A exceção contra o estado: biopolítica e direitos humanos. In: CORREA, M. D. C.; MATOS, A. S. M. C.; PILATTI, A.. (Org.). O estado de exceção e as formas jurídicas
 9788577982257

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A exceção contra o estado: biopolítica e direitos humanos Murilo Duarte Costa Corrêa Introdução A recente ilosoia política europeia, herdeira do pós-estruturalismo francês, parece ter-nos tornado legatários de um impasse: a assunção da matriz biopolítica de análise do poder e das formações sociais contemporâneas parece endereçar críticas tão enfáticas aos direitos humanos a ponto de decretar seu im. Filósofos jurídicos contemporâneos, a exemplo de Alain Renaut e Lukas Sosöe, criticam e, em igual medida, dispensam, as ilosoias de Foucault e de Deleuze, reputando-as anti-humanistas e antissubjetivistas1 – características que impediriam seus autores de reletir positivamente sobre o direito e os direitos humanos,2 cuja gênese remonta à ilosoia moral moderna. Com efeito, nem em Deleuze, nem em Foucault, “o homem” aparece como igura central da ação política, como o fora para os modernos: o primeiro a compreende como uma tarefa impessoal,3 superando o dualismo indivíduo/ coletividade; o outro, segundo as linhas de força, de sujeição e de resistência que produzem tanto efeitos de subjetividade como variam modos de governamentalidade e regimes de verdade.4 Consideradas de maneira isolada, algumas de suas mais polêmicas e, a um só tempo, mais belas declarações talvez autorizassem a extrair conclusões tão fatalistas quanto as de Renaut e Sosöe. É o caso de Deleuze que, em sua conhecida monograia inspirada por Foucault,5 airma que “Não precisamos do homem para resistir”;6 ou de Foucault que, nas últimas linhas de Les mots et les choses, atestava que o homem não fora o mais antigo problema que se colocava ao saber humano e antevira que, talvez, o homem se desvanecesse “como, na 1

RENAUT; SOSÖE, 1991, p. 44.

2

RENAUT; SOSÖE, 1991, p. 49-51.

3

SCHÉRER, 2000, p. 27-28.

4

CASTRO, 2014, p. 130.

5

FOUCAULT, 1986.

6

DELEUZE, 1986, p. 98.

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orla do mar, um rosto de areia”.7 Essas formulações críticas ao humanismo europeu moderno, procedentes em grande parte da inluência que Nietzsche exercera sobre ambos, recebem, na obra mais recente de Giorgio Agamben, tonalidades inteiramente particulares que, no entanto, permitiriam alinhar tais autores ao que uma vez denominei “literaturas do além-do-homem”.8

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Mesmo a crítica que Agamben dirige à máquina antropológica que opera no seio da cultura ocidental9 serve a um só tempo como suporte e como linha de desenvolvimento ao seu argumento cabal a respeito da função de sujeição ao biopoder que os direitos humanos desempenham na modernidade: tais direitos produziriam “a inscrição da vida nua natural na ordem político-jurídica do Estado-Nação” segundo Agamben.10 As condições de subjetivação moderna resumem-se, assim, ao deslocamento progressivo que a lógica dos direitos humanos contidos nas grandes declarações do século XVIII produz e medeia: a transição que se veriica entre as formas de soberania régia e o modelo nacional é coextensiva àquela que se produz no nível da subjetivação que transforma o súdito em cidadão do Estado-Nação. Como qualquer outro dispositivo, os direitos conservam ambiguidades insuperáveis. Ao mesmo tempo em que instituem novas alternativas de vida e liberdades inauditas, os direitos humanos também as ixam e estabilizam, e, ao demarcarem suas fronteiras,11 assinalam novas e talvez insuspeitas formas de sujeição política.12 Em L’Aperto (2002), Agamben possui pretensões claramente antropológicas. Ao desvendar as articulações segundo as quais a metafísica e a política ocidentais izeram da vida um conceito jamais deinido em seus próprios termos, trata-se de reencontrar a potência ininita e indeterminada que grava o vivente, mas também de descerrar as múltiplas armadilhas em que ela se engasta no seu cotidiano corpo a corpo com aparatos antropogênicos. Em tensão com eles, o vivente se predica como humano e acede ao aberto ao preço da captura e da exceção da vida animal. Eis o que permite a Agamben enunciar uma tese antropolítica fundamental para compreender sua reserva em relação aos direitos 7

FOUCAULT, 2007, p. 536.

8

CORRÊA, 2011, p. 53-59.

9

AGAMBEN, 2002, p. 94.

10

AGAMBEN, 1996, p. 24.

11

DOUZINAS, 2009, p. 174-175.

12

AGAMBEN, 2007, p. 91.

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humanos: “O conlito político decisivo, que governa todos os demais conlitos, é, na nossa cultura, aquele entre a animalidade e a humanidade do homem. A política ocidental é, a saber, cooriginariamente biopolítica”.13 Deinido como uma cisão que passa a habitar o interior do próprio vivente, o humano é o produto da suspensão da animalidade do homem, da captura e do abandono da vida em uma zona de exceção.

Sob os valores eternos e universais que as declarações de direitos proclamavam, Hannah Arendt conseguira entrever que o sujeito efetivo dos direitos contidos nessas declarações não tinha nada de universal: o cidadão nacional titular de direitos absorvera completamente a espessura carnal do homo privado de mundo – tecido social, capacidade de ação, linguagem. As operações político-jurídicas que ora atribuíam ora cassavam o título cívico de grupamentos humanos concretos terminavam por subtrair-lhes o reconhecimento universal da pertença ao gênero humano. O direito de desnacionalizar populações inteiras – ato jurídico aparentemente inofensivo – presidiu a transformação de grupamentos inteiros de homens, mulheres e crianças politicamente minoritárias no período entre guerras em apátridas sem direitos, e determinou se, sob a emergente racionalidade dos Estados nacionais, tais sujeitos seriam ou não detentores da condição jurídico-política para serem reconhecidos como humanos. Que Arendt expresse essa operação de exceção – presente, como ela observa, em praticamente todos os ordenamentos jurídicos dos países ditos democráticos recém-saídos da Primeira Guerra Mundial – nos termos de uma “denegação do direito a ter direitos”, esta pode ser entrevista como um mero efeito de superfície (sem dúvida capital) de uma alteração antrópica mais profunda. Os efeitos pragmáticos das desnacionalizações em massa que 13

AGAMBEN, 2002, p. 82.

14

AGAMBEN, 2007, p. 91.

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Ao descrever criticamente a “máquina antropológica” que se encontra em obra em nossa cultura, Agamben faz desabar os conceitos de homem e de humano sobre os quais os direitos humanos se articulam. Ao seguir de perto a orientação arendtiana contida em Origens do Totalitarismo (1951), Agamben conseguirá descerrar a função obscura dos direitos humanos: o destino ambíguo de serem os iadores da sacralidade de uma vida ininitamente sujeita ao poder de morte – sanção de sua exposição contínua a uma reação de abandono.14

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a Europa conheceu no período entreguerras se sustentam em uma operação antropológica e metafísica negativa que Agamben soube perceber muito bem: separando os cidadãos nacionais daqueles homens e mulheres desprovidos de cidadania, os Estados europeus terminavam por decidir sobre a condição de humanidade ou de animalidade, cuja existência seria, a partir de então, desprovida de tutela jurídica.

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Atrelados ao conceito ambíguo e excludente de cidadania, os direitos humanos exprimem a inserção de uma decisão, sempre excessiva, na agenda dos Estados-Nação: a decisão sobre a condição de cidadania determinava pragmaticamente o “direito a ter direitos”, o gozo dos direitos humanos e, se seguirmos as trilhas de Agamben,15 a própria condição ontológica de pertença de indivíduos àquela universalidade humana da qual, ironicamente, poderiam ser subtraídos. Eis a função biopolítica e negativa que os direitos humanos desempenham na modernidade; eis de que maneira eles proclamam, nas palavras de Giorgio Agamben, a sacralidade de uma vida essencialmente matável. No entanto, a bem conhecida crítica que Giorgio Agamben dirige aos direitos humanos16 parece não compartilhar dos mesmos pressupostos – nem das mesmas potencialidades – encontrados nas ilosoias de Foucault e Deleuze. São essas matrizes teóricas ao mesmo tempo tão heterogêneas e aparentemente17 avessas ao ideário comum a tais direitos, que permitiriam traçar as questões que servem de ios diretores a esta investigação: a) A matriz biopolítica de análise do poder insere-se na tradição crítica aos direitos humanos? a.1) Em caso positivo, que lugar ocupam? b) A análise biopolítica é incompatível com a airmação dos direitos humanos? c) Através dela, pode-se pensar a função política dos direitos humanos para além dos limites aparentemente negativos traçados pela recente ilosoia política de Giorgio Agamben, ou os direitos humanos estão fadados a desempenhar uma função política negativa, inexoravelmente integrada ao estado de exceção como paradigma de governo? 15

Em um texto de 2007, por ocasião do lançamento de The Jewish Wrintings, de Hannah Arendt, Judith Butler observara que, diferentemente de Agamben, para quem a vida nua é um produto metafísico de uma operação de exceção, “Arendt refuses to give a metaphysical cast to ‘bare life’. Indeed, she makes it quite clear in The Origins of Totalitarianism that the ostensible ‘state of nature’ to which displaced and stateless people are reduced is not natural or metaphysical at all, but the name for a speciically political form of destitution.” (BUTLER, 2007, p. 28) Isto é, para Arendt, a produção política de vidas sem direitos não apenas não assume um sentido natural ou metafísico, mas permanece essencialmente política: os Estados-Nação produzem a situação de apatridia; esta “recorrente tragédia do século XX”. 16

Cujas principais linhas argumentativas procuramos desenvolver no primeiro número da Revista Profanações, “Biopolítica e Direitos Humanos: Giorgio Agamben e uma antropolítica evanescente” (CORRÊA, 2014, p. 22-37). 17

Ao menos, se seguirmos as conclusões de Renaut e Sosöe (1991).

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Esta última interrogação permitiria endereçar ainda outra, relacionada ao que Antonio Negri deinira recentemente como “resistência biopolítica: “uma relação positiva entre exceção e direitos é possível?”; em outras palavras, é possível pensar a exceção contra o estado (de coisas, direitos, etc.)? A im de respondê-las, convém compreender o contexto heterogêneo em que se produz a tradição crítica dos Direitos Humanos.

A tradição crítica dos direitos humanos

Embora um conceito subjetivo de direitos já aparecesse desde o inal da Idade Média,19 é apenas a declaração de Independência dos Estados Unidos (1776), profundamente inluenciada pela doutrina do direito natural que John Locke expusera no Segundo Tratado sobre o Governo,20 e poucos anos mais tarde a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que produzirão uma verdadeira ruptura conceitual e política. No caso da Declaração de Independência, tratava-se de enunciar direitos inalienáveis que, sendo os ins últimos de qualquer governo, autorizavam os colonos a separarem-se da Coroa Britânica devido à “longa série de abusos” a que haviam sido submetidos pelo governo de George III. Já a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão é fruto não apenas da simpatia que os franceses dedicavam à revolução ocorrida do outro lado do Atlântico, mas também da crise política e inanceira, da fome e 18

SHAPIRO, 2006, p. 17.

19

EDMUNDSON, 2006, p. 23.

20

LOCKE, 2005.

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A gênese dos direitos humanos encontra-se ligada ao Iluminismo europeu moderno. Marcado por um otimismo racional e antropológico, o Iluminismo desenvolvera-se entre os séculos XVII e XVIII alterando integralmente os aspectos da vida humana. As formas de construção e exercício do conhecimento sofreram reduções epistemológicas que atravessarão o horizonte epocal da modernidade. As ciências nascentes, erigidas sobre os princípios da objetividade e da certeza racional, paulatinamente submetem saberes como a ética e a política a seus princípios epistemológicos, sob pena de serem reputadas meramente especulativas. Assim, no campo do saber é a fé ilimitada na ciência que caracteriza o Iluminismo europeu; já no campo da política, é a centralidade dos direitos individuais e da liberdade “que diferencia a ilosoia política iluminista dos compromissos antigos e medievais com a ordem e a hierarquia”.18

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do acirramento de ânimos entre os burgueses e despossuídos, que compunham o Terceiro Estado em França, e os Estados Gerais, integrados pela nobreza e pelo clero privilegiados. É em meio aos tumultos das ruas que se constitui a Assembleia Nacional pelo Terceiro Estado, que proclama a Declaração Francesa.21

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Esses dois marcos documentais dos direitos humanos, que tanto Shapiro quanto Edmundson compreendem como signos de uma ruptura no tecido da razão política medieval, são portadores de uma originalidade relativa. Costas Douzinas recorda que esses textos históricos não foram, em primeiro lugar, declarações gerais sobre as relações entre sujeitos e poder político, mas soluções para a proteção de direitos predominantemente feudais e privados.22 Isso se baseava em uma crença bem estabelecida, subjacente à carta estadunidense, de que os direitos do homem estariam melhor protegidos se a sociedade fosse conservada livre da intervenção estatal, permitindo o livre funcionamento da lei natural e da lei das trocas. A declaração francesa, amplamente baseada no direito de resistência contra a opressão e considerada por Mirabeau “um ato de guerra contra a tirania”, estabelece uma nova relação entre humanidade e política. Todavia, Douzinas observa que “a diferença entre os direitos naturais do homem e os direitos políticos do cidadão não ica clara [...]”.23 Em verdade, o que a declaração francesa permitira não foi a proclamação de direitos considerados como ins em si mesmos, mas a construção de uma mediação, que se confunde com a instituição de direitos subjetivos e negativos, que restaurasse o Estado corrompido pelo Ancien Régime. Assim, a proclamação de direitos conduzia a um paradoxo: o fato de os direitos justiicarem a reestruturação do poder coercitivo do Estado prenunciava a ausência de fundamento das “novas liberdades”. A lei constituía a pré-condição das liberdades e “tem como companheira indispensável a polícia, a prisão e a forca”.24 As icções do contrato social e da vontade geral tornam-se os operadores políticos efetivos por meio dos quais a revolução se legitima pela mediação transcendental dos direitos, ao mesmo tempo em que justiicam as novas conigurações das repúblicas modernas a partir de uma suposta natureza autofundadora do homem. 21

EDMUNDSON, 2006, p. 55.

22

DOUZINAS, 2009, p.101.

23

DOUZINAS, 2009, p. 103.

24

DOUZINAS, 2009, p. 106.

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Com Relections..., Burke torna-se o precursor da crítica à recente teoria dos direitos humanos. Sua precedência encontrou eco, pouco mais de um século e meio mais tarde nas obras de Hannah Arendt – que compartilhava com Burke a crítica acerca do caráter local da proteção dos direitos humanos – como com críticos feministas e comunitaristas, que convergem a respeito da objeção que Burke izera ao caráter abstrato e indeterminado do discurso dos direitos, apesar de desprezarem sua política reacionária. Segundo a leitura que Douzinas lhe devota, três são os argumentos centrais de sua crítica inaugural à teoria dos direitos humanos. Em primeiro lugar, o discurso dos direitos padeceria, segundo Burke, de idealismo e racionalismo metafísicos. Seu engano consistiria em aplicar metodologias especulativas e abstratas a objetos tão heterogêneos entre si como a política e a metafísica. A política ocupar-se-ia do particular e do mutável, enquanto a metafísica, do universal e do eterno. Na medida em que um discurso racional e metafísico encontra-se no fundo do discurso dos direitos, aplica à política – matéria contextual e contingente – uma apreensão meramente especulativa e teórica que destrói ou, pelo menos, reduz signiicativamente, as possibilidades de acesso a realidades particulares e concretas. Geômetras morais, tornados constitucionalistas morais, legislariam a partir dos postulados da universais da razão 25

EDMUNDSON, 2006, p. 60.

26

BURKE, 1987, p. 54.

27

SHAPIRO, 2006, p. 196.

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A antropologia fundamental que as declarações supõem torna-se um dos pontos centrais dos ataques originais que Edmund Burke dirige aos direitos humanos em Relections on the revolution in France (1790). O caráter universal do “homem”, concebido como sujeito dos direitos nas declarações, implica que os direitos em questão não possam constituir mais do que uma abstração metafísica. Não se trata de airmar que tais direitos não existem, mas que seu fundamento não poderia ser uma antropologia evanescente; para Burke, genuínos direitos seriam fruto da integridade e do valor das tradições de povos concretos.25 Em outras palavras, seria enganoso dar crédito à universalidade abstrata (em todo caso pretensiosa) dos direitos do homem.26 Estes não podem constituir um fator externo ao Estado – argumento que os campos de concentração provariam fartamente um século e meio mais tarde –, tampouco podem derivar de outra fonte que não seja a convenção social baseada na tradição e no legado transmitidos pelas gerações passadas à presente, e desta às gerações futuras. 27

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humana, dispensando o auxílio da história, da tradição e da sabedoria prática na criação de instituições que deveriam supor-se legítimas e estáveis – o que, para Burke, não passaria de um engano pretensioso. Ao contrário, a constituição verdadeira deveria ser como um organismo vivo, um misto de biologia e hábito preservado pela tradição imemorial. Em segundo lugar, Burke atribui ao caráter racionalista do discurso dos direitos um efeito de abstração que os tornaria inoperáveis, inúteis e moralmente falsiicáveis.28 A não ser que fossem concreta e pragmaticamente determinados, os direitos não passariam de delírios metafísicos. Com efeito, não apenas os direitos humanos são reputados abstratos, mas também os sujeitos a que os primeiros são atribuídos. Na medida em que as declarações operam sobre um “homem” indeterminado, os direitos reais de homens concretos padeceriam sem proteção adequada. A raiz dessa crítica encontra-se na abstração com que as declarações predicam o sujeito dos direitos humanos. Sua pulsão metafísica e universalista ignora que a natureza humana não é abstrata, mas socialmente determinada; não há “homens em geral”, mas homens locais. Eis o traço que permite unir conservadores, como Joseph de Maistre, e revolucionários, como Karl Marx. A irrealidade ontológica do homem abstrato dos direitos conduz à sua limitada utilidade. Em contraposição a tais direitos, Burke falava dos direitos do “homem inglês nascido livre”, herdados da tradição, que são melhor garantidos que pelos planos racionais ou geométricos. Direitos só existem e só são violados em comunidade; assim, apenas a lei e o costume internos podem protegê-los localmente, o que os torna pragmaticamente superiores à grandiloquência das declarações. Em terceiro lugar, e por im, Burke apontava a persistência de um perigo político interno ao discurso dos direitos. Na medida em que seu racionalismo e abstração os transformavam em princípios morais absolutos, os direitos poderiam ser benevolentes com as piores tiranias. Mais que isso: por serem absolutos, ignorando diferenças de arranjos sociais concretos, os direitos poderiam, no limite, conduzir à tirania. Eis o elemento de conirmação da superioridade das constituições que se desenvolvem orgânica e comunitariamente, alinhadas a partir do relativismo e reveladoras da preferência burkeana pelas tradições particulares locais. É apenas neste preciso sentido que Douzinas arrisca airmar que se poderia considerar Burke um dos fundadores do comunitarismo – apesar de 28

DOUZINAS, 2009, p. 164-165.

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a política de uns e outros ser radicalmente diversa.29 Burke substitui a noção clássica de natureza, presente no ideário das declarações, pela “mão oculta da economia”; segundo ele, as sociedades deveriam ser deixadas livres para permitir o lorescimento da individualidade. Eis, portanto, por que sua herança é confusa; talvez por isso, todas as principais críticas aos direitos humanos compartilhem algum aspecto de suas posições originais.

Marx distingue entre direitos do cidadão e direitos do homem. Os primeiros, também originados pelas revoluções burguesas, devem ser compreendidos como partes integrantes dos direitos políticos, cujo conteúdo é constituído pela participação na comunidade política, isto é, no sistema estatal, e podem ser categorizados como decorrências da liberdade política. Por outro lado, os direitos humanos diferenciam-se dos direitos do cidadão com base em sua subjetividade. Marx pergunta-se “quem é este homem” das declarações, a que responde: “[...] ninguém menos que o membro das sociedades burguesas”.31 No entanto, aqui importa menos a resposta à questão do que suas condicionantes. Por que o “homem” coincide com o membro das sociedades burguesas? Por que seus direitos podem ser enunciados como direitos da humanidade em geral? Marx tenta explicá-lo a partir da relação entre o Estado político e a sociedade burguesa. Os direitos humanos, assim considerados, dispensam características necessárias aos direitos do cidadão. Os primeiros prescindem da comunidade; são direitos do homem egoísta, separado tanto do gênero humano quanto do tecido social. Assim, o direito à liberdade de 29

DOUZINAS, 2009, p. 168.

30

MARX, 2010, p. 45.

31

MARX, 2010, p. 48.

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Cinquenta e três anos após as Relections burkeanas, em Sobre a questão judaica, Karl Marx reconstruía o sentido da crítica aos direitos humanos, geralmente interpretada como uma recusa pura e um abandono simples de suas aspirações. Marx identiicava na sociedade burguesa um resíduo cristão, impassível de secularização pelo processo revolucionário francês, que consistia na dualidade entre a vida social e a vida política.30 Esse resto de religiosidade exprimia-se tanto na vida social burguesa, na qual os indivíduos encontravam-se distantes e atomizados, quanto na vida política. Embora o discurso dos direitos humanos falasse de uma humanidade universal, o homem individualista, egoisticamente referenciado, sem existência social e corrompido pela organização social, é que existia empiricamente.

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cada um fazer o que quer que seja, desde que isso não implique prejuízo a outrem, está mais baseado em uma separação entre os indivíduos do que em vínculos entre eles.

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No mesmo sentido, o direito de propriedade, compreendido como a prerrogativa de desfrutar de seus bens sem considerar os outros, assinala uma profunda independência do indivíduo em relação à comunidade. Assim, Marx compreende o direito de propriedade como uma “aplicação prática” daquela liberdade. O direito à igualdade reduz-se, nesse contexto, ao direito de obter igual medida daquela liberdade, enquanto o direito à segurança – conceito supremo da sociedade burguesa, segundo Marx – é a um só tempo a realização do mais alto grau de egoísmo. Se a segurança nada mais for do que “la protection accordée par la société à chacun de ses membres pour la conservation de sa personne, de ses droits et de ses propriétés”, como é expressa na declaração de 1789, a razão de ser da sociedade reduz-se à concepção egoísta do bem-estar individual. Isso assinala que o valor social máximo não é o bem público, mas o policiamento, que se torna o conceito supremo da sociedade burguesa e assegura a manutenção da paz social e da ordem pública em uma sociedade altamente conlitante.32 Eis, sinteticamente, de que modo Marx procura demonstrar que nenhum dos direitos naturais, ou os direitos humanos consagrados nas declarações, transcende o homem egoísta, “o indivíduo recolhido ao seu interesse privado e ao seu capricho privado e separado da comunidade”.33 Portanto, se é possível airmar que Burke e Marx combatem os modos de subjetivação jurídica erigidos nas declarações modernas de direitos, é preciso dizer, também, que o fazem de duas maneiras distintas.34 Enquanto Burke criticava o “homem” dos direitos humanos por ser universal e abstrato demais, Marx descerrava que, sob sua aparente abstração e universalidade, escondiam-se os interesses de sujeitos bastante concretos.35 32

DOUZINAS, 2009, p. 171-172.

33

MARX, 2010, p. 50.

34

“Burke insistia na excelência da tradição e particularmente contra as reivindicações de razão e universalismo, ao passo que Marx via na nova ordem emergente interesses seccionais e de classe mascarados como universais” (DOUZINAS, 2009, p. 176). 35 É o que ica claro quando Marx airma: “Muito longe de conceberem o homem como um ente genérico, esses direitos deixam transparecer a vida do gênero, a sociedade, antes como uma moldura exterior ao indivíduo, como limitação de sua autonomia original. O único laço que os une é a necessidade natural, a carência e o interesse privado, a conservação de sua propriedade e de sua pessoa egoísta.” (MARX, 2010, p. 50) Ainda, quando Costas Douzinas observa, seguindo Marx, que “Os direitos idealizam e dão suporte a uma ordem social desumana, embasada pelo homem abstrato das declarações, e ajudam a transformar pessoas reais em cifras abstratas. O

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Não se trata, como Burke, de criticar a inadequação metódica dos constitucionalistas morais diante do desenvolvimento tradicional, orgânico e histórico das sociedades, mas de compreender, como Marx o faz, que os direitos humanos desempenham uma função política não negligenciável. Ela consiste em reduzir a comunidade política a um simples meio para a conservação dos direitos, a im de inferiorizar o homem da comunidade ao ente parcial, elevando-o à condição de contorno pálido do homem universal. Não apenas a associação política existirá em razão do homem da sociedade burguesa, mas o governo existirá em função da garantia de gozo de seus direitos “naturais e imprescritíveis”. Os direitos humanos participariam da estratégia de bloquear a política e reorientar a comunidade a im de torná-la um simples meio para conservar a sociedade burguesa.

Esse Estado vai transformar os direitos, criações históricas do Estado e da lei, mas também as condições de existência do capitalismo, em direitos legalmente reconhecidos, naturais e eternos. A forma jurídica é construída como proteção ao direito natural, de modo que as condições estruturais e históricas da sociedade civil são suprimidas. Por outro lado, a revolução proletária realizaria o conteúdo dos direitos até o fundo, negando sua forma moral e seu conteúdo idealista, introduzindo a liberdade e a igualdade verdadeiras a um novo homem socializado e total.37 Marx foi o primeiro crítico radical dos direitos que insistiu em seu caráter histórico contra as airmações dos ideólogos dos direitos naturais.38 São produtos da modernidade, construções sociais e legais, instrumentos limitados e limitadores do direito – apesar de serem concebidos acima da própria política. São o resultado não da Razão, mas da racionalidade do capitalismo: eis porque foram o principal exemplo de ideologia homem dos direitos humanos é abstrato e vazio” (DOUZINAS, 2009, p. 170). 36

ENGELS; MARX, 2008, p. 74.

37

ENGELS; MARX, 2008, p. 94-97.

38

DOUZINAS, 2009, p. 174.

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Esse é o signo de que, para Marx, a Revolução Francesa foi burguesa e política, mas seria suplantada por outra, universal e social. A revolução não teria completado o processo histórico, na medida em que o universal e o particular, a humanidade e o mundo ainda se encontravam em oposição. Embora o Estado fosse encarregado de servir ao universal, promovia os estritos interesses da burguesia – eis a tese essencial que Engels e Marx defenderão em A ideologia alemã, por exemplo.36

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do tempo de Marx. Apesar disso, Marx fundava suas objeções ao capitalismo em valores semelhantes aos do Direito Natural: a dignidade e a igualdade que apenas o socialismo poderia concretizar. Com efeito, “[...] Marx não pode ser condenado por falta de dedicação apaixonada ao im da dignidade humana e do bem-estar social”.39 No último quartel do século XX, os teóricos pós-marxistas procuraram explorar não apenas o potencial inexplorado mas também as limitações dessa crítica marxista. O respeito aos direitos humanos e à democracia permitiu pensar encaminhamentos democráticos ao socialismo pós-Guerra Fria. Uma das tarefas iniciais de teóricos radicais como Claude Lefort (1986) e Étienne Balibar (1994), por exemplo, foi explorar as reviravoltas ideológicas que caracterizam os direitos humanos e que acabaram por se tornar “a principal expressão de rebelião e protesto contra a política dominante e as forças sociais e de fortalecimento dos despossuídos”.40 Com base em Antonio Gramsci, para quem ideias e conceitos políticos não são nem verdadeiros nem falsos, mas ferramentas por meio das quais compreendemos nosso mundo, Douzinas também procura afastar-se do engano cometido por alguns leitores de Marx, que recusam os direitos humanos resolutamente. Segundo Douzinas, em direito e política não se trata de descartar conceitos ideológicos supostamente falsos ou inadequados, mas de redeini-los contra as conotações conservadoras que estes possam ter adquirido.41 Em Masses, classes, ideas, Étienne Balibar censura Marx em razão de não ter compreendido até o fundo o sentido de homem presente nas declarações revolucionárias.42 Segundo ele, o conceito de homem, indivíduo privado, não era estruturado em oposição ao de cidadão, compreendido por Marx como membro do Estado; pelo contrário, o conceito universal e abstrato de homem é que fora completamente absorvido pelo conceito de cidadão, como maneira de airmar um direito universal à política.43 Em verdade, a Declaração teria aberto, com isso, uma esfera indeinida e politizada de direitos a reivindicar que, reiterados, poderiam revelar-se armas reais na luta por inclusão na cidadania, nos campos da institucionalidade, na participação na liberdade e na igualdade. 39

DOUZINAS, 2009, p. 175.

40

DOUZINAS, 2009, p. 179-180.

41

DOUZINAS, 2009, p. 180.

42

BALIBAR, 1994, p. 46.

43

BALIBAR, 1994, p. 49.

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A exceção contra o estado: biopolítica e direitos humanos

Segundo Balibar, a indeterminação dos enunciados que proclamavam direitos eram a um só tempo a fonte ambígua de sua força e de sua debilidade prática. Essa tensão permanente assume-se do duplo ponto de vista da pretensão política à universalidade contida nos discursos dos direitos humanos e do ponto de vista das lutas singulares e concretas de sua implementação, favorecendo uma construção prática de uma política de direitos humanos.

Lefort airma que “From the moment when the rights of man are posited as the ultimate reference, established right is open to question”.48 A abertura à contestação que caracteriza os enunciados de direitos humanos encontra-se vinculada à própria noção de Estado de Direito. Os direitos permitem uma “oposição de direito” ao poder estabelecido, seja sob a forma clássica do não pagamento de tributos sob circunstâncias determinadas ou do direito de sedição e revolta contra governos ilegítimos. Contudo, Lefort airma que o Estado de Direito moderno vai muito além dessas formas clássicas: “It tests out rights which have not yet been incorporated in it, it is the theatre of a contestation, whose object cannot be reduced to the preservation of a tacitly established pact but which takes form in centres that power cannot entirely master.” 49 44

LEFORT, 1986, p. 249.

45

DOUZINAS, 2009, p. 182.

46

LEFORT, 1986, p. 250.

47

LEFORT, 1986, p. 254.

48

LEFORT, 1986, p. 258.

49

LEFORT, 1986, p. 258.

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Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

Ao recuperar as críticas marxianas aos direitos humanos em The political forms of modern societies, Claude Lefort as censura por diminuírem o papel político que a enunciação das liberdades revolucionárias desempenhou ao desaiar as constrições do Ancien Régime que pesavam sobre uma ampla gama de ações humanas.44 Por manter apenas a sociedade burguesa em mente, Marx não pudera compreender que algumas daquelas liberdades ditas negativas e supostamente ancoradas nos sujeitos monádicos (como as liberdades de opinião e expressão, que Marx se recusa a analisar) instituíam uma nova forma de política e de acesso à esfera pública.45 Segundo Lefort, recusando-se a ler os artigos 10 e 11 da Declaração Francesa, o caráter necessariamente relacional sobre o qual a liberdade de opinião se sustenta teria escapado à compreensão do Marx de Sobre a questão judaica.46 A razão pela qual Marx recusa-se a pensar os direitos em termos explicitamente políticos repousaria, em última análise, em sua visão do Estado como complemento da sociedade burguesa.47

O Estado de Exceção e as Formas Jurídicas

Em outras palavras, os enunciados de direitos são menos formas-garantias preestabelecidas que campo de provas tático, para o desenvolvimento heterogêneo de novos direitos, abertos na direção da transgressão de seus antigos e preconcebidos limites. Seja como for, apesar do esforço de Claude Lefort e Étienne Balibar para “resgatar os direitos humanos do marxismo vulgar”, Costas Douzinas adverte não apenas que o papel contraproducente do legalismo na teoria dos direitos não deveria ser subestimado, mas que os direitos, na medida em que assumem uma forma legal, continuam a ser uma linguagem do Estado, que pode sempre moldá-los à sua própria imagem.50 É essa díade paradoxal e problemática, formada pelos polos dos direitos e do Estado, que veremos sofrer um deslocamento incomum no interior da análise biopolítica.

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

Direitos humanos e análise biopolítica Embora o termo “biopolítica” esteja ligado originalmente às bases orgânicas e naturalísticas que Rudolf Kjellén estabelecera em Staten som livsform, publicado em 1916,51 deve-se às obras mais recentes de Michel Foucault sua dispersão e difusão como um novo registro, implementado desde o im do século XIX, em que a vida biológica das populações se torna o centro dos cálculos do poder. O aparecimento do termo na obra de Foucault remonta ao ano de 1976, e ocorre simultaneamente em um curso denominado Il faut défendre la société, no Collège de France, e nas últimas e decisivas páginas do primeiro volume de Histoire de la sexualité.52 Ao descrever as estratégias e os dispositivos de poder que caracterizam a soberania, as disciplinas e o advento da biopolítica das populações, Foucault não os emprega no sentido de uma sucessão epocal de modelos de poder. Pelo contrário, Foucault insiste em descrevê-los como agenciamentos sempre variáveis e abertos a deslocamentos contextualmente estratégicos que mobilizam esses dispositivos tão heterogêneos.53 50

DOUZINAS, 2009, p. 186. Ao que poderíamos somar a crítica que Matos endereça, a partir de Marx, aos “movimentos intrassistêmicos de reivindicação de direitos”; segundo ele, seu erro “é deixar de perceber a dimensão puramente retórica em que tais ‘direitos’ existem [...]” (MATOS, 2014, p. 49). 51

NILSSON; WALLENSTEIN, 2013, p. 7.

52

Ainda, em textos e conferências esparsas como La politique de la santé au XVIIIe siècle (FOUCAULT, 2001, p. 13-27) e La naissance de la médecine sociale (FOUCAULT, 2001, p. 207-228). 53

FOUCAULT, 2008, p. 9-11. É, também, o que Edgardo Castro observa: “[...] não se trata de identiicá-los [os diferentes dispositivos de poder] com determinadas épocas históricas, como se houvesse uma época arcaica, a da

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A exceção contra o estado: biopolítica e direitos humanos

As sociedades de soberania estabeleceram-se economicamente sobre a possibilidade de extorquir a produção, mais do que organizá-la, fundando-se sobre o soberano direito de morte exercido pelo soberano político sobre os súditos.54 O soberano direito de matar, ao lado do espetáculo dos suplícios, torna-se o organizador de todo o sistema jurídico de penalidades.

Na época clássica, esses mecanismos de poder sofrem deslocamentos signiicativos: o conisco dos bens, produtos, serviços e trabalho dos súditos cede sua centralidade a novos instrumentos de controle, vigilância e organização das forças produtivas. O corpo supliciado desaparece progressivamente e, ao perder sua aura espetacular, a execução da pena se converte em um ato burocrático no qual a violência ligada ao exercício cotidiano da justiça se dissimula sob a forma de sua consciência abstrata.57 A partir de então, o soberano direito sobre a vida e a morte dos súditos sobrevive como o complemento de uma nova lógica que começava a instaurar-se: o biopoder. A partir do século XVII, o poder sobre a vida estende-se por meio de duas formas heterogêneas, porém não antagônicas: uma anátomo-política do corpo humano e uma biopolítica das populações. Dispositivos disciplinares e mecanismos de segurança possuem em comum a característica de investirem a totalidade da vida; a diferença relativa que os percorre provém das distinções estratégicas e de alcances que se interpenetram como funções correlatas de uma forma de governamentalidade que se assenhora da totalidade dos fenômenos orgânicos em escalas variáveis. soberania; outra moderna, a das disciplinas; e outra contemporânea, a da segurança e da biopolítica. Historicamente, não há uma sucessão desses diferentes dispositivos, mas uma simultaneidade. O que muda de uma época a outra é o modo em que essas diferentes formas de exercício do poder se relacionam […] e, no contexto desse jogo, qual desses dispositivos cumpre a função dominante” (CASTRO, 2014, p. 109-110). 54

FOUCAULT, 2009, p. 147-149; DELEUZE, 2008, p. 219.

55

HOBBES, 2002, p. 105.

56

FOUCAULT, 1999, p. 41-42.

57

FOUCAULT, 1999, p. 13.

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Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

Nele, a pena aparece como um derivado do direito soberano de fazer guerra aos seus inimigos;55 internamente, esse direito assume a feição do direito penal, que manifesta, na dinâmica ritual do suplício, a sua função jurídico-política:56 produzir um sistema de signos em um corpo, inscrevê-lo segundo uma duração tão lenta quanto atroz; forjar, por meio dos afetos do terror e do medo, uma memória geral da lei; repetir descontinuamente tais espetáculos para renovar a sua vis.

O Estado de Exceção e as Formas Jurídicas

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

As disciplinas exercem-se sobre os corpos individuais em espaços de coninamento segundo uma temporalidade descontínua e cronologicamente estabelecida; seus objetivos são adestrá-los, aumentar suas aptidões, mas também extorquir suas forças de sedição e resistência, a im de constituir ganhos de utilidade e docilidade, integrando-os a sistemas de produção providos de controles eicazes.58 Foucault faz da prisão o modelo analógico dos demais meios de coninamento – família, escola, caserna, fábrica, hospital.59 Trata-se de outro espaço, não mais exclusivamente negativo – como o cadafalso ao qual se subia para se perder a vida –, mas interior ou fechado, em que se exerce um poder positivo e fabril que produz uma alma como efeito subjetivo das sujeições ininitesimais depositadas no corpo. Ainda que as disciplinas também tivessem por centro o corpo individual, já não se tratava do corpo condenado, mas do corpo a ser “moldado” por um sistema de micropenalidades em que a sanção implicava a correção normalizadora do gesto desviante. As durações initas e atrozes dos espetáculos do suplício são substituídas por sanções disciplinares, que são: (1) de longa duração; (2) ininitas, porque relacionadas a todo gesto associado ao espaço disciplinar; e (3) descontínuas, porque sua aplicação tende idealmente à normalização. A capilaridade das distribuições espaciais e o controle temporalmente descontínuo gerido segundo os esquemas da vigilância hierárquica não dispensam a interiorização de um sistema de signos e de normas, mas dispensam as técnicas da soberania; já não é necessário interiorizá-los pela via afetiva de uma memória atroz, inita, descontínua e durável, mas sob a forma da culpa que acomete a alma, que as disciplinas forjam como o lado “de dentro” dos corpos disciplinados. A segunda linha de desenvolvimento do biopoder, deinida por Foucault como uma biopolítica das populações, estabelece-se a partir do século XVIII e continua a ter por objeto os corpos dos homens, mas a partir de estratégias e de um alcance distintos em relação aos mecanismos disciplinares. Se em algum sentido a biopolítica sucede as sociedades disciplinares para dar origem às sociedades de controle, trata-se de uma sucessão por interpenetração, em que mecanismos oriundos da desativação parcial das sociedades soberanas e da crise contínua dos meios disciplinares de coninamento se cruzam com deslocamentos que implicarão a lógica inédita do biopoder. 58

FOUCAULT, 2009, p. 151.

59

DELEUZE, 2008, p. 219.

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A exceção contra o estado: biopolítica e direitos humanos

As estratégias da biopolítica da populações centram-se sobre o corpo-espécie e seguem as articulações dos processos biológicos implicados em fenômenos de massa, por meio de uma série de intervenções e controles singulares60 que administram conjuntos de fenômenos, seus efeitos e sua aleatoriedade futura.61 Enquanto as disciplinas controlavam a inserção dos corpos nos sistemas produtivos, a biopolítica produzia os ajustes necessários entre fenômenos populacionais como natalidade, mortalidade, longevidade, fecundidade, controle e erradicação de epidemias, fome, etc., aos processos econômicos e ao desenvolvimento do capitalismo.

A gênese dos direitos humanos coincide temporalmente com o aparecimento das estratégias de biopoder descritas por Foucault. Nos ins do século XVIII, a teoria jurídica europeia fundava os direitos humanos e o sujeito de direitos universal à imagem de um ideal individual, ao mesmo tempo em que o Estado e o tecido social estendiam suas malhas de controle em um sentido novo e insuspeito: a gestão dos fenômenos de larga escala. Com efeito, os direitos não desaparecem entre os deslocamentos que as formações sociais soberana, disciplinar e biopolítica sofrem; os direitos permanecem, multiplicam-se, positivam-se; no entanto, tudo passa por saber se a lógica dos direitos, e dos direitos humanos, permanece a mesma nas sociedades de soberania, nas sociedades disciplinares e diante dos agenciamentos inéditos do biopoder. É corrente a crítica segundo a qual Foucault nutriria uma visão muito estreita dos direitos,62 limitada ao direito positivo, codiicado, ignorando as alterações mais contemporâneas pelas quais a teoria do direito passava no pós-Segunda Guerra. Phillipe Chevalier observou que a analítica do poder de Foucault implicava conceber os modos concretos de exercício de poder como uma physis que se exercia sobre os corpos, de tal forma que as relações 60

FOUCAULT, 2009, p. 152.

61

CASTRO, 2014, p. 111.

62

RENAUT; SOSÖE, 1991, p. 54-55.

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Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

Disciplinas e biopolítica são, para Foucault, linhas heterogêneas de desenvolvimento de uma lógica responsável por colocar a vida e os processos biológicos no centro do cálculo governamental e da luta política: o biopoder. Seu entrecruzamento gerou uma série de tecnologias políticas, concebidas ora para atuar no nível microfísico dos corpos singulares, na sua imediatez e normalização ininitas, ora para administrar os efeitos presentes e virtuais de conjuntos de fenômenos populacionais.

O Estado de Exceção e as Formas Jurídicas

de resistência passavam a ser pensadas em termos de relações de forças e não mais de direitos.63 Eis o terreno em que se constituem as críticas contumazes a certo antijuridismo que condicionaria o pensamento foucaultiano.

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

Duas linhas de força atravessam sua concepção geral de direito. De um lado, no curso de 1976, Foucault imagina a lei como o efeito da dominação, das vitórias conquistadas na guerra; a lei extorque efeitos de paciicação social, mas sua gênese factícia deriva da lama e do sangue de batalhas reais. Nesse preciso sentido, Foucault poderá airmar que “a política é a guerra continuada por outros meios”. Por outro lado, Foucault compreende o direito como um sistema de ilegalismos que presidem o funcionamento real do direito. A cada regime, os diferentes grupos sociais engendram um certo número de ilegalismos que lhes são próprios e vão ao encontro de seus interesses, formando um sistema cujo equilíbrio relativo poderia ser sempre perturbado, ou suportado, pela concorrência dos demais.64 A exploração do sexo seria um dos exemplos mais gritantes da dupla gênese, social e jurídica, das composições de ilegalismos das quais as classes dominantes tiram proveito: em um primeiro plano, criam-se interdições, escândalos e repressões acerca da vida sexual; eis o que permite que o sexo se transforme em mercadoria difícil, cara e sujeita à exploração. O mesmo exemplo, segundo Foucault, poderia ser aplicado ao álcool, na época de sua proibição, para as drogas, o contrabando de tabaco, armas, etc.65 A lógica dos ilegalismos poderia penetrar facilmente a própria estrutura dos Estados de Direito. É o jogo judiciário, das medidas de vigilância, a presença de delatores no interior do grupo de delinquentes, que torna a prisão aquilo que ela é, e que Foucault não cessara de airmar: uma fábrica de delinquentes proissionais, cuja constituição permite manter o controle social dos ilegalismos.66 A prisão torna-se um instrumento de redistribuição da economia social dos ilegalismos, produzindo algo como uma delinquência proissional, cerrada sobre si mesma, impassível de reinserção social.67 De um lado, a prisão pesa sobre os ilegalismos populares, reduzindo-os; de outro, serve de instrumento útil aos ilegalismos da classe no poder. A gênese da lei na guerra e o funcionamento do direito como um sistema de composição social de ilegalismos não devem ser lidos como duas constantes, 63

CHEVALIER, 2013.

64

FOUCAULT, 2001a, p. 1303.

65

FOUCAULT, 2001a, p. 1598.

66

FOUCAULT, 2001b, p. 93.

67

FOUCAULT, 2001b, p. 93-94.

400

A exceção contra o estado: biopolítica e direitos humanos

Em breves e luminosas páginas de Vigiar e Punir, Foucault enuncia as condições metodológica que sustentam sua análise das relações de poder: (1) o poder não é uma coisa, mas uma relação. O poder é algo que se exerce, e que circula, não que se possui; (2) o poder não se localiza exclusivamente no Estado, de forma que mesmo os aparelhos privados de exercício de poder pudessem assumir uma espécie de qualidade estatal. Isso signiica que o poder circula sem cessar, percorrendo de forma imanente a integral do campo social. Assim, mesmo o Estado deve ser considerado antes um efeito de conjunto do exercício de poderes microfísicos que o locus privilegiado ao qual o poder pertence por essência; (3) as estratégias de exercício de poder podem encontrar-se subordinadas a uma infraestrutura econômica.69 Todavia, essa determinação é apenas relativa. Os poderes são imanentes ao campo social, sem uniicação transcendente, sem centralização global; descrevem segmentos e séries de articulações e de relações de poder, mas sem totalização possível;70 (4) o poder não possui uma essência e, circulando no campo social, não permite distinguir, de uma vez por todas, dominantes (supostos possuidores do poder) e dominados (despossuídos dele). O poder não possui essência, é operatório, e não pode ser tratado como um atributo porque implica uma relação. Assim, o poder não está nos corpos, mas circula através deles. Cada corpo constitui um ponto de vista móvel de uma relação da força com a força; (5) O poder não age como ideologia ou repressão, mas é o efeito de uma relação de forças; (6) A lei já não 68

FOUCAULT, 1997, p. 37.

69

FOUCAULT, 1999, p. 28-33.

70

DELEUZE, 1986, p. 35.

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Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

mas como duas linhas variáveis, que vão sofrendo modulações em função das variações de registros de poder que se exercem em determinada formação social. Isso signiica que a lógica dos direitos não permanece homogênea. Nas sociedades de soberania dos séculos XVII, fundadas sob o modelo da troca ou do contrato, o sistema jurídico era ediicado a im de, a um só tempo, permitir o exercício real das prerrogativas de soberania sobre a terra e seus bens, evitando o abuso de poder ou o excesso.68 Assim, o direito e a lógica dos direitos constituíam um critério de legitimidade das intervenções estatais, permitindo distinguir o mero exercício do direito do abuso. No entanto, esse é precisamente o modelo jurídico de análise de poder que Foucault parece abandonar completamente em proveito de uma analítica do poder em termos de relações de força.

O Estado de Exceção e as Formas Jurídicas

exprime o poder do Estado, distinguindo entre o lítico e o ilícito; ao contrário, ela é um campo operatório aberto a uma composição de ilegalismos que ora são privilégios da classe dominante, ora são ilegalismos tolerados como compensação às classes baixas ou para a vantagem das dominantes, ora são simplesmente proibidos e proscritos.71 Assim, o poder é descrito como uma relação de forças variáveis, intercambiáveis e polimorfas. Tais relações jamais descrevem um estado de coisas, mas um equilíbrio metaestável.

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

Na medida em que as sociedades disciplinares instalam-se como decorrência da adoção maciça de suas estratégias, opera-se um deslocamento da centralidade das leis à das normas. Isso, porém, não signiica que a lei desapareça completamente; ao contrário, a lógica da lei das sociedades soberanas entra em contato com os dispositivos disciplinares; ora se intercambiam, ora se apoiam, ora se opõem. É no contexto de sua interpenetração que se originam duas novas formas de subjetivação: o indivíduo abstrato, sujeito de direitos, constituído ou reconhecido como tal pelo contrato, e o indivíduo real, coalescente com os corpos físicos e as forças produtivas sujeitas à normalização e à extorsão disciplinar.72 Os biopoderes, no entanto, não são produtos imediatamente jurídicos, mas efeitos concretos de um saber estatístico e relacionado a um meio polimorfo.73 Trata-se de um poder exercido sobre fenômenos globais cujas regularidades as ciências de Estado podem descrever; todavia, esse novo esquema de saber-poder perde o elemento que permitia articular a soberania à disciplina: o indivíduo. Ainda assim, os três se agenciam, por exemplo, no controle policial sobre medidas sanitárias e de higiene. Nas últimas páginas de A vontade de saber, Foucault enunciava uma tese polêmica que talvez permita deduzir como a lógica dos direitos é afetada pela difusão das técnicas de biopoder e dos mecanismos de segurança. O desenvolvimento da biopolítica teria signiicado, segundo Foucault, que os objetos de reivindicação jurídica e política deixavam de ser os direitos em proveito da vida, compreendida como as necessidades fundamentais do homem, sua essência concreta. A vida passa a estar, então, não apenas no centro dos cálculos disciplinares ou governamentais mas também a ocupar o lugar privilegiado dos processos reais de lutas – ainda que sua gramática possa valer-se daquela mais 71

DELEUZE, 1986, p. 38.

72

FOUCAULT, 2003, p. 59.

73

CHEVALIER, 2013.

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A exceção contra o estado: biopolítica e direitos humanos

antiga, “dos direitos” à vida, ao corpo, à saúde, à liberdade, à felicidade, etc.; sobretudo, do direito de “encontrar o que se é e tudo o que se pode ser”.74

Em comum, as teorias críticas aos direitos humanos os concebem como mistiicações passíveis de correção, mas deixam a discussão de seu uso prático ou político em segundo plano – o que pós-marxistas como Lefort e Balibar demonstraram a seu tempo. No caso de Burke, os direitos humanos deveriam ser preenchidos pela concretude das constituições históricas e dos direitos comunitários; no caso de Marx, os direitos políticos, do cidadão, haviam sido menosprezados diante das fórmulas abstratas e ideológicas das declarações; seu uso prático só poderia conduzir a uma emancipação parcial, a da classe burguesa. A análise biopolítica parece estabelecer um ponto de vista inteiramente distinto das teorias meramente críticas. Segundo ele, não se trata de recusar os direitos, ou de demonstrar como sua ideologia permite uma emancipação social apenas parcial; tampouco de compreendê-los ingenuamente como a proclamação de valores eternos e metajurídicos. Trata-se de invocá-los e utilizá-los no seio concreto das estratégias de poder, tornando-os pontos de apoio singulares, mas não únicos, para a resistência política. Enquanto a tradição crítica dos direitos humanos notabilizou-se por adotar uma perspectiva mais ideal que pragmática, a análise biopolítica evita se pronunciar sobre o conteúdo ou a extensão dos direitos humanos, mas não deixa de concebê-los no interior 74

FOUCAULT, 2009, p. 158.

75

AGAMBEN, 1996, p. 24.

76

FOUCAULT, 2008, p. 4.

403

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

Isso signiica que os direitos não abandonam o campo das lutas políticas, mas atravessam como gramáticas de resistência ao biopoder. Não se trata de airmar pesarosamente, como Agamben parece fazê-lo, que os direitos humanos assinalam a inscrição deinitiva da vida nua natural, matável e insacriicável, nas estratégias do poder. Essa inscrição deve ser lida como um dos efeitos de conjunto que a entrada da vida nos cálculos do poder gera. É preciso ler a airmação de Agamben sem perder de vista que o poder é uma relação da força com a força: não há parte alguma da qual ele esteja ausente,75 e Foucault não cessará de lembrar-nos de seu caráter relacional, mesmo ao falar do biopoder.76 Assim, do ponto de vista da relação da força com a força, a lógica dos direitos não é excluída, mas deslocada no interior das estratégias concretas de resistência.

O Estado de Exceção e as Formas Jurídicas

de estratégias concretas de ação, fazendo-os circular como elementos reais de poder, enriquecendo os potenciais de resistência com a força empírica que sua gramática implica. Portanto, arriscamo-nos a responder à questão “A análise biopolítica implica uma crítica aos direitos humanos?” segundo dois graus distintos. Em primeiro plano, a biopolítica não implica uma crítica aos direitos humanos porque seu fundamento é uma analítica concreta das relações de poder. Em segundo plano, ela não é ideologicamente incompatível com a defesa dos direitos humanos. Entre outros, Agamben dá-nos mostras de que não cabe emprestar aos direitos humanos qualquer função redentora ou salvíica, na medida em que eles podem entrar em relações de poder como elementos de corrosão de estratégias de resistência, ou como marcas de sujeição; todavia, a força tática real que eles podem desempenhar no interior das lutas políticas concretas não pode ser integralmente subestimada.

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

A exceção contra o estado Os direitos constituem um campo problemático no interior do qual a análise biopolítica permite reconhecer novos graus de instabilidade indiciários tanto dos perigos e sujeições que sua assunção implica quanto de possibilidades inéditas de ação política. A adesão a uma das modalidades clássicas de crítica aos direitos, seja ela burkeana ou marxiana, entregava-nos um território a abandonar, seja na direção das constituições históricas e dos direitos nacionais tradicionais, seja na direção do desaio político de pensar a integral da emancipação humana. O limite da crítica que Hannah Arendt dirigiu à subordinação da lógica metafísica dos direitos humanos aos esquemas locais dos EstadosNação77 é reencontrado mais recentemente por Giorgio Agamben. Sob essa luz, para muitos parece apenas restar declarar o im dos direitos do homem procurando, para além deles, a abertura que nos faria retornar às esferas da ação e da política. Contudo, talvez a mais importante das consequências da adoção do ponto de vista interno à analise biopolítica seja produzir precisamente esta abertura ou perspectiva no seio dos próprios direitos, não apesar deles. Os direitos tornam-se linhas de força quaisquer, sempre em vias de entrar em agenciamentos concretos com outras linhas de força. De um lado, a análise biopolítica 77

ARENDT, 2009, p. 300-337.

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A exceção contra o estado: biopolítica e direitos humanos

já não pode compreender os direitos segundo sua lógica clássica, mas, ao não lhes emprestar uma função predominantemente negativa, descerra eventuais potenciais de resistência biopolítica que lhes são inerentes. Trata-se, pois, de ler Foucault sob Agamben: se o poder é uma relação de forças polimorfas e metaestáveis, os direitos humanos, mesmo na lógica dos Estados-Nação do pré-guerra, não poderiam assegurar nossa servidão ao biopoder sem se encontrarem, sempre e já, engastados a um agenciamento de resistência biopolítica. Nesse sentido, a vida biológica pode permanecer no coração dos cálculos do poder, mas a resistência surda e multiforme a ele não dispensa, necessariamente, sua enunciação sob a forma de uma gramática de direitos.

Talvez seja o caso de nos perguntarmos, a exemplo de Peter Pál Palbart,79 se Agamben não adere demasiadamente ao olhar do biopoder ao conceder-lhe uma espécie de “precedência” ontológica sobre a resistência biopolítica.80 Na medida em que Agamben airma que as declarações de direitos efetuam historicamente a operação de inscrever a vida biológica nos esquemas do biopoder moderno dos Estados-Nação, seria possível conceber aí, na relação entre exceção e direitos, uma relação positiva, ou uma posição de resistência? Para além do estado de exceção, que devora a lógica clássica dos direitos a ponto de torná-los antípodas de si mesmos, os direitos humanos poderiam fornecer um campo prévio para o desenvolvimento de uma exceção contra o estado?81 78 “[...] a vida natural que, inaugurando a biopolítica da modernidade, é assim posta na base do ordenamento, dissipa-se imediatamente na igura do cidadão, no qual os direitos são ‘conservados’ […]. [As declarações dos direitos] asseguram a exceptio da vida na nova ordem estatal que deverá suceder à derrocada do ancien régime” (AGAMBEN, 2007, p. 134-135). 79

PALBART, 2013, p. 53.

80

Precedência que, por meios diversos, criticávamos no último ensaio de Direito e Ruptura, ao demonstrar, em 2009, a ininita distância que percorre os conceitos de vida nua, de Giorgio Agamben, e de uma vida..., de Gilles Deleuze (CORRÊA, 2013, p. 304-317). 81

Precisemos o sentido da expressão “exceção contra o estado”. Quando nos referimos, aqui, a “estado” não

405

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

Eis o ponto de vista que permite agenciar estado de exceção e direitos humanos. Giorgio Agamben assinalou por mais de uma vez que as declarações de direitos humanos constituíam a igura originária de inscrição da vida nua nos esquemas do Estado-Nação. Isso signiica não apenas que, assumindo seu ponto de vista, a lógica dos direitos expõe a nudez de nossa vida ao biopoder, mas que essa exposição consiste em uma das estratégias centrais que tornaram possível fazer da vida biológica dos cidadãos o núcleo prático e político das operações modernas e contemporâneas de exceção que, no limite, excepcionam seu próprio fundamento.78

O Estado de Exceção e as Formas Jurídicas

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

Essa questão supõe que o estado de exceção não possa ser visto, mesmo no interior da obra de Agamben, como uma técnica sempre e já a serviço do biopoder. Reduzi-lo a isso signiicaria, em primeiro plano, negligenciar que o poder só pode ser concebido como uma relação da força com a força; em segundo plano, implicaria conferir um tom tão determinista quanto trágico ao que Agamben deixa permanecer indeterminado, com seus riscos e promessas: o estado de exceção concebido como zona de indeterminação entre direito e fato, interior e exterior, público e privado, corpo político e corpo biológico.82 É no corpo a corpo com esse campo excessivo e opaco que Agamben busca uma saída para a ação política. Ao contrário de Agamben, que permite entrever uma saída apenas vacilante, que se explica pela radical indeterminação que grava as condições contemporâneas do agir político, Antonio Negri, assumindo os pressupostos da microfísica do poder foucaultiana, não teme airmar que a compreensão do estado de exceção como um paradigma de governo totalizante não passa de uma representação friável. O que Negri recusa essencialmente é a redução de todas as possibilidades de gênese da subjetividade e da resistência a um centro único e totalizante de poder83 – papel que a estrutura do bando soberano parece desempenhar para Agamben. A subjetividade procede de uma espécie de ruptura, desmesura ou excesso que emerge das novas condições biopolíticas – especialmente daquelas ligadas às reconigurações cognitivas e criativas do trabalho social vivo. Assim, Negri aposta em uma dissimetria ontológica entre as operações mensuráveis dos biopoderes (a disciplina, os controles) e a potência excessiva das resistências biopolíticas. O que parece haver a censurar à preiguração que Agamben faz do estado de exceção é negligenciar, ou reputar indeterminada, ambígua e confusa, a diferença ontológica que cinde biopoderes e potenciais biopolíticos de resistência. Aí estaria, segundo Negri, o engano que levou muitos teóricos do queremos signiicar Estado-Nação, pura e simplesmente, mas designar um “estado de coisas”, a consistência atual do mundo e, mais precisamente, a atualidade dos vetores de exceção que atravessam as políticas de direitos humanos na contemporaneidade. Cf., nesse sentido, a provocante frase com que Costas Douzinas inaugura “O im dos direitos humanos”: “Um novo ideal foi alardeado no cenário do mundo globalizado: os direitos humanos. Ele une a Esquerda e a Direita, o púlpito e o Estado, o ministro e o rebelde, os países em desenvolvimento e os liberais de Hamsptead e Manhattan.” (DOUZINAS, 2009, p. 19). 82

Em uma entrevista concedida a Stany Grellet e Mattieu Potte-Bonneville, para a revista Vacarme (2000), Agamben airmava: “[...] il n’est pas question, je crois, de revenir à l’opposition politique classique qui sépare clairement privé et public, corps politique et corps privé etc. Mais ce terrain est aussi celui qui nous expose aux processus d’assujettissement du biopouvoir. Il y a donc là une ambiguïté, un risque.” 83

NEGRI, 2008, p. 50-51.

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Embora esta diferença ontológica entre o exercício dos biopoderes e a potência das resistências biopolíticas jamais seja traçada tão claramente por Foucault quanto é por Antonio Negri, é inegável que ela esteja legitimamente implicada no caráter relacional dos fenômenos de poder. Ainda assim, Agamben pode ter razão em airmar que concretamente nem sempre essa diferença seja apreciável, especialmente se essa relação se dá como um misto opaco e excessivo. Por isso, não parece demasiado insistir que se a exceção deve ser lida sob o signo da indeterminação, da ambiguidade e do risco, é porque suas operações implicam híbridos de riscos, perigos, mas também de promessas de aventuras políticas cuja experiência está por se fazer. É isso que o Foucault de Face aux gouvernements, les droits de l’homme parece ter compreendido com precedência.85 A curta intervenção que Foucault pronuncia em 1981, durante a criação do Comitê Internacional contra a Pirataria, em Genebra, é uma espécie de maciço que testemunha os deslocamentos que Foucault descrevia, no campo dos direitos humanos, no horizonte epocal da biopolítica. Foucault só pode falar de uma espécie de cidadania internacional que se abria como novo campo de reivindicações supondo a existência de um novo direito emergente junto a uma nova subjetividade concreta, no im do século XX: a da comunidade universal entre os governados de todo lugar que se insurgiam contra os abusos da governamentalidade, independentemente das identidades individuais ou nacionais. Eis uma condição subjetiva até então inédita – que mais tarde provaria suas desastrosas limitações –,86 e que criava 84

NEGRI, 2008, p. 50.

85

FOUCAULT, 2001b, p. 1526-1527.

86

WHYTE, 2012, p. 31.

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Estado a encontrar na subjetivação um produto exclusivo do poder, não raro ligada ao estado de exceção, que é apresentado como a origem de um excesso unicamente capaz de constituir subjetivações servis. O que está no fundo desse engano é o escamoteamento do caráter relacional do exercício do poder que torna possível representar o estado de exceção como um poder absoluto, que subtrai todas as saídas e potenciais de resistência. Contudo, Negri lembra não apenas que “el estado de excepción sólo puede deinirse por sí mismo en la relación que une, de manera indisoluble, el poder y la resistencia”, mas que “El poder del Estado nunca es absoluto; lo único que hace es representarse como absoluto. Pero siempre está compuesto por un conjunto complesso de relaciones que incluyen la resistencia a lo que él es”.84

O Estado de Exceção e as Formas Jurídicas

uma abertura concreta para impedir que a infelicidade dos homens, que os governos calculam e de que sempre se ocupam, não continuasse a ser “um resto mudo da política”.

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

O advento das técnicas de governamentalidade e as formações sociais biopolíticas implicarão duas internalizações capitais que alterarão as formas clássicas de compreensão dos direitos. Foucault deixou claro que a emergência do conceito de população, como centro das preocupações do Estado nos séculos XVIII e XIX, permitia que a natureza fosse internalizada em dois sentidos complementares pela governamentalidade – deslocamento que afetará, também, os moldes clássicos da subjetividade jurídica, calcados em abstrações individualistas mais ou menos universais. Em primeiro lugar, a natureza é internalizada pelas técnicas de governamentalidade na medida em que o eixo do exercício do biopoder já não é o sujeito de direitos, mas o corpo biopolítico da população.87 Em segundo lugar, a natureza é internalizada pelo regime de governamentalidade como um todo, pois já não se trata, como no clássico direito de soberania, de subjetivar o cidadão da perspectiva de um contrato social do qual a natureza é relativamente excluída, de forma que apenas os direitos naturais sirvam de limitação externa ao exercício do poder. Trata-se de tornar os direitos e liberdades, que antes derivavam da natureza, princípios internos de limitação aos esquemas governamentais.88 De certa forma, era esse deslocamento que Foucault pressentia em Il faut déféndre la société, quando se atribuiu a árida tarefa de pensar “um direito novo, antidisciplinar e ao mesmo tempo liberto do princípio da soberania”.89 Essa exigência decorre da percepção de que uma transformação se operava nos esquemas gerais de poder das sociedades modernas; que a vida, em sentido biológico ou natural, passava a ser o principal campo das disputas políticas90 e a liberdade, interiorizada aos regimes de governamentalidade, implicava uma nova composição de relações de forças descrita pela atividade do governo, destinada a conduzir as condutas dos homens, e novas práticas de liberdade vinculadas ao exercício da crítica e à emergência de contracondutas.91

87

FOUCAULT, 2008b, p. 103.

88

FOUCAULT, 2008b p. 475.

89

FOUCAULT, 1997, p. 35.

90

FOUCAULT, 2009, p. 158.

91

FOUCAULT, 2008b, p. 477.

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No entanto, as novas relações entre governantes e governados não podem dispensar completamente as formas jurídicas. Se Foucault enfatiza a correlação entre o desenvolvimento da arte de governo e o das contracondutas que lhe são correlatas, não é apenas porque a liberdade das últimas havia se tornado interna ao governo, mas porque as contracondutas eram capazes de abrir espaços de independência para os governados e ixá-los, ao menos relativamente, por meio de formas jurídicas próprias. Jessica Whyte observa que é no contexto das contracondutas que desejam estabelecer certo grau de independência dos governados que a nova forma do direito deve ser colocada, mesmo porque: “The shift from an external limitation to an internal limitation of power [...] does not avoid the problem of the appropriate juridical form through which to limit the power of governamental authorities”.92

Eis o nexo em que poderes, resistências e relações estratégicas entram em composição. Assim como Foucault nega que haja uma espécie de sucessão histórica entre os esquemas da soberania, da disciplina e do biopoder, não se pode considerar que haja formas historicamente superadas de resistir. O que há são conjuntos de modos de vida e de resistência mais ou menos apropriados ao estado atual de determinada composição metaestável de forças. Se as possibilidades de resistência são relacionais, e as contracondutas podem instituir espaços anômicos, ou de liberdade, criados no seio da governamentalidade – ora em aliança, ora em ruptura com ela –, não há razão para desprezar a lógica dos direitos nem sob o ponto de vista das estratégicas clássicas que ela coloca à disposição dos processos reais de luta, nem sob a perspectiva das contracondutas, que não podem dispensar completamente a gramática dos direitos dos governados ou de “direitos incompreensíveis para o 92

WHYTE, 2012, p. 25.

93

FOUCAULT, 2008a, p. 57-58.

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Porém, como usar os direitos humanos, os direitos dos governados, contra os governos? Foucault parece adotar, aqui, uma perspectiva crítica com um sentido absolutamente próprio, embora mais pragmático que ideal, sobre os direitos humanos: “[...] bastaria ver onde, em que país, como, sob que forma são reivindicados, para ver que, de vez em quando, trata-se de fato da questão jurídica dos direitos do homem e, no outro caso, trata-se dessa outra coisa que é, em relação à governamentalidade, a airmação ou a reivindicação da independência dos governados”.93

O Estado de Exceção e as Formas Jurídicas

sistema clássico”.94 Portanto, não se trata de dizer o que os direitos devem ser, mas de tentar concebê-los no interior de estratégias concretas de ação. Fazêlos circular como elementos reais, enriquecendo a resistência com sua força empírica. Os direitos, tanto na sua gênese, quanto no seu exercício, tanto sob sua forma histórica universal e metafísica, como sob a forma das contracondutas, está sempre mais próximo da exceção do que da lei. Na medida em que o campo jurídico pode ser deinido como uma composição de ilegalismos,95 essa airmação arriscada, que supõe o Estado de Direito muito mais como um tensionamento metaestável de relações de forças que de formas decantadas, adquire seu sentido próprio e especial.

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

Gilles Deleuze, por mais de uma vez, tantos em suas obras tardias quanto em entrevistas, parece exprimir uma profunda recusa a respeito dos direitos humanos, dirigindo-lhe palavras que, de tão duras, são apenas comparáveis às do Marx de A questão judaica.96 Em que sentido Deleuze airma que os direitos humanos constituem “abstrações puras”, “discursos para intelectuais odiosos, sem ideais próprias; […] dementes, verdadeiros hipócritas [...]”, artíices de um “pensamento demasiadamente débil e sumário”?97 Trata-se efetivamente de uma recusa dos direitos humanos, ou a aparente violência do discurso deleuziano merece ser nuançada? Alexandre Lefebvre airma que Deleuze não dirige sua crítica aos direitos, mas aos discursos dos direitos humanos.98 Se a virulência parece ser compartilhada com Marx, uma diferença pregnante entre ambos permite divisá-los: enquanto Marx compreende os direitos humanos como uma mistiicação burguesa dissimulada sob os apelos à humanidade dos homens, Deleuze os vê como uma mistiicação capitalista dissimulada sob uma crítica da mistiicação burguesa.99 O ponto central da crítica deleuziana ao discurso dos direitos humanos encontra-se no fato de que “Os direitos do homem são axiomas: eles podem coexistir com muitos outros axiomas, especialmente na segurança da propriedade, que os ignoram ou ainda os suspendem, mais do que os contradizem

94

FOUCAULT, 2009, p. 158.

95

DELEUZE, 1986, p. 37.

96

SUTTER, 2009, p. 67.

97

DELEUZE, L’ Abécedaire, “G comme Gauche”.

98

LEFEBVRE, 2008, p. 83.

99

SUTTER, 2009, p. 67-68.

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[...]”.100 O que está em jogo na aparente recusa de Deleuze a respeito dos direitos humanos? A questão concreta da resistência à axiomática universal do capitalismo, que organiza os demais universais das democracias contemporâneas, suspendendo-os ou exceptuando-os. Ainda, a forma como todos os universais das democracias ocidentais podem ser, atualmente, reconduzidos ao verdadeiro universal dos Estados-Nação no capitalismo: o dinheiro.

A crítica de Deleuze, aparentemente tópica, remete a uma oposição mais profunda que percorre toda a sua obra. Em Empirismo e subjetividade (1953), Deleuze distendia a partir de Hume uma oposição entre instituição e direito. Enquanto as instituições remeteriam ao campo aberto, criativo, inventivo e positivo do social, os direitos conservariam marcas de negatividade na medida em que constituem conjuntos dados, fechados, universais e a priori.102 Esta oposição, que remonta à primeira monograia de Deleuze, estende-se subterraneamente até suas preocupações mais tardias, com as formas normativas da política. Nestas, já não se trata de opor a negatividade dos direitos à positividade das instituições, mas de fazer um corpo a corpo com a inventividade do campo social que lhe permitiria airmar que “A jurisprudência é a ilosoia do direito, e procede por singularidade, por prolongamento de singularidade”.103 Deleuze não cessou de demonstrar seu profundo desinteresse pelas leis e pelos direitos, exceto na medida em que estes deixavam de ser o que sempre foram – formas abstratas, novos universalismos, reconigurações da transcendência – para habitar o seio singular e problemático dos casos. Assim como Marx, ou Burke, Deleuze reputa os direitos humanos contidos nas declarações como abstrações puras, ineicazes, mas substitui sua refundação sobre novos universais abstratos (o comunitarismo nacional de Burke, a utopia revolucionária 100

DELEUZE; GUATTARI, 2007, p. 139.

101

DELEUZE; GUATTARI, 2007, p. 140.

102

LEFEBVRE, 2008, p. 55.

103

DELEUZE, 2008, p. 191.

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Esse é o contexto em que os direitos humanos surgem como objeto de uma recusa aparentemente radical, como puras abstrações que, no limite, arriscam fazer-nos abençoar o capitalismo. Nem os discursos dos direitos humanos, nem os direitos humanos inscritos em declarações históricas, servem para resistir ao presente porque “Os direitos do homem não dizem nada sobre os modos de existência concretos do homem provido de direitos”.101

O Estado de Exceção e as Formas Jurídicas

de Marx), pela jurisprudência compreendida como uma ilosoia pragmática de casos e problemas.

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

A abstração que Deleuze reprova à lógica comum dos discursos dos direitos reside na sua completa independência de situações concretas. No entanto, isso não implica uma recusa pura e simples dos direitos humanos, como Paul Patton104 e Alexandre Lefebvre105 demonstraram. Sua crítica aos direitos humanos está fundada mais sobre um deslocamento perspectivo do que sobre uma recusa real. Isto é, se há recusa, ela não atinge os direitos, mas o ponto de vista representativo de direitos que nada têm a dizer sobre “os modos de vida concretos dos homens providos de direitos”. Trata-se, portanto, de trocar o ponto de vista a priori e universal dos direitos como proclamações de valores eternos e metajurídicos pela apreensão concreta, situacional e pragmática de sua criação. O gesto deleuziano não é apenas simétrico à antiga oposição entre a criatividade das instituições humeanas no campo social e a negatividade limitativa dos direitos; é simétrico à integral de sua ontologia, que deseja conceber um conceito imanente de diferença que não passe pelas formas do negativo.106 Sob esse ponto de vista, a doxa dos discursos sobre direitos humanos e sua axiomática universal formam um círculo de servidão voluntária que nos liga aos Estados modernos como esteios de realização de um novo, uno e transcendente universal: o capital-dinheiro.107 Contudo, liberada das formas da representação, a própria noção de crítica, mesmo em sentido normativo, pode ser renovada: não se trata de assumir uma posição normativa prévia que forneceria um critério de análise e discriminação, mas de compreender que a criação é a única forma possível de crítica e de resistência ao presente.108 Se os discursos e representações abstratas dos direitos humanos são axiomas capazes de coexistir com outros 104

PATTON, 2005, p. 59.

105

LEFEBVRE, 2008, p. 85.

106

DELEUZE, 2006, p. 16.

107

Ao ser questionado por Raymond Bellour e François Ewald sobre sua postura distante a respeito do movimento pelos direitos do homem, Deleuze responde: “Se se trata de reconstituir transcendências ou universais, de estabelecer um sujeito de relexão portador de direitos, ou de instaurar uma intersubjetividade de comunicação, não estamos diante de uma grande inovação ilosóica. Quer-se fundar um ‘consenso’, mas o consenso é uma regra ideal de opinião que nada tem a ver com a ilosoia. […] Ewald mostrou como os direitos do homem não se contentavam com sujeitos de direito, mas suscitavam problemas jurídicos interessantes sob outros aspectos. E em muitos casos os Estados que pisoteiam os direitos do homem são tamanhas excrescências ou dependência daqueles que os reivindicam, que mais parecem duas funções complementares”. 108

LEFEBVRE, 2008, p. 76.

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A exceção contra o estado: biopolítica e direitos humanos

Apenas a jurisprudência, segundo os múltiplos sentidos que o termo adquire na intersecção entre o francês e o inglês (caso, regra concreta, série de precedentes, teoria e ilosoia jurídica, criação radical), pode inletir essa lógica de suspensão dos universais (dos direitos humanos) pelo Universal (do capitalismo). Quando se refere à jurisprudência, Deleuze está menos preocupado com seu aspecto institucional – “ela não deveria ser coniada aos juízes” – do que com seu sentido genuinamente criador, crítico e político; isto é, está mais interessado na gênese dos direitos que nas estruturas empíricas que a condicionam.110 Prova disso é a proposta presente em Empirismo e Subjetividade: “Temos de perguntar como a invenção da regra é possível. Essa é a questão principal”,111 e como ela se dá como um efeito de criação, invenção ou artifício. Se abstrações nada têm a dizer sobre os modos imanentes de vida dos homens providos de direitos, é para a pura exterioridade de seus modos reais de vida que devemos olhar; desviar o olhar dos valores eternos e metajurídicos proclamados nas declarações em proveito dos casos. Trata-se de combater a suspensão dos universais em proveito “do Universal” criando, em sua continuidade interna, uma pequena ruptura por onde o Exterior, capturado fora, possa passar e criar um problema. Em L’Abécédaire, o caráter exemplar do caso da proibição de fumar no interior de táxis parisienses permite compreender a natureza das operações que deinem o que Deleuze compreende por jurisprudência. Houve um tempo em Paris em que muitos passageiros fumavam nos táxis. De um momento para 109

De certo modo, é o que Jacques Rancière (2015) nota na política francesa contemporânea: discriminação, exclusão xenófoba, segregação étnica e social são alguns dos efeitos paradoxais da desconexão entre os valores republicanos universais, “coniscados e manipulados” pelo Front National, de Marien Le Pen, e a situação política concreta em França. 110

DELEUZE, 2008, p. 190.

111

DELEUZE, 2001, p. 38.

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axiomas e universais que presidem a suspensão dos primeiros, que tornam sujeitos de direitos humanos, Estados-Nação e mercado internacional solidários em sua violação, é porque são efeitos de criação dos quais todo vínculo potencial com a exterioridade foi subtraído. Fazer do universal uma maneira de manter a exterioridade permanentemente do lado de Fora é o que o torna toda universalidade os direitos abstrata e susceptível à excepcionalidade que a axiomática do capital lhe impõe.109 Eis por que Deleuze airma que os universais dos discursos dos direitos humanos são coisa de “intelectuais sem ideias”, “verdadeiros hipócritas”.

O Estado de Exceção e as Formas Jurídicas

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outro, mesmo motoristas fumantes passam a proibir seus clientes de fumarem e causam um enorme escândalo, que perdura até que alguém, que não desejava ser impedido de fumar, processa a companhia. A decisão, que Deleuze considera inimaginável hoje, é-lhe favorável sob o seguinte fundamento: o usuário do táxi é comparado a um locatário de apartamento, que pode usar, gozar e fruir do bem locado – o que inclui, se lhe convém, fumar em seu interior. A assimilação jurisprudencial considerava o táxi uma espécie de apartamento sobre rodas, cujo usuário seria o equivalente de um locatário, titular dos direitos decorrentes da locação. Dez anos mais tarde, reconhece Deleuze, quase já não há mais lugares em que se possa fumar. Os táxis já não assimilados à locação de apartamentos, mas a um serviço público – e, em serviços públicos, pode-se proibir de fumar. O que interessa Deleuze em um caso aparentemente tão ordinário, que dispõe de uma solução tão frugal para os juristas – o uso da analogia –, é a percepção essencial de que os casos não dizem respeito a direitos, mas a situações; que os contextos situacionais que condicionam um caso agenciam o necessário, pois uma decisão é exigida, e o acidental, na medida em que o caráter empírico do problema reintroduz a exterioridade que a lógica dos direitos captura, por deinição, fora de si mesmos. O caso é o agenciamento concreto que torna o direito susceptível a uma exterioridade e expõe um estado de coisas a mutações heterogêneas por meio de distribuições diferenciais dos conceitos. No agenciamento em questão, o problema é “a que um táxi equivale?”. O direito ou a interdição de fumar são efeitos de criação que decorrem da forma como um conceito é distribuído: táxi-locação, táxi-serviço público. Eis porque Deleuze pudera airmar que “a jurisprudência é a ilosoia do direito”. Compreendê-lo fornece uma pista para precisar o sentido de sua crítica aos direitos humanos. No mesmo trecho de L’Abécédaire (“G, de gauche”), Deleuze airma que “os direitos humanos não existem, o que há é a vida, direitos da vida”; e tais direitos não existem precisamente porque, tomados no nível discursivo da inteligenstia que Deleuze diz ser “odiosa, hipócrita, demente e sem ideias próprias”, não passam de formas que, para permanecerem universais, dispensam a natureza problemática dos agenciamentos. Por um lado, Deleuze airma que as declarações de direitos não são feitas pelos diretamente envolvidos; por outro, como Lefebvre reconhece:

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A exceção contra o estado: biopolítica e direitos humanos

O caso pode ser deinido como um campo situacional em que pode vir ter lugar um acontecimento. Casos são frutos de práticas tópicas, não axiomáticas; no entanto, os casos não se deinem como “acontecimentos”; eles se contentam em requerer a possibilidade de um acontecimento.115 Não são efeitos de legislação, mas efeitos práticos da jurisprudência, das associações e composições que tanto podem conduzir a repetições nuas quanto a inovações radicais. O problema em função do qual um caso se exprime indica a atualidade absoluta de uma situação que exige recuperar a articulação perdida – porque universalizada – entre uma Regra abstrata e estável e a concretude pulsante e potente de seu Fora. Eis o ponto em que a atualidade de um agenciamento concreto conecta o que há de necessário em um caso – seu caráter situacional – com a contingência das virtualidades criativas de que ele é portador por meio de um processo de contraefetuação de um estado de coisas. Eis, também, o ponto em que tocamos a sombra das operações de exceção que atravessam toda e qualquer decisão que fecha o círculo que vai do necessário da situação 112

LEFEBVRE, 2008, p. 83.

113

DELEUZE, 2001, p. 36.

114

DELEUZE, 2001, p. 38.

115

SUTTER, 2008, p. 98.

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Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

“All the abominations people suffer are cases”.112 É o caso dos armênios que permite agenciar a concepção geral da jurisprudência como ilosoia do direito por excelência com sua crítica à axiomática dos direitos humanos. Ainda em L’Abécédaire, Deleuze precisa a situação: há um enclave armênio na república soviética, e há um massacre dos armênios pelos azeris; quando os armênios decidem se refugiar em sua república, ocorre um terremoto. Eis a situação: homens e mulheres que passaram pelas piores provas, vindas dos homens e também da natureza, às quais os direitos humanos nada teriam a dizer de concreto, justamente porque jamais se consultaram os povos armênios sobre os direitos contidos nas declarações. Aqui, Deleuze parece querer dizer algo parecido com o que encontrava em David Hume, sobre a generalidade das regras morais: “A função da regra é determinar um ponto de vista estável e comum, irme e calmo, independente de nossa situação presente”.113 Nesse sentido, a regra exerce uma função extensiva e corretiva: corrige nossas paixões, fazendo-nos esquecer nossa situação presente, e “transborda”, por essência, “os casos dos quais nasceu”.114 Essa é a espécie de generalidade que imuniza os discursos dos direitos humanos contra os agenciamentos concretos.

O Estado de Exceção e as Formas Jurídicas

à contingência do problema e, desta, mais uma vez ao necessário dos efeitos de criação da jurisprudência. Esquematicamente, eis como Deleuze concebe uma ontologia dos casos, da criação de direitos e de seus efeitos de real: {Caso} = [Situação: Regra/Fora] → [Problema] → [Jurisprudência (criação de direitos/efeitos de real)]







[Agenciamento (Atual)] → [Contraefetuação (Virtual)] → [Atualização]

ᐁ [Necessário]

ᐁ →

[Contingente]

ᐁ →

[Necessário]

Terceira Parte - Muito Além do Estado de Exceção

O que faz da jurisprudência uma ilosoia do direito digna deste nome, para Deleuze, é o potencial de agenciamento – ausente tanto nos direitos humanos constantes das declarações históricas quanto de seus discursos. Nenhum direito concreto pode ser criado, nenhuma situação vivida pode ser alterada, para além dos agenciamentos dos casos, aos quais a jurisprudência, compreendida em sentido deleuziano como a verdadeira ilosoia do direito, deve responder como foco de resistência àquilo que um tempo tem de intolerável. Eis a issura que o campo social cria no jurídico: eis o ponto pelo qual a normatividade pode fazer passar a política para fazer de uma exceção contra o estado uma das referências de resistência política inerentes à jurisprudência. Os direitos humanos não têm quaisquer problemas a resolver; as declarações são mais as cinzas imemoriais de situações revolucionárias que marcos eternos para a alteração de estados de coisas. O que há de paradoxal neles é poderem compreender, no interior de sua generalidade, universalidade e impotente vagueza, exceções situacionais, na medida em que jamais poderão fazer frente à singularidade dos casos dos quais seus universais são transbordamentos desencarnados. Isso não signiica que os direitos humanos não possam ser concebidos como elementos de um agenciamento. Deleuze jamais recusa os direitos enquanto tais: o que ele recusa é imaginar que as soluções de casos e direitos derivem da generalidade das regras; pelo contrário, os agenciamentos concretos não apenas precedem as regras gerais (e as exceções que estas comportam), como as criam. Muito mais do que recusar a lógica dos direitos humanos, a análise biopolítica, limitada aqui à discussão de dois de seus mais importantes precursores, não nos entrega a qualquer das formas clássicas de crítica aos direitos humanos. 416

A exceção contra o estado: biopolítica e direitos humanos

Jamais se trata de denegrir o universalismo das declarações para soldá-lo a um novo universalismo; trata-se de compreender como os direitos funcionam no interior de agenciamentos concretos de poder, com suas ambiguidades, perigos e promessas. Foucault e Deleuze, longe de serem críticos tradicionais dos direitos humanos – ainda que, à primeira vista, seus argumentos possam guardar para com estes uma semelhança qualquer – oferecem dois pequenos e capitais ios que podem servir como armas para resistir àquilo que o presente comporta de intolerável: o direito dos governados e as contracondutas, como formas de liberdade internas à governamentalidade, de Foucault; a exigência de criação de direitos e de mundo, interiores aos casos, segundo a jurisprudência de Deleuze. Para além das formas jurídicas do estado de exceção, duas formas de fazer iniltrar, no direito, práticas de exceção contra o estado.

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