Teatro completo [7]

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Bertolt Brecht

Teatro Completo . . ojulgamento de Luculus Aalma boa de Setsuan Dansen Quanto custa oferro?

BERTOLT BRECHT

TEATRO COMPLETO em 12 volumes

ffi

PA Z E TERRA

p BERTOLT BRECHT TEATRO COMPLETO em 12 volumes VII

O JULGAMENTO DE LUCULUS 0938-1939) Tradu ção de Gilda Oswaldo Cruz e Geir Campos A ALMA BOA DE SETSUAN 0938-1940) Tradu ção de Geir Campos e Antônio Bulhões DANSEN (939) Tradu ção de Marcos Renaux e Christine Roehrig QUANTO CUSTA O FERRO? (939) Tradu ção de Marcos Renaux e Christine Roehrig

D Copyrigh/ by Suhr ka mp Verlag (O j u /game l/to de l.uculus e A alma boa de Setsua u); Stefan S. Brecht t Dansen e Qua l/to custa o ferro õ. Títul os d os o rigina is em ale m ão: Das verb ôr des tutu iltus. © 1957 bv Suhr kamp verlag, Frank furt am Main : Der g ute s tenscb /' 0 1/ Sezuan. © 1955 by Suhrkamp Verlag, frankfuJ1 a m Main : Dansen. © 1966 by Stefan S. Brech t: l\Yas leostet das Eisenr. © 1966 b y Stefan S. Brecht. Todos os direitos de Dansen e de Qual/to custa o ferro? reservados para Suhrkamp Verl ag .

Índice

Coorde l/{/çüo Gera l: Christine Roeh rig - Fernando Pe ixo to Capa Isabel Ca rballo copl'desk Victor Enriq ue Pizarro Revisâo Ca rme n T. S. Costa Dados de Catalogacá o na Publi ca ção Int ernacional (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Brech t. lIeoolt. l H9H-19'i 6,

Teatro co mp leto. c m 12 vo lume s / lk rtolt Brecht . __ Rio d e Janeiro ; Paz e Terra. 1992 . -- I Colec ào teatro ; v. 9- 1'i) Tr ad ucào d e; Bert olt Brecht : Gesam melte Werke in 20 Band en . Pu blicados v, }-7 I. Teatro alern ào 1. Tít ul o , 11. Série .

9 1-2909

Índices para catálogo siste mático: I. Século 20 ; Teatro ; Literatura alem á H32.91

2. Teatro : Sécu lo 20 : Lite ratura alem ã Hj2 .91

Dire ito s adquiridos pela ED IT O RA PAZ E T ERRA [.TOA. Rua do Tri unfo, 177 Santa lfigênia. São Paulo. SI' - C EP ()1212-0 1() Tel.: (11) 3337-8399 vcndas @pazctcrra.com.br \VW\V, pazclcrra.colll ,b r

qu e se rese rva a propriedade dest a tradução . Impresso no Brasil! Printed in Brazil

o

julga me nto d e Luculus A alma boa d e Setsuan Danse n Quanto custa o ferro?

11 55 187 ····················· ······· ······207



o

julgamento de Luculus Peça radiofônica

Das Verhór des Lukullus Escrita em 1938-1939

Tmdllçâo: Gilda Oswaldo Cruz e Geir Campos

PERSONAG E 1S

AI{,\ I TO VOZES SOLIJADOS CO.\\ O CA TAFALCO E SCRA\"O S CO~ RAPARIGAS

\ O FRI SO

1

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CO.\IERCIA:"TES MI 'UI ERES

1

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CARROC EIRO CRIA:"Ç AS Voz C A\'ER:"OS A

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2

P EIXEIM LEGIO :"ÃRIO S

1E2

COZI:"UEIRO L\\"Ml lO R l-lm lEM DA C EREJEI M

Colaboradora: M. Steffin

• 1

o

CORTEJO FÚNEBRE

Ruídos de uma grande multtdâo. A RALTO -

Aten ção. está morto o grande Luculus,

O general que conquistou o Oriente, Que derrubou sete reis , Que de riquezas cobriu nossa cidade de Roma! À frente do catafalco Carregado por soldados Caminham com os rostos cobertos Os mais ilustres varões da potentíssima Roma , E, ao lado dele , Vào seu filósofo, seu advogado e o seu cavalo. o CATAFALCO Segurem, companheiros, Bem firme sobre os ombros: Para que ele n ão oscile Ante esses milhares de olhos, Agora que o senhor das terras do Oriente Vai a caminho do Reino das Sombras! Cuidado, companheiros, para n ão tropeçar! O que em metal e carne vamos conduzindo Foi um dos poderosos deste mundo.

C Ai\TO DOS SOLDADO S Q CE LEVA,\1

ARAl;To -

Atrás dele vai sendo carregado Um gigantesco friso Onde se representam os seus feitos heróicos E que lhe vai servir de pedra tumular. Uma vez mais Extasia-se o povo diante dessa vida fabulosa De lutas e vitórias e conquistas, E rememora os seus triunfos de outrora.

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Bertolt Brecht

16 V O ZES -

Pensem bem no invencível, p en ~ em no poderoso! Lembrem-se do terror das duas Asias, O predileto de Roma e dos de uses Quando em se u carro dou rado Ele chegava trazendo à cidade Re is estrangeiros e animais exóticos : Elefantes. camelos e pa nteras, Carroças cheias de damas escravizadas, Bagageiros repleto s de tesou ros, Barcos, quadros e vasos De p rec ioso marfim, Co rinto inte ira Em estátuas de bronze, em me io ao mar, Do povo em júbi lo! Recordem bem a cena! As moedas lan çadas às cria nças , E os vin hos e as sa lsichas! Lemb re m-se de le , em se u ca rro de ouro, Passand o pelas filas da cidade: Ele , o invicto, e le , o magnífico , Ele. o terror das duas Ásias, e le, O pr edilet o de Roma e dos de uses!

CAI'TO DO S

Escnxvo s

QUE CARRE GAM o F RISO -

Cuida do, aí , para não tropeçar! Nós, que levamos o friso Co m as cenas dos triunfos, Muito embora o suor escorra em nossos o lhos, N,10 podemos so ltar a mão da ped ra! Muita a te n ção: se e la cai r no ch ão, Pode ficar reduzida a pó! RA PARIGA

1-

O do e lmo verme lho! N ão, o alto! 2É vesgo .

RAP ARIGA

C O .\IERCIA I'TE

1-

Viera m to dos os se nadores !

CO.\ I ERCI AJ\TE

julgamento de Lucu lus

2-

E os alfaia tes todo s, também! CmlE RCIA!\TE

1-

É. o nosso homem foi lo nge: Até às Índias! 2Já não ma ndava mais, há muit o te mpo . Infelizme nte , em minha o pinião.

CmI ERCIA:'\TE

CO\I ERCIAI'TE

1-

Foi maior que Pompeu! Sem ele, Roma es tar ia perdida : Vitórias formid áveis! 2Questão de so rte.

C OMERCIA I'TE

M ULlIER

1-

Meu homem, Q ue tombou mort o na Ásia, nunca mais Há de vo ltar, co m essa pompa toda! COMERCIAI'TE

1-

Esse ho mem Fez a fo rtun a d e muita gente .

2Po r ca usa de le , me u irm ão também Nu nca mais vo ltará.

M ULHER

1Todos sabem o q ue e le deu a Roma! Teve uma glória ímpa r.

CmlE RCI AI'TE

1Se não pregassem tanta mentira , Ning ué m iria na co nversa de les .

M ULHER

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o julgamento de Luculus

Bertolt Brecht

18 COMERCtA 1\"'E

1-

O heroísmo Está cada vez mais morto . 1Até quando vão amolar a gente Com essa história de heroísmo e gl ória?

PLEBEU

2Na Capadócia. de três legiões Não escapou nem homem nem rato!

PLEBE u

Que a cidade erigiu ao valoroso filho. As mulheres levantam As crianças . Os cavalarianos Contêm os espectadores Nos cordões de isolamento. Atrás do cortejo. a rua Parece que está de luto: Foi a última vez que viu passar O grande Luculus. Dintinuí o rumor da multid âo e afasta-se o cortejo.

2

CARROCEIRO -

Posso passar? 2Não: aqui a passagem está interditada .

FINAL RÁPIDO E VOLTA À VIDA DE TODOS OS DIAS

M L:UIER

PLEBE U

ARAGTO -

O cortejo passou , e agora as ruas Voltam a encher-se de transeuntes. Dos becos apinhados Começam a anuir carros de bois. A multid ão tagarela volta ao trabalho . A diligente Roma Volta aos seus afazeres.

1-

Quando é um general que se vai enterrar, Carros de bois podem esperar. 2Meu Pulquério foi parar na Justiça : Impostos atrasados!

!v1l;UIER

C mIERClA0:TE

1-

Pode-se dizer mesmo que. sem ele, A Ásia hoje seria nossa! Mcunm 1 O preço do peixe aumentou de novo? M UllER

2 -

E o do queijo também. Cresce o rumor da multidâo. ARAL:TO -

Neste momento Passa o cortejo pelo arco do triunfo

3 NOS LIVROS ESCOLARES C ORO DE CRIA0:ÇAS -

Nos livros escolares Lêem-se os nomes dos grandes generais. Quem os quiser imitar. Estude bem as batalhas deles E as suas vidas extraordinárias. Para podermos ser dignos deles , Devemos elevar-nos bem acima Da multidão. Nossa cidade espera Algum dia também os nossos nomes

19

Gravar na pedra dos imortais. Sextus conquista o Ponto E tu , Flacus, dominas as trê s Gálias, Enquanto os Alpes atravessas tu . Quintiliano!

4

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Bertolt Br echt

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SEPULTAMENTO

ARACTO Eis que na Via Ápia Eleva-se -um p equeno mau soléu Co ns truído há de z a nos para se r, Depoi s da mort e , o a b rigo De um grande homem. Em fre nte a e le, a tur ma dos escravos Chega trazendo o friso triunfal. À peq ue na rotu nda , ce rca da de cip res tes, Chega o morto , afi na l. Vo z CA\"ERI\OSA Alto, soldados! ARAI-ro Da parede fronteira Faz-se ouvir u ma voz: Daqui e m diante. é a que vai dar as ordens. Voz CAVERl\OSA Virem o estrado! Para além deste muro Ning uém vai carregado : pa ra alé m deste m uro Vai cada um co m se us p róprios pés! ARAl;TO Os sold ados vão incl ina ndo o es trado. E o grande ge ne ral vê-se d e no vo em p é , Sem muita segura nça. O se u filó so fo Q uer ainda fazer -lhe compa nh ia,

ju lgamento de Lu cu lus

Trazendo bem na ponta da língua ma palavra de sabedoria. Po ré m ... Voz CA\"ERl\OSA Fique onde está . filósofo! Para além deste muro 'Tu não irás aborrecer ningué m . ARALTo Assim falou a voz que dá as ordens. Q uem quer e ntrar agora é o advogado, Pa ra lavra r um p rotesto. Vo z CAVERl\OSA Protesto rejeitad o! ARAliTO Assim falo u a voz que dá as o rdens, E o rdena e ntão ao gra nde ge ne ra l: Vo z CAVERl\OSA Tra nsp õe agora o um b ral! ARAI'TO E o g rande ge nera l chega ao pequeno u mbral, Detém-se ainda uma vez pa ra o lhar em redor E vê co m o lhos graves os soldados E vê os escravos carrega ndo a lápide , Vê pela última vez O verde do s ciprestes . Vac ila. Pela es treita passage m en tra o vento da m a. Barulho de vento. Voz CAVERl\OSA Tira o e lmo, que a no ssa porta é ba ixa! ARA UTO E o ge ne ral tira o se u lind o e lmo, E e ntra, curvado. Aliviados, os sold ados Sae m do mau sol éu , alegres, conversa ndo.

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5 DESPEDIDA DOS VIVOS C OR O DO S SOLDADO S -

Servus Lôuculus. pronto: Agora. bode velho, Estamos quites! Vamos já dar o fora Desta casa de ossos! Vamos tomar um trago! Glória n ão vale nada, O que vale é viver! Quem mais quer vir conosco? Lá na beira do cais Há um botequim aberto... Ficam marcando passo? Também vou com vocês! E quem paga? É fiado! Excelente noticia! Vou passar no mercado... Vai atrás da morena? Ent ão vamos também! N;1o. n âo : três é demais , E ela já achou ruim ... Pois vamos ~ l corrida De c ães, se é assim ... Mas lá a entrada é paga! N;1o para os conhecidos. Vamos! Mas à vontade, Sem "or d inário , marche"!

6 A RECEPÇÀO

A Voz Caoernosa do guardi ão da porta do Reino das Sombras. Vo z

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Bertolt Brecht

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CA VERI\OSA -

Desde que entrou, o novato Está junto à porta , imóvel,

julgamento d e l.uculus

Com o elmo embaixo do bra ço : É uma estátua dele próprio. Outros mortos , também recém-chegados, Est ão sentados no banco. esperando: Como na vida esperaram Pela sane e pela morte, E na taberna esperaram Que o vinho fosse servido, E à beira-rio esperaram Que chegasse a namorada . E tocaiados no mato Mais de uma vez esperaram Pelas ordens de atacar... Mas parece que o novato N;1o aprendeu a esperar. lx cncs Por Júpiter' Que significa isto: . Aqui estou eu, de pé, e fico esperando? Ouve-se ainda a maior cidade do globo Chorar de luto por mim, e aqui N;1o há ninguém para me receber? Em frente à minha tenda de campanha Já tive sete reis à minha espera! N;1o há ordem , aqui? Meu cozinheiro Lasus , pelo menos: Onde é que se meteu? Até de brisa ele é capaz de fazer Um excelente prato! Deviam designá-lo, por exemplo. Para me receber: ele está aqui Já faz tempo. e eu assim me sentiria Mais à vontade... Ó Lasus! O teu carneiro assado com louro e estrag ão' Caça da Capadócia! E lagostins do Ponto! E os bolinhos da Frigia com recheio de amoras!

Si/êllôo. Eu ordeno que me levem daqui! Silêncio.

E tenho de ficar no meio desta gente?

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Bert o lt Brecht

Silêncio. Pois eu vou reclamar. Duze ntas nau s Encoura çadas, cinco legiões, Eu punha em movi me nto com meu dedo mínimo. Vou reclamar. Silêncio. Vo z CAVERl'OSA Ning uém respo nde . Fala uma ve lha senhora , Também no ba nco dos recém-chegados: VELIIA SEl'1I0RA Sente-se aí, novato! Você tem mu ita lataria em cima : Essa couraça , esse e lmo pesad o ... Sente-se. Você deve estar ca nsado. Luculus silencia . Não teime assi m: não vai pod er ficar De pé o tempo q ue tem a esperar. Eu chegue i muit o antes de você... Q ua n to dura o julgamento , lá dentro , Não se i di ze r. E é fác il de ente nde r: O exame tem q ue ser muit o bem feito , E é um de ca da vez, po rqu e disso depende Ser alguém co ndena do às trevas infernais Do Had es ou cha ma do Ao Reti ro dos Bem-Aventu rado s. Muitas vezes O julgam ento é rá pido : aos juízes, Basta uma o lha da, e p ronto : "Esse aí", d izem e les, "teve um a vida limpa E foi útil aos se us co ncidad ãos". Pela medida dessa utilid ad e É q ue eles dão as melhores se nte nças, E d izem ao julgad o: "Vai em paz! ". Mas já e m o utros casos O julgam ento pode lev ar dias, Principalm ente par a os q ue mandaram Algu ém aq ui para o Reino das Sombras Antes de ter chegado a hor a ce rta.

o

julgamento de Luculus

Este que e ntro u agora, com certeza Não va i demorar nada: é um pade irinho Sem ma ldade nenhuma . Quanto a m im , es tou Um pouco preocupada, mas te nh o espera nça De have r e nt re os jurad os, pelo que já o uvi , Alguns me mbros mais pob res que bem sabem Co mo é di fícil par a nó s a vida Nestes tempo s de guerra . Eu o aconselho , no vato ... Voz TRÍPLICE intel7·ompen do Tertú lia! VELIIA SEKIIORA Estão chamando por mim . Veja co mo se sa i d essa , novato! Sente -se! Voz CAVERl'OSA O novato está du ro junt o à po rta , Mas o peso da s suas co ndecorações E o se u es b rave jar E as pala vra s amigas d a ve lha se nhora Já o fizeram mudar. O lha em redor, para ce rtifica r-se De es tar sozin ho e faz menção de ir Em dir eção ao banco. Mas é cha mado antes de se se nta r: A ve lha se n hora fora julgada pelo s jurad o s Com um sim p les o lhar. Voz TRÍPLICE Lôuculus! Lccuu.s ...:.-

Meu nome é Luculus: Aqui não sabem co mo e u me cha mo? Descendo de um a ilust re fam ília d e es tad istas E ge ne rais. Só na beira do ca is E no s ac ampame ntos d e so lda dos ,

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Bertolt Brecht

Na boca suja do s ignor an tes e da gentinha ba ixa . É que me chamam Lô uculus. Voz THÍPLlCELóucu lus! VOZ C.-\.\TH:\OSA E ass im cha ma do mais de um a vez Pelo seu apelido marginal. Vai Luculus, o grande general Q ue co nquistou o Oriente . Qu e destron ou se te reis. Que cobriu de teso uros a cidade de Roma . Na hora do jantar. qua ndo em cima dos túm ulos . Para co me r, Roma se vai se ntar, Vai Luculus, perante o tribunal su p re mo Do Re ino das Sombras, se ap resentar.

7 ESCO LHA DO DEFE NSOR POHTA-VOZ no j ÚHI DOS MOHTos Per ante o su p remo tribunal do Re ino das Somb ras Ap resenta-se Lôuculus, o general Q ue di z chamar-se Luculus. Sob a presid ência d o juiz dos Mort o s. Cinco jurad o s p rocedem ao julgamento: Um deles fo i lavrador, O segundo foi escravo d epois d e se r professo r, O ter ceiro foi peix eira . O q ua rto foi padei ro . E o q ui nto foi cortes ã. Est ão se ntados e m cadeiras altas . Sem m ãos para segurar , nem bo cas para co me r, E o lhos d e há muito a pagados E pouco afeitos às pompas do mu ndo. Inco rruptíveis se mo stram

o

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julgamento de Lucu lus

Os jura dos de Além-Túmu lo. O j uiz dos Mortos dá início ao julgamento. JL 'IZ nos MOHTos Sombra . aqui es tás para se res julgado. Precisas prestar conta da existência Q ue tiveste e ntre os homens: Se o q ue fizes te foi bom o u foi mau. Se a tua face é dig na de ser vista No Re ino dos Bem-Aventurado s. Mas tu vais p recisa r de um defe nso r. Te ns algum defensor . e ntre os qu e pairam No Retiro dos Bem-Aventurad os? LI'CLU'S Solicito q ue se ja co nvocado O famoso Alexa ndre da l\lacedemônia. Para . como perito em açôes militares. Como foram as m inh as. prestar depo iment o . Vo z THÍPLlCE cha m a ndo 110 Ret iro d os Bem-A centurado s Alexandre da l\lacedemônia! Sil êncto. LOCl TOR DO TRIlll":\AL DOS MORTOS Ninguém responde. Vo z TRÍPLlCENo Reti ro d os Bem- Aventurad os Não h á nenhum Alexandre d a Macedemônia. lu z nos MORTOS Somb ra . o teu es pecialista É desco nhecido no Re ino dos Be m-Le mb rado s. LL'CIU 'S Como? O q ue conq uistou a Ásia até o Ind o. O inesquecível. q ue deixou na te rra A ma rca ind elével dos seus sapatos. O po de roso Alexand re ...

r-:

Bertolt Brecht

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J UIZ DOS MORTOS Não é conhecido aqui .

Silêncio. J UIZ DOS MORTOSInfeliz! Os nomes dos potentados N ão causam nenhum temor aqui embaixo. Eles aqui N âo assustam ninguém: as frases deles São Iorotas, e os grandes feitos deles N ão merecem registro. A glória deles Para nós é fumaça, que só serve Para indicar onde houve um incêndio. Sombra, a tua postura dá a entender Que o teu nome talvez deva ligar-se À realiza ção de estupendas façanhas. Mas s ão façanhas Das quais aqui n ão se toma conhecimento. Lrcuu. s Peço ent ão que se traga a este local O friso do meu túmulo, Onde, talhada em pedra, Está a minha carreira triunfal! Mas, francamente, como Pode ele ser trazido? Escravos o arrastavam, Mas com certeza aqui os vivos n ão entram. J CIZ DOS MORTOS Mas os escravos, sim: a vida deles É uma espécie de morte, Pode-se até dizer que eles estão Só com um pé na vida: Um passo, apenas, Ainda os afasta do Reino das Sombras. Traga-se, pois, o friso!

o

julgamento de Luculus

8 ENTRADA DO FRISO Vo z CAVER!\OSA Junto ao muro, os escravos ainda est ão Esperando, indecisos: Para onde vai o friso? E eis que através do muro De repente uma voz se faz ouvir. J CIZ DOS MORTOS Entrem! Vo z CAVER!\OSA A essa voz, em Sombras transformados, Arrastando o pesadíssimo fardo, Lá vêm eles atravessando o muro Cercado de ciprestes. CORO DOS ESCRAvos Da vida para a morte Levamos este fardo. sem recusa. Há muito tempo o nosso tempo n âo é nosso, Ignoto é o fim do nosso caminhar. Obedecemos ã voz nova assim Como às velhas : para que perguntar? Para trás nada deixamos E à frente nada esperamos. LOCCTOR DO TRIBU!\AL DOS MORTOS E atravessando o muro vão aqueles Que, não detendo nada , Tampouco um muro havia de deter. E o seu fardo depõem Ante o supremo tribunal das Sombras: O friso e as suas cenas triunfais . Reparai bem , jurados de Além-Túmulo: Há um rei aprisionado de olhar triste , Uma rainha de olhos esquisitos

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Bert olt Bre cht

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E coxas provocantes. Um homem co m uma ce reje ira na m ão E uma cereja na boca. Um deus gordo e dourado co nd uzido Por d ois escravo s. Duas virgens com uma tabuleta E nela os nomes de cinq ue nta e três cidad es. Um legionário morihundo e erecto Em sauda ção ao seu general. E um cozinheiro segurando um peixe, J l"IZ DOS M O RTOS -

o julgamento de Luculus Somh ra . Est,10 prontas a prestar depoimento.

9

o

Jj\ T ERRO GATÓ RIO

Lo cT TO R DO T RIlll':'\AI. DOS M O RTOS -

O general avança e aponta O rei de pedra .

5:10 essas. Sombra . as tu as testemunhas? LI 'CI 'U 'S LI 'Cl U 'S -

5,10 essas. sim, Mas como É que elas do falar. se s:10 de pedra? Elas S;lO mudas , JI 'IZ DOS M O RTOS -

Para nós. n,10, Para nós . elas falam , Sombras petrificadas. est ilo prontas A prestar depoimento' C O RO DAS F IG1X -\S DO FRISO -

Imagens destinadas uma ve z Para dar testemunho em plena luz. Somos em pedra as sombras Daqueles que foram sacrifi cad os : Tanto sabemos falar Quanto sabemos calar. Imagens destinadas uma vez Para dar testemunho. em plena luz . Dos humilhados. dos amordaçados. Dos esquecidos. dos sufocados Por determina ç ão do vencedor. Tanto queremos falar Quanto queremos calar. Jl'I Z DOS M O RTOS -

As testemunhas da tua grandeza.

Aí está um dos que eu derrotei . Nos poucos dias que V;lO de uma lua-nova À lua-cheia. As tropas dele eu desbaratei , Co m toda a sua cavalaria E os seus carros de guerra. Nesses tão poucos dias O reino dele desmoronou Co mo uma choupana batida por um raio . Quando pisei na fronteira dele . Desabalou em fuga . E o pouco tempo que durou a guerra Foi só o que eu levei para chegar Até ;I fronteira oposta E ocupar todo o reino. A guerra foi tão cu rta . que um presunto Que meu cozinheiro pôs no fumeiro N:l0 estava ainda pronto Quando cheguei de volta . E esse foi só um rei Dos sete que derrotei. Jl"I Z DOS M ORTOS -

Verdade. rei? REI-

Verdade.

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32 j urz

Bertolt Bre cht DOS M ORTOS -

Façam suas peguntas, os jurados! LOCCTOR 0 0 TRIBü l\AL DOS M ORTOS -

O jurado que em vida foi escravo, Mas antes professor, Curva-se agora sombrio e pergunta: P ROFESSO R -

Como foi que tudo isso aconteceu? R EI-

Como ele disse: fomos atacados. O campo nês que amontoava feno Estava com o ancinho ainda no ar Quando a carroça que ele carregava Lhe foi arrebatada . A broa que o padeiro pôs no forno Estava ainda crua Quando por mãos estranhas foi tirada . E tudo o que ele disse sobre o raio Que arrasa a choupana, foi mesmo assim: A choupana foi arrasada , e o raio É esse aí! PR O FESSOR -

E você foi. dos sete...

REIApenasum, LO CUTOR 0 0 T RIt3UJ'\AL DOS M ORTOS -

Os jurados tomam co nhecime nto Do testemunho do rei . Pausa . LO CUTOR 0 0 TRIt3 UJ'\AL DOS M ORTOS -

Ergue-se agora a sombra da que foi cortesã: Tem algo a perguntar.

o

julgamento de Lu culus

C O RTESÃ -

Voc ê também , rainha : Como é que veio parar aqui?

RAIKlI A -

Ia uma vez , manhãzinha bem cedo, Tomar meu banho de rio , em Taurion; De repente, entre os olivais da margem, Cinqüenta homens estranhos surgiram E me ce rcaram , e fui dominada . A única arma que eu tinha era a esponja E meu único abrigo era a água clara; Só mesmo as armaduras dos soldados Resguardavam minha nudez, mas não Por muito tempo. E assim fui dominada . Ao ver-me em tal pavor, chamei então Pelas minhas damas de companhia, Que apavoradas gritavam atrás De uns arbustos e foram dominadas . CORTESÃ -

Então, como é que você faz parte Do co rtejo triunfa l? RA I:\IIA -

Ora: para celebrar a vitória! CORTESÃ -

Vitória sobre quem? Sobre você? RAI !\IIA -

E sobre a bela Taurion. CORTESÃ -

E a isso ele dá o nome de triunfo? R AIJ'\lIA -

É que o rei, meu marido,

33

34

Bertolt Br echt

Com todo o seu exércit o. Defend er seus havere s Da podero sa Roma,

n~10

soube

o

julgame nto d e Lu culus

LOO 'TO R DO T I{IBU -:A l. DOS M ü HTOS -

O jurad o que em vida foi padeiro Cu rva-se agora sombri o e pergun ta:

C O I{TES';' -

Irm â, tivemo s a mesma sorte: A podero sa Roma A mim tamb ém n~10 soube defend er Da podero sa Roma , Loct TOR DO TI{IBU \A L DOS M ouros -

Os jurados tomam conhec imento Do testemu nho da rainha ,

Pausa,

P ADEIRO -

Como foi isso? D I'AS V IRG E:\ S -

Ao meio-di a houve um grande tumulto , As ruas transbo rdaram como rios Com vagalh óes de homen s carrega ndo Tudo o que tínham os , A noite. apenas Um rolo de fuma ça indicaria O lugar onde uma cidade havia ,

LO O 'TO R DO T RIlll':'\AI. DOS M OHTOS -

O Juiz dos Mortos dirige-s e Ao general . Jl'I Z DOS M ORTOS -

Sombra , queres prosseg uir? LI "ClU 'S -

Sim, Estou perceb endo que os vencido s Têm voz adocica da, e todavia Já foi áspera, Esse rei, que procura Tocar vossa piedad e. era . lá em cima Dos mais cruéis: n ão extorqu ia ao povo Menos impost os e taxas que eu , As cidades que dele eu libertei Nada perdera m com isso. mas Roma Ficou com mais cinq üenta e três cidades , D[ 'AS VIR G E:'\S CO\ I [ ',\IA T.-\.BCLETA -

Com as ruas, as casas e as pessoas . Os templo s e os chafari zes. Nós também fazíamo s parte da paisage m: Hoje restam soment e os nossos nomes Em uma tabulet a ,

P ADEIRO -

E o que foi que levou Quem comand ava esse rio de homen s E diz que deu a Roma Cinque nta e três cidades? LO O 'TO I{ DO T RlBl ':\A I. DOS M O Rros -

Os escravo s. que vão com o deus dourad o . Começ am a tremer e a gritar:

E SCI{A\'OS -

A nós! Felizes antes . e agora bestas de carga Transp ortando o butim e sendo parte Desse mesmo hutim! Dl'AS VIR GE:\S -

Essa gente erigiu cinq uenta e três cid ades Das quais só restam agora o nome e a fuma ça , L l 'O U 'S -

Expulsei-os. sim: eram Duas vezes cento e cinq üenta mil Advers ários outrora . já n ào mais adversários!

35

36

Bertolt

o julgamento de Luculus

Brecht

ESCRAVOS Seres humanos, outrora; Já n ão mais seres humanos!

Lcci.u. s Trouxe também, com eles, o deus deles, Para mostrar Que o universo dos nossos deuses Era maior que o de todos os outros. ESCRAVOS -

10 ROMA-

AI TOA UM A VEZ

o T RlLle1\AL DOS MORTOS . ' , Lo cUTOR D Retiram-se os Jurados. O acusado senta-se , En co s t,indo "' I C'l b eça ao batente da porta. Está e xa us to, mas atrás da porta , . Escuta o que dizem novas sombras Ali reunidas .

E o nosso deus foi muito bem recebido , Pois era todo de ouro maciço Pesando mais de cento e vinte quilos. E cada um de nós valia em ouro Uma moeda .com a grossura de um dedo . LOCLjTOR DO TRIIlC1\AL DOS MORTOS O jurado que em vida foi padeiro Em Marselha, cidade beira-mar, Tem algo a declarar:

SOMBRA 1 . de bois Eu morri e sm a gad o por um carro '. LecCI.es baixoCa rro d e bois.. . SO\IllRA 1 _ . Vinha ch e io de areia, para uma construçao.

ã

PADEIRO A teu favor anotaremos, Sombra , Apenas isto: trouxeste ouro a Roma . LOClTOR DO TRlIll;1\AL DOS MORTOS Os jurados tomam conhecimento Dos que falam em nome das cidades. Pausa . J LjI Z DOS MORTOS O acusado parece fatigado. Faço aqui um intervalo.

Lucuu. s ba ixo Areia ... Construção ... í SOMBRA 2 Já não está na hora de comer.

SmlllRA 1 I Comer? Eu tinha um pão e uma cebo a ; Agora já nem tenho onde ficar. ,- de escr'lVOS que eles trazem Essa .por ç,10 " Dos quatro cantos do mundo Estão levando ã falência O ofício de sapateiro. SO\lIlRA 2 di Eu também fui escravo. Costuma.mos izer Q ue os fel I· zes' ,acabam na ínfel ícidade , Puxados pelas mãos dos infelizes.

37

38

Bert olt Brech!

o

julgamento de Luculus

Luccu.s 11111 POI/CO mais a/to _

Vocês, aí! Ainda tem vento lá em cima? S O.\IBIlA

L OCLT OIl D

2 -

Escuta : Alguém está perguntando alguma coisa! S O.\IBIlA

1 a/to-

Se tem vento lá em cima? Talvez tenha: Nos jardins. pode ser... Nas nossas ruazinhas abafadas É que n ào venta nada .

o TIUlIU \AI. DO S M OIno S ' .

Vira-se agora a [urada Para os guerreiros do friso :

P EI X E I~igam:

que foi que ele fez com vocês Nas duas Ásias?

L EGI O X ÀIlI O

1-



Eu ia dando no pe ... 2. . Foi quando eu caí fendo .

11

L EGI O XÀIlI O

CONTINUA O INTERROGATÓIUO L O CliTOIl DO T RIBI 'XAI. DO S M ORTOS _

Os jurados retornam. O julgamento vai recomeçar. O jurado que em vida foi peixeira Vai agora falar:

L EGI O XÀ IlI O

1-

Ent,10 eu o carreguei. 2E foi ferido tamb ém.

L EGI O XÀHl O

P EIXEIRA P EIXEIRA -

Era em ouro que estávamos falando . Vivi em Roma , tamhém, Mas ouro nenhum eu vi No lugar onde vivi: Eu só queria saber Onde ele foi se meter! Lrccus -

Que pergunta! Eu devia sair a campo Com minhas legiões, para trazer Uma banqueta nova Para qualquer peixeira do mercado? P EIXEIIlA -

Para o mercado você nunca trouxe nada. Mas uma coisa sempre achou de carregar: A no ssa rapaziada!

A

'



I

Por que raz ão voce saiu de Roma

1Não tinha o que comer.

L EGI O XÁIlIO

P EIXEIIlA -

.

I

E fora, conseguiu alguma coisa. 2Eu, nada.

L EGI O XÀIlIO

PEIXEIIlA -

.

No friso , você está de m,10 erguida : É em sauda ção ao seu general? 2Não: eu estava só mostrando a ele Minha !11ÜO sempre vazia .

L EGI O XÀIlI O

39

40

Bertolt Brecht

o

41

julgamento de Luculus

L CCCLUS -

F ábios, , "Um mame ntol. Aqui temos muitos _ Filhos de muitas mães ~ue por el ~ proc~l.r< m . s perdidos mars I , , que nao se lembram . Multa s qu e tinham e que serviram _ Dos nOIne ' Para o recrutamento e que nao tem Utilida de aqui; eles nem querem Olh ar mais para as màes Qu e os deixaram partir " Para a gu erra sangre nta Segura pela manga , ali fiquei parada Co m um grito engasgado na garganta. Depois saí calada e nunca mais Senti vontade de olhar novamente A cara do meu filho.

Protesto! Eu presenteava os legionários Depois de cada campanha . P EIXEIRA -

A

Mas não os mortos! LI T ULCS -

Protesto! Quem pode falar de guerra , Se não entende disso? P EIXEIRA _

Disso eu entendo: meu filho Morreu na guerra . Estava eu vendendo peixe no mercado Perto do Fórum E um dia veio a notícia De que chegavam ao porto os navios Com os soldados da guerra da Ásia. Então saí do mercado correndo E fiquei horas a fio Às margens do rio Tibre, Onde eles iriam desembarcar. À tarde os barcos .estavam todos vazios, E pejas pranchas não desceu meu filho . No porto havia um ventozinho frio E noite eu tive febre , mas com febre Ainda fiquei procurando meu filho ' Cada vez com mais frio, Até que caí morta E vim parar neste Reino das Sombras, Onde continuei a procurar: "Fábio" , eu gritava , que era o nome dele, "Fábio , Fábio, filho meu, Que eu dei luz e criei ' Fábio, meu filho!". Por entre as sombras corri, chamando Daqui e dali , até que um guardião Do campo de repouso dos que morrem na guerra Me puxou pela manga e me falou: â

à

LOCuT O R DO TRIll Ct\AL DOS M ORTOS -

. O Jui z dos Mortos olha Face a face os jurados, e anuncia : J UIZ DOS M O RTOS -

O tribunal declara : a mãe do morto Entende bem de guerra! LOCCTO R DO T RIBCt\AL DOS M ORTOS -

Os jurados tomam conhecimento Do testemunho dos legionários. Pausa. J CIZ DOS M ORTOS -

. A jurada ficou emocionada . Nas m ãos dela, a balança da Justiça É capaz de tremer; precisa de um descanso.

12 ROMA -

PELA ÚLTIMA VEZ

LO CCTOR DO TRIBCt\AI. DOS M ORTOS -

De novo o acusado Senta-se e põe-se à escuta

,

42

Bertolt Brecht

Das conversas das sombras Do outro lado da porta. ~his uma vez , do mundo lá de cima c • Chega até ele um sopro.

o

julgamento de Luculus

Pensa bem nas tuas fraquezas , Sombra : É um co nse lho meu! LOCUTO R DO T RIllL·;\AI. DOS M ORTOS -

2Por que você co rre assim'

S mlllRA

S O.\IBRA

1-

Catando notícias. Agora dizem Que est ão aliciando legionários Nas tabernas ribeirinhas do Tibre I~ar 21 uma nova guerra no Ociden~ : Estao querendo conquistar as Gálias . 2Eu nunca ouvi falar ...

S O.\ IllRA

S O.\IllR A

1-

Só os graúdos sabem dessas terras.

13 AINDA O INTERROGATÓRIO

O jurado que em vida foi padeiro Vai dizer alg o : P ADf.IRO -

Vejo no friso um cozinheiro com um peixe: É engraçado! O cozinheiro que nos co nte O que veio fazer no friso triunfal!

C O ZI ;\I1 ELRO -

Vim apenas mostrar Que o general. no aceso das batalhas, Ainda encontrava tempo de inventar Receitas para bons pratos de peixe. Fui cozinheiro dele . E ainda me lembro Dos bons pedaços de carne. Das aves e das caças que ele mandava assar. E n âo ficava só sentado à mesa: Vivia sempre a me elogiar. E quantas vezes a meu lado , no fog ão, Ele próprio temperava a comida! Carneiro assado la Luculus Foi uma glória da nossa cozinha . Da Síria ao Ponto. era muito falado O cozinheiro do general Luculus! à

LOClTOR DO TRIB L j\AI. DOS M ORTOS _

O Juiz olha a jurada , sorrindo, E chama o réu , olhando-o com tristeza . j i.rz

DOS M ORTOS -

Nosso tempo se esgota, ~ n ão estás sabendo aproveitar. E melhor n;10 ficares nos cansando Com esses teus triunfos. Será que n ão arranjas testemunha De uma fraqueza tua , criatura? Assim vais mal: tuas grandes virtudes P Para nós c • ' ouco i va em ... Mas, quem "sabe Tuas fraquezas n ào abririam um claro ' Nessa tua cadeia de violências?

LOCl 'TOR DO T RIllL';\ AL n os M O Rro s -

Pede a palavra o jurado Que em vida foi professor: P ROFESSOR -

Que nos importa saber O que ele mais gostava de comer? COZl ;\ I1ELRO -

É que ele me deixava cozinhar A meu gosto: por isso eu lhe sou grato.

43

44

o

Bertolt Brecht

PAD EIRO -

Eu fui padeiro e posso entender isso , Quanta vez misturei fubá no trigo , Por causa dos mais pobres! Ele ao menos Podia pôr arte no que fazia .

LA\ 'RADOR -

julgamento de Luculus

,

Em pouca terra, e la da ...

L CCL U :S -

Mas o vento é que não faz bem a ela.

C O ZIt\II EIRO -

Gra ças a Luculus! No friso triunfal Ele me colocou atrás dos reis , Em reconhecimento minha arte : Considero-o, por isso , muito humano. à

LOCUTOR DO TRIllUt\AL DOS M O RTOS _

Os jurados tomam conhecimento Do testemunho do cozinheiro.

LA\ 'RADOR -

As pretas são mais doces , LA\ 'RADOR -

,

.U Meus amigos, de tudo o que ele conqU1s~ Em sanguinárias guerras de odiosa memona , que vive! Aqui está o me lhor: uma p lant~ Uma árvore nova e companheira Que se veio juntar ã amoreira e ã videira , , . E crescem juntas e aumentam nossas colheitas, Trazendo frutos para as novas gerações. A quem a trouxe, as minhas felicitações! Quando os restos de todas as pilhagens Nas duas Ásias se cobrirem de mofo, Este troféu, dos menores, reviverá Todos os anos , na primavera, Oferecendo aos vivos os seus ramos Cheios de botões brancos Estremecendo ao vento das colinas,

LO CUTOR DO TRIB Ut\AI. DOS M O RTOS _

E agora fala o jurado Que em vida foi lavrador: LAVRADOR -

Vejo também no friso triunfal Um homem carregando uma árvore frutífera ... H O.\IE,\I DA C EREJEIRA -

É uma cerejeira, que trouxemos da Ásia. No cortejo desfilamos com ela, E depois a plantamos nas encostas Dos Montes Apeninos.

Então, Lôuculus, foi você quem trouxe? Ah, quantas cerejeiras já plantei, Sem saber que você as trouxe de tão longe!

'

LI -cl U ;S -

Pausa ,

LAVRADOR -

A

As cerejas vermelhas tem mais polpa,

14

o JULGAMENTO LOCCTOR DO TRIllUt\AI. DO S MORTOS -

LOCl:TOR DO TRIIl Ut\AL DOS MORTOS _

Sorrindo amigavelmente conversam Sobre a árvore , o jurado Que em vida foi lavrador E a Sombra do general.

Ergue-se agora o jurado que em vida foi peixeira no mercado: PEI XEIRA -

Então vocês ainda acharam uma moeda

45

o julgamento de Luculus

Bertolt Brecht

46

Nas m ãos sangrentas desse bandido? Esse ladr ão vai subornar o tribunal Com uma parte das coisas que roubou? PR O FESSOR -

Ora , uma ce re je ira! Essa co nq uista Poderia ser feita com um homem apenas, Mas ele achou que precisava botar fora A vida de oitenta mil! P ADEIRO -

Quanto será que se paga Lá em cima Por um p ãozinho e um caneco de vinho? C OHT ESÀ -

Por quanto tempo Os homens v ão ter que vender A pele, para poderem deitar-se Com uma mulher? Ao nada com ele' P EIXEIHA -

./ l"I Z DOS M OHTO S -

Pois seja : ao nada co m ele! Co m todas As guerras e violências, Só há um reino que sai ganhando: É o Reino das Sombras. .I L HA DO S -

E o nosso escuro lugar. cá embaixo , Já está cheio de vidas mal vividas. Além do mais , nós n ão ternos aqui O arado que vacila em m ãos aflitas , Ne m as bocas famintas como tantas Que existem lá por cima . Quanto pó se poderia juntar Sobre os oitenta mil sa crificados! Voc ês lá e m cima precisam de casas! Quantas vezes ainda havemos de e nc o ntrá-los Pelos nossos atalhos que n ão levam A parte alguma, e escutar as perguntas Dos seus receios e preocupa ções "Este ano , como ser ão O inverno, o outono e o vedo?".

Isso: ao nada com ele: L O Cl ·TOH DO THIIlCi' AI. DO S M OHT OS PHOFESSOH -

É isso: ao nada com ele! P ADEIHO -

É isso mesmo: ao nada com ele! L o c t:TOH D O T HIIlI ·i'AI. DO S M ono s -

Olham agora para o lavrador, Ardente defensor da cerejeira : Que diz o lavrador? Pal/sa. L-\ \ R-\ DOH -

Oitenta mil soldados Por uma cerejeira' N ão ! Ao nada com ele!

l'vlo vime nta m-se e gritam O s legionários do friso de pedra: L EGI Oi'ÁRIO S -

Isso: ao nada com ele! Que província Vale os promissores anos de vida Que fomos impedidos de viver? L OCl T OR DO T HIIlL":'\ AI. D O S M OHTOS -

l\lovimentam-se e gritam os escravos Que carregam o friso .: E SCRAVO S -

Isso : ao nada com ele! Por quanto tempo ainda ele e os dele

47

48

Bertolt Brecht

H;10 de pisar com desumanidade Sobre os seus semelhantes e estender As mãos sujas para lan çar em guerras S :~ngre tas os povos, uns Co ntra os outros? Nos e os nossos vam os tolerar isso? T O DOS -

É isso mesmo: ao nada Com ele e com todos da mesma laia! Loct TOR no

TRIBt '\"AL DOS M O RTOS _

E das altas cadeiras se levantam Os defensores do mundo futuro ~ue :em com muitas m ãos para pegar E multas bocas para comer: Esse mundo futuro de abundantes colheitas E vida satisfeita!

o

julgamento de Luculus

49

I DICA ÇÕES DE BERTOLT BRECHT E PAUL OESSA U PARA A ÓPERA

A conde naçà o de Luculus A ópera A Conde naç âo de Luculus (lJie Verurteilu ug des Luleullusi foi escrita co m base na pe ça radiofónica O julgamento de Luculus. que terminaria co m estes versos: Os jurados retiram-se para elaborar o veredicto , A ce na 14, "O julgamento" , é tirada da peça , conservando-se o subtítulo para maior esclarecimento, A ó pe ra não inclui os depoimentos das figuras do friso . Em lugar delas , como testemunhas, são chamadas as sombras dos personagens modelados na pedra. Eis como fica a nova cena: (ver página 29)

E TTRAOA 00 FRISO ESCRAvos QLE CARREGA.\I

o fRIS O Da vida para a morte Levamos este fardo , sem recusa . Há muito tempo o nosso tempo não é nosso, Ignoto é o fim do nosso caminhar. Obedecemos ã voz nova assim Co mo ;15 velhas: para que perguntar? Para trás nada deixamos E à frente nada esperamos .

Ll 'CUX S -

Peço aos senhores jurados dos mortos Que vejam bem o meu friso! Um rei aprisionado: Tigranes do Ponto! Sua rainha de olhos esquisitos: Vejam que coxas lindas ela tem! Um homem trazendo uma cerejeira Com uma cereja na boca! Duas virgens com uma tabuleta Contendo os nomes

50

Ilertolt Brecht

o

De cinqüenta e três cidades' Um legionário moribundo e erecto Em sauda ç ão ao seu general! tv/eu cozinheiro segurando um peixe!

Lo C! T OR DO T RIll! ':\ AI. nos

l'V /ORT

O ~

_

Sombra. os jurados tomaram conhecimento Do friso que ret ra ta teus triunfos. Mas sobre esses triunfos eles querem Saber mais do que o friso quer dizer: Pedem que seja aqui chamado cada um Dos que mandaste estampar na pedra, .1I'/ Z D O~

M

ORT

O~

_

Que sejam chamadas as testemunhas! Q uem escreve a história dos vencidos E sempre o vencedor, E o algoz mostra sempre diferente ~ figura da vítima , O mais fraco E varrido do mundo e em luga r dele Fica a mentira, Nós. aq ui e mbaixo. N:l0 precisam os dessa pedra: Aq ui se e ncontram Muitos dos q ue cruzaram te u ca minho

51

General. Em lugar desses retratos, Preferimos chamar os retratados: Em vez da pedra . nós vamos ouvir As próprias sombras,

C O RO -

Vejam só como erigem monumentos Em honra de si próprios, Estampando na pedra As suas próprias vítimas T:l0 prontas a falar quanto a calar: Impo te ntes e tristes tes temunhas Assim ex postas p elo vencedor Pa ra representarem Os humilhados, os amordaçados, Os es q ueci dos. os sufoca dos, Po r determinaç;1o do ve ncedor Tanto q ue re ndo falar Q uanto querendo ca lar!

julgamento de Lucu lus

LLCl U 'S -

Eu protesto: n ão quero Ver essa gente mais! Voz

TRíPLI CE -

Aten ção. as vítimas do general Lóuculus Na campanha da Ásia'

Do ./iotdo do pa lco ara uçant as Sombras das pessoas cujas image ns aparecem talhadas 1/ 0 pedra . e colocam-se em frente ao friso. O pri nc íp io da ce na seguinte pr ecisou ser modificad o . co mo segue :

o

INT ERRO GATÓRI O

LO(TTOR DO TRIBI X-\L Das ,\ /O RTOS -

Curva-te. Sombra: Est ão aí as tuas testemunhas! LI U 'U 'S -

Quero fazer um protesto! no TRIBL:\AL Das MORTOS N:l0 s ão essas as tuas tes tem u nhas>

LO Cl 'ToR

LI U ' U 'S -

Essas? 5;10 co nt ra mim' Aí es tá um re i q ue e u de rro te i: Nos pouco s dias que v ão d e um a lua-n ova À lua -ch eia . e tc. De pois do e nsa io gera l p ro movido pe lo Ministér io da Cu ltura Popula r no Teatro d e Ó pera d e Berli m, fo ra m ac rescentadas d uas p assagens sugeridas no deco rrer de longas d iscuss ões, a pri meira explica a raz ão

52

Bertolt Bre chr

pela qual o rei vencido, que na ópera não é apenas uma imagem do friso e sim uma Sombra , sustentou vitoriosamente o interrogatório a que Luculus não soube responder. Eis o primeiro acréscimo, ainda na ce na 9:

o

julgamento d e Luculus

Ante es sa test emunha E e m homenagem a todos Os que lutaram por suas cid ades!

Os j urados põem-se de pé , L c Cül. CS -

Sim, estou percebendo que os vencidos Têm voz adocicada , e todavia Já foi bem outra. Esse rei , que procura Tocar nossa piedade, era lá em cima Muito menos bonzinho: n ão extorquia ao povo Menos impostos e taxas que eu, A prata que ele mandava extrair N ão ia para o povo através dele, P ROFE SSOR

para o Rei -

E por que estás aqui conosco, rei' REI-

Porque eu construí cidades E porque as defendi Quando vocês, romanos, Vinham tirá-Ias de nós , PR O FESSOR -

Nós, não: ele! REI-

Porque, em defesa da pátria, eu gritava: "Ho me ns, mulheres, crianças , No campo e no brejo, lutem Com a foice e co m o machado, Com o ancinho e com o arado, Seja noite ou seja dia , Com a fala ou com o sil êncio, Na prisão o u em liberdade , Em presença do inimigo Ou em presença da morte!" . PR O FESSOR -

Eu proponho que fiquemos de pé

Lu c c!'CS -

_

• "

voces: Q u e espécie de romanos sao , . . ~ Rendendo homenagem ao 1I11,mlgo. Eu n ão fui lá por iniciativa minha, Fui lá cu m p rindo ordens: Quem me mandou foi Roma!

P RO FESSO R -

Roma! Roma! Roma! Quem é Roma? . ,. Quem te mandou toram os pedreiros - ~ Que a construrram: '. . Quem te mandou foram os padeiros E os peixeiros e os lavradores E os granjeiros e os boiadeiros Que a ela d ão alimento? . Foram os alfaiates e os peleiros E os tecelões e os tosquiadores Que a ela dão vestimenta? Quem te mandou foram os escultores E os pintores Que a ela dão ornamento.~ , .. Ou foram os co b rado res de Impostos E os usuários e os traficantes de escravos E os banqueiros que sugam dela O próprio sustento?

Pausa, L L'CCLCS -

Fosse quem fosse que me mandou , Fiz s úditas de Roma Cinquenta e três cidades! . • I_ ~ E onde é que est ão essas Cidades toe n ho r ~ n e s mo! ' Um o lha r hasta! Aproveit e. d e ch egar nes~ passando : ven ique o ,se, 1'1 opo rtunídade única! Seja o primeir dos Deuses : e un " I o pei, ,acolhe mo r o s Deuses . ,.SO) I . > tet o . ,antes que o u tro os c u m e seu ro ,I ,I e eles aceite m! ,

°

a bolllelll P /'055eO .. '".'lIe em

seu caminho.

, . a ou tro Passante - Prezado senhor. acho l irioindo a pa Icu .ra di , 'e P '( A,'G ( '-' , o que> eu > (IZ1,1, lizi: jNão tem talvez um quarto, 1SP001\ , OU\'IU , " ' qN:l0 u e é pre ciso um sal ão _ (e I > P,I' Vacto: " , o que vale é a rntença o , ~ ( ue eu vou saber se esses teus deuses s:10 Deuses PASSA:\TE- C,o m o e \ .... J > quem está pondo dentro de casa ! mesmo/ A gente nunca s.I )e

Entra 1//1///(/ tabacaria , \\í'al/g retorna correndo (/OS três Deuses. .. -

Já achei um que está quase garantido ,

.

' l'ê , o seu copo 110 c./)(/0. o /Ina para os Deuses encahulado. apanba o copo e torna a sair correndo.

WlAM. \\í'a ng

PRI.\IEl RO D U· .S' \\1A :\ ( ;

-

N'10 é muito animador. ,

I ta bac aria ao Passante que rat" saindo (a

C0 l110 é que fica a

hospedagem? PASSA:\TE - E co m o é que voce sabe se eu também n ão moro numa pens ão? A

Plu\ IEl RO Dns - Ele n ão vai achar nada : podemos ris car. da lista. Setsuan também .

'

\ V~ :\ G

, " ,'.( É verdade! As imagens 'I . .," t .', . dos Deuses pnnnp,\ls, - E es S,IO les " ' r ..' , .( Se o senhor andar depresdeles nos templos sao parecic Is~m,l . . sa e os convidar. eles talvez aceitem ...

.' ·t'c IS que você ' Io - Vai ver que é para uns graneIes \ ,', 19,1l1S , PASSA;\TE rll/( c • está procurando pousada . S(U , P ão-duro de uma figa! N áo tem respei\XTA:\G xinga I/do o J assa I/t(;. - , I ' cozinhados em azeite ferven)

te) aos D e U S ,es?l (o. l por ess,1

'nl()IO :;r~ e

••

J

l'

Ç) ' I ~ e ; : o l s e

, ,

Gl~am

'

para vocês todos'

64

BeI10lr Brecht A alma boa de Setsuan

Mas vocês ainda v,10 se arrepender! H,10 de pagar por isso , até à q uarta geraç,lo! Vocês es tão deixando Setsua n co be rta d e ve rgonh a! Pausa . Só falta agora a .p rostituta Che n Te: ela n ão pode negar.

IrImlR cha ma Chen Te e e/a apa rece a uma j a ne/a a/ta .

Os Df.l· ' sES .. -

65

.Já? En t ão vamos e ntrar!

N,'IO 11'í• tanta 1T • • • pressa assi m : po dem ficar maisI um 11 pouco à " A. vontade. O quarto "amo.h est ' ., á sendo posto em ore e l .

w r '\G -

Ent " •ão e' I)om no' ,s esperarmos sentados por aqui

\VA\"G - Eles já est,10 aí , e eu n ão estou conseguindo ar ranjar o nde eles se alojare m. Você n,10 pod eria ficar co m e les por um a no ite?

TERCEIRO DE:L's. mesmo.

CHE"; TE- Wan g, eu n ão sei: es to u es perando um freg uês. Mas co mo é que você n;10 encont ra hosp edagem para eles?

\X'.\\"G - Estou ac hando que aq ui tem movime nto d cmaisis... E se nó s fôssemos mais para lá?

WA\"G - Isso e u também n,10 se i explicar. Setsuan inteirinha par ece um monte d e lixo só!

\"1)0 S' E ; l .'

CHEi\ TE- Eu poderi a ficar escond ida, quando o fregu ês viesse: talvez assim ele fosse em bo ra ... Vinha me convidar para um passeio . WA:\G -

WA\"G -

Aqui tem vento encanado !

SEGl ';\nO DELS --.:.- Estam os acostumad os.

E, enq uanto isso , a gente já n;10 podia ir subindo?

Cm ,\; TE- Mas só n ão podem falar em voz alta... A gente pode dizer tud o a eles. a berta me n te? WA:'\G -

Nào! O se u ofício, você n ão deve dizer! Ach o melh o r es perarmox cá emba ixo. Mas Você n ão vai sa ir co m o freg uês. vai?

CHI'\" TE- As co isas n ão v,10 muit o bem co m igo, e se até ama n hà d e man hã n âo pagar o alug ue l, e u vo u para o o lho da m a. \ V A\"G -

. I ) L~ I ' .'' ' - l ~ I' ,I ,S nó s gostamos de ver as pessoas : e, para isso , aliás, q ue nó s es tamos aqui.

Também a gente n áo va i faze r Contas numa ho ra desta s!

Cm ,\; TE- Sei lá , se i lá . Infelizm ente , o es tômago reclam a mesm o no dia da festa do imperad or! Mas, es tá bem : e u vo u ficar co m eles!

Vê-se apagar-se a luz em casa de Chen Te.

PIlI.\IEIRO DELS -

Ach o melhor perder as esperanças .

Os Deuses aproximam-se de IrImlg

WAi\G sobressaltado, ao vê-los ás suas costas arranjado. Enxuga a testa.

O alojame n to já es tá

WA\"G- N ão gostariam , talvez, qu e eu lhes mostra sse Se ts ua n à noite? Poderíamos dar um a vo ltin ha . u" .. Pa r I10)'e . nó ,s FI " a nda I mos o bastante TERCEIRO DELS. , . . Rindo ' d izer- Mas se você es tá q ue re ndo q ue nó s saiamos d aqui, e so I te . Os Deuses tomam a afastar-se.

TI'.RCEIRO DELS -

Aqu i es tá bo m?

h.

Senta m-se os três nos degraus {e I uma casa . \Fmlg senta-se no c . ao. a ce rt a distân cia. \VA\"G toma 11d o fôtego o , Ficareis e m casa d e uma moça so lteira : é a melhor alma d e Setsua n, TERCEIRO DECS -

Isso é bom.

. ' b/ ' - Quand o apan IleI. o copo, cainda• há pouco . e les . . , ." S 'Í que notaram alguma \VA;\G ao pu tco me o lha ram de um leit o esq u isito ... e r: , . , . . )S o lhos co isa? Eu nem tenho mais. co ragem d e o lha i p.II.1 o: d eles.

TERCEIRO D I:Ls , .. -

, cá muit o ca nsa do? Voc ê est

66

Bertolr Brecht

67

A alma boa de Setsuan

\VA:'\G -

Só um pouquinho: é de tanto correr.

PRI.\IEIRO OEt·S \VA:'\G -

A vida é muito difícil para o pessoal daqui?

TERCEIRO DIT' " -

.,' one le se meteu esse aguadeiro? M.I~

CIIEJ'\ TE- Devo ter-me desencontrado dele ,

Para os bons. é,

' " - Pensou talvez que voce nao viesse . e n ão ousou PRl\IEIRO On.: voltar à nossa presença , A

PRI.\IEIRO O~ TS

sério -

Para

\"C)Cê

também?

\\1.-\:'\G - Sei muito bem aonde quereis chegar: eu n ão sou bom, mas minha vida também n;10 é fácil.

Ne:;:w' interim, apareceI/ um ca/'albeiro em frente casa de Chen Te e assobiou l'álias rezes. A cada uez: W'(//ZR estlvmecia. à

,

da água - Vamos deixar isto TERCEI RO O I.l.' ", apanha o ,equipamento " , ' ,' ' , na sua casa: ele vai pI ecisar. ' Te os tr ês Deuses entram lia c üsü: ' Lemdos pai Clu. II I' \' I 7' do amanhecer. os Deuses saem de ' I . II tortut a c arcar. J a 1/_ Escl/rece e , , CZ' ,H II Te, que ilumina o canunno cal 110/'0 peta porta ' t razidos pai •

o

o

TERCEIRO OEL'S baixo, a IF'{lfZR WA1\"G embaraçado -

Agora eu acho que ele foi-se embora ,

Foi. sim,

\I7{lfzg leu{lfzta-se e sai conVIIdo, deixando para trás seu eql/ipamellto de agl/adeiro. Nesse meio tempo. acollfecel/ o segl/illte: o caualbeiro que estaoa e.\pera/oi-se embora. e Chen Te, sailldo calltelosamellte pela porta, chama baL\'illbo por \I7(//zg. descelldo a ma à Procl/ra dele. Elltâo, ql/alldo 1\7(//zg chama Chen Te, baÚ'illho também, IZelO tem nenbuma resposta. à

WA1\"G - Ela me deixou na m~10, Foi atrás do dinheiro do aluguel. e eu fiquei sem pousada para os Santíssimos, Eles est ão cansados de esperar. N;10 tenho cara para ir lá de novo e dizer: nada feito! Do lugar onde eu moro. que é um cano de esgoto. nem se fala! Também os Deuses n;10 gostariam de ficar com um sujeito que faz trapaças no negócio, como já descobriram, Eu é que n;10 chego mais perto deles. por nada deste mundo! lv/as meu equipamento ficou b .., O que é que eu faço? N;10 tenho coragem de ir lá buscar. Eu vou cair fora desta cidade: vou me esconder em qualquer lugar onde n~10 possam bater os olhos em mim. já que eu n ão consegui fazer nada por eles. a quem venero, Sai precipitada mente,

Tela logo \I7(//zg sai, entra Cben Te: olha por todos os lados e auistn os Dez/ses,

1111/

la mplâo. Despedem-se.

' I, Chen Te agradecemos a sua hospitalidade, PRL\IEIHO DITS - Querida . .. 11 nos acolheu, Devolva que tOI voce quel , . Nao ~10 aguadeiro vamos esquece,l ' I' , , ele que tamb ém lhe somos os vasilhames, e e Ig.1 .1 , gratos' por nos, ter indicado uma alma boa, r

A

'

,- , boa Tem uma coisa que eu preciso confessar: CII E1\" TE - Eu nao sou ., r lo para vos dar hospedagem, eu quando \Vang chegou. pec me •• hesitei , r

", ào faz 111'11 quando afinal se vence a hesitaPRI \IEIHO D ns - Hesitar n: • . ,: ' , leu muito mais que um lugar - F' " bendo que voee nos e . . , 'I ,' ., alguns Deuses como nos. çaoI, ique ' .. S.I'I noite' Muitos. II1C USI\ e • . , 'I a se ' .lIne. " h existiriam almas boas. FoI. one 'e passai'to• em d' .úvic , . haviamI pos ' ' " clue empreendemos esta h para 'I\'e n,gua l. ISSO antes e e mais naoa, . . . , , , I' J pois uma já enviagem. Agora podemos continuar com .1 egna, contra mos, Até ~1 vista! o

o' ,

" . ," " eu n ão tenho certeza de ser boa, CIIE:'-. TE - Jvlas esperai, santl m o~, I pagar meu aluguel? E por isso . I ' " 111'1S como 1el e e c • , Gostaria I,e e ser, l1e • , vendo r.lr.1 ara rioder po e viver. mas nem assim, , ', ' pi'ecis'lm fazer a mesma COIeu vos e igoI',: ,eunteI porque 'munas ., c I ganho o su ICle , , . clue n ào está? Natura _ I' , sta ' I tudo mas quem e sa, Estou e ISpOS. " " . Mandarnentos I . . 1 feliz se pudesse cumpllr os 1 . • mente eu hClII.1 1~) . . " . . o, • 'hde n ão invejar a casa do I .. , ' e 111'1e so dizei ,I \ele. , " I de ronrarI)p.1I "sern , uma fe I'tCrC " lade me "afei çoar e ser fie a • '11 ' I n'10 tirar o 1);10 da boca vizinho", ara mn . , . um homem só, Eu também gosta na e e . • r

"

o II,1\" TE -

Os Santíssimos Deuses. sereis vós? Meu nome é Chen Te, Eu me alegraria muito se com meu quarto pudésseis vos Contentar,

o

..

o' ,

68

A alma boa de Setsuan

Bertolt Brecht

n!nguém e nà~ despojar os desamparados. "'Ias como posso da r co nta de tudo? Mesmo que alguns d os Mandamentos eu n ão siga . nem assim eu escapo! d~

PRI.\IEIRO [) ELS - Tudo isso . C/1"n Te. sao - as cIlI\'IC ' . Ias típicas de uma ~ alma boa .

SE pausa -. I, prata aqui'e m I' c 10 Ileiiro conta. do, na o me p ertenI 'I • • . • p oc Ie Ievar de urna. ve z'.. depoi s eu venc o o d o ares1\1'c e" senhora ho o dinheiro no lugar. Entr ega o ce m ,.. j as a seruior; meu estoque de fum o e repon -

• >

OI E:\ 1 E -

dinheiro dos Tapeceiros .

p odemo s ser p almatórias d o mundo .

Cn rx TE com desâllimo - Eu n ão queria o fe nder voc ês. só fiquei esp a nt ad a ... N âo , o que eu quero é xingar você s. mesmo ! Desap are çam da minha vista ! O Desempregado. a Cu Ilhada e o Al Ô saem. come lldo e /vsmullgmldo,

CIIE1\ TE a o público - J á n em respondem mais, Onde a gente o s coloca. v âo ficando , E. se a gente os p õe para corre r. num instante se arranjam em qualquer lugar... Nada os empolga mais , Só o c he iro d e com id a é ca p a z de fazê-los reviver e olhar!

Entra co rren rir, a Sellhora Yalll{. a t.ellra m âe de SUIi.

ve io bem n'a. " CIle n Te . "'I sua ajuda . .. T ' _ Ah senhorita . lid : I na c id a de . " 0 a viado r m orto . pOIS SE:\IIORA 'I A' G , I Ele)"I era ape I .IC o " , ,_ I~ 10ra •. • " \ ,o aría num C llx ao c e [á pensavam a n: no vamente • to eIos. P . . que e Ie so d efunto ,

. am trezentos. cl ólares , . p"'lr 'l p odermo s garantir ' h falt 1 CIIE' TE -1'>' as a m u: ',' .' " Se n hora Yang! Pausadamente

Precisam os pensar,

>

, ie talvez me ajudasse : uma pessoa que o e m p re go, qi El: queria tornar a falar com ele. ve z J'I me V.I eu ... , ' It' I uma '' ,' -p e 110 e muno " ngoroso . , Espero que esta seja a u un ; " porque e es " ' I t >1 vez: mas um ,. 1\ ,.,I.IClar tem de voar, e evic en e,

Co n h e~

, o algu

~nl

nã~

Rouco de motor . ao loug«, SE1\IIOHA YA:\G esbaJórida - É a senhorita Chen Te? Meu filh o me co n to u tudo: sou a Senhora Yang, m ãe de Sun . Imagine só: ele está com a c ha nce d e arranjar um emprego de aviador! Esta

• ~ > " > de clue m fala a senhorita , emprestasse o , ' I '11111'•1. c E- se esse. I' .> E" 10 dinheiro? RA YA', G' - Está " na? vendo. a em UI . , E o corre io ae re o c a m: que vai rumo a Pequim!

112

Bert olt Brecht

A alma boa de Setsua n

CHEl\' TE resoluta - Faça sinais. Senhora Yang ! O aviad or deve estar nos vendo! Acena com o xale. Faça sina is, a se nho ra também! SEi\IfORA YA:"G acenando -

Ah. nad a valem os Mandament os divinos ' Qua ndo a pesso a es tá morrendo mingua! Por q ue é qu e os Deuses não v êm aos nos sos mer cados Distrib uir fartura. reg alad os, Faze ndo assim os que tiver am pão e vinho Tratarem- se com amo r e carinho? à

A se nhorita conhece o que es tá voando?

CHE:" TE - Não. Eu co n heço um qu e vai vo ar: o qu e perdeu as es peranças vai vo ar. Sen ho ra Yan g! Um, pelo menos, há de subir aci ma de sta miséria! Ao públicoYang Sun , meu amado, Na co mpanhia da s nu ven s. Quando ru ge a tempestade , A singrar o cé u. levando A o utros homens, noutras terras, A mensagem da amizade!

Chen Te põe a máscara de Cbui Ta e continua a ca nta r. com voz de homem. Para arranjar um a lmoço, é preciso Te r-se a dureza do fundador de um império : Salvar alguém da fome não podemos Sem antes derrubar uns doze , pelo menos! Por que é que os Deuses não gritam lá das alturas Que o mundo ainda há de ser bom para as boas criaturas? Por que não dão ajuda aos bons com tanques e com canhõ es E nã o dão ordem de "fogo !" log o , sem co nte m p la ções?

E NTREATO NA FRENTE DO PANO DE BOCA

Chen Te aparece. tendo nas m ãos a máscara e o temo de Chui Ta, e canta a "Ca nção da Impotência dos Deuses e dos Bons ". Cm:" TEEm nossa terra , Quem presta , mesm o , precisa ter muita so rte: Só quando enco ntra a ajuda do mais forte É que os se us pr éstim os pod e mostrar. Os bons n âo sa be m amparar-se mutuamente E os Deuses são imp otentes. Por que é qu e os Deuses não têm tanques e can hões, Barcos de guerra e minas e aviões, Para atacarem os maus e protegerem os bons? Seria muito melhor para eles e para nós. Chen Te veste o temo de Cbu i Ta e dá alguns passos imitando a

ma neira masculina de andar.

Os bons não podem Ser bons por muit o tempo , em nossa terra: Quando o prato está vazio , quem está com fome berra.

113

5 l\'A TABACARIA

Cbu t Ta, sentado atrás do bala/o, lê o jornal, sem dar a mínima ate nç ão ao qu e a Senhora Cbi n está dizendo enqua ndo lara o cbâo .

SE:"IfORA Ci nx - Uma lojinha de stas vai breca num instante, quando ce rto s boat os co meçam a COrre r pelo bairro. pode crer. Já era tempo de o senhor. que é um a pessoa de resp eito. botar em prat os limp os essa história esc usa da senhorita Che n Te co m aquele tal Yang Sun , da ma Amarela. É bom não esquecer que o sen ho r Chu Fu, o barbeiro aí do lado, um homem qu e tem doze casas e uma mulher só , aliás já velha, ainda ontem me deu a entender o lisonjeiro interesse que ele tem pela prima do senhor. Já foi até pedir informações sobre a situação financeira dela : isso , acho eu , é uma prova de ótim as intenções! à

Não

obtendo nenhuma resposta. ela afinal retira-se com o balde .

A alma boa de Setsuan

Bertolt Brecht

114

Srx voz fora -

Sb'\1I0 RA Ciu x uoz de dentro - f: aqui mesmo . Mas hoje quem está aí é o primo dela! Cb tti Ta corre ao espelho. com o passo ligeiro de Chen Te, e começa a

ajeitar os cabelos, até reparar melhor em sua imagem refletida e cair em si, corrigindo o engano. Volta-se lentamente, com um sorriso Entra Yang Su n, seguido da Senhora Cbin cheia de curiosidade: ela passa por ele e mi para osfundos da loja. SI " -

Eu sou Yang Sun . Cbui Ta faz II/na curuatura. Chen Te está?

Curt TA-

SI''' ; -

O que aliás, para ela. é uma boa recomendaç;1o,

SUl' -

Aqui é a loja da senhorita Chen Te'

N;1o, ela n ão está.

Mas o senhor deve estar a par do que nós somos um para o outro. Põe-se a correr os olhos pela loja. É uma loja e tanto! Pensei que fosse conversa dela , Bisbilhota , com satisfação. as caixinhas e os potes de porcelana. Homem, eu vou voltar a voar mesmo! Apanha 11m charuto e .Cbui Ta lhe estende o fogo. senhor acha que esta loja pode dar uns trezentos dólares de prata?

CHel TA -

Posso saber como v ão ser empregados esses quinhentos

dólares de prata? Sc" -

Na tu ralme nte. Eu estou vendo que o senhor quer me sondar... O gerente do hangar lá de Pequim, meu ex-colega da escola de avi ç ~10, está podendo me dar um emprego, se eu espichar nas m ãos dele quinhentos dólares,

OHI

T.-\ -

Essa quantia n ão é muito alta?

Sc,. ; -

N;1o. Ele tem de descobrir algum descuido no trabalho de outro aviador. que é c hefe de família numerosa e que por isso é muito cuidadoso. O senhor compreende ... Isso eu digo ao senhor em confiança, mas Chen Te n ão precisa saber.

CIll' 1

TA - ' É possível que n ão. Mais uma coisa : e esse gerente do hangar n ão vai vender também o emprego do senhor. no mês

O

CIlt'I TA -

115

que vem? SI'" -

O meu , n ão: eu n ão me descuido nunca! Já estou desempregado há muito tempo!

Se me permite perguntar: tem a inten ção de vender a loja?

assentindo com a cabeça - O animal com fome puxa o carro para casa mais depressa . EWlmina Sutt detidall/ente, por algllns momentos. É uma responsabilidade muito grande! Senhor Yang Sun, o senhor está esperando que minha prima abra m âo dos poucos bens que possui e de todos os amigos dela nesta cidade, entregando o destino em suas m ãos ... Imagino que o senhor tem a inten ção de se casar com ela?

CIll' 1 TA

SI''' ; -

Ent ão , temos em caixa os trezentos dólares' Cbtti Ta balança negatiuamcnte a cabeça . Foi muito amável, da parte dela. entregar logo duzentos... Mas, sem os trezentos que faltam , n ào adiantam nada para mim .

ClIt'I TA - Ela talvez tenha sido um pouco apressada , ao lhe prometer o dinheiro: com isso , pode ficar sem a loja . Diz o ditado: "Pressa é o nome do vento que p õe no ch ão os andaimes ". St.x -

Eu preciso desse dinheiro agora: agora ou nunca mais. E a moça n ão é dessas que se fazem esperar, quando o negócio é dar qualquer coisa. Aqui entre nós , de homem para homem: até agora, ela n ão se fez de rogada em coisa nenhuma.

Crui TA -

Sei.

SI'" CI li "

Até disso eu sou capaz.

T.o\ _ Mas ent ão n ão acha uma pena queimar a loja por dez reis de mel coado? Quando se está com pressa de vender. o que se consegue é pouco. Com os duzentos dólares de prata que est ão nas m ãos do senhor. seis meses do aluguel desta loja estavam já garantidos. Será que n ão interessaria ao senhor tocar para a frente a tabacaria?

Eu? Tem cabimento Yang Su n, o av iador. servindo atrás de Um bal c ão : ..o cavalheiro deseja um charuto forte ou suave?", Para Yang Sun, isso não é negócio. no século em que vivemos!

St.x -

C!1l" 1

A alma hoa de Setsuan

Bert olt Brecht

116

T.-\ -

Desculpe a minha pergunta: e aviação é negócio?

St:x tira do bolso lili/a carta - Eu vou ga nhar por mês duzentos e cinqü e nta dólares! O senhor mesmo pode ver a carta. o se lo e o ca rim bo , aqui: Pequim ' Cnri TA Sux -

Duzento s e cinq üenta? É coisa à be ça!

O se nhor pensa que e u v ôo de graça?

CIIUI TA - O e m p rego p a re ce bom , Se n ho r Yang Su n, minha prima d ei xou -m e a incumbên ci a d e ajudá-l o a co nseg u ir esse lugar de avia dor. q ue tanto repre senta p ara o se n hor. Q ua nto à minha p rim a , eu n ão tenho nenhu ma o b je ção ma ior: e la que faça o q ue lhe ma nda o coração. Tem to do o di rei to de compartil har das alegrias do amor. Estou pron to a tra nsfo rma r tudo ist o aqu i em din heiro , Vem vi ndo aí a senhora Mi Tsu, senhoria do prédio: quero pedir uns conse lhos a ela sobre a questão da venda ,.. MI Tsi: entrando - Bo m-d ia . senhor Chui Ta! Precisamos tratar do aluguel hoje . que depois de amanhã termina o prazo! Cnrt TA - Senhora Mi Tsu , aconteceram imprevistos que ta lvez im peça m mi nha prima de fica r com a loja, Ela está pensando e m se casar, e o futuro marido - apresenta Yang S I I I l - , senhor Yang Sun, vai com e la para Pe qu im , o nde p re tendem começar vida nova, Se me oferece rem o basta nte p elo es toq ue de fumo, eu ve ndo tudo , De quanto o senhor pre cisa?

MI TSI;

-

Si:x -

Trezentos. bat idos!

CIII 'I TA i ncistco -

Não: qu in hentos!

~ h

T~

' ' (/

SIIII -

117

Talvez e u possa dar uma mãozinha , A Chu i Ta .

Quanto custou o fumo?

mil dólares de prata. e o OH'I n - Minha prima pagou . na o ~asião. q ue vendeu foi muito pouco ate agora . .: _M~ el~ MI TSI' - Mil dólares de prata? Naturalmente ela f~i t ~lpead lhe digo uma coisa: eu dou trezentos pela loja , como esta, se me e ntre gar depois de amanhã! Entregamos. sim. Vai dar certo. ve lho!

SU:\ -

CHI '] TASU1\ -

É muito pouco!

É o q ua nto basta!

CIIl"I TASux -

Preciso de quinhentos , pel o meno s.

Para q uê?

CIIl"I TA- A senhora pe rm ite que eu fale em p a rt i c u ~ a r com o no.ivo de minha prima? De pa rte. (/ S l/II - Todo o fumo que ex~s te aqui es tá penhorado. a um casal de velhos. pel os duze ntos d ólares de p rata que mi nha prima deu ao se nhor ontem . St:x besitando -

CIIl I T.-\ SI'"

à

Mas isso consta de algum d ocumento.í

Não.

senhora ,Ui

TSII .

depo is de I/II/a pa usa breie -s- Po demo s deixar

tudo por tre zentos! MI

T SI ' -

Mas e u p re ciso sa be r se a loja não es tá o ne rada ...

Se" a Cbui Ta CIIl I TA-

Responda o se nhor!

A lo ja es tá livre d e q ua lq uer ó nus .

SI'" _ Qua ndo poderemos receber esses tre zento s?

IIH !\II

Hcrtolr Brecht

T SI ' , ~

,D~pois

de ~ l1anh furado > A 'e ' " .'. . " e u oss

Chen Te, t.estida de

II o iua.

a caminbo do casamento. d irige-se ao

p úblico.

7\':10,

E você me afastou daq uela árv o re compro u um CO)o 1':' , pa ra nu m e me p romet eu dinhei ro para eLI vo. . I C ag ua c , . 11 o utra vez ..,

CHI', TE trêmula SI'1\ -

Senhor

Diga a esse homem para n ão gritar aqui ...

SI ', - Com outro homem. que voc ê n ão ama>

SI'" -

127

Q ue é q ue você q uer ma is>

Eu q uero q ue você fiq ue comigo,

ClIEi\" TE - Aco nteceu uma coisa terrível. Eu ainda es tava com o pé na po rta . quando me apareceu . no mei o da rua. aq uela mulher id osa , casa da com o tape ce iro , e me contou. tremendo , qu e o marido havi a caído do ente com o medo de n ão reaver o d inhei ro q ue me emprestou; e el a me diss e que , d e q ua lq ue r modo , seria melhor e u de vol ver logo o dinhei ro , E isso e u prometi. naturalm ente . Ela e nt ão fico u to da comovida. co meçou a chora r. e me fez votos de fe licida de. a inda pedin do perd ão po r n ão

12H

Bertolt Brecht

poder confiar em meu primo, e em Sun ainda menos , Eu preci_ sei me sentar no degrau. quando ela se afastou. de t ão chocad que fiquei comigo mesma , Numa explos ão de ternura. e u m: atirei de novo nos braços de Yang Sun: n ão pude resistir à COn_ versa e aos carinhos dele. O mal - como diria Chui Ta - não ~erviu de lição para Chen Te . Caindo nos bra ços dele. eu ainda fiquei pensando: afinal. os Deuses h ão de querer que eu seja boa para mim também . 1\':10 fazer mal a si próprio nem a ninguém: Encher de alegria a todos e a si também - Eis o Be m! Como é que eu fui me esquecer dos dois ve lhin hos t ão bo ns? Yang Sun, igual a um furado no ru mo de Pequi m . varreu a minha lojinha . e co m ela os meu s amigos. Mas ele n ão é mau e está me ama ndo: qua ndo e u es to u pert o dele. n ão faz mald ad e nenhuma, O qu e um homem diz a o utro n ão significa nada: todos qu erem dar a impress ão de gra ndes e pod erosos. além de muit o sabidos. Mas se e u disser a ele q ue os dois velh inhos est ão se m dinheiro para pa gar os impostos, ele vai co mp ree nde r: vai p referir traba lhar na fáb rica de cime nto. a voar custa de um a perversidade! Voar. enfim. é a pa ix ão da vida dele... Tere i eu forças bastantes para fazer despertar ne le o hem? Ago ra mesmo , a cam inho do casa mento, eis-me suspensa entre o temor e a alegria! Sai rapidamente à

loja por minha causa . Alguém . que ~ u nü,o s,ei : lI,em é ~ ~st{ Jed indo de volta aqueles duzentos d óla res de p rata , ,qu.e em ~resta m a ela e ela deu ü senhora... Mas. desse e mprestlI110, o p rimo dela diz que n ào existe documento nenhum . EI'1I 0 R.\

Um Garçom serre I 'ilibo aos co nridados do casamento . De pé ju nto a Che n Te. o Avô, a Cu nba da , a Sob rinha, a Sen hora Cbi n e o Desem p regado . Sozinbo a l/l/1 ca nto, 1/1/1 Bo nzo, sacerdo te bu d ista . Na fr ente do g rupo. Yang SIIIZ. cestido de smoking, laia com a m âe dele, a Senho ra Yang . SI '" -

Veja qu e co isa desagr adável. mam àe : co m a maior ingenuida de deste mundo . e la acabo u de me di zer q ue n ão pode ve nder a

v

I

,- _

A:"l,

E- que resposta você deu a ela? Naturalmente. assim .

você n ão se casa ... [';\ _ N ào adianta conversar com el :~ sobre essas coisas: ela é cabe ça-

dura . Eu ma ndei procurar o pnmo dela . 5 E;\ 1I0 RA vI A:"' G _

51 ';\ -

c

L

. ;> e le n',10 " '1 ge nte 5 1\HOIlA I AI\ r E. . " 1clo: a inda pode es pera r uns minutin lOS. e ja ess; '> . ll -: 'lp re ss. .• c 1S toda aí bebendo , fumando . e ninguém tem p re ssa . enta-seju

to aos conoidados . CIIE:"; TE-

Enq ua nto isso, nó s já pod íamos ir di scutindo q ue jeit o dar

às coisas ,.. P ' IZ- d e . í N ' ' Isso é C'l•• " _ Ah " 1)01' favor: SE:";1I0RA vI A"C, , negó" ciosí , IlOle. j ao. ,. ma s n ão es traga r qualquer te sta . e o u nao e.

(n ire-se a sineta da en trada e todos se voltam para a porta. entra ningu ém , Sun, que é que sua m àe e stá e sperando?

CiIEI\ TE Si.x ,

., . vo ce .-, , Por falar p Jr.l • c nisso , p or o nd e "anda se I C)u F, uma su rp re sa, . I»em cc 1n ele . E um 1 "' Ch u i T1 í Fu me e nte nd i. muito p Ilmo c e, " . " , ) , vo cê n ão fala ? mem muito viv o : e uma cabe ça:... I o r que >



)

>

Não se i; n;10 quero pensar nele agora .

CIIE;"; TE SL'" -

Mas por que n ào?

' poc Ie> n1 s'e e nte nd e r'. se vo cê gosta CIIEI\ TE - Porque vo ce- e e Ie nao d e mim, dele n ão pode gostar. S .. _ Ent'10 que o s trê s diabos o ca rre g ue m : o Pu xa-Bruma, o Fura " ' Tanque e o , Rompe-Máquina! Agora be IX l. sua term o s,"1'. Forf'a ". -a

, L;";

a beber. Cl';";IIADA

C'I

Senh ora Cb. in ~ .

SE:";1I0RA Crnx -

Há a lgu ma coisa aq u i que n ão va i h em ...

O que é que esta mos espera ndo?

132

Bertolt Bre cht

Bo x zo diJige-se resolun,

à

Senhora Yang. de relógio em Plil/h

~ c . escoços. com espanto: o que e que p"'lSS'1 s· 1 Levantam os pescoc \" ,_ o falta mais nada, 1 or g:ld ura . , "inl'l' Co m o . se a e .IS n.1 • , " 'I , I" Pois que se mordam . ate c . . 'a ndo la p OI c • , , .•1. , ! " I ' ir para longe daqui! Iro \ e) , a hora delas e qu e . sena sU.I . , es > .trebarial Nao vejo a 10r.1 e e e . . Jl1o rt . . . ,

Senhora Yang, eu preciso ir embora: hoje ainda tenho n1'1' o ___ casa m e nt o e um enterro amanhá bem cedo. • IS lll1] SE:\"II0 RA YA:\"G - Está pensando que este atraso todo agrada a 1l1i também? Cont:ívamos que um garrafão de vinho fosse bas t a lt ~ mas veja só : já está quase no fim! EIII [ 'OZ a/ta. a Chen Te:.: El; n âo estou entendendo. minha querida Chen Te. por q ue o Seu primo faz-se esperar tanto!

133

A alma boa de Setsuan >

c1~eg.l


"

>

CIIE:\" TE -

Meu primo?

SE:\"IIORA YA:\"G - Claro. meu bem: é por ele que estamos aq ui à es pera! Eu sou ant iq uada o suficiente pa ra achar q ue um p are nte t ào p ró x im o da no iva tenha q ue esta r prese nt e ao casa ment o ... CIIE/\ TE -

Ah , SUn: p o r ca us a d aq ueles tre zento s d ól are s?

SI 'I, sem o/ba r para ela - Você ouviu bem o q ue ela fa lo u . Ela é bastante antiq uada. mas e u respeito. Nós esperamos uns q uinze minutos mais. e. se ele n âo chegar. é porq ue os três di abos o le va ra m ! Aí, n ós começamos de qualquer ma neira . SE:'"0 RA YA:\"G - Vocês todos podem ficar sabendo que meu filho arranjou um bom emprego de aviador! Isso me a legra m u ito . porque hoje em dia é necessário ganhar bem .

Ct '.'

" A/H -

b'lgem . o melho r mesn,lO, e que : "1 conta' Nós resolvemos JO •vinho , ' seu . e deixe o negocIo por noss. issO,

, I

-;

5 1'1\ -

CIIE/\

S I', ' -

C

É em Pequim. mesmo ,

. ,- o vai Mas • poder vir! . , o m e u pnmo na

I

Qll e q ue r d izer? TE. -

ele n ão está m ais na cidade. L

t:l' -

,

, o fu turo? Q uer m e d izer o q ue esta E o que va i ser de no-Ó.s p.,lr.1 pensando?

·t'10 com voc ê os meus duze ntos Estou pensa ndo que L:S . I ., , 11'1 pegar de volta o , I ' ) . devolve- os .lllun • . ' ,' , d ólares de prata . 1 oc ernc s . , " " e Ir venc IA e- Io'I.varejo . . em fre nte .1 fum o . que vale multo m.lI~ 11'10 temos mais com que pagar os fá b rica de cimento. porqUL: c . . S de • aluguel. seis primeiros mese: >

. TE -

IIEI'

É lá em Pequim . n âo é?

SE:\"II0 RA YA:\"G -

assllstacIa -

C II EI ' T E

>

.

A

,, ' .. de uma vez . menina! Eu 1 be ça! I', sque> ça ISSO . me os Tire isso e a ca .. " ' " , ler cigarro no varejo a , rua p.lr.1 \ ene , ', '. . d nl'l P la nta r no meio L: U . . ' T, J S III o aviador? E mais ' . ,' ~ I ' .. le cimento? 'I .lllg 1 . . . r. 1 o pe ra rio s da LI JnLI e I' I . le p rata numa noite so: •• . .. . I ' t S e o ares e primo me con hece : e le fácil e u torrar esses e ~ Ize n o . . , S ' 111'1 1' s fáci " '1 eu m e •afoga r no no. eu C to trezentos eIo' }'.1I.es _ L ' • ' > , m e t ra ze r aq u i. a ntes e1o clsamen. ce , fico u. de mais! >

>

CIIE:\" TE- Você tem de dizer :1 sua m âe, Sun , que n ão há nada a faz e r em Pequim ,..

> •

SI':\" -

Se u prim o é que vai dizer, se pensa ig ual a Você. Aq u i e n tre nós: e u n ão penso.

Cr11'/\ TE cbocada -

SI'" -

Sun!

Co mo eu odeio esta Setsuan! Ah, que cidade! Sabe como e u vejo essa gente toda. fechando um pouco os olhos? Um as cavai-

O II':\" TE SI ':\ -

. < n'•10 p ode vir. Me u primo

Ele n ão p o d e é d e ixar de vir. creio e u ,

CIIE:\ TE -

O nde e u estou . e le n ão pode estar.

Si:x -

Quanto mistério! TE- Sun. voc ê tem de saber: ele n ão é seu amigo . Quem go sto _ I. ' a me.smo . (e \:oce sou eu . ,',Ieu primo Chui Ta n âo gosta de ninguern. E am~go meu . mas n ão dos meus amigos. Deixou q ue eu desse a v~K' e o d.lI1helro dos dois velhos . acreditando no e mpre_ gc: de aviador I ;~ em Pequim. Mas n ão vai dar mais tre ze ntos d ólares para voce se casa r co migo!

CI E~

Stx -

E por que n ão?

CtlE,

, TI' _ Sun. n ão é honesto o que nós vamos fazer para arranjar :se emprego de Pequim , Quero de volta os duzentos d ólares es:

que lhe entreguei: me dê o dinheiro . Sun'

_,. _ 1.,

_

glacial - Sun, você tem certeza de que esse primo da noiva vem mesm o? Chega a dar a im p ressào .d e q:le e le deve ter alguma coisa contra este casamento e quer fica r fora.

'HO RA Y A:\ G

CIII::\ TE fita n do-o nos olhos - Ele me d isse que você co m prou uma passagem só . par a Pe qu im . UI'\ _

Isso foi o nte m. mas o lhe aq ui o qu e e u tenho para mo strar a ele hoje! En 'IJe dilas m etades de p assagens. sem tirá -Ias do bolso de dentro do paletó, A vel ha n ão pre cisa ver: s:10 du as passagens para Pe quim . uma pa ra vo cê e uma p ar a mim. Aind a vai me d izer q ue o p rimo é contra o nosso casamento'

CIIE:\' TE - Não: seu emprego é bom e eu já n ão te nho mais a minha lo ja . S, ':\ -

" ,',1e dê o dinheiro . Sun!".., Sabe com quem est á falando' É minha mulher ou n ão? Você assim está me traindo: sabe? Pc ~r sorte. tanto minha quanto sua . já n ão depende mais de voce :

est {1 fechado o negócio!

E,

S, ':\ -

Que idéia a su a. mam âe' Ele e e u so mos co mo carne e unha . Vou deixa r essa po rta bem aberta . p ar a e le no s ve r logo . q ua ndo vier corre ndo se r p adrinho d o se u amigo Su n. Va i até p ort a . ~ eSC(// lCa ra-a CO //l II//l pontap é. Volta. m eio titi ihea nte por terja bebido muito. e sen ta-se ao lado de Che n Te, Nós espe ra mos . Seu p rimo é mais ajuiza do q ue você: o amo r. di z ele com sabedoria. faz p art e da ex istê ncia. E. o q ue é mais i m por t~ n te. e le bem sabe o q ue represe nta . para você . ficar se m 10Ft e fica r sem à

marido! Põem -se todos

à

espera.

Po r sua causa. eu vendi tod a a mobília . E:"1I0 RA Y .\ :\ G -

CIIl::\ TE- Nào diga mais nada. agora! E n ão me mo stre as passage ns! Eu te nho medo de n ão resistir e acabar indo embora com vo cê . ,',Ias os trezentos d ólares de prata eu n ão lhe posso da r, un : sen ão. o que vai ser daqueles dois ve lhinhos? SI ':\' -

E o q ue vai ser d e m im? Pa lisa. Be ba mais um pouquinho! Ou voc ê é d o tipo p rev e nido ? N ào suporto m ul heres prevenid as ! Eu. q ua ndo bebo. é como se vo asse : você. bebendo . talve z me ente nda melho r.

É agora!

Ourem-se passos e todos olham para a p 011a: mas os passos se afastam . CIII:\ _ Isto va i ser um escâ ndalo: a ge nte pode sentir. a ge nte pode apalpar' A noi va es pera pelo casamento e o noi vo espera

E:"1I 0 RA

pelo pri mo d ela ! U:" -

O pri mo n ão te m p res sa ,

CIII:i\ TE co m doçura CIIE:\' TE - Eu n ão p rec iso en te nde r mais coisa nenhuma : voar é o que você q ue r. mas e u I1;\O p osso ajuda r. SI ':\ -

135

A alma boa de Setsuan

Bertolt Bre cht

134

"Aqui está um av i ão. me u be m-amado . mas só te m asa de uI11 lado !"

S CI\ _

O h . Su n!

Deixa r a ge nte se ntado aq u i. com as p assagens no b ols o. e de: lado de uma doida q ue nem fa zer contas sabe! Um d ia destes e até ca paz de mandar a polí cia ;\ m inha casa. busca r aq ue les duzentos dólares!

Bertolt Brecht

136

A al ma boa de Setsuan

Curx TE ao público - Ele é mau. e ainda quer que eu seja má tam, bém. E eu fico aqui, porque gosto dele. mas e le fica esperand o meu primo. Toda essa gente magoada , e u sei que está do meu lado: uma velha com o marido doente, os pobres que es peram na minha porta pelo arroz que eu lhes dou, e em Pequim Um homem desconhecido que se preocupa em n ão perder o emprego . E é toda essa gente que me dá for ças , porque co nfia e m mim . S l'1''';

olhando espantado para o ga rrafão de vinho, que já chegou ao fi m - Nosso relógio é este garrafão de vinho: nós somos pob re s , e q ua ndo o vinho for to d o bebido p elo s convidados, es ta rá tudo acabado!

A Senhora Yang fa z -lhe sina l pa ra fica r qu ieto, pois tornam a se passos. GAHÇO,\I entra ndo Yang ? SEl\1I0RA YM'G o u não é?

Vai q uere r mais um ga rrafão d e vin ho. Sen hora

Tão . ac ho q ue já chega : o vin ho esquenta muito , é

E dá muito no bolso!

SE:":1I0RA YA;\G -

Sempre que bebo. eu começo a suar...

Já posso, e nt ão . pedir que pague a conta?

SE;\1I0RA YA;\G sem lhe da r ouuidos - Peço aos p rese ntes u m pouq uin ho mais de paciência: já deve es tar a ca mi n ho o pa re n te q ue es ta mos es perando. Ao Garçom - Não atra palhe a fes ta! GARÇO.\I -

Eu só n ão posso d e ixa r q ue sa ia d a qui sem pagar a conta .

SE;\IIOHA YAl\G GAH

ÇO~

I

-

Mas todo mundo aq ui já me con hece!

E muito bem!

SE:\1I0RA YA;\G - É atrevida a cr iadagem hoje e m di a! Sun, q ue me di z a res peito?

A todos , os meus respeitos! Sai solenemente,

-cr-: (;'111 desespero . . 'Sentem-se calmamente _ em. seus lugares! SE" IIORA vI A.,,, Dentro de alguns minutos. o sacerdote estara aqui de volta .

Sl'" -

Deixe. mamãe! Minhas senhoras e meus senhores. ag?ra . que o sac e rd o te saiu. não podemos pedir que fiquem por mais tempo...

Ct "IIAI)A -

Vamos andando. Avô!

A\'ó esccuia ndo solene me nte o seu copo -

À saúde da noiva!

SOIlHI"IIA a Chen Te - Não o interprete mal: e le fez isso po r amiza de. gosta muito d e você . SE:":1I0HA Cru x -

Isto é o que e u c ha mo um ve rda deiro fiasco!

Os ro notdados retiram -se todos, ClII::": TE SI':": -

SEl\1I0RA ClII;\ -

GARçml -

0 11vir-

Bo" ZO -

137

Su n, não é b o m e u também ir sa indo?

N;10. você fica es perando! Puxa -a pelo réu de uotca. qu e fica todo enriesacio. Não é o seu casamento? Eu ai nda espero. e minha ve lha ta m bém : e la q uer ver o gavião dela na s nuve ns . custe o que custar. Mas e u. fra ncamen te . já estou ac ha~ lo que só mesmo no dia de São Nunca e la vai poder chegar ate a porta e ver o avião d o filho trovejando por cima d o tel had o ! Fala ndo

para as cadeiras razias. como se os conuidados ainda estiressem ali - Min has senhoras e meus senhores. já n;10 conversam ma is? N ão gostam cio luga r? O casamen to es tá um pouco atrasado . por causa de um parente im portantíssimo que es ta mos es~ ­ rando, e porq ue a no iva também não sabe ainda o que e o a mor. Para e ntreter vocês, o noivo vai cantar uma ca n ção! Canta

a "Ca nç ào do Dia de S ão Nu nca ", . . Algum d ia. Q ue as pe sso as d e orige m humilde já sa bem d e o uv ir tala r. Vai o p obre num tro no d e o uro reinar. E esse dia o de São Nu nca será: No d ia de Sào Nu nca . S;10 Nu nca. São Nu nca. Ele n um trono há d e esta r!

138

Bert oit Brecht

Nesse dia terá recomp ensa e será castiga do o mal . ~ ( ~ proveu o será de quem tiver direito l: A fartura de p âo e de sa ' I . (\0, dia de 5:10 Nunca . .S:10 Nll/1("1 , nunca , . .5"10 . Hao de sobrar p ão e sal !

r ~ bonda~

o ca p im . , " ~ 1-, de " pec Até perto do céu vai c resce r e h'10 ras n agua boiar e ,15 ' P: , . , .l r , ~ ,um homem ser bom nada será preciso I: a I erra será um Paraíso : (\0 dia de 5:10 Nunc a , 5:10 Nunca . 5:10 Nunca . Isto será um Paraíso!

A a lma hon de Set su an

Santíss imos. que bom \'ÓS terdes vindo! Eu gostaria que me permití sseis fazer uma pergun ta que vem me deixan do muito inq u ie to. Entre as ruínas da ca ba na de um padre. que se mudou e foi ser ajudant e na fábrica de c ime nto. achei um livro. e nele e u descob ri uma passag em muito curiosa . Faço quest ão de lê-la para vós. Aqui est á... em cima Wo lIg fo lbeia co m a nuio esquer da /1/11 lirro imagin ário. árto. imagin -ro lit o lerauta e colo. 110 tem do fino de rerdad e que nde o o [ecbad ta contim eiro rerdad o (/ fi m de ler I/ele. enqua nto est(//·a .

\';r.-\:,,( ; -

"Em Sung existe um lugar. chamad o Espinhe iral. onde cresce m cipreste s. amorei ras e outras árvores . As árvores . que têm um a dois palmos de circu nfe rê nc ia. s:10 co rtadas por pessoas que querem mourõe s para ce rcas: as árvores de três a quatro palmos s:10 cortada s pelas nobres e ricas que buscam tábuas para caix ões de defunto : as árvores de sete a oito palmos de circunf erência s ão cortada s por aquele s que procura m vigas para as suas mans ões de luxo ... E assim nenhum a das árvores boas chega a viver em toda a plenitu de. pois sempre têm seu da destino cortado . ou pela serra ou pelo ma chado, Essa é a sina

\\'.-\\l; -

Nesse dia .

f ~ v i a d o r eu serei afinal e serás também general . o hás de ter. e assim tua mulher E um ~mpreg

Poderá sossega da viver: ~o dia de 5;1 0 Nunca . S:10 Nunca , S:10 Nunca. Ela Sossego há de ter! E isso tudo. 'r' . também n âo podem os ficar uma vida inteira "c esp e ,II . • , ' . H'I de vive r,- nao noite da as OHo ou às nove , Mas na hora em que o galo ca nta r: No .d ia de S;1o Nunca. S:10 Nunca. S:10 Nunca. ASSlll1 que o galo cantar!

utilidad e, "

Q~le

SE:\IIOR.-\ YA:\G - Ele n ão vem mais' Ficam sel/tados os três. d ois deles o/ba l/do para a porta,

TERCEI RO DE1'S -

Ent ão o inútil seria o melhor?

N:l0 o melhor . mas o de melhor sorte: quanto pior. mais afortun ado!

\\l ·\ V ; -

PRL\IEI RO DET S -

Escreve m cada coisa!

histó5EG1 ':'\J)0 Du.s - Por que se deixa impres sionar tanto com uma ria dessas. aguade i roí

ENT REA TÜ NO ABRIG O N O T

139

UI~NO

DE \\'ANG

Os DeI/ses aparec em de 1/ 01'0 em soubo a o aguade ira adorme ctdo so Iire it nt lirro g rosso . 11IlÍsica ,

\V.

~ :'\ G

o - É só por causa de Chen Te. Santíss imos : n ào acertou com homem que ela amava. por querer ser fiel ao Manda mento do . amor ao próxim o. Ela talvez seja boa demais para este mundo Santíss imos !

os pioPRI.\IEIRO DEI 'S - Tolice! Homem de pouca fé . parece até que ... metade pela cê vo m comera já s lhos e as dúvida

A alma boa de Selsuan

Bert olt Brecht

140

WA:"G - Com certeza . Santíssi mos! Eu vos peço perdão! Só pensei que talvez ainda pudéss eis fazer alguma coisa ... P RI ~I E IR O

Dst.s -

Totalm ente impossí vel! O nosso amigo aqui -

ta para o Terceiro Deus. que está com

II/II

apo n. dos olhos arroxea do

- , ainda o nte m mesmo . quis fazer qualqu er coisa numa briga: veja só o resultad o! \'í/ A"G -

Mas Che n Te preciso u chamar de novo o primo: ele tem u ma habilid ade extraor dinária . eu digo por experiê ncia própria , e no entanto não pôde fazer nada . A loja parece mesmo perdida .

TERCEI RO Deus inquieto PKL\lEIRO Dn .s mesma !

Talvez devêss emos dar uma ajuda ...

Eu sou de opinião de que é a vez de ela ajudar a si

SEGCt\DO D EUS '1g0roSO- Quanto piores as circuns tâncias, melhor se prova ser uma alma boa. O sofrime nto purifica ! PKI.\IEIRO Deus -

Deposi tamos nela a nossa esperan ça .

TERCEIRO DEUS - Nossa pesquis a não tem sido das melhor es. Aqui e ali. n ós encont ramos bons propósi tos, louváve is inten ções, elevados princíp ios: mas nada disso faz uma alma boa. Se achamo s LIma ou outra. no caminh o, faltava- lhes uma vida condig na . Em confid ência - Quanto ãs pousad as. n âo podiam ser piores: pelos fiapos de palha que ainda trazem os nas roupas, você pode imagin ar onde passam os as noites. \\TAi'\G -

Será que não poderíe is ao menos uma vezinha ...

Os DEL'SES Tão . mesmo . - Somos só observ adores . - Estamo s firmem ente conven cidos de que a nossa alma boa há de saber achar o bom cam in h o neste mundo de trevas. - O próprio fardo há de aumen tar as forças dela . - Não perca as esperan ças . aguade iro , e ainda há de ver que tudo se encami nha para um bom...

As imagen s dos Deuses cão esmaec endo. as cozes deles uão sumind o, até que afinal desaparecem.

141

7 , , DOS FU TDO S DA LOJA DE CHEN TE TA AREA - . , Chen Te e a SeI/hora . 'Ilho alllll/ls utel/sílios dali/est icas . 1111/ ca 1/' . o I i . ' . III da corda algulI/as roupas aucIdas . e hl/1 tira . - Eu não entend o como e, que você n ''10 luta por sua Sf.;\1I0 RA C III" . loja com unhas e dentes ...

1 I posso pagar! E hoje ainda preciso " CIIE..t\ TE - Como? Nem oI ' a1 ugue le C'IS'II de velhos: mas ' de prata 'lq ue ' .c devolv er duzent os ( o ares " " tenho de vender meu , t a pessoa e agol,l fui dar o dinheIr o a ou r, ., . "1 .senhor a Mi Tsu . un , 10 f . ' ,' é o fim ele tudo! Sem marido . sem fumo e sen~ Sf.:\1I0RA CIIl" --:- Entao , lo se quer ser melhor que os . o'. F, o que acontec e , qu,lOC ' "/ a1)ng . . n, , você vai Viver de que. o u tro s. ... E 'lgo , Cm"

T'

N"lO sei Talvez possa ganhar alguma coisa na triagem ele . .

E -

I ,

fumo ... . _ Como é que veio parar aqui a cal ça do senhor Chui SE,,1I0RA ClIlt\ . I Ta? Só se ele S:IlU nu. · CIIE" T E

Ele tinha outra cal ça. -

-

, 19anO que ele se foi . V .. mesma falou. se nao m e el . .. SE,,1l0KA Oll " oce que iria deixar a calça aqui? de uma vez para sempre : por ' , CIIEt\ 1'E

-

Ele t'1\vez não precise mais dela. , •

SE:\1I0RA C III". C HE:" T E'

-

N'10 é melhor embnll har? c

1

N"lO , • pode deixar.



Entra {ifobad o o sel/hor Chu Fu. T' iso dizer nada : eu sei de tudo! Está sacrif anel~ CHI' FI' - Nao e prec . I 11 n C' (e ve 10S.. que ''lcre d ito U em voce. o seu amor para UI -'l •S'1\ '_ '" or todo o bairro. descon não ficar arruina do . Nao e ,1 toa que P

fiado e maledicente. você é chamada "0 Anio I " , . s" N,10 poderia o senhor seu noivo cheg: ' . J. . (os. S:lburblo ... lei ai ,lOS seus pes nun . . ':. \ o ce o uerxou . Agora vai tamb ém I' '1. ' . I . ca, e '11 I ec uu ,I ojn esta pe I la onc e se abrigam tantos necessitados' M: ' " ' ." . que~a posso concordar D" . ' 1 ,IS com ISSO eu nao • ca r , a pona da minha barbearia ~ r' ' muitas manh ãs seguidas. repartir seu arroz co 1 ~u \ I ~oce, . , I c • I 1 um,1 porçao d gent e nuserave . em frente ,1 sua I " F , " .. . e ',I ' . 0)

-



• ,

A

.. . ' " Chen Te. \'Oce esl:í sozinha? Chell f e jaz " I '. lati'o. . , S /l W {~jm e a \'é!11 -I Ilho. que ta mbém rc tn (//T 't I ')a, (. oama para deli tI'O o Sobri( 1.\ (//I{ o unrjant« \Tn l l\ -

A

1

c ben Te continuo teinrosamente calada.

1f!,lIlaçao: rem arrastando

!Jesados/ardos.

O

V o c ê continua a mesma! Ainda vamos acabar perdendo uns miserú\'eis sacos de fumo . que S ~!O enfim tudo o que pudemos salvar do que nós tínhamos!

VEUI.\ -

Cm:" TE a o J/ellillo -

Vrur., -

147

I , " ,' ,

I Ce I.:sU aquele seu primo ?

VEl.! IO - Pense bem: este fumo. pa ra nós. bem poderia ser o ponto de partida de uma pequena indústria . Daí poderíamos prospera r... CJ II::" TE - Po is bem: vou guardar os farelos ele vocês, Por o ra . ficam nos fundos ela loja . Cbel/ Te rai lá dentro. CO II/ o casa l d e Velhos e o Sobrin ho. O Menino. relido-os afastar-se, olh a m edrosamente em redo r. e ra i até la ta de lixo. remexendo I/ele e tirando coisas qu e se põe a co nter. Reapare cem Cb en Te e os três uisita n tos. à

CIIE.\, TE -

Viajando.

E

\Tu.!/.\ -

11;( 0

vo lta> VU.II.\ -

Ci Ir..\' TI'. -

[\T'! i v ; o:

' ela loja . e u cIeSIsti

CIII::" TE -

\TU.IIA - N ós ',- . I ,,1 sou x-mos, e estamos a ui .,, , de fumo em bruto CII q por ISSO: temos uns farelos , . II.: uma pesso'l estav. ' j tanamos de pedir ' I . " c ,I nos c evendo, e gos, \ o ce que os trans , , presentes para 'I SII'I .. 'SpoItasse, com os seus no\'a casa Ainda ,possamos gll'lrcl-í-Ios > " .. nao temos um lugar onde . • , . (: ,ISSlm na rtl'l eh r' ' ' creio que voc ê ,,,' ." • I.Im multo na vista . Nào I.: nos \ . 1 negar um favor t'tantos aborrecimentos cII .10 pequeno. depois ele n, nos tl\ emos na sua loja ,.. ,

o

Você compree nde : n ós confiamos in teira mente em voc ê: Eu compreendo. Dá com os olhos

1/0

Me nino efica estar-

recida.

>

,

'"

o

,

o

>

'.

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.

.

'

o

C /lE.\

TE -

Ess -o

o

f e e um a \'or que eu f:.IÇO co 1

I 1

, '

,

o rn aror prazer.

VU.!IO - E ' ' I ' perguntar a quem , . ,. , ~ ~ .I gu~m estex LlIdos sao seus. pertencem . pode dizer que Ci 11'\ TI'. -

\ 'r UIO - Ent ão . depois de ama nh ã. vamos procurar voc ê ki nos gal p ões elo senhor Chu Fu.

Q Uelll Ila\'ena . cIe p ergunta r?

VEU!..\ olh a Il da-a Sif!, II{/icatil '{lII le l lte _ A ) ', ', ' . I 01rCI.I. p o r exemplo : estú de pre\'enç;10 co tr n 1.1 no s e q uer n o s ' 1 ' - . . colocar os fardos' , IIum ar , O nde podemos o

Cm:" TE- Agora. por favor, saiam depressa: eu n~10 estou me sentinelo bem! Empu rra-os pa ra fora . e saem os três. Est á com fome e cisca na lata ele lixo! Põe 1/0 co lo o Me nino. e exprime II II II/{/ fa!a o seu horror pe lo destino das crianças pobres. mostrando ao público a boqui nh a suja . E tonta a resolu çâ o de n ão d eix a r seu pr ôprio [ilbo exposto a semelbct nte

[a lta de caridade. Ó filho meu! Ó aviador! A q ue m u ndo Ve ns chegar' Na lg u ma lat a ele lixo Te d ei xa d o cisc ur assim ta mb ém? O lha i bem para essa bo qu inha imunda' Exibe o Menino . Co mo trat a is os vossos seme lhantes? Mise ric órd ia alguma pelo fruto

148

Bertolt Brecht

Do vosso ve ntre? Compa ixão a lgu ma Por uma ca rn e que é igual ã vossa? Meu filho, ao me nos, eu defend erei, Ainda que te nha de ser como a onça! Desde o momen to em que eu assisto a isso, Fico longe de vós , e não desca nso Até ver a sa lvo o meu filho - ao menos e le! O q ue ap re ndi na ru a - mi nha escola De artiman has e lu tas - vai agora Servir a ti, meu filho, pois contigo He i de ser boa .., mas uma o nça brava Para com todos os ou tros, se ne cessá rio! E é ne cessári o!

Sai Chen Te, para meta mO/j asea r-se

1/ 0

primo Chui Ta,

seja a CIIE'" TE. sail/do - É necessá rio , mais um a vez: es pero q ue da últim a . Apal/h a a calça de Chui Ta, sob o olha r cu rioso Auô. o SeI/hora Ch in, que reaparece com a ClIIzha da e Ct'i\lIADA-

A lo ja fechada . os móveis no p átio: é o fim!

egoísSE:\IIORA CIII;": - É no que dão a frivolid ade. a sensua lidade e o lp ões ga os para baixo: para É isso? o tud va le mo! E sabem aonde do senhor Chu Fu, vocês também ! p ara Ct';":IIADA - Pois ela ent ão vai ficar e nca nta da! Nós só vie mos o reclam ar: umas tocas de ra tos mu ito úmidas . com o assoalh dele sabão o lá ue porq te gen à uilo aq p od re ! O barbeir o só deu está mofand o: "Te n ho um lugarzi nho para vocês . O q ue me d izem?..... Nós di zemo s que é um a pouca- vergon ha! Entra o Desempregado . DESD1PREGADO Ct',\;IIADA-

í:.

SE;":1I0RA CIII;": -

Verdad e q ue Chen Te vai se mudar? Queria ir sai ndo às escond idas, sem a gente saber... Enverg onhada , porq ue perdeu tudo.

ela q ue DESE,\IPREGADO el/fático - Ela precisa chamar o primo. Digam a coisa! lguma a fazer de chame o primo: só mesm o e le é capaz

149

A alma boa de Setsuan

pe lo, menos , I' .S •S ( ) é :• m uito sovina . o primo •dela. mas < CP ...IIADA - L"I b ém ... tam nos e ajeita se la e depois . ' salva a loja da falência , Mas não há • . c ac em nós: pensav a nela , não pensav . - O - Eu DEsDII'RE ' , . aviador> . n,IO que: mais o dinheiro para o

151

du zent o s d o aluguel pelos pr óximos seis meses , E agora. sen ho ra "Ii Tsu, queira me dar licença de c u id a r dos meus afa ze re s : hoje estou muito ocu pa do . e e s p e ro que a senhora me desc u lpe , MI T.,I - O q ue e sto u vendo é o se n ho r Ch u i Ta su bir no ra stro d o a\'ia dor: dez mil d ólares' A leviandade e a falta d e juízo das mo c inhas de hoje me d ei xam ca d a ve z mais assombrada . senhor Ch u i Ta , Sa i, O c (//pi llleiro e o Desempregado rolta m arrastando os fardos, CARI'I:'\TEl HO - N âo sei por que é que eu arrasto estes fardos para o se n ho r... CtIl'I TA - Basta que eu saiba, Ali o seu filho dá mostras de um saud áve l apetite : ele tem de comer. senhor Lin To! CI',11AIlA olha Ilda os fardos CtIl'I '1'.-\ CI':\IL\llA -

Meu cu n had o esteve aqui?

Esteve , Ent ão é isto: eu conheço esses fardos. é o nosso fumo !

CIIII '1'.-\ - í: melhor n ão falar assim t ão alt o, Esse fumo aí é meu. e vo cês todos viram muito bem que estava no meu depósito. Mas Se a senhora tem alguma d úvida, podemos ir :1 polícia e deixar tudo bem cla ro . Quer? CI :\IIA1H co n t ra f eita -

N ão .

ca rrinbr, I I , , ( a /I/l/( a u ça o cheque deixad o pelo e o preench e - A . I sen ion: te m aqui u m c he q ue de dez mil d ' I, '. , , ' "

CIII'I TA - Ao que me parece. vo c ês 11:10 têm fumo nenhum ... E é possível que . nesse caso. aceitem a m ão amiga que minha prima Che n Ten lhes estende. Agora. tenham a bondade de me e ns ina r o caminho para os galp ócs do senhor Chu Fu! Tonut ndo pela m ão ofilbo ca çula do Carpin teiro. Cbui Ta sai, seguido pe lo Ca rpin teiro CO II/ seus outrosfilbos. pe la Cttnbc tcla, pelo Az'ô e pelo Desemp regado . A CII nbada . o Ca rp in tei ro e o Desempregado râo

mu i to amigo da minha prima, Pode

arrasta ndo os fardos de [it nto.

CtIl'I 1'.\ MI T ~ I ' -

N ão , senhora, E tem com que 1)'lg' " I" " ' , , ,II ,IC 1,lnUc o seis meses de aluguel "

CIII"/ '1'.\ apmzha

110

ba rhetro C/J ZI ,

L'

["/I ,

ass inado pelo senhor Ch u F > ' r 'T " , . u, que e Antes das sei ' I '" I \ ert IC U. senhora 1\11 Ts u! ,, s 10l.lS c a tarde a senhora terá em suas m ãos os ,

"

o

,II ex ,

\VA:\G -

O primo é mau . Che n Te é que é boazinha!

Bertolt Bre c ht

A alma boa de Setsuan

SE;\1I0RA CIII'\ - Eu n ão sei. n ão ... Tinha na corda uma ca lça q ue o primo dela está vestindo agora : isso ta lvez queira dizer algu ma coisa. e eu preciso saber' Entra o casal de Tapeceiros. TAPECEIRO -

A senhorita Chen Te n ão está-

SE'\1I0 RA CIII '\ com frieza T\PECElRA -

Foi viajar...

É engraçado: ela ficou de nos trazer uma coisa ...

\Vo\'\G co ntemplando dolorosamente a m ão mach ucada - Ela fico u de m e ajuda r. tam bé m : eu vo u fica r com a m ão pa ral ítica . atu ra lmente e la vai vo ltar logo. O p rimo dela nu nca fica muito tempo . SE'\1I0RA CIIII\ -

Poi s é . n;10 é?

rando hospedagem. Com que vergonha eu me le m b ro disso' Tenho ce rte za de que vós compreendeis toda esta minha preocupa çâo com ela . TERCEI RO Du .s -

TO A BRIGO NOTUR O DE \Y./ANG

E o que é que você sugere?

\V.\ '\l; - Talvez uma pequena redu ção em vossos 1\landament.os: uma pequena diminui ção do peso dos vossos santos preceitos. em co nsid e ra ção aos tempos difíceis em que vivemos ... TERCTIRO DEI 'S -

Mas como. Wang? Dê-nos u ma idé ia!

WA'\G - Se. por exemp lo. pedísse is "benevolê ncia" e m vez d e "amor ao p ró ximo ..... TERCEJI{O DIT S \\IA'\C; -

ENTREATO

153

O u "eq uid ade" e m lugar d e ..justiça .....

TERCEIRO DIT S WAI\G -

Mas isso é ai nda mai s difí cil , infeli z!

Assim vai d a r m u ito ma is trabalho !

Ou pura e sim p les "decênc ia" em vez de ..honra .....

MlÍsica . O ag uadeiro. em sonho. com unica aos Deuses os seus tem ores. Os Deuses continuam em sua longa peregrinaçâo: pa recem fatigados. Por 11111 rápido momento. detêm-se e coitam as cabeças para olha re m o aguadeiro por cima dos ombros.

TERCEIRO DEL'S fé!

\V',\'\G - Antes que a vossa apari ção me despertasse. Santíssimos. e u estava sonhando com minha q uerida irm ãzinha Chen Te em grande aflição entre os juncos do rio . bem no luga r onde costumam ser e nco ntrados os corpos dos suicidas. Ela oscilava estra nh a m ente . com o pescoço curvado. como se est ivesse a rrasta ndo a lguma coisa mol e e pe sad a q ue a fizesse afu ndar no lodo . Ao meu cha ma do. e la me respo nde u q ue tinha d e le var para a o u tra mar gem o fa rdo d o s sag ra dos Mandament o s . e sem molh ar . para n ão borrar as let ras. A bem di zer. e u n ão v i nad a sob re os o m bros d e la ... 1\las me lembre i. ass us tado. q ue vós fala ste s nas gra ndes virtudes. qua ndo lh e ag rad ece stes a acolhida q ue ela vos p ro porciono u . naq uela no ite e m q ue vós estáveis procu-

8

Tudo isso re presenta m ui to mais. home m d e pouca

Fatigad os afastam-se os Deuses.

NA FÁBRI CA DE F MO D E CHUI TA

Nos galp ôes do senho r Cb u Fu . Chu i Ta insta lou unia pequena f ábrica de f u mo . Atrás de g rad is. como em horríveis estreba rias. algumas fa m ílias aparecem de cóco ras, principalmente mu/~ ) er s e. C ~ 'l m lç as. entre elas a Cu nhada. o Avô. o Ca rp inteiro e seus filh os. A frente de tudo isso. aparece a Senho ra Yang. segu ida por seu filh o Su n. SE;\1I0RA YA'\G ao pú blico - Eu tenho d e con ta r a vocês como foi q ue meu filho Sun. g raças à auste rid ade e à sabedoria d o se n hor

154

Bert olt Br echt

Ch u i Ta . que é estimado por todos . d eix ou de ser um degenera_ d o par a tornar-se uma pesso a útil. Co mo o bairro inteiro sa be. o sen ho r Ch u i Ta a b riu . nas vizinhan ç.ix d o matadouro. uma Peq ue na fábrica de fum o . e m ráp ido p rogresso , Há un s três mes e' e u me vi na conti ngência de ir p ro curá-lo . com meu filho . Dep o is d e um a cu rta espera . e le me re cebe u, Da f áb rica vem saiudc: Cb u i Ta. qu e se dirig e ri Senho ra Yal/g. Ct II " TA -

Em que lhe posso servir. Senhora Yan g?

SE.\ 1I0 R,\ Y.-\\ G - Senhor Chu í Ta . eu só queria ter uma pal avrinha COm o senhor a respeito de meu filho, A polícia bateu e m nossa casa, hoje de manhã. dizendo qu e o senhor tinha dado pane dele, em nome da senhorita Che n Te . por quebra d e promessa de ca samento e apropria ç ão ind ébita de duzentos dólares de prata... CIII'I TA-

Exaramente, Senhora Yang!

SE\1I0 RA Y.-\:'\G - Senhor Ch ui Ta: pelo amor dos Deuses. n ão poderia dar a meu filho . mais uma vez. misericórdia em lugar de justiça? O dinheiro já foi todo embora: em dois di as ele acabou co m tudo . quando viu por terra o plano d e se empregar como av iad or. Eu sei que ele é um tratante! Teve a corage m de vender nossa mobília. e já ia fugir para Pequim sem a velha m âe ! Cho ra. Sua prima Chen Te gosta va tant o dele! CiIl'I TA-

E o senhor. Yang Sun. que di z a isso?

SI':\, esqn iuo -

Aquele dinheiro eu n ão tenho mais.

CiIl'I T.-\ - Senhora Yang . levando em consideraçào a fraqueza q ue minha prima já demonstrou pelo seu filho. por motivos que aliás e u n;10 entendo. estou disposto a dar a ele 'm ais uma chance. Chen Te me disse que esperava um dia ver o filho da sen hora inteiramente reabilitado pelo traba lho honesto" , O que e u posso oferecer a ele é um emprego em mi nha fábrica: assim. aq ueles duzentos dóla res de prata poder ão ir sendo aos poucos desco ntados do salário , SI':\, -

Isto é uma fábrica o u uma pris ão?

['i5

A alma boa d e Set su an

O se n hor é quem sabe,

Cnl'l TA -

E co m Cllen T e . nunca. mai ' .s vou poder falar?

'(;1' -

,." ao ,

Cnl'l T.\ lI', -

1:

LI

11

q ue luzar e u vou trabalhar? '"

Eu lhe agradeço mil ve ze s. sen Ilar Ch ui T •I', O .senhor bom. os Deuse s lhe dar ão a r e c ~)l1pens ;1 1. ri , S I I ~ 1/ c I . I "I vej a se pe o tra ),1 '" " ,_ , _ Você se d esviou do bom Ca m1l1 10: agOl. lho honesto. volta a arranjar co rage m para poder olhar SU.l mac

.

y . ., -

E I' () ~'\l

t : ~; a me n t e

nos olhos! Ya IIi!, rem de Sun entra I/a fábrica com Cbui Ta, ri Senh ora ribalta.

110/'0

à

primeiras semanas de Iábrica ,nào f\ s I A t': ' , ' ''1 Sun O trabalho n ão lhe dizia nada , Ele tinna toram aceis pa ra c , I ' \ té que na OUCIS o onunidades para mostrar o seu va 01 , f . , , ., ajudado p or um pequeno incidente . P . sem'l!1'[ p " t ' ", f'l Viu-se, , ercel\, ' 1 : 'e'x-c'lrp ' inteiro Lin To foram chamados a remover Cjuanc o e e e o . , alguns fardos de fum o. . SIIII e o Ca rp inteiro rêni arrastando doisfarelos ca da III/I ,

SI'" I( ~i)

,\

'Ir xc.. ao público -

> '

>

deixando-se cair sobre

1111/

dos la r-

C.\RI'I:\'TEIRO paml/do: a i!, e m~ " ,,(,,' , ~ t nho idade para um trabalho dos - N ão aguento mais: p 11.\0 e destes! SI':\, sentando-se também joga na cara dele?

Por que vo cê n;10 pega es ses fardos e

, .. " _ E a minha gente vai viver de quê? Co m _tud o i s~o . eu CARl 1\ II.IRO , fill ' p'II"1 que nao nos falte o preg'u' meus I lOS. . , I I ainda ten 10 c e em , . T I ' " ver isto' Eh que era " Se •'I .senhorita, Che n e puc esse . " , necessano" t ão boa! S • l ':,\

~I;V Z

- era cI'Is' piores. , .Se ,' I .S' circunstâncias n ão fossem adversas. N'IO I UI;l di';: nós nos entend êssemos . E,u gostaria, de s ,a l~er ,~ m \ ~ " 1,' e' melhor a gente ir continuando: .I esU 101.1 e c' \',1 CS , L . . 1Mas c costuma aparecer.

156

Bertol t Brechr

157

A alma boa de Setsuan

Leuantam -se os dois,

GERf.:"TE -

SI'" tendo chega r Cb u t Ta - Me d eê :aq u r, um d e sses fard os I " ' T. ! ' , < s , a e llada ! S1111 apanha 11m d osfardo\'• de( I,III J o e eua -o. com os set t»,

Poi s e nt ão. cinco d ólare s d e p rat a ' A Ch u i Ta -

Se nho r

Ch u i Ta. isto é difí cil d e acontecer ..,

C!l U TA-

Co mo é q ue cons ta m se is di as, se e le só trabalhou c inco?

CARI'I:"TEIRO - ' Muito o brigac do!, Ah • se se e]. ' , e a es tivesse aqu i 'Ig o ' ~ 'I o c e d ar ;,1 m ão a um velho , se ria um g ra~ le l I ' . .' , , o neste lug ar. e de cuja palavra a P ~t:i ;~ ( ~ I;~o (J d a d a o s d.e dar, somos test emunll'ls de qt p ode duv], ," .., •, le mnguem soluçou aqui' nó ' .. - . , s esta mos aqu: tranquIlamente sabore'lI1d • o os nossos charuto s!

r ~speit

>

POl.lCIAL-

Infeli zmente eu tenho ordem de ins .' I e mspecronar o depósito... os 1I11( os e o Policial > tr. j' CIIIL'atlll,1 ao transpor o IIl11br I 01/ h UI la, a z en d o lima a, la em para dentr. I ' o ( o aposemo, cIepots rol/a-se e dá IIl11a risada , De fato, aqui n âo há pessoa alguma ..,

qt u: o acolllpanboll de /Je110 - Mas • I ivr; eu OUVl uma pessoa soluçar! Dá COIII os 011.70\' na 111 > . . esa. .' 0 J a qual Cb u! Ta I ' trou.xa, e corre em diref'c'1 I I ' varta escondido a ,. o a e,a sto ' I InC!'! h,' aqui! Abrindo a trouxa exil. ,." " c a pouco . na o estava . . se a.' roupas e objetos de Chen Te. 51 ' ;'(

>

'

> ,' • \VA;'(G - S;10 co isas de Che n Te ! Cor re roupas dela estavam es condidas! a porta (; g rita para fo ra -

POl.lClAL aplrendendo as roupas e prim:.1 S.,,'IIU cIe \'iagem ' . e agon uma trouxa com os p l ' . ' . , el en ces trar a mo ça . senhor Chu i Ta ? >

C!Il'I

TA-

POl.lCIAL-

'IN .10

cnn -atura de Ir.speito senh ora .IIi TsII e a o Queridos só cios. desculpem este pequenino esc:1nda lo! Mas a inda e xiste um Juiz em Setsuan . e eu est ou ce rto de que tudo esta r á esclarecid o em muito pouco tempo , Chlli Ta sai IW fr ente d o Policial. à

sen ho r Cb u Fu -

\XIA:"G -

Foi cometido um crime pavoroso !

"

Cb u ! Ta abre a p orta d . j '

1'01.lCIAL -

171

As

objetos _ O I . se n 101' en" " , diz. que ,SLI'I• d lc ontra-se embaiXO de sua mesa e a Onde é > . '" que \ am os encon '

>

ten I10 o endereço dela ,

Pois é uma pena!

GRITOS da multtdào , lá fora - D '. .r.. escoblllam as roupas de Che n Te'O Rei j F . , I Co umo assass ínou a moça e deu ' '. ' sumi ço no corpo! POl.lClAI - Senhor Ch 'T '. UI a. sou obrigado a pedir ao senhor que me acompanhe até a Del egacia ..,

SI':" desconcel1ado -

"Ias eu o uvi um so luço vindo dali!

ENT R E A T O

NO ABRIGO NOTURNO DE WANG

Música. Pela últim a tez os Deuses aparecem em soubo ao aguadetro . Eles est âo desfigurados. COII/ euiclentes sinais de longo peregriuaçào. profundo esg ota nten to e m últiplas experi ências m ás: 1111/ deles traz o chap éu pendurado 1/0 pescoço. ou tro cem COII/ lili/a annadilba de caç a presa a lili/a das pernas, e os três est ão descalços. \VA;'( G - Santíssimos. enfim apareceis' Coisas horríveis têm acontecido lá na tabacaria de Che n Te! Ela foi viajar. mais uma vez. já faz três meses! O primo ficou com tudo na m ào. at é que hoje foi preso! Ele teria assassinado a moça . pelo que dizem . para ficar com a loja dela : mas nisso eu n;10 acredito . p orque num dos meus sonhos Chen Te me apareceu e me disse que estava presa pelo primo , Oh. meus Santíssimos Deuses. vós precisais volt ar lá depressa e ver se a encontrais' Plmn-:IHO DIT S- É de espantar! Toda a nossa pesquisa fracassou , N ós encontramos pouquíssimas almas boas. e as que encontramos nunca tinham uma vida digna de um ser humano, Nós j;'i tínhamos mesmo decidido depositar toda a nossa fé em Chen Te! SEGI ':'\I)O DIT S \VA;\G -

Ah, se ela pudesse continuar a ser uma alma boa!

Isso naturalmente ela ainda é. mas desapareceu'

PHI\IFIHO DE1'S -

Então tudo est á perdido..,

172

SEGliI"DO Dn :s -

Bertolt Brecht

Vamos com calma'

PRI.\IEIRO Dsrs - Com calma? Se ela n ão for encontrada, nós vamos ter de nos demitir! Que mundo. este que nós encontramos: por to da pane a miséria, a mesquinharia e a decepçào' Até a paisagem nos decepcionou: árvores ótimas decapitadas para servirem de postes. e por trás das montanhas nós sempre vimos nuvens de fuma ça e ouvimos o trovejar dos ca n h õ e s ... E em pane alguma uma alma boa que resista! TERCEIRO DEL'S - Ah , aguadeiro, até parece que foram funestos os nossos Mandamentos! Chego a temer que todos os nossos preceitos tenham de ser ca ncel a d os. As criaturas humanas já tê m muito que fazer. só para irem agüentando a vida : com as boas intenções chegam à beira do abismo. e com as boas ações s ão jogadas dentro dele! Aos dois outros Deuses- O mundo é inabitável , vocês têm de admitir! PRI.\IEIRO Deus ieemente TERCEIRO DECS SEGLI\DO DEliS -

N ão! É a raça humana que n ão presta!

É porque o mundo é frio demais!

f: porque

os homens s ão fracos demais!

PRL\IEIRO DEL;s - Mais respeito, meus caros, mais respeito! N ão temos por que nos desesperar: uma pessoa ao menos nós achamos que era boa e que n ão se tornou má, apenas está desaparecida . Vamos depressa descobrir onde ela está: uma é quanto nos basta! Nós mesmos n ão co m b ina m o s que tudo estaria bem se neste mundo conseguíssemos achar ao menos uma c ria tu ra humana ca p a z de resistir - uma que fosse?

A alma boa de Setsuan

173

, (/ Sobrinha (agora .iouem prostitum j os dois Tapeceiros: a SeAVo, Ilhara c b in e o Policial. TAPECEIRO VI .\ \ ,,\, C, -

Ele tem muita influência .

Está querendo abrir mais doze lojas. •

C 'I'\TEIRO - Como é que o Juiz vai julgar direito. se os amigos c~el , ARI ' I ' gos o barbeiro Chu Fu e a proprietária Mi Tsu, s ão tam )em ami . do acusado? Cn':IIADA - Ontem à noite foi vista a Senhora Chin trazendo um g~ S ) bem gordo, da casa do senhor Chui Ta para a cozinha do JUIZ: .1 gordura escorria da vasilha! TAPECEIRO a \\Za I /g Che n Te . \v TA\ W

.o.1 -

POLICIAL Entram,

N1llnC:1_ ruais h âo de encontrar a nossa pobre

, 50' mesmo os, Deuses poderiam mostrar onde está a verdade .

..

Silêncio! Instala-se a egrégia Cone!

togas de juízes, os três Deuses . Enquanto sobem ao estrado e tomam seus lugares, oute-se o que eles cochicham. COIII

TERCEIRO DECS - Vai dar na vista : nossos documentos est ão muito mal falsificados ... SEGC;\ OO DIT S - E também pode dar o que falar essa indigest ão do Juiz, t ão de repente ... SE;\1I0RA CIII;\ -

Esses Juízes s ão novos'

Desaparecem os Deuses rapidament», ~

10 . NA SALA DO TRIB UNAL

Em grupos. o senhor Cbu Fu e a sei/hora i!di 75U; Sun e a Senhora Yallg; \\7allg, o carpinteiro Lin To, o ex-Deselllpregado. a Cunhada, o



~-E~ ~

O Terceiro Deus. que é o último a subir. ouce as palavras de \r ~(I volta -se para ele COIII um sorriso . Os Deuses sentam-se. O Prtl

E

~/U

bate na mesa COIII 11111 malbete. Entra o Policial trazendo Cbu / 7a, que é recebido COIII vaias e assobios mas continua a manter sua atitude altiua . POLICIAL a Cbui Ta- Prepare-se para uma surpresa: quem e~tá aí n ão é o juiz Fu Yi Tcheng! Mas os novos juízes têm um ar muito brando.

174

Bertolt Brecht

Chu i Ta olha para os Deu ses e tem

11111

A alma boa de Setsuan

desmatn, , 1 p aLl L/.\ .

SOBRJ:\/IA -

O Rei d o Fumo des maiou . Que foi que houve >

Ct';"/IAIJA -

Ele viu q ue os Ju íze s eram o utros!

\ V .\ ;..(; -

Par e ce q ue s ão con hecidos d ele ' ]\';10 e stou e ntende ndo.

PR/.\/EIRO Dr ts abril/do a sessáo Ch u i Ta ' 011'1

É o g rande nego ciante d e fumo

TA muito débil- So u e u mesmo.

PHI.\ IEIRO DEl'S - Co n tra o senhor consta uma a cusa ç ão de ter feito desaparecer a senhorita Che n Te . sua prima consangüínea, com o propósito de apropriar-se dos negó cios dela, co nfiad o s ;1 sua supervis ào . Considera -se cu lpado? CIIt'I TA -

') \' coch' icha ndo a os ,L') eusé. " I

I Ch u i. TI e, u m cIos' homens. d e ne gó cio mai s bem, ~ "d te da Câ ma ra d e Co mércio e Crn FI' - O se n 10r vistos d a cida de: e vlCe-pres l e n " , ca nd ida to a juiz d e p az no ba irro o nde resi de. \'\ '.-\;"G

I sso " e~ o q ue d iz' o sen hor. q ue tem negó cios

' . interferindo com o réu!

P O LlC/.\1.

Esse suje ito aí n ão val e nada . ~

" 1')(1/ ido coe I'J/C

. do Co O lm Il it l e de Beneficência, d ev o trazer , ao' C ' sidenta amo pre: ' , -;' .I o senhor Ch u i Ta n;10 so esta i\ll TSI' con hec ime nto deste 11Ibun.1 q,ue . lhor ambiente de trabalho li - , de proporCIonaI o me c. em conc,;'içoes ' , . ca cIe f uma, como também favorece o . -ios da SU 'I fábri • . c • I ', ' ' l O S opeI .III . nosso Lar dos Inv álidos com freq üentes c onatrv os. A

>

. ... e~ .1 , se . -n ho ra Mi Tsu . amiga íntim a do juiz Essa

co ch ichct n clo Fu Yi Tcheng!

P O LICIAI.

POLlC/'\ L adianta-se - A senhorita Chen Te e ra uma m o ça que g ostava d e ag rad a r a todo mund o : vive r e deixar viver, como se Costum a di zer. O se n ho r Ch u i Ta, p or s ua ve z, é um homem de bons princípio s. A gene ro sidade da se n hori ta p oderia tê-l o o briga do a tomar medidas m ais seve ras. Em todo caso, ao contrári o da se n horita , el e se m p re se manteve d o lad o d a lei. Meritís sim os : uma ve z e le desmascarou uma p o rç ão de gente a quem a prima dele abria as portas com inteira con fia nç a e qu e e ra um bando de ladrões, e de o utra feita ele impediu no momento decisivo que a senhorita Chen Te prestasse um falso testemunho . A meu ver, o senhor Ch ui Ta é um cidad âo respeitável e respeitador das leis. PR/.\IEI RO Du 's - Acham-se no recint o o utras pessoas que desejam depor em favor d o réu? Adial/tall/-se o senhor Cb u Fn e a senho ra M! Tsu.

Este é o se n ho r Chu Fu . um ho ~ .

rue m d e muito prestrgi o :

N;1o.

PR/.\JEIRO DEl'S folh eando os autos do processo - Vam os o uvir em primeiro lug ar o Policial d o ba irro , so bre a reputa ção d o réu e a reputa ção da vítima.

175

· ,.S - Sim mas agora queremos o uvir também alguém que PRISIEIRO D 1:1 '. - " lo com menos sllnp.1II.I. .. ' ) ' . 0 \' relbos Tapeceiros . o Desemprese refira ;~ ac usa c Adi a n ta m -se \\/al/g o CClIPlIltU!V, . ga do , a Cu nbada e a Sohriuha . L

I)a LICI AI. -

E'~

'. I

. ,S. PRISIEIRO DH Ta?

,



,',

escória d o bairro . • A' " , podem di zer tudo que sabem d o sen ho r Chui gora

' ,. ' , , 1 a DaS AO MES.\JO r DII o . I F rçou ' I co m igo. o . c os desamparados! um aproveitador! ' .S' PRISIEl RO I) EI



, ' , I Fez, cha ntage m Ele cavo u a nossa lum.1. . .. , /1 _ Sempre explorou gente a praticar o ma . , • , 1 F um impostor! _ E ,E um ment.lroso. ~ E um assassino' L

"

E o réu tem alguma coisa a di zer ? .

I, , " fi: d o que ze lar pela pura e T.\ - Meritissim o s, eu naoa 111.11S I.Z Só apareci quando ela simples so b re vivê nc ia d e minha pnma . . c •

176

estava a rriscada a ficar sem a lo jin ha, De pois e u tive de vir ", '

tr ês vezes. n ão querendo ficar, Só fiq uei m esmo da última ,..aIs Vez

por força das circunst;lncias, Todo este te m po . eu só tive ml it~ trabalho e aborrecimento: a minha prima cada vez mais adorada e eu co m encargos cada vez mais espinhosos. Ainda por cima ' todos me detestam! . Ct ':\'IIAIlA -

Detesto, sim' Agora. Meritissimos, vejam o nosso caso! A Chu t Ta - Sobre os fardos ele fumo eu ne m quero falar!

CJIl'I T.\ -

Depoi s d o s bol os que vo cês roubaram!

CIIl'I TA C: ':\IIAIl,\ -

Ago ra quer fingi r que se import ava com os bolos do pad ei ro . m as só q ue ria ficar com a loja!

CJIl'I T.\ -

A loja n ão era nen h um asi lo. se us egoístas!

CI ' ~I

Mas nó s n âo' tín hamos o nde morar!

,\IH

-

CiIl'I TA \ \1.\ :\ IrÍlII!/állle de mulher! TEHCURo DIT S SI '> -

Ent ão e la est :í viva > Queira dizer exat:Unente

Escutei um solu ço , Meritíssimos' EScutei um sol uço

E co mo soube que era de Chen Te ?

E eu poderia deixar de reconhecer o choro dela'

í:, você fez Chen Te chorar hastante!

CIII ' F[' SI'" -

do ~

Mesmo assim, ela era feliz comigo... Mas depo is esse aí _ ap onta Cb u ! Ta - preferiu entreg:í-Ia ao senhor!

CII\ I T.\ o \X!.·\ :\ G -

SUII -

Porque vo c ê n âo gostava dela!

Nào, mesmo: só gosta\'a do dinheiro'

CII[ I '1',\ - Mas para que o dinheiro. Meritíssimos? A S/II/ _ Você queria que ela Se afastasse de todos os amigos. enquanto que o barheiro punha :1 disposiç;10 de minha prima as propriedades e o dinheiro dele, para Che n Te poder cont in ua r prestando ajuda aos necessitados, Para poder fazer o bem aos outros. era melhor ela casa r co m o barbeiro. \VA:\G - E por que o senhor n âo deixou sua prima fazer o bem, quando foi assinado aquele cheque em branco? Por que mandou os amigos de Chen Te para a fornalha da sua f:íhrica im unda , hcin , Re i do Fumo' CJ1\1 TA -

, To n âo responde, eh/ii

I " , Chen Te ' " . I, I Os Deuses deram aquela 01,1.1 l: Agora nao diz IUC ,I. . I 1 fazer o bem era o que ela , . urna pequena fonte c o x-rn: , . p'II"1 se: c II ,I ' , , . I1US , ' o s.en h o r só vinha atrapa lal. quena

" ~ r ' l' ,\, A, '

' CIII I T.\ .10m ({e st" SE:"1I0IC\ CIII:"' -

, a fon tl:' ia, Secar Porque senao . . SeU imbecil!

,. . ., Isso ' , e~ verdade. Meritissimos'

" se• ninguém tira proveito' I:. CIl:' que serve uma f'onte.

\,\I.\:"t,, CII\ 'I T,\ -

J'' ILII't'l c

bondade s ó leva :1 falência!

,,,,I .',1 hO',1 vida . n ào é assim?, : . . I lude e. q Ue Ie\ . WA:"t; ásp ero - L :1 m a c, h en Te SeU ma lvado? As a lmas boas, Que fo i que fe z com C ,le. ..' CI' Te e ra h o a ' Quando t: ' S'IO' Mas ren Santíssimos . quan ,IS . , . " C Cu _ me a rre be ntou a ' I / () ba rbeii o I)I U r aquele da li - apou ( 1 " lleu favor ... Agora eu .. .' , testemun lal em I , . . ... 1 . eu juro! Ergu« o nia o 111:10, ela quen,I , \ II testemunho em favo r dela : ela era )0,1. poro o ju ramento.

, aguadeiro? Est á TIRCEIRO DITS - Que f01, que hOLI\'e com sua mao, inteiriçada! cul )'1 é dele . a cu lpa é toda dele' Chen Te , ., \'\'.\:\t; aponta Cb u i 70- A I' . , " 1"0 mas ele apareceu: era ' I me dar dinheiro para quen: , . , II ao mec ic . inimigo mortal de Chen 1 e, CIIt'I 'I'r\

-

To no s -

I:. LI era, o único amigo dela! Onde est á ela '

CJ It'I '1'..\ -

Viajando .

C[1\' I T\ -

Isso e u n ão posso dizer!

Eu fiz isso pensando na c ria nça!

C IRI'I:\TURO - E as minhas crianças' Que foi que fez com as min has crianças?

179

Tonos -

i\las pOI, que f01' que ela teve de viajar?

180

Bert ol: Brecht

CIIl"I T-\ aos g ritos -

Para n ão se r es tra ça lhad n por vocês!

Faz-se de súbito um silêncio ,

CIIl"I TA afundando J/(/ cade ira - Eu /1;10 agüento mais: quero escla_ re cer tudo! Se e vac uare m a sala e e u puder ficar só Co m os Juíze s . tenho uma co isa para co nfess a r!

TODOS -

Vai confessa r! Desta vez n ào escapa!

PRJ.\IEIHO DIT S -

Que seja e vac uado o re cint o! Hate com o ma/hete lia

mesa . O Policia/faz eoacuar asa/a . SU\IfORA Crnx sai rindo -

A turma vai ficar d e boca aberta!

Cut.i TA - Já sa íram> Todos ? Eu já n ão posso mais ficar calado... Santíssimos, eu vos re conheci! SEGL'I\DO DELS -

E que fim deu

â

úni ca alma boa de Sersuan>

CIIl"I TA- Dei xai que e u vos revele a terrível verdade: a alma boa , de quem falais , sou e u!

Cb u i Ta retira a m áscara e alguma« peças de roupa: é Cben Te. SEGL'I\DO DELS -

Che n Te!

CIfEI\ TE - Poi s sou e u mesma : Ch ui Ta e Chen Te! A vossa antiga r e c o m e n d a ç ~10 De ser boa e viver co nfo rm e o bem. Me dividiu e m duas . co mo um raio... Eu nem sei co m o foi que aconteceu: Ser boa para mim e para os outros, Ao mesmo tempo , n ~1 0 e ra possível. Era d emais. servir a mim e aos o utros. Co mo é difí cil e ste Vosso mundo ! A fome é tanta. é tanto o sofrimento ! A m ~ 1 0. que se quer estender a um pobre , Ele tenta arrancar d e uma ve z só! Quem procura ajudar a um desgraçado.

A a lma boa d e Setsuan

Acaba se d esgraçando também! Q ue m é que pode resistir assim À tenta ção de ser também ruim. . Se. para n ão m orrer. A ca rne alh eia se tem de co mer? E onde iria e u buscar o ne ce ss ário? Só podia co nta r com igo mesma! Mas co m isso e u e stava me acabando: O contra peso da boa inten ção la faz endo e u me enterrar no ch ão ' Eu pr ecisava bancar o patife Para poder andar mais ~1 v onta~ e E vez por outra mastigar um bife! Alguma co isa d eve e star e rrad a Em vosso mundo : por que é que o mal É premiado e o bem n âo ganha n ~ .lda, Quando por sorte n ~1 0 é castigado? Eu tinha tanta falta de ca rin ho ... Mas também tinha um se creto saber: Minha m ãe adotiva m e lavava Na água do esgoto , e isso me abr.iu os o lhos! E, ainda assim . ver a mis éria alheia Às vezes' me fazia sofrer tanto Que e u virava uma loba enfur~ cida : Sentia a bo ca inchar co m um focinho. E as melhores palavras que eu di zia Me arranhavam por dentro como c inz a ... Mas, a pesar de tudo , e u gostaria De ser um Anjo d os Subúrbios: e ra Para mim um prazer fazer o bem . Ao ve r um rost o feli z. um sorriso , Eu me sentia e m pleno Paraíso! Agora Vós podeis me condenar: Se eu fiz o mal. foi só por ajudar Meu semelhante e a ma r ao meu amante , E por querer ver o meu filho a sa lvo Da penúria ... Para os sublimes planos Vossos. ó Deuses. e u era somente Um pequenino e pobre ser humano!

181

JH2

lk'rtojt Brecht

PIU.\IUHO DIT s COII/ e[' h /ell /es siuats de e,lf)(III/0 _ V()C·... 11 '-1 . ~ ,o precIsa , . c ~ lz e r ma,ls nada' Que havemos de pensar. nós que jj estjvamos t;IO sa tIsfe Itos por tornarmos a clcscohrir vo c ê> C/II:' TE - ,\ /as uma coisa é preciso que eu diga : eu sou também aquela alma perversa de quem aqui tanto falaram mal ! I'HI.\II :IH() Du s bem! C/II:' TE -

í:

aquela alma boa . de~ quem aqui tanto falaram ~

A a lm a hoa d e Set suan

CilE' TE- Ainda 11;\0. Santíssimos' :'\;10 Vos afasteis! Nào me abandoneis! Co mo é que eu vou poder olhar nos olhos o s dois velhinhos da tapeçaria que perderam a loja? E o aguadeiro co m a m ào quebrada? O que é qu e eu \'( )U fazer co m o barbeiro . a quem IÜ O amo , e com Sun. a quem amo- i\linha harriga est ;1 muito pesada : meu filho "ai na scer daqui a p ouco e "ai querer co me r.., Sozinha aqui . como é que eu " OU fa zer~

Cbcn Te olha aparorad« para a porta. p or onde irão entrar os seus 1'1.' rd " i!.os,

A m á, tamhcrn .

Mas de q ue mod o p cxl e rá cont in ua r'

I? I T ~

Mo st ra i agora o vosxo respeito! Os De use s estive ra m en tre n ós! Tr ê s das mais a ltas e n tida des di v inas vie ram a Sc ts ua n , em bu sc a d e u ma alma boa : c hega ram a e nco n trar um a . porém .. ,

\,\1,, ,(; -

O Prim eiro Deus dá IIII/{/S batidas rápidas COII/ o II/a/he/e lia mesa. 0111 '1.'-.1'1.' m ústca e começa a e,II}(I/har-se 1111/ clar âo cor-de-rosa ,

Vamos embora ' Este pequeno mundo :'\os fascinou: co m seus co nt e n ta m e nt o s E tristezas . nos fez sentir contentes Ou tris tes , U do alto das estrelas Sempre esta remos pensando em Chen Te. Uma alma boa : a legres por voc ê, C á emba ixo. em meio ao frío e ;1 escu rid;10. j\ /a n te r aceso o peque no clarão Do esp írito divi no . Adeus. com Deus! ,' I 11111 1/01'0 si n a t d o Prill/ ei m Deus. a hre-se o feto . d e onde /}({LwI lili/a 1I1I1 'e/l1 cor -d e-r osa : I/ e/a os D ellses ráo subtudo muito /el l/mllel//e,

DIT , -

P H I ~ I 'I R O

COII/ reen rêncta -

Co isas confusas, muito confusas! E 1~CT I"els. absolutamente incríveis! Como é que nós " a mo s admitir que os nossos ,\ Ia n d a me nto s s ào funestos' Obstinado _ /'1n,lais! E~1t ; 10 o l~1do precisa ser reformado> Corno> Por que ' I;1~ 0:ada dISSO: esta tudo em ordem!... E agora ...

Você sabe : seja bem boa zinha . e tudo lhe ir.i bem:

Entram as testentunbas do julgamento e assistem mararilbados â nsccnsáo dos três .I II izes sobre a 11111 '1.'111 cor -d e-r osa,

PHI\IUHO D u ' ~ - Po d e rá m u ito bem . é uma pessoa fo rte e bem d isposta . capaz de aturar muito! Su a "\lJO

DIT , -

P H I~ IU H O

PHI.\IEIIlI) D~ :I : ' - Fo í um mal -entendido: certas circunst;incias menos propicras, alguns "í zinhos maldo so s e um excesso de zelo, .. SU,!';\j)O D u ~ -

183

:'\;10 tem "po ré m": a a lma hoa estj aí'

Che n Te'

Toix », -

PIu\ IURO DIT , - :'\;10 est á morta: estaLI só escondida , E agora "aí ficar aí co m voc ês: uma alma boa ! i\/as eu IÜO posso viver sem meu primo!

CIII" TI: -

PHI.\ IEJI(O Du s CIu.x T E PHI.\IEl HO

Sempre, n áo'

DI

Uma vez por semana. pelo menos! -

T ~

Basta uma " e z por mês'

CIII';\ TE - Oh . Santíssimos. !1;\O VOS afasteis! Eu a inda IÜ O cheguei a co nta r tu d o ' Eu ne ce ssito ur gente mente de Vós ! O

~

TRI

:~

DI

T

~E

~

Cml/mil -

Pena n;10 ficarmos mais Do que um instante fuga z:

Bertolt Brecht

184

Muito visto e examinado. Perde o encanto o belo achado!

A alma boa de Setsuan

Nós é que ficamos mal. sem nenhuma fantasia! , ooe . ''I .solu ção no momento ' I't1np,lss Para esse h ornve Talvez fosse voces mesmos d:arem trato ao pensamento Até descobrir-se um jeito pe lo qual pudesse a gente Ajudar uma alma boa a acabar decentemente... Prezado público, vamos: busque sem esmorecer! . 1 Deve haver uma saída: precisa haver, tem de haver. A

Vossos corpos lançam sombras No jato de luz dourada : Deveis deixar-nos agora Retornar ao nosso Nada! Cm 1\" TE -

Me ajudem!

Os TRÊS DEuSES cantandoDeixai-nos, es ta busca ter minada, Part ir co m no vo afã! Louvad a se ja, se ja lou vad a, A alma boa de Setsua n!

Enquanto Chen Te, em desespero, estende os braços para eles, os Deuses desaparecem no alto, sorrindo e acenando em despedida. EPÍLOGO NA FRENTE DO PA O DE BOCA

Um dos atares vem à riba lta e ap resenta ao público suas desculpas, à guisa de epílogo. E agora, público amigo, não nos inter prete mal: Sabemos que es te não foi um excelente final! Nós fazíamos idé ia de uma lenda cor de ouro E ela, disfa rça da me nte , assumiu um to m d e agouro . Ficamos tristes também ao notar, po r nosso lad o , Ta nto probl em a em a berto e o pan o de boca fech ad o . Q ua lque r sugestão, po rtanto , aca tamos co m res peito: Recolham-se às suas casas e disto tirem prove ito! Não poderíamos ter maio r mágoa em co nfessa r O nosso pr óprio fraca sso , se algué m não nos ajuda r. Talvez nada nos ocorra, agora , de pu ro medo : Isso acontece! Entretant o , co mo e ncerra r es te enredo? Já batem os o bestunto e nad a ac ha mos no fundo : Se fossem outros os homens, o u se o utro fosse o mundo , O u se os Deu ses fossem o utros o u nenhum - co mo se ria?



°

185

Dansen

Danscn Escrita em 1939

Tradu ç ão: Marcos Renaux e Christine Roehrig

.\'0 palco. três facbadas de casas, NIIl/7a delas h á 111/70 ta boca ria COI/7 a i/lscriçâo "Tráfi co de Tabaco Austriaco ". Noutra. 111/70 loja de sapatos COI/7 a inscriç ão 'Loj a de Sapatos Tcheca ", A última n ão tem loja. II/as na ja I/ela b á lima placa: "PreSlll/to Fresco", Ao lado da última h á 111/7 portão . Nele está escrito 'Depósito de Ferro Sre nsson.

1

o pequeno 111/7

senhor Dansen está sentado [unto ao portão. segurando porco debaixo do braço: Fel/te dele 11m barril. ã

para o público - Sou um homem pequeno, respeitado, bem situado e com uma vida independente . Convivo com os meus vizinhos na melhor das harmonias. Qualquer diferença entre nós é eliminada de maneira pacífica por uma associação em que quase todos nós participamos. Regulamentamos tudo com contratos. Até agora funcionou tudo muito bem. Tenho a minha liberdade e meus cantatas comerciais, tenho meus amigos e meus clientes, os meus princípios e a minha criação de porcos. Começa a escovar seu porco dentro do ba171/. Pronto, meu pequeno, agora vamos ficar bem quietinhos e lavar as orelhas rosadas para estarmos limpinhos e bonitos. saudáveis, simpáticos e apetitosos quando os clientes chegarem. E se a gente se co mportar e comer direitinho, vamos ser algo decente na vida e o cliente vai dizer: mas que leitãozinho lindo! Pois o que é que você quer? O que é que o seu coraçãozinho mais quer? Você quer é ser vendido. Ah, você é esperto. Basta você ter a mínima impressão de que eu não esteja pensando em você, que por um momento eu tenha esquecido o desejo do seu coração, que você logo solta um grunhido alto e me faz lembrar. É só passar alguém que tenha a mínima aparência de não ter comido. e você já grunhe. E aí eu mesmo posso. tranqüilamente... O porco grunhe.

DA t'S Et'

alba ao redor. alegre - O que foi? O que foi? Vem vindo alguém? Um cliente por perto? Olhando ttmidamente ao redor. chapé u afundado 1/0 cabeça. 11m homem armado aproxima-se sorrateiramente da tabacaria . Pára

D At' SEt'

diante da p011af echada da loja e tira 11m m olho de gazuas do bOlso Expe rimenta uma por lima e de vez em quando sorri para Danse n' cujos ca belos começa m a a rrepiar-se. Até qu e o arrombador perde ~ paciênc ia e entra pela janela. lim a pistola grande lia melo. Imediata_ mente ourem -se barulhos terriceis uindos da casa: lima cadei ra cai ndo. g ritos altos de socorro. Dansen leua nta -se, ho rrorizado. Con-e ato rdoado de 11m lado para o ou tro. o porco deba ix o do braço. Em segu ida toa para o telefon e. DA\'SE1'\ - Sve ns son! Svensson! a que se rá que e u d ev o fa ze r? Estão pedindo socorro na tabacari a aí d a frente . Um s u jeito estranho arrombou a loja bem d ebaix o d o meu nariz. - a quê , você está o uvindo o s grit os daí? - É claro que eu n ão p o ss o entrar, n ão tenho nenhum direit o d e invadir a casa d os o utros. Mas o que é que eu vou faz er quando e le sair? Estou tremendo no corpo todo, de tanta revo lta . - Pode ter certeza que eu vou dizer na ca ra dele o que eu penso. Você co n he ce a minha divisa , não, n ão divisas, divi sa , e scute - depois de ter olhado cu id adosa -

mente para os lados , ca nta abafado

110

telefon e :--

Qualquer pa ís o u reinado Por onde um Dansen passar Lutará abertamente Pel o que acreditar. Em resumo. vou esfrega r a minha repulsa na cara dele . Co mo e u já di sse , es to u tremendo d e revolta.

Emudecem os gritos de soco rro. De repente 11m g rito, 11m tiro de pist ola e lima qu eda pesada , DA1'\ SE1'\ - Vou d esligar. Pre ciso se nta r. Ach o que fiqu ei com os ca be lo s brancos.

Som brio. com o porco debaixo do braço, senta -se diante de sua casa . O Estranho sai da tabacaria e, com 11m g iz, risca apressado o nome "Austriaco " e escreve em cima "Mercador do Oriente e Cia . ". Em segu ida va i até Dansen .

a

ESTRA1'\1I0 -

193

Dansen

BeI10lt Brecht

192

Por que é que o se n hor es tá t;IO pálido?

DAi\SEl\ - Iss o eu vo u lhe di zer, bom homem: estou pálido de exc itação int erior.

. a sen . 1101' de\'eria seguir o exemplo ,d o se u belo porquif TR,\'\1I0 ' 1' ele é cor-de-rosa e contin ua cor-de-rosa . n io. L

O ~S

, ' '10 é gente . Estou humanamente re\'o\tado e o r, D,-\\'5!'\' - t-Ias POI,CO n. senhor tamb ém sabe por que .

. TRA\'1I0 , a I:S

xlas que belo le itào zin h o !

-

j\





.

DA\ S!'i\ apo nta ndo ac usador para ceu .., lã.. . de ntro?

que ... aconte-

. í a .se n ho r quer saber m e sm o. í:: cla ro que e u que ro sa \ )e l.·1 a que .acontec e co m o próximo ..,

. TIlA\oIIO !:S

a

oo, o_ DA\'SI.\' O pu rco g rll l/ he pelo scp.llm/o I)

a

o tohaco rÍ{ / -

.. A\'SI.\'

a

-

a que fo i? a que a .se nho r n •ão

. o bTRA\'1I0

o., o para o porco I) A\'sl.i\

. TIlA\'1I0 . a ES . " D,\\'sl:\' -

a

í " "10

. u,

p recl /

/.'CZ,

foi ? .

l~ . .\· /'1'0 -

. TRA\'1I0 . I:S

M as o Itorn em ... Apo nta

o outro lado .

h o m e m?

sim desculpe , Estou completamente confuso, Re• .' .' . " Éramos >. . da mesma associa çao-

".

- I'aZlam o I".t ". Ve nde r porcos. é? eL O que voces

DA\'s!'\' irritaclo -

a ESTIlA\'1I0 -

' í

que r sa b e r, na o e.

a senhor conhecia aquele

-

E

>

. UI .. "Us.o a

Jo gai

jogo do IÜo-se-meta .

N ão posso me cIar ao l1ixo . o i\lu ito caro.

', \. I . Apo n ta o ou tro lado . DA\'51'\ - í:L S.ó u m ac vez- !)or se ma na , S.l xrc o s , Ele ta mbém jo ga .

a

ito q ue el e a inda ve nha , I. acred . ESTRA\'IIO I»est'I o 1/ I e - ]\1'10

seria o cúmulo , ' I' / a .senhor ,quer p roi 1)i-Io'I', .I.SSO DA\'s!'\' II/{ Igl/O( () , , cam e nt e . a tvustriaco e u m home m ivrc. , c !-ran

194

o

E S T RA

~1I

()A

~ S E ~

horrorizado -

0

-

A esse ninguém proíbe mais nada. Ri sem graça.

(),\;\SFS - Olhe bem para eles. N ão ~10s sa udáveis. simpáticos e a petitosos? O senhor n ào fica com água na boca?

O que o senhor quer dizer com isso? O EsTR.\

O E S T R .\ ~I O

-

O senhor quer saber mesmo;'

termina em 1'0Z baixa - ... ma nei ra . Ago ra está insegu ro e n âo ousa mais encara r o Estra n ho , qu e agrada o po rco. ;\ SE ~

DA:\SE:\ - Eu n;10 entendo mais esse m u ndo . So u u m ho me m que a ma a paz. abomi na qua lquer vio lência e cumpre os contratos. Te nho re lações comerciais e a minha liberdade. alguns cl ientes e alg~ns amigos . minha criac âo de porcos e meu ... CO//lO que de esptrtto ausente - O senhor quer comprar um porco;' E STI

DA

{A ~1I

0

pelplexo -

Como é que

Dê um aqui.

D"\:\SE:\ teentente O ESTRA:\1I0 -

O senhor tem certeza que n~10

D .\~SE

boca. com esforço -

Sào um

;\ - Como é que o senhor pode dizer u ma coisa dessas. se e les s ão to ta lmente comestíveis? Até as orelhas. Até os dedões. Dedões d e p o rco assado.

O ESTRA~1I0

-

Um lu xo.

DA;\SE;\ preocupado, para o seu porco - Vo cê , um luxo ? Desilud ido. para o Estranho - Ent ão va mos levar só d oi s , n ão é?

o DA~sEr;

ESTRAl\1I0 em voz alta -

Um. Eu n ão gasto dinheiro com luxo .

- Mas o sen hor também com p ra ferro. Com p ra ferro do meu a m igo Sve nsso n, tanto quanto el e puder forne cer.

o

EsTRA:\1I0 -

Ferro n ão é lu xo . Ferro é ne ce ssid ade vita l.

pouco ...

Enxuga o suor da nu ca CO//l um pa nin ho cermelbo.

o

ESTR.A:\1I0 -

DA:\SEl\ -

Um.

Um .

IW

Que pa no vermel ho é esse aí?

Este aqu i?

quer dois'

DA:\SE:\ - Mas, e o q ue é que eu fa • toca Dall,elz ' . 011/0 n ão pára de tocar _I' .' I .' _ . contin ua im ôoet. C . e orçar o a tr a te o tel >1' 1 , (Jolle. .euanta-se co m o m áximo de cuid ado e a .' I . , /I/ { a (0 111 o barril sob ' I . . re o COlpO, uai a té ele. O Estra nho alba espantado par. X IIO o 'iarril a mbulante. A

,

.

>

O ESTRAJ'\1I0 rápid o - N ão dá nem um . xo do barril. n ão vê o Est . b pouco na vista! Dansen, deba i_\ I'{/Il o Se este n ão . r.: I dando 1II1l sorrisinbo { ' I ' ." sa tsse (O ca minbo, . III/m e o, sena atropelado. DA:'\sE,'\ em Z'OZ ba na, '. tetej ',t-alia Ilda II/a, o b 'l Svensson, é você'- AI .-' . . ' arn ressoa UII/ pouco o que _ -.. ,' . 1,. voce FI sabe da última desgraça. Não e ISSO, n.l minha ainda n ão Por foi na minha? Mas I'S"O _ I ' • ' . qu~ voce sempre acha que c • s e e e .Irrepnr - E I, que fazer alguma coisa ju t ' T c • c aro que agora temos en érgicas _ 1\'1,: I"• ~ os . emos que tomar as medidas mais el lis c , • j .\0, o lar nao De jeito ne nhum' _ Un 0I '. " I e IS~ to mar. A gen te se armar? . icos . sim mas nao a , I " • • rm.le os . - Unidos no quê? Que n âo v: . a aten ção dele • i \ .lInos nos ' armar' • , Isso .. s ccllamana e e u fiz de t . ue o para nao cha mar a aten " . ' .' ça o , - Eu ta mb ém esto u falando q ue precisam os , • c s nos Untr. A uni ão d T ' ~ • nao deve se r dirigida co ntr, ' _ • e\ e ate ser de fer ro e • c 1.\ nmguem ll-fUito > ' ' . , . u zel-glco - Contra n ingu ém A' " . I n.\o c lama a aten ção - Q . . seg uro, Svensson _ E . ' uant o a nu m, pod e estar , u compreendo p rf . , e elt.ll1:e nte q ue voce n ão se se ntiria seg uro um minu to ' sequer com rela ção ao se u depósito A

.





ó

>

>'

199

Dansen

Bert olt Bre cht

198

A

,

se eu desistisse só um tiquinhd que fosse da minha independência, Vou me manter inflexí\ 'eL fora de tudo . Vou só vender meus porcos e basta. _ Onde eu coloq ue i a chave do seu depósito? No mesmo lugar de sempre, é claro. no barbante em volta do meu pescoço, embaixo da minha camisa. - É claro que eu tomo cuidado . _ Aquele assalto outro dia. quando roubaram a carta que você escreveu para mim! Está certo, mas aquilo foi um assalto. e contra isso n ão se pode fazer nada . - É claro que eu n ão entrego a sua chave, jamais! - Deixar que me tirem ela? O que você pensa que eu sou? _ Pressionado' Nunca fui pressionado, nunca dei mo tivo para isso , - Eu, sendo observado' Ridículo. Nào estou sendo observado, se n ão eu notaria. - Você faz quest ão das med idas enérgicas? Eu sou totalme nte a favor. Sugiro ass inaml0S um contrato. Precisamos de um co ntrato de qua lquer maneira, antes qu e o Sol se ponha. - Isso , co ntra tod os que n ão cumprem ma is co ntratos . Escute , eu tenh o uma idéia brilhante , nós simplesme nte decidimos nào ve nder mais ferro a um notór io pert urb ad o r da paz e ag itador, e e m 'troca vamos oferecê-lo aos eleme ntos decent es _ Nâo é brilha nte por quê? - Você acha que os grandes já est áo negociando co m base em medi das ma is eficazes? O E,trallbo, que se sentara tmllq(iila ll/ell te e escu tam a COllrersa, bate 110 ba rril.

D,\;\SE:,\ do barril. aflito - Um momentinho! Tenho que interromper. J 'ào . é só atenderum cliente. Continuamos as nossas negociações logo mais .

O Estmllbo puxa-o pelo traseiro para fora do barril.

O ESTRA:'\1I0 _ Cheguei bem na hora H. Como é que o se nhor foi cair no barril? Se eu n ão aparecesse o senhor ia acabar sufocando. Da nsen, aborrecido, perma /lece em silê /lcio se/ltado no cb ào. O ESTRA\1I0 _ Por que o se nho r está tão calado? O se nhor tem algum probl em a? Sabe , se u Dansen , eu andei pensando e ac ho q ue nós dois deveríamos es treitar as nossas rel a çõe s . É realme nte agrae!:tve l es tar aq u i co m o senhor. A casa é pequ en a , mas n ão é de se jogar fora . Q ue ta l um pac to de amizade? DA:'\ SE;\ COII/ os cabe/os a rrepiados -

Pacto de amizade...

200

o

ESTRA:\/I0 - P'lCtO d e' amlzac , Ie. Acaricia o p . . I , , an o {te Danseu , Que porquinho bonzinho' V . r. ~ _ . . oee e um porquinho bon: I , (. vo ce e um porquinho b on: I . zm 10 . Tenho um 'l s zm la' L. sim , . ' . ugesta o : \'amos as smar um co nt.n to Q , . , . Ue somos dOIS arnig 7" lápis d o bolso d o Ct lS I ' , c os . Ira 11111 coloco de ,V ICO. teranta-se e cata I papel do ch âo, Rabisca II , c 11111 { OS p edaços de I . c g u m as palacras I senhor só vai ' .. ' . 10 cerso ( o papel. O , assinar que na o vai ., I nhuma se eu ' " me assa tar em hipót ese ne. peg,lr um porco o u co is ... ' senhor pode me t ,l ef . IS,I a ssim. I: eu assin o que o prore ção E ent e e o n'llr a qualquer hora para pedir minha ,. ao , que ta ' '

N ào é preciso. Põe o porco debaixo do bra ço. Mande a co nta no an o-novo. Ao p{//1ir- E faça o favor de n ão esquecer que o senhor ag ora é meu amigo e que tem que o rie nta r o seu

O EsTRA:\/I0 -

o

o



o

DA:\s!'':\ -. Se o .se n I10r nao me levar a mal : eu na o quero fazer uma coisa dessas precipitadamente. o

o

O ESTRAr\IIO - Nào? O ) grzlll h. e pela segu nda vez. . porco de Dali, . u/

DAi\sEi\ , parte . , - FICa ' quieto! Para 1::-/ • I . ' para o p ano . . pnmelro que teI -f ' . , . o _\ I'{/I/ .10 - Eu teria e onar sem falta para o meu ,amigo ,Svensson . à

O ESTRA:\/I0 -

Ah . enrao > o senhor n ão quer' D . de eu ter o -íd . ausen se ca la . E apesar ll\ loque o senhor queria ., maneira antes de o SI ' _ ' o contrato de qualquer oo se por Para o por I D ando-o. _ Vo _ . . co Cle m/sel/. a carici. ce e um p orco esperto N ' · Entre nós n ão haveria di , _ . . I os nos entendemos. 1\ ergencns de . nao é para ser E op im ao, Mas pelo jeito . u n,IO quero me Impor de I l e moc o a gum. QuancIo chutam minhas 0 /' -rt: ' I ' I. '. e ,IS c e amizade I .era nta -se , of el/d ido. " " . eu vou em xira. ',0

"

,o

:

O p orco g ru n he pela terceira rez:

. t O l: COIII o len ço uermelbo - . DA:'\ SE:\ en .xuua ,I • o o Sl rolta . Talvez eu tenh: ,. I . Senhor: O Estranho se " dos últimos I .,I SIC o aspero demais ,IS . EJsses acontecimentos empos me at ordoaram . comprar um porco? "multo, O senhor queria >'

O ESTRAr\/I0 -

co mércio de acordo. Até logo' DA:'\ SE:'\ at ônito - E ag ora eu fiz a mizade co m ele! Com o cOlltrato lias m ãos. dirige-se besitallte 0 0 telefoll e - Alô Svensson. aqui é o Dansen! Eu quero co m u nica r a vo cê que , dito e feito. j{1 fech ei ' um co ntrato , - Co m quem? Com o fulano lá , Ele n ão cum p re co ntrato' _ Mas eu tenho a assinatura do pr óprio punho dele . Espere. como é que é mesmo ... eu ainda n ão li inteiro.... bom: ele n ão pode me assaltar e eu n ão posso ajudar ninguém que ele assalte . _ Se ele assaltar vo cê? Fora de cogita ção . Ele n ão pode fazer isso o tempo todo! O seu depósito agora é à prova de bombas. _ Em quem você pode co nfia r agora? Em mim! Em mim você pode confiar. E eu posso confiar nele .

3 Dansen está diante de SI/O coso e ainda telefona ,

o

o

o

20\

Dansen

Bcrtolt Brecht

Por qi ie nao? o

,

J)A:\SEi\ rol/CO - E.ntao " me de- o contnto EI ) . . ' precisa de có p ia? ' . . e assina. Mas o senhor n áo

DA:'\ sE:'\ _ Eu n ão entendo como vo cê pode achar que a nossa uni ão corre perigo. agora que por três dias e três noites ininterruptas eu garanti para você que ela não corre perigo, - Bom. uma coisa eu posso dizer: se ele n ão honrasse esse contrato, eu seria o primeiro a enfiar todo o dinheiro economizado em cinco an o s de venda de porcos no seu ferro. para nos armarmos até o s dentes. Se isso é palavra? - No momento seria loucura, Nào tem nem motivo . - O que é que tem co m o céu? Olho em rolta . É mesmo. está vermelho. DI/ ra II te o COIIl'ersa o c éu tornou-se

1/ m

pOI/CO avermelhado. 'trooão

disto II/e. abafado. DAi\SE i" _ É... é um trov ão esquisito, Acho que temos que interromper a conversa . Tenho que dar uma olhada nos meus porcos. Claro que no seu depósito também . Especialmente por causa de você. agora estou feliz de verdade em ter um contrato com ele. _ Agora você vai ver que jogada foi essa que eu fiz. Quer apostar que a essa altura o fulano já se arrependeu de ter se comprometido comigo dessa maneira? Em todo caso a gente têm

que fica r e m cantata cons ... Alô! Sve nsson, vo cê ainda está aí? Saco de o telef on e. mas a ligaç áo ca i. Dro ga . justo agora tinha q ue ca ir a linha! Va i até o barril e apanha o CO I/tra to. Em segu ida solta a coleira com qu e havia prendido o p orco ao ba rril. E o que e u fa ria agora .se m este p apel ? Esto u ca ns ad o demais. Os porcos ho je estavam t ão irreq uietos q ue precisei prend ê -lo s na cole ira. Fica r te le fo na ndo tamb ém m e ca nsou . E ai nda tenho que ficar d e g ua rda ho je à noite na frente d o d epósito ... e u devo isso ao me u amigo Sve nsson. Com o rolo do contra to sobre o om bro como um rifle. faz patntlha diante do depósito. (li/dando de um lado para o outro e esp reita ndo

com a m ão acima dos olhos. Mas seu passo logo se toma arrastado. Se e u relaxar a ate n ção p or um instante que seja. as con seq üências para mim e para o s meus d ois amigo s lá d e c ima serão imprevisíveis. Agora com o porco //0 colo. senta-se de costas para a parede do dep ósito. Boceja . É in crível que agora ele também esteja se ass o ciando ao Poll , o comerciante d e cavalos. Quase coch ila. mas end ireita-se de repente. agarra o cba t e irão

do depósito qu e traz no pescoço, debaixo da camisa. e puxa-o para f ora . Pel o meno s e u tenho a ch av e. Volta a g ua rdá -Ia . Eu n ão e nte ndo por que o Poll também n ão fe z ... um cont ra to ... com e le ... Adorm ece.

Escu rece. Somente o boriz onte averm elhado permanece visível. Uma p laca com a inscriç ão "Sonho de Dansen ' desce lentamente. Uma luz cor-de -rosa preen che o palco e vê-se Dansen e o Estranho, parados um diante do outro. Dansen leva seu porco na coleirae o cont rato sobre o om bro. O Estranho. a inda em trajes civis. está armado até os dentes. Um capacete na ca beça, um c i n tu râo com g ranadas de mão e uma p istola automática em ba ixo do braço. O ESTRA;\lIO - Eu fui assa lta do. meu se n hor. Estava só fa zendo uma visitinha inocente à casa d e um tal d e Poll , p ara me e ncon tra r com um amigo meu . Enquanto e u estava na ' casa , fui cercad o p el o vizin ho e assaltado na mai or tranq üilidade . O sen hor tem que me ajudar. DAI\'SEI\' -

Mas ...

O ESTI{Al':lIo - Pare com e ssa fala ção. N ão posso p erder nem um minuto . ão tenho tanto ferro assim. Precis o urgente da cha ve d o d epósito do meu a m igo Sve n sson .

203

Dansen

Bertolt Brecht

202

D.-\:\sF:\ -

Mas essa eu n ão posso entregar!

O bTRA:\1I0 - Para mim o senhor pode. O depó:ito p~e isa ,d e pr~: çào total. Tem ferro até o teto e o senhor nao esta em co n d i ç ) , . Io .' de defendê-lo. Me dê a chave! Rápic

.

, . I . 11·'tC)S Antes pelo menos, DA:\SF:\ - Mas confiaram a chave as mll11:ls 1 c " , . • • tenho que telefonar para o meu arrugo S\·ensson... . ' U'IS m ãos é confiar às minhas. Chega de O bTRA:\1I0 - Con fi:1.11' ... ,IS S , . . , Mãos ' com a pistola , cnrolac ào ao a It o '. I im ea ca ~ I. ' , . {{ t 'Ito paro o tist ran tro e " De repeli/e. tia nsen apoll to o, ro o {O, CO II .I{

pe rm{/lIece imorel nessa posiçao a mea çadora . • . O ESTHA:"I\O n ão acreditando foi ? O que é isso aí?

DA:\SE" -

>

.~

110 q UI: 1.(

-

O c ão raivoso te mo rd eu .

O cont ra to!

O ESTIL\;,\I\O desde II I.)OSO cumprir contratos?

-

· Co ntratos' E q uem cI isse que eeu preciso

, . Mas esse comigo o senhor tem DA:\SF" - Talvez normalmente nao que cumprir.

O ESTR\:\I\O ba ixa a pistola Est;10 todos contra mim . DA;,\SF;,\ -

Isso é terrível! Eu preciso do ferro .

Sinto muito.

O ESTHA;,\I\O - las~ se eu 11;\0 conse,guir. estou perdido. V;10 fazer picadinho de mim. está ouvindo, picadinho! DA;,\SF:" -

Devia ter pensado nisso a ntes . meu amigo .

, . go' Eu te n ho q ue , .uo - Toda" ' 1 m inh a existê ncia esta O I:STHA"II( . e m.. .!JO . entra r lá. tenho que e nt rar. te nh o que entrar: D,\;'\ s!';,\ III{II/tém o papel ap cn üa clo -

In fel izm e nte é impossível.

204

o

ESTRA:\1I0 nisso!

Eu compro lodo s os seus porcos se você me ajud a r

o

. . I O arco n ão pa rou de g l7 l1//.Jir. Ao lado -" rst - o [