Uma breve história da filosofia analítica: de Russell a Rawls
 9788515043743, 9780470672082

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I Uma breve história da

FILOSOFIA

apresenta uma visão abrangente do desen­ volvimento histórico dos principais aspec­ tos da filosofia analí­ RUSSELL RAWLS tica anglo-americana. Além das obras seminais de Gottlob Frege, Bertrand Russell e G. E. Moore, abrange as mais importantes figuras e escolas da filosofia analítica — Wittgenstein, Carnap, Quine, Davidson, Kripke, Putnam, Rawls e muitos outros.

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iítico

O autor também investiga as diversas influências sociais e políticas que ajudaram a moldar a filosofia analítica tal como se desenvolveu ao longo do século passado. Os tópicos considerados incluem o surgimento do positivismo lógico e seus críticos, a filosofia da linguagem comum, a filosofia autocrítica de Wittgenstein, os americanos neopragmáticos, a ética analítica, os desenvolvimentos do final do século XX e as direções futuras. A obra oferece insights esclarecedores sobre as origens e os 100 anos de evolução da força dominante na filosofia ociden­ tal, fornecendo uma introdução histórica, não técnica, para temas centrais 11a filosofia analítica, abordagem dominante das questões filosóficas no mundo de língua inglesa desde o início do século XX. Esclarece tópicos tanto para novatos quanto para especialistas e investiga disputas é professor emérito do De­ prem entes entre matemáticos, partamento de Filosofia e Religião no Ithaca College cientistas e filósofos. O livro, único em seu gênero, revela-se especial­ (Nova York). Publicou nu­ merosos artigos nos mais mente útil quando lido ao lado das importantes periódicos de fontes originais. filosofia analítica.

Stephen P. SCHWARTZ

IS B N 978-85-15-04374-3

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STEPHEN P. SCHWARTZ

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STEPHEN P. SCHWARTZ

Uma breve história da f, •

filosofia Tradução de Milton C. M ota •-

anahtka -*De RUSSELL a«

RAWLS

Edições Loyola

Título original: A briefhistory ofanalytic philosophy —

From Russell to Rawls

© 2012 John Wiley & Sons Inc. The Atrium, Southern Gate, Chichester, West Sussex, P0198SQ, UK ISBN 978-0-470-67208-2 All rights reserved. Authorised translation from the English language edition published by Blackwell Publishing Limited. Responsibility for the accuracy of the translation rests solely with Edições Loyola and is not the responsibility of Blackwell Publishing Limited. N o part of this book may be reproduced in any form without the written permission ofthe original Copyright holder, Blackwell Publishing Limited. Todos os direitos reservados. Edição publicada em acordo com Blackwell Publishing Limited e traduzida por Edições Loyola do original em inglês. A precisão da tradução é de responsabilidade somente de Edições Loyola e não da Blackwell Publishing Limited. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida de nenhuma forma sem o consentimento por escrito do detentor do Copyright, Blackwell Publishing Limited.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Schwartz, Stephen P. Uma breve história da filosofia analítica : de Russell a Rawls / Stephen P. Schwartz; tradução de Milton C. Mota. -- São Paulo : Edições Loyola, 2017. Título original: A brief history of analytic philosophy: from Russell to Rawls Bibliografia. ISBN: 978-85-15-04374-3 1. Análise (Filosofia) - História 16-00202

2. Filósofos

I. Título.

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(ndices para catálogo sistemático: 1. Filosofia analítica : História

Preparação: Maurício Balthazar Leal Capa e diagramação: Ronaldo Hideo Inoue Imagem de © kerenby |Fotolià Revisão: Marta Almeida de Sá

Edições Loyola Jesuítas Rua 1822, 341 - Ipiranga 04216-000 São Paulo, SP T 55 11 3385 8500/8501 •2063 4275 [email protected] [email protected] www.l0yola.com.br Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra p od e ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrónico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

ISBN 978-85-15-04374-3 © E D IÇ Õ E S LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2017

146.409

À minha esposa,

DIANE

SUMÁRIO

PREFÁCIO__________________________________________________XI Créditos, XIV

INTRODUÇÃO O que é filosofia analítica?_____________ ____________ i Os principais filósofos analíticos, 6 • Leituras adicionais, 7

UM Russell e Moore______________________________

9

Empirismo, matemática e lógica simbólica, 9 • Logicismo, 13 • Russell acerca das descrições definidas, 20 • A filosofia do senso comum de G. E. Moore, 27 • Moore e Russell a respeito dos dados dos sentidos, 30 • O anti-hegelianismo de Moore e Russell, 33 • Sumário, 38 • Leituras adi­ cionais, 44 FIGURAS: 1.1, 12 • 1.2, 31 • 1.3, 37 • 1.4, 41 FUNDAMENTOS: 1.1, 39 • 1.2, 40 • 1.3, 40 • 1.4, 41 • 1,5, 42 • 1,6,43

DOIS Wittgenstein, o Círculo de Viena e o positivismo lógico__________________________

45

Introdução, 45 • Ludwig Wittgenstein e o Tractatus logico-philosophicus, 47 • Observação histórica: O Círculo de Viena e seus aliados, 57 • A eli­ minação da metafísica e o programa positivista lógico, 57 • A morte do Círculo de Viena, 67 • A influência dos positivistas lógicos, 68 • Leituras adicionais, 72 FIGURAS: 2.1, 50 FUNDAMENTOS: 2.1, 70 • 2.2, 71 • 2.3, 72

TRÊS Respostas para o positivismo lógico: Quine, Kuhn e o pragmatismo americano_____________ 75 Introdução, 75 • A morte do critério de verificabilidade para a signifi­ cação, 77 • Rejeição da distinção analítico/sintético por Quine, 81 • O empirismo de Quine sem os dogmas, 85 • Os pragmatistas americanos depois de Quine: Nelson Goodman, Richard Rorty e Hilary Putnam, 100 • Leituras adicionais, 115 FUNDAMENTOS: 3.1, 112 • 3.2, 113 • 3.3, 114 • 3.4, 114 • 3.5, 115

QUATRO Filosofia da linguagem comum de Oxford e o segundo Wittgenstein________________

117

Introdução, 117 • O ataque ao formalismo: Strawson e Ryle, 121 • Filoso­ fia da linguagem: Austin e Wittgenstein, 126 • Filosofia da mente: Ryle, Strawson e Wittgenstein, 135 • A rejeição da teoria dos dados dos sen­ tidos, 145 • O legado da filosofia da linguagem comum, 151 • Leituras adicionais, 156 FUNDAMENTOS: 4.1, 153 • 4.2, 154 • 4.3, 155

CINCO Respostas à filosofia da linguagem comum: lógica, linguagem e mente

_____________

157

PARTE 1

LÓGICA FORMAL E FILOSOFIA DA LINGUAGEM

158

Gõdel e Tarski, 158 • Davidson, 163 • Grice, 171 • Carnap: significado e necessidade, 175 • Chomsky, 177 PARTE 2

FILOSOFIA DA MENTE

18o

Funcionalismo, 180 • Objeções ao funcionalismo: morcegos e a sala chi­ nesa, 186 • Monismo anómalo, 189 • O problema da causação mental, 191 • Leituras adicionais, 199 FIGURAS: 5.1, 167 FUNDAMENTOS: 5.1, 194 • 5.2, 194 • 5.3, 195 • 5.4, 196 • 5.5, 196 • 5.6, 197 • 5.7, 198 • 5.8, 199

SEIS O

re n asc im e n to d a m e tafísic a

201

Lógica modal, 201 • Mundos possíveis, 209 • Problemas com a concepção canónica de mundos possíveis, 213 • Identidade e identificação trans-

mundanas, 220 • A versão modal do argumento ontológico, 225 • Leitu­ ras adicionais, 233 FIGURAS: 6.1, 221 FUNDAMENTOS: 6.1, 228 • 6.2, 229 • 6.3, 230 • 6.4, 231 • 6.5, 231 • 6.6, 232 • 6.7, 232

SETE Nomeação, necessidade e espécies naturais: Kripke, Putnam e Donnellan______________ J235 Introdução, 235 • A teoria tradicional do significado e da referência, 236 • A crítica de Kripke e Donnellan à teoria tradicional: nomes e descri­ ções, 239 • Termos para espécies naturais, 243 • Problemas para a nova teoria da referência, 249 • Aplicações da nova teoria da referência à fi­ losofia da mente, 252 • A base social, cultural e institucional do signifi­ cado e da referência, 255 • Leituras adicionais, 258 FUNDAMENTOS: 7.1, 257

OITO Ética e metaética na tradição analítica_____________ _259 Introdução, 259 • Principia ethica, de G. E. Moore, 261 • O não cognitivism o de C. L. Stevenson, 264 • O prescritivismo universal de R. M. Hare, 267 • O retorno à ética substantiva, 270 • Questionando a separa­ ção fato/valor, 273 • Peter Singer e a libertação animal, 276 • Teoria da justiça de John Rawls, 280 • Leituras adicionais, 293 FUNDAMENTOS: 8.1, 291 • 8.2, 291 • 8.3, 292 • 8.4, 293

EPÍLOGO Filosofia analítica hoje e amanhã____________

295

Filosofia analítica desde 1980,295 • Qual é o futuro da filosofia analíti­ ca?, 317 • Leituras adicionais, 321 FIGURAS: 9.1, 309 FUNDAMENTOS: 9.1, 319 • 9.2, 320

BIBLIOGRAFIA ÍNDICE REMISSIVO

_________

323

'I

J

PREFÁCIO

filosofia analítica foi o movimento filosófico anglo-americano dominante no século X X e permanece dominante hoje. Já passou tempo suficiente para que possamos ter um a perspectiva histórica sobre essa tradição filosófica vital. M eu objetivo com este livro é fornecer uma visão geral dos principais filósofos, teorias, movimentos e controvérsias da filosofia analítica, bem como algumas ideias de sua configuração cultural, política e so­ cial. A tradição analítica anglo-americana começa com Bertrand Russell e G. E. Moore, no início do século XX . As obras mais recentes que eu foco são da década de 1970.0 epílogo traz um a breve discussão sobre o desenvolvimento da filosofia analítica de 1980 até os dias atuais e um olhar para o futuro. Não presumo que o leitor tenha alguma formação formal em filosofia. No entanto, a filosofia analítica é técnica. Ela cresceu de desenvolvimentos na lógica e nos fundamentos da matemática. Deixar de fora todos os aspectos técnicos significaria deixar de fora muitos aspectos interessantes e centrais da filosofia analí­ tica. Em vez de atravancar o texto com explicações de termos e questões que seriam familiares aos leitores que estudaram filo­ sofia, eu apresento recortes de fundamentos ao final de cada ca­ pítulo. Eles são indicados ao longo do livro como [ fundamentos n . — assunto]. Aqueles que considerarem esses recortes úteis podem folhear até o fim do capítulo. Outros podem saltá-los. O uso da lógica simbólica em certas passagens é inevitável. No fi­ nal do capítulo 1 forneço algum fundamento sobre simbolismo básico para leitores não familiarizados com a lógica simbólica. Ao final de cada capítulo também forneço um a lista comentada

A

XII

UMA BREVE HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANALÍTICA

de leitura adicional para os interessados em se aprofundar nos tópicos abordados ou se expandir para outras áreas. Para cada filósofo que discuto apresento citações pertinentes e representativas para ilustrar minhas exposições. Quero dar aos filósofos oportunidade de falar por si mesmos e oferecer uma noção de como eles soam com suas próprias vozes. Espero inspirar os leitores a buscar as fontes originais e persegui-las por conta própria. Mas percebo que para muitos este livro será a única chance de se envolver com muitos des­ ses textos. Forneço a fonte para cada citação, incluindo o número de página. Muitas ve^es apresento duas datas de publicação. Muitas das obras que cito são clássicos que foram reimpressos. Assim, posso citar uma reimpressão de 1978 de um artigo publi­ cado originalmente em 1912. Indico isto do seguinte modo: nome do autor 1978/1912, p . ...) (que remete à Bibliografia ). Transcrevo estas citações exatamente como apa­ recem nos textos originais. Eu não as editei tentando buscar consistência de ortografia e pontuação. De modo geral, não incluí na bibliografia sugerida as obras citadas no texto, um a vez que representam óbvias escolhas para leitura e estudo. Apresento interpretações-padrão aceitas quando se coadunam com meu enten­ dimento dos textos originais. Eu não me envolvo em disputas históricas, nem tento decidir entre as várias interpretações das ideias dos filósofos. A história deste livro se destina a ser um começo, não a palavra final. Seria um texto apropriado em cursos como Filosofia Analítica, Filosofia do Século X X e Filosofia Contemporânea. A estrutura do livro tem um início cronológico por volta de 1905 e se estende até a década de 1970. A história da filosofia analítica não é, contudo, um desenvolvi­ mento cronológico direto. Algumas correntes com diferenças marcantes são simul­ tâneas. Dentro da tradição da filosofia analítica, criticar, repensar e refazer antigas noções é crucial. Figuras eminentes como Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein m udaram seus pontos de vista, atacaram suas posturas anteriores. A história da fi­ losofia analítica é a história de filósofos analíticos lutando contra si mesmos e uns contra os outros, lutando com e contra suas origens, seus movimentos e suas dou­ trinas anteriores. Partes posteriores da história só podem ser compreendidas como reações às partes anteriores. O leitor não encontrará discussão de grandes pensado­ res limitada a capítulos individuais. Ao contrário, as histórias filosóficas de Russell, Wittgenstein, Carnap, Quine e outros são tecidas ao longo de vários capítulos. For­ neço um índice que será útil para aqueles que querem encontrar um pensador es­ pecifico ou um a questão neste livro. Incluo um a lista dos principais filósofos ana­ líticos no final da Introdução”. Sem dúvida, outros teriam feito listas um pouco diferentes, mas qualquer pessoa familiarizada com a história da filosofia analítica reconhecerá que a lista peca, se é que peca, apenas por omissão. Dedico um capítulo à ética na tradição analítica (capítulo 8). Depois de Principia ethica, de G. E. Moore (1903), a ética ficou fora do mainstream da filosofia analítica

PREFÁCIO

XIII

até os anos 1960. Nenhum a das grandes figuras da filosofia analítica antes de 1950 (com exceção de Moore) fez muitos trabalhos sobre ética, porque eles achavam que ela estava fora da província da filosofia. Tópicos éticos e questões sobre a análise da linguagem ética aparecem apenas brevemente nos capítulos anteriores. Começando na década de 1950 e continuando até hoje, um a grande expansão de interesse e tra­ balho em ética e teoria do valor ocorreu por razões que explico no livro. M eu foco principal foi a lógica, a filosofia da linguagem, a metafísica e a epistèmologia, tal como foram o foco principal da filosofia analítica de 1905 a 1960. Por várias razões, forneço apenas um a breve discussão da filosofia analítica desde a década de 1970 (“Epílogo”). Por um lado, trata-se de eventos atuais, não de história. Estamos muito próximos para ter um a visão histórica dos últimos trinta anos de filosofia. Por outro lado, o trabalho na filosofia analítica tornou-se tão especializado e técnico que o texto seria pouco mais do que um conjunto de explicações técnicas. Por fim, o volume de publicações, graças ao computador, à internet e ao consequente aumento das comu­ nicações, se expandiu para além do ponto em que é possível um a visão geral. Vincent van Gogh escreveu: “Eu exagero, às vezes faço alterações no tema, mas não invento a pintura como um todo; pelo contrário, encontro-a pronta mas para ser deslindada — no mundo real”. Esta é um a boa descrição da historiografia è da própria filosofia. Encontramos o assunto no m undo real para ser deslindado. Ten­ tei deslindar a história da filosofia analítica, sem muito exagero e invenção, espero. M as eu sou um filósofo analítico. Ensino filosofia desde meados dos anos 1960 e dei minhas próprias contribuições modestas em forma impressa. Não posso manter meus sentimentos pessoais totalmente fora da história neste livro. Conheci, ouvi, estudei, falei ou pelo menos me encontrei com muitos dos principais filósofos analí­ ticos. Sou um participante, não um observador. Em certas passagens, expresso mi­ nhas opiniões e tento embasá-las de modo breve. Estou pessoal e apaixonadamente envolvido na empresa esclarecedora e edificante da filosofia analítica. Eu gostaria de agradecer o auxílio das seguintes pessoas: meus colegas do Depar­ tamento de Filosofia e Religião do Ithaca College, Frederik Kaufman e Craig Duncan, que leram partes do manuscrito e fizeram sugestões valiosas. John Rosenthal, do Departamento de Matemática, gentil e pacientemente me ajudou com as par­ tes mais difíceis do texto. Gerald Hull leu grande parte do manuscrito e fez muitos comentários úteis, assim como Steven Lee numa versão anterior. E u tam bém gos­ taria de agradecer a Eric Lerner por sugestões proveitosas. M inha esposa, Diane Schwartz, leu todo o manuscrito à medida que eu escrevia e me sugeriu coisas valio­ sas de um a perspectiva não filosófica. Eu também gostaria de agradecer a John Heil e Peter Singer por terem lido partes do manuscrito e por seus comentários e suges­ tões úteis. Dois revisores anónimos da editora Wiley-Blackwell fizeram comentários extensos e muito úteis sobre todo o manuscrito. Tenho uma dívida de gratidão es­

XIV UMA BREVE HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANALÍTICA

pecial para com eles. Também gostaria de agradecer a Sheryl Englund pela ajuda generosa com aspectos práticos do meu projeto e a Jeff Dean, da Wiley-Blackwell pelo incentivo e pela orientação. Não seria preciso dizer, sou única e inteiramenté responsável pelo conteúdo deste livro, induindo os eventuais erros. Stephen P. Schwartz

Ithaca, 2012 Créditos________

A foto de Pembroke Lodge foi disponibilizada pela amável permissão de Sian Davies. Eu também gostaria de dar os créditos e agradecer ao fotógrafo Paul Fairbairn-Tennant (p. 37). The Checker Shadow Illusion © 1995, Edward H. Adelson (p. 31). A fotografia da casa de Wittgenstein em Viena é de Robert Schediwy e está disponível deedet^>1(p.S50).^ reatIVe C°mm0ns: 7), onde quantificamos num con­ texto modal. As objeções de Quine à lógica modal quantificada causaram frustra­ ção entre os lógicos modais por algum tempo e provocaram um grande número de respostas que por sua vez levaram ao desenvolvimentos e à sofisticação crescente da lógica modal, bem como à concretização dos piores temores de Quine — um res­ surgimento da proscrita metafísica. Quine apresentou várias objeções técnicas à lógica modal quantificada, o que os lógicos modais trataram com respostas e correções técnicas, mas sua objeção fundamental é que a quantificação em contextos modais leva inevitavelmente ao es­ sencialismo. O essencialismo do tipo envolvido na lógica modal quantificada — o essencialismo aristotélico — é a boa e velha metafísica. Há ainda outra consequência [da lógica modal quantificada], particularmente impres­ sionante: o essencialismo aristotélico. Trata-se da doutrina de que alguns dos atributos

SEIS 0 renascimento da metafísica

205

[isto é, propriedades e relações] de uma coisa (independentemente da linguagem em que a coisa é referida, se é que é referida) podem ser essenciais à coisa, e outros acidentais. Por exemplo, um homem, ou animal falante, ou bípede implume (pois eles são de fato as mesmas coisas) é essencialmente racional e acidentalmente bípede e falante não apenas enquanto homem, mas enquanto si mesmo (Q uin e 1966c/1953, p. 173-174). Evidentemente, essa reversão ao essencialismo aristotélico é necessária se insistimos na quantificação em contextos modais. Um objeto, por si mesmo e em virtude de qual­ quer que seja o nome ou de nome nenhum, deve ser visto como tendo alguns de seus traços necessariamente e outros contingentemente (Q uin e 1961c, p. 155 [FUNDAMEN­ TOS 6.3 — Essência versus acidente]).

Para Quine, isso é suficiente para desqualificar a lógica modal quantificada e a lógica modal em geral. “ [A lógica modal quantificada]... leva-nos de volta à selva metafísica do essencialismo aristotélico” (Q uine 1966c/1953, p. 174). “E, em con­ clusão, digo, como não o fizeram Carnap e Lewis: tanto pior para a lógica modal quantificada. Por implicação, tanto pior também para a lógica modal não quantifi­ cada...” (Q u ine 1961c, p. 156). O argumento quiniano de que a quantificação em contextos modais leva ao essencialismo depende do fato de os objetos caírem sob diferentes descrições. Um exemplo bem conhecido de Quine é o do número de planetas: O número de planetas = 9.

O caráter datado dessa identidade é instrutivo, mas o problema que esta iden­ tidade levanta para a lógica modal não tem nada a ver com as verdades mutáveis da astronomia. Considere a sentença modal: 3xD (x > 7)

Se substituímos “x” por “9” em “□ (x > 7)”, temos um a asserção verdadeira: □.(9 > 7)

Deveríamos poder substituir o mesmo objeto por qualquer nome sem alterar o valor de verdade. No entanto, quando fazemos isso temos a falsidade: □ (ó número de planetas > 7)

(Certamente, outro suposto planeta poderia ser rebaixado, tal como Plutão.) Isso demonstra que □ cria um contexto não extensional. Como Quine o formula,

206

UMA BREVE HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANALÍTICA

o contexto modal é referencialmente opaco [ f u n d a m e n t o s 6.4 — Identidade dos indiscerníveis, substitutividade, opacidade referencial, e mais coisas sobre extensional versus intensional], A única maneira de dar sentido a essa situação é sustentar que o número nove, o objeto em si, é necessariamente maior do que sete, mas só con­ tingentemente é igual ao número dos planetas. Este é o essencialismo que Quine rejeita tão inflexivelmente. Quine insiste em que “ser necessariamente ou possivelmente assim ou assado é, em geral, não um a característica do objeto em questão, mas depende da maneira de se referir ao objeto” (Q uine 1961c, p. 148). D e acordo com Quine, as descrições implicam a necessidade ou contingência, não o objeto em si. Um a forma de colo­ car isso, embora não seja adotada por Quine, é dizer que a modalidade é apenas de dictOy não de re. De dicto significa da palavra ou da fala, e de re significa da coisa em si. Quine rejeita a modalidade de re. N um a famosa passagem, ele tenta nos fazer sentir sua perplexidade sobre a modalidade de re. Talvez eu possa evocar o sentido apropriado de perplexidade como se segue. E conce­ bível afirmar que os matemáticos são necessariamente racionais e não necessariamente bípedes; e os ciclistas, necessariamente bípedes e não necessariamente racionais. Mas o que dizer de um indivíduo que conta entre suas excentricidades a matemática e o ci­ clismo? E este indivíduo concreto necessariamente racional e contingentemente bípede ou vice-versa? Na medida em que estamos falando referencialmente do objeto, sem viés especial para um grupo de matemáticos em detrimento de ciclistas ou vice-versa, não há um traço de sentido em classificar alguns de seus atributos como necessários e outros como contingentes. Alguns de seus atributos são considerados importantes e outros sem importância, sim; alguns duradouros e outros passageiros, mas nenhum necessário ou contingente. Curiosamente, existe uma tradição filosófica para tal distinção entre atributos neces­ sários e contingentes. Ela perdura nos termos “essência” e “acidente”, “relação interna” e “relação externa”. E uma distinção que se atribui a Aristóteles (sujeita a contradição pelos estudiosos, sendo essa a penalidade por fazer atribuições a Aristóteles). Mas, por venerá­ vel que seja a distinção, ela é certamente indefensável (Quine 1960, p. 199-200). Quine, é claro, não se limitou a rejeitar a lógica modal e seu essencialismo apenso. Ele rejeitou todos os objetos intensionais, como atributos (propriedades, relações), proposições e significados, como já vimos. Quine foi um extensionalista no sentido de que considerou que a lógica de predicados de primeira ordem mais a teoria dos conjuntos eram adequadas para a filosofia e a ciência. Essa linguagem [extensional] pode ser adequada para a matemática clássica e para o discurso científico em geral, exceto na medida em que o último inclui dispositivos dis-

SEIS 0 renascimento da metafísica

207

cutíveis como condicionais contrários-ao-fato ou advérbios modais como “necessaria­ mente" (Q uine 1961b/1951, p .30). Qualquer coisa intensional, como propriedades (em vez de conjuntos), signifi­ cados, proposições e modalidade de re, resulta em metafísica. A maioria dos lógicos, semanticistas e filósofos analíticos que discursa livremente sobre atributos, proposições ou modalidades lógicas não percebe que, com isso, implica uma posição metafísica que eles mesmos dificilmente admitiriam (Q uine 1961c, p. 157).

Mas admitir foi justamente o que fizeram! — Em vez de desistir da lógica m o­ dal quantificada, dos atributos etc., tornaram-se metafísicos rematados. Usaram à vontade as modalidades de re, abraçaram várias formas de essencialismo e, em geral, se deleitaram com as alegrias da lógica intensional desenfreada. E ainda fademos as­ sim. A coisa mais incrível é que nenhum surto de auto-ódio atormentou a filosofia analítica, nem um pouco de vergonha ou embaraço, nem mesmo ligeiras hesitações sobre toda essa metafísica. Os filósofos analíticos desfrutaram e continuam a des­ frutar de um florescimento da metafísica. A maioria de nós (eu digo “nós" porque sou desta escola) não só não sofreu com má consciência, mas foi bastante complacente. M inha opinião é que o essencia­ lismo aristotélico é intuitivo e inspirado pelo senso comum e, contrariando Quine, defensável — não assustador ou estranho. Quando desistimos das restrições contra a metafísica que tinham sobrecarregado a filosofia analítica, tivemos um a sensação de alívio e alegria. Ao abraçar a metafísica, no entanto, não desistimos do compro­ misso com a clareza, a cautela, o raciocínio sequencial cuidadoso, nem de honrar a ciência e a matemática. A objeção de Quine a objetos intensionais é que lhes faltavam critérios claros de iden­ tidade. U m lema de Quine bastante repetido é “Não há entidade sem identidade". Temos uma noção aceitável de classe ou objeto físico, ou atributo, ou qualquer outro tipo de objeto, somente na medida em que temos um princípio de individuação aceitável para esse tipo de objeto. Não há entidade sem identidade (Quine 1981b/1975, p. 102). De acordo com Quine, temos princípios de individuação para objetos físicos (lo­ calização espacial e continuidade espaçotemporal), para classes (classes ou conjuntos que têm os mesmos elementos são idênticos), mas não para atributos. Atributos, ou seja, propriedades ou relações, podem ter exatamente os mesmos membros mas ser diferentes, por exemplo, triangular e trilateral; ter um coração, ter um rim. Não te­ mos critérios, de acordo com Quine, de quando os atributos são os mesmos ou dife-

208

UMA BREVE HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANALÍTICA

rentes. O mesmo vale para significados, como ele argumentou em “Dois dogmas", e proposições. Pela mesma razão, Quine rejeita os não atualizados possíveis. Consideremos, por exemplo, o homem gordo possível no umbral daquela porta; e, agora, o homem calvo possível no umbral daquela porta. Eles são o mesmo homem possível ou dois homens possíveis? Como decidimos? Quantos homens possíveis há no umbral daquela porta? Há mais magros possíveis do que gordos? Quantos deles são iguais?... Estes elementos são quase incorrigíveis (Q uine 1961a/1948, p. 4).

Metafísicos analíticos responderam de várias maneiras ao argumento de Quine. Eles apontaram que critérios para a identidade das pessoas e dos objetos físicos não são tão claros como Quine supõe. Os filósofos quebraram a cabeça decifrando a identidadé pessoal e a reidentificação temporal dos objetos físicos. Muitas vezes não temos respostas claras sobre se um objeto é igual ou diferente de um objeto passado [ funda­ mentos 6.5 — O navio de Teseu]. No entanto, nós nos damos muito bem com objetos físicos. Se seguirmos as críticas de Quine, teremos de nos livrar de tudo exceto os conjuntos. (Alguns filósofos propuseram isso.) Além disso, trabalhou-se sobre as con­ dições de identidade para as propriedades, e este é ainda hoje um tema vivo. E melhor essa política do que jogar a toalha e tentar se conciliar com a severa dieta de arroz e sopa de repolho de Quine (ou seja, conjuntos, lógica de primeira ordem, sequências de sons, valores de verdade, pontos espaçotemporais, talvez objetos físicos)1. Outra razão para a boa consciência dos filósofos em rejeitar as reprovações de Quine foram os avanços dramáticos feitos por Saul Kripke em esclarecer a natureza dos sistemas concorrentes da lógica modal. Saul Kripke foi um a criança prodígio — e é um adulto prodígio. Ele nasceu em 1940 em Omaha, Nebraska. Enquanto ainda estava no colegial, publicou artigos técnicos significativos em lógica modal. Era aluno em Harvard quando realizou mais trabalhos importantes em lógica. Mais tarde, lecionou na Universidade de Harvard, depois na Rockefeller University, Princeton, e agora está na City University de Nova York. Kripke tem sido o principal filósofo americano desde Quine e tem contribuído significativamente para muitas áreas da filosofia, como veremos. Em 1963, na ActaPhilosophicaFennica (periódico finlandês de filosofia), Kripke publicou seu inovador artigo “Considerações semânticas sobre lógica modal" (1971/1963). Desde a publicação desse artigo a lógica modal tem se baseado nos re­ sultados técnicos de Kripke. Os métodos de Kripke estavam “no ar", na medida em Claro, alguns filósofos estavam dispostos a seguir a austeridade quiniana, pelo menos parcial­ mente. Vimos no capítulo 5 que Davidson queria substituir a noção intensional de significado por condições de verdade extensionais. Davidson, no entanto, como também vimos, tinha ten­ dências metafísicas. Ele e Quine discordaram em muitas questões.

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que vários outros lógicos estavam, de modo independente, sugerindo ideias seme­ lhantes, mas as de Kripke eram claras e decisivas. Os detalhes não precisam nos deter. (Os interessados poderão encontrar fontes na bibliografia adicional sugerida.) A ideia intuitiva, como vimos, é que Q P significa que P é verdadeiro em todos os mundos possíveis. Kripke engenhosamente mostrou que reorganizando as relações entre os mundos possíveis de várias maneiras obteríamos modelos para as diversas lógicas modais. Ele esclareceu as diferenças entre S4, B e S5, assim como esclare­ ceu os significados de algumas fórmulas modais problemáticas. Kripke colocou a lógica modal em firmes bases formais. Os métodos de Kripke foram usados por ou­ tros lógicos para formalizar outras lógicas intensionais. Graças a Kripke, Quine e outros extensionalistas não iriam nos expulsar de nosso paraíso metafísico.

Mundos possíveis

Mundos possíveis rapidamente se tornaram a coisa mais “in” na filosofia analítica. Note-se bèm que um mundo possível não é um planeta distante, nem próximo. Ele não faz parte do nosso universo. Um mundo possível é um a maneira total como as coisas poderiam ter sido. U m mundo possível inclui a totalidade do tempo e do es­ paço. O mundo atual (actuat) desde o início do tempo até o fim e todo o universo atual são um mundo possível — o atual. Evidentemente, o discurso sobre mundos possíveis e mundo possível foi utili­ zado para analisar as noções modais, mas também A ideia de mundos possíveis prometeu e, creio, forneceu compreensão e insight sobre uma ampla gama de temas. Preeminente aqui é, assim penso, o tema da possibilidade amplamente lógica, tanto de dicto como de re. Mas há outros: a natureza das proposi­ ções, propriedades e conjuntos; a função de nomes próprios e descrições definidas; a natureza de contrafactuais; o tempo e as relações temporais; determinismo causal; na teologia filosófica, o argumento ontológico, o determinismo teológico e o problema do mal (Plantinga 1979b, p. 253).

Eis um exemplo. Quine alegou que não temos critérios de identidade para as propriedades, diferentemente dos conjuntos. M as com os mundos possíveis nós te­ mos. O problema com propriedades é que duas propriedades diferentes podem ser possuídas por todas e somente as mesmas coisas. Como diferenciá-las? Cada mundo possível tem um domínio de objetos que existem nesse mundo. Devemos tratar uma propriedade como um a função que associa cada mundo possível com o conjunto de coisas existentes nesse mundo que têm a propriedade. Assim, as propriedades são

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funções de mundos possíveis para subconjuntos dos domínios dos mundos. Pro­ priedades são distintas se, em algum mundo possível, elas escolhem conjuntos dis­ tintos de indivíduos. Assim, duas propriedades diferentes que são possuídas por todas e apenas as mesmas coisas no mundo atual serão diferentes nas coisas que as possuem em outros mundos possíveis. Em outras palavras, as propriedades são di­ ferentes se as suas extensões possivelmente diferem. Eis outro. David Lewis e Robert Stalnaker, ambos pioneiros, juntamente com Kripke e Plantinga, do desenvolvimento e da aplicação da semântica do mundo possível, usaram os mundos possíveis para interpretar condicionais contrafactuais. Um condicional contrafactual diz qual teria sido o caso se alguma outra coisa tivesse ou nãò acontecido. Por exemplo, se Nader não tivesse concorrido à presidência em 2000, Gore teria vencido. Esse tipo de afirmação é muitas vezes significativo e útil. Os contrafactuais causaram problemas aos positivistas lógicos, porque não parece­ mos capazes de verificá-los. Vale lembrar que Quine, num a passagem citada acima, descreve os condicionais contrários-ao-fato como um dispositivo discutível. Mas acredito no contrafactual sobre a eleição de 2000, e m inha crença afeta m inha ati­ tude em relação a Ralph Nader, de modo que não estou disposto a rejeitá-lo. Como podemos explicar os contrafactuais? De acordo com Stalnaker: O conceito de um mundo possível é justamente o que necessitamos... A seguir... ofereço uma primeira aproximação da explicação que irei propor: Considere-se um mundo possível em que A é verdadeiro e difere minimamente do mundo real. “Se A , então

B ” é verdadeiro (falso) apenas no caso de B ser verdadeiro (falso) naquele mundo possivel (Stalnaker 1991/1968, p. 33-34).

A ideia é que consideremos o mundo possível de modo muito semelhante ao mundo atual, exceto que nesse mundo Nader não concorre. Se Gore ganha nes­ se m undo, então o contrafactual é verdadeiro. A análise de m undos possíveis de Stalnaker nos oferece um a forma clara e concisa de conceituar as condições de ver­ dade dos condicionais contrafactuais. A análise de Lewis é semelhante à de Stalnaker. Ele começa seu livro de 1973, Counterfactualst com um a condicional divertida sobre os cangurus. “Se os cangurus não tivessem cauda, eles tombariam” parece-me querer dizer algo as­ sim: em qualquer estado de coisas possível em que os cangurus não têm cauda e que e tanto semelhante ao nosso estado de coisas atual quanto o permite o fato de cangurus não terem cauda, os cangurus tombariam. Vou fornecer uma análise geral dos condi­ cionais contrafactuais seguindo essas linhas. Meus métodos são os de trabalhos bastante recentes sobre a semântica do mundo possível para a lógica intensional (p. 1).

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Lewis cita com destaque a semântica de Kripke para a lógica modal na nota de rodapé para o trecho acima citado» Alvin Plantinga, o principal filósofo analítico da religião, cita as aplicações pos­ síveis da semântica dos mundos possíveis para questões teológicas, e esse tem sido seu foco especial. (Iremos examinar seus argumentos mais adiante neste capítulo.) M undos possíveis foram inicialmente introduzidos na filosofia por G. W. F. Leibniz no século X V II, por motivos teológicos2. Leibniz fez a famigerada afirmação de que este mundo é o melhor de todos os mundos possíveis. Deus, antes da criação, considera todos os mundos possíveis. Ele sabe tudo sobre cada um do início ao fim e de ponta a ponta, porque Ele é onisciente. M as qual mundo D eus escolheu para realizar? Uma vez que Deus é perfeitamente bom, Ele não pode escolher algo menos do que o melhor. Assim, o mundo em que vivemos, aquele que Deus escolheu rea­ lizar, é o melhor de todos os mundos possíveis. Os lógicos modais ficam mais cons­ trangidos do que iluminados pela conclusão de Leibniz. Mesmo Plantinga a rejeita. Felizmente, não temos de resolver a questão de saber se este é o melhor de todos os mundos possíveis para apreciar as contribuições de Leibniz à metafísica. A maneira como venho descrevendo os mundos possíveis é chamada por Plan­ tinga de concepção canónica dos mundos possíveis. É canónica porque é a concep­ ção básica, em linhas gerais, que os filósofos têm utilizado. Para repetir brevemente: os mundos possíveis são maneiras totais como as coisas poderiam ter sido. Cada mundo tem um domínio de indivíduos que existem nesse mundo. Os domínios não precisam ser o mesmo. Eles não o são na semântica-padrão de Kripke para mundos possíveis. Algumas coisas existem em alguns outros mundos possíveis, mas não no mundo real, e vice-versa. Propriedades são funções de mundos possíveis para con­ juntos de indivíduos nos domínios desses mundos. Um a proposição necessária é verdadeira em todos os mundos possíveis (e podemos dar um a definição de verdade ao estilo de Tarski para a verdade-em-um-mundo). Uma proposição possível é ver­ dadeira em pelo menos um mundo possível; uma proposição impossível não é verda­ deira em nenhum. Um a proposição contingente é verdadeira em alguns mundos, mas falsa em outros. Note-se que a concepção canónica não faz nenhum a menção à analiticidade. Não se trata de linguagem. Mesmo que falemos da semântica do mundo possível, trata-se de metafísica. E o essencialismo? U m indivíduo tem um a propriedade essencialmente se e somente se ele tem essa propriedade em todos os m undos em que ele existe. Ele tem uma propriedade acidentalmente se e somente se ele a tem em pelo menos um mundo e não a tem em outro. Presumivelmente, tenho a propriedade de ser um Talvez sua herança teológica seja outro motivo não declarado de Quine para sua rejeição da ló­ gica modal e dos possibilia.

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ser humano em todos os mundos em que existo. Tenho a propriedade de viver em Ithaca em alguns, mas não em outros. Sou essencialmente humano, mas contin­ gentemente de Ithaca. (A propósito, aqui está m inha resposta ao enigma de Quine sobre o matemático ciclista: ele não é necessariamente um matemático nem neces­ sariamente um ciclista. Em algum mundo possível, ele não é nem matemático nem ciclista. De fato, eu diria, nenhum ser humano é necessariamente matemático ou necessariamente ciclista. Assim, nosso matemático que pratica ciclismo é contin­ gentemente um matemático e contingentemente um ciclista. Assim, ele não é nem necessariamente racional nem necessariamente bípede. Ele tem ambas as proprie­ dades acidentalmente. Ele seria necessariamente racional se os seres humanos fossem necessariamente racionais, mas, infelizmente, sabemos que isso não é verdade. O quebra-cabeça de Quine também pode ser resolvido usando a distinção entre de dicto e de re. Todos os maridos são necessariamente casados. Isto é necessidade de dicto. A necessidade pertence à descrição linguística “marido”. Mas eu, um marido, não sou necessariamente casado. De re estou contingentemente casado, como, de fato, todos os outros indivíduos casados.) U m ser necessário existe em todo mundo possível, um ser contingente em al­ guns, mas não em outros. Você e-eu somos seres contingentes. Alguns mundos em­ pobrecidos carecem de nós. Se números existem, presume-se que existam em todos os mundos possíveis. Quantificadores aplicam-se apenas dentro de um mundo dado. 3x (x é uma zebra) é verdadeiro porque zebras são encontradas no mundo atual. 3x (x é um limão vermelho) é verdadeiro se e somente se 3x (x é um limão vermelho) é verdadeiro em algum mundo possível. 3x (x é um limão vermelho) é verdadeiro se e somente se algum limão atual é vermelho em algum mundo possível. Note-se tam bém que, ao falar de outros mundos possíveis, usamos nossa linguagem com nossos significados. Nossos símbolos, aquelas formas, significam outras coisas em alguns outros mundos possíveis, mas isso não é preocupação nossa. Desse modo: 3xD (x > 7) é verdadeira se e somente se alguma coisa no domínio do mundo atual é maior do que sete em todos os mundos. Este seria o número nove (e infinitamente mui­ tos outros números). □ 3x (x > 7) é verdadeira se e somente se em todo mundo possível alguma coisa é maior do que sete.

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Aqui está um a fórmula modal interessante, chamada fórmula de Barcan, em homenagem a Ruth M arcus Barcan, um a defensora pioneira e influente da lógica modal quantificada, VxlZlAx D CiVxAx

Esta se revela falsa em S5, permitindo algumas suposições. Suponha que todo indivíduo no mundo real seja A em cada mundo em que ele existe. Então VxQAx é verdadeira. Agora também suponha que o domínio de algum outro mundo contenha objetos que não existem no mundo real e não são A naquele mundo. VxAx é falsa naquele mundo. Assim ~IZlVxA.x. Se todos os domínios dos mundos possíveis são o mesmo, então a fórmula de Barcan é válida. Tudo isso foi esclarecido por Kripke. Já que estamos nos divertindo tanto, consideremos brevemente outra aplicação da concepção canónica de mundos possíveis. Talvez você seja um determinista. Isto é, você acredita que todos os eventos e ações são causalmente predeterminados e não temos liberdade de escolha. Ah, agora que você foi infectado com a ideia de m un­ dos possíveis, você pensa em representar seu ponto de vista afirmando que só existe um mundo possível — o mundo atual. A concepção canónica de mundos possíveis nos oferece uma maneira melhor, mais flexível para representar o determinismo. Os mundos possíveis são temporalmente estendidos desde o início do tempo até o fim do tempo em cada mundo, O determinismo é a visão de que não há dois mundos com exatamente os mesmos segmentos iniciais seja qual for o comprimento. Em outras palavras, o determinismo é a visão de que mundos não podem ser o mesmo até certo ponto e depois divergir. De fato, eles não podem se sobrepor e, em seguida, divergir. Isso não é ótimo? A concepção canónica é engenhosa e ajuda a iluminar questões de filosofia e lógica. Devemos reservar um momento para apreciá-la e agradecer a Leibnis, C. I. Lewis, M arcus, Carnap, David Lewis, Plantinga, Stalnaker e outros estudiosos dessa área (ver bibliografia adicional sugerida), e especialmente a Saul Kripke por ela; e até mesmo Quine merece um aceno de cabeça. Seus persistentes desafios pro­ vocaram avanços na lógica modal.

Problemas com a concepção canónica de mundos possíveis____________ _

Naturalmente, por ser um a grande visão filosófica, a concepção canónica de m un­ dos possíveis sofre com inúmeros problemas. O primeiro deles é que ela é extremamente metafísica. Afirmações sobre m un­ dos possíveis alternativos não são verificáveis no sentido de verificável dos positivistas

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lógicos. Não podemos observar mundos possíveis não atuais. Não podemos viajar para eles, e não porque nossos foguetes sejam muito lentos. Isso gera um a questão epistemológica metametafísica: Como vamos decidir questões metafísicas como as que surgem sobre mundos possíveis? Os positivistas lógicos disseram: “Vocês não podem, por isso elas são sem sentido". Isso não é correto. Elas não são sem sentido. Então, o que fademos? Nós procedemos da melhor forma possível: por argumento, usando nossas intuições, nosso senso comum, nossas habilidades linguísticas co­ muns, nosso conhecimento científico e empírico e nosso senso de negócios. Sim, usamos nosso senso de negócios de certa maneira. Filósofos procedem por um a es­ pécie de análise custo-benefício intelectual. Perguntamos pelo preço intelectual de certa visão, teoria ou resposta; e quais benefícios elas oferecem. Isso remete às no­ ções pragmáticas de Quine envolvendo virtudes não empíricas. Sem dúvida, o leitor terá percebido que a concepção canónica não nos permite distinguir cada par de propriedades distintas. D e acordo com a concepção canónica, as propriedades são funções de mundos para conjuntos dentro de seus domínios. As propriedades triangularidade e trilateralidade vão escolher os mesmos objetos em todos os mundos possíveis, de modo que seriam consideradas a mesma propriedade. Proposições são funções de mundos a valores de verdade. Proposições necessárias obtêm o valor V em todos os mundos possíveis, de modo que elas seriam todas a mesma proposição, a função que associa a cada mundo o valor V. Talvez possamos dar de ombros e viver com isso. Este é um custo que podemos tolerar tendo em vista os benefícios da concepção canónica. Outros problemas não são tão fáceis de ignorar. Nós nos confrontamos com várias questões metafísicas interligadas: o que são mundos possíveis? Dissemos “maneiras totais como as coisas poderiam ter sido". Mas o que é isso? São os mundos possíveis coisas reais ou só imaginárias? Ou são descrições de estado, como disse Carnap? Os indivíduos em outros mundos possíveis realmente existem? As apreensões de Quine sobre os homens possíveis no umbral da porta não são legítimas? Temos também as controversas questões da identidade e da identificação transmundanas. Se eu dis­ sesse, por exemplo, “Se Aristóteles tivesse morrido devido a um a praga que varreu Estagira na época de seu nascimento, o Ocidente não teria desenvolvido as discipli­ nas de lógica e metafísica", presumivelmente minha asserção deveria ser interpretada como dizendo que há um mundo possível, muito semelhante ao atual até 384 a.C. ou 385 a.C. com exceção do fato de Aristóteles morrer na infância e, depois, diferente de maneiras decorrentes disso. Mas como. sei que o bebê Aristóteles está no domínio daquele mundo? Assumindo que ele está, como faço para identificar Aristóteles na­ quele mundo? Como sei que estou falando de Aristóteles e não de alguma outra pes­ soa? Não temos telescópios ou metafisiscópios que nos permitam perscrutar outros mundos. E, mesmo se tivéssemos, como saberíamos o que estamos olhando?

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Respostas controversas a estas questões foram defendidas pelo principal me­ tafísico dos nossos tempos, David Lewis. Nós já deparamos com o funcionalismo de Lewis na filosofia da mente (ver p. 183) e observamos, acima, sua teoria dos contrafactuais. Lewis é outro filósofo do periódico Harvard Crimson. Ele obteve seu doutorado sob orientação de Quine em Harvard em 1967, mas obviamente Lewis não era seguidor de Quine. Ele tomou direções filosoficamente ortogonais às de seu professor. Lewis passou a maior parte de sua carreira lecionando na Universidade de Princeton. M orreu em 2001, aos 60 anos, de complicações de diabetes. Lewis fez muitas contribuições notáveis para muitas áreas da filosofia— de fato, a definição do determinismo em termos de mundos possíveis é atribuída a ele. M as Lewis é mais conhecido por seu realismo modal. Realismo modal é a visão de que outros mundos possíveis são tão reais quanto nosso mundo atual. Indivíduos nesses mundos são tão reais e têm uma existência tão plena e completa como os indivíduos atuais. A única diferença é que somos atuais e eles não. Nós habitamos este mundo, nosso mundo, o mundo atual. Outras pessoas habitam outros mundos, e para elas seus mundos são atuais. Outros mundos possíveis são espacialmente descontínuos em relação ao nosso mundo, mas são quase como outros planetas, de acordo com Lewis. Existem outros mundos que são de outras maneiras? Afirmo que sim. Defendo uma tese da pluralidade de mundos, ou realismo modal, que sustenta que nosso mundo não é se­ não um mundo entre muitos. Há inúmeros outros mundos, outras coisas bastante inclu­ sivas. ... Os mundos são algo como planetas remotos, exceto que são, na maioria, muito maiores do que meros planetas, e eles não são remotos. Tampouco são próximos. Eles não estão a nenhuma distância espacial daqui. Não estão distantes no passado ou no fu­ turo, nem próximos tampouco; não estão a nenhuma distância temporal de agora. São isolados: não há quaisquer relações espaçotemporais entre coisas que pertencem a mun­ dos diferentes. Nada que acontece em um mundo causa acontecimento em outro. Tampouco este mundo difere dos outros em sua maneira de existir.... Da mesma forma, algumas coisas existem aqui em nosso mundo, outras existem em outros mun­ dos; mais uma vez, considero isso uma diferença entre coisas que existem, não uma diferença em sua existência (L ewis 1986, p. 2-3).

Lewis não tem nenhum argumento irresistível para seu realismo modal. Em vez disso, ele argumenta que os benefícios superam os custos. Inicio o primeiro capítulo [de seu livro On the Plurality of Worlds] revendo as muitas maneiras em que a filosofia sistemática caminha mais facilmente se pressupomos o rea­ lismo modal em nossas análises. Considero ser isto uma boa razão para pensar que o

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realismo modal é verdadeiro, assim como a utilidade da teoria dos conjuntos em mate­ mática é uma boa razão para acreditar que existem conjuntos (Lewis 1986, p. vii).

De acordo com Lewis, os benefícios de aceitar a existência paralela de um a infi­ nidade de outros mundos possíveis e as coisas que existem neles valem a pena. “Os benefícios valem o custo ontológico'' (L ewis 1986, p. 4). Em Pluralidade dos mundos (1986), Lewis considera em detalhes todos os tipos de objeções ao realismo modal. A única objeção que ele admite não poder rebater é o olhar incrédulo. O teste adequado, sugiro, é uma simples máxima de honestidade: nunca apresente uma teoria filosófica em que você mesmo não pode acreditar em seus momentos me­ nos filosóficos e mais de senso com um .... O olhar incrédulo é um gesto destinado a dizer que o realismo modal não passa no teste. Isso é uma questão de julgamento e, com respeito, eu discordo. Eu reconheço que minha negação da opinião do senso comum é grave, e acho que é totalmente cor­ reto e adequado contar isso como um custo sério. Quanto é sério o suficiente para ser decisivo? — Essa é nossa questão central, mas não vejo como algo pode ser dito sobre ela. Eu ainda acho que o preço é~justo, por elevado que seja. O realismo modal deve ser aceito como verdade. Os benefícios teóricos valem a pena (Lewis 1986, p. 135).

A fim de considerar os custos e benefícios de um a visão, devemos considerar as alternativas. A alternativa ao realismo modal é o atualismo modal. O atualismo modal é a visão do senso comum de que só o mundo atual existe. O lema definidor do atualismo é “Tudo o que existe é atual". Assim, de acordo com atualistas mo­ dais, outros mundos possíveis e tudo em seus domínios devem consistir em coisas encontradas no mundo atual. Atualistas não querem desistir de nenhuma das glórias da metafísica dos m un­ dos possíveis. Isso seria um custo muito pesado. Então eles têm o ónus de explicar como outros m undos possíveis devem ser construídos de coisas encontradas em nosso mundo atual. Este é o análogo filosófico de explicar como construir um rádio de ondas curtas com itens comuns encontrados pela casa. Talvez você possa fazer isso, mas não vai ser fácil. A versão mais conhecida e mais vigorosamente defendida de atualismo é a de Plantinga. De acordo com Plantinga, mundos possíveis são estados de coisas, estados de coisas máximos. São como as descrições de estado de Carnap, exceto que estados de coisas não são sentenças. Um simples estado de coisas é definido como um indivíduo que tem uma propriedade. Então, Hilary Putnam ser um filósofo é um estado de coi­ sas. Estados de coisas complexos e compostos incluem outros estados de coisas. Hilary Putnam ser um filósofo distinto inclui o estado de coisas de ser ele um filósofo.

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Um estado de coisas máximo, portanto, é aquele que, para cada estado (State) de coi­ sas S, ou ele inclui 5 ou exclui S. E um mundo possível é um estado de coisas que é tanto possível quanto máximo. Tal como na concepção canónica, apenas um destes mundos possíveis — a — tem a distinção de ser tal que cada estado de coisas que ele inclui é atual (Plantinga 1979b, p. 258).

Alguns possíveis estados de coisas prevalecem e, portanto, são atuais, mas outros não prevalecem, como o de Putnam ser um político. No entanto, eles existem e fasem parte do mundo atual. Eles são objetos abstratos, como são estados de coisas atuais. Claro que não estou afirmando que este estado de coisas [por exemplo, ser Putnam um político] não existe, ou que simplesmente não existe tal estado de coisas; com efeito, há tal estado de coisas, e ele existe tão serenamente quanto o estado de coisas mais solidamente atual de vocês. Mas não prevalece, não é atual. No entanto, ele poderia ter sido real, e se as coisas tivessem sido apropriadamente diferentes ele teria sido real; ele é um estado de coisas possível (Plantinga 1979b, p. 258).

Assim, outros mundos possíveis são estados de coisas totais não atuais, que são objetos abstratos existindo “serenamente" em nosso mundo atual. Um objeto tem um a propriedade em um mundo se esse mundo inclui o estado de coisas de esse ob­ jeto ter essa propriedade [ fundamentos 6.6 — Abstrato versus concreto]. De acordo com o atualismo, o domínio de todos os mundos possíveis está con­ tido no domínio do mundo atual. Certamente, no entanto, queremos manter a ideia de que alguns mundos possíveis contêm indivíduos que são possíveis mas não atuais. Como um atualista pode lidar com isso? Com essências individuais. Um a essência é um a propriedade ou um conjunto de propriedades que são necessárias e suficien­ tes para ser um indivíduo particular. De acordo com Plantinga, essências existem necessariamente, mas não precisam ser exemplificadas. Sócrates é um ser contingente; sua essência, contudo, não. Propriedades, como propo­ sições e mundos possíveis, são seres necessários. Se Sócrates não tivesse existido, sua es­ sência não teria sido exemplificada, mas não seria inexistente. Em mundos onde Sócrates existe, a socraticidade é sua essência; exemplificar a socraticidade é essencial para ele. A socraticidade, contudo, não tem, essencialmente, a propriedade de ser exemplificada por Sócrates; não é exemplificada por ele em mundos onde ele não existe. Nesses mundos, é claro, ela não é exemplificada de modo algum... (Plantinga 1979b, p. 268).

Portanto, é assim que funciona para o atualismo: todas as essências existem. Elas são objetos abstratos do mundo atual e em quaisquer outros mundos possíveis

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(todos os quais, por sua vez;, existem no mundo atual). Em alguns mundos, algumas essências são exemplificadas, outras não. Se a essência e é exemplificada no mundo M f então é verdadeiro em M que o objeto único que exemplifica e existe em M. Existência em outros mundos possíveis significa um a coisa para atualistas e ou­ tra para realistas. D e acordo com Lewis, seres possíveis existem em outros mundos possíveis tão concretamente quanto nós existimos em nosso mundo. Para Plantinga, dizer que seres existem em outros mundos possíveis significa que se esses mundos tivessem sido atuais esses seres teriam existido. Dizer que um objeto x existe em um mundo M é dizer que se M tivesse sido atual x teria existido; mais exatamente, x existe em M seé impossível que M prevaleça e x não exista. ... Dizer que Sócrates existe em M não é, obviamente, dizer que Sócrates existe, mas apenas que ele teria existido seMtivesse sido atual (Plantinga 1974a, p. 46-47).

Desse modo, como Plantinga pode capturar a ideia de que poderia ter havido objetos que não existem atualmente? Por exemplo, eu poderia ter tido um irmão mais velho, mas não tenho. Plantinga diria que em algum m undo alternativo pos­ sível um a essência individual de um irmão mais velho meu é exemplificada, mas não é exemplificada no mundo atual. Algum mundo alternativo possível contém o estado de coisas de essa essência ser exemplificada. M eu irmão mais velho existe nesse mundo possível, mas não existe. O atualismo oferece um a maneira elegante de lidar com existenciais negativos — asserções de que algo não existe. O realismo modal terá problemas com exis­ tenciais negativos, porque a asserção de que algo nao existe só será verdadeira num mundo onde a coisa em questão não faz parte do domínio, mas então como alguma coisa pode ser verdadeira a respeito dela? Para o atualismo, isso não é problema, “o não existe” é verdadeiro num mundo se e somente se a essência de o3 não é exem­ plificada nesse mundo. “M eu irmão mais velho não existe” significa que nenhuma essência individual de um irmão mais velho meu é exemplificada. No entanto, é melhor segurar os aplausos. O atualismo vai precisar de um mon­ te de essências individuais — um a para cada pessoa possível, e muito mais. Ele vai precisar de essências individuais para cada objeto possível, e talvez até mesmo para objetos impossíveis. Poderíamos dizer que o quadrado redondo não existe em ne­ nhum m undo possível. A o essência do quadrado redondo não é exemplificada em nenhum mundo possível. Todas essas essências existem no mundo atual, uma vez que tudo o que existe é atual. Isso não é exatamente o tipo de “selva metafísica” de essên­ cias em que, segundo Quine, ficaríamos atolados? Isso não merece um olhar incré3

N. T. Em referência a older, “mais velho”.

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dulo? O atualismo é mais plausível do que o realismo modal? Em vez de existir m un­ dos possíveis e indivíduos possíveis alternativos, temos estados de coisas e essências exemplificados e não exemplificados, todos no mundo atual Isso parece tão distante do senso comum e da razão quanto os mundos existentes mas não atuais, E provável que o atualista tente recuperar nossa credulidade apontando que aceitamos todos os tipos de impérios de objetos matemáticos e geométricos abstratos. Os níveis de infinito da teoria dos conjuntos superam rapidamente qualquer coisa acessível ao senso comum ou à percepção [ fundamentos 5.3 — Conjuntos infinitos e a hipótese do continimm, cap. 5], Por exemplo, no segmento de linha euclidiano um a quantidade infinita de pontos se encaixa entre quaisquer dois pontos. Presu­ mivelmente esses pontos euclidianos existem no mundo atual, se é que existem. A cardinalidade do conjunto de pontos num segmento de linha é maior do que a car­ dinalidade dos inteiros infinitos, e assim por diante. Se podemos aceitar tais estru­ turas matemáticas, por que não mundos possíveis abstratos, incluindo suas essên­ cias contidas, e assim por diante? Infelizmente, ao contrário de mundos possíveis, temos métodos de prova na matemática, mesmo que estes não respondam a todas as perguntas. Nós podemos mais ou menos “ver” como objetos matemáticos são construídos e temos boas intui­ ções em grande parte do tempo, ou pelo menos assim será se despendermos tempo para aprender os sistemas. Além disso, a geometria e a matemática têm aplicações práticas indispensáveis. Não temos tais métodos, intuições ou aplicações, como Quine apontou, em relação a objetos tais como meu irmão ou irmãos mais velhos possíveis, ou em relação a quaisquer outras essências individuais exemplificadas ou não exemplificadas. Eu, francamente, não tenho nenhuma ideia sobre que pro­ priedade é ou que propriedades são a socraticidade. Talvez isso não importe. Talvez tudo de que precisemos sejam ideias vagas sobre essas essências. Certamente, eu poderia ter tido um irmão mais velho; posso contar um a história plausível. Eu poderia ter boas razões para querer contar tal história. Talvez isso seja suficiente, e devemos ser gratos por Plantinga e outros atualistas terem suprido os difíceis detalhes para tornar isso metafisicamente respeitável. Não estou disposto a desistir de falar e pensar sobre o que teria sido, poderia ter sido, deveria ter sido, não poderia ter sido e assim por diante. Um dos trabalhos dos fi­ lósofos é nos ajudar a compreender a lógica subjacente, os comprometimentos e a estrutura de tais discursos e pensamentos. Não temos nenhum a razão para supor que estes sejam simples e do senso comum. Para mim, a versão de Plantinga custa menos do que a afirmação dos realis­ tas modais de que meus irmãos mais velhos (e inúmeros irmãos mais velhos) exis­ tem concretamente em algum outro espaço mas não são atuais. Isso simplesmente não me convence.

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Identidade e identificação transmundanas

Quando falamos ou pensamos sobre Sócrates ou sobre nós mesmos existindo com características diferentes em outros mundos possíveis, como identificamos Sócra­ tes ou a nós mesmos em tais mundos? Penso comigo mesmo que eu poderia ter ido para a escola de negócios em vez de para a escola de pós-graduação em filosofia na Cornell. Eu poderia ter me tornado um corretor da bolsa e ganhado muito dinheiro. Eu agora estaria escrevendo um livro sobre como evitar o crash iminente do mercado (pelo qual eu teria recebido um enorme adiantamento) em vez de um a história da filosofia analítica. Tudo isso é possível. Em algum mundo possível, eu sou um rico corretor aposentado escrevendo um best-seller sobre investimento. Como sei disso? Por que acredito nisso? Levantando um a questão mais pertinente aqui, já que eu certamente acredito, como eu me identifico nesses outros m undos possíveis? Eu teria tido um a carreira muito diferente, me casado com um a m ulher diferente, tido filhos diferentes (ou talvez nenhum), morado num a mansão em Scarsdale, em vez de num a casa modesta em Ithaca etc. etc. (Eu teria lamentado não lecionar?) Tão diferente, mas ainda eu. Possibilidades admissíveis são muito extremas. Eu poderia ter sido um imperador da China ou um explorador do Ártico. Contudo, as possi­ bilidades são limitadas. Eu não poderia, em nenhum mundo possível, ter sido um imperador da China em 1500 ou um explorador do Ártico em 1873. Isso não teria sido eu. Tampouco eu poderia ter sido um jacaré. O problema da identidade transmundana se torna ainda mais grave quando con­ sideramos que em outro mundo possível alguém mais tem todas as minhas caracterís­ ticas óbvias, tais como aparência, carreira, casamento (mas não filhos!), mas não é eu. O que me torna eu nesses outros mundos possíveis e faz que ele não seja eu? Como podemos identificar um eu muito diferente como eu; quanto a outro homem que pa­ rece e age exatamente como eu pareço e ajo, como identificá-lo como não eu? Uma coisa que sabemos é que nós não identificamos indivíduos em diferentes mundos por nenhum método empírico, um a vez que eles não são observáveis. As­ sim, um a opção que temos é simplesmente evitar o problema sustentando que ne­ nhum objeto existe em mais de um mundo. Plantinga não aceita essa opção, mas apresenta o argumento em favor dela para contestá-lo. Então, se é inteligível supor que Sócrates existe em mais de um mundo, deve haver alguma propriedade empiricamente manifesta que ele, e só ele, possui em cada um dos mundos em que ele existe. Ora, obviamente não sabemos de tal propriedade, nem mesmo que existe tal propriedade. De fato, é difícil ver como poderia haver tal pro­ priedade. Mas, então, a própria ideia de identidade transmundana não é realmente inteligível — e neste caso devemos supor que nenhum objeto existe em mais de um mundo (Plantinga 1979a, p. 152).

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Ao contestar esse argumento, Plantinga observa primeiramente que nós tam ­ bém temos o problema análogo de identificar indivíduos ao longo do tempo. Em (a), (b) e (c), a figura 6.1 mostra fotos minhas: primeiro como criança, em meados da década de 1940; depois como estudante de pós-graduação, na década de 1960, e agora como professor emérito. Eu não pude me reconhecer como uma criança. Não conhecemos marcas iden­ tificadoras empíricas que uma pessoa carrega ao longo de sua vida e que usamos para identificação. (Não tenho nenhuma ideia sobre o meu DNA e, a propósito, nem mesmo sobre minhas impressões digitais.) A identificação atual ou reidentificação de uma pes­ soa pode ser altamente controversa — Hitler, Elvis etc. No entanto, nos saímos bem na maior parte do tempo falando e pensando sobre a vida das pessoas que se esten­ dem por décadas. Fazemos o mesmo falando sobre possibilidades alternativas. Consequentemente, a afirmação de que eu devo ser capaz de alguma forma de identificar Sócrates em M — de distingui-lo— ou é trivial ou baseada em confusão. Claro, eu preciso saber de quem estou falando entre as pessoas existentes em M — as pessoas que teriam existido se M tivesse sido atual. Mas a resposta, obviamente, e trivialmente, é Sócrates. Portanto, para ser capaz de responder, eu, entretanto, não preciso saber mais nada sobre como Sócrates teria sido se M tivesse sido atual (Plantinga 1979a, p. 154).

A essência individual de indivíduos em outros mundos possíveis deve ser igual ao seu self atual. Quem quer que seja eu em outros mundos possíveis deve ter m i­ nha essência individual, qualquer que seja, e nenhum outro indivíduo pode tê-la em nenhum mundo. Nós não conhecemos plenamente o todo de um a essência in­ dividual, mas podemos presumir uma parte dela. E por isso que as possibilidades são limitadas. Presumo que minha essência, e a do leitor, inclua ser humano. As­ sim, nenhum de nós é um jacaré em nenhum mundo possível. Um jacaré é, tam ­ bém suponho, essencialmente um jacaré. Assim, em nenhum mundo possível seu

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animalzinho de estimação jacaré é um ser humano. Além disso, suponho que fatos sobre DN A e paternidade sejam essenciais para seres humanos (e jacarés). Assim, eu não poderia ter vivido antes que meus pais ficassem juntos. Quando digo que em outro mundo possível Aristóteles morre quando bebê, estou supondo que nesse ou­ tro mundo possível essa pessoa mesma— que realmente foi o fundador da disciplina de lógica e fez muitas outras contribuições monumentais para a fundação da tradição ocidental da ciência e da filosofia e viveu até os 62 anos de idade — , com seu DNA, sua ascendência e os fatos de nascimento morre quando bebê. E claro, todas essas afirmações metafísicas são discutíveis, como o são as afirma­ ções sobre a reidentificação temporal dos indivíduos. O resultado, no entanto, é que, se os indivíduos existem em mundos alternativos, eles devem participar de sua essência individual, conhecida ou desconhecida, e podemos nos referir a eles sem saber precisa­ mente iqual é sua essência e sem ser capazes de distingui-la num grupo metafísico. Kripke ressalta que, quando estávamos na escola, todos nós aprendemos sobre mundos possíveis ao resolver problemas envolvendo probabilidades. Considerávamos dois dados e calculávamos a probabilidade de surgirem dois seis. '“Mundos possíveis' são pouco mais do que os minimundos da probabilidade escolar inflados" (K ripke 1980/1972, p. 18). Perguntar corno sabemos que nessa situação àqueles dados seriam os mesmos objetos que aqueles em nossa mão seria uma loucura. Ao fazer problemas de probabilidade, estipulamos as situações possíveis alternativas e os objetos neles. “Mundos possíveis” são estipulados, não descobertos por telescópios potentes. Não há nenhuma razão para não poder estipular que, ao falar sobre o que teria acontecido com Nixon numa determinada situação contrafactual, nós estamos falando sobre o que teria acontecido com ele (K ripke 1980/1972, p. 44).

Identificação transmundana não é um enigma metafísico profundo. Não pergunte: como posso identificar esta mesa em outro mundo possível a não ser por suas propriedades? Tenho a mesa em minhas mãos, posso apontar para ela e, quando pergunto se ela poderia ter estado em outra sala eu estou falando, por definição, sobre ela. Eu não tenho de identificá-la após vê-la através de um telescópio.... Algumas pro­ priedades de um objeto podem lhe ser essenciais, na medida em que não poderia deixar de tê-las. Mas essas propriedades não são utilizadas para identificar o objeto em outro mundo, pois não é necessária tal identificação (K ripke 1980/ 1972, p. 53).

Desse modo, Kripke e Plantinga, e muitos outros, descartam os problemas de identidade e identificação transm undanas como pseudoproblemas. Eles contam com nossa capacidade e nossa vontade de estipular mundos alternativos possíveis.

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Ao estipular não precisamos, nem podemos, estipular os detalhes de mundos intei­ ros. Apenas descrevemos as partes deles de que precisamos para nossos propósitos e deixamos o resto sem especificação. Quando digo que num mundo alternativo pos­ sível eu sou um corretor de valores, suponho que todo o resto é praticamente igual ao que é no mundo atual, excetuando aquelas coisas relacionadas com o fato de eu ser um corretor da bolsa. David Lewis, por outro lado, não pode adotar este modo relaxado diante das questões transmundanas. De fato, o realista modal lewisiano terá de aceitar a vi­ são, rejeitada por Plantinga e Kripke, de que cada objeto concreto existe em apenas um mundo possível. (Leibniz tam bém sustentava que nenhum ser humano pode­ ria existir em mais de um mundo possível.) De acordo com Lewis, outros mundos possíveis existem concretamente, e os objetos espaciais ordinários neles também existem concretamente. Não posso existir concretamente em dois mundos diferen­ tes, assim como não posso existir concretamente em dois lugares ao mesmo tempo. Em todo caso, a visão de Lewis é de que essa dupla existência é impossível se os objetos devem diferir de alguma maneira. Se de fato Humphrey [Hubert Humphrey, candidato presidencial democrata em 1968] — ele próprio, todo ele — deve levar uma vida dupla como parte de dois mun­ dos diferentes, não há nenhuma maneira inteligível para suas propriedades intrínsecas [propriedades não relacionais, como tamanho, forma, composição] diferirem de um mundo para o outro (L ewis 1986, p. 201). Em vez de existir em outros mundos possíveis, os objetos têm contrapartes em outros mundos, de acordo com Lewis. M inha contraparte em outros mundos se parece comigo em alguns aspectos cru­ ciais, mas difere em várias características não essenciais. Dizer que eu poderia ter ido para a escola de negócios em vez de obter doutorado em filosofia significa, de acordo com a teoria da contraparte, que minha contraparte (ou minhas contrapartes) em ou­ tro mundo possível vai para a escola de negócios etc. Significa que outro cara não é eu, mas é muito parecido comigo. Evidentemente, ele também existe em somente um mundo possível. Então, provavelmente, eu sou sua contraparte neste mundo4. Enquanto alguns diriam que você está em vários mundos, em que você tem proprieda­ des um pouco diferentes, e coisas um pouco diferentes acontecem com você, eu prefiro Nao com certeza, contudo. A relação de contraparte é mais frouxa do que a identidade. Tenho mais de uma contraparte em alguns outros mundos e minha contraparte do outro mundo tam­ bém tem múltiplas contrapartes em alguns mundos. A relação de contraparte também não é simétrica, de acordo com Lewis.

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dizer que você está no mundo atual e em nenhum outro, mas você tem contrapartes em vários outros mundos. Suas contrapartes se assemelham a você estreitamente, em conteúdo e contexto, em aspectos importantes. Assemelham-se a você mais do que quaisquer outras coisas em seus mundos. Mas as contrapartes não são realmente você. Pois cada uma delas está em seu próprio mundo, e só você está aqui no mundo atual. De fato, poderíamos dizer, falando casualmente, que suas contrapartes são você em outros mundos, mas elas e você são a mesma coisa; mas essa mesmidade não é uma identidade literal mais do que a mesmidade entre você hoje e amanhã. Seria melhor dizer que suas contrapartes são homens que você teria sido se o mundo tivesse sido de outra forma (L ewis 1979/1968, p. 111-112). Assim, de acordo com Lewis, quando reflito sobre a eleição de 2000 e acho que se Nader não tivesse concorrido Gore teria vencido, não estou exatamente pen­ sando em Nader e Gore. Estou pensando em suas contrapartes em outro mundo que é semelhante ao mundo atual, com exceção de que um a pessoa semelhante ao Nader atual não concorre, e ninguém como ele concorre, e um a pessoa semelhante ao Gore atual vence. A teoria das contrapartes deLewis se confronta com vários problemas. Consi­ deremos a ideia de que em algum mundo possível Aristóteles morre quando bebê. Isto significa que a contraparte de Aristóteles morre quando bebê. Suponha que nesse mundo outro indivíduo descobre a lógica e faz muitas das coisas que Aristó­ teles fez, e até mesmo se parece e age como Aristóteles, é aluno de Platão etc. Qual é a contraparte de Aristóteles ou são ambos suas contrapartes? Aquela que morre ainda criança não se assemelha muito ao Aristóteles atual, se levarmos em conta todo seu tempo de vida. A semelhança deve consistir, portanto, apenas em DNA, fatos de nascimento e ascendência de sua contraparte. Quando Lewis fala em mi­ nha contraparte se assemelhar a m im “mais do que quaisquer outras coisas em seus m undos”, ele tem de explicar como está interpretando semelhança. A fim de acomodar todas as diferenças que julgamos possível haver em relação à atualidade, um a noção simples de semelhança não dará conta do recado. Lewis terá de apelar a essências desconhecidas e incognoscíveis, tal como o atualista. Isso é pior para Lewis, porque ele já tem um fardo ontológico e de plausibilidade muito mais pe­ sado. Talvez Lewis possa lidar com esse problema introduzindo múltiplas relações de contraparte, mas ele tem muito que explicar. Outro problema é que a teoria da contraparte não pode explicar a peculiar pun­ gência do pensamento contrafactual. Eu lamento por algumas coisas que eu pode­ ria ter feito mas não fiz, e eu sinto pesar ou alegria por coisas que fiz mas poderia não ter feito. Estes são pensamentos sobre mim neste e em outros mundos possíveis. Kripke pergunta: por que eu deveria me importar com o que alguém que se asseme­ lha a mim faz ou deixa de fazer?

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A contraparte de alguma coisa em outro mundo possível nunca é idêntica à coisa mesma. Assim, se dizemos “Humphrey poderia ter vencido a eleição (se ele tivesse feito isto e aquilo)", não estamos falando de algo que poderia ter acontecido a Humphrey, mas a outra pessoa, uma “contraparte". Provavelmente, no entanto, Humphrey não daria a mínima se algum outro, não importa quanto se assemelhe a ele, tivesse sido vitorioso em outro mundo possível. Assim, a visão de Lewis parece-me ainda mais bizarra do que as noções usuais de identificação transmundana que ela substitui (K ripke 1980/1972, p. 45). Plantinga tam bém segue essa linha na refutação da teoria da contraparte. É claro, o defensor da teoria das contrapartes responderá que Sócrates — o Sócrates de a [o mundo atual] — indubitavelmente tem contrapartes não sábias, o que é sufi­ ciente para a verdade de que ele poderia ter sido não sábio.... E como isso é até mesmo relevante para a afirmação de que o próprio Sócrates— o Sócrates de a — poderia ter sido não sábio? Poderia ter havido um tolo muito parecido com Sócrates; como este fato mostra que Sócrates poderia ter sido não sábio? ... Sem dúvida, há um possível estado de coisas que inclua a existência de uma pessoa não sábia que é semelhante a Sócrates; mas este fato é totalmente irrelevante para a verdade de que Sócrates — o próprio Sócrates — poderia ter sido não sábio (Plantinga 1974a, p. 116). Lewis responderia que ter um a contraparte não sábia é exatamente o que sig­ nifica ser possivelmente não sábio. Enunciados nem sempre levam seus significados estampados na cara, e isso é certamente verdadeiro quanto aos enunciados modais. Mesmo assim, o realista modal ainda se confronta com a lacuna da pungência. A explicação do realista para os significados de pensamentos e enunciados modais deixa inexplicados fatos sobre eles. Lewis está comprometido com a teoria da contraparte, de sorte que quaisquer problemas com ela agravam os custos já pesados do realismo modal. Rejeitar o rea­ lismo modal e sua anexa teoria da contraparte foi o caminho tomado pela maioria dos metafísicos analíticos.

A versão modal do argumento ontológico

A versão modal do argumento ontológico é um bom exemplo de um a aplicação da lógica modal e dos mundos possíveis a um problema filosófico perene. O argumento ontológico para a existência de Deus, originalmente formulado por Anselmo em cerca de 1077, tem sido desde então um campo de batalha da filosofia [ f u n d a m e n t o s 6.7— O argumento ontológico]. Aqueles que abraçam a metafísica e o racionalismo tradicional

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tendem a apoiar o argumento. Aqueles que rejeitam a metafísica e inclinam-se para o empirismo mostram-se ávidos por refutá-la. Muita coisa está em jogo. Se o argumento ontológico é sólido, ele dedutivamente prova a existência de Deus. A prova é a priori e provaria a existência não de algum velho deus, mas a existência atual de Deus, que é onipotente, onisciente e perfeitamente benevolente, único e assim por diante. Muitos filósofos da história mundial ofereceram versões atualizadas— Descartes e Spinoza, entre os mais conhecidos. Kant alegou refutar o argumento. D e acordo com Ryle, como vimos no capítulo 4, a metafísica genuína deveria ter relevância para questões teológicas. Com o renascimento da metafísica que ocorreu em círculos analíticos na década de 1970 seria de esperar um renascimento deste queridinho da metafísica: o argumento ontológico. E, de fato, ele foi espanado, remo­ delado e recebeu um a forma lógica modal formal de Plantinga. Até recentemente, a maioria dos filósofos analíticos concordava que a refutação de K ant era decisiva. K ant argumentou que, não sendo a existência um predicado, a existência não pode ser um a propriedade engrandecedora ou um a perfeição. A existência é a base de outras propriedades, mas não é ela mesma um a propriedade. A teoria lógica moderna apoia este ponto de vista. A existência é representada por quantificadores, não por predicados. Para simbolizar “zebras existem”, nós escre­ veríamos “3xZx”. O predicado é zebra, não a existência. Uma das virtudes da lógica simbólica, de acordo com os positivistas lógicos, é que ela desmistifica a existência e, portanto, descarta o argumento ontológico. Em artigo publicado em 1965, Norman Malcolm afirmou divisar uma versão do argumento de Anselmo que evita a refutação de Kant. Em vez de predicar a existência, esta versão do argumento ontológico é baseada em predicar a existência necessária de Deus. Esta é uma versão modal do argumento ontológico que não pode ser neutrali­ zada pela lógica quantificacional extensional de primeira ordem. Em outras palavras, a existência necessária é uma perfeição. Sua primeira prova ontoló­ gica [de Anselmo] usa o princípio de que uma coisa é maior se existe do que se não existe. Sua segunda prova emprega o princípio diferente segundo o qual uma coisa é maior se ela necessariamente existe do que se não necessariamente existe (M alcolm 1965, p. 142). M alcolm observa, corretamente, que se D eus existe necessariamente então Deus existe. A proposição apriori “Deus existe necessariamente” implica a proposição “Deus existe” se e somente se esta última também é entendida como uma proposição a priori: e nesse caso as duas proposições são equivalentes. Nesse sentido, a prova de Anselmo é uma prova da existência de Deus (M alcolm 1965, p. 147).

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Se aceitamos que existência necessária é um a perfeição ou propriedade engran­ decedora, e que Deus tem todas as perfeições ou as propriedades engradecedoras em grau máximo, então Deus existe necessariamente. Se Deus existe necessaria­ mente, então Deus existe. Deus está no domínio do mundo atual. E, assim, Deus é atual, não meramente possível. Malcolm não usou a lógica modal formal ou a linguagem dos mundos possíveis — seu artigo foi escrito um pouco cedo para isso — , mas Plantinga apresenta uma versão formalizada. U m problema com a versão de Malcolm é que, se sólida, prova que Deus existe em todos os mundos possíveis, mas não diz nada sobre as excelên­ cias de Deus nesses mundos. Deus pode, no que tange à versão de Malcolm, ser fraco e estúpido no mundo atual. Plantinga toma cuidado para garantir que seu argumento, se sólido, estabeleça não apenas que Deus existe em todos os mundos possíveis, mas que Deus tem perfeições máximas em todos os mundos possíveis. De acordo com Plantinga, e esta é uma definição estipulada, um ser tem excelên­ cia máxima num mundo se e somente se nesse mundo o ser é onipotente, onisciente e moralmente perfeito. Aqui está outra definição estipulada: um ser tem grandeza máxima se e somente se ele tem excelência máxima em todos os mundos. O argu­ mento agora pode ser totalmente formulado: 1 2 3 4

Há um mundo possívelMem que a grandeza máxima é instanciada. (Premissa básica) Seja D o ser que instancia a grandeza máxima em M. (Estipulação) D possui excelência máxima em todos os mundos possíveis. (De 1,2 e da definição de “grandeza máxima") D é onipotente, onisciente e perfeitamente bom em todos os mundos possíveis. (De 3 e da definição de “excelência máxima”)

Conclusão: D é onipotente, onisciente e moralmente perfeito no mundo atual (De 4 e do fato de o mundo atual ser um mundo possível) A existência de D decorre diretamente da conclusão “pois obviamente um ser não pode ser onipotente (ou onisciente ou moralmente perfeito) em determinado mundo a não ser que exista nesse mundo” (P lantinga 1974b, p. 108). Chame-se D como se queira, mas D se encaixa na descrição de trabalho de Deus. A versão modal do argumento ontológico de Plantinga depende do princípio modal incontroverso S5: Ob

pd bp

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Em termos mais simples, a versão modal do argumento ontológico é: se é pos­ sível que Deus existe, então D eus existe. Se é possível que um ser necessário que é onipotente etc. existe, então tal ser existe. E possível que D eus existe. Portanto, Deus existe. Este argumento é bem-sucedido? Prova a existência de Deus? Não. Nem mesmo Plantinga pensa que prova. Tudo o que Plantinga reivindica para o argumento é que ele estabelece a aceitabilidade racional da crença em Deus — a aceitabilidade racional do teísmo. Plantinga diz que se pode descrer de (1), que é a premissa cru­ cial, mas crer nela não é irracional. Assim, o teísmo não é irracional. Malcolm vai mais longe em apoio ao argumento, e eu acho que ele apontou algo que Plantinga deixou escapar. O que Anselmo provou é que a noção de existência contingente ou de inexistência con­ tingente não pode ter qualquer aplicação a Deus. Sua existência deve ser ou logica­ mente necessária ou logicamente impossível. A única maneira inteligível de rejeitar a alegação de Anselmo de que a existência de Deus é necessária é manter que o conceito de Deus, como um ser em relação ao qual nada maior pode ser concebido, é autocontraditório ou absurdo (M alcolm 1965, p. 145). A versão modal do argumento ontológico desloca o ônus da prova. Se o ateu quer negar a existência de um ser que tem grandeza máxima, ele não pode simples­ mente afirmar que tal ser por acaso não existe. O ateu não pode alegar que Deus é meramente possível mas não atual. Deve demonstrar que a grandeza máxima não pode ser possivelmente instanciada. O teísta afirma que Deus é no mínimo possí­ vel. Então, pela lógica modal e pela definição de “D eus”, Deus existe. Até onde sei, ninguém ainda obteve êxito em demonstrar que o conceito de Deus é impossível, autocontraditório ou absurdo.

FUNDAMENTOS 6.1 0 sistema modal S5

sistema modal S5 é o mais cómumente utilizado. Ele inclui os outros sistemas S. w E m S5, todas as verdades modais são necessárias. Assim, O P D QO-P éo princí­ pio característico de S5. Também QP D CDPe QP D