A dialética da esperança. Uma interpretação do pensamento utópico de Ernst Bloch

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A dialética da esperança. Uma interpretação do pensamento utópico de Ernst Bloch

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PIERRE FURTER

StRIE RUMOS DA CULTURA M ODERNA Vol. 46

PIERRE

FURTER

A DIALÉTICA DA ESPERAN CA Uma interpretação do pensamento utópico de Ernest Bloch

Paz e Terra

©

Pierre Fu rter

Capa: Laura Gasparian

S/A S/1222

EDITORA PAZ E T E RRA .Av. ' Rio B ranco 1 56 -

R I O DE JAN EIR O - G B

1 974

I m presso n o B ras il Printed i n B razi l

À memória de

FERNANDO O. M OTA

"S ist noch nicht P.

das Proletariat ist noch nicht aufgehoben, die Natur lst noch nicht Heimat, das Eigentliche ist noch nicht Pradizierte Wirklichkelt" ERNST BLOCH

"La libertad dei Nuevo Mundo es la esperanza dei Universo" SIMON BOLIVAR

S U M A R I O

PREFACIO 13 N OTAS 15 ABREVIATURAS AGRADECIMENTO -

-

-

CAPiTULO 1 : 1 .1 1 .2 1 .3 1 .4 1 .5 1 .6 1 .7 1 .8 1 .9 Notas do

19

DA UTO PIA A REVOLUÇÃO : UM ITINER ARIO

Uma vida errante 23 As l i mitações de uma esperança cósmica "26 Música e esperança SO Sobre o estilo da reflexão bloquiana 33 A atualização do passado filosófico 40 N a d iscrepância dos tempos 48 Sobre o nazismo 59 A esperança e o "Bem Supremo" 66 Oswaldo de Andrade: o revisionismo no Brasi l Capítulo 1 72

-

21

-

-

-

-

-

-

-

-

-

70

-

CAPITULO 2: 2.1 2. 2 2.3

17

-

O PRINCIPIO DE ES PERANÇA - 77

As ra ízes antropológicas da esperança 79 D o impulso à tendência 87 O papel da imaginação na consciência antecipadora -

-

-

94

2.4

A obra de arte como laboratório e festa - 1 01

2.5

Sobre o uso humano da obra de arte - 1 05

2. 6

A dialética dos possíveis - 1 1 1

2. 7

O fundamento ontológico da o "ainda-não-sendo" - 1 1 5

2.8

Do princípio de esperança

esperança:

à "spes militante" - 1 1 9

Notas do Capítulo 2 - 1 22 CAPITULO 3:

A REDESCOBERTA DA UTOPIA - 1 25

3.1

Além do sociologismo - 1 27

3.2

Miséria e grandeza do

3.3

Um inventário enciclopédico das utopias - 1 35

"utopismo" - 1 28

3. 4

As funções do pensamento utópico - 1 45

3.5

A utopia como dialética antecipadora - 1 5 1

3.6

A "antiutopia" - 1 55

3. 7

Da comunicação da utopia - 1 59

Notas do Capítulo 3 - 1 64 CAPITULO 4:

O ATE(SMO COMO RADICALIZAÇÃO DE UMA FÉ REVOLUCIONA RIA 169 -

Um ateu tranqüilo - 171

4.1 4.2

O ateísmo como metareligião

4.3

A dimensão utópica do "espírito do Exodo" - 1 75

4.4

O Reino de Deus como "utopia concreta"

4.5

O "reino da liberdade" e as dimensões políticas da fé - 183

4.6

"Os mortos voltam sempre": a atualidade de Thomas Münzer, o teólogo da Revolução - 1 89

4.7

As ambiguidades da libertação pela fé - 202

4.8

Da necessidade do ateísmo

Notas do Capltul '4 CAPITULO 5:

-

-

-

1 73

-

209

212

UMA GNOSE OU UMA TEORIA MARXISTA?

5. 1

Os teólogos podem entender Bloch? - 221

5.2

Uma esperança sem garantia - 224

5.3

i: possível esperar, hoje? - 229

5.4

A tentação do trágico - 235

Notas do Capítulo 5 - 240 APl:NDICE

-

1 80

244

ORIENTAÇÃO PARA UMA LEITURA DE BLOCH - 244 BIBLIOGRAFIA - 255

-

219

PREFACIO

Depois de G. Lukàcs (1), de A. Gramsci (2), porque agora focalizar a atenção sobre Ernst Bloch, e não, sobre os fundadores, sejam Hegel, Marx (3) ou Engels? Não será contribuir para perpetuar uma situação de margina­ lidade - último traço de um colonialismo cultural apenas superado - ao favorecer esta busca ansiosa do herético em vez do fundamental, do epfgono revisionista em vez do autor original? Não estamos preferindo estes textos e autores porque, de fato, oferecem menos resistências às glosas, às paráfrases, ao uso e abuso de fáceis inter­ pretações? Existe, portanto, o risco de que, depois de ter consumido Lukàcs, Gramsci e tantos outros. . . a "an­ tropofágica intelligentsia" brasileira também faça o mes­ mo com Bloch. Mas, de qualquer modo, seria pouco na linha do pró­ prio Ernst· Bloch, renunciar por medo de um risco. A formidável disponibilidade e a abertura total das novas gerações de intelectuais da América Latina a tudo que tem interesse, não devem ser vistas apenas com ironia

13

e ceti cismo. Devemos aceitá-las como uma provocação a aprese ntarmos o m e l h o r, e da melhor maneira possíve l . Afi nal, q uando certos e u ropeus gozam a versat il idade e a supe rfi cialidade latino-ameri cana, não o fazem para j us­ tificar o seu próprio medo d i ante de cada novidade? Es­ tes traços q ue tão fac i l mente eles denunciam numa "soi­ disante" menta l i d ade l atino-americana, não são afi nal me­ ros pretextos para mante r o "statu quo" herdado de uma situação colon i a l , hoje neoco l o n i a l ? Para nós, ao contrário, a d ispon i b i l idade que s e nota na América Latina de h oje, em geral e, mo rmente no Bra­ s i l , para tudo o que poderia esc larecer d i reta ou i n d i reta­ mente um ou outro aspecto da situação vi gente, sign ifica sobretudo uma oport u n idade, a ú l tima talvez, para co me­ çarmos um d iálogo, at ravés do qual o q u e é ainda válido (e só isto) na trad ição eu ropéia poderá conhecer novos desenvolvi mentos, até n ovas fo rmas surpreendentes. O que é particularmente cl aro no caso do marxismo em ge­ ral , o é ainda mais para todos os "herét icos" (4), que n u nca tiveram a ocasião h istó rica de rea l mente ser l i d os, d iscuti dos, desenvolvidos até às suas ú lti mas conseq üên­ cias. Ass i m, esta poderosa curiosidade lati no-ame ricana é mu ito mais um fermento do que o s i n al de uma insta­ b i l idade ou de u m a superficialidade. Ac rescenta uma nova d i mensão ao nosso m u ndo, obrigando-nos a rever as h ierarq ui as tradicionais de valores como os j u ízos mais evidentes nos quais p rendemos o que pensávamos ser "a tradi ção oc idental". Devemos, pois, nos perg untar se cer­ tas i déias, ce rtas ob ras e até certos autores não foram de propósito esq uec i d os ou omitidos porq ue nós, os � u­ ropeus, não éramos capazes de os ass i m i l a r ou, q u e achamos a p r i o r i que poderiam s e r perigosos . . . para nós. Numa outra sit uação, em outras c i rcu nstânc ias, como as que a América Lati na está vivendo hoje, eles poderiam mu ito bem ressurg i r, conhecendo u m novo destino que não prevemos. A vontade de fal ar e de esc rever sobre Ernst Bloch não surgiu, portanto, de u m entusiasmo subjetivo provo­ cado pe la sim ples novidade d i ante de um autor desco nhe­ cido, nem nasceu d e uma arrogante convicção de q u e B l o c h t i n h a qualquer " m ensagem" para a América La14

ti n a , mas do nosso espanto d i ante da atual idade e d a justeza d o s e u pensamento n u ma situação q u e n u n c a t í­ n hamos previsto nem i magi nado. Foi a parti r de u m a experiência pessoal de revisão d e val o res, no período agita d íssi mo em que desde 1962 tentamos entender a si tuação l ati no-americana que uma obra q u e aparec i a es­ tra n h íssi ma na Su íça, tornou-se concreta e m i l itante n u m contexto e m q u e u m a ge ração i ntei ra vive o d rama d e u m a geração frustrada. O q u e era "exótico" e hermético n u m a Eu ropa roída por u m profu ndo cet i c ismo, aparece eficaz e certo num conti nente proj etado pelas suas aspi­ rações para u m futuro que ai nda mal percebe. Ass i m fortaleceu-se, aos poucos, a idéia e o desejo deste l i vro, no q ua l pelo cam i n h o d ifíc i l de um d i ál o g o i mag i n ário entre a p róp ria o b r a de Ernst B l oc h ( represen­ tada por uns fragmentos t rad uzidos com a vaga espera nça q u e possam um d i a inte ressar u m editor), u m a análise c r í­ tica posta numa perspectiva h i stórica e leitores su postos e dis postos, gostarfamos de convencer d a atu a l i dade e da fertil idade de u m pensamento p ratica mente descon he­ c i d o fora do mundo germânico (5) . Este l i vro, será, p or­ tanto, fragmentário, como convém a uma medi ação tão provisória q uanto o momento h i stórico que estamos vi­ vendo. Que estas pág i nas sejam "o fi m do começo" de u m a autêntica interpretação lat i n o-americana d e Bloch - i n­ terpretação que só poderá ser real i zada, a l i ás, pelos p ró­ prios l ati no-americanos. Caracas, setembro 1968.

NOTAS PARA O PREFÁCIO 1.

Consultar a antologia, coordenada e prefaciada por L. Konder, de Ensaios sobre Literatura (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965, 235 p.).

2.

Ver a antologia organizada por C. N. Coutinho e intitulada: A Con­ cepção Dialética da História (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1966, 342 p.).

15

3.

Assim, para dar um só exemplo, nos parece muito significativo que num pais em que os cientistas sociais se referem tanto a Karl Marx, Das Kapltal só agora esteja vertido em português!

4.

Neste sentido, foi muito simpático o esforço de Vamireh Chacon em fazer o elogio da heterodoxia no seu Galileu• Modernos (Edi­ tora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1962, 1 42 p.), onde o au­ tor recolheu numa visão caleldoscópica todos os heréticos possí­ veis da atualidade. Mas, hoje, não será que devemos ir além da citação truncada, da antologia, por amplo que seja o catálogo pro­ posto? Não será preciso que os leitores sejam obrigados a Ir até os textos de maneira a aprofundar o seu pensamento e a sua re­ flexão num contato direto com os outros, e não continuar engu­ lindo, antropofagicamente, uns conceitos dispersos, palavras exó­ ticas, norr'3s estrangeiros e soltos? · No entanto, é bastante simbólico que a primeira tradução numa língua estrangeira de um tezto de Bloch, tiveses sido publicada em 1 949 no México. Trata-se de EI Pensamiento de Hegel (Edito­ ra Fondo de Cultura Económica, México, 1 949, 470 p.), infeliz­ mente, esgotado e nunca mais reeditado, malgrado a procura ...

5.

16

A B R E V I A TU R A S Para simplificar as referências, todas as citações de trechos da obra de Ernst B l och serão assinaladas por duas letras Indicando o texto original na edição alemã mais recente, seguidas do número das páginas citadas. Sejam : AL

Avicenna und die Aristotelische Linke, 1963.

DW

L>urch die Wüste, 1 9e4.

EZ

Erbschaft dieser Zeit, 1 962.

GU

Geist der Utopie, 1 964.

LA

Li!erarische Aufsatze, 1 965.

MM

Der Mensch ais Mõglichkeit, 1 965.

NW

Naturrecht und Menschliche Würde, 1961 .

PG

Philosophische Grundfragen 1, 1 96 1 .

PH

Das Prinzip Hoffnung, 1 957.

PS

"Processus et structure", comunicação de Bloch a u m colóquio· cujas atas foram publicadàs em Genêse et Struc­ ture, 1 965.

SN

Schadet oder Nützet Deutschland eine Niederlage seine Militara? 1 91 9.

SO

Subjekt-Objekt: Erlauterungen zu Hegel, 1 962.

SP

Spuren, 1 959.

TI

Tübinger Einleitung in die Philosophie 1, 1 963.

Tii

Tüblnger Ei;h.Jitung in die Philosophle li, 1 964.

TM

Th. Münzer ais Theologe der Revolution, 1 962.

UM

Uber Karl Marx, 1 968.

VI

Verfremdungen 1, 1 962.

VII

Verfremdungen li, Geografica, 1 964.

WF

Wiederstand und Friede, 1 968.

17

AGRADECIMENTO

M u i tas foram as i n d icações, as sugestões e as cr íti­ cas q ue, nos sucessivos avatares deste trabalho, recebe­ m os generosamente de n ossos amigos. Que G raham W. J. Rand les , Henri Desroches, André Du mas em Pari s ; Leopol­ d o J . N i i l us em Buenos Ai res; Ch ristian Lal ive d ' E pinay em Santiago d o C h i l e ; Ivan l l i c h em M éxico ; Richard Shau l l em Princeton ; N i l sa de Mello Teixei ra, Wal d o Cé­ sar, Ru bens Alves no R i o e sobretudo J u l ieta Calasan no m u ndo, possam enco ntrar nestas pág i n as a resposta correta às suas i nterrogações. G ostaríamos de ag radecer particularmente a Sulamita d e B ritto, G i sél ia Franco Potengy e J u lieta Calasans de ter dado ao texto, nas d iversas etapas de sua elaboração, uma forma mais " ortodoxa".

·

Caracas, setem b ro 1 968.

19

(



Capít u l o 1.

DA UTOPIA A REVOLUÇÃ O : UM ITINERAR I O

1. 1

Uma vida e rrante.

1 2

As l i mitações d e u m a esperança cósm ica.

1 3

M úsica e esperança.

1 .4

Sobre o estil o d a reflexão b l o q u i a n a .

1. 5

A atualização d o passado filosófi co.

1. 6

Na discrepância dos tempos.

1 7

Sobre o n azismo.

1. 8

A esperança e o " Bem Su premo".

1. 9

Oswald de Andrade: o revisionismo n o Bras i l .

.

.

.

21

Esta expl oração não é obra d e deuses, m as d o h o me m. É o homem, com a sua capacidade de conhecer, que se transforma em "capacidade d e saber", o a utor do desenvolvi­ mento cultural.

FERNANDO O. M OTA

22

1.1 Poucas fig u ras contemporâneas encarnam co m tanta nobreza e p rofundidade as contrad ições d a condi­ ção h u ma n a moderna como o fi l ósofo alemão E rnst Bloch q u e , antes de meditar e e laborar a categoria d e espera n ç a e m função d a s n ecessidades e d a s aspi rações d o n osso tempo, soube fazer d a s u a l on g a vida u m testem u n h o i ncessante de u m a espe rança concreta para o séc u l o XX, vivido por ele e m toda a sua p l e n itude, até o amargor. Nascido e m 1885, e m Ludwigsh afen , e m p l e n o m e i o o pe rário, Ernst B l o c h d escob re, s i m u l taneamente, as p e rs­ pectivas e os i m passes d a civi l i zação i n d ustri al. Con­ vencido d a necessi dade d e u m a revo l ução soc i a l i sta p a ra superar esta contradi ção, opôs-se, m uito cedo, ao m i l ita­ rismo do I m pério a l emão q u e podia enganar as massas operárias por um i l usório nacionalismo i m pe rial ista. E m 1917, escolhe conseqüentemente o exíl io, n a S uíça , nã o para escapar a u m a g ue rra q ue con ·d ena, mas para p re­ parar o após-guerra depois d e tudo que p revi ra. A l g u ns d e seus companhei ros d e exíl i o e uns d os seus amigos m a i s p róxi mos formarão, mais tarde, o famoso g ru p o dadaísta d e Zurich. Bl och preferi rá, a esta atitud e q ue se esgotará nas manifestações s i m bó l icas, um c o m p ro misso franca­ mente político, co laborando reg ul armente n o d i ário anti­ i m perial ista dos rep u b l icanos a lemães : a "Freie Zeitu n g " , p u b l icado d u rante t o d a a g ue rra e até 1919, e m Berna. A d e rrota alemã perm ite-lhe a primeira expe ri ên c i a de real i zação da sua esperança n u ma renovação a lemã. Vol­ ta à Alemanha, tendo p u b l icado um m a n i festo (SN) n o q u a l sustenta p u b l icamente e escandalosamente para o s

23

n acional istas peq ueno-bu rg ueses, q u e a d e rrota alemã, sendo u m a derrota de m i l itares e não d o povo, longe de m arca r o fim d a n ação, é antes d e tudo u ma ocasião h istórica para que o povo a lemão reflita sobre os seus e rros históricos, sobre a su a passividade e o seu alienado patriotismo, para se empenhar n a construção d e uma n ova sociedade. O fracasso da esq uerda " l ibertária", q uando da in­ s u rreição spartakista selvagemente repri mid a, e , em se­ g u ida, a l enta, m as i nexorável falência da Repúbli ca l i be­ ral de Wei mar, d i m i n uem p rog ressivamente as possi b i l i­ d ades de realizar este p rojeto sem que, por isto, Bloch reduza s u a obsti nada l uta contra u m novo i n i migo, muito mais mal éfico do q ue o i m peri al ismo prussiano. Com efeito, aproveitando a frustração criada pelo fracasso imperial ista, aparecem as primei ras manifesta­ ç ões de um nacionalismo exacerbado, no q u al vão pac­ tuar a b u rg uesia al emã, o futuro nacional-social ismo (os nazistas) e . . . os m i l i tares vencidos. A ind a que Ernst B l och esteja dedicando-se a i mportantes trabal h os c ien­ tíficos em que esboça u m a n ova i nterp retação da u to p i a ( G U ) , reabi l ita a f i g u ra d e· Th omas M ü nzer - o i nfe l i z teó­ logo das g u e rras d os camponeses (TM) -, e l e não deixa q e l ado a evol ução da rea l idade pol ítica alemã. Desem­ penha, portanto, uma i ntensa atividade jorn a l ística e po­ lêmica para denu nciar o avanço da " maré parda" (1). Esta l uta, sempre m ais rad ical e aberta contra o total ita­ rismo nazista, assu me cada ano um aspecto mais d ramá­ tico e cessa q uando, em 1 933, perden d o a naciona­ l idade alemã por ser j udeu e corw mista, E rnst Bloch é ' ob rigado a deixar a Alemanha pa ra u m seg u n d o exíl io. P u b l ica, então, n a Su íça, u m a antologia dos artigos que, n o pensamento do autor em 1934 ( EZ, pp. 20 e ss) , devi a reve lar a toda a E u ropa os peri g os i nerentes às ambigüi­ d ades e as contradições d e u m a época de t ransição, na q u al a Revol ução, ainda q u e estivesse em g estação, po­ d e ria e deveria s u rg i r. Tri nta anos mais tarde, num pos­ fácio à mesma obra (EZ : 21 2 e ss) , o autor reinterpreta totalmente a significação destes a rtig os. Hoj e deveriam desmascarar todas as mistificações q ue, no Oriente es­ condem a cristal ização e a rig idez d ogmática da Revol u24

ção ; no Ocidente, i m pedem de c re r nas poss i b i l idades d e u m a Revol ução. O q ue, em 1 934, aparecia c o m o u m m o­ mento l i m itado da h istó ria d a E u ropa, tornou-se em 1 966 u m traço fundamental de toda uma época. Seu ex'.l i o conduz Bl oc h , e m 1 938, aos Estados Uni­ dos, onde recomeça a aguardar pacientemente, n u m q uase total esq ueci mento e isolamento. Funda, no entanto, com u ns ami gos, entre os q u ais Bertold Brecht e Thomas Mann, a "A u ro ra Ve rlag" (de tít u l o bem simbólico e bem b l o­ q u iano), que prepara o após-g uerra, p u b l i cando em a l e­ mão l ivros desti nados aos p risionei ros de gu erra alemães nos Estados U n i d os. É desta experiência-pi l oto que nas­ cerá no após-g uerra a moderna e audaciosa i n d úst ria alemã d o l ivro, com Rowo h l t e Fischer. E rnst Bloch con­ sag ra seu tempo d i spo n ível ao p reparo e à primeira reda­ ção de sua o bra monu mental dedicada ao princípio de esperança (PH), cuja pri mei ra edição será p ub l icada só em 1 956, apesar de ter sido te rmi nada e m 1 949. A pós o fi m da segunda g u erra m u n d i a l , Bloch coloca n ovamente a sua esperança na Alemanha, escolhendo a DDR. Aceita em 1 949 uma cáted ra de fi losofia da Uni­ versidade-Karl Marx e m Le i p zi g , d e p o is de t er recusado ostensivamente a mesma cáted ra na U n i versid ad e-Wo lf­ gang-G oethe de Frankfu rt-am-M a i n . Escol h a novamente s i m bólica, que terá d u ras conseq üências. De fato, a rea­ l i dade social de novo su rge d u ra e i nexorável . Bloch, ao aceitar ser cidadão da D DR, n u nca admitiu que a sua escolha i n c l u ísse u ma subm issão i ntelectual à censura da ortodoxia partidária. N u nca admitiu que se pudesse di­ m i n u i r a sua i m petuosidade c r i ad o ra o u a sua l i berdade c rítica, que lhe pareciam i n d ispensáveis à busca d a verdade. Portanto, não deu a m ín i ma i m po rtância às ad­ vertênc i as, às censu ras, às pressões d i retas ou i n d i retas dos o rtodoxos do P . C . Longe de ser u m "filósofo de pa­ rada", o u um anti-comun ista pri mário como g osta riam q u e tivesse sido (2) , B l o c h faz d a sua cáted ra u m a fonte de perpétua i n q u i etação e renovação na D D R. Torna-se, por conseq üência, a besta neg ra dos f i l ósofos oficiais que l h e lançam, e m 1 959, a su prema i njúria - na verdade, a mais séria homenagem que se l he pode ria render. Ele é suspenso porq ue " perve rte ria a j uventude". Encontra-se 25

cada vez mais isolado. Seus alu nos são p resos ou fo­ gem para as zonas ocidentais. A i n d a q u e as homen agens d uvidosas sucedam-se às d uchas frias (3) , Bloch, em 1 961 , escolhe pela te rcei ra vez, o exíl io. Atualmente, pre para a edição, de suas ob ras com­ p l etas pela Suh rka m p Verlag, dando c u rsos da filosof ia na Un iversi dade de Tübingen. Apesar de seus oitenta anos, conserva uma su rpreendente vivac id ade, como o demonstra a sua b r i l h ante i m p rovisação na U n iversidade de Viena, recentemente vertida para o português ( MM) . Continua defendendo sua esperança, menos na Europa d e h oje do que talvez, no apareci mento de u m "terce i ro mundo", no q ual o seu pensamento não só en contrari a uma situação mais adequada, como um sing ul a r eco. E não há nada tão significativo deste homem do q ue vê-lo, quase no fim de sua l onga vida, meditar uma vez ainda sobre a fó rmula " in c i pit Vita N ova" (Tii: 1 5 1 -1 70) . 1 .2 Se as relações de E rnst Bloch com o marxismo nos parecem altamente proveitosas, a ponto de ser hoje u ma das f i g u ras mais significativas d a sua renovação ; se a fidelidade de Bl och ao "H erói Vermel ho" nu nca foi des­ mentida q uaisquer que fossem as peripécias de sua vida agitad íss i ma, as suas relações com u m reg ime comunista i nstitucionalizado e n o poder, levantam sérias d úvi das. P rimeiro, pesa a ac usação de nunca ter denu nciado abertamrnte a d itad u ra sta l i n i sta (4). A este respeito J. Rühle p ropôs uma h i pótese engenhosa q u e, não somente expl icaria um dos aspectos obscu ros deste heterodoxo, como sobretudo i l ustraria seu método filosófico. J . Rühle (5) lembra q ue, na sua anál i se d a esperança (PH, pp. 21 0 e ss) , Bloch refere-se ao mito da " Helena E g ípcia", mito que Hugo von H ofmanstahl elaborou para uma ópera de Richard Strauss. Neste mito, não é a ver­ dade i ra Helena que p rovoca a gu erra de Tróia, mas uma falsa criatura maléfica e sobrenatural, c riada pelo Demô­ n i o . Em outros termos, o que p rovocou os aconteci mentos não foi um patético amor, mas u ma i l usão. Assim, gene­ ral izando, o mito indica que não é o que é j usto e autên­ ti c o - como o amor, a j ustiça . . . - que p rovoca os

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aconteci mentos h istóricos, mas, às vezes, a menti ra o u mais j ustamente as i l usões propostas a o homem. Ass i m , neste caso, Stal i n - sendo a falsa Helena d o comunismo - permitiu um arranco i m p o rtante para o desenvolvi men­ to d o comunismo, tornando-se por isso necessário, apesar dos seus e rros d itatoriais. Esta concepção tort uosa da História pode ser associada à idéia que Bloch sempre defendeu, isto é, q u e o c u rso da H istória n u nca segue uma l i nha i n i nterru pta de p rog resso i n fi n i to, mas, se pro­ jeta por um p rocesso contrad itório, no qual as d istorções e as a m b i g ü i dades são tais q ue é, por vezes, d ifíc i l se­ g u i r o fio de Ariadne da autenticidade e da verdade. É justamente esta dificul dade que faz do filósofo al­ guém de valor para nos orientar nos lab i ri ntos, nos rebo­ l i ços, nas "poro rocas" da H istória. Ele não é, portanto, um mero ideólogo que aplicaria sobre a rea l i dade, u m a verd ade p refabricada, e até certo ponto a priori, para fa­ c i l itar a o rientação das n ossas ações. Nem um pobre sonhador e criador de metafísicas i l usórias e enganado­ ras, p o rque o seu papel nem se pode i dentificar ao d e u m poeta n e m ao de u m profeta. O filósofo - e até certo ponto q u alquer i ntelectual - é q uem proc u ra discerni r, isto é, ver o real na complexidade da real i d ade bruta. Nos aconteci mentos d o passad o, o filósofo tenta redes­ cobrir aq u i l o que esc l a rece o presente e q u e anuncia o futuro. Nas possi b i l i dades q ue propõe o futuro, o fi lósofo p revê o q ue i nforma o presente, de maneira a mantê-lo aberto às promessas do amanhã. Nas condi ções q ue domi nam o presente, o f i l ósofo i n d ica a s q u ali d ades e a s d i reções q ue servi rão para o rientar o rumo das nossas de­ c i�5es. O f i l ósofo não poderá ser um mero funcionário de u m partido, o qu e exp l i ca a revolta de Bloch d i ante da o rtodoxia partid ária. Tão pouco é u m i ntelectual q ue i g n o ra (ou finge i g no rar) o s seus e lo s de c lasse, o q ue fa ria dele um privi l eg i ado i n út i l e parasita. O filósofo é um militante especializado na interpretação dos sinais do nosso tempo. Tem como ta refa espec ífi ca d isti n g u i r onde está a esperança dos h o mens e para onde estes condu­ zem o nosso tempo. Posição d i fíc i l , por ser crítica e arris­ cada; função necessária, para i mped i r qualquer i l usão mecanic ista.

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Seria interessante c onfrontar neste ponto a pos1çao de Bloch com a de A. G ramsci, que p ropunha a seg ui nte ta refa aos "fi lósofos p rofissionais" : " O f i l ósofo p rofissio­ n al ou técnico não só 'pensa' com mais rigor lógico, com mais coerência, com m a is espírito sistem ático d o q ue os ou tros homens, m a s conh ece, ainda, t od a a h istória d o pensamento. Isto é , é capaz de explicar o desenvol ­ vimento que o pensamento teve até ele e é capaz de reto­ mar os problemas no ponto em que se encontram, depois de ter sofrido o máxi m o de sol uções etc . . . O filósofo tem, no campo do pensamento, a mesma função q ue têm os especialistas nos d iversos ca mpos científi cos" (6). Mas se a c larivi dência e a refl exão caracterizam a atividade do filósofo sem pre em busca dos traços mais significativos e mais p rofu ndos de n osso tempo, por q ue B l och se deixou i l u d i r na sua estad ia da D D R? Por q ue desprezou tão fac i l m ente a i n é rcia das i nstituições pol íti­ c as e a rigi dez d as estruturas? Por q ue ignorou os peri­ gos impl ícitos na escl e rose b u rocrática do Partido Co­ m u n ista Alemão? Talvez Bloch se tivesse deixado . l evar por um certo otimismo ao afirmar o d i namismo da esperança, ao ante­ c i par a sua existê n c i a i nterpretando os si nais do tempo (sinais que, seja d ito c larame nte, são e permanecem reais). Subestimou os problemas novos da necessária ins­ titucionalização da esperança num regime comunista or­ ganizado. Os l i mites da esperança cósm ica bloquiana não p rovém de uma ig n o rância d as exigências de uma m i l i ­ tância otimista, mas de u m a i m pac iência, porque total­ mente voltado para u ma Revol ução que vem, q ue está se fazendo, não deu b astante atenção aos problemas de uma Revol ução, que chegou ao pod er. Os l i m ites d o pensa­ mento de B loch, neste caso, seriam l i gados à sua situa­ ção histórica. Pertence a uma geração q ue concebia a Revol ução como u m a Revo l u ção " permanente", que es­ capa "a priori " aos probl emas de i nstitucional ização e q u e se instalará só u m a vez o p l aneta completa e defini­ tivamente conqu istado. Esta h i pótese nos parece ser confirmada pela i m por­ tância crescente q u e se d á h oje ao problema do poder nas ciências pol íticas em geral, e à c ríti ca "da teoria le-

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n i n ista d o Estado" n os meios revision istas. Ass i m o pen­ samento de Bloch, n este aspecto, pertenceria a uma etapa do m arxismo q ue d eve ser superada e m fu nção dos n ovos p roblemas que s u rg i ram. B loch se i d entificou com quem fez a Revol u ção e só bastante tarde entendeu as p reocu pações d a seg und a g e­ ração que c resceu depois da Revo l ução e q ue tem a d u ra tarefa de saber como ficar revolucionária. O q ue, a l i ás, poderíamos expressar nas p róprias c ateg orias d o pensa­ mento b l o q u i a n o : "como esperar nas n ovas estruturas, e não apesar delas"? Mas, para isto, faz-se necessário u m a "teoria da soc iedade soci a l i sta" b astante ausente nas p reocupações d e Bloch. P . Ludz, que l evantou esta crí� tica (7), perguntou-se se B l oc h ao se dedicar à el aboração de uma "gn ose marxista" - talvez sob a i nfluência l on­ g ín qua e quase i n d i reta de Schel l i ng - não foi l evad o por u m medo de um ce rto "sociologismo" também a i g n o­ rar a i m portância se mpre maior de u m a reflexão sobre as estrutu ras sociais necessárias à med i ação de uma espe­ rança concreta? Este pro b l ema n os parece particularmente c rucial para os países social istas em que "a revolta das n ovas gerações" seria conseq üência da falta de "convicção re­ vol u cionária da segu n d a, ou mesmo da terceira geração, pós-revol ucion ária. I n diferença revo l uc ionári a confi rma­ da, em partic u l ar, no caso da U RSS por u ma pol ítica n a­ c i onal de bem estar e de comod ismo i nternacional. As­ sim, existiria nos países social istas a mesma situação d e tensão geracional que n o m u n d o ocidental. N o entanto n o m u n d o ocidental, esta revolta j uven i l é provocada, exci­ tada e até certo ponto aceita ; n os paí_ses social istas, e m o rmente, n a Rússia, é severamente r e�ri mida e socia l ­ mente desvalorizada. Nesta perspectiva é i nteressante lembrar a solução o r i g i n a l que a China parece ter dado ao problema j uven i l através d o s u rto dos "guard as-verm e l h os". Este movi­ mento seria favorecido oficial mente de manei ra a renovar "o esp:rito revo lu c ionário" de modo d rástico e, até certo ponto d ramático, numa geração q ue nunca conheceu nem as l utas , nem os sofri mentos, nem "a l onga marcha", isto é: nen hum dos momentos herói cos d a i nstituição do n ovo 29

reg ime. Se nos países social istas temos uma rebel ião q u e n ã o pode tomar form a ; nos países ocidentais uma revolta aberta que pert u rb a a vida nacional ; na China , temos um movimento que é uma med ida pedagógica, induzida pelos d i rigentes. Resta saber se os d i rige ntes poderão sempre controlar as fo rças assim despertadas (8). 1 .3 No entanto, a ação de Bloch não se pode red u z i r aos eventos significativos de s u a biog rafia. M a i s impor­ tante d o q ue a sua vida, por rica q u e sej a, é sua obra na qual devemos fixar a nossa atenção. Afi nal, q u ando Bloch pensa e reflete as s uas expe riências ac u m u l adas numa existência plenamente vivida, o seu alvo é a comun ica­ ção, e não a mera conservação das experiências. Aq u i também, estamos d i ante de uma d ifi c u l dade i n i­ c i a l . Este fi lósofo da m i l i tância e da praxis, da esperança concreta, esc reve u ma obra q ue, numa primeira leitura ao menos, le mbra a mel hor tradição hermética. Qual q uer lei­ t u ra dum texto de Bloch deixa de fato a imp ressão de ter sido a ocasião de " u ma i n ic iação'', u m a descoberta d e u m segredo o u de u ma verdade ocu lta. O fi lósofo s e apre­ senta, portanto, como alguém q u e descobre os " rastros" - os " S p u ren", pal avra que designa um dos seus mais belos conj u n tos de ensaios (SP) -, idéia que não só ca­ racteriza o seu esti l o de pensamento, mas im p regna tam­ bém o est i l o de sua p rosa, u ma das mais d ifíceis da l ite­ ratu ra alemã contemporânea. Com efeito, o movi mento da sua prosa revela u m a constante preoc u pação de fazer sur­ g i r o qu e está ocu l to , de fazer sob ressair o estranho d o cotidiano o u do óbvi o , de realçar o i nsuspeito da banal i­ dade, a tal ponto que certos c rít ic os, sobretud o os comu­ nistas o rtodoxos, d e n u nciaram a sua obra como sendo o prod uto de u m misticismo obsc u ro. E rnst Bloch, seg u n d o eles, n ã o passaria de u m m ístico sem verd ade i ra vocação rel igiosa, um profeta h ebraico que teria fracassado na pro­ c u ra de um absol uto rel igioso e q u e se teria voltado para o com u n ismo e o m a rxismo a fim de concreti zar u ma esperança qu e n u nca podia alcançar na real idade o u atra­ vés das rea l i d ades. 30

É verdade que esta o b ra é c u r i osamente acientífica e está na verdade bem l o n g e d as n ormas positivistas i m­ p ostas pela Acad emia Sovi ética de F il osofia à reflexão, ou ao q u e fico u da reflexão f i l osófica c o m u nista. Estaria mui­ to mais p róxima de u m cert o " romantismo revo l ucionário" defendido e i l ustrado po r H . Lefebvre (9), com o qual Ernst Bloch parti lh a uma comum a d m i ração e necessi da­ de pela música. Seria d ifíc i l negar o papel que a a rte m usi cal de­ sempenha constantemente no pensamento d e Bloch. É óbvio, desde a sua primei ra o b ra e m q ue tentava uma p ri m e i ra i nterpretação d a u t o pia , através de uma refle­ xão em p rofundidade sobre a m úsica em parti c u l a r ( G U, p p . 49 e ss) . Devemos mesmo reconhecer que, talvez sob a d u p l a i nfluência d a trad iç ão g n óstica j u daica e do fi­ l ósofo Schel l i ng , o j ovem Bloch tivesse admitido fac i l ­ mente - ao menos n os a n o s 2 0 - q u e a m úsica pudesse ser o instrumento de u m a síntese pela transcendência. Este p rocesso teria como tema o fato "de q ue o mund o não é verdade i ro , m a s q u e po d e chegar a sê-lo g raças ao homem e à verdade" ( G U , p. 347) . Apoi ar-se-ía na experiência vivida do ouvi nte q ue sente d u rante a audi­ ção musical a p resença d e a l g o de i nefável se desenvol ­ vendo. A audição, com a parti ci pação íntima d o ouvinte à execução musical, seria uma mane i ra concreta, n u nca acabada, e sempre recomeçada n a ocasião de cada nova execução de mesma obra musical, de se aproximar d o absol uto rngerido p e l a o b ra, mas n u nca totalmente pre­ sente numa i nterpretação e, ainda menos, n u ma ú n ica audição. Existe portanto u m a ap roxi mação i nf i n i ta ainda q ue definida - d o absol uto q ue o homem pode experi mentar no seu ínti mo. "O est u d o d a arte mais pro­ funda leva, portanto, ao mais p rofu n d o do homem" ( 1 O). A h istória da m úsica confi rma a posi ção s i n g u l a r desta arte q ue surg i u bastante tarde no desenvolvi mento da ci­ v i l i zação ocidental ; a música é, também, a a rte que me­ nos se adapta a uma i nterpretação "sociolog ista" ( G U , p p . 56 e ss . ) , porque nunca coinci d i u total mente c o m o d esenvolvi mento e a evol ução das estruturas sociais. Por­ tanto, com a m úsica esta mos chegando ao l i m ia r, e tal­ vez mesmo, estamos além de q u a l q u e r correspondência,

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de qualquer paralel ismo mecanrco e i mediato entre " es­ trutu ras" estéticas e "estrutu ras" sociais. A música, se­ ria um dos exemplos mais req ui ntados da "d iscrepância dos tempos". Se isto deve ser admitido para a primeira obra d e Bloch, parece j usto i nsisti r q u e s e trata de u m a obra q u e f o i três vezes reesc rita e q u e está mu ito longe, sobretudo na sua primeira versão, de esgotar a reflexão b l oq uiana sobre o papel d a a rte m usical na existência h u mana. D e fato, Bloch, sem n unca chegar a desprezar a arte musi­ cal, com o tempo, amplia a sua pri mei ra i nterpretação. Na sua juventude, dava importância às promessas q ue a audição m usical, experiência íntima e subjetiva por excelência, continha. Nela, de um lado, abria-se a promessa para o h omem de poder tornar-se p resente um " Sum m um Bonum", que até aí estava só esperado. D o outro, existia a p romessa de u m a l ibertação completa, sem qualquer constrangi mento ou l i mitação i m posta. A arte musical era, assim, uma das mais altas concretiza­ ções da busca d a l i berdade total pelo homem. Na sua obra d e maturidade, no Princípio de Esperan­ ça (PH, pp. 1 248 e ss.), Bloch insiste sobre outros as­ pectos importantes da arte musical. Agora, o q u e conta é menos a experiência subjetiva d o ouvi nte n a ocasião da aud ição, do que a realidade objetiva da obra criada. A arte musical não é só um a interpretação, uma audição, isto é: uma experiência. É um conjunto de obras. Uma c riação humana, p rofundamente soci al, visto q ue é uma arte coletiva. A compreensão musical, ainda q ue nasces­ se na experiência i n d ividual, subjetiva, íntima de um i n e­ fável presenciado, s u pera os riscos i nerentes da p u ra au­ d i ção por aguda, p rofunda e i ntensa que sej a : o fec ha­ mento do homem sobre si mesmo, a tentação d o i rra­ c ional, a "hyb ris' da solidão. Agora, a arte musical abre sobre a p l u ral idade externa e objetiva de u ma criação hu­ mana contínua de sinais que cabem aos outros homens i nterpretar e que pod erão, se quiserem, os aj udar na sua camin hada esperançosa. Em vez de propor uma ascética comunicação com o transcendente, experiência q ue ar ris­ ca acabar num merg u l ho no inefável i ncomunicável (1 1 ) , Bloch vê hoje na arte musical uma in terpretação concre32

ta, o bjetiva e coletiva (pela s u a tradição h istórica) q ue ordena o m undo pelo ritmo e pela harmonia, sem pre aber­ ta ao futuro de possíveis e n ovas i n terpretações. A a rte musical é a encarnação d a esperança numa série d e obras e m desenvo lv i mento, pelas q u a i s o homem pode d iscern i r a sua própria capacidade criadora e encontrar, também, as ra ízes d o seu esforço pessoal de criação. As ob ras musicais pelo seu d i namismo p rometem e abre m horizontes novos, testemunhando de u m a maneira d iscre­ ta, mas eficaz ao h omem atento, u ma esperança possí­ vel . Ao passo q u e J . S. Bach - o m úsico-teólogo - po­ lari zava a primei ra i n terpretaç ão ; n o Princípio da Espe­ rança, será Beethoven q u e B l och i nvocará mais fre­ q üentemente, po rq u e "foi o p ri me i ro m úsico a saber p re­ ver e anunciar a au rora da h umanidade" (PH, p. 1 266) . Vale talvez a pena o bservar a q u i q u e a evol ução d o pensamento de Bloch de u m a concepção subjet iva d a a u­ d ição musical para u m a i nterpretação objetiva d a con­ c retitude musical é rigorosamente paralela ao extraordi­ nário papel que tem a a rte m usical na n ossa sociedade. Ass i m, a importância crescente q u e se d á ao espetacular (ver os " happenings") na cri ação m usical ; a i nterpreta­ ção em ação (a ren ovação do teatro musical na "bossa nova"); e sobretudo à necessi dade de incarnar para os outros a compreensão m usical na dança coletiva, a for­ ma mais p u ra, da n ova cu l tu ra juve n i l . Se, na era d o "j azz-h ot", tínhamos u m fenômeno d e retração, uma ver­ dad e i ra descida nos i nfern inhos e nas catacumba::> ( 1 2 ) , h oje estamos ass ist i n d o c o m o s h i p pi es p o r exemplo, a uma expansão na esfera p ú b l ica, isto é à desc ida n a rua. Não é pois pura coincidência se naqueles movi mentos j u­ venis renasce o pensamento utó pico. De uma atitude d e desconfiança ag ressiva, estamos entrando n u m processo de expansão vital. 1 4 O que é verdade para a arte m usical no pensamen­ to de Bloch pode apl icar-se ao est i l o d e sua reflexão filo­ sófica. Do mesmo modo, q ue para u m a primeira i nterpre­ tação, a reflexão sobre a m úsica podia ser o p retexto de voltar, de maneira d isfa rçada, a uma tradição gnóstica, .

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assim, para uma primei ra leitura , o est i l o de Bloch parece l embrar muito a tra d ição esotérica dos g randes místicos al emães, a começar por Mestre Eckhart. Para desfazer esta primeira i m p ressão, é necessário demonstrar como o esti l o de refl exão próprio a Bloch é funcional, isto é, decorre de u m a certa concepção da relação q ue deve estabel ecer-se e n tre o autor - a obra - o leitor, afim de q u e a c o m u n icação sej a autêntica. Se as obras de Bloch são de leitura d i fíc i l , não é porq u e o autor tenha difi culdade em d izer o q ue não pode ser d ito sob pena de se a n i q u i l a r (o d i l ema m ístico) ; nem é por­ q ue o acesso à verdade deva ser controlado e perm itido só aos poucos que merecem ser i nic iados (a técnica eso­ térica) ; tão pouco será para p rovocar no leitor um choque além do qual uma revelação poderá ser possível (a solu­ ção hermética) . É porque deve exist i r u m a d isci p l i n a de l eitu ra, através da qu a l o leitor d eve participar de um mo­ vi mento dialético e, por conseqüência, parti c i par do p ró­ prio movi mento da c riação b loquiana. Assi m cada obra se desenvolve, se estrutura prog res­ sivamente por um m ovi mento em espi ral parti ndo de cer­ tas proposições i n i c i ais, estran h as e desconcertantes à p rimeira vista. Uma vez q ue a n ossa atenção foi chamada e provocada, o autor procede por u m movi mento circular q ue amplia sempre mais o círc u l o de n ossa atenção. A proposição i nicial, obscura e densa, é rei nterpretada n u m d u p l o movi mento que abrange sem p re mais elementos. O hori zonte amplia-se, d e um lad o ; d e u m o utro lado, a aná­ l ise se aprofu nda. Desta maneira , estamos penetrando n o q u e n u m primeiro ) nstante parecia um mistério ou u m seg redo e que, ago r a, se p ropõe como o enigma que pe­ de o nosso deciframento. A i ntenção d a obscu ridade i n i ­ c i a l n ã o era d e n os preve n ir q ue o essencial n ã o pode ser dito, mas de n os tornar logo atentos ao esforço ne­ cessário para realmente comp reender a real idade e não fu g i r por uma ligeira ate nção i rresponsáve l . O autor her­ mético deixa de p ro pósito o mistério pairar e se tornar sempre mais denso à med ida que se avança na leitura, para então provocar o espanto d i an te d o i n d i zível . Bloch ao contrário conduz o leitor a sempre melhor penetrar e entender uma realidad e, que p rog ressivamente torna-se 34

mais densa e mais complexa. Esta o b ra não é hermática, porq ue não pretende deixar o leitor convencido q ue a rea­ l i d ade é i ncompreens ível e q u e é necessári o, p ortanto, escolher o u i m a g i n a r outros cami n h os para conhecê-la. Bloch c rê num conheci mento rac i o n a l , ainda que n u nca s i m p l i fique o u esquematize a complexidade, para ir mais de pressa. Ele e xige d o leitor q u e faça a experiência de que a rea l i d ade é i ntel i g ível ; que se pode penetrar e en­ tender um tema por mais surpreendente q u e seja (ass i m a afi rmação que a b re a i nte rpretação de Thomas M ü n ze r : " o s mo rtos também voltam !". No entanto esta ce rteza nã o deve levar a nen h u ma suficiência, a n e n h u ma p retensão rac i onal ista. Ass i m , o est i l o b l o q u i a n o revela-se altamen­ te funcional na medida em que o leitor, ao fim d o l i v ro, encontra-se p reparado p ara auto-desenvolver o esboço su­ gerido como modelo o u h i pótese de i nterpretação. B l oc h redescob re a função ética da d i a l ética platônica q u e Só­ c rates a plicava de manei ra tão extraord i n ária; só q u e ago­ ra esta dia lética é uma d i al ética " posta sobre os seus pés". A d i a l ética b l o q u i a n a passou pel a crítica hegeliana e m a r­ xista ; isto é : é u m a d i alética pela qu al se pode "camin har". A d i a l ética platô nica era u m a in terpretação racional d a ex­ periência rel i g iosa da revelação ; a d i alética bloquiana é a tra nsformação racional d a experiência re l i g i osa, numa p ra­ xis c riadora. Podemos agora entender porque a o b ra de Bloch apa­ rece muitas vezes sob forma de frag mentos, de "i nterpre­ tações esboçadas" (TI, p. 9), de tentativas, de ensaios no sentido original da palav ra. N ã o é porque, c omo G . Lu­ kàcs (1 3) , a total i dade o r i g i n a l está perd ida e só poderá ser apreendida por fragmentos, sendo a busca do homem para sem pre fracassad a e portanto trág ica. Não é porque, como para T. W. Adorno ( 1 4) , a total i d ade orig i nal é um i nefável que só pode realmente ser enten d id o no silên c i o e no nada da contemplação racional. Mas porque basta u m fragmento autêntico, u m a idéia vál i da, u m ato sensato para começar a constru i r u m mundo que u m dia ul t rapas­ sará a real i dade atua l mente vigente. O homem para cons­ tru i r o seu m undo não necessita de dominar a totalidade d o unive rs o ; como para fazer a h i stória, não precisa d e estar a o s e u fim; para buscar a verdade, n ã o deve j á pos35

s u í-la. O i m portante é o ponto d e partida e a ce rteza do rumo. Basta uma h i pótese vál i d a, mesmo q u e estej a ma­ ciça o u relativamente obscu ra, para q ue, por u m a série de propos ições, o leitor p ossa situar-se ; portanto, torn ar-se capaz de progred i r ; de partici par desta i mensa constru­ ção que ao mesmo tempo pretende dar o n osso sentido ao mundo, como ransformá-lo para q ue sej a também à i magem da nossa i nterpretação. É importante, pois, que o leito r nunca seja preso de verdades feitas, c ristal izadas em p rematu ras formul ações de qualquer ortodoxia, que exprimiria uma i n út il pressa para se instalar no rei n o da certeza e, portanto, na satisfa­ ção burguesa. O esti l o de Bloch vai sempre provocar o lei­ tor para que saia de sua satisfação intelectual e se torne ainda mais c rítico e c riador (TI, pp. 71 e ss. ) . O esti l o de B l och é menos obsc u ro o u he rmético d o que exi gente. Obriga o leito r a u m a atenção tei mosa, o q u e convém a u ma obra que recusa transm iti r os p rodutos acabados de u m pensamento sistematizado numa ortodoxia, e pretende simp lesmente comu n ic ar a necessidade e as d i retrizes de uma busca coerente. Bloch pode assim, nos parece, a jus­ to títul o, se afi rmar como u m pensador d i alético que res­ peita a parte mais d i n âmica e mais frutífera da fe rt il idade de, um método de i nterpretação e de t ransformação d i alé­ tica do mundo. Não faz, nunca fez ou fará, a apologia de um sistema. É, ass i m , que a sim ples leitura d e uma ob ra de Bloch torna-se a ocasião de u m a experiênc i a concreta do pri ncípio de esperança como certeza de uma solução humana possível, m as n u nca pré-fabricada ou proposta, nem dada e, ainda menos, i m posta. Não é para estran h a r que esta obra tão pe rto da arte musical, que este esti l o p rovocante, que esta reflexão fi­ l osófi ca sem pre i n q u ieta, sejam marcados pelo hu mor. Com efeito, um pensamento que se considera sem pre em caminho, que obriga o leitor a n u nca se satisfaze r com uma só in terpretação, não pode cai r em q u a l q uer dogma­ tismo que c ristal izaria a atenção do leitor sobre imagens, idéias ou concei tos petrific ados. É necessário ma nter no leitor uma constante in qu ietação ; uma preocu pação entre o que está pensando e o q ue deveria pensa r ; entre o que 36

faz e o q u e deve ria fazer ; isto é, uma d i stân c i a q u e c orres­ ponda à d iscrepância necessária a q ua l q uer ação e p ara q ua l q u e r pensamento h u m a n o frutífe ro. Assim, a cada pas­ so, o leitor se descobre também cam i n h an d o ( P H , p. 1 034) . Para criar esta atitude ativa no leitor, existem várias téc nicas; dive rsas segundo os gêneros l i terários e os meios d e exp ressão, segundo as reg ras e os h ábitos das t rad i­ ções c u ltu rais o u d o estág i o em q u e se encontra uma c i v i l i zação ; sem esquecer f in al mente, as i ntenções p ro­ fundas de um autor ( P H , pp. 507 e ss.). Na poesia popular por exemplo, a d istância será c riada, de manei ra a m b íg u a, é verdade, pelo uso sistemáti co d o m aravi l h oso. N a poe­ sia l iterária ocidental , sobretudo na poesia contemporâ­ nea, será pelo jogo semp re mais comp lexo e pol ivalente das várias i nterpretações possíveis das i magens, das me­ táforas e, até d a significação de textos i nteiros. N a refle­ xão filosófica, pelo espanto d i ante das analog i as q ue se m u ltiplicam à med i d a que se aproxi ma das situações con­ c retas, situ ações que se revelam sempre mais ricas de interpretações possíveis d o que a pri mei ra h i pótese dei­ xava pensar etc . . . N a o b ra de Bloch, de manei ra mais p a rtic u l a r, a distân c ia se c r i a pela recusa de tudo o que é óbvio o u " natural " , pela c r ítica aspérri m a de todas as evidências e d o qualquer " a p riori". Depois por u m a c ons­ tante vontade de retomar os mesmos temas e os mesmos assu ntos, em diversos n íveis de i nte rpretação, resu ltando esta l i n h a em esp i ral que seg ue normal mente o pensa­ mento blo qu iano. Enfim pelo uso sistemático do h u m o r q u e deve m anter nesta b usca engajada, séria, dedicada, u m c l i m a geral de alegria d i fusa, sinal frág i l , mas real da fel i c i dade que já pai ra sobre o dest i n o d o homem q ue rea l mente busca a verdade. Assim, E rnst Bloch mantém em todas as suas ob ras e até na sua vida - seg un d o testemu n has oc u l a res e fa­ m i l i ares - um c l i ma de seriedade l i g e i ra q u e a f i l osofia ocid ental está redescobrindo (que se pense na j ocosi dade de ce rtos d i álogos p l atônicos) e criando si stematicamen­ te desde Kei rkeg aard e N i etzsche. Uma outra fonte desta atitude talvez se encontrasse, por su rpreendente que fosse, no próprio Karl Marx . Por exemplo, K. Axelos ( 1 5) mostrou q ue K. Marx visava o j ogo l iv re, pleno de h u m o r e de g raça, 37

d e u m a fel ic i dade p rometid a na l i bertação total d o ho­ mem. Tal como se revela na li v re plenitude d e um i ns­ tante i ntei ramente d i sponível e plenamente p resente, como o homem j á a experi menta no "jogo sério" do adul­ to (e não na saudade ambígua do jogo i nocente da cri an­ ça) ; no riso provocado por u ma piada ; ou na alegria de uma fel i c idade coletivamente comparti l hada, no p úb l i co d a platéi a , po r exemplo. Nesta l i n h a marxiana, Bloch pre­ vê q ue todas as d esm istificações, todas as s i n u osidades da reflexão c rítica, todo o esforço h u mano d esempenha­ do na p raxis, desembocam por fim na ple ni tude do i ns­ tante, nesta total aleg ria do exist i r, qu e Beethove n anun­ c i ou no final da Nona Si nfonia, q u e o Fausto de G oethe ti n h a pressentido: "Verweile, d u bist doch so schon ! " ( " De­ mora, pois és tão b e l o ! " ) . Mas Bloch dá mais um passo. Para o pensamento t rad icional, e em part i c u l a r na visão trág ica romântica, este mesmo momento marca o fim e o d esapa rec i mento do h e rói no nada da fel i c i dade. Para o Fausto, a d escobe rta da plena fe l icidade, como o foi para D. G i ovan n i de Mozart, é tão preciosa, qu e não exi ste mais a poss i b i l i dade de um além, d e u ma vida com e depois d a descobe rta do momento d e fe l ic idade. A t ragéd i a hu­ ma�a se consum iria n a d escoberta de qu e a fe l ic i dade anuncia a morte. O "post-fest u m " dos rea l istas romanos ! Ora Ernst Bloch se i n su rge contra toda esta t radição oci­ d e ntal da i m possi b i l i dade de viver a fel i c idade ( 1 6) . Para B l och, o momento d a descoberta d a fe l i cidade marca, é verdade, um fim. M as este f i m não é um tér­ m i no e u m a q ueda no nada e na morte. É o "fim do co­ meço". A descoberta d o momento d e fe l i ci dade é i nter­ p retada como sendo a ocasião, o q uase tram pol i m , para a consciência e a vontade, cie criar a part i r deste momento, outros momentos ; d e repet i r ampl iando, re i nterpretando, transmitindo e teste m u n hando esta g raça que consegui­ mos captar. Bloch su pera ass i m a alternativa trad i ci onal­ mente antagônica: - ou uma fe l i cidade l i gada a uma ordem p reexisten­ te à existência humana, à qual o homem deve se i n teg rar, a n i q u i l ando-se para se rei nco rporar numa ordem na q ual encontra a fe l i cidade ao preço da 38

perda da sua person a l idade e d o seu d esti no pes­ soal ; ou um a fel ic id ad e sempre p rometida mas n u nca a lcançada, a espe rança da Caixa de Pând o ra, o fruto proibido d os m i tos b íb l i cos ou de S ísifo. Esta alternativa é su perada na medida em que, por u m a med itação sobre o jogo h u m a n o (este com portamen­ to típico da seriedade l i g e i ra } , sobre a experiência esté­ tica sempre renovada pela percepção a rtística de novas ob ras de a rte, pode mos visar u m a fe l i c id ade en raizada e m certos mome ntos privi l eg iados d o nosso passado (momen­ tos que podemos rec ol he r e rean im a r pela memória) mas aberto sobre o futuro. A fe l i c i d ad e tem suas raízes no passado, sem as q uais não teria n e n h u m conteúdo, ne­ n h u m argumento; n e n hu m a matéria sobre a qua l pu­ d esse apoi ar-se. Portanto, a fel ic i dade, por existencial que seja, nu nca abole o passad o ; ao c on trário, lhe dá u m a nova significação, u m a n ova atu a l id ade. Tão pouco esta fel i c i dade ig nora o futu ro , por ter u m medo des­ truidor e i nfanti l das m u d anças, dos riscos e d o i n cógn ito das situações i m p revistas q u e o tempo nos promete. Ao i g norar o futu ro, a fel ici d ade seria cega e não poderia sair d e um momento atual o n i p resente e isolador. É pe l a med i ação do futuro qu e s e pode c o m u nicar a fe l icid ade aos outros, por uma p romessa d e c onstrução em comum d e u m mundo feliz. A fel ic id ade está, portanto, i ntima­ mente assoc iada à esperança (como o veremos no próxi­ mo cap:tu lo) . É a mane i ra de viver o nosso desti no dando u ma certa qualidad e ( :'l ic a ao i nstante vivido n a plena alegria da aute nticidad e assu m ida. Esta maneira não nos fec h a sobre o nosso d estino, mas ao c ontrário nos obri­ ga a tentar o i m possível para c riar a fel ic idade com ou­ trem, porque uma esperança n ão se vive sozi nho. É um princípio que tem a sua validez numa visão tota l i zante d a reali dade ( mas não total itári a ! ) . Enfim, a alegria surg e exatame nte q u ando o e ncontro n a fel icid ade vivida n o d estino pessoa l , transmitido e mediati zado p o r uma es­ perança comum, pode expri m i r-se e man ifestar-se social­ mente. Esta tríade - fe l i c i d ade, esperança e alegria forma o momento d i a l ético q u e constitui aos poucos esta 39

" morada dos homens", em q u e devemos t ransformar o u n iverso ( 1 7) . Ass i m , enquanto a fe l icidad e , t rad ic ional­ mente, acaba por nos fec h a r egoisticamente dentro de nós mesmos ou por nos lançar numa corrida absurda e i ndefi nida, a fe li c id ad e seg u n d o Bloch se realiza numa plena e l úcida d ispon i b i l idad e de cada um d e nós para o outro, na intersubjetividade e na complementação. Cada um de nós d eve participa r nela e, portanto, ter o seu qui nhão de responsa b i l idade alegre , n o contexto do "Summum Bonum", na e com a soc iedade. É verdade, e o veremos várias vezes ao comentar o pensamento bloqu iano, esta certeza aleg re, esta paixão esperançosa, esta visão da fel i cidade possível não e l i­ m i nam a poss ibi l idade do fracasso, da desu n i ão , do de­ sentendimento e, por fim, d a q ueda no n i h i l ismo. Esta p resença do nada, q u e acompanha cada uma de nossas vitórias, não é um mal radical, q u e paira e d o m i na , como u m princípio negativo, o m u ndo. No entanto, não existe no pensamento d e Bloch nen h u m t raço d e d ual ismo ma­ n iq u éu, o que seria uma solu ção d e fac i l idade; nem uma ambigü idade ontológica, que manifestaria a ausên c i a de u ma opção fundamental. Para Bloch só existe u m só princípio: o de esperança. O m u ndo visa o " Bonum Sum­ m uin". O mal é, po rtanto, só u m a ameaça que se d eve combater, porq ue exi ge ser combatido. A fe l i c i dade de Bloch não exclui a possi b i l idade da i nfel icidade; mas esta não é necessária ; é contingente. Deve ser e l i m i nada pelo nosso triunfo em favor daquela. 1 5. Se a obra de E rnst B l och é muito pouco mar­ cada pela rig idez de um espírito c ientífico, está longe d e s e r um mero devaneio poético. Se m cessar, Bloch refe­ re-se às ob ras de civi l i zação e apóia sua argumentação sobre uma anál ise c r ítica da t rad ição fi l osófica. De uma p2rte, ti ra seus arg u mentos de u ma i mensa e ampla cul­ tura pessoal , o q u e l h e permite esc reve r tanto com faci­ l i dade quanto profun d i dade, sobre uma canção d e Bertold Brecht (VI, pp. 220 e ss.) ; o si mbol ismo numa ópera de Wolfgang Mozart {VI, pp. 97 e ss.) ; a obra d e Wagner (VI, pp. 1 04 e ss.) ; a sign ificação filosófica d o romance .

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policial (VI, pp. 37 e ss.) ; ou . . . sobre o e ncontro d ra­ mático e g rotesco d e u m pastor com a primei ra locomo­ tiva a vapor (SP, pp. 207 e ss.) . De outra parte, e l e não ig nora nenhum f i l ósofo d o passado, por mais h ete rodoxo ou d esconhecido q u e pos­ sa ser. Bloch não necessita de omit i r ou d e sup ri m i r a contribuição de n i n g uém no passado para melhor senti r-se à vontade no p resente. Não há para ele ne nhuma ne­ cess i dade de negar a tradi ção para se tornar mais mo­ derno e mais partici pante d a modernidade. Ao contrário. É por uma leitura atenta e c ríti ca do passado, por u m d ec i framento d o s atal hos sec retos q u e traçou a aventura h u mana ao l ongo d a su a h istó ria, qu e pretende Bloch re­ novar para real mente i n ovar. É por u ma constante me­ d i tação sobre a atu a l i d ad e d o passado, sobre · a p resença do passado no n osso p resente que B l och c rê no futuro. É pela análise dos esforços passados, que se sente a p rog ressão d a h u ma n i d ade. É pela consid eração das transformações h i stóricas, q ue se ad q u i re a p rova que es­ tamos no meio de u m p rocesso ante rior e posterior à n os­ sa atu ação. É porque conse g u im os assim a prova da mu­ d ança, que n os é possível p rogred i r e tender p ara o fim q u e escol hemos. Claro que esta leitu ra d o passado nada tem que ver com uma s i m p les ass i m i l ação dos fatos do passado ou u m a consi deração passiva d o d i namismo hi stórico. É uma leitura craica, de mane i ra a d isti n g u i r os verdadei ros ca­ m i n h os dos fal sos ata l hos - porque o caminho d a h is­ tória não é reto ; os obje tivos reais, d os valores su postos ou afi rmados ; as existê n c ias real mente sign ifi cativas das b i o g rafias trad icio nais. Ainda que não seja só uma leitura do passado à l u z do p resente, esta leitura é motivada pela situação nossa. Existe m , portanto, escolhas e m fun­ ção dos i m pe rativos atuais e das possibil idades penden­ tes. Esta leitu ra poderá tanto chamar a nós, certos auto­ res, su postamente enterrados para sem pre no esqueci­ mento, como e l i m i n a r out ros, ainda qu e sejam conside­ rados pela o piniã o comum ou pela t radi ção escolástica: " c l ássicos". Esta revisão d o passado levará, portanto, a reescreve r e refo rm u l a r a h istória oficial do pensamento ocidental . Ass i m , Bloc h i nterpretou a antinomia que Karl 41

Marx p ropôs, sem resolvê-l a : evitar tratar a f i l osofia e os f i l ósofos passados como um passado su perado, q u e só o marxismo poderá e l i minar e su p ri m i r para sempre; no entanto, não se e mbaraçar com u m a c u l t u ra fi losófica " c l ássica" que não é senão u m p retexto para esq uecer as suas responsab i l i d ad es p resentes. A história da f il osofia é também uma manei ra d e esclarecer o p resente e d e se engajar nele. Para se ter uma i d éia d a mane i ra original como E rnst Bloch procede em rel ação ao passado f il osófico, para en­ tender como a sua re-visão é nova, podemos, por exem­ plo, seg u i r Bloch na sua valoração d a "esq uerd a aristoté­ l ica" que, segu ndo ele, é uma co rrente constante desde Aristóteles, para i nterpretar a rea li dade d e manei ra p ro­ g ressiva e mode rna (AL) . O termo d e "esq uerda" aq u i não deve enganar. Não sig n ific a q u e Bloch vai "pol itizar" a fi l osofia e, ainda menos o seu passado. I nd i ca, sim­ plesmente, que ao lado u ma i nter p retação c l ássica, t ra­ dicional e escolástica, d e " d i reita" por ser conformista e convencional, exist iu sempre uma l i n ha he rética q u e tentou em cada época d isce r n i r o q u e era moderno no pensamento de Aristótel es. Desta manei ra, Bl och consi­ dera, como Karl M arx, Aristótel es como o " Fi l ósofo" por excelência - contra P l atão ! - por ter sido o primeiro na tradição ocidental, a conceber o ser como "ser em movi­ mento" ( P H , pp. 225 e ss.) ; o real como um " p rocesso que evol u i " e que não se pode identificar com um estado de coisas i mobil izado na eterni d ad e d e uma c riação per­ feita e já acabada; enfim, e talvez sobretudo, porque foi o prime i ro filósofo a acentuar o aquém das · coisas e não a transcendência (AL, p. 32) . Aristóte les, como primeiro fi lósofo material ista e d i alético, permite med i r exata men­ te a radicalização d a i nterpretação. Como várias vezes, E. B l oc h se refer irá a esta t ra­ d i ção aristotél ica de esq uerd a , nos parece útil resu m i r o s g randes passos q u e marcará esta t rad i ção até uma outra esq uerda - " a esquerda hegeliana". Na real idade, o material ismo e a d i alética em Aris­ tóteles só foram d escobertos aos poucos. A esquerda aristotélica começa n a realidad e por Avicena (anos 980-1 037) . Foi este filósofo árabe que rad ical izou as 42

premissas a ristotélicas q uando i nsist i u sobre a i mpor­ tância da atividade do i ntel ecto h u mano (AL, p. 20) . Ati­ vidade q ue n ão é só pec u l i a r ao homem, mas participa d o movi mento mesmo d a matéria a n i m ada, segu ndo Avi­ cena, por um p r i n c ípio d i nâmico. A natureza é d i nâmica ; é u m a " n atura naturans" " porque está i nu ndada do de­ sejo de rea l i zação" (AL, p . 33) . Existe u ma p rofunda correlação entre a atividade i nte lectual para entender o real e o d i nâmico q u e a n i m a a própri a natureza. Ass i m , p e l a p r i mei ra vez, s e tentou superar no pensamento oci­ dental o d ualismo ainda i mp l íc ito em Aristóteles. Avicena esboça a pri m e i ra i nterp retação monista e d i a l ética, que perm ite de u m a vez só, entender o d i namismo comum ao homem e à natu reza, ao espírito e à matéria (PH, pp. 235 e ss. ) . Esta relação é d ialética no sentido de que é a matéria q u e d á as condições de rea l ização da atividade h umana, mas é por sua vez t ranscendida pelo espírito q u e an i ma o h o m e m (AL, p p . 3 9 e ss. ) . O i mpuls o dado p o r Avicena d evi a acentuar-se p ro­ g ressivamente, e se ap rofundar na Id ade Média, quando os g randes heterod oxos medi evais estu daram Aristóteles através dos seus i n térp retes árabes. Assi m fizeram David de Dinant (por volta d o ano 1 2 1 0) e, sobretu do, Joaquim di Fiore (anos 1 1 45-1 202) . Neste úl t i m o caso, o d i namis­ mo cós m ico começa a se est rutu rar, a part i r da i d éia das fases da evo l ução hu mana. O qu e e ra a bstrato já começa a tomar - é verdad e : d e u ma man e i ra m itológ i ca - as aparênci as, ao menos, d e uma Hi:..; t ória. O real então é i nte rpretado n u m a evolução ritmada por t rês etapas, d as q u ais a ú l t i m a J oaq u i m d i Fiore a n u n c i a como sendo o momento de uma mod ificação total d este m undo, a f i m de q u e entremos na perfei ção do tercei ro g ra u, repre­ sentado pelo Reino do Espírito Santo ( P H , p . 1 003) . Assi m começa a s urg i r a id éia de que o mundo não só evol u i , mas d eve a i n da s e transformar profundamente, de u m a manei ra rad i cal ; o pri mei ro esboço, porta nto, d a idéia d e uma " revol ução". Este d i n am ismo se acentuará a i nd a m a i s , na o b ra de Nicolau de Cusa (a nos 1 41 0-1 464) ; e evo l u i rá para o "ate'smo h u man ista" de Giordano Bruno (ano 1 548 q u eimado em 1 600) . -

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Com Bruno, vamos além d a rel ação, mais ou menos harmôn ica, entre u ma natureza que evo l u i p rog ressiva­ mente e de manei ra suave (AL, pp. 30 e ss.) e uma ati­ vidade humana e i ntelectu a l , que compreend e este mo­ vi mento por um esforço de identi ficação. Trata-se de uma tensão violenta e ntre u ma matéria i ncandescente ( " g l ühend") de q u a l id ades novas que provoca uma re­ novação p rofunda no ser h u mano ("os furores h eróicos"). A harmon i a de u m c erto m u ndo fec hado sobre si mesmo se desfaz, para nos in t rod u z ir num mundo em expansão, p rofu ndamente violentado sob o i m pacto d as d escobertas e das primeiras tentativas de i nterpretar c ie ntificamente o un iverso. No entanto, o h u manismo de Bruno não vai ainda às suas últi mas conseqüências. Bruno não c h egou a d is­ cern i r - malgrado seus i n q u i sidores que o acusavam de u m franco ateísmo - que o motor deste movimento era a p rópria atividade h u mana (PH, p . 994). O seu h u manismo e ra ainda preso de u m a visão tradic ional d a rea l i dade. O passo decisivo para o ateísmo só foi real izado pelo estranho méd ico e f i l ósofo a l q u i m ista Paracelso (anos 1 493-1 541 ) . Segundo e l e a atividade h u mana, para se de­ senvolver p l enamente em fu nção das suas possibi l idades reais, d eve transformar-se n u m " h u manismo i nteg ra l " e pro meteu. Este audacioso passo deu-se através de uma reinterpretação da alquimia q ue, longe de p ropor u rna vi­ são arcaica e mág i ca d o m undo, era, simboli camente, um primeiro esforço para a c onstituição d e uma ciência e para o domínio concreto e efetivo da natu reza ( P H , p. 789). Aq u i , também, convém não misturar o p rog ressivo COI?\ o reac ionário ; o q u e vai para frente e o q u e olha para trás. Para entend e r a i m portância d a a l q u i mia, de­ vemos compará-la com u m a outra téc n ica trad icional, tão importante social e h istoricamente ( 1 8) - a astrologia. A astrologia faz depend e r a ação hu mana do c u rso dos astros. Obriga a um estudo sempre mais atento do uni­ verso. Ao i nvés de l i b e rtar o homem, o esc raviza a um destino pré-estabelecido e mecânico. A a l q u i m i a é uma técnica pela qual o homem p retende man ifestar u m poder ativo sobre a matéria. O a l q u i m ista tenta fabricar, mu­ tando as matérias, o abso l uto concretizado no ouro. Se trata de um poder positivo, porque este absoluto é a 44

matéria mais prec iosa d o m u n d o : o o u ro. A a l q u i m i a é u m a técnica i m pe rfeita q uanto ao seu alcance e a o s e u conteúdo (q uando se pensa n a s possi b i l i d ades reais que a q u ímica propõe hoje) - mas, moderníssima p e l a mane i ra de compreender o papel d o homem. Na a l q u i­ mia, o homem aparece como sujeito, c riador e d omina d o r d a natureza cuj as leis p retende penetrar para melhor m o­ d ificá-la. Mas também para o a l q u i m i sta, a natu reza exis­ te para q ue seja m udada. E l a l he é oferec ida como campo d e atuação e de rea l i zação. A a l q u i m i a é o primei ro s u rto s istemático para i nverter a ordem natural em vez d e se submeter a ela. E é ass i m qu e na a l q u i mia, e , em par­ ticular, na obra d e P aracelso, podemos d iscern i r as ori­ gens d e um pensamento moderno qu e, p roced endo d e bai­ xo para c i ma, recusa u ma visão fatal ista e absol utista d o u n iverso, q ue a astrologia confi rma a o atuar d e c i m a para b ai xo, subj u gando o homem às fases de um destino i m u­ tável ( P H , pp. 744 e ss. e p. 1 .595). Que a a l q u i m i a não se perdeu no esqueci mento p rova-se pelo fato d e q u e o conceito, q uase o "slogan" tão sugestivo do triu nfo n o séc u l o XVI I I d a Razão e d a Ciência na Alemanha: "Auf­ klãrung" (A i l u m i nação rac i onal) pertence j ustamente à l i ng u agem esotérica d os a l q u i m istas. É poss íve l estabelecer um elo através dos séc ul os entre Paracelso, re interpretado e posto em j ustas perspec­ tivas h istó ricas, o Leibnitz ( P H , pp. 742 e ss.), visto q u e amb os tentaram pensar o possível até às suas mais ra­ d icais conseq üênc ias ( P H , p. 1 .008 ) . Parace lso fazendo-o ainda de uma manei ra q u ase s i mból ica e i n d i reta : p e l a mutação do c h u m b o em ou ro, isto é, p e l a i nversão d a ordem natu ral da matéria. Lei bnitz i m aginando e si ste m a­ tizando uma i nterpretação do mundo "como paisagem d a perfeição do ho m em" ( P H , p . 1 .007) . Na obra d e Lei b n itz, E rnst Bloch ree ncontra o que já l h e parecera tão essen­ cial em Aristótel es: o real an i mado pela i n q u i etude do pro­ váve l . Embora q u e o " Fi l ósofo" o pensasse "sub specie aeternatis", Lei bn itz o pensa "sub specie pe rfectionis". A n u n c i a assim, o tema d a "tendência", isto é , d e um princípio q ue animaria o cosmos i nteiro, q u e r sej a atra­ vés da ação h u mana qu e tende para a plenitude, q ue r -

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sej a e m am bos os casos, pela reconstrução d o mu ndo, para q ue se torne a m orada d o ser { P H , pp. 1 26-1 34). Se com Leibn itz, estamos a u m momento ch ave da evo l ução da "esquerd a aristoté lic a" , ainda não chegamos ao fim da sua peregrina busca. Rendendo homenagem a Kant, Bloch parece atri b u i r mais i m po rtân cia a Schelling {1 775-1 854) de q uem recebeu várias i nfluências di retas, e i n d i retas, até no seu est ilo e n a su a reflexão. Com efeito, q ue filósofo moderno senti u m e lh o r o movi mento da natu­ reza que "se escoa para frente" ? O movi mento cósm ico sustentado e enriquecido d e u m a "natu ra natu rans", do q ue Sche l l i n g {PH, pp. 1 .088 e ss. ) ? Mas a Schel l i ng, ape­ sar do seu subjetivismo sistemático, Bloch d i rige a mesma c rítica que a G i ordano Bruno : de não ter dado bastante atenção ao papel o bjetivo, concreto e eficaz do homem neste processo e, em particul ar, d e não ter d iscern ido a d i mensão social da d i alética da natureza. Por isto, mais do qu e a q u a l q u e r outro fi lósofo do sé­ c u l o X IX, é em Hegel q u e Bloch e nc ontra o Aristóteles dos n ossos tempos, isto é, u m fi lósofo qu e não só marcou de u m a mane i ra d rástica a evol ução d o pensamento ociden­ tal, mas alg uém que pode ser considerado como u m fun­ dador. De fato, a part ir de Hegel, " a esquerd a aristoté­ l i c p " vai se entrosar e se metamo rfosear numa nova es­ q ue rd a : "a esq uerda hegeliana" da qual n ascerá o mar­ ' x is mo . . . e o próprio pensamento b l oquiano. E rnst Bloch - como tantos h eterodoxos marxistas - várias vezes voltou a i nterpretar a o b ra de Hegel, em q u e encontra a fonte mais radical d o pensamento d ial ético. Cl aro que esta refe rência ao pensa mento hegeliano ermitiu à orto­ doxia filosófica comunista denunciar Bloc 1 como revi sio­ n ista, sendo o seu " hegelian ismo" a prova d o seu d ivisio­ n ismo. f por isto que u m d os mais ferozes críticos orto­ d oxos da DDR, W. Schu bhart q ual ific a-o de " hegel i ano q ue, em lugar de contemplar o passado, fixa o futuro" ( 1 9). Ora Bloch, como Lukàcz, Korsch (20) ou Marcuse, sente a necessidade de se referi r radical e c riticamente ao filósofo que afinal susc itou e m g rande pa rte a criação de Ma rx e Engels. Bl och n o e ntanto não se esconde e não nos esconde as d ificu ldades d a a rticulação da esquer­ da "a ristotélica" com a " hegeliana" (PS, p. 233) e, por 46

isto, varias vezes reco meçou a exegese d a s i g n ificação atual d o hegeli anismo através e não a pesar d o marxismo. Ass i m e m 1 949, publ icou u m a p r i m e i ra i nterp retação (SO) , q u e será revista em 1 951 e ampliada e m 1 96 1 . Mais a i nda, numa conferência q u e ficou famosa (21 ) , B l oc h - pouco tempo antes de ser acusado d e revisionismo e d e per­ versão - c riticou em Berl i m Leste a Frederich Engels por não ter compreend i d o e d ad o bastante atenção à i m p o rtância atual d a d i a lética hegel i ana e, por ter sido, assi m, u m dos responsáveis por u m a c rista l ização d o ma­ teri al ismo d i alético n u m m ateri al ismo mecanicista. Este ataq ue f rontal a um dos fundad ores do marxismo, prova­ velmente foi a gota q u e fez explod i r a raiva d os fil ósofos ofi ciais da D D R . No e ntanto, Bloch n u n c a cedeu neste ponto fundamental e, como e l e d e monst ra n as últi mas pág i n as do " P rincípio d e Esperança" ( P H , p . 1 02 e ss.) , o próprio Karl Marx não poderia ser entendido sem u m a referência expl íc ita e positiva a Hegel. Esta longa caminhada, com avanços e recuos, contra os obstácu los e a desconfiança da f i l osofia ofi cial, nos l evou até o cerne mesmo d a nossa atu alidade. Este per­ c u rso era necessário para lembra rmos da n ossa respon­ sabil idade e m função d e todo este passado através d o q u a l se p ressente o q u e temos hoj e o privi légio de viver. Se fracassássemos, sign ificaria q u e estes he reges, estes heterodoxos, estes banidos da h i stória ofi c i a l , mais uma vez s e r i a m l i q u i dados, mortos e d evolvidos ao na d a d o esq uecimento. A reflexão sobre o passado n os obriga, portanto, a i nterrogar, a anal isar com audácia e tei mo­ sia as poss i b i l i dades d o p resente. Temos a obrigação de fazer tudo para concretizar as esperanças q ue nos foram trans m iti das de ge rações e m g erações e que por causa d as ci rcu nstâncias até agora n u nca puderam ser total mente p reench idas. Assim n as nossas esperanças, desembocam as esperanças d e tod a a h u manidad e ; neste sentido o passado nos apóia. Mas também, para que este passado não seja mais uma vez frustrado, que as suas esperan ças não sejam mais uma vez i lu d idas, d evemos mostrar-nos à altu ra dele. Nós estamos apoiando este passado. Ta lvez que a sin g u laridade d o sécu l o XX seja j ustamente de ter u m a consciência mais aguda das espe47

ranças do passado, de saber melhor d o q u e q ualquer outro o que significa o fracasso e a desi l usão ; e por isto mesmo de saber q u e não podemos mais e rrar e que de­ vemos vencer. 1 .6. No entanto, sabemos bem q u e a marcha para o futuro não é tão p rog ressiva como esta recapitulação rá­ pida das "esq uerd as aristotélica, hege l i a n a e marxista" o sugere. Sabemos bem, nós q u e podemos capital i zar, que estamos capita l i zando todas as esperan ças h i stóricas da humani dade i ntei ra (pelo processo d e " p l anetarização"), podemos também f racassar. Como então entender esta d i ficuldade? Será qu e afi nal, como tantos f i l ósofos o pen­ sam de Heidegger a Adorno o u Camus . . . , tudo afi nal é i l usão, poesia e tentativa ridíc u l a para escapar à Verd ade? Que este mundo é absurd o ? Que o h o mem é condenado a fa lhar? Que tudo é nada? E rnst Bloch tentou pensar esta d i ficuldade a part i r das suas experiências de vida para dar uma resposta total m ente d i ferente. Primei ro, d evemos reconhecer que o movimento que c hamamos de "esq uerd a f i l osófi ca" n u nca, antes d a Revo­ l u ção russa, chegou a ser reco n hecida pela maioria, nem soube e pôde a n i mar movimen tos po l íticos vitoriosos. So­ cial e pol iticamente, as condições eram tais, que qualquer tentativa de conc retização fracassou porque era esmaga­ da por uma o rtodoxia que não admitia esta visão do mun­ do. Por isto mesmo, estes movimentos foram obrigados a buscar formas i n d i retas , d isfarçadas de expressão, a c landest i n idade e a marg i n a l i d ade. Com a Revol ução rus­ sa, com o gênio organ i zador dos Bolchevi q u es, o que até agora só produzia " rebel iões" o levantamentos tomou con­ ta de um país i m enso. Desde então, estamos vivendo num mundo em que podemos e devemos esc o l h e r rad i­ cal mente entre u m a esquerda e uma d i rei ta, porque te­ mos cam in hos de opção. Ademais, se a human idade, na visão b l o q u i ana do processo de humani zação d o cosmos e d e natu ral i zação do homem, está cami nhando para um " S u m m u m Bonum", ponto de co nverg ência d e todas as n ossas esperan ças, este processo não é simplesme nte um progresso que se-

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g u 1 r1a um cam i n h o reto e sim ples, a pesar de tudo. Ao contrário, encam i n h a-se por vias e d esvios tortuosos (TI , p p . 1 6 1 e ss.). O fato d e exist i r u ma poss i b i l idade ( e a i n d a mais no caso d e exist ir várias) , qu e suscita esperan­ ça (s) , ainda nada d i z a respeito da prob abil idade d e pas­ sar do possível ao rea l . Este momento capita l , no qual estamos passando da antinomia d o possível e d a necessi­ dade, antinomia que se refl ete na antinomia d o subj etivo e do objetivo ou do homem e da natu reza, para a síntese d a esperança concreta, d a p raxis e da utopia realizada, d e pende de uma decisão n ossa. Ni ngu ém, e ainda menos a natu reza ou Deus, fará o qu e nós devemos fazer. Po r­ tanto, o processo é tortuoso porque o homem que permita que este processo seja um prog resso, é também q uem i n trod uz as i l usões d a euforia, o e rro, o frac asso e a ameaça do n i h i l ismo. Enfim, devemos tomar rigorosamente consc iência que a esperança não é u m otimismo su pe rficial . A existência h istórica da esperança e o seu atu al d i n amismo não de­ vem nos fazer esq uecer q ue o m u ndo resista. Não se d e ixa fac i l mente modelar. O peso e a complexidade d a matéria opõem o s eu r it m o d e mudança à impetuosidade d a atividade h u mana; a vital idade d a natu reza b rota as suas p róprias formas q ue não necessitam d o homem para se transformar perpetuamente ; a inércia das estrutu ras e d as i nstitui ções do siste ma social, esta " natu reza soc i a l " i m põe a sua rigi dez b u rocrática a o esp írito i novad or. Tudo se conj u ra contra a espe ran ça como princípio d e ativida­ de. A esperança não é natural. É uma insurreição huma­ n a contra o natural. É um protesto organ izado e siste má­ tico co m ra o deixar-ser, contra o conformismo, contra a evolução no rmal : q u e conduzem ao nada do n i h i l ismo e q u e om item a possi b i l idade da perfeição. Sobre o ca m i n h o da esperança pairam os abutres de d est rui ção cuja vang u ard a, seg undo Ernst Bloch, j udeu a lemão, seria formada por H it l e r e os seus seg uid o res. Sem cessar, como u m a sombra que é necessá ria sempre esclarecer para fazê-la recuar, na refl exão de Bloch su rge a lembrança das sombras da noite, da morte, da d estru i­ ção e da lo ucura q u e , afi n a l , qu ase conseg u i ram apagar u ma geração, uma geração magnifi camente dotad a : a Re-

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pública de Wei mar. Ernst Bloch, portanto, devia rigorosa­ mente e, por ser h onesto até as ú lt i mas conseqüências, se perguntar como numa f i l osofi a d a esperança é possível estes fracassos. A part i r do f racasso histórico d a esquer­ da alemã, Bloch el a borou u m a reflexão q u e medita sob re a possib i l idade d o f racasso, a p recariedade do esforço h u mano, a frag i l idade da c on d i ção h u mana. Longe de ser um fil ósofo triunfante por i g norar ou por d esprezar as d i ­ ficu ldades, Bloc h tentou real i za r o q u e exata mente faltou sempre ao oti mismo ofi c i a l c o m u n ista, mas que já existia esboçado na rigorosa reflexão marxista : uma i nterpreta­ ção posit iva do fracasso e do erro. B l och, nos parece ser u m dos pri m e i ros ma rxistas (ainda que d evêsse mos lembrar as i mportantes pág i nas de F. Engels onde ana­ l isou "o fracasso" da rebel i ão de Th. M u nzer que d i s­ cuti remos no quarto capít u l o) a se opor nitidamente ao "progressivismo" q u ase i n e rente à p ropaganda partidá­ ria, segundo a q u a l a " Revo l u ção" é a conseqüência ne­ cessária de um p rocesso l i near i rreve rs:ve l . Ponto d e vis­ ta q u e Bloch sem pre denunciou vi gorosamente como sen­ do, não só de origem " pos itivista" , como res ultado de uma concepção mecan i c i sta d o desenvolvi mento social e político da História, portanto, por ser antidia lético. Assim se supera d e uma maneira rad ical, a crítica mais vio lenta que se pode fazer ao marxismo: d e ser também um ópio rel i gioso q ue, pelo seu oti mismo pro­ g ressista, esq uece ou menospreza as d ificul dades rea is. A praxis redefi n i d a pela med itação b l oqu iana eng . obará rigorosamente e g l obal mente o êxito e o fracasso, fazendo de cada um o mome nto necessário da p rog ressão. A possi b i l idade do f rac asso - abrupta e dog m atica­ mente negada - até nas evi d ê ncias h i stóricas pela orto­ doxia comun ista (ve r o slogan "os comunistas podem errar, o Partido n u nca") en contra a sua primei ra exp l i ­ c a ç ã o na plmalidade d o s tempos. M u ito antes d e se transfo rmar na sociologia fran cesa, num tema de renovação, e m particular na obra de G. G u r­ vitch, E rnst Bloch tinha já levantado em 1 934 o p rob le­ ma da "não s im u l taneidade d os tempos" ("Unglei chzeit­ l i c h ke i t " , EZ, p p . 1 1 2 e ss . ) , isto é, o fato de que não existe forçosame nte um paralelismo nem aparentemente, nem 50

p rofu n d a mente, entre a evol ução h i stó rica de d iferentes sé­ ries d e eventos, entre dive rsos estratos que coexistem n u m a mesma sociedade com u ma d i fe rente percepção d o tem po e , talvez, mesmo do espaço soc i a l . O pri mei ro esboço d a " não s i m u ltaneidade d o s tem­ pos sociais" t i n ha já surgido na obra de Bloch q u ando re­ fleti u sobre a rel ação entre a arte musical - arte coletiva e social por excelência - e a sua d i sc repância com o d esenvol vimento sócio-econômico da sociedade em geral ( G U ) . Esta pri mei ra observação ampliou-se q u ando ao anal isar o fracasso da rebel ião camponesa e o martírio de Th. M ü nzer (TM ) , B l och notou uma segunda d i screpânci a e n tr e as possi b i l idades reais de u m a sociedade e a s i déias q u e podem ani mar s i m u l taneamente ce rtos g ru pos. As­ s i m , organi za-se um a visão compl exa da rea l idade soci a l q u e orienta a i nterpretação b loquiana d a sociedade alemã d o começo deste séc u l o (EZ). Nesta sociedade, organi­ zada d e c i m a para bai xo numa só nação, cont i n uam coe­ xisti n d o não só d i versas c lasses sociais, cada uma com o seu tempo parti cu lar, cad a membro de u m a cl asse viven­ do os eventos h istóricos em fun ção d os ritmos b ásicos da sua c l asse, m as tem pos l atentes, m ít icos e arcaicos ou utópicos e anteci padores que se podem transm it i r de uma c l asse a outra, compl i cando portanto a tomada de consc i ê n c i a de c l asse. Existe uma d u p l a não coincidên­ cia: entre as c l asses qu e a sociologia d e i nspiração mar­ xista j á notara e ainda, entre os membros de uma c l asse que podem através d e ce rtos m itos, idéias, utopias, etc. não só part i c i par sem sabê-lo d e uma outra classe, como se situar fora da sua situação h i stórica. A conseq üência ponica i m e d i ata d esta n Jo coexis­ tência é de tornar m u i to p roblemático qu alquer movi­ mento ou partido de " massa", visto que nele se preten­ deria, a priori, i nc l u i r m i l i tantes pertencendo a d i versos g ru pos d i vergentes, como i ndiv:duos q ue têm d i fe rentes percepções da evolução h istórica da si tuação atual e das poss i b i l i d ades do futu ro. A análise bloq u i ana atinge, ass i m , em cheio u m a d as idéias m íti cas mais co nstantes das esq uerdas : a i d é i a d e u ma u n idade a pri ori das esq u e rdas, sej a s o b a form a de "frente única", de " partido único", etc. Aspi ração vá-

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l ida numa vrsao oti m ista e ideal ista da convergência fu­ tura dos movimentos ; i l usão perigosa q u ando se ig no ra a comp lexidade d as situ ações vividas. Por ter um alvo co­ m u m : "A Revol u ção" ainda nada d i z a respeito das moti­ vações e das razões que, afi n a l , vão dar, também, u m certo conteúdo a o alvo visado. Não basta re u n i r oportu­ nistamente, ou, a i n d a p i or, sob a ameaça da reação, for­ ças q ue são d ispersas ; ainda é necessário q ue esta "união" não seja um ponto de chegada, mas um ponto d e partida. A união não s e faz para defender certas posi­ ções , mas para real izar u m projeto o que imp l ica uma decisão, um al v o e . . . u m programa. Po rtanto, a u n i ão será tática. Estrategi camente, será necessário constru i r além dela e e m com u m u m a doutrina, controlada e enri­ quecida pe la "autocrítica" co letiva e pessoal . Esta ú ltima condi ção é i nd ispensável se se q ue r e pretende manter um m ín i mo de l i berdade dentro d o movi mento un ificado, escapando aos a b usos e as m a n ip u lações de uma "el ite da organ ização". O nosso ponto aq u i não é de d iscutir se o que primeiro deve vir n u ma frente das esq uerdas é a un ião pela o rgan i zação ou pela ideologia, mas que sem este esforço ideo l óg ic o e pedagóg ico, a " u nião" não pas­ sa de uma aliança oportunista sem nenhuma poss i b i l i­ dade de desenvol vi mento futu ro. Assim , à l u z das c ríticas de Bloch, pode-se reinterpretar a d i retriz dada por Le n i n e : organizar o partido (22) . Seria no entanto e rrado c on c l u i r desta c r ítica que um partido de " m assa" sej a forçosamente alienante e anti­ revolucioná rio. O i m po rtante é que sim u ltaneamente com a organização, se eduquem os m i l i tantes numa vi são co­ mum e críti ca d o momento h istórico. Deve-se constru i r através d e u m t raba l h o pedagógico si stemático q u e ne­ cessita de muito tempo, u m partido popul ar. Ora na Ale­ manha da Repú b l ica de Weimar, a i m i n ência da reação da d i reita e dos m i l i tares red uziam este prazo necessário. Ou então, havia uma solu ção de emergência que era de reu n i r num mesmo partido de massa todos estes elemen­ tos d ivergentes, a part i r d o que era comum. O que era com um era o menos fun damental , o menos ca racterístico, o menos identificador; e ra uma m ística vaga organ izada a part i r de um desejo não orientado de mudança. Todos 52

q ueriam que as coisas m u d asse m : pouco imp o rtava para quê e por quê. O essencial não e ra a busca d e uma n ova soc iedade, mas c ria r um c l i ma n o qual cada um t i n h a a convicção q ue "estávamos cam i n h ando". Se sentir n u m m ovi mento d i nâmico j á a n i m ava. Ora, segundo Bloch, " n ão pode existi r uma Revo l ução autêntica sem que haj a u m a fi nalidade". Esta verdade política, é também, hoje i m­ portante para q u a l q u e r teo ria do desenvolvi mento. Não b asta afi rmar a existên c i a de u m a mudança, ou de u m conju nto d e mudanças para q u e haja t ransformação; a i n d a é necessário determi n a r para q u ê , para onde, se q u e r p rog red i r. Nen h u ma m udança pode t ransformar s e m q u e haja u m a valoração, isto é, sem q u e haja u m esforço d e o rientação no espaço, n o tempo. D a í a s i g n ifi cação d o p l anej amento e da p revisão sem o s q uais os c o nceitos d e dec isão o u opção não têm conteúdo. A desvalo ração e a ausência de uma f i n a l idade desej ada l evam a " Revo­ l u ção das aparências" de um n i h i l ismo d i nâmico. A q u a­ l i d ade e a d i reção d e um processo de câmbio é tão i mportante q u anto a sua velocidade e o seu rad i cal ismo. Não basta afi rmar q u e é " revol u ção'', tudo o q ue m u d a rapidamente ; ainda é n ecessário que esta mudança te n h a u m a certa oríentação e u m alvo defi n i do. A p u ra violência m esmo tec nológica, não é revol ucionária ; é anarq u i a a l ongo prazo. Justamente a " revol ução nacional-socialista" é u m exemplo perfeito do q u e ac ontece q u ando s e radicaliza a part i r das aparêr c ias e não da realidade. O partido de massa nazista pod i a se afi rmar " revol uc i onário" sem o m ínimo conteúdo. Tin h a s i m , uma form idável ca pacidade enérgica e d i n âmica. Tanto mais d ispon ível que não ti­ nha nenhum alvo; portanto, nenhum compromisso, senão de mob i l i zar, de ir para a frente. Que frente ? N i n g u é m q ueria saber. Assim esta u n i d ade n ã o s e faz i a para u m alvo determinado, mas no oportu n ismo de i nstante, sem­ p re reanimado pelo jogo de uma propaganda sistemática. H. Marcuse, na mesma época em que E . B l oc h d ava o último retoque à sua anál ise, p u b l icava no seu exílio e m Paris, um traba l h o ("A l uta contra o l i beralismo n a c o ncepção total itária d o Estado", recentemente rep u b l i­ cado em Kultur und Gesellschaft 1 (23) , em q u e com53

p l ementa as i ntui ções b l oq u ianas. Mostra como a u n i ­ d ad e nazista se real izou p e l a criação de um c l i m a paté­ tico e i r rac ional, a part i r d o conceito de "povo" ("Vol k" e os seus derivados : "vol kisc h " . . . ) , associado ao "sang ue" ( " B l ut") e ao "solo" ("Boden"). Se natural izara desta forma o social, enraizando-o de um lado no "sangue" ( " B l ut", isto é: a raça no seu sentid o mais biológico e i rrac ional), de um outro lado n o "solo" ( "Boden", isto é : a terra n o seu sentido mais senti mental). Estando a l é m dos i nteresses das c lasses e d os g ru pos que se opõem numa sociedade, sendo mais profu ndo de qualquer rea­ l i zação atual e h istó rica, " povo" como "n ação", o "Vo lk" seria mais fundamental d o q u e o Estado. O c idadão nã o é mais o livre partici pante d o Estado q u e exprime o co n­ senso como o pensava o l i b e ral ismo; m a s o servo o be­ d iente, o elemento de uma entidade q u e atualmente se encarna no Partido: total itário, porque expri me toda a verdade, e o rientado seg u n d o as i nterpretações, i n d i scutí­ veis porque transcendentes, d e um " F ü h rer". O nacio­ n al-soc ial ismo conseguiu ass i m j ustificar uma fantástica m áq u i na de mob i l i zação permanente q ue manti nha todo u m povo na expectativa de u m a expansão i l i m itada, e que servia ad m i ravel mente os i nteresses d os monopó l i os eco­ n ô m icos q ue j ustamente se constitu íam naqueles anos n a Alemanha. A u m a concentração econômica total respon­ dia uma m i l i tarização tota litária, nas quais o i n d ivíd u o nem seq uer pod ia escapar ideologi c amente pela d i g n i dade pes­ soal ou pela objeção de consciência. Só h avia o não absoluto seja pelo exíl io, seja pela conspi ração (ver o caso d ramático de D . Bon hoeffer) . O que podia fazer a esq uerda presa entre a falta de tempo e o popu l ismo demagógico? Seg und o Bloch, re­ n u nciar a participar i mediatamente d o poder e p reparar u m partido de m i l itantes l i g ados e u n idos nu ma mesma visão ampla da realid ade. Isto é, nem negar a não s i m u l ­ taneidade dos tempos, n e m supe rá-l a simbolicamente, mas enfrentar sistem aticamente o seu desafi o. O fracasso pode su rg i r também de uma outra d ificul­ dade muitas vezes mal ente ndida e, portanto, mal resol­ vida. Existe o perigo de q u e com o ardor revoluc ionário pode-se crer que tudo vai recomeçar de novo. O entu54

s i asmo revol ucionário suscita f reqüe ntemente uma visão a pocal ítica da H i stória, isto é, u m a visão seg u n d o a q u a l a Revo l u ção i ntroduziria algo d e total mente novo, p rovo­ caria u ma rachad u ra abso l uta q u e abole o passado e permite q ue " i n c i pit vita nova". E. B l oc h , ao meditar exa­ tamente sobre esta fórm u l a (Ti i , pp. 1 51 e ss.), que exp l i c a o d i namismo violento de q u a l q u e r esforço revol ucio nário, ao menos n o pri mei ro arranco emoc ion a l , est im a que para q ue este evento do n ovo fosse poss ível , deveríamos i ma­ g i n a r que fosse possível , de repente, i nstit u i r um começo absoluto. Que a " renovatio", promessa d e qualque r Revo l ução, dependa de um a " i n ovatio", é u m req u i sito i n c onsc iente que anima m u i tos revol u c i o n ários, m as q ue consciente­ mente, à l u z de um a reflexão sistem ática sobre o c u rso e a evo l u ção h istórica, não pode satisfazer. A Revo l ução não é uma " i novatio" ; como Bloch repete sempre: é só o fim de u m começo. É , por conseq üência, i nsatisfatór i o para u m a reflexão rigorosa e peri goso para uma ação pol ítica conseq üente, c re r que o ato revo l u cionário vai i nstitui r tem pos n ovos e m q u e a p ro b lemática, isto é, o s p roblemas e empec i l h os p ré-revol uc ion ários serão a b o l i­ dos por u m ato q u ase mágico. N ão é verdade q ue a Revol ução abole para melhor i n a u g u rar um outro tempo. Esta é uma concepção anarquista d a Revol u ção, isto é : terro rista e desesperada. Como a p rópria palavra i nd i ca, a Revol ução é um momento em q ue, todas as poss i b i l idades esgotadas, é necessário reconsid erar rad ical e g l o­ bal mente a situação i ntei ra para, a parti r das condições vigentes, propor e i nt rod u z i r novas perspectivas. O ra, neste res peito é bastante p reocu pante n otar a pob reza i m aginativa de mu itas plataformas id eológicas dos movi­ mentos revol ucio nários lat i n o-americanos. Parece mesmo q ue o seu radi calismo é mais pare c ido com a atitude tra­ d i cion al d e hero ísmo, d o que exp ressão de u m a anál ise rad ical das reali dades. A Revo lução deve acabar u m a evol ução começada ; perfazer um perc urso começado, para rea l mente inovar. É necessário i r até o fim da evo l ução (daí: " revo l ução"), para rea l mente i n ovar. Senão, como sem p re aconteceu - com o anarquismo -, a i n d a que sej a com g randeza e 55

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heroísmo, o ímpeto revol u c ionário acaba por ser uma mera e trágica fuga para a frente, no nada d o imprevisível porque imprevisto. Como veremos no capítu lo seg u ndo, a signifi cação mais frutífera do pensamento utópico de Bloch é j usta­ mente dar um sentido, isto é, u ma d i reção ao que aparece no cotidiano sem sentid o, co nfuso, complexo e desorien­ tado. Será exatamente a f u nção da consciência anteci pa­ d o ra, tal q ual se exp rime através da obra de arte (cap. 2) e da utopia (cap. 3) . Este longo parêntese nos levou na reali dade ao co­ ração da tercei ra razão fund amental d a possi b il idade do fracasso : a nossa alienação temporal. O fracasso existe porque a al ienação não é só um estado e um i nvólucro q ue o homem deve ria ultrapassar ou f u rar para se desa­ l i enar e se l i bertar, mas também um p rocesso (24) . J á n u m curto ensaio (VI, pp. 81 e ss.), Bloch i n d icou como a al ienação ("die Entfremdung") está estreiatmente l igada à nossa manei ra de perceber a temporalidade e, portanto, à nossa maneira de nos situar no tempo. A a l i enação - o fato, como o i nd ica a palavra alemã, de esta r alheio a si mesmo - é u m comportamento no q u a l , em vez de s e s i t u a r no p resente, que está s e vivendo, alg uém se considera ao fim de uma trad ição rígida, como p roduto de um passado absolutizado. E al i enado q uem se vê o objeto de u m p rocesso de q ue não é nem o sujeito, nem o responsável . Na alienação o homem se vê preso nas malhas de u m passado constru ído pelos outros, do qual o seu passado é só uma parte i nsign ificante. Comp reende-se a si mesmo como u m objeto do tempo passado e, por co nseq ü�ncia, se acha i n capaz de se tor­ nar o sujeito do seu destino. A esta al ienação opõe-se i med iatamente uma possível rebel dia - como, por exemplo, no fam igerado "confl ito de geração", ou no romântico "assass inato d o pai" que se exprime por uma recusa maciça e abso l uta de todo o passado. Por u m ato de violência, b rutal e i ncon­ d i c ional, o homem pode im agi nar q uebrar pela recusa tudo o que constran ge, de maneira a poder, assim , se reconquistar vi rgem e d i spon ível , i nocente e p uro para u m futuro que será também total mente novo. O que é 56

p rofundamente i l usório porque desta rebe l ião o h o mem n ão só sai e m pobrecido sem o seu passado e o passado d a coletividade a q u e pertence m as, sobretudo, real iza u m s u i c íd i o simbólico. É o g rande d rama d e q ualquer rebel ião, q ue r seja dos " beatni ks" , quer seja d o " Dada", quer sej a de tantos movi mentos de j uventude. A verd adeira desal ienação (" Die Verfre m d u n g " ) , não é a abo l i ção do passad o e d os out ros e, por via d e conse­ q üência, de tudo o q u e me constitui, mas como também a palavra alemã o i n d ica, u ma necessária tomada de d is­ tância em rel ação ao q u e sou, para melhor me situar e ag i r. Ass i m , coisa paradoxal, a desal ienação não vai pri­ meiro para frente, m as bem para trás por uma reflexão q ue me coloca em perspectiva : tanto em relação às possi­ b i l i dades do meu p resente (que podem ser poucas . . . ) tanto ao possível q u e promete o futuro (que normal mente é muito amplo) , tanto ao form i d ável p rocesso d e m u ­ dança q ue sofreu o passado ( m u ito maior d o que estamos pensand o à primei ra vista ) . Esta idéia - à primeira vi sta estranha e surpreen­ dente - de uma esperança q ue vai para trás não só é caracte rística de E rnst B l oc h , mas de u m outro " hetero­ d oxo" alemão: Walter Benj a m i n . P. Szond i no seu ensaio " H offn ung in der Verg a ngenheit" (25) mostra como esta estreita l i gação da esperança com o passado é primei ro e para uma i nterp retação psicológica uma volta à i nfância como fonte perpétua d a vida h u mana. Depois, uma enge­ n hosa i nterpretação do passado pessoal e d o passado co­ l etivo, como index, c om o d i retriz, como algo q ue indica u m cam i n ho j á em parte percorrido. Assim, a origem não é só " E ntste hung" ( u m s u rg i mento, u m nasci mento m i l a­ g roso) , mas sobretudo, " U rsprung" (m omento original q u e sempre se renova) . Daí a frase misteri osa de Walter Ben­ jami n : " U rsprung ist der Ziel" (A origem é o alvo) ; ou para c itar Bloch "A Gê nese é o fim". A c riação com fun­ d ação q ue nos antecede, torna-se o movi mento pelo q ua l estamos chegando à plen itude. A l i bertação h u mana - e aqui a l i bertação pessoal prefi g u ra a l i bertação mais g l obal de toda a h u ma nidade e espec ial mente de tod os os g rupos e todas as c l asses domi nadas - não se re al iza por um arranco para frente, 57

mas por um movimento complexo, d ia lético e g l obal em q u e se reconsidera toda a h istória pessoal, e depois toda a H istória a parti r da m i n ha existência. Este movimento c omeça para trás d e maneira a encontrar a matéria, o solo, isto é, um trampoli m p ara rea l mente reanimar o imobilizado, ou o q u e parecia através de uma ideologia falsa, eternamente real i zado. Tomando assim, simu ltanea­ mente (por isto esta tomada de consc i ência é d ifíc i l } , cons­ c i ência do possível ( p rometido pelo futu ro) , das possibi­ l i d ades concretas (existindo n o p resente) e do movi mento já começado e esboçado no passado, o homem passa a ser sujeito do seu destino. Só então pode-se considerar, e os outros o podem considerar, num processo desalie­ nante que visa a sua completa e total l i bertação. A desa­ l i enação não começa só pela afirmação que algo de novo existe no mundo, mas, paradoxalmente, pela tomada de consciência que o passado pode ser repetido, deve ser repetido ; n ão para refazer sempre o mesmo ou i m i tar o q ue os outros já fizeram, mas porque nada está defin iti­ vamente fixado. Ao passo que o homem que aceita a sua a l ienação temporal , se sub mete ao que não pode mudar porque o coloca fora dele, e m u m passado objetivado, o h o mem que tomou consciê n c i a do processo e da possi­ b i l i dade da desalienação vai se empenhar numa tarefa em q ue o passado será a matéria do seu presente e o trampol im do seu futuro. O passado, de xadrez, transfor­ ma-se em mola, proj etando o homem na ação. Enquanto a al ienação conduz à estagnação psicológica, isto é, à i n d iferença; ao senti mento trág ico da i m possibilidade de m uda r, isto é, ao su icídio real ou simbólico d o c i n ismo; a desal ienação leva o homem a uma atitude corajosa, fir­ me e esperançosa d e reconqu ista de si mesmo para pro­ testar e testemu n h a r em favor da vida. Claro que deve­ mos reconhecer ao homem a poss i b i l idade de recusar esta escolha e de l ançar mão do s u i c íd io num ú lt imo l a nce heróico em q u e destrói o m u n d o ao se destrui r a e l e mesmo ; mas também devemos reconhecer ao homem ri poss i b i l idade d e escolher a vida e a l uta no seu favor. A q u i estamos chegando a um d estes pontos que além das i deolog ias, das experiênc ias, das c i rcu nstânc ias e d as si­ tuações históri cas, o homem deve defi n i r-se. Bloch - ao 58

contrário d a ortodoxia marxista - recusa-se por respeito ao h u mano no homem a i m po r-l h e u ma escolha. A sua ta­ refa de f ilósofo com u nista m i l itante só o obriga a q ue esta esc ol h a seja feita com o máxi mo rigor e sem racional i za­ ção. Neste sen tido a sua análise é altamente l ibertadora, sendo que a l i be rtação concreta depende d o leitor em ú l ­ t i m a análise. 1 .7 B l och vai apl icar em " Herança deste tempo" ( EZ) , esta anál ise da possibil idade do fracasso. Além de teste­ m u n h a de u ma l uta pol ítica ocasional - ai nda que g i gan­ tesca - contra todas as formas, e sobretudo as mais cor­ rosivas - do nacional - soc ial ismo, este livro é também uma med i tação dolorosa sobre a p l u ra l i dade dos tempos e a d if i culdade da desal ienação, sobretudo ao n ível co­ l etivo - a esq uerda alemã - e ao n :vel g l obal - a d ra­ mática escolha da nação alemã, q u ase i ntei ra a favor d e H i tl e r. D o mesmo modo q ue n i ng u ém escapa a o seu pas­ sado senão (e será?) pel a mo rte, assim n i nguém se d es­ faz da sua herança social, econômica e c u l tu ral. Por j o­ vem q u e a l g uém se si nta, e isto é verdade mesmo para um a nação em pleno desenvolvi mento, sem pre somos herdei ros. Nada perdeu d a sua atualidade. No entanto, vale a pena lembrar q ue estas pági nas foram red i g i das n uma época em que mu itas i nform ações ainda não c i r­ cu lavam, em que u ma visão g l obal do problema era d i ­ fíc i l . Hoje estamos co meçando a tomar consci ência d e q u e o fracasso das esq uerdas e u ropéias primeiro d i ante do fascismo, depois d iante do nazismo, não teve só ra­ zões i nte rnas (como Bloch afi nal o su põe) , mas também razões externas, dependentes e m particular d os confl itos q ue surgi ram na Tercei ra I nternacional, e, sobretudo, das d ificu l d ades que encontrou a pol ítica exterior russa em con c i l i a r a necessidade de "salvar a Revol ução num só país" (tese de Stal in) e a obri gação de apoiar "a Revo­ l ução i nternacional" (tese de Trotsky) . Toda esta época não estava - como até recentemente dominada por dois, eventual mente três b l ocos, numa coexistência pacífica o u não, mas pela p resença maciça de u m Ocidente todo voltado para a n i q u i l ar os " Bolc heviques". Só pela a l i ança 59

p recária dos Al iados d u rante a seg u n d a Guerra M u nd ia l foi possível , para o s soviéticos, conquistar em uma certa margem de atuação. Será só no após-g ue rra, com a coe­ xistência de dois b l ocos- empenhados e m se eq u i l ib rar, q u e se criaram as oportunidades para que o revisionis­ mo revital iza o m arxismo. É verdade q ue hoje e, talvez, amanhã e, em particu lar, na América Latina, a situação já mudou e já estamos voltando a uma situ ação monol í­ tica, o que explicaria o i n d iscutível recesso em q ue esta­ mos vivendo tanto ideolog icamente como pol iticamente. M ais uma razão p ara ser atento à análise b loquiana ! B l oc h vai tentar demonstrar na " Herança d este tempo" (EZ), como o nazismo soube capitalizar este p assado subj acen­ te, meio-mítico e i nconsci ente, ao passo que a esquerda em geral e, sobretudo, o partido comunista alemão, se eng anaram ao desprezá-lo. O nazismo, segundo Bloch, tri u nfou porque a esquer­ da alemã, i ncl usive o Partido Comun ista Alemão, b aseou a sua po lítica sobre uma visão simpl ista da evol ução his­ tórica. Imag i navam q u e se i naugurava, em parti cular de­ pois do d u p l o i m pacto d a derrota m i l itar i m perial e do êxito bolchevique russo, u m n ovo período que era só ne­ cessário consolidar para q u e a Repú b l ic a de Wei m a r ca­ m i nhasse forçosamente para a i nstauração de um pa raíso soc ial ista (EZ, pp. 1 5 e ss. ) . Através de diferentes en­ saios q ue anal isam a real id ad e cotidiana d a Alemanh a d os anos 20 até 30 (tanto do ponto de vista cultura l , social, p ol ítico ou fi l osófic o : este l ivro é mai .> u m a prova d a sua fabu losa c ultu ra e d a sua polivalência genial). e 1och p re­ tende demonstrar como este entusiasmo :"utópico" era i l usório, pio r ainda, era u m fatal ismo otim ista. Se exis­ tiam sinais sensíveis de u ma au rora social ista, por exem­ plo, nos movi mentos de massa q ue em ce rtas cidades e partes da Alemanha o "Spartakismo" desencadeou e p ro­ vocou, estes sinais ficaram soltos na rede complexa d os dife rentes tem pos ideológ i cos, sociais e econômicos que dominavam a sociedade alemã. Assim se o "Spartakismo" c onseg u i u manifestar-se, n ão foi capaz d e provocar um p rocesso sistemático q u e atravessasse todos estes tem­ pos. Aos poucos, o i m p ulso revolucionário ficou parcela­ d o, desorgan i zado e abalado, dando cond ições à reação 60

p ara aniquilar cada foco, u m depois d o o utro. A espera .revol ucionária spartakista deixou só um p rofun d o sen­ ti mento de frustração b astante vago e n o entanto sufi­ .c iente. Bastante vago para não opor q ualquer resistência i deológica às p regações "nacion al-social istas", suficiente p ara perm itir aos n azistas se afi rmarem . . . " n ac i onal­ soc ialistas". Os nazistas pod iam assim asp i rar à s ucessão d o mo­ vi mento revo lucio nário de esquerda, capital izando as as­ p i rações frustradas. Ainda mais, podiam se afi rmar mais revol ucionários d o q u e os "vermelh os " ! A p ropaganda n azista orquestrou a jamais vista m istificação c u l t u ra l , i n­ tel ectual e po lítica enganando a c ristãos e a social istas, a cientistas e a filósofos (que se pense n as p ( i m e i ras ati­ t udes de Heidegger), a pedagogos (O. F. Bo l l n ow) e a artistas. Esta i de ntificação ainda hoje perm ite a certos i nconscientes equ i pararem a " revolução" n azista com a libertação marxista. Talvez, um dos achad os mais perversos do nazismo tenha sido m isturar as aspi rações revo lucionárias, q ue esperavam u m paraíso soc ial ista, com a ren ovação d e velh os mitos germânicos a i n d a vivos em certas partes d a população. No "nac i on a l" "social ismo" (a conj u nção d as d uas pal avras man ifesta bem esta copulação monstruosa) conseg ui u-se, portanto, a convergência ( mas a que p re­ ç o ! ) dos mais diversos tempos existentes n a sociedade alemã no começo d o séc u lo. Quais e ram estes tempos ? Havia, primei ro, os tempos míticos. O "tempo peri ó­ d i co" ou " recorrente" de u m a popul ação apegada às suas c renças arcai cas, que se expressarão, por exemplo, no m i to "da terra e do sangue" f Blut und Boden " , EZ, pp. 98 e ss.) . Podemos ver n a sobrevivência destas c renças a conseq üência l on g ín q u a de u ma c ristianização tardia e q u e foi relativamente su perficial. Assim , nunca foi total­ m ente e l i minada a visão n atural ista q u e se refu g io u na l iteratura popular e escapou à c rítica racional ista das " Lu­ zes" do sécu l o XVI I I , l i mitada e aceita só pelas el ites uni­ vers itárias e do funcionarismo, rigorosamente estratifica­ d as e essencialme nte u rbanas. O natura l ismo estava p re­ sente também nesses meios por u m a vaga aspi ração a u m estado pré-u rbano, p o r u m a c rítica saudosista d a c id ade. 61

Estes e lementos d i fusos se sistematizaram no século X I X g raças aos autores românticos mais popul ares q ue exal­ taram uma visão tel ú rica da germanid ade e um nacio n a­ l ismo-baseado sobre o futuro de u m a raça j ovem e d i n â­ mica. Esta d i alética i n telectual do " nacional" e do "p o­ pu lar" deu o rigem não só a uma mitologia sugestiva, b a­ seada, como vi mos sobre o "sangue" e o "solo", mas per­ verteu até a l i nguagem como o demonstra por exe m p l o J . P. Faye (26), c r i a n d o ass i m u m c l i ma favorável à mobi­ l i zação permanente d o "povo" pelos nazistas. Mas havia ainda outros tempos m íti cos. Por exem­ plo o "tempo messiân i co" que se expressa na Alemanha d u rante muitos séc u los pela espera do h erói político. Tem a sua o rigem histórica em Frederico l i - o suposto e popu lar " i m perador perfeito". Além de Bismarc k e d e H i ndenburg, este mito permitiu a H i t l e r s e a presentar como a i ncarnação e o idea l i zador da " G rande Alemanha" ("G ross Deutschland") com a qual até os descendentes alemães do sul do Bras i l son haram (EZ, p. 63). Outro tempo m ítico: "o tempo apocal íptico" que afi rma que u m d i a s u rg i ria e se i nstal aria n a E u ropa o Terceiro Reino, o paraíso do Espírito Santo e da felicidade. M i to q ue atra­ vessou não só toda a E u ropa, como também os séc u l os desde Joaquim d i F i o re, até Hitler com o seu g rotesco e trág ico Terceiro Reich, a cuja i naug u ração convidou o mundo i ntei ro nas O l i mp íadas d e Berl i m ! Mas, a o l ado d estas sobrevivências, que não teri am im portância se uma propaganda não as tivesse rean i mado, demonstrando ass i m a p recariedade d o "esc lareci mento racionalista", a análise b l oq u iana assinala outros tempos, desta vez .puramente sociais. Assim, " o te m po recessivo" ca racterizava a visão d o mundo da pequena bu rguesia, que se encontrava naquela é poca de recessão econômica e de inflação, esm agada por uma proletarização de fato à q ual só pod ia opor u m a exaltação moral ista d as suas i m possíveis virtudes. A ú n i c a saída para, de u m lado, escapar ao processo i n exorável da sua proletari zação e para ma nter a sua estrutura ideológ i ca, era sonhar com a volta a um estado p ré-i ndustrial em q u e o d i l ema ainda não existia. Qualquer p regação, portanto, que l he p ro62

m etia a permanência d o passado d en tro d e uma ind us­ tri a l i zação que não a ati n g i ria , podia fasci n á-la, ao passo q u e o real ismo soci a l ista de u m a h u manização além d a i n dustria l i zação s ó podia assustá-l a. A a m b i g ü idade d e u m a b u rg u esia que i ntelectual men­ te acompanha o desenvolvi mento tecnológico e social, m as que pol iticamente fica fasci nada pelas soluções con­ servado ras, foi empi ricamente focal izada por S. M. Lipset e M. Schwartz (27) . Notam q ue os "engenhei ros" foram, e são, i n c l i nados a se rad icalizar à direita. O ra, j u stamente E rnst Bloch n u m artigo de 1 929 (VI, pp. 1 63-1 76 . . " 0 med o d o en­ genheiro") tentou explicar este fenômeno. Dist ing ue Bloch entre o engen hei ro co m o técn ico - . rad ical izado pela própria profissão q ue exige dele uma atitude sectorial modernizante, criticidade - e como burguês, q ue pela sua origem e pela sua formação contin u a sendo. Como técnico resolve os problemas técnicos d e u ma manei ra moderna, mas como b u rg uês recusa-se a considerar a s ituação g l obal sob o mesmo aspecto. Ao contrário, a sua formação espec i a l i zada o l eva a ver só a real idade d e maneira fragmentária e isolada. S . M . Li pset e M . Schwa rtz notam, a l i ás, q u e o s p rofissionais mais rad ica­ l i zados à esquerda são os q u e mais contatos têm com u ma l a rga cl iente la, isto é, q u e são obrigados a sair d e u m a visão b itolada p e l a pressão d os outros. . As pro messas sociais dos nazistas (28) t iveram u m p · ofundo i mpacto n a med ida e m q ue p rometiam u m a vida mais confortáve l e fác i l . Ass i m se sugeria u m a possível sol ução de comprom isso e m que certos val o res, t rad i­ cional mente transmitidos pela ed ucação, mantidos pela b u rguesia, se conj u g avam com certos p rivi l ég i os moder­ n os (EZ, p. 46). Havia também "o tempo vazio", o tempo-zero, das g randes massas u rbanas. Sob o i m pacto de uma i n d ús­ tria de d iverti mento que começa a se o rg an i zar (que se pense no poderoso truste d a U FA), dos espetácu l os d e massa (foi o nacional-soc i a l ism o q u e organizou uma d as mais l uxuosas e mais b ril h antes O l i m p íadas !) , as massas esperavam sair da sua condição miserável de " L u m pen­ p ro letariat" para tornar-se bons cidad ãos, isto é, peque.

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nos bu rgueses acei tos e i nteg rados. A q u i vale a pena lembrar duas experiências significativas de Bertold B recht quando, para ati n g i r as massas, util izou politicamente estes novos canais. Adaptou o "Beggers Opera" para o alemão. "A ópera d os Quatro Vinténs" tornou-se um dos mais famosos êxitos da época ao p reço de uma total ig norância por parte do p ú b l i c o da d i mensão pol ítica q u e Brecht pensava t e r dado à s u a adaptação. Para o p ú b l ico, os vagabundos (os "Lumpenproletiir") da peça, não eram visualizados como as v íti mas oprimidas de um sistema, mas como as fel izes c aricatu ras modernas d os ti pos trad i cionais do "bom lad rão", d a " prostituta com o bom coração". Era u ma nova forma de exotismo ! A seg unda tentativa foi mais penosa ainda. Pabst, a ped ido da UFA, p reparou com Brecht uma ad aptação ci ne­ matográfica da mesma peça. Para obedecer a critérios comerciais, Pabst reduziu as d i mensões pol íti cas d o ro­ tei ro proposto por Brecht até fazer da ópera uma mera opereta às avessas ; em vez de aristoc ratas tínhamos mar­ g inais. Brecht exi g i u a destruição d o fil me, visto q ue ti­ nham deturpado, de p ropósito, o sentid o d a obra original. Signifi cativamente, perdeu o p rocesso. Um artista, nem sequer tem d i reito ideológico sobre a sua obra , uma vez q ue vendeu os seus d i rei tos autorais (29) ! \ Havia enfim, o "tempo processivo" q ue valorizava as mudanças - mas de maneira formal somente. I g n orava as opções, as escol has e as decisões q u e cada mudança devia na realidade i m pl icar (EZ, p. 73) . Este tempo era o ú ltimo traço d o "tempo revolucionário socialista". A forç a do n azismo veio d a sua capacidade de u n i r todos estes tempos n u m a visão si ntética ' d o "Terceiro Reich" em que todos teriam acesso à fel i cid ade. O rei n o nazista respeitava - p o r s e r "nacional" - todos o s tem pos m ít icos arcaicos. Prolongava - p o r s e r "soc ia­ l ista" - as esperanças l evantadas pelas "Revo l uções" an­ teriores. Os Nazistas podiam p roc lamar-se " revo l ucioná­ rios". O que não i m p l i cava nenhum risco, visto q ue, na real idade esta "revol ução" era p u ramente forma l , vazia de conteúdo, s e m nenhuma p retensão d e mudar na d a . Ao conceito vigoroso, e para muitos i n q uietantes, d a "Revo­ l u ção social ista" como p rocesso necessário de transfor-

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mação g l obal e total d e u m a sociedade, q u e nã o esgotou as suas possi b i l id ad es de desenvolvi mento através d as es­ truturas vig entes - s u bstitui-se o " putsch", isto é, o golpe como uma m udança tanto mais violenta e rad ical que só mantém da Revo l ução, as aparências. No reg i m e nazista, o s trustes confi rmaram o s e u p o d e r ; a s o l i ga r­ q u ias m i l itares conti n u a ram domi nando a vida pol ítica i n­ te rnacional ; e o povo conti n uou sonhando com o seu paraíso ; até descob r i r, com h or ror, q u e o Tercei ro Reich d e q ue tinham ass i m partici pado e ra o Paraíso d a exter­ m i nação, da m o rte nos campos de concent ração ( P H , p . 1 .200). O que dá m u ito a que pensar nesta experi ência ale­ mã é a coerência d e u m i rracionalismo que tomou as a pa­ rências da razão ; do mesmo modo que a agitação do gol­ pe l e m brava o d i namismo d a revol u ção. Para desmascarar esta construção coerente não eram só necessárias l ucidez, razão e advertência. O que não faltou. J á mostramos como o próprio B l och denunciou muito cedo e p ub l ica­ mente estas mistificações. Era ainda necessário um i men­ so esforço coordenado e sistemático d e i nformações, de análises, e sobretudo d e formação popular, d e maneira a u n i ficar os campos tem porais d i álogo ent re os g ru pos d e esquerda e não, maci çamente "coexistentes" n u m a "frente ú n i ca" (30). Até ce rto ponto, podemos d ize r q u e a con­ fiança esquerd ista permitiu o g ol p e contra-revo lucionário, dando-lhe as condições psicológ icas e até pol ít icas para enganar todo um povo. I nfel i zmente, os d i rige ntes d a es­ q uerda não acreditava m , por serem racionais demais, n a sob revivência destas antigas e a rcaicas c re nças "rid í­ c u l as". Estavam m u ito mais p reocu pados n a l uta pelo poder dentro do apare l h o partid ário, para se dedicarem à formação dos m i l itantes de b ase. Estavam certos demais d o p rog resso mecânico d o social ismo, para i m aginar que era n ecessário contin u a r a form ação das massas. Nunca i m aginavam q ue, u m d i a, os nazistas pudessem sistema­ tizar todas estas idéi as d i fusas, vagas, n u m a sagrada u n ião ideológica em que caberia tud o : os arcaísmos do mundo r u ral ; as saudades d a pequena-bu rguesia; as aspi­ rações messiânicas d o " Lumpenproletariãt " e também as expectativas revol ucionárias d o m undo operário. Depois, 65

se recusou essa c onfusão ideológica. Era tarde d emais. O mal estava lá e c resceu até o a bsurdo do Estado-SS. 1 .8. O que vai orientar-nos no labiri nto d os êxitos e fracassos, das utopias e d as i l usões perdidas, das possi­ b i l idades e das i m poss i b i lidades que coexistem na d iscre­ pância dos tempos? Onde encontra r o fio de Ariadne q ue permite um camin h a r m a i s seg u ro n os meandros d a His­ tória? O q ue falto u , e ntão, à E u ropa em geral , mas so­ b retudo à Alemanh a, para se deixarem tão fac i l mente, enganar pelos nazistas? Qual é este p rincípio cuja au­ sência nos conduz q uase sem resistência ao n i h i l ismo? Depois de u m a longa med itação norte-americana, E rnst Bloch chegou à conclusão: é o PRINCf PIO DE ES­ P E RANÇA. t: este valor - sem p re relegado pelo cristia­ n ismo numa virtude tão h u m i l d e q ue se confundia com o idealismo pied oso - ; esta q ualidade - tão frág i l que a psicologia a confu nde muitas vezes com a sua cari ca­ tu ra, o otimismo -, que constitui a mola de uma exis­ tência vivida em fun ção de um futu ro, além d as sobrevi­ vências arcaicas e i l usões m íticas. Veremos no p róxi mo capítulo, como Bloch, a part i r de u m a análise antropoló­ g ica, fundamenta a esperança. \ Agora devemos perg u ntar-nos como esta esperança vai ser possível , visto que, sem cessar, está sempre reco­ l ocada em q uestão p e l os fracassos. Como pode renascer de suas próprias c i n zas? Não deveríamos admitir este desafio. Afi rma q ue o princípio de esperança não é u m a simples petição de pri ncípio ; Que seja u m princípio si gnifica q ue se en­ contra tanto no começo, como origem e fonte d e uma ação, como no fim d a ação, como elemento d i n âmico que sustenta uma ação. D a í a i magem d a "mola" ou d a es­ pi ral que permite l i g a r as d uas idéias complementares d a o rigem propu lsora e d o d i n am ismo c rescente. A esperan­ ça não pode ser red uzida a uma simples afirmação por generosa e audaciosa q ue sej a ; nem se esgota n u m gesto por significativo e rad ical que sej a ; nem é um g rito por p rofu ndas que sej am as suas razões. A esperança vai a l é m da aposta, co ntra o abs u rd o de um mundo sem 66

sentido. A i n d a q u e pudéssemos m ui to bem i maginar q u e e m certas situações d esesperadas, h u m i lhantes, i n u ma­ nas - estamos pensando, por exemplo, n os campos d e concentração n az istas, n u m a rec l u são à v i d a , o u neste i nstante e m que o homem se sente morrer - a espe­ rança s ó poderá expressar-se por uma a posta, por u m gesto o u por u m g rito, a esperança vista g lobal mente, e m função d e toda a h umanidade d e q u e constitui o p ri n c íp i o ativo, é, antes de tudo, u m a construção, u m a tarefa q u e s e real iza e m obras. A espera nça é u m princíp io n a me­ d i d a em que rean ima o passado - chamando os mortos a uma nova vida (ver o caso d e Th. M ünzer no capítu l o q uatro) - , q u e nos orienta n o p resente - como v i m os no caso concreto da vida errante de Bloch -. que visa o futuro - como o desenvolveremos no último capítulo. É u m princípio que atua e constitui a história humana. Ass i m , nos parece coere nte que Bloch busque pontos em q ue a esperança se apoiará. O prim e iro se encont ra na própria natureza q ue evol u i para u ma pe rfeição i nfi­ n i ta. Pertencerá j ustamente a uma "cosmologia marxista" (31 ) de defi n i r esta perfeição, que será só infinita, mas não i ndefi n ida. Depois a poss i b i l id ade d a existência p re­ vista de um " Bem S u p remo" (Summum Bon um). Mas ao evocar esta poss i b i l idade de u m "ômega d a esperança", Bloch não estará rei ntrod uzindo Deus, ao menos sob a forma de uma entidade desencarnad a ? N ão estamos vol­ tando a um Deus-Perfeição típico d o deísmo? Não cremos qu e esta i n terpretação seja correta por­ q u e o Bem Supremo bloquiano não é u m a entidade q u e existi ria n u m l ugar transcendente, n u m "céu" a o q ua l p o­ deríamos por d i versas "técn icas espirituais" s u b i r, aban­ d onando a terra e os nossos companheiros: os outros ho­ mens. O Bem S upremo expri me-se por Bloch como "o totu m das esperanças" (PH, p. 1 55 1 ) , isto é, o lugar geo­ métrico em q ue convergem todas as esperanças concre­ tas dos homens. O "totum" não é uma tota l idade per­ feita e parada na eternidade, mas u ma total i zação i nfi­ n i ta, sempre em movimento, num p rocesso de constante expansão (32) . Ass i m , através desta visão cosmológ ica tã o criticada, Bl och p ôd e real izar uma aspi ração p rofu n d a 67

d o home m : construi r u m m u n d o q ue seja realmente habi­ tável, que seja a m orada não d o ser, como Heidegger o s ugere d i abol icamente - mas d a humanidade. Se o prin­ c íp i o da esperança visa à c ri ação d e uma morada (PH, p . 1 .628), devemos dar a este conceito "Hei mat" todas as suas conotações, isto é: casa - lar - pátria d o homem. i:: uma casa que o homem constrói, e não u m abrigo q u e o homem d escob re para se esconder e fug i r d a rea­ l i d ade. i= uma pátria que está ao i n íc i o d a ativi dade e do d estino h u mano. Sempre p reexiste o m u n d o e u m m u n d o a u m a existência h u mana. N un ca o h o m e m se d escobre existente só. O q ue aponta o mito d o Gênesis com as suas du as i nterpretações con trad itórias. A "reaci onária" em q ue o homem foi criado, depois a m u l he r; a outra " prog ressista" e " revolucionária" e m q ue o homem foi c riado l ogo m ú ltiplo: h omem e m u l he r. M as a pátria tem esta curiosa característica que sendo o alfa d a atividade h u m ana é ao mesmo tempo o seu ômega; a pátria é tam­ bém o que está sendo visado : o fim d a h u man id ade. A parti r desta observação Bl och rei nterp reta o mito d o Gê­ nesis à l uz do Apocalipse. O Gênesis é ao mesmo tempo o alfa e o ômega, o q ue se exprime pela noção de u m a q riação c ontínua. O q u e f o i criado é u m princípio, e não um mundo acabado, dado pela g raça d ivina como brin­ q uedo ao homem. Enfim, o lar que o homem visa, nem se e ncontra à origem das coisas, o q u e i m pl icaria q ue o h omem como u m filho p ród i go, depois d e tantos e rros e fracassos - voltasse, enfi m, ao lar paternal. Nem pode ser sim­ p lesmente colocado ao fim d as coisas como m pa raíso p rometido, em q u e cada um e todos nós poderemos d es­ cansar, n u ma fel icidad e eterna, d as nossas tri b u l ações p resentes. O lar existe como lembrança da origem e como esperança do fim. Todas as tarefas h u manas - a vida h u mana por conseq üência - consiste em co nstrui r a med iação entre o alfa do passado e o ômega d o futuro, en tre o gênesis passado e o térm i n o p revisto, edificando ag ora e aqui o seu lar. Esta visão cosmológica permite a B l och d e realizar ("aufheben") as aspi rações mais p rofu ndas e autênti cas 68

tal como se expressam, por exem p l o mas nã o e xc l usiva­ mente nas rel i g iões, n os m itos e nas utopias d o passado. Do mesmo modo q u e Karl M arx rea l i zo u as p e rs pectivas vál idas da f ilosofia ocidental , assi m B l oc h radicaliza isto é, vai até às raízes - d a p retensão rel i giosa, e l i m i­ nando todas as i nterpretações ideológicas q u e amansa­ ram a s u a verdade fu l g u rante. Vai até desc o b ri r o se u n úc leo d i n âm ico, o seu p ri n c íp i o d e esperança, q u e se encarna na f é: n u m a f é revol u ci onária. Ass i m , o lar d o homem, o B e m S u p remo está por toda a parte { q ua l q ue r h o m e m e m qualquer situação, em q u a l q u e r c i rc u nstância h istórica pode e d eve rea l i za r esta tarefa) e p o r nenhuma parte (porque nada ainda está d efi nitivamente d ito) . Cada vez q u e u m homem está esperando, o Bem S u p re m o exis­ te. Só existirá total e defi n itivamente c o m · a total ização i nfinita das esperanças de todos os homens. Existe e m cada o b ra h u mana sucedida, mas chega a s u a plena per­ feição só com o fim d a H istória, isto é, c o m o n osso f i m . N o s seus ú ltimos esc ritos ( T I , p . 1 14), E rnst B l o c h utiliza o conceito d e "modelo" para esc l a recer o q u e c a d a u m de n ó s v i s a concretamente q uando está esperan­ do. O Bem S u premo e ntão, poderia ser d efin i d o como a totalidade qu e cada m od el o realiza p lenamente, mas d e maneira fragmentária n u m dado momento. Exata mente este aspecto fragmentário é capital para escapar à ten­ tação i n d ividual ista, por exemplo, d o misticismo. Sendo q u e cada modelo é fab ricado pela m áxima g l ória d este m undo, a soma destes modelos, soma ainda não acabada, é já, plenamente, p resente n a rede i ntersubjetiva d a c o­ m u n icação h u mana d as o b ras. Deste modo se e l abora uma fraternidade h u mana afetiva, esp i ritual, e sob retudo concreta n o diálogo através dos séc u l os e dos espaços. A fraternidade q u e os homens tecem pela com u n icação das suas obras (PH, p. 1 .1 37). A esperança não nasce a penas de u m a i l usão dos h o­ mens sobre si mesmos mas radical mente d as suas res­ postas às s uas f ra g i l id ades, às suas faltas, aos seus fra­ cassos. Esta resposta d eve atravessar, i mensa d ificuldade, a d iscrepância dos tempos q ue aumenta os ma le nten­ d idos e que fragmenta a h u man idade em g ru pos e c l asses que não têm u m a l i nguagem comum. Esta resposta en69

fim desemboca na a l eg ria d a h u manidad e i ntei ra cada vez que um homem d e boa vontade é capaz d e criar u m a obra - q u e pode ser u m g esto, u ma palavra, u m a ação, u m a o b ra de arte, uma lei cientifica etc . . . - c a d a u m a ma­ nifestando mais u m a vez q u e a morte n ovamente é vencida (PH, pp. 1 .6 1 6 e ss. ) . 1 .9. Poder-se- i a perg u ntar agora, apesar d e todo o i nteresse desta d outri na, se u m tal pensamento pode fru­ tificar neste hemisfério. Ainda que sai bamos que "com­ paração não é razão'', achamos in te ressante l e mb rar aq u i , paralel amente a este itinerário q u e i n terp retamos até as suas últimas conseqüências, o iti nerário d e um b rasi l e i ro que chegou ao fim da sua vida a certos temas p róximos dos que Bloch d esenvolve u. Este b rasi l e i ro - Oswal d d e Andrade - p u b l icou, h á d oze anos, u m a série d e d ez artigos e m q u e evocava " A marcha das utopias" (33) d o fim da I dade Média até o pleno séc u l o XX. Usando d e todas as técnicas i magi náveis, o g rande poeta modern ista dominou de manei ra revo l ucionária tanto o romance u r­ bano, a poesia i rônica e satírica, co m o o teatro o u pan­ fleto. Oswald d e Andrade não somente teve a coragem de q uebrar os tabus d as mentalidades estreitas de q ual­ quer o rtodoxia, i n c l usive da ortodoxia co munista, mas, so­ b retudo, teve a i n t u i ção de um fut u ro do q u a l e l e sem­ pre partici pou tão ativamente e, tão rad ical mente q ue ainda hoje desag r ada, como o dem o nstrou a crítica no seu aniversário e m 1 964 (34). Em vez de se ence rrar n um a torre p'o ética, Oswald arriscou-se ao fim da sua vida a d efender fil osoficamente a visão q ue tinha d e um mundo que se constrói (35). De­ vemos reconhecer que, ani mado pelo seu entusiasmo poé­ tico, nem sempre soube escol her os m el hores argu men­ tos; nem hesi tou d i ante dos contra-sensos e a i n d a menos se i m portou com as i nexatid ões. O q u e l he custou a es­ ti ma d os meios u n iversitários, q ue recusaram a seu uto­ pismo generoso. Mas não l h e i m ped i u esboçar f u l g u ran­ tes p rofecias. Ass im, no art i g o d e 1 6 de ag osto de 1 953, Oswal d d e Andrade presta u ma vi brante homenagem à fig u ra d e 70

Thomas M ü n zer, d escobri n d o a atualidade d o "teólogo d a Revolu ção", esmagado e "esq uecido" pela reação l u ­ terana. Mas não �só a s mesmas fi g u ras h istóricas s ã o l e m­ b radas e i nterpretadas; os m esmos m ortos voltam. Tam­ bém são as mesmas idéias q ue são valoradas. Como Bloch, Oswal d reconhece o poder revol ucionário d a i m a­ g i nação. Tenta demonstrar, por exemplo, a i m portância q ue a descoberta do Novo M u n d o teve para a conso l i d a­ ção da visão utópica, e mais tarde, p rog ressista d o u n i ­ verso (Artigo de 5 d e j u l ho ) . Do mesmo modo q ue B l o c h afirma qu e estamos ainda "ao fi m d e um começo" e q ue , portanto, tudo está p ara ser real i zado, assim Oswal d a d ­ verte o s bras i l e i ros q u e o se u d esti n o nacional é u m a pos­ s i b i l idade e não a atual ização d e a l g o j á existente. N ão é p e l o u fanismo de u m a terra p ródig a, de u m m ítico pas­ sado g rand i oso como pensa C. R icardo, por exemplo, q u e o B rasi l existi rá plen a mente, será s ó como projeto (Art ig o d e 1 3 de setembro). Ambos, portanto, u m p e l a refl exão fi l osófica, o o utro pela visão panfletária e poética, nos co­ l ocam d i ante da mesma dec isão concreta para uma tarefa d i fíc i l , mas necessária. Fazer da utopia, isto é, d e u m p rojeto ante-visto, u m a real i dade. Transformar u m a espe­ rança num oti mismo m i l ita nte ; aspi rações em decisões p o l íticas. Ou tra coincidência surp reendente é o encontro entre o "orfismo oswaldiano" e as d i mensões cósmicas d a es­ perança bloqu iana. Também n o artigo d e 2 d e agosto, Oswal d lança uma fórm u l a s i n g u l a r que poderia m u i t o b em repercutir na o b ra d e B l och d e u m "ateísmo com De u s " . Ser< .'.l., seg u n d o Oswa l d , u m ateísmo q u e ass i m i ­ l a n d o a c rítica rad ical d e J . P. Sartre v a i a l é m d e u m a .negatividade absol uta e ul t rapassa u m ateísmo fechado e ag ressivo, próprio a u m a g e ração c rispada no seu anti­ c lericalismo e b i tolada n a sua suficiência positivista. Hoje é possível para o homem afi rmar-se plenamente numa re­ ·1ação i mediata com um Deus, se ele existir (o q ue não i m porta mais; o q u e não é mais problema). A q uestão oswaldiana não é mais uma q uestão sobre Deus - como n o ateísmo trad icional q ue para afirmar-se h u m ano d ev i a .negar Deus - m a s sobre o h o m e m . Que Deus exista o u 71

não, isto é u m problema para Deus. O problema d o ho­ mem, o n osso problema que devemos resolver, é saber se a nossa vida tem um sentido ; se podemos todos viver em cond ições decentes ; se tudo se d esfaz no absurdo ou se podemos dar a cada coisa u m a sign ificação p l ena. Qualquer reflexão que se p reocup a com Deus, é uma re­ flexão qu e está fugindo das suas responsab i l idades i me­ d i atas : de pensar n o homem. Ass i m , o h u manismo tri u n­ fante da antropofagi a b rasileira reúne-se ao h u manismo esperançoso d o marxismo germânico, na mesma afi rma­ ção tranqüila e plena da d i g nidade necessári a à h u mani­ dade. Trata-se de u m encontro bastante sign ifi cativo para ser lembrado. Entretanto, esta convergência deu-se por acaso, sem qu e n u nca qualquer d os dois autores se ti­ vessem encontrado, nem tivessem tido consciência d a existência do o utro. M a l g rado esta co i ncidência su rpreen­ d ente, voltamos à n ossa perg u nta: q u e fazer com Bl oc h ? Acreditamos q u e é p reciso p ri me iro trad uzi-lo, não por uma mera substitu ição d o alemão por uma outra l ín­ gua mas dando-lhe as n ovas formas que uma nova situa­ ção sugere. A obra de B l och se refere sempre à E uropa. Precisamos agora que seja pensada num o utro contexto por exemplo, o contexto p lanetári o ; seg undo outras ex igências - por exemplo, de u m a parte do mundo q u e está cansada d e estar "su bdesenvolvida"; face a outras necessi dades - da modernização e da transformação g l o-· bal de uma sociedade q u e ainda não soube explorar e desenvolver todas as poss i b i l id ades atuais. É através d es­ tas pro\'.aS difíceis q u e B l och demonstrará - ou não toda a riqueza d e seu pensamento utópico. Só então revelará se foi capaz de já se pensar num n ível planetário, isto é, escapando ao e u ro pe u-centrismo. Estas são as hi­ póteses que devemos verificar nos p róxi mos capítu l os. -+-

NOTAS DO CAPíTULO 1 1



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H. G. Butow, no seu estudo Philosophie und Gesellschaft im Denken Ernst Bloch's (Ost-lnstituto Publikation N.0 3, Berlin

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West, 1 963, 1 60 p.), assinala que Bloch começou jã em 1924 a denunciar Adolf H itler e os seus comparsas (p. 3 1 ). Ibidem, p. 2. Se em 1 955, publica-se uma série de estudos em h omenagem aos setenta anos do filósofo (Festchrift zur 70 Geburtstag, Ber­ lin Ost), dois anos mais tarde, quase os mesmos "filósofos ofi­ ciais" denunciam o perigoso revisionismo bloquiano (Ernst Bloch's Revisionismus des Marxismus, Berlin Ost, 1 957, 352 p.). E assim até 1 961 . H. 8. B utow: Ibidem, pp. 9 a 24. Talvez seja útil lem brar que Ernst Bloch não foi o único inte­ lectual que se mostrou cego diante do despotismo-estal in iano. Assi m u m outro descobridor da esperança, o poeta francês Paul Eluard podia escrever de Sta l i n : "celui que la vie et les h om­ mes avaient é l u . . . pour fig urer sur la terra leur espoir sans borne". i:: verdade que o mesmo Paul E l uard soube se r mais perspicaz q uando no seu livro A l'intérieur de la vie (1 947), escrevia acerca da esperança: "La mémoire et l'espoir n 'ont pas pour bornes les mystêres. Mais de fender la vie de demain d'au­ jourd'hui". Num artigo, al iãs bastante fraco: "Ernst Bloch : the Philosopher of hope" em Revisionism: essays on the history of marxists ideas, Allen and Unwin, London, 1 962, pp. 1 1 6-1 76. Citado por J. Texier n o seu trabalho Gramsci, Paris, 1 966 p. 1 06. "Rel igionskritik und utopische Revolution" em Probleme der Re· ligionssoziologie, Koln, 1 962, pp. 86-1 1 1 . Ver "Caminhos e descaminhos de uma política de j uventude" em Paz e Terra, Rio, 1 967, n .0 3, pp. 1 7-70. H. Lefebvre : l ntroduction à la modernité. Editions de M i n u it, Paris, 1 962, 376 p. Citação de T. Kneif na sua excelente contribuição ao volume de homenagem a Ernst Bloch "E. Bloch und der musikalischen Expressionismus", pp. 277-326 de Ernst Bloch: Zu Ehren, Suhrkamp V., Frankfurt A. M., 1 965. i:: interessante n otar como o jovem Bloch estã relat ivamente perto de O. F. Bollnow, apesar das duras críticas que lhe d i­ rigirã mais tarde (PH: 1 1 7). De fato, este merg ulho no inefável não se distingue m uito da volta à "intimidade" ("Geborgenheit") q ue propõe O. F. Bollnow para superar o pessimismo existen­ cial ista. Ver de O. F. Bollnow Neue Geborgenheit, Das Problem einer überwindung des Existencialismus, Kohlhammer V., Stut­ tgart, 1 965, 247 p. Sobre a "descida nas catacumbas" dos "jazzfans", ver de H. H. M üchow Sexualreife und Sozialstruktur der Jugend, Ham­ burgo, 1 959, pp. 1 24-1 38 e H. Lefebvre "Les jazzfans" i n L'Hom­ me et ses oeuvres, I Xe Congrês des sociétés de phi losophie

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françaises, Paris, 1 952. Quanto às novas tendências, ver o nos­ so "Caminhos e descaminhos . . . " op. cit. Ver, por exemplo, de G. Lukàcs, La Théorie du Roman, trad. francesa, Paris, 1 963, 1 96 p. Ver, por exemplo, "Der Essay ais Form" e m T . W. Adorno, No­ ten zur Literatur 1, Frankfurt A. M., 1 955. Ver a página 1 77 d e K . Axelos Karl Marx Penseur d e l a techni­ que, Paris, 1 961 . � esta visão d inâmica e aberta ao futuro da felicidade que escapou a R . Pol in na sua crítica da interpretação "marxista" da felicidade. Ver R. Polln: Le Bonheur considéré comme l'un des beaux-arts, PUF, Paris, 1 965, 1 1 8 p. R. Polin insistindo hoje sobre a importância do estável, da ordem e do permanente e de um acordo para q ue a felicidade seja plenamente "per­ feita", não pode mais admitir uma felicidade aberta e se de­ senvolvendo. Assim, de uma maneira bastante surpreendente para o autor da Création des Valeurs (PUF, Paris, 1 944. Polin concebe a felicidade como uma contemplação reservada aos poucos, eleitos e escolhidos. Enfim, Polin parece ignorar a in­ terpretação bloquiana, seg undo a qual a obra humana j á mani­ festa a plena presença da felicidade na sua objetividade sem, no entanto, se fechar ao futuro manifestado pela h istória das interpretações que lhe são dadas. Ver de H . Marcuse "Zur Kritik des Hedonismus", e m Kultur und Gesellschaft 1, Frankfurt A. M., 1 965. pp. 1 28-1 68. Para ter uma idéia d a importância atual e d a Influência d a as­ trologia, ver de E. Howe Urania's Children, the strange world of the astrologers, London, 1 967 e o penetrante trabalho de J. Maistre "La consommation d'astrologie dans la société contem­ poraine", Diogene, Paris, 1 966, N.0 53, pp. 92-1 09. Maistre in­ siste sobre o aspecto i l usoriamente compensatório da astrolo­ gia, que fascina os indivíduos que têm dificuldade em aceitar o mundo moderno e que buscam exorcisar o azar, explicar o destino pessoal, por uma explicação religiosa secularizada que esconde uma profunda regressão. , em Ernst Bloch's Revisionismus . . . op. cit., pp. 231 e ss. K. Korsch, Marxisme et philosophie, trad. francesa, Paris, 1 964, pp. 1 83-1 84, por exempfo. Sobre a história desta conferência e das reações violentíssimas que provocou na DDR, ver H. G. Butow: op. cit., pp. 58 e ss. Ver, por exemplo, o trabalho de M. Miegge, "Problêmes de ('organisation politique de la classe ouvriêre et perspectives d'une éthique socialiste" in Chislianisme Social, Paris, 1 965/ 3-4, pp. 1 1 5-1 28. Op. cit., pp. 1 7-55. Quanto ao problema da alienação própria e globalmente dito d iscuti-lo-emos no último capítulo, ao estudar o problema do mal.

25 . 26 .

P. Szondi, Satz und Cegensatz, Stohgart, 1 964, pp. 79-96. Ver: " Langages totalitaires" in Cahlers lnternatlonaux de Socio· logie, Paris, XXXVI 1 962, pp. 75-1 00. The polítics of professionals, mimeo, s . d., p. 9. Que se pensa n o Volkswagen! Ver sobre isto, o "dossier" completo que a S uhrkamp Verlag publicou, Bertold Brecht Dreigroschenbuch: Texte, Materialen, Dokumente, Frankfurt A. M., 1 960, 463 p . e ilustrações. A contradição do spartakismo como "partido de massa" mas sem canais para atingir realmente as massas, foi bem posto em relevo por G. Sadia numa nota recente, "Le Spartakisme et sa problématique" em Annales, Paris, 1 966/3, pp. 654-667. O que provocou uma interessante discussão entre L. Goldmann e Ernst Bloch n o colóquio Genese et Structure, op. cit , pp. 240241 . Ernst Bloch concebe, portanto, a "totalização" d e maneira m ui­ to semelhante a de J. P. Sartre (Ver "Questio n s de Méthode", publicado em introdução a Critique de la Raison dialectíque, Paris, Gallimard, 1 960, em particular as páginas 51 e ss, de· senvolvidas depois na Critique, nas pág inas 1 38 e ss). Publicados no Estado de S. Paulo de 5 . 7 . 1 953 até 27. 9 . 1 953. r: bastante impressionante ver que só o Estado de S. Paulo e, ainda com a reticência de m uitos colaboradores, lembrou a fi­ gura de um dos seus mais i l ustres colaboradores. Ver o "Su­ plemento Uterário" de 24 . 1 O . 1 964, total mente . consagrado a Oswald de Andrade. Também é só pela teimosia e pela dedi­ cação do poeta concretista Haroldo de Campos que as s uas obras completas, enfim, tornam-se acessíve is. Já foram publi­ cados em 1 964 pela Difusão do Livro em S. Paulo: As Memó­ rias Sentimentais de João Miramar e, em 1 966, As poesias reu­ nidas, am bos com i mportantes prefácios do editor. A visão oswaldiana tomou corpo n uma m isteriosa tese de con­ curso para a cátedrt. de Filosofia da USP "A crise da Filosofia Messiânica'', Edição do autor, S. Paulo, 1 950, p. 98, que po­ demos consultar graças à gentileza de Décio Pignatari. O crí­ tico Benedito Nunes no número especial do Estado de S. Paulo (op. cit.) deu um bom sumário das idéias essenciais. A d istân­ cia nos impediu infel izmente de tomar conhecimento do tra­ balho de M. da Silva Brito "as metamorfoses de Oswald de Andrade" { Revista Civilização Bras i leira, R io, 1 968, n.0 1 7, pp. 1 97-223) de maneira a completar e aprofundar as nossas h ipó­ teses. Perm itimos pedir ao leitor interessado por este paralelo, a leitura deste notável trabalho. -

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33 . 34 .

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Capít u l o 2 .

O PRINCÍPIO DA ESPERANÇA

2.1

As ra'.zes antropológicas d a esperança

2.2

Do i m p u lso à tendência .

2.3

O papel d a i magi nação na consciência a ntecipad ora

2.4

A obra de arte como laboratóri o e festa

2.5

Sobre o uso h u mano d a obra de arte

2.6

A dialética d os possívei s

2.7

O fundamento ontológico d a esperan­ ça: " o a i n d a-não-sendo"

2.8

D o p ri n c íp i o de esperança até à "spes m i l itans".

77

pero dadme, una piedra en que sentarme, pero dadme, por favor, u n pedazo de pan e n que sentarme, pero dadme en espaiiol algo, en fin, de beber, de comer, d e vivi r, de reposarse, y después me i ré.

Césa r Val lejo

La rueda dei hambriento (1 )

\.,

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2.1 Ao interpretar o iti nerário pessoal de E rnst B l o c h , vi mos q u e o q u e orientava o filósofo n os meandros d a H istória d o s tempos passados e d o tempo presente, e ra o princípio da esperança. E ra este q u e i n d i cava para onde ir: o Bem S u premo. M as, como explicar q u e a esperança não sej a só uma d i retriz ou uma orientação, mas tamb é m u m princípio, isto é, u m a c a usa de ação, u m a fonte d a p raxis? Para entender este poder d a esperança d evemos agora fazer uma análise, d e manei ra a ver como, se en­ raizando no mais p rofu ndo d a existência h u mana, a espe­ rança adq u i re o próprio d i namismo da vida e como, refl e­ tido nos vários n íveis da consciência, o q u e e ra ao c o­ meço mero princípio de vida, aparece como uma cons­ c i ência antecipadora da rea l i d ade. Ernst Bloch d iscerne uma primeira raiz da esperança no fato comum d o homem te r consciência que tem fome (PH, pp. 71 e ss.). Por que este fato tão banal pode i n te­ ressar um filósofo ? Parece bastante típico do g rau d e a l ienação da filosofia ocidental q ue u m fato tão u n iversa l , tão patente e tão i mediato n u nca sou besse reter a aten­ ção dos fil ósofos ( P H , p. 360). Foi necessári o esperar q u e o marxismo, colocando de n ovo a reflexão d ial ética sobre os pés permitisse aos filósofos passar da construção abs­ trata à com preensão do concreto. Ora, a tomada d e cons­ c i ência q ue temos fome n os in te ressa porque é um fenô­ meno não só u n iversal, mas uma das preocu pações maio­ res do séc u l o XX. O Pandit N e hru já notara q u e "se a fome é tão ve l h a q uanto a h u mani dade, sua tomada d e 79

'

consc1encia pela h u manid ad e é o fato d o século XX". Mas a fome não é só um fato sóc io-econômico u niversal ; contém ainda u m a significação mais profunda q u e nos faz entender o que constitui a condição h u mana. Quando u m h omem tem fome, esta n ecessidade fisio­ lógica imediata e constranged o ra não é receb ida com in­ diferença, mas p rojeta o homem fora d e sua indife rença, p rovocando o acordar d a sua consciência. Este acordar (" Das Wecken", VI, p. 7) é o primeiro sinal que o homem não só padece d e necessidades, m as q u e tem consciência d e ter necessidad es. Esta consciência não é tão pouco uma constatação vazia, p u ramente negativa : ter fome, quer dizer pretender comer algo. A passagem é i mediata entre a tomada de consciência da carência e da possi­ b i l idade de pod e r se satisfazer. Toma-se consciência, ao mesmo tempo, q ue se tem fome e , d a necessidade de b uscar meios p a ra satisfazê-la . O h omem se estrutura como u m ser carente, i m perfeito e i n satisfeito (que se pense n o fato p reocupante q u e a fome se repete, todos os d i as, e várias vezes p o r d i a) mas também que é u m ser que pode e deve se n utrir. A i n d a mais: a recu rrência d a fome po de abri r uma n ova d i mensão a esta fundamental e elementar forma d e consciência: a d i mensão tempora l. Não só o ho m e m entende que te m fome e q u e p od e se Si'ltisfazer comendo, m a s que p o d e tomar p rovi dências, na p revisão desta fome que vai reaparecer. Assim, a cons­ ç:iência da fome é altamente s i g nificativa e profundamente rica, porque é constitu ída p o r u m p rocesso d inâmico e dialético, através d o q u a l toma-se consciência de u m a carência, de u m bem d esejado e d a possiQ il id ade d e atuar para passar da carência à satisfação. Veremos mais tar­ de, q u e estes t rês passos: a tomada de consciência da carência, da possib i l idade e de um possível constitue m. exatamente o processo d o princípio de esperança. O utra característica da consciência d a fome é q u e não é s ó u m a sensação i ndividual e i nterna. S e é verdade que sou eu que tenho fome, e q u e n i nguém pode comer por m i m , esta consciência d e ter fome me leva a u m p rojeto em q u e o o utro aparece forçosame nte : a comida visada poderia ser consumida por um o utro e, no mundo 80

d a escassez e m q u e vivemos, esta ameaça do o utro existe violentamente. M as, ao refletir sobre esta primei ra rea­ ção existenc ial, ao colocar esta tomada de consciência e m perspectiva, posso imag inar que o outro e m vez d e ameaçar o q u e q uero, poderia part i r comigo ; d a í a id é ia d e uma o rgan i zação social q u e permite a ca d a um comer uma parte. M ai s a i n da, ele poderia se u n i r comigo para p roduzi rmos mais ou trocarmos o excesso q u e cada u m tem. N a fome ati n g i m os, portanto, o g rau zero em q u e s u rgem o s p r i m e i ros esboços d e u m a h u manidad e q u e se comunica n u ma mesma ansiedade e n u m a comum p ro­ c u ra para o essencial . A consciência da fome não fecha o homem sobre a s u a condição m ise rável de fam i nto. Ao contrário, o l eva a sai r da sua m iséria e a proc u ra r u m a sol ução. O acor­ dar transforma-se de atordoamento em pergu ntas até e m atos: o q u e comer? o n d e b uscar comida? c o m o fazer p a ra q u e o amanhã possa red uzir a m i n ha fome ? como fazer para n u nca mais ter fome? (TI , pp. 1 2 e ss.) . Ass i m , s u rge u m p r i m e i ro esboço d a s utopias, isto é, d e cons­ truções, i m a g inárias pelas q uais o homem tenta i m agi n a r situações em q ue estas necessidad es sejam red uzidas o u d eixem d e exist i r. Veremos n u m p róximo capít ul o co mo estas utopias têm p a p e l determinante n a construção d e u m a soc iedade perfeita. Assim, a necessidade i m peri osa d a fome, que deveri a à primei ra vista ani q u i lar e d esen­ coraja r o homem, faz com que se desc u b ra nesta mesma carência uma fonte d e ativid ades, u m potencial e nérg ico, uma provocação para que se possa plenamente e total­ mente viver como homem n u m m u n d o q ue, no seu princí­ p i o era sem h u m ani d ade. � verdade q u e pode surg i r ou pode se criar situações em q ue o homem não possa mais responder a esta provocação. Como q u a l q u e r sensação, a fome conhece l i miares. Se o homem tem fome demais, a consciência o n i p resente d a fome toma conta dela ao ponto de fazê-l o enlouq uecer. Esta afi rmação pode aparecer um pouco forçada, mas não o é. O sociólogo Antô n i o Cân d i d o de Melo e Souza, num estudo sobre a des i nteg ração das comunidad es ru­ rais no i nterior do Estado de S. Paulo sob o i m pacto do 81

capitalismo, n ota q u e os camponeses subalimentados e d esesperados, c o m as mudanças q ue percebem sem com­ p reender, têm visões apoc a l íticas, repletas d e banquetes suntuosos, de p ratos refinados, de desej os tão concretos como impossíveis (2). R. Bastide, por o ut ro l ado, g ene­ ralizou esta observação q uando, n u m a rtigo (3) estudou as relações entre a fome, o assassi nato e o messianismo, c i tando c u ri osas a l u c i n ações mórb id as p rovocadas por uma subalimentação c onstante. Agora, se o homem come demais, apaga a consciên­ cia mesma da fom e por um estado de satisfação defi­ n itiva e total. Aqui teremos também a a n i q u i l ação, de�tg vez na i nconsciência d e uma vida vegetativa e pa ras itá­ ria. Como a dor, a fome é uma sensação necessária den­ tro dos l i mites suportáveis ao h omem. A d i f i c u ldade está j ustamente em determ i n a r estes l i mites, d e l i m itação q u e n ã o pode s e r feita "a priori", mas somente consideran­ d o-se uma situação concreta, h i storicamente d etermi nada. O conceito d e fome - como se constata em quase todas as l ínguas - tem conotações diversas : o que mos­ · tra bem a i mportânc i a e a riqueza deste fato. Não existe só u ma fome fisiológica, isto é: a necessidade q u e o corpo tem de obter um certo n ú mero d e calorias necessárias ao s�u metabo lismo. Existem também fomes afetiva, senti­ mental, erótica, i ntelectual. o conjunto destas fomes pode ser caracterizado como o desejo, sendo a vontade hu ma­ na de ir além q ue faz c resce r, desenvolver e aumentar as dimensões do h o mem. A fome, assi .n entendida e i n­ terpretada, exprim e-se através de formas mais e l aboradas q ue são os desejos sexuais, onde a própri a pal avra fome é mui tas vezes uti l i zada. Basta lembrar, por exemplo, o · uso sem ântico bem b rasi l e i ro, da palavra "comer" para d esig nar, n u m mesm o lance, a satisfação n utricional e se­ xual . W. Reich m ostrará (4) já a estreita l ig ação en tre as tensões orgânicas p rovocadas pela fome e pelo desejo sexual ainda q ue reco n hecesse que a fome tem algo de m u ito mais impe rativo do que o sexo. Estas p ulsões se sentem também n as aspirações afetivas: as paixões q u e nos projetam n u m futuro esperançoso, e de u m a ma­ neira já mais sistemática na busca da fel icidade. Pode.

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mos ver nelas as m otivações mais generosas d e h u mani­ dade. A l ém d o fato d a fome e d os d esejos, s u rgem n a exis­ tência h u mana outros fatos elementares em que se en­ raíza a esperança. T rata-se dos sonhos acordados ("Tags­ traume", PH, pp. 87 e ss. ) . E rnst B l och dis t in g u e cuid adosamente os sonhos acor­ dados dos sonhos comu ns, entende-se, noturnos. A sua i nterpretação não se apóia portanto sobre os achados da psicanál ise, de que desconfia b astante. A desconfiança para a psicanál ise não é motivada, como no caso dos c r íticos marxistas o rtodoxos, porque seria uma interpre­ tação i n d ividual ista da existência h u mana, mas porque a psicanál ise, na sua forma freud iana, estaria fasc i nada de­ mais por uma visão pessi m ista e trág ica do m u n d o ; e na sua forma j u n g iana ( P H , p . 1 24) , obcecada pelo passado. O sonho noturno não tem para Bloch a mesma i m portân­ cia d o que o "sonho acordado". Aquele, seg u n d o ele, é u ma forma infe l i z de consu m i r um passado su perado, uma f o r m a de retroceder a u m a i nocência o ri g i n al perd id a . Em particu lar, com a i nterpretação dos arquetipos j ung ianos, é u ma manei ra de b l oq uear a esperança h u mana pela ac u m u l ação de símbolos e de alegorias que prendem mais o homem e que o i mpedem de avançar para a sua l i ber­ tação. O " son ho acordado" man ifesta u ma verd adei ra fome psíq uica pela q u a l o homem imag ina planos futu ros e ou­ tras situações em q ue su pere os problemas, as d ificu lda­ des e as o brigações de um hoje o n i p resente. Ass i m , os sonhos acordados nos dão uma pri � e i ra forma tosca, vaga, talvez i l usória, d o que será, n u ma rase mais elaborada, a utopia. Nos sonhos, u nem-se pela primeira vez o que será d ec isivo para a constitui ção de uma consc i ência anteci­ p a d o r a: a consciência d a fome, e o poss ível i m agi nário ; os desejos e as i magens. Qu atro aspectos ca racterizam esta n ova forma de consc iência esperançosa: 1 -

Os son hos acordados são provocados pela nossa von­ tade e estão, portanto, ao alcance da n ossa razão. É pos83

sível modelar, man i p u la r, criticar, e até d i a l ogar com es­ tas representações mensais c uj a aparente passividade é só uma i l usão ótica, p rópria a todas as formas i ma g i n á­ rias. O sonho acordado é, portanto, u m a técnica q u e o homem possui para se d isti n g u i r do p resente i mediato e esboçar - de manei ra imag i n ária - uma o utra situa­ ção. Claro qu e a ambig üidade d a vida i maginária pode l evar o homem a se enganar e a se satisfazer, i l u soria­ mente, desta real idade "sonhada", transformando o q u e era u m a provocação a edificar u m projeto concreto, n u ma real idade que j á existi ria, sim, mas de maneira i rreal. 11 -

Nos sonhos acordados o "ego" está sem pre presen­ te, ao passo que no sonho noturno é, até certo ponto, posto entre parênteses, submetid o ao su bconsciente e a o i nconsciente. No s o n h o acordado, a reflexão é i med iata­ mente possível e n os permite i ntervir sem intermed i ário. Ili Nos sonhos acordados estamos sempre voltados para uma melhoria de n ossa vida coti d i ana. É u m a m a­ neira de transcender o p resente para o futuro. Sem p re o sonho acordado tende para o futuro e neste sentido d is­ ting ue-se rad icalmente da lembrança. Cl aro que a pas­ sagem da lembrança ao son h o acordado é poss íve l . O sonho acordado pode até enco ntrar n uma lembrança a origem e a provocação da sua elaboração. Através d o sonho acordado, o q u e era lembrança de u m passado fel i z ou não - é reo rientado, é posto nas perspectivas do futuro ao nosso alcance; é atua l izado. Portanto, é n o sonho acordado q u e s e enra íza o d i namismo d a paixão (PH, p. 78) , como a anteci pação d o desej o expri m i d o na espera (PH, p. 88) . IV Nos sonhos acordados aparece a primeira elab ora­ ção da expectativa. É uma maneira de da rmos u m a for­ ma i maginária - portanto, em certos casos aberrante, i l usória ou i nverossím i l - às n ossas aspi rações. M as como são sempre acompanhados pela reflexão, por serem os sonhos acordados p rovocados pe l a n ossa vontade de mu dança, as aspi rações transformam-se em expectativas, 84

sendo colocadas nas perspectivas d as n ossas possi b i l i da­ des c o ncretas. Poderíamos aq u i estabelecer o segui nte parale l o : do mesmo modo q u e o sonho acordado su pera o sonho noturno, assi m a expectativa u l trapassa a aspira­ ção; e a esperança sistematiza as esperas. O sonho acordado (pelas suas i magens), a expectati­ va (como forma refletida e c rítica d as aspi rações mais vá­ l i d as) , e a esperança (como vontade de transformação g l o­ bal) constituem os t rês temas de u m n otável art i g o d e P . H. Chombart de Lauwe " Asp i rati ons, i mages-torces et transformations sociales" em q u e o sociólogo francês nos parece completar a análise b l o q u i ana n u m ponto funda­ menta l (5). Ao estudar as d ifíce is i nterrel ações entre as aspi rações, as representações mentais e as popsi b i l idades de m u danças, Chomba rt d e Lauwe i nsiste sobre a impor­ tância do condicionamento sócio-econômico. A capac i ­ d a d e de sonhar, de asp i rar e d e espera r, a i n d a que send o antropologicamente própria a q u a l q u e r h omem, p od e ser total mente a n i q u i lada o u destruída q u ando as condições econô m i cas (subali mentação, por exemplo), sociais (alo­ jamento i nsuficiente, desem p rego) , c u l t u rais (analfabetis­ mo) reduzem o h orizonte da rea l i dade q ue o homem pode abranger. Aparece deste modo u m a n ova relação d i alética : en­ tre o desejo ressentido como n ecessi dade i mperiosa, o sonho acordado como p ri m e i ra i m agem de u m fut uro em q ue o desejo poderia se satisfazer e a reflexão que ana­ lisa O'..i m e ios e as condições necessárias à c ri ação desta nova situação. Por isto, o d esej o na sua passagem pelo i mag i n á rio pode ser chamado "o pai d o pensamento" ( P H , p . 1 .0 1 8) , porque é a fonte d a refl exão. A reflexão, por sua vez, i nforma o desej o, orientando-o n o tempo através dos sonhos acordados, dando-l h e u m a forma social nas expectativas, enriq uecendo-o pelos modelos i magi nários. I nstitu i-se u m intenso i ntercâm b i o entre os i m p u lsos mais p rofu n d os do nosso ser, as i magens que gu iam e i nspi ram a nossa ação e a p raxis cot i d iana. Este i ntercâmbio não se rea l i za só no íntimo da psique, mas abrange toda a n ossa existência, i n c l usive a sua d i mensão soci a l . A d i ­ mensão social é particularmente sensível quando s e leva 85

em conta o papel d a l i nguage m . A l i n g uagem permite q ue se possa com u n i c a r a outre m esta intensa vida dos sen­ timentos. Tamb é m é pela l i n g u agem que o outro, atra­ vés dos conceitos q u e já existem, i nf l u i sobre esta pri­ meira elaboração d a esperança. Este papel d a l i ng uagem na tomada de consciência, tanto ao n ível d a sensação de uma carência fundamental, q u anto ao n ível d o i maginário da possibil idade d e uma t ransformação para satisfazer a necessidade visada, foi m uito bem posto e m rel evo por H. Lefébvre (6) . I n c l usive, o f i l ósofo francês vai além da posição bloquiana, q uando ao f im de um dos seus estu­ dos, lembra que a l i ngu agem também pode al ienar o ho­ mem nas suas aspi rações e n os seus desejos, porque é uma maneira para os outros, e a sociedade e m particul ar, de impor certas i magens e ce rtas i nte rpretações. Vere · mos, no próxi mo pa rág rafo, como esta falta de atenção ao d u p l o papel d a l i n guagem e nfraquece a teoria estética de Bloch. É por estas d i versas eta pas q u e o h omem faz d os seus desejos a matéria prima de sua esperança. Sem os desejos, a esperança não teria conteúdo e seria u m a pe­ tição de princípio, u m a s i m ples espera vazia, " u m a espera de Godot" (7). Mas, sem a esperança os desejos seriam cegos e nos levariam a confu n d i r tod as as necessidades, e esquecer que tudo deve ser colocado não só em pers­ pectiva, mas na d i reção certa. Bloch se d isti n g ue pois rad icalmente de u m a concepção pess i m ista dos desejos, como se expressa, por exe m p l o, n u m conju nto s i g n ifi ca­ tivo de trabalhos p u b l ic ados pelo g rupo Esprit a respeito do "pensamento utópico contem porâneo" (8) . A d i ferença entre estas du as tendências é bastante c l ara qua nd o um P . Ricoeu r (9), ao estudar as rel ações e ntre " p revisão eco­ nôm ica e escolh a ética", l i ga o desejo à i nvej a ( " l a con­ voitise"). O desejo seria u m a fascin ação d o gozo que só po­ deria levar o homem a ser " p reso" d os desejos, q u e são propagados pel os m e i os de comun icação de massa. O mesmo ponto de vista expri me-se n as concl usões redigi­ d a s por J . M. Dome nach ( " Note su r le bon usage de l'ave­ n i r " (1 0), onde defende uma fe l ic idade " n atu ra l " , em 86

nome d e um a n atu reza h u mana e portanto, a frugali dade contra o frenesi dos desejos. O ra, tudo isto exprime bem a visão pessi m ista q u e está h oje difundida em certos meios e uropeus ( 1 1 ) , sobretudo, os que estão p reocu pa­ dos em salvar uma certa q u a l idade " h u man ista" n u m de­ senvolvi mento que não se tinha p revisto. Este p ro pósito é , talvez, vál i d o para u m parisiense, mas teria conseq üên­ cias trági cas para o resto d a h u manidade q ue pad ece j us­ tamente de uma falta de desejos e de u m c l i m a geral de resig nação e i n d iferença e m relação ao seu estad o d e miséria. Esses ensaístas estão p revendo u m a l é m i n q u ie­ tante, mas este além só existe para uns poucos p rivi le­ g i ados. Parece-nos que é fác i l condenar certos riscos q u e existem na visão esperançosa revo l ucionária, m a s q u e são necessários para q u e a situação da maioria dos ho­ mens d o p laneta torne-se, enfim, h u mana depois d e ter sido d u rante tanto tempo i nfra-h u mana. O mundo não ne­ cessita nem de fru g al i dade, nem de pobreza consentida, ainda menos de acetismo controlado e razoáve l , mas de um vigor novo que q uer mudar e recusar tudo o q ue é de­ sumano. O desejo de fac i l idade i n q u ieta, talvez, a quem col ocou a fel i c i dade n u m paraíso i n acessível . Não deve­ mos ter med o do bem-estar, da fel i c i dade, nem de propôr de i r além da felic idade ( poderá mesmo existi r um além da felicidade hu mana?) Devemos n os empenhar para que qualquer homem possa partic ipar plenamente desta fe­ l i c idade. 2.2 Ernst Bloch ainda continua a sua escavação ("grüben"). A fome fisiológica como a fome psíq u ica, o sonho acordado como a aspi ração têm uma raiz p rofun­ da: o im pulso ("der Trieb" PH, pp. 55 e ss. ) , que é a ma­ neira fundamental com q ue o homem vive o princípio q ue anima a própria natureza. Já podemos conc l u i r d a d i scussão anterior q ue este i mpulso n ã o é a expansão cl ara de um movi mento l i near de prog resso i nfinito ao q ual simplesmente o homem deveria se identificar, como na i n terp retação vital ista ; o u que o homem deve ria re­ descob rir além das aparências, como para os Estóicos. Na real idade, trata-se de i m p u lsos d iversos cuja contradi­ ção a ps icanál ise teve o g rande mé rito de demonstrar. 87

A psicanál ise, como a psicologia das profundezas (1 2) n os obriga a prestar a maior atenção crítica possível aos abismos que se revelam na origem da existência humana: o i mpulso pode tanto nos levar à destruição l i b i d inosa d o m undo, dos outros, d e n ó s mesmos, c o m o à valorização e à libertação através do p razer. A ambig üidade d os i m p u lsos é tal, que não podemos, sobretudo depois de decisiva contribu ição de Freud, sim­ plesmente "segu i r" a nossa natureza, nem mesmo tentar redescobrir um " natu ral fundamenta l " a parti r do q u a l poderíamos automaticamente reso lver por dedução o s nossos p roblemas. Ass i m , o h omem bloqu iano não pode mais se afirmar i n ocente ou pu ro. Os mitos d o " Bom Sel­ vagem", do "Homem Natural '' q ue sustentaram tantas uto­ pias l i bertárias, fracassam d i ante da anál ise l ú cida q u e hoje podemos e devemos fazer d a nossa ambígua exis­ tência. No entanto, antes de ver a solução que Bloch p ropõe, devemos ainda d iscut i r uma sol ução q ue H. Mar­ cuse - outro revision ista alemão, q uase contemporâneo - desenvolveu a parti r de uma i d éia central de Freud ( 1 3) . É possíve l , seg undo H . M arcuse, que o homem supe­ re a ambigüidade dos seus i m pu lsos por um comporta­ mento g lobal de repressão. Neste caso se su bmete a u m pri ncípio d e real idade de maneira a capitalizar o di namis­ mo dos impu lsos, sem se deixar arrastar pela sua i m pe­ tuosa e irracional fo rça. Esta rep ressão deve ser, al iás, entendida h istoricamente: existem (e existi rá provavel­ mente) várias formas de repressão. A repressão, por exem­ plo, pode ter um caráter simplesmente conservador. Con­ trolará, entã{l, através de uma estrutura c.ompacta, tanto ao n fvel das · i nstal ações, dos val ores, como dos compor­ tamentos coletivos e i n d i viduais, q ualquer i n i ciativa de maneira a enquadrá-l a dentro do "statu quo". Pode ter também um ca.ráter reac ionário (o sentido mais comum) q u ando su bmete as i n i ciativas p rovocadas pelos impul­ sos a esquemas e às solu ções tomadas ao passado, trans­ m itidas por uma t rad i ção, seja d e tipo rel ig ioso, cu ltural ou pol ítica. Neste caso, a repressão pode i r contra o de­ senvolvi mento em nome de um passado permanente, ma­ n i p u lado, é claro, pelos i nteresses vigentes e domi nantes. Mas, em parti cular no mundo ocidental (isto é, modela88

d o pela ação e u ro pé ia) , a repressão pode ter u m caráter a ltamente prog ressivo e revolucionário. Os i m p u lsos, en­ tão, não são s i m plesmente _çontrolados o u rep ri m i dos, são s u b l i mados e encon tram u m a expressão a ltamente c r i a­ d o ra na exaltação d o traba lho. Este aspecto contraditório d a rep ressão através d e u ma ideologia d o trabalho é partic u l a rmente sensível n o c o m u n ismo e n o s regi mes comunistas. Depois de u m a certa euforia ( q u e s e lembre d o s primei ros anos d o reg i­ me russo e m q ue fraternizavam a const rução d o n ovo re­ g ime com um c l i ma l i bertári o) , sob o i m pacto d as neces­ si dades h istóricas, é verdade, mas também sob a infl u ên­ c i a de uma i nterpretação mecan i cista d o homem, al as· trnu sempre mais um a c u riosa desc o nfian ça, não só corr tra q u a l q ue r d ivision ismo pol ítico, mas contra q u a l q u e r i n ic i ativa q u e não se enquadrava n a v isão g l obal estabe-. leci d a a priori. Assim, construi u-se u m m u n d o " realista" q u e constitui uma d as formas mais . i nsuportávei s de u m u niverso rep ressivo. Ver, p o r exemplo, a s páginas d u ras, mas certas q u e H. M arcuse dedica ao conceito de "amor" n o Marxisme soviétique ( 1 4) . Ass i m se encontrariam n u m a mesma mistificação p e l o t raba l h o o " marxismo soviéti­ co" e o " n eocapitalismo". Ambos só adm item ou favore­ cem os i m p u lsos na med i d a em que s i rvam ao desenvol­ vimento econôm i c o, no en tanto, esta repressão perm itiu a canalização das forças i m p u l sivas d e uma parte d o m u n d o para d o m i n a r as o utras. Assim , H . Marcuse pode falar de "civi l i zação" (entenda-se : a civil ização ociden­ tal !) como " u m a forma de rep ressão rentáve l " . Esta so­ l ução "civil izadora " não resolveu todos os problemas. Em particular, o que acontecerá com os i m pu l sos não admi­ tidos? O gênio d o capital ismo - porque afinal é d i sto que se trata aq u i - é deixar uma pequena margem d e l iberdade i n d ividual e m q u e o s ind ivíd u os tentarão indi­ vidualmente encontrar uma sol ução para os seus proble­ mas. Que se ar ranje m numa d u p l a mora l , por saíd as d e emergência, como são a s perversões e o s vícios, o u pelos sonhos re l i g i osos ou pol íticos de u m a futura sociedade em que estes p roblemas d esaparecerão. H . M a rcuse, tendo feito a sua anál ise n u ma perspec­ tiva h istórica, não exc l u i que seja possível ' i r além d o 89

princ1p10 de realidade". Como Bloch, H . Marcuse estima que a repressão, sob todas as suas formas, n u nca conse­ g u i u até agora repr i m i r o i maginár io e i mped i r que pela i maginação os homens p revessem outras sol uções. No entanto, ao contrári o de Bloch, M a rcuse é hoje bastante cético q uanto às poss i b i l idades de uma Revol ução tão rad ical. Segundo ele ( 1 5) , a sociedade i n d ustrial elaborou u ma n ova forma de repressão mais sutil que a sociedade capital ista d o sécu l o XX e do começo deste século. Em parti c u l a r, ao reduzi r semp re mais o tempo dedicado ao trabalho, a sociedade i n d ustrial encheu este "tempo l i ­ vre" sem fazer d e l e u m tempo " l i berado". D e um lado pela "cultura de m assa" que, ind ustrialmente, desperta, através dos meios de comun icação de massa, necessida­ des a rti ficiais a que se p ropõem i l usórias sati sfações q u e s ó mantêm o aspecto m a i s s u pe rficial d o p raze r e q u e j ustificam aparentes i deologias que perderam total men­ te o seu conteúdo c ríti co. De o ut ro lado, por um proces­ so g l obal de integração i n d i reta em q ue se mob i l i za tan­ to as aspi rações d as massas, qu anto a criticidade i ntelec­ tual, de maneira a construi r u ma sociedade "eq u i l i b rada", em que o estável e a mudança se neutra lizam reci p ro­ camente. , A sol ução proposta por Ernst Bl och é bem d iferen­ te, A ambigüid ade d os i m pu lsos provém do fato de que o seu d i n amismo é cego demais por ser consciente. Os i m ­ pu lsos pertencem a o campo da "ag itação" (" Beweg ung") e ainda não do dev i r ( "Werden"). Se existe no homem, como na natureza, um d i namismo fu ndamental , ainda é necessário que se t ransforme esta agitação. em tendência. Isto é, que se dê u m a forma, mesmo prov isória, q ué per­ mita, então, q ue se fale de um deveni r, de u m progresso. A dialética b l oq u i ana não se define como " u m pensamen- . to negativo" ( 1 6) , m as como um método que visa a mu­ tação de uma realidade, nova, mais ampla e mais certa, portanto, como " u m pensamento que estrutu ra o rea l " . É u m a lógica que permite entender o " i n acabamento" de u ma ação sempre retomada e em constante p rog ressão. A i ntrod ução p o r Bloch da n oção de "tendência" foi severamente criticada pela o rtodoxia comun ista por d a r importância demasi ada ao lado "subjetivo" d a proxis ( 1 7) . 90

A c rítica o rtodoxa se b aseia, em parte, na o b ra d e 1. Pav­ l ov, na general ização da sua teoria dos reflexos. Sem d ú ­ v i d a nenhuma, a contri b u i ção d o g rande fisiolog ista russo é d eterminante, ao n osso ponto de vista, para ter u m a visão u n i tária, g lobal e realista d a existência h u mana, contra u m a i nterpretação d ual ista, fragmentária e ideal is­ ta que continua atrasando a com preensão antropológica. Mas a que preço? Ao p reço d o desaparec i mento do con­ ceito mesmo de "consciência". i= b astante significativo que n o g l ossário d o recente l ivro de O. de Freitas J ú n i o r sobre Pavlov ( 1 8) nem a pa­ l avra "consciência'' seja citad a ! No texto, quando apare­ ce, é acompanhada do seg u i nte c omentári o : " a consciên­ cia - isto é, seu pensamento - fruto de su cessivas abstrações, será sempre secundária à rea l i dade material, desde que constitui um si mples reflexo subj etivo d a rea l i­ d a d e objetiva" ( p. 1 03). Podemos assim n otar a s seg uin­ tes afi rmações su rpreen dentes : a)

b)

c)

a consciência identificada c o m o pensamento, q uando vimos, como J. P. Sartre h á muito tempo o demonstrou , que pode existir uma consciência de si, i ntencional e portanto rac i onal , sem n o en­ tanto ser refletida pelo pensamento. A consciên­ cia não é só pensamento, é algo de mais funda­ mental, senão deveríamos entender o conceito de "tomada de consciência" como uma mera ra­ cionalização. A consciência existe lá nas i ma­ gens, nos gestos, até na n ossa maneira corporal de estar no m u n d o ; O fato da consciência e , em partic u l ar, d a t oma­ da de consciência ser posterior à existência, na­ da d i z q uanto ao estatuto ontológico da c ons­ ciência q ue não é nem prim ária, nem secund ária (aq ui obviamente entendido como "de i nteresse menor"), mas q u e acompanha sempre a existên­ cia h u mana. Quanto ao conceito de "simp les reflexo" nos pa­ rece que o p róprio comentário d o autor sob re a evo l ução de Pavlov, demonstra que nada é sim91

pies. Pelo contrário, a c rítica de Pavlov ao me­ canismo não é j ustamente de s i m p l i ficar a rea l i ­ dade? N ã o só a consciência é complexa, a i n d a é global e, portanto, contém várias v i rtual i d ades. A tomada de consciência é j ustamente um j u ízo q u e estamos dando sobre u m a consciência i ngênua. É uma modificação d e consciência. É uma res­ posta responsável (outro conceito comp letamen­ te ausente da antropologia condicionada pelo autor) e u ma situação, resposta q u e não pode ser total mente p revista. d} Enfim, a realidade o bjetiva é, seg u n d o uma outra afi rmação d o autor, a própri a natureza (p. 1 1 6) que a d ialética reflete. Está certo, reflete ; m as como? Aqui não h averá uma confusão devid a a uma falta de rigor, reflexivo, e i nd uzida pela i m a­ gem física da " reflexão" n u m espelh o ? Assim, além das polêmicas, a contrib u i ção de Ernst B l och, como al iás de m u itos o utros revisionistas (Lukàcs, G ramsci . . . ) é de chamar a n ossa atenção sobre a c o m­ p l exidade da noção marxista "tomada de consciência". No caso de Bloch, esta contri b u i ção consiste em s u b l i ­ n har a s suas contrad ições, a sua l o n g a e d ifícil h istória, o seu inacabamento, enfim. Isto é possível por uma con­ cepção materialista (a p raxis h u m ana enraizando-se n u ma realidade que p reexiste) e dialética (a praxis não só reflete esta realidad 3, mas a orienta por um t rab a l h o constante de crítica construtiva) do homem. O h omem, nesta i nterpretação - q u e n os parece mais fiel d o que a de H. Marcuse às i nt u ições de Karl M arx, nem esquece, nem elimina a ambigüid ade dos seus i m p u l sos. Mas a supera ("aufheben") por uma t ransformação rad ical de s i mesmo e do mundo, visando o Bem Supremo q u e fará do n osso mundo a m orada da h u manidade. A ambigüi­ d ade original dos i m pu lsos - expressão da ambigü idade fu ndamental d o homem - não deve nem nos ato rmentar, nem nos fascinar; ainda menos temos o d i reito de siste­ matizar qualquer um dos i m p u lsos, crista l i zando-o n u m pólo, seja negativo p o r u m pri ncípio de destruição, seja positivo n u m princípio de p razer. O erro de ontolo g i a 92

q ue i m p l i c itamente os psicanalistas aceitam é de c ristali­ zar a ambig üidade numa onto l o g i a maniqueísta em que um princípio da morte se o põe a um princípio d a vida. O ra, para Ernst Bloch não existem dois p ri n c lpios, mas um só, o princíp i o da esperança q u e s u pera a ambigüi­ d ad e por um processo q u e visa o Bem Supremo. Mas, ainda q u e a a m b i g ü i dade sej a s u perada, estamos conti­ n uando vivendo nela, numa tensão contín ua que torna a p raxis necessária. Não estamos no fim das coisas em q u e a ambigüidade não terá mais significação d i ante d e uma verdade plenamente rea l i zada -, mas bem ao fim de um começo, d e uma l uta esperançosa, de um p ro­ c esso que não se rea l iza por um progresso l i near e cons­ tante mas por uma série d e decisões e opções nas q uais pode-se errar - daí a existência e a prese nça chocante d a ambigü idade, d a í a poss i b i l id ade d o erro e d o fra­ c asso. O homem como ser de tendência tende para a l g o q u e ainda não te m total mente, m a s c u j a rea l idade p res­ sente ( PH, p. 390). Aq u i nos parece útil reab r i r o dossier W. Reich (1 897-1 957) q ue, n os anos 30, tentou u m a s íntese d a antro­ pologia marxista e do método psicanalítico ( 1 9) . Ao con­ t rário de muitos marxistas q ue criticam a psicanálise por ser u ma "arma d o capitalismo", por ser " individualista" e por i g no rar as d imensões sociais, W. Reich demonstra q u e uma leitura atenta de Freud permite, ao contrário, q ue se vej a como o controle social se exerce através do p rincípio da realidade e d a repressão. O q u e é errado da psicanál ise é a sua visão d o mundo pessi m ista e n i h i ­ l i sta ( e m particu l a r n o último Freud). W . Reich pretende a p l i car a c ríti ca( marxista para q ue a psicanál ise volte a ser somente um método, u m método de conhecimento profundo do homem e um método terapêutico. A contri­ b uição decisiva de Freud seg u n d o W. Reich, é de obri­ gar os marxistas - q u ando aceitam lê-l o ! - a recon he­ c e r a d ificuldade e a lentidão da " tomada de consciên­ c i a" . A desalienação, q ue, n u ma primeira i n terpretação marxista, apareci a essencial mente e funda mental mente como um arranco ao n ível do econômico se repercutindo i mediatamente n as o utras estrutu ras : sociais, pol íticas, rel igiosas e c u lturais, se ap resenta numa i nterpretação 93

marxista qu e leu Freud, como uma história q u e engloba toda a existência. Depois de ver como o homem, ao anal isar a sua existência ao n ível mais p rofu ndo, atinge as raízes fun­ damentais do princíp i o da esperança, n os resta entender como ele pode pressentir o a l vo - o Bem Sup remo q ue a tendência visa. Encontramos n a consciência an­ teci padora as suas ra ízes antropológicas; ainda não des­ cobri mos as mod a l idades d o seu d i namismo. Este novo passo dar-se-á por uma d u p l a e l a bo raçã o : pela revalori­ zação do papel d o imaginário (2 . 3) e por uma c rítica da epistemologia, baseada na anál ise das categorias do pos­ s ível (2 . 6). 2.3. Vi mos que o i m p ulso, através da fome, dos dese­ j os, do sonho acordado , constantemente desperta a cons­ ciência, obrigando o homem a sair de si mesmo, a se arris­ car na busca de satisfações q u e ainda não encontrou na real idade i mediata. M as este despertar é descontínuo, p re­ cário, temporário. A difíc i l rel ação entre o despertar des­ contínuo da consciênc i a pelas sensações, e a necessária construção no tempo, que permite o desenvolvimento completo de uma Revol ução, constitui a antinomia que o anarq u ismo não conse g ue s u pera r. O an arq uismo é au­ têntico e vál ido só q u a ndo usa d a violência como meio radical para despertar a consciência coletiva. É u m a uti­ l ização pol ítica do espetacular. O problema é q ue este começo não é um fim absol uto mas o f i m de um i n ício. A frag i l i dade deste d espertar mede-se pela fac i l i dade com que o homem se satisfaz, m u i tas vezes enganando­ se, s ubstituindo verdade i ras n ecessi dades pelas artificiais q ue poderão ser ainda mais fac i l mente satisfeitas. É, tal­ vez, porq ue se trata j u stamente de um d esejo que se satisfaz rapidamente, q u e E. Bloch, que tantas vezes ana­ l isa e se refere à fome, n u nca deu a menor ate nção à sede. Para poder manter a consciência sistematicamente desperta, para obrigá- l a ao mesmo tempo a esperar u m a satisfação e a tender p a ra u m a l v o sempre mais exi gen­ te, é necessário q ue o choque p rovocado pelas sensa­ ções seja u ltrapassado pela constituição de um i magi94

n a rro. Bloch valo ra, p o r conseq uencia, u m a função d a consciência q u e o marxismo n e m sempre reconheceu : a imaginação. O papel da i m ag i nação - como vimos já no caso d o s o n h o acordado, p o r exemp l o - é d e nos l i bertar d a p resença maciça d o p resente i med iato. Ao i maginar, es­ tamos negando a real idade que percebemos, abri n d o b rechas. M a s a imag i n ação não s e esgota neste poder n eg ativo, fonte p rofu nda d o senti mento de l i berdade ; também serve para prospectar e explorar todas as pos­ sibilidades q u e virtualmente existem e que devem ainda ser desenvolvidas e real i zadas. O real não é só u m con­ j u nto de fatos q u e nos oprime; ele mesmo é t rabalhado p o r tendências e p rocessos q u e pertencem à consciência d e descobri r. Do mesm o modo q ue a lembrança e a me­ mória - em parti c u l a r anal isadas e reorganizadas pel as téc ni cas da psicanál ise - nos trazem u m passado q u e podemos reinterpretar e, portanto, i n teg rar n a constru­ ç ão do n osso p resente, a consciência anteci padora, p el a i m a g i n ação, nos a b re, n os sensibil i za ao possível q u e existe sob a forma d e poss i b i l id ades n o p resente atual e d e pers pectivas que nos o rien tam para o futu ro. Ass i m , o futu ro não é m a i s o amanhã i n q u ietante q u e nos s u r­ p reende rá e d o q ua l d evemos n os proteger, agarrando­ n os às conqu istas d o p resente, mas uma n ova d i mensão acrescentada à rea l id ade, na q ual a parece a poss i b i l i­ dade da l iberd ade, da l i be ração, da desalienação, de u m a vida m e l h o r até e i n c l u sive de u m " Bem Su premo", alvo d e todas as n ossas ten d ên cias para a perfeição. Pela i m agi nação o homem pode "astuciar com o m u n d o " (G U, p. 271 ) . Isto é, i maginar outras cond iÇPes e outras situ ações que lhe pertencem d e rea l i zar na s ua p raxis. Dali poderá s u r g i r n ovas so l uções a os p roblemas atuais, e mesmo n ovas formas de vida. Este poderio d a i m agi nação se manifesta já nas p ri­ mei ras formas vagamente esboçadas n os sonhos acorda­ dos, mas s o bretudo n estas i m agens q u e , tantas vezes, a ni­ maram a h u mani dade a ponto dos h omens se lançarem em aventu ras que não tinham previsto. Assi m, p or exem­ p l o, os m itos do " pa ra íso perd ido", da " Fonte da J u­ ventude", d o m isterios o " Reino do P ad re J oão" que tão 95

g rande papel tiveram no i m p u l so coletivo que c riou o c l i ma favorável às descobertas maríti mas, como se pode n otar nesta personagem altamente significativa em que o realismo mercantil e a visão profética se misturavam estreitamente : Cristóvão Colombo (PH, p. 905) . M itos idênti cos motivaram as Cruzadas que serviram tão bem os i nteresses esp i rituais e m ateriais do Ocide nte. � cl aro q ue, nestes casos, o mito desi gna uma visão que longe de ser um sucedâneo d a rea li d ade, q u e consola o ho­ mem do que ele não tem, que o homem se narra pa ra esconder ou se esconder d a realidade, é, ao contrário, uma representação de algo que não exi ste ai nda, mas q ue poderia existi r se o h omem se empenhasse na sua realização. Se é verdade q u e podemos chamar mitos a histórias q ue repetem a História, para consolidar o real, para imped i r que certas d úvidas surjam, também existem mitos que abrem b rechas, p re parando a H istória futu ra, q ue anunciam o q u e à primei ra vista é impossível (VI, p. 50) . Esta d istinção e ntre os m itos i nd ica que não b asta i maginar outra coisa, ainda é necessário que esta i ma­ g i nação seja orientada na d i reção certa. Assim, os mitos tradicionais visam, e m geral, o passado, algo que está na origem da real idade e q u e deveríamos redescobri r. São, portanto, regressivos. Ao contrário, os m itos como B l oc h os e ntende visam o futuro, s ã o p rog ressivos. Isto cor­ responde a uma d isti n ção entre a imaginação como mo­ dalidade orientada, controlada, organizada, tendência d e uma consciência anteci padora i ntencional, e a fantasia q ue seria a modalid ade, descomprometida, solta e anár­ q u ica, mero impulso d e uma consciência mitológica. A primeira tende a criar obras i maginárias e a constru i r u m imagi nário que sej a uma alternativa a uma real idade j u lgada i nsatisfatóri a ; a o utra, n os al iena num conjunto de imagens exóticas nas qu ais estamos buscando u m a com pensação a uma i nsatisfação vaga e d ifusa. Uma outra mudança s i g n ificativa p rovocada pela ne­ cessidade de se orientar, pode ser n otada na mesma época. Até o Renasc imento, como Bl och o notou ao d is­ cutir a significação da alquimia, a contemplação do céu e a consid eração d o c u rso reg u l a r dos astros, a astro­ log ia, submeteu o desti n o h u mano a u ma leitura alienante 96

ele u m mu ndo q u e ig n ora o próprio homem. Com o de­ senvolvi mento d a navegação, o que opri m i a a l i berdade h umana tornou-se o ponto de apoio, c uj a constânc i a permiti u , j ustamente, a s mais audaciosas aventu ras sobre o i nfin ito dos oceanos. M as a imagi nação não se exprime só por mitos. Bl och l h e atri b u i u m papel decisivo n o p rog resso d e u m d i­ reito q ue pretende se r sempre m a is consoante com todas as poss i b i l i d ades da h u manidade. A i magi nação no d i ­ reito c ria, pelas utopias sociais (cuja h istó ria B l oc h des­ c reveu tanto no PH, pp. 558 e ss. , como no esboço d e u m a f i l osofia d o d i reito, NW, p p . 233 e ss.), u m a tensão e n tre a exigência abos l uta d a fe l i c id ade (o pólo utópico) e a necessidade de asse g u rar a cada homem u m m ín i m o d e d ig n idade (o pólo p ro p riamente j u ríd ico) . · Bloch v ê o n asc i mento d esta tensão como a reivindicação estóica de uma j ustiça co locada fora d a relatividade d as i nstitui­ ções, como reivin d icação de u m a d i g n idade pessoal con­ t ra a visão contingente e p rag m ática dos Cínicos. Esta tensão conti n u a aumentando, em part ic ul a r pela antino­ m i a p roposta por Santo Agost in h o q u e se sistematizará n a oposição de u m d i reito n at u ral e d e u m d i reito racional, até chegar, co m o advento d a b u rg uesia revol uc ionária (seja sob a forma americana - modelo d a revo lução l i beral ; sej a sob a forma francesa - modelo d a revo l u ­ ç ã o jacobina o u rad ical} a uma completa rachad u ra en­ tre a fel i c i dade reservada ao i n d ivíd u o e a necessidade d e uma ordem p ú b l ica enc 3rnada num Estado absol uto. Rachad u ra q ue encontrou em Hegel a sua m áxi ma ex­ p ressão. Esta antinomia só será para B l och s u perad a pela i n versão revo l u c i onária social ista marxista q ue, n a solidariedade h u mana, faz depender a fel i c i dade d a sua rea l ização para toda a h u manidade. Assim, a utopia soci a l , como o m ito progressivo, p ro­ vam q u e a imaginação não é um meio para tug i r da rea l i dade, para enganar ou i m ped i r u m a consciência agu­ d a d a rea l i dade, mas uma maneira de j ulgar um real in­ j u sto, opri mente, fechado e cerrado, para visar u m mun­ do mais j usto (PG, pp. 36-37) . A i magi nação é a con­ d ição "sine qua non" para que a consc iência h u mana não tenha só a fu nção d e adaptar o homem a u m a situa97

ção dada, mas q ue possa ser um fator decisivo de mu­ dança. Até agora vi mos o papel d a imaginação como moda­ l i dade da consciência anteci padora. Devemos ainda esc larecer o papel si n g u l a r do imaginário. Isto é, do mundo c riado pela i maginação. Além de ser uma mola q ue empu rra o homem para fora do cotidiano e d o "sta­ tu q uo", a i maginação consti tui, pelas obras de c riação, um i maginário. Este imag i n ário poderia parecer, à pri­ meira vista, como a c rista l ização num p rod uto fixado e defin itivo da atividade i magi nativa. Parece-nos q ue é muito mais. A imag i n ação não só indica u ma orientação, d i reções e ru mos, é também u ma promessa de fel ici dade, promessa que nos at i nge e n os comove, justamente pelo i magi nário. A existên c i a d o i maginário confirma através de um primeiro esboço ainda i rreal (e seria g ravíssimo confu n d i r o i maginário com o real, dando-lhe uma forma que não pode ter) a existência de u ma total i d ade neces­ sária para podermos j ustamente nos orientar. Como seria possível d isti n g u i r atualmente (retrospectivamente é sem­ p re fác i l d iscern i r o q ue n os mitos, nas utopias, nas fic­ ções era certo, d o q ue era extravagância) os mitos re­ g ressivos d os pro g ressivos, as utopias conservadoras das utopias revo l ucionárias, sem referência a esta total idade (20,) ? A pola rização progressiva d a i maginação só é pos­ sível se existe um alvo a part i r do q u a l podemos nos orientar. Este alvo, para Bloch, não pode ser col ocado num além transcendente. Pertence ao i maginário - sen­ do uma criação h u mana - d e representar "hit et nunc' ' este absol uto (LA, pp. 1 40-1 41 ) . � uma maneira de tornar presente este Bem Supremo que todas as utopias concre­ tas visam. O imaginário capta o Bem Su premo por uma representação atual d e algo que existe - porque o esta­ mos visando - mas q ue ainda não é plenamente rea l i­ zado. Assim s e estabelece u m a tensão, tanto na i magi­ nação q uanto no imag inário, entre o momento negativo de recusa de qual quer satisfação, em nome da ex igência absoluta pressentida. e o momento positivo de afi rmação de sua existência. A noção b l oquiana de beleza manifes­ ta esta d ialética da s perança q u ando afi rma que existe a beleza em cada obra d e arte vál i da, mas que esta mesma 98

existência n ega q ualquer identificação d efi nitiva da beleza com u m a obra s i n g ular. Esta d i alética é particula rmente sensível n o c aso d o d esej o sexual, d a i magi nação e rótica e d o i maginário con­ q u istado no am o r. Se é verdade que o d esejo sexual talvez mais d o q u e q ualquer o utro - n os i mpele a i r além d e n ós para u m encontro rad ical e p rofu n d o com outre m , é também verdade q u e n e n h u m d esej o é t ã o p rofun d a­ mente marcado pela d esconti nuidade. J á n os Antigos d i­ ziam " post coitum, triste" e a ambigüidad e d o e lo sexua l , a o mesmo tem po posse e d o m , comunicação i ntensa c o m o utrem e redescoberta " post festum" da n ossa rad ical so­ lidão i nd ividual, nos leva a u m a i nfinita busca que en­ con trou no m i to tão característico d o Ocidente d e Don Ju a n a sua expressão máxima ( P H , pp. 1 . 1 80 e ss.). M as a este prim eiro n íve l , q u e n ã o é só fisiológico porq ue j á t o d a a existência h u mana está posta em j o g o, a imag i ­ nação ac rescenta um a n ova d i m ensão: a e rótica. Com a imagi nação e rótica, o g ozo sexual d escontínu o se estend e ao i nf i n ito (21 ) . No jog o amoroso qu e p recede e q u e con­ tinua o elo sexual, o e rótico i ntrod uz j á u ma distância entre a consciência e a sexualidade que perm ite ao h o­ mem i r além d o momento fatal em q u e o p razer d o coito se d esfaz na redescobe rta d a soli dão i n d ividual. A rup­ t u ra d a comunhão ínti ma qu e a sabed oria clássica desig­ nava pela " peq uena m orte". Pelo jogo erótico (22) a h u manidad e i nventou u m a p rod i g iosa maneira d e d i l atar o i nstante d a satisfação. O e rótico pretende transmutar o d esejo em sentimento, a o transformar a i n tensidade i nstantânea n u ma permanência. No entanto, o tempo rói os sentimentos. Para escapar ao tempo destru ido r, ao esq ueci mento, é possível u m ú l t i m o recu rso desesperado id e ntificando a consu mação d o amor absol uto com o fim d a vida terrestre. O que se expri me num outro m i to ocidental : a m o rte dos amantes - d esde Tristão até os Românticos. O e rótico abole-se, abo l i nd o o tempo p e l a morte voluntári a. Ass i m o a m o r existe, mas é impossíve l vivê-l o . . . senão na morte. Esta anál ise deve agora ser retomada a part i r do ima­ g i n ário. A transm utação absol uta e total d o sexual e d o e r ótico e m total fel icidad e é i m possível porqu e ainda não 99

estamos no fim d os tempos. Neste sentido a busca ima­ g i n ativa erótica é u ma p rocura vã. Mas não existe também uma totalidade que cada encontro amoroso fel i z e con­ sumE.do visa? A reconc i l i ação total d e u ma u n i dade g l o­ bal em q ue não sou mais eu, nem você, mas somos nós ? Esta reconciliação exprime-se para Bl och ( P H, pp. 375 e ss.) na união em q u e d ois seres tentam viver j u ntos, no concreto da vid a cotid i ana, a p ro messa deste i mag i n ário. O casal assi m constit u íd o é u m verd ade i ro d esafio, uma aventu ra q ue para ser p lenamente autêntica não pode ser red uzida a uma i nstitui ção social, ainda menos à fam ília. Ao reduzir a união e rótica à sua i nstitucional i zação na fa­ m íl ia, d i minui-se a d i mensão utópica e esperançosa, pri­ vilegiando a concepção trad ic ional qu e faz d a famíl ia um refú g i o e um ponto d e chegada d a h istória d e uma vid a (PH, p. 384). A u n i ão, ao contrário, é u m ponto de par­ tida, com todos os riscos - in c lu sive d o fracasso - nele contidos. O amor - esta reconci l iação absoluta - esc l a­ rece a nossa real idade cotid iana, como i l u m i na a nossa relação com o m u ndo. A reconcil i ação abrange muito mais e deve ser entendida a parti r da cosmologia b l oq u ia­ na na q ual a reconcil iação será, como K. Ma rx o t inha p roposto, um a un ião d o h o m e m com a natu reza. J . Berq ue, a partir de observações q ue fez n a Argél ia no momento d a · i ndependência e d e u m a reflexão sobre as d imensões totais de uma completa e g l o bal descolonização (23) , che­ gou também a p rever o paralel ismo e a coincidência de u ma reconci liação e rótica e d e uma reconcil iação d o i ma­ g i n ário e da natureza, por uma identificação entre o i m a­ g i nário e a redescoberta da terra {C?· 201 -202) e d o pla­ neta (p. 1 31 e ss.) . A reconci liação visada faz com qu e possamos e de­ vamos tentar já real izá-l a num amor agora possíve l . En­ tre o amor e a u n ião haverá, portanto, a mesma relação que i m ag i namos entre a b eleza e as obras d e arte. Sem o amor, sem a beleza, os encontros entre o homem e a mulher, entre o espectador e o artista se d issolveriam no relativo e no absurdo. Mas, sem a utopia concreta d a u n ião, s em a criação d e obras d e arte qu e partic i pam d o caráter precário e contingente da n ossa existência, o amor como a beleza não teriam nenhum conteúdo, seriam 1 00

formas vazias. Isto n os l eva agora a ver como Bloch en­ c ara a obra de a rte. 2.4. No P rincípio de Esperança, dois trechos i m portan­ tes estão dedicados a este prob l ema. De um lado, uma re­ flexão sobre a arte como "a-presentação" ("Kunstleri scher Schein ais sichtbares VorSchein", p. 242-250) ; d e um ou­ tro, a anál ise da rel ação entre a obra de a rte e a total i ­ d a d e visada ( "Dargestel i te Wunschland i n M a l e n , Opern u n d D ichtung'', pp. 929-98 1 ) . O aspecto fragmentário d a "estética" b l oq u iana é confirmado p e l a recente publ icação nas ob ras completas de u m volume i ntitulado "Literarische Aufsãtze" (LA) em q u e foram recol h id os i n úmeros traba­ l h os de toda a vida d e B l oc h . Não existe pois ne nhuma obra que seja especificamente c onsagrada ao problema estético. O que é bastante su rpreendente q uando se pen­ sa a i m portância que têm as d isc ussões acerca do " re a­ l ismo", do "engaj amento d o artista" , da "partici pação" . . . n o pensamento marxista mais recente. Esta ausência não poderia ser i nterpretada como u m desprezo pela obra d e arte. Basta l embrar - o q u e j á vimos l argamente n o primeiro capít u l o - q u anto o p ró­ prio est i l o da refl exão b loqui ana foi marcado pela a rte m usical para ima g in a r que a vastfssima e p rofu nda c u l ­ tu ra de B l o c h n ã o seja só u m adorno. O q ue ocorre é q u e para Ernst Bloch o problema d a criação artística não é senão um caso particular d a problemática global da consciência antecipadora. Ao con trário de ou tros revisio­ n istas , a criação art ística para Bloch nada tem de extra­ o rd i nário ou de s i n g u l ar. Não é , portanto, necessári o de­ d icar uma obra específica para conhecer e d ete rm i nar qual será o papel d o a rtista. E rnst Bloch abole a singu­ lari dade d o artista ao val orar antropologi camente - isto é , n o existência de cada h o m e m - o papel d a i m ag i n ação e do imag i n ário. Mostra que aq u i l o qu e e ra tido como vá­ l i do só para uns poucos i n d i víd u os - os artistas ou a " i nte l i g entsia" - n a real i d ade caracteriza qualquer ho­ mem consciente das su as possi b i l id ades. Na perspectiva antropológica da consci ência antec i padora, não existe mais um privi légio d a i maginação, embora o artista 1 01

continue sendo um "espec ial ista" d o i magi nário (LA, p. 1 34). O específico q u e Bloch nega ao artista - e por con­ seq üência ao intelectual em g e ral - n o entanto, sub­ siste para caracterizar as obras de arte dentro d as ob ras q ue o homem cria. A consciência antec i padora - fato universal, fundamental - se especifica, q uando em vez de se manifestar e se concretizar nos sonhos acordados, pelos mitos, pelas u topias sociais . . . se real iza por obras de arte. A obra de arte se d isti n g u e d as outras c riações da consciência antec i padora pela sua concretitude - pelo foto de se mostrar, d e estar p resente i manentemente e materialmente neste m u ndo. Assim, contra toda u ma tra­ dição q ue vê nas obras de arte tantas a be rtu ras para um mundo "espiritual" at ravés dos "valores m a is elevad os" da humanidad e ; q ue i nterp reta o m u n d o i ma g i nário de ma­ neira estetizante - q u e se pense na importância que teve o s i mbol ismo e o parnasi an ismo como formas de com­ pensação para a b u rg u esia. Bloch insiste sobre a materialidade d a ob ra d e arte. A obra de arte é algo q ue nos atinge d i retamente, pelos sentidos ; que capta e exige a n ossa atenção sensorial e i ntelectual. A presença tang ível da o b ra de a rte entre nós, para nós, e sobretudo para os o utros, explica porq ue Ernst Bloch é tão atento a todas as manifestações artís­ ticas qu a abrangem mais do q u e a n ossa i ntel igência. A música, a pi ntura, o teatro, a arquitetura são mu ito mais p resentes na obra e n a reflexão d e Bloch do que a l i te­ rotura, al iás q uase sempre citada sob a forma d a poesia, o gênero menos l igado à escrita. Esta i nsistência sobre a material idade da o b ra de arte conduz a d u as séries d e conseq üências importantíssimas. Prime i ro , a ob ra d e arte sendo visível, tang íve l, p resen te material mente é suscetí­ vel de ser pe rce bida e apreciada coletivamente. Ao con­ trário a l iteratu ra, sobretudo nas suas formas contemporâ­ neas, se aprecia solitariamente . Depois para Bloch é im­ possível red uzir uma o b ra d e arte a uma mera alegoria, isto é, a ser um s im p l es veíc u l o d e uma mensagem, de uma testemunha de algo d iferente q u e não seja ela mes­ ma. A material idade da ob ra de arte l h e assegura uma 1 02

permanência, um a p resença concreta q ue nos impede d e considerar a forma como i l usória e transitóri a para buscar a l ém d a o b ra, algo que seria mais essencial. A obra d e a rte autêntica - p o rq u e existem ob ras falsas q ue i lu d e m - é essencialmente concreta, isto é anti-ilusória. A s u a categoria fundamental será o particular, isto é , a concre­ tização i ntensa n u ma obra singular d e uma totalidade vi­ sada. Por isso semp re será frag mentária (PH, p. 252) e simbólica (T l i , p. 1 44). Esta val oração d o frag mento, qu e Ernst Bloch con­ sidera um a das conqu istas mais n otáveis d a a rte moder­ na, o aproxima d o "jovem Lu kàcs" ainda q u e n u m a pers­ pectiva bem d i ferente. O fragmento não é o máxi mo pos­ s ível para concretizar uma totalidade i rren:ied iavel mente ausente, mas uma promessa de uma totalização possível. Esta promessa se rea l i za na c rít ica como "herança de u ma obra d e arte . . . q ue i nd ica u m a paisagem q ue não s ó existe n a o b ra, m as na s u a janela" ( LA, p. 56). A obra de arte não substitui a real id ad e , ainda q u e este particular frag mentário exista realmente no mund o. Existe tanto q u e pode agregar u m públ ico, q u e t e m uma h istória, q ue cresce através d e todas a s i n terpretações que os h omens vão lhe dando. A obra d e a rte é presença ("Schein") e, ao mesmo tempo, apresentação ( "Vor­ Sch e i n ") ; isto é, a i n d i cação concreta que existe n o real u m futuro (LA, p. 1 43) . " A sua perfeição não escapa a esta d i mensão l atente ; na verdade existe só q uando esta se real izar" ( LA, p. 89) . Se fosse só p resença, se a sua si g n ificação se es­ gotasse na sua contemplação - o que a li ás acontece n o caso da a l i e nação estetizante -, a o b ra d e arte não teria nenhum papel libertador, e não se entenderia a sua re­ l ação com a consciência anteci padora. Sendo a obra d e arte a concretização frag mentária d e uma total idade, cap­ tada parcialmente, visa, portanto, algo que representa e q u e a inda não está total mente p resente. Devemos s u b l i ­ n h a r que Ernst B l och n ã o vê nesta rel ação tensa, entre o f ragmento concretizado na obra e a total idade (represen­ tada por estar ausente) , nenhuma razão para conc l u i r por uma visão trág ica como foi o caso d e G . Lu kàcs. 1 03

Esta tensão não p rové m d e uma situação i r remediável em q ue o homem tentaria desesperadamente se c onsolar d a perda da totalidade. N u n c a h ouve uma total idade to­ talmente real izada, porque a p rópria total idade, c onve r­ gência de todas as esperan ças, ainda não existe plena­ mente. A tensão existe e m conseqüência d as l i m i tações impostas à condição h u mana, l i mitações, q u e são tantos obstáculos que o homem deve superar para se re lacio­ nar, se situar, se i nscrever n u m a total i d ade q u e também está em p rocesso ( P H , p. 255). Este duplo aspecto da o b ra de arte como presença material e como apresentação de uma totalização explica a sua ferti lidade e a sua contínua renovação. De um lado, se desenvolve um processo histórico desencadeado pela obra e que se acu m u l a nas i nterpretações sucessivas pe­ l as q uais ela é semp re rei nterpretad a. A sign ificação d e uma obra de a rte u lt ra passa a "ve rdade" i mediata e re­ flexa de uma situação dada. Por visar uma totalidade, a obra de arte transcende e antec i pa, à sua maneira, a si­ tuação dada. Sendo l i gada a u ma situação concreta por te r uma data a ser l ocalizada, a o b ra de a rte deve ser rei nterpretada em cada n ova situação qu e vivemos ( LA, p. 54) . . Assim, a obra cria h istória (LA, p . 1 55-6) . A segunda característica, essencial seg u n d o Bloch (PH, p . 950), é que a obra de arte abre perspectivas. A obra de arte nã o pode só refleti r o real como u m espe l h o, porque no real é di­ fícil discernir uma tendênci a ; só podemos n os ir:lentificar com algo que talvez mude, sem sabermos para onde. A obra de a rte salta d o meio d a realidade qu e " repete" c ri­ ticamente para se situar n o horizonte da realidade ( P H, p. 948) . Isto é, no l i miar das possi bilidades atuais q u e existe m n u ma sociedade, neste ponto em que n ã o se sabe ainda se estamos na verdade ou na i l usão, d e ntro do possível ou fora, n o m ítico. Na a rte estamos redes­ cobrindo a ambigüi dade q u e marca q u alquer tentativa hu mana que não se satisfaz com o "statu q uo". Só retros­ pectiva mente podemos d i scern i r o q u e estava real mente certo. Assim, podemos entend e r a fó rmula b l oquiana se­ g undo a q ual "a o b ra de a rte é o laboratório e a festa dos poss íveis" (PH, p. 249). Laboratório: no sentid o q u e 1 04

abre sempre novas perspectivas sobre a tota l i d ad e e m d evir. � caracterfstico d a obra d e arte experi mentar e permitir fabricar o n ovo. O homem se prende a i l usões q uando c rê que a o b ra d e a rte só l i m ita e reproduz o real. ( LA, p. 1 46) . Festa : porqu e estas experi ências são con­ c retas, são teste m u n has completas, ainda q ue frag mentá­ rias. Nelas podemos nos apoiar, en contramos trampol i n s p a ra a nossa esperança. Cada vez q ue u m a obra nasce, cada vez q ue algo d e n ovo surge, é uma festa pela h u ­ manidade. Esta d u p l a polarização explica porque a obra de a rte é uma c riação e não pode surg i r de u ma atitude d e des­ truição, da sátira g ratuita. A negação não pode se trans­ formar em obra. Mas não basta ser positivo e buscar o ag radável para criar uma obra de a rte. Entre a obra de a rte - particu lar, frag mentária, aber­ ta - e a beleza - como totalidad e visada - exi ste uma tensão em q u e a o b ra d e arte promete a beleza, mas e m que a bel eza d esmistifica qu alquer identificação d efi n i tiva e total da sua riq ueza com u ma obra d e a rte ou com um conj u nto d e obras. A beleza existe c o m o verdade da o b ra ( L A , p. 1 1 1 ) . S e manifesta h oje, n o caso d a arte contemporânea, pela sua negação do l ind o e d o agradável, em favor d e u ma s i g n ific ação mais essencial ( LA, pp. 568-574) . 2.5. Apesar da sua riqueza, a obra de a rte não escapa aos l i m ites de q u a l q ue r c riação h umana. Ainda que pos­ sa, q uando é vál ida, q uando tem homens para rec o n h e­ cê-la, viver muito mais te mpo qu e o s eu c riador, a o b ra de arte é sempre p recári a. Por isto, o homem não pode se satisfazer total m ente com ela. Não é possível viver es­ teti camente. Também a obra de arte pela sua materialidad e pode nos enganar dando-nos a i m pressão d e u ma i l u sória autar­ q u i a ( P H , p. 252 ) . U m a transformação de u m mundo a pe­ nas esteticamente é uma i l usão, porque é u ma constru­ ção artific i a l , à margem d o mundo real , uma fuga e não uma m utação do mundo real. A obra de a rte não pode substitu i r o m u n d o ; mas i n d i ca, sugere, persuade q u e

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esse mundo pode ser transformado. Portanto, d eve ser defi n i d o " o uso h umano d a o bra d e arte", para citar uma expressão de L. C. Lima (24) q ue j ustamente ataca a l i te­ ratu ra como "fetiche", perg untando-se como a l i te ratura pode se u ltrapassar, sem se negar e assumind o a sua especificidade. Isto só se rea liza dando u m salto, saindo do mundo i magi nário para o m u n d o real em qu e ela vai funcionar. A abordagem de Bloch n os parece j ustamente i nteres­ sante na medida em q ue d istingue o problema estético da q uestão da criação e analisa o problema do uso d a obra de arte. Ainda m a is im p o rtante d o q ue a c riação e a defi nição da obra d e a rte é de saber como vai ser uti­ lizada. Daí o i nteresse tão moderno d e rel ação entre a obra de arte e o espectador, o p ú b l ico, o leitor. Ao passo q ue, no séc ulo XIX, o p rob lema estético se l i m itava à re­ l aç ão e ntre o criador e a sua c riação, hoje caminhamos para uma visão mais g lobal, em que d evemos nos p reo­ c u par, também, d e como vai ser- in terpretada uma obra de arte. O " uso h u mano" da o b ra de arte pode ser entendi­ do d e d u as maneiras d iferentes, ainda qu e complemen­ tares. A que chamare m os d e crítica sociológica e a out ra a que chamaremos d e análise crítica. A primeira reconhe­ ce que a existência concreta da obra de arte na socie­ d ade te m repercussões muitos amplas sobre a q ualidade das rel ações humanas; a compreensão q ue uma socie­ dade tem de si mesmo; a maneira pela q u a l a sociedade consome os produtos da consciência anteci padora. A crí­ tica soc i ológ i ca se d i st i n g ue, e até se opõe, a um pseudo "soci olo gismo" qu e p retendia "expl i car" a criação a rtís­ tica, red uzindo a atividade a rt ística à id eológica. E rnst Bloch, desde a sua p ri me ira obra (G U , p. 56 e ss.) , re­ c usou sempre este t ip o de "expl icação" q ue empobrece e q ue igno ra a especifi c idade d a obra de arte. Parece-nos q u e nas perspectivas abertas por Bloch, deve-se d istin­ g u i r entre a anál ise d a criação artística (que se entende­ rá a part i r da análise g lobal da consciência antec i pado­ ra) e a c rítica do uso da obra de arte, no q u al ele l evanta certas q uestões de teor sociológ ico (25) . Ver as suas con­ tri b ui ções à defesa d a c r ítica contra os nazistas ( LA, pp. 1 06

43-56; pp. 66-71 ; etc . . . ) o u as suas ferozes d esmistifica­ ções dos g ostos e d as o p i ni ões a rt ísticas da b u rguesia ( LA , pp. 1 1 9 e ss.). A d istin ção entre o "socio l og ismo" e a c rítica socio­ l ó g i ca da arte é d rástica porq ue, j ustamente, a separação entre o modelo que t ransparece nas perspectivas d e u m a consciência antecipadora e o m u n d o d a p raxis é p rofun­ do. I g norar esta d i screpância é cair n u m a contusão este­ tizante q u e se i l usiona por uma transformação simbó l ica d o rea l , q uando o p a p e l d o h o m e m é de transformar mes­ m o a rea l i d ade. A reflexão sociológica sobre o uso h u m a­ n o da obra de arte vai j ustamente i nterv ir para orientar a p raxis que, sem abol i r o i m agi nário, vai u l trapassá-lo, i n tegran d o-o n a transformação concreta d o. real. É esta d i mensão soc i ológica que nos permite tomar consciência d e q u e não basta criar o b ras, mas q u e ainda é necessá­ rio criar as condições m íni mas para q u e estas obras se­ jam entendidas , compreendidas e assu m id as. Assim, es­ tamos h oje chegando à concl usão, q u e d evemos situar o p roblema da cri ação astística de u ma maneira mais g l o­ bal, d e ntro d o que se chama o desenvolvimento cultu­ ral (26) . Este passo não é mais d a responsab i l idade d i ­ reta d o artista, m a s dos q u e assumem u m a responsabi­ l idade pol ítica n a organização d a sociedade : do p o l ítico, d o p l anejador, d o ani mador cu ltura l , do educador. A outra maneira d e "usar h u manamente" a obra d e arte é a análise crítica, isto é , o esforço para i nterpretar p rofu nda e exatamente a sign ificação plena e atual d e l a. Aqui, a contrib u i ção d o séc u l o XX é d ecisiva, n a med i d a em q u e esta atividade q u e , trad icional mente e ra reserva­ d a a uns especial istas q u e se situavam sempre fora d a obra d e arte - e q u e , p o r conseqüência, falavam sobre a o b ra de arte, numa atividade q u ase parasitária - é hoj e assu m i d a tanto pelos consu midores q u anto p e l os p róprios autores. Esta n ova visão crítica da c riação e d a o b ra de arte foi m u ito bem formu lada por Haro l d o d e Cam pos em " E I arte en e l hori zonte de l o p robab le" (27) ; ainda q u e l amentássemos o pouco caso q u e os poetas concretistas paul istas faze m da d i mensão sociológ ica. I g ­ norância q u e por exe m p l o o s l eva a s ó ver os aspectos 1 07

positivos, dinâm icos e otimistas numa sociedade e m mu­ dança como a b rasi l e ira. Ao introd uzir o p rovável na obra de a rte, transfor­ mando-a num fragmento de u ma totalidade em p roces­ so, fazendo dela u m a o b ra aberta, o artista, hoj e , i ntro­ d u z uma dimensão d i nâmica q ue o b riga tanto o i ntérpre­ te, q uanto o público (que antes o l hava, conte mplava pas­ s ivamente algo d e total mente rea l i zado) a tomar parte di­ reta no processo d e c riaç ão. Assim, está superada a an­ tiga dicotomia entre apreciar u m a obra d e a rte e i nter­ pretá-la, entre o g osto e a crítica, entre a percepção, es­ sencialmente afetiva e a reflexão i n terpretativa, n u m a no­ va atitude global qu e exige m u ito mais de nós. Neste sentido é verdade qu e as obras m od ernas são mais "di­ fíceis", isto é, mais exi gentes ; e l as exigem atenção, par­ tici pação ativa e até responsab i l i d ade. G raças a este d e­ senvolvimento, a obra d e a rte está cada vez mais perden­ do a sua aura m istificadora, o seu aspecto i l usionista e q uase mágico, para se tornar um dos i nstru mentos mais efi cazes de l ibertação total d o homem (LA, p. 1 05 e ss.) . A obra de arte não se d i rige mais para um p ú b l i co, mas contra os seus hábitos, os seus g ostos, a sua complacên­ cia com a real idade. Assi m , pode-se d i zer que a o b ra de arte é subversiva. Aqui podemos de n ovo, citar Oswal d de A n d rade, não mais como ensaísta e ideólogo, mas como poeta. A recente reedição d as suas Poesias Reunidas (28) , mag ni­ ficamente i ntrod uzida pelo editor Haroldo d e Campos, d e­ monstra o processo de radical ização q ue percorreu Os­ wal d através de u m a reflexão sempre mais rigorosa so­ b re a ling uagem poética. É u ma prova de como uma obra de arte, através d a i ronia, d a i nversão dos valores tradicionalmente atrib u ídos à poesia n o Bras i l , pelo uso d a i magem-choque etc . . . cria n o leitor uma atitu d e cri­ tica que o obriga a ver, com a obj etividade máxima, a rea­ l i d ade, e transformar o m u ndo habitual presente em pro­ j eto ; enfi m, a se situar, isto é, a se d efi n i r em função d esta nova visual ização d o real. As du as mane i ras d e usar a obra d e arte se conj u­ gam numa tensão frutífera. É porque a i n terpretação c rítica deixou de ser especializada e é hoje exigida tam1 08

bém d o consumidor, q u e o uso social da o b ra de a rte é u m prob lem a u niversal a q u e cada u m de nós d eve res­ ponder. M as para q ue isto sej a possíve l, é necessário q u e cada homem tenha possibi l idades reais e estej a real mente em condição d e participar ativamente n a criação. O q u e i m p l i ca q ue a sociedade seja reorgan izada econômica e social mente a f i m d e qu e cada homem g oze d o tempo, d a formação e das ocasiões n ecessárias para estar d is­ p o n ível . O "engaj amento" pessoal e i nd ividual ista d o a rti sta e m nada vai resolver o problema soc ial d o uso d a o b ra d e arte. A sua função específica é d e fabricar obras de arte q u e realmente d esa l ienam, q u e d esmascaram, q ue su bvertem as visões falsas da rea l idade. Também a or­ ganização social d a consumação da o bra d e arte nã o vai resolver, " i pso facto", o problema d a c riação e seria ab­ s u rd o e crimi noso que o Estado d i tasse normas e crité­ rios críticos. A organ ização social i nf l u i e rege a consu­ mação, mas só cond iciona a c riação e a i nterpretação. Esta tensão é particula rmente sensível no caso d a l i te ratu ra, porque mais d o q u e as o utras artes, a l i te ra­ t u ra util iza um material - a l ín g u a - em q u e a d i mensão social está e m permanente tensão com a d i mensão sub­ versiva d a expressão pessoal. Vamos i nsistir u m pouco sobre isto porque n a obra d e E rnst Bloch, este caso tão singular é preterido pela atenção que ele dedica às ou­ tras formas de expressão a rt ística. Quando anal isamos a s i g n ificação dos d esej os, nota­ m os já a i m portânc i a da l ín g ua, não só para a , o m u n i ­ cação com os o utros m a s também para a compreensão. Pela apre n d i zagem d a l íngua materna, o homem aprende a se i nte rpretar pelos conceitos básicos vigentes n u ma sociedade, n u m momento d o seu d esenvolvi mento. O q u e é partic ularmente sensível n u ma civi l i zação oral, e m q ue a l iteratu ra narrad a , contada, i nterp retada em todas as ocasiões p ropícias, man tém o i n d ivíd u o sob a pressão d e u m a trad i ção q u e d á a cada ato cotidiano a sua interpre­ tação certa. A trad ição serve também para assimil ar dos fatos e eventos n ovos somente os elementos q u e confi r­ mam a situação v igente. Este controle é tão mais rigoroso q ue na l iteratu ra ora l , o outro está sempre presente e exerce uma fiscal i zação rigorosa em função d o que a so,

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ciedade, naquele m omento, considera como a t radição certa. Assim o o u t ro c o m o i nterlocutor, como públ ico, como participante, i m pede que a i nterp retação pessoal vá além de certos l i mi tes (29) . Com o apareci m ento e sob retudo a d i vul gação d a escrita, o i ndivíd u o ad q u i re u m a rel ativa autonomia. O outro não está mais d i retamente p resente na leitura, é possível esq uecer q u e existe um autor. A leitura não é mais um ato coletivo e, portanto, a i nterpretação d o texto l i d o é mu ito mais pessoal . Enfim, o próprio autor não está mais submetido d i retamente ao controle de um público i mediatamente p resente e q ue poderia se refe r i r a uma tradição fixada. Não devemos te r uma visão id ealista des­ ta l i berdade i ntroduzida pela d i fusão d a escrita. Afinal, q uantos alfabetizados são real mente capazes de i nterpre­ tar um texto? Quantos fizeram da leitu ra a sua atividade reg ular ? Numa pesqu isa real i zada por R. Kaés (30) sobre os hábitos de leitura n os m e ios o pe rários na França apa­ recem resultados bastante assustadores sobre a inexistên­ cia de um público d e leitores naquele meio. Fato que também R . Hoggart constata ra n a I n g l aterra (31 ) . Estes resu ltados dão ainda mais relevância à idéia de uma de­ sigualdade cultu ra l , tão g rave para uma verdadeira d e­ mqcratização na sociedade i n d ustrial , q uanto as desig ual­ dades econômicas e sociais. Também não se deve des­ prezar o controle r ig o roso que exerce a sociedade sobre a l i berdade de exp ressão, através d a escolarização q u e ensina e impõe o u s o "correto" d a l íngua materna, forma disfarçada, mas eficaz, d e violência pedagóg ica {32) . Nes­ te senti do, existe a i n d a hoje na América Andina uma vio­ lência i nstitucionaK.::: a da dos h e rdei ros dos "'colonial istas" espanhóis sobre as p o p u l ações i n d ígenas pela sua siste­ mática e i nexorável "caste l h a n i zação" (33) . No entanto, não há d úvida de q u e a sociedade mo­ derna caracteriza-se pela possib il id ade sem pre mais uni­ versal d o indivíd uo manifestar-se, expri m i r-se, isto é, u l ­ trapassar a acultu ração l i n g ü ística p e l a afirm ação literá­ ria. Temos, de um modo g e ral, u m a tendência para u m processo q ue já i n d icamos n o caso partic u l a r da ob ra d e arte contemporâne a : d e d a r u m a d i mensão d i nâmica e aberta à obra de a rte, e em particular ao texto esc rito. 1 10

A l iteratura d e h oje c a racterizar-se-ia, n a sua l i n h a d e vang uarda, por um formidável esforço e m transform a r o texto d e "fetiche " n u m i nstrumento d e desalienação d o leito r. Ass i m o leitor, por isolado q u e seja n a sua lei­ t u ra, por longe que esteja d o outro, encontra-se p rovoca­ d o até neste ato tão íntimo que é a leitura silenc iosa ( LA, pp. 560-567) . Descobre-se nesta sua atividade mais íntima, como participante da palavra. Um trabalho de S. Uchôa Leite (34) , j ustamente dedi­ cado à idéia da " partici pação d a palav ra", nos parece su­ geri r pistas extremamente férteis para a i nterpretação da l i teratu ra contemporânea b rasil e ira , e m busca d e o b ras que tivessem u m papel decisivo na situação atu a l . S . U. Leite demonstra como toda u ma l i teratura, que nem sem­ pre é romântica, abusou no Bras i l d a palav ra poética pela i n continência e pelo desperd ício d e u m l ad o ; pela senti­ rne ntal i zação e pela p rojeção de p reconceitos pessoais n a d e n ú n c i a social, d e outro l a d o ; su perando a s u a i nau­ tentici dade, seja pelo melod ramático ou pelo misticismo l iterário. Este crítico, q ue é também u m excel ente poeta, opõe a esta l i teratu ra oca, u ma l ite ratu ra q u e se e n gaja l iterariamente ao n ível da l i nguagem poética, g raças a uma necessária "codificação da l i n g uagem poética" ; seja p e l a sátira q u e destrói q u a l q uer senti menta l i zação ; sej a p e la objetividade reflexiva ou mesmo su bversiva q u e opõe-se à ritual i zação pela l i ng uage m ; de maneira a dar forma a u m a consci ência confl itiva da real idade ; ou mesmo, como no caso do admi rável J . Cab ral d e M e l o Neto, a u m rea­ l i smo crítico e construtivo que redescobre a estrutura fun­ d a mental da rea l i d ade. Note-se qu e S. U . Leite assi na l a ta mbém o caso s i n g u l ar de Lau rê n i o d e M e l o q ue l eva a su bversão l i terári a às suas últimas conseq üências pelo silêncio literário, na abol ição mesmo d a l i teratu ra. 2.6. Por esta longa camin hada através d as atividades h u manas, pretendemos mostrar como o " p r i n c ípio d e espe­ rnnça", pela consc iência antec i padora, atua e an i m a os r.omoortamentos mais "elementares" e mais " íntimos" d o hom e m . Assim, a pe rcepção d o real q u e E rnst Bloch de­ f i n i u , tem sua corre lação d i reta na maneira como i nter111

pt eta a existênc i a h u mana. Do mesmo modo q u e o real nos aparece sempre em m ovi mento, apontando para além d o q ue está total e maciçamente p resente, assim a cons­ ciência antecipadora revela, em todos os n íveis, o homem como um ser i ntencional e d e tendência. A raiz deste d u plo e correlativo mov i m en to, encontra-se a categ oria do possível. A m atéria como o homem, a natureza como a sociedade, tendem para o que ainda não são pelos pos­ s íveis q ue neles se d esenvolvem. O possível, no e ntanto, não é uma categoria gera l e absoluta. Desdob ra-se se­ gundo os n íveis d e reflexão, d e tal modo que E rnst Bloch d isti ngue quatro n íveis d e i nterpretação d o possível . O capítulo 1 8 de PH (p. 258-287) em q u e Bloch d esenvolve a sua análise dos d iferentes valores da categoria do pos­ s ível nos pareceu tão i mportante qu e reproduzi mos, em apêndice, no fim deste capít u lo. Encontra-se um exce­ l ente comentário d este c a p ít u lo nas pági n as 1 33-1 42 d e trabalho de H . G. Bütow (35). Existe, primeiro, um possível puramente formal (" Das formal M õgliche", PH, pp. 258-259). É o possível d o oti­ mismo q ue ignora, d e p ropósito ou não, os obstácu l os, e c rê, a priori, na possib il idade de um p rog resso li near. So­ b revoa o real, apagando ass i m , por uma quase i l usão óti­ ca,' q ualquer relevo, qu a lqu e r e m peci lho, qualquer i m pos­ s i b i lidade. Daí a sua falta completa d e profu n d i dade e de 'c riticidade. Nada parece se opor à sua vastíssima vi­ são, tanto mais ampla q u anto vazia. É também este possí­ vel ·q ue aparece no frenesi e no i ntenso p razer que po­ demos senti r no jogo liv re d as nossas poss ib il idades. Seja nos próprios jogos, seja nos momentos de . exaltação em q ue o entusiasmo nos p rojeta tora de nós e onde não ' vemos nem imag i namos n e n h u ma razão de fracasso. No r­ mal mente é este possível q u e é c riti cado pelos q u e i den­ tificam a esperança com o oti m ismo: reduzem a consciên­ c i a anteci padora a u m vago u topismo. Bloch afasta este possível , por i nduzi r a uma visão (e não a uma i nte rpre­ tação) abstrata, i rresponsável, id eal ista enfi m . E m um n ível mais p rofu ndo, porque está l igado a uma anál ise pessoal da existência h u mana, surge o provável (" Das sach lich-objetiv M õg l i c h e " , PH , pp. 259-264) . O pro­ vável não depende de u ma visão desembaraçada do m u n112

d o - a l g o que se exp rim i ri a pela i magem da l i ge i reza d o d ançarino -, mas a parece q uando o homem tem u m a consciência a ntecipadora d a s u a rea l i d ade. I: n este pos­ s ível que se e nra íza a i magi nação, a p revisão, e de m a­ n e i ra ainda mais gera l , a possibi l idade d o h omem l evantar n ovos problemas, imaginar n ovas soluções e desenvolver o seu domínio sobre o real. Sem a possi b i l i d ade d e to­ mar consciência de um p rovável não h ave ria o motor para a pes quisa, para a espera, para a busca de uma maior fel i c idade. No entanto, exatamente por ser tão l igado às atividades h u manas, o p rovável permanece frag mentário, p a rc i a l . Exp ressa-se por uma possibil id ade depois d a ou­ tra, n u ma desconti nuid ade em q u e o homem se conquista sem n u nca chegar à consc i ência de uma tota l i·dade e m m ovi mento. A q u i s e enraíza o homem c o m o s e r d i nâmico - o que se exprime pelo vel ho m ito de P rometeu de u m a forma a i n d a c rispada e tensa. O p rovável não pode i a l é m de uma fantástica aposta contra o absurdo e o não­ sentido. Portanto, é necessário passar a um o utro n ível abandonando a subjetividade do provável - para ati n g i r o possível objetivo ( " Das sac h h aft objektgemass M o g l i ­ che", P H, p. 264-271 ) . Retomando a trad ição da esquerda ari stotél ica (AL, p. 29 e ss.) E rnst Bloch d escob re agora u m possível o bjetivo, ontológ ico, ao afi rmar o d i namismo d a p rópria matéria pelo virtual (a " potência") q u e está ani­ mando cada coisa. M as esta o bjetividade se conqu istou ao p reço da subjetividade. Neste terceiro n ível , a ativi­ v i d ade h u mana vai participar de u m mov i mento que p re­ existe à sua própria atividade. A i nte l ig ê n c ia refletirá o d i namismo de uma "natura nat u rans", fazendo com q ue o h omem sej a só a caixa de ressonância de algo q ue afina l se passa fora de le e s e m e l e . Dificil mente o h omem pode escapar nesta perspectiva, a uma red ução de si mesmo, a u m mero objeto de uma matéria d i n âmica. Assim, se no segu n d o n ível conq uistamos u m prová­ vel como ponte da imaginação, da atividade criadora, e afi nal da l i berdade h u mana, este p rovável se manifesta, nas suas últimas conseqüências, como a l tamente negati­ vo. t um não rad ical q ue i nstitui o i n d iv íduo sem lhe d a r a s condi ções de uma ação d i reta e concreta sobre o rea l . 113

Não devemos esq uecer q ue semp re a consci ência anteci­ padora nos apareceu como a manifestação de u ma exi­ gência, de uma p romessa, que ainda deve ser concretiza­ d a. No terceiro n ível , conquistamos um possível como poderio real de transformação d o m undo, mas em q ue a afi rmação pessoal se d i l u i em comportamentos onde a consciência está sistemati camente tol h ida. Se o d i namis­ mo do p rovável se sistematiza no idealismo - subversivo, mas i neficaz -, o d i namismo de u m possível objetivo aca­ ba no total itarismo - eficaz, mas esmagador. B l och u l ­ trapassa esta antinomia i ntrod uzindo u m possível dialético q ue será a def i n i ção d o p róprio princípio da espe rança - ("Das objetiv-real M õg l i che", PH, p. 271 e ss.) q ue permite e ntender a rel ação necessária entre a atividade h u­ mana e o d i namismo d a matéria. Esta rel ação i mp l i c a q ue "sem a matéria n ã o existe um solo para a antecipa­ ção (real) ; mas sem antecipação ( real) a matéria fica sem ho rizonte" (PH, p. 273-274) . Não podemos, portanto, s i m­ p lesmente constatar - mesmo cientificamente o d i namis­ mo existente na m atéria; devemos ainda explorar os pos­ s íveis que nela existe m ; e orientá-los. O d i namismo d a matéria é cego. Pa ra q u e a sua evol u ção seja u m desen­ volvimento, para que exista, portanto, u m percurso q ue seja u m cam inho, é necessário q ue haja um alvo, uma final idade que só o homem, por t e r uma consciência ante­ c i padora, pode propor. Mas a previsão e a perspectiva ficam sem forma e sem conteúdo se o ca m i n h'J não estiver i nscrito na ma­ téria. É g raças à m atéria, q u e a esperança d e d i retriz torna-se percurso e camin ho, seta e rumo. O devir é "cap­ tado sem ser encerrado" (PS). O p rocesso vai ser agar­ rado nas utopias (VI I , p. 84 e ss.) e re interpretado sem que as utopias o definam para sempre. A te ndência cega . (o "Wo h i n ") se transmuta na d i retriz (o "Wozu" ) A t rans­ formação do real é possível porque o real já estava mu­ dando; mas a intervenção h u mana é necessária para que esta transformação d e mudança indefinida torne-se desen­ volvimento infinito. O azar, expressão m ítica desta pu­ jança cega da matéria, transforma-se em aleatório, isto é, num possível controlado, num provável orientado pelo p ro­ j eto h u mano. Assim , pensa Ernst Bloch ter sido fiel a -

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M arx mantendo plenamente as d uas exigências do Dia-Mat (PH, p . 237) : a d ialética e o materialismo. 2.7. O homem, ainda q u e sej a c o n d ic ionado, tem a ca­ pacidade, pela tomada de c onsc i ê n c ia, d e rei nterpretar o seu determ i n ismo. Daí porque o p ossível não pode ser expl icado pelo otim ismo, por ser su perfi cial ; nem pe l a des­ coberta do provável, por ser subjetivo e parc i a l ; nem pelo movimento da matéria, por não ter sentido. O possíve l a parece só para uma i nterpretação d i al ética-materialista d a rea l i d ade, na q ual se toma consciência d a realidade como i m perfeição e como poss i b i l id ade. Isto é, se reco­ n hece a realidade como a relatividade do determi n ismo (PS, p . 225). Na consciência antecipadora, · a rea l idade s u rge como algo que lá existe - senão como expl icar as suas possi b i l i dades? - e como algo q u e existe sob a for­ ma d o ainda-não. O seu determi n i smo se descobre como contingência e h istoricidade. Assim , o fun damento onto­ lógico da consciência antecipadora é a afi rm ação d o ser como ainda-não-sendo ( " N och-nicht-Se i n " ) . Esta fund a­ mentação foi objeto de u m a série de análises por volta d e 1 960, sistematizadas e reu n i d as n u m texto particularmente denso: Philosophische Grundfragen 1 ( " P roble mas fi l osófi­ cos fund amentais : contrib u i ção à ontolog i a d o ainda-não­ sendo" - PG). Neste traba lho, Bloch vai ainda mais "ca­ var ( " g rüben", PG, p. 1 3) de maneira a passar do n ível mais superficial ao n ível mais profu ndo, a fim de chegar ao fun­ d amento sobre o q ual se apóia o " p r i n c ípio de esperança". Nu ma primeira abordagem, lembra que o princípio de esperança não pode .:.:mplesmente ser deduzido do movi­ mento d o real, porq ue este movi mento ainda não tem uma consciência de si mesmo, e portanto, não sabe para onde vai. Ainda mais, a i ncarnação da esperança é d ifíc i l (PG, p . 80) . Deve-se superar fracassos e obstácu l os. A es­ perança se realiza por tentativas sem pre arri scadas q ue exigem u m contínuo empenho. Ass i m , por causa da re­ sistência, da i nércia e da oposição q u e e n contra, o prin­ c ípio de esperança ao n ível da p raxis cotidiana j á está i med iatamente l igado ao ainda-não. Assim , Ernst Bloch nos pa rece escapar por comp leto à c rítica de Ludwig M a r115

c use segundo o qual (36) a ,:mtol ogia do N M S seria uma f u g a para frente, sacrificando a s d ificuldades atuais a u m futu ro que ning uém poderá realmente desfrutar. Num aprofun damento mais crítico, é a p rópria noção de obstáculo q ue sofre uma reformulação. Na sua cami­ n hada, a esperança não só encontra empeci l hos e o bstá­ culos que deveriam ser superados ou e l i m i nados pelo po­ der negativo e l i bertador da consciência a nteci padora, mas o próprio d i n amismo d o princípio de espera nça vai se rad icalizar em função do obstácu l o. O o bstác u l o além de ser a manifestação d a i nércia de u m m u n d o h osti l cons­ titui um verdadei ro trampolim, com o q ual a esperança po­ derá ainda mais se afi rmar. Os obstácu l os constit uirão tantas provocações quando estamos pensando, n ão tanto em termos estritamente materialistas, mas n u ma perspec­ tiva g lobal, inclui n d o nos obstácu los, não só a i n érc ia da matéria, mas a i né rcia d a matéria social e h u mana. O contraste i ntroduzido pelo outro e q ue pode i r até a o po­ sição, não é algo a eliminar, mas algo a m u d a r, seja pela argu mentação, seja pelo d iálogo, seja, por fim, pela vio­ l ênc ia. Assim, o outro não aparece forçosamente como o i n imigo a liquidar: perspectiva típica da visão totalitária e antidialética que analisou J . Gabei como sendo uma "falsa co11sciência" (37). O outro é um adversário com q uem se deve contar para realmente chegar a uma afirmação plena ' de tod a a h u manidade. O outro - se q u iser e puder, o que impl ica, portanto, na l i berdade do adve rsário d e não participar deve também entrar no p rocesso d e afi rma­ ção plena de toda a h u manidade. Não se pode realizar a h u manidade contra os homens! No entanto, e aqui estamos chegando a um dos pon­ tos limites da anál ise penetrante de Bloc h, o fracasso subsiste e se expri me violentamente e, de imediato, pela existência da morte. O fracasso, de cujo desafio Bloch n unca tentou escapar, deve também ser anal isado à luz do ainda-não. Nesta perspectiva o fracasso se revel a como "o fim do começo" d a esperança, e não como o seu tér­ mino no nada das i l usões desfeitas e desmascaradas. A morte do outro - o que é mais fácil i nterpretar - é uma rad ical provocação para q ue eu saia da m i n ha i n d i fe rença e assuma a minha parte de responsab i lidade. Neste senti-

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d o, o sacrifício tem u m sentido terrível : é o últi mo recu r­ so, o ú ltimo gesto q u e u m homem p ode fazer para obrigar o outro a se defi n i r e a a g i r. E a minha própria m orte? A q u i real mente estamos chegando ao momento zero, o ponto n u l o em q u e talvez devêssemos nos calar. Mas, p ara Bloch, m esmo este evento, que a pa rece absolutamen­ te negativo, que exprimiria a rad icalização d o fracasso, pode ser j ustamente o ponto em q u e b rota a esperança. A esperança por ser um valor coletivo, capaz de animar a h u manidade u ltrapassa a m i n h a morte para e pela vid a dos outros . i:: c l aro, q u e esta in terpretação d a morte, q u e analisaremos n u m outro capít u l o, é c hocante, à p ri­ mei ra vista, para a tra d ição ocidental , em particular, a c ristã, q ue insiste sobre a fé na ressu rrei ção pessoal d e c a d a u m . M as afi nal, a esperança c ristã não· b rota tam­ bém da convicção d e uma "com u n idade dos santos", ex­ p ressa , pela permanência da I g reja ? No fundo não d eve­ r íamos aceitar a crítica de E rnst B l oc h q ue ati nge o i nd i­ v i d ualismo no seu ú l t i m o reduto: a fé na sobrevivência pessoa l ? Assim, o s o bstácu l os, a s oposições e o s p ró prios fra­ cassos não indica m o aspecto i lusório d a afi rmação espe­ rançosa, mas são as p rovas necessárias para q ue, j u sta­ mente, esta esperança seja autêntica e além da i lusão e do consolo (PG, p. 21 e ss. ) . Como vimos a respeito d a fome, o homem não espera porq ue ele aspi ra i ngenua­ m ente a outra coisa o u porq u e tem a lembrança saud osis­ ta de u m a plenitude anterior. Espera porque ele se des­ cobre com a falta de a l g u ma coisa. Esperar não é esca­ par à sua condição nem para frente nem para t rás ; é sen­ ti r-se p rovocado até a parte mais íntima da sua existência pela s u a situação atual. Ass i m a esperança é u m a contes­ tação rad ical. É u m não a uma situação inaceitável que estamos negando porque temos certeza, pela consciência antecipa­ dora, de poder mudar a situação. Claro que esta vertente negativa da esperan ça, n o seu merg u l h o até o fracasso m i as rad ical - a morte - pode cond uzir ao n i h i l ismo, como para M . Heidegger (PH, p. 1 .360) . A esperança b l o­ q u iana não i g nora, no seu merg u l h o na cond ição h u mana, esta experiência d e ang ústia e d e medo que nunca poderá 117

ser negada a pnon. M as, ao passo q u e o n i h i l ismo con­ c l u i , a partir desta experiência, n o desespero, porque acha que o tempo h u mano acaba n o nada e n o absurdo d a repetição sem sentido, a esperança descobre neste mo­ mento zero, um momento de decisão q u e constitui o prin­ c íp io mesmo da sua ativid ade. "Ao passo q ue o n i h i l ismo concl u i do não ao nada, a esperança passa do n ão ao ainda-não" (PG, p. 25 e ss.). A consciência d a i m perfei­ ção e da carência não persuade B l och d a existência d o n ada, mas é um i ncentivo rad ic al para q u e se chegue à concl usão do que a rea l idade ainda-não é o que ela deve ser. O fracasso assim , não destrói a esperança. Destrói s i m , o otimismo e todas as suas i l usões. O fracasso faz parte da esperança como momento a ser su perado no além que sugere a esperança n os possíveis q ue visa. Po­ de-se afirmar q ue "o fracasso faz parte consti tuinte da esperança" (VI, p. 2 1 3) . S ó agora podemos entender por q uê, através d a cons­ ciência anteci padora, o princíp io d e esperança ultrapassa o momento decisivo d a escolha total e se abre sobre u m "totu m " das esperanças h u manas q u e é u m a total ização para ser realizada. Como já vi mos, a tomada de consciên­ c i a não é uma tomada vazia, de mera d ispon i b i l i dade, mas a tomada de consciência de algo a fazer. O possível nãb é só formal. Su rge e se manifesta através de possi­ b i l idades concretas que nos obrigam a atuar e a nos em­ pen har concretamente. Assim , a consciência anteci pado­ ra abre novas frentes, l evando-nos à frente d a atividade h u mana (PG, p. 1 8) . Como Bloch form u l a : "A consci ência d o ai nda-não é a representação psíq u ica do ainda-não, como ele está presente num tempo e num mundo que nos traz à frente do u n i verso. A consciência do ainda-não que se concretiza a forma d o ainda-não tal q ual nos é pre­ sente, é uma anteci pação concreta, verdadei ro vulcão de p rodutividade que espalha suas l avas" ( P H , p. 1 43) . Assim, o ai nda-não rea l iza-se n u m perpétuo ultrapas­ samento sem q ue nada possa acabá-lo. O homem, como M oisés, c resce, marcha para a Terra P rometida que exis­ tia, que viu, mas q u e ainda não ati n g i u ( P H , p. 1 .450). Da mesma manei ra o homem autêntico, que tem talvez algo do santo (GU , p . 362 e ss.) , transforma-se com o 1 18

m u n d o sem n u nca i maginar q u e a sua tarefa seja acaba­ da. A p l en i tu de h umana não ati nge o p onto máxi mo n o s e u e q u i l íbrio, q u e seria a consu m ação n a satisfação, mas n a m u lt i p l i cidade e n a ferti l id ad e i nfinita d e n ovas p ossi­ b i l id ades, sempre mais d esenvolvidas. A esperança se afirma n u m a "santificação" (TM, p . 225) que não conhece l i m ites nem para nós, nem para os o utros. É a total afi r­ mação h u mana d e todas as suas possi b i l idades; o i nfin i to d esdobramento n u ma afi rmação semp re mais p l ena, d e n­ tro d o s l i m ites da nossa condição. 2.8. Nos sucessivos parág rafos deste capítulo, tenta­ m os m ostrar como Ernst Bl och vê o princípio de espe rança a n i m a r o m u ndo, considerado d e u m ponto d e vista g l o­ bal, i n c l u i n d o não só o homem e as suas criações, c o m o a própria natu reza. Q ue r sej a ao n ível antropológico, ist o é , d a v i d a cotidiana; a o n ível d o i maginário, nas d iversas man i festações da consciência anteci padora; ao n ível epis­ temológico pela anál ise dos d i fe rentes valores q u e se p o d e d a r à categoria do possível - e n f im , ao n ível on­ tológ ico, o "ai nda-não-sendo", a todos os n íveis d a rea­ l idade, este princípio a pa rece como o m otor da d i a l ética. Mas não poderíamos objetar que, por generosa e exaltan­ te que seja esta i nterpretação global d a rea li dade, a i n d a está l onge de t e r m u d ado o real ? O princípio d e espe­ ré.nça é u m a "docta spes", ainda não se revelou u m a "spes m i l i tans". O m u n d o apamce c o m o u m " l aborato­ r i u m salutis", mas ainda não é esta sociedade, nem esta natureza em q u e afi n a l estamos vivendo e q u e devemos t ransformar. E rnst B l och não voltaria, ao final, para u m a visão " h u manista" q u e esq uece a tarefa concreta d e e n ­ carnar, de real izar a h u manidad e p o r u m a i l usória sol u ção ideal ista, caindo ass i m no erro q ue L. Althusser den u n c i o u j ustamente (38) ? E rnst B l och não ig no rou esta d i ficuldade e nos parece m u ito s i g n i ficativo que , n o Princípio de Esperança, d e­ pois de ter cavado até às raízes d o possfvel (p. 258 e ss.) e antes de, p rovisoriamente, conc l u i r esta parte an a l ítica ( p . 334 e ss.) i nc l u i u m a decisiva in terp retação das " onze Teses sobre Feu erbach " d e K. M arx (p. 288-334} , a n u n119

c iada e s istematizada com a afirmação "a transfo rmação do mu ndo". O q ue até agora era previsão de u m a espe­ ra existencial, torna-se a realização de u m a esperança concreta. O que e ra p rovável e possível , torn a-se uma exigência concreta d e transformação d a realidade. Esta mudança é revolucio nária e real, porq ue é h istórica. Tem uma data - abril d e 1 845 -, tem um autor - Karl Ma rx - e tem conseqüências : a revolução bolchevique. Esta m udança é, portanto, real e d ecisiva, porq ue K. Marx i n au­ g ura com as suas teses um método que perm ite " modelar o mundo de mane i ra q ue sej a a morada do homem" ( P H, p . 334) . Da transformação total do h ome m, o q ue se expri mia nas obras de j uventude, p e l a val oração d a santi­ fi cação (GU, p. 321 e ss.), E rnst Bloch, ao se tornar mar­ xista, descobriu a necessidade de uma revol ução tota l . M as esta revol ução será ta mbém permanente porq ue Bloch não vai s im plesmente aplicar um método já e l aborado. O seu comentário das "Onze Teses sobre Feuerbach" é uma rei nterp retação q ue se m a n ifesta i mediatamente p e l a nova o rdenação em quatro g ru pos das teses marxistas. No primeiro g rupo te mos sucessivamente as teses 5, 1 e 3 (PH, p. 295 e ss.) pelas q u ais K. M a rx ultra passa as contrad ições da e pistemologia trad icional, em particu lar, as anti nom ias da p e rcepção e da ação, d a conte mplação e do ativismo. Conhecer o m un do não é afastar-se do rea l , mas a o contrário é empenhar-se numa ativi dade necessá­ ria, num trabalho concreto, em q ue o objeto d eve ser apreendido e t ransformado pelo suj eito, para ser real men­ te conhecido. Mas que p ara isto se possa rea l i zar para qualquer homem, é necessário q ue o trabalho como praxis S(�a reconq uistado na sua plena e autêntica sign ificação, além das al ienações que o regime de trabalho do capita­ l i smo i m pôs. Uma epistemologia autêntica não pode ser estabelecida sem que haja uma transformação concreta das condições econômicas, sociais e culturais, de maneira que qualquer homem esteja em condição de tomar parte na "constante e oscilante relação entre o sujeito e o ob­ jeto que se chama trabalho" ( PH , p. 298) . As teses 4, 6, 7, 9 e 1 0 (PH, p. 301 e ss.) formam u m seg u n do g rupo no q u al se define uma interpretação an tro­ pológica e h istórica, na q u a l se forja uma h u m ani dade. A 1 20

h u manidade, então, não se define mais seg u n d o u m " h u­ manismo", q u e forçosamente permanece na abstração, nem como uma aspi ração m ística ou a po l ftica que p revê a h u manidade n u m além i n d eterminado, mas é a conse­ q üência de uma revol ução. Esta condição d efi n e o ver­ dadei ro material ismo, isto é, a l i gação entre a n ecessi­ dade h istórica e a exigência d i alética. Senão não h a­ veria nenhuma l ib e rtação, mas só promessa ou i l usão. Ora,esta l i gação tem a s i n g u laridade de exi g i r uma d e­ c isão da h u manidade para se l i bertar. A revo l ução não pode ser a conseq üência d e u m "movimento espontâ­ neo", porq u e o d i n a m ismo da natureza, seg u n d o Bloch, não tem d i reção determ i nada e é cego. Portanto , é ne­ cessário a constitui ção de u m movimento q u e realiza esta revolução; a const i t ui ção de um p roletariado q u e faz a revol ução. A revol ução assi m j ustificada é possível , e não será uma mera aspi ração l atente, porque nela a teoria e a p ra­ xis se conjugam. B l och tenta demonstrar isto a parti r d as teses 2 e 8 (PH, p p . 31 0 e ss. ) . Esta conj u n ç ão poderia ser entendida a part i r d a relação entre a utopi a e a ma­ téria, em que a utopia i nd ica, d e maneira absol uta e con­ c reta, o alvo a ser ati n g i do, mas em que a matéria é o necessário onde a utopia deve se apoiar para q ue a es­ perança anu nciada por ela torn e-se m i l itante (TI, p. 1 1 1 ) . Ass i m , pe l a p rime i ra vez n a h istória h u mana, esti ma B l o c h , o marxismo fez com q ue " a ética s e tornasse a encar­ nação" para toda a h u manidad e (PH, p. 3 1 8 ) . N i n g uém mais pode fugi r a esta exi gência, senão negando-se a si mesmo. No último gru po, temos a ú ltima tese, a d éci ma-pri­ mei ra (PH, p. 31 9 e ss.) , em que Bloch, d e uma ma ne ira audac i osa, vai além d o próprio Karl Marx. Sabemos q u e nesta tese, Karl Ma rx anuncia a defin i tiva su peração d a f i l osofi a em favor d a praxis revolucionária. O q u e fo i g e­ ral mente i nte rpretado como a superação de q u a l q u e r ati­ vidade teórica - q u e leva semp re à auton omi a d a fi l o­ sofi a - pelo engajamento reflexivo dos f i l ósofos na trans­ formação d o mu ndo, mormente da sociedade. Dito d e u ma manei ra esq u e m ática, a d éci ma-pri m e i ra tese anun­ ciou a su pe ração d a fi losofia pelas ci ênci as soc iais, en1 21

ten d idas como a concretização atua l do pensamento d i a­ l ético. Neste ponto E rnst B l och afasta-se tanto do rad ica­ l ismo sociológico de J. Habermas, q u e vê na interpreta­ ção bloqu iana um "especulativo material ismo" para salvar a autonomia da filosofia (39) ; como d e H. Marcuse q u e estima q u e depois d e Hegel rei nterp retado p o r Marx, não existe mais l ugar para um pensamento neg ativo, senão nas ciências sociais (40). Ainda q u e B l och reconhecesse este "momento cru­ cial" (o "Wendepun kt", SO, p . 409 e s.) como sendo a obri gação da fil osofi a em se sec u larizar (PH, p. 1 .61 5) e para o fil ósofo, d e descer à rua, B l och estima q ue a filo­ sofia como atividade não está abolida. A ativi dade fi l osó­ fica contin u a necessária para dete rm in a r no processo d ia­ lético a participação do homem n a verdade. Seg u n d o M arx, lembra Bloc h : "uma idéia n ão é verdadeira porq u e é úti l " (o qu e seria cair n o relativismo d o p ragmatismo) " mas é útil porque é verdadeira " (PH, p . 322) . Só ass i m p o d e s e manter n o marxismo a exigência da verdade, q u e B loch considera fundamental para dar u m conteúdo e u m sentido à h umanidade q ue o marxismo constrói. Assim, o m a rxismo se desenvolve sempre n u m movimento de i nfi­ n ita cri ação, mas dentro d e uma totalidade p revista. O i nfi n ito como tinha p revisto Hegel, é a d i mensão q u e o hdmem d á à sua f i n i tude, e não uma aspi ração indeter­ m i n ada qu e só pode cond uzi r à revo lução aparente d o total itarismo.

NOTAS DO CAPJTULO 2c: 1. 2. 3. 4. 5.

1 22

C. Vallejo: Poemas Humanos (1 923-1 938). Buenos Aires, 1 961 . . pp. 1 8-19. A. Cândido de Melo e Souza : Os Parceiros do Rio Bonito, Rio, 1 965, pp. 1 57 e ss. R. Bastide: "Os messianismos e a fome" em O Drama Universal da Fome, Ascofam, Rio, 1 958, pp. 1 23-1 31 . Ver "Dialectical Materialism and psychoanalysis", reproduzido em Studies on the left, New-York 1 966/Vl-4, pp. 5-46. Publicado na Revue Française de Sociologie, Paris, 1 964/2, pp. 1 80-192.

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N u m estudo publicado pelos Cahiers d e l'ISEA, Paris, 1 958/75, pp. 33-52. Para lembrar a famosa peça d e teatro d e S . Beckett En atten­ dant Godot, Paris, 1 952, 1 62 p., que expressa perfeitamente a tragédia de uma espera sem conteúdo. "Prospectiva e t Utopia" número especial d e Esprit, Paris, 1 966/2, p. 1 78-281 . Ibidem, pp. 1 78-1 93. Ibidem, pp. 271 -281 . Este pessi mismo moralisante e ascético se justifica hoje por uma ideolog ia do "trágico" como o mostraremos n o capítulo 5. Como o apontou J. Berque e m Depossession du Monde (Paris, 1 964, p. 64) poderia ser u ma maneira sutil de neo-colonialismo para esvaziar a afirmação da descolonização. Ver por exemplo de E. From "La Aplicación dei Psicoanálisis h uman ista a la teoria de Marx", em Humanismo Socialista, trad. dei inglês, Buenos-Aires, 1 966, p. 249-266 H. Marcuse: Eros et Civilisation. Contribution à Freud, trad. do inglês, Paris, 1 963, 240 p. Trad. do ing lês, Paris, 1 963, pp. 321 e ss. �ste pessimismo diante de uma sociedade "unidimensional", em que a liberação pela imaginação é pervertida, caracteriza a última obra de H. Marcuse Onedimensional Man, Studies in the ldeology of Advanced Industrial Society, Beacon Press, Boston, 1 964, 260 p., cujas teses principais foram expostas num re­ cente artigo - "Dynamismes de la Société lndustrielle", Anna­ les, Paris, 1 963/ 5, pp. 906-932. Ver de H. Marcuse o prefácio "Note on dialetics" do seu tra­ balho sobre Hegel Reasin and Revolution, Boston, 1 964, p. Vil­ XIV. Ver, assim de J . Horst, um artigo violento em Bloch's Revisio­ nismus des Marxismus, op. cit., p. 245-352. O. Freitas Júnior: Pavlov, vida e obra, S. Paulo, 1 966, 1 58 p. As obras de W. Reich são reeditadas pela editora Farrar, Strauss & Cudahy em New-York, mas para ter uma idéia sintética das suas intuições e da dramática recusa pelo seu tempo das suas afirmações, ver o n úmero especial de Studles on the Left, op. cit. A necessidade da obra imaginária, de visar uma totalidade para ser válida, foi bem vista por J. C. Quartim de Moraes, no caso da ficção científica em "CITY e as lim itações ideológicas da Science Fiction" (Rev. Civilização Brasi leira R io, 1 966/7, pp. 1 73-1 88) Esta função central do erótico e as suas l igações estreitas com a imag inação foi longamente desenvolvida na segunda parte do trabalho de H. Marcuse: Eros et Civilisation, op. cit. Sobre a i mportância do j ôgo e as suas relações com as utopias, ver R. Ruyer L'Utopie et les Utopies (Paris, 1 950, pp. 24-26), ,

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como K. Manheim ldeology and Utopia (Londres, 1 960, pp. 1 84 e ss), e K. Axelos no seu Mane penseur de la technique (Paris, 1 96 1 , p. 1 77). Op. ciL, pp. 1 1 e ss. L. Costa Lima filho: Porque Literatura, Petrópolis, 1 966, 1 29 p. Naquelas perspectivas bloquianas, tentamos distinguir diversos níveis na crítica sociológica da poesia numa comunicação ao I l i .º Congresso de Critica Literária, p ublicada por Estudos Uni­ versitários, Recife, 1 963: "Poésle et Société". Ver um primeiro esboço no n osso Educação e Vida, contribui­ ção à Educação permanente, Petrópolis, Rio, segunda edição, 1 968. Desenvolvemos estas perspectivas num estudo no prelo "Educação permanente nas Perspectivas do Desenvolvimento". Publicado em Revista de Cultura Brasileiia, Madrid, 1 966/ 1 8, pp. 259-272. Ver do mesmo autor: "A obra de arte aberta" em Teo­ ria da Poesia Concreta, S. Paulo, 1 965, pp. 28-3 1 . O. de Andrade: Poesias reunidas, S. Paulo, 1 966, 1 89 p. Uma excelente análise do papel da tradição cultural oral encon­ tra-se n o trabalho de Jack Goddy e lan Watt "The Consequences of Literacy" em Comparatives Studies in Society and History, V. V /3, 1 963, Mouton, The Hague, p. 304-345. R. Kaés: Les ouvriers trançais et la culture, Paris, 1 962, 593 p. Esta pesquisa está amplamente confirmada pelos resultados das d iversas pesquisas que d i rige R. Escarpit n a Universidade de Bordeaux sobre o "consumo" das obras literárias. R. Hoggart: The uses of literacy, aspects of working-class life, with especial references to publications and entertainments, London, 1 959, 31 8 p. Este aspecto foi m uitas vezes apontado, anal isado e criticado por Paulo Freire como uma forma de opressão. Ver também o nosso trabalho sobre: "les formes pédagogiques de la violence en Amérique Latine" (em preparação). Ver uma clara conclusão neste sentido no artigo de A. Lipschutz "Problêmes Agraires d'Amérique Latina suhivances coloniales et précoloniales", em Annales, Paris, 1 966/4, p. 81 1 S. U. Leite: Participação da palavra poética, Petrópolis/Rio, 1 966, 1 09 p. Op. cit. L. Marcuse: Unverlorene lllusion-Pessimismus, ein Stadien der Reife, Munchen, 1 953, 1 90 + XVI p. J. Gabei: La Fausse Conscience, Paris, 1 962. L. Althusser: Pour Marx, Paris, 1 966, pp. 225-249. J. Habermas: Política: Theorie und Praxis, Newled, 1 963, pp. 336-351 . H . Marcuse: Reason and Revolution, Boston, 1 94 1 / 60, pp. 28 e 4 1 2.

Capítu l o 3 .

A R E D ESCOBERTA DA UTOPIA

3.1

A l é m d o soci olog ismo.

3.2

M iséria e g rand eza d o " utopismo".

3.3

Um i nventário enciclopéd i c o d as u top i as.

3.4

As f u nções d o pensamento utópico.

3.5

A utopia como d ia lética anteci padora.

3.6

A "antiutopia".

3.7

Da c o m u n i cação da utopia.

1 25

"A arqu itetura como constru i r portas, de a b ri r ; ou como construi r o aberto; constru i r, n ã o como i lh a r e prender, nem constru i r como fec har secretos ; constru i r portas abertas, em portas ; casa exc l usivamente portas e tecto. "

J. Cabral de Melo Neto ( 1 )

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3.1 . A existên cia de u m princípio de esperança i m pl i c a n u ma tensão e ntre o q ue é e o q u e a i n d a n ã o é , q ue per­ m ite a antecipação, a reflexão e a atuação pl anejada por m e i o de p roj etos concretos. N o capítu l o anterior, vimos q u a i s eram, seg u n d o E rnst Bloch, n os d iferentes n íveis d a rea l idade, os fundamentos d esta consciência anteci pado­ ra. Agora devemos anal isar em que condições esta cons­ ciência anteci padora pode, d e um lado, se estrutu rar de manei ra a ser uma forma q ue possa ser t ransm itida e en­ ten dida rac ional mente e não somente, a expressão d e um p rocesso o u de u m "élan vital". D e o utro lado, como pode ser u m fator decisivo d e transformação d a realidade. Esta d u p l a exigência de verdade (teo ria) e d e eficácia ( p raxis) o b r i g a Ernst Bloch a reconsidera r o j u lgamento d efin itivo de Karl Marx q ue l i q u i daria q ualquer fil osofia e a u ltra­ passar o d i lema marxista por uma i nterpretação ainda mais rad i cal. Pelo q u e e le chama a "secul a rização d a fi­ l osofia". E rnst B loch conseg ue este "tour d e force" atra­ vés d a redescoberta e d a reva l oração c rítica do pensa­ m ento utópico. É porque o homem constrói utopias - e não só as i m a g i n a - q u e e l e se torna capaz d e j u lgar o i mediato e o factu a l , sej a em referência ao passado pela saudade, p e i a l e m b rança, pela recordação de uma idade d e o u ro ; sej a em refe rência ao fut u ro pela espera de u m paraíso r. u m comportamento que vai transformar o p resente. Esta concepção da utopia é d esenvolvida na quarta parte d o Princípio de Esperança (PH, p p . 523-1 .088), q u e forma a 1 27

peça central da obra e q ue é sign ificativame nte i ntitu lada " Construção - esboços d e u m m u n d o mel hor" (PH, p . 523) . A i m po rtância dada ao pensamento utópico não faci­ l ita a i nterpretação b l o q uiana. Mais uma vez, E rnst B l och se s i tua com audácia, além ou contra as i nterpretações trad icionais. Choca-se primeiro, com toda a o rtodoxia mar­ xista qu e, i nvocando o p róprio F. Engels, sem p re v i u n o "utópico" a marca i nfamante d o ideal ismo. Choca-se d e­ pois contra o senso comum, q ue n a sua visão cínica e cé­ tica do destino fez d a palavra " utópico" algo que ridi­ culariza q u alque r esforço para ir além d o "statu q u o " e sig nifica quase a cristal ização d a q u i l o q u e é i nconqu is­ tável. Choca-se enfim, com a i nterp retação sociológica que atribui às utopias u m papel h i stórico, mas q ue est ima q u e são superadas pelo desenvolvi mento, tanto d a socie­ dade, como das suas i nte rpretações pelas ci ências so­ ciais. A oposição q ue Bloch vai en contrar para i m p o r a sua interpretação será: p o l ítica, ética e metodológ i ca. As­ sim, antes de analisar os textos b l o q uianos, somos ob ri­ gados a esboçar u m b a l an ç o rápido dos estudos atu ais socre as utopias d e mane i ra a determinar exatamente o valo r da contrib u ição d e Bloch a u m d os probl emas mais delicados e d isc utidos d a sociologia d o conheci mento (2). Fá-lo-emos, escol he n d o os trabal h os que nos parecere m mais p róprios para caracterizar a s posições respectivas. 3.2. A i ncrível d esva l o ração da palavra "utopia" e dos seus derivados ( "utópico", "utop ista" . . . ) na l i nguagem corrente e desc u i d ad a é sensível nas visões pessimistas do mundo tão freq üentes n o após-g uerra ocidental. Até u m a b ri l hante i ntel igência c o m o a d e E. M . Cioran considero u necessário destru i r p e l o ridículo o q u e l h e parece s e r o produto de uma " metafísica d o fraude" (3) . Considera a utopia como gênero, os utopistas como pessoas e autores, e a literatura utópica em particular como sen d o : "cace­ tes, simpl istas e ridíc u l os". É verdade que Ci oran não tem m u i tas d ificuldades em e ncontrar exem plos q ue de monstra como a p rodução utopista pode se caracte rizar por d eta­ l hes su rpreendentes e i n o po rtunos, por uma tendência ex1 28

cessiva a red uzi r a com plexidade da rea l idade a esquemas s i mpl istas e por u m a mania d a repetição . . . cacete. É j us­ tamente por isso q u e m uitas o b ras u topistas são conside­ radas como fazen d o parte das artes d o fantástico e m uitas vezes são c lassificadas no campo do patológico (4) . M as a demonstração de E. M . Ci oran é parc i a l . Recusa-se a en­ tender em profu nde za o conj u n to d as o b ras citadas. N u m a atitude tipicame nte fascista, Cioran rid i c u l ariza o adver­ sário ; red uzindo o q u e p retend e dizer e afirmar a u ns por­ menores extraídos d o contexto. Na rea l i d ad e n o desprezo de Cioran se esconde mu ito mais do q u e u m a c rítica ra­ cional ista do pensamento utópico. E l e q u e r ati n g i r i n d i re­ tamente a vontade te i m osa dos homens em crer nas possi­ bilidades de criar e constru i r um mun d o me l hor. Podería­ mos retorq u i r-l h e a afi rmação b rutal de P. Ti l l i c h : "Como a utopia participa d a verdade, d eco rre q u e a negação d a utopia, sej a ela c ín i ca o u f i losófica, é um artifíc i o menti­ roso. Negar cinicamente o com i ronia não sig nifica ainda conquistar a verdade q ue a utopia encobre " (5). Esta afi r­ mação qu e pode a pa recer u m tanto abstrata, constitui n o entanto a h i pótese central d o estudo d e K. Keniston sobre a alienação da j uventude na sociedade norte-america­ na (6) . Seg u nd o este cientista social, a sociedade ameri­ cana conhece hoje u ma verd adeira " i mersão d os m itos posi tivos" (pp. 3 1 8 e ss.), l i gada a u m a dissociação da i magi nação (pp. 330 e ss.) q u e desval o ra e d esvi tal iza o poder reflexivo. O desprezo para a reflexão sobre o fu­ tu ro, o "dec l ín i o d o pensamento utópi co" (p. 350) é corre­ lacionado com o ci n ismo e o d esespero. Assim não é só o neo-fascismo que ridiculariza e des­ p reza o pensamento utópico. A formidável expansão e o d i n am ismo p u n gente da " G rande Sociedade" d esac redi­ tam também, pelo seu p róprio sucesso, o pensamento u tó­ pico. D. Riesman, estudando j ustamente este d escrédito d o pensamento utópico nos Estados U n idos num artigo já antigo (7) , demonstrava como a ideologia d o "American way of l i fe" forjad a pelo capita l ismo na passagem d o sé­ c u l o e que o " New Dea l " teve q u e aceitar a pesar d e não o desej ar, esvaziou o entusiasmo utópico d o séc u l o passa­ do. Em vez do poder utópico q ue caracterizaria os pionei­ ros da " Nova Frontei ra", se expandiria um clima g e ral de 1 29

a patia e de c in ismo. D. R iesman vê u m prolongamento d i­ reto deste c l i ma n o relativismo t í p ico nos meios u n iversi­ tári os americanos e nos sociólogos em particul ar. Talvez sej a um sinal de renovação, ao menos de i n q u ietude da sociologia americana q u e W. E . Mo o re, o especi a l i sta d as m udanças sociais, n a sua conferê n cia para a Sociedade \mericana de Sociologia, defendeu a utilidade d as uto· p i as ! (8) É i nteressante n otar q u e o p róprio Bloch, numa das suas poucas referências à sua estadia n orte-america­ na, já ti nha pressentido em 1 942 (VI I , pp. 24 e ss.) os efei­ tos dissolventes desta situação d esanimadora. Poderíamos n os perg u ntar até que ponto o p rocesso de rad icalismo que se acentua agora nos meios estu dan­ tis e que co meça a ati n g i r ce rtos g ru pos d e i ntelectuais, não é também a conseq üência de uma situação em q u e u pensamento utópico ficou d esvalorado. O radical ismo, com a sua violência cega e pouco d ialética surg i ria como último recurso possível para ainda lemb rar-se que existe uma poss i b i lidade d e pôr em q uestão o sistema vi gente e p rever u m além do sistema, sem poder no entanto i magi­ n á-lo. A e l i m i nação d o pensamento utópico n u m a socie­ dade repressiva, tantas vezes a pontada e criticada por H. M a rcuse, poderia também explicar a rad icalização violenta e ag ressiva que se nota nos meios estudantis lati no-ame· ricanos. É em certas c i rc u nstâncias, a última maneira para se convencer q u e existem ainda i nterstícios numa estrutu ra sempre m a is ríg ida, d o m inada por uma g eron­ tocracia. A violência t otal q ue se man ifesta nestes sur­ tos é espetac u l ar e busca o espetáculo porque é um ges­ to. Um gesto para d e m onstrar, " malgré toüt", q ue crer, atuar, pensar com exigência é ainda possível. N o rad ica­ l ismo, o pensamento utópico existe e p rova a sua exis­ tência pelo absurdo. Este gesto conserva o valor éti co da re ivind icação utópica, ao perder a sua eficácia po l í­ tica. 1 . L. Ho rowitz chamou a atenção sobre a correlação entre a exigência d e perfeição moral do pensamento utó­ pico ao n ível da ação i n d ivid ual (o que permite j u lg a r u m s istema vigente) e u m comportamento rad ical q u ando se p retende, ao n ível coletivo, pôr este sistema n u m a perspectiva m a i s a m p l a (9) . 1 30

Esta contradição entre o va l o r da "reação utópica" - q ue expressaria o "esforço do ator h istórico para se identificar d i retamente com o sujeito h istórico sem pas­ sar pelas mediações i nstituci onais ou de organ ização" e a sua i ncapacidade e m p repara r a restrutu ração so­ cial foi d esenvolvida por A. Tou ra i n e e m várias pág i n as da s u a recente "sociologia d a ação" ( 1 O). Esta primeira anál ise já n os permite ir a l ém do cinis­ m o que vê na utopia u m a s i n g u l aridade g rotesca d o de­ vaneio d e certos espíritos, parti c u l armente bem d otados, em fantasia e im ag in ação. A utopia tem uma função so­ cial e, conseqüentemente, é n ecessário levá-la em consi­ d e ração em q u a l q u e r anál ise sociológ ica. Além d isso, esta função está altamente l i gada à poss i b i l idad e d e u m a crítica g l obal d o sistema vigente e , portanto, depende d a estrutura de u m a sociedade dada. Como já t i n h a p res­ sentido K. Mannhei m , é possível imaginar uma sociedade q ue se organiza d e maneira a i mped i r e rejeitar q u al q u e r pensamento utópico. Mas, e ntão pod e-se seriamente per­ g u ntar sobre a validade d a orien tação q u e d o m i nará. U m a das d ificuldades m etod ológicas q u e talvez ex­ p l i q u e o desprezo d e certos c i e ntistas pelo pensamento utópico, p rovém do fato que a utopia e , e m parti cular a sua fu nção soc i a l , só aparece n u ma perspectiva interdis­ ciplinária. Esta n ecessidade já e ra d efendida por D. Ries­ man n o fim d o seu artigo citado. Foi magn ificamente de­ m onstrada num colóqu i o q ue estudou as rel ações e ntre as utopias e as i nstit u i ções no Séc u l o XVI I I (1 1 ) . Esi: e­ cial istas de diversas d iscip l i nas analisaram a relação d i a­ l ética entre a utopia q u e abria os h o rizontes e as possi­ b i l idades no Séc u l o XVI I I , não só n a l iteratu ra, mas n a pintura, na ó pera e nas festas e a s i nstituições q u e d a­ vam os meios para q ue o pensamento utópico i nserisse a sua d i nâmica na rea lid ad e soci a l . Deste conj unto, se d estaca sobretudo o estudo final d e P . Francastel . Estu­ dando a "estética das Luzes" , Francastel caracteriza esta relação d i alética n u ma concl usão q u e coincide com a i n terpretação de Bloch (V I I , p. 78 e ss.). Menos amplo, mas também s i g n i ficativo, é o esforço dos h istoriadores d o Renasci mento para compreender o papel di nâmico q u e certos mitos (como o " D o P a ra íso Perdido", " D o Reino d o

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Padre J oão" etc . . . ) ( 1 2) e as representações d o m u n d o ( 1 3) desempenharam n as viagens d e descoberta d o Sé­ c u l o XVI. Mas, existe ainda u m a outra maneira, mais suti l, d e recusar o valo r atual d a utopia. D e sd e q u e a ut op ia é função de u ma sociedade, os h istoriadores marxistas se­ g u indo F. Engels e K. Mannheim, estabeleceram uma es­ t reita relação causal entre a evol ução de u m a e da outra. Um exemplo t ípico desta correlação encontramos na afir­ mação de A. L. M o rton q ue se p ropõe o seg u i nte: "escre­ ver uma história d o utopismo (sic) . . . isto é, escrever a história de u m aspecto particular da rev o l u ção b u rguesa (sic)" ( 1 4). É exatamente o q u e este h istoriador real izou na sua história da utopia i ng lesa ( 1 5). P retende pois es­ c rever só uma "pré-h istória", visto q u e a revol ução abo­ l i u i pso facto q ua lq ue r necessi dade futu ra d e u m pensa­ mento utópico. A nova sociedade nasci d a da revol u ção não necessita mais d a contribuição da utopia. M as então como explicar o c u rioso fato da u n iversalidade e d a per­ manência da utopia, malgrado as revol u ções? A . L. Mor­ ton, em bom historiador, não pode escapar a estes fatos e reconhece certas "anoma l ias" q u e aponta pacientemen­ te e discretamente em i númeras n otas. Assi m, depois de i nsi$tir sobre a permanência e a etern i dade (sic) d as i ma­ g en� s u bjacentes aos m itos popul ares, o autor observa : "poder-se-ia objetar q ue talvez fosse o país de Cocagne que possuísse vários traços d o Éden b íb l ico. Talvez seja o caso. O qu e importa é q ue o Éden e o país d e Cocagne, contêm ambos u m certo n ú me ro d e t raços trad icionais, comuns a um g rande n ú me ro de mitologias de todas as partes do mu ndo. Não é d ifusão d estes mitos q u e d e­ veria ser explicada, mas sua presença permanente n o es­ pírito dos povos ( 1 6) . O ra o próprio m étodo u t i l i zado por A . L. Morton lhe i m pede d e responder a esta perg u nta f undamental. Esta interpretação sem resposta do h i stori ador mar­ xista, é bastante comum em todas as teorias d a utopia q u e se i nspiram n um marxismo mecan i cista. O que não escapou à sagacidade d e R. M ucch i e l l i ( 1 7). Na sua tese sobre o m ito da cidade ideal, critica a K. Mannheim, por não ter visto que a utopia social é u ma reivind icação ·

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q u e . . . "através d e s uas expressões h istóricas se col oca, em geral, do ponto d e vista d a co n d i ção h u mana, e p ro­ testa, e m partic u lar, c o ntra as condições h istóricas d a exi­ gência; a satisfação visada n ã o é a penas a asce nsão po­ l ítica de u m gru p o , m as a real ização d a própria pessoa". A utopia, seg u n d o R. M ucchi e l l i , encontra as suas razões na " recusa q u e o h o m e m opõe ao dado h istóri c o ; a l i me n­ ta-se d as aspi rações pelas q uais o homem u l trapassa os l im ites da s u a c o n d ição e se desenvolve i nfinitamente na b usca d o B em S upremo" ( 1 8). Estas afirmações são tanto mais válidas ( 1 9) na me­ dida e m qu e coi ncidem com a orientação fundamental d a análise da utopia feita p o r E . Bloch, embora q ue estes dois auto res n un ca se c o nheceram. B l oc h também c ri­ tica severamente K . M a n n h e i m (EZ, pp. 286-289) pelo seu relativismo que n ã o l he permite d isti n g u i r e ntre uma u to­ pia retrógrada e uma utopia pro g ressista. Coloca no m es­ m o p l ano o pensamento utópico - libertador por exce­ lência - e o pensamento ideológico - al tamente misti­ ficado r. Pode-se perg u ntar se a constante d esconfiança q u e B l och man ifesta para com a sociologia, q u e red u z sempre ao "soc i o l ogismo", n ã o p rovém d a sua i dentifica­ ção, um tanto p reci p itado com as o b ras d e K . M an n h e i m e . . . d e Spen g l e r ( E Z , pp. 3 1 8-329). Po rtanto se a utopia é a expressão de u ma cons­ tante h u mana, n ão será p ossível i maginar que sob a d i ­ versidade de s u as formas h i stóricas está presente u m ú n i ­ co arq u etipo, u m a fonte c o m u m , uma mesma i magem-fo rça q u e se repeti ri a sempre? R. M ucchiel l i não exc l u i esta poss i b i l i dade. O utros, como R . Ruyer (20) são mais a ud a­ c i osos, o u i m p r ud entes. Chegam a s u po r a existência d e u m tipo h u mano q u e seria p o r excelência o " h o m o utopi­ cus". Ainda o utros, seg u i ndo G. Freyer (21 ) q ue ficou i mpressionad o pela freq üência das i l has como formas per­ feitas d e muitas paisagens u tópicas, afi rmam q ue a utopia é sempre um m un d o fechado sobre si mesmo, u m mo­ delo estável, fixo e rígido, mais p róxi m o d a mania patoló­ gica do qu e d a i nvenção criadora. O "homo utopicus" seria então uma tendência p atológ ica d e u m a h iper-i ma­ g i n ação. Tal é também a concl usão d e J . Krysmanski, u m a l u n o d e H . Schelsky, depois d e anal isar alguns roman1 33

ces u topistas dos séc u los XIX e XX (22) . O "método utó­ pico" nestas perspectivas poderia ser resumido seg u n d o a s c inco características q ue R. D a h rendorf atri b u ía ao pensamento utopista num a rtigo que ficou famoso (23) : 1. i nsensibilidad e ao d esenvolvi mento histórico ; l i. u niformidade e om issão dos confl itos ; I l i. perfecionismo i m p l ícito, baseado na c rença n u m a harmonia p reestabelec i d a ; IV. repetição e m v e z d e t ransformação pelas m u ­ danças; V. isolamento. Qualquer que sej a a orientação ideológica e o mé­ todo utilizado - ver também um ponto de vista análogo n u m artigo recente d e H . B. Hawthorn (24) d estes críticos do pensamento u tópico, todos e l es somente con­ sideram um d os aspectos d a produção u tópica : a literária ! General izam por conseq üência d e u m caso m u i to parti­ c u lar para condenar e m geral um pensamento que se ma­ nifesta, como o veremos, de d iversas maneiras. Contra estas red u ções abusivas, se opõe G. D uveau que preparava uma obra em q u e l i ustrava e defendia a diversidade das utopias {25). N os fragmentos e n as n o­ tas çja sua ú ltima obra, G . D uveau d esenvolve certas in­ tu ições que lhe s u rg i a m q u ando analisou o entusiasmo ' dos professores primários na expansão d a instrução pú­ b l ica no século XIX, uma d as formas mais cu riosas d o " utopismo pedagóg ico" (26). G . D uveau reu n i u u m a série d e exemplos que demo nstram que não se pode red u zi r a m u ltipl icidade d o pensamento utópico a u m só "tipo u tó­ pico" (27) . As utopias são tão d i ferenciadas · q uanto pos­ sível. Do mesmo modo é d ifíc i l admiti r como R. Ruyer que u m tipo caracterológico poderia reu n i r todos os seus autores numa mesma categoria. Em l ugar d e p rojetar sobre as utopias e os seus autores esq uemas p ré-fabrica­ d os ou dog máticos, Duveau p ropõe u m método de análise mais flexível qu e anal isa os componentes desta forma d e pensamento. I nfelizmente a s u a morte p rematura n ã o l h e permitiu desenvolver a sua contribu ição à interpretação positiva da utopia. -

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3.3. Agora, podemos m e l h o r apreciar a imp ortância d a obra b l oq u i an a q u e traz às in t uições e h i póteses d e D u ­ veau, u m eno rme material acu m u l ad o sobretudo n o Prin­ cípio de Esperança. Pode-se considerar esta o b ra mo­ n u mental como uma verdadeira enciclopédia d as utopias, sendo que esta tentativa d e somar as utopias q u a l q u e r q u e sej a a s u a forma d e expressão, constitui a parte cen­ tral d o l ivro ( P H , pp. 523-1 .088). Nela se escl a rece, se i l u stra e se expl ica q u e " o conteú d o atuante d a esperança é a f u n ção positiva utópica ; a c u l t u ra h u mana d eve seg u i r o conteúdo h i stórico d a esperança captada, p ri m e i ro, nas rep resentações do passad o, depois, nas análises reais e enciclopédicas até ao seu h o rizonte utópico concreto" ( P H , p. 1 66) . "A h istória d as u topias é a história da es­ perança". S o mos os primeiros, n o entanto, · a reconhecer as l im i tações e a frag i l idade d o esforço d e Bloch. O " e n­ c i c lopedismo" aqui proposto não d eve ser entendi d o c o m o a constituição d e u m "thesau rus utopiae" o u u m "corpus defin itivo", mas como uma tarefa q u e se p rojeta também utopicamente. B l och sugere pois um esforço q u e se p rojeta no futuro e q u e s ó u m trabalho i nterd isci p l i n á­ rio poderá plenamente desenvolver. De mane i ra signifi cativa, as primei ras utopias q u e Bloch aponta são a s utopias medicinais ( o u med icais) ( P H , pp. 526-546). Concreti zam a esperança corajosa e tei mosa qu e o h omem, pelo corpo, opõe à ameaça da de­ s u m a nização, d a doença, d a velh ice considerada como de­ crepitude. A l uta contra o destino começa no corpo. Por isso, as primei ras tecnologias, as prime i ras ciências, s u r­ gem nesta l uta corpora l . A i n ovação d o Séc u l o XX foi d e t ransfo rmar esta l uta contra tudo o q ue destrói o nos­ so corpo n u m esforço coletivo em favor do desenvolvi­ mento fisio l ó g i co, isto é n o d esenvolvimento d a saúde pessoal como coletiva. Partindo d e uma l u ta, essencial­ mente senão excl usivamente, pol arizada pelo p resente, dos méd icos fasci nados pela p resença da dor e d o sofri­ mento, estamos hoje ch egando a uma concepção aberta para o futuro d a saúde. Assim, n o treiname nto d esportivo, no controle do c resci mento e dos nascime ntos, n a atenção dada a q u a l q u e r sinal q u e poderia i nd i car u m a d oença 1 35

em formação, na p re oc u pação com a saúde pública e p re­ ventiva, as u topias medicinais se extrapolam para o fu­ turo. Obriga os médicos a situarem a sua ação n u m a h is­ tória soc ial q ue exp l ica as várias e m últiplas razões d e u m a doença, a n ecessidade d e se o cupar d o futuro d o doente q u e foi c u rado. A utopia d á à l u ta contra a doen­ ça as s uas verdadei ras d i mensões em q u e su pera a con­ cepção essencialmente p rivada e i n d iv i d u a l ista d a medi­ cina tradicional (PH, p. 537), para se i ntegrar num esforço coletivo em favor d a vida. Não basta c u rar, ainda é ne­ cessário criar as condi ções m ín imas para que a vida pos­ sa ser vivida. Esta exi gência m áx i ma da saúde pública como condição necessária a qualquer desenvolvi mento se expressa pela u rgência d e passa r d a sobrevivência à afi r­ mação plena de todas as poss i b i l i d ades de u ma existên­ cia autêntica, passagem q u e realiza Bloch q uando i ntegra as utopias medicinais n as utopias sociais. Devemos pas­ sar da esfera do p rivado e do íntimo (a val o ração do meu corpo) a uma visão g lobal e coletiva (a saúde p ú b l ica). Assim, a esta introdução, sucede uma parte central (PH, pp. 547-728), e d ecisiva, porque os sistemas sociais e pol íticos permitem que se vise além d a ação i med iata (e descontínua) uma situação g l obal e m que se desdo­ b rará u m a ação permane nte e p l anejada. Longe de i l ud i r o homem com vagas p ro messas paradisíacas, como crêem ainda hoj e os marxistas positivistas (Ti i , p . 72) , as uto­ pias sociais, porqu e dão o seu d i n amismo à filosofia pol í­ tica, propõe aos h o mens os meios :)ara prever sua h is­ tória em função de u m a visão g lobal d o d esenvolvi mento h istórico. O que era uma l uta contra a doeriça e os d e­ sastres que ati ngiam o homem sem q u e e l e pudesse pre­ ver, metamorfoseia-se n u m a i nsu rreição p lanejada contra o destino pela o rganização racional d e u m a sociedade. O homem não é mais condenado a responder aos gol pes de que padece o seu corpo, a reag i r ao acaso d e um des­ tino h ost i l ou i ndiferente. Agora pode organizar a sua afirmação vital coletivamente. A u m a d i a l ética negativa - a negação da d o r e da fome - su bstitui-se uma d i a­ lética positiva - a afi rmação co letiva de u m a sociedade sã, que se constrói para a fe l icidade d e todos. 1 36

Mas não basta q ue o homem se o rganize col etiva­ mente nu m a sociedade, se expanda qua l itativamente de­ pois de se ter m ultipl icado q uantitativamente ; ainda é ne­ cessário constru i r u m a rel ação com o outro: a natu reza para começar. A sua vontade téc n ica d eve se u n i r ao d i namismo natural. É o q ue a n unciam as utopias técni­ cas (PH, pp. 729-81 8) . Começaram com a a l q u i m i a ; se d esenvolveram pelo p rog resso científico e pela tecno l o­ g i a ; modelam livremente hoje o terceiro n ível da rea l i d a­ d e . Depois d o corpo (este íntimo p ú b l ico), depois d a sociedade (em q ue se e q u i l ib ra a i n i ciativa i n d ividual no s p rojetos coletivos) , é o natural q u e deverá se tornar h u ­ mano. Na sua h i stória das utopias técn icas, B l och d istin­ gue nitidamente d uas pa rtes. Na p r i m e i ra - i ntitu l ada " o passado mágico" ( P H , p p . 730-767) - B loch anal isa os fatos sign ificativos que a h istó ria d as ciências s u besti m a por terem só u m valor simból ico. Estes fatos p rovam q ue, m u i to cedo, o homem n ão aceitou o domínio do " n a­ t u ral", embora ainda não tivesse as condições para se i m por à n atu reza. A segunda parte ( P H , pp. 767-81 8) é ded icada à tecnologia moderna. Bloch s u b l i n h a q u e a revol u ção i n d ustrial, pelo d esenvolvimento c i entífico q u e acelerou e exi g i u , fez d o homem o senhor d a natureza, q u ando se tornou capaz de ir além d a n atu reza. O ho­ mem su bstitui as matérias pri mas naturais pelas matérias pri mas sintéticas mais su rpreendentes (já se designou a n ossa época como sendo a "era do nylon", "d o p l ástico", "do vi dro", "do aço" etc . . . ). A arqu itetura moderna, em particu lar nos t raba l h os de engenharia civi l , demons­ trou como o homem se l ibé,'a das i m posi ções q ue as leis " n aturais" pareciam para sempre j ustificar. A maté ria n a­ t u ral tem ainda os seus segredos, e neste sentido ainda estamos como os a l q u i mistas : aquém d as nossas possi­ b i l i d ades totais. Mas o técnico esvaziou a i m portância d estes segredos. Atua t ransform ando e d ando u m a nova forma à ordem natural. Ainda mais, a própria noção d e " u m a ordem natu ra l q u e evol u i " é h oje colocada em xe­ q u e . Não devemos nos su rp ree nder se Bloch vê na so­ ciedade i nd ustrial a primeira rea l ização d e u m a sociedade socialista (PH, p . 769) . O m undo técnico, res u l tado d este 1 37

tremendo esforço h u mano contem porâneo para m udar a face d o planeta, é c u m u lativo e coletivo. A tec n o l og ia acabou co m q ualquer i l usão i nd ividualista. Deve-se l e m­ brar por exemplo q u e o alqui mista e ainda o técnico d o começo d o séc u l o estavam isolados nos seus l aborató­ rios. Protegiam-se do o l h a r alheio, sendo o a l q u i m i sta u m i n i c iado, isto é uma p essoa " tab u" . Ao contrário, o téc­ nico moderno só pode atuar na coletividade e p u b l ica­ mente. A sua obra é visível , patente, col etiva. Necessita i n c l usive da coletividade e do seu cu idad o para se man­ ter. Cl aro que subsiste d ebaixo d estas fasc i nantes con­ q u istas da hu m an idade, d estas primeiras realizações de uma ordem humana e s ó h u mana, a desordem social e po­ l ítica. Para Bloch, o técnico, por não ter uma visão su­ ficientemente ampla e g l obal d a realidade, por d issociar as suas utopias das o utras, isto é das utopias sociais so­ b retudo, por se l i mitar às obras que rea l i za sem se p reo­ cupar com seu uso e sua significação coletiva, não cria a o rdem social q u e asseg u re uma suficiente conti nui­ dade entre as suas rea l izações e o d i namismo soci a l . A tentação d o técnico é de se apoiar então sobre u m a ordem social anterior, q u ando deveria i r além d e l as . M as para isso, seria necessário u m p rocesso de tota lização maior a fim de q ue uma n ova ordem se constitu ísse. Será 0 q u e Bloc h, por conseq üência, prevê o advento de uma tecnocrac i a ? Não só a p revê ; constata a sua existência. Bloch no entanto, ainda não se satisfaz com a tecnocra­ cia atual porque est i m a q u e se baseia sobre u m a totali­ zação bastante ampla. A tecnocrac i a seg u n d o B l och é u m a extensão abusiva d e n ível técnico aos outros n íveis. O ra d uvida que os proble mas de u m n ível d a realidade pu dessem ser resolvid os pela transposição das sol uções i nventadas a um outro n ível da realidade. Cada n ível d a rea l i dade necessita d a sua p rópria metodologia, contém a sua própria problemática. Portanto, as utopias técni­ cas não poderão se rea l i zar sem que as utopias soc iais s i m u ltaneamente se rea l izem. Só então, a med iação da técnica permitirá à h u manidade se construir dentro de u ma natureza conq u istada e humanizada (PH, p. 8 1 7) . Talvez q u e esta perspectiva de u m possível casamen­ to d a vontade h umana com o d i namismo natural pareça 1 38

poética demais. N o entanto, existe u m fato de civi l i zação q ue confirma a i ntu i ção b l oq u i ana. Trata-se d a paisagem. A paisagem evoca normalm ente e h oj e sobretudo, u m espaço, e m g e ral pitoresco, q u e se oferece pass ivamente ao o l h a r de u m tu rista que o percorre mais ou menos ra­ p idame nte para fixá-l o, depois, n a película d e sua má­ q u i n a de filmar o u d e fotog rafar. O ra, a paisagem, h i sto­ ricamente, é m u ito mais do q u e isso. Como o revel a o p rovocante trabalho de E. Sereni sobre a h i stó ria d a pai­ sagem rural i ta l i ana (28) , é uma representação sumamente parti c u larizada, isto é, t i pificada, q u e o h omem se faz d a n atu reza em função dos se us i nteresses ma i s i mediatos como mais p rofu ndos. Como o próprio B l och o i ndicou n u m ensaio sobre " a i magem d a natu reza ao começo d o séc u l o XX" ( V I I , p p . 78-94), a h i stór i a d a pi ntura, como a h istória l i terária (29), nos reve l a m q u anto a paisagem muda de uma época a uma outra, d e um tipo d e civi l i ­ zação a u m o utro. M esmo a paisagem fotog rafada con­ t i n u a sendo uma rep resentação, a i n d a que d i m i n u ísse sen­ sivel mente a parte subj etiva d a i nterpretação. A i nte rpre­ tação fotog ráfica, e especi a l mente d e paisagem , é u m a d as m a i s d i fíceis, pela sua a pa rente objetividade. Se apre­ senta como se fosse um mero reflexo, q uando na rea l i­ dade carrega também u m a i nterpretação e s i g n i fi cações, a i n d a que sej am i m p l ícitas. J ustame nte um dos aspectos mais criticáveis do trabalho de Sereni é a curiosa i nsen­ s i b i l idade deste marxista, que é o rtodoxa demais para i r além d o realismo pictu ral . Q ua n d o s e espera q ue , para i l ustrar as paisagens d o séc u l o XX, uti l i zasse sobretudo o abu nda nte material fotog ráfico d ispon ível, Sere ni n os p ro­ põe rep rod u ções d e p i n t u ras real istas tão i n s i g n ificantes q u anto pobres de valo r estético. Neste ponto é n ecessá­ r i o complementar esta pesq u isa pelos t rabal hos de P. B o u rd i e u por exe m p l o (30) . M as além de ser u m a rep resentação da natu reza, a paisagem pode ser a própria natu reza t ransformada. A paisagem natural se defi ne como "a forma através da q u a l o h o m e m i m pregna a paisagem natu ral pelas s u a s ativi­ d ades ag rícolas rea l i zadas e ca l cul adas sistematicamente" (31 ) . A paisag em s u rg e através d e u m p rocesso d ialético n o q ual o que era " natu ral " (isto é, a forma q ue d e ra o 1 39

d i namismo cego da n at ureza) é negado p o r u m a trans­ formação em certos casos, q u ase q u e tota l . A natureza oferece pois tanto o cenário (como representação) em que se desenvolve a atividade h u mana como a matéria ( "o natural") q u e u tilizara a atividade tecnológica. Ao longo d a h istória, esta relação torna-se cada vez mais com plexa e rica. Também leva a tensões e fracassos, sobretudo quando os homens expl o ram a natu reza de manei ra vio­ l enta sem l h e dar uma forma adequada. Então como d iz a sabedoria popular "a natureza se vinga" (32). Na rea­ l i dade é a desordem social q u e subest i mando as condi­ ções e as obrigações objetivas d a t ransformação d a natu­ reza, esgota e destrói a paisagem natu ral sem renová-l a p e l a constituição de u m a paisagem h u manizada. A natu­ reza pode destes casos ser o i nstrumento do fracasso so­ cial. Do mesmo modo que na com u n i cação h u mana, só existe d i álogo quando o outro é recon hecido como tal, como o outro; quando se mantém u m a relação d ialética q u e u ltrapassa sem a a n u lar, a a l teridade; ass i m existe também urna comun icação com a natu reza em que se deve s u perar a paisagem natu ral sem d esprezar e d estru i r as suas condições d e existência. Quando esta relação se estabel ece então surg e a bela paisagem. Nela se mani­ festa a plen itude que se desprende d e uma natureza con­ q u i st,ada, na q ual o homem constrói a sua fel i c i dade. Nos exemplos que c ita E. Sereni (33) , podemos verificar como a bela paisagem é uma asp iração constante em cada épo­ ca h istó rica e corresponde estreitamente às i magens q ue veiculam as utopias. M arca sem p re u m p le no e q u i l íbrio entre a atividade tecnológica e a forma i m p regnad a na paisagem nat u ral. Assim a v ila d a é poca romana (pp. 4748) ; o pal acete do Renasci mento (p. 1 25) etc . . . Talvez a tarefa do séc u l o XX seja j ustamente de i nventar a sua bela paisagem, além d a d icotomia estéril d a cidade e do campo, além da oposição fác i l d a m etrópol e monstruosa e da natu reza i d íl ica. � em torno desta rel ação entre a paisagem e a mo­ rada hu mana q ue se a rticula a análise do p róxi mo g rup o d e utopias : as utopias arquitetônicas ( PH , pp. 81 9-872). A l i gação entre a construção d os arq u i tetos e o pensa­ mento utópico é uma constante na h istóri a d as utopias. 1 40

Afi nal, a h istória d a civi l i zação ocidental e moderna n ã o começou q u a n d o n o Oriente M édio, p e l a primeira vez, o homem edificou u m a cidade, i ntrodu z i n d o u m a ordem hu­ mana no u n iverso " natural" ? Fato h istórico (34) que se reflete trag icamente no m ito b íb l ico da Torre de Babel. A total i ncomp reensão d o escriba veterotestamentário anun­ c i a j á a desconfiança j ude u-cristã para "a cidade dos h o­ mens" q u e d á u m c u n h o tão pessimista ao Velho Testa­ mento e q ue, a espera da Nova Jerusalém só em parte poderá com pensa r. M a l g rado o esforço d e Santo Agosti­ nho para propor uma d i alética das d uas cidades, a h is­ tória do cristianismo conti n u a marcada pela oposição trá­ g i ca e i rreconci l i ável e ntre a heterodoxia q u e p rete n d e construi r c i dades q u e representam " h i c et n u n c " a promes­ sa d a fé, e a o rtodoxia q u e a n i q u i l a estas h u m ildes tes­ temu n h as da mo rada h u m ana. É por isto q u e d espertou sem d úvida mu ita esperança, a n ova o rientação d a teo­ l o g i a para pensar " o fato u rbano". Ass i m a tentativa d e H. Cox para "celebra r a c id ade dos homens" (35) , nos parece enfi m , q uebrar com toda uma saud osa visão pa ra­ d i s íaca q ue finge i g n orar q ue o paraíso a n u n ciado será uma cidade a Nova Jerusalém e q ue contin u a sonhan­ d o d e um j ard i m . G ostaríamos n o e n tanto q ue o autor fosse ainda mais c laro. E m particular, em relação a dois problemas chaves. Primei ro a significação atua l para um cristão d o m ito da Torre d e Babel como pro ib ição pela parte de Deus de u m a constru ção de uma cidade h u mana. P roblema e at itude q ue se repetem vf> rias vezes n a B í­ b l i a (36) . Este m ito não ma rca uma ambigüidade funda­ mental d os cristãos em relação à cidade? Segu nd o, "a celebração secu l a r da cidade" não i g norará d e mais as som b ras q ue seg u e m e apag u e m em parte, as suas l u zes ? O q u e afi rma H . Cox como sendo característico d a lib e r­ tação pela vida u rbana, não será vál i d o somente para q u e m escolheu esta manei ra d e vida, esta d i sc i p l i n a ? M as existe a mesma p romessa de libertação para q u e m f o i obrigado a viver n e l a ? Para q uem foi i nteg rado s em te r consciên c ia da sua s i g n i ficação ? Para quem foi e n­ g a n a d o pelas suas i l usões ? Para quem enfim q u e nã o p od e i r para cidad e ? Numa palavra para "a out ra Amé­ rica" (37) ? Existirá para a maior parte d as populações -

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u rbanas as possi b i l i d ades concretas e reais de viver esta celebração e esta l i b e rtação ? Afi nal a cidade de q ue fala Cox não é mais uma vez a cidade dos ricos e dos p rivi­ legiad os que dominam as i g rej as? A cidade sendo p o r excelência o símbolo - a ser atual izad o ! - da l i be rtação, d a ordem h u mana, numa pa­ l avra da esperança h u mana, a sua destruição ainda hoj e é considerada co m o u m a d as manifestações mais paten­ tes da "barbárie". Q u e se pensa n o receio dos nazi stas em destr u i r Paris ao f i m da ú ltima g uerra; do op róbrio para a destruição d e H i rosh i ma ou de D resden ; na am­ b ígua " proteção" d e Hanói na d estruição d o Vietnã. Qualquer que sejam as "justifi cações" estratég icas (n un­ ca houve j ustificações táticas) , as a n iq uil ações de H i ro­ shima, de D resden ou de Varsóvia, ati n g i ram particul ar­ mente a h u manidade porque d estru i u as partes mais sig­ nificativas da sua existência coletiva. U m país sem ci­ d ades, é u m país condenado à mediocridade d a sob re­ vivência e da estag nação. Bloch, neste aspecto, marca c laramente a d ivisão d as águas. As utopias arq u itetôn icas até o século XX são domi­ nadas por um mode l o fechado. Os arquitetos estão sobre­ tudo preocupados em e r g u e r monumentos - q u e provo­ cam a ad mi ração e o ri en tam para o absol u to -, edifí­ c i os: que protegem a c i v i li zação seja contra o tempo ou contra su postos i n i m igos - d a í as formas maci ças (as p i râmides), fechadas ( a cidadela, a cidade-i l h a, as m u ra­ l has . . . e no séc u l o X I X, os sub ú rbios) -, cid ades cujo acesso é sem pre d i f íc i l . Assi m a construção h u m ana fi­ cou, d u rante os séc u l os, sendo um algo longínquo p ro­ posto mc ls à conte m p lação, do que à vida. Quando os arqu itetos projetavam c i d ades, tinham também uma q uase i ncapac idade de fug i r ao esq uema geométrico, caindo as­ sim na i l usão ótica d os planejadores, sinal de uma espe­ rança abstrata, i n u m a n a . Esta co rrelação e n t re u m m undo fechado e sem pre mais distante, inacess ível , é bem i lustrada pelo caso dos arqu itetos " revolucion ários" d o Século XVI I I : Boulée e Le­ doux sobretudo (38). O seu rigoroso geometrismo - q u e corresponde e m part i c u l a r c o m Ledoux aos " Falanstêres" que Fourier imaginava - i m p u n h a uma forma absol uta à 1 42

natureza, perfeita na sua ideal i zação, 10tal mente i nv i ável e i ns u po rtável na sua concretização. Ass i m esta a rq u i te­ t u ra altamente significativa, rac ionalista e funcional é h oj e considerada paradoxalmente c o m o a expressão d e u m a concepção fantástica d a a rq u itetu ra ! (39) . A g rande inovação do sécu l o XX é a explosão u r­ bana q u e q uebra a d icoto m i a mais tenaz d a h istóri a : a oposição e ntre a cidade e o campo, a civi l i zação u rbana d as e l ites e a pobreza das massas ru rais, a metrópole van­ g ua rd i sta e o i nterior cacete. Aos poucos, o arq u iteto deve se o rientar para um novo t i po d e construtor: o urba­ nista q ue modela um espaço aberto d e maneira a estrutu­ rar um mundo onde será bom viver (40) . O q u e se rea­ l izou por um d u p l o movimento. Por um lado, a cidade, expl od i ndo pelo afl uxo d as massas d o i nte rior, real i za en­ f i m o son h o sec u la r d a entrada na terra p rometida. O c resc i m ento das cidades p rovoca u m a situação c ujas re­ percussões serão determi nantes para o futu ro da n ossa civi l ização. Segundo as soluções que se d arão aos p ro­ b lemas u rbanos, a socied ade d o fim d o séc u l o XX será o u não, o g rande momento d a civi l i zação ocidenta l . Do o u­ tro lado, pelas rodovias, pelos cam i n hos de ferro, pelas l i n h as aéreas, a cidade i nfl u i , penetra, ati nge todo o país. Ass i m u rbanizar atual mente não é só pôr ordem dentro dos l i mites u rbanos que g radativamente vão desaparecen­ do, mas é dar uma forma a uma c idade de acordo com suas várias fun ções n um co ntexto g l ob a l , reg i onal e / o u nacional. Urban izar é uma d as manei ras de dar forma a u m a c i v i l ização. Estamos no começo d e uma época em q u e a utopia arq u itetôn ica, ao i nvés de se ancorar n u m l ugar fechado, modela todo u m país. Estamos pois tam­ bém m u ito longe das sol uções de compromisso, d a s ín­ tese med '.ocre que propõe u m certo " rurbanismo" (41 ) . A melhor i l ustração deste entrosamento entre u m plano sistemático d e u m a c idade e a situação g lobal q u e determ i n a o seu pape l , e por conseq üência a s u a forma tota l , é sem d úvida Brasíl i a. Bras ília é a utopia concreta q ue arq u itetônica, técn i c a e pol iticamente marcou o de­ senvolvi mento recente do Bras i l . A construção de B rasí­ l i a i n d ica bem o papel da utopia concreta q u e é de ma­ n i festar o rumo do desenvolvi mento como ta refa. A sua 1 43

existência concreta i m pede também de voltar com boa consciência a q ualq uer solução anterior. É um fato q u e n e n h u m a reação poderá contrad izer, a menos q ue venham a destru i r a cidade. A criação de Brasíl ia e as suas conse­ q üências sobre o p rojeto nacional de d esenvolvimento foi já m u ito d iscutido. I nfe l izmente mais ao n ível d as i nten­ sões, das ideologias ou de pormenores sem s i g n ificação . Mesmo no s imposi u m sobre B rasíl i a que teve l u g ar n o colóq u i o sobre 'O p roblema d as capitais e m América La­ t i na" (42) , não foram m u ito além da polêmi ca. Seria hoj e úti l , sobretudo nesta situação d e crise, anal isar a evo l u ­ ç ã o da pol ítica governamental, e m particular d e c a d a mi­ n istério, em função d o papel atri b u íd o ou não, real izado o u não de Brasíl ia. Parece-nos que a defi n ição do papel de B ras;l ia em cada projeto d e alcance nacional poderia servi r de ped ra d e toq ue para determ inar o rumo pro­ g ressista o u reacionário d a orientação escol hida. Daq u i em d i ante Brasíl ia será u m dos c ri té rios q ue m u ito pesará sobre a orientação e a valoração d a p o l ítica nacional. Esta mutação nas utopias a rq u i tetôni cas, d e uma ati­ tude ríg ida de d efesa para uma concepção dinâmica e pla nejada, exp lica porque Bloch passa agora às utopias d i n âmi cas por excel ência: as utopias geográficas ( P H, pp. 829-981 ) . J á vimos a im portância h istórica d estas utopias q u e orientaram a c u riosi dade d o Ocidente para as g ran­ d es descobertas. Ainda que na n ossa era dos foguetes, pudéssem os i maginar que Bl och l hes atri b u i um papel i m ­ portante no preparo d a hu manidade para a descoberta dos espaços siderais, n o entanto a sua i nterp retação é bem d iferente. Nunca d evemos nos esquecer que o i nf i n ito b l oqu iano não é um indefi nido. Seria voltar_ novameílte a uma fuga no vazi o, na irresponsabi l idade d o· nada cós­ m ico. As utopias geográfi cas nos revelam q ue o nosso p l aneta h oje é u m a esfera e q u e portanto, o p rog resso l i near fechou-se n u m c írc ul o . M as este c írcu l o não é vi­ c i oso. Uma vez o pl aneta d escoberto, fica a tarefa g igan­ tesca da sua o rganização, d a sua transformação n u m p rocesso helicoidal. A o passo q u e as utopias geog ráfi­ cas eram no passado caracterizadas pelo maravilhoso (43} , pela m istura de espanto e de c u riosidade q ue empu rrava a h u manidade sempre além do ho rizonte, n u m vôo ond e 1 44

o i maginário tornava-se rea l ismo c o l o n i a l . H oj e , descobri­ mos o verdadeiro i nfinito defi ni d o , isto é o infinito d o d e­ senvolvimento e m profund idade, em i ntensidade q u e a téc n ica, que a política, que a econo m i a perm item. As uto­ pias geográficas d e h oj e não i n d icam o rumo para novas terras desco nhecidas, mas i me nsas tarefas de transforma­ ção da terra redescoberta. A g eog rafia como ciência não ori enta mais o rumo d as viagens, mas os rumos d a p o l í­ tica econômica ( PH , p. 925). A bela paisagem não está mais além dos mares, n u m lugar celestial ou ne nhures, m as existi rá n a medida em que soubermos criá-la. As uto­ pias geográficas pela sua rad ical m utação i nd ica m q u e es­ tamos no fi m de um começo, n u m m omento em que de­ vemos saber o que fazer. Ass im todo este movi mento para frente não é só a l g o que s e espera, m a s que, p o d e h oj e ser real izado n a sín­ tese d o trabalho e d a c riação (PH, pp. 1 .039-1 . 086). É este n ovo começo da c riação do m u n d o a que Bloch chama " o oitavo d i a da semana". E pelas utopias artísticas (PPH, pp. 925-981 ) , como já o vimos no capítulo segundo, que o homem sente estas p romessas concretamente. Esta i nterpretação é vigorosa­ m ente criticada por H. Bauer (44). H. Bauer se opõe a B l o c h porque, segundo ele, mais u m a obra de a rte é car­ reg ada pelo seu c riador de u m valo r utópico, menos val or estético terá. Duvida por conseqüência que a a rte possa "ser a janela da utopia" como o quer Bloch. Para Bauer a arte i ndica sem pre u m a l ém i l usório que se consome na contemplação. Nunca abre para a ação. Encontra m os nesta crítica, mais uma vez, a i nterp retação trad icional d a utopia como forma essencial mente fechada e portanto esté r i ! . Ora, esta in terpretação só é vál i d a pa ra o mo­ mento hi stórico a partir d o qual Bauer extrapola : as uto­ p i as renascentistas. O vigor d a i nterpretação bloquiana p rovém, ao cont rário, da sua capac idad e em visualizar o conju nto da evo l ução h istórica d o pensamento utópico. O fato das utopias serem ass i m l ig ad as a todas as 3.4. formas de expressão que o homem i nventou, nos i nd i c a j á a primeira função da utopia: manifestar aos outros q u e 1 45

o real não se esgota no imediato. O pensamento utópico, ao testemunhar da potencialidade do p resente que o trans­ cende, é " i natual" (45) porque exige mais do q u e está presente. O real é m uito mais do q u e está tota lmente presente. Aponta para o utros objetivos, para outros l u­ gares { "u-topia" nenhures!) através dos possíveis q u e poderão ter u m efeito m u ltipl icador. Ao i ntrod u z i r os pos­ s íveis, o pensamento utópico i m pede que n os contentemos apenas com a s i m ples constatação científi ca d o que exis­ te, do q u e está. Nos obriga a explora r os possíveis con­ cretos dos q uais o real está p renhe. A utopia exerce neste n ível, uma tensão d ialética. Ainda q u e não nos per­ mita domi nar j á e completamente o fut u ro d o mund o, per­ m ite no entanto "confiar nele" {GU, p. 271 ). A primeira função d o pensamento utópico é de favorecer a crítica da realidade. Neste sentido, d evemos recon hecer a ten­ são, frutífera, entre um pensamento totalmente d i ri g i d o para a análise d a real idade c o m o está {como se expressa na sociologia trad icional) e um pensamento q ue se p reo­ c u pa com o sentid o , isto é projetante. O ra o sentid o d esta realidade só aparece q uando se transcende o rea l , tendo u ma visão ampla. Vári os autores (46) já n otaram que o pensamento u tópi c o surge quando se p rete n d e esc l a recer ,q uais são as m etas finais, os p ro pósitos, a final id ade, o '.sentido q u e se b usca na frag mentação das ideologias e na agitação das atividades. Isto já nos i nt rod uz na seg u n d a fu nção d a utopia. A utopia não somente i nd ica aos outros a existência dos passiveis além uo real, mas é também um i nstru mento de trabal ho que permite a exp l o ração sistemática d e todas as possibilidades conc retas existentes .'n o real ( P H, pp. 1 63 e ss.). Neste sentido, o pensamento utópico na sua c rítica d o atual n ã o é i rreal , porque se apóia n as tendên­ c ias fundamentais d o p resente que têm as suas raízes no passado e i rrompem para o futuro (47) . Neste ponto, Ol och evo l u i u bastante. No i n íc i o d a su a obra, esta fun­ ção est3va ainda l igada à atividad e m isteriosa d e um " Es­ p írito da utopia" (GU) . Este espírito se manifestava no i nfin ito u ltrapassar d a criação artística e sobretudo na m úsica : "esta uto p i a terrestre não rea l i zada" ( G U , p . 1 1 2) . Depois, no trabal h o consagrado a Thomas M ünzer {TM ) , =

1 46

este espírito aparece, encarnado n u m a teol og i a d a Revo­ l u ção q u e i nterp reta a fé c ristã de maneira radical. M as é só pouco a pouco e através d a terrível c rise política e ética d o nazismo, q u e a reflexão b l oquiana se estrutura n u ma i nterp retação que compreende, e m sua p l e nitude, as relações do i maginário com a real idade e que vão cons­ titu i r os al icerces do pensamento utópico. Consagramos g rande parte do seg u n d o capítu l o à anál ise destas rela­ ções sobre as q uais não vamos agora i nsistir. Desde en­ tão a utopia aparece, q uaisq uer q ue sejam as suas d iver­ sas formas, como uma representação ( PH , p. 977) do que é perm itido ao homem pelos homens. U l trapassa o l ivre j o go de u ma i ntel igência "solta" q ue i ndica u m possível 5em nen h u m a rel ação com o real e , por conseqüência, sem compromisso com o concreto e as suas d ificuldades. A utopia é o produto do trabalho i ntelectual pelo qual o homem pretende chegar à "frente da criação" ( P H, pp. 227 e ss .). Ao " Es pírito d a utopia" como sig n o d e a l g o q ue poderia ainda aparecer como u m parafso perdido, su bs­ ti tu i-se a n oção de " u topia concreta" como meio eficaz, p o l ític0 e sociRI de o rganizar o m un d o presente para o futu ro: "viver o h oj e de amanhã" de Paul E l u ard. Na obra blo qui ana, esta m udança é marcada pelo s u r­ g i mento e pela conso l id ação d o conceito de modelo, e m p v rt!cular no C u rso d e I ntroduç ão à Fi losofia q u e Bloch m i n istrou n a U n iversidade d e Tübi ngen l og o depois d o s e u terce i ro exíl i o ( T I e Ti i ) . Este modelo será d efi n i d o c o m o "a reco nstrução d o real seg u n d o u m p l a n o h u mano s uscetível d e constante revisão" (Ti i , p. 1 50) . Esta recons­ tr ução é, ao mesmo tempo, u m a reorg anização (porque a teoria não ,Jôde presci n d i r da p raxis) e faz-se e m função d e u m mundo qu e ainda não existe, mas q ue está p re­ v i sto e desej ado. I m pl ica n u m a visão prospectiva do ama­ n h t; que esclarece o p resente como projeto. O pensamen­ to utópico p ropõe u m i nstru mento prospectivo e não ana­ l ítico. A utopia é u m a forma de ação, e não uma mera i nterpretação da rea l id ade. Por conseq üência, a i nterpre­ t?.ção blo qu iana u ltrapassa a c rítica de A. To u raine q ue est i m a qu e " a utopia pode ser u m tópico de estudo para a sociologia, mas não u m i nstrumento de anál ise" (48) . Como estud á-l a ? Sendo a utopia ao mesmo te mpo, u m a 1 47

previsão e u ma i nvenção d o futu ro, u m a maneira de "tor­ nar conc reto de maneira i m aginária as poss i b i l id ades d o futu ro" (49), é possível estudá-l a como " i magem d o fu­ tu ro". Isto e, como "aquela expectativa acerca d o estado de coisas que aparecerá n u m tem po futuro e que mais i n­ fl uência tem na orientação dos comportamentos" (50). O p roblema consistirá em med i r "a relação destas i magens do futuro com uma ação d esejada e prevista para fazer surgir u m futuro part ic ul ar": tal é o problema que W. B e l l e .J . A . Mau por exe mp l o s e p ro puseram para chegar a u m con heci m ento mais a g u d o d o pensamento utópico (51 ) . A noção de modelo está i nti mamente lig ada à idéia de planejamento. Al g un s c ríticos, p reocu pados e m d e n u n­ ciar o compromisso de Bloch com o c o munismo, acusa­ ram-no de fazer assim o jogo d e Stal i n e d e ser u m p ro­ pagandista ingên u o d os fam ig e rados " p l anos q üi nq üe­ nais". Quando retrospectivamente se l ê este tipo d e c rí­ tica podemos sentir q u anto o n osso m und o mudou. E m menos de u ma. g eração, a s n oções de p l ano, de p l aneja­ mento e de planificação q ue eram tidas como as exp res­ sões mesmas do d espotismo e do tota l itarismo mais bru­ tal e antidemocrático, h oj e transformara m-se nas esperan­ ças conc retas d e sai r do c aos d e um desenvolvime nto selvagem para enfim, começar o arranco de um m u n d o que n ã o q uer m a i s s e r o "te rce i ro " . A transformação d a opinião públ ica q uanto à n o ç ã o d e planejamento demons­ tra qu e não basta d i zer q ue o séc u l o XX é o séc u l o d a técnica ; ainda é n ecessário acrescentar q u e é o momento eni que a h umanidade, depois de se tornar senhora d o espaço, faz do tempo "o c a m p o d as suas· poss i b i l i d ades" (TI . p. 201 ) . O planejamento não é mais o" i nstrumento to­ tal itário, mas a expressão consci ente e i ntel i g ível d e uma tctf! l iza.ção em c u rso, visand o à s perspectivas ma is l on-. g ín qu as poss íveis e q ue se d iversifica em fu nção da p l u­ r i d i m ensional idade e da p l u ral idad e dos tem pos econômi­ cos, sociais e pol íticos. Reconhecemos q ue este projeto é u m desafio. Mas u m a sociedade p rogride só na med i d a e m qu e sabe defi n i r exatamente q u ais são o s obstácu los, os empec i l hos, os l i m ites mas também, as poss i b i l i dades, as tendênc ias e os possíveis. A l igação entre o modelo utópico e o plano perm ite e l i m inar u ma ou tra crílica di1 48

ríg i d a ao pensamento utópic o : de ser i l usório, p uramente i m a g in ativo, i rreal i sta. Deve-se d isti n g u i r rigorosamente e ntre o utopismo que é uma maneira d e sonhar d o futuro (ou d e u m passado a reconqu istar) d o pensamento utópico com a sua p reocupação de descobrir no p resente os pon­ tos d e apoio para o futuro d esejado. O utopismo se carac­ teriza pela sua tendência à abstração e ao estático. Por i sso, Bloch d efende u m certo tipo de utopia: a utopia con­ creta ( P H , p. 1 65 ; TI, p. 1 28). Da mesma forma q u e a matéria e o poss ível são dois pólos opostos q ue ani mam a d i a l ética d o real , também o real e o i maginário se o p õe m e se provocam a fim d e n os obrigar a superar d i a­ l eticamente a s u a oposição (TI, pp. 67 e ss. ) . M a l g ra d o estas sugestivas p romessas, a s perspecti­ vas que abre Bloch não b astam para entender a relação comp lexa d o pensamento utópico e d o p l anejamento. É necessário , por exemplo, complementar n a l i n ha da "fi l o­ sofia d o planej amento" p roposta por J . R. P . Friedmann. N a s u a i ntrodução ao p l anejamento, este autor (52) p ro­ põe q u e se considere o p l anejamento como uma forma d o pensam ento utópico (p. 1 49). Pelo pensamento utópico, se d esvenda os p ri n c ípios q ue fundamentam os métodos apl i cados pelo p l anejador como a final idade q u e visa, isto é: a total idade em p rocesso. O autor chama a esta totali­ dade a G rande Utopia (p. 1 44) q u e marcaria o p rogresso da R azão na H istória. O papel espec ífico do planejador é de descobrir (e d e i nventar) os cam i n hos, os meios q ue permitem l i g ar e relacionar aquelas te ndências do pro­ cesso históri co com as dec isões a ser tomad as no pre­ sente. O p ro b lema d a i n ovação (isto é: d a d i fusão_. e d a real i zação nas e pelas i nstituições das idéi as-forças� das i nvenções, dos desejos d a h u manidade) torna-se u m pro­ blema centra l para o planejado r (p. 1 50) , ao passo q ue , como o vim os no primeiro cap ítu l o , o filósofo d a espe­ rança não o considera devida mente. O pl anejador, além d e se abri r às solicitações d o pensamento utópico, se ca­ racteriza pois, pelo rigoroso exerc íc i o d e um raciocínio objetivo (pp. 1 5 e ss. ) , anal ítico (pp. 39 e ss. ) , i nteg rante (pp. 62 e ss.), p rojetan te (pp. 89 e ss.) e experimental (pp. 1 1 2 e ss.). 1 49

Depois de ter visto a p ri meira função d o pensamento utópico (manifestar aos o utros a existência d o possível através das tend ê n c ias do real) e a seg unda (permitir à i ntel igência de visua l i za r o real de manei ra a descobrir as perspectivas da s u a transformação), c h egamos à terce i ra f u nção d o pensam e n to utópico: introduzir a exigência da radicalidade. Ao tornarmo-nos conscientes d as i m pe rfei­ ções deste mu nd o, a utopia concreta aponta e chama a atenção para u m a realidade transformável. A utopia con­ c reta não i ndica um passado a que poderíamos voltar o u e m q u e poderíamos d esfrutar das del ícias passadas ; tão pouco promete um paraíso apocal íptico além da ação. A utopia nos devolve a o p resente, mas com o lmpeto da es­ perança, isto é de u m a fé no novo possível. A utopia não é mais u m jogo i ntelectua l , u m sonho, uma obra d e arte. É uma idéia-fo rça q ue p rovoca o n osso entusiasmo ; exc ita as nossas aspirações e nos faz voltar para uma ação efi caz, comprometida, audaciosa. Deve mos agora n os comportar à alt u ra d as p romessas i n d icadas e susci­ tadas. A utopia c o n c reta, pensada até às suas ú ltimas conseqüências, c o n d uz forçosamente a um a atitude rad i­ cal. Reconhece-se que a real ização d a utopia necessita de uma transformação completa do n osso m u n d o atua l . El)ta transformação obriga a u ma c rítica absol uta, ist o é , g l obal e sistemática d a atual idade p resente e vigente. A utopia é a má consc i ência q ue se torna consci ente da sua falsa consciência d a rea lid ade. Pensar a utopia concreta­ m ente é reconhecer q ue temos um certo n ú mero de ta­ refas concretas a real izar, o q ue i m p l i c a u m g rande vi­ gor, certas opções e que conseqüentemen,te d evemos e l i­ m i nar tu.do o que i m pede este arranco. O q u e d isti n g u e j ustamente o " u to p ista" d o utópico é a h esitação q ue a q u ele manifesta q ua nto aos meios. Hesita e m util izar a violência. Como o esc reve Trotsky: " Quanto aos objeti­ vos, estamos perto d os n ossos predecesso res - os uto­ p istas. Mas, e e m b o ra estej amos asp i rando ao mesmo reg ímen, atuamos de maneira d iferente : o q u e nos d i s­ tingue não são os o bj etivos, são os meios" (53) . Através da utopia concreta e da sua exigência de rad i ca lidade, a esperança, de virt u d e , transfo rma-se n u m oti mismo mili­ tante ( P H , p. 1 66) . É este rigor no pensamento que con1 50

seqüentemente levou Bloch a sem p re se reconhecer um c o m un ista e sobretudo u m militante. Neste po nto, Bloch s e o põe total mente a R. M uc c h i e l l i q u e não vê esta ne­ cessária conclusão. Para R. M ucchielli (54), a utopia a g e i n d i retamente sobre a sociedade. Atua mais n u ma perpé­ tua oposição d o q u e se empenha na c onstrução d e u m a sociedade, da sociedade social ista a i n d a menos. A o con­ trário para B l och é fundamental se d i st ing u i r entre a uto­ pia concreta que conduz sempre à frente d o Novum ( P H, p . 1 66) da u cronia q ue volta para trás. Ora esta rad ica­ l i d a d e d eve também se estender h istoricamente. É com a Revo l ução francesa primeiro, depois com a Revol u ção b o l ­ c h evique qu e, segu n d o B l o c h , é possível este passo defi­ n itivo. N este sentido todas as utopias anteriores só po­ d i a m a n u n c i a r "a au rora", como o d e monstra· M . d e G a n­ d i l l ac n o caso das "semi-utopias" d e N i colas d e Cuse (55). Final mente a m i l itância é i mpo rtante também por­ q u e não só nos en gaja pessoal m e nte mas rom pe com o isol amento no qual vivia a maior parte d os utopistas. O p rojeto pessoal se i nsere no otimismo m i l itante, na força c o l etiva que representa o partido dos trabalhad ores ( P H , p. 1 68). Ass i m , concretamente, q ue b ra-se o isol amento d a torre d e marfim d o i ntelectu a l . 3.5.

"O filósofo d esceu à r u a " (56) . Se tais são as três funções d o pensamento utópico, como exp l i c a r que elas possam se atual izar e m todas as sociedades? Como com preender a permanência d a uto­ pia através da Histó ria e do espaço, d os p rofetas b íb l icos a P l atão, a A ristóteles, a Lei bn itz . . . até u m Oswald d e A n d rade? Como compreender esta afi rmação rad ical d e B l o c h , q u e "todo pensamento h u mano é , e m úl t ima a n á­ l ise, a n i m ado pela utopia" ( PH , p. 1 3) ? Se é bastante fác i l seg u i r E rnst B l och q uando afi rma q u e a utopia j á estava presente na Bíb l ia, desde os autores p roféticos aos visionários d o messianismo apocal íptico, n a doutrina p l atônica d o E ros, na matéria d i n a mizada aristo­ télica ou na d outrina d a tendência seg undo Lei b n itz ( P H , p. 6) , a l g u ns, no entanto, poderão se su rpreender d a n ossa i n c l usão e da nossa i nsistência sobre Oswald d e 1 51



Andrade. É q u e j ustam en te o exe m p l o isolado de Oswald, evo l uindo do movimento m odernista e da antropofa g ia poé­ tica para uma m i litância c o m u n ista, s u b l i n h a a d iversifi­ c ação de pensamento utópico n o espaço e a necessidade d e refletir sobre esta constante d o pensamento h u mano. Para entender a afi rmação d e B l och é necessário re­ tomar certos pontos básicos da a n ál ise q ue fizemos das raízes antropológicas do Princíp io d e esperança. Do mes­ mo modo que a esperança s u rg e d a tomada d e consciên­ cia pelo homem d e que ele é um "ser d e carências", as­ s i m , e contra a i n gen u i d ade da maioria dos oti m istas, E rnst Bloch não crê que a fonte d a utopia se encontre na cons­ c i ência qu e o homem poss u i ria da sua perfeição, mas, ao c ontrário , do seu espanto d i ante d a descoberta da sua im­ perfeição. A utopia, portanto, não existe porque o homem se c rê perfeito, ou porq ue tem a l e m b rança de uma per­ feição anterior, m as, ao contrário, porq ue se d esco b re i m­ pe rfeito e quer ul t rapassar este estado até ati n g i r uma per­ fei ção absoluta. É por isto q ue nesta perspectiva a ucronia, a utopia nostálg ica de um passado heróico e fel i z - só tem as aparências da utopia. A utopia, ela, está forçosa­ mente voltada para o futu ro. Este voltar-se para o futu ro tão pouco é u m sonhar l i g e i ro, ou u m a confiança i ngênua rio amanhã, mas o resultado d e uma severa crftica d o pre­ sente (Ver o artig o de B l och "Pode a esperança ser enga­ n a d a ?" em VI, pp. 21 1 -21 9) . O P ri n c :pio de esperança q u e a n i m a a utopia faz da c rítica do atual e, em particu l ar, d os fracassos das nossas atuações, o momento decisivo d a c onstrução de uma utopia m i l i tante e conc reta. J u lgar u m a utopia e desprezá-l a por "sua falta d e real ism.o" é desconhecer o fundam ento · do pensamento utópico. De nad a serve j ulgar u m a utopia e m função d e s e u g rau d e " realismo", mas d eve-se apreciá-la e m fun­ ção do grau de negação d a realidade q ue contém e d a suá capacidade em despertar o entusiasmo para uma mutação da situação atual. O que i m porta na utopia é a sua força q u e pode nos i n d uzir a tudo a rriscar numa aventu ra atra­ vés da qu al vamos medir o que somos capazes de fazer. A utopia i n ci te a u ma ação em favor de uma mudança q ue s u rge "da poss i b i l idade e n ã o mais aceitar o que está" (57) . É u m a opção em favo r de um risco, por não coinci1 52

d i r com o real i mediato e por não ter nenhuma esperança d e conse g u i r totalmente o q ue está previsto. O pensa­ mento utópico reconhece q u e a " instabi li dade", soci a l e po l ítica sobretudo (58), pode se r u m a necessidade para manter u m futuro em gestação n u ma situação h istórica d o­ m i nada p o r estrutu ras obsoletas, p o r uma d omi nação d e fora ou de dentro. O pensamento utópico é a encarnação d e uma dialé· tica antecipadora (T l i , p. 1 35), isto é: "de u m a superação d o ser pelo devi r" (59). A sua verdade não pode ser en­ contrada nem nos d iversos e sucessivos c o nteúd os q u e h istoricamente a s utopias agregaram, n e m n a psi colog i a o u na caracterologia d e seus auto res, mas como propu­ nha Roger Bastide (60) na sua forma. A utopia é um modo de pensar o mundo. Por um l ado, é um modo de pensar q u e reva l ora o imaginário, rom pe n d o o circ u lo d e ferro do i mediato. Por outro, é u m a forma q u e l i bera pela p ro­ messa d e um futuro melhor. Este tema foi d esenvolvido por H . Marcuse no capít u l o "Utopia e i m ag inação" d a sua contribu ição à Fre ud (61 ) . Mas este valor l i bertador da utopia q u e i m agina u m m u n d o m e l h o r foi já p ressentido pelo próprio Karl M arx na " In trod ução g eneral à crít i c a da econ omia pol ítica" (62). N otava M arx q u e o papel d as fi cções do séc u l o XVI I I não era só d e expressar u m a rea­ ção contra os rumos que tomava naquela época a evo l u­ ção soci a l , m as "se tratava m u ito mais, na real idade, d e uma anteci pação d a sociedade c i v i l q u e s e preparava d es­ de o séc u l o XVI e q ue, através do séc u l o XV I I I, caminha­ va a passos l argos para a sua maturidade". Enfim a uto p i a reflete a real idade nas categorias temporais g raças a o conceito d o possível . Ass i m s e d istingue de q uaisquer for­ mas análogas (sonhos, i deolog ias, m i tos . . . ) com as q u a i c; ela é geralme nte confu n d ida. Seg u i ndo E rnst Bloch ( P H , pp. 1 71 e ss.) , pode-se perceber c l a ramente q u e a uto p i a n ã o é apenas uma p rojeção d o s n ossos pró p ri os i nte res­ ses, pois e l a visa o in teresse coletivo. E l a se d isti n g u e d a ideologia porq u e constrói u m m u n d o e vive d a espe ranç a de u m futuro e n ã o d e i l usões. E l a n ã o pode ser i ncorpo­ rada ou exp l i cada pelos arquetipos, pois é fundamental­ mente progressiva e voltada para o futuro. A i n d a q ue pos­ sa ser confu ndida à primei ra vista com os ideais, e l a d i s1 53

tingue-se deles por suas d i mensões concretas e por seu d i namismo d ialético. Enfim, não tem nada a ver nem com as alegorias, nem c om os símbolos, pois e l es i n d uze m a u ma repetição do passado, enquanto a utopia inova. A interpretação b l o q uiana da utopia nos parece ori­ g i n a l na medida e m que coloca e m rel evo as d i ficul d ad es q u e encontra esta forma de pensamento. Com efeito, " i n­ ventar o mundo é d ifíc i l " (PG, p. 80). A n atu reza pesa m u ito sobre as i n ic iativas h u m anas. Ainda q u e a matéria seja também trabalh ada pelas tendências, ainda que a própria natu reza seja ani mada pela vida, este d inamismo é i n coerente e desumano. Além d i sto, o h omem, a pesar de sua in tel igência criadora, teme os riscos das aventu ras, q u e r garantias. E rnst Bloch l e m b ra i ronicamente os temo­ res d o engenheiro por exemplo (VI, pp. 1 63 e ss.) para as conseq üências socia is d as i n ovações técn i cas q u e i ntro­ d uz. Nem sem pre soube ed ificar u m a organi zação, n e m u m a ética que s e c o m pati b i l izam c o m os n ovos poderes técnicos. Também a revol ução seg ue d i fic i l mente l i n has retas. Vimos q ue, da m esma forma que os tem pos sociais dependem da estratifi cação social e d a taxa d e d esenvol­ vi mento ; que u ma sociedade é retalhada pelas c lasses so­ ciais e pelos gru pos de i n te resses e d e p ressão; ass i m a visã o do tempo e d o desenvolvimento é contrad itória e por vezes i ncoerente. O q ue, no caso da Alemanha, l evou ao d rama do nazismo esta " revo l u ção d as aparências". E n­ fim, pode-se c riar condições estrutu rais em q u e o pensa­ mento utópico não tem nem sequer poss i b i l idad e d e se d esabrochar. J á vimos o caso n o rte-americano. Vale ago­ ra a pena citar u m a pesqu isa rg:- ::i.l izada por K Danziger na Africa do Sul (63) que estuda a correl ação entre a repre­ sentação que alguém tem do seu fut u ro e do futuro em ge­ ral e a sua partici pação ao poder de decisão. O autor chega à concl usão que numa sociedade como a sul-afri­ cana aonde dominam as formas rep ressivas e a exc l usão d e segmentos i ntei ros d a popu l ação, nem as cond ições existem para um pensamento utópico. Afi rma assim a pos­ s i b i l idade que K. Mannheim tinha sugerido de u ma relati­ va l iberdade dos i ntelectuais em re lação aos interesses i deológ icos de classe a que pertencem. 1 54

Por todas estas razões, n ã o estamos no começo d o fi m . A utopia não é a ante-sala d o paraíso. Não basta en­ trar nos d o m ínios d o utópico para s u perar as misérias d este mundo. Est amos, s i m , no fim de um começo. No mo­ mento del icado e d ifíc i l em q u e u m m un d o acaba d a n d o l u z a u m o utro. Estamos " n a frente d o novo" (PG, pp. 25 e s s . ) . Quer d i zer, intei ramente expostos e e m l uta aberta contra u m passado q u e su bsiste e m sua i nércia, e para um futuro q ue deverá a todo c usto se desprender d esta mes ma i nércia. Só nesta l u ta n a frente d o n ovo, a uto p i a "sob o m o d o da anteci pação p repara o m u n d o vind ouro q u e é o ú n i c o s u bstrato q ue tornará possíve l a atual ização da herança" (PS, p. 223) . 3.6. O pensamento utópico, na sua dialética anteci pa­ dora, não só encontra d i fi c u l d ad es e obstácu los, c o m o também deve e nfrentar a q u estão absol uta, a "anti-utopia" por excelê n c i a : a morte. Este co nfronto é tanto mais n eces­ sário q u anto esta "anti-utopia" reduz, ao que parece, a es­ perança mais fundamental, a esperança de vida a uma to­ tal i l usão, d i ante d o aspecto d efi n itivo do nada, n a m o rte. M. Heidegger não te ria razão de pensar o h o me m c o m o existindo para a morte ? A morte c o m o a "anti-utopia con­ c reta" permanece com o a q u estão absoluta q ue, se não fosse respon d i da, colocaria e m xeq ue toda a construção d o p ri nc íp i o de esperança. Estaria desde o co meço c o m o u m verme n o fruto. É i m portante s u b l i n har q u e sempre Bloch considerou a m o rte c o m o u m a ameaça q ue paira , se estende e destrói na medida e m q u e o h o m e m desiste, foge ou se esconde d i ante d o seu avanço. Portanto, a mo rte nã o é aq u i considerada co m o um fato maciço, a parti r d o q u a l deveríamos reflet i r porq u e não pode mos infl u i r sob re e l e. Não é o outro princípio que se contraporia ao princípio de esperança num movimento circular que justamente a d ialé­ tica da esperança pretende q uebrar. A morte, como a c a­ rê ncia máx i m a, co mo o i n acabamento defi n itivo, se reve­ la à nossa consciência na medida em que o homem toma consciência da sua possível imortalidade, da sua possível perfeição, da sua possível felicidade. É o g rau máx i m o deste momento zero q u e j á encontramos na anál ise d o 1 55

fundamento ontológico da esperança : "o ainda-não-sen­ do". O h omem não pode p res c i n d i r deste confronto, mas a d i alética anteci padora l h e permite t ra nscender, e portan­ to s u perar esta c rise absoluta. A n oção bl o q uiana d e "an ti-utopia" d isti ng ue-se ra­ d icalmente das "anti-utopias" q u e um A. H u xl ey ou u m G . Orwe l l popularizaram, isto é, d e u m a obra q u e sistematica­ mente toma o contra-pé d e u ma visão otimista do futuro, p rojetando sobre o porvir uma d ecepção q ue, muitas ve­ zes, é motivada pela i ncapac i d ad e de viver o presente e no p resente (64). Para Bloch este tipo de "anti-utopia" se expressa sob retud o na obra de A. H uxley (P H, pp. 51 1 -5 1 2) por u m ceticismo gozador, mas l i m itado, a q ue falta q u al­ quer idéia de ironia generosa e c o rajosa que poderia con­ s i derar todas as i m p l icações d as poss i b i l id ad es atuais. M as a obra d e G. Orwe l l é part i c u l a rmente s i g n ificativa pela c u rva qu e traçou. G. Orwe l l se engajou na l u ta contra o n azismo ao mesmo tempo q u e Bloch, pois tomara parte na G u erra Civil espan hola. Porém, amargamente desil udi­ d o (65), entrou n um a fase de reação anticomunista violen­ ta que o l evou primeiro, a escrever um i n fame panfl eto, m uito cômico por sin a l (66) e depois o s i n istro 1984 (67). No i m portante capít u l o 52 ( PH , pp. 1 297 e ss.) em q u e B l dch acarreta a m o rte c o m o "anti-utopia" p o r excelência, i ns iste-se ao contrário, sobre o fato de q u e a morte surg e na dialética das afirmações d a vida. Assim Bloch mostra, primeiro através d a h istória das rel ig iões ( P H , pp. 1 034 e ss.j, como se tentou opor à morte d ive rsas formas de vi­ tória de uma vida l iberada pela morte : ass i m o cu lto d os An ciões e m que os mortos reaparecem como os detento­ res da sabedoria; pelo mito do Renasci men to port-mortem ; pela l i bertação gnóstica da a l m a etc . . . O utras sol uções tentaram, ao contrário, i nteg rar o futu ro q ue i ntrod uz a m orte (PH, pp. 320 e ss.) pela d issol ução no não-orgânico; o u então, pela form id ável i nversão q u e i ntroduziu o Cris­ tianismo que deixa d e se p reoc u par com os mortos para d a r aos vivos a mensagem q ue l h e perm iti rão viver, j á agora, u m a vida autêntica e p l e n a. E nfi m, pela construção s istemática de uma d outrina da i m orta l idade (PH, pp. 1 353 e ss.) q u e na trad ição islâmica se entendeu de maneira 1 56

rigorosa e estreitamente materialista. B l och atri b u i u ma g rande i m portância ao e p isódi o da " I l h a dos Amores" d o s Lusíadas de Camões ( P H , pp. 1 334-1 335) e m q u e vê u m a c u ri osa s íntese d o m aterialismo islâmico com o c o nceito d e i m o rtal i d ade d i fuso d o Renasc i mento c ristão. A mesma s o l u ção t ra nsformar-se-á, na trad ição oriental, sobret ud o b u d ista por u m a i nversão i mpressionante , n u ma doutri n a q u e despreza e s u bmete a vida atual a u m a morte não so­ mente aceita, mas ainda desej ada. Doutri na que não po­ demos mais rejeita r por ser espiritual ista demais, depois d a sua rigorosa apli cação pelos manjes vietnami tas nos seus protestos pelo sui cídio vol u ntári o. A estas soluções trad icionais, Bloch apõe a atitude que vai sempre mais se afi rmar n a civi l i zação ocidental : a e utanásia, isto é, u m conjunto de técn icas q ue s i m ulta­ n eamente afirmam e ampl ificam o sentido da vida e d imi­ n u e m o i m pacto d a m o rte pelo esq ueci mento e a i g n orân­ cia v o l untária (PH, pp. 1 343 e ss .). Esta tentativa moderna começaria com Leibnitz com a sua i déia q ue " pa ra u m espíri to l i vre e por conseq üência forte o importante é sa­ ber morrer" e se d esenvolveria sobretudo com G oethe, n u ma visão tão rica d a vida e da atividade h u mana q u e red u z a m o rte a u m apêndice sem significação real, n u ma mera i ntegração n o cosmos. Idéia q u e será depois reto­ mada pelos românticos alemães, até as ú ltimas conseqüên­ c i as. Estas tentativas d e e utanásia d ominam i n d i retamen­ te a n ossa época q ue p retende escapar ao d i l ema pela exaltação das formas mais secularizadas d a vida ( P H, pp. 1 360 e ss.) , Quer seja n a fuga para frente, numa g l o rifica­ ção da morte na m o rte h e róica na g ue rra: ato d e afi rma­ ção d e poder absol uto q ue encontrou no nazismo o seu si stema. Seja pelas c renças su persticiosas, pela conj u ra­ ção m ágica o u por u m conj u nto de su perstição pse u d o­ científicas como no caso sign ificativo d o espiritismo (68). Seja enfim pelo esquecimento eficaz ainda q u e estúpido, n u ma vida co nfortável e hedônica, e m q ue os p róprios si­ nais da m o rte são escondid os. O sécu lo XX se deixa le­ var por u m n i h i l ismo d e fato, q u e admite a morte, esque­ cendo-a na med i d a d o possível. Bloch não po d e aceitar este n i h i l ismo de fato. O u o pensamento utópico é capaz de dar u m a resposta c l a ra ao 1 57

d esafio da "anti-utopia" o u e ntão a rrisca ser u m a mera raci onalização das i l usões mais tenazes d o homem. A resposta se d esdobra a três n íveis. P ri m e i ro, Ernst Bloch insiste sobre a significação das utopias medicinais q ue constituem a primeira manifesta­ ção técnica contra o poder da morte ( P H , pp. 526 e ss.). Que significa, com efeito, a l uta contra as d oenças, contra tudo q u e d i m i n u i as possib i l id ades de vida, senão que o h omem j á na sua l uta corporal c ontra a doença e a decre­ pitude rec ua sem p re mais o l i m ite coletivo que a mo rte i m põe à vida humana? O extraord i nário a u mento d as pos­ s i b i l i dades de vida q u e se n ota desde o séc u l o passado, e m particular nos p a íses e m via de desenvolvimento, é a demonstração mais evidente e mais c lara da afi rmação h u mana, malgrado a a meaça d a morte. Luta que é parti­ c u l a rmente significativa q u ando lembramos que a medici­ n a n o meio do séc u l o XX, depois de ter passado a fase d e uma l uta contra as d oenças, e ntrou na fase d a p rofi laxia e d a saúde pública q u e ati n g e as causas mais l on g ínquas d as doenças, para h oj e tornar-se u m i nstrumento d e u m p lanej amento para a vida. Mas, por mais tempo q u e consiga viver, o h omem acaba por morrer. Ass i m , surge a segu n d a afi rmação hu­ mar,ia da i mortalid ad e : o poder d e gerar (PH, p p . 1 368 e ss.). Poder q ue também se expressa, como a utopia me­ ' d i c i nal, em vários n íveis. Pri me iro n o fato c o m u m do parto : se eu morro, não só sobrevivo através dos meus f i l hos; mas devo mo rrer p a ra q u e eles possam real mente se afirmar. Estes fil hos n ã o só são d e carne, são também d e esp írito h u mano. Q u e r seja p e l o s fil hos, pelas suas obras c ri ativas, ,peols seus atos sociais, o homem pela sua praxis se imortal iza c onstantemente pelos produtos que ac u m u l a e qu e se acu m u l a m n u m a civi l i zação. Não será q ue o artista somente c ria q uando está persuadido de u l ­ trapassar c o m s e u g esto os l i mites da s u a condi ção mor­ ta l ? O respeito e, às vezes, o c u lto d o l ivro no Ocidente não é o s i nal mais evid ente desta i mortalidad e p restada à obra h u mana? Torcendo a d ialética sobre si mesma, Ernst Bloch reinterp reta, a part i r d este fato, a s i g nificação da tragédia em qu e a m o rte ao esmagar o h erói não é se­ não u m i nstrumento, o c i nzel do esc ul tor, q ue e l i m i n a o 1 58

secund ário, o s u bjetivo, o s u pérfl u o para revelar o n ú c l e o i nd o m ável e permanentemente vivo do h ome m ( P H , p . 1 738). " O processo chega a o f im a d espeito d a v i d a d o h erói mas também c o m p roveito para seu caráter" ( P H, p . 1 347) . Ass im, " a negação d a morte pode q ue b rar o e nvó­ l ucro, mas o q uebra . . . de modo a que o coração s u rj a , este coração o n d e se encontra o poder p ro metêano, po­ tencial da matéria h u ma n i zada" (PH, p . 1 391 ) . É verdade q ue o parto, tal como a l uta d o herói trá­ g ico, tende a encerrar o h o mem no isolamento, apesar d o valor social dos seus resu ltados. Cabe, portanto, u m a ter­ c e i ra afi rmação de i m o rtal id ade, ad q u i rida desta vez pela i nstituição soc ial d a solidariedade dos p rojetos h u manos : a frn.te rnidade. Daí a i mportância q u e E rnst B l och atri b u i a o " Herói vermelho", isto é , a o homem cri a d o r, i nserido n o Parti d o qu e e l eva a sua l uta pessoal contra a m o rte a o n '.v el de uma solidariedade, não só partidária, mas u ni­ versal na partici pação à l u ta coletiva. Desde então, Ernst Bloch pode con c l u i r que a "morte que ameaçava e d i m i­ n u ía pouco a pouco a esperança h u m ana, torna-se u m m e i o q u e e l i m i n a d o m u n d o tudo o q u e não perte nce à utopia, isto é, tudo q u e não serve ao seu f ut u ro" ( P H , p . 1 380). A m o rte q uebra o invólucro e m q ue estava p reso o poder d o homem. " O poder prometêano potenc i a l da m a­ téria h u manizada" será assim l i be rado e m u l ti pl icado ao i nfinito, n a sucessão p rovável das gerações, ainda q ue , com H. G o l lwitzer (69) p u d éssemos n os perg u ntar, sobre­ tudo nesta ú ltima conseq üência d a visão b l o q u i a n a , se a i mo rtal i d ade do homem não será s u b repticia mente d i l u íd a n a i mo rtal idade d a humanidade? Assim H. G o l lwitzer criti­ ca m u ito B loch por ter esq uecid\.� o d esafio d a fé c ristã que i ns iste sobre a d i m ensão pessoal e Individual d a res­ s u rreição dos m o rtos, substitu in d o o caráte r persona l ista por uma i mortalidad e c o l etiva. 3.7. No capít u l o segundo, levanto u-se a q u estão d e saber se a concepção b l oq u iana d e u m p ri n c íp i o d e es­ p e rança esc larec ia o desenvolvimento real q u e se obser­ va nas nossas socied ad es atuais. Neste cap!t u l o devemos nos pergu ntar como a utopia se comun ica e como o h o1 59

mem pode ter acesso a esta forma d e pensamento. A total ausência do conceito de "formação" ( " B i l d u ng") ou de q u alquer referência à ed u cação e à pedagogia na obra bloquiana pode su rpreender n u m a é poca em q u e se i n­ siste tanto sob re a i mportância " d o fato h u mano" no d e­ senvolvimento. Em toda a sua obra, E rnst B l och se refe­ re só u ma vez, e com q ue i ro n ia, à instituição social, q u e normal mente s e j u lga parti c u l a rmente apta a exercer u m papel determi nante na com u n icação e n a formação h u m a­ na: a escola (PH, pp. 1 090-1 092) . Pode-se acrescentar o telegrama que Bloch mandou ao primei ro cong resso d o Centro d e Ação dos Alunos I n depende ntes e Social istas (AUSS) da Aleman ha Federal, c uj o teor é particularmente i rônico: " Estou completamente d e acordo com a AUSS. Tenho ainda in úmeras lembra n ças d o terrível tempo esco­ lar. Enq u anto du rar, tere mos como o p rovam as suas q ueixas amargas, u m retorno d o mesmo. O bacalaureato enfim desaparec ido era naquela época a l i bertação d o p resíd i o : diante de nós o d i a, atrás d e nós a noite . A m i n h a simpatia para a sua experi ê n c i a d o 1 8 d e j u n h o e o s meus votos de l i m peza contra tanta estupidez i m o rtal" (70) . Esta atitude nos obriga a reconsidera r, ainda q ue ra­ pi damente, as relações q u e a utopia entretém com a e d u­ cação (71 ) . Se é verdade q u e d esde Platão e sobret u d o com ' o s autores renascentistas, o papel d a educação foi sem pre mu ito destacado nas utopias, a sua conceituação e ra bastante estreita. Tratava-se d e um a formação b ito­ lada - que se poderia falar d e uma "deformação siste­ m ática" - pela qual os autores d as utopias pensavam poder enquadrar a geração n ova n u m a estrutura projeta­ d a para pe rmanecer e não para conti nuar evo l u i nd o h i s­ toricamente� Ao caráter abstrato e atemporal, tantas vezes n otado, destas utopias, corresponde, portanto, uma e d u­ cação considerada sobretu d o como u m rigoroso adestra­ m ento utilitário sem nenh uma sensi b i l i dade e à d i mensão d i nâmica de u m desenvolvimento pessoal. J á sabemos que este tipo de utopia e "afo rtiori" esta concepção d a educação s ão total mente rejeitados por Bl o c h. A part i r de J . J . Rousseau e do esforço de renova­ ção ped agógica desencadeado no Século das Luzes, as relações entre a utopia e a e d u cação se i nvertem comple1 60

tamente. Ao passo q u e n as utopias tradicionais, fech adas e estáticas, a ed ucação tinha u m a f unção altamente con­ servadora e integradora, neste novo d esenvolvi mento d o pensõmento utópico é a própria educação q u e s e torna utópica. Isto é ,os ed ucadores p retendem formar uma nova humanid ade. A educação é considerada como um i nstru­ mento de t ransformação e se dá aos ed ucad o res um i m­ portante papel de agente de mudanças. Chega-se ao pon­ to d e imag i n a r que a e d ucação i n d u z só às mud anças mais i m po rtantes. Podemos portanto, com K. Sauer (72) fa lar d e um verdadei ro " utopismo pedagóg ico" que d o mi­ nou as teorias educacionais até os nossos d ias. Este autor caracteriza esta forma d e " uto pismo" da maneira seg u i n­ te. Primeiro se apóia sobre a descoberta da i m portânc i a e da s i n g u laridade da i nfância como ocasião para l ibertar as potenc i a l i d ades d e um desenvolvi mento pessoal . A c riança não é mais o l h ad a como u m adu lto red uzido, u m " m i n i-ad u lto", mas é considerado como um a p romessa d e ser q ue vai se maturando e q u e pode u ltrapassar a matu­ ridade do adu lto . atual (p. 81 ) . Depois, o " utopismo peda­ gógico" se e n ra íza na consciência que a c o m u n i cação pe­ dagóg ica é esencial mente u ma tensão entre um docente - q ue testem unha da tradição e do m u n d o ad u lto j á o r­ gan izado - e u m d iscente q ue re p resenta o futuro ainda em elaboração e em formação. O pri me iro ol ha essenc i al­ mente do passado para o presente e eventualmente visa u m a l é m ; o segundo vai d o p resente para o futuro q u e lhe permite v e r a l é m d a situação a q u e s e refere o docen­ te. O campo pedagógico é, portanto, ani mado por uma d ia­ lética entre um p resente carregado e est rutu rado pelo passad o e u m presente abe rto e q u e p refig u ra o futuro (pp. 5 e ss. ) . Enfi m, "o utopismo pedagógico" surge d o encontro da visão p rog ressista d o racionalismo com o i m­ pacto do avanço tecnológico de u m lado, e do outro lado, da renovação rápida d os n ossos conheci mentos científi­ cos. G raças à constitui ção d e verdad e i ras " prov fncias pe­ dagógi cas" (p. 85) , os sistemas ed ucacionais vigentes têm hoj e a pretensão de avançar m u i to mais depressa que as outras i nstit u i ções, form ando assim uma verdade i ra "fren* te de c u l tu ra". É exatamente por esta visão restrita q ue u m P. R ico eu r po d e escrever q u e "os problemas educa-

1 61

cionais su peram h oj e os da Revolução" (73). Na rea l i d ade, os ed ucadores se i l u d e m q uando pensam q ue as suas " re­ formas", as suas " i n ovações", por profu ndas q u e sejam, podem atingir aos fundamentos d os problemas que coloca hoje globalmente a sociedade moderna. Talvez nen h u ma outra obra contemporânea expres­ sasse tão claramente esse " utopismo pedagóg i co" como a tentativa de Th-Brameld (74) de " reconstru i r" u m sistema d e ensino, baseando-se d e um lado, n u m a i nterpretação c u lturalista da soc iedade moderna, e d e outro, sobre a d istinção entre ideolog ia e utopia p roposta por K. Man­ nheim. T. Brameld p ropõe uma concepção d a escola como "frente de cultura" (pp. 88 e ss.) . Atuará pela sua capaci­ dade de crítica da c ul t ura v igente e pela atitude não con­ form ista e não conformada do corpo docente. Não só a escola deverá ass i m atuar com uma "agênci a d e mud a n­ ças", mas será dada menos do q ue a "vanguarda socia l " da sociedade do amanhã ( p p . 1 49 e ss.). A escola co mo i nstituição não só d eve se abrir ao futuro e ext ra i r d o d e­ senvolvi mento atual os e l ementos q u e apontam para o fu­ tu ro, mas deve prever o futuro d o desenvolvi m ento. Para isto a escola deve ser reconstruída em função d as tendên­ cias deste futu ro p revi sível . Mas o problema é d e saber a q u e rea l i d ad e o s e d uca­ do res vão se refe ri r para encontra r os c ri téri os d a sua "re'construção" ; e sobretudo como, isto é p o r q u e método vão extra i r do contexto p resente os elementos d o futuro. Neste ponto Th. B rameld, que propõe u m a "filosofia" e não uma teoria da ação soc i a l , não responde c l arame:i ·3 . Possivelmente serão os p róp rios ed ucadore� q u e ass umi­ rão esta tarefa . Nã o se ria bom aqui se l e m bra r d a objeção feita por karl Marx "afinal q uem educa os e d ucadores" ? Não será que o reconstrutivismo q u e é u m a resposta Ino­ vadora quando é medida d entro do sistema e d ucaci ona\ vi gente - . permanece funcional q uando é colocado nas respectivas d o sistema social g l obal ? Se é verdade, como o reconhece Bloch, que a formação huma na é tam­ bém uma atividade utópica q u ando p retende dar uma for­ ma a q uem s u rg e n o mundo como mera potencialidad e ; no entanto, esta forma dada pela educ ação refere-se a i n d a a u m modelo p ré-estabelecido e determinad o a p r i o r i . O -

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1 62

" utopismo pedagó g ico" é i l usório porq u e se concebe c o­ m o u m a p rovín c i a autônoma, q u e teria a s u a própria di­ nâmica e q ue não dependeria estreitamente d o dinamismo d o s istema social g l o b al . Dai o i nteresse dos educadore s e m i nsistir sobre a espec ificidade d os probl e mas educa­ c i onais, sobre a n ecessidade de reformar os sistemas vi­ gentes a partir das suas premissas, de sempre pensar e m reformas i nternas (quer sejam pedagógicas, d i d áti cas o u c u rricul ares) , s e m n u nc a se situar n o contexto g l obal e enfrentar a q uestão da sua viabil idade. É b e m elucid ativo anal isar a reação dos edu cadores d iante das técn icas do planej amento (75). E n q u anto, em rigor e em teoria, estas técnicas d everiam j ustamente permitir aos e d ucadores de tomar consciência da necessidade de se i ntegrar de fato n u m sistema social mais amplo, sobretudo n os países e m d i a de desenvolvim e nto, o planej a mento educac i onal é de fato tratado como " u m setor" d esl igad o d o pl anejamento global. E m vez d e anal isar como podem atua r dia l etica­ m ente e criticamente sobre o sistema vigente de maneira a ag i r no d esenvolvimento, o q u e é difíci l n u ma situação e m que o s istema educacional é d i retamente controlado pela estrut u ra de poder que apóia o "statu q uo", os edu­ cadores fec h a m os o l hos e sonham d e situaç ões ideais. Ass i m , na perspectiva altamente crítica d e Bloch, não se pode fal a r de "educação para a revolução", tão pouco de u m a educação " revo l u c i onária". De mesmo q ue é i l u­ sório falar o u sonhar de u m a educação "para o desenvol­ vimento " . O que é vál id o - e p rovavel mente necessário, é organizar u ma educação n a revol ução, no desenvolvi­ mento em q ue o seu ma rco de referência será claramente posto fora d o s istem a educacional. De verdade, o p roces­ so d o desenvolvimento como o processo pós-revol ucioná­ rio i m p l icam n u ma i mensa tarefa d e reorga n i zação e d e t ransfo rmação qu e p ropõe n ovas tarefas pedag ógicas. N ã o é p o r acaso q ue a o b ra m a i s n otável no c a m p o pedagógi­ c o nasceu j ustamente na Polônia, d e pois da Revo l ução so­ c i alista, n u m país que sai u da última g ue rra c o mpletamen­ te destruíd o e com u m a antiga estrutu ra social i nad equa­ d a : a obra de B. S u c h od olski (76) . Em concl usão, na perspectiva b l oq u iana a valorização d o pensamento utópico não a b re sobre uma teoria da for1 63

mação h u mana, mas bem sobre u m a p rática revo l u c ioná­ ria, da q ual faz a u tomaticamente e necessariamente parte u ma nova pedago g i a (77).

NOTAS DO CAPíTULO 3 1. 2.

3. 4. s.

6. 7.

9. 10. 11 .

12.

13. 14.

1 64

J. Cabral de Melo Neto: A educação pela pedra, Rio, 1 966, p. 48. Talvez a melhor introdução às novas interpretações do pensa­ mento utópico seja o conjunto de ensaios publ icados por F. E. Manuel: Utopias and utopian thought, a timely appraisal, Bos­ ton, 1 965, 320 p. É pena que a contribuição bloquiana seja só citada "en passant", na página XI. E. M . Citran: Histoire et utopie, Paris, 1 960, 1 94 p. É por esta razão que a obra de Fourier - h oje enfim reeditada pelas edições Anthropos, Paris, 1 967 e ss - foi desprezada ou considerada só como um primeiro esboço d o surrealismo. P. Tilllch: Dle polilische Bedeutung der Utople lm Leben der Volker, Berlin, 1 96 1 , p. 65. K. Keniston: The Uncommited, Alienated Youth i n American So­ ciety, New York, 1 960/65. Ver o capítulo 1 1 , intitulado "The decline of utopia'', sobretudo, pp. 3 1 1 -352. D. Riesman : "Some observations on comunity plans and utopia", reproduzido em lndividualism Reconsidered, New York, 1 964, pp. 70-98. W. E. Moore: "The utiiity of utopias", reproduzido em American Sociologycal Revlew, 1 966/6, pp. 765-772. 1. L. Horowitz: "Formalizacion de la teoria general de la ideologia y la utopia" em História y elementos de la Socioloqia dei cono· cimlento, trad. do inglês, Buenos Aires, 1 964, pp. 87-99. A. Touraine: Sociologie de l'action, Paris, 1 965, . pp. 1 64-1 73, 253 etc . . . Utoples et lnslitutions au XVllle siêcle, le pragmatisme des Lu­ miêres, Paris, 1 963, 263 p. Ver por exemplo Het Paradijs op Aarde de H. Baudet, Assen, 1 959, mas sobretudo Visão do Paraíso, os motivos edên ices n o descobrimento e na colonização d o Brasil, R i o , 1 959, 492 p . de S. Buarque de Holanda. Ver de G. W. L. Randles: Significalion cosmologique du passage du Cap Bojador e, do mesmo autor, Nouveau Monde, l'autre monde et la pluralité des mondes, Lisboa, 1 96 1 . A . L . Morton: "Progrês e t utopie'', publicado nas atas do Colóquio de Royaumont sobre o tema: Quel avenir attend l'homme? Paris, 1 96 1 , pp. 45-51 (traduzido em português, Rio, 1 967).

A . L . Morton: L'utopie anglaise, trad. d o inglês, Paris, 1 964, 250 p. Ibidem, p. 79 (Grifos nossos). R. M ucchielli: Le mylhe d e l a cilé ldéale, Paris, 1 960, 322 p. Ibidem, pp. 83-84. E a inda mais sugestiva porque R . M ucchielli, que cita o l ivro de Bloch sobre Thomas Münzer (TM) n a sua bibliografia, não pare­ ce ter utilizado os outros livros do filósofo alemão. 2 0 . R . Ruyer: L'utopie e t les ulopies, Paris, 1 950, 290 p. 21 . G. Freyer: Die politische lnsel, Leipzig, 1 936. 22 . J. Krysmansk i : Die utopische Methode, Koln, 1 963, 1 60 p. 23 . R. Dahrendorf: "Out of utopia" em American Journal of Socio­ logy, New York, 1 958/2, pp. 1 1 5-1 27. 24 . H. 8. Hawthorn : "Utopia and durability in h istory and reality" em Journal of comparative Sociology, 1 963/ 1 , pp. 50-56. 25 . G. Duveau: Sociologia de l'utopie et autres e1sais, édition posthume, Paris, 1 96 1 , 1 96 e XVI p. 26 . G. Duveau : Les lnstituteurs, Paris, 1 960, 1 92 p. 2 7 . G. D uveau, Op. cil., 1 1 1 e ss. 28 . E. Serini: Hisloire du paysage rural italien, trad. do i ta l iano, Paris, 1 964, 328 p. e ill. 29 . Um trabalho exemplar nesta perspectiva e a partir de elementos literários foi realizado por K. M. M ichel n o seu ensaio "Die M ulde" no livro de homenagem oferecido a T. W. Adorno: T. W. Adorno Zeugnisse, Frankfurt A. M., 1 963, pp. 1 83-2 1 2. 30 . P. Bourdieu: Un art moyen, essai sur les usages sociaux de la photographie, Paris, 1 965, 360 p. 31 . Definição de E. Sereni, Op. cit., p. 27. 32 . Assim, u m artigo no diário Le Monde, com o título s ign ificativo. "Les tremblements de terre peuvent avoir pour origine les tra­ vaux des hommes", reproduzia as opin iões de diversos especia­ listas convencidos que o peso de imensas represas aumenta o risco de terremotos "Sélection hebdomadaire" du Monde, 28 . 1 2 . 1 967 - 3 . 1 . 1 968. 33 . Op. clt. 34 . Sobre a importância crucial da invenção da cidade para a evolução da human idade ver de Leroi-Gourban : Le geste et ta parole, volume 1 "Technique et langage", Paris, 1 964, as páginas 249-260 e no volume l i "La mémoire et les rythmes", Paris, 1 965, as páginas pp. 1 38-205. 35 . H. Cox The secular City, a celebration of its discipl ine, se­ c ularism and urbanisation in theological perspectives, New York, 1 965, 276 e V I I I p. 36 . Ver de A. Parrot: Découverte des mondes ensevelis, Neuchâtel, 1 955, 1 52 p. 37 . M. Harrington : The other America, traduzido em espanhol com o título La cultura de la pobreza en los Estados Unidos, México, 1 962/65, 245 p. 15. 16. 17. 18. 19.

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1 65

38 . 39. 40 .

41 . 42. 43 . 44 . 45 . 46.

47 . 48 . 49 . 50 . 51 . 52 . 53 .

54 . 55 . 56 . 57. 58 .

1 66

Ver de E. Kaufmann : L'architecture au siecle des Lumiàres, Ba­ roque et post-baroque en Angleterre, en ltalie et en France, trad. do inglês, Paris, 1 955/63, 301 p. e ill. Y. Christ: Projets et divagatlons de Claud-Nicolas Ledoux, archi· tecle du Roi, Paris, 1 961 , 1 53 p. e ill. Esta mutação da utopia arquitetônica através das noções de urbanismo e de planejamento urbano, foi posto em relevo por H. Lefêbvre em "Utopies expérimentales: pour un novel ur­ banisme" em Revue française de Sociologie, Paris, 1 961 /3, pp. 1 0 1 e ss. Conceito vulgarizado no Brasil por G. Freyre que sugere uma harmonização a partir de uma civilização tradicional rural do complexo urbano. Cujas atas foram publicadas num número especial da revista Caravelle, Toulouse, 1 964/3. Ver em particular as páginas 362· 402. Ver o Colóquio sobre "Aventure et antecipation", Bulletin du Séminaire de Litlérature Générale, Université de Bordeaux, 1 954/55. H. Bauer: Kunst und Utopie Studien über der Kunst und Staats­ denken in der Renaissance, Berlin, 1 965, 1 38 e VII p. Ver de J. C. Guira l : "Esquemas utópicos em Ocidente", Marcha, Montevideo, n.0 1 407, 21 . 6 . 1 968. Assim J . R . P . Friedmann: Introdução ao planejamento democrá­ tico, Rio, 1 959, as páginas 64 e ss, 1 41 e ss. Ver também de J. Charpentrea u : Pour une politique culturelle, Paris, 1 967, pp. 7 e ss. , \ J. R. P. Friedmann: Op. cit., p. 1 54. ' A. Touraine: Op. clt., p. 31 1 . K. Keniston, Op. cit., p. 327. W. Bel l & J. A. M a u : The future as the cause of the present (pre­ liminary draft), m imeo, Yale, s. d., pp. 1 0 e ss. Pesquisa intitulada: "O papel das imagens do futuro nas l ideran­ ças dos países em via de desenvolvimento", Yale University. J. R. P. Friedmann: Op. cit. L. Trotsky: "La q uestion du pouvoir", reproduzido em La Quin­ zalne, Paris, 1 . 2 . 1 968, p. 1 9. Ver também de M. Rubel : "Science éthique et idéologie" em Cahiers lnternationaux de Sociologie, Paris, 1 967 / 42 R. M ucc ti ielli, Op. cit., p. 1 00. M. de Gandillac: "Les semi-utopies scientifiques, sociales et religieuses du Cardinal Nicolas de Cuse" em Utopies de la Re­ naissance, Paris, 1 963, pp. 41 7-471 . Expressão do filósofo Pierre Thévenaz. A. Gorz: Le socialisme diflicile, Paris, 1 967, p. 1 00. Ver de F. Fernandes "Crescimento econômico e instabilidade política", Revista Civilização Brasileira, Rio, 1 967/ 1 1 , pp. 1 1 -37 . ,

·

59. 60 . 61 . 62 . 63 . 64 .

65 . 66 . 67. 68 .

69. 70 . 71 .

72 . 73 . 74 .

75 .

76 .

77 .

G. H. 8 utow, Op. cit., p . 1 43. R. 8astide: "Mythes et utopias" em Ca h iers lnternationaux de Sociologie, Paris, 1 960/ 28, pp. 3-1 2. H. Marcuse: Eros et Civilisation, Contribution à Freud, trad. d o inglês, Paris, 1 963, p p . 1 29 e ss. Ver a tradução francesa publicada em Karl Marx: Oeuvres, vo­ lume 1, Paris, 1 963, p. 235. K. Danziger: "ldeology and utopias in South Africa" em British Journal of sociology, Londres, 1 963/ 1, pp. 59-76. Para ter uma idéia completa do movimento contemporâneo das "anti-utopias", ver de G . Barlow: "L'anti-utopie moderna", Esprit, Paris, 1 96 1 / 3 pp. 381 -396; de R. C. Elliott: Utopia and anti-utopia (?), de que um fragmento foi publ icado em Antaios, Zurich, 1 963, V/2, pp. 1 57-1 71 com o título "Dia Angst vor der Utopie". Ver o seu Homenage to Catalonia, Londres, 1 938. The animal Farm, Londres, 1 960. 1 984, New York, 1 948. Ver as páginas 1 1 1 - 1 22 sobre a "funcionalidade da religião me­ diúnica" n o trabalho de C. P. Camargo: Kardecismo e Umbanda, uma interpretação sociológica, S. Paulo, 1 96 1 , 1 75 e XIX p. H. Gol lwitzer: "De marxistische Religionskritik und christlicher Glaube" em Marxismus Studien, Tübingen, 1 962, pp:.__!:!.44. Die Zeit, Hamburg, 23 . 6 . 1 967. As indicações que seguem deveriam ser complementadas pelo trabalho de K. Sauer: Der utopische in der Padagogik, Weinhein, 1 964, 1 28 p. Eventualmente pode-se consultar o terceiro capítulo d o nosso Educação e Reflexão, Petrópolis, 1 966/68, pp. 33-48. O fim deste parágrafo é inspirado do l ivro de K. Sauer: Op. cit. P. Ricoeur: "Prévision économique et choix éth ique" em Esprit, Paris, 1 966/2, p. 1 82. Th. 8rameld, Toward a reconstructed philosophy of education, New York, 1 950/56. O problema da utopia é particularmente dis­ cutido nas páginas 24 e ss, 88 e ss, 1 49 e ss e 267 e ss. Ver o nosso trabalho "As tendências do planejamento educacio­ nal na América Latina e as perspectivas da Educação Permanen­ te", parte de um livro em preparação Educação e Política. Ver de 8. Suchodols k i : Trattado di pedagogia generale, Educa­ zione per i l tempo futuro, trad. do polonês, Roma, 1 964, 520 p. N a sua nota final, 1 . C. lngle sublinha como o esforço utópico de 8. Suchodolski se concretizou porque seguiu uma revolução q ue introduziu o futuro no presente. Os temas sugeridos neste ú ltimo parágrafo serão desenvolvidos em Educação e Política (em preparação).

1 67

Capítu lo 4 .

O ATEíSMO C O M O RADICALIZAÇÃO DE UMA FÉ REVOLUCIONARIA

4. 1

U m ateu tranq ü i l o

4.2

O atefsm o c o m o metare l i g i ão

4.3

A d i m ensão utópica d o " Esp írito d o i:: x odo"

4.4

O Reino d e Deus como " utopia con­ c reta"

4.5

O "Reino d a Liberdade" e as d imen­ sões pol íticas d a fé

4.6

" Os mortos voltam sempre" ; a atua l i­ d a d e d e Thomas M ü nzer, o teólogo d a Revol ução

4.7

As a m b ig üid ades da l i bertação pela fé

4.8

Da necessidade d o ateísm o

1 69

Y yo te d i g o : . . . una casa viene ai m u ndo, no cuando l a acaba de edificar, sino cuando em­ piezan a habitaria. Una casa vive u n i camente de hambre como una tumba. De aqui esa i rresis­ tible semej a nza que hay entre u n a casa y una tumba. Sólo q ue l a casa se n utre d e l a vida dei hombre, m i entras q ue l a tumba se n u tre d e la muerte dei hombre. Por esa la p ri m e ra está d e pié, m i entras q ue la seg u n d a está ren d i da. ,,

César Val lejo No vive ya nadie en la casa ( 1 )

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4. 1 A obra de E rnst B l oc h é bastante complexa e ri,ca para perm iti r várias leitu ras ; para despertar interes1.>es bastante d ivergentes ; para se tornar u m i nstrumento de renovação do pensamento contemporâneo em m u i tos dife rentes campos. Nos ú lti mos anos, são os c ristãos, sobretudo os teó­ l ogos protestantes da Alemanha Ocidental (2) , q u e mais atenção dedicaram à esta "fil osofia da esperança", dando mesmo a i m p ressão que B l och estava, antes d e tudo, p reo­ c u pado com o p roblema rel ig i oso. O plano da nossa int ro­ d u ção à sua obra tem, j ustamente, como u ma d as fina l id a­ des, opor a esta visão parcial e u n i l ateral u m a i nte rpreta­ ção mais ampla. l nsistemos sobre a contri b u i ção b l o q u i a­ na no campo da pol ítica (cap:t u l o 1 ) , da antropologi a e da estética (capítu l o 2), d a teoria d o conhecimento e d a for­ mação h u mana (capítu l o 3) , para chegar enfim a dois ca­ p ítu los finais. U m - c a p ít ul o 4 - dedicado à rel açã'.) entre a ação h u mana n a sociedade e o com portamento ' rel i g i oso. O o utro - capítu l o 5 - à tensão entre uma teoria d e Deus e u m a teoria da p raxis h u mana, isto é, entre uma b usca g nóstica e uma reflexão fi l osófica. Este plano não se explica só por razões d i d áti cas ; também coincide c om a própria c onvicção de Bloc h , q u e o s fatos rel i g i osos ad q u i re m a sua p l e n a verdade s ó à l u z d e u ma concepção marxista d o homem e d o mundo. Para entender o espec ífico e o rel ativo d os fenô menos rel ig io­ sos é necessário i nterpretar o geral e o u nive rsa l. Por isto o itinerário blo qu ian o vai aprofu ndando-se, d esde uma i n­ terpretação g lobal das necessid ades i med iatas e externas, .

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até as exigências mais íntimas q u e o homem pode se for­ m u l ar. Não se trata, a part ir de u m a concepção d ialética e m aterialista, de negar os fatos rel i g i osos, mas d e situar a sua significação n um a tota l i d a d e ; isto é, superando as · suas aparên cias. Este cam i n h a r p ara a verdade do fenô­ meno religioso não só esclarece ao n ível d a reflexão, mas cor responde ao q u e se poder i a c h a mar o "iti nerário espi­ ritual" de Bloch, ao menos do que se pode i nferi r das es­ cassas al usões q ue o fi l ósofo faz à sua posição íntima. O filósofo se lembra, por exem p l o (SP, p. 82) , q u e q uando criança, e m vez d e confi rmar a sua partici pação à Comunhão dos Santos, p refe r iu repet i r à alta voz: "Sou u m ateu, sou um ateu , sou um ateu !". M as l ogo, nota que este "ateísmo" i nfanti l e ra a conseq üência de leitu ras e não a resol ução de uma c rise existencial. Não existe, pois, na vida de Bloch nen h u m traço do esq uema bem conhe­ c ido, fé infantil - c rise reflexiva - fé adu lta ou i n d i feren­ ça. Bloch não pa rte da fé, mas da sua i n existên cia. Se o ateísmo de Bloch faz p rob lema, não é pelo seu poder d e neg ação ou pela sua v i ru l ência, mas pela sua tranqü i la ignorância da fé. Bloch reconhece, no entanto, que neste primeiro ato, havia mais u m a certa i ncapacid ade de enten­ der a significação d e fé, d o que uma rebeldia cont ra a I g reja, ou uma n eg ação lúcida e consciente da t ranscen­ dência. Esta atitude, ainda pouco aprofundada, caracteri­ za toda a j uventud e d e Bloch e transparece até na p ri mei­ ra versão do Espírito da Utopia, d e 1 9 1 8 (GU, pri m e i ra ver­ são) . Só mais tarde, sob ao q ue parece, a i nfluência d a s u a primeira m u l h e r ( 3 ), começa Bloch a t o ma r consciên­ c i a de que no fenômeno rel i g i oso se ocu l ta uma q uestão fund amental , que merece também u m a resposta, como to­ d as as questões e perg untas rel evantes e autênticas ( G U , p. 242) . O trabalho sobre Thomas M ü nzer (TM) é o pri mei­ ro esboço de uma anál ise q u e ele sistematiza e ap rofunda no cam inho do seu radi c a l ismo. N o entanto, jamais Bloch sentirá a necessidade d e voltar atrás ; porque, mais ele avança na sua anál ise, mais se confirma a opção d a in­ fância. Assim, se na primeira versão d o Espírito da Utopia adm itia que o ateísmo era uma " h i pótese d e t rabal ho", na versão defi nitiva, riscou esta frase e afirma: "o ateísmo é uma evidência" (4) . 1 72

4.2. A meta da rad icali zação p roposta por Bloch é atin­ g i r a raiz do fenômeno re l i g ioso, para desvendar a reivi n d i ­ c ação p rofunda e absoluta q u e c onstitui a sua p l e na ver­ dade (Ti i , pp. 44 e ss.). Esta re ivind icação, q u e a n i m a e m otiva todas as rel ig iões, é u m a exigência absol uta de perfeição possível ("Vol l k o m m e nheit", PH , p. 1 .403). Cor­ responde, no plano re l i g i oso, à total idade de esperança q u e enco ntramos nas nossas anál ises anteri o res sob a forma d e S um m um Bonum, ao q ual os homens são d es­ ti n ad os. Bloch apl ica este p rocesso d e rad icalização à h istó­ ria d as rel igiões que é longamente i nterpretada no capí­ tu l o 53 d o Princípio da Esperança ( PH , p. 1 .392-1 .550). N o entanto, esta interpretação d o conju nto d a h istória rel ig io­ sa d a h u manidade a part i r d o ateísmo como " m etare l i ­ g i ã o " se articu l a sobre três momentos decisivos ( P H , p . 1 .566) , e m que o j udaísmo, d e p o is a revelação d o C risto e, enfim, o c ristianismo tiveram um papel central (PH, p 1 .585) : - no primeiro, trata-se d e d eci frar o que q u iseram d izer as rel ig iões c o m " Deus", dentro das pe rs­ pectivas da "metare l ig iã o " ; no seg undo, demonstra-se c o m o este " Deus" s e i n tegra ao p róprio movi mento histórico pela espe­ rança messiânica d e um povo em " l'.:xod o" e como se concretiza n o " Reino de Deus" d o c ris­ tianismo (PH, p. 1 .402) ; - enfim, no terceiro, a " metarelig ião" i n d i ca q u e este Reino é, n a rea li dade, o "Reino d a l i berda­ de" q u e a h u m a n id ade está conquistando. Para entender o a u e s i g n ifica Deus, B l och se situa nas perspectivas q ue abriu Fe uerbach no sécu l o p assado ( P H , pp. 1 .5 1 5 e ss.). Feuerbach libertou as form i d áveis poss i b i l i dades d e u m a c ri at u ra que toma consc iência, q u e pode pensar e c riar o seu c riador, propo ndo uma i n te rp retação antropológica de Deus. Fez do divino, a h i póstase das aspi rações h u manas; de Deus, a total i d ade d a busca hu mana. Antes a h u man idade vivia e c resc ia na med i da em que o Todo-Poderoso l he dava condições ; 1 73

agora, esta assume as p ropnas q ual idades e o próprio d i n a m ismo d o Motor do U niverso. Bloch estima que há, a i n da, u ma concepção estática do homem e ass i m , ul­ t ra passa a proposição de Feuerbach. O divino e o Deu� p rojetados eram só as extrapolações dos d esejos e das aspi rações atuais d o h o m e m , tal como o concebia Fe uer­ bach. Até certo ponto temos somente um a inversão dos termos e não a reso l u ção d i a l ética da ant inomia. Para Bloch, o h omem ao d escobrir q u e pensa Deus e pode ser Deus, descobre que pode ir além do que ele é. Pode reivi nd icar o "Todo D iferente" ("G anz And ere", P H, p . 1 .407), porque i nteg ra o d i namismo do i nfin ito, q ue até agora estava local izado fo ra dele. Esta re ivi ndicação pro­ d i g i osa ( " u ngeheuer", PH , p. 1 .409), exp l osiva ("sprin­ gend", P H, p. 1 .404) c orresponde ao mito antigo do ex­ c esso h u mano, da " hybris", mas agora interpretada n u ma pers pectiva positiva. " Deus" é e ntão "a h ipóstase utópica do i d eal d o homem d esc o n hec id o " (PH, p. 1 .5 1 5 ) ; ou, ain­ da: " o ideal h i postático d o ser h u mano ainda não rea l i ­ z a d o na sua plenitude" ( PH , p. 1 .523) . " Deus" é m uito mais d o qu e o homem d eseja atual mente ; do q ue ele espera num futuro i mediato ou remoto. Rep resenta o que o homem ainda não chegou a desejar; o que ainda não está , esperado ; mas , que existe potencialmente. O que será : " Deus", é o homem que vai d izê-l o ao descobrir e real izar todas as s u as potencialidades. " Deus" é ainda vago e escondido, porq u e o homem ainda o está. A re­ velação de "Deus" depende da realização do homem. Na medida em que soubermos o que é o homem, seremos ca­ pazes de afirmar o que é Deus. Desde então, "a h u m a­ )ização cre�cente da rel i g ião não implica nenhuma q ueda d e tensão n a expectativa ; ao contrário, o h u mano i nteg ra agora o m istério do d i vino, de algo q ue se pode tornar Deus e que é i nterpretado como forma de plenitude e de um verdadeiro Reino" ( P H , p. 1 .409) . A i nversão come­ çada por Feuerbach, é a m p l iada por Bloch, até fazer da revelação do homem a condição da reve lação de Deus. Tudo depende do que fizermos da h u m anidade ; porque, d esta o b ra depende toda a verdade, in c lusive a verdade d ivina. 1 74

Bloch não ressente n e n h u ma necessid ad e de e l i m i­ n a r o fenômeno rel i gioso, p o rq ue seria e l i m in a r u ma ten­ são n ecessária ao h o m e m para se projetar na transcen­ dência. S i mplesmente, afi rma q ue não é n ecessário q u e esta t ranscendência seja "celestial", isto é, seja colocada fora d a nossa realidad e (PH, p . 1 .522) . O fim das rel ig iões não é a e l i m i nação da fé, mas u ma reinterpretação q u e ass u m a a s u a herança n u m a metareligião. Se apóia so­ b re a poss i b i lidade real q u e tem o homem d e rea l i za r a perfeição q u e se prometia, visando " Deus" n u m outro m u ndo, e qu e o homem agora d escobre neste m u n d o ( P H, p. 1 .41 4). Esta atitude suberana d e B l o c h , q u e d es­ p reza q ualqu er at itude antire l i g i osa, a g ressiva ou não, foi partic u l armente c riticada pelos seus adversários da o rto­ doxia c o mu nista. Vêem eles na " metarel i g i ão'' b l o q u i a n a " u ma teoria de salvação" ( " H e i lstheorie") (5). Na reali­ dade e l a é a forma mais p ura e mais lógica d o ateísmo, d a afi rmação humana sem Deus (e não co ntra) .

4.3. N o p rocesso h istórico, q u e levou a h u ma n id ad e a tomar sempre mais consciência - e a realizar - a verda­ de, q ue se esco ndia n as revelações rel i g i osas, Bloch atri­ b u i uma g rande i m po rtância ao povo j udeu ; foi ele o pri­ m e i ro a conceber claramente " Deus", como um Deus da e n a H i stó ria. O filósofo faz d o Êxodo a c h ave d a sua i nterpretação. O l:: x odo como rebelião do povo esco l h i d o sob a orien­ tação d e M oisés contra a escravidão do Eg ito, é o " para­ d i gma" da Boa Notícia, lib e rtadora das Escritu ras. Atra­ vés do "esp írito do i:: x odo" se esc larecem os eventos sig­ n ificativos da H istória Bíb l i c a : a narração d a G ênesis como c riação contínu a ; o surgi mento de um povo n a H is­ tória pela real ização de u m a p ro messa feita a A b raão ; a u n iversal i zação da l i bertação pela d i áspora j udaica e pela expansão u n iversal d o c ristian ism o ; enfim, a acu m u lação d as heresias, que ecl o d i rão nas Revo l uções M odernas. Quais são os pontos fundamentais sobre os q u ais Bloch se apóia (PH, pp. 1 .450-1 .464) ? Primeiro, o t:xodo é u m evento c uja h istoricidade é d u p l amente s u bl inhada pelos narradores b í b l i cos. De u m 1 75

lado, foi possível porque um homem: M oisés ( P H , p. 1 .450), o b riga a sua gente a tomar consciência d a sua pass ivi­ dade d i ante de um a o pressão e a rec uar a sua condição d e escravos. � u ma i n i ciat iva h umana que e m p u rra o povo a se arriscar n u m a aventura em q u e cria a sua H i s­ tória. Do outro lado, a h istoricidade d o i=xodo p rovém d a negação por Israel de uma d as opressões mais ve l has d o m u n d o : do Estado teocrático d os Faraós. O �xod o marca pois a rebeldia de Israel contra u m a h istória q u e i m pedia que tivesse a sua própria. N a escravidão d o Egito, pod ia se viver - c o m o n o s campos de concentração - , mas não existia História senão como a opressão dos o utros. O �xodo é duplamente histórico : pela c riação de u m a h istó ria nacional e pela negação de u m a outra. No avento mosaico estam os pois à origem de u m a h istó ria, cujas conseqüências concretas são, a i n d a h oje, sensíveis pela presença in cômoda d e um povo, que ainda h oj e vive no i=xodo, malgrado a tentação do Estado mo­ derno de Israel. Bl och, não obstante demonstrar evidente s i m patia para a sua estirpe, e constante oposição contra todas as tentativas de an i q u i l ar os j u deus, manifesta pou­ ca s i m patia para o sionismo. D istingue rigorosamente en­ tre o d i reito d os j udeus de viver e de realizar sua própria h istória e as reivindicações de um Estado capital ista q u e e l e chama, u m tanto ag ressivamente, de " fascista" ( P H, p. 708) . Israel está m uito longe, mesmo n a s pequenas co­ m u n idades dos "Kibb utzi m " de real izar a Te rra de J usti­ ça, , o " Reino de Liberdade", que o " espírito d o �xodo" anunciava. Este fracasso tem as suas raízes no m ovi­ mento sionista (PH, pp. 698-71 3) q ue não fo,i além d e u m a visão de u m país "modernizado" ("Altr.�uestand"), q u e era a maneira ju dia de reivindicar, também, um Estado nacio­ n al e burguês. A g randeza de Kart M arx - este "judeu q ue v i u claro" - foi j ustamente de ser o q ue ele era e de fazer o que fizera, porq ue não era sionista ( P H , p. 708) . Na situação atual, Bloch gostaria que Israel fosse além de pretensões m i l itaristas e i m perialistas. A sua vo­ cação não é de constituir uma nação ag ressiva d e n tro da q u a l o povo viveria o seu desti no, mas de ser, no con­ texto g eopolítico d o m omento, u m e leme nto d i nâ mi co de fermento que aj uda a h u m an id ade i nteira a partic i pa r da

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p romessa feita a Ab raão. A atitude atual d os j udeus d e Israel é uma t raição, q u e deturpa e esvazia em favor d e u m nacionalismo capital ista, o q u e e ra p rometido nas ex­ periências social istas dos " K i bbutzim". O segundo aspecto f u n damental d o f;xodo é de ser uma rebelião. É o primeiro passo de u m protesto q ue a l é m da Terra P rometida p retende à Terra de Justiça. A meta do i:: x odo está para frente e n ão na volta ao " pa­ raíso". Não se trata de u m a fuga do E g ito para se i ns­ talar, comodamente, nas i l usões tentad oras de Canaã. Tão pouco o !:: x odo se esgota na ocu pação i m perial ista de Canaã. O i:: x odo encontra a sua verdadeira d i mensão q uando o povo j udeu, embora expu lso de Canaã, continua a s u a reivi ndi cação, agora i nfin ita e total , além dos l i m ites da n acionalidade. Assim o l'.:xodo t ransforma�se no "es­ p írito do l'.:xodo", pri meira manifestação cl ara do prin cí­ p i o de esperança. Para o povo j u d e u entender esta plena verdade, foi necessária u m a contínua e co nstante ed uca­ ção, fe roz e i rônica, de que teste m u n ha m os Livros Bíb l i­ cos (6). D a í a cuid ad osa na rração veterotestamentária das tenebrosas e c ruéis andanças dos fiéis contra os i nfiéis idólatras, os colaboradores, os fracos, os d esesperados. A l uta co ntra todos os compromissos com "os deuses" que o amb iente p ropunha para aca l m a r a sua sede de absoluto. Bloch vê na h istória bíblica e u niversal de Is­ rael uma contínua radical ização de u m a exigência sempre maior. As suas etapas vão d as reivi n d i cações intempes­ t i vas dos profetas até ati n g i r o seu auge no p rotesto abso­ l uto de J ob, no seu d eserto de i m u n d ices, contra Deus e " s u a ordem" (PH , p. 1 .456) . Os j udeus - ao i nterpretar constantemente a sua h is­ tória (7) - descobri mos q u e o seu Deus é um Deus que atua no tempo h u m ano ( PH , p . 1 .458) ; ainda mais, q ue a " h istória b íb l i ca" orientava - mal g rado as tribul ações e os fracassos (8) qu e o povo esco l h i d o teve d e enfrentar - para a marcha h i stórica do p rog resso d a h umanidade. O i:: x odo como rebel ião u niversa l i zada se expressa na e l aboração - primeiro j u d i a, depois cristã - do messia­ nismo, isto é de u m a reivi ndi cação in f in ita, defi nida pela espera de um Messia que i nstitu i rá o paraíso nesta terra, transformada radical mente. O messian ismo aparece como 1 77

a u n iversalização temporal de u m �xodo até agora conce­ bido como reivi n d i c aç ão espacial. O �xodo torna-se o ponto de partida de u m a ascensão h u mana à fel icidade terrestre. Em vez d e sonhar com um " pa raíso", se espera um Messia que se i ncarnará no " C risto rebelde e mártir" (PH, p. 1 .490). Mas não devemos entender esta rad icalização de ma­ neira trág ica, somente. Mesmo se a rad ic al ização l eva até as mais d ramáticas conseqüências - ver os assassinatos de Thomas Münzer até Ca m i l l o Torres - mesmo assim, a radicalização é m otivada por u m a boa n otícia. A rad ical ização, que dificil mente escapa à violêns ia, não deve apagar o tercei ro aspecto fundamental d o l'.:xo­ d o : a libertação coletiva. O l'.:xodo não se esgota n u m a rebelião ou n u m a série de rebel i ões. A sua verdade, mui­ tas vezes escond ida, é a afirmação - fantástica na sua audácia - da possível existência d e uma coletividade, que n ão existia até lá no contexto i nternacional. É u m a prova de vital idade e de c riatividade coletiva. M an ifesta a poss i b i lidade de viver e de se expand i r. O l'.:xodo rea­ l i za plenamente a p romessa feita a Ab raão da expansão espacial - nada de espiritual ! - pela m u l t i p l i cação d os homens. A s ubversão do l'.:xodo não acaba n o s i l êncio m ístico, nem no g ri to d e desespero. Não é u m gesto, mas u rh parto. Se real iza na p romessa satânica: " E ritis sicut Deus" (PH, p. 1 .497). D a í a d i mensão p rospectiva, isto é ao mesl'T)o tempo ativa e alerta para o fut u ro ( P H, p. 1 .5 1 4) . É pela ' uta, pela tei mosia, pela sabed oria mas também pel a sua fé que o povo não se deixa esmagar e p rogride. Assim, o espírito d o l'.:xodo coincide e, anima um dos m itos mais su bversivos da Antiguid ade g rega: o mito de P rometeus, c uj a "hybris" ( PH , p . 1 .407) se real iza em tarefas em favor d o h omem. Se, como Moisés, P rometeus se revolto u contra u m a opressão, é também porq ue t em u m · p rojeto para os homens. Talvez nenh u m texto expresse tão bem esta "hybris" do q u e a "oração secu lar" q ue ter­ m i n a o Espírito da Utopia (GU, p. 346) : " Pois, somos potentes ! Só os homens maus subsistem g raças ao seu Deus. Q u anto aos j ustos é Deus q ue se mantém g raças a e les. É nas mãos dos j ustos q ue está a santificação do seu nome, a g lorificação do seu no me, que nos atinge 1 78

e atua e m n ós ; safda esperad a ; perg u nta oculta; i nterio­ ridade gene rosa ; q u e n ã o é u m fato, mas bem u m p ro­ b lema, n as mãos d a n ossa f il osofia dedicada ao Deus d a verdade como o ração". Assim, chegamos à ú lt ima caracte rística d o i;xod o : a sua descontinuidade. Sendo u m avento h istórico, u m a rebelião rad i cal izada, u m a busca l ib e rtad o ra e u ma exi­ gência de autenticidade absol uta, o i;xodo é u m salto ("Sprun g " PH, p p. 1 .544-1 .547) . Não se expl ica por u ma evo l u ção natural, a u tomática o u mecânica. Sem a i n i ­ c i ativa m osaica - isto é : d e u m homem responsável , d e u m "fundador" - e sem a dec isão israe l ita - isto é , u m a partici pação c o l etiva - n ã o teria havido nen h u m l:xodo. Mas também sem a esperança d e i nstitu i r j á a l g o q u e c o r respondesse à p romessa, s e m o "Reino" p ro­ metido e visado, a dec isão te ria sido vaga e estéri l . No "espírito d o i;xodo" está, portanto, i m p l icitamente contida a p retensão d e tudo totalmente e de uma vez, q ue cons­ titui o seu elemento explosivo. A noção bíblica d e mila­ gre expressaria si mbol i camente a violência d esta expl o­ são e o espanto q ue p rovoca. O i;xodo i nova, nas cate­ gorias temporais pelo " Novum" e , nas categorias morais, pela impaciência ( P H , p . 1 .546, 1 .548 etc.). É i n teressante n otar que H . G o llwitzer q uando c ritica o ateísmo de E rnst B l oc h (9), i nterpreta esta i mpaciência como uma manei ra de e l i m i n a r a H i stória. Seg u ndo o teólogo a lemão, "o vi­ ver h oj e o amanhã" (PH, p. 1 .627) é u m a man e i ra de saltar fora do movimento d a H i stória. O ra, nos parece que a i m paciência i nt rod uzida pela exigência n ão e l i m i n a a H istória, m as bem acelera e ativa o seu c u rso aumen­ tando a tensão - q u e obriga a uma atuação imediata, a u m a n ão-co n temporização. O e l em ento explosivo pode existir, segu ndo B l o c h , em todas a s r elig iões n a m e d i d a em q ue nelas existe u m a d i m ensão utópica. No entanto é no cristianismo q u e a tensão é a mais forte. " O alvo de todas as g randes re­ l i g iões e ra u m p a ís o n d e o leite e o mel abundam d e maneira tão real como s i m b ó l i c a ; o alvo d o ateísmo, q u e u l t rapassa a re l ig i ão, c o ntin ua, q uanto ao s e u conte ú do, sempre o mes m o ; sem Deus mas com uma visão patente d o n osso "abscond itus" e a salvação l atente nesta terra 1 79

d ifíc i l " (PH, p. 1 .550) . i= este elemento explosivo q ue i m pede qu e o "espírito d e D e us" se d i l ua na passivi dade d e uma espera atemporal. Obriga a u m surto que q u eb ra o "statu qu o ". Exig e de nós u m a resol ução q ue c ri e as condições para q ue o Re in o da Li berdade possa c h egar perto de nós. Claro, que esta i nterpretação do Exodo pode levar a u m "subjetivismo revo l u c i onário", q u e despreza o real is­ mo e o concreto necessários à ação revo l u c ionária. As­ sim, uns podem, pelo su bterfúgio de u m a exigência abso­ l u ta i nteri orizada, escapar ao d u ro confronto com a obje­ tividade; ou tros podem, para salvar a sua l i berdade i n con­ d i cional, desprezar este m u n d o. Assim, nas trad i ções orientais, o "espírito do Exodo" i nspiro u as g randes tra­ d ições do m isti cismo dos anacoretas, da teologia negativa e das heres ias d a p u reza absol u ta , de que a heresia d o " Livre Esp:rito" foi a manifesção mais rad ical ( 1 0) . Deste modo, a p u ra exi gência da " l iberdade dos fil hos de Deus" pode conduzir a uma o m issão d a solidariedade h u mana. Nestas tentações, subj etivamente revol uc ionárias, o "espí­ rito do Exodo" esq uece a sua meta : o Reino de Deus. O Exodo não é só sair ; é, também, entrar. Não é só u m protesto; é u m a promessa. QUE SERÁ ESTE R E I N O ? 1

4. 4. A s interpretações s u bjetivamente revol u c i onárias o u m 'sticas c u rtac i rcui tam o "espírito do Exodo' . Este não é só o símbolo d a busca d e " Deus", mas a busca do Reino de Deu.s (PH, p. 1 .408) . Se o Exodo é o motor d as reli­ g iões, o Reino aparece como o n ú c leo das suas futu ras realizações (PH, p. 1 .41 1 ). Ainda mais, "o espírito d o Exodo" pela sua pretensão d e entrar agora n u m Reino real - seja pela conquista, pela i nstau ração d e uma n ova ordem, pelo s u rg i mento d e u ma d i nastia rea l , ou simplesmente pela constituição d e uma comunidade: a n ova Jerusalém - obriga a u m compro misso com a His­ tória (PH, p. 1 .5 1 8) . A existênc ia do Reino é a condição para escapar ao subjetivismo. Como a maté ria é neces­ sária à uto pia para se tornar concreta ; ou a o bjetividade, 1 80

ao poss:vel para d esenvolver as suas potenc i a l i d ades. Mesmo com as suas voltas e andanças, o �xodo tem u m a s i g n ificação atual porque os j u deus entra ram em Canaã, constru íram Jerusalém. D o mesmo modo, a g rand eza d e C. C o lo m bo nã o é d e ter saíd o d os ma res con hecidos para o Oceano, mas de ter c h egado ao N ovo Conti nente (PH, p. 880) . A exi g ência do Reino obriga a q uem sai u n u m �xodo, saber o q u e está buscando ; a local izar a s u a meta ; e a se situar e m relação a e l a . Ass i m no própri o m ovi mento do �xodo, j á se el abora o primeiro esboço d e u ma nova o rd e m ; o s c ritérios e a s n o rmas de ação e m relação à final idade, representada s i m b o l icamente p e l o Reino. O exemplo de C. Colombo indica q ue. a s i m p l es f i n a­ l i dade não basta. Quando d escob riu o Novo Continente , o q u e apareceu c o m o rea l idade d e u ma esperança es­ tava, obviamente, m u i to aquém do q u e sonhara (PH, p. 879). O Eld orado se revelou uma terra pobre, d e acesso d ifíc i l , malgrado as descobertas fulgu rantes de riquezas tem porárias (1 1 ). Também Canaã além d e umas p romes­ sas, se revelou, só, potencial mente rico. Estes exe m plo s l e mbra m que o Reino d esejado, buscado para a h u ma n i­ dade não é u m para íso onde a riqueza e os recu rsos já existem antes d a nossa c hegada. N ã o é algo a usufru i r e a explo rar. Não é u m a vasta colônia ofe recid a à n ossa c u pidez de onde se pode t i ra r e a rrancar à vontad e, sa­ q ueando e violentando. O Re in o é o que p retendemos fazer d a nossa espe rança. É u m a obra e por isto foi tantas. vezes associado à construção de u ma c i dade, à edifica­ ção d e u m conjunto em q u e se pode viver o hoje de m a n h ã (PH, p. 1 .627). É a real ização �d e este algo " q u e b r i l h a n a i nfância d e cada u m d e nós e o n d e até agora , n i ng u é m esteve: a morada ("Heimat") (PH, p. 1 .628). Esta edifi cação é u m ato sum amente coletivo. A subs­ tituição d e "Deus" pelo " R e i n o de Deus" corresponde à abertura da busca (ai nda i n d ividualista no misticis mo) para o s urg imento d e uma comunidade. Para isto é ne­ cessário j ustamente quebra r todos os condicionamentos c u l t u rais q u e dominam as soc iedades em que o Reino se transfo rmou numa colônia. 181

"Analisando n o h omem brasil e iro o g osto, a u m tem­ po de mandonismo e de dependência, de p rotecionismo, q ue sempre floresce e ntre nós em plena fase de t ransi­ ção, encontramos aí, realmente , as pri mei ras condi ções c u l t u rológicas em q ue ele n asceu e se d esenvolveu. Na­ q u elas condições referidas se encontram as raízes das n ossas tão comuns so l uções pate rnal istas. Lá também o m utismo b rasi leiro. As sociedades a q u e se nega o d iá­ l ogo - comunicação - e em seu l ug a r se lhes oferece "comunicados", res ul tante de compulsão ou docação ; se fazem p reponde rantemente m udas. O m utismo não é pro­ priamente i nexistência de resposta. É resposta a que falta teor marcadamente c rítico" ( 1 2) . " Entre nós, pelo contrário, o q u e p redomi nou foi o mutismo d o homem. Foi a sua não-partic i pação na sol u­ Çã:) d os problemas comuns" { 1 3) . Conseq üentemente Paul o Freire p ro põe u m a "ed uca­ ção como p rática d a l i berdade" a fim d e pôr esta h u ma­ n i d ade em condição de d escobrir q ue o Reino p rometido não se situa n u m a l é m i magi nário, n o além dos mares e do espaço, mas s u rg e na medida em q ue se criam n ovas -di mensões ao que existe. J. Berq ue viu com u m a agudez ·entusiasta, qu e o problema d o fim do século é d e proce­ ide r a uma descolonização d o m u n d o ; isto é, a uma for­ mi d ável i nversão d os valores que permitirá u m a recon­ q u ista da identidade e de reencontrar o ser histórico nes1es países em q u e o colonialismo não só esgotou os re­ c u rsos naturais, m as ainda os valores, as signifi cações, até a p rópria esperança ( 1 4). Só então o Reino a parecerá d entro d a nossa realid ade transformada, ao ponto que o homem e ncontra-se nela reconciliado com ele mesmo, com os outros e com u m a natu reza enfim domi nada e o rdenada. A i nsistência sobre a beleza, a g rand eza, e o esplendor do Reino - muito evidente no alemão, e m q ue Reino ("Reich") é o sinônimo d e rico ( " reich") - indica a plen itude das poss i b i l i d ades p revistas ( P H , p . 1 .589). O Reino su rge na alegria da festa em q u e o h omem d escobre desde a mais elemen­ tária, todas as suas poss i b i l i dades: tudo está bom. Descobre que na h istória d as reli g iões, a radicaliza­ ção da Boa Notícia, q u e vai de uma busca de " Deus", à 1 82

busca d o "reino d e Deus", se d eve a o fundador d o c ris­ tianismo (PH, pp. 1 .482-1 .504). Esperad o n u m c l i m a g e ra l d e expectativas nacionalistas, o Cristo c o n cretizou as p ro­ messas m osaicas na m e d i d a em q u e, mais do q u e q ualquer outro, "Jesus C risto fundou u m a fé que vive d a realidade h istórica d o seu fundador" ( P H , p. 1 .486) . Além d o peso h istórico da sua existência, o Cristo o pe ra uma m udança rad ical no messianismo judaico ao i nt roduzi r o Reino neste tempo (PH, p. 1 .492). O R e i n o já existe não só na comu­ n idade permanente dos fiéis, mas na poss ível frate rnidad e d e todos os homens (além d e q u a l q u e r d i ferença e bar· rei ra q u e podiam antes a pa recer insu pe ráveis) ( P H, p. 1 .487). Ao se identificar com os mais p o b res, os mais h u ­ m i l d es, os mais o p ri m i d os, o C risto estabeleceu uma fra­ te rni dade rad ical e fundamental que atuou · "democratica­ mente e misticamente" sobre a concepção j udaica d o Rei­ n o de Deus (P H, p. 1 .493). A part i r d a í, n i ng uém mais pôde ser excluf d o d a frate rnidade, a menos q u e se ex­ c l u ísse a si mesmo. M as, ao assu m i r a sua l i q u i dação como " rebelde e m árti r" (PH, p. 1 .490) , o Cristo revela e m q u e clima de vio lê n c i a estamos vivendo e q u e medidas se d evem, por conseqüência, t o m a r para permitir q u e o Rei n o surja. A sobrevivência d o " espírito d o i=xodo", agora Es­ p írito Santo nas comu n idades c ristãs, é como a p rova d e q u e chegamos c o m o Cristo a u m ponto zero, a part ir d o qual foi abol ido " Deus" como Jawh é, n o esplendor d a realização do Rei n o nestes tempos ( P H , p. 1 .504). Atra­ vés da rar'' ical i zação total efetuada pelo C risto - que vai até a sua própria a n i q u i l ação - estamos dispo n íveis para a construção de uma h u m a n idade, para a qual o u n iverso será a paisagem e o palco, e os homens os atores. "A tendência para c i m a se d escobre enfim como uma ten­ dência para frente" ( P H , p. 1 .509). D e uma conce pção vertical e transcendentalmente celesti a l d o Reino d e Deus, vamos para um a ação hori zontal e t ranscendentalmente terrestre que visa a construção do Reino d a Liberdade.

4.5. A verdade do Reino se revel a na u n ião d e huma­ n idade ( P H , p . 1 .577 e ss.) q u e const rói na e pela frater­ nidade a verdad e i ra "cat o l i c idade" ( NW, pp. 31 0-31 4) . 1 83

Pelo sacrifício d o Cristo q ue abo l i u n a sua a n i q u i lação q ualq uer heteronomia, o Reino não pode mais se t r ans­ formar em teocracia, porq ue surge agora como " R e i no de Deus sem Deus". "A utopia d o R e i n o d estrói a ficção de um Deus c riador e a h i póstase de um Deus celestial, mas não abole de nenhuma manei ra o espaço i nfi n ito n o qual O Ens Pe rfectiss im um encont rará o abismo ( " H o h l raum") d a sua tendência l atente" ( P H , p . 1 .4 1 3) . Na sua própria realização, "Deus" feito homem, se abole, dando assim possibil idades i nfin itas à h u mani dade p ara d escobrir na sua p rópria ação o Ens Pe rfectissi mum. Esta " e l i m i nação d e Deus" não abre ne nh um vaz i o ; se p rojeta ( P H , p . 1 .529) . A perspectiva qu e se revela nesta abol ição do t ranscen­ dente celestial não se p rojeta num preci pício, n u m nada tentador no qual poderíamos nos abismar e cair no n i h i ­ l ismo. É u m a rachadura, u m a d esconti n u idade n ecessária para que exista u m espaço para frente, n o qual a h u ma­ n idade possa desenvolver todas as suas possib i l i d ad es, so­ b retudo as que ainda não são p revistas e imag i n adas. " O Rei no, para pl enamente existir, exige espaço" ( P H , p. 1 . 533) . "O ate'smo que sabe o que isto sig n ifica n ão vai atrás de uma pobre i m i tação do fundador; não volta a u ma fabricação de d ivi nd ades, mas se p rojeta com a hi­ pótese d ivina agora abo lida, para o conteúdo i l i mitado e total da esperança, q ue até agora foi d e várias manei­ ras expe rimentado d ebaixo d o nome d e Deus" (PH, pp. 1 .4 1 5-1 .41 6) . A abo l ição do d ivino l i berta o h o m e m ; d á­ l h e espaço; ab re-l he perspectivas i nfinitas, para q u e pos­ sa realiza r o que l he era p rometi do e levar até as ú lti­ mas conseq üências as possi b i l i d ades, que pod ia ver se refletir n os atri butos d ivinos. Nesta ascensão d o h u ma no, é to da a n atu reza q ue está também e nvolvida, à i m agem d a transformação q ue anunciava o Apoca l i pse (PH, p . 1 .41 4). O R ein o será a forma q ue os h omens, n u m a hu­ man idade enfim rea l i zada, dão a o m u ndo q ue l h es foi dado. Constitui o n úcleo d a terra que os homens trans­ formam numa verdadeira exterritorialidade (PH, p. 1 .509) , isto é de u m território q ue escapa à j u risdi ção da morte e da sua ameaça. O Reino é a própria h u m anidade rea­ l i zada e li bertada. 1 84

· A totalidade q ue representa o Reino da liberdade para a esperança messi â n ic a i m pede que se confu ndam as rea lizações parciais com o Tot u m d a utopia (PH, p . 1 .409 ) . De fafo , a g rande tentação está sempre em s e deixar c o n ­ f u n d i r pelas i l usões óticas d o c o n c reto. Assim acontece q u a n d o se identifica a fraternid a d e d os q u e esperam - q u e é a verdade utópica da c o m u n i­ dade dos fiéis - a u m a organização eclesiástica. Neste caso, a I g reja para se m a nter como potência frente às o utras qu e se d ividem o d o m í n i o d o "statu quo", se aco­ moda às reg ras d o j og o vigente, se d e ixa b urocratizar e dominar pelo c lericalismo. Tendo perd ido toda n oção d o d i n am ismo d o Reino, não c re n d o mais n a possib i l idade d e uma edificação e m c o m u m n a solidariedade, a I g reja se mantém como " i nstituiçã o " q ue poderia e deve ria ser. A verdade d o Reino não pode existir sem q u e se repercuta e m todas a s d i me nsões d a existência: pessoa l como coletiva. A " Boa Notíc i a " c o m o verdade rad ical n o s obriga a u m a constante autocrítica ; a i r além d as aparên­ c i as, como uma constante denúncia das detu rpações id e o­ lógicas pelas q uais se j ustificam os abusos e as i nj usti­ ças. Quando Bloch exige da fé a sua verdade (Ti i, p p . 44-52), devemos entender esta exigência d e uma d u p l a maneira. D u m l a d o c o m o exigência pessoal de busca d a autenticidad e, a fim d e q u e a " Boa Notícia" atue "demo­ c rática e m í sti camente como a rea l i zação d o Deus t::x odo d o Reino de Deus, na atual ização de Jahvé-C -Abso­ l uto nesta nossa santificação" (PH, p . 1 .493). Ser um santo é viver total mente a verdade d o Reino e não só a s s u a s aparências. Do o ut ro lado, como exigência coletiva, como denúncia d as falsific ações espirituais pelo ópio reli­ g i oso (PH, pp. 1 .4 1 6-1 .41 7) ; das teocracias baseadas n a rel i g i ão i nstitucionalizada d o D eus-Senhor-do-Statu-Quo ( P H , p. 1 .456) ; d os mitos que obscu recem as reivi n d i c a­ ções concretas da fé (PH, p. 1 .452) ; d a tolerância, por u m a parte, da casta c lerical d as s u perstições popul ares para melhor manter o seu d o m ín i o (PH, p. 1 .457) ; do legalismo, enfim (PH, p. 1 .456) . Esta d i m ensão c rítica foi, também, posta em relevo por P . L. Lehmann (1 5) quando ao a n a­ l isar a interpretação d o messianismo segundo M . Buber, nota q u e o Messia sendo o Rei d os Reis, é d o mesmo 1 85

modo uma c rítica rad ical a q ualquer monarquia. A san­ tifi cação segundo Bloch tem portanto u m a d u p l a d i men­ são: íntima e pública. S u b l i n h a q u e a fé, esta exigência íntima do absoluto, não pode i g norar as suas responsabi­ l i d ades pol íticas. Bloch denuncia as m istificações q u e os c ristãos, so­ b retudo, mas não excl usivamente, acei taram d u rante sé­ cu los ; contra as concessões pol íticas q ue as i n stituições rel i g i osas, e mormente as ig rejas, a d m it ira m ( E Z, p. 405 e ss.). B loc h l uta para q u e, enfim, se desabroch e uma "fé sem mentira" (PH, p . 1 .382) (Ti i , p. 1 77) à l uz da qual aparecerá que " o verdadeiro c ristão é o ate u " , sendo que " Deus ama m ais a u m ú n i c o ateu h onesto q u e sabe o q u e isto sig nifica do q ue a m i l hares d aq u e l es beatos" (EZ, p. 408). O alvo da crítica radi cal b l o q u i ana é d e oomisti­ ficar as i nterpretações que os cristãos d e ram d a sua fé e através dela, as imagens q u e se fizeram e nos transmi­ t i ram de Deus (1 6). Bloch pode ass i m p retender rei nter­ p retar a Bíblia para q u e " apareça a i n d a mais origi nal e ú nica" (PH, p. 1 .453), na sua d u p la exigência d e l i berta­ ção total e de pureza abso luta, tais c o m o se expressaram já na busca do �xodo e na p ro messa do Reino. O alvo é d e despertar os c ristãos, para que enfim assumam to­ d as as conseqüências da sua fé e m vez d e buscar i l usórios cotnprom issos e peri g osas tem p orizações, nas q uais se i l u­ dem a si mesmo e aos ou tros. 1 O valor da crítica bloquiana foi m u ito claramente en­ tendido por F. Heer que, n u m a conferênc ia sobre "Ateus e cristãos num mundo u n i d o " ( 1 7), reconhecia que os c ristãos deviam urge;:,temente c onfessar q u atro g randes traições: - a sua emascu l ação d a fé, a o reduzi-la a uma ati­ tude privada e íntim a ; - o s e u derrotismo e m relação ao futuro d o mun­ d o ( 1 8) ; - a sua fuga d o mundo, escondendo-se n u m "ghet­ to" espi ritual ; - o seu orgulho e a sua sufici ência i ntel ectuais, ex­ p ressos por e xemplo no d o g m atismo c l e rical e teológico. 1 86

O ra u m a fé q u e se pensa até as suas ú lt imas c.:>nse­ qüências se radicaliza forçosamente. Ao se expressar n u ma real partic i pação às tarefas d e renovação d e u m a sociedade i nj usta, torna-se por necessidade revolucioná­ ria. E encontra rá a sua verdadei ra d i m ensão profética num ateísmo como expressão de sua fraternidade total para com todos os homens, quais que sejam. Q u a l q u e r outra pos ição d e tempora l i zação ou d e prudência só ma­ nifesta a mentira d e um farisafsmo e d e u m conformismo q u e se racional i zam e se j ustificam por uma falsa cons­ ciência da real idade ( 1 9) . Assi m, como se poderia a i n d a h oj e admitir d i ante d a real idad e l ati noamericana, a s afi r­ mações de um J. Ma ritain (20), seg u n d o o q ual : "o c ris­ tianismo e a I g reja não receberam como m issão d e faze r a fel icidade d os homens, mas d e l hes d i ze r a verd a d e ; tão pouco, de real izar a j ustiça e a l i berdade n a socie­ dade política, mas d e l evar à h u manidade a salvação e a vida eterna". Esta posição d efetista, cuja i nfluência p re­ judicou a geração católica d o começo d o séc u l o - ver o exe m p lo d a Ordem no Brasil (21 } - leva conseq üente­ men te J. Maritain a propor aos cristãos a segu i nte "ta­ refa " : "a fé rea l , p rática e viva . . . propõe signos". Q u e pode significar " p ropor s i g n os" a u m a i nfra - o u sub-hu­ mani dade, que não está em condições materiais nem d e ver, nem de ler e, ainda menos, d e entender estes sig n os ? Não será mais vál ida a posição d o teó logo protestant e c h e c o J . L. Hromad ka, q u e esti mava " q u e o ateísmo socia­ lista não é, n a sua origem nem na sua essência uma re­ volta contra Deus, mas uma l u ta para o homem com todas as suas exigências pessoais e as suas relações so­ ciais" (22) ? A d i mensão pol ítica de uma fé rad ical izada é a l g o q u e l h e é essencial, porq u e é a única maneira d e p rovar aos o utros que a sua verdade é válid a para todos os h o­ mens agora, na situação atua l , malgrado todas as mentiras d o "statu q u o " . A pio r traição d a f é será interiorizá-la u m "tête-à-tête" com Deus (qu e é m u i tas vezes na rea lidaae u m "tête-à­ tête" consigo mesmo) , n u ma espiritu al idade tão oca c o m o i m potente, tão p reocupada d e Deus q ue n ã o tem tempo para os homens. 1 87

A denú ncia dos "beatos", d os " fariseus", d os "bem­ conformados" nos parece pa rtic u larmente u rg e nte para exteriori zar a rea l idade um continente como o l ati noameri­ cano, onde os cristãos se p reocupam mais e m saber se a pessoa é ou não c ristã ; se a sociedade pertence ou não à " c ivi l i zação cristã", do q u e reconhecer as condições de vida q ue nele existem para a maior parte da população. Os donos e os manipulad ores das c renças pop u l ares con­ seguem manter o seu poderio, sugerindo e favorecendo formas de "anestesi amento'', "amaciamento", que não l evam a nenhuma solução essenc ial, g raças às i lu sões re­ l i g i osas {23) . O clero h u ma n i za o caos ou batiza as reivin­ d icações num "aggiornamento" s u pe rficia l , q uando seria necessário i r às verdadei ras causas dos confl itos. Os cristãos fogem à raiz dos probl emas, prefe rindo pal iativos tradicionais e modernos : reformas parciais, democratiza­ ção progressiva, serviços sociais, promoção popula r, "conscientização" por "conscientização", ativismo assis­ tencial istas e outras formas e ntorpecedoras. A este "cris­ tianismo", não é p referível u m a i nterpretação rig orosa­ m ente pol ítica da fé, mesmo q ue conduza a um ateísmo c onseq üente ? Isto permitirá expor em públ ico as afi rma­ ções i m p l ícitas em favor dos homens, para q u e sejam de­ les próprios e que a e l es p rópri os sej a dado o poder de ass u m i r estas afi rmações. ' A lém do protesto contra as opressões e as a l ienações, a fé descobre-se p rotestan d o da sua existência e para a existência dos outros, a b ri ndo-se ass i m às d i mensões co­ l etivas da l i bertação da h u m anidade. Ao tomar a sério toqas as perspectivas abertas para " Boa Notícia" pregoa­ da pelo Evangelho e as P rofessias; ao q ue rer real mente a l i be rtação concreta d a h u m a n idade, ao descob ri r q ue a fei ici dade h u mana é possível , os c ristãos deveriam chegar a u m ponto a parti r do q u a l reconhecerão que o dest ino da h u manidade nã o é algo q ue depende da g raça, da pro­ vidência, do outro; algo q u e se espera passivamente. Mas é algo qu e depende de n ós. Não devemos prever o nosso destino, devemos o previr: porq ue "o destino na B:blia está no balanço e o peso decisivo depende do homem" ( P H , p. 1 5 1 4) . "A l i berdade dos f i l h os de Deus" é j usta­ mente esta plena l i be rtação de q ualquer dependência, so1 88

b retudo rel i g i osa, q ue é só possível q uando o p ró p r i o De us se a b o l e para q u e os h o mens c resçam n u m a fé q u e e n co ntra a s u a plena verdade n o ateísmo t ra n q ü i l o d a fe­ e n c ontra a sua plena verdade no ateísmo tra n q ü i l o da fe­ l i c i dade h u mana " h i c et n u nc".

4.6. O Cristianismo para Bloch é um avento que m o­ d ifi cou profu ndamente a h istóri a d as rel igiões. O a n ú n c i o d a ressu rreição d e Cristo e, p o r conseqüência, d a l i b e rta­ ção da morte para todos os homens, d e u ao "espírito d a utopia" n ovas d i mensões : " E m vez d e p regar aos m ortos, a Boa Notícia se d i ri g e agora aos vivos" (PH, p. 1 490) . O c ristianismo rad icalizou a espera n u m p ossível p ost­ m o rtem q u e estava d ifusa nos m itos, n uma ·espe rança re­ vol u c i onária de uma poss i b i l i dade atual q u e transforma o m u ndo. Em vez de esperar u m Rei n o depois d a m orte, a fé na ress u rreição real d o C risto manifesta a firme vonta­ d e de i ncarn a r, de l utar con c retamen te para q u e o R e i n o j á estej a. _ p resente neste m u n d o e muda este p resente n os­ so. '·Ao defi n i r a ressu rreição como um avento h istóric o , d atado e l ocalizado, o c ristian ismo d e u a s costas a q ual­ q uer i nterpretação s i m bó l ica o u m ítica. É u m avento n o tempo h istórico (PH , pp. 1 458 e 1 463). Mas quem renasceu, ressurgiu da m o rte é o Filho do homem. Na ressu rreição o Deus-pai, patern al e paternalis­ ta, eterno e permanente, não só d esaparece em favor d o Deus-filho, mas para Bloch s e abole n o s u rg imento d o h omem-Deus, fundad o r h i stórico d a esperança rea l i zada, c uj o "Paraclet" ("espírito") vai constantemente i l u m i n a r a h istória d o s homens n a medida e m q ue se lembra rã o d o C ri sto ( P H , pp. 1 493 e ss.) . Ass i m o Cristo morto e ressus­ c i tado i ntro d u z o novo absoluto n a tradição rel i g i osa a o q uebrar o e l o paternalista q u e a i n d a estava admitido i mp l i ­ c i tamente no Vel h o Testamento. N a afi rmação d o De us­ F i l h o como Fi l h o do h omem, a h u manidade encontra a p ossi b i l idade da sua i dentidade na sua própria constitui­ ção. Esta id entidade se expressa na i g reja como fraterni­ dade q ue, através dos séculos e do espaço, contri b u i à c onstrução de u m a h u manidade mad u ra e u n iversal. A i g re­ ja não é só um " povo d e Deus" escol h id o e d eterm i n a d o 1 89

pela vontade divina, mas agora se identifica como o fer­ mento, o primeiro esboço, o n ú cl e o d e u m a fraternidade q u e se constituiu, que se constrói, que se organiza de ma­ nei ra a estender e m u ltipl icar todos os possíveis que esta­ vam prometidos na i n tensão d iv i n a ori g i n ária. Aq ui tam­ bém o conteúdo rad ical mente n ovo, isto é , revo l u c i onário, da ressurreição do Cristo é que a u n iversal idade d e Deus só se rea l i za na constituição d a cato l i c id ad e da ig reja q ue , na sua ú ltima meta, se a b o l e n u m a h u manidad e reconci­ l i ada e mestre de si. A i n iciativa passou d o d ivino ao hu­ mano. M as na h istória d o cristianismo a novidade foi relati­ vizada e adaptada segundo as c i rc u nstânc ias h i stóricas, o q u e não nos pertence d iscutir, n e m c riticar neste traba­ l ho. No entanto, devemos s u b l i nhar com u ns exempl :;s característicos - q u e Bl och c ita m u i tas vezes - q ue o cristianismo h istó rico e ofi cial perdeu m u ito da sua origi­ n a l i dade e d o seu ím peto revo l u c i onário, em particular em relação a sua doutrina d o Rei n o d e Deus (24). Assim q u a n d o Santo Agostinho d isti n g u i u dois Rei nos, e l e esva­ ziou em realidade a n ovidade e a d i mensão revolucioná­ rias da fé q u e não podem admitir n e n h u m d uali smo. Na perspectiva agostinha, a espera m essiânica à q ual San­ to Agostinho foi tão sensível n a sua j uventude - perde qualquer sign ificação pol ítica e social - isto é h istórica e concreta -, porq ue se transforma numa crença atem­ poral e vaga na cheg ada i ndefi n i d a d e um outro Reino (EZ, p. 1 43) . O outro Reino, o vt. rdad e iro, não depende mais da hu man idade, n e m d a sua evo l ução porq ue a sua real ização é suspend id a a u m a dec isão d ivina sobre a q u a l os homens não têm n e n h um a i nf luência. Santo Ag os­ tinho esboça já a concepção l uterana do d ual ismo dos dois Rei nos pela qual tão fac i l mente os c ristãos, conscien­ temente ou não, justificam a sua neutral i d ade, a sua indi­ ferença, o seu desprezo das " c o isas d este mundo" q ue u m d i a, forçosamente, será su bstitu íd o pelo outro. No caso agostinho no entanto, ainda não c h egamos a este ponto. Basta marg i n a l i zar a concepção revo l ucionária nas catacu mbas das heresias e das heterodoxias. O utros autores, como N . Cohn por exemplo (25), va­ l o ram uma outra solução, também típica, para d i m i n u i r -

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o i m pato revo l u c i onário da fé. Embora anterior a Santo Agostinho - atrib u i-se a Orfgenes -, a d ic otom i zação conhecerá u m g rande futu ro. Trata-se de d i sti n g u i r total­ mente entre a d i mensão total e g l ob a l d o Reino e a par­ tici pação i nd ividual e pessoal d o c ristão. E m vez de i n ­ sistir sobre a d i mensão coletiva d a c onstrução d o Rei no, se concentra todo o i nte resse sobre a ascensão i n dividual d e uma alma para u m a im o rtalidade pessoal. O d est i n o do ind ivídu o t e m mais v a l o r d o q u e o d est i n o d a h u ma­ n idade; ou ainda, o esti l o i ndividual simbol iza o d estino coletivo. Que seja pe l o d ua l ismo dos dois Rei nos ou pela d i­ cotomização da f é , o q ue i m porta p a ra B l och é o aban­ dono pelo cristianismo d a i nterpretação revol uci onária q ue sobrevive só n as correntes hete rod oxas. A h istóri a d ramá­ tica do cristianismo é q u e cada vez q ue u m a d estas cor­ rentes tende a se i m por na H i stória (forma-se u m a peri­ g osa convergência das forças d o m i na ntes com o c ristia­ n ismo oficial para abafar a n ovidade. Bloch vê u m exem­ plo particu larmente s i g n ifi cativo d esta l u ta permanente en­ tre a ortodoxi a conformada e a heterodoxia revo l u c ionária n o confl ito entre Lutero e Thomas M ünzer n o qual o "teó­ logo da Revol ução" foi l i q u idad o para a m áxima g lóri a t e r­ restre da Reforma alemã. Thomas M ünzer (nascido cerca d e 1 490, executado e m 1 525) é uma fi g u ra complexa, m as bastante si ntomá­ tica para q u e de mos m u i ta atenção a este seg u n d o tra­ balho de Bloch {TM ) . O estudo de Bloch na altura d 3 p ri m e i ra edição em 1 9 1 8 era j á notável p o r s e r a primeira monografia sobre esta fi g u ra omitida, desprezada ou ig no­ rada, desde 1 842. D uf'.S razões m otiva ram Bloch a cha­ mar M ü nzer d as trevas d o esq ueci mento. Primeiro por­ q u e é u m modelo de u m c ristão q u e foi até as ú ltimas c onseq üências d a i n ca rnação histórica d e uma fé espe­ rançosa. Depois, porque como teólogo, além d e viver a sua fé, foi u m dos primeiros a pensar em térm i n os p o l íti­ cos e sociais a novidade d a Boa Notícia. Quais foram os fatos? Nos anos 1 5 1 3, su rge do nada h istóri co em Magde­ b u rg o uma figu ra i rreq u i eta, u m pred i cador ch amado Tho­ mas M ü n zer qu e se i m põe rapid amente pelas novas di1 91

mensões e pela audácia que d á à p red i cação d o Evan­ g e l ho. M a l g rado o seu êxito - que despertou os c i ú mes de Lutero - Thomas Münzer tem uma vida i n stável q u e j á caracteri zava a sua i nfância. D e fato, d esde o seu n as­ c i m ento a infeli cidade e o opróbrio pai ravam sobre o se u d estino. Não s ó a sua fam ília era pobre , ma s o seu p a i f o i enforcado (TM , p p . 8-1 7). Depois d e u m pri mei ro en­ contro com Lutero em 1 51 9, M ünzer rad i cal iza sem pre mais as s uas posições porq ue está c o nvencido q u e o Rei­ n o está perto (TM, p. 72). Numa manhã de 1 521 , em P ra­ ga, prega um manifesto à porta da sé chamando o povo à rebelião aberta em nome da fidel idade i ncon d i c ional ao Evan gelho. Expulso, perseg uido, M ü nzer vai d e cidade e m c i dade, acentuando o caráter p o p u l a r d a sua p redicação tanto no conteúdo como na forma, sendo um dos primei­ ros a escrever uma missa em alemão (TM , p . 21 9) . D i rig e as suas críticas mais violentas contra a posição l uterana d e conci l i ação e de compromisso com os poderes estabe­ lecidos. O q ue conduz a uma rutu ra defini tiva com Lutero em 1 528. A identificação com os m ise ráveis l eva não só M ü nzer a i nsistir sobre o val o r da re l i g ião popu lar, mas a desenvolver a di mensão d e f raternidade i m p l ícita no Evan gelho contra a concepção h ie rárq u i ca d o l u teranismo (TM, pp. 1 30-1 31 ) . Esta fratern i da d e encontra a sua ex­ p ressão concreta na organização d e l igas campesinas e m q ue' s e prepara a subversão a rmada d a ordem vi gente. Em bora M ünzer tivesse pensado ( e possivelm ente p re­ ferido) uma forma não violenta e pacífic a de oposição (26) , admite que a situação de violência c riada pelos g rupos ao poder só pode ser q u e b rada p o r uma contravi olência. Neste período propriame nte político, M ü nzer tenta d eses­ perad amente manter um balanço entre as exigências d o seu radical ismo e as necessi dades d a ação. S e nas l i g a s campesinas consegue u m a p o i o frág i l d a peq uena aristo­ c racia, a bu rguesia urbana fica fora da a l iança. E na p rova decisiva da batalha de Fran khause n , o partido camponês encontra-se totalmente isolado e é total me nte d gstru ído, malgrado a confiança d e M ü nzer n u ma i ntervenção m i l a­ g rosa dos poderes divinos. E l e mesmo será selvagemente executado no mês de maio d e 1 525. O s i n g u lar ecume1 92

nismo d o statu q u o d o m i n a d o pelas a l tas aristoc rac ias ca­ tólica e protestante sai confirmado pela p rova d e força. Quem é Thomas M ü nzer ? U m a fig u ra t ã o i n q u i etante n ã o podia deixar d e s e r i nterpretada d e maneira bastante contraditória. Será u m g ê n i o pol ítico q u e n ã o foi entendido pelos companhei ros de l uta? Um revo l uc ionário m árt i r, a n i q u i lado pela reação como Francisco J u l ião o p i ntou (27) ? Um psicopata dese­ q u i l i b rado e pervertido, uma espécie d e "Führer d 'avant la l ettre" como o im a g in a um pouco g ratuitamente N . Cohn (28) ? Bloch sistematicamente analisa todas estas h i póteses a part i r das teste m u n has q u e a h istória nos trou­ xe (TM , pp. 1 08 e ss.). À l uz d estas i magens, M ünzer apa­ rece como um apaixonado d o absol uto (TM , p. 205) e u m entusi asta fervente a o ponto d e man ifestar uns traços i n ­ d iscutivelmente d e i m atu ridade (TM , p . 1 1 1 ) . Mas também ti n h a um d o m ín i o d e s i ; manifestava u ma firmeza cujas exigências, cujo rigor acético s ustentavam uma rara com­ p reensão das situações p o l íticas e u m a penetração aguda das suas contrad ições {TM , p . 1 1 5). A conj unção d o fer­ vor apaixonado para o absoluto e do rigor exigente para a ação eficaz criou um rad ical ismo sem comprom isso e sumamente perigoso para a ordem estabelecida (TM, p . 1 1 7) . Se para os seus adversários é " o h ome m a l i q u i­ dar", a sua grandeza se manifesta na sustentação d e uma situação objetivamente d esesperada. Não hesitou a ir até as últimas conseq üências da sua fé, mesmo se a sua de­ te rmi nação i m pl icasse a sua morte. Mas ass i m soube ver mais do que os o utros reformadores que uma fé susten­ tada até as ú lti mas c onseq üências concretas i m p l i cava a su bversão d e uma ordem i nc o m patível com as suas p ró­ p ri as exigências. Do o utro l ado, entendeu que todas as c o n dições a i n d a não estavam reu n idas para q u e a j usteza da sua visão triunfasse. Tentou pois criar estas condições. Ass u m i u assi m uma postu ra p rofética, isto é, ind icando j á p o r uma anteci pação subjetiva mas concreta na s u a re­ flexão teológica, o q u e a sociedade não estava ainda e m cond ição de realizar. Antes d e B l o c h , F. Engels n u m tre­ cho extrao rd i nári o d a sua h istória das guerras campesi­ nas na Alemanha (29) , j á t i n h a su gerido esta i nterpretação. Esc reveu pois: 1 93

"O pior que pode acontecer ao c hefe de u m partido rad ical é de ser o b rigado a tomar o poder num momento em que o movi mento ainda não está m ad u ro para a domi­ n ação da classe que representa, nem para a a p l icação das medi das que exige a dominaç ão d esta c l asse . O que pode fazer não depende de sua vontade, m as do estág io em que chegou o antagonismo das d i ferentes c lasses e do g rau de desenvolvimento das c o n d i ções materiais ou das re lações de prod ução e de troca q u e determinam a cada i nstante, o grau de desenvolvi mento d as oposi ções de classe. O que deve fazer, o q ue o seu próprio partido exi ge dele não depende tão pouco dele, tão pouco o g rau de desenvolvimento da l uta d e c l asse e d as suas condi­ ções. É determinado pelas d outri n as que ensinou e pe las reivi ndicações que form u l ou até l á, d outri n as e reivi ndi­ cações q u e não surgiram de razões momentâneas das c lasses sociais em presença o u d o estad o momentâneo mais ou menos contingente, das rel ações de p rodução e de troca, mas da sua c o m p reensão mais o u menos g ran­ de dos resultados gerais do desenvolvimento social e eco­ �ômico. Encontra-se ass i m d i ante de u m d i lema i nsol ú­ vel . O que pode fazer contradiz toda a sua ação passada, os princípios e os interesses imediatos do seu partido e o' que deve fazer é irrealizável". A reflexão de M ünze r, a sua "teologia da revol ução" f az que o seu destino não só acabe num fracasso, mas volte para nós: "pois os m ortos sempre voltam" (TM , p. 9) Th. M ü nzer não é só figu ra trágica, m as é antes de tudo e para nós um autor q ue u ltrapassou e conti n u a u l �rapas­ sando a sua tragédi a pessoal a o se pensar numa reflexão que nos atinge h oj e . Ma is u m a vez enco ntramos a con­ cepção "em esp iral " que B l o c h tem d a H istória em geral e dos desti nos i nd iv id uais e m particu lar. Di ante da pes­ soa, pode mos ter vários sentimentos; mas frente à obra de M ü nzer estamos obrigad os a rei n terp retá-la de ma­ neira a verificar se hoje não é plenamente verdadeiro e possível o q ue ontem parec ia i m possível e co ntrad itório. Depois da situ ação h i stórica, da pessoa, é agora a obra, no caso particular a teo l o g i a d e Th. M ü nzer que nos interessa. A teol og i a de M ü nzer se organ iza em torno de uma reflexão extensa sobre a fé (TM , pp. 1 28 e ss.) (30) . A 1 94

fé é u m a atitude total e m q u e o homem m o b i l iza todas as suas energ i as para uma ação ún i c a em favor d a i rr u p­ ção ( " D u rchbr u ch ") d o Rei n o neste m u ndo. Nela se con­ juga d ialeticamente o amor e a ação, o q u e se expressa na concepção ti picamente m u nzeriana d a fé como entu­ s i asmo da razão". Neste sentido M ü n ze r se i nscreve to­ tal mente na tradição p rotestante q u e recusa a j ustifica­ ção d e u m a o rd e m natura l , baseada n u ma i negalidade q u e seria i nere nte à c o n d i ção h u mana. A ordem vigente n ã o é senão uma situ ação d e fato e contingente q ue deve ser mudada. A fé como atitude total i m p l i ca u ma fundamental u n idade entre a ação e a reflexão que exc l u i qualquer d i ­ cotomia o u d ua l ismo ético. M ü nzer recusa pois a d i s­ ti nção l uterana e ntre uma ética propriamente "cristã" q u e visa o Rei n o de Deus e q u e é vál ida para o s eventos q u e dependem j á agora d e l e e u ma ética "sec u l ar", vál i d a para o estado atual d a s coisas. Este d u al ismo, caracterís­ ti c o da t rad i ção l u terana (31 ) , i nd u z os c ristãos a uma ati­ tude passiva enqu anto o Rei n o de Deus não esteja total­ mente presente e a u m a i n terpretação pessimista d a ação sec u l ar. Se, e m ce rtas ocasiões, o d u a lismo l utera no p e r­ mite criticar a ação sec u l a r em nome da ética c ristã, e m rea l idade a "teolog ia t ra n q ü il a " d o s l uteran os (TM , p p . 1 21 e ss., 1 43 e ss.) se acomodou d o m u n d o c o m o está, abrindo a todos os compromissos. A solução mais fác i l será uma fuga no pietismo ou no misticismo q u e sonha e aspira a u m o utro m u n d o em que se esquece d o atu a l . Daí a atitude t ã o característica de Lutero d e resistência à o rdem vigente e aos seus abusos, i n c l usive de " resis­ tência passiva" que não é senão uma maneira d e es­ capar ao d i lema que M ünzer colocou e viveu abertamen­ te : como viver total me nte, isto é politicamente também, o Reino neste m u nd o a fim q u e a incarnação seja claramente manifestad a ? Ao passo que o acetismo l uterano é, na rea l i dade, uma racional ização de u m pessim ismo funda­ mental em relação ao homem e às suas ob ras, o acetismo mu nzeriano é uma contestação das fac i l id ades e das "ten­ tações" presentes e u m a i n citação à c riação (32) . Em vez de ren unciar vol untariamente, esperando receber uma j us­ ta compensação n u m " outro" mundo, o c ristão seg u n d o M ünzer deve s e r real ista para c riar a s cond ições pelas 1 95

q u ais poderá obter o máximo. É o reconheci mento das l i ­ m itações h u manas q ue n o s obriga a d i m i n u i r a fim d e c rescer, s endo q ue o a lvo é a p l e n it ud e d o "mais ser" ; a s u a con q uista malgrado e através d o menos ser temporá­ rio da nossa condi ção {TM , pp. 2 1 3 e ss.) . A exigência total da fé d isti n g u e a reflexão mu nze­ riana não só da concepção l u terana, como d as outras in­ terpretações da fé p ro postas p e l os Reformadores. Assim da concepção de Zwi n g l e q u e esti ma q u e a ação h u mana se real iza pela p o u pança e pela tesorização (TM, pp. 1 35 e ss.) . Posição q ue Bloch q ualifica de " pequena b u rg ue­ sa". Também M ü n zer d i verge de Calvino (TM , pp. 1 37 e ss. ) , embora os dois se situem em perspectivas an á­ l ogas q u anto à va loração da p raxis h u mana no trabal ho social. A exaltação calvi nista d os val o res empresariais ca i faci l mente numa i deologia pré-capital ista q ue concebe a felicidade pelo mero êxito econô m i co. Se a trad ição evan­ gél ica é mais progressista do q u e a l uterana pela sua valoração da ativid ad e voluntária e social d o acetismo c ri ador, pela rec usa d o pess i mismo econômico e pol ítico, continua domi nada por uma concepção demasiad amente i ndividual ista. Embora tivessem exe rcido uma g rande infl uência posteri o r sobre os câmbios da sociedade oci­ d ental, as interpretações d a fé por Zwingle e Calvi no não l evaram bastante e m c onta a p l u ri d i mensionalidade d a existência h u mana, em particular a necessária i nserção da praxis i nd ividual n a obra comum. A totalidade d a fé i m p l i ca uma d i mensão coletiva e comunitária q u e consti­ tui o seg undo elemento caracte ríst ic o d a teol og ia m u nze­ riana. Efl'.:, vez de insistir como os Lute ranos : sobre a trans­ cendência absoluta d a ação d ivina, M ünzer põe em valor a fraternidade humana em que se refletia a g randeza di­ vina. Antes de ser a expressão d a subm issão cega ao Todo Poderoso, a fé se rea l i za na laudação ao Criador na e pela Comunidade dos Santos. Neste ponto, M ü nzer se d isti ngue do individ ualismo evan gél ico q ue malgrado a sua confi ança nas possi b i l idad es d o homem de testemu­ nhar da g raça que recebeu, n o entanto restringe-se ao g rupo seleto e exc l usivo dos "eleitos", anu nciando já a teoria e l i tista do d esenvolvimento. Ao contrário, para 1 96

M ü n ze r, a d i mensão c o m u n i tária da fé i mp l i c a n a aboli­ ção das d i stinções, i n c l usive d e c lasse, e n u ma confiança n as poss i b i l idades d a h u ma n idade i nteira n a sua afirma­ ção c o l etiva n u ma sociedade j usta para todos. Existe pois uma tendência na reflexão m u n zeri ana a um populismo (33) q u e será o correspondente , ao n ível social e p o l ítico, d a s u a valoração teológica das formas popul ares d a re­ l i g ião. A total ização da fé se realiza pela constituição d e comun idades e m q ue s e i n carna a id é ia-fo rça ( e nã o a i deol o g i a !) d o "Corpus Ch rist i" (TM, p. 1 95). A fé é u m princíp i o q u e "faz d a ig reja u ma potência civi l izado ra, u m i nstrumento d e transformação para u m estado melhor, o e lemento sempre renovado r d a finalidad e social". M ü n­ u m a fo rça educativa, o supo rte dos a lvos a l ongo p razo, zer dá ao que foi até agora o m ito do cato l icismo, as suas verdadei ras d i me nsões : "a cato l icidade como revelação c o m u n itária da h u manidade como ú n i c a i magem real d e De u s " (TM , p. 230) . Se a fé pode ser entendida como " entusiasmo da ra­ zão" despertado pelo Espi rita Santo no c rente, seria n o e ntanto u m erro pensar q u e M ü nzer c o nfia n e l a i ngenua­ mente. A fé qu e s u rg e como u m a isca, q u e explode nas trevas d o desespero, q ue q uebra os c írculos viciosos da d esconfiança e d o pessi mismo, não é só u m a decisão i n s­ tantânea e momentânea. É u m a man e i ra de viver a sua existên c i a ; u m ritmo dado ao fl uxo d a n ossa h i storici dade. A terceira característica d a fé é portanto a sua tempora­ lidade. A fé não é, nem um estado privi legiado (de g ra­ ça) , nem um estág io (de uma ascensão espi ritua l ) , e a in­ d a menos u m i nstante fugaz (e estético de i nspi ração) . É u m a manei ra de se constit u i r pessoal mente n u m a h istó­ ria c oletiva pela sua tempora l i d ade. De dar um sentid o afi n a l , isto é u ma finalidade e p o r conseqüência u m a orien­ tação e u ma coerência à m u lt ip l ic idade d os eventos. Nes­ te sentido a fé é sempre u m a h istó ria q ue t ransforma a situ ação onde estamos colocados. É esta d i mensão tem­ poral q ue explica que a fé é uma perseve rança, um tra­ balho, u m a praxi s que se renova sem p re pela confiança q ue o Esp írito Santo desperta em nós e que a i m itação de C risto reanima. A fé h u mana se desprega na h i stó ria como u ma revel ação contínua e conti n u ad a n a qual se 1 97

m u lti p lica os possíveis de u m a c riação férti l . Deus como Criador é antes d e tudo q uem gerou a poss i b i l id ade da criação. Mas a d i m ensão tempora l d a fé não d i m i n u i , ao contrário, o seu d i nam ismo. N ão se trata d e uma id enti­ ficação com uma o b ra que d e q u a l q u e r modo se rea l i za­ ria pela g raça d e D e us, pelo Deus q u e atua na H istóri a e no mundo, pelas m istificações realistas de q u e o cris­ tianismo é tão corrompido. A fé não é u ma simp l es res­ posta como um eco h u mano ao c o ncerto d ivino, um re­ flexo aproxi mativo ao g ê n io d ivino, u ma rep rodução mo­ desta da obra divina: mas é o concerto, o gênio, a obra divina fei tos pelos homens e nos q uais Deus se reflete, se ouve, se multiplica. Os homens são po rtanto i mpaci en­ tes de atuar e de se real izar. A certeza que o Rei no está perto i n cita a uma c o n centração das energias q u e atua como um catalizad or, que p reci pita as decisões e os even­ tos. Longe de ser u m a forma de "seren itas", outra ex­ p ressão do qu ietismo c ristão, a fé é o elemento funda­ mental pelo qual o h omem descobre todos os seus recu r­ sos e se torna s u m amente ativo. É naquela " reve l ação" d e si a s i mesmo, n esta i dentidade recu perada, que o homem entende q u e o Rei n o pode estar presente. Neste caso, a ú l t i m a conseq üência da inte rp retação munzeriana da fé é a n ecessidade para a fé de se obje­ t i va r (TM , p. 215). O Reino não é só uma construção total (para todos), global (ou total itária), imediata e u r­ gente, ainda deve se r concreta (TM , p. 238) . A objetivi­ dade da fé nos obriga a u m empenho para a sua real i­ zação nu m a sociedad e j usta, onde c a d a se r h umano pode se real izar seg undo as poss i b i l idades que .toram apresen­ tadas nas promessas d ivi nas. Não só esta e)f; Jência i m­ p l ica u ma determ inação em favor d o mundo atual e p re­ sente, mas um esforço i menso d e real ismo e de objetivi- . dade. Devemos pois i r além d a p u reza das i ntenções, d a g randeza da final id ad e ú ltima e da i ncondicionalidad e da i nterioridade q ue d eterminam a esfera p ropriamente rel i­ g i osa para a compreensão d o vivido, a determ i n ação d as condições externas e o real ismo no rel ativo q ue exi g e a ação pol ítica. Não se trata de acomodar respectivamente estas exig ências contraditórias, mas i nventar uma s íntese na q u a l estas exig ências se fert il izam e di alogam. Claro 1 98

q u e se pode sonhar de u m a convergência final e m q u e a a utenticidade d a vida pessoal e rel i g i osa " i pso facto" transforma a sociedade. A solução p rofética d e M ü nzer foi d e i nverter os térm inos d esta apocal i pse. É n a cons­ tituição de uma sociedade j usta e fel i z q u e a vida pes­ soal e relig iosa não só encon tra a sua verdade, mas a sua significação mais alta. Se a rel igião foi até agora u m dos meios p rivi legiados q u e i nventou a h u m anidade para sonhar e se rep resentar a finalidade e o alvo das suas b uscas, a pol ítica é h oj e o i nstru mento mais adequado para realizá-los. A g rande i n ve rsão q u e começa possivel­ mente com M ü nzer e que ati n ge a sua clara exp ressão em Karl Marx, é que a verdade da transcendência não está além do concreto, mas aquém ; q u e a l ib ertação dos h o­ mens, de todos os homens e a sua real i za Ç ão plena não está além da po lítica numa vida espiritual o u estética, mas aquém : n a sua maneira de conviver e d e viver; que o absol u to não está além d a realidad e relativa, mas aqué m : n o conc reto transfig u rado. Que esta teo logia é uma teologia d a revolução se explica pela convergência d as q u at ro caracte rísticas fun­ · damentais : tota l i dade, g l o ba l i d ade, atualidade e o bjetivi­ dade d a fé num comum radical ismo. Qualquer ordem q u e n ã o permite viver estas exigências d eve s e r rad ical mente transformada porque não podemos admitir que alguém não possa real izar as suas possi b i l i d ad es. A u n iversali­ dade d a fé exi ge pois a sua total realização. Esta exi­ gência revo l ucionária é raramente d iscutida hoje. O q u e faz q uestão s ã o os meios. E d entro dos d iferentes " m eios" possívei s : a violência. N ota-se q u e p ara M ü nzer, como para Bloch, não pode ter sentido sistematizar a reflexão sobre a violência e os outros meios da revol ução numa teol og i a o u numa teoria d a violência. Teorizar a violên­ cia seria de fato admitir q u e a real idade é d ominada por dois princípios e que a n ossa tarefa é d e chegar a uma síntese q u e existe só um princíp i o e u m Summum Bonu m ; para Bloch o pri n c ípio d e esperança e o Reino d a Liber­ dad e ; para M ünzer o amor e o Reino de Deus. A violên­ cia, como o mal, embora reconhecida é n o entanto radi­ cal mente rel ativizada. De um lad o porque a d esti nação do homem nem é a violência, nem o m a l , mas o bem ; d o 1 99

outro lado, porq ue a violência e o mal em si são insen­ satos. A violência é rel ativa porque é funcional. Não n os interessa saber o q ue é a violência em si, m as sempre o q ue se pretenae através dela, o q ue está além dela, qual é o seu sentido e a sua finalidade. A violência s u rge n a medida e m q ue q u e remos o Sum­ m um Bonum, q ue a esperança p rete nde concretizar ago­ ra, aqui e para tod os, todas as p ro messas, as aspi rações e necessidades dos h omens. O q u e i m porta pois é conhe­ cer com real ismo e objetivi dade as final idades de um mo­ vi mento e as situações d entro d as q uais as violências surgem. Assim teremos os elemen tos para saber fazer o "melhor uso" das violências. A tarefa consiste em des­ c rever, c i rcu nscrever, analisar as sit uações d e violência, med i r as suas conseq üências próxi mas e l ong ínquas a fim d e estabelecer as reg ras p rovisórias e tem porárias q u e i n d icarão o bom uso d esta " h u m ild e serva d a fel i ci d ade". Dentro desta perspectiva, raros são os trechos da obra de B l och qu e se referem à v io l ência. O mais desenvolvido é j ustamente u m c u rto parág rafo d o estudo sobre Thomas M ü nzer em que se d i sc ute a estranha proposta de " u m b o m uso da violência" (TM , p p . i3i e ss.) . O trecho é d iv i d id o em d uas partes distintas. Tra­ ta-se primeiro de demistificar a i nversão de valores q ue a s \ c lasses domi nan tes i m põem q uando conse g u i ram i nsti­ tucionalizar a sua violência. Neste caso, não se fala mais d e violência, mas, ao contrário d e "tranq ü i l idade" e d e " paz". De fato, o pr 1der dominante necessita d e " paz" para g ozar d o seu reg i m e de violência. P rega-se a comp reen­ são, a paz social, o c onsenso, o bem comum . . . para i m­ pedi r q ualquer vontade de subversão. A paz, red uzida à "tranqüilidade dos cemitérios" , é tão deturpada como a s ubversão qu e será considerada: perturbação, agitação, desorde m (34). É s intomático que M ü nzer foi sempre des­ c ri to como "Um d esesperado, um tarado, um sanguinário, q uando na real idade, como Bloch o m ostra, e ra um terno e m que " resplandecia o amor fraternal ". O mesmo ópio tranq ü i l izante se m a n ifesta por uma política paternal e paternalista em q u e se canta e se repete q u e o "p ovo é bom", q u e a "bondade é uma v i rtude nacional", sendo c laro q ue n a primeira demonstração d o contrário, o poder 200

até pac ifista não hesitará u m i nstante para i nstau ra r o terror, isto é a violência sistemática e abe rta. E n q u a nt o não existe resistência à v i o l ê n c i a i nstitucional izada, nã o h averá s enão u m a tranq ü i l i d ad e c o l etiva. A pec u l i a ridade d e u ma forma tão i nteligente d e opressão é q ue não b asta a rebe l i ão para q uebrá-la. O p rotesto é rapidamente mar­ g i n a l i zado, l i mitado e exterminado. A ú n ica saída é vio­ l entar a p rópria violênc i a ; isto é, tomar o poder mes mo. Sem esta co ndição, esse n c i a l para quebrar o círc u l o vi­ c i oso institu;do pela violência i nstitucionalizada, q u a l q u e r re bel ião cairá sempre à merc ê d o g rupo a o poder. O r a a tomada de poder i m p l ica, por sua parte, q ue se consi­ d e re a situação d e violência como exp ressão d e uma es­ trutura organizada e sistematizada p e l o poder. Portanto a violência d a violência, isto é a revo l u ção, não pode te r como final idade a substitu i ção d o g ru p o ao poder, mas a transformação d a estrut u ra q u e apóia o poder. Quando a oposição chega a este ponto, é p rovável q u e não estej a­ m os já mais n u m a situação d e violência p ropri amente d ita, m as d e g uerra, o u de l uta d e c l asse. Dentro d esta perspec­ tiva, o pacifismo é uma traição. P regar a paz e a com­ p reensão é u m a i m postu ra e cegueira. A única saíd a é q u e b rar a violência i nstal ad a e organizada por u m a outra : a contra-violência (35), q u e vai d estrui r os pontos de apoio, a i n fraestrutura e as i déias q u e sustentam a situação vi­ gente. É u ma obra c o l etiva d e l i b eração em que não pode existi r tran q ü i l idade, nem paz. Devemos agora conside rar u m a o utra d imensão d o problema considerado. Até agora v i m os que a v i o l ê n c i a e ra relativa e antes d e t u d o u m problema pol ítico. M as, n u m a situa;::ão de v io l ê n c ia, o h omem não está só ati n g i d o como i n d i víd uo. Também é ati n g i d o pelas violências q u e s e faz aos outros. O pacifismo n a p ri meira situação era ceg u e i ra e m u i tas vezes um e rro tátic o ; ag ora é o mal porq u e é u m a partici pação à violência feita ao outro. Acei­ tar q u e o poder faça v io l ê n c ia a o u trem é tornar-se cúm­ p l ice d a vio lência . É se a l i e n a r perdendo qualquer n o­ ção d e responsabi l i d ade. P r i m e i ro para com a víti m a ; de­ pois para com o protagon ista. A minha i n d iferença e a mi­ n h a i nsensi b i l idade i m pedem q u e o o u tro, q u al q u e seja, possa tomar consciência d a s u a situação (36). "Quando

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um i rmão encontrn-se n u m a posição e rrada, d evo escla re­ cer o seu c rânio e não q uebrá-lo". M as esta "conscientiza­ ção" não é um substituto da contra-violênc i a ; só terá sen­ tido se ao mesmo tempo estamos e m condi ção de assu mir plenamente o poder. Mesmo escla recendo out rem, d eve­ remos quebrar o peso da violência i nstitucionalizada. O ra se eu posso duvidar d a m in h a part ic i pação a uma contra­ viol ência, d ificil mente posso me abstrai r d o sofrimento d os outros. t por isto que é tão c o m u m ver tanta com­ paixão e tão poucos atos conseqüentes, em particular nos meios cristãos em que os vel hos refl exos de caridade ainda servem de substitutos aos em penhos tangíveis. Em certas c i rcu nstâncias a não-vi olência e o pacifismo podem se j ustificar {37) , sobretud o q u ando n ão existem outros meios para afi rmar a potência do amor e da j ustiça senão por um sacrifício. O sacrifício, e m particular o martírio, pode ser aceito enq uanto não é uma reg ra, mas u m gesto único e audacioso q u e só i m p l i c a a responsabi l idade de um i nd ivíduo. Porque o amor vai além d a violência, não podemos ficar ao nível da solução p o l ítica d a violência. Devemos ir além da contra-violência para o amor q u e realiza a felicidade. i= naquele triu nfo criador d o amor acima d a. violência que se rea liza a tensão entre o Deus de j us­ tiç'a ríg ida do Ve l h o Testamento e o Deus de amor e da' redenção do N ovo Testamento, que são para M ünzer o mesmo Deus. Por isto também não existe nenhuma d is­ sociação entre os d ois Livros como não existe nenhuma i ncontab i l idade entre o amor que buscou M ü nzer e a re­ volução que organizou. 4 . 7. A tentativa de Thomas M ünzer demonst ra que a fé cristã não pode s i m p lesmente ser q u a l i ficada de aliena­ ção. Em certas c i rcu nstâncias, a fé concretamente orien­ tada pode ser um dos motivos d a l i be rtação da h u mani­ d ade (TM, p. 61 ) . E m particular, quand o as c i rcunstân­ c i as não permitem q u e u m a revol ução seja o bj etivamente possíve l , a fé pode cristal izar e m ante r um p rotesto soci a l ou político, cu ltu ral ou econômico ( P H , p . 1 25) {38). Assi m o h istoriador marxista alemão E . Werner, depois d e estudar 202

sistematicamente os movimentos de p rotesto relig iosos ao f i m d o I mpério Romano (39) e d u rante a Idade Média (40), c o n c l u i u q u e "a heresi a manifesta ideologicamente a re­ b e l ião do povo sob u m a forma rel i g i osa". A mesma i n­ terpretação caracteriza os trabalhos d e R. Facó (4 1 ) e s o b retudo o recente traba l h o de M . Vinhas de Quei roz (42). Este último autor c hegou à concl usão que o movi­ mento do Contestado seg u i u q u ase que perfeitamente o modelo de uma paixão c ristã, se ndo o seu "messia" u m c risto sertanejo. A parti r d estas coincidências, podemos entender porque é tão freqüente fazer converg i r o marxis­ mo e o cristianismo n u ma mesma espera messiânica de uma situação perfeita e m que os h omens enfim g oza rão de todas as promessas milenaristas. Para apreciar a po­ si ção bastante sutil de B l och, que valora o messianismo, m as critica d u ramente o m i l enarismo, d evemos disti n g u i r estes d o i s fenômenos sociais. As promessas milenaristas constituem uma concep­ ção d a evo l ução d o m u n d o seg u n d o a q ual o estad o atual das coisas está ao ponto d e acabar e será substituído em b reve por um estado perfeito, ch amado o " m i l ê n i o " (43). Estas convicções se expressam na d i n âmica social por m ovi mentos que têm as seg u i ntes características : 1 . Os seus membros são convencidos da iminência d o fim d o mundo atual q u e induz a u m a espera passiva d os acontecimentos q u e M. Batail l o n ad mi ravel mente d esc reveu em " Evangélisme et m i l lénarisme d ans l e N ouveau Monde" (44) ; 2. E m bora neguem a situação atual, no entanto es­ tes m ovi mentos têm d ificul dades em ir a lém dos l i m i­ tes d o i mediato, c riando mais um c l i m a pré-re 0 lucio­ nário explosivo q u e se organizando numa su bversão sistematizada (45) ; 3 . U m a c oncepção linear, embora progressista, d o d esenvo lvim ento h istórico. A idéia moderna de " p ro­ g resso" seria a sua forma secu larizada (46) com a mesma tendência em subestimar os obstáculos e as opcsi ções. A desconfiança de Bloch a respeito do milenarismo ( a que chama de " q u i l i asmo", PH, p . 1 .504) é total . É ba203

seada sobre a anál ise de d uas situações h istóricas. De um l ado o mile narismo nacional-social ista patente no mito do "terceiro Reich" q u e devia permanecer m i l anos (EZ, p. 1 26 e ss.) ; d o outro e sobretudo, pelo exem p l o d a Re­ volta camponesa d u rante a Reforma alemã (TM , pp. 56 e ss.). Bloch nota q u e : 1 . A substitu ição d o messianismo pelo m i lenarismo fa­ vorece uma concepção subjetivista da mudança social e pol ítica por causa da confiança absol uta e cega co­ locada na i ntervenção de um l íder cuja i n iciativa ex­ c l usiva confirma n a rea l idade a pass i b i l i dade coletiva, em vez de a n i m á- l a. Assim a espera no reaparec i men­ to de Frederico li q u e T. M ünzer denunciou (TM , p . 59) ; ou o cu l to d o "Führer" no caso d e Hit l e r (EZ, p. 1 28) para os nazistas. Na realidad e a confiança no l íder expressa social mente u ma con cepção fata l i s­ ta do curso d os eventos. 2 . O m ilenarismo tende a se confu n d i r com uma con­ cepção ingênua d o M i lênio (TM, p. 237) . Na repre­ sentação mitológica deste "Reino" aparecem tendên­ cias retróg radas, até reacionárias. O m i l enarismo não olha para frente, mas bem para trás. Para a restau­ ração de u ma antiga fel icidade, ou q u e se supõe ter sido uma antiga fel icidade. 3 .• Enfim o milenarismo por se apoiar na certeza d a che­ gada fatal e i m ed i ata de u m paraíso conhecido, não entende que a sua realização necessita de compro­ missos táticos e de um planejamento estratégico. Quer tudo agora mesmo e total mente . . o que pode l e­ var a uma g rande i n g enuidade na ação (TM , p. 60 e EZ, pp. 1 32 e ss.) . Assim o subjetivismo da l i derança, as rep resentações . i l usórias do Rei no e a crença no surgi mento mágico d o M i lênio i l udem quanto à s necessidad es d e uma ação con­ creta e pol ítica. Tapa a crua real idad e ; e m particular a fatalidade e a passividade coletivas. J ustamente T. Mün­ zer se mostrou revolucionário na med ida e m que soube anal isar objetivamente esta situação e insistir sobre a ne­ cessidade de pensar politicamente o movi mento. Ao sub'

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jetivismo d e uma " revol ução romântica", o pôs uma s u b­ jetividade radicalizada com u m sentido agudo da respon­ sabilidade i ndividual e pessoal, a o b rigação de realizar concretamente a verdade e o valor d a autoridade funcio­ n a l (TM, p. 234). Enfim Bloch considera o m i l enarismo a m b íg u o pela maneira d e se expressar socialmente por seitas fechadas n u m fanatismo rel i gioso excessivo. O seitarismo milena­ rista pode no entanto ter d uas interpretações d ivergentes. De um lado, como Lenine o denunciava, é a expressão da "doença infantil da extrema esquerda anarqu ista". Só se interessa aos "escol h i d os" e perde por completo o sentido d o universal próprio à Revol ução. O m i lenarismo pode se tornar anti-social n a med i d a em q u e pretende realizar as promessas só para uma m i n o ria (47). M as u ma outra interpretação é também poss ível . Naquelas situa­ ções históricas, a exi gência radical d as promessas só pode se concretizar nas estrutu ras fec hadas, m as van g uard i s­ tas, das sei tas e não nas estrutu ras falhas d a I g rej a i ns­ talada no poder. Bloch pro põe pois o segui nte antago­ n ismo (TM , p . 1 27 e ss.) : A seita é: 1 . esco l h i d a ; 2 . nela se entra e p o r conseq üência a seita se re­ nova sempre; 3 . olha para frente ; 4 . é exigente e m função d o absoluto que visa, ex­ c l u i por con&eq üência q uem não aceita e admite e ste abso l uto; 5 . é universal n a sua exigência porque pede a participação gl obal e total de q ualquer crente. Ao contrário, na Igreja: 1 . se nasce; 2 . nela se i nstala, tudo está d ito para sem pre pela trad ição; 3 . olha para trás para o de pósito d ivino q u e deve ser explorad o ; 4 . é sincretista e se baseia na corrupção e nos com­ promissos ; 205

5.

relativiza a verdade e não exige a participação total dos homens. N o entanto para que a seita, d entro destas seg undas perspectivas, seja realmente positiva, p rog ressista e l ibe­ radora, deve ser c onstantemente politizada e criticada para sa desfazer do seu fanatismo e d o seu excl usivi smo. E m conclusão, para Bloch, o m i lenarismo é u m a forma d eturpada de messianismo. Em vez de n os d eixar i l u d i r pelas promessas m i l ena­ ristas, devemos i nterpretar a espera messiânica que cons­ titui possivelmente o elemento f u ndamental que l i ga a busca d e Reino, o "espírito d o �xodo" e a real ização d a utopia concreta. " O messianismo é o s a l d a terra - e d o céu também ; d e maneira q u e n ã o some nte a te rra, mas também o céu esperado não se tornem ch atos" ( P H, p. 1 4 1 5) ; "é o sursum corda das rel i giões" ( P H , p. 1 41 4) . Talvez a mel hor defi n ição d a espera messiânica foi p roposta por M. 1. d e Pere i ra Q u e i roz (48) : "É uma comu­ n idade desafiada por um Messia, q u e pretende alcançar o u construir um para íso terrestre que sign ificará a sol ução e a fe licidade neste m undo para os adeptos". Desta defi­ nição podemos extra i r e d esenvolver as segui ntes carac­ terísticas: 1 . ' A espera é anterior ao l íd e r q u e catal iza, d esafia, p rovaca mas não i n d uz o movimen to. Não se trata de u m movimento suscitado por u m gênio, u m ind ivíduo ex­ traord i nário, m as de um m ovimento coletivo a n i m ado por u m a crença comum m u ito mais i m portante que o conteúdo específico: a chegada de u m Messia. Por isto "o" Messi a pode ser u m conjunto d e pessoas, di­ versas personal idades sucessivas ; o u mesmo n i n­ guém. O que conta afinal é a certeza daquela possi­ b i l i d ade. � significativo que B l och concebe o Cristo como um Messia mártir (PH, pp. 1 482 e ss.) cujo sa­ crifício rad icalizo u o messianismo trad i cional. O Cris­ to bloqu iano é um rebelde vencido cuja ressu rre ição desperta a fé dos homens. O Cristo não é mais um exem plo, um modelo perfeito a i m i tar, mas um homem que provocou uma crise h istórica que continua ag i n­ d o sobre a nossa h istória pelos outros. Assim se q ue1

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b ro u na cruz e na ressu rreição d o C risto os l i m i tes na­ cionais raciais do messianismo j udeu, mas também os l i mites rel i g i osos (PH, p . 1 46 1 ) . 2.

3.

A espera messiânica visa a constr u i r a l g o ; a alcançar a l g o ; é s u mamente positiva (49). É a convição que a construção d e u m m u n d o perfeito é possível , d esejá­ vel e provável. Nada de mais e rrado do q u e i nterpre­ tar um movimento messiânico co m o u m fenômeno pa­ tológico. Em m ui tos casos, funcionou i n discutivel men­ te como um e lemento de reorga n ização social, de re­ constituição de u m a esperança nacional, d e funda­ mentação de u m a n ova solidariedade. Este aspecto foi sobretud o anal isado n a Africa em q u e a sociologia d a descolonização e d a m udança social está mais l i­ vre dos p reconceitos e l i tistas e c l assistas d o q ue na América Latina. A i n d a hoje, para m u itos i ntelectuais d e esq uerda, como a po l íticos, é escandaloso q u e " o povo" seja capaz d e criar e d e se organizar sem o u contra a s elites t rad icionais o u modern as. O messia­ nismo é portanto u m a das fontes mais ricas d o nacio­ nalismo popular (50) . A espera messiânica expressa pois um poder criador c o l etivo de um "grupo em ação tendo em vista um determinado objetivo q u e é d e ins­ talar o paraíso na terra . . . de t ransfo rmar o mund o em q u e vive" (51 ) . Longe d e ser a causa d a d issolução o u da desinteg ração sco i a l , é um esforço coletivo pa­ ra elaborar u m a o rdem. Daí as d i me nsões éticas e p o l íticas inerentes ao m essi a nism o (52). É insuficien­ te defi n i r o m ovimento messiânico como uma "mera rejeição de uma situação h istórica" (53) , isto é como u ma rec usa de condições inferiores de existência. Enfim o movimento m essi ânico man ifesta u m a firme atitude positiva em relação a este m u n d o e ao p re­ sente, pela sua convicção q u e a felicidade é possível na nossa História (54) . Assim podem os e ntender por­ q u e Bloch não aproxi ma a fé c ristã e a p raxis marxis­ ta por uma converg ência final. Não é ao mesmo "pa­ raíso" qu e ambas aspiram, se é q u e a p raxis q ue r u m para íso. S e existe a l g o d e com u m é m uito mais n u m a negação com u m d a i nfra - e d e i n h umani dade. Am207

bas negam a mesma i nfâmia (PH, p. 1 .464) . Enraízam­ se na mesma vontade i nsurrei cional - h oj e d i ríamos, s ubversiva - e na d os mesmos objetos. Com o mar­ xismo como m étodo de transfo rmação total da teoria e da praxis d a real idade, os movi mentos messiânicos abandonam as suas d i mensões rel i g i osas para deixar l ugar aos m ovi mentos pol íticos revo l u c ionários q u e realizarão p l e n amente o q u e e ra até agora meras p ro­ messas. D i ante do marxismo, o messianismo só pode o ptar para a participação real e completa à revol u­ ção, senão se torna forçosamente m i len arista e a l i e­ na nte. Por conseq üência, podemos entend e r q u e Bl och d á menos importância à atualidade do messian ismo do q u e ao pensar total d o m u n d o atual. O messianismo teve u m a g rande sign ificação. Hoje pode mos entender a s u a plena verdade q ue está além dele, na rea l i zação d a utopia con­ creta pelo ateísm o v itorioso. Mas a anál ise das amb i g üidades do messianismo e do milenarismo n os permite também ser sensíveis, mais uma vez às dificuld ades de uma postura e d e uma d ecisão moderna. O ate ísmo não é "nat u ral", mesmo q uando é "tra n q ü i l o". Depende de u m a d ec isão q u e provocará uma série de conseq üências qu e assustam e m particular numa s ituação tão presa como a l atino-americana d e uma org a­ n ização social arcaica. Seria muito in g ê nuo i magi nar que na situação atual d a América Lati na o ate ísmo va i se subs­ tituir progressivamente a u m d efi nhamento c orrel ativo da rel igião; devemos supor ao contrári o um d esenvolvi mento complexo que possivelmente apontará para a descristiani­ zação d o continente sem qu e se saiba à i n d a bem o que se constituirá (55). M as para dar u m a primeira forma ao que serão no futu ro as i nstitu ições rel i g i osas e ainda mais as formas concretas da fé, seria necessária uma anál ise minuci osa dos n u m e rosos sintomas e contraditórios sig­ nos de mudança, o que não cabe neste trabalho (56) . Em concl usão a este capítu lo, p referimos concentrar a nossa atenção sobre a necessidade do ateísmo para que se rea­ l i ze a i ntenção mais audaciosa da fé c ristã: a constituição de uma verdadeira fraternidade. 208

4.8. Vimos q ue n a c o n ce pção radical d a fé q u e Bloch d isti ng u i u na teologia d a revol ução segundo Thomas M ün­ zer, a sua dimensão c o letiva e c o m u nitária e ra tida como fu n damental. N o Princípio de Esperança, Bloch d esenvol­ veu este ponto a parti r de u m a reinterpretação d o conceito d e "al iança" ( " B u n d " P H , p p . 1 .537 e ss.) . A Aliança é o con ceito b :b l i c o q u e c orresponde à i déia d e u n i ão i neren­ te às rel igiões e que sobressai até no seu nome: relig i o. M as ao passo q u e tradicional mente a " re-ligio" é interpre­ tada como u m a l i g ação, u m a ob rigação ( "Bind u ng") a q u e se submete u m a pa rte o u toda a h u manidade, para B l och a aliança é uma i n i c i ativa humana que d eve ser trad uzida nas categorias concretas pela solidariedade. Como o p ropôs G. G a rau d y : " o marxismo i nteg ra a comu­ nidade dos santos n a medida e m q ue a secu l a riza" (57) na exigência terc e i ra d a Revo l u ção Francesa. Esta "integ ra­ ção", a c onsti tui ção da fraternidade h u mana se realiza pela organ ização da c o m u n i d ade h u mana q u e E. Kant ti­ n h a já antecipada (58). De um lado se caracteriza por uma d u p l a d i mensão u n i ve rsal, n o espaço e no tempo. Do outro lado pela s u a s i n g u l ar constituição i nterna. A comunidad e h u mana expressão d a fraternidade visa a totali zação d a h u manidade no espaço, q ue b rando q u a l q u e r l i mitação d a frate rn idade de ntro d e u m a comunidad e fechada. A u n i ­ versalidade no espaço o põe-se à tentação d o fech amento num "g hetto". M as a tota l i zação in tegra o esforço aual nas perspectivas tem porais por u ma reatua l i zação e aproxi ma­ ção do passado, como pela abertura às responsabi l i d ades futu ras. A fraternidade não pode se constitu ir na resi gna­ ção ou pela acei tação passiva de uma trad ição, mas na constante revisão e p revisão d o se u d esenvolvi mento. Ma is i m portante n o entanto, sã o as o utras exigências, i nternas. Primeiro a frate rnidad e é u m a un idad e real e não si mbó­ l i ca ou misticamente re p rese ntada no c u lto o u nos ritos. Deve i m pregnar as estrutu ras e as fo rmas de o rgani zação. Por isto o problem a d as formas e d as manifestações da autoridade são hoje tão importantes. I m p l i c a uma partici­ pação d i reta e real de cada homem, o que pode parecer como u m a "utopia", se não soubéssemos que a utopia j ustamente aponta para a verdade e m divi d i r. Excl u i uma 209

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atitude passiva e c onformista faci l mente i m posta de c i m a para baixo, m a s i ncapaz d e suscitar a participação. O r a n ã o d evemos esq uecer q u e d u rante m ui to tempo a i g rej a atuou como uma teocracia, incl usive i m pondo a i nativida­ d e aos homens para melhor i m po r o hábito dos exerc íci os espi rituais (59) . É enfim u m a u nião p ara um mesmo alvo q u e dá a cada u m e mormente aos outros um valor real e a sua i mportância. Não é p o r acaso se a reivi ndicação d a participação às d ec isões, a exigência d e autonomia dentro d a total ização, o d esejo de autogestão (60) são hoje d i rei­ tos que reivi ndicam d i versos g r u pos, a começar pelas j u­ ventudes. Como o tinha p ressentido D. Bonhoeffer, obriga a reconsiderar as formas d e organização d as comunida­ d es, m as também a forma d a p resença cristã no mundo. Talvez a fraternidade seja hoje a aprend izagem d o saber viver com os outros (61 ) . M as então a fraternidade p o d e se defi n i r como u m a anim ação comunitária (62) q u e l u ta contra todas a s formas de passividade, de resig n ação e de submissão para que se constitui uma ordem d esejada, q uerida e formada pelos homens (PH, p. 1 38 1 ) . E não i m posta o u i mitada d e u m a o rdem n atural. É essencialm e nte u m a o rdenação horizon­ tal que aos poucos se levanta pelo próprio esforço humano e não pela vontade divina. Ora esta frate rnidade é possível somente se a opres­ são e a submissão, sob todas as suas formas, foram q ue­ b radas e se o homem chega enfim a u m dom ínio d i fícil do seu destino. Em que "os homens são adu ltos, podem admi­ n istrar a sociedade n a auto n o m i a mas ao mesmo temp o estes mesmos h o m e n s não são n u ncq completamente 'adu ltos' se este co nceito q u e r d i zer que um estad o de eq u i l íbri o pode u m d i a ser rea l izado o u encont rado" (63) . O ra se esta finalidade i m p l ica n o p l a n o pol ítico uma re:­ consideração radical d o Estado (64) , paralelamente supõe uma abolição da comunidade re l i g i osa como teocracia. Tanto socialmente, como pol iticamente e religiosamente, estamos em busca das n ovas formas desta humanidade fra­ ternal e solidária. Aprenderemos então a entender o que se chama hoj e "a morte de Deus". O ateísmo q u e necessita a fraternidade

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n ã o é nem u m anticlerical ismo, n e m um anti-teísmo, e ain­ d a menos uma indiferença feita d e i ncerteza e d e d úvida. Seria voltar às formas negativas - q u e tiveram a sua g ran­ deza e a s u a função h i stórica - d a d ia lética negativa e esquecer q u e afi na l é o fe l ic id ad e q u e é n osso alvo. N a realidade esta " m orte" é u m silêncio. Deus s e c a l a porque nesta pedagogia d ivina que é a revel ação, seja talvez che­ g ad o o d o l o roso momento em q u e os "alu nos" d evam deixar o "mestre", d e ixá-l o com e moção, mas sem i l usão. O ateísmo como rad i cal ização da reve lação do " F i l h o d o h o m e m " n os descobre q u e cheg o u o momento em q u e para q u e o s h omens c resçam, é p reciso q u e o g rão mor­ ra. Talvez Deus se cale, d esapareceu, se suicidou, para que os h omens aprendam a arte, a maneira, a necessidade d e dizer real me nte o seu nome em suas obras e que ces­ sem de a n u n ciar e de repet i r o q u e l h e foi d ito. Deus se cale para não ter ma is papagaios, m a s g ente n u m terrível face-à-face. Terrível porque o homem pode e ntão esco­ l h e r o nada. Mas o que é terr:vel , pode ser também uma g rande a l eg ri a. Poderemos d escobrir então o poder c riador d este silên c i o. Tornando-se ateus, os h omens não podendo mais i nvocar u m Deus "ex machi na", u ma p rovidência que os salvará "in extremis", são obrigados a se d escobrir e a descobri r tudo o q u e podem. Devem assu m i r até o fim o seu desti no , este destino que agora eles escol heram. A p rend erão enfim a caminhar apesar d o s i lêncio d e Deus ; m e l h o r g raça ao sacrif:c i o de Deus. Nesta c a m i n hada fraternal, descobriremos enfim não só a n ossa d i g n idade e n ossa g randeza, mas sobretud o a verdadeira sol i d ariedade. Afi nal, como Bloch notou várias vezes, dos três objetivos d a Revo l u ção Francesa, dois fo­ ram o u estão sendo concretizados porque toda a h u mani­ dade os adm ite, ao menos para si. Só a frate rnidad e é cada vez mais re legada ao mundo utopista d entro das i l usões da caixa d e Pândora. Do c redo cristão é sem d úvida a fé n a c o m u n hão dos santos q u e abrange toda a hu manidad e , q u e mais d úvida d esperta ; como o " camaraderie" comu­ nista h oj e é bem morcel ada. N ã o se ria o tempo d e c onsti­ tuir esta h u mani dade em que Deus poderia se refl eti r, c o21 1

mo o o utro plenamente revelado sem q u e os h omens tives­ sem a sensação de perder a sua identidade? Assim na s u a i n carnação D e u s j ustificou o ateísmo porq u e "nada d e mais extraordi nário d o que d a r a sua vida para o o utro".

N OTAS DO CAPJTULO 4 C. Vallejo: Poemas Humanos (1 923-1938), Buenos-Aires, 1 r - 1 , pp. 93-94. 2 . Ver por exemplo na bibliografia - incompleta - do livro de homenagem Ernst Bloch zu Ehren, Beitrage zu seinem Werk, Suhrkamp Verlag, 1 965, pp. 394-41 3, o n úmero crescente de comentários de teólogos e cristãos desde 1 960. Aliás no próprio livro, as homenagens dos teólogos dominam, dentro dos quais, o mais conhecido é Jürgen Moltmann, autor de uma Theologie der Hoffnung, U ntersuchung zur Begründung und zu den Kon­ sequenz einer christlichen Eschatologie, M ünchen, 1 965/66, 340 p. Também vale a pena consultar a introdução escrita por W. D. Marsch Hoffen worauf? Auseinandersetzung mit Ernst Bloch, Hamburg, 1 963, 1 23 p. 3. A esta influência discreta mas profunda que o obrigou a radi­ calizar o seu ateísmo, Bloch se refere muitas vezes com grande emoção. Ver os textos de T. Heim e de M. Landmann, nas homenagens citadas, op. cit., pp. 1 57 e ss e pp. 370 e ss. 1 \ 4 . Ver o comentário de T. Heim sobre este pormenor do ateísmo bloquiano em "Blochs Ateismus", op. cit., 1 57-179. 5 . Ver Ernst Blochs Revision des Marxismus Ost Berlin, 1 957, pp. 9 e ss. 6 . Ver, por exemplo, a interpretação que propôs A . Voeltzel da pedagogia divina em Le Rire du Seigneur Enquêtes et remarques sur la signification théologique et pratique :de l'ironie biblique, Stràsbourg, 1 955, 1 80 p. 7 . Por exemplo, ver de J. Halpérin "Les dimensions juives de l'Histoire" em Revue de théologie et de philosophle, Lausanne, 1 965/ IV, pp. 222-240 ; de A. Shaull "Heritage and contemporary option" em Containment and Change, New York 1 967, as páginas 21 6-227. 8 . Sobre as funções d o fracasso n o messianismo, ver de H. Desro­ ches "Les messianismes et la catégorie de l'échec" em Cahiers internationaux de sociologie, Paris, 1 963, pp. 61 -84. 9 . Ver "Die marxistische Religionskritik und christliche Glaube" em Marxismustudien, 4. ª Série, Tübingen, 1 962, pp. 79 e ss. 1.

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Sobre esta heresia em particular, ver a documentação compilada por H. Cohn em Les fanatiques de 1' Apocatypse courants m i l lé­ naristes révolutionnaires du Xle au XVle, avec une postface sur le XXe, trad. do inglês, Paris, 1 962 pp. 1 45-189. 1 1 . A brutal discrepância entre "o otim ismo alucinado das aspi­ rações e o pessimismo patológico das frustrações" (G. Carrera Damas) que provocou o Eldorado-Paraíso na história venezuelana e grande colombiana, foi cuidadosamente descrito na Biografia dei Carribe (Buenos-Aires, 1 963, 460p.) pelo historiador colombiano G. Arciniegas. 1 2 . P. Freire: A Educação como prática da Liberdade, Rio, 1 967, p. 69. 1 3 . Ibidem, p. 70. A . Bastide, n o Colóquio sobre o problema das capitais em A. Latina, também insistiu sobre o m utismo rural. Ver "Actes du colloque sur le problême des capitales en Amérique Latine", em Caravelle, Paris, 1 964/3, pp. 95 e ss. 1 4 . J. Berque: La Dépossession du monde, Paris, 1 964, pp. 58 e ss. 1 5 . P. L. Lehmann : Ethics ln a christian context, New York, 1 963, pp. 91 e ss. 1 6 . � j ustamente esta dimensão contestante que escapou em parte a H. Cox que, no posfácio a lhe secular city debate, New York, 1 966, pp. 1 94-203, anexa o pensamento bloquiano, deturpando-o até o ponto de chamar a Bloch de "renegate marxist" (sic, p. 1 98) e compará-lo com T. de Chardi n ! Como se existisse a mínima relação entre o pensamento radical, crítico e reflexivo de Bloch e a teologia "à la mode" do cientista jesuíta. Talvez seja mais frutífero interpretá-lo numa perspectiva "protestante como H. Mottu o propõe em "De la contestation à la protesta­ tion" em Cahiers Protestants, Lausanne, 1 965/ A, pp. 38-48. 1 7 . Ver L at h éisme : tentalion du monde et réveil des chrétiens, Paris, 1 963, pp. 1 59-1 94. 1 8 . O que é a posição de J. Ellul. Ver por exemplo Politique de Dieu, politiques des hommes, Paris, 1 960. 1 9 . Ver de J. Bishop "Prudencia y revolución" em Víspera, Montevideo, 1 968, abril, pp. 3-6. :\ , 20 . J. Maritain : La signification de l'athéisme con tc; mpor a i n , Paris, 1 949, pp. 37-8. 21 . Ver o prudente balanço da "ordem" por C. Mendes na primeira parte de Memento dos Vivos, Rio, 1 966, pp. 22 . J. L. Hromadka "Au seuil du dialogue entre chrétiens et mar­ xistas" em Cahiers Protestants, Lausanne, 1 966/3. Do mesmo autor, também "Gospel for at11eist", n úmero especial de Risk, Genêve, 1 965/ 1 ,43 p. 23 . Assim J. K. Cavalcanti em "A igreja em agonia" Visão, S. Paulo, 1 968/32, nota que não basta responder aos problemas de es­ truturas institucionais por . . . reformas litúrgicas. 10.

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Ver de J. Tau bes : Abenlandischer Escatologie, Berne, 1 947, sobretudo as páginas 44 e ss em que analisa esta evolução ao fim do Império Romano. Citado por M. 1. Pereira Queiroz: O Messianismo no Brasil e no mundo, S. Pau l o, 1 966, pp. 1 05-1 09. N. B irnbaum "The zwing lian reform in Zürich" em Archives de sociologie religieuse, Paris, 1 958/8, pp. 1 5-30. F . Julião, Que são a s ligas camponesas, Rio, 1 963. H. Cohn, Op. cit., pp. 243 e ss. F . Engels: La guerre des paysans, trad. d o alemão, Paris, 1 95 1 , pp. 97-8. Ver o comentário deste texto em H. Desroches : Mar­ xisme et religions, Paris, 1 962, pp. 85-96. J. Taubes: Op. cit., p. 1 1 2. W. H. Lazareth "Luther's two kingdoms reconsidered" em Chris­ tian social ethics in a changing world, and ecumenical i n quiry, New York, 1 966, pp. 1 1 9- 1 3 1 . N . Birnbaum "Luther et le m i l lénarisme" em Archives de socio­ logie religieuse, Paris, 1 958/ 5, p p. 1 01 - 1 02. O conceito d e " populismo" é util izado a q u i no sentido definido por E. de Kadt em "Paternalism and populism, Catholicism in Latin America" em Journal of contemporary history, London, 1 967/4, p. 89: "é um movimento social dirig ido por elementos da inteligentsia cuja preocupação principa l é a situação dos grupos oprimidos da sociedade, "O povo'', arrastados pelo câmbio social. A sabedoria e a pureza do povo é oposta à mal­ dade e à corrupção das e lites. A manipulação política do povo deve ser evitada a qualquer custo - a l iderança popul ista considera que pode oferecer algo ao povo, mas que tem ao menos tanto a aprender dele". Este aspecto negativo na interpretação da subversão foi anali­ sado tanto por E. J . Hobsbawn : Primitive Rebels, studies in lhe archaic forms of social movements in the 1 9th and 20th centuries, Manchester, 1 959 e por O. Fals Borda : La subversión en Co­ lombia, el cambio social en la h istoria, Bogotá, 1 967, p. 28 etc . . . Ver a j ustificação da "contra-violência" por · C. Torres, como é resumida por O. Fals Borda : Op. cit., pp. 21 2-3; e por T. R. Mel­ ville "The present state of the ch urch in Latin America" CI DOC, Mexico, 1 968/ 1 , 9 p. A importância da reciprocidade no fundamento de uma ética consequente foi bem posto em relevo no provocante artigo de M. Walzer "Moral judgement in time of war'', Dissent, New York, 1 967/may, pp. 284-292. Sobre o pacifismo e a sua j ustificação ver os escritos de P. Trocmé "Le témoignage dans I' ég l ise dans u n monde de vio­ lence" em Bulletin du CPE, Genêve, 1 963, 23 p. e do mesmo autor: Christ et la révolution non-violente, Genêve, 1 96 1 . Tam-

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bém C. J. Snoeck chegou a uma pos1çao s i m i lar em "Tercer mundo y revolución y cristianismo" e m Concilium. Madrid, 1 966, março, pp. 34-53, admitindo no entanto a violência como " ultima ratio". , Ver de Z. Barbu o ensaio sobre " história e climas emocionais" e m Problems of historical psychology, London, 1 960, pp. 45 e ss. E. Werner: Circumcillionen und Adamisten, Ost-Berlin, 1 959, 141 p. I bide m : Pauperes Christi, Leipzig, 1 956; ldeologische Probleme der Mittelaltürmlichen Plebejentum, Berlin, 1 960, 1 63 p. (Ver u m resumo em "Popu lar ideologias i n late medieval Europe" em Comparative Studies in Society and History, La Haye, 1 960/ 11/3, pp. 344-363. R. Facó: Camponeses e fanáticos, R io, 1 963, 226 p. Um comen­ tário sign ificativo foi publ icado pela Revista Brasiliense, "Canu­ dos, Contestado e o fanatismo relig ioso" por N . .Nascimento. M. de Vinhas de Queiroz: Messianismo e conflito social a g uerra sertaneja do Contestado, 1 91 2-1 9 1 6, Rio, 1 966, 352 p., i l l. Sobre o assunto pode-se consultar além dos trabalhos já citados de E. Werner, etc . . . : de J. G u iar! " Compterendu du Colloque de Ch icago" em Archives de sociologie religieuse, Paris, 1 960/9, pp. 1 05-1 09; de B. Wilson " M illenium i n comparativa perspect­ ivas" em Comparative Studies in Society and H istory, La Haye, 1 963/V l / 1 , pp. 93-1 1 4 ; de Y. Talmon "The pursuit of m i l lenium" em Archives européennes de sociologie, Paris, 1 962/ 1 1 1 / 1 pp. 1 25-1 48; de H. Desroches Socialismes et sociologie des religions, Paris, 1 965, pp. 76 e ss; Millenium dreams in action, essays i n comparative study, L a Haye, 1 962, 228 p. Publicado em Courants religieux et humanistes à la fin du XVe et au début du XVle siecles, Paris, 1 957, pp. 25-36. Ver de E. J. Hobsbawn, Op. cit., pp. 57-59. Ve de E. L. Tuveson : Millenium and utopia, a study of back­ ground of lhe ideas of progress, New York, 1 949/64, 247 e X I I I p. M. 1 . d e Pereira Queiroz (Op. cit. ) n ota várias vezes q u e o s mo­ vimentos messiânicos só atingem grupos l i mitadíssimos de pes­ soas, sem no entanto tirar as concl usões nossas. Ibidem, p. 1 39, g rifos nossos. Esta característica fundamental não foi na América Latina sufi­ cientemente reconhecida antes dos trabalhos de M . 1. de Pereira Queiroz que determinam uma m udança radical na nossa con­ cepção do mess ianismo. Ver além dos j á citados os seg uintes trabalhos da socióloga paulista: "Messiasbewegung im Brasilien" Staden-Jahrbuc h, S. Pau lo, 1 956/ 4, pp. 1 33-1 44; " l ndian ischen Messiasbewegung in Brasilien" em Ibidem' 1 963/ 1 1 -2 pp. 3 1 -44· "M essiah in Braz i l " em Past and Present, 1 965/31 , pp. 62-86 · "Classificat i on des messianism es brési l iens" Archives de socio: '

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logie religieuse, Paris, 1 958/5, pp. 1 1 1 - 1 20 ; " lnfluences du m i l ieu social interne sur les mouvements messianiques brésiliens", Ibidem, pp. 3-30; '"Mouvements messianiques et développement économique a u Brésil", Ibidem, 1 963/ 1 6, pp. 1 9- 1 2 1 ; "Autour du messianisme" Présence Africaine, Paris, 1 958, pp. 72-76. Cf. E. Werner: "Les mouvements messian iques du Moyen-Age" em Archives de sociologie religieuse, Paris, 1 963/ 1 , pp. 73-78; M. Balandier "Messianisme et nationalisme en Afrique noire" em Cahiers internationaúx de sociologie, Paris, 1 953/XIV, pp. 4 1 -65 e sobretudo de V. Lanternari : Les mouvements religieux dans les peuples opprimés, trad. do italiano, Paris, 1 962, 399 p. como de E. Mühleman : Chiliasmus und Nationalismus, Berl in, 1 96 1 , 472 p. M. 1. de Pereira Queiroz : O messianismo . . . op. cit., p. 24. R. Bastide "Le messianisme et le développement économique" em Cahiers lnternationaux de sociologie Paris, 1 961 /31 , pp. 3-1 4 ; R. P . Chenu "Libération politique e t messianisme religieux" em Parole et Mission, Paris, pp. 229-254. M. Vinhas de Queiroz : Op. cit., p. 287 R. Shaull, Op. cit.; cf. P. L. Lehmann : Ethi cs in a christian con­ text, New York, 1 963, pp. 91 e ss. Tentamos esboçar um modelo no nosso artigo "Qual será o futuro do cristian ismo na América Latina?" em Paz e Terra, Rio, 1 968/6, pp. 21 -34. Existem já trabalhos que poderiam ser util isados para um con­ fronto eventual entre a situação concreta da América Latina e as teses bloquianas. Assim o trabalho já citado de R. Shaul l ; os artigos de E. de Kadt "Religion, lhe church and social change in B rasi l" em Politics of conformity in A. Latin, Londres, 1 967, pp. 1 92-220 e "Paternalism and popul ism : catholicity in L. America", op. cil.; as interpretações européias de G. Gozzer Religione e rivoluzione in L. America, Mi lano, 1 968, 243 p. e de T. Rendtorff & H. E. Todt: Theologie der Revolution, Analysen und Materialen, Frankfurt A. M., 1 968, 1 65 p. Estamos esperando colaborar a esta tarefa n u m próximo tra­ balho sobre: Teologia e Revolução, uma interpretação das posi­ ções ,latinoamericanas (em preparo). Citado em Christentum Heute und Marxismus, Zurich, 1 966, p. 82. Ver o sugestivo trabalho de L. Goldman n : La Communaulé hu­ maine et l'univers chez Kant, Paris, 1 948, 271 p. Assim J. Dumazedier nota que no XVI I I a I g reja obrigava a 84 dias feriados obrigatórios para os exercícios espirituais (em "Evolution récente de la sociologia du loisir" em Peuple et cul­ ture, 1 967, pp. 57-62). G. Lapassade: Groupes, organisations et institutions, Paris, 1 967. D. Bon hoeffer: Ethiquc, trad. do alemão, p. 1 53. O que tentamos desenvolver n u m documento "La Educación Per-

63 . 64 .

manante dentro de las perspectivas dei desarrollo", m imeo, Ca­ racas, 1 968, 49 p. Mas seria um grave erro reduzir estes proble­ mas a uma "revolução cultural" q uando se trata de uma concep­ ção global do desenvolvimento como o demonstrou C. Lefort em "Pour une sociologie de la démocratie", Annales, Paris, 1 966/ 4, pp. 750 e ss. G. Lapassade : Op. cit., p. 1 8 1 . Este tema foi desenvolvido por H. Desroches em vários trabalhos. Ver por exemplo "Athéisme et socialisme dans le marxisme classi q ue" e m Archives de sociologie religieuse, Paris, 1 960/ 1 0, pp. 71-1 08.

217

Capítulo 5 .

UMA GNOSE O U UMA TEORIA MARXISTA?

5.1

Os teólogos podem entender Bl oc h ?

5.2

Uma esperança sem ga rantia

5.3

É possível espe rar, hoje?

5.4

A tentação do trág ico

219

" Dice l a esperanza: un d i a l a verás, si b i e n esperas. Dice la d esesperanza: sólo t u amarg u ra es e l la. Late, Corazón . . . No todo se l o he trag ado l a tierra." António M achado ( 1 )

" Le d i alogue d e l ' être h u main e t d u supplice est plus p rotond que celu i de l ' homme et de l a mort." A n d ré M al raux (2)

220

5.1 A anál ise sistemática d o ate ísmo b l oq u i ano m os­ trou q u e o pensamento de Bloch não somente p rescind e d a n ecessidade da existência de D e u s para se 'desenvolver totalmente, mas q u e p retende d esvendar tod a a verd ade ainda obscura no cristianismo. B l och, ao mesmo tempo, a b o l e e supera a revelação divina na afirmação dos ho­ mens plenamente l i b e rados. Seu pensamento coincide, ass i m , com a posição dos fundadores do marxismo E n g e l s e M arx : rutura sem nostalgia com a rel ig ião em g e ra l e com o c ristianismo e m particular; isto não exc l u i a possi­ b i l idade, e mesmo, a n ecessidade d e se refe rir a e l e (a Deus), na medida e m que os cristãos soubere m esta r na verdade (3) . O ra, mu itos lei tores de B l och, em vez de l evar a sério o rad ical ismo d a sua posição, se d eixam i l u d i r por aspec­ tos sec und ários d a sua obra e i maginam ter encontrado, enfim, o homem das sínteses. Como afi rma, i ronicamente, H. H. Holz n a s u a notáve l i ntrod ução a u m a recente anto­ logia de textos b l oq u ianos (4) : a i nsistência b loq uiana so­ b re o "ens realissi m u m " fez crer a uns teó l ogos que o Princípio da Esperança e ra, apenas, uma fenomenol o g i a d a saudade ("Sehnsucht") rel i g iosa. Assim s e expl ica q ue u m H. Cox se obstina e m identificar o pensamento b l o q u i a­ n o com o do R. P. T. d e Chard i n , q uando são j ustamente opostos (5) . Tentaremos escl arecer estes aspectos secu ndários, a f i m de evitar qualquer mal-entendido deste tipo. Primei ro, h á n a l i n g uagem d e B loch uma relativa obscuridade sobre este aspecto chamamos atenção (x) - q u e poderia .

221

ser interpretada como o sinal de u m pensamento m :stico o u i n i ciático. Vimos q ue, ao contrário, aquela " obscu rid a­ de" tem uma função c ritica dentro d e u m a ética d a i nter­ p retação. De o utra m a n e ira, se é verdade q ue Bloch foi d i retamente inspirado pela trad ição l iterária e filosófica j u ­ d aica - mas, p o r exe m p l o, m u ito menos d o q ue u m M . Buber - é sign ificativo q u e e l e alude m uito mais a o h u ­ m o r e a o gênio j udaico d a tab u l ação d o q u e a o s e u mis­ ticismo. Mas sério é o uso - e, talvez, em certos casos o abuso - que Bloch faz d a analogia. Isto é, a tentação de sugerir ou de deixar pensar que existe relacionamento ou relações, onde na real idade não o h á (6) . O leitor i n gênuo, ou malicioso, poderia fac i l mente, a partir d estas analogias, esboçar sínteses fáceis, sem notar bastante as d iferen ças que não escapam a Bloch. Assi m, se eviden c i a q u e B l o c h contin u a fiel à " g n ose revol u c i onária", d o se u p ri m e i ro l ivro (GU) ; q ue o seu pensamento é, na rea l i dade, uma teoria da salvação ( " He i l s l e h re") ; que ele estabelece uma relação mística e i rracional entre o homem e o co­ ração da natu reza (7). Neste sentido, é capital se mostrar m u i to atento às d iferenças - m u i tas vezes sutis - aos " d istingo", às inovações do texto b l o q uiano, sendo q u e B l o c h n ã o hesita uti l i za r o vocabulário trad icional , para melhor sal ientar o novo frente à tradição. Util iza, pois, "as vel has u rnas para o v i n h o novo". É natu ral , que a sua te ndência em pensar o h u mano até o mais profu ndo, de maneira a chegar ass i m à verdade d o mundo, lemb ra o pensamento gnóstico �8) . M as esta tendência é m u ito menos i mportante d o que a firme posição de Bloch em favor d a secularização (PH, pp. 1 .609 e ss.) , como afi r­ mação do valor do concreto e como rea l i zação da objeti­ vidade (PH, p. 1 .6 1 3) . Se a " i maginação está ao poder", para Bloch (PH, p. 1 .6 1 9) fica submetida, afi nal, à neces­ sidade de se manifestar na ação (PH, p. 1 .621 ). Também a i nsistência sobre o otimismo m i l itante na h istória indica c l a ramente uma posição n ão-gnóstica. Do outro l ado, se existe uma su rpreendente coerência n o pensamento b l o­ q u iano, seria difícil red uzi-la a u m monismo m ístico que leva ao espírito de sistema, à apologia e , por fim, como o m ostrou L. Kolakowski (9) à re l i g i osidade secu l arizada. A posição b loquiana é tão c laramente anti-gnóstica que o 222

seu material ismo d i a l ético é u m a l i q u id ação sistemática d e qualquer idealismo. E m primei ro lug a r d o idealismo político, i n gênuo e c o m u m , q u e é falso a ponto d e i g n o­ rar a realidade e os seus c o n d i ci onamentos, chegando mesmo a esq u ecer q u e os oprimi dos não podem seq ue r te r o s ideais defend i d os ( U M , p . 1 76) . Depois, o idealismo utopista ou psicológico tal como existe, por exem plo, e m Feuerbach (PH, p p . 1 .5 1 7 e s s . ) . Neste caso fal ta-l he a visão infinita d o desti n o h u mano. Por ú ltimo, do idealis­ mo filosófico que, no e ntanto, foi tão i n ovador e progres­ sista na histó ria da fil osofia ( U M , p. 1 36). Este idealismo, ao red uzir a complexa realidade à razão e ao pensamen­ to lógico não funciona n a real idad e , porque esquece q u e o m u n d o n ã o é adequado a o esp írito (PS, p. 351 ) . Contra todas estas formas d o idealismo, d a mais comum à mais elaborada, B l och opõe constantemente o seu materialismo d i alético como compreensão e transformação real do con­ c reto (1 0), através d a p raxis que d eve se tornar teoria para que o h omem se realize p l e n amente a si mesmo e ao m u ndo. O terceiro aspecto que induz d e vez e m q u ando aos teólogos a u m a i nterpretação e rrad a do pensamento b lo­ q u iano, é a maneira como Bloch considera que a tarefa da filosofia é de construir as respostas e que o papel dos teólogos é de colocar as verdadeiras perguntas ( PS, p . 351 ) . O ra bem, os teól ogos nem sempre sabem colocar as perg u ntas certas ( 1 1 ) . P i o r ainda, buscam no pensa­ mento bloqu iano as pergu ntas, m u itas vezes as mais su­ perficiais. Assim, ao contrário d o q ue poderíamos imagi­ nar, o pensamento b l o q u i ano n o "soi-d isant" d iál og o en­ tre os marxi stas e os teólogos - o q ue é b astante d ife­ rente do d i álogo contínuo e antigo entre os marxistas e os c ristãos! - não tem conseg u i d o mu ito. É u m pensa­ mento de masiadamente original, coerente, positivo para se p restar aos comprom issos fáceis d e um ecumenismo cô­ modo. M as B l och admite um d i álogo c riador ( 1 3) no q u a l o s teólogos em vez d e b uscar a s respostas, s e esforça­ riam em co locar pergu ntas fundamentais, a exem p l o d e : Como se p o d e esperar s e m g a rantia d ivina? É possível ao homem de hoje - c ansado e desanimado - esperar, continuar esperand o ? Q ue acontece q u ando o mal, o fra223

casso, a morte a n iqu i l a m as esperas ? Como o homem plenamente humano, tal como B l och o concebe, pode se manter aberto a todas as possi b i l idades sem transcen­ dência? Agora sim, u m d i álogo pode nascer no qual l utare­ mos como Jacob l utou com Deus. 5.2. Na trad ição cristã mais o rtodoxa, como se ex­ pressa por exemp l o no CRE DO, a esperança é inti mamente l i gada à espera d e alg uém : o Cristo m o rto e ressuscitado q ue já está ao lado de Deus. A esperança cristã depende pois não só de u ma garantia - a g raça d i vina que a sustenta - mas d e u m a pessoa qu e é colocada, tradi­ cionalmente além d este m u ndo, n u m a transcendência ce­ l estial. Ora bem, ao admitir com Bloch q u e a esperança tem raízes antropológicas e não necessita de uma justi­ ficação t ranscendental (ver o capítu l o 2) ; q u e a esperança é do homem e não no homem ( 1 4) e q u e é constru ída racionalmente n o pensamento utópico que encontra a sua base cientifica nas tendências d a matéria d ia lética (Ver o capítu l o 3) ; q ue enfi m , a esperança necessita d a ausência - provocada ou aceita - de Deus para d esenvolver to­ das as suas poss i b i l i dades (ver o capítu l o 4) , devemos conc l u i r que a esperança bloquiana faz a economia da caução divina. É uma esperança sem garantia. Esta conclusão é bastante chocante para os cristãos, sendo que é a prova que "o verdadeiro cristão é o ateu " ! Não é para estranhar se, por conse q ü ência, o s teólogos sempre voltam à mesma perg u nta: como é possível espe­ rar, isto é manter o homem aberto ao n ovum sem a refe­ rência a u ma transcendência qu e i ntrod u z no mundo ho­ rizontal do humano a vertical do Todo Outro divino? Quem talvez mais tivesse e l aborado esta perg u nta foi J. Moltmann cujos arg u m e ntos poderiam-se si ntetizar da maneira seg u i nte (1 5). Sendo que a esperança bloquiana se d esenvolve no vazio ( " H o h l raum" PH, pp. 1 .529 e ss.) q u e d e ixa a au­ sência de Deus, não existirá o risco de tudo confu n d i r e de não poder distingu i r entre as espe ras i l usórias e as utopias concretas ? Sem a perspectiva muito real ista e 224

concreta da segu n d a v in d a d o Cristo, a n ossa esperança não será u ma vaga i l usão ? A i n d a mais, sendo que neste caso a esperança se refere só às tendências q u e a n i mam a natureza, não vamos n os perder num presente d inâmico talvez, mas sem rum o ce rto ? Afi nal q u ando Bl och vê o enraizamento da esperança h u mana no " D as" ("Que") d a Natureza ( P H , p. 1 .562) , d evemos n os l e m b rar q u e segun­ d o ele este d i n a m i s m o está e continua estando cego e sem pers pectiva fin a l . Sem a refe rência ao transcendente (PH, p. 1 .526), a d m i t i n d o um (transcender sem transcen­ dência", como vamos escapar a o círc u l o vicioso d a sub­ j etividade i l i mitada, m as sem sentid o ? E por conseqüên­ cia escapar ao d esespero de u m a esperança sem finali­ dade q u e acaba sempre , o v im os, no ativismo terrorista? i= verdade q ue B l och p ost u l a um " totu m d as esperan ças", um " S u m m u m B o n u m ". M as onde está ? Que conte úd o real, h istóri co, concreto terá? Para o cristão não só existe uma final idade - o R e i n o de Deus - mas esta finali­ dade tem i n c l usive u m rostro: o d o Cristo n o q u a l o "homo a bsconditus" poderá conte m p l a r a sua verdade. Enfim e para acabar, não será q ue B l oc h recusa a concepção cris­ tã d a esperança porq u e i magina, d e maneira errada , q u e é uma "secu ritas" q u e exc l u i a priori q ualquer risco, q uan­ do na real i d ade é u m a confiança que se conquista por além das d úvidas e d os fracassos, um cami n har com riscos. Quanto aos p r i m e i ros pontos l evantados por J. M olt­ mann, já vimos q u an d o d isti n g u i mos claramente a rebe­ l i ã o da revol ução, o nazismo do marxismo, o n i h i l ismo d o otimismo m i l i tante que jamais B loch subestimou o p ro­ blema da final idade . Ao contrário, sempre i nsistiu q u e por infinita q u e seja ainda a b usca h u mana do S u m m u m Bo­ n u m , n u nca é, e n u nca será indefinida. Sendo q u e a ca­ m i nhada é um constante a p rofund amento e um p rocesso c u m ulativo, é esse ncial q ue ten h a uma clara finalidade. O fato que seja intermin ável ("e n d l os") não q u e r d i ze r q u e seja sem fim ( "u ne n dl i c h ") ; pode n os l evar a uma tarefa i mensa, mas esta tarefa te m sentido. Isto porque se trata m u ito mais de aprofu n d a r o i nfin ito do mundo do q u e am­ p l i a r de maneira i ncomensurável o mundo ( UM, p. 1 43) . Nesta busca, o q u e nos p reocupa é de encontrar o "was" 225

d o "das" (PH, p. 1 .564) , o porq u ê d o porq ue, de e ntender como as poss i b i l i d ad es infinitas do cosmo podem se re­ flet i r no mundo l i m itado em q u e estamos colocados. Ca­ pital neste respeito é a n oção b l o quia n a de convergência na acumulação co nstrutiva da verdade (PH, p. 1 .532). A h u manidade no p rocesso h istórico constrói uma sistemá­ tica que n a situação atual é visada ainda q u e não esteja total mente presente. Pode mos, com H. H. Holz ( 1 6) su­ por, porque as pági nas d e B l och sobre o assunto ofere­ cem várias solu ções, q u e este processo provoca uma i n­ tensifi cação p rog ressiva e g radual da i nteligência da rea­ l idade, a q u e correspo nderia ontologicamente uma con­ cepção do ser como ten d o vários g raus de verdade. É por um processo g rad ual, centrípeto e em espi ral q ue, aos poucos, os homens conseg u i riam construir a Verdade. A esperança assim tem uma final idade e para atin­ g i-la deve se s u b m eter ao organon d o pensamento utó­ pico, isto é, segu n d o a disti nção kantiana ( 1 7) a uma re­ f lexão que dá as i n d i cações q uanto à finalidade. Ou como sugere J . Mo ltmann a u m pensamento i n d i cativo, em q u e D e u s é o í ndex ("Wegname" 1 8) . B l o c h s e opõe d esta maneira a uma verdade q u e já existiria total e completa fora da atuação h u mana ou por anteci pação. O q ue i m­ plica que Bloch não despreza a n oção de progresso, ain­ da q u e seja mu ito prudente visto a desvalo rização q u e sofreu . Existe u m prog resso j ustamente porq ue no p ro­ cesso de transformação do m u ndo se d eve notar u m a pro­ g ressiva i nteg ração da natu reza q u e dá uma significação sem pre mais cl ara ao d i namismo cego da matéria ( PS, pp. 234-235) . O ra a noção d e p rog resso d istingue j ustamente a d ialética cristã da d ialética material ista. A primeira nega o atual e o esforço h u mano, para melhor afirmar a g randeza e o d i namismo d ivinos, com o resultado que o homem deve espe rar a decisão d ivina. A segunda parte da adm i ração d i ante do d i n am ismo da matéria ( 1 9) e da consciência da carência h u mana para exi g i r do h omem u m a atuação em q ue conc i l i ará o poder natural com a c l areza dos seus p ropósitos. Para a d i alética mate rial ista o mundo i nacabado se oterece para o seu acabamento ( P H , p. 1 .625). Para a dialética c ristã o mundo atual deve ser ao final abandonado ao seu t riste d esti no. 226

A i mp o rtância da final id ad e explica q u e Bloch é par­ t i c u l a rmente atento ao problema d o futuro. Não p o d e exist i r a frente d a esperança, sem n ovum. Mas ao c o n ­ trário d o q u e pensam os teólogos B l och não é u m f i l ósofo futu rista. Não s e trata d e uma f i l osofia do futuro, mas d o possível . O q u e é bastan te d i fe rente. Nada e m B l oc h d a s p reoc u pações d o m i nantes d o s teólogos modernos: o q u e será o nosso aman hã ( 1 0) ? a escatologia como "fu­ turo l o gia" o u "futu rização" (21 ) ? q ue quer d izer que Deus j á está n a verdade (22) ? etc . . . Esta fasci n ação para o fut u ro poderia se exp l icar por u m a inve rsão d a problemá­ tica trad icional. Até agora os teólogos se i n te ressavam mais para o retorno d e C risto, para a " restitutio" e n ã o ' tanto para o " novum " , dentro d e uma teol og ia natural. Hoj e, a manei ra mais s i m p l es d e ser " modernos" é de estar pensando n o futuro. Para B l och, esta atitude é u m a atitude de fuga ( P H , p . 1 .61 O) . Bloch condena d u ramente esta fuga para frente que ig n o ra a verdadeira d ificul dade. Como é possível que já estamos vivendo o amanhã de hoje ( P H , p. 1 .628) ? Que o amanhã existe, j á o sabemos. Mas que i nfluência tem sobre o presente i med iato? Como l evar e m conta n a n ossa existência atual o fato que o ser nos escapa te mporalmente? Como se pode pensar o ai nda-não sendo? Quando tratamos da i nterpretação blo­ q u iana d os possíveis, n otamos q ue B l och nos obriga a repensar totalmente o problema d o conhecimento, i n c l u­ s ive a supor uma nova lógica. O ponto fundamental d esta fi losofia do possível é que i ntroduz o e lemento t ranscen­ dental n o p resente vivido e faz q u e o futuro é obra hu­ m a n a . Se o futuro n o pensamento utópico é antes d e t u d o u m possível , a s u a rea l ização c o m o provável e depois como fato dependerá j ustamente d a p raxis h u m ana (23) . Esta praxis como rea l ização do possível é para Bloch en­ tendi d a a part i r das anál ises d e Karl Marx em que se li­ gam a frieza da anál ise ao entusiasmo para u m m u n d o m e l h o r ( P H , p. 1 .621 ) ; o u c o m o o escreve Bloch d e ma­ n e i ra i rô n i c a : a fri eza do d etetive e o calor do sonhador. É u m a verdadeira i magi nação na ação (PH, p. 1 .61 9) e m q u e s e u n e m a vontade, a i ntel i gência astuta e a cons­ c i ência ( P H , p. 1 .620). Ora, esta praxis não atu a só sobre o u e m rel ação ao futuro, mas tem u m a responsa b i l idade 227

para o passado ; a sua atualização. Em conseq üência, para real i zar esta d u p l a tarefa, a solução com certeza não será de "pular no futuro" (24), m as de transformar a nossa existênc i a atual e a consciência que temos dela. O "ainda-não" não é sim p l es mente a tensão entre o q ue existe agora e o q u e existi rá n o futu ro, entre a realidade i mediata e as aspi rações e as expectativas por exemplo. É a tensão dentro d o p resente entre o q ue está total mente rea l izado e o que ainda está se formando. O possível é a p ráti ca cotidiana d o t ranscendente. Mas mesmo ass i m conti n u a o segundo aspecto das objeções de J. Moltmann. Qual é o conteúdo h istórico, concreto desta final idade, d este "te l os " ? Como é possí­ vel supor uma d estinação sem colocar um nome? Como se pôde passar d a c ontestação para a p rotestação em favor de algo e d e a l g ué m sem uma mensagem clara (25) ? Quando B loch q ue r u m "transcendere sem transcendên­ cia" (PH, p. 1 .625) não está como o " b u rro" d e que zombava Paul Klee (26} :

"Ei nst werd i c h l iegen i m N i rgend bei einem Engel i rgend " E sei ("Um dia n e n h u res me d eita re i perto d e u m anjo q ualq uer"} Bloch é m uito sensível também aos perigos de u m a h iper-su bj etivi dade q u e poderia conduzi r ao i rrac i onal is­ mo. Tão pouco c rê na so lução h istoricista: Para sair des­ ta d ificuldade, ele esboça um paralelo entre a d ialética da h istória e da consciência d e um lado e a d ialética d a na­ tu reza e da contingência do outro. A teori a d a i magi­ n ação coincide com uma cosmologia. Será q ue Bl och pensa assim reatual izar a idéia l e ib n iziana d e uma teodi­ céia? Isto é de uma razão h istórica que organiza o mun­ d o e a sua h istória d e maneira a elaborar uma total idade a part i r da qu al se pode deduzir o sentido e a signifi cação de cada evento por contingente q ue sej a, por escanda­ loso ou d iscutível q ue sej a ? Sem i r tão l onge, poderíamos 228

s eg u i r uma solução teológica i maginan d o u m p la no d iv i n o c u j a estratégia permite expl i car cada evento tático. Es­ tas soluções esão expressamente recusadas porque i g n o­ ram e i m pedem d e d a r a sua completa s i g n ificação a o conceito de "novum" (PH, p. 1 .625). N a d a está p revisto nem na i m anência, nem na transce ndência ( P H , p. 1 .626) . Neste sentido o h omem b l o q u i a n o ' está l iv re e por conse­ q üência responsável d o seu destino. O problema será d e constru ir u m método d e in terpretação d o p rocesso h is­ tórico q ue torne este p rocesso i ntel i g ível e racional (27) . A q u i de n ovo estamos encontrando a l i g ação estreita en­ tre a teoria da h i stória e a sua praxis. O homem tem como tarefa também de b uscar, analisar e sistematizar a sig ni­ ficação do processo d e q ue a sua existência fa z parte i n ­ tegrante. Ora para q u e esta tarefa tivesse u m sent id o real, d evemos supor que estas tarefas d e construção da ver­ dade, de busca da convergência final, de i nte rpretação d o 1 futuro . . . não sejam j á p refabricados p o r u m " De us ex maq u ina". S e Deus já está na verdade, se a tarefa h u ­ mana é s ó d e expor o q u e D e u s j á rea l izou e pensou , s e a p raxis h u mana é só u m a " partici pação" à ação d i v i n a n a h istória, então a s tarefas h u manas e n um e radas e ana­ l isadas aqui são s i m ples i l usões p ropostas aos h omens por u m Deus enganador. Para q ue a existência h u mana não seja uma b u rla, para q u e a esperança h u mana seja real e não uma pál i d a i mitação da suficiência d e u m Deus q u e se contempla d e toda a Eternid ade, devemos admiti r q u e tu d o a i n d a não está existindo e real izado, i n c l usive Deus. Deus é para ser ainda i nventado. Por isto "a Gênesis está ao fim e não ao começo" (PH, p. 1 .628). 5.3. Seg u nd o Karl Barth (28), a teologia modern a d eve ser uma ciência e os teólogos d evem demonst rar um rigor c ientífico n a elaboração d e u ma reflexão a parti r d a Re­ velação Divina. Nesta perspectiva, m uito d iscutida m as q u e i nfluenciou toda a n ova geração, os teólogos d i rigem u m a série de pergun tas contra a i nterpretação b loquiana q ue se referem ao problema crucial dos fins, d a finali­ dade e d o fundamento d a esperan ça. Mas os teó l ogos também são " pastores" . Na sua reflexão, se refletem 22Q

p reocupações existen c iais e m relação ao homem-q ue-está­ esperando. O q u e é óbvio q uando se lembra q u e a es­ perança não é só u m a teoria, mas u m a p raxis q u e i m­ p regna cada ato da vida coti d iana. O homem-que-está­ esperando é alguém q ue, por exemplo, enfrentará os obs­ tác u los cotidianos com tei m osia, e nerg ia, entusiasmo etc . . . isto é, q ue não se deixa arrastar pela i n d iferença, pelo desâni mo, pelo pess i mismo. Ora bem, estes mesmos teól ogos q u e se opõem à concepção bloquiana da espe­ rança, são os mesmos q u e i nsistem sobre os aspectos ne­ g ativos da situação "espiritual" atua l. É significativo q ue nos próprios textos e m q u e se l evantam d úvidas contra a posição b loquiana, estes teólogos começam por u m a d es­ cri ção desalentadora do homem atua l . Veremos no p ró­ ximo parág rafo c o m o Bloch j u lga este pessi mismo "a p riori " e muitas vezes senti mental. O q ue i m porta agora é de reconhecer q ue n este pess i m ismo existem u mas per­ g u ntas m u ito séri as q ue merecem ser d iscutidas. Vamos de n ovo sintetizar as perg u ntas mais s i g nifi­ cativas a partir d os trabal h os d e J. M o ltmann (29) e d e W . D. Marsch (30) q ue ambos começam j ustamente por uma descrição extremamente negativa da atitude c ontem­ porânea frente à esperança. Pergu ntam eles: é possível depois d os campos d e concentração, dos gol pes m i l i tares, d o: Vietnã, esperar no coti d i a n o ? Não haverá em Bloch u m "a priori " i ngênuo q u e condena o h omem a esperar? Que sustenta o homem n os momentos d e d esespe ro ? O q u e acontece quando fracassou, erro u, está cansad o ? Não h á e m Bloch u m desprezo fác i l d a d o r e d a morte? Pode parecer u m tanto s u rpreendente falar f i l osofica­ mente d o. cansaço. Mas seria esquect:i'r q u e o pensamen­ to b l oq uiano se desenvolveu a part i r da h u m i lde fom e ; q u e Bloch estima que a f i l osofia d eve começar no cotid iano. O cansaço, como esvazi amento d o entusiasmo, como mo­ mento zero· d o processo esperançoso, talvez seja mais di­ f íc i l de combater q ue o próprio d esespero. Não é sig ni­ fi cativo por exemp l o que na n ovela d e A . Camus que res­ ponde esteticamente à sua refl exão sobre o absurdo (31 ) , o primeiro passo d o herói n o absurdo é motivado pelo ca nsaço físico que l he p rovocam a natu reza e os outros? A importância do cansaço para a vida espiritual não es230

capou tão pouco à teologia p rática q u e i nventou a m e l h o r asp i r i n a c ontra este m a l : a doutrina d a providência. A doutrina d a providência permite convencer aos cansados, aos fracassados, aos q ue b rados q ue existe alguém q u e se o c u pa d eles. I n c l usive na m i tologia popular e na rel i g i ão popular, este a l g uém é o anjo p rotetor individual. A cada ser h u m ano corresponde um anjo q ue c u id a dele. A solici­ tude d ivina se concretizou numa i magem ca rreg ada de afe­ tividade. E qu e não se d ig a q u e a d o utrina da p rovidência não existe mais n u m m u n d o se c ul a r! Ao contrário. Rea­ parece, m odernizada, n a astrologia popular (32) c ujas fun­ ções é de exorcizar ao azar, d e exp l i c a r as d i fic u ldades q u e o i n d ivíd uo encontra n o seu dest i n o pessoal, d e for­ necer as bases para a c rença n u m medi ador. Quando se pensa n a i mportância n a vida latino-american à do patrão, do p rotetor, do coronel (33) , temos n as c renças populares d esde a astro l og i a até o espiritismo, verdadei ras re l i giões sec u l ares. Mas também poderíamos aplicar o mesmo ra­ c iocínio ao caso do pl anejamento social e do assistencia­ l ismo social q ue, de maneira mais sec u la ri zada é verd ade, mas também totalmente falsa, pensa consolar, c u rar, com­ pensar o i n divíd uo o u uma c o m u n idade, dos p roblemas q u e s u rgem por causa de situ ações cujas verdad e iras so­ l u ções seriam bem d iferentes (34) . Para Ernst Bloch, ao cansaço se res ponde por sol u­ ções concretas. Como no caso da fome. P ri meiro cri ando situações de vida em q u e cada u m possa real mente ter o m ín i mo para crescer e se d esenvolver. Po rtanto deve se resolver os p roblemas reais por so l uções conc retas. De­ pois, d e maneira m uito mais a m pla, pela c onstrução e pela conso l i dação da fraternidade h u mana e m que o homem, q uando cansado, encon tra um apoio para i r além d o seu cansaço. O cansaço antes d e ser u m probl ema antropoló­ g i co, é u m problema social ; o u m e l h o r d ito, a expressão pessoal de uma desordem coletiva. Os seus remédios se­ rão pol íticos antes d e ser éticos. M as o homem não só se cansa. Pode ainda fracas­ sar, isto é pode encontrar-se n u m a situação em q ue a ac u m u l ação de cansaços, de d esvios e de empec i l hos p ro­ voca u m a reação negativa d e " n o n possum us", d e i m po­ tência general izada, de d esânim o . Como a própria palavra

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"desânimo" i n dica, trata-se d e uma atitude oposta à es­ perança. O problema então é de saber se à origem d o fracasso temos uma responsabi l idade h u mana o u ao con­ trário uma i nércia, uma oposição externa, q u e a t radição ocidental chamou o M a l , o D iabo, o Nada etc . . . Para Bloch a resposta é cl ara : a falha está sempre do lado do homem. N u nca o p rocesso, as tendências d a natu reza, o d i n amismo da matéria fal ham. É o homem q u e não sabe mu itas vezes dominar este p rocesso, estas tendências, este d i n amismo. É o homem q u e e rra na sua traj etória ou na determi nação do rumo ce rto. Esta posição, voluntarista e su bjetiva à primei ra vista, é na realidad e u m a conseqüên­ cia da oposição rad i cal d e B loch a qualquer vitalismo, como a qualquer meca n i c ismo. Tanto u m como o outro s upõem qu e o homem d everia se identificar com a l g o q ue j á está determ i n ado. Re d uze m a atividade h u mana a um mero reflexo. Ao contrário para Bloch, a fal h a e o fra­ casso i n dicam, paradoxal mente , q ue o homem sempre pode superar u ma situação dada. Sendo o e rro, a falha, o fracasso dependentes d o h omem, pertence ao homem retificar a sua atuação. Por isto, deve refl eti r, se auto­ c riticar, criticar e . . . esperar. O " novum" q u e i nt roduz o homem é real mente a rriscado, mas possível . Não é um simples "novum", reflexo d e uma outra atividade exterior à d ialética da p raxis h u mana. Para bem entender todas as i m p l icações desta posi­ ção bloqu iana, é necessário anal isar mais o conceito de espontar eidade que tem um papel central na antropologia bloquiana (35). As anál ises d o capítu l o seg und o i n d ica­ ram qu e o ainda-não-sen d o se expressa a d ive rsos n íveis. Como finalidade ao n ível ontológico sendo : o ser em con­ tín u o devir; como possível ao n ível do conhecimento ; como consciência utópica ou antecipadora ao n ível d a vida co­ l etiva ; e como surto permanente de sonhos acordados, de expectativas e d e aspirações ao n ível existencial. Assim o destino h u mano, a todos os n íveis d a sua i nterpretação, se revel a como um ser em expansão, um ser do ainda mais. Até ce rto ponto temos em Bloch a genera l i zação da lei marxiana da mais-valia. Podem os então e ntender por que Bloch chama a concepção acética do p rog resso " pequ ena-bu rguesa" (PS). O homem não cresce pelo e 232

n o sofrime nto, nem p e l a pou pança, nem pela mesqu i n hez, mas pela realização d e todas as suas possi b i l i d ad es. A p rópria espera h u m a n a d eve ser ente nd id a "em esperan­ ça", como algo q u e d eve se concretizar, se real izar, se transfo rmar pela t ra nsformação d a matéria e da n atureza. A espontaneidade também é algo q u e se d escobre plena­ mente na sua rea l i zação e não nas i l usões de u m a espera i nf i n ita ou de u m vital ismo j uven i l . A espontaneidade é este poder criador q u e está p resente n o homem mad u ro q u e D. Bonhoetfer (36) d isti n g u i a com m uita razão, d o d e­ sej o cego d o j ovem. Mas não poderíamos i magi nar uma situação l i mite e m q u e a espontaneidad e s e encontra aniq u i lada pela desâ­ parição da vida? Que pode d i zer e afi rmar uma filosofia d a esperança frente à m orte por exem p l o ? Já anal isamos os p ro blemas que coloca esta "anti-utopia" absol uta. O que im po rta agora é estabelecer u m elo entre aquelas sol uções e as i m p l i cações d o conceito de espontaneidade. Talvez q u e o ponto mais n otável d a posição b l o q u i a n a é d e redu z ir a i mportância d a morte c o m o fundamento rad ical da reflexão fi l osófi ca. Seg u n d o B l och a morte como ponto de partida da refl exão sobre a cond ição h u ­ m a n a s ó pode l evar a u m a visão b itolada d a existência, por conseq üência i ncompleta e parcial. U m a reflexão que começa pelo fato viol ento d a m orte não dar b astânte aten­ ç ão a u m fato m uito mais su rpreendente, s i n g u l ar e p ro­ vocante : a cont i n uidade d a vida malgrado a mo rte. O que d eve ser enten d i d o e i nterp retado é : como é possível q u e s u bsista u m n ú cleo q u e escape à morte, q u e tenh a u m a " e X:.�mitorialidade" ( P H , p. 1 .390) em relação ao s e u poder d estru i d o r. Como d escrever esta sobrevivência, este ex­ cesso de vida q u e constituem os primei ros sinais da i mor­ talidade con creta da h u ma nid ad e ? Como entender q u e se espera, s e conti n u a esperando j ustamente l á o n d e não existem aparente mente as razões de fazê-lo ( P H, p. 1 .301 ) ? S e os teól og os chamam a n ossa ate nção sobre o s nossos l i m: tes, os filósofos insistem sobre as i n ú meras possibi­ l i d ades qu e o homem ut il iza para man ifestar que exi ste u m além destes l i m ites. 233

Várias foram as formas que a h u man idade i nventou para ca racterizar a sua i m o rtalidade. Ass i m a banal ati­ tude cotidiana e técnica de prolongar a vida. Isto é de aumentar o tempo de vida, adiando a morte. Por eficaz que sej a à primeira vista esta técn ica, não satisfaz B loch. Sem contar que o afastamento da m orte não é a sua abo­ l i ção, esta imortal idade l evantaria n ovos problemas. As­ s i m a permanência da geração atual poderia i m ped i r o c rescimento e a afi rmação das n ovas gerações. A i mor­ tal idade como simples permanênci a no estar vivo i m p l i­ caria a suspensão da procriação e da geração. A seg u n­ d a so l u ção a que se refere B loch é j á m u ito mais elabo­ rada e tem uma g ran deza fasci n ante. Adm ite a morte. Rec usa afastar a i déia da morte porq u e estima q u e a morte é necessária e faz parte da d i nâmica cósmica. A i m ortalidade humana neste caso deco rre do d o m fn i o fren­ te a este evento assegu rado pela aceitação tra n q ü i l a da nossa mortalidade. A ataraxia estóica não é i n d iferença, mas desmistificação do c l i m a de terror e de ang ústia que normalmente sugere a própria idéia d a morte. A morte de Sóc rates, o suicídio consciente, o saber mo rrer de D. Bon­ h oeffer são as testemunhas ainda presentes d este d es­ prezo absoluto da morte. M as esta solução é a ltamente intelectual e de maneira sign ificativa, associada a uns p oucos casos excepcionais. A aboli ção da idéia da mor­ te, da ang ústia frente à morte ainda não é u m a expl ici­ tação clara da di mensão positiva d a imortalidade. Por es­ t ranha que seja para a nossa menta l idade racional ista, a sol ução oriental da metempsicose (PH, p. 1 .381 ) isto é da reincarnação sucessiva do destino h u mar:io em prog ressi­ vas existências é u m a maneira de desenvolver a d i men­ são criadora da i m o rtalidade. Ass i m a imortalidade pode ser um prog resso espiritual. A rad ical ização da metemp­ si cose foi realizada pelo c ristianismo pela i nvenção da ressurreição dos mortos. As provas não são vividas su­ cess ivamente num alé m controláve l , mas nesta existência ú n ica que nos foi dada. A ressu rreição perm ite viver no agora, na antec i pação e na espe rança, o que será plena­ mente rea l i zado depois. Neste sentido é bem "o viver hoje o amanhã" que propõe B loch (PH, pp. 1 .500 e ss.). Não tem pois nada da renovação pela restituição d o passado, 234

mas se abre para uma renovação em que tudo será n ovo (37). N o entanto dois aspectos d a d o utrina c ristã d a res­ s urre i ção são m u i to d iscutíveis. Primeiro a i nsistência p o r parte de certos teólogos e m conceber a ressurreição como sendo uma mensagem que se d i rig e só ao i n d i v í­ d u o . Vi mos j á q u e H . G o l l witzer b aseava a sua crítica d a esperança bloqu iana n este ponto (38) . O ra bem, c o m o U. Neuenschwander (39) , devemos n o s perg u ntar s e esta concepção da ressu rreição não é demasiadamente i n f l u ­ enciada por uma concepção b u rg uesa e i deal ista d o m u n­ d o . Neste sentido os marxistas i nsistem que a imortal i d a­ de não pode ser do i n d i v íd u o só, mas q u e é a hu manidade total e completa q u e se afi rma na im o rtalidade (40). Mais audaciosa é a idéia q u e a ressu rreição d eve ser enten­ dida como a afi rmação que o homem já agora pode viver esta imortalitfade como poder criador, como o q u e e l e ainda n ã o é ( P H , p. 1 .391 ) . 5. 4 . A imo rta l idade, como poder c ri ador, i m p l ica u m a abertu ra, u m a p resença, u m e m pe n h o para o futu ro q u e s e opõem a o n ível d a p raxis c o m o d a teoria contra todas as i nterpretações pessimistas da existênc ia h u mana. Para Bloch, estas i nterpretações podem ser red uzidas em g rande parte, mas não exc lusivamente, n o n i h i l ismo. Vis­ ta d e um ponto de vista h istórico, a obra d e B l och é u m a l o n g a l uta contra todas a s formas q u e o n i h i l ismo o c i ­ dental i maginou. Primei ro contra o n i h i l ismo d os ensaís­ tus e h istoriadores como O. Spengler e A. Toynbee q u e general izam a s c rises p rovocadas pelas m ud anças sociais numa visão apocal íptica d e u m "fim d o m u ndo". Pen­ sam que estamos num d ec l ín i o gera l , à beira d e u ma catástrofe q u e acabará com q ualquer civil ização. Frente a estes prognósticos pessimistas, Bloch se pergunta tran­ q ü i l amente se estes p rofetas não refletem, d e mane i ra i n c l usive bastante i ngênua, o esgotamento de um a c l asse social ( P H , p. 1 .61 O) , d e u m c e rto t ip o de i nteletuais, even­ tualmente de uma ce rta forma de civi l i zação. O que nã o i m p li ca, evide ntemente, n e n h u m " f im d o mundo". Quan­ do este desân imo in teletual, este pess i m ismo req u i ntad o atinge g ru pos que não têm a capacidad e de raciocinar ou 235

d e sublimar este pess1m 1smo, pode então aparecer u m fenômeno coletivo q u e B l o c h caracteriza pelo "desencan­ to" ("Entzaüberung", LA, pp. 67 e ss.). É u m a perda d e q ualquer finalidade, mas q u e n ã o exclui o ativismo. Assim o nacional-socialismo q u e favoreceu u m ce rto tipo h u ma­ no ativista e i nconsciente do q u e está fazendo. O nazista é p ropriamente u m i nsensat o : q u e n ã o tem j u ízo, rumo, final idade e que, n o entanto, atua (LA, p. 69) . D. Bonhoef­ fer já tinha previsto q ue o p roblema pol ítico maior deste fim de século não será mais a m a l d ade, m as a estupidez que se expressa numa falsa franq u eza, n u m c i nismo q ue reconhece que a v id a não t e m sentid o , mas q u e devemos n o entanto "fazer coisas". Para B l och o d esencanto na­ z ista, e tão pouco o seu c i n ismo, ainda não é o verdadeiro nihilismo. Falta-l he a consciência reflexiva do q ue isto sign ifica (LA, p. 71 ) . O n i h i l ista é a l g uém q u e reconhece, q u e constata, qu e medita sobre o fato q ue, q ualquer q ue seja a sua atuação, só n asce d e l a o absurdo. O n i h i lista não tem a pretensão d e um O. Spengler d e anunciar o fim do mundo; tão pouco a agressividade de u m nazista. Nele existe uma patética m odéstia q ue faz a sua força. O n i h i l ista vive até o fim, normal mente o s u icíd i o , a cons­ tatação que nada tem sentido, nem senso. A sua d ificul­ d?de é de j ustamente "viver" este absurdo. O que não é : i mposs ível, mas leva q uase sempre a uma nova atitude, ' a relativização d o abs u rd o n o ceticismo. Neste caso, a violência total e g l obal d o absurdo está t ransferida, tra­ d uzida, projetada sobre um outro p l a n o da existência: es­ tético, ético, etc . . . Temos u m bom exemplo d esta fuga na elegância cética do pensamento d e T. y.J. Adorno, que, numa obra recente dedicada ao conceito d e " d ia l ética ne­ gativa" (41), pretendia l i bertar a d i alética d a p reocupação positiva do prog resso. Quaisquer q u e sejam estas formas: pessim ismo, ci nismo, absu rdo ou ceticismo, todas elas têm em comum q ue a h istória como desenvolvimento e por conseq üência como p rog resso é u m a l i nda i l usão. No melhor dos casos, admitem q u e, d e vez em q uando, sur­ gem relâmpagos, momentos frag mentários, em q u e os ho­ mens sentem o q ue poderia ser a fe l i c idade, a g randeza, a paz. Mas tudo o resto fica confuso e te nebroso. O que form u l o u admirave l mente u m g rande h istoriador, que foi 236

também u m g rande fascista, J . Souste l l e : "Não existe ne­ n h u ma idade d e o u ro n e m atrás d e nós, nem no futuro. De vez em q uando, d u rante o espaço d e um relâmpago, entre d uas i nterm i n áveis n oi tes, a h u manidade conse g u e d escobrir u m p recário e q u i l íb rio, exceção b ri l hante n o c u rso de u m a tenebrosa h istória" (42). Bloch, n a s u a ú l t i m a i n te rvenção n o Colóq u i o sobre "Genêse et Structu re" (43) , apontava a respeito d estas formas contemporâneas do n i h i l ismo ocidental q u e o seu e rro metodológ ico e ra d e general izar a b usivamente u m aspecto d a reflexão antropológica. Po r p rofundo que seja M. Heidegger, é, fre n te a B l och , u m pensado r u n i l ateral e parcial. O ra para Bloch o problema d o pensamento d es­ te fim d o séc u l o é o pensar total sem cair n as i lusões d o enciclopedismo. O q u e s e expressa n o caso d o absurdo pela perg u nta funda m ental que n os faz ainda h oje A. Ca­ m us (44) : como viver no absu rd o ? Como c rescer e se afi rmar q u a n d o s e encontra esmagado entre o espírito e a matéria para utilizar o voca b u l ário de Camus? O viver é rea l mente m u ito mais d ifíc i l e perigoso do q u e o s u ici­ dar-se. Porq u e n o viver existe a possi b il idade d o fracasso e sobretudo da traição. Como F. D u rrenmatt o sugere , o n i h i lista ainda se coloca n u m a posição heróica e ind ivi­ d ual ista em que a existência domina o d estino. Mas cadê o herói q uando somos todos só víti mas (45) ? Como viver o castigo sem c u l pa b i l idade? É i nteressante notar q ue , para escapar a este d i l ema, estamos assistindo a uma re­ g ressão inteletual q u e se n ota por u ma rer ovação do trá­ gico (46). Pode parecer estranh o que n u m parág rafo de­ d i cado à discussão d os teólogos com Bloch, estejamos chegando ao problema d o trágico. Na rea l i d ad e o esgota­ mento do pensamento teol óg ico é tal q ue, para salvar a g randeza d ivina, não h á o utra saída q u e elaborar u m a concepção trág ica d a existên cia humana em q u e o ho­ mem está condenado a viver a rad ical d iscrepância entre o seu q uere r e o seu estar. Na renovação d o trág ico, temos um exe m p l o fasc i n ante d e um pensame nto que p re­ fere negar q u a l q u e r sentido à h istória para melhor aben­ çoar Deus. Posição q u e tenta mu itos catól icos d e es­ querda desani mados pelo " atraso" da revol ução que es­ perava m. O pensamento trág ico que ati nge j á a América 237

Lati na (47) se opõe total mente ao pensamento utópico bloquiano Mas n ã o d evemos i maginar que Bl och contra­ põe o otimismo. O q u e afi rma é q u e o pensamento trágico ignora a dialética por pensar o real a partir de um es­ quema dualista. D a í a sua tendência em valorar a am­ big üidade. Para Bloch, não h á ambigü idade. Só existem p roblemas, obstác u l os, empec i l hos que devem ser su pe­ rados. A imortal i d ade segundo Bloch tenta j ustamente entender a existência h u mana como uma tarefa na qua l por além da c u l pa, d o d esânimo e d o desespero o homem se real iza pela real ização da sua esperança (48) . A desi­ l usão não só está ass i m i nteg rada no p rocesso d i a l ético, mas está s u perada, o mal aparecendo como uma neces­ sidade (49) . Estamos sssim chegando ao ponto mais d e­ l icado da interpretação d o pensamento b l oqui a no: a sua teoria do mal. Ao considerar a posi ção b l oq u iana em rel ação ao mal, talvez sej a útil n os l e mbrar d a advertência d e E . Borne : "o problema do mal constitu i a p rova de fogo de q u a l q u e r filosofia" (50). E p a rt ic ul armente para uma posição q u e i nsiste sobre a s possibil idades h u manas, sobre a fel ici­ dade possível , sobre o sentido d a existência. Numa pri mei ra aproxi mação, podemos n otar que o mal aparece como uma iniciativa do homem. Do mesmo �odo que o homem pode atuar bem, pode preferir a mal­ dade. Na infi nita s u cessão das dec isões e opções q u e s u rgem n a nossa existência, o h omem pode escolher a suficiência, a inj ustiça, a traição . . . tornando-se causa e razão dos sofri mentos dos outros como dos seus próprios; d a exploração e d a opressão d e u ma parte da h u mani­ dade por uma outra. O mal é t ud o o q u e o homem faz para atentar à q u a l i dade e à d i g n idade · dos outros ( P H, p. 1 .528) . Mas o h omem não só comete maldades. Ele ainda justifica a sua maldade. Partic ipa d a h i pocrisia so­ cial, das m istificações coletivas ; torna-se cúmp l ice. Neste p róximo · passo o m a l aparece como o injustificável tal como é desejado pelo homem (51 ) . Neste caso o homem se m istifica, elaborando falsas razões e entrando num p rocesso de alienação (52) . Diante desta l i berdade para o mal, desta escolha para o mal, não podemos, nem deve­ mos buscar expl icações metafísi cas (53) , mas tomar de-

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c tsoes eficazes. Devemos d e n u nciar, p rotestar contra cada maldad e d e mane i ra a suscitar u m p rocesso d e d esa­ l ie nação. A desa l i enação - mais i m po rtante do q u e a a l i e n aç ão - será u m p rocesso q u e tenta · permitir a to­ mada d e consciência capital para q u a l q u e r mudança real (54) . Nela, os homens red escobrem as suas capac i d ades criad oras, q u ebram os mecanismos d e b l ocagem, tomam consciência q ue "tudo é possíve l ". A d esal ienação será ao mesmo tempo uma l i bertação ("dépossessi o n ") d a o p ressão do s outros e u m a afi rmação d e si ( " re p rise d e so i ") (55) . A desal ienação é u m a l uta concreta q u e exige u m a opção e m favor d a d i al ética materialista, isto é do marxismo como foi d esenvolvido a partir d a obra d e Karl M a rx. Por conseq üência, é m u ito s i g nifi cativo · q ue a o b ra prima de Bloch O Princípio de Esperança acabe com u m úl ti m o capít u l o consag rado à permanência e à atu a l i dade d o pensamento marxiano ( PH , pp. 1 .602-1 .628) . Também ó s i g ni ficativo q u e o texto mais recente de Bloch seja u m a anál ise da atualidade d e K. M arx ( U M , p p . 1 30 e ss. ) . Três pontos ce ntrais são valorados por B l och . Primei ro a teo­ ria da mais-va l i a q ue expressa ao n ível da i nte rpretação econômica q u e a carência só pode ser entendida a part i r da abundância. Depois a in terpretação d i a l ética d o s d i­ nam ismos soc iais q u e nos obriga a considerar s i m u ltanea­ mente todos os n íveis d a realidade ( U M , p. 1 31 ) . Enfim a correlação entre p raxis e teoria q u e permite ao mar­ xismo de s uperar: 1)

os d i l emas do moralismo privad o por uma ética coletiva (UM, p. 1 30)

2)

as a m b i g ü i d ad es d o p ragmatismo pela finalidad e ( U M , p. 1 36)

3)

as i l usões do id eal ismo pelo otimismo m i l itante.

M as mesmo para esta h u manidade ativamente cons­ ciente ("tiitig begreifende H u man itat", PH, p . 1 .606) , per­ manece o fato da carência ( " Das Ma ngel", 56) . Será u m si mp l es res ídu o qu e s e pode e l i m i nar aos poucos? Será algo que pesa como u m a fata l i d ade sobre nós? É a ex­ p ressão de uma infe l i c idade fundamental q u e exp l icaria 239

uma alienação ontológica (57) ? Uma fal h a rad ical d o e n o ser? Para poder entender a posição defin itiva d e Bloch sobre estes pontos, d everíamos conhecer u m a o b ra sobre a q ual ele trabalha faz anos: O conceito da matéria. Tal­ vez então pudéssemos compreender m el hor como a ma­ téria pode se opor aos fins do h omem, tornando-se o i nex­ tri cável , o i mpossível , isto é o el emento i n umano por ex­ celência. Como Bl och pode conciliar este mal radical com a alegre afi rmação que t ud o é possíve l , isto conti n u a entretanto problemático. A ún ica solu ção é para cada u m , d e demonstrar na p raxis d a sua vida c o m o resolve esta p rova de fogo.

NOTAS DO CAPITULO 5 1. 2. 3.

: 4. ' '

5. 6.

7.

8.

9. 10.

240

Trecho de "Campos de Castilha", Poesia Completa, Madrid, 1 955, p. 1 75. Trecho de Antimémoires, Paris, 1 968, p. Sobre este problema m uito discutido mas capital da disconti­ n uidade do marxismo e m relação ao cristianismo e de uma pos­ sível continu idade, ver as páginas 1 5- 1 6 de H. Desroches, Socia­ lisme et sociologie religieuse, Paris, 1 965. Ernst Bloch: Auswahl aus seinen Schriften, Frankfurt A. M., 1 967, pp. 29-31 . Em The Secular Debate, ed. D. Cal lahan, New York, 1 966, pp. 1 94-203. Ver a crítica aguda de A. Robbe Grillet do abuso da analog ia em "Nature, l'humain et la tragédie", publicado n a Nouvelle NRF, Paris, oct. 1 958 e reproduzido em Pour un nouveau roman, ' Paris, Assim o interpretam R . O . Gropp e m "Ernst Bloch : e ine antimar­ xistische Weltlosunglehre" e J. Fürster em "Das Verhaltnis des Marxismus zu Ernst Bloch's Philosophie", reproduzidos em Ern�t Bloch's Revisionismus, op. cit., pp. 9-49 e 1 99-220. Assim o afirmam J . Habermas e m "Zur philosophischen Diskus· sion über Marx und der Marxismus" em Philosophische Runds­ chau, 1 957 /3-4, pp. 1 65-235 e F. Witmer em "Welt ais laborato­ rium salutis" em Ernst Bloch zu Ehren, op cit., pp. 1 21 -1 34. L. Kola kowski : Der Mensch ohne Allernative, München, 1 965, pp. 7 e ss, pp. 250-280. Cf. K. Kosik: Dialettica dei Concreto, trad. do checo, Milano, 1 965, 278 p.

R. R ist em "sit1.1ation de la théologie contemporaine" Cahiers Protestants, Lausanne, 1 967 / 2, pp. 1 1 -22) propõe uma progres­ siva radicalização do pensamento teológico que na Idade Média dava as soluções ; com os Reformadores, colocava as pergun­ tas; e hoje, se põe a si mesmo em questão. 1 2 . Sobre os perigos e as manipulações pol íticas de um ecume­ n ismo idealista, ver o i mplacável requisitório de M. Miegge publicado em Gioventu Evangélica, março, 1 968, pp. 4-6: " l i sepolcro (imbiancato) d e Enrico i l santo". 1 3 . Cf. T. Schwarz: "Le dialog ue entre les marxistes ou avec les révisionnistes?" em Cahiers Protestants, Lausanne, 1 967/2, pp. 88-90. 1 4 . M . Mezger: "Theologie ais Wissenschaft" e m E . B . z . Ehren, op. cit., pp. 1 81 -207. 1 5 . Sintetizamos a posição de J. Moltmann a partir dos trabalhos críticos seguintes : "Messianismus und Marxismus" em Über E. B., op. cit., pp. 42-60. "Die Kategorie Novum in der christlichen Theologie" em E . B . z Ehren, op. cit., pp. 243-263. "Das Prinzip Hoffnung und d ie Theologie der Hoffnung" em Theologie . . . op. cit., pp. 3 1 3-334. Ver também uma excelente discussão das posições discutíveis de Moltmann em "L'espérance chrétienne dans la pensée de J. Moltmann" de H . Mottu, publ icado em Revue de Théologie et de Philosophie, Lausanne, 1 967, IV, ' pp. 242-258. 1 6 . H. H. Holz, op. cit., pp. 1 4-1 7. 1 7 . Th. Heim, "Bloch's Atheismus" em E . B . z . Ehren, op. cit., pp. 1 57-1 79. 1 8 . J. Moltmann, Theologie . . . op. cit., p. 25. 1 9 . F. Witmer: "Die Welt ais Laboratorium salutis" em E . B . z . Ehren, op. cit., pp. 1 21 - 1 34. 20 . Ver por exemplo: W. Pannenberg : "Das Gott ais Hoffn ung", em E . B . z . Ehren, op. clt., PP- 209-225. G. O'Collins: Spes Quaerens intellectum" em lnterpretation, 1 968, 22, pp. 36-52. G. E. Braaten: Toward a theology of hope" em Theology Today, 1 967, 24, pp. 202-226. 21 . Assim H. Mottu, op. cit., p. 250. 22 . J. B. Metz: "Gott vor uns" em E . B . z Ehren, op. cit., pp. 227241 . 23 . A. Metzger: "Utopie und Transcendenz" em E . B . z . Ehren, op. cit., pp. 69-82. 24 . Ver a oposição clara entre o cristão H. Cox: E. Bloch and the pull of the future" em New Theology, 1 966, 5, pp. 1 91 -203. e o marxista G. Mury: "Zukunft und Marxismus" em Chrístentum Heute und Marx, pp. 1 75-201 . 11 .

.

241

25 . 26 . 27. 28 . 29 .

30 . 31 . 32 .

33 .

34 .

H. Mottu, op. cit., p. 248. Poema reproduzido em Lyrik des expressionisten Jahrzehnten, pp. 287-288. H. H. Holz, op. cit., pp. 25-29. K. Barth: Dogmatique, vol. t., trad. do alemão. Labor et Fides, Genêve, 1 954. J. Moltmann : Das Prinzip Hoffnung . . . op. cit., pp. 3 1 3 e ss. Ver também do mesmo autor: Messianismus und . . . op. cit., pp. 42 e ss. W. D. Marsch: Op. cit., pp. 5-24. A. Camus: l'Etranger, Paris, 1 942. Esta afirmação não é exagerada segundo os trabalhos de J. Maistre "Relig ion populaire et population religieuse" em Ca­ hiers lnternationaux de Sociologia, Paris, 1 959, XXVl l, pp. 951 20 e sobretudo "La consommation d'astrologie dans la société contemporaine" em Diogene, Paris, 1 966, n.0 53, pp. 92-1 09. Esta relação entre a estrutura paternalista da sociedade e o autoritarismo religioso será analisado n u m futuro trabalho so­ bre Teologia e Revolução (em preparação). Também este parágrafo implicaria todo um desenvolvimento que desmistificasse as ilusões do "planejamento social", desenvolvi­ mento que preferimos incluir no trabalho sobre Teologia e Re­ volução.

Ler a este respeito as páginas profundas de H. H. Holz: Op. pp. 9-1 3. 36 . Refiexão do 1 9 . 3 . 1 944. 37 . J. Moltmann analisou todas as implicações desta distinção no seu estudo "Die Kategorie Novum in der christliche Theologie" em E . B . Zu Ehren, op. cit., pp. 243-263. 38 . H. Gollwitzer: Op. cit., pp. 88-91 sobre tudo. 39 . U. Neuenschwander: "Problêmes d'eschatologie" em Revue de Théologie et de Philosophie, Lausanne, 1 966, 1 1 1, pp. 1 45-162, trad. do alemão. 40 . Ver por exemplo o físico comunista R. Havemann em Christen­ tun:i und Marxismus Hi"...; te, op. cit., p. 242: "O indivíduo pode morrer, mas a h uman idade em nós é imortal pela acumulação h istórica das obras dos homens". 41 . T. W. Adorno: Negative Dialektik, Frankfurt A. M., 1 966, 410 p. 42 . J . Soustelle: Les Quatre Soleils, Paris, 1 967. 43 . Em Genese et Structure, op. cit., pp. 228 e ss. 44 . A. Camus: Le mythe de Sisyphe, em Essais, Paris, 1 965, pp. 8921 1 e 1 4 1 0-1 455. 45 . Este tema foi desenvolvido em P. Furter "O teatro pol ítico de B. Brecht até F. Dürrenmatt" em Revista do Livro, Rio, 1 966, n.0 30, pp. 35 .

cit.,

1

242

46 . 47.

48 .

49. 50 . 51 .

52 . 53 . 54 . 55 . 56 .

J. M. Domenach : Le retour du tragique, Paris, 1 967, 303 p. Ver p o r exemplo a falsa alternativa em q ue n o s coloca C. De­ trez no seu excelente trabalho "A América Latina entre o trá­ gico e a revolução" (Revista Civilização Brasileira, Rio, 1 968, 1 8, pp. 93-1 1 1 ) . Antes de escolher, seria bom verificar se o s términos da alternatW:'a propostas por Detrez correspondem às tendências do concreto. L. Flamm analisou de maneira muito critica os sucessivos pas­ sos da "secularização da salvação" num trabalho sobre " Le salut dans la pensée de Hegel à Sartre" em Religions du Salut, Sruxelles, 1 962, pp. 21 9-228. Ver a irônica lembrança de L. Kolakowski: "é pela desilusão que se pode avaliar a validez da utopia", Op. c it., p. 1 24 e ss. E. Sorne: Le problême du mal, Paris, 1 963, p. 4. Sobre o conceito de alienação e o violento debate que suscitou em Paris, ver o número especial de Esprit, Paris, 1 965, 1 2, com o trabalho de J . M . Domenach "Pour en tinir avec l'aliénation", pp. 1 058-1 083 e a penetrante análise de F. Chirpaz, pp. 1 0001 008; a reação da revista Raison Présente, Paris, 1 967, 3, pp. 53-74 e o debate publicado por Revue de Sociologie du Tra­ vail, Paris, 1 967/ 2, pp. 1 80-209. J. Nabert: Essai sur le m a l , Paris, 1 955, p. 40. E. Sorne, Op. cit. e do mesmo autor "Sources et cheminements de l'athéisme" em L'athéisme . . . op. cit., pp. 1 07-122. Ver a reação de H. Lefebvre em Esprit, op. cit., pp. 981 -993. J. Gabei: "Pour une théorie raisonnable de l'aliénation", Esprit, Paris, 1 967, 9, pp. 224-236. Que corresponde em g rande parte ao conceito sartriano de "rareté". Ver por exemplo as páginas 200 e ss de Critique . . . op. cit.

57.

J. P. Cotten "Qu'est-ce que dépasser la philosophie" em " O u tragique", Aletheia, Paris, 1 66, 5, p p . 1 39-152.

243

A P � N D I C E ORIENTAÇÃO PARA UMA LEITURA DE BLOCH Existem três b i b l i o g rafias de e sobre a obra de E rnst B l oc h. A primei ra, que vai até 1 962, foi publicada por H. G . Bütow no seu trabal ho pioneiro sobre o f i i ôsoío ale­ mão (Philosophie und G esellschaft im Denken Ernst Bloch, Ost l nstitut P u b l i kationen n r. 3, Berl i m Ost, 1 963, pp. 1 52 e ss.). A segunda, q u e vai até 1 965 e a mais completa, faz parte do conj unto p u b licado e m h omenagem a Bl och pela Suhrkamp Verlag : Ernst Bloch zu Ehren, Fra n kfurt A. M., 1 966, pp. 401 e ss. Enfim uma b i b l i og rafia selecio­ nada q u e vai até 1 967 completa a recente anto l og i a d e a rtigos da mesma editora: über Ernst Bloch, Fra n kfurt A . M . , 1 968, pp. 1 33 e s s . A n otar q u e todas as três i g n o­ ram q u ase por compl et o a b i b l iografia nas l ínguas neo­ l ati nas. ; As du as antologias de frag mentos e artigos d e Bloch qüe se propõem i ntrod u z i r ao seu pensamento i nsistem mais sobre os seus aspectos mais recentes. Uma ser.á publ icada em New York ainda este ano com um p refáci o de H. Cox. A outra é n otável tanto pela sua apresentação e pela penetrante intro d u ção de H. H. Holz, o responsável da edição. Trata-se de Ernst Bloch : AusWahl aus seinen Schriften, Fischer Bücherei, Frankfurt A. M . , 1 967, 1 81 p. Sem d úvida o trabalho e a antologia d e Holz constituem a visão mais sistemática que temos sobre a obra bloqu ia- · na. No entanto a o b ra mesma continua de acesso d ifíc i l . P ri meiro ri ão existe nen h u ma edi ção critica ; depois, u m a parte importante está d ispersa e mesmo inédita; enfim as trad u ções são raríssi mas. Ao menos para certos t raba l h os fundamentais, existe h oje o texto definitivo na ed ição d as obras completas que a S u h rkamp Verlag começou a ed itar desde 1 961 . Util iza244

mos esta edição para as citações e os trechos rep rod u­ z i d os no n osso trabalho. I nfel i zmente, m a l g rado o l ux o e d itori a l , faltam totalmente as i ndispensáveis i n d i cações sobre as dife re n tes versões d estes textos. Só podemos esboçar p o r conseqüência u m a b i o-b i b l i o g rafia que i n d i ­ c a r á n o e ntanto o essencial. E rnst Bloch nasceu e m 1 885. A sua primei ra "ob ra " é a s u a tese sobre Kristische Kroterungen über Rickert, d e q ue não encontramos n en h u m a e d ição. O seu primeiro 1 i v ro é portanto Geist der Utopie (1 . ª edição premarxista e m Leipzig em 1 91 8 ; seg u n d a compl etamente revista e m Berl i m em 1 923) . E m 1 91 7, como os dadaístas, B l och vai à S u íça onde trabalha n a redação d o d i ári o anti i m peria­ l ista alemão Die Freie Zeitung. E m 1 91 9, p u b l ica um pan­ fleto Schadet oder nützt Deutschland eine Niederlage sei­ ner Militãre? ( Bem, 1 9 1 9, 23 p.). De volta à A lemanh a p u b l ica Thomas Münzer ais Theologe der Revolution (1 .ª e d i ção e m M ünchen e m 1 922) . Continua s i m u l taneamente a s ua l uta p o l ítica, cr;tica e l i terária. Os seus e nsaios l i te­ rários e c ríticos, tão p reciosos pela q u a l i dade est i l ística como p rofundos, foram e m parte j á p u b l i cados e m 1 923, em Berli m , sob o tít u l o Durch die Wüste, e em 1 930 e m Spuren. O utros serão p u b l icados e m 1 962 e 1 964 res pec­ tivamente: Verfremdungen 1 e Verfremdungen li: Geogra­ fica. A s u a atividade p o l ítica e as suas denúncias v i o­ l e ntas contra o nazismo p rovocam um a d rástica reação nacional-social ista e Bloch foge a P raga e depois na Su íça, o n de p u b l i ca em 1 933 em Z u rich a 1 .ª versão d e Erbschaft unserer Zeit. Em 1 938, chega aos Estados Unid os. N o N ovo M u ndo, começa a trabalhar o Princípio de Esperança. Neste seg u n d o exíl io, continua a se manifes­ tar po l iticamente, criando com os seus a m igos Thomas M a n n e B. B recht uma editora, a A u ro ra Ve rlag, q u e p u­ b l icou em 1 946 o seu Utopie, Freihelt und Ordnung. M as a i n d a m uitos anos vão passar antes de poder p u b l icar a versão defin itiva da sua o b ra m o n u menta l . U m novo es­ b o ç o é p u b l icado em Berl i m , e m 1 953, com o t ítu l o Abriss der sozialen Utopien. Depois os dois primei ros tomos e m 1 954 e 1 956. A versão completa e defi nitiva s ó será pu­ b l icada e m Fra n kfurt A. M . em 1 959. Entretanto cont i n u a p u b l icando n a Repúbl ica Democrática Alemã. E m 1 95 1 a

245

sua in terpretação de Hegel : Subjekt-Objekt: Erlauterungen zu Hegel. Depois, a sua defesa d a esquerda a ristotél i c a : Avicenna u n d d i e aristotelische Linke, e m 1 952 ; Christian Thomasius, ein deutscher Gelehrter ohne M isere em 1 953 q ue será i n c l u ído na sua in terpretação do d esenvolvimen­ to do d i reito : Naturrecht und menschliche Würde em 1 965. Mas depois das homenagens, vem a rep rovação. Em 1 961 , recusa voltar a Lei pzig e depois de d a r u m a série de con­ fe rênc ias {Philosophische Grundfragen 1: Zur Ontologia des Noch-Nicht-Seins, Fran kfurt A. M . , 1 96 1 ) , é p rofessor de filosofia em T ub in gen. Publica as suas aul as em 1 963 e 1 964 em Tübinger Einleitung in die Philosophie 1 und. l i. No s e u tercei ro exíl io, Bloch trab a l h a as suas ob ras comple­ tas para o mesmo editor de 8. B recht e q ue tem para Bloc h a i m portância e a sign ificação d e Lüchterhand para G . Lu kàcs. Atual mente são d ispo n íveis as ob ras seg ui ntes, todas p u b l icadas pela Suhrkamp Verlag. 1. Na coleção das "obras compl etas de Ernst Bloch", os volumes: 3. Geist der Utopie, 2 .ª versão revista, 1 964, 354 p . 4 Erbschaft unserer Zeit, versão revista, 1 962, 41 5 p . 5 . Das Prinzip Hoffnung, d o i s volumes, 1 959, 1 .657 p . 6 . Naturrecht und menschliche Würde, 1 961 , 368 p . 7. Subjekt-Objekt, Erlaüterungen zu Hegel , versão revista, 1 962, 525 p. 9 . Literarische Aufsatze, 1 965, 581 p. l i . Na coleção " B i b l i othek Suh rkamp", o s volu mes : 54. Spuren, Parabel n , 1 959, 291 p. : 77. Thomas M ünzer ais Theologe der Revolution, 1 962, 243 p. 85 . Verfremdungen 1 (reprod uzido no vai . 9 das ob ras completas, pp. 220-400) , 1 963, 232 p . 1 20. Verfremdungen l i : Geografica ( ib idem, pp. 401 548), 1 964, 207 p. I l i . N a coleção " Ed ition Suh rkamp", o s vol u mes : 1 1 . Tübinger Einleitung in die Philosophie 1, 1 963 , 203 p. 246

22. Avicenna und die aristotelische Linke, 1 963, 1 1 6 p. 58. Tübinger Einleitung in die Philosophle 2, 1 964, 1 79 p. 74 . Durch die Wüste, Frühe kritisch e Aufsatze, 1 96-l, 1 48 p. 1 93. Christian Thomasius ein deutscher Gelehrter ohne Misere ( reprod uzido no vol . 8 das ob ras completas pp. 66 e ss.) , 1 967, 72 p. 257. Wiederstand . und Freiheit, Aufsatze zur Politik, 1 968, 1 1 2 p. 291 . über Karl Marx, 1 968, 1 78 p . I V. Philosophische Grundfragen 1, Z u m Ontologie d e s ' Noch-Nicht-Seins, e i n Vortrag u n d zwei Abhandlungen, 1 961 , 93 p. As t rad u ções são raríss imas e m uitas vezes só d e fra g­ mentos. E m português um d i sc u rso foi p u b l i cado por Tempo Brasileiro : " O h omem como poss i bilidade", R i o , 1 966/8, p p . 1 5-28. Em espanhol, a 1 .ª versão d o est u d o sobre H e g e l foi p u b l icado e m M éxico e m 1 949 : EI pensa­ miento de Hegel, 470 p. Em 1 967 e 1 968, respectivamen­ te em Madri foram p u b l icados Avicena y la izquierda aris­ totelica e Thomas Münzer, teólogo de la revolución. Exis­ te u m fragmento d e " Utopia, l i b e rdad y Orden" em Histó­ ria y elementos de la sociologia dei conocimiento, e d ita­ da por 1. L. Ho rowitz, trad. do i n glês, Buenos Ai res, 1 964, vol. l i , pp. 1 36-1 44. Enfi m a revista colombiana Eco pu­ blicou três fragmentos d e Verfremdungen li (Bogotá, 1 968, 2, pp. 344-360). Em i n g l ês só a p ri m e i ra versão d o est udo sobre Hegel foi p u b l i cada e m 1 947 em Cam b ridge, M ass. Em francês, M . d e G a n d i l lac traduzi u e anotou de m a­ n e i ra magistral Thomas Münzer, Théologien de l a Révo­ l ution, Paris, 1 964, 268 p. Ainda este a n o será p u b l icada a trad ução d e Spuren : Traces, também e m Paris. O pri­ m e i ro capítu l o d e Prinzip Hoffnung foi p u b l icado na Re­ vue de Métaphysique et de Morale, Paris, 1 958/ 1 e a l g u ns f ragm entos e m Lettres Nouvelles, Paris, 1 958/septe m b re . E rnst Bloch to m o u parte a o s d ebates sobre a s noções 247

d e Genêse et Structure de 1 959. A sua comunicação so­ bre "Processus et structure" e várias intervenÇões foram trad uzidas por M. de G an d i llac (Paris, 1 965, pp. 206-227). O primeiro estudo de conjunto é o trab a l h o já citado de H. G . Bütow. Este autor, profissional do anti-comunis­ mo, pretende por um estudo minucioso demonstrar o q uan­ to Bloch é perigoso para a Repúb l i ca Fede ra l Al emã. N o entanto este trabalho é útil para uma i nterp retação minu­ c i osa de certos pontos obscu ros d o pensamento b l o q uia­ no. Não é possível d i zer o mesmo d o t raba l h o d e J . R ü h l e - " E rnst Bloch, the p h i l osopher of hope" p u b l icado em Re­ visionism, history of marxist ideas (London, 1 962, pp. 1 661 76), que não só é su perficial, mas tendencioso. Para passar no ou tro cam po, dos ortodoxos comunis­ tas, é interessante opor o l audativo Festschrift zur 70 Ge­ burtstage, Berlin Ost, 1 955, aos req u isitórias contidos e m Ernst Bloch's Revisionismus d e r Marxismus, Berl i n Leste 1 957, 352 p., em q u e se encontram as m e l ho res anál ises contra B l och escritas pelo filósofos oficiais da o rtodoxia da DDR. No entanto as melhores c ríticas foram escritas por dois sociólogos alemães : P. Ludz em " Re l i g ionskrit i k und uto pische Revolution" publicado e m Probleme der Reli­ gionssoziologie, Kõln , 1 962, pp. 86- 1 1 1 e J. Habermas e m " f: i n marxistischer Sche l l i ng - z u Ernst Bloch s pe k u l a­ t ivem Materialismus" em Theorie und Praxis, Sozial philo­ sophische Studien, Neuwied, 1 963, pp. 336-351 . 1 Enfim dentro da abundante e i n egável produção teoló­ gica, destacam-se o estud o de H. G o llwitzer " D i e marxis­ tische Religionskritik u n d ch ristlicher G laube" em M ar­ xismus Studien, Tübingen, 1 962, pp. 1 1 44 : de J . M oltmann "Ernst Bloch's Prinzip Hoffnung" publicado em anexo a sua Theologie der Hoffnung, M ünchen, 1 965, pp. 31 3-334 ; . enfim de W. D. Marsch Hoffen Worauf? Auseinandersetzung m i t E. Bl ách, Hamburg, 1 963, 1 23 p. Nos Estados U n i d os os dois estudos de H. Cox, um tanto su perficiais, primei ro na concl usão ao The secular debate, ed itado por D. Cal la­ han, New York, 1 966, pp. 1 79-203 e a i ntrodução já s i g na· fada " Ernst Bloch and the pull of the future " em New Theology, N.0 5, New York, 1 969, pp. 1 91 -203. -

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.

M as para ter u m a visão b a lançada, a lé m d o notável t rabal h o de H. H. Holz j á citado, o melhor é consultar o c onj u nto de a rtigos p u b licados por S u h rkamp Verlag Ernst Bloch zu Ehren, 1 966, 400 p. e em 1 968, Ober Ernst Bloch, 1 50 p. Na América Latina, os comentários são poucos. P o­ demos no entanto citar u mas pági nas de V. Chacon q u e i n c l u i u B loch nos h eterodoxos m odern os q u e enumera e m Galileus modernos, e l o g i o d a heterodoxia, R i o, 1 965, 1 42 p. *

*

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Para fac i l itar u m contato d i reto com a .obra o riginal, sugerimos as segu intes l e it uras, relacionadas com os d i stintos capít u l os d o n osso t ra ba l h o : ·

1.

1

DIALÉTICA E ESPERANÇA, p p . 5 1 0-520 d e Subjekt-Objekt. Este capítu l o é a concl usão d o l ivro q u e E rnst Bloch escreveu " para Hegel, c o m e além dele" (SO, p. l i) e no q u al medita sobre a s i g n ifi cação atual d e u m filósofo q ue pensava j á ter chegado ao f i m da História e q ue, n a rea­ l id ade, estava só no f i m de u m a h istória. Primeiro, p u b l icado em 1 945 em i n g l ês, e em trad u­ ção caste lhana logo depois, Subjekt-Objekt, foi p u bl icado e m alemão em 1 951 e repu b l icado em 1 963 com um novo capítu l o. O t recho trad uzi d o compreende as pági n as 5 1 0520 da ú ltima edição alemã. Ao térm ino deste l iv ro, Bloch mais u m a vez entrelaça dois temas constantes e m seu pensamento: a d ia lética e a esperança. N o primei ro parág rafo lembra q u e o homem é fundamenta l mente u m ser p re matu ro e q ue é b om q u e as­ s i m seja para q u e ele se esforce sempre. No parág rafo d oi s enfatiza q ue, sendo i nacabado, o homem faz da s u a v i d a u m a aventu ra q u e se apóia sobre u m passado q u e a determina mas q u e , ao mesmo tempo, tende para u m futu ro n o q u a l i rá b uscar u m a verdade semp re em devi r. No parág rafo terceiro, B l och busca o m otor da d i alética na i nsatisfação, isto é, negativamente, numa "consciência ativa da objetivação a i n d a i nsuficiente" e positivamente 249

encarnada na espera nça. q ue, do mesmo modo q u e sim também o será o seu i ndecisão co m o o n osso, d ialética e da esperança.

E conc l u i , n o parág rafo q u arto, os homens são i n acabados, as­ passado ; o q ue , n u m tempo d e n os permite sentir o poder d a

li. AS DIFERENTES FACETAS DO POSSJVEL, pp. 224-287, d o Prinzip Hoffnung. A importância do " Princípio de Esperança" explica porq ue estamos sugerindo a leitura d e vários frag mentos deste l ivro, deixando d e l ado o utras obras de Ernst Bloch. Na realidade deveríamos i r mesmo além d i sto : não se po­ derá avaliar criticamente a contri b u ição e a i m portância do pensamento b l o q u i a n o se a s u a obra central, fruto d e u m d u ro exíli o nos Estados U n idos, p u b l i cada parcia l men­ te na Alemanha Oriental, e h oj e d efi n itivamente p resente n os dois vol u mes i mponentes d as obras completas, con­ tinua q u ase i nacessíve l n o seu d i fíci l a l emão. Decidi mos p ropor os capítu los 1 7 e 1 8 : "Die Welt, worin utopische Phantasie ein Korrelat hat; Reale "Moglichkeit, die Kate­ gorien Front, Novum, Ultimum und der Horizont; Die Schichten der Kategorie Moglichkeit" (PH, p . 224-287) porq ue B loch sempre atr i b u i u u m a im p o rtância fu ndamen­ tal a u ma análise rigorosa d a categoria d e possível q u e s ó Lei bnitz, nu ma p rod ig iosa antecipação d o desenvolvi­ mento da sociedade ocidental , soube valo ra r. Para enten­ der a i m portância central d estes capít u l os, d evemos dar, num breve relance, uma idéia d a construção do " P rincí­ pio da Esperança". A pri meira parte é a mais e n i gm ática, E rnst Bl och em 8 c u rtos capítu l os tenta estrutura r os "son h os acorda­ dos" para despertar u m a profunda i n q uietude de u m a c u riosidade tensa n o l e i to r. N a seg u nda, d e q u e fazem parte os capítu los aq u i reprod uzidos, Bloch d esenvolve e sistematiza os temas q u e resu m i m os no segundo capít u l o d este t rabal ho. Trata-se d e u m a fundamentação d a cons­ ciência antec ipadora q u e conduz à crise ("Wendepunkt") , d o comentário das " O n ze teses sobre Feuerbach". Mas, já n o fim desta parte, para b e m manifestar como nada es­ tá acabado, dois capít u l os anunciam a tercei ra parte, t ran­ sitória; em q ue os sonhos acordados a n unciados enigmati-

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camente nas primei ras c i nq üenta pági nas, vão ser d esen­ volvid os g raças a todas as i magens-forças, a todas as ma­ n ifestações i m ag i n árias d e que o h omem é capaz. M a s n ão basta s o n h a r ; é n ecessário construi r ; senão, recai re­ m os no utopismo anterior a Marx. A q u a rta parte "construção" - é u m a verdade i ra enciclo péd i a d as uto­ pias concretas p e l as q u a i s o homem d á u m a forma ma­ terial aos seus s o n h os. i=: esta parte q u e será matéria do n osso p róxi m o ca­ p ítulo. M as as utopias, por concretas que sejam, sempre i nd icam um além, o além d a compl eta rea l i zação n a fel i­ cidade, n o "S u m m u m Bo n um " . A q u i nta parte desenvolve, portanto, uma verd adei ra cosmologia em q u e B l och res­ ponde a todos os d esafios q u e l evantam as aspi rações rel igiosas e q ue trad icional mente se resolvem por uma rea­ l ização na transcendência. Mas, s i g n ificativamente, esta ú ltima parte volta de n ovo ao m omento d a c rise, mostran­ d o como através da revol ução aberta por Ma rx : "a h u ma­ n idade é a m atéria da esperança" ( "Stoff der H offnu ng " , P H , p . 1 602-1 627) . I l i. A TENSÃO DIALÉTICA ENTRE A UTOPIA E A MATÉRIA, pp. 67-87 de Tüblnger Einleitung li. Desde q u e ren u n c ia ra à sua cáte d ra em Leipzig, Ernst B l och d ivide o s eu exíl i o entre a edição das suas o b ras completas e o e n s i n o d a fi l osofia na U n iversidade d e Tübingen. A s Introduções tubinguianas à filosofia (TI e Ti i ) recolhem estas a u l as em q ue, mais · uma vez, o m u n­ d o a parece c o m o u m a "tentativa" q u e p .Jrtence ao home m d e esclarecer e d e real izar. No p ri m e i ro vol u me (TI ), Bl och começa por seg u i r o real em processo nas suas osc i l ações e nt re o q u e ani m a o seu movi m ento e o q u e se torna o seu empecilho. D e­ pois, defi n e o método adequad o para ' q u e o pensamento seja também em m ovimento. O que d esab roch a natu ral­ mente n u ma visão s i n tética do papel do pensamento u tó­ pico (TI, pp. 1 21 -1 60). O vol ume acaba por u m a análise c u idadosa d o conceito d e p rogresso e m q u e , pela p ri­ meira vez na o b ra de B l och , aparece u m a refe rência ex­ p l ícita, ainda q u e fugitiva, ao s u rg i m e nto de u m "Terceiro M u ndo" (TI, p. 200). 251

No segundo vol ume (Ti l}, Bloch reflete sobre três con­ ceitos básicos para a sua reflexão: a verdade (na q ual distingue d i fe rentes n íveis} ; a dialética (que é caracteri­ zada como a mola ou o fogo - a velha i magem heracli­ tiana - do movimento} ; enfi m , a matéria. O trecho q u e escolhemos conclu i j usta mente esta parte d o segu n d o vo­ lume (Til, pp. 67-68). I ntit u l ad o "Der Bongen Utopie-M ate­ rie", contrapõe-se a matéria (como fundamento} e a utopia (como previsão} que se u ne m n u ma tensão d ialética, daí a imagem d o "arco" ("Der Bogen"}, q ue lem bra o arco elétrico que u ne os dois el étrodos opostos e q u e dá o relâmpago da verdade. Assim teremos uma amostra d o pensamento mais recente d e Bloch sobre a sua maneira de retomar o "topos" m a rxiano por excelência: a tensão dialética entre as i nfra e as super-estrutu ras. IV. THOMAS MONZER: PRESENÇA DE UM TEóLO­ GO DA REVOLUÇÃO. Embora não sejam raras as tentativas de Bloch pa­ ra reanimar as fig u ras s i g nificativas do passado (ver o seu estudo sobre Avicena (AL} ; sobre Christian Thomasius (NW, pp. 66 e ss.} o u o seu l ivro sobre Hegel (SO}, no entanto a sua tentativa de estudar de maneira sistemática a vida e a obra de Th o m as M ün zer, tem u m valo r parti­ cul r r. Não só se trata de uma q u ase ressu rreição, visto que não se tinha mais p u b l i cado nada sobre esta fi g u ra trágica desde 1 842 até 1 92 1 , m as é talvez a obra mais acadêmica que Bloch j am ai s escreveu. O alto n ível esco­ lástico deste trabalho p rovaria, se fosse necessário, q u e Bloch é capaz, s e q u iser, d e d a r u m a forma tradicional à sua impet �osidade revo l u c i onária. Mas a rigorosa cons­ trução que sustenta os a rg u me ntos permite ao pensamen­ to bloqu iano de se desenvolver n u ma trajetória b ri l hante. A seq üência dos capítulos começa numa pri m e i ra parte em que é lembrad o o q u e foi escrito sobre o i nfeliz adversário de Lutero, e as trevas e sombras que subsis­ tem ainda sob re este i n q u ietante teól ogo da Revol ução. A segunda parte evoca o iti nerári o de M ü nze r d u rante o l apso de tempo que pôde viver, d esde o seu nasci mento, n as dores d o século, até a sua execução que teve a bên­ ç ão luterana. O fragmento aqui traduzido é o capítu lo 252

final d esta segunda parte. Além da pessoa s i g nificativa, d e uma existência exe m p la r, Bloch d i sti n g u e a atualidade e a verdade das i d éias d e q u e M ünzer estava p ossuído e pelas q u ai s m orreu. Esta terceira parte i n d i ca as l i n has d e força da p re di cação - isto é , d a ação - e d a teo­ logia - isto é, d a reflexão - m u nzerianas. N esta últim a parte a traj etória s e d i ve rsifica por u m a série d e "exer­ c u rsi " q u e d emonstram a fertil idade e a d iversidade das p revisões de M ün zer. A concl usão n ã o fecha o l ivro, mas abre ao contrário sobre o futuro , funcionando como u m trampolim e m q u e s e a n u ncia o q u e aconteceu e acon­ tecerá neste m u n d o cada vez que uma parte bastante co­ rajosa d a h u manidad e d esejar rea l izar o que Thomas M ü n­ zer p revia. V. KARL MARX E A HUMANIDADE - A MATÉRIA DA ESPERANÇA, pp. 1 .602-1 .628 d o Prinzip Hoffnung. E m várias obras, Bloch conclui por uma long a refe­ rên cia à obra, ao pensamento . e à pessoa de Karl Marx. O q u e podeira aparecer como sendo o p roduto de u m reflexo cond icionado o u uma i ngênua d emonstração d e esquerdismo. O ra, este d esfecho é sempre preparado e m otivado pela d inâmica i nterna da o b ra considerada, ain­ da q u e as razões pudessem ser difere ntes. N o caso das o b ras h istóricas, o pensamento d e Avicena (AL) e a teo­ l og ia d e Thomas M ü nzer (TM) real me nte d esabrocham n o pensamento m arxiano q u e rea l i za certas poss i b i l i dades d estes precu rsores. Estas obras nasceram j ustamente d o d esejo blo q uiano d e demonstrar a contínua p rog ressão até e dentro do marxismo. No caso das d uas o b ras q ue mais especificame nte são dedicadas ao pensamento utópico, "O Esp írito da Utopia" (GU) e "O Princíp i o d e Esperança" (PH), também o pensamento marxiano acaba d efinitiva­ mente com a abstração utopista para começar o rigoroso pensamento utópico que reflete com exatidão a anteci­ pação no p resente (PH, p. 1 .6 1 9) . N o entanto existe u m a g rande d iferença e ntre a p ri­ meira o b ra de B l och e a sua obra prima. Se a ú l t i m a parte d o " Espírito d e Utopia" : " Karl Ma rx - a morte e o apocal i pse" ( G U , pp. 291 -346) manifesta i ntel etualmente u m a rutura com o resto da obra, é q u e reflete uma m u253

dança existencial: a m o rte d o acadê m i co n eo-hegeliano e o s u rg i mento d o milita nte marxista. O último capít u l o d o "Principio d e Esperança" : "Karl M arx e a h u m anidade a matéria ( o tecido) d a esperança" ( PH , pp. 1 .602- 1 .628) é m u ito mais d ialético. Nele se m i st u ram o sangu e frio da anál ise com o calor criador, como se respondem a teoria e a praxis. O pensamento utópico, mais uma vez, é i nterpretado como u m a ci ência q u e se apóia na anál ise crítica das tendências d a matéria. Esta frieza é d e ma­ neira sign ificativa associada à fasci nante personalidade d e Lenine (PH, p . 1 .620) . M as sobretudo é defendida através de u m a ju stificação da secularização - q u e d everiam l e r o s teólogos - q u e esclarece os " m istérios" d o m u n d o como tantos p roblemas a serem resolvidos. A praxis aq u i é descrita como sendo u m entusiasmo voluntarista, uma imaginação na ação, q u e sabe o q u e d eve fazer: tornar a condição h u mana real mente h u mana para todos os mem­ b ros d a h u manidade. M as esta h omenagem ao pensamento marxiano ao fim e ao cabo não se termina pela repet i ção d o q ue disse Marx. Sendo que a "Gênesis está ao fim d o começo", as­ sim Karl Marx está ao começo do pensamento marxista, do pensamento 'tout court" de u m a h u manidade q u e ca­ minha até a s u a identidade: a m orada.

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Este livro foi Impresso nas oficinas gráficas da Limitada Rua Frei Luís, 100 Petrópol i s , Estado do Alo de Janeiro, Bras i l.

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DIALtTICA DA ESPERANÇA Este é um livro de interpretação do pensamento utópico de ERNST BLOCH, filósofo marxista não ortodoxo. Combatido e perseguido pelo nazismo, questionado pela ortodoxia partidária comunista, Bloch é um dos pontos altos do pensamento fi­ losófico ocidental contemporâneo. A partir dos ensinamentos de Marx, ele situa a utopia como um dado da realidade. O sentimento utópico não emana do misticismo. Montado na es­ perança, ele nasce da consciência de que é pos­ sível projetar uma sociedade justa, um mundo ha­ bitável que seja realmente a morada da humani­ dade. A interpretação bloquiana dos possíveis, no enten­ dimento do autor, obriga a repensar o problema do conhecimento e a supor uma nova lógica. "O ponto fundamental desta filosofia do possível é que ela introduz o elemento transcendental no pre­ sente vivido e faz com que o futuro seja obra hu­ mana. Se o futuro no pensamento utópico é an­ tes de rudo um possível, a sua realização como provável l:l depois como fato dependerá justamen­ te da práxis humana·. Ao cansaço produzido pelo cotidiano desanimador, assim como ao próprio desânimo, Bloch opõe a ESPERANÇA, entendida não como expectativa pas­ siva de uma intervenção da "providência·, mas como um fator dinâmico de ação, uma fonte de práxis a "impregnar cada ato da vida cotidiana do homem". O autor rejeita toda analogia entre a cosmovisão de Ernst Bloch e Teilhard de Chardin, dada a po­ sição materialista do primeiro. ·Contra todas as formas de idealismo, da mais comum à mais ela­ borada, Bloch opõe constantemente o seu materia­ lismo dialético como compreensão real do concre­ to, através da práxis, que deve se tornar teoria para que o homem se realize plenamente a si mesmo e ao mundo". "O Bem Supremo exprime-se por Bloch como o "totum das esperanças". isto é, o lugar geométri­ co em que convergem todas as esperanças dos homens". MAIS

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DE PAZ E

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SERVIÇO DOS

RUMOS DA CULTURA MODERNA

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