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Portuguese Pages [211] Year 1968
ERN EST M A N D E L
A Formação do Pensamento Econômico de Karl Marx De 1843 até a redação de O Capital
Tradução de C arlos H e n r iq u e de
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RIO DE JANEIRO
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Título original: La Formation de la Pensée Economique de Karl Marx De 1843 jusqu’à la rédaction du “ Capital’ ’
Traduzido da primeira edição, publicada em 1967, por F r a n ç o i s M a s p e r o , Paris, França
©
1967 by Librairie François Maspero
1968
Direitos para a língua portuguesa adquiridos por ZAHAR EDITORES Rua México, 31 — Rio de Janeiro que se reservam a propriedade desta tradução
Impresso no Brasil
índice
1.
Da Crítica da Propriedade Privada à Crítica do Capitalismo ................................................................
11
Da Condenação do Capitalismo à Justificação Sócio-Econômica do Comunismo ..........................
29
Da Recusa à Aceitação da Teoria do V alorTrabalho ....................................................................
42
Uma Primeira Análise de Conjunto do M odo de Produção Capitalista .............................................
54
5.
O Problema das Crises Periódicas .........................
69
6.
O Aperfeiçoamento da Teoria do Valor, da Teoria da M ais-Valia e da Teoria da M oeda ...............
82
Os Grtindrisse ou a Dialética do Tempo de Tra balho e do Tempo Livre ......................................
1'04
8. O “ M odo de Produção Asiático” e as Precondições Históricas do Impulso do Capital ...............
121
9. O Acabamento da Teoria dos Salários .................
143
2. 3. 4.
7.
10.
Dos Manuscritos de 1844 aos Grundrisse: de uma Concepção Antropológica a uma Concepção Histórica da Alienação .........................................
11. Desalienação Progressiva pela Construção da So ciedade Socialista, ou então Alienação Inevitável na “ Sociedade Industrial” ? ......................................
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A Gisèle que me fêz escrever este livro com 'alegria
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Da Crítica da Propriedade Privada à Crítica do Capitalismo Marx e Engels não seguiram o mesmo caminho para chegar a uma concepção comum. “Êles tinham em comum 0 ponto de partida filosófico: a dialética de Hegel, a cons ciência de si de (Bruno) Bauer, o humanismo de Feuerbach; tinham em seguida aprendido a conhecer o socialismo- inglês e francês, que se tornou para M arx o meio de se colocar de acôrdo consigo mesmo a respeito das lutas e das aspirações da época, enquanto para Engels foi a indústria inglêsa que desempenhou êste papel.” 1 A diferença provém sem dúvida das diferenças de ca ráter e de temperamento, a natureza mais especulativa do gênio de Marx, mais impetuosa do gênio de Engels. Mas o acaso e as circunstâncias materiais da vida desempenharam aí um papel. Enquanto Marx emigra da Alemanha para a França, Engels é enviado à Inglaterra para ali fazer o apren dizado dos negócios. Entra em contato com a realidade da grande indústria capitalista. O choque provocado por êsse en contro com as contradições da sociedade burguesa determina rá o curso de seus pensamentos para o resto de seus dias.2 1 Franz Mehring, Aus dem literarischen Nachlass von Karl Marx und Friedrich Engels 1841 bis 1850, vol. I, 3.a e d ., Dietz Stuttgart, 1920, p á g . 359. 2 “Em Manchester, eu me choquei com o fato de que as realidades econômicas, que até então não tinham desempenhado qualquer papel,
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Se M arx desenvolveu quase sozinho tôda a parte eco nômica da teoria marxista, é a Engels que se deve a honra de primeiro ter levado Marx ao estudo da Economia Políti ca e de ter compreendido, num “ esbôço genial” , a importân cia central desta ciência para o comunismo.3 Êsse “ Esquisse” , redigido em fins de 1843, constitui o primeiro trabalho eco nômico dos dois amigos; Rjasanov lhe atribui a justo títu lo uma "importância extrema na história do desenvolvimento (da gênese) do marxismo” .4 É importante sublinhar que foi igualmente Engels, no entanto dois anos mais jovem que Marx, que se afirmou primeiro abertamente comunista e con siderou com o necessária e inevitável uma revolução racical que eliminaria a propriedade privada. Desde o final de 1842 (êle tinha nessa época apenas 22 anos), Engels, um após o outro, conclui um artigo' tratando da monarquia prussiana pela predição de uma revolução bur guesa, e abre um artigo tratando da Inglaterra com o anún cio de uma revolução social.5 N o mesmo momento, num ar tigo publicado na Rheintsche Zeitung ( “ Der Kommunismus und die Augsburger Allgemeine Zeitung” ), Marx rejeita ainda o comunismo, afirmando a necessidade de estudá-lo de ma neira aprofundada a fim de poder criticá-lo adequadamente.6 M as os dois fundadores do socialismo científico abordam já o problema pelo mesmo ângulo: pela crítica da concepção neoou um papel desprezado, na historiografia, representam pelo menos no mundo moderno uma fôrça histórica decisiva; que elas constituem a base do nascimento das contradições de classe contemporâneas; e que essas contradições de classe representam, no país onde elas se desen volveram plenamente graças à grande indústria, a saber na Inglaterra, a base da formação dos partidos políticos, das lutas de partido, e dêste fato de tôda a história política” (Fr. Engels: “Zur Geschiehte des Bundes der Kommunisten” , em K . Marx, Enihüllungen über den Kommunisténprozess zu Kóln, 4.a ed. por Mehring, Berlim, 1914, Buchhandlung Vorwãrts, pág. 3 5 ). 3 Marx expressa êsse julgamento sôbre “ L ’Esquisse d’une Critique de l’Economie Politique” no seu “ Préface à la Critique de l’Economie Po litique” , em K. Marx e Fr. Engels, Oeuvres choisies en 2 volumes, Moscou, 1955, E d. du Progrès, I, pág. 378. 4 K. Marx, Fr. Engels, Historisch-kritische Gesamtausgabe ( m e g a ) , I, 2, págs. LX XII e LXXIII. 5 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 2, págs. 346 e 351. 6 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 1, 1, pág. 263.
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hegeliana do Estado, pela descoberta da existência das clas ses sociais, e pela análise dos efeitos desumanos da proprie dade privada e da concorrência. A trajetória do pensamento se deixa, nos dois casos, se guir de estágio em estágio: da critica da religião à crítica da Filosofia; da crítica da Filosofia à crítica do Estado; da crítica do Estado à crítica da sociedade, isto é, da crítica da política à crítica da Economia Política, que termina na crítica da propriedade privada. Mas, em Marx, o aspecto puramente teórico dominará durante êsse período e a evolução desemboca na Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de H egel (fins de 1843comêço de 1844) . Em Engels, é o aspecto prático, a crítica da sociedade burguesa inglesa, que toma a frente, tanto nos Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie quanto em D ie Lage Englands, que aparecerão todos os dois nos Deutsch-Französische Jahbiicher, ao mesmo tempo que o artigo célebre de M arx. Admite-se em geral que, por ocasião de seus estudos universitários, Marx não se interessou quase nada pela E co nomia Política. A lista conservada dos livros que êle tinlia estudado em Berlim não contém nenhum consagrado a essa disciplina.7 Na sua carta a Franz Mehring de 28 de setem bro de 1892, Engels, falando dos anos de estudos universi tários de Marx em Bonn e em Berlim, escreve: “ . .. êle não sabia absolutamente nada de Econom ia. . . ” 8 Pierre Naville tem, no entanto, razão quando se esfor ça por atenuar o caráter muito absoluto dessa informação. Com efeito, o próprio Hegel tinha sido profundamente mar cado na sua juventude por estudos econômicos, e principal mente pelo de Adam Smith;9 Marx viu o sistema hege-liano 7 D . I . Rosenberg, D ie Entwicklung der ökonomischen Lehre von Marx und Engels in den Vierziger Jahren des 19. Jahrhunderts, DietzVerlag, Berlim, 1958, pág. 35. 8 K . Marx, Fr. Engels, Ausgewählte Briefe, Dietz-Verlag, Berlim, 1955, pág. 541. 9 É Plekhanov que tem o mérito de primeiro ter sublinhado a impor tância de Hegel enquanto precursor do materialismo histórico, conce-
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como uma verdadeira filosofia do trabalho. “ Abordando a F&nomenologia do Espírito, a Filosofia do Direito e mesmo a Ciência da Lógica, Marx não descobria pois somente H e gel, mas já, através dêle, uma parte da Economia clássica que aí está assimilada e filosoficamente traduzida, de sorte que Marx não teria tão bem procedido na sua crítica da so ciedade civil e do Estado segundo Hegel se não tivesse en contrado já nêle certos elementos que permaneciam vivos, como a teoria das necessidades, a da apropriação ou a aná lise da divisão do1 trabalho.” 10 Da Filosofia à política, Karl Marx já tinha atravessa do essa primeira etapa de sua história intelectual quando se tornou redator da Rheinische Zeitung em 1842. Sua posição fundamental permanece a da luta por um Estado “ humano” ; éle se coloca ainda no plano dos "direitos humanos” em geral, no plano da luta contra os resíduos feudais. Da mesma forma que Hegel, êle considera que o Estado deveria ser “ a rea lização da liberdade” . 11 Mas êle descobre já uma contradi ção entre essa concepção ideal do Estado e o fato de que os “ Stãnde” representados na Dieta provincial da Renânia se es forcem por “ degradar o Estado à idéia do interêsse privado” . dendo ao desenvolvimento econômico um lugar central na explicação daquilo que há de específico em cada nação ou em cada civilização. Os artigos em questão de Plekhanov apareceram em 1891 em D ie Neue Zeit e foram reproduzidos no n.° 22 (abril-junho de 1950) de La Re vue Internationale. Na sua obra magistral D er junge H egel, Georg Lukacs pôde es tudar detalhadamente as concepções econômicas do jovem Hegel. Êle demonstrou principalmente o lugar central que o trabalho ocupa na Antropologia hegeliana. Hegel escreve em 1803-4: “ Quanto mais o trabalho se efetua com a ajuda de máquinas, tanto menos êle tem valor e tanto mais tempo é obrigado a trabalhar dessa maneira.” Esta frase constitui uma antecipação genial daquilo que Marx e Engels es creverão quarenta anos mais tarde (G eorg Lukacs: D er junge Hegel, Europa—Verlag, Zurique—Viena, 1948, págs. 421, 423, 440 e tc . ) . Não se deve esquecer tampouco que na Lógica, de Hegel, o trabalho é a forma original da praxis. Voltaremos ao problema das concepções eco nômicas de Hegel no penúltimo capítulo dêste estudo. 10 Pierre Naville, D e l’Aliénation à la Jouissance, Librairie Marcel Ri vière, Paris, 1957, pág. 11, reeditado em 1967, éditions Anthropos. 11 Paul Kàgi, Genesis des historischen Materialismus, Europa-Verlag, Viena—Frankfurt—Zurique, 1965, pág. 120.
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Isto é, que desde que êle aborda um problema político coe rente, a nova legislação sôbre o roubo da madeira, êle se choca com o problema das classes sociais: o Estado, que de veria ser a encarnação do '‘interêsse geral” , parece agir no interesse somente da propriedade privada, e, para assim fa zer, viola não somente a lógica do direito, mas ainda prin cípios humanos evidentes.12 Marx aprende já que a propriedade privada, em defesa da qual o Estado parece querer votar-se exclusivamente, re sulta de uma apropriação privada, monopolizadora, de um bem comum. 13 É êle pressente numa disposição penal, que atribui ao proprietário o trabalho do ladrão para compensar suas perdas, a chave principal de sua futura teoria da maisvalia: é o trabalho forçado não-retribuído que é a fonte das "porcentagens” , isto é, do interêsse, isto é, do lucro.14 Desde essa entrada na matéria, a crítica política condu ziu pois o jovem M arx ao limiar de uma crítica da “ socieda de civil” , da crítica da Economia Política.15 Mas antes de atravessar êsse limiar e de mergulhar no assunto que cons tituirá a preocupação principal de sua vida de sábio, é como se êle devesse constantemente olhar para trás, voltar sôbre seus passos, assegurar-se de que não tinha negligenciado ne nhuma solução de reserva, dar uma sorte definitiva a tôdas as ideologias que vinha de superar. Entre outubro de 1842, o início de seus artigos concernentes aos Debatten über das Holdzdiebstahlgesetz, e o início de seus estudos de Econo mia Política em Paris se intercalam dois anos, durante os 12 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I , 1, 1, págs. 281-2. 13 Ibid., págs. 274-6. 14 Ibid., págs. 289, 297. 15 O próprio Marx escreveu a êsse respeito: “ Em 1842-1843, na minha qualidade de redator da Rheinische Xeitung, eu me encontrava pela primeira vez na obrigação embaraçante de dar minha opinião sôbre o que se chama de interesses materiais. As deliberações do Landtag renano sôbre os roubos de madeira e a fragmentação da propriedade fundiária, a polêmica oficial que M. von Schaper, então Oberprãsident da província renana, travou com a Rheinische Zeitung sôbre a situação dos camponeses do Mosela, enfim os debates sôbre a livre troca e o protecionismo, me forneceram as primeiras razões para me ocupar de questões econômicas” (K . Marx, Préface à la Critique de l’Economie politique, em K . Marx e Fr. Engels, Oeuvres Choisies en 2 volumes, Moscou, Editions du Progrès, 1955, I, pág. 37 6).
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quais o jovem M arx fará o balanço de dois movimentos ■—■ a Filosofia hegeliana e o socialismo utópico — que êle tinha que superar para formular sua doutrina sob uma forma de finitiva. O têrmo “ superar” deve ser tomado aqui no seu sen tido hegeliano, dialético, que implica que tudo o que é váli do nas posições superadas é conservado nas posições novas. Para compreender a evolução das idéias econômicas do jovem Marx, é interessante seguir a gênese do interesse de M arx pela questão social. Tendo-a descoberto através da mi séria dos vinhateiros do Mosela e dos debates concernentes aos ladrões de madeira, êle começa a se chocar com ela a cada passo, quando empreende uma crítica detalhada da Fi losofia de Hegel. Descobre que “ o estado do trabalho ime diato” (D er Stand der unmittelbaren A rbeit), isto é, a massa dos que nada possuem, constitui na realidade a precondição para a existência da sociedade burguesa.16 E opõe a esta “ pobreza artificialmente provocada” a fruição enquanto fi nalidade verdadeira da humanidade. Escrevendo ao editor dos Deutsch-Französische Jahrbücher, Ruge, êle afirma que "dêste conflito do Estado político com êle mesmo, pode-se em tôda parte deduzir a verdade social” .17 M as se procla mando já adversário da propriedade privada — que qualifi cou, na crítica da teoria e da prática do Direito, como fonte de tôda injustiça — êle recusa ainda se afirmar comunista. O estudo dos problemas da filosofia do Estado desem boca no estudo de Rousseau, de Montesquieu, de Maquiavel, e sobretudo de diversos historiadores da Revolução Fran cesa, que o influenciam profundamente e o levam ao estudo do socialismo francês, nascido das correntes que esta Revo lução tinha liberado. Sua última recusa do comunismo data da carta citada a Ruge, isto é, de setembro de 1843; sua primeira profissão de fé comunista data de março de 1844. Foi entre essas duas 16 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 1, 1, pág. 498. Günther Hillmann afir ma que êsse primeiro encontro de Marx com o problema da propriedade privada foi ao mesmo tempo um encontro pessoal. Quando redator da Rheinische Zeitung êle teria entrado em conflito com tentativas de um grupo de acionistas de salvar o jornal de uma interdição da censura por meio de concessões políticas ( “Zum Verständnis der Texte” , em K. Marx, Texte zu M ethode und Praxis, Rowohlt-Verlag, II, p. 205). 17 Ibid., pág. 574.
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datas que se completou uma evolução política que será de terminante para o resto de sua vida.18 Qual foi o fator decisivo para precipitar essa evolução? É difícil isolar um só elemento num conjunto de influências. Mas por mais importante que tenha sido a leitura de auto res como Moses Hess •—- cuja influência é incontestável —■ ou o estudo da Revolução Francesa, foi o clima global da sociedade francesa sob Luís Felipe, a efervescência de idéias progressistas, a atividade das diversas seitas socialistas, o primeiro contato vivido com a classe operária e com a con dição proletária que permitiram cristalizar essas influências literárias.19 N o seu primeiro artigo sôbre a questão judaica, Marx já se coloca como finalidade examinar as relações entre a emancipação política e a emancipação humana simplesmente, conclusão lógica de sua crítica das teorias políticas consti tucionais. D e passagem, êle junta o dinheiro à propriedade privada como fonte da alienação humana.20 Mas êle desco bre ao mesmo tempo o trabalho, o trabalhador, o proletário, enquanto encarnação dessa humanidade alienada que se trata de emancipar. E na sua Introdução à Crítica da Filosofia do Direito, êle fará dêsse proletariado o autor de sua auto-emancipação, que se torna pelo fato mesmo a emancipação da hu manidade inteira. É que êle se tornou consciente de que “ a relação da in dústria, e do mundo da riqueza em geral, com o mundo polí tico, é um problema maior da época moderna” . M as essa re lação, apreendida e criticada pelo pensamento teórico, não 18 Paul Kági, op. cit., págs. 140-147. Na sua pesquisa engenhosa do momento preciso em que Marx passou ao socialismo, Kági aliás esque ceu de ir a uma fonte capital: a notícia biográfica “ Karl Marx’’ que Engels redigiu para o Handioõrterhuch der Staatswissenschaften (vol. V I). Êle precisa aí que é depois de sua chegada a Paris que Marx se torna socialista, graças ao estudo da Economia Política, dos socialistas franceses e da história da França (pág. 487 da 4.a edição). 19 Auguste Com u ( Karl Marx und Friedrich Engels, vol. II, passim) coloca a justo título a ênfase sôbre o meio sócio-histórico como fator determinante da evolução de Marx, enquanto Thier ( Das Menschenbild des jungen Marx) exagera principalmente a influência de Moses Hess. 20 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 1, 1, págs. 583-4, 603.
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pode ser modificada senão pela prática. 21 Ora, se “ a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas” , "a teoria se torna ela própria uma fôrça material desde que se apodera das massas” . 22 E essas massas são as massas proletárias cuja aparição cria a possibilidade de uma revolução alemã. Essa revolução não pode ser senão uma revolução radical; não pode limitar-se à esfera política (burguesa) . “ A possibilida de positiva da emancipação alemã” depende precisamente da formação de uma classe "com cadeias radicais” que, queren do romper essas cadeias, romperá tôdas as cadeias sociais su primindo a propriedade privada; “ Reclamando a negação da propriedade privada, o proletariado eleva ao nível de princí pio da sociedade aquilo que a sociedade lhe impôs como prin cípio, aquilo que já está encarnado nêle, apesar dêle, como re sultado negativo da sociedade.” 23 Certamente, essa descoberta do papel revolucionário do proletariado enquanto negador da propriedade privada se co loca ainda em limites filosóficos não-desligados de um certo humanismo sentimental: o princípio antropológico de Feuerbach, Engels dirá mais tarde que o humanismo de Feuerbach parte de um homem abstrato, a-histórico, visto que não se trata nunca do mundo (das condições sociais concretas) no qual vive êsse homem.24 A condição proletária é condenada como “ injusta", como fundada sôbre a injustiça, como imoral. Segundo Feuerbach, Marx proclama ainda que, se o prole tariado é o coração da emancipação, a Filosofia é sua cabe ça. Êle não aprende ainda a posição do proletariado no pro cesso de produção como fundamento de sua capacidade emancipadora. Êle não reconhece ainda senão um certo grau de de senvolvimento das fôrças produtivas, que a realização de cer tas condições materiais são indispensáveis para a realização 21 Esta idéia provém incontestàvelmente de Hess, cuja “ Philosophie der Tat’’ (Filosofia da A ção) tinha aparecido em outubro de 1843, na cole ção de Georg Herwegh Einundzwanzig Bogen aus der Schweiz (Paul Kägi, op. cit., pág. 200). 22 K. Marx, Fr. Engels, m e g a I, 1, 1, pág. 611. 23 Ibid., pág. 620. 24 Fr. Engels: “ Ludwig Feuerbach und der Ausgang der klassischen deutschen Philosophie” , em Karl Marx und Friedrich Engels, Ausgewàhlte Schriften in zwei Bänden, II, pág. 355, Verlag für fremdsprachige Literatur, Moskau, 1950.
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ilo comunismo. Seu comunismo é ainda um comunismo essen cialmente filosófico. Entretanto, a ligação entre êsse comunismo filosófico e o proletariado está de agora em diante solidamente estabele cida. Daí a estudar o “ movimento de emancipação real” dêsse proletariado — o socialismo e o comunismo francês, inglês e alemão — não há senão um passo a dar, que Marx dará desde o comêço de seu exílio parisiense. A transição do comunismo filosófico ao comunismo proletário se efetua rá sem obstáculos maiores. Engels veio antes de Marx ao comunismo, dissemos nós. M as para êle também o comunismo é de início de essên cia nitidamente filosófica. É mesmo um comunismo que se dirige em primeiro lugar à burguesia esclarecida e aos in telectuais, assim como parece pelos vários artigos sôbre o movimento comunista continental que Engels redigiu de fins de 1843 ao comêço de 1844 para o hebdomadário The N ew M om l W orld. “ N ós (isto é, os comunistas alemães) não po demos recrutar nossos membros senão nessas classes que go zaram de uma educação muito boa” , afirma êle. E êle aí opõe o comunismo filosófico ao comunismo das massas trabalhado ras, encarnado pelo movimento comunista de W eitlin g .25 Mas Engels compreende que o comunismo é o produto necessário das condições sociais criadas pela civilização mo derna.26 Eis por que êle descreve o paralelismo do movimen to comunista na Inglaterra, na França e na Alemanha (in clusive na Suíça alem ã): “ Assim três grandes países civili zados da Europa, a Inglaterra, a França e a Alemanha, todos os três, chegaram à conclusão de que uma revolução pro funda do sistema social, baseada na propriedade coletiva, se tornou agora uma necessidade urgente e inevitável. . . Os inglêses chegaram a essa conclusão na prática, pelo crescimen to rápido da miséria, da desmoralização e do pauperismo no seu país; os franceses aí chegaram politicamente, reclamando de início a liberdade e a igualdade política. Descobrindo que é insuficiente, êles acrescentaram a liberdade social e a igual dade social às suas reivindicações políticas. E os alemães tor 25 26
K. Marx, Fr. Engels, m f .c a , I, 1, 2, págs. 444-6, 449. Rjasanov, em K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 2, pág. LXXV.
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naram-se comunistas de um ponto de vista filosófico, racio cinando sôbre os princípios primordiais” . 27 É preciso sublinhar a quase-simultaneidade com a qual M arx e Engels formularam o programa de base da revolução social proletária: a supressão da propriedade privada (M arx na Einleitung zur Kritik der Hegelscheri Rechtphilosophie, Engels nos seus artigos do N ew M oral World.) em escritos datando de novembro de 1843 a janeiro de 1844, sem dúvi da independentemente um do outro. É preciso colocar tam bém em relêvo a intuição genial do jovem Engels que, em uma só frase, resume a abordagem específica que as três grandes nações da Europa farão do movimento mundial do século X IX . A Inglaterra lhe traz o sucesso pragmático das primeiras organizações de massa (cartismo e sindicalismo); a França, a luta revolucionária pela conquista do poder po lítico (luta que parte da tradição estabelecida pela Grande Revolução Francesa 'e que chega, através do babovismo, o blanquismo e junho de 1848, à Comuna de Paris, a primei ra conquista efetiva do poder pelo proletariado); e a A le manha, o acabamento teórico do primeiro programa socialis ta científico. Sem dúvida, escrevendo essa frase, ignorava êle ainda o papel decisivo que êle próprio via desempenhar na elaboração dessa abordagem teórica alemã do movimento pro letário, por seus trabalhos preparatórios e sua contribuição na redação do M anifesto Comunista. Nós já dissemos: foi o choque que provocou seu confron to na Grã-Bretanha com o proletariado real, produto da gran de indústria, com sua miséria, sua desmoralização e seu formi dável poder coletivo e capacidade de organização (Engels nota, cheio de admiração, que os cartistas podem reunir um milhão de pence por semana),28 com sua combatividade e sua capacidade de se elevar espiritual e moralmente acima da mi séria material desde que êles se organizem, que permitiu a Engels passar do comunismo filosófico ao comunismo prole tário. Rjasanov lembra muito a propósito que o encontro com os primeiros comunistas proletários verdadeiros — os alemães Schapper, Bauer e Moll, emigrados em Londres — fêz uma grande impressão sôbre Engels, que aliás êle próprio descre27 28
New Moral World, 4 de novembro de 1843, em K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 2, pág. 369.
m eca
,
I, 2, pág. 436.
IMIOl'RIEDADE PR IVAD A E C A PITA LISM O
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vcu na sua introdução às Révélations sur le procès des Com oministes de Cologne ,29 E sentimos o efeito dessa experiência prática nas três obras que marcaram essa transição: Umrisse zu einer Kritic der Nationalökonomie (fim de 1843), Die Lage Englands (janeiro de 1844), La Situation de la classc luborieuse en Angleterre (fim de 1844-comêço de 1845). O primeiro dêsses três trabalhos, Esbôço de urna Crítica da Economia Política, constitui então a primeira obra econô mica propriamente dita dos dois amigos. Engels não diz nela nada de substancialmente nôvo. Êle critica o liberalismo eco nômico, a doutrina de Adam Smith, de Ricardo e de M cCulloch, confrontando-a com a realidade econômica e social da Inglaterra industrial. Esta crítica é amplamente ampliada em outros socialistas como Owen, Fourier e Poudhon. Mas ela supera êsses autores por uma aplicação fértil da dialética hegeliana à realidade social.30 E se ela permanece prisioneira de muitas concepções moralizadoras e idealistas, se condena o comércio como “provocando a desconfiança geral" e como "utilizando meios imorais para atingir uma finalidade imo ral” ,81 ela se distingue no entanto por algumas intuições no táveis que encontrarão mais tarde ecos em Marx, no M anifes to Comunista e mesmo nos Grundrisse: assim a concepção da economia capitalista como um progresso necessário “ para que tôdas as considerações mesquinhas, locais e nacionais passem para o último plano e que a luta de nossa época possa tor nar-se uma luta geral, humana” .32 O ponto de partida dos Umriss\e é uma crítica do comér cio, da doutrina mercantilista e da teoria da livre troca. “ Par tindo de um ponto de vista humano geral” , Engels chega à conclusão correta de que é preciso criticar ao mesmo tempo ns duas doutrinas. Êle desmascara sobretudo a hipocrisia da doutrina liberal antimonopolista. Esta finge ignorar que a li vre troca está ela própria fundada sôbre um monopólio, a sa ber, o monopólio da propriedade privada entre as mãos de Página 31 na edição de Mehring. É preciso aproximar dessa impres são aquela que fêz sôbre Marx a freqüência aos círculos operários fran ceses que êle descreve com admiração nos Manuscrits de 1844, pág. 149, «'in Kleine ökonomische Schriften. 110 Rjnsanov, em K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 2, pág. LXXII. !I1 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 2, pág. 383. ,ia Ibid., pág. 381.
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uma classe minoritária da sociedade, e que a livre concorrên cia conduz inevitàvelmente ao monopólio. A segunda parte do artigo trata do valor, e é sua parte mais fraca, aquela que indica que Engels não compreendeu nem aprofundou Ricardo no momento de redigir êsse traba lho. Êle trata do valor partindo da distinção entre “ valor in trínseco ou valor real” , de um lado, e valor de troca, de ou tro lado. Depois êle examina as duas escolas, que reduzem, uma o “ valor intrínseco” aos “ custos de produção” , a outra “ o valor intrínseco” de uma mercadoria “ inclui os dois fato res” , tanto os “ custos de produção” quanto a utilidade". Numa passagem pouco clara, é verdade, êle parece colocar em dúvida a própria existência do v a lo r.83 Êle se aproxima mais de uma visão correta criticando o jôg o da “ lei da oferta e da procura” , “ que age como uma lei da natureza” 34 e de duz a aparição das crises de superprodução precisamente do jôgo desta lei, isto é, da concorrência. O artigo termina com uma polêmica feroz contra a “ lei de população” de Malthus85 e por uma descrição das conseqüên cias desastrosas da grande indústria para uma parte importan te da população. É a parte mais impressionante do artigo, aquela que retoma e aprofunda a crítica do capitalismo de Fourier, e que será por sua vez ampliada e apoiada numa do cumentação notável no seu primeiro livro: A Situação da Clas se Operária na Inglaterra. Certamente, nesta parte, encontramos ainda alguns erros, como a concepção do salário operário reduzido aos sim ples meios de subsistência.86 M as a crítica de Malthus é lú cida e revela o argumento essencial que permanece válido até hoje na polêmica com o neomalthusianismo: isto é, que é er rôneo comparar o crescimento da população com o crescimen to da produção natural do solo; é preciso compará-lo antes com o crescimento potencial da produtividade agrícola que re sultaria da aplicação eficaz da ciência e da técnica modernas à agricultura. A análise das crises de superprodução enquanto expressão fundamental das contradições do capitalismo é surss íbid., págs. 387-8. S4 Ibid., pág. 394. 35 Ele chama uma “ concepção vergonhosa e infame’’, uma “ ignóbil blasfêmia contra a natureza e a humanidade” ( m e g a , I, 2, pág. 398). 36 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 2, pág. 401.
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preendente na sua brevidade e na capacidade do jovem autor de ir ao fundo das coisas. Ela chega à descoberta de uma si tuação insensata, absurda: as pessoas morrem de fome no meio da abundância. E sobretudo: neste artigo, Engels opera a junção da crí tica da propriedade privada, que ocupou os dois futuros ami gos durante dois anos, e a crítica do capitalismo que os ocupa rá o resto dos seus dias, afirmando que a divisão entre o Ca pital e o Trabalho resulta inevitàvelmente da propriedade pri vada, e que essa divisão conduz à divisão da sociedade bur guesa em classes antagonistas, à divisão da humanidade em capitalistas e em operários.37 A s conseqüências imorais e desumanas do capitalismo, da grande indústria — a maneira pela qual ela destrói a comu nidade familiar, pela qual ela provoca o crescimento da cri minalidade — que se encontram esboçadas em algumas frases cortantes nos Umrisse, e das quais o M anifesto Comunista retomará a descrição num sombrio afresco inesquecível, Engels desenvolve a análise numa obra que permanece até hoje o qua dro mais surpreendente das conseqüências sociais da revolu ção industrial.38 A Situação da Classe Operária na Inglaterra não se coloca ainda no terreno do materialismo histórico pro priamente dito. É ainda a indignação moral mais do que a compreensão do processo histórico que anima o jovem crítico social. Mas essa indignação moral já é revolucionária, ela já está ligada a um devotamento sem fim pela classe explorada e esmagada pelo Capital, que no entanto criou tôdas as ri quezas das quais êste se reserva o usufruto.39 E sobretudo: ela chega já à compreensão de que a luta real do proletariado constitui o único veículo possível do socialismo. Nesse sentido, ela marca a ruptura definitiva de Engels com o socialismo utópico e constitui ao mesmo tempo uma arma essencial con tra êste. 3" Ibid., págs. 391-396. 38 D. I. Rosenberg sublinha que numa obra de iuventude, redigida com a idade de 19 anos, Briefe aus dem Wuppertal, Engels já foi to cado pelas condições de trabalho desumanas dos operários, “ que devem tirar-lhes tôda a alegria de viver” (D . I. Rosenberg, D ie Entwicklung der ökonomischen Lehre von Marx und Engels in den vierziger Jahren des 19. Jahrhunderts, pág. 5 1 ). 39 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 4, págs. 24-5.
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Essa concepção foi submetida a um exame crítico, no curso dos últimos anos, em função do retardamento histórico mani festo de uma vitória socialista nos países ocidentais, indus trialmente desenvolvidos. Uma parte das críticas — explicita mente, como fêz Franz Fanon, ou implicitamente, como fazem os teóricos do Partido Comunista Chinês —- se esforça por de monstrar que o potencial revolucionário dos povos do terceiro mundo supera aquêle proletariado ocidental. N o seio dêsses povos do terceiro mundo, êles atribuem aliás o papel revolu cionário principal ao campesinato e à intelligentsia revolucio nária, e consideram que o proletariado industrial é de alguma maneira uma classe social privilegiada em relação aos campo neses sem terra.40 Outros críticos colocam em questão não a capacidade re volucionária do proletariado ocidental em relação àquela dos povos do terceiro mundo, mas esta capacidade simplesmente. Êles o consideram como pràticamente integrado na socieda de capitalista, sobretudo através de sua atomização (na in dústria semi-automatizada), da expansão de seu consumo e da possibilidade de manipular sua ideologia e suas necessida des.41 Êles não contestam que a massa daqueles que são obri gados a vender sua fôrça de trabalho continua a aumentar em número absoluto e em relação ao conjunto da população ativa. Contestam que êsse crescimento numérico reforce, diretamen te ou indiretamente, o desafio lançado ao capitalismo ociden tal, isto é, as probabilidades de o ver derrubado pelo proleta riado ocidental. Uns e outros tendem aliás a se referir mais às obras de juventude de M arx e de Engels que definem o papel revolu cionário do proletariado do que às obras de maturidade. N es sas obras de juventude — e principalmente na Introdução à 40 C f. principalmente Franz Fanon, Les Damnés de la terre, págs. 45-47, 84-90 e segs., François Maspero, Paris, 1961. 41 Cf. principalmente Herbert Marcuse, “ Les perspectives du socialisme dans la société industrielle développée” , em Revue Internationale du Socialisme, ano 2, n.° 8; Paul Baran e Paul M. Sweezy, Monopoli/ Ca pital, Monthly Review Press, Nova York, 1966, págs. 363-4; C. Wright Mills, The Marxists, págs. 113-5 na ed. de Dell Publishing Co., Nova York, 1962, etc. (N . do E.: Êstes dois últimos publicados sob os títu los, respectivamente, de Capitalismo Monopolista e Os Marxistas, por Zahar Editores.)
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Crítica da Filosofia do Direito —• êste papel revolucionário é essencialmente deduzido das características negativas do pro letariado no seio da sociedade burguesa. Êle se apresenta como O' ponto de chegada de uma tríade hegeliana como uma verdadeira “ negação da negação” . É porque as cadeias do proletariado são radicais que êle não pode desfazer delas se não por uma revolução radical. O que leva os críticos con temporâneos a concluir que, visto que as cadeias se tornaram muito menos radicais hoje, a esperança de uma revolução ra dical por parte dessa classe torna-se amplamente utópica. Uma análise mais crítica das obras de juventude de M arx e de Engels — sobretudo da gênese de suas idéias no que concerne à revolução social — demonstra no entanto que por trás do estilo deslumbrante havia, nessa época, ainda uma insuficiência de conhecimentos empíricos. À frase célebre sôbre as "cadeias radicais” se aplica a nota que Engels formu lará 40 anos mais tarde a propósito da Ideologia A lem ã: “ A parte acabada consiste numa exposição da concepção mate rialista da história, que demonstra somente como nossos co nhecimentos em matéria de história econômica eram ainda in completos nessa época.” '42 D e fato, o proletariado moderno não é a classe social que teve as cadeias mais pesadas da his tória mundial. Semelhante definição se aplica antes à classe dos escravos romanos, do século I antes da nossa era ao sé culo III depois de Cristo. A história demonstrou que não é suficiente que uma classe social não tenha mais nada a perder e não disponha de propriedade privada, para que seja capaz de realizar uma revolução social que possa abolir tõda a pro priedade privada. Precisando mais tarde seu diagnóstico, Marx e Engels atribuíram ao proletariado o papel-chave no advento do so cialismo, menos por causa da miséria que êle sofre do que em função do lugar que êle ocupa no processo de produção e na capacidade que possui de adquirir por êste fato um talento de organização e uma coesão na ação sem medida comum com tôdas as classes do passado. 42 Fr. Engels: “ Ludwig Feuerbach und der Ausgang der klassischen deutschen Philosophie” , Vorbemerkung (Prefácio), pág. 334, em Kar] Marx e Fr. Engels, Ausgewählte Schriften in zw ei Bänden, II, Moscou, 1950.
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N ão há como contestar a capacidade revolucionária do campesinato sem terra dos países do terceiro mundo nem co locar em dúvida o fato de que ela ofereceu o maior número de participantes na luta revolucionária, em escala mundial, no curso dos últimos anos. Mas duas notas devem completar essa constatação para que ela não se transforme em uma imagem falsa da realidade global. Primeiro, que êsse campesinato, como os marxistas o previram, é nêle mesmo incapaz de con quistar o poder e de fundar novos Estados; é-lhe necessário, para êsse fim, uma direção de origem, de composição e de ins piração proletárias.43 Em seguida, que êsse campesinato po bre é incapaz por êle mesmo de construir uma sociedade so cialista no sentido em que a entendia Marx, isto é, uma so ciedade que assegura um desabrochar pleno e completo de tôdas as possibilidades humanas. É precisamente porque a infra-estrutura de tal sociedade não pode ser senão o produto da grande indústria moderna, levada a seu desenvolvimento mais elevado, que a revolução socialista, concebida enquanto processo mundial,44 pode co meçar em países subdesenvolvidos, mas não pode completar-se, isto é, adquirir seu pleno desenvolvimento, senão quando en globar os países industrialmente mais avançados. Para o resto, quando diversos sociólogos ou economistas colocam em dúvida o papel do proletariado enquanto veículo da transformação socialista no Ocidente, êles cometem geral mente dois erros: seja que êles pressupõem, em Marx, um de terminismo automático entre o grau de desenvolvimento indus 43 Cf. Léon Trotsky, D ie russische Revolution 1905, 2.a edição, Viva, 1923, págs. 44-5. Lênin: “Estes fatôres essenciais fazem que essa fôrça não possa agir por ela mesma; e eis por que as tentativas empreendidas nesse sentido no curso de tôdas as revoluções sempre fracassaram. Quan do o proletariado não consegue tomar a direção da revolução, essa fôr ça se coloca sempre sob a direção da burguesia” (19 21 ), em Oeuvres Choisies en 2 volumes, II, pág. 839. Cf. também: a Segunda Declaração de Havana. 44 K. Marx: “ O comunismo não é possível empiricamente senão en quanto ação dos povos dominantes “ em uma só vez” ou simultaneamen te, o que pressupõe o desenvolvimento universal da fôrça produtiva e da circulação mundial ligada a ela’ ’ ( Die Deutsche Ideologie, pág. 32, Dietz Verlag, Berlim, 1953).
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trial e o grau de consciência de classe,*5 seja que êles consi deram o desenvolvimento dessa consciência de classe (e em geral das condições subjetivas necessárias para a derrubada do capitalismo ) de maneira retilínea. !É evidente que M arx e Engels, chegados à idade de ma turidade, aprenderam claramente as relações dialéticas entre o grau de desenvolvimento das fôrças produtivas e o grau de desenvolvimento da consciência de classe.46 O que Engels es crevia a propósito do proletariado britânico do século X I X se aplica, muíatis mutandis, ao proletariado americano do sé culo X X . Para demonstrar que êste não poderá preencher sua missão revolucionária, não basta descrever os mecanis mos atoa/s de integração, de manipulação ideológica etc. É preciso ainda demonstrar que os fatores que, a longo prazo, jogam em sentido inverso—■a concorrência internacional cres cente que submete à erosão o monopólio americano de produ tividade e as vantagens de salários dos quais usufruem os trabalhadores americanos em função dêste monopólio — não modificarão o comportamento do proletariado. É preciso sobre tudo demonstrar que a automação, que não é senão a forma mais radical da tendência histórica do Capital de fazer o tra balho morto substituir o trabalho vivo,47 poderá a longo prazo coincidir com o pleno emprêgo e não chegará a retiradas que uma inflação crescente acabará por não mais poder conter. Essa demonstração nunca foi feita. Quanto à esperança de ver a missão' emancipadora do proletariado realizada por "minorias não-integradas” (mino rias radicais, estudantes, infraproletariado, ou seja, elementos decididamente associais), ela se choca com o mesmo obstá culo ao qual se chocaram as insurreições de escravos em Roma. Essas camadas são capazes, no limite, de revoltas desespera das. Mas não dispõem nem do poder social objetivo (da pos 45 Cf.: “Êle (M arx) parece acreditar que a consciência de classe é uma conseqüência psicológica necessária do desenvolvimento econômico obje tivo, que inclui a polarização em proprietários e trabalhadores” (C . Wright Mills, The Marxists, pág. 114). 46 Cf. o Prefácio que Fr. Engels redigiu em 1892 para “ A Situação da Classe Operária na Inglaterra” , págs. 390-393, em K. Marx, Fr. Engels, Ausgewühlte W erke, vol. 2, Moscou, 1950. 47 Baran e Sweezy indicam que entre 1950 e 1962 o número de ope rários não-qualificados se reduziu nos Estados Unidos de 13 para 4 mi lhões como conseqüência da automação ( M onopoly Capital, pág. 267).
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sibilidade de assegurar ou de paralisar a produção no seu conjunto) nem da capacidade durável de organização neces sários para transformar a sociedade contemporânea. Veremos mais adiante que Marx e Engels adquiriram rá pidamente a convicção de que as condições objetivas e subjeti vas favoráveis à derrubada do capitalismo não se desenvolvem de maneira retilínea, mas seguem uma curva nitidamente in fluenciada pelas flutuações do ciclo industrial (ao mesmo tem po o ciclo setenal e ciclo de longa duração).48 O que é essen cial não é saber se a classe operária de um pais ou de um grupo de países está temporàriamente passiva ou não.49 O que é es sencial é saber se as condições objetivas e subjetivas de sua existência a impulsionam periódicamente para o caminho de uma contestação de conjunto do regime capitalista. A s condições objetivas de tal contestação são aquelas que resultam do funcionamento mesmo do regime (principalmente da regulação dos salários por meio do exército de reserva in dustrial; da insegurança de existência que daí resulta; da in suficiência do salário em relação às necessidades socialmente suscitadas; do caráter alienante do trabalho etc). As condições subjetivas são, em última análise, aquelas que fazem que o tra balhador considere sua condição como inferior e insatisfatória. Uma massa de literatura recente demonstra que é assim, na sociedade dita "de consumo” , como foi o caso no século pas sado.50
48 Ver capítulo 5. 49 Cf. Fr. Engels, Introduction à K. Marx, Les Luttes de Classes en France ( 1848-1850), em Oeuvres Choisies en deux volumes, I, Moscou, Ed. du Progrès, 1955. 50 Ver principalmente: A. Andrieux e J. Lignon, L’Ouvrier d’aujourd’ hui, Paris, Rivière, 1960; Hans-Paul Bahrdt, Walter Dirks u.a., Gibt es noch ein Proletariat?, Frankfurt, Europäische Verlagsanstalt, 1962 etc. Um exemplo divertido que diz respeito à Grã-Bretanha foi recentemente revelado por Robin Blackburn ( “ Inequality and Exploitation’’, em New Left Review, n.° 42, março-abril de 1967). Um sociólogo tinha dedica do um estudo à atitude dos trabalhadores da fábrica de Vauxhall, em Luton, por respeito à direção de sua caixa: 77% daqueles que trabalha vam no departamento de montagem teriam manifestado uma “atitude positiva’’. Apenas um mês depois da publicação dêsse estudo, houve uma verdadeira revolta nessa mesma fábrica, dirigida precisamente contra aquêles que fazem parte dessa direção.
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Da Condenação do Capitalismo à Justificação Sócio-Econômica do Comunismo Foi no curso de seu exílio parisiense que Marx se lançou àvidamente ao estudo da Economia Política, estudo que êle prosseguiu durante seu exílio em Bruxelas, interrompeu na sua volta à Alemanha, para terminar no Briíish Maseum du rante seu exílio londrino. “ A leitura do Esquisse de Engels lhe tinha revelado que a crítica da filosofia política de Hegel não era suficiente para elaborar, a partir de uma simples ne gação do Estado, essa teoria radical da sociedade, capaz de “ tomar” as massas operárias e de as tornar conscientes do im perativo de uma revolução social que desse fim à sua aliena ção. . . Foi pois com a idéia de encontrar uma resposta para essas questões que M arx se pôs a estudar a “ anatomia da so ciedade burguesa", tal como era possível descobri-la nos gran des e con om ista s...” 1 Podemos seguir a amplitude e a diver sidade dêsses estudos nas notas de leitura copiosas que êle nos deixou e que foram em parte publicadas.2 N ão sabemos aliás se todos os cadernos de notas de leitura de Marx foram efeti vamente encontrados. 1 Maximilien Rubel, Karl Marx, Essai de biographie intellectuelle, Pa ris, Rivière, págs. 117-8. 2 As “ notas de leitura parisienses” apareceram em grande parte em K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 3, págs. 411-583; as notas de leitura feitas em Bruxelas e por ocasião de uma viagem de seis semanas à Inglaterra, no verão de 1845 (ef. Fr. Engels, prefácio a K. Marx, Das Elend der Philosophie, Dietz, Stuttgart, 1920, pág. V II), não foram publicadas in
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Êsse estudo da Economia Política, assim como a colabora ção cada vez mais íntima com Friedrich Engels que data de se tembro de 1844, levarão Marx a clarificar suas idéias por res peito a seus mestres em Filosofia e velhos amigos: Hegel, Feuerbach e os jovens pós-hegelianos da escola de Bauer. Três obras resultam dessa polêmica que é ao mesmo tempo uma espécie de monólogo interior e uma tentativa dos dois novos amigos de tomar consciência de sua própria evolução: os Manuscritos Económico-Filosóficos de 1844, A Santa Fa mília e A Ideologi'a Alemã. Destas três obras, é a primeira que marca uma etapa na evolução do pensamento econômico de M a r x .3 Redigidos depois da leitura de uma série de economistas de primeiro plano e consistindo aliás parcialmente em longas citações extraídas de Adam Smith, de Pecqueur, de Loudon, de Buret, de Sismondi, de James Mill e de Michel Chevalier,4 êsses três manuscritos económico-filosóficos representam o pri meiro trabalho econômico propriamente dito do futuro autor do Capital. Uma crítica da Filosofia de Hegel constitui a quar ta parte. Êles tratam sucessivamente do salário, do lucro, da renda fundiária, do trabalho alienado em relação com a pro priedade privada, da propriedade privada em relação com o trabalho e com o comunismo, das necessidades, da produção e da divisão do trabalho, assim como do dinheiro. O conceito filosófico de alienação — que Marx tomou em prestado de Hegel, de Schelling e de Feuerbach5 — recebe pela primeira vez nos seus M anuscritos de 1844 um conteúdo sóextenso, mas se encontram resumidas em K . Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 6, págs. 597-618; as notas de leitura feitas em Londres em 1850-1851 se encontram publicadas no tomo II de Karl Marx: Gmndrisse der Kritik der politischen Oekonomie, Berlim, Dietz-Verlag, 1953. 3 Retomamos no penúltimo capítulo dêste estudo o exame das contro vérsias levantadas pelos Manuscritos de 1844, principalmente a respeito do “ trabalho alienado” , e das relações entre as obras de juventude e as obras ditas de “maturidade” de Marx. 4 A êsse propósito, D . I . Rosenberg sublinha que a idéia mestra que liga todos os comentários críticos que contêm essas notas de leitura é uma idéia emprestada do Esboço de uma Crítica da Economia Política, de Engels: a Economia Política se apóia sôbre uma base falsa, a saber, a pretensa inviolabilidade da propriedade privada (op. cit., pág. 8 7 ). 5 Jürgen Habermas constata aliás que Schelling fala já de “ o ser estra nho ao qual pertence o trabalho e o fruto do trabalho” , e que a supera-
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cio-econômico aprofundado. Desde a sua Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de H egel, êsse conceito tinha aliás per dido seu caráter inteiramente filosófico. "M arx tinha retoma do de Feuerbach a concepção de um homem desumanizado, ou alienado, ou mutilado. . . Mas Marx emprega agora a mesma expressão num sentido nôvo. Nas relações políticas, êle iden tifica . . . o homem desumanizado com o homem desprezado e desprezível, e coloca como glória da Revolução Francesa que ela reconstituiu o homem, isto é, que ela o elevou ao nível de cidadão livre. “ Mas, assim fazendo, deslizamos para um contexto total mente nôvo, isto é, para uma problemática política ou ao menos social. O homem alienado não é mais o indivíduo referido a um universo de sonho religioso ou especulativo, mas o membro de uma sociedade imperfeita que não está de posse de tôda a sua dignidade humana. O homem num mundo desumanizado é agora o homem numa sociedade desumanizada. . . ” 6 N os Manuscritos de 1844, o segrêdo dessa sociedade de sumanizada é revelado. A sociedade é desumana, porque o tra balho nela é um trabalho alienado. Trazer a sociedade e o ho mem social ao trabalho, Marx podia fazê-lo tanto mais facil mente quanto Hegel já tinha caracterizado o trabalho como a natureza essencial da praxis humana. Ora, estudando os eco nomistas clássicos, M arx descobre que êstes fazem do trabalho a fonte última do valor. A síntese se fêz em um clarão, as duas noções foram combinadas, e se crê verdadeiramente assis tir a essa descoberta examinando as notas de leitura de Marx, sobretudo o célebre comentário das notas de leitura de James M ill,7 onde Marx parte do caráter da moeda, meio de troca, ção materialista da dialética do trabalho foi pressentida por Schelling ( Theorie und Praxis, págs. 154-6). 6 Paul Kãgi, ibid., págs. 194-5. 7 m e g a , I, 3, pág. 531. Eis outra passagem das mesmas notas sôbre James Mill: “ Uma vez admitida a existência da relação de troca, o tra balho torna-se trabalho diretamente consagrado à subsistência (unmittelbare Erwerbsarbeit). . . tanto quanto mais a produção se toma multifor me, tanto mais multiformes aparecem então de um lado as necessidades, e tanto mais uniforme se tomam por outro lado as realizações do produtor, tanto mais seu trabalho cai na categoria do trabalho de subsistência, até que não tenha mais essa significação e que se torne totalmente aciden tal e sem importância saber se o produtor tem uma relação de usufruto
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instrumento de alienação, para chegar às relações de alienação que substituem as relações humanas. A o mesmo tempo, o comunismo filosófico torna-se um co munismo sociológico, isto é, fundado na análise da evolução das sociedades e de sua lógica. É verdade que em Zur Kritik der NationalÖkonomie, M arx se declara sempre partidario da “ crítica positiva, humanista e naturalista de Feuerbach” .8 M as ésse humanismo recebe agora, êle também, um conteúdo socio económico preciso: é identificado com o comunismo que supe ra positivamente a propriedade privada, a divisão do trabalho e o trabalho alienado.9 N o lugar da oposição entre "comunismo das massas ope rárias” e “ comunismo filosófico” , que Engels tinha introduzi do nos seus artigos sôbre o comunismo para The N ew Moral W orld, Marx distingue em Z u r Kritik der Nationalökonomie o “ comunismo primitivo” e o “ comunismo enquanto superação positiva da propriedade privada” .10 O primeiro, nascido da in veja grosseira, não chega senão à generalização do trabalho alienado, a um "nivelamento partindo do mínimo” . O segundo, por outro lado, constitui “ a superação positiva de tôda aliena ção, a volta do homem, da religião, da família, do Estado etc. para o seu ser humano, isto é, social” .11 E Marx precisa já que isso pressupõe, por um lado, a socialização dos meios de produção, a supressão da propriedade privada e, por outro lado, um grau de desenvolvimento elevado das fôrças produ tivas. Essa idéia constitui um progresso em relação a todos os escritos comunistas anteriores a Marx e a Engels, assim como os escritos dos socialistas utópicos. Ela será desenvolvida mais ainda na Ideologia A lem ã }2 imediato e de necessidade pessoal com seu produto, e se a atividade, a ação do trabalho, é para êle auto-usufruto de sua personalidade, reali zação de seu talento natural e finalidade espiritual’' (ibid., pág. 539). 8 K. Marx: “ Zur Kritik der Nationalökonomie, Oekonomisch-philosophische Manuskripte” , em K. Marx, Fr. Engels, Kleine ökonomische Schriften, Berlim, Dietz-Verlag, 1955, pág. 42. 9 Ibid., págs. 127-29. A experiência da revolta dos tecelões da Silesia, que se produziu enquanto Marx redigia os Manuscritos de 1844, certa mente influenciou essa tomada de consciência. 10 Ibid., págs. 124-6 e 127-9. 11 Ibid., pág. 128. 12 É preciso lembrar que o economista suíço Schulz já tinha elaborado idéias análogas antes de Marx, e que êste se apoiou no trabalho de Schulz (Auguste Cornu, Karl Marx und F. Engels, v ol. 2, pág. 123).
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Seguindo a lógica de urna crítica da propriedade privada do capitalismo • — e não aquela de uma exposição de conjunto das leis de desenvolvimento do modo de produção capitalista —•Z u r Kritik der Nationalökonomie começa por uma análise da pobreza provocada pela propriedade privada, antes que por uma análise da riqueza criada pela produção das mercadorias (ponto de partida de todos os trabalhos clássicos de Economia Política, que o próprio Marx retomará no Capital). A pobreza produzida pela propriedade privada se encontra contida intei ramente no salário e suas .leis de evolução. A análise do salá rio se efetua nos Manuscritas Económico-Filosóficos sôbre a base da teoria clássica de Adam Smith e Ricardo, influenciada por Malthus. Sob o efeito da concorrência entre os operários, o salário tende a cair para o nível de subsistência mais baixo. Mas ao contrário de Malthus e de Ricardo, Marx precisa que êste não é um feito fatal de qualquer “ lei do crescimento da população” , mas o efeito da separação dos operários de seus meios de produ ção.13 N o entanto, Marx matiza já essa "lei” dos salários dis tinguindo três movimentos divergentes dos salários no curso de três fases sucessivas do ciclo econômico: a fase da depres são; a fase do “boom ” , e a fase na qual a acumulação dos ca pitais atingiu sua expansão máxima. Na primeira fase, os salários baixam sob o efeito do desemprêgo, e uma parte da classe operária cai na degradação e na miséria mais negra. Na terceira fase, os salários permane cem estacionários a um nível relativamente baixo (M arx reto ma aqui textualmente uma tese de R icard o). É pois a. segunda fase que é a mais favorável para os operários, visto que a pro cura de mão-de-obra supera a oferta, a concorrência entre os capitalistas se acentua e os salários podem aumentar. Ora, que se passa em período de “ boom” ? A expansão acentua a acumulação e a concentração dos capitais. O número de capitalistas decresce-, enquanto o número de operários au menta rápidamente. O maqumismo se estende degradando o operário ao estado de uma máquina “ animada” ; esta entra por isso em concorrência direta com êle. Por outro lado, o “ boom” produz invariàvelmente a superprodução, que conduz por sua 13 K. Marx, Fr. Engels, Kleine ökonomische Schriften, pág. 46 ( Zur Kritik der Nationalkönomie).
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vez ao desemprêgo e à baixa dos salários.14 Vê-se, nesse es quema inicial do funcionamento do regime capitalista, que au mentos de salários não podem intervir senão provisoriamente e estão condenados a ser impiedosamente apagados pela lógi ca do sistema. M arx não modificará êsse esquema senão dez anos mais tarde. Êle pressentiu no entanto a teoria da “ pauperização re lativa” afirmando que, mesmo em períodos de alta conjuntura, '‘o aumento dos salários é mais do que compensado, para o capitalista, pela redução da quantidade do tempo de traba lho.” 15 A expressão é ainda obscura e desajeitada. O que Marx exprime aqui por intuição mais. do que por compreen são é o fato de que as mercadorias das quais o salário deve realizar o valor podem conhecer uma baixa de valor rápida, em seguida ao aumento da produtividade, ou, o que dá no mesmo, que o contravalor pode ser produzido numa fração cada vez mais reduzida da jornada de trabalho. Marx cita aliás uma passagem do livro de um economista suíço hoje esquecido, W ilhelm Schulz (D ie Bewegung der Produktion) , no qual êste formula notàvelmente a lei da “ pauperização relativa” . 10 Da mesma forma, Marx não distingue ainda corretamen te o capital constante do capital variável, como o fará nos seus escritos econômicos clássicos, mas se limita a distinguir com Adam Smith, entre o “ capital fixo” e o “ capital circulante".17 N o domínio da renda fundiária, êle segue a teoria de Ricardo insistindo sôbre o fato de que o capital acaba por incorporar a propriedade imobiliária, por transformar o proprietário fun diário em capitalista. Numa passagem marcante, onde Marx se move na fron teira da Filosofia e da Economia Política, êle afirma que era necessário que a propriedade fundiária fôsse totalmente arras tada no “ movimento da propriedade privada” ; que na agricul tura igualmente a relação entre senhor e operário se reduza à simples relação entre explorador e explorado; que tôda relação pessoal entre o proprietário (fundiário) e sua propriedade deixe de existir, para que a luta contra a propriedade privada
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enquanto tal possa ser conduzida com eficácia. 18 Aqui também, a Ideologia Alemã marcará um importante passo adiante do raciocínio, que se destaca completamente dos seus antecedentes lilosófico-moralizadores. A parte mais célebre dos Manuscritos Econômico-Filosóficos é a análise das raízes sócio-econômicas da alienação. É ao mesmo tempo sob a influência de Engels e de Moses Hess que êle levanta um paralelo entre o trabalho alienado no capi talismo e o homem alienado pela religião. Quanto mais o ope rário trabalha, tanto mais cria um mundo de objetos que lhe são hostis e que o esmagam.19 Mas, contràriamente ao que êle tinha escrito antes, quando havia identificado alienação e pro priedade privada, M arx se esforça agora por cavar mais pro fundamente e descobre as raízes últimas da alienação humana no trabalho alienado, isto é, na divisão do trabalho e na pro dução mercantil. Entre produção mercantil, divisão do traba lho e propriedade privada há uma interação constante na pro dução da alienação, mas é a divisão do trabalho que é seu ponto de partida histórico.20 Marx demonstra que a alienação não se limita à aliena ção do produto do trabalho e dos meios de produção, que se tornam fôrças exteriores hostis, esmagando o produtor. Êle efetua principalmente uma análise lúcida dos efeitos que a pro dução de mercadorias, em regime de concorrência, provoca em matéria de alienação das necessidades. Essa passagem é uma antecipação grandiosa. A maior parte das tendências que Marx destacou há cento e vinte anos não foram senão embrionárias no século X IX e não se realizaram em grande escala senão na nossa época. Eis uma passagem que parece ser um comentário imediato de Vance Packard ou de Dichter: “ Cada homem es pecula para criar uma nova necessidade para o outro, e para o abrigar a novos sacrifícios, para lhe impor uma nova relação de dependência, e para o seduzir para um nôvo modo de usu fruto, e por êsse fato para a ruína econômica. " . . . Com a massa dos objetos se desenvolve também o império dos sêres estranhos aos quais o homem é submetido, e 18 Ibid., págs. 92-3. 19 Auguste Comu, Karl Marx, l’homme et l’oeuvre, Paris, 1934, Librairie Felix Alcan, págs. 332-4. 20 K. Marx, “Zur Kritik der Nationalökonomie” , em K. Marx, Fr. En gels, Kleine ökonomische Schriften, págs. 108-9, 128.
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cada nôvo produto é um nôvo elemento potencial de engano recíproco e de pilhagem mútua. O homem torna-se tanto mais pobre enquanto homem, tem necessidade de mais dinheiro a fim de se apropriar dêsses sêres estranhos, e o poder de seu dinheiro cai em proporção inversa da massa da produção, isto é, seu estado de necessidade aumenta na mesma medida em que o poder do dinheiro aumenta. . . Subjetivamente, isso se apresenta em parte de maneira tal que a expansão dos produ tos e das necessidades21 se torna o escravo dotado de poder de invenção e sempre calculador de desejos desumanos, refinados, contra a natureza e imaginários. . . ” 22 Um desenvolvimento rápido do aspecto desumano da di visão do trabalho,23 que encontra aliás um eco célebre na Ideo logia Alemã ( . . . enquanto na sociedade comunista, onde cada um não tem um círculo exclusivo de atividade, mas onde cada um pode qualificar-se em cada ramo desejado, a so ciedade regula a produção geral e me torna assim capaz de fazer hoje isso, amanhã aquilo, de caçoar de manhã, de pescar à tarde, de fazer a crítica depois do jantar, como me agrada, sem jamais tornar-me [totalmente] caçador, pescador, pastor ou crítico” ) ;24 retoma a idéia inicial de que é na divisão do trabalho que o trabalhador alienado possui sua verdadeira origem. Certamente, os Manuscritos d e 1844 não constituem uma obra econômica de maturidade. É fragmentariamente que Marx apreende os problemas de uma crítica global da Economia Po lítica. Essa crítica encalha ainda num escolho fundamental: Marx não resolveu ainda o problema do valor e da mais-valia. 21 Num pequeno romance intitulado muito a propósito Les Choses, Georges Perec descreveu magistralmente o homem contemporâneo, es cravo de um amontoado cada vez mais incontrolável de objetos de con sumo. 22 K. Marx, Zur kritik der nationalókonomie, págs. 140-141. Um exem plo extremo dessas necessidades “ desumanas, refinadas, contra a natu reza e imaginárias” suscitadas pela produção capitalista é oferecido pela indústria americana das pompas fúnebres que inclui “ camas Beautyrama” , acolchoados incluídos nos caixões para que os corpos aí repousem mais suavemente (Jessica Vitford, The American W a y of Death, pág. 23 Ibid., págs. 157-160. 24 K. Marx, Fr. Engels, Die Deutsche Ideologie, Berlim, Dietz-Verlag, 1953, pág. 30. Ver também ibid., págs. 464-5.
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Ele não apreendeu ainda o que havia de racional na teoria clássica, sobretudo na de Ricardo. Suas análises econômicas se ressentem disso inevitavelmente. Mas, ao mesmo tempo, per manece-se sempre enfeitiçado pelo impulso que toma o espírito crítico, pela audácia da visão histórica, pela implacável lógica que vai ao fundo das coisas. E ganha-se rapidamente a con vicção de que, desde o momento em que êle redigiu seus M a nuscritos, Marx já havia construído um dos fundamentos de sua teoria sócio-econômica. A Santa Família não responde, propriamente falando, a preocupações econômicas. Também sua contribuição para a evolução do pensamento econômico de M arx e de Engels é antes secundária. Os dois autores aí permanecem agarra dos a uma concepção1 eclética do valor que Engels já. tinha exposto em Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie. 25 Com o o fêz no artigo que acabamos de citar, Engels continua a afirmar que seria utópico da parte dos operárias querer realizar uma redução da jornada de trabalho em regime capitalista.26 Por outro lado, as passagens de A Santa Família con cernentes a Proudhon são particularmente interessantes à luz da polêmica que se seguirá dois anos mais tarde, e que per mitirá a Marx expor pela primeira vez uma análise de con junto do modo de produção capitalista. Em A Santa Família, Marx afirma, é verdade, que “ Proudhon permanece ainda prisioneiro das hipóteses de base ( Voraussetzungen) da E co nomia Política que êle combate” . 27 M as êle celebra a crítica da propriedade privada efetuada por Proudhon como sendo 25 Dois exemplos: na pág. 128 da edição de Mehring, Marx afirma em A Santa Família: “ O valor é no com eço aparentemente determinado de maneira racional pelos custos da produção de uma coisa e por sua utilidade social. Depois, verifica-se que o valor é uma determinação pu ramente acidental, que não tem necessariamente relações nem com os custos de produção nem com a utilidade social.” Na pág. 147 da mesma obra, Marx escreve: “ Que o tempo de trabalho que custou a produção de um objeto faça parte (sic) de seus custos de produção. . . eis um ponto de vista que mesmo a crítica deve ter-se apropriado.” 26 Cf. Fr. Mehring, Einleitung, Aus dem literarischen Nachlass von Karl Marx und Friedrich Engels 1841-1850, II, págs. 76-7. A passagem criticada de Fr. Engels se encontra ibid., pág. 109. 27 Ibid., pág. 127.
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"o primeiro exame crítico, e éste o primeiro exame resoluto, sem escrúpulos e ao mesmo tempo científico. Éste é o grande progresso científico que êle efetuou, um progresso que cons titui uma revolução da Economia Política e que somente tor nou possível uma verdadeira ciência da Economia Política. A obra de Proudhon Q u ’est-ce que la propriété? tem a mesma significação para a Economia Política moderna que a obra de Sieyès Q u ’est~ a atenção para a importância do “ modo de produção asiático” numa introdução à publicação de três artigos de Marx sôbre a China e a índia na revista Sous le Drapeau du M arxism e. 7 N o mesmo ano, Eugène V arga consagrou um estudo ao mesmo assunto, enquanto Madyar fêz aparecer em um livro volumoso sôbre a eco nomia camponesa chinesa, no qual a idéia do “ modo de pro dução asiático" era discutida. A China estava evidentemente na moda nessa época que viu o apogeu e a derrota da segunda revolução chinesa. Mas
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4 Ver a êsse respeito Karl A. Wittfogel, L e despotisme oriental, Edi tions de Minuit, Paris, 1964, que publica um levantamento bastante completo das passagens de Lênin relativas a êsse “ asiatismo’ ’ nas pági nas 494-5 de sua obra. 5 Ver principalmente George Plekhanov, Introduction à l’Histoire so ciale de la Russie, Paris, 1926, Editions Bossard, pág. 4: “ Sabemos agora não somente que a Rússia — assim como a Europa ocidental — atra vessou a fase do feudalismo, mas também que essa mesma fase existiu no Egito, na Caldéia, na Síria, na Pérsia, no Japão, na China, em uma palavra, em todos ou quase todos os países civilizados do Oriente.” No entanto, o autor fala na mesma página igualmente dos “ grandes despotados do Oriente” . Êle tinha conservado o conceito de um modo de produção asiático em Les Questions fondamentales du marxisme (pág. 53, Paris, Editions Sociales, 1947), sublinhando a justo título que êsse modo de produção não podia ser considerado como anterior ao modo de produção antigo ( escravista ) . 6 V . I . Lênin, Oeuvres Complètes, vol. 21, pág. 40. 7 Ano I, n.° 2, págs. 370-378. — Lucien Goldmann nos fêz notar que o “levantamento” do conceito de produção asiático não é de Rjasanov,
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a discussão dos problemas estratégicos e táticos que essa re volução tinha levantado, e sua interferência com a luta de fração no seio do P . C . U . S ., foi fatal para a discussão cien tífica em tôrno dêsse “ modo de produção” . A noção foi con denada por ocasião da famosa “ discussão de Leningrado” em 1931.8 Durante dois decênios, ela viria conhecer, na URSS, de início, nos países das democracias populares em seguida, uma sorte cada vez mais obscura, para desaparecer finalmen te dos manuais.9 N o entanto, no Ocidente, um comunista alemão, Karl August W ittfogel, tinha neste tempo consagrado ao "modo de produção asiático” uma obra monumental, que acabou por influenciar de maneira duradoura o pensamento dos sociólo gos.10 Foi também no Ocidente que o debate sôbre o “ modo de produção asiático” reapareceu primeiro, principalmente na Grã-Bretanha e na França. Nas democracias populares, desde o comêço da desestalinização, o conceito foi de nôvo utilizado para libertar da ganga mecanicista e antimarxista das “ quatro fases” que tôda humanidade teria obrigatoriamente atraves sado: comunismo primitivo, sociedade escravista, feudalismo e capitalismo. Essa ganga havia principalmente obrigado os autores que reivindicam o marxismo, mas que desejam fazer-se reconhecer como "ortodoxos” pelos PCs, a reunir sob a etiquêta “ sociedade feudal” a mistura mais heteróclita de forma ções sócio-econômicas.11 mas dos comunistas húngaros, que editam a revista Comunismo desde 1920. 8 Ver K. Wittfogel, op. cit. 9 Dois exemplos: o manual de W . I. Avdijev: Geschichte des alten Orients, publicado em Moscou em 1948 e traduzido em Berlim em 1953 (Volk und Wissen, Volkseigener Verlag), se apóia nas opiniões do aca dêmico V . V . Struve para afirmar que “os povos da Índia e da China seguiram a mesma via da constituição gentílica à escravidão” (págs. 121 3 ). An Outline History o f China publicado em Pequim (Foreign Lan guages Press) em 1958 fala também da mais antiga sociedade de classe na China (a dinastia Shang) como uma “ sociedade fundada na escra vidão” (pág. 1 5 ). 10 Wirtscnaft und Gesellschaft Chinas, Leipzig, 1931, Hirschfeld, pág. 768. 11 Ver a êsse respeito Maurice Godelier, “ La Notion de “ mode de production asiatique” et les schémas marxistes devolution des sociétés” , Cahiers du C.E.R.M., págs. 26-7, e Eric Hobsbawm, “ Introduction” to Karl Marx, Precapitalist Economic Formations, Londres, Lawrence and Wishart, 1964, págs. 61-3.
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O renascimento do debate em tôrno do “ modo de produ ção asiático” deve ser saudado. Mas é preciso ao mesmo tem po distinguir cuidadosamente aquilo que M arx e Engels ti nham designado por essa fórmula, a deformação que ela so freu em seguida, por causa de certos discípulos e de certos adversários, e o uso que fazem dela hoje os historiadores e sociólogos que se inspiram no marxismo. E, para êsse fim, um breve exame da gênese dessa noção em Marx e Engels nos parece útil. Sem querer remontar até a origem da fórmula de “ des potismo oriental” que data do século X V II, e sem remontar a Montesquieu, que a empregou abundantemente,12 é prová vel que M arx e Engels tenham elaborado sua teoria do "modo de produção asiático” sob a influência de três correntes: de início, dos economistas como John Stuart Mill e Richard Jones, que Marx tinha estudado ou que estava estudando em 1853, e que utilizaram fórmulas análogas;13 em seguida, dos relatos das viagens, memórias ou monografias consagradas aos paí ses do Oriente, que Marx e Engels leram nessa época;14 enfim, dos estudos particulares empreendidos sôbre a comunidade da aldeia em outras partes do mundo e que chamaram a sua aten ção para a importância dessa comunidade nos países do Oriente.15 12 Wittfogel se refere a isso. 13 John Stuart Mill fala de “ sociedade oriental” , em 1848, e Richard Jones de “ sociedade asiática” já havia falado em 1831 (W ittfogel, op. cit., p á g . 489 ). 14 Eric Hobsbawm ( op. cit., pág. 22) levanta uma lista bastante com pleta. Ela inclui Voyages, de Bernier, L ’Histoire de Java, de Raffles, a Géographie historique de l’Arabie, do pastor C . Foster, Treatise on ihe East India Trade, de J. Child etc. Pierre Naville (L a Chine future, Paris, 1952, Les éditions de Minuit, págs. 89-93) lembra que as Voyages, de Bernier, foram redigidas para contrariar um projeto de Luís XIV de proclamar a propriedade real sôbre tôdas as terras da França — ou ao menos um projeto que os adversários do absolutismo lhe haviam atri buído . 16 Maximilian Rubel chama a atenção para dois estudos de Marx que datam do ano de 1853: um sôbre a comunidade de aldeia na Escócia ( “The Duchess of Sutherland and Slavery” , artigo publicado no New York Daily Tribune de 9 de fevereiro de 1853); o outro sôbre as rela ções entre monarquia absoluta e descentralização administrativa na Es panha (M . Rubel, Karl Marx: Essai de biographie intellectuelle, Paris, Rivière, 1959, págs. 297-301).
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T odos êsses estudos eram no fundo subprodutos de urna análise constante e minuciosa do comércio exterior da Grã~ Bretanha e da conjuntura econômica dêsse país. Os merca dos orientais desempenhavam um papel crescente de saída para a industria britânica. A expansão das exportações bri tânicas provocou perturbações profundas na sociedade orien tal. A revolução dos Tai'-Ping na China, o motim dos sipaios na índia, eram reações diretas ou indiretas a essa ação dis solvente. Apaixonados pelas revoluções, quer elas se produ zam a leste ou a oeste, M arx e Engels se puseram a estudar a estrutura das sociedades assim abaladas. Foi assim que for mularam a hipótese de trabalho de um “ modo de produção asiático” . A s características fundamentais dêsse modo de produ ção foram já expostas bastante exaustivamente nas três cartas já citadas de junho de 1853, assim como em quatro artigos publicados no N ew York Daily Ttibune. Podemos resumi-las assim: 1) O que caracteriza antes de tudo o "m odo de produ ção asiático” ê a ausência da propriedade privada do solo.18 2) Por êsse fato, a comunidade de aldeia conserva uma fôrça de coesão essencial, que resistiu através das épocas às conquistas mais sangrentas.17 3 ) Essa coesão interna da comunidade de aldeia antiga é ainda aumentada pelo fato da união íntima da agricultura e da indústria (artesanal) que é aí mantida.18 16 Para a Índia: “ Pode-se dizer que a propriedade privada das casas e jardins era um fato reconhecido nas zonas urbanas e arrabaldes a partir do século VI antes da nossa era. Mas não havia em geral proprie dade privada dos campos cultivados” (D . D . Kosambi, An Introduction to the Study of lndian History, Popular Boolc Depot, Bombaim, 1956, pág. 145). Para a China, cf. Henri Maspero, citado em Pierre Naville, La Chine future, págs. 96-8. Para o império clássico do Islã e os co meços do Império Otomano, Prof. Reuben Levy, The Social Structure of Islam, págs. 13, 401 (Cambridge University Press, Cambridge, 1962). 17 O autor indiano antigo Kautilya escreve no seu Anthasastra: “ As samghas (comunidades de aldeia tribais) são invencíveis por outras, por causa de sua unidade.” Citado em Debiprasad Chattopadhyaya, Lokayata, A Study in Ancient lndian Materialism, People’s Publishing House, Nova Deli, 1959, pág. 173. 18 Ver a descrição da antiga aldeia indiana em H . D . Malaviya: “ Village Communities in índia, a Historical Outline” , em A . R . Desai:
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4) M as por motivos geográficos e climáticos, a agricul tura próspera reclama nessas regiões trabalhos hidráulicos im portantes: “ A irrigação artificial é a primeira condição da agricultura” .19 Essa irrigação reclama quase em todo^ lugar um poder central regulador e empreendedor de grandes trabalhos.20 5) Por êsse fato o Estado consegue concentrar a maior parte do superproduto social nas suas mãos, o que dá lugar ao nascimento de camadas sociais mantidas por êsse exceden te, que são a fôrça dominante da sociedade (daí a expressão “ despotismo oriental” ) . A “ lógica interna” de tal sociedade joga no sentido de uma grande estabilidade das relações de produção fundamentais. N os Gmndrisse, encontramos tôdas essas características, inclusive a importância concedida aos trabalhos hidráulicos.21 Mas encontramos ao mesmo tempo uma série de idéias suple mentares, que permitem circunscrever melhor aquilo que Marx e Engels designavam por “ modo de produção asiático". L ogo de início a ênfase é colocada em várias ocasiões sôbre o desenvolvimento totalmente acidental e secundário das aldeias no Oriente, estreitamente subordinadas aos chefes de Estado ou a seus sátrapas.22 Isso significa que a produção Rural Sociology in índia, The Indian Society of Agricultural Economics, Bombaim, 1959, págs. 164-70. A passagem seguinte ( op . cit., pág. 170) é particularmente significativa: “ O método original de remunerar os ser vidores (artesãos) da aldeia consistia ou bem em lhes dar uma dotação de terra livre de renda, e algumas vêzes mesmo livre de imposto, ou em lhes atribuir parte determinada da reserva coletiva de c e r e a is ...” 18 Engels a Marx, a 6 de junho de 1853, m e g a , III, 1, pág. 480. 20 C f. D . D . Kosambi (op. cit., pág. 280) a propósito do império dos Gupta. 21 Grundrisse, pág. 377: “As condições comuns da apropriação real pelo trabalho, os condutos de água, muito importantes para os povos asiáti cos, os meios de comunicação e tc ., aparecem desde logo como o tra balho da unidade superior — o Govêrno despótico planando acima das pequenas comunas. ” Em Les Questions fondamentales du Marxisme (pág. 4 3 ), Plekhanov atribui uma importância decisiva às condições geo gráficas que tornam necessários tais trabalhos. Êle volta a isso um pouco mais adiante: “ E se êsses dois tipos (o modo de produção escravista e o modo de produção asiático, E. M . ) diferem consideràvelmente um do outro, seus sinais distintivos principais se formaram sob a influência do meio geográfico” (pá g. 53). 22 Ibid., pág. 377. “ E certo que os mercadores e os artesãos, a burgue sia enquanto classe organizada nas suas guildas, jamais atingiram a su-
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permanece quase exclusivamente uma produção de valores de uso.23 Ora, é o desenvolvimento da. produção de' valores de troca nas aldeias que permite preparar a predominância do capital. Quando o poder do dinheiro se torna predominante em sociedades não-industriais, conduz à dominação do campo sôbre a cidade.24 Em outras palavras: a estrutura particular do ‘‘modo de produção asiático” , a subordinação das aldeias ao mesmo tempo à agricultura e ao poder central25 implicam que o Capital não pode tomar seu pleno impulso. Isso equi vale não a uma estagnação das fôrças produtivas — que não se pode sobretudo demonstrar num caso como o da China —■ mas a um desenvolvimento retardado, que acaba por ser fatal às nações fundadas sôbre êsse modo de produção.26 premacia que sua contrapartida européia tinha conquistado quando to mou o poder nas aldeias. Na índia, a aldeia era quase sempre um pôsto avançado do Estado territorial, governado por prefeitos ou por organis mos designados pelo centro” (K. S. Shelvankar, citado em A. R. Desai, op. cit., pág. 15 1). 23 Grundrisse, pág. 384. C f. A . R . Desai, op. cit., pág. 25: “ Na Índia pré-britânica, a agricultura camponesa produzia essencialmente com vista a satisfazer as necessidades da população da aldeia. Essa economia agrícola de subsistência à aldeia foi transformada em uma economia de mercado durante o período britânico. ’’ 2i Grundrisse, pág. 405. Cf. Léon Trotsky: “ Assim as aldeias russas, da mesma maneira que as aldeias sob o despotismo asiático, e em oposição às aldeias artesanais e mercantis da Idade Média européia, não desem penhavam um papel senão de consumidoras. . . Onde estavam desde en tão situados a indústria manufatureira e os artesanatos? No campo, li gados à agricultura.” ( “ Balanço e Perspectivas” , pág. 176, em The Permanent, Revolution, New Park Publications, Londres, 1962). 25 Marx sublinha nos Grundisse (págs. 407-8) a importância de um artesanato livre das aldeias para preparar a obra dissolvente do capital sôbre as antigas relações comunitárias no cam po. No nosso Traité d’Economie Marxiste (tomo I, pág. 148), citamos uma opinião pax-alela de Etienne Balazs no que concerne às aldeias da antiga China, e fazemos notar que a paternidade dessa idéia, atribuída a Max W eber, pertence na realidade a Marx. 26 Isso não significa evidentemente que as nações asiáticas teriam sido incapazes de chegar ao capitalismo pelos seus próprios meios. Isso ex plica simplesmente por que a Europa ocidental pôde tomar, a partir do século XVI, um avanço cada vez maior sôbre as outras partes do mundo. O subdesenvolvimento atual das nações da Ásia não é produto do “ modo de produção asiático” , mas da ação retardadora e regressiva que a relação de subordinação resultante da penetração européia exer ceu sôbre essas nações. A nação asiática que conseguiu conservar uma
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Que se deve pensar desde então das tentativas feitas por autores como Maurice Godelier, Jean Chesneaux, Jan SuretCanale e P . Boiteau, de trazer o "m odo de produção asiáti co ” a uma formação sócio-econômica que marca a passagem da sociedade sem classes para a sociedade de classes?27 Para fazer isso, êles são obrigados a suprimir em pri meiro lugar o papel-chave que Marx e Engels tinham atri buído aos trabalhos hidráulicos e outros grandes trabalhos28 na criação dêsse modo de produção. Godelier, que segue Suret-Canale, afirma que “ o controle do comércio intertribal ou inter-regional exercido por aristocracias tribais sobre a troca de produtos preciosos: ouro, marfim, peles etc., entre a África negra e a África branca” ,29 pode dar origem a reinos como Gana, Mali, Songhoi etc. M as dilatando assim a noção de “ modo de produção asiático” — exatamente como os auto res marxistas “ dogmáticos” , que rejeitavam êsse conceito, eram obrigados a dilatar a noção de "feudalismo” ■ — a especifici dade do “ modo de produção asiático” arrisca-se a desapa recer. independência real — o Japão — conseguiu igualmente escapar ampla mente do subdesenvolvimento. 27 Maurice Godelier, “ La notion de “mode de production asiatique” et le schémas marxistes d’évolution des sociétés” , Cahier du C.E.R.M.; Jean Chesnaux: La Pensée, n.° 114, abril de 1964; Jean Suret-Canale, La. Pensée, n.° 117, outubro de 1964; Pierre Boiteau, La Pensée, outu bro de 1964. O último ( op. cit., pág. 68) afirma mesmo que o “modo de produção asiático” constitui um fenómeno universal, pelo qual todas as sociedades passaram. 28 Jean Chesnaux ( op. cit., pág. 42 ) afirma: “ Deve-se perguntar se essa noção de “ alto comando econômico” não recobre outras funções que não a manutenção dos diques e dos canais: assim o contróle da rotação das terras; a manutenção e o contróle de sua segurança. . . a proteção mi litar das aldeias contra os ataques dos nómades ou dos exércitos inva sores estrangeiros; a tomada a cargo direta pelo Estado de certos setores da produção industrial, que ultrapassavam as possibilidades das c o munidades camponesas, por exemplo no dominio das minas ou da me talurgia. . . ” Trata-se evidentemente de uma petição de principio, a partir do momento em que não se atribui mais aos “ trabalhos hidráuli cos” a causa essencial do aparecimento de tal Estado-empreendedor. Por que, em outras civilizações, confederações de aldeias, ver as primei ras corporações urbanas, os senhores locais, puderam preencher as fun ções que Chesnaux acaba de enumerar, enquanto no “ modo de produ ção asiático” estas vão para o Estado? 29 Maurice Godelier, op. cit., pág. 30.
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Porque o que fazem ésses autores é trazer insensivelmen te as caracterísicas do “ modo de produção asiático” àquelas que marcam tôda aparição primeira do Estado e das classes dominantes no seio de uma sociedade ainda essencialmente fundada sôbre a comunidade de aldeia. Pode-se com efeito considerar como demonstrado que, em todos ésses casos, trata-se de inicio de um tributo voluntário concedido pelas co munidades para fins de interesse comum ( fôsse um interesse imaginário, religioso ou m ágico);30 que, progressivamente, uma aristocracia tribal ou intertribal se apropriou de início do usu fruto e depois da propriedade dêsse tributo; e que, durante um período intermediário mais ou menos longo, uma “ demo cracia na base” , fundada sôbre a comunidade de aldeia, coa bitou com um Governo cada vez mais “ despótico” do cume, expressão da nova classe dominante. Depois de ter colocado de início que o “ modo de produ ção asiático” se deixa em última análise reduzir à combinação única de uma comunidade de aldeia e de um poder central explorador,31 os autores mencionados não têm evidentemente dificuldade para descobrir, não sem espanto aliás, êsse modo de produção “ asiático” ( sic) na África negra e na América pré-colombiana, na Europa mediterrânea, entre os etruscos e na civilização creto-micênica.32 Mas, essa operação de redu ção felizmente conseguida, deve-se perguntar o que subsiste de especificamente asiático nessa categoria assim dilatada. E a resposta é clara: não muita coisa, sobretudo no que con cerne aos fenômenos que foram, apesar de tudo, o ponto de partida da análise de M arx e de Engels: o caráter hipertro fiado e despótico do Estado; a ausência de propriedade pri vada do solo. 30 Assim, a organização coletiva do trabalho em aldeias da África oci dental, que escorrega insensivelmente da ajuda mútua coletiva ao traba lho efetuado, em troca de presentes, em proveito dos “homens mais eminentes” , depois à corvéia apenas camuflada (c f. Claude Meillassaux, Anthropologie économique cies Gouro de Côte d’Ivoire, Mouton, Paris, 1964, págs. 175-185). 31 Jean Chesnaux, op. cit., pág. 41: “ O modo de produção asiático pa rece caracterizar-se pela combinação da atividade produtiva das comuni dades de aldeia e da intervenção econômica de uma autoridade estatal que as explora.” 32 Maurice Godelier, op. cit., pág. 21.
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M as a extensão excessiva da noção de “ modo de pro dução asiático” a todas as sociedades “ de passagem da so ciedade sem classes para a sociedade de classes” não permi te dar conta de outro aspecto, ainda mais capital, que essa noção adquiriu com Marx. Fazendo do “ modo de produção asiático” uma sociedade que se intercala entre o comunismo do clã e a sociedade escravista ou a sociedade feudal; fazendo-a “ explodir” seja numa via, seja na outra, suprime-se de nôvo tudo o que é específico na história do Oriente, trazendo-a, depois de um breve desvio, para a antiga rotina da “ escravi dão” ou do "feudalismo" universais. . . depois de ter lamen tado previamente a dilatação excessiva dessas noções.33 Não se parece dar conta do fato de que essa noção de "m odo de produção asiático” encobre, para Marx e Engels, não sòmente uma qualquer sociedade indiana ou chinesa “ primiti va” , perdida nas brumas do passado, mas a sociedade indiana e chinesa tais como o capital industrial europeu as encontrou no século X V II, na véspera da conquista (índia) ou da pe netração maciça (China) por êsse capital.34 33 Ver Godelier, op. cit., pág. 33, sôbre as formas de dissolução do modo de produção asiático. 34 Lembremos a êsse respeito que o subcapítulo do qual é extraída a passagem dos Grundrisse que trata do “ modo de produção asiático’’ é intitulado: “ Formas que Precedem a Produção Capitalista” , e que é in tercalado num capítulo consagrado à acumulação primitiva do capital. O contexto demonstra imediatamente que essa intercalação tem um sen tido preciso: trata-se de demonstrar por que, no seio do “ modo de pro dução asiático” , mesmo a acumulação mais vasta de somas de dinheiro não produziu um processo de acumulação de capital. Assim também Lênin caracteriza o “ despotismo asiático” em 1914 nestes têrmos: “ Cada um sabe que êsse gênero de regime político goza de uma grande esta bilidade nos países em que a economia é marcada pela predominância de traços inteiramente patriarcais, pré-capitalistas, e por um fraco de senvolvimento da economia mercantil e da diferenciação das classes” ( Oeuvres, vol. 20, pág. 426, Editions sociales, Paris, 1959). Dificilmente reconhecer-se-á nessa descrição a sociedade que se intercala entre o c o munismo tribal e a sociedade fundada na escravidão. . . É verdade que nos Grundrisse, Marx caracteriza também o modo de produção asiático como uma das formas de propriedade coletiva do solo originadas da decomposição do comunismo tribal — no mesmo nível que a proprie dade coletiva do ager publicus em Roma ou que a propriedade coletiva do solo entre os germanos e os eslavos (págs. 380-6). Foi sem dúvida essa passagem que induziu em êrro certos autores. Mas, no mesmo con texto, Marx precisa bem que de tôdas essas formas de propriedade co-
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A ésse propósito, aliás, Romesh Dutt cita autores de relatos oficiais do comêço do século X I X que confirmam que nessa época ainda os campos pertenciam coletivamente às co munidades da aldeia.35 Desde então, a noção de "modo de produção asiático” desprovida de seu sentido específico não é mais capaz de dar conta do desenvolvimento particular do Oriente em relação à Europa ocidental e mediterrânea. Ela perde sua principal uti lidade como instrumento de análise das sociedades às quais Marx e Engels tinham no entanto explicitamente destinado. Ela não pode ganhar outra vez essa utilidade senão voltando a suas formulações originais, e à função que Marx e Engels tinham previsto para ela: explicar as particularidades do de senvolvimento histórico da índia, da China, do Egito, do Islã, em relação ao desenvolvimento histórico da Europa ocidental. Seu último “ magnum opus” carece visivelmente de obje tividade científica;36 parece-nos todavia que é na antiga obraprima de K. A . W ittfogel de 1931, W irtschaft und Gesell~ schaft Chinas, que se pode encontrar até hoje a melhor chave para compreender o caráter específico do “ modo de produção asiático” , no duplo sentido em que Marx e Engels tinham compreendido essa especialidade nos Grundrisse. W ittfogel aí descreve amplamente a extraordinária proeza do camponês letiva, a do modo de produção asiático é a mais tenaz e a mais durável, o que implica que ela se manteve até o limiar do capitalismo moderno. 35 Romesh Dutt: The Economic History of índia, vol. I, pág. 107 (The Publication División of the Government of índia, Nova Deli, 1960). 36 No L e Despotisme Oriental, W ittfogel argumenta, sem prova algu ma, que Marx teria “ mistificado” o caráter ae classe da “ burocracia” do “ modo de produção asiático” , por mêdo de condenar assim a buro cracia do “Estado socialista” que êle queria criar. É o mesmo móvel que o teria aliás levado a deixar em surdina sua concepção do “ modo de produção asiático” ( op . cit., págs. 497-9). Além do fato de que a segunda parte dessa tese não está de maneira alguma demonstrada, a primeira, que atribui a Marx uma concepção burocrático-stalinista do Estado depois da derrubada do capitalismo (quando Marx celebrou na Comuna, originada do sufrágio universal, abolindo os funcionários per manentes e reduzindo seu tratamento ao de operários qualificados, o modêlo de sua “ ditadura do proletariado” ) constitui uma falsificação histórica escandalosa. Rubel (nota na pág. 1680 da edição das Oeuvres de Marx na coleção Pléiade-Economie I ) constata a justo título que “ essa denúncia retrospectiva de uma desonestidade intelectual em Marx releva da patologia mais do que da discussão científica” .
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chinês, que fêz muito cedo da China um dos países mais den samente povoados do mundo. Mas essa proeza está subordi nada a trabalhos hidráulicos de tal amplitude que as comunas ou mesmo os grupos das comunas ou das províncias não po dem executá-los.37 !É daí que nasce a necessidade objetiva, o papel funcional, de um poderoso poder central. Daí também a possibilidade de ver desenvolver-se bastante rápidamente grandes manufaturas, muito mais cedo do que na Europa,38 mas sem dar origem a uma burguesia livre, mesmo no sentido medieval do têrmo. O Estado é muito forte, impõe à acumu lação do capital-dinheiro um ritmo muito descontínuo, subor dina demais a vida intelectual e científica às necessidades da agricultura,39 para permitir um processo equivalente ao da acumulação primitiva do capital e da constituição de uma in dústria moderna com proletariado livre da Europa ocidental. É preciso insistir sôbre o fato de que essa sociedade não é de maneira alguma “primitiva” , no sentido de uma ausência de classes sociais claramente delimitadas ou constituídas. A o contrário, ao lado dos camponeses existem não somente os funcionários públicos, mas ainda proprietários fundiários (que se apropriam ilegalmente da propriedade do solo) e comer ciantes e banqueiros, muitas vêzes imensamente ricos. Mas o que determina a especificidade dessas classes no “ modo de produção asiático” é que, diante da hipertrofia do poder de Estado, êles não podem nunca adquirir o poder social e po lítico que, em outros países, deu origem ao feudalismo primei ro, ao capitalismo moderno em seguida. Eis aquilo de que o conceito de “ modo de produção asiático” deve dar conta. Deve-se aqui responder a uma objeção formulada por Michael Mauke, que particularmente se aplicou a aprofun dar a noção de classe para Marx em relação com uma tese sôbre os empregados que êle estava acabando no momento em 37 K . A . Wittfogel, Wirtschaft und Gesellschaft Chinas, págs. 187, 192-3, e sobretudo págs. 285-7. 38 Ver um pressentimento surpreendente da existência dessas manufatu ras chinesas nos Grundrisse, págs. 397, 410. 39 Wittfogel, op. cit., págs. 670-9. Cf. uma passagem do mesmo livro, pág. 572, onde o autor demonstra que o artesão chinês permanece sempre servidor, e na maioria das vêzes servidor ambulante, pelo fato da ex tensão asiática dos domínios fundiários! Essa passagem poderia ser inte grada no contexto dos Grundrisse que comentamos aqui.
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que faleceu bruscamente, com a idade de 37 anos. Mauke afirma que no seio do modo de produção asiático há apro priação do superproduto social por camadas dominantes, e di reito de pedido do supertrabalho por elas. “ Mas enquanto êsses dois fenômenos estão ainda ligados à realização de fun ções para o conjunto da sociedade (burocracia, teocracia etc.) — quaisquer que sejam os abusos e o parasitismo — não pode tratar-se para Marx de “ classes” , mas de Governo de dominação e de despotismo.40 Mauke generaliza aqui, abusivamente a nosso ver, uma característica de classe dominante que não se aplica na rea lidade senão somente à burguesia capitalista, para a qual a separação entre “ interesse privado” e "função social” é qua se total.41 Em tôdas as classes dominantes pré-capitalistas, e a fortiori nas classes não-dominantes tal como o artesanato autônomo da Idade Média, essa separação radical não existe. N o nível do domínio, o senhor feudal ou o abade da abadia cumpre funções “ úteis para a sociedade no seu conjunto” , da mesma maneira que o escriba do Egito antigo ou o mandarim da China clássica. ,Êle vela pela secagem dos pântanos, ocupa-se de construir e de proteger os diques quando a ne cessidade geográfica pede, protege o domínio contra incursões de assaltantes etc. T u do isso não impede que êle se apro prie, em troca dêsses “ serviços” , do superproduto social —• quando a pré-história e a história demonstram que essas mes mas funções podem ser realizadas a serviço da coletividade, sem dar lugar a privilégios econômicos. ÍÉ nesse sentido que se pode falar da aparição de uma classe dominante no modo de produção asiático, classe que se apropria do superproduto social. Mas, na escala das clas ses dominantes que a história humana conheceu, ela é certa mente a mais próxima das funções primitivas de “ servidores da coletividade” , e a mais afastada da burguesia contempo rânea . A história econômica nos mostra aliás que, ao lado des sa classe dominante, o modo de produção asiático enfeixa ou40 Michael Mauke, “ Thesen zur Klassentheorie von Marx” , em Neue Krítik, pág. 29, n.° 34, fevereiro de 1966. 41 Mesmo a burguesia preenche aliás uma função útil do ponto de vista do conjunto da sociedade: a de desenvolver as fôrças produtivas; Marx volta a isso em numerosas ocasiões nos Grundrisse.
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tras classes sociais diferentes das dos camponeses e das dos senhores — principalmente uma classe comerciante relativa mente desenvolvida e uma classe de artesãos urbanos, traba lhando exclusivamente para os senhores.42 Uma crítica análoga a esta que acabamos de formular a respeito das concepções de Godelier, Chesneaux, Suret-Canale e outros não foi ainda feita de maneira sistemática por outros autores. Mas ela se encontra ao menos sugerida e em parte antecipada em diversos estudos. Assim, na sua introdução à edição inglesa de Formas que Precedem a Produção Capitalista, Eric Hobsbawm se afas ta prudentemente de tôda interpretação mecanicista da céle bre série das “ quatro formações sócio-econômicas maiores” que M arx enumera na Introdução à Contribuição a uma Crí tica da Economia Política (sociedade asiática, escravista, feu dal, capitalista), escrevendo que se trata de uma seqüência analítica e não cronológica.43 N o entanto, algumas páginas antes, êle havia retomado a idéia de Godelier de que o “ modo de produção asiático" não representa ainda uma sociedade de classe do “ gênero mais primitivo” ;44 A s duas observações são manifestamente contraditórias. Se a seqüência não é crono lógica, se o “ modo de produção asiático” não se situa necessàriamente antes da sociedade escravista (ou mesmo da so ciedade feudal), é impossível supor que não se trate nem mesmo de uma sociedade de classe, ou somente de uma so ciedade de classes rudimentares... Se bem que êle tenda, na nossa opinião erradamente, a minimizar o “ modo de produção asiático” , principalmente em relação com sociedades mais desenvolvidas como a índia ou a China,45 Máxime Rodinson critica implicitamente a concep ção de Godelier, comentando nestes têrmos a passagem dos Grundrisse que analisamos neste momento: “ Essencialmente, M arx vê o desenvolvimento pré-capitalista em relação com o capitalismo . O que o interessava era a aparição, em forma42 Ver a êsse propósito G . L . Adhya, Early Iridian Economics, Asia Publishing House, Bombaim, 1966, pág. 98 para os comerciantes, págs. 84-7 para os artesãos urbanos. 43 Eric Hobsbawm, op. cit., pág. 37. 44 Ibid., pág. 34. 45 Máxime Rodinson, Islam, et Capitalisme, E d. du Seuil, Paris, 1966, págs. 73-83.
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ções precedentes, de condições que tornem possível a emer gência de uma sociedade capitalista. A historia pré-capitalísta não é, como quer uma visão vulgar marxista, uma suces são de estágios universais, de formações econômico-sociais governadas por leis implacáveis, que as levam inelutàvelmente para o capitalismo, e assim para o socialismo. . . Ela parte de uma comunidade primitiva, com uma estrutura essencial mente imposta pelas condições de existência da humanidade arcaica, mas que não apresenta menos tipos variados. Alguns dêsses tipos possuem um potencial de evolução no seio de sua estrutura particular pelo fato de suas contradições inter nas. É no curso dessa evolução, que se estende por milhares de anos, que alguns fenômenos se produziram que, convergin do numa região determinada (a Europa), numa época dada (o século X V I ) , e num contexto dado, produzem a sociedade capitalista. Entre o ponto de partida e o ponto de chegada há outros fenômenos como a escravidão, modos de produção particulares46 (antes que formações sócio-econômicas no sen tido estrito do têrm o), nos quais, aqui e lá, relações sócioeconômicas de dominação são cristalizadas.” 47 Deve-se mencionar o "Prefácio” notável de Pierre V idalNaquet da edição francesa do Despotism o Oriental, de Karl W ittfogel, “ Prefácio” no qual o autor aceita em geral a teo ria do “ modo de produção asiático" aplicada acs países aos quais Marx destinava esta noção, ao mesmo tempo assina lando as fraquezas e os exageros do livro de W ittfogel e in sistindo sôbre o fato de que “ só uma agricultura que implica da parte da coletividade grandes trabalhos. . . é suscetível de criar êsse tipo de sociedade” .48 i® É o sociólogo polonês Julián Hochfeld ( Sludia o marksouwskief teor& spoleczemtwa — Estudos sôbre a Teoria marxista da sociedade Panstwowe Wydawnictwo naukowe, 1963, Varsóvia) que estabelece a distinção correta entre “ modo de produção” , isto é, um modêlo econô mico “ puro” , abstrato, e uma formação sócio-econômico, isto é, um tipo concreto de sociedade no seio da qual um “ modo de produção” ocupa um lugar dominante. Assim, seria exato dizer que o modo de produção capitalista se desenvolveu na Grã-Bretanha a partir do século XVI; mas caracterizar a Grã-Bretanha como uma “ formação sócio-econômica” ca pitalista, isso não seria exato senãõ a partir da segunda metade do sé culo X V III. 47 Máxime Rodinson, “W hat Happened in History” , em New L eft Review, n.° 35, janeiro-fevereiro de 1966, págs. 97-9. 48 Pierre Vidal-Naquet, op. cit., pág. 10.
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Deve-se finalmente citar um texto mimeografado de Guy Dhuquois, encarregado de curso da Universidade de Argel, que o autor nos enviou gentilmente.49 Êle emite críticas aná logas àquelas que acabamos de formular a respeito das teses de Godelier, Chesneaux, Suret-Canale. Da mesma maneira que Maxime Rodinson, êle volta igualmente à intenção de Marx, que era a de opor a linha de evolução européia àquela originada do “ modo de produção asiático” . Insiste a êste res peito, justamente, sôbre a “ coerência e (a) tendência extre mamente pronunciada à estabilidade, e à “ palingenesia” que caracterizam êsse modo de produção: “ O comércio cria por vêzes um engôdo de capitalismo (seria mais correto dizer: de acumulação de capital, E .M . ), mas é destinado às necessida des dos aristocratas e do suserano que dispõem do superproduto. . . A s aldeias aparecem parasitárias vivendo a expen sas do mundo rural e não lhe rendendo quase nada; não for necem senão uma base estreita ao desenvolvimento do comér cio e do artesanato urbanos. O banqueiro trabalha sobretu do para o “ déspota” . O comerciante e o banqueiro estão num meio que é, sob múltiplos pontos de vista, econômico, socioló gico, político ou cultural, desfavorável a iniciativas indivi duais de tipo nôvo. Por exemplo, os modelos sociais os inci tam a comprar direitos fundiários ou a fazer entrar seus fi lhos na função pública. Enfim, o Estado, diretor de tôda vida econômica, intervém para controlar suas atividades. Assistese à absorção contínua pelo modêlo dominante dessas ativida des marginais.” 50 Guy Dhuquois indica ao mesmo tempo que, graças a êsse critério, a aplicação do conceito de “ modo de produção asiático” a sociedades como o Baixo-Império Romano ou o Império Bizantino é contra-indicada. N o primeiro caso, a analogia está deslocada, “ porque, fora mesmo da importância da propriedade privada que, com os grandes proprietários fundiários, levou a um preparo de feudalização, a preponde rância econômica do Estado parece arbitrária em relação às necessidades técnicas” .51 É por essa razão que tal preponde rância não foi de grande duração, que acabou numa degrada 49 Guy Dhuquois, L e monde de production asiatique (manuscrito mi m eografado), pág. 13. 60 Ibid., págs. 4-5.
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ção contínua da situação econômica e finalmente na explosão do Estado, sem chegar à palingenesia, tão característica para países como a índia ou a China. Quanto ao caso de Bizâncio, o Império Bizantino “ conheceu uma evolução que parece ter sido inelutável para um tipo particular de feudalismo que, aqui, tomou definitivamente a frente, enquanto, segundo nos sa definição, no modo de produção asiático, o Estado deve normalmente reaparecer. . . no seu papel tradicional” . 52 Mas a noção de “ modo de produção asiático” não so mente conheceu um feliz renascimento, no curso dos últimos an os. Foi também submetida a uma crítica, aliás, mais séria que aquela feita pelos “ marxistas” dogmáticos do tempo de Stalin. É principalmente o caso de E . R . Leach, num estu do publicado em 1959 sôbre o Ceilão, e que serve ao mesmo tempo de crítica ao trabalho de W ittfo g e l.53 Essa crítica, válida na medida em que visa às formula ções excessivas ( “ dogmáticas às avessas” ) do W ittfogel de 1958, é muito menos pertinente quando é examinada à luz das concepções de M arx e de Engels a respeito do "modo de produção asiático” e do W ittfogel de 1931. Porque, incontestàvelmente, elementos de “ feudalismo” (isto é, de grande propriedade fundiária de fato, se não de direito, cultivada com a ajuda de corvéias, ou impondo uma renda aos camponeses-fazendeiros) existem no seio do “ modo de produção asiá tico” . Segundo a descrição de Leach, êsses elementos pare cem mais importantes no Ceilão do que na índia ou do que na China, mas existiam igualmente China e, em W irtschaft und Geselschaft Chinas, W ittfogel dá amplamente conta dis so. Senão vejamos: essa classe feudal não se tornou jamais classe dominante. Seus progressos sempre foram considera dos como usurpações do poder do Estado e dos direitos dos camponeses: e, quando essas usurpações se tornavam exces sivas, provocavam periodicamente uma crise econômica e po lítica, que terminava geralmente pela derrubada da dinastia 52 Ibid., pág. 8. 53 E . R . Leach: “ Hydraulic Society in Ceylon” , em Past and Present, n.° 15, abril de 1959, págs. 2-26.
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existente, através de uma guerra camponesa, e a aparição de uma nova dinastia que levou os proprietários fundiários à ra zão . 5i Por outro lado, é possível, como Leach sugere no seu estudo, que o antigo sistema de irrigação, no Ceilão, não fôsse tão impressionante quanto parece hoje, conforme as dimen sões das ruínas. Êle sugere que se trata de justaposições progressivas, cada geração acrescentando um certo número de canais e de reservatórios segundo técnicas de trabalho descentralizadas (coordenadas na escala da aldeia) . Mas, nesse caso, a conclusão de Leach não invalida, realmente, a tese do “ modo de produção asiático” . ,Êste liga, com efeito, a aparição de um Estado despótico hipertrofiado com a neces sidade, somente, de grandes trabalhos hidráulicos. E quando êsses trabalhos se efetuam, essencialmente, ao nível da aldeia ■—• como no sistema dos qanats no Irã55 — o despotismo não resulta dêles necessàriamente.58 Há, aliás, algumas outras passagens dos Grundrisse, nas quais M arx volta a essa diferença específica entre uma so ciedade fundada sõbre a produção de valores de uso, isto é, em última análise, fundada sôbre a agricultura (quer seja no “ modo de produção asiático” , modo de produção antigo, ou 54 D. D. Kosambi (op. cit., págs. 326-331, 351-365) afirma que os invasores mulçumanos na índia ali criaram, a partir do século XI, o embrião de uma classe feudal, mas que jamais puderam apoderar-se do poder sôbre todo o território, tomado entre o despotismo no alto e a comunidade da aldeia na base. 05 Ver a êsse respeito Henri Goblot: “ Dans l’ancien Iran, les techniques de l’eau et la grand histoire” , em Annales, 18.° ano, n.° 3, maio-junho de 1963, págs. 500-20. 56 Assinalemos a êsse propósito que, na sua Filosofia da História Mun dial (volume II), que Marx e Engels estudaram com ardor, Hegel per cebera a diferença essencial entre a evolução histórica chinesa e euro péia: “ Igualmente não há aristocracia hereditária na China, nem situa ção feudal, nem dependência da riqueza como na Inglaterra, mas o p o der supremo é habitualmente exercido pelo monarca” ( “ Philosophie der Weltgeschichte” , vol. II: D ie Orientalische W elt, pág. 290, Leipzig, Verlag von Felix Meiner, 19 19 ). C f. também essa notável definição, que anuncia já então a análise do “ modo de produção asiático” : “ O que predomina na China é a igualdade (a comunidade da aldeia, E . M . ). . . A China é o império da igualdade absoluta. . . Mas tudo deve ser re gulado pela administração. Porque na China reina a igualdade, mas não a liberdade, o despotismo é o modo de Govêrno necessàriamente dado” ( ibidem, pág. 29 9).
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mesmo o feudalismo “ puro” ), e uma sociedade fundada sôbre a produção d e valores de troca, sôbre a produção de merca dorias. A aparição do capital mercantil (comprar para ven der), “êsse movimento pode produzir-se no seio de povos ou entre povos para os quais o valor de troca não se tornou de modo algum a condição da produção. O movimento não se apropria senão do excedente de sua produção orientada para o imediato consumo, e não se produz senão na sua fronteira (isto é, marginalmente, E . M . ) . Igualmente como os judeus (fizeram-no) no seio da velha sociedade polonesa ou em ge ral no seio da Idade Média, povos inteiramente de comer ciantes, como na Antiguidade, e mais tarde os lombardos, po dem ocupar essa posição intermediária entre povos cujo modo de produção não possui, ainda, o valor de troca como condi ção fundamental.” 57 E ainda: “ O dinheiro na qualidade de fortuna de mer cadores — tal como êle aparece no seio das formas de so ciedade mais diversas e nos estágios mais diferentes de de senvolvimento das forças produtivas sociais — não é senão um movimento intermediário entre extremos, que êle não do mina, e entre condições que êle não cria. . . A maioria dos povos comerciantes ou das cidades comerciantes independen tes e poderosamente desenvolvidos pratica o carrying trade, que se fundou sôbre a barbárie dos povos produtores entre os quais êles representam o papel do dinheiro (de intermediá rio) . Nos primeiros estágios da sociedade burguesa, o co mércio domina a indústria; na sociedade moderna é o inverso. O comércio reagirá, evidentemente, mais ou menos às comu nidades entre as quais êle se realiza. Submeterá a produção mais ou menos ao valor de troca; rechaçará cada vez mais, ao último plano, o valor de uso imediato, na medida em que faz depender a subsistência mais da venda do que da imediata utilização do produto. Êle dissolve as antigas relações. A u menta, por êsse fato, a circulação do dinheiro. Apreende, de início, o excedente da produção, em seguida açambarca pro gressivamente esta nela mesma. M as a ação dissolvente de pende muito da natureza das coletividades produtivas, entre as quais (o com ércio) opera. Assim, êle apenas abalou as anti57
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gas comunidades da índia e, em geral, as condições asiáti cas” .5S Essa passagem é importante porque demonstra que, em 1857-8, Marx conservava a sua opinião do ano de 1853 a res peito da resistência que o “ modo de produção asiático” apre sentava sob o ponto de vista da ação dissolvente da troca. Ela sublinha, igualmente, que para Marx tôda a evolução progressiva dos modos de produção está fundada sobre urna dialética do superptoduto social (d o excedente), que não é senão una dialética do “ tempo necessário" e do “ supertrabalho” , como vimos precedentemente. Resta colocar tôdas essas considerações sobre o “ modo de produção asiático” no seu contexto concreto, isto é, na aná lise efetuada, por Marx, das condições históricas — mais abs tratas — do impulso do capital e do capitalismo. Ter-se-á já então compreendido que, segundo o método dialético que éle usa com predileção ños Grundrisse, Marx não se demora so bre as “ formas que precedem a produção capitalista” senão para pôr em evidência, de maneira negativa, os fatóres que, positivamente, conduziram ao desabrochamento do capital e do capitalismo na Europa. Marx releva, a ésse propósito, a necessidade, antes de tudo, de que o trabalho se torne efetivamente “ livre” — mas isso não somente no sentido jurídico como também, e sobre tudo, no sentido econômico do têrmo, isto é, livre de todo o laço com os meios de subsistência, de todo o laço com os meios de trabalho. Isso é “ antes de tudo o desprendimento do operário da terra como desprendimento de seu laboratório natural — portanto, dissolução da pequena propriedade li vre do solo e da propriedade coletiva do solo, baseada sôbre a comuna oriental” . 59 !É uma idéia que vem em numerosas passagens nos Grundrisse, e que é aí notadamente retomada numa análise das condições da colonização, análise que será desdobrada no volume I de O Capital. O vôo do capitalismo é impossível tanto tempo quanto subsista o livre acesso a uma terra (relativamente) abundante:60 êste axioma estabelecido 58 Ibid., págs. 70, 741-2. (Grifos nossos.) 59 Ibid., pág. 375. 60 K . S. Shelvankar assinala que, mesmo no século XVIII, a terra era ainda abundante na região do Ganges ( em A. R. Desai, op. cit., pág. 1 4 9 ) .
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por M arx encontrou uma confirmação surpreendente na tra gédia imposta aos povos de Zimbabwe e da África do Sul, que tiveram de ser cortados de seu solo natal, e encurralados em “ reservas", para sofrer a obrigação econômica de vender a sua fôrça de trabalho ao Capital. Isso implica, por outro lado, uma separação do produtor de seus meios tradicionais de trabalho (por exemplo, do ar tesão independente) e do fundo de consumo que lhe era cre ditado antes mesmo que se pusesse a produzir.61 Mas M arx revela, também, a outra face da medalha: nas comunidades primitivas, o homem é estreitamente integrado nas condições naturais de existência e na coletividade “ da qual êle é até certo ponto a propriedade” . 62 O nível de de senvolvimento das forças produtivas não permite outra orga nização social. É, somente, se êsse desenvolvimento supera o estágio da comunidade primitiva, se as fôrças produtivas se tornam muito mais produto do homem do que produto óa na~ íureza,03 que o indivíduo sedesprende das comunidades pri mitivas: “ o homem não se individualiza senão pelo processo histórico” . 04 A troca é um dos principais instrumentos dessa individualização. Ela produz, ao mesmo tempo, a alienação do homem — mas cria, também, as condições necessárias à sua expansão integral como indivíduo, com tôda “ a univer salidade das necessidades, das capacidades, dos gozos, das fôrças produtivas dos indivíduos” , que é ausente nas comu nidades primitivas e recalcada na sociedade burguesa. V ê-se, assim, quanto é injusta a censura freqüentemen te endereçada a Marx, segundo a qual êle desejaria uma com pleta integração do indivíduo na coletividade, segundo a qual a socialização como êle deseja seria uma socialização integral 61 Ibid., pág. 397. 62 Ibid., pág. 395. 63 C f. a fórmula quase idêntica utilizada nos Manuscritos de 1844. “ O homem se produz a si próprio” . “ Man makes him self’ é, também, o título do excelente epitome de pré-história e de história antiga redi gido pelo saudoso Gordon Childe. ( N. do E .: Traduzido para o por tuguês e publicado, sob o título A Evolução Cultural do Homem, por Zahar Editores, Rio, 19 66 .) 64 Ibid., pág. 395.
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do indivíduo.60 É o contrário que é verdade. Se M arx atri bui uma tão grande importância ao desenvolvimento das for ças produtivas; se é, numa certa medida, “ amoroso do pro gresso técnico” — sem, aliás, jamais subestimar os perigos de divisão e de alienação do trabalho que disso resultam — é, precisamente, porque compreende que somente êsse desen volvimento das fôrças produtivas cria as necessárias condi ções para uma individualização cada vez maior do homem, que se realizará definitivamente, na sociedade socialista.67
60 C f., por exemplo, o Prefácio de François Perroux na edição das Obras de Karl Marx ( “ Economia I” ) na Collection de la Plêiade, N .R .F ., Paris, 1963, pág. X XII: “ O homem socializado do comunismo final não é homem senão no todo social, na totalidade que é a socieda de comunista. O indivíduo se objetiva em e por pertencer a essa socie d a d e .. . ” E, igualmente, pág. X XIII: “Êsse homem tornado verdade no e pelo todo social, êsse homem que não permanece verdade senão na e pela totalidade social, não é caracterizado como um sujeito original e único capaz, essencialmente, de ação livre e de palavra livre. Êle não é verdade pela espontaneidade irredutível do espírito origem da ação e da palavra pessoais; êle o é pela participação na sociedade; não é senão na e pela totalidade que êle se tornou e que êle permanece um homem. . . ” A citação dos Grundrisse que acabamos de reproduzir de monstra quanto a imagem que Perroux esboça aqui de “ o homem so cialista’’ ou de “ o homem comunista” segundo Marx é pouco conforme com a visão marxista. Marx assinala, ao contrário, à sociedade do fu turo a função de assegurar “o livre desenvolvimento das individualida des” , que é, essencialmente, o seu desenvolvimento “ artístico, científico e tc .” ( Grundrisse, pág. 593). Essa passagem, assim como o seu apro fundamento, págs. 599-600, da mesma obra, onde Marx se estende sôbre a ação recíproca do “tempo livre” — que transforma o homem em “ ou tro sujeito” capaz de experimentar, de criar livremente — e o desenvol vimento das fôrças produtivas, indica quanto outra idéia de Perroux ( op. cit., pág. X V II), segundo a qual, conforme Marx, “ um pequenino número de senhores das máquinas” subsistiria mesmo na sociedade c o munista, é contrária às concepções de Marx. 67 Isso não está de modo algum em contradição com a sexta tese sôbre Feuerbach que afirma que “a essência humana não é alguma coisa abstrata que é inerente a cada indivíduo. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais’’ . Trata-se, precisamente, de relações so ciais infinitamente mais ricas que permitirão ao homem socialista se afirmar.
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O Acabamento da Teoria dos Salários
Como vimos, a primeira obra que Marx consagrara, mais particularmente, ao trabalho assalariado, Lohnarbeit und Kapital ( Trabalho Assalariado e Capital), ainda se apoiava, em parte, sobre uma errônea teoria dos salarios, retomada, em geral, de Ricardo. A mesma teoria dos salarios se encontra noutros escritos de M arx da mesma época, notadamente na Miséria da Filosofia e no M anifestó Comunista, D e que se trata? A teoria ricardiana dos salários inspira-se amplamente em Malthus, e tem em conta um movi mento de oferta e procura de mão-de-obra essencialmente es timulado pelo processo demográfico. A alta dos salários acar retaria uma procriação mais avançada nas casas dos operá rios — ou se se quer exprimir com mais circunspeção: uma baixa de mortalidade infantil —- daí, o crescimento da oferta de braços, daí, a queda dos salários. Pelo contrário, a que da dos salários reduziria as dimensões dos lares operários (ou, o que dá no mesmo, aumenta a taxa da mortalidade: in fantil), daí, a redução da oferta de braços. A um certo mo mento, a procura de mão-de-obra deve, pois, superar a ofer ta, o que acarreta uma alta dos salários. Êsses dois movimen tos da balança tendem a equilibrar o nível dos salários, mas isso ao nível mais baixo, exatamente suficiente para manter vivo o operário e um lar “ médio” (para permitir um movi mento demográfico que corresponda, exatamente, às neces sidades de mão-de-obra criadas pela indústria capitalista).
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Que se trate de uma teoria muito primitiva/ isso não sofre discussão. O raciocínio é antes de tudo caduco porque quando define o salário como resultante das flutuações da oferta e da procura de mão-de-obra, limita-se, de fato, a es tudar as flutuações da oferta (e ainda!), fazendo abstração das flutuações da procura. Não examina, como oferta de mão-de-obra, senão a que resulta do movimento demográfico no meio operário, fazendo abstração de um processo, entre tanto, dos mais significativos do capitalismo: êste da proletarização dos produtores que dispunham antes diretamente de seus meios de produção ou de troca ( camponeses, artesãos, pequenos comerciantes e pequenos empreiteiros), e que apa recem, progressivamente, no mercado para oferecer a sua fôrça de trabalho. Finalmente, nisso que o raciocínio parece ter de válido (as flutuações da mortalidade infantil governadas pelo nível de vida médio dos lares operários), há um êrro de raciocínio grosseiro: o fator tempo é escamoteado. Na realidade, uma queda da mortalidade infantil não aumenta, imediatamente, a oferta de braços, não a aumenta senão dez ou quinze anos mais tarde (o intervalo depende da ampliação do trabalho in fantil e da idade média na qual as crianças .começam a ser aliciadas) . Para se saber se êsse crescimento de oferta de mão-de-obra provocará ou não uma queda de salários, devese, ao menos, colocar-se a questão de saber qual é a tendência da procura de mão-de-obra, de decênio em decênio. A teo ria dos salários de Malthus-Ricardo pressupõe, pois, de fato, tàcitamente, uma estagnação a longo têrmo da procura de mão-de-obra (de decênio em decênio!), o que está em con tradição com os fenômenos da revolução industrial, da indus trialização e do crescimento econômico sob o capitalismo em geral. 1 Deve-se, entretanto, acrescentar à defesa de Ricardo que êste não ignorava o efeito da acumulação do capital sôbre os salários, que êle de início supusera que a expansão do maquinismo tenderia a aumentar os salários, para modificar, mais tarde, essa opinião e admitir que o maquinismo poderia exercer efeitos nefastos sôbre êstes (ver a Introdu ção de Piero Sraffa às Obras Completas de Ricardo, The W orks and Correspondence of David Ricardo, vol. I, pág. LVII, Cambridge Univer sity Press, 1951). Mas êle estava hipnotizado demais por sua teoria das rendas, e a hipótese de um encarecimento geral e permanente dos víveres, para romper de maneira decisiva com as concepções de Malthus.
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Essa teoria não foi retomada, sob essa forma crua, se não por diversos socialistas ditos “ utópicos” e por Lassalle e a sua famosa “ lei de bronze dos salários” . 2 M arx e Engels jamais a defenderam, mas ela os influenciou, incontestávelmente, a formular a sua primeira teoria errônea dos salários, que concluiu, como a teoria Ricardo-Malthus, com a tendên cia dos salários de cair para o mínimo vital fisiológico e aí se manter. É “ o esbôço genial” do jovem Engels, Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie, que fornece a teoria dos salá rios que os dois amigos manterão, em grandes linhas, até o segundo exílio de M arx na Inglaterra. Engels ai condena como “ infame e ignóbil” a doutrina de Malthus,. mas dela adota, não obstante, as conclusões: “ A o trabalho não volta senão o que é estreitamente necessário, os meios de subsistên cia totalmente nus. . . ” 3 Êle deduz êsse fato não de um mo vimento demográfico (se bem que afirma que seja um mérito de Malthus ter demonstrado “ que a população pesa sempre sôbre os meios de ocupação” 4), mas de um fato econômico: a concorrência universal na qual os operários são mais fracos do que os capitalistas, e tanto mais enfraquecidos porque po dem ser substituídos por máquinas. Depois, aquêle argumento final que, nos Umrisse, apa rece um tanto marginal, ocupará o primeiro lugar na teoria dos salários das obras de juventude de M arx e de Engels. Assim, nas suas “ Notas de Leitura” do ano de 1844, Marx já então acrescentou, aos textos de Ricardo e de Adam Smith, o comentário que aqui está: “ Em todos os países in dustriais, o número de operários é agora superior à procura, e pode-se recrutar, cotidianamente, proletariado desempregan do, do mesmo modo como aquêles operários aumentam por sua vez êsse proletariado. Assim, a acumulação tem, tam 2 “A lei econômica de bronze que determina o salário nas condições atuais, sob a denominação da oferta e da procura de trabalho, é a se guinte: que o salário médio permanece sempre reduzido à subsistência que é necessária para a existência e a procriação conforme os hábitos de um povo” ( F . Lassalle, “ Offenes Antwortschreiben an das Zentral komitee zur Berufung eines allgemeinen Deutschen Arbeiterkongresses zu Leipzig” , 24 de abril de 1863, na Gesammelte Reden und Schriften, III, pág. 5 8 ). 3 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , 1, 2, pág. 401. 4 Ibid., pág. 399.
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bém, a conseqüência inversa de que o salário operário é cada vez mais reduzido.” 5 N o primeiro dos Manuscritos Económi co-Filosóficos d.e 1844, Marx afirma que o capitalismo rea girá contra todo o aumento dos salários, buscando reduzir a procura de mão-de-obra graças à substituição dos trabalha dores por máquinas: “ Visto que o homem caiu ao nível de uma máquina, a máquina pode fazer-lhe face como concor ren te."6 É essa tendência em substituir pelo trabalho morto o trabalho vivo, inata no capitalismo, que se torna o motor, ao mesmo tempo, da acumulação do capital e da baixa tendencial dos salários no jovem M a rx .7 A conclusão que êle destaca dessa etapa dessa lei é que êle considera que quanto mais o operário produz, tanto me nos consome; êle supõe, pois, uma absoluta baixa dos salá rios. O fato de que o salário não pode aumentar numa dada situação senão fazendo baixar o lucro está, já então, clara mente destacado no segundo manuscrito de 1844.® Assim, os nossos dois jovens autores desenvolvem, de fato, uma teoria dos salários que parte, essencialmente, não do movimtínio demográfico, mas do movimento da acumula ção do capital. Nos Manuscritos Económico-Filosóficos do ano de 1844, Marx constata que é o período de expansão, de alta conjun tura, que é o mais favorável ao operário porque, em tal perío do, a procura de mão-de-obra supera a oferta, e a concorrên cia se acentua entre os capitalistas. Êsses dois fatores fazem aumentar os salários. Mas Marx acrescenta que a lógica do sistema capitalista produz, rápidamente, o resultado inverso. Porque a alta conjuntura estimula a acumulação dos capitais, 5 É interessante constatar que o jovem Marx utiliza aqui a palavra “ proletariado” não como idêntica à classe operária, mas como designan do, exclusivamente, os desempregados, por analogia com o antigo pro letariado romano. 6 K . Marx, “Zur Kritik der Nationalökonomie” , em K. Marx, Fr. En gels: Kleine ökonomische Schriften, pág. 50. 7 Dois anos mais tarde, êle escreverá a Annenkov: “ Desde 1825, a in venção e aplicação das máquinas não é senão o resultado da guerra entre os patrões e os operários” (K . Marx, Fr. Engels, Briefe über “ Das Ka pital” , Dietz-Verlag, Berlim, 1954, pág. 21 ). 8 K. Marx: “Zur Kritik der Nationalökonomie” , em K. Marx, Fr. En gels, Kleine ökonomische Schriften, pág. 114.
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portanto a concentração capitalista, que faz cair grande número de produtores independentes na condição proletária. D e onde o crescimento de oferta da mão-de-obra e a queda dos salários.9 Na Miséria da Filosofia, no manuscrito Arbeitslohn, no Trabalho Assalariado e Capital, no M anifesto Comunista, M arx e Engels permanecem ligados à idéia de que a tendên cia geral dos salários, no regime capitalista, é a de baixar no sentido absoluto do têrmo, e de cair para o mínimo fisiológi co de subsistência. Indicamos, acima, quais são as reservas e matizes que êles introduzem nessa concepção — reservas e matizes que os ajudarão, grandemente, a sobrepujar o que havia de errôneo na sua teoria. As duas fôrças motrizes des sa baixa tendencial dos salários reais são, de uma parte, a substituição dos trabalhadores pelas máquinas (isto é, uma forma de acumulação do capital que suprime mais empregos do que os cria), e de outra parte a concorrência que cresce entre operários, como resultado dêsse desemprego permanen te e crescente. Redigindo as suas notas Arbeitslohn em Bruxelas no ano de 1847, M arx acredita, ainda, que as objeções dos econo mistas contra os sindicatos (as associações de operários), afirmando que êstes não podem impedir as baixas dos salá rios, porque a sua ação provoca, inevitavelmente, novas for mas de divisão do trabalho, o deslocamento dos capitais de um setor a outro, a aparição de novas máquinas etc., são de finitivamente fundadas. Êle não defende menos essas "asso ciações” , avaliando que é, em seu seio, que os operários aprendem a se preparar para a derrubada da “ velha socieda de” .10 fisse ponto de vista M arx o revisará e igualmente o ampliará alguns anos mais tarde. Breve, durante todo êsse período, a concepção funda mental de M arx sôbre os salários foi que “ o preço natural” (o valor) do trabalho (da fôrça do trabalho) é o salário mí nimo — o mínimo sendo concebido como uma noção fisioló gica.11 Quando e como êle revisou essa concepção? N ão é fá9 Ibid., págs. 48-9. 10 K . Marx, Fr. Engels, Kleine okõnomische Schriften, págs. 246-7. 11 C f. a passagem célebre do Manifesto Comunista: ‘ Os gastos que ocasiona o operário se limitam, pois, quase exclusivamente aos víveres dos quais êle tem necessidade para a sua subsistência e para a procria-
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eil estabelecê-lo com precisão. M as foi, sem dúvida, o estu do das flutuações cíclicas e da atividade sindical na Grã-Bre tanha que o levou a visões mais corretas.12 Nos Grundrisse, escritos nos anos de 1857-8, portanto, exatamente dez anos após as passagens que acabamos de citar,13 Marx já tem, então, uma visão mais dialética, mais completa e mais amadurecida do problema dos salários, visto que, praticamente, não será mais modificada até à redação do Capital. Assim, Marx aí nota que a única coisa que distingue o operário do escravo é que êle pode alargar o círculo de seu gôzo no período de boa conjuntura, que pode “ tomar parte nos gozos superiores, mesmo espirituais, na agitação por seus próprios interêsses, que pode comprar jornais, ouvir conferên cias, educar os filhos, desenvolver os seus gostos” , em poucas palavras, “ participar da civilização” da única maneira que lhe permanece aberta, elevando as suas necessidades ,14 Ora, Marx afirma aqui, implicitamente, que êsse aumento do consumo, êsse alargamento das necessidades, permanecem possíveis para os operários pelo menos no período de alta conjuntura, e que o valor da fôrça de trabalho inclui, pois, dois elemen tos, um sendo um elemento filosófico mais ou menos estável, o outro sendo um elemento variável, considerado como neces sário para a reprodução da fôrça de trabalho conforme as necessidades crescentes adquiridas pelos operários. ção de sua raça. O preço de uma mercadoria e, pois, também do tra balho é, entretanto, igual aos seus gastos de produção. Na mesma me dida onde cresce o caráter repugnante do trabalho, o salário baixa’ ’ (nossa própria tradução do texto alemão, ed. Buchhandlung Vorwärts, 1918, Berlim, pág. 32). 12 Todavia, desde 1847, no seu caderno Arbeitslohn, Marx considera que êsse mínimo não é uma noção fisiológica absoluta; que diferentes elementos podem aí ser introduzidos ou daí ser desfalcados; que os próprios burgueses aí englobam “ um pouco de rum, de chá, de açúcar e de carne” e que os próprios operários aí englobam a sua quotização sindical ( Kleine ökonomische Schriften, pág. 247). 13 C f. Fr. Engels: “Em 1850, Marx ainda não pusera ponto final à sua crítica da Economia Política. Êle não o fêz senão ao fim dos dez anos seguintes” (Introdução à edição de 1891 de Trabalho Assalariado e Capital, pág. 63 das Obras Escolhidas, vol. I, Moscou, Edições do Pro gresso, 1955). 14 K. Marx, Grundrisse der Kritik der politischen Oekonomie, págs. 197-8.
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E algumas páginas adíante, 15 ele indica que o capital tem a tendencia de impelir o operario a substituir as suas “ necessidades naturais” (fisiológicas) por necessidades “ his tóricamente criadas” . Essa idéia foi, aliás, já tratada numa passagem anterior dos Grundrisse, onde M arx sublinha que o operario é, igual mente, considerado como consumidar pelo capitalista, e que éste tem, pois, tendencia a querer estimular o consumo. . . salvo em seus próprios operários.16 E ela é desenvolvida na análise da produção da mais-valia relativa, onde os dois efei tos contraditórios da acumulação do capital sobre o valor da fôrça de trabalho e sobre a evolução dos salários são colo cados em evidencia. D e um lado, a acumulação do capital; a substituição do trabalho vivo por máquinas; o crescimento da produção do trabalho, tudo isso tende a fazer baixar o salário nominal (uma mesma quantidade de víveres ou de mercadorias em ge ral é, agora, produzida num lapso de tempo mais reduzido) e o próprio salário real (sob a pressão do desemprego cres cente) . Mas, por outro lado, a acumulação do capital implica a criação de novos ramos industriais, portanto a criação de empregos novos, assim como a criação d e novas necessidades, e a propagação dessas necessidades em meios cada vez mais am plos.17 Dessa maneira, ela tende a aumentar o valor da fôrça de trabalho (porque êsse valor inclui, agora, o preço de novas mercadorias, devendo satisfazer essas novas neces sidades) do mesmo modo que o seu preço (quando o desemprêgo se reduz) . O s movimentos reais dos salários não são, pois, mais determinados por leis mecânicas e simples, mas de pendentes da interação dialética dêsse duplo efeito da acumu lação do capital sôbre o valor da fôrça de trabalho.18 is Ibid., pág. 231. 16 Ibid., págs. 194, 198. 17 Ibid., pág. 312. 18 Ricardo tivera o pressentimento dêsses efeitos complexos quando su blinhava que a baixa dos preços de numerosas mercadorias podia permitir o seu consumo pelos operários. Mas êle acrescentava: com a condição de que haja desproporção entre os preços das matérias-primas (e da fôrça de trabalho) e os preços das mercadorias acabadas, e com a condição de que os operários sacrifiquem uma parte da renda prevista para a compra de víveres. Como Marx o sublinha, suprimindo essa “ desproporção” , a
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N o manuscrito das Teorias sôbre a Mais- V alia ( Theoríen über den M eh rw ert), redigido nos anos de 1862-3, Marx precisa que a acumulação do capital, substituindo' constante mente o trabalho vivo por máquinas, pode reproduzir o traba lho assalariado' numa larga escala, isto é, aumentar, de manei ra absoluta, o número de assalariados, mesmo se a massa dos salários diminui relativamente em relação ao capital global.19 Algures, êle observa que, em períodos de alta conjuntura, os operarios “ representam um papel importante na qualidade de consumidores” , enquanto “ consumidores de seus próprios produtos” (bens de consumo) . 20 Mas é na sua exposição diante do Conselho Geral da Associação Geral dos Trabalhadores (I Internacional), rea lizada nos dias 20 e 27 de junho de 1865, que Marx exporá, de maneira completa, a sua teoria dos salários. Essa teoria, êle a resume na seguinte passagem: “ M as há algumas cir cunstâncias particulares que distinguem o valor da fôrça de trabalho, o valor do trabalho, dos valores de tôdas as outras mercadorias. O valor da fôrça do trabalho é formado de dois elementos, do qual um é puramente físico e o outro his tórico ou social. O seu limite supremo é determinado pelo elemento físico, isto é, que para subsistir e se reproduzir, pa ra prolongar a sua existência física, é preciso que a classe operária receba os meios indispensáveis de subsistência para viver e multiplicar-se. O valor dêsses meios de subsistência de necessidade absoluta constitui, por conseguinte, o limite mínimo do valor do trabalho. . . "Paralelamente a êsse elemento puramente fisiológico, o valor do trabalho' é determinado pela maneira de viver usual a cada país. Isso não somente consiste na existência física, mas na satisfação d e certas necessidades nascentes das con dições sociais nas quais os homens vivem e foram educa dos . . . “ Se você compara os salários normais, isto é, os valores do trabalho em diferentes países e em épocas históricas dife rentes no mesmo país, encontrará que o próprio valor do tralivre-troca suprimiria, ao mesmo tempo, a origem de expansão das neces sidades nos operários ( Grundrisse, II, págs. 81 7-8 ). 19 K. Marx, Theorien über den Mehrwert, vol. II, pág. 570. 20 Ibid., vol. III, pág. 221.
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balho não é uma grandeza fixa, que êle é variável, mesmo se se supõe que os valores de tôdas as outras mer-cadorias per manecem constantes.” 21 (G rifo nosso.) Marx disso deduz que, se o limite mínimo dos salários pode ser mais ou menos exatamente definido, não existe li mite máximo para êsses salários. Ou, mais exatamente: o máximo dos salários é o que deixa suficientemente subsistir lucro, aquém do qual o Capital não tem mais interesse em ali ciar a mão-de-obra. Entre êsse mínimo e êsse máximo, a concreta determi nação do nível dos salários depende ‘‘das fôrças respectivas dos combatentes” , isto é, das vicissitudes da luta de classe. É, aliás, o que Marx procurou demonstrar, visto que a sua ex posição tendia, antes de tudo, refutar a tese segundo a qual a ação dos sindicatos seria inútil e mesmo nociva para os tra balhadores22 (c f. carta a Engels em 20 de maio de 1865) . M as essas “ fôrças respectivas dos combatentes” são, por sua vez, determinadas, pelo menos em parte, por fatôres ob jetivos. E entre êsses, êle cita, antes de tudo, a flutuação da oferta e da procura da mão-de-obra, o que lhe permite pre cisar que nos países de além-mar, como os Estados Unidos da América, relativamente pouco povoados, onde “ o merca do do trabalho constantemente se esvazia pela contínua trans formação dos operários assalariados em camponeses” ,23 a lei da oferta e da procura favorece o operário e lhe permite ob ter salários mais elevados do que na Europa. Marx notara, aliás, alguns anos mais cedo — numa polêmica contra Ricar do — que a penúria relativa da população nos Estados Uni dos permitira ali estimular, por sua vez, altas de salários e uma expansão prodigiosa do maquinismo.24 Como evoluem a oferta e a procura de mão-de-obra nos países já amplamente industrializados? Pela substituição cons21 K. Marx, Salaires, prix et profits, Bureau cTEditions, Paris, 1945. 22 Briefwechsel zwischen Fr. Engels und K. Marx, vol. III, pág. 259. 23 K. Marx, Salaires, Prix et Profits, pág. 25. 24 K. Marx, Theorien üher den Mehrwert, vol. II, págs. 573-4. Cf. uma observação análoga feita desde dezembro de 1846 na carta a Annenkov: “ Afinal, quanto à América do Norte, a introdução das máquinas era tra zida pela concorrência com os outros povos e pela escassez de mão-deobra, isto é, pela desproporção entre a população e as necessidades in dustriais da América do Norte” (K . Marx, Fr. Engels: Briefe iiber “ Das Kapital’’, Dietz-Verlag, Berlim, 1954, pág. 2 1 ).
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tante dos trabalhadores pelas máquinas, pelo crescimento constante da composição orgânica do capital. A tendência a longo prazo é, pois, a de um desequilíbrio da oferta e da procura a favor dos capitalistas e às custas dos trabalhado res, acredita M arx: “ A tendência geral da produção capita lista não é elevar o salário médio, mas baixar.” 25 Deve-se entender essa expressão no sentido absoluto ou no sentido relativo do têrmo, como baixa do valor da fôrça do trabalho ou como baixa do poder d e compra dos salários? Muitos elementos deixam supor que o sentido relativo é mais conforme com o pensamento de Marx do que o sentido abso luto. Êste indica, com efeito, na mesma exposição, que uma baixa do valor da fôrça do trabalho, no caso do aumento da produtividade, pode acompanhar-se da manutenção do salá rio real, e aí êle acrescenta: “ Se bem que as condições abso lutas de existência do operário tivessem permanecido as mes mas, o seu salário relativo e, portanto, a sua situação social relativa, comparada à do capitalismo, teria baixado.” 26 Ora, essas condições de crescimento da produtividade são, incontestàvelmente, mais “normais” nos países capitalis tas há quase um século. Marx, aliás, acrescenta, imediata mente, à passagem supramencionada: “ Se o operário opusesse resistência a essa diminuição de salário relativo, não faria se não se esforçar para obter uma parte da produtividade acres cida de seu próprio trabalho, e conservar a sua antiga situa ção social relativa.” 27 Esta eventualidade implica mesmo uma alta tendencial dos salários reais, com baixa da parte relativa dos valores no vamente criados que volta aos operários. E, nas Teorias sdbre a M ais~Valia, M a r x parece indicar que se trata ali de uma tendência geral e que “ os operários não podem impedir, é verdade, a baixa do salário (em valor), mas não se deixam 25 K. Marx, Theorien über den Mehrwert, vol. II, págs. 573-4. 26 Marx dedica uma enorme importância à noção de “ salário relativo” , e considera que um dos principais “méritos científicos” de Ricardo foi êsse de ter estabelecido a categoria do salário relativo ou proporcional ( Théories sur la plus-value, II, pág. 415). Êle próprio tinha sublinhado a importância dessa noção desde 1847, nas suas conferências intituladas Travail, Salariés et Capital (nas Oeuvres Choisies, vol. I, págs. 9 0 -1 ). 27 K. Marx, Salaires, Príx et Profits, pág. 20. 28 K. Marx, Théorien über den Mehrwert, vol. III, pág. 309.
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absolutamente abaixar ao mínimo, mas arrancam antes quan titativamente uma certa participação no progresso da riqueza geral” . Seja como fôr, a conclusão dizendo respeito à baixa tendencial dos salários médios deve, em todo caso, ser tempera da por duas observações. N ão se aplica senão à sociedade capitalista tomada no seu conjunto, isto é, na escala mundial; e pode muito bem exprimir-se concretamente por uma alta tendencial dos salários médios dos países industrializados, a acumulação do capital ali tomando tal amplidão que o empre go ali constantemente aumenta em relação ao movimento de mográfico, porque a supressão de empregos que implica êsse movimento não se produz tanto no interior dêsses países quanto no exterior, nos países ditos “ do terceiro mundo” . Pode ser temperada pelo fato de que, com os progressos do maquinismo, aumentam ao mesmo tempo os empregos no setor dos serviços, e que se desenvolve uma “ nova classe média” que evita, assim, um crescimento contínuo do exército de re serva industrial, fenômenos, que Marx previra muito tempo antes que êles se produzissem, nas duas passagens das T eo rias sôbre a M ais-Valia,29 A o mesmo tempo, a utilidade da ação sindical é a de su primir, ao menos em grande parte, aquela famosa concorrên cia entre os operários que, para o jovem Marx, apareceu co mo a causa da queda inevitável dos salários para o seu míni m o .30 N os Salários, Preços e Lucros, Marx exprime-se de maneira mais científica, afirmando que, quando há abundân cia de oferta no “ mercado do trabalho” , notadamente no pe ríodo de crise econômica e de desemprêgo maciço, a fôrça de trabalho se arrisca a ser vendida abaixo de seu valor. A coa lizão operária, a supressão da concorrência entre operários, a negociação coletiva dos salários, a ação sindical, tudo isso visa, em última análise, a obter que, em média, a fôrça do tra balho seja vendida ao seu valor, e não abaixo dêste. E estas formas de ação são, pois, julgadas absolutamente indispen sáveis por Marx, porque, sem elas, a classe operária “ se re baixaria a não ser mais do que uma massa informe, esmaga2» Ibid., págs. 569-70, 572. 30 Ver notadamente Travail Salarié et Capital, Oeuvres Choisies, I, págs. 98-9.
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da, de seres famélicos aos quais não se poderia mais, de mo do algum, vir em auxilio” . 31 Mas as possibilidades objetivas de uma ação sindical bem sucedida dependem, por sua vez, da relativa amplidão do exército de reserva industrial que, co mo dirá Marx no Capital, é reguladora do nivel dos salá rios. N ão é senão quando o desemprego tende a estabilizar se ou a reduzir-se a longo prazo que uma alta dos salários reais a longo prazo se pode produzir.32 Para Marx, o essencial era pôr em evidência a pauperização relativa do proletariado, o fato de que, mesmo quan do os seus salários aumentam, aumentam bem menos do que as riquezas do Capital. Desde o Trabalho Assalariado e Ca pital, encontramos a êsse propósito a imagem da casa “ gran de ou pequena” ao lado da qual se levanta um palácio. V in te anos mais tarde, êle escreverá no Capital: “ A situação do operário deve agravar-se, qualquer que seja o seu salário, seja êle baixo ou elevado.” Uma mesma condenação da pauperização relativa liga essas duas expressões.33 T udo o que precede indica, claramente, que M arx jamais expôs, nas suas obras de maturidade, qualquer “ lei” da pauperização absoluta dos trabalhadores, ainda que êle considerasse sua pauperiza ção relativa como inevitável. Eliane M ossé34 cita a célebre passagem do volume I do Capital (capítulo X X X I I ) , onde M arx fala da acumulação da riqueza em um pólo que é, ao mesmo tempo, “ acumulação de miséria, de sofrimento no trabalho, de escravidão, de in certeza, de brutalização e de degradação moral em outro pó lo, isto é, do lado da classe que produz o seu próprio produ to como capital” . 35 M as ela não parece notar que, conforme o contexto (isto é, as frases que precedem), a fórmula apli31 K. Marx, Salaires, Prix et Profits, pág. 26. 32 C f. nosso Traité d’Economie Marxiste, I, págs. 175-7. 33 K. Marx, Fr. Engels, Oeuvres Choisies, I, pág. 88; K. Marx: Das Kapital, I, pág. 611, edição de Engels, Meisner, Hamburgo. Todo o pro blema da teoria dos salários de Marx é examinado, de maneira notável, por Roman Rosdolsky: “ Der esoterische und der exoterische Marx” , em Arbeit und Wirtschaft (Revue syndicale autrichienne), números de no vembro de 1957 e janeiro de 1958. 34 Eliane Mossé, Marx et le problème de la croissance dans une économie capitaliste, Paris, Armand Colin, 1956, pág. 60. 35 Das Kapital, I, pág. 611 da edição de Engels, Hamburgo, Meisner,
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ca-se não aos operários no trabalho, mas à "camada de Lá zaro do proletariado” , isto é, à massa dos desempregados que constituem o exército de reserva industrial. Isso é, ainda, su blinhado pela passagem precedente em que Marx precisa “ a lei absoluta, geral, da acumulação capitalista” : “ A amplidão relativa do exército de reserva industrial cresce, pois, com o potencial da riqueza. Mas, quanto maior é aquêle exército de reserva em relação com o exército dos operários ativos, tanto mais maciça é a população excedente consolidada, cuja misé ria está em relação inversa com o seu sofrimento no traba lho. Maior é, finalmente, a camada de Lázaro da classe ope rária e do exército de reserva industrial, e maior é o pauperismo oficial. Eis a lei absoluta, geral, da acumulação capita lista. Como tôdas as outras leis, é modificada na sua realiza ção por numerosas circunstâncias, cuja análise não se deve aqui fazer.36 N ão há, pois, motivo para se deduzir o que quer que seja dessa passagem dizendo respeito à evolução dos sa lários, tanto mais que M arx fêz preceder essa passagem pela frase: “ Resulta que, na medida em que o capital se acumula, a situação do operário deve agravar-se, qualquer que seja o seu pagamento, elevado ou baixo.” Numerosos estudos confirmam a existência dessa “ ca mada de Lázaro da classe operária” em todos os países ca pitalistas. O exemplo mais chocante é êsse dos países com salários mais elevados, os Estados Unidos da América, onde a "lei absoluta, geral, da acumulação capitalista” verificou-se de maneira dramática. Depois da aparição do livro de M ichael Harrington, The Other America, é largamente aceito, nos Estados Unidos, que um quarto da nação, cinqüenta mi lhões de americanos, é pobre e sofre os estigmas da pobreza.37 E se tal cifra não é mais elevada, isso é devido, em parte, ao fato de que, entre os anos de 1940 e 1957, a porcentagem das mulheres casadas que são assalariadas ou empregadas pas sou de 15 a 30% , o que implica num país, cujos serviços so ciais são notoriamente subdesenvolvidos, “ o empobrecimen t o . . . dos filhos que recebem menos cuidados, menos amor e menos vigilância” . 38 36 Ibid., pág. 609. 37 Michael Harrington, The Other America — Poverty in the United States, Penguin Books, Harmonsdsworth, 1963, págs. 177-178. 38 Ibid., pág. 174.
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O Professor James está mais próximo do pensamento de Marx do que a Senhorita Mossé, quando êle escreve, no pre fácio do livro da Senhorita M ossé: “ A conclusão é que, con forme as visões de Marx, se produziu uma “ pauperização ab soluta” e uma “ pauperização relativa” da classe operária, no curso da expansão francesa. N o que concerne à “ pauperiza ção relativa” , no sentido indicado por Marx, parece que a demonstração da Senhorita M ossé é convincente. M as o que seria importante seria provar que houve “pauperização abso luta” . Ora, não hesito em dizer que, sôbre êsse ponto, a lei tura da obra da Senhorita M ossé não me convenceu.” 39 De fato, a “ pauperização absoluta” não está conforme com as vi sões do M arx dos anos de maturidade. Há, aliás, uma prova mais probatória ainda de que Marx e Engels não aderiram a uma hipótese de “ pauperização ab soluta” do proletariado. N a sua crítica do programa de Erfurt da democracia-social alemã, Engels comentou a frase “ o número e a miséria dos proletários crescem sem cessar” da seguinte maneira: “ Dito de maneira tão absoluta, isso não é justo. A organização dos trabalhadores, sua resistência sem cessar crescente, poderão, ta.lvez, opor um certo dique ao crescimento da miséria, M as o que aumenta, sem dúvida al guma, é a insegurança de existência. É isso o que eu inscre veria. ” 40 Pode-se, entretanto, conceber que, para Marx, a rela tiva pauperização não se dá somente na relação entre a ren da global e o que cabe aos operários. Ela dá-se, também, na insuficiência dos salários em relação às necessidades nova mente suscitadas pela produção capitalista. Para Marx, trata-se de comparar os salários à riqueza geral criada pelo Trabalho; e “ a riqueza, considerada de um ponto de vista material, não consiste senão na diversidade das necessidades” .41 Ora, a evolução da produção industrial tende a tornar comuns e necessárias necessidades considera das, prèviamente, como necessidades de luxo. Mas o faz de maneira contraditória, no seio do modo de produção capitalis ta, “ na medida em que coloca somente um determinado crité89 Emile James, Eliane Mossé, Marx et le problème de la croissance dans une économie capitaliste, Préface. 40 Marx-Engels W erke, vol. 22, pág. 231, Dietz-Verlag, Berlim, 1963. 41 K. Marx, Grundrisse der Kritik aer politischen Oekonomie, pág. 426.
TEORIA DOS SALARIOS
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rio social como necessário em relação ao luxo” . 42 Noutros termos: somente certas necessidades novas são satisfeitas, in clusive no cálculo dos salários, para a mão-de-obra assalaria da, ao passo que outras permanecem necessidades de luxo às quais os trabalhadores não têm acesso, apesar do fato de que a grande indústria poderia satisfazer essas necessidades tam bém para êles, sa não mais se desenvolvesse sôbre a base da apropriação privada. Terminando a análise detalhada do problema dos salá rios, Marx, realmente, terminou a obra analitica, que lhe de veria permitir redigir O Capital. “ Trabalho, agora, como um cavalo porque devo explorar o tempo no curso do qual sou capaz de trabalhar, e os carbúnculos continuam,” escreve Marx a Engels em 20 de maio de 1865.43 Êsses carbúnculos, êle diz aliás que a burguesia se lembrará dêles por muito tempo.
42 43
Ibidem. Briefwechsel zwischen Fr. Engels und K. Marx, vol. III, pag. 259.
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Dos Manuscritos de 1844 aos Grundrisse: de uma Concepção Antropológica a urna Concepção Histórica da Alienação Chegou o momento de se concluir. A gênese das con cepções econômicas de Marx foi descrita. Como se pode re sumir a evolução das concepções econômicas de Marx, de 1843-4, época na qual êle começa a estudar sistemáticamen te a Economia Política até no dia seguinte da redação dos Grundrisse? Marx abordou os problemas económicos na Fi.losofia, im buido, ainda, de Hegel e de Feuerbach, aceitando em geral a crítica materialista de Hegel por Feuerbach, mas, começando a criticar o próprio Feurbach, apoiando-se em Hegel, pelo fato de que a contribuição de Hegel podia acrescentar à A n tropologia uma dimensão histórico-social que estava ausen te em Feuerbach.1 É, assim, que os Manuscritos de 1844 constituem um fascinante encontro entre a Filosofia e a E co 1 Herbert Marcuse, Reason and Revolution, págs. 271-2. Ver, também, a anotação de E . Bottigelli na sua “ Présentation” da edição dos Manuscrits de 1844 nas Editions Sociales: “ De Hegel, Marx retoma a idéia do vir-a-ser histórico do homem: D e Feuerbach, êle retoma o materia lismo, o homem concreto e a fórmula humanismo = naturalismo. Mas a sua própria concepção é outra coisa que não a síntese dêsses elemen tos. Supera-os de uma maneira original, mesmo quando parece falar a linguagem daqueles cujo pensamento o inspira” ( Manuscrits de 1844, Paris, Editions Sociales, 1962, pág. L X IX ). Plekhanov já precisara: “ Se Marx começou a obra de sua interpretação materialista da história pela crítica da Filosofia hegeliana do Direito, não pôde proceder assim senão
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nomia Política, que é, ao mesmo tempo, origem de nova cons ciência e de contradição no próprio Marx, e que permanece origem de problemas e de controvérsias para os que hoje o estudam. Êsse encontro da Filosofia e da Economia Política não é, portanto, nôvo na história do pensamento humano. Já ocorreu em Aristóteles e em Tomás de Aquino; os teóricos liberais do direito natural tinham-no praticado numa grande es.cala.2 Pela crítica da Filosofia do Direito de Hegel, Marx descobrira, já então, que o Estado, defendendo os interêsses dos proprietários, não serve aos interêsses da sociedade no seu conjunto. Bastava confrontar a realidade da sociedade burguesa com as hipóteses dos teóricos do direito natural pa ra se perceber que a igualdade das possibilidades e a afirma ção da personalidade de cada um são logros numa sociedade fundada sôbre a propriedade privada. Mas é a filosofia do trabalho de Hegel que fornece os instrumentos conceptuais, com os quais Marx efetuará essa primeira confrontação com a Economia Política.3 Essa filo sofia do trabalho, fundada no System der Sittlichkeit, desen volvida na Realphilosophie, firmemente baseada na Fenom e nología do Espírito, e mantida na Filosofia do Direito e na Ciência da Lógica,1 é, ao mesmo tempo, uma verdadeira A n tropologia . Hegel estabelece, com efeito, desde 1805-6, a relação entre a teleología do homem e a causalidade da natureza, que o homem utiliza no seu trabalho (trabalho que êle apresen tará na Ciência da Lógica como a forma original da praxis humana) . E, na Fenomenología do Espírito, Hegel definiu o trabalho como “ o desejo freado” (gehemmte B egierde).5 Êle porque a crítica da Filosofia especulativa de Hegel já fôra feita por Feuerbach” ( Les Questions fondamentales du Marxisme, pág. 24 ). 2 Ver o nosso Traite d’Economie marxiste, vol. II, capítulo 18, págs. 383-5, 387-90, e Habermas: Theorie und Praxis, pág. 79. 3 Ver a êsse propósito o excelente capítulo relativo à filosofía do tra balho em Hegel, de P. Naville, D e l’aliénation à la jouissance. * Georg Lukacs, em D er junge H egel (Europa-Verlag, Zurique, 1948), analisou, sobretudo, o “ System der Sittlichkeit’ , no qual Hegel parte da primeira tríade dialética: necessidades-trabalho-gôzo, e a “ Realphilosophie” de lena. 5 G . W . Fr. Hegel, Phänomenologie des Geistes, Berlim, 1832, Duncker und Humblot, pág. 148.
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desenvolveu uma verdadeira dialética das necessidades e do trabalho e, assim, chegou a uma dupla definição do trabalho alienante e alienado: alienante porque o trabalho é, por na tureza, exteriorização ( Veräusserung) de uma capacidade humana, que faz que o homem perca alguma coisa que lhe pertencia antes: alienado porque as necessidades estão sem pre em avanço sôbre a produção, porque esta jamais pode sa tisfazer, plenamente, aquelas.6 A natureza antropológica da noção de “ trabalho aliena do” , em Hegel, não reside no fato de que Hegel não entre via as contradições sociais produzidas pela sociedade burgue sa. Encontra-se, na Filosofia do Direito, uma passagem que se lê como uma antecipação da passagem mais célebre do Capital, relativamente às tendências gerais da acumulação ca pitalista: " . . . a acumulação das riquezas aumenta de um lado, do mesmo modo como aumentam de outro lado a singularização ( Vereinzelung) e a limitação (Beschränkung) do trabalho particular, e, pois, a dependência e a miséria da classe ligada a êsse trabalho” .7 Reside a natureza antropoló gica e mistificadora dessa teoria no fato de que, por um lado, Hegel considera essa alienação como fundada sôbre a natu reza do homem, senão sôbre a natureza simplesmente, e, por outro lado, êle não admite que a contradição que resulta da oposição da riqueza e da pobreza possa conduzir a uma eli minação dessa alienação por uma transformação das estrutu ras da sociedade, desde o momento que atingiu um certo ní vel de desenvolvimento das fôrças produtivas.8 É dessa posição que parte M arx para a recolocar em questão, ao mesmo tempo que recoloca em questão os funda mentos da Economia Política clássica, confrontando-os com a Antropologia de Feuerbach e de H egel. Os instrumentos 6 G . W . Fr. Hegel, Rechtsphilosophie, § 193. É o argumento chave que numerosos economistas opuseram à possibilidade do socialismo. Um teórico comunista iugoslavo, Branko Horvath, ainda dêle se serve hoje para “ refutar” a possibilidade de um enfraquecimento da produção mer cantil, mesmo sob o comunismo ( Towards a Theory of Planned Economy, pág. 132). 7 G . W . Fr. Hegel, Rechtsphilosophie, § 243. 8 Ver a êsse propósito a célebre dialética do senhor e do escravo de que não se resolve nada pela supressão efetiva da servidão, mas, so mente, pela afirmação de que, espiritualmente, o servidor se torna mais livre do que o senhor ( Phänomenologie des Geistes, págs. 145-148).
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da análise parecem idênticos, os resultados da análise são di ferentes. Nesse sentido, não podemos seguir Althusser quan do afirma: “Êsse encontro de M arx com a Economia Política é ainda. . . um encontro da Filosofia: a Filosofia edificada por Marx através de tôdas as suas experiências prático-teóricas. . . É essa Filosofia que resolve a contradição (entre a pauperização crescente dos operários e as riquezas crescen tes da sociedade) pensando~a, e através dela pensando tôda a Economia Política, tôdas as suas categorias, partindo de um conceito chave; o conceito de trabalho alienado.” 9 É muito mais indicado constatar com Marcuse. “ A transição de Hegel para M arx é, em todo ponto de vista, uma transi ção para uma ordem diferente de verdade, que não pode ser interpretada em têrmos de Filosofia. Veremos que todos os conceitos filosóficos da teoria marxista são categorias sociais e econômicas, quando as categorias sociais e econômicas de Hegel são tôdas conceitos filosóficos. Mesmo os primeiros escritos de M arx não são filosóficos. Exprimem a negação da Filosofia, se bem que o façam, ainda, em linguagem filo sófica. ” 10 É que, desde o comêço, M arx afirma, claramente, a sua posição crítica a respeito da Economia Política, tão bem quanto a respeito da F ilosofia.11 O seu ponto de partida nes sa crítica não é de modo algum o “ conceito” de trabalho alie nado; o seu ponto de partida é, ao contrário, a constatação prática da miséria operária, que cresce na mesma medida em que crescem as riquezas que essa mesma classe operária pro duz. A sua conclusão não é, de modo algum, uma solução filosófica ao nível do pensamento, da idéia, do trabalho in telectual. Êle conclui, ao contrário: “ Para superar a idéia da propriedade privada, o pensamento comunista é amplamen 9 Louis Althusser, Pour Marx, págs. 157-8, Paris, 1965, Maspero. (N . do E .: Traduzido para o português e publicado, sob o título Análise Crítica da Teoria Marxista, por Zahar Editores, Rio, 19 67 .) 10 Marcuse, Reason and Revolution, pág. 258. Ver igualmente Habermas ( op. cit., pág. 2 7 9 ): “ Marx não mais quer filosofar conforme as suposi ções da Filosofia, mas, antes, conforme as suposições de sua superação — isto é, êle quer criticar. Assim absorvidas, as categorias se transfor mam, do mesmo modo que os problemas da Filosofia, e com elas se transforma, igualmente, o próprio instrumento de reflexão.’ ’ 11 Ver K. Marx, Introduction de Zur Kritik der Nationalökonomie, págs. 42-5.
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te suficiente. Para superar a propriedade privada real, pre cisa-se de uma verdadeira ação comunista. ” 12 O apêlo à ação revolucionária —• levantado pe,lo proletariado — já substituiu a resignação da “ filosofia do trabalho” . Deve-se dizer que os Manuscritos de 1844 já tinham re jeitado tôdas as escórias filosóficas de um pensamento do ravante vigorosamente sócio-econômico? Evidentemente não é isso. Trata-se, precisamente, de uma transição, do jovem Marx, da Filosofia hegeliana e feuerbachiana para a elabo ração do materialismo histórico. Nessa transição, elementos do passado combinam-se, necessàriamente, com elementos do futuro. M arx aí combina, à sua maneira, isto é, modificando-os profundamente, a dialética de Hegel, o materialismo de Feuerbach e as determinações sociais da Economia Políti c a .13 Essa combinação não é coerente. N ão cria um nôvo “ sistema” , uma nova “ ideologia". Oferece fragmentos espar sos que encerram numerosas contradições.14 Não se deve es quecer, também, de que se trata de um "manuscrito” não só12 Ibid., pág. 148. 13 Naville, D e Valienation à la jouissance, pág. 136. 14 É aqui que tocamos com o dedo a origem do êrro de Louis Al thusser, que se esforça, em vão, em apresentar os Manuscritos de 1844 como a obra de uma ideologia acabada, “ formando um todo” . Êle tem razão em se opor a todo método analítico-teleológico, que concebe a obra de um autor jovem exclusivamente sob o ângulo de saber até que ponto êle se aproximou do “fim” (que constitui a obra da maturidade). Mas êle errou em opor um método que corta, arbitràriamente, em fatias ideológicas coerentes fases sucessivas de evolução de um mesmo autor, sob o pretexto de considerar “cada ideologia como um todo” ( Pour Marx, pág. 59 ). Uma totalidade rica e movente (o pensamento de um autor tomado com o um todo, evoluindo sem cessar sob o pêso de suas próprias contradições internas, evolução determinada, em última análi se, pela dinâmica do contexto sócio-econômico, vivido pelo autor) é assim sacrificada a uma totalidade estreita e estática. Não é por acaso que Althusser é levado a falar das “mutações” de um pensamento — isto é, de saltos mais ou menos arbitrários — e que a noção das con tradições internas dêste, na qualidade de motores de sua evolução, de saparece completamente. A objeção de Althusser, segundo a qual essa concepção substituiria “ Marx em Hegel” , visto que o marxismo “nas ceria das contradições internas do hegelianismo” , é sem fundamento. Não se trata das contradições de Hegel, mas das contradições do pen samento de Marx, combinando elementos emprestados a H egel a novos conhecimentos, nascidas de uma experiência nova e de uma prática nova, num contexto histórico sócio-econômico nôvo.
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mente inacabado, mas também em parte destruído.15 É, pre cisamente, à luz do conceito do trabalho alienado que as con tradições, que encerram os Manuscritos de 1844, podem ser mais claramente reveladas. A pós ter, sucessivamente, descoberto a alienação no do mínio religioso (desde o anexo' à sua tese de doutorado) e no domínio jurídico (o interêsse privado aliena o homem da coletividade), M arx compreendera, desde a sua Crítica do Direito do Estado em H\egel, que a propriedade privada é uma fonte geral de alienação; depois, desde a Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito d e H egel, que a alienação humana é, fundamentalmente, uma alienação do trabalho hu mano.10 Submetendo a uma crítica sistemática a Economia Política, êle descobre que esta tendia a encobrir as contradi15 Naville, D e Valiénation à la jouissance, pág. 131. Ver, também, êste conselho de Kaegi: “É, pois, aconselhável examinar, com precisão, pri meiro os restos ( dêsses esboços, E . M . ) tomados separadamente. Isso nos evitará de os combinar cedo demais, deixar-nos arrastar por nossa imaginação para o esbôço de um todo e perder de vista as diferenças essenciais entre os pedaços ( Genesis des historischen Materialismus, pág. 2 1 7 ). Bottigelli (Präsentation des Manuscrits de 1844, págs. X XXVIIX X X V III) diz igualmente: “ Os Manuscritos de 1844 não se apresentam como uma obra acabada. Antes de tudo, não os possuímos integralmen t e .. . Em seguida, terminaram sem conclusão e a sua redação teve, sem dúvida, de ser paralisada por causas exteriores. Enfim, há falta de homogeneidade entre as diversas partes.” 16 Wolfgang Jahn: “D er Ökonomische Inhalt des Begriffs des Entfrem dung der Arbeit in den Frühschriften von Karl Marx” , pág. 850, em Wirtschafts Wissenschaft, ano de 1957, n.° 6. Jahn empresta essa idéia a Auguste Cornu ( Karl Marx — D ie Ökonomisch-philosophischen Ma nuskripte, Berlim, 1955) que declarara muito a propósito: “ O problema fundamental permanece, para êle, o da emancipação humana; mas êle o levanta, agora, do ponto de vista do proletariado, o que o conduz a conceber a supressão da alienação que êle continua a considerar como condição fundamental da emancipação humana, não mais na sua forma político-social como supressão da essência humana no Estado, mas na sua forma econômico-social, como supressão da alienação da atividade humana, do trabalho h u m a n o ...” (pág. 9 ). Vê-se, assim, quanto se en gana Jacques Rancière que afirma que, pelo menos no Primeiro Manus crito, “ ela (a alienação econômica) não aparece também como aliena ção fundamental obtida por redução das outras alienações. . . As alie nações se apresentam de início como estando tôdas ao mesmo nível” ( Lire le Capital, vol. I, pág. 102). Isso está em contradição total com o texto: “ Na determinação de que o operário se relaciona ao produto de seu trabalho como a um objeto alienado, tôdas as conseqüências estão já contidas” (Primeiro Manuscrito, pág. 99).
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ções sociais, a miséria operária, que são, por assim dizer, re sumidas no fenômeno do trabalho alienado. Mas, aqui, o pensamento de M arx oscila à beira de grandes descobertas. Num dos fragmentos dos Manuscritos de 1844, Marx precisa, de maneira notável, o trabalho alie nado como o produto de uma forma particular da sociedade. Êle se recusa, explicitamente, a recuar o problema nas bru mas do passado. Êle proclama: “ Partimos de um fato eco nômico contemporâneo. O operário torna-se tanto mais po bre quanto mais riquezas produz. . . O operário torna-se tan to mais uma mercadoria barata quanto mais mercadorias pro duz. A desvalorização do mundo humano cresce em propor ção direta com a valorização do mundo das coisas (mercado rias, E. M . ) . O trabalho não produz, somente, mercado rias; produz, também, êle próprio e o operário como merca doria, e isso justamente na medida em que produz, precisa mente, mercadorias.” 17 N ão queremos prosseguir a citação, mas tudo permane ce coerente no contexto indicado pelo próprio M arx. O tra balho alienado, na sociedade contemporânea, é o trabalho que não é mais proprietário dos produtos de seu trabalho, é o trabalho que enriquece outros com seus próprios produtos, é o trabalho que se torna trabalho forçado, que se torna tra balho em proveito dos que não traba.lham. Noutros têrmos: o trabalho alienado, aqui, está, claramente, reduzido à divi são da sociedade em classes, à oposição entre o Capital e o Trabalho, à propriedade privada, e, se se quiser, numa pas sagem bastante obscura, à divisão do trabalho e ao nascimen to da produção mercantil.18 M as êsse manuscrito se interrompe, bruscamente, nesse caminho. O pensamento bifurca, e produz uma passagem em que a origem do trabalho alienado1 não é mais procurada numa forma específica da sociedade humana, mas na própria 17 K . Marx, Zur Kritik der Nationalokônomie, Primeiro Manuscrito, p á g . 98. 18 Poder-se-ia objetar que há uma passagem na qual Marx afirma que o trabalho alienado é a causa, e a propriedade privada o resultado ( op. cit., pág. 108). Mas Jahn observa, com razão, que Marx não coloca aqui o problema da origem histórica da propriedade privada, e sim o pro blema de sua natureza, de sua reaparição cotidiana num modo de pro dução fundado sôbre o trabalho alienado ( Wirtschafts, wissenschaft, 1957, n.° 6, pág. 856).
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natureza humana, ou, mais exatamente, na natureza simples mente, la onde o trabalho alienado é oposto às qualidades do “ homem genérico” (G attungsw esen), onde a alienação po deria ser compreendida, de início, senão como exteriorização num sentido hegeliano, pelo menos como uma negação de um “ homem ideal” , que jamais existiu. Igualmente, aí, Marx já supera Hegel, porque, para re tomar as palavras de Naville: "O que é para se reter aqui é que a alienação não está somente fundada na sociedade, está também na natureza; mas as relações naturais podem recriai o que destroem as relações sociais, a reapropriação humana depende de sua manutenção. Com efeito, a natureza é urna, e o seu “ dilaceramento” interior, tal como Hegel ilustrara, não é, pois, senão relativo, não tem caráter absoluto. De modo que, é justamente porque a alienação tem também um caráter natural que ela é uma discordância transitória no seio da própria natureza, que pode ser sobrepujada e que a apropriação natural pode ser reencontrada.” 20 N ão obstante, essa concepção antropológica da aliena ção, se bem que indo mais longe do que aquela de Hegel, porque indo para uma solução, permanece largamente filosó fica, especulativa. Ela não tem fundamento empírico. Não é demonstrada. N ão se encontra, aliás, noutros manuscritos, especialmente no notável desenvolvimento concernente às necessidades em que Marx opõe, explicitamente, a alienação dos consumidores, sob o regime da propriedade privada, ao gôzo, origem de desenvolvimento das capacidades universais dos hom ens.21 Trata-se, pois, de uma contradição no seio dos Manuscritos de 1844,22 que nenhuma casuística poderá fazer desaparecer, seja interpretando arbitràriamente as passagens sócio-econômicas num sentido filosófico, seja interpretando a 19 K. Marx, Zur Kritik der Nationalökonomie, Primeiro Manuscrito, págs. 102-107. 20 Pierre Naville, D e l’aliénation à la jouissance, pág. 152. 21 K. Marx, Zur Kritik der Nationalökonomie, Terceiro Manuscrito, págs, 140-144. 22 Essa contradição é, ainda, reforçada pelo fato de que, no Quarto Manuscrito, Critique de la dialectique et de la Philosophie de H egel en general, Marx recusa seguir Hegel quando éste identifica objetivação e alienação ( m e g a , I, 3, pág. 162), e distingue, para retomar urna fórmula de Garaudy ( Dieu est mort, P . U .F ., 1962, pág. 6 9 ), a objetivação alie nada e a objetivação humana.
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passagem supramencionada como equivalente à descrição de tima alienação socialmente determinada,23 Sabemos como Marx resolveu, depois, essa contradição. Abandonando, resolutamente, o conceito do “ homem gené rico” — que êle censura mesmo a Stirner um ano mais tar de, em A Ideologia Alemã! — êle descobre as precisas raízes históricas da exploração do homem pelo homem, e esboça, assim, as suas origens, as razões de seu desdobramento, e as condições de seu definhamento. Desde A Ideologia Alemã, a origem do trabalho aliena do se precisou como resultado da divisão do trabalho e da produção mercantil, idéia que se encontra, aliás, já ,no terceiro dos Manuscritos de 1844,24 E, no Capital, o caráter fetichis ta das categorias econômicas é reduzido às relações mercantis, isto é, à propriedade privada e à concorrência, que isola os produtores (e proprietários) individuais, uns dos outros, des de antes do capitalismo, desde a pequena produção mercan til . 25 A evolução do conceito do traba,lho alienado de Marx é, pois, clara: de uma concepção antropológica (feuerbachohegeliana), antes dos Manuscritos de 1844, êle avança em di reção a uma concepção histórica da alienação (partindo de A Ideologia A lem ã). O s Manuscritos de 1844 constituem uma transição da primeira para a segunda, onde a concep ção antropológica sobrevive no que lhe diz respeito, totalmen te realizando, já então, de início, um considerável progresso sôbre a concepção hegeliana porque, não sendo mais funda da sôbre uma dialética necessidades-trabalho, que desemboca 23 “A passagem sôbre o trabalho alienado, cujo final foi, infelizmente, destruído, foi preparado pelas. . . observações concernentes às anotações copiadas de James Mill. Pode-se, verdadeiramente, ali apreender ao vivo como Marx chega a aplicar a imagem de Hegel e de Feuerbach concer nente à alienação sôbre fenômenos econômicos, e dela, assim, fazer um meio fértil de demonstração, e como êsse meio de demonstração se toma, imperceptivelmente, num meio de conh ecim en to...” (Kaegi, Genesis des historischen Materialismus, pág. 231). 24 K . Marx, Fr. Engels, D ie deutsche Ideologie, págs. 29-32. K. Marx: Zur Kritik der Nationalökonomie, págs. 153-4. 25 K . Marx, Das Kapital, I, págs. 39-41 e seg. da edição de Fr. Engels, Hamburgo, Meisner, 1890.
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sô,bre a impossibilidade de solução,26 em seguida porque já implicando a possibilidade da superação da alienação, graças à luta comunista do proletariado. Uma enorme controvérsia nasceu ao redor do conceito da alienação em Marx, praticamente desde o dia seguinte da primeira publicação dos Manuscritos de 1844, em 1932. Essa controvérsia está longe de ser terminada. Ela acaba, mesmo, de ressurgir na França, com a aparição do Pour M arx, de Louis Althusser, que já recebeu inúmeros comentários críti cos. O ponto de partida dessa controvérsia foi a tentativa fei ta, por uma série de filósofos burgueses ou revisionistas, de “ reinterpretar” Marx, à luz de suas obras de juventude.27 26 Popitz censura, precisamente, Marx de ter abandonado em A Ideo logia Alemã o postulado hegeliano das “ necessidades-superando-necessàriamente-o-nível-de-desenvolvimento-das-fôrças-produtivas” ( Der Entfremdete Mensch, pág. 151). Ele não vê 1) que Marx já o abandonara no terceiro Manuscrito de 1844; 2 ) que êsse postulado vale o que valem todos os “postulados filosóficos” , isto é, não grande coisa; 3 ) que uma análise concreta da história econômica humana demonstra que, durante dezenas de milênios, as necessidades humanas jamais ultrapassaram, ou quase não ultrapassaram, o nível dado de desenvolvimento das fôrças produtivas; 4 ) que a “ superação” generalizada e institucionalizada não é senão o produto da economia mercantil generalizada, isto é, do modo de produção capitalista; 5 ) que êsse modo de produção cria, ao mesmo tempo, as premissas para a superação da “ dialética necessidades-trabalho” , criando as premissas materiais da abundância. 27 Os antecedentes dessa tentativa devem ser procurados no esforço da ideologia burguesa de se reapropriar de Marx, após se ter, em vão, esforçado para o ignorar ou declará-lo definitivamente superado. N . I. Lapin ( D er junge Marx im Spiegel der Literatur, Dietz-Verlag, Berlim, 1965, pág. 12) lembra que é, partindo de 1895, que o número de escritos acadêmicos consagrados a Marx e ao marxismo aumenta rapidamente (20 antes de 1883, 66 obras entre 1883 e 1895, 214 entre 1895 e 1904). É a ascensão do movimento operário que explica, evidentemente, êsse esforço de reapropriação. O antepassado direto dos filósofos e soció logos que procuraram trazer Marx a Hegel é o Dr. Johann Plenge ( Marx und Hegel, Tiibingen, Verlag der H. Laupp’schen Buchhandlung, 1911), que afirma que Marx permaneceu tôda a vida o que êle se tor nara como estudante em Berlim, a saber, um “ realista dialético, um dialético realista” (págs. 1 6 -7 ). Veremos, mais adiante, que sem ter conhecido os Manuscritos de 1844, Plenge pressentiu a maior parte dos argumentos dêstes que opunham o “ jovem Marx” ao “ Marx amadure cido” . Mas, em lugar de ver uma oposição entre essas duas fases do pensamento marxista, êle a concebe com o uma contradição inerente ao marxismo. O que é mais matizado e sutil nos autores contemporâneos
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M as as linhas de fôrça da discussão assim começada são, a tal ponto, combinadas e superpostas que, hoje, três posições diferentes podem ser distinguidas: 1) A posição dos que procuram contestar a diferença entre os Manuscritos de 1844 e O Capital, que reencontram o essencial das teses do Capital já nos Manuscritos de 1844. 2) A posição dos que, contra o M arx do Capital, consi deram que o Marx dos Manuscritos de 1844 expõe, de ma neira mais “ global” , “ integral” , o problema do trabalho alie nado, notadamente dando uma dimensão ética, antropológica ou mesmo filosófica a essa noção, e que assim opõem os dois Marx, ou “ reavaliam” o Capital à luz dos Manuscritos de 1844. 3) A posição dos que consideram que as concepções so bre o trabalho alienado do jovem M arx dos Manuscritos de 1844 não somente estão em contradição com a análise econô mica do Capital, mas que elas eram, mesmo, um obstáculo que impediu o jovem Marx de aceitar a teoria do valor-trabalho. Para os representantes extremistas dessa escola, o conceito da alienação' é um conceito “ pré-marxista” , que Marx teve de sobrepujar antes de chegar a uma análise científica da economia capitalista.
A primeira escola reúne, assaz estranhamente, autores comunistas oficiais, escritores socialistas ferozmente antico munistas, como Erich Fromm e M . Rubel, e autores católicos tais como o R . P . Bigo, o R . P . Calvez e H . Bartoli.28 é brutal e grosseiro em Plenge: tôda a sua tese é fundada sôbre a ne gação dos principais aspectos materialistas do materialismo histórico, o que constitui uma manifesta falsificação. 28 Notadamente Palmiro Togliatti, “ D e Hegel au Marxisme” , págs. 3652, em “ Le jfeune Marx” , Recherches intemationales à la lumière du marxisme, caderno n.° 19, 1960, Paris, Editions Sociales; Roger Garaudy, Dieu est mort, P .U . F ., Paris, 1962; Erich Fromm, Marx’s Concept of Man, Frederick Ungar Publishing C o ., Nova York, 1961; M . Rubel, Karl Marx, Essai de biograpliie intellectuelle, Paris, Librairie Rivière, 1957; R . P. Bigo, Humanisme et Economie politique chez Karl Marx, Paris, P .U .F ., Í953; R . P. Jean-Yves Calvez, La Pensée de Karl Marx, Editions du Seuil, 1956. Classificamos essas duas últimas obras dentro da primeira catego ria com certas reservas. Se bem que êsses autores sublinhem a conti-
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Fromm, por exemplo, escreve: “ É de uma extrema im portância, para a compreensão de Marx, constatar quanto o conceito de alienação foi e permaneceu o ponto central do pensamento do jovem Marx, que escreveu os Manuscritos Econômicos e Filosóficos e do “ velho” M arx que escreveu O Capital” .29 Fromm cita, a êsse propósito, explicitamente, a idéia de que a alienação, para Marx, implica uma alienação do homem da natureza. Mas é evidente que essa concepção está completamente ausente do Capital.30 Igualmente, a ten tativa de identificar o conceito da alienação do trabalho dos Manuscritos de 1844 com o conceito de alienação1e de muti lação do operário, tal como se encontra nas obras ulteriores de Marx, passa, sob silêncio, o verdadeiro problema: a saber, a justaposição de uma concepção antropológica e de uma concepção histórica da alienação nos Manuscritos d e 1844 que são lógica e pràticamente irreconciliáveis. Se a aliena ção, verdadeiramente, é fundada na natureza do trabalho e se êste é indispensável à sobrevivência do homem —- como Marx o precisará mais tarde numa famosa carta a Kugelmann31 — então a alienação jamais será sobrepujada. Numa comparação precisa de duas passagens, uma dos Manuscritos de 1844 e outra do Capital,32 Fromm «não observa que na pri meira passagem está a questão do trabalho e dos produtos do trabalho em geral, enquanto a segunda passagem começa, precisamente, com as palavras: “ N o sistema ca p ita lista ...” Por seu lado, M.. Rubel afirma que, nos Manuscritos de 1844 e com a noção de trabalho alienado, “ estamos no nuidade do pensamento econômico de Marx, dos Manuscritos de 1844 ao Capital, têm mesmo assim a tendência a reavaliar um pouco esta última obra à luz da primeira. 29 Erich Fromm, Marx’s Concept o f Man, pág. 51. (N . do E . : Tradu zido para o português e publicado, sob o título Conceito Marxista do Homem, por Zahar Editores, Rio, 4.a e d ., 1967. ) 30 O problema da evolução da idéia que Marx fêz da natureza foi tratado, com grande detalhe, por Alfred Schmidt, D er Begriff der Natur in der Lehre von Marx, Europäische Verlagsanstalt, Frankfurt-Main, 1962, que mostra, também, o abandono, pelo Marx mais amadurecido, da esperança ingênua “ de uma solução do conflito do homem com a natureza” que se encontra ainda nos Manuscritos de 1844. 31 “Que tôda nação morreria se cessasse de trabalhar, não quero dizer por um ano, mas por algumas semanas, isso tôda criança o sabe” (K. Marx, Briefe an Kugelmann, pág. 51 ). 32 Fromm, Marx’s Concept of Man, págs. 51-2.
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próprio coração da crítica e da visão marxiana, temos a cha ve de tôda a obra futura do economista e do sociólogo. . . O conceito do trabalho alienado ocupará, doravante, um lugar central na Sociologia e na étnica marxianas.” 33 Como a “ chave” da obra futura do economista pode ser descoberta fora da teoria do valor-trabalho e da teoria da mais-valia? N o máximo, poder-se-ia aprovar a idéia de que a motivação fundamental de M arx é revelada nos Manuscritos de 1844; que a partir dêsse momento êle procura, efetivamente, criti car uma “ Economia Política inumana” . Mas, entre êsse mo tivo da crítica e o conteúdo eficaz desta, há um mundo de diferença, para o qual o próprio Marx atraiu a atenção, e para o qual voltaremos nas conclusões dêste estudo. Não se pode aceitar mais a opinião de Togliatti, que afirma que, nos Manuscritos de 1844, “ as categorias econô micas são trazidas à expressão necessária de um processo dia lético real. O caminho está aberto à crítica da totalidade da sociedade burguesa, que será feita nos anos e nas obras se guintes, que culminará no Capital, mas da qual se pode dizer que, em grande parte, já está completa.” (G rifo nosso.) Ou melhor ainda: “ A despeito da forma que não é sim ples, sente-se bem que todo o marxismo já está aqui contido." (G rifo n osso.)34 T o d o o marxismo, sem a teoria do valortrabalho, sem a teoria da mais-valia, sem compreender que o conflito entre nível de desenvolvimento das fôrças produtivas e relações de produção é o motor das revoluções sociais? É interessante assinalar a identidade de visão entre T o gliatti e o R . P . Jean-Yves Calvez: “ N ão há. . . falta de in térpretes para admitir que as categorias econômicas do Ca pital não relevavam do mesmo modo de pensar que as cate gorias filosóficas das obras de juventude de M a r x ... Che gamos a uma conclusão que contradiz, rigorosamente, tôda a tentativa de dissociação dêsse gênero. T od o o raciocínio de Marx repousa sôbre o vínculo entre as diversas aliena ç õ e s .” E, ainda: “ Há uma real unidade em tôda a obra de M arx: as categorias filosóficas de alienação que êle retoma va de Hegel na sua mocidade deviam formar a armadura de 33 34
M. Rubel, Karl Marx, Essai de biographie intellectuelle, págs. 121-135. P. Togliatti, “ D e Hegel au marxisme” , op. cit., págs. 48-9.
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sua grande obra de maturidade.” 35 A infelicidade, para essa hipótese, é que as categorias “ filosóficas” , retomadas de Hegel, são, já então, “ recolocadas sôbre seus pés” , isto é, trans formadas em categorias sócio-econômicas desde os Manus critos de 1844, e que representam, no máximo, a motivação e não a armadura do Capital, cuja “ armadura” é fornecida por uma crítica das categorias da Economia Política burguesa, e o aperfeiçoamento da teoria do valor e da mais-valia. N ão podemos, igualmente, aprovar a observação de Jean Hyppolite: “ Essas posições iniciais de Marx se encon tram no Capital e permitem, sozinhas, bem compreender a significação de tôda a teoria do v a lo r.” 36 Isso fazendo, Hyppolite sugere, de fato, que essa teoria não se compreen deria senão partindo da indignação moral de Marx, con frontada com os fenômenos do trabalho alienado. A dialética real da evolução de Marx é mais .complexa e mais rica ao mesmo tempo. Há a coincidência entre a motivação ética e as conclusões da análise econômica; uma recobre bem a ou tra. Mas essa análise econômica tem o seu próprio valor au tônomo. Procede de um estudo econômico rigorosamente ci entífico. A teoria da mais-valia corresponde a uma realida de objetiva; se bem que ela reforce a indignação moral de Marx a respeito do capitalismo é independente desta. Encontram-se elementos de uma confusão análoga, igual mente, em certos autores, que não deixam, portanto, de pôr o acento sôbre as diferenças entre os Manuscritos de 1844 e o Capital. Assim, Adorat^ki escreve, na introdução da pri meira edição soviética dos Manuscritos, que “ as contradições reais da ordem social capitalista são ali reveladas de manei ra chocante dentro da situação da classe operária". 37 Em lugar de dizer “ reveladas” teria sido muito mais justo dizer “ sugeridas” ou “pressentidas” . Está-se longe de uma análi se das contradições reais do capitalismo nos Manuscritos de 1844; e a própria descrição da situação operária ali está, no35 R. P. Jean-Yves Calvez, La Pensée de Karl Marx, págs. 316-7, 319. Ver também uma idéia análoga no R . P. Bigo: Humanisme et économie politique chez Karl Marx, pág. 30. 38 Jean Hyppolite, Eludes sur Marx et Hegel, Paris, Librairie Riviére, pág. 145. 37 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 3, pág. XIII.
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tadamente, estorvada de uma teoria da “ pauperização abso luta” que Marx abandonará mais tarde. Mesmo um autor como Jahn, que ergue uma tela dogmá tica absoluta entre o conceito de alienação e o conceito de valor-trabalho, quer descobrir nos Manuscritos de 1844 uma teoria das “ relações de produção em geral", quando tal teo ria falta aí totalmente.38 D o mesmo modo, Popitz, que su blinha, portanto, as diferenças entre o “ jovem M arx" e o “ Marx amadurecido” , vê, nos Manuscritos, já o anúncio da descoberta do conflito entre o grau de desenvolvimento das íôrças produtivas e as relações de produção,39 quando, em 1844, Marx se encontra, ainda, manifestamente, no limiar da descoberta dêsse conflito — um limiar ainda não transposto.40
A segunda escola, aquela que opôs o “ jovem M arx” como mais rico e mais “ ético" ao M arx mais maduro, que reinterpreta êste à luz daquele, é aquela que se exprimiu mais amplamente até agora no debate. Partindo da introdução de Landshut e Mayer à publicação dos Manuscritos de 1844 na Alemanha, ela produziu um grande número de abras entre as quais algumas são' de um interêsse evidente.41 Pode-se no 38 Jahn, op. cit., pág. 854. 39 Popitz, op. cit., pág. 161. 40 A análise, em geral, excelente, dos Manuscritos de 1844 por W olf gang Heide, contém, igualmente, alguns elementos de excessiva ideali zação dêsse texto ( Ueber die Entfremduns. und ihre Ueberwindunp, págs. 69 0-2 ). 41 Principalmente Heinrich Popitz, D er Entfremdete Mensch, Basiléia, 1953, Verlag fiir Recht und Gesellschaft; Heinrich Weinstock, Arbeit und Bildung, Heidelberg, 1954; Jakob Hommes, D er Technische Eros, Friburgo, 1955; Erich Thier, Das Menschenbild des jungen Marx, Vandenhoeck und Ruprecht, 1957; Victor Leemans, D e jonge Marx en de marxisten, Bruxelas, 1962; Karl Lõwith, Von H egel zu Nietzsche, 1953; parcialmente também Herbert Marcuse, Reason and Revolution, Nova York, 2.a edição, The Humanities Press, 1954; Hendrik De Man, em D er Kampf, ns. 5 e 6, 1932; Kostas Axelos, Marx, penseur de la techni qu e. Etc. Numa obra anterior a Marx’s Concept o f Man que já citamos, a saber, The Sane Society (Londres, Routledge and Kegan Paul, 1963, a obra data de 1956), Erich Fromm tinha também oposto o jovem Marx ao “velho Marx”, exclusivamente preocupado com uma “ análise pura mente econômica do capitalismo” , e prisioneiro da “ concepção tradicio nal da importância do Estado e do poder político” (op. cit., págs. 263,
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entanto seguir Jürgen Habermas quando afirma que o êrro comum que elas contêm é de não ver a diferença entre a con cepção antropológica e a concepção histórica do trabalho:4“ “ A dialética materialista significa, pois: comprender a lógi ca dialética a partir do contexto “ trabalho", a partir do me tabolismo dos homens com a natureza, sem conceber o traba lho de maneira metafísica (seja teologicamente, enquanto ne cessário para a salvação, seja antropológicamente, enquanto necessidade para sobrevivência).” 43 O M arx de 1844 conser va ainda parcialmente semelhante concepção metafísica do trabalho: o Marx do Capital abandonou-a há muito tempo. A análise dessas obras permite registrar as contradições e paradoxos aos quais chega necessàriamente o mal-entendi do fundamental quanto' às intenções de Marx, nos Manuscri tos de 1844, e a natureza dos conceitos que êle utiliza. Limitar-nos-emos aqui a alguns exemplos. Assim, no prefácio da edição Landshut e Mayer dos M a nuscritos de 1844, Landshut os considera como “ a revelação do marxismo autêntico. . . a obra central de Marx, o ponto crucial do desenvolvimento de seu pensamento, onde os prin cípios da análise económica decorrem diretamente da idéia da realidade verdadeira do homem” .44 Kostas Axelos postula: “ O Manuscrito de 1844 é e permanece aliás o texto mais rico em pensamento de todos os trabalhos marxianos e marxis ta.” 45 Hendrik D e Man afirma, desde o mesmo ano de 1932, que “ por mais alto que sejam apreciadas as obras mais tardias de Marx, elas manifestam no entanto uma certa freagem e um enfraquecimento de suas possibilidades criadoras (!), que Marx não conseguia sempre vencer através de uma heróica 259). (N . do E . : Traduzido para o português e publicado, sob o tí tulo Psicanálise da Sociedade Contemporânea, por Zahar Editores, Rio, 5.a e d ., 1 9 6 7 .) 42 Essa diferença recobre evidentemente também uma diferença de método, diferença entre a dialética idealista apriorística e a dialética materialista experimental que pesquisa a lógica específica do objeto es pecífico (Galvano Delia Volpe, Rousseau e Marx, Editor Riuniti, Roma, 1964, págs. 150, 153). 43 Habermas, op. cit., págs. 318-9. 44 Karl Marx, D er historische Materialismus, D ie Frühschriften, vol. I, 1932, Leipzig, pág. X III. 45 Kostas Axelos, Marx, pensem de la technique, pág. 47.
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tensão de suas fôrças” .46 Basta lembrar que a descoberta da teoria da mais-valia e o aperfeiçoamento da teoria do valortrabalho são posteriores em 14 anos aos Manuscritos para perceber tôda a “profundidade” dêsse “ enfraquecimento” . Erich Thier coloca um sinal completo de igualdade entre "exteriorização” do trabalhador e trabalho alienado, e afirma que “ a alienação é dada como tendência, potencialmente (no trabalho, E .M .); o operário “ produz” , êle próprio, o nãoo p erá rio... Não Hegel mas M arx deixa assim a proprie dade privada aparecer como decorrente da análise do con ceito do trabalho exteriorizado e avançar para ulteriores alie nações.”47 Thier não parece lembrar-se que êle próprio tinha afirmado, previamente, que a crítica por M arx da Fenomeno logía de Hegel contida nos Manuscritos de 1844 é essencial mente hegeliana de alienação.. . que êle vem agora atri buir-lhe integralmente.48 Êle não notou também que, com ex ceção da única passagem mencionada acima, os Manuscritos fazem decorrer a alienação não de uma concepção antropoló gica da “ exteriorização do trabalho criador", mas de condi ções históricas precisas: produção de um excedente; divisão do trabalho; nascimento da produção mercantil etc. Êle não examinou o contexto para demonstrar que a única passagem que escapa a essa concepção pode ser efetivamente conside rada como exprimindo uma idéia geral de Marx sôbre a alie nação. E sobretudo não notou que, mesmo na passagem “ an tropológica” dos Manuscritos de 1844, não é do conceito de “ trabalho exteriorizado” , mas da análise (errônea, ou pelo menos incompleta) da atividade do trabalhador na natureza que decorre a noção de alienação. O jovem Marx é retransformado num hegeliano puro e simples, o que não facilita a compreensão dos Manuscritos . 49 48 Hendrik D e Man, em D er Kampf, 1932, págs. 275-6. 47 Thier, Das Menschenbild des Jungen Marx, págs. 69-70. 48 Ibid., pág. 25. 49 R. P. Bigo efetuou a mesma tentativa de reduzir Marx a um hege liano puro e simples: “ A fenomenología do espírito está simplesmente ( ! ) transformada na do trabalho, a dialética da alienação humana na do Capital, a metafísica do saber absoluto na ( !) do comunismo absoluto” ( Humanisme et Economie politique chez Marx, pág. 3 4 ). Para fazer isso, R. P. Bigo deve negar os penosos trabalhos empíricos que Marx
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Da mesma maneira, quando Thier afirma que para Marx “ Antropologia pode ser plenamente desenvolvida, que par tido dela se pode compreender o objetivo de Marx nos seus editos científicos e políticos, sem que a lei do valor e sua pro blemática sejam pensadas” ,50 há evidentemente confusão. £>rque é preciso constatar que, partindo de seus conheciments científicos insuficientes de 1844, Marx não pôde senão pessentir as contradições reais do modo de produção capita]jta; êle não pôde analisá-las plenamente, exaustivamente e d maneira satisfatória.51 Seu objetivo era desde o comêço da rdação dos Manuscritos de 1844 formular uma “crítica da Iconomia Política” ; êste objetivo êle não pode realizar plenmente senão depois de se ter apropriado da teoria do val¿r-trabalho e depois de a ter aperfeiçoado.52 Para Popitz, cuja obra é no entanto mais fundamental emais profunda que a de Thier, encontra-se uma série de c^iproquós do mesmo gênero. Êle afirma que, nos Manuscitos de 1844, M arx “ critica relações sociais determinadas eas leva a um centro indeterminado ( ! ) , que êle chama de ";er essencial humano” . É o substrato conceptual das relaçies empiricamente constatadas. . . Marx atribui um esquenatísmo dialético aos fenônemos sociais, e se esforça em o f.ndamentar pela gênese de um “ ser essencial” humano. Êste cfsempenha pois o papel do espírito do mundo ou do espírieetuou no domínio da Economia Política, e apresentar sua tomada de ©nsciência como o produto de uma simples “ intuição genial” (págs. 3>-7) • 5< Thier, Das Menschenbild des /ungen Marx, pág. 71. e: Cf. a observação correta de Léonide Pajitnov: “As idéias fundamen tas de Marx (nos Manuscritos de 1844) estão ainda em devir, e para lelamente a formulações notáveis, germes da futura concepção do mund>, pode-se também encontrar aí freqüentemente pensamentos não ainda afiadurecidos, trazendo a marca da influência das fontes teóricas que sírviram de material para a reflexão de Marx e de onde êle partiu para a elaboração de sua doutrina” ( pág. 98, em L e jeune Marx, em Cahier n.° 19, 1960). 5: Também nos parece excessivo afirmar, como faz T. I. Oiserman, que \!arx atribui a alienação, nos Manuscritos de 1844, ao grau de desen volvimento insuficiente das fôrças produtivas ( D ie Entfremdung ais histtrische Kategorie, Dietz-Verlag, Berlim, 1965, pág. 8 3 ). No máximo pxle-se afirmar que há pressentimento dessa tese que êle só desenvolverá nitidamente na Ideologia Alemã.
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to popular em H e g e l.’’53 Qiiiproquó manifesto: Marx é sim plesmente retransformado em Hegel. O fato de que a aliena ção foi deduzida de uma análise das condições empíricas da sociedade burguesa é esquecido; também é esquecido todo o contexto histórico-social das origens da alienação nos M a nuscritos: excedente econômico; divisão do trabalho; produ ção mercantil; separação do Capital e do Trabalho etc. Esta mos bem longe do “ W eltgeist" de H egel. . . Popitz atribui igualmente a Marx um “ postulado” da produtividade progressiva do género humano,54, quando em Marx não se trata senão da produtividade progressiva do modo de produção capitalista, e que esta não é deduzida de uma qualquer “ teoria das necessidades” , mas da concorrência. A idéia de Popitz, segundo a qual a famosa passagem da Ideologia Alemã sôbre a supressão necessária da divisão do trabalho seria “ antitécnica” ou “ romântica” ,55 demonstra uma surpreendente incompreensão de um raciocínio já amplamente esboçado nos Manuscritos d e 1844. Nesse raciocínio a alie nação do trabalho provém historicamente de um excedente muito limitado, cujo aparecimento conduz à troca simples, depois à divisão progressiva do trabalho, depois à troca desen volvida, à produção mercantil, à produção mercantil generali zada e ao capitalismo. Para superá-la, é preciso pois criar um excedente suficientemente amplo para tornar supérflua “ a apropriação mesquinha do trabalho de outrem” , o que é jus tamente o resultado de um desenvolvimento da máquina e da ciência! E por que seria “ romântico” supor que no quadro da au tomação, pressentida por Marx, a abundância dos bens e a generalização do ensino superior, junto com a extensão cons tante do “ tempo livre” , criariam as condições de umdesabro char p.leno e inteiro do homem, se liberando efetivamente da escravidão da divisão social do trabalho, e praticando livre mente atividades técnicas, científicas, artísticas, esportivas, sociais e políticas umas ao lado das. outras?58 53 Popitz, Der entfremdete Mensch, pág. 88. 54 Ibid., pág. 152. 55 Ibid., pág. 160. Adam Schaff ( Marxismus tind das menschliche Individuum) exprime uma idéia análoga. 56 Numa passagem que criticamos anteriormente sob outro aspecto, o Professor Perroux pode muito bem se representar, quanto a êle, uma
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Notemos também uma observação de Popitz, segundo a qual seria impossível “ distinguir fenomenològicamente” entre a utilização e o emprêgo das fôrças produtivas, de um lado, e as relações de produção determinadas por estas, de outro lado.57 Aqui Popitz é muito mais "determinista” do que Marx, mas determinista num sentido estreitamente mecanicista. O que Marx precisa principalmente na Introdução à Contribuicão a uma Crítica da Economia Política é que quando há con~ flito entre um nível determinado de desenvolvimento das fôr ças produtivas e das relações de produção objetivamente su peradas se abre um período de revolução social — período que pode ser de longa duração, e durante o qual dois tipos de re lações d e produção podem coincidir com um nível de desen volvimento equivalente das fôrças produtivas ( cf . a Europa ocidental durante o período 1770-1830, ou a Europa central durante o período 1914-1964!). Em poucas palavras, o que todos êsses escritores deixam de compreender é que o M arx dos Manuscritos de 1844. mesmo não tendo ainda desenvolvido plenamente a teoria do materialismo histórico, superou Hegel, não raciocina mais com idéias absolutas ou conceitos filosóficos, mas pro cura criticar uma ideologia determinada (a Economia Políti ca) com a ajuda de contradições sociais reais empiricamente vida social na qual “ a economia está inteiramente e plenamente automa tizada” , o que toma possível uma vida social inteiramente livre (onde cada um faz o que lhe agrada e quando lhe agrada)” . A única objeção que Perroux avança dessa imagem é que ela implica um enfraquecimen to do Estado, quando, segundo êle, ‘ contradições fundamentais (subsis tem sempre) entre os indivíduos’’, contradições entre “ chefes das má quinas” e “fiscais e controladores” . Mas Perroux não demonstra de ma neira alguma a inevitabilidade dessa sobrevivência de contradições so ciais, em condições de abundância (François Perroux, Préface, pág. XVII, das Oeuvres — Economie I de K. Marx. Bibliotèque de la Plêiade). Dahrendorf afirma também que haverá sempre “ dominadores” e dominados e que não se pode “ representar de maneira realista” uma “ sociedade sem diferenciação (dos homens) do ponto de vista de seu poder legí timo” ( Soziale Klassen und Klassenkonflikte in der industriellen Gesellschaft, Ferdinand Enke-Verlag, Stuttgart, 1957, pág. 181). A atrofia da imaginação social de Dahrendorf não é evidentemente um argumento científico. Quanto a Marx, longe de querer manter quaisquer “ elites de comando” , êle pressupõe ao contrário que a extensão constante do “ tempo livre” , no sentido real do têrmo, desenvolverá ao máximo as ca pacidades científicas e criadoras na grande maioria dos homens. 67 Popitz, D er Entfremdete Mensch, págs. 164-5.
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constatadas. Êles confundem o objeto de suas pesquisas e preocupações, com os instrumentos e a linguagem que êle em prega para atingir o seu objeto.
Resta a terceira escola, que foi sobretudo representada por autores que defendem o ponto de vista oficial dos parti dos comunistas no curso dos anos 40 e 50. Jahn58 apresenta a tese da maneira mais sucinta. Auguste Cornu retomou-a amplamente por sua conta no volume II de sua biografia de M arx e de Engels.59 Emile Bottigelli a esposa em parte na sua Präsentation dos Manuscritos nas Editions Socíales.59bis M anfred Buhr permanece um defensor convencido.60 Ela se deixa resumir assim: os Manuscritos d e 1844 são uma etapa importante, mas transitória, na história intelectual de Marx que consegue já apreender as contradições principais da so68 W olfgang Jahn, Wirtschaftswissenschaft, 1957, n.° 6. 59 Auguste Cornu, K. Marx und Fr. Engels — Leben und W erk, vol. 2, 1844-5, Berlim, Aufbau-Verlag, 1962. A mesma tese já havia sido exposta pelo autor em D ie Ökonomisch-philosophischen Manuskripte, Berlim, 1955, Akademie-Verlag. 59bis K . Marx, Manuscrits de 1844, editions Sociales, Paris, 1962. “ Apresentação” de Bottigelli, em geral prudente e cheia de bom senso, constata (pág. L X ) que “o problema da identificação do sujeito e do objeto que Hegel tinha resolvido pela dialética da Idéia absoluta, Marx resolve concretamente. Com o comunismo, “forma necessária do futuro próximo” , o homem tomará posse de sua verdadeira natureza e o mun do, ao qual tôda sua prática o opunha no tempo da alienação, voltará a ser o mundo humano, o prolongamento da sua própria essência. Assim o problema do retorno à unidade que preocupou todo o pensamento ale mão do fim do século XVIII e do comêço do XIX se acha resolvido não no sentido místico, mas em favor do homem, afirmando sua liberdade e seu direito ao livre desenvolvimento de suas faculdades’ ’ . Fica-se tan to mais espantado ao ler algumas páginas adiante (pág. L X V II) que nos Manuscritos “ é ainda a idéia, em si hegeliana, do desenvolvimento das contradições que traz ( ? ) a passagem de um regime social para outro’’ . Na realidade, nos Manuscritos, Marx não se apóia de maneira alguma sôbre uma “idéia” qualquer, mas sôbre a análise concreta das contradições sociais; e o comunismo, desde êsse momento, não é mais o resultado da “ idéia do desenvolvimento das contradições’’, mas da luta prática do pro letariado. 60 Manfred Buhr, “ Entfremdung — Philosophische Anthropologie — Marx-Kritik” , em Deutsche Zeitschrift für Philosophie, V. E. B. Deuts cher Verlag der Wissenschaften, 14. Jahrgang, Heft 7, 1966, págs. 806-
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ciedade burguesa, mas as exprime ainda numa linguagem feuerbachiana, humanista. A concepção do trabalho alienado é a expressão mais nítida disso. Tal concepção o impediu de aceitar a teoria do valor-trabalho de Ricardo. Foi necessário superá-la para que êle pudesse formular sua teoria do valor e da mais-valia.61 Não se a encontra mais nas suas obras de maturidade. Êste raciocínio não é nunca acompanhado por uma de monstração lógica: não se vê por que seria precisamente o conceito do trabalho alienado que teria impedido M arx de aceitar a teoria do valor-trabajho de Ricardo. A s razões reais que retardaram sua aceitação dessa teoria foram examinadas no capítulo 3 dêste estudo. A experiência demonstrou que era perfeitamente possível combinar uma teoria da alienação com a teoria do valor-trabalho aperfeiçoada; foi o que Marx aliás fêz em 1857-8. O raciocínio de Jahn, de Cornu, de Bottigelli e de Buhr não é sobretudo seguido por uma demonstração empírica. ¡Eles não provam que M arx abandonou o conceito de alienação de pois de ter aceito a teoria do valor-trabalho. Jahn se contenta em constatar que M arx e Engels voltam a isso na Ideologia Alemã para dar “ um conteúdo nôvo” (o que é exato); mas ê.le acrescenta imediatamente: “ Nas obras seguintes, êle (o problema da alienação) não desempenha mais um papel im portante (o que é falso) . ” 62 Bottigelli afirma: “ Uma vez ter minada a luta contra a esquerda hegeliana, a expressão alie nação não reaparece no nosso conhecimento, senão no Prefá cio à Contribuição à Crítica da Economia P o lítica .. . É o úl timo (texto) no qual êle raciocinou como filósofo no senti do clássico do têrmo.” 63 Parece-nos deslocado afirmar que no Prefácio, um dos textos mais notáveis do ponto de vista me todológico, M arx “ raciocina como filósofo” . M as é em todo caso falso que, depois de 1857, o conceito de alienação não aparece mais nas suas obras. Também é falso afirmar, como faz Manfred Buhr, que Marx teria “ amplamente renunciado ao emprêgo dêste têrmo” nas suas obras posteriores, se bem que êste autor reconheça que M arx jamais perdeu de vista 61 Jahn, op. cit., pág. 683, e Cornu, op. cit., pág. 152. 62 Jahn, op. cit., págs. 863-4. 83 Emile Bottigelli, “Présentation” dos Manuscrits de LXVII-LXVIII.
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o problema subjacente a êsse conceito.64 Quanto a Louis A l thusser, êle recentemente aventurou-se mais longe ainda pro clamando que “ o conceito ideológico de alienação” é um con ceito “pré-marxista” . 65 Infelizmente para todos êsses autores, nos Grundrisse, escritos in tempore non suspecto ,66 depois do célebre Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política, numa data que Althusser coloca no comêço do período de “ maturidade” de Marx, êste volta ao conceito de alienação, e mesmo ,bem amplamente! As passagens re.lativas à alienação abundam nos Grundrisse e reduzem ao nada a tese de Jahn, de Cirnu, de Bottigelli, de Buhr e de Althusser. N ão somente o conceito de alienação não é “ pré-marxista” , mas faz parte do msíramentarium do M arx chegado à maturidade plena. Lendo aten tamente o Capital, pode-se encontrá-lo aí igualmente aliás, mesmo que algumas vêzes sob uma forma inteiramente modi ficada.67 64 Manfred Buhr, Entfremdung — Philosophische Anthropologie — MarxKritik, p á g . 813. 65 Louis Althusser, Pour Marx, pág. 246. Ver também o mesmo autor: “ Será necessário um dia entrar nos detalhes e dar dêsse texto uma ex plicação palavra por palavra; interrogar sôbre o status teórico e sôbre o papel teórico dados ao conceito-chave de trabalho alienado; examinar o campo conceptual dessa noção; reconhecer que ela desempenha bem o papel que Marx lhe dá então: um papel de fundamento originário; mas que ela não pode desempenhar êsse papel senão com a condição de o receber em mandato e missão de tôda uma concepção do homem, que vai tirar da essência do homem a necessidade e o conteúdo dos con ceitos econômicos que nos são familiares. Em poucas palavras, será necessário descobrir sob têrmos votados à iminência de um sentido fu turo, o sentido que os mantêm ainda cativos de uma filosofia que vai exercer sôbre êles seus últimos prestígios e seus últimos poderes. . . Sob esta relação. .. o Marx mais afastado (sic) de Marx é êste Marx” (ibid., pág. 159). Que dizer então do Marx dos Grundrisse? UG A redação dos Grundrisse é com efeito posterior (K . Marx, Grun drisse der Kritik der politischen Oekonomie, Vorwort, págs. VII, V III) àquela do célebre prefácio que, segundo Althusser ( “ L ’objet du Capital” , em Lire le Capital, tomo II, Paris, Maspero, 1965) seria a quinta-essência do método marxista maduro! 67 Ver no entanto as passagens seguintes: “ A forma ( Gestalt) autô noma e alienada ( entfremdet) que o modo de produção dá em geral às condições de trabalho e ao produto do trabalho, por relação ao operá rio, se desenvolve com a máquina em um antagonismo total” ( Das Ka pital, I, pág. 397, na edição de Engels de 1890, Meissner, Ham burgo). “ Vimos na quarta parte, por ocasião da análise da produção da mais-
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Eis como Marx introduz nos Grundrisse o problema do trabalho alienado, no capítulo sôbre o dinheiro: “ Diz-se, po de-se dizer, que o que é belo e grande (na economia mercan til, E . M . ) se funda precisamente nessa interconexão, êsse metabolismo material e espiritual, independentemente dos co nhecimentos e da vontade dos indivíduos, e que pressupõe precisamente sua independência e sua indiferença recíproca. E essa interconexão objetiva é certamente preferível a uma falta de interconexão ou a uma interconexão puramente local, ou fundada sôbre uma natureza estreita e primitiva como o sangue, e sôbre relações de dominação e de servidão. É certo que os indivíduos não se podem subordinar às suas próprias interconexões sociais, antes que êles as tenham criado. Mas é inepto conceber essa interconexão somente como objetiva (M arx sublinha, E .M .) como uma interconexão original, in dissociável da natureza da individualidade (em oposição com o conhecimento e a vontade refletida) e imanente nela. Ela é seu produto. É um produto histórico. Pertence a uma fase de terminada de sua evolução. O caráter estranho, e a autono mia que ela conserva a seu respeito, demonstram somente que ela (a individualidade) está ainda criando as condições de sua vida social, em lugar de ter começado a partir dessas con dições. Ela é a interconexão original de indivíduos no qua dro de relações de produção determinadas, limitadas. Os invalia relativa: no seio do sistema capitalista, todos os métodos de au mento da produtividade social do trabalho se realizam às custas do ope rário individual: todos os meios para desenvolver a produção se trans formam em meios para dominar e explorar o produtor, mutilam o ope rário num homem parcial, degradam-no ao estado de anexo da máqui na, destroem o conteúdo de seu trabalho em conseqüência do tormento dêste, alienam ( entfrem den) as potências espirituais do processo do trabalho, na mesma medida em que a ciência é integrada como potên cia autônoma nesse p r o c e s s o ...” ( ibid., pág. 6 1 0 ). “Visto que antes de sua entrada (a do operário, E. M .) no processo (d e produção), seu próprio trabalho lhe é alienado ( entfrem det), é apropriado pelo capi talista e incorporado no capital, êle se objetiva no curso do processo constantemente sob forma de produtos alienados ( in fremdem Produkt)” (ibid., pág. 53 3). “ O capital se manifesta sempre mais como uma fôrça social, da qual o capitalista é o funcionário, e que não está mais de to do numa relação possível com aquilo que o trabalho de um simples in divíduo poderia criar, mas como uma fôrça social alienada ( entfremd ete), tornada autônoma, que se levanta como uma coisa e como po tência dos capitalistas graças a essa coisa, contra a Sociedade” ( Das Kapital, vol. III, I, pág. 247, mesma edição).
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divíduos universalmente desenvolvidos, cujas relações sociais foram submetidas a seu próprio controle coletivo como sendo suas próprias relações coletivas, não são um produto da na tureza, mas da história. O grau e a universalidade do de senvolvimento das capacidades (das fôrças produtivas, E .M .), que torna possível semelhante individualidade:, pressupõe pre cisamente a produção fundada em valores de troca, que pro duz, com a generalidade, a alienação do indivíduo dêle mes mo (grifo nosso, E .M .) e dos outros, mas que produz tam bém a generalidade da universalidade de suas relações e ca pacidades. Em etapas precedentes da evolução, o indivíduo singular aparece como tendo mais plenitude, precisamente porque êle não desenvolveu ainda a inteireza de suas rela ções, e porque êle não as opôs ainda a êle mesmo como fôr ças e relações sociais independentes dêle. Tanto é ridículo desejar um retorno a esta plenitude original quanto é ridícula a crença de que se deve parar nesse vazio completo (de hoje, E . M. ) . . . ”68 Deve-se acrescentar a essa passagem aquelas nas quais Marx descreve nos Grundrisse a submissão total do "trababalho vivo” ao “ trabalho objetivado” (o “ trabalho morto” , o capital fix o ),69 assim como a passagem notável em que Marx desenvolve a diferença entre o trabalho “ repulsivo” , o traba lho escravo, o trabalho servil e o trabalho assalariado, de um lado, e o “ trabalho livre” , o “ trabalho atrativo” , de outro lado,70 para completar êsse quadro. Há aliás várias outras passagens dos Grundrisse nas quais o conceito de alienação reaparece explicitamente. Há principalmetne uma passagem das mais importantes, onde Marx volta à distinção entre objetivação e alienação: "O s economistas burgueses estão a tal ponto prisioneiros das con cepções de uma fase histórica determinada do desenvolvi mento da sociedade, que a necessidade da objetivação das fôrças de trabalho sociais lhes parece indissociável da neces sidade da alienação destas por respeito ao trabalho livre. .. N ão é preciso uma inteligência particular para compreender que, partindo do trabalho livre oriundo da servidão, ou do 68
K. Marx, Grundrisse der Kritik der politischen Oekonomie, págs. 81-
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Ibid., págs. 582-592. Ibid., pág. 505.
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trabalho assalariado, as máquinas não podiam efetivamente ser criadas senão enquanto propriedades alienadas dêles (os operários, E . M . ) e lhes aparecendo como uma fôrça hostil, isto é, deviam-se opor a êles enquanto capital. Mas pode-se compreender facilmente que as máquinas não deixarão de ser agentes da produção social, quando elas se tornarem, por exemplo, a propriedade dos operários associados.” 71 E há sobretudo a passagem seguinte, que lembra quase textualmente os Manuscritos de 1844: “ M as se o capital apa rece como o produto do trabalho, o produto do trabalho apa rece da mesma maneira como o capital — não somente en quanto produto simples, nem somente enquanto mercadoria introcável, mas enquanto capital: do trabalho objetivado en quanto dominação, enquanto fôrça de dominação sôbre o tra balho vivo, Êle aparece pois também como um produto do trabalho mesmo que seu produto apareça como uma proprie dade alienada ( grifos nossos, E . M . ) , um modo de existên cia autônomo com o qual 0 trabalho vivo é confrontado, um valor existindo por êle mesmo, ainda que o produto do tra balho se cristalize como uma potência estranha (alienada) por respeito ao trabalho (grifo nosso, E . M . ) . D o ponto de vista do trabalho, êle aparece como sendo ativo no processo de produção de maneira tal que êle destaca ao mesmo tempo dêle mesmo sua realização. . . como uma realidade estranha, e que êle se coloca pois como uma capacidade de trabalho sem substância, plena somente de necessidade, frente a essa realidade alienada ( grifo nosso, E . M . ) que não lhe perten ce, mas que pertence a outros.” 72 Deixemos de citar. D e tôdas essas passagens se destaca claramente uma teoria marxista da alienação-, que é o desen volvimento coerente daquela contida na Ideologia Alemã, e a superação dialética das contradições contidas nos Manuscri tos de 1844. Na sociedade primitiva, o indivíduo fornece diretamente trabalho social. Está harmoniosamente integrado em seu meio social, mas se êle parece “plenamente desenvolvido” , não é
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senão o fato da estreiteza extrema das necessidades das quais êle tomou consciência. Na realidade, a pobreza material da so ciedade, a impotência dos homens diante das fôrças da natu reza73 são aí fontes de alienação, sobretudo social (de suas possibilidades objetivas), ideológica e religiosa.74 Com os lentos progressos da produtividade social do tra balho, um excedente econômico aparece progressivamente. Êle cria as condições materiais da troca, da divisão do trabalho e da produção mercantil. Nesta, o indivíduo é alienado do pro duto do seu trabalho e de sua atividade produtora, seu tra balho se torna cada vez mais trabalho alienado. Essa aliena ção econômica, que se junta agora à alienação social, religio sa e ideológica, é essencialmente o resultado da divisão so cial do trabalho, da produção mercantil e da divisão da so ciedade em classes. Ela produz a alienação política, com a aparição do Estado, e os fenômenos de violência e de opres são que caracterizam as relações entre os homens. N o seio do modo de produção capitalista, essa alienação múltipla atinge seu ponto culminante: “ A transformação de todos os objetos em mercadorias, sua quantificação em valores de troca feti chistas (torna-se) . . . um processo intenso que age sôbre cada 73 A passagem extraída dos Grundrisse, págs. 81-2, que citamos an tes demonstra claramente que não se tratava para Marx de idealizar o homem primitivo ou de o apresentar como desalienado. Henri Lefebvre se enganou pois quando falou do “ equilíbrio maravilhoso da comuni dade da aldeia” , na qual o homem podia abandonar-se “ à sua vitali dade espontânea” ( Critique de la vie quotidienne, I, pág. 221, L/Arche Editeur, Paris, 1958), seguindo Engels que havia emitido idéias análogas em As Origens da Família, da Propriedade Privada e do Estado. L e febvre escreveu também: “ A alienação despojou a vida de tudo aquilo que outrora, na sua fraqueza primitiva, lhe conferia alegria e sabedo ria” , no seu primeiro volume da Critique de la vie quotidienne (Editions Bernard Grasset, 1947, pág. 242), que contém aliás uma das me lhores exposições da teoria marxista da alienação. Ver também sôbre êsse mesmo assunto, Gajo Petrovic: “ Marx’s Theoiy of Alienation” , em Philosophy and Phenomenological Research, págs. 419-426. 74 George Novack: “ Basic Differences between Existencialism and Marxism” , em Existencialism versus Marxism, edited by George Novack, Nova York, 1966, Dell Publishing Co., pág. 337. Ver também T. I. Oiserman ( D ie Entfremdung ais historische Kategorie): “ O homem cada vez mais se apossou das fôrças espontâneas da natureza, e simultánea mente está cada vez mais sujeito às fôrças espontâneas da evolução so cial” (pág. 8 ).
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forma objetiva da vida.” 75 M as êsse mesmo modo de produção cria, com a universalidade das relações de troca e o desenvol vimento do mercado mundial, a universalidade das necessi dades humanas e: das capacidades humanas, e um nível de de senvolvimento das fôrças produtivas que torna objetivamente possíve.l a satisfação dessas necessidades, o desenvolvimento universal do homem.76 A abolição do regime capitalista torna então possível o enfraquecimento progressivo da produção mercantil, da divisão social do trabalho e da mutilação dos homens. A alienação não é " suprimida” por um acontecimen to único, assim como não apareceu de um\ só golpe'. Ela se en fraquece progressivamente, assim oomo apareceu progressiva mente. Ela não está de qualquer maneira ancorada na “ natu reza humana” ou na "existência humana” , mas nas condições específicas do trabalho, da produção e da sociedade huma nas. Pode-se pois entrever e precisar as condições necessá rias a seu desaparecimento. E se compreende melhor agora o sentido social das três interpretações mistificantes das relações entre os Manuscritos de 1844 e o Capital, das três interpretações errôneas das re lações do M arx amadurecido com o conceito antropológico do trabalho alienado. Elas refletem condições históricas e con textos sócio-econômicos precisos, que esclarecem sua apari ção, além do acaso da publicação dos Manuscritos em 1932. 75 Georg Lukacs, Geschichte und Klassenbewusstsein, pág. 187, Ber lim, 1923, Malilc Verlag. A obra de Lukacs, redigida antes que o autor pudesse ler os Manuscritos de 1844 ou os Grundrisse, constitui uma re constituição magistral do pensamento de Marx por respeito aos proble mas da alienação e da reificação, apesar de alguns exageros idealistas nas conclusões. 70 Não partilhamos a opinião de Gajo Petrovic (op. cit., págs. 422423), segundo a qual a alienação constitui a ausência de realização das possibilidades humanas históricamente criadas. Se fôsse assim o homem primitivo ( que realizava com efeito as possibilidades existentes nessa época) teria sido efetivamente um homem desalienado, contrariamente ao que o próprio Petrovic afirma. Um exemplo típico de alienação no domínio das necessidades é oferecido pela tentativa deliberada da so ciedade burguesa americana de “fazer voltar ao lar” a mulher que fêz estudos universitários. A finalidade é estimular a venda de aparelhos eletrodomésticos, móveis etc. O efeito é provocar uma verdadeira atro fia das capacidades intelectuais, uma “ desumanização progressiva” das mulheres (Bethy Friedan, The Feminine Mystique, Penguin Books, 1965, passim).
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Para a burguesia trata-se, depois da ascensão fenomenal do movimento operário de inspiração marxista, de se reapropriar de Marx, levando M arx inteiramente a Hegel. Pelo mesmo fato, ela procura desengodar a significação revolucio nária, explosiva, da doutrina de Marx, para reintegrá-lo como “ pensador” e "filósofo” num mundo capitalista concebido, se não como o “ melhor dos mundos” , ao menos como o menos mal dos mundos possíveis. A social-democracia reformista lhe embarga o passo. P o rém é mais difícil identificar o M arx das obras de juventude com o Marx do Capital. Durante muito tempo, ela tentou ca muflar a natureza revolucionária da obra de Marx, defenden do uma interpretação mecanicista desta. A tarefa de derru bar o modo de produção capitalista estava confiada ao “ de senvolvimento inexorável das fôrças produtivas” , antes que à ação do proletariado organizado. N o entanto, quando a crise econômica de 1929-33 e a ascensão do fascismo manifestam aos olhos de todos que ne nhuma relação causal inevitável conduz, do conflito incontes tável entre o nível de desenvolvimento das fôrças produtivas e as relações de produção capitalistas, de um lado, para o advento do socialismo, de outro, a ideologia social-democrática deve mudar o seu fuzil de ombro. Depois de ter durante muito tempo desprezado as obras de juventude de M arx17 ela procura aí bruscamente a inspiração para opor uma "mensa gem ética” ao mesmo tempo à realidade capitalista desespe rante, à revolução socialista pela qual ela não quer optar, e à sua degenerescencia na União Soviética na época stalinista que serve de motivo para repelir, oferecido bem a propósito. Daí a moda que os Manuscritos de 1844 conhecem há mais de um quarto de século nos meios social-democratas, moda que se acompanha de uma tentativa deliberada de embotar a mensagem revolucionária contida nesses Manuscritos.7S Marx enquanto herdeiro que supera a Filosofia clássi ca alemã está “ desculpado” da responsabilidade pelos defei77 N. I. Lapin, D er Junge Marx im Spiegel der Literatur, págs. 72-75. 78 Víctor Leemans, D e jonge Marx en de marxisten, págs. 126-130, e outras que não deve tomar as precauções oratórias que se impõem aos sociais-democratas, vê na vontade de ação revolucionária de Marx, isto é, na sua praxis política, seu pecado original e a contradição fundamen tal de sua obra de juventude. Não se poderia ser mais claro. . .
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tos do stalinismo, na mesma medida em que “ o humanismo an tropológico” do jovem M arx é oposto ao “ economismo” do “ M arx dos anos maduros". “ Reabi.lita-se” Marx, para poder voltá-lo contra o movimento comunista e revolucionário' in ternacional. Por outro lado, a realidade soviética na época stalinista era tal que o conceito de trabalho alienado aí provocaria uma identificação inevitável com a corrente imagem dessa reali dade. Eis por que êsse conceito pareceu inaceitável ■ —■ porque muito explosivo — aos dirigentes e ideólogos dêsse regime. “ Na sociedade soviética não podia mais, não devia mais se tratar de alienação. O conceito devia desaparecer, por ordem superior, por razão de Estado.” 79 Daí a tentativa de desfigu rar as obras de juventude como os Manuscritos de 1844, a começar pela tentativa de não os reproduzir in extenso numa só edição.80 Daí a tentativa de minimizar o conceito de aliena ção, ou de declará-lo decididamente “ pré-marxista” . Aqueles que tinham degradado o marxismo ao nível de uma apologética vulgar da política do regime stalinista esta vam pelo mesmo fato impotentes para responder ao desafio dos exegetas idealistas ou existencialistas dos Manuscritos de 1844. Quanto aos marxistas que de um lado reconheceram o caráter mistificador dessa tentativa, mas que de outro lado procuraram conservar seu lugar no interior da ortodoxia ofi cial, êles se saíram recolocando todo o M arx maduro no Marx jovem, chegando assim freqüentemente a resultados análogos aos da pseudocrítica burguesa.
79 Henri Lefebvre, “ Prefáce” da segunda edição do volume I da Cri tique de la vie quotidienne, Paris, L’Arche, 1958, pág. 63. 80 Louis Althusser se queixa justamente do fato de que nenhum eco nomista tenha estudado os Manuscritos de 1844 como filósofo, e que ne nhum filósofo os tenha estudado como economista. Mas essa discórdia na interpretação não existe sem relação com o fato de que na República Democrática Alemã se tenha durante muito tempo publicado separada mente os três primeiros manuscritos e o quarto, e, que na URSS, a pri meira edição russa integral dos Manuscritos date d e . . . 1956! (Günther Hillmann: “Zum Verständnis der Texte” , págs. 203-4, 240, em K. Marx, Teste zu M ethode und Praxis, II, Rowohlt-Verlag).
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Desalienação Progressiva pela Construção da Sociedade Socialista, ou então Alienação Inevitável na “Sociedade Industrial”? A deformação ideológica e mistificadora da teoria mar xista da alienação tem assim fontes sociais especificas, na realidade de nossos dias. Ela tem, por outro lado, funções apologéticas evidentes. O s ideólogos da burguesia tentam re presentar os traços mais repelentes do capitalismo contempo râneo como resultados eternos e inevitáveis do ‘‘drama hu mano” . Êles se esforçam para trazer a concepção sócio-histórica da alienação humana para uma concepção antropoló gica, cheia de resignação' e de desespero. Quanto aos ideólo gos stalinistas, êles se esforçam por reduzir o “núcleo válido” da teoria da alienação a traços específicos da exploração ca pitalista do trabalho, para poder assim “ provar” que a alie nação não existe mais na União1 Soviética e não pode existir em nenhuma sociedade de transição do capitalismo para o so cialismo (e a fortiori em nenhuma sociedade socialista) . Indiretamente, a sobrevivência manifesta de fenômenos de alienação na sociedade soviética serve de ponto de apoio aos ideólogos burgueses para demonstrar triunfalmente a fa talidade inevitável da alienação “ na sociedade industrial” . E a obstinação da ideologia oficial na U R SS em negar a evi dência — isto é, a sobrevivência dos fenômenos de alienação no curso da fase de transição do capitalismo para o socialis mo — arrisca provocar conclusões análogas nos teóricos mar
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xistas dos países de base econômica socialista, que aspiram sinceramente a descobrir a realidade sob o véu das mentiras oficiais. Uma análise da teoria marxista da alienação não está, pois, completa enquanto não permite formular uma teoria mar xista da desalienação progressiva, não a defende com suces so do mito da “ alienação inevitável” no seio de tôda “ socie dade industrial” . Semelhante concepção marxista da alienação e da desa lienação não se enquadra evidentemente com a afirmação apo logética de autores como Jahn, segundo a qual “ a dominação de uma potência estrangeira sôbre os homens é eliminada com a supressão da propriedade privada pela revolução proletá ria e a construção da sociedade comunista, visto que os ho mens se colocam aqui livremente em face dos seus produ t o s . . . ” 1 Uma tese análoga é defendida por M anfred Buhr, que escreve que a alienação é “ eliminada somente com a revo lução socialista, a criação da ditadura do proletariado no pro cesso de construção da sociedade socialista” .2 O autor acres centa aliás que todos os. fenômenos da alienação não desapa recem espontáneamente após a revolução socialista. Mas êle se refere a êste propósito a vagas “ sobrevivências” ideológi cas e psicológicas da era capitalista, o individualismo burguês e o egoísmo, sem revelar suas raízes materiais e sociais. Num escrito posterior, Manfred Buhr afirma nitidamente: “ Assim como o fenômeno social da alienação é um fenômeno de origem histórica e deixará de se manifestar no curso da história, o conceito de alienação que o reflete é igualmente um conceito histórico e não pode ser aplicado de maneira significativa senão em condições capitalistas.” 3 Não há evi1 Jahn, op. cit., pág. 864. 3 Artigo “Entfremdung” , pág. 140, Philosophisches Wörterbuch, edi tado por Georg Klaus e Manfred Buhr, Leipzig, 1964, V. E. B. Verlag Enzyklopädie. É preciso assinalar que essa fraqueza em relação ao pro blema da desalienação, êsse texto de Buhr, representa um progresso so bre a maneira pela qual a questão da alienação tinha sido tratada an teriormente na República Democrática Alemã. 3 Manfred Buhr, Entfremdung — Philosophische Anthropologie — Marx-Kritik, pág. 814. Numa nota de pé de página, Manfred Buhr ad mite que a desalienação é um processo que não faz senão começar com a derrubada da sociedade capitalista. Mas êle conclui que não se pode deduzir dessas premissas que existem ainda fenômenos de alienação na
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dentemente nenhuma relação causal entre a primeira e a se gunda parte dessa frase. O fato de que a alienação é um fe nómeno históricamente limitado não implica de maneira ne nhuma que sua validade se limite somente à época capitalista. T . I. Oiserman desenvolve sua argumentação num nível mais elevado: “ N o socialismo (o autor se refere aqui expli citamente à “ primeira fase do socialismo” , segundo a fórmu la de Marx na Crítica do Programa d e G ota) não existe o que Marx chamou a essência, o conteúdo da alienação, e êste conteúdo propriamente dito não pode aí existir: domina ção dos produtos do trabalho sôbre os produtores, alienação da atividade produtora, relações sociais alienadas, submissão da personalidade sob as fôrças espontâneas da evolução so cia l.”4 Infelizmente, todos os fenômenos que Oiserman acaba de enumerar não somente podem subsistir na época de tran sição do capitalismo para o socialismo, mas subsistem mesmo inevitavelmente, na medida em que subsistem a produção mer cantil, a troca da fôrça de trabalho por um salário estritamen te limitado e calculado, a obrigação econômica dessa troca, a divisão do trabalho (e principalmente a divisão do trabalho em trabalho manual e trabalho intelectual etc) . E numa so ciedade de transição burocráticamente deformada ou degene rada, êsses fenômenos arriscam mesmo a tomar cada vez mais amplitude. Isso é evidente quando se analisa em profundidade a rea lidade econômica dos países de base econômica socialista. É manifesto que as necessidades de consumo dos trabalhadores não estão aí inteiramente satisfeitas: isso não implica uma alienação do trabalhador em relação aos produtos de seu tra balho, sobretudo quando êsses produtos são bens que êle de seja adquirir e que o desenvolvimento insuficiente das fôrças produtivas ( sem falar das deformações burocráticas do sis tema de distribuição!) o impede de se apropriar déles? É ma nifesto também que a divisão do trabalho (cujos prejuízos são sociedade socialista (mais exatamente: na época de transição do ca pitalismo para o socialismo). Tudo o que se designa “ comumente e le vianamente” sob o têrmo de alienação no socialismo seria no máximo “ exteriormente análogo” à alienação capitalista. O aspecto apologético dessa casuística salta aos olhos. 4 T. I. Oiserman, D ie Entfremdung ais historische Kategorie, pág. 135.
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reforçados pela organização burocrática) aliena freqüentemen te o trabalhador e o cidadão da atividade produtiva. O nú mero de candidatos aos estudos universitários que não são admitidos na Universidade e que são pois obrigados a pros seguir uma atividade com a finalidade única de subsistência são outros tantos testemunhos dessa alienação. Poder-se-ia prosseguir a lista ao infinito. N a Tcheco-Eslováquia, um autor comunista, Miroslav Kusy, não hesitou aliás em chamar a atenção para os fenô menos novos da alienação provocados pela burocratização das instituições, que se alienam do povo.5 É um tema sôbre o qual se poderia amplamente f al ar. .. Mesmo fere ignorar análise das socialismo, adiante.
um autor tão fino quanto J . N . D awydow pre êsse problema e se acantona prudentemente numa condições da desalienação na segunda fase do análise aliás notável, à qual voltaremos mais
Nessas condições, não se pode senão aprovar Henri Lefebvre quando proclama peremptoriamente: “ Jamais M arx li mitou a esfera da alienação ao capitalismo."8 E deve-se saudar a coragem de W olfga n g Heise que afirma: “ A superação da alienação é ao mesmo tempo idêntica ao desenvolvimento do indivíduo socialista consciente e da capacidade de criação co letiva. Ela se realiza através da construção do socialismo e do comunismo. Por êsse fato, ela é um aspecto de todo progresso histórico para superar em tôdas as relações e atividades vitais as marcas da antiga sociedade. Ela começa com a emancipa ção da classe operária, a luta pela ditadura do proletariado, e conclui com a realização da autogestão social plena e intei ra.’’ 1 Isso nos parece, grossa modo, correto, mesmo se tiver mos de criticar Heise na sua análise dos aspectos concretos da alienação e do processo de desalienação na época de tran sição do capitalismo para o socialismo. 6 Citado por Günther Hillmann: “Zum Verständnis der Texte” , págs. 216-7, em K. Marx, Texte zu M ethode und Praxis II — Pariser Manus kripte 1844, Rowohlt-Verlag, Hamburgo, 1966. 6 Henri Lefebvre, “ Préface” da segunda edição do volume I da Cri tique de la vie quotidienne, pág. 74. 7 Wolfgang Heise, “ Ueber die Entfremdung und ihre Ueberwindung” , em Deutsche Zeitschrift für Philosophie, 1965, n.° 6, pág. 701.
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Retenhamos em todo caso isto: para Marx, o fenômeno da alienação é anterior ao capitalismo. Êle está ligado ao de senvolvimento insuficiente das fôrças produtivas, à economia mercantil, à economia monetária e à divisão- social do traba lho. Tanto tempo quanto sobreviverem êsses fenômenos, a so brevivência de uma certa forma de alienação humana é ine vitável . 8 O teórico comunista iugoslavo Boris Ziherl o admite, quanto a êle, para a “ sociedade socialista” (diríamos mais corretamente: a sociedade de transição do capitalismo para o socialismo), o que é totalmente em sua honra. Mas não é senão para se indignar com os filósofos iugoslavos que recla mam um comêço de desalienação por um comêço de enfraque cimento da economia mercantil, ou que colocam em relêvo as coações supérfluas e alienantes que subsistem na sociedade iugos.lava.9 A posição dos teóricos iugoslavos oficiais é muito con traditória a êsse propósito. Êles afirmam que as condições materiais não estão maduras para o enfraquecimento da eco nomia mercantil e da alienação que daí resulta. Mas as con dições materiais estão maduras para o enfraquecimento do Estado? Contra Stalin e seus discípulos, os comunistas iugos lavos tinham chamado Lênin que, em O Estado e a Revolu ção, tinha demonstrado que, para estar conforme com a mar cha para o socialismo, o enfraquecimento do Estado devia co meçar “ em seguida à revolução proletária” , que o proleta riado devia construir um Estado “ que não é mais um Estado no sentido próprio do têrmo” . Êles haviam proclamado justa mente que a recusa em se engajar nesse caminho, longe de preparar “ a maturação das condições objetivas", iria fatal mente erigir obstáculos suplementares no caminho de um en 8 Uma variante da concepção apologética nos é oferecida por E. V. Ilenkov, que afirma que somente a ‘ divisão antagonista do trabalho” , “ a divisão burguesa do trabalho” , mutilam o homem (L a dialettica deli’ astratto e dei concreto nel Capitale di Marx, Feltrinelli, Milão, 1961, pág. 32 ). Em Marx, tôda divisão do trabalho que condena o homem a não exercer senão uma só profissão, assim, pois, também aquela que subsiste na URSS é alienante. 9 Boris Ziherl, “ Sur les conditions objectives et subjectives de la désaliénation dans le socialisme” , em Questions actuelles du socialisme, n.° 76, janeiro-março de 1965, págs. 122, 129-130.
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fraquecimento futuro. Êste não pode surgir de um reforço contínuo do mesmo Estado! M as o raciocínio que é exato para o Estado o é também para a economia mercantil.10 O proletariado não pode privar se dela em seguida à derrubada do capitalismo; ela está li gada a uma fase histórica do desenvolvimento das fôrças pro dutivas, que está longe de ser superada nos países chama dos “ em vias de desenvolvimento” (e todos os países de base econômica socialista, com exceção da República Demo crática Alemã, se encontravam nessa categoria no momento de iniciar a construção do socialism o). Ela pode e deve ser utilizada no quadro de uma economia planificada —•para aper feiçoar essa planificação e acelerar o desenvolvimento das fôrças produtivas, sem o qual seu enfraquecimento final será utópico. M as ao mesmo tempo ela deve conteç&r a se enfraquecer, senão sua extensão criaria obstáculos novos — objetivos e subjetivos — no caminho de seu enfraquecimento futuro. A natureza dêsses obstáculos novos manifestou-se trágicamente na Iugoslávia, onde a mercadoria reproduziu uma das contra dições que ela contém em germe: o desemprêgo, com tôdas as conseqüências que daí decorrem também para a consciên cia do homem.11 Tanto quanto o Estado não pode miraculo samente se enfraquecer de um só golpe depois de se ter cons tantemente reforçado no período precedente, a economia mer cantil não pode miraculosamente se enfraquecer depois de se 10 W olfgang Heise ( Ueber die Entfremdung und ihre Ueberwindung, págs. 700-711) analisa com detalhes os numerosos fatores que o pro cesso de desalienação no curso da fase de construção do socialismo (isto é, na realidade, durante a fase de transição do capitalismo para o socia lismo). Mas êle nem mesmo menciona, nesse contexto, a sobrevivência das economias mercantil e monetária, quando esta é uma das fontes essenciais da alienação em Marx! 11 Esquecendo completamente os laços entre a alienação e a produção mercantil, o economista iugoslavo Branko Horvat vê na autogestão o caminho para a supressão da alienação. Êle escreve: “ O controle da produção sem o intermediário do Estado significa o controle pelos pro dutores diretos, que quer dizer, por sua vez, a igualdade dos proletá rios é transformada numa igualdade de mestres. O processo de alienação h u m an a... chega a seu fim” ( Towards a Theory of Planned Economy, pág. 8 0 ). Estranhos “mestres” , em verdade, que podem encontrar-se na rua, sem trabalho nem renda dignos dêsse nomel
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ter constantemente consolidado e expandido no período de transição do capitalismo para o socialismo. Os filósofos iugoslavos que levantam o problema da so brevivência e da reprodução de fenômenos da alienação no seu país12 são pois mais "marxistas” a êsse propósito que os teó ricos oficiais — mesmo que sejam algumas vêzes levados, sob a influência de más experiências que viveram, a colocar um ponto de interrogação sôbre a teoria marxista da desalienação integral do homem na sociedade comunista. A possibilidade dessa desalienação é igualmente contes tada em duas obras recentes de Henri Lefebvre,13 onde o autor não entrevê mais do que um contínuo balanço entre aliena ção, desalienação e alienação de nôvo. ,Êle afirma justamente que é preciso “ completamente particularizar” , “ historiar” e "relativizar o conceito de alienação” .14 M as se, relativizando êsse conceito, suprime-se a possibilidade de sua negação inte gral, tende-se a torná-lo de nôvo absoluto. Assim, a tentativa de Lefebvre de “historiar” a alienação deve ser considerada como tendo fracassado, porque ela produziu o resultado dia lético inverso, transformou de nôvo a alienação em um con ceito imanente à sociedade humana, mesmo se êle se apresen ta sob formas diferentes em cada tipo de sociedade diferente. A s fontes dêsse ceticismo histórico são evidentes: são os fenômenos negativos que acompanharam as primeiras tentati vas históricas de construir uma sociedade socialista.15 Trata-se 12 Assinalemos entre estes: Rudi Supek, “ Dialectique de la pratique sociale” , em Praxis, n.° 1, 1965; Gajo Petrovie, op. cit., e “ Man as E co nomie Animal and Man as Praxis” , em Inquiry, vol. 6, 1963; Predrag Vranicki, “ Socialism and the Problem of Aliénation” , em Praxis, n.° 2 /3 , 1965; Predrag Vranicki, “La signification actuelle de l’Humanisme du jeune Marx” , em Annali dell’lstituto Feltrinelli, ano 7, 1964-65; Zaga Pesic-Golubovic, “What is the Meaning of Aliénation?” , em Pra xis, n.° 3, 1966; etc. 13 Henri Lefebvre, Critique de la vie quotidienne, II, L ’Arche Edi tions, Paris, 1961; Henri Lefebvre: Introduction à la Modernité, Editions de Minuit, 1962, Paris. 14 Critique de la vie quotidienne, II, pág. 209. 15 “ Estamos hoje menos convencidos do que Marx de um fim absoluto da alienação” (Henri Lefebvre, Introduction à la Modernité, pág. 146 — grifo nosso). Referindo-se às condições atuais para demonstrar a qua lidade dessa conclusão, Lefebvre parece esquecer as premissas do ra ciocínio de Marx: enfraquecimento da produção mercantil, da econo-
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de produtos do stalinismo, que ultrajante e inutilmente acen tuaram os fenômenos de alienação que não podem deixar de subsistir na época de transição do capitalismo para o socia lismo. Assim, o nôvo ceticismo de um Lefebvre ou de um PesicGolubovic não é senão uma reação negativa diante da expe riência stalinista, da mesma forma que a apologética de Buhr. Jahn, Oiserman e Ilenkov não é senão um produto da mes ma experiência, procurando passar em silêncio sôbre os as pectos negativos da realidade social nos países de base econô mica socialista. Quando o pensamento supera essa apologética, num nôvo contexto político no Leste, pode, seja desembocar num retorno à concepção original da desalienação em Marx — a desalienação enquanto processo que depende de uma in fra-estrutura material e social que não existe ainda na época de transição do capitalismo para o socialismo — seja desem bocar num ceticismo quanto às possibilidades de desalienação integral. A tarefa científica é ao contrário a de analisar as fontes sócio-econômicas da sobrevivência de fenômenos de aliena ção na época de transição do capitalismo ao socialismo, e du rante a primeira fase do socialismo, de descobrir os motores do processo de desalienação durante essas mesmas fases. Trata-se de efetuar a análise fazendo de início abstração dos fatores que reforçam e agravam a alienação em conseqüência da deformação ou da degenerescência burocráticas da socie dade de transição, depois integrar êsses fatores particulares numa análise mais concreta dos fenômenos de alienação em países como a URSS, as “ democracia populares” etc. A fonte geral da sobrevivência dos fenômenos de alie nação na época de transição, e na primeira fase do socialis mo, é o grau de desenvolvimento insuficiente das fôrças pro dutivas e a sobrevivência das normas de distribuição burgue sas que daí decorrem.10 A contradição entre o modo de pro dução socializado e as normas de distribuição burguesas — mia monetária, da divisão social do trabalho num quadro mundial, e sôbre a base de um desenvolvimento muito elevado das fôrças produ tivas. 16 Ver a fórmula empregada por Marx em Kritik des Gothaer Programms, págs. 16-7, em Ausgewãhlte Schriften, vol. II. Ver também nosso Traité d’Economie Marxiste, vol. II, pág. 231.
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contradição principal da época de transição — introduz fato res de alienação nas relações de produção. O s trabalhadores continuam a sofrer, mesmo que parcialmente, o efeito de uma evolução social objetiva e espontânea que êles não controlam (sobrevivência das “ leis do mercado” no domínio dos bens de consumo; sobrevivência de uma "seleção profissional” que não desenvolve inteiramente tôdas as aptidões de todos os indi víduos etc. ) . Quando a isso se acrescentam a hipertrofia da burocra cia, a ausência de democracia socialista no plano político, a ausência de autogestão operária no plano econômico, a au sência de liberdade de criação no plano cultural, [atôres es pecíficos de alienação, resultantes da deformação ou da dege nerescência burocráticas, se acrescentam aos fatores inevitá veis que acabamos de mencionar. A burocratização da socie dade de transição tende a exasperar a contradição entre o modo de produção socializado e as normas de distribuição burguesas, principalmente pela acentuação da desigualdade social. A generalização da economia monetária vai no mesmo sentido. W olfg a n g Heise se dedica, a êsse proposito, a uma aná lise muito sutil. Se a propriedade coletiva dos meios de pro dução e a planificação socialista superam em princípio a im potência social diante da evolução da sociedade no seu con junto, isso não significa que essa impotência social se encon tra imediatamente superada por todos os indivíduos. É pre ciso levar em conta não somente as escórias ideológicas do passado capitalista, os membros das antigas classes dominan tes, a educação insuficiente de uma parte do proletariado etc. Deve-se também compreender que essa impotência não é su perada na prática senão quando os indivíduos realizam sua identidade com a sociedade através de uma atividade social fundada sôbre uma ampla medida de decisões livres.17 Isso implica não somente uma autogestão integral do Trabalho ao nível da economia tomada no seu conjunto (não somente no processo de produção, mas ainda no de distribuição e de con sum o), mas ainda um enfraquecimento do Estado e o desapa 17 W olfgang Heise, Ueber die Entfremdvng und ihre Ueherwindung, págs. 702-3.
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recimento de tôdas as relações humanas fundadas na coação e na opressão. A té aí a análise de Heise nos parece correta. M as afir mando que o processo de desalienação não pode ser um fe nômeno espontâneo, mas deve ser guiado pelo partido, êle co meça por afirmar que o risco de burocratização — de ver os aparelhos se tornarem autônomos por respeito aos objetivos da sociedade no seu conjunto — pode ser neutralizado por essa ação do partido.18 É pecar por uma visão idealista e per der de vista que há as duas fontes objetivas da burocratiza ção: por um lado, a sobrevivência de um processo econômico espontâneo (sobrevivência das normas de distribuição mer cantis e de elementos de economia mercantil, sobrevivência da divisão do trabalho, dos privilégios de cultura e de delegações de poder, que impulsionam os aparelhos a se tornar autôno mos e a se transformar de servidores em mestres da socieda de) e, por outro lado, a centralização do superproduto social e o direito de dispor livremente dêsse que cabe ao aparelho. O duplo processo de desalienação em relação a êsses fenôme nos específicos de alienação é pois o enfraquecimento progres sivo da economia mercantil e da desigualdade social, e a subs tituição do sistema de gestão estatal da economia por um sis tema de autogestão operária, democráticamente centralizado. Por êsse fato, a infra-estrutura material da burocratização é destruída. E é somente nessas condições que a ação subjetiva do partido — e a amplificação da democracia socialista num plano político, que implica o abandono do dogma do partido único -—- pode emancipar-se da empresa burocrática que a apri siona.19 Heise insiste justamente sôbre a importância de um de senvolvimento suficiente das fôrças produtivas para permitir o desencadeamento de todos êsses processos de desalienação. M as depois de ter pecado de início por voluntarismo, êle peca em seguida por mecanicismo. Semelhante desenvolvimento das fôrças produtivas reclama “ um grau extraordinariamente elevado da organização e da diferenciação das funções so ciais” ; eis por que seria “ insensato reclamar a democracia di reta na produção ou o abandono da planificação central auto 18 Ibid., pág. 704. 19 É bem conhecido que na URSS, na época de Stalin, o partido foi o principal veículo da burocratização.
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ritária. . . como condição de superação da alienação. . . Seria uma exigência oposta à necessidade real da produção racio nal oposta à lógica econômica e técnica. . . ” 20 É notável que, levada às suas últimas trincheiras, uma apologia da ausência de autogestão operária na República D e mocrática Alemã manipule o mesmo argumento que os ideó logos burgueses utilizam para demonstrar a inevitabilidade da alienação, não somente em regime capitalista, mas em tôda “ sociedade industrial” : “ o grau elevado de diferenciação das funções sociais” . Voltaremos a isso mais adiante. É também notável que Heise não possa conceber a planificação central senão como planificação autoritária, e que da mesma maneira que os autores iugoslavos êle permaneça fechado no di,lema: ou anarquia da produção (economia de mercado), ou plani ficação autoritária. A possibilidade de uma planificação de mocraticamente centralizada, resultante de um congresso de conselhos operários gerindo as emprêsas, parece escapar-lhe. O que êle chama “ a redução do grau de organização da so ciedade” equivale para êle (com o para os autores stalinistas e burgueses !) à supressão das estruturas autoritárias. Como se os "produtores associados” — para falar com M arx — fôssem incapazes de melhorar o grau de organização social substituindo, ao menos entre êles,21 a disciplina livremente consentida por uma hierarquia de comandantes e de coman dados! Mas a fraqueza fundamental do raciocínio de Heise é ainda mais profunda. Por um lado, êle reclama o primado da ação do partido (contra as tendências à espontaneidade do burocratismo); por outro lado, invoca o primado do cresci mento econômico (contra a democratização da vida das em prêsas ). Êle não parece perceber que a potência da buro cracia se reflete subjetivamente nesse argumento econômico, que o aceitando, paralisa de início tôda ação subjetiva contra ela. Por que não pretende ela encarnar a “ competência” e a “ especialização” , face às massas ignaras? E êle não nota tam bém que objetivamente a burocracia permanece todo-poderosa 20 W olfgang Heise, Ueber die Entfremdung und ihre Ueberwindung, pág. 706. 21 A coação permanece evidentemente inevitável por respeito às ou tras classes sociais, mas o grau dessa coação depende da violência das contradições sociais.
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tanto tempo quanto ela pode soberanamente dispor do superproduto social (quer seja por via da autoridade, como na URSS, ou por intermédio das “ leis do mercado” , como na Iugoslavia). Eis por que êle reclama “ corretivo” contra os “ erros” sob forma de um “ direito de controle crescente da coletividade” ; eis por que admite que, a longo prazo, a centralização do po der no aparelho deveria ser superada pela “ democracia socia lista” e pelo “ desenvolvimento de uma atividade consciente das massas” 22 — sem tirar a conclusão manifesta do ponto de vista marxista de que o passo decisivo para essa democracia é aquêle que submete ao conjunto dos trabalhadores ■ —• aos “ produtores associados” — a gestão da produção e a possi bilidade de dispor do superproduto social. J. N . D aw ydow se esforça por analisar os mecanismos da desalienação na construção do comunismo de maneira bem mais aprofundada do que W olfga n g Heise. Para Marx, a divisão do trabalho capitalista resultou na eliminação com pleta da liberdade da esfera da produção material; essa li berdade, o comunismo a reintegrará, porque as necessidades da técnica reclamam uma mobilidade de função cada vez maior entre os produtores, tornados principal fôrça produtiva a par de seus conhecimentos científicos. A individualidade univer salmente desenvolvida é possível, na base dessa técnica. Esta a reclama mesmo, visto que do ponto de vista dessa “ econo mia política do comunismo” cada homem que não se tornou uma “ individualidade plenamente desenvolvida” representa uma enorme perda econômica.23 M as isso significa que, em condições de abundância cada vez mais generalizada de bens materiais, a finalidade prin cipal da produção se torna a de produzir indivíduos “ total mente” desenvolvidos, criadores e livres.24 Na mesma medida em que o homem se torna a “ fôrça produtiva principal” 25 pelo fato da enorme extensão da tecnologia científica, êle está cada 22 W olfgang Heise, Ueber die Entfremdung und ihre Ueberwindung págs. 706-7. 23 J. N. Dawydow, Freiheit und Entfremdung, pág. 114. 24 Ibid., pág. 117. 25 Cf. K. Marx nos Grundrisse, pág. 593: “É o desenvolvimento do indi víduo social que aparece (agora, É. M .) como o grande pilar funda mental da produção da riqueza.”
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vez menos “ integrado” diretamente no processo de produção. N a medida mesma em que o “ trabalho vivo” é expulso do processo de produção, êle se revaloriza como organizador e controlador dêsse processo. E, na medida mesma em que se opera assim a produção paralela de urna abundancia de bens materiais e de homens universalmente desenvolvidos, a do minação do “ trabalho morto” sobre o “ trabalho vivo” desa parece, e a liberdade é “ reintegrada” na produção material.28 Tôda essa análise, que se apóia essencialmente nas pas sagens dos Grundrisse de Marx que citamos antes, nos pa rece de natureza a esclarecer fundamentalmente o problema.27 Sua fraqueza principal é que ela salta de um só golpe da so ciedade capitalista para as relações de produção comunistas — sem analisar as mediações históricas necessárias e inevitá veis, isto é, descrever os motores concretos da desalienação progressiva na fase de transição, por ocasião da construção do socialismo. A autogestão operária; a planificação central democrático-centralista; o enfraquecimento progressivo da pro dução mercantil; a generalização do ensino superior; a redu ção radical da jornada de trabalho; o desenvolvimento da ati vidade criadora no curso do “ tempo livre” ; a interpenetração progressiva dos hábitos de consumo na escala mundial; a re volução psicológica provocada por essas transformações su cessivas, e principalmente pelo enfraquecimento da produção mercantil:28 tudo isso não está integrado na análise de Dawydow e deveria completá-la para tirar de seu estudo uma sus peita de axiomatismo, que seus críticos burgueses e dogmá ticos censurarão erradamente.29 !É que, para ser lógica, a análise da desalienação pro gressiva do trabalho do homem no socialismo deve integrarse numa análise exaustiva de sua alienação na época de tran sição. Na ausência desta, aquela se torna arbitrária. Ela ad26 J. N . Dawydow, Freiheit und Entfremdung, págs. 117-131. 27 Ver a série de citações contidas no capítulo 7 desta obra. 28 Consagramos a êsses problemas uma grande parte do capítulo XVII de nosso Traité de Economie Marxiste. 29 Diversos aspectos do raciocínio de Dawydow receberam já um c o m eço de verificação empírica, notadamente a necessidade de uma mobi lidade maior do trabalho e das tarefas, no seio de equipes funcionais, que resulta na grande indústria do progresso da automação (ver Geor ges Friedmann e Pierre Naville, Traité de Sociologie du Travail, págs. 3 8 0 -1 ).
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quire um aspecto de “ fuga para adiante” que irrita aqueles que concedem a prioridade a uma abordagem mais pragmáti ca da realidade imediata. Mas ao menos essa “ fuga para adiante” tem o mérito da clareza e de perspectivas precisas. Ela permanece fiel ao ensinamento de Marx, que rejeita tõda concepção antropológica da alienação. O mesmo mérito não se encontra nas conclusões desabu sadas que um Adam Schaff tira de seu confronto com a rea lidade polonesa de hoje. Êle admite a sobrevivência de fenô menos de alienação na sociedade socialista — mas se sai co locando em dúvida a possibilidade de realizar, mesmo na so ciedade comunista, o enfraquecimento do Estado, o desapa recimento da divisão do trabalho (que êle concebe de ma neira mecânica; a leitura de D awydow deveria fazê-lo mudar de idéia!) e a supressão da produção mercantil.30 Essa revi são cética e misantrópica de M arx foi criticada pelos dirigen tes do PC polonês31 — mas não no sentido de uma análise franca dos obstáculos à desalienação que impõe a realidade social burocratizada de seu país, mas no sentido de uma sim ples negação apologética do problema. Schaff, que ensaiou formular ao menos um “ programa de ação” contra a aliena ção, é relativamente mais sincero.33 Mas uns como os ou tros são importantes para relembrar o ensinamento de Marx, e não podem assim fazer parar a ascensão da Filosofia e da Sociologia não-marxistas na Polônia. É assim que um sociólogo como Stanislaw Ossowsky afirma que a concepção clássica de classes sociais formulada por Marx não se aplica de maneira integral senão a um tipo 80“ Não faço senão mencionar êsse problema, tanto mais que se pode estimar que a produção mercantil terá desaparecido da sociedade co munista plenamente desenvolvida, se bem que essa estimação apareça como problemática ( ! ) à luz das experiências atuais” (Adam Schaff, Marxismus und das menschliche Individuum, Europa-Verlag, Viena, 1966, pág. 177). 31 Nowe Drogi, número de dezembro de 1965. 32 Schaff reconhece que a socialização dos meios de produção não po de senão começar o processo de desalienação. Mas êle dá mais ênfase à educação socialista do que à mudança das condições econômicas (prin cipalmente ao necessário enfraquecimento das normas de distribuição burguesas) para arrematar êsse processo. Sua defesa em favor de um “igualitarismo moderado” e de maior liberdade de opinião e de crítica a respeito da “ elite no poder” é meritória, mas não vai ao fundo das coisas.
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de sociedade caracterizada pelo capitalismo de livre concor rência. H oje não somente a apropriação dos meios de produ ção, mas ainda a dos bens de consumo, permitiria estabele cer a “ dominação econômica sôbre os homens” . Haveria tam bém novas formas de “ dominação do homem sôbre o homem, dominação que seria função seja da propriedade dos meios de produção, seja da propriedade dos meios de consumo, seja da propriedade dos meios de violência, seja de uma combi nação entre essas diferentes propriedades” . 33 Passa-se cla ramente de uma Sociologia que parte das noções de classe social e de superproduto social para uma Sociologia fundada no conceito infinitamente mais vago e menos operatório de "grupos dominantes” . 34 E a ponte está assim lançada entre a Sociologia (e a Filosofia) críticas, mas revisionistas, nos países ditos socialistas, e a Sociologia acadêmica dos países capitalistas, que rejeita o marxismo em nome de uma divisão da sociedade em “ comandantes” e “ comandados” . É inútil sublinhar o caráter apologético dessa construção da “ sociedade industrial” , tal como foi elaborada por nume rosos autores. O que é específico do modo de produção ca pitalista é atribuído a tôda sociedade na era da grande in dústria.35 O que decorre de um tipo de organização social é atribuído a uma forma de organização técnica. A maior parte dos sociólogos ocidentais tira conclusões pessimistas dessa identificação mistificadora de relações so ciais e de relações com a técnica. Êles fazem ressurgir o an 33 Stanislaw Ossowski, Klassenslruktur in sozialen Bewusstsein, Luchterhand-Verlag, Neuwied, 1962, págs. 227-8. 34 As idéias de Ossowski se aproximam a êsse propósito daquelas, ci tadas anteriormente, de um François Perroux ou de um Dahrendorf, ou das concepções de um antropólogo conservador como Arnold Gehlen: a autoridade funcional substituiria cada vez mais a divisão social em classes (Anthropologische Forschung, Rowohlt-Verlag, Hamburgo, 1961, pág. 130). Ossowski deixa entender ( op. cit., pág. 223) que é a in capacidade do “marxismo” dogmático e apologético da época stalinista em explicar os fenômenos de privilégios sociais nas sociedades com meios de produção socializados que está na base de seu revisionismo cético. 35 Ver principalmente Raymond Aron, Dix-huit leçons sur la société industrielle, Gallimard, 1962, Collection “Idées” ; Reinhard Rendix, W ork and Authority in Industry, Harper Torchbooks, Harper and Row, New York, 1963; Rolf Dahrendorf, Soziale Klassen und Klassenkonflikt in der industriellen Gesellschaft; etc.
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tigo mito do Leviatã de Hobbes, e vêem o homem moderno inevitàvelmente esmagado pela máquina, oriunda de seu cére bro. A alienação do trabalho, o esmagamento do trabalha dor por seu próprio produto, seriam o resultado inevitável da grande indústria, e essa alienação se agravará implacàvelmente, na medida em que o aparelho técnico se aperfeiçoar. É preciso reconhecer que a degenerescência burocrática da URSS, sobretudo na época stalinista, forneceu muitos ar gumentos aos partidários dessa tese pessimista. O que os ca racteriza, no entanto, em geral é a ausência de análises em profundidade, que destacariam as leis de desenvolvimento da realidade social de uma descrição puramente fenomenológica. Afirmando que haverá sempre “ comandantes” e “ coman dados” , que haverá sempre bens raros e a necessidade de uma repartição alienante dêstes, elevam-se a um nível de axioma não as conclusões, mas as premissas de um raciocínio. Acredita-se estar-se apoiando em fatos empíricos, mas negase na realidade uma tendência que vai no sentido inverso. Porque é difícil contestar que a riqueza potencial da socieda de, o grau de satisfação das necessidades racionais e a pos sibilidade de eliminar por êsse fato mecanismos de coação da organização sócio-econômica aumentam a passos de gigan te desde um século e sobretudo no curso do último quarto de século, na sociedade dita “ industrial” . Por que supor que essa tendência não possa chegar a um "salto” qualitativo, onde se enfraqueceria a sujeição do homem às necessidades de uma luta “ pela existência” , e onde desabrocharia sua ca pacidade de dominar sua organização social tanto quanto êle dommaria as fôrças da natureza? Ora, deve-se reconhecer que a tendência de desenvolvi mento da técnica não caminha de maneira alguma no sentido previsto pelos pessimistas. Georg Klaus distingue justamen te dois tipos de automação, do qual o segundo, muito mais rígido que o primeiro, e fundado na cibernética, cria a infraestrutura de um enfraquecimento do trabalho alienante e as precondições de um trabalho universalmente criador. E um sábio como o Professor V an Melsen admite honestamente que a técnica está ainda na sua fase primitiva, e que muitos de seus aspectos embrutecedores resultam precisamente dêste primitivismo: “ Quando as primeiras necessidades estiverem de fato satisfeitas, é bem possível, em parte graças ao pró-
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prio progresso técnico, produzir muitas pequenas séries e in corporar em cada uma dessas séries projetos artísticos ori ginais. Por outro lado, o tempo de "trabalho obrigatório” cada vez mais reduzido contribuirá para trazer ao floresci mento tôdas essas coisas que reclamam tantos cuidados pes soais e amor. . . Sem dúvida elas voltarão sob a forma de artes livres praticadas por aquêles que terão sido liberados pela técnica.” 36 Não precisa dizer que essa ação emancipa dora da técnica não será possível senão quando essa tiver sido liberada da empresa do lucro privado e da valorização do ca pital . O pessimismo pronunciado dos partidários da tese da alienação inevitável da “ sociedade industrial” se explica aliás por uma confusão entre as fontes verdadeiras do poder e as articulações funcionais do poder,37 O conselho de administra ção de uma sociedade capitalista de ações pode decidir o fe chamento de suas empresas — e a supressão de tôda a hierar quia burocrática pacientemente construída — sem ter previa mente usurpado “ a autonomia crescente” dos laboratórios de pesquisa ou do departamento do planning tecnológico. Mas sua decisão de dissolver a sociedade,, tomada em função de imperativos de lucro, revela quanto a delegação de poder que a precedeu estava limitada a funções determinadas, e quanto a propriedade privada permanece a fonte real do po der. Por que um conselho operário não poderia delegar tam bém certos poderes técnicos sem perder com isso a possibi 36 Georg Klaus, Kybem etik in philosophischer Sicht, Dietz-Verlag, Ber lim, págs. 414-415; Prof. Dr. A . G . M . Van Melsen: Nautuurwetenschap en Techniek, Aula-Boeken, Utrecht—Antuérpia, 1960, pág. 321. 37 Típicas a êsse propósito são as considerações de Alain Touraine sôbre a descentralização crescente das decisões no seio das grandes em presas “ burocratizadas” , em Georges Friedmann e Pierre Naville, Traité d e Sociobgie du Travail, vol. I, págs. 420 e seg. Um dos primeiros a empregar êsse argumento foi o Dr. Johann Plenge, verdadeiro ancestral da crítica burguesa contemporânea de Marx: “A técnica moderna im plica o trabalho espiritual, implica a subordinação do trabalho manual disciplinado na emprêsa no seu conjunto” ; o exercício do poder pelos trabalhadores manuais seria impossível por essa razão (Marx und Hegel, pág. 134). Essa passagem deve ser aproximada daquela de W olfgang Heise, citada anteriormente, que concerne à impossibilidade de uma democracia no seio da emprêsa pelo fato da “ diferenciação das funções sociais.” Vê-se que a apologia da hierarquia burguesa na fábrica for nece o argumento principal da apologia da hierarquia burocrática.
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lidade de tomar (ou mesmo de fazer tomar pelos coletivos de trabalhadores) as decisões fundamentais de gestão econô mica? N ão é da inelutabilidade técnica dessas articulações fun cionais que decorre a impossibilidade de “ democratizar as em presas” . N ão é a complexidade e a diferenciação crescen tes das tarefas que se opõem a essa democratização. É no direito de decisão de última competência que querem reservar-se os grandes acionistas e seus aliados-delegados, os managets, que reside o obstáculo intransponível, no regime capitalista.38 Se êsse obstáculo é eliminado pela revolução socialista, não há nenhuma razão a priori para crer que “ no vas alienações” devem resultar dos imperativos técnicos no seio das empresas autogeridas, democraticamente centraliza das. O mesmo pessimismo resulta ainda de uma distinção in suficiente entre o automatismo aparente dos mecanismos e as decisões humanas inspiradas por móveis sócio-econômicos que caracterizam a sociedade chamada “ industrial” . Quan do autores como W iener temem que as máquinas acabarão por tomar decisões independentemente de um julgamento qualquer dos homens (êles próprios mecanizados),39 êle es quece que a tendência à mecanização do trabalho na base é acompanhada na sociedade capitalista por uma concentração inusitada de poder de decisão no cume, onde um punhado de homens, ajudados por uma enorme massa de informações recebidas, e apoiando-se em tôdas as articulações funcionais do poder que aumentam sua fôrça de ataque, permanecem únicos mestres, em última instância, de decidir se tal ou tal orientação sugerida por computadores será definitivamente tomada ou n ã o .40 O que a teoria marxista esclarece são os 88 É o que revela de maneira surpreendente François Bloch-Lainé em Pour une Réform e de 1’Entreprise (Paris, Editions du Seuil, 1963). Êle pede em favor de maior participação dos sindicatos e dos trabalha dores na gestão de certos aspectos da atividade das empresas. Mas êle precisa imediatamente que essa “ participação” mantém a direção única, a hierarquia mestra, que conserva sozinha o direito de tomar as decisões econômicas chaves (págs. 41, 43-44, 100). 39 Norbert Wiener, Cybernétique et Société, Paris, Editions des DeuxRives, 1950, págs. 161-163. 40 O caso da máquina de guerra americana, altamente mecanizada (principalmente o sistema de alerta guiado por com puters), mas que
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móveis que inspiram definitivamente êsses homens: nem mó veis arbitrários, nem móveis irracionais, nem um simples jôgo, mas a defesa global de interesses de classe, tais como a camada mais poderosa no seio dessa classe os entende. Ora, se é efetivamente assim, é claro que basta substi tuir êsse poder de decisão de um pequeno grupo pelo da massa dos “produtores associados” , para que essas mesmas máquinas comecem a servir à sociedade, na mesma medida em que elas parecem escravizá-la hoje.40bis A o lado das mistificações pessimistas subsistem no entan to também algumas mistificações otimistas. A alienação do trabalho resultaria inevitavelmente da “ sociedade indus trial” , mas poderia ser superada sem uma derrubada necessá ria do capitalismo. Bastaria, dizem uns, dar aos trabalhado res um “ sentido da participação” ,41 ver uma “ ética do traba lho” graças a relações humanas revalorizadas no seio da em presa, para que êsses trabalhadores não tenham mais o sen timento de ser alienados.41 É preciso assegurar, afirmam ou tros, mecanismos de comunicação, de diálogo e de criação, que dêem ao trabalhador o sentido de sua personalidade e de sua liberdade no trabalho ou no lazer.42 A primeira tese é nitidamente apologética. Dizemos mesmo sem nenhuma dúvida que ela está a serviço direto do Grande Capital, visto que sua finalidade confessada é ate nuar os conflitos sociais no seio do regime Hal como êle é. O que os especialistas de “ relações humanas” procuram abolir não é a realidade da alienação; é a consciência que os trachega por fim ao Presidente dos Estados Unidos, único habilitado a "impulsionar” certos botões, é simbólico do conjunto do mecanismo do regime capitalista. 40bis Exemplo surpreendente de confusão entre poder de decisão sócio-econômico e autoridade técnica, êsse “ argumento” do diário bur guês alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung-. no ponto em que estamos com tôdas essas reivindicações de autogestão, por que não reclamar que um “ conselho de doentes” dite aos médicos diagnósticos e terapêu ticas? (número de 16 de agôsto de 1 9 6 7 ) ... 41 Elton Mayo, The Human Problems of an Industrial Civilization, No va York, The Viking Press, 1960, págs. 158-9, 171 e outras. Reinhard Bendix: W ork and Authority in Industry, págs. 448-450. 42 François Perroux, “Aliénation et Création collective” , em Cahiers de 1’ISEA, n.° 150, junho de 1964, págs. 92-3.
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balhadores têm dessa realidade. Sua pseudodesalienação se ria a alienação levada ao paroxismo, aquela em que o traba lhador alienado seria alienado da consciência de seu estado de ser humano mutilado.43 A alienação adquire assim dimen sões suplementares, pela tentativa da sociedade burguesa de manipular não somente o pensamento e os hábitos, mas mes mo o inconsciente dos produtores. Há no entanto poucas probabilidades de que os técnicos das “ relações humanas” possam a longo prazo impedir as tomadas de consciência pe los trabalhadores do estado de opressão no qual êles se en contram .44 A segunda tese, mais sutil, é sobretudo ambígua. É for mulada como um imperativo moral, evidentemente indepen dente da “ forma das instituições” (isto é, do m odo de pro dução). M as François Perroux precisa que “ não é num qua dro rígido de instituições, que consagram o êrro e a injusti ça no todo social, que instituições especializadas podem pre encher sua função” .45 Uma sociedade fundada na obrigação, para o trabalhador, de vender sua fôrça de trabalho e de exe cutar um trabalho embrutecedor para obter os bens de sub sistência necessários para a sua sobrevivência não é um “ qua dro rígido que consagra o êrro e a injustiça” ? Como se pode dar ao trabalhador, nesse quadro, “ o sentimento de que êle 43 Bendix classifica aliás justamente a teoria das “human relations” na categoria mais geral de “ a ideologia dos empresários” (diríamos antes: a ideologia capitalista no que concerne à empresa). Seria fácil demons trar que a evolução dessa ideologia, no curso de um século, reflete não somente a evolução da estrutura da empresa capitalista, mas ainda e so bretudo a evolução das relações de fôrça entre burguesia e proletaria do. Nada é mais revelador a êsse propósito que a transformação do puri tanismo altivo ou do darwinismo social da época de onipotência capi talista em uma defesa hipócrita em favor da associação Capital-Trabalho. 44 Vanee Packard, The Hidden Persuaders, Pocket-Book, Nova York, 1958. Se um Wright Mills teme o desenvolvimento de uma indiferença diante da alienação ( The Marxists, pág. 113), Bloch-Lainé sublinha, com mais realismo, a propósito dessa mesma alienação, ao menos seu aspecto mais tocante ( a ausência de poder operário nas empresas): "A calma é enganadora. Ela recobre muitas insatisfações particulares, pron tas a acender revoltas ao primeiro enfraquecimento da conjuntura geral” ( Pour une reforme de VEntreprise, pág. 2 5 ). Ver no capítulo I algumas fontes bibliográficas sôbre o estado de espírito da classe operária. 45 “Aliénation et Création collective” , pág. 44.
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participa de uma criação coletiva” , ou "a ocasião e os meios de tomar consciência de si” durante seus lazeres? N o seio do modo de produção capitalista, isso não seria senão engano grosseiro. A realização dêsse programa reclama a derrubada da sociedade capitalista. Mas, a partir dêsse momento, o pro grama de Perroux deveria conhecer uma singular expansão. Não se trataria mais de dar ao trabalhador o “ sentimento” de participar de uma criação coletiva, mas de fazer dêle um criador efetivo. N ão se trataria mais de lhe dar a ocasião e os meios de "tomar consciência de si” nos seus lazeres, mas a ocasião dêle próprio se realizar por uma criação livre sem coação exterior. N ão se trataria mais somente de deixar-se desenvolver "zonas benfazejas” de “ curiosidade desinteres sada” , mas de chegar a uma autogestão integral dos homens, em tôdas as esferas da atividade social. Porque aí está a chave da desalienação definitiva. Ela é função da abolição do trabalho (n o sentido em que Marx e Engels o entendem na Ideologia Alemã)™ ou, se se quiser, da substituição do trabalho mecânico e esquemático por um trabalho realmente criador, e que não é mais trabalho no sen tido tradicional da palavra, que não tem mais por finalida de “ ganhar a vida” , que não chega mais a que se perca a vida para assegurar a existência material, mas que se tornou a atividade criadora universal do hom em.47 Uma crítica das concepções apologéticas da burguesia e da burocracia nos leva assim à visão grandiosa da sociedade sem classes que Marx evocou nos Grundrisse, e que repro duz, num plano mais elevado, porque alimentado com conhe cimento científico e com uma demonstração sócio-econômica coerente, a visão análoga que êle já havia esboçado nos M a nuscritos de 1844 e na Ideologia Alemã. 16 K. Marx, Fr. Engels, D ie deutsche Ideologie, págs. 70, 78, 222, 228. 47 Cf. Georg Klaus: “ A fim de desenvolver tôdas as potencialidades criadoras do homem, é necessário libertá-lo amplamente da obrigação de fornecer trabalho esquemático. . . ” “ A cibernética e a automação são as condições técnicas dessa situação (comunista), porque permitem ao homem se libertar de todo trabalho esquemático não-criador.. . Elas lhe darão sobretudo o tempo de uma formação científica e técnica universál, isto é, as condições de um trabalho verdadeiramente criador no nível atual da produção” ( Kybernetik in philosophischer Sicht, DietzVerlag, Berlim, 1965, págs. 457, 4 6 4 ).
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E é na transformação da teoria da alienação de uma concepção antropológica, metafísica, e resignada, em uma concepção histórica, dialética e revolucionária, que reside em resumo tôda a obra econômica gigantesca que M arx realizou entre sua primeira leitura dos economistas clássicos em 1843-4 e a redação dos Grundrisse em 1857-8. Podemos assim concluir respondendo a uma questão que não deixou de ser discutida pelos comentadores de M arx: aquela que concerne à natureza específica de M arx como eco nomista. Duas teses se encontram uma em face da outra. Há de um lado aqueles que como M . Rubel ou, numa medida menor, R . P . Bigo, contestam na realidade que M arx te nha feito obra de economista, afirmam que é por uma “ intui ção genial” 48 que êle teria formulado suas teorias fundamen tais, ou dizem mesmo mais claramente: "M arx não será de maneira alguma o promotor de uma nova teoria econômica, mas um dos pioneiros da Sociologia científica.” 49 Há, por outro lado, aqueles que admitem, como o Profes sor James, que Marx foi o maior economista do século X IX ,50 ou como Jean Marchai, que êle foi o economista que permitiu à ciência econômica obter “ a grande visão de uma evolução imanente dos processos econômicos” . 51 Na nossa opinião, Marx respondeu antes a uns e a ou tros numa definição de seu método que constitui ao mesmo tempo uma crítica do método de Lassalle: "Êle (Lassalle) aprenderá às suas custas que é bem diferente levar uma ciên cia pela crítica ao ponto em que se pode representá-la dialèticamente, e aplicar um sistema abstrato, acabado, de lógica partindo do pressentimento de semelhante sistema.” 52 E 48 R. P. Bigo, Humanisme et Economie Politique chez K. Marx, págs. 36-7. A tese de Rubel sôbre o caráter ético da obra de Marx tinha sido formulada desde 1911 por Karl Vorlander em Kant und Marx, Mohr, Tiibingen, pág. 293. Ela a havia implicado numa controvérsia célebre com Max Adler. 49 M . Rubel, Karl Marx — Essai de biographie intellectuelle, pág. 12. 50 Emile James, Histoire sommaire de la pensée économique, pág. 167. 61 Jean Marchai, D eux Essais sur le Marxisme, pág. 80. Ver também Ernest Teilhac: “ Marx, em seguida aos economistas clássicos, entendia colocar-se, estritamente, na ordem econômica, formular uma teoria pro priamente econômica, fazer obra de economista” ( L’Economie politique perdue et retrouvée, pág. 106). 52 Briefwechsel zvoischen Fr. Engels und K. Marx 1844-1883, vol. II, pág. 243.
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desde os Manuscritos de 1844 êle tinha incluído a seguinte advertência na Introdução: “ Não tenho a oferecer ao leitor habituado com a Economia Política a segurança de que os meus resultados foram ganhos por uma análise fundada num estudo consciencioso, critico, inteiramente empírico, da E co nomia Política. ” 53 Marx partiu da vontade de uma crítica de conjunto da sociedade burguesa, tomada na sua totalidade. Isso o levou a formular algumas leis gerais sôbre a evolução de tôdas as sociedades humanas. Uma dessas leis é o fato de que as re lações de produção constituem de alguma maneira “ o siste ma anatômico” da sociedade. Para poder formular essa lei de maneira eficaz, êle teve de começar por se apropriar de todos os dados empíricos da ciência econômica de sua época (assim como de muitos dados de outras Ciências Huma n a s ) .54 Para bem conduzir a obra crítica total em relação à sociedade burguesa, êle teve, por outro lado, de aprofundar a história das doutrinas econômicas,55 cujo desenvolvimento segue uma lógica interna, mesmo se ela é determinada em úl tima análise pela evolução sócio-econômica no seu conjunto. Essa dupla obrigação o levou a se ocupar da matéria da ciên cia econômica como economista dotado de uma consciência particular da impossibilidade de separar essa ciência econô mica das outras Ciências Humanas.56 Marx não pôde pois 53 K. Marx, Fr. Engels, Kleine Ökonomische Schriften, pág. 42. 84 “ Marx se refere sempre ao conjunto dos dados empíricos, à intuição socialmente realizada” (E . I. Ilenkov, La Dialettica deli’astratto e dei concreto nel Capitale di Marx, pág. 13). 65 “ O pesquisador deve sempre se esforçar por encontrar a realidade total e concreta, mesmo se êle sabe não poder aí chegar senão de uma maneira parcial e limitada, e por isso, integrar, no estudo dos fatos so ciais, a história das teorias sôbre êsses fatos, e, por outro lado, ligar o estudo dos fatos de consciência à sua localização histórica e à sua infraestrutura econômica e social” (Lucien Goldmann, Sciences sociales et Philosophie, pág. 18). 56 “A introdução das noções de estrutura e de sistema parece ser o único meio que a ciência encontrou até aqui para lançar uma ponte en tre as duas ordens de pesquisas, freqüentemente separadas: a pesquisa histórica e a análise teórica” (André Marchai, Systèmes et structures économiques, PUF, Paris, 1959, pág. 11). Foi precisamente Marx quem primeiro conseguiu lançar essa ponte entre a história e a análise econô mica, graças ao emprêgo de categorias históricas para a análise, que
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ser “ um dos pioneiros da Sociologia científica” senão na me dida em que êle fêz obra autônoma de economista. Sem suas descobertas próprias como economista, tôda a sua teoria so* ciai teria conservado um caráter essencialmente utópico, voluntarista e “ filosófico” no sentido negativo do têrm o.57 N ão é senão graças a suas descobertas econômicas que êle pôde realizar o que êle mesmo considerou como a obra maior de sua vida: c/ar um fundamento científico à aspiração e a luta socialistas do proletariado: "O pensamento dialético.. . torna compreensível a simultaneidade da objetividade dos conheci mentos das Ciências Sociais e das posições políticas que se impõe àquele que é por elas penetrado no processo social.” 58 É impossível dissociar em M arx o sociólogo do revolu cionário, o historiador do economista. M as êle não pôde ser eficazmente, isto é, cientificamente, sociólogo, historiador e sobretudo revolucionário senão porque foi economista, senão porque subverteu a ciência econômica por meio de descobertas das quais quisemos seguir passo a passo a gênese, neste es tudo. Êsse trabalho realizado, o Capital era um fato; não fal tava senão escrevê-lo.
permitem aliás aí introduzir as noções de estrutura e de sistema recla madas por André Marchai. 57 Também Karl Korseh ( Marxisme et Philosophie, Les Editions de Minuit, Paris, 1964) se engana quando, movido pelo desejo de resta belecer a unidade entre a teoria e a prática na doutrina de Marx, e de defender a significação revolucionária contra epígonos reformistas, acaba por contestar o caráter objetivamente científico da análise econômica de Marx e não vê aí mais do que “ a expressão teórica de um processo re volucionário” (pág. 103). Para poder formular de maneira teoricamen te válida, isto é, eficaz, a análise da luta de classes no regime capita lista, e a marcha para a derrubada revolucionária do Capital, êle devia primeiro se apropriar empiricamente de todos os dados das ciências hu manas e efetuar sua crítica, a superação científica. O próprio Marx mui tas vêzes definiu dessa maneira sua obra para que se possa hoje desvir tuar o sentido e contestar seu valor científico objetivo, independente mente da “ paixão revolucionária” que o animou tôda vida e do objetivo revolucionário que êle constantemente procurou atingir. 58 Max Adler, Marxistische Probleme, Dietz Nachfolger, Stuttgart, 1922, pág. 59.