralhas de Jerusalém, Esdras leu a lei para os israelitas (Ne 8), que se arrependeram de seus pecados e se comprometeram a guardar e cumprir a Lei (Ne 9— 10). Bright afirma que, uma vez que Esdras foi comissionado por Artaxerxes para ensinar a Lei (Ed 7.25), a leitura desta deve ter ocorrido logo após sua chegada. Além disso, "a sensibilidade do povo quando confrontado pelo sacerdote por causa dos casamentos mistos (Ed 10.1-4) e sua prontidão em conformar-se com a Lei (v.3) sugere que a leitura pública já havia sido feita".21 Bright então sugere que, logo que chegou à cidade em 428 (Ed 7—8; Ne 8), Esdras procedeu à leitura da Lei, e o povo confessou seus pecados, jurando obe­ diência aos preceitos contidos na aliança de Moisés (Ne 9— 10). A proposta de Bright seria bastante atrativa se não fosse o acréscimo do número "trinta" para os versículos 7 e 8 de Esdras 7. Sua opinião é que a passagem originalmente era lida como se Esdras viesse a Jerusalém no tri­ gésimo sétimo ano de Artaxerxes, em 428. Segundo essa cronologia, Neemias chegou primeiro, em 445, retornou para Susã em 433, e então, em seu retor­ no a Jerusalém poucos anos depois, encontrou com o sacerdote Esdras pela primeira vez. Porém, na busca de uma solução, deve-se achar outra manei­ ra de alcançá-la que não seja a manipulação arbitrária do texto. 3. Esdras parece ter tratado a questão dos casamentos mistos com mais severi­ dade do que Neemias. Argumenta-se que Neemias foi bastante leniente, exi­ gindo apenas que os pais não mais dessem seus filhos em casamento para estrangeiros (13.25), ao passo que Esdras ordenou que todos os casamen­ tos já efetuados fossem desfeitos (10.10-14).22 Entretanto, esta é uma tênue evidência. Se, conforme a visão tradicional mantém, a reforma de Esdras 21 Bright, History, p. 396. 22 J. Maxwell Miller e John H. Hayes, A History of Ancient Israel and Judah (Philadelphia: Westminster, 1986), pp. 473-74; Snaith, "Date of Ezra's Arrival," ZAW 63 (1951): 61.

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aconteceu em cerca de 457 e a de Neemias em 430, depois que voltou de Susã, os vinte e cinco anos que separam um do outro seriam tempo sufici­ ente para que os habitantes de Jerusalém e Judá se envolvessem nova­ mente no problema de casamentos mistos. Além disso, é arbitrário argu­ mentar que uma medida foi mais decisiva que a outra. Esdras e Neemias responderam a situações peculiares que enfrentaram com medidas apro­ priadas, conforme percebiam o problema.23 4. O sumo sacerdote contemporâneo de Neemias foi Eliasibe (Ne 3.1,20,21; 13.28), mas Esdras retirou-se para as câmaras de Joana, o filho de Eliasibe (Ed 10.6). Como Esdras poderia preceder Neemias se, segundo as Escrituras, ele viveu na época do filho do sacerdote que ministrava nos dias de Neemias?24 Este argumento surge de Neemias 12.10,11,22, onde a linha­ gem sacerdotal é listada como Jesua, Joiaquim, Eliasibe, Joiada, Jonatã (uma variação de Jeoanã, como também o é Joanã) e Jadua. Aqui está claro que Joanã é, na verdade, neto de Eliasie, não seu filho, tornando o problema ainda mais difícil de ser solucionado. Além disso, Joanã aparece no papiro de Elefantina como sumo sacerdote de Jerusalém no décimo sétimo ano de Dario II.25 Este seria o ano 407, cinqüenta anos após a data tradicional da chegada de Esdras em Jerusalém e de suas reformas. Portanto, ele deve ter retornado no sétimo ano de Artaxerxes II (ca. 398), e não no sétimo ano de Artaxerxes I. Em resposta, deve-se notar que o Eliasibe de Esdras 10.6 não é chama­ do de sacerdote, de forma que não pode ser o Eliasibe dos anos de Neemias.26 Também Joanã é filho de Eliasibe em Esdras, mas neto em Neemias. Josefo registra que este neto de Eliasibe matou seu próprio ir­ mão, Jesua, quando Bigvai, o sucessor de Neemias no governo, tentou estabelecê-lo como sumo sacerdote.27 E difícil crer que Esdras se sentisse confortável em repartir seu ministério com alguém de caráter tão corrom­ pido. Uma proposta atrativa para harmonizar as evidências é oferecida por Frank Cross, segundo a qual existe uma haplografia na genealogia sa­ cerdotal descrita em Neemias 12.28 Ele apresenta uma lista original em 23 Eybers, "Cronological Problems," Die Ou-Testamentiese Werkgemeenskap in Suid-Africa 19 (1979): 14. 24 Ackroyd, Israel Under Babylon and Pérsia, p. 193. 25 Miller e Hayes, History, p. 469. 26 Fensman, Ezra and Nehemiah, p. 136. 27 Frank M. Cross, "A Reconstruction of the Judean Restoration/' Interp. 29 (1975): 188-89 (publicada também no JBL 94 [1975]: 4-18). 28 Ibid., pp. 189-90.

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que constam dois Eliasibes e dois Joanãs, um par na época de Esdras e outro na de Neemias. O problema com esta teoria é que não há qualquer manuscrito que lhe sirva de apoio, sendo tida apenas como conjectura. Embora isto aliviasse o problema da seqüência de Esdras e Neemias, não é possível reconstruir textos baseando-se no que poderia apoiar uma hipótese histórica. De acordo com o exame desta evidência, parece claro que a visão cro­ nológica tradicional de que Esdras precedeu Neemias é a mais sensata. É claro que tem os seus problemas, mas provê uma estrutura confortável com a qual ambos os livros podem ser entendidos. Esdras: sacerdote e escriba Esdras recebeu permissão de Artaxerxes I para conduzir um grupo de exilados de volta a Jerusalém. Este rei autorizou Esdras a tomar qualquer decisão nas províncias além do Eufrates, o que incluía Judá. Será impor­ tante verificar se houve algum fator político que motivou Artaxerxes a assumir esta posição beneficente, pois é difícil crer que o rei agia por mo­ tivos puramente carismáticos. Já sugerimos que a neutralização da Liga Deliana, depois de 460, dei­ xou Artaxerxes livre para tratar com alguns assuntos mais próximos de sua terra. Ele deu ordens a Megabyzus — um oficial que havia subornado as autoridades de Esparta para guerrearem contra os atenienses, e que também fora governador de uma de suas satrapias, a da Síria — para con­ duzir os exércitos da Pérsia para o sul, da Cilicia para a grande guerra no Egito, os aliados dos atenienses. Depois de derrotar os exércitos atenienses em Prosopitus (uma ilha no Delta do Nilo), Megabyzus conseguiu subme­ ter todo o Egito em 456.29 As evidências mostram que, já por volta de 458, Artaxerxes considerou a província leal de Judá como um importante meio da ação disciplinadora contra o Egito.30 E qual seria a melhor maneira de efetuar isto senão concedendo a Esdras, um líder judeu popular e influen­ te, permissão para restabelecer a vida e cultura judaica naquela pequena terra tão crucial para o sucesso da Pérsia? Ao reunir a caravana que partiria para Jerusalém, no Canal Ahava, Esdras os conduziu ao jejum e oração, e distribuiu entre os sacerdotes lí­ deres e os levitas os tesouros que recebera do rei e da comunidade judaica 29 Olmstead, History, p. 308. 30 Carl Schultz, "The Political Tensions Reflected in Ezra-Nehemiah," em Scripture in Context, editado por Carl D. Evans et al. (Pittsburgh: Pickwick, 1980), pp. 233-34.

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(Ed 8.15-30). Quando chegaram à cidade, apresentaram ofertas queima­ das a Yahweh e deram início à reconstrução e restauração. O templo havia sido acabado cinqüenta e oito anos antes, mas desde aquele momento en­ trou em Judá um tempo de decadência moral e espiritual. Esdras viu-se forçado a tomar medidas para purificar a vida religiosa e social da jovem comunidade. O primeiro ponto a ser tratado foi o casamento entre judeus e pessoas de outras culturas. O sacerdote foi informado que o povo, sacerdotes e levitas tinham constituído família desta maneira, contradizendo os ensi­ nos na lei de Moisés. Tão aflito estava Esdras que chorou profundamente na presença do Senhor (Ed 9.3-15). Deus tinha sido fiel em preservar um pequeno rebanho, e trouxe-os do cativeiro e do exílio, evitando que a vida no estrangeiro destruísse o povo. Mas agora o sacerdote temia que este povo abençoado se afastasse de Deus e perdesse os privilégios como povo escolhido. Como fizeram seus antepassados, na época de Josué, quase mil anos antes, eles também se envolveram em alianças impuras com os po­ vos da terra. Se o Senhor não lhes perdoasse o pecado, não haveria espe­ rança de permanecer na terra como a nação de Deus. A resposta do povo resultou da angústia do sacerdote Esdras. Eles se arrependeram e os sacerdotes e demais líderes reafirmaram seu compro­ misso para com a aliança do Sinai (Ed 10.1-8). Três dias depois, todos os homens da nação estavam reunidos em Jerusalém e lá receberam instru­ ções para que dissolvessem aquelas uniões ilegais. Embora o relato não esclareça muito o assunto, o fato é que os culpados por terem assumido um relacionamento misto tiveram de divorciar-se de suas companheiras. Mas a necessidade de uma ação similar vinte e cinco anos mais tarde sob Neemias sugere exatamente o contrário. Neemias, o governador Nada mais está registrado acerca de Esdras e seu ministério depois de seu primeiro ano em Judá até que Neemias chegou, em 445, treze anos depois. Não resta dúvida de que esses anos foram bastante difíceis para Esdras, com respeito à administração interna e a incessante oposição dos samaritanos e outros povos. Os motivos que determinaram a ida de Neemias à Jerusalém são um testemunho claro e evidente dos problemas que Esdras enfrentava, e tudo o que Neemias lá encontrou apenas os con­ firma. Depois que Megabyzus, o governador da Síria, conseguiu subjugar os egípcios, tomou os comandantes da Grécia e do Egito e levou-os até Susã,

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prometendo não lhes fazer mal. Esta promessa foi sustentada por muitos anos, mas em 449, a viúva de Xerxes e rainha mãe, exigiu a execução de Amestris. Ao perceber que as exigências da mulher foram acatadas, Megabyzus enfureceu-se sobremaneira, fugiu de volta para a Síria e de lá declarou sua independência do governo persa. No início, por ter um forte contingente que o seguia, saiu-se vitorioso em duas guerras que os persas lhe fizeram, mas depois de conseguir apoio para suas causas, retornou a Susã e declarou-se novamente fiel ao rei da Pérsia.31 A relevância deste fato para a narrativa da viagem de Neemias rumo a Jerusalém é que a satrapia Siro-Palestina encontrava-se em situação extre­ mamente precária. O rei Artaxerxes sabia que o acontecimento poderia se tornar um modelo para futuras rebeliões nas províncias além do Eufrates, e que, se isto realmente acontecesse, os persas não teriam condições de reavê-las. Sem dúvida ele estaria disposto a tentar algo para consolidar sua liderança naquelas longínquas províncias. Quando Neemias se tor­ nou voluntário para voltar a Jerusalém, o rei viu a oportunidade para o cumprimento de seus desejos e projetos, pois seu copeiro sempre lhe tinha sido leal. Assim ele seria o elemento-chave para manter a harmonia e sub­ missão de Judá à administração persa. A presença de Neemias seria um instrumento de pacificação na região.32 Megabyzus rebelara-se em 449 e reafirmou sua lealdade em cerca de dois anos depois. De acordo com Neemias, ele pediu autorização para voltar a Jerusalém em 445, no vigésimo ano de Artaxerxes (2.1). Não seria errado supor que as condições nas regiões siro-palestinas estivessem caó­ ticas depois de 449, e que ali havia uma necessidade quase desesperadora de liderança. A situação de Judá era uma das mais difíceis, pois sofria rebeliões e contra-rebeliões, além de estar frequentemente sob ataques verbais, se não físicos, dos samaritanos e seus aliados. O relato acerca das muralhas quebradas de Jerusalém refletem, com toda certeza, os conflitos e devastações que a cidade sofrera durante esses anos. Neemias é uma das figuras mais inspiradoras da historia bíblica. Como foi nos dias da diáspora judaica, muitos jovens que ali residiam eram inte­ ligentes e capazes para assumir posições no governo persa. Neemias era um desses que, por suas habilidades, foi levado à posição de copeiro do rei.33 Para alguém exercer esta função era necessário haver uma confiança 31 Olmstead, History, pp. 312-13. 32 John M. Cook, The Persian Empire (New York: Schocken, 1983), p. 128. 33 Quanto ao verdadeiro significado da função de copeiro na corte persa, ver Olmstead, History, p. 217: "Depois de Xerxes vem o copeiro que, nos tempos acamenidas, exercia uma influência muito maior do que o próprio comandante-chefe do exército".

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mútua, pois o copeiro poderia ser subornado para derramar algum vene­ no no copo do rei ou fazer outra maldade semelhante. A despeito da in­ tensa fidelidade para com o rei, Neemias tinha uma fidelidade ainda mai­ or para com seu Deus. Embora jamais estivesse em Jerusalém, seu coração pertencia àquela cidade, e como Daniel ele deve ter orado todos os dias com a face voltada para Sião. Em 445, o irmão de Neemias, Hanani, e alguns de seus companheiros de viagem retornaram de Jerusalém (Ne 1.1-3). Não se sabe a natureza da via­ gem e nem se ele estava a serviço do rei, mas de qualquer forma eles relata­ ram a Neemias a desgraça e a tristeza que presenciaram em todos os cantos da cidade. Ao ouvir essas palavras, o coração de Neemias ficou completa­ mente pesaroso, de sorte que entrou imediatamente em jejum e oração por muitos dias. Ele lembrava ao Senhor as suas grandes e preciosas promessas de restauração. Também se humilhou pedindo ao Senhor que ele pudesse encontrar favor diante do rei, e depois disso fosse dispensado para viajar para Jerusalém na intenção de ser usado por Deus de alguma forma. Logo Artaxerxes notou no semblante de seu copeiro uma grande triste­ za e inquiriu dele o motivo. Após ser inteirado de todos os fatos que atri­ bulavam o espírito de Neemias, o rei autorizou a partida de seu copeiro para a cidade de Jerusalém e lhe deu cartas reais que garantiam acesso seguro por todas as províncias além do Eufrates, e patrocínio do governo persa para a reconstrução (Ne 2.7,8). Quando chegou à cidade, Neemias descobriu que a situação era bem pior do que imaginava. As muralhas e outras estruturas estavam tombadas em ruínas e os oficiais e administra­ dores de outros distritos foram radicalmente contrários à reconstrução. Um desses governadores, Sambalate, o Horonita, tem seu nome confir­ mado no papiro aramaico de Elefantina, onde está registrado que ele foi governador de Samaria no décimo sétimo ano de Dario II, ou seja, em 407.34 Visto que por esse tempo ele já tinha filhos adultos, provavelmente ele ha­ via sido governador quarenta anos antes. Tobias, governador de Amom, é menos conhecido.35 Gesém, o arábio, o terceiro principal antagonista, é visto nos registros extracanônicos. A fonte primária dessas informações é uma bacia de prata descoberta em 1947 em Tel el-Masskhütah, no Bai­ 34 H.L. Ginsberg, "Aramaic Letters," em James B. Pritchard, Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton University Press, 1955), p. 492; Porten, Archives, pp. 289-93. A família de Sambalate é bem conhecida nos papiros de Samaria; ver Frank M. Cross, "Papyri of the Fourth Century B.C. from Dâliyeh," em New Directions in Biblical Archaeology, editado por David Noel Freedman e Jonas C. Greenfield (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1971), pp. 47-48, 59-63. 35 Ver, porém, Benjamim Mazar, "The Tobiads," em IEJ 7 (1957): 137-45.

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xo Egito.36 Da mesma maneira que três outras bacias, esta contém uma ins­ crição dedicatória à deusa Han'-Ilat. Além disso está escrito em certa linha, "aquela que Qaynu, filho de Gasmu, rei de Quedar, trouxe como oferta para Han'-Ilat." Gasmu é o Gesém da Bíblia. Com base na característica lingua­ gem aramaica, na natureza da bacia e nas moedas atenienses descobertas no mesmo sítio, essa inscrição foi datada em 400. O motivo maior para esses antagonistas resistirem à obra de restaura­ ção da cidade não se concentrava necessariamente no culto a Yahweh. Se­ tenta e cinco anos antes do episódio, é verdade que as razões estavam diretamente relacionadas com o culto (Ed 5.3). Porém agora a resistência era contra o restabelecimento de mais um estado rival e poderoso dentre os demais daquela região. Certamente eles se uniram a Megabyzus em sua revolta contra a administração persa, e passaram a ver o governador Neemias como um líder a favor da dominação persa naquelas províncias, tornando-se uma espécie de vigia para o rei Artaxerxes. O próprio fato de eles se sentirem no direito de interferir nas reformas comandadas por Neemias é uma prova de que já havia uma certa independência desses povos para com o governo persa, especialmente depois de tomarem ciên­ cia do conteúdo da carta de autorização dada por Artaxerxes.37 Neemias não perdeu tempo: em três dias ele empreendeu uma grande pesquisa do perímetro exato da cidade para, com os números exatos à mão, poder determinar os passos necessários para a reconstrução dos muros. Imediatamente os líderes se aproximaram e se dispuseram a aju­ dar na tarefa, de maneira que a obra não tardou a começar. Depois de uma tentativa fracassada, Sambalate, Gesém e Tobias, que tentaram desestimular o povo escarnecendo da obra, partiram para uma tática diferente: argu­ mentaram sobre a deslealdade dos judeus para com o trono da Pérsia, mas isto foi em vão, pois a obra tinha sido autorizada pelo próprio rei. A medida que a construção chegava ao fim, os inimigos de Israel se desespe­ ravam, percebendo que a cidade ficaria novamente invulnerável à ação de exércitos estrangeiros. Para eles, tudo isso tinha dois significados básicos: os judeus automaticamente proclamariam sua independência dos persas, e depois buscariam o controle de toda a região, criando um reino redivivo de Davi, o que não estava distante das perspectivas dos profetas. Neemias teve de defender a obra contra todos esses ataques. 36 William J. Drumbrell, "The Tel el-Maskhuta Bowls and the 'Kingdom' of Qedar in the Persian Period," BASOR 203 (1971): 33-34. 37 J. Alberto Soggin, A History of Ancient Israel (Philadelphia: Westminster, 1984), pp. 272-74. ’ ’

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H istória de I srael \ o A.xtigo T esta mesto

Quando a tentativa de ridicularizar mostrou-se ineficaz, os adversários da construção atacaram de outra forma: tentaram conquistar a amizade de Neemias, oferecendo também seu apoio à reconstrução. Na verdade, havia um plano para assassinar Neemias. Os protagonistas da conspiração foram Sambalate e Gesém, que pediram para o governador encontrá-los em uma planície conhecida pelo nome de Ono (Kafr'Anã),38 cerca de dezesseis qui­ lômetros a leste de Jope.39 Por cinco vezes eles entraram em contato com Neemias. Na quinta vez o contato foi feito através de um documento oficial onde Sambalate, o grande adversário de Neemias, acusava o governador de manter em oculto ambições reais e que, no devido tempo, proclamaria sua independência de Artaxerxes (Ne 6.5-7). Na carta, Sambalate deixou transparecer que não revelaria essas coisas ao rei da Pérsia se, em troca, Neemias se dispusesse a encontrá-los para algumas negociações. Neemias imediatamente rejeitou a proposta, que seria uma maneira de afastá-lo da cidade para ser sumariamente executado. Mas as intrigas não tinham se esgotado. Um homem chamado Semaías, filho de Delaías, o quinto a ser alugado por Tobias e Sambalate, suplicou a Neemias que bus­ casse refúgio e proteção no templo, a fim de guardar sua vida contra al­ guns assassinos que tencionavam matá-lo (Ne 6.10-14). Neemias compre­ endeu que tal demonstração de covardia repercutiria negativamente en­ tre o povo e, logo em seguida, baixaria sensivelmente o moral dos traba­ lhadores, além de desacreditá-lo diante da nação. Por isso, Neemias não aceitou aquele conselho mortífero e, como homem de Deus, lançou-se pe­ rante a face do Senhor, buscando nEle refúgio e proteção. Passaram-se apenas cinqüenta e dois dias e as paredes foram termina­ das. O curso e extensão da área urbana não podem ser determinados hoje, em virtude da inacessibilidade arqueológica. Porém, o quadro que o livro de Neemias apresenta da cidade de Jerusalém sugere que era bem menor do que a Jerusalém anterior ao cativeiro.40 Somente depois que os macabeus alargaram-na, no segundo século a.C., pode-se dizer que a cidade chegou às mesmas dimensões de seus tempos antigos. Apesar de tudo, o término da reconstrução das muralhas de Jerusalém frustraram as perversas in­ tenções dos inimigos de Judá, os quais puderam constatar que a mão de Deus estivera em todo aquele negócio (Ne 6.16).

38 Yohanan Aharoni, The Land of the Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 440. 39 Esse era provavelmente considerado um lugar neutro, situado entre Asdode e Samaria, e também fora das fronteiras de Judá; ver Jacob M. Myers, Ezra-Nehemiah, Anchor Bible (Garden City, N.Y: Doubleday, 1965), p. 138. 40 Kathleen Kenyon, Jerusalem (New York: McGraw-Hill, 1967), p. 105-11.

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Depois de assegurar que a cidade já estava bem protegida, Neemias deu início à mais importante de todas as tarefas. Ele precisava agora reor­ ganizar toda a vida e administração pública e, acima de tudo, efetuar uma sólida e profunda reforma espiritual.41 Logo de início, ele designou que houvesse porteiros, cantores e outros que serviriam no santuário, além de estabelecer seu irmão, Hanani, como o prefeito da cidade. Então passou a tratar dos problemas econômicos da província (Ne 5.1-5). O profeta Ageu já havia tocado no ponto central do problema, ou seja, ele percebeu que as pessoas que tinham se restabelecido na terra preocupavam-se exclusiva­ mente com suas vidas, criando uma mentalidade puramente consumista, construindo habitações cada vez mais atrativas e confortáveis, ao passo que a casa de Deus permanecia em ruínas. Os pobres da terra também estavam sendo esquecidos (Ag 1.2-6). Esse mesmo espírito prevaleceu du­ rante os dias do sacerdote Esdras, e agora confrontava N eem ias. O proble­ ma tinha se exacerbado pela guerra civil instigada por Megabyzus e a cons­ tante interferência dos samaritanos e seus aliados. Certamente o novo cer­ co em Jerusalém durante as semanas de construção provocou instabilida­ de no povo, aumentando a miséria para muitos, pois o alimento estava em falta e os que o possuíam vendiam-no a preços exorbitantes'. Tudo isso provocou uma confusão na economia sem precedentes. Al­ guns judeus tiveram de hipotecar suas casas em troca de comida, e outros buscaram empréstimos com juros elevados na Pérsia. Muitos se viram in­ capazes, depois de algum tempo, de pagar o que deviam, de maneira que foram obrigados a entregar seus próprios filhos e filhas aos credores para serem vendidos como escravos. O mais vergonhoso era que os que lucra­ vam com a situação não eram os pagãos, mas os judeus ricos! Eles escravi­ zavam seus próprios irmãos e irmãs, ao mesmo tempo que a própria co­ munidade judaica usava esse dinheiro para libertá-los das mãos dos gen­ tios (Ne 5.6-8). Furioso, Neemias ordenou que essa prática perniciosa ces­ sasse, e todas as propriedades confiscadas fossem devolvidas a seus legí­ timos donos. Outro passo administrativo e político tomado por Neemias foi a me­ lhor redistribuição dos judeus na terra. Aparentemente, a maioria dos que retornaram do cativeiro tinha se estabelecido nos vilarejos e cidades em que a destruição babilónica havia sido mínima. Jerusalém estava abando­ nada em virtude de sua destruição massiva (Ne 7.4). Mas agora que o 41 Quanto ao escopo da reforma, ver Edwin M. Yamauchi, "Two Reformers Compared: Solon of Athens and Nehemiah of Jerusalem," em The Bible World, editado por Gary Rendsburg et al. (New York: Ktav, 1980), pp. 269-92.

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templo e as muralhas de Jerusalém estavam reconstruídos, a cidade rece­ beria um grande número de famílias que tentariam se restabelecer na ca­ pital de Judá. O plano desenvolvido por Neemias envolvia um levanta­ mento genealógico das famílias, permitindo que voltassem para a cidade apenas aquelas que habitavam lá anteriormente. Finalmente, estava próximo o sétimo mês daquele ano. Neemias ajun­ tou o povo em Jerusalém para celebrar os festivais de outono. No primei­ ro dia do mês, o dia de Ano Novo, Esdras pôs-se de pé para ler a Torá diante de todos os que ali estavam (Ne 7.73—8.3). Quando alguns come­ çaram a chorar, Neemias os exortou a regozijar-se perante o Senhor, pois aquele era um dia de festa. Eles começaram a construir suas tendas de acordo com as instruções para a Festa dos Tabernáculos. Quando chegou o décimo quinto dia do mês, celebraram por uma semana a maravilhosa provisão de Deus para com seu povo no deserto, enquanto os conduzia para a Terra Prometida. Durante todas as comemorações, Esdras lia as Escrituras, e o povo se regozijava por este novo êxodo e preservação. No dia vinte e quatro do sétimo mês, Neemias convocou uma assem­ bléia especial com o propósito específico de assumir um maior compro­ misso com a lei (Ne 9.1). O texto deste compromisso é apresentado em forma de oração que inicia com a exaltação de Yahweh como o Criador: somente Ele é Deus.42 Depois, o Senhor é apresentado como o Deus da história que elegeu Abraão e os patriarcas, prometendo-lhes uma heran­ ça — a terra de Canaã. Ele os redimiu da opressão egípcia, deu-lhes a Lei no Sinai, e depois de haver efetuado a correção e punição de muitos no deserto, por causa de suas desobediências, introduziu-os na terra que jurara dar a seus pais. Mesmo assim, eles continuaram a pecar até que foram arrancados da terra e levados em cativeiro para várias nações es­ trangeiras. Foi uma dura lição, mas Deus sempre se mostrou gracioso para com seu povo, e por sua misericórdia trouxe-os de volta. Estavam novamente na terra, mas ainda permaneciam vassalos de um rei estran­ geiro (Ne 9.32-38). ' Uma vez que pronunciaram o compromisso com a Lei, os líderes escre­ veram essas palavras e puseram suas assinaturas no documento. Fizeram uma aliança com aquelas palavras mediante o juramento e a maldição, caso não as cumprissem. Da mesma forma todo o povo também se com­ prometeu com os preceitos e mandamentos da lei. Flouve um apelo espe­ cial para que o povo não se casasse com pessoas de outras nações, e não 42 Para Neemias 8-10 como um material do pacto, ver Dermis J. McCarthy, "Covenant and Law in Chronides-Nehemiah," CBQ 44 (1982): 34-35.

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negligenciasse suas obrigações para com a casa de Deus mediante a entre­ ga de seus dízimos e o oferecimento do primogênito. Todos esses acontecimentos parecem ter ocorrido em um ano, 445, o primeiro ano de Neemias em Jerusalém. Ele ficou na cidade por mais doze anos, e depois voltou para Susã por um breve espaço de tempo (Ne 5.14; 13.6,7). Está claro que durante esses anos de ausência (ca. 433-430), o repovoamento e redistribuição de terras autorizados por Neemias foi re­ almente posto em prática. Essa pode ter sido a ocasião em que o sacerdote Eliasibe mudou-se para Jerusalém.43 De qualquer forma, quando Neemias voltou de Susã para Jerusalém, encontrou Eliasibe na cidade e, para seu profundo desgosto, achou também Tobias, seu velho adversário. Tobias estava ligado por laços familiares de casamento a alguns dos líderes de Jerusalém (Ne 6.17,18), e de alguma forma conseguiu um acesso direto ao templo de Deus juntamente com todos os que apoiavam sua causa. Neemias imediatamente mandou que Tobias fosse expulso das câmaras do templo e determinou que estas fossem purificadas. Não é possível determinar quais foram os negócios urgentes que im­ peliram o restaurador Neemias de volta para Susã em 443. Pode ser que a resposta seja bastante simples: é possível que seu período de licença já estivesse expirado, sendo-lhe necessário retornar para renová-la. De qual­ quer forma, ele não demorou muito na capital do império, embora sua curta ausência tenha sido um período grande o suficiente para todo tipo de problemas ressurgir. Neemias viu que os levitas tinham sido negli­ genciados, o dia de sábado já não era observado e os malsucedidos casa­ mentos mistos voltaram a ser comuns no meio do povo. Até mesmo um dos filhos do sacerdote Joiada tinha se casado com a filha de Sambalate (Ne 13.28)! Mais uma vez, Neemias viu-se forçado a promulgar uma série de mu­ danças. Ele dedicou as muralhas44 — provavelmente no aniversário de sua construção — e aproveitou a ocasião para estabelecer um sistema que providenciava sustento para os levitas além das ofertas do povo de­ 43 Fensham, Ezra and Nehemiah, p. 260. Fensham indica corretamente, em nossa opinião, que esse Eliasibe não deve ser confundido com o sumo sacerdote Eliasibe, visto que este jamais seria identificado como alguém responsável pelos armazéns do templo (Ne 13.4). 44 Embora muitos estudiosos liguem Neemias 12.27-47 com 6.15 (eg., Myers, Ezra-Nehemiah, p. 202), não há nada implícito na "dedicação" que a limite ao ato inicial de compromis­ so. Bright (Histonj, p. 383) propõe que a dedicação inicial ocorreu alguns anos depois da construção. As frases "naquele tempo" em Neemias 12.44 e "naquele dia" em 13.1, e a unidade de 12.27-13.3 tornam claro que todos os eventos registrados dali em diante aconteceram depois da volta de Neemias para Jerusalém em cerca de 430.

terminadas pela Lei. Ele também fez com que as determinações de Moisés a respeito dos estrangeiros, especialmente os amonitas e moabitas, fos­ sem lidas, de sorte que não houvesse mistura na santa congregação de Israel (Ne 13.1-3; cf. Dt 23.3-6). Essa atitude foi uma resposta direta à presença de Tobias, o amonita, nos recintos sagrados do templo. "Pm s^guida, as palavras se voltaram contra o problema da quebra do sábado, e Neemias determinou que este fosse observado tanto pelos judeus quanto pelos gentios que ali habitavam, a fim de evitar o juízo e a ira divina. Finalmente, Neemias repreendeu os culpados pelos casamentos mistos, castigou-os fisicamente e os advertiu que a continuação desta'prática desagradava principalmente ao Senhor. y *M a la q u ia s , o p ro fe ta A última fonte de informação histórica do Antigo Testamento presenci­ ada por alguém que viveu aquela época é o profeta Malaquias. Pouco se sabe acerca dele — até mesmo o seu nome45 — mas não está claro se seu ministério chegou a coincidir com alguma parte do governo de Neemias. A ausência de referências a Neemias e o fato de Malaquias ter falado con­ tra um povo que demonstrava evidente desequilíbrio social e religioso — que Neemias havia corrigido quando voltou de Susã pela segunda vez — sugerem que o profeta exerceu seu ministério durante os anos em que Neemias esteve fora. Os anos de 433 a 425 provavelmente equivalem ao período profético de Malaquias.46 Em Malaquias não há qualquer registro que indique a presença de Neemias e Esdras.'Alguns estudiosos crêem que Esdras morreu antes de 432.47 Isso pode ser a resposta para a situação caótica de Judá durante os anos de ausêricia de Neemias, uma condição que provocou o clamor de Malaquias para o arrependimento nacional e para as reformas que estari­ am pqr vir através do próprio Neemias. O maior peso sobre o profeta é a violação da aliança da Lei. Deus sempre amou seu povo, dizia Malaquias, mas este nunca havia assimilado a profundidade deste amor, e na verda45

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para uma pessoa que, na verdade, tinha um outro nome. Ver Joyce G. Baldwin, Haggai, Zechariah, Malachi (Downers Grove, 111.: Inter-Varsity, 1972), p. 211. 46 Walter C. Kaiser, Jr., Mnlachi: God's Unchanging Love (Grand Rapids: Baker, 1984), p. 17. 47 Por exemplo, Eybers, "Chronological Problems, " Die Ou-Testamentiese Werkgemeenskap in Suid-Africn 19 (1979): 15. Se Esdras morreu antes de 432, a dedicação das muralhas deve ter sido celebrada antes de Neemias retornar para Susã, pois Esdras é listado como um dos participantes daquela ocasião (Ne 12.36).

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de retribuía-o com desonra e desobediência (Ml 1.6-14). Tudo isto pode ser visto na própria indiferença do povo para com as ofertas, pois enquan­ to se empenhavam em importar o melhor para suas próprias casas, os sacrifícios eram da pior espécie, com animais cegos e doentes. Os próprios sacerdotes se voltavam contra Deus, violando abertamente o compromis­ so de levitas (Ml 2.8). Além disso, muitos judeus tinham se divorciado de suas mulheres, sinalizando assim seu descaso para com os ensinamentos das Escrituras (Ml 2.10). Como resultado, o Senhor enviaria seu mensagei­ ro messiânico para purgar o mal enraizado no coração do povo e purificar um remanescente que andaria diante da presença do Senhor em verdade. Naquele dia, diz Malaquias, se levantará o "sol da justiça, trazendo salva­ ção nas suas asas" (4.2) e o Senhor "converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais" (4.6). E será assim que o eterno propósito de Deus chegará à sua consumação, quando enfim a história alcançará seu clímax através do maravilhoso ato de amor e sacrifício de seu Filho Unigénito. A história de Israel no Antigo Testamento se encerra com as derradei­ ras palavras do profeta que escreveu este último livro canônico. Mas a história de Israel como um reino de sacerdotes não finda aqui. Neste sen­ tido, o Antigo Testamento acha sua expressão maior nas páginas do Novo Testamento, com grandes propósitos de Deus para a Igreja e para o Israel escatológico. Nosso intuito nesta obra não foi apenas contemplar a história de Israel como um fenômeno sóciopolítico, mas como o cumprimento do plano re­ dentor de Deus, ou seja, como uma mensagem teológica. A humanidade, alienada de Deus pela queda, é ainda o objeto de seu amor e sua graça. O Antigo Testamento conta a história da implementação da graça mediante o veículo de um elemento humano (Abraão) que deu origem a uma nação eleita (Israel), um reino de sacerdotes cuja tarefa era demonstrar o que significa ser o povo redimido de Deus e o mediador da revelação salvadora para o mundo. A nação falhou miseravelmente nos tempos do Antigo Testamento, mas o remanescente continuou e ainda continua a ser testemunha da aliança inabalável que o Senhor faz com o seu povo. O reino de sacerdotes, então, não é uma relíquia dos tempos e lugares antigos, mas uma manifestação na terra dos graciosos propósitos do Rei dos reis e Senhor dos senhores.

Esta bibliografia contém uma visão completa da história e civilização do Antigo Oriente Próximo e de Israel. O maciço volume de literatura nestas disciplinas requer que nossa lista seja altamente seletiva. Para arti­ gos de jornal acerca de tópicos mais específicos, veja as notas de pé de página ao longo do livro. O A n tig o O rie n te P ró x im o ALBREKTSON, Bertil. H istory and the gods; An Essay on the Idea of Elistorical Events as Divine M anifestations in the Ancient N ear East and in Israel. Cole­ tânea Bíblica, Antigo Testamento Série 1. Lund: Gleerup, 1967. BOTTÉRO, Jean; CASSIN Elena; VERCOUTTER, Jean, eds. The Near East; The early civilizations. New York, Delacorte; London, W eidenfeld e Nicolson, 1967. BURNEY, Charles A. The A ncient Near East. Ithaca, N.Y., Cornell U niversity Press, 1977. CAM BRIDGE AN CIENT HISTORY, v. 1— 2, 3 ed., editado por I.E.S. Edwards et all.; v. 3, 2. ed., editado por John Boardm an et al. Cam bridge, Cam bridge U niversity Press, 1970-1982. CHILDE, V. Gordon. Nezv light on the most A ncient Near East. New York, Norton, 1969. DENTAN, Robert C., ed. The idea o f history in the A ncient East. Am erican Oriental Series 38. New Haven, Yale U niversity Press, 1955.

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