Rotinas em ginecología (6a. ed.) 9788536324739, 8536324732

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Autores......Page 5
Apresentação à 6a Edição......Page 11
Prefácio à 6a Edição......Page 12
Sumário......Page 13
Parte I - Ginecologia Geral......Page 18
1 Consulta Ginecológica......Page 20
2 Pré e Pós-Operatório em Cirurgia Ginecológica......Page 31
3 Ginecologia Infanto-Puberal: Abordagem Clínica e Doenças de Vulva e Vagina na Pré-Púbere......Page 49
4 Ginecologia Infanto-Puberal: Puberdade e Menarca, Distúrbio Menstrual e Dismenorreia......Page 64
5 Ginecologia Infanto-Puberal: Anticoncepção na Adolescência......Page 79
6 Dor Pélvica Crônica......Page 93
7 Síndrome Pré-Menstrual......Page 110
8 Sangramento Uterino Anormal......Page 118
9 Miomas Uterinos......Page 132
10 Endometriose......Page 141
11 Doenças Sexualmente Transmissíveis......Page 156
12 Doença Inflamatória Pélvica......Page 178
13 Vulvovaginites......Page 188
14 Anormalidades da Estática Pélvica......Page 201
15 Avaliação da Incontinência Urinária Feminina......Page 218
16 Tratamento da Incontinência Urinária......Page 235
17 Ultrassonografia......Page 252
18 Anticoncepção......Page 267
19 Histeroscopia......Page 292
20 Videolaparoscopia......Page 300
21 Urgências em Ginecologia e Obstetrícia......Page 321
22 Sexualidade Humana......Page 338
23 Violência Sexual Contra a Mulher......Page 351
24 Bioética e Ginecologia......Page 360
25 A Informática e o Ginecologista/Obstetra......Page 370
Parte II - Neoplasias......Page 378
26 Biologia Molecular do Câncer Cervical......Page 379
27 A Lesão Intraepitelial no Colo Uterino......Page 385
28 Papel do HPV na Gênese das Lesões Pré-Malignas do Colo do Útero......Page 403
29 Carcinoma de Colo Uterino......Page 413
30 Neoplasia Intraepitelial Vulvar......Page 425
31 Alterações Benignas da Vulva......Page 434
32 Neoplasia de Vulva e Vagina......Page 442
33 Neoplasias de Corpo Uterino......Page 456
34 Neoplasias de Ovário e de Tuba Uterina......Page 474
35 O Papel da Quimioterapia e Hormonioterapia em Oncologia Genital Feminina......Page 494
36 O Papel da Radioterapia em Oncologia Genital Feminina......Page 503
37 Procedimentos Diagnósticos no Trato Genital Inferior......Page 522
38 Patologia Benigna da Mama......Page 528
39 Câncer de Mama......Page 550
40 Quimioterapia no Câncer de Mama......Page 574
41 Hormonioterapia no Câncer de Mama......Page 584
42 Radioterapia no Câncer da Mama......Page 589
Parte III - Endocrinologia Ginecológica......Page 604
43 Diferenciação Sexual......Page 605
44 Ciclo Menstrual Normal......Page 613
45 Atraso do Desenvolvimento Puberal......Page 622
46 Puberdade Precoce .......Page 630
47 Distúrbios do Desenvolvimento Sexual......Page 645
48 Amenorreias.......Page 656
49 Hiperprolactinemia......Page 667
50 Hiperandrogenismo......Page 675
51 Infertilidade......Page 686
52 Climatério......Page 694
Anexo Exames Laboratoriais......Page 717
Índice......Page 725
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Rotinas em ginecología (6a. ed.)
 9788536324739, 8536324732

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e colaboradores

R848

Rotinas em ginecologia [recurso eletrônico] / Fernando Freitas ... [et al.] – 6. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2011. Editado também como livro impresso em 2011. ISBN 978-85-363-2473-9 1. Medicina – Ginecologia. I. Freitas, Fernando. CDU 618.1

Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB-10/Prov-009/10

Rotinas em

edição

Ginecologia

6a

Versão impressa desta obra: 2011

2011

Fernando Freitas Carlos Henrique Menke Waldemar Augusto Rivoire Eduardo Pandolfi Passos e colaboradores

© 2011 Artmed Editora S.A.

Capa e projeto gráfico: Paola Manica Ilustrações: Vagner Coelho dos Santos Preparação de originais: Mariana Medeiros Lenz Leitura final: Márcio Christian Friedl Editora sênior – Biociências: Letícia Bispo de Lima Editora responsável por esta obra: Laura Ávila de Souza Editoração eletrônica: Techbooks

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED® EDITORA S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 - Pavilhão 5 - Cond. Espace Center Vila Anastácio 05095-035 São Paulo SP Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL

Autores

Fernando Freitas. Professor Titular de Obstetrícia do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Presidente do Instituto de Reprodução Humana do Rio Grande Sul. Doutor em Medicina: Ginecologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Carlos Henrique Menke. Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Serviço de Mastologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Waldemar Augusto Rivoire. Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da UFRGS. Chefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Setor de Oncologia Genital Feminina do HCPA. Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Eduardo Pandolfi Passos. Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Setor de Reprodução Assistida do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Gestor do Instituto da Mulher do Hospital Mãe de Deus. Livre-Docente em Ginecologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Adriana Prato Schmidt. Médica Ginecologista e Obstetra. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Adriane Camozzato Fontes. Médica do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Especialista em Patologia Cervical pela Associação Brasileira de Genitoscopia (ABG). Adriani Oliveira Galão. Professora Adjunta do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Mestre em Clínica Médica: Nefrologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PU-

CRS). Doutora em Medicina e Ciências da Saúde pela PUCRS. Alberto Mantovani Abeche. Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Setor de Gestação na Adolescência do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Alexei Peter dos Santos. Oncologista Clínico. Coordenador do Programa de Residência Médica em Cancerologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre. Médico Contratado do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre. Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC-RS).

vi Autores

Ana Cristina Costa Bittelbrunn. Médica Geneticista do Serviço de Mastologia do HCPA. Especialista em Genética Clínica pela Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM). Mestre em Psicologia Social pela PUCRS. Ana Lúcia Letti Müller. Médica Plantonista do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Coordenadora do Programa da Gestante - Centro de Saúde Navegantes, Porto Alegre/RS. Doutora em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Ana Maria Carvalho Vidal. Médica do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Membro da Equipe de Ginecologia Infanto-Puberal do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Coordenadora do Programa de Melhoria da Qualidade Assistencial e Segurança da Paciente do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Andréa Barleze da Costa. Médica Residente em Radioterapia do HCPA. Antônio Barbato. Médico Ginecologista-Obstetra Contratado da Emergência Ginecológica do HCPA. Antônio Dal Pizzol Jr. Médico Oncologista do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre e do Hospital Mãe de Deus. Coordenador do Programa de Residência em Cancerologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre. Beatriz Valiati. Médica do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Mestre em Clínica Médica pela UFRGS. Camile Cesa Stumpf. Médico Residente do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Carlos Alberto Ribeiro. Farmacêutico Industrial e Bioquímico. Bioquímico da Unidade de Bioquímica e Imunoensaios do Serviço de Patologia Clínica do HCPA. Especialista em Análises Clínicas pela PUCRS. Carlos Augusto Bastos de Souza. Médico do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Médico da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Pós-Doutor em Ginecologia Mini-

mamente Invasiva: Endometriose pela Universidade de Paris - Group Hospitalier Cochin. Carlos Fernando Francesconi. Professor Associado do Departamento de Medicina Interna da UFRGS. Professor Adjunto do Departamento de Medicina Interna da PUCRS. Carolina Giordani Andreoli. Médica Ginecologista e Obstetra. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Carolina Leão Oderich. Médica Ginecologista e Obstetra. Mestranda em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Christiane Cardoso Falcão. Médica Ginecologista e Obstetra. Médica Residente do Serviço de Mastologia do HCPA. Cláudio Lima. Chefe da Unidade de Urodinâmica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Cristiano Caetano Salazar. Médico do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Médico do Centro da Mulher do Hospital Mãe de Deus. Especialista em Humanização da Atenção e Gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Cristina Luce Glitz. Médica Ginecologista e Obstetra. Médica Contratada do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Daniel Ferreira. Consultor de Tecnologia da Informação. Sócio e Diretor da GOFIX - Tecnologia da Informação. Denise da Cunha Pereira. Farmacêutica Bioquímica da Unidade de Bioquímica e Imunoensaios do Serviço de Patologia Clínica do HCPA. Edimárlei Gonsales Valério. Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Doutora em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Edison Capp. Professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutor em Medicina pela Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. Eunice Beatriz Martin Chaves. Médica Ginecologista e Obstetra do HCPA. Mestre em Clínica Médica pela UFRGS.

Autores

Fabiola Satler. Médica Internista e Endocrinologista. Mestranda Endocrinologia pela UFRGS. Fernando Rocha de Oliveira. Médico do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Fernando Schuh. Médico Ginecologista, Obstetra e Mastologista. Médico do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Doutorando em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Francieli Maria Vigo. Médica Ginecologista e Obstetra. Médica Residente do Serviço de Reprodução Humana da Escola Paulista de Medicina (EPM). Geane Garlet. Médica Residente do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Gustavo Peretti Rodini. Médico do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Mãe de Deus. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Especialista em Laparoscopia, Histeroscopia, Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO. Heitor Hentschel. Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Helena von Eye Corleta. Professora Associada da Faculdade de Medicina da UFRGS. Coordenadora do Gerar - Núcleo de Reprodução Humana do Hospital Moinhos de Vento. Doutora em Medicina pela Universidade Ludwig Maximilians, Alemanha. Heleusa Ione Mônego. Médica do Setor Oncologia Genital Feminina do HCPA. Preceptora da Residência Medica do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas. Médica do Centro de Oncologia do Hospital Moinhos de Vento. Ilma Simoni Brum da Silva. Professora Associada da UFRGS. Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas: Fisiologia da UFRGS. Doutora em Ciências Biológicas: Fisiologia pela UFRGS. Pós-Doutora em Endocrinologia pelo Institut National de la Sante et la Recherche Medicale, França.

vii

Ivan Sereno Montenegro. Médico Residente do Setor de Reprodução Humana do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. James Freitas Fleck. Professor de Oncologia do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS. Janete Vettorazzi. Médica Ginecologista e Obstetra Contratada do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA e Membro da Equipe de Gestação de Alto Risco. Médica Ginecologista e Obstetra do Centro da Mulher do Hospital Mãe de Deus. Membro do Comitê de Mortalidade Materna de Porto Alegre. Mestre e Doutora em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Jaqueline Neves Lubianca. Professora Adjunta de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutora em Medicina pela UFRGS. Fellowship em Ginecologia Infanto-Puberal do Children’s Hospital, Boston, EUA. Jean Carlos de Matos. Médico Contratado do HCPA. Ginecologista e Obstetra Especialista em Patologia Cervical pela Sociedade Brasileira de Genitoscopia. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. João Paolo Bilibio. Médico Ginecologista e Obstetra. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. João Sabino L. da Cunha Filho. Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Pesquisador CNPq. Pós-Doutor em Reprodução Humana pela Universidade de Paris, França. Jorge Villanova Biazús. Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Mastologista do Serviço de Mastologia do HCPA. Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. José Antônio Cavalheiro. Médico Mastologista do HCPA. Responsável pelo Setor de Tratamento Complementar do Câncer de Mama do Serviço de Mastologia do HCPA. José Antônio Magalhães. Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Setor de Medicina Fetal do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Doutor em

viii Autores

Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). José Augusto Sisson de Castro. Professor Doutor de Clínica Médica do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS. José Geraldo Lopes Ramos. Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Vice-Diretor da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Setor de Uroginecologia do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Gestor do Instituto da Mulher do Hospital Mãe de Deus. Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. José Roberto Goldim. Biólogo. Professor da Faculdade de Medicina da PUCRS. Colaborador do Serviço de Bioética do HCPA. Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Juliana Zanrosso Caran. Médica Residente do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Karen Oppermann. Médica Ginecologista. Professora Titular de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo (UPF). Coordenadora do Ambulatório de Ginecologia Endócrina e Menopausa do Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo. Doutora em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Lolita Schneider Pizzolato. em Fisiologia pela UFRGS.

Bióloga. Mestre

Lourdes Neves Ricco. Médica Ginecologista e Obstetra.  Médica contratada da Emergência Ginecológica do HCPA. Luciano Serpa Hammes. Coordenador da Unidade de Pesquisa em Saúde do Instituto de Educação e Pesquisa do Hospital Moinhos de Vento. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS e Universidade do Texas, EUA. Pós-Doutor pela Universidade do Texas, EUA. Luis Fernando Venegas. Membro do Serviço de Oncologia do HCPA. Diretor Médico do Grupo de Tratamento Oncológico (GTTO).

Márcia Appel. Ginecologista. Médica Contratada do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA, com área de atuação em Oncologia Genital. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Márcia M. Raymundo. Bióloga do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do HCPA. Doutora em Gastroenterologia pela UFRGS. Márcia Portela de Melo. Médica Mastologista, Ginecologista e Obstetra. Especialista em Mastologia pela Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e pela Associação Médica Brasileira (ABM). Mestre em Clínica Médica pela UFRGS. Márcia Santana Fernandes. Professora de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Pesquisadora Associada do Laboratório de Bioética e Ética na Ciência do HCPA. Doutora em Direito pela UFRGS. Pós-Doutora em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Maria Celeste Osório Wender. Professora Associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Coordenadora do Ambulatório de Climatério do HCPA. Doutora em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Maria Lúcia Rocha Oppermann. Professora Adjunta do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Conselheira e Membro da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CREMERS). Doutora em Epidemiologia pela UFRGS. Mariane Marmontel. Ginecologista e Obstetra. Médica Contratada da Emergência de Adultos do HCPA. Responsável pelo Programa de Assistência às Mulheres Vítimas de Violência Sexual do HCPA. Mirela Jobim de Azevedo. Médica Endocrinologista. Professora Associada do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Serviço de Endocrinologia do HCPA. Livre Docente em Endocrinologia pela UFSP/EPM.

Autores

Nara Niederauer. Médica Contratada do Serviço de Anestesia e Medicina Perioperatória (SAMPE) do HCPA. Nilton Leite Xavier. Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Especialista em Mastologia pela SBM. Doutor em Medicina pela UFRGS. Oscar Andrade Miguel. Médico Ginecologista e Obstetra. Médico do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Otávio Diaz. Médico Residente em Radioterapia do HCPA. Pânila Longhi Lorenzzoni. Psicóloga, Terapeuta de Casal e Família. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Centro de Psicoterapia Cognitivo-Comportamental Wainer e Piccoloto. Patricia Pereira de Oliveira. Professora da Faculdade de Medicina da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ). Doutora em Saúde da Mulher pelo Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/ FIOCRUZ). Paulo Renato Figueiredo Ferreira. Chefe do Centro de Radioterapia do HCPA. Doutor em Medicina pela UFRGS. Paulo Naud. Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina UFRGS. Coordenador do Projeto de Prevenção e Controle do Câncer da Cérvix - Projeto Vacina HPV no HCPA. Membro da International Federation of Cervical Pathology and Colposcopy e Educational Committee (IFCPC IT). Poli Mara Spritzer. Coordenadora da Unidade de Endocrinologia Ginecológica do Serviço de Endocrinologia do HCPA. Professora Titular do Departamento de Fisiologia da UFRGS. Coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Hormônios e Saúde da Mulher/ CNPq. Rafaella Bombassaro. Médica residente do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA.

ix

Ricardo dos Reis. Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Professor da Equipe de Oncologia Genital Feminina do HCPA. Professor do Programa de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas da UFRGS. Ricardo Francalacci Savaris. Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da UFRGS. Chefe da Unidade de Emergência Ginecológica do HCPA. Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Pós-Doutor pela Universidade da Califórnia, São Francisco, Califórnia. Rodrigo Cericatto. Médico Mastologista do Serviço de Mastologia do HCPA. Mestre em Medicina pela UFRGS. Rosi Pereira Balbinotto. Médica do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Professora do Curso de Extensão em Cirurgia Videolaparoscópica do Hospital Parque Belém. Professora do Curso de Cirurgia Minimamente Invasiva do Hospital Moinhos de Vento. Especialista em Cirurgia Videolaparoscópica e Ginecológica pela Sociedade Brasileira de Videocirurgia (SOBRACIL). Membro da Comissão de Qualificação de Cirurgia Ginecológica por Videolaparoscopia da SOBRACIL/RS. Mestre em Ciências Cirúrgicas pela UFRGS. Rosielle Mallmann Trombetta. necologista e Obstetra.

Médica Gi-

Sérgio H. Martins-Costa. Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Coordenador do Programa de Gestação de Alto Risco do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA. Gestor do Instituto da Mulher do Hospital Mãe de Deus. Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Sidnei S. Schestatsky. Psiquiatra, Psicanalista. Professor Associado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. Médico Assistente do HCPA. Doutor em Psiquiatria pela UFRGS.

x Autores

Solange Garcia Accetta. Professora Assistente do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Setor de Ginecologia Infanto-Puberal do HCPA. Mestre em Clínica Médica pela UFRGS.

de Pesquisa Experimental do HCPA. Doutora em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS.

Suzana Zachia. Enfermeira Obstetra do Serviço de Enfermagem em Saúde Pública do HCPA. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS.

Vanessa Krebs Genro. Médica Ginecologista Obstetra. Doutoranda em Clínica Médica pela UFRGS/Universidade de Paris, França.

Ursula Matte. Bióloga. Chefe da Unidade de Análises Moleculares e de Proteínas do Centro

Valentino Magno. Médico Ginecologista e Obstetra do HCPA. Mestre em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS.

Viviane Renata Philipsen. Médica Residente do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA.

Apresentação à 6a Edição

Apresentamos à comunidade médica mais uma edição das obras Rotinas em Ginecologia e Rotinas em Obstetrícia, publicações que se constituem nas mais importantes fontes de atualização nessas áreas, estando presentes em diversos cenários de assistência, ensino e pesquisa em saúde do Brasil e da América Latina. Nossa Escola tem uma longa e consolidada trajetória de pioneirismo tanto em ginecologia quanto em obstetrícia. Já em 1897 – portanto no século XIX, quando no Brasil só existiam duas Faculdades de Medicina, em Salvador e no Rio de Janeiro –, um grupo de médicos liderado por Protásio Alves criou o Curso de Partos da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, com grande demanda e sucesso. A partir da fusão desse curso com a Escola de Farmácia, criada em 1885, surgiu, em 25 de julho de 1898, a Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre. Esta é, assim, a primeira escola médica do regime republicano, a primeira criada a partir de um movimento da comunidade e a primeira a exigir um reconhecimento pelo governo federal. Além destes, outros pioneirismos nos relacionam com a ginecologia e a obstetrícia. Já na primeira turma, em 1904, colou grau o doutor e futuro professor Mário Totta, que se tornou um pioneiro na discussão e na qualificação da assistência às gestantes e na formulação de melhores estratégias de atendimento a essas pacientes, especialmente agregando os novos conhecimentos científicos que surgiam. Na primeira turma, colou grau também a senhora Alice Maeffer, demonstrando precoce e pioneiramente a inserção da mulher no contexto do processo ensino-apredizagem.

Assim, nossa instituição surgiu voltada para cuidar, assistir e qualificar a saúde da mulher em todos os seus ciclos de vida, incluindo a fantástica experiência da gestação. Nos dias atuais, a saúde feminina inclui um amplo espectro de conhecimentos convergentes, a partir dos mais recentes avanços científicos, seja da epidemiologia embasando as evidências, seja dos avanços moleculares antecipando diagnósticos e criando novos desafios éticos, seja da busca de evidências para prevenção efetiva, viável, acessível e socialmente justa. Estas novas edições incluem uma série de avanços, tanto em sua forma de apresentação como em seus diversos conteúdos, procurando oferecer ao leitor uma visão abrangente da saúde da mulher e, principalmente, estimulando o que temos de mais importante em medicina, que é a possibilidade do aprendizado continuado, ensinando o aprender a aprender. Nossos antepassados certamente sonharam com um futuro auspicioso para as sementes que produziram, e tenho a certeza de que hoje, se pudessem usufruir destes livros, muito se orgulhariam com a tradição e a vanguarda de conhecimento que eles expressam. A Faculdade de Medicina da UFRGS tem muito orgulho em ter contribuído para mais uma edição destas obras e cumprimenta seus organizadores e colaboradores pelo antecipado sucesso das mesmas. Prof. Dr. Mauro A. Czepielewski Diretor da Faculdade de Medicina da UFRGS

Prefácio à 6a Edição

Levar um livro à 6a edição é um desafio que não imaginávamos 25 anos atrás. Esta edição de Rotinas em Ginecologia traz a experiência de um hospital que virou modelo de atendimento ao Sistema Único de Saúde dentro de uma Escola Médica de mais de um século de vida. A Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi criada a partir da Escola de Partos da Santa Casa de Porto Alegre em 1898, em um período no qual o pensamento positivista influenciava profundamente história desta cidade. Tendo permanecido até a década de 1980 dentro das enfermarias da Santa Casa, o Departamento de Ginecologia e Obstetrícia se transferiu para o Hospital de Clínicas de Porto Alegre de corpo e alma e criou um grupo de professores que já formaram mais de 300 médicos residentes, hoje espalhados nos quatro cantos do planeta. A possibilidade de ensinar alunos de medicina e médicos residentes permitiu ao corpo de professores da Faculdade de Medicina e de médicos do Hospital de Clínicas o crescimento por um mecanismo de retroalimentação do conhecimento, evidenciando que o estímulo propiciado pelos alunos para que se produza mais conhecimento é inquestionável. Os pós-graduandos tornaram mais sólidas as pesquisas científicas,

aumentando significativamente o número de publicações no âmbito internacional. Manter o conhecimento atualizado é uma tarefa das mais difíceis em uma época em que as verdades médicas podem ter vida mais efêmera do que o tempo entre a descoberta científica e a publicação. O que hoje se acredita como verdade absoluta pode ser mudado na próxima semana com a publicação de estudos de um autor de qualquer ponto deste planeta. Na tentativa de manter este livro atualizado e driblar a velocidade do desenvolvimento científico, mesmo antes da próxima edição, a Artmed Editora nos possibilitou ter um hotsite para disponibilizar conteúdo complementar à edição impressa. Mais uma ação pioneira desta editora que há 25 anos acreditou em um projeto singelo e possibilitou que este livro recebesse o reconhecimento e a aceitação inquestionável dos ginecologistas. A 6a edição de Rotinas em Ginecologia nasce desse espírito, um misto de experiência secular e modernidade. As principais informações atualizadas da área de ginecologia serão encontradas neste livro, sempre tendo como norte a melhor evidência, as revisões sistemáticas, a boa prática local e os princípios éticos. Os organizadores

Sumário

Parte I

Ginecologia Geral 1

Consulta Ginecológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Nilton Leite Xavier e Cristiano Caetano Salazar

2

Pré e Pós-Operatório em Cirurgia Ginecológica . . . . . . . . . . 34 Heleusa Ione Mônego, Nara Niederauer, João Paolo Bilibio, Ricardo dos Reis e Waldemar Augusto Rivoire

3

Ginecologia Infanto-Puberal: Abordagem Clínica e Doenças de Vulva e Vagina na Pré-Púbere. . . . . . . . . . . . . . 52 Solange Garcia Accetta, Alberto Mantovani Abeche, Ana Maria Carvalho Vidal, Camile Cesa Stumpf

4

Ginecologia Infanto-Puberal: Puberdade e Menarca, Distúrbio Menstrual e Dismenorreia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Solange Garcia Accetta, Alberto Mantovani Abeche, Jaqueline Neves Lubianca e Rafaella Bombassaro

5

Ginecologia Infanto-Puberal: Anticoncepção na Adolescência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 Alberto Mantovani Abeche, Solange Garcia Accetta e Geane Garlet

6

Dor Pélvica Crônica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 Maria Lúcia Rocha Oppermann, Carlos Augusto Bastos de Souza, Vanessa Krebs Genro, Juliana Zanrosso Caran e João Sabino L. da Cunha Filho

7

Síndrome Pré-Menstrual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 Maria Celeste Osório Wender, Beatriz Valiati, Solange Garcia Accetta, Fernando Freitas e Carolina Leão Oderich

8

Sangramento Uterino Anormal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 Fernando Freitas, Maria Celeste Osório Wender, Beatriz Valiati e Gustavo Peretti Rodini

16 Sumário

9

Miomas Uterinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 Helena von Eye Corleta, Eunice Beatriz Martin Chaves e Edison Capp

10

Endometriose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 Carlos Augusto Bastos de Souza, Vanessa Krebs Genro, Gustavo Peretti Rodini, João Paolo Bilibio, Carolina Giordani Andreoli e João Sabino L. da Cunha Filho

11

Doenças Sexualmente Transmissíveis. . . . . . . . . . . . . . . . . 159 Paulo Naud, Valentino Magno, Jean Carlos de Matos, Luciano Serpa Hammes, Janete Vettorazzi e Adriani Oliveira Galão

12

Doença Inflamatória Pélvica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 Paulo Naud, Adriani Oliveira Galão, Jean Carlos de Matos, Janete Vettorazzi, Luciano Serpa Hammes e Valentino Magno

13

Vulvovaginites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191 Paulo Naud, Jean Carlos de Matos, Janete Vettorazzi e Luciano Serpa Hammes

14

Anormalidades da Estática Pélvica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204 José Geraldo Lopes Ramos, Carolina Leão Oderich, Adriana Prato Schmidt e Sérgio H. Martins-Costa

15

Avaliação da Incontinência Urinária Feminina . . . . . . . . . . 221 José Geraldo Lopes Ramos, Fernando Rocha de Oliveira, Adriana Prato Schmidt e Sérgio H. Martins-Costa

16

Tratamento da Incontinência Urinária . . . . . . . . . . . . . . . . 238 José Geraldo Lopes Ramos, Adriana Prato Schmidt, Edimárlei Gonsales Valério, Sérgio H. Martins-Costa e Cláudio Lima

17

Ultrassonografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255 José Antônio Magalhães, Janete Vettorazzi, Ana Lúcia Letti Müller e Edimárlei Gonsales Valério

18

Anticoncepção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 270 Maria Celeste Osório Wender, Jaqueline Neves Lubianca, Carolina Leão Oderich e Fernando Freitas

19

Histeroscopia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295 Eduardo Pandolfi Passos, Rosi Pereira Balbinotto, Francieli Maria Vigo, Rosielle Mallmann Trombetta, Viviane Renata Philipsen e Valentino Magno

20

Videolaparoscopia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303 Eduardo Pandolfi Passos, Rosi Pereira Balbinotto, Francieli Maria Vigo, Rosielle Mallmann Trombetta, Viviane Renata Philipsen e Valentino Magno

Sumário

21

Urgências em Ginecologia e Obstetrícia . . . . . . . . . . . . . . 324 Ricardo Francalacci Savaris, Adriane Camozzato Fontes, Beatriz Valiati, Mariane Marmontel, Oscar Andrade Miguel, Antônio Barbato e Lourdes Neves Ricco

22

Sexualidade Humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 341 Heitor Hentschel, João Paolo Bilibio e Pânila Longhi Lorenzzoni

23

Violência Sexual Contra a Mulher . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 354 Fernando Freitas, Mariane Marmontel e Sidnei S. Schestatsky

24

Bioética e Ginecologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363 José Roberto Goldim, Ursula Matte, Carlos Fernando Francesconi, Márcia M. Raymundo e Márcia Santana Fernandes

25

A Informática e o Ginecologista/Obstetra . . . . . . . . . . . . . 373 Daniel Ferreira e Edison Capp

Parte II

Neoplasias 26

Biologia Molecular do Câncer Cervical . . . . . . . . . . . . . . . 383 Edison Capp , Lolita Schneider Pizzolato, Ilma Simoni Brum da Silva, Heleusa Ione Mônego, João Paolo Bilibio, Waldemar Augusto Rivoire

27

A Lesão Intraepitelial no Colo Uterino . . . . . . . . . . . . . . . . 389 Waldemar Augusto Rivoire, Heleusa Ione Mônego, Ricardo dos Reis, Márcia Appel, João Paolo Bilibio, Luciano Serpa Hammes e Edison Capp

28

Papel do HPV na Gênese das Lesões Pré-Malignas do Colo do Útero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 407 Paulo Naud, Luciano Serpa Hammes e Jean Carlos de Matos

29

Carcinoma de Colo Uterino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 417 Ricardo dos Reis, Heleusa Ione Mônego, Márcia Appel, João Paolo Bilibio, Edison Capp e Waldemar Augusto Rivoire

30

Neoplasia Intraepitelial Vulvar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 429 Waldemar Augusto Rivoire, Adriane Camozzato Fontes, Heleusa Ione Mônego, Ricardo dos Reis e Márcia Appel

31

Alterações Benignas da Vulva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 438 Paulo Naud, Jean Carlos de Matos, Luciano Serpa Hammes, Adriani Oliveira Galão, Valentino Magno e Janete Vettorazzi

17

18 Sumário

32

Neoplasia de Vulva e Vagina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 446 Waldemar Augusto Rivoire, Ricardo dos Reis, Heleusa Ione Mônego, Márcia Appel e João Paolo Bilibio

33

Neoplasias de Corpo Uterino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 460 Márcia Appel, Heleusa Ione Mônego, Ricardo dos Reis, Edison Capp, João Paolo Bilibio e Waldemar Augusto Rivoire

34

Neoplasias de Ovário e de Tuba Uterina . . . . . . . . . . . . . . 478 Heleusa Ione Mônego, Márcia Appel, Ricardo dos Reis, Edison Capp, João Paolo Bilibio e Waldemar Augusto Rivoire

35

O Papel da Quimioterapia e Hormonioterapia em Oncologia Genital Feminina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 498 Alexei Peter dos Santos, James Freitas Fleck, Antônio Dal Pizzol Jr. e Luis Fernando Venegas

36

O Papel da Radioterapia em Oncologia Genital Feminina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 507 Andréa Barleze da Costa, Otávio Diaz e Paulo Renato Figueiredo Ferreira

37

Procedimentos Diagnósticos no Trato Genital Inferior . . . . 526 Heleusa Ione Mônego, Eduardo Pandolfi Passos, Ricardo dos Reis, Márcia Appel, Valentino Magno, Adriane Camozzato Fontes, Cristina Luce Glitz e Waldemar Augusto Rivoire

38

Patologia Benigna da Mama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 532 Carlos Henrique Menke, Jorge Villanova Biazús, José Antônio Cavalheiro, Rodrigo Cericatto, Ana Cristina da Costa Bittelbrunn, Nilton Leite Xavier, Fernando Schuh, Márcia Portela de Melo e Christiane Cardoso Falcão

39

Câncer de Mama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 554 Carlos Henrique Menke, Nilton Leite Xavier, Jorge Villanova Biazús, José Antônio Cavalheiro, Rodrigo Cericatto, Ana Cristina da Costa Bittelbrunn e Fernando Schuh

40

Quimioterapia no Câncer de Mama . . . . . . . . . . . . . . . . . 578 José Antônio Cavalheiro, Carlos Henrique Menke, Jorge Villanova Biazús, Nilton Leite Xavier, Rodrigo Cericatto, Ana Cristina da Costa Bittelbrunn e Fernando Schuh

41

Hormonioterapia no Câncer de Mama . . . . . . . . . . . . . . . 588 Nilton Leite Xavier, Carlos Henrique Menke, Jorge Villanova Biazús, José Antônio Cavalheiro, Rodrigo Cericatto, Ana Cristina da Costa Bittelbrunn e Fernando Schuh

42

Radioterapia no Câncer da Mama. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 593 Paulo Renato Figueiredo Ferreira e Andréa Barleze da Costa

Sumário

Parte III

Endocrinologia Ginecológica 43

Diferenciação Sexual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 611 Fernando Freitas, Maria Celeste Osório Wender, Carlos Augusto Bastos de Souza, Cristiano Caetano Salazar, Vanessa Krebs Genro e João Paolo Bilibio

44

Ciclo Menstrual Normal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 619 Helena von Eye Corleta e Fernando Freitas

45

Atraso do Desenvolvimento Puberal . . . . . . . . . . . . . . . . . 628 Fernando Freitas, Solange Garcia Accetta, Eduardo Pandolfi Passos, Cristiano Caetano Salazar e João Paolo Bilibio

46

Puberdade Precoce . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 636 Solange Garcia Accetta, Alberto Mantovani Abeche, Fernando Freitas, Cristiano Caetano Salazar e João Paolo Bilibio

47

Distúrbios do Desenvolvimento Sexual . . . . . . . . . . . . . . . 651 Fernando Freitas, João Sabino L. da Cunha Filho, Carlos Augusto Bastos de Souza, Vanessa Krebs Genro e João Paolo Bilibio

48

Amenorreias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 662 Fernando Freitas, Eduardo Pandolfi Passos, Cristiano Caetano Salazar e João Paolo Bilibio

49

Hiperprolactinemia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 673 Fabiola Satler, Mirela Jobim de Azevedo e Poli Mara Spritzer

50

Hiperandrogenismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 681 Poli Mara Spritzer e Karen Oppermann

51

Infertilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 692 Eduardo Pandolfi Passos, Fernando Freitas, Valentino Magno, Francieli Maria Vigo, Rosielle Mallmann Trombetta, Ivan Sereno Montenegro e Suzana Zachia

52

Climatério . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 700 Maria Celeste Osório Wender, Fernando Freitas, José Augusto Sisson de Castro, Juliana Zanrosso Caran e Patricia Pereira de Oliveira

Anexo

Exames Laboratoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 723 Eduardo Pandolfi Passos, Carlos Alberto Ribeiro e Denise da Cunha Pereira

Índice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 731

19

Parte I

Ginecologia Geral

Capítulo 1

Consulta Ginecológica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23

Capítulo 2

Pré e Pós-Operatório em Cirurgia Ginecológica . . . .34

Capítulo 3

Ginecologia Infanto-Puberal: Abordagem Clínica e Doenças de Vulva e Vagina na Pré-Púbere. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52

Capítulo 4

Ginecologia Infanto-Puberal: Puberdade e Menarca, Distúrbio Menstrual e Dismenorreia . . . .67

Capítulo 5

Ginecologia Infanto-Puberal: Anticoncepção na Adolescência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .82

Capítulo 6

Dor Pélvica Crônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .96

Capítulo 7

Síndrome Pré-Menstrual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .113

Capítulo 8

Sangramento Uterino Anormal . . . . . . . . . . . . . . .121

Capítulo 9

Miomas Uterinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .135

Capítulo 10 Endometriose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .144 Capítulo 11 Doenças Sexualmente Transmissíveis . . . . . . . . . . .159 Capítulo 12 Doença Inflamatória Pélvica . . . . . . . . . . . . . . . . . .181 Capítulo 13 Vulvovaginites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .191 Capítulo 14 Anormalidades da Estática Pélvica . . . . . . . . . . . . .204 Capítulo 15 Avaliação da Incontinência Urinária Feminina. . . . .221 Capítulo 16 Tratamento da Incontinência Urinária. . . . . . . . . . .238

22 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Capítulo 17 Ultrassonografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .255 Capítulo 18 Anticoncepção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .270 Capítulo 19 Histeroscopia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .295 Capítulo 20 Videolaparoscopia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .303 Capítulo 21 Urgências em Ginecologia e Obstetrícia . . . . . . . . .324 Capítulo 22 Sexualidade Humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .341 Capítulo 23 Violência Sexual Contra a Mulher . . . . . . . . . . . . .354 Capítulo 24 Bioética e Ginecologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .363 Capítulo 25 A Informática e o Ginecologista/Obstetra. . . . . . . .373

1

Consulta Ginecológica Nilton Leite Xavier Cristiano Caetano Salazar

A consulta ginecológica é um capítulo especial na semiologia médica, por vários aspectos particulares. Em primeiro lugar, durante a consulta são abordados assuntos relacionados à sexualidade, à intimidade mais profunda da mulher. Exige-se do médico uma postura diferenciada e cuidadosa, procurando deixar a paciente à vontade e tendo o cuidado de não permitir que a situação de fragilidade em que a paciente geralmente se encontra a impeça de expor seus receios, suas restrições e suas dúvidas. Em segundo lugar, muitas vezes o ginecologista é o “clínico da mulher”, ou seja, é a referência que a mulher tem como profissional da saúde, sendo o único médico que ela consulta regularmente. Isso quer dizer que, além dos aspectos relacionados à revisão ginecológica, é importante avaliar globalmente a paciente, a fim de detectar alterações em outros sistemas e fatores de risco para doenças importantes. Assim como a pediatria, a geriatria e algumas poucas especialidades, a ginecologia tem a peculiaridade de não necessariamente lidar com doenças, mas é de grande importância na prevenção de patologias e na orientação de saúde. O ginecologista, portanto, tem o dever de priorizar esse aspecto na consulta rotineira.

Anamnese Esse é um momento decisivo na consulta ginecológica, pois é quando se inicia o relacionamento médico-paciente e se cria o vínculo entre a paciente e o ginecologista. Nessa hora, é essencial observar os cuidados comentados ante-

riormente quanto à conduta. A naturalidade, o respeito à intimidade, a cordialidade e uma postura amigável são aconselháveis, além de ser essencial inspirar confiança. Há sempre transferência e contratransferência de sentimentos, que podem ser bons ou hostis; se ficou estabelecida uma relação empática e satisfatória, com certeza a tendência será uma evolução favorável no processo saúde-doença. O “olho clínico” manifesta-se durante a anamnese, e o treinamento clínico ajuda a identificar a ansiedade existente. Conhecendo as patologias da paciente e da família, já se saberão quais os exames mais úteis para o caso. Essa é a visão da medicina de família, que hoje está voltando e torna a assistência médica menos onerosa. A consulta inicia pela identificação da paciente (nome, idade, estado civil, grau de instrução, naturalidade e procedência, profissão, telefones e endereços). Seguem-se, como no processo clássico de entrevista de saúde, a pesquisa da queixa principal e a evolução e o comportamento da patologia que traz a paciente ao consultório. Os passos da anamnese são comuns aos de qualquer consulta clínica e devem ser sempre observados de forma completa, pois a paciente tem de ser vista como um todo, não apenas como portadora de uma doença, tampouco como somente portadora de problemas ginecológicos. Devem, entretanto, ser enfatizados os seguintes pontos: > Revisão de sistemas: alterações no hábito intestinal (relacionadas à dor pélvica), alterações urinárias (infecções), dificuldade para dormir, apetite.

24 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

> Antecedentes mórbidos: doenças da infância (p. ex., rubéola), cirurgias prévias (cistos de ovário, histerectomia, ooforectomia, cesarianas, curetagens), obesidade, uso de álcool, cigarro, drogas ou outros medicamentos, tromboembolismo, hipertensão, diabete.

> Anticoncepção: qual o tipo, se já usou anticoncepcional hormonal (idade de início, por quanto tempo), quais os métodos já tentados e se os utilizou corretamente, nível de adaptação e satisfação com o método corrente, conhecimento de outros métodos.

> Antecedentes familiares: história de câncer ginecológico (útero, ovário, endométrio) e câncer de mama (atenção à idade em que surgiu: pré ou pós-menopáusica), outras neoplasias (lembrar o câncer colorretal, pois requer realização mais precoce de testes de rastreamento, como toque retal, pesquisa de sangue oculto nas fezes, colonoscopia/ retossigmoidoscopia), diabete, hipertensão, tromboembolismo, patologias de tireoide, osteoporose ou fratura de ossos longos em idade avançada.

> História obstétrica: número de gestações, partos por via baixa, cesarianas, abortos (espontâneos ou provocados); anormalidades detectadas no acompanhamento pré-natal, particularidades dos partos (fórceps, indução, etc.), indicações das cesarianas, peso dos recém-nascidos, tempo de amamentação; anticoncepção no puerpério, intervalo interpartal, infecções puerperais, ameaça de abortamento, partos prematuros; gestações ectópicas e molares.

> Perfil psicossocial: condições de habitação, noções de higiene, nível socioeconômico e grau de instrução (também dos pais), situação familiar, animais em casa, hábitos de vida (exercícios atualmente e no passado, exposição ao sol, ingestão de laticínios – avaliação de risco de osteoporose).

Antecedentes gineco-obstétricos Para o ginecologista, este é um capítulo à parte, pois representa o centro da sua consulta, sendo necessário colher informações sobre os seguintes aspectos: > Menarca, início das relações sexuais, menopausa; desenvolvimento puberal (menarca, telarca, pubarca), acne e hirsutismo, bem como velocidade de crescimento e obesidade, em comparação às colegas da mesma idade. > Data da última menstruação (DUM), regularidade dos ciclos, número médio de dias (mínimo e máximo, quando ciclos irregulares), duração do mênstruo e quantidade de fluxo menstrual, sintomas perimenstruais (cólicas, sensação de inchaço, labilidade emocional, dor mamária, cefaleia, prurido ou secreção vaginal), ciclos anovulatórios, alterações no padrão menstrual, atrasos.

> Fluxos genitais: tipo de corrimento, se com ou sem odor, coloração, prurido. Já é oportuno orientar quanto à normalidade e às características da leucorreia fisiológica e do muco cervical. Devem ser investigados sintomas no parceiro, úlceras genitais, prurido vulvar e em monte púbico, adenomegalias inguinais e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) tratadas previamente. O uso de jeans apertado, roupa íntima de material sintético, sabão em pó (não neutro) na lavagem das roupas e desodorante íntimo estão frequentemente relacionados a queixas de prurido vulvar. > Vida sexual: atividade, satisfação, libido, orgasmo. Pesquisar anorgasmia, frigidez, dispareunia (profunda ou à penetração), posições menos dolorosas, vaginismo, sangramento pós-coital. Também se devem aferir os riscos de exposição a DSTs (uso de preservativo, número de parceiros sexuais). Esse é um assunto difícil de abordar na primeira consulta; muitas vezes tais questões afloram em encontros subsequentes, quando a confiança já foi conquistada. É aconselhável, no entanto, que se pergunte algo sobre essa área, para demonstrar interesse e possibilidade de discussão de assuntos desse foro. > Sintomas climatéricos: fogachos, atrofia urogenital (dispareunia, secura vaginal, perda de urina), perda de libido, alterações cutâneas. Devem ser avaliados fatores de risco para osteoporose, doenças cardiovasculares, presença

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de diabete ou de outras endocrinopatias e dislipidemia. Além disso, pesquisar uso de hormonioterapia, por quanto tempo, de que tipo (cíclica ou contínua, combinada ou monoterapia). É importante determinar o padrão menstrual na perimenopausa, pois alterações caracterizadas pelo aumento de fluxo (em quantidade de sangramento ou número de dias) geralmente exigem avaliação endometrial. > Queixas mamárias: nódulos palpáveis, mastalgia (e padrão – se perimenstrual ou não), derrame papilar (se espontâneo ou somente à expressão intencional, além de sua característica – sanguinolento, amarelado e espesso, água-de-rocha). Fumo, idade na primeira gravidez a termo e número de gestações, uso de anticoncepção hormonal, idade na menopausa e antecedentes familiares são fatores epidemiológicos importantes a serem investigados. > Queixas urinárias: incontinência urinária (de esforço, de urgência ou mista), sensação de prolapso genital (“peso” ou “bola” na vagina, dificuldade na evacuação), infecções respiratórias de repetição, hábito miccional. > Tratamentos ginecológicos prévios, como cirurgias, cauterizações de colo e vulva, himenotomia e uso de cremes vaginais. Importante questionar sobre o último exame citopatológico (CP) de colo e seu resultado. Ao final da anamnese, é importante deixar à paciente um espaço para que resolva algumas dúvidas persistentes, revelar motivos ocultos para a consulta com o ginecologista ou liberar ansiedades. Perguntas abertas são aconselháveis, como: “Alguma outra dúvida?”, “Alguma coisa a mais que você acha importante me dizer, mas que ainda não perguntei?” ou “e como vai a sua vida?”.

Exame físico O exame físico deve ser completo, como em qualquer avaliação clínica eletiva. Especial atenção deve-se prestar ao abdome (cicatrizes, ascite, irritação peritoneal), pressão arterial, peso, altura, impressão geral (estado geral, deambulação e postura, estado nutricional, autocuidado). Fazem parte da consulta ginecológica:

25

Exame de mamas Inicia-se com a paciente sentada, colo desnudo, braços ao longo do corpo (inspeção estática); em seguida, observam-se as mamas enquanto a paciente ergue os braços acima da cabeça, depois com as mãos na cintura e fazendo uma contratura contra esta (inspeção dinâmica). Essa parte do exame é relevante para se detectarem retrações e abaulamentos, simetria entre as mamas, tumorações evidentes, secreção papilar espontânea e anormalidades nos mamilos (Fig. 1.1). Nas pacientes com linfadenectomia axilar prévia, deve-se aferir o edema do membro superior ipsilateral, muitas vezes medindo o perímetro braquial para comparações subsequentes. Ainda com a paciente sentada, procede-se à palpação das cadeias de linfonodos mais propensas a serem atingidas por um tumor. Palpam-se as regiões supraclavicular e cervical e, então, a cadeia axilar bilateralmente, procurando deixar o braço da paciente relaxado, geralmente apoiando seu membro superior no ombro e braço do examinador. Prossegue-se com a palpação de cada mama. A paciente fica em decúbito dorsal, e o examinador deve ficar do lado da mama a ser examinada. O exame compreende dois momentos, ora com a mão espalmada e dedos juntos, realizando uma exploração completa da mama, ora com as polpas digitais para avaliar detalhes. Além de nódulos e massas, devem-se avaliar a presença de sinais inflamatórios, alterações na vascularização superficial e edema da pele da mama (peau d’orange). A expressão mamilar só é necessária quando há queixa de derrame papilar espontâneo. É realizada de maneira centrípeta, seguindo o movimento dos ponteiros de um relógio, para que se descubra o raio correspondente ao derrame, útil na abordagem cirúrgica, quando necessária. As figuras demonstrativas do exame clínico das mamas (Fig. 1.1) representam a mesma sequência do autoexame das mamas. Um trabalho publicado em 2008 mostra, em uma avaliação prospectiva de 728 mulheres com mais de 20 anos, que apenas 28% delas faziam o autoexame mensalmente. O autor propõe a denominação de “autoconhecimento das mamas”, para afastar a conotação de exame médico (Xavier et al., 2008). O autoconhecimento só é adquirido

26 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

A

B

C

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E

F

Figura 1.1 Exame físico de mamas: (A) inspeção estática; (B) inspeção dinâmica com braços erguidos, (C) com as mãos na cintura e (D) com a paciente curvada; (E) palpação de mamas; (F) sentido da palpação.

após a repetição mensal por 5 a 6 meses – depois desse período de treinamento, a mulher deve encontrar sempre os mesmos achados, e qualquer mudança (um nódulo ou um endurecimento local) precisa ser motivo de consulta. O período do exame, para mulheres na menacme, deve ser na semana seguinte à menstruação e, para mulheres na menopausa, todos os meses no mesmo dia (sugere-se o dia que corresponde ao seu nascimento). O exame deve iniciar já ao acordar (ao se espreguiçar); sabe-se que o banho é um bom momento, porém, a palpação ideal é na posição deitada. Muitas mulheres re-

latam que ficam ansiosas porque encontram nodulações (tecido fibroglandular, que é diferente para cada uma). Deve-se enfatizar que sempre serão encontradas as mesmas nodulações, e só a repetição vai deixar a mulher tranquila. No caso de aumento da nodularidade, endurecimento ou inchaço, é preciso que ela procure o seu médico e relate a mudança. Em abril de 2009, no X Encontro Anual dos Cirurgiões de Mama (San Diego, Califórnia), concluiu-se que o autoexame é tão acurado quanto a mamografia e a resso-

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nância nuclear magnética em mulheres de alto risco, sendo útil tanto para estas quanto para mulheres jovens (antes dos 40 anos). Nas discussões sobre a verdadeira relevância do autoexame em reduzir a mortalidade, chegou-se à conclusão de que há uma grande diferença entre encorajar as mulheres a ficarem familiarizadas com seu próprio corpo e estabelecer, por meio de programas públicos, uma forte recomendação para que realizem o autoexame. Importante lembrar – sem, obviamente, deixar de lado todos os outros exames fundamentais para o rastreamento do câncer de mama – que o autoexame de mamas pode levar ao tratamento precoce muitas mulheres acometidas (Mulcahy, 2009).

Exame pélvico: posicionamento Quando se passa ao exame pélvico, é importante o posicionamento correto da paciente. O ideal é a posição de litotomia em mesa ginecológica: decúbito dorsal, nádegas junto à borda da mesa de exame, com coxas e joelhos fletidos, descansando os pés ou a fossa poplítea nos estribos (perneiras). É importante que a paciente esteja despida e, de preferência, coberta com um avental de abertura posterior e um lençol para cobrir parcialmente o abdome e os membros inferiores. Além da posição descrita, pode-se utilizar a posição lateral ou lateral-oblíqua-esquerda ou posição de Sims, que permitem a realização do toque em uma gestante em trabalho de parto e a visualização da vulva, mas exigem maior manipulação. Quando não se dispõe de mesa ginecológica adequada, pode-se colocar a paciente em decúbito dorsal, deve-se solicitar que deixe os calcanhares próximos e que afaste bastante os joelhos.

Exame da vulva e do períneo Esse momento do exame é basicamente realizado somente com a inspeção. Observam-se a distribuição e as características dos pelos, o trofismo vulvar, as lacerações no períneo, a secreção exteriorizada, os condilomas e outras lesões cutâneas (erosões, ulcerações, discromias), a presença ou ausência de hímen, o tamanho dos pequenos lábios e o clitóris. Na região anal, procura-se por plicomas, hemorroidas, fissuras ou prolapsos. Quando há áreas suspeitas na vul-

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va, pode-se utilizar o teste de Collins (com azul de toluidina a 2%), que colore com mais força as áreas com maior replicação celular, marcando assim o local para biópsia. O vestíbulo e o introito vaginal devem ser avaliados também sob esforço (manobra de Valsalva), para verificar se ocorre descida da mucosa vaginal para próximo do vestíbulo, ou mesmo além dele (exteriorização). Com dois dedos introduzidos na entrada da vagina, solicita-se o esforço, e se observa que parte da vagina prolapsa: parede anterior (cistocele), uretra (uretrocele, ocorrendo retificação progressiva do seu ângulo), parede posterior (retocele) ou colo uterino/útero (prolapso uterino), ou mesmo a cúpula vaginal, nas histerectomizadas (elitrocele). Na presença de retocele, é importante realizar o toque retal e vaginal unidigital simultaneamente, para avaliar a presença ou não de alça intestinal entre o reto e a vagina (enterocele), e o quanto de tecido é interposto entre eles. Palpando-se o vestíbulo e solicitando que a paciente contraia o ânus, avalia-se quanta força exercem os músculos perineais e os elevadores do ânus; quando há rotura perineal ou diástase desses músculos, sente-se pressão mínima ou nula sobre os dedos, geralmente associada a uma menor quantidade de tecido entre a vagina e o reto.

Exame especular Introduz-se o espéculo bivalve na vagina em sentido longitudinal-oblíquo (para desviar da uretra), afastando os pequenos lábios e imprimindo delicadamente um trajeto direcionado posteriormente, ao mesmo tempo em que se gira o instrumento para o sentido transversal (Fig. 1.2). Sempre se deve avisar a paciente de que se está introduzindo o espéculo, preveni-la quanto ao desconforto e tranquilizá-la em relação à dor. É aconselhável tocar com a ponta do espéculo no vestíbulo antes de introduzi-lo, para a paciente sentir a temperatura e o material do instrumento. Não se deve utilizar lubrificante, pois confunde a avaliação de secreções. Após introduzido e aberto, procura-se individualizar o colo uterino e avaliar pregueamento e trofismo da mucosa vaginal, secreções, lesões da mucosa, septações vaginais, condilomas, pólipos, cistos de retenção e ectopia. Após a coleta de secreção vaginal para o exame a fresco,

28 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

A

B

C

Figura 1.2 Introdução do espéculo: (A) posição de introdução; (B) posição após totalmente introduzido; (C) direção da introdução do instrumento.

devem-se limpar as secreções que ficam à frente do colo (pode-se utilizar soro), e só depois proceder à aplicação de ácido acético (concentrações podem variar de 1 a 5%). Aguardam-se alguns minutos (2-4 min), e se realiza novamente a inspeção do colo uterino, à procura de lesões que foram realçadas pelo produto (mais brancas e brilhantes, ou leucoacéticas). Depois, aplica-se a solução de lugol para o teste de Schiller: se o colo se cora de forma uniforme, escura, o teste é considerado normal (“iodo positivo” ou “Schiller negativo”); se, ao contrário, há áreas que não se coram, o teste é considerado alterado (“iodo negativo” ou “Schiller positivo”).

Por vezes, quando se trata de mucosa vaginal atrófica, a coloração pode não ser uniforme, ou o colo adquire uma tonalidade mais fraca, até amarelada; nesse caso, o teste é normal, comumente designado como “iodo-claro”. Cabe ressaltar que somente a área de mucosa escamosa deve ficar corada. Não se espera, portanto, que as zonas com epitélio glandular (endocérvice, ectopia) fiquem coradas, bem como a zona de transformação epitelial, que pode adquirir coloração irregular. A análise da secreção vaginal é importante para o diagnóstico de vulvovaginites. Em nosso serviço, sempre se realiza o exame a fresco: coleta-se a secreção vaginal com a extremidade arredondada da espátula de Ayre e se espalha o material

Rotinas em Ginecologia

sobre duas gotas colocadas nas extremidades de uma lâmina previamente preparada – uma com KOH a 10% e outra com soro fisiológico. A lâmina, depois do teste do odor amínico (whiff test: cheira-se a lâmina para detectar odor semelhante a peixe, indicativo de vaginose bacteriana), é levada ao microscópio para análise. A outra extremidade da espátula de Ayre (em rabo-de-peixe) é utilizada para coleta de raspado cervical para CP de colo (ou exame preventivo do câncer de colo). A parte maior da espátula deve ser colocada no orifício cervical e depois girada em 360°, para coletar células de toda a circunferência da zona de transição. O objetivo é destacar células da junção escamocolunar (JEC), isto é, a área em que a mucosa escamosa e a glandular se encontram, pois essa é a sede da maioria das alterações celulares neoplásicas e pré-neoplásicas (Fig. 1.3).

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Hoje em dia, praticamente todos os profissionais empregam também a escova endocervical para coleta de CP, especialmente nos casos em que a JEC localiza-se internamente no canal cervical. O material, depois de colhido, deve ser imediatamente espalhado sobre a lâmina e fixado (em geral com álcool etílico a 95%), para posterior análise citopatológica. Há também escovas especiais fabricadas para realização de citologia em meio líquido ou para realização de exames especiais, como captura híbrida para papilomavírus humano ou clamídia. Nesse caso, a escova é introduzida quase que totalmente no canal cervical (apenas as cerdas mais proximais entram em contato com o orifício externo e a superfície do colo), devendo ser girada no mesmo sentido cerca de cinco vezes; após a retirada, sua ponta é colocada por inteiro em um frasco contendo o meio específico para análise. O Instituto Nacional de Câncer do Brasil (INCA) recomenda oferecer rastreamento organizado para mulheres de 25 a 60 anos por meio do CP

Junção escamocolunar

A

B Figura 1.3 Coleta de raspado do colo uterino para exame citopatológico (preventivo ou Papanicolau): (A) com espátula de Ayre; (B) com escova endocervical.

30 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

de colo. Mulheres com vida sexual ativa, independentemente da faixa etária, devem realizar o teste. Segundo o INCA, a periodicidade do rastreamento deve ser anual, podendo ocorrer a cada 3 anos após dois exames normais consecutivos com intervalo de 1 ano. Mulheres em grupos de risco (HIV-positivo ou imunodeprimidas) devem realizá-lo anualmente (Brasil, 2003).

Toque vaginal O toque é realizado após enluvar a mão, com um ou dois dedos lubrificados (médio e indicador), introduzidos no canal vaginal, tentando avançar no sentido posterior, com pressão uniforme para trás. Para introduzir o(s) dedo(s), afastam-se os grandes e os pequenos lábios com o polegar e o dedo mínimo. Às vezes, é necessário orientar a paciente a relaxar o assoalho pélvico, pedindo-lhe que faça um breve esforço para baixo ou tossindo, o que facilita a penetração. Os dedos devem explorar a musculatura pélvica, as paredes vaginais, a cérvice, o fundo-de-saco anterior e posterior. A outra mão é colocada sobre o baixo ventre, e as mãos são comprimidas deli-

cadamente uma contra a outra, com o objetivo de apreender o útero e explorar sua forma, o tamanho, o posicionamento, a consistência, a sensibilidade e a mobilidade (Fig. 1.4). A retroversão do útero pode prejudicar a avaliação, especialmente do tamanho. No exame bimanual, o ovário direito costuma ser palpável na mulher não obesa, e o ovário esquerdo é dificultado pelo cólon. Trompas e ligamentos redondos são palpáveis quase somente quando estão aumentados de volume, por inflamação ou infiltração. Procuram-se detectar também nódulos e tumorações no fundo-de-saco de Douglas, os quais podem significar endometriose e desencadear tenesmo ou dor quando tocados.

Toque retal Não costuma ser realizado de rotina, mas não se deve dispensá-lo quando existem sintomas intestinais, suspeita de endometriose profunda ou de neoplasia ou sangramento retal. Na avaliação de distopias pélvicas, também é importante, a

Útero Bexiga

Fundo-de-saco vaginal Figura 1.4 Exame vaginal bimanual (toque).

Reto

Rotinas em Ginecologia

fim de descartar enterocele, utilizando-se então o toque bimanual (uma mão examinando a vagina; a outra, o reto).

Métodos complementares A facilidade de acesso a alguns equipamentos especiais transformou em rotina, para muitos médicos, a realização de exames complementares já na primeira avaliação ginecológica. Um exemplo disso é a colposcopia, largamente difundida no Brasil, mas de alto custo em outros países. Embora um grande número de médicos utilize o colposcópio para avaliar o colo de todas as suas pacientes, as pesquisas científicas mostram uma boa acurácia para lesões cervicais histologicamente comprovadas quando se associa a inspeção com ácido acético e teste de Schiller a olho nu ao resultado do CP de colo. Para a inspeção a ácido acético, por exemplo, é descrita uma sensibilidade de 66 a 96%, e uma especificidade de 64 a 98% – semelhante ou até mesmo superior ao CP de colo (Gaffikin et al., 2003), correlacionando-se muito bem com a colposcopia (coeficiente de correlação de Spearman 0,61 a 0,74) (Arbyn et al., 2008; Chase et al., 2009). Assim, atualmente, a maioria dos guidelines e protocolos utilizados em pesquisas e o Ministério da Saúde indicam o exame colposcópico em caso de alterações ou dúvidas na inspeção (lesão leucoacética, teste de Schiller positivo) ou no CP de colo. Além da colposcopia, a ultrassonografia e a histeroscopia são métodos cada vez mais difundidos e utilizados no dia a dia do consultório ginecológico, para prosseguimento da investigação de várias queixas e sintomas ginecológicos (sangramento uterino anormal, dor pélvica, anovulação, amenorreia, etc.).

Situações especiais A consulta ginecológica pode fluir de forma diferente em cada paciente. É importante ter mentalmente organizado o roteiro de entrevista e exame, mas variações são necessárias de acordo com cada mulher que adentra o consultório do ginecologista. Algumas situações, no entanto, são previsíveis e merecem atenção. O exame da paciente virgem é mais difícil, pois a avaliação da pelve é prejudicada. O toque retal

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é indicado por alguns, mas pode ser dispensado quando for possível substituí-lo pela ultrassonografia. À paciente que nunca teve relações sexuais, é importante deixar claro, desde o início, que provavelmente não será realizado exame especular ou toque vaginal, para diminuir a ansiedade. A coleta de CP, quando indicada, pode ser feita com pipeta, swab ou com a ajuda de espéculo de virgem. Muitas vezes, não se conseguem posicionar corretamente na mesa ginecológica pacientes com anormalidades ortopédicas, sendo necessário o uso das posições alternativas antes apontadas. Pacientes com neoplasias ou com cirurgias recentes também podem ter dificuldades ou dor para deambulação e posicionamento, merecendo atenção especial. Há quem aconselhe, principalmente nos países onde os processos contra médicos são mais frequentes, que sempre se mantenha no consultório uma auxiliar do sexo feminino para acompanhar o exame ginecológico. Essa é uma conduta controversa e muitas vezes desconfortável para a paciente. No caso das pré-adolescentes e das crianças, no entanto, deve-se recomendar que um familiar da paciente (geralmente a mãe) acompanhe a consulta e o exame físico, para deixá-la mais segura e colaborativa.

Equipamentos para o exame ginecológico Além da mesa especial e do foco de luz, são necessários, para uma avaliação ginecológica de rotina completa, luvas descartáveis, espéculos bivalves de tamanhos 1, 2 (mais utilizados) e 3, pinça de Cheron, lâminas, lamínulas, álcool a 95%, lubrificante (vaselina), chumaços de algodão hidrófilo, gaze, ácido acético, solução de lugol para o teste de Schiller, azul de toluidina para o teste de Collins, soro, hidróxido de potássio, microscópio, espátulas de Ayre, escovas endocervicais, fixador, iodofor aquoso. Quando for necessário realizar biópsia de colo ou endométrio, será utilizado material adicional, como pinça de Pozzi, histerômetro, cureta de Novak ou sonda de nelaton (no 7 ou 8) para biópsia endometrial por aspiração, pinça de biópsia, tesoura longa delicada e cilindro de Baliu para

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biópsia de colo, cureta endometrial ou similar, cautério (eletro ou criocautério) ou alça de alta frequência. Aconselha-se também manter no consultório material para punção mamária com agulha fina: agulha 25⫻7 ou 25⫻8, seringa de 20 mL, gaze, esparadrapo e álcool iodado.

> Imunizações: http://www.immunize.org/ catg.d/p2011.pdf > Avaliação e tratamento da obesidade: http:// www.nhlbi.nih.gov/guidelines/obesity/ prctgd_c.pdf > Diretrizes para prevenção, detecção e tratamento da hipertensão: http://www.nhlbi.nih. gov/guidelines/hypertension/express.pdf

Considerações finais: promoção da saúde Como comentado no início do capítulo, o ginecologista muitas vezes é o único médico com quem a mulher consulta regularmente. Assim, é fundamental que sejam abordados aspectos da promoção de saúde: dieta e atividade física adequadas, prevenção de doenças cardiovasculares, cessação do fumo, controle da obesidade, imunizações, rastreamento de patologias prevalentes na família ou na região, etc. Apesar de fugirem ao escopo deste capítulo, segue a sugestão de alguns sites na Internet para consulta acerca dessas questões: > Recomendações de exercícios físicos: http:// www.cdc.gov/nccdphp/dnpa/physical/recommendations/index.htm

> Medidas antitabagismo: http://www.cancer. org/docroot/PED/content/PED_10_13X_Guide_for_Quitting_Smoking.asp > Rastreamento do câncer colorretal: http:// www.cancer.org/docroot/CRI/content/ CRI_2_4_3X_Can_colon_and_rectum_cancer_be_found_early.asp > Rastreamento, avaliação e tratamento do diabete: http://professional.diabetes.org/ CPR_search.aspx > Vários tópicos sobre vida saudável: http:// www.cdc.gov/HealthyLiving/ > Ratreamento de câncer de mama e câncer de colo uterino: http://ww2.inca.gov.br

REFERÊNCIAS ARBYN, M. et al. Pooled analysis of the accuracy of five cervical screening tests assessed in eleven studies in Africa and India. Int. J. Cancer, v. 123, n. 1, p. 153-160, 2008. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Prevenção do câncer do colo do útero: normas e recomendações do INCA. Rev. Bras. Cancerol., v. 49, n. 4, p. 205-206, 2003.

CHASE, D. M. et al. Colposcopy to evaluate abnormal cervical cytology in 2008. Am. J. Obstet. Gynecol., v. 200, n. 5, p. 472-480, 2009. GAFFIKIN, L. et al. Performance of visual inspeciton with acetic acid for câncer screening: a qualitative summary of evidence to date. Obstet. Gynecol. Surv., v. 58, n. 8, p. 543-550, 2003.

MULCAHY, N. ASBS 2009: breast self-exam as aaurate as mammography, MRI in high-risk women. [S.l.]: Medscape Medical News, 2009. Disponível em: . Acesso em: 08 set. 2009. XAVIER, N. L. et al. Auto-exame de mamas e fatores associados em uma população atendida pelo Programa Saúde da Família. Rev. Bras. Mastol., v. 18, n. 3, p. 89-93, 2008.

LEITURAS SUGERIDAS BRUBAKER, L. Initial assessment: the history in women with pelvic floor problems. Clin. Obstet. Gynecol., v. 41, n. 3, p. 657-662, 1998.

DEXEUS, S.; CARARACH, M.; DEXEUS, D. The role of colpopscopy in modern gynecology. Eur. J. Gynaecol. Oncol., v. 23, n. 4, p. 269-277, 2002.

HALBE, H. W. As pacientes. In: ______. Tratado de ginecologia: I. São Paulo: Rocca, 1993.

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JONES JR., H. W.; JONES, G. S. Novak: tratado de ginecologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983. MACKAY, E. V. et al. A consulta ginecológica. In: ______. Tratado de ginecologia. Rio de Janeiro: Interamericana, 1985. MATOS, J. Estudo comparativo entre métodos de rastreamento para diagnóstico das lesões precursoras e do câncer de colo do útero: exame citopatológico, captura híbrida e inspeção

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SARMENTO, R. A relação médico-paciente: ponto de vista psicológico. In:

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em relação à consulta ginecológica, considere as seguintes afirmações: I. Quando se instila lugol no colo uterino, o teste de Schiller é considerado negativo se há áreas de epitélio escamoso não coradas. II. Após dois exames citopatológicos consecutivos negativos com intervalo de um ano, o Instituto Nacional de Câncer do Brasil (INCA) recomenda repetir a coleta a cada 3 anos em populações de baixo risco. III. A colposcopia é indicada como exame de rastreamento pelo Ministério da Saúde, devendo ser realizada anualmente na consulta ginecológica de rotina. Está(ão) correta(s): a. Apenas I. b. Apenas II. c. Apenas III. d. II e III. e. I, II e III.

2. É incorreto afirmar que: a. Uma vez que o ginecologista muitas vezes é o “clínico da mulher”, também é de sua competência a avaliação global e a promoção da saúde da paciente, não se devendo ater somente aos aspectos ginecológicos propriamente ditos. b. Mesmo na ausência de mesa ginecológica específica, é possível realizar o exame pélvico satisfatóriamente, deixando a paciente em decúbito dorsal e solicitando que deixe os calcanhares próximos, ao mesmo tempo em que afasta os joelhos. c. A liberação de odor amínico (semelhante a peixe) ao se misturar a secreção vaginal com hidróxido de potássio a 10% é indicativa de vaginose bacteriana. d. O autoexame de mamas, quando bem realizado substitui a mamografia como teste de rastreamento. e. Para a coleta de citopatológico de colo, a utilização de escova endocervical pode ser de grande importância, especialmente nos casos de junção escamocolunar não visível à inspeções.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Pré e Pós-Operatório em Cirurgia Ginecológica Heleusa Ione Mônego Nara Niederauer João Paolo Bilibio Ricardo dos Reis Waldemar Augusto Rivoire

As atitudes da paciente frente a um procedimento cirúrgico são muito variadas e, às vezes, difíceis de explicar, mesmo quando esses procedimentos são considerados de pequeno porte pelo cirurgião. Antes de qualquer procedimento cirúrgico, o cirurgião deveria ter certeza de que os benefícios são maiores do que os riscos que a paciente irá correr. A cirurgia em aparelho reprodutor requer uma discussão particularmente cuidadosa com a paciente. Dúvidas sobre a capacidade reprodutora ou a continuação da função sexual podem ser supervalorizadas na mente da paciente. Nesse momento, o ginecologista não pode prometer sucesso na preservação ou restauração da fertilidade, visto que a doença primária pode tornar impossível esse reparo ou, contrariamente, não ser possível a preservação dos órgãos reprodutores, especialmente nas cirurgias oncológicas e, principalmente, em pacientes jovens (Monego, 2001). No entanto, a paciente deverá ter assegurado que seus desejos serão respeitados, desde que não entrem em conflito com as necessidades médicas de tratamento, com as quais ela deverá estar de pleno acordo. A seleção cuidadosa do procedimento apropriado para a correta indicação, isto é, salvar a vida, aliviar o sofrimento ou corrigir deformidades, é mandatória.

É fundamental que a paciente e seus familiares sejam esclarecidos inteiramente, uma vez que eles próprios reconhecerão as suas expectativas e as limitações do procedimento proposto. Além disso, com o aumento da média de idade da população feminina, mais pacientes com problemas clínicos se apresentarão para cirurgia. O procedimento cirúrgico poderá exacerbar esses problemas clínicos e resultar em um aumento de risco para complicações anestésicas e maus resultados cirúrgicos. É fundamental esclarecer a paciente e seus familiares sobre o alcance da cirurgia e sobre seus potenciais riscos.

Cuidados pré-operatórios Esse período abrange as 24 a 48 horas que antecedem a cirurgia, tempo mínimo necessário para a adaptação física e psicológica da paciente ao ambiente hospitalar. O período pode, entretanto, sofrer variações individuais, dependendo do estado de saúde da doente, do tipo de cirurgia e das necessidades de preparo pré-operatório. Geralmente, as cirurgias oncológicas radicais necessitam de um maior preparo, tanto orgânico como psicológico, e essas também são as pacientes que se apresentam em pior esta-

Rotinas em Ginecologia

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do nutricional e imunológico, necessitando de maiores cuidados prévios.

vias e história familiar (complicações, alergias, doenças genéticas).

O cirurgião é responsável principalmente por três itens:

A paciente deverá estar no seu melhor condicionamento físico e psicológico para o completo êxito da intervenção proposta. Diminuir ao máximo os riscos anestésico-cirúrgicos e proporcionar maior segurança, tanto para a paciente quanto para a equipe, é o objetivo do trabalho do anestesiologista.

> Avaliação pré-operatória: inclui o diagnóstico, o procedimento proposto e o esclarecimento adequado da paciente sobre os riscos e os tratamentos alternativos disponíveis. > Consentimento: os consentimentos informados deverão ser colhidos preferencialmente no ambulatório. Isso evita retardo e confusões no período pré-operatório. > Exames: todos os exames laboratoriais e de imagem, solicitações de acompanhamentos, instruções e aconselhamentos pré-operatórios deverão ser padronizados. A avaliação pré-operatória inclui, na admissão hospitalar, uma anamnese bem feita, exame físico detalhado, exames laboratoriais, visita do anestesiologista e, eventualmente, de outros profissionais solicitados. Essa avaliação tem o objetivo de identificar fatores que possam interferir no procedimento cirúrgico ou convalescença.

Avaliação anestésica Toda paciente que será submetida a um procedimento cirúrgico deverá ser previamente avaliada pelo médico anestesiologista, profissional responsável pelo ato anestésico (Roizen, 1995). A avaliação será feita em consultório médico, semanas ou dias antes, na sala de preparo ou na véspera da cirurgia, o que é mais usual. No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), existe um Serviço de Avaliação Médica Perioperatória, que inclui a avaliação, antes da cirurgia e em ambulatório de pré-anestesia (APA), dos pacientes com alguma intercorrência clínica ou problema que necessite de avaliação prévia para que se decida a respeito de técnicas anestésicas, bem como para esclarecimento sobre os cuidados pós-anestésicos (CPA). A paciente é encaminhada para avaliação pré-anestésica, seguindo critérios estabelecidos no protocolo de avaliação pré-operatória do Hospital. No APA, é realizada uma entrevista, com relato de experiências pré-

O APA avalia o paciente e institui tratamentos e cuidados (fisioterapia respiratória, medicação anti-hipertensiva) visando a otimizar e adequar o quadro clínico ao procedimento proposto. A técnica anestésica e analgesia pós-operatória podem ser sugeridas e oferecidas à paciente, a qual deverá decidir a respeito da aceitação ou não do que lhe foi proposto. Nas intervenções de grande porte, em que é usada a técnica anestésica combinada (anestesia condutiva ⫹ anestesia geral), além da menor necessidade de agentes anestésicos e adjuvantes no transoperatório, também há necessidade de menos analgesia pós-operatória, com consequente saída mais precoce do leito (Arenson-Pandikow; Mantovani, 1999). No momento da avaliação pelo APA e de acordo com as condições físicas e clínicas, a paciente será enquadrada na classificação ASA (American Society Anesthesiology). O risco anestésico é estimado pelo estado físico associado ao tipo de cirurgia (Roizen, 1995). ASA I: paciente hígida. ASA II: paciente com doença sistêmica leve ou moderada sem limitação funcional (p. ex., tabagismo ou hipertensão leve). ASA III: paciente com doença sistêmica grave, com limitação funcional, mas não incapacitante (doença broncopulmonar obstrutiva crônica – DBPOC – grave, porém compensada). ASA IV: paciente com doença sistêmica grave incapacitante (p. ex., infarto agudo do miocárdio, insuficiência respiratória descompensada). ASA V: paciente moribunda, sem esperança de vida por mais de 24 horas, com ou sem cirurgia (aneurisma roto de aorta).

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ASA VI: paciente com morte cerebral, doadora de órgãos. Essa classificação permite avaliar o grau de risco a que a paciente será submetida e, a partir disso, planejar a técnica anestésica e o monitoramento necessário a cada paciente. Todas essas medidas visam a reduzir a morbimortalidade perioperatória (White, 1991).

Anamnese O tempo despendido em uma história detalhada permite ao cirurgião avaliar as expectativas e os medos da paciente em relação ao procedimento cirúrgico; e, além de aliviar sua ansiedade, é considerado tão valioso quanto aquele despendido na sala cirúrgica. A história ginecológica deverá incluir perfil menstrual detalhado, data da última menstruação (DUM), doenças ginecológicas e/ou procedimentos prévios e resultados de biópsias ou exames citológicos anteriores. As medicações hormonais poderão ser suspensas antes da cirurgia, devido ao risco de tromboembolismo. A anamnese obstétrica deverá incluir número de gestações, paridade e via de parto, data da última gestação e possíveis complicações. No passado cirúrgico da paciente, deverão ser listadas todas as cirurgias prévias e possíveis complicações pós-operatórias anteriores. Devem-se anotar sensibilidade a drogas, transfusões sanguíneas anteriores e tendência a sangramentos excessivos. A medicação de uso crônico deverá ser mantida até a véspera da cirurgia, e medicamentos específicos deverão ter suas doses e vias de administração alteradas conforme indicação clínica. Os betabloqueadores e a clonidina não devem ser suspensos pela possibilidade de síndrome de retirada. Os antiagregantes plaquetários e o ácido acetilsalicílico (AAS) precisam ser suspensos de 7 a 10 dias antes de cirurgia eletiva, exceto em vigência de síndrome coronariana aguda ou acidente isquêmico transitório recente. A história médica passada consiste em uma revisão dos sintomas referentes à cabeça, aos olhos, aos ouvidos, à boca, aos linfonodos, bem como aos aparelhos cardiovascular, gastrintestinal (hábito intestinal), pulmonar (tabagismo), urinário e neuroendócrino.

Exame físico O exame físico, que deverá ser feito na sequência da história, tem por objetivo detectar e avaliar o estado de saúde e nutricional, as condições da rede venosa e a hidratação da paciente no pré-operatório. Uma atenção especial deverá ser dada ao exame vaginal e retal. Todos os detalhes importantes do exame físico deverão ser anotados na ficha de admissão da paciente. A lista de problemas deverá ser cuidadosamente preenchida.

Exames laboratoriais As pacientes com cirurgias de pequeno porte e idade menor que 50 anos, sem fatores de risco ou outros sintomas relacionados à cirurgia, não necessitam de exames subsidiários, exceto, talvez, teste de gestação (Protocolo APA/HCPA). Nas pacientes maiores de 50 anos e que serão submetidas a cirurgias de médio a grande porte, devem ser incluídos hemograma, tipagem sanguínea, glicemia de jejum, medida da função renal (ureia, creatinina), eletrocardiograma (ECG), raio X de tórax, exame comum de urina e urocultura com teste, uma vez que a maioria das pacientes será submetida à manipulação vesical, por meio de sondagem de demora. Em pacientes em idade reprodutiva com irregularidade menstrual e/ou sem anticoncepção, um teste para gestação deverá ser incluído (Monahan, 1999). Todos os exames solicitados previamente para elucidação diagnóstica (ecografia, raio X, enema opaco, resultados de biópsias [AP], mamografias) deverão acompanhar a paciente no momento de sua internação hospitalar. Se a paciente concordar ou solicitar, poderão ser sugeridos exames imunológicos para Aids. Cabe ao médico o dever de solicitá-los, se houver suspeita clínica.

Consultorias médicas Para pacientes com doenças que possam interferir no tratamento, deverão ser solicitadas avaliações e orientações médicas específicas. O anestesiologista, como membro da equipe médica, tem o dever de contraindicar a realização de ato anestésico ou da cirurgia, se não

Rotinas em Ginecologia

houver condições técnicas que garantam o transcurso do procedimento, dentro do padrão mínimo de segurança.

Acompanhamento pré-operatório Na maioria das instituições, o corpo de enfermagem responsável pela paciente a informará sobre a rotina do hospital, os horários de visitas, os cuidados aos quais ela será submetida e o funcionamento geral da instituição. A paciente e/ou familiares deverão ser esclarecidos a respeito do tratamento proposto, seus riscos e prováveis resultados. O consentimento para o tratamento, assim como para eventualidades que possam ocorrer durante o ato cirúrgico, deverá ser assegurado previamente. É importante ter sempre em mente o respeito pela vontade da paciente, mesmo em casos de negativas, sabendo reconhecer muitas vezes nossa onipotência.

Cuidados gerais Os cuidados gerais pré-operatórios têm como finalidade precípua contribuir para o conforto da paciente e a segurança da cirurgia. Compreendem os seguintes itens: Interrupção do fumo As pacientes deverão ser estimuladas a interromper o hábito de fumar (pelo menos 8 semanas, previamente), uma vez que isso ameniza a irritação da árvore respiratória e diminui as secreções brônquicas, especialmente nas pacientes asmáticas ou com doença broncopulmonar obstrutiva crônica, além de melhorar a cicatrização (Averette; Janicek, 1997). Também é nesse momento que se deve mostrar às pacientes quão importantes são os exercícios inspiratórios profundos e a tosse provocada, iniciados no pós-operatório imediato. O ideal é suspender o ato de fumar por 8 semanas ou mais, antes da cirurgia. História de corticoterapia O uso de corticosteroide no último ano pode aumentar o risco de insuficiência suprarrenal e cicatrização da ferida operatória. Qualquer paciente com mais de 20 mg/dia de prednisona (ou seu equivalente) por 1 semana ou 7,5 mg/dia por um

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período maior do que 3 semanas nos últimos 9 meses pode necessitar de doses adicionais para a cirurgia. As novas recomendações para reposição estão baseadas no grau de estresse cirúrgico. A limitação das doses, baseada no tipo e na duração do estresse, é importante para evitar complicações devido ao uso de esteroides, como úlcera gástrica e infecção. Isso é particularmente verdadeiro em pacientes que relatam uso de corticosteroide por mais de 6 meses. Tais pacientes são de alto risco para infecção e têm dificuldades de cicatrização da parede. Exercícios com os membros inferiores A paciente deverá ser orientada a realizar exercícios de extensão e flexão dos membros inferiores, quando em repouso no leito, e a estimular a deambulação o mais precocemente possível. Dieta A paciente não deverá receber alimentação por via oral por um período mínimo de 8 horas antes da cirurgia. Atualmente é permitido jejum de 6 horas para líquidos claros (água e chá). Essas orientações, em geral, são determinadas pelo anestesiologista durante a visita pré-anestésica. Medicações O ambiente hospitalar e a apreensão pelo momento cirúrgico propriamente dito são causas de intranquilidade que tendem a se acentuar no período noturno. A medicação pré-anestésica mais utilizada em nosso meio consiste em benzodiazepínicos, à noite, e 1 hora antes da cirurgia. A dose deve ser adequada à idade e ao estado físico e psicológico da paciente, ressaltando-se que a relação médico-paciente adequada diminui a ansiedade e a necessidade de prescrição de drogas pré-anestésicas. A medicação de uso crônico deverá ser mantida até a véspera da cirurgia, e medicamentos específicos deverão ter suas doses e vias de administração alteradas conforme indicação clínica. Os betabloqueadores e a clonidina não deverão ser suspensos, uma vez que há possibilidade de síndrome de retirada. As drogas antiarrítmicas deverão ser mantidas, com exceção da quinidina. Os inibidores da monoamino-oxidase (IMAO) podem ser mantidos, desde que sejam evitados os agentes simpaticomiméticos de ação indireta

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(efedrina) e opioides; ou optar pela substituição, 2 semanas antes, por IMAO antagonista reversível (moclobemida), que deve ser suspenso na véspera da cirurgia. Os antidepressivos tricíclicos são potencialmente arritmogênicos mesmo em níveis terapêuticos, devendo ser suspensos 1 semana antes. O uso de AAS deve ser suspenso 7 a 10 dias antes da cirurgia eletiva, caso a situação clínica permita. Nas pacientes diabéticas não usuárias de insulina, deve-se suspender a medicação no dia anterior, hemoglicoteste 4/4 h com insulina regular suplementar, se necessário soro glicosado a 5% 100 mL/h enquanto em NPO, conforme hemoglicoteste hemoglicoteste. O ideal é que a glicemia capilar hemoglicoteste seja mantida entre 100 e 250 mg/dL, no transoperatório, apesar de não haver comprovação de que níveis superiores aumentem o risco de infecção. Na avaliação hematológica perioperatória, devem-se identificar a presença de anemia, o tipo (falciforme, autoimune) e a necessidade de transfusão. A transfusão deve considerar hemoglobina, risco de sangramento perioperatório, tipo de cirurgia, doença cardíaca ou pulmonar associada e uso de medicamentos. O mais importante é a história direcionada para eventuais sangramentos espontâneos (gengivas, extrações dentárias, cirurgias prévias, presença de equimoses, petéquias). A avaliação laboratorial de tempo de protrombina (TP), plaquetas, tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) e tempo de sangramento deverá ser solicitada, para aquelas mulheres com história de sangramento anormal, ou quando os dados são incompletos. Os anticoagulantes orais deverão ser suspensos 5 dias antes da cirurgia e deve-se ter um controle rigoroso da International Normalized Ratio (INR) e do TP em valores de 1,5 e 50%, respectivamente, para autorizar o procedimento. A decisão sobre manter a anticoagulação com heparina até algumas horas antes da cirurgia ou apenas suspender o anticoagulante oral deve levar em conta o risco de trombose versus o risco de sangramento, o que depende da patologia para a qual a paciente está sendo tratada e do tipo de cirurgia. A anticoagulação com heparina não deve ser reiniciada após até 12 horas do tér-

mino da cirurgia, podendo inclusive ser postergada por um período maior se houver indício de sangramento no local da cirurgia. A profilaxia da úlcera de estresse deverá ser realizada pela administração de ranitidina/omeprazol durante o preparo pré-operatório, mantendo-se nas prescrições seguintes à cirurgia (Pearson, 1987). Período menstrual Segundo alguns autores, as mulheres em período menstrual não deveriam ser submetidas a procedimentos cirúrgicos, especialmente nos órgãos pélvicos, em virtude de maior congestão nessa área. Sabe-se que, durante a menstruação, há uma tendência maior ao sangramento devido ao aumento da atividade fibrinolítica. Essa decisão ficará a cargo do médico assistente e da paciente. Rede venosa As condições da rede venosa periférica deverão ser cuidadosamente inspecionadas a fim de garantir um acesso venoso seguro. Nas pacientes que serão submetidas a cirurgias extensas, é fundamental garantir um acesso venoso central para reposição e, se necessário, com instalação de equipo de mensuração da pressão venosa central (PVC). Transfusão de sangue As provas cruzadas e a tipagem sanguínea deverão ser realizadas pelo banco de sangue, sempre que houver necessidade de reserva de sangue. Devido aos problemas decorrentes do risco de transmissão de doenças (Aids, hepatite, doença de Chagas), a autotransfusão deverá ser considerada. Cirurgias ambulatoriais A paciente deverá ser informada durante a consulta ambulatorial dos procedimentos que deverão ser realizados em casa, se necessário (enemas), assim como a ingestão de medicações, o tempo de jejum, os documentos a serem levados ao hospital, e a necessidade de um acompanhante. Preparo da pele e tricotomia A pele possui um pH de aproximadamente 5,5, compatível com a vida dos germes patogênicos.

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O preparo da pele, incluindo um banho com sabão antisséptico antes da cirurgia, é suficiente para diminuir a população bacteriana existente (Pruinelli, 1985). É mandatória a lavagem do campo operatório antes da cirurgia, com soluções contendo iodo tintura, por um período de 3 a 5 minutos (ativo contra 90% das bactérias). A solução de lugol-iodo a 5% é eficaz para desinfecção de mucosas. O hexaclorofeno também pode ser utilizado. A tricotomia aumenta a taxa de infecções de parede, especialmente se realizada com lâmina, devido às lesões provocadas no tegumento cutâneo, propiciando a invasão de bactérias já presentes. O momento da realização também é um importante fator que contribui para a contaminação. Com o objetivo de diminuir tais fatores de risco, as tricotomias devem ser realizadas momentos antes da cirurgia (no máximo, 2 h). Preparo da bexiga e da vagina Em cirurgias pequenas, a paciente pode somente proceder ao esvaziamento da bexiga antes de ir ao bloco cirúrgico. No entanto, para procedimentos de maior porte, o cateterismo vesical de demora deve ser realizado previamente na sala cirúrgica. No mesmo momento, é realizada a higiene da cavidade vaginal com iodofor aquoso, na tentativa de diminuir a população bacteriana vaginal. A sonda vesical de demora que utilizamos é a Foley no 16-18. Eventualmente utilizamos cateteres suprapúbicos, para esvaziamento vesical de demora, também em sistema coletor fechado. Preparo do trato gastrintestinal (esvaziamento intestinal e preparo mecânico) Nas pacientes cirúrgicas, devido à permanência obrigatória no leito no pós-operatório e ao desconforto e inconveniência do esforço à defecação, o esvaziamento intestinal prévio pode ser realizado, especialmente em cirurgias pelvicoperineais. Entretanto, alguns profissionais não acham esse procedimento necessário. Temos como rotina realizar a limpeza mecânica ou enteróclise com 1.000 mL de soro fisiológico (SF), ao qual se associam soluções oleosas não absorvíveis (vaselina líquida ou glicerina – 100 mL), com a finalidade de exercer ação detergente ou

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lubrificante. Geralmente essas preparações já vêm prontas comercialmente (enema glicerinado a 10%, fleet-enema). Nas cirurgias em que existe a possibilidade de comprometimento ou dano ao intestino, pode ser realizado um preparo mais amplo deste e o uso de antibióticos, com o objetivo de diminuir a população da flora intestinal. Esse preparo é um assunto de discussão entre os proctologistas, e a conduta varia de acordo com os diversos serviços. Na literatura, são descritas diferentes formas de limpeza mecânica rápida. No Setor de Oncologia Genital – SGO/HCPA, são utilizadas preparações com 300 a 600 mL de solução de manitol a 20%, acrescidas de mais 300 a 600 mL de algum tipo de suco, totalizando 600 a 1.200 mL de líquidos a serem administrados por via oral (VO) em 1 hora. Esse preparo deverá ser iniciado, no mínimo, com 24 horas de antecedência em relação à cirurgia. O seu efeito é uma diarreia aguda, aquosa, com grande expoliação eletrolítica para a paciente, não devendo, portanto, ser prescrito a pacientes com mau estado geral, idosas, com cardiopatias ou nefropatias. A paciente deverá receber soro glicosado a 5% acrescido de KCl a 20% (10 mL) em gotejo rápido, com o objetivo de repor perdas agudas, especialmente de potássio. Uma dosagem sérica de potássio deverá ser solicitada previamente à cirurgia. Uma alternativa ao esquema proposto seria a utilização de solução de manitol a 20% (500 mL) com suco de laranja, iniciada em casa, pela manhã, na véspera da cirurgia. Se necessário, a limpeza é complementada com enema com SF (1.000 mL) no hospital, na véspera da cirurgia. Anticoagulação profilática A trombose venosa profunda (TVP) das veias pélvicas e dos membros inferiores é um problema frequente e potencialmente fatal em pacientes ginecológicas. Os fatores de risco incluem idade superior a 40 anos, doenças malignas (fator independente), história familiar ou pessoal de trombose ou hipercoagulabilidade, obesidade, radioterapia prévia, imobilidade por mais de 6 dias, infecção pélvica e uso de contraceptivos orais. As mulheres submetidas à cirurgia ginecológica podem apresentar algum ou todos esses fatores de risco, e a identificação das que apre-

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sentam alto risco é importante para que medidas profiláticas sejam adotadas. A prevenção do tromboembolismo inclui várias estratégias que reduzem a estase venosa, a lesão endotelial e os estados de hipercoagulabilidade. Tradicionalmente, deambulação precoce, elevação das extremidades inferiores, exercícios de membros inferiores e heparina subcutânea (SC) são medidas preventivas simples e de baixo custo (Maden; Porter, 1999). A heparina provoca um efeito inibitório sobre a formação de trombina e, dessa forma, previne a conversão de fibrinogênio em fibrina, resultando disso um prolongamento do TTPa, que pode ser usado na monitoração terapêutica de pacientes anticoaguladas. A meia-vida varia de acordo com a sua preparação, mas é de aproximadamente 1 hora, quando administrada intravenosamente (IV), e de cerca de 3 horas, quando por via SC. Recentemente, a introdução no mercado de heparina de baixo peso molecular tem proporcionado uma nova opção de profilaxia da TVP. Em contraste com a heparina tradicional, a de baixo peso tem seu efeito antitrombótico por meio da inibição do fator Xa, agindo minimamente contra a formação de trombina, não afetando portanto o TTPa. A meia-vida é de 4 horas, se administrada IV ou SC e, devido a isso, tem a vantagem de possibilitar intervalos maiores entre as doses. Mais recentemente, estudos clínicos têm comparado a heparina de baixo peso em dose única diária (enoxaparina, nadroparina) com as tradicionais minidoses de heparina (Bergquist, 1983), não havendo diferenças estatisticamente significativas nos níveis de trombose e complicações por sangramentos. Entre os efeitos adversos, o sangramento é muito mais comum com anticoagulação plena do que com doses tromboprofiláticas. O uso da heparina de baixo peso para profilaxia está, teoricamente, associado a mais complicações sanguíneas devido à sua meia-vida mais longa e à maior biodisponibilidade. Entretanto, estudos demonstraram que, quando ocorreram esses problemas, as doses utilizadas foram maiores do que as consideradas terapêuticas. Uma outra complicação associada ao uso da heparina é a trombocitopenia.

Nas pacientes que farão profilaxia da TVP com heparina, solicita-se um TTPa prévio e, 2 horas antes da cirurgia, inicia-se o processo com heparina nas doses de 5.000 UI SC, 8/8 h, ou 10.000 UI SC, 12/12 h, em pacientes acima de 60 kg (Mismetti et al., 2000). A heparina de baixo peso aprovada pelo Food and Drug Administration (FDA) é a enoxiparina, na profilaxia, na dose de 40 mg SC, por dia ou 30 mg SC, a cada 12 horas. A deambulação precoce e o uso de meias elásticas de compressão graduada deverão ser estimulados. Cirurgia pélvica sempre pressupõe anticoagulação subclínica, especialmente em pacientes com doença maligna submetidas a cirurgias radicais.

Antibioticoterapia profilática O uso de antibióticos para prevenir infecções é um assunto polêmico e amplamente debatido em todas as especialidades cirúrgicas. Por antibioticoterapia profilática entende-se aquela que é administrada por um curto período de tempo para prevenção de infecção durante um procedimento cirúrgico. Nem todo procedimento cirúrgico requer antibiótico profilático, uma vez que o risco de infecção depende do tipo de cirurgia realizada, do tempo de duração e do local. Os procedimentos considerados limpos formam o maior grupo de casos cirúrgicos nos hospitais e não exigem antibiótico, a não ser em situações bem individualizadas. É nos procedimentos potencialmente contaminados que o uso de antibiótico está mais difundido, estando nesse grupo a maioria das cirurgias ginecológicas. Nos procedimentos contaminados, o uso de antibiótico é mais terapêutico do que profilático. Em ginecologia, desde a década de 1960 (Faro, 1989), tem havido uma mudança de opinião: o uso de antibiótico sistêmico profilático parece bem estabelecido, baseado especialmente nos trabalhos de Burke, que considera os antibióticos como agentes profiláticos, seletivos, se administrados antes da cirurgia. O uso de antibioticoterapia profilática tem sido dirigido à prevenção de infecção pós-histerectomia, com base em diversos estudos realizados,

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considerando o uso de antibiótico em histerectomias abdominais versus vaginais, especialmente em mulheres pré-menopáusicas. Os resultados demonstraram uma redução significativa na morbidade infecciosa pós-operatória, em especial nas cirurgias vaginais (Mottin, 1996). Numerosos estudos foram também realizados com o objetivo de comparar doses e espectro de antibiótico. As doses únicas não diferem, estatisticamente, das múltiplas, se aplicadas previamente à cirurgia. Os estudos propedêuticos ainda não são conclusivos a respeito de que novos antimicrobianos de amplo espectro sejam mais efetivos do que as cefalosporinas de primeira geração, amplamente testadas e com excelentes resultados. Entretanto, deve-se ter em mente que o uso de antibiótico profilático visa apenas ao sítio cirúrgico e não previne complicações infecciosas pulmonares e urinárias. Além disso, diversos fatores influem na morbidade infecciosa pós-operatória, especialmente em cirurgias abdominais: tempo cirúrgico, trauma tecidual, obesidade, condições mórbidas associadas, perda sanguínea e estado nutricional. Sempre que se indica antibiótico profilático, deve-se ter conhecimento de algumas regras básicas fundamentais em profilaxia: > Existência ou não de um meio para o desenvolvimento da infecção no local operatório, tanto em relação à frequência e severidade como à alteração dos resultados desejados causados por uma eventual infecção. Essa é a questão mais importante a ser respondida no momento da decisão a respeito da profilaxia antimicrobiana. > Associação da cirurgia em questão à contaminação endógena. > Seleção do antimicrobiano profilático baseada na eficácia contra os patógenos mais comuns para o sítio cirúrgico. > Uso de um agente seguro, com baixa toxicidade sistêmica. Os benefícios deverão ser superiores aos riscos. > Administração da dose inicial por via IV de acordo com a meia-vida e o pico de ação da medicação, tal que a concentração bactericida da droga esteja estabelecida em níveis séricos e teciduais no momento da incisão.

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> Manutenção de níveis terapêuticos séricos e teciduais da droga durante a cirurgia e até poucas horas depois de fechada a incisão, na sala cirúrgica. Como procedimentos potencialmente contaminados, as cirurgias ginecológicas de médio e grande porte exigem antibioticoterapia profilática. Indicações de antibioticoterapia profilática em ginecologia > Cirurgias para infertilidade. > Pacientes portadoras de próteses cardíacas/ valvulares. > Pacientes demasiadamente obesas submetidas à abertura de cavidade peritoneal. > Cirurgias radicais. > Histerectomia vaginal em pacientes pós-menopáusicas (em função da alteração da flora vaginal nessa faixa etária). > Histerectomia pós-conização: se a cirurgia for realizada antes das 3 semanas pós-cone, devido à contaminação com os ligamentos cardinais. > Cirurgias abdominais nas quais o tempo previsto de cavidade abdominal aberta ultrapasse 3 horas. Esquema de antibioticoterapia profilática proposto Os antibióticos usados para controle de infecções sistêmicas não deveriam ser empregados na profilaxia. É preciso averiguar bem o tipo de flora existente no local e as possibilidades de extensão cirúrgica a órgãos vizinhos, especialmente cólon sigmoide e reto (cirurgias radicais e endometriose). A flora do trato genital é polimicrobiana, constituída de bacilos aeróbicos Gram-positivos e Gram-negativos e bacilos anaeróbios Gram-positivos e Gram-negativos, em especial o Bacteroides fragilis, enterococo, estreptococos do grupo B (Hemsell, 1989). Portanto, a maioria dos patógenos são conhecidos, e a atividade antimicrobiana deverá ser suficiente para coibir parcialmente esses patógenos.

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Os antimicrobianos para profilaxia são selecionados com base no seu espectro de ação, levando em consideração toxicidade, efeitos colaterais, meia-vida farmacológica e custos. As cefalosporinas têm sido os agentes mais estudados e testados em profilaxia, principalmente quando a flora envolvida é a do tubo digestivo, geniturinário ou a pele. Segundo estudos, parece não haver vantagens no uso de cefalosporinas de segunda e terceira geração em relação às de primeira geração. As doses deverão ser administradas antes da anestesia (dependendo da meia-vida do fármaco) e no máximo por 24 horas (Mottin, 1996). Prolongar a duração da administração não tem se mostrado de maior efeito, além de elevar os custos e aumentar o risco de resistência bacteriana. No Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA, o esquema profilático proposto para cirurgias potencialmente contaminadas, não radicais, nas situações em que estaria indicado, é o seguinte: cefalotina 1 a 2 g IV na indução da anestesia, seguida de 1 g IV a cada 2 horas de peritônio aberto. Uma alternativa seria a administração de 1 a 2 g IV de cefazolina antes da cirurgia (30 min), seguida de mais 3 doses com intervalo de 4/4 horas. Nas cirurgias radicais, em que o tempo cirúrgico e o trauma tecidual são maiores, ou quando houver risco de penetração intestinal, pode-se utilizar um outro esquema antibiótico, incluindo uma cobertura para os germes anaeróbios (Cavazzola et al., 2008): > Metronidazol: 1 g IV, e > Gentamicina: 60-80 mg IV ou > Clindamicina: 600 mg IV, e > Gentamicina: 60-80 mg ou > Cefoxitina: 2 g IV na indução Nas cirurgias em que ocorreu uma lesão de intestino e houve contaminação da cavidade, poderá ser mantido o antibiótico ou mudado o esquema terapêutico.

Às pacientes com risco de endocardite bacteriana (endocardite prévia, próteses valvulares, valvulopatias reumáticas ou não) que serão submetidas à histerectomia vaginal pode ser administrada ampicilina 2 g IM/IV ⫹ gentamicina 1,5 mg/kg IV (máximo 120 mg), 30 minutos antes do procedimento e, 6 horas após, ampicilina 1 g IM/IV ou amoxilina 1 g, VO.

Outras condições que aumentam o risco cirúrgico e de infecção Existem fatores que afetam o status orgânico da paciente antes da cirurgia e, por isso, podem criar situações desfavoráveis: Gestação O diagnóstico de gestação inicial deve ser afastado ou confirmado antes da decisão de um procedimento cirúrgico eletivo. Na necessidade de intervenção, cuidados com proteção do abdome e manipulação cuidadosa do útero, administração de uterolíticos e controle rigoroso da volemia e oxigenação deverão ser considerados. Paciente idosa A paciente idosa apresenta problemas significativos, relacionados a deteriorações sistêmicas gerais, agravadas pela doença primária. Deficiências nutricionais, mais importantes nas pacientes com neoplasia, devem ser corrigidas; em pacientes muito debilitadas, deve-se considerar a possibilidade de nutrição entérica prévia à cirurgia. A idade da paciente parece ser também um fator de risco moderado para infecções. Apesar de alguns estudos (Fanning, 1989) evidenciarem que há uma incidência maior de infecções nos extremos da vida, outros estudos demonstram o contrário. Obesidade Sempre que possível, deve-se estimular a perda de peso no período pré-operatório. As amostras sanguíneas são difíceis de obter, assim como a manutenção de acessos venosos para fluidos parenterais. O risco de trauma a parede e órgãos adjacentes é maior, devido ao uso de retrações forçadas

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da parede abdominal. A deambulação precoce deve ser estimulada na tentativa de prevenir complicações pulmonares e tromboembólicas, pois tais complicações ocorrem com maior frequência em pacientes obesas.

Em cirurgias de pequeno porte, analgésicos menos potentes ou via IM podem ser utilizados, como codeína ⫹ dipirona IM, 4/4 h. Tão logo a paciente tenha condições, a analgesia VO deve ser estabelecida.

Além disso, o aumento de infecção relacionado a essas pacientes é discutível, uma vez que a maioria dos estudos que considerou a obesidade um item importante não avaliou as demais doenças concomitantes.

Em pacientes submetidas à cirurgia ambulatorial, deverá ser fornecido um esquema analgésico, se possível VO: > Paracetamol 750 mg, VO, 6/6 h > Dipirona 1.000 mg, VO, 6/6 h

Cuidados pós-operatórios Essa rotina tem por objetivo orientar o manejo durante o pós-operatório imediato, visando ao conforto da paciente e à prevenção das complicações, com ênfase nas últimas. Cooperação e motivação da paciente podem ser melhor obtidas e manejadas quando uma educação preparatória adequada tiver sido oferecida e quando todo o pessoal médico e paramédico tiver adotado atitudes positivas e de suporte para as necessidades físicas e emocionais da paciente.

Analgesia pós-operatória Seguindo-se a cirurgias de grande a médio porte, nas primeiras 24 a 48 horas, o ideal seria manter a paciente com cateter peridural (CPD) e infusão de anestésico local ou opiáceos através deste por meio de bomba de infusão contínua, sob orientação do profissional da anestesia. Quando não há condições técnicas (não é possível instalar o CPD) ou cirúrgicas (anticoagulação plena) para analgesia pelo cateter, há a possibilidade de usar PCA (pacient controlled analgesia), que é a analgesia IV controlada pelo paciente. A prescrição de drogas analgésicas deverá ser preferencialmente por via IV, a intervalos fixos, respeitando-se a meia-vida dos agentes. O esquema que utilizamos inclui: > Morfina: 5 mg IV, de 4/4 h, fixo, e se necessário, doses de 1 mg de resgate a intervalos de 1 h, e > Anti-inflamatório (diclofenaco 50 mg IM ou tenoxican 20-40 mg IV), e > Outro analgésico (dipirona 1-2 g IV).

> Diclofenaco sódico 50-75 mg, VO, 8/8 h, ou cetoprofeno 50-100 mg, 6/6 h, ou piroxican 10-20 mg 24/24 h > Codeína 30 mg ⫹ AAS 500 mg, VO, até 4/4 h Pelo menos nas primeiras 24 a 48 horas, o esquema de analgesia pós-operatória deve obedecer a intervalos fixos.

Dieta Alimentação deve ser oferecida à paciente tão logo esteja acordada e conforme tolerância, seguindo-se a cirurgias perineais em que não houve abertura da cavidade peritoneal. Nas cirurgias abdominais, devem-se oferecer líquidos assim que houver ruídos hidroaéreos ou relato de eliminação de flatos. O tempo necessário para chegar à dieta livre depende da extensão da cirurgia, da aceitação VO pela paciente e da duração da anestesia. Se a paciente iniciar com vômitos após o início da alimentação VO, esta deverá ser suspensa, e uma reavaliação deverá ser feita.

Cuidados respiratórios Estimular exercícios respiratórios profundos a cada hora, nas primeiras 12 horas. As pacientes com dificuldade para eliminar secreções deverão receber nebulizações com SF antes dos exercícios, ser estimuladas a tossir frequentemente e permanecer menos tempo no leito.

Balanço hídrico Um cálculo elaborado do balanço hídrico diário normalmente não é necessário. A reposição pode ser planejada a partir do conhecimento das perdas usuais de fluidos e eletrólitos. É rotina administrar de 2.000 a 3.000 mL de água diariamente para produzir um fluxo urinário de

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100 a 1.500 mL/dia, desde que não haja nenhum impedimento a este. Os carboidratos na forma de glicose (50-100 g/dia) são necessários para minimizar o catabolismo proteico e prevenir a cetose. As soluções de Ringer lactato são mais próximas da composição do líquido extracelular (Tabs. 2.1, 2.2 e 2.3). As perdas insensíveis de água, por meio da pele e do trato digestivo, estão entre 500 e 1.000 mL/dia e dependem de temperatura ambiente, umidade e temperatura corporal. A perda de líquido aumenta 100 a 150 mL/dia para cada grau de temperatura corporal acima de 37°C. A perda de fluidos por meio do suor varia bastante e depende da atividade física e corporal e do ambiente. A reposição de perdas insensíveis deverá ser feita por meio de soluções salinas hipotônicas ou com glicose a 5%. Em geral, é desnecessário administrar potássio durante as primeiras 24 horas de pós-operatório, visto que o estresse cirúrgico, o traumatismo tecidual e o sangue (se transfundido) proporcionam quantidades suficientes. Também cloreto de sódio e água podem ser retidos no pós-operatório imediato, devido à ação da aldosterona e dos hormônios antidiuréticos. Portanto, em pacientes idosas ou com déficit de função cardíaca ou renal, a quantidade de fluidos deverá ser diminuída. Para a maioria das pacientes, uma regra útil para as primeiras 24 horas de pós-operatório é administrar de 1.500 a 2.000 mL de glicose a 5% e 500 mL de solução fisiológica a 0,9%. Isso pode ser modificado se as perdas durante a cirurgia não forem repostas ou se houver evidência de sequestro de líquido para o interstício, em média de 500 a 750 mL, especialmente em procedimentos como linfadenectomia para-aórtica ou pélvica.

Drenagens Em geral, o cateter vesical é deixado no mínimo 24 horas, para um maior conforto da paciente. Em cirurgias maiores, em que houver grande manipulação da bexiga/ureter, a sonda vesical deverá permanecer até que a paciente não tenha mais dor e tenha condições de auxiliar a micção, com manobras (p. ex., manobra de Credé). Nas pacientes com retenção urinária pós-operatória, é realizado o cateterismo vesical intermitente, com medida do resíduo. Em pacientes hemodinamicamente instáveis, o cateter vesical permitirá avaliação mais criteriosa da função renal e auxílio na reposição das perdas. Um fluxo urinário de 30 a 50 mL/h é suficiente, e as alterações deverão ser pesquisadas e tratadas de forma adequada. Deverão ser anotados o volume e o aspecto das secreções, por meio dos drenos deixados na ferida operatória, os quais não deverão ser tracionados nas primeiras 24 horas. Em cirurgias radicais (pós-linfadenectomia), os drenos de sucção, se colocados, deverão ser retirados o mais precocemente possível.

Pacientes diabéticas O controle glicêmico durante e após a cirurgia contribui em muito para diminuir as chances de complicações em pacientes diabéticas (Stefani; Barro, 2002). Nas pacientes que usam insulina, deverá ser aplicado um terço ou metade da dose de insulina NPH via SC e instalado SG a 5% contínuo IV, no início do NPO. O controle glicêmico deverá ser feito por meio do hemoglicoteste (HGT), segundo necessidades e severidade do diabete, durante e imediatamente após a cirurgia, sendo

Tabela 2.1 Soluções parenterais comumente utilizadas Solução Ringer lactato Solução salina a 0,9% Solução glic. a 5% Solução glic. a 10%

Na (mEq/L)

Cl (mEq/L)

K (mEq/L)

130 154

109 154

4

Glicose (gm/L)

Osmol (mosm/kg)

50 100

272 308 252 505

Observação: as perdas variam com a temperatura ambiente, a idade e as perdas para outros órgãos ou drenos.

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Tabela 2.2 Balanço hídrico: necessidades diárias Paciente magra: Paciente obesa: Na K Cl Ca Calorias

40 mL/kg 30 mL/kg 50-250 mEq 30-200 mEq 150 mEq 1.000-1.200 g 30 cal/kg

Observação: 1 g NaCl 20% – 1 mL: 3,4 mEq 1 g KCl 10% – 1 mL: 1,3 mEq

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das complicações necessita de um alto grau de suspeição e avaliações frequentes pelo cirurgião. A prevenção das complicações inicia no pré-operatório com as medidas já relatadas anteriormente, identificando fatores de risco e patologias associadas, bem como orientações a serem seguidas no pós-operatório. As complicações são melhor classificadas segundo o sistema envolvido ou, mais comumente, pelo tempo de aparecimento da hipertermia.

Febre pós-operatória Hipertermia precoce

Tabela 2.3 Balanço hídrico: perdas diárias Água Na Cl K

± 2.500 mL 110 mEq 110 mEq 19 mEq (parte renal)

O início do aumento da temperatura de forma precoce (nas primeiras 48 h), seguindo-se a um procedimento cirúrgico, é motivo de preocupação e deve ser pesquisado com algum conhecimento das possíveis causas de elevação precoce na temperatura: > Soluções intravenosas contaminadas.

a insulina regular administrada. Uma regra prática é a seguinte: > até 250 mg% ............ 0

insulina

> 250-300 mg% .......... 5 U

insulina simples

> 300-400 mg% .......... 10 U insulina simples > acima de 400 mg% ... 15 U insulina simples Uma vez estabelecidas a alimentação e a atividade normal, as necessidades prévias de insulina serão restabelecidas.

Avaliação da ferida operatória Deverá ser feita diariamente, procurando sinais de infecção, coaptação dos bordos e avaliação das suturas. Não há necessidade de curativo após 24 horas da cirurgia. Importante identificar também dor, calor, endurecimento ou saída de secreções.

Complicações pós-operatórias Toda paciente submetida a tratamento cirúrgico está sujeita a complicações, que podem ser imediatas ou tardias. A detecção precoce

> Traumatismo e necrose tecidual devido ao ato cirúrgico. > Infecção precoce da parede abdominal: o médico deverá estar alerta para essa possibilidade em função da severidade do problema, especialmente em procedimentos gineco-obstétricos, devido à contaminação por germes aeróbios, como o estreptococo beta-hemolítico do grupo A, bem como o estafilococo coagulase positivo. Deve haver suspeita quando há um aumento precoce de temperatura, os sinais inflamatórios na incisão são discretos e há um comprometimento grave do estado geral. A paciente deverá ser monitorada continuamente, coletando-se material para culturas (sangue, urina), iniciando antibioticoterapia (esquema tríplice) e intervenção cirúrgica. São comuns as associações sinérgicas com germes anaeróbios, que levam à rápida disseminação local, até tecidos profundos. > O trato urinário pode estar infectado precocemente no pós-operatório, especialmente em mulheres com bacteriúria assintomática. > Pacientes com infecção pélvica assintomática podem desenvolver hipertermia precocemente, após manipulação. Pacientes submetidas à cirurgia para esterilidade, independentemente do uso de antibiótico profilático,

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podem apresentar hipertermia no pós-operatório imediato, devido ao envolvimento frequente da clamídia nessas situações clínicas. > Infecção do trato respiratório: consiste em hipertermia não muito elevada acompanhada de taquicardia e alterações na ausculta pulmonar, provavelmente devido a atelectasias pulmonares. Em geral, exercícios respiratórios são suficientes, tornando as pacientes apiréticas. Estas constituem o maior grupo de pessoas com a chamada morbidade febril pós-operatória e talvez sejam as pacientes que mais se beneficiam de antibiótico profilático. Um aumento de temperatura acima de 38°C, com achados pulmonares, deve levantar a possibilidade de aspiração e, se houver estresse respiratório, a hipótese de embolia pulmonar deverá ser considerada. Hipertermia após 48 horas de pós-operatório A hipertermia que se desenvolve após 48 horas inclui flebite, pneumonia e infecção do trato urinário. Nas infecções urinárias, a administração de sulfas/nitrofurantoínas é suficiente, com a vantagem da ação limitada ao trato urinário, não mascarando sintomas infecciosos na pelve e na parede. Hipertermia após o terceiro dia pós-operatório Em geral, na paciente com pico febril a partir do terceiro dia pós-operatório, deverá ser pesquisada a presença de sinais inflamatórios nos locais de introdução de cateteres intravenosos, os quais não deverão permanecer por mais de 48 horas. O tratamento consiste em retirar o cateter e enviar para cultura (William, 1986). Preventivamente, deverão ser observadas todas as medidas de assepsia durante a colocação do cateter. A maioria das infecções de parede são vistas entre o 4º e o 10º dia de pós-operatório e serão suspeitadas em qualquer paciente com hipertermia e sem evidência de infecção urinária e/ou pélvica. Uma vez diagnosticada, a ferida operatória deverá ser explorada e limpa, assegurando-se a integridade da fáscia aponeurótica, e o material colhido deverá ser enviado para cultu-

ra. Em geral, antibioticoterapia é desnecessária, a não ser quando há sinais clínicos de celulite. A presença de flora bacteriana vaginal, sangue e tecidos desvitalizados contribui também para o estabelecimento da infecção nos tecidos pélvicos. Atualmente, a frequência desses problemas tem diminuído, o que se deve ao uso do antibiótico profilático, especialmente em histerectomias vaginais. A paciente com abscesso em cúpula vaginal apresenta dolorimento no baixo ventre e hipertermia, e pode ter sintomas urinários associados e saída de secreção com odor por via vaginal. A drenagem de secreção purulenta do fundo-de-saco é suficiente para cura. Nos casos de sinais inflamatórios pélvicos (celulite pélvica), o uso de antibiótico para anaeróbios e Gram-negativos impede a disseminação. Quando a paciente permanece febril após cobertura antibiótica adequada, afastadas coleções purulentas ou dano ureteral, deve-se pensar em tromboflebite pélvica, possivelmente devido à produção de heparinase do B. fragilis. Pode haver febre intermitente, calafrios (devido à eliminação de pequenos êmbolos sépticos) e dor vaga no baixo ventre, às vezes com empastamento pélvico, mais comumente à direita. O tratamento consiste na administração de heparina IV contínua ou intermitente (mesmo esquema usado para trombose venosa profunda). Clinicamente, a resposta é rápida, tornando-se apirética em 36 a 48 horas. Em paciente febril, com cobertura antibiótica adequada, deve-se pensar em tromboflebite pélvica, afastadas coleções purulentas ou dano ureteral. Se a paciente permanece febril, independentemente da terapêutica, a pesquisa de abscessos pélvicos/intra-abdominais deverá ser considerada; uma vez diagnosticado, o tratamento ocorre por meio da drenagem cirúrgica aberta ou com controle por ecografia ou tomografia. Em raros casos, a hipertermia, com 8 a 18 semanas de pós-operatório, ocorre em pacientes submetidas à correção abdominal de incontinência urinária. As pacientes com suspeita de osteíte púbica apresentam-se com dificuldade de deambulação e de abdução da coxa, dor púbica e, ao raio X, há sinais de comprometimento ósseo.

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O tratamento consiste em antibiótico para anaeróbio, estafilococo e Gram-negativo, durante um período de tempo prolongado.

Complicações pulmonares As complicações pulmonares permanecem como um grande problema no pós-operatório, especialmente em pacientes de alto risco: idade ⬎ 70 anos, tabagistas, doença broncopulmonar obstrutiva crônica, obesidade (peso ⬎ 120% do peso ideal), doenças neurológicas, doenças pulmonares óbvias (asma, enfisema). As atelectasias são as mais precoces, a maioria ocorrendo nas primeiras 48 horas, sendo responsáveis por 90% dos episódios de febre nesse período. O manejo consiste primeiramente em avaliação pré-operatória adequada, estímulo de exercícios respiratórios profundos no pós-operatório imediato, tosse e mudança de decúbito. Antibióticos não são necessários inicialmente. A pneumonia é a complicação respiratória que mais aparece como responsável por óbito pós-operatório. A maioria das infecções pulmonares pós-operatórias são causadas por bacilos Gram-negativos e frequentemente são polimicrobianas, podendo se dever à aspiração de secreção orofaríngea ou até mesmo gástrica, especialmente se secundária a vômitos. Os efeitos podem ser minimizados pré-operatoriamente, pela administração de antiácidos, ou pelo uso de sonda nasogástrica, no transoperatório. O tratamento consiste na administração de antibióticos e corticoides. A clínica de pneumonia, no pós-operatório em geral, manifesta-se por febre, taquipneia, aumento da secreção e achados radiológicos e físicos de consolidação lobar. O tratamento consiste na administração de antibióticos, exercícios respiratórios de tosse e nebulização com SF. Outras complicações mais graves, como parada cardiorrespiratória, infarto agudo do miocárdio e síndrome de estresse respiratório do adulto são menos frequentes, mas quando ocorrem deverão ser manejadas com auxílio de um intensivista.

Complicações vasculares A tromboflebite superficial é comum em ginecologia, especialmente pela posição de litotomia, e ocorre mais em mulheres com varizes em membros inferiores e também nos locais de in-

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serção de cateteres intravenosos que permaneçam por mais de 48 horas. A paciente queixa-se de dor, aumento de temperatura local e eritema. Em geral, repouso com membros inferiores elevados (Trendelemburg) e analgesia com anti-inflamatórios resolvem o problema em 48 horas. Logo que possível, deve ser estimulada a deambulação. A complicação venosa mais importante, especialmente em pacientes submetidas a cirurgias oncológicas, é a trombose venosa profunda (TVP). Na maioria das vezes, é silente (50%), iniciando, em geral, nas pequenas veias das pernas e progredindo, podendo alcançar as veias ilíacas. Pode haver dor na panturrilha com discreto empastamento, edema de pé e tornozelo, dor à dorsiflexão do pé (sinal de Homans), além de sinais sistêmicos de taquicardia e hipertermia (após o 5º dia pós-operatório). O diagnóstico é clínico, confirmado pelo Doppler. O tratamento é com anticoagulantes, em função do risco de complicações pulmonares, podendo ser usados heparina não fracionada, heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou fondaparinux. A HBPM e o fondaparinux são tão efetivos quanto a heparina não fracionada de uso contínuo no tratamento da TVP. > heparina na dose 1 mg/kg peso IV: iniciar com dose ataque em bolus de 100 U/kg e, após, manutenção com heparina 1.000-1.250 U/h contínua em bomba ou diluir 5.000 UI de heparina (1 mL) em 99 mL de SG a 5% ou SF a 0,9% em gotejo de 20 mL/h (20 mgt/min) ou de forma intermitente na dose de 5.000 UI 4/4 h IV. > enoxiparina 1,5 mg/kg peso SC: dose única diária, exceto em pacientes obesos (⬎ 100 kg), com insuficiência renal crônica ou câncer, quando deverá ser dada enoxiparina na dose de 1 mg/kg peso SC 2x/dia. A HBPM proporciona níveis de anticoagulação reais quando dada por via SC e nenhum exame laboratorial é necessário, exceto em circunstâncias especiais. Nas usuárias de heparina, deve-se ajustar a dose pelo TTPa, que deverá ser mantido em 1,5-2,5 X o normal. No esquema intermiten-

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te, o sangue deve ser coletado logo antes da próxima dose. Manter a heparinização por, no mínimo, 10 dias e iniciar anticoagulante VO (hidroxicumarínico) a partir de 2 a 3 dias de uso de heparina, na dose de 9 mg (dia 1), 6 mg (dia 2) e 3 mg (dia 3) ou outros esquemas conforme os valores da INR. A dose ideal deverá ser o suficiente para a INR entre 2 e 3 vezes. A suspensão da heparina deverá ser feita quando a INR desejada for atingida. O grande risco do uso de anticoagulantes é o sangramento. A heparina pode ser rapidamente revertida pelo uso de sulfato de protamina IV lentamente (não mais do que 10 mg/min), e a dose a ser dada deverá ser calculada pela quantidade de heparina que se estima estar circulando: 1 mg de protamina inativa 1 mg de heparina (100 U). Entretanto, os cumarínicos têm uma meia-vida de mais ou menos 2,5 dias e o retorno dos níveis de TP são lentos. Para a reversão da anticoagulação com cumarínicos, deverá ser administrada vitamina K 10 a 50 mg SC, com uma latência de efeito de 6 a 8 horas. Se houver necessidade de rápida reversão da anticoagulação, devem-se utilizar 2 a 3 U de plasma. A embolia pulmonar é uma das complicações pós-operatórias mais sérias, visto ser geralmente insuspeitada e potencialmente fatal. Os sintomas dependem do tamanho e do número de êmbolos na árvore respiratória. Em geral, trata-se de paciente que necessita de cuidados da Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Complicações urinárias Oligúria A expressão clínica da síndrome de falência renal aguda é a oligúria, que está normalmente dividida em pré-renal, renal e pós-renal (obstrutiva) (Newton, 1988). O evento patológico que produz a síndrome de falência renal aguda inclui necrose tubular aguda (NTA), nefrite intersticial aguda (NIA), glomerulonefrite aguda e necrose papilar aguda. A mais comum é a NTA, que pode ser de origem isquêmica, como azotemia pré-renal severa e episódios de hipotensão/ sepse ou de causa nefrotóxica, como as originadas do uso de antibióticos (aminoglicosídeos), meios de contraste, metais pesados e agentes anestésicos.

Pré-renal É a causa mais comum de oligúria pós-operatória. Pode dever-se à hipovolemia (menor hidratação, sangramento ou perda de líquido para o terceiro espaço). A densidade urinária, em geral, está acima de 1.018. Uma infusão de SF a 0,9% IV por cerca de 30 a 60 minutos poderá ser usada, ou 25 a 30 g de manitol 25% em 15 a 30 minutos. Um aumento do fluxo urinário indica o componente pré-renal. Renal A principal causa renal de oligúria pós-operatória é a necrose tubular aguda, conforme mencionado anteriormente, devido à hipotensão/ hipoxia ou toxicidade. O tratamento consiste na retirada de qualquer medicação nefrotóxica e imediata correção da hipotensão, bem como monitoração cuidadosa de fluidos (administrados e eliminados), peso diário e bioquímica do sangue. Os níveis elevados de creatinina e potássio sérico são indicações de diálise peritoneal. Pós-renal O primeiro passo deve ser a irrigação do cateter vesical para assegurar sua livre passagem. A possível lesão ureteral em pacientes submetidas a procedimentos cirúrgicos deverá sempre ser afastada. Os achados clínicos que sugerem obstrução incluem anúria, ou variações amplas no fluxo urinário, e ausência de resposta à infusão de líquidos. O diagnóstico pode ser firmado por meio de ultrassonografia renal, que detecta dilatação pielocalicinal em 24 horas de obstrução aguda. A ecografia é preferível aos exames constratados devido ao risco de dano adicional à função renal. Após estabelecido o diagnóstico, a rápida correção do dano deverá ser providenciada, a fim de minimizar danos ao parênquima renal. O tipo de procedimento a ser utilizado (correção cirúrgica, colocação de duplo J, nefrostomia) dependerá das condições clínicas da paciente e da avaliação do urologista. Retenção urinária Em geral, após manipulação do trato urinário, ocorre retenção urinária, especialmente depois de procedimentos vaginais. Em cirurgias radicais, em que há grande interferência no suprimento vascular e nervoso da bexiga, o dano é

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maior, e o restabelecimento da motricidade normal pode levar meses. A superdistensão da bexiga deve ser evitada, porque causa dor, propicia infecção e pode interferir na sutura da vagina, quando houver. Sondagens vesicais de alívio a cada 4 a 6 horas, segundo alguns autores, são preferíveis à cateterização de demora. Nas situações em que a retenção se prolonga por mais tempo, como nos casos de cirurgias oncológicas, as pacientes deverão ser orientadas a promover o esvaziamento vesical a intervalos mais curtos, com auxílio de manobras (de Credé) se necessário e, após micção espontânea, medir o resíduo vesical, por meio de autossondagem. Quando esse for inferior a 50 mL/dia, o cateterismo intermitente poderá ser suspenso. Deverá ser mantido quimioterápico (nitrofurantoína) 1 comp/noite, durante esse período. As pacientes que necessitam de controle de diurese por tempo mais prolongado, devido à demora no retorno à motilidade vesical, são instruídas pela enfermagem a praticarem a autossondagem, ainda no ambiente hospitalar. Isso possibilita dar alta à paciente com controle de diurese e controle ambulatorial a cada 15 dias, pelo tempo que for necessário.

Choque Choque é definido como uma perfusão tecidual inadequada. Os três principais tipos de choque pós-operatório são o hipovolêmico, o cardiogênico e o séptico. Os sinais de hipotensão e choque são pressão sistólica abaixo de 90 mmHg, fluxo urinário abaixo de 25 mL/h, acidose metabólica e pele fria (pele morna poderá estar presente nas fases iniciais do choque séptico). No choque hipovolêmico, a causa mais comum é o sangramento no local da cirurgia. Em geral, essas pacientes deverão ser tratadas em UTI; no entanto, algumas medidas poderão ser tomadas até sua transferência para a UTI e visando a estabelecer o diagnóstico etiológico:

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> Instalação de pressão venosa central por meio de cateter na veia subclávia. Monitoração por cateter de Swan-Ganz pode ser útil, se disponível. > Colocação de cateter vesical para controle da diurese. > Solicitação de exames básicos (hemograma, eletrólitos, culturas, gasometria arterial, função renal, visando a estabelecer a causa. O tratamento do choque hipovolêmico consiste na restauração do volume circulatório por meio da administração de cristaloides, coloides ou sangue. Inicialmente, SF ou Ringer lactato deverão ser administrados de forma rápida (Gregory et al., 1997). Se a hipovolemia persiste após a infusão de 2 L de SF, uma transfusão de sangue está indicada. O sangue deverá ser dado para manter a hemoglobina em 10 g e o hematócrito em 30%. As transfusões de mais de 5 U/dia exigem a monitoração de plaquetas e TTPa/TP. Embora controverso, o ideal é transfundir uma unidade de plasma para cada 5 unidades de sangue estocado transfundido. As drogas vasoativas estão indicadas se o choque persiste depois que o volume circulatório é restaurado. A dopamina é um agente ␣ e ␤-adrenérgico que aumenta o fluxo cardíaco, a frequência e a pressão sanguínea. A infusão é iniciada com 1 a 2 mg/kg/min, aumentando até que a PA sistólica ultrapasse 90 mmHg. A vantagem da dopamina é que, em doses baixas, causa vasodilatação renal; entretanto, em doses altas, aumenta a resistência periférica, o que às vezes pode não ser o desejado, devido ao dano na microcirculação. O choque séptico deverá ser tratado da mesma forma que o hipovolêmico, acrescentando-se antibiótico de amplo espectro e drenagens de focos infecciosos. Todas as culturas (sangue, urina, locais de secreção) deverão ser colhidas previamente ao uso de antibiótico. O choque cardiogênico deverá sempre ser diagnosticado e tratado com o auxílio de um cardiologista.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Sobre o uso de medicações no pré-operatório, é incorreto afirmar que: a. O uso de corticoides por 7 ou mais dias no último ano deve considerar o uso de corticoide pré-operatório preventivo. b. Os anti-hipertensivos devem ser mantidos até o dia da cirurgia. c. Os anticoagulantes VO devem ser suspensos 24 h antes da cirurgia. d. O uso de AAS deve ser suspenso 7 a 10 dias antes da cirurgia. e. Os antidepressivos tricíclicos devem ser suspensos pelo risco de arritmia no período pós-operatório.

2. Quanto ao uso de antibioticoterapia profilática, pode-se afirmar que: a. Deve ser usada sempre em pacientes acima de 50 anos. b. Quando usada, devem ser mantida por 24 h. c. Cefalosporina de 1a geração é a primeira escolha em pacientes com risco de lesão intestinal. d. A dose profilática deve ser realizada 2 h antes da cirurgia. e. Não há vantagem de manter doses de antibiótico profilático até 24 h após a cirurgia.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Ginecologia Infanto-Puberal: Abordagem Clínica e Doenças de Vulva e Vagina na Pré-Púbere Solange Garcia Accetta Alberto Mantovani Abeche Ana Maria Carvalho Vidal Camile Cesa Stumpf

Exame ginecológico Para o atendimento ginecológico adequado da população infanto-puberal, é necessário não apenas o conhecimento da anatomia e fisiologia do trato reprodutivo, mas também do crescimento somático puberal normal e da maturação sexual. Além disso, é de fundamental importância o reconhecimento dos distúrbios ginecológicos específicos de cada faixa etária, da infância à adolescência. Os motivos de consulta mais comuns na infância são as patologias genitais, o desenvolvimento sexual precoce, as malformações geniturinárias e a suspeita de abuso sexual. Na adolescência inicial e média, as queixas mais comuns são as leucorreias, a irregularidade menstrual e a dismenorreia. Na adolescência média e tardia, a anticoncepção, a gestação e as doenças sexualmente trans-

missíveis (DSTs) tornam-se os principais motivos de consulta.

Abordagem clínica da criança e da adolescente O exame ginecológico tem como objetivo principal atestar a normalidade da genitália externa e o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, de acordo com a classificação e as relações temporais realizadas por Marshall e Tanner. A avaliação das mamas durante a infância e a puberdade deve ser realizada com o objetivo principal de reconhecer, a cada época, a sua condição de normalidade e perceber condições não habituais. Nessa faixa etária, as doenças mamárias são pouco frequentes, e as mais encontradas são decorrentes das anomalias do desenvolvimento, como a amastia, a hipoplasia,

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a atelia, a politelia, a polimastia, a síndrome de Polland, a hipertrofia, a hipomastia, a gigantomastia, etc. Após o início da puberdade, podem ser diagnosticados fibroadenoma, mastite, mastalgia, eczema areolar e adensamentos. É importante lembrar que o carcinoma de mama é extremamente raro nessa faixa etária. Durante a consulta ginecológica, o médico deve transmitir confiança, por meio de gestos tranquilos e comportamento seguro. As meninas devem ser atendidas preferencialmente junto com suas mães ou outro responsável, o que lhes dará a confiança e a tranquilidade necessárias para que se sintam mais à vontade durante a consulta. Oferecer algum brinquedo durante o exame também ajuda no caso de crianças. Para as adolescentes, é necessário garantir privacidade e sigilo, sem os quais não será possível desenvolver um bom vínculo médico-paciente e, portanto, transmitir e ajudar a desenvolver hábitos de saúde preventiva, tanto no que diz respeito aos aspectos biológicos quanto aos psicossexuais. Nesses momentos, tanto com as crianças quanto com as adolescentes, deve ficar claro o respeito necessário durante toda a consulta e o exame físico, habilitando-as a reconhecer esse direito e a responsabilidade sobre seu próprio corpo. A posição de exame mais adequada e aceita com naturalidade pelas crianças é aquela na qual a menina flete suas pernas sobre as coxas abduzidas; porém, em meninas maiores,

Figura 3.1 Técnica de tração dos pequenos lábios.

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pode-se utilizar a posição ginecológica clássica de litotomia. Para a abordagem de crianças até 10 anos, é possível utilizar a técnica de Capraro, que consiste em sucessivos passos, como tocar com o instrumento utilizado (cotonete, swab, pipeta, espéculo de virgem): a) os dedos da paciente; b) as faces internas das coxas; c) os pequenos lábios, antes da introdução na vagina (Capraro, 1972). O instrumento deve ser introduzido com suavidade, deprimindo o anel himenal em direção ao períneo. Dessa forma, pode-se tanto obter material para exame direto, Gram, cito-hormonal (CH) ou cultural quanto visualizar corpo estranho ou tumor. Sabe-se que, na maioria das situações clínicas, a visualização da cérvice e do terço superior da vagina não é necessária, mas, quando for, a vaginoscopia será de grande auxílio. Os achados ginecológicos diferem nas várias faixas etárias e são divididos em quatro grupos, descritos a seguir (Cowell, 1981).

Nas primeiras 8 semanas O exame poderá ser facilitado se a mãe, sentada sobre a mesa de exames, segurar o bebê sobre seu ventre, de costas para ela, com as pernas elevadas, fletidas e abduzidas. Na inspeção da genitália, devem ser encontrados tanto os grandes quanto os pequenos lábios maiores e mais espessos do que em crianças mais velhas. Isso ocorre devido à presença de estrogênios maternos.

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O fechamento do vestíbulo, nessa fase, é feito pelos pequenos lábios. O clitóris é desproporcio2 nalmente grande (cerca de 6 mm ) e o meato uretral é escondido pelas pregas do hímen. Muitas vezes a abertura himenal não é visualizada. Deve-se então pressionar o vestíbulo para provocar a saída de muco, estabelecendo assim a presença da cérvice e da vagina. Outra forma de verificar a permeabilidade himenal e visualizar a parede posterior da vagina é puxar suavemente os pequenos lábios em direção ao examinador. Se ainda assim houver dificuldade de estabelecer a permeabilidade, deve-se utilizar um cateter macio. É muito importante certificar-se da normalidade da genitália nessa fase, pois desse modo será possível evitar danos e traumas posteriores. A vagina e o útero nesse estágio têm cerca de 4 cm de comprimento; a relação da cérvice para o corpo é de 3/1 e não há flexão axial; os ovários são órgãos abdominais. Deve-se lembrar também que os efeitos hormonais maternos devem desaparecer completamente entre 6 e 8 semanas de vida. Porém, as mudanças involutivas começam a ocorrer já a partir da segunda semana.

De 8 semanas a 7 anos Essa faixa etária é muito ampla, pois, sob o ponto de vista funcional, é exatamente igual, ou seja, não há exposição hormonal. Para o exame ginecológico, além das posições referidas anteriormente, em meninas maiores pode-se utilizar a posição genupeitoral adotada por Emans e Goldstein. Nesse grupo, não são encontradas mamas desenvolvidas nem pelos pubianos. Os pequenos e grandes lábios são pouco desenvolvidos, não protegendo o vestíbulo de infecção externa. O 2 clitóris é pequeno (< 6 mm ), e o diâmetro do hímen é de aproximadamente 0,5 cm. A vagina tem de 4 a 5 cm, pH alcalino e flora mista não patogênica. O útero é pequeno, e a razão entre cérvice e corpo uterino é de 2/1. Após o exame da genitália externa, tenta-se visualizar a vagina afastando delicadamente os pequenos lábios. A menina poderá tossir, ajudando na visualização da parede posterior da vagina. Quando imperiosa a avaliação dos órgãos internos com o objetivo de diagnosticar ou afastar

tumor ou cisto de ovário, utiliza-se de rotina a avaliação ultrassonográfica. Sempre que forem encontradas lesões, contusões, lacerações ou outras injúrias em região vulvar, deve-se considerar a possibilidade de abuso sexual.

Dos 7 aos 10 anos Nessa fase, observa-se o surgimento das modificações puberais. São encontradas algumas mudanças anatômicas e funcionais importantes, como vagina com aproximadamente 8 cm de comprimento e hímen espesso com meato de 0,7 cm de diâmetro. Também é possível identificar os tipos de hímen mais comuns (crescente, anular e redundante) e diagnosticar aqueles que poderão provocar problemas futuros (microperfurado, imperfurado, septado e cribiforme), assim como vagina septada (Accetta; Herter, 2004). A secreção vaginal está maior devido ao aumento dos estrogênios e apresenta-se com uma flora que pode ser mista. A relação cérvice-útero passa a ser de 1/1. A cérvice é pequena e aplainada, porém a vagina mostra mudanças sugestivas da atividade estrogênica. O exame ginecológico é semelhante ao descrito anteriormente.

Dos 10 aos 13 anos Nessa fase, a menina apresenta vagina de 10 a 12 cm de comprimento, distensível, com mucosa úmida e pregueada. O meato himenal é de aproximadamente 1 cm de diâmetro, e a secreção vaginal apresenta lactobacilos acidófilos. A relação cérvice-útero é de 1/2. A cérvix agora protrai para dentro da vagina, e os ovários tornam-se órgãos da cavidade pélvica.

Após os 13 anos Os achados no exame ginecológico são semelhantes aos da mulher adulta jovem, e o exame poderá ser completo caso a menina já tenha mantido relações sexuais. Há também outros métodos e técnicas de investigação, como estudos genéticos, raio X de mão e punho esquerdo para cálculo da idade óssea, estudos hormonais e laparoscopia, que poderão

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(a)

Normal

(b)

Imperfurado

Crescente

Microperfurado

Fimbriado ou redundante

Cribiforme

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Septado

Anular

Figura 3.2 Tipos variados de hímen.

ser necessários em situações clínicas mais complexas. Para a melhor compreensão e acompanhamento do desenvolvimento puberal, utiliza-se o estadiamento desenvolvido por Marshall e Tanner, mais conhecido por estágios de Tanner (Tab. 3.1). Relações temporais entre estágios de Marshall e Tanner e eventos físicos: M2 até a menarca

⫽ 2-3 anos

Vulvovaginite na pré-púbere Definição A vulvovaginite é a inflamação dos tecidos da vulva e da vagina e resulta de uma ampla variedade de causas. É uma patologia de distribuição universal, não relacionada a fatores raciais ou climáticos. Na criança, é mais frequente encontrar-se, inicialmente, uma vulvite, sem que haja o comprometimento da mucosa vaginal.

Menarca (idade óssea)

⫽ 12-13 anos

Em alguns casos, deverá ser lembrada a possibilidade de abuso sexual ou mesmo de relações sexuais consentidas e desconhecidas dos pais (Joishy et al., 2005; Jasper, 2009).

Menarca

⫽ M4

Vulvovaginite é uma inflamação dos tecidos da vulva e vagina.

Menarca (idade cronológica)

⫽ 12 anos

Estirão puberal (M3) ⫽ 1 ano até a menarca (M4)

É o motivo de consulta mais comum em ginecologia infanto-juvenil (Jasper, 2009).

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Tabela 3.1 Estágios de Tanner Estágio de Tanner

Mamas

Pelos pubianos

Estágio 1

Elevação somente da papila (pré-púbere).

Estágio 2

Elevação discreta da mama e da papila, com aumento do diâmetro areolar (broto mamário). Maior elevação da mama e da papila, sem separação dos contornos da aréola e da mama. Separação dos contornos da aréola e da mama. O estágio é facultativo.

Pelos velares idênticos àqueles da parede abdominal anterior. Pelos terminais, grossos, pigmentados, discretamente curvilíneos nos grandes lábios e no monte de Vênus. Pelos qualitativamente adultos, mas a área coberta concentra-se na linha média.

Estágio 3

Estágio 4

Estágio 5

Nivelamento da aréola ao contorno geral da mama, com projeção exclusiva da papila.

Cerca de 25 a 75% das vulvovaginites são inespecíficas (Joishy et.al., 2005).

Quadro clínico O fluxo vaginal pode ser normal, aumentando à medida que os níveis estrogênicos elevam-se, ou patológico, quando estiver acompanhado de odor desagradável, prurido, ardência, edema, eritema, fissura ou maceração da vulva e sintomas urinários, como urgência e disúria vulvar. A vulvite caracteriza-se pela inflamação da mucosa da vulva, sem fluxo. Pode ser desencadeada pelos mesmos germes da pele circundante ou ser secundária a uma reação alérgica e/ou de contato (materiais sintéticos, substâncias químicas, etc.). A vaginite é a inflamação da mucosa vaginal, associada ao corrimento, com ou sem comprometimento da mucosa vulvar. A história clínica e o exame físico detalhados, incluindo inspeção do períneo, são essenciais. Secreção vaginal deve ser avaliada por microscopia, Gram e cultura (Joishy et al., 2005).

Pelos adultos em quantidade e qualidade. No monte de Vênus, a distribuição obedece à configuração em triângulo invertido. Pode estender-se para a raiz das coxas.

tações e infecções do trato genital inferior. Até algum tempo atrás, acreditava-se que a maioria dos casos era relacionada a agentes infecciosos específicos e à violência sexual, no entanto, atualmente a vulvovaginite em pré-púberes tem sido relacionada à má higiene e a vaginites não específicas (Jasper, 2009). Os fatores de risco podem ser agrupados da seguinte forma: Anatômico/hormonal Proximidade vagina-ânus; ausência de pelos; vulva anteriorizada; grandes lábios planos, dificultando o fechamento da vulva; ausência estrogênica, favorecendo a atrofia da mucosa genital; pH vaginal alcalino (6,5-7,5); obesidade e malformações (ureter ectópico, vagina septada associada à fístula, orifício himenal estreitado). Hábitos/costumes

Complicações como salpingite e doença inflamatória pélvica (DIP) são raras (Sharma; Preston; Greenwood, 2004).

Higiene precária ou inadequada; uso de roupas apertadas e de material sintético, que não permitem a evaporação do suor e de outras secreções, macerando a vulva; sabonetes e outros irritantes químicos; fraldas e traumatismos (abuso sexual, acidentes de bicicleta, masturbação) que irritam a área genital vulnerável.

Fatores de risco

Doenças subjacentes/medicações

A pré-púbere apresenta características anatômicas, hormonais e funcionais que favorecem a instalação de processos inflamatórios, infes-

Doenças sistêmicas como infecção das vias aéreas superiores, diabete melito, sarampo, varicela, parasitose intestinal, síndrome de Behçet,

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doença de Kawasaki, doença de Crohn, etc; doenças dermatológicas como líquen escleroso, líquen simples, dermatite atópica, dermatite de contato, psoríase, dermatite das fraldas, vitiligo, herpes simples, condiloma acuminado, molusco contagioso e uso de antibióticos de amplo espectro. Causas menos comuns de vulvovaginite são infecções bacterianas, corpo estranho, abuso sexual, anomalias anatômicas, medicamentos e doença vulvar, que devem ser investigadas quando os sintomas são persistentes.

Classificação Leucorreia fisiológica Período neonatal: o estímulo do estrogênio materno na mucosa vaginal, no epitélio cervical e no endométrio da recém-nascida (RN) pode provocar leucorreia e até sangramento vaginal. Porém, habitualmente desaparece em 7 a 10 dias e, após 2 a 3 semanas, a mucosa vaginal inicia sua atrofia. O diagnóstico diferencial deve ser realizado com leucorreia por clamídia e papilomavíus humano (HPV), por contaminação intraparto, quando os sinais persistirem após as duas primeiras semanas do nascimento. Pré-menarca: a leucorreia inicia entre 6 a 12 meses antes da menarca, devido ao início da atividade ovariana e ao consequente aumento nos níveis de estrôgenio. Geralmente ela é transparente, sem odor, não irritativa, constituída de células descamadas do epité-

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lio vaginal, muco endocervical e bacilos de Döederlein. Vulvovaginite específica e inespecífica A maior dificuldade no manejo das vulvovaginites em pré-púberes é distinguir a flora normal da patogênica. Gerstner e colaboradores selecionaram 67 meninas na pré-puberdade, sendo 36 casos e 31 controles, e identificaram que 77% das culturas vaginais de pacientes assintomáticas eram positivas para bactérias aeróbias, 65% positivas para bactérias anaeróbias e 45% positivas para ambos. A maior prevalência de espécies ficou para Staphylococcus epidermidis (35%), enterococo (29%), Streptococcus viridans (13%) e lactobacilos (39%). Vulvovaginite inespecífica Habitualmente, a vagina fetal é estéril, porém, durante o parto vaginal, a pele, o ânus, a vagina e a orofaringe tornam-se colonizadas por bactérias (Sharma; Preston; Greenwood, 2004). As vulvovaginites inespecíficas são provocadas por germes saprófitas (Quadro 3.1) que se tornam patogênicos em virtude da falta de integridade da mucosa ou devido a agente físico-químico que rompe o equilíbrio ecológico entre os germes. Os microrganismos mais comumente associados às vulvovaginites inespecíficas são as bactérias coliformes e as bactérias anaeróbias (Wanderley; Magalhães; Trindade, 2000). Das vaginites inespecíficas, 68% são atribuídas às bactérias coli-

QUADRO 3.1

Microrganismos normais na flora vaginal, porém potencialmente patogênicos > > > > > > > >

Corynebacterium sp. Staphylococcus epidermidis Estreptococo hemolítico Lactobacillus acidophylus Estreptococo não hemolítico Escherichia coli Proteus sp. Pseudomonas aeruginosa

Fonte: Adaptado de Emans, Laufer e Goldstein (2005).

> > > > >

Klebsiella sp. Gardnerella vaginalis Estreptococo do grupo D Staphylococus aureus Haemophylus influenzae

58 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 3.2

Agentes etiológicos clássicos das vulvovaginites na infância Enterobius vermicularis Shigella sp. Yersinia sp. Entamoeba histolytica Candida albicans Streptococcus pyogenes Streptococcus pneumoniae Staphylococcus aureus

Haemophilus influenzae Neisseria meningitidis Branhamella catarrhalis Trichomonas vaginalis* Neisseria gonorrhoeae* Chlamydia trachomatis* Herpes simples* Papilomavírus humano (HPV)*

* Predominantemente relacionados com abuso sexual. Fonte: Adaptado de Emans, Laufen e Goldstein, 2005.

formes, predominantemete E. coli e enterococo (Jasper; 2009). Vulvovaginite específica O fato de a incidência de vulvovaginite específica ser baixa não diminui a importância dessa condição, pois na sua etiologia podem estar envolvidas algumas DSTs (Accetta; Herter, 2004).

Etiologia O agente etiológico é identificado e não faz parte da flora endógena vaginal (Quadro 3.2). Candida albicans e outros fungos Esses microrganismos podem colonizar a vagina e a vulva de meninas em apenas 3 a 4% dos casos, pois eles têm tropismo pelos tecidos estrogenizados e, portanto, não há condições adequadas para seu desenvolvimento. Vulvovaginite por fungos nas pré-púberes geralmente está associada à obesidade, ao uso de fraldas ou à antibioticoterapia. Nas meninas com clínica recorrente sem causa aparente, é necessário afastar diabete melito, uso de corticoide ou outra imunodeficiência. Clinicamente, a mucosa genital parece “brilhosa”, há prurido, hiperemia, edema e eventualmente leucorreia esbranquiçada com grumos. Gardnerella vaginalis Gardnerella vaginalis pode fazer parte da flora normal de meninas e geralmente não está associada à vaginose bacteriana. Na literatura, há controvérsia sobre a associação com abuso sexual, pois estudo comparan-

do meninas abusadas com controles identificou 14,6% contra 4,2% de gardnerela vaginalis, respectivamente (Bartley, 1987). Porém, em outro estudo, não houve diferença entre meninas abusadas e controles (Ingram, 1982). No entanto, acreditamos que não se pode descartar a possibilidade de abuso sexual, particularmente quando ocorrer vaginose bacteriana de repetição, caracterizada por odor amínico, secreção escassa e acinzentada. Trichomonas vaginalis Esse protozoário é raramente encontrado em pré-púberes, uma vez que a vagina não estrogenizada é relativamente resistente à infecção por esse agente. A tricomoníase pode ser transmitida ao recém-nascido no canal de parto, mas apenas eventualmente pode causar uretrite ou vaginite persistente após a queda dos níveis estrogênicos. É primariamente transmitida por contato sexual; portanto, deve-se investigar possibilidade de abuso sexual. Raramente pode ocorrer transmissão por meio de sabonete e toalhas úmidas contaminadas. Provoca corrimento vaginal abundante, bolhoso, esverdeado, sem que haja uma reação inflamatória importante associada. Chlamydia trachomatis Em pré-púberes, pode estar associada à contaminação adquirida no canal do parto, podendo manifestar-se até os (12 – 24 meses) de vida em meninas (Emans, 2005). Em um estudo com 131 mulheres com cultura positiva da cérvice para Clamídia, cerca de 14% de seus bebês apresentaram cultura retal e vaginal positiva. Todas as

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culturas tornaram-se negativas em até 12 meses. Afastada essa possibilidade, deve-se pensar em abuso sexual, pois cerca de 2 a 13% das meninas abusadas apresentam essa infecção. É sugerido teste sorológico para auxiliar no diagnóstico, uma vez que a presença de IgM ou o aumento de 4 vezes da IgG faz o diagnóstico de contato recente. Um estudo prospectivo em centro de atendimento à criança abusada demonstrou ser suficiente a cultura genital para diagnosticar 100% dos casos de gonorreia e clamídia (Ingram et al., 2001). Neisseria gonorrhoeae Geralmente ocorre leucorreia intensa e purulenta, que provoca, secundariamente, vulvite. É sempre necessário realizar cultura em meio específico para a confirmação do diagnóstico. Em todas as crianças com esse diagnóstico, deverá ser investigada a possibilidade de abuso sexual. Sabe-se que pré-púberes com cultura positiva são sempre sintomáticas. Especialistas divergem sobre a necessidade de cultura em meninas vítimas de abuso sexual assintomáticas, visto que, em 2.000 culturas positivas, apenas 1 era assintomática (Simmons; Hicks, 2005). Nossa conduta é realizar sempre cultura em meio de Thayer-Martin. Entamoeba histolytica A vulvovaginite por esse agente pode produzir ulcerações múltiplas nos lábios e na vagina, determinando secreções serosas e sanguinolentas em pacientes com história de diarreia incoercível. A amebíase pode afetar a uretra e ser o agente principal de fístulas retovaginais e de abscessos. O diagnóstico é feito pelo exame parasitológico de fezes (EPF) ou por biópsia de mucosa, que permite a visualização do parasita. Shigella sp. Esse é o agente etiológico entérico mais comum da mucopurulência ou do sangramento vaginal. Em 25% dos casos, está associado à diarreia aquosa, que pode preceder o quadro de vulvovaginite ou apresentar-se concomitantemente. Geralmente não causa dor, prurido ou disúria (Emans; Laufer; Goldstein, 2005).

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Enterobius vermicularis (oxiúrio) Essa vulvovaginite está associada a intenso prurido anal, perineal e nasal. A rota de transmissão é oral-fecal, sendo frequentemente encontrado em vários membros da família. O diagnóstico poderá ser feito pelo EPF com fita ou mesmo pela identificação de ovos em secreção vaginal. Streptococcus beta-hemolítico do grupo A (S. pyogenes) Estudos recentes sugerem que o Streptococcus pyogenes é um dos patógenos mais comuns de vulvovaginite em pré-púberes em idade média de 5 anos. Em um estudo retrospectivo, 80 pacientes foram avaliadas pela cultura de secreção vaginal e microscopia: 36% dos casos tiveram diagnóstico bacteriano; destes, 59% eram S. pyogenes. O quadro clínico é agudo, com prurido perineal e vulvar e leucorreia mucopurulenta ou serossanguínea. Eritema perianal e vulvovaginal estão presentes em todos os casos, provocando imagem em forma de oito no períneo. Pode ser precedido de patologia respiratória, otite ou impetigo (Sharma; Preston; Greenwood, 2004). Ao contrário da faringite, cujos sintomas são autolimitados, a vulvovaginite por esse agente, se não tratada, pode persistir por meses. O diagnóstico em nosso meio é realizado pela cultura da secreção vaginal ou pele adjacente. Não está claro se o tratamento dessa vulvovaginite pode prevenir complicações pelo S. pyogenes; entretanto, como em 75% das vezes há faringite concomitante, o tratamento acaba prevenindo a febre reumática aguda (Muller; Schmitt, 2004). Leucorreia sanguinolenta Sempre que ocorrer leucorreia sanguinolenta, é necessário realizar diagnóstico diferencial com infecção, corpo estranho, trauma, menarca ou tumor. Nas infecções, os agentes etiológicos mais frequentes são Shigella sp. e Streptococcus pyogenes; o corpo estranho mais comum é o papel higiênico. A menarca poderá ser suspeitada se houver sinal de desenvolvimento puberal, e a menarca isolada, rara, é diagnóstico de exclusão. Tumores e pólipos (papiloma, carcinoma de células embrionárias, adenocarcinoma de células claras, adenose vaginal), apesar de incomuns, devem ser excluídos (Accetta et al., 2001; Arbo et al., 2004).

60 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Condições dermatológicas Líquen escleroso e atrófico: doença crônica de etiologia desconhecida. Compromete grandes lábios, área perineal e perianal com intenso prurido, podendo apresentar inflamação secundária, erosões, disúria, fissuras e inclusive sangramento. A lesão é caracterizada por atrofia cutânea e descoloração. O curso natural é variável, frequentemente há a resolução dos sintomas até a puberdade, entretanto 18% das crianças afetadas desenvolvem sequelas por longo tempo (Fiorillo, 2004). Em casos severos, as complicações a longo prazo incluem fibrose e estenose vaginal, anal e meato uretral, podendo levar à disfunção sexual. O diagnóstico nas crianças é feito pela inspeção, e a biópsia é raramente necessária, contrastando com a população adulta. Sinéquia de pequenos lábios: as vulvovaginites crônicas associadas à carência de estrogênios podem causar aderência dos pequenos lábios, acometendo cerca de 0,6 a 5% das meninas pequenas, com pico inicial entre 13 e 23 meses de idade. O tratamento é necessário apenas quando a sinéquia for extensa e provocar desconforto vulvar, leucorreia ou sintomas urinários, uma vez que, quando iniciar o desenvolvimento puberal, ela poderá desaparecer por ação dos estrogênios endógenos. Quando necessário, o tratamento de escolha é o estrogênio conjugado tópico; na falha pode-se utilizar betametasona. A cirurgia fica reservada para casos resistentes a tratamento conservador e crianças que apresentem retenção urinária (Tebruegge; Misra; Nerminathan, 2007). A recorrência é frequente, ocorrendo em 39% dos casos. Prolapso de uretra: é a eversão da mucosa uretral seguida de edema. Apresenta-se como lesão avermelhada próxima à uretra, que, pelo tamanho, pode bloquear o introito vaginal, sugerindo tumor que protrui da vagina. Pode provocar retenção urinária, sangramento e inclusive necrose do tecido comprometido, se o diagnóstico e o tratamento não forem realizados imediatamente. A causa é desconhecida, mas está associada a hipoestrogenismo, sendo mais frequente entre meninas afrodescendentes entre 5 e 8 anos de idade. Verrugas genitais: há basicamente quatro tipos morfológicos de apresentação: lesões pequenas e circunscritas, lesões verrucosas e disseminadas,

pápulas da cor da pele e, a mais comum, o condiloma acuminata, lesão exuberante semelhante à couve-flor. O HPV pode ser transmitido pela mãe ao recém-nascido pelo canal de parto, por ocasião do nascimento, e poderá ocorrer um período de incubação de até 2 a 3 anos. Deve-se, no entanto, sempre afastar a possibilidade de abuso sexual, pois o HPV pode ser adquirido por transmissão sexual ou não sexual após o parto (Emans; Laufer; Goldstein, 2005). Ulcerações vulvares: são raras na população pediátrica, não sexualmente ativa. Nessa faixa etária, entretanto, muito pouco se sabe sobre a etiologia. Infecções virais como influenza A, Epstein-Barr e citomegalovírus podem estar associadas (Huppert et al., 2006). Em nossa experiência, acompanhamos caso associado à varicela, no qual múltiplas lesões comprometeram o períneo durante todo o período da doença, provocando leucorreia e disúria. Estudos atuais relatam úlceras vulvares por irritação crônica de vestimentas muito apertadas. O quadro clínico se dá com o aparecimento de uma ou mais úlceras dolorosas, maiores do que 1 cm, com base purulenta e frequentemente com sintomas de febre, diarreia, tosse, linfadenopatia, mialgia e náuseas (Cebosy; Balat; Inaloz, 2009. Farchi et al., 2009). A úlcera aparece principalmente no inverno e desaparece espontaneamente em dias a semanas, sem diagnóstico etiológico (Deitch; Huppert; Hillard, 2004). Em caso de persistência das lesões após esse período, deve-se pesquisar doença de Crohn; em úlceras recorrentes com envolvimento sistêmico e vasculites, deve-se pensar em doença de Behçet (Wetter; Bruce; MacLaughlin, 2008). As lesões não herpéticas foram associadas a doenças infecciosas severas, como salmonelose e mononucleose (Farchi et al., 2009). Em pacientes sexualmente ativas, estão relacionadas diretamente às DSTs, especialmente sífilis e herpes simples. Herpes simples tipo 1 e 2: o herpes genital pode ser causado tanto pelo tipo 1 como pelo tipo 2, provocando um quadro clínico similar ao da mulher adulta. A transmissão do herpes tipo 2 ocorre pelo contato íntimo com alguém contaminado, concluindo-se, primariamente, que

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tenha ocorrido por abuso sexual. A transmissão perinatal não é causa comum de herpes genital. Porém, o herpes tipo 1, primariamente oral-labial, pode ser autoinoculado na região vulvar.

Diagnóstico O exame ginecológico deve ser explicado para a paciente e seu responsável antes de ser realizado. É importante salientar que o orifício himenal tem forma e tamanho variáveis e que não será alterado pelo exame. Inicia-se a investigação colhendo material da vagina para a realização do exame a fresco com soro fisiológico (SF) a 0,9% e teste com hidróxido de potássio a 10% (1 gota de secreção vaginal ⫹ 1 gota de KOH a 10%, sendo positivo quando liberar odor amínico) e bacterioscópico (Gram). Devem-se solicitar também EPF (3 amostras) com pesquisa de oxiúrio (com fita), exame qualitativo de urina e urocultura. Os exames culturais da secreção vaginal poderão ser realizados quando o manejo inicial for insuficiente para a resolução do problema ou se existir suspeita de abuso sexual. Nesses casos, devem-se solicitar cultura para gonococo (meio de Thayer-Martin), imunofluorescência indireta, imunofluorescência indireta para clamídia, cultura ou PCR, que é o padrão-ouro. Pesquisa para hepatite B e C, sífilis e HIV. É difícil a valorização de uma cultura vaginal em meninas. Para interpretar os resultados de forma adequada, é preciso conhecer alguns dados de literatura, como o estudo de Hammerschlag (1978). Nesse trabalho, foi constatado que tanto a E. coli como a Gardnerella vaginalis podem ser hospedeiros normais na vagina de crianças, embora em algumas ocasiões possam causar processo inflamatório importante. Desse trabalho, resultou o conceito de organismos normais, porém potencialmente patogênicos. Nesses casos, o tratamento com antibióticos estará indicado apenas quando se observar no exame a fresco ou no Gram da secreção vaginal um elevado número de leucócitos polimorfonucleares, ou seja, mais de 10 por campo de 40 vezes associado à vulvovaginite. A coleta com pipeta infantil é habitualmente a mais utilizada, por ser simples, fácil de executar e por oferecer material adequado para as neces-

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sidades cotidianas. Em situações especiais, utiliza-se uma técnica que permite múltiplas coletas e que consiste na utilização de uma sonda uretral no 20, com cerca de 10 cm de comprimento, que serve como guia para uma alça calibrada (loop) e um bactopick (instrumentos de coleta). Dessa forma, podem ser realizadas várias coletas com uma única introdução pelo orifício himenal, garantindo, assim, a obtenção de material do terço superior da vagina (Accetta et al., 1993). Em nosso serviço, realizamos Gram preferencialmente da secreção vaginal. O bacteriológico é coletado com swab e enviado em meio de transporte para cultivo em ágar sangue. Pesquisas para gonococo e clamídia são feitas respectivamente em meio de Thayer-Martin e por imunofluorescência indireta, IgG e IgM. Na suspeita ou diagnóstico de corpo estranho, é possível realizar a irrigação da vagina em pacientes cooperativas, recuperando, na maioria das vezes, o corpo estranho (Bagnati et al., 1998). Utiliza-se sonda Foley pediátrica conectada a uma seringa de 50 mL com soro fisiológico a 0,9%, sendo injetados, com moderada pressão, aproximadamente 200 mL para irrigar a vagina e, por turbilhonamento, expulsar o corpo estranho (Smith; Berman; Quint, 2002). Se assim não for possível, procede-se à vaginoscopia sob anestesia geral, usando um cistoscópio pediátrico (ou histeroscópio) e SF a 0,9% para distender o canal. Os pequenos lábios são manualmente fechados para se manter a distensão vaginal. A vaginoscopia auxilia no diagnóstico de ureter ectópico, pólipos e tumores, oportunizando biópsias e inclusive tratamento cirúrgico definitivo. Smith, Berman e Quint (2002) relatam que, em todos os casos de remoção de corpo estranho (irrigação ou vaginoscopia), a paciente apresentava leucorreia com sangue ou “borra de café” (Quadro 3.3).

Tratamento Vulvovaginite inespecífica Como ilustra o Quadro 3.4, o tratamento da vulvovaginite inespecífica começa pelas medidas gerais e pelo aprimoramento da higiene, procurando modificar hábitos identificados como predisponentes para a aquisição dos sintomas. Também é importante afastar prováveis contactantes, como roupas justas, sabonetes alcalinos,

62 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

A corticoterapia tópica e/ou os anti-histamínicos sistêmicos podem ser utilizados nos casos em que predomina o prurido intenso, que não desaparece com as medidas adotadas anteriormente, desde que a vulvovaginite não seja fúngica. Devem-se evitar, sempre que possível, os corticosteroides fluorados e por períodos prolongados, para evitar atrofia do epitélio, formação de estrias e telangiectasias. Também é de grande utilidade o uso local de estrogênios quando a mucosa mostra-se macerada e friável.

QUADRO 3.3

Indicações de vaginoscopia > > > > > >

Sangramento vaginal anormal Suspeita e/ou remoção de corpo estranho Suspeita de tumor Biópsia dirigida Vulvovaginite rebelde Reparo de lesões

talcos, etc. Ainda nessa fase, podem ser utilizados banhos de assento com soluções antissépticas ou anti-inflamatórias enquanto se aguardam os resultados dos exames iniciais.

Nas vulvovaginites inespecíficas nas quais o teste do KOH a 10% é positivo, pode-se utilizar metronidazol oral. Nos casos recorrentes ou resistentes aos tratamentos, está indicado o uso da sulfa ou a antibioticoterapia sistêmica.

QUADRO 3.4

Tratamento das vulvovaginites inespecíficas: Medidas gerais de higiene Evitar roupas sintéticas, banhos de banheira, talco e perfume íntimos Urinar com joelhos afastados Higiene após esvaziamento intestinal da “frente para trás” Uso de sabão neutro para lavar roupa íntima Uso de sabonete neutro Banhos de assento > Permanganato de potássio 6%: diluir 10 mL de solução em 2 L de água fervida, 2 ⫻/dia, 15 min cada sessão, 10 dias; ou > Benzidamina: diluir um envelope em 2 L de água fervida, 2 ⫻/dia, 15 min cada sessão, 10 dias; ou > Banhos de assento com chá de camomila: 2-3 ⫻/dia, 15 min cada sessão, 10 dias. Medicação tópica > Creme de hidrocortizona 1 %: 3 ⫻/dia, 7-10 dias. > Clindamicina creme 2 ⫻/dia, 10-14 dias. Medicação sistêmica > Astemizol suspensão (antialérgico): 2 mg/10 kg de peso em crianças de 2 a 6 anos e 1/2 cp (5 mg) em crianças de 6 a 12 anos, 1 ⫻/dia, 5-10 dias. > Metronidazol pediátrico: 15 mg/kg/dia, divididos em 3 ⫻/dia, VO, 7 dias; ou > Sulfametoxazol ⫹ Trimetroprim suspensão: 6 semanas a 5 meses ⫽ 2,5 mL 2 ⫻/dia, VO, 10-14 dias; 6 meses a 5 anos ⫽ 5 mL 2 ⫻/dia, VO, 10-14 dias; 6 a 12 anos ⫽ 10 mL 2 ⫻/dia, VO, 10-14 dias; ou > Amoxacilina suspensão: 40 mg/kg/dia, divididos em 3 ⫻/dia, VO, 10-14 dias; ou > Amoxacilina-clavulanato suspensão 20-40 mg/kg/dia, divididos em 3 ⫻/dia, VO, 10-14 dias. > Cefalexina: 25-50 mg/kg/dia, divididos em 2 ⫻/dia, VO, 10 dias-14 dias.

Rotinas em Ginecologia

Vulvovaginite específica e outras condições Sempre que se estabelecer o diagnóstico de alguma DST, será mandatória a investigação de abuso sexual. No entanto, é importante lembrar que tanto a infecção por clamídia quanto por HPV pode ter sido adquirida no canal de parto. Nas Tabelas 3.2 e 3.3, são listadas as principais vulvovaginites específicas e outras condições genitais com seus respectivos tratamentos. Na Figura 3.3, apresenta-se

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um fluxograma de investigação cujo objetivo é auxiliar no raciocínio clínico nas situações mais frequentes, embora não sendo completo. Nos casos de vulvovaginites recorrentes ou resistentes a tratamentos cuidadosamente implementados, com ou sem sangramento vaginal, devem ser lembradas as possibilidades de presença de corpo estranho intravaginal (muito frequente nessa faixa etária), tumor e malformações genitais.

Tabela 3.2 Tratamento das vulvovaginites específicas Agente etiológico

Tratamento

Enterobius vermicularis

Mebendazol: 100 mg VO, 2 ⫻/dia, 3 dias. Repetir em 2 semanas. Tratar membros da casa. Albendazol: suspensão a 4%, 10 mL, VO, dose única. Albendazol: 400 mg, VO, dose única (crianças ⬎ 2 anos). Sulfametoxazol ⫹ trimetoprim: 50 mg ⫹ 10 mg/kg/dia, VO, divididos em 2 ⫻/dia, 7 dias. Ampicilina: 50 mg/kg/dia, VO, divididos em 4 ⫻/dia, 7-10 dias. Tinidazol: 50-60 mg/kg, VO, 1 ⫻/dia, 3 dias. Metronidazol: 15 mg/kg/dia, VO, divididos em 3 ⫻/dia, 7 dias. Metronidazol: 15 mg/kg/dia, VO, divididos em 3 ⫻/dia (máximo 250 mg/ dose), 7 dias. Clindamicina creme: 2 ⫻/dia, no introito vaginal, 10-14 dias. Miconazol, clotrimazol, terconazol, nistatina tópico: 2 ⫻/dia, 10-14 dias. Ceftriaxona*: ⬍ 45 kg, 125 mg IM, dose única; ⬎ 45 kg, 250 mg IM, dose única. Estearato de eritromicina**: 50 mg/kg/dia, VO, divididos em 3 ⫻/dia, 10 dias. ** Espectinomicina : 40 mg/kg (máximo 2 g) IM, dose única. Tratar clamídia. Azitromicina: 20 mg/kg (máximo 1 g), dose única. Doxiciclina: 8 anos e peso ⬍ 50 kg, 4-5 mg/kg/dia, VO, divididos em 2 ⫻/ dia, 7 dias; peso ⬎ 50 kg, 100 mg, VO, divididos em 2 ⫻/dia, 7 dias. Eritromicina: 50 mg/kg/dia, VO, divididos em 3 ⫻/dia, 10-14 dias. Metronidazol: 15 mg/kg/dia, VO, divididos em 3 ⫻/dia (máximo 250 mg/ dose) 7 dias. Haemophylus influenzae Amoxacilina: 20-40 mg/kg/dia, VO, divididos em 3 ⫻/dia, 7 dias. Cefalexina: 25-50 mg/kg/dia, VO, divididos em 4 ⫻/dia, 7-10 dias. Amoxacilina-clavulanato: 20-40 mg/kg/dia, VO, divididos em 3 ⫻/dia, 7-10 dias. Amoxacilina 20-40 mg/kg/dia, VO, divididos em 3 ⫻/dia, 7 dias. Penicilina V potássica: 125-250 mg, VO, em 3 ⫻/dia, 10 dias. Eritromicina 30 mg/kg/dia, divididos em 4 ⫻/dia, 10 dias.

Shigella sp.

Entamoeba histolytica Gardnerella vaginalis

Candida e outros fungos Neisseria gonorrhoeae

Chlamydia trachomatis

Trichomonas vaginalis

Staphylococcus aureus

Streptococcus pyogenes

* Primeira opção de tratamento. ** Opções de antibioticoterapia para os alérgicos à penicilina.

64 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela 3.3 Tratamento de outras condições Líquen escleroso

Sinéquia de pequenos lábios

Prolapso de uretra Corpo estranho Herpes simples

Condilomas

Clobetasol creme: 0,05%, 2 ⫻/dia, 4-6 sem, ou Dexametasona: 0,05%, 2 ⫻/dia, 4-6 sem. Manutenção: 2 ⫻/sem por até 1 ano para evitar recorrência ou sequelas. Estrogênio conjugado creme: 2 ⫻/dia, 3-4 sem, ou Dexametasona: 0,05%, 2 ⫻/dia, 1-3 meses. Manutenção: óleo mineral ou creme com vitamina A, mínimo por 3 meses. Estrogênio conjugado creme: 2 ⫻/dia, 1-4 sem. Correção cirúrgica, se necrose do tecido evertido. Remoção por lavagem ou vaginoscopia. Banho de assento com permanganato de potássio ou benzidamina. Xilocaína gel 2% e/ou analgésico VO se necessário. Uso de sabonete com iodopovidine para prevenir infecções secundárias. Aciclovir sistêmico na primoinfecção. Ácido tricloroacético: 50-85%, 1 ⫻/sem, 4 sem. (muito dolorosos). Podofilotoxina: 0,5%, 1 ⫻/dia, 3 dias. Lavar após 6 h. Parar 4 dias, 8-10 sem (pouco doloroso). Podofilina gel: 25%, 1-2 ⫻/sem. Lavar após 6 h, 4-12 sem. (mutagênico). Imiquimod: 2-3 ⫻/sem, Lavar após 6 h, 8-12 sem. Cimetidina: 30-40 mg/kg/dia, VO. Máximo 2.400 mg/dia, 8-12 sem. Exérese cirúrgica (lesões extensas). Crio ou eletrocautério.

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Rotinas em Ginecologia

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Queixa principal

Prurido intenso com ou sem vulvite com ou sem seceção

Vulvite + secreção escassa

Estrogenização presente

Não Patologia dermatológica

Ausência de queixa semelhante em outros familiares

Sim Fungos

Secreção aumentada + vulvite mínima

Exame com SF 0,9% Exame com KOH 10% Gram/culturas

Mesma queixa em outros familiares

EPF com fita E. vermicularis

Secreção aumentada sanguinolenta + vulvite mínima

Flora normal ou entérica

Agente específico

Estrogenização presente

Exame com SF 0,9% Exame com KOH 10% Gram / culturas

Lavagem vaginal ou vaginoscopia

Sim Leucorreia fisiológica

Não Leucorreia inespecífica Corpo estranho Anormalidade anatômica

Figura 3.3 Fluxograma de investigação. Fonte: Adaptada de Sharma, Preston e Greenwood (2004).

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Nas meninas pré-púberes com vulvovaginite de repetição e/ou higiene inadequada, qual é a situação clínica mais frequente? a. b. c. d. e.

Líquen escleroso atrófico. Dermatite de contato. Aderência de pequenos lábios. Dermatite de fraldas. Prolapso uretral.

2. Na infância, quando há secreção vaginal associada a sangramento, devemos fazer diagnóstico diferencial com algumas situações médicas, exceto: a. b. c. d. e.

Vulvovaginite por Trichomonas. Corpo estranho. Pólipo genital. Vulvovaginite por Shigela. Abuso sexual.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Ginecologia Infanto-Puberal: Puberdade e Menarca, Distúrbio Menstrual e Dismenorreia Solange Garcia Accetta Alberto Mantovani Abeche Jaqueline Neves Lubianca Rafaella Bombassaro

Puberdade A puberdade caracteriza-se por um conjunto de modificações biológicas que ocorrem como consequência da maturação do sistema nervoso central (SNC). Essas modificações resultam no aumento da secreção de esteroides sexuais pelas gônadas (gonadarca), as quais promovem o desenvolvimento das características sexuais secundárias e a função reprodutora. No feto, as concentrações de gonadotrofinas (FSH e LH) apresentam níveis adultos a partir da 20a semana de gestação, pois, nesse período, a unidade hipotálamo-hipófise está completamente funcionante. Os ovários têm capacidade para a esteroidogênese, e seu número de oócitos é máximo. As gonadotrofinas caem à medida que os altos níveis de esteroides da unidade fetoplacentária exercem um mecanismo de retrocontrole negativo. Após o nascimento, os estrogênios maternos diminuem no recém-nascido, e o mecanismo de retrocontrole negativo é liberado. As gonadotrofinas então se elevam, e os ovários funcionam em níveis puberais por

meses. Essa minipuberdade da recém-nascida é geralmente subclínica, mas algum grau de desenvolvimento mamário pode eventualmente ocorrer. A elevação transitória pode persistir até os 2 anos de idade. Após, os hormônios diminuem a níveis pré-puberais e assim persistem até os 8 anos de idade, período conhecido como pausa juvenil (Neinstein; Kaufman, 1991). A puberdade decorre do decréscimo na sensibilidade do mecanismo de retrocontrole negativo da unidade hipotalâmica-hipofisária aos esteroides sexuais e da redução da influência dos centros inibitórios. É a pulsatilidade do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) que determina a secreção de LH e FSH pela hipófise e inicia a puberdade. Entre 10 e 16 anos de idade, inicialmente ocorrem padrões pulsáteis do LH apenas durante o sono e, após essa idade, ocorrem pulsos semelhantes, mas de menor amplitude, durante as 24 horas do dia. Na idade adulta, os pulsos de LH ocorrem com intervalos de 1,5 a 2 horas, resultando em picos episódicos de estradiol e na ocorrência da menarca. Na metade da puberdade, ocorre a maturação do mecanismo de retrocontrole positivo do estradiol ao LH, o que deter-

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mina o início dos ciclos menstruais ovulatórios. A maioria das meninas inicia a puberdade entre 8 e 13 anos de idade. Em média, a sequência puberal de crescimento acelerado, desenvolvimento mamário (telarca), pelos pubianos (pubarca) e primeira menstruação (menarca), requer um período de 4,5 anos (1,5-6 anos). Geralmente, o primeiro sinal de puberdade é a aceleração do crescimento estatural acompanhado do surgimento do broto mamário, que ocorre em média aos 9,8 anos em meninas americanas. A pubarca pode ser o primeiro sinal de desenvolvimento puberal feminino (mais comum na raça negra e em apenas 10% das meninas brancas), o que pode significar uma variação normal ou, em alguns casos, refletir um excesso de androgênios, que posteriormente pode causar hirsutismo e irregularidade menstrual. Zerwes (1992) avaliou 1.018 escolares da zona urbana de Pelotas/RS e encontrou a mediana da idade da telarca aos 10,2 anos, e da pubarca, aos 10,9 anos, sendo que a média da menarca foi aos 11,8 anos, e a mediana, aos 12 anos. A idade de início da puberdade e da menarca é influenciada por vários fatores. Existe atualmente uma tendência de diminuição na média de idade de início da puberdade na população. O aumento na prevalência da obesidade é indicado como uma das causas dessa tendência, já que a composição corporal estimula o desenvolvimento e a manutenção dos eventos puberais (Rosenfield; Lipton; Drun, 2009). A leptina é proposta como um dos hormônios responsáveis pelo início e pela progressão da puberdade. Esse hormônio é produzido pelos adipócitos – quanto maior o adipócito, maior a produção de leptina. Em ratos, sua deficiência levou à não progressão da puberdade, e sua administração, ao início da puberdade. O índice de Massa Corporal (IMC) elevado associou-se a altos níveis séricos de leptina e à puberdade mais precoce em meninas. Alguns estudos recentes mostraram ainda a contribuição de fatores genéticos na idade da menarca, identificando genes relacionados à menarca mais precoce. Um estudo norte-americano utilizando dados do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) 1998-1994 e 1999-2002 evidenciou um declínio de 2,3 meses na média da menarca entre os dois grupos (12,53  12,34) (Anderson; Must, 2005). Outro estudo america-

no identificou um declínio de 4,9 meses na idade da menarca comparando 1960 a 1999-2002. Baseado nessas tendências, foi realizado um estudo americano em 1997 para definir a idade de início do desenvolvimento puberal em mais de 17.000 meninas saudáveis nos EUA. O resultado mostra uma média de 8,9 anos para telarca e 8,8 anos para pubarca em afro-americanas, e 10 anos para telarca e 10,5 anos para pubarca em meninas brancas (Anderson; Dallal; Must, 2003).

Menarca e crescimento linear O termo menarca significa a primeira menstruação e traduz um importante evento no amadurecimento do eixo hipotálamo-hipófise-ovários (HHO). A menarca sucede o pico de crescimento e ocorre na maioria das meninas no estágio IV de Tanner (ver Cap. 3). A idade da menarca não é fixa para todas as populações, pois vários fatores a influenciam: nutricionais, esportivos, geográficos, familiares, etc. Adolescentes afetadas por desnutrição crônica e/ou enfermidades crônicas graves frequentemente apresentam puberdade tardia. Estima-se que 17 a 18% da altura adulta sejam alcançados durante a puberdade. O pico de crescimento varia de acordo com o sexo, ocorrendo aproximadamente 2 anos antes em meninas e, em média, 6 meses antes da menarca (Biro, 2006). O principal fator responsável pelo crescimento puberal normal é o fator de crescimento insulina-like I (somatomedina-C ou IGF-I), o mediador da indução do crescimento pelos esteroides sexuais. O aumento dos esteroides sexuais aumenta a secreção do hormônio de crescimento, que estimula a produção do fator de crescimento insulina-like I. As meninas ganham cerca de 25 cm em altura durante a puberdade. Após a menarca, a menina cresce em média 4 a 6 cm, porém, há uma ampla dispersão quanto a essa variável. Observa-se que o ganho estatural pós-menarca está inversamente relacionado à idade da menarca: quanto menor a idade, maior o ganho estatural. É importante considerar que a menarca indica a fase de desaceleração do crescimento longitudinal, portanto, é pouco provável que uma menina que chegue com baixa estatura na menarca possa ter uma alta estatura no final da puberdade.

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Em relação à massa óssea, cerca de 50% do cálcio corporal total das mulheres e 50 a 75% do cálcio total dos homens são adquiridos na puberdade. No fim da puberdade, os homens têm 50% mais cálcio total do que as mulheres.

Distúrbio menstrual na adolescência O marco endócrino final da puberdade é a ovulação, que ocorre com o surgimento de um mecanismo de retrocontrole positivo do estrogênio sobre a hipófise e o hipotálamo. Isso determina o aparecimento do pico de LH na metade do ciclo menstrual e a ovulação. As menstruações que se seguem à menarca são geralmente anovulatórias, irregulares e ocasionalmente abundantes. Segundo Speroff e colaboradores (1991), a anovulação prolonga-se até 18 meses após a menarca. O sangramento menstrual na adolescência frequentemente decorre da estimulação estrogênica prolongada sem oposição da progesterona, e depende da duração e da intensidade do estímulo estrogênico do endométrio. O fluxo pode ser escasso, normal ou intenso, e o ciclo menstrual pode ser curto, normal ou longo. O sangramento uterino que não segue os parâmetros considerados normais do ciclo menstrual pode ser definido como distúrbio menstrual. A média de intervalo do ciclo menstrual na mulher adulta é de 28 dias (24-35 dias), com a menstruação durando de 4 a 6 dias e média de perda de sangue de 30 mL/ciclo, com limite máximo de normalidade de 80 mL/ciclo. Apter e Vihko (1983) observaram 80% de ciclos menstruais anovulatórios no primeiro ano após a menarca, 50% no terceiro ano e 10% no sexto ano. Aproximadamente todas as pacientes alcançaram um padrão adulto estável em 7 anos após a menarca, e aquelas que permaneceram irregulares ou anovulatórias poucas vezes ovulavam espontaneamente. Em outro estudo, 55 a 82% das adolescentes alcançaram ciclos regulares e ovulatórios em 24 meses, enquanto 22% permaneceram com ciclos anovulatórios ou oligovulatórios. Algumas adolescentes poderão alcançar ciclos ovulatórios somente após 5 anos de menarca.

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Pacientes com menarca tardia apresentam prevalência maior de irregularidades menstruais (Apter; Vihko, 1983). Neste capítulo, iremos abordar as condições clínicas mais frequentemente relacionadas a irregularidades menstruais na adolescência. Não temos a pretensão de abordar todas as condições clínicas possíveis. A maioria das adolescentes alcança ciclos regulares e ovulatórios em 24 meses após a menarca (Rimsza, 2002).

Sangramento uterino anormal Sangramento uterino anormal (SUA) é uma das situações clínicas mais frequentes entre adolescentes. Caracteriza-se por sangramento durando mais de 7 dias, fluxo superior a 80 mL/ciclo (mais de 6 absorventes ou tampões cheios/dia), com intervalo menor que 21 dias ou maior que 45 dias, intervalo entre ciclos superior a 90 dias, sangramento intermenstrual ou pós-coito. Ciclos anovulatórios são a causa mais comum de SUA em adolescentes. O tempo necessário para a regularização dos ciclos parece estar relacionado à idade da menarca: quanto mais cedo a menarca ocorre, mais precocemente o ciclo se torna ovulatório (segundo estudo realizado por Apter e Vihko em 1983, em meninas com menarca antes dos 12 anos, 50% apresentam ciclos ovulatórios 1 ano após a primeira menstruação; em meninas com menarca após 13 anos, 50% apresentam ciclos ovulatórios apenas 4,5 anos após). Essa variação importante nos primeiros anos após a primeira menstruação está relacionada à imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano. Porém, SUA pode ser causado por uma grande variedade de condições, relacionadas ou não ao trato genital, a distúrbios sistêmicos ou a medicações (gestação, infecção, estresse, uso de hormônios exógenos, etc). Portanto, todas as patologias potencialmente associadas a SUA devem ser afastadas antes que seja feito diagnóstico de sangramento uterino disfuncional (SUD), que é caracterizado por sangramento irregular não associado a qualquer patologia de base, e que tem como principal causa os ciclos anovulatórios. SUD é um diagnóstico de exclusão.

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Tabela 4.1 Diagnóstico diferencial de SUA em adolescentes Sangramento uterino anovulatório Complicações obstétricas Infecção – DIP / endometrite / cervicite / vaginite Anormalidades vaginais – laceração / carcinoma Anormalidades cervicais – cervicite / pólipo / carcinoma Anormalidades uterinas – mioma submucoso / pólipo / anomalia congênita Discrasia sanguínea – trombocitopenia / coagulopatias / doença hepática Distúrbios endócrinos – tireoidopatia / distúrbio adrenal / hiperprolactinemia / SOP Distúrbios ovarianos – cisto / tumor Endometriose Trauma Corpo estranho Doença sistêmica – DM / doença renal / LES Drogas – hormônios / anticoagulantes / espironolactona DIP, doença inflamatória pélvica; DM, diabete melito; LES, lúpus erimatoso sistêmico.

Avaliação A avaliação de SUA inicia por anamnese detalhada e exame físico cuidadoso. Os dados da história do sangramento devem ser obtidos com e sem a presença do responsável pela adolescente. É necessário especificar a data da menarca, a duração, a frequência e a regularidade dos ciclos, a quantidade de sangramento nos ciclos subsequentes e as ocorrências de outros sintomas. Obter informações sobre início das relações sexuais e história médica pregressa (doença renal, hematológica, endocrinopatia, etc.). É importante questionar sobre dor pélvica, febre, secreção vaginal, uso de contraceptivos ou outras medicações, além de investigar hábitos alimentares e atividade física. O exame físico inclui sempre peso e altura, sinais de hiperandrogenismo, exame das mamas (estágio de Tanner) e distribuição dos pelos pubianos, assim como inspeção dos genitais. Em caso de suspeita de alterações anatômicas, o exame especular e o toque vaginal podem ser úteis em pacientes não virgens; em pacientes virgens, pode-se fazer uso de ecografia pélvica para visualização dos órgãos pélvicos. Como parte dessa avaliação inicial, solicitamos ainda exames laboratoriais, que devem incluir β-hCG, hemograma completo com contagem de plaquetas e TSH. Quando o SUA for por excesso de fluxo, deve-se solicitar também fibrinogênio, tempo de protrombina (TP) e tempo

de tromboplastina ativada (TTPa) (Warner et al., 2004). Na vigência de sangramento grave ou prolongado ou ainda exames iniciais anormais, devemos solicitar: antígeno do fator de von Willebrand, fator VIII, antígeno do fator XI, ristocetina C e estudo de agregação plaquetária (Sanfilippo; Lara-Torre, 2009). As infecções genitais, incluindo doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), podem estar associadas a sangramento anormal. As adolescentes usuárias de anticoncepcional oral (ACO) com sangramento intermenstrual têm infecções por clamídia mais frequentemente do que adolescentes com padrão de sangramento normal. É importante manter um alto índice de suspeição para DSTs em adolescentes com sangramento anormal, e as culturas do canal endocervical devem ser solicitadas.

Tabela 4.2 Investigação de sangramento anormal em adolescente – avaliação inicial de SUA

β-hCG HMG com contagem de plaquetas TSH Fibrinogênio (TP) (TTPa) Fonte: Adaptada de Sanfilippo e Lara-Torre (2009).

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Tabela 4.3 Avaliação de SUA em pacientes com suspeita de coagulopatias Fator VIII Antígeno fator XI Ristocetina C Estudo de agregação plaquetária Fator de von Willebrand Fonte: Adaptada de Sanfillipo e Lara-Torre (2009).

Uma vez excluída a possibilidade de gestação, deve-se determinar se o sangramento é cíclico ou irregular. Em caso de sangramento cíclico, parece haver uma alteração na síntese e na liberação de prostaglandinas, o que justifica o uso de anti-inflamatórios no tratamento dessa situação. Nesses casos, sempre devem ser lembradas as discrasias sanguíneas, patologias comuns em quadros de sangramento ovulatório. Porém, SUD geralmente é causado por ciclos anovulatórios e ocorre pelo estímulo estrogênico exacerbado do endométrio sem ação oposta da progesterona, causando proliferação exagerada endometrial e, consequentemente, sua instabilidade. Antes de confirmar o diagnóstico de SUD, é necessário excluir outras causas de irregularidade menstrual. Devem ser considerados os diagnósticos de síndrome dos ovários policísticos (SOP), hiperplasia adrenal congênita, tumores ovarianos ou da suprarrenal, síndrome de Cushing, hiperprolactinemia e disfunção tireoidiana como causadores de sangramento irregular em adolescentes. Em adolescentes com história de sangramento anovulatório durando 2 a 3 anos (anovulação crônica), deve-se considerar biópsia endometrial pelo risco de carcinoma endometrial, principalmente em adolescentes obesas e com história familiar positiva (American College of Obstetricians and Gynecologists, 2004).

Manejo O manejo de SUA originado de doença de base identificável deve ser feito de acordo com cada patologia. Porém, o manejo de SUD segue o seguinte modelo: estabilizar a paciente hemodinamicamente, corrigir a possível anemia crônica ou aguda existente, retornar ao modelo normal dos ciclos menstruais, prevenir a recor-

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rência de sangramento anormal e evitar as consequências a longo prazo, como infertilidade e carcinoma de endométrio. Mais de 90% das adolescentes com SUD respondem à terapia hormonal (Strickland; Wall, 2003). A administração de estrogênio causa proliferação endometrial nos sítios de descamação, promovendo hemostasia, e a administração de progesterona cessa a proliferação endometrial e estabiliza o endométrio. A escolha da medicação depende da gravidade do sangramento e da necessidade ou não de anticoncepção. Estrogênio pode ser usado em todas as pacientes com sangramento ativo, uma vez que promove hemostasia, na forma oral ou intravenosa. Infelizmente, não está mais disponível no nosso meio estrogênio equino conjugado de uso intravenoso. Progesterona pode ser usada para amadurecer e descamar o endométrio em pacientes que não apresentam sangramento ativo e não desejam contracepção. O manejo de SUD leve (menstruação com duração prolongada ou ciclos mais curtos que o usual por mais de 2 meses) deve ser observação e reavaliação em pelo menos 3 a 6 meses. O uso profilático de ferro elementar deve ser considerado, sendo a orientação para o uso de calendário menstrual (CM) imprescindível para melhor seguimento. O SUD moderado (fluxo menstrual aumentado, ocorrendo a cada três semanas aproximadamente, causando anemia, porém sem sintomas de hipovolemia ou instabilidade hemodinâmica), sempre inclui terapia hormonal e suplementação de ferro. Se essas pacientes não apresentam sangramento ativo no momento da avaliação, temos à disposição o uso de hormônio combinado ou de progesterona isolada (medroxiprogesterona oral 10 mg/dia nos primeiros 10 ou 12 dias do mês ou norentidrona 5 mg/dia nos primeiros 10 ou 12 dias do mês ou progesterona oral micronizada 200 mg/dia nos primeiros o 12 dias do mês ou a partir do 14 dia do ciclo). Em estudo de Edelman e colaboradores (2006), a norentidrona mostrou-se mais efetiva no controle do sangramento em relação ao levonorgestrel. Porém, se a paciente apresenta sangramento ativo, a melhor resposta ocorre com uso de contraceptivos orais combinados (há vários esquemas sugeridos, entre eles: ACO 3x/dia até

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cessar o sangramento, geralmente dentro de 48 h, depois 2x/dia por 5 dias e depois 1x/dia até completar 21 dias de tratamento hormonal). O tratamento com ACO, uso habitual, deve ser prolongado por 3 ou 4 meses e então ser cessado para avaliação dos ciclos menstruais por meio do calendário menstrual. Essa avaliação deve ser realizada em 3 a 4 meses.

5 dias ou até a dose máxima segura de 3 g/ dia (Accetta et al., 2000). Em último caso, se o sangramento não responde a qualquer dos tratamentos clínicos disponíveis, deve-se realizar curetagem uterina. Essas pacientes com SUD grave devem ser acompanhadas com frequência (1-3 meses) após o episódio de sangramento e por um período mais longo (6-12 meses).

Por fim, no SUD grave (sangramento que causa anemia grave – Hb  10 g/dL – com ou sem instabilidade hemodinâmica), a internação é indicada em caso de instabilidade hemodinâmica, Hb  7 g/dL e anemia sintomática. Nessas pacientes, devem ser solicitadas provas de coagulação antes da realização de transfusão sanguínea, caso esta seja indicada, ou uso de estrogênio. A primeira linha de tratamento é geralmente ACO combinado com altas doses de estrogênio (etinilestradiol 50 μg / levonorgestrel 0,025 mg 4/4 h até o sangramento diminuir – geralmente 24 h, e então uso 4x/dia por 4 dias, então 3x/dia por 3 dias e então 2x/dia por 2 dias, 1x/dia até completar 21 dias). Nessas doses diárias de etinilestradiol, é necessário uso de antiemético, sendo eventualmente necessário uso de analgésico para cefaleia.

O manejo a longo prazo, após cessar o sangramento agudo, depende da presença de anemia e do desejo ou não de contracepção. ACO combinado de baixa dose deve ser utilizado em pacientes que desejam contracepção ou nas que precisaram de medicação por mais tempo ou em maiores doses para controle inicial do sangramento. Progesterona isolada pode ser usada em pacientes que não desejam contracepção. Se não há anemia importante, pode-se usar o esquema cíclico (com pausa ao fim de cada cartela); se há anemia, devem-se usar os hormônios de forma contínua até que a hemoglobina retorne ao seu valor normal. O tratamento hormonal deve ser mantido por 3 a 6 meses.

Em pacientes refratárias ao tratamento com progesterona isolada e/ou com contraindicação ao uso de estrogênio, deve ser usado ácido aminocaproico ou desmopressina. O estrogênio conjugado IV (25 mg) controla o sangramento em aproximadamente 70% das pacientes e é administrado a cada 4 a 6 h até o sangramento cessar, porém, como informado anteriormente, não está disponível no Brasil. Uma opção de tratamento é o uso de ácido tranexâmico (antifibrinolítico) na dose de 500 mg 3x/dia por

Como regra geral, o sangramento uterino disfuncional tende a se resolver com a maturação do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano.

Síndrome dos ovários policísticos A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é responsável pela maioria dos casos de hiperandrogenismo em mulheres, independentemente da faixa etária. Sua presença significa um aumento considerável no risco de infertilidade, síndrome plurimetabólica, diabete melito tipo 2 e doença cardiovascular. Essa patologia deve ser considerada em todas as adolescentes com sinais de hir-

Tabela 4.4 Classificação do SUD e tratamento Classificação Definição

SUD Leve Fluxo menstrual aumentado ou ciclos curtos por mais de 2 meses

HMG

Hb normal ( 12 g/dL)

Conduta

Observar (CM) e reavaliar em 3-6 meses

SUD moderada Fluxo menstrual prolongado ou frequente (a cada 3 semanas), moderado a intenso Anemia leve (Hb 10-12 g/ dL) Terapia hormonal e suplementação de ferro

SUD grave Fluxo menstrual intenso/ sangramento grave

Anemia grave (Hb  10 g/dL) / instabilidade hemodinâmica Internação / transfusão sanguínea / tratamento hormonal / tratamento cirúrgico

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sutismo, acne persistente, irregularidade menstrual e/ou obesidade. O excesso de androgênio intraovariano parece ser responsável pela anovulação e pela formação de múltiplos cistos ovarianos. Não se sabe ao certo em que local inicia o processo, que pode ser central (iniciando no hipotálamo/hipófise) ou periférico (iniciando no próprio ovário ou na suprarrenal). Na hipótese de disfunção hipofisária, existiria um aumento do GnRH devido a uma disfunção no processo de feedback dos esteroides sexuais (a supressão da frequência do pulso das gonadotrofinas pelo estradiol e pela progesterona estaria diminuída), o que levaria a um aumento da frequência no pulso de LH e um consequente aumento geral nos níveis do LH. Na hipótese de disfunção ovariana, o excesso de androgênio ovariano causado por uma esteroidogênese anormal levaria a um crescimento excessivo de pequenos folículos ovarianos concomitante à inibição da maturação e do desenvolvimento do folículo dominante. Isso resultaria em ovários policísticos e hiperplasia estromal e tecal. O que se sabe realmente é que existem defeitos no processo de esteroidogênese (envolvendo os sistemas insulina/IGF, inibição/ativação, hormônio antimülleriano), que coordena a formação de androgênios pelas células da teca e de estrogênio pelas células da granulosa. Esses defeitos causam uma resposta exagerada ao estímulo do LH e uma disfunção na resposta de feedback negativo, que controlaria a secreção de androgênios quando os níveis de LH ultrapassassem o seu nível fisiológico. Sabe-se também que aproximadamente metade das pacientes com SOP apresenta alguma disfunção adrenal (Carbunaru et al., 2004) e que o hiperinsulinismo é um importante fator externo para a desregulação da esteroidogênese, já que estimula excessivamente o IGF-I, o que resulta em aumento da produção de androgênios pelo bloqueio do feedback negativo ao LH. Como conclusão, temos que a SOP é o resultado de alguns defeitos no sistema de feedback do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano associados a fatores externos que contribuem para a disfunção na produção de esteroides pelo ovário. A SOP apresenta manifestações clínicas muito heterogêneas, porém, as características frequentemente presentes são: hiperandrogenismo (que

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inclui hirsutismo, acne, alopecia androgenética), irregularidade menstrual (geralmente oligo ou amenorreia), ovários policísticos ao exame de imagem e obesidade. Em pacientes que apresentam hiperinsulinemia, pode ocorrer Acantosis nigricans, e as áreas mais frequentemente afetadas são a região axilar e o pescoço. Segundo os critérios de Rotterdam, definidos em encontro das sociedades europeia e americana em 2003, o diagnóstico de SOP exige pelo menos 2 dos 3 critérios a seguir: irregularidade menstrual devido à anovulação ou oligo-anovulação; hiperandrogenismo evidenciado clinicamente (hirsutismo, acne, calvície de modelo masculino) ou bioquimicamente (concentração de androgênios séricos aumentada); ovários policísticos à ultrassonografia. É necessário também que haja a exclusão de outras causas (diagnóstico diferencial) (Rotterdan ESHRE/ASRM-Sponsared PCOS Consensus Workshop Group, 2003). Diferentemente dos critérios de Rotterdam, que possibilitam diagnosticar SOP unicamente pelos ovários policísticos na ultrassonografia e pela disfunção ovulatória, a Androgen Excess Society enfatiza a necessidade de existir hiperandrogenismo para garantir o diagnóstico de SOP (Azziz et al., 2006). Em adolescentes, o diagnóstico de SOP é um desafio, porque é difícil distinguir anovulação fisiológica da adolescência de anovulação por distúrbio endócrino; ovários multicísticos são comuns em adolescentes sem SOP, e a identificação de ovários policísticos em ado-

QUADRO 4.1

Critérios diagnósticos de SOP – Rotterdam (presença de 2 dos 3 critérios a seguir com exclusão de outras causas) Irregularidade menstrual devido à anovulação ou oligoanovulação Evidência clínica ou bioquímica de hiperandrogenismo > clínica: hirsutismo, acne, alopecia de características masculinas > bioquímica: androgênios com níveis séricos aumentados Ovários policísticos (em ultrassonografia)

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Tabela 4.5 Diagnóstico diferencial de SOP em adolescentes Hiperplasia adrenal congênita – clássica / não clássica Distúrbios adrenais – síndrome de Cushing / resistência ao cortisol Hiperprolactinemia Acromegalia Síndrome de resistência insulínica Tumor adrenal ou ovariano virilizante Tireoidopatia Drogas – ácido valproico / anabolizante Outras causas raras – hermafroditismo / shunt porto-hepático Idiopático

lescentes com esse distúrbio é mais difícil na impossibilidade de realização da ultrassonografia por via transvaginal (em pacientes virgens). A investigação de SOP em adolescentes baseia-se nos critérios descritos no Quadro 4.1. O diagnóstico diferencial deve incluir hiperplasia adrenal congênita não clássica (é a segunda causa mais comum de hiperandrogenismo em adolescentes), síndrome de Cushing, hiperprolactinemia, acromegalia, disfunção tireoidiana, uso de drogas (anabolizantes, ácido valproico) e, por fim, hiperandrogenismo idiopático. A dosagem de testosterona superior a 2 ng/mL ou sulfato de dihidroepiandrosterona (SDHEA) superior a 7 ng/mL requer uma avaliação suplementar para investigação de tumor ovariano e adrenal, respectivamente. Uma dosagem elevada de 17 hidroxiprogesterona (17OHP) basal sugere hiperplasia adrenal de início tardio. O teste de estímulo com hormônio adrenocortitrópico (ACTH) (0,25 mg de ACTH IM) pode identificar uma resposta exagerada da 17OHP e confirma o diagnóstico da deficiência de 21-hidroxilase (21-OH). Os valores basais de 17OHP igual ou superior a 5 ng/mL ou valores estimulados após 60 minutos de ACTH IM igual ou superior a 10 ng/mL sugerem o diagnóstico de deficiência de 21-hidroxilase (Spritzer et al., 1996). Androgênios podem apresentar níveis basais moderadamente elevados. Em um estudo realizado no Brasil com 28 meninas apresentando pubarca precoce, foram diagnosticados seis casos (21,42%) de hiperpla-

sia adrenal congênita de forma não clássica por deficiência da 21-hidroxilase. Em cinco meninas (83,33%), a dosagem basal de 17OHP foi normal, e o diagnóstico somente pôde ser confirmado após o teste funcional com ACTH (Accetta, 2002, 2004). Para a investigação da síndrome de Cushing, a determinação da cortisolúria de 24 horas é a forma mais fidedigna e prática. Na suspeita dessa entidade, deve-se ter pelo menos 2 ou 3 medidas consecutivas em urina de 24 horas, acompanhadas da dosagem de creatinina urinária para garantir a adequação da coleta. Outro instrumento é o teste de supressão noturna com dexametasona 1 mg, VO, às 23 horas, e dosagem de cortisol sérico às 8 horas da manhã seguinte. Essa dosagem deve ser inferior a 5 μg/ dL. As dosagens superiores a esse valor indicam necessidade de investigação suplementar. A hiperprolactinemia está frequentemente associada a baixos níveis de gonadotrofinas e pode ter causa patológica (adenomas, hipotireoidismo), farmacológica (metroclopramida, estrogênios, anticoncepcionais orais, sulpirida, fenotiazidas, haloperidol, reserpina, metildopa, inibidores da MAO, anfetaminas, cimetidina) e idiopática. O diagnóstico é realizado por dosagens matinais de prolactina acima de 25 ng/mL. Essas pacientes comumente apresentam amenorreia e galactorreia. Uma vez realizado diagnóstico de SOP, as pacientes devem ser investigadas para síndrome metabólica, e teste de tolerância à glicose (TTG) deve ser solicitado. Dois terços das pacientes com SOP que não são obesas apresentam sobrepeso e adiposidade central. Cerca de 20 a 30% apresentam síndrome metabólica, e aproximadamente 10% apresentarão DM2 (Coviello; Legro; Dunaif, 2006).

Manejo O tratamento da SOP em adolescentes baseia-se no tratamento das manifestações clínicas e das necessidades individuais de cada menina, considerando sua idade e o período da adolescência. O anticoncepcional combinado pode ser tratamento de primeira linha, pois resolve a irregularidade menstrual e ainda diminui os níveis de androgênios, podendo minimizar várias queixas, como pele oleosa, acne e hirsutismo. É possível ainda fazer uso de antiandrogênicos (espironolactona) e de medidas cosméticas, como eletró-

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lise para o hirsutismo. Quando as queixas são restritas à irregularidade menstrual, pode ser suficiente o manejo com progestágenos ou progesterona natural em segunda fase do ciclo. O uso da metformina nas pacientes com diagnóstico de resistência insulínica deve ser lembrado, pois além de auxiliar no retorno dos ciclos ovulatórios, também contribui para a perda de peso (Hoeger et al., 2008). Outras medicações não são comumente indicadas para adolescentes. É muito importante o manejo precoce nessas meninas, pois é possível instituir tratamento educativo, com compreensão das características clínicas da doença e aceitação de intervenções no estilo de vida, quando isso se fizer necessário. Incentivo à atividade física e ao controle do peso corporal pode ser determinante para uma vida saudável.

Dismenorreia A dismenorreia é a queixa ginecológica mais comum em adolescentes e a principal causa de absenteísmo na escola ou no trabalho. A dismenorreia primária é caracterizada como dor em cólica, recorrente, localizada no abdome inferior, que ocorre no período menstrual, na ausência de doenças que a justifiquem. A fisiopatologia da dismenorreia primária envolve a produção exagerada de prostaglandinas (PGF 2 alfa e PGE 2) pelo endométrio. Fosfolipídeos presentes nas membranas celulares são convertidos em ácido aracdônico que, por sua vez, sofre a ação das enzimas lipoxigenase e cicloxigenase, dando início a uma cascata de reações que culminam com a produção de prostaglandinas e leucotrienos no útero. Essas substâncias causam contrações miometriais e vasoconstrição, respectivamente, com resultante isquemia local manifestada pela dor em cólica, característica da dismenorreia. A prevalência da dismenorreia em adolescentes oscila entre 60 e 70%, com apenas 10% dessas apresentando alguma anormalidade que justifique a presença do sintoma (dismenorreia secundária). A causa mais comum de dismenorreia secundária em adolescentes ou mulheres adultas é a endometriose. A dismenorreia pode ser classificada em primária (sem doença subjacente) ou secundária (com doença subjacente).

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A endometriose, definida pela presença de glândulas ou estroma endometrial fora da cavidade endometrial, está presente em cerca de 40% das adolescentes com dor pélvica crônica. Até 47% dessas meninas irão submeter-se à laparoscopia para diagnóstico (Kontoravids et al., 1999). Há várias teorias para explicar a etiologia da endometriose, o que corrobora a ideia de que a doença é multifatorial. A teoria de Sampson sugere que a endometriose provém da menstruação retrógrada, caracterizada pelo transporte de tecido endometrial pelas tubas uterinas e sua implantação em outras estruturas pélvicas. Outros mecanismos fisiopatológicos para a doença podem ser encontrados no Capítulo 10, Endometriose. A presença de endometriose em adolescentes com alguma anomalia congênita, malformação mülleriana obstrutiva do trato genital (agenesia vaginal, septo vaginal transverso, hímen imperfurado) ratifica a teoria de Sampson. Afastar a possibilidade dessas anomalias é obrigatório quando se faz o diagnóstico de endometriose em adolescentes. Anomalias müllerianas frequentemente se associam a malformações urológicas (rim único, rim pélvico). A avaliação morfológica poderá ser feita inicialmente com ultrassonografia pélvica, mas o exame de imagem de escolha para detecção das anomalias müllerianas é a ressonância nuclear magnética. Adolescentes com endometriose apresentam dor pélvica cíclica ou acíclica, com ou sem sintomas gastrintestinais (constipação, sangramento retal) ou geniturinários (disúria, urgência, hematúria). Endometrioma, dispareunia e infertilidade, comuns em mulheres adultas com endometriose, não são frequentes em adolescentes com endometriose. Outras causas de dismenorreia secundária podem ser vistas na Tabela 4.6.

Manifestações clínicas e diagnóstico A dismenorreia primária não costuma ocorrer antes do estabelecimento de ciclos ovulatórios, por isso é mais frequentemente observada 1 a 3 anos após a menarca. A dor é de intensidade variável, em cólica, e localizada nos quadrantes inferiores do abdome. A severidade da dismenorreia pode ser categorizada utilizando-se um escore de gravidade (Tab. 4.7) que considera a

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Tabela 4.6 Principais causas de dismenorreia secundária Causas ginecológicas Endometriose Adenomiose Cisto de ovário Aderências pélvicas Doença inflamatória pélvica Pólipo uterino Malformações congênitas müllerianas obstrutivas Estenose cervical Causas não ginecológicas Doença inflamatória pélvica Síndrome do cólon irritável Obstrução da junção ureteropélvica Transtornos psicogênicos

intensidade da cólica menstrual, a presença de sintomas sistêmicos e o impacto nas atividades diárias (Andersch; Milsom, 1982). Sintomas como náuseas, vômitos, diarreia, cefaleia e vertigem são os mais referidos em associação com a dor. Costumam aparecer algumas horas antes da menstruação e podem persistir por 1 a 3 dias. O exame físico é normal. O diagnóstico é clínico, mas considera a exclusão de causas orgânicas. A dismenorreia secundária tem causa orgânica, e os sintomas são correlacionados. Incide com a a maior frequência na 4 e 5 décadas de vida. A dor pode iniciar com a menarca ou anos após e pode ter início súbito. Sintomas são variáveis e incluem febre, tumor abdominal, corrimento

vaginal, infertilidade, dispareunia, sangramento menstrual excessivo, etc. Durante o exame físico, podem-se observar achados compatíveis com a causa da dismenorreia, como massa anexial, endocervicite, endometrite ou aumento uterino. Sintomas compatíveis com endometriose já foram descritos anteriormente. O exame físico nesse caso tem pouca sensibilidade para o diagnóstico em meninas, sendo normal na maioria das vezes, pois ainda não houve tempo para a doença causar as alterações anatômicas observadas em mulheres adultas (útero fixo e retroversofletido, com mobilização dolorosa, fundo-de-saco vaginal doloroso ou nodular). A suspeita da doença ocorre quando há ausência de resposta ao tratamento de primeira linha para dismenorreia primária. O diagnóstico é por videolaparoscopia. Para outras causas de dismenorreia secundária, a presença de achados clínicos sugestivos indica a necessidade de exames complementares: ultrassonografia, culturas endocervicais, etc., de acordo com a suspeita clínica.

Tratamento O tratamento de primeira linha para dismenorreia é feito com anti-inflamatório não esteroide (AINE) (Chantler; Mitchell; Fuller, 2009). A medicação deverá ser iniciada 1 a 2 dias antes do início do fluxo menstrual e mantida por 2 a 3 dias ou até o término do fluxo (máx. 5 dias). Os agentes mais frequentemente empregados são o ibuprofeno e o naproxeno. Uma metanálise envolvendo 56 ensaios clínicos randomizados comparou analgésicos com pla-

Tabela 4.7 Escore verbal multidimensional para avaliação de dismenorreia Grau Grau 0: menstruação sem dor. unaffected Grau 1: menstruação com dor leve Grau 2: menstruação com dor moderada Grau 3: menstruação com dor severa

Capacidade para o trabalho

Sintomas sistêmicos

Analgesia

Normal

Nenhum

Não necessária

Raramente afetada

Nenhum

Raramente necessária

Moderadamente afetada. Absenteísmo incomum Marcadamente afetada

Poucos

Necessária, com boa resposta

Importantes: cefaleia, fadiga, vômitos, diarreia

Necessária, mas com pequena resposta

Fonte: Adaptada de Andersch e Milsom (1982).

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cebo e entre si quanto a controle de dor, necessidade de analgésico adicional, restrição das atividades diárias, absenteísmo na escola/trabalho. Ácido acetilsalicílico, ácido mefenâmico, naproxeno e ibuprofeno mostraram-se superiores ao placebo no controle da dor. Os dois últimos foram mais eficazes do que os demais em relação aos outros desfechos. Comparação direta entre ibuprofeno e naproxeno não demonstrou diferenças de eficácia, mas efeitos adversos foram mais frequentes com o naproxeno (Zhang; Li Wan Po, 1998). Devido a variações individuais na resposta aos AINEs, secundária à farmacodinâmica particular de cada droga, parece ser prática adequada substituir o AINE em uso por um de outra classe. O ácido mefenâmico pode ser usado em casos de falha aos agentes propiônicos, pois, além de

inibir a síntese de prostaglandinas, apresenta a particularidade de bloquear a ação das prostaglandinas já liberadas. Aproximadamente 70 a 90% respondem bem a esse esquema terapêutico. O tratamento deverá ser mantido por no mínimo 3 meses (American College of Obstetricians and Gynecologists, 2005). Os principais fármacos empregados e suas respectivas doses podem ser observados no Quadro 4.2. As maiores contraindicações dos AINEs são a presença de úlcera gastrintestinal e hipersensibilidade à droga. O útero é praticamente insensível ao ácido acetilsalicílico, por isso, essa medicação é pouco utilizada na dismenorreia, além de poder aumentar o sangramento uterino. Pacientes sem melhora com o uso de anti-inflamatórios ou que apresentem contraindi-

QUADRO 4.2

Esquemas posológicos dos anti-inflamatórios não esteroides empregados para tratamento da dismenorreia Medicamento Ácidos acéticos (tipo I) Indometacina Tolmetina Sulindaco Diflunisal Diclofenaco Etodolaco Cetoralaco

Dose inicial (mg)

25 400 200 1.000 75 400 10

Doses subsequentes em mg

25 cada 8 h 400 cada 8 h 200 cada 12 h 500 cada 12 h 75 cada 12 h 400 cada 6-8 h (dose máx. 1.200 mg/24 h) 10 cada 4-6 h (dose máx. 40 mg/24 h)

Ácidos propiônicos (tipo I) Ibuprofeno Naproxeno Naproxeno sódico Fenoprofeno Cetoprofeno

400 500 550 200 75

400 cada 6 h 250 cada 6-8 h (dose máxima 1.250 mg/24 h) 275 cada 6-8 h 200 cada 4-6 h 75 cada 8 h

Fenamatos (tipo I) Ácido mefenâmico Meclofenamate

500 100

250 cada 4 h 50-100 cada 6 h

Oxicanos (tipo II) Piroxicam

20

20 dose única

Fonte: Adaptado de Smith (1993).

77

78 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

cações ao seu uso devem receber tratamento de segunda linha, com ACOs combinados. Os ACOs combinados, ao inibir a ovulação, inibem indiretamente a síntese de prostaglandinas. Paralelamente, limitam o crescimento endometrial por meio de sua ação progestogênica, com consequente redução na produção de prostaglandinas. O tratamento com ACOs combinados deverá ser mantido por no mínimo três meses, em esquema cíclico (inicialmente) ou contínuo (na ausência de resposta). Em um ensaio clínico, randomizaram 76 adolescentes para receber ACO contendo etinilestradiol 30 μg e levonorgestrel 100 μg ou placebo por três meses. Ao final do tratamento, usuárias de ACO apresentaram menor intensidade de dor pélvica (p  0,02) e utilizaram menor núme-

ro de doses de analgésicos do que as pacientes do grupo placebo (número médio de comprimidos 1,3 no grupo ACO vs. 3,7 no placebo, p  0,05) (Davis et al., 2005; Harada et al., 2009). A terapia hormonal de longa ação também se mostrou benéfica no tratamento da dismenorreia – medroxiprogesterona injetável, DIU de levonorgestrel, acetato de leuprolide (implanon), principalmente em meninas com endometriose (Al-Jefout; Palmer; Fraser, 2007; Walch et al., 2009). Na ausência de resposta a um tratamento clínico adequado e mantido por 3 a 6 meses, sugere-se investigação para dismenorreia secundária, incluindo videolaparoscopia para descartar endometriose. Até 70% das adolescentes com dor pélvica crônica refratária a tratamento clínico apresentam achados compatíveis com endome-

Investigar causa orgânica

Dismenorreia secundária

Dismenorreia primária

Tratar doença subjacente

Iniciar AINEs, ácidos propriônicos 3 meses Substituir por anti-inflamatório de outra classe Iniciar/associar ACO por 6 meses

Sem resposta

Reconsiderar possibilidade de dismenorreia secundária Investigação, incluindo videolaparoscopia (VLP) diagnóstica Figura 4.1 Fluxograma de investigação e tratamento da dismenorreia.

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triose na laparoscopia. O procedimento deverá ser diagnóstico e terapêutico, com excisão e/ou fulguração das lesões visíveis. Obviamente, em adolescentes devem-se evitar cirurgias extensas e radicais, a fim de preservar a fertilidade. Os objetivos do tratamento de adolescentes com endometriose são o controle sintomático, a prevenção da progressão da doença e a preservação da fertilidade. Após a cirurgia, deve ser mantido tratamento hormonal para evitar a progressão da doença (Doyle; Missmer; Laufer, 2009). Alternativas hormonais são o emprego de ACOs combinados ou de progestágeno isolado (norentidrona, medroxiprogesterona oral ou injetável, implante subdérmico de etonogestrel). O emprego de agonista do GnRH em adolescentes com idade superior a 16 a 18 anos pode ser realizado desde que se mantenha o controle da densidade mineral óssea 6 a 9 meses após início do uso e a cada 2 anos subsequentemente. Em meninas com idade inferior a 16 a 18 anos, o emprego de agonista de GnRH deverá ser realizado com

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cautela, preferindo-se sempre o emprego simultâneo de add back therapy (estrogênio conjugado ou estradiol associado a norentidrona ou medroxiprogesterona), com doses suficientes para evitar a desmineralização óssea, mas incapazes de estimular o crescimento endometrial. Ressalta-se que não há estudos específicos sobre o uso de agonista de GnRH com add back therapy em adolescentes, sendo o esquema realizado em analogia aos empregados na mulher adulta (Divasta; Laufer; Gordon, 2007; Lubianca; Gordon; Laufer, 1998) (ver Cap. 10, Endometriose). Nos casos de dismenorreia secundária de outra etiologia, o tratamento deverá ser direcionado à causa básica. Além dos tratamentos tradicionais, alguns tratamentos alternativos para dismenorreia já foram testados, e alguns se mostraram mais eficazes do que o placebo, com eficácia de até 40% (Campbell; McGrath, 1999). Entre esses, encontram-se a suplementação de vitamina E, de magnésio, de vitamina B1, acupuntura, etc.

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SITE RECOMENDADO International Pelvic Pain Society www.pelvicpain.org

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Nos quadros leves de sangramento uterino disfuncional (SUD) em adolescentes, estará indicado: a. Iniciar com anticoncepcional oral combinado. b. Prescrever progesterona oral por 1 mês. c. Observação, calendário menstrual e reavaliação em 3 a 6 meses. d. Associação de anticoncepcional oral com ácido tranexâmico. e. Associação de ácido aminocaproico a estrogênio oral.

2. Muitas vezes, é difícil estabelecer o diagnóstico de síndrome dos ovários policísticos (SOP) em adolescentes porque: a. As adolescentes têm níveis androgênicos muito superiores aos observados em mulheres adultas. b. Adolescentes hígidas podem apresentar anovulação fisiológica e ovários multicísticos. c. O teste de estímulo com ACTH não é adequado para adolescentes. d. Nas adolescentes, é rara a associação de SOP com sobrepeso. e. Nas adolescentes, a SOP é um evento muito raro.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Ginecologia Infanto-Puberal: Anticoncepção na Adolescência Alberto Mantovani Abeche Solange Garcia Accetta Geane Garlet

A gestação na adolescência é um problema que atinge não somente países em desenvolvimento, como o Brasil, mas também países ditos de primeiro mundo. Nos Estados Unidos, a cada ano, cerca de 750 mil adolescentes entre 15 e 19 anos engravidam (7,6% da população feminina nessa faixa etária). O ônus é de ordem individual e de saúde pública, com implicações não apenas financeiras, mas também sociais, como abandono escolar, desemprego e de saúde materno-infantil. A incidência de gestações em adolescentes vem decrescendo em muitos países. No Brasil, apesar de dados recentes mostrarem diminuição de cerca de 7% nas taxas de nascidos vivos de mães adolescentes nos últimos anos, a incidência de gestações nessa faixa etária continua alta, responsável por aproximadamente 22% de todos os partos com nascidos vivos – a causa mais comum de internações entre adolescentes femininas no país (Brasil, 2007a) (Tab. 5.1). Entre os responsáveis pelas decrescentes taxas mundiais de gravidez em adolescentes, estão a orientação e o acesso a métodos contraceptivos. Das adolescentes brasileiras entre 15 e 19 anos, 14,7% utilizam algum método contraceptivo, sendo a pílula anticoncepcional oral (ACO) o método mais utilizado. A maioria das adolescen-

Tabela 5.1 Nascidos vivos segundo a idade da mãe (Brasil, 2007b) Número de nascidos vivos

%

10 – 19 anos 20 – 29 anos 30 – 39 anos 40 anos e mais Ignorada

661.137 1.645.140 661.706 62.228 4.885

21,8 54,2 21,8 2 0,2

Total

3.035.096

100

Idade

tes procura por contracepção, em média, após 6 a 12 meses do início da atividade sexual. Infelizmente, dentro de seis meses, 50% das meninas já engravidaram. Algumas adolescentes têm características que predispõem à falha na anticoncepção (Quadro 5.1). A iniciação sexual tem ocorrido cada vez em idades mais precoces. A média de idade é de 16 anos para os meninos e 17 para as meninas norte-americanas, dado semelhante ao de países como Canadá, países europeus e Rússia, e que se repete em outros países, inclusive no Brasil. Entre os motivadores desse comportamento, estão a puberdade, que inicia em idades pro-

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QUADRO 5.1

Fatores de risco para falha na contracepção em adolescentes > Percepção da gestação como evento positivo > Ausência de projeto de vida que inclua estudo e formação profissional > Atraso ou evasão escolar > Pouca idade > Modelo cultural e familiar de gestação na adolescência > Falta de incentivo à anticoncepção por parte da família, de amigos e equipe de saúde

gressivamente menores, o declínio de influências negativas de instituições, como a família e a Igreja, e a imagem do adolescente em meios de comunicação, muito frequentemente vinculada à sexualidade. São consequências disso o aumento do número de parceiros sexuais, gestações indesejadas, abortamentos provocados e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). No Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), uma estatística avaliou adolescentes que levaram a gestação a termo, sem a terem planejado. Essas pacientes apresentaram diversos motivos como justificativa para a falha na anticoncepção (Tab. 5.2).

Tabela 5.2 Justificativa dada pelas adolescentes, com gestação a termo, no HCPA, por terem engravidado Justificativas

Percentual

Descuido ao utilizar método (geralmente esquecimento de pílula oral) Crença de que não poderia engravidar devido à sua pouca idade Efeitos colaterais do método Adiamento do início da anticoncepção Falta de conhecimento do método

30,4%

Fonte: Adaptada de Cericatto (1994).

16,4%

15,2% 13,9% 11,4%

83

A frequência das relações sexuais é um parâmetro importante para a contracepção. Os ACOs são mais prescritos às jovens com relações sexuais frequentes, em virtude de sua elevada eficácia. Métodos de barreira prestam-se mais a jovens com relações eventuais. Outro fator a ser considerado diz respeito às particularidades da faixa etária. Pacientes jovens, principalmente com baixo nível socioeconômico, apresentam maior percentual de falha com todos os métodos contraceptivos. No entanto, essa perda de efetividade em relação à população adulta em geral é diferenciada: a perda é menor no caso de ACOs e maior para métodos comportamentais. Analisando 309 gestantes do Ambulatório de Gestação na Adolescência do HCPA, Abeche (2003) verificou que a idade das pacientes era de 9 a 19 anos, e a dos parceiros, de 14 a 62 anos (em média, 4,5 anos mais velhos do que elas). A gestação foi planejada em 22% dos casos. A notícia da gravidez foi bem recebida pela paciente em 75,1% dos casos, e bem recebida pelos companheiros em 78,1% dos casos. Entre os parceiros, 25,4% estavam estudando naquele momento, os demais (74,6%) estavam afastados da escola; 88,3% deles estudavam ou trabalhavam no momento da entrevista. Os dados relativos aos parceiros das gestantes sugerem abandono escolar e inserção precoce no mercado de trabalho. A gestação na adolescência, portanto, não é invariavelmente fruto da falha de contracepção ou falta de orientação anticoncepcional. Há um número expressivo de gestações planejadas e ainda maior de gestações que são acolhidas como uma boa notícia pela adolescente ou pelo companheiro (Abeche et al., 2006). Foi realizado um estudo transversal, prospectivo, avaliando puérperas adolescentes e adultas internadas no HCPA. Dois instrumentos de avaliação de percepção de qualidade de vida foram aplicados a essas pacientes. A percepção de qualidade de vida em puérperas adolescentes não se mostrou inferior à das adultas, inclusive apresentando escores superiores em alguns componentes físicos e funcionais. Esses achados nos permitem compreender melhor as percepções e os sentimentos das adolescentes em re-

84 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

lação à maternidade, nem sempre desfavoráveis como poderíamos supor (Abeche, 2008).

quados, especificamente destinados a esse grupo etário.

Programas de acompanhamento ou prevenção da gestação na adolescência serão mais efetivos se encararem esse evento não invariavelmente como uma falha na orientação anticoncepcional, mas como uma situação mais complexa, em que – sob a ótica da gestante e do seu parceiro, devido a suas percepções de possibilidades limitadas de realização pessoal, escolar e profissional – nem sempre a gravidez será considerada um acontecimento indesejável.

> Os países devem garantir que os programas e as atitudes dos agentes de medicina não limitem o acesso dos adolescentes aos serviços e à informação de que necessitam. Esses serviços devem salvaguardar o direito dos adolescentes à privacidade, à confidencialidade, ao respeito e ao consentimento expresso, ao mesmo tempo respeitando os valores culturais e as crenças religiosas, bem como os direitos, os deveres e as responsabilidades dos pais.

Persistem, entre os profissionais que trabalham com adolescentes, dúvidas que se relacionam à possibilidade de orientação anticoncepcional e prescrição de método adequado sem autorização ou ciência dos pais ou responsáveis. Deve ser lembrado que a contracepção é um direito do paciente. Além disso, é dever do médico manter o sigilo a respeito dos seus pacientes, inclusive os menores de idade, desde que não se esteja colocando suas vidas em risco (Quadro 5.2). Na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada em 1994 na cidade do Cairo, a saúde e os direitos reprodutivos dos jovens receberam destaque especial no parágrafo E do capítulo VII, que incluía alguns temas, como a gravidez não desejada, o aborto inseguro e as DST/Aids. As recomendações dessa conferência preveem: > O encorajamento de um comportamento reprodutivo e sexual responsável e saudável, incluindo a abstinência voluntária e a disponibilidade de serviços e aconselhamento ade-

> Os países devem proteger e promover o direito dos adolescentes à educação, à informação e aos cuidados de saúde reprodutiva, e reduzir consideravelmente o número de casos de gravidez na adolescência.

Métodos anticoncepcionais A maioria dos métodos contraceptivos pode ser utilizada por adolescentes, respeitando as limitações individuais, a capacidade de adaptação ao método, as preferências pessoais e as contraindicações. Entre os métodos mais usados nessa faixa etária, encontramos os métodos hormonais e os de barreira. É importante lembrar da taxa de falha de cada método, representada pelo índice de Pearl (IP) (Tab. 5.3). Nas adolescentes, as falhas podem ser maiores do que em mulheres adultas, principalmente no que diz respeito aos métodos comportamentais.

Anticoncepcionais orais combinados QUADRO 5.2

Código de Ética Médica, Capítulo IX, Artigo 74, 2009. “É vedado ao médico revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa causar danos ao paciente.” (Conselho Federal de Medicina, 2009).

Os anticoncepcionais orais (ACOs) combinados são o método mais comumente utilizado por adolescentes (Fig. 5.1). Eles contêm etinilestradiol combinado a um progestágeno, entre os quais os mais comuns são levonorgestrel, noretindrona, gestodeno, desogestrel, norgestrel, norgestimato, ciproterona e, mais recentemente, drospirenona. Agem suprimindo o eixo hipotálamo-hipófise-ovariano, aumentando a viscosidade do muco cervical – o que dificulta a passagem dos espermatozoides, alterando a motilidade

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Tabela 5.3 Taxa de falha dos diferentes métodos anticoncepcionais

Método Preservativo masculino Preservativo feminino Medroxiprogesterona injetável trimestral DIU (cobre ou levonorgestrel) Adesivo transdérmico ACO (combinado ou minipílula) Anel vaginal Implante subdérmico Sem método

IP* em condições de uso habituais**

IP* em condições de uso ideais***

15 21 3

2 5 1

1

1

8 8

1 1

8

1 1 85

1 85

Fonte: Adaptada de Hatcher e colaboradores (2007). * Índice de Pearl  número de gestações que ocorrem entre 100 usuárias do método durante 1 ano. ** Uso nem sempre consistente ou de forma correta. *** Uso consistente e sempre de forma correta.

tubária –, e ainda causam atrofia endometrial, dificultando a nidação. Apresentam IP de 0,3%, que em condições normais chega a 8%. Pelo menos 20 a 30% das adolescentes esquecem de tomar 1 comprimido por ciclo. Metade

85

das adolescentes descontinuam o método após três meses de uso, motivadas principalmente pelos efeitos colaterais, como náusea, sangramento irregular, desconforto mamário, cefaleia, mudança de humor, ganho de peso, medo de diminuição da fertilidade futura ou de anomalias em futuros conceptos ou simplesmente por receio de que os pais descubram. Fatores motivadores do uso são diminuição do sangramento menstrual, melhora da dismenorreia e da acne e regulação do ciclo menstrual, etc. (Quadro 5.3). Os ACOs são comumente utilizados no regime de 28 dias, com 21 comprimidos ativos e 7 dias de intervalo ou comprimidos placebo. A fim de melhorar sintomas disfóricos que podem ocorrer durante a pausa, pode-se acrescentar pílulas contendo doses muito baixas de estrogênios (0,01 mg de etinilestradiol) após os 21 dias de pílulas ativas. Também existe outra opção de ACO, que após os 21 comprimidos usuais, acrescenta 2 comprimidos inertes e 5 comprimidos de 0,01 mg de etinilestradiol, com o mesmo objetivo. O Food and Drug Administration (FDA) liberou em 2006 uma nova combinação hormonal, com menor número de dias livres de hormônios. Essa combinação contém 20 μg de etinilestradiol e 3 mg de drospirenona e deve ser utilizada no regime de 24 dias com pílulas ativas e 4 dias de pausa. Apresenta IP ideal de 0,72, e de 1,29 com uso habitual, ou seja, índices de gestação menores do que os esquemas com 7 dias de pausa. A

60 50 40 Outros

30

Injetável trimestral

20

ACO

10

Preservativo

0 15 a 19 anos Figura 5.1 Porcentagem de mulheres de 15 a 19 anos em uso corrente de método contraceptivo, com suas preferências. Fonte: Adaptada de Whitaker e Gilliam (2008).

86 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 5.3

Efeitos colaterais e benefícios não contraceptivos dos ACOs Efeitos colaterais

Benefícios não contraceptivos

Náuseas e vômitos Mastalgia Distensão abdominal Mudanças de humor Sangramento de escape Amenorreia

Melhora da dismenorreia Diminuição da incidência de anemia Diminuição do risco de gestação ectópica Diminuição da incidência de doença mamária benigna e de cistos ovarianos Diminuição da incidência de câncer de ovário e endométrio

drospirenona tem efeito diurético equivalente a 25 mg de espironolactona. É contraindicada em casos de insuficiência hepática, renal e adrenal. Sua grande vantagem para o uso em adolescentes é o benefício comprovado no tratamento da síndrome disfórica pré-menstrual. Também promove diminuição do sangramento menstrual e melhora da acne. O uso de ACOs combinados de baixa dose em jovens obesas tem sido discutido, pois o metabolismo nessas pacientes é afetado pela maior quantidade de tecido adiposo. Os efeitos da obesidade na farmacocinética dos esteroides levam a crer que baixas doses de estrogênios seriam menos eficazes na contracepção dessas pacientes. Um estudo de coorte com mais de 17 mil mulheres não mostrou associação entre o peso e o risco de gestação nas usuárias de pílulas combinadas ou de minipílulas (Vessey, 2001); já uma outra coorte mostrou relação positiva entre o uso de pílulas combinadas com baixas doses de etinilestradiol ( 35 μg) e o risco de gestação em mulheres que pesam mais de 70,5 kg (Holt; Cushing-Haugen; Daling, 2002). Os resultados ainda são controversos, mas com base nos dados existentes, a diminuição da eficácia dos contraceptivos orais em obesas resultaria em 2 a 4 gestações adicionais a cada 100 mulheres/ano. Para as jovens com excesso de peso que optam por ACOs como método contraceptivo, não há evidências definitivas sobre doses específicas de etinilestradiol em função do peso. Enquanto não há dados conclusivos a respeito, recomenda-se não utilizar os ACOs de dose muito baixa (0,15 a 0,20 mg de etinilestradiol) nesses casos.

Regimes de uso estendido Os regimes de uso estendido têm sido estudados com o objetivo de melhorar a adesão, principalmente em adolescentes, aumentando assim a sua eficácia no grupo, e de promover uma melhor qualidade de vida, uma vez que provocam ausência de menstruação e da síndrome pré-menstrual durante a manutenção das pílulas ativas (Quadro 5.4). Adolescentes com comorbidades podem se beneficiar do uso estendido de ACOs, devido à melhora dos sintomas da doença de base ou diminuição de sua incidência. São exemplos epilepsia, coagulopatias, endometriose, enxaqueca, síndrome disfórica pré-menstrual, menorragia e dismenorreia. Outra grande vantagem para uso em adolescentes é a de evitar o sangramento menstrual, considerado desconfortável por muitas jovens, principalmente quando coincide com atividades esportivas, viagens, acampamentos, etc. Obtém-se regimes estendidos diminuindo o número de dias ou semanas livres de hormônios ou simplesmente realizando uso contínuo sem intervalo. Em 2003, o FDA liberou a primeira apresentação comercial do regime estendido, contendo 0,03 mg de etinilestradiol e 0,15 mg de levonorgestrel, com 84 pílulas ativas e 7 dias de intervalo. Apresenta IP de 0,6 com o uso ideal. O principal efeito adverso é o sangramento irregular, que tende a diminuir com a continuidade do método. Com o intuito de reduzir os sintomas da suspensão hormonal, foi aprovada, em seguida, uma modificação desse esquema, acrescentando 7 pílulas com 0,01 mg de etinilestradiol em substituição aos dias livres

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de hormônio, o que mostrou um melhor controle de spotting ao longo do uso em relação ao primeiro esquema. Apresenta IP de 1,27 com o uso habitual (IP ideal  0,78). O uso de ACOs sem intervalos é uma prática bastante comum, mas não há dados suficientes a seu respeito. Parece ser um método seguro e aceitável, e o principal objetivo desse regime é a promoção de amenorreia. Apresenta IP de 1,6 com uso ideal. Já há liberação do FDA, desde 2007, de uma apresentação contendo 20 μg de etinilestradiol e 90 μg de levonorgestrel para uso ininterrupto. Após um ano de uso, 20% das mulheres ( 18 anos) ainda apresentavam spotting. Os esquemas de uso estendido não aumentam o risco de hiperplasia endometrial. O fato de promover amenorreia gera insegurança em algumas pacientes, mas as taxas de gravidez com os regimes estendidos parecem ser até menores do que com os regimes cíclicos. Não há estudos específicos para averiguar se há diferença na densidade mineral óssea (DMO), na incidência de câncer de ovário ou de mama, nem de trombose venosa profunda (TVP) com os regimes estendidos. Uma revisão do Cochrane, comparando regimes habituais e regimes estendidos, mostrou índices semelhantes de satisfação, segurança e gravidez. Após 1 ano de uso do regime estendido, 90% das pacientes mostraram interesse em continuar com o esquema. Todos os dados referentes ao uso estendido de ACOs provêm de estudos em maiores de 18 anos. Um fator limitante para o uso mantido em adolescentes é o sangramento irregular inerente a esses regimes, que é o principal motivo de suspensão do método nessa faixa etária. Apesar disso, parece ser uma boa opção para adolescentes, desde que sejam orientadas previamente sobre a possível ocorrência do spotting.

Minipílula As pílulas de progestágenos ou minipílulas agem promovendo aumento da viscosidade do muco cervical e causando atrofia endometrial. Também inibem a ovulação, porém, não de forma tão eficaz quanto as pílulas combinadas. Apresentam índice de falha semelhante aos ACOs, em alguns trabalhos, dado que não se confirma nas adolescentes, uma vez que as

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QUADRO 5.4

Vantagens do regime estendido > Redução no número de dias e no fluxo menstrual > Diminuição na incidência e severidade de sintomas como enxaqueca, dismenorreia e sensibilidade mamária > Redução nos custos com produtos de higiene e medicamentos para os sintomas

pacientes que recebem minipílulas geralmente estão sob proteção de amenorreia da lactação ou da subfertilidade decorrente da idade reprodutiva avançada. Devem ser usadas continuamente, por isso promovem amenorreia. Causam aumento da acne e sangramento irregular, ambos fatores negativos para o uso em adolescentes. Não causam aumento de peso e não promovem alterações na densidade mineral óssea. Apresentam meia-vida curta, o que exige maior exatidão nos horários de tomada, com variações diárias menores do que 3 horas, e também por essa razão, devem ser de uso restrito em adolescentes, já que apresentam maiores dificuldades com a rigidez dos horários. É indicada para jovens lactantes nos seis primeiros meses de puerpério, e para aquelas que apresentam contraindicações aos estrogênios, como história de TVP e enxaqueca com sintomas focais neurológicos (Quadro 5.5).

QUADRO 5.5

Contraindicações aos ACOs combinados Doença tromboembólica prévia História de tumor estrogênio-dependente Doença hepática ativa Gestação Sangramento uterino anormal de causa desconhecida > Doença vascular coronária ou cerebral, passada ou presente > Doença valvar cardíaca complicada > Trombofilias

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Anticoncepcionais injetáveis Os anticoncepcionais injetáveis (ACI) podem ser combinados de estrogênio e progestágeno ou de progestágenos somente. Os ACIs apresentam os mesmos efeitos colaterais e contraindicações dos ACOs. Devem ser aplicados via intramuscular (IM) profunda e são de uso mensal. São uma boa opção para adolescentes, já que eliminam a necessidade da tomada diária dos comprimidos. Costumam ser bem aceitos nessa faixa etária, o que promove um maior índice de continuidade do uso. Apresentam, ainda, a vantagem de uso em pacientes com dificuldade de adesão ao uso diário da pílula, como aquelas com limitações cognitivas ou deficiência mental. O acetato de medroxiprogesterona (AMP) é a opção disponível de ACI de progestágeno. Cada ampola contém 150 mg de AMP, que deve ser injetado via IM profunda, com repetição da dose a cada 11 a 13 semanas. Inibe a proliferação endometrial, altera a motilidade tubária, aumenta a viscosidade do muco cervical e suprime a ovulação por meio da inibição da secreção de gonadotrofinas. Proporciona anticoncepção segura, de longa duração, com discrição, não depende do ato sexual nem requer envolvimento do parceiro e, na maioria das vezes, o efeito perdura além dos três meses. Tem falha de 3% anual (0,3% com uso ideal). Promove amenorreia em 50% das pacientes após um ano de uso. Apresenta como principal efeito adverso o sangramento irregular, que é responsável por 55% de descontinuação após um ano de uso. Pode causar ou exacerbar sintomas depressivos em pacientes suscetíveis. Não há evidências de que promova aumento de peso. Entretanto, diminui a dismenorreia, a dor da endometriose, a perda sanguínea e o risco de doença inflamatória pélvica (DIP). Pode diminuir as crises convulsivas em mulheres com epilepsia. Seu uso em adolescentes é restrito, pois devido ao hipoestrogenismo secundário à inibição das gonadotrofinas, ocorre maior reabsorção em relação à formação óssea, resultando em diminuição da DMO. A perda de massa óssea não é linear, sendo maior no primeiro e segundo anos de uso. Estudos mostram que, após a suspensão do AMP, os efeitos ósseos são substancialmente revertidos de maneira mais completa e precoce na coluna

vertebral do que no quadril. Um estudo de coorte foi realizado com 170 adolescentes de 14 a 18 anos, comparando a DMO de usuárias, ex-usuárias e não usuárias de AMP, a cada seis meses, durante 2 a 3 anos. O estudo mostrou queda na DMO entre as usuárias do método em relação às não usuárias, sendo mais rápida naquelas de início recente quando comparadas às mulheres que faziam uso há mais de seis meses. Após 12 meses da descontinuação, os valores da DMO eram semelhantes aos de jovens que não faziam uso do contraceptivo (Scholes et al., 2005). O FDA recomenda o uso com cautela do AMP em adolescentes, não devendo prolongá-lo além de dois anos. O American College of Obstetricians and Gynecologists (2008) e a Society for Adolescent Medicine acreditam que as vantagens do seu uso superam as preocupações acerca da DMO, por isso não restringem o início ou a continuação, nem limitam o tempo de uso em adolescentes. Essa opinião também é compartilhada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que orienta avaliar risco-benefício de uso até os 17 anos e não impõe restrições após os 18 anos. O uso do acetato de medroxiprogesterona não deve ser restrito em jovens apenas devido à preocupação com a redução na massa óssea. Deve-se levar em consideração o risco-benefício do uso nessas pacientes, e utilizá-lo quando necessário.

Contraceptivos hormonais de uso vaginal O anel vaginal é um dispositivo leve, transparente e flexível, que deve ser inserido na cúpula vaginal. Tem 54 mm de diâmetro e libera 0,015 mg de etinilestradiol e 0,120 mg de etonorgestrel diariamente, resultando em menores níveis séricos hormonais do que a pílula combinada oral e o adesivo transdérmico. Deve ser mantido por três semanas consecutivas na vagina, e um novo anel deve ser inserido após intervalo de uma semana sem o dispositivo. Pode-se optar, também, pelo uso contínuo, sem causar aumento nos níveis séricos hormonais. Tem IP de 8% com uso habitual (0,3% ideal). É efetivo após 24 horas da inserção e não deve permanecer fora

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da vagina por mais de 3 horas, por diminuir sua eficácia contraceptiva; nesse caso, necessita-se de um método adicional. Apresenta benefícios e efeitos colaterais semelhantes aos dos ACOs e adesivos transdérmicos; é discreto, eficaz, sem necessidade de manipulação após a colocação, de fácil inserção e retirada, e com retorno rápido da ovulação após a suspensão do uso. Pode provocar sangramento menstrual prolongado e sangramento irregular em uma pequena parcela de usuárias. Como efeito colateral local, as pacientes podem referir leucorreia e desconforto vaginal, além da percepção do anel pela paciente ou pelo parceiro durante a relação sexual. É um método teoricamente mais eficaz do que os ACOs, uma vez que elimina a necessidade de tomada diária, mas exige conhecimento do próprio corpo e liberdade de tocar-se, o que pode causar embaraço em muitas adolescentes. As pílulas combinadas de uso vaginal são semelhantes aos ACOs, com mesmos benefícios e efeitos adversos, e devem ser utilizadas por 21 dias, com intervalo de 7 dias entre as cartelas, ou continuamente. São pouco adequadas para uso em adolescentes, uma vez que, assim como o anel vaginal, exigem destreza e conhecimento corporal para sua inserção vaginal, que deve ser diária.

Adesivos transdérmicos São contraceptivos hormonais combinados de 2 uso cutâneo, adesivos, de 20 cm e liberam diariamente 0,020 mg de etinilestradiol e 0,150 mg de norelgestromina. Podem ser aplicados no dorso, nos braços, no baixo ventre ou nas nádegas. Devem ser trocados semanalmente, durante três semanas consecutivas; após, deve ser feito um intervalo de uma semana antes de se colocar um novo adesivo. São ativos após 48 horas do início do uso. Apresentam IP de 0,88 com o uso ideal. Não devem ser utilizados sem pausa, pois aumentam os níveis séricos de estrogênios. Apresentam benefícios e efeitos colaterais semelhantes aos ACOs, com a vantagem de não precisarem do uso diário, o que é um grande motivador de uso em adolescentes. Parecem aumentar a incidência de desconforto mamário. Efeitos colaterais específicos são rash e irritação cutânea no local. Uma importante restrição ao uso dos adesivos é o peso da paciente, pois a eficácia diminui quando

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o peso é maior do que 90 kg. Apresentam um maior índice de descolamento parcial em adolescentes, o que diminui a eficácia do método.

Implantes subdérmicos Os implantes subdérmicos são compostos por dispositivos siliconados em forma de bastão que liberam progestágenos, devendo ser inseridos no subcutâneo do braço por um profissional habilitado. Têm duração de 3 a 5 anos e são efetivos após 24 horas de sua inserção. Apresentam IP de 0,38% e são considerados pelo ACOG método de primeira linha em adolescentes. Apresentam, para essa faixa etária, vantagens como facilidade de uso, alta eficácia, discrição e independência do ato sexual e da colaboração do parceiro. Entre os efeitos negativos, estão o custo inicial alto e os efeitos colaterais inerentes aos progestágenos, como acne e sangramento irregular, sendo esta última a maior causa de descontinuação do método entre adolescentes. Não promovem alterações na densidade mineral óssea, sendo uma grande vantagem em relação ao AMP para uso em adolescentes, porém, ainda não existem estudos conclusivos nessa faixa etária.

DIU O dispositivo intrauterino (DIU) é um método contraceptivo seguro, de duração prolongada, que, por muitos anos, teve seu uso bastante restrito em adolescentes, por ter sido relacionado ao aumento nas taxas de doença inflamatória pélvica (DIP) e de infertilidade pós-contracepção, além de ser associado a maiores taxas de expulsão nessa idade. A adolescência é uma fase de alto risco para DSTs, sendo esse risco uma das principais razões de preocupação em utilizar o DIU nessas pacientes. Alguns estudos sugeriam que o DIU aumentava o risco de DIP, o que não foi comprovado em dados mais recentes. Ocorre maior incidência de DIP nos primeiros 21 dias após sua inserção naquelas pacientes que possuem cervicite no momento do procedimento. Uma outra preocupação em relação ao uso do DIU refere-se à fertilidade futura dessas jovens, porém, não há diferença nas taxas de gestação posterior entre usuárias de DIU e usuárias de outros métodos contraceptivos.

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O TCu380 ou T-380 é um dispositivo em T com a superfície recoberta parcialmente por cobre. Apresenta como efeito adverso o aumento da dismenorreia e do sangramento menstrual. Apresenta IP de 0,7% no primeiro ano e pode ser usado por 10 anos. Age impedindo a fertilização do óvulo pelo espermatozoide e/ou a nidação deste no endométrio. É mais efetivo em adolescentes do que outros métodos contraceptivos reversíveis. Os índices de retirada por gestação, sangramento, dor ou expulsão são maiores em mulheres com menos de 20 anos; índices de infecção são similares aos da idade adulta. As taxas de expulsão do DIU aumentam inversamente com a idade, devido a menores tamanhos da cavidade uterina, e são maiores em pacientes que já apresentaram expulsão prévia, mas esses dados não são contraindicações à inserção. A idade não deve ser o fator determinante na escolha desse método. A decisão deve ser guiada pelo risco de DSTs, paridade, história gestacional, história médica prévia e histórico prévio de contracepção, e avaliada caso a caso. O DIU é seguro e eficaz em adolescentes, não devendo, portanto, ser descartado como opção nesse grupo. A OMS considera inaceitável o risco de colocar DIU em adolescente com DIP ativa ou nos últimos três meses, e considera de alto risco seu uso naquelas com vários parceiros. Porém, não condena o uso em mulheres com passado de DST, e considera que a decisão deve ser individual. O ACOG recomenda fortemente o uso de DIU em adolescentes, multíparas ou não, e considerando sua alta eficácia, ainda o elege como método de primeira linha nessa faixa etária (American College of Obstetricians and Gynecologists, 2007).

DIU de levonorgestrel O DIU de levonorgestrel é um dispositivo também em formato de T, que contém sulfato de bário na sua superfície para que possa ser visto aos raios X. Contém 52 mg de levonorgestrel no seu eixo vertical, o qual libera diariamente 0,020 mg nos primeiros cinco anos de uso, por isso, o seu uso é restrito a esse período. Tem alta eficácia e apresenta falha de 0,2% no primeiro ano e de 0,7% até o quinto ano de uso. Além do seu efeito mecânico, o DIU exerce um efeito local, diminuindo a espessura endometrial e alterando a viscosidade do muco cervical. Como

efeito colateral, provoca sangramento irregular, que tende a diminuir após alguns meses de uso. Apresenta muitas vantagens para uso em adolescentes, como diminuição do fluxo menstrual, da amenorreia, melhora da dismenorreia e dos sintomas menstruais, discrição, independência do parceiro e do ato sexual. Além disso, parece diminuir a incidência de DIP pela alteração que promove no muco cervical e no endométrio. Não promove alteração na densidade mineral óssea. O DIU é seguro e eficaz em adolescentes, não devendo, portanto, ser descartado como opção nesse grupo.

Métodos de barreira Adolescentes não utilizam métodos de barreira de forma consistente. A justificativa dada pelos próprios adolescentes é que tais métodos diminuem a espontaneidade do ato sexual. Os preservativos são os únicos métodos anticoncepcionais que também previnem DSTs. Infelizmente, o IP é alto com o uso habitual desse método: 15% com o preservativo masculino e 21% com o feminino (IP ideal de 2 e 5% respectivamente). Devido à proteção adicional contra DSTs, mas com baixa proteção contra gestação, deve-se aconselhar o uso de preservativo sempre acrescido de outro método contraceptivo. O preservativo masculino ou condom é feito de poliuretano ou látex e deve ser colocado sobre o pênis já ereto, com o objetivo de conter o esperma ejaculado. Esse preservativo evita o contato de secreções entre os parceiros. Tem a vantagem de ser barato, fácil de utilizar e de carregar, não provocar os efeitos colaterais inerentes aos métodos hormonais, não exigir prescrição médica e ser de fácil acesso. As desvantagens do uso em adolescentes são a necessidade de aprender a usar corretamente, a redução na sensibilidade por alguns usuários, o embaraço para comprar e a falta de previsibilidade para a relação sexual. Meninas adolescentes temem ser rejeitadas pelos parceiros se insistirem no uso do preservativo. Não há contraindicações ao método. O preservativo feminino é feito de poliuretano, com anéis maleáveis nas duas extremidades. Uma das extremidades é fechada e deverá ser colocada no fundo da vagina, recobrindo a cérvice uterina. A outra extremidade é aberta e fica

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no introito vaginal, por onde o pênis será inserido no intercurso sexual. Importantes restrições ao uso são maior custo e dificuldade de manipulação em relação ao preservativo masculino. O diafragma e o capuz cervical são dispositivos maleáveis, côncavos, que devem ser inseridos no fundo da vagina recobrindo a cérvice uterina, preferencialmente cobertos por espermicida. Apresentam índice de falha semelhante ao preservativo feminino. Oferecem baixa proteção contra DSTs. O preservativo masculino, associado a algum outro método contraceptivo, é o método de barreira mais aconselhado para adolescentes devido à proteção adicional contra DSTs que oferece. Outros métodos podem ser considerados, porém, devido à maior dificuldade de uso e menor eficácia, devem ser preteridos nesse grupo.

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dificuldade é que o método exige programação da atividade sexual, em uma fase plena de imprevistos e novidades. Outros métodos, como coito interrompido e temperatura corporal basal, também são inadequados para adolescentes. O coito interrompido pode falhar à medida que o líquido seminal, que lubrifica o pênis durante a relação, pode conter espermatozoides. A temperatura corporal basal sofre grandes influências da atividade corporal, estresse, etc., e requer medidas em horários e condições rigorosos.

Esterilização Definitivamente não é um método adequado para adolescentes, por ser irreversível. Porém, em algumas situações muito especiais, com respaldo médico-legal, pode ser considerado.

Espermicidas

Contracepção de emergência

Os espermicidas geralmente contêm nonoxinol-9 como substância química ativa, que danifica a membrana celular dos espermatozoides, destruindo-os. São encontrados na forma de geleias, cremes, esponjas, supositórios ou tabletes vaginais, e apresentam altos índices de falha, além da possibilidade de causar irritação ou ulceração cérvico-vaginal com o uso frequente, aumentando o risco de transmissão de HIV e outras DSTs. Não é um método adequado para adolescentes em virtude da incidência de DSTs nesse grupo e da sua baixa eficácia. Podem ser utilizados somados a um método de barreira, embora tenham consideráveis índices de falha.

A contracepção de emergência deve ser utilizada quando o método anticoncepcional corrente apresenta falha, como ruptura do preservativo, deslocamento do diafragma ou esquecimento de duas pílulas contraceptivas ou mais. Esse método pode ser utilizado com segurança nesse grupo, mas não deve ser adotado como rotina.

Métodos comportamentais

O mecanismo de ação não está completamente esclarecido e depende do dia em que foi tomado. Promove inibição ou atraso na ovulação, interfere na fertilização ou transporte tubário, impede a implantação por alterar a receptividade do endométrio e causa regressão do corpo lúteo.

Os métodos comportamentais têm altos índices de falha, ainda maiores no grupo de adolescentes, pois dependem de motivação para sua prática consistente. Podem auxiliar na contracepção quando associados entre si e a métodos de barreira, ainda assim não são opções adequadas para esse grupo. A prática da abstinência sexual, ou seja, evitar relações sexuais nos dias com possibilidade de ovulação, depende de um profundo conhecimento do ciclo menstrual, o que se torna bastante difícil para jovens, cujos ciclos geralmente apresentam irregularidades. Além disso, outra

O método mais eficaz disponível é o que utiliza levonorgestrel e consiste na tomada de dois comprimidos de 0,75 mg, com intervalo de 12 horas entre eles, ou em dose única. O regime de Yuzpe é outra opção e consiste na combinação de etinilestradiol e levonorgestrel, mas apresenta mais efeitos colaterais do que o levonorgestrel isolado.

A contracepção emergencial deve ser iniciada assim que possível, sendo considerada efetiva se iniciada dentro de 120 horas do coito desprotegido. A eficácia contraceptiva é inversamente proporcional ao tempo de início: 90% nas primeiras 24 horas, diminuindo para 75% em 72 horas (American Academy of Pediatrics Committe on Adolescence; Blythe, Diaz, 2007).

92 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Outra alternativa é a inserção de DIU de cobre, que também promove uma contracepção de emergência efetiva, mas não é corriqueiramente utilizado com esse objetivo, principalmente em adolescentes.

avaliar a interação com possíveis medicações utilizadas por esses adolescentes. Há fármacos que interferem na eficácia dos ACOs, como os anticonvulsivantes (Quadro 5.6) e os antibióticos, dentre os quais há destaque para a rifampicina.

Contracepção em situações especiais

Em pacientes que fazem uso de anticonvulsivantes que promovem indução do sistema enzimático hepático, é prudente utilizar doses de pelo menos 0,03 a 0,035 mg de estrogênios e, idealmente, fazer uso associado de preservativo, em especial nas adolescentes que utilizam mais de uma medicação indutora do metabolismo dos esteroides.

Adolescentes com déficit de desenvolvimento abrangem um grupo com grande variedade de problemas: desde pacientes com deficiência cognitiva leve até deficientes físicos severos que necessitam de ajuda para as atividades cotidianas. Inúmeros problemas acometem esse grupo de pacientes, como dificuldades com a higiene no período menstrual e suscetibilidade ao abuso sexual, dependendo do meio em que vivem, pois apresentam desejo sexual normal. O método contraceptivo de escolha, nesses casos, deve ser decidido com a adolescente, caso seja possível, e com seu responsável. Métodos de barreira são inadequados, pois exigem destreza e nível cognitivo suficiente para o uso correto. A esterilização é uma medida de exceção, quando foram esgotadas todas as medidas nessas pacientes, e depende da legislação de cada país. ACOs e adesivos transdérmicos são métodos adequados se o nível intelectual é satisfatório e se há supervisão por um responsável. Deve-se

O AMP é um método de amplo uso em adolescentes com déficit cognitivo, com alto índice de satisfação entre os responsáveis por essas jovens, principalmente porque, a longo prazo, 50% das pacientes estarão em amenorreia, o que facilita os cuidados com higiene, e também por necessitar de apenas quatro aplicações anuais. A eficácia não sofre influência do excesso de peso ou do uso de outras medicações, situações comuns nesse grupo. Além disso, parece diminuir o número de crises convulsivas após a indução de amenorreia em pacientes com epilepsia.

Considerações finais O médico que trabalha com adolescentes tem função primordial na orientação sobre sexualidade, prevenção de gestações não desejadas

QUADRO 5.6

Anticonvulsivantes e contraceptivos hormonais Drogas que promovem redução dos níveis de estrogênios e/ou progestágenos por indução enzimática hepática

Drogas que não interferem nos níveis de estrogênios e/ou progestágenos

Carbamazepina Felbamato Oxcarbazepina Fenitoína Fenobarbital Primidona Topiramato

Etossuximida Gabapentina Lamotrigina Levetiracetam Valproato Vigabatrina Zonizamida

Fonte: Adaptado de Teal e Ginosar (2007).

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e de DSTs. Função exercida por ginecologistas, também deve ser papel do pediatra, que costuma ter um contato de longa data e uma relação de confiança com a jovem e com sua família. O pediatra deve fornecer as primeiras orientações sobre aspectos fisiológicos, cuidados com prevenção de DSTs e de gestação indesejada, mesmo que a atividade sexual ainda não tenha iniciado (American Academy of Pediatrics Committe on Adolescence; Blythe; Diaz, 2007). Também compartilham dessa responsabilidade os médicos da saúde da família, já que trabalham com a medicina preventiva no seu dia a dia e atendem jovens diariamente, pelos mais variados motivos. Uma importante característica do atendimento a adolescentes é o não julgamento da paciente, uma vez que essa atitude pode prejudicar a confiança dela em relação ao médico, dificultando o vínculo e pondo em risco todo o trabalho de orientação. O médico deve ser o mais atencioso possível, ouvindo todas as dúvidas e as respondendo da maneira mais clara possível. O linguajar deve ser simples para que a compreensão não seja prejudicada. A anticoncepção para adolescentes deve ser uma opção e não uma imposição, além de levar em consideração as características e preferências da

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paciente. Para melhorar a eficácia contraceptiva, as opções disponíveis precisam ser oferecidas com o esclarecimento dos prós e contras de cada uma delas, para que a decisão seja tomada em conjunto com a jovem, envolvendo-a desde o início na responsabilidade com sua saúde e com o planejamento do seu futuro. Possíveis efeitos colaterais do método escolhido devem ser deixados claros para que não haja risco de suspensão do método por falta de informação, e também se devem esclarecer as maneiras de lidar com esses eventos adversos. Os mitos e as crenças que podem afetar negativamente a anticoncepção devem ser afastados, sem que se estabeleça conflito com as convicções da jovem. Deve-se garantir retorno, a curto prazo, para que as dúvidas sejam esclarecidas e para acompanhar o processo de adaptação da jovem, inclusive a essa nova fase de sua vida, ampla de descobertas e desafios. Todos esses cuidados compartilhados reforçarão a confiança da paciente em seu médico e a efetividade do método anticoncepcional escolhido. Mais do que isso, reforçarão nas adolescentes hábitos de cuidado com a saúde, responsabilidades e planejamento dos seus objetivos de vida.

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Rotinas em Ginecologia

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SITES RECOMENDADOS The North American Society for Pediatric and Adolescent Gynecoloy www.naspag.org

Núcleo de Estudos da Saúde do Adoslescente/UERJ www.adolescenciaesaude.com

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Sobre anticoncepção na adolescência, indique a alternativa correta: a. Nunca deve ser prescrita sem que os pais ou responsáveis pela jovem saibam e concordem com a conduta médica. b. Pacientes que utilizam anticonvulsivantes não devem utilizar métodos contraceptivos hormonais, devido ao aumento no índice de falhas. c. A anticoncepção com pílulas hormonais combinadas é segura em adolescentes, com baixo risco teórico de falhas, e apresenta como efeitos benéficos a diminuição da dismenorreia e do fluxo menstrual nessas pacientes. d. O método anticoncepcional mais adequado para as jovens deve ser decisão médica exclusiva. e. A colocação de dispositivo intrauterino em adolescentes só deve ser feita em multíparas.

2. Assinale o verdadeiro: I. A minipílula, por ser método contraceptivo hormonal com progestágeno apenas, pode ser seguramente utilizada em adolescentes, devido à sua alta eficácia nessa faixa etária. II. O DIU deve ser evitado em adolescentes, devido ao aumento que promove na incidência de doença inflamatória pélvica. III. Os métodos contraceptivos de barreira devem ter seu uso estimulado em adolescentes, sempre associados a outro método que garanta eficácia contraceptiva. São corretas: a. Apenas II. b. Apenas III. c. I e II. d. II e III. e. I, II e III.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Dor Pélvica Crônica Maria Lúcia Rocha Oppermann Carlos Augusto Bastos de Souza Vanessa Krebs Genro Juliana Zanrosso Caran João Sabino L. da Cunha Filho

Definição e prevalência A dor pélvica crônica (DPC) tem várias definições, podendo ser caracterizada como dor contínua ou intermitente no abdome inferior, durante um período mínimo de 6 meses, relacionada ou não ao período menstrual e/ou relação sexual. Nem sempre a causa da DPC é determinada e, muitas vezes, uma patologia encontrada pode, na verdade, ser um achado ocasional e não causal. Uma definição de DPC, para uso na prática clínica, é considerá-la uma dor cíclica ou não cíclica, de duração de 6 meses ou mais, localizada na pelve, na parede abdominal anterior, abaixo da cicatriz umbilical ou ainda nas nádegas, de intensidade suficiente para alterar a realização de atividades diárias ou levar a paciente a procurar atenção médica (Ortiz, 2008). Vários autores já mostraram o impacto que a dor pélvica pode ter nas atividades diárias e no bem-estar geral, podendo estar associada à ansiedade e à depressão (Grace; Zondervan, 2004). É difícil determinar a real prevalência da DPC, pois muitas vezes a condição é subestimada e sub-relatada. A prevalência da DPC em mulheres americanas em idade reprodutiva gira em torno de 14,7% (Mathias et al., 1996). No Reino Unido e na Nova Zelândia, taxas de 24 e 25,4% foram observadas (Grace; Zondervan, 2004, Zondervan et al., 2001), porém, esses estudos incluíram também pacientes com dor no meio do ciclo.

Avaliando pacientes na atenção primária à saúde, a prevalência anual foi de 3,7%, comparável a patologias como asma (3,8%) e dor lombar (4,1%), e maior do que a prevalência de enxaqueca (2%) (Zondervan et al., 1999). Nesse estudo, apenas 40% das pacientes com DPC foram referendadas a um centro de atenção secundário ou terciário. Uma pesquisa telefônica realizada nos Estados Unidos demonstrou que 40% de 5.463 mulheres com idade entre 18 e 50 anos reclamavam de dor pélvica (Langford; Udvari; Ghoniem, 2007). A DPC tem sido associada a aumento de custos e investimentos no sistema de saúde e a absenteísmo escolar e laboral. Nos últimos 10 anos, os Estados Unidos estimam em 2,8 bilhões de dólares o custo da assistência à DPC, excluindo os procedimentos diagnósticos ou internações hospitalares. O custo indireto, relacionado a absenteísmo laboral, é estimado em 881,5 milhões de dólares por ano em mulheres entre 18 e 50 anos (Mathias et al., 1996). A estimativa do custo da DPC no Reino Unido foi de 158 milhões de libras esterlinas anualmente (Latthe et al., 2006). As reais origens patogênicas da DPC não são conhecidas, dessa forma, avaliações por diferentes especialistas com diferentes métodos diagnósticos são empregadas, muitas vezes sem revelar a real causa da DPC, o que contribui para a baixa eficácia de muitos tratamentos.

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Em geral, as recomendações são baseadas em poucos ou, até mesmo, em um único estudo (Koehler et al., 2005). Apesar da sua alta prevalência, o impacto da DPC na qualidade vida das pacientes só tem sido melhor avaliado nas últimas décadas. O uso do sistema de saúde, o custo social e os baixos resultados diagnósticos e terapêuticos em pacientes com DPC são pouco estudados e publicados (Lamvu et al., 2006). Viver com dor crônica tem consequências em várias esferas da vida dos indivíduos: emocional, sexual, laboral e psicológica (Weijenborg et al., 2007).

Dor crônica visceral Etiopatogenia A dor é um alarme de dano tecidual iminente ou em curso. A lesão tecidual provoca liberação de substâncias ativadoras da reação inflamatória, que transmite o sinal pelos terminais nervosos aferentes periféricos até o corno dorsal da medula, e daí até o córtex, onde esse sinal é reconhecido como dor. As fibras nervosas que transmitem o sinal doloroso são pouco ou não mielinizadas. Um tipo particular dessas fibras nervosas é chamado “silente” porque só transmite sinais dolorosos quando estimulada muito intensamente ou por tempo prolongado. Aproximadamente 30 a 80% dos aferentes nervosos originados nas vísceras são do tipo “silente”. Quando essas fibras são ativadas, o corno dorsal da medula é subitamente inundado por uma onda de estímulos dolorosos que, com o tempo, provoca uma série de modificações neuropáticas. A diminuição no limiar de percepção dos nervos receptores de estímulos nociceptivos faz com que menos estímulo seja necessário para desencadear a percepção de dor. O estímulo nocivo prolongado pode provocar reação inflamatória neurogênica quando o corno dorsal da medula, com seu limiar à percepção já reduzido, induz a liberação de substâncias inflamatórias de volta à periferia, com ativação local dos mastócitos e liberação de histamina e outras proteínas pró-inflamatórias. Essa reação inflamatória mediada pelo sistema nervoso central (SNC) pode resultar em cistite e hiperalgesia vaginal ou vulvar. Outra resposta neuropática é o reflexo visceromuscular, com instabilidade e hipertonia

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dos músculos do assoalho pélvico, que pode resultar em perda urinária atípica, disfunção miccional, como a hesitação urinária, e desenvolvimento de pontos de dor miofascial. Muitos autores acreditam que a hipertonia do assoalho pélvico está presente em até 85% das mulheres com dor pélvica crônica (Butrick, 2003).

Etiologia Um diagnóstico definitivo da causa da DPC não é encontrado em até 61% dos casos (Zondervan et al., 1999). A DPC é provavelmente multifatorial, com possíveis localizações de dor no trato reprodutivo, urinário, gastrintestinal e nas estruturas musculoesqueléticas ou no SNC. Em um grande estudo britânico, as causas de DPC foram distribuídas em patologias gastrintestinais (37%), patologias urológicas (31%), patologias ginecológicas (20%) e patologias musculoesqueléticas (12%) (Quadro 6.1). Entre as doenças ginecológicas, a endometriose foi a patologia isolada mais frequente (Guo; Wang, 2006). É comum haver mais de uma causa ou fator contribuindo para a dor: entre 40 a 70% dos casos de DPC, mais de uma causa de dor foi encontrada (Mayer, 1994). Em virtude de tais características, o manejo multidisciplinar é mais efetivo na avaliação e no tratamento dessas pacientes. Uma série de condições tem sido associada à DPC sem real comprovação, como a retroversão uterina, a congestão pélvica e os defeitos peritoneais. Entretanto, outras condições têm sido associadas à DPC, sendo as mais prevalentes: > Endometriose: séries prospectivas com controles sem dor mostram a mesma prevalência de achados laparoscópicos, inclusive endometriose, nas mulheres com e sem dor pélvica crônica (Moen; Stokstad, 2002). É possível que a endometriose cause dor, mas os critérios epidemiológicos e etiológicos não estão completamente definidos. Pacientes tratadas por endometriose apresentam alívio da dor (Momoeda et al., 2002). Os achados de endometriose peritoneal e as queixas de dor não guardam relação direta, e não há associação entre a extensão da doença e a intensidade da dor. Somente nos casos de endometriose profunda e endometrioma, observa-se correlação entre a dismenorreia e a extensão da doença (Chapron et al., 2003, Fauconnier; Chapron, 2005).

98 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 6.1

Patologias mais frequentemente associadas a DPC Ginecológicas

Urológicas

Gastrintestinais

Musculoesqueléticas

Endometriose

Cistite intersticial

Dor miofascial

Adenomiose

Infecção urinária crônica Síndrome uretral crônica Litíase urinária

Síndrome do cólon irritável Doença inflamatória intestinal Constipação crônica Colite

Fibromialgia

Diverticulite

Neuralgia

Aderências Síndrome de congestão pélvica Síndrome do ovário remanescente Miomatose Vulvodinia

> Aderências pélvicas: o papel das aderências pélvicas como causa de dor não está bem estabelecido. Aderências podem ser definidas como conexões entre superfícies serosas opostas, entre órgãos ou parede abdominal, nas quais normalmente não deveria haver ligação. Algumas séries recentes de mapeamento de dor pélvica, empregando a microlaparoscopia em mulheres conscientes, mostram que aderências finas entre estruturas móveis, como o ovário e o peritônio, têm os escores mais altos de dor; aderências firmes ou fixas, independentemente da localização, têm os escores mais baixos (Demco, 2004). Ao contrário, alguns autores sugerem que somente a lise de aderências firmes e vascularizadas envolvendo o intestino é eficaz na resolução da dor associada a aderências (Peters et al., 1991). Alguns autores associam dor unilateral a aderências, e defendem que a lise dessas aderências levaria à redução da dor (Mueller et al., 1995, Saravelos et al., 1995). > Dismenorreia: magnificação dos sintomas crônicos no período perimenstrual ocorre em mais da metade das mulheres com dor pélvica crônica. A dismenorreia e a dor ovulatória têm a mesma frequência em mulheres com e sem dor crônica. A dismenorreia possui especial importância na ginecologia, sendo a principal causa de perda de dias de aula em adoles-

Síndrome do músculo elevador do ânus Síndrome piriforme

centes e de trabalho em mulheres adultas em idade reprodutiva. A patogênese da dor parece associar-se à liberação de prostaglandinas no fluido menstrual, que provoca contrações uterinas e dor. A vasopressina também parece estar associada a aumento da contratilidade uterina e, possivelmente, também cause dor isquêmica, por vasoconstrição (French, 2005). Além disso, alguns trabalhos associaram a severidade da dismenorreia ao estágio da endometriose em pacientes com infertilidade, mas não nas pacientes com dor pélvica crônica (DPC). A frequência de DPC e dispareunia aumenta com a exclusão da endometriose no grupo infértil e no grupo com dor (Chapron et al., 2003, Momoeda et al., 2002). > Distúrbios funcionais do intestino: a síndrome do cólon irritável é um dos diagnósticos mais frequentes em mulheres com DPC, provavelmente secundária à distensão excessiva da parede intestinal por conteúdo fecal ou gás estimulando os receptores nociceptivos, ou por hipersensibilidade visceral. Não há alterações estruturais ou anatômicas que possam ser responsabilizadas pelos sintomas (Ford et al., 2008). > Distúrbios urológicos: uretrite crônica, cistite intersticial, instabilidade do detrusor e cistites recorrentes são o segundo diagnóstico mais

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frequente nas mulheres com dor pélvica crônica, após a síndrome do cólon irritável (Zondervan et al., 1999). > Distúrbios musculoesqueléticos: a condição mais conhecida é a hiperestesia de áreas bem localizadas, frequentemente adjacentes a incisões cirúrgicas prévias, chamadas de pontos de gatilho da dor. O encarceramento de fibras nervosas cutâneas e de tecido conjuntivo denso em incisões cirúrgicas já foi demonstrado como possível causa de dor (Simons; Travell, 1981). A prevalência dessa condição foi referida em 30 a 70% nas mulheres com DPC. A síndrome do músculo elevador do ânus – dor, pressão ou desconforto no reto e na área perianal – é causa comum e subdiagnosticada de dor pélvica em homens e mulheres. A hiper-reatividade do assoalho pélvico parece ser uma das condições que mais contribuem para o posterior desenvolvimento de DPC. A dor também pode causar ansiedade e estresse, o qual pode funcionar como um mecanismo de retroalimentaçao da contração da musculatura pélvica (Gamsa, 1994). > Condições raras: hematometra e estenose cervical, doença inflamatória do intestino, esclerose múltipla, distrofia do simpático, fibrose retroperitoneal progressiva, lúpus eritematoso sistêmico, neurofibromatose pélvica, porfiria aguda intermitente e herniação de disco intervertebral podem ser causas raras de DPC. > Diagnósticos psicológicos: são evidenciados em até 60% das mulheres com DPC. A ausência de achados anormais, a carência de evidências de infecção ou causas oncológicas ou alérgicas pode sugerir a presença de um componente psicológico associado à dor. Os transtornos do afeto, incluindo depressão maior, são os mais frequentes. Em algumas situações, o transtorno psicológico pode ser considerado reativo ou resultado dos sintomas crônicos; no entanto, na maioria das vezes, a dor, a incapacidade e as alterações do humor fazem parte do “círculo vicioso” em que cada fator reforça os demais. Foi demonstrado que o quadro de DPC está associado a um grande número de alterações em escalas de ansiedade, depressão e qualidade de vida (Hodgkiss; Sufraz; Watson, 1994).

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> Abuso físico e sexual: a disfunção dos músculos do assoalho pélvico pode ter várias origens, como patologias envolvendo estruturas do assoalho pélvico (p. ex., cistite, vulvovestibulite) ou experiências traumáticas (abuso sexual ou físico, privação de afeto). Associações entre abuso sexual e DPC foram encontradas em alguns estudos (Lampe et al., 2000, Walling et al., 1994), mas não em outros (Edwards et al., 1997). Um estudo em centros de cuidados primários detectou, também, relação entre a DPC e a síndrome do cólon irritável com abuso, físico ou sexual, ocorrendo na infância e na vida adulta, mais do que abuso na infância isoladamente (Jamieson; Steege, 1996).

Epidemiologia e fatores associados à DPC É difícil identificar fatores de risco para a DPC, pois se trata de uma síndrome possivelmente decorrente de várias patologias que podem estar sobrepostas. Dessa forma, os fatores de risco associados à endometriose, por exemplo, não são os mesmos da síndrome de cólon irritável; por conseguinte, um perfil único de risco é pouco provável. Um estudo recente, avaliando mais de 106.000 pacientes, demonstrou que a prevalência de dismenorreia nas pacientes com DPC variou entre 1,7 e 97%; a prevalência de dispareunia variou entre 1,3 e 45,7%, e a prevalência de dor pélvica não cíclica, de 4 a 43,4%, não caracterizando um perfil típico da DPC (Latthe et al., 2006). Mulheres com DPC tendem a ser mais jovens do que a população geral, entre 27 e 29 anos de idade. A média de duração dos sintomas é de 2,5 anos. O número de gestações, paridade, abortamentos provocados, distribuição racial e escolaridade são similares às de mulheres sem dor, pareadas por idade. A dismenorreia é associada a alguns fatores de risco, como idade menor do que 20 anos, tentativa de perda de peso, depressão, ansiedade, menorragia, nuliparidade e fumo (French, 2005). A endometriose tem como fatores de risco menorragia, baixo índice de massa corporal, idade entre 30 e 45 anos, nuliparidade e infertilidade (Calhaz-Jorge et al., 2004). Reiter e Gambone (1990) demonstraram que pacientes com DPC foram submetidas mais frequentemente a procedimentos cirúrgicos e apresentavam

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maior número de sintomas somáticos não relacionados à DPC (Reiter; Gambone, 1990). Preditores de desfecho em dor crônica, como a artrite e a lombalgia, incluem o estado geral de saúde, o humor, as crenças sobre a dor, o foco de atenção na dor, a ansiedade, o apoio familiar e social, a situação no emprego e a compensação por invalidez, além de modelos familiares com dor crônica.

Avaliação diagnóstica Na avaliação de uma paciente com DPC, a anamnese detalhada e o exame físico serão os norteadores da investigação e irão direcionar a realização de exames complementares. Cerca de 40% das mulheres com DPC avaliadas em serviços de atenção primária têm mais de um diagnóstico. Dessa forma, é importante a investigação de todos os fatores que possam estar envolvidos ou contribuir para a dor, incluindo fatores psicológicos, comportamentais e ambientais (Zondervan et al., 1999). Autores demonstraram que 28% de todas as pacientes com DPC não haviam recebido uma avaliação adequada (Zondervan; Barlow, 2000). Geralmente, pacientes com DPC desejam que sua avaliação seja personalizada e que suas queixas de dor sejam consideradas, esperam explicação para a sua condição e não somente tratamento, e querem sentir-se seguras durante o acompanhamento (Price et al., 2006). O atendimento em geral deverá ser realizado em várias etapas para completa avaliação e adequado aconselhamento (Dalpiaz et al., 2008).

História clínica Há benefício terapêutico no relato da própria história. Questionários são de grande auxílio na avaliação de mulheres com dor pélvica crônica e devem ser usados como complemento, e não como substitutos da anamnese, em que a mulher narra sua história. As perguntas devem ser centradas nas características da dor, incluindo qualidade, duração e fatores modificadores da dor, como menstruação, atividade sexual, micção, defecação e tratamento radioterápico prévio (Quadro 6.2). Como história de abuso físico ou sexual pode estar associada à DPC, tais fatos devem ser pesquisados. Sintomas importantes que sempre devem ser pesquisados em todas as pacientes são perda de peso, hematoquezia, sangramento irregular perimenstrual, sangramento pós-menopáusico ou pós-coital, com exclusão de patologias malignas ou sistêmicas. Sintomas de ansiedade/depressão podem estar

QUADRO 6.2

Elementos a serem considerados na avaliação da dor Provocação da dor (fatores precipitadores) Qualidade Radiação Severidade da dor Temporalidade em relação à menstruação e à relação sexual Fonte: Adaptado de Dalpiaz e colaboradores (2008).

Tabela 6.1 Dor orgânica versus dor funcional Dor orgânica

Dor funcional

Sintoma Interrupção do sono Alívio da dor

Consistente Provavelmente presente Medicação específica é útil

Perda de peso Sintomas associados

Pode estar presente Sintomas de um só órgão, consistentes com fisiopatologia

Variável Raramente presente Medicamentos pouco úteis; repouso e calor local são mais eficazes Raramente há diminuição de peso Sintomas de múltiplos órgãos – queixas semelhantes em vários sistemas, inconsistentes com fisiopatologia

Fonte: Adaptada de Rickert e Kozlowski (2000).

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associados em muitas pacientes. Outras características podem auxiliar no diagnóstico: dor secundária a alterações hormonais pode estar associada à endometriose ou adenomiose, enquanto um padrão não hormonal leva a pensar em causas musculoesqueléticas, aderências ou cistite intersticial, por exemplo. No entanto, a dor de padrão hormonal também pode ser causada por situações como a síndrome do cólon irritável ou a cistite intersticial. História de cirurgia pélvica, infecção ou uso de dispositivo intrauterino pode levantar suspeita de aderência pélvica (Dalpiaz et al., 2008). Solicitar que a paciente marque os pontos dolorosos em um diagrama pode ser útil, assim como pontuar a dor em uma escala de intensidade crescente, principalmente para a monitoração e o seguimento dos tratamentos instituídos. Além disso, a intensidade da dor marcada em uma escala analogovisual pode ser avaliada nas várias formas da dor, por exemplo, realizar a avaliação para dor pélvica, dismenorreia, dispareunia, dor associada à micção e dor associada à evacuação (Fauconnier; Chapron, 2005). A dor de origem nos órgãos reprodutores pode ser sentida na região ventral e dorsal. Na zona ventral, ela não se estende acima do nível das espinhas ilíacas anterossuperiores; na zona dorsal, localiza-se na metade superior do sacro e estende-se lateralmente às regiões glúteas. A importância de localizar corretamente a dor é maior do ponto de vista negativo, isto é, se a dor não se situa nas áreas descritas ou se inicia dentro de uma dessas áreas, mas se estende para zonas superiores, ela mais provavelmente não tem origem ginecológica (exceto nos casos de grandes massas pélvicas que se estendem acima da pelve). A avaliação da qualidade de vida da paciente é parte indispensável da anamnese (Dalpiaz et al., 2008; Latthe et al., 2006).

Exame físico O exame físico pode identificar áreas dolorosas e presença de massas ou outras alterações anatômicas. No entanto, a ausência de achados não exclui uma patologia intra-abdominal como causa. Infelizmente, o exame físico na DPC, ao contrário dos quadros abdominais agudos, pode

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ser decepcionantemente inespecífico. O exame físico deve ser realizado lenta e gentilmente, pois tanto o componente abdominal como o pélvico podem ser dolorosos. De qualquer modo, o exame físico detalhado é indispensável para a tomada de decisões quanto à investigação complementar e/ou tratamento. O primeiro objetivo do exame físico é a exclusão de doenças graves, como as neoplasias, de modo que o exame do abdome deve ser minucioso: > Pesquisar os pontos álgicos na pele do abdome à palpação superficial, principalmente se existir cicatriz cirúrgica. > Palpar de forma profunda à procura de massas intra-abdominais. > Observar contratura voluntária do abdome; sinais de irritação peritoneal não são esperados em quadros de dor pélvica crônica, devendo, todavia, ser investigados. Repetir a palpação abdominal solicitando à paciente que tensione os músculos retos abdominais (teste de Carnett ou Joosens), o que pode ser obtido fazendo com que a paciente assuma a posição semissentada sem auxílio dos antebraços. O teste tem o objetivo de discriminar a profundidade do ponto doloroso: com os músculos retos contraídos, a mão do examinador não atinge o peritônio e, consequentemente, a dor derivada de patologia intracavitária não pode ser evocada. Ao contrário, a dor derivada da parede abdominal é reproduzida nessa manobra. O teste positivo indica que o ponto doloroso tem origem provável acima do plano aponeurótico. > Palpar a coluna vertebral, o sacro e a musculatura paravertebral à procura de pontos que desencadeiam a dor ou de anomalias anatômicas, como hiperlordose ou hipercifose. > Examinar de forma completa as mamas e os genitais, com coleta de citologia cervical, culturas e exame direto do conteúdo vaginal; colposcopia, vagino e vulvoscopia devem ser integrantes do exame genital. > O toque vaginal unimanual (sem a mão abdominal) deve preceder o exame bimanual tradicional, explorando os músculos elevadores do ânus e as paredes vaginais desde o vestíbulo

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até os fundos de saco, anterior (uretra e base da bexiga) e posteriormente (reto). As estruturas devem ser palpadas individualmente, na tentativa de discriminar pontos dolorosos. > Fazer toque vaginal bimanual à procura de massas pélvicas ou órgãos aumentados de volume; comumente, esse exame provoca dor, mesmo sem nenhum achado positivo. O toque retal faz parte do exame físico completo. Paramétrios infiltrados podem indicar processo neoplásico ou inflamatório do colo uterino.

me físico anormal ou quando o manejo inicial não melhora os sintomas. Apesar de não ser o exame ideal, acaba sendo o mais útil, principalmente no diagnóstico diferencial e na exclusão de possíveis patologias pélvicas. A investigação especializada está indicada quando sintomas ou achados físicos sugerem a presença de doença fora do trato genital – consulta com um especialista da área específica, previamente à solicitação dos exames, é o manejo mais adequado.

Exames complementares Os testes complementares podem auxiliar no esclarecimento diagnóstico de pacientes com DPC. Em alguns casos, pode ser necessária a exclusão de um quadro gestacional. > Citologia ecto e endocervical. > Pesquisas cervicais para micoplasma, ureaplasma, gonococo e clamídia. > Hemograma. > Exame de urina com cultura. > Pesquisa de hemoglobina humana nas fezes. > Ultrassonografia (US) transvaginal – estudo avaliando a prevalência de anormalidades à ultrassonografia transvaginal em mulheres com dor pélvica crônica e exame ginecológico negativo mostrou que raramente a ultrassonografia detecta alguma patologia pélvica. Entretanto, algumas pacientes podem ter melhora sintomática após um exame negativo tranquilizador. > Ressonância magnética e tomografia computadorizada – não há indicação para uso rotineiro, no entanto, podem ser úteis na avaliação diagnóstica de pacientes selecionadas. > Laparoscopia diagnóstica – é o método padrão-ouro para a investigação da dor pélvica crônica, apesar da ausência de diferença nos achados laparoscópicos entre mulheres com e sem dor pélvica. Também a alta prevalência de distúrbios funcionais, não passíveis de visualização à laparoscopia, como síndrome do cólon irritável, cistite intersticial e alterações musculoesqueléticas desafia a acurácia da laparoscopia na investigação da DPC. A laparoscopia pode ser mais útil nos casos de exa-

Manejo Em grande parte dos casos, essas mulheres já consultaram vários ginecologistas e estão ansiosas, muitas vezes agressivas e exigentes quanto à solução rápida dos seus sintomas. É essencial que o médico mantenha o poder de discriminar entre o desejo de uma “solução rápida” (e mágica) e a necessidade real de intervenção cirúrgica. Apesar de não sabermos o porquê, depois de 4 a 6 meses de duração, a dor, por si só, torna-se uma doença, e não mais um sintoma. O tratamento da dor crônica, ao contrário do que ocorre na dor aguda, geralmente exige aceitar o conceito de manejar a dor mais do que curá-la. Poucos estudos randomizados têm avaliado o tratamento da DPC. Além disso, como várias definições de DPC são utilizadas em diferentes estudos, a comparação de resultados é difícil. A maior parte dos protocolos recomendados baseia-se em opiniões de especialistas ou em estudos observacionais. O tratamento deve ser direcionado à causa da DPC, quando identificável. Em pacientes sem diagnóstico específico, o manejo multidisciplinar deve ser buscado – a associação de medicação analgésica com modificações de dieta, estilo de vida e comportamento e o tratamento de fatores psicológicos têm demonstrado melhorar a qualidade de vida das pacientes (Ortiz, 2008). Os principais objetivos são tanto o alívio do sofrimento, pelo tratamento das causas identificáveis, restaurando a função normal e minimizando a incapacidade, quanto a prevenção de

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incapacidade. Revisão sistemática da Cochrane sobre o tratamento da DPC mostrou benefício do acetato de medroxiprogesterona 50 mg/dia, do análogo do GnRH, de manejo multidisciplinar, do aconselhamento após ultrassonografia normal e da lise de aderências pélvicas. A metanálise excluiu pacientes com endometriose, síndrome do cólon irritável, dismenorreia primária e doença inflamatória pélvica (Stones; Mountfield, 2000). Para pacientes com dor de característica cíclica, tratamentos hormonais como anticoncepcional oral de baixa dosagem, progestágenos ou análogos do GnRH podem ser considerados, mesmo que a causa provável seja síndrome do cólon irritável, cistite intersticial ou síndrome de congestão pélvica, pois essas condições podem responder a tratamento hormonal (Ortiz, 2008; Stones; Mountfield, 2000).

Analgesia oral Analgésicos orais como paracetamol, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e analgésicos opioides são habitualmente utilizados no tratamento de DPC; no entanto, não há estudos controlados prospectivos sobre sua eficácia nessa situação. O tratamento pode iniciar com paracetamol associado ou não a AINEs. O uso “se necessário” deve ser desencorajado, porque os analgésicos são mais efetivos quando os sintomas são leves, e o foco de atenção na dor para monitorar a intensidade pode aumentar a sensação de dor (French, 2005). Analgésicos do grupo dos narcóticos não devem ser utilizados rotineiramente na DPC, pois têm um potente efeito de relaxamento da musculatura lisa, o que pode exacerbar a dor provocada por distúrbios de motilidade intestinal, além de provocarem sedação, o que limita o retorno às funções habituais. Além disso, os narcóticos têm um alto potencial de abuso e adicção. No entanto, quando utilizados, os de longa ação em esquemas programados são os recomendados (Ortiz, 2008).

Antidepressivos A utilização de antidepressivos no manejo da DPC tem se mostrado benéfica. Os antidepressivos tricíclicos podem aliviar a dor por meio do bloqueio nervoso periférico, elevando o limiar à dor, e por estimulação central. Além disso, podem diminuir sintomas depressivos concomitantes.

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A amitriptilina, antidepressivo com efeito sedativo, é uma das primeiras escolhas, respeitadas as suas contraindicações, como o uso concomitante de inibidores da monoaminoxidase ou distúrbios cardiovasculares, principalmente arritmias cardíacas. As doses iniciam em 25 mg ao deitar e podem ser aumentadas para até 150 mg/dia. Outros antidepressivos tricíclicos como a imipramina e a nortriptilina também têm sido utilizados. A sertralina e a fluoxetina não se mostraram eficazes no tratamento da DPC (Stones; Mountfield, 2000). Estudo controlado demonstrou eficácia da gabapentina em combinação com a amitriptilina em mulheres com DPC (Sator-Katzenschlager et al., 2005), e recente ensaio randomizado com gabapentina e nortriptilina mostrou eficácia maior da combinação das drogas versus seu uso individual em pacientes com dor crônica (Gilron et al., 2009). Estudo não controlado sugeriu eficácia da lamotrigina no tratamento da vulvodinia (Meltzer-Brody et al., 2009).

Condições associadas à dor pélvica crônica Dor funcional atípica A dismenorreia primária é diagnosticada basicamente com os dados da anamnese: inicia, em geral, meses após a menarca, caracteristicamente quando os ciclos ovulatórios se estabelecem. Tem caráter cíclico, com duração máxima de 72 horas, iniciando pouco antes ou simultaneamente ao fluxo menstrual. A dor é tipo cólica, primariamente suprapúbica, mas com irradiação frequente para a região lombar. O exame físico não contribui com nenhum achado positivo para o diagnóstico. A dismenorreia que surge muitos anos após a menarca e cuja dor se estende por todo o período menstrual, com intensidade crescente ao longo do tempo, é forte indicativo de causa secundária. Entretanto, endometriose pode ser diagnosticada poucos meses após a menarca. As causas mais frequentes de dismenorreia secundária são endometriose; uso de DIU; hematometra por estenose cervical, hímen imperfurado ou septo vaginal transverso; sequelas da doença in-

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flamatória pélvica crônica, como aderências peritoneais e hidrossalpinge; miomas uterinos submucosos; adenomiose e pólipos endometriais. A dismenorreia primária e a secundária ao uso do DIU respondem bem aos AINEs, como o ácido mefenâmico, a indometacina, o naproxeno, o piroxicam, etc. O tratamento deve iniciar tão logo a paciente perceba a dor e se prolongar durante as próximas 48 a 72 horas, baseado na observação da liberação das prostaglandinas pelo endométrio, cujo pico é atingido nas primeiras 48 horas após o início do fluxo sanguíneo menstrual (Chan; Dawood; Fuchs, 1981). Esse manejo é mais eficiente no alívio dos sintomas do que o uso agudo, conforme a necessidade (Chan; Dawood; Fuchs, 1981; Fuchs; Chan; Dawood, 1979). Todos os AINEs parecem ter efeito similar, sendo que sua escolha recai sobre a adaptação da paciente e o perfil de efeitos adversos (Proctor; Farquhar, 2002). Todos os AINEs (ibuprofeno, naproxeno, ácido mefenâmico e ácido acetilsalicílico) testados apresentaram maior eficácia do que o paracetamol (Zhang; Li Wan Po, 1998). A supressão ovariana por meio do anticoncepcional oral, contínuo ou não, das progestinas contínuas orais ou parenterais pode ser uma das primeiras escolhas no manejo da dor cíclica. O uso de vitamina B6 e do magnésio oral tem mostrado benefício em pacientes com dismenorreia, mas não há estudos que avaliam a efetividade em dor pélvica não relacionada à menstruação (Akerlund; Andersson; Ingemarsson, 1976).

Endometriose É a patologia ginecológica mais frequentemente associada à DPC (Gambone et al., 2002). Os sintomas associados à endometriose podem não ser percebidos como cíclicos nem limitados ao período de fluxo menstrual. Na verdade, a endometriose associa-se a quadros dolorosos muito variados, desde a típica dismenorreia, a dor pélvica persistente, até a absoluta ausência de dor. A endometriose é tratada no Capítulo 10.

Disfunções gastrintestinais – síndrome do cólon irritável Estima-se que 7 a 60% das mulheres que procuram o ginecologista por dor pélvica crônica tenham dor de origem gastrintestinal, princi-

palmente a síndrome do cólon irritável (Quadro 6.3). Como consequência da inervação visceral, é muitas vezes difícil discriminar a dor abdominal baixa de origem ginecológica daquela de origem intraperitoneal. Dispareunia é frequente nessas mulheres, assim como a piora dos sintomas durante a menstruação e o período pré-menstrual, tornando ainda mais difícil o diagnóstico diferencial. A avaliação pode incluir sigmoidoscopia e exames radiológicos adicionais, a critério do especialista. Recente estudo demonstrou a dificuldade de critérios diagnósticos baseados apenas em sintomas individuais (Ford et al., 2008). Há uma interessante similaridade entre o perfil psicossocial das mulheres com DPC sem etiologia determinada e o das mulheres com síndrome do cólon irritável – ansiedade, depressão, vários sintomas não gastrintestinais, comportamento de doente crônico, uso de vários medicamentos e tranquilizantes e história de

QUADRO 6.3

Critérios diagnósticos da síndrome do cólon irritável É necessário que os sintomas de desconforto abdominal persistam por, no mínimo, 12 semanas nos 12 meses precedentes, combinados a 2 de 3 características: Alívio com a defecação Início associado à mudança na frequência de evacuação Início associado à mudança no formato das fezes Outros sintomas incluem: > > > > > > > > >

 3 evacuações por semana  3 evacuações por dia Esforço para evacuar Urgência para evacuar Sensação de evacuação incompleta Fezes duras e secas Fezes líquidas Eliminação de muco Distensão abdominal ou sensação de aumento de volume abdominal

Fonte: Adaptado de Guthrie e colaboradores (2004).

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abuso físico ou sexual na infância –, indicando a necessidade de um manejo integrador nessas duas condições. Em estudo de prevalência da DPC e da síndrome do cólon irritável, não foi encontrada associação dessas condições com idade, paridade, estado marital, raça, renda ou grau de instrução das mulheres estudadas (Jamieson; Steege, 1996). O manejo da síndrome do cólon irritável inclui alterações na dieta, como diminuir a ingestão de cafeína e de alimentos que a paciente julgue associados aos sintomas abdominais. Reduzir o teor de gorduras nos alimentos e suspender a lactose são medidas que podem ser úteis principalmente nos casos em que a diarreia é o sintoma principal. Em mulheres com constipação, a suplementação alimentar com fibras de psyllium aumenta o volume fecal, diminuindo o tempo de trânsito intestinal e a frequência de movimentos intestinais. Os resultados exigem certo tempo de uso e doses de no mínimo 6 g (1 colher sopa) ao dia. Relata-se até 90% de resposta sintomática, principalmente se à dieta integra-se um plano de manejo mais amplo, com educação sobre o mecanismo de ação e os benefícios da suplementação de fibras, atividade física regular e psicoterapia dirigida à redução de estresse (Mertz, 2003). Pacientes com síndrome do cólon irritável podem beneficiar-se da supressão da ovulação, quando os sintomas da síndrome são influenciados de maneira significativa pelo ciclo (Ortiz, 2008). O tratamento farmacológico com antidepressivos tricíclicos pode reduzir a dor, mesmo sem a ação antidepressiva plena. Mulheres sem diagnóstico de depressão também se beneficiam após 2 semanas de uso de doses baixas de antidepressivos tricíclicos; no entanto, o tratamento com doses plenas de inibidores da recaptação da serotonina não trouxe o mesmo alívio. O uso do alosetron está associado a aumento de risco de colite isquêmica; a Food and Drug Administration (FDA) só admite o emprego da droga com consentimento expresso da paciente, acompanhado de laudo específico assinado pelo médico que o prescreve. O tegaserod, agente cinético semelhante à cisaprida, foi pouco melhor do que o placebo em estudos randomizados. O leitor pode consultar uma revisão sobre a síndrome do cólon irritável em (Mertz, 2003).

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Dor musculoesquelética A dor “puntiforme”, em geral, é secundária à incisão cirúrgica disfuncional preexistente. A suspeita é levantada na avaliação da característica da dor: restrita a uma área bem localizada, pode ser reproduzida ou exacerbada pela palpação da parede abdominal durante a contratura voluntária dos músculos abdominais. A etiologia é provável fibrose disfuncional e retração de incisão cirúrgica prévia ou bandas musculares ou nervosas que servem de “gatilho” para a dor. O diagnóstico é confirmado pelo sucesso do teste terapêutico: injeção no ponto doloroso de anestésico de longa duração – 5 a 10 mL de bupivacaína 0,25% – respostas de 80 a 90% no alívio sintomático após 3 a 4 aplicações. Em alguns casos, a revisão cirúrgica da incisão disfuncional leva ao alívio permanente da dor. Em outros, são encontradas patologias como endometriose na parede abdominal ou granulomas por fio de sutura. Slocumb (1984) identificou pontos álgicos semelhantes também na vulva e nos músculos elevadores do ânus, tratados com sucesso pela injeção local de anestésicos. A síndrome do elevador do ânus também pode ser manejada por estimulação eletrogalvânica ou diazepam em doses de 5 mg, talvez pelo efeito de relaxamento muscular (Slocumb, 1984). Significativamente, mais da metade dessas pacientes tem evidência de psicopatologia associada (Walker et al., 1988). Há especulações sobre se a sensação usual de uma incisão cirúrgica poderia ser interpretada como dor por mulheres psicologicamente predispostas. Acupuntura, estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) e, em alguns casos, fisioterapia podem ser de grande ajuda nas dores musculoesqueléticas de causa postural ou tensional. Outra opção mais recente é a injeção de toxina botulínica na musculatura pélvica; estudos têm demonstrado resultados encorajadores (Abbott et al., 2006).

Infecções ginecológicas Infecções genitais por clamídia ou micoplasma não provocam, uniformemente, dor nas pacientes atingidas. O tratamento adequado com doxiciclina ou azitromicina leva ao desaparecimento dos sintomas em algumas pacientes. O achado de endometrite crônica à histologia por

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biópsia endometrial ou curetagem uterina é frequente em usuárias de DIU. A grande maioria dessas mulheres é assintomática, mas algumas pacientes com DPC portadoras de DIU têm alívio da dor com a retirada do dispositivo seguida de dilatação, curetagem e tratamento com doxiciclina. O uso empírico de antibióticos no manejo da dor pélvica crônica não tem indicação.

Congestão pélvica A existência da síndrome da congestão pélvica, causadora de dor pélvica, é controvertida. O achado de varizes pélvicas, durante laparoscopia por infertilidade ou para esterilização, tem a mesma frequência em mulheres com e sem dor pélvica. A dilatação e a incompetência das veias ovarianas em mulheres com duas ou mais gestações seriam as responsáveis pelos sintomas de peso no baixo-ventre e dor, que se exacerbam no período pré-menstrual, durante o coito e após ortostatismo prolongado. Varizes vulvares e perivulvares são típicas (Liddle; Davies, 2007). O tratamento sugerido por alguns autores é a ligadura das veias ovarianas e do máximo possível de veias colaterais, por via transabdominal (Hobbs, 1990) ou por laparoscopia (Mathis et al., 1995). Segundo Beard e colaboradores (1984), a congestão pélvica sintomática é um processo vascular dinâmico, semelhante à enxaqueca, no qual a dilatação vascular ativa é evidente radiologicamente e revertida pela administração intravenosa de ergotamina. O tratamento sugerido por ele é a medroxiprogesterona 30 mg/ dia por 6 meses, acreditando que o estrogênio seja o venodilatador. Observa, no entanto, que é frequente o retorno da dor após a suspensão do tratamento e que a concomitância de transtorno emocional grave atinge até 60% das pacientes com essa síndrome (Beard et al., 1984).

não demonstram benefício na lise de aderências em mulheres com dor pélvica crônica. Em revisão sistemática da Cochrane Colaboration (Stones; Mountfield, 2000), somente as mulheres com aderências firmes e vascularizadas relatam alívio com a adesiólise. Entretanto, estudos de mapeamento da dor utilizando a laparoscopia em mulheres conscientes concluiu que as aderências finas que permitem movimento entre duas estruturas seriam as mais associadas à dor (Demco, 2004). Como as aderências são principalmente causadas por cirurgia, vários trabalhos já demonstraram que a opção por técnica com menor dano tecidual está associada à menor produção de aderências. Dessa forma, as técnicas de laparoscopia e microcirurgia podem ser profiláticas na produção de aderências (Demco, 2004; Saravelos Li; Cooke, 1995).

Vulvodinia O termo vulvodinia foi criado para expressar a condição conhecida como síndrome da ardência vulvar, diferente do prurido vulvar. A vulvodinia é caracterizada por dor vulvar sem causa visível identificável, como infecção ou inflamação, ou alteração neurológica específica, com neuralgia pós-herpética (ACOG Committe on Gynecologic Practice, 2006). Para o diagnóstico, é necessário que a queixa de vulvodinia esteja presente por 3 ou mais meses. Frequentemente há queixa de dispareunia superficial, impossibilidade de penetração vaginal e vaginismo. Várias categorias de vulvodinia são descritas como a síndrome da vestibulite vulvar, a vulvovaginite cíclica e a vulvodinia disestética e a papilomatose vulvar.

Aderências pélvicas

Poucas condições orgânicas da vulva apresentam-se com vulvodinia, como o líquen plano e o líquen escleroso. É comum a história prévia de tratamento da infecção pelo papilomavírus humano na vulva ou de episódios repetidos de candidose. Não existem achados clínicos ou histológicos específicos que caracterizem essa condição (Davis; Hutchison, 1999).

O papel das aderências na gênese da DPC também é controverso, sendo presente em 25% das pacientes com DPC (Gomel, 2007). Alguns estudos demonstraram ligação (Stones; Mountfield, 2000) entre as duas situações, enquanto outros não (Demco, 2004). As evidências existentes

Nos poucos estudos de prevalência da vulvodinia em mulheres jovens, somente a idade da sexarca foi diferente, com início mais precoce da vida sexual no grupo de estudo (Berglund; Nigaard; Rylander, 2002). Em outro estudo de prevalência, a queixa de dor vulvar há mais de 6

A ausência de critérios diagnósticos uniformes acaba por conferir dificuldade na definição e na comparação entre os resultados terapêuticos.

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meses foi de 7,9%, e o único fator preditivo encontrado foi o aumento no número de infestações por cândida no grupo sintomático comparado com o grupo de mulheres sem dor vulvar, respectivamente 22,8 e 12,4% (Tchoudomirova; Mardh; Hellberg, 2001). No manejo terapêutico, são eliminados sabonetes, cremes, duchas e outros potenciais irritantes locais. Lavar genitais somente com água após urinar pode ajudar a diminuir os sintomas. Óleos vegetais emolientes e banhos de assento com aveia podem diminuir a sensação de ardência. Em mulheres com infestações fúngicas de repetição, o tratamento supressivo com antifúngicos orais é uma opção. Os antidepressivos tricíclicos, especialmente a amitriptilina, são reconhecidamente eficazes no alívio da dor vulvar; outros antidepressivos podem ser tentados em mulheres com intolerância à amitriptilina (Davis; Hutchison, 1999). O uso de anticonvulsivantes como a gabapentina oral ou tópica mostrou bom resultado em algumas pacientes (Boardman et al., 2008). Tratamento cirúrgico é descrito em casos de vulvodinia localizada não responsiva a medidas clínicas, como recurso de exceção. Excisões de extensão variável do vestíbulo com avanço da mucosa vaginal até o introito, aumentando o seu calibre, são descritas com índices de sucesso entre 59 e 84%, mas não há qualquer estudo controlado ou de seguimento a longo prazo. Nenhum tratamento específico tem sucesso em todas as pacientes, e os resultados podem ser frustantes para a paciente e o médico. Terapia de suporte emocional e psicológico são importantes para muitas mulheres.

Neoplasias genitais Neoplasias ginecológicas dificilmente causam DPC, mas o tratamento cirúrgico ou radioterápico das neoplasias pode causar sequelas de dor crônica. Também a progressão e as metástases de neoplasias malignas podem ser causa de dor.

Disfunções urológicas – síndrome da cistite intersticial ou bexiga dolorosa Estima-se que aproximadamente 38% das mulheres com DPC tenham diagnóstico de cistite

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intersticial. A definição e o diagnóstico dessa síndrome são pouco precisos, mas costumam incluir frequência ( 7 micções na vigília), urgência urinária, noctúria ( 2 micções por noite) e dor pélvica na ausência de infecção, carcinoma vesical, cistite actínica ou medicamentosa (Butrick, 2003). Classicamente, o diagnóstico é baseado na combinação de sintomas e achados citoscópicos (glomerulação, úlceras de Hunner ou fibrose). Os sintomas podem incluir dispareunia e ardência e dor localizadas na vagina, na pelve, na área suprapúbica ou lombar baixa e nas fossas ilíacas. A menstruação e a relação sexual aumentam os sintomas. Apesar de considerada padrão-ouro para o diagnóstico da cistite intersticial, os achados à cistoscopia não se correlacionam com a intensidade dos sintomas, nem a biópsia é diagnóstica. A cistoscopia deve ser usada para afastar neoplasia em casos de hematúria (micro ou macroscópica) ou em mulheres acima dos 50 anos com início recente dos sintomas. O teste de sensibilidade intravesical ao potássio é utilizado para auxiliar o diagnóstico, sendo positivo em 78% dos indivíduos que satisfazem todos os critérios para o diagnóstico de cistite intersticial e raramente positivo nos grupos-controle. Frequentemente, um componente vesical para a DPC é desvendado em mulheres com queixas ginecológicas: 82% das mulheres com DPC, 79% das mulheres com vulvodinia, 91% das mulheres com dispareunia e 86% das mulheres com endometriose tiveram o teste de sensibilidade intravesical ao potássio positivo. Portanto, um alto grau de suspeição é necessário para o diagnóstico (Parsons et al., 2001). O tratamento do urotélio é especialmente importante nas mulheres com teste do potássio fortemente positivo. A administração intravesical da dimetilsulfoxida tem índices de resposta entre 50 e 70%. Heparina intravesical pode ser usada sozinha ou em combinação com a dimetilsulfoxida e, por ter melhor perfil de tolerância, pode ser usada a longo prazo. A instilação intravesical do BCG mostrou redução importante dos sintomas em pequeno número de pacientes, o que diminui sua utilidade clínica. Estudos menores com o uso da toxina botulínica têm mostrado resultados inconsistentes não podendo esta ser considerada ainda opção terapêutica (Dasgupta; Tincello, 2009).

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A única medicação oral aprovada para uso na cistite intersticial é pentosan polisulfato sódico, heparinoide semissintético, altamente sulfonado com similaridades químicas e estruturais com as glucosaminaglicanas naturais que protegem o urotélio. A dose indicada é de 300 mg/dia, divididos em três tomadas de 100 mg pelo período mínimo de 2 a 4 meses ou mais (Butrick, 2003). A cimetidina em dose de 400 mg/dia mostrou melhora dos sintomas em estudo clínico randomizado (Thilagarajah; Witherow; Walker, 2001). Alimentos ácidos, bebidas carbonatadas, cafeína e álcool costumam aumentar os sintomas vesicais; evitar ou restringir o seu uso pode ter papel importante no controle sintomático.

Patologias somáticas raras Patologias neurológicas com sintomas atípicos de dor irradiada nos dermátomos que incluem os flancos e as fossas ilíacas (T12 a L1) são raras causas de DPC. Alguns casos são descritos na literatura, cuja investigação demonstrou hérnia de disco vertebral ou neoplasias de raízes nervosas. Outras causas somáticas raras são a fibrose retroperitoneal, o lúpus eritematoso sistêmico, a neurofibromatose e a porfiria aguda intermitente.

Causas não somáticas Existem várias publicações avaliando o tratamento multidisciplinar das pacientes com dor pélvica crônica sem patologia somática identificável. O resultado terapêutico é inequivocadamente melhor nas pacientes tratadas globalmente – revisão sistemática de estudos de manejo multidisciplinar mostrou redução na intensidade da dor, melhora do humor e maior retorno ao trabalho, além de diminuição no uso dos serviços de saúde (Flor; Fydrich; Turk, 1992). Em estudo prospectivo, a terapia multidisciplinar mostrou larga vantagem sobre o tratamento tradicional, tanto na diminuição dos sintomas quanto no retorno ao trabalho e na satisfação geral das pacientes (Peters et al., 1991). As medidas terapêuticas devem integrar intervenção médica com identificação e manejo dos problemas socioambientais e psicológicos. Como um manejo multidisciplinar tem demonstrado ser

mais efetivo na maior parte das pacientes com DPC, essas pacientes devem ser manejadas em serviços que possam realizar a integração de profissionais para realizar um plano de avaliação e tratamento integrado. Alguns autores observam que as mulheres com dor pélvica crônica estão frequentemente procurando “uma relação humana na dor” e se sentem estimuladas a manter sua dor por medo de, ao resolvê-la, ter sua relação com o médico desfeita. Deve ser lembrado que a dor tem papel multidimensional: ela pode funcionar como aviso de dano tecidual, alertando o corpo para evitar dano adicional; pode ser a maneira de uma pessoa interagir com outras; pode ser um processo codependente de culpa e, por fim, pode ser resultado da conversão de um problema inaceitável para a paciente em um sintoma aceitável, como a dor pélvica. Desse modo, intervenções terapêuticas realizadas por especialistas podem converter esse quadro secundário contraprodutivo em transferência construtiva (Levitan et al., 1985).

Tratamento cognitivo-comportamental O tratamento cognitivo-comportamental aplica intervenções específicas para cada dimensão da dor crônica. As fases do tratamento incluem educação, aquisição de capacidades, modificação comportamental e manutenção. Técnicas de relaxamento e mentalização diminuem a contratura muscular e a excitação. Técnicas cognitivas e comportamentais são usadas para diminuir a preocupação e a atenção da paciente à dor – o que pode requerer persuasão, pois muitas pacientes acreditam que a dor é sinal de perigo e não deve ser ignorada. Programas progressivos de atividade física aumentam o condicionamento e o bem-estar. O retorno ao trabalho é um dos desfechos almejados. O manejo do estresse é um dos principais pontos do tratamento cognitivo-comportamental – identificação das situações estressantes e treinamento das maneiras de alterar esses eventos. Inicialmente, as pacientes são vistas em intervalos de 1 a 2 meses depois da avaliação inicial, e a cada 3 meses no primeiro ano. Após, a cada 6 meses, a menos que alguma alteração exija avaliação mais precoce. Infelizmente, não há estudos relevantes sobre os resultados a longo prazo.

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Algumas pacientes com DPC são resistentes a qualquer sugestão de que seus sintomas dolorosos tenham uma explicação não somática. Essa resistência pode ser um grande obstáculo aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos psicológicos, principalmente considerando que, na nossa sociedade, a tendência ainda predominante é a de não conferir status de doença legítima aos problemas emocionais (Gomel, 2007).

Tratamento cirúrgico Entre as cirurgias para DPC, apenas a lise de aderências tem demonstrado algum benefício (Stones; Mountfield, 2000). A laparoscopia, diagnóstica ou operatória, não demonstrou benefício no manejo da paciente com dor pélvica crônica, exceção feita às pacientes com exame ginecológico anormal (Cox et al., 2007). A dor pélvica crônica é a terceira causa informada de histerectomia nos Estados Unidos. No Brasil, não há estatística publicada a respeito. Apesar de a eficácia da histerectomia no tratamento dessa condição ser pouco clara, estudos recentes têm tentado avaliar sua eficácia a longo prazo no alívio dos sintomas de dor pélvica. Alguns estudos observacionais e de coorte demonstraram alguma eficácia da histerectomia em DPC (Hillis; Marchbanks; Peterson, 1995; Kjerulff et al., 2000). Hillis, Marchbanks e Peterson (1995) avaliaram a persistência da dor pélvica em 308 mulheres tratadas com histerectomia em estudo de coorte multicêntrica: a histerectomia foi eficaz na melhora dos sintomas a curto prazo, mas menos eficaz na sua resolução. Aproximadamente 25% das mulheres referiram dor persistente um ano após a cirurgia. As características que se associaram, independentemente, à persistência da dor foram a ausência

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de doença pélvica identificável, a renda familiar mais baixa e a história de duas ou mais gestações (Hillis; Marchbanks; Peterson, 1995). O mesmo índice de alívio da dor é obtido pela laparoscopia sem achados patológicos, em torno de 60%. A explicação mais razoável parece ser a orientação a respeito da normalidade dos órgãos pélvicos (Howard, 1993). De qualquer modo, as mulheres com dor pélvica crônica sem doença específica identificável e que não se beneficiaram das medidas conservadoras, inclusive acompanhamento psicológico, podem obter algum resultado no tratamento cirúrgico. A ablação laparoscópica de uterossacros já foi demonstrada como um tratamento não efetivo em pacientes com DPC e endometriose, não sendo indicada (Vercellini et al., 2003). A neurectomia pré-sacra demonstrou ser efetiva para tratamento de dismenorreia central, mas não apresenta os mesmos resultados quando considerado todo o grupo de pacientes com DPC. Os índices de sucesso são muito variáveis, dependendo, provavelmente, mais da seleção dos casos do que do método propriamente dito (Malinak, 1980; Zullo et al., 2003). O alívio da dor é frequente, mas, em geral, temporário. A dor retorna em 18 a 30 meses após a cirurgia em grande número de casos, coincidindo com o tempo de reinervação pélvica. É um procedimento com maior risco de sangramento e alteração do esvaziamento vesical pela alteração da inervação pélvica. Em resumo, o tratamento cirúrgico da DPC sem lesão identificável não tem evidência de benefício; além disso, o tratamento da paciente deve iniciar por medidas menos invasivas e mais eficazes, deixando cirurgias para falhas de tratamento, visto que todos os tratamentos têm altas taxas de recorrência da DPC.

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SITES RECOMENDADOS National Guideline Clearinghouse www.guideline.gov The International Pelvic Pain Society www.pelvicpain.org

National Institute of Child Health and Human Development/National Institutes of Health www.nichd.nih.gov/health/ topics/pelvic_pain.cfm

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em relação à dor pélvica crônica, são verdadeiras as seguintes afirmativas, exceto: a. A prevalência nas mulheres supera à da enxaqueca. b. Os diagnósticos gastrintestinais e urológicos são frequentes em mulheres com dor pélvica crônica que os diagnósticos ginecológicos. c. As mulheres que procuram atendimento por dor pélvica crônica são geralmente mais jovens que as mulheres sem dor pélvica crônica. d. O perfil típico da mulher com dor pélvica crônica é muito semelhante ao da mulher com endometriose. e. Na maior parte dos casos, não se consegue encontrar um diagnóstico definitivo.

2. Os exames listados a seguir são parte do processo diagnóstico de dor pélvica crônica, exceto: a. b. c. d.

Citologia cervical. Ultrassonografia transvaginal. Tomografia da pelve. Pesquisa de hemoglobina humana nas fezes. e. Videolaparoscopia diagnóstica.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Síndrome Pré-Menstrual Maria Celeste Osório Wender Beatriz Valiati Solange Garcia Accetta Fernando Freitas Carolina Leão Oderich

A síndrome pré-menstrual (SPM) é um distúrbio crônico que ocorre na fase lútea do ciclo menstrual e desaparece logo após o início da menstruação. Foi cientificamente descrita pela primeira vez em 1931, pelo ginecologista Robert Frank, que classificou sintomas cíclicos de 15 mulheres como tensão pré-menstrual. O termo tensão foi utilizado até 1950, quando foi substituído por síndrome pré-menstrual. A SPM caracteriza-se por uma combinação de sintomas físicos, psicológicos e comportamentais que interferem de forma negativa nas relações interpessoais da mulher. Quando os sintomas são leves a moderados, tendem a iniciar poucos dias antes do fluxo e apresentam menor interferência na vida cotidiana. Porém, quando os sintomas são intensos, costumam ocorrer com frequência a partir da ovulação, durando em torno de 14 dias. Entre 3 e 8% das mulheres têm sintomas muito intensos, provocando interferência nas suas atividades diárias e comprometimento da sua produtividade e qualidade de vida, o que constitui o transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM). A severidade dos sintomas nos leva a prestar mais atenção e a utilizar os meios possíveis para minimizar o sofrimento dessas mulheres.

Epidemiologia A ausência de critérios de consenso para definir essa síndrome justifica, pelo menos em parte, a discrepância nos dados de prevalência encontra-

dos na literatura. Acredita-se que até 90% das mulheres apresentam sintomas pré-menstruais. Porém, alguns estudos demonstraram que 20 a 40% das mulheres sofrem de SPM e que, dessas, 3 a 8% apresentam sintomas intensos – TDPM. A maioria das publicações associa a SPM às mulheres adultas, porém Hargrove e Abraham (1982) encontraram 18% das jovens entre 13 e 15 anos com sintomas importantes de SPM. Em janeiro de 2007, médicos latino-americanos participaram de uma reunião para elaborar um documento sobre SPM e TDPM, com foco voltado à epidemiologia, ao diagnóstico e ao tratamento na América Latina. A revisão dos dados mostrou que a prevalência de SPM e TDPM é mais alta nos países da América Latina (Brasil, México) do que nos países europeus, assim como a conscientização sobre a expressão SPM (Bahamondes et al., 2007).

Quadro clínico Os sintomas da síndrome pré-menstrual são muitos e variados, sendo citados mais de 100 sintomas físicos, psicológicos e comportamentais associados; contudo, algum grau de desconforto durante a fase lútea deve ser considerado normal. O sintoma psicológico mais frequente é a labilidade de humor, ocorrendo em até 80% das pacientes; outros são ansiedade, irritabilidade, depressão, sentimento de desvalia, insônia ou aumento de sonolência, diminuição da memória, confusão, concentração diminuída e distração.

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As queixas físicas comuns incluem aumento do volume abdominal e sensação de fadiga, cefaleia tensional, enxaqueca, mastalgia, dores generalizadas, aumento de peso, fogachos, tonturas, náuseas e palpitação. Entre as mudanças de comportamento, são comuns mudanças nos hábitos alimentares, aumento de apetite, avidez por alimentos específicos (particularmente doces ou comidas salgadas), não participação em atividades sociais ou profissionais, maior permanência em casa, aumento de consumo de álcool e aumento ou diminuição da libido.

Etiologia A etiologia da SPM permanece desconhecida e por isso muitas hipóteses têm sido cogitadas, porém nenhuma delas pode ser comprovada. Há consenso de que seja secundária à atividade cíclica ovariana. A menstruação em si não é fundamental, visto que os sintomas se mantêm após histerectomia. Parece ser consequência de uma interação complexa e pouco compreendida entre hormônios esteroides ovarianos, peptídeos opioides endógenos, neurotransmissores centrais, prostaglandinas, sistemas autonômicos periféricos e endócrinos. A ciclicidade ovariana parece criar uma vulnerabilidade inicial para a síndrome pré-menstrual ao modular vários fatores endócrinos. Segundo Magos (1990), seria o resultado final da influência das várias modificações fisiológicas que normalmente acompanham a atividade cíclica ovariana em mulheres suscetíveis. É importante ressaltarmos as mudanças sociais que modificaram a mulher de antigamente, com gestações e lactações sucessivas e longos períodos de amenorreia, para a mulher contemporânea, de reduzida paridade. O resultado é um período maior de flutuações cíclicas de estrogênio e progesterona, associados a sintomas pré-menstruais. Estudos comprovaram que não há alteração na dosagem sérica dos hormônios sexuais das mulheres com SPM quando comparadas às mulheres normais (grupo-controle).

Estudos anteriores sugeriram que a progesterona teria uma produção deficiente na síndrome pré-menstrual, porém estudos controlados demonstraram ausência de diferença na dosagem de E2, progesterona, LH, FSH, SHBG, S-DHEA, DHT, prolactina e cortisol entre o grupo de pacientes e o grupo-controle. Não existe diferença também nos níveis de magnésio, zinco, vitamina A, vitamina E, tiamina e vitamina B6. Os opioides endógenos também podem estar envolvidos na SPM. O nível de endorfinas sérico aumenta na metade da fase lútea, sendo indetectável no período pré-menstrual. As endorfinas podem afetar o humor. Choung (Chihal, 1990) demonstrou que mulheres com síndrome pré-menstrual têm níveis menores de endorfinas do que mulheres-controle normais, embora outros estudos apresentem resultados divergentes. Esses achados levam alguns autores a crer que a SPM seja uma síndrome de retirada de opioides. Alguns trabalhos têm demonstrado níveis anormais de precursores de prostaglandinas no soro de mulheres com síndrome pré-menstrual quando comparadas a mulheres normais. Jakubowicz, Godard e Dewhurst (1984) demonstraram níveis séricos menores de PGE1 e PGE2 em mulheres com síndrome pré-menstrual comparadas com o grupo-controle. Entretanto, ainda não se identificou o exato desequilíbrio de prostaglandinas que estaria envolvido na etiologia da SPM. Embora se saiba que as prostaglandinas interagem com os neurotransmissores do sistema nervoso central (SNC), os dados a respeito do papel das prostaglandinas na síndrome ainda são contraditórios e inconsistentes. Alguns estudos não controlados indicam que o metabolismo de ácidos graxos essenciais pode estar alterado na SPM. Nutrientes como a piridoxina, o magnésio, o zinco, a niacina e o ácido ascórbico aumentam a conversão dos ácidos graxos em PGE1. Apesar disso, o papel dos precursores dos ácidos graxos essenciais também permanece indefinido. Outro neurotransmissor, o ácido gamabutírico (GABA), interage com os hormônios esteroides. Os níveis de GABA são afetados pelos níveis de progesterona e seus metabólitos. Como o complexo receptor GABA é o maior sítio de ação dos

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benzodiazepínicos, especula-se que alterações no sistema gabaérgico induzidas por progesterona possam estar envolvidas na patogênese da síndrome. Novas hipóteses para o mecanismo dessa doença surgiram com o uso dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS). As pacientes apresentam melhora dos sintomas a partir do primeiro ciclo, e parece que os melhores resultados são com o tratamento intermitente, característica de resposta a essas medicações única dessa síndrome. Isso sugere que a via serotoninérgica esteja envolvida na patogênese da SPM. Outra evidência indireta de que a via serotoninérgica esteja envolvida são os estudos de concordância em gêmeas em relação aos sintomas de SPM e uma correlação de sintomas de SPM com episódio depressivo maior nesses grupos.

Diagnóstico A SPM e o TDPM devem sempre ser diferenciadas de outros sintomas psiquiátricos que, eventualmente, apenas se exacerbam no período pré-menstrual. Os sintomas do TDPM podem ser muito semelhantes a outras doenças, por isso, uma avaliação prospectiva acurada é necessária para se realizar o diagnóstico. O American College of Obstetricians and Gynecologists – ACOG (2000)

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indica a realização de diários por 2 a 3 meses consecutivos, e não apenas por um ciclo. A SPM e o TDPM devem sempre ser diferenciadas de outros sintomas psiquiátricos que, eventualmente, apenas se exacerbam no período pré-menstrual, e de algumas condições médicas como hipotireoidismo ou hipertireoidismo. Uma variedade de sintomas clínicos, como cefaleia, fadiga crônica e síndrome do intestino irritável, são exacerbadas frequentemente próximo à menstruação, contudo, os sintomas não são típicos de SPM, e o período em geral não coincide com a fase lútea. Exames laboratoriais poderão ser realizados excepcionalmente quando for necessário afastar outras patologias. Alguns autores postulam que os quadros disfóricos pré-menstruais constituem um espectro de anormalidades. Em um extremo, estão a maior parte das mulheres na menacme, que apresenta algum desconforto, principalmente físico, durante o período pré-menstrual; essas mulheres podem ser classificadas de acordo com os critérios diagnósticos do ACOG para SPM (Quadro 7.1). No outro extremo, está o TDPM, que representa a forma mais grave da SPM e é classificada segundo os critérios do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (2000) (Quadro 7.2). Os critérios do DSM-IV são bastante rigorosos e incluem apenas 5% da população com sintomas, valorizando principalmente os sintomas emocionais em detrimento dos físicos.

QUADRO 7.1

Critérios para o diagnóstico de síndrome pré-menstrual (SPM), de acordo com o American College of Obstetricians and Gynecologists (2000) A. Presença de um ou mais sintomas afetivos ou somáticos durante os 5 dias antes da menstruação em cada 1 de 3 ciclos menstruais prévios. B. Sintomas afetivos: depressão, raiva, irritabilidade, ansiedade, confusão, introversão. Sintomas somáticos: mastalgia, distensão abdominal, cefaleia, edema das extremidades. C. Sintomas aliviados pelo início da menstruação (sintomas aliviados em 4 dias do início da menstruação sem recorrências até pelo menos o 13o dia do ciclo). Sintomas presentes na ausência de qualquer terapia farmacológica, consumo de hormônios ou abuso de drogas ou de álcool. Sintomas ocorrem reprodutivamente durante 2 ciclos de registros prospectivos. A paciente apresenta disfunção identificável do desempenho social ou econômico.

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QUADRO 7.2

Critérios para o diagnóstico de transtorno disfórico pré-menstrual – American Psychiatric Association (2002) (TDPM) A. Pelo menos 5 dos seguintes sintomas estão presentes na maior parte do tempo durante a fase lútea e que começam a desaparecer após a menstruação; pelo menos um sintoma dos quatro iniciais. 1. Humor marcadamente deprimido, sentimentos de desesperança e pensamentos de baixa autoestima. 2. Ansiedade, tensão, nervosismo. 3. Labilidade emocional extrema (ficar subitamente triste, chorosa ou suscetível à rejeição). 4. Raiva ou irritabilidade persistentes ou aumento dos conflitos interpessoais. 5. Diminuição do interesse nas atividades usuais (escola, trabalho, amigos, hobbies, etc.). 6. Sensação subjetiva de dificuldade de concentração. 7. Letargia, cansaço fácil ou falta de energia. 8. Mudança no apetite, comer em excesso ou craving. 9. Hipersonia ou insônia. 10. Sensação subjetiva de estar “fora de controle”. 11. Outros sintomas físicos como edema, mastalgia, cefaleia, mialgias, artralgias, ganho de peso. B. Os sintomas são graves o suficiente para interferir no trabalho, na escola ou nas atividades sociais e no relacionamento com outras pessoas (evitação das atividades sociais, diminuição da produtividade e eficiência no trabalho e na escola). C. O transtorno não é uma exacerbação de sintomas existentes de outra doença como depressão maior, transtorno de pânico, transtorno distímico ou transtorno da personalidade (embora possa estar junto a qualquer um deles). D. Os critério A, B e C precisam ser confirmados prospectivamente com registros diários por pelo menos 2 ciclos (o diagnóstico pode ser feito provisoriamente até que seja confirmado). Fonte: Adaptado de Miner e colaboradores (2002).

Tratamento O manejo inicial consiste em educação e orientação. As pacientes e seus familiares devem conhecer as características da síndrome pré-menstrual, pois ela é uma patologia endocrinoginecológica de causa incerta e não proveniente da imaginação da mulher. Apoio médico, empatia, discussão e paciência parecem ser bastante úteis. O tratamento deve ser individualizado, iniciando com intervenções no estilo de vida. As modificações dietéticas são amplamente indicadas, apesar de não terem sido avaliadas em grandes trabalhos controlados. Recomenda-se que as pacientes tenham alimentação equilibrada – proteínas, fibras e carboidratos adequados e baixa ingestão de gorduras saturadas; alimen-

tos muito salgados ou muito doces devem ser evitados por poderem produzir retenção hídrica e consequente desconforto. Bebidas como café, chá e à base de cola devem ser evitadas, pois são estimulantes, podendo agravar a irritabilidade, a tensão e a insônia. Também o álcool e outras drogas podem piorar os sintomas psicológicos. Muitas mulheres obtêm alguma melhora com modificações dietéticas, por isso o aconselhamento nutricional é um componente da terapia. O exercício aeróbico pode elevar os níveis de endorfinas e com isso melhorar o humor. Várias evidências reforçam que a atividade física tem seu lugar no tratamento dos sintomas pré-menstruais. Ainda que essas medidas careçam de estudos para determinar seu real papel no tratamento da SPM, são extremamente válidas como orientação global de saúde e devem ser recomendadas às pacientes.

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Há uma infinidade de tratamentos descritos para a SPM, a maioria deles sem um grupo-controle. As abordagens em terapia complementar são extremamente populares e existem estudos indicando que mulheres portadoras de SPM fazem uso de medicina complementar para alívio dos seus sintomas, mesmo quando estão recebendo alguma medicação e estão satisfeitas com ela. Alguns estudos sugerem que a utilização de vitamina B6 (piridoxina) é melhor do que placebo para SPM. Suplementos com cálcio podem ser benéficos, assim como cápsulas de castanha-da-índia (Vitex agnus castus), que parecem ter efeito antagonista à prolactina. O uso de óleo de prímula também está popularizado, mas parece ser inefetivo. Uma metanálise localizou 27 estudos controlados em medicina complementar. A maioria deles apresentava problemas metodológicos, e a conclusão dos autores foi de que atualmente não existe evidência corroborando o uso de medicina complementar/ alternativa para o tratamento da SPM. Estudos indicam que a maioria das pacientes utiliza alguma forma de medicina complementar, mesmo quando satisfeitas com seus tratamentos. A utilização de progesterona foi avaliada por vários estudos duplo-cegos controlados com placebo. Nenhum mostrou melhora significativamente superior à causada pelo placebo, ou seja, muitas pacientes que utilizam progestágeno e que referem melhora da sintomatologia da síndrome pré-menstrual podem estar se beneficiando somente do efeito placebo. Uma revisão do Cochrane de 2008 afirma que a progesterona não ajuda a tratar SPM e tampouco é efetiva, não havendo sequer um ensaio que apresente um subgrupo de mulheres que tenham se beneficiado (Ford et al., 2008). Um estudo recente avaliou a eficácia do danazol durante a fase lútea no manejo da SPM e da mastalgia cíclica. Esse estudo foi o que teve o maior número de mulheres incluídas e, embora o danazol tenha se mostrado eficaz no alívio da mastalgia, não houve melhora estatisticamente significativa nos sintomas da SPM no grupo tratado com danazol em relação ao grupo placebo. Os diuréticos têm sido muito usados para tratar as pacientes com síndrome pré-menstrual, particularmente aquelas com queixas de retenção

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líquida, ganho de peso e aumento de volume abdominal. Na fase lútea do ciclo, a progesterona inibe o efeito da aldosterona no túbulo distal, porém esse fenômeno ocorre indistintamente nas pacientes com e sem síndrome pré-menstrual. Dos ensaios clínicos controlados com placebo, somente dois demonstraram benefício com o uso do diurético. Portanto, eles têm um papel limitado como tratamento, sendo mais indicados para mulheres com queixas de aumento do volume abdominal e edema periférico pré-menstrual. A espironolactona 50 a 100 mg/dia é o diurético mais utilizado. Progesterona não é efetiva no tratamento da SPM, e nenhum ensaio clínico demonstrou subgrupo de mulheres que tenham se beneficiado dessa abordagem (Ford et al., 2008). Os anti-inflamatórios não esteroides, como o ácido mefenâmico e o naproxeno, podem auxiliar no tratamento de pacientes com dismenorreia, contudo, não têm efeito sobre a SPM. Os anticoncepcionais orais (ACOs) eliminam a ciclicidade ovariana e poderiam ter eficácia terapêutica, principalmente para aquelas mulheres com dismenorreia e mastalgia pré-menstrual, embora os resultados na literatura sejam controversos e não haja evidência de que possam aliviar os sintomas pré-menstruais. Uma possibilidade seria a tomada de contraceptivo oral contínuo. A formulação contendo 30 μg de etinilestradiol ⫹ 3 mg de drospirenona tem sido considerada eficaz no tratamento dos sintomas pré-menstruais. A drospirenona é um progestágeno derivado da espironolactona com propriedades progestogênicas, mineralocorticoides e antiandrogênicas e sem atividade estrogênica e androgênica. A atividade antimineralocorticoide contrabalançaria o efeito de retenção hídrica presente nos anticoncepcionais combinados de baixa dose e poderia combater sintomas de edema, ganho de peso e mastalgia associados ao período pré-menstrual. Atualmente, a formulação de 20 μg de etinilestradiol ⫹ 3 mg de drospirenona no regime de 24/4 foi aprovada para tratamento de sintomas emocionais e físicos de TDPM. Estudos demonstram melhora importante da produtividade e das atividades e relações sociais das mulheres com sintomas de TDPM. Contudo, não está confirmada a efetividade após três ciclos de uso e não se tem evi-

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dências para saber se o esquema é melhor do que outros anticoncepcionais. Os ACOs devem ser considerados se os sintomas forem principalmente físicos, mas podem não ser eficazes se os sintomas de humor forem predominantes. A formulação de ACO de primeira escolha para o tratamento de sintomas emocionais e físicos do TDPM contém 20 μg de etinilestradiol ⫹ 3 mg de drosperinona no regime 24/4 (Maloney et al., 2008). Os ISRS são considerados fármacos de primeira linha, eficazes e de boa tolerabilidade para o tratamento da SPM e do TDPM. Muitos estudos avaliaram a eficácia dos ISRS no manejo da SPM e do TDPM, apresentando taxas de 60 a 90% de melhora, comparadas a 30 a 40% do placebo. Os medicamentos mais usados são citalopram, fluoxetina, paroxetina, sertralina e um inibidor da recaptação de noradrenalina (antidepressivo de outra classe), a venlafaxina (Tab. 7.1). Os ISRS podem ser usados de forma contínua ou intermitente, a partir do 15o dia do ciclo. Uma metanálise recente (Shah et al., 2008) mostrou que os ISRS (citalopram, fluoxetina, paroxetina e sertralina) são efetivos para o tratamento de SPM/TDPM, sendo melhores no regime contínuo (OR 0,28, 95% CI 0,18-0,42) do que no regime intermitente (OR 0,55, 95% CI 0,45-0,68). O uso contínuo da medicação tem um efeito muito mais amplo. Esse achado é contrário ao que se pensava e praticava a pouco tempo e deve ser considerado na hora de prescrever a medicação. Os ISRS apresentam um perfil bastante seguro, não havendo efeitos residuais após a interrupção da medicação. Existe um estudo demonstrando que a fluoxetina está associada a uma alteração de mais ou menos 4 dias na duração dos ciclos

menstruais. As alterações na função sexual dificultam a adesão ao tratamento. O citalopram apresenta um perfil de efeitos colaterais menor, pode ser usado de forma intermitente e seu maior inconveniente é o custo. No tratamento dos quadros depressivos, os ISRS apresentam uma demora na apresentação dos seus efeitos, porém, nos quadros disfóricos pré-menstruais, a melhora dos sintomas pode ocorrer já na semana seguinte à do início da medicação. Para pacientes hesitantes em usar medicação durante toda a fase lútea, uma outra possibilidade é a fluoxetina de longa ação, tomada duas vezes durante a fase lútea. Aparentemente não há diferença na efetividade dos ISRS para o TDPM em usuárias e não usuárias de ACO. Sedativos como os benzodiazepínicos (alprazolam 0,25 mg 2⫻/dia na fase lútea) fazem parte dos recursos terapêuticos da síndrome pré-menstrual e são comprovadamente eficazes, mas é preciso considerar os riscos de dependência e a rápida tolerância induzida por essas medicações. Esses medicamentos estariam indicados em situações de extrema ansiedade, sempre com muito critério. Outra opção terapêutica eficaz – ainda que extrema – são os agonistas do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH). Por provocar uma castração médica, os sintomas da síndrome pré-menstrual melhoram significativamente. Como o medicamento necessita ser usado por tempo prolongado, pode-se provocar aumento do risco de osteoporose à paciente. Além disso, em geral há queixa de fogacho e atrofia urogenital. É importante salientar que a SPM tem uma melhora conhecida com placebo. Um estudo se propôs a avaliar esse fenômeno e detectou uma melhora sustentada (3-4 meses) em 20% das

Tabela 7.1 Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) Medicação Efeitos colaterais Citalopram Fluoxetina Paroxetina Disfunção sexual, náusea e nervosismo Sertralina Venlafaxina

Dose

20-40 mg/dia ou por metade do ciclo 20-60 mg/dia ou por metade do ciclo 20-30 mg/dia ou por metade do ciclo 50-150 mg/dia ou por metade do ciclo 50-200 mg/dia ou por metade do ciclo

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pacientes e uma melhora em pelo menos um ciclo entre 30 e 49%. Esse dado deve ser considerado na avaliação da resposta das pacientes.

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3. Como os sintomas pré-menstruais são crônicos e recorrentes, o tratamento deve considerar os custos e as reações adversas. 4. O manejo inicial deve abordar mudança de hábitos e dieta.

Recomendações 1. Pacientes com critérios para SPM e TDPM devem ser inicialmente bem avaliadas por meio de anamnese, exame físico e avaliação laboratorial. 2. Caso haja suspeita de qualquer patologia psiquiátrica associada, a paciente deve ser encaminhada ao profissional de saúde mental para receber tratamento concomitante.

5. O ACO contendo drospirenona parece ser efetivo para tratar os sintomas somáticos e físicos da SPM, podendo ser indicado como primeira escolha. 6. Os ISRS são comprovadamente eficazes para tratar SPM/TDPM. A sua utilização deve ser avaliada pelo médico após detalhada análise clínica.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A síndrome pré-menstrual tende a se manifestar em que fase do ciclo menstrual? a. b. c. d.

Fase folicular. Ovulação. Fase lútea. Durante todo o ciclo.

2. A primeira linha do tratamento para síndrome pré-menstrual (SPM) e transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) são os medicamentos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS). Sobre esses medicamentos é correto afirmar: a. São menos efetivos do que o placebo no tratamento da SPM. b. O bromazepan é o mais indicado no tratamento da SPM/TDPM. c. Apresentam baixa adesão entre as pacientes com sintomas severos. d. Podem ser usados tanto em regime contínuo como em regime intermitente.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Sangramento Uterino Anormal Fernando Freitas Maria Celeste Osório Wender Beatriz Valiati Gustavo Peretti Rodini

O sangramento uterino anormal (SUA) é um evento de fisiopatologia variável. É uma das queixas mais comuns em consultórios de ginecologia, acometendo todas as faixas etárias, desde a adolescência até a perimenopausa. Estima-se que, das pacientes com SUA, 50% estejam ao redor dos 45 anos de idade e 20% sejam adolescentes. A história anterior da paciente, suas características menstruais, que constituem o seu padrão individual de sangramento, é o que leva o médico a definir o sangramento como normal ou anormal. O SUA é um sintoma e não um diagnóstico; por isso, o estabelecimento de sua causa específica permitirá um tratamento apropriado. Para melhor compreensão deste capítulo, sugere-se a leitura prévia do Capítulo 44, Ciclo menstrual normal.

Padrões normais de sangramento > Quantidade: perda sanguínea em torno de 40 mL (25-70 mL). > Duração do fluxo: 2 a 7 dias. > Frequência dos fluxos: entre 21 e 35 dias.

Obs.: O mais importante é a queixa de mudança de padrão, pois, em geral, uma paciente apresenta os mesmos parâmetros durante toda a sua menacme.

Padrões anormais de sangramento > Menorragia: sangramento uterino excessivo (⬎ 80 mL/ciclo) ou prolongado (⬎ 7 dias). > Metrorragia: sangramento uterino em intervalos irregulares. > Menometrorragia: sangramento prolongado ocorrendo em intervalos irregulares. > Oligomenorreia: sangramento uterino em intervalo superior a 35 dias. > Polimenorreia: sangramento uterino em intervalo inferior a 24 dias. > Sangramento de escape, intermenstrual ou spotting: sangramento uterino de pequeno volume precedente ao ciclo menstrual regular. > Amenorreia: ausência de sangramento vaginal por 3 ciclos regulares ou 6 meses em ciclos irregulares. > Sangramento uterino disfuncional (SUD): sangramento uterino não relacionado a cau-

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sas anatômicas ou sistêmicas, sendo diagnóstico de exclusão. Sua causa principal é a anovulação.

Sangramento uterino anormal A etiologia do SUA pode ser dividida em duas grandes categorias: orgânica e disfuncional (ou endocrinológica). As causas orgânicas de SUA são discutidas em outros capítulos e serão aqui brevemente abordadas. Os exames laboratoriais serão solicitados de acordo com a história e a suspeita clínica, podendo orientar o diagnóstico em direção a uma ou outra causa específica. As causas ginecológicas vaginais ou cervicais podem ser identificadas pelo exame especular ou colposcópico. O sangramento de origem uterina pode exigir, além do exame físico, métodos complementares de diagnóstico, como histeroscopia, amostragem endometrial e outros comentados adiante.

Sangramento uterino orgânico Anamnese Devemos sempre ter em mente o diagnóstico de gestação, pois a causa mais comum de um sangramento de início abrupto e anormal é uma gravidez não diagnosticada. O sangramento nesses casos pode ser decorrente de descolamento de placenta, gestação ectópica, abortamento, placenta prévia ou doença trofoblástica. Em relação ao teste para gestação, cabe considerar que é medida a subunidade beta da gonadotrofina coriônica humana (␤-HCG), produzida pelo trofoblasto. O radioimunoensaio para medir ␤-HCG pode detectar níveis séricos tão baixos quanto 5 a 10 UI/L, com uma incidência de falso-negativo de 0,5%. O ␤-HCG pode ser detectado no soro sanguíneo 7 a 8 dias após a ovulação, ou aproximadamente no dia posterior à implantação trofoblástica. A detecção urinária do ␤-HCG ocorre posteriormente, quando seu nível sérico está em 20 a 30 UI/L.

A anovulia é a principal causa de SUA e deve ser suspeitada na falta dos sinais clínicos de ovulação, como mastalgia, leucorreia e amenorreia sobreposta a períodos de SUA. Ciclo menstrual regular é o principal fator associado à ovulação. A avaliação de coagulopatia deve ser considerada em pacientes com SUA desde a menarca em associação ao sangramento excessivo em pequenos cortes ou ao aparecimento de hematomas inesperados. Considerar história de trauma e sintomas sistêmicos que podem direcionar para a etiologia do SUA.

Exame físico A partir do exame físico ginecológico, a porção do sistema reprodutor feminino responsável pelo sangramento poderá ser identificada, estabelecendo pistas referentes a sua etiologia. > Vulva: cistos, condilomatose, câncer, doença sexualmente transmissível (DST), trauma. > Vagina: malformações vaginais, laceração do hímen, cistos dos ductos de Gartner, pólipos, adenose (tecido glandular ectópico), câncer, vaginose bacteriana, DSTs, vaginite atrófica, trauma. > Colo uterino: doença inflamatória pélvica (DIP), pólipo, ectopia, endometriose, câncer, cervicite. > Útero: pólipo, hiperplasia endometrial, adenomiose, miomatose, câncer, endometrite. > Avaliação e exclusão de doenças do sistema urinário como causa de sangramento, sendo equivocadamente diagnosticadas como sangramento vaginal: uretrite, câncer, infecção urinária, cálculo urinário.

Medicamentos Avaliação do uso das principais drogas que podem estar associadas ao SUA: anticoncepcionais, terapia de reposição hormonal (TRH), dispositivos intrauterinos (DIUs), anticoagulantes, tamoxifeno, corticoides, antipsicóticos e inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS).

Doenças sistêmicas > Doenças envolvendo a vagina: doença de Crohn, síndrome de Behçet, penfigoide, pênfigo, líquen plano erosivo, linfoma.

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> Coagulopatias: considerar esse diagnóstico especialmente em crianças e adolescentes, faixa etária em que são responsáveis por 20% dos casos de sangramento apesar de a principal causa ainda ser a anovulação. Lembramos da doença de von Willebrand, trombocitopenia, disfunção plaquetária, doença hepática avançada e, especialmente, púrpura trombocitopênica idiopática. > Hipertireoidismo e hipotireoidismo. > Hiperprolactinemia e adenoma de hipófise. > Síndrome dos ovários policístico (SOP), sendo definida como a presença de dois dos três fatores diagnóstico: presença de ovários policísticos à ecografia, hiperandrogenismo clínico ou laboratorial e irregularidade menstrual. > Doença hepática crônica. > Doença renal.

Sangramento uterino disfuncional Por definição, é a perda sanguínea oriunda da cavidade uterina e de origem endometrial, na ausência de doenças orgânicas, atribuída às alterações nos mecanismos neuroendócrinos que controlam a menstruação. É, portanto, um diagnóstico de exclusão, podendo ser feito somente quando todas as causas orgânicas forem afastadas. Manifesta-se mais frequentemente como uma hemorragia uterina irregular e fora dos padrões normais da paciente. Comumente está associado à função ovariana anormal e à anovulação, podendo, porém, ocorrer em ciclos ovulatórios. As três principais categorias de SUD são: 1. Sangramento por deprivação estrogênica: ocorre após ooforectomia bilateral, irradiação de folículos maduros ou descontinuação de estrogenioterapia em paciente ooforectomizada. Sangramento no meio do ciclo pode ser consequência da queda pré-ovulatória de estrogênio. 2. Sangramento por disruptura (breaktrough) estrogênica: o endométrio está excessiva-

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mente proliferado, devido a altos níveis de estrogênio, e apresentando vascularização insuficiente. Iniciam-se, então, pequenas áreas de necrose focais, diferentes da maneira universal que ocorre na menstruação normal. O modelo de deprivação estroprogestativo, característico da menstruação, quando estrogênio e progesterona são interrompidos ao mesmo tempo, é acompanhado de um sangramento regular, tanto na quantidade quanto no intervalo e na duração, aproximadamente em todo o endométrio, simultaneamente. No sangramento por disruptura estrogênica, há uma relação entre a quantidade de estrogênio estimulando o endométrio e o tipo de sangramento que será produzido. Baixos níveis de estrogênio levam a um sangramento irregular, tipo spotting. Os altos níveis de estrogênio sustentam longos períodos de amenorreia, geralmente seguidos de sangramentos profusos com perda excessiva de sangue. 3. Sangramento por disruptura progestogênica: só ocorre na presença de alta relação progesterona/estrogênio. Na ausência de estrogênio, a terapia continuada com progesterona levará a sangramento intermitente de duração variável, similar ao do estrogênio. Esse tipo de sangramento está associado ao uso de progestágenos de longa duração (injetáveis e implantes). A progesterona é o hormônio responsável pelas características normais e constantes do fluxo endometrial e só é capaz de produzir sangramento por deprivação hormonal quando já houver um certo grau de proliferação endometrial por atividade estrogênica prévia. Isso porque o estrogênio é responsável também pela formação dos receptores de progesterona, a qual, em grandes quantidades, provoca o retrocontrole negativo sobre seus próprios receptores e os de estrogênio. Outro tipo de sangramento é o ocasionado por deprivação progestogênica, como na remoção do corpo lúteo, que leva à descamação do endométrio. Pode ser simulado administrando e após retirando progesterona ou análogo sintético. Como já mencionado anteriormente, só haverá sangramento por deprivação progestogênica se houver ação prévia estrogênica sobre

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o endométrio. Mesmo mantendo o estrogênio, haverá sangramento se for retirada a progesterona. Isso só não ocorrerá se a concentração de estrogênio for 10 a 20 vezes superior à normal. Haverá, portanto, sangramento sempre que existir desequilíbrio entre esses dois hormônios, principalmente no que tange a sua interrupção (ou queda), tanto em altos quanto em baixos níveis. Além dessas causas, o SUA pode decorrer da atrofia endometrial. É causado pela descamação irregular do endométrio, na presença de níveis muito baixos de estrogênio.

Diagnóstico de sangramento uterino anormal A abordagem deve ser sempre direcionada para oferecer à paciente uma avaliação diagnóstica custo-efetiva e minimamente invasiva, proporcionando um tratamento direcionado a cada caso. Deve-se proceder à anamnese e ao exame físico detalhados e a exames laboratoriais que possam fazer o diagnóstico diferencial de SUA. O sangramento anovulatório geralmente não se associa a sintomas de síndrome pré-menstrual e ocorre de forma imprevisível.

Um estudo que avaliou 1.415 pacientes entre 23 e 85 anos submetidas à dilatação e curetagem (Anastasiadis et al., 2000), que previamente haviam realizado ultrassonografia (US) transvaginal por SUA, demonstrou que o procedimento tem valor diagnóstico limitado para pólipos e hiperplasia em pacientes pré-menopáusicas, enquanto nas pós-menopáusicas apresenta mais sensibilidade e especificidade. Nesse mesmo estudo, 157 pacientes foram submetidas à histerossonografia (SIS – saline infusion sonohisterography) e comparadas ao ultrassom transvaginal e à curetagem, demonstrando que a histerossonografia pode ser um método mais sensível e específico do que a US transvaginal para a detecção desse tipo de lesão. Em média, a sensibilidade da US transvaginal é de até 90%, mas sua especificidade pode ser tão baixa quanto 15 a 30% (Valenzano et al., 1999; Dubinsky, 2004; McFarlin, 2006). Em particular, além de pólipos e hiperplasia, a US transvaginal também não tem boa acurácia para diagnosticar adenomiose, com sensibilidade de apenas 30%, chegando a uma especificidade de até 100% (Kim et al., 2000). A US tem maior sensibilidade (96%) na detecção de adenocarcinoma endometrial (Tabor; Watt; Wald, 2002).

Ultrassonografia

Em pacientes na menacme, estudos debatem a espessura endometrial abaixo da qual a incidência de patologia endometrial é baixa. Entretanto, não há consenso no valor. Utilizamos normalmente a espessura de 12 mm em ecografia realizada no início do ciclo menstrual para indicar avaliação histeroscópica da cavidade endometrial. A espessura endometrial para indicação de procedimentos invasivos em pacientes pós-menopáusicas também é debatida. Em pacientes com espessura endometrial menor ou igual a 3 mm, a probabilidade de presença de câncer uterino é menor do que 1% (Goldstein, 2004). Esse ponto de corte apresenta sensibilidade de 96% para detecção de câncer de endométrio, com taxa de falso-positivo de 39%. Espessura endometrial menor de 5 mm apresenta valor preditivo negativo de 96% para câncer de endométrio.

É um dos primeiros passos diagnósticos, que permite avaliar a espessura da lâmina endometrial, assim como o miométrio, a forma e o volume uterino e dos anexos. Consegue determinar com alguma precisão pólipos, miomas submucosos e tumorações.

Em pacientes na menacme com baixo risco para adenocarcinoma endometrial, com sangramento anormal e que não respondem a tratamento medicamentoso, é um método complementar custo-efetivo como teste inicial (Medverd; Dubinsky, 2002).

Os exames laboratoriais estão indicados quando houver suspeita clínica de doenças relacionadas (TSH, provas de coagulação, plaquetas, provas de função hepática, prolactina). Consideramos um organograma funcional, com base na idade e no estado menstrual da paciente, para o diagnóstico diferencial (Figs. 8.1 e 8.2). Chamamos a atenção para o fato de que o diagnóstico de SUD pode ser exclusivamente clínico, dependendo da sintomatologia associada e da faixa etária.

Rotinas em Ginecologia

125

Sangramento uterino anormal – pré-menopausa

Excluir gestação

Sim

Melhora do SUA

Tratamento da anovulação: AMP 10 mg/dia, VO, por 10-14 dias em cada ciclo menstrual mensal / ACO

Diagnóstico de anovulação crônica

Não

Continuidade do SUA

Manutenção do tratamento Ecografia transvaginal

Imagem ecográfica suspeita ou espessura endometrial > 12 mm

Histeroscopia Pólipo, mioma, adenomiose, câncer

Ecografia sem alterações

Fatores de risco para carcinoma de endométrio: > 35 anos, obesidade, nuliparidade, diabete, anovulação crônica, uso de tamoxifeno

Avaliação endometrial BE ou Histeroscopia

Sem fatores de risco para carcinoma de endométrio

• Acompanhamento • Tratamento • Causas sistêmicas

Figura 8.1 Avaliação do sangramento uterino anormal na pré-menopausa. AMP, acetato de medroxiprogesterona; ACO, anticoncepcional oral; BE, biópsia do endométrio; HSC, histeroscopia.

Histerossonografia Método introduzido na década de 1990. Trata-se de instilação de solução salina durante US transvaginal, chamada também de SIS. Permite clara visão do complexo endometrial, podendo

diferenciar uma patologia endometrial focal de uma global. A SIS foi objeto de uma série de ensaios clínicos, que comprovaram sua maior sensibilidade para a detecção de anomalias endometriais. É melhor se realizada nos primeiros 10 dias do ciclo menstrual.

126 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Sangramento uterino anormal – pós-menopausa

Fatores de risco para câncer de endométrio: obesidade, nuliparidade, diabete melito, anovulação crônica, uso de tamoxifeno

Biópsia de endométrio ou histeroscopia com biópsia

Sim

Material insuficiente ou patologia benigna

Neoplasia tratamento específico

Ecografia transvaginal

Espessura endometrial < 3 mm

Espessura endometrial > 5 mm

Acompanhamento

Biópsia de endométrio ou histeroscopia com biópsia

Persistência SUA → histeroscopia

Imagem intrauterina

Biópsia negativa ou persistência do SUA

Satisfatória

Tratamento Histeroscopia → pólipo, mioma, adenomiose, câncer, endometrite Figura 8.2 Avaliação do sangramento anormal na menopausa.

Em uma metanálise que considerou 24 estudos publicados entre 1992 e 2002, envolvendo 2.278 procedimentos (que foram bem-sucedidos em 95% das pré-menopáusicas e 87% das pós-menopáusicas), a sensibilidade

na detecção de patologias uterinas variou de 80 a 100%, e a especificidade, de 50 a 100% (De Kroon et al., 2003). Uma proposta é realizar a medida endometrial por US transvaginal e reservar a SIS para pacien-

Rotinas em Ginecologia

tes que tenham espessura endometrial ⬎ 5 mm ou alguma anormalidade intracavitária visualizada à US transvaginal (Vries et al., 2000).

127

metrial. Houve 11% de falha na obtenção do material. Para lesões focais, a sensibilidade diminui para 11% para pólipos, 13% para miomas e 25% para as hiperplasias focais.

Biópsia de endométrio A avaliação histológica é o padrão-ouro para o diagnóstico de patologias endometriais. A maneira como a biópsia é realizada, no entanto, modifica completamente o valor do exame. É enfática a necessidade de amostragem endometrial e vale lembrar que não é a idade da paciente que guiará a indicação de uma biópsia de endométrio (BE), e sim o tempo de exposição a um ambiente hiperestrínico ao qual a paciente ficou exposta. Então, pacientes de 35 a 40 anos devem realizar BE, assim como pacientes mais jovens com hiperestrinismo e queixas de SUA (SOP, ovários androgênicos, etc.) ou ainda pacientes de baixo risco que não respondem ao tratamento medicamentoso. Geralmente é realizada às cegas, por aspiração com cânulas pequenas e flexíveis, cateter de Pipelle ou cureta de Novak. O ideal é que seja o feita após o 18 dia do ciclo menstrual para confirmação da ovulação, o que ocorre caso o endométrio seja proliferativo no exame anatomopatológico. A presença de células inflamatórias sugere endometrite. A principal desvantagem desse método é que não fornece uma amostragem de todo o endométrio, podendo lesões focais passarem despercebidas. Nos casos em que há forte suspeita de malignidade, um resultado histológico negativo não deve interromper o seguimento da investigação. A vantagem é que o procedimento pode ser realizado em consultório, com baixo custo, sem anestesia e com boa tolerabilidade da paciente, minimizando assim os riscos. O método ideal é a biópsia endometrial dirigida por histeroscopia. O estudo de Pasqualotto e colaboradores (2000) demonstrou em 375 pacientes a sensibilidade para pólipos e miomas, respectivamente, em US transvaginal (74 e 39%), SIS (96 e 96%), histeroscopia com biópsia dirigida (100 e 99%) e biópsia por Pipelle (24 e 10%). Uma metanálise utilizando a histerectomia como padrão-ouro revelou sensibilidade de apenas 68% da biópsia com as referidas curetas para diagnóstico de câncer ou hiperplasia endo-

Citologia endometrial Originalmente descrita para detecção precoce do adenocarcinoma endometrial. É um procedimento simples, seguro e de baixo custo, realizado em consultório, podendo ser indicado na investigação inicial do sangramento pós-menopáusico. Só deve ser valorizado nos casos de positividade para células malignas.

Curetagem uterina É um método diagnóstico e muitas vezes terapêutico. Assim como a biópsia de endométrio, não fornece amostra endometrial adequada, subestimando principalmente os miomas submucosos, pólipos, hiperplasias e carcinomas focais. Apesar de fornecer maior quantidade de material que a BE aspirativa, requer geralmente anestesia geral, o que aumenta muito seus riscos e custos, não compensados pela sensibilidade e especificidade baixas desse exame. No entanto, muitas vezes é um dos últimos recursos terapêuticos em sangramentos volumosos e agudos ou na tentativa de conservar o útero. Um estudo comparou dilatação e curetagem com achados histeroscópicos em 131 pacientes pré-menopáusicas com SUA, sendo que o procedimento de curetagem não apresentou valor diagnóstico estatisticamente significativo nem para a presença nem para a ausência (valores preditivos positivo e negativo) de anormalidades na cavidade uterina.

Histeroscopia É considerado exame de escolha para avaliação da cavidade uterina, pois, além da visualização direta do endométrio e da cavidade, permite biópsia dirigida, podendo ser também terapêutico na medida em que permite a excisão de pólipos, miomas e sinéquias e a realização de ablação endometrial. A histeroscopia diagnóstica pode ser realizada sem anestesia, no consultório, com óticas menores e em nível ambulatorial, diminuindo assim os custos e minimizando os riscos para a paciente.

128 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Nenhuma técnica disponível supera a sensibilidade e a especificidade da histeroscopia com biópsia dirigida (Cooper et al., 2000). Estudos mostram a alta taxa de concordância entre o diagnóstico histeroscópico e o resultado anatomopatológico das biópsias dirigidas. Caserta e colaboradores (1999) avaliaram 222 pacientes por histeroscopia e biópsia dirigida e obtiveram 85% de concordância. No Ambulatório de Climatério do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), 867 pacientes climatéricas foram submetidas à histeroscopia diagnóstica entre 1995 e 2003. Dessas, 411 eram pré-menopáusicas sem terapia hormonal. As principais indicações para a realização do exame foram sangramento uterino anormal em 81,2% e espessamento endometrial ao ultrassom em 18,8%. O diagnóstico mais comum foi SUD (71% das histeroscopias e 82% das BEs). Pólipos endometriais e miomas submucosos foram os principais achados histeroscópicos, encontrados em 25,4% desse grupo. Uma metanálise envolvendo mais de 26.000 exames revelou que a sensibilidade dos critérios visuais é de 86,4% para diagnóstico de câncer e de 80% para hiperplasia endometrial, com probabilidade pós-teste negativa de 0,6 e 2,8%, respectivamente. Outra metanálise mais recente identificou sensibilidade de 94% no diagnóstico de patologias endometriais em geral, 94% para pólipos e 87% para miomas. Mesmo quando o aspecto do endométrio é de atrofia, existe um risco de 0,7% de neoplasia. Atualmente, a histeroscopia cirúrgica é capaz de solucionar muitos casos que, até então, tinham indicação de histerectomia, principalmente em mulheres jovens e com prole incompleta.

lecendo eventos endometriais sincrônicos, universais, com estabilidade estrutural e ritmicidade vasomotora. Na grande maioria dos casos, o tratamento conservador hormonal é suficiente. O tratamento cirúrgico é a segunda opção, em caso de falha do tratamento clínico, quando este não é bem tolerado ou por opção da paciente. Lembrar que um SUD recorrente, agravado ou persistente deve sempre levar o médico assistente a exames complementares na procura de patologia que possa estar causando o sintoma. Pacientes com mais de 35 anos DEVEM ter o diagnóstico de patologia endometrial excluído.

Tratamento não hormonal Anti-inflamatórios não esteroides Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) têm importante ação na vasculatura endometrial e em sua hemostasia pela redução dos níveis de prostaglandinas no endométrio, inibindo a cicloxigenase, enzima responsável pela conversão do ácido aracdônico em prostaglandinas. São uma opção para pacientes que têm ciclos ovulatórios com sangramento importante. Qualquer AINE inibidor da cicloxigenase 1 (indometacina, ibuprofeno, ácido mefenâmico, naproxeno, diclofenaco, ácido flefenâmico) ou da cicloxigenase 2 (rofecoxib, celecoxib) pode ser utilizado, pois não há evidência de superioridade de um sobre outro. Os mais extensamente estudados foram os fenamatos (ácidos mefenâmico, flufenâmico e meclofenâmico), com redução de 22 a 46% do fluxo menstrual (Cameron et al., 1990; Bonnar; Sheppard, 1996).

Antifibrinolíticos

Tratamento do sangramento uterino disfuncional Muitas pacientes que apresentam pequenos sangramentos disfuncionais não necessitam de tratamento, sendo suficiente o esclarecimento da causa básica. O objetivo principal é restaurar o controle natural hormonal sobre o tecido endometrial, reestabe-

O endométrio tem um sistema fibrinolítico ativo. Um aumento nos níveis de ativadores de plasminogênio, grupo de enzimas que causa fibrinólise, tem sido encontrado no endométrio de mulheres com sangramento menstrual aumentado. Os antifibrinolíticos inibem esses ativadores do plasminogênio. O ácido tranexâmico reduz o sangramento menstrual em média 50% e também deve ser considerado como primeira opção no tratamento (Lee; Reid; Van Dijk, 2000). A

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redução do sangramento menstrual após o tratamento com o ácido tranexâmico mostrou-se superior à de outros tratamentos (AINEs ou progestágenos orais na fase lútea). Os paraefeitos gastrintestinais estão presentes em cerca de um terço das pacientes e são dose-dependentes. O principal fator limitante ao seu uso é o receio de um aumento da atividade trombótica, apesar da incidência de trombose ter se mostrado similar à de não usuárias (Rybo et al., 1991).

Tratamento hormonal Progesterona e progestágenos A progesterona tem sido usada comumente para controle da menorragia. O seu uso está baseado no conceito de que mulheres com menorragia apresentam ciclos anovulatórios, e a progesterona ajudaria a coordenar o sangramento quando utilizada na fase lútea. No entanto, diversos estudos têm mostrado que mulheres com sangramento menstrual excessivo apresentam ciclos ovulatórios normais. Nessas pacientes, progestágenos não devem ser utilizados (Oehler; Rees, 2003). Existe uma grande variedade de formas de administração e dosagens, cada uma delas com eficácia diferente em situações clínicas distintas. O resultado de estudos randomizados controlados mostra que o uso de progestágenos sintéticos tem sido largamente empírico (Oehler; Rees, 2003). É difícil determinar o valor do uso de progestágenos sistêmicos para tratamento da menorragia, pois não existem estudos randomizados contra placebo. No entanto, vários estudos comparam o seu uso com outros tratamentos medicamentosos (Lethaby; Farquhar; Cooke, 2000). O uso de progesterona cíclica oral por curtos períodos (5-10 dias) tem se mostrado inefetivo em controlar sangramento uterino quando comparado a AINEs, ácido tranexâmico, danazol e DIU com levonorgestrel (Oehler; Rees, 2003). O tratamento com noretisterona 5 mg, 3 ⫻/dia, do 5o ao 26o dia do ciclo, tem mostrado uma redução significativa na quantidade de sangramento quando comparado com os níveis pré-tratamento (Irvine et al., 1998).

129

Anticoncepcional oral O anticoncepcional oral (ACO) hormonal combinado reduz a quantidade de sangramento nos casos de SUD. Um único estudo comparativo existente não mostrou diferença significativa entre anticoncepcional hormonal, ácido mefenâmico, danazol em baixa dose ou naproxeno. A indução de atrofia endometrial parece ser o modo de ação dos ACOs na redução do sangramento. Não está claro se as doses muito baixas de etinilestradiol podem ser efetivas na redução do sangramento ou se algum tipo de progestágeno em particular é preferível. É uma opção muito boa quando a contracepção é desejada. Deve-se lembrar que a idade superior a 35 anos, associada a tabagismo, doença tromboembólica prévia ou história familiar, contraindica o uso de ACO, assim como pacientes com enxaqueca (risco aumentado de acidente vascular cerebral – AVC). É possível que o uso do ACO continuadamente (sem o intervalo de 4 ou 7 dias entre as cartelas) represente uma opção de tratamento (lembrando a falta de evidência de qualidade até o momento).

Estrogênios O sangramento vaginal intermitente (spotting) está frequentemente associado a baixas doses de estrogênio, levando a um mínimo estímulo endometrial: disruptura por estrogênio. Nessas circunstâncias, em que há uma fina camada de endométrio, a progesterona não tem efeito, pois necessita de uma ação proliferativa estrogênica prévia para atuar. Quando o sangramento é moderado, podem-se utilizar estrogênios conjugados (EC) 1,25 mg ou estradiol 2 mg, VO, 4/4 h, por 24 h e, após, EC 1,25 mg/dia ou 2 mg de estradiol ao dia por 7 a 10 dias. Qualquer terapia estrogênica deve ser seguida por uma cobertura progestagênica e um sangramento de deprivação. As doses mencionadas, exceto 1 cp ACO/dia, devem ser consideradas altas doses estrogênicas, e sua indicação deve ser cuidadosamente estudada. Não há dados disponíveis na literatura

130 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

para quantificar o risco para eventos tromboembólicos de tal terapia. Sugere-se que as pacientes com passado ou história familiar de eventos tromboembólicos não devam utilizá-la, e que as pacientes com risco aumentado de eventos vasculares, porém sem história pregressa, possam utilizar baixas doses de estrogenioterapia.

DIU com levonorgestrel O DIU com levonorgestrel fornece quantidade constante do progestágeno diretamente ao endométrio, todos os dias, suprimindo o crescimento endometrial. A redução do fluxo menstrual em um estudo que o comparou a um inibidor das prostaglandinas e a um agente antifibrinolítico foi de 96% em 12 meses com o DIU com levonorgestrel. Algumas pacientes (15-20% em um ano) tornaram-se amenorreicas, mas várias mulheres apresentaram sangramento intermenstrual nos primeiros meses após a inserção. Esse DIU teve eficácia superior ao da noretisterona cíclica (usada por 21 dias/mês) no tratamento do SUD. Em comparação à ablação endometrial, os resultados sintomáticos e a satisfação das pacientes foram semelhantes: 20% amenorreicas e 50% com fluxo significativamente reduzido. Os principais paraefeitos são mastalgia e sangramento intermenstrual. Seu custo não é baixo, porém tem duração de 5 anos. É uma boa opção para pacientes com doenças sistêmicas ou para pacientes com ciclos ovulatórios e sangramento importante.

Antiestrogênicos O danazol atua no eixo hipotálamo-hipófise-ovariano suprimindo a ovulação e levando à atrofia endometrial. Reduz em até 80% o fluxo e causa amenorreia com doses diárias acima de 400 mg. Seu uso é muito limitado pela ocorrência de paraefeitos androgênicos em até 75% dos casos, como ganho de peso, acne e voz grave. Portanto, tem pequeno espaço na terapêutica, exceto em pacientes aguardando cirurgia.

Antiprogestágeno A gestrinona tem efeito antiprogestagênico, antiestrogênico e androgênico. Reduz o sangramento e provoca amenorreia em 50% das

pacientes. Assim como com o danazol, o principal limitante ao uso são os efeitos androgênicos, inaceitáveis pela maioria das pacientes.

Agonistas do GnRH Atuam por meio da inibição das gonadotrofinas, ocasionando um hipogonadismo. Podem levar à melhora do sangramento a curto prazo em pacientes com insuficiência renal ou discrasia sanguínea, por exemplo. Após transplantes, principalmente hepáticos, a toxicidade das drogas faz o uso de hormônios esteroides pouco desejável. Entretanto, seu alto custo e os efeitos colaterais (menopausa medicamentosa) não os tornam praticáveis em terapias prolongadas, sendo reservados a pacientes com SUD grave que não respondem a outras terapias e que desejam ainda gerar no futuro. Se essa for a escolha, após atingir a supressão gonadal (2-4 semanas), é sugerido iniciar com TH (add-back therapy), simultaneamente, para prevenir efeitos colaterais (fogachos, desmineralização óssea e alteração do perfil lipídico).

Tratamento cirúrgico Ablação endometrial Indicada em casos de persistência ou agravamento do sangramento apesar da terapia hormonal. Também deve ser considerada em pacientes que não desejam histerectomia ou não têm condições clínicas para uma cirurgia de tal porte. Seu objetivo é a destruição ou remoção da camada basal do endométrio, até 3 mm do miométrio; pode ser realizada via histeroscopia ou não. A ablação endometrial histeroscópica para coagulação ou vaporização do tecido pode ser realizada com laser, radiofrequência, energia elétrica ou térmica (ablação endometrial de primeira geração). A ressecção endometrial eletrocirúrgica é a mais realizada, com a utilização de ressectoscópio ou rollerball. A redução do sangramento chega a 90%, com amenorreia em 40 a 50% dos casos. O método requer cirurgião experiente, pois o risco de perfuração uterina é maior com essa técnica. Outras complicações são relacionadas à

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absorção do meio de distensão (glicina ou sorbitol), com sobrecarga hídrica e edema cerebral (0,14-4%). A ablação endometrial por laser ou rollerball tem menor taxa de complicação operatória. Em um estudo randomizado comparando o manejo clínico-hormonal à ablação histeroscópica, os resultados foram melhores no grupo da ablação. Em outro estudo randomizado, no entanto, comparando a ressecção endometrial a histerectomias, 22% das pacientes necessitaram de cirurgia subsequente após a ablação. A ablação endometrial não histeroscópica (ablação endometrial de segunda geração) pode ser realizada por várias técnicas: balão térmico, hidrotermoablação, eletrocirurgia por radiofrequência, ablação por microondas e crioablação. São técnicas menos invasivas que buscam fugir das complicações da histeroscopia cirúrgica. Como não são realizadas concomitantemente à histeroscopia, é recomendada avaliação histológica do endométrio prévia ao procedimento. Melhores resultados são obtidos se for utilizado um agonista do GnRH 2 a 4 semanas antes da ablação e altas doses de progesterona ou danazol.

131

Curetagem uterina A curetagem provoca uma redução temporária do sangramento no primeiro mês, mas nos ciclos subsequentes a perda sanguínea tende a retornar aumentada como antes do procedimento. Pode ser realizada nos casos de falha do tratamento clínico em pacientes com hemorragias importantes com repercussão hemodinâmica. É necessário lembrar que a curetagem não é curativa e que os episódios de sangramento anormal se repetirão caso não seja tratada a causa subjacente.

Histerectomia Apesar de constituir procedimento cirúrgico que requer hospitalização e estar associada a taxas maiores de morbidade e mortalidade, a histerectomia proporciona satisfação e alta qualidade de vida. Provavelmente a satisfação da paciente está ligada ao fato de ser o único procedimento que garante solução definitiva para o sangramento anormal. O Quadro 8.1 apresenta as possibilidades de tratamento do SUD.

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132 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 8.1

Sangramento uterino disfuncional: esquemas terapêuticos Oligomenorreia Polimenorreia

Hipomenorreia Hipermenorreia Sangramento ovulatório

> > > > > > > > > > > >

Menorragia/metrorragia Fase aguda

Manutenção

ACO Progestágenos de 2a fase ACO Progestágenos de 2a fase (fase lútea curta) Estrogênios conjugados 0,625 mg do 3o ao 10o dia do ciclo (fase folicular curta) TH sequencial ACO TH sequencial ACO Progestágenos de 2a fase Estrogênios conjugados 0,3 ou 0,625 mg nos 5 dias antes do fluxo previsto Estrogênios transdérmicos 50 μg por 1 semana

> ACO: 2-4 cp ao dia nos primeiros 5 dias, 1 cp ao dia após > TH sequencial > Estrogênios conjugados: 1,25 mg 2 ⫻/dia, por 3 dias; após, 1,25 mg/dia por mais 20 dias, e associar progestágenos nos últimos 10 dias > Curetagem uterina: se não houver resposta ao tratamento clínico > Se há sangramento volumoso com repercussão hemodinâmica geralmente é necessária transfusão sanguínea > AINE > Antifibrinolítico IV > Progestágeno de 2a fase > DIU com progestágeno > Danazol (2 mg/dia) > Gestrinona (2 cp/semana) > Agonistas do GnRH > Ablação endometrial

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134 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Paciente de 51 anos, com hipertensão arterial crônica controlada e exames de glicemia jejum de 115 mg/dL e TTG após 75 g de glicose de 180 mg/dL, apresentando menstruações irregulares com episódios de menorragia, mantendo-se com fluxos ao redor de 15 dias. A ultrassonografia mostrou endométrio com 12 mm. A conduta mais adequada é: a. b. c. d.

Controle clínico. Progestágeno clínico. Ácido mefenâmico. Histeroscopia e biópsia de endométrio.

2. Paciente pós menopáusica com 58 anos de idade, sem uso de terapia de reposição hormonal, apresenta sangramento uterino. A causa mais frequente de sangramento uterino anormal após a menopausa é: a. b. c. d.

Atrofia endometrial. Hiperplasia endometrial. Pólio endometrial. Câncer de endométrio.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Miomas Uterinos Helena von Eye Corleta Eunice Beatriz Martin Chaves Edison Capp

Os miomas ou leiomiomas – neoplasias benignas de células de músculo liso uterino – são os tumores mais comuns do trato genital feminino e acometem 20 a 40% das mulheres em idade reprodutiva (Stewart, 2001). Em um levantamento realizado entre 1988 e 1990, os miomas foram responsáveis por um terço das 1,7 milhão de histerectomias realizadas nos Estados Unidos. Esses tumores são benignos e surgem no miométrio, contendo quantidade variável de tecido conjuntivo fibroso. Eles são classificados conforme a sua localização: intramurais (na camada miometrial, com menos de 50% de seu volume protruindo na superfície serosa do útero), submucosos (localizados na camada interna do miométrio, com projeção para a cavidade uterina), subserosos (quando possuem mais de 50% do seu volume projetado na camada serosa do útero) e pediculados (ligados ao útero por um pedículo). Quando se localizam no colo do útero, são denominados cervicais (Stewart, 2001).

Epidemiologia e fatores de risco A maioria das mulheres com miomas sintomáticos está na 3a e 4a décadas da vida, sendo clinicamente aparentes em 20% das mulheres em idade reprodutiva (Marino et al., 2004). Os leiomiomas ocorrem raramente em adolescentes, são mais comuns em mulheres nulíparas, obesas, de raça negra e com história familiar de miomatose. Um estudo avaliando o crescimento de miomas

em mulheres brancas e negras demonstrou que a taxa de crescimento em ambas até os 35 anos é semelhante. No entanto, após esse período, há um declínio significativo do crescimento entre as mulheres brancas, o que justifica os sintomas mais intensos entre as mulheres negras (Peddada, 2008). A incidência da miomatose é reduzida pelo tabagismo e pelo uso de anticoncepcionais orais combinados (Marshall et al., 1998). Nenhum gene específico foi identificado como responsável pelo surgimento dos miomas. Anormalidades citogenéticas têm sido encontradas em aproximadamente 40% desses tumores examinados (Flake; Andersen; Dixon, 2003). O fato de os miomas aparecerem durante a fase reprodutiva, aumentarem durante a gestação e regredirem após a menopausa sugere sua dependência dos hormônios ovarianos (Otubu et al., 1982; Giudice et al., 1993a, 1993b; Brandon et al., 1995; Strawn et al., 1995). Embora não tenha sido encontrada diferença entre a concentração sérica de estrogênio na mulher com mioma e sem mioma, sua concentração é maior nos miomas do que no miométrio vizinho (Otubu et al., 1982). Isso provavelmente se deve à diminuição do metabolismo do estradiol à estrona, causada por uma menor quantidade de 17-α-hidroxidesidrogenase nesses tumores em comparação ao miométrio. Além disso, a concentração de receptores de estradiol é maior em miomas do que em miométrio (Rein et al., 1990). O estradiol parece agir diretamente sobre a proliferação celular dos miomas ou mediado por fatores de crescimento, como EGF, IGF-I e

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insulina (Giudice et al., 1993a, 1993b; Toscani et al., 2004; Martin Chaves et al., 2004). A associação da progesterona ao crescimento dos miomas também está estabelecida. Em comparação ao miométrio, existe maior concentração de receptores de progesterona A e B nos miomas. O índice mitótico dos miomas é maior na fase secretora do ciclo menstrual; mulheres tratadas com acetato de medroxiprogesterona apresentam miomas com maior índice mitótico. Quando progestágenos são utilizados concomitantemente aos análogos do GnRH, a diminuição dos miomas é menor em comparação ao uso apenas do agonista do GnRH (Friedman et al., 1993). Importante também é a diminuição do volume dos miomas com antagonistas da progesterona (Steinauer et al., 2004). A miomatose uterina é um sério problema de saúde pública, entretanto, a gênese desses tumores ainda é pouco compreendida (Lefebvre et al., 2003).

Quadro clínico A maioria das mulheres com miomatose é assintomática, mas algumas apresentam sintomas que interferem no seu bem-estar. Os sintomas associados à miomatose são sangramentos anormais, aumento da frequência urinária, sensação de peso, desconforto no baixo ventre e dismenorreia (Lippman et al., 2003; Wegienka et al., 2004). Os sintomas são relacionados diretamente ao tamanho, ao número e a localização dos leiomiomas. Os subserosos tendem a causar sintomas compressivos e distorção anatômica de órgãos adjacentes, os intramurais causam sangramento e dismenorreia, enquanto os submucosos produzem frequentemente sangramentos irregulares e estão mais associados à disfunção reprodutiva (Harrison-Woolrych; Charnock-Jones; Smith, 1994; Stewart, 2001; Flake; Andersen; Dixon, 2003; Lippman et al., 2003; Wegienka et al., 2004). O sangramento uterino aumentado é a queixa mais comum relacionada à miomatose. Menorragia ou hipermenorreia (sangramento prolongado e excessivo) é o padrão típico associado a

esses tumores. O sangramento abundante pode levar à anemia, à falta ao trabalho e a constrangimentos sociais. Acredita-se que o sangramento decorra do aumento da superfície intracavitária, que altera a contratilidade do miométrio e dos vasos endometriais durante o período menstrual, levando ao ingurgitamento e ao sangramento anormal. Já o sangramento intermenstrual provavelmente decorre de congestão, necrose e ulceração do endométrio que circunda o mioma, sendo menos frequente (Marino et al., 2004; Wegienka et al., 2004). O aumento do volume uterino devido a miomas pode causar sensação de peso e de dor no baixo ventre, bem como compressão de órgãos vizinhos. Miomas de localização anterior podem provocar aumento da frequência urinária por compressão da bexiga. Mais raramente, miomas de localização posterior comprimem o reto, causando tenesmo e constipação. A obstrução ureteral por compressão é muito rara (Stewart, 2001). Entretanto, cerca de 75% dos casos podem ser assintomáticos, sendo encontrados eventualmente durante exame abdominal, pélvico bimanual ou ultrassonografia (Stewart, 2001; Flake; Andersen; Dixon, 2003).

Diagnóstico O diagnóstico é baseado na história clínica (sinais e sintomas), no toque vaginal bimanual e na ultrassonografia. Ao exame ginecológico rotineiro, palpa-se o útero aumentado de volume com consistência firme, superfície lisa, regular ou não. Os exames de imagem são importantes quando existe dúvida diagnóstica, para diferenciar de outras massas anexiais e para definir a localização dos miomas (Lefebvre et al., 2003). A ultrassonografia abdominal pélvica é utilizada nas grandes massas pélvicas, e a transvaginal, nos úteros menores. A ultrassonografia transvaginal tem alta sensibilidade (95-100%) na detecção de miomas em úteros de tamanho correspondente a até 10 semanas de gestação. A localização dos miomas em úteros maiores ou quando estes são múltiplos é limitada. A instilação de solução salina intrauterina, associada ao exame ultrassonográfico, possibilita o estudo detalhado dos miomas submucosos, dos pólipos

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e dos intramurais com compressão do endométrio (Becker et al., 2002). A tomografia computadorizada e a ressonância magnética são exames de exceção. A ressonância magnética permite uma excelente visualização da localização e do tamanho de praticamente todos os miomas em úteros volumosos, além de auxiliar no diagnóstico diferencial com adenomiose, mas o custo ainda é inviável.

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ro, crescimento intrauterino restrito, dor, abortamento e ruptura prematura de membranas, são descritas em vários estudos observacionais. Se a associação entre essas complicações e a presença de miomas é causal, ou se é devida a fatores de confusão como idade, raça e amostragem, é algo que precisa ser melhor estabelecido (Stewart, 2001; Manyonda; Sinthamoney; Belli, 2004).

Tratamento Miomas e disfunções reprodutivas Fertilidade Estima-se que esses tumores estejam presentes em cerca de 5 a 10% dos casais inférteis. Após todas as causas de infertilidade serem excluídas, os miomas podem ser responsáveis por apenas 2 a 3% dos casos. Apesar do número restrito de trabalhos homogêneos comparando pacientes inférteis com e sem miomas, os resultados demonstraram que apenas mulheres com miomas de localização submucosa apresentaram menores taxas de gestação (RR 0,30; 95%, IC: 0,13-0,70) e de implantação (RR 0,28; 95%, IC: 0,10-0,72) do que as controles inférteis (Pritts, 2001). Casais inférteis devem realizar avaliação completa da infertilidade e, apenas na ausência de outros fatores, a remoção de miomas submucosos, miomas que obstruam o óstio tubário e miomas volumosos deve ser considerada (Pritts, 2001; Stewart, 2001).

Gestação Aproximadamente um terço das pacientes tem crescimento dos miomas no primeiro trimestre da gestação; no período restante, os miomas diminuem ou permanecem inalterados (Stewart, 2001). Coronado, Marshall e Schwartz (2000), em estudo de base populacional, descobriram que mulheres com miomas apresentaram mais frequentemente descolamento de placenta (OR 3,87), sangramento de primeiro trimestre (OR 1,82), trabalho de parto disfuncional (OR 1,85), apresentação pélvica (OR 3,98) e interrupção por cesariana (OR 6,39) (Coronado; Marshall; Schwartz, 2000). O risco de descolamento de placenta parece depender do tamanho dos miomas (⬎ 6 cm) e da localização da placenta. Outras complicações, como trabalho de parto prematu-

Mulheres com miomatose assintomática não necessitam de tratamento; apenas de acompanhamento e exame ginecológico de rotina, exceto aquelas com miomas muito volumosos ou que provocam compressão ureteral (Guarnaccia; Rein, 2001; Stewart, 2001). No tratamento dos miomas sintomáticos, devem ser considerados a idade da paciente (proximidade da menopausa), o desejo de gestação, os sintomas provocados, o tamanho e a localização dos miomas (American Society for Reproductine Medicine, 2001; Lefebvre et al., 2003; Roman et al., 2008).

Tratamento clínico O objetivo do tratamento clínico é o alívio dos sintomas. Como a grande maioria das pacientes com miomatose torna-se assintomática após a menopausa, o tratamento medicamentoso pode tornar os sintomas aceitáveis até a chegada da menopausa. Tem como vantagens permitir a conservação do útero e evitar os riscos inerentes a cirurgias. Em função da dificuldade de se distinguir entre sintomas relacionados aos miomas e aqueles secundários à anovulação, que poderiam contribuir para sangramento anormal, justifica-se o tratamento clínico previamente à cirurgia.

Progestágenos Em função de seu baixo custo e da facilidade de administração, é a primeira escolha para o tratamento dos distúrbios menstruais disfuncionais. Os derivados da 19-norprogesterona apresentam maior efeito antiestrogênico e menor efeito androgênico, trazendo melhora no caso da menometrorragia, tanto quando usados na 2a fase do ciclo

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como quando usado de forma contínua. O acetato de medroxiprogesterona 150 mg intramuscular, a cada três meses, também é bastante utilizado por causar amenorreia e diminuir a anemia (Lumbiganon et al., 1996; Lethaby; Vollenhoven, 2002; Lethaby; Vollenhoven; Sauter, 2002). Os progestágenos não são utilizados para diminuir o volume dos miomas. Existem evidências de aumento no número e no tamanho dos miomas com essa medicação (De Leo et al., 2001; Flake; Andersen; Dixon, 2003). Seu uso é para o sangramento disfuncional, muitas vezes concomitante à miomatose. Quanto aos contraceptivos orais, não há evidência de que sejam efetivos no tratamento dos miomas, mas são eficazes para correção do sangramento uterino disfuncional (Carr et al., 1993; Stewart, 2001).

Anti-inflamatórios não esteroides Embora utilizados no tratamento de menorragias idiopáticas, não parecem reduzir a perda sanguínea em mulheres com miomas (Coulter et al., 1995).

Danazol e gestrinona Não há estudos randomizados considerando os riscos e benefícios do uso do danazol para o tratamento dos miomas (Ke et al, 2009). A gestrinona induz a amenorreia com consequente diminuição da anemia, tendo a grande vantagem da manutenção do volume uterino reduzido após o término do tratamento por cerca de 18 meses (Coutinho; Gonçalves, 1989). Devido aos efeitos adversos androgênicos, são medicações de exceção.

Mifepristone Revisão sistemática sobre o uso de mifepristone no tratamento de miomas demonstra redução no tamanho dos miomas e melhora dos sintomas; entretanto, houve casos de hiperplasia de endométrio (Steinauer et al., 2004). Segundo trabalho de Eisinger e colaboradores (2005), o mifepristone (RU486), em doses de 5 a 10 mg/dia durante um ano, reduziu em aproximadamente 50% o volume uterino total, e, diferentemente de outras drogas, a redução se manteve em 42% após cinco meses da suspensão do tratamento

(Eisinger et al., 2005). Fiscella e colaboradores realizaram em 2006 ensaio clínico randomizado (5 mg/dia de mifepristone vs. placebo) demonstrando melhora significativa da qualidade de vida, do sangramento, dos níveis de hemoglobina e do volume dos miomas após seis meses, sem casos de hiperplasia.

Moduladores seletivos dos receptores de estrogênio (SERMs) Revisão sistemática não demonstrou diminuição no volume dos miomas ou melhora clínica (Lingxia; Taixiang; Xiaoyan, 2007).

Moduladores seletivos dos receptores de progesterona (SPRMs) Em 2007, o asosprinil, modulador seletivo do receptor de progesterona, foi testado contra placebo, em doses de 5, 10 e 25 mg/dia, para tratamento da miomatose uterina. Resultados animadores de diminuição de sintomas e volume dos miomas são relatados (Chwalisz et al., 2007). Vários ensaios clínicos randomizados estão em andamento no National Institutes of Health (United States of America) para avaliação dessa medicação promissora no tratamento da miomatose sintomática.

Análogos do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH) Por causarem um estado de hipoestrogenismo, os análogos do GnRH levam à redução do volume dos miomas e à diminuição do sangramento, podendo facilitar a cirurgia e melhorar o hematócrito no pré-operatório (Guarnaccia; Rein, 2001; Stewart, 2001). Os análogos do GnRH são medicações efetivas no tratamento clínico, levando à redução de 35 a 60% do volume dos miomas em três meses. Normalmente, são utilizados no preparo cirúrgico das pacientes, pois, em função dos efeitos colaterais como perda de massa óssea, distúrbio do perfil lipídico e sintomas climatéricos, não devem ser usados por mais de seis meses. Caso não seja realizada a cirurgia, a interrupção do tratamento com análogos leva ao reaparecimento da doença, motivo por que os análogos do GnRH são utilizados principalmente para contemporizar e permitir a recuperação do hematócrito antes da cirurgia. Entretanto, como a suplementação de ferro isolado traz benefício

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para um número significativo de pacientes, os custos, os efeitos adversos e a eficácia devem ser avaliados quando se propõe o uso do GnRH no pré-operatório (Stewart, 2001). Lethaby e colaboradores (2004), em revisão sistemática de 26 ensaios clínicos randomizados (comparando uso de análogos do GnRH, uso de placebo ou ausência de tratamento), analisaram desfechos pré, intra e pós-operatórios do uso de análogos do GnRH por 3 a 4 meses no pré-operatório (Lethaby et al., 2004). Os desfechos de pré-operatório significativos nas usuárias do análogo foram os seguintes: aumento da hemoglobina (3 g/dL IC 95% 1,8-4,5) e diminuição significativa do volume uterino (⫺159 mL IC 95% ⫺169 mL-149 mL). Os efeitos adversos também foram estatisticamente mais presentes nas usuárias de análogo: sintomas de hipoestrogenismo (ondas de calor [OR ⫽ 6,5 IC 95% 4,6-9,2], vaginite [OR ⫽ 4,0 IC 95% 2,1-7,6], sudorese [OR ⫽ 8,3 IC 95% 4,5-15,3], alteração no volume das mamas [OR ⫽ 7,7 IC 95% 2,4-24,9]). Quanto ao sangramento no transoperatório, nos ensaios clínicos em que houve diferença, esta foi a favor do grupo que usou análogos tanto nos casos de histerectomia (⫺58 mL [IC 95% ⫺75,7-40,3]) quanto de miomectomia (⫺67,5 mL [IC 95% ⫺90,6-44,4]). Entretanto, não houve diferença quanto à necessidade de transfusão de sangue entre grupos tratados com análogo ou não, independentemente do tipo de cirurgia (miomectomia ou histerectomia). Os poucos ensaios clínicos em que a incidência do tipo de incisão (vertical ou horizontal) e da técnica cirúrgica (histerectomia vaginal ou abdominal) foi comparada favoreceram o uso de análogos no pré-operatório, provavelmente como consequência da redução do volume uterino. Isso sugere que os análogos no pré-operatório da histerectomia por miomatose tenham papel importante quando a histerectomia abdominal ou a incisão vertical for proposta exclusivamente pela dimensão do útero (Lethaby et al., 2004). Provavelmente o uso de análogos no pré-operatório de miomectomias possa levar a uma maior recorrência da miomatose (OR ⫽ 4, 95% IC 1,1-14,7), talvez porque os miomas menores deixam de ser visualizados durante a cirurgia. Foi recentemente demonstrado que o uso de análogos do GnRH pré-operatório associado a

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torniquete triplo (fio vicryl 1.0 em torno da cérvice e cateter de sucção 10 de polietileno em torno dos ligamento infundibulopélvicos, para oclusão do suprimento sanguíneo uterino) durante a cirurgia é significativamente mais efetivo para diminuição do sangramento do que a miomectomia convencional (Al-Shabibi et al., 2009). Os antagonistas do GnRH apresentam resultados similares aos recém-descritos, porém com rápido início de ação (Felberbaum et al., 1998).

Dispositivo intrauterino liberador de levonorgestrel Não há estudos randomizados avaliando o uso do dispositivo intrauterino (DIU) no tratamento da menometrorragia relacionada aos miomas. Estudos observacionais têm mostrado redução no sangramento e melhora no hematócrito de pacientes com menorragia, sem significativa disfunção ovariana (Tasci et al., 2009). Revisão sobre miomatose e DIU liberador de levonorgestrel realizada por Kanitz (2007) concluiu que existe melhora do sangramento, sem haver redução das dimensões uterinas ou dos miomas. Miomas que causam distorção da cavidade uterina ou miomas submucosos são contraindicações ao uso desses dispositivos (Grigorieva et al., 2003).

Tratamento cirúrgico O tratamento definitivo da miomatose sintomática é cirúrgico (Lefebvre et al., 2003). Os leiomiomas são a principal indicação de histerectomia, perfazendo 30% das indicações em mulheres brancas e 50% em mulheres negras. Um seguimento de dois anos em 1.299 mulheres submetidas à histerectomia por condições benignas mostrou que mais de 90% notaram melhora significativa nos sintomas e melhora na qualidade de vida (Kjerulff et al., 2000). Entretanto, naquelas mulheres em que foi indicada a conduta conservadora, não houve piora nos sintomas ou na qualidade de vida, reforçando que, nas mulheres assintomáticas ou com sintomas leves, essa conduta é adequada. Um ensaio clínico randomizado recente comparou a histerectomia com o tratamento medicamentoso na função sexual e na qualidade de vida das mulheres com sangramento uterino não responsivo à medroxiprogesterona. Após seis meses, a histerectomia foi superior em melhorar todos os

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parâmetros analisados, e com seguimento mais longo. Metade das mulheres randomizadas para o tratamento clínico solicitaram a realização da histerectomia (Kuppermann et al., 2004). A histerectomia profilática para evitar futuras complicações não é recomendada (Lefebvre et al., 2003).

Histerectomia A histerectomia está indicada nas seguintes condições: 1) presença de sintomas; 2) falha no tratamento clínico associado a sangramento uterino anormal, com prole constituída ou sem desejo de engravidar. Miomas grandes e assintomáticos, sem crescimento rápido, provavelmente podem ficar sem tratamento, pois o risco de se tratar de um leiomiossarcoma é menor do que a mortalidade pela histerectomia (American Society for Reproductine Medicine, 2001). A histerectomia abdominal pode ser total, intra ou extrafascial, ou subtotal. A intrafascial, em comparação à extrafascial, compromete menos a anatomia vaginal. Geralmente, reserva-se a histerectomia subtotal para situações de dificuldade técnica intraoperatória, desde que a paciente apresente colpocitologia oncótica e colposcopia normais e faça controle ginecológico periódico. A retirada do útero pode ser totalmente realizada por técnica videolaparoscópica ou pela associação da técnica vaginal à laparoscópica. Essa opção baseia-se em diversos fatores, incluindo características clínicas das pacientes, úteros até 500 cm3, habilidade e experiência do cirurgião, técnica de maceração dos miomas, morbidade e custo associados ao procedimento (Dubuisson, 2000; Stewart, 2001). A comparação entre a histerectomia total laparoscópica e a supracervical não demonstrou diferenças significativas em relação à perda de hemoglobina, ao tempo cirúrgico ou ao tamanho uterino (Mueller et al., 2009).

Miomectomia A indicação de miomectomia dependerá do desejo da paciente de manter a fertilidade e o útero. É importante ressaltar que a recorrência de miomas é estimada entre 15 e 30%, sendo que 10% das mulheres necessitam de uma nova intervenção (Guarnaccia; Rein, 2001; Stewart, 2001). A miomectomia pode ser por laparotomia, via vaginal, via laparoscópica ou histeroscópica, depen-

dendo da localização e do número de miomas a serem retirados. As complicações relacionadas ao procedimento aumentam com o número de miomas, e o risco de recorrência é menor quando apenas um mioma está presente e é retirado (Stewart, 2001). A laparotomia é indicada para a maioria dos miomas intramurais, geralmente com incisões verticais no útero para evitar secção da vascularização principal. Penetrar na cavidade endometrial deve ser evitado por aumentar o risco de aderências (síndrome de Asherman) e de ruptura uterina em gestação posterior. A miomectomia via laparoscópica é indicada para miomectomia em úteros não muito volumosos (⬍ 17 semanas de gestação), com miomas subserosos ou com poucos miomas intramurais (⬍ 3). Nas pacientes com miomas intramurais profundos, cujo objetivo é uma posterior gestação, essa via deve ser evitada. Uma série de 100 nascimentos após miomectomia laparoscópica relatou três casos de ruptura uterina, sendo que somente um coincidia com a cicatriz cirúrgica (Dubuisson, 2000). Ainda é controverso se a síntese do miométrio realizada por via laparoscópica é comparável ao fechamento miometrial por planos da técnica por laparotomia. Miomas protruindo pelo orifício cervical externo são retirados por via vaginal. Se a base do pedículo é identificada, ela será ligada, caso contrário, morcela-se o mioma até conseguir abordar o pedículo. A histeroscopia é atualmente a melhor forma de abordagem dos miomas submucosos (Pritts, 2001; Lefebvre et al., 2003). A remoção de miomas submucosos pediculados é relativamente fácil. Os submucosos com componente intramural ou os intramurais com compressão do endométrio e distantes da serosa também podem ser abordados por via histeroscópica, necessitando eventualmente de mais de uma intervenção.

Embolização A embolização da artéria uterina tem sido utilizada para tratar uma série de problemas hemorrágicos em ginecologia e obstetrícia, sendo uma nova opção para o tratamento de miomas sintomáticos, com melhora da menorragia e diminuição do volume uterino (Goodwin et al., 2001). Estudo randomizado comparando a embolização da artéria uterina e a oclusão da artéria uterina via laparos-

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cópica demonstrou significativamente menor taxa de recorrência, maior redução do volume uterino e desvascularização completa após a embolização (Hald, et al., 2009). A embolização da artéria uterina apresenta a vantagem de tratar todos os miomas simultaneamente, ser pouco invasiva, não provocar aderências e permitir rápido retorno ao trabalho. Entretanto, o risco de insuficiência ovariana, mesmo que temporária, reserva esse procedimento para pacientes que não desejam gestação (Chrisman et al., 2000). Há relatos de pacientes que engravidaram após a embolização; no

141

entanto; são necessários estudos randomizados para se ter certeza de sua segurança naquelas pacientes que desejam gerar (Firouznia et al., 2009). As complicações associadas ao procedimento incluem dor abdominal, febrícula, infecção, expulsão do mioma, necessidade de histerectomia após o procedimento (1-2%) e mortalidade de 0,1 a 0,2 por 1.000 procedimentos (Lefebvre et al., 2003). Outro aspecto desfavorável é o fato de não termos o resultado anatomopatológico, podendo retardar um diagnóstico de leiomiossarcoma (Posy et al., 2009).

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Quanto à miomatose uterina, podemos afirmar o seguinte. Marque a assertiva CORRETA: a. É comum em mulheres durante a menacme. b. Sempre causa sintomas. c. É causa comum de infertilidade. d. A sintomatologia independe da localização do mioma. e. Miomas subserosos causam menometrorragia.

2. Revisões sistemáticas da literatura analisando o resultado de ensaios clínicos randomizados sobre o uso de análogos do GnRH no tratamento pré-operatório da miomatose concluiram que: I. Pacientes com mais de 5 miomas, identificados em ecografia transvaginal, têm indicação de análogos do GnRH no pré-operatório. II. Os análogos do GnRH reduzem o volume uterino e o tamanho dos miomas significativamente. III. Os análogos do GnRH utilizados no pré-operatório diminuem significativamente as taxas de transfusão sanguínea durante a cirurgia. Podemos considerar corretas as afirmativas: a. b. c. d. e.

Apenas a I. Apenas a II. Apenas a III. II e III. I,II e III.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Endometriose Carlos Augusto Bastos de Souza Vanessa Krebs Genro Gustavo Peretti Rodini João Paolo Bilibio Carolina Giordani Andreoli João Sabino L. da Cunha Filho

Definição/epidemiologia A endometriose é definida como a presença de glândulas e estroma endometriais fora da cavidade uterina, tendo sido descrita inicialmente por Sampsom em 1927 (Sampson, 1927a). É uma das doenças ginecológicas benignas mais comuns, e estima-se que sua prevalência seja de 10% (Parazzini et al., 2008). No entanto, a real prevalência é difícil de definir, devido à sua complexidade e à necessidade da realização de exames invasivos, podendo variar de 3 a 6% em pacientes submetidas à ligadura tubária até 30 a 50% em mulheres com dor pélvica ou infertilidade. Nos Estados Unidos (EUA) e no Canadá, de 5 a 1.000 mulheres com idade entre 15 e 64 anos são hospitalizadas anualmente por endometriose, e mais de 5,5 milhões de mulheres sofrem de endometriose (Matalliotakis et al., 2008). Nos EUA, o impacto econômico da endometriose foi estimado em 22 bilhões de dólares (maior do que o custo de doenças como enxaqueca e doença de Crohn). Ainda, os custos associados à endometriose são: limitação da atividade de mulheres com dor, aumento do uso de técnicas de reprodução assistida, alteração da vida de adolescentes e aumento nos procedimentos hospitalares de média e alta complexidade (Gao et al., 2006; Simoens; Hummelshoj; D’Hooghe, 2007). Pacientes com endometriose têm 20 vezes mais chance de apresentar infertilidade (Muse; Wilson, 1982).

Em nosso serviço, a endometriose foi o principal achado laparoscópico em pacientes com dor pélvica e o segundo diagnóstico entre aquelas com infertilidade (Palmadias et al., 1995).

Fisiopatologia A endometriose é uma patologia estrogênio-dependente, cuja fisiopatologia é muito controversa (Bulun, 2009). As principais teorias são: a teoria da menstruação retrógrada, a teoria da metaplasia celômica, a teoria dos restos embrionários, a teoria da metástase linfovascular e, mais recentemente, um papel evocado pelas células-tronco endometriais (Bulun, 2009; Matzuk; Lamb, 2008). Na teoria da menstruação retrógrada, as células endometriais viáveis seriam disseminadas na cavidade peritoneal e desenvolveriam tecido endometrial viável e ativo (Sampson, 1927b). É sabido que 75 a 90% das pacientes apresentam menstruação retrógrada, porém apenas uma parcela delas desenvolve endometriose. O porquê da presença de células viáveis em algumas pacientes e sua capacidade de desenvolver implantes endometrióticos, ou a incapacidade do organismo de impedir o desenvolvimento desses focos não é conhecido (Giudice; Kao, 2004). Falhas do sistema imunológico que permitam que as células endometriais proliferem na cavidade endometrial também poderiam estar associadas (Berkkanoglu; Arici, 2003).

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Na teoria da metaplasia celômica, células totipotenciais sofreriam transformação, desenvolvendo tecido endometriótico. Essa teoria seria capaz de explicar a endometriose em órgãos distantes, como o pulmão, porém, apresenta dificuldades em explicar como as células sofreriam transformação capaz de gerar tecido viável (Giudice; Kao, 2004). A teoria dos restos embrionários propõe que remanescentes dos ductos de Müller, por ação de mediadores da reação inflamatória ou uma intermediação permissiva do sistema imune, transformam-se em focos de tecido endometriótico (Signorile et al., 2009). A teoria da metástase linfovascular define que células endometriais viáveis são enviadas a sítios distantes e desenvolvem focos de endometriose (Sampson, 1927a). Recentemente, autores demonstraram a presença de células-tronco endometriais ativas em focos endometriais e foram capazes de associar essas células com o endométrio tópico, demonstrando um possível papel dessas células na origem de focos de tecido endometrial ectópico (Sasson; Taylor, 2008). Lesões endometrióticas são mais comuns nos ovários, no peritônio pélvico e nos ligamentos uterossacros, mas podem aparecer em qualquer outro tecido. Além disso, há uma preferência por lesões no compartimento posterior e esquerdo da pelve; entretanto, as lesões abdominais superiores são mais comuns no compartimento direito, seguindo o fluxo de líquido peritoneal intra-abdominal (Bricou; Batt; Chapson, 2008). Em nível microscópico, todas as lesões têm o mesmo diagnóstico: glândulas e estroma endometrial em uma localização extrauterina. No entanto, em nível macroscópico, a endometriose pélvica poderia ser dividida em três entidades clinicamente distintas: endometriose peritoneal superficial, endometriose ovariana cística (endometrioma) e endometriose infiltrante profunda (Nisolle; Donnez, 1997). A endometriose peritoneal apresenta como característica focos de tecido endometriótico sobre o peritônio superficial. Esses focos podem ter diversas características, dependendo do momento de evolução da doença. Inicialmente, apresentam-se como áreas de hiperemia ou vesículas claras que evoluem para implantes avermelhados. Após, com o passar do tempo e a diminui-

145

QUADRO 10.1

Características dos pacientes com endometriose pélvica > > > > > > > >

Infertilidade Dismenorreia Dispareunia Dor pélvica não cíclica Cirurgia prévia de endometriose Nuliparidade Dor à evacuação Disúria

ção da reação inflamatória, tornam-se escuros (marrom-preto, por deposição de hemossiderina) e supõe-se que os implantes antigos sejam esbranquiçados, com sinais de fibrose e desvascularização (Nisolle; Donnez, 1997). Os endometriomas são cistos de conteúdo achocolatado, normalmente associados à aderência ao peritônio posterior, podendo ser bilaterais, mas ocorrem mais frequentemente no ovário esquerdo. Não há um consenso sobre a formação do endometrioma, podendo ser devido a uma invaginação do foco endometriótico no parênquima ovariano ou ao sangramento de um foco dentro de um cisto ovariano prévio ou do parênquima ovariano (Nisolle; Donnez, 1997). A endometriose profunda é definida como a presença de implantes de tecido endometriótico com profundidade maior do que 5 mm, fibrose e hiperplasia muscular abaixo de peritônio, tendo seu diagnóstico e manejo dificultados. A endometriose profunda envolve em ordem decrescente de frequência os ligamentos uterossacros, septo retovaginal, o cólon descendente, a vagina e a bexiga (Chapron et al., 2006). Alguns autores propuseram que as três formas de endometriose teriam fisiopatologias distintas (Nisolle; Donnez, 1997). Entretanto, a maior parte dos estudos atuais não confirmou esse achado e classificou a endometriose como uma fisiopatologia única (Bricou; Batt; Chapron, 2008; Somigliana et al., 2007). Ainda que a questão não tenha sido totalmente esclarecida, provavelmente as três formas de endometriose são variantes do mesmo processo patológico (Bulun, 2009).

146 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Endometriose e câncer Estudos têm demonstrado uma associação entre endometriose e câncer, em especial alguns tipos específicos de neoplasia ovariana (células claras e endometrioide). Esse risco de câncer foi maior em pacientes que utilizaram reposição hormonal apenas com estrogênio, sem uso de progesterona. Vigano e colaboradores (2007) demonstraram uma associação fraca, porém constante, entre endometriose e câncer. Em um estudo observacional, pesquisadores demonstraram um maior risco para neoplasias, assim como um maior risco relativo para câncer de mama, ovário e linfoma não-Hodgkin, nas pacientes com endometriose (Melin et al., 2006). Foi demonstrada a indução de lesões com proliferações glandulares no ovário de ratos com ativação do oncogene K-ras ou inativação do PTEN e desenvolvimento de lesões invasivas e metastáticas do tipo endometrioide quando essas alterações eram concomitantes. No entanto, estudos avaliando o gene K-ras em endometriose em humanos não encontrou mutações até o momento nem qualquer diferença entre controles e pacientes com endometriose quanto à frequência de polimorfismos nesse gene. Os dados sobre endometriose e câncer ainda são preliminares e não permitem concluir sobre uma associação real entre os fatores. Estudos prospectivos com grande número de pacientes são necessários para estabelecer a real ligação entre essas doenças (Bulun, 2009).

Fatores de risco A epidemiologia da endometriose não está totalmente definida; alguns fatores de risco estão bem determinados, no entanto, o papel de fatores ambientais ainda permanece indefinido. A endometriose é rara antes da menarca e diminui após a menopausa. Alguns estudos associaram classe social mais elevada a endometriose, porém, parece haver uma possível interação com outros fatores, como raça e, principalmente, acesso ao sistema de saúde. Como geralmente o diagnóstico da endometriose é realizado por exames complexos e invasivos, pacientes mais pobres normalmente têm menor acesso à saúde apresentando menor prevalência nesses

estudos (Parazzini et al., 2008). Estudos associaram padrão menstrual à prevalência de endometriose: pacientes com fluxo mais intenso e mais frequente teriam maior risco de apresentar endometriose, contribuindo para a hipótese de menstruação retrógrada como origem da doença (Cramer et al., 1986). Em relação à história obstétrica, dados sugerem que a paridade funcionaria como um fator de proteção. Uso de anticoncepção oral e risco de endometriose é uma interação até o momento controversa. Alguns estudos encontraram aumento do risco de endometriose, enquanto outros demonstraram redução ou ausência de efeito. Nesse caso, fica difícil estabelecer uma relação causa-efeito, e a maior parte dos dados parece favorecer a hipótese de um possível fator de confusão nessa interação. Como o anticoncepcional é uma medicação utilizada para o tratamento de dismenorreia primária, e como a endometriose causa dor pélvica (dismenorreia e dispareunia), essa medicação acaba sendo utilizada frequentemente nessas pacientes. É bem estabelecido que filhas e irmãs de pacientes com endometriose têm maior risco de desenvolverem endometriose. Estudos familiares têm demonstrado uma agregação familiar com um risco estimado entre 5 e 8% em parentes de primeiro grau (Bischoff; Simpson, 2004). A identificação de genes associados à suscetibilidade à endometriose pode permitir um melhor entendimento da patologia. Estudos têm revelado que variantes genéticas como dos receptores de progesterona e de estrogênio poderiam aumentar o risco para endometriose. Contudo, não há consenso quanto ao valor desses achados devido ao limitado tamanho das amostras, à diversidade étnica de polimorfismos e aos fatores ambientais (Chapron et al., 2002b). Pacientes altas e magras parecem apresentar mais endometriose, observação consistente com os maiores níveis de estradiol na fase folicular nessas pacientes. Normalmente, mulheres com endometriose têm um índice de massa corporal menor do que o daquelas sem endometriose (Calhaz-Jorge et al., 2004; Risk..., 1999). Fatores ambientais e de estilo de vida, como fumo, exercício e consumo de álcool, têm sido

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associados à modificação do risco de endometriose. Alguns autores demonstraram que o tabagismo diminuiria o risco de endometriose (Cramer et al., 1986), devido a uma função antiestrogênica (Baron; La Vecchia; Levi, 1990); entretanto, outros estudos não encontraram tal associação (Vessey; Villard-Mackintash; Painter, 1993). Aumento no consumo de álcool e cafeína tem sido associado a aumento do risco de endometriose, já o exercício físico parece diminuir o risco (Cramer et al., 1986). A exposição a bifenil policlorados tem sido associada à endometriose em macacos. Em humanos, os resultados são controversos, com uma possível associação (Heilier et al., 2007). A exposição no período fetal a agentes também pode estar associada à endometriose. Maior peso ao nascimento e amamentação foram relacionadas à diminuição do risco de endometriose. Na média, situações que aumentam os níveis estrogênicos parecem aumentar o risco de endometriose (Vigano et al., 2004). Dessa forma, mais estudos são necessários para esclarecer a complexa epidemiologia da doença.

Quadro clínico A endometriose está associada a duas situações clínicas principais: dor pélvica e/ou infertilidade. Uma parcela das pacientes é assintomática, com o diagnóstico sendo realizado de forma casual, devido a um procedimento invasivo por outra indicação (Quadro 10.1).

Endometriose e dor Os sintomas mais comuns são dismenorreia, dispareunia e dor pélvica crônica não menstrual (acíclica). Como o tecido endometriótico responde às variações hormonais, normalmente a dor pélvica associada à endometriose tem características cíclicas, ainda que possa se tornar contínua com a evolução da doença. Se a endometriose acomete o reto, pode haver tenesmo e disquezia; se acomete a bexiga, disúria e urgência miccional são os sintomas presentes. A endometriose ureteral geralmente não provoca sintomas urinários específicos, apresentando-se tardiamente apenas por sintomas compressivos e perda de função renal. Outras localizações da endometrio-

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se podem provocar dor pleurítica, hemotórax, cefaleia, etc. (Crosignani et al., 2006). Uma série de trabalhos demonstrou impacto na qualidade de vida, inclusive sexual, dessas pacientes, com limitação em atividades físicas, laborais e recreativas (Marques et al., 2004). A endometriose pode estar presente na pelve feminina como diferentes lesões, desde vesículas transparentes, lesões vermelhas, escuras (hemossiderina), até lesões brancas fibrosadas. Cada uma parece contribuir de forma diferente para a dor, e, raramente, há correlação da intensidade e da característica da dor com a extensão da doença. O crescimento das lesões endometrióticas é estrogênio-dependente, com alteração de sua evolução dependendo do grau de atividade estrogênica da paciente. Dessa forma, a supressão ovariana, a menopausa e a amenorreia estão associadas à diminuição ou inatividade das lesões, enquanto o aumento dos níveis de estrogênio, muitas vezes, aumenta a atividade da lesão e a dor. Entretanto, a localização e o tipo da lesão podem ter alguma relação com a dor (Chapron et al., 2003a; Vercellini et al., 1996). Os mecanismos de produção da dor na endometriose são: (a) produção de substâncias mediadoras da resposta inflamatória (fatores de crescimento e citocinas) por macrófagos ativados e outras células associadas aos implantes endometrióticos (Wu; Ho, 2003); (b) efeitos diretos e indiretos do sangramento dos implantes (Na et al., 2006); (c) irritação ou invasão do plexo neural pélvico, especialmente em implantes profundos no fundo-de-saco de Douglas (Bonte et al., 2002). A invasão neural e o achado de células endometrióticas em plexos nervosos, assim como em linfonodos pélvicos, têm demonstrado a possibilidade de acometimento pélvico extenso pela endometriose. Esses achados estão correlacionados com intensidade da dismenorreia, dispareunia profunda e disquezia em casos de acometimento retal. A intensidade da dor tem sido associada à profundidade da lesão de endometriose: lesões com profundidade maior do que 6 mm estão relacionadas à dor mais intensa (Anaf et al., 2000; Donnez et al., 1996).

Endometriose e infertilidade Além dos sintomas dolorosos, a infertilidade frequentemente está presente em pacientes com

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endometriose. A prevalência de endometriose na população infértil varia entre 5 e 50%, e tem sido relatado que mulheres inférteis possuem 6 a 8 vezes maior probabilidade de ter endometriose (Verkauf, 1987). Além disso, pacientes com endometriose apresentam estágios mais avançados de infertilidade (D’Hooghe et al., 2003). Fecundidade, definida como a probabilidade de uma mulher ter um filho vivo em um período de um mês, varia de 15 a 20% em casais normais, entretanto, em mulheres com endometriose não tratada, a taxa de fecundidade varia de 2 a 10%. A taxa cumulativa de concepção em 3 anos de mulheres com endometriose é significativamente menor do que a de controles. Uma ampla variedade de estudos, incluindo aqueles em pacientes submetidas a técnicas de reprodução assistida, tem sugerido uma menor taxa de gestação em pacientes com endometriose. Comparadas com pacientes com infertilidade tubária, as taxas de gestação em pacientes com endometriose são metade daquelas esperadas para as pacientes submetidas à fertilização in vitro (Barnhart; Dunsmoor-su; Coutifaris, 2002). Os mecanismos associados à relação endometriose-infertilidade não são estabelecidos. Estágios mais avançados de endometriose estão associados à infertilidade pela presença de aderências pélvicas que causam grande distorção na anatomia pélvica e atrapalham a função tubária. Porém, pacientes com endometriose mínima/ leve não têm alteração anatômica e apresentam diminuição de desenvolvimento oocitário, embriogênese e implantação embrionária. Estudos demonstraram alteração hormonal, uterina, peritoneal e masculina em pacientes com endometriose. Essas alterações resultam em um conjunto de efeitos. A experiência com a fertilização in vitro tem demonstrado diminuição da função espermática, da reserva ovariana e da recuperação oocitária, menor quantidade de oócitos recuperados e redução da qualidade, da implantação e da receptividade embrionárias. Cunha-Filho e colaboradores (2002) demonstraram que a endometriose está associada a insuficiência de fase lútea, alteração na secreção de prolactina e alteração de fase folicular, contribuindo para alteração na ovulação (Cunha-Filho et al., 2001, 2002, 2003). A diminuição da reserva ovariana em pacientes

com endometriose mínima e leve pode ser avaliada pelos níveis de hormônio antimülleriano e pela observação da coorte folicular por ultrassonografia transvaginal. No entanto, nem FSH nem a inibina B demonstraram capacidade de realizar essa avaliação (Lemos et al., 2008; Glitz et al., 2009). É citado ainda luteinização de folículos não rotos, diminuição do número de folículos pré-ovulatórios, redução do número de embriões transferidos, diminuição das taxas de fertilidade e aumento do número de abortamentos (Barnhart; Dunsmoor-su; Coutifaris, 2002; Cunha-Filho et al., 2003). Há, no entanto, achados contraditórios, com resultados similares a controles (Burns; Schenken, 1999). Efeitos na gestação também têm sido demonstrados como aumento de perda fetal, parto pré-termo, pré-eclâmpsia e crescimento intrauterino restrito (Brosens, 2004).

Diagnóstico O diagnóstico da endometriose continua difícil, apesar de todo o avanço das técnicas de imagem nas últimas décadas. O diagnóstico de endometriose em pacientes com infertilidade está associado a 3 anos de atraso diagnóstico desde o início dos sintomas; porém, em pacientes com dor, esse atraso pode chegar a 10 anos (Hadfield et al., 1996). A demora pode ser ainda maior em pacientes cuja sintomatologia dolorosa inicia na adolescência (Arruda et al., 2003). O exame físico tem limitada capacidade diagnóstica em endometriose superficial; os casos de endometrioma ou endometriose profunda apresentam maior chance de apresentar sinais clínicos, mas esses sinais são ainda limitados (Chapron et al., 2002a). Dessa forma, os exames de imagem têm demonstrado avanços na avaliação inicial da paciente com endometriose. Apesar de não realizarem o diagnóstico definitivo e muitas vezes carecerem de maior poder diagnóstico, os exames de imagem auxiliam no diagnóstico diferencial. Entre os exames de imagem, destacam-se a ultrassonografia transvaginal e a ressonância magnética como melhores métodos diagnósticos para endometriose, principalmente para os casos de endometrioma e endometriose infiltrante profunda. A ultrassonografia tem as

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vantagens de menor custo, facilidade de acesso, possibilidade de diagnóstico de endometriomas, aderências pélvicas e acometimento por endometriose profunda. Para pesquisa de endometriose, ela é realizada com preparo intestinal prévio e tem demonstrado resultados muito bons em trabalhos e na prática clínica (Abrao et al., 2009; Goncalves et al., 2009). A ressonância magnética apresenta um alto custo em nosso meio, mas é o exame que apresenta melhores taxas de sensibilidade e especificidade na avaliação da paciente com endometrioma e endometriose profunda (Bazot et al., 2007). Outros exames, como a ultrassonografia transretal, a ecoendoscopia retal e a tomografia computadorizada, podem ser auxiliares (Balleyguier et al., 2002; Bonte et al., 2002). A ultrassonografia retal e a ecoendoscopia têm sido recomendadas para o diagnóstico de endometriose do septo retovaginal e dos ligamentos uterossacrais (Chapron et al., 2002b). Em virtude de os focos de endometriose profunda apresentarem-se de maneira diversa daquela da endometriose superficial, muitas vezes uma paciente com endometriose profunda que não apresenta sinais de endometriose superficial pode apresentar uma laparoscopia sem alterações, sendo, no entanto, acometida pela endometriose. O diagnóstico final da endometriose é realizado por biópsia da lesão por meio de laparoscopia ou laparotomia. O passo da laparoscopia permite tanto o diagnóstico como o tratamento da paciente, sendo considerado padrão-ouro. A laparoscopia, além de permitir o diagnóstico, permite a visualização e a descrição das lesões, a coleta de material para avaliação histológica e o manejo cirúrgico das lesões endometrióticas. Cabe ressaltar que a laparoscopia deve ser realizada após ter sido terminada a fase de avaliação por meio dos métodos de imagem, a fim de que tanto o diagnóstico como o tratamento possam ser realizados de forma integrada, evitando múltiplos procedimentos. Trabalhos demonstraram que o diagnóstico pela visualização das lesões apresenta boa correlação com o diagnóstico anatomopatológico (Cornillie et al., 1990). Estudos procuram identificar um marcador de endometriose que possa ser mais acessível e menos invasivo. Como a endometriose induz alterações locais e um processo inflamatório sistêmico,

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estudos pesquisam marcadores sorológicos da reação inflamatório-imunológica (Fauconnier et al., 2002). O CA-125 é um dos marcadores mais pesquisados em endometriose e em outras patologias ginecológicas (p, ex., câncer de ovário e miomatose). Os níveis de CA-125 aumentam na menstruação de pacientes com e sem endometriose. Pacientes com estágios de endometriose mais avançados têm maiores níveis de CA-125. A sensibilidade do CA-125 variou de 4 a 100%, e a especificidade, de 38 a 100%, para qualquer estágio da doença. Esses valores pioram quando se avaliam pacientes com massa pélvica. Até o momento, o CA-125 não conseguiu apresentar os índices adequados para ser considerado um bom exame de triagem e infertilidade, tendo algum valor no seguimento (Barcz; Kaminski; Marianowski, 2000). Outros marcadores têm sido estudados sem grande sucesso, como exames de triagem em endometriose: interleucina-6, interleucina-8, fator de necrose tumoral e interferon-gama (Fauconnier et al., 2002). A identificação de um marcador sérico de endometriose seria extremamente útil, principalmente em casos de endometriose superficial. Várias condições apresentam quadro clínico similar à endometriose e devem ser descartadas na avaliação diagnóstica. Outras causas de dor pélvica crônica são adenomiose, aderências pélvicas, doença inflamatória pélvica, anomalias congênitas do trato reprodutivo e massas pélvicas. Causas não ginecológicas de dor pélvica também devem ser avaliadas, como síndrome do cólon irritável, cistite intersticial, fibromialgia e disfunções musculoesqueléticas do assoalho pélvico.

Classificação A adoção de uma classificação permite a compreensão da severidade de uma condição e a formulação de um prognóstico baseado na situação atual, além de ser uma arma científica para estudos clínicos e auxiliar na comparação de achados entre diferentes estudos. Ao avaliarmos a classificação de endometriose, esses fatos não podem ser comprovados de forma clara. A classificação não tem demonstrado capacidade de predizer os resultados reprodutivos, o quadro doloroso e sua resposta ao tratamento, nem a taxa de recorrência. Esses fatos são importantes tanto do

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ponto de vista acadêmico como para guiar a prática clínica. A classificação atualmente utilizada da American Fertility Society (AFS), descrita em 1985 e revisada em 1996, foi criada com objetivo de realizar uma correlação com os resultados de tratamento de infertilidade. É um inventário da pelve sem demonstrar poder prognóstico em infertilidade (Revised..., 1985; Revised..., 1997). No entanto, permite a comparação de dados entre serviços e a classificação das pacientes, proporcionando uma adequada correlação de dados. A classificação baseia-se na profundidade da invasão, na bilateridade e no envolvimento ovariano, assim como na presença de aderências e no comprometimento do fundo-de-saco de Douglas. Escores entre 1 e 15 são compatíveis com endometriose mínima ou leve; escores entre 16 e 40, endometriose moderada, e acima de 40, endometriose severa. A classificação da endometriose em endometriose superficial (peritoneal), endometrioma e endometriose profunda tem sido útil, pois permite estratificar a paciente em categorias com diferentes apresentações clínicas e tratamentos. Até o momento, várias classificações de endometriose profunda também foram propostas, sem que nenhuma delas fosse adotada de forma unânime (Chapron et al., 2003b; Martin; Batt, 2001). A vantagem dessa classificação é a facilidade de alocação das pacientes, assim como a presença de fatores prognósticos associados.

Tratamento O principal objetivo do tratamento da endometriose é a melhora da sintomatologia. O objetivo secundário é evitar aumento ou progressão da doença. Apesar de ser considerada uma doença progressiva, a endometriose pode permanecer estável ou ainda regredir sem tratamento (Sutton et al., 1997). Em relação à infertilidade, não há, até o momento, claras evidências de que o tratamento medicamentoso ou cirúrgico da endometriose melhore a fecundidade (Practice Committe of American Society for Reproductine Medicine, 2008). Alguns trabalhos demonstraram que a ressecção ou a ablação laparoscópica de lesões de endometriose mínima/ leve aumentava a fertilidade em mulheres inférteis (Marcoux; Maheuk; Berube, 1997). Recen-

temente, autores mostraram que pacientes inférteis acometidas pela endometriose profunda e submetidas à cirurgia conservadora apresentaram melhores taxas de gestação quando submetidas a técnicas de reprodução assistida (Bianchi et al., 2009). Dessa forma, se a paciente deseja engravidar, pode-se discutir a possibilidade de um tratamento cirúrgico o mais conservador possível e encaminhá-la para tratamento com técnicas de reprodução assistida. A realização de tratamento medicamentoso supressivo não melhora a fertilidade, apenas retarda a possibilidade de gravidez. Assim, tratamento hormonal supressivo não tem espaço no tratamento de pacientes com endometriose e infertilidade; essa hipótese somente pode ser considerada em casos de endometriose e dor. Nas pacientes assintomáticas, com diagnóstico acidental de endometriose, não há indícios até o momento que indiquem a necessidade de realizar tratamento medicamentoso ou cirúrgico para evitar um possível aparecimento de sintomas ou progressão da doença. As pacientes que têm como ponto principal de seu quadro a queixa de dor devem ser manejadas com tratamento medicamentoso e/ou cirúrgico. A endometriose é uma doença crônica com uma história de longa duração e momentos de exacerbações; por isso, múltiplos tratamentos e estratégias podem ser necessários nessas pacientes. Na endometriose em geral, não há até o momento dados para concluir qual tratamento (medicamentoso ou cirúrgico) é melhor, ou qual deve ser realizado primeiro. As taxas de sucesso são comparáveis, assim como as taxas de recorrência. Dessa forma, o tratamento deve ser particularizado, considerando-se os seguintes fatores: extensão da doença, paridade, desejo de ter filhos, aceitação das taxas de recorrência do método e aceitação dos possíveis efeitos adversos ou complicações do método (Fig. 10.1).

Tratamento medicamentoso Como o tecido endometriótico tem resposta hormonal e como os sintomas da endometriose melhoram na gestação e na menopausa, os tratamentos medicamentosos (Tab. 10.1) procuram simular essas situações. As opções mais utilizadas atualmente provocam um período com ausência de menstruação: simulação de

Sucesso: manter com ACO ou progestágeno

Falha: considerar outra medicação ou tratamento cirúrgico Sucesso: manter ACO

ACO se < 35 anos

Falha: considerar outra medicação ou tratamento cirúrgico

DIU levonorgestrol

Figura 10.1 Fluxograma de tratamento de pacientes com endometriose.

Falha: considerar outra medicação ou tratamento cirúrgico

Análogos GnRH por 6 meses

Dor

Sucesso: manter desogestrel

Sucesso: manter com ACO ou progestágeno

Desogestrelse > 35 anos

Endometriose

Cauterizar focos e indução da ovulação por 3-6 meses

Trompas normais e < 35 anos

Cauterizar focos e FIV

Trompas anormais > 35 anos ou outro fator associado

Infertilidade

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menopausa (análogos do GnRH), de amenorreia (gestrinona, danazol) ou de gestação (anticoncepcional oral e progestágenos). Todos os tratamentos são não invasivos, todavia, têm a desvantagem para a mulher que quer engravidar, pois a concepção geralmente fica impedida durante o período de tratamento. Assim, antes da prescrição, esse ponto deve ser exaustivamente discutido com a paciente. A diferença de eficácia entre as opções é pequena, contudo, o perfil de efeitos adversos é bastante diferente. Poucos trabalhos compararam as várias medicações, e a maior parte dos estudos realizou a comparação contra placebo. As medicações, como os análogos do GnRH, que são mais eficazes em provocar amenorreia, possuem melhor perfil de resultados quando se considera dismenorreia como desfecho principal. Pode-se considerar que nenhuma medicação comprovou até o momento ser superior às outras. Sendo assim, a escolha deve ser realizada por meio de uma avaliação de custo-benefício. Análogos do GnRH O análogos do GnRH ligam-se ao receptor de GnRH. Como apresentam maior meia-vida, produzem inicialmente um efeito de estímulo, mas rapidamente há supressão do receptor com diminuição de gonadotrofinas e hipoestrogenis-

mo. Dessa forma, ocorrem amenorreia e redução da atividade dos focos de endometriose. Os análogos podem ser administrados de forma nasal ou injetável de curta ou longa duração, sendo muito efetivos no controle de sintomas de pacientes com endometriose (Child; Tan, 2001; Petta et al., 2005). Os efeitos adversos são decorrentes da diminuição dos níveis de estrogênio (fogachos, ressecamento vaginal, diminuição da libido, alteração de humor, cefaleia e depleção óssea). O tratamento por mais de seis meses deve ser associado à reposição hormonal para diminuir os efeitos do hipoestrogenismo. O tratamento de reposição associado não altera a eficácia do tratamento e diminui os efeitos adversos. Anticoncepcional oral Estudos demonstram que o anticoncepcional oral (ACO) é efetivo em aliviar a dismenorreia de pacientes com endometriose. Tanto ACOs de média como de baixa dosagem foram eficazes no controle da dor, podendo ser utilizados de forma cíclica ou contínua. Os ACOs foram mais efetivos quando utilizados de forma contínua em relação ao uso de forma cíclica. São melhor tolerados do que o danazol e os análogos do GnRH e têm menor custo e menor impacto metabólico. Os ACOs causam inibição

Tabela 10.1 Opções medicamentosas para tratamento da endometriose Fármaco

Dose

Efeitos adversos

Anticoncepcional oral

0,03-0,035 mg/dia, oral, contínuo ou cíclico

Sangramento irregular, sensibilidade mamária e cefaleia

Análogos GnRH Goserelina Leuprolida

3,6 mg/mês, SC 10,8 mg/3 meses, SC 3,75 mg/mês, IM 11,75 mg/mês, IM

Progestágenos Acetato de medroxiprogesterona Desogestrel 75 μg; Etonogestrel (implante) DIU de levonorgestrel

150 mg/3 meses, IM 1 cp/dia, oral 1 implante/3 anos, SC 1 DIU/5 anos

Danazol

400-800 mg/dia, oral

Gestrinona

2,5-5 mg/3 dias, oral

Fogachos, ressecamento vaginal, perda de libido, alteração de humor

Sangramento irregular, ganho de peso, acne, edema

Ganho de peso, retenção hídrica, atrofia mamária, acne, hirsutismo

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da ovulação com diminuição dos níveis de gonadotrofinas, diminuição do fluxo menstrual e decidualização dos focos de endometriose (Harada et al., 2008). Progestágenos Os progestágenos provocam decidualização e atrofia dos focos de endometriose. Foram comprovadas diminuição da vascularização dos focos endometrióticos e da liberação de mediadores da reação inflamatória. Apresentam como efeitos adversos mais frequentes sangramento irregular, ganho de peso, acne e edema. Os progestágenos estão disponíveis como comprimidos, formas injetáveis, implantes e dispositivos intrauterinos (DIU). As opções presentes no nosso meio são injetável (acetato de medroxiprogesterona 150 mg, intramuscular, a cada 3 meses), oral (desogestrel 75 μg, 1 cp/ dia), implante de etonogestrel e DIU de levonorgestrel. Estudos demonstraram a eficácia do DIU de levonorgestrel em controlar a dismenorreia de pacientes com endometriose. Outro sintoma controlado pelo DIU de levonorgestrel são os sintomas retais de pacientes com endometriose no septo retovaginal, sendo mais uma opção no manejo de pacientes com endometriose (Fedele et al., 2001; Petta et al., 2005). Danazol e gestrinona O danazol é um androgênio oral que inibe o LH e a esteroidogênese, e eleva os níveis de testosterona livre. Os efeitos adversos mais comuns incluem hirsutismo, acne e alteração de voz. Deve ser evitado em paciente com patologia hepática ou hiperlipidemia. Uma contracepção efetiva deve ser associada nessas pacientes. A gestrinona é um antiprogestágeno e produz inibição da esteroidogênese ovariana. É administrada nas doses de 2,5 a 10 mg por semana. Os efeitos adversos são decorrentes dos efeitos androgênicos e antiestrogênicos (Crosignani et al., 2006). Com o aumento do acesso das pacientes aos análogos do GnRH, o uso da gestrinona e do danazol foram diminuídos. Outras medicações Os inibidores da aromatase têm sido estudados em endometriose. Trabalhos têm demonstrado efetividade no controle dos sintomas, no entan-

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to, a medicação ainda encontra-se em estudo para essa indicação. Outras medicações em estudo são os moduladores seletivos do receptor da progesterona, moduladores seletivos do receptor de estrogênio, antagonistas do GnRH e medicações capazes de modular a resposta imune. Medicamentos analgésicos Não deve ser descartado, no caso dessas pacientes, o uso de medicamentos analgésicos. Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) são uma ótima opção terapêutica para as pacientes com endometriose. Trabalhos demonstraram que os AINEs foram mais efetivos no manejo da dismenorreia e mais efetivos do que o paracetamol. Todos os AINEs parecem apresentar efeito similar. Os mais estudados em ginecologia são o ibuprofeno, o naproxeno e o ácido mefenâmico. Existem medidas que podem ser efetivas no auxílio do manejo de pacientes de dor pélvica, como acupuntura, medidas comportamentais (atividade física, dieta rica em ômega 3) e calor tópico. Para uma leitura mais específica, sugere-se o Capítulo 6, Dor pélvica crônica.

Tratamento cirúrgico A diminuição da dor após o tratamento cirúrgico ocorre em 50 a 95% das pacientes. Estudos randomizados demonstraram alívio da dor em 62,5% das pacientes em comparação com 22,5% dos controles. A melhora foi maior nas pacientes com doença moderada/leve, em relação às pacientes com endometriose mínima (Sutton et al., 1994). O seguimento em um ano demonstrou uma taxa de recorrência de 44%. Esses dados confirmam que o tratamento laparoscópico da endometriose visível melhora a dor, sustentando o tratamento já no momento do diagnóstico. Nessas pacientes, o tratamento cirúrgico consiste em cauterização dos focos de endometriose associada à lise de aderências, procurando restabelecer a anatomia normal da pelve. Não há estudos comparando as formas de cauterização (laser, monopolar, bipolar, etc.), e a escolha deve ser feita considerando-se as vantagens e desvantagens de cada método. As pacientes com endometriomas devem ser manejadas cirurgicamente. O tratamento medicamentoso pode levar à redução temporária do tamanho do cisto, mas não consegue eliminá-lo.

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A discussão sobre qual o melhor manejo cirúrgico continua. Entre as opções mais conservadoras estão drenagem do cisto e drenagem associada à cauterização da cápsula do endometrioma. A opção mais agressiva é a cistectomia, que tem melhores taxas de sucesso com menor incidência de recorrência e diminuição da dismenorreia, dispareunia profunda e dor não menstrual de forma mais efetiva do que a drenagem/coagulação. A simples drenagem é associada à alta taxa de recidiva. Em pacientes inférteis, o manejo do endometrioma é ainda mais controverso. Os tratamentos mais agressivos (cistectomia) estão associados a maior dano ao parênquima ovariano, podendo alterar a reserva ovariana de uma paciente que já possui menores taxas de fecundidade (Chapron et al., 2002c). Nesses casos, pode-se discutir a possibilidade de um tratamento mais conservador, sabendo-se da possibilidade de aumento da chance de recorrência do endometrioma. O uso de anticoncepção oral após o procedimento cirúrgico foi associado a menor taxa de recidivas em 1 ano (Vercellini et al., 2008). A ablação laparoscópica de uterossacros já foi demonstrada como um tratamento não efetivo em pacientes com endometriose, não tendo indicação (Vercellini et al., 2003). A neurectomia pré-sacral tem demonstrado em alguns estudos diminuir a dismenorreia e a dispareunia de pacientes com endometriose (Zullo et al., 2003). A histerectomia total associada à anexectomia bilateral é reservada a pacientes com doença extensa e que não desejam ter filhos. As taxas de recorrência de dor da histerectomia isolada, sem anexectomia bilateral, são maiores do que as taxas do procedimento completo (Namnoum et al., 1995). Nos últimos 20 anos, o conhecimento da importância clínica da invasão da lesão endometriótica tem aumentado, contribuindo para um aumento na prevalência da endometriose profunda. O tratamento proposto para lesões com essa apresentação é sua ressecção, que até o momento apresenta melhores taxas de sucesso do que o tratamento medicamentoso. Os locais mais frequentes de lesões de endometriose profunda são ligamentos uterossacros, toro uterino, fundo-de-saco de Douglas, septo

retovaginal, intestino e bexiga. Nesses casos, o melhor tratamento atualmente é a cirurgia, podendo ser realizada por laparoscopia ou laparotomia. O objetivo é retirar todo o tecido endometriótico, sendo necessário muitas vezes que o procedimento seja realizado por equipe multiprofissional (cirurgião ginecológico, cirurgião digestivo e cirurgião urológico). Nesses pacientes, a radicalidade da cirurgia vai depender da extensão da doença e do desejo de ter filhos. As taxas de melhora da dor nesses casos são de 70 a 100%, sempre tendo como objetivo retirar toda a lesão possível. As recidivas podem chegar a 20% dos casos. É importante salientar que a paciente deve aceitar a possível extensão desse tipo de abordagem, que inclui muitas vezes ressecção vesical parcial, reimplante ureteral, ressecção digestiva, colostomia, etc. (Chapron et al., 2003b; Chapron; Dubuisson, 1996). Nas pacientes acometidas por endometriose profunda e infertilidade, não há consenso do melhor tratamento. Dados demonstram taxas de gestação espontânea próximas a zero, no entanto, autores defendem a cirurgia radical com preservação do útero, demonstrando que se a anatomia pélvica puder ser restabelecida, há benefícios de fertilidade espontânea e em técnicas de reprodução assistida (Bianchi et al., 2009), mas não há dados para concluir sobre a melhor conduta. A necessidade de uso de tratamento medicamentoso após o tratamento cirúrgico não está bem estabelecida até o momento. Existem alguns trabalhos que demonstraram que o uso pós-cirúrgico durante seis meses de análogos de GnRH foram associados à diminuição da dor e a maior intervalo livre de doença. Outros trabalhos também confirmaram esses achados com o uso de danazol ou acetato de medroxiprogesterona. Recentemente, estudos demonstraram menor recidiva de dor e intervalo livre de doença associada ao uso de anticoncepcional oral após o procedimento, o efeito persistiu enquanto foi mantido o uso do anticoncepcional oral (Vercellini et al., 1999, 2008; Seracchioli et al., 2009). A laparoscopia de secondlook é indicada somente em casos de pacientes que persistem sintomáticas ou em trabalhos científicos, não apresentando indicação na paciente assintomática.

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Seguimento O acompanhamento de pacientes com endometriose é uma tarefa complexa. O maior problema é manejar a recorrência dos sintomas. Sendo assim, uma planificação com a paciente é extremamente benéfica. Como a recidiva de sintomas é frequente, deve-se avaliar caso a caso qual a melhor conduta a seguir. Os avanços dos métodos de imagem têm permitido melhor investigação dessas pacientes antes de procedimentos cirúrgicos. Pode-se avaliar a extensão da doença de forma mais adequada antes de propor o tratamento. Os tratamentos (medicamentoso e cirúrgico) têm, até o momento, eficácia similar; sendo assim, a conduta mais custo-efetiva é

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de que, depois de confirmado o diagnóstico, o tratamento inicie pelo manejo menos agressivo, somente passando para os procedimentos invasivos depois que as possibilidades mais conservadoras sejam esgotadas. Caso haja decisão por um tratamento radical, é mais importante ainda a avaliação diagnóstica, pois vários trabalhos têm associado a taxa de melhora e até mesmo a cura da dor à exérese de todas as lesões de endometriose. Múltiplos procedimentos cirúrgicos devem ser evitados, devido aos riscos inerentes aos procedimentos, assim como às suas possíveis sequelas. Da mesma forma, o desejo da maternidade deve sempre ser levado em conta nas decisões terapêuticas.

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158 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Considerando o tratamento de pacientes com endometriose, avalie as assertivas abaixo: I. A paciente com infertilidade associada à endometriose deve ser submetida a tratamento medicamento de endometriose para melhorar suas chances de engravidar. II. Tanto o tratamento medicamentoso como o cirúrgico são opções adequadas para o tratamento de dor associada à endometriose. III. O melhor tratamento para endometrioma é o uso de análogo do GnRH. Assinale a opção correta a. b. c. d. e.

I. II. I e II. II e III. I, II e III.

2. Em relação à endometriose, pode-se afirmar: I. A classificação da endometriose proposta pela Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) de 1993 possui boa correlação com as taxas de fertilidade. II. A profundidade das lesões de endometriose possui correlação com a dor apresentada pela paciente III. Os marcadores sorológicos possuem boa acurácia diagnóstica na endometriose. Assinale a opção correta a. b. c. d. e.

I. II. I e II. II e III. I, II e III.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Doenças Sexualmente Transmissíveis Paulo Naud Valentino Magno Jean Carlos de Matos Luciano Serpa Hammes Janete Vettorazzi Adriani Oliveira Galão

As equipes de saúde têm um papel fundamental na prevenção e no tratamento das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), que constituem uma epidemia de grande magnitude. O reconhecimento desses casos precisa ser uma estratégia comum em todos os programas de controle da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) (Centers for Disease Control and Prevention, 2006). A prevenção primária das DSTs deve iniciar com a mudança das atividades sexuais. Os profissionais de saúde têm uma oportunidade única de educar e aconselhar suas pacientes. Questões sobre DSTs e hábitos sexuais devem ser obrigatoriamente abordadas pelos profissionais e ginecologistas durante a consulta. Os ginecologistas apresentam papel essencial, pois mulheres e crianças geralmente têm sintomas e sequelas mais severos. Além disso, as mulheres são duas vezes mais vulneráveis do que seus parceiros masculinos para adquirirem gonorreia, clamídia, hepatite B e cancro mole após exposição única (Shain et al., 1999). As mulheres são mais suscetíveis às DSTs após exposição.

A maioria dos casos de DST está restrita a pessoas sexualmente ativas (principalmente adultos, jovens e adolescentes) e recém-nascidos ou lactentes de mães contaminadas. De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (2006), a prevenção e o controle das DSTs devem estar apoiados em cinco estratégias principais: 1. Educação e aconselhamento sobre as maneiras de evitar as DSTs por meio da mudança dos comportamentos sexuais das pacientes em risco. 2. Identificação das pacientes assintomáticas infectadas. 3. Diagnóstico e tratamento efetivo das pacientes infectadas. 4. Avaliação, tratamento e aconselhamento dos parceiros sexuais das pacientes infectadas por DSTs. 5. Vacinação das pacientes em risco para DSTs preveníveis.

160 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Métodos de prevenção Abstinência sexual e redução do número de parceiros A forma mais eficaz para impedir a transmissão das DSTs é a abstinência sexual ou as relações monogâmicas duradouras com parceiros não infectados. Para os casais que iniciam uma atividade sexual monogâmica, o aconselhamento e o screening sorológico inicial é a abordagem mais adequada.

Vacinação profilática A vacinação profilática disponível para algumas DSTs é uma das maneiras mais efetivas para sua prevenção, sendo responsabilidade da equipe de saúde orientar as pacientes sobre a sua disponibilidade (p. ex., hepatite B, hepatite A, papilomavírus humano – HPV).

Preservativo masculino Quando utilizados de maneira correta, os preservativos masculinos de látex são altamente efetivos na prevenção da transmissão de HIV, clamídia, gonorreia e tricomoníase e podem ter papel importante também na prevenção da doença inflamatória pélvica (Holmes et al., 2004). O preservativo também pode reduzir a transmissão do vírus herpes simples (HSV), porém os dados não são claros (Wald et al., 2005). Em relação ao HPV, o preservativo está associado à redução das verrugas genitais e do câncer cervical (Bleeker et al., 2003). Winer e colaboradores (2006), em um recente estudo prospectivo, demonstraram uma redução de 70% na transmissão de HPV entre usuárias de preservativo masculino.

Preservativo feminino Estudos laboratoriais indicam que o preservativo feminino pode ser um mecanismo efetivo na prevenção das DSTs (French et al., 2003), porém outros estudos são necessários. Seu uso atualmente fica restrito às situações em que o preservativo masculino não será utilizado.

Espermicida vaginal e diafragma O uso dos espermicidas vaginais contendo nonoxinol-9 (N-9) e dos diafragmas não é efetivo na

prevenção das DSTs. Além disso, os espermicidas contendo N-9 estão associados a trauma do epitélio genital, podendo aumentar o risco de transmissão de algumas doenças (Wilkinson, 2002). Por esse motivo, o N-9 também deve ser evitado quando utilizado com preservativos masculinos. Cerca de 40 agentes microbianos diferentes têm potencial de transmissão sexual, embora apenas uma minoria tenha a transmissão sexual como mecanismo único ou predominante de disseminação. Essas doenças têm sido reconhecidas como causas de síndromes patológicas agudas, como ulcerações e secreções genitais (Tab. 11.1). No entanto, elas também têm sido consideradas causas significativas de morbidez futura, em função de seus efeitos sobre a saúde reprodutiva, a saúde dos lactentes, o câncer anogenital e do colo do útero e outros efeitos provocados pelo HIV e a Aids. Neste capítulo, serão abordadas as principais DSTs com seus aspectos essenciais e também a abordagem sindrômica sugerida. A doença inflamatória pélvica, o HIV e o HPV, apesar de considerados sexualmente transmissíveis, serão abordados em capítulos específicos neste livro.

Sífilis Também denominada LUES, é uma patologia infectocontagiosa específica do homem, que causa lesões cutaneomucosas polimorfas, podendo comprometer outros tecidos, particularmente os sistemas cardiovascular e nervoso. Doença sistêmica de fácil detecção e de tratamento simples, barato e 100% eficaz, é geralmente adquirida por contato sexual, mas também por transfusão de sangue ou de forma transplacentária (em qualquer período da gestação). Um terço dos indivíduos expostos a um parceiro infectado adquire a doença. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 3,5 milhões de novos casos/ano sejam diagnosticados no mundo. Segundo o Centers for Disease Control and Prevention (2006), países em desenvolvimento têm taxas de prevalência cerca de 10 a 100 vezes maiores do que países desenvolvidos.

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161

Tabela 11.1 Diagnóstico sindrômico das DSTs Síndrome

Sintomas comuns

Sinais comuns

Etiologias comuns

Corrimento vaginal

Corrimento vaginal Prurido Dor à micção Dispareunia Odor fétido

Edema de vulva Hiperemia de vulva Corrimento vaginal e/ou cervical

Vulvovaginite infecciosa: - Tricomoníase - Candidíase Cervicite: Gonorreia Clamídia

Corrimento uretral

Corrimento uretral Prurido Estrangúria Polaciúria Odor fétido

Corrimento uretral

Gonorreia Clamídia Tricomoníase Micoplasma Ureaplasma

Úlcera genital

Úlcera genital

Úlcera genital Linfonodomegalia inguinal

Sífilis Cancro mole Donovanose Herpes genital

Dor pélvica

Dor pélvica Dispareunia

Dor à palpação abdominal Dor à mobilização uterina Temperatura ⬎ 37,5 oC

Gonorreia Clamídia Anaeróbios

Fonte: Adaptada de Brasil (2006).

Agente etiológico > O agente etiológico é o Treponema pallidum, subespécie pallidum, família dos spirochaetaceae. É infectante na sífilis recente pelo contato e na sífilis latente por meio do fluido corporal, principalmente pelo contato com sangue (a infectividade decresce rapidamente com o passar do tempo).

a 3 meses) após o contágio (geralmente pele lesada ou mucosa). Caracteriza-se pela presença de úlcera única, indolor, endurecida, circular, medindo de 1 a 2 cm de diâmetro, fundo liso e limpo, bordos infiltrados e cor de carne (ver detalhes na Fig. 11.1). Geralmente é acompanhado de enfartamento ganglionar regional (bubão sifilítico), indolor,

> Período de incubação: 10 a 90 dias (média de 21 dias), sendo inversamente proporcional ao tamanho da inoculação.

Classificação S. recente (⬍ 1 ano de evolução)

S. tardia (⬎ 1 ano de evolução)

Primária

Latente

Secundária

Terciária

S. congênita Precoce (até 2o ano) Tardia (após 2o ano)

Quadro clínico Sífilis primária Também chamada de cancro duro ou protossifiloma. Surge de 1 a 3 semanas (podendo chegar

Figura 11.1 Cancro duro. Sífilis primária.

162 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

móvel, sem sinais flogísticos, que aparecem de 1 a 2 semanas após o cancro. Persistem por 6 a 7 semanas e desaparecem espontaneamente. Após tratamento, curam rapidamente e deixam de ser infectantes em 24 horas. Sífilis secundária Caracteriza-se pela presença de lesões polimorfas, como as roséolas (pápulas ou lesões planas eritematosas que acometem principalmente o tronco); e as sifílides (lesões papuloerosivas, pustulosas e hipertróficas, que acometem a cavidade oral, genital, palmas das mãos e planta dos pés – Fig. 11.2).

Pode ser recente se tiver menos de 1 ano de evolução ou tardia, se tiver mais de 1 ano ou tempo indeterminado. Sífilis terciária Apresenta manifestações tardias e raras decorrentes de complexos imunológicos. Ocorre em um terço dos pacientes que não recebem tratamento. Pode manifestar-se como goma (15%), sífilis cardiovascular (10%) ou neurossífilis (8 a 10%). Aparece em até 1 ano (lesões gomosas) ou após intervalo longo de 10 a 30 anos.

Surgem 6 semanas a 6 meses após o contágio (geralmente 4 a 8 semanas após o cancro) e duram de 3 a 12 semanas.

As lesões gomosas ocorrem especialmente em pele, tecido celular subcutâneo ou osso, mas podem também ocorrer nas vísceras, principalmente no fígado. As lesões cardiovasculares são principalmente o aneurisma aórtico, insuficiência aórtica e estenose coronariana.

A confluência das lesões papulosas forma placas secretantes e com muitos parasitas, denominadas condiloma plano (Fig. 11.2).

As manifestações do sistema nervoso central (SNC) geralmente são tabes dorsalis, mielite transversa e demência.

Sintomas sistêmicos como mialgia, artralgia, mal-estar e febrícula são frequentes.

Observação: o comprometimento do SNC (neurossífilis) pode ocorrer em qualquer estágio da sífilis.

Desaparecem sem deixar cicatriz (raramente persistem áreas hipocrômicas). A adenopatia pode persistir por meses antes de desaparecer. Sífilis latente Não apresenta sinais e sintomas. O diagnóstico é feito pela sorologia positiva. Inicia quando desaparecem as lesões cutâneas do secundarismo e persiste até que surjam manifestações terciárias.

Diagnóstico Identificação do antígeno > Campo escuro > Coloração de lâmina > Imunofluorescência direta Servem para diagnóstico das lesões sifilíticas em atividade, como cancro duro, condiloma plano, sifílides e sífilis congênita precoce. O método de eleição é o campo escuro (a coloração torna imóveis os treponemas cujo diagnóstico diferencial com os outros treponemas não pode ser realizado). Sorologia > Reações não treponêmicas (testes reagínicos não específicos): VDRL, RPR. > Reações treponêmicas: TPI, FTA-abs, TPHA, ELISA.

Figura 11.2 Sifílides papulosas (Brasil, 1999).

São utilizados para triagem e acompanhamento após tratamento. São altamente sensíveis. Re-

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sultados falso-positivos podem ser encontrados em doenças autoimunes, viroses, parasitoses, infecções bacterianas, drogadição e gestação. O VDRL, de baixo custo, torna-se positivo de 30 a 50 dias após a inoculação. É utilizado em todos os casos, exceto na sífilis primária, podendo ser realizado no soro ou no líquido cerebrospinal. Os testes treponêmicos detectam anticorpos específicos produzidos pela infecção pelo T. pallidum. São raros os casos de falso-positivo. Se há suspeita clínica de sífilis, solicita-se um VDRL quantitativo (diluição mínima até 1/16 para evitar falso-negativo pelo fenômeno de pró-zona: excesso de anticorpos e formação de imunocomplexos, com resultados falso-negativos) como rastreamento. Caso seja positivo, é necessária a confirmação com um teste treponêmico (geralmente FTA-abs). A interpretação dos testes é encontrada na Tabela 11.2. O VDRL torna-se positivo de 30 a 50 dias após a inoculação. Um resultado negativo não exclui o diagnóstico de sífilis primária. O FTA-abs IgM pode fazer diagnóstico da sífilis primária incipiente, pois aparece precocemente com o cancro duro. O líquido cerebrospinal deve ser avaliado (VDRL, FTA-abs, celularidade, albuminas) sempre que houver sinais e sintomas neurológicos ou oftálmicos, sífilis terciária, falha de tratamento, paciente anti-HIV positivo, VDRL altos títulos e tratamento não penicilínico em sífilis tardia. A duração é de 14 dias para a sífilis recente e de 28 dias para a tardia (Centers for Disease Control and Prevention, 2006).

Tratamento Nas recomendações do Centers for Disease Control and Prevention, 2006) e do Ministério da Saúde (Brasil, 2006), existe a indicação formal do uso de penicilina, apesar de não existirem ensaios clínicos randomizados que avaliem o grau de evidência do tratamento (Quadro 11.1). A indicação do uso da penicilina é baseada em estudos clínicos e em opiniões de especialistas. Entretanto, outros fármacos podem ser utilizados se a paciente não estiver gestando, como a tetraciclina 500 mg, VO, 6/6 h, doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 h ou eritromicina (estearato) 500 mg, VO, 6/6 h. Para se prevenir à reação de Jarisch-Herxheimer (reação febril com cefaleia, mialgia, exantemas, etc.), podem ser administrados 40 mg de metilprednisona 30 minutos antes da penicilina. Em pacientes que apresentarem uma reação à liberação treponêmica na circulação (reação de Jarisch-Herxheimer), podem ocorrer quadros sistêmicos.

Recomendações > Tratar sempre o parceiro, mesmo que sorologicamente negativo. > Recomendar abstinência sexual até comprovar cura. > Repetir VDRL quantitativo 6, 12 e 24 meses após o tratamento, exceto nos casos com sorologia decrescente. A negativação dos exames não treponêmicos e treponêmicos na sífilis precoce pode ocorrer em até 80%. Na sífilis tardia, os não treponêmicos podem negativizar em até 40% dos casos, mas os treponêmicos nunca são negativizados.

Tabela 11.2 Interpretação dos resultados sorológicos VDRL

FTA-Abs

Interpretação

NR NR R R

NR R NR R

Não se evidencia sífilis, mas pode ser período de incubação Sífilis 1a precoce ou doença de longa evolução, possivelmente curada Falso-positivo Doença não tratada ou tratada recentemente

NR, não-reagente; R, reagente.

163

164 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 11.1

Tratamento da sífilis Sífilis recente Sífilis latente e tardia Neurolues

Penicilina G benzatina: 2.400.000 U intramuscular (IM), dose única Penicilina G procaína: 1.200.000 U IM, por 10 dias Penicilina G benzatina: 2.400.000U IM/semana, por 3 semanas (total ⫽ 7.200.000 U) Penicilina G procaína: 1.200.000 U IM, por 15 dias Penicilina G cristalina: 2 a 4 milhões de unidades IV 4/4 h (12-24 milhões/dia), por 10-14 dias

Fonte: Adaptado de Brasil (2006).

Se a paciente foi tratada adequadamente, a titulação do teste não treponêmico deverá diminuir em um período de seis meses. Se houver reinfecção, a titulação deverá aumentar pelo menos duas titulações (p. ex., de 1/4 para 1/16). É necessário realizar novo tratamento quando persistirem ou surgirem novos sinais da doença, quando houver um aumento de pelo menos duas titulações no teste não treponêmico e quando um título alto de uma prova não treponêmica não decrescer em um quarto ao longo de um ano (Naud et al., 2000). Após o tratamento, devemos repetir o teste não treponêmico em 6, 12 e 24 meses. A avaliação do líquido cerebrospinal e o retratamento são necessários quando ocorre um aumento de quatro vezes na titulação, quando o teste não treponêmico inicial for ⬎ 1/32 e este não declinar em 12 a 24 meses ou se existirem sinais ou sintomas da doença.

Gonococcia

Causa infecções não complicadas de mucosas, incluindo cérvice uterina, reto e garganta. Quando não tratada, é responsável pela maioria dos casos de doença inflamatória pélvica (DIP), infertilidade de causa tubária, gestação ectópica e dor pélvica crônica. Estudos epidemiológicos demonstram forte evidência de que a infecção pelo gonococo facilita a transmissão do HIV.

Agente etiológico O agente etiológico é a Neisseria gonorrhoeae, um diplococo Gram-negativo, aeróbio ou anaeróbio facultativo. Existem quatro subtipos, cada qual com uma infectividade diferente. Infecta o epitélio colunar ou de transição (uretra, reto, endocérvice, faringe, conjuntiva, etc.), podendo se propagar por via hematogênica, por contiguidade e ainda carregada pelo espermatozoide. O período de incubação é de 4 a 7 dias (eventualmente 24 h) no homem e variável na mulher. A Figura 11.3 mostra um caso de uretrite gonocócica aguda.

Também denominada de blenorragia, blenorreia ou gonorreia. É uma infecção cuja transmissão se dá pelo contato sexual, pelo canal do parto ou por fômites. O risco de aquisição em uma única exposição é estimado em cerca de 20% para o homem e 80% para a mulher e, na exposição contínua, de 80% para o homem e 90% para a mulher.

Na mulher, a gonorreia é assintomática em 60 a 80% dos casos e facilita a aquisição do vírus do HIV.

A OMS estima cerca de 25 milhões de novas infecções/ano no mundo, acometendo mais de 150 milhões de pessoas.

> Sinais/sintomas geniturinários (secreção endocervical mucopurulenta, dor pélvica, dispareunia, sangramento irregular, hiperemia

Quadro clínico Assintomática em 60 a 80% dos casos. Nos casos sintomáticos:

Rotinas em Ginecologia

165

Tratamentos alternativos são: eritromicina estearato 500 mg (VO 6/6 h) por 7 dias, eritromicina estearato 500 mg (VO, 12/12 h) 14 dias, ofloxacina 200 mg (VO, 12/12 h) 7 dias, ofloxacina 400 mg (VO 1 ⫻/dia) 7 dias, tetraciclina 500 mg (VO, 6/6 h) 7 dias.

Figura 11.3 Uretrite gonocócica (Brasil, 1999).

vaginal, disúria, polaciúria, sinais/sintomas de acordo com estágio da DIP). > Sinais/sintomas extragenitais: de acordo com o tipo de infecção. A cervicite causada pelo gonococo é caracterizada por secreção purulenta visível no canal cervical ou presente em swab endocervical, estando, em alguns casos, associada à secreção vaginal anormal e ao sangramento fácil na manipulação do colo uterino, seja pelo coito, pela coleta de exame citológico ou, até mesmo, pela introdução do espéculo vaginal (Naud et al., 2000). O diagnóstico deve incluir cultura da secreção endocervical para Neisseria gonorrhoeae (Thayer-Martin, New York City, Martin Lewis). Geralmente se utiliza o meio de Thayer-Martin e imunofluorescência direta e/ou indireta para Chlamydia trachomatis. Como opção, pode-se realizar Gram da secreção cervical, revelando diplococos Gram-negativos associados a leucócitos polimorfonucleares na infecção por Neisseria gonorrhoeae (a sensibilidade no homem é de 98% e não requer cultura, mas na mulher é de apenas 30 a 60%, necessitando sempre de cultura). Em vários casos, não se identifica o agente etiológico. Também é frequente a infecção assintomática por esses patógenos.

Tratamento Pode ser realizado com dose única de ciprofloxacina 500 mg via oral (VO), ofloxacina 400 mg, (VO) ou ampicilina 2 g ⫹ probenecide 1 g (VO). São alternativas de tratamento o tianfenicol: 2,5 g (VO) de 12/12 h, duas doses e o ceftriaxone: 250 mg IM (CDC, 2006).

Deve-se tratar sempre o companheiro e oferecer tratamento para a infecção pela clamídia (40 a 60%). Deve-se orientar a suspensão das relações sexuais até a conclusão do tratamento e o desaparecimento dos sintomas. Para gestantes recomenda-se a leitura do Capítulo 37, Gestação e doenças sexualmente transmissíveis, do livro Rotinas em Obstetrícia. Critério de cura: cultura negativa 7 a 10 dias após o tratamento.

Cancro mole Também denominado cancroide, úlcera de Ducreyi e cancrela. Deve ser investigado quando a paciente apresentar alguma lesão ulcerada, entrando no diagnóstico diferencial com sífilis e herpes genital (Quadro 11.2). Cerca de 10% das pacientes com cancro mole podem estar coinfectadas pelo T. pallidum ou pelo herpes vírus (CDC, 2006). É prevalente na África e em algumas partes da Ásia. No sul do Brasil, os casos são menos frequentes, mas não raros. É um fator de risco importante para a transmissão do HIV, sendo comum em climas quentes e em populações de baixo nível socioeconômico. A OMS estima anualmente cerca de 2 milhões de novos casos no mundo. O agente etiológico é Haemophilus ducreyi, um cocobacilo Gram-negativo com período de incubação de 2 a 5 dias. Esse patógeno tem alta capacidade de adquirir informação genética sob a forma de plasmídeo, que codifica a resistência antibiótica, cuja prevalência varia de acordo com a área geográfica. Nenhum método de identificação apresenta uma sensibilidade adequada. O diagnóstico definitivo requer a identificação do H. ducreyi em meio de cultura específico (sensibilidade é ⬍ 80%).

166 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 11.2

Diagnóstico do cancro mole Clínica Gram Cultura Biópsia PCR

A combinação de úlcera dolorosa com adenopatia inguinal sensível é sugestiva de cancro mole e, quando acompanhada de adenopatia inguinal supurativa, é patognomônica. Presença de pequenos bacilos Gram-negativos, distribuídos em “paliçada” ou “cadeia simples” ou “impressão digital”, observados no pus. Sensibilidade de 70%. Difícil execução, com sensibilidade de 85%. A maioria dos laboratórios é incapaz de fazer culturas do H. ducreyi. Detecta a presença do microrganismo. Alta sensibilidade, porém de alto custo.

PCR, reação em cadeia do polimerase.

A combinação de úlceras genitais e linfadenopatias dolorosas sugere o diagnóstico de cancro mole.

Tratamento Dose única Doses múltiplas

a. b. c. d. e.

Figura 11.4 Lesão úlcera de vulva (Brasil, 1999).

f. g.

Quadro clínico A mulher pode ser portadora assintomática, sendo reservatório importante do microrganismo e sua disseminação. Geralmente a lesão clínica inicia-se como uma pápula ou vesícula e progride rapidamente para uma úlcera (Fig. 11.4), que pode ser única ou, mais frequentemente, múltipla, dolorosa, com base amolecida e bordos escavados com fundo purulento e fétido por infecção secundária, podendo causar destruição tecidual importante. Geralmente as lesões localizam-se na genitália externa, associadas a uma adenopatia satélite, na maioria das vezes unilateral (bubão cancroide), que aparece depois de 7 a 14 dias por fusão de vários gânglios que fistulizam com frequência. As manifestações sistêmicas são muito discretas.

h. i.

Azitromicina: 1 g, VO. Ceftriaxone: 250 mg IM. Tianfenicol: 5 g, VO. Ciprofloxacina: 500 mg, VO, 12/12 h, por 3 dias. Eritromicina (estearato): 500 mg, VO, 6/6 h/dia, por 7 dias. Tetraciclina: 500 mg, VO, 6/6 h, por 15 dias. Sulfametoxazol 800 mg ⫹ trimetropim 160 mg, VO, 12/12 h, por 10 dias ou até a cura clínica. Doxiciclina: 100 mg, VO, 12/12 h, por 10 dias ou até a cura clínica. Ciprofloxacina: 500 mg, VO, 12/12 h, por 3 dias.

Observações > Tratar o parceiro. > Realizar punção do bubão com agulha grossa para aliviar a dor e tornar o tratamento mais rápido (nunca drenar). > Em alguns casos, existe uma associação entre sífilis e cancro mole (cancro misto de Rollet). > Deve-se suspeitar em casos supostos de sífilis, porém sem resposta após tratamento com penicilina.

Rotinas em Ginecologia

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> Os pacientes devem ser reexaminados 3 a 7 dias após o tratamento (tempo necessário para a cicatrização completa da úlcera).

Linfogranuloma venéreo Também denominado linfogranuloma inguinal e de doença de Nicolas-Favre-Durand. É uma doença infecciosa sistêmica e crônica cujos principais efeitos resultam em dano ao sistema linfático de drenagem da infecção.

Figura 11.5 Fase aguda (Brasil, 1999).

O agente etiológico é a Chlamydia trachomatis (bactéria Gram-negativa), com sorotipos invasivos L1, L2 e L3 (excepcionalmente outros sorotipos podem estar envolvidos). O parasita intracelular obrigatório tem período de incubação geralmente de 7 a 21 dias. Para o diagnóstico, ver Quadro 11.3.

Quadro clínico Apresenta três fases evolutivas bem definidas (Figs. 11.5 e 11.6). > Primeira: é o ponto de inoculação, geralmente desaparecido e, quando identificado, aparece como uma pequena úlcera ou pápula indolor, precoce e fugaz.

Figura 11.6 Linfogranuloma venéreo (Brasil, 1999).

QUADRO 11.3

Diagnóstico de linfogranuloma venéreo Gram Cultura (células de McCoy) Imunofluorescência ELISA Fixação de complemento Histologia PCR (Protein chain reaction)

Inclusões intracelulares em secreção da lesão ou aspirado do bubão. Especificidade de ± 100% e sensibilidade de 80 a 90%. Direta: pesquisa na secreção. Indireta: no plasma; positiva quando IgM ⱖ 6 e IgG ⱖ 1/64. São exames mais simples e baratos do que a cultura. A sensibilidade varia de 80 a 97%. Título ⱖ 1/64 ou elevação em 4 ⫻ em 2 semanas sugere doença em atividade. Mostra reação granulomatosa com focos de microabscessos e necrose, sendo mais utilizada na terceira fase. Sensibilidade e especificidade próximas de 100%. É um exame rápido e automatizado.

168 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

> Segunda: aparece em quatro dias; há invasão dos vasos linfáticos e comprometimento dos linfonodos regionais (linfadenite inguinal crônica), que, em duas semanas, supuram, abscedam e podem fistulizar. > Terceira: instala-se gradualmente após alguns meses de processo supurativo linfonodal, associando áreas de fibrose cicatricial com focos de abscesso e fistulização, levando à elefantíase e à estenose. Na mulher, o processo supurativo ocorre com maior frequência nos linfonodos perirretais pela drenagem linfática da mucosa vaginal e cérvice (fístula e estenose retal).

Fases clínicas > Fase aguda > Linfogranuloma venéreo > Fase crônica

Tratamento O tratamento deve ser realizado por um período de 14 dias com um dos esquemas a seguir. > Doxiciclina: 100 mg, VO, 12/12 h. > Tetraciclina: 500 mg, VO, 6/6 h. > Eritromicina: 500 mg, VO, 6/6 h. > Tianfenicol: 500 mg, VO, 8/8 h. O tratamento cura a infecção e previne a destruição tecidual, embora da reação possam resultar cicatrizes. A aspiração dos bubões pode ser necessária para drenagem e prevenção de ulcerações inguinais e femurais. A doxiciclina é o fármaco de escolha (Centers for Disease Control and Prevention, 2006).

Donovanose Também denominada granuloma inguinal, granuloma venéreo ou granuloma contagioso, é uma infecção genital, extragenital e sistêmica de evolução crônica e progressiva (Fig. 11.7), sendo mais frequente em negros. É pouco contagiosa e sua transmissão é provavelmente pela relação sexual.

Agente etiológico O agente etiológico é o Calymmatobacterium granulomatis, bacilo Gram-negativo. É uma bactéria intracelular raramente cultivável. Parece pertencer à flora intestinal. Seu período de incubação varia de 3 a 6 meses (média de 40-50 dias). A classificação clínica é genital e perigenital (ulcerosa, com bordos hipertróficos ou planos, vegetante, ulcerovegetante, elefantiásica), extragenital e sistêmica.

Quadro clínico A doença inicia com uma lesão nodular, única ou múltipla, de localização subcutânea, que pode erosar, produzindo uma ulceração bem definida, de crescimento lento e sangrante. As manifestações posteriores dependem das respostas tissulares do hospedeiro, originando formas localizadas ou extensas e até mesmo lesões viscerais por disseminação hematogênica. As lesões são indolores, autoinoculáveis, raramente associadas à adenopatia satélite, que determinam fibrose e linfedema.

O tratamento do linfogranuloma venéreo cura a infecção e previne a destruição tecidual.

Observações > Tratar o companheiro. > Realizar punção com agulha grossa dos linfonodos flutuantes. > Substituir o antimicrobiano se o processo supurativo não melhorar em 14 dias.

Figura 11.7 Donovanose vulvar (Brasil, 1999).

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A forma clínica mais frequente da donovanose é a ulcerovegetante com abundante tecido de granulação e sangramento fácil. O diagnóstico é descrito no Quadro 11.4. Na ausência de tratamento, a cura é incomum, evoluindo para extensa destruição tecidual com cicatrizes retráteis, deformantes e estase linfática.

Tratamento > Doxiciclina: 100 mg, VO, 12/12 h, por 21 dias. > Sulfamexazol/trimetroprim (160 mg e 800 mg), VO, 12/12 h, por 21 dias ou até a cura clínica. > Tianfenicol: 2,5 g, VO, ataque ⫹ 500 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias.

169

quente do que a infecção pelo gonococo, sendo mais prevalente entre jovens sexualmente ativos entre 15 e 19 anos. Em estudos canadenses, cerca de 1 a 25% das mulheres estudadas são infectadas. Caul e colaboradores (1997) afirmam que a infecção por C. trachomatis é frequentemente assintomática e pode causar morbidade a longo prazo, especialmente em mulheres. Mais de um terço das pacientes pode desenvolver quadros de DIP, um quinto pode se tornar infértil e um décimo dessas pacientes pode ter quadros de gestações ectópicas; além disso, infecções assintomáticas por clamídia são comumente encontradas em pacientes com infertilidade.

> Investigar o companheiro.

Tem sido implicada como o agente de maior prevalência na DIP, na medida em que se consegue controlar com maior facilidade a incidência de infecção gonocócica (16 a 38%, segundo a OMS, e 25 a 30%, segundo o Comitê Europeu). Estudos em países desenvolvidos também têm revelado um aumento da incidência da infecção da clamídia nos EUA e em alguns países europeus.

> Realizar tratamento cirúrgico para lesões extensas, cicatriciais e estenose.

A Chlamydia trachomatis é frequentemente assintomática e associada à infertilidade.

> Avaliar necessidade de prolongar o tratamento até a cura clínica.

Agente etiológico

> Eritromicina: 500 mg, VO, 6/6 h, por 21 dias. > Ciprofloxacina: 750 mg, VO, 2⫻/dia, por 21 dias. > Azitromicina: 1 g/semana por 3 semanas.

Recomendações

Chlamídia Tracomatis Scholes e colaboradores (1996) afirmam que nos Estados Unidos e no Canadá a infecção pela clamídia é cerca de 2 a 3 vezes mais fre-

A C. trachomatis um bacilo Gram-negativo que parasita exclusivamente os seres humanos, sendo responsável por várias síndromes infecciosas (ocular, pulmonar, entérica, genital). São bactérias intracelulares obrigatórias com tropismo pelas células epiteliais colunares (conjuntiva, uretra, endocérvix, endométrio e trompa).

QUADRO 11.4

Diagnóstico da donovanose Esfregaço

Cultura Histologia

Material comprimido entre 2 lâminas, fixado com álcool metílico e corado pelo Giemsa ou Wright. Identificam-se os corpúsculos de Donovan (inclusão bacilar no citoplasma de macrófagos e histiócitos). Alto custo e difícil cultivo. Identificação dos corpúsculos de Donovan.

170 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

> Há 17 sorotipos diferentes (L1, L2 e L3 são responsáveis pelo linfogranuloma venéreo, e os sorotipos D a K, pelas DSTs).

Epidemiologia A injeção genital é mais comum em pacientes com infecção pela N. gonorrhoeae e T. vaginalis. Responsável por 30 a 50% das uretrites não gonocócicas (UNG) e mais de 50% das pós-gonocócicas no homem. Maior causa de epididimite. Causadora de cerca de 50% dos casos de síndrome de Reiter. Também pode ser uma causa de proctite em homossexuais.

Quadro clínico O Quadro 11.5 apresenta o diagnóstico para Chlamydia trachomatis. Uretrite (síndrome uretral – Fig. 11.8) > Cerca de 15 a 25% das parceiras de homens infectados têm cultura uretral positiva. > A cultura simultânea da uretra e endocérvix aumenta a positividade em 20%. > Stamm e Holmes (1990) observaram que 65% das mulheres com sintomas urinários

Figura 11.8 Uretrite não gonocócica (Brasil, 1999).

e uroculturas negativas apresentavam infecções pela clamídia. > Síndrome de Rettig e Nelson: persistência de corrimento de fluido seroso, disúria com ou sem infecção anal pela clamídia após tratamento de infecção pelo gonococo. Endocervicite mucopurulenta A endocérvix é o local mais comum de infecção da clamídia (Fig. 11.9) e geralmente é assintomática.

QUADRO 11.5

Diagnóstico de Chlamydia trachomatis Cultura

Coloração pelo Papanicolaou Imunoensaio Imunofluorescência direta Imunofluorescência indireta PCR

É o exame padrão. Cultura em células de mamíferos (células de McCoy). Deve-se coletar amostra endocervical. Apresenta especificidade de 100% e sensibilidade de 80 a 90%. As inclusões clamídicas (células de Gupta) podem ser observadas nos esfregaços citológicos de rotina, mas não têm boa sensibilidade. Falso-positivos são comuns. O teste de ELISA é preparado igual à imunofluorescência direta. Sensibilidade de 80 a 97% e especificidade de 92 a 97%. Detecção de anticorpos monoclonais conjugados com isotiocianato de fluoresceína direta em esfregaços previamente fixados com metanol ou acetona. Sensibilidade de 60 a 90% e especificidade de 98%. Títulos superiores ou iguais a 1/64 para IgG e 1/6 para IgM ou ainda um aumento de 4x em um intervalo de 2 semanas. Amplifica o DNA bacteriano. Sensibilidade e especificidade próximas a 100%. É um exame rápido.

Rotinas em Ginecologia

171

É causa de abortamento habitual e esterilidade por alterações nos espermatozoides, e a colonização genital ocorre basicamente por meio da relação sexual.

Agente etiológico O micoplasma e o ureaplasma não têm parede celular (betalactâmicos não são ativos) e são altamente pleomórficos, considerados bactérias procarióticas Gram-negativas. Figura 11.9 Ectocervicite por gonococo e clamídia (Brasil, 1999).

São parasitas de superfície, aderindo firmemente à mucosa do epitélio urogenital.

Quadro clínico Deve-se suspeitar do diagnóstico quando tivermos uma ectopia hipertrófica folicular periorificial com secreção mucopurulenta endocervical ou quando obtivermos 10 ou mais leucócitos polimorfonucleares por campo de imersão corado pelo Gram.

Tratamento É realizado preferencialmente com doxiciclina 100 mg (VO, 2⫻/dia) por 7 dias ou azitromicina 1 g, VO, dose única. Os tratamentos alternativos são: eritromicina estearato 500 mg (VO, 6/6 h) por 7 dias; eritromicina estearato 500 mg (VO, 12/12 h) 14 dias; ofloxacina 200 mg (VO, 12/12 h) 7 dias; ofloxacina 400 mg (VO 1⫻/dia) 7 dias; tetraciclina 500 mg, VO, 6/6 h, 7 dias (CDC, 2006; Brasil, 2006).

As infecções pelos micoplasmas determinam geralmente alterações respiratórias e urogenitais, afetando as mucosas e colonizando o epitélio. O espectro clínico das manifestações é muito variado. Há de se ressaltar, contudo, que esses agentes são encontrados como componentes da flora normal do trato urogenital. Uretrite Ureaplasma urealyticum é recuperado da secreção vaginal em cerca de 40 a 50% das vezes. Pode estar relacionada ainda a casos de piúrias assépticas, cistites e cistite hemorrágica. Vaginite e cervicite

Todos os parceiros de casos comprovados ou altamente suspeitos devem ser tratados com dose única de azitromicina 1 g VO ⫹ ofloxacina 400 mg VO.

Há uma associação em torno de 60% dos micoplasmas e gardnerella nos processos de vaginose. Os ureaplasmas não têm sido associados a vaginites.

Recomenda-se testagem para HIV e sífilis. Os pacientes com diagnóstico de infecção pelo HIV devem receber o mesmo tratamento.

DIP

Micoplasma Engloba o Mycoplasma hominis e o Ureaplasma urealyticum como agentes de infecção genital. Cerca de 15 a 95% das mulheres sexualmente ativas podem ser portadoras do micoplasma.

O M. hominis é isolado de trompas inflamadas em aproximadamente 13 a 15% dos casos. A infertilidade pode ocorrer em torno de 17% das mulheres que tiveram DIP, sendo o risco de gravidez ectópica sete vezes maior. O M. hominis provoca um efeito citopatogênico sobre os cílios das trompas, com diminuição importante dos movimentos ciliares.

172 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Outras > Síndrome de Reiter > Septicemia > Febre puerperal > Infecções no recém-nascido

> Norfloxacina (ação duvidosa sobre o M. hominis): 400 mg, VO, 12/12 h. > Clindamicina (ação duvidosa sobre os ureaplasmas): 300 mg, VO, 6/6 h. > Lincomicina (U. urealyticum é resistente): 500 mg, VO, 8/8 h.

> Pielonefrite > Abortamento

Herpes simples (HSV) 1 e 2

> Corioamnionite

Vírus DNA de localização mucocutânea e dos núcleos neuronais de gânglios sensoriais.

Diagnóstico 1. Cultura: diagnóstico definitivo. Utilizam-se os meios líquidos de Shepard (A3, U9) e M42 e meio sólido A7 para isolamento, identificação e titulação dos micoplasmas. O meio U9 é utilizado para identificação do ureaplasma. O M42 é utilizado para identificação do M. hominis. Micoplasmas podem ser habitantes normais do homem e da mulher em certas circunstâncias, mas uma titulação ⱖ 103 UCC/mL demonstra um desequilíbrio da flora. Nos casos de infecção, geralmente temos um título ⱖ 106 UCC/mL. 2. Imunofluorescência direta: em fase experimental. 3. Teste de inibição metabólica: com auxílio de anticorpos e metabólitos, obtém-se uma reação com mudança de cor do meio por alteração do pH. 4. ELISA: bom para rastreamento (diagnóstico qualitativo).

Tratamento Esquemas mais utilizados (10-15 dias):

É a DST ulcerativa mais frequente. A grande maioria dos casos é causada pelo HSV-2. Observa-se um aumento do número de casos, principalmente em grupos de risco, atingindo em alguns grupos cerca de 80% (Centers for Disease Control and Prevention, 2006). A infecção pelo herpes simples é a DST ulcerativa mais frequente. Os estudos em homens são menos conclusivos e é provável que os portadores do HSV-2 disseminem o vírus na ausência de sintomas por 2 a 5 dias por ano. O risco de transmissão do HSV-2 anual entre os casais é de 16% do homem para a mulher e de 6% da mulher para o homem. A disseminação assintomática do HSV a partir do colo e da vulva varia de 0,4 a 1,3% ao dia, mais frequentemente em pacientes portadores de HSV-2 e em pacientes que tiveram episódios de infecção herpética nos últimos 12 meses (Si-Mohamed et al., 2000). A transmissão não sexual é rara. Em pacientes HIV-positivo, os episódios podem ser mais severos, com comprometimento genital extenso e perineal.

> Tianfenicol: 250 mg, VO, 8/8 h.

É uma doença recorrente e incurável. A recidiva difere, sendo que o risco de recorrência após o episódio inicial de herpes genital é de 50% para o HSV-1 e mais de 80% para HSV-2. A recorrência genital no primeiro ano é quatro vezes maior para o HSV-2, chegando a ocorrer em até 95% dos casos.

> Eritromicina (M. hominis é resistente): 500 mg, VO, 6/6 h.

O risco de transmissão vertical deve ser abordado para todos os portadores.

> Doxiciclina: 100 mg, VO, 12/12 h. > Tetraciclina: 500 mg, VO, 6/6 h. > Minociclina: 100 mg, VO, 12/12 h.

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Quadro clínico Os episódios iniciais da primoinfecção tendem a ser mais intensos do que as recorrências e são mais intensos nas mulheres do que nos homens. As mulheres têm duas vezes mais propensão do que os homens para os sintomas sistêmicos, meningite asséptica e sintomas urinários. A intensidade e a duração do episódio inicial são iguais para o HSV-1 e 2.

> Disseminação cutânea e visceral (fígado, pulmão, meninges). Mais comum nos casos de eczema atópico, imunocomprometidos e gestação (raro).

Recidivas > Cerca de 50% dos casos são precedidos por pródromos (< 1 h ou 1 a 2 dias): parestesia, dor nas nádegas, prurido ou dor. > A duração média de disseminação é de 4 dias; a de cicatrização, 10 dias.

Episódio inicial > Lesões bilaterais e múltiplas.

> A disseminação pelo colo é menos frequente (< 12%).

> Dor local moderada a intensa. > Linfadenopatia inguinal dolorosa. > Evolução das lesões de vesículas a pústula, úlcera e crosta. > Disúria.

> Fatores desencadeantes: trauma mecânico, tensão emocional, doença sistêmica, alteração imune, menstruação, febre, exposição ao sol ou frio intenso, fadiga, estresse. O diagnóstico de herpes simples é apresentado no Quadro 11.6.

> Parestesia sacra. > Febre/mal-estar/mialgia.

Complicações > Meningite asséptica: ocorre em um terço das mulheres e em 10% dos homens. > Retenção urinária: por mielite transversa (rara) ou disfunção do sistema nervoso autônomo (SNA) (< 1%), necessitando de cateterismo intermitente por 4 a 8 semanas.

Muitas vezes, o diagnóstico diferencial com outras patologias que causam ulcerações genitais é praticamente impossível de ser feito; nesses casos, é importante rastrear outras DSTs (sífilis, cancro mole, linfogranuloma e donovanose). O tratamento do HSV é destinado a encurtar o curso da doença, diminuir a intensidade e suprir com segurança e eficácia os episódios de HSV tanto em pacientes normais como em imunocomprometidos.

QUADRO 11.6

Diagnóstico de herpes simples Clínico Colposcopia Citologia Sorologia Imunofluorescência direta Cultura

173

Maioria das vezes. Visualização das lesões ou úlceras. Presença de células multinucleares (2 a 5 vezes maior do que um leucócito normal). IgM tipos 1 e 2 e IgG. Tem valor se houver uma elevação dos títulos em 4 semanas. Anticorpos monoclonais para HSV-1 e 2. Em células vero ou fibroblastos humanos. Efeito citopático viral após 24 h. Isolamento do vírus em 90% a partir de vesículas e pústulas.

174 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tratamento Episódio inicial > Aciclovir: 400 mg, VO, 3⫻/dia, por 7 a 10 dias, ou 200 mg, VO, 5⫻/dia, 7 a 10 dias. > Fanciclovir: 250 mg, VO, 3⫻/dia, 7 a 10 dias. > Valaciclovir: 500 a 1.000 mg, VO, 2⫻/dia, 7 a 10 dias. Observações > O tratamento pode ser prolongado se não houver cura depois de 10 dias de tratamento. Em pacientes com lesões que persistem por cerca de 30 dias, devemos investigar o estado sorológico para o HIV. > O tratamento tópico é menos efetivo e sua utilização deve ser desencorajada. Recidivas O tratamento é o da primoinfecção, porém cinco dias de tratamento geralmente são suficientes. Deve ser iniciado o mais rápido possível. Tratamento supressivo Indicado para as pacientes que apresentam recidivas frequentes (6⫻/ano). É seguro e altamente eficaz. Nenhum efeito sobre a medula óssea, função renal e hepática foi detectado (Centers for Disease Control and Prevention, 2006). Aciclovir: 200 mg 4⫻/dia ou 400 mg 2⫻/dia, por 6 a 12 meses. Valaciclovir: 500 mg/dia (⬍ 9 recorrências/ano ou 1 g/dia se ⬎ 9 recorrências/ano). Fanciclovir: 250 mg 2⫻/dia. Podem-se utilizar ainda analgésicos orais e limpeza das lesões com solução salina ou solução iodada para evitar infecção bacteriana secundária.

Atinge principalmente crianças e portadores de algum tipo de imunossupressão (gestação, infecção pelo HIV). As principais áreas acometidas são o períneo e a raiz da coxa, podendo outras regiões serem acometidas. O início se dá com o aparecimento de pápulas minúsculas que atingem de 3 a 6 mm de diâmetro, cujas principais características são: semiesféricas, isoladas e bem delimitadas, geralmente agrupadas; apresentam coloração pérola, rósea ou igual a da pele circundante; o centro é frequentemente umbilicado, e a base, discretamente eritematosa; é facilmente removível, dando saída a material esbranquiçado que contém as partículas virais; as lesões localizam-se em qualquer área da pele e, eventualmente, em mucosas; aparece frequentemente na face, no tronco, em superfícies expostas das extremidades. Em adolescentes e adultos são mais comumente localizadas nas regiões pubiana e genitais. Quando a infecção é transmitida sexualmente, as lesões geralmente limitam-se à região anogenital. O molusco contagioso apresenta-se sob a forma de pápulas umbilicadas características. O diagnóstico é eminentemente clínico, com a visualização das lesões características. O tratamento consiste na destruição das lesões, que pode ser feita por eletrocoagulação, crioterapia, curetagem, cauterização química ou expressão manual. Deve-se iniciar o tratamento quando surgirem as primeiras lesões, evitando a disseminação, que ocorre em alguns casos nos quais pode ser necessária a internação para realizar o tratamento sob anestesia, devido ao incômodo causado pelos métodos de remoção.

Abordagem sindrômica

Molusco contagioso É uma doença viral causada pelo maior vírus causador de doença humana. A transmissão da doença ocorre pelo contato direto com as pessoas contaminadas.

O tratamento imediato e eficiente das DSTs é fundamental para o seu controle adequado. A abordagem sindrômica baseia-se na identificação de sinais e sintomas verificados no momento da avaliação clínica. Essa forma de

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Ao contrário do que pode ser esperado, essas condutas não são empíricas e baseiam-se em grande número de estudos epidemiológicos realizado em vários países, incluindo o Brasil (La Ruche; Lorougnon; Digbeu, 1995; Moherdaui et al., 1997).

abordagem é bastante resolutiva, pois, apesar de serem causadas por um grande número de microrganismos, determinam um número limitado de síndromes. Para as DSTs sintomáticas mais comuns, a abordagem sindrômica constitui o método mais rápido de identificação e, como não necessita de grandes recursos laboratoriais, os indivíduos poderão ser tratados no momento da consulta.

A seguir são apresentados os principais fluxogramas indicados pelo Ministério da Saúde (Figs. 11.10-11.13).

Paciente com queixa de úlcera genital

Anamnese e exame físico

História ou evidência de lesões vesiculosas?

Sim

Não

Tratar herpes genital*

Tratar sífilis e cancro mole**

Aconselhar, oferecer anti-HIV, VDRL, sorologia para hepatite B e C. vacinar contra hepatite B, enfatizar adesão ao tratamento, notificar, convocar parceiros e agendar retorno

Lesões com mais de 4 semanas?

Não

Figura 11.10 Manejo sindrômico para úlcera genital.

Sim

Tratar sífilis e cancro mole. Fazer biópsia + tratamento para donovanose

* Em casos de herpes, tratar sífilis se VDRL ou RPR forem reagentes, o que será visto no retorno. Se o quadro não for sugestivo de herpes, tratar sífilis e cancro mole. ** Se forem lesões ulcerosas múltiplas e soroprevalência de herpes for ≥ 30% na região, deve-se tratar herpes concomitantemente à sífilis e cancro mole.

Fonte: Adaptada de Brasil (2006).

175

176 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Paciente com queixa de corrimento uretral

Anamnese e exame físico

Bacterioscopia disponível no momento da consulta?

Não

Sim

Diplococos Gram-negativos intracelulares presentes?

Sim

Tratar clamídia e gonorreia

Não

Tratar só clamídia

Aconselhar e oferecer anti-HIV, VDRL, hepatites B e C se disponíveis. Vacinar contra hepatite B. Enfatizar a adesão ao tratamento, notificar, convocar e tratar parceiros e agendar retorno. Figura 11.11 Manejo sindrômico do corrimento uretral. Fonte: Adaptada de Brasil (2006).

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Paciente com queixa de corrimento vaginal

• Parceiro com sintoma • Paciente com múltiplos parceiros sem proteção • Paciente pensa ter sido exposta a uma DST • Paciente proveniente da região de alta prevalência de gonococo e clamídia

Anamnense e avaliação de risco + exame ginecológico

Critérios de risco positivo e/ou sinais de cervicite com mucopus/ teste do cotonete/friabilidade/sangramento do colo

Não

Sim

Tratar gonorreia e clamídia

pH vaginal: teste de KOH a 10%

pH ≥ 4,5 e/ou KOH (+)

Tratar vaginose bacteriana e tricomoníase

pH < 4,5 e KOH (-)

Aspecto do corrimento: grumoso ou eritema vulvar

Sim

Não

Tratar candidiase

Causa fisiológica

Aconselhar e oferecer anti-HIV, VDRL, hepatites B e C se disponíveis. Vacinar contra hepatite B. Enfatizar a adesão ao tratamento, notificar, convocar e tratar parceiros e agendar retorno.

Figura 11.12 Fluxograma de corrimento vaginal sem microscopia. Fonte: Adaptada de Brasil (2006).

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178 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

• Parceiro com sintoma • Paciente com múltiplos parceiros sem proteção • Paciente pensa ter sido exposta a uma DST • Paciente proveniente de região de alta prevalência de gonococo e clamídia

Paciente com queixa de corrimento vaginal

Anamnese e avaliação de risco + exame ginecológico

Critérios de risco positivo e/ou sinais de cervicite com mucopus/teste do cotonete/ friabilidade/sangramento do colo

Não

Sim

Coleta de material para microscopia

Tratar gonorreia e clamídia

Presença de hifas

Presença de clue cels

Presença de tricomonas

Tratar candidíase

Tratar vaginose

Tratar tricomoníase

Aconselhar, oferecer anti-HIV, VDRL, hepatites B e C se disponíveis, vacinar contra hepatite B, enfatizar a adesão ao tratamento, notificar, convocar e tratar parceiros e agendar retorno Figura 11.13 Fluxograma de corrimento vaginal com microscopia. Fonte: Adaptada de Brasil (2006).

REFERÊNCIAS BLEEKER, M. C. et al. Condom use promotes regression of human papillomavirus-associated penile lesions in male sexual partners of women with cervical intraepithelial neoplasia. Int. J. Câncer, v. 107, n. 5, p. 804-810, 2003. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria da Vigilância em Saúde. Manual de controle de doenças sexualmente

transmissíveis: DST. 4. ed. Brasília, 2006. (Série Manuais, 68).

Imagens_de_Casos_Cl%EDnicos_ de_DST.pdf>.

BRASIL. Ministério da Saúde. Doenças sexualmente transmissíveis: em imagens. Brasília, 1999. Disponível em: Bactérias pertencentes às doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) (Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis).

182 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

> Micoplasma hominis e Ureaplasma urealyticum. > Bactérias não pertencentes às DSTs, presentes na flora vaginal endógena (aeróbios e anaeróbios Gram-positivos e Gram-negativos, principalmente Bacteroides, Peptoestreptococcus, Gardnerela vaginalis, Escherichia coli, Streptococcus ␤-hemolítico do grupo A). > Actinomices israeli, importante em mulheres usuárias de dispositivo intrauterino (DIU). > Vírus: papel incerto como agente etiológico. A Neisseria e a Chlamydia são os agentes etiológicos mais frequentes, sendo que a proporção da infecção por esses dois organismos varia muito de acordo com a população estudada e o método diagnóstico utilizado, predominando as infecções causadas pela Chlamydia. Além desses organismos, um grande número de bactérias anaeróbicas e aeróbicas (facultativas) causadoras de vaginose bacteriana foram isoladas do trato genital superior de pacientes com DIP aguda. A DIP geralmente inicia com infecção cervical por clamídia ou gonococo e ascende ao trato genital superior, levando à infecção polimicrobiana na maior parte dos casos.

mento do ovário, forma-se o abscesso tubo-ovariano. A Figura 12.1 mostra um quadro de salpingite. A disseminação não canalicular é rara, mas pode acontecer por meio dos linfáticos parametriais (Scharbo-Dehaan; Anderson, 2003). Alguns fatores contribuem para a ascensão de bactérias ao trato genital superior: instrumentação uterina, como colocação de DIU; alterações hormonais durante o ciclo menstrual causadoras de mudanças no muco cervical (barreira mecânica); gestação; menstruação retrógrada, podendo facilitar a progressão das bactérias nas tubas e no peritônio, e virulência dos microrganismos (Livengood, 2009a).

Fatores de risco A identificação dos fatores de risco da DIP auxilia na prevenção e no manejo, no entanto, o diagnóstico não pode ser baseado apenas no conhecimento dos fatores de risco, já que muitas vezes essa associação não é verdadeira. Assim, mulheres sem fatores de risco poderão apresentar DIP com todas as suas complicações (Grodstein; Rothman, 1994). Mulheres virgens e mulheres com longos relacionamentos monogâmicos raramente apresentam DIP, enquanto aquelas com múltiplos

Patogênese É uma infecção do trato genital superior causada pela ascensão de microrganismos da endocérvice, infectando o endométrio, as trompas, os ovários e o peritônio; é frequentemente acompanhada de envolvimento de órgãos vizinhos na pelve (Paavonen et al., 1985). Cerca de 10 a 40% das mulheres com cervicite por gonococo ou clamídia desenvolveram quadros de DIP, e um número maior de casos será identificado se for realizada biópsia endometrial, demonstrando assim os casos de endometrite subclínica (Stamm et al., 1984). Com a infecção ascendente, há destruição do endossalpinge com produção de exsudato purulento, resultando em pelviperitonite. Para proteger o abdome superior, as fímbrias se fecham, formando a piossalpinge e, havendo envolvi-

Figura 12.1 Quadro de salpingite.

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parceiros têm risco aumentado. O status clínico do parceiro, a idade, a história anterior de DIP, a raça e o método contraceptivo utilizado são fatores que devem ser considerados. São fatores de risco para DIP: adolescência, idade entre 15 e 25 anos, início precoce das relações sexuais, parceiros sexuais mais velhos, tentativa de suicídio anterior, uso de álcool antes de relacionamentos sexuais e história de infecções, principalmente por clamídia (Suss et al., 2000; Livengood, 2009a). A frequência de DIP é diretamente proporcional ao número de parceiros, existindo um aumento do risco de 3,4 vezes com quatro ou mais parceiros sexuais em um período de seis meses, e as chances aumentam quando os parceiros têm quadro de uretrite sintomático. Em relação à anticoncepção e ao risco de DIP, a escolha do método influencia o risco dessa doença aguda, bem como de suas complicações: > Métodos de barreira: muito efetivos em diminuir o risco de doença quando usados adequadamente. Incluem preservativos masculino e feminino, diafragma e espermicidas. Os últimos evitariam a contaminação cervical por patógenos sexualmente transmissíveis. > Anticoncepcionais orais (ACOs) alterariam o muco cervical, dificultando a ascensão de microrganismos, segundo dados ainda inconsistentes. Os estudos mostram que as mulheres usuárias de ACO apresentam maior risco de infecção cervical por clamídia, porém aparente proteção ao quadro clínico de DIP aguda (Louv et al., 1989). > Dispositivo intrauterino (DIU): novos estudos têm demonstrado que existe pouca evidência de uma ligação causal entre o uso do DIU e a ocorrência de uma DIP. O aumento do risco de DIP em usuárias de DIU só ocorreria durante um curto período (3 semanas) após a inserção e para pacientes com alto risco para uma DST, estando provavelmente apenas associado à técnica da colocação do DIU. Em paciente portadora de cervicite, o DIU pode representar um risco de 3 a 5 vezes maior para o desenvolvimento de DIP e está contraindicado (Workowski; Berman, 2007; Grimes, 2000).

183

> Ligadura tubária: pode proteger as trompas distais do envolvimento, mas não altera a ocorrência de DIPs. Outros fatores também envolvidos são o baixo nível socioeconômico, a manipulação do trato genital, a ausência de equipe médica adequada ou a falha na procura ao serviço médico, o tabagismo e o uso de duchas vaginais.

Quadro clínico O diagnóstico clínico do DIP é difícil devido à diversidade do quadro clínico, havendo uma grande variação na intensidade dos sinais e sintomas, que podem variar desde uma infecção assintomática até quadros graves. Muitas pacientes apresentam sintomas vagos e com início insidioso, causando dificuldades para o diagnóstico e atrasando o tratamento. Quando comparado à laparoscopia (padrão-ouro), o diagnóstico clínico apresenta valor preditivo positivo de 67%. Nenhum achado isolado de história clínica é capaz de fazer o diagnóstico, e a combinação dos diversos fatores é fator predominante para o manejo correto. Associar a clínica aos fatores de risco vistos anteriormente aumenta as chances do correto diagnóstico. Diante de um quadro clínico suspeito, o tratamento deve ser sempre instituído, evitando possíveis danos à saúde reprodutiva feminina (Centers for Disease Control and Prevention, 2006). Classicamente, as pacientes apresentam dor pélvica, dor anexial e dor à mobilização do colo uterino; porém, sintomas atípicos como metrorragia e dispareunia podem ser as únicas alterações. Os sintomas geralmente iniciam durante ou logo após a menstruação (Livengood, 2009b). O tratamento deve ser instituído na presença dos critérios mínimos (Quadro 12.1), exceto em situações especiais, como gestação e diagnóstico diferencial incerto.

Critérios mínimos > Dor abdominal inferior ou pélvica, presente em 90% dos casos. Pode ser leve e unilateral,

184 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 12.1

Critérios diagnósticos de DIP Critérios mínimos:

> Dor no abdome inferior. > Dor à palpação de anexos. > Dor à mobilização do colo uterino.

Critérios adicionais

> Temperatura axilar ⬎ 38,3°C. > Secreção vaginal ou cervical mucopurulenta. > Proteína C reativa ou VSG elevada; comprovação laboratorial de infecção cervical pelo gonococo ou clamídia.

Critérios definitivos

> Evidência histopatológica de endometrite. > Presença de abscesso tubo-ovariano ou de fundo-de-saco de Douglas em estudo de imagem (ultrassonografia pélvica). > Laparoscopia com evidência de DIP.

quando limitada à trompa, ou intensa e constante, quando há comprometimento peritoneal (sinal de Blumberg positivo). > Mobilização dolorosa da cérvice uterina. > Dor à palpação dos anexos.

Critérios adicionais > Massa ou tumoração pélvica. > Presença de hipertermia e calafrios. > Secreção vaginal cervical purulenta. > Sangramento irregular em pequenas quantidades de fluxo, devido à endometrite. > Sintomas urinários. > Náuseas e vômitos. > Dor subcostal que pode ser causada por peri-hepatite ou síndrome de Fitz-Hugh-Curtis.

algumas vezes é necessária a utilização de métodos auxiliares para o diagnóstico. Os seguintes exames podem ajudar no esclarecimento do diagnóstico: > Hemograma: mostrará uma leucocitose acima de 10.000 a 12.000, com aumento do número de bastonados. > Exame comum de urina (para excluir infecção do trato urinário). > Culturais de material da cérvix uterina para gonococo (Thayer-Martin), Mycoplasma hominis e ureaplasma (meio A3 Shepard). Pesquisa de Gram da secreção cervical, exame direto da secreção cervicovaginal e pesquisa de imunofluorescência direta para clamídia. > Sorologia para sífilis (VDRL) e imunofluorescência indireta para clamídia. > Solicitação de teste anti-HIV.

Diagnóstico Apesar de todas as limitações, o diagnóstico da maioria dos casos de DIP é feito pela história clínica e pelo exame físico, não sendo necessários outros métodos diagnósticos para justificar o início do tratamento (Centers for Disease Control and Prevention, 2006). Entretanto, já que inúmeros casos são subagudos ou até silentes,

> Testes de gravidez quando houver dúvidas. > VSG e/ou proteína C-reativa elevados. > Ultrassonografia pélvica ou transvaginal: poderá mostrar tubas uterinas cheias de material espesso, líquido livre na pelve e presença de abscesso tubo-ovariano. Tem sensibilidade de 85% e especificidade de quase 100% para o diagnóstico.

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> Punção de fundo-de-saco vaginal (culdocentese) para Gram e culturais de microrganismos aeróbios e anaeróbios. > Biópsia endometrial com evidência de endometrite. > Laparoscopia: considerada o padrão-ouro para o diagnóstico, permite-nos o diagnóstico diferencial, a coleta de material para culturais e, muitas vezes, também pode ser terapêutica. Sensibilidade de 50% e especificidade de 85%. Não será decisiva no caso de endometrite e de inflamação incipiente das trompas. Raramente necessária para o diagnóstico. A Figura 12.2 ilustra quadro de aderências peri-hepáticas secundárias a processos de DIP. A laparoscopia (obter consentimento informado) é recomendada em uma paciente com alta suspensão de outro diagnóstico de abdome agudo como, por exemplo, apendicite, pacientes que apresentam falha no tratamento para DIP ou que não melhoram em 72 h.

Diagnóstico diferencial Avaliar todas as possibilidades diagnósticas antes do tratamento. Causas gastrintestinais (apendicites, colecistites, constipação), renais (cistites, pielonefrites,

185

litíase renal, uretrites), e outras causas obstétricas e ginecológicas (dismenorreia, gravidez ectópica, complicações gestacionais, abortamento séptico, cisto de ovário, torção ovariana, torção de miomas, tumores de ovário, endometriose) podem provocar sintomatologia semelhante a quadros de DPI e causar confusões diagnósticas. Os indicadores que sugerem o diagnóstico de um quadro de apendicite incluem a presença de o anorexia e o início da dor depois do 14 dia do ciclo menstrual. Uma história de secreção vaginal, sintomas urinários, história de DIP prévia e dor no baixo ventre são mais sugestivos de DIP. Os quadros de gestação ectópica são normalmente acompanhados por irregularidade menstrual, ausência de febre, HCG positivo, ecografia suspeita e culdocentese com líquido sanguinolento. Os abortamentos sépticos geralmente apresentam história de gestação e de manipulação uterina. A presença de dor pélvica com ausência ou elevação apenas discreta da temperatura pode ser devido à torção ou à ruptura de cisto ovariano.

Tratamento O tratamento tem como objetivos principais tratar a infecção aguda, aliviar os sintomas e prevenir complicações. Geralmente, a antibioticoterapia é suficiente para eliminar a infecção, mas, em alguns casos, pode ser necessária uma intervenção cirúrgica. Os regimes terapêuticos utilizados devem incluir antibióticos de amplo espectro, efetivos contra Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomati, aeróbios e anaeróbios Gram-positivos e Gram-negativos, principalmente Bacteroides, Peptoestreptococcus, Escherichia coli e Streptococcus. Deve-se levar em conta também o custo, a suscetibilidade regional dos patógenos aos fármacos e a disponibilidade dos medicamentos. Parceiros devem ser tratados com regimes ativos contra clamídia e gonococo.

Figura 12.2 Aderências peri-hepáticas.

Não há dados suficientes na literatura comparando o tratamento hospitalar ao ambulatorial

186 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

em relação aos riscos, aos benefícios e à prevenção de sequelas. Critérios de internação segundo o Centers for Disease Control and Prevention (2006): > Gestação.

Tratamento ambulatorial Indicado para os casos de salpingite aguda não complicada. É instituído tratamento sintomático com analgésicos, antitérmicos, anti-inflamatórios e tratamento com antibióticos de ampla cobertura polimicrobiana.

> Baixa resposta ou intolerância a medicações via oral.

Esquemas recomendados

> Não adesão à terapia.

Esquema proposto pelo Centers for Disease Control and Prevention (2006):

> Náuseas ou vômitos importantes. > Sintomatologia clínica significativa (febre alta, náuseas e vômitos importantes, dor abdominal severa). > Suspeita de abscesso pélvico ou tubo-ovariano. > Peritonismo ou sepse com dúvidas quanto ao diagnóstico e necessidade de exclusão de outras doenças, como apendicite. > Intolerância ou falha ao tratamento ambulatorial (a febre e a dor abdominal devem ter melhora significativa após 48-72 horas de tratamento com antibióticos). > Pacientes sem condições financeiras de realizar tratamento ambulatorial. Não há dados que sugerem que mulheres infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) com carga viral normal tenham uma resposta pior aos regimes antibióticos (Irwin et al., 2000). Portanto, as decisões relativas a antibiótico oral versus parenteral não devem ser afetadas por idade ou status sorológico do HIV (Walker; Wiesenfeld, 2007). As pacientes imunocomprometidas podem se tornar extremamente doentes e refratárias ao tratamento, com maiores chances de desenvolverem abscessos pélvicos e sofrerem intervenções cirúrgicas. A concomitância de DIP com HIV cresce progressivamente e, nas pacientes com deficiência imunológica (CD 4 baixo), recomenda-se hospitalização imediata com tratamento intravenoso. Critérios de internação hospitalar: gestação, quadro grave por febre ou mal-estar geral da paciente, dúvidas diagnósticas, impossibilidade de tratamento ambulatorial por qualquer motivo e imunodeficiência.

> Ceftriaxona 250 mg IM, dose única ⫹ doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias, com ou sem metronidazol 500 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias OU > Cefoxitina 2 g IM, dose única ⫹ probenicida 1 g, VO, dose única ⫹ doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias, com ou sem metronidazol 500 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias OU > Cefotaxime 1 g IM, dose única, ou ceftizoxime 1 g IM, dose única ⫹ doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias, com ou sem metronidazol 500 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias OU > Levofloxacina 500 mg ou ofloxacina 400 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias, com ou sem metronidazol 500 mg, VO, 12/12 h, por 14 dias. A decisão de acrescentar o metronidazol é baseada na avaliação clínica do risco de organismos anaeróbicos e deve ser individualizada para cada paciente. Por exemplo, a adição desse antibiótico pode ser considerada em pacientes com abscesso pélvico comprovado, suspeita de infecção com Trichomonas vaginalis, vaginose bacteriana e história de instrumentação ginecológica nas últimas 2 ou 3 semanas. Embora a associação ceftriaxona ⫹ doxiciclina seja comprovadamente um esquema eficaz para a DIP, uma desvantagem desse regime é a inconveniência de administração 2⫻/dia da doxiciclina durante 14 dias. A meia-vida longa da azitromicina, sua concentração intracelular e sua atividade contra a Chlamydia pode oferecer uma vantagem pela sua posologia. Um estudo duplo-cego e controlado randomizado, feito no nosso serviço, comparou a eficácia de uma única injeção IM de ceftriaxona seguida de doxiciclina por duas semanas e azitromicina (1 g, VO, 1⫻/semana, durante 2 semanas) em

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120 mulheres com DIP leve. A azitromicina e a doxiciclina foram consideradas equivalentes em eficácia (cura clínica de 90% com azitromicina e de 72% com a doxiciclina), o que nos faz acreditar que a azitromicina poderia ser incluída no arsenal terapêutico em função de sua facilidade terapêutica e eficácia (Savaris et al., 2007). Nas pacientes alérgicas à penicilina com risco de infecção por Neisseria, as opções de tratamento ambulatorial são limitadas. Uma opção é internar a paciente e iniciar clindamicina (900 mg IV 8/8 h) ⫹ gentamicina (2 mg/kg de peso corporal, seguida por uma dose de manutenção de 1,5 mg/kg de 8/8 h). Dose única diária IV de gentamicina pode ser feita (Centers for Disease Control and Prevention, 2006). Após 24 horas de melhora clínica, o tratamento pode ser alterado para clindamicina (450 mg, VO, 6/6 h), complementando 14 dias de tratamento, ou doxiciclina (100 mg, VO, 12/12 h durante 14 dias) ⫹ metronidazol (500 mg, VO, 12/12 h durante 14 dias). Pacientes com história de reações à penicilina e que nunca tiveram reação com cefalosporina (ou nunca receberam) poderão ser candidatas ao tratamento com ceftriaxona IM. Se a paciente apresentou no passado uma reação com erupção maculopapular ou morbiliforme sem sinais de alergia mediada por IgE (urticária angioedema, sintomas respiratórios, hipotensão) ou descamação, ela apresenta um risco muito baixo para uma reação alérgica grave à ceftriaxona. As reações cruzadas entre penicilinas e cefalosporinas de terceira geração são consideradas raras. Nas pacientes com essa história clínica, após a obtenção do consentimento informado, podemos administrar uma dose-teste inicial de ceftriaxona (um décimo da dose total, IM) e observar a paciente durante 2 horas. Se não houver reação, podemos administrar o restante da dose e observar por mais 1 hora. Para pacientes com história de anafilaxia a uma penicilina ou qualquer alergia às cefalosporinas, avaliação com um alergista deve ser recomendada se o tratamento com ceftriaxona está sendo considerado. Admissão ao hospital para a dessensibilização de uma cefalosporina pode ser uma opção para essas situações. Nos regimes propostos, a doxiciclina pode ser substituída por tetraciclina 500 mg, 6/6 h, por

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14 dias, em pacientes não gestantes. Nas pacientes intolerantes à doxicilina e à tetraciclina, a eritromicina 500 mg, 6/6 h, por 14 dias, poderia ser utilizada, porém os dados na literatura não são consistentes. As pacientes devem ser reavaliadas em 72 horas e, se não responderem adequadamente, devem ser internadas para diagnóstico diferencial ou manejo com antibioticoterapia intravenosa.

Tratamento hospitalar Instituído nos casos de salpingite complicada. Utiliza-se esquema com antibioticoterapia intravenosa polimicrobiana. Esquemas recomendados Esquema proposto pelo Centers for Disease Control and Prevention (2006): > Cefoxitina 2 g IV, 6/6 h ⫹ doxiciclina 100 mg IV ou, VO, 12/12 h, por 14 dias OU > Clindamicina 900 mg IV, 8/8 h ⫹ gentamicina IV 2 mg/kg de peso corporal na dose de ataque e 1,5 mg/kg de peso de 8/8 h para manutenção ou dose única diária (180 mg-240 mg). Uma alternativa parenteral comprovadamente eficiente: > Ampicilina-sulbactam (3 g IV 6/6 h) ⫹ doxiciclina (100 mg IV ou VO 12/12 h). Desde 2006 nos Estados Unidos, fluoroquinolonas não são mais recomendadas para o tratamento de gonococo devido ao aumento das taxas de resistência (Centers for Disease Control and Prevention, 2006). No entanto, fluoroquinolonas, com metronidazol, podem ser consideradas para terapia da DIP em circunstâncias em que N. gonorrhoeae não é o provável agente causal (p. ex., a mulher pós-menopausa que desenvolve DIP após instrumentação uterina) ou quando a prevalência da resistência às fluoroquinolonas N. gonorrhoeae é menor que 5% na localidade em que a infecção foi adquirida. Existem poucos dados sobre a eficácia clínica da azitromicina, com ou sem metronidazol, para o tratamento da DIP (Bevan; Ridgway; Rothermal, 2003). Também não existem dados a longo prazo sobre os resultados reprodutivos. Dados

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adicionais são necessários antes que esse agente possa ser recomendado para o tratamento da DIP aguda (Walker, Wiesenfeld, 2007). Esquemas devem ser mantidos por 48 horas após a melhora clínica e da curva térmica do paciente. Após a alta hospitalar, a manutenção é feita com doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 h por 14 dias. A clindamicina 450 mg, VO, 6/6 h pode ser usada como método alternativo, exceto quando a clamídia for fortemente suspeita; nesses casos, a doxiciclina é o medicamento de escolha. Outras cefalosporinas como ceftriaxone, cefotaxime e ceftizoxime podem ser utilizadas. Outros esquemas propostos incluem: > Gentamicina 60-80 mg IV, 8/8 h ⫹ clindamicina 600-900 mg IV, 8/8 h ⫹ penicilina G cristalina 5 milhões UI IV 4/4 h; OU > Gentamicina 60-80 mg IV, 8/8 h ⫹ metronidazol 500 mg IV, 8/8 h ⫹ penicilina G cristalina 5 milhões UI IV, 4/4 h; OU > Gentamicina 60-80 mg IV, 8/8 h ⫹ tianfenicol 750 mg IV, 8/8 h ⫹ penicilina G cristalina 5 milhões UI IV, 4/4 h. Nos casos em que a gentamicina for utilizada, optar por dose única diária sempre que possível. O tratamento de abscesso tubo-ovariano é realizado com antibioticoterapia e, muitas vezes, há necessidade da associação com tratamento cirúrgico (laparoscopia ou laparotomia). Como indicações para o tratamento cirúrgico, utilizamos os seguintes critérios: > Falta de resposta ao tratamento clínico. > Presença de massa pélvica que persiste ou aumenta apesar do tratamento com antibióticos adequados. > Piora clínica da paciente. > Suspeita de rotura de abscesso tubo-ovariano. > Evidência de sangramento intraperitoneal secundário à erosão e rotura vascular pelo processo infeccioso. > Abscesso de fundo-de-saco de Douglas.

Indicações de tratamento cirúrgico: falha da resposta esperada com o tratamento, piora clínica, suspeita de complicação de lesão secundária à DIP e abscesso em fundo-de-saco. Nos casos mais graves ou de resposta inadequada, devemos avaliar a necessidade de associação de outro antibiótico. Além disso, também devemos pensar na possibilidade de tromboflebite pélvica associada. O clínico deve ter como rotina o tratamento do parceiro da paciente, independentemente da existência de sintomas. Propomos a utilização de azitromicina 1 g, VO, associada à ofloxacina 400 mg, VO, dose única. O tratamento do parceiro é mandatório em todos os casos de DIP, seja confirmada em laboratório ou não. Esse tratamento é obrigatório, independentemente da gravidade do quadro que a paciente apresentar.

Complicações A DIP está associada a sequelas com impacto adverso na saúde geral e reprodutiva da mulher jovem. As sequelas podem ser precoces ou tardias.

Sequelas precoces > Peri-hepatite > Abscesso tubo-ovariano > Morte

Sequelas tardias > Infertilidade: é a complicação mais importante e a mais frequente. > Gestação ectópica: secundária à lesão tubária ocasionada pela DIP. Maiores complicações: gestação ectópica, infertilidade, dor pélvica crônica. > Dor pélvica crônica: ocorre em 17% dos casos. Relacionada às aderências causadas pelo processo infeccioso e à reação inflamatória. Dispareunia é uma queixa comum. > DIP recorrente: a DIP recorre em aproximadamente 25% dos pacientes.

Rotinas em Ginecologia

Prevenção Os médicos podem reduzir o risco de DIP e suas sequelas. O aconselhamento, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado da paciente e do parceiro são apenas algumas das medidas que podem ser tomadas. Ressaltamos a importância de informação por meio de programas educativos para evitar a contaminação por clamídia e gonococo; treinamento adequado de médicos e instituições prestadoras de serviço médico à comunidade; notificação e tratamento do parceiro. Além disso, a detecção dos casos assintomáticos assume papel cada dia maior. O rastreamento rotineiro de gonococo e clamídia em populações de risco começa a fazer parte das estratégias de prevenção da DIP. Atualmente, com base na literatura, recomenda-se o rastreamento em adolescentes e mulheres com menos de 25 anos de idade, com compor-

189

tamento de risco, prostitutas, usuárias de drogas ilícitas, presidiárias e em outros grupos em que a contaminação por DSTs é intensa (Centers for Disease Control and Prevention, 2006). Individualmente, algumas medidas podem ser efetivas para controle da doença. Entre elas: limiar baixo para iniciar o tratamento medicamentoso, antes ou até mesmo sem exames culturais; tratamento empírico de patologias associadas (p. ex., uso de antibióticos ativos contra clamídia nas pacientes com infecção comprovada por gonococo); prevenção de contaminação do trato genital inferior por patógenos e estímulo de hábitos sexuais saudáveis. Medidas preventivas: diagnóstico e tratamento precoces, preparo da equipe médica, tratamento das vaginoses bacterianas, rastreamento de gonococo e clamídia em populações determinadas, uso de métodos contraceptivos de barreira, redução do número de parceiros sexuais, entre outras medidas.

REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria da Vigilância em Saúde. Manual de controle de doenças sexualmente transmissíveis: DST. 4. ed. Brasília, 2006. (Série Manuais, 68). CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Update to CDC’s sexually transmitted diseases treatment guidelines, 2006: fluoroquinolones no longer recommended for treatment of gonococcal infections. MMWR Morb. Mortal. Wkly. Rep., v. 56, n. 14, p. 332-336, 2006. GRIMES, D. A. Intrauterine device and upper-genital-tract infection. Lancet, v. 16, n. 356, p. 1013-1019, 2000. GRODSTEIN, F.; ROTHMAN, K. J. Epidemiology of pelvic inflammatory disease. Epidemiology, v. 5, n. 2, p. 234-242, 1994. IRWIN, K. et al. Influence of HIV infection on pelvic inflammatory dise-

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190 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

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LEITURA SUGERIDA BEVAN, C. D.; RIDGWAY, G. L.; ROTHERMEL, C. D. Efficacy and safety of azithromycin as monotherapy or

combined with metronidazole compared with two standard multidrug regimens for the treatment of acu-

te pelvic inflammatory disease. J. Int. Med. Res., v. 31, n. 1, p. 45-54, 2003.

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em relação às DSTs, analise as seguintes afirmativas: I. Tabagismo, baixo nível socioeconômico e idade avançada estão diretamente relacionadas à DIP. II. Para o tratamento ambulatorial de DIP, um esquema monoterápico com antibióticos é suficiente. III. A ausência de gonococo ou Chlamydia trachomatis no exame cultural de um abscesso pélvico não exclui a possibilidade de abscesso tubo-ovariano por DIP.

IV. São critérios de hospitalização para tratamento de DIP: irritação peritoneal, HIV-positivo e presença de abscesso tubo-ovariano de qualquer tamanho. Qual(is) afirmativa(s) está(ão) correta(s)? a. b. c. d. e.

Todas. Nenhuma. Apenas I e II. Apenas III e IV. Apenas IV.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

13

Vulvovaginites Paulo Naud Jean Carlos de Matos Janete Vettorazzi Luciano Serpa Hammes

Aproximadamente 70% das mulheres apresentarão alterações no fluxo vaginal pelo menos uma vez em sua vida, responsáveis por uma das principais causas de consultas ginecológicas. As principais queixas são de fluxo vaginal aumentado (leucorreia), prurido e irritação, podendo também estar associadas a cheiro desagradável e desconforto intenso. A anamnese, o exame pélvico e o exame macroscópico do fluxo vaginal fornecem dados suficientes para o diagnóstico de um agente específico. O exame microscópico direto das secreções vaginais confirma o diagnóstico, apontando na maioria dos casos os agentes etiológicos das vaginites (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006), sendo os culturais utilizados somente em casos especiais (Naud et al., 2001). As vulvovaginites incluem infecções da vagina, cérvice, trato genital superior e também causas não infecciosas, como agentes químicos ou irritantes (p. ex., duchas vaginais ou espermaticidas), deficiência hormonal e eventualmente doenças sistêmicas (Sobel; Barbieri; Barss, 2009a; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). As três principais causas das vulvovaginites são vaginose bacteriana, candidíase e tricomoníase, responsáveis por aproximadamente 46, 23 e 20% das leucorreias (Anderson et al., 2004; ACOG Committe on Practice Bulletins – Gynecology, 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006), ainda que essas proporções possam variar de acordo com a população e o local do estudo; entre 7 e 72%

das mulheres com vaginites permanecem sem diagnóstico conclusivo (Anderson et al., 2004). A secreção vaginal fisiológica é variável de mulher para mulher, podendo sofrer influências hormonais, orgânicas e psíquicas. A secreção fisiológica constitui-se por secreção sebácea, esfoliação vaginal e cervical e secreção das glândulas de Bartholin e Skene, com predomínio de aeróbios e menos de 1% de anaeróbios. O aspecto da secreção pode variar conforme a fase do ciclo menstrual e a presença de glicogênio, intimamente relacionada à concentração de estrogênio, e com a utilização de hormônios. A coloração normal da mucosa vaginal da mulher sadia apresenta aspecto rosa-pálido, tornando-se mais clara e adelgaçada em mulheres pós-menopáusicas e “vinhosa” durante a gestação. O pH normal é abaixo de 4,5 e, na microscopia, observa-se menos de um leucócito por campo e, eventualmente, algumas clue cells (Sobel; Revankar, 2007). É importante considerar que nem sempre o fluxo genital é sinônimo de patologia e nem toda a patologia é infecciosa. Entre as principais características das pacientes com vulvovaginites, está o desequilíbrio da flora vaginal, especialmente no número de lactobacilos, podendo até haver classificação da flora conforme o número de lactobacilos (Donders, 2000). A flora normal apresenta predominância de lactobacilos com algumas bactérias. Nas pacientes com vulvovaginites, o número de lactobacilos é pequeno ou inexistente, o número de leucócitos aumenta, (até 10 para cada célula epitelial) e o número de bactérias também aumenta.

192 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Cerca de 5 a 10% das mulheres apresentam mucorreia, definida como secreção vaginal acima do normal (exame especular mostrando ausência de inflamação vaginal e áreas de epitélio endocervical secretando muco claro e límpido). O exame microscópico a fresco da secreção vaginal revela células sem alterações inflamatórias, número normal de leucócitos e abundantes lactobacilos, estando o pH vaginal na normalidade. O tratamento da mucorreia consiste em assegurar à paciente que as secreções vaginais são normais, sendo importante explicar-lhe a fisiologia normal da vagina e as suas variações relacionadas à idade e às variações hormonais (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Outras causas de fluxo vaginal anormal incluem as vaginites atrófica, química, irritativa e alérgica, nas quais se verifica o quadro clínico das vulvovaginites sem que se identifique um agente infeccioso. Nos processos químicos, traumáticos ou alérgicos, o tratamento consiste na identificação e na exclusão do agente causador. Já a vaginite atrófica surge em consequência da deficiência de estrogênio, ocorrendo frequentemente após o parto e na menopausa; geralmente ocorre melhora com a reposição estrogênica local e/ou sistêmica (Sobel, 2009a).

Vaginose bacteriana A vaginose bacteriana (VB) é uma síndrome clínica polimicrobiana caracterizada pela ausência de lactobacilos e por crescimento excessivo de organismos anaeróbios facultativos, com proliferação de uma flora mista composta por Peptostreptococcus, Prevotella sp., Bacteriodes sp., Mobiluncus sp., bactérias anaeróbias e, predominantemente, Gardnerella vaginallis, podendo, em alguns casos, estar presente também o Mycoplasma hominis (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). A VB é responsável por aproximadamente 40% das vulvovaginites em mulheres em idade reprodutiva (Sobel et al., 2009a). Estudos demonstraram que os lactobacilos não têm apenas seu número reduzido, mas também apresentam caracteres bioquímicos diferentes dos identificados nas secreções vaginais normais. O poder patogênico dos germes presentes na VB parece estar

essencialmente relacionado à multiplicação e à adesão às células epiteliais das mucosas genitais. Na maioria dos casos, a VB continua a ser um problema local, embora em algumas situações a investigação de infecções ginecológicas profundas, como endometrite, salpingite, peritonite pélvica e abscessos pélvicos, causadas por germes anaeróbios ou micoplasmas presentes na VB, deva ser realizada (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). A presença da VB deve ser considerada um fator de risco para salpingites, peritonites, infecções após procedimentos cirúrgicos ginecológicos e endometrites pós-parto ou cesariana. A VB está associada à multiplicidade de parceiros e às duchas vaginais e pode facilitar a aquisição de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), embora não seja uma DST (Brotman et al., 2008; Sobel et al., 2009a; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Embora geralmente as pacientes procurem atendimento por estarem apresentando alguma sintomatologia, aproximadamente 50 a 70% das pacientes com VB são assintomáticas. Nas pacientes sintomáticas, normalmente as queixas são referidas logo após as relações sexuais ou menstruações (Amsel et al., 1983; Yen et al., 2003; Klebanoff et al., 2004; ACOG, 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006).

Critérios diagnósticos São utilizados quatro parâmetros de diagnóstico da VB, os critérios de Amsel (Amsel et al., 1983); admite-se, no entanto, que basta a associação de três sinais ou sintomas para o diagnóstico de VB (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Porém, outro autor (Gutman et al., 2005) demonstrou que, na presença de dois critérios, a sensibilidade e a especificidade são semelhantes. Os critérios diagnósticos de VB são: > O pH vaginal ⬎ 4,5 (presente em 80-90% das VB); isoladamente, tem um pequeno valor preditivo positivo (52,6%). > Leucorreia: cremosa, homogênea, cinzenta e aderida às paredes vaginais e ao colo.

Rotinas em Ginecologia

> Whiff-test: adicionar de 1 a 2 gotas de hidróxido de potássio (KOH) a 10% na secreção vaginal e depositar em uma lâmina. O surgimento imediato de um odor desagradável (peixe em putrificação), causado pela volatilização das bases aminadas, é característico das vaginoses. Exame simples e de fácil avaliação. > Exame a fresco (microscopia): presença de clue cells (células epiteliais vaginais recobertas de Gardnerella vaginalis, que aderem à membrana celular, tornando seu contorno granuloso e impreciso). Essas células constituem um dos melhores indicadores de vaginose (sensibilidade de 98,2%, especificidade de 94,3%, valor preditivo positivo [VPP] de 89,9% e valor preditivo negativo [VPN] de 90%) quando presentes em mais de 20% das células (Fig. 13.1). O diagnóstico de VB também pode ser realizado por meio do Gram (suficiente para o diagnóstico) da secreção vaginal e do citopatológico – visualizando-se as clue cells. A presença de clue cells no exame citopatológico (CP) apresenta uma sensibilidade de 55% no diagnóstico da VB e valor preditivo positivo de 96%, embora a identificação no CP não seja um indicativo de tratamento para todas as pacientes (ver a seguir). Em situações ideais (pesquisas clínicas), utiliza-se para o diagnóstico o escore de Nugent (Nugent; Krohn; Hillier, 1991), que leva em consideração o resultado do Gram. Em 2004, Landers e colaboradores compararam os dois escores e encontraram sensibilidade de 92% e especificidade de 77% dos critérios de Amsel em relação ao escore de Nugent.

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Tratamento As pacientes sintomáticas devem ser tratadas, não sendo necessário o tratamento de todas as pacientes assintomáticas (50-70% dos casos); destas, trataremos aquelas que serão submetidas a procedimentos ginecológicos (histerectomia, colpoperineoplastia, curetagem semiótica ou pós-aborto, cesariana, inserção de dispositivo intrauterino, biópsia de endométrio, histerossalpingografia, etc.) (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). O tratamento da VB ajuda na resolução de cervicites mucopurulentas concomitantes. Na Tabela 13.1, estão listadas as principais opções terapêuticas, embora o metronidazol via oral (VO) ou tópico durante 5 a 7 dias continue sendo a droga de eleição (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). O metronidazol tem interação farmacológica importante com warfarin, potencializando o efeito anticoagulante e, portanto, o uso VO deve ser evitado em pacientes usuárias de anticoagulantes VO. Nas pacientes alérgicas ou impossibilitadas de utilizar metronidazol, o fármaco de escolha será a clindamicina. Os regimes de tratamento em dose única, frequentemente utilizados, devem ser abandonados, já que têm eficácia reduzida (ACOG, 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Estudos demonstraram a eficácia do tratamento com metronidazol no alívio dos sintomas das pacientes, atingindo uma taxa de cura de 95% com o esquema de sete dias e de 84% no regime de dose única. A dose única pode ser uma opção para aquelas pacientes com risco de descontinuação do tratamento, nesses casos, o metronidazol ou secnidazol 2 g, VO, em dose única podem ser utilizados (Brasil, 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). O tratamento de escolha da VB é o metronidazol, VO, utilizado por sete dias.

Figura 13.1 Células características de VB ou clue cells. Fonte: Adaptada de Sobel (2009a).

Após o tratamento, a VB pode recorrer em mais de 30% das mulheres em um período de até três meses (Wilson, 2004; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Dentre as possíveis causas, apontamos a patogenicidade da bactéria, reinfecção ou falha na recolonização da flora vaginal por lactobacilos.

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Tabela 13.1 Opções terapêuticas na vaginose bacteriana Medicação

Dose

Intervalo

Duração de uso

Regimes recomendados Metronidazol* (cp 250 mg ou 400 mg) Metronidazol gel 0,75% Clindamicina creme 2%

400-500 mg 1 aplicador (5 g) 1 aplicador (5 g)

12/12 h À noite À noite

7 dias 5-7 dias 5-7 dias

Regimes alternativos Clindamicina (cp 300 mg) Clindamicina óvulo 100 mg Metronidazol* (cp 250 mg) Secnidazol* (cp 500 mg)

1 cp 1 óvulo 2g 2g

12/12 h À noite Dose única Dose única

5-7 dias 3 dias – –

*Interação com anticoagulantes orais. cp, comprimido. Fonte: Adaptada de Centers for Disease Control and Prevention, Workowski, Berman (2006) e ACOG (2006).

Nas recorrências, o tratamento usual durante sete dias deve ser repetido e, na ausência de resposta, podemos utilizar metronidazol (oral: 2 g/ dia, 2x/semana ou vaginal: gel 0,75%, 2x/semana durante 6 meses) (Sobel et al., 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006) ou, ainda, realizar culturas específicas buscando outros germes. O tratamento de rotina do parceiro sexual não é recomendado, tendo em vista que não há diferença nos índices de recidiva da VB em suas parceiras. Existe discussão na literatura quanto ao tratamento dos parceiros sexuais das pacientes com VB de repetição, porém ainda não existem consensos sobre esse tema (Wilson, 2004; ACOG, 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Entre as vaginites causadas por bactérias, devemos lembrar aquela causada pelo Actinomyces israeli, que é uma bactéria estritamente anaeróbia e Gram-positiva relacionada ao uso de alguns dispositivos intrauterinos (DIUs), especialmente aqueles sem cobre. A infecção por esse germe pode levar à infecção pélvica grave e, na sua presença, o tratamento deve ser prontamente estabelecido, evitando-se complicações futuras. Entre as opções terapêuticas estão a clindamicina e a penicilina VO.

Tratamento na gestação Existem inúmeros estudos discutindo o tratamento e o rastreamento da VB na gestação. Até o momento, não está recomendado o rastrea-

mento rotineiro da VB nem o tratamento das gestantes assintomáticas. O tratamento deve ser oferecido para todas as pacientes sintomáticas e também para aquelas pacientes com alto risco de desenvolverem trabalho de parto prematuro (TPP), uma vez que a presença da infecção está associada ao TPP, à ruptura prematura de membranas, aos maiores índices de endometrite e à celulite pós-parto e pós-cesariana (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006; Brasil, 2006). Segundo alguns autores, o tratamento local não foi efetivo na diminuição do risco de TPP e ruptura prematura de membranas, portanto, o tratamento de escolha nas gestantes é o metronidazol 250 mg, VO, 8/8 h, por 7 dias. Durante a lactação, dar preferência para medicações tópicas. Esquemas alternativos: metronidazol (500 mg, VO, 12/12 h por 7 dias) ou clindamicina (300 mg, VO, 12/12 h por 7 dias) (ACOG, 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Alguns autores recomendam o uso do metronidazol inclusive durante o primeiro trimestre, especialmente na presença de sintomas intensos (Naud et al., 2004; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006).

Tricomoníase A tricomoníase é uma DST causada pelo protozoário Trichomonas vaginalis e está presente em aproximadamente 4 a 35% de todos os casos de vulvovaginites. Mediante o seu diagnóstico,

Rotinas em Ginecologia

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outras DSTs devem ser rastreadas (Sobel et al., 2009b; Amsel et al., 1983). O período de incubação varia entre 4 e 28 dias, e a doença tem um alto poder infectante e pode ser identificada em 30 a 40% dos parceiros masculinos de pacientes infectadas, embora a infecção nos homens seja autolimitada e transitória (Sobel et al., 2009b). Nas mulheres, a tricomoníase pode variar desde um caráter assintomático até uma doença inflamatória severa e aguda. Embora a maioria das pacientes não apresente sintomas, quando presentes, estes costumam ser mais intensos logo após o período menstrual ou durante a gravidez. Os principais sinais e sintomas referidos são secreção vaginal abundante e bolhosa, de coloração amarelo-esverdeada; prurido vulvar intenso; hiperemia e edema de vulva e vagina. Menos frequentemente podem surgir queixas de disúria, polaciúria e dor suprapúbica. As gestantes não apresentam índices de infecções maiores do que não gestantes, porém, nelas, a doença está associada à ruptura prematura de membranas e ao parto pré-termo (ACOG, 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006).

Diagnóstico O diagnóstico da tricomoníase é confirmado pela identificação dos Trichomonas vaginalis no exame a fresco da secreção vaginal. O achado típico é a presença de organismos flagelados, ovoides e móveis, discretamente maiores do que os leucócitos. A mobilidade dos tricomonas aumenta se a lâmina estiver aquecida. Em geral, um grande número de células inflamatórias e muitas células vaginais no esfregaço também serão identificados (Figs. 13.2 e 13.3).

Figura 13.3 Cervicite por Trichomonas (uso do Lugol).

Estima-se que a sensibilidade do exame a fresco para o diagnóstico da infecção pelo tricomonas alcance 50 a 70% quando a paciente é sintomática (ACOG, 2006). Muitos casos falso-positivos e falso-negativos são relatados, porém raramente a cultura de tricomonas é indicada, mesmo que esta apresente sensibilidade maior do que 90%. O teste rápido para tricomonas tem sensibilidade de 88,3% e especificidade de 98,3% comparado com a cultura e pode ser útil particularmente em locais com alta prevalência e em que a cultura não está disponível (Huppert et al., 2005). Para Sobel e colaboradores (2009b), a sensibilidade do exame citopatológico convencional para o diagnóstico da tricomoníase é de apenas 50 a 70%, portanto, não deve ser utilizado como um exame diagnóstico da tricomoníase; para Lara-Torre e Pinkerton (2003), o CP (meio líquido) tem uma sensibilidade de 50% e especificidade de 93% para o diagnóstico da tricomoníase. Uma alteração no resultado desse exame pode ser causada pela infecção pelo tricomonas, sendo necessário realizar o tratamento e repetir a citologia.

Tratamento

Figura 13.2 Presença de Trichomonas junto a células.

O metronidazol (2 g, VO, em dose única) é a droga de escolha para o tratamento, obtendo-se uma taxa de cura de 90 a 95%, e o tinidazol (2 g, VO, em dose única) tem uma eficácia semelhante ao metronidazol (ACOG, 2006). O tratamento tópico pode ter falha de até 50%, não sendo recomendado (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006).

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Tabela 13.2 Opções terapêuticas na tricomoníase vaginal Medicação Regime recomendado Metronidazol* (cp 250 mg ou 400 mg) Tinidazol (cp 500 mg) Regimes alternativos Metronidazol* (cp 250 mg ou 400 mg) Secnidazol (cp 500 mg)

Dose

Intervalo

Duração de uso

2g 2g

Dose única* Dose única

1 dia 1 dia

500 mg 2g

12/12 h Dose única

7 dias 1 dia

* Interação farmacológica com anticoagulantes orais. cp, comprimido. Fonte: Adaptada de Centers for Disease Control and Prevention, Workowski e Berman (2006), e Brasil (2006).

A clindamicina ou ampicilina não são opções terapêuticas na tricomoníase. Na Tabela 13.2, estão descritos regimes alternativos de tratamento que podem ter eficácia menor do que o tratamento recomendado. Abstinência sexual deve ser recomendada durante o tratamento. A utilização de bebidas alcoólicas deve ser evitada durante 24 horas nos regimes em dose única com metronidazol e 72 horas quando o tinidazol é utilizado, tendo em vista que os imidazólicos têm interação com álcool (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). O(s) parceiro(s) deve(m) ser tratado(s), recebendo o mesmo esquema terapêutico, já que a tricomoníase é considerada uma DST (ACOG, 2006; Brasil, 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). O metronidazol em dose única oral é a droga de escolha para o tratamento da tricomoníase. Nas gestantes, o metronidazol pode ser utilizado, uma vez que múltiplas metanálises não associaram o seu uso à teratogênese (Naud et al., 2004; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). O não tratamento está associado ao aumento de risco para ruptura prematura de membranas, trabalho de parto prematuro e baixo peso ao nascer. O uso da via tópica está associado à falha de até 50% em gestantes e não gestantes. Durante o primeiro trimestre, a paciente também pode realizar duchas vaginais com ácido acético para alívio dos sintomas (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). O tratamento das gestantes assintomáticas permanece sem consenso na literatura.

A recorrência, na maioria das vezes, está associada à reinfecção ou a tratamento inadequado. Na recorrência, repete-se o tratamento durante sete dias com metronidazol (500 mg, VO, 12/12 h). Na persistência da infecção e ausência de reinfecção, podemos optar pelo uso de 2 g de metronidazol em tomada única diária durante 3 a 5 dias. Poucos estudos demonstram existir alguma resistência ao metronidazol, mas se os sintomas persistirem, podemos realizar cultura e determinar a sensibilidade do germe (Workowski; Berman, 2006; Brasil, 2006).

Vulvovaginite fúngica A candidíase vulvovaginal (CVV) não deve ser considerada uma DST, apesar de frequentemente ser diagnosticada em pacientes imunossuprimidas e portadoras de DSTs e também estar presente em até 40% dos casos de VB (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Pacientes podem ter manifestações que variam desde uma colonização assintomática até sintomas muito severos (ACOG, 2006). Raramente ocorre antes da menarca e aumenta sua incidência em adultos, tendo um pico próximo aos 20 anos de vida, que se mantém por toda a menacme. Estudos de prevalência indicam que a Candida sp. pode ser isolada do trato genital em aproximadamente 20% das mulheres assintomáticas saudáveis, porém a história natural da colonização assintomática ainda é desconhecida (Naud; Matos, 2000; ACOG, 2006). Estima-se que 75% das mulheres apresentarão pelo menos

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um episódio de vulvovaginite fúngica durante a menacme e cerca de 5 a 8% irão apresentar infecções de repetição (ACOG, 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). A ocorrência é menos frequente em mulheres pós-menopáusicas, a não ser que elas estejam usando estrogênios (Sobel et al., 2009b). Cerca de 75% das mulheres irão apresentar pelo menos um episódio de candidíase vulvovaginal em sua vida. Entre as espécies de cândida, 85 a 90% da flora fúngica vaginal é constituída por Candida albicans; o restante é atribuído a outras espécies, sendo mais comuns a C. glabrata (9-15%) e a C. tropicalis (até 15% dos casos). Como fatores predisponentes para o desenvolvimento da candidíase podemos apontar gestação, diabete, contato oral-genital, uso de estrogênios em altas doses, anticoncepcionais orais (ACOs), antibióticos, espermicidas e diafragma ou DIU (Naud et al., 2004; Pirotta et al., 2004; Sobel et al., 2009b; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006).

Diagnóstico O diagnóstico de vulvovaginite fúngica é sugerido clinicamente pela presença de prurido intenso, edema de vulva e/ou vagina e secreção esbranquiçada e grumosa. A principal queixa é leucorreia branca em grumos acompanhada ou não de prurido vulvar e/ou vaginal intenso; disúria terminal pode estar presente. A vaginite causada exclusivamente por fungos poderá apresentar pH vaginal normal (⬍ 4,5). O exame microscópico a fresco ou a coloração de Gram demonstram em 40 a 60% dos casos a presença de hifas e pseudo-hifas, as formas mais comumente encontradas na fase sintomática. O uso de solução de KOH a 10% no exame a fresco melhora a visualização dos fungos por meio do rompimento do material celular que poderia obscurecer sua presença, porém esse teste pode ser negativo em até 40% das pacientes com candidíase sintomática (Fig. 13.4). O exame cultural em meio específico (ágar-Sabouraud) também pode ser utilizado, devendo ser estimulado como método diagnóstico, especialmente nos casos de recidiva ou de resistência aos tratamentos usuais (Bauters et al., 2002;

Figura 13.4 Microscopia: candidíase. Fonte: Adaptada de Sobel e colaboradores (2009b) e Pappas e colaboradores (2009).

Sobel et al., 2009b; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). É importante considerarmos que a cultura é cara e demorada e que, em cerca de 20% dos casos, podemos ter colonização de espécies de cândida em pacientes assintomáticas. O diagnóstico da candidíase vulvovaginal pode ser baseado na sintomatologia da paciente. A CVV pode ser classificada em complicada ou não complicada, conforme o Quadro 13.1. Ainda, pode ser assintomática, ou sintomática com graus diferentes de severidade (leve, moderada, severa), os quais podem receber a pontuação de 1, 2 ou 3, respectivamente. O grau de severidade é definido pela gravidade dos seguintes sinais e sintomas: prurido, eritema vulvar ou vaginal, edema, escoriações/fissuras de vagina e/ou vulva. A presença de escore ⬎ 4 corresponde à CVV moderada, e ⬎ 7 à CVV severa. Consideramos candidíase recorrente quando a paciente apresentar mais de quatro episódios de CVV no último ano (Sobel et al., 2009b; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006).

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QUADRO 13.1

Classificação da candidíase vulvovaginal (CVV) Candidíase não complicada Candidíase complicada

CVV não frequente ou esporádica, CVV leve a moderada, quadros suspeitos de candidíase, CVV em mulheres imunocompetentes CVV recorrente*, CVV severa, CVV não albicans, CVV em mulheres com diabete, gestantes, imunossuprimidas ou com outras patologias vulvovaginais

* CVV recorrente ⫽ 4 ou episódios por ano. Fonte: Adaptado de Centers for Disease Control and Prevention, Workowski e Berman (2006) e ACOG (2006).

Tratamento O tratamento da CVV está indicado para alívio das pacientes sintomáticas. Até 10 a 20% das mulheres em idade reprodutiva são assintomáticas e não requerem tratamento. O tratamento pode variar desde uso oral (dose única, 5 ou 7 dias) ou tópico de 3 a 14 dias, dependendo do fármaco utilizado e/ou do quadro clínico apresentado. Estudos randomizados têm demonstrado taxas comparáveis de cura, tanto com tratamento tópico quanto oral, excedendo 90%, com uma leve diminuição em tratamentos de curta duração (70-80%) (Pappas et al., 2009). Os tratamentos em dose única e de curta duração (até 7 dias) devem ser reservados para casos não complicados, com intensidade leve a moderada, assim como para os episódios únicos, isolados e não recorrentes. Nesses casos, a dose única ou de curta duração pode ter índice de cura de 80 a 90% (Pappas et al., 2009). Os esquemas que envolvem tratamento durante múltiplos dias (⬎ 7 dias) são preferencialmente utilizados para os casos de CVV complicada (candidíase severa e/ou candidíase aguda de pacientes com candidíase recorrente), sendo evitado o uso de dose única nesses casos. Os fármacos com mais experiência de uso são o clotrimazol, o miconazol e o terconazol. A utilização do fluconazol 150 mg, VO, em 2 doses com intervalo de 72 horas pode ter índice de cura de até 85% nas pacientes com CVV complicada. A escolha do tratamento deve ser baseada no quadro clínico da candidíase vulvovaginal. As formulações tópicas fornecem um tratamento efetivo para vulvovaginite fúngica, sendo a

terapia tópica com azólicos mais efetiva do que o uso de nistatina. Os índices de cura (cultura negativa) chegam a 80 a 90% das pacientes que realizam o tratamento completo. Nas pacientes com diabete ou vaginite por cândida não albicans, o tratamento tópico poderá ser prolongado para 10 a 14 dias e associado a agentes orais. Nas pacientes com hiperemia e sintomas irritativos locais intensos, os corticosteroides tópicos de baixa potência podem ser utilizados para alívio dos sintomas. O tratamento oral com fármacos como fluconazol, cetoconazol e itraconazol apresenta eficácia semelhante aos agentes tópicos no tratamento da candidíase, entretanto, apresenta toxicidade sistêmica que deve ser controlada, especialmente com o uso de cetoconazol (ACOG, 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). As principais interações farmacológicas desses agentes são com antagonistas do canal do cálcio, cisaprida, astemizol, cumarínicos, hipoglicemiantes orais, rifampicina, fenitoína e ciclosporina, entre outras substâncias. Os antifúngicos orais podem provocar sintomas gastrintestinais (5-12%), cefaleia em até 13% das usuárias e, raramente, angioedema e hepatotoxicidade, sendo esses um pouco mais frequentes no uso prolongado. O uso dos antifúngicos orais é contraindicado durante a gestação devido aos riscos de teratogênese (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). As mulheres que apresentarem quatro ou mais episódios de vulvovaginite fúngica por ano merecem considerações especiais, que serão descritas adiante (Vulvovaginite fúngica recorrente). O

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tratamento do parceiro não tem demonstrado reduzir a frequência de recorrências da candidíase e deve ser realizado somente nos sintomáticos. Os homens podem apresentar balanite, que é caracterizada por áreas eritematosas na glande associadas a prurido ou irritação e que pode ser beneficiada com o tratamento tópico para alívio dos sintomas (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Durante a gestação, o tratamento de escolha para candidíase vulvovaginal são os azólicos tópicos; os antifúngicos orais estão contraindicados. Nas pacientes soropositivas para o vírus da imunodeficiência humana (HIV), o tratamento é semelhante e não indicamos rotineiramente o tratamento supressivo. Nessas pacientes, o principal fator correlacionado com a infecção fúngica é o nível de CD4 ⬍ 100 células/mm3; terapia supressiva pode ser necessária nesses casos. Alguns estudos sugerem que o uso de fluconazol 150 mg, VO, semanalmente seria efetivo em diminuir a colonização por Candida albicans e reduzir os episódios de CVV sintomática nas pacientes HIV-positivo (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Nas gestantes, o tratamento de escolha são os azólicos tópicos de maior experiência, como miconazol e isoconazol, que podem ser usados em qualquer período da gestação; os orais são contraindicados. As gestantes assintomáticas não necessitam de tratamento.

Vulvovaginite fúngica recorrente A CVV recorrente, definida como quatro ou mais episódios de vulvovaginite sintomática por ano, afeta cerca de 5 a 8% das mulheres que apresentaram infecção por fungo em algum momento de sua vida. A história natural e a patogênese da CVV recorrente não são totalmente conhecidas, mas alguns fatores estão relacionados à sua ocorrência: terapia frequente com antibióticos, uso de ACO, diabete melito descompensado, imunossupressão, uso de corticosteroides, atividade sexual e infecção pelo HIV. Entretanto, a maioria das mulheres com vulvovaginite fúngica recorrente não

199

apresenta condições predisponentes identificáveis (ACOG, 2006; Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). As espécies de cândida não albicans estão mais associadas a recorrência, especialmente a C. glabrata (9-15%) e a C. tropicalis (até 15% dos casos). Essas espécies também são mais resistentes à terapia convencional (Sobel, 1985; Horowitz et al., 1992; Naud et al., 2001; Pirotta et al., 2004). Os ensaios clínicos envolvendo o manejo dessa afecção incluem o tratamento continuado entre os episódios. O tratamento ideal ainda não está estabelecido (Tab. 13.3). O cetoconazol (100 mg, VO, diário) ou o fluconazol (150 mg, VO, semanalmente) tomados durante seis meses parecem ser boas opções terapêuticas para a redução da frequência dos episódios, entretanto apresentam risco de toxicidade sistêmica e interação com outros fármacos (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Aproximadamente 30 a 40% das pacientes têm recorrências após o término da profilaxia (6 meses). O tratamento dos parceiros de pacientes com CVV recorrente permanece controverso. Recomenda-se uma higiene cuidadosa da região genital, evitando-se as duchas vaginais. O uso oral de lactobacilos com intuito de melhorar a flora vaginal parece estar relacionado à diminuição da recorrência, entretanto, faltam estudos com bom poder estatístico para definir sua eficácia. Ainda não há evidência científica da associação do uso de roupas sintéticas à recorrência de candidíase vaginal (Van et al., 2003).

Abordagem sindrômica do fluxo genital A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS) sugerem uma abordagem sindrômica do fluxo genital em nível primário de atendimento. Tal situação é decorrente da importância de identificar e tratar as cervicites como forma de prevenção da doença inflamatória pélvica e de outras complicações, como endometrites, celulites e infecção pelo HIV. É fundamental que o ginecologista faça o diagnóstico diferencial entre cervicite, vulvovaginite ou ambas. A dificuldade estaria solucionada se a

200 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela 13.3 Tratamento da candidíase vulvovaginal* Medicamento (apresentação)

Via de utilização e dose

Primeira opção Miconazol creme 2% Via vaginal, 5 g/dia Cotrimazol creme 1% Via vaginal, 5 g/dia Cotrimazol óvulo Via vaginal, 100 mg /dia Tioconazol creme 2% Via vaginal, 5 g/dia Tioconazol creme 6,5% Via vaginal, 5 g/dia Tioconazol óvulo Via vaginal, 300 mg /dia Segunda opção Fluconazol cp150 mg VO, 1 cp. Itraconazol cp 200 mg VO, 1 cp. 12/12 h Cetoconazol cp 400 mg VO, 1 cp./dia Situações especiais: gestação, amamentação Miconazol creme 2% Via vaginal, 1 aplicador Clotrimazol creme 1% Via vaginal, 1 aplicador Clotrimazol óvulo Via vaginal, 100 mg /dia Nistatina Via vaginal, 100.000 unidades/dia Terconazol creme Via vaginal, 5 g/dia Isoconazol creme 1% Via vaginal, 5 g /dia Isoconazol óvulo Via vaginal, 600 mg /dia Recorrências e Profilaxia Cetoconazol cp 100 mg VO, 1 cp/dia Fluconazol cp 150 mg VO, 1 cp/dia Ácido bórico cápsula de gelatina 600 mg Via vaginal, 1 cápsula/dia

Duração

7 dias 6-12 dias 7 dias 3 dias 1 dia 1 dia Dose única 1 dia 5 dias 7 dias 6-12 dias 7 dias 14 dias 5 dias 7 dias Dose única 6 meses 6 meses 7-14 dias

*As preparações tópicas são em base oleosa e podem enfraquecer o látex de preservativos e diafragmas. cp, comprimido; VO, via oral.

correlação manifestação clínica/agente etiológico fosse elevada ou se houvesse exame laboratorial para diagnóstico simples e eficiente. O objetivo da abordagem sindrômica nos casos de fluxo genital é melhorar a sensibilidade do diagnóstico das cervicites sem perder os casos de vulvovaginites, principalmente em centros de atendimento primário à saúde. O tratamento sindrômico deve ter cobertura para clamídia e gonococo e também tratamento para as vulvovaginites (Brasil, 2006). Quando existir suspeita ou presença de pus endocervical, colo friável, dor à mobilização do colo ou presença de algum critério de risco, recomenda-se o tratamento como cervicite (gonorreia e clamídia).

Critérios de risco para infecção cervical (Brasil, 2006): > Parceiro com sintomas. > Paciente com múltiplos parceiros, sem proteção. > Paciente exposta à DST. > Paciente proveniente de áreas de alta prevalência de gonococo e clamídia.

Recomendações finais > O aspecto da secreção vaginal isolada nunca deve ser a base fundamental para o diagnóstico.

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• Parceiro com sintoma • Paciente com múltiplos parceiros sem proteção • Paciente pensa ter sido exposta a uma DST • Paciente proveniente de reagião de alta prevalência de gonococo e clamídia

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Paciente com queixa de corrimento vaginal

Anamnese e avaliação de risco + exame ginecológico

Critérios de risco positivo e/ou sinais de cervicite com mucopus/teste do cotonete/friabilidade/ sangramento do colo

Não

Sim

Tratar gonorreia e clamídia

pH vaginal: teste de KOH a 10%

pH > 4,5 e/ou KOH (+)

pH < 4,5 e KOH (-)

Tratar vaginose bacteriana e tricomoníase

Aspecto do corrimento: grumoso ou eritema vulvar

Sim

Não

Tratar candidíase

Causa fisiológica

Aconselhar, oferecer anti-HIV, VDRL, hepatites B e C se disponíveis, vacinar contra hepatite B, enfatizar a adesão ao tratamento, notificar, convocar e tratar parceiros e agendar retorno Figura 13.5 Manejo sindrômico (preferencialmente quando a microscopia não está disponível) proposto pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2006).

> Exame físico inicial (história e exame físico, pH, exame da secreção e wiff-test) diagnosticam 60% dos casos de candidíase, 70% das tricomoníases e 90% das vaginoses bacterianas. > Tricomoníase está associada a secreção esverdeada e purulenta, candidíase, secreção

aderente e esbranquiçada e vaginose, com secreção fina e homogênea e odor característico de peixe. > Se a avaliação sugerida não for diagnóstica, é recomendável obter cultura para cândida e testes para Trichomonas, se o pH é ⬎ 4,5 (meio de Diamond ou um dos testes rápidos).

202 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em relação à presença dos bacilos de Döderlein na secreção vaginal, podemos afirmar: a. São lactobacilos, patogênicos e anaeróbios. b. As células parabasais, ricas em glicogênio, são consideradas meio ideal para proliferação desses bacilos. c. Produzem ácido lático, mantendo a reação ácida da vagina em 4 a 4,5, criando condições de proteção contra invasores que não sobrevivem em meio ácido. d. Determinam citólise, isto é, destruição dos núcleos celulares. e. Estão presentes em quantidades semelhantes na flora vaginal da mulher pós-menoupausa, assim como na menacme, mas não na infância.

2. Em relação à vaginose bacteriana, é incorreto afirmar que: a. Sua presença sempre se traduz por uma secreção vaginal abundande, fluida, com odor de peixe podre. b. Como critério diagnóstico, temos pH ⬎ 5,5 e presença de clue cells ao exame microscópico. c. O teste do odor (sniff test) é altamente útil no diagnóstico. d. Corinebacterium vaginale é sinônimo de Gardenerella vaginallis. e. A sintomatologia dessa colpite está na dependência de reações imunológicas.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Anormalidades da Estática Pélvica José Geraldo Lopes Ramos Carolina Leão Oderich Adriana Prato Schmidt Sérgio H. Martins-Costa

Estima-se que 11% das mulheres sofrerão, ao longo de suas vidas, pelo menos uma cirurgia para prolapso ou incontinência urinária ou de fezes, o que demonstra a importância do tema das anormalidades da estática pélvica para a saúde feminina (Olsen et al., 1997). A origem do prolapso genital é, na grande maioria dos casos, o traumatismo obstétrico, com duas variantes principais: o parto normal em mulher predisposta às distopias pela fraqueza constitucional dos meios de fixação dos órgãos pélvicos e o parto traumático. A carência estrogênica pós-menopáusica agrava o processo (Querleu, 2000). A sustentação normal das estruturas pélvicas femininas depende de uma combinação de suporte dos tecidos fasciais e musculares da pelve. O prolapso de estruturas genitais corresponde a anormalidades das estruturas que são responsáveis pela sustentação fisiológica. O desenvolvimento de procedimentos cirúrgicos efetivos para aliviar o prolapso uterogenital foi um dos fatores que permitiram o estabelecimento da cirurgia ginecológica como uma especialidade. Esse campo continua, na prática ginecológica diária, destinado a grandes avanços, tanto pelo fato de que o número de mulheres sofrendo dessa condição debilitante tende a aumentar com o aumento da expectativa de vida da mulher, como devido à ineficácia, parcial ou

completa, de muitos dos tratamentos disponíveis. Como Te Linde já havia profetizado: “todo cirurgião honesto, após resultados de longa observação e experiência, não pode estar totalmente satisfeito com os resultados das operações para prolapsos”.

Considerações anatômicas da pelve feminina O assoalho pélvico é o fundo da cavidade abdominal, fechando o canal desenvolvido dentro da pelve. A função desse assoalho é a de contenção das estruturas abdominais, e o seu suporte previne a saída de órgãos pélvicos e abdominais pelos ossos da pelve. Embora pareça um fenômeno estático, a função do assoalho pélvico é dinâmica, coordenando uma ação de armazenamento e evacuação de urina e fezes, bem como de providenciar a parturição e a concepção. Os diferentes danos às fibras dos paramétrios e paracolpos justificam diferentes tipos de prolapsos encontrados clinicamente. Esses tecidos conectivos estão em constante tensão, ficando responsáveis pelo suporte estático do assoalho pélvico.

Ligamentos e fáscias O topo do assoalho pélvico é desenvolvido pela fáscia endopélvica, que liga os órgãos pélvicos (especialmente a vagina e o útero) às paredes

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pélvicas. Essa fáscia forma-se continuamente ao mesentério, constituindo os paramétrios, os quais, além de estruturas de sustentação, produzem a inervação e a vascularização do útero. Junto ao paramétrio, apresenta-se o paracolpos, que apreende a vagina. Os órgãos pélvicos estão suspensos pelo desdobramento das fáscias endopélvicas. Assim, a fáscia que forra os músculos abdominais, ao atingir o estreito superior da bacia, desdobra-se em duas folhas: uma recobre as paredes pélvicas, fusionando-se com as fáscias próprias dos músculos locais, enquanto a outra recobre o útero, a vagina, a bexiga e o reto. As fáscias viscerais interligam-se para dar suporte aos órgãos que revestem, formando as fáscias vesicovaginal e retovaginal. Por cima do assoalho pélvico e sob o peritônio parietal, no espaço subperitoneal de Testut, encontra-se o aparelho de suspensão, também conhecido como retináculo periuterino de Martin, formado por uma malha de fibras conjuntivas elásticas e de musculatura lisa (Costa; Burgos, 1987). Essa formação apresenta seu desenvolvimento máximo ao redor do colo uterino e das abóbadas vaginais e, à maneira dos raios de uma roda, distribui-se em seus feixes, dois anteriores, dois laterais e dois posteriores (Fig. 14.1). Os feixes anteriores dirigem-se da face anterior do colo em direção ao púbis, passando por baixo da bexiga, para inserir-se na face posterior desse osso. Esses feixes constituem os ligamentos pubovesicouterinos, sobre os quais descansa a bexiga. Os feixes laterais orientam-se das bordas laterais do colo uterino para fora e para

trás, em busca da fáscia que reveste a parede lateral da bacia. São os ligamentos mais importantes, pois fixam solidamente o colo e a abóboda vaginal, formando o ligamento transverso de Mackenrodt, também denominado de base do ligamento largo, paramétrio lateral, bainha hipogástrica de Delbet, ligamento cardinal de Koks ou ligamento cervical lateral de Power. Os feixes posteriores partem da face posterior do colo, dirigem-se para trás e para cima e contornam o reto, no qual se fixam. Esses feixes constituem os chamados ligamentos uterossacros, os quais mantêm o colo uterino tracionado para trás e auxiliam a mantê-lo elevado. Quando esses ligamentos perdem o tônus, permitem que o colo dirija-se para a frente e para baixo, fazendo com que o seu eixo coincida com a vagina e seja forçado em direção à vulva, quando na presença de um aumento da pressão intra-abdominal.

Musculatura do assoalho pélvico O suporte pélvico também é realizado por um grupo de músculos denominados elevadores do ânus, sendo responsáveis pelo suporte dinâmico do assoalho pélvico. O músculo elevador do ânus consiste em duas porções: o músculo pubovisceral e o músculo iliococcígeo. O músculo pubovisceral apresenta forma de U e abraça o reto como uma cinta, terminando no osso púbico em cada lado. Essa porção inclui as porções pubococcígeas e puborretrais do músculo elevador do ânus. Lateralmente, o iliococcígeo apresenta-se de uma banda fibrosa (arco tendinoso) até a parede pélvica, formando um

Reto Espaço retrorretal Espaço pré-retal

Espaço pararretal Ligamento uterossacro Ligamento cardinal

Útero

Espaço paravesical

Bexiga Ligamento pubovesicouterino Figura 14.1 Retináculo uterino.

205

206 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

assoalho horizontal, no qual podem repousar os órgãos pélvicos. O pubococcígeo é a porção mais cefálica do elevador do ânus, passando dos ossos púbicos para inserir-se no cóccix. O puborretral passa ao longo da vagina, continua dorsalmente e penetra o reto entre o esfincter interno e o externo, próximo à junção anorretal. A contração contínua do músculo elevador do ânus promove o fechamento do lúmen vaginal (Fig. 14.2). A interação entre os músculos do assoalho pélvico e os ligamentos de suporte providenciam a estabilização dos órgãos pélvicos, assim como os danos a essa estrutura determinam a disfunção em diferentes níveis do trato genital.

Avaliação clínica A motivação que leva uma paciente a procurar o seu médico devido às alterações da pelve pode ser tanto uma simples indisposição pela sensibilidade aumentada na vagina como uma total protrusão de estruturas abdominais pelo introito vaginal. No entanto, muitas pacientes, especialmente as mais idosas, por pudor ou indolência, não procuram o atendimento médico necessário, levando muito tempo para realizar a terapêutica adequada. Em geral, a paciente com sintomas específicos de prolapso genital tende a demonstrar maiores graus de relaxamento pélvico do que as assin-

Coccígeno Pubococcígeno Iliococcígeno Reto Vagina Uretra

Fáscia inferior do diafragma urogenital

Isquiocavernoso Elevador Bulbo cavernoso do ânus Transverso profundo do períneo Transverso superficial do períneo

Elevador do ânus Coccígeno

Esfíncter anal externo

Figura 14.2 Anatomia do períneo.

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tomáticas, sendo pior o escore de qualidade de vida quanto maior é o prolapso (Digesu et al., 2005). Para uma adequada avaliação clínica das alterações do assoalho pélvico, devem ser feitas história detalhada da sintomatologia da paciente, avaliação específica das alterações pélvicas e verificar se há ou não correlação entre a história e os achados físicos. Com esses elementos em mente, é necessário traçar um plano de manejo que permita uma abordagem terapêutica mais específica para cada caso. É da qualidade da anamnese e da análise clínica dos sintomas, das lesões e de sua relação de causa e efeito que nasce a validade ou não de uma possível indicação cirúrgica. A paciente assintomática deve ser esclarecida quanto aos achados clínicos e informada sobre possíveis consequências caso não seja realizada alguma medida preventiva. Na história da paciente, é oportuno salientar o histórico obstétrico, o número de partos, os partos domiciliares, as dificuldades de expulsão, o peso dos recém-nascidos, o uso de fórceps, a presença de médico na sala de parto, a aplicação da episiotomia, as complicações do puerpério, as cirurgias prévias, etc. Devemos verificar o sintoma principal que fez a paciente procurar atendimento especializado, como desconforto, sangramento, infecções, dor lombar, incontinência urinária ou fecal, anúria, disúria, disfunções sexuais, etc. Os hábitos sexuais da paciente devem ser indagados, já que serão imprescindíveis para a estratégia terapêutica. A gravidade e a frequência dos sintomas referidos pelas pacientes nem sempre são proporcionais à gravidade encontrada pela perda do suporte pélvico. Pacientes com prolapso da uretra poderão referir disúria, polaciúria, ardência miccional ou incontinência urinária. Aquelas que apresentarem grandes prolapsos vesicais poderão ter dificuldade para iniciar a micção em vez de incontinência, muitas vezes necessitando de ajuda manual para o início da micção. Às vezes, pacientes com prolapso significativo têm função urinária normal até o prolapso ser corrigido, quando iniciam, então, os sintomas de incontinência. Portanto, a função vesicouretral deve ser avaliada com a redução do prolapso, reposicionando o órgão prolapsado à sua posição normal (Davila, 1996).

207

O prolapso do reto e/ou das demais partes do intestino pode causar alterações no hábito intestinal, sendo também comum a dificuldade para iniciar o ato de evacuar, levando a paciente a realizar uma redução manual do prolapso antes de defecar. A incontinência fecal costuma estar associada a situações nas quais a laceração causadora da alteração do suporte pélvico também tenha lesado as fibras da musculatura anal. A presença do colo uterino fora da cavidade vaginal faz com que este fique com lesões traumáticas, pois seu epitélio não foi projetado para suportar a fricção com tecidos mais consistentes. A presença de escaras no colo uterino é quase uma constante, muitas vezes apresentando infecções secundárias que aumentam o risco de tratamentos cirúrgicos futuros. Prolapsos proeminentes podem fazer as pacientes referirem sensação de peso abdominal e dor lombar. A anúria acompanha aqueles casos em que o prolapso faz os ureteres protruírem concomitantemente, causando a sua obstrução. Frequentemente as pacientes estão no período do climatério. As alterações do assoalho pélvico inclusive fazem parte da sintomatologia da síndrome climatérica, a qual deve sempre ser pesquisada e avaliada. Durante a avaliação de uma paciente com queixa de prolapso de órgãos pélvicos e/ou incontinência, não devemos esquecer de completar toda a rotina de exame ginecológico, como os exames preventivos para carcinomas de útero, cérvice e mama.

Avaliação objetiva do prolapso genital O prolapso genital em geral só se torna sintomático quando ultrapassa o introito vaginal, tornando-se necessário o diagnóstico precoce com o objetivo de se prevenir o estágio final da doença. Por muitos anos, a gravidade ou a magnitude dos prolapsos foi descrita de acordo com os critérios modificados de Beecham (1980) e Baden, Walker e Lindsey (1968). Esses critérios são um sistema de aplicação simples e de fácil aprendizado, adotado pela maioria dos ginecologistas. No entanto, a variabilidade interobservador é grande para a classificação dos diferentes graus de prolapso. Essa classificação está descrita no Quadro 14.1 e representada na Figura 14.3.

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QUADRO 14.1

Classificação do prolapso genital Cistocele > Primeiro grau: a parede vaginal anterior (do meato uretral ao fórnice anterior) apresenta descenso até a metade inferior da vagina. > Segundo grau: a parede vaginal anterior e a bexiga subjacente se estendem até o hímen. > Terceiro grau: a parede vaginal anterior, a uretra e a bexiga subjacentes protruem além do hímen. Esse tipo de cistocele geralmente faz parte de quadros de prolapso uterino de terceiro grau ou prolapso de cúpula pós-histerectomia. Prolapso uterino ou de cúpula > Primeiro grau: o colo uterino ou ápice vaginal descende à metade inferior da vagina. > Segundo grau: o colo ou ápice vaginal se encontra no hímen ou sobre o corpo perineal. > Terceiro grau: o colo e o corpo uterino protruem pelo hímen ou há eversão total da cúpula vaginal. Retocele > Primeiro grau: protrusão sacular descende à metade inferior da vagina. > Segundo grau: a saculação descende ao hímen. > Terceiro grau: extensão a partir do hímen. Fonte: Adaptado de Walters (1999).

1972 Baden

1996 POP-Q Plano médio vaginal

Grau 1 Grau 2

Estágio 1 Introito

Anel himenal 1 cm 1 cm

Grau 3

Estágio 2

Estágio 3 Eversão completa

Grau 4

Estágio 4

Figura 14.3 Desenho esquemático comparando as classificações de prolapso genital. Fonte: Adaptada de Herrmann e colaboradores (2005).

Em 1996, a Sociedade Internacional de Continência (ICS) padronizou o novo sistema de avaliação do proplapso genital, chamado de Pelvic Organ Prolapse Quantification (POP-Q) (Bump et al., 1996). Assim como no sistema anterior,

a anatomia pélvica é também avaliada durante o exame genital com a paciente em posição de litotomia, por meio da realização de um esforço abdominal (manobra de Valsalva) e da verificação do grau de descenso das estruturas vaginais.

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O sistema descritivo contém uma série de medidas (Fig. 14.4). O prolapso de cada segmento é avaliado e mensurado em relação ao hímen (não o introito), que é uma estrutura anatômica fixa e facilmente identificada. A posição anatômica dos seis pontos definidos deve ser obtida em centímetros acima do hímen (números negativos) ou abaixo (números positivos), com o plano himenal considerado o ponto zero. Os termos cistocele e retocele/enterocele são substituídos por prolapso anterior e posterior da parede vaginal, respectivamente. Se alças intestinais são presentes à avaliação do espaço retovaginal (toque retal), o examinador pode comentar o fato e descrever sua impressão clínica com uma observação. Outros reparos anatômicos incluem o hiato genital, que é medido da metade do meato uretral externo à margem posterior do hímen na linha média. O corpo perineal é medido da margem himenal posterior à abertura anal na porção média. As duas últimas medidas são realizadas na ausência da manobra de Valsalva. Os dados obtidos são organizados em tabelas que facilitam a visualização e a classificação da paciente nos diferentes estádios propostos (Quadros 14.2 e 14.3). O estadiamento corresponde à porção mais gravemente danificada. Em nosso meio, Feldner e colaboradores (2003) estudaram 51 pacientes para testar a reprodutibilidade entre observadores das medidas e do estádio da distopia genital por essa nova clas-

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QUADRO 14.2

Estadiamento do prolapso Parede anterior Aa Hiato genital HG Parede posterior Ap

Parede anterior Ba Corpo perineal CP Parede posterior Bp

Colo ou cúpula C Comprimento vaginal total CVT Fórnice posterior D

Fonte: Adaptado de Barrington e Edwards (2000).

sificação. Houve correlação significativa e substancial para as medidas avaliadas, com achados coincidentes em 86,2% dos casos. Nos casos de não concordância, a diferença foi de apenas um estádio, não representando alterações clínicas significativas. O estádio final da distopia foi altamente reprodutível (r ⫽ 0,81, p ⬍ 0,0001). Existem controvérsias acerca do valor de se tentar diagnosticar a incontinência urinária de esforço oculta antes da intervenção cirúrgica, por exemplo, por meio da manobra de Valsalva com o prolapso reduzido momentaneamente. Sabe-se que novos sintomas podem surgir inesperadamente após uma intervenção.

D Aa Ba Aa C

C

D

Ad Bd

+3 4,5

HG

Ba

CP

+3 Ap

Aa

Ap

Bp

Aa

C

Ba

Ba

+8 3,5

C

CVT

+8 Bp

8

Aa

HG

-D

A

+8

Ap

+3 2

-3

Ba

CP

Bp

-3 3

C

CVT

-3

D

Bp

+8

Ap CVT

8

-10

HG CP

B

Figura 14.4 Pontos para avaliação do prolapso genital. Anatomia pélvica normal em B e após prolapso completo em A. Fonte: Adaptada de Barrington e Edwards (2000).

210 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 14.3

Estádios do prolapso genital Estádio 0: sem prolapso demonstrado. Pontos Aa, Ap, Ba e Bp estão em ⫺3 cm, e os pontos C e D correspondem ao CVT e CVT-2, respectivamente. A Figura 14.4 (B) representa o estádio 0. Estádio I: não há critérios para estádio 0, mas a porção mais distal está ប 1 cm acima do nível himenal. Estádio II: a porção mais distal do prolapso está ⱕ 1 cm proximal ou distal ao plano do hímen (valor entre ⱖ ⫺1 cm, mas ⱕ ⫹1 cm).

Estádio III: a porção mais distal do prolapso ⬎ 1 cm abaixo do plano himenal, mas protrui não mais do que 2 cm menos que o CVT em cm. (⬎ ⫹1 cm, mas ⬍ ⫹ [TVL-2] cm). Estádio IV: essencialmente, eversão completa da mucosa. A porção distal do prolapso protrui pelo menos (TVL-2) cm (ⱖ ⫹ [TVL-2] cm). A Figura 14.4 (A) representa o prolapso total.

Fonte: Adaptado de Walters (1999).

A avaliação radiológica (uretrocistografia) somente é utilizada em casos selecionados (suspeita de alteração urológica concomitante), por não acrescentar, ao exame físico, dados que modifiquem as condutas a serem tomadas. A avaliação ultrassonográfica é uma técnica que vem sendo sugerida como complementação do exame físico. A avaliação urodinâmica deve ser indicada nos casos de incontinência urinária concomitante em que haja possibilidade de incontinência de causa não anatômica (ver Caps. 15 e16, sobre avaliação e tratamento da incontinência urinária).

Etiologia dos prolapsos genitais Uma das maiores dificuldades encontradas tem sido desvendar a etiologia das distopias pélvicas femininas. Gestações a termo, tipos de partos, deficiência estrogênica, pressão intra-abdominal aumentada constantemente (por alterações pulmonares ou por levantamento de peso), constipação crônica e danos neurológicos são algumas das causas apontadas. Por que motivo ocorre prolapso em mulheres sem fatores de risco, ou em mulheres que nunca tiveram filhos, ou por que não ocorre em mulheres que habitualmente têm trabalho pesado ou em grandes multíparas? Por que o uso da episiotomia como rotina sabida-

mente não previne lacerações da musculatura perineal e não contribui para diminuir a incidência de prolapsos genitais no futuro? (Lede; Belizán; Carroli, 1996). A multifatoriedade do prolapso pode ser respondida tanto por uma simples mal nutrição crônica, como por uma intrincada anormalidade genética autossômica dominante. Claramente, a disfunção do assoalho pélvico pode ser decorrente de dano neuromuscular. Entretanto, os cirurgiões ginecológicos têm realizado procedimentos corretivos com tecidos conectivos doentes, cujas bioquímica e biofísica são pouco conhecidas. O tecido conectivo é o cimento do corpo humano, sendo composto por colágeno e elastina, existe na forma de fibras em meio a uma substância composta por polissacarídeos. O colágeno é a proteína mais comum do corpo humano, correspondendo a 30% de toda a proteína humana. Anormalidades no colágeno intrínseco podem explicar prolapsos genitais em nulíparas e a recorrência de prolapsos após procedimentos cirúrgicos adequadamente realizados, bem como responder por que pacientes com fatores de risco não apresentam prolapso. As alterações hormonais da gestação, especialmente induzidas pela progesterona em altas concentrações, podem quebrar a estrutura do colágeno cervical e das estruturas adjacentes. O aumento da síntese de colágeno pelo estrogênio pode explicar o benefício da terapia de reposição hormonal

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no climatério. Embora a origem das anormalidades do suporte pélvico seja multifatorial, as anormalidades do tecido conectivo têm uma responsabilidade indiscutível.

Tratamento das anormalidades pélvicas Estima-se que ocorram cerca de 400 mil cirurgias a cada ano nos Estados Unidos para alterações do assoalho pélvico. No Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, as cirurgias para correção do assoalho pélvico correspondem a quase 20% do movimento cirúrgico, excluídas as curetagens uterinas. A recorrência e as falhas desses procedimentos têm apresentado taxas alarmantes (Ramos et al., 2000). O tratamento dos prolapsos genitais inclui tratamento conservador e cirúrgico. Em geral, o conservador é reservado para pacientes com prolapsos leves, com contraindicação à cirurgia, que não desejam operar, que desejam adiar a cirurgia ou que têm prole incompleta.

Tratamento conservador do prolapso genital O manejo clínico das situações de relaxamento vaginal anormal frequentemente é subestimado pelo ginecologista, que o confunde com distopia pélvica. O diagnóstico correto do defeito anatômico é o primeiro passo a ser dado. Muitas vezes, as pacientes vêm à consulta médica queixando-se de que estão com a vagina alargada e procuram uma justificativa anatômica para uma disfunção sexual ou mesmo para um casamento malogrado. O bom relacionamento médico-paciente e o diagnóstico de que a anatomia pélvica permanece normal podem evitar cirurgias desnecessárias, algumas delas causadoras de anormalidades funcionais futuras. A obesidade é um fator etiológico controverso; entretanto, a sua correção sem dúvida melhora a realização de qualquer cirurgia, bem como diminui o risco cirúrgico. Talvez o prolapso seja um dos fatores que mais estimule a perda de

211

peso. Programar a perda de peso até chegar ao peso ideal deve sempre ser estimulado antes da cirurgia. Muitas pacientes conseguem perder de 15 a 20 kg. A tosse crônica é outro fator predisponente ao prolapso que deve sempre ser corrigido antes de uma cirurgia. A paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica deve ser compensada, e o tabagismo, eliminado. O diabete é outra doença associada aos prolapsos, especialmente nos casos de incontinência urinária, devendo sempre estar compensado. O esforço físico excessivo deve ser evitado: uma grande dificuldade a ser vencida é a necessidade de realização de esforços físicos continuados por muitas mulheres em seus afazeres de trabalho. Os cremes de estrogênio são frequentemente associados ao tratamento, principalmente na presença de atrofia genital importante, em geral decorrente da menopausa e agravada pela exposição da mucosa. Após a menopausa, os ligamentos de sustentação pélvica vão ficando progressivamente mais finos e fracos, o que justificaria o uso local ou por outras vias de hormônios; todavia, os experimentos com receptores estrogênicos ainda são controversos. A vantagem do uso local é a baixa absorção sistêmica e a presença de poucos efeitos colaterais decorrentes do seu uso. O estrogênio local é muito utilizado em pacientes climatéricas, visando a um reforço do tecido no pré-operatório, mas não existe evidência de que seja efetivo para melhorar o tecido, diminuir o sangramento ou melhorar o resultado pós-operatório (Maher et al., 2007). A constipação crônica pode ser corrigida com dietas, adequando uma boa ingestão de fibras e de líquidos. O uso de reguladores intestinais deve ser estimulado. O uso de medicamentos que interfiram negativamente na continência tanto fecal quanto urinária deve ser indagado e suspenso. Medicamentos muito comuns que interferem nessa fisiologia são os anti-hipertensivos, especialmente os bloqueadores beta e alfa. Os diuréticos fazem com que os sintomas urinários sejam mais proeminentes. Os exercícios de sustentação da musculatura vaginal (exercícios de Kegel) podem, teoricamente, melhorar o prolapso, aumentando o tônus e a força da musculatura pélvica. A eletroestimu-

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lação, embora tenha maior pesquisa nos casos de incontinência urinária, pode ser utilizada em mulheres com pequenos prolapsos, melhorando em alguns casos até mesmo as queixas sexuais (Fall; Lindstrom, 1994). Os pessários, ou aparelhos de sustentação endovaginal, são efetivos e muito pouco utilizados, pois precisam ser trocados regularmente e podem causar aumento do fluxo vaginal, sangramento e ulceração. A aceitabilidade do pessário varia de 42 a 100%. Existem poucas contraindicações ao uso de pessários, entre elas infecção pélvica ou vaginal, sensibilidade ao látex (para pessários produzidos com esse material) e inabilidade em manejar o pessário entre as relações sexuais. Os pessários se apresentam em muitos tipos e tamanhos diferentes, sendo a maioria feita de silicone, não alergênica, durável, autoclavável e não retentora de odores. Existem pessários produzidos especificamente para o tratamento de incontinência urinária. Os pessários mais usados são em formato de anel, e o mesmo pode tratar todos os estágios de prolapso, inclusive a incontinência urinária. Além disso, é confortável, fácil de remover e pode ser usado durante a relação sexual. A mulher candidata ao uso do pessário deve ter suas dimensões perineais avaliadas para escolher o tamanho e o tipo correto. Em geral, prescreve-se o maior pessário que ficar confortável. Inserção do pessário: é inserido na vagina com a mão dominante, enquanto a outra afasta o introito e comprime o corpo perineal. Lubrificante pode ser aplicado no pessário, tendo cuidado para não se exceder na quantidade e o aparelho ser expelido. O pessário deve ser removido, limpo e reinserido pelo menos 1 vez/semana. Uma revisão deve ser realizada duas semanas após o início do uso para avaliar efeitos colaterais como desconforto, expulsão, sintomas compressivos, urgência urinária, sangramento ou leucorreia. A revisão se segue em 2, 6 e 12 meses. Pequenas doses de cremes com estrogênio podem ser utilizadas se coexistir atrofia vaginal ou erosões. Como a aquisição de pessários muitas vezes é difícil por este ser de material de alto custo, podem-se utilizar dispositivos de borracha em forma de anel que são utilizados para outros fins, desde que sejam devidamente esterilizados (Fig. 14.5).

Figura 14.5 Tipos de pessários disponíveis. Fonte: Adaptada de Santos e Carvalho (2005).

Tratamento cirúrgico do prolapso genital O tratamento mais indicado no prolapso pélvico tem sido o cirúrgico. O objetivo da cirurgia inclui a restauração da anatomia vaginal normal e a restauração e manutenção da função urinária, intestinal e sexual. Existe uma grande variedade de técnicas cirúrgicas abdominais e vaginais. A literatura é farta em trabalhos demonstrando índices de falhas variáveis entre todos os tipos de técnicas, inclusive em relação ao uso de telas e enxertos. Por meio de avaliação adequada de cada paciente e do tipo e extensão dos defeitos de sustentação pélvica, o cirurgião ginecológico pode escolher, entre as várias técnicas cirúrgicas descritas, a mais adequada. A maioria dos cirurgiões ginecológicos prefere a via vaginal para realizar a reconstrução pélvica, em virtude de diversos benefícios, como um menor tempo de hospitalização e dor pós-operatória, retorno rápido às atividades e bom resultado estético. Técnicas laparoscópicas vêm sendo desenvolvidas para cirurgia de prolapso, principalmente de cúpula vaginal, sendo que essas técnicas podem superar a morbidade da cirurgia abdo-

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minal. Contudo, exigem mais treinamento, bom material cirúrgico e podem não ser tão efetivas quanto a cirurgia laparotômica.

Defeitos do compartimento anterior (cistocele) A perda patológica da sustentação musculofascial pode levar a diferentes formas de cistoceles, observando-se, muitas vezes, discrepância entre achados clínicos e cirúrgicos. São descritos defeitos mediais, paravaginais e transversos (Weber, 1999). Os defeitos do compartimento anterior frequentemente são reparados pela colporrafia anterior. O objetivo da colporrafia é promover a plicatura da fáscia pubocervical ou tecido paravaginal, de forma a retomar a posição anatômica da bexiga e da vagina. Modificações da técnica dependem da extensão lateral da dissecção fascial, da posição das suturas e da necessidade de utilizar camadas extras (naturais ou sintéticas) para reforçar o suporte. Existem diversos estudos avaliando o tipo de fio, de tela e de enxerto a serem usados sendo que existe uma leve evidência de maior taxa de sucesso (menor recidiva) nas correções com tela de Márlex® ou Prolene®; contudo, há risco maior de erosão da tela e não há resultados funcionais do uso desta (Jia et al., 2008). Meschia e colaboradores (2004) mostraram que faixa de sling resulta em uma melhor taxa de continência que a plicatura da fáscia endopélvica quando utilizada como complemento nas mulheres com incontinência urinária de esforço oculta. É importante ressaltar que a plicatura do tecido fibromuscular durante a colporrafia anterior não irá restabelecer a elevação do terço superior da vagina. A reestruturação apical apenas é corrigida usando os ligamentos uterossacros e cardinal, na histerectomia vaginal, fixação uterossacral. A correção apenas da cistocele será realmente efetiva em mulheres sem defeitos apicais (Summers et al., 2006). Para pacientes que apresentam incontinência urinária concomitante, associada ou não a pequenos defeitos anatômicos anteriores, um grande ensaio recente indica a colpossuspensão de Burch, com resultados significativos na continência urinária quando utilizada

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como complemento da cirurgia de prolapso (Brubaker et al., 2003). Poucos estudos avaliaram a taxa de falha a longo prazo do tratamento cirúrgico do prolapso anterior. Essas taxas podem variar de 0 a 20% na correção de defeitos centrais e de 3 a 14% nos defeitos paravaginais.

Defeitos do compartimento apical (prolapso uterino ou de cúpula vaginal) Todos os problemas de prolapso uterovaginal não podem ser corrigidos adequadamente por uma única técnica cirúrgica. A adequação da operação às necessidades individuais da paciente proporcionará os melhores resultados. Em geral, o prolapso uterino de graus 2 a 4 tem indicação de histerectomia vaginal. Em prolapsos de grau 1 com a presença de cistocele ou de incontinência urinária, a histerectomia também pode ser praticada. A histerectomia vaginal pode eventualmente ser assistida pela laparoscopia, em casos nos quais o volume uterino é aumentado, quando há suspeita de aderências ou se for realizada anexectomia concomitante (principalmente na pós-menopausa). No momento da histerectomia, o cirurgião deve preocupar-se em promover uma sustentação apropriada para o ápice e as paredes vaginais, a fim de reduzir o risco de prolapso da cúpula vaginal. Os ligamentos são refixados à cúpula vaginal. No mesmo momento, deve-se avaliar a necessidade de procedimentos auxiliares: culdoplastias para prevenção de enteroceles McCall, Moschcovitz ou Halban, colporrafias anterior e posterior, fixação da cúpula ao ligamento sacroespinhoso ou colpopexia sacra. A suspensão do útero prolapsado deve ser considerada em mulheres com prole incompleta ou que não desejam a histerectomia. A colpoperineoplastia associada à amputação do colo uterino e à fixação dos ligamentos cardinais (cirurgia de Manchester-Fothergill) tem sido excepcionalmente realizada, pois só será indicada em casos de prolapsos proeminentes em pacientes jovens que ainda desejam ter filhos. Nessas pacientes, que são uma exceção, há a possibilidade de se realizar a histeropexia translaparoscópica. É prudente alertar as pacientes

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que optam por essa técnica de que os resultados obtidos são temporários, visto que apresentam um índice de falha extremamente elevado. A incidência de prolapso vaginal pós-histerectomia, que requer correção cirúrgica, tem sido estimada em 36 por 10 mil pessoas/ano (Beck, 1983). O risco é cumulativo com os anos pós-histerectomia e aumenta mais significativamente naquelas que apresentavam prolapso genital como indicação cirúrgica (Diokno et al., 1986). As técnicas mais utilizadas são a colpofixação sacroespinhosa via vaginal e a colpopexia abdominal (Figs. 14.6 e 14.7). Pela via vaginal, realiza-se uma incisão no fundo-de-saco, disseca-se e divulge-se a bexiga praticando uma plicatura do fundo-de-saco vaginal até o ligamento sacroespinhoso direito com quatro pontos de fio monofilamentado não absorvível, revertendo assim o fundo-de-saco levemente à esquerda (Fig. 14.6). Pela via abdominal, deve-se dar preferência à plicatura do fundo-de-saco à superfície anterior do sacro. Retrai-se o sigmoide para a esquerda, incisa-se o peritônio na linha média, disseca-se o retroperitônio e fixa-se a cúpula vaginal no periósteo do promontório sacral no nível S3-4, ® utilizando-se uma tela de Márlex fixada à cúpula vaginal (com fio inabsorvível 3-0) (Fig. 14.8). Os pontos permanentes devem ser fixados a cerca

de 1 cm lateral da linha média para evitar o dano da artéria sacral média, a qual, se lesada, pode apresentar um sangramento incoercível. Outro ponto que deve ser cuidado é a visualização do ureter direito que se apresenta perto da área dissecada. Uma variante da técnica abdominal é a utilização da laparoscopia, que segue os mesmos princípios da colpopexia via laparotômica, com a fixação da cúpula vaginal ao sacro com o uso da ® tela de Márlex . Embora de início recente e com número limitado de casos, essa técnica vem apresentando bons resultados com seguimento em até 40 meses (Nezhat; Nezhat; Nezhat, 1994). A colpopexia sacroabdominal associa-se a uma taxa inferior de prolapso recorrente da cúpula vaginal e de dispareunia quando comparada à colpopexia sacroespinhosa vaginal. Contudo, esses benefícios são equilibrados por menor tempo cirúrgico, rápido retorno às atividades e menor custo da via sacroespinhosa vaginal (Maher et al., 2008) Lefranc e colaboradores (2002) apresentam um seguimento a longo prazo de 85 pacientes que foram submetidas à correção cirúrgica abdominal do prolapso vaginal. Com um seguimento médio de 10,5 anos, nessa série de casos somente ocorreram dois casos de recidiva do prolapso vaginal. Hefni e colaboradores (2003) descrevem uma técnica de cervicopexia sacroespinhosa com

Figura 14.6 Correção vaginal do prolapso apical ou cúpula.

Rotinas em Ginecologia

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conservação do útero. Em um estudo prospectivo não randomizado controlado, esses autores comparam a conservação do útero na colpopexia do sacroespinhoso com a histerectomia e posterior colpopexia do sacroespinhoso e apresentam resultados semelhantes de sucesso (93,5 vs. 95,9%, respectivamente) após o seguimento de 33 meses, sendo que a conservação do útero apresentou significativamente menor sangramento, menor tempo cirúrgico e menor morbidade febril.

Figura 14.7 Correção abdominal do prolapso apical ou cúpula.

Farnsworth (2002) relata a experiência com a aplicação da técnica sacropexia infracoccígea em 93 pacientes. A técnica, originalmente descrita por Petros e Ulmsten (1998), tem o propósito de ser minimamente invasiva e consiste na colocação de uma faixa de tela (Prolene®) entre o períneo e a cúpula vaginal. O “neoligamento” reforça os ligamentos uterossacros danificados. A cura sintomática ocorreu em 91% dos casos. O tempo de seguimento foi de 2 anos. No entanto, o estudo descreve uma série de casos, não havendo comparação com outras técnicas

Defeito paravaginal

Defeito central

Defeito transverso Figura 14.8 Defeitos fasciais do compartimento anterior. Fonte: Adaptada de Walters (2007).

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já estabelecidas. Mais estudos são necessários para avaliar eficácia e segurança relacionadas. Lowder e colaboradores (2008) propõem uma avaliação rotineira do prolapso apical incluindo a simulação do resultado cirúrgico durante a avaliação ambulatorial, elevando a cúpula (ou útero) e solicitando esforço de Valsalva, visando posteriormente a uma técnica cirúrgica mais adequada e a menores falhas pós-operatórias. A colpocleise consiste no fechamento da vagina; pode ser total (em pacientes histerectomizadas) ou parcial (colpocleise de LeFort para pacientes com útero). Sua indicação deve ser muito bem avaliada, pois impede a paciente de ter penetração vaginal. Tem uma taxa de cura que pode chegar a 95% dos casos, tendo a vantagem de poder ser realizada com anestesia raquidiana ou peridural, apresentar mínimas complicações e ser um procedimento rápido, que dura em média 45 minutos. As candidatas ao procedimento em geral são pacientes idosas, com condição de saúde frágil e sem vida sexual ativa. Como não existe um limite arbitrário de idade para o término das relações sexuais, é prudente perguntar às pacientes sobre a possibilidade de coito e evitar realizar

a cirurgia antes dos 85 anos de idade, pois são descritos casos de pacientes acima dos 70 anos que se arrependeram da escolha desse procedimento. Um estudo que avaliou a satisfação pessoal e a qualidade de vida de 94 pacientes submetidas a colpocleise mostrou melhora em ambos os parâmetros nas pacientes avaliadas. A escolha do material de sutura pode ter alterado o curso de bons resultados nos últimos anos. Para as cirurgias de prolapso, tem-se preferido fios de absorção ultralenta (p. ex., polidioxanone monofilamentado) nos pontos de sustentação. Nos casos de recidivas, de reintervenções ou com o uso de materiais sintéticos como telas, a preferência tem sido por fios inabsorvíveis sintéticos. No HCPA, temos optado pela cirurgia de sacropromontofixação nas pacientes com prolapso de cúpula, utilizando tela de Prolene®. Em pacientes muito idosas e com grandes prolapsos, eventuamente realizamos a colpocleise, tendo em vista a melhor qualidade de vida dessas pacientes.

Defeitos do compartimento posterior (Fig. 14.10) Na paciente não histerectomizada, a fáscia retovaginal normalmente é suspensa pela cérvice e bilateralmente pelo ligamento uterossacro. A ruptura da fáscia retovaginal provoca um enfraquecimento da ligação ao corpo perineal, geralmente no sentido transversal, com relaxamento da sustentação e consequentes retocele e enterocele. Os defeitos transversos podem ocorrer superiormente, ao longo da parede posterior cervical ou no ápice vaginal. Nessas pacientes com uma “retocele alta”, a enterocele também pode estar presente em algum grau. Podem ocorrer também na porção média vaginal ou na conexão da fáscia ao corpo perineal. Também pode ocorrer extensão lateral com destacamento de suas ligações à fáscia dos elevadores do ânus. Defeitos da linha média podem estar associados (Shull; Bachofen, 1999).

Figura 14.9 Colporrafia anterior. Fonte: Adaptada de Vasavada e Barber (2006).

Em geral, ocorre mais sangramento e dor pós-operatória do que na correção dos defeitos anteriores. Os ensaios clínicos que avaliaram o uso de telas são muito pequenos, e não há dados suficientes para recomendar seu uso.

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Transverso – próximo ao ápice ou no corpo perineal

Defeito lateral T

L

M

L

T

Defeito central ou de linha média Figura 14.10 Defeitos fasciais do compartimento posterior e correção cirúrgica. Fonte: Adaptada de Tristi (2007).

Retocele Pacientes com retocele podem referir sintomas relacionados diretamente a essa herniação tecidual vaginal (sensação de peso, abaulamento doloroso, disfunção coital) ou, ainda, apresentar sintomas evacuatórios. A constipação em si não é um sintoma da retocele, mas ambas podem coexistir. Advém dessas disfunções, muitas vezes, a incontinência fecal. A colpoperineoplastia geralmente corrige a maior parte dos defeitos fasciais e de corpo perineal, sendo o procedimento cirúrgico mais realizado. Os defeitos fasciais são melhor identificados com o auxílio do toque retal. A plicatura da fáscia geralmente é suficiente para defeitos pequenos. Na presença de um hiato maior, a plicatura medial dos músculos puborretais pode ser necessária, porém com o cuidado de não promover fechamento excessivo e disfuncional do introito vaginal. Dá-se preferência para o uso de fios de absorção lenta. Quando não há mais atividade sexual e o tecido for muito enfraquecido, há alta chance de recidiva. Não deve ser rotina a miorrafia dos eleva-

dores, pois a perineorrafia já contempla a plastia da musculatura superficial do períneo. Poucos estudos avaliaram a eficácia a longo prazo da perineoplastia. A recorrência precoce pode estar associada à falha na identificação correta dos defeitos fasciais. As recorrências tardias são determinadas por alterações constitucionais decorrentes da idade (alterações na composição do colágeno, atrofia por deficiência estrogênica, etc.). Enterocele A enterocele pode se diferenciar da retocele por determinar saculação em porções mais superiores da vagina. O reparo cirúrgico pode ser realizado via vaginal ou abdominal, não havendo estudos comparativos para as duas abordagens. Na escolha, deve-se levar em consideração a preferência do cirurgião e a presença de incontinência urinária e outras distopias a serem corrigidas. Várias técnicas de culdoplastia são descritas (McCall, Halban, Moschcowitz) para tratamento ou mesmo prevenção da enterocele. O objetivo final é a mobilização, a dissecção e o reparo do saco herniário, com plicatura

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do tecido fascial do fundo-de-saco de Douglas, prevenindo recidivas. Estudos pequenos relatam recorrência de 4% em 2 a 22 anos de acompanhamento, na técnica de McCall (Fig. 14.11).

Uso de telas nos prolapsos A cirurgia de colpoperineorrafia vem sendo realizada há mais de dois séculos e segue como técnica preferida dos cirurgiões ginecológicos. Como apresenta altos índices de recorrência, chegando a 41,5%, sendo apenas metade desses sintomático (Miedel, 2008), alternativas como reparos paravaginais e a introdução de telas foram tendo espaço. As telas são utilizadas para cirurgias de incontinência urinária, de prolapso vaginal anterior e posterior e de prolapsos apicais. Podem ser sin-

téticas, autólogas ou enxertadas. As mais utilizadas são as telas sintéticas, principalmente as de polipropileno porosas ou prolene. No HCPA, utilizamos eventualmente a tela de Prolene® em cirurgias de sling, que será apresentada no Capítulo 15, Avaliação da incontinência urinária feminina, e em prolapso de cúpula, com a técnica de sacropromontofixação que foi descrita anteriormente. O uso das telas deve ser muito criterioso nos prolapsos genitais, como de parede anterior, posterior e apical, já que necessita de apurado conhecimento da técnica, de estruturas anatômicas e de potenciais complicações. Com o advento das telas em 1996, muitos cirurgiões começaram a colocá-las mesmo sem existir estudos comprovando sua eficácia e relato de suas complicações. As taxas de complicações são muito altas, incluindo rejeição, infecção e erosão. Assim, o Food and Drug Administration (FDA), em 2008, publicou uma notificação quanto à colocação das telas. Essa notificação foi embasada em 1.000 relatos de complicações entre 2005 e 2008. O médico deve: > Conhecer a técnica e seus riscos. > Estar atento para potenciais eventos adversos, lesões vesicais e de intestino. > Informar ao paciente que a tela é permanente e que eventuais complicações podem exigir nova cirurgia que pode corrigir ou não a complicação. > Informar ao paciente sobre a possibilidade de sérias complicações e seus efeitos em sua qualidade de vida, incluindo dispareunia, leucorreia e enrijecimento da parede vaginal. > Fornecer um termo de consentimento assinado e a bula da tela, quando disponível.

Figura 14.11 Técnica de Mc Call para correção e prevenção de enterocele. Fonte: Adaptada de Karram e Walters (2007)

A repercussão de uma intervenção cirúrgica nos sintomas associados à estática pélvica deve levar em conta a melhor abordagem para beneficiar a função vesical, intestinal e sexual das pacientes, culminando com resultados que irão melhorar a qualidade de vida dessas mulheres.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Paciente de 85 anos com história de AVC isquêmico, hipertensa e dificuldade para deambular. Realizou histerectomia vaginal no passado por prolapso uterino. Vem encaminhada ao ambulatório de uroginecologia por elitrocele. Qual a primeira opção de tratamento a ser oferecida para essa paciente? a. b. c. d.

Cirurgia de sacropromontofixação. Cirurgia de colpocleise. Colocação de pessário. Cirurgia de fixação de cúpula ao ligamento sacroespinhoso.

2. Paciente com queixa de “bola na vagina”. Ao exame físico, a parede vaginal anterior se estende até o hímen, e o colo uterino se encontra no hímen. Classificamos esse prolapso como sendo: a. Cistocele de terceiro grau e prolapso uterino de primeiro grau. b. Cistocele de terceiro grau e prolapso uterino de segundo grau. c. Cistocele de segundo grau e prolapso uterino de terceiro grau. d. Cistocele de segundo grau e prolapso uterino de segundo grau.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Avaliação da Incontinência Urinária Feminina José Geraldo Lopes Ramos Fernando Rocha de Oliveira Adriana Prato Schmidt Sérgio H. Martins-Costa

Conceito e epidemiologia A Sociedade Internacional de Incontinência define Incontinência Urinária (IU) como toda perda involuntária de urina, objetivamente demonstrável, causando problema social ou higiênico. Embora a IU não aumente a morbimortalidade, sua ocorrência pode causar tamanho constrangimento pessoal e social que leva a paciente a se sentir verdadeiramente enferma. É mais comum em mulheres por apresentarem menor comprimento uretral e maior chance de injúria musculofascial durante a gestação e o parto (Morkved; Bo; Fjortoft, 2002). Com o aumento da expectativa de vida das mulheres, a IU tornou-se uma causa importante de limitação das atividades nos grupos etários mais avançados, além de determinar impacto significativo nos gastos com saúde. O custo direto do tratamento para homens e mulheres de idades diversas foi estimado em 26,3 bilhões de dólares em 1995 (Wagner; Hu, 1998), podendo ainda ser superior, considerando a estimativa de que apenas metade dos pacientes sintomáticos relata suas queixas ao médico (Culligan; Heit, 2000). Quando tentamos estabelecer taxas de incidência e prevalência da IU na população feminina,

deparamo-nos com inúmeros fatores de confusão, dentre os quais, a metodologia utilizada no diagnóstico, as definições empregadas e os níveis de gravidade considerados. Outro ponto de dificuldade na avaliação epidemiológica é que muitas mulheres com perda urinária não procuram auxílio médico por acharem que se trata de fenômeno normal ou porque o sintoma não representa um problema que justifique a procura de um médico. A prevalência de incontinência urinária, utilizando-se como definição qualquer perda urinária involuntária no último ano, varia de 25 a 45% (Hunskaar; Burgio; Clark, 2005; Anger; Saigal; Litwin, 2006; Landefeld; Bowers; Feld, 2008). A IU e a sua severidade aumentam com a idade (Hannestad et al., 2000). Um importante estudo epidemiológico identificou que 7% das mulheres com idades entre 20 e 39 anos apresentavam incontinência; entre 40 e 59 anos, 17%; dos 60 aos 79 anos, 23%, e 32% acima dos 80 anos (Nygaard; Barber; Burgio, 2008). Incontinência é comum na gravidez, atingindo prevalência de 16 a 60% (Burgio et al., 1996). Alguns estudos de prevalência sugerem que as mulheres de raça negra apresentam menor prevalência significativa de IU quando comparadas às de raça branca (Tennstedt et al., 2008; Dooley; Kenton; Cao, 2008), porém, outros estudos não evidenciaram esse achado (Goode; Burgio; Redden, 2008).

222 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

O número de partos também parece influenciar na prevalência da incontinência urinária de esforço (IUE). Milson e colaboradores (1993) avaliaram 3.168 mulheres entre 36 e 46 anos e relataram uma prevalência de 5,5 a 7,7% de perda urinária entre as nulíparas, sendo que essas taxas passaram para 14 a 16,4% nas mulheres com três ou mais partos. Recentemente, com base em estudo epidemiológico prévio sobre a IU na Noruega (Hannestad et al., 2000), Rortveit e colaboradores (2003) avaliaram 15.307 mulheres com idade superior a 20 anos por meio de questionários. Comparadas às nulíparas, as mulheres que fizeram cesariana apresentaram odds ratio (OR) de 1,5 (IC 95%: 1,2-1,9); as que fizeram parto vaginal, 2,3 (IC 95%: 2-2,6) para IUE. Não houve associação significativa entre incontinência urinária de urgência (IUU) e o modo de parto. Portanto, a IUE foi o único tipo de incontinência que estava significativamente associada a esse fator. Para incontinências graves, essa associação é ainda mais evidente. No entanto, não há evidência de que um aumento do número de cesarianas, na tentativa de diminuir os casos de incontinência, signifique benefício em nível populacional. Os principais fatores de risco para IU na mulher estão apresentados no Quadro 15.1.

QUADRO 15.1

Fatores de risco para incontinência urinária na mulher Fatores predisponentes: idade, sexo, genética, raça, neurológica, anatômica, status do colágeno. Fatores desencadeantes: paridade, cirurgias, lesões de nervo pélvico ou muscular, radiação. Fatores promotores: disfunção intestinal, irritantes dietéticos, tipo de atividade, obesidade, menopausa, infecção, medicamentos, doença pulmonar, doença psiquiátrica. Fatores transitórios e reversíveis: infecção, vaginite atrófica, ação medicamentosa, poliúria, imobilidade, constipação. Fonte: Adaptado de D‘Ancona e colaboradores (2006).

Anatomia O conhecimento da anatomia do sistema urinário na mulher é fundamental para a compreensão dos mecanismos de incontinência urinária. O assoalho pélvico é composto por todas as estruturas que dão suporte às vísceras abdominais e pélvicas. São componentes do assoalho pélvico: peritônio, diafragma pélvico, diafragma urogenital (atualmente denominado membrana perineal) e as estruturas localizadas entre o peritônio e esses diafragmas. O Capítulo 14, Anormalidades da estática pélvica, apresenta maior detalhamento sobre a anatomia do assoalho pélvico. A uretra feminina mede entre 2,5 e 5 cm, sendo composta por rica esponja vascular circundada por uma capa de músculo liso e tecido fibroelástico. Esse eficiente mecanismo de selo da mucosa é a maior contribuição para o mecanismo de fechamento da uretra. Está sujeito ao controle hormonal, e a falta de estrogênio leva à atrofia e à substituição do suprimento vascular por tecido fibroso. Outras causas de incompetência do selo mucoso uretral são cirurgias múltiplas, trauma, radiação e neuropatias. A musculatura lisa tem duas camadas que são a continuação das camadas interna e externa do detrusor. A camada interna é composta por fibras longitudinais que se contraem no início da micção e, com isso, diminuem o tamanho da uretra. A camada externa é formada por fibras semicirculares que mantêm a uretra e o colo vesical fechados em situação de repouso. Essas camadas formam o esfíncter uretral interno ou liso, cuja inervação é simpática e parassimpática, com predomínio de receptores α-adrenérgicos. No terço médio, a uretra é circundada por dois grupos de fibras musculares estriadas que formam o esfíncter externo ou estriado. Acredita-se que a porção medial uretral seja a principal responsável pelo mecanismo de continência. Pacientes que se submeteram a uretrectomias por tumor ou divertículos, retirando parte da porção proximal uretral e preservando a porção medial, mantiveram-se continentes (Fig. 15.1). A pelve feminina (ginecoide) tem maior abertura do que a pelve masculina (androide), o que predispõe à maior vulnerabilidade do colo ve-

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Arco tendíneo da fáscia endopélvica

Sínfise pública

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Compressor uretral e esfíncter uretrovaginal

Uretra Ligamentos musculofasciais vaginais Elevador do ânus Ligamentos musculofasciais vaginais

Base da bexiga Vagina

Esfíncter uretral

Reto

Compressor da uretra Esfíncter uretrovaginal

*Esfíncter estriado urogenital Figura 15.1 Representação esquemática dos componentes do suporte uretral e mecanismos esfincterianos. Fonte: Adaptada de Walters e Weber (1999).

sical e da base da bexiga, quando expostos a aumentos de pressão pélvica. O fato de a uretra feminina ser mais curta do que a do homem é também um fator adicional para o aumento da frequência de IU nas mulheres. O conceito de esfíncter urinário foi substituído pela descrição de mecanismos ou zonas de continência (Fig. 15.2). O mecanismo proximal situa-se no nível do colo vesical, sendo considerado um mecanismo de manutenção do tônus de fechamento do colo. Durante as contrações do músculo detrusor, o colo vesical se abre, permitindo a passagem de urina. Atualmente, não se considera mais o colo vesical importante na IU feminina, sendo a uretra média considerada a de maior importância. O mecanismo de continência distal ocorre na altura do assoalho pélvico, sendo composto pelo esfíncter externo da uretra e pelos músculos elevadores do ânus. Os músculos estriados dessa região têm duas porções: a) rabdoesfíncter: composto de fibras tipo 1, de contração lenta,

1

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Figura 15.2 Representação conceitual da musculatura extrínseca parauretral: 1) sínfise púbica; 2) esfíncter uretrovaginal; 3) compressor uretral; 4) esfíncter uretral; 5) bexiga. Fonte: Adaptada de De Lancey (1988).

224 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

especializadas em manter o tônus por um grande período sem fadiga; b) musculatura estriada periuretral: formada por fibras tipos 1 e 2, que são responsáveis por contrações rápidas e vigorosas após estímulo voluntário. O mecanismo intrínseco estende-se por toda a uretra e é composto por mucosa, submucosa, tecido elástico periuretral e músculo uretral liso. O mecanismo extrínseco, por sua vez, age quando há súbitos aumentos da pressão intraabdominal, desempenhando contração da musculatura do assoalho pélvico, ao mesmo tempo em que ocorre o aumento da pressão intra-abdominal, ampliando assim a pressão uretral e diminuindo a possibilidade de perda urinária.

doenças neurológicas e mesmo o hipoestrinismo decorrente da menopausa, podem provocar uma perda da elasticidade com diminuição do tônus uretral.

Fisiologia O trato urinário inferior tem como função armazenar uma quantidade adequada de urina sob baixa pressão intravesical e sem perda, eliminando a urina adequadamente e em intervalos adequados. Portanto, a função vesical pode ser dividida nas fases de enchimento e esvaziamento.

A IUE e o prolapso genital podem estar associados em até 40% dos casos. Apesar disso, a correção cirúrgica do prolapso genital não significa necessariamente a correção da IU. Ambas as condições têm correlação com o problema do relaxamento do tecido muscular e ligamentar. Apenas a correção do prolapso da parede anterior da vagina (cistocele) pode ter uma taxa de sucesso em 37% dos casos, muitas vezes suficiente para um bom resultado clínico caso a caso. A literatura indica uma conduta restritiva para os procedimentos combinados, os quais podem cursar com efeitos indesejáveis e alterar de forma importante a qualidade de vida.

Para sua função adequada, é necessária uma integração entre mecanismos complexos de controle central e periférico (Quadro 15.2 e Fig. 15.3).

Em aproximadamente 10% dos casos, a IUE não é causada por uma alteração anatômica, mas pelo que denominamos insuficiência intrínseca do esfíncter uretral. Situações que alteram a vascularização dessa musculatura, como cirurgias geniturinárias múltiplas, traumatismos,

3. Núcleos da base: ação inibitória.

Enchimento: Inibição do parassimpático Estímulo do simpático: contração α e relaxamento β Estímulo dos nervos somáticos do esfíncter estriado urogenital

Sistema Nervoso Central (SNC) O SNC participa desses mecanismos em vários níveis: 1. Córtex do lobo frontal: controle voluntário – atividade tônica inibitória. 2. Substância reticular pontomesencefálica: integração de estímulos aferentes e eferentes – atividade inibitória.

4. Sistema límbico: aumento da excitabilidade do detrusor. 5. Medula: atuação dos sistemas simpático e parassimpático.

Esvaziamento: Estímulo do parassimpático Inibição do simpático Inibição dos nervos somáticos do esfíncter estriado urogenital

Figura 15.3 Ação dos sistemas autonômico e somático durante o enchimento e o esvaziamento vesical.

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QUADRO 15.2

Conclusão Com o aumento da distensão vesical, as fibras sensoriais proprioceptivas do detrusor (mecanorreceptores) enviam um estímulo aferente para o centro da micção (sacro) e então para o córtex cerebral, iniciando-se a fase de esvaziamento. Fibras parassimpáticas eferentes, por meio do nervo pélvico, provocam a contração do detrusor e o aumento da pressão intravesical; ao mesmo tempo, ocorre a inibição reflexa simpática e somática com o relaxamento do esfíncter uretral (diminuição da pressão intrauretral) e do assoalho pélvico, respectivamente. A fixação voluntária do diafragma pélvico e a contração dos músculos abdominais auxiliam a micção.

Sistema nervoso periférico Autônomo 1. Sistema nervoso parassimpático (S2-S4): fibras pré-ganglionares longas que terminam em gânglios na parede vesical (receptores muscarínicos – M2 e M3), promovendo contração muscular (detrusor) via acetilcolina. Embora os receptores M2 sejam mais numerosos, são os M3 que predominam na mediação da contração detrusora (Ouslander, 2004). 2. Sistema nervoso simpático (T10 e L2): fibras pós-sinápticas liberam noradrenalina com ação dependente do tipo de receptor: Alfa: predominante na uretra – contração esfincteriana;

225

Dessa forma, tem-se as fibras do tipo 1, que produzem uma contração tônica mantida involuntária, e as fibras do tipo 2, ativadas voluntariamente em momentos de estresse muscular (p. ex., tosse, espirro).

Classificação A incontinência urinária (IU) pode ser classificada em três grandes grupos: 1. incontinência urinária de esforço (IUE); 2. incontinência urinária de urgência (IUU) 3. incontinência urinária mista (IUM).

Incontinência urinária de esforço Define-se a IUE como toda observação de perda involuntária de urina pelo meato uretral externo, sincrônica ao esforço, espirro ou tosse (Abrams et al., 2002). É também conceituada como a perda involuntária de urina após um esforço, sem que haja contração do músculo detrusor da bexiga. Acomete cerca da metade das pacientes com IU e ocorre devido a uma alteração anatômica ou funcional da uretra: a pressão intravesical excede a pressão intrauretral máxima em situações de esforço, causando a perda involuntária de urina. A IUE é classificada, de forma simplificada, em duas categorias: hipermobilidade do colo vesical e insuficiência esfincteriana intrínseca. Essa classificação é fundamentada em achados de estudo urodinâmico e pode ter importância na escolha terapêutica.

Atuação via nervo pudendo e plexo pélvico (S2-S4), com inervação do esfíncter anal externo, esfíncter uretral externo, musculatura e pele perineal. O neurotransmissor principal é a acetilcolina, por meio de receptores nicotínicos.

A hipermobilidade ocorre devido a alterações no mecanismo uretral extrínseco, secundário à mudança da posição do colo vesical e da uretra proximal. Normalmente está associada a lesões dos componentes do assoalho pélvico. O diagnóstico da hipermobilidade é presuntivo no exame clínico uroginecológico e na avaliação urodinâmica (quando os valores de pressão de perda urinária forem > a 90 cmH2O) e pode ser confirmado por meio de exames de imagem, como ultrassonografia ou uretrocistoscopia.

Na musculatura pélvica, há fibras musculares que respondem de forma diferenciada a essa inervação, de acordo com o tipo de receptor.

O termo deficiência esfincteriana uretral intrínseca (DEUI) refere-se à IUE causada pela inabilidade do mecanismo esfincteriano uretral.

Beta: predominantes no detrusor – relaxamento muscular. Somático

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Inúmeras podem ser as causas desse comprometimento, como as cirurgias vaginais prévias e o hipoestrogenismo. A DEUI clinicamente caracteriza-se por perda urinária com mínimos esforços. O diagnóstico é estabelecido quando a pressão de perda urinária (leak point) for inferior a 60 cmH2O na avaliação urodinâmica.

Incontinência urinária de urgência ou bexiga hiperativa A Sociedade Internacional de Continência (ICS) define como hiperatividade vesical a presença de contrações do músculo detrusor durante a fase de enchimento vesical, desencadeada espontaneamente ou em resposta a estímulos, demonstrada de forma objetiva, quando a paciente tenta inibir a contração. É chamada de instabilidade idiopática quando se apresenta em pacientes sem causa definida e de hiperatividade neurogênica em pacientes com doenças neurológicas (ver adiante, em Avaliação urodinâmica).

A hiperatividade detrusora (HD) é considerada a segunda principal causa de IU na mulher. Alguns estudos estimam uma prevalência de 12 a 22%. As pacientes com esses distúrbios apresentam falta do controle de micção quando têm urgência miccional ou quando sentem a bexiga cheia. Nessas situações, há início de micção, inabilidade de cessá-la e perda irregular de grande ou pequena quantidade de urina. Essas disfunções podem estar associadas a alterações emocionais ou ocorrer mesmo com a paciente dormindo. Alguns fatores etiológicos estão descritos na Tabela 15.1. Há pacientes que têm sintomas de urgência, aumento da frequência e noctúria, mas não apresentam perda urinária. Essa entidade chama-se dry overactive bladder. Alguns autores a definem quando houver mais de quatro episódios de urgência nas últimas 4 semanas e frequência urinária de mais de oito episódios ao dia (Milsom; Abrams; Cardozo, 2001). É consi-

Tabela 15.1 Condições que causam ou contribuem para sintomas de hiperatividade detrusora na mulher Condição

Mecanismo ou efeito

Infecção do trato urinário Obstrução Contratilidade vesical diminuída Anormalidades vesicais (tumores, cálculos, cistite intersticial) Deficiência estrogênica Deficiência esfincteriana

Ativação da inervação aferente sensorial. Hiperatividade e retenção. Retenção ou redução da capacidade vesical. Hiperatividade detrusora.

Doenças neurológicas

Diabete Insuficiência cardíaca Cafeína e álcool Constipação Condições psicológicas Barreiras ambientais Medicações Fonte: Adaptada de Ouslander (2004).

Atrofia genital e uretrites. Perda urinária proximal (colo vesical) pode precipitar urgência e reduzir capacidade de inibir o detrusor pela contração esfincteriana. Acidentes vasculares, déficits cognitivos, doenças degenerativas, etc., podem reduzir o controle voluntário e o tônus inibitório do SNC. Neuropatia pode causar retenção e redução da capacidade vesical. Mal controle associa-se a diurese osmótica e poliúria. Noctúria e polaciúria. Poliúria e polaciúria. Impactação fecal pode ocasionar piora dos sintomas. Ansiedade pode ocasionar piora dos sintomas. Acesso limitado ao banheiro pode piorar sintomas. Diuréticos, antidepressivos, opioides e anti-hipertensivos podem alterar a fisiologia do trato urinário.

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derada como possível precursora da urgeincontinência. Estima-se que aproximadamente 8% das mulheres apresentem essa queixa (Stewart et al., 2001).

227

associada a fístulas vesicais. Perda involuntária de urina algumas semanas após uma histerectomia total sugere formação de fístula.

Diagnóstico

Essas e outras condições associadas à perda urinária estão descritas no Quadro 15.3. A realização do diário miccional permite um diagnóstico acurado do hábito urinário (frequência urinária, natureza dos episódios de incontinência, relação com a ingestão hídrica) por meio das anotações da paciente em um período de 24 horas por três dias. É importante que se tenha a medida do volume ingerido e do volume urinado.

História clínica

Exame físico

O aspecto inicial mais importante na avaliação da mulher com IU é a história clínica. A paciente deve informar aspectos relativos ao início de sintomas, frequência, gravidade, hábito intestinal e impacto na qualidade de vida (Blatvas, 2000). A avaliação inicial nem sempre é diagnóstica, mas a informação obtida deve servir como guia para a seleção de testes diagnósticos apropriados. A descrição das características da perda urinária deve ser cuidadosamente explorada. A perda de urina associada a um esforço (tosse, espirro, risada, exercício) sugere IUE. A IUU está associada à urgência miccional. Incontinência por transbordamento pode estar presente como gotejamento constante ou como perda abrupta de grande quantidade de urina. Perda contínua de urina pode significar fístula, ureter ectópico ou cálculo na uretra.

A inspeção estática do períneo e o exame especular da vagina permitem avaliar deprivação estrogênica, distopias pélvicas e outras lesões que possam estar associadas à IU (p. ex., divertículos uretrais). A presença de urina na vagina pode ser indicativa de fístula. Massas pélvicas também devem ser pesquisadas, uma vez que podem determinar efeitos compressivos sobre a bexiga. Sequelas de cirurgias ginecológicas, como rigidez, fixação e edema de uretra, também podem ser suspeitadas pelo exame físico.

Incontinência urinária mista A IUM é caracterizada por pacientes que em situações de esforço apresentam, além da alteração anatômica, contrações não inibidas do detrusor.

A duração, a idade de início dos sintomas, a frequência e o volume da urina devem ser pesquisados. A mulher que apresenta enurese noturna na infância pode, mais tarde, apresentar bexiga hiperativa. A IUU associada à disúria, à noctúria e à hematúria pode representar uma infecção do trato urinário (ITU). Relatos de ITU recorrente, pielonefrite aguda e cálculos urinários devem ser bem investigados. Incontinência fecal (perda fecal pelo menos 1 vez por semana ou que requer proteção sanitária) pode estar associada à IU em 21% dos casos (Incontinence…, 2002). A incontinência fecal tem prevalência estimada em 2,2%, com 10% apresentando episódios de incontinência mais de uma vez por semana. Cirurgia pélvica prévia, principalmente geniturinária, pode estar

Faz parte da investigação clínica um rastreamento de alterações neurológicas, como a pesquisa do reflexo bulbocavernoso, do tônus do esfíncter uretral e da suscetibilidade perineal (Bent, 1990). A falta de resposta do arco reflexo sacral pode não ser patológica, já que ocorre em 20% das pacientes neurologicamente normais. Dentre as pacientes com esclerose múltipla ou doença de Parkinson, 20 a 30% têm queixas iniciais de perda urinária. Avaliação da força contrátil muscular: 60% das mulheres apresentam força normal versus 30% com contrações fracas ou ausentes (Ortiz, 1994). As pacientes com graduação até 2 devem realizar exercícios com a presença de estímulo vaginal manual (médico-fisioterápico), eletroestimulação ou com auxílio de outros métodos de biofeedback (perineômetro), até que consigam realizar os exercícios perineais sozinhas. Em mulheres com função contrátil normal, a pressão atingida está entre 30 e 60 mmHg, enquanto as pacientes com IUE podem chegar a uma média de 0 a 5 mm (ver Cap. 16, Tratamento da incontinência urinária).

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QUADRO 15.3

Disfunção miccional relacionada à característica da perda urinária I. Fase de enchimento A. Função vesical 1. Atividade detrusora a. normal b. hiperativa – o termo bexiga hiperativa descreve a “síndrome clínica” de IUU (36%), frequência (⬎ 7⫻ ao dia; sintoma mais descrito – 85%), urgência (54%), disúria (dor, ardência relacionada ao ato de urinar), noctúria (⬎ 2x à noite) e enurese (esvaziamento vesical involuntário) associada à hiperatividade neurogênica e idiopática do detrusor B. Função uretral 1. normal 2. incompetente (DEUI) 3. hipermobilidade uretral II. Fase de esvaziamento A. Função detrusora 1. normal 2. hipocontrátil 3. acontrátil (flácido) B. Função uretral 1. normal 2. obstrutiva a. hiperativa b. fator mecânico

A mulher deve ser examinada na posição de litotomia e ortostática, de preferência com a bexiga cheia (Flisser; Blaivas, 2002).

Na presença de cistocele de alto grau e prolapso uterino, a redução para sua posição anatômica pode revelar IUE (Nichols, 1985).

Na inspeção dinâmica do períneo (aumento da pressão intra-abdominal), devem-se observar o tipo e a gravidade do prolapso genital, se existente. As diferentes classificações para prolapso genital estão descritas detalhadamente no Capítulo 14, Anormalidades da estática pélvica. Diferentes graus de distopia pélvica podem se associar ao quadro de IU: 75% no prolapso uterino de primeiro grau e 40% nos casos de terceiro grau. Cerca de 60% das mulheres com prolapso total de útero são continentes pelo aumento da pressão uretral promovida pelo corpo uterino no esforço ou por grande angulação entre a uretra e a bexiga. Há também a possibilidade de toda a bexiga se encontrar fora da cavidade abdominal, não recebendo o impacto dos aumentos pressóricos. Sabe-se que o grau de prolapso genital não se relaciona à intensidade nem ao tipo de perda urinária.

Exames complementares Cabe ressaltar que a história clínica e o exame físico, apesar de muito importantes, podem falhar no diagnóstico correto do tipo de IU em até 30% dos casos (Kholi; Karram, 1998). Nesse contexto, a realização de investigação adicional se faz útil, podendo ser realizada no consultório ginecológico ou contemplar a utilização de testes mais sofisticados, em situações de diagnóstico difícil. Em primeiro lugar, deve-se excluir a presença de infecção urinária, que, por si só, pode determinar perda urinária e sintomas de urgência. Teste do cotonete (Q-tip test) Também testa a mobilidade do colo vesical, por meio da inserção de um cotonete na uretra até a junção retrovesical, com a medida do ângulo entre o cotonete e a horizontal. Em IU anatômica,

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o ângulo eleva-se a valores maiores do que 20°, geralmente 50 a 60° (Norton, 1990). A cada dois graus de variação do ângulo, a junção uretrovesical desloca-se 1 mm para baixo (Girão, 2002). Cerca de 83% das pacientes com teste positivo são continentes, 32% apresentam instabilidade do detrusor, e 39% das negativas apresentam incontinência aos esforços. Teste negativo em paciente com IUE serve de alerta (29%), já que 50% podem evoluir com falha após suspensão do colo vesical em virtude de maior probabilidade de defeito esfincteriano (Stenchever, 2001). É um teste sem sensibilidade para diferenciar as diversas condições de incontinência. Os ângulos de inclinação uretral e uretrovesical perderam a grande importância que se lhes conferiam no passado. Servem somente para explicar distopias importantes, não necessariamente associadas à perda urinária. Esse teste não é utilizado como rotina na avaliação dos casos de incontinência no Setor de Uroginecologia do HCPA. Teste do absorvente (pad-test) Consiste na pesagem de protetores perineais absorventes para quantificar indiretamente a perda urinária, sendo útil no diagnóstico, na monitoração dos efeitos terapêuticos e na documentação da perda quando esta não é verificada na clínica ou na avaliação urodinâmica (Girão, 2002). Pode ser feito em 20 minutos. Colocam-se 250 mL de soro fisiológico intravesical por meio de uma sondagem de alívio. A paciente realiza algumas atividades padronizadas, como andar, subir e descer um lance de escada, levantar da posição sentada, tossir, lavar as mãos em água corrente. Uma diferença de peso superior a 8 g sugere incontinência (Mouritsen, Berild; Hertz, 1989). Há baixa sensibilidade e correlação pobre com o ganho de peso do absorvente e os achados de imagem. No estudo de Wall (1999), a realização do teste com uso de Pyridium® demonstrou que todas as mulheres incontinentes apresentam teste positivo, mas que 52% das mulheres continentes também tiveram o forro tingido, sugerindo alta taxa de falso-positivo. No Setor de Uroginecologia do HCPA, o pad-test pode estar incluído, se indicado, em protocolos de pesquisa, mas não faz parte da rotina assistencial.

229

Diário miccional O diário miccional consiste em anotação diária da ingestão hídrica, frequência e volume das micções, atividades diárias e episódios de incontinência, necessidade e número de proteções higiênicas, etc. Constitui um método custo-efetivo de avaliar inicialmente a queixa urinária quando comparado ao pad-test e a escalas padronizadas de sintomas (Martim; Williams; Abrams, 2006). Considera-se adequado o diário por três dias (Lose; Thyssen, 1996; Abrams et al., 2002) (GR D). Sugestão para diário miccional utilizado no Setor de Uroginecologia do HCPA se encontra ao final do Capítulo 16, Tratamento da incontinência urinária. Uretrocistoscopia Algumas situações clínicas podem exigir avaliação uretrocistoscópica, como hematúria, urgência e frequência persistentes; IU contínua; suspeita de divertículo uretral, lesão uretral, vesical ou ureteral; diminuição da capacidade vesical na cistometria; noctúria; enurese; patologias sistêmicas ou neurológicas associadas; nas pacientes nuligestas e jovens; traumatismo medular; retenção urinária; e recorrência de IU após tratamento cirúrgico. A única contraindicação absoluta para o exame é a presença de ITU. Na presença de valvulopatias, está indicada profilaxia cirúrgica (ampicilina 2 g ⫹ gentamicina 1 mg/kg 2 h antes e 6 h após o exame). Não está estabelecido se há necessidade do uso rotineiro de profilaxia para ITU, pois a taxa de bacteriúria posterior varia entre 2,8 e 16,6%. Para uso profilático, estão indicados sulfametoxazol 800 mg, quinolona ou nitrofurantoína em dose única. Ultrassonografia A ultrassonografia tem seu papel como exame auxiliar na investigação de pacientes com IU. Inicialmente utilizada para avaliação da hipermobilidade do colo vesical, vem apresentando benefícios no diagnóstico de patologias que envolvem a anatomia do trato urinário. Várias vias podem ser utilizadas: a transrretal, a transvaginal, a transperineal e a translabial, etc. A via transvaginal e a translabial, no entanto, têm sido as mais utilizadas. A paciente é colocada em

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posição de litotomia, e o transdutor é aplicado em sentido sagital ao períneo para a visualização do colo vesical, da junção uretrovesical (JUV) e da sínfise púbica. Solicita-se então à paciente que realize uma manobra de Valsalva e mede-se o deslocamento da JUV em relação à sínfise púbica durante o repouso e o esforço. Herrmann (1993) constatou que um deslocamento de 10 mm ou mais é compatível com o diagnóstico de hipermobilidade do colo vesical. Trabalhos recentes têm também utilizado as medidas dos ângulos a e R da JUV na avaliação da hipermobilidade (Schaer et al., 1995; Sendag et al., 2003).

Principais indicações da avaliação urodinâmica, quando:

A ultrassonografia pode ser utilizada ainda para a identificação de prolapsos genitais, divertículos, medida do resíduo vesical pós-miccional, avaliação da uretra e esfíncter uretral, além do acompanhamento pós-operatório de cirurgias para IU. O diâmetro uretral interno superior a 6 mm sugere defeito esfincteriano uretral intrínseco (Oliveira; Ramos; Martins-Costa, 2006).

> Há alterações no fluxo e retenção urinária.

Em comparação aos outros métodos de imagem, a ultrassonografia apresenta vantagens importantes, como baixo custo, conforto para a paciente, não exigência de cateterização, diagnóstico em tempo real, isenção de radiação, possibilidade de visualizar o trato urinário e especificidade e valores preditivos comparáveis à uretrocistoscopia (Schaer et al., 1995; Herrmann, 1993).

Na fase de enchimento vesical, é possível identificar as contrações involuntárias do detrusor, que se caracterizam por contrações involuntárias, espontâneas ou provocadas, do músculo detrusor, com valores normalmente superiores a 15 cmH2O, confirmando o diagnóstico de hiperatividade do detrusor.

Avaliação urodinâmica O estudo urodinâmico permite caracterizar, de forma objetiva e precisa, o distúrbio urinário real, por meio da medida das pressões em vários pontos do trato urinário baixo. Desse modo, analisa as relações entre a pressão abdominal, vesical e uretral nas diversas fases de enchimento da bexiga (Girão, 2002). O estudo urodinâmico está indicado nas pacientes que apresentam incontinência urinária, obstrução infravesical e disfunção vesical de origem neurogênica, com o objetivo de diagnóstico e de seguimento. Contudo, é um exame invasivo e que gera constrangimento a muitas pacientes. Ainda há dados insuficientes para determinar se a avaliação urodinâmica deve ser feita rotineiramente em todas as pacientes com incontinência urinária que necessitam de tratamento, principalmente quando a história clínica é bem avaliada.

> O tipo de incontinência após uma anamnese e exame físico são inconsistentes. > Os sintomas não se correlacionam com a anamnsese e o exame físico. > Houver falha terapêutica. > Houver necessidade da confirmação diagnóstica, (p. ex., pesquisa). > Intervenção cirúrgica for planejada.

> Há prolapso genital associado. No estudo urodinâmico, para se pesquisar o diagnóstico da incontinência urinária, é importante avaliar a fase de enchimento vesical, as manobras de esforço e pressão de perda sob esforço e a fase de micção.

A complacência vesical é determinada pela relação de variação de volume e pressão de enchimento (DV/DP). Nos casos em que ocorre aumento progressivo e significativo da pressão vesical com baixo volume infundido, pode-se identificar baixa complacência do detrusor. No entanto, quando há um aumento significativo do volume infundido e os valores da pressão se elevam minimamente, pode-se inferir uma alta complacência vesical. As manobras de esforço, normalmente realizadas com a paciente em pé e com a bexiga em fase de enchimento, são realizadas por meio da tosse. Verifica-se a relação entre a perda urinária e os valores de pressão medidos em cmH2O, determinando a pressão de perda sob esforço (PPE). Dessa forma, poderá se classificar a perda de esforço em deficiência esfincteriana intrínseca ou sugerida hipermobilidade uretral, conforme os valores apresentados da pressão. Valores inferiores a 60 mmH2O sugerem defeito esfinc-

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teriano (D’Ancona, 1999), e valores superiores a 90 mmH2O, hipermobilidade. Geralmente é recomendado um valor de 250 mL intravesical para o teste da PPE. A fase miccional é importante para avaliar a contratilidade do detrusor. Quando a pressão do detrusor é baixa e a paciente não consegue esvaziar completamente a bexiga, considera-se hipocontratilidade do detrusor. A fase de esvaziamento vesical é importante para determinar se existe fator obstrutivo infravesical. Entretanto, essa fase muitas vezes não é avaliada em mulheres, porque os processos obstrutivos são incomuns e de difícil caracterização. Componentes da avaliação urodinâmica: > Urofluxometria > Cistometria > Estudos miccionais de fluxo e pressão

231

forte desejo, além da capacidade cistométrica máxima (Tab. 15.2). Para verificação mais precisa da presença de resíduo pós-miccional, a paciente deve urinar de sua forma habitual, previamente ao posicionamento para o exame, com verificação do volume eliminado, sendo realizada uma cateterização em, no máximo, 10 minutos. Em circunstâncias normais, o volume residual deve estar abaixo de 50 mL quando a quantidade de urina eliminada estiver entre 100 e 150 mL (Stenchever, 2001). Volumes acima de 100 mL são considerados anormais e sugerem esvaziamento vesical incompleto e possível perda por transbordamento. O cateterismo também permite a obtenção de urina para análise laboratorial, sem contaminação perineal. Pacientes na posição supina com perda urinária ao esforço após esvaziamento vesical completo (cateterismo) provavelmente apresentam IUE por DEUI (Culligan; Heit, 2000).

> Estudos de pressão uretral

A cistometria permite informações dos seguintes parâmetros:

> Eletromiografia do esfíncter uretral externo

> Sensibilidade vesical.

> Videourodinâmica

> Atividade detrusora.

Sem dúvida, a cistometria, que relaciona a pressão e o volume durante a fase de enchimento vesical, é o componente mais importante da avaliação urodinâmica na mulher incontinente.

> Complacência vesical.

O exame pode ser realizado por meio de colunas de água (cistometria simples) ou de formas mais complexas, como as realizadas com a videourodinâmica, reservada para situações especiais. A cistometria consiste em iniciar uma infusão de solução salina fisiológica com uma velocidade mediana de 10 a 100 mL/s. Com a paciente em posição ortostática, a infusão se dá por meio de cateteres conectados na bexiga e a transdutores de pressão. Normalmente são cateteres de pequeno calibre, para não impedir a perda urinária durante as manobras de esforço. A pressão do detrusor é avaliada pela diferença entre a pressão vesical e a pressão abdominal, normalmente avaliada da pressão retal por meio de um balão intrarretal. O procedimento avalia também o resíduo pós-miccional, os volumes de primeiro desejo miccional, o desejo normal e o

Os estudos de pressão uretral determinam a pressão ao longo da uretra e avaliam a pressão de fechamento uretral ao longo do trajeto entre o colo vesical e o meato uretral externo. Normalmente não é realizado devido à simplicidade da verificação de perda realizada na cistometria. A eletromiografia normalmente é utilizada em pacientes que apresentam alguma neuropatia herdada ou adquirida.

Tabela 15.2 Valores normais da cistometria Primeiro desejo Forte desejo Capacidade cistométrica máxima Complacência Ausência de contrações não inibidas Ausência de perda aos esforços Ausência de perda por urgência

100-250 mL 150-350 mL 300-600 mL 30-100 cmH2O

232 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

A importância do estudo urodinâmico na avaliação da IU é evidenciada por vários trabalhos que demonstram a baixa especificidade do diagnóstico clínico. Sabe-se, por exemplo, que uma situação de esforço pode desencadear contrações não inibidas e, nesse caso, a história da paciente será sugestiva de IUE. Se no exame físico observarmos cistocele e a conduta indicada for cirúrgica, certamente a paciente continuará incontinente. Mesmo nos casos de prolapsos importantes, nos quais a abordagem cirúrgica é indiscutível, a avaliação urodinâmica é útil, pois, havendo instabilidade vesical associada, a paciente saberá antecipadamente da provável necessidade de um tratamento complementar. Pode se considerar o uso de pessários nos prolapsos mais significativos durante a realização do exame. A cistometria pode ser bastante útil na reavaliação de pacientes que permanecem incontinentes após um tratamento cirúrgico. A reavaliação cistométrica pós-operatória pode revelar até 20% das bexigas instáveis no pós-operatório (Cardozo et al., 1978). De 34 pacientes que recidivaram após tratamento cirúrgico em nosso serviço, 50% apresentaram algum grau de instabilidade ou hiper-reflexia. Contudo, uma cistometria negativa não descarta instabilidade, tendo de ser realizada por mais de uma vez para fazer o diagnóstico. Cerca de 50% das mulheres com bexiga hiperativa não apresentam hiperatividade do detrusor na avaliação urodinâmica (Digesu et al., 2004).

Na mulher incontinente, foi observado que quando a única queixa é a perda de urina aos esforços e consegue-se avaliar por meio do exame físico, a avaliação urodinâmica confirma o diagnóstico em mais de 90% (Radley, 2004). Entretanto, quando existe outro sintoma associado, o diagnóstico cai pra menos de 60% (Artibani et al., 2002). Recomenda-se que, em mulheres com sintomas de IUE reprodutível ao exame físico, a avaliação urodinâmica seja opcional. Nas mulheres com sintomatologia inespecífica de IUE ou que já realizam cirurgia anti-incontinência previamente sem sucesso, a avaliação é recomendada antes de qualquer tratamento. Pacientes com IUE e pressão do detrusor durante a micção inferior a 12 cmH2O apresentam maior risco de retenção pós-operatória após cirurgias de alça (Miller et al., 2003). Existe um consenso de que todos pacientes incontinentes com doença neurológica devam se submeter à avaliação urodinâmica antes de qualquer tratamento (Stohrer et al., 2003). Uma das críticas ao papel da avaliação urodinâmica na propedêutica da IU é a falta de padronização dos seus parâmetros. As Figuras 15.4 e 15.5 apresentam exemplos de estudos urodinâmicos realizados no Serviço de Ginecologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

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Figura 15.4 Gráfico de avaliação urodinâmica normal.

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234 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Figura 15.5 Gráfico de avaliação urodinâmica com várias contrações não inibidas.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS Questões incontinência urinária 1. O tratamento inicial padrão da incontinência urinária de esforço deverá ser: a. b. c. d. e.

Cirurgia de sling. Cirurgia de Burch. Exercícios pélvicos. Oxibutinina. Imipramina.

2. As medicações anticolinérgicas agem por bloqueio competitivo dos receptores muscarínicos da bexiga. Essas drogas constituem primeira escolha apesar de estarem associadas a efeitos adversos significativos que as contraindicam em algumas situações. A principal preocupação em pacientes idosas se deve a(o): a. b. c. d. e.

Déficit cognitivo. Glaucoma de ângulo agudo. Glaucoma de ângulo aberto. Xeroftalmia. Xerostomia.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Tratamento da Incontinência Urinária José Geraldo Lopes Ramos Adriana Prato Schmidt Edimárlei Gonsales Valério Sérgio H. Martins-Costa Cláudio Lima

Na presença de incontinência urinária (IU), a sintomatologia e seu impacto no bem-estar físico e emocional da mulher é bastante variável. Como em outras situações clínicas, é preciso discutir todas as possibilidades de tratamento, considerando riscos e benefícios em cada caso, além de avaliar as expectativas da paciente em termos de melhora na qualidade de vida. Atualmente, médicos e pacientes têm à disposição várias opções terapêuticas para incontinên-

História e exame físico

Exames complementares Estudo urodinâmico

cia, incluindo intervenções comportamentais, técnicas de reabilitação do assoalho pélvico, tratamento medicamentoso e cirúrgico (Fig. 16.1).

Manejo conservador (clínico) Classicamente, o tratamento para a IU era cirúrgico. Com o passar do tempo e frente ao insucesso terapêutico, procurou-se compreender melhor a fisiopatologia da doença, desenvolver

Ausência de distopia significativa Avalição urodinâmica normal, hipermobilidade ou sugerindo IUU associada

Considerar tratamanto conservador: – Reedução perineal – Fármacos

Falha terapêutica: reavaliar

Distopia pélvica significativa e/ou hipermobilidade e/ou insuficiência do esfíncter uretal

Figura 16.1 Fluxograma de tratamento da incontinência urinária.

Considerar tratamanto cirúrgico: – Retropúblico – Sling – Correção de distopias

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exames para um diagnóstico mais preciso e buscar novas opções de tratamento. Atualmente o tratamento não cirúrgico tem sido indicado, inicialmente, para a maior parte dos casos. A abordagem pelo tratamento conservador tem sido utilizada em até 66% dos casos de IU em nosso serviço, sendo o restante das pacientes tratadas com procedimentos cirúrgicos. Em pacientes com incontinência urinária de esforço (IUE), o fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico por meio de exercícios, biofeedback, a utilização de cones vaginais ou estimulação elétrica transvaginal determinam melhora significativa com poucos efeitos colaterais, não dificultando ou mesmo auxiliando no caso de abordagem cirúrgica posterior. Fantl, Newman e Colling (1996) referem-se à indicação de terapêutica conservadora como primeira escolha, considerando o fato de ser menos invasiva e mais segura para o tratamento inicial da IU. Em consulta aos Guidelines do National Institute for Health and Clinical Excellence – NICE (2006), as medidas comportamentais e a reabilitação do assoalho pélvico estão indicadas como primeira linha de tratamento para IUE, incontinência urinária mista (IUM) e incontinência urinária de urgência (IUU).

Medidas comportamentais e reeducação vesical Algumas medidas gerais podem ser recomendadas como auxiliares no tratamento dos diversos distúrbios que levam à IU (Fig. 16.2). É preciso corrigir a obesidade e tratar eventuais doenças predisponentes que possam levar a aumentos crônicos de pressão abdominal, como doenças pulmonares obstrutivas e processos alérgicos. Subak e colaboradores (2002) demonstraram que a perda de até 5% do peso já pode ter efeito significativo na incontinência. Modificações dietéticas, como diminuição do consumo de cafeína e suspensão do tabagismo, devem ser estimuladas, principalmente no caso de hiperatividade vesical. A restrição hídrica parece não modificar a perda, mas pode ser adotada à noite para reduzir sintomas em pacientes com relato de noctúria (Hay-Smith et al., 2005). O treinamento vesical (intervalos pré-determinados para micção), combinado à utilização do diário miccional, pode contribuir com reeducação do hábito urinário e diminuição de sintomas

239

de urgência, além de aumentar a adesão ao tratamento (Tarnay, 2002). É uma opção de primeira linha no manejo de IUU e IUM, combinada ou não a outras terapias (National Institute for Health and Clinical Excellence, 2006).

Terapia hormonal (TH) Em análise de subgrupo do estudo Heart and Estrogen/progestin Replacement (HERS) (Grady et al., 2001), das 1.525 mulheres com IU no início do estudo, a proporção de pacientes que melhoraram após 4 anos de terapia estrogênica foi similar ao placebo (21 vs. 26%). No grupo tratado, maior número de mulheres referiu piora dos sintomas urinários (39 vs. 27% no placebo). Resultados semelhantes foram identificados no estudo Women’s Health Initiative (WHI) (Hendrix et al., 2005), em que o RR de IU em 1 ano foi significativamente maior no grupo com TH. Nas pacientes com queixas urinárias, também houve agravo dos sintomas no grupo tratado. Moehrer, Hextall & Jackson (2006), em metanálise recente, incluíram 2.926 mulheres a partir de ECRs com TH e IU. Cerca de 50% das mulheres tratadas com estrogênio somente referiram melhora ou cura da IU, comparado a 25% nos grupos placebo. A evidência é mais favorável para mulheres com queixas de IUU. A terapia combinada parece não melhorar e pode, inclusive, reduzir a possibilidade de melhora. Riscos associados à terapia estrogênica pura em pacientes com útero devem ser considerados, e tratamentos de curta duração podem ser uma opção. Não foi possível estabelecer o papel das diferentes doses e vias de administração. Alguns estudos com seguimento curto (6 meses) sugerem o uso de estrogênio tópico para a melhora de sintomas urogenitais secundários à atrofia. Não há evidência, no entanto, para uso de estrogênio tópico para o tratamento da IU (National Institute for Health and Clinical Excellence, 2006).

Reabilitação da musculatura pélvica A reabilitação da musculatura pélvica é o objetivo comum de tratamentos que utilizam exercícios perineais (Kegel, 1951), cones vaginais, eletroestimulação e biofeedback. Na utilização dessas técnicas, ocorre aumento do tônus muscular e da força contrátil, e recuperação das fi-

240 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

bras de resposta rápida do esfincter uretral estriado (Culligan; Heit, 2000). São consideradas primeira linha de tratamento em pacientes com IUE ou IUM (GR A) (National Institute for Health and Clinical Excellence, 2006).

Exercícios perineais (cinesioterapia) A cinesioterapia do assoalho pélvico baseia-se no princípio de que contrações voluntárias repetitivas aumentam a força muscular e a continência, pela ativação da atividade do esfincter uretral e pela promoção de um melhor suporte do colo vesical, estimulando contrações reflexas desses músculos durante as atividades diárias que geram estresse (Moreno, 2009). Os exercícios de Kegel consistem em contrações controladas e sustentadas dos músculos do assoalho pélvico. Em pacientes motivadas, realizando exercícios regularmente durante no mínimo 3 meses, pode-se esperar uma taxa de cura de 38% ou mais para IU genuína (Benvenuti et al., 2000). Resultados melhores podem ser obtidos em pacientes com IUE leve a moderada, por meio de programas intensivos semanais em nível hospitalar (benefício objetivo em torno de 51%), comparados a 30% de melhora com programas graduais domiciliares (estes últimos melhores do que o placebo) (Moore, 2000). Em nosso meio, Moreno (2000), avaliando 27 mulheres com IUE leve ou moderada, tratadas pela cinesioterapia do assoalho pélvico durante três meses, obteve um índice de cura e melhora de 81,5%. Apesar de inicialmente descrita para IUE, a cinesioterapia também é considerada em pacientes com sintomas de urgência ou mistos,

já que as contrações podem inibir a atividade detrusora por meio de reflexo sacral (Culligan; Heit, 2000). O programa de exercícios no tratamento da IUE não está padronizado. Há divergências em relação ao tempo de tratamento, aos tipos de exercícios e ao tempo e à intensidade da contração realizada (Moreno, 2000). Estudos sobre a neurofisiologia muscular demonstram que o ganho de força muscular é obtido pela combinação de poucas repetições diárias, com aumento gradativo da intensidade de força e do tempo de sustentação da contração (DiNubile, 1991). A proposta de cinesioterapia passa pela avaliação funcional do assoalho pélvico e é realizada pelo toque vaginal ou com o perineômetro desenvolvido por Kegel (1948/1951). No exame vaginal, solicita-se à paciente que contraia e mantenha a contração dos músculos perineais ao redor do dedo do examinador. Assim, gradua-se a capacidade de contração dessa musculatura, avaliando-se de modo mais objetivo a função motora do assoalho pélvico. O Quadro 16.1 refere-se à classificação dos graus de força muscular, conforme Ortiz e colaboradores (1994). Somente após a paciente adquirir força maior ou igual a 2 e coordenação muscular é que ela passa para os exercícios individuais ou em grupo, com o objetivo de aumentar o recrutamento tanto das fibras musculares do tipo 1 (exercícios com contrações lentas e prolongadas) quanto do tipo 2 (exercícios compostos de contrações fortes e rápidas). A frequência do tratamento pode ser diária ou de 2 a 3 vezes por semana, por um mínimo de três meses, tempo necessário para a obtenção de

QUADRO 16.1

Graus de força muscular Grau 0: sem função perineal objetiva, nem mesmo à palpação. Grau 1: função perineal objetiva ausente, reconhecida somente à palpação. Grau 2: função perineal objetiva débil, reconhecida à palpação. Grau 3: função perineal objetiva e resistência opositora mantida à palpação por menos de 5 segundos. Grau 4: função perineal objetiva e resistência opositora mantida à palpação por mais de 5 segundos. Fonte: Adaptado de Ortiz e colaboradores (1994).

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hipertrofia e, consequentemente, força muscular. As situações de estresse podem ser simuladas especialmente nas terapias individuais, como tossir, mexer com água, ficar de cócoras, carregar peso, correr na esteira. Sugestões para a realização de exercícios pélvicos podem ser encontradas no protoloco de tratamento conservador do Setor de Uroginecologia (Fig. 16.2). Os dados disponíveis na literatura são limitados para definir o efeito a longo prazo dos exercícios perineais, assim como seu efeito aditivo em outros tratamentos (Hay-Smith et al., 2000). Após a interrupção do tratamento, observa-se uma perda de força muscular de 5 a 10% por semana. No entanto, duas sessões de exercícios por semana parecem ser suficientes para a manutenção dos resultados (Morkved; Bo; Fjortoft, 2002).

Biofeedback O biofeedback é o registro de uma atividade fisiológica, que, após amplificação e transformação em sinais acústicos e/ou visuais, é apresentado à paciente, facilitando a compreensão sobre a musculatura que deve ser recrutada nos exercícios perineais (Moore, 2000; Girão et al., 1995). Nos anos 40, Kegel desenvolveu o perineômetro: probe vaginal com sensor de pressão, que auxiliava as pacientes no aprendizado dos exercícios pélvicos, apresentando a intensidade e a duração da contração muscular. É importante ressaltar que qualquer método que ofereça uma ideia objetiva à paciente, em relação à ação que executa, consiste em uma técnica de biofeedback (Moore, 2000). Na maioria dos ensaios clínicos publicados com aplicação de biofeedback em IUE ou IUM, as amostras são pequenas. Como o uso de exercícios perineais é efetivo no tratamento da incontinência, uma amostra maior é necessária para demonstrar benefício pela adição dessa técnica. Além disso, há outros problemas metodológicos, como falhas na randomização e seleção de casos e controles, ausência de resultados da avaliação urodinâmica e capacidade de contração muscular de base (Morkved; Bo; Fjortoft, 2002). Berghmans e colaboradores (1996), em ECR com 40 pacientes, mostraram melhora de 55% em pacientes com EMAP e EMAP associado a biofeedback. Não houve diferença entre os gru-

241

pos em relação aos desfechos (perdas urinárias no pad-test e escore de sintomas). As pacientes no grupo com biofeedback mostraram resultados favoráveis já na metade do tratamento (p ⫽ 0,01). Os autores concluíram que ambas as modalidades são efetivas no tratamento da IU em pacientes com quadros leves a moderados, sugerindo que o biofeedback pode ser particulamente útil nas primeiras duas semanas de tratamento. Mais recentemente, Morkved, Bo e Fjortoft (2002) realizaram um ensaio clínico randomizado, comparando grupos quanto à realização de treinamento perineal com ou sem auxílio de biofeedback em seis meses, aplicado ao tratamento da IUE. Apresenta metodologia diferenciada, com apresentação clara do cálculo da amostra, critérios de inclusão e exclusão e processo de randomização. Fazia parte da avaliação das pacientes a realização de teste urodinâmico. Nas 70 pacientes estudadas, 36 no grupo-teste e 34 no grupo-controle, não houve diferença significativa em nenhum parâmetro objetivo ou subjetivo verificado. Os resultados obtidos estão de acordo com aqueles verificados por Burns e colaboradores (1993), na avaliação de subgrupos de 40 pacientes com IUE, IUU e IUM. Em nosso meio, um estudo que utilizou equipamentos para aplicação domiciliar de biofeedback aliado a exercícios pélvicos (EP) e eletroestimulação, Schmidt e colaboradores (2009) e Sanches e colaboradores (2009) verificaram um aumento significativo na força de contração máxima da musculatura pélvica nos grupos de tratamento. O número de perdas aos esforços e urgência foi significativamente reduzido em todos os grupos no período de tratamento. Nos escores de qualidade de vida, houve redução significativa na percepção subjetiva do impacto da incontinência. Após 12 semanas, 71,9% das pacientes atingiram cura ou melhora significativa; 18,8%, melhora parcial; e 9,3%, resposta ruim. Até o momento, os dados disponíveis na literatura são insuficientes para indicar o uso de biofeedback como primeira linha de tratamento adjunto em mulheres com IUE (National Institute for Health and Clinical Excellence, 2006) (GR A). A análise do subgrupo de mulheres com dificuldades maiores na contração perineal pode evidenciar benefício significativo.

Figura 16.2 Programa de tratamento para incontinência urinária.

242 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

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Cones vaginais

Eletroestimulação

Outro método, introduzido por Plevnik e colaboradores em 1985, foi o uso de cones vaginais. Ele demonstrou que a mulher pode melhorar o tônus da musculatura pélvica introduzindo na cavidade vaginal cones de material sintético, exercitando a musculatura do períneo na tentativa de reter os cones e aumentando progressivamente o peso destes (geralmente, retendo por 15 minutos, 2×/dia). Os estudos mostraram 70% de melhora ou cura da IU genuína em mulheres pré-menopáusicas. Na maioria dos estudos, aproximadamente dois terços das mulheres que apresentavam IU anatômica leve a moderada mostraram melhora dos sintomas, mas só 40 a 50% ficaram satisfeitas com a continuidade do tratamento a longo prazo (Wilson, 1990).

A estimulação elétrica do assoalho pélvico foi descrita em 1952. Cerca de 11 anos depois, ocorreu sua introdução na prática clínica para o tratamento da IUE. Constitui uma opção para o tratamento da IUE leve a moderada, da IUU e da IUM.

Os cones vaginais são dispositivos com a mesma forma e o mesmo volume, com pesos variando de 25 a 75 g (conjuntos com 5 cones), funcionando como um feedback sensorial. Identifica-se qual o cone mais pesado que a paciente consegue reter na vagina durante 1 minuto, com ou sem contração voluntária dos músculos do assoalho pélvico. Diz-se que o cone é ativo ou passivo, respectivamente. O cone passivo representa o tônus em repouso da musculatura do assoalho pélvico, com recrutamento de fibras tipo 1. A sensação do cone saindo da vagina provoca uma contração reflexa involuntária da musculatura pélvica (fibras 1 e 2), com o objetivo de mantê-lo na posição original. No cone ativo, a paciente contrai a musculatura de forma voluntária, geralmente 30 contrações de 5 segundos com o mesmo tempo em repouso, como nos exercícios de Kegel, com maior recrutamento de fibras do tipo 2. A presença do cone facilita a percepção da paciente para executar a contração muscular, com menor influência dos músculos abdominais, sendo útil, inclusive, para o aprendizado dos exercícios perineais. Os cones estão indicados nos casos leves e moderados de IUE, com sucesso variável entre 60 e 80%. A série de exercícios consiste em 15 minutos de retenção duas vezes ao dia (Ramos, 2001). A incidência de efeitos adversos está em torno de 10%, e os mais comuns são dor local, infecções, sangramento e aumento da secreção vaginal (Girão, 2002).

Os mecanismos de ação para o restabelecimento da continência são: 1) o reforço da musculatura pélvica responsável pelo suporte da uretra e do colo vesical; 2) o aumento do tônus da uretra proximal (em repouso e durante o fechamento ativo do esfincter); 3) a inibição reflexa de contrações vesicais; 4) a modificação da vascularização do tecido uretral e do colo vesical (Fall; Lindstrom, 1991, 1994). Indica-se a utilização da estimulação elétrica máxima, ou seja, um estímulo de alta intensidade (conforme a tolerância individual), por um curto período de tempo. O equipamento pode ser portátil, sendo utilizado após orientação médica em casa (home short-term stimulation) (Plevnik et al., 1985; Jonasson et al., 1990) Parâmetros elétricos para a eletroestimulação (Sand, 1996): > Frequência: a frequência de ativação das fibras musculares uretral e parauretral é variável. Na IUU, pretendemos inibir a musculatura vesical e aumentar o tônus do esfincter uretral estriado, portanto, como são fibras de contração lenta e duradoura (mantêm a continência durante o enchimento vesical), são ativadas entre 5 e 10 Hz. Na IUE, pretendemos aumentar a sustentação da uretra e do colo vesical em situações provocativas, sendo ativadas as fibras do elevador do ânus, que são de contração rápida, então, a frequência é de 50 Hz. Na IUM, ajustamos a frequência de acordo com o sintoma predominante ou utilizamos uma frequência intermediária entre 20 e 30 Hz. > Intensidade da corrente: 30 a 100 mA (a máxima conforme a tolerância individual). > Largura de pulso: 1 a 5 ms (apresentam baixo risco de efeitos eletroquímicos adversos na interface eletrodo da mucosa). > Tempo: 15 a 20 minutos, 2 a 4 vezes por semana, durante 4 a 12 semanas.

244 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Os resultados são divergentes na literatura. Taxas de cura variam de 30 a 50%, e de melhora clínica, entre 6 e 90%. Sand e colaboradores (1995), em estudo clínico controlado, trataram 52 mulheres com IUE com estimulação elétrica, observando uma diferença significativa no pad-test (teste do absorvente), na força muscular e no número de perdas de urina, estimado pelo diário miccional. Castro (2000) tratou 34 mulheres com IUE com eletroestimulação vaginal por três meses. Observou diminuição significativa do número de episódios de perda de urina e de micções, aumento da capacidade cistométrica máxima, da capacidade no primeiro desejo e do volume em que ocorria perda de urina. O uso de aparelhos domiciliares foi descrito por Schiotz (1994). A porcentagem de cura ou melhora foi significativa para pacientes com incontinência leve (71%), comparado à moderada (33%) ou grave (25%). Barroso e colaboradores (2004), em ensaio clínico randomizado, evidenciaram aumento da capacidade vesical máxima e redução significativa no número de episódios de urgência miccional e IU em pacientes submetidas à eletroestimulação (Fig. 16.3). Na avaliação após o término do tratamento, 87,5% das pacientes estavam satisfeitas. Na reavaliação semestral, 33% das pacientes necessitaram de outra abordagem terapêutica, e 67% estavam curadas ou com sintomas melhorados. Estudos que compararam o estudo urodinâmico antes e depois do tratamento comportamental não mostraram alteração significativa da função

vesical mesmo na presença de melhora clínica. Portanto, parece que não há necessidade de modificação dos parâmetros urodinâmicos para que se considere sucesso terapêutico. Parece promissor manter a introdução da técnica de estimulação do nervo tibial posterior, mas necessita de maiores avaliações para sua introdução na prática clínica de rotina. Apesar de não haver consenso sobre o uso da eletroestimulação em IU, o método consiste em alternativa prática com poucos efeitos colaterais e efetiva no tratamento das principais formas de IU feminina, principalmente IUU e IUM.

Intervenções não terapêuticas Constituem produtos que auxiliam na coleta (cateterismos permanentes ou intermitentes, absorventes), prevenção (dispositivos vaginais) ou bloqueio da perda urinária (dispositivos uretrais). Auxiliam no manejo temporário, considerando outras opções terapêuticas, ou, a longo prazo, em casos de falha terapêutica completa ou contraindicações absolutas a outros tratamentos (National Institute for Health and Clinical Excellence, 2006). Os pessários tradicionalmente utilizados em pacientes com prolapso genital não candidatas a tratamento cirúrgico podem ter um papel no suporte do colo vesical prevenindo a IUE em determinadas tarefas, como exercício físico. São métodos que contemplam um grupo limitado de pacientes, havendo dificuldades de adesão. Quando a paciente está adaptada, parece ter um benefício a longo prazo. Não há estudos sobre a relação custo-benefício (Moore, 2000).

Fármacos Tratamento farmacológico na IUU e IUM (Quadro 16.2) A farmacoterapia apresenta um papel aditivo ao treinamento vesical. Tendo como base a neurofisiologia do trato urinário, as drogas utilizadas atuam produzindo relaxamento do detrusor (ação antimuscarínica), auxiliando na continência nos casos de IUU e IUM.

Figura 16.3 Aparelho para eletroestimulação do assoalho pélvico.

As medicações anticolinérgicas constituem primeira escolha, apesar de estarem associadas a efeitos adversos significativos que as contraindicam em algumas situações. Essas drogas

Rotinas em Ginecologia

245

QUADRO 16.2

Opções para tratamento farmacológico da hiperatividade vesical Fármaco

Mecanismo de ação

Dose usual

Cuidados*

Custo médio* (reais)

Primeira linha Cloridrato de oxibutinina (amina terciária) NE 1 LR ou LE

Ação antimuscarínica, antiespasmódica e anestésica (60-80% resposta)

LR: 2,5 mg, 3x/dia, com adequado índice de sucesso com menos efeitos adversos (NE 1) Podem-se utilizar até 10 mg 3x/dia LE: 10 mg 1x/dia

Evitar em glaucoma de ângulo fechado não tratado e arritmias cardíacas; xerostomia 70%; LE: menos efeitos adversos

LR: ± 25,00 30 cp LE: ± 70,00 30 cp

Opções Tartarato de tolterodina (amina terciária) NE 1 LR ou LE Menos lipofílico – menos efeitos cognitivos Bromidrato de darifenacina (amina terciária) Succinato de solifenacina (amina terciária) Hidrocloridrato de trospio (amina quaternária) NE 2 Fesoterodina

Antagonista competitivo da acetilcolina (65% resposta)

LR: 2 mg 2x/dia LE: 4 mg dose única

Seletividade funcional para bexiga; xerostomia 40%

LR: ± 195,00 60cp LE: ± 290,00 28cp

Inibidor seletivo de receptores M3

Uso único diário – iniciar 7,5 mg; aumentar dose em 15 dias Dose indicada 5-10 mg/dia

Melhor para déficit cognitivo; constipação 21%; xerostomia 8% Não indicado em intolerância à soja e ao amendoim 1x/dia em idosos; menos efeitos centrais (cognitivos)

7,5 mg: 93,00 28 cp 15 mg: 186,00 28 cp NÃO DISPONÍVEL NO MERCADO NACIONAL NÃO DISPONÍVEL NO MERCADO NACIONAL

Xerostomia 22-34%

DROGA AINDA EM ESTUDO

Antagonista M3

Antagonista M1 e M3; não ultrapassa barreira hematoencefálica

Dose indicada 20 mg 2x/dia

Anticolinérgico em fase 3 de pesquisa; 78% resposta

Dose indicada 8 mg/dia

* (Setembro de 2009) www.consultaremedios.com.br; www.drugs.com NE, nível de evidência; LR, liberação rápida; LE, liberação estendida. Fonte: Adaptado de National Institute for Health and Clinical Excellence (2006), Arruda e colaboradores (2009) e Santos e Schreiner (2009).

agem por bloqueio competitivo dos receptores muscarínicos da bexiga, principalmente M3, inibindo ou retardando o surgimento das contrações vesicais involuntárias e aumentando a capacidade vesical funcional (Almeida; Skaff,

2009). Algumas preparações devem ser evitadas em idosos com déficit cognitivo superior a 10%; nesses pacientes, deve-se dar preferência ao uso de medicações com liberação regular, não estendida.

246 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Os antidepressivos tricíclicos constituem uma opção terapêutica na IUM, atuando na inibição da recaptação de noradrenalina e serotonina, relaxando o detrusor e aumentando a resistência uretral. Apresenta também efeitos benéficos no manejo da enurese noturna. É possível utilizá-los para tratar disfunções vesicais e uretrais em nosso meio, por serem de custo acessível (tratamento mensal pode estar abaixo de R$ 20,00) embora a literatura não os indique para manejo da IU. O fármaco mais utilizado é o cloridrato de imipramina em doses variando de 25 a 75 mg/dia, tendo-se atenção à cardiotoxicidade e hipotensão postural em idosos. Tratamento farmacológico da IUE O cloridrato de duloxetina é um fármaco proposto para uso em pacientes com IUE, inibindo a recaptação de serotonina e norepinefrina, com potencial aumento da atividade motora da musculatura estriada periuretral (NE 1). Cardozo, Drutz e Baygani (2004) descreveram que, das pacientes candidatas à cirurgia para correção de IU, 20% desistiram do procedimento após terem iniciado o tratamento. Náusea foi o efeito colateral mais significativo (6,5%). A dose utilizada é de 40 mg, 2x/dia (máx. de 120 mg/dia), a um custo médio de R$ 250,00 por 30 dias de tratamento. A recomendação atual é não indicar a duloxetina como primeira linha de tratamento, considerando-se como opção em pacientes com IUE que não possam ou não queiram tratamento cirúrgico. Tratamento farmacológico da retenção urinária Medicamentos colinérgicos podem auxiliar no manejo de situações como a retenção urinária no pós-operatório de cirurgias uroginecológicas, excluindo-se o fenômeno obstrutivo. O betanecol tem ação direta no receptor, em doses de 10 mg, 3 a 4x/dia, com aumento gradual, no máximo até 50 mg/dia. O custo do tratamento mensal está em torno de R$ 120,00. Portanto, é possível utilizar fármacos para tratar disfunções vesicais e uretrais. Esses medicamentos são efetivos, pois há alívio sintomático e objetivo em algumas pacien-

tes, sendo muitas vezes possível evitar procedimentos cirúrgicos, mesmo em alguns casos de IUE. Para o manejo de disfunções, como hipotonia vesical ou hipertonia do esfincter uretral, o sucesso com o tratamento farmacológico é menos estabelecido.

Capsaicina e resiniferatoxina O uso intravesical da capsaicina e da resiniferatoxina no tratamento da hiperatividade vesical tem como base a suposição de que pequenas fibras aferentes não mielinizadas (fibras C) seriam responsáveis por um aumento da excitabilidade do detrusor. Em situações anormais como infecções, essas fibras tornam-se ativas. O mesmo ocorre em bexigas neurogênicas por trauma raquimedular. A indicação na hiperatividade idiopática é limitada por poucos estudos controlados com placebo.

Toxina botulínica Nos últimos anos, a toxina botulínica vem surgindo como uma opção para o tratamento de distúrbios urinários, principalmente em bexiga neurogênica, dissinergias e na hiperatividade idiopática refratária (GR C). Das sete toxinas, as do tipo A e B são as disponíveis para uso clínico, principalmente a A, por não ultrapassar a barreira hematoencefálica. Ocorre aumento significativo da capacidade cistométrica e do volume na primeira contração involuntária, na hiperatividade neurogênica do detrusor. O efeito ocorre por inibição da exocitose de vesículas de acetilcolina, com recuperação histológica em 3 meses e denervação química reversível em 3 a 6 meses. Utilizam-se doses de 100 unidades diluídas em 30 mL de soro fisiológico, aplicando-se em até 30 pontos diferentes sob visão cistoscópica (evitando o trígono vesical). As reaplicações podem lesar o detrusor, o que é uma preocupação em alterações idiopáticas, já que, em neurogênicos, o detrusor já não é funcionante. Apresenta como efeito adverso a retenção urinária (10%), com melhora em seis semanas de cateterismo intermitente. Há contraindicação para pacientes em uso de aminoglicosídeos, portadores de neuropatia motora periférica ou miastenia, e durante amamentação e gestação (Rodrigues et al., 2009).

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Neuromodulação sacral A neuromodulação sacral está disponível no Brasil desde 2005. O implante do eletrodo teste ocorre na região sacral em S3, ligado a um estimulador externo. O paciente é acompanhado e reavaliado em um período de 3 a 7 dias. Se houver melhora superior ou igual a 50%, o eletrodo definitivo é implantado no subcutâneo. O modo de ação da neuroestimulação sacral ainda não está esclarecido. Mecanismos de reflexo sacral, bem como centros de modulação pontinos e corticais têm sido postulados como responsáveis pelo resultado favorável (Almeida; Skaff, 2009). Estudo multicêntrico, prospectivo e randomizado, incluindo 16 centros e 155 pacientes, apresentou taxa de sucesso (melhora ⫹ cura) de 77% em seis meses (Schmidt et al., 1999). É um método indicado para casos refratários

aos demais tratamentos conservadores na hiperatividade vesical.

Manejo cirúrgico da incontinência urinária de esforço O manejo cirúrgico está indicado nos casos de IU por defeito anatômico. Mais de uma centena de técnicas cirúrgicas já foram testadas para o tratamento da IU, e poucas sobreviveram ao tempo. Uma doença de baixa morbidade é responsável por até 30% do movimento cirúrgico de um ambulatório de ginecologia; por isso, a indicação precisa do tratamento é fundamental. Muitas cirurgias têm sido propostas (Quadro 16.3), mas poucas permaneceram indicadas com

QUADRO 16.3

Indicações e complicações das diferentes técnicas cirúrgicas Cirurgia

Indicação

Taxas de sucesso

Riscos

Burch

Hipermobilidade uretral Cistocele associada

84%; 14% falha a longo prazo (⬎ 7 anos)

Sling pubovaginal

Hipermobilidade com envolvimento ou comprometimento da função do esfincter uretral Idem sling pubovaginal

85-90% 80% a longo prazo

Disfunção miccional 2% Hiperatividade “de novo” 7-27% Enterocele 7,6-13,6% Perfuração vesical 0,7% Perfuração vesical 3,8% Disfunção miccional 12,8% Hiperatividade 7%

Idem Burch

90% a curto prazo

Deficiência esfincteriana sem hipermobilidade

48-76% a curto prazo

Sling sintético suprapúbico (top-down e bottom-up) Sling sintético transobturatório (outside-in e inside-out)

Injeção periuretral (bulking agents)

247

87-91% a médio prazo

Perfuração vesical 2-11% Disfunção miccional 4,3% Hiperatividade 4,3% Erosão ⱕ 1-5% Perfuração vesical ⱕ 1% Perfuração uretral 1% Disfunção miccional 1,6-13,9% Dor inguinal e na coxa 2,5 a 12,9% Erosão 2,5% Infecção do trato urinário 10-15% Retenção inicial 20% Necessidade de várias injeções

Adaptado de Walters e Daneshgari (2004), National Institute for Health and Clinical Excellence (2006), Silva (2007) e Girão e colaboradores (2009).

248 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

bom embasamento científico, como a colpossuspensão retropúbica e os procedimentos de sling tradicionais. As cirurgias vaginais pela técnica de Kelly-Kennedy (uretroplastia e plicatura do colo vesical), por exemplo, estão em desuso devido aos altos índices de recidiva a médio e longo prazo. A eficácia cirúrgica muitas vezes é baixa por não se realizar o diagnóstico correto da IUU e, principalmente, da IUM (Rovner, 1998). Hiperatividade vesical pode coexistir com a IUE em até 30% das pacientes (Walters; Daneshgari, 2004). Além disso, mesmo na IUE pura, devido à própria fraqueza da estrutura muscular pélvica (fisiopatologia da doença), a taxa de recidiva é importante. Condições clínicas que aumentam o risco de falha cirúrgica são obesidade, menopausa, histerectomia prévia e procedimentos prévios para incontinência. Os achados urodinâmicos de maior risco no pré-operatório são sinais de hiperatividade, eletroneuromiografia perineal anormal e deficiência uretral. A hiperatividade do detrusor pode ser uma complicação pós-operatória em 7 a 27% das pacientes com IUE e avaliação urodinâmica pré-operatória sem evidência de contrações não inibidas. Foi realizado estudo no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) procurando-se avaliar a prevalência de recidiva de IUE tratada com diferentes técnicas cirúrgicas após dois anos de seguimento. Observou-se uma taxa de recidiva com o emprego das técnicas de Kelly-Kennedy (colporrafia anterior), Burch e Marshall-Marchetti-Kantz (MMK) de 29,2, 39,1 e 50%, respectivamente. Não houve diferença estatística de técnica cirúrgica empregada, tempo de recidiva, idade na época da cirurgia e da recidiva, estado menopausal, uso de terapia hormonal, número de gestações e antecedentes de parto vaginal. Observou-se, contudo, que a totalidade das pacientes com cirurgia prévia teve recidiva (Ramos et al., 2000). Vieceli e colaboradores (2009) apresentaram revisão de 97 pacientes submetidas à cirurgia de Burch no HCPA entre 1992 e 2003. A obesidade (IMC ⬎ 30) representou um risco 3,7 vezes maior para falha do tratamento no prazo de um ano após o procedimento em relação a pacientes não obesas. A seleção entre abordagem retropúbica ou vaginal depende de vários fatores, como a presença

ou não de deficiência uretral intrínseca, necessidade de laparotomia por outras patologias pélvicas, presença e gravidade da distopia pélvica, idade, comorbidades e preferências da paciente e do cirurgião.

Procedimentos retropúbicos (cirurgia de Burch) A descrição original realizada por Burch foi em 1961, sofrendo algumas modificações posteriores (Tanagho, 1976; Richardson; Edmonds; Williams, 1981). Nos diversos estudos, a plicatura da fáscia pubocervical é realizada de cada lado da uretra média e do colo vesical, com a colocação de 2 ou 3 suturas com fios de absorção lenta como o PDS 2 (polidioxanone monofilamentado). As suturas são fixadas nos ligamentos iliopectíneos ipsilaterais e atadas com tensão suave, para que não ocorram supercorreção e comprometimento funcional (Fig. 16.4). A maior parte dos ginecologistas prefere a cirurgia de Burch para o tratamento da hipermobilidade uretral com função uretral adequada. Muitas vezes, esse procedimento pode corrigir uma cistocele até de segundo grau. Se houver retocele ou enterocele, devem ser corrigidas no mesmo tempo cirúrgico via vaginal.

Procedimentos de cinta (sling) Sling pubovaginal (autólogo) A técnica de cinta foi desenvolvida por Aldridge (1942), com a utilização de uma faixa de fáscia (aponeurose do reto abdominal) posicionada na porção suburetral, com fixação na parede abdominal por meio de pontos de sutura, geralmente no tendão de inserção do músculo reto abdominal no púbis. A integridade vesical deve ser confirmada por cistoscopia transoperatória. Desde então, é um procedimento indicado com frequência, mas não obrigatoriamente, após recidiva da primeira cirurgia em pacientes com IU genuína. Outras indicações incluem a existência de incompetência do esfincter uretral (IUE de causa esfincteriana) e quando a capacidade e a mobilidade vaginal estão diminuídas. Existem muitos procedimentos de cinta, variando a via de acesso, o tipo de material e a tensão da cinta. A utilização de fáscia do reto abdominal ou fáscia lata é o padrão-ouro, servindo

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Figura 16.4 Cirurgia de Burch.

de referência para comparação com outros métodos. Material sintético (telas de polipropileno ou Prolene®) tem sido bastante utilizado atualmente, com um benefício objetivo a curto prazo de 73 a 93% (Bidmead; Cardozo, 2000). Há a desvantagem de, potencialmente, gerar uma resposta inflamatória a corpo estranho e determinar um risco um pouco maior de extrusão (vagina) ou erosão (vesical/uretral), comparado a materiais autólogos. Esse risco está em torno de 5%. A taxa objetiva de cura em pacientes submetidas à colocação de sling por múltiplas cirurgias prévias varia em torno de 61 e 100%, com média de 85%. Quando utilizado como primeiro procedimento, a taxa de continência está em torno de 94%. Resultados a médio e longo prazo sugerem que a continência em 10 anos seja semelhante àquela obtida no primeiro ano (Jarvis, 1994; Bidmead; Cardozo, 2000). Quando comparada à cirurgia de Burch, a cirurgia de cinta apresenta resultados semelhantes a longo prazo. Sling suprapúbico sem tensão A técnica propondo o uso de próteses sintéticas de polipropileno sem tensão macroporosa (Fig. 16.5) baseia-se na teoria proposta por Petros e Ulmsten (1990), segundo a qual o enfraquecimento dos ligamentos pubouretrais pode ser o principal fator responsável pela IUE. A tela é colocada na uretra média após passagem transpélvica de agu-

Figura 16.5 Slings sintéticos.

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250 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

lhas específicas, para compensar essa ineficiência. A cistoscopia transoperatória é mandatória. O tempo operatório é relativamente menor, com atendimento ambulatorial ou em hospital-dia. Complicações são descritas, mas podem ser menores em relação à técnica tradicional: lesão vesical (1,5-15%), distúrbios miccionais (0,3-21,3%) e retenção necessitando de transecção da tela em 1 a 2,8%. Erosão da tela para vagina ou trato urinário, hematoma pélvico e perfuração de alças podem ocorrer, mas são eventos raros (Tamussino et al., 2001; Klutke et al., 2001). Resultados objetivos a longo prazo mostram taxa de sucesso em 85%, melhora em 10,6% e falhas em 4,7% (Nilsson et al., 2001). Sling transobturatório sem tensão A presença de complicações transoperatórias (perfuração de bexiga, perfuração de alças intestinais, hemorragias de grandes vasos, etc.) com as técnicas retropúbicas promoveu a introdução de produtos similares por diferentes técnicas, como o sling transobturador (Delorme, 2001), em que a passagem da tela de polipropileno ocorre através do forame obturatório, com exteriorização por pequena incisão na face interna da coxa, bilateralmente. Há necessidade de estudos prospectivos que validem o uso dessas novas opções de cirurgias de cinta (Walters; Danehsgari, 2004), pois os estudos disponíveis são de curto a médio prazos. Mais recentemente, ressurgiram os minislings, que têm abordagem transobturatória, com ancoramento da faixa na membrana obturatória, sem a necessidade de incisões crurais. É uma técnica ainda mais recente, sem resultados a médio prazo.

Injeções periuretrais Consiste na infiltração de substâncias pouco absorvidas na região periuretral, geralmente microesferas de material sintético ou colágeno. O objetivo é aumentar a coaptação da mucosa com consequente aumento da resistência uretral à passagem de urina. Beneficia pacientes com uretra mais fixa ou com várias intervenções anteriores e idosos com risco para abordagem cirúrgica de maior porte, desde que o detrusor ainda tenha a função preservada. A melhora

pode chegar a 76%, com a desvantagem da perda de efeito a médio prazo, com necessidade de reaplicação (Bent, 2007).

Tratamento cirúrgico da incontinência urinária de esforço na presença de prolapso genital Pacientes em estágios 2 ou 3, com sintomas urinários, têm várias opções terapêuticas, e a via de correção do prolapso indica o procedimento mais adequado para correção da incontinência. Na presença de incompetência esfincteriana, as cirurgias de cinta estão precisamente indicadas. Apesar de a colporrafia anterior com plicatura suburetral (Kelly-Kennedy) não ser um método efetivo para tratamento da IUE comparada aos demais, pode ser considerada opção em pacientes idosas, com sintomas leves, em que a morbidade cirúrgica e os riscos de disfunções vesicais pós-operatórias precisam ser minimizados, ou em situações em que haverá outra cirurgia pélvica concomitante, como a histerectomia vaginal. Incontinência urinária oculta Pacientes que apresentam prolapso significativo sem clara sintomatologia de incontinênica representam um desafio para o cirurgião. Muitas vezes, a distopia pronunciada torna difícil a avaliação pré-operatória adequada do trato urinário. É controversa a realização de procedimentos cirúrgicos para incontinência em pacientes nessas circunstâncias. A plastia perineal com plicatura suburetral pode ser indicada principalmente para correção do prolapso anterior, com reavaliação da necessidade de procedimento específico para IUE conforme evolução pós-operatória (evidência grau C). A realização de procedimentos específicos para o manejo da incontinência na paciente sem queixa clínica tem a desvantagem de oferecer um risco maior de efeitos indesejados, como dificuldade para urinar (13%) e urgência ou urgência com incontinência (6-30%). Mesmo com a correção combinada, persiste uma chance de 9% de permanecer com incontinência aos esforços. A literatura indica uma conduta restritiva para os procedimentos combinados, que podem cursar com efeitos indesejáveis e alterar de forma importante a qualidade de vida (Roovers; Oelke,

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2007). É preferível realizar um procedimento separadamente e, caso este falhe, utilizar outra técnica complementar. Acompanhamento pós-operatório No pós-operatório imediato, utilizar sondagem vesical de demora por 24 h em qualquer técnica utilizada. Após a retirada do cateter, manter controle de diurese rigoroso, com pelo menos uma verificação de resíduo pós-miccional. Retirado o cateter, coleta-se urocultura e inicia-se com nitrofurantoína (100 mg, 12/12 h). A nitrofurantoína será utilizada por cinco dias ou até o resultado da urocultura, se negativa. No caso de a paciente não conseguir urinar espontaneamente ou o resíduo for significativo, orientar tentativas de micção espontânea com sondagem vesical de alívio, se necessário, a cada 4 ou 6 horas, com início da orientação para autossondagem. Na utilização de sondagens frequentes, está indicada coleta de exame qualitativo de urina e urocultura para controle de in-

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fecções. O uso do betanecol pode facilitar a contração vesical nos casos de bexiga hipocontrátil. Em poucos casos, poderá ser utilizada a sonda de demora aberta em frasco, que apresenta eficácia semelhante à sondagem de alívio. Nos procedimentos com abordagem da via vaginal, utiliza-se um tampão vaginal de gaze, a fim de prevenir a formação de hematomas. Esse tampão é retirado 8 a 16 horas após o término da cirurgia. É importante a mobilização precoce da paciente, sendo preferível evitar esforços físicos por 6 a 8 semanas no pós-operatório. Nas pacientes submetidas a procedimentos com tela sintética, os cuidados com as infecções e trofismo vaginal devem ser redobrados, evitando erosões. As pacientes devem ser acompanhadas após a cirurgia por pelo menos 1 ano (o ideal é que o acompanhamento seja 5 anos). Se a cirurgia não apresentou sucesso, a paciente deve ser reinvestigada exaustivamente para verificar outras causas de IU não relacionadas ao esforço (Bent, 1990).

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254 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual a conduta inicial para uma paciente de 40 anos, com queixa clínica de IUE, sem distopias significativas, na ausência de tratamentos prévios? a. Avaliação urodinâmica para objetivar o tipo de perda e definir o manejo. b. Tratamento cirúrgico com técnica minimamente invasiva. c. Reeducação vesical e reabilitação do assoalho pélvico. d. Tratamento medicamentoso.

2. Paciente de 50 anos refere queixas urinárias mistas. No exame físico, apresenta hipermobilidade uretral, cistocele e retocele estágio 1 (POP-Q). No estudo urodinâmico, leak point de 85 cm H2O, primeiro desejo com 100 mL e capacidade vesical de 230 mL, sem contrações não inibidas. Já realizou exercícios pélvicos com resposta parcial. Qual a próxima opção de tratamento a ser considerada? a. Tratamento cirúrgico da IUE. b. Tratamento medicamentoso do componente de hiperatividade. c. Tratamento cirúrgico do prolapso genital e reavaliação da queixa urinária no pós-operatório. d. Técnicas de eletroestimulação. e. B e D estão corretas.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

17

Ultrassonografia José Antônio Magalhães Janete Vettorazzi Ana Lúcia Letti Müller Edimárlei Gonsales Valério

É a primeira escolha como método de imagem para avaliação da pelve em ginecologia. No final deste capítulo, apresentamos as principais situações que podem dificultar um diagnóstico correto, ou seja, armadilhas da imagem (Callen, 2008). A ultrassonografia (US) é um dos exames auxiliares mais utilizados pelos ginecologistas para diagnóstico e tomada de conduta na prática diária. Suas principais indicações são (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996): > avaliação complementar de útero, endométrio, ovários e tubas; > confirmação da presença de massas pélvicas e suas principais características (origem, localização, relação com órgãos adjacentes e textura) (Fig. 17.1); > auxílio no diagnóstico de lesões metastáticas locais ou ascite em neoplasias malignas de origem pélvica; > acompanhamento da ovulação e da fertilização assistida; > guia da punção aspirativa de massas pélvicas; > auxílio na decisão cirúrgica. Empregamos as vias transabdominal (TAB) e transvaginal (TVG) combinadas para aumentar a capacidade do exame.

ÚTERO

CISTO

ENDOMÉTRIO

OVÁRIO DIREITO

Figura 17.1 US transvaginal: imagem cística ovariana simples.

Em algumas circunstâncias, a via TVG pode revelar-se mais adequada (Granberg et al., 1996), tais como: > melhor sensibilidade na avaliação pélvica de pacientes obesas ou com útero retroversofletido; > proximidade do transdutor com as estruturas a serem avaliadas, o que permite melhor definição das imagens obtidas; > diminuição do desconforto da paciente por não necessitar que a bexiga esteja cheia; > determinação de massas anexiais pequenas (⬍ 5 – 10 mm);

256 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

> detalhamento maior do conteúdo interno das massas pélvicas; > avaliação mais precisa do endométrio e da textura miometrial. As vias TAB, perineal e transretal são utilizadas nos casos de avaliação pélvica de pacientes virgens e como complementar para análise da presença de miomas no fundo uterino e visibilização global do trato urinário e do abdome. O uso da ultrassonografia em três dimensões (3D) poderia melhorar a avaliação ginecológica, especialmente das malformações do útero e cavidade uterina (Bega et al., 2003).

Para o cálculo do volume uterino, utiliza-se a seguinte regra: volume ⴝ comprimento ⴛ largura ⴛ diâmetro AP ⴛ 0,45 (nos úteros de formato piriforme) e 0,52 (nos outros formatos) (Rene et al., 1996). As malformações congênitas mais comuns são as anomalias fusionais, especialmente as do útero, da cérvice e da vagina; as principais são: > útero didelfo, formado por útero duplo, corpos uterinos separados contendo duas cérvices com vagina única ou dupla; > útero bicorne com dois cornos uterinos e uma ou duas cérvices; > útero septado.

Avaliação uterina Desde a vida fetal até a idade adulta, as dimensões uterinas diferem (Tab. 17.1); o tamanho é menor ao redor do 12o dia do ciclo menstrual e maior no período pré-menstrual imediato (Bonilla-Musoles et al., 2004). Portanto, trata-se de um órgão de comportamento dinâmico. São realizadas três medidas: comprimento do útero, medido da cérvice ao fundo (serosa); largura da maior medida lateral; e maior diâmetro anteroposterior (AP).

O útero bicorne pode simular uma massa sólida parauterina. Essa anomalia, em grávidas, é uma das mais encontradas e pode ser causa de sangramento. A ressonância magnética (RM) é o método de escolha para a avaliação das anomalias congênitas ginecológicas (Westphalen; Quayyum, 2008). Em cerca de 50% das malformações uterinas, há outras alterações associadas, especialmente do sistema urinário (p. ex., anomalia ou agenesia renal), que devem ser investigadas.

Tabela 17.1 Dimensões uterinas usuais Idade (cm)

Comprimento (cm)

Largura (cm)

Anteroposterior

Volume (cm3)

Neonatal

2,5

1,00





Corpo ⬎ cérvice (menor quanto mais precoce)

3,3 ± 0,4 3,6-5,2

0,7 ± 0,5 0,8-1,5

0,7 ± 0,3 0,9-1,7

Corpo ⬍ cérvice (aumenta com a idade) corpo ⫽ cérvice

5,1 ± 2,5

4,3 ± 1,1

3±1

2 ± 1,6 3-16 10-40 25-90

3,5-9,7

3,5-6,5

Pré-menarca ⬍ 7 anos ⬎ 7 anos adolescente Menacme

Pós-menopausa

25-70

Fonte: Adaptada de René e colaboradores (1996) e Sauerbrei, Nguyen e Nolan (2000).

Observações

Corpo ⬎ cérvice (formato de pera invertida) útero mede 1-1,2 cm a mais em cada dimensão na multípara, em relação à nulípara. Atrofia gradual

Rotinas em Ginecologia

257

Ao longo de toda a vida, o endométrio é submetido à ação dos hormônios e, durante a idade reprodutiva, sua camada funcional (parte esponjosa ⫹ parte compacta) sofre intensas alterações morfológicas cíclicas. A camada basal não sofre modificações sob a ação hormonal (Bonilla-Musoles et al., 2004). A espessura endometrial é medida na dimensão AP (corte sagital), de uma camada basal à outra. Habitualmente, a interface endometrial em corte longitudinal apresenta-se como duas fitas ecogênicas com densidade maior do que o miométrio, podendo-se perceber o aspecto trilaminar na fase periovulatória (Tab. 17.2).

tar, mesmo quando apresentam sangramento pós-menopáusico. Uma série de estudos demonstrou que as pacientes com sangramento pós-menopáusico e endométrio inferior a 5 mm com frequência apresentam endométrio atrófico e não se obtém material suficiente na curetagem uterina para análise (Osmers; Volksen; Schauer, 1990; Affinito et al., 1998).

A ultrassonografia não pode distinguir condições endometriais benignas de malignas, sendo necessária uma investigação complementar com curetagem uterina, biópsia endometrial ou histeroscopia, quando houver suspeita de alterações.

A medida da espessura endometrial pela ultrassonografia transvaginal (Fig. 17.2) e sua correlação anatomopatológica é bastante sensível e específica (Goldstein, 1994). Apenas 10 a 20% das pacientes com sangramento pós-menopáusico terão neoplasia; as demais apresentarão endometrite atrófica ou hiperplasia em 3 a 15% (Granberg et al., 1996). Na vigência de terapia de reposição hormonal (TRH), as diferenças de espessura endometrial são encontradas entre os regimes combinados, sequenciais e contínuos. Portanto, o endométrio deve ser avaliado após o sangramento de deprivação, assegurando a descamação completa e garantindo ausência de patologia (Fig. 17.3). Entretanto, permane-

Nas mulheres pós-menopáusicas, a imagem endometrial é de uma linha ecogênica, homogênea, bem delimitada e refringente. Eventualmente, pode mostrar diminutas áreas císticas (1 a 2 mm), as quais correspondem a endométrios atrofiados císticos. O grande papel da ultrassonografia transvaginal na pós-menopausa é definir quais pacientes necessitam de uma investigação complemen-

Espessura endometrial > 5 mm associou-se a carcinoma de endométrio em 4,85% das pacientes (Bonilla-Musoles et al., 2004). O risco aumenta quanto maior for essa medida.

Tabela 17.2 Espessura endometrial Período Fase proliferativa 1a semana 2a semana Ovulação Fase secretória Fase menstrual Pós-menopausa sem TRH com TRH

Espessura (mm)

2,5-6,0 até 9 10-15,9 6-14

Comentários (aparência)

Interface hipoecoica pelo edema Isoecoico para disco trilaminar na fase periovulatória Ecogenicidade homogênea pelo aumento do muco e glicogênio

1-4 1-4 4,92 ± 3,75 4,91 ± 3,89 4,92 ± 3,41 3,81 ± 2,86 6,52 ± 4,16

A linha de corte em 5 mm aumenta a sensibilidade diagnóstica ecográfica ao avaliar endométrios espessados Em geral Só estrogênio Na TRH combinada Na TRH combinada contínua Na TRH combinada sequencial

TRH, terapia de reposição hormonal. Fonte: Adaptada de Fleischer e colaboradores (1993) e Bonilla-Musoles e colaboradores (2004).

258 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

endométrio no estádio 1, podendo determinar se há ou não a invasão de mais de 50% da parede miometrial; nesse caso, seria realizada radioterapia pré-operatória para diminuir a incidência de recorrência. Na ultrassonografia, a invasão miometrial aparece como um desgarro da camada subendometrial ao longo de todo o endométrio, central e irregularmente. O tumor pode ser ecogênico ou hipoecoico, dependendo do grau (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996).

Figura 17.2 Representação esquemática da medida da espessura endometrial, incluindo a transição endométrio-miométrio (entre as 2 setas).

ÚTERO

ENDOMÉTRIO

Figura 17.3 US transvaginal: espessamento endometrial medindo 1,9 cm.

ce como princípio que o diagnóstico definitivo deve ser sempre firmado pelo exame histológico do tecido suspeito. Os pólipos endometriais podem levar ao aumento da espessura endometrial e são a causa de sangramento pós-menopáusico em 2 a 8% dos casos (Granberg et al., 1996). As sinéquias intrauterinas aparecem na ultrassonografia como irregularidades da cavidade uterina, com perdas focais ou difusas do endométrio, e também interessam ao miométrio, afetando a junção endometrial-miometrial (Naftalin; Jurkovic, 2009). A ultrassonografia tem papel importante no manejo do adenocarcinoma de

A dopplervelocimetria colorida transvaginal pode identificar pacientes com carcinoma endometrial nas quais o endométrio ainda não está espessado. Nos casos de carcinoma, observa-se aumento da vascularização das artérias espiraladas e áreas de fluxo venoso na zona tumoral. Esses achados não estão presentes na hiperplasia simples de endométrio. Quando o estudo Doppler se mostrar normal em pacientes com ecografia também normal, a probabilidade de câncer é inferior a 5% (Amit et al., 2000). Os valores médios encontrados em artérias uterinas de mulheres na pós-menopausa sem TRH demonstram altos índices de pulsatilidade (IP) e de resistência (IR) ao fluxo (IR: 0,93 ± 0,09 e IP: 3,38 ± 1,04), os quais vão aumentando com a idade e com os anos de menopausa (Bonilla-Musoles et al., 2004). Estudos têm demonstrado que o IR da artéria uterina poderia ser usado juntamente com a espessura endometrial para aumentar a sensibilidade diagnóstica para carcinoma endometrial, mas pela sua baixa especificidade, não tem um papel complementar na investigação (Develioglu et al., 2003). Os miomas estão presentes em cerca de 20% das mulheres com mais de 35 anos, especialmente nas de raça negra. Na ultrassonografia, aparecem como massas sólidas arredondadas ou ovais, com ecogenicidade moderada e, quanto maior for a fibrose, maior será a ecogenicidade. Os submucosos distorcem a linha central do endométrio (Fig. 17.4). A presença de degeneração cística é caracterizada pelo achado de áreas anecoides irregulares no interior do mioma. Os miomas pedunculados do fundo uterino podem ser confundidos com massas anexiais. Podem ainda ser subserosos e intramurais e, com o uso da ecografia em 3D, pode-se deter-

Rotinas em Ginecologia

ÚTERO

LEIOMIOMA ENDOMÉTRIO

Figura 17.4 US transvaginal: leiomioma submucoso.

minar com maior clareza a localização dos miomas, para decisão terapêutica. No que se refere à pesquisa de endometriose, ovariana e pélvica, a US transvaginal pode ser usada como método de investigação de primeira linha, quando houver suspeita da doença (Savelli, 2009). As imagens ecográficas de acúmulo de líquido no interior da cavidade uterina têm relação direta com a idade. Antes da menarca e logo após esta, são relacionadas a anomalias congênitas. Após a menopausa, têm sido associadas à malignidade do colo uterino ou endométrio, estenose cervical e uso de TRH, entretanto, uma pequena lâmina pode ser compatível com o processo de atrofia senil. Em mulheres submetidas à fertilização in vitro por fator tubário, o líquido da cavidade uterina tem sido relacionado à hidrossalpinge (Bonilla-Musoles et al., 2004). Uma pequena quantidade de líquido na cavidade endometrial durante a menstruação é normal, porém, na presença de doença inflamatória pélvica (DIP), pode significar endometrite associada. Também se caracteriza por aumento da espessura endometrial. Na infecção puerperal com endometrite supurativa, encontramos um útero aumentado de volume com áreas hipoecoicas e irregulares na cavidade uterina. A ultrassonografia é útil no estadiamento de neoplasia maligna de colo uterino, avaliando a extensão do tumor para o colo e para os paramétrios. Podem-se também analisar áreas hipo

259

ou hiperecoicas para observar as regiões de degeneração ou necrose. Eventualmente, são identificadas coleções císticas compatíveis com cisto de Naboth, fato que não deve preocupar. Cabe lembrar que a tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética são mais precisas na avaliação do comprometimento de paramétrios e de linfonodos. A ultrassonografia transvaginal e a transabdominal podem localizar o dispositivo intrauterino (DIU) com precisão. Normalmente, identifica-se o DIU pela visão das hastes como dois pontos refringentes, na forma T. A distância entre o fundo uterino e a porção superior do DIU não deveria ser superior a 19 mm até a serosa ou 4 mm até o fundo da cavidade endometrial; porém, muitos estudos têm considerado apenas a posição intracavitária do DIU como segurança de contracepção, não importando sua distância do fundo uterino (Bonilla-Musoles et al., 2004; Jiménez; Pandolfi; Cunha-Filho, 2003). A posição do dispositivo no canal endocervical pode ser sugerida como motivo da sua retirada. Para a visualização de DIU com progesterona, a ecografia 3D poderia apresentar melhores resultados.

Avaliação anexial (ovários e tubas) Os ovários estão localizados na pelve, lateralmente ao útero e medialmente aos vasos ilíacos internos. Apresentam parênquima homogêneo com densidade semelhante ao miométrio e uma região central, medular, mais ecogênica, e variam de tamanho conforme a idade da paciente e seu estado endocrinológico (Tab. 17.3). Na pós-menopausa, a ultrassonografia tem sensibilidade maior do que o exame físico na avaliação do tamanho dos ovários (Granberg; Wilkland, 1988). Cálculo do volume ovariano ⴝ diâmetro longitudinal ⴛ AP ⴛ transversal ⴛ 0,45 (em ovários de aspecto normal) e 0,52 (no caso de lesões expansivas) (René et al., 1996). As principais variações anatômicas da gônada feminina são os ovários policísticos e o ovário em fita. Os ovários policísticos representam uma das mais comuns variantes anatômicas e podem estar associados à síndrome dos ovários policísticos

260 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela 17.3 Dimensões ovarianas 3

Período

Volume (cm )

Neonatal Infância Adolescência Menarca Menacme Pós-menopausa

0,05-2,02 0,5-2,0 2,0-6,5 4,2 ± 2,3 – máx. 8,8 3,00-15,9 2,0-6,5

Fonte: Adaptada de René e colaboradores (1996); Salem (1998) e Sauerbrei, Nguyen e Nolan (2000).

(SOP). Nesse caso, teria uma forma arredondada, em geral maior do que a habitual, na maioria das vezes bilateralmente, e contendo mais de 10 folículos imaturos de até 9 mm de diâmetro, visualizados como pequenas áreas anecoicas bem definidas na periferia (Fig. 17.5). Cerca de um terço das pacientes com SOP pode apresentar ovários normais na ultrassonografia. A imagem multicística (multifolicular) evidencia período pós-puberal, lactação, perimenopausa, usuárias de contraceptivos orais e casos de hipogonadismo. Os ovários de volume normal e com inúmeros folículos de 4 a 10 mm, dispersos pelo parênquima, podem ser encontrados em mulheres sem nenhuma correlação patológica, em um percentual de até 15 a 20% (Bonilla-Musoles et al., 2004). O ovário rudimentar ou em fita está associado à síndrome de Turner e se apresenta, na US, pequeno, tubular e de difícil definição. Entretanto, sua identificação confirma a síndrome (Magalhães; Muller, 1993).

Calcificações focais podem ser vistas ocasionalmente em ovários de aspecto normal e geralmente representam um processo reacional à hemorragia ou infecção prévias. Excepcionalmente, pode ser manifestação inicial de neoplasia em pacientes com idade avançada (Salem, 1998). Ovários localizados muito cranialmente podem não ser vistos pela técnica transvaginal, enquanto a via abdominal pode não ter sensibilidade suficiente para distinguir estruturas tão pequenas quanto os ovários atróficos da pós-menopausa. Outro fator que dificulta a visualização dos ovários é a ausência do útero nas mulheres histerectomizadas, pois se perdem as relações anatômicas. No que se refere às tubas uterinas, a ultrassonografia consegue diagnosticar as duas principais complicações relacionadas: a doença inflamatória pélvica (DIP) (Fig. 17.6) e a gestação ectópica (Fig. 17.7). Na DIP, podemos identificar a sua forma crônica: hidrossalpinge (coleção líquida, cilíndrica, no interior tubário). Quanto à gestação ectópica, há descrição no volume de Rotinas em Obstetrícia, no capítulo referente à ultrassonografia obstétrica.

Ciclo normal (espontâneo) É possível avaliar e monitorar o desenvolvimento de folículos ovarianos e determinar o momento em que ocorre a ovulação. O início da ovulação é caracterizado por folículos com ecos cheios, espessamento da parede

ÚTERO

OVÁRIO

TUBA

ABSCESSO LÍQUIDO LIVRE

Figura 17.5 US transvaginal: ovário policístico.

Figura 17.6 US transvaginal: abcesso tubo-ovariano.

Rotinas em Ginecologia

ÚTERO OVÁRIO DIR. CAVIDADE ECTÓPICA SACO GESTACIONAL

Figura 17.7 US transvaginal: gravidez ectópica tubária direita íntegra.

folicular e desaparecimento seguido de formação do corpo lúteo. Ecos de baixa densidade característicos do cúmulo oóforo dentro dos folículos podem ser visualizados no folículo maduro pré-ovulatório. Com o uso do Doppler, pode-se avaliar o tamanho e a vascularização do corpo lúteo (Ottander et al., 2004). O rastreamento ecográfico deve iniciar 5 ou 6 dias antes do dia esperado da ovulação. Em geral, a ovulação ocorre quando a medida do diâmetro folicular médio varia de 18 a 28 mm, e seria interessante conhecer o estado hormonal da paciente, pois 1 ou 2 dias após o pico de LH, o folículo cheio desaparece e se identifica líquido livre no fundo-de-saco. O rastreamento folicular pode ser feito em dias alternados até que se detecte um folículo de 16 a 18 mm e, a partir desse momento, o seguimento deve ser diário até ocorrer a ovulação (Magalhães; Muller, 1993). O diâmetro folicular médio pré-ovulatório pode apresentar uma variação de 18 a 28 mm.

Ciclo induzido (estimulado) O ideal é que se realize um exame basal antes da estimulação, para avaliar o tamanho do útero e dos ovários e a presença ou ausência de alterações policísticas nos ovários, entre o 3o e o 5o dia do ciclo, período em que é iniciado o uso de fármacos para a indução da ovulação. Ao utilizarmos o citrato de clomifeno, a ovulação pode ocorrer do 1o ao 10o dia após o úl-

261

timo comprimido. O desenvolvimento folicular é seguido ecograficamente a partir do oitavo dia do ciclo e ajustado nos ciclos futuros. Devido à indução de múltiplos folículos, os dois ovários devem ser monitorados. Após o início do crescimento folicular, este deve ser acompanhado diariamente, de preferência pelo mesmo ecografista, até que os folículos atinjam de 16 a 18 mm, quando ocorrerá a ovulação (Magalhães, 1995). Em cerca de 5 a 10% dos ciclos, ocorrem gestações múltiplas. A relação sexual ou a inseminação artificial podem ser indicadas juntamente com a verificação do estado hormonal. Antes de se iniciar outro ciclo de indução, verifica-se o tamanho ovariano, pois há o risco de hiperestimulação e formação de cistos em 10 a 15% dos ciclos. Com o uso de gonadotrofinas, há um risco de gestação múltipla de 10 a 30%, hiperestimulação em 15% dos ciclos, podendo ser grave, e o abortamento precoce poderia acontecer em até 30% dos casos. A ecografia é parte essencial da fertilização in vitro, sendo utilizada para o seguimento do desenvolvimento folicular e da coleta de oócitos. O maior risco consiste na punção de vasos sanguíneos e do intestino. O ultrassom melhora os resultados da transferência de embriões, pois possibilita a visualização em tempo real da localização do cateter dentro da cavidade uterina. Com o uso da ecografia em 3D, a colocação de cateter, em úteros com malformações, é melhor executada (Fagundes; Almeida; Passos, 2003).

Avaliação das massas pélvicas Na avaliação de uma massa pélvica, torna-se necessário correlacionar a clínica com o resultado da ultrassonografia. Algumas estruturas são semelhantes e podem levar a falsos diagnósticos, como, confundir uma alça de intestino delgado com uma massa anexial ou uma tuba distendida. O tamanho de uma lesão pélvica auxilia no seu diagnóstico diferencial. Na pós-menopausa, as massas anexiais inferiores a 5 cm têm uma incidência de 3% de malignidade (Rulin; Preston, 1987). Portanto, a US transvaginal tem um pa-

262 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

pel importante nas mulheres obesas e na pós-menopausa, nas quais a incidência de neoplasia de ovário é maior, e o exame físico é mais difícil. Geralmente, os tumores pélvicos de origem ovariana tendem a ser císticos, e os não ovarianos, sólidos. Quanto mais sólidos e irregulares forem os componentes internos de uma massa, maior será a possibilidade de malignidade, assim como se estiver presente uma parede irregular com ruptura parcial da cápsula ou imagens papilíferas (Moyle et al., 1983; Meire; Ferant; Guha, 1978). Cerca de 80% das massas ovarianas são benignas, 10 a 15% são malignas, e 5% são metastáticas. As lesões malignas são vistas predominantemente após os 40 anos de idade (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996). Cerca de 3 a 5 mL de fluido peritoneal podem estar presentes em condições fisiológicas, entretanto, se houver mais de 10 mL de fluido presente, a possibilidade de malignidade aumenta. Exceção deve ser feita na presença de DIP (Fig. 17.8), gestação ectópica e torção ovariana. As massas pélvicas podem ser assim classificadas: > císticas, quando apresentarem parede regular e forem anecoides com reforço posterior; > complexas, quando apresentarem conteúdo líquido e sólido, podendo predominar um ou outro; > sólidas.

ÚTERO

TUBA

LÍQUIDO LIVRE AMPOLA

Figura 17.8 US transvaginal: líquido livre na cavidade abdominal.

Na Tabela 17.4, estão descritos os principais diagnósticos diferenciais dos tumores pélvicos segundo a sua frequência.

Cisto ovariano fisiológico Vários cistos podem se desenvolver durante a foliculogênese normal. Os cistos foliculares são maiores em cerca de 3 a 8 mm em todas as dimensões, com medida geral em torno de 3 a 5 cm. Esses podem regredir espontaneamente ou com o uso de hormônios. Os cistos foliculares são comuns, uniloculados, com paredes internas lisas e finas. O corpo lúteo pode ser complicado por hemorragia, formando um cisto uniloculado de paredes finas e com um trombo em seu lúmen, heterogêneo. Os cistos

Tabela 17.4 Diagnóstico diferencial de massas pélvicas pela ultrassonografia Localização

Cística

Textura complexa

Sólida

Anexial

Cisto fisiológico

Cisto dermoide

Metástases

Ovariana

Cisto neoplásico

Cisto neoplásico Cisto hemorrágico Abscesso tubo-ovariano Endometrioma

Tumor ovariano sólido Leiomioma

Leiomioma degenerado

Leiomioma pedunculado

Malformação arteriovenosa Diverticulose Apendicite complicada

Tumor de intestino Linfadenopatia

Cisto paraovariano Extraovariana

Hidrossalpinge

Uterina

Cisto de desenvolvimento

Outras

Fonte: Adaptada de Fleischer e colaboradores (1993), Sauerbrei, Nguyen e Nolan (2000).

Rotinas em Ginecologia

ovarianos hemorrágicos podem mimetizar um teratoma, ou ainda um endometrioma, embora sua clínica seja diferente, caracterizando-se pelo surgimento abrupto de dor pélvica. Eventualmente, aparecem na ultrassonografia como cistos complexos, com paredes irregulares, finas ou espessas, com aparentes septações e podendo conter áreas hiperecogênicas (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996).

Cistoadenomas Os cistoadenomas são os tumores císticos ovarianos mais comuns na pós-menopausa. Na ultrassonografia, podem ser vistos como massa cística ou complexa. Quanto maior o número de septações e áreas sólidas internas, maior a chance de malignidade. A presença de ascite indica que há extensão além da cápsula e raramente está presente em processos benignos (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996).

Cisto dermoide Os cistos dermoides (Fig. 17.9) são tumores mais comumente derivados das células germinativas e ocorrem com maior frequência na fase reprodutiva da mulher. Na ultrassonografia, podem apresentar-se como uma massa complexa contendo ecos internos e estruturas sólidas correspondentes à gordura, aos dentes e ao cabelo. Raramente se apresentam como um tumor completamente cístico ou sólido. A localização mais comum é superiormente ao fundo uteri-

ÚTERO

263

no, onde podem ser confundidos com alças de intestino delgado ou ceco. Em alguns casos, a radiografia pélvica pode ser útil no diagnóstico devido à presença de estruturas radiopacas (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996).

Torção ovariana Todo ovário aumentado de volume tem risco maior de sofrer torção, que é vista na ultrassonografia como uma área hipoecoica devido à hemorragia. A torção pode ser intermitente ou incompleta, resultando em edema importante e, então, surgem áreas ecoicas e hipoecoicas. Nesse tipo de torção, os achados na dopplervelocimetria colorida serão mínimos ou ausentes. A obstrução venosa e linfática pode levar à ascite. Na torção completa ou grave de ovário, a dopplervelocimetria colorida constata principalmente uma carência no fluxo venoso; depois, uma alta resistência ao fluxo arterial e, posteriormente, esse também pode estar ausente. É necessário avaliar as diversas porções do ovário, pois em alguns casos a cápsula não está comprometida (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996).

Hidrossalpinge e abscesso tubo-ovariano Geralmente, as tubas não são visualizadas pela ultrassonografia devido à sua espessura (6-10 mm) e ao trajeto tortuoso. A trompa distendida e cheia de líquido aparece na ultrassonografia como uma estrutura fusiforme e anecoide, em região de anexos que sempre deve ser diferenciada de uma alça de intestino delgado. A diferenciação de abscesso tubo-ovariano na maioria das vezes não é possível (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996).

Adenomiose

Figura 17.9 US transvaginal: cisto dermoide no ovário esquerdo.

Em cerca de 40% dos casos de endometriose (Fig. 17.10), há associação com adenomiose, consistindo na implantação de tecido endometrial no interior do miométrio. É diagnosticada ocasionalmente pela ultrassonografia, aparecendo como áreas ecogênicas ou hipoecoicas de espessura irregular (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996). Além disso, em cerca de 60 a 70% dos casos, o útero está aumentado de volume.

264 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

OVE------

Figura 17.10 US transvaginal: endometrioma de ovário esquerdo.

Dopplervelocimetria colorida em ginecologia Podemos utilizar a dopplervelocimetria colorida com transdutor vaginal ou abdominal, dependendo da localização e do tamanho da lesão a ser estudada. Por meio da dopplervelocimetria colorida transvaginal, é possível obter medidas exatas do fluxo nas artérias ovarianas e nos vasos tumorais. A dopplervelocimetria colorida possui capacidade diagnóstica superior à simples interpretação de imagens ecográficas. A resistência vascular da artéria ovariana diminui no ovário em atividade ao longo do ciclo menstrual e permanece estável no contralateral. Os índices diminuem desde valores altos (IR: 0,8 e IP: 1,5) até a redução máxima no 22o e 23o dias do ciclo (0,65 e 0,85), aumentando rapidamente quando não ocorre gestação (Bonilla-Musoles et al., 2004). A dopplervelocimetria das lesões ovarianas vem sendo utilizada como método complementar no diagnóstico diferencial entre lesões benignas e malignas, baseando-se no conceito de que os tumores malignos são muito vascularizados. A angiogênese tumoral resulta na proliferação de vasos sinusoidais que perdem a camada muscular lisa de suas paredes e, com isso, tem-se uma rede vascular de baixa resistência que pode ser analisada com o Doppler colorido e pulsado. As lesões malignas podem demonstrar IP < 1 e IR < 0,40 (Fleischer et al., 1993; Salem, 1998).

O ideal é que não fossem analisados somente o fluxo sanguíneo e suas características, mas também a localização e a distribuição dos vasos, e a presença ou não de notch diastólico. Os últimos estão ausentes nos processos malignos (Itakura et al., 2003). A localização central dos vasos e a sua alta densidade são indicativas de malignidade. Várias áreas da lesão devem ser analisadas, pois podem ocorrer resultados falsos em lesões pequenas (⬍ 2 mm), ainda que não tenha havido neovascularização, ou em lesões grandes, pela diminuição do fluxo devido a necrose ou torção (Fleischer et al., 1993). Na pré-menopausa, resultados falso-positivos podem ocorrer quando o corpo lúteo estiver em atividade hormonal e, portanto, o exame deve ser realizado na fase folicular precoce, quando os vasos intraparenquimatosos apresentam alta pulsatilidade. Outros tumores benignos hormônio-dependentes podem levar a resultados falso-positivos, assim como a processos inflamatórios (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996). A DIP leva à vasodilatação e, consequentemente, à diminuição de sua resistência ao fluxo diastólico (IP baixo). Em geral, as massas pélvicas benignas apresentam alto IP, mas as massas ovarianas funcionais podem apresentar IP baixo. Os endometriomas e os teratomas podem apresentar áreas internas de baixo ou alto fluxo diastólico, tornando o diagnóstico difícil. Nos leiomiomas, o IR pode variar, dependendo de sua vascularização. Na Tabela 17.5, estão descritos os principais achados da dopplervelocimetria colorida nas massas pélvicas. Na pós-menopausa, a avaliação dos ovários deve ser cuidadosa, tendo em vista que 80% dos carcinomas de ovário ocorrem após os 50 anos, embora o cisto ovariano seja 200 vezes mais frequente do que o carcinoma nessa faixa etária (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996). A dopplervelocimetria colorida auxilia no diagnóstico precoce das neoplasias de ovário e parece ser superior ao CA-125 nos estágios iniciais. Na Tabela 17.6, estão descritos os IPs das principais massas anexiais. Ao interpretarmos os resultados da dopplervelocimetria colorida, não devemos esquecer a história da paciente, a sua idade, as cirurgias prévias, os fatores de risco para infecção, o estado hormonal e as características da massa, que podem interferir nos resultados obtidos. Os achados da dopplervelocimetria colorida não são absolutos, mas auxiliares.

Rotinas em Ginecologia

265

Tabela 17.5 Achados na dopplervelocimetria colorida transvaginal em massas ovarianas Tipo de massa

Distribuição dos vasos

Impedância

Velocidade relativa

Corpo lúteo Endometrioma Cisto dermoide Torção ovariana Tumor ovariano epitelial benigno Tumor ovariano maligno

Periférica Periférica Periférica e central Ausente Periférica Periférica e central

Baixa Variável Variável Muito alta ou ausente Alta Baixa

Alta

Baixa Alta

Tabela 17.6 Padrões de impedância típica de algumas massas anexiais Impedância

Predominantemente cística

Complexa

Sólida

Cisto hemorrágico crônico Complexo tubo-ovariano crônico Endometrioma Cisto dermoide

Cisto hemorrágico crônico

Corpo lúteo

Cisto hemorrágico agudo

Tumor ovariano cístico

Abscesso tubo-ovariano Tumor ovariano Lesão inflamatória intestinal

Tumor ovariano hormônio-dependente Leiomioma

Alta IP ⬎ 1

Cisto funcional Cisto peritoneal Cisto de inclusão

Intermediária IP ⫽ 0,8-1 Baixa IP ⬍ 0,8

Endometrioma

Tumor intestinal

Fonte: Adaptada de Fleischer e colaboradores (1993). IP ⫽ índice de pulsatilidade.

Ultrassonografia mamária A US mamária tem papel importante, auxiliando no esclarecimento de mamografias de rastreamento alteradas, especialmente na avaliação de massas assimétricas e na diferenciação das massas sólidas e císticas. A US mamária não deve ser utilizada como único exame de rastreamento populacional de câncer de mama, mas é útil em casos especiais, como em gestantes e mulheres com menos de 30 anos e sintomas ou achados focais. A seguir, estão descritas algumas situações de aplicação da ultrassonografia mamária (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996):

> massa palpável em pacientes com menos de 30 anos (Fig. 17.11); > pacientes grávidas ou amamentando com queixas mamárias;

> pacientes sintomáticas com lesão mamária palpável; > mamografia mostrando mama heterogênea e densa;

Figura 17.11 US mamária: imagem de cisto simples na mama direita.

266 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

> diferenciação do tecido mamário normal de uma anormalidade real; > doença inflamatória, mastite, abscesso; > trauma mamário, hematoma e necrose gordurosa; > tecido mamário em mamas com próteses; > classificação de padrões parenquimatosos; > guia de procedimentos aspirativos de lesões císticas ou sólidas; > pesquisa de doença primária em paciente com nódulos axilares biopsiados positivamente ou doença metastática; > nódulos mamários palpáveis em homens; > acompanhamento de pacientes em tratamento com radioterapia para carcinoma de mama. Vários estudos têm avaliado o uso da US juntamente com a mamografia de rastreamento do câncer de mama. A maioria conclui que a adição da US aumenta a sensibilidade da mamografia para diagnóstico de pequenos tumores, com diminuição da especificidade em relação à mamografia isolada (Berg et al., 2004, 2008). Essa associação de exames teria maior aplicabilidade em mulheres com menos de 50 anos (Corsetti et al., 2008). Um grande estudo multicêntrico (Berg et al., 2008) avaliou o rastreamento com mamografia e US em mulheres com mamas densas na última mamografia e concluiu que a adição da US aumentou o número de diagnós-

ticos em mulheres de alto risco de 1 para 7%, entretanto, apresentou a desvantagem de aumentar o número de falso positivos. A US não é útil na detecção ou no esclarecimento de microcalcificações associadas à neoplasia maligna (Maning; Fleischer; Jeanty, 1996). Na Tabela 17.7, estão descritas as principais características ecográficas mamárias. Os cistos mamários podem ser simples, complicados ou complexos (Sabel; Chagpar; Pories, 2009). Os cistos simples são bem circunscritos, com parede lisa, anecoicos, com sombra posterior e ausência de componentes sólidos, enquanto os complexos têm ecos internos, misturam componentes sólido e cístico e sempre devem ser investigados. O risco de malignidade nos simples é inferior a 1% e pode chegar a 40% nos complexos. Os fibroadenomas são mais comuns em mulheres entre 15 e 35 anos e classicamente descritos como nódulos de parede lisa, formato oval ou arredondado, com textura interior homogênea, sendo que cerca de 20% podem não aparecer na ultrassonografia. Geralmente, localizam-se na junção do subcutâneo com o parênquima mamário, e seu tamanho varia de alguns milímetros até 6 cm (fibroadenoma gigante). Embora a grande maioria dos fibroadenomas sejam simples e não aumentem o risco de câncer de mama, o ideal é que sejam biopsiados para certeza diagnóstica, sendo a US útil para guiar a biópsia (Sabel; Chagpar; Pories, 2009). Esse assunto será melhor discutido no Capítulo 38, Patologia benigna da mama. Atualmente, o

Tabela 17.7 Características ecográficas mamárias Massas malignas

Massas sólidas benignas

Cistos

Forma

Variável

Arredondada, oval ou lobulada

Contorno Limites Ecos internos

Irregular, disforme imprecisos Poucos, irregulares e baixo nível

Atenuação (intensidade do foco)

Moderada a forte

Bem-definido Imprecisos, mas melhor definidos Número moderado, distribuição uniforme, intensidade fraca a moderada e homogênea Nenhuma a fraca

Arredondada, oval ou lobulada Bem definido Bem definidos Nenhum

Fonte: Adaptada de Magalhães e Muller (1993), Sabel, Chagpar e Pories (2009).

Reforço posterior e refração lateral

Rotinas em Ginecologia

uso do Doppler poderia identificar um padrão hipervascular nos casos de tumores malignos. Ao contrário, o padrão esperado em lesões benignas é avascular. A US mamária também pode ser útil na determinação da extensão local do câncer de mama, auxiliando no planejamento pré-operatório e inclusive detectando outros locais com tumoração (Berg et al., 2004; Berg; Gilbreath, 2000). A US mamária pode ser útil na avaliação de mamas com prótese mamária, podendo verificar a integridade da cápsula. A presença de microgrânulos de silicone livre sugere sua ruptura. Entretanto, a ressonância é superior à US na avaliação dessas pacientes, mas nem sempre está disponível e tem um custo elevado. Podemos concluir dizendo que a US tem papel importante na diferenciação das lesões sólidas e líquidas e que está indicada, principalmente, em gestantes e mulheres jovens com sintomas focais. A US não deve ser utilizada como único método de rastreamento na população em geral.

Histerossonografia A histerossonografia é uma técnica alternativa para o exame da cavidade uterina, da superfície endometrial e do miométrio. O exame também é estendido ao estudo das tubas uterinas e da cavidade pelviperitoneal. Os problemas clínicos cujo diagnóstico é facilitado por esse exame incluem fibromiomas, sangramento uterino anormal, monitoração de mulheres em uso de tamoxifeno, investigação de abortamento habitual e infertilidade e status pós-operatório do útero (Lev-Toaff et al., 1996). Necessita de um transdutor multifrequencial de 3,5 a 7 MHz, com capacidade de Doppler colorido e pulsado e da introdução via vaginal na cavidade uterina de um contraste salino. Deve ser realizada após a cessação da menstruação ou do sangramento irregular.

267

É um método efetivo para detectar pequenas massas uterinas e anormalidades endometriais que foram diagnosticadas pelo ultrassom transvaginal convencional e não puderam ser distinguidas de lesão endometrial ou miometrial, nem ter sua localização exata na cavidade. Permite também a ótima visualização das malformações uterinas e das sinéquias e a correta identificação de pólipos endometriais, miomas e alterações da espessura endometrial patológicas, favorecendo a escolha mais acertada da técnica cirúrgica para investigação complementar ou tratamento (Goldstein, 1994). Por ser um procedimento invasivo, pode apresentar risco de perfuração de víscera e/ou infecção pélvica. Na utilização de qualquer método diagnóstico complementar, é importante informar as pacientes sobre as limitações desse procedimento e sobre os riscos implicados no caso de procedimento associado ou no uso de substâncias contrastantes. Para procedimentos que impliquem risco, sugere-se utilizar termo de consentimento informado.

Armadilhas ou diagnósticos diferenciais em US ginecológica (Callen, 2008) > Imagem intestinal ⫻ cisto ovariano > Hidrossalpinge ⫻ cisto ovariano > Conteúdo intestinal ⫻ cisto dermoide > Miomatose ⫻ degenaração trofoblástica > Útero anteversofletido ⫻ massa ovariana > Cisto de corpo lúteo ⫻ gravidez ectópica > Imagem de tecido gorduroso mamário ⫻ fibroadenoma > Artefato de tecido mamário ⫻ tumor Nota: todas as imagens US deste capítulo são do acervo dos autores.

268 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

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SITE RECOMENDADO International Society of Ultrasound in Obstetrics and Gynecology www.isuog.org

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Para estudo Doppler colorido de lesões pélvicas, qual(is) período(s) mais adequado(s) para o resultado ter maior acurácia? a. b. c. d. e.

Início do ciclo menstrual. Período periovulatório. Segunda fase do ciclo menstrual. Qualquer período do ciclo menstrual. Nenhuma das anteriores.

2. Paciente de 68 anos vem à consulta com queixa de sangramento vaginal recente. Qual(is) hipótese(s) diagnóstica(s) pode(m) ser levantada(s)? a. b. c. d. e.

Carcinoma de endométrio. Hiperplasia endometrial. Atrofia endometrial. Nenhuma das hipóteses anteriores. Todas as hipóteses anteriores.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

18

Anticoncepção Maria Celeste Osório Wender Jaqueline Neves Lubianca Carolina Leão Oderich Fernando Freitas

O planejamento familiar permite aos casais decidir o número de filhos que desejam ter e programar o intervalo entre gestações. Os vários métodos contraceptivos atualmente disponíveis possibilitam a escolha daquele que mais se ajusta às necessidades do casal, tanto pela facilidade de uso e perfil de efeitos adversos quanto pela rapidez de retorno à fertilidade. Nos Estados Unidos, verificou-se que das 40 milhões de mulheres com vida sexual ativa, somente 10% não usavam qualquer método anticoncepcional. Nessa pequena parcela, ocorreram cerca de 53% das gestações não planejadas. As demais (47%) ocorreram em usuárias de algum método contraceptivo, provavelmente devido ao uso inadequado. No Brasil, em levantamento realizado pelo Ministério da Saúde em 1996 (Brasil, c2008) em mulheres entre 15 e 49 anos de idade, verificou-se que 55,4% faziam uso de algum método, sendo 27,9% esterilização feminina, 27,3% anticoncepcional oral, 4,3% preservativos e 8% outros métodos. A pesquisa demonstrou também uma maior prevalência de uso de métodos contraceptivos a partir dos 30 anos de idade (75% a partir dos 30 anos). Entretanto, em faixas etárias mais jovens, o controle da natalidade ainda é um problema. Em 2005, do total de 3.030.211 nascidos vivos no Brasil, 21,82% tinham mães com idade entre 10 e 19 anos, comprovando a falta de orientação e

de adesão aos métodos anticoncepcionais entre adolescentes. A eficácia da contracepção (resultado obtido quando o uso ocorre em condições ideais) pode ser expressa por meio do índice de Pearl, correspondente ao número de gestações (falha) ocorridas em 100 mulheres que utilizaram sistematicamente o método durante um ano. Já a efetividade do método resulta do uso corrente, tanto correto como incorreto. Para a escolha do método contraceptivo, é fundamental conhecer os diferentes métodos, comparar seus resultados, avaliar a continuidade de uso (Tab. 18.1) e os seus principais riscos (Tab. 18.2). Os últimos parâmetros são muito importantes, pois a contracepção geralmente é necessária durante um tempo mais ou menos prolongado, sendo a adesão condicionada, entre outros fatores, pela maior facilidade de uso. Dados de eficácia, efetividade e falha são variáveis nos diferentes estudos, o que se explica pela influência exercida por diversos fatores sobre a adesão a determinado método. A falha existe em todos os métodos, mas é maior naqueles usados durante a relação sexual. Já métodos naturais apresentam como causa de descontinuidade e falha a necessidade de abstinência do ato sexual durante muitos dias ao longo do mês. A maior variação entre a eficácia e a efetividade ocorre com o método do ritmo, e a menor, com os anticoncepcionais orais (ACOs).

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271

Tabela 18.1 Diferentes métodos contraceptivos: falha teórica e de uso e descontinuidade de uso Métodos IRREVERSÍVEIS > Esterilização Ligadura tubária Vasectomia REVERSÍVEIS > Contracepção hormonal Combinados 3 Minipílula Injetáveis Implante Adesivos transdérmicos Anel vaginal > Dispositivo intrauterino (DIU) > Métodos de barreira Preservativo Diafragma Capuz cervical Espermicida > Métodos comportamentais Ritmo (Ogino-Knaus) Muco cervical Sintotérmico Coito interrompido Ducha vaginal 1 2 3

Falha de uso (efetividade)1

Descontinuidade2 (%)

0,04 0,01

0,13 0,02

— —

0,01 1,0 0,25 ⬍1,0 0,7 0,65 0,5-1,0

2,0 2,5 — — 0,88 — 2,0

1

Índice de Pearl

2,0 2,0 2,0 3,0 2,0 3,5 10-19 16,0 40

9,6 14,4 13 18 30 20-24 50 23

10-50 5-40

40

72-74

Número de gestações por 100 mulheres/ano. Desistência de uso do método após 1 ano. ACO só com progestágeno.

A escolha do método contraceptivo deve adequar-se às necessidades e às condições dos pacientes. Leva-se em conta se a gravidez é proibitiva ou opcional para o casal, se o relacionamento sexual é eventual ou sistemático, estável ou não, com um ou mais parceiros. Idade, condição socioeconômicocultural, paridade e estado de saúde são fatores que interessam no aconselhamento.

lher, impondo conhecimento adequado do ciclo menstrual, abstinência sexual periódica ou interrupção do coito. A eficácia dos diferentes métodos comportamentais pode ser vista na Tabela 18.1.

Métodos de barreira Preservativos

Métodos reversíveis Métodos comportamentais Os métodos comportamentais em geral são baseados na percepção da fertilidade pela mu-

O preservativo masculino de látex é o método mais acessível e de primeira escolha para prevenção de doença sexualmente transmissível (DST). Apresenta índice de falha para prevenção de gestação muito acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Sua fa-

272 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela 18.2 Comparação dos riscos potenciais de diferentes métodos contraceptivos Métodos

Riscos

IRREVERSÍVEIS > Esterilização

Cirúrgicos; infertilidade permanente.

REVERSÍVEIS > Contracepção hormonal parenteral Progestágenos injetáveis Sangramento intermenstrual, amenorreia, edema, ganho de peso, cefaleia, depressão. Implante subcutâneo Anel vaginal > Contracepção hormonal oral Náusea e vômito, cefaleia, enxaqueca, cloasma, amenorreia Estrogênios ⫹ progestágenos pós-pílula, aumento da pressão arterial e da coagulabilidade sanguínea, icterícia colestática, aumento de incidência de adenoma hepático. Só progestágenos Sangramento irregular, amenorreia, redução do HDL-colesterol, retardo no retorno da fecundidade (média: 5,5 meses). > DIU Perfuração (rara), dismenorreia, menorragia, expulsão. > Métodos de barreira Preservativo Ausentes, exceto gravidez (falha). Diafragma Infecção urinária. Capuz cervical Lesão do tecido cervical. Espermicida Síndrome do choque tóxico (rara), desconforto vaginal e peniano, irritação, prurido, disúria, inflamação local, ulcerações de vulva, facilitação da transmissão homem-mulher de Aids e outras DSTs. > Métodos comportamentais Ausentes, exceto gravidez (falha).

lha de uso é de 15 gestações por 100 mulheres/ ano. Para se obter o máximo de eficácia, é necessário o uso correto, quando ocorrem apenas 2 gestações por 100 mulheres/ano.

caro e pouco prático, que pode ser barulhento e inadequado para algumas posições sexuais, além de exigir a aprovação do parceiro, entre outros motivos.

Normalmente não apresentam efeitos colaterais, salvo casos raros de reação alérgica aguda, em geral ao látex.

Tem menor eficácia do que o preservativo masculino, com até 21 gestações por 100 mulheres/ ano no uso corrente e 5 gestações por 100 mulheres/ano em condições ideais de uso.

Preservativo feminino O preservativo feminino é uma bolsa cilíndrica feita de plástico fino, transparente e suave, limitado por dois anéis flexíveis, um em cada extremidade. Pode ser inserido previamente à relação sexual, não se desloca quando ocorre a ereção peniana e não precisa ser retirado imediatamente após a ejaculação. O preservativo feminino também é eficaz em prevenir as DSTs, pois protege a genitália internamente e inclusive a base do pênis. Contudo, apresenta baixa adesão, por ser um método

Espermicida Disponível em tabletes de espuma, geleia ou creme, funciona provocando a ruptura da membrana das células dos espermatozoides, matando-os ou desacelerando seu movimento. A substância mais utilizada é o nonoxinol-9. É introduzido no interior da vagina, antes da relação sexual, podendo acompanhar o diafragma. Foi recentemente proscrita pela OMS sua associação com preservativos masculinos, pois pode aumentar o risco de contaminação pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).

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273

Contracepção hormonal Anticoncepcional oral Os ACOs combinados são formulações que associam etinilestradiol (EE) a diversos progestágenos. Se a concentração dos dois hormônios for a mesma em todos os comprimidos da cartela, eles são monofásicos, do contrário, serão bifásicos (2 concentrações) ou trifásicos (3 concentrações). Os bi/trifásicos não apresentam qualquer vantagem em relação aos monofásicos, não havendo justificativas plausíveis para seu emprego. A eficácia dos ACOs combinados é de 99,9% e sua efetividade varia entre 97 e 98%.

Diafragma

A classificação dos ACOs em gerações, frequentemente adotada, parece variar substancialmente, não havendo consenso entre diferentes publicações. Essa classificação (Quadro 18.1) parece ter razões puramente cronológicas (momento do lançamento do produto no mercado farmacêutico), referindo-se à dose de EE e ao tipo de progestágeno ou ao tipo de progestágeno unicamente; também se refere à seletividade do progestágeno (derivado de estranas ou gonanas) ou, ainda, não apresenta definição clara. Pela discordância de informações, é preferível conhecer as diferentes combinações e suas respectivas dosagens hormonais.

O diafragma é um dispositivo de látex em formato de “capuz” que cobre o colo. Apresenta-se em diferentes tamanhos e a escolha do mais adequado deve ser avaliada pelo ginecologista. Tem ação mecânica, impedindo a ascensão dos espermatozoides no trato genital. A eficácia depende da colocação correta previamente à relação sexual.

Os ACOs combinados inibem a secreção de gonadotrofinas, impedindo a ovulação. O componente progestagênico inibe predominantemente a secreção de hormônio luteinizante (LH), bloqueando o pico desse hormônio necessário para ovulação. Já o componente estrogênico age predominantemente sobre o hormônio folículo estimulante (FSH), impedindo o desen-

Figura 18.1 Preservativo feminino.

QUADRO 18.1

Classificação dos ACOs combinados em gerações Primeira geração: ACO com 50 μg ou mais de EE. Segunda geração: ACO com 35 ou 30 μg de EE, associados a levonorgestrel ou ciproterona. Terceira geração: ACO com 30 μg ou menos de EE, associados a progestágenos de terceira geração, como desogestrel, gestodeno ou norgestimato. ACOs combinados com drospirenona.

274 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

volvimento folicular e a emergência do folículo dominante. Mesmo havendo algum recrutamento folicular, a ação sobre o LH garantirá a eficácia contraceptiva. O estrogênio apresenta duas outras funções: estabilizar o endométrio, evitando a descamação irregular (spotting) e potencializar a ação do progestágeno, por meio do aumento dos receptores intracelulares para esse hormônio. Assim, apenas uma mínima dose de estrogênio é necessária para manter a eficácia da pílula combinada. Como o efeito progestacional é predominante nas pílulas combinadas, o endométrio, o muco cervical e a função tubária refletem esse estímulo: o endométrio é atrófico, não receptivo à nidação, o muco cervical é espesso e hostil à ascensão dos espermatozoides, e o transporte tubário do óvulo é prejudicado. Todas essas ações aumentam a eficácia contraceptiva.

Seleção Anticoncepcionais orais combinados estão preferencialmente indicados em mulheres sadias, não fumantes, com menos de 35 anos de idade. Isso porque muitos dos efeitos nocivos desses fármacos se expressam predominantemente quando há condições adicionais de risco, como fumo, idade além de 35 anos, obesidade e hipertensão (Beral et al., 1999). A OMS publica orientações para prescrição de métodos contraceptivos, conhecidos como critérios de elegibilidade, que categorizam os diferentes métodos de acordo com a relação risco-benefício nas mais diversas situações (Quadro 18.2).

A Tabela 18.3 apresenta um sumário das diretrizes para uso de ACOs combinados em mulheres com características que podem elevar o risco de eventos adversos com o uso destes. Paralelamente, a Comissão sobre Fertilidade e Saúde Materna da Food and Drug Administration (FDA) recomendou que mulheres sadias com mais de 40 anos podem continuar usando anticoncepcionais orais, de preferência com baixas concentrações de estrogênios e progestágenos com perfil de risco conhecido. Tal recomendação procura estimular o emprego de métodos reversíveis nos Estados Unidos (Black et al., 2004; Breitkoff et al,. 2003. A publicação do American Congress of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) em 2006 também tranquiliza a respeito do uso em mulheres com mais de 35 anos, saudáveis e não fumantes, uma vez que grandes estudos norte-americanos de base populacional não evidenciaram aumento de risco de infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral em usuárias de menos de 50 μg de etinilestradiol. Mulheres na perimenopausa poderiam secundariamente apresentar redução dos sintomas vasomotores e de risco para câncer de endométrio e ovário com o emprego dos contraceptivos. No entanto, sabendo-se que idade e obesidade são fatores de risco independentes para eventos cardiovasculares e para tromboembolismo venoso (marcadamente em usuárias de ACO com mais de 39 anos), a razão risco-benefício deverá ser individualizada, particularmente em mulheres com sobrepeso. Outro ponto a se considerar seria o desconhecido excesso de ris-

QUADRO 18.2

Categorias utilizadas para definir os critérios de eligibilidade segundo a OMS (World Health Organization, 2004, 2008) Categoria 1: O método pode ser empregado sem restrições. Categoria 2: O método pode ser empregado, pois as vantagens geralmente superam os riscos comprovados e possíveis. Categoria 3: O método não deve ser empregado, a menos que o profissional de saúde julgue que a paciente possa usá-lo com segurança. Os riscos comprovados e possíveis superam os benefícios do método. Deve ser o método de última escolha e, caso seja utilizado, requer acompanhamento rigoroso. Categoria 4: O método não deve ser empregado, pois apresenta risco inaceitável.

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275

Tabela 18.3 Critérios de elegibilidade para uso de ACOs combinados em condições especiais – OMS (World Health Organization, 2008) Condição

OMS

Obesidade (IMC ⬎ 30 kg/m ) Tabagista com ⬍ 35 anos Tabagista com ⬎ 35 anos 2

Hipertensão > PA controlada > PA não controlada História de AVC isquêmico, doença cardíaca isquêmica, trombose venosa profunda, embolia pulmonar e uso corrente de anticoagulante, síndrome antifosfolipídeo Diabete Enxaqueca

Cefaleia Lactação

Câncer

Cirrose Hepatite viral

Categoria 2 Categoria 2 ⬍ 15 cigarros/dia: categoria 3 ⬎ 15 cigarros/dia: categoria 4 (risco aumentado para AVC e IAM) PAS 140-159 e PAD 90-99 mmHg: Categoria 3 PAS ⱖ 160 e PAD ⱖ 100 mmHg: categoria 4 (risco aumentado para AVC e IAM) Categoria 4

Categoria 2 Sem aura e idade ⬍ 35 anos: categoria 2 Sem aura e idade ⬎ 35 anos: categoria 3 Com aura, independentemente da idade: categoria 4 Categoria 1 Antes de 6 semanas: categoria 4 Após 6 semanas: categoria 3 Após 6 meses: categoria 2 Câncer de mama (atual): categoria 4 Câncer cervical (antes do tratamento): categoria 2 HNF: categoria 2 Câncer hepático benigno ou maligno: categoria 4 Compensada: categoria 1 Descompensada: categoria 4 Aguda: categoria 3 ou 4 (depende da gravidade do caso) Se o paciente já fazia uso de ACO: categoria 2 Crônica: categoria 1

HNF, hiperplasia nodular focal; IMC, índice de massa corporal; AVC, acidente vascular cerebral; IAM, infarto agudo do miocárdio; PA, pressão arterial; PAS, pressão arterial sistólica; PAD, pressão arterial diastólica.

co de câncer de mama em mulheres entre 45 e 50 anos imposto pelo uso de ACO, tendo em vista que ainda são escassas as publicações sobre o assunto. O ACOG (2006) sugere que, na ausência de melhor evidência, admita-se que o risco de câncer de mama decorrente do uso de contraceptivos nessas mulheres seja semelhante ao encontrado com a terapia hormonal na menopausa. Em relação à escolha da formulação, devem-se conhecer as combinações existentes e as vantagens potenciais de cada uma delas. Não existe justificativa para o emprego de ACOs de primeira geração, pois ACOs com

menos de 50 μg de EE apresentam a mesma eficácia contraceptiva, com definido menor risco de fenômenos tromboembólicos e cardiovasculares. Comparando ACOs com diferentes concentrações de EE (35, 30, 20 ou 15 μg), todos têm eficácia e perfil de efeitos adversos similares. A principal vantagem da redução hormonal seria uma provável redução do risco cardiovascular. O menor risco cardiovascular para ACOs com dose de EE ultrabaixa (15 μg) ainda não foi claramente demonstrado e, em contrapartida, definidamente exercem menor controle de ciclo (menos ciclos normais, mais sangramentos de escape, maior ausência de sangramento de retirada).

276 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Em relação aos ACOs de 3a geração, deve-se considerar o fato de teoricamente apresentarem menor androgenicidade (redução de acne, oleosidade da pele e do cabelo), porém o dobro de risco (RR ⫽ 1,7; IC 95% 1,4-2) de fenômenos tromboembólicos quando comparados aos de 2a geração (Kemmeren; algra; Grobbee, 2001). A combinação com drospirerona (DRSP) não parece diferir dos demais progestágenos em relação ao risco de trombose venosa profunda (TVP). Apesar de alguns fármacos comercializarem a ideia de serem especialmente benéficos nessa condição, é importante lembrar que o uso contínuo de qualquer ACO combinado resulta em melhora das características androgênicas, com exceção da superioridade da ciproterona no tratamento da acne inflamatória.

retomada com o lançamento da DRSP, um análogo da espironolactona, com potencial ação antimineralocorticoide. Seu uso determinaria menor reabsorção de sódio e maior diurese, reduzindo a retenção de líquidos e os sintomas relacionados a esse efeito (aumento de peso, edema, dor e intumescimento das mamas). Apesar da significativa redução de peso ao redor do sexto mês de uso da associação, a variação foi clinicamente irrelevante (500 g), e houve retorno aos valores iniciais com uso contínuo. Dessa forma, as evidências atuais permitem informar que os ACOs atualmente comercializados não determinam variações significativas no peso corporal.

Publicação mais recente definiu o risco dos diferentes progestágenos para TVP. O grande estudo de casos e controles (Breitkopf et al., 2003), demonstrou que usuárias de ACO contendo levonorgestrel apresentam 3,6 vezes mais risco de trombose venosa (OR 3,6; IC 95% 2,9-4,6) comparativamente a não usuárias de ACO. No mesmo tipo de comparação, o risco foi maior 5,6 vezes com gestodeno (IC 95% 3,7-8,4), 6,3 vezes com drospirenona (IC 95% 2,9-13,7), 6,8 vezes com acetato de ciproterona (IC 95% 4,7-10) e 7,3 vezes com desogestrel (IC 95% 5,3-10). O maior risco ocorreu nos primeiros meses de uso, com qualquer tipo de ACO. A publicação confirma achados prévios de menor risco para TVP com o uso do levonorgestrel.

Orais

Assim, não há indicação para que os compostos de 3a geração sejam tomados como escolha preferencial. Considerando-se que o maior risco de eventos tromboembólicos ocorre nos primeiros anos de uso dos ACOs (especialmente no primeiro), não haveria justificativa para troca de ACO em pacientes que já os iniciaram e estão bem adaptadas. Para pacientes que vão iniciar o ACO ou para aquelas com perfil de risco para TVP (história familiar, sobrepeso ou sedentarismo), entretanto, devemos preferir sempre as combinações com levonorgestrel. Outro aspecto frequentemente considerado na escolha do ACO é a mudança de peso corporal. Estudos com as mais diversas combinações não encontraram alteração significativa no peso corporal com o uso de ACOs. A discussão foi

Orientações para uso de anticoncepcionais orais combinados com 35 a 20 ␮g de etinilestradiol Tomar 1 comprimido via oral (VO) 1 vez ao dia, no mesmo horário, por 21 dias. Parar 7 dias (sangramento de privação) e reiniciar nova cartela no 8o dia. Observações: 1. A primeira cartela deve ser iniciada no 1o dia de fluxo menstrual. Lembrar que são necessários sete dias de uso contínuo para obter efeito contraceptivo (se relações antes desse período, usar preservativos). 2. Não reiniciar o uso se não houver fluxo menstrual, pela possibilidade de gestação. 3. Se esquecer 1 comprimido por menos de 12 horas, tomar o comprimido esquecido assim que lembrar (inclui a possibilidade de tomar 2 comprimidos de uma só vez) e o seguinte no horário habitual – não há perda de eficácia. Se esquecer 1 comprimido por mais de 12 horas, a proteção contraceptiva pode ser reduzida. 4. Não fazer pausa anual para preservar a ovulação, pois mesmo em uso prolongado a pílula é reversível. Orientações de uso para anticoncepcionais orais combinados com 15 ␮g de etinilestradiol

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Tomar 1 comprimido, VO, diariamente, no mesmo horário, por 24 dias. Parar 4 dias (sangramento de privação) e reiniciar no 5o dia de pausa. Observações: 1. A primeira cartela deve ser iniciada no 1o dia do ciclo menstrual. 2. Na troca de contraceptivo, iniciar no dia posterior ao término da cartela anterior (não fazer a pausa). 3. Não reiniciar se não houver menstruação; excluir possibilidade de gestação. 4. Se esquecer 1 comprimido por menos de 12 horas, tomar o comprimido esquecido assim que lembrar (inclui a possibilidade de tomar 2 comprimidos de uma só vez) e o seguinte no horário habitual – não há perda de eficácia. Se esquecer 1 comprimido por mais de 12 horas, a proteção contraceptiva pode ser reduzida. Das gestações que ocorrem durante o uso, muito poucas podem ser atribuídas à falha do método. Na maioria dos casos, a concepção ocorreu por irregularidade na tomada ou má absorção do fármaco (vômitos, gastrenterite, colite ulcerativa, doença de Crohn, interações com indutores enzimáticos que reduzem a concentração plasmática dos ACOs).

Os Quadros 18.3 e 18.4 apresentam algumas interações medicamentosas que ocorrem com os ACOs. Pode ser necessário reforçar ou substituir as medidas contraceptivas nas mulheres submetidas a tratamentos com esses fármacos, especialmente se prolongados. Em relação à concentração dos antirretrovirais na vigência de uso de ACO, a maioria não se altera ou não há dados publicados, com exceção do amprenavir, que sofre redução na sua concentração.

Seguimento Usuárias de ACO devem ser vistas após os primeiros três meses de uso e, subsequentemente, a cada 6 a 12 meses, na busca de efeitos adversos menores, controle de pressão arterial (PA) e peso. As pacientes devem ser alertadas para os sinais e sintomas dos efeitos adversos maiores, basicamente para TVP e embolia pulmonar (EP), quando se faz necessário atendimento médico imediato. Em cada consulta, deve ser reforçada a adesão da paciente ao tratamento. O uso de ACOs combinados de baixa dosagem está associado a baixo risco relativo e absoluto de doença cardiovascular em mulheres saudáveis. Mesmo quando os potenciais riscos a

QUADRO 18.3

Interações de antibióticos, antirretrovirais e antifúngicos com contraceptivos orais Diminuição da concentração do ACO

Não alteram a concentração do ACO

Rifampicina

Ampicilina Doxiciclina Metronidazol Quinolonas Tetraciclinas Fluconazol Miconazol*

Nelfinavir, lopinavir, ritonavir Nevirapina

277

* Administração vaginal reduz a concentração hormonal em usuárias de anel vaginal contraceptivo. Fonte: Adaptado de World Health Organization (2008).

278 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 18.4

Interações de anticonvulsivantes com contraceptivos orais Diminuição da concentração do ACO

Não alteram a concentração do ACO

Barbitúricos (fenobarbital e primidona) Carbamazepina e oxcarbamazepina Felbamato Fenitoína Topiramato Vigabatrin Zonisamide

Ethosuximide* Gabapentina** Lamotrigina** Levetiracetam Tiagabine** Ácido valproico

* Sem dados disponíveis. ** Estudos farmacocinéticos empregaram doses anticonvulsivantes menores do que as usadas na prática clínica.

saúde decorrentes do uso do ACO são contemplados, o resultado final é benéfico para essas mulheres, especialmente devido à alta eficácia em evitar a gravidez e à redução de risco de câncer de ovário (redução de risco diretamente relacionada à duração de uso, p. ex., redução de 50% em 5 anos, iniciando em 10 anos do primeiro uso e persistindo 10 a 20 anos após cessar o uso). Importante recomendação deve ser feita em relação à pressão arterial. Sabe-se que o uso de ACOs combinados aumenta em duas vezes a chance de desenvolver hipertensão a longo prazo. Em pacientes já hipertensas, a pressão arterial pode ser agravada com o uso de pílula. Lubianca e colaboradores (2005), em estudo realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), encontraram quase o triplo (OR 2,67) de chance de usuárias de ACO hipertensas não terem sua PA controlada – definida como níveis ⱕ 140/90 mmHg – quando comparadas a não usuárias. Outro estudo dos mesmos autores demonstrou que a suspensão do ACO em mulheres hipertensas reduziu em 15 mmHg a pressão arterial sistólica (PAS) e em 10 mmHg a pressão arterial diastólica (PAD). Ocorre diminuição da mortalidade por câncer ovariano e aumento da mortalidade por doença cerebrovascular em mulheres em uso corrente de ACO. Já em mulheres que suspenderam o uso há mais de 10 anos, a mortalidade foi simi-

lar entre usuárias e nunca usuárias, mostrando que não há efeito persistente. A Tabela 18.4 sumariza os principais riscos.

Anel vaginal É um anel de evastane, transparente, leve, flexível, que tem um diâmetro externo de 54 mm e espessura de 4 mm (Fig. 18.2). Cada anel contém 2,7 mg de etinilestradiol e 11,7 mg de etonogestrel, metabólito biologicamente ativo

Figura 18.2 Anel vaginal.

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279

Tabela 18.4 Estimativa de risco para ACO de baixa dose, conforme o tipo de evidência disponível

Risco

Tipo de evidência

Nível de evidência

Risco independentemente da idade (todas as mulheres)

Risco > 35 anos

Câncer de mama

Casos e controles Reanálise de 54 estudos

III II

Ausente Aumento de 24%

Provável aumento adicional de risco

Cálculo biliar

Coorte retrospectiva

II

Aumento de 10%

Sem aumento adicional de risco

Tromboembolismo Venoso

ECR Coorte retrospectiva

I II

Aumento de 10% Aumento em 5 vezes

Provável aumento de risco

Infarto do miocárdio

Coorte Casos e controles

II III

Ausente Ausente ou aumento em 5 vezes

Ausente Ausente ou aumento em 3,5 vezes

AVC isquêmico

Casos e controles Metanálise

III I

Ausente Aumento em 2 vezes

Ausente ou aumento em 2 vezes

Hipertensão arterial sistêmica

Coorte Transversal

II II

Sem diferença Não avaliado

Coorte

II

Aumento em 2 vezes Aumento em 2,6 vezes de não ter PA controlada em hipertensas usuárias de ACO (versus não usuárias) Efeito da suspensão do ACO em mulheres hipertensas: redução de 15 mmHg na PAS e 10 mmHg na PAD

do desogestrel, dispersos uniformemente no núcleo de evastane. A membrana de evastane circundante controla a liberação de 15 μg de etinilestradiol/dia e 120 μg de etonogestrel/dia. É comparável a uma pílula contendo 30 μg de etinilestradiol e 150 μg de desogestrel. A taxa de falha, o perfil de efeitos adversos e as contraindicações são similares aos contraceptivos combinados orais. Poucas mulheres ou parceiros relataram sentir a presença do anel durante a relação sexual. São vantagens não exigir o uso diário, como o contraceptivo oral, e o fato de manter a proteção contraceptiva por mais sete dias em caso de esquecimento da data da troca. Os efeitos adversos podem ser sangramento de escape ou spotting, cefaleia, vaginite, leucorreia, ganho de peso, náusea e expulsão do anel. Os critérios de elegibilidade da OMS são os mesmos para os ACOs combinados.

Não avaliado

Uso do anel vaginal o o Iniciar o uso entre o 1 e o 5 dia do ciclo. Inserir em forma de “8”; não necessita circundar o colo. Usar por três semanas consecutivas. Retirar ao final da terceira semana (21o dia) para ocorrer sangramento de privação. Realizar pausa de sete dias. Após a pausa, é reiniciado novo ciclo com a colocação de outro anel.

Observação: usar preservativos nos primeiros sete dias de uso na ausência de método contraceptivo prévio ou na troca de outros métodos (exceto para uso prévio de ACO).

Adesivo transdérmico (patch) O adesivo transdérmico é uma importante alternativa em mulheres esquecidas, pois é necessário apenas a troca semanal do produto. Libera diariamente 30 μg de EE e 150 μg de norelgestromina, que, após metabolismo hepático, resulta em levonorgestrel, altamente ligado à

280 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Figura 18.3 Locais indicados para uso do contraceptivo hormonal transdérmico.

proteína (97% ligado, 3% livre). Concentrações séricas hormonais são obtidas rapidamente após a colocação. Entretanto, a farmacocinética do adesivo difere da via oral: flutuações hormonais são evitadas, e a concentração sérica atingida é capaz de manter a eficácia contraceptiva mesmo que haja atraso de até dois dias na substituição do adesivo. É importante considerar que pacientes com mais de 90 kg podem apresentar redução de eficácia, não sendo recomendado o emprego dessa via. Os critérios de elegibilidade são semelhantes aos ACOs combinados. Uso do adesivo transdérmico O adesivo deve ser colocado sobre a pele limpa e seca, podendo ser aplicado no abdome inferior, na parte externa do braço ou na parte

superior das nádegas. Pressionar o adesivo por 10 segundos, até que os bordos estejam bem aderidos. Usar um adesivo a cada sete dias, realizando a troca no mesmo dia da primeira aplicação (o horário não precisa ser o mesmo). Usar por três semanas consecutivas, retirando o terceiro adesivo ao final dos 21 dias e aguardar o sangramento de privação. Observação: 1. O primeiro adesivo deverá ser aplicado no primeiro dia da menstruação. 2. O uso contínuo, sem pausa, também poderá ser empregado, se a paciente desejar. 3. Evitar aplicar sobre locais em que não haja contato com roupas apertadas e região das mamas.

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281

4. Rodiziar semanalmente os locais de aplicação. 5. Descolamento do adesivo total ou parcial (5% dos adesivos) por menos de 24 horas: recolocar o mesmo adesivo (se permanecer bem aderido) ou colar um novo adesivo – não há perda da eficácia. Mais de 24 horas: colar um novo adesivo e reiniciar um novo ciclo, com novo dia de troca. Empregar método de barreira por sete dias.

Anticoncepção combinada injetável A anticoncepção hormonal combinada (estrogênio ⫹ progestágeno) injetável é especialmente recomendada para pacientes com dificuldade de aderir à tomada diária do ACO ou que apresentam problemas de absorção entérica (doença inflamatória intestinal). As seguintes combinações estão disponíveis: enantato de estradiol 10 mg ⫹ acetato de di-hidroxiprogesterona 150 mg; valerato de estradiol 5 mg ⫹ enantato de noretisterona 50 mg e cipionato de estradiol 5 mg ⫹ acetato de medroxiprogesterona 25 mg. O mecanismo de ação é o mesmo dos ACOs combinados: supressão da ovulação, supressão do desenvolvimento folicular, espessamento do muco cervical e redução de espessura endometrial. O padrão de sangramento menstrual com o injetável mensal é previsível, com fluxos ocorrendo por privação hormonal a cada três semanas após a injeção (22o dia). Quando comparado com os ACO, o injetável mensal está relacionado a menor sangramento intermenstrual e maior ocorrência de amenorreia. Os critérios de elegibilidade da OMS são os mesmos dos ACOs combinados. Uso da anticoncepção combinada injetável Aplicar uma ampola intramuscular (IM) profunda (no deltoide) a cada 30 dias, com tolerância de aproximadamente três dias para a aplicação. O ideal é que a primeira ampola seja administrada no primeiro dia do ciclo menstrual (no máximo até o 8o dia do ciclo). Observação: não se deve massagear ou colocar bolsa de água quente no local da aplicação para não acelerar sua absorção.

Anticoncepcionais só de progestágenos Minipílulas Progestágenos usados isoladamente (minipílulas) são acetato de noretindrona e levonorgestrel. Minipílulas têm maior índice de falha (índice de Pearl de 0,5 em 100 mulheres/ano). A eficácia contraceptiva pode ser perdida em 27 horas após a ultima dose. Sua ação envolve espessamento do muco cervical e inibição da implantação do embrião no endométrio. As concentrações de progestágenos encontradas em minipílulas são insuficientes para bloquear a ovulação. Minipílulas estão indicadas quando há intolerância ou contraindicação formal ao uso de estrogênios e durante a amamentação, pois não inibem a produção de leite. Nessa circunstância, também se admitem os anticoncepcionais combinados de baixas concentrações estrogênicas, desde que se mantenha alta a frequência das mamadas (aleitamento materno exclusivo). O uso de minipílulas é contínuo. Quando prescritas no puerpério de mulheres que amamentam, podem ser seis semanas após o parto ou, no mínimo, 14 dias antes do retorno da atividade sexual. O uso deve ser bastante regular, respeitando rigorosamente o horário de tomada. Se a paciente esquecer 1 ou 2 comprimidos, tomar um assim que lembrar e outro no horário habitual, utilizando métodos adicionais até que 14 comprimidos tenham sido tomados. Se esquecer mais de 2 comprimidos, iniciar outro método de contracepção até que ocorra fluxo menstrual. Uma contraindicação relativa ao uso de anticoncepcionais com progestágeno isolado é o diabete mélito gestacional (DMG) prévio. Kjos e colaboradores (1998), em coorte envolvendo 904 mulheres com essa condição, avaliaram o risco de essas pacientes desenvolverem diabete melito tipo 2 a longo prazo com uso de contracepção oral hormonal. As pacientes foram periodicamente submetidas a testes de tolerância oral à glicose durante sete anos. A incidência cumulativa da doença entre usuárias de ACOs combinados e usuárias de métodos não hormonais foi similar. Entretanto, usuárias de progestágeno isolado durante a amamentação apresentaram

282 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

um risco três vezes maior de desenvolverem diabete melito tipo 2 nos primeiros dois anos após o parto (RR ajustado 2,87; IC 95% 1,57-5,27).

Os eventos adversos mais comuns são sangramento irregular, oligomenorreia ou amenorreia, acne, mastalgia, náuseas, aumento de peso, alterações do humor e diminuição da libido.

Progestágeno isolado Constituído de 75 μg de desogestrel, provoca anovulação em 97% das usuárias e torna o muco cervical espesso, dificultando a ascensão dos espermatozoides. É mais eficaz do que as minipílulas, pois como os anticoncepcionais combinados, é capaz de inibir o eixo hipotálamo-hipófise-ovário. Sua eficácia contraceptiva é excelente, e seu índice de Pearl (falha) é de 0,4 por 100 mulheres/ ano. Está indicado durante a amamentação, em mulheres que não podem ou não desejam usar pílulas com estrogênio. O uso deve ser contínuo, isto é, uma pílula por dia, sem interrupção. Tem a vantagem de poder ser tomado com atraso de até 12 horas, sem comprometer a sua eficácia. Os anticonvulsivantes, a rifampicina e a griseofluvina podem diminuir a sua eficácia.

Seleção Em situações especiais, deve-se avaliar o uso de pílulas somente de progestágeno, conforme a Tabela 18.5.

Anticoncepção de emergência A anticoncepção de emergência está indicada em situações de relação sexual não planejada, portanto, sem uso de método anticoncepcional; percepção de falha do método em uso, como ruptura do preservativo, diafragma deslocado ou esquecimento de uso de anticoncepcionais orais por mais de 48 horas, e em casos de violência sexual (estupro). Recomenda-se também o uso de anticoncepção de emergência quando as pílulas não forem usadas corretamente, em presença de

Tabela 18.5 Critérios de elegibilidade do uso de pílulas somente de progestágeno em condições especiais – World Health Organization (2004) Condição

OMS

Tabagista Hipertensão > PA controlada > PA não controlada Doença Cardiovascular (AVC, doença cardíaca, fatores de risco múltiplos) Trombose venosa profunda

Categoria 1 PAS 140-159 e PAD 90-99 mmHg: categoria 1 PAS ⱖ 160 e PAD ⱖ 100 mmHg: categoria 2

Diabete Enxaqueca Cefaleia Lactação Câncer

Cirrose Fonte: Adaptada de World Health Organization (2004).

Categoria 2 História: categoria 2 Atual: categoria 3 Cirurgia com mobilização prolongada: categoria 2 Categoria 2 Categoria 2 Categoria 1 Antes de 6 semanas: categoria 3 Após 6 semanas: categoria 1 Câncer de mama (atual): categoria 4 Câncer cervical (antes do tratamento): categoria 1 Câncer hepático benigno – HNF: categoria 2 Câncer hepático benigno – ADC: categoria 3 Câncer hepático maligno: categoria 3 Compensada: categoria 1 Descompensada: categoria 3

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vômitos e diarreia ou no caso de intervalo maior do que sete dias entre as cartelas. Usando o método anticoncepcional de emergência, o risco de gravidez é reduzido em torno de 75%. A anticoncepção de emergência antes empregava contraceptivos orais combinados em altas doses (etinilestradiol e levonorgestrel), segundo o método de Yuzpe. Sua eficácia variava de 90 a 98%, quando o uso se fazia em 72 horas após o coito. Mais recentemente, vários estudos demonstraram que o uso de levonorgestrel isolado é mais eficaz do que o método de Yuzpe. Um ensaio clínico randomizado empregou 2 doses de 0,75 mg de levonorgestrel, administradas em intervalo de 12 horas, nas primeiras 72 horas de relação sexual sem proteção, demonstrando taxa de gestação de 1,1% versus 3,2% com o regime de Yuzpe (RR 0,36; IC 95%: 0,18-0,7). Essa taxa equivale à prevenção de 7 das 8 gestações esperadas em 100 mulheres expostas a uma relação sexual sem anticoncepção, contra 6 evitadas com o método Yuzpe. Além disso, a ocorrência de náuseas e vômitos é menor com o uso de levonorgestrel isolado, o que pode ser um dos fatores relacionados à maior eficácia do método. Desde 1998, o regime isolado de levonorgestrel para essa finalidade foi registrado em mais de 90 países. Em 2002, novo ensaio clínico multicêntrico, randomizado e duplo cego demonstrou que uma dose única de 1,5 mg de levonorgestrel tem a mesma eficácia de 2 doses de 0,75 mg a cada 12 horas (frações evitadas de gravidez de 84 e 79%, respectivamente; NS), sem aumentar os efeitos adversos. A administração até 120 horas após a relação sexual ainda conferiu proteção, embora quanto maior tempo decorrido, menor o efeito protetor (Randomised..., 1998). Ressalta-se que a administração até 72 horas de qualquer um dos métodos leva à menor ocorrência de falhas. Administrar a primeira dose após 72 horas da relação sexual aumenta as chances de gestação em 50%, mas a tentativa de evitá-la ainda deve ser proposta frente à pequena ocorrência de efeitos adversos. Contracepção de emergência deve ser feita com dose única de 1,5 mg de levonorgestrel, administrada preferencialmente até 72 horas após relação sexual na ausência de contracepção.

283

Progestágeno injetável Na ausência de contraindicações, pode ser empregado por qualquer paciente que deseje uma contracepção segura, especialmente para aquelas que não podem utilizar estrogênios ou têm dificuldades de adesão a métodos que exijam uso diário. O progestágeno injetável bloqueia a ovulação pela inibição da secreção de LH, assim como os anticoncepcionais combinados. Além disso, os efeitos progestagênicos colaboram para a contracepção: maior viscosidade do muco e atrofia endometrial. Ocorre retorno lento à fertilidade (ovulação): cerca de nove meses após a última injeção. A eficácia desse método é igual à da ligadura tubária e superior a todos os outros métodos reversíveis. Outros efeitos benéficos, além da contracepção, podem resultar do emprego dessa medicação, como a amenorreia, com alívio da dismenorreia e melhora da anemia; redução dos sintomas associados à endometriose, tensão pré-menstrual e dor pélvica crônica; redução do câncer de endométrio e da ocorrência de convulsões; e possível redução das crises na anemia falciforme. As contraindicações do injetável trimestral (AMPD) são bem mais limitadas, em face da ausência de estrogênio em sua composição. Não pode ser usado em casos de gravidez, sangramento vaginal de etiologia desconhecida, doença trofoblástica e patologias malignas. Em vigência do seu uso, pode ocorrer sangramento intermenstrual (ciclos menstruais imprevisíveis nos primeiros meses de uso, com melhora após uso prolongado), amenorreia, edema, ganho de peso, acne, náuseas, mastalgia, cefaleia, alterações do humor e redução da densidade mineral óssea. Uso do injetável de progestágeno Aplicar 150 mg de AMPD via IM profunda (na nádega ou no deltoide) a cada três meses. A primeira dose deverá ser aplicada nos primeiros cinco dias da menstruação para confirmar ausência de gestação. Se aplicada nesse período, o efeito contraceptivo é alcançado em 24 horas. Após esse período, usar preservativos por duas semanas. Aplicações subsequentes deverão ser realizadas a cada 90 dias (cerca de 12 semanas).

284 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Observação: 1. Esquecimento: se a última dose ocorreu há menos de 14 semanas (atraso na aplicação de 14 dias), uma nova injeção poderá ser aplicada. Se a última dose ocorreu há mais de 14 semanas, uma nova injeção só poderá ser aplicada se a paciente não teve relações sexuais nos últimos 10 dias e se o β-hCG for negativo. Ela deve usar preservativos por duas semanas por segurança (backup). Se a paciente teve relações sexuais nos últimos 10 dias e o β-hCG é negativo, ela poderá fazer a aplicação, mas deverá repetir o β-hCG em duas semanas (pois só é positivo após 8 dias da concepção). Usar preservativos por duas semanas por segurança (backup). Os critérios de elegibilidade da OMS (World Health Organization, 2008) são semelhantes aos dos progestágenos isolados, devendo-se observar que, em adolescentes, a AMPD é categoria 2, pois tem efeitos deletérios na densidade mineral óssea. Na ausência de contraindicações, pode ser empregado por qualquer paciente que busque uma contracepção segura, especialmente para aquelas que não podem utilizar estrogênios ou têm dificuldades de adesão a métodos que exijam uso diário.

Implante subdérmico O implante subdérmico consiste em dispositivos contendo progestágenos como o etonogestrel (Implanon) e o levonorgestrel (Norplant). O implante de etonogestrel é composto de bastonete único, que contém aproximadamente 68 mg de etonogestrel (um metabólito ativo do desogestrel) e tem duração de aproximadamente três anos. Ele libera aproximadamente 60 a 70 μg/dia, reduzindo para 40 μg/dia em 1 ano e para 25 a 20 μg/dia em três anos. Seu mecanismo de ação consiste em inibir a ovulação, aumentar a viscosidade do muco cervical, inibindo a penetração do espermatozoide, e diminuir a espessura endometrial. A taxa de gravidez acumulada entre 2 e 5 anos foi igual a zero, sendo o índice de Pearl 0,0 (IC 0,0-0,09). Os principais efeitos adversos do uso desse anticoncepcional são sangramento irregular (amenorreia e spotting), acne, dismenorreia e

aumento de peso corporal. Após a remoção do implante, o retorno à fertilidade é rápido, podendo variar em média de 1 a 18 semanas. O implante de etonogestrel tem uso seguro durante a amamentação, não tendo sido observadas diferenças no crescimento de crianças em mães que usavam esse implante e amamentavam (Taneepanichskul et al., 2006; Reinprayoon et al., 2000). Estudos internacionais mostraram altos índices de adesão ao método, superando 60% em dois anos, sendo a maior causa de descontinuação o sangramento irregular (Lakha; Glasier, 2006; Flores et al., 2005; Croxatto et al., 1999). O implante anticoncepcional de levonorgestrel (Norplant) foi exaustivamente estudado por 20 anos antes de ser liberado para venda. É composto também por um progestágeno, tem efeito antiestrogênico importante e previne a gestação por meio da ação sobre o muco cervical, que se torna impenetrável aos espermatozoides. Tem duração de cinco anos. As contraindicações ao seu uso são tromboflebite, doença tromboembólica aguda, sangramento vaginal não diagnosticado, doença hepática aguda, tumor de fígado e câncer de mama. Uso do implante de etonogestrel O implante deve ser introduzido pelo médico com um aplicador específico (acompanha o produto) sob anestesia local no consultório. O tempo de inserção do implante é de aproximadamente 5 minutos, e de remoção, 3,5 minutos, devendo ser inserido abaixo da derme, na face interna do braço, entre os músculos bíceps e tríceps (Funk et al., 2005). Para ser retirado, é preciso pequena incisão sob anestesia local. Normalmente não há necessidade de realizar pontos, colocando-se apenas pequeno curativo com esparadrapo. Os implantes têm efeito contraceptivo imediato quando inseridos nos primeiros sete dias do ciclo menstrual; contudo, se a inserção ocorrer após o 7o dia do ciclo menstrual, uma contracepção adicional é necessária por pelo menos três dias. Os critérios de elegibilidade da OMS são semelhantes aos dos progestágenos isolados.

Sistema intrauterino de levonorgestrel O SIU-LNG 20 é um endoceptivo (ou seja, um sistema intrauterino que libera hormônio –

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Membrana de controle

Parede uterina

285

Cilindro de levonorgestrel

Limite do sistema

SIU-LNG

Detalhe

Figura 18.4 Sistema intrauterino de levonorgestrel.

levonorgestrel) em forma de T (Fig. 18.4), cuja estrutura é um polietileno com sulfato de bário (radiopaco). Tem 32 mm de comprimento, e sua haste vertical é revestida com um cilindro de polidimetilsiloxano de 19 mm de comprimento, contendo 52 mg de levonorgestrel. A taxa de liberação de levonorgestrel é de 20 μg/dia no o o primeiro ano da inserção, 15 μg/dia do 2 ao 5 o o ano e 12 μg/dia do 6 ao 7 ano. O período mí-

nimo de eficácia do SIU-LNG 20 é de cinco anos, e sua troca é recomendada após esse período. O mecanismo de ação é sobre o muco cervical, com efeitos endometriais, inibição da motilidade espermática, reação a corpo estranho, mecanismos moleculares e efeito mínimo no eixo hipotálamo-hipófise-ovariano, com mais de 85% das mulheres ovulando durante o seu uso.

286 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Spottings são frequentes nos primeiros três meses de uso e amenorreia de 20% no primeiro ano e 50% nos cinco anos de observação. O efeito local do levonorgestrel no endométrio leva à redução do fluxo menstrual e à oligomenorreia. É importante informar à paciente que a amenorreia não reduz a capacidade de reprodução após a extração do SIU-LNG 20. O retorno da fertilidade é rápido. Esse efeito local do levonorgestrel no endométrio também tem sido usado como princípio terapêutico para o tratamento de menorragia, dismenorreia, hiperplasia do endométrio e terapia de reposição hormonal (TRH). O SIU-LNG 20 seria uma opção para substituir a histerectomia ou a ablação endometrial em muitas mulheres sofrendo de menorragia idiopática. Alguns efeitos sistêmicos, como acne, cefaleia, mastalgia e depressão, podem ser relatados, têm baixa incidência e parecem ser máximos no terceiro mês após a inserção, com redução gradual posteriormente. Um ensaio clínico mostrou não haver diferença significativa no ganho de peso ao longo de cinco anos entre usuárias de DIU de cobre e de LNG. Até 30% das usuárias irão apresentar na ecografia cistos ovarianos funcionais, o manejo é expectante, pois a maioria desaparecerá espontaneamente (Anderson; Odlind Rybo, 1994). A forma de colocação é semelhante ao DIU de cobre, sendo mais aceito por adolescentes pelo padrão de sangramento menstrual. A eficácia contraceptiva do SIU-LNG 20 é comparável à da esterilização feminina, com índice de Pearl de 0,2 no primeiro ano e taxa cumulativa de falha de 0,7 aos cinco anos. O SIU-LNG 20 tem sido muito estudado como tratamento efetivo para menorragia entre mulheres jovens, chegando em alguns casos a reduzir até 96% do sangramento, e também tem se demonstrado um excelente método para tratar a dor associada à endometriose. Tem sido empregado no tratamento do sangramento uterino anormal, devido à sua ação endometrial (supressão das glândulas endometriais e decidualização estromal). Sua ação é comparável à histerectomia ou ablação endometrial em estudos randomizados em termos de satisfação

e custo-eficácia (Hurskainen et al., 2004; Kaunitz et al., 2009). É comum o sangramento vaginal persistente ou spotting nos 3 a 6 meses iniciais (25% das pacientes) (Hidalgo et al., 2002). No HCPA, um estudo transversal avaliou perfil de sangramento, indicação e permanência do uso do método em 92 pacientes que inseriram SIU-LNG entre janeiro de 2007 e dezembro de 2008. Em 39 pacientes, o DIU-LNG foi inserido para método contraceptivo, sendo a idade média de colocação nesse grupo de 36,8 anos (Wender et al., 2009). O SIU-LNG mostra-se como método contraceptivo de boa aceitação com redução no fluxo menstrual na grande maioria dos casos, sendo opção segura em pacientes com quadro de sangramento uterino anormal (SUA).

Dispositivo Intrauterino O dispositivo intrauterino (DIU) é um dos métodos contraceptivos mais usados no mundo. Mais de 150 milhões de mulheres usam DIU, principalmente em países emergentes, como sudoeste da Ásia e China, sendo menos utilizado na Europa (3-24%) e Estados Unidos (2-8%). O DIU de cobre é uma estrutura de polietileno, em forma de T ou de 7, revestida parcialmente por cobre. O número que se segue ao símbolo do cobre corresponde à quantidade do material presente na espiral do DIU, expressa em mm2. Os mais conhecidos são o TCu200B, o 7Cu200 e o Multiload Cu250. Esses dispositivos eram mais eficazes do que os DIUs inertes (não medicados), e em seguida uma segunda geração de DIUs de cobre foi lançada, incluindo o Nova T, o TCu380A e o Multiload Cu400. O índice de Pearl para esses DIUs varia entre 0,5 e 0,7 por 100 mulheres/ano. O Multiload Cu250 tem uma durabilidade de cinco anos, enquanto o TCu380A já foi liberado para uso por 10 anos pelo FDA. Mesmo sendo um método contraceptivo muito efetivo, sua taxa de falha não pode ser negligenciada (1-3%), levando a gestações não desejadas e ao aborto. Existe uma ampla variação

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de eficácia de acordo com o tipo do DIU, o DIU de cobre TCu380A, mais eficaz do que os demais, aparece com uma taxa de 0,3 a 0,6% de gestação. Em 10 anos, a efetividade do DIU chega a se comparar com a da esterilização tubária, por isso vem sendo usado como alternativa à esterilização, principalmente em mulheres jovens e que tem contraindicações ao procedimento cirúrgico.

287

também ocorrem primeiras menstruações. É mais comum entre jovens, nulíparas e nas inserções pós-parto. Se a expulsão ocorreu e não há sinais de infecção, um novo DIU pode ser inserido. Porém, a reinserção é de sucesso somente em dois terços dos casos de expulsão. Úteros com dimensão menor do que 6 cm tendem a expulsar com maior facilidade.

O DIU age por meio de uma resposta inflamatória citotóxica que é espermicida, com aumento na produção local de prostaglandinas e inibição da implantação. Além disso, há alteração na mobilidade espermática, com menor ascensão dos espermatozoides para o trato genital superior. A ação contraceptiva depende de um complexo e variado conjunto de alterações espermáticas, ovulares, cervicais, endometriais e tubárias que dificultam a fertilização.

O DIU de cobre pode aumentar o sangramento menstrual e causar spotting, principalmente nos primeiros 3 a 6 meses após a inserção. Também podem ocorrer dismenorreia e sangramento abundante, que são as causas mais frequentes de remoção do DIU no primeiro ano de uso. Um estudo realizado no HCPA mostra que o padrão de sangramento pode ser medido por uma avaliação prévia de fluxo da microvascularização endometrial pela ecografia com Doppler, que viria a predizer o risco de sangramento aumentado ou dismenorreia após a colocação do DIU.

A discussão em torno da melhor época de colocação persiste. Alguns autores sugerem a inserção na época da menstruação, pois a paciente tem certeza de que não está grávida, o útero está mais permeável e menor cólica será percebida. Porém, sabe-se que o DIU pode ser inserido em qualquer época do ciclo menstrual, principalmente em usuárias regulares de outra forma de contracepção (Baveja et al., 1989).

Previamente à colocação, pode-se administrar misoprostol intravaginal para dilatar o colo uterino. Contudo, a dose não está ainda estabelecida, assim como a de anti-inflamatórios não esteroides pré-colocação para diminuir a dor. Um estudo com adolescentes mostrou que a associação de misoprostol 400 μg com 100 mg de diclofenaco causou menos dor na colocação do que cada método usado individualmente.

Inserção: o DIU deve ser inserido por profissional médico experiente, no consultório, sem anestesia, ou no hospital, sob sedação. Primeiramente se realiza o exame de toque bimanual para avaliar a posição e o tamanho do útero, em seguida realiza-se a assepsia do colo, pinça-se o lábio anterior com pinça de Pozzi, realiza-se a histerometria para, após, ser realizada a inserção do DIU. Deixa-se aproximadamente 1 cm de fio exteriorizado pelo colo uterino.

O DIU não aumenta o risco de doença inflamatória pélvica, esse risco apenas existe em decorrência do momento da inserção, principalmente em mulheres com cervicite no momento da colocação. Em 2005, o FDA liberou o uso do DIU de Cobre TCu380A para mulheres nulíparas, sem relação sexual monogâmica e para mulheres com história prévia de DST sem infecção no momento da inserção. Também excluiu a necessidade de se ter citologia cervical pré-colocação e screening de infecções do trato genital inferior.

Uma das complicações descritas é o deslocamento parcial ou total (resulta em expulsão) do DIU. A expulsão parcial pode ser identificada pelo alongamento dos fios do DIU, que protuem pelo orifício cervical externo, ou, eventualmente, ser percebida pelo parceiro no ato sexual. Já as expulsões completas normalmente se acompanham de dor pélvica intensa, em cólica, e sangramento extemporâneo. Com frequência

A OMS estabeleceu critérios de elegibilidade para o uso do DIU em condições especiais, sendo categoria 1 para quase todas as situações em que está contraindicada contracepção hormonal, como tabagismo, hipertensão e doença cardiovascular. As demais são vistas na Tabela 18.6.

288 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela 18.6 Critérios de elegibilidade do uso de DIU em condições especiais – World Health Organization (2008) Condição

OMS

Lactação

Antes de 6 semanas: pode ser inserido até 48 h pós-parto ou após 4 semanas Após 6 semanas: categoria 1

Câncer

Câncer de mama (atual): categoria 1 Câncer cervical (antes do tratamento): categoria 4 Câncer hepático: categoria 1

Sepse (puerpério e pós-aborto)

Categoria 4

Sangramento vaginal inexplicado

Categoria 4

DIP

Atual: categoria 4 Passada: categoria 1

DSTs

Gonorreia ou clamídia: categoria 4 Outras DSTs e vaginites: categoria 2 Risco aumentado para DSTs: categoria 2/3

HIV/Aids

Categoria 2 Se em mau estado clínico: categoria 3

Trombocitopenia

Categoria 3 até estabilização do quadro, após, categoria 2

DIP, doença inflamatória pélvica. Fonte: Adaptada de Berenson e colaboradores (2004) e World Health Organization (2008).

Métodos irreversíveis Contracepção cirúrgica Contracepção cirúrgica: vasectomia e ligadura tubária (LT) A contracepção cirúrgica, tanto masculina como feminina, deve ficar reservada a casais que têm a sua prole completa e estão absolutamente conscientes da irreversibilidade do método. A vasectomia liga o ducto deferente e pode ser realizada com anestesia local. É segura e tem alta efetividade. A vasectomia não altera o aspecto do sêmen e não afeta o desempenho sexual do homem. Para se ter certeza de que o procedimento foi eficaz, é indicado realizar um espermograma após três meses do procedimento ou após 20 ejaculações. Na LT, realiza-se a obstrução do lúmen tubário, impedindo o transporte do óvulo e o encontro dos gametas femininos e masculinos. O local ideal para o procedimento cirúrgico é a região ístmica. Pode ser realizada por videolaparoscopia, laparotomia (minilaparotomia) ou pelo fundo de saco vaginal (culdoscopia). A anestesia deve ser

geral. A via videolaparoscópica é a preferencial, pois apresenta menor tempo cirúrgico, menor morbidade, recuperação mais rápida e cicatriz esteticamente mais aceitável (Kulier et al., 2008). Entre as técnicas de ligadura tubária descritas, estão a ligadura com fio cirúrgico e posterior secção da trompa na porção ligada (técnicas de Pomeroy, Parkland, Uchida, Irving) e a ressecção de um segmento tubário (salpingectomia) (técnicas de Kroener, Madlener, Aldrich). Além dessas, pode ser realizada a obstrução mecânica utilizando clips ou anéis ou eletrocoagulação com cautério, com ou sem secção. A eletrocoagulação associa-se a uma menor morbidade quando comparada a outros métodos, contudo, uma das complicações mais frequentes desse método é a lesão térmica de alça intestinal. Na hora de se optar por algum dos métodos, é importante observar custos, capacitação do profissional e qualidade do material cirúrgico (Nardin; Kulier; Boulvain, 2008). O índice de Pearl (falha) das diversas técnicas é de 0,1 a 0,3 por 100 mulheres/ano. No HCPA, a esterilização por meio da ligadura tubária é preferencialmente realizada por vi-

Rotinas em Ginecologia

deolaparoscopia e segue a legislação brasileira sobre planejamento familiar promulgada em 12 de janeiro de 1996 (lei no 9.263): Artigo 10: Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações: I. Em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de 25 anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos, desde que observado o prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, com o objetivo de desencorajar a esterilização precoce; II. Risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos. — 1o É condição para que se realize a esterilização o registro da expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldade de sua realização e

289

opções de contracepção reversíveis existentes. — 2o É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores. — 3o Não será considerada a manifestação da vontade na forma do 1o, expressa durante ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de drogas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente. — 4o A esterilização cirúrgica como método contraceptivo somente será executada por meio da laqueadura tubária, vasectomia ou de outro método cientificamente aceito, sendo vedada pela histerectomia e ooforectomia. — 5o Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges. — 6o A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma de lei.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Paciente de 32 anos, puérpera, amamentando exclusivamente, deseja anticoncepção. Entre os métodos abaixo, qual não é indicado para essa paciente? a. b. c. d.

DIU de cobre. Pílula de progestágeno isolado. Implante subcutâneo de etonogestrel. Anel vaginal.

2. Sobre a lei de ligadura tubária, é correto afirmar: a. Pode ser realizada sem o consentimento informado da paciente se o médico achar necessário. b. É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou

aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores. c. Mulheres com capacidade civil plena e maiores de 23 anos de idade ou, pelo menos, dois filhos podem ser submetidas à ligadura. d. É condição para que se realize a esterilização apenas a manifestação da vontade de forma verbal, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldade de sua realização e opções de contracepção reversíveis existentes.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

Rotinas em Ginecologia

293

ANEXO 18.1

Anticoncepcionais orais disponíveis no Brasil Anticoncepcionais Orais Orais monofásicos

Estrogênio (μg)

Progestágeno (mg)

Nome comercial

COM 50 μg

Tipo

Anacyclin

EE 0,05

Linestrenol 1

Anfertil Ciclovulon Evanor Neovlar Primovlar

EE 0,050 EE 0,050 EE 0,050 EE 0,050 EE 0,050

Norgestrel 0,500 Noretindrona 0,25 Norgestrel 0,250 Norgestrel 0,250 Norgestrel 0,500

combinado 21 cp ativos 7 placebo combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp

Orais monofásicos

COM 37,5 ou 35 μg

Ovoresta Diane 35 Diclin Ferrane 35 Selene

EE 0,0375 EE 0,035 EE 0,035 EE 0,035 EE 0,035

Linestrenol 0,25 Ac. ciproterona 2 Ac. ciproterona 2 Ac. ciproterona 2 Ac. ciproterona 2

combinado 22 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp

Orais monofásicos

COM 30 μg

Ciclo 21 Gestinol Gynera Level Levordiol Levogen Microdiol Microvlar Minulet Nociclin Nordette Normamor Primera 30 Tamisa 30 Yasmin

EE 0,03 EE 0,030 EE 0,030 EE 0,030 EE 0,03 EE 0,03 EE 0,030 EE 0,03 EE 0,030 EE 0,03 EE 0,03 EE 0,03 EE 0,030 EE 0,030 EE 0,030

Levonorgestrel 0,25 Gestodene 0,075 Gestodene 0,075 Levonorgestrel 0,25 Levonorgestrel 0,25 Levonorgestrel 0,25 Desogestrel 0,150 Levonorgestrel 0,25 Gestodene 0,075 Levonorgestrel 0,15 Levonorgestrel 0,25 Levonorgestrel 0,25 Desogestrel 0,150 Gestodene 0,075 Drospirenona 3

combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp

Orais monofásicos

COM 20 μg

Allestra 20 Diminut Primera 20 Femiane Femina Gestrelan Ginesse Harmonet

EE 0,02 EE 0,02 EE 0,020 EE 0,020 EE 0,020 EE 0,02 EE 0,020 EE 0,02

Gestodene 0,075 Gestodene 0,075 Desogestrel 0,150 Gestodene 0,075 Desogestrel 0,150 Gestodene 0,075 Gestodene 0,075 Gestodene 0,075

combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp (Continua)

294 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

(Continuação)

Level Mercilon Micropil Minian Miranova

EE 0,020 EE 0,020 EE 0,02 EE 0,020 EE 0,020

Levonorgestrel 0,25 Desogestrel 0,150 Gestodene 0,075 Desogestrel 0,150 Levonorgestrel 0,25

Yaz

EE 0,020

Drospirenona 3

combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp combinado 21 cp

COM 15 μg Adoless

EE 0,015

Gestodene 0,060

Minesse Minima Mirelle Siblima Progestágeno Cerazette Kelly Micronor Minipil Norestin Nortrel

EE 0,015 EE 0,015 EE 0,015 EE 0,015

Gestodene 0,060 Gestodene 0,060 Gestodene 0,060 Gestodene 0,060

combinado 24 cp (28 cp) combinado 24 cp combinado 24 cp combinado 24 cp combinado 24 cp

Desogestrel 0,075 Desogestrel 0,075 Noretisterona 0,350 Noretisterona 0,350 Noretisterona 0,35 Levonorgestrel 0,030

uso contínuo uso contínuo microdose 35 cp microdose 35 cp microdose 35 cp microdose 35 cp (descontinuado)

Orais bifásicos Nome comercial

Estrogênio (mg)

Progestágeno (mg)

Tipo

Gracial

7 cp EE 0,040 15 cp EE 0,030

Desogestrel 0,025 Desogestrel 0,125

combinado 22 cp

Nome comercial

Estrogênio (mg)

Progestágeno (mg)

Tipo

Trinordiol

Levonorgestrel 0,05 Levonorgestrel 0,075 Levonorgestrel 0,125 Noretisterona 0,5 Noretisterona 0,75 Noretisterona 1 Levonorgestrel 0,05 Levonorgestrel 0,075 Levonorgestrel 0,125 Noretindrona 0,5

combinado 21 ativas

Biofim

6 cp EE 0,03 5 cp EE 0,04 10 cp EE 0,03 7 cp EE 0,035 7 cp EE 0,035 7 cp EE 0,035 6 cp EE 0,03 5 cp EE 0,04 10 cp EE 0,03 Mestranol 0,1

Megestran

Mestranol 0,1

Noretindrona 0,5

Orais trifásicos

Trinovum

Triquilar

EE, etinilestradiol.

combinado 21 ativas

combinado 21 ativas

combinado 21 cp ativos 7 placebo combinado 21 cp ativos 7 placebo

19

Histeroscopia Eduardo Pandolfi Passos Rosi Pereira Balbinotto Francieli Maria Vigo Rosielle Mallmann Trombetta Viviane Renata Philipsen Valentino Magno

A histeroscopia é um procedimento ambulatorial envolvendo baixo risco de complicações e que permite a visualização da cavidade uterina, a avaliação endometrial e a anatomia da cérvice. O primeiro relato da utilização da histeroscopia data de 1869: o inglês Diomede Pantaleoni utilizou o endoscópio de Desormeaux, com formato tubular e 12 mm de diâmetro (a fonte de luz era uma chama a álcool e terebentina). Esse autor identificou uma formação polipoide na cavidade uterina em uma paciente de 60 anos que apresentava metrorragia. No procedimento, foi realizada a coagulação da lesão com nitrato de prata. O artigo intitulado “O diagnóstico da polipose endometrial” foi publicado em 1853 no The Medical Press, uma publicação médica inglesa de relativa importância no meio. Naquela época, pouco se estudava sobre os processos patológicos da cavidade uterina, e os histeroscópios eram tubos que comunicavam a cavidade uterina com o observador. Havia três dificuldades básicas a serem superadas: o diâmetro do endoscópio, que deveria ultrapassar o canal endocervical sem trauma, a iluminação com sistemas ópticos mais eficientes e a distensão da cavidade, pois, como é virtual, torna-se necessário que suas paredes se afastem para possibilitar a observação. Em 1879, Maximilien Nitze introduziu um verdadeiro sistema óptico que permitiu o aumento do campo de visão, usando fonte de luz elétrica.

Palmer, em 1957, na França, teve grande importância no avanço da endoscopia ao propor uma drástica redução no calibre do histeroscópio, que passou a ter 5 mm de diâmetro. Em 1960, o inglês Hopkins substituiu as lentes de vidro por um novo arranjo, o qual reduziu ainda mais o diâmetro do endoscópio, além de aumentar a luminosidade. Logo a seguir, em 1979, Jacques Hamou desenvolveu a ideia da micro-histeroscopia, adaptando lentes de aumento ao sistema óptico e, com isso, possibilitando a visão panorâmica da cavidade uterina. Nessas duas últimas décadas, os sistemas de óptica, lentes e meios de distensão da cavidade melhoraram muito, introduzindo a ideia de que a histeroscopia é um método diagnóstico pouco invasivo, bastante preciso e que pode ser realizado de forma ambulatorial. Clark e colaboradores (2002), após realizarem revisão sistemática da literatura publicada, selecionaram estudos de observação que avaliaram a precisão diagnóstica da histeroscopia em relação ao teste-padrão anatomopatológico. Um total de 65 estudos foram selecionados, perfazendo uma amostra de 26.346 mulheres. A histeroscopia atingiu sensibilidade de 86,4% e especificidade de 99,2% para o diagnóstico de câncer de endométrio. Houve uma diminuição desses níveis quando estavam presentes outras doenças endometriais (p. ex., hiperplasia): a sensibilidade ficou em 78%, e a especificidade, em 95,8%

296 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

(Clark et al., 2002). Bedner, em 2007, comparou a efetividade entre dilatação e curetagem versus histeroscopia com biópsia guiada em mulheres perimenopáusicas com risco de neoplasia endometrial. O estudo concluiu que a histeroscopia é mais sensível no diagnóstico de todos os tipos de lesões endometriais, além de mostrar que não há benefício diagnóstico na realização de curetagem após histeroscopia (grau de evidência B). O crescente desejo dos histeroscopistas de resolver as patologias diagnosticadas endoscopicamente levou à evolução da histeroscopia cirúrgica, cuja aplicação utiliza os princípios básicos e as experiências alcançadas na área da urologia.

Instrumental O instrumental utilizado está dividido nos seguintes sistemas: de iluminação ou óptica e acessórios e de distensão.

Sistema de iluminação Utiliza-se uma fonte de luz fria e um cabo de luz. As fontes de luz fria podem ser de xenônio ou halógenas, com potências variadas. Recomenda-se uma fonte de luz fria de 300 W (xenônio) para as videocirurgias, enquanto as histeroscopias diagnósticas podem usar as fontes halógenas com variações de 150 a 250 W. Os cabos de luz são flexíveis e de fibra óptica, permitindo a transmissão de luz desde a fonte até a óptica.

> O sistema de vídeo com câmera e monitor de TV é opcional.

Sistema de distensão Nas endoscopias diagnósticas, a distensão da cavidade é realizada com gás carbônico (CO2) por meio de um insuflador específico que regula automaticamente a pressão intrauterina e o volume de gás insuflado (histeroflator). Nas histeroscopias operatórias, o meio de distensão utilizado é o líquido, representado por glicina a 1,5% ou água destilada com manitol a 3%. O Hysteromat é um sistema de infusão e aspiração de líquidos simultâneos que mantém a cavidade distendida constantemente. A pressão controlada eletronicamente permite que haja pouca passagem de líquido para o espaço intravascular, com diminuição dos riscos de sobrecarga hídrica.

Indicações > Sangramento uterino anormal. > Infertilidade. > Diagnóstico e acompanhamento das hiperplasias. > Localização de corpo estranho. > Diagnóstico e seguimento de doença trofoblástica. > Indicação e controle pós-cirurgia uterina. > Suspeita de neoplasia uterina.

Sistema óptico e acessórios > O sistema de óptica é constituído pelo histeroscópio de Hamou I e II, com ópticas de 4 mm de diâmetro e, atualmente, com ópticas de menor diâmetro (1,9 e 2,9 mm), para a histeroscopia diagnóstica. > O ressectoscópio e o eletrocautério são utilizados nas histeroscopias operatórias. > O material acessório para a realização do exame inclui espéculos, pinça de Pozzi, histerômetro, soluções para assepsia e material para biópsia de endométrio. Eventualmente, pode-se precisar de velas de Hegar para dilatação cervical e meios de cultura endometriais.

> Exame citopatológico de colo com células suspeitas e com colposcopia normal. > Pacientes com histerossalpingografia ou ecografia alteradas. > Controle de alterações endometriais na vigência de terapia de reposição hormonal (TRH).

Contraindicações Absolutas Infecção genital aguda ou recente que possa ser reativada.

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Relativas > Sangramento uterino ativo. > Suspeita de gestação. > Perfuração uterina recente.

297

pré-operatória. Ainda são inconsistentes os dados quanto ao uso de misoprostol em pacientes pós-menopáusicas. No entanto, Costa, em ECR de 2008, mostrou que o uso de misoprostol associa-se a menor dor peri e pós-operatória.

Histeroscopia diagnóstica

Técnicas O equipamento deve ser testado antes de iniciar o exame. A paciente é colocada em posição ginecológica e, então, é realizada antissepsia adequada. O ideal é não utilizarmos a pinça de Pozzi para tração do colo uterino; no entanto, na maioria dos casos, temos que tracioná-lo para retificar a posição uterina. A histerometria não deve ser realizada em virtude do risco de produzir dor e sangramento, o que dificulta o exame. Em pacientes nas quais a avaliação pré-operatória indica que haverá alguma dificuldade de inserção do instrumental através do colo (p. ex., nulíparas), podemos utilizar o misoprostol (200 mg) via vaginal para preparo cervical e facilitação do procedimento. Na literatura, os estudos são controversos quanto aos resultados do uso de misoprostol prévio à histeroscopia. Em 2006, Crane publicou revisão sistemática de 10 ensaios clínicos randomizados (ECR) que comparava misoprostol versus placebo em mulheres pré-menopáusicas que seriam submetidas à histeroscopia. O misoprostol foi associado à redução na necessidade de dilatação adicional, menor taxa de laceração cervical, maior dilatação cervical, mas também à maior taxa de cólica, febre e sangramento vaginal. Para cada 12 mulheres que receberam misoprostol, uma laceração cervical foi evitada. Em um trabalho publicado por Preutthipan e Herabutya (2000), foi concluído que o misoprostol via vaginal no preparo pré-operatório de histeroscopia cirúrgica (que necessita de dilatação cervical com velas de Hegar até no 9) em nulíparas reduz a necessidade de dilatação cervical, facilita o procedimento, diminui o tempo cirúrgico e as complicações. Já Fernandez e colaboradores (2004), em estudo randomizado que incluiu pacientes na pré-menopausa, testaram três diferentes doses de misoprostol (200, 400 e 800 mg) via vaginal, antes da histeroscopia cirúrgica, e não encontraram benefício com o seu uso; além disso, o misoprostol causou aumento da dor

Tempo cervical: a introdução do histeroscópio deve ser delicada, apoiando-se no orifício cervical externo (OCE) enquanto se aguarda a distensão do canal cervical pelo CO2. A progressão do histeroscópio em direção ao orifício cervical interno (OCI) é lenta, seguindo as bolhas de gás. A produção de uma falsa via geralmente acontece quando se força a óptica no canal cervical. Em algumas situações nas quais o OCI não distende, pode-se utilizar o histerômetro, evitando-se o contato com o endométrio. Tempo uterino: uma vez na cavidade uterina, devemos observar seu tamanho e morfologia, os cornos, os orifícios tubários e o aspecto do endométrio, procurando sempre correlacioná-los com a fase do ciclo. Na identificação de qualquer área suspeita, é fundamental a realização de biópsia para confirmação anatomopatológica. O canal cervical é avaliado durante a retirada do histeroscópio. Anestesia: com a utilização do micro-histeroscópio de Hamou e de outros de menor calibre, menos de 10% dos casos requerem algum tipo de anestesia. As indicações são restritas a pacientes muito ansiosas, com temor exagerado do exame e necessidade de dilatação do colo uterino. Pacientes com ligadura tubária podem ter sintomatologia exacerbada quando realizada histeroscopia diagnóstica sem analgesia. Segundo Tam e Yuen em ECR de 2001, o uso de anti-inflamatórios tem valor no pós-operatório, mas não apresenta benefício no uso pré-operatório (grau de evidência D). Achados histeroscópicos e correlação com a fase do ciclo Logo após a menstruação, até aproximadamente o 4o dia do ciclo, o endométrio encontra-se no período de regeneração, observando-se na histeroscopia endométrio fino, de aspecto áspero e até rugoso, podendo-se encontrar placas pálidas nos locais de maior regeneração, ausên-

298 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

cia de muco e de orifícios glandulares. Nesse período, devido à pouca espessura endometrial, visualizam-se os cornos profundos, e os óstios tubários também podem ser perfeitamente visualizados. O endométrio da primeira fase, ou endométrio proliferativo, apresenta-se de forma plana, pouco espessa, de coloração rosada ou amarelada brilhante, com os orifícios glandulares visualizados como pequenos pontos brancos pouco elevados, mais aparentes à medida que aumenta a estimulação hormonal. Nessa fase, há pouco muco, e a espessura endometrial varia de 2 a 5 mm. A vascularização é vista de maneira tênue, e os capilares podem mesmo não ser visualizados. No período ovulatório, no ápice do estímulo estrogênico, os vasos apresentam maior espessura e passam a envolver os orifícios glandulares, agora visíveis em maior número, mais espessados e elevados, com aspecto de mosaico. A coloração endometrial é rosada e brilhante, com muco abundante e fluido. A espessura endometrial atinge 6 a 7 mm. Na fase secretora, o estroma edemaciado recobre os vasos superficiais, que se tornam de difícil visualização. A cavidade uterina mostra-se globosa, e o OCI é mais resistente à passagem do histeroscópio. O endométrio dessa segunda fase é espesso, em torno de 8 a 9 mm, tornando-se facilmente marcado pela pressão do histeroscópio contra a parede uterina, de coloração rosada e brilhante. O muco é abundante, podendo ocorrer a formação de bolhas em contato com o gás da insuflação. Os orifícios glandulares apresentam-se bem elevados, acolados, de fácil visualização. Na pós-menopausa, devido ao decréscimo do estímulo estrogênico, o endométrio apresenta-se uniforme, fino e de aspecto pálido e opaco, não se visualizando orifícios glandulares. A extrema atrofia pode apresentar aspecto trabecular ou cístico (atrofia cística). Os vasos da camada basal, delgados e curtos, podem ser visualizados. O trauma causado pela distensão e pelo próprio equipamento pode provocar petéquias e sangramento. Nessa fase, a cavidade uterina adquire forma tubular, de dimensões reduzidas, com acentuação da escavação das regiões cornuais.

Histeroscopia cirúrgica Os procedimentos cirúrgicos são realizados em bloco cirúrgico, obedecendo às normas de antissepsia e sob anestesia geral ou condutiva. Na histeroscopia cirúrgica, está indicada a utilização de antibióticos profiláticos. O risco de infecção é baixo, apresentando incidência entre 0,1 e 0,9% de endometrite e 0,6% de infecção urinária (Agostini et al., 2002). Riscos e complicações A histeroscopia é um procedimento que pode ser considerado inócuo quando são utilizados os princípios básicos de indicação e técnica adequadas, assepsia e manipulação suave. A taxa de complicações na maioria dos serviços está em torno de 0,5 a 10/1.000 procedimentos. A complicação mais comum tanto de histeroscopia diagnóstica (0,13%) quanto cirúrgica (0,76%) é a perfuração uterina. > Reflexo vagal: pode ser desencadeado durante a passagem do CO2 ou da óptica pelo OCI e, principalmente, nas dilatações forçadas, acarretando bradicardia, arritmias, hipotensão, apneia e laringoespasmo. > Passagem do meio de distensão para a circulação sanguínea: a sobrecarga hídrica (overload) é um evento raro que ocorre em até 0,2% das histeroscopias cirúrgicas. Sua ocorrência depende do meio utilizado e da resposta de cada paciente ao volume administrado. Pode causar descompensação cardíaca, edema pulmonar, anemia dilucional, distúrbios hidreletrolíticos e suas consequências (hiponatremia, acidose, hiperglicemia) (Jansen et al., 2000). Na maioria das vezes, pode ser prevenida pela monitoração adequada de líquido infundido. Alguns grupos indicam a anestesia peridural, com a qual é mantido um nível de consciência da paciente, pois um dos primeiros sinais dessa complicação é a confusão mental. Deve-se manter a pressão intrauterina abaixo da pressão arterial, utilizar meios iso-osmolares (manitol), monitorar a quantidade de líquido admistrada e extravasada e limitar o tempo cirúrgico (< 1h). Muitas vezes, pressões entre 50 e 80 mmHg permitirão um adequado manejo do caso. Em uma fase inicial dessa complicação, a paciente pode apresentar cefaleia, tontura, tornar-se agitada e apresentar um estado

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de confusão mental. Pode apresentar, ainda, náuseas e vômitos com dor abdominal. O quadro clínico pode evoluir rapidamente com a paciente apresentando cianose periférica, perda de consciência e eminência dramática de convulsões, seguidas de um estado comatoso. Se nos depararmos com um quadro como o recém-descrito, o procedimento deverá ser encerrado o mais precocemente possível. A utilização de diurético de ação rápida (furosemide) é mandatória. É preciso manter a paciente oxigenada e fazer a correção de hiponatremia com NaCl (3,5%) e o seu monitoramento pelo sódio sérico. Caso ocorram convulsões, o uso de benzodiazepínicos pode ser necessário. Essas pacientes devem ser encaminhadas para centro de tratamento intensivo com monitoração da volemia, balanço hídrico e perfil da coagulação. Outra complicação possível da histeroscopia é o embolismo gasoso, que pode levar a colapso cardiopulmonar. Para evitá-lo, deve-se manter a paciente em posição de Tremdelemburg, manter a pressão intrauterina abaixo de 100 mmHg e limitar a reintrodução constante dos instrumentos (diminuir a pressão) (Groenman et al., 2008). > Passagem do meio de distensão para a cavidade peritoneal pelas trompas: os meios atualmente empregados não produzem reações granulomatosas nas mucosas genitais ou no peritônio. Entretanto, existe o risco de transportar germes até a cavidade peritoneal, bem como células tumorais do carcinoma de endométrio. > Traumatismos: lacerações cervicais, realização de falsas vias, acompanhadas ou não de perfurações uterinas. O risco de perfuração uterina aumenta em manobras bruscas ou não controladas visualmente, em úteros gravídicos, na presença de mola hidatidiforme e em cirurgias endoscópicas para lise de aderências, sinéquias e miomectomias. Nos casos de hemorragias não controladas, podemos utilizar um cateter de Foley no interior da cavidade uterina. Insuflamos um volume de aproximadamente 10 mL de soro e mantemos por 8 a 12 horas. > Infecção: de forma geral, toda e qualquer manipulação intracavitária pode levar a um quadro de infecção pélvica. Situações como

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endometrite e salpingites latentes, hemorragias durante a exploração, inadequada esterilização do instrumental ou transporte de germes do canal cervical infectado até a cavidade uterina pelo instrumental podem facilitar o surgimento de infecções. Indicações > Biópsias dirigidas. > Retirada de dispositivo intrauterino (DIU) e corpo estranho. > Tratamento das sinéquias uterinas. > Polipectomias. > Miomectomias. > Ablação endometrial. Sangramento uterino anormal A acurácia da histeroscopia para o diagnóstico de patologias uterinas intracavitárias é considerada alta. O principal objetivo de tal investigação é excluir patologias malignas, pólipos endometriais e miomatose submucosa. Utilizando camisas operatórias de 7 mm, pode-se obter fragmentos suficientemente grandes para adequado estudo histológico. A histeroscopia cirúrgica também é utilizada no tratamento do sangramento uterino anormal, normalmente naquele não responsivo ao tratamento clínico, e na ausência de patologia neoplásica. A ablação endometrial é uma alternativa plausível à histerectomia nesses casos. Segundo revisão da Cochrane (Lethaby et al., 2000), ambos os procedimentos apresentam baixas taxas de complicações, com alta efetividade e satisfação das pacientes. A histerectomia é associada a maior tempo cirúrgico, maior tempo de recuperação pós-operatória e maiores taxas de complicações pós-operatórias, embora ofereça resolução definitiva para o sangramento. Já a ablação endometrial está associada à recorrência do sangramento, e novos procedimentos podem ser necessários. DIU e corpos estranhos A histeroscopia tem indicação para a investigação de sangramento anormal ou dor em pacientes usuárias de DIU e para a retirada de DIU em casos em que não se visualiza o seu fio. Como

300 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

achados histeroscópicos nessas pacientes, podemos ter DIU mal posicionado ou penetrando a parede uterina ou os óstios tubários, desproporção entre o tamanho do DIU e a cavidade uterina e lesões endometriais, como pólipo ou mioma. Para a retirada do DIU, após prévia visualização do canal cervical e da cavidade uterina, com o objetivo de localizar o tipo de DIU e seu local de fixação, procede-se à sua extração às cegas, utilizando-se uma pinça de adequada força preensora. Para retirada com controle visual, necessita-se de um histeroscópio com camisa cirúrgica de 7 mm, após dilatação cervical com anestesia. Sinéquias uterinas Os traumatismos com curetagem pós-parto e pós-aborto são as principais causas de sinéquias. Os sintomas são decorrentes do grau de oclusão da cavidade uterina e da gravidade das sinéquias. As queixas principais são distúrbios menstruais, infertilidade e abortamento habitual. A síndrome descrita por Asherman em 1948 descreve a amenorreia como consequência de sinéquias após curetagem uterina pós-abortamento ou pós-parto imediato. A histeroscopia confirma o diagnóstico das sinéquias suspeitas por defeitos de enchimento observadas na histerossalpingografia, além de permitir o seu tratamento imediato. O tratamento cirúrgico consiste na liberação das aderências mecanicamente (com o próprio bisel da óptica) ou utilizando-se corrente elétrica monopolar. > Sinéquias mucosas ou endometriais: geralmente são delgadas, móveis e flexíveis. Em razão de sua fragilidade, consegue-se sua lise durante a realização do exame diagnóstico, pela passagem do histeroscópio. > Sinéquias musculares e fibrosas: a cirurgia pode ser realizada com histeroscópio operatório e tesoura semirrígida ou com ressectoscópio e corrente elétrica. A vantagem da tesoura é causar menos lesão no endométrio subjacente por não utilizar corrente elétrica. Como segurança, pode-se proceder à histeroscopia simultaneamente com a videolaparoscopia, a fim de evitar perfurações uterinas e invasão da cavidade abdominal com o histeroscópio.

Pólipos endometriais São causas importantes de hemorragia disfuncional. Podem ser mucosos ou fibrosos, únicos ou múltiplos, pediculados ou sésseis. A remoção dos pólipos pode ser suficiente para o desaparecimento da hemorragia (estudos mostram melhora de 75%) (Nathani; Clark, 2006), sendo necessária para estudo anatomopatológico do endométrio. A maioria dos pólipos é adequadamente ressecada por via histeroscópica, sendo essa ressecção mais difícil em pólipos de maior tamanho (⬎ 4 cm). Os pólipos de base de implantação ampla, de difícil acesso, fúndicos ou fibrosos devem ser retirados com o uso do ressectoscópio, em função de sua capacidade de corte e coagulação, com a utilização de meio líquido não iônico de distensão. Savelli e colaboradores mostraram que, de 509 pólipos retirados via histeroscopia, 70% apresentavam histologia benigna, 26% hiperplasia sem atipia, 3% hiperplasia com atipia e apenas 0,8% de malignidade. Habitualmente, ressecam-se os pólipos ⱖ 2 cm em mulheres na pré-menopausa e ⱖ 1 cm em mulheres na pós-menopausa. A ressecção de pólipos endometriais em pacientes inférteis, inclusive as que vão se submeter a procedimentos de reprodução assistida, tem benefício. Perez-Medina e colaboradores (2005) mostraram taxas de gestação em mulheres submetidas à polipectomia de 68% versus 28% nas não submetidas. Ablação endometrial Indica-se ablação endometrial em mulheres com queixa de sangramento uterino excessivo e que satisfaçam as seguintes condições: prole completa, ausência de causa orgânica para o sangramento disfuncional, alternativas terapêutico-hormonais esgotadas, histeroscopia diagnóstica preliminar e biópsia de endométrio. Utilizamos técnicas eletrocirúrgicas para ablação – ressecção endometrial e coagulação do endométrio por eletrodo de rolamento. Não é necessário qualquer preparo especial do endométrio. A ablação endometrial parece ser uma boa alternativa nas pacientes com menorragia refratária ao tratamento clínico, quando a histerectomia está contraindicada ou é desaconselhável por motivos

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médicos e/ou pela recusa da própria paciente. Quando comparada à histerectomia, apesar de ser um procedimento mais rápido, com poucas complicações, apresenta maior taxa de recorrência da sintomatologia (Dickersin et al., 2007). Uma alternativa à ablação endometrial é o uso de balão térmico para destruição endometrial, no tratamento do sangramento uterino anormal. Essa técnica apresenta os mesmos níveis de satisfação que a ablação, com a vantagem de apresentar menor tempo cirúrgico, menor perda sanguínea e menor taxa de reintervenção. Em nosso meio, devido aos custos do equipamento, essa técnica não está muito difundida. Miomas Há basicamente duas indicações de miomectomia histeroscópica: sangramento uterino anormal e infertilidade. Em virtude de sua localização, os miomas são classificados em subserosos, intramurais e submucosos, sendo que muitos têm localização mista. Os miomas de ressecção endoscópica são geralmente submucosos, com porção intramural ou não. A utilização do ressectoscópio ampliou as possibilidades de ressecção cirúrgica dos miomas submucosos. A capacidade do ressectoscópio de ressecar ao mesmo tempo em que coagula a área cirúrgica permite retirar qualquer protusão miomatosa da luz da cavidade uterina. Entre as pacientes inférteis, são candidatas à miomectomia aquelas com

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miomas submucosos ou intramurais com abaulamento da cavidade endometrial. O tratamento clínico pré-operatório com fármacos com ação antiestrogênica tem importante ação na diminuição do volume do mioma, da espessura endometrial e da vascularização uterina, reduzindo o sangramento, o tempo cirúrgico e a área endometrial a ser manipulada durante a miomectomia. Os principais fármacos utilizados são o danazol, a gestrinona e os análogos do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH). Nas pacientes com sangramento anormal e presença de mioma submucoso, a sua ressecção histeroscópica tem efeito comprovado. Em um estudo, obteve-se 94% de sucesso do controle do sangramento anormal em seguimento de 2 anos e 90% em 5 anos, com a ressecção histeroscópica de miomas submucosos em 285 pacientes (Cravello et al., 2004). Técnica operatória: Mioma submucoso pediculado de base pequena: realiza-se a secção da base do mioma utilizando-se a alça em bisturi do ressectoscópio. Mioma submucoso com base larga: pode-se realizar o fatiamento do mioma sempre do fundo em direção ao istmo, com a alça em arco e a corrente monopolar.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual(is) dos meios de distensão não permite(m) o uso de diatermia monopolar durante a cirurgia histeroscópica? I. II. III. IV.

Soro fisiológico Manitol Ringer lactato Glicina

2. Uma paciente com 65 anos tem história de sangramento genital intermitente há quatro meses e curetagem uterina negativa para malignidade. A próxima conduta será a. b. c. d.

Histeroscopia. Ultrassonografia transvaginal. Histerectomia via abdominal. Repetir curetagem uterina.

Pode-se dizer que somente as opções a. b. c. d.

I, II e III estão corretas. I e III estão corretas. II e IV estão corretas. IV está correta.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Videolaparoscopia Eduardo Pandolfi Passos Rosi Pereira Balbinotto Francieli Maria Vigo Rosielle Mallmann Trombetta Viviane Renata Philipsen Valentino Magno

A videoendoscopia ginecológica engloba a endoscopia diagnóstica e a cirurgia endoscópica. Deve-se a Kelling, em 1907, a primeira exploração abdominal endoscópica, demonstrada em um cachorro. A laparoscopia como procedimento ginecológico tem sua origem nos trabalhos de Raoul Palmer, na década de 1950, que, além de idealizar vários instrumentos, divulgou o método na Europa, com atenção especial para o estudo endoscópico das patologias tubárias e gonadais. No entanto, até a década de 1960, a laparoscopia era pouco aceita devido aos problemas técnicos. A laparoscopia operatória teve seu desenvolvimento a partir de Kurt Semm, na década de 1970, com a utilização de cautério monopolar, bipolar, endocoagulador e suturas, possibilitando procedimentos considerados maiores, como tratamento da gravidez ectópica, salpingectomias, intervenções sobre alguns miomas e abordagens ovarianas. O surgimento das câmeras de vídeo, o advento da eletrocirurgia e do laser, assim como a evolução dos instrumentais no final da década de 1980, permitiram que fossem realizadas as histerectomias, as miomectomias, as ooforectomias e as salpingostomias, além de diversos outros procedimentos. Atualmente, a endoscopia ginecológica é um dos procedimentos mais requisitados, tanto do ponto de vista diagnóstico como terapêutico.

Marcos históricos da endoscopia > 1805 – Bozzini: Exploração da uretra em ser humano vivo. > 1865 – Desormeaux: Modelo de cistoscópio. > 1883 – Newman: Cistoscopia com luz incandescente. > 1901 – Kelling: Distensão da cavidade peritoneal com gás. > 1924 – Zollikofer: CO2 como gás de distensão. > 1933 – Fervers: Criação de instrumental para cauterização de aderências intra-abdominais. > 1936-37 – Boesch-Anderson: Propuseram a esterilização tubária laparoscópica por fulgoração. > 1952 – Hopkins: Fibra óptica. > 1972 – Phillips: Fundação da American Association of Gynecologic Laparoscopists. > 1979 – Semm: Ooforectomia, salpingectomia e anexectomia. Técnica de ligadura com um laço de Roeder (endoloop) modificado; fabricação de diversos instrumentos e desenvolvimento da endocoagulação.

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> 1980 – Bruhat: Tratamento da gestação ectópica por aspiração e salpingostomia. > 1980 – Primeira metade da década de 1980: Procedimentos mais amplos realizados por ginecologistas interessados no tratamento da endometriose. > 1986 – Nezhat: Videolaparoscopia (VLP). > 1989 – Nezhat: Exérese de cistos dermoides. > 1989 – Reich: Histerectomia. > 1991 – Querleu: Linfadenectomia no carcinoma de colo uterino.

Princípios gerais e técnica Antes de qualquer procedimento, é importante informar à paciente os efeitos terapêuticos e os riscos potenciais da técnica, na forma de um termo de consentimento informado. A possibilidade de mudar o acesso à cavidade abdominal da via laparoscópica para a via laparotômica deverá ser sempre mencionada. A paciente é submetida à anestesia, posicionada em baixa litotomia, com as pernas permitindo o acesso vaginal e a colocação de manipulador uterino. Realiza-se esvaziamento vesical, com sondagem de alívio nas cirurgias com previsão de curta duração, ou com sonda de demora, naquelas com previsão de tempo maior.

Pneumoperitônio Para a realização do pneumoperitônio, a região umbilical é preferencial para a introdução da agulha de Veress, pela menor distância entre a pele e o peritônio. A punção com agulha de Veress deve ser realizada com a paciente em posição horizontal, avançada com uma angulação de 45º, com a extremidade direcionada para a pelve verdadeira, sempre na linha média (Fig. 20.1). Como alternativa a esse sítio, tem-se como opção a punção de Palmer – ponto localizado 3 cm abaixo do rebordo costal esquerdo, na linha hemiclavicular. Esse local é uma opção para abdome com cirurgias prévias medianas e anormalidades umbilicais (como hernioplastia umbilical), uma vez que, após a formação do

Figura 20.1 Punção para realização do pneumoperitônio. Na região intraumbilical, há duas camadas: aponeurose e peritônio parietal.

pneumoperitônio, a entrada com o trocarteres nesses locais torna-se mais segura. Outras alternativas de punção abdominal são punção em ponto médio entre a região umbilical e sínfise púbica, ponto de McBurney esquerdo. A punção transuterina ou através do fundo-de-saco vaginal posterior (culdolaparoscopia) pode ser uma alternativa utilizada para insuflação, com posterior inserção de trocarte em região abdominal (umbilical ou ponto de Palmer) (Fig. 20.2). A confirmação do posicionamento da agulha pode ser realizada conectando-se uma seringa de 10 mL à agulha de Veress, contendo 4 mL de solução salina. Aspira-se o conteúdo para verificar presença de sangue (lesão de vaso) ou conteúdo intestinal (lesão de alça intestinal). Após a exclusão desses achados, injeta-se a solução salina. Se a agulha estiver corretamente posicionada, não haverá recuperação de solução salina na aspiração, e o êmbolo indicará a presença de pressão negativa intra-abdominal. Como alternativa, pode-se utilizar a técnica da “gota pendente”, na qual uma gota de soro fisiológico no centro da agulha fluirá sem dificuldade quando realizada

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do laparoscópio e a revisão da cavidade pélvica e abdominal. Antes da introdução dos trocarteres auxiliares, a paciente deve ser posicionada em Trendelenburg, e os trocarteres, introduzidos sob visualização direta. A localização dos trocarteres auxiliares varia conforme o procedimento a ser realizado. Para cirurgias pélvicas, normalmente são inseridos 3 a 4 cm acima da sínfise púbica, lateralmente aos músculos retos abdominais (evitando-se lesão dos vasos epigástricos inferiores profundos).

Figura 20.2 Locais para a primeira punção para a realização do pneumoperitônio.

elevação da parede abdominal, devido à pressão negativa. Um terceiro método é a confirmação de que a pressão intra-abdominal está negativa ou próxima a zero e permite fluxo de gás de 1 a 1,5 L/min. Nenhum método é infalível, entretanto, o método de confirmação de baixa pressão intra-abdominal é o mais fidedigno, segundo estudo observacional prospectivo comparando as diferentes abordagens (Teoh; Sen; Abbott, 2005). Após a perda da macicez hepática, o fluxo de gás pode ser elevado. Geralmente 2 a 4 L de CO2 são necessários. A pressão intra-abdominal máxima deve ficar em torno de 12 a 16 mmHg. Após a distensão da cavidade abdominal com CO2, procede-se à introdução do trocarte principal, geralmente no mesmo local da punção com a agulha de Veress. Este deve ser introduzido levemente angulado em direção à pelve, de preferência com uma decalagem entre a passagem pela aponeurose e o peritônio (introdução em Z), visando a diminuir a possibilidade de hérnia umbilical. A seguir, são realizadas a introdução

Cada laparoscopia requer uma revisão completa das cavidades pélvica e abdominal antes do início do procedimento, com o objetivo de excluir lesões causadas pela introdução dos trocarteres ou da agulha de Veress, além de verificar a existência de lesões de órgãos pélvicos ou abdominais, aderências, sangramento e eventuais patologias. A mesma revisão deve ser realizada, sistematicamente, ao final do procedimento, antes de se desfazer o pneumoperitônio, a fim de detectar possíveis lesões que passaram despercebidas ao cirurgião. Existem técnicas alternativas para tentar minimizar os riscos da introdução “às cegas” da agulha de Veress. Uma delas é a introdução do trocarte principal sob controle visual, pela técnica de laparoscopia aberta. Realiza-se a incisão umbilical da pele até o peritônio e então, sob controle visual, o trocarte é inserido diretamente na cavidade abdominal, por meio do qual se faz o pneumoperitônio, sem a utilização da agulha de Veress. Outra forma é a utilização da técnica de hiperdistensão, na qual se realiza insuflação de CO2, com a agulha de Veress, até atingir uma pressão de 25 mmHg. Essa técnica geralmente é utilizada em pacientes obesas ou muito magras, sempre com a permissão do anestesista. Isso promove uma distância maior entre a parede abdominal anterior e as estruturas intra-abdominais. Assim que o trocarte principal for introduzido, a pressão será reduzida para 15 mmHg, para realização do procedimento. Essa técnica parece não aumentar os efeitos adversos cardiovasculares, desde que a paciente seja mantida em posição horizontal e a alta pressão seja mantida apenas durante a inserção do trocarte principal (Shirk; Johns; Redwine, 2006).

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Revisão sistemática da Cochrane (Ahmad et al., 2008) não encontrou diferenças significativas em complicações maiores entre as técnicas de entrada na cavidade abdominal. Entretanto, esse resultado pode refletir o fato de que a maioria das pacientes submetidas à técnica aberta apresenta, previamente, condições de alto risco para complicações (endometriose, múltiplas cirurgias abdominais, história de doença inflamatória pélvica – DIP). Em pacientes obesas, devido à espessura do panículo adiposo, são necessários agulha de Veress e trocarteres mais longos. Se houver dificuldade de elevação manual da parede abdominal, causando uma grande distância entre a pele e a fáscia, a incisão da pele pode ser estendida até a fáscia, sendo esta então elevada por meio de pinças, como auxílio para a punção.

Indicações para a videolaparoscopia Infertilidade O papel da laparoscopia nesse contexto é identificar as características das tubas uterinas (morfologia e funcionalidade) e fazer o diagnóstico de patologias insuspeitas do aparelho reprodutivo. Algumas patologias podem e devem ser tratadas no momento do diagnóstico. A lise de aderências poderá ser realizada durante a investigação endoscópica para o fator tuboperitoneal, possibilitando maior mobilidade tubária e

gestação, bem como a cauterização de focos de endometriose. Em trabalho realizado em nosso serviço, a infertilidade foi a principal indicação de laparoscopias (43,9%) (Guerin et al., 1999). Para a avaliação da permeabilidade tubária, pode-se utilizar azul de metileno ou soro. O colo uterino é canulado com manipulador uterino e nele é instilado o líquido de escolha. Visualiza-se, na cavidade pélvica, o comportamento das trompas (Fig. 20.3). O resultado será descrito como cromotubagem positiva (trompa permeável) ou cromotubagem negativa (trompa obstruída). A laparoscopia também está indicada para os casos de malformações uterinas, não somente para o seu diagnóstico, mas como auxiliar da histeroscopia na ressecção de septos uterinos. Casais com avaliação inicial normal são candidatos à avaliação endoscópica após 3 a 6 meses de observação com ciclo estimulado ou inseminação artificial. Quando há sorologia positiva para clamídia no início da investigação, mesmo que a histerossalpingografia (HSG) seja normal, indica-se realização de videolaparoscopia (VLP). Estima-se que 20 a 68% das mulheres apresentam alguma alteração no exame videolaparoscópico, mesmo com HSG normal. Isso se torna relevante para o diagnóstico causal da infertilidade naqueles casais que não alcançaram a gestação após o tratamento inicial, auxilia na decisão terapêutica da mellhor técnica de reprodução assistida a ser indicada e promove tratamento imediato de patologias como endometriose e aderências pélvicas.

Figura 20.3 Infertilidade fator tubário: cromotubagem negativa e fimose tubária.

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Em estudo retrospectivo de Lavy e colaboradores (2004), comparou-se o plano terapêutico da infertilidade antes e após a realização de VLP em pacientes com HSG normal e alterada (sugestiva de dano tubário unilateral ou bilateral). Os autores concluem que a VLP deve ser realizada nas pacientes com HSG alterada, devido às taxas de falso-positivos desse exame. Em nosso meio, devido à alta prevalência de DIP e endometriose, indica-se a VLP quando a HSG mostra alguma alteração ou quando há sorologia positiva para clamídia.

com eversão dos bordos e cauterização da serosa para promoção da retração e manutenção da permeabilidade. A eficácia em melhorar a fertilidade é baixa, dependente das condições tubárias previamente ao procedimento (espessamento de paredes tubárias, dilatação ampular, aderências peritubárias). A taxa média de gestação após salpingostomia é de 30%, podendo variar de zero, em pacientes com tubas espessadas e rígidas, até 80%, naquelas com alterações tubárias leves (Saleh; Dluge, 1997; Hesla, 1997; Marana et al.,1999; Schlaff et al., 1990).

O efeito da lise de aderências por laparoscopia não foi estudado. Estudo controlado comparou pacientes com aderências perianexiais nas quais foi realizada lise por laparotomia e pacientes sem nenhum tratamento (Tulandi et al., 1990). A taxa cumulativa de gestação após 24 meses de seguimento foi significativamente maior nas pacientes tratadas (45%) do que nas não tratadas (16%). Portanto, assumindo-se que as aderências pélvicas prejudiquem a mobilidade tubária e a captação do oócito, parece razoável que a lise de tais aderências aumente a chance de gestação em pacientes com permeabilidade tubária comprovada.

A reanastomose tubária pode ser realizada via laparoscópica, entretanto, o sucesso do procedimento depende da experiência do cirurgião. A taxa de gestação após anastomose tubária laparoscópica e após anastomose convencional por microcirurgia foi de 80 e 81%, respectivamente (Cha et al., 2001).

Estudo realizado por Marcoux, Maheux e Berube (1997) avaliou a repercussão do tratamento cirúrgico da endometriose nas pacientes com infertilidade. Pacientes com endometriose leve foram randomizadas para laparacoscopia com excisão/ablação de focos endometrióticos ou para laparoscopia sem intervenção cirúrgica. Após 36 semanas, a taxa de gestação acumulada foi significativamente maior nas pacientes do grupo de intervenção (31%) do que no grupo sem tratamento (18%). Outro estudo randomizado (Parazzini, 1999), avaliando a mesma questão, não encontrou diferenças na taxa de gestação entre o grupo tratado e o não tratado (24 e 29% respectivamente, com um ano de seguimento). Já a metanálise da Cochrane (Jacobson et al., 2004), que incluiu os dois estudos citados, conclui que o tratamento cirúrgico laparoscópico (cauterização dos focos endometrióticos) está associado a aumento significativo nas taxas de gestação e nascidos vivos (OR 1,64 com IC 95% de 1,05 a 2,57), com NNT de 61 pacientes. A salpingostomia via laparoscópica pode ser realizada em casos de obstrução tubária distal,

A salpingectomia videolaparoscópica em casos de pacientes com hidrossalpinge que irão realizar fertilização in vitro foi avaliada por revisão da Cochrane (Johnson et al., 2004). A revisão concluiu que houve melhora nas taxas de gestação e de nascidos vivos nos grupos em que a salpingectomia laparoscópica foi realizada (OR ⫽ 2,13 e IC de 95% de 1,24 a 3,65), não havendo diferença nas taxas de implantação embrionária, gestação ectópica, abortamento ou complicações operatórias. A laparoscopia para cauterização ovariana com o objetivo de indução da ovulação em pacientes com síndrome dos ovários policísticos (SOP) refratária ao tratamento medicamentoso foi avaliada em revisão sistemática da Cochrane (Farquhar et al., 2005). Comparada à terapia com gonadotrofinas, a cauterização ovariana laparoscópica (drilling ovariano) apresentou taxas de ovulação similares após 12 meses. Não houve diferença entre os grupos em relação à taxa de gestação e de abortamentos. Essa técnica apresentou menores taxas de gemelaridade comparada ao tratamento com gonadotrofinas. Entretanto, o tratamento cirúrgico tem o risco teórico de falência ovariana precoce. Portanto, essa opção terapêutica deve ser reservada para casos refratários ao tratamento medicamento correto com clomifeno e metformina, pacientes não obesas e sem outras causas de infertilidade, como alternativa ao tratamento realizado com gonadotrofinas.

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Endometriose O diagnóstico da endometriose deve ser preferencialmente realizado por videolaparoscopia. Sugere-se que o tratamento seja realizado no momento do diagnóstico, com ressecção ou ablação dos focos (Fig. 20.4). A acurácia do diagnóstico por visualização das lesões é alta, quando comparada à da histologia, podendo chegar à sensibilidade de 94% e especificidade de 79%. A lesão endometriótica poderá ser identificada por meio da imagem de implantes típicos e atípicos, com ou sem retração. Entretanto, a acurácia do diagnóstico por visualização depende da localização e do tipo de lesão, da experiência do cirurgião e se a doença é leve ou severa. Em um estudo que incluiu 110 pacientes sintomáticas, a confirmação histológica foi obtida em 65% das lesões (Stegmann et al., 2008). Porém, uma VLP sem lesões é altamente preditiva para excluir endometriose, embora implantes endometrióticos microscópicos ocultos possam conferir uma aparência normal ao peritônio. A endometriose é classificada de acordo com locais e gravidade do envolvimento das lesões (ver Cap. 10, Endometriose). Quanto maior a gravidade da doença, maior a morbidade cirúrgica associada A endometriose pode apresentar-se na forma cística, denominada endometrioma, cuja localização mais comum é o ovário. A excisão de todo o cisto (cistectomia) é o tratamento de eleição,

Figura 20.4 Endometriose infiltrativa de fundo-de-saco vaginal.

com envio de peça cirúrgica para exame anatomopatológico. Apenas a punção e a aspiração do cisto são inefetivas, com taxa de recorrência de 88% em seis meses de seguimento. A abertura da cápsula (fenestração), com drenagem do conteúdo do cisto e cauterização da parede interna da cápsula (ablação) é técnica reservada apenas quando a cistectomia revela-se tecnicamente difícil. A ooforectomia é uma alternativa à cistectomia, sendo uma opção em pacientes com prole completa. A laparoscopia apresenta menor morbidade cirúrgica imediata, tempo de internação e perda sanguínea intraoperatória quando comparada à laparotomia para tratamento de endometrioma, sem alterar as taxas de recorrência, fecundidade e gestação. Revisão sistemática da Cochrane de 2005 (Hart et al., 2005) avaliou cistectomia comparada com drenagem e cauterização da cápsula interna do endometrioma. A cistectomia apresentou menores taxas de recorrência do endometrioma, menor necessidade de nova intervenção cirúrgica, menores taxas de dor pélvica, dismenorreia e dispareunia, além de apresentar melhores taxas de gestação espontânea em pacientes previamente inférteis. A cirurgia conservadora em endometriose visa a preservar o útero e os ovários na medida do possível, em pacientes com prole incompleta. A laparoscopia oferece vantagens sobre a laparotomia pelo menor tempo de hospitalização, anestesia e recuperação, além de permitir uma melhor visualização dos focos endometrióticos pela magnificação da imagem pela óptica. Estudo randomizado cego e controlado por placebo realizado por Abbott e colaboradores (2004) avaliou a eficácia da excisão dos focos de endometriose por VLD para o controle da dor pélvica e concluiu que esse procedimento fez diminuir significativamente a dor em 80% das pacientes. O efeito placebo da videolaparoscopia diagnóstica no alívio da dor também foi significativo (32%), porém menor que a excisão dos focos. A cirurgia para tratamento de endometriose profunda é efetiva para o alívio da dor pélvica e da dispareunia. A neurectomia pré-sacral é uma proposta de tratamento para o controle da dor associada à endometriose e consiste na interrupção da inervação simpática do útero ao nível do ple-

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xo hipogástrico superior. Estudo randomizado (Zullo et al., 2004) demonstrou menores níveis de severidade da dor pélvica crônica (DPC) e dismenorreia com essa técnica, quando comparada a tratamento conservador da endometriose, ambos por via laparoscópica. A melhora na qualidade de vida ocorreu em ambos os grupos, porém foi significativamente maior no grupo da neurectomia. A neurectomia pré-sacral é pouco realizada em nosso meio por ser procedimento de grande complexidade, não raro associado a complicações, sendo reservado para casos refratários às demais modalidades de tratamento para endometriose. A ablação laparoscópica do nervo uterino (laparoscopic uterine nerve ablation – LUNA) foi descrita como uma técnica alternativa para tratamento da dor associada à endometriose, entretanto, as evidências disponíveis não mostraram benefício da LUNA no manejo de DPC em pacientes com ou sem endometriose (Vercellini et al., 2003).

Dor pélvica Uma das principais indicações de laparoscopia é a investigação da dor pélvica, seja ela aguda ou crônica. A dor pélvica aguda é de diagnóstico e tratamento imediatos; porém a dor pélvica crônica, no seu diagnóstico etiológico e tratamento, poderá tornar-se tarefa mais difícil. O tratamento laparoscópico da dor pélvica consiste na tentativa de remoção de sua etiologia e/ ou interferindo na inervação sensitiva. Utiliza-se a eletrocirurgia (mono ou bipolar) e instrumentos mecânicos para a lise de aderências, eliminação de focos de endometriose ou correção de anormalidades pélvicas. Em relação à lise de aderências, apesar de estudos observacionais sugerirem eficácia, estudos clínicos demonstraram que essa abordagem não se mostra efetiva para redução de DPC. Ensaio clínico randomizado de Peters e colaboradores (1992) comparou lise de aderências abdominopélvicas e conduta expectante em 48 pacientes com DPC. Previamente à randomização, as pacientes realizaram VLP para classificar o grau de aderência. Após um ano de seguimento, cerca de 50% das pacientes em ambos os grupos relataram melhora da dor. Entretanto, no subgrupo de pacientes com aderências densas e vascularizadas entre peritônio e intestino, houve um

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grau significativamente maior de alívio da dor comparado ao manejo expectante. A ausência de benefício significativo da lise de aderência pode ser devido à alta taxa de recorrência (mais de 70%) após procedimento ou porque as aderências podem não ser a real causa da dor. Além disso, lise de aderências pode trazer complicações significativas relacionadas ao procedimento, como perfuração intestinal, lesão de trato urinário e lesões vasculares.

Videolaparoscopia e câncer ginecológico Apesar dos avanços tecnológicos e cirúrgicos, o uso de VLP para oncologia ginecológica ainda é bastante incipiente. Até que cresça a experiência e ocorra um acúmulo de dados provenientes desses experimentos, muitas dúvidas relacionadas à segurança e à eficácia da abordagem videolaparoscópica permanecerão ainda sem resposta. Embora a VLP operatória prometa ser um procedimento eficaz, ainda está para se definir seu exato papel no tratamento das malignidades ginecológicas. Sempre a abordagem laparoscópica de neoplasias malignas deve incluir inventário completo da cavidade e coleta de líquido e/ou lavado peritoneal para posterior citologia. A linfadenectomia pélvica e a abordagem de linfonodos para-aórticos por via laparoscópica em combinação com a histerectomia radical vaginal (cirurgia de Schauta) tornou-se uma alternativa para o tratamento do câncer de colo uterino em estádio inicial. Steed e colaboradores (2004), em estudo não randomizado, compararam a histerectomia abdominal radical e a histerectomia radical vaginal videoassistida (com linfadenectomia laparoscópica) para o tratamento do carcinoma de colo uterino estádios IA e IB da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), encontrando a mesma taxa de recorrência em dois anos de seguimento. A abordagem laparoscópica resultou em menor perda sanguínea e menor tempo de hospitalização, apesar de maior tempo cirúrgico e de maior tempo de retorno à função vesical normal das pacientes. Apenas um estudo randomizado avaliou as diferentes técnicas para linfadenectomia pélvica no carcinoma cervical (Panici et al., 2006), comparando laparotomia extraperitoneal, transperitoneal e laparoscópica. As três técnicas apresen-

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taram taxas de complicação semelhantes. A via laparoscópica mostrou maior tempo cirúrgico, com menor número de linfonodos ressecados, porém com menor tempo de hospitalização. O uso da via laparoscópica na técnica de linfonodo sentinela em pacientes com carcinoma cervical ou endometrial em estádios iniciais também foi analisado em alguns estudos. Os benefícios potenciais seriam a redução do tempo cirúrgico, da perda sanguínea e de lesões a nervos, vasos e ureter (Hauspy et al., 2007). Novos estudos são necessários para confirmação da técnica. Uma outra técnica cirúrgica no tratamento dessa patologia é a traquelectomia radical associada à linfadenectomia pélvica laparoscópica, que tem a vantagem de preservar a função reprodutiva, cuja aplicabilidade restringe-se a pacientes jovens com doença cervical em estádio inicial. Há séries de casos relatados na literatura de sucesso dessa abordagem, inclusive com gestações e nascimentos posteriores à cirurgia. Dargent (2001) publicou uma série de 82 pacientes, com 47 gestações em 29 pacientes (das 38 que desejavam gestar), que resultaram em 27 nascidos vivos. O emprego da videolaparoscopia no diagnóstico e no tratamento da neoplasia ovariana tem menor espaço atualmente, visto que a laparotomia e o estadiamento cirúrgico completo ainda são considerados os procedimentos padrões. Há tentativas de empregar a laparoscopia no estadiamento de neoplasias ovarianas presumivelmente iniciais, na avaliação da extensão da doença e do potencial de ressecabilidade e na ressecção de massas, além da avaliação de possíveis recorrências. Poucos estudos de delineamento adequado existem para definir o emprego da VLP no tratamento do carcinoma ovariano, a maioria sendo estudos retrospectivos e séries de casos não controlados. Lecuru e colaboradores (2004) publicaram estudo retrospectivo e multicêntrico comparando a laparoscopia e a laparotomia no manejo da neoplasia ovariana estádio I. Como a linfadenectomia não foi realizada no grupo que realizou a cirurgia laparoscópica, os autores concluem que, embora não tenha havido diferenças na sobrevida em uma média de seguimento de 2 anos, a laparoscopia não é eficiente no tratamento e estadiamento da neoplasia ovariana, devido às dificuldades técnicas.

Entretanto, estudos retrospectivos mostram que o estadiamento laparoscópico de tumores ovarianos em estádio inicial pode ter acurácia semelhante ao estadiamento por laparotomia (Chi et al., 2005; Ghezzi et al., 2007; Park et al., 2008; Nezhat et al., 2009), quando realizado por oncoginecologistas com experiência em cirurgia laparoscópica avançada. Maior benefício teria o seu emprego no reestadiamento de casos não estadiados corretamente (como resultado de anatomopatológico maligno em lesões ovarianas inicialmente insuspeitas), no second look e em aumentos do CA 125 sem massa verificada em exames de imagem. Porém, mesmo nesses casos, maiores taxas de falso-negativos e complicações operatórias em virtude principalmente de aderências limitam o seu emprego. Clough e colaboradores (1999) realizaram estudo para verificar o emprego da laparoscopia no second look de pacientes submetidas anteriormente a tratamento cirúrgico e quimioterapia. Todas as pacientes realizaram VLP seguida imediatamente por laparotomia. O valor preditivo positivo da laparoscopia no diagnóstico de doença residual foi de 100%, e o valor preditivo negativo, de 86%. Apenas 41% das pacientes tiveram inventário intraperitoneal completo na laparoscopia, devido à presença de aderências que dificultaram a cirurgia. Os autores concluem, então, que a videolaparoscopia é menos efetiva do que a laparotomia no second look. Outro aspecto é que a laparotomia permite a palpação como método de identificação de áreas suspeitas. Ainda quanto ao uso da laparoscopia para reestadiamento do carcinoma ovariano, o risco de disseminação de células neoplásicas e implantes no trajeto do trocarte é considerável. Uma forma de minimizá-lo seria o fechamento em camadas do trajeto (peritônio, aponeurose e pele), além de ressecção do trajeto posteriormente em casos de doença intra-abdominal disseminada. No carcinoma de endométrio, a laparoscopia tem utilização no estadiamento cirúrgico de neoplasias identificadas no exame anatomopatológico de histerectomia simples e para o reestadiamento. A pan-histerectomia videoassistida com linfadenectomia videolaparoscópica foi proposta por Eltabbakh e colaboradores (2001) em estudo clínico não randomizado, como alternativa no tratamento do carcinoma de endomé-

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trio estádio I da FIGO. Em seguimento por cinco anos, não foram encontradas diferenças na sobrevida em relação às pacientes que haviam sido tratadas via laparotomia. Outros estudos mostraram que o estadiamento e posterior tratamento por histerectomia total, salpingo-ooforectomia bilateral e linfadenectomia pélvica do câncer endometrial estádio I e alguns estádio II podem ser realizados por via laparoscópica ou videoassistida, com menor morbidade cirúrgica, não apresentando piora em relação à taxa de recorrência e sobrevida comparadas à laparotomia (Malur et al., 2001; Holub et al., 2002).

Patologias ovarianas O principal problema no manejo laparoscópico dos cistos ovarianos é a identificação de malignidades antes do tratamento cirúrgico. O uso de critérios rigorosos para selecionar as pacientes no pré-operatório diminui o risco de erros diagnósticos. Essa seleção compreende exame físico completo, ultrassonografia pélvica e transvaginal com dopplerfluxometria para investigação de vegetações intra ou extracísticas, septações ou ascite, marcadores tumorais, além de características da paciente (idade, história pessoal ou familiar de câncer). As características sonográficas das lesões anexiais têm sensibilidade de 86 a 91% e especificidade de 68 a 83% para o diagnóstico de malignidade (Myers et al., 2006). Mesmo os cistos considerados de baixo risco podem ser malignos em 3 a 6% dos casos (Manolitsas; Fowler, 2001). De modo geral, após avaliação clínica inicial, se a massa for considerada de baixo potencial maligno, a VLP pode ser indicada (Fig. 20.5). Sempre o inventário completo da cavidade peritoneal deve ser realizado. A punção e a aspiração do conteúdo de um cisto não são recomendadas, pois, além de não fornecerem material para diagnóstico histopatológico (apenas a citologia não é segura para excluir malignidade), têm alta taxa de recorrência. A cistectomia, com preservação do parênquima ovariano, deve ser realizada para patologias ovarianas benignas em pacientes com prole incompleta. Para massas com risco intermediário e alto risco de malignidade, a laparotomia por cirurgião oncológico está indicada. Como desvantagem da abordagem laparoscópica de lesões anexiais, descreve-se o potencial de disseminação de células tumorais

Figura 20.5 Teratoma gigante (cisto dermoide de ovário).

e de piora no prognóstico pela ruptura do cisto no caso de confirmação de patologia maligna. A ruptura do cisto ocorre em 12 a 25% das massas anexiais manejadas laparoscopicamente (Havrilesky et al., 2003; Canis et al., 2000).

Miomectomia A miomectomia é uma opção de tratamento para pacientes sintomáticas e que desejam preservar o útero por questões de fertilidade ou por motivos pessoais. Miomectomia e histerectomia apresentam morbidade perioperatória semelhantes. A via laparoscópica é uma opção para pacientes com pequeno número de miomas intramurais ou subserosos (no máximo quatro), de médio tamanho (diâmetro de até 13 cm) ou volume uterino de até 17 semanas, uma vez que é necessária a adequada visualização da pelve para a realização do procedimento. A extração do mioma pode ser realizada por morcelamento, extração direta abdominal, minilaparotomia ou via colpotomia posterior (mais utilizada em nosso meio, por não exigir equipamento especial, permitir extração de miomas volumosos e não necessitar de incisão abdominal). Miomas subserosos e intramurais, na dependência de seu tamanho e profundidade de penetração no miométrio, requerem maior manipulação e habilidade cirúrgica para controlar sangramentos e evitar lesões em órgãos vizinhos. Os miomas submucosos devem ser retirados por histeroscopia.

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Estudos prospectivos mostraram que os desfechos iniciais da via abdominal e laparoscópica são semelhantes. A miomectomia laparoscópica, embora atualmente se associe a maior tempo cirúrgico, apresenta menor perda sanguínea, menos dor pós-operatória e menos aderências do que a técnica aberta. Os estudos que avaliam o risco de recorrência de mioma após a miomectomia laparoscópica encontram resultados conflitantes, que variam de 27 a 51%. Esses índices podem ser semelhantes ou superiores à recorrência da miomectomia via laparotomia. A cirurgia laparoscópica não permite a palpação manual do útero em busca de pequenos miomas adjacentes ao excisado, o que pode resultar em exérese incompleta e aumento dos índices de recorrência. A necessidade de conversão para laparotomia varia entre 2 e 8% (ACOG, 2001) e os fatores associados a aumento desse risco incluem mioma maior que 5 cm, localização anterior ou intramural e uso de agonistas do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) no pré-operatório. O risco aumenta também com o número de miomas a ser retirado e se há adenomiose concomitante. A eficácia da sutura laparoscópica comparada à técnica aberta continua sendo aspecto controverso. Estudo multicêntrico, prospectivo, incluindo 2.050 miomectomias laparoscópicas (Sizzi et al., 2007), relatou 14 casos de ruptura uterina após miomectomia laparoscópica, sendo 1 ocorrido com 17 semanas de gestação. Entretanto, uma série de casos de gestação após miomectomia laparoscópica não relatou qualquer caso de ruptura uterina em 106 nascimentos, 27 dos quais foram partos vaginais (Seracchioli et al., 2006). Fatores relacionados a aumento de risco de ruptura são adenomiose, eletrocoagulação excessiva, não fechamento do miométrio ou fechamento em camada única. Até o presente momento, recomenda-se a utilização cautelosa da miomectomia laparoscópica em pacientes cuja melhora da fertilidade é o objetivo principal do procedimento, especialmente naquelas com miomas intramurais profundos. Em relação à restauração da fertilidade após miomectomia, estudo de Seracchioli e colaboradores (2000) que envolvia pacientes com infertilidade sem outra causa aparente e miomas com

pelo menos 5 cm encontrou taxas semelhantes de gestação (53 e 55%) e de abortamento (20 e 12%) nas duas vias. Outros desfechos obstétricos não foram diferentes entre os dois grupos e, para um total de 47 nascimentos, não houve casos de ruptura uterina. O tratamento pré-operatório com agonistas do GnRH visa a diminuir o volume dos miomas, auxiliar na recuperação da anemia ferropriva e reduzir o sangramento intraoperatório. No entanto, diminui o tamanho de pequenos miomas que não são observados posteriormente durante a laparoscopia, podendo assim causar maiores taxas de recorrência. Além disso, promove alterações na cápsula do mioma e perda do plano de clivagem, dificultando a remoção. O uso de agonistas do GnRH não mostrou aumento da taxa de gestação nem diminuiu a formação de aderências. O uso de rotina de agonistas do GnRH não é recomendado.

Afecções agudas Grande parte das afecções de aparecimento agudo na mulher e com indicação de intervenção cirúrgica tem possibilidade de ser abordada em uma primeira fase ou mesmo de maneira definitiva pela via laparoscópica. Apendicite, abscesso tubo-ovariano, cisto hemorrágico e torção de anexo estão entre as causas de VLP com indicação de urgência/emergência. O diagnóstico de apendicite aguda é um exemplo clássico em que a anamnese e o exame clínico desempenham um papel fundamental. Exames de imagens, como a ecografia, podem auxiliar em alguns casos, embora sejam examinadores-dependentes (Borgstein et al., 1997). Apesar dos exames complementares, a taxa de enfermos intervidos por suspeita de apendicite aguda que não se confirma na cirurgia oscila de 15 a 20% (Condon; Telford, 1991). No entanto, em mulheres em idade fértil, esse índice se eleva para 30 a 45% (Velanovich et al., 1998; Condon; Telford, 1991). Antes do advento da cirurgia laparoscópica, o quadro abdominal com suspeita de apendicite poderia permanecer sem diagnóstico devido à limitação da incisão cirúrgica em permitir a visualização do restante da cavidade, caso o cirurgião interviesse em uma paciente com essa suspeita e o apêndice se encontrasse macroscopicamente normal (Bor-

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gstein et al., 1997; Laine et al., 1997). Desde que ocorreu a generalização da laparoscopia e uma grande quantidade de cirurgiões começou a aplicar o método no diagnóstico e no tratamento do abdome agudo, as taxas de diagnóstico correto vêm atingindo cifras de 97 a 100% (Velanovich et al., 1998; Luján et al., 1994). Uma série de 102 casos de torção de anexo demonstrou que as pacientes submetidas a tratamento conservador (manutenção do anexo quando houver evidência de viabilidade) por laparoscopia apresentaram menores taxas de complicação pós-operatória e menor tempo de hospitalização do que as submetidas à laparotomia. O uso da laparoscopia para drenagem de abscesso tubo-ovariano pode ser considerado alternativo à drenagem guiada por métodos de imagem. Estudo avaliando a drenagem por laparoscopia associada ao uso de antibióticos como manejo inicial de abscesso tubo-ovariano mostrou resolução em 95% dos casos (Reich; McGlynn, 1987). Vários estudos prospectivos sobre a acurácia da VLP para o diagnóstico do abdome agudo demonstram alta sensibilidade desse método, com baixa morbidade cirúrgica. A vantagem da abordagem laparoscópica está principalmente em evitar a laparotomia naqueles casos em que não havia patologia cirúrgica ou mesmo em resolver a patologia via laparoscopia. Majewski (2000) mostra em estudo prospectivo comparado que a laparoscopia teve sensibilidade de 99% e especificidade de 83% no diagnóstico de patologias abdominais agudas, com uma acurácia de 88%. O grupo manejado laparoscopicamente teve menor tempo de internação, menor tempo até a resolução do quadro e de convalescença do que o manejado via laparotomia.

Gravidez ectópica A laparoscopia é considerada a abordagem cirúrgica padrão para gestação ectópica em pacientes hemodinamicamente estáveis, mesmo na presença de hemoperitônio, gestação heterotópica ou localização cornual. Pelo desenvolvimento da ultrassonografia, os diagnósticos precoces elevaram o número de gestações ectópicas não rotas. A técnica da salpingostomia linear efetuada na borda antimesentérica

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é considerada a primeira escolha nas pacientes que desejam preservar a fertilidade. Os produtos da concepção são retirados por hidrodissecção e sucção, e a hemostasia é realizada por compressão ou leve cauterização dos pontos sangrantes com cautério bipolar. O leito placentário não deve ser coagulado devido ao risco de causar dano tubário. A incisão é mantida aberta para fechamento por segunda intenção, uma vez que a adição de sutura à salpingostomia não acrescenta benefícios à técnica nem ao prognóstico reprodutivo, além de aumentar o tempo cirúrgico (Fujishita et al., 2004). A realização da salpingectomia está indicada em pacientes com prole completa ou com indicação já estabelecida de fertilização in vitro, quando o saco gestacional é superior a 5 cm, em casos de sangramento persistente do leito cirúrgico, recorrência de gestação ectópica na mesma tuba uterina ou quando há dano tubário severo. Nessas situações, a probabilidade de posterior função tubária normal é baixa, e o risco de persistência ou recorrência é maior. As vantagens da laparoscopia foram demonstradas em revisão sistemática da Cochrane de 2007 (Hajenius et al., 2007). Na comparação entre salpingostomia laparoscópica e salpingostomia via laparotomia, a primeira apresentou significativamente menor tempo cirúrgico, menor sangramento intraoperatório, menor tempo de hospitalização, menor período de convalescença e, portanto, melhor custo-efetividade. Apesar de a abordagem laparoscópica apresentar maiores taxas de persistência de restos trofoblásticos do que a salpingostomia por laparotomia (11,5 contra 3,4%, respectivamente), não houve diferença significativa nas taxas de gestação intrauterina subsequente ou de recorrência de gestação ectópica. Na comparação entre salpingostomia laparoscópica e tratamento medicamentoso com metotrexate intramuscular (dose única ou múltiplas doses), as taxas de sucesso foram semelhantes, entretanto, os efeitos adversos e complicações foram mais comuns no grupo tratado com metotrexate sistêmico. O tempo necessário para o β-hCG atingir níveis indetectáveis foi menor com a laparoscopia, reduzindo o período de seguimento. Taxas de permeabilidade tubária e gestação intrauterina subsequente, assim como o risco de recorrência de gestação ectópica, foram

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similares entre o grupo da laparoscopia e o grupo do metotrexate. Em estudo prospectivo randomizado, Lundorff e colaboradores (1991) avaliaram a formação de aderências por meio da realização de second look por laparoscopia, após tratamento de gestação tubária por laparoscopia ou laparotomia. Embora não houvesse diferença na permeabilidade tubária entre os dois grupos, o grupo operado via laparotomia desenvolveu significativamente mais aderências do que o da laparoscopia. A mesma equipe comparou o desfecho reprodutivo entre as pacientes tratadas randomicamente por laparotomia ou laparoscopia, não encontrando diferenças nos desfechos reprodutivos.

Esterilização tubária A esterilização tubária deve ser feita preferencialmente pela via laparoscópica. É um procedimento relativamente fácil e seguro, as complicações são pouco frequentes e a morbidade é mínima. Utiliza-se comumente a técnica de cauterização da parte proximal do terço médio da trompa, com posterior secção, ou a cauterização em dois pontos sem secção da trompa. Como vantagem adicional, oportuniza o diagnóstico de doença oculta pela visualização de toda a cavidade abdominal. A utilização de eletrocautério bipolar é preferível ao monopolar pela maior segurança do primeiro. Ainda que seja considerada uma pequena cirurgia, ela pode ser associada com dor pós-operatória importante e resulta em um longo período de repouso, podendo também levar à internação hospitalar. A forma como é realizada a esterilização tubária influencia a extensão da dor no pós-operatório. Quando utilizada, a cauterização parece estar associada a menor dor, apesar disso, as complicações desse método podem ser sérias. Os anéis tubários cursam com dor importante, e os clipes parecem estar envolvidos com dor de intensidade intermediária. Uma alternativa nessas pacientes é a utilização de lidocaína 1%, aplicada na tuba uterina antes do procedimento. Os escores de dor em pacientes que foram submetidas a laparoscopias com uso de clipes foram significativamente menores no grupo que utilizou lidocaína (Garwood et al., 2002).

Revisão da Cochrane comparando ligadura tubária por laparoscopia e minilaparotomia mostrou que morbidade maior é rara em ambos os procedimentos. A minilaparotomia é considerada alternativa à técnica laparoscópica em pacientes com obesidade mórbida, aderências extensas ou contraindicações à anestesia geral.

Incontinência urinária de esforço A colpossuspensão de Burch pode ser realizada por meio da laparoscopia e está indicada em pacientes com incontinência urinária de estresse genuína. Durante a avaliação pré-operatória, deve ser feito o diagnóstico diferencial com as demais causas de incontinência urinária (avaliação urodinâmica) para um resultado cirúrgico satisfatório. A via laparoscópica está associada a menor tempo de hospitalização e retorno precoce às atividades usuais; entretanto, demanda maior tempo cirúrgico e requer experiência cirúrgica com esse tipo de procediemento (Walter et al., 2002). A abordagem laparoscópica parece ser tão efetiva quanto a aberta tanto a curto prazo (6 a 18 meses) quanto a longo prazo. Revisão sistemátca da Cochrane (Dean et al., 2006), que comparou o procedimento pela via laparoscópica e aberta, mostrou que a taxa de cura subjetiva foi semelhante entre os dois grupos, e os defechos clínicos objetivos (como perda urinária sob teste de esforço) foram melhores pela técnica aberta. Não houve diferença em relação à disfunção vesical pós-operatória. A taxa de complicações perioperatórias foi menor na via laparoscópica, apesar de ocorrerem mais lesões vesicais nesse grupo. O uso de duas suturas de cada lado da uretra mostrou-se superior ao uso de apenas uma sutura (Persson; Wolner-Hanssen, 2000).

Histerectomia A histerectomia laparoscópica é a técnica na qual ocorre a ligadura laparoscópica dos vasos uterinos. A retirada do útero pode ser realizada via vaginal ou via abdominal (por meio de morcelamento). Se a laparoscopia é utilizada para visualizar a pelve, liberar aderências e separar ligamentos durante a histerectomia vaginal, o procedimento é denominado histerectomia vaginal videoassistida. A abordagem laparoscópica oferece melhor visualização das estruturas abdominais e pélvicas, maior facilidade de hemostasia e redução da morbidade associada à incisão abdominal.

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Revisão da Cochrane (Johnson et al., 2006) avaliou 27 ensaios clínicos randomizados, com um total de 3.643 pacientes, envolvendo diferentes vias de histerectomia total para condições benignas. Desses, 16 estudos compararam via laparoscópica e abdominal; quatro compararam via laparoscópica e vaginal, e um estudo comparou via vaginal e abdominal. Não houve diferença entre via vaginal e laparoscópica em relação à lesão de víscera intraoperatória, sangramento intraoperatório, conversão para laparotomia, retorno às atividades normais e tempo de internação. Também não houve diferença em relação à ocorrência de hematoma pélvico, infecção de cúpula vaginal, infecção do trato urinário, infecção respiratória e eventos tromboembólicos. O tempo cirúrgico, comparando histerectomia laparoscópica e vaginal, foi maior na via laparoscópica. Na comparação entre histerectomia laparoscópica e abdominal, a primeira foi associada a menor perda sanguínea, menor tempo de internação, retorno mais rápido às atividades normais, menor ocorrência de infecção de ferida operatória e febre, maior tempo cirúrgico e maiores taxas de lesão de trato urinário. Não houve diferença comparando todas as vias de histerectomia nos seguintes aspectos: formação de fístulas, disfunção urinária, disfunção sexual e satisfação da paciente. O único ensaio clínico maior incluído nessa revisão foi o de Garry e colaboradores de 2004 (The evaluate study), que consistiu em dois grandes estudos prospectivos, randomizados e multicêntricos, realizados paralelamente, que compararam os efeitos da histerectomia laparoscópica com a histerectomia vaginal e abdominal. O desfecho primário estudado foi a taxa de complicações, e o estudo envolveu 1.346 pacientes submetidas à cirurgia, em 30 centros. No trial abdominal, a histerectomia laparoscópica apresentou significativamente maior número de complicações mais graves (principalmente sangramento requerendo transfusão e lesão ureteral). O procedimento laparoscópico foi associado ainda a maior tempo cirúrgico, embora o tempo de internação e a dor no pós-operatório tenham sido menores e houvesse associação à melhor qualidade de vida em seis semanas. Não houve diferenças após um ano. Quando comparada à histerectomia vaginal, não houve diferença nas taxas de complicações maiores, embora

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novamente o tempo cirúrgico da cirurgia laparoscópica fosse maior. A frequência de complicações associadas foi avaliada em uma série de casos de pacientes submetidas à histerectomia videolaparoscópica por condições benignas (Canis et al., 2008). A taxa de hemorragia intraoperatória foi de 2%, e de lesão urológica, de 0,5%. A taxa de conversão para laparotomia foi de 3,3%. Dados em relação à taxa de complicações devem ser interpretados com cautela, considerando que se espera um decréscimo progressivo mediante o ganho de experiência dos cirurgiões frente a um procedimento relativamente novo. A dependência da taxa de complicações à experiência do cirurgião foi demonstrada em estudo (Wattiez et al., 2002) que avaliou um grupo de pacientes submetidas à cirurgia entre os anos de 1989 e 1995 e um grupo submetido à cirurgia entre 1996 e 1999. Houve diminuição da incidência de conversão para laparotomia de 4,7 para 1,4%; a incidência de complicações maiores foi de 5,6 para 1,3%, e o tempo operatório médio, de 115 para 90 minutos na comparação entre os dois grupos. A taxa de histerectomias realizadas aumentou de 68 para 94,4% em relação a esse período avaliado pelo estudo. A via videolaparoscópica está associada a maiores taxas de prolapso de cúpula vaginal se comparada à abdominal ou vaginal. Fatores potencialmente associados a esses achados são o uso de energia térmica (eletrocautério) para incisão vaginal, que levaria à maior necrose tecidual e pior cicatrização da cúpula, e o uso de técnicas de sutura laparoscópica, as quais requerem treinamento avançado para permitir a segurança do fechamento (Hur et al., 2007). A comparação entre as diferentes abordagens para histerectomia estão sumarizadas na Tabela 20.1.

Contraindicações para laparoscopia Absolutas Obstrução intestinal, íleo paralítico, doença cardiorrespiratória severa e hérnia diafragmática. Existe um risco considerável de casos de lesão

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Tabela 20.1 Comparação entre as abordagens para histerectomia por patologias benignas Histerectomia vaginal comparada à histerectomia abdominal > Menor tempo de hospitalização (diferença média de 1 dia, IC a 95% 0,7-1,2) > Retorno mais rápido às atividades habituais (diferença média de 9,5 dias, IC 95% 6,4-12,6) > Menor ocorrência de febre e infecção pós-operatória (OR 0,42, IC 95% 0,21-0,83) Histerectomia videolaparoscópica comparada à histerectomia abdominal > > > > > >

Menor perda sanguínea (diferença média de 45,3 mL, IC 95% 17,9-72,7) Menor permanência hospitalar (diferença média de 2 dias, IC 95% 1,9-2,2) Retorno mais rápido às atividades habituais (diferença média de 13,6 dias, IC 95% 11,8-15,4) Menor ocorrência de febre e infecção de ferida operatória (OR 0,32, IC 95% 0,12-0,85) Maior tempo cirúrgico (diferença média de 10,6 min, IC 95% 7,4-13,8) Maior ocorrência de lesões de trato urinário (OR 2,61, IC 95% 1,22-5,6)

Histerectomia videolaparoscópica comparada à histerectomia vaginal > Desfechos similares, exceto maior tempo cirúrgico (diferença média de 41,5 min, IC 95% 33,7-49,4) Histerectomia videolaparoscópica comparada à histerectomia vaginal videoassistida > Desfechos similares, exceto maior tempo cirúrgico (diferença média de 25,3 min, IC 95% 10-40,6) Fonte: Adaptada de Johnson e colaboradores (2006).

intestinal se o intestino se encontra distendido ou aderido. A presença de massa anexial suspeita de malignidade e abdome agudo com instabilidade hemodinâmica continuam sendo contraindicações absolutas.

Relativas Peritonite pélvica, aderências e hemoperitônio leve a moderado não são contraindicações absolutas, uma vez que a laparoscopia poderá permitir o diagnóstico diferencial de DIP e apendicite ou de uma gestação ectópica e um corpo lúteo hemorrágico. A indicação de laparoscopia em pacientes com obesidade, grande massas abdominais e gestação avançada vai depender muito da habilidade e da experiência do cirurgião laparoscópico. A laparoscopia pode ser realizada em qualquer período da gestação, não havendo um limite de idade gestacional estabelecido. Entretanto, assim como qualquer procedimento cirúrgico, o período ideal para a realização é no início do segundo trimestre. A possibilidade de realização de laparoscopia no terceiro trimestre da gestação depende da patologia a ser tratada, do tamanho do útero, do porte da paciente e de comorbida-

des clínicas e obstétricas. Evita-se a realização de procedimentos cirúrgicos no primeiro trimestre, devido ao risco relacionado ao uso de teratógenos no período da organogênese, assim como pelo maior risco de abortamento. Conforme demonstrado em estudo retrospectivo por Gurbuz e Peetz (1997), a laparoscopia pode ser utilizada com segurança durante a gestação, sem causar aumento na morbidade materna e/ou fetal. Apendicectomia, colecistectomia e abordagem de massas anexiais por via laparoscópica são procedimentos que podem ser realizados com segurança na gestação.

Complicações Uma revisão incluindo cerca de 1,5 milhão de pacientes ginecológicas relatou complicações em 0,1 a 10% dos procedimentos. Mais de 50% dessas complicações ocorreram durante a entrada na cavidade e 20 a 25% foram reconhecidas apenas no pós-operatório, enfatizando a necessidade de revisão completa da cavidade ao final do procedimento (Magrina, 2002). Análise realizada por Härkki-Siren, Sjöberg e Kurki (1999) de 32.205 laparoscopias gineco-

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lógicas mostrou que a incidência de complicações em laparoscopias diagnósticas foi de 0,6/1.000 procedimentos. Entre o percentual de complicações, as mais comuns foram lesões ureterais (48%), lesões de bexiga (19%), lesões em alças intestinais (13%), hérnias incisionais (7%), lesões de grandes vasos (2%) e outras complicações de menor incidência, com um total de 11%. Em se tratando de cirurgia para ligadura tubária, a taxa de complicações foi de 0,5/1.000 e em laparoscopias cirúrgicas atingiu 12,6/1.000 cirurgias. A experiência do cirurgião foi um fator preditivo importante para a ocorrência de acidentes. Outro estudo realizado na França (Chapron et al., 1998), abrangendo 29.966 laparoscopias, encontrou uma mortalidade de 3,3/100.000 cirurgias, e a taxa de complicações cirúrgicas foi de 4,64/1.000. As complicações foram mais comuns de acordo com a complexidade do procedimento – 1,34/1.000 em videolaparoscopias diagnósticas ou cirurgias menores e 6,81/1.000 em cirurgias maiores. Em metanálise, visando a estudar a taxa de complicações da cirurgia laparoscópica com a laparotomia, Chapron e colaboradores (2002) observaram que a taxa de complicações da laparoscopia cirúrgica foi inferior (RR 0,59, CI 95% 0,50-0,70), independentemente da complexidade da cirurgia. Essa metanálise incluiu 27 trials, com um total de 6.611 pacientes.

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temática que todas as precauções tenham sido tomadas e, em especial, que qualquer trauma seja reconhecido no transoperatório. O atraso no reconhecimento de lesão intestinal aumenta o risco de peritonite fecal e morte. É recomendada a revisão sistematizada da cavidade logo após a entrada com a câmera. Nesse momento, eventuais lesões poderão ser vistas nas alças, pois essas não terão sofrido deslocamento. O tratamento é cirúrgico e depende do tamanho da lesão. Os sintomas relacionados ao trauma intestinal geralmente iniciam dentro de 12 a 36 horas, porém podem ocorrer até 5 a 7 dias após o procedimento. Os sinais de peritonite após uma perfuração intestinal inadvertida geralmente aparecem em 72 horas, com febre, dor abdominal, leucocitose e irritação peritoneal. Como qualquer outro tecido, o intestino é altamente sensível à lesão térmica, motivo por que a diatermia (mono ou bipolar) deve ser aplicada com cautela. É importante lembrar que a necrose do tecido após a exposição ao calor pode demorar até 48 horas. A área de “empalidecimento” que se observa após a aplicação da diatermia não delimita a zona de necrose, a qual pode ir além dessa área de palidez da mucosa. Lesões térmicas exigem ressecção de 1 a 2 cm de tecido viável perilesional.

Lesão das vias urinárias

A maioria das lesões intestinais ocorre no momento da introdução do trocarte, principalmente em abdome com intervenções prévias. Podem ocorrer lesão intestinal secundária, dano térmico ou trauma durante dissecção.

A bexiga e os ureteres poderão ser lesados durante alguns procedimentos laparoscópicos, como a histerectomia e a cirurgia para endometriose. Lesão vesical geralmente ocorre durante a inserção do segundo trocarte e apresenta-se como hematúria ou pneumatúria, dor e distensão abdominal, ascite urinária, febre, calafrios, oligúria, náuseas e vômitos. O ideal é que a lesão deva ser suturada após reconhecimento durante a revisão no procedimento inicial. Sondagem vesical adequada prévia ao início do procedimento, inserção do segundo trocarte sob visão direta, dissecção cuidadosa entre a bexiga e a face anterior do útero e identificação clara dos planos teciduais na histerectomia tornam incomum essa complicação.

Embora o traumatismo intestinal acidental durante a inserção seja uma complicação potencial que não apresenta correlação com a experiência do cirurgião, este deve garantir de maneira sis-

Os ureteres poderão ser lesados como consequência de vários fatores, contribuindo para isso a grande variação no seu trajeto. As lesões poderão ocorrer por secção completa, por diater-

Fatores de risco para complicações incluem cirurgias abdominais prévias ou doença intra-abdominal (endometriose, DIP). Assim como outros procedimentos cirúrgicos, o número de complicações está relacionado ao grau de experiência do cirurgião e ao número de procedimentos realizados.

Lesão intestinal

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mia ou sutura inadequada. A maioria das lesões ureterais manifesta-se do 1o ao 5o dia pós-operatório, como dor abdominal crescente, febre, leucocitose e ascite. A lesão deve ser localizada e tratada de modo adequado. Em alguns casos, não há lesão direta, mas um pinçamento e/ou cauterização de foco de endometriose no peritônio, que pode angular o ureter, e esse trauma passa despercebido durante o procedimento. Isso é mais comum nos casos de histerectomia, na topografia do ângulo vaginal, quando temos artéria uterina, ligamentos uterossacros e ureteres convergindo.

Lesões vasculares A lesão dos vasos epigástricos inferiores, relacionada à punção lateral para inserção do segundo trocarte, pode ser evitada pela realização por meio de visualização direta. Habitualmente, o traumatismo dos vasos da parede não causa consequências importantes, a não ser a formação de hematomas. A simples pressão externa ou mesmo a sutura são suficientes para o controle da hemorragia. Pode ocorrer lesão de vasos mesentéricos durante a inserção da agulha de Veress ou do primeiro trocarte na cicatriz umbilical, principalmente na presença de aderências de peritônio e epiplo nessa região. As complicações maiores ocorrem na punção inadvertida de grandes vasos, necessitando de conversão para laparotomia e correção cirúrgica imediata da lesão.

Outras complicações A posição da paciente na mesa cirúrgica deve respeitar a anatomia e sempre deve ser revisada pelo cirurgião ou seu auxiliar. É importante verificar o posicionamento adequado das perneiras para evitar a compressão de vasos da região poplítea e possíveis lesões nervosas. Evita-se a lordose, que tende a aproximar o promontório, trazendo junto os grandes vasos à parede abdominal. A descompressão do estômago com o uso de sonda nasogástrica antes da inserção da agulha de Veress pode diminuir o risco de perfuração do estômago em caso de distensão. O sangramento no sítio de punção geralmente ocorre dentro de 1 hora do procedimento e leva à ocorrência de hematoma de ferida operatória,

podendo causar queda na hemoglobina e extensas equimoses em abdome e flancos. O risco de hérnia incisional após laparoscopia é maior em sítios extraumbilicais e com trocarteres maiores de 10 mm. A incidência de hérnia é estimada em 21/100.000 procedimentos, sendo que 18% dessas hérnias ocorreram apesar do fechamento da aponeurose. Incisões de trocarteres de 5 mm geralmente não necessitam de fechamento devido ao baixo risco de formação de hérnia incisional. O gás carbônico utilizado para criar pneumoperitônio causa hipercapnia e acidose respiratória devido à absorção pela superfície peritoneal. Sistemas tampões endógenos e aumento da eliminação pulmonar de CO2 previnem repercussão clínica de acidose em circunstâncias normais. Arritmias podem ser uma das consequências mais sérias. A embolia gasosa é uma complicação rara e potencialmente fatal, decorrente da punção inadvertida de um vaso seguido de insuflação de gás. A compressão do parênquima renal e a diminuição do fluxo sanguíneo renal durante insuflação resultam em oligúria temporária, que é resolvida após desinsuflação. O aumento da pressão intra-abdominal e a estimulação do sistema vasoativo neuro-humoral durante a insuflação com gás carbônico diminuem a capacidade vital, o retorno venoso, a pré-carga e o débito cardíaco, com aumento da frequência cardíaca, pressão arterial média, resistência vascular sistêmica e pulmonar. Pacientes saudáveis (ASA 1 ou 2) toleram bem essas alterações, desde que a pressão intra-abdominal não exceda 15 mmHg (Neudecker et al., 2002). A dor na região do ombro é uma ocorrência frequente no pós-operatório de cirurgia laparoscópica. Associa-se a sua ocorrência a irritação diafragmática por líquido, sangue ou acúmulo de gás carbônico ou por distensão do nervo frênico. Para a redução da sua ocorrência, recomenda-se a remoção da maior quantidade possível de gás carbônico ao final do procedimento ou ainda a irrigação intraperitoneal de anestésicos locais, como lidocaína ou bupivacaína. Durante a realização do pneumoperitônio, algumas medidas podem ajudar na redução da dor pós-operatória, segundo protocolo clínico da European Association for Endoscopic Surgery (Neudecker et al., 2002). Entre essas medidas, estão o uso de menores pressões

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intra-abdominais e menores velocidades de insuflação, remoção da maior quantidade possível do gás residual ao final do procedimento e redução do tamanho dos trocarteres.

a realização de procedimentos que necessitem de grandes intervenções, e nas possibilidades de diagnósticos insuficientes (falso-negativos) pelo menor campo visual. Além disso, há os riscos de procedimentos efetuados em ambientes sem a segurança cirúrgica adequada.

Microlaparoscopia

Durante um período de dois meses, utilizamos, no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), a microlaparoscopia, com o objetivo de avaliar sua acurácia em relação à laparoscopia convencional. Nossos achados preliminares apontam para menor acurácia, com dificuldades técnicas, principalmente se tivermos que realizar algum procedimento cirúrgico.

A maioria dos autores reserva o termo microlaparoscopia para designar laparoscopias com menos de 5 mm de diâmetro. Essa técnica foi indicada para realização em consultório, com anestesia local, diminuindo, dessa forma, seu custo. A crítica a essa técnica baseia-se na maior fragilidade do instrumental utilizado, impedindo

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Rotinas em Ginecologia

323

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Paciente de 25 anos de idade, branca, casada, há 3 anos tentando engravidar. Não usa nenhum método contraceptivo e mantém relações sexuais regularmente com seu marido. Na investigação inicial, o marido apresentou sorologias para HIV, HTLV, hepatites B e C, sífilis e clamídia negativas. As sorologias da paciente também se apresentavam negativas, exceto a sorologia para clamídia, que representava títulos de IgG de 128:1. O laudo do espermograma tinha contagem de 40 milhões de espermatozoides por mL, contendo 3 mL no total, motilidade progressiva e linear de 70% e morfologia 60% normal. A paciente apresenta ciclos menstruais regulares e histerossalpingografia com Cotte positivo, porém mostrando tubas fixas. O próximo passo na avaliação da infertilidade conjugal é:

2. Qual procedimento ginecológico não pode ser realizado por videolaparoscopia? a. Histerectomia por miomatose uterina refratária ao tratamento conservador. b. Ligadura tubária. c. Histerectomia e linfadenectomia por câncer cervical estádio IB da FIGO. d. Abscesso tubo-ovariano com abdome agudo. e. Cirurgia para câncer de ovário em estágio inicial.

a. Indução da ovulação com citrato de clomifeno e coito programado. b. FIV. c. ICSI. d. Videolaparoscopia diagnóstica e teste de cromotubagem. e. FIV com ovodação.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

21

Urgências em Ginecologia e Obstetrícia Ricardo Francalacci Savaris Adriane Camozzato Fontes Beatriz Valiati Mariane Marmontel Oscar Andrade Miguel Antônio Barbato Lourdes Neves Ricco

A emergência ginecológica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) recebe pacientes com urgências ginecológicas e problemas obstétricos até a 20a semana de gestação. O objetivo deste capítulo é apresentar as rotinas para os principais problemas ginecológicos e obstétricos encontrados na nossa unidade. Algumas condutas podem ser diferentes das apresentadas em outros capítulos que abordam o mesmo tema, devido às características do setor.

grávidas e não sabem. O exame físico e a história da paciente não são confiáveis para fazer o diagnóstico de gestação (Bastian; Piscitelli, 1997), por isso, deve-se solicitar um exame de gravidez na urina (Kingdom et al., 1991). Utilizamos o β-hCG urinário como método de rastreamento, conforme descrito na literatura (Olshaker, 1996), pois o resultado pode ser obtido em 1 minuto, e a sensibilidade do exame é a partir de 25 mUI/mL. Método anticoncepcional

O tempo de evolução e os sintomas associados devem ser investigados. Outros aspectos da dor podem ser elucidados durante o exame físico. Dores crônicas não sugerem processo agudo e emergencial. Consideramos, de forma arbitrária, dores recentes aquelas com menos de 30 dias.

O uso de preservativo, minipílulas, pílulas de progestágeno de média dosagem e dispositivo intrauterino (DIU) pode explicar a presença de cistos anexiais (ovarianos), uma vez que esses métodos não estão relacionados à inibição da ovulação. Os anticoncepcionais orais (ACOs) combinados inibem a seleção dos folículos e a ovulação. Portanto, a presença de cistos ovarianos maiores do que 5 mm não é esperada em mulheres que os utilizam. A informação da data da última menstruação combinada com o método anticoncepcional pode explicar a presença de cistos funcionais, de corpo lúteo ou hemorrágico.

Data da última menstruação

Febre

Na emergência do HCPA, 18% das pacientes com sangramento uterino anormal ou dor pélvica estão

A história de febre deve ser considerada. Muitas doenças estão relacionadas à febre (apen-

Dor pélvica Anamnese e exame físico Identifique na história: Descrição da dor

Rotinas em Ginecologia

dicite, pielonefrite e doença inflamatória pélvica – DIP). Na puérpera, a temperatura deve ser bucal. Alteração do sangramento menstrual A alteração do padrão menstrual, em quantidade ou época. As doenças relacionadas à alteração do padrão menstrual são a gravidez ectópica, o abortamento, as endometrites e a endometriose. A história clínica e o exame físico não são suficientes para identificar o grau de anemia das pacientes, sendo recomendada a solicitação do hemograma (Savaris; Braun, 2007). Disúria As queixas urinárias são muito comuns na população feminina (15%). Diferencie o tipo de disúria, se é externa (dor quando a urina entra em contato com a vulva), ou interna, na bexiga ou no canal urinário. A primeira situação está relacionada a lesões na pele da vulva (candidíase, herpes genital), enquanto a segunda situação está relacionada à infecção urinária. A cor da urina deve ser elucidada por meio da inspeção visual e não da história. Secreção vaginal Pode estar relacionada a processos infecciosos, como a DIP. Tecnicamente, a leucorreia anormal apresenta um número maior de leucócitos do que de células epiteliais no exame de microscopia (ⱖ 10 leucócitos/campo) (Davies; Wang, 1996). Todavia, nem sempre temos um microscópio à disposição. Por isso, nos valemos de alguns dados semiológicos. É considerada secreção vaginal anormal aquela que tem odor fétido, causa prurido e/ou dispareunia na paciente. É de pouca valia perguntar sobre a cor do corrimento vaginal, já que você irá vê-lo no exame físico. Cuidado: casos de cervicite por clamídia não alteram a secreção vaginal.

Exame físico Inspecione as mucosas e verifique os sinais vitais. Faça a punhopercussão lombar, tendo em mente que a razão de probabilidades positiva e negativa no diagnóstico de infecção urinária é de 1,7 e 0,9, respectivamente (Bent et al., 2002). Inspecione e palpe o abdome, procurando massas abdominais (p. ex., o útero gravídico). Um útero na altura da cicatriz umbilical

325

correlaciona-se com uma gestação com 20 semanas. Pesquise a presença de irritação peritoneal e realize o teste de Carnett (com a paciente deitada, solicite que ela coloque o queixo no peito). A dor que aumenta com essa manobra está relacionada à dor na parede abdominal e não à doença intra-abdominal. Exemplo de causa de dor na parede pode ser a hérnia de Spiegel. Inspecione a vulva, a vagina, o períneo e o colo uterino. Faça isso em ato contínuo na introdução do espéculo. O exame especular nos parece importante nas pacientes com sangramento vaginal, pois pode identificar lesões no colo uterino. Identifique as lesões no colo uterino, a origem do sangramento e a presença ou não de secreção vaginal. Após o exame especular, faça o exame bimanual da pelve. Determine a dor à mobilização, o tamanho e a consistência do útero e dos anexos. Todavia, o exame de toque ginecológico tem valor limitado para o diagnóstico de gravidez ectópica (Mol et al., 1999). Durante o toque bimanual, os dedos deslizam sobre a parede anterior da vagina, comprimindo a bexiga contra a outra mão, que repousa sobre a região suprapúbica; essa manobra é chamada toque vesical. A presença e a ausência de dor nessa manobra têm uma razão de probabilidades de 1,48 e 0,65, respectivamente, para o diagnóstico de infecção urinária. Isso se traduz em um valor preditivo positivo e negativo de 19 e 90%, respectivamente, considerando uma urocultura positiva com ⱖ 105 unidades formadoras de colônia, tendo uma prevalência de 13,6% (Savaris; Teixeira; Torres, 2006). A ausculta pulmonar e cardíaca e a palpação da tireoide poderão ser feitas, se houver indicação pela história clínica.

Exames complementares Os exames complementares comumente usados na emergência ginecológica são o hemograma, a análise urinária com fitas, os exames de gravidez na urina (sensibilidade a partir de 25 mUI/ mL) e a ultrassonografia. O raio X de abdome agudo auxilia em casos de suspeita de apendicite ou corpo estranho intrauterino e em situações em que há risco de perfuração uterina ou intestinal.

326 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Principais causas de dor pélvica e abdominal Após a anamnese e o exame físico, poderemos encontrar na Tabela 21.1 os diagnósticos diferenciais de dor pélvica. Vejamos os mais comuns. Mittelschmerz é dor no meio do ciclo ou dor da ovulação, seja no quadrante inferior direito ou esquerdo. A dor surge pela distensão da cápsula ovariana ou pelo sangramento leve associado ao processo da ovulação. A suspeita surge na anamnese, quando se correlaciona o período do ciclo menstrual com o fato de a paciente não estar usando um método anticoncepcional que iniba a ovulação. O tratamento agudo é sintomático. Cistos ovarianos funcionais (cistos foliculares ou de corpo lúteo) podem ser assintomáticos. O diagnóstico geralmente é feito pela ultrassonografia. O curso clínico pode evoluir para a resolução espontânea. Se houver torção ou ruptura com hemorragia, a cirurgia pode ser necessária. O diagnóstico de gestação intrauterina é confirmado através da presença de batimentos cardíacos fetais e/ou ultrassonografia). O tratamento é de acordo com a complicação da gestação. Gestação ectópica pode causar dor pélvica antes ou após a ruptura secundária à distensão da víscera oca da tuba uterina ou pela irritação peritoneal pelo hemoperitônio. O diagnóstico

é feito tanto pela história, quanto pelos níveis de β-hCG e pela ultrassonografia. O tratamento pode ser medicamentoso, com metotrexato, ou cirúrgico, laparotomia ou laparoscopia. As infecções pélvicas são causas comuns de dor pélvica aguda e crônica. A DIP (geralmente polimicrobiana) envolve as tubas de Falópio, os ovários, os paramétrios, o tecido da parede pélvica, o útero e outros órgãos da cavidade pélvica e abdominal. O diagnóstico sindrômico (dor em anexo e à mobilização) tem sensibilidade de 83,3% e especificidade de 21,8% (Peipert et al., 2001), sendo que o valor preditivo positivo pode variar de 65 a 90% (Workowski; Berman, 2006). De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o diagnóstico de DIP deve ser suspeitado quando a paciente apresentar dor pélvica ou abdominal baixa na presença de dor uterina ou dor anexial ou dor à mobilização do colo uterino de origem recente, sem outra causa diagnosticável (Workowski; Berman, 2006). O tratamento empírico com antimicrobianos deve ser feito. Usamos 250 mg de ceftriaxona intramuscular (IM), associados com 1 g de azitromicina 1x/semana, por duas semanas (Savaris et al., 2007), com ou sem metronidazol (500 mg, VO, de 12/12 h) por 14 dias. Um esquema alternativo pode ser a levofloxacina 500 mg, VO, 1x/dia por 14 dias (Workowski; Berman, 2006). A avaliação em 48 horas deve ser feita, pois as pacientes podem não melhorar. Reavalie a paciente para afastar outros diagnósticos diferenciais (p. ex., apendicite, hérnia do ligamento redondo, infec-

Tabela 21.1 Causas de dor pélvica aguda Causas ginecológicas/obstétricas

Causas não ginecológicas

Mittelschmerz Cisto ovariano hemorrágico Abortamento Torção de anexo Gravidez ectópica/heterotópica DIP Dor no ligamento redondo Ruptura da veia útero-ovariana Tumores uterinos Mioma degenerado Endometriose Dismenorreia Adenomiose Tumor ovariano

Urinárias Pielonefrite Cálculo urinário Infecção urinária baixa Obstrução urinária Abscesso perinéfrico Gastrintestinais Apendicite Diverticulite Hérnias estranguladas Colecistite Obstrução intestinal

Pancreatite Gastrenterite Adenite mesentérica aguda Úlcera duodenal perfurada Peritonite por tuberculose Carcinoma de intestino grosso Isquemia mesentérica com necrose Outras Hematoma do reto abdominal Hérnia externa Porfiria intermitente aguda Pneumonia

Rotinas em Ginecologia

ções urinárias). Alternativamente, utilizamos um esquema de hospital-dia para casos especiais, prescrevendo gentamicina e clindamicina em dose única diária até obter melhora importante, depois o tratamento segue com doxiciclina e metronidazol. Essa forma de tratamento foi adaptada a partir dos casos de endometrite pós-cesárea (Livingston et al., 2003). Os tumores uterinos (p. ex., leiomiomas ou leiomiossarcomas) podem causar dor associada à hemorragia, necrose, distensão do peritônio visceral do útero ou pressão contra as estruturas intra-abdominais adjacentes. O diagnóstico é feito pela história, pela ultrassonografia e pela anatomopatologia. A neoplasia anexial pode causar dor pélvica ou abdominal, quando associada à hemorragia, necrose ou ruptura. Os sintomas incluem o início gradual da dor abdominal, dor intermitente ou grave aguda, distensão abdominal, náusea, vômito, anorexia ou edema em extremidade inferior, unilateralmente. O diagnóstico é feito pela história e pela ultrassonografia. O tratamento deve ser feito em conjunto com a equipe da oncologia ginecológica. A torção de ovário pode envolver o ovário normal, um cisto ovariano, a tuba ou uma massa uterina. Os sintomas são constantes ou intermitentes, sendo que o início pode ser agudo. As náuseas e os vômitos podem estar associados. O diagnóstico se dá pela história e pela ultrassonografia. O manejo do abdome agudo é a exploração cirúrgica imediata por via laparoscópica, dependendo do tamanho do cisto e da experiência do cirurgião. Geralmente, a dor é aguda e não passa com opioides. A endometriose é definida como a presença de glândulas e estroma endometriais em outros locais além da cavidade uterina. A apresentação clássica é a de dismenorreia progressiva, dispareunia e infertilidade. Todavia, ela pode variar desde assintomática a um abdome agudo cirúrgico. O diagnóstico é feito pela identificação dos focos de endometriose. A adenomiose é a presença de glândulas endometriais no miométrio e causa dismenorreia. O útero geralmente é aumentado e amolecido, doloroso à mobilização. A ultrassonografia pode auxiliar no diagnóstico.

327

A dismenorreia é a dor abdominal ou pélvica associada à fase pré-menstrual imediata e à menstruação. O diagnóstico é feito pela história clínica e pela normalidade dos achados laboratoriais. A endometriose pode ser um diagnóstico a ser investigado. O tratamento inclui o uso de anti-inflamatórios e anticoncepcional hormonal.

Sangramento via vaginal A perda sanguínea excessiva poderá ser causa de anemia grave e, se abrupta, de sintomas hipovolêmicos. A avaliação e o tratamento estão apresentados na Figura 21.1.

Anamnese Identifique se a paciente tem: > Gestação: toda a paciente em idade reprodutiva deve ser considerada grávida, a não ser que tenha um teste de gravidez recente e negativo (Bastian; Piscitelli, 1997). > Doenças sistêmicas: pergunte se ela tem alguma doença da tireoide ou hepática, pois as alterações nesses órgãos alteram o metabolismo dos hormônios esteroides, podendo levar ao sangramento anormal. > Coagulopatias: identifique se a paciente tem algum problema de coagulação ou se usa anticoagulante. > Doenças benignas: miomas e pólipos. > Doenças malignas: câncer de cérvice ou de endométrio. > Causas iatrogênicas: uso de DIU e de medicamentos como progesterona de depósito ou ACO de forma irregular deve ser investigado. > Traumas: por coito ou por introdução de objetos. Se forem descartadas todas as hipóteses citadas, o diagnóstico fica sendo de sangramento uterino disfuncional, considerado um diagnóstico de exclusão.

Exame físico Igual ao da dor pélvica. Faça o toque retal, quando houver suspeita de malignidade. A quantificação da perda sanguínea é difícil, por

328 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Sangramento uterino anormal Fluxo aumentado, fora do padrão normal da paciente

sim

Ver rotinas de sangramento na gestação

Em uso de medicamentos?

sim

Manejar dose ou trocar medicamentos

Com doença sistêmica?

sim

Vida sexual ativa? MAC? DUM?

Paciente grávida? não

Medicamentos Anticoncepcionais Depo-provera Cumarínicos Checar cada medicamento em uso

HAS, DM, obesidade Endocrinopatia Hepatopatia Nefropatia

História de sangramento que para e volta

Com coagulopatia?

Fator de risco para câncer de endométrio: • Idade (45 anos) • Exposição a estrogênios (TRH, menopausa tardia, nulipariadade, SOP, tumor secretor de estrogênio) • Diabete melito • História familiar de neoplasia de mama, ovário, endométrio, cólon.

Mioma, adenomiose, pólipos, cervicites, DIP

Risco para câncer?

sim

sim

Conforme história Creatinina TSH TGO/TGP/ albumina

Hemograma completo TP/TTPa Tempo de sangria (IVI) Fator VII e von Willebrand

Iniciar investigação com ecografia TV

sim

Doença benigna?

sim

Tamanho do útero > 12 semanas?

não Sangramento uterino disfuncional DUM, data da última menstruação; MAC, método anticoncepcional; HAS, hipertensão arterial sistêmica; DM, diabete melito; SOP, síndrome dos ovários policísticos; DIP, doença inflamatória pélvica; TV, transvaginal; TSH, hormônio estimulante da tireoide; TGO/TGP, transaminases hepáticas; TP, tempo de protrombina; TTPa, tempo de tromboplastina parcial ativada.

Figura 21.1 Fluxograma para avaliação do sangramento uterino anormal

isso usamos um sistema de contagem do número de gazes, em que é descrito quantas gazes foram necessárias para limpar o colo e a vagina de sangue (Savaris; Braun, 2007).

Exames complementares Solicite hemograma, teste de gestação (urinário como rastreamento e quantitativo para definir se é um caso de gravidez tópica ou ectópica). A

Rotinas em Ginecologia

ultrassonografia pélvica transvaginal auxilia nos diagnósticos de gestação intrauterina, gravidez ectópica, ameaça de abortamento, abortamento, lesões uterinas (miomas) e líquido livre na cavidade abdominal. O nível de β-hCG ⬎ 1.500 mUI/ mL com a presença de massa anexial e líquido livre na cavidade é sugestivo de gravidez ectópica (Barnhart et al., 2002). Contudo, na ausência de massa anexial, líquido livre na cavidade e dor, a paciente deve ser acompanhada por β-hCG e ultrassonografias seriadas até a definição do quadro (Savaris et al., 2007). A investigação de coagulopatias só deve ser feita se houver suspeita clínica. Solicita-se o tempo de protrombina (TP), tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa), plaquetas e tempo de sangria pelo teste de Ivy. A dosagem de TSH não deve ser feita de rotina, a não ser que haja forte suspeita clínica para tanto.

Principais causas de sangramento vaginal anormal Gestação As complicações da gestação são a causa mais frequente de sangramento anormal em mulhe-

329

res sexualmente ativas e em idade reprodutiva. As causas são abortamento, gravidez ectópica e gestação molar. A Tabela 21.2 resume o manejo dessas complicações.

Neoplasias malignas e benignas do trato genital inferior Lesão invasora do colo uterino No exame especular, identifica-se um colo uterino com superfície irregular, friável, ou com lesão exofítica ou ulcerada. Encaminhe a paciente a um serviço de referência. Se houver sinais de hipovolemia, inicie a transfusão de sangue e faça um tamponamento com gaze. Após 12 a 24 h, retire a gaze e reavalie a paciente. Miomatose uterina O exame ultrassonográfico é importante para a definição diagnóstica. A presença de lesão polipoide protruindo pelo orifício cervical externo sugere pólipo endometrial, pólipo endocervical ou mioma parido. Casos de urgência envolvem miomas paridos e pediculados torcidos. O trata-

Tabela 21.2 Manejo do sangramento no primeiro trimestre Condição

Manejo e comentários

Ameaça de aborto

A ultrassonografia mostra embrião ou feto vivo; tranquilizar a paciente e a encaminhar ao pré-natal. Fazer o esvaziamento uterino com ou sem indução prévia. Internar a paciente e iniciar com gentamicina 3-5 mg/kg ⫹ clindamicina 2.700 mg, diluídas em 250 mL de SG 5% ou SF 0,9%. Infundir por via IV em 1 h dose única diária (Livingston et al., 2003) ou clindamicina (900 mg IV 8/8 h) ou metronidazol (500 mg, IV 8/8 h) antes do esvaziamento uterino. Se não houver resposta, associar ampicilina (500-1.000 mg IV 6/6 h), pensando em enterococo. Nas situações mais graves, incluindo a presença de massas anexiais, suspeita de perfuração uterina, gangrena uterina, sepse ou mesmo falha das medidas clínicas adotadas, a laparotomia pode ser necessária, com a possibilidade de histerectomia ou pan-histerectomia. A presença de infecção intrauterina durante a gestação inicial é indicação de indução do aborto, pois a mãe está com risco de morte. Pode-se usar metotrexato, ou fazer salpingostomia ou salpingectomia. Se houver gestação ectópica rota, a abordagem é sempre cirúrgica. Geralmente é diagnosticada por meio da ultrassonografia pela presença de múltiplos cistos intrauterinos. Na história, há eliminação de vesículas pelo colo uterino. Essa condição é pré-maligna e necessita de acompanhamento. Está indicado o esvaziamento uterino por sucção.

Aborto incompleto Abortamento infectado

Gestação ectópica Gestação molar

SG, soro glicosado; SF, soro fisiológico; IV, intravenosa.

330 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

mento é cirúrgico (por torção ou por ligadura e corte do pedículo). Encaminhe a paciente com sangramento uterino anormal para a investigação ambulatorial da cavidade uterina quando (Goldstein, 2004): > ⱖ 35 anos e com sangramento uterino anormal e/ou > endométrio ⬎ 5 mm nos dias 4-6 do ciclo menstrual, ou > ⬍ 35 anos e com fator de risco (anovulação crônica, diabete, hipertensão, obesidade). Dados mais recentes demonstram que a incidência de câncer endometrial por 100.000, de acordo com a idade, aumenta a partir de 45 anos (11/100.000).

Sangramento disfuncional É um diagnóstico de exclusão, por não estar associado a patologias orgânicas. Exemplo disso são as mulheres com menos de 35 anos e sem fator de risco para câncer de endométrio que apresentam endométrio fino e regular com menos de 5 mm (2 camadas, nos dias 4-6 do ciclo menstrual). O diagnóstico é clínico e pode-se fazer um teste terapêutico. A não melhora em 48 horas indica a investigação mais aprofundada (p. ex., histeroscopia, curetagem uterina).

Tratamento medicamentoso Indicado nas pacientes estáveis. Os tratamentos medicamentosos que podem ser usados são o DIU de levonorgestrel (Lethaby; Cooke; Rees, 2005), a noretisterona (NET) (Lethaby; Irvine; Cameron, 2008), os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) (Lethaby et al., 2007), o ácido tranexâmico (Lethaby; Farquhar; Cooke, 2000) e o ACO. A Tabela 21.3 resume as formas de tratamento (1999) (Kilbourn; Richards, 2001). Na decisão do tipo de medicamento a ser utilizado, devem ser considerados os efeitos adversos, o custo da medicação e o desejo ou não de gerar, conforme descrito na Tabela 21.4.

Tratamento cirúrgico Indicado quando houver falha no tratamento medicamentoso ou se a paciente estiver hemodinamicamente instável. São formas de tratamento a dilatação e a curetagem, a destruição endometrial (ablação e ressecção) e a histerectomia. A curetagem uterina é adequada, pois fornece material para análise patológica, mas não é efetiva para o tratamento do sangramento uterino aumentado a longo prazo; é considerada paliativa.

Outras causas Outras causas de sangramento anormal são as do puerpério (ver adiante), as decorrentes de re-

Tabela 21.3 Manejo agudo do sangramento vaginal Droga

Tratamento

Comentário

ACO

1 cp, VO, 2-3x/dia por 7 dias, pausa para iniciar sangramento de privação, e então pílula 1x/dia por 3 ciclos.

Estrogênios conjugados

25 mg, IV, 4-6 h por 1 dia, ou 1,25 mg, VO, a cada 4-6 h por 1 dia, depois ACO como descrito anteriormente. 15 mg/dia (NET), ou 30 mg/dia (AMP) por 3 semanas. A dose é reduzida depois que o sangramento parar (geralmente em 1 semana). Se não parar, aumente a dose. 1 g, VO, 3-4x/dia, no sangramento (1-4 dias).

ACO de baixa dosagem (30-35 μg) monofásico. Alguns autores sugerem emendar as 3 cartelas para evitar a anemia. Todo tratamento com estrogênio deve ser seguido por cobertura progestagênica. Associe outra droga, como AINEs.

NET AMP

Ácido tranexâmico AINE

1 cp 3-4x/dia (de acordo com a classe de anti-inflamatórios), no sangramento.

É um antifibrinolítico. Não atua na dismenorreia. Cuidado com paciente com úlceras pépticas.

ACO, anticoncepcional oral; AINE, anti-inflamatório não esteroide; AMP, acetato de medroxiprogesterona.

Rotinas em Ginecologia

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Tabela 21.4 Comparação da redução do sangramento de acordo com o esquema terapêutico

Medicação DIU de levonorgestrel Noretisterona (dias 5-25) Ácido tranexâmico AINE ACO Progesterona na fase lútea

% da redução da perda sanguínea

% de mulheres que perdem ⬍ 80 mL/ciclo

Benefício adicional

94

100

Contracepção

87

86

47 29 43

56 51 76

⫺4

18

lações sexuais traumáticas, com lacerações, as vulvovaginites e a presença de corpo estranho.

Complicações do puerpério A infecção puerperal é definida como temperatura bucal ≥ a 38º C, verificada por técnica padrão, no mínimo 4 vezes ao dia, em 2 dos 10 primeiros dias do pós-parto, excetuando-se as primeiras 24 horas. As principais causas de hemorragia pós-parto vaginal são a atonia uterina e a presença de restos placentários (Dupont et al., 2009).

Anamnese Identifique a data e o tipo de parto (complicações no parto, como tempo de bolsa rota, parto instrumentado, cesariana de urgência, curagem ou curetagem), temperatura bucal, dor abdominal, uso de medicações, alterações na mama (engurgitamento, fissuras, descarga papilar purulenta, nodulações) ou na ferida operatória, características dos lóquios, sintomas urinários, queixas respiratórias e gastrintestinais.

Exame físico Igual ao da dor pélvica. Além disso, avalie a orofaringe, os pulmões, as mamas, o tamanho do útero e o períneo (a episiorrafia). Se o colo uterino estiver aberto, pode haver restos placentários. Se o útero for doloroso e estiver acima da cicatriz umbilical, suspeite de restos, com ou sem infecção. O

Efeitos adversos

Cólica e expulsão (5%), spotting (27%) Regularidade Edema, alteração do humor Nenhum Náuseas e diarreia Náuseas e diarreia ↓ Dismenorreia Contracepção, Cefaleia, náuseas, ↓ dismenorreia mastalgia Não está indicado

útero deve ficar intrapélvico com 14 dias pós-parto (Cluett; Alexander; Pickering, 1997). Uma maneira de lembrar a involução uterina normal no pós-parto é que ele diminui cerca de 1 cm por dia, porém, essa velocidade de involução é muito variável (Cluett; Alexander; Pickering, 1997).

Exames complementares De acordo com os achados clínicos, solicite: hemograma, hemoculturas no momento do calafrio ou pico febril, tipagem sanguínea e amostra de sangue para reserva, exame de urina com fita reagente e urocultura com teste, raio X de tórax na suspeita de infecção respiratória e ultrassonografia pélvica ou abdominal na suspeita de restos ovulares ou de abscessos pélvicos.

Principais causas de complicações do puerpério Endometrite É mais frequente após cesarianas (5-10 vezes mais do que no parto normal), e os germes encontrados geralmente são o estreptococo, o estafilococo e os da flora vaginal normal e do intestino. Há febre, dor abdominal, lóquios fétidos ou não e dor parametrial ao exame bimanual. Nos quadros graves, pode haver febre alta, mau estado geral, dor abdominal, íleo paralítico, hipotensão e sepse generalizada. O abscesso tubo-ovariano pode ser uma complicação. Nas infecções pós-parto normal: ampicilina (1 g, VO, de 6/6 h) (Sorrell et al., 1981) ou amo-

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xicilina/clavulonato 500/125 mg, VO, 12/12 h (Fernandez et al., 1990). Nas infecções pós-cesariana: gentamicina (3-5 mg/kg/dia, IV ou IM, 1⫻dia) com clindamicina (900 mg IV, de 8/8 h, ou 2.700 mg 1x/dia) (Livingston et al., 2003) ou metronidazol (500 mg IV, de 8/8 h). O agente patogênico não coberto por esse esquema é o enterococo e, quando há suspeita de sua presença, deve-se associar a ampicilina (1 g IV, de 6/6 h). O tratamento deve ser continuado até a paciente completar 48 horas afebril e com melhora clínica importante. Pode-se liberar a paciente sem terapia adicional após 24 a 48 horas de cura clínica e de normalização da curva térmica, a menos que a infecção seja estafilocócica ou complicada por abscesso (French; Smaill, 2004). Infecção das feridas perineais Os sintomas são dor no local, drenagem espontânea de secreção, vermelhidão e edema. Pode haver deiscência da sutura e, eventualmente, incontinência para gases e fezes. O tratamento é drenagem e dresbridamento da ferida operatória. Uma cefalosporina de 1a geração deve ser iniciada antes do procedimento e continuada por 7 dias. Pode-se suturar a episiotomia com fio de absorção lenta ou deixar que feche por segunda intenção (Uygur et al., 2004; Ramin et al., 1992). Outras complicações Nos casos de cefaleia pós-anestesia raquidiana, a paciente se queixa de cefaleia que geralmente inicia no 1o ou 2o dia pós-parto e dura de 1 a 3 dias. Piora na posição ortostática e melhora na posição horizontal. O tratamento com blood patch é superior ao tratamento conservador (permanecer em decúbito horizontal, uso de analgésicos e hidratação) (Thew; Paech, 2008; Van Kooten et al., 2008). Nesses casos, pedimos consultoria para o Serviço de Anestesia do HCPA.

Complicações da mama Anamnese Identificar a idade da paciente, o período menstrual, a história ginecológica (câncer, gestação, puerpério, história familiar de câncer) e a presença de derrame papilar. Os sintomas relacionados ao ciclo menstrual tendem a ser benignos.

Exame físico Faça a inspeção estática e dinâmica à procura de retrações, edema, processos inflamatórios e nódulos. O derrame sanguinolento pode ser maligno; os demais são benignos. É importante identificar com precisão o local da dor.

Exames complementares A inspeção e a punção com agulha podem definir a maioria dos casos de nódulos de mama por abscesso. O uso da ultrassonografia deve ser restrito a casos especiais, com o intuito de identificar abscessos septados. Não há necessidade de solicitar mamografia na emergência.

Principais causas de complicações da mama Infecção As infecções estão mais relacionadas ao puerpério. A presença de inflamação em mulher não lactante deve levar a pensar no carcinoma inflamatório. Mastite É uma condição muito comum, que ocorre depois de 1 a 2 semanas de amamentação. A estase do leite, a fissura da pele do mamilo e a presença de Staphylococcus aureus na faringe do recém-nascido são fatores de risco. O diagnóstico diferencial entre ingurgitamento mamário e mastite puerperal está demonstrado na Tabela 21.5. O manejo consiste em esvaziamento das mamas, uso de antimicrobianos e tratamento sintomático. O esvaziamento do leite é conseguido com a amamentação correta (o recém-nascido pegando a aréola e não o mamilo) ou com o auxílio de bombas de sucção e calor local. Prescrevemos o cefadroxil (500 mg, VO, 12/12 h) ou ampicilina (500 mg, VO, 12/12 h) ou amoxicilina-clavulonato (500/125 mg, VO, de 8/8 h), por 10 a 14 dias (Amir, 2003; Givens; Luszczak, 2002) para cobrir o S. aureus e o Streptococcus. Contudo, as evidências atuais são insuficientes para justificar ou refutar o uso de antimicrobianos (Jahanfar; Ng; Teng, 2009). Para a febre e a dor, use acetaminofeno (750 mg, VO, 4/4 h) e/ou diclofenaco sódico (50 mg, VO, 8/8 h).

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Tabela 21.5 Diagnóstico diferencial entre ingurgitamento mamário e mastite Sinais e sintomas

Ingurgitamento

Mastite

Temperatura bucal Dor mamária Hiperemia mamária Ocorrência no pós-parto

⬍ 37,5 C Bilateral Não na 1a semana

ⱖ 37,5ºC Unilateral Sim ⬎ 1a semana

o

Abscesso

Exames complementares

A mastite pode evoluir para o abscesso mamário. Suspeite quando houver febre (temperatura bucal) por mais de 48 a 72 h após o início do antimicrobiano, flutuação ou massa palpável. O tratamento clássico é a drenagem cirúrgica com o uso de antimicrobianos (Dener; Inan, 2003), mas há autores que fazem múltiplas punções sob visão ultrassonográfica e com cateter para drenagem (Ulitzsch; Nyman; Carlson, 2004). O dreno de Penrose deve ser retirado em 48 h após o procedimento. A amamentação deve ser mantida na mama não afetada, e os antimicrobianos, continuados (Scott-Conner; Schorr, 1995). A amamentação pode ser reiniciada na mama drenada a partir do momento em que o grau de dor não seja impeditivo, a não ser que a drenagem ou o abscesso sejam próximos do mamilo.

Solicite hemograma, exame urinário com fita reagente, urocultura e ultrassonografia pélvica e/ou abdominal, conforme o caso.

Seroma pós-mastectomia É uma complicação comum da cirurgia de mastectomia. A maioria dos cirurgiões coloca um dreno para evitar o seroma. Se o dreno estiver bloqueado, o problema pode ser solucionado com a tração do dreno, enquanto o sistema estiver fechado, ou aumentando a pressão negativa no tubo. Se não houver dreno, pode-se fazer a drenagem do seroma com agulha grossa.

Complicações cirúrgicas Anamnese Identifique a data, a indicação e o tipo de cirurgia. Detalhe a queixa, os sintomas associados, o uso de medicações e as doenças preexistentes.

Exame físico Igual ao da dor pélvica, além de ser focado na área cirúrgica.

Principais causas de complicações cirúrgicas Abscesso pélvico O diagnóstico é confirmado pela ultrassonografia ou tomografia computadorizada. O tratamento é a drenagem do abscesso por videolaparoscopia ou laparotomia exploradora, com lavagem exaustiva da cavidade. Também pode ser realizada por punção sob visão ultrassonográfica ou por meio da culdotomia. Tromboflebite pélvica séptica A incidência geral de troboflebite pélvica séptica é de 1/3.000 partos (Brown et al., 1999). Há persistência de picos febris, apesar do uso de antimicrobianos. O diagnóstico é confirmado pela ultrassonografia. Fasciite necrosante e pioderma gangrenoso Complicação com alta mortalidade (15%) (Dworkin et al., 2009). Os principais achados físicos são dor, edema, eritema e pele com coloração púrpura ou violácea, podendo apresentar crepitação e formação de bolhas. A paciente pode se apresentar com febre, taquicardia, mialgia e hipotensão. A infecção geralmente é polimicrobiana (52% dos casos). O organismo mais comum das culturas é o estreptococo (44%), sendo que Estreptococcus β-hemolítico do grupo A está presente em 34%, e o Clostridium spp, em 5% (Dworkin et al., 2009). O tratamento principal é a remoção cirúrgica imediata e radical de todos os tecidos comprometidos, associada ao uso de esque-

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ma tríplice de antibióticos com amplo espectro (ampicilina ou penicilina com gentamicina e clindamicina) (Headley, 2003). Deve-se levar em consideração no diagnóstico diferencial o pioderma gangrenoso. No pioderma gangrenoso, a lesão ocorre pelo trauma e não responde a antimicrobianos. O tratamento é com prednisona (1-2 mg/kg/dia) e dapsona (200 mg/dia) (Wollina, 2007). Infecção da incisão da cesariana ou de outra ferida operatória A apresentação clínica de uma infecção de ferida operatória inclui a tríade dor, calor e rubor, geralmente iniciando entre o 4o e o 5o dia pós-operatório. O tratamento da infecção da ferida operatória não complicada é drenagem e curativos locais. O uso de antimicrobianos está indicado na presença de celulite. Sangramento/hematoma da ferida operatória Os hematomas tardios geralmente ocorrem 7 a 14 dias após a cirurgia e podem estar relacionados à infecção. Avalie se há necessidade de nova cirurgia. Sangramento pós-conização: faça o exame especular, procurando o sangramento ativo. Se o sangramento for identificado, cauterize com nitrato de prata ou com eletrocautério. Se o sangramento for difuso, faça um tamponamento para ser retirado em até 24 horas depois. Cuidado para não usar um tampão muito grande, pois pode levar à retenção urinária. Hematomas infectados na cúpula vaginal são facilmente identificados pelo exame de toque vaginal. A culdotomia pode ser diagnóstica e curativa. Os hematomas da parede abdominal, principalmente abaixo da bainha do reto, são melhores identificados pela ultrassonografia. A drenagem pode estar indicada. Os hematomas superficiais podem ser drenados por meio de um pertuito feito com uma pinça. Infecções urinárias A paciente queixa-se de frequência, urgência e disúria. Pode haver um antecedente de trauma (coito) ou sangue na urina. Não confundir com a disúria externa causada por vaginite ou herpes.

Nos casos não complicados, não há febre, calafrios, náuseas e vômitos, dor no flanco ou no ângulo costovertebral; ao passo que a presença desses sinais e sintomas indicam uma infecção urinária alta. Conduta na infecção urinária baixa não complicada: se estiver disponível, faça uma análise urinária com fita reagente. Nos casos complicados, é solicitada a urocultura e iniciado o tratamento empírico. Se o quadro clínico for típico de infecção urinária baixa não complicada, prescreva a medicação conforme o perfil de resistência local, visando a cobrir a E. coli. No HCPA, o perfil do primeiro semestre de 2008 sugere o uso do esquema de três dias com ciprofloxacino (250 mg 2x/dia, VO). Em caso de gestantes, pode-se dar fosfomicina trometamina (diluir 1 sachê em um copo d’água, tomar à noite antes de dormir, dose única). A nitrofurantoína (100 mg 2x/dia, VO, por 7 dias) é outra opção (Fihn, 2003; Vogel et al., 2004; Warren et al., 1999). O fluxograma para infecção urinária pode ser visto na Figura 21.2. Nos casos estáveis de pielonefrite em não grávida, inicie com uma dose parenteral de antimicrobiano (p. ex., 240 mg IM ou IV de gentamicina, dose única) antes de liberar para o tratamento ambulatorial com esquema de 14 dias com sulfametoxazol ⫹ trimetoprim, ou ciprofloxacino ou norfloxacino (Warren et al., 1999). A hidratação por VO deve ser incentivada. A pielonefrite na gravidez é a complicação mais comum e grave na gestante (Bacak et al., 2005). A abordagem é hospitalizar e deve-se solicitar exame de urina, de preferência cateterizada, além de hemograma, creatinina, sódio e potássio. Após colher os exames, inicie com hidratação intravenosa com cristaloides para obter um débito urinário de 50 mL/h, para evitar complicações da função renal (Hill et al., 2005). Inicie com ampicilina (1 g IV, 6/6 h), associada ou não a gentamicina. Apesar de haver uma resistência à ampicilina, não existe uma diferença dos desfechos nas mães quando comparados com outros regimes (Greer et al., 2008). Ajuste o antibiótico de acordo com os resultados da sensibilidade antimicrobiana na urocultura. Espera-se uma boa evolução

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Mulher com ≥ 1 sintoma de infecção do trato urinário (ITU)

ITU complicada: Alteração anatômica do TU Rins policísticos Nefrolitíase Bexiga neurogênica Diabete melito Imunossupressão Gravidez Sondagem vesical de demora Instrumentação recente do TU

sim

ITU complicada? não

Dor lombar ou febre

sim

Urocultura + Tratamento empírico Urocultura Dar preferência à coleta com cateterismo

não

Sintomas Disúria Hematúria Corrimento Dor vesical Leucócitos Nitritos Irritação vaginal

LR+/LR1,6/0,68 2/0,9 0,3/3,1 1,4/0,65 1,7/0,23 37,8/0,54 0,2/2,7

sim

Alta probab. ITU? não

sim

MTX: Leucócitos e/ou nitrito + ?

Tratamento empírico sem URO

sim

Tratamento empírico (ver sensibilidade local aos ATB)

não

Alta

Urocultura + Tratamento empírico ITU Tratamento Gestante Ampicilina 1 g 6/6 h por 7 dias (ver resistência) Axetil cefuroxima 250 mg 12/12 h

Melhora clínica 48-72h

Urocultura G tratamento conforme teste sens. antimicrobiana

Se sensibilidade ao ATB, considerar ECO

ATB, antibiótico; ECO, ecografia; ITU, infecção do trato urinário; LR, razão de probabilidades; MTX, multistix (fita urinária); TU, trato urinário. Probabilidade pré-teste no HCPA: 13,5%.

Figura 21.2 Fluxograma para infecção urinária.

após 48 horas. A anemia é um achado comum nesses casos (Cox et al., 1991). A alta hospitalar deve ocorrer após 24 horas afebril e em bom estado, com aceitação da medicação por VO. O tratamento completo compreende 10 dias de antimicrobianos. O teste de cura com urocultura deve ser feito em uma semana após completar o tratamento. Nas pacientes com má resposta ao tratamento, investigue obstrução renal e abscesso com ultrassono-

grafia das vias urinárias (Sheffield; Cunningham, 2007). A bacteriúria recorrente ocorre em 30 a 40% dessas mulheres, e se não forem tratadas, 25% desenvolverão pielonefrite (Sheffield; Cunningham, 2007). Assim, prescreva nitrofurantoína, 100 mg à noite, como dose de supressão até o final da gestação, exceto 2 a 4 semanas antes do parto (Van Dorsten; Lenke; Schimfrin, 1987). No diagnóstico diferencial das gestantes,

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lembrar apendicite nos casos de dor na fossa ilíaca direita. Cuidar a insuficiência respiratória com a hidratação excessiva, para isso, monitore os sinais vitais.

Outras queixas Sintomas geniturinários

da pode ser vista no exame de urina. A etiologia não é bem compreendida. Existe uma correlação entre os altos níveis de hCG e a hiperêmese gravídica (Tan; Tan; Omar, 2009), o que poderia explicar uma crise tireotóxica transitória em alguns casos (Lockwood; Grenache; Granowski, 2009). Suspeite de úlcera péptica ativa causada pelo Helicobacter pylori se as náuseas e os vômitos forem o além do 2 trimestre (Kuscu; Koyuncu, 2002).

Sintomas geniturinários são frequentes nas emergências ginecológicas, principalmente quando causados por candidíase ou herpes genital.

Anamnese

Nos casos de candidíase, prescrevemos dose única, VO, de fluconazol 150 mg (De Punzio et al., 2003), associado a medidas gerais (manter o local seco, usar roupas íntimas de algodão).

Exame físico

Nos casos de herpes, o tratamento agudo pode ser feito com aciclovir (400 mg, VO, 8/8 h, por o 7-10 dias no 1 episódio, e por 5 dias na recorrência) (Wald, 1999).

Hiperêmese gravídica As náuseas e vômitos na gestação (êmese gravídica) afetam até 80% das gestantes (Gadsby; Barnie-Adshead; Jagger, 1993), enquanto a hipermese gravídica, definida como vômitos intensos o suficiente para produzir perda de peso (⬎ 5% do peso corporal), desidratação, acidose por desnutrição, alcalose por perda de ácido clorídrico e hipocalemia, ocorre em 0,3 a 2% (Goodwin, 2008). Nem todos esses sintomas são necessários para o diagnóstico. A cetonúria leve a modera-

Identifique os possíveis diagnósticos diferenciais (Tab. 21.6).

Igual ao da dor pélvica, complementado pelos achados na história. Exames complementares e para diagnóstico diferencial Inicie com exame de urina em fita reagente, à procura de cetonúria, juntamente com a solicitação de eletrólitos (potássio, sódio, cloro) e outros relacionados aos achados na história (ultrassonografia abdominal total e transvaginal, renal, TSH, glicemia, TGO/TGP, endoscopia digestiva, tomografia cerebral). Manejo Anti-histamínicos, antieméticos, vitamina B6 (piridoxina), gengibre (1 g dia/VO) (Fischer-Rasmussen et al., 1991) e corticoide

Tabela 21.6 Diagnóstico diferencial da hiperêmese gravídica (Quinla; Hill, 2003) Grupo de doenças

Exemplos

Doenças gastrintestinais

Gastrenterite, colelitíase, hepatite, obstrução intestinal, úlcera péptica, apendicite Pielonefrite, uremia, cálculo renal Cetoacidose metabólica, hipertireoidismo, doença de Addison, porfiria Pseudotumor cerebral, lesões vestibulares, enxaqueca, tumores no SNC Náuseas e vômitos da gestação, degeneração miomatosa, pré-eclâmpsia, fígado gorduroso agudo da gestação, mola hidatidiforme

Doenças do trato urinário Doenças metabólicas Distúrbios neurológicos Condições relacionadas à gravidez

Toxicidade ou intolerância à droga SNC, sistema nervoso central.

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demonstraram reduzir as náuseas e os vômitos na gestação, entretanto não há evidências de que tenham benefício na hiperêmese gravídica (Jewell; Young, 2003; Tan; Yow; Omar, 2009).

Inicie com solução parenteral (SG 5% com eletrólitos, vitamina B6, tiamina 100 mg/dia, metoclopramida). Associe outras drogas conforme Tabela 21.7.

Sem alterações dos eletrólitos: manejo dietético, vitamina B6, antieméticos.

Se não houver resposta dentro de vários dias e os sintomas persistirem em intensidade maior, reconsidere gastrenterite, colecistite, pancreatite, hepatite, úlcera péptica, pielonefrite e fígado gorduroso da gravidez (Kuscu; Koyuncu, 2002), depois disso, considere nutrição parenteral total.

Interne a paciente se: > houver cetonúria ⱖ 2⫹, > não houver melhora com o manejo ambulatorial, ou > houver distúrbios eletrolíticos.

Se for bem tolerada, iniciar dieta com pequena quantidade de alimentos ricos em carboidratos e de fácil digestão.

Tabela 21.7 Drogas comumente usadas para a hiperêmese gravídica. Medicamento

Dose

Categoria na gravidez

Piridoxina (vitamina B6)

25 mg, VO, 3x/dia, máximo 100 mg

A

Prometazina

25 mg, 3x/dia

C

Dimenidrato

50-100 mg, VO, 6-8x/dia

B

Meclizina

25-100 mg/dia, VO, divididos em 2-3x 10 mg, VO, 3-4x/dia

B

40 mg por 1 dia 20 mg por 3 dias, 10 mg por 3 dias, 5 mg por 7 dias 300 mg IV por 3 dias, reduzindo em 1 semana 4-8 mg, VO, 2-3x/dia

C

(Bsat; Hoffman; Seubert, 2003; Matok et al., 2009) (Yost et al., 2003)

C

(Bondok et al., 2006)

B

(Sullivan et al., 1996)

Metoclopramida

Prednisona

Hidrocortisona Ondansetron

Fonte: Quinla e Hill (2003) e Festin (2007).

A

Referência (Bsat; Hoffman; Seubert, 2003) (Ziaei; Hosseiney; Faghihzadeh, 2004) (Pongrojpaw; Somprasit; Chanthasenanont, 2007) (Leathem, 1986)

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SITE RECOMENDADO National Institute for Health and Clinical Excellence www.nice.org.uk/cg44

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Paciente de 26 anos comparece na emergência com queixa de sangramento vaginal recente e em quantidade aumentada há dois dias. Informa que usa anticoncepcional oral de baixa dosagem, pois tem um parceiro novo. Relata ainda que não tem atraso menstrual, mas a menstruação veio em menor quantidade há 14 dias. Após a realização do exame físico, identifica-se que o útero é de tamanho normal, mas doloroso à palpação, assim como o anexo direito. A conduta a ser tomada a seguir é:

a. Tratar com doxiciclina por 14 dias, pois é um caso de doença inflamatória pélvica. b. Solicitar exame de gravidez para descartar complicações da gestação. c. Tratar com azitromicina e ceftriaxona e pedir para retornar em dois dias. d. Iniciar com anti-inflamatório não esteroide, pois pode ser um caso de mittelschmerz. e. Tranquilizar a paciente, pois se trata de um escape pelo uso da pílula anticoncepcional.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Sexualidade Humana Heitor Hentschel João Paolo Bilibio Pânila Longhi Lorenzzoni

As disfunções sexuais tanto em homens como em mulheres são comuns, afetando muito a qualidade de vida, visto que a sexualidade e a reprodução ocupam grande parte da vida humana e consomem boa parcela da energia vital.

deve ser feito. Uma regra que deve ser tentada é: o sexo deve ser um ato plenamente satisfatório entre duas pessoas que se amam, do qual ambas emergem despreocupadas, gratificadas e preparadas para mais.

Nos seres humanos, o ato sexual transcendeu a finalidade de reprodução observada em todos os outros seres vivos. O sexo tem o prazer como um dos seus objetivos, mas também serve como sinal de doação, sobrevivência, repressão, dominação e submissão.

Deve-se lembrar que a cultura dos povos, bem como a cultura sexual, é diferente para cada população. O que é normal para um casal pode ser repugnante para outro; o que é bom para um indivíduo pode ser uma aberração para outro. Nesse contexto, colocam-se a frequência das relações sexuais, os hábitos e as fantasias dos indivíduos e dos casais, a homossexualidade, a fidelidade conjugal e as práticas anticonceptivas.

A prevalência de problemas sexuais nas mulheres é elevada, atingindo aproximadamente 40% daquelas com vida sexual ativa, sendo que em 12% existe uma queixa específica para o problema como, por exemplo, a diminuição do desejo (Shifren, et al., 2008). Apesar da alta prevalência de problemas sexuais, a abordagem médica sobre o assunto em consultas clínicas é baixa. Em um estudo em que se realizou essa avaliação, de 1.000 pacientes estudadas, 98% delas relatavam algum problema ou dúvida sexual, entretanto apenas 18% dos médicos haviam perguntado sobre a sua vida sexual (Nusbaum, Helton; Ray, 2004). Esses resultados estão de acordo com os encontrados em outros estudos e são preocupantes, servindo de reflexão para se avaliar a importância desse tema, para que se possa abordá-lo de maneira mais aberta e clara com nossas pacientes. O que é normal em sexo? Essa é uma questão geralmente levantada. Dizer o que é normal é querer impor certas regras ao sexo, e isso não

A normalidade sexual deve ser norteada de acordo com os seguintes fatores: se dão satisfação a ambos os parceiros, se não prejudicam ninguém, se não se associam a fatores de ansiedade e se não restringem a expansão da personalidade (Comfort, 1984).

Ciclo sexual O entendimento da resposta sexual é necessário para que possamos ter um diagnóstico e, posteriormente, um tratamento adequado para nossas pacientes. A resposta sexual humana é dividida em quatro fases: 1. Desejo: desejo ou libido é a vontade de ter uma atividade sexual ou ter pensamentos sexuais.

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2. Excitação: sentimento subjetivo de prazer sexual acompanhado de alterações fisiológicas: no homem, a ereção peniana; na mulher, a vasocongestão genital acompanhada de lubrificação vulvovaginal, aumento da pressão arterial e aumento da frequência cardíaca e respiratória. 3. Orgasmo: é um reflexo com ápice do prazer sexual. No homem, visível com a ejaculação; na mulher, com contrações rítmicas dos músculos perineais. 4. Resolução: associada a sensação de bem-estar e relaxamento muscular. O organismo retorna às condições iniciais. O pênis perde a ereção e os testículos retornam para o fundo da bolsa escrotal. Na mulher, o útero reassume sua posição original e o colo “volta” para dentro da vagina, a qual perde o tônus. Desfaz-se a vasocongestão, e a musculatura retoma o tônus normal. Nos homens, muito mais do que nas mulheres, é evidenciada uma fase adicional do ciclo: o período refratário. Nesse período, os genitais não respondem aos estímulos. Há necessidade de certo tempo para que possam reiniciar as respostas sexuais. No homem jovem, esse período é de alguns minutos e, à medida que avança a idade, alonga-se, passando para horas ou até mesmo dias.

Disfunções sexuais Os problemas sexuais apresentados pelas pacientes geralmente vêm de longa data e afetam a vida do casal. Para a mulher, que tem o hábito de consultar o médico mais frequentemente do que o homem, há mais oportunidades de exteriorizar suas queixas sexuais, principalmente ao ginecologista. Tendo em vista esse fato, é importante realizar uma anamnese completa e um diagnóstico diferencial para proporcionar à paciente um tratamento adequado e que lhe garanta uma vida sexual satisfatória. Uma anamnese sexual deve avaliar não só a queixa sexual e o tempo da existência do problema, é necessário também investigar como

foi o desenvolvimento sexual da paciente, a educação sexual, as influências culturais e religiosas, os antecedentes sexuais (traumáticos ou não), como está o relacionamento atual, como é a comunicação entre o casal, o uso de contraceptivos, as práticas e preferências sexuais, bem como realizar exames laboratoriais, exame físico geral e genital, caso seja necessário (Tess; Savoia, 2004). > Transtornos do desejo sexual (transtorno de desejo sexual hipoativo e hiperativo e transtorno de aversão sexual) O desejo sexual é o que motiva o ser humano a buscar e se dispor à atividade sexual e ao prazer. Segundo Kaplan (2002), os transtornos do desejo sexual são os mais prevalentes na prática clínica, dessa forma é necessário atenção especial às disfunções dessa fase do ciclo de resposta sexual, que é a mais complexa e menos conhecida. O desejo sexual é facilmente afetado pelas questões emocionais, físicas e psicossociais; problemas financeiros e dificuldades de relacionamento são fatores que influenciam na diminuição do desejo sexual. As mulheres são mais sensíveis a influências dessas situações e aos problemas do casal, fazendo com que os transtornos do desejo sexual sejam mais prevalentes em mulheres do que em homens. No transtorno de aversão sexual, a paciente associa o contato sexual a fortes sentimentos negativos, o que lhe gera medo ou ansiedade tão intensos que acabam por evitar o contato sexual genital. O sofrimento é causado pela necessidade de evitar situações sexuais e pode ser generalizado, ou seja, não somente ligado à situação sexual, mas também a qualquer tipo de estímulo, como beijos, toque e carícias. > Transtornos da excitação sexual (transtorno da excitação sexual feminina e transtorno erétil masculino) Os transtornos da excitação sexual estão associados à falta de prazer com o contato erótico sexual, dessa forma, grande parte das pacientes realizam o coito, mas de forma breve, pois quanto mais rápido for, mais rápido a sensação ruim é eliminada (Rodrigues; Oswaldo, 2008).

Rotinas em Ginecologia

A excitação no homem é traduzida pela ereção peniana; nas mulheres, pela lubrificação vulvovaginal. > Transtornos orgásmicos (transtorno orgásmico feminino, transtorno orgásmico masculino e ejaculação precoce) A anorgasmia é a incapacidade de atingir o orgasmo seja pela penetração ou pela masturbação, após uma fase normal de excitação sexual. Pode ser primária, secundária, absoluta ou situacional. A anorgasmia primária é quando a mulher nunca teve orgasmo ao longo de toda a vida, ao passo que a anorgasmia secundária é quando a mulher já teve orgasmo e passou a não tê-los. Denomina-se anorgasmia absoluta quando ocorre sempre, e situacional quando ocorre somente em situações determinadas, como local em que a mulher não se sente confortável ou com algum parceiro específico. > Transtornos de dor sexual (dispareunia, vaginismo) A dispareunia consiste em dor recorrente e persistente que ocorre antes, durante ou após o ato sexual. Pode estar associada a outras disfunções, como o vaginismo. Um diagnóstico preciso é importante, descartando além das questões orgânicas, as psicossomáticas (Kaplan; Sadock; Grebb, 1997). A dor sentida durante o sexo pode causar estado de ansiedade e tensão tão intensos que a mulher acaba contraindo a musculatura involuntariamente, agravando ainda mais o quadro da dispareunia e tornando o ato sexual insuportável. O parceiro que prossegue o ato sexual não levando em consideração a dor real que a mulher sente acaba tornando a situação mais difícil e fazendo com que ela não se disponha ao sexo novamente. O vaginismo consiste na dificuldade que algumas mulheres têm em realizar o coito devido a espasmos involuntários dos músculos ao redor do introito vaginal, tornando a penetração impossível ou extremamente dolorosa, podendo ser resultante de interações psicofisiossociais (Protti; Rodrigues, 2008).

343

Fatores de risco e causas A etiologia da disfunção sexual é multifatorial e pode incluir problemas hormonais, psicológicos, temor de gravidez, conflitos da relação, estresse, cansaço, história prévia de abuso sexual, uso de medicamentos que causam diminuição da libido ou problemas físicos que provocam desconforto na relação, como os gerados por atrofia vaginal, vaginites ou endometriose.

Menopausa/idade Com o passar dos anos e a chegada da menopausa, ocorre aumento dos distúrbios sexuais relacionados à diminuição da produção estrogênica principalmente, o que acarreta secura vaginal e dispareunia (Dennerstein et al., 2003). Pacientes na pós-menopausa também apresentam diminuição do desejo e da libido (Leiblum et al., 2006). A função sexual em pacientes com menopausa natural comparada com pacientes com menopausa cirúrgica ainda é um ponto de controvérsia. Na menopausa natural, os níveis de estrogênio estão diminuídos, mas a produção de androgênios ovarianos mantém-se nos mesmos níveis. Na menopausa cirúrgica, isso não acontece, pois a queda dos níveis hormonais é abrupta. Assim, a suspeição de que as pacientes com menopausa cirúrgica teriam maiores problemas sexuais foi aventada e confirmada em alguns estudos (Shifren et al., 2008).

Ginecológicos Período puerperal: com 3 meses após o parto, cerca de 80 a 90% das pacientes já recomeçaram a ter relações sexuais; entretanto, cerca de 80% relatam problemas sexuais nos primeiros 3 meses após o nascimento e 64% após os 6 meses. As queixas provavelmente são de causa multifatorial, sendo que, na diminuição da libido e na dispareunia, não se encontrou diferença entre pacientes que realizaram parto vaginal ou parto cesáreo (Barrett et al., 2000). Essas dificuldades estão associadas aos baixos níveis de esteroides sexuais ocasionados pela

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elevação da prolactina. Esse é um fenômeno biológico. Alterações no assoalho pélvico e incontinência urinária: disfunções sexuais devido a prolapsos vaginais, uterinos ou retais e à incontinência urinária (IU) são frequentes. Cerca de 26 a 47% das pacientes com IU apresentam disfunções sexuais (Salonia et al., 2004). Das pacientes submetidas a tratamento cirúrgico para correção desses problemas, algumas relatam melhora enquanto outras não (Tunuguntla; Gousse, 2006). A reposição hormonal adequada promove melhora do trofismo geniturinário. Endometriose: um dos principais sintomas de endometriose é a dispareunia profunda, causando muitos problemas sexuais nos casais (ver Cap. 10, Endometriose). Contraceptivos hormonais: os efeitos dos contraceptivos hormonais na sexualidade das mulheres ainda são controversos. Enquanto alguns estudos demonstraram a diminuição da libido, outros encontraram uma resposta contrária. O estudo dos anticoncepcionais orais (ACOs) na sexualidade derivam do papel da testosterona na sexualidade feminina. Os ACOs suprimem a produção ovariana de testosterona via supressão da produção de LH pela hipófise. Além disso, os estrogênios aumentam a concentração da proteína transportadora dos hormônios sexuais (SHBG), ambos diminuindo a concentração de testosterona livre, uma das responsáveis pela resposta sexual. Entretanto, permanece sem confirmação se o uso de ACOs pode alterar a função sexual devido à diminuição da atividade androgênica. Variações na formulação dos ACOs não parecem ter influência na vida sexual. Por exemplo, o uso da drosperidona, sabidamente um progestágeno com atividade antiandrogênica, comparado com gestodeno, não mostrou diferença nos dois grupos avaliados (Oranratanaphan; Taneepanichskul, 2006). Outro estudo que avaliou se havia alguma diferença devido à dose do estrogênio (35 versus 25 ␮g) na supressão androgênica também não demonstrou diferença nos efeitos sexuais (Greco et al., 2007).

Em relação às pacientes que usam métodos contendo apenas progestágenos, os resultados também se mostraram controversos, permanecendo essa questão em aberto. Apesar de os resultados ainda não nos esclarecerem em definitivo o papel dos métodos hormonais na sexualidade, muitos especialistas indicam a troca destes para métodos seguros não hormonais, em que o DIU de cobre tem um papel importante para a exclusão da possibilidade de que esses métodos realmente não estão prejudicando a vida sexual das pacientes. As pacientes que apresentam disfunção sexual com uso de contraceptivo oral há muito tempo têm a função sexual melhorada com a troca de método. A ligadura tubária promove tranquilidade para a mulher em termos de anticoncepção. Não há mais o temor de uma gestação não desejada. Ocorre, entretanto, que algumas mulheres referem progressiva diminuição do interesse sexual e dificuldade de atingir o orgasmo. Uma hipótese muito provável seria a diminuição da vascularização ovariana por lesão definitiva das artérias tubo ováricas por ocasião da ligadura das trompas.

Medicamentos e drogas Medicamentos (Quadro 22.1), como benzodiazepínicos e inibidores seletivos da recaptação da

QUADRO 22.1

Medicamentos e drogas que podem interferir na função sexual > > > > > > > > > > > > > >

Antidepressivos Anti-hipertensivos Diuréticos tiazídicos Lítio Antipsicóticos Benzodiazepínicos Anfetaminas Anticoncepcionais orais Álcool Tabagismo Narcóticos Inibidores de apetite Drogas ilícitas Antiestrogênicos

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serotonina (ISRS), muito usados atualmente, podem causar disfunção sexual. O tabagismo também está fortemente associado à inibição do desejo sexual em mulheres, da mesma maneira que o uso crônico de álcool. Podem ser necessários ajustes na dosagem ou na formulação, troca ou até mesmo suspensão desses medicamentos para permitir uma melhora na função sexual.

Problemas no relacionamento Para uma boa satisfação na vida sexual, além da saúde física e global, é imprescindível um bom relacionamento do casal. Os melhores preditores e até mesmo marcadores de satisfação sexual são a sensação de bem-estar geral e a boa relação com o parceiro. Nas pacientes no período de perimenopausa, em que sabidamente as alterações hormonais tendem a alterar consideravelmente a vida sexual, não são apenas essas alterações os fatores que causam insatisfação, mas também os relacionados ao parceiro e à situação da vida sentimental e emocional do casal (Avis et al., 2005). Ocorre que, por diminuição dos níveis hormonais e consequente dificuldade na resposta sexual, o companheiro sente que sua mulher não responderá a qualquer estímulo sexual. A atividade sexual passa a ser um suplício para a mulher. Com essa sensação de que não está dando prazer algum a ela, o homem também abrevia ao máximo a atividade sexual, levando a uma situação de pouco carinho, de ausência de preliminares e de ejaculação precoce, que se torna um ciclo vicioso. Diante disso, a avaliação durante a anamnese da relação do casal é muito importante, pois grande parte dos problemas sexuais está ligada a problemas conjugais.

Diagnóstico e avaliação O Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) conta com o Ambulatório de Sexologia. Esse ambulatório especializado atende pacientes encaminhadas do próprio hospital e da rede básica de saúde com queixa sexual.

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História médica Uma história médica completa deve ser realizada na primeira consulta. Isso é imprescindível devido a muitas doenças e medicamentos que podem causar disfunções sexuais. É necessário investigar o uso de medicamentos e drogas lícitas e ilícitas e doenças como diabete, problemas psiquiátricos, depressão, hipertensão, etc., que podem estar causando a disfunção sexual. Após um histórico geral da vida sexual – início, abuso ou traumas –, deve-se partir para uma história ginecológica minuciosa, procurando fatores que possam estar relacionados ao problema: > História gestacional, número de filhos, tipo de parto, complicações no parto e puerpério; > Histórico de abortamentos; > Dor vulvar, vaginal e dispareunia; > Incontinência urinária ou intestinal; > Cirurgias pélvicas anteriores; > Sintomas de menopausa/climatério; > Método anticoncepcional; > Desejo ou não de gravidez; > História de infecções vaginais e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs); > Relacionamento conjugal.

História sexual A história sexual completa raramente é atingida na primeira consulta ou antes de a paciente ter confiança no médico assistente. Por isso, deve-se ter um cuidado especial para realizar a anamnese da vida sexual da paciente, respeitando o seu tempo, o que pode demorar algumas consultas. Porém, é um dos passos mais importantes para se conseguir a avaliação adequada e descobrir boa parte dos problemas. A história sexual passada é muito importante, todavia, não se deve ter preconceitos sobre as atividades sexuais, nem fazer críticas ou comentários sobre a vida sexual da paciente em relação

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a número de parceiros, preferências sexuais e história de abusos. Perguntar sempre qual é o problema que a atinge: diminuição de desejo, dificuldade de orgasmos ou dispareunia; para poder conseguir uma avaliação mais adequada. Partindo disso, perguntar a época de início, os fatores desencadeantes, os agravantes e os fatores que aliviam. Avaliar se o problema iniciou com um parceiro específico ou associado a algum trauma psicológico, como abuso ou traumas físicos, como infecções ou cirurgias. A avaliação da vida sexual é delicada, principalmente porque expõe a vida íntima da paciente, mas deve ser sempre realizada, demonstrando atenção e interesse em querer resolver o problema. Devem ser questionados o uso de métodos anticoncepcionais e preservativo, se a paciente já fez alguma avaliação sobre DST e se teve alguma relação de risco. Quando a paciente relata dor, deve-se investigar se a dor é profunda ou não; se ocorre antes, durante ou após o ato; se existe a dificuldade de penetração; se há um sintoma de enojamento durante o ato; se ocorre em todos os atos sexuais ou em apenas algumas ocasiões. Perguntar quando foi a última vez que manteve uma relação sexual que a satisfez, a frequência da sua vida sexual nessa época e seu nível de desejo comparado com o momento atual. Avaliar se quando iniciou o problema a paciente notou algum outro tipo de mudança ou algo que poderia estar relacionado a esse sintoma, como parto, infertilidade, depressão, alteração do parceiro, troca de parceiro, menopausa, medicamento, estresse, desemprego, troca de trabalho. A avaliação sexual é completada com a investigação de como anda a vida do casal e como é o parceiro. Saber como ele trata a paciente, descrever como é esse parceiro, como ele age, como estão interesse sexual, hábitos de vida, vícios, trabalho. O interesse sexual do casal é outro aspecto. O número de relações que a paciente considera ade-

quado (às vezes, para o parceiro existe a necessidade de manter relações diárias, e para a paciente a necessidade é menor, o que acaba causando muitos transtornos para o casal), as posições de que mais gosta e que mais a desagradam, e os atos que não gosta de fazer também devem ser questionados. Outro fator que interfere na vida sexual é a educação familiar e religiosa.

Exame físico O exame físico deve ser em busca da avaliação da anatomia, lesões vulvovaginais, trofismo, prolapsos, sangramento uterino anormal, corrimentos vaginais e, nas pacientes com dispareunia, abordar a avaliação da dor.

Laboratorial Apenas indicado nas pacientes com alterações na história e no exame físico. Pode incluir ecografia pélvica transvaginal, avaliação sanguínea, TSH, prolactina, avaliação endometrial e coleta de preventivo. Os níveis de andrógenos não necessitam ser solicitados para determinar problemas sexuais, pois suas concentrações não conseguem predizer alterações sexuais. Similarmente, os níveis de estradiol e outros hormônios (FSH e LH) não são necessários para avaliação sexual, salvo outra indicação, visto que o diagnóstico de menopausa é clinico.

Manejo Transtorno de desejo sexual hipoativo O transtorno de desejo sexual hipoativo, mais comumente encontrado nas mulheres, é caracterizado por perda do desejo sexual e ausência das fantasias sexuais, não impedindo o prazer ou a excitação, mas causando sofrimento e dificuldades entre o casal, faltando motivação renovada para o contato sexual (Zeglio; Rodrigues, 2007). Para realizar o diagnóstico do transtorno de desejo sexual hipoativo, é necessário avaliar as condições médicas da paciente, levando em conta desequilíbrios hormonais, psicopatologias (como depressão) e fatores relacionados à educação sexual. Excluindo-se esses fatores, o tratamento médico para esse transtorno deve ser

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realizado em conjunto com terapeutas sexuais ou de casal.

mas também a qualquer tipo de estímulo, como beijos, toque e carícias.

Entre as causas, encontramos a menopausa e os sintomas relacionados à deficiência estrogênica genital, condições médicas como transtornos psiquiátricos, principalmente a depressão, e a influência de psicofármacos utilizados pelas pacientes.

Algumas pacientes referem intensa sensação de nojo da relação sexual. Esse nojo é relacionado principalmente ao cheiro do companheiro, de seu suor ou do esperma. Essas pacientes necessitam levantar imediatamente do leito para se banhar. Não chegam a vomitar, porém referem ânsia de vômito, citam sensações repulsivas, o que leva à evitação da atividade sexual.

O tratamento dessa disfunção tem como objetivo favorecer o desejo sexual entre o casal, estimulando-os a ter mais tempo juntos em ambientes acolhedores e o uso de fantasias e materiais eróticos. Técnicas de terapia de casal são utilizadas para identificar os aspectos negativos do relacionamento, bem como a reestruturação cognitiva, para identificar as cognições acerca da sexualidade que podem estar contribuindo para essa disfunção. Também é importante estimular que ambos os parceiros aprendam a dizer do que gostam e a conhecer melhor o gosto do parceiro, utilizando a técnica da focalização sensorial, primeiramente não genital e, em um segundo momento, genital. Essa técnica tem como objetivo estimular o relaxamento do casal nos momentos de contato físico, mostrar suas preferências, comunicar seus sentimentos e pensamentos ao parceiro. Para tanto, é necessário que o casal reserve um tempo do dia, de 2 a 4 vezes por semana, em que crie um ambiente relaxante para a realização de uma sessão de massagem. No início, os toques nos genitais e a relação sexual são proibidos, com o objetivo de dar ênfase ao toque e às sensações que provocam, podendo cada um expressar ao parceiro o que mais lhe agrada. Após as sessões de focalização não genital, há a liberação do toque nas áreas erógenas, porém a relação sexual se mantém proibida. A liberação da relação sexual é realizada em um terceiro momento, que vai variar de acordo com o progresso do casal em relação ao exercício e ao surgimento do desejo (Tess; Savoia, 2004).

Transtorno de aversão sexual O sofrimento é causado pela necessidade de evitar situações sexuais e pode ser generalizado, ou seja, não somente ligado à situação sexual,

O transtorno de aversão sexual pode ocorrer juntamente com outras disfunções, como dispareunia, em que a paciente sente intensa dor durante a relação sexual que acaba criando uma reação fóbica ao contato sexual, ou ainda pode ser explicado por outros transtornos psiquiátricos, como transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de estresse pós-traumático. Por isso, é necessária avaliação minuciosa para o diagnóstico desse transtorno, valorizando sintomas orgânicos, o início e a extensão do quadro aversivo, para se aproximar das causas e planejar o tratamento. O tratamento para o transtorno de aversão sexual deve ser psicoterápico, utilizando principalmente técnicas de terapia cognitivo-comportamental, como a psicoeducação, explicando para a paciente o que é o transtorno e quais suas consequências e, em seguida, trabalhando com reestruturação cognitiva para os estímulos aversivos (Figueiredo et al., 2003). Ou seja, é preciso identificar as cognições distorcidas da paciente e corrigi-las ao longo do tratamento psicoterápico.

Transtorno do desejo sexual hiperativo O excesso de desejo sexual (hipererosia) tem recentemente recebido pela mídia outras denominações, como compulsão ou obsessão sexual. O transtorno do desejo sexual hiperativo é caracterizado pela constante necessidade da busca por sexo, que pode ocupar muito tempo do cotidiano e acabar atrapalhando e confundindo a paciente, pois ela passa a usar grande parte de seu tempo pensando em situações sexuais e/ou localizando alguma companhia para o sexo. Nesses casos, a masturbação funciona como meca-

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nismo intermediário que antecede a espera pelo ato sexual em si, mantendo a paciente em busca contínua de relação sexual. Essas situações costumeiramente atrapalham os relacionamentos conjugais e familiares, gerando sofrimento, e somente nesse estágio a paciente percebe que há algo errado (Rodrigues, Oswaldo, 2008). O tratamento do transtorno do desejo sexual hiperativo é combinado com psicoterapia e medicação. A psicoterapia cognitivo-comportamental é a mais recomendada, podendo ser utilizada sozinha, mas produzindo maiores efeitos se concomitante ao uso de fármacos, como os ISRS. Esse tipo de medicação é usado para inibir o desejo sexual, porém, ao longo do tratamento psicoterápico, a medicação é interrompida à medida que o paciente vai apresentando progressos.

Transtornos da excitação Sendo o desejo a base para a relação sexual, qualquer interferência pode refletir nas outras fases da resposta sexual, ocasionando principalmente o transtorno da excitação, em que há a falta de prazer com o contato sexual e a lubrificação/turgescência não é adequada para a atividade sexual, gerando sofrimento e dificuldades interpessoais. Segundo Kaplan, Sadock e Greeb (1997), as mulheres com transtorno de excitação geralmente apresentam problemas orgásmicos concomitantes. Para considerar que a paciente tem um transtorno de excitação, é necessário certificar-se de que o quadro não é melhor explicado por efeitos de medicamentos ou condições orgânicas. Muitos são os fatores emocionais que afetam a sexualidade feminina, contribuindo para a inibição da excitação. Dessa forma, o tratamento que melhor atende às necessidades da paciente com esse transtorno é aquele que inclui a psicoterapia, seguindo passos semelhantes ao tratamento dos transtornos do desejo sexual. Deve-se ter sempre em mente que a lubrificação vulvovaginal é exatamente igual à ereção peniana, sendo conduzida pelos mesmos nervos, e a manifestação vascular é exatamente a mesma. Qualquer situação que possa promover dificul-

dade de ereção peniana também causa dificuldade de lubrificação vulvovaginal.

Transtorno orgásmico O orgasmo é um reflexo e, portanto, pode ser incentivado e deve ser aprendido. O estímulo sexual que leva ao orgasmo pode ser clitoriano, vaginal, anal ou mamilar. Algumas pacientes se dizem anorgásmicas, mas, no decorrer da entrevista, referem intensas respostas orgásmicas com autoerotismo. A anorgasmia feminina consiste na falta da sensação orgásmica na relação sexual. Para identificar se a paciente realmente tem essa disfunção, é necessário esclarecer que não há distinção fisiológica entre o orgasmo clitoriano e o vaginal. Orientar a paciente quanto a esse dado é de suma importância, pois uma parcela significativa das pacientes que referem ter anorgasmia relata chegar ao orgasmo com estimulação clitoriana, mas não com a penetração. Tendo diagnosticado essa disfunção, o tratamento deve incluir psicoterapia, tendo em vista que numerosos fatores emocionais são associados à anorgasmia feminina, incluindo expectativas culturais e restrições sociais relevantes para as mulheres (Kaplan; Sadock; Grebb, 1997). Para as pacientes com anorgasmia, deve-se incluir o treino de autoestimulação no tratamento, juntamente com técnicas de aumento do grau de excitação, incluindo o uso de vibradores e estimuladores vaginais (Tess; Savoia, 2004). Tendo em vista que a atitude do parceiro é importante para o desfecho do tratamento, a terapia de casal também é indicada, para ajudar a identificar os fatores que inibem a resposta sexual, bem como para lidar com a sensação de incapacidade que atinge o homem quando sua parceira não consegue chegar ao orgasmo. A hormonioterapia, principalmente com testosterona, pode promover a capacidade orgásmica.

Vaginismo Em grande parte dos casos de vaginismo, a paciente relata ter essa queixa desde o início da atividade sexual e frequentemente refere não conseguir usar um absorvente interno ou fazer

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consultas ao ginecologista. Os casais que procuram tratamento, em geral, têm uma atividade sexual envolvendo carícias, porém sem penetração, e a procura surge pela vontade de engravidar.

damente descrevemos as principais causas e os diagnósticos diferenciais de dispareunia. Suas avaliações e tratamentos detalhados encontram-se nos capítulos correspondentes.

Geralmente a vagínica tem grande dificuldade de expressar seus sentimentos, e o tratamento consiste em ajudar a paciente a se sentir mais à vontade com seu corpo, expondo-se a diferentes graus de penetração gradativamente.

Atrofia urogenital: é a causa mais comum de dispareunia em pacientes climatéricas. Os sintomas são causados por baixa quantidade de estrogênio, que acaba causando atrofia no epitélio, diminuição da lubrificação, secura vaginal e dispareunia. Para tratamento veja a seguir “Terapia hormonal” ou Capítulo 52, Climatério.

O primeiro passo é a demonstração física do terço interno da vagina ao casal, utilizando ilustrações anatômicas da musculatura vaginal para a orientação da anatomia sexual; o uso do espelho favorece essa estapa. Após, utilizam-se os exercícios de Kegel, que consistem em contrair fortemente os músculos que circundam a vagina e, em seguida, relaxar, permitindo à mulher desenvolver uma sensação de controle sobre esses músculos. Ainda com esse objetivo, os próximos passos são os exercícios de contração, palpitação, sucção e expulsão. Com esses passos concluídos, a etapa seguinte é realizar uma dessensibilização sistemática do temor da paciente, ou seja, a penetração. Nesse ponto do tratamento, solicita-se que a paciente utilize os dilatadores vaginais (dilatadores de Hegar), com o auxílio de lubrificantes, começando com o menor dilatador e gradualmente aumentando o tamanho de acordo com o aumento da tolerância. À medida que a paciente aumenta o calibre do dilatador e consegue tolerá-lo sem desconforto, o parceiro pode tentar a penetração, em um primeiro momento, por meio da manobra da ponte, que consiste em a mulher experimentar o orgasmo clitoriano com a introdução do pênis; à medida que a estimulação manual vai sendo interrompida, a penetração é mantida, até o orgasmo ser atingido sem a manipulação. Esse exercício pode ser realizado com a introdução dos dedos em vez dos dilatadores, começando com a introdução de um dedo e, mais tarde, dois dedos.

Dispareunia O tratamento da dispareunia depende da etiologia do sintoma, por isso anamense e exame físico precisos são importantíssimos. Resumi-

Secura vaginal: umas das principais causas de secura vaginal foi descrita anteriormente (secundária à baixa quantidade de estrogênio devido ao climatério); entretanto, pacientes jovens também podem apresentar sintomas semelhantes, principalmente por causa de fatores estressantes no relacionamento ou medicamentos. Para tratamento, além do uso de lubrificantes, a causa deve ser avaliada e corrigida. Vulvodínea: é a sensação, mesmo sem ser provocada, de dor, irritação, desconforto e queimação vulvar. A dispareunia pode ou não estar associada. O diagnóstico é feito por meio da história e do exame físico sem achados, com presença apenas dos sintomas descritos. O tratamento pode ser realizado com o uso da amitriptilina ou gabapentina, se com o primeiro não tiver sucesso. Pode-se ter bom resultado com o uso de testosterona tópica. Cistite intersticial: as pacientes têm dor associada a enchimento e/ou esvaziamento da bexiga, acompanhada geralmente de aumento da frequência e sintomas de urgência. Além disso, pode haver dor pélvica crônica, e a dispareunia pode ocorrer com inserção do pênis ou toque vaginal. Cistite: os sintomas são de disúria, urgência urinária e dor suprapúbica; todavia, pode ocorrer também dispareunia. O tratamento é feito com antibióticos e reposição hormonal. Divertículo uretral: os sintomas são semelhantes aos da cistite, mas geralmente associados à presença de abaulamento na parede vaginal anterior devido ao divertículo. Exames de imagem podem auxiliar no diagnóstico, e o tratamento é cirúrgico.

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Vulvovaginites: causam inflamação e edema local. Durante o intercurso, provocam dor. O tratamento depende do agente etiológico. Endometriose: uma das principais causas de dor pélvica crônica e dispareunia, veja o Capítulo 10, Endometriose. Retroversão uterina: apesar de ser uma variação da normalidade, a retroversão uterina pode causar dispareunia profunda. Pode ser secundária a outras doenças, como a endometriose e, em alguns casos, pode-se fazer, para tratamento, a cirurgia de suspensão uterina por via laparoscópica. Líquen escleroso: a dispareunia é frequentemente um sintoma tardio do líquen escleroso. A dor é causada por estenose do introito, fusão dos pequenos lábios e clitóris e fissuras secundárias à penetração. O tratamento é realizado com corticoides tópicos potentes. Dispareunia psicológica: ocorre devido a fatores emocionais ou eventos traumáticos passados; o tratamento é basicamente psicoterápico. Além do tratamento clínico, a psicoterapia pode ajudar nesses problemas. Inicialmente, orienta-se a paciente a suspender a penetração ou a introdução de qualquer objeto na vagina no momento inicial do ato sexual. Estimula-se a paciente a fazer a masturbação e realizar jogos sexuais com o parceiro. Deve-se avaliar se a sexualidade é assertiva, isto é, se ambos sabem como agradar-se mutuamente. No momento posterior, utilizam-se técnicas de relaxamento respiratório, contração muscular e até banhoterapia, para melhorar a percepção corporal da paciente, juntamente com o auxilio do espelho. A técnica de focalização sensorial (já descrita anteriormente) também é bastante utilizada para o tratamento da dispareunia, visando a uma adequação sexual do casal. O uso de testosterona é um fator de suporte no alívio da sintomatologia.

Terapia hormonal Para pacientes pós-menopáusicas com secura vaginal e dispareunia, recomendamos o uso de estrogênio tópico via vaginal (nível 1A de evidência). Para mulheres em que mesmo baixas doses de estrogênio vaginal são contraindica-

das, devem-se utilizar lubrificantes vaginais à base de água durante o ato sexual. Uso de andrógenos: Os níveis séricos de andrógenos não são capazes de predizer a função sexual, todavia o uso de andrógenos em pacientes na pós-menopausa com diminuição da libido e do desejo sexual melhora a função sexual por melhorar ambos os sintomas. Para o uso de terapia com andrógenos, é necessário discutir com a paciente sobre os riscos e benefícios desse tipo de tratamento. As pacientes devem compreender que os dados atuais na literatura sobre segurança e tempo de uso dessa terapia, sejam concomitantes ou não com a terapia com estrogênios, são limitados. Existe um temor generalizado relativo ao uso de testosterona em mulheres. A associação de estradiol e testosterona em ésteres sob forma injetável vem sendo estudada por nós, promovendo um padrão muito satisfatório de vida sexual* como os relatados a seguir: 1. Capacidade de sentir desejo sexual com aparecimento de fantasias eróticas. 2. Aumento da lubrificação vulvovaginal. 3. Obtenção mais fácil e rápida do orgasmo, sensação de erotismo nas mamas. 4. Orgasmos mais intensos e mais demorados. 5. Melhora da autoestima e sensação de felicidade. 6. Diminuição ou abolição da dispareunia. 7. Melhor qualidade do sono e, às vezes, sonhos eróticos. 8. Não necessidade de urinar à noite e levantar da cama. 9. Eliminação da sensação de nojo. 10. Melhora da atividade e da capacidade física. 11. Diminuição do peso corporal. 12. Diminuição ou abolição de sintomas urinários, como perdas involuntárias, urgência miccional ou disúria por coito.

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13. Diminuição progressiva do volume menstrual. 14. Abolição das cólicas menstruais. 15. Diminuição de calorões e reações vasomotoras. 16. Melhora importante do relacionamento conjugal e familiar. Como cuidados na prescrição da associação de estradiol e testosterona, recomendamos: 1. Certeza de anticoncepção eficaz não hormonal, pois poderá ocorrer masculinização de feto feminino. 2. Certeza de que não existem neoplasias. 3. Ausência de dislipidemias. Eventuais efeitos colaterais relatados por nossas pacientes com o uso da associação de estradiol e testosterona: 1. Aumento dos pelos do buço e pernas.

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3. Aparecimento de acne na face e nas costas. 4. Turgência e ereção clitoriana mais demoradas e intensas, dando a impressão de que o clitóris está maior. 5. Aumento do volume do clitóris. 6. Desavença conjugal quando a paciente exige mais sexo e o companheiro não aceita o novo comportamento da mulher. 7. Modificação do timbre da voz. 8. Aumento do cheiro axilar. 9. Necessidade de aplicação de injeção. A terapia com testosterona é o tratamento com andrógeno mais estudado, entretanto, ainda há poucos estudos utilizando a forma injetável. A grande maioria dos estudos utilizaram testosterona em creme ou em path com formulação para mulheres, sendo essas formulações ainda de difícil disponibilidade no mercado e de alto custo.

2. Aumento de peso corporal (a maioria das pacientes perde peso).

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1 Mulher de 58 anos, menopausa aos 50, em uso de anti-hipertensivos com pressão arterial controlada, sem queixas de ondas de calor, mas relata dor na relação sexual e sintomas de urgência urinária há cerca de 3 meses. Qual o tratamento inicial adequado? a. b. c. d.

Lubrificante vaginal Terapia hormonal transdérmica. Terapia hormonal vaginal. Terapia hormonal oral.

2. A dispareunia é uma disfunção sexual que atinge muitas mulheres. Após a anamnese e o exame físico demonstrarem que a paciente não possui causas orgânicas que expliquem tal disfunção sexual, qual a conduta mais adequada? a. b. c. d. e.

Ansiolíticos. Tratamento hormonal. Psicoterapia. Antidepressivo. Exames laboratoriais.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Violência Sexual Contra a Mulher Fernando Freitas Mariane Marmontel Sidnei S. Schestatsky

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará/ONU considera violência contra a mulher “todo o ato baseado no gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como privada” (Brasil, 2005). A violência contra a mulher não é apenas uma manifestação de desigualdade sexual, mas também de desigualdade de poder. Em alguns casos, o agressor usa conscientemente a violência como um mecanismo de subordinação. A agressão sexual é definida como “um evento que ocorre sem o consentimento da vítima, envolve o uso da força ou a sua ameaça, e em que há a tentativa ou a efetiva penetração da vagina, boca ou reto da vítima” (Kilpatrick; Edmunds; Seymour, 1992). É um crime violento, geralmente motivado por agressão ou raiva, com o agressor usando o contato sexual como arma de poder ou controle. O estupro deve ser entendido como um crime contra a pessoa e não contra o hímen ou a vagina. Em geral, provoca uma crise vital, com a invasão do mais íntimo espaço da pessoa, associada à perda de autonomia e controle. Essa violência produz sequelas físicas e psicológicas. As mulheres atingidas ficam mais vulneráveis a outros tipos de violência, à prostituição, ao abuso de drogas, a doenças sexualmente trans-

missíveis (DSTs), distúrbios sexuais, depressão e suicídio, além do risco da gestação indesejada.

O que diz a lei A Lei nº 12.015/2009, sancionada pelo presidente da República em 7 de agosto de 2009, alterou o título VI do Código Penal, anteriormente intitulado “dos crimes contra os costumes”, que passou a se chamar “dos crimes contra a dignidade sexual” (Brasil, 2009). Anteriormente a essa lei, o Código Penal definia o estupro, em seu artigo 213, como a conduta de “constranger a mulher à conjunção carnal (coito vaginal), mediante violência ou grave ameaça”. Só uma mulher poderia, portanto, ser vítima de estupro. O artigo 214 definia “atentado violento ao pudor” como o ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. Homens, portanto, podiam ser sujeitos passivos de “atentado violento ao pudor”, mas jamais de estupro. A nova lei englobou os dois artigos, e o artigo 213 agora define estupro como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (pena: reclusão de 6 a 10 anos)”. O artigo 214 foi revogado.

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Estatísticas A maior parte das estatísticas disponíveis na literatura corresponde a estudos epidemiológicos realizados em países desenvolvidos, principalmente nos EUA. A incidência de abuso sexual de mulheres nos EUA é estimada em 73/100.000, representando 6% de todos os crimes violentos (Lentz, 2007). A violência sexual acomete pessoas de todas as idades, todas as raças e todos os grupos socioeconômicos, mas os mais jovens, os física ou mentalmente deficientes e os mais velhos são particularmente suscetíveis. Mais da metade dos estupros de mulheres ocorre antes dos 18 anos, e 22% antes dos 12 anos (Tjaden; Thoennes, 2000). Em torno de 12 a 40% das vítimas apresentam alguma lesão física. A maioria delas, porém, é leve e requer tratamentos simples. Cerca de 1% das vítimas necessita de hospitalização. Quando se considera, no entanto, as “lesões” emocionais que podem ocorrer, incluindo a percepção da violência como implicando risco de morte, suas consequências não podem mais ser consideradas leves nem seu tratamento simples, exigindo, frequentemente, um atendimento multidisciplinar (médico, psicológico e social). Esse tipo de crime é provavelmente subnotificado (em torno de 10-15%) (Bates, 2009), pois muitas vítimas não o denunciam às autoridades por embaraço, medo de represália, sentimentos de culpa, pressuposição de que nada será feito ou falta de conhecimento dos seus direitos. Estima-se que de 33 a 44% das mulheres sejam vítimas de alguma violência sexual ao longo de suas vidas, e 50% destas em mais de uma ocasião (Lentz, 2007; Bates, 2009). No mínimo, 50% das vítimas conheciam de alguma maneira o seu agressor (Bates, 2009). Segundo a Pesquisa Nacional sobre Crime e Vitimização nos EUA (Kilpatrick; Edmunds; Seymour, 1992), 62% das vítimas conheciam seus agressores. Mais de 40% das agressões sexuais vieram pelas mãos de uma pessoa que a vítima chamava de seu amigo ou conhecido.

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De acordo com o National Women’s Study, 29% das mulheres foram estupradas por conhecidos, 9% por ex-maridos, 11% por padrastos, 10% por namorados e 16% por outros parentes – só 22% foram agredidas por estranhos. A agressão por um conhecido é emocionalmente mais devastadora porque envolve a violação de confiança e geralmente inclui vitimização repetida (Tjaden; Thoennes, 2000). No Brasil, o Ministério da Justiça, nas informações sobre o sistema prisional no Brasil, com dados de junho de 2008, informa um total de 381.112 presos, 18.584 (4,9%) deles acusados de “crimes contra os costumes” (antigos artigos 213 e 214 do Código Penal). No Rio Grande do Sul, no mesmo período, a taxa é de 2,4% para os mesmos crimes (Brasil, 2008).

Consequências da violência sexual A violência sexual provoca consequências agudas e crônicas. Entre as consequências físicas de longo prazo, podem-se listar a gravidez indesejada (mais de 32 mil gestações decorrentes de estupro ocorrem anualmente nos EUA [Holmes et al., 1996]), dor pélvica crônica, síndrome pré-menstrual, distúrbios gastrintestinais, complicações ginecológicas e gestacionais, enxaquecas e outras cefaleias frequentes, dores nas costas, dores faciais e incapacidades ocupacionais (Jewkes; Sen; Garcia-Moreno, 2002). Vítimas de violência sexual enfrentam, além disso, consequências psicológicas tanto imediatas como crônicas (Felitti et al., 1998). As agudas expressam-se por meio de estados de choque, dissociação, despersonalização, negação, medo, confusão, ansiedade, isolamento, culpa, desconfiança dos outros e sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT – estados de anestesiamento emocional, alterações do sono, revivências do evento traumático e hiperexcitabilidade autonômica). Em uma amostra de 20 mulheres vítimas de estupro e encaminhadas ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) pela Delegacia da Mulher de Porto Alegre, encontrou-se sintomas de TEPT em 80% delas, além

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de transtornos de ajustamento (40%) e depressão maior (20%) (Hauck et al., 2007). Entre as consequências crônicas, estão igualmente quadros de depressão maior, tentativas de suicídio (ou suicídios completados) e diversos transtornos ansiosos, como ansiedade generalizada, fobias e TEPT crônico. Cabe enfatizar também o impacto social que a violência sexual impõe a suas vítimas, como deterioração do relacionamento com família, amigos ou companheiro, diminuição de apoio emocional por parte destes, menos contatos interpessoais e diminuição da probabilidade de casamento no futuro (Clements et al., 2004). Finalmente, alguns pesquisadores têm recentemente chamado a atenção para mudanças comportamentais em vítimas de violência sexual, que podem ser vistas tanto como consequências da violência ocorrida como vir a constituir fatores de risco que aumentariam a vulnerabilidade das vítimas a ser revitimizadas no futuro (Basile et al., 2006; Champion et al., 2004; Lang et al., 2003). Entre essas mudanças de comportamento, incluem-se a adoção de condutas sexuais de alto risco (sexo desprotegido, iniciação sexual precoce, múltiplos parceiros sexuais, prostituição), abuso de substâncias (álcool, drogas) e condutas alimentares problemáticas (jejuns exagerados, vômitos provocados, abuso de anorexígenos, bulimia).

para lavrar o boletim de ocorrência policial (BO), prestar depoimento ou submeter-se a exame pelos peritos do Departamento Médico Legal (DML) (Brasil, 2005). O boletim de ocorrência policial registra a violência para o conhecimento da autoridade policial, que determina a instauração do inquérito e da investigação. O laudo do DML é documento elaborado para fazer prova criminal. A exigência de apresentação desses documentos para atendimento nos serviços de saúde é incorreta e ilegal. A “presunção de violência”, artigo 224 do Código Penal, diz que também é crime, mesmo que não tenha havido constrangimento pela força ou grave ameaça, quando a “vítima é menor de 14 anos; é alienada ou débil mental e o agressor conhece essa circunstância; ou quando não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”.

Primeiro atendimento O atendimento às vítimas inclui: > acolhimento; > reconhecimento e tratamento das lesões; > suporte psicológico; > prevenção da gestação; > avaliação, tratamento e prevenção das DSTs;

Aspectos éticos e legais São de notificação compulsória os casos de violência contra a mulher, atendidos em serviços públicos ou privados de saúde. Em crianças e adolescentes menores de 18 anos, a suspeita ou confirmação de abuso sexual deve, obrigatoriamente, ser comunicada ao Conselho Tutelar ou à Vara da Infância e da Juventude (Brasil, 2005). Todo o médico pode e deve prestar a assistência que julgar necessária à mulher vítima de violência sexual. A assistência à saúde é prioritária, e a recusa infundada e injustificada do atendimento pode ser caracterizada, ética e legalmente, como omissão. Após o atendimento médico, se a mulher tiver condições, poderá ir à delegacia

> encaminhamento para acompanhamento ambulatorial com ginecologia e psiquiatria. Os profissionais que atendem essas vítimas devem estar cientes de alguns princípios para evitar uma vitimização secundária por conta de julgamentos pré-estabelecidos, negativos: 1o – Ninguém merece ser estuprado (algumas vítimas têm intensos sentimentos de culpa e vergonha, achando que poderiam ter feito algo para evitar a violência). 2o – O agressor, e não a vítima, é responsável pela agressão (a sociedade às vezes tem a noção de que a vítima contribuiu para a agressão, noção diferente da que tem em relação a outros crimes violentos).

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3o – A vítima fez o que achou ser as melhores escolhas possíveis para sobreviver sob aquelas circunstâncias (Linden, 1999). Apesar de as injúrias físicas severas serem raras, a injúria psicológica é séria e duradoura. A reação inicial predominante é de intenso horror e medo de ser morta pelo estuprador. Burgerss e Holmstrom (1974) descreveram a síndrome do trauma pós-estupro, com duas fases: a primeira, aguda, curta, de desorganização; e a segunda, mais longa, que pode durar anos, em que a vítima tenta reestruturar a sua vida, nem sempre com sucesso.

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Exame físico É importante avaliar e descrever: > estado emocional; > evidências de trauma; > genitália externa, vagina, ânus e reto. Quando possível, colher material vaginal, retal e da endocérvice para exame direto a fresco e corado pelo Gram, para cultura em meio de Thayer-Martin e para imunofluorescência direta para clamídia.

História

Exames laboratoriais

A história da violência deve ser precisa e acurada, mas dispensar questionamentos desnecessários que não contribuam para o atendimento e aumentem o sofrimento psicológico da mulher.

Deve ser feito teste de gestação e testes para diagnóstico das principais DSTs (VDRL para sífilis, anti-HIV e pesquisa de hepatite B e C).

Existem pontos importantes ao se fazer a história de uma vítima de violência sexual: > avaliar o risco de gestação: história menstrual, anticoncepção; > circunstâncias da violência: data, hora, local, armas, uso de força, ameaças; > tipo de violência: contato ou penetração oral, vaginal, anorretal, ejaculação, uso de preservativo, número de agressores; > existência de sangramento na vítima ou no agressor; > atividade sexual consensual recente, antes ou após a violência (tipo, preservativo); > identidade do agressor (familiar, conhecido, estranho); > ocorrência de situações de violência anteriores (revitimização); > existência de rede de apoio social e familiar disponível para acolher a paciente; > necessidade de, além do atendimento médico e psicológico da vítima, assegurar que ela seja protegida de nova agressão (p. ex., mora, convive ou é vizinha do agressor?).

Se possível, colher material vaginal e anal para pesquisa de clamídia, ureaplasma, micoplasma e gonococo. A necessidade de coleta desses exames é questionada por alguns autores, baseados no fato de que tais exames não são necessários para o atendimento e que seus resultados poderiam ser usados pela defesa, caso fossem positivos, como evidência de promiscuidade da vítima (Bates, 2009).

Avaliação psiquiátrica Após a avaliação pelo ginecologista, e ainda no primeiro atendimento, a paciente deve ser vista pelo psiquiatra da equipe, que avalia as condições iniciais da paciente e faz os encaminhamentos necessários, inclusive agendando o seu retorno. Nessa avaliação inicial, mais do que o exame do estado mental e a coleta da história psiquiátrica, enfatizamos os seguintes procedimentos: > estimular a paciente a relatar o evento traumático quantas vezes precisar, evidenciando compreensão e empatia com seu sofrimento; > enfatizar a importância de não ter reagido (e não se culpar por isso) e, assim, tentado preservar sua vida;

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> assinalar a importância de buscar ajuda médico-psicológica e o papel essencial que isso poderá ter para evitar futuras consequências físicas, psicológicas e sociais do trauma psíquico;

cia (anticoncepcional oral ou injetável, DIU ou ligadura tubária). Os métodos recomendados são:

> sublinhar que, independentemente das circunstâncias, a vítima é sempre a paciente, e o culpado é sempre o agressor;

> levonorgestrel, 1,5 mg, VO, dose única, em até 72 horas. É o método melhor tolerado, mais eficaz e sem interferência farmacocinética com antirretrovirais.

> comunicar que entendemos a gravidade da situação e o esforço e sofrimento que a paciente pode experimentar em estar falando e revivendo a violência sexual sofrida;

> método de Yuzpe: 200 μg de etinilestradiol ⫹ 1 mg de levonorgestrel, divididos em 2 tomadas 12/12 h.

> reconhecer que, de início, pode parecer melhor “esquecer o que aconteceu e não tocar mais no assunto”, mas informar que as evidências empíricas disponíveis apontam para outra direção – por mais penoso que seja, tratar e elaborar a situação traumática não só alivia como pode prevenir futuros danos psicológicos. No seguimento a essa avaliação emergencial, oferecemos às pacientes vitimadas um programa de assistência no ambulatório. Em princípio, o atendimento consiste de 4 a 6 consultas semanais, individuais, e após consultas de seguimento (mensais e semestrais); além disso, há consultas para os familiares com a equipe do serviço social e encaminhamento para tratamento em grupo, quando houver indicação. As técnicas utilizadas são do tipo psicoeducativo (natureza e consequências do TEPT), cognitivo-comportamental (fobias) e psicodinâmico (conflitos e culpas associadas ao trauma).

Profilaxias da gestação Mais da metade dos casos de violência sexual ocorrem durante o período reprodutivo da vida das pacientes, com o risco de gravidez entre 1 e 5% (Brasil, 2005). A anticoncepção de emergência é ação das mais importantes no atendimento às vítimas de violência sexual e deve ser fornecida independentemente do ciclo menstrual, o mais rápido possível, mesmo em local onde não será dada continuidade ao tratamento. Torna-se desnecessária no caso de mulheres que estiverem usando método anticoncepcional de elevada eficácia no momento da violên-

Não é recomendada a inserção de DIU pelo aumento do risco de infecções e para evitar mais manipulação genital da paciente. Se houver falha na anticoncepção de emergência e a paciente engravidar, ela tem o direito ao abortamento legal, se for seu desejo.

Das DSTs Entre as mulheres que sofrem violência sexual, 16 a 58% são infectadas por pelo menos uma DST. O risco é maior para gestantes e crianças. A profilaxia está indicada independentemente da presença ou gravidade das lesões. O risco estimado de contrair uma DST específica é de 3 a 16% para clamídia, 11% para doença inflamatória pélvica (DIP) e vaginose, 7% para tricomoníase, 4 a 12% para gonorreia, 5% para sífilis e 0,6 a 2,3% para condilomas. O esquema profilático recomendado pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2005) para mulheres adultas e adolescentes com mais de 45 kg, e não gestantes, é o seguinte: > profilaxia da sífilis: PENICILINA G BENZATINA, 2,4 milhões IM, dose única; > profilaxia da gonorreia: CIPROFLOXACINO, 500 mg, VO, dose única; > profilaxia da clamídia e do cancro mole: AZITROMICINA, 1 g, VO, dose única; > profilaxia da tricomoníase: METRONIDAZOL, 2 g, VO, dose única.

Da hepatite B As mulheres já vacinadas não necessitam nem de vacina nem de imunoglobulina.

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Mulheres não imunizadas devem receber as três doses da vacina (a primeira dose em até 48 h da violência, e as subsequentes em 30 e 180 dias) e dose única de imunoglobulina IGHAHB, 0,06 mL/ kg de peso IM, em até 14 dias após a violência. As mulheres devem ser informadas de que não existe profilaxia para a hepatite C. A gravidez e a lactação não são contraindicações para as profilaxias da hepatite B.

Do HIV A profilaxia do vírus da imunodeficiência humana (HIV) com drogas antirretrovirais após a violência sexual ainda é controversa. Não existem dados sobre o risco de adquirir o HIV de um agressor desconhecido, apesar de existirem casos de transmissão após agressão sexual (Centers for Disease Control and Prevention, 2005). O risco de transmissão após uma relação vaginal consensual com um homem infectado é estimado em 0,1%, e após uma relação anal consentida, em 2%. O risco de transmissão após violência sexual perpetrada por um homem HIV-positivo deve ser maior, já que geralmente está associada a trauma e sangramento (Gostin et al., 1994). Apesar de o risco ser baixo, ele é aumentado pelos fatos de que, entre os estupradores, provavelmente há uma incidência maior de soropositivos; múltiplos agressores aumentam o risco (acontece em cerca de 20% dos casos); sexo anal tem mais risco (acontece em 17% dos casos), e geralmente há trauma, sangramento ou lesões genitais na vítima e/ou agressor (há 40% de lacerações vaginais) (Bates, 2009; Centers for Disease Control and Prevention, 2005). No Brasil, conforme norma técnica do Ministério da Saúde, a profilaxia deve ser realizada quando ocorrer penetração vaginal e/ou anal, associada ou não ao coito oral. Em situações de sexo oral exclusivo, não existem evidências conclusivas que indiquem o uso do antirretroviral, mesmo com ejaculação na cavidade oral. Nesses casos, está indicada a avaliação de riscos e benefícios (Brasil, 2005). Generalizando a partir do modelo da exposição ocupacional ao HIV, o ideal é que a profilaxia

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seja iniciada dentro de 4 horas da violência, e não após 72 horas, e que seja continuada por quatro semanas ininterruptamente. Não há indicação do uso de antirretrovirais como profilaxia em casos de exposição crônica e repetida ao mesmo agressor. O esquema de primeira escolha deve combinar três drogas potentes, com baixo potencial de toxicidade e boa perspectiva de adesão. O Ministério da Saúde recomenda o seguinte esquema profilático: > zidovudina, 300 mg, VO, de 12/12 h ⫹ > lamivudina, 150 mg, VO, de 12/12h ⫹ > nelfinavir, 750 mg, VO, de 8/8 h, ou indinavir, 800 mg, VO, de 8/ 8h. No HCPA, usamos o esquema de: > zidovudina, 300 mg, VO, de 12/12 h ⫹ > lamivudina, 150 mg, VO, de 12/12 h ⫹ > lopinavir, 400 mg, ⫹ ritonavir, 100 mg, VO, de 12/12 h. As pacientes devem ser orientadas à abstinência sexual até o final das profilaxias e ao uso de preservativo em todas as relações sexuais, por no mínimo seis meses a partir da violência, até os resultados finais das sorologias. As reações adversas em geral são inespecíficas, leves e autolimitadas, como efeitos gastrintestinais, cefaleia e fadiga, que na maioria das vezes são controladas com medicação sintomática.

Aborto previsto em lei A gravidez indesejada é encarada como uma segunda violência, e às vítimas deve ser garantido o acesso à orientação humana e solidária e ao abortamento previsto em lei, se elas assim o desejarem. O artigo 128 do Código Penal Brasileiro prevê o aborto legal para a gravidez decorrente de estupro e não exige a sentença condenatória do réu (Brasil, 1998).

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No caso da interrupção da gestação resultante de estupro, é obrigatória a existência dos seguintes documentos: > autorização da grávida, ou de seu representante legal, para realização do abortamento; > informação à mulher, ou ao seu representante legal, de que ela poderá ser indiciada criminalmente caso as declarações constantes no prontuário sejam falsas; > registro em prontuário médico, e de forma separada, das consultas da equipe multidisciplinar e da decisão por ela tomada, assim como dos resultados dos exames clínicos ou laboratoriais;

Deve ser proporcionado atendimento psicológico e ginecológico. Os exames recomendados são: > em 15 dias: transaminases e hemograma; > em 45 dias: conteúdo vaginal, VDRL, anti-HIV; > em 3 meses: colposcopia, citopatológico de colo uterino, VDRL, anti-HIV, exames para hepatite B e C; > em 6 meses: anti-HIV, exames para hepatite B e C.

É recomendável, mas não obrigatório, o boletim de ocorrência policial.

A experiência do Hospital de Clínicas

Nas gestações de primeiro trimestre, o método de interrupção recomendado é a aspiração manual intrauterina (AMIU). Pode-se usar o misoprostol, 200 μg via vaginal, de 4 a 6 horas antes do procedimento para preparar o colo uterino, resultando em menores traumatismos durante a dilatação.

O HCPA presta o primeiro atendimento às mulheres vítimas de violência sexual de maneira sistemática desde abril de 2000 e o acompanhamento ambulatorial dessas pacientes desde abril de 2003.

No segundo trimestre, o abortamento farmacológico é o método de eleição. No HCPA, entre a 12a e a 20a semana, usamos o misoprostol, 400 μg, de 4/4 h, via vaginal, até a expulsão ovular. Após, se necessário, é realizada a AMIU ou a curetagem uterina. Nas gestações com mais de 20 semanas, não está recomendada a interrupção. Deve-se oferecer às pacientes acompanhamento pré-natal e auxílio na decisão de inserção da criança na família ou facilitação dos processos de doação.

Acompanhamento O acompanhamento a essas mulheres deve ser oferecido em um ambiente seguro, afetivo, sigiloso e extensivo aos familiares, se assim o desejarem.

Desde o início desse serviço, já atendemos pouco mais de 500 mulheres, com idades entre 13 e 66 anos, sendo que 78% delas abaixo dos 30 anos. Diferentemente do que se encontra na literatura, 71% dos agressores eram desconhecidos. Provavelmente as mulheres vítimas de homens que não conheciam tenham mais condições de denunciá-los do que as vítimas de agressor conhecido, que podem temer represálias, descrédito ou podem ter dificuldade de reconhecer a violência como tal. Quanto ao seguimento, 51% das mulheres não voltaram após o primeiro atendimento, e apenas 21% chegaram ao final dos seis meses de acompanhamento, todas sem evidência de doença que pudesse ser atribuída à violência.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Se você estivesse atendendo em um posto de saúde na periferia e chegasse uma mulher vítima de violência sexual, qual deveria ser a sua primeira atitude, além do acolhimento dessa paciente? a. Encaminhá-la a um centro de referência para o atendimento de mulheres vítimas de violência sexual. b. Encaminhá-la para a delegacia mais próxima para lavrar o boletim de ocorrência. c. Fornecer a anticoncepção de emergência. d. Fornecer antirretrovirais. e. Nenhuma delas.

2. Assinale a falsa: a. A maioria das vítimas de violência sexual encontra-se abaixo de 30 anos. b. A vacinação para hepatite B é obrigatória em todas as mulheres que ainda não tenham o esquema vacinal completo. c. Segundo a literatura, a maior parte das vítimas de violência conhece o seu agressor. d. Para a realização do aborto legal em paciente com gravidez decorrente de estupro, é necessária a sentença condenatória do réu. e. A definição de estupro envolve conjunção carnal e outros atos libidinosos a que a vítima seja submetida sem o seu consentimento.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Bioética e Ginecologia José Roberto Goldim Ursula Matte Carlos Fernando Francesconi Márcia M. Raymundo Márcia Santana Fernandes

Ética, moral e direito A Medicina é uma atividade que só se realiza quando ocorre entre pessoas. Os aspectos legais, morais e éticos envolvidos nessas relações com frequência são pouco entendidos. A moral e o direito referem-se à prática, às ações que o indivíduo deve realizar de acordo com um referencial histórico e cultural. Tanto a moral quanto o direito baseiam-se em convenções ou regras externas ao indivíduo, que podem ter sido reveladas, impostas ou acordadas, enquanto a ética refere-se à reflexão sobre essas ações. A moral, de acordo com Jean Piaget (1935), é um sistema de regras, e a essência de toda a moralidade consiste no respeito que o indivíduo sente por tais regras. As pessoas reconhecem nesse conjunto de regras uma possibilidade de bem-viver; a moral não tem fronteiras. A norma moral refere-se a uma ação que o indivíduo faz baseado em um dever, por adesão pessoal voluntária, que implica, quando não cumprida, sanções emocionais. O direito, de acordo com a concepção culturalista de Miguel Reale (1999), pode basear-se em quatro grandes fontes: a legislação, os costumes, a jurisprudência e os atos jurídicos. A lei tem origem em um órgão com atribuição e competência previamente estabelecida, com atividade delimitada no tempo e no espaço. A lei,

quanto a sua origem, é sempre certa e pré-determinada. O costume, entretanto, não tem origem certa, não se localiza de forma pré-determinada. Geralmente não se conhece a origem de um uso ou hábito social que se converte em hábito jurídico. A jurisprudência exige uma série de julgados que guardem, entre si, uma linha essencial de continuidade e coerência. Assim, a jurisprudência é uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais. Os costumes podem ser utilizados como base tanto para o estabelecimento de novas leis quanto para as decisões judiciais. Os atos jurídicos são acordos estabelecidos que geram compromissos voluntários entre pessoas visando a atingir um determinado fim. As fontes do direito produzem estruturas normativas que, com caráter obrigatório, disciplinam as relações sociais. Ambos, moral e direito, objetivam harmonizar o viver em comunidade, buscando tornar previsíveis as ações humanas. Algumas vezes, as duas normas coincidem, outras não. Quando isso acontece, pode ocorrer um conflito entre a ação proposta pela lei e a recomendada pela moral. A busca de justificativas para as ações pensadas ou realizadas pelos seres humanos é a base da Ética (Vázquez, 2000). Ética é “a realização de uma reflexão disciplinada das intuições morais e das escolhas morais que as pessoas fazem” (Veatch, 1989), é o estudo sistemático da argumentação sobre como devemos agir (Singer, 1994). Essas reflexões têm

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por objetivo facilitar “que o ser humano chegue a realizar-se como pessoa” (Clotet, 1995). A ética, a moral e o direito têm em comum a perspectiva de estabelecer as bases para a compreensão e a regulação das relações entre seres humanos.

Bioética A bioética, desde a sua proposta inicial em 1927, com Fritz Jahr, visa a refletir sobre o papel do ser humano, não apenas nas suas relações interpessoais, mas também com os demais seres vivos. Quando van Rensselaer Potter voltou a utilizar essa palavra, em 1970, queria se referir à necessidade de reintegrar, em uma mesma reflexão, os valores humanos com as questões levantadas pela ciência. Alguns autores delimitaram, de forma equivocada, a perspectiva bioética apenas às questões oriundas da área da medicina e da saúde, que foram, sem dúvida alguma, fundamentais para dar à bioética a visibilidade que hoje tem, mas que não podem restringir a discussão apenas a esse foco. Atualmente, é possível entender a bioética como uma reflexão compartilhada, complexa e interdisciplinar sobre a adequação das ações que envolvem a vida e o viver (Goldim, 2009). A bioética é uma reflexão compartilhada, pois ocorre a partir do diálogo e da argumentação, permitindo uma troca de saberes, experiências e opiniões. Justamente por isso, é também complexa, ao admitir que uma mesma realidade permite diferentes abordagens. A perspectiva interdisciplinar surge dessa necessidade de utilizar diferentes competências específicas, por meio de interfaces que possibilitam trocas entre conhecimentos aparentemente não relacionados. As ações humanas envolvidas nas questões da vida e do viver são a base da reflexão bioética. Essa reflexão abarca os aspectos da vida em si, referindo-se à existência física, como ao viver, na perspectiva das relações estabelecidas entre pessoas e com os demais seres vivos. A bioética é a busca de um entendimento possível, não é normativa, nem estabelece condutas. As reflexões bioéticas muitas vezes ampliam a complexidade dos problemas, pois apresentam alternativas não contempladas anteriormente,

pela possibilidade de troca não linear entre diferentes saberes e perspectivas. Esse aumento de complexidade facilita o próprio processo de tomada de decisão justamente pela ampliação das alternativas e pela compreensão mais adequada do processo como um todo. Na área da medicina, pode auxiliar médicos, pacientes, familiares e demais pessoas envolvidas a fazerem suas escolhas de forma mais adequada.

Referenciais da bioética A bioética complexa utiliza diferentes referenciais teóricos já desenvolvidos pela ética para realizar suas reflexões sobre problemas. Os referenciais das virtudes, dos princípios, dos direitos humanos e da alteridade podem ser utilizados de forma isolada ou conjunta na busca do entendimento do problema apresentado. O referencial das virtudes é dos mais antigos na ética ocidental. As virtudes são entendidas como sendo os traços de caráter adequados de uma pessoa, que auxiliam na busca de sua excelência individual. Além das chamadas virtudes cardeais (justiça, temperança, coragem e sabedoria), que deveriam servir de orientação para qualquer pessoa, segundo Platão, outras mais podem ser elencadas. A polidez, a compaixão, a gratidão, a boa-fé e o amor são bons exemplos (Comte-Sponville, 1996). Esse referencial ético permite avaliar os problemas ou situações que estejam sendo discutidas desde a perspectiva da conduta de cada uma das pessoas envolvidas, identificando os traços de comportamento esperados e os que foram efetivamente praticados. O referencial teórico que se baseia nos princípios, também conhecido como principialismo, é o mais amplamente utilizado na literatura de bioética. De acordo com William Frankena (1988), os princípios são deveres prima facie, obrigações que devem ser cumpridas, a menos que entrem em conflito, em uma situação particular, com outros deveres de igual ou maior porte. Quando isso ocorre, deve haver uma ponderação entre esses deveres e uma priorização para a sua aplicação, restrita a essa situação específica. Para Frankena, existem dois princípios que devem ser observados: a beneficência e a justiça. O princí-

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pio da beneficência não nos diz como distribuir o bem e o mal, mas determina que devemos promover o bem e evitar o mal. Quando se manifestam exigências conflitantes, a beneficência propõe obter a maior porção possível de bem em relação ao mal. O princípio da justiça estabelece que a relação entre pessoas deve ser não discriminatória, aceitando a existência de diferenças, mas não permitindo tratamento desigual. A esses dois princípios foi agregado um terceiro – respeito às pessoas – pelo Relatório Belmont (The Belmont..., 1978). O princípio do respeito às pessoas inclui os deveres de reconhecer a autodeterminação e a voluntariedade das pessoas, a confidencialidade e a veracidade. Beauchamp e Childress (1994), que são autores de referência do principialismo, propuseram quatro princípios fundamentais: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça. O princípio da justiça foi mantido inalterado. O princípio do respeito às pessoas foi substituído pelo da autonomia, na perspectiva do dever de reconhecer e respeitar a autodeterminação das pessoas. O princípio da beneficência foi desdobrado. A beneficência foi reduzida a perspectiva de fazer o bem, enquanto evitar o mal foi assumido como um novo princípio, da não maleficência. Os direitos humanos, que são um outro referencial importante da bioética, de acordo com o jurista francês Karel Vasek, podem ser caracterizados em três grandes grupos, segundo a abrangência de suas propostas: direitos individuais, direitos coletivos e direitos transpessoais. Os direitos humanos individuais, ou de primeira geração, incluem o direito à vida, à liberdade, à privacidade e à não discriminação. O direito à vida preconiza que todos têm o direito de ter suas vidas preservadas, independentemente de idade, sexo, situação social, origem familiar ou qualquer outra característica. O direito à liberdade é que garante a autodeterminação e a voluntariedade como características individuais inalienáveis. O direito à privacidade é a garantia de ter o seu corpo e as suas informações protegidas. O direito de não discriminação dá garantia de que cada pessoa merece ser respeitada em suas características, sejam elas quais forem. Os direitos humanos coletivos, ou de segunda geração, incluem questões gerais, referentes a todos os membros da coletividade, como a ga-

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rantia de acesso à saúde, à educação e à assistência social. Os direitos humanos transpessoais ou de terceira geração basicamente se caracterizam pelos direitos associados às questões ambientais e à garantia da solidariedade, independentemente da nação ou do tempo. Esses direitos visam a garantir a sobrevivência da própria humanidade. O referencial teórico da alteridade, com base no pensamento de Lévinas (1993), propõe que “tudo começa pelo direito do outro e por sua obrigação infinita a esse respeito. O humano está acima das forças humanas”. A alteridade caracteriza a relação com o outro como sendo a base de uma copresença ética (Descamps, 1991) que estabelece relações de corresponsabilidade (Souza, 2004). O referencial da alteridade é o mais abrangente de todos, pois engloba, de certa forma, os três referenciais descritos anteriormente: virtudes, princípios e direitos humanos. Na alteridade, o reconhecimento da importância da relação existente entre as pessoas se amplia à toda a humanidade. Além dos referenciais teóricos, a bioética pode elaborar alternativas para os problemas baseando-se na experiência e na memória de casos. Essa perspectiva, denominada casuística, utiliza-se de casos paradigmáticos para ilustrar situações e gerar, quando necessário, novas propostas de condutas.

Direito à informação e à verdade A comunicação médico-paciente é considerada uma das mais delicadas questões éticas para os profissionais da saúde (De Blois; Norris; O’Rourke, 1994). O modelo paternalista de relação médico-paciente enfatizava a obrigação do médico em procurar o bem do paciente, segundo seu juízo e sua habilidade. Mentir ou dizer a verdade era uma opção do médico no seu entendimento do que resultaria no bem do paciente. A Carta de Direitos dos Pacientes da Associação Americana de Hospitais estabelece que “o paciente tem o direito de obter do médico uma informação completa sobre o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico em termos que ele, o paciente, possa entender”.

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O Código de Ética Médica brasileiro de 2009 (Conselho Federal de Medicina, 2009), em seu artigo 34, propõe que o médico tem a obrigação de informar ao paciente sobre condição, diagnóstico, prognóstico, riscos e objetivos do tratamento, salvo quando as informações possam provocar danos a essa pessoa. Nesse caso, a comunicação deverá ser feita ao seu representante legal. Percebe-se, assim, a preocupação com o bem-estar da paciente frente à comunicação da verdade, permitindo o exercício da autonomia e autodeterminação. Em certos casos, pode parecer correto omitir uma informação por compaixão. Entretanto, é importante ressaltar a excepcionalidade dessa situação. A banalização dessa omissão representa um desrespeito ao paciente, à sua própria autonomia. A forma adequada de comunicação das informações é fundamental. A informação verdadeira dita de forma brusca e insensível pode prejudicar o paciente. Da mesma forma, a mentira é um engano deliberado, que subverte a dignidade do paciente. Alguns autores consideram que os direitos dos pacientes são violados quando a relação é conduzida sem franqueza (May, 1994). O fornecimento de informações para os familiares anteriormente ao conhecimento do próprio paciente, sem que haja um motivo justificado, é um desrespeito à sua autonomia. Isso configura uma quebra de privacidade e de fidelidade. O dilema, portanto, parece não estar em informar ou não ao paciente sobre a sua situação, mas na forma como essas informações serão comunicadas. A omissão somente pode ser cogitada em uma realidade em que o médico tenha uma argumentação moral muito forte para exercer uma atitude paternalista que afronte a autonomia do paciente. Nesse caso, poderia ser utilizado o argumento da revelação da “verdade possível”. No entanto, alguns autores têm sugerido que os pacientes não têm simplesmente o direito à verdade, mas a obrigação de procurar e aceitar a verdade sobre a sua condição médica. Nessa perspectiva, cabe aos pacientes a responsabilidade de perguntar sobre a sua condição e as consequências de suas decisões (Veatch, 1989). É prudente aguardar para ver como os pacientes farão uso de seu direito à verdade. O médico deve responder objetivamente às perguntas que

são formuladas no decorrer de uma consulta. Muitas vezes, o médico comunica uma informação não desejada pelo paciente, supondo o seu potencial benefício. Esse ato pode ser entendido como uma violação à autonomia do paciente, caracterizando uma postura paternalista forte. O paternalismo é uma restrição da autonomia em função da beneficência (Feinberg, 1971). As pessoas também têm o direito de não saber. A questão que se coloca é: como identificar esse tipo de situação. O simples fato de não perguntar sobre uma condição específica seria uma manifestação do desejo de não querer saber? Em algumas sociedades, como a brasileira, a não pergunta pode ser muito mais uma questão de desinformação, talvez até de constrangimento, do que uma manifestação do não querer saber. Uma das virtudes mais valorizadas nesse tipo de situação é a prudência. O médico prudente deverá reconhecer o significado do não questionamento de fatos clínicos relevantes por parte do paciente. Deverá ser capaz de distinguir o paciente que não quer saber daquele que se sente intimidado ou inibido em formular perguntas. É fundamental que o médico mantenha sempre uma postura empática, ficando disponível para prestar qualquer tipo de informação ao seu paciente. Essa abordagem pode prevenir situações de conflito e preservar o vínculo de confiança. Nos países latinos, frequentemente argumenta-se que a pouca cultura e/ou escolaridade dos pacientes pobres justifica uma conduta paternalista por parte dos médicos, sob a alegação de que eles não dispõem de condições de entender os fatos médicos. Esse é um argumento não tem sustentação na realidade (Luna, 1995). O desafio é estabelecer uma comunicação efetiva com os pacientes, de maneira a transmitir informações em uma linguagem acessível ao seu nível de compreensão.

Privacidade, confidencialidade e respeito à pessoa A confidencialidade é um dever prima facie de todo profissional que atua na área da saúde, que visa a garantir o respeito à privacidade dos

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pacientes. Os deveres prima facie são deveres priorizáveis, isto é, de acordo com a situação podem ser cotejados e priorizados, sem que isso estabeleça uma hierarquização entre eles. A prioridade é dinâmica e deve ser estabelecida a cada reflexão ética. A privacidade também engloba os aspetos de proteção à exposição do próprio corpo. Uma característica fundamental da prática médica é a realização de exames físicos. Na área de ginecologia, esses procedimentos merecem cuidados especiais, devido aos fatores de exposição associados a eles. Muitas vezes, o espaço de intimidade das pacientes é invadido por diferentes pessoas com as quais ela nunca teve qualquer contato prévio. Reconhecer a existência e a importância do pudor é fundamental. Essa questão está prevista no Código de Ética Médica, em seu artigo 38 (Conselho Federal de Medicina, 2009). A manutenção de uma postura profissional adequada, a preservação da paciente à exposição física desnecessária e, sempre que possível, a presença de um auxiliar ou familiar durante a realização dos exames físicos constituem uma conduta eticamente recomendável. Já há recomendação nesse sentido realizada pelo comitê de ética do American College of Obstetricians and Gynecologists (1995). Essa situação merece cuidados ainda maiores quando o atendimento se dá em um hospital de ensino, no qual, além dos profissionais, também os alunos participam dos procedimentos. O ensino da medicina, assim como o de inúmeras outras profissões da área da saúde, exige que os alunos sejam expostos a situações práticas reais, que incluem assistir, participar e realizar, sob supervisão, determinados tipos de exames e procedimentos. Cabe ao professor, que pode acumular essa função de médico assistente, informar à paciente essa situação e solicitar o seu consentimento específico. Cabe também ao professor responsável pelos alunos discutir previamente, sem a presença das pacientes, todas as situações que serão enfrentadas e os aspectos éticos envolvidos no ato de examinar uma paciente. O aspecto fundamental é o de ressaltar a importância do respeito à pessoa. A prática ginecológica pode gerar outras situações de extrema gravidade, como as relativas à conduta sexual inadequada. Desde os primór-

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dios da medicina, isso é condenado, pois no próprio juramento hipocrático já há uma clara citação a respeito. Esse tema, infelizmente, continua bastante atual. A violação do limite de relacionamento entre médico e paciente pode ser aparentemente mínimo, mas uma vez ultrapassado, pode conduzir a progressivos avanços, caracterizando uma situação denominada Ética de slippery slope. Isso ocorre quando ações aparentemente sem maiores repercussões, quando analisadas de forma isolada, podem evoluir para comportamentos evidentemente inadequados, em consequência de um afrouxamento progressivo de padrões técnicos ou morais considerados aceitáveis. Na relação entre um profissional da saúde e uma paciente, independentemente de sua idade, a fidelidade é um dever de lealdade e compromisso (Beauchamp; Childress, 1994). A fidelidade acarreta o resguardo das informações obtidas nessa relação. Uma situação muito particular e delicada é o atendimento de pacientes adolescentes na área ginecológica, que pode levar a situações de conflito de fidelidade do médico em relação à sua paciente e à responsabilidade eventual de informar seus pais ou representantes legais. Nesse caso específico, se o médico julgar que a paciente adolescente é capaz de lidar plena e adequadamente com as circunstâncias que envolvem o atendimento em questão, todas essas informações devem ser mantidas em sigilo. O Código de Ética Médica, em seu artigo 74, respalda moralmente essa posição (Conselho Federal de Medicina, 2009). Caso a situação extrapole a capacidade de decisão da adolescente, principalmente no julgamento das suas consequências, os pais ou responsáveis legais deverão ser comunicados, após terem sido discutidos esses aspectos com a paciente. Os próprios adolescentes reconhecem que, em situações de risco de vida ou de violência, os seus representantes legais devam ser informados pelo seu médico. Porém, não justificam essa revelação quando associada a práticas ou opções sexuais (Loch; Clotet; Goldim, 2007). A confidencialidade é a garantia do resguardo de informações obtidas em confiança e a proteção contra a sua revelação não autorizada. As bases da confidencialidade são a preservação da privacidade e da autonomia dos indivíduos,

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a preservação do vínculo de confiança entre profissional e paciente, a sua importância para o bem da sociedade e a necessidade de prevenir danos ao paciente. Desde os primeiros textos que estabeleceram os critérios éticos para a relação médico-paciente, esse dever se impõe. O Juramento de Hipócrates já afirmava: “Tudo que eu ver ou ouvir, profissional ou privadamente, que não deva ser divulgado, eu manterei em sigilo e contarei a ninguém” (França, 1994, p. 103). As informações que as pacientes fornecem, quando atendidas em hospital, posto de saúde ou consultório privado, assim como os resultados de exames e procedimentos realizados com finalidade diagnóstica ou terapêutica, são de sua propriedade. Durante muito tempo, houve a convicção de que essas informações pertenciam ao médico assistente ou à instituição. Dessa concepção é que surgiram as denominações “prontuário médico” e “arquivo médico”. As instituições são fiéis depositárias, e não proprietárias das informações. Os médicos e profissionais da saúde, assim como todos os demais profissionais que entram em contato com o prontuário, têm autorização de acesso às informações dadas em confiança pela paciente, desde que resguardado o princípio básico do “necessitam saber”. Esse princípio propõe que os profissionais somente deverão ter acesso às informações que efetivamente contribuam ao atendimento do paciente. A relação de confiança que se estabelece entre paciente e seu médico se estende, igualmente, a todos os demais profissionais da área da saúde e da área administrativa, incluindo as secretárias e recepcionistas, que tenham contato direto ou indireto com as informações pessoais obtidas. Em média, durante uma internação clínica habitual, 75 pessoas diferentes lidam com o prontuário de um paciente em hospitais norte-americanos (De Blois; Norris; O’Rourke, 1994). Esses dados são semelhantes aos verificados no Brasil. Todos os profissionais da saúde têm um importante papel educativo no processo de preservação da privacidade das pacientes. O Código de Ética Médica, em seu artigo 78, veda ao médico “deixar de orientar seus auxiliares e deixar de zelar para que respeitem o segredo profissional a que estão

obrigados por lei” (Conselho Federal de Medicina, 2009, p. 16). Todos os profissionais, independentemente de sua formação, têm o compromisso legal de manter a confidencialidade dos dados contidos nos prontuários e das demais informações que são geradas ao longo do atendimento de um paciente na instituição, de acordo com o artigo 154 do Código Penal (Nucci, 2010). Da mesma forma, o médico, assim como os demais profissionais envolvidos no atendimento da paciente, não pode ser obrigado a depor sobre fato que envolva informações obtidas profissionalmente, de acordo com o Código Civil brasileiro de 2002 (Novo..., 2002), em seu artigo 229. O artigo 73 do Código de Ética Médica estabelece que a confidencialidade deve ser mantida mesmo durante um depoimento como testemunha (Conselho Federal de Medicina, 2009). Nessa situação, o médico deverá comparecer perante a autoridade e declarar seu impedimento em revelar as informações solicitadas, salvo quando houver uma autorização por escrito da própria paciente. Essas informações devem ser utilizadas somente no local de trabalho, para o cumprimento específico da tarefa de cada um dos profissionais. Comentar esses dados em outros locais, como corredores, elevadores, ônibus, refeitório ou cantina, é um comportamento de alto risco para a quebra da confidencialidade. Em uma pesquisa sobre essa situação (Ubel et al., 1995), foi verificado que, em 14% das situações observadas em elevadores de diversos hospitais norte-americanos, houve comentários inadequados, sendo que metade deles claramente revelava informações sobre pacientes específicos. Em suma, um dos aspectos fundamentais para a preservação da privacidade das pacientes, por parte de todos os profissionais, é o estabelecimento de estratégias de como lidar com essas informações de forma eticamente adequada. Podemos distinguir a quebra de privacidade da quebra de confidencialidade. Consiste em quebra de privacidade ter acesso desnecessário ou usar informações sem a devida autorização do paciente. A quebra de confidencialidade, por sua vez, é a ação de revelar ou deixar de revelar informações fornecidas em confiança. Em algumas situações específicas, por força de obrigação legal, é possível comunicar dados re-

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ferentes a pacientes, sem que haja quebra de confidencialidade (Junkerman; Schiedermayer, 1993). Um exemplo disso é a comunicação compulsória de alguns diagnósticos às autoridades sanitárias, como cólera, coqueluche, dengue, difteria, doença meningocócica e outras meningites, casos agudos de doença de Chagas, esquistossomose, febre amarela, febre tifoide, filariose, hanseníase, hepatites virais, leishmaniose tegumentar e visceral, malária, oncocercose, peste, poliomielite, raiva humana, rubéola e síndrome da rubéola congênita, sarampo, sífilis congênita, síndrome da imunodeficiência adquirida [Aids], tétano, tuberculose, varíola (Brasil, 1996a). Vale salientar que, nessas situações, a autoridade sanitária tem acesso aos dados como forma de estabelecer políticas de proteção à saúde da comunidade, sem exposição dos pacientes individualmente. Outro exemplo de revelação às autoridades de dados obtidos na assistência é a comunicação de abuso infantil ou de idosos, conforme o estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) e do Estatuto do Idoso (Brasil, 2003). Nessas situações, o profissional da saúde não está fazendo uma denúncia, mas informando a autoridade competente sobre o encaminhamento da situação relatada. Podem existir situações nas quais a quebra de confidencialidade é eticamente justificada, utilizando o raciocínio de que o dever de confidencialidade é um dever prima facie. Para que essa possibilidade seja justificada, os seguintes critérios devem ser preenchidos simultaneamente: a) constatação da existência de um elevado risco de dano físico grave a uma pessoa identificável e específica; b) possibilidade de benefício para essa pessoa resultante da quebra da confidencialidade; c) ser o último recurso, após ter sido utilizada persuasão ou outras abordagens que permitissem a revelação pelas pessoas que detêm essas informações; d) compromisso de utilizar essa mesma abordagem em outras situações com as mesmas características. Essa situação pode ser exemplificada quando um paciente com diagnóstico positivo para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) nega-se a comunicar tal fato ao seu parceiro sexual estável. Essa determinação também se aplica a

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membros de grupos de usuários de drogas que compartilham o uso de seringas ou têm risco de contaminação por fluidos corporais. A argumentação moral que sustenta o uso do conceito de dever prima facie é a priorização do direito à vida sobre o dever de confidencialidade. Nesse tipo de situação, quando todos os quatro critérios para quebra de confidencialidade estejam presentes, se o médico estiver em dúvida quanto à adequação do procedimento de revelação, pode recorrer a uma consulta a um comitê de bioética clínica ou comissão de ética médica. Caso a situação ocorra em um local em que não existam órgãos colegiados desse tipo, poderá ser consultado o Conselho Regional de Medicina. As exceções à confidencialidade não se aplicam às relações entre a paciente e a empresa com a qual mantém vínculo empregatício. O Código de Ética Médica, em seu artigo 76, proíbe a revelação de informações confidenciais obtidas no exame médico de trabalhadores, ressalvando apenas a comunicação de informações que possam acarretar risco à saúde do próprio trabalhador ou à comunidade (Conselho Federal de Medicina, 2009). A utilização das informações de pacientes para atividades educativas e científicas deve preservar integralmente o cuidado em relação às informações obtidas assistencialmente. A simples omissão do nome não garante a descaracterização da identidade das pacientes. Devem ser suprimidos as iniciais, os registros hospitalares e outros dados que permitam a sua identificação. Cuidados especiais devem ser tomados quando são utilizadas imagens ou registros de exames, pois muitas vezes podem permitir a sua identificação. Caso seja imprescindível apresentar alguma imagem da paciente, isso será admissível apenas com a sua expressa autorização por escrito.

Consentimento informado para realização de pesquisa e procedimentos O consentimento informado é um elemento característico do atual exercício da medicina e, por extensão, de toda a área da saúde. O consenti-

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mento informado não é apenas uma doutrina legal, é um direito moral dos pacientes, que gera obrigações morais para os médicos e demais profissionais envolvidos na assistência ou na pesquisa (Clotet, 1995). No Brasil, o consentimento deve ser obtido tanto para fins de atividades de pesquisa, de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1996b), quanto para as atividades assistenciais, de acordo com artigo 22 do Código de Ética Médica (Conselho Federal de Medicina, 2009). Nas atividades de pesquisa, salvo impossibilidade, o processo de obtenção do consentimento deve ser documentado através de um termo de consentimento livre e esclarecido. Nas atividades assistenciais, de modo geral, o médico pode documentar esse processo de diferentes maneiras. É fundamental registrar adequadamente no prontuário do paciente que houve um efetivo compartilhamento de informações sobre procedimentos, riscos e benefícios associados, e que o paciente ou seu representante legal concordaram com a proposta, dando a sua autorização. Em algumas situações assistenciais, de acordo com exigências específicas, pode haver a necessidade de preencher um termo de consentimento em separado. O processo de consentimento informado visa, fundamentalmente, a preservar a autonomia do indivíduo, no sentido de garantir a sua livre

escolha após ter sido convenientemente esclarecido sobre riscos, benefícios e desconfortos dos procedimentos aos quais será submetido. É, dessa forma, um procedimento mais abrangente do que a simples obtenção de uma assinatura em um documento. Muitos termos de consentimento livre e esclarecido utilizados em projetos de pesquisa têm redação pouco acessível, exigindo uma escolaridade muito acima da média da população. Algumas vezes, o vocabulário utilizado também contém palavras cujo significado é pouco acessível aos pacientes. Infelizmente, esses documentos, em vez de informarem adequadamente a pessoa para que possa então tomar a sua decisão em participar ou não de uma pesquisa, assumem a característica de “termos de isenção de responsabilidade” (Clotet; Goldim; Francisconi, 2000). O artigo 22 do Código de Ética Médica possibilita a realização de um procedimento assistencial sem o consentimento da paciente ou de seu responsável legal, em situações de risco iminente de morte. Tal situação configura a precedência do princípio da beneficência sobre o da autonomia (Conselho Federal de Medicina, 2009). O processo de consentimento deve ser entendido como um importante elemento da atuação profissional, que reforça os vínculos de confiança e fidelidade entre médico, paciente e familiares.

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MAY, W. F. The virtues in a professional setting. In: FULFORD, K. W. M.; GILLET, G.; SOSKICE, J. M. Medicine and moral reasoning. Cambridge: Cambridge University, 1994. p. 83.

SOUZA, R. T. As fontes do humanismo latino. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. THE BELMONT report: ethical guidelines for the protection of human subjects. Washington: DHEW, 1978.

VÁZQUEZ, A. S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 23. VEATCH, R. Death, dying, and the biological revolution. New Haven: Yale, 1989. Cap. 7.

LEITURAS SUGERIDAS BIOETHICS thesaurus: bioethicsline. Washington: Kennedy Institute of Ethics, 1994. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: MEC, 1989.

JAHR, F. Bio-Ethik: eine umschau über die ethischen beziehungen des menschen zu tier und pflanze. Kosmos, v. 24, p. 2-4. 1927. LO, B. et al. Addressing ethical issues. In: HULLEY, S. B.; CUMMINGS, S. R.

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372 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Um médico atende a uma paciente ao longo de quinze anos. Essa paciente era portadora de uma doença crônica, da qual veio a falecer. Ao longo dos atendimentos, que incluíram contatos com alguns familiares, o médico teve acesso a inúmeras informações sobre a vida da paciente que a sua família desconhecia. Essas informações não envolviam questões relativas a hábitos sexuais ou uso de drogas. Assinale a alternativa correta: a. Apenas o viúvo da paciente tem o direito de obter do médico respostas a todas as suas perguntas, devido ao princípio da veracidade. b. O médico, a pedido da família, no melhor interesse desta, pode alterar o histórico de saúde da paciente que será encaminhado para uma seguradora. c. O médico deve prestar os esclarecimentos que a família solicitar, resguardando os limites da confidencialidade. d. Após a morte da paciente, o médico deve retirar essas informações desconhecidas das fichas de acompanhamento clínico da paciente, como forma de garantir a sua privacidade. e. O médico está impedido, por motivos éticos e legais, de comparecer ao velório e enterro de sua paciente.

2. Considere as seguintes afirmativas e assinale a alternativa correta: I. Todas as informações contidas nos prontuários de pacientes são de livre acesso aos pesquisadores, pois são de propriedade do hospital, e não da paciente. II. O termo de consentimento é um documento de valor legal que isenta o profissional de sua responsabilidade sobre os riscos inerentes aos procedimentos assistenciais, pois a paciente foi devidamente informada e autorizou sua realização. III. O médico tem o dever de informar a paciente sobre todas as situações decorrentes de seu atendimento. Esse dever se impõe mesmo quando a paciente manifesta diretamente que não quer saber mais nada a esse respeito. a. b. c. d. e.

Apenas I e II estão corretas. Apenas II e III estão corretas. Apenas I e III estão corretas. Todas estão corretas. Nenhuma está correta.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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A Informática e o Ginecologista/Obstetra Daniel Ferreira Edison Capp

A tecnologia acompanha os profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, proporcionando avanços que permitem passos importantes para a viabilização de técnicas ou, até mesmo, tomadas de decisões. A informatização dos meios de comunicação propiciou um aumento da velocidade na troca de informações. Isso, por sua vez, não diminui a importância dos meios clássicos, como a informação impressa, que permite, dentre outras coisas, o manuseio e o arquivamento, sem a dependência de energia elétrica, mídias de armazenamentos ou máquinas especiais para sua leitura. Contudo, a informática está para os profissionais da atualidade como uma assistente para as mais distintas funções, como gerenciamentos, consultorias, dinamizações e muito mais. Para que todos os recursos existentes possam ser utilizados na prática da profissão e realmente otimizem o trabalho, é fundamental o conhecimento de conceitos básicos e também da abrangência que a informática pode alcançar por meio do estudo dos componentes das máquinas, do hardware, dos seus programas, do software e do funcionamento da rede mundial de computadores, a Internet.

Equipamentos A prática médica evolui em meio a tecnologias que visam a aumentar a eficiência dos diagnósticos, bem como a busca pela compreensão

do mecanismo de doenças e prognósticos satisfatórios. Esses entendimentos que acompanham os avanços tecnológicos muitas vezes estão relacionados diretamente a informática. Hoje em dia, a maior parte de procedimentos, análises e processos investigativos é realizada em equipamentos informatizados ou até mesmo automatizados. A partir dos anos 80, os computadores passaram a figurar no cenário técnico-científico como um instrumento indispensável, o que também é verdadeiro para o dia a dia do médico, por meio de máquinas informatizadas, como as utilizadas para a realização de ecografias, tomografias, densitometrias, ressonâncias. Porém, os computadores, de um modo geral, apresentam-se em diversos tamanhos, formas e capacidades. Essa variedade de opções proporciona uma adequação excelente às necessidades do profissional, que tem à sua disposição microcomputadores, também conhecidos como PCs (personal computers), que podem se apresentar na forma de desktops, laptops, notebooks, netbooks, passando pelos computadores de médio e grande porte, muitas vezes utilizados como servidores de empresas e laboratórios científicos, chegando mais recentemente aos modelos PDAs (personal digital assistent), em que estão os palm tops e handhelds, cada vez mais presentes nos consultórios, auxiliando no cotidiano do profissional. O conhecimento de alguns componentes fundamentais dessas máquinas ajuda a melhor utilizá-las.

374 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Processador É um componente formado por um único chip, responsável por reconhecimento e execução dos comandos do computador. É constituído por circuitos eletrônicos integrados: os transistores, os quais têm a velocidade determinada de processamento e, na maioria das vezes, dão o nome à máquina e podem influenciar no preço final do produto. Toda e qualquer informação acessada, armazenada ou reproduzida passa pelo processador. É importante conhecer a sua capacidade, pois imagens, alguns programas e arquivos muito grandes terão dificuldade para funcionar corretamente em processadores mais lentos. Ao passo que a tecnologia avança, a velocidade de processamento também aumenta. Portanto, o trabalho que será realizado pelo profissional, seja na clínica, no consultório ou em casa, poderá determinar qual processador terá melhores condições de realizá-lo. Um bom exemplo é aquele profissional que trabalha com computação gráfica, visualizando imagens, muitas vezes coloridas e ricas em detalhes, que necessitam de um processador com maior velocidade, ao contrário das exigências dos trabalhos realizados nos consultórios, como editores de textos, planilhas eletrônicas, pacotes estatísticos ou uma simples navegação na Internet.

Memórias RAM e ROM As memórias de um computador dividem-se basicamente em dois tipos: RAM (random access memory) e ROM (read only memory). A memória RAM também é constituída por chips de armazenamento e tem a função de disponibilizar as informações que o usuário está ou esteve usando recentemente. Pode ser chamada também de memória temporária ou volátil. É importante ressaltar que essa memória é totalmente apagada quando o computador é desligado. Daí a necessidade de armazenar a informação contida na RAM, antes que essa memória seja apagada. Para tanto, faz-se a transferência para outros tipos de mídia de armazenamento, como floppy disk (disquete), zip disk ou CD-Rs (compact disk – recordable). Outro chip de armazenamento de memória é a ROM. Esta, por sua vez, tem a função de fornecer informações dos componentes existentes na máquina, para um funcionamento correto deles. Sua gravação é

mantida mesmo com o computador desligado, por meio de uma bateria (semelhante à dos relógios) acoplada ao chip. Com a retirada dessa bateria, a memória também se apaga. A memória RAM é um componente que pode ser acrescido ao conjunto, respeitando sua compatibilidade, para um melhor desempenho, caracterizando a realização de um upgrade. Isso é necessário devido à velocidade na qual ocorre o desenvolvimento de novos softwares, que são cada vez mais complexos, exigindo máquinas com maior capacidade. A memória RAM é um bom indicativo para essa eficiência.

Disco rígido Esse compartimento de armazenamento, também chamado de hard disk, HD ou winchester, é o principal local para o registro das informações. É nele que os dados como programas e arquivos são colocados por um processo de gravação eletromagnética, permitindo alterações, cópias e até mesmo uma exclusão permanente. Como o próprio nome indica, é uma unidade rígida, com uma grande capacidade e ainda mais resistente do que outros meios de armazenamento, como a unidade de disquete, que é constituída de material flexível, tem capacidade de armazenamento relativamente pequena e acaba sendo muito mais suscetível a danos irreversíveis. Lembre-se que as informações importantes devem sempre ser guardadas em mídias fora da máquina geradora, na forma de cópias de segurança (backup), que garantem a integridade da informação.

Periféricos Muitos componentes complementam as funções dos computadores, estando colocados à sua periferia. São acessórios que, na maioria das vezes, estão acoplados por fios e cabos, ao compartimento principal (gabinete, no caso de desktop) ou diretamente aos portáteis. Encontram-se no mercado diversos modelos, que variam de valor de acordo com a sua capacidade. São eles: 1) os obrigatórios: os monitor, teclado, mouse; 2) os que podem ser opcionais: impressora, scanner, câmera de vídeo, microfone, joystick, câmera digital, caneta de leitura óptica e interface de aquisição de dados. Esses periféricos na sua maioria podem ser compartilhados

Rotinas em Ginecologia

por muitos usuários. Um recurso bastante utilizado em clínicas, laboratórios e consultórios é a criação de redes internas de computadores (intranet), que, conectados entre si, podem compartilhar a utilização dos periféricos, bem como de banco de dados de interesse comum em diferentes setores de trabalho.

Memória USB Flash Drive Comumente conhecido como pendrive, pen, disco removível ou chaveiro de memória, é um dispositivo de armazenamento constituído por uma memória flash, permitindo a sua conexão a uma porta USB do computador. As capacidades atuais de armazenamento são 64 Mb (megabyte) a 256 Gb (gigabyte). A velocidade de transferência de dados pode variar dependendo do tipo de entrada. Eles oferecem vantagens potenciais em relação a outros dispositivos de armazenamento portáteis, particularmente disquetes. São mais compactos, rápidos, têm maior capacidade de armazenamento, são mais resistentes devido à ausência de peças móveis. Os drives flash utilizam o padrão USB mass storage (armazenamento de massa USB), compatível com os principais sistemas operacionais modernos como Windows, Mac OS X, Linux, etc.

Programas Os programas de computador, também chamados de software, são formados por um conjunto de comandos organizados na forma de fluxogramas, os quais têm a função de realizar ações específicas, por meio de comandos previamente ordenados. São eles que funcionam como centros integradores entre os comandos dados pelo usuário, como, por exemplo, pelo teclado ou mouse, e as respostas do equipamento, como um complexo cálculo, um efeito em uma figura ou uma única letra de um prontuário médico. Porém, os equipamentos, bem como os softwares, não são capazes de apresentar soluções originais aos comandos propostos, e, assim, todas as respostas serão baseadas em sequências lógicas já estabelecidas. Em comparação ao raciocínio humano, esses programas levam vantagens quanto à velocidade na realização de operações complexas; mas

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em relação às questões subjetivas, como tomadas de decisão, julgamentos e surgimento de ideias, eles ainda não estão aptos a realizá-las. Estão divididos em várias categorias, classificados por sua função em sistemas operacionais, que são as plataformas nas quais os demais programas irão funcionar: os aplicativos, que são programas específicos como editores de textos, compiladores e editores de imagens; e os utilitários, programas que de alguma forma prestam assistência ao sistema operacional, cujos melhores exemplos são os programas antivírus. Diante dessa grande quantidade de programas disponíveis no mercado, a seguir são apresentadas algumas classes de softwares que fazem parte do cotidiano médico. Hoje em dia, devido aos avanços da interface gráfica, as ações que no início eram realizadas por linhas de comando passaram a integrar uma variedade de menus, os quais deixam à disposição do usuário todas as funções que o software é capaz de realizar. Essa disponibilidade de funções agilizou as tarefas, tornando-as muito mais rápidas, quando realizadas sem o auxílio da informática. Os softwares também permitem muitas vezes um compartilhamento entre si das informações, as quais não necessitam de nova digitação e, assim, otimizam o trabalho. Ao escrever uma carta, redigir um ofício ou preencher um prontuário, logo se pensa em como deixar o texto bem apresentado. Para tanto, existe uma classe de programas chamada editores de texto. Com este software, é possível criar textos com as mais diferentes aparências, alterando o tipo de letra (ou fonte), e construir, em uma única folha, formatos de textos diferentes, por exemplo, em colunas – sem deixar de mencionar a variedade de recursos gráficos, como figuras, fotos e cores, que podem enriquecer um texto antes apresentado de forma monocromática. Um outro recurso positivo importante desses editores é quanto ao volume final do texto, ou seja, a quantidade de papel. Muitas enciclopédias inteiras, quando digitadas em editores de texto, cabem em poucos CDs. Assim, esse tipo de programa pode proporcionar apresentações impecáveis de documentos e agilizar a construção de textos, além de facilitar o armazenamento.

376 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Outros dois grupos às vezes geram confusão por apresentarem muitas semelhanças: as planilhas eletrônicas e os pacotes estatísticos. O primeiro se caracteriza por apresentar inúmeros recursos de cálculos complexos, sua aparência gráfica lembra uma planilha em papel, além de disponibilizar a utilização simultânea de várias dessas planilhas. Por permitir o armazenamento na forma de caracteres e gráficos, muitas vezes é utilizado como um “banco de dados”, porém, existem softwares especializados para esse tipo de trabalho. Os cálculos nas planilhas vão dos mais simples, como as quatro operações básicas da matemática, até testes estatísticos complexos para determinação de resultados precisos. Para uma melhor tabulação dos dados, é preciso organizar as informações de forma objetiva, para que, quando haja a aplicação de algum recurso do programa, os resultados possam ser gerados corretamente. O segundo, por sua vez, apresenta recursos gráficos e principalmente estatísticos, os quais são aplicados nas mais diferentes áreas, dentre as quais está a medicina. Porém, os recursos estatísticos disponibilizados devem ser selecionados de forma adequada, pois o software apenas aplica o cálculo selecionado, ficando a cargo do usuário conhecer e entender o cálculo para analisar os resultados. Fica claro que, para cálculo, existem softwares capazes das mais diversas tarefas, tendo hoje no mercado muitos fabricantes, que cada vez mais aumentam a especificidade. Por isso, atualmente é possível trabalhar com a complexidade das inúmeras variáveis existentes em uma população, bem como diferenças de valores muito pequenas existentes entre concentrações de determinadas substâncias orgânicas humanas, que podem ser calculadas e analisadas. Existem outros softwares que foram desenhados primeiramente para utilização empresarial e que hoje em dia já se encontram em versões pessoais: os programas de gerenciamento. Esses programas, muito comuns em clínicas, laboratórios e consultórios, funcionam como controladores, os quais registram os acontecimentos para posterior conferência ou armazenamento. Dentre suas funções, está a organização da agenda de exames, consultas e cirurgias, o fluxo de caixa, a emissão de faturas, o controle de estoque e

uma das funções mais importantes: a geração de prontuários médicos. Com a utilização cada vez maior dos PDAs (palm tops e handhelds) pela comunidade médica, os softwares de gerenciamento estão sendo mais indispensáveis do que nunca. Eles passaram a realizar o controle da agenda profissional do médico, além de alguns desses softwares alcançarem enorme especificidade, sendo capazes de calcular inclusive dosagens de medicamentos e apresentar resumos clínicos das pacientes. Assim, os programas de gerenciamento estão cada vez mais presentes e, com a velocidade na qual se desenvolvem, auxiliarão a prática médica de forma cada vez mais eficiente. Com a troca de informações entre computadores, seja via mídia externa ou via rede, alguns softwares passaram a fazer parte do conjunto de programas básicos do computador: o antivírus. Ele tem a função de detectar a presença de qualquer arquivo que, devido à sua programação, cause algum risco e, posteriormente, dano à máquina. É importante manter esse software sempre atualizado com as últimas definições de vírus, pois a simples instalação não garante a “imunidade” permanente do sistema. A grande maioria dos vírus se propaga pela Internet, e todo arquivo transferido de um computador para outro está sujeito à infecção.

Internet Conhecimento e habilidade em obter a informação desejada requerem paciência e prática. Nada substitui a experiência pessoal e o desenvolvimento de caminhos e atalhos de busca próprios. A rede mundial de computadores (World Wide Web) – daí o www nos endereços dos sites —, mais conhecida como Internet, é formada por um conjunto de redes locais de computadores, conectadas a um computador remoto (o servidor), o qual pode interligar-se com os demais servidores em todo o mundo. Esse avanço na comunicação propicia uma velocidade muito grande na troca de informações e permite também uma maior agilidade na procura por informações por meio de metabuscadores específicos, os search engines (Tab. 25.1).

Rotinas em Ginecologia

Tabela 25.1 Endereços de serviços de busca (search engines) http://www.google.com http://www.altavista.com http://www.yahoo.com.br http://www.cade.com.br http://www.aonde.com.br

À primeira vista, a amplitude da Internet pode assustar, porém, após utilizá-la algumas vezes, ela se torna também uma ferramenta indispensável, devido à facilidade com a qual podemos interrelacionar assuntos que antigamente seriam investigados separadamente. O acesso à rede atualmente está disponível em muitos lugares, sendo necessário somente um equipamento adequado que permita o envio e o recebimento de dados até um servidor e, assim, a troca de informações com o restante do mundo que está conectado. Hoje é possível manter contato simultâneo entre pessoas de todos os continentes em tempo real, por meio de textos e geração de imagens na tela do computador (para a captura de vídeo, é necessário equipamento específico). Dessa forma, é possível, por exemplo, discutir casos com colegas nos mais distantes locais. Dois programa têm particularmente se destacado na construção dessa malha de Informação em tempo real: MSN Messenger (www.hotmail.com), um programa de mensagens instantâneas que permite que um usuário da Internet se relacione com outro que tenha o mesmo programa em tempo real, podendo ter uma lista de amigos “virtuais” e acompanhar quando eles entram e saem da rede; e Skype (www.skype.com), o qual permite a comunicação de voz e vídeo sem custo entre os usuários do software – além da realização de chamadas telefônicas a preços muito acessíveis (fato que está revolucionando o mercado de telefonia!). O que impressiona quando se trata da rede mundial de computadores é a quantidade de informação que se pode encontrar sobre um determinado assunto, por exemplo, saúde da mulher. Nas ferramentas de busca, quando se escolhe um determinado assunto, deve-se colo-

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car as palavras de forma que as respostas sugeridas pelo navegador (browser) estejam de acordo com a pesquisa realizada. Para isso, existem alguns recursos como os símbolos ⫹ e “”, e os termos and e or, dentre outros, chamados recursos boleanos. Dessa forma, a expressão “saúde da mulher” trará uma resposta diferente da pesquisa feita com a expressão saúde ⫹ mulher, e assim por diante. Sempre se começa uma pesquisa com temas mais amplos, para não excluir alguma informação que pode ser apresentada pelo navegador e ser relevante para o trabalho. Posteriormente, especifica-se cada vez mais o assunto investigado. Outro recurso gerado pela Internet é o sistema de correio eletrônico (e-mail). Esse é a reprodução do sistema de correspondência existente na vida real, por exemplo: uma mensagem é escrita por uma paciente e encaminhada ao destinatário, o seu ginecologista. Então, quando ele acessar a sua caixa de correspondência por meio de um computador, receberá a mensagem com as informações da paciente, que poderão estar na forma de texto, som, gráficos e imagens, e ser armazenadas como um arquivo para posterior conferência. O e-mail também originou mais um modelo de comunicação virtual: os grupos de discussão, também chamados de listas de correio eletrônico (electronic mailing lists). Quando uma mensagem é enviada ao grupo, todos os participantes a compartilham, podendo opinar sobre o assunto. A rede mundial de computadores oferece opções para estudo nos diversos campos da medicina, bem como entretenimento para os períodos de lazer.

Sugestões de navegação http://www.febrasgo.org.br A Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia disponibiliza em sua página informações sobre encontros, atividades da Federação e também os índices de suas revistas Femina e Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia.

http://www.inca.gov.br O Instituto Nacional de Câncer (INCA) é o órgão do Ministério da Saúde responsável pela

378 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

prevenção e controle do câncer no Brasil. Podem ser encontrados dados epidemiológicos sobre a doença e previsões de números de casos novos. Oferece links para outras páginas de interesse.

http://www.scielo.br e http://www.bireme.br Os dois sites oferecem acesso à literatura científica, bases de dados e diversos periódicos brasileiros. É possível obter textos completos e resumos. São portais para diversas revistas científicas, entre elas, o Brazilian Journal of Medical and Biological Sciences, a Acta Cirúrgica Brasileira e a Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia.

gico, câncer de pulmão, doença cardíaca e violência doméstica.

http://cancernet.nci.nih.gov Fornece informações sobre diagnóstico e tratamento do câncer. Permite acesso a seleções e resumos do Journal of the National Cancer Institute.

http://www.womenshealth.gov Página do Departament of Health and Human Services – Office on Women’s Health, voltado para a mulher. Oferece conexão para a National Library of Medicine dos EUA, além de incluir informações sobre bolsas e treinamentos. Permite acesso a revistas científicas.

http://www.acog.org

http://www.menopause.org

O American Congress of Obstetricians and Gynecologists fornece informações para pacientes sobre a saúde da mulher, acesso a artigos da revista Obstetrics and Gynecology para os membros, conferências online e oportunidades de educação médica continuada.

A North American Menopause Society (NAMS) é uma sociedade multidisciplinar com interesse na menopausa. Essa página oferece informação sobre encontros, congressos e resumos da sua revista Menopause. Há uma lista de perguntas mais frequentes, manuais de orientação às pacientes e revisões referentes à saúde e ao processo de envelhecimento nessa fase da vida. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed PubMed é o serviço de busca da National Library of Medicine. Oferece acesso a publicações no MEDLINE e a outros bancos de dados correlacionados. Contém links para os jornais participantes online.

http://women.americanheart.org Informações para médicos, incluindo estatísticas sobre doenças cardíacas e acidentes vasculares, além de textos sobre prevenção primária e secundária. Inclui função de busca nos jornais científicos da American Heart Association (AHA), colocando à disposição resumos dos artigos e textos completos disponíveis para membros.

http://www.bmj.com A página do British Medical Journal permite acesso aos textos completos de seus artigos, editoriais, revisões em diversas áreas da saúde da mulher, incluindo gestação, planejamento familiar, reprodução, menopausa e oncologia.

http://www.womenshealth.org Estimula a inclusão de mulheres em estudos clínicos e a captação de recursos para pesquisas sobre a saúde da mulher. Apresenta resumos e links de outros sites sobre assuntos como osteoporose, doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), distúrbios alimentares, câncer ginecoló-

http://www.thelancet.com e http://www.nejm.org As páginas do The Lancet e do New England Journal of Medicine dão acesso livre aos resumos dos artigos publicados (acesso a textos integrais pelos assinantes). É possível cadastrar-se e obter informações por correio eletrônico sobre os títulos dos artigos publicados em cada número.

http://www.pnas.org É a página do Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) dos EUA. Oferece acesso a resumos e textos completos. A busca pode ser restringida à saúde da mulher.

Rotinas em Ginecologia

http://www.freemedicaljournals.com Site que disponibiliza textos completos de diversos periódicos, em alguns casos com datas de 6 meses a 1 ano de publicação.

Considerações finais A informática no dia a dia do ginecologista/obstetra é uma ferramenta que possibilita muitos benefícios, como alguns já discutidos. Porém, as tecnologias dos hardwares e as versões dos

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softwares estão em constante atualização. Alguns endereços de sites também podem sofrer alterações por motivos técnicos, ficando temporariamente ou definitivamente sem acesso. Dessa forma, o mais importante é manter-se atualizado e sempre buscar informações de forma adequada, registrando endereços, atalhos e links para a otimização do trabalho. Afinal, com a informática como aliada, pode-se transformar uma árdua pesquisa em um prazeroso passeio cheio de interfaces gráficas e velocidade de navegação pelo mundo.

LEITURAS SUGERIDAS COLE, H. Women’s health on the web. JAMA, v. 282, n. 13, p. 1211-1212, 1999. DELAMOTHE, T.; SMITH, R. The joy of being electronic [editorial]. BMJ., v. 319, n. 7208, p. 465-466, 1999. DRAKE, C. Locating a home page and journal source: hypothermia and the perioperative patient. AORN J., v. 70, n. 2, p. 313-314, 1999. LECUEDER, S.; MANYARI, D. Virtual congresses. J. Am. Med. Inform. Assoc., v. 7, n. 1, p. 21-27, 2000.

LIEDERMAN, E.; MOREFIELD, C. Web messaging: a new tool for patient-physician communication. J. Am. Med. Inform. Assoc., v. 10, n. 3, p. 260-270, 2003. MACPHERSON, K. Menopause on the internet: building knowledge and community on-line. ANS Adv. Nurs. Sci., v. 20, n. 1, p. 66-78, 1997. MCKEOWN, M. J. Use of the Internet for obstetricians and gynecologists. Am. J. Obstet. Gynecol., v. 176, n. 2, p. 271-274, 1997.

O’REILLY, M. Women’s health care rides an Internet wave. J. Can. Med. Assoc., v. 162, n. 5, p. 686, 2000. PALLEN, M. Guide to the internet: the world wide web. BMJ, v. 311, n. 7019, p. 1552-1556, 1995. SANDVIK, H. Health information and interaction on the internet: a survey of female urinary incontinence. BMJ, v. 319, n. 7201, p. 29-32, 1999.

380 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual o motivo de hoje em dia, procedimentos, análises e processos investigativos serem realizados em equipamentos informatizados ou até mesmo automatizados? a. ( ) Tornar mais ágil e/ou precisos os exames iniciais de doenças desconhecidas até a década de 80. b. ( ) Obter prognósticos mais satisfatórios, e compreender melhor o mecanismo de algumas doenças. c. ( ) Atualmente a tecnologia está presente em todas as áreas da ciência. d. ( ) Prognósticos computadorizados ou automatizados trazem um mais conforto ao paciente. e. ( ) Usando sistemas informatizados, é possível obter um prognóstico preciso, sem margem de erros.

2. Sobre softwares para computadores e suas aplicações, é correto afirmar que: (2 alternativas corretas) a. ( ) Planilhas executam as mesmas funções e cálculos que softwares de estatística. b. ( ) Dados de softwares estatísticos podem ser usados na medicina, porém entendimento e conhecimento sobre os cálculos é responsabilidade do usuário. c. ( ) Ainda hoje, programas são muito complexos, de pouca usabilidade, trazendo pouca produtividade para a área médica. d. ( ) Não necessitam de atualizações. e. ( ) Softwares de gerenciamento tiveram origem para uso empresarial e hoje são amplamente usados, tanto para gerenciar clínicas médicas quanto para gerenciar e disponibilizar prontuários de pacientes.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

Parte II

Neoplasias

Capítulo 26 Biologia Molecular do Câncer Cervical . . . . . . . . . .383 Capítulo 27 A Lesão Intraepitelial no Colo Uterino . . . . . . . . . .389 Capítulo 28 Papel do HPV na Gênese das Lesões Pré-Malignas do Colo do Útero . . . . . . . . . . . . . . .407 Capítulo 29 Carcinoma de Colo Uterino . . . . . . . . . . . . . . . . . .417 Capítulo 30 Neoplasia Intraepitelial Vulvar . . . . . . . . . . . . . . . .429 Capítulo 31 Alterações Benignas da Vulva . . . . . . . . . . . . . . . .438 Capítulo 32 Neoplasia de Vulva e Vagina . . . . . . . . . . . . . . . . .446 Capítulo 33 Neoplasias de Corpo Uterino . . . . . . . . . . . . . . . . .460 Capítulo 34 Neoplasias de Ovário e de Tuba Uterina . . . . . . . . .478 Capítulo 35 O Papel da Quimioterapia e Hormonioterapia em Oncologia Genital Feminina . . . . . . . . . . . . . . .498 Capítulo 36 O Papel da Radioterapia em Oncologia Genital Feminina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .507 Capítulo 37 Procedimentos Diagnósticos no Trato Genital Inferior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .526 Capítulo 38 Patologia Benigna da Mama . . . . . . . . . . . . . . . . .532 Capítulo 39 Câncer de Mama. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .554 Capítulo 40 Quimioterapia no Câncer de Mama . . . . . . . . . . . .578 Capítulo 41 Hormonioterapia no Câncer de Mama . . . . . . . . . .588 Capítulo 42 Radioterapia no Câncer da Mama . . . . . . . . . . . . .593

26

Biologia Molecular do Câncer Cervical Edison Capp Lolita Schneider Pizzolato Ilma Simoni Brum da Silva Heleusa Ione Mônego João Paolo Bilibio Waldemar Augusto Rivoire

Nas duas últimas décadas, foram alcançados avanços importantes na identificação das bases do processo de transformação neoplásica (Pinto; Crum, 2000). Os genes estão presentes nas moléculas de DNA, no núcleo celular, e especificam sequências de aminoácidos que devem ser ligados uns aos outros para formar determinada proteína: a proteína deverá realizar o efeito biológico do gene. Quando um gene é ativado, a célula responde sintetizando a proteína codificada. As mutações em um gene podem perturbar a célula, alterando a atividade dessa proteína ou sua quantidade.

e causam multiplicação celular excessiva. Essas mutações levam o proto-oncogene a expressar em excesso sua proteína estimuladora do crescimento ou a produzir uma forma mais ativa. Os genes supressores de tumores, no entanto, contribuem para o desenvolvimento de câncer quando são inativados por mutações. O resultado é a perda da ação de genes supressores funcionais, o que depriva a célula de controles cruciais para a prevenção de crescimento inadequado.

Proto-oncogenes estimulam, enquanto genes supressores inibem os processos de divisão celular. Coletivamente, essas duas classes de genes são responsáveis pela proliferação descontrolada encontrada nos cânceres em humanos (Weinberg, 1996).

O ciclo celular é composto de quatro estágios. Na fase G1 (gap 1 ⫽ intérfase), a célula aumenta de tamanho e prepara-se para copiar seu DNA. A cópia (replicação) ocorre na fase seguinte, chamada de S (síntese), e permite que a célula duplique precisamente seus cromossomos. Depois de replicados os cromossomos, inicia a fase G2 (gap 2), durante a qual a célula prepara-se para a fase M (mitose) – quando a célula-mãe, aumentada, finalmente divide-se ao meio, para produzir duas células-filhas com igual número de cromossomos. As células-filhas imediatamente entram em fase G1 e podem reiniciar o ciclo celular. Outra alternativa também é parar o ciclo temporária ou definitivamente (Fig. 26.1).

Quando ocorrem mutações, proto-oncogenes tornam-se oncogenes, que são carcinogênicos

Várias proteínas inibidoras podem parar o avanço desse ciclo. Entre elas, p15 e p16, que atuam

Duas classes de genes, pequenas em relação ao total de genes, têm papel-chave no desenvolvimento do câncer. Em suas configurações normais, elas dirigem o ciclo celular em uma intrincada sequência de eventos, pelos quais as células crescem e dividem-se.

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Figura 26.1 Fases do ciclo celular.

bloqueando componentes essenciais para a progressão do ciclo celular, como CDKs (cyclin-dependent kinases) e ciclinas, impedindo o avanço do ciclo da fase G1 para S. Outros inibidores são p21 (associada ao proto-oncogene ras) e p53, que monitoram a saúde celular, a integridade de seus cromossomos e a execução correta das diferentes fases do ciclo. As células humanas estão equipadas com mecanismos de controle da divisão celular. Mutações no conteúdo genético dessas células podem superar essas defesas e contribuir para a formação de cânceres. Um desses mecanismos de ação é a morte celular programada, chamada de apoptose, quando componentes essenciais estão lesados ou o controle do sistema desregulado. O desenvolvimento de células tumorais consiste em escape a esse mecanismo. A proteína p53, entre as suas várias funções, auxilia no início da apoptose; sua inativação reduz a chance de células geneticamente danificadas serem eliminadas, iniciando um processo carcinogênico. Outra forma de controle da divisão celular é um mecanismo de contagem do número, limitado, de vezes que determinada célula se reproduz. Nesse mecanismo, as pontas dos cromossomos (telômeros) marcam o número de divisões e, no momento certo, iniciam senescência e morte. Esses dois mecanismos sugerem uma tentativa de imortalização da célula cancerosa.

A relação existente entre oncogenes e vírus foi suspeitada em 1909, quando Peyton Rous descobriu que um vírus (conhecido como Rous sarcoma virus) causava sarcoma em aves. Contudo, foram necessários outros 60 anos até que se demonstrasse que esse vírus usava um único gene, o oncogene v-src, que, uma vez ativado, levava as células de crescimento normal para carcinogênico (Wallis; MacDonald, 1999).

Papilomavírus humano Os papilomavírus humanos (HPVs) são membros da família Papovaviridae. HPVs formam uma família de mais de 130 genótipos, podendo ser divididos em tipos cutâneos ou de mucosa (Sanclemente; Gill, 2002). HPVs de mucosa são divididos nos tipos de risco alto, intermediário e baixo, dependendo da lesão a qual eles estão associados. Tipos de alto risco são predominantemente associados a câncer cervical, enquanto os tipos de baixo risco são comumente detectados em verrugas genitais. Estudos epidemiológicos das lesões cervicais uterinas nos últimos 20 anos sugeriram, sem sucesso, a participação de agentes carcinogênicos venéreos (sêmen, vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, herpes simples tipo II). Contudo, o HPV surgiu como principal suspeito ao ser encontrado em cerca de 90% dos cânceres cervicais, por

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apresentar oncogenes (E6 e E7) com potencial de transformação (Arends; Buckley; Wells, 1998). O ciclo de vida do HPV está intimamente ligado ao mecanismo de diferenciação do epitélio do hospedeiro infectado. Acredita-se que o vírus do HPV infecta as células basais ou as células-tronco por meio de microlesões. Na camada basal, os HPVs estão em fase de infecção latente, sem produzir novos vírus. Como as células-filhas do epitélio migram em direção à camada superior e sofrem diferenciação, a replicação vegetativa do genoma viral coordena a expressão das proteínas do capsídeo, formando partículas virais. Por fim, os vírus descendentes são liberados a partir da camada mais externa para encontrar novas células hospedeiras. Dessa maneira, o ciclo reprodutivo do HPV não é acompanhado pela morte celular ou citólise e, por isso, não causa inflamação ou produção de citocinas pró-inflamatórias (Stanley, 2006). Evidências indicam que E6 e E7 do HPV de alto risco têm a capacidade de inibir a resposta imune inata (Chang; Laimins, 2000; Nees et al., 2001). Trabalhos realizados com HPV de alto risco, como HPV 16, HPV 18 e HPV 31, mostram que esses tipos de HPV estão associados a mais de 90% dos cânceres do

colo do útero (Walboomers et al., 1999). É possível, contudo, que diferentes mecanismos sejam utilizados pelos diferentes subtipos para induzir transformação neoplásica. Em particular, há evidências de que o HPV 33 transforme as células por outra via (Beutner; Tyring, 1997). Um modelo de transformação celular pelos HPVs 16 e 18 é apresentado na Figura 26.2. Todos os tipos de HPV são replicados exclusivamente no núcleo da célula hospedeira. Em lesões de pele benignas associadas ao HPV, o genoma viral separa-se do DNA celular e surge como um plasmídeo extracromossômico (corpo epissomal). Em lesões malignas associadas aos HPVs 16 e 18, contudo, o DNA viral permanece integrado aos cromossomos hospedeiros (Kaufman; Adam; Vonka, 2000). Para se integrar ao DNA celular, é necessário que haja uma quebra no genoma viral. Essa separação não ocorre de forma aleatória: a maioria ocorre nas regiões E1 e E2 do vírus. O resultado da quebra é uma perda de função desses dois genes, acompanhada de uma desregulação dos genes E6 e E7, resultando em transformação da célula hospedeira. A região do cromossomo ao qual o genoma se integra não parece ser essencial para o desenvolvimento car-

DNA viral (HPV) extracelular

Cromossomo hospedeiro

DNA viral (HPV) integrado Integração do DNA viral ao cromossomo hospedeiro Expressão desregulada dos genes E6 e E7 (HPV) Interação com proteínas celulares regulatórias

Proliferação celular benigna (condiloma)

Tumor maligno Figura 26.2 Replicação viral em célula hospedeira. Fonte: Adaptada de Alberts e colaboradores (2004).

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cinogênico, uma vez que essas regiões variam muito (Tab. 26.1). Embora os genes E6 e E7 tenham sido relacionados à carcinogênese mediada pelo HPV, o mecanismo exato pelo qual o produto desses genes age ainda não foi completamente esclarecido. É possível que a ação ocorra por meio de interação com proteínas reguladoras do ciclo celular. Em particular, foi demonstrado que E6 liga-se à proteína p53, e E7, à proteína Rb (produto do gene do retinoblastoma). Essas duas proteínas atuam prevenindo a transformação celular e interrompendo sua divisão e proliferação (Beutner; Tyring, 1997). As proteínas E6 e E7 são importantes para induzir e manter a transformação celular por causa da sua interferência no ciclo celular e na apoptose. Oncoproteínas E6 e E7 de HPVs de alto risco se ligam às proteínas p53 e Rb, que estão envolvidas na regulação do controle do crescimento celular. A instabilidade ge-

nômica está ligada à transformação celular, e existem evidências de que E6 e E7 juntos causam poliploidia logo após serem introduzidos nas células. Isso parece resultar na desregulação de alguns genes pela perda da p53 por meio do E6 e de membros da família pRb pelo E7, superando a proteção da resposta de inibição (Incassati; Patel; Mccance, 2006). E6 e E7 também causam desregulação de genes celulares que controlam a fase G2 / M do ciclo celular (Walboomers et al., 1999; Patel et al., 2004). As diferenças entre células normais e neoplásicas podem ser sutis, mas existem. As características únicas dessas células as tornam excelentes alvos para a intervenção. O desenvolvimento de terapêuticas anticarcinogênicas ainda é incipiente. Em breve, serão utilizados delineamentos racionais e acurados de biologia molecular e terapêutica gênica como adjuvantes no tratamento do câncer cervical e outras doenças.

Tabela 26.1 Descrição das funções dos genes do HPV Gene

Função

E1

Atividade de DNA helicase, ligação de ATP, DNA-dependente, atividade de ATPase. Papel na replicação e na repressão da replicação. Regulador da transcrição e da replicação viral, controle da região de expressão precoce (early), necessária para replicação viral eficiente junto ao E1. Sem função conhecida (presente apenas em uma minoria de HPVs). Expresso principalmente em epitélio em diferenciação, associado ao citoesqueleto de queratina de células epiteliais em cultura, tem papel na liberação de vírus. Atividade de transformação em HPV 16 in vitro. Possivelmente estimula o início da proliferação celular in vivo, mas pode ter um papel na iniciação da carcinogênese. Papel no processo de transformação junto ao E7. Propriedades de ativação transcripcional. E6 dos HPVs de alto risco inativa p53 pela indução de sua degradação. Junto ao E7, propicia um ambiente celular para a replicação viral. Induz síntese de DNA em células em repouso. E7 liga-se à forma hipofosforilada da proteína do retinoblastoma (pRb), resultando em sua inativação funcional, permitindo progressão funcional para a fase S do ciclo celular. Proteínas E7 dos tipos de baixo risco, HPVs 6 e 11, ligam-se de forma menos eficaz do que as proteínas E7 dos tipo de alto risco, HPVs 16 e 18.

E2 E3 E4 E5 E6

E7

Fonte: Adaptada de Sanclemente Gill (2002).

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REFERÊNCIAS ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. ARENDS, M. J.; BUCKLEY, C. H.; WELLS, M. Aetiology, pathogenesis, and pathology of cervical neoplasia. J. Clin. Pathol., v. 51, n. 2, p. 96-103, 1998. BEUTNER, K. R.; TYRING, S. Human papillomavirus and human disease. Am. J. Med., v. 102, n. 5A, p. 9-15, 1997. CHANG, Y. E.; LAIMINS, L. A. Microarray analysis identifies interferon-inducible genes and Stat-1 as major transcriptional targets of human papillomavirus type 31. J. Virol, v. 74, n. 9, p. 4174-4182, 2000. INCASSATI, A.; PATEL, D.; McCANCE, D. J. Induction of tetraploidy through loss of p53 and upregulation of Plk1 by human papillomavirus

LEITURA SUGERIDA KIM, Y. T.; ZHAO, M. Aberrant cell cycle regulation in cervical carcinoma. Yonsei Med. J., v. 46, n. 5, p. 597-613, 2005.

type-16, E6. Oncogene, v. 25, n. 17, p. 2444-2451, 2006. KAUFMAN, R. H.; ADAM, E.; VONKA, V. Human papillomavirus infection and cervical carcinoma. Clin. Obstet. Gynecol., v. 43, n. 2, p. 363-380, 2000. NEES, M. et al. Papillomavirus type 16 oncogenes downregulate expression of interferon-responsive genes and upregulate proliferation-associated and NF-kappaB-responsive genes in cervical keratinocytes. J. Virol., v. 75, n. 9, p. 4283-4296, 2001. PATEL, D. et al. Human papillomavirus type 16, E6 and E7 cause polyploidy in human keratinocytes and up-regulation of G2-M-phase proteins. Cancer Res., v. 64, n. 4, p. 1299-1306, 2004. PINTO, A. P.; CRUM, C. P. Natural history of cervical neoplasia: defining

progression and its consequence. Clin. Obstet. Gynecol., v. 43, n. 2, p. 352-362, 2000. SANCLEMENTE, G.; GILL, D. K. Human papillomavirus molecular biology and pathogenesis. J. Eur. Acad. Dermatol. Venereol., v. 16, n. 3, p. 231-240, 2002. STANLEY, M. Immune responses to human papillomavirus. Vaccine, v. 24, n. 1, p.16-22, 2006. Supplement. WALBOOMERS, J. M. et al. Human papillomavirus is a necessary cause of invasive cervical cancer worldwide. J. Pathol., v. 189, n. 1, p. 12-19, 1999. WALLIS, Y. L.; MACDONALD, F. Demystified oncogenes. Mol. Pathol., v. 52, n. 2, p. 55-63, 1999. WEINBERG, R. A. How cancer arises. Sci. Am., v. 275, n. 3, p. 62-70, 1996.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. O ciclo de vida do vírus HPV está ligado ao mecanismo de diferenciação do epitélio do hospedeiro infectado. Por isso, acredita-se que este vírus: a. Infecta as células pelo contato direto com outros vírus. b. Infecta as células por meio de microlesões no epitélio. c. Desenvolve-se em células que apresentam mutações. d. Infecta o epitélio do hospedeiro somente pela saliva. e. Desenvolve-se em células que apresentam deleções de genes que controlam o ciclo celular.

2. As proteínas E6 e E7 também podem causar desregulação gênica interferindo na: a. b. c. d. e.

Regulação do ciclo celular na fase G1/S. Regulação do controle de mutações. Regulação da síntese celular. Regulação da fase G2/M do ciclo celular. Todas as alternativas estão corretas.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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A Lesão Intraepitelial no Colo Uterino Waldemar Augusto Rivoire Heleusa Ione Mônego Ricardo dos Reis Márcia Appel João Paolo Bilibio Luciano Serpa Hammes Edison Capp

Nas cinco edições anteriores, descrevemos os conceitos básicos que norteiam o diagnóstico e a conduta terapêutica na lesão intraepitelial (LIE) do colo uterino. Em uma publicação dessa natureza, em que estamos limitados a um número restrito de páginas, por questões editoriais compreensíveis, não há como avançar no tema, repetindo todos os conceitos emitidos nas publicações anteriores. Assim, optamos por dar um passo adiante, aprofundando os conhecimentos contidos naquelas edições e introduzindo outros, não abordados anteriormente. Dessa forma, em uma verdadeira educação médica continuada, sugerimos uma releitura do capítulo, na quinta edição, ou primeira leitura, para os que não o haviam feito.

Aspectos gerais a considerar As pacientes de risco são, principalmente, as transplantadas, as gestantes, as que fazem uso de corticoides cronicamente, as portadoras do vírus da imunodeficiência humana (HIV), as fumantes (todas com maior ou menor deficiência no sistema imunológico), as que apresentam depressão psicológica, as que têm múltiplos parceiros sem proteção do preservativo. Aqui, vale lembrar que se uma mulher é monógama, mas

seu parceiro mantém relações sexuais com outras parceiras sem proteção, ela também é de risco, devido à possibilidade de ser infectada pelo papilomavírus humano (HPV), pricipalmente. Quanto ao fumo, além da combustão do invólucro de papel, com seus milhares de componentes cancerígenos, um dos mecanismos conhecidos na diminuição da imunidade refere-se à diminuição das células de Langerhans, no colo uterino. Foi constatado aumento do aparecimento de lesão intraepitelial de alto grau (LIE AG) em pacientes que apresentavam células escamosas atípicas (ASC – Atypical glandular cells) ou lesão intraepitelial de baixo grau (LIE BG) (Guarisi et al., 2009). O hábito de fumar mais de 20 cigarros por dia aumentou em 5 vezes o risco de progressão da LIE BG para LIE AG (Daly et al., 1998). Somos de opinião que não se devem traduzir as siglas, consagradas mundialmente na língua inglesa. Exceção para NIC (neoplasia intraepitelial cervical) e as correspondentes vulvar (NIV) e vaginal (NIVA), além de LIE BG e LIE AG, consagradas na literatura brasileira. Outro aspecto a destacar é a concomitância de lesões vulvares e cervicais. Paciente com NIV indiferenciada (ligada ao HPV) tem 35% de chance de ter também LIE AG no colo uterino, contra

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2% da NIV diferenciada (da paciente idosa, não ligada ao HPV) (De Bie et al., 2009). Outro aspecto que não tem sido muito abordado é a concomitância de lesões genitais com lesões anais. Isso ocorreu em 17% dos casos, em confronto com apenas 2,6% do grupo-controle (Giraldo et al., 2009). Cautela deve ser tomada com exames de rastreio alterados em adolescentes. Não é a faixa etária preferencial, nem para câncer genital (excetuados tumores ovarianos germinativos e do estroma gonadal), nem para LIE no trato genital inferior. Nesses casos, a conduta mais indicada é o controle semestral, com citologia e colposcopia (Moscicki, 2008).

O significado da lesão intraepitelial A lesão intraepitelial de baixo grau Conhecidos os conceitos básicos do tema, é importante compreender o que representa uma LIE BG. Esse termo, criado pelo grupo de Bethesda, em 1988, designa a lesão de baixo potencial oncogênico (1%) e corresponde às alterações nucleares leves e pequena perda da diferenciação. As alterações citopáticas causadas pelo HPV, sem a ocorrência da alteração nuclear (discariose), podem ser também incluídas na LIE BG. Entretanto, há uma tendência cada vez mais aceita de classificá-las separadamente. LIE BG e LIE AG são termos de uso exclusivo da citologia. A histologia segue usando o termo cunhado por Richart, a partir de 1966, NIC I (Neoplasia Intraepitelial Cervical Grau I), que substitui o termo displasia leve, criado por Reagan em 1953. O correspondente da colposcopia é “alteração menor”. Hoje já não se aceita o “contínuo biológico” como rota obrigatória para progressão das lesões, a não ser como exceção (pacientes em condições especiais de imunodeficiência). Isso quer dizer que uma LIE BG deve ser encarada, via de regra, como expressão de uma infecção pelo HPV, sem potencial oncogênico. Isso mudou substancialmente nossa conduta, que ficou menos agressiva, evitando mutilações do colo. A tendência atual é observar essas lesões, só intervindo no caso de progressão, que, como vimos,

é rara. Somente 10 a 15% das LIE BG progridem para LIE AG. Com o avanço da biologia molecular, constatou-se que as proteínas E6 e E7 dos vírus de baixo potencial oncogênico (6 e 11) não conseguem romper o anel de DNA do núcleo das células, codificando proteínas do DNA celular. Por isso, propiciam fenômenos epissomais, levando à morte celular e não à mutação. A LIE BG deve ser encarada como uma infecção pelo HPV, sem potencial oncogênico, em tese. Somente 10 a 15% dos casos progridem para LIE AG.

A lesão intraepitelial de alto grau As proteínas E6 e E7 dos vírus 6 e 11 (baixo risco) não mutam a célula. Diferentemente, E6 e E7 dos vírus de alto risco mutam a célula através do seguinte mecanismo: a E6 inativa e muta a p53, e a E7 inativa a proteína Rb e CDK2 (cyclin-dependent kinase). Elas rompem a dupla hélice do DNA celular e substituem micronucleotídeos do DNA celular pelos seus próprios, inscrevendo-se em seu genoma, mutando a célula e imortalizando-a, em vez de provocar a apoptose (senescência e morte programada). Assim como LIE BG, LIE AG é uma denominação citológica. O correspondente colposcópico é “alteração maior” e engloba os casos da antiga displasia moderada e grave, de Reagan, e as correspondentes NIC I e NIC II, de Richart, além do carcinoma in situ (intraepitelial). A histologia segue usando NIC II, NIC III e carcinoma intraepitelial ou in situ. Do ponto de vista clínico, a classificação de Bethesda caiu no gosto dos ginecologistas. A maioria usa LIE BG e LIE AG ao referir-se a essas lesões, independentemente de se referir ao exame citológico, colposcópico ou histopatológico, ficou consagrado pelo uso. Somente 10% dos casos de LIE AG progridem para câncer invasor. Como até o momento não temos meios de saber quais são, tratamos todas elas. Somente 10% das LIE AG progridem para lesão invasora.

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O rastreio das lesões Como sabemos, o rastreio eficiente, capaz de alterar a curva de mortalidade, só é feito no chamado “primeiro mundo”. Nos países emergentes, eufemismo para “terceiro mundo”, do qual fazemos parte, só há cobertura de, no máximo, 10% da população, quando 80% é o necessário para atingir a meta desejada. Como a distribuição de renda é muito heterogênea, nesses países, a grande maioria da população não tem acesso aos exames de prevenção. Já uma minoria de classe média alta e rica faz sua própria prevenção, não necessitando do poder público. Nesses casos, a cobertura equipara-se aos países desenvolvidos. Embora tenhamos consciência das dificuldades financeiras dos países menos desenvolvidos, cujos recursos necessitam ser alocados para outras prioridades de maior importância do ponto de vista de saúde pública, devemos lutar para maiores recursos para a prevenção. A rigor, nenhuma mulher deveria morrer pelo câncer de colo uterino, que é uma doença 100% prevenível. A taxa dada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), da incidência de 500 mil casos/ano, com metade de mortes (em números redondos), provavelmente é subestimada, pois só no primeiro mundo há estatísticas confiáveis, e 85% dos casos ocorrem no terceiro mundo. Até recentemente, o modelo escolhido mundialmente para o rastreio foi o morfológico, por meio da citologia. Ocorre que, ao contrário do que se possa pensar, não é um exame barato, levando-se em conta todos os passos percorridos desde coleta, fixação do material, transporte até os centros especializados, coloração, triagem, diagnóstico, remessa do laudo e localização da paciente. É impressionante o número de pacientes que não retornam para saber o resultado do exame na rede pública. Em um país-continente, como o nosso, com aproximadamente 50 milhões de mulheres passíveis de rastreio, grande número delas vivendo nos locais mais afastados, é fácil imaginar as dificuldades. Além disso, a confiabilidade dos exames não é a mesma do primeiro mundo, excetuados os inúmeros serviços de excelência que existem. Confirmação disso é que o falso-negativo, que não ultrapassa 10%, nesses serviços, chega à absurda cifra de 60% ou mais em muitos locais de nosso país.

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Uma alternativa para o terceiro mundo é o uso da colposcopia, rejeitada no primeiro mundo e só utilizada, praticamente, para determinar o local de biópsia, quando o citopatológico (CP) é alterado. Isso tem excelente resultado, com níveis baixos de falso-negativo, o que não é nosso caso, genericamente falando. No Brasil, a colposcopia é um exame relativamente barato, comparado com a citologia. Ademais, tem a vantagem de dar o resultado na hora. Isso aparece na literatura, em inúmeros trabalhos destinados ao terceiro mundo. Essas informações referem-se ao rastreio de massa. No rastreio oportunístico, ou seja, na paciente que foi consultar por alguma queixa e aproveita a oportunidade para realizar o exame, o ideal é a utilização dos dois métodos: citologia e colposcopia. Essa prática reduz a menos de 5% o falso-negativo, no que se refere a lesões escamosas. Nas lesões glandulares do colo, a colposcopia não pode ajudar muito no rastreio. Infelizmente, a própria citologia apresenta um falso-negativo que pode atingir os 50%. Entre as causas apontadas, está a não coleta rotineira, com escovado do canal (cytobrush) e lise celular, pela maior fragilidade das células glandulares. Provavelmente há também outras causas desconhecidas. No primeiro mundo, principalmente nos Estados Unidos, o modelo biomolecular (detecção do HPV) tem sido indicado para substituir a colposcopia, em um primeiro momento, quando a citologia for alterada. Já existem trabalhos até sugerindo a tipagem viral como primeiro exame, reservando a citologia para os casos positivos. O nosso modelo continua sendo o morfológico, entre outras razões, pelo alto custo da tipagem viral, o que não ocorre nos Estados Unidos. Lá, a colposcopia chega a custar de 200 a 500 dólares. Ao contrário daqui, os residentes não aprendem a realizar o exame colposcópico.

Avanços na detecção Nos últimos anos, têm surgido estudos que parecem promissores no terreno da biologia molecular e imuno-histoquímica. Os biomarcadores são utilizados tanto no rastreio como no seguimento das lesões intraepiteliais. Não sabemos ainda qual seu papel na prática clínica, entretanto, é bom nos familiarizarmos com eles.

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p16INK4a Trata-se de um cyclin-dependent kinase inhibitor. Sua detecção, juntamente com L1 do capsídeo viral, permitiu as seguintes conclusões: > p16 (⫹) e L1 (⫺): encontrados em 100% dos casos de LIE AG; > p16 (⫺) e L1 (⫺): 57% das LIE BG regrediram (Negri, 2008). Na verdade, não importa muito a regressão da LIE BG, já que não costuma ser uma lesão oncogênica. A detecção de p16 apresentou um índice Kappa de 0,95, comparado a 0,47 da tipagem viral para HPV (Eleutério et al., 2007).

p21 e p53 e pRb São genes inibidores do crescimento. A proteína p53, no seu estado nativo, é inativada pela proteína E6, dos vírus de alto potencial oncogênico (16 e 18, principalmente). A p53 tem por função retardar o ciclo celular em 61 (interfase 1), permitindo que os genes reparadores atuem, para impedir a replicação do DNA danificado. A proteína E6 inibe essa função da p53, permitindo o contrário,ou seja, a replicação do DNA danificado. Essa proteína está aumentada nos casos de LIE AG e indica progressão para invasão. Quando detectado seu aumento, no câncer invasor, indica mau prognóstico (Huang, et al. 2002).

as oportunidades se apresentam. Uma vez repetidas as oportunidades, em condições semelhantes, os fenômenos seguem sempre o mesmo caminho. Vale dizer: a invasão do estroma não se dá gratuitamente. Para que ela ocorra, um corolário de fenômenos precursores deve ter ocorrido. Quando tal acontece, o estroma não espera a invasão para então propiciar nutrição, por meio do sangue, para o voraz tecido invasor. Por isso, como alguém que se mune de provisões para atender os convidados de uma festa, o organismo proporciona o aumento vascular para cumprir o rito estabelecido pelo “fenômeno invasão”. VEGF aumentado: prenúncio de invasão.

PRENÚNCIO DE INVASÃO C-Fms (macrophage colony-stimulating factor) e COX-2 (ciclo-oxigenase-2), quando estão aumentadas também indicam invasão, embora com menos potencial. (Hammes et al., 2008).

Skp2 Nas lesões de baixo grau, a proteína Skp2 é negativa. Nas lesões de alto grau e carcinoma, ela é positiva (Pan; Chen, 2008).

Exame de sangue para HPV Linfócitos são expostos a antígeno HPV-E7 e PMA nitrogen (⫹):

No entanto, a p21, sendo somente um gene supressor do crescimento, está diminuída nas lesões de alto grau. A proteína E7 inibe a pRb, imortalizando a célula.

> Controle: 10% de positividade.

Alfadistroglicana

> Carcinoma: 91% de positividade (Chao et al., 2003).

É uma glicoproteína transmembrana. Nas células normais cervicais e vulvares, ela está presente em 80% dos casos. Na LIE BG, em 14%; na LIE AG, em 67%, e no carcinoma invasor, em 2,6% (Sgambato et al., 2006).

> Infecção: 73% de positividade. > LIE: 50% de positividade.

Trata-se de um dado interessante. Se poderá ter lugar no rastreio, o futuro dirá.

VEGF, c-Fms e COX-2

Indicações da tipagem viral

O VEGF (vascular endothelial growth factor) é o fator de crescimentro angiogênico. Seu aumento prenuncia invasão. O acaso se dá como

No modelo morfológico que utilizamos no Brasil e na América Latina (citologia e colposcopia), sua indicação é muito restrita. A nosso

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ver, uma das únicas, se não a única indicação, que pode ser de grande valia é o seguimento pós-conização das LIE AG. Se negativa, o tratamento terá sido completo. (Fuste et al., 2009) encontrou 67% de negatividade pós-cone LEEP (loop electrosurgical excision procedure) e sugere evolução favorável se dois exames forem negativos no seguimento. Uma outra indicação pode ser os casos de ASC-US (atipias escamosas de significado incerto) e ASC-H (atipias escamosas em que não se pode afastar lesão de alto grau). Quanto às lesões glandulares, há indicação nos achados persistentes de AGC-NOS (atipias glandulares inespecíficas), AGC – favor neoplastic (atipias de células glandulares com potencial oncogênico) e LIE BG, quando: > Colposcopia negativa ou insatisfatória, ou > Curetagem do canal positiva, ou > Mais de 40 anos de idade. Proposta de cone LEEP, se vírus de alto risco estiver presente por mais de dois anos (Alonso et al., 2007). Nos países em que a tipagem viral é barata, essa é proposta para o rastreio primário. A citologia ficaria reservada para os casos de exame positivo. Não é recomendada a colposcopia pelo alto custo (Cusick et al., 2003). Para nós, esse argumento perde o sentido. Wright e colaboradores (2004) recomendam exames a cada três anos, se citologia e tipagem viral forem negativas, a fim de diminuir custos. A citologia deve ser feita, em média, 3 anos após a tipagem viral negativa, pois preveniria 55% do uso da citologia, caso fosse adotada como primeiro exame (Zielinsk et al., 2001). Kyrgiou e colaboradores (2006) apresentam dados interessantes. Encontraram falso-negativo da citologia em 10 a 80% dos casos. Consideram só 20 a 25% aceitáveis, para uma prevalência da LIE de 1 a 2%. Quando a colposcopia foi negativa, havia 9% de LIE AG e 3% de carcinoma invasor.

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A concordância da colposcopia com a citologia se deu em 80% dos casos na LIE AG, o que não corresponde à nossa experiência. Para nós, a concordância da histologia com a colposcopia é maior do que com a citologia. A microcolpo-histeroscopia nasceu como uma grande esperança no esclarecimento de suspeita de lesão na endocérvice. Lukic e colaboradores (2009) encontraram 73% de concordância com a histologia na LIE BG, e 71% na LIE AG. Infelizmente, o alto custo do equipamento e sua evidente desvantagem frente ao exame citológico fazem com que poucos ainda a usem. É um exame citológico in vivo, em tempo real, com corante único, sujeito a pequenos movimentos da paciente (como o foco é crítico, devido ao grande aumento, pequenos movimentos, quase imperceptíveis, atrapalham o exame). Outro inconveniente é o reduzido tempo disponível, devido ao desconforto que um exame mais demorado acarretaria à paciente. Acrescente-se a isso a impossibilidade de re-examinar ou discutir com colegas. Esse problema seria sanado com o registro fotográfico ou de filmagem. Pessoalmente, achamos que é um exame que não vingou, embora ainda tenha alguns adeptos.

Inspeção visual Consiste na inspeção do colo à vista desarmada. Há duas modalidades: > VIA (visual inspection acetic), que consiste na aplicação de ácido acético a 2 a 5% no colo. > VILI (visual inspection lugol iodine), que consiste na visualização do colo após embrocação com lugol. O ideal é a conjugação dos dois métodos. El-Shalakany e colaboradores (2008) encontraram sensibilidade de 90,9%, com o uso do lugol, contra 22,7% da citologia. Outros pesquisadores não encontraram resultados tão bons. Não temos experiência com o método, mas achamos que é uma ideia interessante para as pacientes que não têm acesso aos métodos convencionais.

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A doença glandular A relação de adenocarcinoma com carcinoma escamoso no colo uterino é de 1/5. A concomitância de lesão pré-maligna escamosa e glandular varia entre 46 e 72% (Slama et al., 2006). A concomitância de atipias de células glandulares (AGC) com potencial oncogênico (favor neoplastic) e LIE AG foi de 67%. Nos casos de AGC NOS, a concomitância com lesão escamosa decresceu para 12,5% (Kumar et al., 2007). De fato, as lesões escamosas e glandulares parecem ter uma causa comum, apesar de as células serem de linhagem diferente. Entretanto, devemos lembrar que ambas pertencem ao mesmo tecido, o epitelial, e não o mesenquimal. Na prática, muitas vezes nos deparamos com citologia alterada escamosa, e a histologia revela lesão glandular, e vice-versa. A sigla AGUS (atypical glandular cells of undetermined significance), que significa células glandulares atípicas de significado indeterminado, foi substituída por AGC (atypical glandular cells), ou seja, células glandulares atípicas, de acordo com a última denominação de Bethesda, em 2001. O seu significado não está claro, nem sua origem topográfica (colo, endométrio, outros órgãos) nem seu significado patológico exato. O que se sabe é que são células com alterações menos graves, provavelmente ligadas a processos reativos ou regenerativos, e sem potencial oncogênico. Ultimamente, têm surgido trabalhos que não consideram esses achados tão sem risco assim. O potencial oncogênico seria menor do que o grupo que veremos a seguir, mas maior do que o grupo reativo/regenerativo. O grupo oncogênico é representado por AGC-favor neoplastic (atypical glandular cells-favor neoplastic). Preferimos a expressão “com potencial oncogênico” ou “com risco potencial”, em vez de “favorece neoplasia”, uma tradução literal do inglês que não parece muito adequada em nossa língua. Muitos autores continuam denominando AGC/ AGUS, a fim de evitar confusão. É o preço das mudanças de denominação, para dizer a mesma coisa. Em 2010, haverá nova reunião do grupo

de Bethesda. Vamos esperar para ver que mudanças ocorrerão. O diagnóstico AGC/AGUS não deve ultrapassar os 0,5% do total de exames de um determinado profissional ou laboratório, ou seja, 10 vezes menos do que ASC (para lesões escamosas). Daniel e colaboradores (2005), encontraram 45,2% de patologia endocervical importante quando a citologia acusou aquele diagnóstico. Considerando globalmente AGC/AGUS, sem qualificativos, 71% apresentaram doença benigna e 29% alguma alteração importante, sendo que 2,9% eram adenocarcinoma in situ e 5,2%, adenocarcinoma invasor, dos quais pouco mais da metade era constituída por adenocarcinoma endometrial, 23% por adenocarcinoma de colo, 6,4% por adenocarcinoma de ovário, 5,4% por carcinoma escamoso de colo e 6,9% por outras origens (Schnatz et al., 2006). Considerando somente a AGC/AGUS de potencial oncogênico, metade dos casos correspondem à lesão importante da endocérvice, a maioria delas constituída por lesão intraepitelial. Ultimamente houve uma diminuição dos laudos contendo AGC/AGUS, fruto de um melhor entendimento das alterações celulares da linhagem glandular. Em 1991, o índice desses achados perfazia 0,7%, baixando para 0,3% em 2004 (Kumar et al., 2007). Ao contrário dos achados citológicos de LIE BG, LIE AG e adenocarcinoma in situ, que, via de regra, correspondem a uma determinada lesão colposcópica e histológica, ASC e AGC/AGUS, com todas as suas subdivisões, não têm um achado correspondente específico. São, antes, presunções do que pode estar ocorrendo no presente ou ocorrerá no futuro. Na colposcopia e na histologia, até o momento, não há dados para essa previsão. Esses dois exames detectam alterações já plenamente estabelecidas. Usando uma metáfora: os achados de ASC e AGC, introduzidos por Bethesda, são observados através de um vidro fosco, ou seja, percebe-se a silhueta, sem precisar exatamente do que se trata. ASC e AGC/AGUS constituem uma interpretação exclusivamente citológica, sem correspondente definido na colposcopia e na citologia.

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Adenocarcinoma in situ

Diagnóstico e tratamento

O adenocarcinoma intraepitelial exige um enfoque distinto daquele da lesão intraepitelial escamosa, porque suas evoluções histopatológicas não seguem o mesmo roteiro biológico. Isso se deve ao fato de não haver estratificação do epitélio, mas a constituição de uma única camada de células, dispostas “em paliçada”. Não se pode, portanto, falar em displasia, termo criado exclusivamente para denominar a perda de diferenciação, associada à discariose, nos epitélios alterados.

Em se tratando de lesão intraepitelial, seja escamosa ou glandular, o diagnóstico se superpõe ao tratamento. A conização, seja a frio ou por cirurgia de alta frequência (CAF) ou LEEP, na literatura de língua inglesa, é mandatória toda vez que a biópsia acusar NIC II ou NIC III (LIE AG), ou adenocarcinoma in situ. A denominação LEEP sucedeu a LLETZ (large loop excision transformation zone), criada por (Prendville; Cullimore; Norman, 1989). Na AGC/AGUS com potencial oncogênico, individualizando os casos, a conização a frio também pode ser indicada, mormente nas pacientes com achado persistente. A curetagem do canal, precedendo o cone, está cada vez mais sendo deixada de lado, pela pouca elucidação das patologias. Ferenczy (2000) encontrou 7,6% de falso-positivo, na curetagem do canal, contra somente 2,5% na citologia por escovado (cytobrush). Por isso, parece ser preferível passar diretamente ao cone, quando a citologia é positiva. A nosso ver, CAF não está indicada para LIE AG que ascenda a mais de 0,5 cm no canal e nas lesões glandulares.

As lesões glandulares podem estar associadas a lesões escamosas, em seus diferentes graus, em 64% dos casos. Compilação de diversas estatísticas refere ocorrência de lesão glandular até uma profundidade de 4 mm, referentes às lesões encontradas, pois os fundos de glândulas podem atingir até 7 mm, na profundidade do estroma. Não confundir com “invasão do estroma”. As lesões glandulares intraepiteliais situam-se “dentro das glândulas”, sem ocuparem a intimidade do estroma. A localização, dentro do canal cervical, costuma ser no terço inferior, porém pode atingir até 30 mm a partir do orifício externo (Denehy; Gregori; Breen, 1997). Um achado pouco relatado diz respeito à hiperplasia microglandular. Há controvérsias quanto ao valor desse achado. Para Selvaggi e Haefner, (1997), há dificuldade em distinguir hiperplasia microglandular e metaplasia tubária do adenocarcinoma no exame citopatológico. Um achado que chama atenção e que aparece com certa frequência refere-se ao laudo citopatológico negativo ou com lesão escamosa, em casos de adenocarcinoma intraepitelial. Talvez isso possa ser explicado, como vimos, pela frequente associação de lesões escamosas e glandulares, aliada à maior labilidade das células glandulares, com sua consequente lise. Essa associação pode ocorrer em 50 a 58% dos casos, segundo diversos autores (Denehy; Gregori; Breen, 1997). Uma diferença marcante em relação às lesões escamosas é a multicentricidade do adenocarcinoma do colo (Goldstein; Mani, 1998).

Na LIE AG que ascende a mais de 0,5 cm no canal e nas lesões glandulares, a conização a frio deve ser usada, no lugar da CAF.

O que é cirurgia de alta frequência O primeiro uso da energia térmica para tratamento em um ser humano data de antes de Cristo e consta no Papiro Edwin Smith. É atribuído a Hipócrates: “fogo terá sucesso onde outros métodos falharam”. O cautério, constituído por um ferro em brasa, foi largamente utilizado por gregos e romanos, não só para uso terapêutico (em ferimentos sangrantes), mas como instrumento de tortura, infelizmente (Wright; Richart; Ferenczy, 1992). O primeiro uso da eletrocirurgia, para destruir tumor do colo uterino, coube a Pranes e Recamier, no século XIX. Entretanto, o primeiro uso bem documentado, coube a Gustav Crusell, em 1847, em um tumor de face, com corrente contínua (galvânica). No final do século XIX, Arsène D’Arsonval, um fisiologista/inventor francês, foi o primeiro a

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usar “alta frequência”, com corrente alternada, que era denominada sinusoidal. O termo fulguração foi introduzido por Pozzi, em 1907. O termo diatermia foi criado por Carl Franz Nagelschmidt e significa “geração de calor em um tecido, mediante oscilação molecular, em resposta a uma corrente elétrica de alta frequência” (Wright; Richart; Ferenczy, 1992, p. 4). Ficou mundialmente consagrado e hoje é usado para designar qualquer tipo de eletrocirurgia. Nos Estados Unidos, Oudin, em trabalho conjunto com D‘Arsonval, construiu o “ressonador”, aparelho que aplica terapeuticamente a diatermia. Na fulguração, a temperatura pode o atingir até 600 C. Na diatermocoagulação, usada como sinônimo de diatermia, a temperatura não ultrapassa 70oC, em tese. Como veremos adiante, na CAF, a temperatura no colo uterino o chega perto dos 100 C. A partir de 1970, surgiu, nos Estados Unidos, o processo solid-state eletronics generator, o qual permite o blend, associando o efeito “corte” à coagulação dos vasos sangrantes, no mesmo momento. O primeiro a utilizar uma alça como eletrodo foi Hyam, em 1928, para retirar uma lesão do colo para exame histopatológico. Era uma alça cujo filamento era de forma triangular, disposto elipticamente sobre o cabo, com 6 mm no maior diâmetro (Wright; Richart; Ferenczy, 1992). Cartier apresentou sua alça no IV Congresso Mundial de Colposcopia, em 1981. Ela tinha a forma retangular, medindo 5 ⫻ 7 cm, com um filamento de aço de 0,2 cm, de forma quadrada. Prendville publicou seu primeiro trabalho em 1989, apresentando uma alça de tungstênio, com filamento redondo, de 0,2 mm de espessura. As alças eram de tamanhos variados, obedecendo a forma de ogiva, com base plana. Hoje, além dessa forma, são utilizadas também alças elípticas ou triangulares, para a técnica rotatória.

O ampere (A) é a unidade de medida do fluxo de elétrons, através de um circuito, e é obtido dividindo volts por watts. 1 mA corresponde a um milésimo de A. > Watt (W) ⫽ unidade de intensidade da corrente. > Volt (V) ⫽ gradiente (diferença) de potencial que faz com que os elétrons fluam através de um condutor de 10 ohm. > Ohm ⫽ unidade de medida de resistência elétrica. 1 ohm corresponde à quantidade de resistência necessária para 1 V propiciar uma corrente elétrica de 1 A. > Coulomb (C) ⫽ 6,24 ⫻ 1018 elétrons. > 1 A corresponde a 1 C por segundo. > Dividindo o número de W de uma corrente pelo número V, obtém-se o número de A. > A ⫽ V/W > Impedância ⫽ é a resistência exercida ao fluxo de elétrons de uma corrente. Nos tecidos biológicos, a impedância é da ordem de 100 mil ohms (os não condutores, como o osso). Nos bons condutores, como é o caso do colo, não ultrapassa 200 ohms. Quanto maior a resistência de um tecido, maior será a necessidade do emprego de V, para promover o fluxo de elétrons e causar menor dano tecidual. Como o colo uterino oferece pequena resistência, 500 V já são suficientes. > Joule (J) ⫽ unidade de energia ou trabalho. É como é medido o calor resultante do emprego da energia elétrica. > 1 W produz 1 J por segundo.

Mecanismo de ação da cirurgia de alta frequência

Princípios da eletrocirurgia

Os efeitos da eletrocirurgia podem ser de três categorias:

A eletrocirurgia utiliza o fluxo de elétrons, medidos em miliampères (mA), com um gradiente de potencial situado entre 2.000 e 12.000 volts (V), considerado baixa voltagem.

> Efeitos farádicos: o termo farádico foi criado por D’Arsonval, em homenagem a Faraday. Assim foram denominadas a dor e a contração muscular, quando a corrente elétrica

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atinge 100 hertz (Hz). Ao atingir 300 Hz, os efeitos cessam. > Hz ⫽ número de ciclos por segundo de uma corrente elétrica. > A corrente elétrica alternada que usamos no Brasil é da ordem de 60 Hz. Antigamente era de 50 Hz. > Efeitos eletrolíticos: quando os cátions (íons ⫹) ficam polarizados, há produção de uma cauterização química. Os serviços de estética utilizam esse princípio para depilação. Funciona bem com corrente contínua. Com corrente alternada, não dá tempo de os íons se deslocarem, mas a energia cinética aplicada aumenta a temperatura dos tecidos e provoca o rompimento das células. > Efeitos térmicos: dependem da água celular e do fluxo sanguíneo. Por exemplo, 40 a 45ºC aplicados por várias horas podem causar a morte celular. A partir de 50°C, advém a acidose lática, e a morte tecidual é mais rápida. Ocorre a coagulação (desnaturação) das proteínas em 10 segundos. A 70ºC, isso ocorre em apenas 1 segundo. A partir dessa temperatura, já começa a evaporação, culminando com a ebulição, quando são atingidos 100°C. Paradoxalmente, diminui a temperatura, pela evaporação, mas se inicia a dessecação celular, aumentando a resistência (impedância) à passagem da corrente. A 100ºC, ocorre a ebulição intra e extracelular. O volume da água evaporada é seis vezes maior do que o da água residual. Mesmo assim, essa água expande suas moléculas e se rompe antes de evaporar, rompendo a membrana celular, tendo, como consequência, o rompimento tecidual, menos de 1 milissegundo após a temperatura ter atingido 100ºC. O princípio que rege o uso da eletrocirurgia baseia-se na lei de Ohm modificada: > Q ⫽ 0,24xI_2 ⫻ RxT > Q ⫽ quantidade de calor em calorias/grama (cal/g). > I ⫽ intensidade da corrente, em A. > R ⫽ resistência elétrica do tecido (impedância). > T ⫽ tempo do fluxo de elétrons, em segundos.

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Aplicando uma corrente de 500 mA em um tecido com 100 ohms de resistência, em 1 segundo, cada caloria aumentará 1ºC em 1 cm3 de água. Para a coagulação dos vasos, não se forma o arco elétrico e não há evaporação das células, mas há a ação por contato direto do eletrodo, a menos de 100ºC, provocando a coagulação e dessecação dos tecidos. Nesse caso, não se forma o envelope de vapor que circunda a alça. Essa é a ação do blend ou quando se utiliza somente a função coagulação do aparelho. Quando se está no tempo de hemostasia, não se deve usar o blend, e sim coagulação pura. Da mesma forma, quando se está no tempo de incisão, é melhor usar o “puro corte”, a fim de diminuir o dano tecidual da peça. Nós, particularmente, nunca utilizamos a modalidade blend.

Variáveis a considerar na eletrocirurgia Sangramento O sangramento varia, em média, de 5 a 150 cc, ficando na média de 50 cc. Entretanto, a literatura refere casos que necessitaram até de transfusão de sangue. O sangramento tardio não é frequente, mas pode ocorrer (Oyesania; Amerasinghe; Manning, 1993). A conização a frio certamente sangra mais do que a CAF ou CAF Fracionada (CAFFr, explicada adiante), devido ao maior volume retirado. Entre CAF e CAFFr, não houve diferença significativa, embora, em termos absolutos, a média da CAFFr tenha sido menor, situando-se em torno de 50 cc. Não foi constatado qualquer caso de sangramento tardio nas duas técnicas eletrocirúrgicas.

Fragmentação da peça Quanto maior a lesão, maior o risco de fragmentação da peça. Nessas circunstâncias, o exame das margens fica comprometido (Howe; Vicenti, 1991). Lesões extensas exigem mais de uma passada da alça. Quando a lesão adentra o canal, muitos recomendam a segunda passada profunda, com a alça pequena, quadrada, de 1 cm2. Denomina-se top hat (chapéu do topo) (Fanning; Padratzyk, 2002). Contraindicamos

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esse procedimento, pois, se, por um lado, pode, embora às cegas, retirar toda a lesão, por outro, o exame das margens fica praticamente impossível, se considerarmos que o tecido a ser examinado fica inviabilizado, devido aos efeitos térmicos presentes na peça. Isso porque, com uma alça tão pequena, tais efeitos se fazem sentir em toda a peça. Sadek (2000) cita vários autores para relatar que o fracasso na obtenção de peça única é mais comum do que se possa pensar, referindo até 70% de fragmentação. Parece que os ótimos resultados publicados não refletem a realidade do dia a dia, pois o método é utilizado por médicos com o mais diverso nível de treinamento. As pesquisas são feitas, em sua grande maioria, por pessoal altamente treinado, geralmente em ambiente universitário (Montz; Holschneider; Thompson, 1993). Em 2006, introduzimos uma modificação na técnica de Prendville, com a finalidade de evitar a fragmentação da peça e o comprometimento das margens cirúrgicas. Denominamos CAF fracionada (CAFFr). Consiste na retirada em separado dos dois lábios, considerando cada lábio uma peça. Como o procedimento é planejado, não consideramos fragmentação da peça, que se dá de forma acidental e indesejada, na técnica clássica. Entretanto, nas lesões extensas, na ectocérvice, é comum a linha de incisão cortar a lesão, ensejando uma segunda passada, o que dificulta o exame das margens. Para detalhes da técnica, consultar o artigo de Rivoire e colaboradores (2009). Nenhum caso de fragmentação foi constado na CAFFr, considerando cada lábio como uma peça, contra 3 da CAF, o que resultou em um “p” não significativo. Achamos que com um “n” maior, isso ficará evidenciado, como podemos constatar na literatura.

Volume da peça Existe uma variação muito grande das medidas na literatura. O volume do cone a frio costuma ser 50% maior do que na CAF (Fanning; Padratzyk, 2002). Quanto ao volume da peça, a CAFFr forneceu 3 3 4,97 cm , contra 2,78 cm da CAF. Comparando com uma série histórica de nossos casos, o

3 cone a frio situou-se na média de 7,28 cm . Ou seja, a CAFFr não retirou tanto estroma quanto o cone a frio, mas também não retirou tão pouco como na CAF, de modo a aumentar o risco de cirurgia incompleta. Muitos autores criticaram a menor quantidade de tecido removido na CAF tradicional.

Volume da peça Cone a frio: 7,28 cm3 CAFFR: 4,97 cm3 CAF: 2,78 cm3

Peso da peça O cone a frio pode fornecer uma peça até 100% mais pesada do que a CAF (Fanning; Padratzyk, 2002). No cone a frio, o peso médio atingiu 7,02 g, contra 5,04 g da CAFFr e 3,20 g da CAF. Peso da peça Cone a frio: 7,02 g CAFFr: 5,04 g CAF: 3,20 g A importância de retirar pouco estroma reside no risco de deixar lesão para trás. Lembremos que os fundos de glândulas podem atingir até 0,7 cm na profundidade do estroma. No entanto, retirar muito estroma, como na conização a frio, pode resultar em sequelas importantes no colo. Enquanto o volume da peça diz respeito à retirada completa do fundo de glândulas, evitando o comprometimento das margens endocervicais, a área ectocervical retirada diz respeito às margens ectocervicais.

Área da base da peça A área não tem sido mencionada na literatura. Achamos importante para aquilatar a abrangência do procedimento, mormente nas lesões extensas, na ectocérvice. O cone a frio obteve área da base de 7,89 cm2; a CAFFr, 7,02 cm2, e a CAF, 3,40 cm2. Área retirada da ectocérvice LAⴙLP Cone a frio: 7,89 cm2 CAFFr: 7,02 cm2 CAF: 3,40 cm2

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Altura da peça Corresponde ao comprimento do canal. Variou entre 1,5 e 2,1 cm, no cone a frio, e 1 a 1,9 cm, na CAF (Oyesania; Amerasinghe; Manning, 1993; Fanning; Padratzyk, 2002). Não deve ultrapassar 1,5 cm, a fim de evitar complicações tardias. Nesse quesito, a CAF conseguiu uma medida maior (1,2 cm), contra 1 cm da CAFFr, embora sem significância. Como esperado, o cone a frio atingiu uma altura maior: 2,1 cm. Altura da peça Cone a frio: 2,1 cm CAFFr: 1 cm CAF: 1,2 cm

Comprometimento das margens O comprometimento de margens é um sinalizador para doença residual e recidiva. A doença residual é aquela diagnosticada até seis meses após o procedimento. Além desse período, deve ser considerada recidiva. Alguns preferem o ponto de corte em 9 ou até 12 meses. A fim de evitar confusão, há uma tendência a considerar residual/recidiva, independentemente do prazo de aparecimento da lesão. Burghardt e Holzer (1980) nunca valorizaram o status das margens como indicador de recidiva, baseado no não desprezível número de recidivas quando as margens estavam livres. Segundo diversos autores, quando as margens estavam comprometidas, a doença residual/recidiva variou de 16,50 a 84,80% (Gardeil et al., 1997; Chang et al., 1996). A resposta inflamatória à injuria térmica e o processo de regeneração dos tecidos podem explicar a ausência de doença residual, em praticamente metade dos casos. Outra explicação se refere à prática de cauterizar os bordos e o leito da ferida operatória, o que destruiria eventuais margens positivas. Também margens exíguas, porém negativas, podem ser confundidas com margens positivas (Murdoch et al., 1992).

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Parece haver correlação entre tabagismo e persistência da lesão, em margens positivas, e recidiva, em margens negativas (White; Cooper; Williams, 1991). Quando as margens foram negativas, a ocorrência de doença residual/recidiva variou de 5 a 21% (Felix et al., 1994; Murdoch et al., 1992). Aumenta o risco de doença residual/recidiva quando a margem endocervical está positiva (Husseinzadeh; Shbaro; Wesseler, 1989). Mais importante do que margens positivas são a idade crescente da paciente, o grau da lesão e o envolvimento glandular (Kalogirou, 1997). Phelps e colaboradores (1994) encontraram valor preditivo positivo (VPP) em 47% para doença residual, quando as margens foram positivas, e valor preditivo negativo (VPN) de 77%, quando as margens foram negativas. Concluiram que margens negativas são preditivas de ausência de invasão, mais do que de doença residual/recidiva. Para Chang e colaboradores (1996), margens positivas requerem observação armada, não intervenção. Baseados no fato de que metade dos casos de margens positivas não apresenta mais lesão, mesmo na endocérvice, temos preferido observação, com exames trimestrais, passando para semestrais, nas pacientes de bom seguimento e sem comprometimento da imunidade. Nas outras, indicamos a reintervenção, sempre respeitando as peculiaridades de cada caso. Muitos autores recomendam a curetagem do canal restante após a conização, seja a frio ou CAF. Denehy, Gregori e Breen (1997) encontraram 67% de doença residual/recidiva, quando a curetagem foi negativa, e 79%, quando positiva. Em relação às margens, encontraram 20% de doença residual/recidiva com margens negativas, e 70% com margens positivas. Concluiram que margem negativa é melhor do que curetagem negativa, como preditor de cura. Há uma correlação entre paciente soropositivo (HIV), com margens positivas e doença residual/ recidiva, devido ao estado imunológico da paciente: 47% nos casos em que a paciente era HIV-positiva, contra 32,7% nos casos em que era HIV-negativa (Boardman et al., 1999).

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Na comparação entre CAF e CAFFr, não houve diferença significativa no quesito margens endocervicais, embora a CAF tivesse positividade em 25,50%, contra 12,70% da CAFFr. Apesar de o pacote estatístico SSPM 10 utilizado ter dado um “p” > 0,05, parece haver uma tendência de diferença, aumentando o “n”. Já o cone a frio forneceu importante número de margens livres. Novamente, atribuímos isso ao pequeno “n” de CAF e CAFFr. No que se refere às margens ectocervicais, houve pequena diferença entre cone a frio (1%) e CAFFr (1,80%), e sensível diferença entre CAFFr e CAF (19,60%). Margens ectocervicais (ⴙ) Cone a frio: 1% CAFFr: 1,80% CAF: 19,60%

Distância da lesão às margens Não existe, até o momento, distância mínima ideal da lesão às margens cirúrgicas, a fim de conferir segurança ao procedimento, como em outras áreas. Assim, quanto maior a distância, melhor, levando-se em conta as pequenas dimensões do colo uterino. Nesse quesito, não pudemos obter as cifras do cone a frio, por ser uma série histórica e não conter esse dado. Em relação à comparação entre CAFFr e CAF, só se verificou diferença significativa (p ⫽ 0,008) na ectocérvice, lábio posterior: CAFFr ⫽ 7,6 mm, contra CAF ⫽ 5,1 mm.

a dúvida – será que a lesão atingiu a margem ou terminou na zona danificada? Os danos térmicos podem ser de distorção, coagulação ou carbonização, o mais grave. O uso de “puro corte”, em vez do blend, pode evitar ou minimizar os efeitos indesejáveis, porque, no efeito coagulação, o mesmo é obtido pelo processo de fulguração, como na eletrocoagulação tradicional, de baixa frequência. Com isso, não acontece a vaporização dos tecidos, mas a queimadura (Boulanger et al., 1989). Entretanto, é um assunto controverso, pois muitos autores não acharam diferença entre o uso do “puro corte” e do blend. A profundidade do dano térmico pode variar de 15 a 830 micra, com uma média de 396 micra (Wright; Richart; Ferenczy, 1992) ou de 220 micra a 1,28 mm (Sadek, 2000). Quando se usa o efeito coagulação exclusiva, o dano atinge profundidade maior. É possível que a distorção dos tecidos se deva à passagem muito rápida da alça. Existe uma variabilidade muito grande entre os autores quanto aos danos térmicos, que vão de 4,4 a 35% (Simmons et al., 1998; Boardman et al., 1999). Montz, Holschneider e Thompson (1993) referem 50% de perda na acurácia da avaliação das margens; 32% se referiam às margens ectocervicais, e 48%, às endocervicais.

Distância mínima da lesão às margens Ectocérvice CAFFr: 7,6 mm CAF: 5,1 mm

Os artefatos térmicos podem também ser classificados em leves (51,5%), moderados (36,2%) e graves (12,3%) (Khunamompong; Raungrongmorakot; Siriaunkgul, 2001). Não julgamos os danos nos três níveis, mas analisamos se houve prejuízo na interpretação histológica das margens. Nesse quesito, as duas técnicas se equivaleram, com muito poucos casos de dano importante.

Dano térmico e interpretabilidade

Condições do canal cervical pós-tratamento

O advento da CAF levou os patologistas a se depararem com um novo problema: o dano térmico aos tecidos, que prejudica a interpretação. Isso assume grande importância quando a lesão se aproxima das margens cirúrgicas, suscitando

As condições do canal pós-conização sempre foram um desafio. A complicação mais temida é a estenose do canal, ocasionando dismenorreia e, em seu grau extremo, hematometra, muitas vezes levando à histerectomia como única solução.

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Define-se estenose como a impossibilidade de passar a vela de Hegar de 25 mm de diâmetro (Baldauf et al., 1996). Outro efeito indesejável é a junção escamocolunar (JEC) ter nova localização, no interior do canal, tornando-a, na maioria das vezes, não visualizável à colposcopia. Como consequência, a JEC não estará representada no esfregaço citológico. Com a orientação atual, de fazer sempre a coleta com escova, além do uso da espátula de Ayre, esse problema desapareceu. De qualquer forma, se não prejudica a citologia, o faz com relação à colposcopia, que se torna insatisfatória pela não visualização da JEC, a menos que ela não esteja muito acima no canal e possa ser observada com o concurso da pinça afastadora de Menken-Kogan-Schivartche. Boulanger e colaboradores (1989) correlacionaram a estenose com a altura do cone a frio. Quando essa medida atingia 2,5 cm, a estenose ocorria em 12,8% dos casos. Esse percentual aumentava para 24% quando a altura ultrapassava os 2,5 cm. Com o advento da CAF, esse problema praticamente desapareceu, mesmo porque a altura da “ogiva” é bem inferior. Com a altura não ultrapassando 1 cm, 99% das lesões são excisadas, se não adentrarem mais de 0,5 cm no canal. A estenose, embora possa existir, não ultrapassa os 4,3% (Sadek, 2000). Vale lembrar que o eixo das glândulas faz ângulo aproximado de 90º com o eixo do canal. Por isso, mais importante do que tirar mais canal (> 1 cm) é tirar mais estroma, na tentativa de não cortar fundo de glândulas, com eventual lesão em seu interior (Rivoire at al., 2009). O risco maior de estenose ocorre na pós-menopausa: risco relativo (RR) de 3,07. (Baldauf et al., 1996). As dimensões do canal restante também são importantes. Pode haver encurtamento do canal, comprometendo o futuro reprodutivo da paciente. Devido a suas reduzidas dimensões, uma diminuição de 0,6 cm pode ser significativa. A regeneração completa do canal ocorre entre 6 e 12 meses pós-tratamento (Mazouni et al., 2005). A JEC não visualizada pós-tratamento pode variar de 1,3 a 19% (Mathevet et al., 1994) ou 29% dos casos (Oyesania; Amerasinghe; Manning, 1993). Na conização a frio, essa complicação é no mínimo 50% mais frequente (Mathevet et al., 1994).

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Adenocarcinoma in situ Nesse tipo de lesão, as dificuldades são maiores do que as da lesão escamosa, pois, por definição, a maior parte dela, se não toda, está localizada no canal. Quando as margens eram positivas, houve 44% de doença residual, contra 30% com margens negativas. Além disso, 23% dos casos apresentaram doença residual, mesmo com margens livres. Só a multicentricidade não é suficiente para explicar o alto número de casos de doença residual com margens negativas. Uma explicação possível seria que muitos casos foram diagnosticados equivocadamente como tendo margens livres, ou seja, o corte teria passado em tecido livre de doença, mas em algum local, mais abaixo, haveria fundo de glândulas com lesão. Isso é plausível, já que em uma mesma glândula pode haver células normais e outras com lesão. Para evitar o problema, é recomendado que o corte passe a 10 mm da lesão. Nesse caso, não haveria nenhum caso de doença residual (Goldstein; Mani, 2000). Com a CAF, isso seria quase impossível, mas como estamos tratando de conização a frio, mesmo porque a primeira está contraindicada em lesões glandulares, podemos direcionar o bisturi mais acima no canal. Está claro que, quanto maior a altura do cone, maior o risco de estenose. Na comparação entre CAF e conização a frio, houve 50% de margens comprometidas contra 33%, respectivamente (Widrich et al., 1996). Em uma série de conização a frio, 61% dos casos tiveram margens livres, dos quais, 44% apresentaram doença residual. Quando as margens estavam comprometidas, 67% apresentaram doença residual, o que confirma essa tendência. Entretanto, margens livres não são segurança de cura (Im; Duska; Rosenshein, 1995). Margens negativas podem ter 16,7% de doença residual/recidiva, em até quatro anos de seguimento (Soutter et al., 2001). Diversos autores encontraram 33 a 50% de doença residual com margens negativas. É importante lembrar que lesões escamosas e glandulares podem estar associadas. Para Denehy, Gregori e Breen (1997), essa associa-

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ção ocorreu em 64% dos casos. Eles encontraram 20% de doença residual, com margens livres, contra 70% com margens positivas. Quanto à curetagem do canal imediatamente após a conização, encontraram 67% de doença residual com curetagem negativa e 79% com curetagem positiva. Conclui-se que curetagem do canal só deve ser valorizada quando positiva. Margens positivas e curetagem positiva são responsáveis por 80% das recidivas (Widrich et al., 1996).

Seguimento Não está estabelecido exatamente até quando e com que periodicidade deve ser efetuado o seguimento. Outro problema é a falta de adesão das pacientes, mormente entre as populações desassistidas. Existe um hiato grande entre o que é recomendado e o que é seguido. Houve 100% de comparecimento na primeira visita programada, 97% na segunda e 34% na terceira (Costa et al., 2000). Os intervalos entre as visitas podem variar de 3 a 6 meses, e a duração do seguimento, de 2 a 6 anos, ou mais. Entre 4 e 6 anos parece haver consenso (Fannely et al., 1997). O seguimento pode estender-se por 10 anos, pelo risco de ser encontrado câncer invasor em 1,1% dos casos (Orbo et al., 2004). Isto é questionável do ponto de vista de saúde pública pelo baixo índice. Entretanto, como mesmo a mulher hígida deve fazer o exame anualmente, a paciente não será abandonada. Maluf, Abad e Murta (2004) encontraram um período médio de 3,2 anos para aparecimento de recidivas. Em nosso serviço, mantêm-se os exames de 3 em 3 meses até 2 anos, passando para semestrais até o quinto ano e, daí em diante, passam a ser feitos anualmente.

negativação da presença do HPV. Quando uma margem está comprometida (ecto ou endo), são encontrados 17% de recidiva. Quando as duas margens foram positivas, houve 52%. Briggig e colaboradores (1994) encontraram 5% de doença residual/recidiva no primeiro ano e 0,6% no segundo ano. Quando o citopatológico (CP) foi positivo, 89% recidivaram, contra 18% quando o exame foi negativo. Quando o CP foi positivo, 57% dos casos apresentaram recidiva, o que dá uma surpreendente taxa de 43% de falso-positivos. Entretanto, não houve nenhuma recidiva com CP negativo (Murta et al., 1999). A sensibilidade do CP pós CAF pode chegar a 83%, contra 89% da colposcopia, com especificidade de 14 e 17%, respectivamente. A acurácia foi de 62% para a citologia e 65% para a colposcopia. Outros autores encontraram sensibilidade de 69 a 99% e especificidade de 30 a 93% para a colposcopia (Howe; Vincenti, 1991). A colposcopia foi insatisfatória em 10,2% dos casos, após CAF (Oyesania, 1993). Quando o HPV-DNA viral foi positivo, houve 36% de doença residual. Quando as margens e o teste HPV-DNA viral eram negativos, houve 0% de doença residual. Conclusão: o teste negativo é melhor preditor do que o positivo (Lin et al., 2004). Em 78,7% dos casos de margens positivas, o teste HPV-DNA foi positivo, contra 22%, com margens negativas (Jain et al., 2001). Não é recomendado seguimento sem a tipagem viral nos casos de adenocarcinoma, devido ao alto índice de falso-negativo da citologia (Azodi et al., 1999).

Futuro gestacional

Mesmo quando as margens estão livres, não se pode desdenhar do seguimento pois, como vimos, não há certeza de cura (Hanau; Bibbo, 1997).

O parto pré-termo e o baixo peso do nascituro são os principais temores. A razão de chance (odds ratio) para parto pré-termo pode ser de 4, e para baixo peso, de 14, ambas significativas (Acharya et al., 2005).

Reich e colaboradores (2001) encontraram recidiva entre 5 e 30 anos em pacientes conizadas a frio, com tempo médio de 18 anos. Após período tão longo, o mais provável é que se trate de nova lesão, mesmo porque o tratamento não inclui

Em 27 estudos comparando cone a frio e CAF, quando a gestação não ultrapassou 37 semanas, o pré-termo foi de 14% para o cone frio e 11% para a CAF. O peso do recém-nascido foi inferior a 2.500 g em 9% dos casos de

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cone a frio e de 8%, nos de CAF, sem diferença, portanto. A altura da peça > 11 cm é outro fator responsável pelo pré-termo (Kirgiou et al., 2006). Quando a altura da peça foi superior a 1 cm, houve 23% de pré-termo, baixando para 5%, quando ela foi inferior a 1 cm. Estima-se que canal restante menor do que 1,5 cm seja fator de risco para pré-termo.

Considerações finais Embora o uso da eletrocirurgia, com qualquer técnica, seja preconizado mundialmente, para uso em consultório, com anestesia local, filiamo-nos a algumas vozes isoladas, que, como nós, consideram que, além de um procedimento diagnóstico, por ser também terapêutico, pode ser a única chance de evitar um câncer invasor, no futuro, em pacientes do terceiro mundo, onde o seguimento é sofrível. Em pacientes de bom seguimento, a lesão residual/recidiva não assume

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tanta importância, pois a re-intervenção pode ser feita em tempo hábil. O mesmo não acontece com o outro tipo de paciente, que poderá voltar, dali a um tempo, com um câncer avançado. Em consultório ou ambulatório, com anestesia local, há uma tendência a retiradas menores de tecido, principalmente pelo risco de sangramento maior. Isso faz com que a peça retirada seja mais superficial, aumentando o risco de comprometimento de margens. Quem tem condições de fazer o procedimento em sala cirúrgica, de preferência com anestesia geral, deve fazê-lo. Certamente obterá peças em melhores condições para exame e menor risco de comprometimento de margens. O uso da CAF em consultório ou ambulatório deve ser reservado para biópsias, condilomas, pólipos, etc. O primeiro tratamento eficaz de uma LIE AG talvez seja a única chance que uma paciente de mau seguimento tem de não vir a morrer de um câncer de colo uterino.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A CAF está contraindicada quando: a. A lesão é endocervical. b. A biópsia revelou NIC I. c. A lesão é ectocervical, mas adentra o canal acima de 0,5 cm. d. A biópsia revelou adenocarcinoma in situ. e. A, C e D estão corretas.

2. Assinale a alternativa correta: a. Na gênese da lesão de alto grau, o HPV exerce uma função epissomal. b. O roteiro para chegar à NIC III passa por NIC I e NIC II. c. P53 e pRb são inativadas pelas proteínas E6 e E7 do HPV, para se iniciar um roteiro oncogênico. d. A e B estão incorretas. e. Todas estão incorretas.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Papel do HPV na Gênese das Lesões Pré-Malignas do Colo do Útero Paulo Naud Luciano Serpa Hammes Jean Carlos de Matos

Papilomavírus humano Epidemiologia O papilomavírus humano (HPV) é um vírus DNA de dupla-hélice, pertencente à família papilomaviridae, que infecta humanos e apresenta tropismo por pele e mucosas. Existem mais de 100 tipos de HPV, sendo seu tipo estabelecido de acordo com a ordem de descoberta e o DNA encontrado. A prevalência da infecção pelo HPV varia de acordo com região, idade da população, tipos estudados, método de detecção, etc. Dentre as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) de origem viral, a infecção pelo HPV é a mais prevalente em todo o mundo (Sanjose et al., 2007). Estima-se que 75% da população terá contato com o HPV em algum momento de sua vida, e aproximadamente 1 a 4% das mulheres desenvolverá lesões detectáveis, como condiloma ou neoplasia intraepitelial cervical (NIC) (Cox, 2006). A prevalência de HPV é maior em adolescentes e adultos jovens (20% antes dos 25 anos de idade), com um pico da infecção por volta dos 20 a 22 anos, decrescendo com o aumento da idade (10% aos 35 anos de idade). Entretanto,

tem sido observado um aumento da prevalência da infecção pelo HPV em mulheres acima dos 50 anos de idade, alcançando níveis próximos de adolescentes e adultos jovens. Esse aumento não tem sido adequadamente compreendido, mas, mais do que um processo biológico, talvez seja consequência de uma mudança do comportamento sexual (Sanjose et al., 2007). Atualmente estima-se que a prevalência da infecção pelo HPV na população geral de mulheres seja de 15% em países em desenvolvimento e 10% em países desenvolvidos (Sanjose et al., 2007). Estudo realizado por Naud e colaboradores em um grupo de 500 mulheres entre 15 e 25 anos, por meio de reação em cadeia da polimerase (PCR), encontrou uma prevalência de infecção para o HPV de 31,8% (Naud et al., 2003).

Infecções associadas ao HPV Em 1974, Zur Hausen iniciou as primeiras tentativas de identificar a presença do HPV em tecido tumoral de colo uterino (Zur Hausen, 2002). Hoje, a associação entre infecção pelo HPV e câncer de colo, vulva e vagina, além de suas respectivas lesões pré-invasoras, é aceita por todos, de modo que se pode afirmar que não existe câncer de colo do útero sem que haja uma infecção por HPV para iniciar o processo de oncogênese.

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Além do potencial oncogênico e da associação com os diversos tipos de tumores ginecológicos, o HPV também está relacionado a lesões perineais e causa condilomatose do trato genital feminino e masculino. Além disso, o HPV associa-se ao câncer peniano e anal. Na Tabela 28.1, apresentamos as principais patologias causadas pelo HPV (Handisurya et al., 2009).

trauma tecidual das relações sexuais. A grande maioria das infeções (⬎ 80%) são subclínicas, autolimitadas e se resolvem espontaneamente, sendo que em um ano não mais existe infecção detectável (infecção transitória) (Handisurya et al., 2009).

Fisiopatogenia do HPV em lesões pré-malignas do colo do útero

A infecção pelo HPV não causa viremia, não destrói as células que o hospeda e não ativa células apresentadoras de antígenos dos epitélios (células de Langerhans). Em consequência a esse padrão de infecção praticamente anérgico, o hospedeiro não reconhece a infecção e não desencadeia uma resposta imune, permitindo que o vírus possa efetivamente infectar as células (Handisurya et al., 2009).

A transmissão do HPV em infecções anogenitais ocorre frequentemente via contato direto, facilitado pela presença de fissuras ou microfissuras da pele ou mucosa, provocadas pelo

O ciclo do HPV está intimamente relacionado à diferenciação celular do epitélio (Fig. 28.1). O epitélio normal cresce em camadas estratificadas, nas quais somente as células das camadas

Lesões pré-malignas do colo do útero

Tabela 28.1 Tipos frequentemente associados

Demais tipos associados

Verruga vulgar, palmar e plantar Verruga plana Verruga de Butcher Carcinoma escamoso de dedos, doença de Bowen Epidermodisplasia verruciforme

1, 2, 4 3, 10 7 16

26, 27, 29, 41, 57, 60, 63, 65 28, 29 1, 2, 3, 4, 10, 28 31, 33-35, 52

3, 5, 8

Epidermodisplasia verruciforme – carcinoma

5, 8

9, 12, 14, 15, 17, 19-25, 36-38, 46, 47, 49, 50, etc. 14, 17, 20, 47

Lesões de pele

Lesões de mucosa Condilomatose anal, vulvar, vaginal, cervical e peniana NIC e carcinoma invasor do trato anogenital

6, 11

Papulose bowenoide, eritroplasia de Queirat Tumor de Buschke-Löwenstein (condiloma acuminado gigante) Papilomatose de laringe Doença de Heck (papilomatose oral)

16

* Provável alto risco. NIC, neoplasia intraepitelial cervical.

16

6, 11 6, 11 13, 32

40, 42, 43, 44, 54, 61, 70, 72, 81, 89 18, 26*, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 53*, 56, 58, 59, 62, 66*, 68, 73, 82

Rotinas em Ginecologia

basais são capazes de dividirem-se ativamente. Após a divisão, uma das células permanece na camada basal enquanto a outra inicia o processo de migração para camadas superiores, interrompendo o ciclo celular, diferenciando-se e passando a produzir queratina. O HPV inicia seu processo de infecção exatamente pelas camadas basais, em que a divisão celular é intensa, ocasionando que a replicação viral ocorra junto com a divisão celular. Inicialmente, o número de cópias de HPV DNA é baixo nas células infectadas, mas à medida que as células infectadas migram para camadas mais externas do epitélio, a quantidade de material genético do HPV é extremamente amplificada. Nas camadas celulares superficiais, o DNA viral é encapsulado em capsídeos, e o vírus é liberado da célula para infectar novos hospedeiros (Longworth; Laimins, 2004; Hebner; Laimins, 2006; Zheng; Baker, 2006). Esse ciclo de reprodução do HPV pode ser mantido pela integração ou não do genoma do HPV ao genoma do hospedeiro. Essa capacidade de integração será importante para determinar o tipo de lesão que surgirá. Nos casos em que ocorre a integração de genoma, em grande parte das vezes é desencadeado um processo de malignização do colo uterino por meio das proteínas virais E6 e E7, que inibem vários processos antineoplásicos naturais da cérvice uterina e, assim, estimulam o desenvolvimento de lesões de alto grau e carcinoma. A proteína E6 viral interage com o gene p53 do hospedeiro (gene supressor que células normais expressam para controle do ciclo celular). O p53 normalmente mantém a estabilidade do genoma corrigindo erros na transcrição do DNA ou, quando o erro não é corrigido, estimulando apoptose imediata. O gene viral E7 age de maneira semelhante à E6, mas inativa a proteína do retinoblastoma (pRb) do hospedeiro, outro importante antioncogene que controla o ciclo celular em células normais, ocasionando acúmulo de lesões genéticas e desenvolvimento de fenótipo maligno (Zur Hausen, 2002; Longworth; Laimins, 2004; Munger et al., 2004; Doorbar, 2006; Hebner; Laimins, 2006). Nos casos em que o HPV não tem seu genoma integrado ao hospedeiro (forma epissomal), podem ocorrer condilomas ou NIC de baixo grau (NIC I) ou, então, infecção assintomática. Nessas

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situações, as proteínas E6 e E7 produzidas por HPV classificado como baixo risco fracamente interagem com p53 e pRb do hospedeiro e, quando interagem, aparentemente não se integram ao genoma humano (Zur Hausen, 2002; Longworth; Laimins, 2004; Munger et al., 2004; Doorbar, 2006; Hebner; Laimins, 2006). Não existem fatores únicos que identifiquem em quais casos ocorrerá a integração do DNA do HPV com o DNA do hospedeiro. Os principais fatores de risco a ser considerados são tipo do HPV e tempo de permanência da infecção (Cox, 2006). Outros cofatores como tabagismo, coinfecção por outros agentes de DSTs, doenças imunossupressoras ou situações que provoquem alterações como depressão e crises vitais podem ser determinantes para a progressão da infecção ou o surgimento de lesões. Virtualmente, todos os casos de câncer de colo uterino e suas lesões pré-malignas são causados por algum tipo de HPV, como bem demonstrado em importantes estudos epidemiológicos. Em termos gerais, os tipos de HPV que infectam a região anogenital são classificados de acordo com o seu risco de causar câncer de colo uterino (Munoz et al., 2003): Alto risco: 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68, 73 e 82. Provável alto risco: 26, 53 e 66. Baixo risco: 6, 11, 40, 42, 43, 44, 54, 61, 70, 72, 81 e CP6108 (89). Os seguintes tipos estão mais associados ao câncer de colo uterino: HPV 16 (causa 53,5% dos casos), HPV 18 (17,2%) e HPV 45 (6,7%). Em conjunto, HPV 16 e 18 causam 90% dos casos de condilomas genitais (Von Krogh, 2001; Franco; Harper, 2005).

Epidemiologia e história natural das lesões pré-malignas do colo do útero O processo de malignização do colo uterino passa por um continuum de estágios pré-malignos denominados neoplasia intraepitelial cervical (NIC) até chegar à forma invasora. As lesões pré-malignas são divididas em NIC I, II e III, de acordo com a gravidade e espessura do epitélio acometido pelas células displásicas. NIC

NIC I

Fonte: Adaptada de Woodman e colaboradores (2007).

Figura 28.1 Fisiopatogenia da infeção pelo HPV.

NIC II

L1

L2

LCR E1 E2

E7

E5 E4

E6

NIC III

DNA DO HOSPEDEIRO

Neoplasia intraepitelial cervical

Forma epissomal

Núcleo normal Núcleo com DND viral epissomal Expressão de genes precoces (E) e tardios (L) Núcleo com DNA viral integrado Expressão aumentada de E6 e E7

Particulas virais infectantes

Colo normal

L1 L2

LCR

Integração

E6

E1

E7 E2

DNA DO HOSPEDEIRO

Carcinoma invasor

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I é considerada NIC de baixo grau, e NIC II e III, de alto grau (Solomon et al., 2002; Tavassoli; Deville, 2003). A incidência de NICs é extremamente maior do que a do próprio câncer, mas não existem estimativas oficiais da prevalência dessas lesões. Em estudo que envolveu coletas em Porto Alegre, Campinas, São Paulo e Buenos Aires (Syrjänen et al., 2005), com mais de 12.000 mulheres rastreadas para câncer de colo uterino, a prevalência de NIC de baixo grau variou de 1.300 a 1.860 casos/100.000 mulheres, enquanto NIC de alto grau apresentou prevalência de 990 a 1.180 casos/100.000 mulheres. Estudos semelhantes de rastreamento populacional em países em desenvolvimento têm demonstrado resultados similares ou com prevalência ainda maior de lesões pré-malignas (Franco et al., 2003; Sankaranarayanan et al., 2004; Syrjänen et al., 2005). Nesse processo, nem todas as lesões de NIC de baixo grau irão evoluir para casos mais graves. A grande maioria das NICs não irá progredir para câncer e não requer tratamento. Em uma avaliação dos estudos relevantes publicados entre 1952 e 1992, estimou-se que somente 10% dos casos de NIC I irão progredir para NIC III e que somente 1% teria o risco de evoluir para carcinoma invasor (Ostor, 1993). Estudos posteriores demonstraram taxas de progressão de NIC I na mesma proporção ou ainda menores (Syrjänen, 1996; Bansal et al., 2008). Vários fatores têm sido associados ao risco de progressão de NIC I, mas nenhum é um fator isolado que determine o tratamento da lesão; (Cox, 1995; Katase et al., 1995; Furber et al., 1997; Duggan et al., 1998; Konno et al., 1998; Paraskevaidis et al., 1999; Duggan, 2002; Yokoyama et al., 2003): > infecção por determinados subtipos de HPV, como 16 e 18 (HPVs de alto risco); > persistência da lesão; > tamanho da lesão; > tabagismo; > imunodeficiência; > coinfecções genitais por DSTs;

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> idade; > uso de anticoncepcionais orais. Outro ponto a ser considerado é que as taxas de regressão de NIC I estão intimamente associadas ao tempo de observação da lesão. Vários autores sugerem observar a lesão por dois anos e, caso não tenha regredido, é realizado tratamento. Em estudos em que essas lesões são observadas por mais tempo, percebem-se taxas de regressão acentuadas, principalmente em pacientes jovens (Kataja et al., 1992; Bansal et al., 2008). Entretanto, NICs de alto grau apresentam grande risco de progressão para carcinoma invasor. Porém, existe uma real limitação de estudos para determinar a história natural desse tipo de lesão, se NIC II tem comportamento diferente de NIC III e que influência determinados subtipos de HPV poderiam exercer nesses tipos de lesão. Atualmente existe a recomendação formal de tratar todos os tipos de NIC de alto grau (Ostor, 1993; Duggan, 2002).

Diagnóstico de infecção pelo HPV Métodos indiretos Os métodos indiretos não detectam a presença do HPV e sim alterações estruturais no epitélio sugestivas da infecção pelo vírus. Avaliação clínica: a inspeção da genitália externa pode ser realizada com uma fonte de luz clara em busca de lesões condilomatosas. Como a infecção pelo HPV pode ser multicêntrica na genitália feminina, não raramente as infecções do colo uterino são acompanhadas por lesões condilomatosas externas. Citologia: a infeção pelo HPV causa alterações celulares no colo uterino que podem ser diagnosticadas por meio da citologia de Papanicolau. A infecção inicial é identificada por células que apresentam coilocitose, ou seja, efeito citopático do HPV em que ocorrem núcleos picnóticos contornados por halos claros do citplasma. Também podem ser identificados casos mais acentuados, em que ocorrem alterações nucle-

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ares menores (lesões intraepiteliais cervicais de baixo grau, que correpondem à NIC I) ou alterações nucleares maiores (lesões intraepiteliais cervicais de alto grau, que correspondem à NIC II ou III). Inspeção com ácido acético e lugol: lesões cervicais podem ser realçadas com a aplicação de ácido acético 3 a 5%, que torna a região de lesão branca (acetobranca, decorrente da maior presença de proteínas do que o epitélio normal). Processos inflamatórios e metaplásicos também podem provocar aparência acetobranca, causando interpretação equivocada. Além disso, regiões com alterações displásicas têm menor produção de glicogênio, corando-se menos intensamente na aplicação de solução de lugol (teste de Schiller positivo). Devemos considerar que, à medida que o processo de displasia se agrava, maior é a concentração de material nuclear e consequentemente mais intenso e duradouro é o efeito acetobranco do ácido acético. Colposcopia: considerando-se que a infecção pelo HPV é multicêntrica, a colposcopia permite que não só o colo uterino seja examinado (colposcopia), mas também a vagina (vaginoscopia), a vulva (vulvoscopia) e o ânus (anoscopia). É importante considerar que colposcopia não é um exame definitivo e que lesões devem ser biopsiadas para diagnóstico histológico, portanto, a colposcopia permite a identificação da área de alteração mais significativa. Histologia: permite que sejam identificadas alterações morfológicas do epitélio (acantose, paraqueratose, hiperqueratose e coilocitose, além de alterações na relação núcleo/citoplasma decorrente de displasia), sendo o padrão-ouro para diagnóstico das lesões causadas pelo HPV.

Métodos diretos Os métodos diretos permitem identificar que o DNA viral está presente no sítio da infecção. Os mais frequentemente utilizados são captura híbrida e PCR. Captura híbrida 2: esse é um teste comercializado pela Digene Corporation que permite que o DNA viral seja marcado por meio de reação de quimioluminescência e detectado in vitro por coletas swab cervical. O teste também permite

que a quantidade de vírus presente na amostra seja quantificada. Possibilita a detecção de 13 tipos de HPV de alto risco (16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59 e 68) e 5 tipos de baixo risco (6, 11, 42, 43 e 44). O teste não informa especificamente qual tipo de HPV foi detectado e sim se algum tipo de HPV do grupo foi identificado. PCR (reação em cadeia da polimerase): esse teste, utilizado também para outros fins que não a detecção do HPV, permite que pequenas quantidades de HPV DNA sejam detectadas, informando que tipo específico de HPV foi identificado.

Métodos sorológicos Os métodos sorológicos permitem identificar se existe produção de anticorpos contra a infecção pelo HPV. Entretanto, como o HPV não causa viremia, não há resposta imune adequada, e o teste é inadequado para uso clínico. Atualmente, o teste é reservado apenas para a identificação da infecção em estudos.

Comentários Em vista da alta prevalência de HPV na população geral, a testagem para HPV indiscriminadamente não é recomendada. Caso isso fosse realizado de rotina, teríamos um grande percentual de mulheres HPV-positivo, que não teriam e nunca iriam desenvolver qualquer tipo de lesão cervical, ocasionando falsa doença e impacto psicológico negativo em nossas pacientes (Conaglen et al., 2001). Atualmente a testagem para HPV não é recomendada de rotina em nosso meio em vista do alto custo do exame. Segundo a American Society for Colposcopy and Cervical Pathology, a testagem para HPV pode ser utilizada em situações especiais: > Pacientes com exame citopatológico com ASC-US (atipias celulares em células escamosas de significado indeterminado) – em caso de teste positivo, a paciente deve ser seguida em intervalos menores ou encaminhada para colposcopia. > Pacientes com mais de 30 anos de idade – em caso de dois testes negativos e citologias

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negativas, ela pode ter o rastreamento a cada três anos; em caso de teste positivo, deve ser encaminhada para colposcopia. > Seguimento pós-conizações de pacientes que trataram lesões de alto grau. Um teste positivo poderia ser um preditor importante para recidivas. Devemos ressaltar que a indicação de um novo tratamento não deve ser feita baseada apenas em testes de biologia molecular, mas definida por citologia e histologia.

Tratamento Não existe tratamento destinado à eliminação da infecção pelo HPV, e sim tratamentos ablativos/excisionais das células/tecidos que estão infectados pelo vírus. Existe consenso que as NICs de alto grau devem ser tratadas. Entretanto, as NICs de baixo grau podem ter conduta expectante. Apesar dos vários fatores de risco já identificados, a seleção de que pacientes devem ou não receber tratamento é um assunto controverso, pois não dispomos de nenhum fator de risco objetivo que apresente um prognóstico claro das lesões de baixo grau. Na maioria das vezes, as pacientes acabam recebendo tratamento para lesões que iriam involuir espontaneamente, ocasionando desconforto, ansiedade e custos desnecessários para os programas de rastreamento, ainda mais em países em desenvolvimento, onde a incidência da doença é maior, e os recursos, infinitamente menores (Duggan, 2002; Wright et al., 2002; American College of Obstetricians and Gynecologists, 2003; Morantz; American Cancer Society, 2004). Nos casos de conduta expectante de lesões de baixo grau, o objetivo do acompanhamento é esperar que ocorra, com o passar do tempo, eliminação espontânea do HPV. Em casos em que ocorre o tratamento de lesões de alto grau, ainda assim há possibilidade de existir a infeção pelo HPV, mesmo que lesões não sejam mais evidentes após a terapia; nesses casos, também espera-se que ocorra eliminação espontânea do HPV. Alguns fatores são importantes e devem ser considerados para a eliminação do HPV:

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Status imunológico: a persistência ou eliminação espontânea da infeção pelo HPV, além da resposta aos tratamentos ablativos ou excisionais, dependem intimamente do status imunológico da paciente. Mulheres imunocomprometidas eliminam menos espontaneamente o HPV, estando assim mais suscetíveis ao desenvolvimento de lesões. Essas mulheres ainda respondem menos aos tratamentos, com maior risco de recividas (Cox, 2002). Estilo de vida saudável: um estilo de vida saudável, sem tabagismo, com prática de exercícios e alimentação adequada, pode ser um fator promotor para a eliminação da infeção pelo HPV e deve ser recomendado a todas as pacientes, não só pela presença do HPV, mas por outras consequências para sua saúde. Além disso, todos os fatores de risco anterioremente apresentados de progressão de NIC I devem ser considerados (Cox, 2002). Uso de preservativo: a prevenção da infecção ou reinfeção pelo HPV com o uso de preservativo é limitada, pois costumeiramente trata-se de uma infeção genital (e não limitada ao pênis), a qual o preservativo não previne efetivamente. Atualmente não existe recomendação formal para uso de preservativo unicamente para prevenção de HPV.

Vacinas para HPV Recentemente, vacinas para HPV foram aprovadas para prevenção de infeção pelo HPV e suas consequentes lesões. Existem atualmente duas vacinas disponíveis: bivalente, desenvolvida contra os subtipos 16 e 18 (que causam 70% dos casos de câncer de colo uterino), e quadrivalente, desenvolvida contra os subtipos 16, 18, 6 e 11 (estes dois últimos causam 90% dos casos de verrugas genitais) (Cutts et al., 2007; Perez et al., 2008). Todas as vacinas são profiláticas e não têm atividade contra indivíduos previamente infectados pelo subtipo específico ou contra lesões cervicais. Além disso, a administração das vacinas deve ser realizada de acordo com as indicações do fabricante (3 doses), sob o risco de diminuição de eficácia. São indicadas atualmente para

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crianças e mulheres da faixa dos 9/10 a 25/26 anos (Rambout et al., 2007). As vacinas são seguras, sendo apresentados apenas pequenos efeitos adversos no local da injeção, como vermelhidão, edema e descon-

forto, de pequena intensidade. Eventos maiores como morte, aborto ou hospitalização não têm sido associados ao uso da vacina. As vacinas ainda não estão aprovadas para uso em situações especiais, como gestantes e paciente imunossuprimidas (Rambout et al., 2007).

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416 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em relação às lesões precursoras do câncer de colo do útero, podemos considerar que: 1. O tratamento de lesões cervicais diagnósticas por um resultado de exame citológico anormal não é adequado, havendo sempre a necessidade do diagnóstico histológico. 2. A utilização de testes de biologia molecular para a identificação da infecção pelo HPV em mulheres com achados citológicos ou histológicos é fundamental para a definição de tratamento imediato ou expectante. Casos com testes de HPV positivos necessitam de tratamento imediato, pelo risco de progressão da lesão.

3. O diagnóstico de uma infecção viral por HPV com potencial oncogênico e de alta carga viral é indicativo de terapia agressiva, com indicação de conização, independentemente da presença ou não de lesões cervicais, já que essa paciente tem um grande risco de desenvolvimento de lesões graves ou câncer de colo do útero. Escolha a(s) alternativa(s) correta(s) a. As alternativas 1 e 2 estão certas. b. As alternativas 2 e 3 estão certas. c. Todas as alternativas estão corretas. d. As alternativas 1 e 3 estão corretas. e. Somente a alternativa 1 está correta.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Carcinoma de Colo Uterino Ricardo dos Reis Heleusa Ione Mônego Márcia Appel João Paolo Bilibio Edison Capp Waldemar Augusto Rivoire

O colo uterino é órgão de destaque em ginecologia e obstetrícia: para o oncologista ginecológico, representa frequentemente um foco de desenvolvimento de malignidade, e para o obstetra, tem um papel importante no processo de parturição. O carcinoma de colo uterino é o único câncer genital feminino que pode ser realmente prevenido por uma técnica de rastreamento efetiva e barata que permite detecção e tratamento na fase pré-maligna, ainda na forma de neoplasia intraepitelial cervical (NIC) (Disaia, 2002). O câncer de colo uterino (CCU) é o segundo mais comum em mulheres no mundo, com 500 mil novos casos ao ano. Essa doença, de uma forma desproporcional, afeta as regiões mais pobres, sendo que 80% dos casos são diagnosticados em países em desenvolvimento. Nos países em desenvolvimento, é a causa mais comum de morte por câncer em mulheres, e do maior número de anos de vida perdidos devido ao câncer. Essa neoplasia é mais comumente diagnosticada em torno da quinta década de vida, ou seja, vários anos mais precocemente que a média de idade para câncer de mama, pulmão e ovário. Avanços importantes ocorreram no diagnóstico e no tratamento desse câncer nos últimos anos. Cirurgia ou radioqui-

mioterapia (RQ) podem curar 80 a 95% das mulheres em estádio inicial (estádio I e II) e 60% com doença em estádio III (Eifel, 2006; Jemal et al., 2006).

Fatores de risco Os fatores de risco são: mulheres de baixo nível socioeconômico, início precoce das atividades sexuais, aumento do número de parceiros sexuais, gravidez precoce, multíparas e prostitutas. Também está associado ao número total de parceiros durante a vida e ao número de parceiras sexuais do próprio cônjuge ou parceiro. A infecção pelo papilomavírus humano (HPV) de alto risco (16, 18, 31, 33, 35…) é a principal causa do CCU, sendo que estudos atuais indicam sua presença em mais de 90% dos casos de tumor invasor. As proteínas virais E6 e E7, produzidas pelos HPV de alto risco, são o ponto crítico para a transformação maligna do epitélio, por sua habilidade em ligar-se e inativar a proteínas p53 e pRb do hospedeiro, respectivamente (genes supressores tumorais). Esses achados têm implicações óbvias na prevenção primária (vacinação) e na prevenção secundária (rastreamento) dessa doença (Waggoner, 2003; Petignat; Roy, 2007).

418 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Patologia O carcinoma de células escamosas normalmente se origina na junção escamocolunar (JEC) do colo uterino. É precedido, na maioria das vezes, por NIC e carcinoma in situ que, se não tratado, evolui para carcinoma invasor em 10 a 30% dos casos. A progressão de NIC I para NIC III se dá em somente 10% dos casos. Na grande maioria, a NIC III já aparece nessa fase, sem passar pelas fases anteriores (Disaia, 2002). Quando visíveis, as lesões podem ser endofíticas ou exofíticas. Uma variante da lesão endofítica tem relevância clínica, pois se estende à endocérvice, igualando os diâmetros da cérvice e do corpo uterino, o que se assemelha a um barril (barryl shape). Seu diâmetro normalmente é de 6 cm ou mais, apresentando problemas quanto ao tratamento (Eifel, 2006). Dissemina-se por extensão direta ao tecido paracervical, à vagina e ao endométrio; com a progressão, envolve as paredes pélvicas lateralmente, a bexiga anteriormente e o reto, posteriormente. Metástases ocorrem, principalmente, por via linfática, mas também há disseminação hematogênica (Eifel; Levenback, 2001). O CCU é epidermoide (escamoso) em 75 a 90% dos casos, podendo ser subclassificado em carcinoma de grandes células não queratinizado (mais comum), de grandes células queratinizado e de pequenas células não queratinizado (Eifel, 2006). Os adenocarcinomas são responsáveis por 15 a 25% dos casos e originam-se das células colunares endocervicais. À medida que se tornam menos diferenciados, podem perder sua aparência glandular e tornar-se mais sólidos. O adenocarcinoma também tem sido associado à maior recorrência, maior número de linfonodos comprometidos e diminuição da sobrevida, ou seja, pior prognóstico. Outro tipo histológico é o carcinoma adenoescamoso. Alguns autores acreditam que esse tipo apresenta um pior prognóstico (Wang et al., 2006) e outros afirmam que tem um comportamento semelhante (Dos Reis et al., 2007a). Outros tipos histológicos mais raros também podem comprometer o colo uterino, como carcinoma de células claras, carcinoma neuroen-

dócrino, sarcomas, linfomas, melanomas e tumores metastáticos. O grau de diferenciação tumoral (bem diferenciado, moderadamente diferenciado e pobremente diferenciado), profundidade e extensão da invasão e presença ou ausência de invasão dos espaços linfovasculares são fatores prognósticos que deveriam ser adequadamente definidos (Sedlis et al., 1999; Milam et al., 2007). O carcinoma escamoso apresenta-se como: > de grandes células não queratinizado (mais comum); > de grandes células queratinizado; > de pequenas células não queratinizado.

Achados clínicos O tumor de colo uterino apresenta-se na sua fase inicial de uma forma assintomática ou pouco sintomática, fazendo com que muitas pacientes não procurem ajuda no início da doença. O CCU cresce localmente atingindo vagina, tecidos paracervicais e paramétrios, com isso podendo comprometer bexiga, ureteres e reto. A disseminação a distância ocorre principalmente por via linfática, envolvendo inicialmente os linfonodos pélvicos, e, após, os para-aórticos (Fig. 29.1). A chance de haver comprometimento de linfonodos para-aórticos sem comprometimento do grupo pélvico é rara, ou seja, em torno de 1% (Tab. 29.1) (Levenback; Van der Zee; Coleman, 2004). A apresentação clínica depende principalmente da localização e da extensão da doença. A paciente pode referir secreção vaginal amarelada fétida e até sanguinolenta, ciclos menstruais irregulares, spotting intermenstrual, sangramento pós-coital e dor no baixo ventre. Nos estádios mais avançados, a paciente pode referir dor no baixo ventre mais importante; anemia, em virtude do sangramento; dor lombar, em função do comprometimento ureteral; hematúria; alterações miccionais, causadas pela invasão da bexiga; e alterações do hábito intestinal, em função da invasão do reto. As pacientes podem sentir ainda dores na coluna lombar e bacia pélvica, devido ao comprometimento, às vezes, da parede pélvica (Disaia, 2002).

Rotinas em Ginecologia

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aórtico pré-aórtico

retal

glúteo superior interilíaco obturador glúteo inferior

Figura 29.1 Drenagem linfática cervical. Fonte: Adaptada de Eifel e Levenback (2001).

Tabela 29.1 Incidência de metástases em linfonodos pélvicos e para-aórticos segundo estadiamento (545 pacientes) Estadiamento

Linfonodos pélvicos (⫹)

Linfonodos para-aórticos (⫹)

I II III

15,5% 28,6% 47%

6,3% 16,5% 8,6%

Fonte: Disaia (2002).

Diagnóstico No diagnóstico de CCU em estádios mais avançados, quando a lesão é visível a olho nu, a conização é contraindicada, e basta uma biópsia da lesão. O diagnóstico fica com a tríade citologia, colposcopia e histologia. A respeito da citologia, podemos dizer que ela é muito importante. Deve conter, na lâmina, células da JEC e sempre ser colhida da ectocérvice (espátula) e da endocérvice (cytobrusch) (Luzzatto; Boon, 1996). Devemos lembrar que, devido ao fato de a citologia ter uma sensibilidade de em torno de 60%, pode acontecer que,

em casos de tumores invasores, com muita necrose, esse resultado seja negativo; ao contrário, um resultado de positividade para carcinoma invasor deverá ser muito valorizado, já que a especificidade é em torno de 95%. O teste de Schiller também é útil em centros sem colposcópio, pois vai demarcar uma área do colo uterino não corada com iodo, e essa paciente deverá ser referendada para colposcopia. A colposcopia é um método muito importante para o diagnóstico, pois irá mostrar imagens sugestivas de invasão tumoral (vasos atípicos, necrose, erosões, aspecto vegetante e circunvoluções na lesão). O método ouro de diagnóstico é dado pela histologia, que pode ser realizada por meio de uma biópsia direta da lesão ou, em casos de lesão endocervical, com a curetagem do canal endo-

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cervical, que tem 50% de falso-negativo, ou seja, deverá ser valorizada quando mostrar um resultado positivo; quando negativo, não afasta a possibilidade de haver um tumor. A conização é indicada quando a invasão não pode ser descartada por colposcopia e biópsia dirigida da lesão, quando a colposcopia é insatisfatória e os resultados do citopatológico (CP) mostram lesão intraepitelial de alto grau, ou em casos de não concordância entre os métodos diagnósticos, na suspeita de invasão. Por último, o toque vaginal poderá mostrar um colo uterino de aspecto irregular, tumoral e vegetante. O toque retal serve para fornecer o estadiamento do tumor em termos de invasão ou não dos paramétrios (Fig. 29.2) (Waggoner, 2003).

Estadiamento O sistema de estadiamento consagrado mundialmente é o da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) (Tab. 29.2) (Benedet et al., 2000). O estadiamento do CCU é clínico e se baseia nos resultados de exame físico, colposcopia, anatomopatológico, exames radiográficos (raio X de tórax) e uretrocistoscopia e retossigmoidoscopia, quando indicadas. Qualquer suspeita de invasão de bexiga ou reto deverá ser confirmada por biópsia. Atualmente, é indicado solicitar uretrocistoscopia e retossig-

Figura 29.2 Toque retovaginal (estadiamento clínico). Fonte: Adaptada de Eifel e Levenback (2001).

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Tabela 29.2 Classificação Internacional de Câncer de Colo Uterino Estádio 0 Estádio I Estádio IA Estádio IA1 Estádio IA2 Estádio IB Estádio IB1 Estádio IB2 Estádio II Estádio IIA Estádio IIB Estádio III

Estádio IIIA Estádio IIIB Estádio IV Estádio IVA Estádio IVB

Carcinoma in situ / NIC III / carcinoma intraepitelial Carcinoma confinado ao colo uterino Invasão estromal de no máximo 5 mm de profundidade e 7 mm de extensão Invasão estromal ⱕ 3 mm, com, no máximo, 7 mm de extensão Invasão estromal ⬎ 3 a ⱕ 5 mm, com, no máximo, 7 mm de extensão Lesão clínica confinada ao colo uterino Lesão clínica ⱕ 4 cm Lesão clínica ⬎ 4 cm Envolvimento do terço superior e médio da vagina ou infiltração do paramétrio, não chegando à parede pélvica Envolvimento da vagina, sem evidência de envolvimento parametrial Infiltração do paramétrio, não chegando à parede pélvica Envolvimento do terço inferior da vagina ou infiltração do paramétrio, até parede pélvica; todos os casos com hidronefrose ou rim não funcionante devem ser incluídos, a menos que haja outra causa para tal comprometimento Envolvimento do terço inferior da vagina; se o paramétrio está infiltrado, não chega à parede pélvica Extensão parametrial até parede pélvica, ou hidronefrose, ou rim não funcionante Extensão além do trato genital Envolvimento da mucosa da bexiga ou reto Metástases a distância ou doença fora da pelve

Fonte: Adaptada de Benedet e colaboradores (2000).

moidoscopia, na avaliação pré-operatória, somente se há suspeita de invasão desses órgãos. No nosso serviço, todas as pacientes que irão iniciar tratamento para CCU com cirurgia radical ou mesmo RQ realizam um exame de imagem abdominal total (tomografia abdominal total, raio X de tórax, hemograma e função renal). Se na avaliação inicial diagnosticarmos obstrução unilateral ou bilateral de ureteres, com formação de hidronefrose a montante, devemos discutir o caso com a urologia, com vistas à drenagem do(s) rim(ns) comprometido(s) por meio de colocação de duplo J, de preferência, ou nefrostomia para preservar a função renal (Eifel, 2006).

Papel dos exames de imagem Tomografia computadorizada ou ressonância magnética são frequentemente usadas para definir presença ou ausência de metástases linfonodais e avaliar a extensão da doença. Devido ao fato de que esses exames avaliam apenas os aspectos morfológicos e a dimensão dos linfonodos, para reconhecer metástases, é difícil

identificar envolvimento tumoral desses nódulos quando seu tamanho é normal. Normalmente, linfonodos de até 1 cm, no seu menor diâmetro, são considerados normais. Recentes estudos comparando achados histopatológicos com achados da tomografia por emissão de pósitrons e tomografia computadorizada (PET-CT) demonstraram um valor importante para detecção de pequenas metástases linfonodais (Rezvani; Shaaban, 2009).

Valor do estadiamento cirúrgico O estadiamento cirúrgico inclui linfadenectomia pélvica e, algumas vezes, para-aórtica também, quando os linfonodos pélvicos estão comprometidos ou os para-aórticos estão aumentados e suspeitos. Comparando estadiamento cirúrgico transperitoneal e extraperitoneal, estudos evidenciaram que ambas as técnicas têm a mesma acurácia e complicações cirúrgicas, porém, quando as pacientes foram tratadas com radioterapia posteriormente, a técnica extraperitoneal evidenciou índices de complicações entéricas

422 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

menores (Weiser et al., 1989). Comparando com o estadiamento clínico da FIGO, o estadiamento cirúrgico melhorou a acurácia diagnóstica em 24% no estádio IB, 52% no estádio II e 45% no estádio IIIB (Homesley et al., 1991; Origoni et al., 1996; Petignat; Roy, 2007).

Estadiamento – conclusões Evidências atuais mostram que tomografia computadorizada, ressonância magnética, PET e estadiamento cirúrgico são melhores do que o estadiamento clínico para identificar a verdadeira extensão da doença. Entretanto, nenhum desses métodos foi incorporado ao sistema de estadiamento da FIGO, até o momento. A principal razão é que o CCU é mais prevalente em países em desenvolvimento, e métodos de estadiamento devem ser universalmente disponíveis e comparáveis. Além disso, atualmente há uma falta de consenso a respeito do melhor exame de imagem e do verdadeiro valor do estadiamento cirúrgico. Provavelmente, futuros sistemas de estadiamento da FIGO poderão incorporar algumas dessas investigações na classificação (Narayan, 2005).

Tratamento Cirurgia A cirurgia de Wertheim-Meigs (histerectomia total ampliada-Piver III) envolve a retirada de útero, terço superior da vagina, ligamentos uterossacros e vesicouterinos e todo paramétrio, bilateralmente, até a parede pélvica. Seguem-se a linfadenectomia pélvica bilateral, que inclui a dissecção dos linfonodos das cadeias ilíaca externa, a partir da bifurcação, fossa obturadora (limite: nervo obturador) e veia hipogástrica. Não há necessidade da retirada dos ovários. Só as retiramos nas pós-menopáusicas; nas pré-menopáusicas, é preciso deslocar o ovário direito, com seu pedículo, para a goteira parieto-cólica direita e fixá-lo no peritônio parietal. Os linfonodos para-aórticos são palpados no início da cirurgia e, se suspeitos (também nos métodos de imagem pré-operatórios), são biopsiados, sendo realizado anatomopatológico de congelação; se positivos (> 1), a cirurgia é suspensa (Eifel, 2006).

Quimioterapia Os resultados obtidos com quimioterapia no tratamento do CCU são modestos. Essa modalidade de tratamento é empregada em pacientes com doença recidivada e/ou metastática, com grande variação nos índices de respostas objetivas. As melhores respostas são em sítios extrapélvicos, pois se evitam os efeitos da radioterapia e cirurgia pélvica, que comprometem a circulação (Cadron et al., 2007). Existem alguns estudos utilizando a quimioterapia de forma neoadjuvante em tumores IB2 (⬎ 4 cm), no intuito de reduzir a massa tumoral e proceder, em seguida, a uma cirurgia radical; porém, os resultados são variados e, com isso, não há nenhuma definição, até o momento, do verdadeiro papel da quimioterapia neoadjuvante isolada, no tratamento do CCU (Benedetti Panici et al., 2007). A cisplatina, como droga única, apresenta índices de resposta de 18 a 23%. A doxorrubicina apresenta índices de resposta de 16 a 26%. A ifosfamida apresenta respostas de 16 a 21%, índice semelhante à ciclofosfamida, que é de 15%. Também mostram alguma atividade contra o CCU a bleomicina, o metotrexate, a mitomicina e os alcaloides da vinca (Eifel, 2006). Atualmente existem estudos demonstrando vantagens em relação à recidiva local e sobrevida, empregando-se quimioterapia junto com radioterapia, de forma adjuvante, após cirurgia de Wertheim-Meigs, em que estaria indicada radioterapia pós-operatória (linfonodos positivos, margens comprometidas e envolvimento parametrial) (Peters et al., 2000). Atualmente está comprovado o benefício de se associar quimioterapia (cisplatina) como droga radiossensibilizante nos tumores estádios IB2, IIA, IIB, IIIA e IVA (Rose et al., 1999).

Radioterapia Embora em pacientes com CCU em estádios iniciais (IA, IB1, IIA) a sobrevida em 5 anos seja em torno de 85 a 90%, tanto com radioterapia como com cirurgia radical, as pacientes com melhor condição clínica e mais jovens tendem a ser tratadas com cirurgia, visto que preserva a função sexual e hormonal da paciente. A radioterapia é reservada para as pacientes que

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apresentam comorbidade, idade avançada e contraindicação para a cirurgia. A radioterapia, além de esterilizar os ovários, afeta a função sexual, por meio de sequelas em nível vaginal (encurtamento, fibrose, etc.) (Landoni et al., 1997). A sobrevida em cinco anos com a radioterapia, em estádio IIB, é de 60%, III é de 40%, e IVA, 20% (Eifel, 2006). As indicações de radioterapia como tratamento complementar à cirurgia são divididas em critérios primários e secundários. Os critérios primários são linfonodos pélvicos positivos, margens exíguas ou comprometidas e invasão de paramétrios (Peters et al., 2000). Os critérios secundários são tamanho tumoral, invasão dos espaços linfovasculares e grau de invasão estromal. Estes últimos critérios são analisados caso os critérios primários sejam negativos (Tab. 29.3) (Sedlis et al., 1999). A combinação de radioterapia de feixe externo (teleterapia) e braquiterapia intracavitária parece ser o tratamento mais adequado. Os estudos que avaliaram a realização de cirurgia após o tratamento com radioterapia, para tumores volumosos, são controversos, e essa conduta não pode ser empregada na prática diária (Keys et al., 1999). Hoje em dia, como já foi referido anteriormente, é indicado o uso da cisplatina como droga radiossensibilizante para tratamento de tumores estádios II, III e IV. Nos estádios III e IV, a resposta completa situa-se em torno de 65%, e a sobrevida, ao redor de 40%, em 2 a 3 anos (Rose et al., 1999).

Estádio IA1 Pacientes com estádio IA1 devem ser diagnosticadas com base em uma conização, de preferência a frio, por não cauterizar as bordas de ressecção. Se os espaços linfovasculares não estão envolvidos, há menos de 1% de risco de disseminação linfonodal. Essas pacientes podem ser tratadas, conservadoramente, por uma histerectomia simples ou por conização a frio, se desejarem preservar a fertilidade. A importância do envolvimento dos espaços linfovasculares no estádio IA1 não está clara e é um tema controverso; porém, a maioria dos serviços opta por cirurgia radical ou radioterapia, se esse achado estiver presente (Petignat; Roy, 2007).

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Estádios IA2, IB1 e IIA Histerectomia radical via abdominal é o tratamento de escolha para pacientes jovens e sadias, pois preserva a função ovariana. Até o momento, não indicamos a videolaparoscopia para cirurgia oncológica. Como já foi citado anteriormente, a radioterapia é igualmente efetiva para pacientes com estádio inicial. Um ensaio clínico randomizado que comparou cirurgia primária e radioterapia primária, em estádio IB-IIA, mostrou que a sobrevida livre de doença e sobrevida geral para os dois grupos foi a mesma (Landoni et al., 1997).

Cirurgia preservadora da fertilidade A traquelectomia radical envolve a remoção do colo uterino e dos tecidos parametriais, e, após, é realizada linfadenectomia pélvica. Consiste em um procedimento curativo objetivando preservar a fertilidade em pacientes jovens, sem prole completa e com CCU em estádio inicial. Em torno de 50% das pacientes abaixo dos 40 anos com CCU podem ser candidatas a esse procedimento. Os índices de cura são comparáveis aos da histerectomia radical, e as pacientes que tentam gerar têm mais de 50% de chance. A traquelectomia radical, apresentada por Dargent em 1994, está assumindo um papel muito importante no tratamento do CCU em estádio inicial nessas pacientes. Essa técnica pode ser realizada por via vaginal (Fig. 29.3) (Plante et al., 2005) ou por via abdominal (Fig. 29.4) (Ungar et al., 2005).

Biópsia do linfonodo sentinela no CCU O mapeamento linfático e biópsia do(s) linfonodo(s) sentinela(s) têm por objetivo identificar a drenagem linfática e, principalmente, evitar a linfadenectomia pélvica bilateral total. Caso o linfonodo sentinela seja metastático, no anatomopatológico de congelação, a cirurgia radical será suspensa, em favor do tratamento com RQ (Dos Reis, 2007b). O papel da pesquisa do linfonodo sentinela em CCU não está definido ainda, e, até o momento, não podemos deixar de realizar

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a linfadenectomia pélvica total após esse procedimento. O protocolo GOG (Gynecologic Oncology Group) 206 está avaliando esse tópico e, no futuro, obteremos uma real posição (Levenback; Van der Zee; Coleman, 2004).

Estádio IB2 Pacientes com esse estádio (tumores ⬎ 4 cm) são pobres candidatas à cirurgia radical, devido ao fato de que a maioria necessitará de radioterapia adjuvante. Estudos demonstraram que a junção de cirurgia radical e radioterapia pós-operatória é um tratamento que causa muitas complicações e deve ser evitado (Landoni et al., 1997).

Figura 29.3 Traquelectomia vaginal radical. Fonte: Adaptada de Plante e colaboradores (2005).

RQ é o tratamento de escolha na maioria dos centros. Alguns estudos colocam a opção de tratamento de radioterapia associada à cisplatina antes de uma histerectomia (neoadjuvante), demonstrando que pode diminuir o risco de recorrência e morte em mulheres com estádio IB2. Atualmente, o tratamento no estádio IB2 é o tema mais controverso (Keys et al., 1999).

Manejo da doença avançada Estádios IIB, III, IVA Ensaios clínicos randomizados demonstraram melhoras em termos de sobrevida livre de progressão e sobrevida geral com RQ, comparada à radioterapia isolada, em pacientes com doença localmente avançada estádio IIB-IVA. RQ com cisplatina como droga radiossensibilizante é o tratamento de escolha, no momento, para esse grupo de pacientes (Morris et al., 1999; Rose et al., 1999). O papel da quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia radical está sendo estudado por um grupo europeu e ainda não temos resultados finais (Petignat; Roy, 2007). Figura 29.4 Traquelectomia abdominal radical.

Estádio IVB

Fonte: Adaptada de Ungar e colaboradores (2005).

O tratamento é somente paliativo nesse grupo de pacientes. Com isso, qualidade de vida e efeitos colaterais do tratamento devem ser considerados.

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O único ensaio clínico que identificou um regime de quimioterapia que trouxe ganho de sobrevida geral e qualidade de vida comparou cisplatina versus cisplatina e topotecan, mostrando vantagens para o grupo de duas drogas, porém com toxicidade maior, sem reduzir a qualidade de vida (Long et al., 2005).

Tratamento adjuvante (radioterapia ou radioquimioterapia) Pacientes com doença em estádio inicial que apresentarem, na análise anatomopatológica da cirurgia radical, linfonodos pélvicos positivos, envolvimento de paramétrios e/ou margens exíguas ou comprometidas deverão receber tratamento adjuvante com RQ (Peters et al., 2000). Esse estudo demonstrou que a diferença em termos de prognóstico das lesões glandulares, em relação às escamosas, desapareceu nas pacientes tratadas com RQ, comparadas às pacientes tratadas somente com radioterapia, mostrando assim um papel muito importante da quimioterapia nas lesões glandulares (adenocarcinoma e adenoescamoso). O principal fator de risco (prognóstico) pós-operatório é o envolvimento dos linfonodos pélvicos e/ou para-aórticos (Eifel, 2006). Sedlis, em seu ensaio clínico randomizado, avaliou tamanho tumoral, envolvimento dos espaços linfovasculares e grau de invasão estromal em pacientes pós-cirurgia radical que não apresentaram os principais fatores de risco (linfono-

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dos pélvicos positivos, envolvimento parametrial e/ou margens comprometidas). Ele comparou radioterapia adjuvante versus nenhum tratamento e demonstrou vantagem de sobrevida livre de progressão e índice de recorrência no grupo tratado com radioterapia, porém sem melhorar a sobrevida geral (Sedlis et al., 1999). A Tabela 29.3 mostra os quatro grupos que apresentaram vantagens em termos de tratamento radioterápico. Um aspecto muito importante nesse estudo foi o fato de que as pacientes com adenocarcinoma e adenoescamoso tiveram uma vantagem estatisticamente significativa em favor de associar tratamento radioterápico após a cirurgia radical quando presentes os fatores de risco anteriormente citados (Sedlis et al., 1999).

Seguimento O objetivo do seguimento das pacientes é detectar o mais precocemente possível a recorrência, em um estágio ainda possível de se oferecer um tratamento de salvação, e para monitorar a toxicidade relacionada ao tratamento. A maioria das recorrências ocorre nos primeiros dois anos após o tratamento primário. O exame físico deverá incluir avaliação dos linfonodos supraclaviculares, palpação abdominal, exame especular do fundo-de-saco vaginal e paredes vaginais, coleta de citopatológico e toque

Tabela 29.3 Fatores de risco cirurgicopatológicos em pacientes com carcinoma de colo uterino estádio IB1 (risco intermediário e alto risco) Fatores cirurgicopatológicos Risco intermediárioa IELV pos, invasão do terço externo do estroma, qualquer tamanho tumoral IELV pos, invasão do terço médio do estroma, tumor ⱖ 2 cm IELV pos, invasão do terço interno do estroma, tumor ⱖ 5 cm IELV neg, invasão do terço externo ou médio do estroma, tumor ⱖ 4 cm b Risco alto Metástases em linfonodos Invasão parametrial Margens cirúrgicas positivas Fonte: Adaptada de Sedlis e colaboradores (1999) e Peters e colaboradores (2000). a Definido pelo protocolo GOG 92 (Sedlis; Bundy et al., 1999). b Definido pelo protocolo GOG 109 (Peters; Liu et al., 2000). IELV, invasão dos espaços linfovasculares; pos, positivo; neg, negativo.

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retovaginal. As pacientes devem ser avaliadas a cada três meses no primeiro ano, de 4/4 meses no segundo ano, 6/6 meses até o quinto ano e, após, anualmente. Sempre que a paciente apresentar dor, sangramento vaginal e alterações do trato geniturinário e gastrintestinal, tais sintomas deverão ser investigados. Em relação ao uso rotineiro de vários exames radiológicos ou biológicos, nas investigações de seguimento de pacientes assintomáticas, estudos até o momento não recomendam o seu uso, devido à existência limitada de dados para justificar essa rotina. O seguimento de pacientes livres de doença, após tratamento primário, é um assunto ainda controverso e aguarda por estudos bem conduzidos para mostrar se a realização de exames rotineiros traria uma melhora em termos de sobrevida ou qualidade de vida (Elit et al., 2009).

Tratamento da doença recorrente A recorrência do CCU é quase sempre incurável, e menos de 50% das pacientes estarão vivas em cinco anos.

Pacientes que apresentarem recorrência pélvica após histerectomia radical podem ser tratadas com RQ se não receberam radioterapia anteriormente. Recorrências pélvicas centrais após radioterapia ou RQ podem ser tratadas com cirurgia curativa de exenteração pélvica na ausência de metástases a distância ou doença fixa em paredes pélvicas (Fig. 29.5) (Petignat; Roy, 2007).

Conclusões Atualmente, na maioria dos paises industrializados, as pacientes com CCU se beneficiam com avanços em termos de técnicas de imagem, melhores tratamentos (RQ) e tratamentos cirúrgicos mais conservadores. O ideal é propiciar todos esses avanços aos países em desenvolvimento, pois 85% dos casos ocorrem nessas populações. No futuro, o melhor caminho para diminuir a mortalidade e a morbidade do CCU talvez seja investir na prevenção primária, com vacinas profiláticas contra o HPV de alto risco, pois como já foi citado, quase 100% dos tumores atualmente têm o HPV de alto risco como principal fator causal (Petignat; Roy, 2007).

Espaço de Retzius

Figura 29.5 Exenteração pélvica. Fonte: Adaptada de Eifel e Levenback (2001).

Rotinas em Ginecologia

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428 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

SITES RECOMENDADOS American Society for Colposcopy and Cervical Pathology www.asccp.org

American Cancer Society www.cancer.org

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual é o tipo histológico mais frequente no carcinoma de colo uterino? a. b. c. d. e.

Viloglandular. Escamoso. Adenocarcinoma. Adenoescamoso. Escamoso de pequenas células.

2. Quais são os três critérios prognósticos mais importantes após cirurgia de Wertheim-Meigs, em pacientes com carcinoma invasor de colo uterino no estádio inicial, que orientam o uso ou não de radioterapia adjuvante pós-operatória? a. Invasão profunda do estroma cervical, linfonodos pélvicos positivos e invasão dos espaços linfovasculares. b. Invasão profunda do estroma cervical, linfonodos pélvicos positivos e invasão dos paramétrios. c. Linfonodos pélvicos positivos, invasão dos paramétrios e tamanho tumoral ⬎ 4 cm. d. Invasão dos espaços linfovasculares, invasão dos paramétrios e margens cirúrgicas positivas. e. Linfonodos pélvicos positivos, invasão dos paramétrios e margens cirúrgicas positivas.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

30

Neoplasia Intraepitelial Vulvar Waldemar Augusto Rivoire Adriane Camozzato Fontes Heleusa Ione Mônego Ricardo dos Reis Márcia Appel

A neoplasia intraepitelial vulvar (NIV) de origem escamosa é uma lesão pré-maligna da genitália feminina externa. Durante os últimos 20 anos, tem havido um aumento da incidência da doença, principalmente em mulheres jovens, possivelmente devido ao aumento da prevalência da infecção pelo papilomavírus humano (HPV) no trato genital inferior. A taxa de incidência de NIV III subiu de 1,1 para 2,1 casos por 100.000 mulheres. A incidência de carcinoma de células escamosas de vulva também tem aumentado nos últimos 30 anos especialmente em mulheres jovens, mas em uma taxa menor. Fatores de risco associados à NIV: infecção por HPV, vírus da imunodeficiência humana (HIV) e outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), outras neoplasia do trato genital inferior e fumo.

Tabela 30.1 Neoplasia intraepitelial vulvar (Sideri et al., 2005) A. 1. 2. 3.

Escamosa NIV I* NIV II NIV III

B. 1. 2.

Não escamosa Doença de Paget Melanoma in situ

Em 2004, a ISSVD (Sideri et al., 2005) modificou a classificação. A NIV I* não seria mais considerada uma lesão precursora de câncer, e sim uma reação ao HPV, e o termo NIV seria utilizado só para lesões de alto grau histológicas (NIV II e III) (Tab. 30.2).

Terminologia Em 1986, a International Society for the Study of Vulvovaginal Disease (Sideri et al., 2005) recomendou que os inúmeros termos utilizados para descrever a neoplasia intraepitelial de vulva fossem utilizados em uma única categoria, chamada neoplasia intraepitelial vulvar (NIV).

Neoplasia intraepitelial vulvar escamosa

O termo NIV identifica lesões pré-malignas vulvares e inclui lesões escamosas e não escamosas (Tab. 30.1).

A história natural da NIV, bem como o seu potencial carcinogênico, não estão bem estabelecidos. Tem-se observado um aumento da incidên-

A NIV escamosa é definida histologicamente por distúrbio de maturação e anormalidades nucleares nos vários níveis do epitélio.

430 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela 30.2 Classificação pela ISSVD da neoplasia intraepitelial vulvar escamosa ISSVD 2004

ISSVD 1986

Condiloma acuminado/infecção HPV NIV USUAL – condilomatosa – basaloide – mista

NIV I (displasia leve) NIV II (displasia moderada) NIV III (displasia grave, carcinoma in situ; e termos usados para descrever variantes lll – do NIV eritroplasia de Queyrat, doença de Bowen papulose bowenoide e carcinoma in situ)

DIFERENCIADA (CLÁSSICA ou SIMPLES) NÃO CLASSIFICADA Fonte: Adaptada de Sideri e colaboradores (2005).

cia de NIV provavelmente devido ao aumento da infecção pelo HPV no trato genital inferior. Inúmeros estudos demonstram a associação do HPV à neoplasia intraepitelial vulvar. O HPV encontrado geralmente é do tipo 16. Como não há evidência de que a NIV I seja um precursor de câncer, requerendo tratamento, e sim uma reação ao HPV, a ISSVD recomenda que o termo NIV seja utilizado somente para lesões de alto grau (NIV II e III). Em 2004, o subcomitê de oncologia vulvar da ISSVD desenvolveu uma classificação para NIV (Tab. 30.3).

mantes (60 a 80% dos casos), história de infecção por herpes e condiloma, imunossuprimidas e imunodeficientes. As lesões geralmente são multifocais e multicêntricas, associadas a outras neoplasias intraepiteliais e invasoras de colo uterino e vagina em 18 a 52% dos casos. O HPV é encontrado em 90% dos casos, sendo mais comum o tipo 16. O condiloma acuminado pode ser encontrado adjacente à NIV. É encontrado adjacente ao carcinoma invasor vulvar escamoso, do tipo verrucoso e/ou basaloide (Tab. 30.4).

NIV diferenciada NIV usual

Também chamada de NIV clássica ou simples.

NIV do tipo condilomatosa, basaloide ou mista.

É uma forma mais rara, ocorrendo em cerca de 2 a 10% dos casos. Ocorre em mulheres pós-menopáusicas, com média de idade de 67 anos.

Ocorre em mulheres jovens, com média de 30 a 40 anos. Fatores de risco incluem fu-

Tabela 30.3 Neoplasia intraepitelial escamosa vulvar (NIV II/III) NIV TIPO USUAL > condilomatosa > basaloide > mista NIV TIPO DIFERENCIADA NIV TIPO NÃO CLASSIFICADA Fonte: Adaptada de Sideri e colaboradores (2005).

É encontrada adjacente ao carcinoma vulvar de células escamosas invasivo. Em geral, a lesão é única, não sendo associada à multicentricidade de neoplasia do trato genital inferior, e HPV em geral é ausente. Líquen escleroso ou hiperplasia de células escamosas são encontrados em 83% dos casos de NIV simples. Apresenta grande potencial para progressão a carcinoma vulvar invasivo de células escamosas. Esse tipo de NIV é pouco diagnosticado, provavelmente por ser confundido com hiperplasia de células escamo-

Rotinas em Ginecologia

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Tabela 30.4 Aspectos diferenciais da NIV usual e diferenciada

Idade Associação com HPV Lesões multifocais na vulva Multicentricidade (colo/vagina/perianal/ânus) Associação com líquen

sas ou vulvite crônica ou por apresentar uma fase intraepitelial curta, antes da invasiva.

Relação NIV III e carcinoma vulvar de células escamosas A NIV III tem sido identificada adjacente a 30% dos carcinomas de células escamosas vulvares. Essa associação estabelece uma forte evidência de a NIV III ser uma precursora do câncer vulvar. A incidência de NIV III tem aumentado principalmente em mulheres jovens. Acredita-se que isso esteja ocorrendo devido ao aumento da incidência da infecção genital pelo HPV. Existe uma forte associação entre NIV III e infecção por HPV 16. Como mencionado, existem duas formas de NIV, e a história natural das duas difere. O potencial de progressão de uma NIV III usual tratada adequadamente a carcinoma invasivo tem sido estimado entre 3 e 4%. Essa progressão é aproximadamente 10 vezes maior do que a taxa do câncer cervical após tratamento de neoplasia intraepitelial cervical (NIC) III. O tempo estimado para invasão é inferior a 10 anos em mais de 90% dos casos. No entanto, muitos carcinomas surgem anos após o tratamento adequado da NIV III. Acredita-se que existam dois mecanismos para desenvolvimento de câncer vulvar em mulheres com história de NIV. Primeiro, o câncer surgiria como progressão da NIV persistente; segundo, o desenvolvimento de um “novo” câncer em mulheres adequadamente tratadas no passado (fator de risco). O aumento da incidência de NIV III usual, nos últimos 20 anos, tem refletido uma mudança de padrão do carcinoma de células escamosas invasivo, com aumento de casos em mulheres com idade inferior a 50 anos. No entanto, deve-se ressaltar que a NIV III usual não tratada, em mulheres jovens, pode sofrer

NIV USUAL

NIV DIFERENCIADA

Pré-menopáusica sim sim sim não

Pós-menopáusica não não não sim

regressão espontânea. Em geral, são mulheres não brancas, com idade inferior a 30 anos, assintomáticas, algumas gestantes, com lesões multifocais, pigmentadas e papulares, e a regressão ocorre em período inferior a um ano. A NIV diferenciada apresenta uma forte associação com carcinoma invasivo de células escamosas. É raramente diagnosticada, talvez pela sua natureza súbita ou por ser uma forma transitória, progredindo rapidamente para neoplasia invasiva.

Diagnóstico Os sintomas são inespecíficos; em geral, há prurido, queimação, irritação vulvar, dispareunia, edema e vermelhidão vulvar. Aproximadamente 50% das pacientes são assintomáticas. Portanto, o diagnóstico só poderá ser feito após inspeção cuidadosa. Não existe uma lesão específica de NIV. Os sinais mais comuns são alterações de cor e de espessura da mucosa ou pele. Lesões brancas, cinzas, vermelhas e marrons devem ser biopsiadas. Deve-se inspecionar a vulva com ácido acético a 3 a 5%. A vulvoscopia é útil em lesões subclínicas, na visualização de alterações vasculares, para definir melhor as características da lesão e localizar o melhor local a biopsiar. Não se deve biopsiar área ulcerada ou o centro da lesão. O teste de azul de toluidina pode ser útil. Em 75 a 85%, as lesões são encontradas em áreas não pilosas, e em 15%, envolvem áreas pilosas e não pilosas. Muitas vezes as lesões são multifocais, necessitando de múltiplas biópsias. Geralmente as lesões são bem demarcadas. Em mulheres jovens, em geral, as lesões são multifocais e pigmentadas. Lesões isoladas e placas esbranquiçadas são mais comuns em mulheres com mais idade.

432 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Alto índice de suspeita, principalmente em pacientes com lesões intraepiteliais de colo e vagina, muitas vezes favorece o diagnóstico precoce da NIV. A região anal também deve ser inspecionada, pois 20% das pacientes com NIV apresentam comprometimento da mucosa anal.

Tratamento O tratamento é variável. Nos últimos 30 anos, tem havido uma tendência a ser mais conservador, preservando a anatomia e a função vulvar. O tratamento deve ser individualizado, devendo-se levar em consideração a idade da paciente, o risco de invasão, a sintomatologia, a localização e a extensão da lesão. A taxa de sucesso das diferentes modalidades terapêuticas situa-se entre 70 e 90%, mas a recorrência ocorre em torno de 30 a 40%. Várias modalidades terapêuticas têm sido utilizadas, e não há uma modalidade preferencial estabelecida (Tab. 30.5). O tratamento cirúrgico por meio da excisão tem sido preferencialmente utilizado, pois a remoção da lesão possibilita a avaliação histopatológica, excluindo dessa forma um carcinoma oculto invasor. A vulvoscopia é pouco sensível na detecção de invasão estromal inicial na área vulvar, e em mais de 18% dos casos a invasão não foi identificada por esse exame. A excisão cirúrgica possibilita o correto diagnóstico e a identificação de invasão inicial, visto que pacientes com profundidade de invasão de 1 a 5 mm apresentam até 10% de metástases em linfonodos. A margem cirúrgica deve ser igual ou superior a 1

Tabela 30.5 Tratamento da NIV > > > > > > > > > >

Excisão cirúrgica Vulvectomia parcial e total Ablação com laser Associação de excisão cirúrgica e laser Excisão com cirurgia de alta frequência 5-Fluorouracil Imiquimod Terapia fotodinâmica Interferon Isotretinoína

cm, pois a taxa de recorrência para margem inferior a essa é de 50%. Modesitt e colaboradores (1998) mostram taxa de recorrência de 46% quando as margens são positivas e 17% em margens negativas. No entanto, deve-se considerar o resultado estético e funcional após o tratamento cirúrgico, principalmente em lesões extensas e multifocais, pois muitas pacientes têm idade inferior a 40 anos. A excisão local é o tratamento preferencial para NIV diferenciada, pois a lesão em geral é única. A ablação com laser de dióxido de carbono também é efetiva. Deve-se realizar biópsia adequada para excluir carcinoma. Deve-se estabelecer margem de 5 mm de pele ou mucosa normal com profundidade de 1 a 3 mm conforme a localização da lesão. É uma opção para mulheres jovens com lesão multifocal, mas não pode ser utilizada em gestantes. Em caso de doença multifocal, pode-se associar laser à excisão local. A desvantagem é o tempo de cicatrização, a dor e o fato de não fornecer material para anatomopatológico. O LEEP (loop electrosurgical excision procedure) pode ser utilizado para pequenas lesões, mas a sua eficácia ainda não está bem estabelecida. O 5-fluorouracil mostrou-se inefetivo em áreas pilosas, além de causar irritação e levar à descontinuação do tratamento. Torna-se uma opção terapêutica para as pacientes que recusam a terapêutica ablativa ou terapias excisionais. O imiquimod é um modificador da resposta imune, com efeito, antiviral e antitumoral, que leva à secreção de citoquinas, incluindo o interferon, induzindo imunidade mediada por células. Tem sido utilizado com eficácia no tratamento de condilomas vulvares. Considerando a associação do NIV ao HPV, a boa resposta do imiquimod no tratameno de condilomas, as altas taxas de recidiva no tratamento cirúrgico da NIV, a multifocalidade das lesões e a idade das pacientes, tem sido proposto o uso do imiquimod no tratamento das lesões de alto grau vulvar. Foi realizada uma revisão de 17 artigos relevantes sobre eficácia e segurança do creme de imiquimod 5% no tratamento de lesão de alto grau

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vulvar e vaginal (1 estudo randomizado, 10 séries de casos e 6 descrições de casos), com taxa de regressão total de 26 a 100%, regressão parcial de 0 a 60%, e recorrência de 0 a 37%. Vários trabalhos foram realizados (van Seters et al., 2002, 2008; Mathiesen; Buus; Cramers, 2007; Le et al., 2007; Todd; Etherington; Luesley, 2002) avaliando o uso dessa medicação, com bons resultados. O imiquimod 5% pode ser uma opção terapêutica para o tratamento da NIV, principalmente nas lesões multifocais e extensas, podendo haver preservação da anatomia. O método pode ser utilizado isoladamente ou para diminuir lesões, facilitando o tratamento cirúrgico. No entanto, deve ser excluída a presença de invasão. Existem muitas controvérsias ainda sobre o seu uso. A dose utilizada nos estudos é variável. Devido aos paraefeitos, principalmente locais, de dor e queimação, a dose inicialmente utilizada de aplicação 3x/semana, nos últimos estudos foi modificada para 1x/semana por duas semanas 2x/semana por duas semanas e 3x/semana em um total variável de aplicação conforme a resposta, em geral não passando de 16 semanas. Mais estudos são necessários para estabelecer dose, período e segurança no tratamento. O imiquimod é uma droga nova. Portanto, seu uso em lesão de alto grau vulvar é uma opção terapêutica que ainda necessita de estudos sobre efetividade, taxa de recorrência e follow-up mais prolongado.

Controle após tratamento A taxa de recorrência após o tratamento é em torno de um terço dos casos em seguimento prolongado. Os fatores de risco são imunossupressão, doença multifocal e multicêntrica e margens positivas. Portanto, o acompanhamento deve ser prolongado, e as pacientes devem ser avaliadas a cada seis meses por no mínimo cinco anos e, após, anualmente.

Manejo de NIV em mulheres HIV-positivas O manejo é semelhante ao de mulheres imunocompetentes. O tratamento é determinado pelo tamanho, pela localização da lesão e pela multi-

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centricidade. O tratamento antirretroviral reduz a incidência de NIV, no entanto, não sabemos se ele melhora o sucesso do tratamento.

Manejo de NIV na gestação Aproximadamente 15% dos carcinomas vulvares ocorrem em mulheres com menos de 40 anos, em idade reprodutiva. O tratamento vai depender da idade gestacional e da possibilidade de câncer invasor e, portanto, deve ser individualizado. O tratamento cirúrgico com excisão local ou técnicas ablativas pode ser utilizado especialmente para pacientes que estão distantes do parto. O manejo expectante pode ser indicado em mulheres com diagnóstico no último trimestre com a possibilidade de câncer vulvar descartada. Casos de regressão pós-parto em mulheres jovens e lesões multicêntricas foram descritos. O uso de imiquimod é categoria C, e 5-fluouracil é categoria D, não devendo ser utilizados.

Prevenção A vacina para HPV pode reduzir o risco de câncer de colo e também metade dos carcinomas vulvares em mulheres jovens e dois terços das lesões intraepiteliais do trato genital inferior.

Neoplasia intraepitelial vulvar não escamosa Doença de Paget É uma doença rara e compreende menos de 1% das neoplasias vulvares. Acomete, em geral, mulheres brancas pós-menopáusicas (cerca de 70 anos). A doença de Paget vulvar pode ser classificada em primária, de origem cutânea (o adenocarcinoma originado dentro do epitélio), e secundária, de origem extracutânea, por metástases ou por extensão direta, sendo o adenocarcinoma retal e anal as neoplasias mais frequentes, seguidas de carcinoma urotelial. Sua característica é a proliferação intraepitelial de células apócrinas, as quais são denominadas

434 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

células de Paget e estão localizadas na camada basal, podendo atingir toda a espessura do epitélio. A histogênese não está clara. O termo doença de Paget tem sido usado para indicar as doenças intraepitelial; com invasão estromal; com manifestação de um adenocarcinoma cutâneo primário subjacente da vulva; e com envolvimento da pele vulvar por uma neoplasia interna não cutânea. Os sintomas não são específicos, e os mais frequentes são prurido, queimação e disúria. A lesão tem aspecto eczematoso, avermelhado, esbranquiçado, aveludado, descamativo, com presença de estrias brancas e com bordos pouco definidos. Muitas vezes, é uma doença primária que surge da epiderme, e em geral está confinada ao epitélio. No entanto, a invasão está presente em 15 a 25% dos casos. Em apenas 20%, há adenocarcinoma associado. Em 25%, há associação com outras doenças malignas, como carcinoma de mama, de células basais, de reto e cervical. Portanto, paciente com doença de Paget deve ser rastreada para outras neoplasias, por meio de mamografia, colonoscopia, colposcopia e citopatológico de colo uterino. Existe um atraso entre o início dos sintomas e o diagnóstico, não relacionado a tamanho e extensão da lesão, o que sugere que a doença seja de progressão lenta ou progrida só em alguns casos. A doença de Paget tem extensão microscópica, além da lesão visível. No entanto, o tipo de distribuição pode ser por meio de várias ilhas anormais, e a própria congelação dos bordos pode ser negativa. Dessa forma, a taxa de recorrência não se correlaciona com margem positiva, e esta varia de 12 a 58%. Existem dados conflitantes a respeito de ser uma lesão pré-invasora. O tratamento consiste na excisão local com congelação intraoperatória para avaliar invasão e margens, com o objetivo de preservar clitóris, uretra e ânus. A margem de segurança é de 1 a 2 cm. Na presença de adenocarcinoma, o tratamento é o mesmo que se realiza no carcinoma escamoso invasivo de vulva. Cerca de um terço das pacientes (12 a 58%) apresenta recorrência, independentemente das margens cirúrgicas. As bordas livres de lesão são frequentemente equivocadas, porque as células de Paget podem espalhar-se ao longo da camada basal de uma pele aparentemente normal e

com focos multicêntricos, podendo atingir região perianal, genitocrural e inguinal, levando a um resultado falso-negativo na biópsia de congelação das margens da lesão. A doença de Paget primária, cutânea, invasiva pode estar associada ao curso clínico agressivo e à doença metastática. Em contraste, a secundária é geralmente intraepitelial. Portanto, a doença de Paget não regride espontaneamente e tem caráter progressivo, sendo o seguimento obrigatório.

Melanoma in situ O melanoma maligno da vulva é uma rara variante do melanoma. Representa 10% de todas as neoplasias malignas vulvares e 3 a 7% de todos os melanomas cutâneos. Ocorre em mulheres idosas, com média de 60 anos. Os sintomas mais comuns são sangramento vulvar, prurido e identificação de nódulo. Clinicamente apresenta-se como lesão nodular ou polipoide, em alguns casos, amelanocítica, localizada comumente no clitóris e grande e pequeno lábio. O melanoma de mucosa vulvar difere biologicamente do melanoma cutâneo, apesar de a célula de origem ser a mesma, o melanócito da camada basal. É uma doença multifocal envolvendo múltiplos sítios da mucosa genital, como vagina e uretra. Três subtipos histológicos de melanoma vulvar têm sido descritos: melanoma superficial (dois terços dos melanomas vulvares), melanoma nodular e melanoma de mucosa lentiginosa. Vários sistemas de estadiamento são utilizados: sistema Clark, sistema original de estadiamento de melanoma cutâneo, baseado em cinco níveis anatômicos; sistema Breslow, baseado na profundidade de invasão; e sistema Chung, baseado no nível de envolvimento histológico. O melanoma in situ corresponde ao nível I nos três sistemas, sendo que, no sistema Breslow, corresponde ao tumor com espessura ⬍ 0,76 mm. O diagnóstico é feito por meio da biópsia, principalmente de lesões polipoides pigmentadas. O tratamento corresponde à exérese cirúrgica com margens de no mínimo 0,5 cm, lateral e profunda. A incidência de recorrência local é extremamente baixa, não havendo necessidade de margens maiores.

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Neoplasia intraepitelial vaginal A neoplasia intraepitelial vaginal (NIVA) é muito menos frequente do que a NIC. Nos últimos anos, tem-se observado um aumento na sua incidência, provavelmente devido ao aumento da prevalência da infecção pelo HPV, e também pelo aumento de diagnóstico, por meio da colposcopia e citologia. A incidência de NIVA nos EUA é estimada em 0,2 a 0,3 em 100.000 mulheres (Dodge et al., 2001). Compreende 0,5% das neoplasias intraepiteliais do trato genital inferior (Sillman et al., 1997). É um distúrbio raro e, em geral, assintomático (Diakomanolis et al., 2002). Ocorre, geralmente, em mulheres na faixa etária de 50 anos, mas tem sido observada em pacientes mais jovens. Encontra-se frequentemente associada à neoplasia cervical intraepitelial ou invasora e neoplasia intraepitelial vulvar e anal (Sillman et al., 1997). Estima-se que 2,5% das mulheres com NIC desenvolvam NIVA, e 50 a 90% dos casos de NIVA têm história prévia de neoplasia ou carcinoma de colo ou vulva. A associação das neoplasias se deve ao fato de apresentarem os mesmos fatores de riscos e também ao fato de a NIVA ser uma extensão da lesão da cérvice.

Classificação Semelhante à da neoplasia intraepitelial cervical: NIVA I: a desdiferenciação atinge somente o terço inferior da camada epitelial NIVA II: a desdiferenciação atinge o terço inferior e médio da camada epitelial NIVA III: a desdiferenciação atinge toda a espessura da camada epitelial

Diagnóstico As lesões são geralmente assintomáticas. No entanto, corrimento vaginal, ardor e prurido são alguns sintomas presentes.

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As pacientes de risco são mulheres portadoras de NIC, histerectomizadas por NIC, submetidas à radioterapia por carcinoma de colo, imunossuprimidas e que apresentem infecção concomitante ou prévia pelo HPV na vagina ou em outra localização do trato genital inferior (Aguiar, 2002). A vaginoscopia, após aplicação do ácido acético a 3 ou 5%, deve ser realizada, principalmente nas pacientes de risco e com citologia anormal. Lesões brancas, elevadas e com bordos nítidos devem ser biopsiadas, sendo o diagnóstico feito pela histologia. As lesões localizam-se no terço superior da vagina em 80 a 90% dos casos. Após histerectomia, são visualizadas nos ângulos da vagina, as 3 e 9 horas. Geralmente são multifocais. Se a citologia for alterada, sem lesão de colo uterino, deve-se investigar a vagina, além da endocérvice.

Tratamento Na escolha do tratamento, deve-se levar em consideração idade da paciente, atividade sexual, extensão da lesão, história prévia de radioterapia, presença ou ausência de colo, grau e localização da lesão (Dodge et al., 2001). Muitas lesões regridem após o tratamento (Sillman et al., 1997), algumas recorrem (10 a 42%) e outras progridem a carcinoma invasor (3 a 12% após o tratamento). A taxa de recorrência é alta, principalmente em caso de NIVA III, lesões multifocais, NIVA associada à neoplasia em outros sítios anogenitais e em pacientes imunossuprimidas (Dodge et al., 2001). A NIVA I pode regredir por meio da biópsia, ou a cauterização química pode ser utilizada. Na NIVA III, as opções terapêuticas são tratamento cirúrgico (exérese e vaginectomia parcia ou total), cirurgia de alta frequência, 5-fluorouracil, laser, radioterapia e imiquimod (Dodge et al., 2001). O tratamento cirúrgico é preferencial, pois permite avaliação histológica e pode diagnosticar focos de invasão, detectados em 28% dos casos. A parede vaginal é fina (5-7 mm), levando a uma morbidade elevada após o tratamento. A vaginectomia parcial apresenta taxa de recorrência de até 21% (Sillman et al., 1997). A recorrência após tratamento cirúrgico pode ocorrer de 3 meses a 18 anos.

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Estudos têm sido realizados utilizando imiquimod 5%, imunomodulador, administrado em baixas doses intravaginais (1 sachê 1x/semana). Buck e Guth (2003) obtiveram uma regressão total de 86% dos casos de NIVA pelo tratamento com imiquimod.

Mais estudos são necessários para avaliar a resposta, bem como a dose ideal, no entanto, parece ser uma alternativa conservadora no tratamento da NIVA.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A classificação atual das NIVs e suas características são as seguintes: a. A NIV usual ocorre em pacientes idosas; a NIV diferenciada, em pacientes jovens. b. A NIV usual é classificada em condilomatosa, basaloide ou mista; a NIV diferenciada, em clássica ou simples. c. A NIV usual é classificada em clássica ou simples; a NIV diferenciada em condilomatosa, basaloide ou mista. d. Ambas as NIVs ocorrem mais em pacientes idosas. e. Ambas as NIVs ocorrem mais em pacientes jovens.

2. Dentre as opções de tratamento das NIVs de alto grau, qual das opções abaixo não deve ser empregada: a. b. c. d. e.

Imiquimod. Exérese cirúrgica. Ácido tricloroacético (ATA). LEEP. Laser de dióxido de carbono.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Alterações Benignas da Vulva Paulo Naud Jean Carlos de Matos Luciano Serpa Hammes Adriani Oliveira Galão Valentino Magno Janete Vettorazzi

As alterações benignas da vulva são condições frequentes, muitas vezes com sintomas clínicos significativos ou mesmo assintomáticas e percebidas apenas durante exame de rotina. Comumente são causas de desconforto e erros diagnósticos crônicos. O conhecimento da fisiopatologia e da anatomia vulvar é essencial para o diagnóstico e o tratamento adequado dessas doenças. Podemos identificar a vulva como uma região da anatomia feminina limitada lateralmente pelos sulcos genitocrurais, anteriormente pelo monte de Vênus e posteriormente pelo ânus. O limite interno está determinado pelo anel himenial e orifício anal. A presença de estrogênios endógenos e exógenos é determinante para o desenvolvimento de alterações e tem um papel determinante na etiopatogenia das alterações vulvares, devendo ser avaliada. A atividade sexual, o uso de produtos de higiene feminina (duchas, sabonetes, perfumes) e medicamentos (pílulas anticoncepcionais orais, antibióticos) podem alterar a flora vaginal normal (Naud et al., 2004). Outras condições clínicas, como o diabete, podem provocar o desenvolvimento de alterações vulvares. Irritação

vulvar também pode ocorrer secundariamente ao contato com urina e conteúdo fecal em pacientes com hábitos de higiene não adequados ou com incontinência (Rosen, 2003). A avaliação de uma paciente com sintomas vulvares requer anamnese e exame físicos detalhados, incluindo a inspeção de outras mucosas e da pele (Naud et al., 2004). Sintomas, como dor vulvar, coceira e secreção, além de histórico de infecções, também devem ser investigados, porém muitas vezes os sintomas são inespecíficos e o diagnóstico é feito pela morfologia das lesões (Chen et al., 2009a, 2009b). Devemos considerar o tempo e a amplitude da alteração, o impacto emocional e, além disso, tentar estabelecer relação com diferentes circunstâncias, como momento do ciclo menstrual, relações sexuais, vestimenta, hábitos de higiene, antecedentes de neoplasias do trato genital inferior, tratamentos prévios e antecedentes de patologia sistêmica, não só dermatológica, mas também metabólica, endocrinológica, digestiva, etc. (Foster, 2002). A inspeção é fundamental para o diagnóstico das doenças da vulva. Recomeda-se que, nas 48 a 72 horas que a atecede, as pacientes que se-

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rão examinadas evitem a utilização de cremes e pós, bem como atividade sexual. O conhecimento da anatomia vulvar e dos caracteres sexuais secundários é de fundamental importância, já que permite diferenciar os achados normais dos patológicos. A configuração anatômica, o trofismo, as alterações de forma e cor, o estado da pele e a implantação pilosa devem ser avaliados. Em caso de identificar alguma lesão, conferir localização, tamanho e extensão. Após esse exame inicial a olho nu, podemos recorrer à utilização de lâmpada dermatológica ou colposcópio para a visualização das lesões subclínicas. A aplicação com ácido acético a 5% permite a visualização de tecido com alta concentração de material proteico (grande quantidade nos núcleos celulares), que é observado em situações de displasias. Devemos ter em conta que nem todas as lesões brancas ou acetobrancas “são” infecção pelo papilomavírus humano (HPV) ou neoplasia intraepitelial vulvar (NIV). A candidíase ou as lesões por coceira servem para exemplificar essa afirmação, já que instituído o tratamento adequado, as lesões desaparecem rapidamente. Na presença de vulvovaginite aguda, escoriações, fissuras ou ulcerações vulvares, não é aconselhável a aplicação de ácido acético, pois pode causar desconforto e não contribuir com dados de relevância para o diagnóstico nessas condições. Em muitas situações, uma ou mais biópsias devem ser realizadas, principalmente se existir suspeita clínica de neoplasia. Assimetria, bordas irregulares, alterações na cor, sangramento fácil e dificuldade na cicatrização sugerem um risco maior de neoplasia (Chen et al., 2009a, 2009b).

Lesões clínicas Um amplo e variado espectro de lesões pode ser observado. Embora a maioria seja evidente durante o exame direto, o uso de magnificação

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pode ser relevante para o correto diagnóstico. A seguir, descreveremos algumas alterações frequentes e que devem ser consideradas durante a avaliação da paciente com queixas vulvares. Herpes vírus (HSV): causa comum de ulcerações. A lesão primária dura 2 a 6 semanas e cura sem deixar cicatrizes. As infecções recorrentes podem também causar lesões cervicais (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). O vírus pode ser cultivado de úlceras ou vesículas rompidas. Exame citológico da lesão pode revelar células gigantes multinucleadas com inclusões intranucleares. Existem duas variantes imunológicas, tipo 1 e 2. Em geral, a maioria das lesões genitais é secundária ao vírus do tipo 2. O vírus do tipo 1 é responsável por apenas 10 a 15% das infecções por herpes genital. HSV é responsável pela recorrente e incapacitante doença sintomática, de transmissão venérea, e também pela infecção no recém-nascido (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Molusco contagioso: caracteriza-se por pápulas pequenas, entre 1 e 3 mm de diâmetro, com umbilicação central e cor similar à pele, melhor visualizadas com a fonte de luz orientada em forma tangencial. São causadas por um vírus da família dos poxvírus. A ocorrência dessas lesões em adultos pode indicar uma doença imunossupressora subjacente (Chen et al., 2009a, 2009b). Cancro mole: causado pelo Haemophilus ducreyi, caracteriza-se por úlcera dolorosa, de bordas não endurecidas e fundo sujo. Frequentemente localizado na fúrcula vaginal e nos pequenos lábios. Costuma estar acompanhado de adenopatias inguinais e bilaterais. Mais frequente em pacientes soropositivos para o vírus da imunodeficiência humana (HIV). Linfogranuloma venéreo: causado pela Chlamydia trachomatis, caracteriza-se por pápula ou vesícula única, pouco ou nada dolorosa. Costuma evoluir para úlcera com cordas protuberantes que curam espontaneamente em poucas semanas. A extensão para a pele perianal e o reto conduz à estenose retal e a lesões epidérmicas de aspecto fenestrado. Acompanha-se de importantes adenopatias regionais.

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Sífilis: a lesão primária é o cancro/úlcera de bordas elevadas, sem dor, de fundo liso, de 1 a 2 cm de diâmetro. Resolve-se espontaneamente em um período médio de 6 semanas, sem deixar cicatriz. Costuma estar acompanhado de adenopatia inguinal homolateral. Posteriormente, a paciente pode apresentar o condiloma plano, que é a lesão secundária frequentemente localizada no períneo. São pápulas com tendência a confluir, da mesma cor da pele, e costumam ser pruriginosas. Na lesão terciária, a manifestação vulvar é pouco frequente. Apresenta-se em forma de granuloma com centro necrótico, conhecido com o nome de “goma”. Apresenta bordas irregulares, que assentam sobre nódulo subcutâneo, geralmente nos pequenos ou grandes lábios. O diagnóstico e tratamento dessas patologias é descrito no Capítulo 11, Doenças sexualmente transmissíveis. Síndrome de Behçet: é uma doença inflamatória rara de causa desconhecida, caracterizada por ulcerações orais e genitais e uveíte. As úlceras dolorosas genitais são precedidas por pequenas vesículas ou pápulas e histórico de recidivas e remissões espontâneas. As bordas são irregulares, com úlceras profundas que, após a cura, podem resultar em cicatrizes. As lesões oculares começam como uma inflamação superficial e podem prosseguir à iridociclite e até mesmo à cegueira. A etiologia exata é desconhecida, mas provavelmente representa um processo autoimune subjacente. Nenhuma infecção viral específica tem sido implicada. Os corticosteroides tópicos e sistêmicos proporcionam o alívio mais consistente. Pacientes com síndrome de Behçet podem necessitar de acompanhamento por um dermatologista. O exame da mucosa oral é fundamental para o diagnóstico (Fig. 31.1). Foliculite: são pápulas avermelhadas e edematosas, muito dolorosas, que costumam converter-se em verdadeiras pústulas. Em alguns casos, são múltiplas e confluentes e podem envolver a vulva toda. São frequentes após procedimentos de depilação perineal. O tratamento é feito tentando eliminar o agente ou agentes agressores e com o uso de antibióticos tópicos.

Figura 31.1 Lesão aftoide na boca.

Lesões hipopigmentadas Vitiligo: geralmente observam-se as mesmas lesões em outras partes do corpo, sendo uma mácula hipopigmentada de tamanho variado, com halo de hiperpigmentação. Despigmentação pós-inflamatória: geralmente acompanhada de outros sinais de coceira crônica de duração variável, mas transitória. Pode também ser secundária à utilização de eletrocautérios e nitrogênio líquido para o tratamento de lesões vulvares, como as lesões de condilomas acuminados.

Lesões hiperpigmentadas Lentigo simples: mácula de pigmentação marrom escura e uniforme, de diâmetro pequeno (ao redor de 5 mm). Apresenta-se em pele e mucosa. Melanose: mácula pardo-enegrecida de bordas irregulares e tamanho variável (às vezes, muito extensa). Ocorre em qualquer zona da vulva. Nevos: o ginecologista deve avaliar esses achados vulvares, frequentes e corriqueiros. Considerar as variadas formas de apresentações (valorizar forma, cor, borda e relevo) e, diante de mudanças no padrão da lesão ou aspectos que sugerem um maior risco de neoplasia, considerar sempre a necessidade de biópsia e avaliação com dermatologista. Papiloma escamoso: é uma lesão polipoide fibroepitelial de localização habitual na pele da vulva, na face interna das coxas e no períneo. Apresenta a mesma cor da pele, não tem pêlos e é de consistência branda. Eventualmente é confundido com lesões condilomatosas.

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Verrugas seborreicas: constituem, junto com os condilomas acuminados, os tumores benignos mais frequentes da vulva. Geralmente são encontradas em mulheres com mais de 50 anos. Têm aspecto e localização variados e costumam ser lesões arredondadas, rosa ou pardas protuberantes, bem delimitadas e superficiais, com camada córnea pardo-acizentada e orifícios córneos que se desprendem facilmente para depois formarem-se novamente. Psoríase: placas de base eritematosa, recobertas de escamas branco-macaradas, de tamanho, forma e quantidade variáveis. As regiões do monte de Vênus e grandes lábios são os locais mais acometidos. Nos sulcos genitocrurais, podem aparecer fissuras. Líquen simples crônico: é consequência da coceira crônica. Observa-se espessamento da pele, acompanhado de hiperpigmentação ou hipopigmentação. Dermatite seborreica: localiza-se em todas as zonas gordurosas da pele (na vulva, corresponde às áreas pilosas). São pequenas pápulas recobertas de escama amarelada que surgem sobre superfície levemente eritematosa. Dermatite por contato: secundária ao contacto com um alérgeno. Apresenta-se com eritema, seguido da aparição de pápulas e vesículas com exsudação. É altamente pruriginosa. Ao cronificar-se, a lesão é similar ao líquen simples crônico. Líquen vermelho plano: na pele, apresenta-se em forma de múltiplas pápulas poligonais da cor vermelho violáceo, lisas e brilhantes, com finas estrias esbranquiçadas. Nas mucosas, pode ser branco-macerado ou acinzentado, de aspecto arborescente.

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relevos vulvares, com apagamento dos pequenos lábios, fimose clitoriana e estenose do introito (craurose). Observa-se também subfusões hemorrágicas subepiteliais e, por tração do epitélio, a formação de finas pregas paralelas. Outras manifestações são as fissuras e a erosão, que surgem após pequenos traumas, até mesmo após o ato de coçar. Algumas formas do líquen escleroso hiperqueratósicas lembram uma leucoplasia. As lesões podem comprometer a região perianal e as pregas genitocrurais, mas não existe comprometimento vaginal. Cerca de 75% das mulheres apresentam prurido crônico, podendo ser permanente ou intermitente. Pode produzir dor, ardor ou dispareunia, todos eles originados em estenoses, abrasões ou fissuras do epitélio. Uma pequena porcentagem é assintomática. Pacientes devem ser tratadas com corticosteroides de alta potência, como o clobetazol a 0,05%. Lesões não genitais podem ocorrer, mas não são frequentes (Chen et al., 2009a, 2009b). As lesões por lacerações ou traumatismo reiterado, as micoses ou outros quadros inflamatórios podem ser similares, por isso o tratamento de qualquer quadro sobreposto deve ser feito antes da vulvoscopia e biópsia. Ressaltamos que grande parte dos diagnósticos requer uma biópsia, a qual pode ser obtida com espessura satisfatória da pele e do tumor pelo uso de punch dermatológico sob anestesia local.

Lesões subclínicas

Nevo rubi: de cor vermelha viva e proeminente, de superfície lisa. Lesão frequentemente múltipla, de tamanho pequeno (2-3 mm), que desaparece com a pressão. Esses nevos geralmente são assintomáticos, podendo às vezes ser causa de sangramento.

As lesões que podem ser observadas durante a realização da vulvoscopia com ácido acético costumam ser as compatíveis com infecção pelo HPV ou NIV: epitélio acetobranco, mosaico, pontilhado ou vasos atípicos. Essas lesões podem ser tênues ou densas, planas ou protuberantes, únicas ou múltiplas, dispersas ou coalescentes.

Líquen escleroso: as lesões desse quadro característico da vulva apresentam cor esbranquiçada em áreas circunscritas ou difusas. Frequentemente observa-se perda progressiva dos

Devemos lembrar, além disso, a papilomatose fisiológica da vulva, que durante muitos anos inadequadamente foi interpretada como infecção viral por HPV. Esse achado benigno é encon-

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trado na face interna e anterior dos pequenos lábios, sendo geralmente simétrico e assintomático. Ocorre em cerca de 1% das mulheres (Chen et al., 2009a, 2009b). A vulvoscopia permite avaliar a regularidade das digitações, assim como a presença de uma dupla alça capilar que se estende pela tecido vulvar papiliforme e não desaparece com ácido acético. Micropapilas vulvares, normais nos pequenos lábios internos (micropapilomatose vestibular), podem ser confundidas com HPV papilar (Fig. 31.2). As lesões hiperplásicas, intraepiteliais de baixo e alto grau e neoplasias vulvares serão abordadas em capítulo específico.

Infecção pelo HPV Cerca de 30 a 70% das pessoas podem ter sido infectadas pelo HPV em algum momento de suas vidas, com contágio principalmente por via sexual, mas a prevalência de HPV clinicamente visível é inferior a 1% (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). Acredita-se que frequentemente as pacientes com menos de 25 anos de idade eliminam o vírus espontaneamente em um período de 8 meses (Riethmuller et al., 2002). A maioria das infecções é assintomática. A lesão típica é o condiloma exofítico ou papilomatoso, a lesão protuberante de superfície irregular e o crescimento verrugoso.Todos os subtipos virais de HPV têm potencial para provocar lesões vulvares; geralmente, os subtipos 6 e 11 estão

associados a lesões condilomatosas, e os outros subtipos com as lesões planas, principalmente o 16 e o 18, que são os mais prevalentes (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). No início da infecção, o condiloma costuma ser único, podendo se estender por toda a vulva, muitas vezes devido à autoinoculação por coceira. É mais frequente no vestíbulo e nos sulcos labiais. A cor dessas lesões depende de diversos fatores, como idade, raça e hábitos higiênicos. Outras formas de apresentação clínica são os condilomas planos (pequenas pápulas de cor uniforme, similar à pele e sem pelo), a papilomatose e as espículas. Uma variante pouco frequente do condiloma acuminado é o tumor de Buschke-Lowenstein ou carcinoma verrugoso, lesão gigantesca, única e séssil, semelhante a uma couve-flor, que compromete quase todo o território vulvar. Outras lesões subclínicas relacionadas a HPV são as máculas acetobrancas, os spots (lesões puntiformes acetobrancas, planas ou ligeiramente protuberantes). O teste de Richart-Collins (utilização do azul de Collins e posterior aplicação de ácido acético 3 a 5%), utilizado durante muito tempo como passo importante do diagnóstico da patologia da vulva, atualmente tem caído em desuso devido ao elevado número de falso-positivos. A pele de outras áreas do corpo e região dos linfonodos inguinocrurais deve ser avaliada em todos os pacientes com alterações vulvares. Frequentemente, quadros de vulvovaginites são encontrados em pacientes com alterações vulvares e devem também ser tratados. Preferencialmente, o tratamento do condiloma deve ser baseado na preferência do paciente e no conhecimento do médico. Se o tratamento falhar com um esquema inicial, um agente diferente pode ser usado. Devemos informar que as complicações com o tratamento são raras, mas podem resultar em cicatrizes e alterações da pigmentação, como referido anteriormente.

Figura 31.2 Papilomatose vulvar.

A prevenção da recorrência é difícil em pacientes imunodeprimidos ou recebendo corticoterapia. O exame dos parceiros sexuais não é necessário

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e não altera a evolução da paciente (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). O uso de preservativos pode ajudar na redução da transmissão a parceiros que ainda não estão infectados. Condilomas também podem complicar a gravidez. Na maioria dos casos, se as lesões são pequenas, a terapia não é necessária. O tratamento com ácido tricloroacético (ATA) 80 a 90% pode ser aplicado nas últimas 4 semanas de gestação para evitar a cesariana em pacientes com lesões maiores. Eletrocoagulação, crioterapia ou laser terapia podem ser utilizadas até a a 32 semana de gestação para evitar a necrose pós-tratamento, que pode durar até 4 a 6 semanas e complicar o parto dessas pacientes. Podofilina, podofilox e imiquimod não devem ser usados durante a gravidez (Centers for Disease Control and Prevention; Workowski; Berman, 2006). A biópsia deve ser considerada, especialmente se o condiloma não respondeu ao tratamento padrão ou se a lesão é pigmentada, endurecida, fixa e/ou ulcerada.

Recomendações sobre os tratamentos: > Todos apresentam taxas significativas de falhas e recidivas. > Podem provocar reações locais. > Não existe uma evidência definitiva para a escolha do tratamento, que deve ser feita por morfologia, número e distribuição das lesões verrucosas.

443

> Lesões não queratinizadas respondem bem à podofilina, podofilotoxina e ATA. > Lesões queratinizadas são melhor tratadas com crioterapia, excisão ou eletrocauterização. > Imiquimoda 2x/semana, externamente, por 4 a 8 semanas, e até 16 semanas é eficaz para lesões queratinizadas ou não. Suspender uso em caso de irritação significativa. > Pacientes com poucas lesões devem ser tratadas preferencialmente com métodos ablativos. > A utilização de vacinas específicas para os subtipos de HPV 6 e 11 são efetivas para a prevenção primária da infecção. > Um dos princípios gerais do tratamento das lesões vulvares inclui boa higiene e medicações para o alívio dos sintomas. Tratamentos específicos com hormônios, antibióticos, imunomoduladores, anti-inflamatórios ou cirurgia dependerão do diagnóstico específico. > Considerar que muitas vezes o diagnóstico pode ser difícil, e a avaliação de um dermatologista poderá ser fundamental para o diagnóstico e o tratamento corretos. > A recomendação final e que deve servir de norma para a avaliação de pacientes com lesões vulvares pode ser sumarizada em uma frase: Em caso de qualquer lesão que se afaste da constituição anatômica vulvar, que apresente tendência à cronicidade ou que reúna as características de prurido, pigmentação, pápula e paraceratose, uma biópsia é imperativa.

REFERÊNCIAS CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION; WORKOWSKI, K. A.; BERMAN, S. M. Sexually transmitted diseases treatment guidelines, 2006. MMWR Recomm. Rep., v. 55, n. RR-11, p. 1-94, 2006. Erratum in:

MMWR Recomm. Rep., v. 55, n. 36, p. 997, 2006. CHEN, T. M. et al. Diagnostic evaluation of vulvar lesions. Walthem: Uptodate, 2009a. Disponível em: .

CHEN, T. M. et al. Differential diagnosis of vulvar lesions. Walthem: Uptodate, 2009b. Disponível em: .

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de atenção primária baseada em evidências. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 460-463.

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LEITURAS SUGERIDAS ACOG COMMITTEE ON PRACTICE BULLETINS-GYNECOLOGY. ACOG Practice Bulletin. Clinical management guidelines for obstetrician-gynecologists, Number 72, May 2006: Vaginitis. Obstet. Gynecol., v. 107, n. 5, p. 1195-1206, 2006. ANDERSON M. R. et al. Evaluation of vaginal complaints. JAMA, v. 291, n. 11, p. 1368-1379, 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria da Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e AIDS. Manual de controle doenças sexualmente transmissíveis: DST. 4. ed. Brasília, 2006. (Série Manuais, 68). CARUSI, D. A. et al. Treatment of vulvar and vaginal warts. Waltham: Uptodate, 2009. Disponível em: . NAUD, P. et al. Doenças sexualmente transmissíveis. In: FEDERAÇÃO BRA-

SILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA. Tratado de ginecologia. Rio de Janeiro: Revinter, 2000. p. 731-744. NAUD, P. et al. Doenças sexualmente transmissíveis. In: FREITAS, F. et al. Rotinas em ginecologia. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 127-149. STEWART, E. G. Dermatitis of the vulva. Walthem: Uptodate, 2009. Disponível em: .

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445

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em relação à papilomatose vulvar, pode-se afirmar que: a. Está associada com a infecção pelo vírus do HPV e deve ser um indicativo de avaliação de todo o trato genital na procura de outros focos de infecção pelo HPV. b. A identificação do subtipo viral é fundamental para a definição do tratamento, já que, quando encontramos os subtipos oncogênicos, devemos realizar o tratamento. c. Geralmente são unilaterais e respondem bem ao tratamento com ácido tricloroacético (ATA 80-90%). d. Estão intimamente relacionadas com vulvovaginites de repetição, e a resolução dessas patologias geralmente é suficiente para a resolução da papilomatose vulvar. e. Geralmente o achado de papilomate vulvar está relacionado com dispareunia, já que as papilas podem causar desconforto durante a prática sexual.

2. Correlacione o agente etiológico com a patologia causada. a. b. c. d. e.

Herpes vírus Sífilis Bacilo de Ducrey Condiloma acuminado HIV

( ( ( ( (

Papiloma vírus humano Treponema pallidum Cancro mole Cancro duro Vulvite herpética D, A, B, C, E D, B, C, B, A A, B, D, C, E D, B, B, C, A B, D, C, B, A

) ) ) ) ) a. b. c. d. e.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

32

Neoplasia de Vulva e Vagina Waldemar Augusto Rivoire Ricardo dos Reis Heleusa Ione Mônego Márcia Appel João Paolo Bilibio

Neoplasias de vulva A cada ano, nos EUA, aproximadamente 3.800 mulheres são diagnosticadas com câncer de invasor de vulva (CIV); destas, 800 perderão suas vidas por essa doença (Jemal et al., 2006). Tumores primários da vulva são neoplasias incomuns, que ocorrem em 3 a 4% de todos os cânceres ginecológicos. Embora o número de casos em pacientes de mais idade tenha permanecido estável, o número de casos novos, em pacientes mais jovens, tem aumentado ultimamente. O uso da vulvectomia radical e subsequentes tratamentos cirúrgicos mais conservadores, junto com diagnósticos mais precoces e terapia multimodal, tem alterado de forma significativa o prognóstico. Pacientes com diagnóstico precoce podem ter uma sobrevida de longo prazo de 80% ou mais (Preti et al., 2005).

Epidemiologia A incidência do CIV tem uma tendência à distribuição multimodal. A maioria dos tumores se desenvolve como lesões solitárias na paciente pós-menopáusica, frequentemente associadas a doenças vulvares crônicas.

Estudos mais recentes têm identificado um grupo de pacientes mais jovens, comumente associado ao carcinoma multifocal in situ ou manifestações de infecção por papilomavírus humano (HPV). A raridade do CIV dificulta a análise dos fatores de risco, porém, potenciais associações a fatores de risco têm sido identificadas (Quadro 32.1). Estudos atuais sugerem que história de neoplasia intraepitelial vulvar (NIV), infecção por HPV, tabagismo e dermatoses vulvares crônicas (p. ex., líquen escleroso) têm sido associados a CIV (Salhan, 2000; Preti et al., 2005). A infecção por HPV é o principal fator etiológico. Atualmente, imunossupressão, infecção por HPV e idade avançada são os principais fatores de risco. Entretanto, esses fatores não estão associados ao tipo menos comum de carcinoma escamoso, chamado queratinizante, em que a idade avançada é um fator de risco. Nas últimas décadas, o número de pacientes com imunossupressão tem aumentado significativamente às custas da infecção por HIV ou por meio de medicamentos imunossupressores (pacientes transplantadas). Em pacientes imunossuprimidas, há um aumento do número de neoplasias de vulva e colo uterino, sugerindo que a deficiência do sistema imune seja um fator na transformação neoplásica desses locais

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QUADRO 32.1

Possíveis fatores de risco para câncer de vulva Doenças médicas crônicas Diabete melito Hipertensão Obesidade Imunossupressão DSTs / infecções Doença granulomatosa Sífilis Herpes vírus simples HPV

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de precoce do início das atividades sexuais, tabagismo e HPV). Melanoma é o segundo mais frequente, ocorrendo em 5 a 10% dos casos. Os outros tumores são raros e incluem carcinoma basocelular, adenocarcinoma com originem em glândulas sudoríparas, glândulas de Bartholin ou tecido mamário ectópico, doença de Paget e sarcomas, originando-se em tecido conjuntivo. Metástases de órgãos adjacentes, como reto, vagina, colo uterino e bexiga, podem ocorrer. A maioria das informações clínicas do CIV aplica-se aos tumores escamosos (Eifel et al., 2006).

Dermatoses vulvares

Padrões de disseminação

Líquen escleroso Hiperplasia de células escamosas

O CIV normalmente dissemina-se por meio de dois mecanismos comuns: embolização do sistema linfático para os linfonodos regionais, e por extensão direta para órgãos e tecidos vizinhos, como vagina, uretra e ânus, e pode progredir para a mucosa do reto e bexiga.

Outros fatores de risco (pessoais) Tabagismo Múltiplos parceiros sexuais Outras neoplasias do trato genital Fonte: Adaptado de Barakat e colaboradores (2002).

por células infectadas pelo HPV. Além disso, evidencia-se que, nesse grupo de pacientes, a evolução da doença a partir dos seus estádios iniciais é mais rápida. Outras doenças metabólicas e dermatológicas crônicas, como verrugas genitais, líquen escleroso, diabete e hipertensão são comuns em pacientes com CIV. O tabagismo parece ser um fator de risco, principalmente em pacientes mais jovens (Salhan, 2000; Eifel et al., 2006).

Tipos histológicos Devido ao fato de ser a vulva um órgão coberto por pele, o carcinoma de células escamosas é o tipo mais frequente, sendo observado em 80 a 90% dos casos. As formas basaloide ou verruciforme são as apresentações mais frequentes de CIV escamoso (bowenoide) e dividem os mesmos fatores de risco com o câncer de colo uterino (aumento do número de parceiros sexuais, ida-

Disseminação hematogênica para pulmões e outros órgãos pode ocorrer, mas é relativamente rara (Benedet et al., 2000). A disseminação linfática do CIV geralmente segue um padrão sistemático, primeiro afetando os linfonodos inguinais superficiais, após os profundos e depois os linfonodos pélvicos (Fiorica et al., 1988). Em uma análise retrospectiva, todos os casos com envolvimento dos linfonodos profundos ocorreram junto com envolvimento dos superficiais (Andrews et al., 1994). O câncer vulvar dissemina-se por extensão local e por microembolização para os linfonodos regionais. Disseminação hematogênica para sítios à distância é incomum, exceto para o melanoma. Tumores invadindo até 1 mm do estroma são considerados microcarcinomas. Lesões maiores podem estender-se para vagina, uretra, bexiga ou reto.

Apresentação da doença A apresentação do carcinoma escamoso de vulva é variável, sendo que a detecção, em estádios mais precoces, está relacionada a um melhor prognóstico. Infelizmente, ainda hoje, 40% dos diagnósticos ocorrem em um estádio mais avançado. A falta de um diagnóstico mais precoce,

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em muitas pacientes, contrasta com o progresso que tem ocorrido, em termos de entendimento da sua etiologia e patogênese. Os sinais e sintomas podem incluir prurido vulvar, secreção vaginal alterada, disúria, dor localizada, sangramento ou ulceração local (Tyring, 2003). O CIV pode ser diagnosticado por inspeção vulvar e palpação, sendo que biópsia de áreas suspeitas pode ser feita no mesmo momento do diagnóstico. O rastreamento para CIV é questionável, pois até 50% das pacientes com lesões iniciais são assintomáticas, porém, na revisão anual das pacientes, o ginecologista deve ter o hábito de inspecionar a vulva. Um dos problemas do diagnóstico precoce está no fato de que muitas pacientes são idosas e se sentem envergonhadas para procurar ajuda e mostrarem seus genitais (Tyring, 2003; Hoskins, 2005). Esses são os principais motivos de muitos casos serem diagnosticados tardiamente. Com isso, devemos dar ênfase à orientação das pacientes quanto aos sinais e sintomas dessa doença. Pacientes que se apresentam com sintomas relacionados ao CIV devem ser submetidas a uma inspeção da vulva, seguida por colposcopia, pois lesões iniciais não são palpáveis. Quando há uma lesão suspeita, várias biópsias poderão ser necessárias para o correto diagnóstico. A forma mais comum e mais fácil de ser reconhecida é a forma clássica ou bowenoide. Infecção por tipos de HPV de alto risco tem sido associada ao desenvolvimento de lesões bowenoides, sendo o HPV um fator etiológico dessa doença. As lesões bowenoides podem exibir uma variedade de formas e aspectos, como lesões volumosas de cor esbranquiçada ou pigmentadas, que são verruciformes, polipoides ou papulares. A superfície geralmente é de aspecto irregular, em relevo, e muitas vezes de aspecto condilomatoso, podendo até se apresentar com uma superfície lisa e indiferenciada. As lesões escamosas queratinizantes (diferenciadas) são menos comuns e, frequentemente, mais difíceis de diagnosticar. Essas lesões caracterizam-se por áreas de pele espessadas e de uma consistência mais endurecida. Lesões queratinizantes são frequentemente circundadas por regiões de hiperplasia de células escamosas e líquen escleroso.

Diferentemente das lesões bowenoides, verruciformes (basaloide), as lesões queratinizantes não são associadas ao HPV. Uma terceira forma de carcinoma escamoso, o carcinoma verrucoso, é localmente invasivo e raramente metastatiza. Essa lesão é geralmente grande, em forma de couve-flor, e tem sido ligada à infecção por HPV. Nesses casos, devemos realizar múltiplas biópsias e com certo grau de profundidade para o correto diagnóstico (Eifel; Levenback, 2001; Eifel et al., 2006). O diagnóstico diferencial compreende cistos de inclusão epidérmica, lentigo, obstrução do ducto de Bartholin, acrocordão, cisto mucoso, hemangioma, ceratose seborreica, varicose e hidroadenoma. Outra patologia associada a sintomas comuns ao câncer é o líquen escleroso, sendo que pacientes com essa suspeita diagnóstica devem realizar várias biópsias, pois muitas vezes essa enfermidade está adjacente a lesões neoplásicas, obscurecendo-as. Além disso, infecções fúngicas, como por cândida, devem ser descartadas. Uma biópsia é necessária para determinar o grau de invasão. Geralmente, mais de uma amostragem é necessária, procurando biopsiar o centro da lesão e as suas bordas. O uso do ácido acético muitas vezes ajuda na identificação das áreas mais acetobrancas a serem biopsiadas. É recomendado o uso do azul de toluidina, com o intuito de localizar as áreas mais suspeitas, por meio de uma impregnação mais intensa do corante (teste de Collins). As lesões primárias são diagnosticadas, histologicamente, usando a nomenclatura criada pela International Society for the Study of Vulvovaginal Disease (ISSVD) (Eifel; Levenback, 2001; Tyring, 2003). Quando as células começam a invadir o estroma, a lesão é considerada invasora. A distinção entre carcinoma in situ e lesões minimamente invasivas só é determinada pela biópsia de áreas suspeitas. Espessura tumoral superior a 1 mm tem um risco maior de apresentar metástases linfonodais. A imuno-histoquímica pode ser usada na diferenciação das lesões, por meio da dosagem de p53, MIB-1 e MIF-1 (Tyring, 2003). Estudos adicionais podem ser necessários, especialmente em tumores mais avançados localmente, disseminação linfática evidente, suspeita de metástases a distância ou quando há forte suspeita de invasão de órgãos vizinhos. Sempre

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devemos solicitar raio X de tórax, avaliação hematológica e bioquímica e um exame de imagem de abdome total, de preferência tomografia computadorizada, podendo ser substituída por ecografia abdominal total, na impossibilidade de realizar aquela. A retossigmoidoscopia e/ou uretrocistoscopia deverão ser solicitadas apenas se houver suspeita de invasão do reto ou uretra/bexiga, respectivamente (Eifel; Levenback, 2001).

Tabela 32.2 Sobrevida por estádio da FIGO

Estadiamento

(Origoni et al., 1996). A linfadenectomia sistemática não é recomendada em todos os casos, não sendo indicada em lesões com invasão até 1 mm. Indicadores prognósticos associados a menor sobrevida incluem idade, raça, estadiamento, grau histológico, características clínicas da lesão primária, presença de ulceração, tamanho tumoral e características clínicas da paciente (obesidade, tabagismo, diabete e hipertensão). Envolvimento clitoridiano não está relacionado a pior prognóstico (Kouvaris et al., 2001; Rouzier et al., 2005).

A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) adota o sistema TNM de estadiamento clínico/cirúrgico para essa doença, o qual foi recentemente (1995) modificado (Tab. 32.1). Esse sistema de estadiamento envolve os três maiores fatores prognósticos: volume tumoral, metástase linfonodal e disseminação a distância (Benedet et al., 2000). A disseminação de células tumorais para os linfonodos regionais está ligada a um pior prognóstico, por isso pacientes com metástases linfonodais são alocadas no estádio III ou IV, não interessando as características da lesão primária. A sobrevida em cinco anos está correlacionada ao estadiamento cirúrgico da FIGO (Tab. 32.2)

Estádio

Sobrevida média em 5 anos (%)

0 I II III IV

100 90 80 50 15

Fonte: Adaptada de Barakat (2002) e Eifel e colaboradores.

Tratamento O tratamento mais indicado é a cirurgia, embora opções não cirúrgicas, incluindo quimioterapia, radioterapia e novos agen-

Tabela 32.1 Estadiamento do carcinoma de vulva – FIGO (TNM) Estádio 0 Estádio I Estádio IA Estádio IB Estádio II Estádio III

Estádio IVA

Estádio IVB

Carcinoma in situ Tumor confinado à vulva ou períneo, ⱕ 2 cm no seu maior diâmetro; ausência de metástases linfonodais Tumor confinado à vulva ou períneo, ⱕ 2 cm no seu maior diâmetro e com invasão estromal ⱕ 1 mm;* ausência de metástases linfonodais Tumor confinado à vulva ou períneo, ⱕ 2 cm no seu maior diâmetro e com invasão estromal ⬎ 1 mm; ausência de metástases linfonodais Tumor confinado à vulva ou períneo, ⬎ 2 cm no seu maior diâmetro; ausência de metástases linfonodais Tumor de qualquer tamanho com: extensão para porção inferior da vagina ou uretra, períneo, ânus e/ou: linfonodos em região inguinal unilateral clinicamente suspeitos de malignidade Tumor de qualquer tamanho com: extensão para a mucosa da bexiga e/ou porção superior da mucosa da uretra e/ou mucosa retal e/ou fixação ao plano ósseo da pelve e/ ou metástases em linfonodos inguinais bilaterais Metástases a distância, incluindo metástases para linfonodos pélvicos

* A profundidade de invasão é definida como a medida do tumor a partir da junção epitelial/estromal da papila dérmica mais superficial adjacente até o ponto de invasão mais profundo. Fonte: Adaptada de Benedet e colaboradores (2000).

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A

B C

Figura 32.1 Profundidade de invasão (A). Fonte: Adaptada de Preti e colaboradores (2005).

tes tópicos, sejam também descritas (Kelley et al., 1992; Benedet et al., 2000; Eifel; Levenback, 2001). O tratamento tem dois objetivos: extirpar adequadamente o tumor primário e retirar os linfonodos regionais. Antigamente, vulvectomia em monobloco era realizada no carcinoma escamoso, sendo relacionada a várias complicações pós-operatórias e dano estético à área genital, de forma muito importante (Origoni et al., 1996). Com o melhor entendimento da progressão do CIV, cirurgias menos radicais têm-se mostrado igualmente efetivas (Rouzier et al., 2005). Atualmente, técnicas cirúrgicas modificadas, usando três incisões para, separadamente, remover os linfonodos inguinais bilaterais e para realizar excisão local radical de lesões laterais são empregadas. A vulvectomia radical unilateral ou bilateral é indicada para ressecção de lesões grandes ou de localização medial. Essas técnicas, comparadas às vulvectomias em monobloco, realizadas antigamente, têm a mesma eficácia terapêutica e com índices de complicações pós-operatórias e morbidade muito menores (Ghurani; Penalver, 2001; Rouzier et al., 2005). Entretanto, o prognóstico desses novos tratamentos para tumores de estádio mais inicial depende diretamente da habilidade cirúrgica do profissional e da acurácia do estadiamento cirúrgico realizado (Preti et al., 2005). Tumores avançados, T3 e T4, representam um problema terapêutico, pois muitas vezes o tratamento cirúrgico envolverá a ressecção de estruturas urinárias e intestinais adjacentes. Atualmente,

alguns estudos enfatizam o papel da radioterapia externa ou radioquimioterapia pré-operatória, para melhor controle locorregional, possibilitando, com isso, uma ressecção cirúrgica mais limitada do tumor residual (Tyring, 2003). Em pacientes com tumores unifocais inferiores a 2,5 cm, no maior diâmetro, sem invasão dos espaços linfovasculares, margens cirúrgicas livres e sem lesões de NIV II ou III adjacentes ao tumor primário, o risco de recorrência tumoral é baixo após tratamento cirúrgico (Preti et al., 2000). Análise anatomopatológica da peça cirúrgica indicará a necessidade ou não de tratamento adjuvante. Pacientes que apresentam metástases para linfonodos ou displasia nas bordas de excisão devem ser monitoradas de perto, após o tratamento, e terapia adjuvante deve ser considerada (Eifel, 2006). Em pacientes com estádio IB e II, a vulvectomia radical não adiciona nenhum benefício significativo, comparada à vulvectomia conservadora e modificada. É importante individualizar o tratamento cirúrgico. Farias-Eisner e colaboradores (1994) evidenciaram índices de sobrevida de 97 e 90% após vulvectomia conservadora, em estádios I e II, respectivamente, e índices de 100 e 57% nos mesmos estádios, com vulvectomia radical (Farias-Eisner et al., 1994). A presença de metástases em linfonodos inguinofemorais é o fator prognóstico mais importante, sendo que a sobrevida é de 98 e 45% para pacientes com linfonodos negativos e positivos, respectivamente. Outros fatores prognósticos incluem estádio maior do que II (P ⫽ 0,29) e invasão dos espaços linfovasculares (P ⫽ 0,04) (Maggino et al., 2000). Todos os tumores estádio II ou maior não localizados e altamente invasores devem ser cirurgicamente manejados de forma agressiva, para diminuir o risco de recorrência. Um resumo das opções de tratamento baseado no tumor primário está demonstrado na Figura 32.2. A dissecção linfonodal pode ser considerada ao mesmo tempo diagnóstica e terapêutica. A extensão da dissecção linfonodal está sob debate, atualmente. Alguns sugerem uma ressecção linfonodal unilateral mais limitada ao plano superficial, nos tumores laterais, preservando os linfonodos inguinais profundos ipsilaterais e os linfonodos inguinais contralaterais. Essa conduta objetiva minimizar a morbidade aumentada (linfedema) relacionada às dissecções linfonodais inguinais extensas. Outros indicam linfa-

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T1A

Biópsia excisional (1 cm de margem)

T1B / T2

Excisão local radical (2 m de margem) ou vulvectomia radical

T3 / T4

Quimiorradioterapia + ressecção menor ou vulvectomia radical (casos selecionados) ou exenteração pélvica + vulvectomia (casos selecionados)

451

Figura 32.2 Fluxograma do tratamento dos tumores primários conforme estádio. Fonte: Adaptada de Barakat e colaboradores (2002).

denectomias inguinais totais e bilaterais para minimizar a recidiva tumoral, em regiões de linfonodos inguinais (falha de controle regional). Muitos autores estão usando o mapeamento linfático e a linfocintilografia para mapeamento do linfonodo sentinela (Eifel; Levenback, 2001; Barakat et al., 2002). Essa técnica poderá dar suporte a ressecções linfonodais mais limitadas, porém, até o momento, é considerada experimental. O protocolo GOG (Gynecologic Oncology Group) 206 está avaliando o papel do mapeamento linfático (linfonodo sentinela) em vulva e colo uterino e, no futuro próximo, teremos uma resposta quanto ao seu papel no manejo cirúrgico dessas duas neoplasias (Levenback; Coleman; Van der Zee, 2004). Pacientes com metástases para linfonodos inguinais provavelmente se beneficiam de tratamento adjuvante adicional. Radioterapia pós-operatória é comumente usada para controle tumoral nos linfonodos inguinais. A associação de dissecção linfonodal extensa e radioterapia pós-operatória apresenta maior risco de linfedema de membros inferiores. Na presença de linfonodos grosseiramente positivos, a melhor conduta é ressecar apenas esses nódulos e associar radioterapia pós-ope-

ratória, conduta menos mórbida nesses casos específicos. Entretanto, o manejo ideal de metástases em linfonodos inguinais não está claramente definido. Um resumo das opções de tratamento está descrito na Figura 32.3 (Barakat et al., 2002). Em relação às complicações pós-operatórias, deiscência de ferida operatória é a complicação mais comum. Necrose e deiscência de ferida operatória ocorrem, em média, em 50% dos casos de cirurgia radical; em 15 a 20% das excisões locais radicais, e em 5% das biópsias excisionais. Descamação da pele vulvar, em diversos graus, ocorre em todas as pacientes que recebem radioterapia vulvar, sendo mais pronunciada em pacientes que recebem quimioterapia associada à radioterapia. A morbidade da linfadenectomia inguinal inclui deiscência da ferida operatória, formação de linfocistos, linfangite e linfedema. A probabilidade dessas complicações está relacionada à extensão da terapia, sendo menor nas linfadenectomias unilaterais superficiais e mais acentuada nos casos de linfadenectomias inguinais superficiais e profundas bilaterais associadas à radioterapia pós-operatória (Eifel; Levenback, 2001; Barakat et al., 2002). Reduzimos a quase zero a necrose de retalhos inguinais, com o deslocamento da incisão para o sulco abdominocrural, bilateralmente. Com isso, não são cortados vasos que emergem dos músculos abdominais.

452 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Linfonodos clinicamente negativos

Linfadenectomia inguinal total uni ou bilateral baseada no sítio primário

Linfonodos clinicamente positivos

Negativo

Sem Adjuvância

Negativo

Radioterapia pós-operatória (inguinal e pélvica)

Ressecar a doença grosseiramente positiva ou linfadenectomia inguinal total

Radioterapia pós-operatória (inguinal e pélvica)

Figura 32.3 Fluxograma das opções de tratamento conforme resultado dos linfonodos inguinais. Fonte: Adaptada de Barakat e colaboradores (2002).

Tumores IA (até 2 cm, ≤ 1 mm de invasão) Muitos estudos demonstraram que o risco de metástases em linfonodos regionais é menor do que 1% para pacientes com tumores que não invadem mais do que 1 mm (Eifel et al., 2006). Esses são os únicos casos que podem de forma segura ser manejados sem linfadenectomia inguinofemoral ou outros tratamentos. Excisão local ampla com uma margem de 1 cm de tecido normal deve ser realizada. Uma análise anatomopatológica minunciosa da peça cirúrgica deve ser realizada, com o intuito de descartar invasão estromal superior a 1 mm. Se isso for diagnosticado no anatomopatológico pós-operatório, biópsia do linfonodo sentinela ou linfadenectomia seletiva deve ser realizada imediatamente após o procedimento primário (Kelley et al., 1992). Mesmo com esse tratamento, o risco de recorrência é significativo, com isso, pacientes devem ser acompanhadas sistematicamente por um longo período, de no mínimo 10 anos, por meio de exame físico, vulvoscopia e biópsias de áreas suspeitas. É muito importante enfatizar que tumores com uma profundidade de invasão de 1 mm ou menos, porém com um diâmetro maior do que 2 cm, ou tumores de vulva superficialmente invasivos, mas multifocais e não únicos, não são estadiados como IA (Tyring, 2003; Preti et al., 2005).

Tumores IB e II Embora a tradicional vulvectomia radical ⫹ linfadenectomia inguinofemoral bilateral seja o tratamento de escolha e resulte em altos índices de controle local, ocorrem muitas complicações, em termos de dano estético da região genital, linfedema, complicações infecciosas da ferida operatória entre outros problemas. Isso tem motivado vários grupos a buscar tratamentos mais conservadores, como excisão local ampla, estendendo-se até a fáscia perineal, com margem de tecido normal de 2 cm, incluindo sempre a linfadenectomia. Na maioria dos casos, esse procedimento não requer a ressecção de toda a vulva. Para tumores que estão muito perto da uretra e do ânus, muitas vezes é difícil obter uma ressecção cirúrgica adequada sem comprometer essas estruturas. Nesses casos, um manejo multidisciplinar com a proctologia e urologia e até o uso da radioquimioterapia devem ser discutidos (Barakat et al., 2002).

Tumores III e IVA Tumores III e IVA envolvem uretra, bexiga, ânus, reto ou vagina. Na maioria desses casos, uma abordagem multidisciplinar é necessária. Radioterapia isolada ou em combinação com quimioterapia e cirurgia são as opções terapêuticas. Se o tumor pode ser removido sem comprometer a uretra ou o ânus e com margens livres, a

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cirurgia pode ser suficiente. Quando a cirurgia é realizada e as margens cirúrgicas em relação a uretra ou ânus são menores do que 5 mm, radioterapia pós-operatória é indicada, e deve ser iniciada até seis semanas após o procedimento cirúrgico. Essa radioterapia deverá focar o sítio tumoral primário e os linfonodos regionais. Os campos de radioterapia são planejados para tratar a vulva, os linfonodos inguinais e os linfonodos pélvicos distais com uma dose de 40 a 45 Gy. Se o cirurgião acredita que uma ressecção cirúrgica irá deixar tumor residual nas margens de ressecção, é preferível tratar essas pacientes inicialmente com radioterapia ou quimioterapia; ressecção cirúrgica é reservada caso o tumor falhe em responder completamente à radioterapia (Rouzier et al., 2005).

Manejo não cirúrgico do câncer vulvar Embora a cirurgia represente o tratamento primário do CIV escamoso, tratamentos não cirúrgicos estão sendo desenvolvidos, com o intuito de melhorar o resultado estético. Tratamentos tópicos podem ser suficientes para pacientes com doença in situ (não invasora), e radioterapia e quimioterapia podem ser combinadas com cirurgia tanto para diminuir as lesões pré-operatórias quanto como tratamento adjuvante, permitindo com isso excisões mais conservadoras (Rouzier et al., 2005).

Radioterapia e quimioterapia A radioterapia é indicada como uma alternativa à cirurgia ou de forma adjuvante (Eifel; Levenback, 2001). Entretanto, pacientes com estádio III tratadas com radioterapia somente apresentam recorrência em região inguinal muito alta (10%). Quimioterapia isolada tem eficácia limitada em pacientes com CIV. Berek e colaboradores trataram pacientes com uma combinação de radioterapia e quimioterapia radiossensibilizante (cisplatina e 5-fluorouracil) e evidenciaram índices de resposta de 75 e 50% para estádios III e IV, respectivamente. Um dos usos potenciais desse tratamento é como neoadjuvante, com o objetivo de diminuir o tamanho das lesões, possibilitando tratamentos mais conservadores (Berek et al., 1991).

453

Seguimento Após o tratamento, as pacientes devem ser avaliadas a cada três meses, no primeiro ano, de 4/4 meses no segundo ano, de 6/6 meses do terceiro ao quinto ano e anualmente após cinco anos de seguimento. A maioria das recorrências pode ser detectada pelo exame físico. Entretanto, a vulvoscopia da região vulvar pode ajudar no diagnóstico de lesões pré-invasoras (Tyring, 2003).

Recorrência O CIV é uma doença rara. Apesar dos excelentes índices de sobrevida para doença em estádio inicial, aproximadamente 30% das pacientes irão apresentar recidiva. Recorrência local é a forma mais frequente de recidiva tumoral; com isso, uma cuidadosa avaliação para definir a extensão da recidiva é crucial para planejar o tratamento. As pacientes que apresentarem recorrência local podem ser manejadas por meio de uma nova excisão radical local. A recorrência em região de linfonodos inguinais é difícil de controlar, devido a volume de doença, proximidade com os vasos femorais e tratamentos prévios. Essas pacientes (10 a 20%) podem ser manejadas por ressecção local (linfadenectomia inguinal completa) e radioterapia, ou radioterapia isolada, para pacientes que não são candidatas à cirurgia, e se esta não foi realizada no tratamento inicial. Infelizmente, a maioria das pacientes com recidiva em região inguinal vem a falecer devido à doença. Pacientes com recorrência à distância são geralmente tratadas com quimioterapia empírica. Poucos dados existem sobre drogas quimioterápicas ativas nessa situação, entretanto, a maioria é tratada com drogas que mostram atividade contra tumores escamosos do colo uterino. A quimioterapia paliativa oferece poucos benefícios (Rouzier et al., 2005). A sobrevida por estadiamento está descrita na Tabela 32.2.

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Resumo e conclusões Diagnóstico precoce do CIV propicia um melhor tratamento para as pacientes, com pouca morbidade e mortalidade. Os sinais do CIV inicial podem ser facilmente reconhecidos pelo ginecologista durante o exame rotineiro, e, na presença de qualquer lesão suspeita, uma ou várias biópsias devem ser feitas para o diagnóstico precoce. Opções de tratamento, no momento, incluem cirurgia, radioterapia e quimioterapia. O interesse científico, no momento, está focado no melhor entendimento da drenagem linfática desses tumores, por meio do uso de técnicas de mapeamento linfático e estudo do linfonodo sentinela. Se essa técnica se mostrar efetiva e segura no manejo do CIV, a morbidade do tratamento diminuirá consideravelmente, pois, como sabemos, as maiores complicações estão relacionadas à linfadenectomia inguinal. Além disso, aguardamos novas perspectivas de tratamento para pacientes com doença recorrente e avançada.

Neoplasias de vagina Introdução Câncer de vagina (CV) é uma doença rara, representando 1 a 2% de todas as neoplasias malignas do trato genital feminino. A maioria dos casos de CV são metástases de outros sítios primários, incluindo colo uterino, vulva e endométrio (Eifel; Levenback, 2001).

Epidemiologia A maioria dos CVs são neoplasias de células escamosas. A média de idade no diagnóstico é de 60 anos. Fatores de risco incluem baixo nível socioeconômico, infecção por HPV, irritação vaginal crônica e tratamento prévio para neoplasias do colo uterino. Mais da metade das pacientes (59%) com CV primário foram submetidas a uma histerectomia prévia.

Exposição intraútero ao dietilestilbestrol (DES), durante as primeiras 12 semanas de gravidez, está associada a um aumento da incidência de adenocarcinoma de células claras de vagina (Eifel et al., 2006).

Tipos histológicos Neoplasia de células escamosas Entre os CVs primários, 85% são de células escamosas. Esses tumores ocorrem em pacientes mais idosas, e a maioria é localizada no terço superior da vagina, na parede posterior. Grande parte dos autores concorda que para o CV ser considerado primário, não deve estar coexistindo com câncer de colo uterino ou vulva e a paciente não deve ter apresentado esses diagnósticos nos 10 anos anteriores. Essas lesões podem variar de tamanho, atingindo até 10 cm, e se apresentarem de forma polipoide ou ulcerada. O carcinoma verrucoso é extremamente raro como tumor primário de vagina, sendo classificado como uma variante do carcinoma escamoso. As lesões são grandes e exofíticas, sendo que o seu crescimento tende a ser indolente e com um número expressivo de recidivas locais, caso não seja ressecado completamente. Metástases linfonodais raramente ocorrem (Barakat et al., 2002).

Melanoma Melanoma maligno é o terceiro CV mais comum, correspondendo a 3 a 5% dos casos. A média de idade é de 57 anos e costuma ocorrer mais no terço inferior da vagina. Esse tumor pode ser de cor escura ou acinzentada e forma massa nodular ou polipoide, que pode chegar a até 8 cm de tamanho. A profundidade de invasão tumoral é o principal indicador prognóstico. O método de Breslow é frequentemente usado para avaliar a profundidade do tumor, embora os critérios modificados de Clark (Chung) também sejam utilizados (Eifel; Levenback, 2001).

Adenocarcinomas Aproximadamente 9% dos CVs primários são adenocarcinomas. Enquanto a maioria ocorre

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em mulheres mais idosas, o adenocarcinoma de células claras (ACC) afeta pacientes mais jovens. O ACC está associado ao uso materno de DES até 12 semanas de gestação, sendo a média de idade de diagnóstico 19 anos. Aproximadamente 75% das pacientes jovens com diagnóstico de ACC foram expostas ao DES durante a vida pré-natal, enquanto 25% não. A maioria das lesões de ACC associado ao DES ocorre no terço superior da vagina ou ectocérvice. Essas lesões podem variar de tamanho, desde apresentações microscópicas até grandes lesões. Geralmente adenose atípica é vista na periferia. As lesões são histologicamente idênticas ao ACC que ocorre nos ovários ou endométrio (Herbst et al., 1974; Eifel et al., 2006). Essa doença perdeu importância à medida que o uso de estrogênio para combater ameaça de abortamento foi abandonado.

Outras raras histologias Tumores de músculo liso e sarcomas primários envolvendo a vagina são extremamente raros. Rabdomiossarcoma embrionário, ou sarcoma botrioide, é o tumor maligno de vagina mais comum em crianças, sendo que 90% das lesões ocorrem em meninas com menos de 5 anos, tendo uma idade média de diagnóstico de 2 anos. Esses tumores se localizam mais frequentemente na parede vaginal anterior e se apresentam como massas nodulares (sésseis) ou polipoides. Algumas vezes, podem protuir pelo introito vaginal, como uma massa polipoide (Eifel et al., 2006).

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rais são envolvidos primeiramente e, depois, os linfonodos pélvicos profundos. Metástases hematogênicas podem ocorrer para os pulmões ou linfonodos supraclaviculares, geralmente associadas à doença avançada (Barakat et al., 2002).

Apresentação da doença Pacientes com CV primário se apresentam com sintomas semelhantes aos tumores de colo uterino, ou seja, secreção vaginal amarelada/sanguinolenta, com odor fétido, é o sintoma mais comum. Podem ocorrer sangramento pós-coital, sangramento menstrual irregular ou pós-menopáusico. Sintomas urinários devem chamar atenção para um possível envolvimento de bexiga ou uretra, enquanto dor pélvica está geralmente associada à doença mais avançada (Hoskins, 2005). O diagnóstico inicia por história e exame físico adequados. O exame pélvico deve incluir visualização de toda a vagina, com atenção para a rotação do espéculo, para que sejam visualizadas todas as paredes, e, por fim, realizar o toque vaginal e retal. É importante coletar o citopatológico de colo uterino, realizar a colposcopia e usar a solução de lugol em toda a mucosa vaginal para detectar áreas não coradas/suspeitas. Todas as pacientes com CV devem realizar raio X de tórax, uretrocistocopia e retossigmoidoscopia. Outros exames de imagem, como tomografia abdominal total, devem ser solicitados conforme a disponibilidade, a fim de descartar metástases (Eifel; Levenback, 2001).

Padrões de disseminação O CV pode se disseminar localmente, via linfática ou hematogênica. Essas lesões tendem a envolver a bexiga e o reto. A disseminação linfática depende da localização do tumor; lesões no terço superior tendem a seguir o padrão do colo uterino, dirigindo-se primeiramente para o grupo obturador, ilíaco e, após, hipogástrico. Se a lesão é localizada no terço inferior, o padrão é similar ao do câncer vulvar, ou seja, os linfonodos inguinais e femo-

Estadiamento O estadiamento do CV primário é clínico, e não cirúrgico, sendo baseado nos critérios da FIGO (Tab. 32.3) (Benedet et al., 2000).

Tratamento A maioria dos casos de CV primário é tratada com radioterapia. Planos de tratamentos especí-

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Tabela 32.3 Estadiamento do carcinoma de vagina – FIGO Estádio 0 Estádio I Estádio II Estádio III Estádio IV IV-A IV-B

Carcinoma in situ ou intraepitelial Carcinoma limitado à parede vaginal Extensão aos tecidos adjacentes (tecido perivaginal), sem atingir parede pélvica Carcinoma compromete o paramétrio até a parede pélvica Extensão à mucosa retal, bexiga ou órgãos extrapélvicos Extensão a órgãos adjacentes (reto ou bexiga) Metástases a distância

Fonte: Adaptada de Benedet e colaboradores (2000).

ficos são baseados no estadiamento e na extensão da doença (Tab. 32.4). Ressecção cirúrgica permanece uma opção para pacientes jovens com ACC estádio I, lesões não epiteliais e tumores que recorrem após radioterapia. Atualmente se está associando a quimioterapia radiossensibilizante à radioterapia para tratamento de doença localmente avançada, seguindo o mesmo princípio usado para o tratamento do câncer de colo uterino (Eifel et al., 2006).

Estádio 0 Essas lesões não invadem a membrana basal e são frequentemente multifocais.

Excisão cirúrgica e ablação com laser são opções de tratamento. Recentemente, alguns autores têm publicado séries iniciais do tratamento dessas lesões com uso do imiquimod tópico na vagina, porém ainda é considerado um tratamento experimental, e o imiquimod, até o momento, está liberado só para o uso vulvar (Iavazzo et al., 2008).

Estádio I Essas lesões são normalmente tratadas por radioterapia, sendo que os planos de tratamento são projetados segundo a lesão específica. Um cilindro intracavitário é geralmente usado para lesões de 1 a 2 cm, enquanto implantes

Tabela 32.4 Tratamento do câncer vaginal por estádio Estádio

Tratamento

0

Excisão cirúrgica, ablação com laser, imiquimod (casos selecionados) Histerectomia radical, linfadenectomia pélvica e vaginectomia superior (lesões do terço superior de vagina)

I

ou

II, III, IV Recorrência

radioterapia consistindo de cilindro intracavitário e/ou implante intersticial com ou sem radioterapia pélvica externa Radioterapia pélvica externa e cilindro intracavitário e/ou implante intersticial Tratamento dos linfonodos inguinais caso o tumor envolva o terço inferior de vagina Tratamento depende da extensão da recorrência. Opções: Excisão local ampla Vaginectomia parcial Exenteração pélvica Quimioterapia

Fonte: Adaptada de Barakat e colaboradores (2002) e Eifel e colaboradores (2006).

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intersticiais podem ser adicionados para lesões mais espessas, localizadas em uma parede vaginal. Radioterapia pélvica total seguida de implante intersticial é indicada para pacientes com lesões grandes, indiferenciadas ou infiltrantes (Perez et al., 1988). A cirurgia permanece como uma opção de tratamento para lesões de estádio I que envolvem os fórnices vaginais superiores. O procedimento consiste em histerectomia radical, linfadenectomia pélvica e vaginectomia parcial (Hoskins, 2005). Pacientes com ACC de vagina estádio I também podem ser tratadas por cirurgia. O procedimento inclui histerectomia radical, linfadenectomia pélvica e biópsia de linfonodos para-aórticos, para avaliar a disseminação linfonodal extrapélvica. Sugere-se, durante a vaginectomia, solicitar anatomopatológico de congelação das margens vaginais, para estabelecer o limite inferior de ressecção. Alguns autores preferem indicar radioterapia nesses tumores, em vez de cirurgia, devido aos mesmos índices de controle local e possibilidade de preservar mais tecido vaginal com a radioterapia (Herbst et al., 1974; Eifel et al., 2006). Em pacientes com vida sexual ativa, é preferível a cirurgia, sempre que factível, com posterior neovaginoplastia.

Estádios II a IV Radioterapia é o tratamento padrão para esse grupo de pacientes. Radioterapia externa é seguida de radioterapia intracavitária e/ou intersticial. Lesões no terço distal da vagina estão algumas vezes associadas a metástases em linfonodos inguinais, sendo que adenopatias grosseiras são geralmente ressecadas antes do tratamento com radioterapia (Perez et al., 1988; Barakat et al., 2002).

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Tratamento das lesões não epiteliais Alguns autores realizam ressecção cirúrgica ampla, seguida de radioterapia. O rabdomiossarcoma de vagina é tratado com uma combinação de quimioterapia (vincristina, dactinomicina e ciclofosfamida – VAC), com ou sem radioterapia. Cirurgia radical pode ser evitada em muitos pacientes devido à eficácia desse tratamento.

Prognóstico e recorrência O prognóstico dessa doença está relacionado ao estadiamento inicial (Tab. 32.5). A maioria das recorrências ocorre nos primeiros dois anos e é localizada na pelve. Recorrência local ou câncer vaginal persistente após radioterapia pode ser tratado por cirurgia; as opções variam desde excisão local ampla até exenteração pélvica. Embora a quimioterapia com cisplatina tenha um papel no tratamento da doença recorrente, a maioria das pacientes que recorrem, em um campo previamente irradiado, não responde muito bem à quimioterapia; o mesmo se aplica ao colo uterino (Stock et al., 1995).

Tabela 32.5 Prognóstico (sobrevida em 5 anos por estádio) Estádio

Sobrevida (%)

I II III IV

80 45 35 10

Fonte: Adaptada de Barakat e colaboradores (2002) e Eifel e colaboradores (2006).

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em relação à apresentação da neoplasia invasora de vulva, podemos dizer que: a. O tipo mais frequente é o escamoso, forma verrucosa, com lesões unifocais, relacionadas ao HPV. b. O tipo mais frequente é o adenocarcinoma, forma bowenoide, com lesões multifocais, relacionadas ao HPV. c. O tipo mais frequente é o escamoso, forma bowenoide, com lesões multifocais, relacionadas ao HPV. d. O tipo mais frequente é o escamoso, forma bowenoide, com lesões unifocais, relacionadas ao HPV. e. O tipo mais frequente é o adenocarcinoma, forma verrucosa, com lesões multifocais, relacionadas ao HPV.

2. Uma paciente apresentou-se no ambulatório queixando-se de prurido vulvar e surgimento de uma lesão na vulva. Ao exame ginecológico, constatou-se uma lesão de cor branco-avermelhada, irregular, com aspecto um pouco vegetante, de 1,8 cm, no pequeno lábio esquerdo. Foi realizada uma biópsia no local, que mostrou carcinoma escamoso, moderadamente diferenciado, invasor, de 0,8 mm. A conduta correta nesse caso é: a. Vulvectomia tegumentar, com margens de 2 cm. b. Excisão local ampla, com margens de 2 cm. c. Vulvectomia radical, com linfadenectomia inguinal homolateral (lado do tumor). d. Vulvectomia radical, com linfadenectomia inguinal bilateral. e. Excisão local ampla com margens de 1 cm.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Neoplasias de Corpo Uterino Márcia Appel Heleusa Ione Mônego Ricardo dos Reis Edison Capp João Paolo Bilibio Waldemar Augusto Rivoire

Classificação

Hiperplasia endometrial A hiperplasia do endométrio é uma condição patológica geralmente associada a sangramento uterino anormal. A maioria das hiperplasias resulta do estímulo estrogênico persistente e prolongado, sem a habitual modificação cíclica da progesterona e, portanto, é quase invariavelmente encontrada em mulheres anovulatórias perimenopáusicas e, eventualmente utilizada de maneira contínua, em pacientes mais jovens. Na mulher pós-menopáusica, os estrogênios exógenos utilizados de maneira contínua, sob forma de reposição hormonal, sem oposição da progesterona, ou os endógenos, obtidos a partir da conversão periférica de androstenediona em estrona, podem expor o endométrio ao estímulo prolongado, levando à hiperplasia e, às vezes, ao câncer. Alguns tipos de hiperplasia representam estados pré-malignos. O crescimento hiperplásico do endométrio é algo semelhante à displasia do colo uterino. Indubitavelmente, algumas dessas lesões desaparecem de forma espontânea, algumas persistem como tal, e poucas progridem ao carcinoma endometrial.

A classificação das hiperplasias endometriais segue sem consenso. A espessura do endométrio, a densidade e as anomalias estruturais das glândulas e os aspectos citológicos do epitélio glandular são parâmetros utilizados para classificar o espectro de anormalidades morfológicas, conhecidas coletivamente como hiperplasias. Nenhum sistema de classificação foi amplamente aceito por uma maioria de ginecologistas e patologistas. Isso tem tornado difícil a avaliação do significado prognóstico dos diferentes tipos de hiperplasia, assim como a tomada de decisões clínicas relacionadas ao tratamento mais adequado. A classificação tradicional proposta por Vellios divide as hiperplasias em simples, císticas, adenomatosas, adenomatosas atípicas e carcinoma in situ, mas não vem mais sendo usada. Kurman, Kominsky e Norris (1985) introduziram uma nova terminologia que vem sendo adotada pela International Society of Gynecological Pathologists (ISGP), que divide as hiperplasias em simples, complexas e atípicas (Tab. 33.1).

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Tabela 33.1 Classificação das hiperplasias endometriais Tradicional

ISGP

Hiperplasia cística Hiperplasia adenomatosa sem atipias Hiperplasia adenomatosa atípica > Atipia estrutural: leve, moderada ou severa > Atipia citológica: leve, moderada ou severa

Hiperplasia simples Hiperplasia complexa Hiperplasia atípica

Fonte: Kurman, Kominsky e Norris (1985).

Hiperplasia simples Caracteriza-se por glândulas endometriais dilatadas e hiperplásicas, com estroma endometrial abundante (relação proporcional entre glândulas e estroma).

Hiperplasia complexa Caracteriza-se por aglomeração glandular e diminuição do estroma endometrial (proporção glândulas/estroma aumentada). Na terminologia tradicional, essa condição é uma variação da hiperplasia adenomatosa, com graus variáveis de anormalidades estruturais, mas sem atipia citológica. Essa hiperplasia tem baixo potencial maligno.

Hiperplasia atípica Contém glândulas com atipias citológicas, cuja severidade é o determinante principal do seu potencial maligno. O termo carcinoma in situ tem sido aplicado por alguns quando as atipias citológicas são extremamente severas. Como não existem critérios uniformemente aceitos para as lesões in situ, muitos patologistas têm preferido utilizar o termo lesões hiperplásicas atípicas, para diferenciar do carcinoma invasor. Essa classificação vem sofrendo críticas devido à baixa reprodutibilidade dos resultados. O índice de concordância entre patologistas de uma mesma instituição pode variar de 38 a 69% para o diagnóstico de endométrio proliferativo, hiperplasia sem atipia, hiperplasia com atipia e carcinoma endometrioide bem diferenciado. Por esse motivo, tem sido sugerido o uso de uma nova classificação: hiperplasia endometrial, neoplasia intraepitelial endometrial (NIE) e adenocarcinoma. Essa classificação demonstrou uma

melhor concordância interobservadores. Um estudo multicêntrico retrospectivo comparou as duas classificações e concluiu que essa seria melhor em predizer lesões que progrediriam para neoplasia. Na ausência de NIE, o risco de progressão para neoplasia é de 0,6%, e na presença de NIE, de 19%. Diante dessa discussão, que ainda segue indefinida, a presença de atipias está associada a um maior risco de neoplasia, e o médico deve estar atento ao encontrar esse achado no exame anatomopatológico.

Diagnóstico diferencial entre hiperplasia e câncer endometrial Nem sempre é possível identificar, em material de curetagem, a invasão do estroma, o que caracteriza o carcinoma invasor. Kurman, Kominsky e Norris (1985) com a finalidade de definir critérios histológicos que pudessem prever a existência de câncer invasor, compararam o material de curetagem endometrial e peças de histerectomia em mulheres com hiperplasia ou carcinoma bem diferenciado. Verificaram que os graus aumentados de atipia nuclear, a atividade mitótica, a estratificação celular e a necrose epitelial estavam relacionadas à neoplasia invasora de endométrio.

Potencial pré-maligno O risco de câncer invasor para pacientes com hiperplasia atípica é considerado em torno de 5 a 19%. O processo parece ser relativamente lento e a progressão pode levar 5 anos ou mais. Estudos com peças cirúrgicas de histerectomia demonstraram a presença de câncer de endométrio em 43% dos casos. A histerectomia foi realizada cerca de 12 semanas após o diagnósti-

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co de hiperplasia atípica. Isso comprova a necessidade de uma abordagem terapêutica cuidadosa em caso de presença de atipias em material endometrial. Em 1980, Richart, Kurman e Ferenczy alteraram o conceito de transformação contínua do endométrio e concluíram que parece haver duas doenças biologicamente distintas e não correlacionadas: a hiperplasia e a neoplasia. O fator importante na distinção entre uma e outra é a atipia citológica. As proliferações glandulares endometriais com marcada atipia da camada celular seriam precursoras do câncer, sendo referidas como neoplasia intraepitelial do endométrio (NIE); as lesões não atípicas são conhecidas como hiperplasia do endométrio (HE), ambas podem coexistir em um mesmo endométrio.

Fatores de risco são os mesmos para o câncer de endométrio: terapia hormonal (TH) com estrogênio, sem progestágeno, em pacientes com útero; pacientes 2 com índice de massa corporal (imc) ⱖ 25 kg/m ; diabete; síndrome de ovários policísticos (SOP); menopausa tardia (⬎ 55 anos); nuliparidade; síndrome do câncer colorretal hereditário não polipoide (HNPCC).

Quadro clínico O sangramento uterino anormal é o sinal mais frequentemente encontrado. A história típica revela ciclos anovulatórios, com períodos longos de amenorreia, seguidos de fluxo menstrual abundante. Sangramento intermenstrual ou pré-menstrual também pode ser relatado. Em adolescentes, associa-se à anovulação crônica e, em alguns casos, a tumores da granulosa ou tecomas ovarianos, SOP e hiperplasia adrenocortical. Em pacientes perimenopáusicas e em pacientes pós-menopáusicas, o sangramento uterino anormal é o sintoma mais comum e deve sempre ser investigado.

Diagnóstico O diagnóstico é feito pela análise histológica do material endometrial obtido por meio de biópsia endometrial (BE) às cegas, realizada em consul-

tório; dilatação e curetagem uterina; histeroscopia (HSC) diagnóstica, associada à BE dirigida. Em pacientes assintomáticas, pós-menopáusicas, a ecografia transvaginal com avaliação da espessura endometrial, apesar de não indicada de rotina, é efetiva no rastreamento dessa patologia. O endométrio com medida ⬎ 5 mm exige controle ou avaliação complementar com exame histológico. Em usuárias de TH, o ponto de corte é de 8 mm e, na vigência de terapia com tamoxifeno, de 10 mm.

Rastreamento O rastreamento não está indicado na população em geral. Pacientes usuárias de tamoxifeno apresentam risco aumentado de desenvolver hiperplasia endometrial, pólipo endometrial e câncer de endométrio (vale lembrar que esse risco somente foi encontrado em mulheres pós-menopáusicas). Não há consenso sobre a investigação dessas pacientes enquanto assintomáticas. Muitos autores são contrários ao rastreamento com ecografia transvaginal e biópsia endometrial, indicando esses exames somente na presença de sintomas (sangramento uterino anormal, sangramento pós-menopáusico). De qualquer forma, uma ecografia deve ser realizada antes do início do tratamento para afastar a presença prévia de alteração endometrial. Em pacientes com risco para câncer de cólon hereditário, o rastreamento com ecografia transvaginal e BE está indicado devido ao alto risco de hiperplasia atípica e câncer de endométrio nessa população. Esses exames devem ser oferecidos anualmente. A histerectomia total pode ser indicada em casos de prole completa.

Hiperplasia simples ou complexa sem atipias O objetivo do tratamento é o controle do sangramento anormal e a prevenção da progressão para o câncer, embora esse evento seja, nessa situação, bastante infrequente (1-3%). A medicação de escolha sugerida para o tratamento é o progestágeno. A reversão da hiperplasia se dá

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pela ativação dos receptores de progesterona, que promovem decidualização e adelgaçamento do endométrio. O tipo de progestágeno, a dose e a duração do tratamento vão depender da idade da paciente, dos custos, dos efeitos colaterais e da conveniência. Considera-se que o tempo mínimo necessário de uso mensal seja de 12 a 14 dias, por um período de duração de 3 a 6 meses. Tratamento conforme a faixa etária: Adolescentes: 10 mg/dia de medroxiprogesterona via oral (VO) na 2a fase do ciclo (12-14 dias/mês), por 3 a 6 meses. Repetir a BE 1 mês após o término do tratamento e observar o ciclo. Se persistirem os ciclos anovulatórios, reiniciar a medicação ou, dependendo da necessidade da paciente, sugerir o uso de contraceptivo oral. Mulheres pré-menopáusicas: a escolha da medicação depende do desejo de gerar, da presença de doenças associadas (p. ex., miomatose uterina) e da preferência por alguma via de administração. A efetividade para qualquer modalidade de tratamento é superior a 80%. Uma BE deve ser realizada um mês após o término do tratamento. Medidas preventivas deverão ser adotadas após o tratamento para evitar recorrência (ver adiante). > Medroxiprogesterona 10 mg/dia, VO, na 2a fase do ciclo (12-14 dias/mês), por 3 a 6 meses. > Progesterona, VO, contínua por 3 a 6 meses.

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Pacientes sem TH: a medicação de escolha é a medroxiprogesterona 10 mg/dia, VO, por 3 meses. A BE deve ser realizada logo após o término do tratamento. A taxa de sucesso é superior a 80%, mas espera-se que 6% das pacientes apresentem retorno da doença. Se a BE realizada ao final do tratamento demonstrar persistência da hiperplasia, pode-se indicar a histerectomia. Se a opção for por manter o tratamento medicamentoso, a BE deve ser realizada em 6 e 12 meses. Pacientes em TH: a TH deve ser descontinuada. A medroxiprogesterona VO deve ser prescrita de forma contínua na dose de 10 mg/dia por 3 meses. Realiza-se uma BE após o término do tratamento. Se existe a vontade de retornar à TH, esta deve ser instituída com dose mais elevada de progestágeno ou por maior tempo. Uma nova BE é repetida em 3 e 6 meses.

Hiperplasia com atipias A hiperplasia com atipias é considerada condição precursora do carcinoma de endométrio. Dessa forma, o tratamento de escolha é a histerectomia. Alternativas a esse tratamento podem ser oferecidas às pacientes que desejam gerar ou sem condições clínicas para cirurgia. Sempre que a hiperplasia com atipia for sugerida em uma BE inicial, a curetagem uterina ou HSC com amostra endometrial deve ser realizada para a exclusão de um carcinoma.

> Progesterona natural micronizada em cápsulas de 100 ou 200 mg, via vaginal, do 10o ao 25o dia do ciclo menstrual, por 3 a 6 meses. A regressão para endométrio normal ocorre em 90% dos casos.

Pacientes que desejam gerar: ao uso da medicação por 3 meses, segue-se uma nova BE, embora o tempo previsto para regressão seja de 7 a 9 meses. A persistência de hiperplasia após esse tempo é preditiva de falha de tratamento. São opções medicamentosas:

> Dispositivo intrauterino (DIU) com levonorgestrel. A BE pode ser realizada com DIU in situ.

> Acetato de megestrol 40 mg, VO, 2x/dia, podendo ser aumentada para 4x/dia;

> Indução da ovulação para mulheres que desejam gerar.

> DIU com levonorgestrel;

Mulheres pós-menopáusicas: antes de se iniciar qualquer tratamento, deve-se excluir a presença de tumores ovarianos ou tumores de adrenal produtores de estrogênio. O uso de TH deve ser avaliado.

> Danazol 400 mg/dia por 6 meses. Tem efeitos colaterais importantes. Pacientes pós-menopáusicas: o tratamento medicamentoso é uma opção em pacientes sem condições cirúrgicas. A BE é realizada em 3 meses. O uso contínuo de medicação está as-

464 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

sociado à necessidade de avaliação endometrial semestral por tempo indefinido. > Acetato de megestrol 40 mg, VO, 2x/dia, podendo ser aumentada para 4x/dia. > Medroxiprogesterona 10 mg/dia por 3 meses (atipias leves). > Medroxiprogesterona 200 mg intramuscular (IM) seguida de 100 mg IM a cada 2 semanas por 30 dias. Dose de manutenção de 100 mg IM/mês por 6 meses.

Tratamento de manutenção Após o tratamento da hiperplasia, a terapia medicamentosa pode ser indicada para pacientes que mantêm ciclos anovulatórios. Essa medida auxilia na prevenção da recorrência da doença. O tipo de medicação deve ser adaptado à conveniência da paciente e à tolerância de efeitos colaterais. > Anticoncepcional oral (ACO) combinado. É a medicação de escolha para pacientes com SOP e para as que desejam contracepção. > ACO contínuo com progestágeno. > Medroxiprogesterona 5 a 10 mg/dia por 12 a 14 dias por mês. > Acetato de noretindrona 5 a 10 mg/dia por 12 a 14 dias por mês. > Progesterona natural micronizada 200 mg em cápsula vaginal/dia por 12 a 14 dias por mês. > Medroxiprogesterona 150 mg IM a cada 3 meses. > DIU com levonorgestrel.

Carcinoma de endométrio O carcinoma de endométrio é a neoplasia do trato genital feminino mais comum nos Estados Unidos. De acordo com a American Cancer Society (ACS), no ano de 2009, 42.000 casos novos serão diagnosticados e aproximadamente 7.800 mortes ocorrerão em consequência da doença. Excluídas as lesões cutâneas do tipo não melanótico, é o quarto câncer mais comum em mulheres, ficando atrás de lesões de mama, pulmão e cólon.

Apesar do avanço considerável obtido nos últimos anos no que tange às fontes de informações sobre morbidade e mortalidade por câncer, os dados epidemiológicos brasileiros ainda estão longe do ideal. O quadro das principais neoplasias difere regionalmente, refletindo o quadro de desigualdade socioeconômica observado no país (Kligermann, 2002). Em se tratando de tumores malignos genitais que acometem mulheres no Brasil, o de maior incidência é o câncer do colo uterino, seguido pelo câncer endometrial. Calcula-se que sua incidência seja da ordem de 3% de todos os cânceres da mulher, vindo atrás do de pele, mama, colo uterino, cólon e estômago. Segundo o registro de base populacional, existe uma estimativa de 2 a 7 casos novos: 100 mil mulheres/ano para a neoplasia de endométrio nas cidades de São Paulo, Brasília, Cuiabá e Goiânia. Há evidente subnotificação. Nos Estados Unidos, a taxa de incidência anual da neoplasia endometrial para mulheres brancas em todas as idades é de aproximadamente 20 casos por 100 mil mulheres, e de aproximadamente 10 casos por 100 mil em mulheres negras. A incidência para mulheres pós-menopáusicas é consideravelmente maior, em ambas as raças, chegando a 100 novos casos/ano para cada 100 mil mulheres brancas não usuárias de estrogênio. Apesar da menor frequência da neoplasia endometrial na raça negra, são essas mulheres que apresentam maior índice de mortalidade. A chance de morte por câncer de endométrio em mulheres negras é 30 a 54 vezes maior (Parsons, 1996; Kohler et al., 1996). Provavelmente isso ocorra não pelo fator racial, mas pela diferença de nível socioeconômico, levando a um diagnóstico mais tardio.

Fatores de risco Estudos retrospectivos realizados na década de 70 conferiram ao uso de estrogênio isolado para TH um risco maior de desenvolvimento de patologias endometriais e de câncer (2-30 vezes). Dessa forma, o estrogênio, seja de fonte exógena (medicação) ou por produção endógena, tem importante papel na etiologia dessa doença. Incluem-se entre os fatores de risco o uso de TH com estrogênio isolado: obesidade, diabete melito, nuliparidade, menopausa tardia (⬎ 52

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anos) e cor branca. O risco de uma paciente apresentar hiperplasia e câncer de endométrio é de 1,58 (intervalo de confiança [IC] 95%; 0,30-8,23) em caso de obesidade severa e de 2,72 (IC 95%; 0,65-11,5) em caso de obesidade mórbida. Situações que diminuam a exposição ao estrogênio ou aumentem os níveis de progesterona, como, TH combinada (estrogênio e progestágeno), DIU com progesterona (odds Ratio [OR] 0,37), tabagismo, ACO (OR 0,29) e ovulação, podem ser consideradas protetoras (Hacker, 2000).

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salpingo-oforectomia bilateral, além de exames específicos para diagnóstico precoce dos tumores do trato digestivo e urinário.

Quadro clínico É uma doença que afeta, principalmente, pacientes no período peri e pós-menopáusico e, portanto, com idade entre 50 e 65 anos. Aproximadamente 25% dos adenocarcinomas são diagnosticados antes da menopausa e somente 5% dos casos ocorrem em mulheres com idade inferior a 40 anos.

O uso de tamoxifeno aumenta o risco de câncer endometrial em duas ou três vezes. Produz, ao exame ecográfico transvaginal, um endométrio ecogênico, irregular e com espessura aumentada. Apesar do aumento do risco, o achado histológico mais comum é de atrofia glandular cística do endométrio (Medeiros; Mendonça, 2004). Pacientes usando tamoxifeno devem ser informadas do risco de câncer endometrial e devem relatar sangramento vaginal (Hacker, 2000).

Cerca de 90% das pacientes apresentam sangramento vaginal anormal, mais comumente pós-menopáusico. Em algumas circunstâncias, especialmente em pacientes magras, o sangramento pode não ocorrer, devido à estenose cervical, gerando a formação de hematometra ou piometra (acúmulo de sangue ou secreção purulenta, respectivamente, na cavidade endometrial).

Não existe na literatura qualquer recomendação para rastreamento do câncer endometrial em mulheres sem risco definido, mesmo quando usuárias de TH ou tamoxifeno, obesas, diabéticas ou hipertensas. Isso é justificado, em parte, pelo início precoce da sintomatologia, possibilitando o diagnóstico dessa doença em estádios iniciais. Após a menopausa, as mulheres devem ser informadas dos riscos e encorajadas a relatar precocemente sintomas de sangramento vaginal.

O exame físico pode revelar uma paciente obesa, embora algumas delas não o sejam, nem mostrem sinais de hiperestrinismo. O exame abdominal eventualmente revela massa amolecida na região hipogástrica, que pode ser devido a um aumento do volume uterino, ocasionado por hematometra/piometra importantes. Em casos de doença avançada, pode ocorrer distensão abdominal secundária à ascite.

A ACS recomenda o rastreamento anual por meio de ecografia transvaginal e BE para pacientes a partir dos 35 anos com história familiar ou pessoal de HNPCC ou história familiar de câncer de cólon antes dos 40 anos. Nessas situações, suspeita-se do diagnóstico de síndrome de Lynch, que é uma condição hereditária decorrente de uma mutação no sistema de reparo das bases mal pareadas do DNA (mismatch repair) em regiões conhecidas como microssatélites. Dessas pacientes, 40% desenvolverão ao longo da vida câncer de colón; 40 a 60%, câncer de endométrio; e 10 a 12%, câncer de ovário, além de tumores de estômago, intestino delgado, sistema hepatobiliar, rim e ureter. Para essas pacientes, ainda pode ser oferecida, após prole completa, histerectomia total e

Hematometra ou piometra na pós-menopausa: descartar câncer

Ao exame vaginal, deve-se ter o cuidado de afastar lesões na vulva, na vagina ou no colo uterino que possam justificar o sangramento. Eventualmente, o colo uterino apresenta-se com lesão consequente à extensão do tumor, a partir do endométrio. O toque vaginal pode evidenciar útero aumentado de volume. O toque retal deve ser sempre realizado com o objetivo principal de avaliar paramétrios. Isso tem especial importância para lesões que se estendem ao colo uterino. Em relação às características fenotípicas da paciente com câncer endometrial, é possível definir dois tipos: > Tipo I – pacientes obesas, hiperlipidêmicas, hiperestrínicas, com história de ciclos anovulatórios e que apresentam tumores moderadamente ou bem diferenciados, com invasão

466 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

superficial do miométrio (menos da metade deste). Têm bom prognóstico. > Tipo II – pacientes sem nenhuma das características anteriores, com tumores altamente indiferenciados, invasão profunda do miométrio (mais da metade) e linfonodos positivos. Têm mau prognóstico. Sabe-se que essas diferenças são expressão de um ambiente biológico distinto. As primeiras se caracterizam por expressão de bcl-2, mutações no gene K-ras e alterações tardias no gene p53. No segundo grupo de pacientes, ao contrário, observa-se uma imunorreatividade para o p53 já em fase precoce da carcinogênese (Kounelis et al., 2000; Burton; Wells,1998). Cerca de 80% dos tumores endometriais são do tipo I e 20% do tipo II. Como regra, o diagnóstico de neoplasia de endométrio deve ser considerado nas seguintes situações: > Pacientes com sangramento pós-menopáusico. > Pacientes pós-menopáusicas com piometra ou hematometra. > Pacientes pós-menopáusicas assintomáticas, mas com células endometriais presentes no exame de citologia cervical. Nesse caso, 6% das pacientes terão carcinoma, e 13%, hiperplasia endometrial. Se essas células forem atípicas, mais de 25% dessas mulheres terão câncer endometrial. > Pacientes pré-menopáusicas, com sangramento irregular ou abundante, particularmente se há história de anovulação.

Diagnóstico O diagnóstico da neoplasia endometrial é estabelecido pelo exame histológico. O material endometrial pode ser obtido por meio de BE, em consultório; dilatação e curetagem uterina em ambiente cirúrgico e sob anestesia; histeroscopia diagnóstica com BE sob visão direta, em consultório ou em hospital. A BE realizada no consultório é uma alternativa eficaz, com menor custo e desconforto para a paciente. É bastante útil nos casos de espes-

samento difuso do endométrio, sem suspeita de lesão focal. Pode ser realizada por aspiração (sonda uretral), cureta de Novak ou cânula de Pipelle. Em cerca de 22% dos casos, não se obtém material adequado para análise e, em 2%, não há acesso à cavidade endometrial (estenose de colo). A acurácia da BE varia de 75 a 90%, conforme o método utilizado. Em uma metanálise de 39 estudos envolvendo cerca de 8.000 mulheres, o dispositivo de Pipelle foi o mais sensível para detectar neoplasia de endométrio e hiperplasia atípica. As taxas de detecção da neoplasia de endométrio nas pacientes pós e pré-menopáusicas foram de 99,6 e 91%, respectivamente. A taxa de detecção da hiperplasia atípica foi de 81% (Clark et al., 2002). Na presença de BE negativa para neoplasia, a curetagem uterina ou histeroscopia com biópsia deve ser realizada em pacientes de risco (p. ex., obesas, diabéticas) ou se houver persistência do sangramento, se a ecografia transvaginal demonstrou espessamento endometrial significativo ou se a BE demonstrou hiperplasia endometrial. A curetagem uterina é o procedimento cirúrgico mais utilizado para obtenção de material endometrial. Apresenta um índice de falso-negativo que varia de 2 a 6%, em razão do esvaziamento incompleto da cavidade uterina. É um procedimento que requer anestesia e ambiente hospitalar. A histeroscopia tem sido utilizada cada vez mais frequentemente nos centros maiores e constitui-se no método com melhor acurácia, pois permite a biópsia de lesões endometriais sob visão direta. Além disso, determina o padrão de crescimento tumoral intracavitário e sua extensão ao colo uterino. A histeroscopia com BE dirigida é o exame padrão-ouro para o diagnóstico da neoplasia endometrial nos centros maiores. Com histeroscópios de menor diâmetro, é possível realizar o exame em ambiente de consultório. A ecografia transvaginal tem sido utilizada para avaliação da espessura e textura endometriais. Assim, deve ser o primeiro exame a ser solicitado nas pacientes com sangramento vaginal na pós-menopausa. Medidas ⱕ 5 mm estão associadas a baixo risco para patologia endometrial, incluindo o carcinoma. Vários estudos

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mostram um valor preditivo negativo de 100% para o diagnóstico de hiperplasia ou câncer endometrial com espessura total ⬍ 5 mm (Parsons, 1996). Espessamento endometrial (medidas entre 5 e 10 mm) não acompanhado de sangramento vaginal não é indicação de avaliação histológica imediata, podendo ser oferecido a essas pacientes novo exame em 6 meses, para avaliar mudanças, ou a realização de BE nesse tempo. Em casos de uso de tamoxifeno, a ecografia associa-se a taxas de falso-positivos em aproximadamente 30 a 60%. Nesses casos, podem-se utilizar pontos de corte mais elevados para a espessura, em torno de 8 a 10 mm (Medeiros; Mendonça, 2004). Além da espessura, a ecografia permite avaliar a presença de conteúdo intrauterino (muco ou sangue). Na mulher que menstrua, a espessura do endométrio pode variar conforme a época do ciclo menstrual, tornando mais difícil a determinação de uma medida que sugira anormalidades. Podemos, no entanto, considerar anormal uma espessura ⬎ 12 mm no período pós-menstrual. O estudo dopplerfluxométrico por ecografia avalia as características do fluxo sanguíneo nos ramos da artéria uterina e dentro do endométrio. Não é claro o papel desse exame na avaliação da patologia endometrial, mas pode ser útil em pacientes com estenose cervical e/ou imagem endometrial inadequada, quando a única forma disponível de avaliar o endométrio seria a histerectomia. Um índice de pulsatilidade (IP) ⬍ 1,5 nos ramos ascendentes das artérias uterinas é bastante sugestivo de neoplasia maligna; no entanto, falso-positivos são encontrados em mulheres em uso de reposição hormonal estrogênica ou em quadros de infecção uterina. A identificação de fluxo sanguíneo endometrial pode, por si só, ser indicativa de neoplasia. O IP endometrial tem se mostrado similar ou mais baixo do que o IP da artéria uterina. Situações como a presença de mioma submucoso, pólipos, hiperplasia e endometrite podem também demonstrar fluxo localizado (Parsons, 1996). A citologia obtida pelo esfregaço do colo uterino (exame de Papanicolaou) tem baixa acurácia para diagnóstico de alterações endometriais. Somente 50% das pacientes com neoplasia endometrial terão um esfregaço cervical demons-

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trando a presença de células endometriais atípicas. Quando a citologia é realizada diretamente da lesão (método de Abradul), a acuidade diagnóstica aumenta.

Avaliação pré-operatória Os exames solicitados relacionam-se ao preparo cirúrgico e à avaliação da extensão da doença.

Exames básicos: > Hemograma, glicemia de jejum, ureia, creatinina, gama-GT, TGO, TGP, bilirrubinas, fosfatase alcalina, EQU. > Eletrocardiograma. > Raio X de tórax. > Ecografia abdominal total. > Retossigmoidoscopia e cistoscopia em casos de doença localmente avançada. > Nível sérico de CA-125. Alguns estudos sugerem que a elevação desse marcador se relaciona à presença de doença extrauterina. Isso poderia ser importante para o planejamento cirúrgico. Além do mais, pode ser marcador de recorrência. > Tomografia computadorizada (TC) e ressonância nuclear magnética (RNM). Podem ser utilizados para avaliação da extensão de doença intra-abdominal e retroperitoneal (linfonodos). O uso desses exames para determinar a profundidade de invasão miometrial e invasão cervical tem-se mostrado de baixa sensibilidade para doença de pequeno volume. A RNM com contraste é superior à RNM sem contraste e à TC para avaliação da invasão miometrial e estadiamento. Em pacientes com tumores indiferenciados (G3), uma RNM com contraste positiva para invasão miometrial aumenta a probabilidade de doença miometrial de 54 para 92% (Frei et al., 2000; Kinkel et al., 1999). Não utilizamos em nosso setor a RNM para definir a invasão miometrial. Além do seu alto custo, consideramos que a invasão miometrial pode ser visível a olho nu, abrindo-se a peça logo após sua retirada na sala de cirurgia ou por exame de congelação.

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Classificação histológica A maioria dos carcinomas endometriais são adenocarcinomas. Estes são divididos nos subtipos endometrioide e não endometrioide (Quadro 33.1). De forma geral, os endometrioides apresentam prognóstico melhor. O adenocarcinoma endometrioide típico é o mais comum (57-80% dos casos) (Burton; Wells, 1998). O adenoacantoma e o tumor adenoescamoso são considerados variantes do adenocarcinoma endometrioide. O primeiro é constituído de área de metaplasia escamosa benigna associada ao componente glandular maligno. O tumor adenoescamoso apresenta os componentes glandular e escamoso malignos. Este último tende a causar doença extrauterina, tem mais invasão vascular e, consequentemente, pior prognóstico. São considerados tumores não endometrioides o carcinoma papilar seroso e o carcinoma de células claras, além de outros menos frequentes – indiferenciado, secretor e misto. São de pior prognóstico do que os endometrioides.

Fatores prognósticos Historicamente vários fatores prognósticos têm sido utilizados para predizer o curso clínico da neoplasia endometrial. Essas variáveis são clínicas ou histológicas.

Entre as características clínicas, as mais importantes se relacionam a idade e raça. Diversos estudos indicam que a idade possa estar relacionada diretamente ao prognóstico. As mulheres mais jovens tendem a ter lesões mais bem diferenciadas do que as idosas. Existe, também, uma evidência de disparidade racial no que se refere a tempo de sobrevida. Mulheres da raça negra apresentam menor sobrevida do que mulheres brancas de mesma idade, tipo e grau histológico e estádio da doença. Isso sugere que fatores genéticos possam estar envolvidos na má evolução (expressão de p53 e HER2/neu, aneuploidia, alto índice de proliferação) (Kohler et al., 1996). Talvez possa haver um viés aqui pelo pior fator socioeconômico observado em pacientes de raça negra, como já referido anteriormente. As variáveis histológicas são inúmeras. São importantes o tipo histológico, o grau de diferenciação tumoral (G), a profundidade de invasão miometrial, a invasão linfovascular (ILV) e o estadiamento cirúrgico. O carcinoma papilar e o carcinoma de células claras são mais agressivos do que tumores endometrioides de mesmo estádio (Burton; Wells, 1998). Carcinomas de células claras em estádio inicial têm taxas de sobrevida em 5 anos, similares a tumores endometrioides em estádio III (Malpica et al., 1995).

QUADRO 33.1

Classificação histológica dos tumores endometriais Adenocarcinoma endometrioide > > > >

Endometrioide típico Adenoacantoma Carcinoma adenoescamoso Carcinoma papilífero

Adenocarcinoma não endometrioide > > > > > >

Células claras Papilar seroso Secretor Mucinoso Indiferenciado Misto

Fonte: Berek e Hacker (2000).

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Os tumores endometrioides têm melhor prognóstico do que os não endometrioides. A invasão miometrial é importante marcador prognóstico para pacientes com doença em estádio I, por estadiamento cirúrgico completo (linfonodos retroperitoneais negativos). Somente 2% das pacientes com invasão miometrial inferior a 66% (dois terços do miométrio) apresentam metástases a distância e morte depois de 5 anos, em comparação com 29% de metástases a distância e 22% de morte após 5 anos, com invasão maior ou igual a 66% do miométrio (Mariani et al., 2002). Como regra, a profundidade de invasão miometrial aumenta em relação direta com a indiferenciação tumoral. Portanto, tumores indiferenciados são mais invasivos. O ponto de corte atual para mudança de estádio é metade do miométrio e não mais dois terços. A classificação do grau de diferenciação histológica (G) segue normas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e é dividida em tumores bem diferenciados (G1), moderadamente diferenciados (G2) e indiferenciados (G3). Essa classificação destina-se a adenocarcinomas de tipo endometrioide. Os tumores não endometrioides são, em geral, tumores indiferenciados. Existe uma associação direta entre tumores indiferenciados e invasão miometrial profunda. O grau de diferenciação parece isoladamente menos importante para predizer sobrevida do que a invasão miometrial e a ILV (Cohn et al., 2002). O estadiamento cirúrgico é o mais importante marcador de recorrência e morte pela doença. É reconhecido como fator independente para sobrevida (Cirisano et al., 2000). Aproximadamente 50% de todas as recorrências acontecem em pacientes com comprometimento linfonodal, o que caracteriza a doença em estádio IIIC. A avaliação da extensão da doença além do útero é feita por cirurgia. O estadiamento cirúrgico é o marcador prognóstico mais importante na neoplasia endometrial. A presença de invasão do espaço linfático e/ ou vascular (ILV) tem sido associada à piora do prognóstico (Burton; Wells, 1998; Cohn et al., 2002). A frequência da ILV aumenta com o aumento do grau tumoral, da invasão miometrial e do estadiamento. No entanto, a ILV parece ser

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fator independente e significante para predizer o comprometimento linfonodal, mesmo na presença de tumores bem diferenciados (Cohn et al., 2002). O uso da avaliação da ILV na amostra endometrial em pacientes sem estadiamento cirúrgico para definir tratamento adjuvante permanece controverso. A sua presença, associada à invasão miometrial profunda, parece aumentar significativamente o risco de metástases linfonodais. Em paralelo a essas constatações, existe uma persistente dificuldade entre os patologistas em definir a melhor forma de avaliar a ILV, tornando a reprodutibilidade dessa informação, por vezes, difícil (Zaino, 2002). Nos últimos anos, esforço considerável tem sido despendido na identificação e avaliação de alterações genéticas e moleculares presentes nas neoplasias e na maneira como se relacionam com o prognóstico e estadiamento da doença. Entre os genes descritos na neoplasia endometrial, incluem-se C-fms, HER2/neu, K-ras, p53 e bcl-2, além de receptores de estrogênio e progesterona. Muito se discute sobre o impacto clínico do conhecimento de tais marcadores. Estudos têm sugerido que alguns desses possam ser tão ou mais importantes do que os indicadores prognósticos convencionais (Ohkouchi et al., 2002). A presença de receptores de estrogênio (REs) e de progesterona (RPs) tem se relacionado a melhor prognóstico. Em análise multivariada, a presença de RP tem se mostrado fator independente para excluir doença extrauterina. O RP parece ter maior significado prognóstico do que o RE sozinho, mas é semelhante à combinação RE/RP. A expressão de p53 vem se relacionando a pior prognóstico. É mais frequente em subtipos histológicos mais agressivos, tumores mais indiferenciados e estádios mais avançados da doença (Hamel et al.,1996). Os estudos são controversos em apontar este como marcador prognóstico independente.

Vias de disseminação da neoplasia endometrial O carcinoma endometrial propaga-se pelas tubas uterinas, pelos linfonodos retroperitoneais e ligamentos redondos, disseminando-se, assim, para os linfonodos inguinais e por via hematogênica. Infiltra-se primariamente no miométrio

470 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

e isso parece relacionar-se diretamente à chance de propagação da doença aos linfáticos e a outros sítios. A frequência de envolvimento linfonodal aumenta com o aumento da indiferenciação tumoral e da infiltração miometrial. Para tumores restritos ao endométrio, o risco de metástases linfáticas é mínimo (0-4%). Em tumores com invasão miometrial do terço médio e externo, a propagação linfática varia de 17 a 25%. À medida que a doença se estende ao colo uterino e a outros órgãos adjacentes ou distantes, há aproximadamente 50% de positividade dos linfonodos pélvicos e para-aórticos. Existem quatro sítios de drenagem linfática a partir do útero: (1) pequenos ramos linfáticos ao longo do ligamento redondo, que drenam aos linfonodos inguinofemorais, (2) ramos linfáticos ao longo da tuba uterina, (3) grandes linfáticos nos pedículos ovarianos (ligamentos infundibulopélvicos), que drenam para os linfonodos para-aórticos e (4) linfáticos do ligamento largo que drenam diretamente para os linfonodos pélvicos. A disseminação ao longo das cadeias pélvica e para-aórtica é a situação clínica mais importante. Além da disseminação linfática, é possível a contaminação peritoneal a partir da infiltração tumoral da parede uterina até a serosa ou via lúmen da tuba uterina. A disseminação para ovários, tubas e vagina ocorre principalmente pela via linfática. Observa-se esse fato por serem encontrados mais comumente nódulos metastáticos na submucosa do que na mucosa tubária e no terço inferior da vagina. As metástases sanguíneas são pouco frequentes. Os sítios mais comuns são os parênquimas pulmonar e hepático.

Avaliação de extensão da doença (estadiamento) O sistema de estadiamento mais utilizado é o da International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO). A partir de 1988, essa entidade determinou que a neoplasia de endométrio fosse estadiada cirurgicamente. Essa resolução veio em resposta a dados de estudos realizados nas décadas de 1970 e 1980 que mostravam a inadequação do estadiamento clínico. Antes de 1988, pacientes com doença clinicamente con-

finada ao útero (definida por exame clínico e curetagem uterina fracionada) eram submetidas somente à histerectomia total e salpingo-oforectomia bilateral. No entanto, estudo realizado pelo Gynecologic Oncology Group (GOG), entre outros, demonstrou que cerca de 22% das pacientes com doença em aparente estádio I (estádio I clínico) apresentavam evidência de doença extrauterina, quando avaliados o lavado peritoneal, os linfonodos retroperitoneais e os anexos uterinos. Isso teve importantes implicações sobre a definição prognóstica. Pacientes com doença além do útero apresentavam redução significativa no tempo de sobrevida. Dessa forma, o sistema de estadiamento passou a incluir, além do conhecimento das características histológicas presentes na peça uterina (tipo histológico, grau de diferenciação celular, profundidade de invasão miometrial, invasão linfovascular, extensão cervical), o conhecimento da extensão da doença além do útero – comprometimento dos anexos uterinos, citologia peritoneal por lavado e análise dos linfonodos retroperitoneais. Para isso, são recomendados histerectomia total com anexectomia bilateral, lavados para citologia da superfície peritoneal e amostragem linfática pélvica e para-aórtica e omentectomia infracólica. Para pacientes com extensão da doença para o colo uterino (estádio II), já evidente ao exame clínico inicial, a histerectomia com ressecção de paramétrios (histerectomia radical ou cirurgia de Wertheim-Meigs) poderá ser indicada.

A linfadenectomia Nosso serviço adotou o estadiamento cirúrgico em 1988, seguindo orientação do Istituto Nazionale dei Tumori, de Milão. Temos realizado a linfadenectomia pélvica de forma sistemática. Única exceção é feita para tumores G1 restritos ao endométrio. Nesses casos, a chance de metástase linfonodal é nula. A avaliação do grau de diferenciação é feita em tempo pré-operatório pela análise do material endometrial diagnóstico, e a invasão miometrial é definida pela visualização da peça cirúrgica – fazemos abertura do útero em sala cirúrgica – e complementada pelo exame transoperatório de congelação.

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Alguns serviços consideram a linfadenectomia desnecessária em pacientes com tumores G1 e G2, ⬍ 2 cm, sem ILV, restritos ao endométrio ou com invasão ⱕ 50%. Esses tumores são considerados de baixo risco para a presença de doença em linfonodos (5%). Críticas a essa conduta estão apoiadas no conhecimento de que 15 a 20% dos tumores endometriais têm seu grau de diferenciação histológica pré-operatório alterado para maior na avaliação final do útero (p. ex., G1 para G2 ou G2 para G3). Além disso, a acurácia intraoperatória para definir invasão miometrial, seja por visualização do miométrio após a abertura do útero ou por exame de congelação, decresce com o aumento da indiferenciação histológica. Em um estudo, essa acurácia foi de 87% para tumores G1, 65% para G2 e apenas 30% para os tumores G3 (Goff; Rice,1990). Em relação à abordagem dos linfonodos para-aórticos, temos a realização em casos selecionados. A justificativa para isso apoia-se em algumas evidências: a presença de dificuldade técnica imposta pela obesidade; a extensão de doença para linfonodos para-aórticos é precedida, em geral, pela presença de doença em linfonodos pélvicos e/ou anexos uterinos, com exceção da doença localizada em fundo uterino; o risco de metástase em para-aórtico aumenta com o grau histológico e, principalmente, com invasão miometrial profunda. Portanto, a linfadenectomia para-aórtica deve ser realizada sempre que houver suspeita de doença linfonodal por exame de imagem em tempo pré-operatório (TC ou RNM); achados transoperatórios de doença em fundo uterino; presença de doença grosseira em linfonodos pélvicos; presença de metástase em anexos uterinos; tumores de alto grau (G2/G3) e com invasão miometrial profunda (⬎ 50%) e tumores não endometrioides (p. ex., papilar seroso e células claras). Por vezes,

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para comprovação desses achados, é necessário o uso do exame histológico de congelação. Apesar do papel bem estabelecido da linfadenectomia na definição prognóstica, ainda se discute o papel terapêutico desse procedimento. Vários estudos observacionais têm sustentado a realização da linfadenectomia com finalidade terapêutica; no entanto, um recente ensaio clínico randomizado não encontrou benefício, seja na sobrevida global ou no período livre de doença, para pacientes com doença restrita ao útero submetidas à linfadenectomia pélvica em comparação com pacientes em que esta não foi realizada. O impacto desse resultado sobre a conduta atual ainda está por ser definido (Astec Study Group, 2009). A Tabela 33.2 mostra os fatores de risco para metástases linfonodais.

Tratamento Todas as pacientes com carcinoma de endométrio devem ser tratadas primariamente por histerectomia e anexectomia bilateral e cirurgia de estadiamento. A via cirúrgica é por incisão abdominal. A grande maioria dos autores recomenda a incisão longitudinal xifopúbica se vai ser feita a amostragem para-aórtica. Caso a estética seja importante, prefere-se a incisão transversa de Maillard, com complementação mediana xifoumbilical, pois não há restrição de campo e oferece um resultado estético muito melhor. Temos preferido, também, a incisão transversa para a abordagem de pacientes muito obesas. A histerectomia vaginal videoassistida e a linfadenectomia videolaparoscópica podem ser realizadas para tumores de endométrio. É importante que a equipe cirúrgica tenha experiência em cirurgia oncológica e em laparoscopia.

Tabela 33.2 Fatores de risco para metástases linfonodais – estádio I Fator

LN pélvicos

LN para-aórticos

Baixo risco: G1, restrito ao endométrio, sem doença intraperitoneal Moderado risco: G2/G3, invasão miometrial de dois terços Alto risco: qualquer G, invasão do terço externo do miométrio

0/44 (0%) 15/268 (6%) 21/116 (18%)

0/44 (0%) 6/268 (2%) 17/118 (15%)

Fonte: Adaptada de Creasman e colaboradores (1987). LN, Linfonodos.

472 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Alternativas ao tratamento cirúrgico podem ser necessárias nos extremos de idade. Pacientes jovens com neoplasia endometrial bem diferenciada e desejo de preservação da fertilidade poderão ser tratadas com doses elevadas de progestágeno. Antes da administração da medicação, a paciente deverá ser informada de que essa não é a opção terapêutica mais segura. A RNM pode ser útil para avaliar a extensão da doença no miométrio e excluir doença extrauterina. A avaliação endometrial está indicada após 3 meses de tratamento. O achado de persistência da neoplasia indica a retirada do útero. Também em pacientes muito idosas, obesas e/ ou com complicações clínicas importantes e alto risco cirúrgico, poderá ser usada alta dose de progestágeno ou proposto o uso de radioterapia exclusiva. Algumas pacientes poderão favorecer-se da histerectomia vaginal. Uma das dificuldades principais nesse caso é a remoção dos anexos uterinos. A habilidade em realizar a salpingo-oforectomia via vaginal dependerá da experiência do cirurgião, bem como da paridade e do peso da paciente.

3. Histerectomia total e anexectomia bilateral. 4. Linfadenectomia pélvica bilateral. 5. Amostragem de linfonodos para-aórticos. 6. Omentectomia infracólica. O Quadro 33.2 mostra o estadiamento da neoplasia de endométrio.

Tratamento complementar A radioterapia (RXT) é o tratamento complementar mais amplamente utilizado para a neoplasia endometrial (ver Cap. 36, O papel da radioterapia em oncologia genital feminina). Discute-se o papel da quimioterapia adjuvante para pacientes com doença avançada (estádios III e IV). O estudo GOG 122 mostrou vantagem em relação à sobrevida global e período livre de doença para pacientes submetidas à quimioterapia com doxorrubicina e cisplatina em comparação às pacientes submetidas somente à radioterapia pós-operatória. Não está definido, nesses casos, o papel do tratamento combinado sequencial (cirurgia seguida de quimioterapia sistêmica e radioterapia).

Passos da cirurgia de estadiamento:

Tratamento da recidiva

1. Incisão mediana xifopúbica ou transversa com complementação xifoumbilical.

O tratamento da recidiva tumoral depende da localização, do volume tumoral e das terapias anteriormente administradas. A recorrência na

2. Lavado para citologia.

QUADRO 33.2

Estadiamento de neoplasia de endométrio (FIGO) ESTÁDIO I – tumor limitado ao corpo uterino A tumor limitado ao endométrio B invasão de menos da metade do miométrio C invasão de mais da metade do miométrio ESTÁDIO II – tumor invade a cérvice A envolvimento de glândulas endocervicais (sem invasão do estroma) B envolvimento do estroma cervical ESTÁDIO III – tumor está além dos limites uterinos, porém restrito à pelve A invasão da serosa e/ou anexos e/ou citologia peritoneal positiva B envolvimento de vagina (extensão direta ou metástase) C metástases para linfonodos pélvicos e/ou linfonodos para-aórticos ESTÁDIO IV – tumor invade órgãos vizinhos, ou metástases a distância A invasão da bexiga e/ou mucosa do intestino B metástases a distância (linfonodos inguinais/linfonodos intra-abdominais outros que os para-aórticos/ órgãos a distância)

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cúpula vaginal poderá ser excisada ou realizada colpectomia parcial. Em lesões grandes, para obtenção de margens cirúrgicas livres, pode ser necessária exenteração pélvica anterior e/ou posterior (Hacker, 2000). A RXT em pacientes não irradiadas frequentemente é o tratamento de escolha. Para pacientes com radioterapia externa prévia, pode ser recomendada exanteração pélvica, hormonioterapia ou quimioterapia. Na impossibilidade de ressecabilidade cirúrgica ou RXT, deve ser considerado tratamento com progestágenos (hormonioterapia) ou quimioterapia. O manejo da doença sistêmica é considerado paliativo. Para pacientes assintomáticas ou com doença metastática de baixo grau, a hormonioterapia com progestágenos tem boa resposta, principalmente em pacientes com receptores de estrogênio e progesterona positivos e tumores bem diferenciados. Nenhuma droga, dose ou esquema terapêutico tem se mostrado superior. Podem ser administrados por VO ou IM: > Acetato de medroxiprogesterona: Depo-provera® 400 mg IM/semana. > Acetato de medroxiprogesterona 150 mg/dia VO: Oncoprovera® (cp 100 e 250 mg). > Acetato de megestrol 160 mg/dia VO: Megestat® (cp 40 e 160 mg). A ressecção cirúrgica de metástase isolada, principalmente pulmonar, pode ser considerada. Para pacientes sintomáticas com lesões G2 a G3 e metástases disseminadas de grande volume, o uso de quimioterapia sistêmica é recomendado para o alívio de sintomas.

Seguimento A taxa de recorrência para a doença endometrial nos estádios I e II é bem baixa, aproximadamente 15%. Em 60% dos casos, a recidiva cursa com sintomas. A maioria surge nos 2 primeiros anos após o tratamento primário. Pacientes com doença avançada (estádio III) apresentam 30 a 35% de recorrência. A rotina de acompanhamento de nosso serviço compreende: > Exame físico e ginecológico (incluindo toque retal) a cada 3 meses no primeiro ano; a cada 4 meses no segundo ano, e a cada 6 meses do terceiro até o quinto ano. A partir do quinto ano, revisões anuais.

473

> Citopatológico e colposcopia do fundo vaginal a cada 6 meses nos primeiros 2 anos e, após, anual. > Raio X de campos pulmonares, anual. O objetivo é detectar precocemente a recidiva pulmonar única, assintomática. > TC ou RNM: na presença de sintomas. > Cintilografia óssea em pacientes com sintomas. > CA-125 pode monitorar recorrência e deve ser incluído sempre que o seu valor pré-operatório tenha se mostrado alterado.

Sarcoma uterino Os sarcomas uterinos são raros. Compreendem 1% de todas as neoplasias malignas ginecológicas e 4 a 9% de todos os tumores invasivos uterinos (Brooks et al., 2004). Caracterizam-se por progressão clínica rápida e mau prognóstico. A taxa de sobrevida é inferior a 50% para pacientes em estádio iniciais e aproximadamente 20% para pacientes com doença além do útero (Hacker, 2000). Originam-se de elementos mesodérmicos – músculouterino, estroma endometrial e parede dos vasos linfáticos e sanguíneos. Dividem-se basicamente em dois tipos: > Puros: em que há apenas elementos mesodérmicos presentes (p. ex., leiomiossarcomas). > Mistos: em que há elementos mesodérmicos e epiteliais presentes (p. ex., carcinossarcoma). Os sarcomas uterinos também podem dividir-se em homólogos e heterólogos (Tab. 33.3), de acordo com a presença ou não de elementos mesodérmicos próprios do útero. Músculo liso e estroma representam elementos homólogos; músculo estriado, osso, cartilagem, linfáticos, tecido gorduroso; outros representam elementos heterólogos.

Estadiamento O estadiamento ideal para sarcomas uterinos ainda não está completamente definido, pois esse tipo de neoplasia apresenta um comportamento diferente dos outros tumores do corpo

474 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela 33.3 Classificação de sarcomas uterinos Tipo

Homólogo

Heterólogo

Puro

Leiomiossarcoma Sarcoma estromal Miose estromal endolinfática Sarcoma do estroma endometrial Carcinossarcoma

Rabdomiossarcoma Condrossarcoma Osteossarcoma Lipossarcoma Tumor mülleriano misto maligno

Misto

Fonte: Adaptada de Hacker e Moore (1998).

uterino; mesmo assim, o estadiamento usado é o da FIGO, o mesmo utilizado para câncer de endométrio (Quadro 33.2)

Epidemiologia e quadro clínico Carcinossarcoma ou tumor mülleriano misto maligno O carcinossarcoma apresenta dois componentes celulares: mesodérmico e epitelial, ambos malignos. São tumores raros, mas extremamente agressivos. O componente carcinomatoso (epitelial) pode ser seroso, de células claras, papilar, endometrioide, escamoso ou indiferenciado. O componente sarcomatoso (mesodérmico) pode ser homólogo ou heterólogo. É o componente epitelial que apresenta maior influência na sobrevida dessas pacientes. Acomete principalmente mulheres com idade acima de 50 anos, com pico de incidência entre 70 e 80 anos. É mais comum em pacientes da raça negra. Apresenta-se clinicamente com sangramento pós-menopáusico. Muitas vezes observa-se a presença de lesões polipoides grandes, intrauterinas, podendo seu diagnóstico ser realizado por meio da BE. A taxa de recorrência nos estádios I e II é de 50%. O pulmão é o sítio de recorrência a distância mais comum. Nesses casos, a taxa de sobrevida em 5 anos é menor do que 5%.

Adenossarcoma Semelhante ao carcinossarcoma, o adenossarcoma apresenta dois componentes celulares: o epitelial e o mesodérmico. No entanto, diferentemente do primeiro, o componente epitelial é benigno. Em razão disso, apresenta um prognóstico melhor. Perfaz 25% dos sarcomas uterinos.

Acomete mulheres com idade média de 60 anos. O quadro clínico se apresenta com sangramento uterino anormal e dor pélvica. A cavidade uterina pode ter presença de tumoração. Raramente metastatizam e apresentam baixo grau de malignidade. Sua recorrência é geralmente local e ocorre em torno de 20% dos casos. Tem relação direta com o grau de invasão profunda e com o grau de pleomorfismo do componente mesenquimal.

Leiomiossarcoma Representa 40% dos casos de sarcomas uterinos. Geralmente origina-se do músculo uterino. A transformação maligna em miomas pré-existentes é rara (0,7-1,7%) (Hacker, 2000). Acomete mulheres com idade média de 53 anos. O quadro clínico mais frequente é caracterizado por dor, pressão em baixo ventre, sangramento vaginal e massa pélvica; entretanto, algumas mulheres podem ser pouco sintomáticas. Ao exame físico é impossível distinguir entre lesões miomatosas ou de sarcoma. Infelizmente, devido à sua linhagem estromal, a biópsia endometrial e a curetagem uterina conseguem diagnosticar apenas 15% dos casos. Portanto, o diagnóstico é feito somente após a cirurgia, pela leitura do anatomopatológico da peça uterina. Em 60% das pacientes, o tumor está limitado ao útero. As taxas de cura variam em torno de 20 a 60%, dependendo do sucesso da ressecção e da presença de fatores de bom prognóstico – origem em mioma uterino pré-existente, estado pré-menopáusico, baixa contagem de mitoses, margens livres, ausência de necrose, tamanho tumoral pequeno. As taxas de recorrência são altas e, normalmente, caracterizam-se por metástases a distância.

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Sarcoma do estroma endometrial Representa menos de 5% dos sarcomas uterinos. Classificado historicamente em baixo grau (presença de ⬍ 10 mitoses por 10 campos de grande aumento e atipias leves) e alto grau (⬎ 10 mitoses por 10 campos de grande aumento e presença de atipias moderada a severa). As lesões de alto grau, em razão da potencial agressividade e do pior prognóstico, são incluídas na categoria de sarcomas indiferenciados. Acomete mulheres na pré-menopausa, mas podem atingir mulheres entre 20 e 80 anos. O quadro clínico caracteriza-se pela presença de sangramento uterino e dor. Embora esses tumores possam ser intramurais (originados de focos de adenomiose), a grande maioria envolve o endométrio, e a curetagem uterina pode oferecer o diagnóstico. Um achado de hiperplasia estromal com poucas glândulas no material endometrial pode sugerir sarcoma do estroma endometrial. Esse tumor tende a ser menos agressivo que outros sarcomas uterinos. A taxa de recorrência é de 30 a 50%, a qual pode ocorrer tardiamente (entre 36 meses e 10 anos). Geralmente a recorrência da doença é local, mas pode envolver pulmão e abdome. O estadiamento inicial é o melhor fator prognóstico desse tipo de tumor. Os tumores de baixo grau apresentam positividade para receptores de estrogênio e progesterona.

Sarcoma indiferenciado Representa menos de 5% dos sarcomas uterinos. É classificado como sarcoma indiferenciado o sarcoma de alto grau que não pode ser classificado em alguma das categorias anteriores. Necrose é um achado comum. Acomete geralmente mulheres na pós-menopausa, e o quadro clínico geralmente se apresenta com dor pélvica ou abdominal.

Vias de disseminação da doença O comportamento biológico e o padrão de disseminação desses tumores permanecem pouco entendidos. Os locais de metástases mais comuns incluem os pulmões (70%), o abdome superior (60%), os ossos (24%) e o cérebro (4%). A alta taxa de recorrência (50-80%), independentemente da histerectomia, indica que metás-

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tases subclínicas já estão presentes no momento do tratamento. O achado de metástases a distância, mesmo sem envolvimento linfonodal, sugere que a via hemática seja importante rota de disseminação da doença.

Tratamento Cirúrgico A histerectomia total com salpingo-oforectomia bilateral é o tratamento de escolha para os sarcomas uterinos. Mesmo pacientes com doença metastática podem realizar a cirurgia, visando ao controle dos sintomas. A cirurgia de estadiamento, embora controversa, deve ser realizada, obedecendo às normas da FIGO. A linfadenectomia tem particular importância para pacientes com tumores mistos (linhagem epitelial e mesodérmica) – carcinossarcoma, por exemplo. Pode ser realizada nos tumores do estroma endometrial, adenossarcomas e sarcomas indiferenciados. Não está indicada nos leiomiossarcomas. A ooforectomia é mandatória em tumores do estroma endometrial em razão da atividade de receptores hormonais. Em pacientes jovens com leiomiossarcoma, existe a possibilidade da preservação ovariana. Parece não haver diferença nas taxas de sobrevida e recorrência para essas pacientes (Hacker, 2000; Giuntoli et al., 2003). No entanto, essa decisão deve ser individualizada, visto que grande parte dos sarcomas apresentam receptores hormonais de estrogênio e progesterona. Além da manutenção do status hormonal, a vantagem seria a possibilidade de reprodução, utilizando-se “úteros de aluguel”. Atualmente, a utilização de métodos de reprodução assistida com congelamento de óvulos diminui a necessidade de permanência dos ovários com finalidade reprodutiva.

Radioterapia Ainda não temos estudos controlados para avaliar os benefícios da radioterapia adjuvante. Esta parece aumentar o controle locorregional da doença, sem afetar a sobrevida, mesmo em estádios iniciais (I e II) (Giuntoli et al., 2003). As recidivas ocorrem, em geral, fora da área de irradiação, evidenciando que metástases subclínicas já existem no momento do tratamento inicial.

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Devido a isso, o tratamento dos sarcomas uterinos deve ser realizado em centros de referência para discussão clínica com ginecologista, radiologista e oncologista e, até mesmo, para inclusão em protocolos de tratamento.

Quimioterapia Apesar da ineficácia da quimioterapia para doença avançada, há um grande interesse em definir seu papel na adjuvância. A maioria dos

estudos mostra baixa efetividade, tanto no que se refere a tempo livre de doença quanto à sobrevida total; no entanto, as séries ainda são pequenas e insuficientes. Além disso, cabe ressaltar que essas pacientes devem realizar seu tratamento em centros de referência para discussão multidisciplinar e indicação de quimioterapia conforme cada caso clínico ou em protocolos de tratamento.

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SITE RECOMENDADO American Cancer Society www.cancer.org

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. O motivo principal relacionado ao diagnóstico precoce do câncer de endométrio está relacionado ao fato de que: a. As pacientes logo apresentam secreção vaginal fétida. b. As pacientes logo apresentam dor no baixo ventre. c. As pacientes logo apresentam sangramento vaginal alterado. d. As pacientes logo apresentam sintomas urinários e intestinais. e. O CP de colo uterino detecta precocemente a maioria das lesões endometriais.

2. A respeito da avaliação de endométrio por via ultrassonográfica na pós-menopausa em pacientes com sangramento vaginal, considera-se normal um endométrio de espessura ≤ a que valor em mm? a. b. c. d. e.

8 mm 3 mm 4 mm 6 mm 10 mm

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Neoplasias de Ovário e de Tuba Uterina Heleusa Ione Mônego Márcia Appel Ricardo dos Reis Edison Capp João Paolo Bilibio Waldemar Augusto Rivoire

Neoplasias de ovário Classificação das neoplasias ovarianas As neoplasias ovarianas, benignas ou malignas, podem ser divididas em três grupos, conforme a sua origem histogenética (Quadro 34.1).

Neoplasias originárias do epitélio celômico Os tumores epiteliais ou carcinomas constituem 65% de todos os neoplasmas ovarianos e 85% se consideradas somente as lesões malignas. Esses tumores parecem surgir a partir do epitélio celômico de revestimento ovariano. A cada ruptura folicular (ovulação), a depressão formada na superfície ovariana é recoberta pelo epitélio celômico. À medida que as ovulações se sucedem, essas depressões, como dedos de luva, penetram no ovário, formando criptas. O epitélio celômico dessas criptas sofre alterações metaplásicas – metaplasia reversa – isto é, o epitélio maduro passa a epitélio fetal, totipotencial. Quando ocorre estimulação neoplásica, esse epitélio se diferencia, desorganizadamente, em epitélio tubário, dando origem aos

tumores serosos (50%); epitélio endometrial, originando os tumores endometrioides (15%); epitélio endocervical, dando origem aos tumores mucinosos (10%); epitélio endometrial durante a gestação, originando os tumores de células claras (5%); e epitélio urotelial, responsável pelos tumores de Brenner (1%). Aproximadamente 20% dos tumores ovarianos epiteliais são indiferenciados. Os tumores epiteliais podem ser classificados em benignos (adenomas), malignos (adenocarcinomas) e uma forma intermediária, o adenocarcinoma borderline, tumor de baixo potencial maligno ou, ainda, atipicamente proliferativo. Nas neoplasias epiteliais malignas, o grau de diferenciação celular (tumores bem diferenciados [G1], moderadamente diferenciados [G2] e indiferenciados [G3]), o estadiamento cirúrgico, o tipo histológico e a quantidade de tumor residual após a ressecção cirúrgica são variáveis prognósticas importantes. Como constituem a imensa maioria dos tumores ovarianos, os padrões para estadiamento e tratamento referem-se, principalmente, a esse grupo.

Rotinas em Ginecologia

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QUADRO 34.1

Classificação das neoplasias de ovário I. NEOPLASIAS DERIVADAS DO EPITÉLIO CELÔMICO (TUMORES EPITELIAIS) a. Tumor seroso b. Tumor mucinoso c. Tumor endometrioide d. Tumor mesonefroide (células claras) e. Tumor de Brenner f. Carcinoma indiferenciado g. Carcinossarcoma e tumor mesodérmico misto II. NEOPLASIAS DERIVADAS DAS CÉLULAS GERMINATIVAS a. Teratoma 1. Teratoma maduro a) Teratoma adulto sólido b) Cisto dermoide c) Struma ovarii d) Neoplasias malignas secundárias em teratoma maduro cístico 2. Teratoma imaturo b. Disgerminoma c. Carcinoma embrionário d. Tumor do seio endodérmico e. Coriocarcinoma f. Gonadoblastoma III. NEOPLASIAS DERIVADAS DO ESTROMA GONADAL ESPECIALIZADO E CORDÃO SEXUAL a. Tumor da granulosa – teca 1. Tumor das células da granulosa: adulto e juvenil 2. Tecoma b. Tumor de Sertoli-Leydig (androblastoma) 1. Arrenoblastoma: tumor das células de Sertoli-Leydig 2. Tumor de Sertoli 3. Ginandroblastoma: tumor das células da granulosa e células de Leydig d. Tumor de células lipídicas IV. NEOPLASIAS DERIVADAS DO MESÊNQUIMA NÃO ESPECÍFICO a. Fibroma, hemangioma, leiomioma, lipoma b. Linfoma c. Sarcoma V. NEOPLASIAS METASTÁTICAS AO OVÁRIO a. Trato gastrintestinal (Krukenberg) b. Mama c. Endométrio d. Linfoma

Neoplasias originárias das células germinativas

derma) e de elementos extraembrionários (saco vitelino e trofoblasto).

Representam 20 a 25% de todos os tumores ovarianos. Ocorrem principalmente em mulheres jovens (crianças e adolescentes). Existe uma grande variedade de tipos histológicos, que podem originar-se de qualquer uma das camadas embrionárias (ectoderma, mesoderma, endo-

O tipo histológico mais frequente é o teratoma cístico benigno. Entre os tumores malignos, o disgerminoma é o mais comum. A cirurgia conservadora (ooforectomia e salpingectomia unilateral) poderá ser a opção tera-

480 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

pêutica, independentemente do estadiamento tumoral, em pacientes jovens que desejam gerar (p. 487) (Sagae; Kudo, 2000).

Neoplasias originárias do estroma gonadal especializado e cordão sexual São derivadas das células estromais e sexuais das gônadas embriônicas. Constituem 7% dos tumores ovarianos. Poderão ser hormonalmente ativas, levando a quadros de pseudopuberdade precoce ou de virilização. Tendem a ser de baixo grau de malignidade. Podem ser formadas por um tipo histológico ou uma combinação de tipos histológicos (p. ex., tumor de Sertoli, tumor de Sertoli-Leydig). Neoplasias originárias do epitélio celômico: neoplasias epiteliais ou adenocarcinomas A neoplasia maligna ovariana, apesar de pouco frequente, é a primeira causa de morte entre as neoplasias ginecológicas e a quinta causa de morte por câncer em países desenvolvidos. Dados da American Cancer Society (ACS) apontam para uma incidência de 21.550 novos casos no ano de 2009 e uma mortalidade de 14.600 mulheres. Essas taxas têm se mantido estáveis ao longo dos anos. No Brasil, o câncer de ovário é o 11o em frequência dentre todos os cânceres que acometem as mulheres, representando 1,8% do total. Em dois estudos de base populacional, a incidência de câncer de ovário foi de 13 casos por 100.000 mulheres, em Porto Alegre; e de 11 casos por 100.000, em São Paulo (considerar que a subnotificação é grande) (Derchain; Duarte-Franco; Sariam, 2009). O câncer de ovário pode ocorrer em todas as idades, no entanto a incidência aumenta após os 40 anos, sendo a idade média dessa doença 61 anos. Yancik, Ries e Yates (1986) verificaram uma incidência de carcinoma de ovário de 15,7 por 100.000 mulheres entre 40 e 44 anos, elevando-se para 35 após os 50 anos, com um pico de 54 entre os 75 e 79 anos. A história natural do câncer de ovário é caracterizada por sintomas tardios, resposta insatisfatória ao tratamento e mau prognóstico. Mais de 70% das pacientes têm doença avançada ao tempo do diagnóstico, sendo a sobrevida global ao redor de 25% em 5 anos. Nos últimos 20 anos, esse índice de sobrevida não se

alterou, apesar dos avanços obtidos na pesquisa de fármacos antineoplásicos e do aperfeiçoamento das técnicas cirúrgicas. Acredita-se que o decréscimo na mortalidade somente será obtido com a identificação da doença em estágios iniciais.

Fatores de risco No câncer de ovário, a história familiar é o fator de risco mais importante. Estima-se um risco relativo (RR) de câncer ovariano de 3,1 para mulheres com uma familiar de primeiro grau afetada pela doença e de 4,6 para mulheres com duas ou mais familiares. Isso traduz uma chance de desenvolver câncer de ovário ao longo da vida (lifetime risk) de 5 e 7%, cerca de 3 a 5 vezes maior do que o risco da população geral (1,4%) (Kerlikowske; Brown; Grady, 1992). Na avaliação do risco, é importante que se obtenham informações sobre número de indivíduos afetados pela doença, idade do diagnóstico, idade do óbito, tipo histológico e estadiamento. A probabilidade de uma síndrome genética aumenta de acordo com o número de familiares de primeiro grau acometidas, com o número total de familiares, com as gerações acometidas e com o diagnóstico de câncer de ovário em idade precoce (Lima et al., 2009). De modo geral, podem-se definir duas formas de predisposição genética para o câncer: a síndrome do câncer hereditário e a síndrome do câncer familial. No primeiro caso, o câncer é um evento raro e resultado de uma herança monogênica. Já na síndrome familial, não existe um padrão definido de herança, e os tumores parecem ser o resultado de combinação de fatores ambientais (exposição ambiental) e genéticos (polimorfismos modificadores de risco). O câncer hereditário é responsável por 5 a 10% dos casos de tumores ovarianos. Acomete mulheres entre os 40 e 50 anos, cerca de 10 anos mais novas do que o registrado para o câncer esporádico (Rocha; Vargas; Ashton-Prolla, 2001). O câncer familial ocorre em 10 a 30% dos casos. Os genes BRCA1 e BRCA2, localizados nos cromossomos 17 e 13, respectivamente, são os mais frequentemente envolvidos na carcinogênese ovariana, respondendo por 90% dos casos de câncer hereditário. As mutações no BRCA1

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são responsáveis por cerca de 60% dos tumores ovarianos hereditários; as no BRCA2, por 30%. Esses genes são considerados supressores tumorais. Uma vez mutados, perdem sua função supressora (guardiões do genoma) e permitem que outros defeitos genéticos se acumulem, gerando, assim, o fenótipo neoplásico. Aproximadamente 1 em cada 800 indivíduos da população geral pode ter uma mutação BRCA1/ BRCA2. O padrão de transmissão é do tipo autossômico dominante, o que significa dizer que 50% dos seus descendentes, tanto homens como mulheres, têm chance de carrear a alteração gênica. Pacientes pertencentes à etnia judaica (asquenaze) têm uma frequência ainda maior de mutações, constituindo-se em grupo de alto risco para o câncer de ovário. Chama-se penetrância a proporção de indivíduos que irá desenvolver câncer a partir da presença da mutação. Em geral, a penetrância é dita incompleta, depende da idade e sexo do carreador e pode ser modificada por fatores ambientais. Normalmente, a penetrância é avaliada na idade de 70 anos. Estima-se que nessa idade 39% (18 a 54%) das mulheres com mutação BRCA1 e 11% (2,4 a 19%) das com mutação BRCA2 venham a desenvolver câncer de ovário. Além da predisposição ao câncer de ovário, os indivíduos carreadores dessas mutações têm maior chance de desenvolver outros tumores, especialmente o câncer de mama (homens e mulheres), colón, próstata e pâncreas. Os índices de câncer de mama são de 65 a 87% para a mutação BRCA1 e 82% para a BRCA2. Outros genes estão envolvidos na suscetibilidade ao câncer de ovário. O câncer colorretal hereditário não polipoide (HNPCC, responsável pela síndrome de Lynch II, caracteriza-se por mutação no DNA mismatch repair genes e estabelece uma associação entre os tumores de cólon, ovário, endométrio e aparelho digestivo (p. ex., pâncreas). Embora o exame para avaliação genética com identificação da mutação gênica específica se constitua no padrão-ouro para diagnóstico de pacientes com síndromes hereditárias, o seu alto custo e complexidade e a pouca disponibilidade no nosso meio o tornam pouco utilizado. Em ra-

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zão disso, são considerados critérios para definição da população de risco os seguintes achados: > Duas ou mais familiares com câncer de ovário e/ou mama. > História: — pessoal de câncer de mama bilateral. — familiar ou pessoal de câncer de mama antes dos 40 anos. — familiar de câncer de mama em homem. > Mulheres descendentes de judeus asquenazes, com um ou mais familiares de primeiro grau com câncer de ovário ou mama. Embora de menor importância, alguns outros fatores estão associados a aumento de risco para câncer de ovário: > Mulheres acima dos 50 anos nuligestas e que não usaram anticoncepcionais orais (ACOS). > Ingestão alimentar de carne e gordura animal. > Exposição a elementos químicos como asbestos e silicatos (p. ex., uso de talco perineal).

Prevenção do câncer de ovário Medidas preventivas poderão ser oferecidas em diferentes níveis de atenção médica. Entre as estratégias de prevenção primária, destaca-se o uso de ACO por um período mínimo de 5 anos. Essa proteção continua por pelo menos 30 anos após o término do uso e parece também ser efetiva em pacientes portadoras de mutação gênica. Atualmente, abre-se a possibilidade de aconselhamento genético, a fim de definir indivíduos e famílias de alto risco para câncer de ovário e/ ou mama. Nesses casos, a investigação das mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 poderá ser indicada. As pacientes com síndromes hereditárias relacionadas à neoplasia ovariana poderão ter a remoção cirúrgica dos ovários recomendada após os 35 anos. O tipo de cirurgia para profilaxia não está bem definido, mas a salpingo-oforectomia bilateral é o procedimento mínimo, podendo estar indicada também a histerectomia

482 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

total (Rosen et al., 2004). Apesar disso, o acompanhamento deverá ser criterioso, pois existe a possibilidade do surgimento de carcinoma peritoneal primário após ooforectomia bilateral. A taxa de incidência dessa patologia em paciente com mutação gênica é de 4,3%, índice muito superior ao observado na população geral (Lima et al., 2009).

evidência 3, grau de recomendação D). Não é claro, no entanto, que essas medidas cumpram o objetivo principal do rastreamento, que é a redução na taxa de mortalidade.

Um tema ainda controverso é o da ooforectomia realizada no momento de uma histerectomia por outra doença uterina em pacientes com menos de 45 anos e de baixo risco para neoplasia ovariana. Uma revisão de 14 estudos envolvendo 5.500 mulheres demonstrou que cerca de 8,4% das pacientes com câncer de ovário submetidas à histerectomia prévia teriam sido beneficiadas pela ooforectomia profilática. No entanto, um estudo recente demonstrou que a perda prematura da função ovariana em mulheres pré-menopáusicas se associa a aumento de risco para morte prematura, doenças cardiovasculares, deficiências cognitivas e demência, fraturas osteoporóticas, disfunção sexual e redução de bem-estar. A reposição hormonal minimiza esse problema, mas o tema permanece controverso.

Sinais e sintomas

Rastreamento do câncer de ovário O câncer de ovário é uma patologia relativamente infrequente; entretanto, é causa de significativo índice de mortalidade. Como o diagnóstico precoce parece ser o meio mais efetivo para a melhora do prognóstico e a redução de mortalidade, tem sido dada importância a programas de rastreamento. Em função da sua baixa incidência, o custo de um programa de rastreamento que avalie toda a população é extremamente alto. Além disso, os métodos de rastreamento atualmente disponíveis não apresentam sensibilidade e especificidade necessárias para prevenção acurada. Até que maiores definições sejam obtidas, existe uma normatização de comitês científicos para realização de exames de rastreamento periódicos na população de alto risco (história familiar). É recomendado que essas pacientes realizem a partir dos 35 anos, a cada 6 a 12 meses, a dosagem sérica de CA-125 e a ultrassonografia (US) pélvica transvaginal em combinação (nível de

Pacientes com história familiar de câncer de mama e/ou ovário deverão ser enquadradas em programas de rastreamento.

A neoplasia maligna do ovário é frequentemente assintomática nos seus estágios iniciais. Eventualmente ocorrerá dor associada à torção do pedículo vascular ovariano; no entanto, os sintomas mais comuns são os relacionados à extensão da doença além da pelve. Queixas de aumento do volume abdominal, dor e distensão, dispepsia, constipação e sintomas irritativos urinários são os mais frequentes e surgem com doença abdominal disseminada. Eventualmente, o diagnóstico inicial é sugerido pelo exame citológico do líquido de ascite, obtido por paracentese. Os distúrbios paraneoplásicos, como hipercalcemia, tromboflebite arterial ou venosa e degeneração cerebelar, podem ser a primeira manifestação da doença e deverão ser investigados. A presença ao exame físico de massa pélvica de qualquer tamanho, fixa, bilateral e de consistência heterogênea é sugestiva de neoplasia maligna. Os ovários palpáveis, em mulheres pós-menopáusicas, devem ser encarados com suspeição e requerem investigação.

Diagnóstico As lesões pélvicas assintomáticas poderão ser descobertas durante o exame ginecológico de rotina e deverão ser esclarecidas a respeito de sua origem e suas características. A ultrassonografia (US) pélvica, principalmente a realizada por técnica transvaginal, persiste como o método diagnóstico não invasivo mais utilizado, fornecendo informações importantes sobre o tamanho e o conteúdo dos tumores ovarianos. O achado de lesões com superfície irregular, projeções papilares internas e/ou externas, septações, componente sólido e paredes espessas é sugestivo de malignidade (risco de

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malignidade de 1 a 45%) (Rulin, 1993). As lesões císticas simples ou com septo fino, apesar de consideradas de baixo risco, podem ser malignas em 0,3 a 6% dos casos.

Lesões ovarianas que exigem investigação cirúrgica: > Tumores sólidos, em qualquer faixa etária. > Tumores císticos ⬎ 8 cm, em mulheres em idade reprodutiva. > Tumores císticos ⬍ 8 cm que não tenham regredido após observação por dois ciclos menstruais. > Tumores císticos de qualquer tamanho com septações ou papilas. > Tumores císticos, em pacientes pré-púberes. > Tumores císticos, em pacientes pós-menopáusicas, uma vez que cistos funcionais nessa faixa etária são improváveis. No entanto, em razão do baixo risco de malignidade (⬍ 1%), lesões ⬍ 5 cm, uniloculadas e associadas a nível sérico normal de CA-125 poderão ser acompanhadas (Piver, 1993). O estudo da vascularização ovariana por dopplerfluxometria transvaginal tem melhorado a acuidade diagnóstica da US. As lesões malignas apresentam-se neovascularizadas, com padrões bizarros e inúmeras anastomoses arteriovenosas, determinando diminuição da resistência ao fluxo sanguíneo e do índice de pulsatilidade medidos ao exame (Rulin, 1993). Entretanto, esses índices podem aparecer em alterações inflamatórias, cistos de corpo lúteo e gestação ectópica. Da mesma forma, índices elevados de resistência e de pulsatilidade podem ser encontrados em lesões malignas. Isso torna limitada a utilidade de tais índices, permanecendo como critério maior e mais importante na distinção entre benigno e maligno as características morfológicas ao exame de US.

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epitélio celômico: células mesoteliais da pleura, pericárdio e peritônio, trompas, endométrio e endocérvice. O CA-125 não se encontra em ovários fetais ou adultos normais, mas está expresso em mais de 80% dos carcinomas ovarianos epiteliais não mucinosos. Níveis elevados de CA-125 (medidas ⬎ 35 U/mL) também poderão ser encontrados em pacientes com condições ginecológicas benignas (endometriose, miomatose uterina, adenomiose, doença inflamatória pélvica e gestação inicial) e em 28% das pacientes com neoplasia não ginecológica (p. ex., pulmão e trato gastrintestinal). Os níveis elevados também foram encontrados em pacientes com carcinoma de trompa, endométrio e endocérvice. Em caso de lesão ovariana com características ultrassonográficas sugestivas de malignidade, um valor de CA-125 elevado poderá ser evidência confirmatória do diagnóstico. Os estudos têm demonstrado que um nível de CA-125 ⬎ 35 U/mL em pacientes pós-menopáusicas tem um valor preditivo positivo para patologia maligna ao redor de 98%. Devido à alta taxa de falso-positivos em mulheres pré-menopáusicas, somente níveis mais elevados (valores ⬎ 200 U/ mL) parecem estar relacionados à presença de carcinoma ovariano. Entretanto, níveis baixos de CA-125 não afastam a possibilidade de neoplasia. Cerca de 50% dos casos de tumor ovariano em estádio I não apresentam elevação desse marcador (Rulin, 1993).

Sinais de gravidade que sugerem câncer ovariano: US: tumor sólido, cístico, com áreas sólidas, vegetações, septos grossos. Fluxo sanguíneo intratumoral. CA-125 > 35 U/mL na pós-menopausa e > 200 U/mL na pré-menopausa.

Mais do que os índices de resistência e pulsatibilidade, tem se valorizado a presença e a distribuição do fluxo sanguíneo no interior do tumor (septações, papilas, área sólida).

Outros exames diagnósticos, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética, não oferecem dados adicionais em relação à US na avaliação das lesões ovarianas. No entanto, têm papel estabelecido na avaliação da extensão ao abdome superior e retroperitônio.

O principal marcador sérico para tumores epiteliais do ovário é o CA-125. Os traços desse antígeno existem em tecidos maduros, derivados do

A videolaparoscopia diagnóstica poderá ser utilizada, mas a necessidade de ambiente cirúrgico e anestesia têm relegado a ela um segundo pla-

484 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

no; além disso, não está recomendada a realização de biópsia ou punção em lesões suspeitas, devido ao risco de disseminação tumoral (Rulin, 1993). Apesar de os exames pré-operatórios fornecerem informações a respeito da possível natureza da lesão ovariana, seu diagnóstico definitivo somente será realizado após avaliação anatomopatológica. A laparotomia exploradora com excisão tumoral é método diagnóstico definitivo, além de permitir o estadiamento da doença.

Disseminação do adenocarcinoma de ovário O carcinoma de ovário é uma doença que se dissemina principalmente por implantação na superfície peritoneal. O tempo decorrido entre o aparecimento do tumor primário e a disseminação varia com o número de células tumorais e a velocidade com que elas são expostas à cavidade peritoneal. Os tumores muito infiltrativos penetram rapidamente na sua cápsula, rompendo-a, mesmo quando pequenos em volume; outros atingem um grande volume e somente se disseminam quando o aumento da pressão hidrostática dentro do tumor provoca ruptura da cápsula e liberação das células neoplásicas para a cavidade peritoneal. A rota de disseminação tumoral na cavidade peritoneal costuma seguir cefalicamente, ao longo da goteira parietocólica direita, até a cúpula diafragmática direita, atingindo o plexo linfático subdiafragmático que se comunica com o plexo linfático torácico subjacente à pleura. Essas comunicações linfáticas são as responsáveis pelos derrames pleurais tão mais frequentes no hemitórax direito. A obstrução desses linfáticos subdiafragmáticos por êmbolos de células neoplásicas é a causa mais comum de ascite no carcinoma de ovário. A ascite é consequência da obstrução de linfáticos pelos êmbolos neoplásicos. A tendência do omento de aderir às superfícies cruentas intraperitoneais faz com que ele se torne um local frequente de metástases, às vezes inaparentes. A implantação neoplásica na superfície de alças intestinais ou no mesentério pode interferir na função intestinal, resultando em um quadro conhecido como íleo carcinomatoso, que simula uma suboclusão de intestino delgado.

A disseminação da doença ovariana prevê o envolvimento dos linfonodos pélvicos, para-aórticos e, mais remotamente, dos inguinais. A disseminação retroperitoneal tem relação direta com o grau de disseminação intraperitoneal. Dessa forma, encontramos nos tumores em aparente estádio I, 8 a 15% de comprometimento tumoral em linfonodos pélvicos e 5 a 24% em para-aórticos. Em tumores avançados, o envolvimento linfonodal varia de 55 a 75%. As metástases em linfonodos para-aórticos são comumente a rota inicial de disseminação. Mesmo em tumores aparentemente unilaterais, deverá ser realizada a linfadenectomia pélvica bilateral, em razão do frequente comprometimento da cadeia linfática contralateral ao tumor (cerca de 30% dos casos) (Pereira et al., 2007). A disseminação hematogênica, ao contrário, se faz de forma tardia e compromete principalmente o pulmão e o fígado.

Exames complementares Tanto o diagnóstico quanto o estadiamento do carcinoma de ovário são realizados por abordagem cirúrgica. Não existem exames complementares indicados de modo formal para a confirmação diagnóstica. Entretanto, deve existir uma rotina pré-operatória para a paciente com suspeita de carcinoma ovariano, útil na avaliação da extensão da doença: > Exame físico completo, com ênfase nas mamas, no abdome e na pelve. > Exames hematológicos e bioquímicos pré-operatórios. > Citologia oncológica cervical e colposcopia. > Biópsia endometrial, em casos de sangramento uterino irregular ou alteração ecográfica. > Exames endoscópicos são raramente necessários. Retossigmoidoscopia e cistoscopia eventualmente são úteis em tumores avançados ou colonoscopia, para diagnóstico diferencial com lesões intestinais. > Ecografia abdominal total ou tomografia computadorizada de abdome. > Raio X de campos pulmonares. Se algum derrame pleural estiver presente, é necessário toracocentese, com exame citológico do aspirado.

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> Dosagem sérica de CA-125 deverá ser obtida no caso de lesões ovarianas suspeitas. É principalmente útil para avaliar extensão da patologia e resposta ao tratamento complementar pós-cirúrgico.

e citopatológicos colhidos durante a cirurgia (Quadro 34.2).

Rotina cirúrgica para estadiamento do carcinoma do ovário

Visando a melhorar a precisão do estadiamento e uniformizar a conduta cirúrgica, uma série de recomendações devem ser seguidas:

O estadiamento do carcinoma do ovário é anatomocirúrgico e só estará definido após a avaliação da extensão da doença na laparotomia e após obtermos todos os laudos histopatológicos

Como rotina pré-operatória, as pacientes deverão ser submetidas a preparo de cólon, antibioticoterapia e heparinização profiláticas.

a. Incisão mediana longitudinal, que permita o acesso aos linfonodos para-aórticos e ao diafragma: nas pacientes jovens ou nas que

QUADRO 34.2

Estadiamento do carcinoma de ovário (FIGO) Estádio I

Crescimento restrito aos ovários.

Estádio IA

Crescimento limitado a um ovário; ausência de ascite; ausência de tumor na superfície externa; cápsula intacta.

Estádio IB

Crescimento limitado a ambos os ovários; ausência de ascite; ausência de tumor na superfície externa; cápsulas intactas.

Estádio IC*

Tumor estádio IA ou IB, mas compromete a superfície de um ou ambos os ovários ou com cápsula rota; presença de ascite contendo células malignas ou com lavados peritoneais positivos.

Estádio II

Crescimento envolvendo um ou ambos os ovários, com extensão pélvica.

Estádio IIA

Extensão e/ou metástases para o útero e/ou trompas.

Estádio IIB

Extensão a outros tecidos pélvicos.

Estádio IIC*

Tumor estádio IIA ou IIB, mas compromete a superfície de um ou ambos os ovários ou com cápsula rota; presença de ascite contendo células malignas ou com lavados peritoneais positivos.

Estádio III

Tumor envolvendo um ou ambos os ovários, com implantes peritoneais fora da pelve e/ou linfonodos retroperitoneais ou inguinais positivos. Presença de metástases hepáticas superficiais (cápsula de Glisson); tumor limitado à pelve verdadeira, mas com extensão para o epíplon ou intestino delgado.

Estádio IIIA

Tumor limitado à pelve verdadeira, com linfonodos negativos, mas com disseminação microscópica para as superfícies peritoneais.

Estádio IIIB

Tumor envolvendo um ou ambos os ovários com implantes peritoneais confirmados histologicamente e não excedendo 2 cm de diâmetro; linfonodos negativos.

Estádio IIIC

Implantes abdominais ⬎ 2 cm de diâmetro e/ou linfonodos inguinais ou retroperitoneais positivos.

Estádio IV

Crescimento envolvendo um ou ambos os ovários com metástases a distância; presença de derrame pleural com citologia positiva para células malignas; parênquima hepático envolvido.

*De modo a avaliar o impacto prognóstico dos diferentes critérios na classificação dos casos em estádio IC ou IIC, é importante saber: se as células malignas foram detectadas por lavados peritoneais ou por ascite; se a ruptura da cápsula foi espontânea ou foi causada pelo cirurgião.

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valorizam a estética, é razoável realizar uma incisão transversa baixa, complementada, em casos positivos, por incisão longitudinal supraumbilical para exploração para-aórtica. Em nossa experiência, esse tipo de conduta não tem prejudicado a radicalidade cirúrgica. b. Aspiração do líquido peritoneal para exame citológico, logo na abertura da cavidade: na sua ausência, realiza-se lavado peritoneal com soro fisiológico (15-30 mL) no fundo-de-saco anterior e posterior, goteiras parietocólicas e cúpulas diafragmáticas (acrescentar 1 mL de heparina para cada 5 mL de soro). c. Avaliação das cúpulas diafragmáticas: deve ser realizada a inspeção e palpação das superfícies diafragmáticas. Qualquer achado de nodulação, principalmente do tipo grãos de areia, indica biópsia. Tais medidas são tomadas antes da manipulação tumoral. d. Retirada do tumor para exame histológico de congelação. e. Avaliação de toda a superfície peritoneal: o carcinoma de ovário classicamente se dissemina por serosas. Realizar inspeção e palpação cuidadosas de todo o intestino, mesentério, fígado, superfícies anteriores dos rins e cápsula do baço. Qualquer achado anormal deve ser biopsiado. f. Biópsias em áreas suspeitas do peritônio pélvico (fundo-de-saco anterior e posterior, goteiras parietocólicas e paredes pélvicas laterais). Biópsias peritoneais aleatórias parecem não ser úteis para avaliação de extensão de doença (Cecelia et al., 2009). g. Biópsia da cápsula de Glisson (fígado) ou do parênquima hepático está indicada na vigência de lesões. h. Histerectomia total extrafascial com salpingo-oforectomia bilateral: casos excepcionais podem indicar uma cirurgia conservadora (ver Tratamento por estádio). Se a doença estiver limitada à pelve, deve-se ter o cuidado de evitar a ruptura do tumor durante a manipulação cirúrgica. i. Retirada de toda a massa tumoral visível, evitando deixar doença residual ⬎ 1 cm de diâmetro.

j. Abertura do retroperitônio para linfadenectomia para-aórtica e pélvica bilateral (adotamos essa conduta desde 1988, preconizada pelo grupo de Milão). k. Omentectomia infracólica. l. Descrição minuciosa dos achados cirúrgicos, em especial nos casos de doença residual. A rotina de estadiamento cirúrgico deverá ser sempre realizada, mesmo em casos de lesão aparentemente confinada a um ovário (estádio I clínico). Acredita-se que cerca de 30% dos casos terão estádios mais avançados após a rotina de estadiamento e o resultado dos exames histopatólogicos.

Tratamento por estádio A base terapêutica no carcinoma de ovário é a cirugia primária, com estadiamento completo da cavidade abdominal e retirada de toda a massa tumoral, sem deixar doença residual macroscópica. ESTÁDIO I – Cirurgia primária com estadiamento. Para ilustrar a importância do estadiamento, apresentamos, na Tabela 34.1, a incidência de metástases ocultas (microscópicas) presentes em carcinoma aparentemente no estádio IA. Após a cirurgia, se a paciente for alocada no estádio I, poderá ser indicada terapia adjuvante. Em estádios iniciais e tumores com boa diferenciação histológica (estádios IA e IB e tumores G1 e G2), o tratamento complementar não oferece benefícios adicionais ao tratamento cirúrgico. Fora dessas situações (estádios I com lesões pouco diferenciadas, IC ou tumores de células claras), o tratamento pós-operatório deverá ser

Tabela 34.1 Localização das metástases microscópicas no câncer de ovário (%) Diafragmas LN para-aórticos Omento LN pélvicos Lavado peritoneal positivo Ovário contralateral

7,6 12,3 7,1 8,9 18,8 15

LN, linfonodos Primary surgical management of early epithelial ovarian carcinoma. Fonte: Adaptada de Rubin e Sutton 1993.

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oferecido. Quimioterapia sistêmica é o tratamento de escolha. Em pacientes jovens que queiram filhos e com doença no estádio IA (tumor restrito a um ovário), é razoável realizar uma cirurgia mais conservadora, que preserve a fertilidade: salpingo-oforectomia unilateral, preservação do útero e ovário contralateral e estadiamento completo da cavidade (lavado peritoneal, linfadenectomia pélvica bilateral e para-aórtica, omentectomia infracólica) (Piver, 1993). A responsabilidade de tal decisão deve ser dividida com a paciente e seus familiares, pelo risco potencial de progressão da doença no ovário conservado. Esse risco aumenta no caso de tumores serosos, cuja bilateralidade alcança 35% dos casos (nesses casos, é indispensável o consentimento informado). Requisitos para cirurgia conservadora: > Pacientes jovens, sem filhos, com desejo de gestação. > Doença confinada a um ovário. > Tipo histológico favorável: tumor borderline, adenocarcinoma bem diferenciado (G1), tumores não epiteliais. > Tumor encapsulado e sem aderências. > Útero e anexo contralateral normais (avaliação por inspeção transoperatória, biópsia do ovário não é necessária). > Investigação endometrial negativa (em caso de sangramento vaginal anormal) ou alteração ecográfica. > Resultado final dos exames citológicos e histológicos, demonstrando ausência de doença em omento, linfonodos e lavado peritoneal. > Seguimento pós-operatório confiável e regular. > Compromisso de excisão do ovário remanescente após as gestações completadas, no caso de adenocarcinomas. ESTÁDIO II – Cirurgia primária completa com citorredução. Tratamento adjuvante pós-operatório é indispensável. A quimioterapia sistêmica é o tratamento adjuvante de escolha.

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ESTÁDIO III – Cirurgia primária continua sendo a terapêutica básica. O estadiamento completo e as remoções da maior quantidade possível de massa tumoral (cirurgia citorredutora), sem deixar doença residual macroscópica ou deixar a mínima possível, são os objetivos. Não é consenso na literatura a definição de doença residual ótima. Alguns autores a definem como aquela cujos nódulos, individualmente, não ultrapassam 1 cm de diâmetro. Outros preconizam 0,5 cm, 2 cm ou a ausência de doença residual macroscópica. Tem sido utilizado 1 cm de doença residual como o break point entre citorredução ótima e subótima. A citorredução justifica-se pelos princípios citocinéticos do ciclo celular neoplásico: quanto menor o volume tumoral, maior o potencial de cura do tratamento adjuvante. O esforço cirúrgico para remoção tumoral também se apoia em dados de sobrevida – paciente em estádio III com doença residual ausente ou mínima tem sobrevida maior. Realização de cirurgias com ressecções múltiplas ou extensas de intestino, ressecção de retossigmoide, ressecção parcial de bexiga e ureter e dissecção extensa de linfonodos para-aórticos está autorizada somente se dela resultar doença tumoral mínima (⬍ 1 cm) (Boente; Chi; Hoskins, 1998). O tratamento adjuvante é realizado por quimioterapia sistêmica. Na citorredução, um nódulo residual > 1 cm é pior do que inúmeros nódulos < 1 cm. ESTÁDIO IV – Tratamento cirúrgico e quimioterapia adjuvante ou tratamento quimioterápico exclusivo. Vários estudos têm demonstrado benefício na sobrevida de pacientes citorreduzidas à doença mínima. No entanto, o papel da citorredução nesse estádio ainda é controverso. As taxas de citorredução ótima variam de 30 a 36%, semelhantes às obtidas nas pacientes com estádio III (Liu et al., 1997). É considerada doença em estádio IV aquela que se apresenta com metástase hepática intraparenquimatosa e/ou doença a distância, fora dos limites da cavidade abdominal. Na presença de derrame pleural, um resultado de citolologia positiva para células malignas é tradicionalmente requerido para que

488 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

se inclua a paciente em estádio IV. A toracoscopia está indicada em casos de derrame pleural de moderada a grande quantidade e deve ser realizada em tempo anterior à laparotomia. O achado de doença pleural grosseira, sem possibilidade de ressecção cirúrgica ou ablação, contraindica a realização do procedimento de citorredução abdominal. Ao contrário, em casos de doença pleural ressecável, o esforço para citorredução primária se justifica (Chi et al., 2004). Apesar de inicialmente se considerar a presença de metástase hepática intraparenquimatosa como contraindicação à citorredução, já existem trabalhos demonstrando benefício na sua ressecção ou destruição (ablação por radiofrequência) (Bojalian et al., 2004). Um cirurgião hepático deve ser chamado a opinar sobre a possibilidade de ressecção cirúrgica.

Seguimento O acompanhamento das pacientes com neoplasia maligna de ovário deverá ser realizado por equipe multidisciplinar (oncoginecologista e oncologista clínico). Os casos deverão ser individualizados, conforme sua gravidade e chance de recidiva (Tab. 34.4). Durante o primeiro ano, deverá ser realizado exame físico e ginecológico a cada 3 meses, seguindo-se avaliação a cada 4 meses no segundo ano e semestral do 3o ao 5o ano. Deverão ser realizados anualmente os seguintes exames: raio X de tórax, ecografia abdominal total ou tomografia computadorizada, provas de função hepática, exame citológico vaginal e colposcopia. O CA-125 é um marcador tumoral eficaz para o acompanhamento de pacientes tratadas para patologia epitelial ovariana. O aumento ou a queda do seu nível correlaciona-se com progressão ou regressão da doença em mais de 90% das pacientes. Sua elevação pode preceder a recorrência da doença em 1 a 15 meses, em média 5 meses. Em nosso serviço, o CA-125 é solicitado a cada 3 meses no primeiro ano, de 6/6 meses no segundo ano e anualmente após. A sua elevação indica antecipação da avaliação por imagem e, de acordo com o caso, pode indicar revisão cirúrgica e/ou quimioterapia.

Estratégias terapêuticas Cirurgia de second look O propósito da cirurgia de second look ou de revisão, originalmente descrita por Wangenstein, era a detecção e excisão precoce de doença recorrente em pacientes já operadas por carcinoma de cólon, levando a uma razoável chance de cura (Piver, 1993). Em relação ao carcinoma de ovário, a cirurgia de second look recebeu notável impulso após a divulgação dos estudos realizados pelo M.D. Anderson Cancer Center na década de 80 (Schwartz; Smith, 1980). Seus resultados demonstravam a frequente persistência de doença oculta após o término do tratamento quimioterápico, somente reconhecida por amostragem histológica, uma vez que os exames laboratoriais, radiológicos e clínicos eram negativos. Dessa forma, parecia claro aos autores que a cirurgia de revisão permitiria a introdução de novos esquemas quimioterápicos nas pacientes com doença oculta, só evidenciada no estudo histológico; a interrupção precoce da quimioterapia, se ausência de doença, e a definição do prognóstico da doença, minimizando, por vezes, a ansiedade da família e da paciente. A cirurgia de second look, normalmente, é realizada por laparotomia. É feito o reestadiamento da cavidade abdominal, por meio de coletas citológicas, biópsias peritoneais aleatórias, palpação e amostragem de linfonodos para-aórticos e pélvicos. O uso da laparoscopia tem suas óbvias limitações em relação à laparotomia, especialmente no que se refere à avaliação do retroperitônio. A laparoscopia como procedimento de second look só tem valor quando positiva, já

Tabela 34.2 Sobrevida no carcinoma epitelial de ovário (%) Estádio

2 anos

5 anos

I II III IV

80 40 18 5

70 25 12 0

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que os índices de falso-negativos variam de 29,1 a 55% (Nicoletto et al., 1997).

oncoginecológica. Após a cirurgia de intervalo, o tratamento quimioterápico é concluído.

Atualmente, o papel do second look parece estar restrito a protocolos que pesquisam a efetividade de novos agentes quimioterápicos. As principais críticas ao uso sistemático se devem ao seu alto custo, à morbimortalidade cirúrgica e à ausência de evidências que comprovem seu benefício terapêutico.

Uma revisão sistemática, reunindo os três principais ensaios clínicos randomizados existentes sobre o assunto, demonstrou resultados inconclusivos e conflitantes no que se refere às taxas de sobrevida. As pacientes foram randomizadas em dois braços de investigação: o das que realizaram cirurgia de intervalo após três ciclos de quimioterapia em comparação com o das pacientes que apenas completaram quimioterapia. Somente o estudo europeu (EORTC trial) encontrou benefício na sobrevida para pacientes submetidas à cirurgia de intervalo. Assim, essa estratégia de abordagem não tem sido aprovada para uso sistemático (Tangjitgamol et al., 2009).

Os estádios I e II demonstram persistência de doença histológica em 0 a 25% dos casos (Zorlu et al., 1994). Apesar do diagnóstico pré-clínico, a terapia de resgate com fármacos de segunda linha não é efetiva, e a maioria das pacientes morre em consequência da doença. Das pacientes com doença avançada ao diagnóstico (estádio III), em remissão clínica e laboratorial (nível de CA-125 ⬍ 35 U/mL) após tratamento cirúrgico e quimioterápico, 40 a 50% apresentam second look positivo (Zorlu et al., 1994; Podratz; Cliby, 1994). Mais importante do que esse dado é o conhecimento de que 50 a 60% das pacientes sem doença, na laparotomia de revisão, apresentarão recidiva em um período de 18 a 27 meses (Podratz et al., 1993). Dessa forma, o alto número de resultados falso-negativos não autoriza mudanças terapêuticas nem recomenda o uso rotineiro da laparotomia de revisão.

Cirurgia de intervalo Como já referido, a cirurgia de citorredução primária, seguida de quimioterapia adjuvante, constitui o tratamento ideal para pacientes com doença em estádio III. No entanto, entre 40 e 65% das pacientes que vão à cirurgia primária não são passíveis de citorredução ótima. Novas abordagens terapêuticas, portanto, vêm sendo desenvolvidas, na tentativa de melhorar as taxas de sobrevida dessas pacientes com doença avançada e irressecável ao tempo do diagnóstico. A cirurgia de intervalo ou de citorredução de intervalo surgiu nesse contexto. É definida como a abordagem cirúrgica visando à citorredução ótima (implantes tumorais ⬍ 1 cm), realizada após a indução por três ciclos de quimioterapia (entre 2 e 4 ciclos) e necessariamente precedida por uma cirurgia de citorredução primária considerada subótima e realizada por um grupo de cirurgiões com experiência em cirurgia

Acompanhando as diretrizes científicas, não temos utilizado a cirurgia de intervalo como rotina na abordagem das pacientes operadas e consideradas sem ressecabilidade cirúrgica primária. A despeito do alto potencial de ressecabilidade obtido durante a cirurgia de intervalo (24-77%), os estudos, como mencionado anteriormente, têm demonstrado pouco impacto na sobrevida dessas pacientes em comparação com aquelas que apenas completam o protocolo de quimioterapia.

Quimioterapia neoadjuvante Também é uma estratégia terapêutica para pacientes com neoplasia de ovário estádio III. Inclui o uso de quimioterapia como abordagem inicial, após comprovação histológica de tumor por biópsia obtida por cirurgia mínima (laparotomia para biópsia ou laparoscopia). Após três ciclos de quimioterapia, essas pacientes são submetidas à cirurgia de intervalo, objetivando a citorredução tumoral. Notem que não há a intenção de citorredução primária precedendo o início da quimioterapia. Existem vários argumentos na literatura que sustentam a indicação da quimioterapia neoadjuvante (Quadro 34.3); no entanto, ainda não há aprovação para o uso sistemático dessa estratégia. Os estudos disponíveis não incluem ensaios clínicos randomizados e, portanto, têm baixo poder de recomendação. Temos utilizado essa abordagem somente nos casos em que a paciente chega à nossa institui-

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QUADRO 34.3

Argumentos em favor da quimioterapia neoadjuvante > Citorredução primária somente é obtida em 35 a 50% das pacientes. > Citorredução ótima é mais fácil de ser obtida após quimioterapia. > Cirurgia realizada após quimioterapia é, em geral, menos extensa. > Taxas de complicação são menores na citorredução de intervalo. > Biologia do tumor é fator prognóstico mais importante do que o resultado cirúrgico. > Quimioterapia neadjuvante não compromete a sobrevida. > Citorredução de intervalo pode ser realizada fora de centros terciários.

ção com um quadro de má performance clínica, caracterizado por um pobre status nutricional (nível de albumina ⬍ 2 g/dL) e comorbidades clínicas significativas, o que confere a ela risco cirúrgico elevado. As pacientes que apresentam, ao término dos três ciclos de quimioterapia, resposta parcial ou completa (avaliação por exame clínico, tomografia computadorizada [TC] e CA-125) poderão ser submetidas à cirurgia de citorredução de intervalo. As pacientes com lesões estáveis ou doença em progressão dificilmente terão ressecabilidade cirúrgica e não são, portanto, candidatas à intervenção. Essa abordagem também pode ser realizada em pacientes que apresentam derrame pleural, no momento do diagnóstico. Temos também como regra que a paciente que chega ao nosso serviço, já operada e definida como irressecável, deverá ser submetida, por nossa equipe cirúrgica, à nova laparatomia exploradora, já que o sucesso da citorredução e os critérios de ressecabilidade variam conforme a experiência do grupo cirúrgico. Um ponto fundamental para a normatização do uso da quimioterapia neoadjuvante seria a definição de critérios de irressecabilidade por meio de métodos não invasivos. Poder saber, em tempo pré-operatório, qual paciente seria passível de citorredução ótima diminuiria o número de procedimentos cirúrgicos inefetivos. O uso de exames de imagem, como a TC ou a ressonância magnética, e mesmo a videolaparoscopia, é uma ideia interessante, mas que ainda necessita de comprovação. Vários estudos têm tentado estabelecer escores de ressecabilidade,

baseados na combinação de achados clínicos, cirúrgicos ou de imagem. No entanto, as taxas de falso-positivo (pacientes ditas irressecáveis por métodos não invasivos e que são ressecáveis ao tempo cirúrgico) variam de 5 a 37%. De qualquer forma, os achados mais frequentemente relacionados à irressecabilidade, vistos por exame de imagem, são infiltração tumoral do mesentério, infiltração gástrica e carcinomatose subdiafragmática. Achados como os de comprometimento tumoral do omento (omental cake), carcinomatose peritoneal e infiltração intestinal não são relevantes o suficiente para que sejam incluídos como critérios independentes de irressecabilidade (Brun et al., 2008).

Cirurgia de citorredução secundária É a reexploração cirúrgica visando à nova ressecção tumoral, em casos de recidiva ou persistência da doença. Existem poucos dados na literatura sobre o benefício desse procedimento. Os melhores resultados têm sido obtidos em pacientes jovens, que se apresentam com tumores bem diferenciados, com boa resposta ao tratamento primário e com recidiva após intervalo livre de doença superior a 6 meses (Hoskins, 1993). Pacientes com doença recidivada 6 meses após tratamento primário e que apresentam, ao exame físico e/ou de imagem, lesão única e sem ascite apresentam maior probabilidade de citorredução. Nesses casos, a citorredução ótima determina uma significativa melhora na sobrevida a curto e médio prazos. Nos casos de persistência de doença – isto é, pacientes com refratarie-

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dade ou resistência à platina e, portanto, sem resposta ou com resposta parcial ao tratamento inicial – não há vantagem na intervenção cirúrgica (Hoskins, 1993).

Manejo laparoscópico de massas anexiais A cirurgia laparoscópica, desde sua incorporação como forma de abordagem cirúrgica preferencial para inúmeras doenças intra-abdominais, tem sido alvo de discussões no universo do tratamento das patologias oncoginecológicas. No câncer ovariano, especialmente em razão do seu padrão de disseminação peritoneal, a utilização da videolaparoscopia (VLP) sempre foi avaliada com muito cuidado. Relatos históricos de implantação de células tumorais nos portais dos trocárteres e o aumento do potencial de crescimento tumoral conferido pelo ambiente 2 laparoscópico (hipercapnia induzida por CO , pressão de pneumoperitônio, aerolização das células tumorais) justificam essa precaução. Quebeu foi o primeiro a descrever, em 1994, o uso da cirurgia laparoscópica para o estadiamento do câncer de ovário inicial. Desde então, algumas publicações têm demonstrado a viabilidade e a segurança do método, com resultados satisfatórios no que se refere a taxas de sobrevida e período livre de doença. No entanto, ainda são necessários estudos de maior impacto para confirmar a VLP como adequada para a abordagem dessa doença, estando seu uso ainda restrito a protocolos de pesquisa e trials clínicos. A laparotomia segue como abordagem de escolha no manejo de lesões de risco intermediário ou alto risco de malignidade – isto é, lesões ovarianas heterogêneas, sólidas, com vegetações e/ou septos grosseiros. A VLP é conduta adequada para diagnóstico e tratamento das lesões ovarianas supostamente benignas. Uma avaliação pré-operatória cuidadosa fornecerá informações precisas, na maioria das vezes, quanto ao caráter da lesão. É fundamental o conhecimento de suas características ao exame físico e à ultrassonografia transvaginal. Lesões anexiais de conteúdo cístico, uniloculadas e com tamanho ⬍ 8 cm são frequentemente benignas e poderão ser selecionadas para laparoscopia. A dosagem de CA-125 deverá ser incluída na avaliação das pacientes.

491

O cisto ovariano ou o ovário retirados por laparoscopia deverão estar íntegros. O contato com a parede abdominal deve ser envitado pelo uso de endobag. O exame anatomopatológico de congelação precisa, de forma ideal, ser realizado de rotina. Caso não seja possível, deverá ser obrigatoriamente utilizado se a avaliação macroscópica da cápsula for suspeita. Ocorrendo o diagnóstico de malignidade, é necessária a laparotomia imediata para estadiamento cirúrgico (Rulin, 1993). Os estudos têm demonstrado que o atraso na execução da cirurgia definitiva por um período superior a 8 a 17 dias pode acarretar prejuízo na sobrevida (Lehner, 1998), o que é ainda mais grave se, durante a cirurgia inicial, houver ruptura do cisto (Vergote et al., 2001). Para diminuir a chance de implantação tumoral nos portais da VLP, recomenda-se a lavagem das incisões com soro fisiológico e o seu fechamento em camadas separadas, respeitando-se as camadas da parede abdominal. Dessa forma, a chance de implantação é ⬍ 1%.

Considerações sobre tumores borderline de ovário Tumores borderline, de baixo potencial maligno ou proliferativo atípico Os tumores borderline são um grupo especial de neoplasias cujo comportamento biológico e aspecto histológico os coloca entre os tumores benignos e os francamente malignos. Aproximadamente 15% dos tumores epiteliais são assim classificados. São na maioria do tipo seroso ou mucinoso. Caracterizam-se por pleomorfismo epitelial, atividade mitótica, atipias celulares e ausência de invasão estromal. Podem determinar implantes peritoneais invasivos ou não invasivos (Berek; Hacker, 2000). Eventualmente, podem metastatizar para linfonodos, mas metástases hematogênicas são extremamente raras. O risco de progressão para doença francamente invasora (adenocarcinoma) é de 1,5 a 2% (Zanetta et al., 2001). Mulheres que pretendem engravidar poderão ser tratadas por cirurgia conservadora (salpingo-oforectomia unilateral ou cistectomia ovariana). É importante que, nos casos de cistectomia, a margem cirúrgica do ovário seja livre de tumor. O estadiamento completo da cavidade

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abdominal normalmente está indicado, embora a realização de linfadenectomia retroperitoneal e omentectomia venham sendo questionadas. A apendicectomia deve sempre ser realizada em casos de tumores mucinosos. O tratamento formal para os tumores em estádio II, III e IV é a cirurgia radical e citorredutora, se necessário. No entanto, as cirurgias conservadoras são possíveis nos estádios II e III (cistectomias ovarianas e preservação de útero), em pacientes sem filhos, mas devem ser indicadas com cautela, pois se associam a altas taxas de recorrência (Zanetta et al., 2001). Um tema controverso é o da reintervenção cirúrgica da paciente com diagnóstico pós-operatório de tumor borderline, clinicamente restrito a um ovário, e cujo tratamento inicial envolveu somente a ooforectomia. A abordagem expectante é possível desde que não haja evidência de doença residual em exames de imagem pós-operatórios (TC de abdome e US transvaginal para avaliação do ovário remanescente).

Considerações sobre neoplasias ovarianas não epiteliais Comparados com os tumores epiteliais ovarianos, outros tumores malignos do ovário são raros. Representam cerca de 10% dos casos. Incluem neoplasias que se originam nas células germinativas, nas células do estroma e cordão sexual, em tumores metastáticos, etc. (p. ex., sarcomas, tumores de células lipoides).

Neoplasias das células germinativas Classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS): a. Teratoma — Teratoma maduro: teratoma adulto sólido, cisto dermoide, struma ovarii, neoplasias malignas secundárias em teratoma maduro cístico — Teratoma imaturo b. Disgerminoma c. Carcinoma embrionário d. Tumor do seio endodérmico

e. Coriocarcinoma f. Gonadoblastoma Os tumores das células germinativas constituem o segundo grupo mais frequente de neoplasias ovarianas. Correspondem a cerca de 20% de todas as lesões ovarianas, mas somente 5% são de natureza maligna. O disgerminoma é a lesão maligna mais comum, seguido dos teratomas imaturos e tumores do seio endodérmico. Ocorrem principalmente em mulheres jovens, sendo a idade média ao diagnóstico de 16 a 20 anos. Cerca de 75% terão doença em estádio I ao tempo do diagnóstico; 85% dos disgerminomas e 100% dos tumores de seio endodérmico e teratoma imaturo são unilaterais; e aproximadamente 15% dos tumores germinativos malignos terão um teratoma cístico no ovário contralateral (Sagae; Kudo, 2000). Os marcadores tumorais séricos, como a alfa-fetoproteína, a gonadotrofina coriônica humana (hCG) e mesmo o CA-125, podem estar elevados nesses tumores e ser úteis na avaliação diagnóstica e monitoração pós-tratamento (Tab. 34.3).

Teratoma Teratoma maduro É o tumor germinativo benigno mais comum. Ocorre durante a idade reprodutiva e tem risco de malignização quando diagnosticado em paciente pós-menopáusica. Geralmente é unilateral e assintomático. Causa dor abdominal quando ocorre ruptura e extravazamento do seu conteúdo para a cavidade. Sua suspeita diagnóstica é possível no tempo pré-operatório, já que tem padrão ecográfico específico (conteúdo granular e presença de peças ósseas ou dentárias). O tratamento consiste em cistectomia ou ooforectomia unilateral, sem necessidade de avaliação histológica do ovário contralateral. Quando é bilateral, em jovens, pode-se deixar um pouco de tecido ovariano junto ao hilo, a fim de evitar a castração da paciente. Teratoma imaturo É a segunda neoplasia maligna germinativa mais comum. É lesão normalmente unilateral e rara nas pacientes pós-menopáusicas.

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Tabela 34.3 Marcadores tumorais séricos nos tumores germinativos do ovário Tumor

hCG

Disgerminoma Tumor do seio endodérmico Teratoma imaturo Carcinoma embrionário Coriocarcinoma Poliembrioma Tumor germinativo misto

⫹/– – – ⫹ ⫹ ⫹/– ⫹/–

Durante a avaliação pré-operatória, pode mimetizar o teratoma maduro nas suas características ecográficas. O conhecimento do grau de maturação dos elementos tumorais é fundamental na avaliação prognóstica dessa lesão. Quanto mais indiferenciado ou mais imaturo, maior será o potencial metastático e pior será o prognóstico. A taxa de recorrência é estimada em 18% para tumores grau I, 37% para tumores grau II e 70% para o grau III (Sagae; Kudo, 2000). O tratamento da lesão única envolve salpingo-oforectomia unilateral e estadiamento da cavidade, com preservação uterina e do ovário contralateral. Nos casos de doença além do ovário, a quimioterapia adjuvante é recomendada. Em doença limitada ao ovário, a necessidade de quimioterapia é definida baseada no grau de maturação. Em razão da eficácia do tratamento quimioterápico, as taxas de sobrevida são elevadas. A sobrevida é de 95% em 5 anos para doença limitada a um ovário e de 80% para todos os estádios.

Alfafeto

LOH

– ⫹ ⫹/– ⫹ –

⫹ ⫹/– ⫹/– ⫹/– –

⫹/– ⫹/–

⫹/– ⫹/–

da cavidade deve ser realizado do mesmo modo que o dos tumores epiteliais. A biópsia do ovário contralateral somente está indicada se houver alteração morfológica deste. Se durante a cirurgia primária for encontrada doença além do ovário, a citorredução tumoral deverá ser realizada. É cada vez mais frequente a opção por cirurgia conservadora mesmo em estádios mais avançados (p. ex., salpingo-oforectomia unilateral, estadiamento da cavidade abdominal, citorredução tumoral e preservação de útero e ovário contralateral), uma vez que o tratamento adjuvante com quimioterápicos sistêmicos apresenta resultados satisfatórios em relação à eficácia, baixa toxicidade e preservação da fertilidade. A radioterapia é considerada hoje segunda linha de tratamento para esses tumores. O prognóstico é relacionado ao tamanho do tumor e ao estadiamento cirúrgico. As recorrências são mais comuns em tumores ⬎ 15 cm de diâmetro. Poderão ser tratadas por cirurgia, quimioterapia ou até radioterapia.

Disgerminoma

O seguimento dessas pacientes deve ser feito com tomografia de abdome e marcadores tumorais.

É o tumor germinativo maligno mais comum.

Tumor do seio endodérmico

Tem crescimento rápido, podendo causar sintomas compressivos e quadro de abdome agudo, secundário à sua ruptura ou torção do seu pedículo vascular.

É derivado do saco vitelino primitivo e corresponde ao terceiro grupo de tumores malignos germinativos em frequência. Incide em pacientes adolescentes, sendo unilateral em quase 100% dos casos. É, entre os tumores germinativos malignos, o de pior prognóstico.

Aproximadamente dois terços dos disgerminomas são diagnosticados no estádio IA (restrito a um ovário) e a salpingo-oforectomia unilateral, com preservação do útero e ovário contralateral, é o tratamento adequado. O estadiamento

A maioria das lesões secreta alfa-fetoproteína e há boa correlação desse marcador com a extensão da doença. É útil na monitoração do tratamento.

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O estadiamento cirúrgico deve ser realizado para definir prognóstico.

— Arrenoblastoma: tumor das células de Sertoli-Leydig

Todas as pacientes necessitam de quimioterapia adjuvante.

— Tumor de Sertoli

Tumor misto de células germinativas É lesão resultante da combinação de dois ou mais dos tumores malignos vistos anteriormente. A associação mais comum envolve o disgerminoma e o tumor do seio endodérmico. Essa lesão pode secretar alfa-fetoproteína e/ou hCG ou nenhum dos marcadores, dependendo dos componentes envolvidos (Berek; Hacker, 2000). O tratamento envolve cirurgia e quimioterapia. O prognóstico está relacionado ao tamanho do tumor e à quantidade de seu componente mais maligno. Aqueles com mais de um terço de tumor do seio endodérmico com coriocarcinoma ou teratoma imaturo grau III têm pior prognóstico (Sagae; Kudo, 2000). Gonadoblastoma É tumor misto constituído por elementos germinativos e por elementos do estroma e cordão sexual. O disgerminoma pode ser encontrado como representante das células germinativas. Os elementos imaturos das células da granulosa e de Sertoli podem representar a linhagem do estroma e cordão sexual. Ocorre geralmente em gônadas disgenéticas, em pacientes com cromossomo Y. O diagnóstico de disgenesia gonadal indica a retirada das gônadas como prevenção.

Neoplasias do estroma e do cordão sexual Classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS): III. NEOPLASIAS DERIVADAS DO ESTROMA GONADAL ESPECIALIZADO E CORDÃO SEXUAL: a. Tumores da granulosa – teca — Tumor da células da granulosa: adulto e juvenil — Tecoma b. Tumores de Sertoli-Leydig (androblastomas)

— Ginandroblastoma: tumor das células da granulosa e células de Leydig c. Tumores de células lipídicas (tumor de células esteroides) Os tumores do estroma gonadal especializado e cordão sexual são benignos ou malignos de baixo grau. São derivados do cordão sexual e/ou do estroma ovariano. Apresentam-se em tipos histológicos isolados ou em combinações de elementos femininos (células da teca e granulosa) e masculinos (células de Sertoli e Leydig). Podem ser hormonalmente ativos. Os tumores da granulosa são muito suscetíveis à cura cirúrgica. Aproximadamente 90% dos casos são diagnosticados no estádio I. Cerca de 5% ocorrem antes da puberdade, podendo determinar puberdade precoce. Podem ser de dois tipos: adulto e juvenil. O primeiro ocorre mais comumente em mulheres na perimenopausa; o segundo, na adolescência. O de tipo juvenil tende a ser mais agressivo e com menor taxa de resposta ao tratamento primário. O tratamento inicial consiste em salpingo-oforectomia unilateral e cirurgia de estadiamento (omentectomia infracólica e linfadenectomia pélvica e para-aórtica). Em pacientes idosas, a histerectomia e a anexectomia bilateral podem ser indicadas. A produção de estrogênio por essas neoplasias pode levar a sangramento uterino anormal, com diagnóstico de hiperplasia endometrial e até carcinoma endometrial à curetagem uterina. São tumores que exigem seguimento a longo prazo, pois recorrências após 15 a 20 anos do tratamento primário são descritas. Os tumores de células de Sertoli-Leydig, também chamados arrenoblastomas ou androblastomas, podem ter produção androgênica autônoma, levando a quadros claros de virilização (70% dos casos). As medidas séricas revelam aumento de testosterona e androstenediona sem aumento de sulfato de de-hidroepiandrostenediona. São mais frequentes na terceira e quarta décadas de vida. São tumores de baixo potencial maligno, como os tumores da granulosa. O tratamento habitual envolve

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salpingo-oforectomia unilateral e cirurgia de estadiamento. Nas pacientes idosas, podem-se realizar histerectomia e anexectomia bilateral. A sobrevida em 5 anos é de 90%. Os tecomas e fibromas são lesões benignas. Ocorrem em mulheres na perimenopausa e podem, eventualmente, apresentar atividade hormonal. A remoção cirúrgica é o único tratamento necessário.

Tumores metastáticos Em geral, tumores metastáticos aos ovários são os de carcinoma de mama, endométrio e adenocarcinoma de cólon. O termo tumor de Krukenberg deve ser reservado a um tipo histológico especial, porque tem características clínicas próprias. A maioria é metástase de tumores gástricos, mas alguns podem originar-se de tumores de mama e intestino. Geralmente são bilaterais. O tumor deve ser removido, e o sítio primário, tratado, apesar do prognóstico reservado.

Outros tumores Tumores derivados do mesênquima, benignos e malignos, podem ocorrer primariamente tanto no ovário como em qualquer outro órgão: fibromas, hemangiomas, sarcomas e linfomas, mais frequentemente.

Neoplasias de tuba uterina O adenocarcinoma de tuba é o tumor ginecológico mais raro. Representa apenas 0,14 a 1,8% de todos os tumores ginecológicos e atinge mulheres com idade média de 64 anos (17-88 anos) (Pectasides et al., 2009).

Quase nada se conhece sobre sua etiologia, mas biologicamente tem o mesmo padrão de disseminação do carcinoma de ovário. A doença inflamatória pélvica aguda ou suas sequelas crônicas são patologias frequentemente associadas (Herbst, 1991). Aproximadamente 85% das neoplasias tubárias são metastáticas, sendo o ovário, o endométrio e o trato gastrintestinal os sítios primários mais comuns.

Sinais e sintomas Os sintomas mais comuns são dor pélvica, sangramento uterino anormal ou secreção vaginal abundante. A dor, em cólica, é devido à distensão da tuba pelo tumor, com estimulação da peristalse tubária.

Diagnóstico Na maioria dos casos, o diagnóstico é realizado durante procedimento cirúrgico para esclarecimento de lesão anexial. É frequentemente difícil diferenciar tumores primários de tumores metastáticos em tuba. Para que um tumor possa ser considerado de origem tubária, são necessários alguns critérios histológicos: crescimento intraluminal, envolvimento papilar da mucosa tubária e, se já houver comprometimento de toda a parede tubária, a transição entre o epitélio benigno e o maligno deverá ser demonstrada (Herbst, 1991).

Estadiamento O estadiamento proposto por Schiller e Silverberg (1971) é o mais utilizado (Quadro 34.5). Em 1991, a FIGO propôs um estadiamento baseado no do ovário, mas nos parece muito complexo. O de Schiller e Silverberg é mais prático.

Tabela 34.4 Estadiamento de neoplasias de tuba uterina Estádio 0 Estádio I Estádio II Estádio III Estádio IV

Carcinoma in situ (limitado à mucosa). Tumor na submucosa e/ou muscular, mas não penetrando superfície serosa. Tumor envolve a serosa tubária. Extensão tumoral direta ao ovário e/ou endométrio. Extensão tumoral além do trato reprodutor (órgãos pélvicos, peritônio, abdome superior, vísceras abdominais ou órgãos distantes).

Fonte: Adaptada de Schiller e Silverberg (1971).

495

496 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tratamento A cirurgia é o tratamento primário. A rotina de estadiamento e de manejo cirúrgico é essencialmente a mesma do carcinoma de ovário. Deverão ser realizadas histerectomia total abdominal com anexectomia bilateral, omentectomia e linfadenectomia pélvica e para-aórtica. As coletas de líquido livre ou lavados da cavidade peritoneal são importantes pela correlação prognóstica. A excisão cirúrgica do maior volume tumoral possível também é regra no carcinoma de tuba, procurando não deixar doença residual ⬎ 1 cm de diâmetro por nódulo.

O tratamento quimioterápico sistêmico está indicado de forma adjuvante, mesmo em doença inicial.

Sobrevida A sobrevida global gira em torno de 38% em 5 anos, sendo que a sobrevida para o estádio I varia de 80 a 95%. Os fatores prognósticos importantes parecem ser o estadiamento inicial e o volume de doença residual.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Sobre o câncer de ovário, pode-se dizer que: a. A maioria das pacientes se apresentam sintomáticas desde o início da doença. b. A maioria das pacientes se apresentam sintomáticas apenas em estágios mais avançados. c. O marcador CA 125 é considerado um dos exames de rastreamento dessa patologia. d. A ecografia transvaginal é considerada um dos exames de rastreamento dessa patologia. e. O fator genético não é fator de risco para essa neoplasia.

2. A respeito da neoplasia de ováro e do uso do marcador antígeno CA 125, pode-se dizer que: a. O CA 125 se expressa mais em tumores serosos. b. O CA 125 se expressa mais em tumores mucinosos. c. O CA 125 se expressa mais em tumores endometrioides. d. O CA 125 se expressa de forma igual em todos os tipos histológicos. e. O CA 125 se expressa mais em tumores do tipo células claras.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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O Papel da Quimioterapia e Hormonioterapia em Oncologia Genital Feminina Alexei Peter dos Santos James Freitas Fleck Antônio Dal Pizzol Jr. Luis Fernando Venegas

Podemos dividir a oncologia genital feminina em cinco partes, de acordo com a topografia da incidência das neoplasias e o tipo de tratamento proposto: ovário, corpo uterino, colo uterino, vulva e vagina. Do ponto de vista quimioterápico, as neoplasias de colo uterino, do corpo uterino e do ovário sofrem maior impacto desse artifício terapêutico, refletido em ganho de sobrevida global, de sobrevida livre de doença ou de tratamento sintomático, descritos em vários estudos citados a seguir, conforme localização primária.

permitem a difusão dos fármacos em concentrações ideais e, em função da hipoxia, existem células tumorais em G0 (repouso celular).

Quimioterapia em neoplasia do colo uterino

Um grande número de agentes citotóxicos foi testado em pacientes com doença recorrente ou metastática. A cisplatina é o agente isolado mais estudado no tratamento do câncer de colo uterino, obtendo taxa de resposta objetiva em torno de 23% nos diversos estudos realizados pelo Gynecologic Oncology Group (GOG). Dentre os agentes alquilantes, a ifosfamida é a que demonstra maiores índices de resposta, atingindo taxa de resposta objetiva de 29% em estudos cooperativos europeus. O paclitaxel, representante dos taxanes, obteve taxa de resposta de 17% em estudos fase 2 e foi eleito para um estudo randomizado de fase 3 comparando cispla-

Os recentes avanços obtidos no aumento de sobrevida de pacientes com neoplasia de colo uterino nos países desenvolvidos estão relacionados aos esforços no diagnóstico precoce e não no desenvolvimento terapêutico, já que as taxas de sobrevida em 5 anos nos estágios avançados permanecem inalteradas. O pequeno impacto da instituição da quimioterapia nos estágios avançados de doença pode ser, em parte, atribuído tanto a situações de vascularização deficitária como a situações após cirurgia ou radioterapia que não

Apesar do baixo índice de respostas objetivas ou de impacto em sobrevida no tratamento da doença metastática, recentes evidências têm apontado para a utilização da quimioterapia com objetivo radiossensibilizante na doença limitada ao órgão.

Tratamento da doença metastática

Rotinas em Ginecologia

tina versus associação paclitaxel/cisplatina. A vinorelbine é um fármaco semissintético derivado da vimblastina, que oferece a vantagem de não ter resistência cruzada com outros alcaloides da vinca. Apresenta taxas de resposta promissoras em pacientes previamente tratados com radioterapia, sendo um fármaco ativo no tratamento da neoplasia de colo uterino e um potencial candidato à combinação com outros regimes. O irinotecano é um derivado da camptosina com mecanismo de ação similar aos inibidores da topoisomerase I com taxas de resposta objetivas em torno de 24% em pacientes já tratados com radioterapia em estudos japoneses. Englobando estudos do GOG, a taxa de resposta é de 20% com irinotecano, fármaco único. Os tratamentos com droga única geralmente obtêm respostas parciais e de curta duração. Portanto, torna-se fundamental o uso de combinações de quimioterapia sistêmica para obtermos maior impacto na sobrevida dos pacientes com neoplasia de colo uterino avançada. Os estudos de fase 3, conduzidos pelo GOG, demonstram vantagem na combinação de fármacos comparada à monoterapia. A combinação de cisplatina e ifosfamida produziu taxa de resposta de 33% e sobrevida livre de doença superior. O estudo, entretanto, não apresentou diferença em termos de sobrevida global. A toxicidade com a combinação de fármacos foi importante, apesar de esse esquema tornar-se uma opção de tratamento aceitável. Estudos envolvendo as combinações de cisplatina com novos fármacos como paclitaxel e irinotecano estão em andamento. A combinação de 5-fluorouracil e cisplatina merece comentário adicional, visto que há alta taxa de resposta em pacientes com carcinoma epidermoide de outros sítios de doença. Um estudo do GOG reporta taxa de resposta de 22% com essa combinação em pacientes previamente tratados com radioterapia, taxa de resposta similar à obtida com uso de cisplatina, fármaco único.

Tratamento Combinado (Radiossensibilização) O racional desse tratamento é sensibilizar com fármacos as células tumorais que receberão radioterapia, potencializando as taxas de controle

499

local. Os agentes mais estudados nesse contexto foram a hidroxiureia, o 5-fluorouracil e a cisplatina. Em séries isoladas obtidas de pacientes com doença limitada de colo de útero tratados com radioterapia e quimioterapia, foram reportadas taxas de sobrevida de aproximadamente 60% e taxa de resposta tumoral de 75 a 90%. Existem cinco grandes estudos randomizados conduzidos por grupos cooperativos como GOG, Southwest Oncology Group (SWOG) e Radiation Therapy Oncology Group (RTOG) que são rigorosamente favoráveis ao tratamento combinado. No estudo GOG 85, foram randomizadas pacientes com neoplasia de colo uterino estádios IIB a IVA e linfonodos para-aórticos negativos. A radioterapia foi concomitante com hidroxiureia ou cisplatina e 5-fluorouracil. Em ambos os regimes, as pacientes recebiam radioterapia externa, reforço e braquiterapia. As pacientes receberam hidroxiureia 80 mg/kg 2⫻/semana, durante a radioterapia externa. A dose de 2 cisplatina foi de 50 mg/m D1 e 5-fluorouracil 2 1.000 mg/m D2-D5, em infusão contínua, concomitante à radioterapia externa. Dentre as 368 pacientes, 177 foram tratadas com cisplatina e 5-fluorouracil e 191 com hidroxiureia. O seguimento médio foi de 8,7 anos. O esquema de tratamento com cisplatina demonstrou redução de 21% do risco de progressão ou morte (risco relativo ⫽ 0,79). A sobrevida global foi superior para o grupo tratado com cisplatina e radioterapia (p ⫽ 0,018), com redução de 26% do risco de redução de morte. No estudo GOG 120, foram envolvidas pacientes com as mesmas características do grupo do GOG 85. As pacientes foram randomizadas para três braços de tratamento: 1) hidroxiureia 3 g/ 2 m em duas aplicações semanais durante ra2 dioterapia externa; 2) cisplatina 50 mg/m D1, 2 5-fluorouracil 1.000 mg/m D2-D5 por dois 2 ciclos associados à hidroxiureia 2 g/m 2⫻/semana concomitante à radioterapia externa; 3) cisplatina semanal durante radioterapia externa 2 na dose de 40 mg/m por 6 semanas durante a radioterapia externa. De 526 pacientes tratadas, 177 foram alocadas no braço 1; 173 no braço 2; e 176 no braço 3. Nos regimes baseados em cisplatina, houve superioridade na sobrevida livre

500 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

de doença e na redução do risco de progressão, e morte de 43%. Entre os braços tratados com cisplatina, houve similaridade em sobrevida livre de doença e sobrevida global. No protocolo do RTOG 90-01, foram randomizadas pacientes com estádios IB a IVA com câncer de colo uterino submetidas à radioterapia isolada ou concomitante com cisplatina 75 2 2 mg/m D1 e 5-fluorouracil 1.000 mg/m D2-D5 por dois ciclos. Dentre as 388 pacientes alocadas, 193 foram randomizadas para radioterapia isolada e 195 para quimioterapia concomitante à radioterapia. O seguimento médio foi de 43 meses. As pacientes do grupo concomitante obtiveram sobrevida livre de doença superior (p ⬍ 0,001), com redução do risco de progressão e óbito de 52%. A sobrevida global foi superior no grupo da quimioterapia. Esse estudo sugere que o tratamento associado de quimioterapia e radioterapia não é apenas indicação para estádios IIB a IVA, mas também para os estádios iniciais IB e IIA. No estudo do GOG 123, foram randomizadas pacientes com estádios IB a IIA de câncer de colo uterino para radioterapia isolada ou concomitante à cisplatina semanal. A dose de cisplatina 2 foi de 40 mg/m por 6 semanas. Em ambos os grupos, após a radioterapia, foi realizada a histerectomia extrafascial. Os resultados finais desse estudo não demonstram nenhum benefício da histerectomia extrafascial. Das 369 pacientes, 186 receberam radioterapia isolada, e 183 receberam cisplatina associada à radioterapia. O tempo de seguimento médio foi de 36 meses. A sobrevida livre de doença foi superior no grupo de tratamento combinado (p ⬍ 0,001) com redução de 49% do risco de progressão e óbito. A sobrevida global foi estatisticamente significativa com 46% de redução de risco de morte. Esse estudo sugere que a combinação seja o tratamento de escolha para estádios IB e IIA. No protocolo SWOG Z8797, foram alocadas pacientes com estádios IA, IB e IIA submetidas à histerectomia radical com linfadenectomia que apresentavam linfonodos pélvicos positivos, margens positivas ou envolvimento de paramétrio. A randomização ocorreu entre a radioterapia externa exclusiva e a radioterapia associada à cisplatina e 5-fluorouracil. A cisplatina foi ad-

2 ministrada na dose de 70 mg/m D1 e 5-fluorou2 racil 1.000 mg/m D2-D5, em infusão contínua a cada 3 semanas, durante a radioterapia. Das 243 pacientes selecionadas, 116 foram randomizadas para radioterapia isolada e 127 para o grupo do tratamento combinado. O tempo de seguimento médio foi de 43 meses, com vantagem em sobrevida livre de doença e sobrevida global em favor do grupo de tratamento combinado (p ⫽ 0,01), com 51% de redução de risco de óbito. Esse estudo sugere que o tratamento combinado é de escolha para um grupo selecionado pós-operatório com fatores de alto risco em estádios IA a IIA.

Hormonioterapia em neoplasia do corpo uterino O endométrio normal contém concentrações variáveis de receptores, tanto de estrogênio quanto de progesterona, de acordo com a fase do ciclo menstrual. No adenocarcinoma, os receptores de estrogênio mantêm concentrações semelhantes às do tecido normal, enquanto os receptores de progesterona tendem a diminuir no carcinoma de endométrio. Quanto à denominação de progestágenos, estes são derivados e/ ou análogos da progesterona passíveis de serem utilizados como agentes terapêuticos. O tratamento hormonal deve integrar a abordagem de tratamento do carcinoma do endométrio avançado. O uso de agentes progestágenos apresenta uma taxa de resposta global que varia entre 25 e 40%, dependendo dos critérios de resposta utilizados. Ao selecionarmos um subgrupo de pacientes que reúnam fatores de prognósticos favoráveis, como idade precoce, tumores bem diferenciados e longo intervalo livre de doença, esses índices de resposta podem ultrapassar 50%, com duração de resposta de 5 a 10 anos. Em relação à dose utilizada, um único estudo randomizado com medroxiprogesterona revelou que 200 mg apresentam benefícios superiores a 1 g, sendo que a terapêutica por via oral mostrou-se mais efetiva que por via intramuscular. Recentemente, um estudo fase 2, com altas doses de megestrol (80 mg/dia) em 60 pacientes, apresentou taxa de resposta de 26%, muito similar a regimes com doses baixas de megestrol. A melhor taxa de sobrevida nas séries estudadas

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estava relacionada ao tumor de histologia bem diferenciada, à presença de receptor de estrogênio e progesterona, à idade, ao número de sítios metastáticos, à terapia anterior e ao intervalo livre de doença superior a 2 anos. O tamoxifeno é muito bem utilizado como terapia de resgate. Um único e pequeno estudo randomizado envolvendo 42 pacientes, com a combinação tamoxifeno e megestrol, revelou taxa de resposta de 19%, não sendo superior à taxa de 20% obtida com o uso isolado de megestrol. Na pesquisa, obteve-se resposta completa em 9 dos 17 pacientes tratados com doses de tamoxifeno de 40 mg/dia. As mais recentes publicações reportam ao uso de análogos da gonadotrofina em pacientes com doença metastática por câncer endometrial. Houve relato de uma única remissão completa e cinco respostas parciais com o uso de leuprolide ou goserelina em 17 pacientes (35% resposta) com doença metastática. A duração da remissão foi de 7 a 30 meses, sendo que 14 das 17 pacientes haviam sido previamente tratadas com progestágenos. Há vários estudos com terapias endócrinas à base de estradiol, acetato de medroxiprogesterona e aminoglutetimida; contudo, nenhuma dessas modalidades terapêuticas foi superior ao uso de progestágenos, não sendo recomendado o seu uso rotineiro. Em resumo, nas pacientes com câncer de endométrio metastático, o uso de progestágenos é fundamental, especialmente naquelas mulheres com intervalo longo de doença, tumores histologicamente bem diferenciados ou receptor positivo de estrogênio/progesterona. O uso de progestágenos em caráter adjuvante não pode ser respaldado à luz dos estudos atuais. A Tabela 35.1 apresenta a correlação entre doses e respostas.

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Quimioterapia em neoplasia do corpo uterino Há evidências de que o uso de quimioterapia adjuvante no estádio patológico III e IV seja superior à radioterapia. O estudo GOG 122 comparou doxorrubicina e cisplatina versus irradiação de abdome total, verificando-se ganho absoluto de sobrevida livre de doença em 5 anos de 12% em favor do braço da quimioterapia. O timing e o benefício da radioterapia após o uso da quimioterapia nesse contexto ainda não foram completamente esclarecidos, embora opiniões de especialistas frequentemente recomendem seu uso sequencial. Quimioterapia é também a alternativa padrão na doença disseminada, na recidiva ou na falha terapêutica/impedimento de uso da hormonioterapia (cardiopatias hipertensivas ou isquêmicas, obesidade e/ou diabete melito). Embora vários agentes quimioterápicos utilizados em mono ou poliquimioterapia possam induzir remissões objetivas, o tratamento do câncer de endométrio avançado é paliativo, sem impacto na sobrevida dos pacientes. As respostas ao tratamento são fugazes, com média de 3 a 6 meses. Dentre os agentes quimioterápicos que demonstram atividade encontram-se cisplatina, carboplatina, doxorrubicina e epirrubicina, com taxas de resposta superiores a 20%. A cisplatina em doses de 50 a 60 mg/m2 a cada 3 semanas apresentou índices de resposta em torno de 21% em pacientes com tratamento prévio e de 25% em pacientes virgens de tratamento (25%). A carboplatina em doses de 300 a 400 mg/m2 a cada 4 semanas apresenta índices de resposta em torno de 29%, similares à cisplatina. A doxorrubicina em doses de 55 a 60 mg/m2 foi associada à taxa de 25%. O paclitaxel é um agente quimioterápico promissor no tratamento

Tabela 35.1 Tratamento hormonal do carcinoma de endométrio Agente

Dose

Taxa de resposta

Acetato megestrol Medroxiprogesterona Tamoxifen

40 mg VO/dia 200 mg VO/dia 20 mg VO 2⫻/dia

20% (11-56) 25% (14-53) 18% (0-53)

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do câncer endometrial. Em estudo recente de fase 2 conduzido pelo GOG, foram relatados resultados de 28 pacientes com câncer endometrial avançado ou recorrente, tratadas com doses de 250 mg/m2 a cada 21 dias. Quatro pacientes (14%) obtiveram resposta completa, e resposta parcial foi observada em seis pacientes (21%). Em um estudo randomizado do GOG, comparando doxorrubicina como fármaco isolado versus doxorrubicina e ciclofosfamida, em pacientes que haviam falhado previamente à hormonioterapia, foi obtido um índice de resposta de 22% com monoquimioterapia versus 30% com o tratamento combinado, sendo que o intervalo livre de doença foi de 3,2 e 3,9 meses, com mediana de sobrevida de 6,9 e 7,3 meses, respectivamente.

Quimioterapia em neoplasia do ovário A quimioterapia adjuvante no tratamento de tumores de ovários está indicada nos estádios I de alto risco (IA grau 3, IB grau 2 ou 3, IC ou células claras), II e III, geralmente após cirurgia citorredutora. No estádio IV ou em tumores não ressecáveis, é utilizada como tratamento primário. A cirurgia é a pedra angular no tratamento do câncer ovariano avançado, e a citorredução tumoral (debulking) máxima é seu objetivo, uma vez que há correlação entre baixo volume residual com prognóstico favorável e com eficácia do tratamento quimioterápico. A maioria dos centros considera como cirurgia citorredutora “ótima” aquela na qual a massa tumoral residual é ⬍ 2 cm, porém o critério de volume ⬍ 1 cm também é descrito. O volume tumoral inicial e o envolvimento de linfonodos para-aórticos são fatores prognósticos independentes. O CA-125 sérico não é fator prognóstico isolado; no entanto, sua mensuração é útil no seguimento. Esse exame é extremamente sensível para observar diminuições de massa tumoral ou progressão de doença durante o tratamento de tumores ovarianos. Os quimioterápicos mais ativos conhecidos até o momento para tratamento dos tumores de ovário de origem epitelial são derivados da platina, cuja combinação com outros fármacos pode gerar resposta ao tratamento em

70 a 80% dos pacientes. Das pacientes submetidas a debulking ótimo, cerca de 80% irão atingir uma resposta patológica completa, e aquelas com cirurgia subótima, ou seja, doença residual ⬎ 1 cm, têm a chance de resposta patológica completa em torno de 20 a 25%. Já está comprovado que a poliquimioterapia é preferível à monoquimioterapia. As combinações mais frequentemente utilizadas são a cisplatina associada à ciclofosfamida e a carboplatina associada a paclitaxel. Alguns trabalhos evidenciam aumento da sobrevida e da sobrevida livre de doença em pacientes portadoras de tumores de ovário submetidas à cirurgia subótima. O uso da quimioterapia intraperitoneal no contexto adjuvante da neoplasia de ovário estádio III com debulking ótimo foi estudado em três ensaios randomizados. No estudo do GOG, foi sendo evidenciado ganho de 25% na redução do risco de morte frente à quimioterapia intravenosa exclusiva. O tratamento intraperitoneal, contudo, foi associado a um importante aumento da toxicidade hematológica, gastrintestinal, metabólica e neurológica. Adicionalmente, limitações técnicas e necessidade de seleção criteriosa de candidatos restringem seu uso.

Discussão cisplatina versus carboplatina A cisplatina é o agente isolado mais ativo para o tratamento de tumores epiteliais de ovário. Faz parte do grupo de alquilantes não clássicos, e seu mecanismo de ação dá-se pela interferência com replicação do DNA e transição do RNA. Seus efeitos colaterais limitantes são vômitos, nefrotoxicidade e neurotoxicidade. A carboplatina é um derivado da platina de segunda geração com mecanismo de ação semelhante ao da cisplatina, porém com efeitos colaterais bem mais leves, sendo significativamente menos emetizante, ototóxica, neuro e nefrotóxica. Seu principal efeito colateral é a mielossupressão, sendo a plaquetopenia o fator limitante para sua utilização. Visto que não requer hidratação agressiva, a carboplatina é bastante conveniente para uso ambulatorial. A dose usual de cisplatina varia entre 80 e 100 mg/m2 e pode ser administrada em infusão contínua de 24 horas

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ou 3 horas precedida por esquema antiemético potente, reposição de eletrólitos e hidratação adequada. Para a carboplatina, a fórmula de cálculo das doses que levam em consideração a área da curva desejada e a depuração da creatinina é a formulação de Calvert AUC X (25 ⫹ clearence de creatinina), especialmente utilizada para evitar mielossupressão. Em um estudo, foi comparada a combinação paclitaxel e carboplatina com carboplatina, droga única em pacientes submetidos à ressecção cirúrgica, não sendo evidenciada diferença estatística entre os grupos quanto à sobrevida global e à sobrevida livre de doença. Esse estudo justifica o uso de carboplatina após ressecção cirúrgica em casos selecionados.

Taxanos A família dos taxanos inclui um grande grupo de compostos naturais ou modificados que tem um esqueleto químico taxane. Esses compostos aumentam a polimerização da tubulina e a estabilidade dos microtúbulos, impedindo a reorganização dinâmica da estrutura desses microtúbulos no processo de divisão celular. Esse mecanismo de ação única é responsável pela ausência de resistência cruzada entre a platina

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e os taxanos, o que pode ser observado na prática, ao utilizar-se paclitaxel (taxol) em pacientes previamente tratados e resistentes à platina. Os efeitos colaterais relacionados ao emprego do taxol mais frequentes são alopecia, leucopenia, neutropenia, hipotensão, bloqueio de condução e plaquetopenia. Além disso, tem efeito vesicante, devendo ser administrado com cuidado, embora possa ser utilizado em veia periférica. O fármaco pode ser administrado em infusão de 24 horas ou em 3 horas, devendo sempre ser precedido por anti-histamínicos e suporte antiemético. O taxol tem atividade contra tumores epiteliais de ovário em doses que variam de 135 a 250 mg/m2. A dose não deve ser repetida até a recuperação de neutrófilos e plaquetas, respectivamente 1.500 células/m2 e 100 mil células/m2. O fármaco é metabolizado no fígado e excretado pela bile. A Tabela 35.2 correlaciona fármacos e taxas de respostas.

Topotecan É um inibidor da topoisomerase II e atua impedindo o desdobramento do DNA celular e, portanto, interferindo na sua replicação. Pode ser utilizado como terapia de segunda linha em tumores previamente tratados e resistentes à

Tabela 35.2 Atividade dos agentes quimioterápicos sobre a neoplasia epitelial do ovário Fármacos 2

Cisplatina – baixa dose (30 mg/m ) 2 Cisplatina – intermediário (60-90 mg/m ) 2 Alta dose (100-120 mg/m ) Carboplatina Ciclofosfamida – baixa dose Ciclofosfamida – alta dose Melfalan Tiotepa Clorambucil Doxorrubicina Fluorouracil Metotrexato Hexametilmelamina Vinblastina Taxol Ifosfamida

Número de pacientes

Taxa de respostas (%)

71 31 21 18 355 36 541 537 40 58 92 25 59 20 124 40

45 55 52 50 43 61 47 48 23 34 20 20 34 10 24 20

504 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

platina. A dose usual de topotecan é 1,5 mg/ m2 por 5 dias, e seus principais efeitos colaterais são neutropenia e plaquetopenia, que podem ser fatores limitantes para o seu uso. A taxa de resposta obtida em pacientes previamente tratados com platina é de até 25%, e de 14% em pacientes platinorresistentes. A Tabela 35.3 relaciona vários fármacos que também vêm sendo utilizados nos tumores de ovário.

Atividade dos novos agentes na recorrência no câncer de ovário Ver Tabela 35.4.

índice de resposta pode chegar a 30%, sendo de apenas 6% entre pacientes primariamente refratárias à cisplatina. Nas pacientes cujo intervalo livre de doença inicial tenha sido igual ou inferior a 18 meses, o índice de resposta é de 17%, comparado ao índice de 53% apresentado pelas pacientes cuja recidiva tenha ocorrido após 18 meses do final do tratamento. O paclitaxel, conforme anteriormente discutido, pode constituir-se em uma opção, alcançando índices de resposta de 20 a 40% nesse grupo de pacientes. Outras alternativas de tratamento incluem a ifosfamida, doxorrubicina, hexametilamina, etoposide, tamoxifeno, topotecano, gencitabina, etc. A Tabela 35.5 mostra a recomendação para o uso de fármacos no tratamento do carcinoma de ovário.

Quimioterapia intraperitoneal

Tratamento de doença recidivada ou refratária A carboplatina foi extensamente estudada como fármaco de segunda linha no tratamento de pacientes previamente tratadas. Os fatores determinantes que permitem prever a possibilidade de resposta são a ocorrência de resposta anterior à cisplatina e a duração do intervalo livre de doença obtida após o tratamento inicial. Entre pacientes previamente sensíveis à cisplatina, o

A administração de fármacos diretamente no interior da cavidade peritoneal constitui-se em uma estratégia lógica, dotada de bases teóricas biológicas e farmacológicas, em uma doença como câncer de ovário, cuja disseminação inicialmente ocorre por meio de implantes intraperitoneais e na qual as células tumorais permanecem confinadas a essa área durante uma grande parte ou até mesmo durante a totalidade de sua história na-

Tabela 35.3 Tratamento da recidiva em pacientes não expostas a paclitaxel Agente Paclitaxel Topotecan Vinorelbine Gencitabina Docetaxel

Resposta (%) 19-40 14-23 22 29 40

Comentários Múltiplos estádios Baixa taxa de resposta em pacientes platinorresitentes Duração de resposta ⬎ 19 semanas Atividade em pacientes platinorresistentes Neutropenia

Tabela 35.4 Tratamento da recidiva após paclitaxel e platina Agente Doxorrubicina lipossomática Etoposide oral

Resposta (%) 26 27 a 35

Comentário Média de sobrevida com 11 meses Alta taxa de resposta em pacientes platinorresistentes

Rotinas em Ginecologia

505

Tabela 35.5 Recomendação de tratamento para carcinoma de ovário Após cirurgia citorredutora e estadiamento

Recomendação

Estádio IA, grau I ou II Estádio IB, grau I ou II Estádio IA ou IB, grau III; estádio IC; estádio II Estádio III, citorredução ótima Estádio III, citorredução subótima

Observação Observação Paclitaxel ⫹ carboplatina (3 ciclos) ou protocolo de estudo Paclitaxel ⫹ carboplatina (6 ciclos) Paclitaxel ⫹ carboplatina (6 ciclos)

tural. Entretanto, seriam potenciais candidatas a esse tratamento apenas as pacientes dotadas de pequeno volume tumoral (doença microscópica ou nódulos de diâmetro ⱕ 0,5 cm). Porém, mesmo nesse grupo favorável de pacientes, apenas aquelas portadoras de doença sensível à cisplatina intravenosa poderão vir a responder ao tra-

tamento intraperitoneal, desde que a vantagem farmacodinâmica oferecida por esse método não seja capaz de reverter a resistência tumoral ao fármaco. Já existem estudos que comprovam vantagem sobre o uso de interleucina intraperitoneal. Os estudos utilizando paclitaxel e cisplatina em breve estarão em andamento.

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506 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Na neoplasia de colo uterino estádio IIB, a opção terapêutica com melhor taxa de resposta e controle de doença é: a. b. c. d.

Quimioterapia. Radioterapia. Cirurgia. Radioterapia e quimioterapia radiossensibilizante. e. Braquiterapia.

2. Com relação às possibilidades terapêuticas que impactam em sobrevida geral no câncer de ovário, assinale a resposta que expressa as mais importantes terapias nessa patologia: a. b. c. d. e.

Cirurgia e quimioterapia. Cirurgia e hormonioterapia. Cirurgia e radioterapia. Quimioterapia e hormonioterapia. Radioterapia e hormonioterapia.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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O Papel da Radioterapia em Oncologia Genital Feminina Andréa Barleze da Costa Otávio Diaz Paulo Renato Figueiredo Ferreira

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Brasil, 2009), em 2008 o Estado do Rio Grande do Sul teve uma estimativa de 28,17 casos novos de câncer da cérvice uterina por 100 mil habitantes, superior à estimativa do Brasil, que foi de 24 casos por 100 mil habitantes. Juntamente ao câncer do endométrio, essa doença é a neoplasia maligna genital mais prevalente, em cujo tratamento a radioterapia desempenha um papel eficaz. Neste capítulo, discutiremos as principais indicações, os resultados e as complicações da radioterapia nas pacientes com câncer da cérvice uterina e do endométrio e a sua integração no tratamento multidisciplinar. Por limitações de espaço, optamos por abordar o papel da radioterapia no câncer de vulva, vagina e ovário nos capítulos correspondentes.

Radioterapia no câncer da cérvice uterina A radioterapia ocupa um papel importante no tratamento dos tumores invasivos da cérvice uterina devido a seu potencial curativo nos estádios IA1 a IVA. Nos estádios iniciais (IA a IIA), a histerectomia radical com linfadenectomia é igualmente eficaz e apresenta as seguintes vantagens: determina com acurácia a extensão da doença, pode remover linfadenopatias volumosas com impacto potencial no prognóstico (Cosin et al., 1998) e pode permitir a preservação

de um ovário em pacientes jovens. Entretanto, em apenas 12% das pacientes com estádios IB e IIA com maus fatores prognósticos (ver a seguir), a histerectomia radical é considerada satisfatória. Nas pacientes com estádios IB2 ou mais avançados, a radioterapia é, em geral, o tratamento primário. A radioterapia também é capaz de aumentar as chances de controle pélvico em pacientes submetidas à cirurgia radical com maus fatores prognósticos. Mais recentemente, o tratamento do câncer de colo uterino tornou-se um modelo bem sucedido de planejamento multidisciplinar ao ser demonstrado que o emprego de quimioterapia concomitante é capaz de potencializar significativamente o efeito da irradiação em quase todas as situações em que a radioterapia estiver indicada. Em um futuro muito próximo, é improvável que ocorram novos avanços terapêuticos de alto impacto. Proporcionar acesso amplo ao diagnóstico precoce e à educação para a nossa população feminina na faixa de risco continuará a ser o caminho mais simples, barato e eficaz rumo ao controle definitivo dessa doença no Brasil.

Fatores prognósticos relacionados à radioterapia Os fatores prognósticos mais importantes no câncer da cérvice uterina são o tamanho do tumor primário, a profundidade da invasão, a pre-

508 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

sença de metástases em linfonodos, a presença de invasão parametrial e a presença de invasão linfovascular. Nos últimos anos, novos fatores, a seguir relacionados, têm mostrado uma promissora capacidade preditiva na resposta à radioterapia, embora nem todos tenham validação confirmada: > Histologia: em um estudo com 1.767 pacientes tratadas com radioterapia, o adenocarcinoma mostrou maior chance de recidivas pélvicas e distantes do que o carcinoma epidermoide (Eifel et al.,1995). Nas pacientes com tumores  4 cm, as recidivas pélvicas para o adenocarcinoma e o carcinoma epidermoide foram de 6,3 e 2,6% (P  0,01), e as distantes, de 15,2 e 7,4% (P  0,01), respectivamente. Nos tumores com  4 cm, os resultados foram de 16,7 e 13,1% (P  0,16) e 36,8 e 21,2% (P  0,01), respectivamente. Os mesmos autores relataram que a chance de recidiva pélvica em pacientes com adenocarcinomas medindo de 3 a 4 cm foi de 45% após histerectomia radical e de 11% após radioterapia (Eifel et al., 1991). Entretanto, não há ensaios clínicos comparando as histologias do câncer da cérvice uterina, e conclusões definitivas a esse respeito não podem ser firmadas. > Realce pelo gadolínio: em um estudo de Loncaster e colaboradores (2002), as pacientes com tumores que apresentaram intenso realce pelo gadolínio durante a ressonância magnética obtiveram maior sobrevida com a radioterapia. Esse efeito pode ser devido a uma melhor oxigenação desses tumores. > Expressão de COX-2: a ciclo-oxigenase-2 é uma enzima produtora de prostaglandinas em tecidos inflamatórios e neoplásicos que inibe a apoptose, estimula a neoangiogênese e aumenta a atividade da metaloproteinase-2, uma enzima dissolvedora da matriz extracelular. Inibidores seletivos da COX-2 causaram retardo no crescimento e citotoxicidade em alguns tumores. Recentemente, foi observado que inibidores da COX-2 podem atuar sinergicamente com radioterapia e quimioterapia (Raju et al., 2002). > Antígeno do carcinoma epidermoide (SCC Ag): correlaciona-se com a resposta à tera-

pia e a probabilidade de recidivas. A elevação pré-tratamento é proporcional ao volume de doença: 38% no estádio IB e 83% no estádio IV (DeBruijn et al., 1998). A elevação do SCC Ag pós-terapia tem valor preditivo positivo de 97% para recidivas (Pras et al., 2002). Pacientes com níveis elevados previamente à radioterapia têm maior sobrevida livre de doença quando radioterapia e quimioterapia concomitantes são empregadas. Altos níveis de SCC Ag após a radioterapia podem indicar a necessidade de cirurgia de resgate (Pras et al., 2002).

Resultados com a radioterapia primária Estádio IA1 O tratamento convencional para as pacientes com tumores IA1 é a conização para tumores com  1 mm – desde que não haja invasão do espaço linfovascular e que as margens cirúrgicas sejam livres – ou histerectomia extrafascial simples tipo I (Eifel, 2003). Entretanto, pacientes que não desejam ou não sejam candidatas ao procedimento cirúrgico podem ser tratadas com braquiterapia exclusiva, cujos índices de controle local em 10 anos chegam a 95 a 100% (Shelton et al., 1992). Os adenocarcinomas precocemente invasivos podem crescer no epitélio glandular endocervical profundo, dificultando a determinação do grau de invasão. Por essa razão, essas lesões são geralmente classificadas como de estádio IB (Eifel, 2003).

Estádio IA2 O risco de lesões com 3 a 5 mm metastatizarem por via linfática é de 5%, alto o suficiente para justificar o tratamento de tecidos paracervicais e de linfonodos pélvicos (Delgado et al., 1989). Embora essa doença seja convenientemente tratada por histerectomia radical tipo II com linfadenectomia pélvica, a radioterapia é uma opção igualmente eficaz. O risco de disseminação linfática, embora baixo, justifica o tratamento dos linfonodos pélvicos na maior parte dos casos (Jhingran; Eifel, 2001) (Figura 36.1A e 1B). Entretanto, a braquiterapia exclusiva foi

Rotinas em Ginecologia

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Figura 36.1 Planejamento radioterápico conformal tridimensional baseado num tomógrafo-simulador dedicado disponível no Hospital de Clínicas de Porto Alegre em uma paciente com câncer de colo uterino localmente avançado. Nos campos anteroposterior e lateral estão assinalados o tumor do colo uterino e as cadeias linfáticas ilíacas de alto risco.

utilizada por alguns autores (Hamberger; Fletcher; Wharton, 1978), que relataram 100% de sobrevida livre de doença em 5 anos em pacientes com tumores IA e de 96% em pacientes com tumores IB com menos de um quadrante cervical invadido.

Estádios IB e IIA pequeno Pacientes com tumores IB1 e pequenos II A ( 3 cm) têm um risco de 16 a 25% de metástases em linfonodos pélvicos. Em razão de a chance de doença extrapélvica ser reduzida, a radioterapia externa seguida de braquiterapia intracavitária ou a histerectomia radical tipo III com linfadenectomia pélvica são curativas na maioria dessas pacientes e propiciam índices de sobrevida em 5 anos em torno de 80% (Tab. 36.1). Comparações simples entre ambos os tratamentos por meio de

estudos não randomizados podem ser inadequados, uma vez que pacientes mais jovens e com características clínicas mais favoráveis tendem a ser tratadas com cirurgia. O estudo de Landoni e colaboradores (1997) foi o único ensaio clínico randomizado a comparar pacientes com estádios IB e IIA tratadas com radioterapia ou histerectomia radical tipo III com linfadenectomia pélvica (Tab. 36.2). Não foram observadas diferenças significativas na sobrevida total ou sobrevida livre de doença em 5 anos em ambos os grupos desse estudo. A necessidade de radioterapia pós-operatória em decorrência de maus fatores prognósticos variou entre 54 e 83%, dependendo do tamanho do tumor primário. Por essa razão, a incidência de toxicidade graus 2 e 3 foi de 28% nas pacientes do grupo cirúrgico versus 11% nas do grupo tratado com radioterapia. Para os pa-

Tabela 36.1 Sobrevida total (ST) em 5 anos com radioterapia ou histerectomia radical em pacientes com carcinoma da cérvice uterina estádios IB a IIA em estudos não randomizados Autores

Volterrani e colaboradores (1983) Inoue (1984) Burghardt e colaboradores (1992) Eifel colaboradores (1994) Perez e colaboradores (1992) ST: sobrevida total.

Radioterapia

Cirurgia

N

% ST 5 anos

N

% ST 5 anos

127 59 – 1.494 394

91 80 – 81 85

123 362 443 – –

89 91 83 – –

510 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela 36.2 Único estudo fase III comparando radioterapia com histerectomia radical em pacientes com câncer da cérvice uterina estádios IB e IIA Desfecho Sobrevida total em 5 anos1 2 Sobrevida livre de doença Necessidade de radioterapia pós-operatória2

Cirurgia N  115

Radioterapia N  113

83% 80% ( 4 cm) e 63% ( 4 cm) 54% ( 4 cm) e 83% (4 cm)

74% 82% ( 4 cm) e 57% ( 4 cm) –

Fonte: Baseada em Landoni e colaboradores (1997). 1 Diferenças não significativas. 2 Em relação ao tamanho do tumor primário.

drões contemporâneos, a dose de radioterapia empregada é considerada baixa (76 Gy no ponto A) e não foi planejado o emprego concomitante de radioterapia combinada com quimioterapia. O melhor tratamento para os tumores IB2 e IIA é matéria de considerável controvérsia. Ao exame pélvico comum, os tumores em ambos os estádios podem parecer inicialmente ressecáveis, mas são em geral profundamente invasivos e, quando tratados por cirurgia, frequentemente associam-se à positividade de margens e/ou à disseminação para linfonodos pélvicos. O índice de recidivas locorregionais nas pacientes com tumores IB2 e IIA volumosos tratadas com cirurgia é de cerca de 30% (Delgado et al., 1989), e a maioria delas termina sendo candidata à radioterapia pós-operatória. No estudo de Landoni e colaboradores (1997), por exemplo, uma grande parcela das pacientes operadas recebeu radioterapia complementar, o que elevou significativamente a incidência de efeitos tóxicos indesejáveis nesse grupo. O papel da quimioterapia neoadjuvante à cirurgia radical foi investigado por estudos prospectivos. Uma metanálise com 2.964 pacientes provenientes de 18 estudos randomizados (Neoadjuvant Chemotherapy for Locally Advanced Cervical Cancer Meta-analysis Collaboration, 2003) fez duas comparações. A primeira cotejou quimioterapia neoadjuvante seguida por radioterapia radical versus a mesma radioterapia exclusiva. Um alto índice de heterogeneidade estatística entre os estudos compulsados pela metanálise impediram conclusões definitivas. A segunda avaliou quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia versus radioterapia radical exclusiva e observou uma redução significativa

de 35% no risco de morte com a quimioterapia neoadjuvante. Entretanto, na era da radioquimioterapia contemporânea para tumores iniciais da cérvice uterina, alguns autores consideram ainda prematura a superioridade dos resultados a longo prazo obtidos pela quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia (Holschneider; Santos, 2009). O ensaio clínico randomizado em andamento da European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC 55994), que compara radioquimioterapia com quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia, poderá responder essa questão no futuro. Em suma, pacientes com tumores nos estádios IB1 ou IIA com  4 cm de diâmetro podem beneficiar-se com cirurgia radical ou radioterapia. No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), a cirurgia tem sido historicamente indicada nas pacientes com idade inferior a 50 anos e com boas condições clínicas. Nas pacientes com tumores nos estádios IB2 e IIA,  3 cm de diâmetro, a opção tem sido a radioterapia associada à quimioterapia.

Estádios IIB e III Pacientes com tumores nos estádios IIB e III não são adequadamente tratadas por cirurgia. Embora localmente avançados, esses tumores são potencialmente curáveis pela radioterapia combinada à quimioterapia, que é considerado o tratamento de escolha nessas situações. No estádio IIB, a sobrevida total é de 50 a 75% (Eifel, 2003). Essa ampla variação retrata, possivelmente, diferenças na avaliação clínica, seleção de pacientes e técnicas de tratamento. Em 1999, revisamos os resultados com radioterapia exclusiva em 202 pacien-

Rotinas em Ginecologia

tes portadoras de carcinoma da cérvice uterina estádio IIIB (Ferreira et al., 1999). Após 10 anos, a sobrevida total, a sobrevida livre de doença e o índice de falhas pélvicas foram de 22,5, 23,5 e 51,6%, respectivamente. Nos últimos 15 anos, foram tentadas terapias com feixe de nêutrons, oxigênio hiperbárico e sensibilizadores de células hipóxicas, com a finalidade de superar os altos índices de progressão distante e locorregional, mas os resultados foram desapontadores.

Estádio IVA Como opção não cirúrgica, a radioterapia é potencialmente curável em 10 a 20% de pacientes selecionadas com tumores estádio IVA (Eifel, 2003). Após a radioterapia externa, sempre que possível deve ser tentada a braquiterapia intracavitária, a não ser que a paciente apresente uma fístula. Nesse caso, deve ser considerada a possibilidade de radioterapia externa com campos progressivamente diminuídos. Não há uma conduta definitiva para pacientes com fístulas retovaginais ou vesicovaginais. Ela dependerá da intensidade dos sintomas e da expectativa de vida da paciente. A radioterapia pode ser eficaz no alívio da dor pélvica ou sangramento, assim como nas pacientes cujas condições clínicas não permitam um curso prolongado utilizando fracionamento convencional. Se o sangramento for o maior problema em pacientes com má capacidade de desempenho, uma única sessão de braquiterapia pode ser suficiente, mesmo após irradiação prévia. Algumas pacientes com tumores relativamente pequenos e centralmente móveis podem ser possíveis candidatas à cirurgia de exenteração pélvica com intuito paliativo.

Duração adequada da radioterapia Para que tenha a máxima eficácia, a radioterapia deve ser concluída em um período ideal de tempo, independentemente do uso de quimioterapia concomitante. Dados retrospectivos sugerem que esse período deve ser inferior a 9 semanas. Em nossa experiência em um grupo de 109 pacientes com estádio IIIB tratadas com radioterapia exclusiva, o índice de recidivas locorregionais foi de 100% (10/10 pacientes) quando a radioterapia ultrapassou 9 semanas e de 65,6% (65/99 pa-

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cientes) quando a radioterapia teve uma duração menor (Ferreira et al., 1999). Em 1.224 pacientes com câncer da cérvice uterina com estádios IB a III tratadas com radioterapia exclusiva, Perez e colaboradores (1995) observaram que, naquelas em que a radioterapia excedeu 9 semanas, houve um aumento significativo no índice de recaídas locorregionais em 10 anos em comparação às que completaram o tratamento em um período menor de tempo (IB: ⱕ 7 semanas ⫽ 5%, ⱖ 9 semanas ⫽ 36%; IIA: ⱕ 7 semanas ⫽ 14%, ⱖ 9 semanas ⫽ 36% e IIB: ⱕ 7 semanas ⫽ 20%, ⱖ 9 semanas ⫽ 34%). É provável que tais evidências se apliquem também a pacientes tratadas de forma combinada com quimioterapia.

Tratamento combinado de radioterapia e quimioterapia Existe uma ação sinérgica entre a radioterapia e a quimioterapia, caracterizada por um efeito citotóxico direto no tumor, sincronização das células nas fases mais sensíveis do ciclo celular e inibição do reparo do dano subletal induzido pela radiação (Moore, 2002). Em contraste aos estudos que investigaram o papel da quimioterapia neoadjuvante à irradiação, no final da década passada vários ensaios clínicos randomizados obtiveram benefícios significativos na sobrevida total com o emprego concomitante de radioterapia e quimioterapia baseada na cisplatina (Whitney et al., 1999; Rose et al., 1999; Morris et al, 1999) (ver Cap. 35, O papel da quimioterapia e hormonioterapia em oncologia genital feminina). Essa combinação foi eficaz não somente nas pacientes tratadas de modo conservador, mas também naquelas em que houve necessidade de radioterapia após a cirurgia radical (Peters et al., 2000), ou quando a histerectomia extrafascial foi realizada após a radioterapia (Keys et al., 1999). Certas autoridades admitem que há evidências suficientes para recomendar a associação com quimioterapia sempre que a radioterapia for utilizada no tratamento do câncer localmente avançado da cérvice uterina (National Cancer Institute, 1999). Entretanto, duas questões precisam ser consideradas. A primeira diz respeito aos estádios IIIB e IVA do estudo de Morris e colaboradores (1999), em que não foi verificado benefício na sobrevida total com o

512 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

emprego de quimioterapia concomitante (63 vs. 57%, P  0,44), provavelmente pelo pequeno poder estatístico da amostra. Mesmo que pacientes de estádios IIIB e IVA possam se beneficiar de quimio e radioterapia concomitantes, essa associação ainda precisa ser definitivamente comprovada por estudos apropriados. A segunda questão diz respeito a um ensaio clínico colaborativo do Canadá (Pearcey et al., 2002), em que não se observou vantagem na sobrevida total em 5 anos em 259 pacientes com estádios IB a IVA tratadas com cisplatina e radioterapia concomitantes versus radioterapia exclusiva (66 vs. 58%, P  0,42). O período mediano em que a radioterapia foi realizada foi de 51 dias, ao contrário das demais séries mencionadas anteriormente, cuja mediana foi de 62 a 64 dias. Esse fato sugere que a quimioterapia somente aumentaria a sobrevida quando a radioterapia fosse protraída, isto é, subótima. Em resumo, quimioterapia e radioterapia concomitantes são o padrão atual de tratamento não cirúrgico para o câncer da cérvice uterina localmente avançado (estádios IB2 a IVA), mas novos estudos ainda são necessários para determinar as drogas e as doses ideais, bem como o momento mais oportuno de integração entre a radioterapia e a quimioterapia (Engleman et al., 2003).

Radioterapia seguida de histerectomia extrafascial As pacientes com tumores IB1 têm cerca de 97% de controle pélvico em 5 anos com radioterapia exclusiva e, provavelmente, não necessitam de quimioterapia concomitante (Eifel et al., 1994). Já as pacientes com tumores IB2 têm alto risco de envolvimento linfonodal e de invasão parametrial. Quando tratadas por radioterapia exclusiva (Eifel et al., 1994), as pacientes com tumores IB2 endocervicais volumosos têm um risco de doença residual de cerca de 50%, mesmo com a associação de quimioterapia concomitante (Classe et al., 2006), possivelmente pelo fato de conterem células hipóxicas com precária resposta à radioterapia externa e pela maior probabilidade de extensão parametrial além do alcance efetivo da braquiterapia. Essas observações serviram como justificativa ao emprego de histerectomia extrafascial após a radioterapia. Muitos estudos

que adotaram essa doutrina relataram uma redução nas recidivas pélvicas de 15 a 20% para 2 a 5%; porém, não demonstraram impacto apreciável na sobrevida (Perez et al., 1995). Um ensaio clínico randomizado do Gynecologic Oncology Group (GOG) foi o único a comparar radioterapia externa e intracavitária exclusiva e radioterapia seguida de histerectomia extrafascial em 256 pacientes com tumores iguais ou maiores do que 4 cm (Keys et al., 2003). A toxicidade grau 3 ou 4 em ambos os grupos foi de 10%, a maioria de natureza gastrintestinal ou geniturinária. Em 5 anos, a incidência de progressão da doença foi equivalente (46 vs. 37%, respectivamente, P  0,07). Também não houve diferenças significativas na sobrevida total: o risco relativo do tratamento combinado para a radioterapia exclusiva foi de 0,89 (IC [intervalo de confiança] 90%  0,65-1,21). Os autores concluíram que no grupo total de pacientes não houve benefício clínico com o emprego de histerectomia extrafascial após a radioterapia. Uma análise de subgrupo, porém, revelou que pacientes com tumores medindo de 4 a 6 cm podem ter um benefício com histerectomia extrafascial (risco relativo não ajustado de 0,58 para progressão e de 0,60 para morte). O papel da quimioterapia combinada à radioterapia pré-operatória foi avaliado por um outro ensaio clínico randomizado do GOG. Keys e colaboradores (1999) admitiram 369 pacientes com tumores estádio IB2 para receber radioterapia externa e intracavitária com ou sem cisplati2 na concomitante (40 mg/m semanais com dose máxima semanal de 70 mg, durante 6 semanas) seguida de histerectomia extrafascial. Pacientes com imagens suspeitas de linfadenopatias pélvicas foram inelegíveis. Em 5 anos, o risco relativo de progressão da doença entre ambos os grupos foi de 0,51 (IC 95%  0,34-0,75) e 0,54 (IC 95%  0,34-0,86), respectivamente. A sobrevida total foi significativamente maior no grupo tratado com cisplatina (68 vs. 82%, P  0,008). Os autores concluíram que o emprego de cisplatina concomitante à radioterapia pélvica seguida de histerectomia extrafascial reduziu o risco de recidivas pélvicas e de morte nas pacientes com tumores estádio IB2. Alguns autores sugerem que a presença de tumor residual em biópsias cervicais sob anestesia

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após 8 a 10 semanas do término da radioquimioterapia pode identificar pacientes que eventualmente teriam benefício com histerectomia (Nijhuis et al., 2006). Em resumo, não há consenso sobre a necessidade de histerectomia após tratamento primário com radioterapia. Alguns autores recomendam esse procedimento quando o tumor mede  8 cm, se a resposta à radioterapia foi modesta ou se houver indícios de invasão da porção não cervical do útero (Holschneider; Santos, 2009).

Radioterapia pós-operatória Durante décadas, o benefício da radioterapia pós-operatória no controle pélvico e na sobrevida foi motivo de controvérsia. Recentemente, Creasman e Kohler (2004) revisaram 25 estudos sobre fatores prognósticos independentes em relação à sobrevida em pacientes submetidas à histerectomia radical com linfadenectomia pélvica. Os maiores fatores foram a presença de metástases em linfonodos (20/22 estudos, 91%) e o tamanho do tumor/profundidade da invasão (15/24 estudos, 62%). Apenas 3/25 estudos (12%) identificaram a invasão do espaço linfovascular como um fator independente de prognóstico. Os autores concluíram que a indicação de radioterapia adjuvante baseada somente na invasão linfovascular deveria ser questionada. Os papéis da radioterapia exclusiva pós-operatória e da combinação de radioterapia e quimioterapia pós-operatória foram investigados por ensaios clínicos na última década. O GOG avaliou o papel da radioterapia pós-operatória em pacientes patologicamente N zero (Sedlis et al, 1999) em 140 pacientes randomizadas para tratamento com histerectomia radical exclusiva e em 137 pacientes randomizadas para radioterapia pós-operatória. Os critérios de inclusão consistiram em ter 2 ou mais dos seguintes fatores de mau prognóstico: invasão estromal 13 mm, presença de invasão linfovascular e tumor primário com  4 cm no maior diâmetro. No grupo irradiado, o risco de recidiva pélvica foi 47% menor do que no controle (15 vs. 28%, P  0,008). Publicado como resumo, essa análise preliminar não pôde determinar a sobrevida

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total. Um ensaio clínico britânico avaliou o impacto do tratamento pós-operatório combinado versus radioterapia exclusiva em 71 pacientes com estádios IB e IIA com metástases em linfonodos pélvicos (Tattersall; Ramirez; Coppleson, 1992). Não houve diferenças significativas na sobrevida total e na sobrevida livre de doença em ambos os braços desse pequeno estudo. O South West Oncology Group (SWOG) conduziu um ensaio clínico similar em 243 pacientes com estádios IA2, IB e IIA (Peters et al., 2000). Os critérios de inclusão consistiram na presença de metástases linfáticas patologicamente confirmadas, margens comprometidas ou paramétrios invadidos. Em 4 anos, a sobrevida total foi de 81 versus 71% (P  0,007). Os autores concluíram que, em pacientes candidatas à irradiação pós-operatória, a quimioterapia combinada com radioterapia beneficiou significativamente a sobrevida. Os estudos mencionados evidenciam que, em pacientes com alto risco de recidiva, a radioterapia pós-operatória aumenta significativamente o controle pélvico e, quando combinada à quimioterapia, também beneficia a sobrevida total. O tratamento primário das pacientes com tumores IA e IIA deveria ser planejado para evitar o uso rotineiro de cirurgia e radioterapia pós-operatórias, a fim de diminuir a toxicidade somada de ambos os tratamentos. Se na avaliação inicial de uma paciente com tumor potencialmente ressecável houver dúvidas sobre a presença de infiltração parametrial, metástases em gânglios linfáticos ou invasão estromal profunda, a radioterapia deve ser o tratamento primário escolhido. Com base nos dados desses trabalhos, a American Brachytherapy Society (ABS) (Nag et al., 2002) recomenda o emprego de radioterapia pós-operatória de acordo com uma hierarquia de fatores de alto risco para recidiva (Quadro 36.1).

Radioterapia após histerectomia simples Em algumas situações, tumores invasivos são descobertos inadvertidamente após uma histerectomia simples tipo I. A radioterapia pós-operatória nessas pacientes pode exercer im-

514 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 36.1

Fatores de risco requeridos para indicar radioterapia pós-operatória em pacientes com carcinoma da cérvice uterina de acordo com a American Brachytherapy Society Apenas um fator requerido > Linfonodos pélvicos metastáticos > Margens cirúrgicas comprometidas > Paramétrio(s) invadido(s) Dois ou mais fatores requeridos > Invasão estromal profunda ( 2 cm ou  1/3 do volume) > Tumor  4 cm no maior diâmetro > Presença de invasão linfovascular Fonte: Baseado em Nag e colaboradores (2002).

portante impacto na sobrevida, dependendo da quantidade de tumor residual presente, conforme uma classificação do M.D. Anderson Cancer Center (Andras; Fletcher; Rutledge, 1973): 1) carcinoma microinvasor, 2) tumor confinado à cérvice com margens negativas, 3) margens positivas microscopicamente, 4) margens positivas macroscopicamente, documentadas por biópsia e 5) pacientes encaminhadas para radioterapia seis meses após a cirurgia, geralmente com doença clinicamente recidivada. Em 123 pacientes dos grupos 2 e 3, Roman e colaboradores (1993) relataram índices de sobrevida com irradiação adjuvante de 79 e 59%, respectivamente. Já em 30 pacientes dos grupos 4 e 5, ambos os índices foram de 41% (P  0,0001). A técnica recomendada consiste na irradiação de toda a pelve seguida de braquiterapia da cúpula vaginal. Não há evidências que comprovem o tratamento combinado de radioterapia com quimioterapia após uma histerectomia inadequada; porém, nos grupos 3, 4 e 5, esse tratamento pode ser razoável em virtude da alta taxa de recidivas com irradiação exclusiva. Entretanto, a radioterapia não parece estar indicada em pacientes submetidas à histerectomia simples para tumores com até 3 mm de infiltração sem invasão linfovascular.

Radioterapia no carcinoma de coto cervical Eventualmente, em pacientes submetidas à histerectomia subtotal por doenças benignas, o ginecologista pode ser surpreendido pela presença de carcinoma na cérvice remanescente. A avaliação clínica visando ao planejamento da radioterapia inclui tomografia computadorizada ou ressonância magnética e, se possível, histerometria do canal cervical. O tratamento varia conforme o volume de doença. Estádios IA2 e pequenos IB podem ser tratados com traquelectomia radical e linfadenectomia pélvica, embora a irradiação da pelve seguida de braquiterapia (sempre que possível) seja mais comum. Alguns autores relatam índices de sobrevida de 81,5% em pacientes tratadas com irradiação externa e intracavitária e de apenas 38,5% com irradiação externa (Barillot et al., 1993). Em alguns relatos, a curabilidade nos estádios I, II e III chega a 91, 77 e 40%, próxima a da verificada em pacientes com o útero intacto.

Persistência de tumor após a radioterapia Ao final da radioterapia primária para tumores potencialmente curáveis, a maioria das pacientes terá resposta completa na cérvice. Recidivas locais surgidas vários meses após o desaparecimento completo do tumor cervical são fáceis de ser identificadas. Entretanto, nem sempre é possível distinguir entre uma lesão ainda em fase remissiva no colo e a persistência do tumor logo após o término da radioterapia. Nesses casos, o intervalo de tempo necessário para haver uma resposta completa na cérvice torna-se uma questão prática e muito importante para o ginecologista. Tumores persistentes durante os três primeiros meses após a radioterapia podem ser detectáveis pelo exame pélvico (Jacobs et al., 1986). Após esse período, tumores recidivantes são, em geral, assintomáticos e também podem ser detectados pelo exame pélvico. Não há exames de rotina comprovadamente seguros para detectar recidivas linfáticas ou distantes em pacientes assintomáticas. Por meio de tomografia computadorizada e ressonância magnética, o radiologista pode também padecer das mesmas

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dificuldades do próprio ginecologista na distinção entre fibrose, necrose ou tumor em atividade. Recentemente, Grigsby e colaboradores (2003) avaliaram 76 pacientes com diagnóstico de carcinoma da cérvice uterina tratadas com radioterapia e acompanhadas subsequentemente por tomografia por emissão de pósitrons (PET). Captações anormais identificadas no colo uterino foram de 18% (14/76), nos linfonodos pélvicos de 16% (9/55) e nas cadeias para-aórticas de 45% (5/11). Em dois anos, a sobrevida livre de doença nas pacientes com PET normal versus anormal foi de 86 versus 40%, respectivamente. A conclusão foi de que a PET se mostrou útil tanto na avaliação da resposta do tumor primário e dos linfonodos pélvicos como na detecção de recidivas após radioterapia, mas esses resultados ainda requerem confirmação por novos estudos.

Recidiva local após radioterapia ou cirurgia radical Após a radioterapia, pacientes com intervalo livre de doença menor do que um ano têm pior prognóstico. O tratamento de resgate costuma ser exenteração pélvica, que permite chances de cura em 5 anos, em casos selecionados, entre 25 e 50%. Recidivas pélvicas isoladas após uma cirurgia radical primária podem ser tratadas com radioterapia (Tab. 36.3). Caso não haja metástases regionais ou fixação à parede pélvica, a radioterapia pode proporcionar um índice de cura de 60 a 70%. Do contrário, a chance cai para 10 a 20%. Não é claro o papel da quimioterapia concomitante à radioterapia em pacientes com câncer de cérvice uterina localmente recidivado (Thomas et al., 1987).

515

Toxicidade aguda e tardia da radioterapia Os sintomas colaterais agudos mais comuns observados durante a radioterapia da pelve costumam manifestar-se na bexiga, no reto e na pele perineal. A disúria, geralmente não bacteriana, é avaliada em cerca de 50% das vezes com a instituição de fenazopiridina. Caso não haja alívio ou surjam outros sinais de infecção urinária, uma urocultura com antibiograma pode ser necessária. Diarreia e cólicas abdominais são controladas com difenoxilato, loperamida ou elixir paregórico e antiespasmódicos. Eventualmente, uma epitelite perineal superficial de curta duração pode ser verificada na pele da vulva e responde bem a um corticosteroide tópico. A ocorrência de efeitos agudos pode ser intensificada pela concomitância de quimioterapia. Os efeitos tardios da irradiação envolvem bexiga, reto e intestino delgado. Complicações no trato gastrintestinal surgem em média após dois anos do término da radioterapia, enquanto as do trato urinário, após 3 a 4 anos. Em nossa experiência com pacientes portadoras de carcinoma da cérvice uterina estádio IIIB tratadas com radioterapia exclusiva, a ocorrência desses efeitos foi rara (Tab. 36.4) (Ferreira et al., 1999). Quando ocorrem, em geral esses problemas são irreversíveis e requerem uma solução cirúrgica.

Radioterapia no câncer do endométrio A classificação do carcinoma do endométrio conforme o estádio FIGO é descrita no Capítulo 33, Neoplasias de corpo uterino. Das pacientes com

Tabela 36.3 Resultados com radioterapia para recidivas pélvicas detectadas após histerectomia radical em pacientes com carcinoma da cérvice uterina Autores

N

Controle pélvico (%)

Sobrevida (%)

Ijaz e colaboradores (1998) Potter e colaboradores (1990) Jobsen e colaboradores (1989) Thomas e colaboradores (1987)

50 28 18 17

62 61 47

33 30 44 47

516 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela 36.4 Complicações tardias em pacientes com carcinoma da cérvice uterina estádio IIIB tratadas com radioterapia exclusiva RTE ⴙ BQT ⴝ 93 pacientes Grau de complicações* (%)

Proctite Fístula retovaginal Fístula vesicovaginal Perfuração de sigmoide Total

I

II

III

0 (0) 0 (0)

0 (0) 0 (0)

0 (0)

0 (0)

0 (0)

0 (0)

0 (0)

0 (0)

0 (0)

0 (0)

IV

RTE ⴝ 109 pacientes Grau de complicações* (%)

TOTAL

I

1 (1,1) 2 (2,1)

0 (0) 0 (0)

1 (1,1)

1 (1,1)

0 (0)

0 (0)

0 (0)

1 (0,9)

1 (0,9)

1 (1,1)

1(1,1)

0 (0)

0 (0)

0 (0)

1 (0,9)

1 (0,9)

1 (1,1) 0 (0) 0 (0) 2 (2,1)

1 (1,1) 4 (4,3) 5/93 (5,4)

0 (0)

II

III

IV

TOTAL

3 (2,7) 1 (0,9) 0 (0) 0 (0) 0 (0) 2 (1,8)

4 (3,7) 2 (1,8)

3 (2,7) 1 (0,9) 4 (3,6) 8/109 (7,3)

Fonte: Baseada em Ferreira e colaboradores (1999). * Algumas pacientes apresentaram mais do que um tipo de complicação. Graduação de toxicidade de acordo com a escala do Radiation Therapy Oncology Group (RTOG) (Cox; Stetz; Pajak, 1995). BQT, braquiterapia; RTE, redioterapia externa.

carcinomas do endométrio, 90% incluem-se no estádio I e mais de 80% podem ser curadas pela cirurgia. Cerca de 50% das recidivas no estádio I são restritas à pelve. O adenocarcinoma endometrioide é o tipo histológico predominante em 75 a 80% dos casos. Em geral, ele é bem diferenciado, tem curso indolente e o melhor prognóstico dentre todas as histologias (Tab. 36.5). A

histerectomia abdominal total com ooforectomia bilateral é o tratamento primário para o carcinoma do endométrio, seguida por radioterapia adjuvante nas pacientes com risco de recidiva pélvica. Quando a cirurgia não pode ser realizada em pacientes com tumores operáveis, a radioterapia primária proporciona um controle local razoável e melhora duradoura dos sintomas.

Tabela 36.5 Prevalências e graus de malignidade do adenocarcinoma endometrioide (e suas variantes) e carcinomas não endometrioides de acordo com a classificação da Organização Mundial da Saúde e Sociedade Internacional de Patologistas Ginecológicos Tipo histológico Adenocarcinoma endometrioide > Papilar viloglandular > Secretor > Células ciliadas > Adenocarcinoma com diferenciação escamosa – adenoacantoma – carcinoma adenoescamoso Carcinoma papilar seroso Carcinoma mucinoso Carcinoma de células claras Carcinoma escamoso Carcinoma indiferenciado Fonte: Modificada de Jhingran e Eifel (2003).

Prevalência

Grau de malignidade

75-80% Baixo Baixo Baixo

10% 9% 4% 1% 1%

Baixo Alto Alto Baixo Alto Alto Alto

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Importância da avaliação cirúrgica completa Pacientes completamente avaliadas são aquelas em que a cirurgia realizada incui linfadenectomia pélvica e para-aórtica. Esse tipo de avaliação é fundamental para a correta orientação do tratamento adjuvante. O risco de metastatização para linfonodos pélvicos e para-aórticos é proporcional ao grau histológico e à invasão miometrial. Em pacientes clinicamente avaliadas como estádios I e II, o risco de disseminação linfática pélvica e para-aórtica é de 7 a 9% e de 2 a 3%, respectivamente (Cragun et al., 2005). Há controvérsias sobre o benefício da linfadenectomia pélvica como avaliação ou tratamento no câncer do endométrio. Segundo dados retrospectivos da Universidade do Alabama (Kilgore et al., 1995), a linfadenectomia pode exercer um papel curativo. Em 649 pacientes com câncer do endométrio, aquelas submetidas à linfadenectomia pélvica tiveram uma sobrevida total significativamente maior do que aquelas em que essa avaliação não foi realizada (80 vs. 60%, P  0,0001), tanto nas de baixo quanto nas de alto risco. Embora reconheçam a limitação desses dados, os painéis de consenso do American Congress of Obstetricians and Gynecologists (American College of Obstetricians and Gynecologists, 2005) e (National Comprhensive Cancer Network, 2010) recomendam a linfadenectomia pélvica e para-aórtica em todas as pacientes com carcinoma do endométrio, independentemente do risco e do fato de a doença estar confinada apenas ao útero. Entretanto, dois estudos europeus recentes questionam o papel da linfadenectomia em pacientes com doença precoce (Astec Study Group et al., 2009; Benedetti et al., 2008). Embora importante, o benefício da linfadenectomia eletiva é controverso e deve ser cotejado com a morbidade inerente ao método. Seriam exceções à linfadenectomia pélvica as pacientes jovens ou perimenopáusicas com adenocarcinoma endometrioide grau 1 associado a hiperplasia endometrioide atípica ou aquelas consideradas de alto risco cirúrgico devido a comorbidades (American College of Obstetricians and Gynecologists, 2005).

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Papel da radioterapia adjuvante De modo geral, a chance de recidiva locorregional nos estádios I e II sem tratamento adjuvante é de 15 a 25%, ao passo que, com radioterapia, é inferior a 5%. A maioria das recidivas é local, principalmente na cúpula vaginal. Os principais objetivos da radioterapia pós-operatória nas pacientes de risco são os seguintes: 1) diminuir recidivas vaginais, 2) esterilizar doença microscópica na pelve, 3) diminuir a semeadura do tumor, 4) não alterar achados histopatológicos, 5) permitir uma avaliação cirúrgica precisa e 6) selecionar melhor as pacientes que necessitam de irradiação. Morrow e colaboradores (1991) sugeriam uma alta eficácia da radioterapia pélvica adjuvante ao relatarem índices de sobrevida de 80 a 90% em pacientes com estádios IB grau 3 ou IC. Três ensaios clínicos randomizados evidenciaram um benefício da radioterapia adjuvante no controle pélvico; porém, até o momento, nenhum estudo semelhante comprovou benefício na sobrevida total: > GOG 99: o GOG admitiu 448 pacientes com estádios IB, IC e II com fatores de risco classificados como baixo, intermediário-baixo, intermediário-alto e alto (Quadro 36.2) (Keys et al., 2004). As pacientes de risco intermediário-baixo e intermediário-alto foram tratadas por histerectomia radical e linfadenectomia pélvica e para-aórtica e randomizadas para receber radioterapia externa da pelve ou apenas observação. Em dois anos, as recidivas locorregionais e vaginais foram de 3 e 12% (P  0,007) respectivamente, mas a curabilidade não foi significativamente diferente (92 vs. 86% P  0,557). O estudo mostrou que pacientes de alto risco podem se beneficiar de radioterapia pélvica, embora a chance de complicações locorregionais aumente quando as pacientes são irradiadas após a linfadenectomia, principalmente aquelas com história de infecções pélvicas, múltiplas cirurgias abdominais ou diabete. As complicações graus 3 e 4 foram de 8% nas pacientes irradiadas, e duas mulheres dentre 190 do braço da radioterapia morreram como consequência de danos intestinais.

518 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 36.2

Classificação de risco para recidivas locorregionais baseada no estudo GOG 99 em pacientes com câncer de endométrio operado Risco baixo: > Estádios IA graus 1 a 2 > Estádio IB grau 1 Risco intermediário baixo > Estádio IA grau 3 > Estádio IB grau 2 > Estádio IIA graus 1 a 2 e invasão miometrial  50% Risco intermediário alto > > > > > > > >

Estádio IB grau 3 Estádio IIA grau 3 e invasão miometrial  50% Estádio IC graus 1 a 2 Estádio IIA graus 1 a 2 e invasão miometrial  50% Invasão do espaço linfovascular 1/3 dos critérios acima com idade  70 anos 2/3 dos critérios acima com idade  50 a 69 anos 3/3 dos critérios acima com idade  50 anos

Risco alto > > > > >

Estádio IC grau 3 Estádio IIA grau 3 e invasão miometrial  50% Estádio IIB qualquer grau Histologia de carcinoma papilar seroso ou de carcinoma de células claras Estádios III a IV

Fonte: Modificado de Cardenes, Look e Cerezo (2008).

> PORTEC: pesquisadores do estudo Post-operative Radiation Therapy in Endometrial Carcinoma verificaram 4% de recidivas pélvicas em 715 pacientes de risco intermediário-alto que reberam radioterapia em comparação a 14% que foram apenas observadas (Creutzberg et al., 2000). O grupo de risco intermediário-alto foi composto por pacientes com dois ou mais dos seguintes fatores de mau prognóstico: grau 3, invasão da camada externa do miométrio e idade igual ou superior a 60 anos. A sobrevida não foi modificada de modo significativo (81 vs. 85%), mas a morbidade associada à radioterapia foi maior (26 vs. 4%). A análise desse estudo, entretanto, é limitada, pois não exigiu uma avaliação cirúrgica completa, e o número total de pacientes com estádio I não foi divulgado com exatidão.

> Estudo norueguês: um ensaio clínico randomizado de Aalders, Abeler e Kolstad (1980) investigou o papel da irradiação externa da pelve seguida de braquiterapia em pacientes de alto risco. A radioterapia diminuiu as recidivas locais (6,9 vs. 1,9%), mas não causou impacto na sobrevida total. Em resumo, a radioterapia adjuvante nas pacientes de risco intermediário é capaz de reduzir significativamente o índice de recidivas locorregionais em cerca de 15%, embora não tenha impacto na sobrevida total. A decisão de irradiar uma paciente deve levar em consideração o benefício almejado e o risco de complicações. A seguir, abordamos as diferentes possibilidades de integração da radioterapia no tratamento das pacientes com câncer do endométrio.

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Radioterapia de toda a pelve versus braquiterapia Como o padrão de recidiva do câncer do endométrio é predominantemente pélvico, a braquiterapia exclusiva pode ser uma alternativa à radioterapia externa, pois apresenta um perfil de toxicidade menor. Essa hipótese foi testada recentemente pelo estudo PORTEC-2 (Nout et al., 2008), que randomizou 427 pacientes com câncer do endométrio de risco intermediário-alto para receber radioterapia externa versus braquiterapia da cúpula vaginal. Em 36 meses, os índices de recidivas vaginais (2 vs. 1%, respectivamente) e pélvicas (0,6 vs. 3,5%, respectivamente), bem como de sobrevida total (90% em ambos) foram similares. Entretanto, a toxicidade induzida pela braquiterapia foi significativamente menor. O papel da braquiterapia como única forma de irradiação não é consensual. É possível que, no futuro, a radioterapia externa com intensidade modulada seja capaz de diminuir a toxicidade pélvica, mas estudos comparativos ainda não estão disponíveis.

Radioterapia em pacientes incompletamente avaliadas na cirurgia Pacientes que, durante a cirurgia, não são submetidas à avaliação dos linfonodos pélvicos e para-aórticos, seja por amostragem ou remoção, são consideradas incompletamente avaliadas. Pacientes com tumores IA ou IB graus 1 ou 2 normalmente não requerem cirurgia complementar ou adjuvância (Plaxe; Mundt, 2009). Entretanto, pacientes com estádio IA grau 3 ou mais avançado, ou com invasão do espaço linfovascular, têm maior risco de disseminação linfática. Como essas pacientes têm potencial de disseminação maior, podem ser candidatas a uma cirurgia subsequente, mas o benefício dessa conduta é incerto. Em pacientes reoperadas e sem linfonodos comprometidos, não haveria necessidade de radioterapia complementar. O papel da radioterapia adjuvante em pacientes incompletamente avaliadas na cirurgia foi

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diretamente investigado no estudo PORTEC (Creutzberg et al., 2000). As 715 pacientes tinham diagnóstico de câncer do endométrio estádio I com fatores de risco intermediário, haviam sido incompletamente avaliadas na cirurgia e receberam radioterapia externa na dose de 46 Gy ou apenas observação. Conforme descrito anteriormente, o índice de recidivas pélvicas foi menor nas pacientes irradiadas, mas não houve impacto na sobrevida. Embora a chance de cura não aumente, a radioterapia pós-operatória nas pacientes com risco intermediário que não são completamente avaliadas pela cirurgia é recomendável.

Quimioterapia versus radioterapia adjuvante no câncer do endométrio de alto risco A sobrevida em cinco anos em pacientes com envolvimento de anexos ou de linfonodos para-aórticos é de 60 a 82,3% e de 37 a 52%, respectivamente (Morrow et al., 1991). Até o início da atual década, o tratamento mais frequentemente realizado nas pacientes com alto risco era a cirurgia radical seguida de radioterapia pélvica com ou sem braquiterapia vaginal. As pacientes com tumores estádio IIIA recebiam radioterapia externa da pelve ou de todo o abdome, seguida de braquiterapia vaginal. A radioterapia de todo o abdome é controversa e não utilizada no HCPA, pois adiciona toxicidade e nunca foi comparada com a radioterapia pélvica em estudos randomizados. Alguns ensaios clínicos divulgaram recentemente o papel da quimioterapia em pacientes de alto risco e chegaram a conclusões divergentes: > GOG 122: em 396 pacientes com estádios III e IV e doença residual de no máximo 2 cm pós-histerectomia, Randall e colaboradores (2006) compararam adriamicina e cisplatina versus radioterapia abdominal total. Em dois anos, houve uma diferença de 13% na sobrevida total (55 vs. 42%, P  0,01) favorável ao grupo tratado com quimioterapia. Houve um predomínio significativo na toxicidade graus 3 e 4 no grupo de pacientes da quimioterapia e oito mortes por toxicidade

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no grupo da quimioterapia em comparação a cinco no da radioterapia. > JGOG: o Japanese Gynecologic Oncology Group (Susumo et al., 2008) comparou a adjuvância com radioterapia pélvica versus adjuvância com quimioterapia (3 ou mais ciclos de ciclofosfamida, adriamicina e cisplatina – esquema CAP) em 425 pacientes com diagnóstico de carcinoma do endométrio de risco intermediário e alto (estádios IC a IIIC e  50% de invasão miometrial). Em cinco anos, não houve diferenças na sobrevida total entre os grupos (85 vs. 87%, respectivamente). Em uma análise de subgrupo, os autores concluíram que a quimioterapia adjuvante constituiu uma alternativa útil para a radioterapia para as pacientes com risco intermediário-alto. > Universidade de Milão: Maggi e colaboradores (2006) compararam quimioterapia com cisplatina, adriamicina e ciclofosfamida versus radioterapia em 345 pacientes com tumores de alto risco, 75% das quais no estádio III. Em cinco anos, não houve diferencas significativas entre os dois grupos em termos de sobrevida total (66 vs. 69%, respectivamente). O GOG 122 contribuiu para definir o papel da quimioterapia no câncer do endométrio de alto risco, embora seus resultados conflitem com os demais estudos citados.

Radioterapia combinada com quimioterapia adjuvante no câncer do endométrio de alto risco Nas pacientes com doença extrauterina de alto risco, o benefício no controle local com a radioterapia foi definido há quase 20 anos (Morrow et al., 1991), embora um impacto na sobrevida total não tenha sido mostrado por estudos comparativos. A maioria desses ensaios clínicos que avaliaram o benefício da irradiação no controle local em pacientes com câncer do endométrio com risco intermediário incluíram também pacientes com risco alto (Keys et al., 2004; Aalders; Abeler; Kolstad, 1980).

O índice de recidivas pélvicas de 35% no braço de pacientes não irradiadas do estudo GOG 122 é considerado alto em relação ao índice de 25% verificado nas pacientes do braço da radioterapia (Plaxe; Mundt, 2009). Alguns autores admitem que a quimioterapia adjuvante controla inadequadamente as recidivas locorregionais nas pacientes com doença avançada (Secord et al., 2007; Randall et al., 2006). Esse fato despertou o interesse no tratamento combinado de radioterapia pélvica e quimioterapia nas pacientes de alto risco, embora não esteja clara ainda a melhor forma de combinação entre ambas. Um ensaio clínico randomizado cooperativo nórdico (Rosenberg et al., 2007) comparou a adjuvância com radioterapia externa da pelve (44 Gy) com ou sem braquiterapia da cúpula vaginal versus radioterapia (com técnica semelhante) e quimioterapia (baseada na cisplatina com antraciclínicos e, mais recentemente, paclitaxel) combinadas em 372 pacientes com carcinoma endometrioide estádios I, II, IIIA e IIIC cirurgicamente avaliadas. A radioterapia foi realizada antes ou depois da quimioterapia. O estudo não conseguiu atingir a amostra prevista de 400 pacientes e foi encerrado prematuramente. Entretanto, dados preliminares mostraram que, em uma projeção de cinco anos, houve um aumento significativo na sobrevida livre de progressão, favorecendo o tratamento combinado (74 vs. 83%, respectivamente). Não houve impacto apreciável na sobrevida total. O estudo GOG 184 (Homesley et al., 2009) comparou quimioterapia pós-radioterapia com cisplatina e adriamicina com ou sem paclitaxel em 659 pacientes operadas com diagnóstico de carcinoma endometrial estádios III e IV, incluindo histologias de adenocarcinoma seroso ou papilar seroso. A adição de paclitaxel não aumentou significativamente a sobrevida livre de progressão, mas foi associada à maior toxicidade. Assim como nas pacientes de risco intermediário, nas pacientes de alto risco com tumores confinados ao útero, o padrão ideal da radioterapia também é controverso. Alguns autores recomendam a irradiação externa da pelve, mesmo após uma cirurgia adequada, enquanto outros recomendam apenas braquiterapia e alegam controle pélvico semelhante (Cannon et al.,

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2009). Conforme o painel NCCN (2001), pacientes completamente avaliadas pela cirurgia nos estádios IIB a IIIC podem receber quimioterapia e/ou radioterapia dirigida ao tumor independentemente do grau histológico. Nas pacientes com estádios IVA e IVB e naquelas operadas e sem doença residual ou doença microscópica abdominal, o painel recomenda quimioterapia com ou sem radioterapia pélvica.

Tratamento por estádio Os critérios de indicação do tratamento adjuvante com radioterapia externa e/ou braquiterapia no HCPA, em pacientes completamente avaliadas pela cirurgia, seguem as recomendações de autores da Universidade da Califórnia, em San Diego (Plaxe; Mundt, 2009), conforme o grupo de risco: > Risco baixo (estádios IA graus 1 ou 2 e IB grau 1): apenas cirurgia. > Risco intermediário: braquiterapia intravaginal (Plaxe; Mundt, 2009). > Risco alto: radioterapia pélvica e braquiterapia intravaginal. Nas pacientes com estádio III, recomendamos a utilização de quimioterapia e radioterapia pélvica. A melhor integração entre ambos os tratamentos ainda não está estabelecida.

Radioterapia primária Pacientes idosas ou com comorbidades de alto risco para complicações cirúrgicas podem ser tratadas com radioterapia primária pélvica e intracavitária. A sobrevida livre de doença em 5 anos para o estádio clínico I graus 1, 2 ou 3 é de 94, 92, e 78%, respectivamente.

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Sarcomas uterinos localizados Os sarcomas uterinos, também conhecidos como tumores uterinos mesenquimais ou mistos, incluem o leiomiossarcoma, o sarcoma do estroma endometrial e o carcinossarcoma (tumor mülleriano misto). Os sarcomas uterinos têm mau prognóstico. A sobrevida em cinco anos para estádios I e IV é de 50 e 20%, respectivamente. O tratamento primário é cirúrgico. O papel da radioterapia adjuvante nunca foi definido por ensaios clínicos randomizados, embora ela seja recomendada por painéis de consenso (National Comprehensive Cancer Network, 2010). Séries retrospectivas mostram que o benefício da irradiação adjuvante é limitado a um controle local significativamente maior, sem aumento da sobrevida. O papel da quimioterapia adjuvante igualmente nunca foi testado por estudos fase III consistentes, embora esse tratamento seja algumas vezes utilizado em pacientes com mais de 20 mitoses por campo, invasão miometrial profunda ou extensão extrauterina. Do mesmo modo, não há dados definitivos que comprovem a combinação adjuvante de quimioterapia e radioterapia. Se, antecipadamente, a chance de restar doença residual na pelve (por margens comprometidas ou metástases em linfonodos) após a histerectomia radical for significativa, o tratamento primário deve ser a radioterapia em vez da cirurgia. A irradiação pós-operatória aumenta somente o controle local. Ambos os tratamentos combinados somam suas complicações sem modificar a chance de cura.

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Rotinas em Ginecologia

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Dentre as situações abaixo, qual representa o menor risco de recidiva pélvica pós-operatória em uma paciente com carcinoma de cérvice uterina submetida à cirurgia de Wertheim-Meigs, tornando desnecessária a indicação de quimio-radioterapia adjuvante? a. b. c. d.

Metástases em linfonodos pélvicos. Grau histológico III. Margens comprometidas. Maior diâmetro do tumor medindo 4,5 cm. e. Invasão estromal de 2,5 cm.

2. A melhor opção de tratamento em uma paciente de 40 anos com uma recidiva de carcinoma epidermoide restrita à cérvice uterina, tratada com radioterapia radical há 18 meses, sem outros focos de doença e minimamente sintomática, é: a. Radioterapia externa da lesão com campos restritos. b. Braquiterapia dos fórnices vaginais e do útero. c. Quimioterapia. d. Quimioterapia e radioterapia concomitantes. e. Cirurgia.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Procedimentos Diagnósticos no Trato Genital Inferior Heleusa Ione Mônego Eduardo Pandolfi Passos Ricardo dos Reis Márcia Appel Valentino Magno Adriane Camozzato Fontes Cristina Luce Glitz Waldemar Augusto Rivoire

Algumas pequenas intervenções cirúrgicas podem ser realizadas de forma ambulatorial, na prática ginecológica, por serem de rápida recuperação e com importância diagnóstica relevante. Muitas vezes, essas situações são quase rotineiras, especialmente em serviços de referência, porém nunca devemos deixar de esclarecer à paciente o procedimento que será realizado, seu objetivo, o possível desconforto durante sua realização e eventuais complicações posteriores. Está implícito que esses procedimentos deverão ser realizados com a autorização expressa da paciente ou de seu responsável. A seguir, são apresentados detalhes de alguns desses procedimentos.

Biópsia de vulva A biópsia de vulva é um procedimento rápido e de fácil execução. Pode ser realizada com mínimo desconforto, no próprio consultório, e é capaz de fornecer amostra tecidual adequada para avaliação histológica. É o padrão-ouro para diagnósti-

co de lesões pré-malignas ou invasoras de vulva, sendo essencial para distinguir lesões benignas, pré-malignas ou malignas, já que muitas apresentam aspecto macroscópico semelhante. Sua realização, sempre que possível, deve ser guiada pela vulvoscopia (com uso do colposcópio); a olho nu, nas lesões macroscópicas suspeitas.

Indicações A biópsia está indicada em pacientes com prurido vulvar não responsivo a tratamento clínico, pacientes com lesões suspeitas vistas na vulvoscopia ou qualquer lesão, pápula ou sintoma vulvar que necessite de elucidação diagnóstica. Em lesões macroscópicas sugestivas de infecção viral (papilomavírus humano), pruriginosas, infectadas, hiperemiadas ou ulceradas, a biópsia pode ser indicada para a confirmação (Hillard, 2002).

Técnica A paciente deve estar em posição de litotomia. Identifica-se a área mais adequada para biópsia por meio de vulvoscopia. Realiza-se a assepsia com iodofor aquoso e a anestesia local com agu-

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lha fina, preferencialmente com xilocaína a 1%, sem vasoconstritor. Devemos nos certificar, previamente, de que a paciente não está em uso de anticoagulantes orais ou antiplaquetários, uma vez que essas substâncias podem provocar aumento do sangramento local. Realiza-se a apreensão da mucosa com uma pinça (Adison delicada ou pinça anatômica) e secção da base com tesoura de Matzembaum, podendo também ser realizada com lâmina de bisturi pequena ou com instrumento descartável (punch dérmico, com diversos diâmetros). Para os procedimentos menores, geralmente é desnecessário o uso de suturas para promover a hemostasia, sendo utilizados: > nitrato de prata em bastão; > ácido tricloroacético (ATA) 60 a 80% – cuidado para não lesionar tecidos circunvizinhos; > criocautério – aplicar só a ponta da oliva, para não danificar o tecido circunjacente; > nitrogênio líquido – aplicar com cotonete ou com a ponta de uma pinça; > percloreto férrico em gel – introduzir na cratera formada com cotonete ou pinça fina; > eletrodo de bola do aparelho de eletrocautério convencional (ortofrequência ou megafrequência); > eletrocautério – regular o aparelho de forma a não carbonizar os tecidos (cor preta), mas somente eletrocoagular (cor amarelada); > sutura – é o recurso extremo, em termos de hemostasia. Entretanto, pode ser utilizada para propiciar o fechamento por primeira intenção, que, além de garantir uma cicatrização mais rápida, atinge um resultado cosmético melhor. O médico deve lembrar sempre que o melhor método é aquele ao qual está mais habituado.

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paredes que ficam ocultas pela presença do espéculo, principalmente na vigência de um exame citopatológico positivo, sem lesão no colo uterino à colposcopia (Hillard, 2002). Quando ocorrem lesões da vagina, via de regra só são visualizadas ao colposcópio. A biópsia pode ser efetuada à vista desarmada, se o teste de Schiller demarcar bem a lesão. Deve ser usado anestésico local injetável; uma alternativa é o uso de gel tópico. Na vagina é difícil, às vezes impossível, usar instrumento tipo punch. O mais indicado é usar pinça, de ponta fina, tipo Burke, Tishler, etc. O gancho tipo Emmet-Hook e o Íris-Hook é útil para propiciar a formação de prega da mucosa, ou até mesmo o próprio botão de anestésico local, o que auxilia bastante. Uma alternativa é o uso de pinça de Hallis delicada e secção em cunha, com bisturi de lâmina 15 ou tesoura de Matzembaum de ponta fina. Diferentemente do que ocorre na vulva, devemos ficar atentos ao sangramento pós-procedimento, uma vez que a vagina é uma mucosa muito vascularizada, e, às vezes, a tentativa de realizar uma hemostasia com substâncias cáusticas pode aumentar a área de erosão, sendo mais útil a realização de uma pequena sutura.

Biópsia de colo uterino A biópsia de colo uterino é um procedimento insubstituível para o diagnóstico das lesões cervicais e essencial para o planejamento terapêutico. Nas lesões intraepiteliais, geralmente é realizada em nível ambulatorial e orientada pelo exame colposcópico. No carcinoma clínico, o colposcópio é dispensável. A biópsia de colo uterino é o procedimento padrão-ouro para diagnóstico de neoplasias, lesões pré-malignas e seu planejamento terapêutico.

Indicações

Biópsia de vagina As lesões vaginais são mais raras, se comparadas às de colo uterino; entretanto não devemos esquecer de examinar a vagina, especialmente os fundos-de-saco vaginais e as

A principal indicação é a confirmação diagnóstica de lesões, geralmente suspeitadas, por meio de exames citopatológicos alterados, inspeção cervical ou colposcopia. Em nosso serviço, também utilizamos a biópsia em casos de discordância entre os outros métodos de investigação

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do colo (Monego et al., 2006). Deve ser realizada no local em que a colposcopia sugere uma lesão de maior gravidade, nunca de maneira aleatória. Se a colposcopia mostrar alterações maiores (mosaico, pontilhado grosseiro, vasos atípicos, orifícios glandulares com halo espessado) e o grau de suspeição de uma lesão for grande, a biópsia pode ser feita diretamente, sem necessidade do resultado do exame citológico. Nas lesões visíveis a olho nu, a biópsia pode ser feita diretamente. As biópsias de lesões não evidenciadas a olho nu deverão sempre ser realizadas sob visão colposcópica, a fim de garantir que estão sendo realizadas no local de maior gravidade. Não indicamos a rotina de realizar biópsias aleatórias nos quatro quadrantes, em função de usarmos a colposcopia conforme citado previamente. Nos casos em que a colposcopia é insatisfatória ou não há lesões que exijam biópsia, de acordo com a suspeita clínica e demais exames complementares, indicamos a conização para elucidação do diagnóstico.

Técnica Identifica-se a área mais adequada mediante colposcopia. Nas lesões identificadas microscopicamente, a broca de Baliu-Monteiro é a mais difundida, pois é aplicada perpendicularmente à superfície, garantindo, dessa forma, a integridade do epitélio junto à peça cirúrgica, facilitando a análise do patologista. Atualmente existem no mercado algumas pinças menos traumáticas e dolorosas, fornecendo também um material adequado ao patologista – pinça de Burke e Tishler. É realizada exposição do colo uterino, assepsia com iodofor aquoso e apreensão com pinça de Pozzi, no lábio oposto ao que será biopsiado. A pinça de Baliu é colocada sobre a lesão e, por meio de movimento rotatório e pressão sobre o colo, é introduzida no tecido. Quando a base da broca estiver no nível da superfície, interrompe-se a introdução e retira-se a broca. A seguir, apreende-se com uma pinça de Hallis o pseudopólipo criado e secciona-se sua base com tesoura de Matzembaum, com curvatura acentuada na ponta. Uma alternativa é realizar o

procedimento usando uma alça pequena, oval, do aparelho de radiofrequência. A fim de evitar o enrugamento do epitélio durante o processo de fixação no formol a 10%, recomenda-se acoplar, na superfície epitelial do fragmento, um pequeno pedaço de papel, antes de mergulhar o material no formol. Nas lesões ulceradas visíveis, realiza-se a biópsia com pinça – Tomaz-Gaylor, Berger ou Van-Doren, uma vez que proporcionam adequada amostra tecidual, desde que não realizada em área de necrose. Quando é necessário hemostasia, utilizam-se os mesmos recursos descritos para biópsia de vulva ou vagina. Em casos extremos, há necessidade de ponto cirúrgico (excepcionalmente). O tamponamento vaginal tem pouco ou nenhum efeito hemostático nesse caso, mas deve ser usado para evitar a exteriorização do eventual sangramento através da fenda vulvar. Recomenda-se abstinência sexual nos dias subsequentes.

Complicações As mais frequentes são desconforto no baixo ventre, dor e/ou cólica e sangramento, sendo que a principal é o sangramento. Nesse caso, deve ser tomada uma das medidas mostradas anteriormente para hemostasia. O sangramento geralmente não é intenso; no entanto, nos casos de lesões neoplásicas, principalmente se exofíticas, pode ser importante, necessitando de tamponamento vaginal. Nos tumores exofíticos, o tamponamento é mais eficiente do que nas lesões intraepiteliais; novamente embebemos a ponta de gaze com acetona 50% (uma parte de acetona e uma parte de água). O desconforto pélvico em geral é manejado com uso de analgésicos, relaxantes da musculatura lisa, devendo-se evitar o uso de anti-inflamatórios. Algumas pacientes queixam-se de leucorreia ou até mesmo secreção purulenta, podendo ser causada por reação inflamatória local ou decorrente da necrose tecidual (se foi usada corrente elétrica ou se utilizaram substâncias cáusticas). Nesses casos, o uso de creme fibrinolítico no pós-operatório acelera a eliminação do material necrótico, abreviando a cicatrização. Depois de eliminada a escara, pode-se usar creme à base de clostebol, para acelerar a granulação da área.

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Ao realizar múltiplas biópsias, iniciar sempre pelo lábio inferior do colo uterino, com o objetivo de evitar que o sangramento atrapalhe a visualização dos locais que serão biopsiados.

Avaliação do canal endocervical É importante nas seguintes situações (Monego et al., 2006): > colposcopia insatisfatória (JEC não visível); > citologia positiva e sem achados colposcópicos significativos; > atipias citológicas endocervicais. A avaliação do canal endocervical pode ser feita da seguinte forma: a. Escovado endocervical citológico (cytobrush) – deve ser sempre usado, mesmo com JEC visível. Estender na mesma lâmina do esfregaço ectocervical, mas não em cima do outro. b. Microcuretagem – deve ser realizada sempre que a citologia do canal der ASC-US, ASC-H, AGC, LIE de baixo grau (NIC I), LIE de alto grau (NIC II e NIC III) ou colposcopia endocervical com presença de lesão. Deve ser usada cureta delicada, especial para endocérvice. Há vários tipos, entre eles a cureta de Kervokian e a cureta ginecológica de colher no 1. Deve sempre ser seguida de conização diagnóstica a frio, se houver dúvida quanto à invasão do estroma. c. Colposcopia endocervical – muito limitada, pois propicia visão tangencial e não frontal do canal, como na ectocérvice. Efetiva para visualizar a porção inferior do canal e a JEC, quando endocervical. d. Microcolpoisteroscopia – saudada como o grande método de investigação do canal, não se mostrou tão útil com o decorrer do tempo. Atualmente há consenso de que sua principal função é delimitar a JEC. Ademais, seu custo torna o método proibitivo para uso em larga escala.

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Biópsia de endométrio A biópsia de endométrio é um método prático e rápido de avaliação endometrial, podendo ajudar no manejo de doenças pélvicas. O objetivo é a obtenção de um fragmento adequado de endométrio para avaliação histológica. O padrão-ouro na avaliação endometrial, atualmente, é a histeroscopia com biópsia dirigida. No entanto, em muitas situações a histeroscopia não é utilizada, por razões como custo ou falta de disponibilidade. Em casos de suspeita de patologia maligna, uma biópsia de endométrio normal ou insatisfatória nos indica um prosseguimento da investigação ou pode firmar o diagnóstico de uma neoplasia maligna, dispensando outros exames sob anestesia geral (como a curetagem uterina). Em casos de provável patologia benigna, um resultado normal pode encerrar o diagnóstico. É um exame que pode ser realizado no consultório, com mínimo desconforto. A paciente pode utilizar um anti-inflamatório não esteroidal (AINE) 1 hora antes do procedimento.

Indicações É utilizada na avaliação de abortamento de repetição e infertilidade, exclusão de patologias endometriais concomitantes ou não com outras patologias, avaliação da terapia de reposição hormonal e avaliação de sangramento uterino anormal após os 35 anos. Por ser um procedimento simples, praticamente não tem contraindicações. No entanto, podem ser citados: sangramento uterino ativo, doença inflamatória pélvica, cervicites e suspeita de gestação.

Complicações São citadas complicações como infecção ascendente, perda fetal em casos de gestação e perfuração uterina.

Técnica Posição de litotomia, com exposição do colo uterino. Realiza-se toque bimanual para avaliação do tamanho, da forma e da posição uterina. Assepsia, com iodofor aquoso, e pinçamento do colo uterino com pinça de Pozzi. Após a histe-

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rometria, introduz-se uma sonda uretral no 6 ou 8, acoplada a uma seringa, pelo orifício cervical externo até o fundo uterino. São realizados pressão negativa com vácuo da seringa e movimentos de vaivém com a sonda; após isso ela é retirada, desfazendo a pressão negativa. Coloca-se o material obtido em formalina a 10%. Também podem ser utilizados outros meios, como a cureta de Novak, Kevorkian, que tem um diâmetro máximo de 3 mm, Abradul ou o aspirador Vabra. Em ambulatórios que dispõem de uma aparelho de AMIU, este pode ser utilizado, com uma cânula de aspiração de menor diâmetro. Ao encaminhar a amostra ao patologista, são importantes as informações referentes ao caso e à datação do ciclo menstrual. Ao utilizar a sonda uretral, deve-se preferencialmente cortar sua ponta de maneira levemente oblíqua, facilitando a retirada do material endometrial.

Curetagem uterina A curetagem uterina é um dos procedimentos mais realizados em ginecologia e obstetrícia e, apesar de novos meios diagnósticos, mantém seu papel na prática clínica. Pode ser realizada de maneira ambulatorial, preferencialmente com anestesia geral ou bloqueio regional. O surgimento da histeroscopia diagnóstica reduziu as indicações de curetagem para diagnóstico de sangramento uterino, com a vantagem de poder ser realizada em consultório, sem anestesia.

Indicações > Avaliação de sangramento vaginal anormal, em situações nas quais a biópsia de endométrio não foi satisfatória ou não é possível a realização de histeroscopia diagnóstica. > Esvaziamento uterino após abortamento incompleto, retido, induzido ou infectado. > Sangramento uterino anormal em paciente hemodinamicamente instável. > Manejo de pacientes com patologias intrauterinas, como pólipos, hiperplasia endometrial, etc.

> Manejo de pacientes com sinéquias uterinas e/ou síndrome de Asherman. > Avaliação de casos com citologia cervical anormal, com ausência de lesão macroscópica e colposcopia insatisfatória, especialmente em pacientes peri e pós-menopáusicas. > Manejo de doença trofoblástica gestacional após vácuo-aspiração.

Técnica Após a anestesia, a paciente é colocada em posição de litotomia, sendo realizada antissepsia com iodo-povidine. Realiza-se a exposição do colo uterino, com espéculo, e o pinçamento com pinça Pozzi, no lábio anterior do colo uterino. Procede-se à curetagem do canal endocervical com uma cureta pequena, sem avançar além do orifício cervical interno. Após, realizam-se histerometria e curetagem da cavidade uterina, com outra cureta, em toda a cavidade. Nos casos em que o orifício cervical encontra-se estenosado, procede-se à dilatação com velas de Hegar ou dilatadores de Henk. Nos casos de abortamento, é fundamental a cuidadosa retirada dos produtos da concepção, a fim de evitar complicações.

Complicações Apesar de tecnicamente simples, a curetagem uterina é um procedimento com elevado risco potencial; no entanto, felizmente, apresenta baixa frequência de complicações. O procedimento deve ser realizado com cuidado e atenção. A perfuração uterina é a maior complicação. Quando ocorre, normalmente é porque houve falha na percepção do eixo uterino, com posterior emprego de força na inserção do instrumental. Situações como infecção, neoplasia ou gestação aumentam o risco de perfuração. Normalmente, a perfuração não traz maiores riscos de sangramento ou infecção local, como formação de abscesso pélvico ou saída de conteúdo abdominal, como epíplon e alças intestinais. O manejo inclui observação de taquicardia, hipotensão, sensibilidade abdominal, febre ou qualquer outro sinal de sangramento ou infecção pélvicos por 24-48 horas. Outra possibilidade é a lesão de órgãos intra-abdominais por uma perfuração uterina acidental não diagnosticada. A laparoscopia é o método-padrão para o

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diagnóstico de perfuração uterina em pacientes hemodinamicamente estáveis, reservando-se a laparotomia exploradora para quando ela não for possível ou em casos de emergência.

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Ao realizar a curetagem, deve-se deixar uma gaze levemente umedecida posicionada sob o colo, facilitando a retirada do material, para colocação no frasco com formalina.

REFERÊNCIAS HILLARD, P. A. Doenças benignas do trato reprodutivo feminino. In: BEREK, J. S. et al. Novak tratado de ginecologia. 13. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

MONEGO, H. et al. Procedimentos diagnósticos no trato genital inferior. In: FREITAS, F. (Ed). Rotinas em ginecologia. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. Cap. 35, p. 398-400.

LEITURAS SUGERIDAS CLARKE-PEARSON, D. L. Establishing a diagnosis: the history, physical examination, imaging and diagnostic surgery. In: NICHOLS, D. H.; CLARKEPEARSON, D. L. Gynecologic obstetric and related surgery. St. Louis: Mosby, 2000. p. 1248.

MONEGO, H. et al. Procedimentos ambulatoriais em ginecologia. In: FREITAS, F. (Ed.). Rotinas em ginecologia. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. Cap. 53, p. 569-571.

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A biópsia de colo uterino poderá ser dispensada se: a. b. c. d. e.

CP positivo para células malignas. Colposcopia sugestiva de lesão invasiva. Gestante. Adolescente com lesão de colo. Nenhuma das alternativas.

2. A curetagem endocervical está indicada quando houver: a. Avaliação de sangramento uterino anormal após 35 anos de idade. b. Citologia positiva sem lesão colposcópica. c. Colposcopia insatisfatória positiva. d. Atipias endocervicais. e. Todas as alternativas.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Patologia Benigna da Mama Carlos Henrique Menke Jorge Villanova Biazús José Antônio Cavalheiro Rodrigo Cericatto Ana Cristina da Costa Bittelbrunn Nilton Leite Xavier Fernando Schuh Márcia Portela de Melo Christiane Cardoso Falcão

As patologias benignas das mamas revestem-se de grande importância na mastologia, pois trazem frequentemente a necessidade de diagnóstico diferencial com alterações malignas. Nesse contexto em que “o medo altera a percepção das coisas e faz que pareçam o que não são”, muitas mulheres entram em pânico frente a sinais e sintomas que se apresentam na mama. A grande maioria dos achados nas mamas está associada a patologias benignas que apenas requerem um diagnóstico pronto e preciso para orientar adequadamente a paciente e, eventualmente, intervenções terapêuticas.

Semiologia Anamnese Além dos aspectos gerais de qualquer história clínica, devem ser enfatizados os seguintes pontos: > Nódulo: data da percepção, velocidade de crescimento, localização, consistência e relação com traumatismos ou ciclo menstrual;

> Dor: data do início, intensidade, localização, irradiação, relação com atividade física, ciclo menstrual e traumatismo, presença de hipertermia, uso de fármacos; > Derrame papilar: início, cor, uni ou multiductal, espontâneo ou provocado (geralmente só o espontâneo tem valor semiótico), uni ou bilateral, uso de medicamentos; > Antecedentes gineco-obstétricos: idade da menarca e menopausa, uso de hormônios, paridade e idade da primeira gestação termo, duração e intercorrência de lactações; > Antecedentes mastológicos: cirurgias prévias (estéticas, diagnósticas), punções, mamografias prévias e tratamentos efetuados; > Antecedentes familiares: pesquisar carcinoma de mama e eventual associação com ovário e cólon na família, inclusive na linhagem paterna; verificar a idade e a ocorrência de bilateralidade; > Perfil psicossocial: tabagismo (quantidade e duração), uso de álcool e drogas.

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Exame físico Começar pela inspeção estática, com a paciente sentada, os braços pendentes, diante de boa iluminação. Observar o volume, a forma e a simetria das mamas, assim como alterações da rede venosa, da pele e do complexo areolomamilar. Procurar retrações ou abaulamentos. A seguir, passa-se à inspeção dinâmica, pedindo que a paciente eleve os braços acima da cabeça ou os repouse sobre esta. Pesquisar novamente retrações, abaulamentos e assimetrias. Repetir o exame com a paciente apertando os quadris, a fim de contrair os peitorais. Uma inclinação do tronco para a frente acentua os achados. Conclui-se o exame físico pela palpação. Com a paciente ainda sentada, palpam-se as fossas supraclaviculares de frente ou, se possível, por abordagem posterior, ficando o examinador às costas da examinada. Prossegue-se com a palpação das regiões axilares, que deve ser feita com o braço da paciente apoiado no ombro do médico ou segurado por este, para relaxar a musculatura peitoral. Explora-se a axila com movimentos de cima para baixo, como se estivesse “escavando-a”,

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exercendo suave pressão contra a parede torácica. Às vezes, é necessário executar esses movimentos com maior vigor e trazer o membro superior da paciente em direção à linha média para facilitar o relaxamento muscular. A palpação das mamas é feita com a paciente deitada, as mãos atrás da cabeça, seguindo-se, de preferência, o sentido horário. O examinador deve postar-se sempre do lado a ser palpado. Primeiro, de forma suave, deslizando as polpas digitais em busca de nódulos, adensamentos e irregularidades do parênquima; depois, de modo mais firme, pressionando contra os planos profundos, nunca esquecendo a região areolar (Fig. 38.1). Por fim, quando a queixa é derrame papilar, procede-se à expressão radiada para identificar o setor comprometido a fim de orientar uma eventual cirurgia. O exame tem melhor rendimento na primeira fase do ciclo, de modo que, se houver dúvidas diagnósticas e a paciente estiver no período pré-menstrual, convém refazer o exame em época mais propícia. Os nódulos são descritos como achados palpatórios tridimensionais, enquanto os adensamentos (espessamentos) são

Artéria e veia axilar Músculo peitoral maior

Feixe toracodorsal

Nervo torácico longo

Artéria e veia torácica lateral

Músculo serrátil anterior Músculo grande dorsal Figura 38.1 Anatomia cirúrgica da mama.

Músculo abdominal oblíquo externo

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perceptíveis apenas em duas dimensões. Essas alterações são mais suspeitas quando isoladas, solitárias, pois, de maneira geral, em semiologia da mama, tudo o que se repete tranquiliza.

Autoexame O autoexame consiste em incentivar a mulher a examinar suas próprias mamas de modo sistemático e metódico, a fim de que ela descubra nódulos mais precocemente. Isso se baseia na constatação prática de que 80 a 90% dos tumores são detectados pela própria paciente. Por que, então, não estimulá-la a fazê-lo mais cedo? Suas vantagens são a simplicidade, o custo zero e a possibilidade de ser feito a qualquer momento. As desvantagens são a baixa sensibilidade, o temor que as pacientes têm de encontrar alguma coisa e a incerteza na interpretação dos achados, o que pode levar à cancerofobia. Tais inconvenientes fazem com que o índice de adesão seja de apenas 20%. Embora estudos recentes não comprovem a redução da mortalidade por meio do autoexame, defendemos a ideia de que ele pode aumentar o número de cirurgias conservadoras pela descoberta de lesões menores. Esse fato tem muita importância em um país como o Brasil, em que aproximadamente 50% dos casos de câncer de mama vêm à consulta em estágios avançados. A técnica do autoexame é simples e segue os mesmos passos do exame clínico (inspeção e palpação). Acreditamos que o momento mais natural e descomplicado de executá-lo é durante o banho, de tal forma a ser incorporado como um hábito de saúde. A periodicidade é mensal, nos 10 dias que se seguem à menstruação. As menopáusicas estabelecem um dia qualquer do mês para memorização.

Exames complementares Vários métodos diagnósticos são citados na literatura, como termografia, xeromamografia, transiluminação, cintilografia mamária e ductoscopia, mas que não vamos referir por estarem em abandono ou ainda no campo da pesquisa. Vamos abordar os principais:

Mamografia É a mais efetiva modalidade de exame imaginológico mamário na atualidade, tendo o potencial de demonstrar lesões impalpáveis, muitas vezes pré-invasoras. Quando empregada em programa de rastreio em mulheres assintomáticas a partir dos 50 anos, tem uma sensibilidade próxima a 90% e pode proporcionar uma redução acima de 30% na mortalidade por câncer de mama. Excetuando-se situações especiais, ela é sempre bilateral e constituída basicamente de quatro clichês: dois na incidência oblíqua-médio-lateral e dois na crânio-caudal, direita e esquerda. O estudo é comparativo entre os dois lados e com documentos anteriores, por isso a importância de instruir as pacientes a guardar as radiografias. A acuidade da mamografia (MMG) é influenciada por fatores: a) técnicos: tipo de equipamento e filmes, processamento, posicionamento da paciente, compressão e número de projeções; b) dependentes da paciente: relação de parênquima e gordura (idade) e morfologia da lesão; c) treinamento do examinador. As principais imagens são as nodulares, que podem ser divididas em dois grupos, conforme a definição de suas bordas. Geralmente, os nódulos de limites bem precisos, arredondados ou ovalados, são benignos, enquanto os irregulares, espiculados, sugerem malignidade. As calcificações são frequentes e, em sua maioria, benignas, como as vasculares, as do fibroadenoma (grosseiras, tipo “pipoca”), as da necrose gordurosa (esféricas, com o centro transparente, tipo “casca de ovo”) e as das alterações fibrocísticas (leite cálcico, em forma de taça). O problema diagnóstico surge quando aparecem microcalcificações, sem a presença de tumor, com as seguintes características: agrupadas, pequenas, irregulares (em forma de vírgula, x, y, ditas pleomórficas). Nos carcinomas intraductais, costumam ser lineares, seguindo o trajeto canalicular, formando, às vezes, imagem triangular, cujo ápice se dirige ao mamilo (Tab. 38.1). As distorções de parênquima são imagens menos frequentes e têm menor índice de positividade em relação a câncer: geralmente, são achados assimétricos, bidimensionais, visíveis em apenas uma incidência. Outros sinais de malignidade, como edema e retração, são indiretos e dependem de estreita correlação clínica.

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Tabela 38.1 Características das microcalcificações

Forma Tamanho Densidade Distribuição

Benignas

Malignas

Arredondada Uniforme Uniforme Esparsa

Irregular Variado Variada Agrupada/linear

A partir de 1998, foi adotada uma padronização dos laudos mamográficos chamada BI-RADS (breast imaging reporting and data systems), proposta pelo American College of Radiology (ACR), a qual foi modificada recentemente, em 2003, e referendada pelo Colégio Brasileiro de Radiologia (Tab. 38.2). As principais modificações foram a subdivisão da categoria 4 em A, B e C, de acordo com o grau de suspeita, e a inserção da categoria 6, que inclui os casos em que já foi feita biópsia com resultado maligno, mas a lesão não foi totalmente retirada ou tratada por quimioterapia, radioterapia ou hormonioterapia. É a mamografia que serve para monitorar a resposta à quimioterapia neoadjuvante e planejar a terapêutica cirúrgica. As mulheres de risco populacional basal devem realizar MMG com intervalo não superior a 2 anos, a partir dos 40 até a idade de 50 anos; após, deve ser feita anualmente. Além dessa

conduta genérica, temos situações específicas, conforme o Quadro 38.1. A MMG apresenta uma incidência de falsos negativos que varia de 3 a 16%, sendo no Serviço de Mastologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) de aproximadamente 9,1%. A principal causa é a acuidade diminuída em mamas densas das pacientes pré-menopáusicas. Mulheres pertencentes a grupo de risco câncer hereditário ou familiar devem ter programa de seguimento personalizado após avaliação com geneticista para aconselhamento genético. A melhora dos equipamentos e a progressiva conscientização da mulher trouxeram à clínica numerosas lesões não palpáveis, somente evidenciadas na MMG. Aproximadamente 60 a 90% dos carcinomas in situ da mama manifestam-se por microcalcificações, as quais são visíveis radiologicamente, mesmo em mamas jovens e densas. Isso levou à introdução de novas

Tabela 38.2 Classificação BI-RADS Categoria

Descrição

0

Inconclusivo

1 2 3

Mamografia normal Achados benignos Achados provavelmente benignos Suspeita leve Suspeita moderada Suspeita forte Achados provavelmente malignos Achado maligno

4A 4B 4C 5 6

Fonte: American College of Radiology (2003).

Risco de câncer _ 0,05% 0,05% Até 2% 5% 25% 70% ⱖ 95% 100%

Conduta Necessita de estudo complementar (ecografia, magnificação ou compressão localizada) Seguimento normal (anual) Seguimento normal (anual) Seguimento a curto prazo (6 meses e eventualmente biópsia) Avaliação histológica Avaliação histológica Lesão já biopsiada e diagnosticada como maligna, mas não retirada ou tratada

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QUADRO 38.1

Indicações de mamografia > > > > > > > > >

Alto risco Mama sintomática Tumor clinicamente suspeito Controle após tratamento conservador Controle pós-punção Orientar e dirigir biópsias Planejamento cirúrgico Cancerofobia Pesquisa de sítio primário em câncer oculto

cisão diagnóstica global da MMG convencional foi semelhante à mamografia digital, mas esta é mais precisa em mulheres abaixo da idade de 50 anos, mulheres com mamas densas e mulheres em período pré-menopausal ou perimenopausal. Os estudos americanos e europeus confirmam que a mamografia digital em mulheres pré ou perimenopausa (antes dos 50 anos) tem uma performance superior com o uso da técnica digital (Tortosa et al., 2009).

técnicas para a sua localização e biópsia cirúrgica: marcação prévia por guia metálica (agulhamento), ROLL (localização de lesão oculta com radioisótopos), solução de carvão vegetal, mapeamento de superfície e corantes. Em nosso meio, a demarcação prévia com guia metálica (agulhamento) das microcalcificações suspeitas, usando-se técnica de estereotaxia ou direta com grade seguida da excisão e radiografia do espécime operatório (para confirmar a excisão da área suspeita) tem sido a rotina.

Em resumo, as principais vantagens da MMG digital são: quantidade significativamente maior de informação por imagem; eliminação do sistema filme/écran e dos respectivos custos com o processamento; obtenção da imagem em tempo quase real – 10 s após a exposição; manipulação da imagem por meio de inversão, zoom e lente eletrônica, havendo diminuição da necessidade de repetição de alguma incidência, levando, consequentemente, a uma redução da dose de radiação e do desconforto para a paciente em decorrência de uma nova compressão da mama (Bloomquist et al., 2006). A MMG digital permite ainda o arquivamento eletrônico das imagens. A principal desvantagem reside no custo ainda elevado do equipamento.

Mamografia digital

Ecografia mamária

A MMG digital grava e produz as imagens em processos separados que podem ser otimizados de forma independente. O brilho e o contraste dessas imagens digitalizadas secundariamente podem ser processados, e a imagem pode ser armazenada e submetida ao pós-processamento digital.

Esse método teve notável avanço nos últimos anos com o advento da ultrassonografia de alta resolução (transdutores de 7,5 e 10 mHz), ampliando suas indicações, além da clássica diferenciação entre nódulos sólidos e císticos. É um valioso complemento à mamografia, sendo superior a esta na avaliação de mamas densas, de jovens e de grávidas. Não serve como screening, pois uma de suas limitações é não conseguir detectar microcalcificações agrupadas fora de tumores. Outra limitação são as mamas muito adiposas, que lhe diminuem a acuidade. A ecografia invasiva, para orientar punções e marcações, também vem se expandindo muito, pois é de execução mais simples do que a estereotaxia. É útil no manejo dos cistos mamários, denunciando a presença de tumorações intracavitárias.

No período de 2003 a 2005, o ACR dirigiu um estudo realizado em 33 locais divididos entre os Estados Unidos e o Canadá, submetendo um total de 49.528 mulheres assintomáticas a realizar um exame de mamografia em ambos os sistemas – convencional e digital – com interpretação independente de dois médicos, um para cada exame, com a finalidade de comparar a eficácia de ambos os sistemas. O Digital Mammographic Imaging Screening Trial (DMIST) foi idealizado para medir diferenças relativamente pequenas, mas potencialmente importantes, do ponto de vista clínico, na precisão diagnóstica entre mamografia digital e convencional. Como conclusão do DMIST, foi observada que a pre-

O American College of Radiology, em sua 4a edição (2003), também propõe a classificação das ecografias em seis categorias (semelhante à mamografia): 0) necessidade de avaliação com exa-

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mes de imagem adicionais; 1) achados normais; 2) achados benignos; 3) achados provavelmente benignos (indicado menor intervalo de seguimento); 4) achados suspeitos (probabilidade de 3 a 94% de malignidade, estando indicada biópsia); 5) achados altamente suspeitos de malignidade (probabilidade ⱖ 95% de malignidade, indicada biópsia), e 6) reservada para lesões com biópsia prévia, confirmando malignidade antes de instituída terapêutica, incluindo quimioterapia neoadjuvante ou cirurgia.

Ressonância magnética mamária Esse método vem ganhando o seu lugar na propedêutica mamária como complemento à mamografia em situações específicas. Devido à sua moderada especificidade, sua utilização deve permanecer limitada a casos individualizados, os quais não podem ser suficientemente avaliados por meio de métodos convencionais ou biópsia percutânea. Entre estes: mulheres com mutação em BRCA1 e BRCA2, em carcinoma oculto, mamas com prótese de silicone e avaliação pré-cirurgia conservadora. A localização de lesões não palpáveis por meio da ressonância nuclear magnética (RNM) é uma tecnologia em desenvolvimento ainda não disponível em nosso meio. Atualmente, a RNM não deve ser empregada isoladamente nem interpretada sem uma mamografia prévia.

Citologia A punção aspirativa com agulha fina (PAAF) para exame citopatológico transformou-se em importante instrumento de diagnóstico em patologia mamária em virtude de sua simplicidade e precisão, podendo ser realizada a qualquer hora, em qualquer consultório. Em princípio, todo nódulo mamário deve ser puncionado, com uma possível exceção: pacientes muito jovens portadoras de tumores benignos. A punção pode ser utilizada de duas maneiras: a primeira, para aspirar cistos e fazer a distinção entre sólido e líquido; a segunda, a fim de obter material para exame citológico. Técnica de punção: > explicar o procedimento à paciente; > antissepsia; > usar seringa de 10 ou 20 mL e agulha fina (25 × 8, 30 × 8);

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> imobilizar o nódulo entre os dedos indicador e médio; > introduzir a agulha levemente inclinada; > aspirar, movendo a agulha em várias direções e mantendo o vácuo; > desfazer o vácuo antes de remover a agulha; > desconectar a seringa da agulha (para não trazer o material para o interior da seringa), enchê-la de ar, reconectar e avançar o êmbolo até que uma gotícula do aspirado seja depositada sobre a lâmina, já identificada. Fazer o esfregaço com lamínula ou com a própria agulha. Na nossa rotina, colhemos quatro lâminas: duas secas ao ar para coloração pelo Giemsa e duas fixadas em álcool 95% para o método de Papanicolaou. O ato da punção pode ser facilitado pela pistola de Franzen, que se adapta à seringa, porém não é indispensável. O valor preditivo positivo da PAAF é quase 100%, sendo o seu principal inconveniente os laudos de “material insatisfatório” (acelular, hemorrágico, inadequado para leitura citológica), os quais, dependendo da experiência do puncionador, podem ir de 3 a 30%. Isso nos leva a encarar com muita reserva os resultados negativos quando se está frente a um exame físico suspeito, devendo a investigação prosseguir. As complicações mais frequentes da punção, pela ordem, são hematoma, infecção e pneumotórax (atenção a pacientes magras com mamas pequenas). Outras aplicações da citologia: a. Líquido de cistos: não utilizamos, pois costuma ser pobre em células e a relação custo-benefício é negativa. b. Derrame papilar: também de baixo rendimento e pouco usado. c. Fatores prognósticos: recente evolução do método, que fornece o “grau citológico” e os receptores estrogênicos por imunocitoquímica. d. Imprint de peças cirúrgicas no diagnóstico transoperatório de congelação. Ultimamente, a PAAF vem perdendo espaço para a biópsia percutânea, principalmente nas lesões não palpáveis (LNPs).

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Histologia O estudo anatomopatológico fornece o diagnóstico definitivo e pode ser obtido de duas formas: > Biópsias percutâneas (BP): realizadas com dispositivos especiais, de vários tipos: Tru-Cut e pistola de core biopsy. Todos retiram fragmentos de tecido. Temos usado este último com ótimos resultados: utilizamos uma pistola, que produz o disparo de uma agulha chanfrada, a qual remove um pequeno cilindro de tumor. Necessita de botão anestésico e mini-incisão na pele com lâmina de bisturi. Vantagens: simplicidade, rapidez, economia e diagnóstico de certeza em nível ambulatorial, antes do tratamento cirúrgico ou sistêmico. Tem indicação formal em tumores volumosos, candidatos à quimioterapia neoadjuvante. Em massas pequenas, requer habilidade específica. Inconvenientes: também dá resultados inconclusivos e pode ocasionar sangramento, infecção e pneumotórax. Um aperfeiçoamento da BP é a biópsia direcional a vácuo, denominada mamotomia, que permite a retirada de fragmentos maiores e, às vezes, de toda a lesão. Essencialmente, destina-se ao esclarecimento das LNPs e tem a vantagem de realizar todo o procedimento por meio de uma única punção, sem remover a agulha. > Biópsias cirúrgicas: — diferida (incisional ou excisional); — contemporânea (transoperatória, de congelação). As biópsias cirúrgicas ou a céu aberto diferidas são, geralmente, feitas em regime ambulatorial, com anestesia local, geral ou bloqueio intercostal, sendo indicadas para tratamento de nódulos benignos (fibroadenomas, papilomas, lipomas). Raramente devem servir para diagnosticar câncer, exceto nos casos de microcalcificações sem tumor, que podem traduzir neoplasias muito iniciais. Quase sempre são excisionais, a não ser em situações específicas como doença de Paget, paredes de abscessos, sarcomas. Uma variedade da biópsia diferida excisional é a chamada biópsia orientada por agulhamento, frequentemente utilizada na investigação de LNPs. É um procedi-

mento de execução delicada e complexa, que exige treinamento e perfeita integração da equipe formada por cirurgião, radiologista e patologista. Nessa situação, a anestesia de preferência é a geral, sendo imperativo radiografar o espécime cirúrgico, principalmente quando se trata de esclarecer microcalcificações. Recomenda-se retirar a LNP com margem de segurança (cerca de 1 cm), fator crítico no manejo dessas alterações. A biópsia incisional, nos carcinomas avançados, foi substituída pela biópsia percutânea. Sempre que há suspeita de câncer e não se consegue firmar o diagnóstico em nível ambulatorial, indica-se a biópsia transoperatória, de congelação, já com a paciente estadiada e preparada para o tratamento definitivo. Tem elevado grau de acuidade, porém, na dúvida, aguarda-se o diagnóstico definitivo e o tratamento é postergado. Além do diagnóstico, é essencial, em caso de cirurgia conservadora, a informação sobre a extensão das margens de segurança. As lesões papilares apresentam, com frequência, dificuldades diagnósticas na congelação, sendo preferível procedimento diferido.

Conduta no nódulo de mama A primeira atitude é definir se realmente se trata de um nódulo, pois existem achados palpatórios fisiológicos – os pseudonódulos – que simulam tumores e podem conduzir a biópsias desnecessárias. São eles: junção costoesternal em pacientes magras, tecido adiposo aprisionado entre os ligamentos de Cooper (mais chamativo nos quadrantes inferiores de pós-menopáusicas), prolongamento axilar, diferença de consistência da região subareolar com o parênquima (formando uma espécie de degrau) e margens laterais abruptas em mamas discoides. A suspeição diagnóstica irá variar de acordo com a idade da paciente. Os fibroadenomas são mais comuns em mulheres jovens, até os 35 anos. A doença fibrocística predomina entre 35 e 50 anos, e o carcinoma é a causa mais comum de massa mamária em mulheres acima de 50 anos. Os fibroadenomas e os carcinomas são quase sempre massas sólidas, aquelas associadas a doença fibrocística são predominantemente císticas. Nas mulheres pós-menopáusicas que não estão em uso de terapia hormonal, os cistos não são frequentes e devem ser encarados com

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um grau de suspeita maior comparativamente ao aparecimento na pré-menopausa. O primeiro passo na investigação de um nódulo mamário é a PAAF, diferenciando os cistos de massas sólidas, podendo ser executada logo no primeiro exame, no próprio consultório. Na punção aspirativa, se há saída de líquido amarelo-esverdeado típico, estamos diante de um cisto: solicita-se MMG e ecografia, e a paciente fica em observação. Se, porém, houver massa residual ou o líquido for sanguinolento (não sangue vivo – acidente de punção) ou o nódulo sólido, a elucidação continua: fazem-se esfregaços para a citologia, e pede-se MMG/ecografia. Na maioria dos casos, o tríplice diagnóstico (clínica ⫹ PAAF ⫹ exames de imagem) deve ser suficiente para estabelecer o diagnóstico e a conduta. Quando houver discordância ou dúvida em algum resultado dos métodos diagnósticos citados (p. ex., citologia negativa ou insatisfatória) deve-se obter a certeza histológica do diagnóstico, pela biópsia percutânea (quádruplo diagnóstico). Se todos esses parâmetros, associados à impressão clínica, resultarem negativos para malignidade, a paciente fará a exérese do nódulo em regime ambulatorial. Na hipótese de qualquer dos métodos se mostrar inconclusivo ou divergente, o melhor caminho será a biópsia de congelação. A citologia negativa não encerra a investigação sobre um nódulo suspeito de malignidade. A biópsia percutânea sempre deve ser realizada para confirmação histológica do tumor nos casos de câncer com indicação de quimioterapia neoadjuvante, fornecendo material suficiente também para avaliação imuno-histoquímica de marcadores tumorais. O tratamento definitivo das lesões benignas é a biópsia excisional, ou seja, a remoção completa do nódulo.

Conduta no derrame papilar No roteiro da investigação do derrame papilar, procuramos responder às seguintes questões: 1. É realmente um derrame? Excluir galactorreia, que é um distúrbio endócrino e não propriamente um derrame. Em caso de dúvida, realizar exame direto da secreção, que revelará

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numerosas gotículas de gordura. Confirmada a presença de leite, pesquisar uso de fármacos (sulpirida, veraliprida, metoclopramida, fenotiazínicos, hormônios, etc.) – a principal causa do problema. Não havendo história de utilização de medicamentos, pedir dosagem de prolactina: ⬎ 100 μg/mL sugere adenoma de hipófise → tomografia computadorizada. Existem, também, pseudoderrames produzidos por lesões eczematoides, mamilos invertidos e marcados, erosões traumáticas e infecção das glândulas sebáceas de Montgomery. 2. É espontâneo ou provocado? De modo geral, só tem valor semiológico a descarga persistente e espontânea e não a obtida por expressão isolada. 3. Há nódulo palpável? SIM → Nesse caso, a investigação predominante é a do nódulo, ficando o derrame em plano secundário. Esses nódulos, em sua maioria, situam-se próximos da aréola e devem ser puncionados, radiografados e ecografados conforme a rotina específica. A conduta posterior será orientada por esses exames (Fig. 38.2). NÃO → Sem tumor palpável, observa-se a cor do derrame, o número de ductos e se é uni ou bilateral. As colorações mais suspeitas de câncer são a aquosa (“água de rocha”), a serosa e a sanguinolenta. Derrame unilateral, uniductal e sanguíneo é, quase sempre, produzido por papiloma intraductal solitário, ao passo que o multiductal, com frequência bilateral, amarelo-esverdeado e espesso, corresponde à ectasia ductal. A expressão radiada da mama facilita a localização da lesão e orienta a abordagem cirúrgica. A MMG e, eventualmente, a ecografia fazem parte da elucidação na busca de alterações subclínicas. A citologia do derrame e a ductografia têm escasso valor propedêutico, sendo plenamente dispensáveis. No derrame sem nódulo, uniductal, pode-se fazer somente a biópsia da unidade, em caso de papiloma solitário, o qual é identificado com certa facilidade pelo canalículo dilatado e azulado. O mais comum é proceder-se à excisão de todo o sistema ductal terminal, rente à papila e abrangendo a região subareolar. As causas mais frequentes de derra-

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Nódulo

Punção

Nódulo cístico

Líquido típico

Nódulo sólido

Clínica Citologia Mamografia Ecografia Core biopsy

Líquido sanguinolento e/ou nódulo residual

Cisto

Mamografia

Seguimento de rotina

Negativa

Negativo para malignidade

Suspeito ou positivo para malignidade

Biópsia diferida

Biópsia de congelação

Positiva

Tratamento

Figura 38.2 Nódulo de mama.

me papilar são ectasia ductal, papiloma intraductal, papilomatose (hiperplasia intraductal), carcinoma intraductal e carcinoma papilar.

Anomalias do desenvolvimento Diferenças no tamanho e na forma da mama são tão frequentes que dificilmente podem ser classificadas como anormalidades. As verdadeiras anomalias incluem aquelas em que a mama é ausente, rudimentar, existe assimetria grosseira, hipertrofia ou glândula e mamilos acessórios. As anomalias de desenvolvimento podem ser divididas, de acordo com o comprometimento, em:

Volume > Hipomastia: mama de pequeno volume, uni ou bilateral. Costuma não responder a tratamento hormonal. A solução é cirúrgica, com inclusão de próteses de silicone. > Hipertrofia: mama de grande volume, uni ou bilateral. Causa danos psicológicos e de

postura, alterando o centro gravitacional da coluna. Casos extremos, que redundam em ressecções ⬎ 1.000 g, são denominados gigantomastia. O manejo é sempre cirúrgico: mamoplastia redutora. Em nosso serviço, temos quatro casos de gigantomastia, sendo três associados à gestação. > Ginecomastia: hipertrofia de uma ou de ambas as mamas no homem. Na adolescência e na senectude, pode assumir caráter transitório. Em boa parte dos casos, é induzida pelo uso de drogas como anabolizantes, estrogênios, digitálicos, isoniazida, espironolactona, reserpina e metildopa ou está vinculada a doenças orgânicas como lesões testiculares e hepáticas, carcinoma adrenocortical, adenoma de hipófise ou hipertireoidismo. A ginecomastia de causa desconhecida é chamada de idiopática. Afastadas iatrogenia e alterações endócrinas, a conduta é sempre operatória. No adolescente, pode-se esperar regressão espontânea, mas os prejuízos emocionais dessas mamas anômalas exigem, geralmente, intervenção precoce.

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> Simastia: confluência medial das mamas, ou seja, uma ponte de tecido na linha média une as duas mamas. Apresenta uma origem congênita e está associada a mamas hipertróficas, geralmente simétricas.

Número > Amastia: ausência total da glândula, uni ou bilateral. É extremamente rara e quase sempre acompanhada de hipotrofia ou agenesia do grande peitoral, constituindo a síndrome de Poland (o quadro completo inclui sindactilia). Temos três casos registrados, todos tratados com a introdução de um expansor de tecidos, posteriormente substituído por prótese definitiva de silicone. > Amazia: ausência adquirida do tecido mamário, com a presença do complexo areolomamilar, iatrogênica (por cirurgias, trauma ou queimaduras sobre o botão mamário) – mais comum –, ou congênita. > Atelia: ausência do complexo areolomamilar, de extrema raridade. > Polimastia: presença de mais de duas glândulas mamárias, podendo ser completa (com aréola e mamilo) ou apenas com parênquima. A forma mais comum é a mama axilar que se manifesta por um abaulamento na região, geralmente durante o ciclo gravidopuerperal. A conduta é a sua retirada, sob anestesia geral, por razões cosméticas.

e colibacilos. Normalmente a paciente tem uma história de mamilo rachado ou de queimadura da pele, que resulta na quebra dos mecanismos de defesa do organismo e em aumento do número de bactérias sobre a pele da mama. Esses germes também chegam ao mamilo pelas roupas, mãos ou nasofaringe do recém-nascido. A penetração se dá pelos linfáticos superficiais, expostos pelas fissuras mamilares. Fatores predisponentes: > mamas ingurgitadas; > fissura mamilar; > infecção da rinofaringe do lactente; > anormalidade do mamilo; > primiparidade; > má higiene; > escabiose. Sinais e sintomas: inicia com estase láctea e, posteriormente, aparecem os sinais clássicos de inflamação: dor, tumor, calor, rubor, que podem ou não estar acompanhados de sintomas gerais (febre, mal-estar, calafrios). Adenopatia axilar costuma se apresentar. Profilaxia durante o período da amamentação: boa higiene e evitar ingurgitamento mamário ou fissuras mamilares. Tratamento

> Politelia: presença de mamilo acessório, geralmente na região torácica inferior e no abdome superior. Trata-se de curiosidade médica e só deve ser retirada em caso de dano estético.

> Analgésicos.

Observação: tanto a polimastia como a politelia acontecem ao longo da linha láctea. A ocorrência de tecido mamário fora dessa localização chama-se mama aberrante.

> Drenagem manual do leite.

Processos inflamatórios Mastite aguda É mais frequente no puerpério, ao redor da terceira semana, causada, em 70% dos casos, pelo estafilococo penicilinase resistente. Depois: estreptococos, anaeróbios (presentes em 36%)

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> Antitérmicos. > Suspensão das mamas.

> Antibioticoterapia: cefalexina – 500 mg 6/6 h ou 1 g 12/12 h, por 7 dias. Alternativas: ampicilina, eritromicina, lincomicina. Prescrever sempre anaerobicida quando houver mastites crônicas resistentes. Se, após 48 a 72 horas de tratamento, persistir a infecção, devemos suspeitar de abscesso, o qual se estabelece em 5 a 10% dos casos, apesar do tratamento. Nota: não recomendamos mais calor local (compressas quentes) pelo fato de a paciente perder

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a sensibilidade na região, podendo ocasionar graves queimaduras.

Abscesso mamário Ocorrem os mesmos sinais de inflamação descritos anteriormente, mais flutuação e, muitas vezes, pele brilhante e descamativa. Em 50% dos casos, a paciente é puérpera. O tratamento consiste na drenagem com incisão arciforme, no ponto de maior flutuação, seguida de exploração digital da cavidade (para desfazer lojas) e colocação de dreno de Penrose. A anestesia geral é mandatória, para que seja possível explorar o interior do abscesso, evitando assim recidivas. A grande maioria é causada pelo Staphylococcus aureus (50% penicilinase-resistentes). Cerca de 85% dos abscessos de mama, no período da lactação, ocorrem durante o primeiro mês pós-parto. A cobertura com antibióticos está indicada para reduzir a infecção sistêmica e a celulite local. O esgotamento das mamas é um aspecto importante no manejo da infecção puerperal das mamas, às vezes ignorado. As mamas podem ser esvaziadas por sucção ou pela expressão manual. Após drenagem do abscesso, a sucção pode ser difícil por alguns dias por razões mecânicas no lado afetado, mas a mãe deve ser encorajada a amamentar na mama não afetada e esgotar a mama infectada. Passado o desconforto, não há contraindicações ou prejuízos ao recém-nascido quanto à amamentação na mama afetada. Abscessos superficiais podem ser resolvidos por punção com agulha calibrosa. A ecografia tem imenso valor nos casos de dúvida e para orientar punções.

Abscesso de paredes espessas É uma forma especial de abscesso que pode simular carcinoma pelo espessamento da cápsula e pelo desaparecimento dos sinais de flogose. Acontece depois de tratamentos inadequados de mastites agudas ou de abscessos. Conduta: drenagem e biópsia da parede (para excluir carcinomas com formação de abscesso). Abscesso subareolar crônico recidivante (ASCR) É outro tipo especial de abscesso, cujo nome já o define. Localizado na região subareolar, caracteriza-se por episódios de infecção aguda

e flutuação, seguidos de drenagem intermitente por orifício fistuloso na junção cutaneoareolar. A drenagem pode ser espontânea ou pode haver necessidade de cirurgia, pela dor que causa. Geralmente o desconforto não costuma ser tão grave como no abscesso piogênico. O processo entra em período de acalmia, que pode durar de 2 a 3 semanas a alguns meses, e depois sofre reagudização. A aspiração pode apresentar uma secreção cremosa ou escura, e a cultura bacteriológica poderá ser estéril na primeira ocasião. Os abscessos recorrentes são mais frequentemente associados ao crescimento de bactérias anaeróbias ou estafilocócicas. É comum a presença de retração e invaginação da papila, desconhecendo-se se é causa ou consequência. Na história, a paciente refere uso de vários antibióticos, culturas com antibiogramas e intervenções cirúrgicas e manifesta grande desconforto e ansiedade. Tradicionalmente, duas hipóteses etiológicas são levantadas pela literatura: > Carswell e Maier acreditam que a inversão do mamilo, com obstrução e maceração dos ductos lactíferos, seria a responsável; > Habif e colaboradores. demonstraram que a metaplasia escamosa predispõe à obstrução dos canalículos e à formação do ASCR. Atualmente, há uma tendência a considerar o ASCR como parte do complexo ectasia ductal-mastite periductal. Existe uma notável correlação entre o ASCR e o hábito de fumar: em nossa casuística, 89,7% das portadoras dessa patologia são fumantes, observação confirmada por outros autores. Não se sabe ainda se o fenômeno seria explicado por uma indução da metaplasia escamosa ocasionada pelo tabagismo, por efeito tóxico direto nos ductos (isquemia), ou por via hormonal indireta, elevando a secreção mamilar. Tratamento O insucesso das drenagens simples levou à proposição de técnicas mais radicais, como excisão dos ductos afetados, fistulectomia e cicatrização por segunda intenção. Os resultados são bons, mas recidivas ocorrem. No Serviço de Mastologia do HCPA, quando ocorre recorrência após fistulectomia ou excisão

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dos ductos afetados, empregamos a ressecção completa do sistema ductal terminal (sede do ASCR) com reconstrução areolar, sugerida por Golden e modificada por nós. Denominamos areoloplastia essa reparação. Indicações: > Pacientes jovens: como primeira abordagem, fistulectomia e fechamento. > Pacientes jovens com diversas intervenções e/ ou alterações mamilares: ressecção do sistema ductal com areoplastia. > Pacientes de qualquer idade que não desejam mais gestar: ressecção do sistema ductal terminal. > Na fase aguda: drenagem simples. > Usar anaerobicidas para esfriar o ASCR e preparar para a cirurgia definitiva após 6 a 8 semanas. > Suspensão do hábito do fumo. Técnica É feita uma incisão elíptica que inclui a papila e a fístula periareolar (Fig. 38.3). Identifica-se o sistema ductal, que é ressecado junto com o trajeto fistuloso. Após a hemostasia, começa a reconstrução, preparando-se os retalhos em uma distância suficiente para permitir sua rotação e embricamento. Fecha-se, assim, o defeito criado pela remoção do mamilo. Os retalhos são suturados cuidadosamente com mononylon 5-0 de forma a não lhes comprometer a vascularização. Completa-se o fechamento do espaço morto com monocryl 2-0. O excedente de pele, se houver, é excisado e termina-se a sutura com mononylon 4/5-0.

Ectasia ductal É a dilatação dos ductos terminais com acúmulo de detritos celulares, podendo causar derrame papilar. Não se sabe a natureza exata de sua etiologia, e os mesmos fatores descritos para o ASCR podem estar envolvidos, inclusive o tabagismo. Formas clínicas: a) derrame papilar: mais comum em peri ou pós-menopáusicas, surgindo secreção amarelo-esverdeada, purulenta. Desde que o sintoma não seja espontâneo e abundante, não requer tratamento. Se a descarga for

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molesta para a paciente, indica-se a exérese do sistema ductal terminal; b) tumoral: a ectasia, com o tempo, pode ocasionar ruptura dos ductos e inflamação circundante, com sinais típicos de mastite. Esse processo, ao se cronificar, pode originar massa endurecida e retração do mamilo, simulando carcinoma. Atualmente, a forma tumoral tem sido vista com menos frequência, pois a consulta e a terapêutica já acontecem na fase do derrame. É comum a retração do mamilo no local do ducto ou dos ductos encurtados. A idade é um fator importante na etiologia da ectasia ductal; a frequência dessa condição aumenta com a idade.

Eczema areolar É uma dermatite descamativa e exsudativa do complexo areolomamilar, muitas vezes bilateral e pruriginosa, podendo ser localizada ou envolver completamente o mamilo e a aréola. Existem muitas causas, como psoríase, dermatite seborreica, dermatite de contato, neurodermatites e dermatite atópica. Pode ser causada por alergia aos tecidos sintéticos dos sutiãs. Na fase aguda, o tratamento é iniciado com solução de Thiersch e completado com corticoide tópico. Nas lesões crônicas, empregar só corticoterapia. Se não houver regressão em 1 ou 2 semanas, biopsiar a papila a fim de excluir o carcinoma de Paget. O principal sinal para diferençar as duas entidades é a destruição do mamilo, que só ocorre na doença de Paget (Tab. 38.3).

Necrose gordurosa Também chamada de citoesteatonecrose e granuloma lipofágico, ocorre em áreas do corpo expostas ao trauma. É resultado da saponificação asséptica da gordura por meio de lipase do sangue e tecido. Ocorre mais frequentemente nas mulheres obesas e com seios flácidos. Surge como uma lesão firme, mal definida, indolor e imóvel. Sua importância clínica reside no fato de simular câncer, em algumas circunstâncias. Pode ser: a. Assintomática: aparece como calcificações arredondadas com o centro translúcido (“casca de ovo”) em mamografias de rotina. É muito comum, costuma gerar ansiedade às pacientes, mas não tem nenhum significado pré-neoplásico.

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A

Figura 38.3 Esquema operatório para ressecção do mamilo com reconstrução. A) Ressecção do mamilo e de parte da aréola com uma incisão elíptica. B) Lacuna resultante da excisão do mamilo e do sistema ductal terminal. C) Obtidos retalhos “a” e “b” por incisão periareolar na área tracejada no esquema B, com decorticação e preparo dos retalhos. D) Deslocamento e rotação dos retalhos “a” sobre a área do mamilo ressecado e “b”, circundando o retalho “a”, aproximação dos retalhos com sutura delicada. E) Ressecção da pele redundante. F) Sutura da pele circunjacente à aréola e da incisão radial.

Tabela 38.3 Características clínicas do eczema areolar e da doença de Paget Eczema areolar

Doença de Paget

Geralmente bilateral Intermiente, com rápida evolução Úmido Bordos indefinidos Lesão descamativa da papila Prurido associado Responde ao corticoide tópico

Unilateral Progressão lenta Úmido ou seco Bordos irregulares, mas definidos Destruição da papila Sem ou com pouco prurido Não responde ao corticoide tópico

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b. Sintomática: mais rara, produz tumor detectável clinicamente. A presença de massa com história de trauma prévio, equimose, dor e retração de pele sugere o diagnóstico. Nem sempre o quadro é tão claro, causando dúvidas e obrigando a uma biópsia esclarecedora. É mais frequente em mamas adiposas da pós-menopausa.

Doença de Mondor Consiste em uma tromboflebite das veias superficiais da mama – lesão rara, associada a traumatismo. Há queixa de dor aguda na região da veia trombosada e presença de cordão fibroso no local. Essa depressão pode imitar carcinoma, sendo essa a maior importância da doença de Mondor. Processo autolimitado, a dor desaparece em 2 a 3 semanas e, em 6 a 8 semanas, não há mais traços da moléstia. Não requer biópsia. O tratamento não vai além de analgésicos e anti-inflamatórios.

Galactocele É uma lesão causada pela obstrução canalicular em mamas lactantes, com consequente acúmulo de leite. Afecção pouco comum, seu diagnóstico baseia-se na anamnese, no exame físico e na punção. Anamnese: aparecimento de tumoração sem características inflamatórias em nutrizes. Exame físico: massa cística ou amolecida. Punção: usar agulha calibrosa, pois o material retido pode ser antigo e adquirir consistência mais firme, como leite condensado ou manteiga. Se há o esvaziamento completo, está concluída a terapêutica. Quando o conteúdo é muito espesso, impossibilitando a aspiração, faz-se necessário o tratamento cirúrgico, isto é, incisão e drenagem.

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enfermidade e de lesão pré-maligna a condições, na maioria das vezes, fisiológicas. A partir de 1985, a escola inglesa, tendo à frente Hughes e Mansel, liderou uma verdadeira revolução conceitual nesse campo e introduziu a classificação aberrações do normal desenvolvimento e involução da mama (ANDI). Esses autores estabeleceram uma correlação entre as etapas evolutiva e involutiva da mama com suas respectivas “desordens” (palavra preferida por eles para evitar a conotação de doença), e somente graus extremos dessas aberrações – como os abscessos, o fibroadenoma gigante e as hiperplasias atípicas – seriam consideradas, realmente, enfermidades (Tab. 38.4). Embora a ANDI tenha incorreções e não seja aceita universalmente, contribuiu muito para mudar o enfoque nessa importante questão, uma vez que, retirando o caráter de doença de várias dessas condições, tende-se a evitar tratamentos desnecessários e onerosos, bem como cirurgias intempestivas. O termo AFBM também não é perfeito, mas vem ganhando ampla aceitação em território nacional e reflete melhor a fisiopatologia desses quadros. Não se justifica mais a atitude de correlacionar aspectos histológicos – e até radiológicos – com a sintomatologia clínica. A maioria das entidades antes rotuladas como displasias mamárias agora é considerada normal (adenose, metaplasia apócrina, microcistos e fibrose) ou exageros da normalidade (ANDI): mastalgia, nodularidade, adenose esclerosante, macrocistos e hiperplasia simples. Do ponto de vista clínico, três quadros são relevantes nas AFBM: mastalgia, adensamento e macrocistos. Cumpre ressaltar que não são entidades nosológicas, são manifestações clínicas de um processo fisiológico dinâmico comum e que, inclusive, podem estar associadas em diferentes graus. Todo o seu interesse advém de dois fatores: o desconforto causado à paciente e o problema da diferenciação com o câncer.

Alterações funcionais benignas da mama

Mastalgia

A denominação alterações funcionais benignas da mama (AFBM) resulta de uma recomendação da Sociedade Brasileira de Mastologia, depois de uma reunião de consenso em março de 1994, no Rio de Janeiro, em uma tentativa de ordenar as “displasias mamárias” ou “doença fibrocística” ou, ainda, “mastopatia fibrocística”. Tais expressões estão em desuso por darem falsa noção de

Mastalgia é sintoma relativamente comum em mulheres e raramente acontece em homens. A evolução da mastalgia é um fator importante para se determinar se esta está relacionada a fatores de mudanças hormonais do ciclo menstrual ou a algum processo patológico da glândula mamária. Em estudo de Ader e Shriver (1997), cerca de 11% das mulheres com mastalgia

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Tabela 38.4 Classificação das condições benignas da mama (suprimida devido à dificuldade na formatação) Período reprodutivo Desenvolvimento (15-25 anos)

Alterações ciclícas (25-40 anos) Gestação e lactação

Normal

ANDI (distúrbios benignos)

Doença

Desenvolvimento ductal

Inversão do mamilo Obstrução ductal isolada Fibroadenoma Hipertrofia-hipomastia

Abscesso subareolar crônico

Mastalgia Nodularidade focal difusa Papiloma intraductal Derrame papilar sanguinolento Galactocele

Formas graves

Desenvolvimento lobular Desenvolvimento do estroma Atividade hormonal Atividade epitelial Hiperplasia epitelial Lactação

Involução (35-50 anos)

Involução lobular Involução ductal Fibrose Dilatação Micropapilomatose

Cistos e adenose esclerosante Retração do mamilo Ectasia ductal Hiperplasia simples

Mastite e abscessos puerperais Ectasia ductal infectada ASCR Hiperplasias lobular e ductal atípicas

Fonte: Adaptada de Hughes (1989). ANDI, aberrações do desenvolvimento normal e involução.

classificam sua dor como moderada a severa. A maior preocupação das pacientes portadoras de mastalgia é a associação com outras doenças, sobretudo o câncer de mama. A frequência de câncer em mulheres que relatam mastalgia é de cerca de 1,2 a 6,7% (Smith; Pruthi; Fitzpatrick, 2004), entretanto, para mulheres com apenas dor mamária localizada, diagnosticou-se neoplasia de mama em 15% dos casos (Barton; Elmore; Fletcher, 1999; Preece et al., 1982; Belieu, 1994). O principal questionamento é: a mastalgia pode ocorrer simultaneamente à neoplasia de mama em uma mesma paciente ou é fator de risco para aparecimento de neoplasia mamária? > Goodwin e colaboradores (1995), em estudo de caso controle em pacientes pré-menopáusicas, encontraram um odds ratio de 1,35 entre mastalgia e neoplasia de mama, subindo para 3,32 em pacientes com mastalgia severa. > Plu-Bureau e colaboradores (1992), em estudo retrospectivo de associação de mastalgia

e neoplasia de mama, encontraram risco relativo de 2,12. Entretanto, a recordação da mastalgia pode ser mais fortemente vivenciada em mulheres que depois descobriram câncer de mama. > Outros estudos relacionam a mastalgia a achados em exames mamográficos e exame clínico. Aiello e colaboradores (2004), em um estudo observacional, demonstraram que 32% de 13 mil pacientes com achados mamográficos anormais apresentavam mastalgia contra 5% com mastalgia de 110 mil com mamografia normal. > Em um estudo observacional com 987 mulheres assintomáticas e 987 mulheres com mastalgia com seguimento por 2 anos, a prevalência de câncer de mama foi a mesma em ambos os grupos (Duijm et al., 1998). A evidência de malignidade apenas foi diagnosticada com achados radiológicos suspeitos. Os estudos mais recentes sugerem que mulheres que apresentam mastalgia podem ser razoavelmente tranquilizadas em razão do baixo risco de

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malignidade na ausência de achados clínicos e/ ou radiológicos anormais. A mastalgia pode ser cíclica (2/3) ou não cíclica (1/3) (Davies et al., 1998). A mastalgia cíclica está associada a mudanças hormonais do ciclo menstrual, presente principalmente na semana que precede o sangramento. É ocasionada principalmente por alterações hormonais (estrogênio/ progesterona) que estimulam a proliferação do tecido glandular (ductal e estromal), resultando em dor. É frequentemente bilateral, difusa e mais intensa nos quadrantes superiores externos. Lesões na parede torácica são relatadas como mastalgia não cíclica constante ou intermitente. A mastalgia não cíclica está associada a mamas pendulares (com estiramento dos ligamentos de Cooper; dores cervicais e no dorso podem estar presentes), dieta e estilo de vida – estudos controlados não demonstram efeito da cafeína da dieta (Levinson; Dunn, 1986; Jacobson; Liebman, 1986). Outros estudos demonstram que a nicotina pode aumentar a mastalgia (por aumento da epinefrina e dos seus efeitos estimulatórios no acetato de medroxiprogesterona cíclico AMP (Heyden; Muhlbaier, 1984; Minton et al., 1979; Abraham, 1983). Outros fatores que estão relacionados à mastalgia: terapia de reposição hormonal (Archer et al., 1992; Bech et al., 1998), ectasia ductal, tromboflebite na mama (doença de Mondor), mastite, hidroadenite supurativa e outros quadros inflamatórios. Estudo de Peters e colaboradores (2003) correlacionou o volume da ectasia ductal e a intensidade da mastalgia não cíclica. Dores na parede torácica podem ser referidas como mastalgias (dores musculares peitorais, costocondrites, radiculopatias, trauma, infecções respiratórias, dores pleuríticas, isquemias cardíacas, doenças das vesículas biliares, nevralgia intercostal, espondiloartrose vertebral, angina, síndrome de Tietze).

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complexos (Smith; Pruth; Fitzpatrick, 2004; Boyd et al., 1988; Goodwin et al., 1998). Não existem efeitos conclusivos sobre a cafeína, vitamina E ou óleo de prímula (ácido gama-linoleico, substrato para produção de prostaglandina E1, a qual tem ação diurética, anti-inflamatória, modula hormônios sexuais, etc.) nos estudos analisados (Levinson; Dunn, 1986; Jacobson; Liebman, 1986; Heyden; Muhlbaier, 1984; Ernster et al., 1985; Blommers et al., 2002). Goyal, Mansel e o Efamast Study Group (2005) realizaram estudo multicêntrico randomizado com 555 mulheres portadoras de mastalgia moderada a severa, separadas em quatro grupos que receberiam: ácido gamalinoleico ⫹ antioxidantes; placebo de ácidos graxos ⫹ antioxidantes; ácido gamalinoleico ⫹ placebo de antioxidantes, e placebos de ambos. Os resultados não mostraram diferenças estatisticamente significativas. > Vestimenta de suporte: sutiãs com melhor suporte parecem evitar mastalgia em pacientes com mamas pendulares, principalmente durante exercícios (Wilson; Sellwood, 1976; Hadi, 2000; Mason; Page; Fallon, 1999). > Compressas frias e massagem: parecem ajudar no manejo da mastalgia em algumas pacientes, embora com estudos inconclusivos. > Analgésicos e anti-inflamatórios não esteroides (AINEs): paracetamol e AINEs, tanto orais quanto tópicos, são benéficos no tratamento da mastalgia.

Se nos exames clínico e radiológico não houver alterações, a mastalgia poderá ser tratada. As recomendações para o tratamento se baseiam em estudos observacionais e de caso-controle, com poucos ou quase nenhum ensaio clínico randomizado.

> Antiestrogênicos: o tamoxifeno, o toremifeno e o raloxifeno foram avaliados no tratamento da mastalgia. O toremifeno, em dois ensaios clínicos recentes (Oksa; Luukkaala; Mäenpää, 2006; Gong et al., 2006), mostrou-se melhor do que placebo no alívio da dor. Recentemente, uma metanálise comparou os ensaios clínicos randomizados que testaram óleo de prímula, danazol, bromocriptina e tamoxifeno. O óleo de prímula não foi superior ao placebo, enquanto a bromocriptina, o danazol e o tamoxifeno foram capazes de melhorar os escores de dor referida (Srivastava et al., 2007).

> Dietas e mudanças no estilo de vida: não estão claros seus efeitos sobre a mastalgia. Alguns estudos observacionais demonstram efeito benéfico de dieta rica em carboidratos

> Danazol (Ladogal®): é um antigonadotrófico que induz a uma pseudomenopausa, inibindo a ação ovariana sobre as mamas. Sintomas indesejáveis: ganho de peso, acne.

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> Bromocriptina (Parlodel ®) e cabergolina (Dostinex®): são agonistas dopaminérgicos com bom índice de resposta clínica, porém efeitos adversos importantes (intolerância gástrica, hipotensão) e alto custo.

macrocistos palpáveis. Se formos considerar os microcistos (⬍ 1 cm) detectados por ecografia, esse número sobe para 70%.

Na prática clínica, os ACOS têm ação paradoxal: em alguns casos, pioram o sintoma, em outros, aliviam. Convém ressaltar que nenhuma das drogas citadas cura completamente a mastalgia. O que costuma acontecer são períodos mais ou menos longos de remissão. Assim, como princípio geral, os agonistas dopaminérgicos, o tamoxifeno e o danazol – pelo custo e pelos efeitos colaterais – devem ser receitados em casos selecionados de mastalgia grave.

Tumor móvel, firme-elástico, às vezes achatado, mais frequente nas regiões centrais da mama e na pré-menopausa (é raríssimo na senectude, a não ser na vigência de terapia de reposição hormonal). A maioria é indolor.

Adensamentos São achados físicos bidimensionais que se manifestam como uma área de endurecimento localizado (espessamento), acompanhada ou não de dor e nodularidade. Toda a sua importância reside em mascarar um câncer, especialmente quando é uma alteração unilateral, solitária. Excluída a malignidade, não requer nenhuma terapêutica adicional.

Macrocistos Os cistos mamários são uma expressão da etapa involutiva do lóbulo mamário e têm importância clínica porque formam tumor de aparecimento rápido, gerando ansiedade na paciente. Estima-se que ocorram em 7 a 10% das mulheres, predominantemente na meia idade e no final do período reprodutivo, aumentando em frequência a partir dos 35 anos, com incidência máxima entre os 40 e os 50 anos. A etiologia é desconhecida, mas recentes estudos demonstram que eles podem ser divididos em dois grandes grupos: um revestido por epitélio atrófico e com líquido intracavitário contendo proporção Na/K ⬎ 3; o outro formado por epitélio apócrino, cuja relação Na/K é ⬍ 3. Esse grupo, para alguns autores, teria risco maior para carcinoma. Incidência Em nossa experiência, encontramos incidência ligeiramente superior à da literatura: 8,5% contra 5 a 7%. Cerca de 60% das pacientes tiveram um único cisto. Essa incidência refere-se a

Quadro clínico

Tratamento Consiste na simples punção evacuadora do cisto, conforme descrito anteriormente. Esse simples procedimento ambulatorial afasta a possibilidade de câncer e determina enorme alívio à paciente. Nas portadoras de cistos múltiplos, não há necessidade de puncionar todos os cistos, em todas as ocasiões, desde que se disponha de adequado monitoramento por meio da ultrassonografia. Se esta mostrar que se trata de cistos simples (não complexos e não habitados), deverão ser programadas sessões de punção dos cistos maiores, sintomáticos. Só será cogitado tratamento cirúrgico para excluir neoplasia maligna nos cistos com várias recidivas quando houver massa restante pós-punção ou o líquido for sanguinolento, e se o cisto for complexo. A hormonioterapia com as drogas já citadas apresenta resultados de efetividade temporária, sendo de utilização excepcional. Chamamos a atenção para a importância da mamografia em combinação com a ecografia no manejo desse quadro.

Tumores benignos Os principais são, pela ordem de frequência: fibroadenoma, papiloma intraductal e lipoma.

Fibroadenoma O fibroadenoma é um tumor constituído pela proliferação do tecido conectivo do estroma e pela multiplicação de ductos e ácinos. Os dois componentes estão presentes em proporções variáveis, mas é o elemento estromal que determina a classificação e o comportamento clínico dessas lesões. Vários autores não o consideram verdadeiro tumor, preferindo rotulá-lo como anomalia na etapa de desenvolvimento do ló-

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bulo (ANDI). O fibroadenoma comum apresenta estroma de baixa celularidade com citologia uniforme e se comporta de forma benigna. O outro grupo, com estroma hipercelular e atipias, é chamado de tumor filodes. São malignos em apenas 10% dos casos, mas, mesmo benignos, têm uma tendência à recidiva local e podem atingir grandes volumes (Tab. 38.4). Quadro clínico Acomete preferencialmente mulheres jovens, entre a menarca e os 30 anos; depois dessa idade, entra em degeneração e calcifica, sendo achado comum em mamografias de rotina. Apresenta-se como nódulo de limites nítidos, forma arredondada ou lobulada, consistência firme e ampla mobilidade. O crescimento é lento e raramente ultrapassa 4 cm. Pode ser múltiplo em 20% dos casos. Em nossa casuística, há uma paciente da qual foram retirados 21 fibroadenomas de uma só vez. O diagnóstico é eminentemente clínico, podendo ser complementado pela PAAF e pela ecografia. Existe uma forma especial de fibroadenoma conhecida como gigante juvenil. Ocorre na puberdade e causa acentuada assimetria mamária devido ao tamanho (10-20 cm). Tratamento É a excisão com anestesia local, sempre que possível. A abordagem preferencial é pela via periareolar, mas, em tumores grandes, a incisão no sulco inframamário proporciona excelente resultado estético. A exérese de pequenos fibroadenomas em pacientes jovens – com menos de 25 anos – é relativa, não havendo urgência em sua execução. O mesmo vale para aquelas que mostram tendência a formar nódulos múltiplos, recorrentes: é preferível deixá-los em observação e, depois, operar em um único procedimento. É rara a transformação de componentes epiteliais de fibroadenoma em carcinoma. A incidência de carcinoma surgindo em um fibroadenoma é de 0,002 a 0,125%.

Hamartomas Hamartomas são lesões compostas por uma combinação anormal de elementos de tecido ou uma proporção anormalmente presente no local. É formado por uma quantidade variável de tecido glandular, gordura e tecido conectivo fibroso.

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Essa lesão, relativamente incomum, ocorre mais frequentemente na pós-menopausa. Ao exame físico, é normalmente macia e não difere em textura do parênquima que circunda a mama.

Papiloma intraductal É uma lesão hiperplásica caracterizada pela proliferação do epitélio ductal com um eixo vasculoconjuntivo que enche o canalículo e, geralmente, o distende. Tipicamente, é solitário, não excede 2 a 3 mm e se localiza nos ductos terminais. Mais frequentemente observado nas mulheres entre 30 e 50 anos, costuma produzir derrame sanguinolento ou seroso e, em 50% deles, nota-se nódulo subareolar. Não confundir com a papilomatose múltipla, cuja localização é mais periférica e se trata de hiperplasia ductal ou lobular. O diagnóstico e o tratamento já foram abordados – exérese do(s) ducto(s) atingido(s) com incisão justareolar (ver Conduta no derrame papilar). A maioria surge na quarta e sexta décadas de vida, com pico de incidência na quinta década.

Cicatrizes radiais As cicatrizes radiais podem parecer carcinomas de mama em exames mamográficos, macro e microscópicos. Embora a relação entre a presença de cicatrizes radiais e o câncer de mama subsequente tenha sido motivo de controvérsia há muito tempo, as evidências sugerem que a cicatriz radial está associada a um risco aumentado de câncer de mama futuro. Costumam ser descobertas acidentais mais frequentes em tecido mamário excisado em virtude de outra anormalidade. São comumente múltiplas e, eventualmente, são tão grandes ao ponto de serem detectadas na mamografia, em que aparecem como massas espiculadas que não podem ser distinguidas dos carcinomas com certeza, sendo necessário o diagnóstico histopatológico.

Hiperplasias O termo hiperplasia implica uma condição benigna. Hiperplasias com atipias tendem a ser associadas a pequeno ou moderado aumento no risco do câncer de mama. As hiperplasia atípicas podem ser ductais ou lobulares e são lesões proliferativas que apresentam algumas características, mas não todas, de carcinoma in situ. A hiperplasia atípica é identificada em 12 a 17%

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das biópsias feitas, devido à presença de microcalcificações na mamografia. A hiperplasia atípica aumenta o risco de câncer de mama de 3,5 a 5 vezes em relação aos controles. O risco associado à hiperplasia lobular atípica parece ser maior do que o associado à hiperplasia ductal atípica. O risco de câncer de mama em pacientes com hiperplasia atípica (lobular ou ductal) é aproximadamente igual em ambas as mamas. Sempre que a punção-biópsia percutânea revelar hiperplasia atípica, deve-se proceder à biópsia excisional da lesão.

Lipoma É uma proliferação benigna das células lipídicas. Apresenta-se como nódulo amolecido, bem delimitado e que pode atingir grandes proporções, causando deformidades. Também pode sofrer citoesteatonecrose e causar o aparecimento de áreas endurecidas que se confundem com carcinoma. A conduta é a remoção cirúrgica, e a própria macroscopia antecipa o diagnóstico.

Risco para câncer das condições benignas O risco de uma mulher desenvolver carcinoma de mama pode ser avaliado por meio de três parâmetros: epidemiologia clínica (ver grupos de risco), testes genéticos (pesquisa do BRCA1 e BRCA2) e histologia. Vamos abordar brevemente o último parâmetro. A quantificação do risco histológico é obtida pelo acompanhamento, a longo prazo, dos casos de patologia benigna submetidos à biópsia e expressada em termos de risco relativo (RR). O RR para carcinoma invasor a partir de condições benignas foi definido em uma reunião de consenso do College of American Pathologists, em 1986, sendo, posteriormente, modificado por Page e Dupont. As conclusões podem ser resumidas no Quadro 38.2. Os números apresentados duplicam quando há história familiar de câncer de mama.

QUADRO 38.2

Risco relativo para câncer baseado na histologia Risco não aumentado (alterações não proliferativas): > Adenose > Metaplasia apócrina > Ectasia ductal > Macro e microcistos > Hiperplasia simples > Fibroadenoma > Metaplasia escamosa Risco levemente aumentado (1,5 a 2x – alterações proliferativas sem atipias): > Hiperplasia moderada ou florida > Adenose esclerosante > Papiloma (provavelmente) > Cicatriz radial (lesão esclerosante complexa) Risco moderadamente aumentado (5x – alterações proliferativas com atipias): > Hiperplasia ductal atípica > Hiperplasia lobular atípica Alto risco (10x – carcinoma in situ): > Carcinoma lobular in situ > Carcinoma ductal in situ

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Princípios gerais no manejo das alterações benignas Os seguintes princípios gerais devem orientar o manejo das alterações benignas da mama: 1. Eliminar, o mais prontamente possível, o desconforto causado por essa alteração.

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3. Preservar a estética sempre que for indicada intervenção. 4. Classificar o risco para câncer a partir de uma biópsia benigna e propor o esquema de seguimento. 5. Tranquilizar sempre.

2. Excluir câncer, utilizando todo o arsenal propedêutico necessário.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A ecografia mamária não se presta a a. b. c. d.

Detecção de microcalcificações. Identificar cistos. Auxiliar na punção de nódulos sólidos. Complementar a MMG em mamas densas. e. Avaliar mamas na gestação.

2. Não é fator predisponente a mastite aguda: a. b. c. d. e.

Fissura mamilar. Primiparidade. Ingurgitamento mamário. Escabiose. Traumatismo.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Câncer de Mama Carlos Henrique Menke Nilton Leite Xavier Jorge Villanova Biazús José Antônio Cavalheiro Rodrigo Cericatto Ana Cristina da Costa Bittelbrunn Fernando Schuh

O câncer de mama é a neoplasia maligna mais frequente na mulher brasileira. Ocorre principalmente após os 40 anos de idade, embora nos últimos anos tenha se observado um fenômeno ainda inexplicado: o aumento sensível de sua incidência em faixas etárias mais jovens em todo o mundo (Menke, 2007). Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Brasil, 2008), observou-se um aumento considerável da taxa de mortalidade por câncer de mama no Brasil de 1979 a 2008, muito provavelmente secundária ao aumento do número de diagnósticos e à melhor informação nos atestados de óbito. O número de casos novos estimados para o ano 2008 na população feminina é de 49.400, o qual corresponde à taxa bruta de incidência de 50,71/100.000 (Brasil, 2008). Em países desenvolvidos, a mortalidade vem diminuindo nos últimos anos, fato atribuído ao rastreamento mamográfico e à terapêutica adjuvante sistêmica. Nos Estados Unidos, em 2003, observou-se, pela primeira vez, uma diminuição na incidência em mulheres pós-menopáusicas, em parte explicada pela queda acentuada na prescrição de hormônios no climatério após a publicação dos resultados do Estudo WHI (Womens Health Initiative) (Ravdin, 2007). A etiologia do câncer de mama é desconhecida, e seus fatores de risco, quando considerados

individualmente, são abstrações estatísticas. Da singularidade caótica do evento neoplásico inicial e sua progressão, na intimidade do tecido mamário, até o diagnóstico, muitos anos podem ter decorrido. Sua evolução natural é, de maneira inexorável, para a morte, geralmente acompanhada de variados graus de sofrimento físico e emocional.

Fatores de risco Apesar de sua etiologia obscura, alguns fatores parecem aumentar o risco para desenvolver a doença. Hoje sabemos que de 5 a 10% dos casos de câncer de mama são do tipo hereditário, e, com a descoberta do BRCA 1, em 1994, e do BRCA 2, em 1995, nova perspectiva pôde ser vislumbrada na área da oncogênese mamária, pois finalmente a ciência acessou a intimidade do DNA. Começando a desvendar os segredos do código genético, abriram-se novas fronteiras de um microcosmo ainda inexplorado, no qual provavelmente estão guardadas respostas para nossas perguntas mais angustiantes. As mulheres portadoras de mutações no gene BRCA 1 têm de 50 a 60% de chances de desenvolver câncer de mama e ovário, respectivamente, durante a vida (Schwartz et al., 2009).

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A consulta de aconselhamento genético representa uma forma eficaz de se proporcionar às pacientes esclarecimento e suporte emocional sobre as questões envolvidas com os riscos individuais (reais e imaginários) para o desenvolvimento de câncer de mama, bem como orientações sobre a melhor forma de seguimento para cada caso (Fig. 39.1). Uma das mais importantes inovações na genética clínica do câncer é a utilização de testes para a detecção de mutações em genes relacionados a essa doença. Essa nova tecnologia traz consigo importantes implicações médicas, sociais e éticas que precisam estar presentes em todo o processo de sugestão, indicação e realização de tais testes; dessa forma, o aconselhamento genético pré e pós-teste deve sempre ser realizado. O BRCA 1 é um gene extremamente complexo, contendo mais de 600 mutações ligadas ao desenvolvimento do câncer de mama e de ovário. O BRCA 2, segundo gene que confere suscetibilidade ao câncer de mama, também está ligado à ocorrência do câncer de mama masculino. O conhecimento atual permite afirmar que o benefício dos testes de predisposição genética concentra-se nas orientações de seguimento clínico e mamográfico e de aconselhamento familiar. A utilização de medidas preventivas, como quimioprevenção e mastectomia profilática, deve ser avaliada com cautela e levar em consideração os riscos e as limitações dos métodos,

bem como a condição biopsicossocial do indivíduo (Sociedade Brasileira de Mastologia, 2008). Cerca de 80% dos casos de câncer de mama são do tipo esporádico, em que o processo da oncogênese é gerado por meio de mutações ocorridas durante a vida, auxiliadas por fatores adjuvantes, na maioria das vezes, ignorados. O risco de câncer de mama imaginado pela paciente costuma ser três vezes maior do que o risco real calculado pelos modelos existentes, por isso a importância do aconselhamento genético.

Quimioprevenção A quimioprevenção vem ganhando cada vez mais atenção como estratégia de prevenção primária do câncer de mama. Atualmente, prefere-se denominá-la de “redução de risco” a chamá-la de “prevenção”, já que não se consegue evitar o aparecimento da doença em 100% das mulheres. O fármaco pioneiro nessa indicação é o tamoxifeno, que já possui o aval de ensaios clínicos randomizados e leva a uma redução de risco de aproximadamente 50%, principalmente para os casos de carcinomas positivos para receptores hormonais. Os efeitos adversos do tamoxifeno assumem peso importante quando se trata de administrá-lo a uma população sadia; por isso, novas substâncias estão sendo testadas. O raloxifeno, modulador seletivo dos receptores estrogênicos (SERM) que tem a vantagem de não cau-

Relação risco percebido (RP/risco calculado (RC) 120

Risco absoluto (%)

100 80 60 40 RP

20

RC

0 1

5

555

9 13 17 21 25 29 33 37 41 45 49 53 57 61 65 69

Casos (N)

Figura 39.1 O risco imaginado pela paciente quase sempre é maior do que o risco real.

556 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

sar câncer de endométrio, foi testado no estudo STAR (Study of Tamoxifen and Raloxifen), publicado em 2006, que compara as duas drogas. Ambas mostraram eficácia semelhante na redução do risco para câncer invasor, mas o tamoxifeno foi um pouco superior em relação ao carcinoma in situ (Vogel et al., 2006). Os inibidores de aromatase também estão sendo pesquisados.

Fatores ambientais

A droga-padrão para a quimioprevenção é o tamoxifeno na dose de 20 mg por 5 anos. Essa é uma alternativa às pós-menopáusicas de alto risco que apresentam osteopenia/osteoporose.

> Meio hormonal adverso.

> Radiação ionizante. > Poluentes ambientais. De forma abrangente, podemos apontar como de risco os seguintes fatores: > Predisposição genética.

> Incompetência imunológica. > Exposição a carcinogênios. > Condições ambientais adversas.

Fatores de risco primários > Sexo: feminino.

Seguimento das pacientes de alto risco

> Idade: > 40 anos.

Esquema de acompanhamento do alto risco

> Antecedente pessoal de câncer de mama.

> Quantificação do risco e orientação adequada.

> História familiar: parente de primeiro grau (mãe ou irmã), especialmente bilateral e na pré-menopausa.

> Exame clínico semestral.

> Nuliparidade. > Primeiro parto após os 30 anos. > Lesões histológicas indicadoras de risco: carcinoma in situ: — carcinoma ductal in situ precursor;

> Autoexame mensal. > Mamografia anual (ecografia complementar). > Ressonância magnética (risco genético > 15%). > Recomendações dietéticas. A ressonância magnética mamária é indicada para rastreamento de mulheres com risco genético absoluto maior do que 15%.

— carcinoma lobular in situ lesão mista, marcador de risco e precursor. > Hiperplasia ductal ou lobular atípica. > Lesão esclerosante complexa (cicatriz radial). Fatores de risco secundários > Menarca precoce (< 11 anos). > Menopausa tardia (> 55 anos). > Raça branca. > Aumento de peso na pós-menopausa. > Terapia de reposição hormonal por mais de dois anos. Dieta inadequada > Alta ingesta de gorduras. > Uso crônico de álcool.

Aspectos da biologia do câncer de mama O câncer de mama é uma doença heterogênea e complexa, o que pode ser observado pelas múltiplas formas de apresentação clínica e morfológica, pelas diferenças na pré e pós-menopausa, pelos diferentes graus de agressividade tumoral e pelo potencial metastático. A maioria dos tumores é monoclonal na origem, ou seja, o evento neoplásico ocorre em uma única célula que desenvolve expansão clonal. Durante esse crescimento, ocorre progressiva instabilidade genética, gerando alta taxa de mutações e resultando em população tumoral heterogênea, multiclonal, que se expressa com diferenciações quanto ao potencial metastático,

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557

Anos de crescimento 5

10

15

Número de células

1012 1010

1g

8

Pré-clínico

10

1 mg 106

Pré-mamográfico

104 1 10

20

30

40

Número de duplicações celulares (tempo de duplição de 100 dias) Figura 39.2 Evolução do carcinoma de mama.

à antigenicidade, aos receptores hormonais, à quimiossensibilidade, etc. (Fig. 39.2). Quando atinge o limiar de detecção clínica, em torno de 1 cm, o tumor apresenta massa celular de aproximadamente 109 células, tendo duplicado 30 vezes em média, com um tempo de duplicação que varia de 30 a 200 dias. Desse modo, uma neoplasia considerada clinicamente precoce já existiu em fase pré-clínica por um período de 2 a 17 anos, tendo evoluído três quartos de sua vida biológica antes de causar a morte do hospedeiro. Esses modelos teóricos demonstram a multiplicidade de fenótipos e comportamentos biológicos distintos, todos designados pelo mesmo nome: carcinoma de mama, cada tumor com suas peculiaridades. Dessa forma, o conceito clínico de precoce ou tardio apenas define uma representação temporal que não representa uma realidade baseada em princípios de cinética celular e agressividade biológica. A observação das taxas de cura e sobrevida em 10 anos tem demonstrado que o potencial metastático, muitas vezes, já se manifestou antes do diagnóstico clínico. A evolução tumoral depende da íntima relação tumor/hospedeiro. Do equilíbrio dinâmico entre as forças de propagação tumoral e da resistência do hospedeiro é que resultará o sucesso ou não em conter a evolução natural da doença.

Classificação histológica O câncer de mama consiste em um grupo de neoplasias epiteliais malignas com grande heterogeneidade estrutural. Aproximadamente 70 a 80% dos casos são classificados como carcinoma ductal invasor (CDI) sem tipo histológico especial. É importante que se faça essa distinção, pois os diferentes tipos histológicos de carcinoma ductal, como tubular, medular, metaplásico, mucinoso e adenoide-cístico, apresentam melhor prognóstico (Fig. 39.3). Classificação utilizada no HCPA > Carcinoma intraductal ou ductal in situ; carcinoma lobular in situ. > Carcinoma ductal invasor (variantes: tubular, papilar, mucinoso, medular, adenoide-cístico, medular, coloide, carcinoma de Paget). > Carcinoma lobular invasor. Aproximadamente 90% dos carcinomas são do tipo ductal ou suas variantes. Os lobulares correspondem a menos de 10%. O carcinoma ductal in situ (CDIS) ou intraductal era achado pouco frequente em nosso meio até a década de 1990, mas agora, com o emprego rotineiro da mamografia, o número de diagnósticos tem aumentado acentuadamente. No Serviço de Mastologia, entre as lesões não

558 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

In situ Lobular Invasor Carcioma In situ Ductal Invasor

Tipo não especial Meludar Papilar Coloide Tubular Secretor Adenocístico Paget

Figura 39.3 Classificação dos carcinomas mamários.

palpáveis, o CDIS corresponde a quase 50% dos diagnósticos e, considerando-se todos os estádios, saltou de 2% em 1990 para 10% em 2004 (Menke et al., 2006). Para fins práticos, deve ser dividido em dois grupos, pois apresenta comportamentos biológicos distintos: CDIS > Tipo comedo > Tipo não comedo — Micropapilar — Cribiforme — Misto O CDIS é mais comum na pós-menopausa e não deve ser, necessariamente, considerado lesão subclínica, pois muitas vezes se apresenta como massa tumoral definida, especialmente na variedade comedoniana. Tal variedade caracteriza-se pelo preenchimento dos ductos com células tumorais, algumas vezes com derrame papilar hemático ou aquoso e, frequentemente (± 85% das vezes), revelando microcalcificações na mamografia. O carcinoma lobular in situ (CLIS) é chamado por Haagensen de neoplasia lobular em virtude de não lhe reconhecer potencial intrínseco de malignidade, mas sim indicador biológico de aumento de risco para o futuro desenvolvimento

de um tumor invasor. Costuma não ter qualquer expressão clínica, e os achados radiológicos são atípicos, muitas vezes constituindo-se em uma descoberta ocasional de biópsias mamárias. Tem tendência à multicentricidade e à bilateralidade (25%). Recentemente, autores como Page e Fischer contestaram esse caráter único de marcador de risco e lhe atribuíram, também, atividade precursora. Parece haver consenso de que o tipo pleomórfico de CLIS tem caráter precursor e deve ser manejado mais agressivamente, inclusive com obtenção de margens (Page et al., 2003). O carcinoma lobular in situ não é mais considerado apenas como marcador de risco: tem atividade precursora também. O carcinoma ductal invasor (CDI), de tipo histológico não especial, responde pela maioria dos tumores invasores da mama. Em geral, o crescimento tumoral é acompanhado pela infiltração direta do estroma, provocando, frequentemente, reação desmoplástica com intensa fibrose, distorcendo a estrutura glandular, responsável pelo aspecto macroscópico e mamográfico de lesão estrelada. Os tumores de crescimento rápido tendem a formar massas multinodulares com permeação de vasos linfáticos, veias e espaços perineurais. Quando predomina a proliferação intraductal, ocorre escassa reação do estroma, propiciando crescimento tuberoso que pode atingir grandes dimensões antes da detecção.

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A média do diâmetro dos tumores tratados no Serviço de Mastologia do HCPA (1.906 casos) vem diminuindo: 3,6 cm na década de 1970, 3,1 cm na década de 1990 e estava em 2,5 cm em dezembro de 2006 (Menke et al., 2007) (Fig. 39.4). Segundo o INCA, com base nos dados disponíveis de Registros Hospitalares, 60% dos tumores de mama no Brasil são diagnosticados em estágio clínico III ou IV (Brasil, 2009). As dimensões do tumor são inversamente proporcionais ao prognóstico: de modo geral, quanto maior o tumor primário, pior o prognóstico. Paralelamente, existe relação linear entre o tamanho do tumor e a probabilidade de metástases axilares. Além disso, o tamanho tumoral parece ser uma variável independente no prognóstico do carcinoma de mama, pois, mesmo em pacientes com axila negativa, os tumores maiores estão associados a menor intervalo livre de doença e morte (Menke et al., 2007). Existem padrões de diferenciação histológica entre os tumores que fornecem informações importantes para a orientação terapêutica de cada caso. O grau histológico é mais um fator prognóstico importante: um tumor Grau I (bem diferencia-

559

do) tem bom prognóstico, enquanto um tumor Grau III (pouco diferenciado) tem prognóstico reservado.

Formas de apresentação clínica e histologia O CDI caracteriza-se por consistência pétrea à palpação e, quando incisado, oferece resistência arenosa ou “em pera verde”. A capacidade de provocar reação estromal é que determina diferentes formas de apresentação, produzindo retração de pele no caso de reação fibrótica intensa ou abaulamentos, quando o crescimento é tuberoso e com pouca fibrose. O carcinoma lobular invasor é pouco frequente, não ultrapassando 5 a 10% na maioria das séries. O achado típico é o de uma área mal definida, infiltrada, espessada na mama, com pouca expressão mamográfica. Costuma ser multicêntrico e com maior tendência à bilateralidade. Quanto à relação entre o comprometimento axilar e o prognóstico, seu comportamento é semelhante ao do CDI. Os tipos especiais mais comuns são tubular, medular, mucinoso e papilar.

Medida do diâmetro tumoral (cm) – 1902 casos 3,6 3,4 3,2 3,0 2,8 2,6 2,4 2,2 2,0 1,8 1,6 1,5 1,4 1972-1979 1980-1989 1990-1999 2000-2002 2003-2006 Figura 39.4 Evolução do tamanho tumoral ao longo de 34 anos no Serviço de Mastologia do HCPA: houve redução de 11 mm nesse período.

560 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

O carcinoma tubular responde por aproximadamente 2% dos carcinomas de mama, raramente apresentando metástases axilares, e seu prognóstico é particularmente bom. O carcinoma tubular raramente gera metástases axilares e tem bom prognóstico. O carcinoma medular normalmente se apresenta como lesão bem circunscrita, constituindo cerca de 5% dos carcinomas de mama. Quando histologicamente puro, também apresenta bom prognóstico em relação ao CDI. O carcinoma mucinoso, de crescimento geralmente lento, caracteriza-se pelo acúmulo abundante de mucina ao redor das células tumorais, às vezes atingindo grandes volumes. Quando o tumor é predominantemente mucinoso, o prognóstico tende a ser melhor. O carcinoma papilífero ocorre, preferencialmente, na pós-menopausa, geralmente na região central da mama e, com frequência, acompanhado de derrame papilar. Constitui aproximadamente 1 a 2% dos carcinomas de mama e, devido a sua singular configuração histológica, apresenta dificuldades diagnósticas ao exame de congelação. O prognóstico é semelhante ao do CDI, conforme o estágio clínico.

isto é, antes de haver invasão do estroma ou formação de tumor, sendo considerado, portanto, como lesão in situ. Após a infiltração do estroma, seu comportamento passa a ser igual ao do carcinoma comum. É importante realizar o diagnóstico diferencial com o eczema areolar, que é um processo atópico e/ou inflamatório, quase sempre de fácil resolução (Fig. 39.5). O carcinoma de Paget, em seu estágio inicial, é uma lesão in situ e, portanto, curável, devendo ser reconhecida precocemente.

Carcinoma inflamatório O carcinoma inflamatório manifesta-se pela presença de sinais inflamatórios provocados pela embolização maciça dos linfáticos da derme e do parênquima mamário. Esse comprometimento dos linfáticos por êmbolos tumorais provoca edema de pele pronunciado (aspecto de casca de laranja), endurecimento difuso da mama e eritema cutâneo, simulando processo inflamatório. Essa forma, pouco frequente (2-4% dos casos), tem prognóstico sombrio, independentemente do tipo de tratamento. A sobrevida raramente

Apresentações clínicas especiais Carcinoma de Paget O carcinoma de Paget apresenta-se como lesão eczematoide do complexo aréolo-mamilar e caracteristicamente provoca a destruição da papila. É geralmente aceito como extensão cutânea de um carcinoma ductal. Apresenta bom prognóstico quando diagnosticado precocemente,

Figura 39.5 Carcinoma de Paget: o mamilo está destruído.

Tabela 39.1 Diagnóstico diferencial entre carcinoma de Paget e eczema areolar Paget

Eczema aureolar

Unilateral Destrói o mamilo Sem prurido ou pouco prurido Evolução lenta Não responde a corticoide tópico

Bilateral Mamilo preservado Com prurido Evolução rápida Responde a corticoide tópico

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ultrapassa cinco anos após o diagnóstico, mesmo com novos fármacos e protocolos de poliquimioterapia com intensificação de dosagens. No momento do diagnóstico, praticamente 100% dos casos apresentam doença disseminada. Geralmente, o tumor é de tipo indiferenciado e altamente agressivo. O tratamento é paliativo e deve também ser agressivo, combinando poliquimioterapia associada à radioterapia e, eventualmente, cirurgia para controle local da doença. É importante não confundir o carcinoma inflamatório com mastite, infecciosa ou traumática, pois ele não apresenta sinais sistêmicos de infecção aguda e incide em uma faixa etária mais elevada do que as puérperas, que representam o principal contingente dos processos infecciosos. Também é relevante não rotular de carcinoma inflamatório o câncer comum que invade e compromete a pele, ocasionando edema e eritema.

Carcinoma de mama no homem Aproximadamente 1% dos casos de câncer de mama ocorre em homens. Geralmente, são tumores retroareolares, de pequena dimensão, que precocemente provocam alterações na pele e no mamilo. A fixação à fáscia peitoral e o comprometimento axilar são frequentes. O tratamento, em linhas gerais, é semelhante aos casos femininos, observando que, cirurgicamente, a opção é pela mastectomia radical modificada. A técnica da biópsia do linfonodo sentinela pode ser usada no câncer masculino (Veronesi et al., 2002).

Carcinoma de mama e gestação A associação do carcinoma de mama à gestação e à lactação é pouco frequente (1-4% de todos os casos de câncer de mama), sendo que aproximadamente 0,3% das gestações são complicadas pela neoplasia. Na experiência do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA, essa concomitância ocorreu em 1,6% dos casos, 15 casos em 892 carcinomas, com idade média de 33 anos. É esperado um aumento na incidência, já que o câncer de mama está cada vez mais atingindo mulheres abaixo dos 35 anos, as quais, por sua vez, vêm adiando a maternidade para depois dos 30. As alterações fisiológicas provocadas pela gravidez dificultam tanto o diagnóstico clínico quan-

561

to o radiológico. Isso, aliado à tendência do médico e da paciente em postergar qualquer intervenção para após o parto, leva a um retardo diagnóstico médio de cinco meses em relação ao carcinoma comum. O retardo diagnóstico é a principal causa do mau prognóstico do câncer de mama associado à gestação. O pré-natalista tem papel fundamental nesse cenário. O pré-natalista desempenha papel fundamental na descoberta precoce, devendo examinar as mamas a cada visita. Diante de nódulo ou adensamento solitário, deve-se proceder, primeiramente, à punção citológica e/ou biópsia percutânea complementada por ecografia. Se houver dúvida, parte-se para a biópsia simples com anestesia local (nódulo sólido com característica benigna) ou para a congelação (suspeita de malignidade). A anestesia geral, cercada de cuidados especiais, não causará dano ao feto. O tipo histológico é igual ao encontrado fora do ciclo grávido-puerperal. Os receptores hormonais costumam ser negativos nessa situação: não se sabe se isso é a realidade ou apenas reflete a ocupação de todos os receptores pelos esteroides gravídicos. A avaliação laboratorial é simples. Nos estádios iniciais, é solicitado apenas o pré-operatório de rotina, no qual o raio X de tórax não é imprescindível. Nas lesões mais avançadas, acrescentam-se a ecografia abdominal e, eventualmente, a cintilografia óssea (a radiação é mínima). O tratamento de cada caso é individualizado e discutido amplamente com paciente e familiares. A decisão terapêutica vai depender do estádio da doença, da idade gestacional e do desejo da enferma. Em princípio, a mastectomia radical modificada é o tratamento de escolha nos estádios iniciais. O tratamento conservador é uma alternativa, desde que se adie a radioterapia para após o parto. A quimioterapia é contraindicada no primeiro trimestre, podendo ser utilizada no restante da gravidez. Nos casos mais avançados (III e IV), a interrupção pode ser proposta, a fim de permitir um tratamento mais agressivo. Não existe mais lugar para o chamado “abortamento terapêutico”, a fim de melhorar a sobrevida.

562 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Não há evidência de que a supressão do aleitamento resulte em melhor prognóstico. Ela só se justifica em duas situações:

te evitar gestações nos primeiros dois anos, período no qual a maioria das neoplasias mais agressivas recidiva.

a. quando se planeja uma cirurgia com o objetivo de diminuir o volume e a vascularização da mama;

Carcinoma bilateral

b. quando é necessária a quimioterapia, pois vários fármacos passam para o leite e podem causar neutropenia neonatal. O prognóstico é determinado mais pelo atraso no diagnóstico, que propicia a progressão para estádios avançados, do que pela influência da gestação sobre o carcinoma. As curvas de sobrevida são semelhantes quando comparamos grupos de grávidas e não grávidas com axila negativa. No Serviço de Mastologia do HCPA, 66% das pacientes gestantes e nutrizes apresentaram-se nos estádios III e IV (Fig. 39.6).

Gravidez subsequente ao câncer de mama Não há comprovação de que engravidar após o tratamento do câncer de mama tenha efeito deletério sobre a mãe. Contudo, é pruden-

A bilateralidade ocorre em cerca de 6% dos casos. Se fizermos biópsias ao acaso na mama contralateral, por ocasião do tratamento primário, esse número aumenta muito, variando entre 15 e 20%. Questiona-se, no entanto, se a bilateralidade não é apenas histológica (numerosas lesões in situ), jamais se tornando câncer clínico, seja pelas defesas da paciente, seja pelo fato de que muitas morrem em consequência do primeiro tumor ou de outras causas. Ele pode apresentar-se de duas formas: simultânea ou sucessiva (sincrônica ou assincrônica). Calcula-se que o risco de desenvolver um segundo carcinoma é de 1% por ano de sobrevida. O prognóstico é determinado pelo estadiamento do tumor mais avançado. O prognóstico do câncer bilateral é determinado pelo estadiamento do tumor mais avançado.

Tratamento cirúrgico do câncer de mama

Figura 39.6 Câncer de mama localmente avançado associado à gestação.

A abordagem cirúrgica atual concentra o conhecimento sedimentado durante o século XX. Quando William Halsted, em 1892, divulgou os resultados extraordinários obtidos com a mastectomia radical – que compreende a retirada da glândula mamária em monobloco com a musculatura peitoral e o conteúdo da axila –, foi estabelecido o primeiro grande marco histórico na mastologia moderna. Essa cirurgia foi concebida com o conceito de que o câncer era uma doença de progressão locorregional por contiguidade e disseminação linfática ordenada que poderia ser curada com tratamento cirúrgico locorregional abrangente. Rapidamente, passou a ser o procedimento-padrão para o tratamento do câncer de mama operável. Foi adaptada e modificada por vários autores, porém, como filosofia, permaneceu inquestionável por quase um século. O que era um grande feito para a medicina, em termos de controle da doença e cura, passou a ser o grande temor das pacientes: a mutilação provo-

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cada pela cirurgia atingia as mulheres no órgão cuja simbologia representa a própria essência da feminilidade. Foi quando Umberto Veronesi e colaboradores (1981) publicaram os resultados do primeiro estudo prospectivo randomizado comparando os resultados da mastectomia radical clássica versus quadrantectomia com linfadenectomia axilar total complementada por radioterapia, demonstrando que se poderia obter o mesmo controle da doença sem a mutilação e as inadequações funcionais e psicossociais geradas pela mastectomia (Veronesi et al., 2002; Fischer et al., 2002). A última década consolidou a tendência a ampliar as indicações das cirurgias conservadoras: desenvolveu-se um conceito terapêutico-estético no tratamento do câncer de mama, e princípios técnicos da cirurgia plástica foram incorporados ao tratamento, o que se denomina atualmente de cirurgia oncoplástica. O planejamento cirúrgico pré-operatório transcendeu a extirpação da doença orgânica; a necessidade de obter simetria e equilíbrio gerou o estímulo para que, de forma pioneira, iniciássemos, em 1985, a realização de cirurgia de simetrização na mama normal, procedimento que, no seu conjunto, denominamos de mamoplastia oncológica (Biazús, 2000). O tratamento do câncer de mama pode ser, didaticamente, abordado em situações distintas: > carcinoma subclínico (lesões não palpáveis); > carcinoma in situ; > carcinoma estádios I e II (estádios iniciais);

563

ded occult lesion localization) – também tem sido utilizada em nosso serviço (Veronesi et al., 2002). Quando a lesão suspeita manifesta-se por meio de microcalcificações, é imperativo realizar exame radiológico transoperatório da peça cirúrgica para confirmar a remoção total da área suspeita. Na exérese cirúrgica de microcalcificações, é obrigatória a radiografia transoperatória do espécime para confirmar a sua remoção total. Empregamos preferencialmente incisões periareolares e, na impossibilidade dessas, incisões arciformes, procurando manter a cicatriz dentro da área escondida pelo vestuário. As lesões não palpáveis apresentam duas situações distintas: a. Forma nodular: permite o diagnóstico pré ou transoperatório de certeza e, consequentemente, a tomada de conduta cirúrgica imediata; b. Forma não nodular: as microcalcificações, densidades assimétricas e distorções da arquitetura do parênquima devem ter diagnóstico histológico diferido, pois apresentam dificuldades intransponíveis na sua avaliação pré e transoperatória; portanto, a conduta definitiva é tomada quase sempre após o resultado anatomopatológico convencional (Cura; Menke, 2007).

> recidiva local.

Embora esses tumores sejam diagnosticados precocemente, sempre que houver carcinoma invasor, é necessária a investigação axilar.

Carcinoma subclínico

Carcinoma in situ

A conscientização da importância da detecção precoce e a intensificação do uso da mamografia em mulheres com mais de 40 anos têm proporcionado o diagnóstico de muitos tumores em fase pré-clínica, criando, portanto, a necessidade de novas abordagens cirúrgicas dessas lesões não palpáveis. No HCPA, empregamos a marcação pré-operatória com guia metálica por meio de mamografia com localização estereotáxica ou orientada por ultrassonografia. A localização com marcação por radiofármaco e auxílio de sonda detectora – método chamado de ROLL (Radiogui-

Muitos dos carcinomas in situ são carcinomas subclínicos (quase 50% das LNP positivas para malignidade, na nossa casuística, correspondem a lesões in situ), porém o seu tratamento é tão controverso que vamos abordá-lo separadamente. Sua terapêutica varia desde a mastectomia total até a ressecção simples, inexistindo sistematização ou padronização de grandes séries. O estreito entendimento entre médico e paciente, a consciência do risco, o tipo histológico e as condições de seguimento são fatores a considerar na tomada de decisão. Embora a mastectomia

> carcinoma localmente avançado;

564 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

total, com ou sem reconstrução, tenha defensores com argumentação válida, a tendência atual é buscar uma alternativa com tratamento conservador para todas essas pacientes com patologia não invasora, na maioria das vezes fruto de detecção precoce por mamografia, e premiá-las com terapêutica não mutilante. Silverstein e colaboradores, em 1997, proporam um sistema de classificação de risco para a recidiva local do carcinoma ductal in situ que ficou conhecido como Índice Prognóstico de Van Nuys, baseado em três parâmetros: tamanho da lesão, amplitude das margens de ressecção e tipo histológico. Em 2003, os mesmos autores reformularam o sistema, agora denominado University of Southern Califórnia/Van Nuys, acrescentando a idade como item importante na avaliação. A cada parâmetro, é atribuído um escore de 1 a 3, e a sua soma indica a conduta mais adequada para cada caso (Tabs. 39.2 e 39.3). Esse sistema sofreu críticas porque se fundamenta em análises retrospectivas, e o número de casos é pequeno em alguns subgrupos; no entanto, tem sido cada vez mais usado como ferramenta auxiliar na difícil decisão terapêutica que envolve o carcinoma in situ (Silvertsein, 2005). Quanto ao carcinoma lobular in situ (CLIS), ante a nova caracterização como entidade mista, com atividade precursora e marcadora de risco, recomenda-se exérese completa da lesão e rigoroso seguimento. Medidas redutoras de risco, como quimioprevenção e, excepcionalmente, mastectomia profilática, podem ser consideradas. A cada preditor de recorrência (tamanho, margens, classificação patológica e idade) são atribuídos de 1 a 3 pontos. Os escores para cada um dos parâmetros são somados para fornecer o índice prognóstico que vai de um mínimo de 4 a um máximo de 12.

Tabela 39.3 Diretrizes de tratamento do carcinoma ductal in situ Escore

Conduta

4-6 7-9 10-12

Exérese simples Exérese ⫹ radioterapia Mastectomia

Mastectomia versus tratamento conservador no carcinoma in situ (Tab. 39.4) A possibilidade de doença invasora não diagnosticada cresce à medida que aumenta o volume tumoral, dada a impossibilidade de determinar categoricamente a permeação da membrana basal em alguma área dentro do tumor. A recidiva local ocorre em 2 a 3% dos casos tratados com mastectomia e em 7% com tratamento conservador, e aproximadamente 50% das recidivas serão carcinomas invasores. A linfadenectomia axilar é desnecessária, visto que não tem papel terapêutico nem acrescenta informação relevante ao manejo da doença. Alguns autores sugerem a biópsia do linfonodo sentinela em casos de extensos comedocarcinomas, candidatos à mastectomia, na presunção de que se perderá a oportunidade de realizar essa técnica na eventualidade de a lesão se revelar invasora quando do diagnóstico definitivo. A técnica usada é a mastectomia total poupadora de pele (skin-preserving) por meio de uma incisão circular para-areolar, seguida da reconstrução imediata, com retalho miocutâneo, tipo TRAM ou implante de silicone. Em suma, atualmente, o tratamento ideal do carcinoma in situ subclínico é a tumorectomia com margens amplas e livres histologicamente (margem ideal: 1 cm de tecido normal circun-

Tabela 39.2 Índice prognóstico de USC/Van Nuys Escore

1

2

3

Tamanho (mm) Margens (mm) Classificação patológica

⬍ 15 ⬎ 10 Não alto grau sem necrose (G1 e G2) ⬎ 60

16-40 1-9 Não alto grau com necrose (G1 e G2) 40-60

⬎ 40 ⬍1 Alto grau com ou sem necrose (G3) ⬍ 40

Idade

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Tabela 39.4 Mastectomia versus tratamento conservador no carcinoma in situ Indicações de mastectomia

Indicações de tratamento conservador

Microcalcificações difusas na mamografia

Padrão mamário favorável a seguimento clínico e mamográfico Margens livres de tumor à microscopia livres na cirurgia Acesso à radioterapia complementar Seguimento confiável Consciência do risco

Impossibilidade ou incerteza de obter margens Indisponibilidade de tratamento radioterápico Seguimento incerto Desejo da paciente

dando o tumor), complementada por irradiação de 5.000 cGy na mama.

ou excisão do tumor com margem de segurança e diagnóstico diferido.

A vigência de massa palpável irá determinar a elaboração de abordagem adequada à situação específica.

O câncer de mama jamais deverá ser surpreendente do ponto de vista anatomopatológico, e a biópsia cirúrgica é o último passo na propedêutica do nódulo de mama suspeito de carcinoma. O diagnóstico do câncer de mama em nível ambulatorial é fundamental para o planejamento e a discussão da terapêutica com a paciente. A experiência clínica mostra que o impacto do diagnóstico pode abalar a estrutura emocional da paciente e de toda sua família.

Carcinoma estádios I e II/estádios iniciais A abordagem inicial do tumor suspeito de câncer de mama será ambulatorial até que se estabeleça o diagnóstico e o estadiamento. O ideal é que o diagnóstico seja firmado por meio de biópsia percutânea (BP, core biopsy), que fornece material para diagnóstico histológico e, quando a amostra é adequada, possibilita inclusive conhecer o grau histológico e o painel imunoistoquímico (receptores hormonais, p53, Ki67 e Her2neu) previamente à cirurgia. A punção com agulha fina (PAAF) para citodiagnóstico é uma alternativa útil quando não se dispõe da biópsia percutânea. Tumores com elevado grau de suspeição clínica, não esclarecidos com a PAAF ou a BP, realizam excisão cirúrgica com exame anatomopatológico de congelação no transoperatório

A extensão global da doença é avaliada por meio do estadiamento clínico (Quadro 39.1), que procura situar a paciente em grupos de evolução e prognóstico comparáveis. O estadiamento clínico (TNM da UICC) procura determinar: > a extensão local da doença; > o estado da axila; > o estado da mama oposta; > a existência de metástases a distância.

Resumo Classificação por estádios Estádio 0 Tis Estádio I T1* Estádio IIA

Estádio IIB

N0 M0 N0 M0 T0 N1 M0 T1* N1 M0 T2 N0 M0 T2 N1 M0 T3 N0 M0

Estádio IIIA

Estádio IIIB Estádio IIIC Estádio IV

T0 N2 M0 T1* N2 M0 T2 N2 M0 T3 N1, N2 M0 T4 N0, N1, N2 M0 Qualquer T N3 M0 Qualquer T, Qualquer N M1 *T1 inclui T1 mic.

566 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 39.1

Estadiamento clínico Classificação patológica pN1a 1 a 3 linfonodos axilares ipsilaterais comprometidos, incluindo pelo menos 1 metástase ⬎ 2 mm pN1b Linfonodos da mamária interna com metástase microscópica identificada em linfonodo sentinela, mas não clinicamente aparente

pT

Tumor primário

pTx

Tumor primário não pode ser avaliado

pT0

Não há evidência de tumor primário pTis Carcinoma in situ Carcinoma ductal in situ Carcinoma lobular in situ Doença de Paget da papila sem tumor associado*

pT1

Tumor menor ou igual a 2 cm pT1mic Carcinoma microinvasor pT1a Tumor ⬎ 0,1 cm e ⱕ a 0,5 cm pT1b Tumor ⬎ 0,5 cm e ⱕ a 1 cm pT1c Tumor ⬎ 1 cm e ⱕ a 2 cm

pT2

Tumor ⬎ 2 cm e ⱕ 5 cm

pT3

Tumor ⬎ 5 cm

pT4

Tumor de qualquer tamanho com extensão para pT4a Parede torácica pT4b Edema ou ulceração da pele pT4c 4a ⫹ 4b p4d Carcinoma inflamatório

pN2 pN2a

Linfonodos regionais pNx Linfonodos regionais não podem ser avaliados pN0 Ausência de metástases para linfonodos regionais pN0 (i ⫺/⫹)** pN0 (MOL ⫺/⫹)** pN1 pN1mi Micrometástases (⬎ 0,2 mm e ⱕ a 2 mm) em axila ou CMI

pN3 pN3a

pN

pN1c 1 a 3 linfonodos axilares comprometidos, incluindo pelo menos 1 metástase ⬎ 2 mm e linfonodos da mamária interna com metástases microscópicas em linfonodo sentinela, mas não clinicamente aparente

pN2b

pN3b

pN3c

4 a 9 linfonodos axilares comprometidos, incluindo pelo menos 1 metástase ⬎ 2 mm Linfonodos da mamária interna clinicamente aparentes na ausência de comprometimento axilar 10 ou mais linfonodos axilares comprometidos, incluindo pelo menos 1 metástase ⬎ 2 mm ou Linfonodo infraclavicular ipsilateral comprometido Linfonodos da mamária interna clinicamente comprometidos na presença de comprometimento de linfonodos axilares ou Mais de 3 linfonodos axilares comprometidos e linfonodos da mamária interna com metástase microscópica identificada em linfonodo sentinela, mas não clinicamente aparente Linfonodo(s) supraclavicular ipsilateral comprometido (continua)

Rotinas em Ginecologia

QUADRO 39.1

Estadiamento clínico (continuação) pM

pM0

Metástase a distância pMx Metástase a distância não pode ser avaliada

pM1

Ausência de metástase a distância Presença de metástase a distância

Classificação clínica cT

T1

N0 N1 N2

Tumor ⱕ a 2 cm T1mic Carcinoma microinvasor T1a Tumor ⬎ 0,1 cm e ⱕ a 0,5 cm T1b Tumor ⬎ 0,5 cm e ⱕ a 1 cm T1c Tumor ⬎ 1 cm e ⱕ a 2 cm

T2

Tumor ⬎ 2 cm e ⱕ a 5 cm

T3

Tumor ⬎ 5 cm

T4

Tumor de qualquer tamanho com extensão para T4a Parede torácica*** T4b Edema ou ulceração da pele T4c 4a ⫹ b T4d Carcinoma inflamatório Linfonodos regionais

cN

Nx

Tumor primário Tx Tumor primário não pode ser avaliado T0 Não há evidência de tumor primário Tis Carcinoma in situ Carcinoma ductal in situ Carcinoma lobular in situ Doença de Paget da papila sem tumor associado

N3

cM

Linfonodos regionais não podem ser avaliados Ausência de metástases para linfonodos regionais Metástase para linfonodos axilares ipsilaterais móveis N2a Metástase para linfonodos axilares coalescentes ou aderidos a estruturas adjacentes N2b Metástase clinicamente aparente na mamária interna na ausência de metástase axilar N3a Metástase para lifonodo infraclavicular N3b Metástase para linfonodos da mamária interna e axilar N3c Metástase para linfonodo supraclavicular

Metástases a distância Mx Metástase a distância não pode ser avaliada M0 Ausência de metástase a distância M1 Presença de metástase a distância

* Doença de Paget associada a tumor é classificada de acordo com o tamanho do tumor. ** Casos em que a metástase linfonodal consiste em apenas células tumorais isoladas ou formando agrupamentos ⬍ que 0,2 mm, que, em sua maioria, são detectados pela imunoistoquímica (i) ou por biologia molecular (MOL), são classificados como pN0, pois tipicamente não mostram evidência de atividade metastática. *** Parede torácica inclui arcos costais, músculos intercostais e músculo serrátil anterior, mas não o músculo peitoral. Fonte: International Union Against Cancer (2002).

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568 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

A rotina básica de estadiamento é a seguinte: > exame físico meticuloso, incluindo exame ginecológico; > mamografia e ecografia mamária; > raio X de tórax; > bioquímica de rotina cirúrgica. Na presença de doença localmente avançada, acrescentamos: > cintilografia óssea e ecografia abdominal total.

A cirurgia nos estádios iniciais O tratamento conservador é um método adequado como terapia primária para a maioria das mulheres com carcinoma de mama nos estádios iniciais. A proposta básica do tratamento conservador é obter o máximo de controle local e informação sobre a doença com o mínimo de dano estético. O tratamento conservador é definido como a ressecção do tumor com margens de tecido normal adjacente associada à linfadenectomia axilar total ou exérese do linfonodo sentinela e complementada com radioterapia, na dose mínima de 5.000 cGy administrados à mama, em frações de 180 a 200 cGy/dia. Alguns centros recomendam um reforço de 1.000 a 1.500 cGy ao leito tumoral com o objetivo de reduzir a recidiva local. O tratamento conservador constituído pela setorectomia + esvaziamento axilar ou linfonodo sentinela + radioterapia é o método de escolha para a maioria dos casos de câncer de mama inicial.

Formas de tratamento conservador A cirurgia conservadora pode ser empregada sempre que houver a possibilidade técnica de sua execução, sendo que o fator mais importante é a relação entre tamanho do tumor e volume da mama. Quando não for possível realizar a cirurgia conservadora com segurança oncológica e reparação estética aceitável, a mastectomia terá indicação formal (Fig. 39.7).

Figura 39.7 Mastectomia radical modificada bilateral.

Relação tumor/mama > Ressecção ⬍ 1/5 da mama: normalmente tem bom resultado estético e simetria adequada. > Ressecção ⬎ 1/5 da mama: geralmente tem indicação de mamoplastia oncológica (cirurgia de simetrização na mama sadia) para obter equilíbrio e bom resultado estético. Fatores condicionantes na indicação de cirurgia conservadora > Obtenção de margens livres na cirurgia, com possibilidade de remodelar a mama com bom resultado cosmético. > Padrão mamário favorável a seguimento clínico e imaginológico. > Seguimento confiável. Fundamentos do planejamento da cirurgia conservadora > Segurança oncológica ⫽ margens livres. > Viabilidade técnica ⫽ resultado estético. > Radioterapia complementar ⫽ obrigatória. > Seguimento seguro ⫽ recidiva local. > Desejo da paciente ⫽ opção consciente.

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Aspectos cirúrgicos Ressecção oncológica do tumor Com margem de tecido sadio, idealmente de 1 cm. Orientar as margens da peça cirúrgica para auxiliar o exame patológico e uma possível ampliação caso seja necessário ou aconselhável. A marcação da linha de incisão é melhor posicionada com a paciente sentada.

Biópsia do linfonodo sentinela (LNS) Já é padrão de tratamento em grande parte dos casos para evitar o esvaziamento radical e suas complicações. O LNS é o primeiro da cadeia linfática que drena o tumor primário. O método se baseia no fato de que o LNS traduz com elevada acurácia o estado do resto da axila, ou seja, o valor preditivo negativo é de cerca de 97%. Isso significa que, se o LNS é negativo, não há necessidade de se proceder à linfadenectomia tradicional. A localização do LNS pode ser feita pela sonda detectora de radiação gama, pela injeção peritumoral ou subareolar de azul patente ou por ambas. Atualmente as indicações se ampliaram muito, e o LNS somente não é indicado em axilas francamente comprometidas, no carcinoma in situ e nos casos localmente avançados (Veronesi et al., 1997).

Linfadenectomia axilar total É o procedimento alternativo ao LNS, sendo informativo e terapêutico. A incisão segue a cur-

569

vatura da prega axilar, ± 2 cm abaixo dela, e são esvaziados os três níveis ganglionares, procurando-se preservar todas as estruturas vasculonervosas importantes da região.

Restauração estética Forma, equilíbrio e simetria: como o resultado estético final é um dos principais objetivos da cirurgia conservadora, todo planejamento deve considerar o produto estético possível de ser obtido. É importante observar, no plano cirúrgico, as condições estruturais que levam ao bom resultado (Fig. 39.8). > Relação tumor/mama; > Cicatriz de procedimento prévio; > Localização do tumor; > Volume e ptose da mama; > Estrutura do parênquima: fibroglandular ou lipossubstituído. Vantagens > Diminui a morbidade psicológica, preservando a autoimagem. > Melhora a readaptação psicossocial. > Permite ressecções mais amplas. > Possibilita amostragem histológica da mama contralateral. > Utiliza ato cirúrgico-anestésico único.

Figura 39.8 Cirurgia conservadora: tumorectomia ampliada no QSI da mama E e biópsia de linfonodo sentinela.

570 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

A proporção relativa entre o volume do tumor e o volume da mama é o principal parâmetro para a indicação da cirurgia conservadora e determinante do resultado estético final. Desvantagens > Treinamento da equipe em cirurgia plástica ou utilização de equipe multidisciplinar. > Maior tempo cirúrgico. O controle local da doença e o resultado estético são os objetivos básicos do tratamento conservador. A ocorrência de recidiva local é diretamente relacionada à distância do tumor às margens de ressecção. A presença de tumor residual ou de margens cirúrgicas exíguas tem índice maior de recorrência, o que está fartamente documentado na evolução do tratamento conservador. Holland e colaboradores (1990) demonstraram que o risco de deixar doença residual na mama operada é inversamente proporcional à quantidade de tecido normal ao redor do tumor; com 1 cm de margens, a probabilidade de encontrar focos (invasores ou in situ) era de 59%, enquanto com 3 cm de margem a probabilidade tenha caído para 17%. Estudo realizado no nosso serviço (Biazús, 2000) mostrou que o ponto de corte em relação às margens é de 5 mm: margens menores levam a índices inaceitáveis de recidiva local (17%), devendo sempre ser ampliadas. A radioterapia é capaz de destruir a maioria desses focos de doença residual, reduzindo o risco de recidiva local, embora saibamos que 25% dos casos são radiorresistentes.

O papel da mastectomia no tratamento dos estádios iniciais A mastectomia radical continua sendo opção importante quando o tratamento conservador não é indicado ou escolhido; ainda é o procedimento cirúrgico mais empregado em nosso meio, pois a maioria das pacientes tem diagnóstico primário com tumores acima de 4 cm em média (Fig. 39.9). Variantes técnicas > Tipo Halsted ou clássica: mastectomia com ressecção da musculatura peitoral e linfadenectomia axilar em monobloco. Atualmente só tem indicação em tumores localmente avançados com comprometimento da musculatura peitoral. A incisão original era sempre vertical. > Tipo Pattey-Dyson: resseca o pequeno peitoral, mas preserva o grande. Linfadenectomia axilar em monobloco. > Tipo Madden-Auchincloss: preserva o pequeno e o grande peitoral. Linfadenectomia axilar em monobloco. Em ambas as técnicas, a incisão é geralmente transversa (Stewart). É a técnica mais utilizada atualmente. > Tipo total ou simples: ressecção exclusiva da mama. Indicações de mastectomia no câncer inicial da mama > Microcalcificações difusas na mamografia.

A recidiva local é um enorme trauma psicológico para a paciente, que volta a experimentar toda a ansiedade e a insegurança vivenciadas no diagnóstico primário. Fatores que influenciam a recidiva local > Tamanho do tumor. > Presença de componente intraductal extenso. > Tumores indiferenciados – G III. > Margens exíguas ou comprometidas. Portanto, sempre que houver comprometimento de margens cirúrgicas, a medida de segurança mais importante é a ampliação e obtenção de “margens livres”.

Figura 39.9 Mastectomia radical clássica, tipo Halsted.

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571

> Doença multicêntrica.

> Aproximação das bordas com fio absorvível.

> Impossibilidade ou incerteza de obter margens livres na cirurgia conservadora.

> Sutura preferencialmente tipo intradérmico, empregando fio tipo Monocryl 3.0 ou Mononylon 3.0.

> Indisponibilidade de tratamento radioterápico complementar. > Pacientes com contraindicação ao tratamento conservador.

> Curativo simples, complementado com a utilização de prótese provisória (nas mastectomias) e uso de sutiã normal.

> Seguimento incerto.

Superado o período do pós-operatório (PO) imediato, as pacientes podem ter alta em 24 a 48 horas.

> Desejo do paciente.

Orientações na alta hospitalar

Indicações de mastectomia simples

> Não trocar o curativo. Manter o sutiã, com prótese provisória, nas mastectomizadas.

> Carcinoma de mama em homens.

> Carcinoma ductal in situ. > Sarcomas. > Recidivas do tratamento conservador (mastectomia de resgate). > Profilaxia do câncer (controversa). Cuidados transoperatórios no tratamento do câncer de mama > Anestesia: geral, normalmente. > Posicionamento: decúbito dorsal com braços a 90°, permitindo a mobilização do braço do lado operado (posição de vergonha). > Mastectomia: planejar incisão transversa ou ligeiramente oblíqua em direção à axila. Manter a dissecção dos retalhos com espessura entre 0,5 e 1 cm; ressecção da glândula mamária com a fáscia posterior e dos linfonodos axilares em monobloco. > Cirurgia conservadora: planejar incisões com a paciente sentada. Fazer a ressecção do tumor e do conteúdo axilar por incisões separadas. Usar o mínimo de suturas para a aproximação dos tecidos, especialmente em mamas lipossubstituídas. > Hemostasia rigorosa. > Dissecção meticulosa dos nervos, dos feixes vasculonervosos e dos grandes vasos, que são marcos anatômicos básicos na linfadenectomia axilar. > Dreno tubular de um quarto em aspiração contínua na axila e também sob os retalhos de pele nas mastectomias.

> Orientação no manejo do dreno. > Orientação para controle térmico e analgesia. > Orientação para cuidados e exercícios com o membro superior do lado operado. > Agendamento de revisão e retirada do dreno no sexto dia PO. Após a primeira revisão e a retirada do dreno, a paciente é reavaliada ambulatorialmente após dois ou mais dias para pesquisar a formação de seroma, que é a intercorrência mais frequente e desagradável nessas cirurgias (15% dos casos). Seroma é a complicação mais frequente em pós-operatório de cirurgias mamárias, sendo manejado por meio de drenagens ou punções. Na presença de seroma (coleção líquida acumulada na axila ou sob os retalhos da mastectomia), é feita drenagem simples através do orifício de saída do dreno ou por punção; eventualmente várias sessões de drenagem ou punções são necessárias para resolver a situação. Casos mais graves podem ser tratados com a inserção de um seromacath, que é um dispositivo específico para tratamento das linfoceles. Pequenas áreas de epidermólise, necrose ou deiscência podem ocorrer nas mastectomias quando o fechamento é feito sob tensão, o que, às vezes, é inevitável. São tratadas com medidas locais, limpeza mecânica, desbridamento e curativos, conforme a necessidade de cada caso. Rotineiramente, os pontos, se houver, são retirados após duas semanas de PO, quando se tem em

572 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

mãos o informe anatomopatológico, assegurando um estadiamento pós-cirúrgico para orientar as medidas terapêuticas complementares, avaliar o prognóstico e estabelecer o plano de seguimento.

Reconstrução mamária A reconstrução mamária é uma opção importante para aquelas pacientes tratadas com mastectomia. A reconstrução ajuda a mulher mastectomizada a ajustar-se às alterações da imagem corporal associadas à mastectomia. A reconstrução pode ser imediata (no mesmo ato cirúrgico da mastectomia) ou tardia (meses ou anos após o tratamento primário). Vários procedimentos podem ser utilizados, sendo o mais simples a inclusão direta de uma prótese de silicone em localização subpeitoral. Quando não houver pele suficiente para obter um bom revestimento do implante, poderemos utilizar expansor de tecidos e, posteriormente, substituí-lo por prótese definitiva. O emprego de retalhos miocutâneos apresenta, a longo prazo, resultados melhores do que os obtidos com as inclusões de prótese, especialmente aqueles obtidos com retalho miocutâneo de reto abdominal, mono ou bipediculado, que fornecem à neomama textura muito natural e, após a reconstrução do complexo aréolo-mamilar, ótima restauração da silhueta corporal. Isso devolve à mulher mastectomizada elementos para resgatar sua identidade feminina e lhe proporciona o reencontro com valores importantes perdidos na mutilação da cirurgia radical (Fig. 39.10). As cirurgias reparadoras não são isentas de complicações; os implantes com prótese, com certa frequência, apresentam contratura capsu-

lar, com alteração da forma, sensação dolorosa e rigidez. Podem, também, sofrer deslocamentos, infecções e ruptura do envelope de silicone, com extravasamento de silicone-gel. Os retalhos miocutâneos são cirurgias mais elaboradas, dependentes da excelência da técnica e sujeitos a complicações circulatórias com possibilidade de áreas de necrose, mais comuns em fumantes e obesas. As pacientes que optarem por uma reconstrução mamária devem ter orientação quanto às possibilidades técnicas, que variam conforme as características individuais, para que não projetem expectativas acima do que pode ser obtido e para que o resultado final não seja frustrante. A reconstrução imediata deve ser oferecida, sempre que possível, a todas as candidatas à mastectomia. A técnica preferencial é a com retalho miocutâneo do reto abdominal (TRAM).

Tratamento cirúrgico do carcinoma localmente avançado Os tumores localmente avançados podem ser divididos em três grupos: > Aptos a tratamento cirúrgico imediato. Por exemplo: T3 em mama volumosa. > Aptos a tratamento cirúrgico, após quimioterapia neoadjuvante, buscando down staging e possibilidade de cirurgia conservadora. Por exemplo: T3 em mama média ou pequena. > Inoperáveis em princípio, porém podendo ser beneficiados por quimioterapia neoadjuvante

A Figura 39.10 Reconstrução com retalho tipo TRAM (A) e com implante de silicone (B).

B

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e talvez candidatos à cirurgia para controle locorregional, geralmente seguida de radioterapia pós-operatória. Por exemplo: carcinoma inflamatório (Fig. 39.11). Como vimos, alguns tumores localmente avançados podem ter abordagem cirúrgica imediata, enquanto outros devem, obrigatoriamente, receber poliquimioterapia pré-operatória buscando redução da massa tumoral. A PQT neoadjuvante obtém resposta clínica em ±80% dos casos, muitas vezes com marcada redução tumoral, permitindo cirurgia conservadora. Como o risco de já haver doença sistêmica quando o câncer se encontra localmente avançado é grande, deve-se tentar, com todo o empenho, o controle locorregional, sem a necessidade de uma cirurgia radical, física e emocionalmente desgastante. As pacientes submetidas à PQT pré-operatória são reavaliadas quanto aos critérios de operabilidade após 3 ou 4 ciclos. Existem algumas situações consideradas inoperáveis, em princípio, que podem ter grande benefício com a PQT neoadjuvante: > Carcinoma inflamatório; > Metástases a distância; > Fixação à parede torácica; > Edema do braço ipsilateral; > Lesões-satélite; > Contraindicação anestésica.

573

O carcinoma localmente avançado tem prognóstico bastante sombrio, visto que a sobrevida média alcança apenas 15% em 10 anos, nas melhores séries da literatura médica (Untch; von Minckwitv, 2009).

Tratamento cirúrgico da recidiva local A recidiva local representa a falha no controle local do câncer de mama; tem impacto emocional catastrófico, reeditando situações de extremo estresse, gerando ansiedade e temor da morte. É a doença visível, palpável, brotando novamente após a “cura”. As recidivas locais são de dois tipos: a. Nodulares ou bem-delimitadas: passíveis de ressecção cirúrgica com margem de segurança oncológica. O tratamento da recorrência após tratamento conservador é a mastectomia de “resgate ou salvação”, acompanhada ou não de reconstrução mamária; parece que, à luz das evidências atuais, não modifica o prognóstico inicial nem influencia no aparecimento de metástases a distância. A falha local após a mastectomia tem mau prognóstico, pois normalmente antecede em meses uma recidiva sistêmica. As pacientes que nunca fizeram tratamento radioterápico têm indicação formal de radioterapia complementar após excisão ampla da lesão. b. Linfangíticas ou com parede torácica comprometida: as linfangíticas que se caracterizam por uma infiltração maldelimitada, às vezes com eritema e infiltração da derme, não têm indicação cirúrgica, necessitando de radioterapia associada a hormônio ou quimioterapia para seu controle. As lesões bem-delimitadas que invadem a parede torácica têm indicação cirúrgica eventual, com ressecção parcial do plastrão, que é reconstruído com prótese de cimento acrílico, porém a maioria desses casos é tratada com radioterapia associada a terapia sistêmica.

Seguimento

Figura 39.11 Carcinoma localmente avançado, ulcerado.

As pacientes submetidas a tratamento por câncer de mama devem ter seguimento sistemático e rigoroso a cada 3 meses nos primeiros 2 anos (quando é mais frequente a recorrência), pois,

574 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

muitas vezes, a primeira manifestação de falha de tratamento é a recidiva local, que, não raro, é passível de resgate cirúrgico sem prejuízo de sobrevida global. Basicamente, realizamos exame clínico trimestral com mamografia e ecografia mamária semestral nos primeiros 2 anos (tratamento conservador); após esse período, passamos para revisão clínica semestral complementada por mamografia anual. A pesquisa exaustiva de metástases sistêmicas não tem indicação no seguimento dos estádios iniciais, exceto as orientadas por sinais e sintomas clínicos sugestivos de doença em atividade. As pacientes com doença em estádio clínico III têm um prognóstico reservado a partir do tratamento primário, portanto a pesquisa de metástases assintomáticas não se justifica enquanto não existir tratamento curativo. Talvez, em futuro próximo, a PQT em altas dosagens associada à TMO possa alterar, significativamente, o curso natural da doença nessa condição. Exame clínico > Trimestral nos 2 primeiros anos; o o > Semestral do 3 ao 5 anos;

> Anual: sempre. Exame imaginológico > Semestral: nos 2 primeiros anos após tratamento conservador;

de reabilitação estão relacionados à qualidade de vida, definidos como uma combinação de satisfação pessoal, status emocional e econômico, saúde geral, conhecimento, comparação com os outros, desenvolvimento de habilidades e autoestima. O câncer de mama é uma doença tanto pessoal quanto familiar, afetando o funcionamento social, psicológico e cultural desse grupo, incluindo a perda de confiança, o medo da morte ou da incapacidade e o medo de se tornar inválido ou de ficar totalmente comprometido com a doença (metástases). A literatura mostra que esses indivíduos têm uma grande dificuldade de adaptação à sua condição e à sua reintegração a uma vida normal após o diagnóstico e o tratamento. Tais medos e dificuldades costumam ser exacerbados pela atitude negativa em relação ao câncer demonstrada pelos profissionais da saúde. Muitos estudos apontam sequelas psicológicas e físicas do câncer de mama; dificuldades com próteses, excesso ou perda de peso, alteração da imagem corporal e transtornos psicológicos que permanecem por longo período após o tratamento. É necessário considerar a reabilitação como um plano de cuidados traçado cuidadosamente por uma equipe multidisciplinar integrada com a mesma filosofia de trabalho que possa oferecer suporte adequado antes e durante o diagnóstico, a cirurgia ou qualquer tratamento durante a internação e após a alta. Uma intervenção precoce minimiza as sequelas do tratamento e propicia melhor qualidade de vida à pessoa.

> Anual: sempre.

Dietz enumerou quatro estágios no cuidado do paciente com câncer:

Mamografia anual

1. Preventivo

> Nas mastectomizadas.

2. Reparador

Outros exames > Conforme sinais e sintomas.

Reabilitação A reabilitação tem como definição restaurar os privilégios, a reputação ou a própria condição; restaurar a vida normal com treinamento, especialmente após reclusão ou doença. Conceitos

3. Suporte 4. Paliativo O estágio preventivo começa com o diagnóstico e previne ou minimiza os efeitos da doença ou do seu tratamento. Normalmente, nesse momento, o mais importante é o aconselhamento, o esclarecimento das dúvidas e a tranquilização, assegurando ao paciente e à sua família boa interação e confiança, necessárias no binômio saúde versus doença.

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O estágio reparador restaura as sequelas que não podem ser evitadas na erradicação da malignidade. Esses pacientes frequentemente necessitam de cuidados tanto físicos como sociais e psicológicos para readquirir suas atividades e o tipo de vida que tinham antes da doença. O estágio de suporte promove cuidado e assistência na adaptação dos problemas, basicamente no momento do tratamento, durante a fase ativa da doença e na recorrência. O estágio paliativo oferece reabilitação quando o tratamento falha. Para muitas pessoas, o cuidado paliativo pode ser longo, isto é, o tempo que decorre entre a cessação do tratamento e a morte é solitária, sem propósito. Há muito a ser feito e alcançado nesse momento: o objetivo é assegurar um ótimo retorno ao lar e ao trabalho e uma ótima interação social, desfrutando de boa qualidade de vida rodeado pelos familiares e amigos (Rabin et al., 2008). Muitas vezes isso não acontece porque falhamos em entender que o cuidado paliativo está diretamente relacionado à vida, e não à morte. A reabilitação é um marco referencial na luta contra o câncer. Devemos usar o conhecimento científico e tudo o que os pacientes nos ensinam para entender que não é aceitável a visão de incapacitação pela doença, mas pela nossa incapacidade ou relutância de vê-los como seres únicos dentro do seu contexto sociocultural, introduzindo-os a essas estratégias que os ajudarão a um franco restabelecimento. A reabilitação psicofuncional é parte importante no manejo do câncer de mama e enfatiza a necessidade de equipe multidisciplinar para esse atendimento. O Serviço de Mastologia do HCPA tem como rotina encaminhar as pacientes à consulta de enfermagem para preparo pré-operatório de mastectomia radical modificada, setorectomia e mastectomia simples. Nesse momento, as pacientes, junto com um familiar, têm a oportunidade de falar de suas ansiedades, de seus medos

575

diante da possibilidade de morrer, da doença ou da anestesia, e de enfrentarem um ambiente totalmente desconhecido. As pacientes desejam informações sobre o hospital, a equipe, a internação, a ferida operatória, os curativos, os pontos, a dor, a alimentação, a movimentação no leito e fora dele, o movimento do braço do lado operado, o tempo de permanência no hospital, o horário de visita, os seus pertences a serem trazidos, etc. Durante a internação das pacientes, que é, em geral, de 3 dias, a equipe faz o round para discutir o caso, avaliar sua condição pós-operatória e prepará-la para a alta. As orientações são: > Movimentos com o braço do lado operado: — para cima, em direção à cabeça, 20 vezes ao dia; — preensão de uma bola que pode ser de qualquer material flexível. > Cuidados com o membro superior: — evitar lesões (queimaduras, cortes, punções, arranhões); — evitar excesso de peso e de atividade física. Após a alta, a paciente segue em acompanhamento com a equipe e, novamente, retorna à consulta de enfermagem para reforço das orientações anteriores, acréscimo de outros exercícios com o braço, orientações para tratamentos complementares, discussões sobre as dificuldades relacionadas ao uso de prótese, vestuário adequado, vida sexual, enfim, todas as questões relacionadas ao seu estilo de vida e encaminhamento para o grupo de autoajuda a mastectomizadas. É importante ressaltar que a paciente deprimida, sem condições de administrar essa crise vital, recebe acompanhamento de um médico residente da psiquiatria. Contamos também com o valioso trabalho de um grupo de voluntárias, a LAAPAC (Legião Assistencial de Apoio ao Paciente com Câncer), que, desde 1994, vem acompanhando as pacientes e seus familiares e prestando conforto e ajuda, conforme as necessidades de cada um.

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REFERÊNCIAS BIAZÚS, J. V. Rotinas em cirurgia conservadora da mama. Porto Alegre: Artmed, 2000. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativas da incidência e mortalidade por câncer no Brasil. Rio de Janeiro, 2008. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: . CURA, J. E.; MENKE, C. H. Manual de microcalcificaciones mamárias. Buenos Aires: JMA, 2007. FISHER, B. et al. Twenty-year follow-up of a randomized trial comparing total mastectomy, lumpectomy, and lumpectomy plus irradiation for the treatment of invasive breast cancer. N. Engl. J. Med., v. 347, n. 16, p. 1233-1241, 2002. HOLLAND, R. et al. The presence of an extensive intraductal component following a limited excision correlates with prominent residual disease in the remainder of the breast. J. Clin. Oncol., v. 8, n. 1, p. 113-118, 1990. INTERNATIONAL UNION AGAINST CANCER. TNM: classification of malignant tumours. 6th ed. New Jersey: John Wiley & Sons, 2002. MENKE, C. H. et al. Rotinas em mastologia. Porto Alegre: Artmed, 2006.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. O principal parâmetro na indicação da cirurgia conservadora do câncer de mama é: a. Relação entre o tamanho do tumor e o volume mamário. b. Localização da lesão. c. Idade da paciente. d. Presença de componente intraductal extenso. e Cicatrizes de biópsias prévias.

2. Não é fator de risco para câncer de mama: a. b. c. d. e.

História familiar. Hiperplasia ductal atípica. Diabete melito. Nuliparidade. Menarca precoce e menopausa tardia.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Quimioterapia no Câncer de Mama José Antônio Cavalheiro Carlos Henrique Menke Jorge Villanova Biazús Nilton Leite Xavier Rodrigo Cericatto Ana Cristina da Costa Bittelbrunn Fernando Schuh

Os agentes antitumorais são moléculas altamente reativas, e sua interação com outras drogas anticâncer, bem como medicamentos de outra classe terapêutica, deve ser lembrada.

Para entendermos como as drogas atuam, vamos recapitular, em breves palavras, o ciclo celular normal. As células animais encontram-se, sistematicamente, em dois grandes grupos: a fase de repouso (ou intérfase), na qual permanecem por longo período; e a fase de mitose (fase ativa da divisão celular). Essa fase de mitose (M) é um período de intensa atividade celular, que culmina com a sua divisão. Após essa fase, as células vão para um período de síntese de RNA e de proteínas enzimáticas (G1), que precede a fase de síntese de DNA (S). Depois da fase S, as células entram em atividade para produzir RNA adicional, outras proteínas e DNA especializado (G2) para ser usado em nova divisão celular, entrando novamente em mitose e reiniciando o ciclo celular. Alternativamente, uma célula pode atingir a maturidade e entrar em período de repouso (G0), sendo, posteriormente, recrutada para dividir-se, iniciando um ciclo conforme o descrito, ou simplesmente morrer, sem passar pelo ciclo (Fig. 40.1).

São avaliados conforme seu desempenho em inibir o crescimento tumoral em uma determinada fase do ciclo celular.

O ciclo celular mostra o tempo necessário para que uma célula prolifere e produza uma célula-filha. Esse tempo varia bastante entre os dife-

O tratamento sistêmico – por meio do uso de fármacos – do câncer de mama apresenta uma evolução crescente e, aparentemente, inesgotável no arsenal terapêutico contemporâneo. O maior conhecimento da biologia celular e da relação tumor-hospedeiro, bem como o desenvolvimento de novos fármacos, permite que vislumbremos, para um futuro não muito distante, significativas mudanças na luta contra o câncer. Vamos analisar, de forma sucinta e didática, o uso de agentes quimioterápicos no tratamento do câncer de mama. Os fármacos descritos a seguir devem ser administrados somente por pessoas habilitadas para o seu uso ou quando supervisionadas por pessoal treinado.

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G0 M1 h

G1 18 h Recrutamento

G2 3 h

S 20 h

Figura 40.1 O ciclo celular.

rentes tipos de tumor, mas se mantém constante para um tipo tumoral específico. Baseados no ciclo celular, temos grande quantidade de exames à disposição dos médicos clínicos e pesquisadores em grandes centros – são os chamados métodos de avaliação da cinética celular (p. ex., a citometria de fluxo). O crescente conhecimento de conceitos e ações no campo da biologia molecular nos permite compreender detalhes da passagem celular de um estado do ciclo para outro.

posta linear, ou seja, quanto maior a quantidade administrada, maior o número de células mortas.

Fase específicos > Ciclo específicos: são drogas que atuam somente em determinada fase do ciclo celular: — Fase G0: normalmente as células em período de repouso são refratárias aos agentes quimioterápicos. — Fase G1: fármacos que impedem a síntese de RNA (l-asparginase).

Mecanismo de ação

— Fase S: fármacos que impedem a síntese de DNA (antimetabólitos).

Os fármacos citotóxicos mais comuns serão discutidos, individualmente, a seguir. Entretanto, podemos classificá-los, grosso modo, em dois grupos:

— Fase G2: fármacos que param a síntese de proteínas e de RNA, bem como atuam na formação de microtúbulos (alcaloides, taxanos).

Fase não específicos

— Fase M: fármacos que não permitem a divisão celular, mesmo que as células estejam bioquimicamente preparadas (alcaloides).

> Ciclo específicos: são fármacos que, para agir, necessitam que as células se encontrem em ciclo, porém causando-lhes danos em qualquer ponto do ciclo (p. ex., agentes alquilantes). > Ciclo não específicos: matam células que não estão em período de divisão (p. ex., hormônios esteroides, antibióticos antitumorais). > Farmacocinética: os fármacos fase não específicos geralmente têm uma curva dose-res-

> Farmacocinética: os fármacos fase específicos atingem um limite na sua habilidade de eliminar células tumorais, mas seus efeitos resultam de uma função tempo versus concentração. Após determinado nível de fármaco, um aumento na sua dosagem não acarretará maior destruição celular. Entretanto, se mantivermos essa concentração

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por maior período de tempo, mais células entrarão na fase celular letal específica e serão mortas. O crescimento tumoral depende, basicamente, de dois compartimentos celulares: o das células em proliferação e o das células que morrem espontaneamente, ou seja, quanto maior o tumor, maior a quantidade de células que morrem e, portanto, maior a dificuldade de encontrarmos células em ciclo celular para destruirmos.

Indicações de quimioterapia em mastologia Adjuvante Conceitualmente, é a aplicação de quimioterapia (QT) em pacientes tratadas por cirurgia e consideradas “curadas” ou sem evidência de doença ativa. Apresentam, após a utilização de quimioterapia, significativa melhora no intervalo livre de doença e até mesmo redução nas taxas de mortalidade. É, portanto, complementar ao tratamento cirúrgico locorregional, e sua indicação está condicionada ao preenchimento de critérios pré-estabelecidos: > Pacientes pré-menopáusicas com comprometimento axilar. Constituem importante grupo de pacientes que tem na quimioterapia um importante aliado. O número de linfonodos comprometidos serve como fator prognóstico. Caso tenham comprometimento de até três linfonodos, o tratamento adjuvante trará aumento na taxa global de sobrevida, bem como sobre o intervalo livre de doença. As pacientes com quatro ou mais linfonodos comprometidos terão apenas melhora no intervalo livre de doença, sendo a sobrevida praticamente inalterada em relação às pacientes que não se submeteram à quimioterapia. Cabe salientar que outros fatores prognósticos devem ser levados em conta, como a determinação dos receptores hormonais, o tamanho tumoral e a expressão do HER2. > Pacientes pré-menopáusicas que tenham axila negativa, mas com presença de fatores de mau prognóstico e, portanto, com grande

chance de apresentar doença sistêmica oculta (esses fatores são tumores ⬎ 1 cm, pouco diferenciados, com alto grau histológico e nuclear, aneuploides, receptores hormonais negativos, com invasão de bainhas nervosas e de vasos sanguíneos e que tenham alterações da cinética celular, como – fase S – índice de timidina tritiada, etc.). > Pacientes pós-menopáusicas com idade inferior a 70 anos seguem, atualmente, as mesmas indicações das pré-menopáusicas, especialmente as que tenham axila positiva, receptores hormonais negativos e fatores de mau prognóstico descritos anteriormente. Dependendo das condições de risco de recidiva, podemos fazer uso de protocolos que envolvam o uso de taxanos em primeira linha (paclitaxel ou taxotere), esquemas que já são rotina em alguns serviços. Todos esses fármacos já se incorporaram definitivamente à adjuvância em pacientes de mau prognóstico. Muitos regimes têm sido propostos em adjuvância, levando em consideração o risco de morte das pacientes como um dado a mais em pacientes com linfonodos negativos. A agressividade desses esquemas deve ser considerada, a fim de que tenhamos um real benefício para essas pacientes. Uma situação especial deve ser considerada em relação à abordagem do linfonodo sentinela (LS). Embora a nova classificação TNM contemple os resultados do LS, não há consenso sobre o papel das micrometástases identificadas em estudos de imuno-histoquímica. Muitos ensaios clínicos estão sendo desenvolvidos a fim de avaliar a inclusão de novos fármacos em adjuvância, mas ficam restritos ao uso em protocolos de pesquisa. As pacientes que apresentam hiperexpressão de HER2 correspondem a 25 a 30% dos casos de câncer de mama. É considerado um importante fator prognóstico. O HER2 faz parte do complexo de fatores de crescimento epidérmicos (EGFR-2), que, quando em maior expressão, levam a um aumento na duplicação da célula tumoral.

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O bloqueio dos receptores de HER2 pelo trastuzumabe na superfície da célula tumoral impede essa transmissão de estímulos ao núcleo. Essa terapia mostrou sua importância no tratamento de pacientes metastáticas e, depois dos resultados de pesquisas como o HERA Trial e o NCCTGN 9831, foi incorporada para uso em regime adjuvante, com significativa melhora do intervalo livre de doença. Infelizmente, seu uso no Sistema Único de Saúde (SUS) é muito restrito, pois faltam códigos específicos para liberação em procedimentos de alta complexidade. A quimioterapia adjuvante deve sempre considerar benefícios para a paciente. Caso contrário, todos os efeitos colaterais presentes a colocarão em risco maior do que o risco da própria doença.

Paliativa É a modalidade de quimioterapia mais conhecida pelos médicos e pela população leiga. Trata-se da aplicação de fármacos antineoplásicos em pacientes portadores de doença metastática, a fim de eliminar ou diminuir a sua sintomatologia, desde que os potenciais benefícios do tratamento excedam seus riscos e efeitos colaterais. É aplicada em pacientes com tumores muito avançados, presentes em outros órgãos e que provavelmente já tenham sido submetidos a outros tratamentos. Não há aumento da sobrevida nesse grupo. Entretanto, a melhora da sintomatologia leva à melhor qualidade de vida dessas pacientes, o que, por si só, já valida o tratamento. A escolha do regime inicial depende do que a paciente já tenha recebido anteriormente. De qualquer forma, procuramos começar com regimes menos tóxicos, evoluindo para outras combinações, conforme a resposta clínica e a agressividade mostrada pelo tumor (FAC, taxanos, GP, capecitabina, etc.). Essas pacientes, todavia, não apresentarão índice de resposta superior a 20 a 30% e, muito raramente, terão remissão completa da doença. Nesses casos em que buscamos resposta com a alteração de protocolos, os fármacos utilizados em regimes anteriores e que falharam não deverão ser incluídos. A justificativa para tal está baseada no desenvolvimento de resistência a essas drogas pelas células tumorais.

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Dois fármacos são particularmente úteis em regimes de salvação (quando a doença evolui após a terceira linha de quimioterapia): a vinorelbina e a capecitabina, que podem dar respostas de até 40%. Mais recentemente, a inclusão de gencitabina e compostos à base de platina também representam ganho no manejo da doença indolente.

Neoadjuvante Também conhecida como primária, é aplicada naqueles casos em que, por se tratar de tumores localmente avançados e/ou pacientes potencialmente operáveis com tratamento conservador, busca-se diminuição do volume tumoral antes do tratamento cirúrgico e/ou radioterápico. Essa modalidade de quimioterapia nos dá, em princípio, algumas vantagens: > Monitoração in vivo da resposta tumoral à quimioterapia. > Determinação das modificações induzidas pela quimioterapia no que diz respeito à cinética celular, à bioquímica e à histologia tumoral por meio da avaliação do espécime pré e pós-operatório. > Maior número de cirurgias conservadoras. > Tratamento de micrometástases em mais de 70% das pacientes com doença avançada. Como regra geral, a quimioterapia neoadjuvante foi concebida para ser aplicada da seguinte maneira: três ou quatro ciclos no pré-operatório, seguidos de dois ou três ciclos de consolidação no pós-operatório imediato (desde que as condições clínicas da paciente assim o permitam). É nossa preferência, atualmente, o uso de todos os ciclos quimioterápicos sem interrupção, reservado o procedimento cirúrgico para após a quimioterapia. Pode-se fazer uso de segunda linha em neoadjuvância, estendendo o número de ciclos de acordo com o novo esquema. Convém frisar que, nos casos em que não se consegue resposta na quimioterapia primária, a terapia de consolidação deverá ser realizada com outro(s) quimioterápico(s). Nunca se deve esquecer que a quimioterapia neoadjuvante nos permite observar os

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efeitos in vivo da quimioterapia. Na ausência de resposta satisfatória, deve-se considerar a troca do regime quimioterápico.

Avaliação da resposta A fim de evitar avaliações de resposta de caráter subjetivo, adotaram-se critérios universais, sendo que, para tanto, um rígido controle da administração do fármaco e da paciente deve ser rotineiro. A administração do fármaco segue protocolos já testados e aprovados (exceto no contexto de pesquisa, devidamente autorizada e com consentimento informado e esclarecido assinado pela paciente ou responsável), e as pacientes necessitam ser avaliadas clinicamente antes do próximo ciclo, medindo-se cuidadosamente o tumor, quando presente, e verificando-se a existência de efeitos tóxicos. Após três ou quatro ciclos, repetem-se os exames complementares para avaliação da resposta junto às metástases não avaliáveis clinicamente. Nesse momento, caso não esteja havendo a resposta desejada ou se houver piora dos sintomas, estamos autorizados a modificar o esquema proposto. Esse critério é conhecido como RECIST:

Contraindicações O uso de agentes quimioterápicos está relativa ou absolutamente contraindicado nas seguintes situações: > Inadequação de facilidades para monitorar a resposta da paciente à terapia ou controlar seus efeitos tóxicos. > Não haverá significativa alteração de sobrevida e/ou qualidade de vida da paciente, mesmo que haja diminuição do tumor. > Pacientes gravemente debilitadas ou moribundas, que não viverão o suficiente para aproveitar os benefícios obtidos com o tratamento. > A paciente está assintomática, apresentando um tumor incurável, de crescimento lento, para o qual a quimioterapia pode ser postergada até o surgimento de sintomas que requeiram paliação.

Efeitos adversos

> Doença em progressão: apesar da instituição de um tratamento, a doença mostra-se refratária a este, exigindo reavaliação do esquema proposto, se clinicamente indicado.

Como não se trata de medicamentos destinados a agir somente em células tumorais, mas em todas as células que se encontram em ciclo celular (as células tumorais têm um ciclo mais longo do que as normais), o efeito de destruição se faz presente em todo o organismo. Náuseas e vômitos, geralmente, começam de 1 a 6 horas após a aplicação e podem durar até 48 horas. Febre e sensação de resfriado podem surgir após administração de alguns fármacos, tipicamente iniciando 6 horas após e durando 24 horas. Muitas pacientes apresentam-se com cansaço e fadiga, o que pode permanecer por mais de uma semana. A alopecia, quando ocorre, costuma surgir 2 a 3 semanas após a aplicação do fármaco. O efeito adverso mais perigoso é certamente a diminuição de leucócitos e plaquetas no sangue periférico, resultado de uma intensa atuação na medula óssea. É justamente esse efeito que vai nos permitir calcular qual o intervalo de tempo entre um ciclo e outro.

Deve-se sempre eleger uma lesão-alvo, no mínimo. Ela será o parâmetro de avaliação da resposta.

Nos Serviços de Mastologia e de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), costumamos utilizar corticoide

> Remissão completa: é o desaparecimento completo de toda a evidência objetiva do tumor e de seus sintomas. São esses casos que podem apresentar efetiva alteração nas taxas de mortalidade. > Remissão parcial: é a redução de 50% ou mais de todas as lesões mensuráveis e a ausência de novas lesões. Está relacionada a uma melhor qualidade de vida, embora não reduza as taxas de mortalidade. > Doença estacionária: não ocorre regressão das lesões, mas também não há evolução nem surgimento de novas. Pode haver melhora dos sintomas.

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(dexametasona 10 mg IV, antes e após a QT) e metoclopramida (uma ampola antes e outra após a QT), fixo, como profilaxia das náuseas e vômitos. O uso de inibidores da serotonina, como o ondasentron (8 mg IV, antes da QT), pode se fazer necessário para aliviar esses sintomas.

> Radioterapia: pacientes com radioterapia prévia ou simultânea devem iniciar com um máximo de 50% da dose prevista de quimioterapia. Na ausência de efeitos tóxicos, as doses podem ser escalonadas gradativamente. O aumento seguro é de 20% da dose anterior.

O uso de estimulantes de colônias de granulócitos (G-CSF ou filgrastima), a fim de promover aumento dos níveis leucocitários, não é rotina nos esquemas quimioterápicos que utilizamos, além de seu uso ser bastante controverso. São importantes a internação hospitalar e o uso de antibioticoterapia de amplo espectro nos casos de neutropenia febril, sendo que sua escolha recai nas normativas da Comissão de Controle de Infecções do HCPA.

> Pacientes debilitadas: pacientes com índice de Karnofsky inferior a 50% devem ter seus ciclos iniciados com uma dose reduzida, a menos que se trate de tumores muito agressivos, considerando-se a razão risco/ benefício. Pacientes muito debilitadas podem não ser elegíveis ao tratamento quimioterápico.

Toxicidade do trato alimentar Estomatite ou diarreia devem ser suspensas até a recuperação dos sintomas, caso sejam de grau III/IV. Se houver história prévia desses sintomas, reduzir a dose em 25%, com outras reduções caso persistam os sintomas.

Diretrizes para a modificação de dose Princípios Agentes citotóxicos não devem ser prescritos por médicos inexperientes no seu uso, pois são utilizados em sua máxima concentração e em um determinado esquema. Para que possam ser efetivas, essas doses poderão ser modificadas de acordo com a resposta tumoral e/ou seus efeitos adversos. > Infecção: QT não deve ser administrada em pacientes com infecção ativa de qualquer natureza. > Toxicidade ativa: geralmente, a quimioterapia deve ser suspensa em pacientes com toxicidade ativa vinda de ciclos prévios. A exceção é para tumores curáveis e câncer de mama, nos quais os efeitos tóxicos são toleráveis e previsíveis.

Náuseas e vômitos são bem controlados na maioria dos casos.

Função renal alterada Deverão suspender tratamento se DCE 55 mL/ min.

Função hepática alterada Nessas pacientes, as drogas de metabolismo hepático deverão ter suas doses reduzidas ou suspensas.

Mielossupressão Nesses casos, as doses devem ser reduzidas conforme a Tabela 40.1. Normalmente, não se aplicam tratamentos quando o número de leu-

Tabela 40.1 Contagem das células Nadir leucocitário anterior (mm3)

Nadir plaquetário anterior (ⴛ 1.000/mm3)

Porcentagem do fármaco recomendado

1.000-2.000 500-999 ⬍ 500

75-100 50-75 ⬍ 50

75 50 25

Os dados desta tabela referem-se às doses a serem aplicadas de acordo com os efeitos atingidos em ciclos anteriores, ou seja, se atingiu um nadir leucocitário de 500 leucócitos, sua próxima dose deverá ser reduzida em 50%.

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cócitos é inferior a 3.400 e as plaquetas estão abaixo de 100 mil. Preferimos aumentar o intervalo a fracionar as doses.

Resistência a múltiplos fármacos A dificuldade de obtermos resultados no tratamento dos mais diversos tumores reside no fato de estes desenvolverem a habilidade de se tornarem resistentes às manobras terapêuticas. Nos últimos anos, muitos estudos vêm fornecendo dados a respeito da resistência tumoral aos fármacos. As células podem desenvolver resistência aos agentes citotóxicos por meio de mecanismos, como transporte do fármaco, alterações qualitativas e/ou quantitativas do ponto de vista enzimático ou mesmo uma conjunção desses fatores. O maior problema está na resistência cruzada desenvolvida após a exposição a um único fármaco. Isso se deve à presença de uma aberração genética que é a expressão aumentada do gene MDR1, que ativa uma glicoproteína plasmamembrana que, basicamente, protege a célula contra o acúmulo de substâncias tóxicas no seu interior. Acredita-se que 15% dos tumores de mama não tratados apresentem essa expressão de MDR1 RNA. Encontra-se em estudo o uso de outros fármacos não citotóxicos que possam alterar a ação dessa glicoproteína, como os agentes bloqueadores dos canais de cálcio.

Novas terapias em estudo O câncer de mama está presente em diversas linhas de pesquisa, desde biologia molecular, genética e outras áreas de pesquisa básica, assim como em estudos com novos medicamentos antitumorais. Muitos dos avanços vêm dessas pesquisas, e grande interesse está sendo colocado no mapeamento individual das pacientes e de seus tumores. Isso é o resultado do uso de microarranjos de DNA (microarrays), que permite avaliar a agressividade de um determinado tumor comparada com as manifestações de DNA da própria paciente – a chamada “assinatura genética”. Seria como um tratamento específico e individual para cada situação.

Já é realidade em nosso meio o uso de testes utilizando genes capazes de auxiliar na determinação do risco de recorrência do câncer de mama em pacientes com axila negativa e receptores hormonais positivos, muitas vezes evitando o uso de quimioterapia em pacientes de baixo risco.

Fármacos utilizados em mastologia Agentes alquilantes Os efeitos celulares desses fármacos residem principalmente na alquilação de componentes do DNA. Essas alterações levam a profundos efeitos na replicação e transcrição do DNA, cujos efeitos clínicos serão citotoxicidade, mutagênese e carcinogênese. Embora tenham efeito sobre células em proliferação e em repouso, o compartimento proliferativo é, preferencialmente, sensível aos efeitos destruidores desses fármacos. Células em qualquer fase do ciclo são sensíveis, mas a fase G1 final e a fase S são mais suscetíveis. A ciclofosfamida é o fármaco mais comumente utilizado em mastologia, sendo também um dos mais versáteis agentes antineoplásicos. Reage sinergicamente com a radioterapia, devendo ser combinada com o radioterapeuta uma redução na dose desse fármaco, dependendo da área irradiada.

Alcaloides da vinca A vincristina e a vinblastina são os representantes desse grupo farmacológico. São moléculas muito semelhantes, que diferem apenas em um radical metil ou formil em sua cadeia lateral. Ambas ligam-se à tubulina, bloqueando os microtúbulos. A vincristina é fase específica – fase M –, bloqueando as células quando entram em metáfase. Isso também inibe a síntese de RNA. Por ser um agente vesicante, sua infusão deve ser muito bem controlada, a fim de evitarem-se extravasamentos. Deve-se suspender o fármaco na presença de sintomas neurológicos (parestesias, fraqueza motora, paralisias de nervos cranianos e íleo). Potencializa o efeito tóxico do metotrexato e provoca alopecia em 20 a 70% dos casos. Já a vinblastina, além dos efeitos sobre os microtúbulos, quando em altas con-

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centrações, é capaz de provocar alterações no ácido nucleico e na síntese de proteínas. É menos tóxica ao sistema nervoso central (SNC) e igualmente vesicante quando extravasa. Além da toxicidade do metotrexato, a ação das fenitoínas pode provocar broncospasmos quando em associação com a mitomicina. Mais recentemente, um alcaloide semissintético chamado vinorelbine entrou em uso para o tratamento do câncer de mama avançado, com um potencial teórico de ação que pode atingir 40% dos tumores de mama não tratados.

Antibióticos antitumorais São isolados a partir de colônias de streptomyces e promovem efeitos antimicrobianos e tumoricidas a partir da inibição direta da síntese de DNA e/ou RNA. Não são fase-específicos. Seus principais representantes são a doxorrubicina, a epirrubicina, a mitomicina e a mitoxantrona. A doxorrubicina é o mais conhecido e utilizado fármaco desse grupo no tratamento do câncer de mama. Leva à formação de radicais livres, inibe a topoisomerase II, produzindo a inibição da síntese de DNA e RNA-DNA dependente. Devido ao seu efeito cardiotóxico, especial atenção deve ser tomada em pacientes com história prévia de doenças cardíacas. O uso concomitante de ciclofosfamida e mitomicina pode aumentar o risco de toxicidade cardíaca. A alopecia é virtualmente universal com esse fármaco, iniciando entre a terceira e a quarta semana pós-administração. Ocasiona também hiperpigmentação da pele e do leito ungueal. É muito vesicante e pode provocar a reativação de fenômenos epidérmicos em áreas previamente irradiadas (recall phenomenon). Para prevenir a cardiotoxicidade, devemos evitar doses totais superiores a 550 mg/m2. O ideal é utilizar avaliações seriadas da fração de ejeção ventricular esquerda em repouso e com exercício várias vezes durante o tratamento quimioterápico. A epirrubicina, por sua vez, tem espectro de ação semelhante à doxorrubicina, apresentando menor cardiotoxicidade e menos efeitos agudos de mielossupressão. Seu maior interesse atualmente é a utilização em altas doses, sem os efeitos tóxicos da doxorrubicina. A mitomicina tem sua ativação em ambiente intracelular. Promove ligações erráticas do DNA,

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impedindo a sua duplicação, assim como produz radicais livres. Atua preferencialmente nas fases S e G1 tardia, sendo um dos fármacos que desenvolve resistência múltipla cruzada. Seu principal efeito tóxico é sobre a medula óssea, tendo um duplo pico de ação, em 3 a 6 ou 8 semanas pós-administração, tornando-se mais intensa se concomitante com outros fármacos. A mitoxantrona é um fármaco sintético que atua intercalando-se com a cadeia de DNA, causando a sua instabilidade. Também tem ação sobre a topoisomerase II. Não é cicloespecífica, mas atua melhor sobre células proliferativas em fase G2. É extremamente vesicante e requer o uso de um flush intravenoso após a sua injeção. Sua principal toxicidade é hematológica, mas também apresenta toxicidade cardíaca a longo prazo. Os pacientes devem ser informados de que a urina pode assumir coloração azulada após a sua administração. Queda superior a 20% na fração de ejeção ventricular esquerda requer suspensão do tratamento.

Antimetabólitos As vitaminas, os aminoácidos ou nucleosídeos são fármacos que apresentam estrutura similar, interagindo com as enzimas celulares das seguintes maneiras: > Interrompendo a função celular por incorporarem-se no lugar de um metabólito em uma molécula como o DNA ou o RNA. > Competindo com um metabólito natural em um sítio enzimático. > Competindo com um metabólito natural em uma função reguladora ou sítio receptor importante. A maioria dos antimetabólitos é cicloespecífica, com grande atividade na fase S, tendo como seus principais representantes o metotrexato e o fluorouracil. O metotrexato é um análogo do ácido fólico e atua por via enzimática interferindo na formação das bases purínicas. Tem como grande vantagem o fato de que o uso do ácido folínico atua como antídoto à sua toxicidade (quando usado em protocolos de altas doses). Mucosite e mielossupressão são os principais efeitos tóxicos. O fluorouracil é um análogo do uracil, agindo por um efeito sobre o RNA,

586 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

por via enzimática, e impedindo a formação de bases uracílicas. Atua também sobre o DNA, provocando a sua instabilidade. Depressão da medula óssea, mucosite, diarreia, alopecia e alterações cutâneas estão entre os seus principais efeitos tóxicos.

Taxanos São fármacos novos que trazem contribuição especial para o tratamento do câncer de mama avançado, refratário a outras medicações. Derivam-se de uma árvore (Taxus brevifolia) e seus representantes são sintéticos – o paclitaxel e o taxotere. Agem por meio de uma forte ligação com a tubulina, promovendo a estabilização dos microtúbulos, impedindo a divisão celular. O paclitaxel tem uma meia-vida triexponencial, e o taxotere, biexponencial, sendo este menos tóxico. São fármacos que, dependendo de protocolos e doses, devem ser utilizados com estimuladores de colônias de granulócitos/macrófagos. Entre os efeitos colaterais, destacamos mielossupressão e alteração de unhas e cabelos, assim como um grau variável de neurites periféricas e reações de hipersensibilidade.

Regimes comumente utilizados nos Serviços de Mastologia e de Ginecologia e Obstetrícia do HCPA Ciclos aplicados a cada 3 semanas, podendo ser prolongados ou realizadas adequações de doses, conforme citado anteriormente. Quimioterapias em regimes especiais, como QT de altas doses, associadas ou não ao transplante autólogo de medula, não são utilizadas em nosso serviço (Tab. 40.2).

Tabela 40.2 Esquemas de quimioterapia 1. AC (T)

2. FAC

3. Paclitaxel 4. Navelbine 5. Capecitabina

Doxorrubicina Ciclofosfamida Paclitaxel Fluorouracil Doxorrubicina Ciclofosfamida

60 mg/m2 600 mg/m2 175 mg/m2 600 mg/m2 40 mg/m2 600 mg/m2 175 mg/m2 30 mg/m2 2.500 mg/m2

REFERÊNCIAS BLAND, K.I.; COPELAND III, E.M. The breast. In: BLAND, K.I.; COPELAND III, E.M. (Ed.). The breast: comprehensive management of benign and malignant diseases. Philadelphia: W.B. Saunders, 1991. BONADONNA, G.; HORTOBAGYI, G.N.; GIANNI, M.A.Textbook of breast cancer. London: Martin Dunitz, 1998. CARDOSO F, et al. Second and subsequent lines of chemotherapy for

metastatic breast câncer: what did we learn in the last two decades? Ann. Oncol., v. 13, p. 197-207, 2002. CAVALLI, F.; HANSEN, H.H.; KAYE, S.B. Textbook of medical oncology. London: Martin Dunitz, 1998. DONEGAN, W.L.; SPRATT, J.S. Cancer of the breast. Philadelphia: W.B. Saunders, 1995. HARRIS, J.R.; LIPPMAN, M.E.; MORROW, M. Diseases of the breast.

Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2000. JAIYESIMI, I. Chemotherapy regimens for breast cancer. In: CANCER management: a multidisciplinary approach. New York: PRR, 2002. MENKE, C.H. et al. Rotinas em mastologia. Porto Alegre: Artmed, 2000. BUZAID AC. Manual de Oncologia Clínica. Hospital Sírio Libanês. 2 ed. Rio de Janeiro. Reichmann&Affonso Editores.2004.

Rotinas em Ginecologia

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SITES RECOMENDADOS American Society of Clinical Oncology www.asco.org National Comprehensive Center Network www.nccn.org

Instituto Nacional de Câncer www.inca.gov.br

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Pode-se definir como objetivo de quimioterapia neo-adjuvante: a. Potencializar o efeito da radioterapia. b. Potencializara a ação da terapia hormonal. c. Reduzir a massa tumoral antes da cirurgia. d. Diminuir o número de metástases antes da cirurgia. e. Todas as alternativas.

2. Constitui indicação para quimioterapia adjuvante: a. b. c. d. e.

Tumores centrais. Tumores de quadrantes internos. Metástases axilares. Comedocarcinoma. Tumores multicêntricos.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Hormonioterapia no Câncer de Mama Nilton Leite Xavier Carlos Henrique Menke Jorge Villanova Biazús José Antônio Cavalheiro Rodrigo Cericatto Ana Cristina da Costa Bittelbrunn Fernando Schuh

O estrogênio é o hormônio que inicia o desenvolvimento dos ductos mamários, e os lóbulos são desenvolvidos pela progesterona, que surge com os ciclos ovulatórios, e se completam na primeira gestação a termo. Essa correlação funcional faz com que os tumores aí originados apresentem variados graus de relação e dependência desses hormônios (Menke et al., 2007). Em torno de 92% serão de origem ductal. Por ser o câncer mais comum nas mulheres, é importante que o ginecologista, médico e conselheiro das suas pacientes, esteja atualizado na terapia endócrina, de sucesso e de fácil manejo. O tratamento direcionado a inibir a ação do receptor estrogênico (RE) representa um exemplo de terapia-alvo (Fuqua; Cui, 2009). Sabe-se que o RE funciona como um fator de transcrição que controla o estrogênio, regulado por genes, importante no desenvolvimento, no crescimento e na progressão do câncer de mama. Os receptores para progesterona também são avaliados, mas são menos importantes na predição de resposta. Na menopausa, o ovário reduz drasticamente a produção hormonal, mas persiste produzindo pelas células estromais os androgênios que serão convertidos em estrogênios pela aroma-

tase. Eis a razão da influência da obesidade no aumento do risco de câncer de mama após a menopausa. O androgênio principal é a androstenediona, também produzido pela suprarrenal.

Objetivo e mecanismo biológico O objetivo da terapia alvo-específico, base da hormonioterapia antiestrogênica, é o bloqueio dos receptores das células tumorais, que ficarão privadas dos estrogênios. Também pode ser por diminuição da fonte dos estrogênios pelos inibidores da aromatase (IAs) na pós-menopausa. A ooforectomia é uma boa opção na pré-menopausa, ao remover a fonte primária. A própria quimioterapia, além do seu efeito citotóxico para o tumor, por agir em células jovens, pode ocasionar a falência ovariana por atresia folicular. A base atual da terapêutica endócrina é diminuir o estrogênio ou bloquear a exposição das células neoplásicas ao estrogênio. Nota-se que os REs têm regulação gênica, sendo proteínas citoplasmáticas cuja função é levar os hormônios ao núcleo para que se fixem ao DNA, permitam sua duplicação e transmitam às novas células as mesmas características biológicas. Além dos receptores hormonais, atuam, intera-

Rotinas em Ginecologia

gindo, os polipeptídeos – fatores de crescimento epitelial celular – e seus receptores, proteínas cinases que sinalizam rotas e fatores inibidores que, no conjunto, irão direcionar a resposta ao tratamento hormonal (Menke et al., 2007; Fuqua; Cui, 2009; Alfred et al., 1998).

Avaliação dos receptores Antes da terapia, para que se tenha uma ideia do percentual esperado de resposta, deve-se avaliar a expressão dos receptores hormonais, por imuno-histoquímica (IHQ), utilizando anticorpos monoclonais que coram a proteína citoplasmática. O receptor é negativo quando não há célula corada. Da associação da intensidade da cor e do número de células coradas surgem as categorias fraca, média e forte expressão. Pode-se simplificar classificando em receptor negativo e positivo qualquer que seja a expressão. Quanto maior a expressão dos REs, melhor é a resposta (Alfred et al., 1998).

Resposta tumoral esperada Caso não se saiba a expressão dos receptores hormonais, a taxa previsível de resposta é de 30%. Saber a expressão é o modo de selecionar a paciente que terá resposta à endocrinoterapia. Pesquisando por ensaio bioquímico, verificou-se que o fenótipo RE – /RP ⫹ ocorre em 4% e tem taxa de resposta de 46%, devendo tratar-se de um RE falso-negativo (Berry, 2005).

589

4. Agentes antiaromatase: compreendem os IAs, não esteroides (anastrozol e letrozol), que se ligam transitoriamente à aromatase, e os inativadores – inibidores esteroides (exemestano) – que se ligam permanentemente à enzima. Usados somente na pós-menopausa.

Usos da hormonioterapia O tamoxifeno (TAM) – o mais antigo SERM –, pela sua ação antiestrogênica, foi o padrão-ouro nos últimos 25 anos para tratar: > pacientes com câncer metastático hormônio-dependente, principalmente de partes moles, pleura e ossos; > mulheres com alto risco, como agente redutor de risco de 50% (quimiorredução); > mulheres com o diagnóstico de câncer inicial, como tratamento adjuvante no caso de receptor hormonal positivo. Após evidências clínicas, em 1977, o Food and Drug Administration (FDA) aprovou o seu uso para câncer metastático e só em 1986, após a constatação de diminuição de recorrências, foi aprovado para adjuvância. O raloxifeno poderia substituir o tamoxifeno com vantagem em reduzir fraturas vertebrais e menor risco de câncer do endométrio, porém oferece risco para evento cerebral e coronariano (Barret-Connor et al., 2009).

1. Moduladores seletivos dos receptores de estrogênio (SERMs): tamoxifeno, raloxifeno.

O primeiro tratamento paliativo foi com o antiestrogênio TAM. A progressão, após resposta ao TAM, com possibilidade de resposta adicional, foram os fármacos de segunda linha, inibidores da aromatase, que hoje se mostram com potencial de primeira linha.

2. Selective estrogen receptor down-regulator (SERDs): destroem o receptor. O fulvestranto é bem tolerado e uma opção útil para pacientes com câncer avançado de mama que progrida após prévio tratamento endócrino (Wang et al., 2009).

Cinco anos de tamoxifeno tem sido o tratamento adjuvante padrão para casos de câncer inicial e com RE positivo, o que passou a ser questionado em 2005, com novos fármacos já testados, e a ampliação das possibilidades (Berry, 2005). Vejamos:

3. Análogos LH-RH: inibidores da hipófise (goserelina, triptorelina) – 3,6 mg, 1 ampola/ mês via subcutânea.

> A terceira geração dos IAs, anastrazol, exemestano e letrozol oferecem novas opções de tratamento.

Quatro classes de fármacos podem bloquear os estrogênios sem remover os ovários (Menke et al., 2007):

590 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

> Em tratamento adjuvante, anastrazol e letrozol, em comparação com TAM, mostraram melhor sobrevida livre de doença, como tratamento inicial. > Anastrazol ou examestano após 3 anos de TAM se mostraram mais efetivos em diminuir o risco de recorrência do que a manutenção do TAM, também em primeira linha. > O letrozol mostrou melhor taxa de resposta comparado com o anastrazol em segunda linha (P ⫽ 0,01) e menos efeitos adversos do que o anastrazol (P ⫽ 0,003). Os estudos mostram pequenas diferenças entre os IAs que podem auxiliar na indicação, porém o fator econômico ainda influencia. Os IAs estão sendo usados e propostos para: > ser opção ou substituir o tamoxifeno (20 mg/ dia) na adjuvância: anastrazol na dose 1 mg/ dia. > esquema “switch”: tomar após 2 ou 3 anos de tamoxifeno: exemestano ou anastrazol, porque o mecanismo de ação é diferente e poderia evitar a resistência ao tamoxifeno. > O anastrazol (1 mg/dia), o letrozol (2,5 mg/ dia) e o exemestano (Gluck, 2010) (25 mg/dia) foram aprovados como paliativo para uso na doença sistêmica. > Os fármacos antiaromatase são a primeira escolha para pacientes com tumores HER-2 positivo. > Outro modulador seletivo, o raloxifeno (60 mg), já é utilizado no tratamento do cân-

Tabela 41.1 Outros fármacos (pouco usados). Medicação

Mecanismo de ação

Progestágeno

Desconhecido; efetivo somente na pós-menopausa ½ estrogênio; efetivo somente na pós-menopausa ½ estrogênio endógeno; efetivo primariamente na idosa ½ estrogênio; mais efetivo na pós-menopausa

Aminoglutetimida Estrogênio

Androgênios

cer e na redução de osteoporose, na dose de 1 c. de 60 mg/dia. Os SERMs e os fármacos antiaromatase tomaram o lugar do acetato de megestrol, que é usado na dose de 160 mg/dia, e dos androgênios, na dose de 150 mg, 3 ⫻/semana, na hormonioterapia de segunda linha. Atualmente, ainda é consenso internacional que as pacientes pós-menopáusicas com metástases axilares confirmadas em anatomopatológico devam receber tratamento adjuvante com tamoxifeno por 5 anos, diminuindo em 30% o risco de morte por câncer de mama nesse período. O anastrazol é uma opção já aceita e tem a vantagem de não estimular o endométrio. A adjuvância tardia, após os 5 (ou 3) anos de tamoxifeno, é uma opção possível, porém pode ser um gasto desnecessário para as pacientes de menor risco, porque espera-se que a adjuvância seja válida por até 15 anos (Menke et al., 2007). Autores (Toi; Bando; Saji; 2001;Miller; Anderson; Dixon, 2002) predizem que o futuro paradigma nas terapias neoadjuvante, adjuvante e paliativa será com inibidores da aromatase, unicamente ou em combinação, para evitar osteoporose (Reid, 2009). São potentes supressores da síntese estrogênica intratumoral. Por ter poucas reações adversas, a terapia hormonal é a primeira escolha para o tratamento paliativo sempre que as metástases não envolvem órgãos vitais. Sendo a paciente pré-menopáusica, a ablação ovariana (por ooforectomia, radioterapia ou goserelina) é a escolha inicial, podendo, se houver resposta, ser tratada com nova opção hormonal em uma outra necessidade. Nas pós-menopáusicas, a opção inicial é o tamoxifeno ou os IAs (Berry, 2005). Como regra geral, em regimes paliativos, uma vez obtida resposta (completa ou parcial), o fármaco deve ser mantido enquanto não houver evidência de reativação da doença. Se for notada progressão da doença, pode haver resposta com nova tentativa de tratamento endócrino.

Seleção de pacientes As candidatas à hormonioterapia são as receptoras positivas ou de RE desconhecido, as

Rotinas em Ginecologia

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com resposta prévia à hormonioterapia, as sem doença visceral e aquelas com recidiva tardia mostrando evolução lenta e sintomas leves.

mamária e na síntese proteica. Ainda não se sabe o mecanismo de ação desse fármaco, antidiabético, no câncer.

Nos casos em que há receptores negativos na ausência de crise visceral, ainda assim é válida a hormonioterapia, embora não seja a opção inicial pois 10% dos casos apresentarão resposta.

Associações

Novos agentes hormonais > O fulvestranto liga-se aos receptores estrogênicos na superfície das células e adquire efeito antiestrogênico por competição, e o segundo mecanismo é pela degradação dos receptores aos quais se liga.. Efeitos adversos ocorrem com mais de 40% das pacientes, porém só 1% interrompe a medicação. A dose recomendada é 250 mg intramuscular (IM) na nádega, com intervalos mensais, em injeções de 5 mL, aplicadas lentamente. > A goserelina 3,6 mg (análoga do GnRH) causa bloqueio central induzindo hipofunção aguda dos ovário levando à menopausa muito sintomática, com calorões, depressão e outras alterações endócrinas, incluindo osteoporose. A injeção é mensal, SC, tendo impacto na qualidade de vida. É medicação cara e não é opção inicial. > Losoxifene e arzoxifene são novos SERMs com potencial para uso em câncer ER⫹ evitando osteoporose, atrofia vaginal e alteração no colesterol. Ainda não disponíveis (Gennari, 2009; Clarke; Khosia, 2009).

Agente não hormonal: futuro? Estudos (Yurekli et al., 2009; Cazzaniga et al., 2009) observacionais mostram que a metformina foi associada à redução do risco de câncer mamário. Vários estudos pré-clínicos mostraram redução significante na proliferação epitelial

> Exemplificando, uma paciente pré-menopáusica que, tendo realizado mastectomia radical modificada, venha a ter uma axila com mais de oito linfonodos comprometidos, tem indicação de ooforectomia e quimioterapia. > Quando se usa fármaco IA na adjuvância, alguns estudos pretendem prevenir a perda óssea com a utilização de um bifosfonado, via oral (VO), ou uma infusão semestral de 4 mg de ácido zoledrônico.

Advertência Os antiestrogênios podem causar trombose; deve-se avaliar história de tromboembolismo antes da prescrição.

Efeitos colaterais Como efeitos comuns, são citados rubores, astenia, secura vaginal, leucorreia, enjoo e eritema multiforme. São leves e raramente levam à interrupção do tratamento. O tamoxifeno diminui o colesterol sanguíneo e reduz a taxa de perda óssea. Há pequeno aumento de tromboembolismo e da catarata. Pode causar calorões, perdas sanguíneas via vaginal, irregularidade menstrual e aumento do câncer de endométrio em três vezes. Os fármacos antiaromatase apresentam poucos efeitos colaterais: leucopenia, eventos trambóticos e sangramento via vaginal. Há relato de pequeno aumento de fraturas e artralgias.

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REFERÊNCIAS ALFRED, C. et al. Prognostic and predictive factors in breast câncer by immunohistochemical analysis. Mod. Pathol., v. 11, n. 2, p. 155-168, 1998. BARRET-CONNOR, E. et al. Raloxifene anda risk for stroke based on the framinghan stroke risk score. Am. J. Med., v. 122, n. 8, p. 754-761, 2009. BERRY, J. Are all aromatase inhibitors the same? A review of controlled clinical trials in breast cancer. Clin. Ther., v. 27, n. 11, p. 1671-1684, 2005. CAZZANIGA, M. et al. Is it time to test metformin in breast câncer clinical trials? Cancer Epidemiol Biomarkers Prev., v. 18, n. 3, p. 701-705, 2009. CLARKE, B. L.; KHOSIA, S. New seletive estrogen and androgen receptor modulators. Curr. Opin. Rheumatol., v. 21, n. 4, p. 374-379, 2009.

FUQUA, S. A.; CUI, Y. Targeting the estrogen receptor in clinical breast cancer. Breast Dis., v. 15, p. 3-11, 2009. GENNARI, L. Lasoxifene, a new aeletive estrogen receptor modulator for thse treatment of osteoporosis and vaginal atrophy. Expert Opin. Pharmacother., v. 10, n. 13, p. 2209-2220, 2009. GLÜCK, S. Exemestane as first-lkine therapy in postmenopausal women with recurrent of metastatic breast cancer. Am. J. Clin. Oncol., v. 33, n. 3, p. 314-319, 2010. MENKE, C. H. et al. Quimioterapia e hormonioterapia. In: Rotinas em mastologia. Porto Alegre: Artmed, 2007. Cap. 22, p. 216-220. MILLER, W. R.; ANDERSON, T. J.; DIXON, J. M. Anti-tumor effects of le-

trozole. Cancer Invest., v. 20, n. 2, p. 15-21, 2002. Supplement. REID, D. M. Prevention of osteoporosis after breast cancer. Maturitas, v. 64, n. 1, p. 4-8, 2009. TOI, M.; BANDO, H.; SAJI, S. Aromatase and aromatase inhibidors. Breast Cancer, v. 8, n. 4, p. 329-332, 2001. WANG, J. et al. Fulvestrant in advanced breast cancer following tamoxifen and aromatase inhibition: a single center experience. Breast J., v. 15, n. 3, p. 247-253, 2009. YUREKLI, B. S. et al. Is the time for metformin to take place in adjuvante treatment of Her-2 positive breast câncer? Teaching new tricks to old dogs. Med. Hypoteses, v. 73, n. 4, p. 606-607, 2009.

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. É esteroide inibidor da aromatase: a. b. c. d. e.

Tamoxifeno. Megestrol. Anastrazol. Fulvestranto. Letrozol.

2. Não é indicação para antiestrogênio: a. b. c. d. e.

Metástase hepática. Metástase ganglionar. Metástase pleural. Metástase de pele. Terapia adjuvante.

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Radioterapia no Câncer da Mama Paulo Renato Figueiredo Ferreira Andréa Barleze da Costa

A radioterapia tem sido uma importante aliada do mastologista há mais de um século. Nesse período, ficou demonstrado que esse tratamento é capaz de aumentar o controle local e a chance de cura após a mastectomia em pacientes com tumores malignos locorregionalmente avançados. A partir do início dos anos 1980, a radioterapia passou também a contribuir para o sucesso da cirurgia conservadora nos tumores iniciais da mama por aumentar significativamente o controle local. Na década atual, múltiplos avanços tecnológicos nos aceleradores lineares, equipamentos de braquiterapia e sistemas de planejamento baseados em imagem vêm permitindo o emprego de doses apropriadas em um volume ideal de tratamento com a máxima proteção dos tecidos adjacentes não afetados pelo tumor. Entretanto, a inserção da radioterapia diante dos recentes progressos ocorridos na cirurgia reconstrutiva, na terapia sistêmica e na compreensão dos volumes de irradiação mais apropriados no câncer de mama suscita algumas questões para as quais ainda não há respostas definitivas. Por exemplo, qual a melhor técnica de irradiação frente à cirurgia oncoplástica, o melhor momento para iniciar a radioterapia em combinação com a quimio ou hormonioterapia e qual o papel da radioterapia parcial da mama? Nesta revisão, abordaremos principais indicações, resultados, complicações e avanços recentes da radioterapia que devem ser úteis na

prática comum do ginecologista que lida com o câncer de mama.

Radioterapia no carcinoma in situ Fatores prognósticos no carcinoma ductal in situ (CDIS) importantes para a tomada de decisões na radioterapia Cerca de 50% das pacientes com CDIS sem tratamento após o diagnóstico evoluirão para uma forma invasora de carcinoma de mama em 10 anos. As opções e indicações cirúrgicas para essa doença são discutidas em detalhe no Capítulo 39, Câncer de mama. O tratamento mais frequentemente empregado é a cirurgia conservadora seguida de irradiação de toda a mama na dose de 50 Gy/5 semanas. O grau de indiferenciação, o subtipo histológico e a adequação das margens cirúrgicas são os principais fatores prognósticos após a cirurgia. Lesões de alto grau, particularmente do tipo comedocarcinoma, são mais propensas a recidivas do que lesões de grau mais baixo (Solin et al., 2005). Nas pacientes tratadas conservadoramente, as margens cirúrgicas constituem-se no maior determinante de recidivas locais, que ocorrem predominantemente próximas ao sítio do tumor original e, mais remotamente, em outros quadrantes. Muitos autores consideram a margem mínima de 10 mm adequada no CDIS (Silverstein et al.,1999).

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Papel da radioterapia pós-operatória no CDIS A ressecção conservadora é o tratamento cirúrgico mais utilizado no CDIS, embora ensaios clínicos randomizados comparando mastectomia e cirurgia conservadora seguida de radioterapia nunca tenham sido realizados. A chance de recidiva local após tratamento conservador seguido de radioterapia varia de 10 a 15% em 10 anos. Cerca de metade dessas recidivas será de carcinoma invasor. O papel da radioterapia pós-cirurgia conservadora no CDIS com margens negativas foi definido por estudos clínicos cooperativos do National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project (NSABP) e da European Organisation for Research and Treatment of Cancer (EORTC). Inicialmente, o NSABP-06, desenhado para pacientes com carcinoma invasor, já havia avaliado um subgrupo de 76 pacientes com CDIS e encontrado 12,1 e 26,8% (P  0,01) de recidivas locais após ressecção com ou sem radioterapia, respectivamente (Fisher et al., 1991). Subsequentemente, outros estudos concebidos especificamente para pacientes com CDIS, como o NSABP-17 (Fisher et al., 1998) e o EORTC -10853 (Julien et al., 2000), obtiveram índices de recidivas locais com e sem radioterapia de 12 e 26,8% (P  0,01) e de 9 e 16% (P  0,005), respectivamente. No NSABP-17, a sobrevida total em oito anos nos grupos foi de 94 e 95% (P  0,05), respectivamente. A conclusão desses dois estudos foi a de que a radioterapia pós-operatória aumenta significativamente o controle local nas pacientes com CDIS. Entretanto, ambos apresentaram de-

ficiências na avaliação anatomopatológica, que pode não ter detectado a presença de tumores invasivos nem o envolvimento das margens cirúrgicas. Por exemplo, eles não correlacionaram a imagem mamográfica da peça de ressecção com os exames de imagem pré-operatórios, o que põe em dúvida a adequação das margens cirúrgicas. Em uma revisão tardia do estudo NSABP B-17 (Fisher, B. et al., 2001), o índice de recidivas locais foi de 16% em 12 anos nas pacientes irradiadas. Tais deficiências limitam a extrapolação desses resultados para pacientes que são adequadamente avaliadas pelo exame anatomopatológico. Estudos prospectivos, mas não randomizados, que deram ênfase à avaliação anatomopatológica, obtiveram resultados comparáveis em pacientes tratadas com ou sem radioterapia pós-operatória (Houghton et al., 2003; Lagios, 2002). Com o intuito de aperfeiçoar a seleção de pacientes com CDIS candidatas à radioterapia pós-operatória, um grupo de pesquisadores de Van Nuys, na Califórnia, elaborou um índice prognóstico baseado na extensão das margens cirúrgicas, subtipo histológico, tamanho da lesão primária e idade da paciente e ponderou que nem todas as pacientes com CDIS seriam candidatas à irradiação adjuvante (Tab. 42.1) (Silverstein, 2002). As pacientes com soma de escores entre 4 e 6 seriam candidatas à cirurgia conservadora exclusiva, as com escores 7 a 9 requereriam irradiação adjuvante, e as com escores 10 a 12, mastectomia (Tab. 42.2). Entretanto, o estudo de Van Nuys sofre algumas limitações, como (1) não ser randomizado, (2) ter sido realizado somente em

Tabela 42.1 Fatores prognósticos no carcinoma in situ da mama de acordo com o estudo de Van Nuys Tamanho

Margens

Classificação patológica

Idade em anos

1  15 mm

1  10 mm

1   60

2  16-40 mm

2  1-9 mm

3  41 mm

3   1 mm (involvidas ou exíguas)

1  lesão não de alto grau sem comedonecrose (grau nuclear 1 ou 2) 2  lesão não de alto grau com comedonecrose (grau nuclear 1 ou 2) 3  todas as lesões de alto grau com ou sem necrose (grau nuclear 3)

Fonte: Adaptada de Silverstein (2002).

2  40-60 3   40

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Tabela 42.2 Características do tumor, recidivas e mortes por câncer de mama conforme o índice modificado de Van Nuys (VNPI)*

Número de pacientes tratadas com preservação da mama Tamanho médio do tumor (mm) Grau nuclear médio Número de recidivas (%) Número de recidivas invasivas (%) Sobrevida livre de recidivas locais em 5 e 10 (%) Mortes por câncer de mama Sobrevida específica por câncer de mama em 5 e 10 anos (%)

VNPI 4, 5, 6

VNPI 7, 8, 9

VNPI 10, 11, 12

Total

196

320

67

583

8,6 1,63 4 (2) 0 (0) 99/96

17,3 2,43 70 (22) 32 (46) 83/73

36,0 2,88 35 (52) 15 (43) 54/37

16,5 2,21 109 47 (43) 85/77

0 100/100

4 100/97,7

1 97,6/97,6

5 99,7/98,5

* Pacientes submetidas à mastectomia foram excluídas da tabela. Fonte: Adaptada de Silverstein (2002).

duas instituições e (3) ter tido tamanho de amostra insuficiente em alguns subgrupos. O papel do tamoxifeno (TMX) no CDIS foi investigado pelo NSABP B-24 (Fisher et al., 1999). Em cinco anos, nas pacientes tratadas com TMX ou não, o desenvolvimento de eventos relacionados a câncer de mama foi de 8,2 versus 13,4% (P  0,0009), respectivamente. Esse estudo sugere que, no CDIS, o TMX pode ser considerado tanto terapêutico quanto quimiopreventivo, mesmo nas pacientes com margens comprometidas. Com base nos estudos citados, não há consenso sobre a identificação clara de subgrupos de pacientes com CDIS em que a radioterapia poderia ser omitida. Conforme o painel de consenso do National Comprehensive Cancer Network (2009) (NCCN), a irradiação de toda a mama na dose de 50 Gy tem grau de evidência 1 em pacientes com CDIS ressecado conservadoramente e com margens adequadas. Outras opções aceitáveis, conforme o mesmo painel, seriam mastectomia ou cirurgia conservadora sem radioterapia, já que não há diferenças em termos de sobrevida total entre as três opções de tratamento. Devido ao baixo risco de disseminação linfática, a axila não costuma ser eletivamente irradiada. O benefício do TMX deve ser sopesado contra os possíveis riscos de complicações associadas ao seu uso.

Carcinoma lobular in situ (CLIS) O CLIS não é considerado uma forma pré-maligna verdadeira de carcinoma invasor, mas um marcador de alto risco para câncer em ambas as mamas. Portanto, acompanhamento rigoroso e estratégias preventivas como quimioprevenção ou mastectomia bilateral profilática podem ser atitudes mais apropriadas do que terapias específicas para a eliminação local do CLIS. Não há evidências suficientes para recomendar radioterapia adjuvante nessa doença.

Doença de Paget do mamilo A doença de Paget da mama consiste em um carcinoma que cresce no mamilo e se estende aos ductos subjacentes de forma aparentemente intraductal, mas não necessariamente in situ (Schwartz, 1994), ou pode corresponder a uma metástase de carcinoma subjacente. Pode também ser multicêntrico e estar associado a metástases axilares. O CDIS é a forma mais prevalente, enquanto o carcinoma invasor está presente em um quarto a um terço dos casos (Sukumvanich et al., 2007). Em pacientes sem massas palpáveis ou anormalidades mamográficas, tanto a mastectomia quanto a cirurgia conservadora seguida de radioterapia de toda a mama são opções adequadas (Sabel; Weaver, 2009). O papel da cirurgia conservadora com ou sem radioterapia não está estabelecido por estudos comparativos, embora a ressecção completa do complexo

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areolomamilar seguida de radioterapia de toda a mama seja considerada um procedimento razoável. Singh e colaboradores (1999) compararam retrospectivamente os índices de sobrevida e recidiva em 74 pacientes mastectomizadas e em 31 submetidas a tratamento conservador, mas não encontraram diferenças entre ambos os grupos quando margens cirúrgicas negativas foram obtidas. Pierce e colaboradores (1996), em uma revisão de 30 pacientes tratadas com cirurgia conservadora e radioterapia da mama (50 Gy seguidos de reforço de 14 Gy), verificaram 16% de recidivas locais e uma sobrevida livre de doença de 95% em oito anos. A EORTC elaborou o primeiro estudo prospectivo sobre tratamento conservador em pacientes com doença de Paget da mama (Bijker et al., 2001), que representa a maior série de casos dentre outras similares. Foram excluídas pacientes com carcinoma invasor, o que o difere da maioria dos demais estudos sobre doença de Paget da mama. Das 61 pacientes, 97% não tinham massa palpável e 84% tinham mamografia normal. O tratamento consistiu em ressecção completa do complexo areolomamilar seguida de radioterapia externa de toda a mama na dose de 50 Gy. Houve 6,5% de recidivas. Conforme esses estudos, a radioterapia após ressecção conservadora completa na doença de Paget do mamilo sem massas palpáveis, alterações mamográficas ou margens comprometidas é uma opção que reduz o índice de recidivas locais e oferece alta chance de preservação da mama (Sabel; Weaver, 2009).

Radioterapia nos estádios I e II Papel da radioterapia no tratamento conservador A radioterapia é um dos pilares para o sucesso do tratamento conservador no câncer de mama inicial, conforme ficou demonstrado após a divulgação de estudos norte-americanos e europeus há 25 anos. Entre 1976 e 1984, o NSABP-06 randomizou 1.600 pacientes com estádios I e II em três grupos: mastectomia radical modificada (MRM), nodulectomia com esvaziamento axilar e radioterapia mamária ou apenas nodulectomia com esvaziamento axilar

(Fisher et al., 1994). Todas as pacientes tinham tumores inferiores a 4 cm, e as dos dois últimos grupos apresentavam margens negativas. Pacientes com metástases axilares receberam quimioterapia. As recidivas na mama tratada dependeram do tipo de cirurgia e do emprego ou não de radioterapia: nodulectomia com radioterapia  1,1% e MRM exclusiva  8,8%. A sobrevida total de ambos os grupos foi de 85 versus 76%, respectivamente. Em Milão, um ensaio clínico investigou o papel da radioterapia em pacientes com pequenos tumores ( 2,5 cm) tratadas com quadrantectomia e esvaziamento axilar com ou sem irradiação da mama. Em cinco anos, os índices de recidivas locais foram de 0,5 e 8,8% (P  0,001), respectivamente (Veronesi et al., 1993). Os dados desses dois estudos estabeleceram que o tratamento conservador é equivalente à MRM. Os dados do NSABP-06 e de seis outros ensaios clínicos comparando o tratamento conservador com MRM foram utilizados em uma metanálise do Early Breast Cancer Trialist’s Collaborative Group (EBCTCG) (Favourable..., 2000). Com um total de 3.100 pacientes, a sobrevida em 10 anos foi de 71% em ambos os grupos. Uma outra metanálise também encontrou equivalência entre ambas as modalidades (Morris et al., 1997). No tratamento conservador das pacientes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), utilizamos na rotina uma técnica de radioterapia chamada conformal tridimensional. Essa técnica consiste na digitalização da mama e órgãos torácicos a partir de imagens criadas em um tomógrafo simulador computadorizado. A mama, as cadeias linfáticas de risco e os órgãos sensíveis, como pulmão, coração e medula espinal, são demarcados em cortes de 0,5 cm de espessura. A seguir, por meio de um programa de planejamento, definimos as doses na mama (50 Gy) e no quadrante do tumor (10 a 16 Gy) e identificamos visualmente a inclusão dos linfonodos axilares nos campos de tratamento, de modo que o tumor e as áreas de alto risco recebam as doses necessárias e que as estruturas sensíveis recebam a menor dose possível (Fig. 42.1). O tratamento é realizado em um acelerador linear com sistema de colimação multifolhas (MLC). Nos casos em que a dose nos órgãos sensíveis não é considerada adequada, usamos,

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Figura 42.1 Sistema de planejamento da mama empregado no HCPA baseado na tomografia computadorizada (conformal tridimensional), que permite, com precisão, a quantificação da dose no volume de tratamento e nos órgãos adjacentes.

alternativamente, uma técnica mais elaborada, chamada radioterapia por intensidade modulada (IMRT). A IMRT consiste na definição de doses altamente seletivas na mama e em maior capacidade de proteção dos órgãos normais adjacentes por meio da modulação da radiação ionizante realizada pelo movimento dinâmico do sistema MLC. Para ambas as técnicas, costumamos verificar os campos de tratamento durante a radioterapia por portais eletrônicos realizados no próprio acelerador linear. A seguir, abordamos as maiores controvérsias em relação à radioterapia nas pacientes com tumores iniciais tratadas conservadoramente.

Fatores que afetam os resultados do tratamento conservador Os fatores mais fortemente relacionados a recidivas locais após o tratamento conservador são idade inferior a 30 a 40 anos, presença de margens cirúrgicas comprometidas e presença de multicentricidade (focos separados de doença em diferentes quadrantes) ou multifocalidade (2 ou mais focos no mesmo quadrante) clinicamente evidentes. Embora a presença de margens cirúrgicas comprometidas seja um dos fatores mais importantes,

não há consenso sobre qual a margem ideal. Uma conduta recomendável é a reexcisão em todas as pacientes com margens comprometidas ou desconhecidas e em pacientes com idade inferior a 40 anos com margens  2 mm (Buchholz; Strom; McNeese, 2003). A radioterapia com doses mais altas e a terapia sistêmica são capazes de retardar o surgimento de recidivas locais. O papel do reforço de dose no quadrante afetado pelo tumor após a dose mamária de 50 Gy foi avaliado em alguns ensaios clínicos randomizados. Um estudo francês observou índices de recidivas locais em cinco anos em pacientes tratadas ou não com reforço de 10 Gy de 3,6 versus 4,5% (P  0,04) (Romestaing et al., 1997). Em um estudo preliminar da EORTC, em cinco anos esses índices em pacientes que receberam ou não reforço de 16 Gy foram de 6,8 versus 4,3%, respectivamente (P  0,0001) (Bartelink et al., 2000). As diferenças foram mais notáveis nas pacientes com menos de 40 anos (19,5 versus 10,2%). Não houve impacto na sobrevida. No M.D. Anderson Cancer Center, o reforço de dose é indicado na presença de qualquer um dos seguintes fatores: alto grau de malignidade, invasão linfovascular, extenso componente intraductal, margens  5 mm e demora  8 semanas para o início da terapia sistêmica (Buchholz; Strom; McNeese, 2003).

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Há subgrupos em que a radioterapia poderia ser suprimida? Mesmo em pacientes com doença em estádios iniciais e sem fatores de mau prognóstico, vários ensaios clínicos randomizados compararam a cirurgia conservadora exclusiva ou acompanhada de radioterapia de toda a mama e demonstraram uma redução significativa (75% em média) no índice de recidivas locais, independentemente do uso ou não de terapia sistêmica. Na recente metanálise do EBCT-CG (Clarke et al., 2005), por exemplo, essa redução foi de 26 para 7% em 15 anos. Embora os ensaios clínicos não mostrassem redução na sobrevida total quando a radioterapia foi eliminada, duas metanálises detectaram benefício na sobrevida com a inclusão da radioterapia no tratamento conservador (Clarke et al., 2005; Vinh-Hung; Verschraegen, 2004). Entretanto, o custo social e a inconveniência dos deslocamentos diários até o hospital representam dificuldades para a realização de radioterapia para algumas pacientes. Nenhum grupo de mulheres tratadas de forma conservadora para câncer de mama invasor apresenta risco baixo o suficiente para justificar a eliminação da radioterapia da mama (Vinh-Hung; Verschraegen, 2004), exceto, possivelmente, as pacientes idosas ( 65 anos) com receptores estrogênicos positivos, sem metástases axilares e com previsão de receber hormonioterapia adjuvante sistêmica. Pelo menos dois ensaios clínicos randomizados avaliaram pacientes idosas tratadas com cirurgia conservadora com ou sem radioterapia e recebendo tamoxifeno (Fyles et al., 2004; Hughes

et al., 2004). Ambos relataram um aumento no índice de recidivas locais sem radioterapia, mas nenhum mostrou prejuízo na sobrevida. Em um deles (Hughes et al., 2004), que limitou a elegibilidade a pacientes acima de 70 anos com receptores estrogênicos positivos e tumores com diâmetro de até 2 cm, a radioterapia diminuiu o índice de recidivas locais em até 75%. Entretanto, o índice geral de recidivas em pacientes recebendo TMX foi tão baixo (1 vs. 4% para radioterapia e sem radioterapia, respectivamente) que poucas pacientes efetivamente se beneficiaram com a radioterapia. Por conseguinte, em pacientes idosas com tumores pequenos, receptores estrogênicos positivos, sem metástases axilares e que receberão tratamento hormonal sistêmico, a omissão da radioterapia pode ser considerada.

Quimioterapia ou tamoxifeno como substitutos da radioterapia? A influência da quimioterapia ou do TMX no controle local em pacientes com tumores iniciais de mama irradiados é mostrada na Tabela 42.3. De acordo com esses dados, fica claro que tratamentos sistêmicos não podem ser considerados alternativos à radioterapia, embora pareçam exercer um efeito sinérgico na irradiação por reduzirem mais o índice de recidivas na mama homolateral.

Papel atual da radioterapia parcial acelerada da mama O padrão de tratamento para o câncer de mama invasor permanece sendo a cirurgia conserva-

Tabela 42.3 Influência da terapia sistêmica com ou sem radioterapia da mama no índice de recidivas locais Terapia adjuvante NSABP-06 (Fisher, E. R. et al., 2001)

Estudo escocês (Forrest et al., 1996) NSABP-21 (Fisher et al., 2002)

QT  RT RT QT Nenhuma TMX ou QT  RT TMX ou QT TMX  RT RT TMX

QT, quimioterapia; RT, radioterapia; TMX, tamoxifeno.

Recidivas na mama 5% em 12 anos 12% em 12 anos 41% em 12 anos 32% em 12 anos 6% em 6 anos 25% em 6 anos 3% em 5 anos 6,5% em 5 anos 13,1% em 5 anos

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dora seguida de radioterapia de toda a mama. De acordo com o NCCN (National Comprehensive Cancer Network), a radioterapia parcial da mama deve ser realizada somente em um contexto experimental, como parte de um estudo científico. Após a cirurgia conservadora, a maioria das recidivas locais ocorre no mesmo quadrante do tumor inicial. Essa constatação gerou a hipótese de que tratamentos mais compactos e localizados apenas no leito cirúrgico do tumor (radioterapia parcial acelerada – RTPA) poderiam determinar índices de controle local semelhantes aos da radioterapia de toda a mama realizada em 25 a 30 sessões. A maioria dos estudos que testou a RTPA empregou diferentes técnicas, tanto de braquiterapia intersticial ou intracavitária quanto de radioterapia externa. Na braquiterapia da mama, cateteres múltiplos são implantados ao redor e no interior do leito cirúrgico e conectados a uma minúscula fonte radioativa, geralmente de alta taxa de dose. Um outro sistema de braquiterapia consiste no Mammosite®, um cateter único com um balonete distal que é inflado no leito do tumor logo após a nodulectomia. As pacientes são tratadas ambulatorialmente duas vezes ao dia por alguns minutos durante 3 a 5 dias. Séries recentes mostraram que os índices de recidivas locais ocorreram entre 0 e 9%, e o efeito cosmético foi satisfatório (Cuttino et al., 2008; Chao et al., 2007). Conforme a American Brachytherapy Society (Arthur; Vicini, 2005; Arthur et al., 2003) e a American Society of Breast Surgeons (2009), os critérios de admissão para esses tratamentos incluem pacientes altamente selecionadas, com idade igual ou superior a 45 anos, tumores de até 3 cm de diâmetro, linfonodo sentinela negativo, histologia de carcinoma ductal infiltrante ou CDIS, ausência de componente intraductal extenso e margens mínimas de 2 mm. Embora com resultados promissores, o período de acompanhamento dessas séries ainda é curto. Entretanto, Perera e colaboradores (2003) relataram um índice de recidivas locais de 16% em 5 anos, com dois terços delas ocorrendo em uma região da mama fora da abrangência da braquiterapia. Assim, período de acompanhamento adequado e resultados de ensaios clínicos randomizados confirmatórios são imprescindíveis antes que a RTPA seja considerada uma substituta segura da radioterapia externa de toda a mama

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(Prosnitz; Marks, 2006). Vários ensaios clínicos randomizados estão comparando ambos os tratamentos: Radiation Therapy Oncology Group e National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project (RTOG 0413 e NSABP B-39) (Patel et al., 2008), European Brachytherapy Breast Cancer, Groupe Européen de Curiethérapie – European Society for Therapeutic Radiology and Oncology (GEC – ESTRO), European Institute of Oncology, University College London e National Institute of Oncology de Budapeste, na Hungria.

Melhor forma de combinação entre quimioterapia e radioterapia A crescente indicação de quimioterapia em pacientes com tumores iniciais verificada na última década levantou a questão do impacto no controle local em decorrência de um eventual atraso no início da radioterapia. Um ensaio clínico randomizado conduzido pelo Joint Center for Radiation Therapy em pacientes com metástases axilares submetidas à cirurgia conservadora randomizou um grupo para receber quatro ciclos de quimioterapia baseada na adriamicina e radioterapia em comparação a outro de radioterapia seguida por quatro ciclos da mesma quimioterapia (Recht et al., 1996). Em cinco anos, a ocorrência de metástases distantes nas pacientes do primeiro grupo foi de 25% e nas do segundo, de 36% (P  0,05). Houve tendência não significativa de ocorrer mais recidivas locais no primeiro grupo (14 vs. 5%, P  0,07). A conclusão do estudo foi de que, quando indicada, a quimioterapia deve ser iniciada precocemente em pacientes submetidas à cirurgia conservadora, mas esse benefício ocorreu somente nas pacientes com quatro ou mais linfonodos axilares metastáticos. Em uma recente atualização do estudo, Bellon e colaboradores (2005) não encontraram diferenças significativas entre os índices de recidivas locais, câncer contralateral, segundos tumores primários ou morte. Em pacientes sem metástases axilares, pesquisadores do M.D. Anderson Cancer Center (Buchholz et al., 1999) também não detectaram diferenças significativas na sequência entre quimioterapia e radioterapia ao avaliarem retrospectivamente 124 pacientes. Um painel de consenso da American Society of Clinical Oncology (Recht et al., 2001) declarou que não há evidências suficientes para recomendar a melhor sequência

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de quimioterapia, tamoxifeno e radioterapia pós-mastectomia. Entretanto, o emprego concomitante de radioterapia e doxorrubicina foi desencorajado.

Integração da radioterapia na cirurgia oncoplástica Se comparadas a pacientes com mamas pequenas ou médias, algumas pacientes com mamas grandes e pendulares podem apresentar um efeito estético indesejável, atribuído à radioterapia pós-operatória, provavelmente devido a uma distribuição heterogênea da dose. Entretanto, não há estudos prospectivos e comparativos com grande casuística. Por exemplo, Smith e colaboradores (1998), em uma série de 10 pacientes com câncer de mama submetidas a diferentes formas de mamoplastia bilateral seguida de radioterapia na dose de 50 Gy, em 25 sessões, não notou diferenças entre os índices de complicações, recidivas locais e aspecto estético.

Conclusões sobre o papel da radioterapia nos estádios I e II Todos os ensaios clínicos até hoje realizados têm indicado que a radioterapia reduz o índice de recidivas locais no câncer de mama estádios I e II tratado com cirurgia conservadora. Com a possível exceção de pacientes idosas com pequenos tumores receptores-positivos, candidatas à hormonioterapia, a radioterapia de toda a mama se constitui no padrão de tratamento após a cirurgia conservadora para câncer de mama inicial. Sob o ponto de vista da radioterapia, estariam contraindicadas ao tratamento conservador as pacientes grávidas – pelo risco de teratogenia – ou, mais relativamente, as portadoras de colagenoses (esclerodermia, lúpus eritematoso, polimiosite, dermatomiosite, etc.), pelo risco aumentado de fibrose mamária, necrose e plexopatia braquial.

Radioterapia após mastectomia em tumores localmente avançados De acordo com a classificação TNM (ver Cap. 39, Câncer de mama), tumores localmente avançados compreendem os estádios IIIA e IIIB, ou seja:

tumores com diâmetro  5 cm acompanhados de metástases ganglionares, de qualquer tamanho, com extensão à costela, músculo intercostal ou pele, edema ou ulceração cutânea ou ganglionar, carcinoma inflamatório e N2 ou N3. Alguns autores também acrescentam a essa lista outros fatores de alto risco, como permeação linfovascular, indiferenciação (grau III), metástases linfáticas com extensão extracapsular, margens cirúrgicas comprometidas ou cirurgias inadequadas (Taylor et al., 2004; Katz et al., 2001). Atualmente, nos Estados Unidos, a mastectomia do tipo Madden é a mais empregada nas pacientes com tumores locorregionalmente avançados (Buchholz; Strom; McNeese, 2003) (ver Cap. 39, Câncer de mama). Após a mastectomia, há um risco de 20 a 30% de recidivas locorregionais. Os dois principais fatores prognósticos independentes para recidivas locorregionais são o número de linfonodos comprometidos na axila e o tamanho do tumor primário (Taghian et al., 2004; Katz et al., 2000; Overgaard, 1999).

Influência do status axilar e do tamanho do tumor primário no controle locorregional Conforme algumas séries (Overgaard, 1999; Katz et al., 2000), em 10 anos os índices de recidivas locorregionais após mastectomia variam de 5 a 15% em pacientes com 1 a 3 linfonodos metastáticos e de 15 a 50% em pacientes com quatro ou mais linfonodos metastáticos. No estudo Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG) (Recht et al., 1999), em 10 anos o risco de recidivas locorregionais em pacientes com tumores T3 versus T1-T2 foi significativamente maior tanto naquelas com 1 a 3 linfonodos metastáticos (31 vs. 12%) como nas com 4 a 7 linfonodos metastáticos (45 vs. 20%).

Resultados da radioterapia pós-mastectomia A irradiação após a mastectomia em pacientes com tumores locorregionalmente avançados tem dois benefícios potenciais: diminui os índices de recidivas locais e aumenta a sobrevida total, tanto em pacientes pré quanto pós-menopausa. Entretanto, há controvérsias se a radioterapia da fossa supraclavicular e axila deve ser utilizada nas pacientes com 1 a 3 linfono-

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dos ou apenas nas que apresentam quatro ou mais linfonodos axilares metastáticos. Nos anos 1990, grandes ensaios clínicos da Escandinávia e do Canadá testaram o papel da radioterapia pós-mastectomia radical modificada (MRM) em pacientes com tumores localmente avançados e encontraram um benefício de sobrevida nas pacientes irradiadas. O estudo do Danish Breast Cancer Cooperative Group 82-B incluiu 1.708 pacientes pré-menopausa com estádios II a III tratadas com MRM seguida de quimioterapia (CMF, com ciclofosfamida, metotrexate e 5-fluorouracil) e randomizadas para radioterapia da parede costal e circuito linfático versus observação (Overgaard, 1999). Em 10 anos, as recidivas locais foram de 9 versus 32% (P  0,001) e a sobrevida total, de 54 versus 45% (P  0,001). O estudo, entretanto, apresentou certas limitações, pois: (1) utilizou quimioterapia com CMF, um esquema atualmente considerado menos eficaz do que outros contendo adriamicina ou taxanes para pacientes com metástases axilares; (2) a média de linfonodos axilares ressecados foi de apenas sete, sendo que 76% das pacientes tiveram uma amostra axilar  10 linfonodos; e (3) houve alto índice de falhas locais no grupo tratado sem radioterapia em comparação a outros estudos. O British Columbia Trial randomizou 318 pacientes com metástases axilares submetidas à MRM e CMF para radioterapia ou observação (Ragaz et al., 1997). Em 15 anos, as pacientes que receberam radioterapia tiveram significativa redução no risco de recidivas locais (33% menos) e de mortalidade por câncer de mama (29% menos). As limitações apontadas nesse estudo são semelhantes às anteriormente citadas: (1) também utilizou CMF em pacientes com metástases axilares; (2) irradiou a cadeia mamária interna com cobalto-60; e (3) muitas pacientes apresentaram metástases axilares do tipo N2. Entretanto, em uma série de ensaios clínicos realizados no M.D. Anderson Cancer Center nos últimos 20 anos, somente pacientes com quatro ou mais linfonodos comprometidos tiveram um risco de recidiva locorregional acima de 20%. Entre as pacientes com 1 a 3 linfonodos positivos, um risco elevado de recidivas locorregionais foi verificado apenas em um subgrupo de pacientes com tumores  4 cm de diâmetro,

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invasão extranodal macroscópica ou dissecção axilar insuficiente ( 10 gânglios). A maioria das recidivas ocorreu na parede costal, seguida pela porção não dissecada da axila (nível III) e fossa supraclavicular. Na porção dissecada da axila (níveis I e II), esse índice foi de apenas 3%, insuficiente para indicar radioterapia axilar (Buchholz; Strom; McNeese, 2003).

Conclusões sobre o papel da radioterapia pós-mastectomia em tumores locorregionalmente avançados Os resultados do estudo dinamarquês (Overgaard, 1999) e do canadense (Ragaz et al., 1997) sugerem que todas as pacientes com linfonodos axilares metastáticos se beneficiam com radioterapia pós-operatória em termos de controle local e sobrevida. Da mesma forma, uma recente revisão do National Comprehensive Cancer Network (2009) recomenda que a radioterapia da parede costal e das cadeias supraclaviculares seja fortemente considerada após quimioterapia em pacientes com 1 a 3 linfonodos axilares metastáticos. Entretanto, reuniões de consenso da American Society for Therapeutic Radiology and Oncology (ASTRO) (Harris et al., 1999), da American Society of Clinical Oncology (ASCO) (Recht et al., 2001) e do National Cancer Institute (Eifel et al., 2001) recomendam irradiação da parede costal e da fossa supraclavicular na presença de quatro ou mais linfonodos comprometidos ou tumores T3-T4. A inclusão da cadeia mamária interna foi desaconselhada até que surjam maiores vantagens em novos estudos. Quando indicada, a radioterapia nas pacientes com tumores localmente avançados costuma ser iniciada após seis semanas do término da quimioterapia. A irradiação axilar posterior não é feita após dissecção dos níveis I e II, a menos que uma dissecção incompleta ( 10 gânglios) tenha sido realizada. Um estudo europeu (Medical Research Council, 2009) está avaliando pacientes com tumores volumosos sem metástases axilares ou com 1 a 3 linfonodos axilares metastáticos para receberem ou não radioterapia pós-operatória. Até que esses resultados estejam disponíveis, nossa conduta no HCPA é a de indicar radioterapia apenas da parede costal em pacientes

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com tumores T3-T4 com a axila adequadamente dissecada (≥ 10 linfonodos) e com até três linfonodos axilares metastáticos. Nas pacientes com quatro ou mais linfonodos metastáticos, costumamos irradiar a fossa supraclavicular e a parede costal homolaterais.

Extensão extracapsular O impacto que a extensão extracapsular exerce no risco de recidivas locorregionais é controverso. No Memorial Hospital de Nova Iorque, a axila não é intencionalmente irradiada nas pacientes em estádios I a III, mesmo que haja invasão extranodal, a não ser que tenha havido uma dissecção axilar inadequada ou ausente ou doença macroscópica residual (Spierer; Hong; Wagman, 2004). Em uma comparação retrospectiva, Hetelekidis e colaboradores (2000) não encontraram correlação entre presença de extensão extracapsular e risco aumentado de recidivas locorregionais ou sistêmicas e nem impacto na sobrevida total em uma série de 468 pacientes. Os autores concluíram que a extensão extracapsular correlacionou-se com o número de linfonodos axilares metastáticos, mas não teve valor preditivo para recidivas locais, regionais ou distantes. Vários autores admitem que a radioterapia poderia ser omitida em uma axila adequadamente dissecada, caso a única indicação fosse invasão extracapsular (Stranzl et al., 2004; Perez et al., 2004; Hetelekidis et al., 2000).

Radioterapia no carcinoma inflamatório Historicamente, os resultados do tratamento do carcinoma inflamatório com cirurgia e radioterapia têm sido muito modestos, mas o emprego de quimioterapia baseada na adriamicina alterou favoravelmente a evolução dessa doença. Ao final da indução com quimioterapia, as pacientes respondedoras costumam ser submetidas à MRM, seguida por quimioterapia adicional e, por fim, radioterapia. Com essa combinação, cerca de 70% das pacientes obtêm controle local com sobrevidas estimadas em 5 e 10 anos de 50 e 35%, respectivamente.

A quimioterapia de indução permite: (1) início precoce da terapia sistêmica em uma doença com altas chances de recaídas distantes; (2) oportunidade de monitoração direta da resposta ao tratamento, possibilitando a substituição do esquema de drogas ou o início precoce da radioterapia na eventualidade de a resposta inicial ser considerada precária; (3) redução na extensão da cirurgia; e (4) emprego de doses moderadas de radioterapia. A radioterapia costuma ser realizada na parede costal e cadeias linfáticas adjacentes. Um estudo retrospectivo do M.D. Anderson Cancer Center comparou os resultados da radioterapia com diferentes doses hiperfracionadas na parede costal e cadeias linfáticas regionais e concluiu que, em 10 anos, a dose de 66 Gy em relação às demais aumentou a chance de controle local (77 vs. 57,8%, P  0,028) (Liao et al., 2000).

Radioterapia no carcinoma oculto (T0N1-2M0) A rara apresentação de metástases axilares de adenocarcinoma sem um tumor primário evidente é, geralmente, relacionada a um tumor oculto de mama. Outros possíveis sítios de tumores primários seriam estômago, cólon/ reto, tireoide e pulmão. Essa situação clínica é inicialmente investigada por hemograma, bioquímica do sangue, mamografia bilateral, ecografia ou ressonância magnética das mamas, radiograma de tórax e cintilografia óssea (Buchholz; Strom; McNeese, 2003). Caso o resultado da investigação seja negativo, a paciente é considerada portadora de neoplasia da mama homolateral. Séries históricas identificaram a presença de um tumor na mama após mastectomia entre 8 e 67% das vezes. Atualmente, as pacientes com T0N1-2M0 são tratadas como qualquer tumor no estádio III, o que envolve 6 a 8 ciclos de quimioterapia neo adjuvante, ressecção cirúrgica de toda doença conhecida e radioterapia da mama e circuito linfático. Inúmeros estudos utilizando essa abordagem relataram índices de sobrevida livre de doença entre 66 e 76% (Read; Strom; McNeese, 1996; Whillis; Brown; Rodger, 1990; Campana et al., 1989). A maioria dessas pacientes pode, inicial-

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mente, conservar a mama. Em caso de recidiva, a mastectomia de salvação costuma ser uma escolha razoável.

Radioterapia na recidiva locorregional após mastectomia radical Embora cerca de metade das pacientes com diagnóstico de recidiva locorregional após MRM também abrigue metástases disseminadas, um subgrupo delas poderá sobreviver por um longo período de tempo se tratado de maneira agressiva. A ressecção completa da lesão, seguida de radioterapia, constitui hoje o padrão de tratamento. Não é claro se o emprego de terapia sistêmica adjuvante e em conjunto com a terapia local é capaz de aumentar a sobrevida ou o controle locorregional nessas pacientes. Um pequeno ensaio clínico suíço randomizou 167 pacientes tratadas com ressecção cirúrgica das lesões e radioterapia para tratamento com tamoxifeno ou observação (Borner et al., 1994). Em cinco anos, o intervalo livre de recidiva foi de 59 versus 36% (não significativo). Mesmo assim, dada a baixa toxicidade desse tratamento, ele é frequentemente utilizado em pacientes com receptores estrogênicos positivos (Winer et al., 2001). Nas pacientes com lesões inicialmente inoperáveis, a utilização de quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia e radioterapia é a sequência mais comum, visando a aumentar a ressecabilidade (Buchholz; Strom; McNeese, 2003). Caso a doença possa ser ressecada com margens livres, quimioterapia e radioterapia podem ser empregadas pós-operatoriamente. Campos abrangentes de irradiação devem incluir o sítio da recidiva, toda a parede costal e cadeias linfáticas não dissecadas. O impacto da radioterapia pós-operatória na recidiva locorregional após MRM é bem conhecido. Séries que não utilizaram a radioterapia pós-operatória relataram índices de recaídas locais de 67 a 76% (Dahlstrom et al., 1993; Bedwinek et al., 1981). A dose total na área de reforço deveria situar-se entre 60 e 66 Gy, o que permite um controle local de 42 a 57% e índices de sobrevida total e sobrevida livre de doença em cinco anos de 35 a 50% e de 25%, respectivamente (Dahlstrom et

603

al., 1993). O controle local nessa situação é tão importante que dele também parece depender a sobrevida total (Schwaibold et al., 1991). Nas últimas décadas, fatores preditivos de mau prognóstico têm sido estabelecidos, como um curto intervalo entre a MRM e a recidiva e a presença de doença residual. Diferentemente do carcinoma inflamatório, aumentos na intensidade da dose de radioterapia ou hiperfracionamento não têm mostrado vantagens em comparação à irradiação convencional (Ballo et al., 1999).

Radioterapia paliativa Pacientes inoperáveis recebem radioterapia da mama, fossa supraclavicular e complementação axilar posterior. A radioterapia paliativa da mama está indicada em pacientes sintomáticas, principalmente no alívio da dor ou de maus odores provocados por um tumor ulcerado e/ou necrótico. Nas pacientes com longa expectativa de vida, em geral são usadas doses diárias baixas por um longo período de tempo. Quando utilizada em metástases ósseas, a radioterapia na dose de 30 Gy em duas semanas costuma proporcionar um alívio duradouro da dor. Após o tratamento, pode haver um certo grau de restauração óssea, mas a normalização radiológica é incomum. Pacientes em mau estado ou com problemas sociais que limitem o deslocamento ao serviço de radioterapia podem receber a radioterapia antiálgica em dose única de 8 Gy. Pacientes com metástases encefálicas únicas devem, preferencialmente, ser submetidas à ressecção cirúrgica seguida por radioterapia. Caso contrário, o tratamento consiste na irradiação de todo o encéfalo na dose de 30 Gy em duas semanas.

Efeitos adversos da radioterapia Durante as semanas em que a paciente permanece em radioterapia, os principais efeitos adversos observados na pele das áreas tratadas são

604 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

graus leves de ressecamento, hiperemia, calor local e edema. Eventualmente, pode surgir uma reação úmida causada pelo rompimento focal da epiderme, que responde satisfatoriamente a um creme de corticoide por poucos dias. O elástico do sutiã ou de roupas apertadas costuma precipitar esse problema. Após cerca de 30 a 60 dias do término da radioterapia, em geral, esses fenômenos desaparecem. Os efeitos colaterais tardios causados pela radioterapia costumam ser mais sérios e irreversíveis; porém, quando doses e técnicas adequadas são empregadas, a maioria deles é assintomática e de detecção apenas subclínica, como um espessamento da mama observável na mamografia e atelectasia laminar no lobo superior homolateral em pacientes que recebem irradiação na fossa supraclavicular. O linfedema do membro superior é uma complicação associada ao esvaziamento axilar, com ou sem radioterapia complementar, cuja incidência varia de 1 a 38%, dependendo da radicalidade cirúrgica (Kissin et al., 1986). Telangectasias, atrofia cutânea e escurecimento permanente da pele costumam ser dose e técnica-dependentes. Um intervalo menor do que 30 dias entre o uso de antraciclínicos e a irradiação pode intensificar os efeitos cutâneos a níveis algumas vezes intoleráveis. O risco de desenvolvimento de um

segundo câncer primário de mama em pacientes previamente irradiadas não é claro. Dewar e colaboradores (1987) relataram a frequência de sequelas no membro superior, como linfedema, plexopatia, limitação funcional, dor e fibrose, de acordo com o tipo de tratamento local: axilectomia e radioterapia da fossa supraclavicular (33,7%), radioterapia da fossa supraclavicular (26%) e axilectomia (7,2%).

DICA

Indicações de radioterapia após mastectomia radical modificada Indicações consensuais > Estádios IIIA e IIIB (Sobin; Wittekind, 2002) >  4 linfonodos axilares comprometidos com qualquer T > Dissecção axilar  10 linfonodos > Margens cirúrgicas comprometidas ou cirurgia inadequada Indicações não consensuais > Permeação do espaço linfovascular > Grau 3 de diferenciação > Invasão extranodal macroscópica

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Uma paciente de 60 anos foi submetida à cirurgia conservadora de um tumor de mama, cujo exame anatomopatológico mostrou um carcinoma ductal in situ grau 2, medindo 20 mm no maior eixo e margens cirúrgicas de 5 mm. Segundo as conclusões dos estudos NSABP-17 (Fisher et al., 1998) e EORTC -10853 (Julien et al., 2000), a conduta mais adequada a seguir seria: a. b. c. d. e.

Apenas observação clínica rigorosa. Tamoxifeno por cinco anos. Ampliação das margens cirúrgicas. Mastectomia radical. Radioterapia da mama.

2. Uma paciente de 55 anos apresenta ao exame físico secreção hialina pelo mamilo, sem massas palpáveis ou linfadenopatias axilares. Uma mamografia recente foi considerada normal. O diagnóstico final foi de carcinoma in situ com doença de Paget da mama, após a paciente ter sido submetida à ressecção completa do complexo areolomamilar, com margens de 4 mm. Com base em estudos retrospectivos, a melhor conduta a seguir seria: a. Ampliações até a negativacão das margens cirúrgicas. b. Mastectomia radical. c. Radioterapia da mama. d. Inibidores da aromatase seguido de radioterapia parcial da mama. e. Apenas observação clínica rigorosa.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

Parte III

Endocrinologia Ginecológica Capítulo 43 Diferenciação Sexual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .611 Capítulo 44 Ciclo Menstrual Normal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .619 Capítulo 45 Atraso do Desenvolvimento Puberal. . . . . . . . . . . .628 Capítulo 46 Puberdade Precoce . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .636 Capítulo 47 Distúrbios do Desenvolvimento Sexual . . . . . . . . . .651 Capítulo 48 Amenorreias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .662 Capítulo 49 Hiperprolactinemia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .673 Capítulo 50 Hiperandrogenismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .681 Capítulo 51 Infertilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .692 Capítulo 52 Climatério . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .700

43

Diferenciação Sexual Fernando Freitas Maria Celeste Osório Wender Carlos Augusto Bastos de Souza Cristiano Caetano Salazar Vanessa Krebs Genro João Paolo Bilibio

O processo de diferenciação sexual é um complexo encadeamento de etapas do desenvolvimento do ser humano. Entre a determinação do cariótipo e a percepção do fenótipo, existe uma série de passos, podendo-se citar determinação gonadal, organogênese gonadal, secreções hormonais e diferenciação do trato genital. Para a diferenciação sexual ocorrer adequadamente, essa cadeia de eventos deve acontecer de forma correta. O processo inicia-se com o adequado desenvolvimento das células germinativas, seguido de sua migração e resposta tissular específica aos hormônios produzidos pelas gônadas; até chegar à correta diferenciação em um padrão masculino ou feminino. A diferenciação sexual é um processo que deverá resultar no desenvolvimento sexual normal de um indivíduo adaptado ao seu ambiente. O sexo genético XX ou XY é determinado desde o momento da fecundação do oócito haploide, portador de um cromossomo X, por um espermatozoide portador de um cromossomo X ou Y. Esse sexo genético condiciona a orientação do sexo gonadal, ou seja, a formação de um testículo, quando o sexo genético é XY, ou de um ovário, quando é XX. A região gênica responsável pela determinação da gônada masculina (SRY) foi identificada e sequenciada, localizando-se na região distal do

braço curto do cromossomo Y (Gubbay et al., 1990; Tsutsumi; Yoshimura, 1996). A transferência dessa pequena região do cromossomo Y a um cromossomo X é causa de patologias importantes da diferenciação sexual, como hermafroditismo verdadeiro. Outros genes autossômicos e genes ligados ao X, como o SOX-9, também são implicados na diferenciação sexual gonadal, de forma menos frequente (Parker; Schimmer. Schedl, 1999; Foster et al., 1994). Durante a década de 1940, Alfred Jost realizou uma série de experimentos que demonstraram que embriões de mamíferos que foram castrados precocemente e reimplantados no útero materno apresentaram desenvolvimento fenotípico feminino (Arboleta & Vilain, 2009; Jost, 1947). Esse dado levou à conclusão de que a orientação gonadal no sentido da diferenciação feminina se daria simplesmente na ausência de fatores de determinação testicular. Atualmente sabe-se que esse pensamento é incompleto e minimalista. Pesquisas demonstraram que ao menos um gene pode estar envolvido na diferenciação sexual feminina, o gene que codifica a molécula de sinalização Wnt-4, que parece ter papel no desenvolvimento dos ductos de Müller, no controle da estereidogênese e até na manutenção da linhagem germinativa, sendo que fêmeas de roedores nos quais esse gene foi inativado apresentam-se masculinizadas (Vainio et al., 1999).

612 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

ovariana, que acorre apenas em torno da 11a à 12a semana de gestação (Guraya, 1977).

Células germinativas e genitália interna

A seguir, descreveremos o processo de diferenciação sexual (Fig. 43.1). Como resumidamente o sexo masculino é o sexo induzido, e o sexo feminino é o sexo estabelecido, o entendimento adequado da diferenciação masculina permitirá ao leitor uma melhor compreensão do processo de diferenciação sexual. O testículo normal (46 XY) determina diferenciação das células da gônada primitiva em testículo. O tipo de genitália interna é decidido pela presença de um testículo viável (células germinativas ativas), que governa a diferenciação sexual. Paralelamente, o sistema ductal bipotencial consiste nos ductos paramesonéfricos (Müller) e mesonéfricos (Wolff), que originarão a genitália interna feminina e masculina, respecti-

Em torno de 8 semanas após a concepção, a gônada indiferenciada e bipontencial progride para testículo na presença do SRY (região gênica responsável pela determinação da gônada masculina presente no cromossomo Y). As células germinativas primordiais inicialmente estão presentes na camada ectodérmica do embrião, de onde migram através da crista primitiva para a base do alantoide. Após essa migração inicial, as células germinativas primitivas migrarão para o seio urogenital, o local da futura gônada. Apenas as células que alcançam a área gonadal presumida poderão sobreviver e diferenciar-se. A diferenciação testicular acontece antes da diferenciação

ESTÁGIO INDIFERENCIADO Gônada

Ducto de Müller

Mesonefro Ducto de Wolff Seio urogenital

FEMININO

MASCULINO

Vesícula seminal

Tuba Uterina

Ovário Útero Vagina Testículo

Bexiga

Bexiga

Próstata

Uretra Epidídimo

Derivado ductos de Müller

Figura 43.1 Estágios da diferenciação sexual.

Ductos deferentes

Derivado ductos de Wolff

Rotinas em Ginecologia

vamente. Os hormônios secretados pelo testículo são essenciais nessa etapa do desenvolvimento sexual, em que testículos normais apresentam células de Sertoli e cordões testiculares com células de Leydig. As células de Sertoli secretam hormônio antimülleriano (AMH), causando a regressão dos ductos de Müller (Tab. 43.1). Mutações no gene que codifica o AMH ou seu receptor estão correlacionadas com persistência de útero e tubas uterinas em indivíduos do sexo masculino (Josso et al., 2005). As células de Leydig começarão a a secretar testosterona a partir da 8 semana. Os ductos de Wolff sob ação parácrina da testosterona, transformam-se em epidídimo, canal deferente, vesícula seminal e ductos ejaculatórios. A diferenciação é dependente da secreção e da presença de receptores androgênicos funcionais nas células-alvo. As células germinativas XY sofrem mitose durante a migração; porém, logo após chegarem às gônadas, seu crescimento é suspenso e permanecem no testículo em estado quiescente, até após o nascimento, sob a influência de um fator inibitório desconhecido secretado pelas células de Sertoli ou mioides. Após o nascimento, as células germinativas masculinas reiniciam seu ciclo celular e sofrem divisões meióticas que diminuem o número de cromossomos para produzir espermatogônias haploides. As células de Sertoli agem como um suporte às células germinativas, que completarão a espermatogênese na puberdade, sob a influência das elevações do hormônio folí-

613

culo estimulante (FSH), testosterona e hormônio luteinizante (LH). Situações que causam aumento sistêmico dos níveis de testosterona, sem aumento parácrino, não afetam a diferenciação sexual interna, apenas a externa, como ocorre na hiperplasia adrenal congênita (Matsumoto, 1996). No feto feminino, a ausência de tecido testicular e seus hormônios, como testosterona e AMH, determinam a transformação dos ductos de Müller na genitália interna feminina (útero, trompas e dois terços superiores da vagina). Os ovários não secretam nenhuma substância que influa na diferenciação sexual da genitália. Mesmo havendo uma pequena secreção ovariana de estrogênios, ela é ínfima em relação aos estrogênios placentários e maternos que invadem os embriões dos dois sexos. Como a formação do sistema urinário tem origem também no mesoderma, nos ductos mesonéfricos, e estes últimos são responsáveis por guiar o alongamento dos ductos de Müller, ainda em uma etapa indiferenciada do desenvolvimento sexual, as anormalidades da genitália interna feminina estão frequentemente associadas a anormalidades do sistema renal (Nawata et al., 1996; Uetani; Bouchard, 2009). Células germinativas que chegam à crista genital são chamadas de oogônias. Essas células progridem para as fases iniciais da primeira divisão meiótica e param no estágio de prófase 1. Essa mudança marca a conversão dessas células para oócitos primários. O fato de as células entrarem

Tabela 43.1 Particularidades do processo de diferenciação sexual dos sexos masculino e feminino Estrutura

Homem

Mulher

Gônada indiferenciada Ducto mesonéfrico (Wolff)

Testículo Apêndices do epidídimo, ductos deferentes, ducto ejaculatório, vesícula seminal Apêndices dos testículos

Ovário Ducto de Gartner

Ducto paramesonéfrico (Müller) Seio urogenital Tubérculo genital Dobras urogenitais Dobras labioescrotais

Bexiga, próstata, utrículo prostático e glândulas bulbouretrais Pênis Porção anterior do pênis Escroto

Hidátides de Morgagni, útero, cérvice uterina e trompas 2/3 superiores da vagina Bexiga, uretra, vagina, glândulas vestibulares e hímen Clitóris Pequenos lábios Grandes lábios

614 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

em meiose parece fornecer proteção contra atresia, permitindo a essas células formar folículos primordiais. Oogônias que persistem além o do 7 mês de gestação, sem realizar a meiose corretamente, entram em apoptose, razão por que geralmente não há oogônias presentes ao nascimento (Abir et al., 2002). Nesse estágio, as células germinativas ficam circundadas por uma camada simples de células da granulosa. Os oócitos são mantidos em prófase meiótica por 12 a 50 anos. O mecanismo preciso de reinício do processo não é conhecido. Fatores intraovarianos são responsáveis pela regulação de fases precoces do crescimento folicular. Entre essas proteínas estão a activina A e o fator de transcrição FOXO3, que inibem o crescimento folicular, e o fator de crescimento de fibroblastos (FGF) e o kit ligant, que atuam como estimuladores desse crescimento (John et al., 2008; Alak et al., 1998). As células germinativas nos ovários alcana çam o número expressivo de 5 milhões na 8 semana de gestação e, por um processo contínuo de atresia/apoptose, apenas 2 milhões de folículos alcançam o período neonatal. Na menarca, apenas 500 mil são viáveis. Durante os anos reprodutivos, a mulher irá utilizar cerca de 500 folículos primordiais. Todo o processo que diminua o número de folículos primordiais ovarianos ou que acelere a atresia pode ser responsável por amenorreia primária ou insuficiência ovariana prematura (Warne & Zajac, 1998). A comunicação entre os oócitos e as células da granulosa se estabelece quando os folículos primordiais em repouso são estimulados a crescerem, na puberdade, como folículos primário, secundário e pré-ovulatório, também sob a influência do FSH. Fatores derivados dos oócitos que atuam de forma parácrina, como GDF-9 e BMP-15, são importantes para proliferação das células da granulosa (Dong et al., 1996). As células germinativas estão ausentes em linhagens de ratos portadores de mutações e em homens inférteis portadores de azoospermia que têm microdeleções no cromossomo Y em regiões que controlam a espermatogênese. Um fator das células-tronco (conhecido como fator de crescimento de mastócitos, que se encontra no braço curto do cromossomo 12) é importante para migração e sobrevivência das células germinativas (MacLaughlin; Donahoe, 2004).

Genitália externa A genitália externa, assim como a interna, apresenta uma fase indiferenciada e bipotencial, constituindo-se de tubérculo genital, seio urogenital e dobras labioescrotais. No feto masculino, o testículo produz testosterona, a qual, por ação da 5-␣-redutase, transforma-se, nos receptores celulares, em di-hidrotestosterona (DHT) – mais potente —, que atua na genitália externa transformando o tubérculo genital em pênis; as dobras labioescrotais formam o escroto, e as dobras do seio urogenital fecham-se e formam a uretra peniana (Kuttenn et al., 1979) (Fig. 43.2). O descenso intra-abdominal do testículo está sob controle do ILP3 (insulin-like peptide 3), também produzido pelas células de Leydig do testículo (Hughes; Acerini, 2008). A masculinização da genitália externa se completa com 14 semanas de gestação. Um receptor androgênico funcionante é necessário para ação da testosterona e DHT em nível periférico (Damario; Rock, 1995). No feto feminino, pela ausência de testosterona ou em situações nas quais os receptores não se apresentarem funcionais (feto masculino com receptores inoperantes – síndrome de feminização testicular forma completa), a genitália externa irá se desenvolver para o lado feminino. O tubérculo genital transforma-se em clitóris, as dobras do seio urogenital se mantêm abertas, formando os pequenos lábios, as dobras labioescrotais formam os grandes lábios, e o seio urogenital se transforma em uretra e em terço inferior da vagina. Todo o processo de determinação e diferenciação sexual está resumido na Figura 43.3. Como o feto feminino dispõe também de receptores androgênicos, a exposição aos andrógenos a a em fetos femininos entre a 9 e a 13 semana de gestação poderá resultar em hipertrofia de clitóris, hipospádia, fusão de pequenos lábios e escrotalização dos grandes lábios (Fig. 43.4). Após o nascimento, o recém-nascido do sexo feminino pode apresentar hipertrofia dos grandes lábios por ação dos esteroides sexuais por via placentária. Raramente a recém-nascida apresenta perda sanguínea, por via vaginal, decorrente de privação da ação hormonal da placenta sobre o endométrio. No período da

Rotinas em Ginecologia

Tubérculo genital Dobras labioescrotais

Seio urogenital ou uretral

Prega anal

Membrana anal

Fase indiferente da genitália externa 6a semana Glande do pênis

Tubérculo genital Prega genital Sulco urogenital Saliência genital

Sulco uretral Prega uretral Saliência escrotal Períneo Prega anal

Períneo Ânus

Genitália masculina 10a semana

Genitália feminina 20a semana

Orifício externo da uretra

Clitóris Uretra Lábio menor Vagina Hímen Lábio maior

Rafe uretral

Períneo

Períneo Ânus

Ânus

Genitália masculina recém-nascido

Genitália feminina recém-nascido

Figura 43.2 Desenvolvimento da genitália externa.

Testosterona

Genitália externa masculina Progressão dos ductos de Wolff Desenvolvimento da genitalia interna masculina

AMH

Regressão dos ductos de Müller

ILP3

Descenso intra-abdominal do testículo

Ausência de testosterona

Regressão dos ductos Wolff Genitália externa feminina

Ausência de AMH

Progressão dos ductos de Müller Genitália interna feminina

Cartótipo XY Testículo Presença do SRY

Cartótipo XX

Ausência do SRY e presença do Wnt-4

Figura 43.3 Determinação e diferenciação sexual.

615

616 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tuba Uterina Ovários Útero

Vagina Seio urogenital

Vagina Seio urogenital

Vagina Uretra

Figura 43.4 Grau de masculinização genital fetal dependendo do momento de exposição aos andrôgênios.

infância, não há modificações importantes nos níveis dos esteroides sexuais, até o momento do início da puberdade, que ocorrerá ao redor dos 8 aos 9 anos de idade. Nessa fase, começa a ocorrer o aumento dos níveis hormonais em um padrão circadiano característico dos hormônios sexuais. Do nascimento à puberdade, a diferenciação sexual é marcada por uma pausa, a atividade endócrina das gônadas é ínfima e o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários segue a mesma evolução dos outros tecidos do organismo. A partir de 2 a 3 anos, surgem diferenças psicológicas ditas características de cada sexo, que não têm origem na função gonadal e sim em influências diversas de origens sociológicas e familiares. No menino, a puberdade surge graças à secreção de testosterona testicular, que se eleva rapidamente em resposta às gonadotrofinas hipofisárias. Na menina, o amadurecimento do sistema nervoso central faz com que o hipotálamo seja estimulado e inicie a liberação de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH), que estimula a hipófise a produzir o FSH, que, por

sua vez, atua sobre os folículos ovarianos para produzir estrogênios. Os baixos níveis de estrogênios, até então, produziam um feedback negativo sobre o eixo hipotálamo-hipófise. Para se efetuar um crescimento normal na puberdade, há interação entre os estrogênios, o fator I de crescimento semelhante à insulina (IGF-I) e o hormônio do crescimento (MacLaughlin; Donahoe, 2004). As manifestações clínicas do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários demonstram o início da adolescência. Os estrogênios são responsáveis pelas alterações uterinas e mamárias. O endométrio e o miométrio aumentam de espessura, e o aparecimento do botão mamário (telarca) ocorre entre os 9 e os 11 anos de idade. Os estágios de Tanner de desenvolvimento mamário expressam a ação dos estrogênios ovarianos sobre o efetor mamário na puberdade normal (Marshall; Tanner, 1969) (ver Fig. 46.4 no Cap. 46, Puberdade precoce). Telarca



Pubarca



Menarca

Além da maturação hipofisária, há aumento da produção de andrógenos pela zona reticular

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adrenal. Os andrógenos produzidos pela adrenal, mas também pelos ovários, são os responsáveis pelo aparecimento de pelos pubianos (pubarca) com as características próprias do sexo feminino, segundo os estágios de Tanner (Fig. 46.4, Cap. 46, Puberdade precoce). Outra característica do desenvolvimento puberal é a aceleração do crescimento. O pico do crescimento corporal ocorre entre os 11 e os 12 anos de idade, coincidindo com o ano da menarca, sendo consequência da produção de estrogênio e hormônio do crescimento. O efeito do estrogênio sobre o hormônio de crescimento é dose-dependente. Os estrogênios ovarianos são também responsáveis pelo fechamento das epí-

617

fises distais dos ossos longos. Após a menarca, há diminuição da velocidade de crescimento. O prazo de 2 anos após a menarca ou 1 ano de menstruações regulares geralmente indica o fim da fase de crescimento. Outra característica feminina da puberdade é o aumento de peso e a alteração na distribuição da gordura corporal. A menarca não é o final da puberdade, mas o marco inicial do seu último estágio. A maturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovário pode se estabelecer já nos primeiros meses após a menarca e pode ser avaliada pela regularidade do ciclo menstrual. Todavia, em muitas adolescentes, isso não ocorrerá até um período médio de 2 anos.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Quais órgãos são derivados dos Ductos de Müller? a. Vulva, útero, vagina, trompas e ovários. b. Terço superior da vagina, útero, trompas e ovários. c. Terço superior da vagina, útero e trompas. d. Terço inferior da vagina, útero e trompas.

2. Na avaliação do processo de diferenciação sexual feminina de um indivíduo com cariótipo 46,XX; a exposição fetal a níveis elevados de testosterona pode ocasionar: a. b. c. d.

Diminuição da reserva ovariana. Modificação da genitália interna. Modificação da genitália externa. Malformação uterina.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

44

Ciclo Menstrual Normal Helena von Eye Corleta Fernando Freitas

Conhecer a fisiologia do ciclo menstrual é imprescindível para o diagnóstico e o tratamento de seus distúrbios. O ciclo menstrual normal varia de 21 a 35 dias, com média de 28 dias. O número de dias da primeira fase do ciclo menstrual (proliferativa ou folicular) pode variar, entretanto, a segunda fase (lútea ou secretora) tem normalmente 14 dias. Na maioria das vezes, quando as pacientes apresentam ciclos menstruais irregulares, não ocorre a ovulação. Para diagnosticar e tratar os distúrbios do ciclo menstrual, é necessário conhecer sua fisiologia. O desenvolvimento folicular normal requer uma ação integrada e coordenada de eventos hipotalâmicos, hipofisários e ovarianos. O ovário, mais precisamente o folículo dominante, mediante a produção de estradiol, progesterona, inibina, fatores de crescimento e outros peptídeos, modula com retrocontroles positivos e negativos a função hipotalâmico-hipofisária durante o ciclo menstrual.

Hipotálamo – hipófise – gônada O hipotálamo é uma estrutura neural situada na base do crânio, acima do quiasma óptico e abaixo do terceiro ventrículo. Não existe comunicação neuronal direta entre a hipófise anterior e o hipotálamo. Os neuro-hormônios produzidos nos núcleos hipotalâmicos alcançam a hipófise anterior pela circulação porta-hipofisária. A circulação sanguínea se faz no sentido sistema nervoso central (SNC)-hipófise (Fig. 44.1). Também existe um fluxo retrógrado, pelo qual os

hormônios da hipófise chegam ao hipotálamo, oportunizando um retrocontrole. A secção da haste hipofisária, interrompendo a circulação porta-hipofisária, provoca atrofia das gônadas, além de diminuição da função tireoidiana e adrenal. Com a regeneração da circulação porta-hipofisária, a função da hipófise anterior é restaurada. Estudos com transplante de hipófise em outros locais do SNC resultam em falência hipofisária, entretanto, o retransplante em locais vascularizados pelos vasos da eminência média é acompanhado de função hipofisária adequada. A hipófise posterior pode ser considerada uma extensão do hipotálamo, pois existem conexões neurais diretas entre as duas estruturas. Os neuro-hormônios secretados pelo hipotálamo são fatores liberadores de hormônios hipofisários, entretanto, a dopamina tem efeito inibidor sobre a secreção hipofisária de prolactina (PRL) (Tab. 44.1). O hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) é um decapeptídeo produzido por neurônios do núcleo arqueado do hipotálamo (Fig. 44.1). Ele é o responsável pela secreção hipofisária de hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículoestimulante (FSH). Durante o ciclo menstrual, para exercer sua ação moduladora sobre a hipófise, esse neuro-hormônio é secretado de forma pulsátil. Trabalhos realizados por Knobil e Neils (2006), utilizando macacas que tiveram o núcleo arqueado destruído por irradiação, elucidaram as características de secreção de GnRH em ciclos ovulatórios. Após a destruição do núcleo arqueado, os animais apresentavam níveis baixíssimos de gonadotrofinas; quando o GnRH era administrado em altas doses ou em infusão

620 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela 44.1 Ação dos neuro-hormônios hipotalâmicos sobre a hipófise anterior Hipotálamo

Hipófise

GnRH CRF (fator liberador de corticotrofina) GHRH (hormônio liberador do hormônio de crescimento) TRH (hormônio liberador do TSH) PIF (fator inibidor da PRL) ⫽ dopamina

FSH LH ACTH GH TSH PRL

SNC supra-hipotalâmico Hipotálamo

Os pulsos de GnRH são modulados pelo sistema supra-hipotalâmico norepinefrina-dopamina, com influência facilitadora da norepinefrina e inibidora da dopamina (Fig. 44.2). Tal sistema pode ser influenciado por opioides endógenos, catecolestrogênios e outros neurotransmissores.

Área pré-ótica GnRH Eminência média

Núcleo arqueado

Sistema porta Lobo posterior

Lobo anterior

amplitude e frequência. A fisiologia e a fisiopatologia do ciclo menstrual, pelo menos em termos de controle central, podem ser explicadas por mecanismos que afetam a pulsatilidade do GnRH.

Glândula pituritária

Figura 44.1 Representação esquemática do eixo hipotálamo-hipófise. Fonte: Adaptada de Blankstein e colaboradores (1986).

contínua, também não havia resposta hipofisária. Apenas quando a infusão era pulsátil, conseguia-se secreção gonadotrófica compatível com o ciclo ovulatório. A exposição contínua da hipófise ao GnRH leva à dessensibilização hipofisária e à diminuição dos receptores de GnRH na hipófise (princípio de ação dos análogos do GnRH). O GnRH tem uma meia-vida extremamente curta (2-4 min) e não é dosado na circulação sistêmica, devido à rápida degradação e à enorme diluição. A função menstrual normal necessita da secreção de GnRH em uma faixa crítica de

A hipófise localiza-se na sela túrcica. As gonadotrofinas, LH e FSH, são produzidas pelo gonadotrofo, localizado na porção anterior da hipófise. Estruturalmente, LH e FSH são similares, glicoproteínas com subunidades ␣ idênticas, diferindo apenas na subunidade ␤, que lhes confere especificidade. A quantidade de carboidratos nas gonadotrofinas confere diferente bioatividade às suas moléculas. Essa bioatividade é regulada, entre outros, pelo nível de esteroides ovarianos. Os gonadotrofos sob ação do GnRH sintetizam, armazenam e liberam gonadotrofinas. Acredita-se que exista um pool de síntese e outro de secreção de gonadotrofinas. A secreção, a síntese e o armazenamento de gonadotrofinas sofrem alterações no decorrer do ciclo menstrual, conforme as concentrações de estradiol, progesterona e inibina (Fig. 44.2). Recentemente, uma nova substância, o fator atenuante do pico de LH (GnSAF – gonadotrophin surge-attenuating factor), foi purificada no líquido folicular de mulheres submetidas a superovulações. Estudos in vivo demonstraram que o GnSAF deve participar no controle da resposta do LH ao GnRH, sendo um mecanismo que facilitaria a plenitude do pico de LH no meio do ciclo. Outros estudos ainda são necessários para

Rotinas em Ginecologia

+ +

Norepinefrina

+ Dopamina

+

Endorfina

+

621



– –

Neurônio GnRH + +/ –

+/–

Gonadotrofo

FSH +

LH +

Folículo + Estrogênio

+ Progesterona

Figura 44.2 Representação das inter-relações hormonais do eixo hipotálamo-hipófise-ovário durante o ciclo menstrual. Fonte: Adaptada de Blankstein e colaboradores (1986).

esclarecer completamente o papel do GnSAF na fisiologia do ciclo menstrual. A prolactina é produzida no lactotrofo, também localizado na hipófise anterior. É o hormônio que regula a síntese de caseína e lactalbumina para a produção de leite. É um polipeptídeo que, conforme o seu grau de glicosilação, tem bio e imunoatividade diversas. A secreção de PRL também é pulsátil. A dopamina é o neuro-hormônio hipotalâmico que tem a função de inibir a secreção de PRL. Sempre que houver interrupção da circulação porta-hipofisária, ocorrerá um aumento nos níveis de prolactina. A hiperprolactinemia frequentemente é acompanhada de anovulação. Não está bem estabelecido se a dopamina altera a pulsatilidade do GnRH diretamente no hipotálamo, mediante aumento de fatores supra-hipotalâmicos (opioides endógenos), ou se inibe a secreção de gonadotrofinas no gonadotrofo. O hormônio liberador de tireotrofina (TRH) é um dos neuro-hormônios que têm capacidade de estimular a secreção de PRL, por isso, quando existe aumento da prolactina, verificam-se os níveis de TSH (reflete a ação do TRH) (Tab. 44.1).

Crescimento folicular Ao nascimento, os ovários contêm aproximadamente 1 milhão de folículos primordiais. Na menarca, o início da vida reprodutiva, eles são em torno de 500 mil e, destes, apenas 400 chegarão até a ovulação. O restante entrará em atresia, fenômeno recentemente denominado “apoptose” ou morte celular programada. A atresia é o evento predominante no ovário. Os folículos iniciam seu desenvolvimento e sofrem atresia em vários estágios. Os folículos primordiais têm apenas uma camada de células da granulosa e estão em repouso. Iniciado o crescimento folicular, chegam a folículo primário (0,1 mm), pré-antral (0,2 mm) e antral inicial (2 mm), sendo esse crescimento independente das gonadotrofinas. Em humanos, o crescimento até a fase antral inicial é permanente durante a vida até a menopausa (fase de depleção folicular), inclusive nas situações em que a liberação de gonadotrofinas diminui significativamente. Essas situações são, por exemplo, a infância pré-puberal, a gestação e o uso de anticoncepcional oral. Além disso, o crescimen-

622 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

to folicular até o estágio antral inicial foi descrito em mulheres sem secreção de gonadotrofinas, tanto pós-hipofisectomia quanto por falência hipotalâmico-hipofisária. O crescimento e o desenvolvimento folicular durante o ciclo menstrual foram definidos por Goodman e Hodgen com os termos recrutamento, seleção e dominância (Fig. 44.3). O estímulo com gonadotrofinas é o pré-requisito para o desenvolvimento dos folículos pré-antrais iniciais até os folículos pré-ovulatórios. Os últimos 15 dias do crescimento folicular dependem do aumento cíclico de FSH. Nessa fase, o número de células da granulosa aumenta muito, de ± 375 mil células nos folículos recrutados em fase antral inicial, com aproximadamente 2 mm de diâmetro, até 47 milhões de células em folículos pré-ovulatórios, com 16 mm de diâmetro. Ao final da fase lútea do ciclo anterior, um aumento do FSH é observado durante os primeiros dias da fase folicular (Fig. 44.4a). Esse é o sinal para que os folículos que se encontram

Ovulação Menstruação Recrutamento

Seleção

Dominância

Estradiol

FD Maturação folicular FD FD N

N-1

N-1

N-1

Atresia 1-3

5-7

9-11

13-15

Dia do ciclo

Figura 44.3 Recrutamento de folículos (N), seleção e ovulação do folículo dominante (FD) em relação ao dia do ciclo menstrual, ao aumento dos níveis de estrogênios e à concomitante atresia folicular. Fonte: Adaptada de Hodgen (1991.)

em um pool capaz de responder ao estímulo do FSH iniciem o crescimento mais acelerado. São recrutados 15 ou mais folículos antrais a cada ciclo (Fig. 44.3). O aumento plasmático do FSH (Fig. 44.4a) é concomitante à diminuição da progesterona, do estradiol (Fig. 44.4b) e da inibina A (Fig. 44.4c). Com a queda do estradiol e da inibina A, o retrocontrole negativo sobre o FSH é liberado, permitindo o recrutamento folicular.

Teoria das duas células-duas gonadotrofinas (Fig. 44.5) Em pequenos folículos antrais humanos, os receptores de LH estão presentes apenas na célula da teca, e os de FSH, nas células da granulosa. As células da teca sob estímulo do LH sintetizam androstenediona e testosterona, e as da granulosa convertem os androgênios em estradiol e estrona, mediante atividade da enzima aromatase – dependente de FSH. A esteroidogênese ovariana é dependente de LH. O LH, estimulando a esteroidogênese nas células da teca, fornece o substrato (androgênios) para a conversão a estrogênios nas células da granulosa. À medida que o folículo se desenvolve, as células da teca expressam genes para a síntese de mais receptores de LH e para expressão das enzimas do citocromo P450, visando à síntese de androgênios. As células da granulosa, com o crescimento e a proliferação, aumentam os receptores de FSH e a expressão da enzima aromatase (P450 arom), aumentando o nível estrogênico na circulação e no líquido folicular. A seleção do folículo que irá ovular ocorre aproximadamente no 5o dia da fase folicular (Fig. 44.3), enquanto os outros folículos recrutados entram progressivamente em atresia. O folículo selecionado será chamado de dominante. Esse termo é utilizado para descrever a influência desse folículo sobre os outros que entrarão no pool de folículos atrésicos. O folículo dominante é o que tem maior atividade da enzima aromatase, que lhe permite maior produção de estradiol, maior número de receptores de FSH e, paralelamente, faz com que passe a expressar receptores de LH também nas células da granulosa. O papel do estrogênio como fator de crescimento local para o folículo dominante no ovário hu-

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623

FSH & LH IU/L 20 18 LH

16 14

a

12 10

FSH

8 6 4 2 0 2

Estradiol pg/mL

4

6

8

10

12

14

16

18

20

22

24

26

28

Progesterona pg/mL 10

500

9 400

8 Progesterona

7

b

300

6 5

200

4 3

100

2 Estradiol

1 0

0 4

6

8

10

12

14

16

18

20

22

24

26

28

80

200

60

150

40

100

20

5

0

Inibina B (pg/mL)

c

Inibina A (pg/mL)

2

0 0

7

14

Fase folicular

21

28

Fase lútea

Folículo dominante Fase proliferativa

Corpo lúteo Fase secretora

d

Menstruação

14 Ovulação

28

Figura 44.4 O ciclo menstrual: A) níveis de gonadotrofinas; B) níveis de estrogênio e progesterona; C) níveis de inibina A e B; D) ciclo ovariano e ciclo endometrial. Fonte: Adaptada de Speroff (1999) e Groome e colaboradores (1996).

624 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

LH

nância): fatores insulina símile (IGFs), fator de transformação β, fator de crescimento dos fibroblastos (FGF) e ativina. Outros inibem as ações do FSH, estando relacionados à atresia: inibina, fator de crescimento epidérmico (EGF), fator de transformação A (TGFa) e proteínas de ligação do IGF (IGF-BP).

Célula da teca

Receptor Colesterol Androstenediona Circulação sistêmica Androstenediona

Aromatase Estradiol

FSH receptor Líquido folicular FSH Célula da granulosa

Figura 44.5 Teoria das duas células. Representação esquemática das células da teca e da granulosa com receptores de LH e FSH, respectivamente. Androgênios são produzidos pela células da teca e, na célula da granulosa, são convertidos em estrogênios. Fonte: Adaptada de Hodgen (1991).

mano é controverso. Apenas em 1996 foram detectados receptores de estrogênio tipo B (REb), e sua atividade fisiológica não está estabelecida. Entretanto, o papel do estradiol, secretado predominantemente pelo folículo dominante, está bem estabelecido como regulador da secreção de gonadotrofinas. No início da fase folicular, o estradiol inibe a secreção de FSH (retrocontrole negativo). A oferta de FSH passa a ser cada vez menor aos folículos, sendo que todos, exceto o dominante, entraram em atresia, resultando na monovulação. Os mecanismos da dominância folicular não estão bem estabelecidos, mas estão relacionados ao maior número de receptores de FSH no folículo dominante. Fatores de crescimento locais provavelmente permitem que o folículo dominante permaneça sensível a baixas concentrações de FSH, enquanto os outros folículos tornam-se progressivamente atrésicos. Vários fatores de crescimento ovariano aumentam a atividade do FSH (domi-

As células da teca do folículo pré-ovulatório (dominante) são bem vascularizadas; as células da granulosa expressam receptores tanto de FSH como de LH e produzem quantidades cada vez maiores de estradiol, atingindo um platô aproximadamente 24 a 36 horas antes da ovulação. Os altos níveis de estradiol secretados pelo folículo dominante (Figs. 44.3 e 44.4b) desencadeiam o pico de LH (retrocontrole positivo do estradiol sobre as gonadotrofinas) (Figs. 44.4a e 44.4b). O pico de LH faz o ovócito reassumir a meiose, estimula a síntese de prostaglandinas (importantes no processo de ruptura folicular) e luteiniza as células da granulosa, promovendo a síntese de progesterona. Provavelmente, a progesterona em níveis baixos produzida pelo folículo antes da ruptura é o sinal para que ocorra a descarga de FSH no meio do ciclo (Fig. 44.4b). Alguns estudos sugerem que a elevação do FSH pré-ovulatória assegura a expressão de um maior número de receptores de LH nas células da granulosa, permitindo ao corpo lúteo uma função adequada (Fig. 44.4a). Após a liberação do ovócito (ovulação), o folículo reorganiza-se para formar o corpo lúteo ou amarelo (Fig. 44.4). Vasos sanguíneos penetram a membrana basal do folículo e o suprem com níveis adequados de LDL, fração do colesterol que serve de substrato para a síntese de progesterona e estradiol. A vascularização importante e rápida do corpo lúteo é mediada, entre outros, por fatores angiogênicos. A função lútea é controlada pela secreção hipofisária de LH. As concentrações elevadas de progesterona da segunda fase do ciclo reduzem a frequência e a amplitude dos pulsos de GnRH, provavelmente pelo aumento dos opioides endógenos. A pulsatilidade do LH na segunda fase do ciclo ocorre a cada 3 a 4 horas, comparada a um pulso a cada 90 minutos na fase folicular.

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Se a fertilização do ovócito e/ou a implantação não ocorre, o corpo lúteo entra em remissão. Quando ocorre gestação, a gonadotrofina coriônica humana (hCG) produzida pelo embrião evita a regressão lútea. O hCG mantém a esteroidogênese ovariana até a esteroidogênese placentária estabelecer-se plenamente.

O controle ovariano da secreção de gonadotrofinas O estradiol e a inibina A e B são os principais hormônios ovarianos reguladores da secreção de gonadotrofinas (Fig. 44.4). O estradiol exerce retrocontrole negativo sobre a hipófise durante quase todo o ciclo. Existem algumas evidências de que esse controle seja realmente em nível hipofisário. Em macacas rhesus com núcleo arqueado destruído e com infusão pulsátil constante de GnRH, o estradiol suprime a secreção de FSH e de LH. Em pacientes com deficiência hipotalâmica de GnRH (síndrome de Kallmann), quando o GnRH é administrado com bomba de infusão, ocorre aumento de FSH e de LH; a administração concomitante de estradiol inibe a secreção de FSH e de LH (retrocontrole negativo); quando o estradiol permanece em níveis elavados por 36 a 48 horas, ocorre o pico de LH (retrocontrole positivo). O pico de LH resulta do retrocontrole positivo de estradiol sobre a hipófise. Uma série de eventos, principalmente hipofisários, culmina no pico de LH: aumento da resposta do gonadotrofo ao GnRH é observado após níveis elevados de estradiol; o gonadotrofo, nessas condições, expressa maior número de receptores de GnRH e, no hipotálamo, aumenta a secreção de GnRH no meio do ciclo. Na mulher, a administração de um antagonista do GnRH no meio do ciclo evita o pico de LH, sugerindo que a presença de GnRH seja necessária para que ocorra o pico de LH. Entretanto, estudos em pacientes com deficiência hipotalâmica em que o GnRH é administrado de forma pulsátil constante também apresentaram pico de LH. Isso demonstra que o GnRH tem provavelmente um papel permissivo para o pico de LH, não sendo necessário o aumento da secreção de GnRH para que ocorra liberação abrupta de LH.

625

A progesterona, secretada em níveis baixos ao final da fase folicular, é facilitadora do pico de LH e parece ser responsável pelo pico de FSH no meio do ciclo. Em algumas situações experimentais, apenas o estradiol em níveis elevados pode desencadear o pico de LH e de FSH, sugerindo que a progesterona seria apenas facilitadora desse pico. Entretanto, o bloqueio da síntese de progesterona no período pré-ovulatório em macacas prejudica a qualidade do processo ovulatório e a luteinização do folículo. Os peptídeos ovarianos inibina A e B (Fig. 44.4c) também atuam no controle da secreção de gonadotrofinas. São heterodímeros compostos de duas subunidades: alfa e beta. As subunidades alfa são diferentes, definindo as duas inibinas: A e B. O FSH estimula a secreção de inibina B pelas células da granulosa, enquanto a inibina A é secretada pelo corpo lúteo, sob controle de LH. A concentração das inibinas durante o ciclo menstrual foi demonstrada em 1996 por Groome (Fig. 44.4c). A concentração da inibina A, secretada pelas células da granulosa luteinizadas, diminui paralelamente ao estradiol e à progesterona, mantendo-se baixa na fase folicular. Juntamente com o estradiol, a inibina A controla a secreção de FSH na fase de transição luteofolicular. A inibina B parece ser um bom marcador da função das células da granulosa sob controle de FSH, enquanto a inibina A espelha a função lútea sob controle do LH. O GnSAF é uma substância não esteroide de peso molecular de 12,5 kDa isolada no líquido folicular que, muito provavelmente, participa no controle da resposta do LH ao GnRH, sendo um mecanismo que facilitaria a plenitude do pico de LH no meio do ciclo.

Ciclo endometrial O ciclo ovulatório é acompanhado por alterações endometriais visando à implantação de um embrião. Quando não acontece a gestação, o corpo lúteo regride e, paralelamente, ocorre a descamação endometrial (menstruação). Alterações morfológicas do endométrio espelham a atividade do estradiol e da progesterona. Na fase proliferativa, existe, morfologica-

626 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

mente, intensa atividade mitótica nas glândulas e no estroma endometrial. O endométrio, que no início da fase folicular tem aproximadamente 2 mm de espessura, atinge 10 mm no período pré-ovulatório. Na fase lútea, as alterações predominantes são secreção glandular e edema do estroma. Não ocorrendo a gestação, o endométrio pré-menstrual apresenta infiltração leucocitária e reação decidual do estroma (Fig. 44.4d). A expressão dos receptores de estrogênio e de progesterona no endométrio também varia durante o ciclo ovulatório. A concentração dos receptores de estrogênio (RE) é alta na fase proliferativa, diminuindo após a ovulação, refletindo a ação supressiva da progesterona sobre os

RE. A concentração máxima dos receptores de progesterona (RP) no endométrio ocorre na fase ovulatória, espelhando a indução desses receptores pelo estradiol. Na fase lútea, os receptores de progesterona diminuem muito nas glândulas, mas continuam presentes no estroma. Diversos outros fatores autócrinos e parácrinos são expressos no endométrio durante o ciclo menstrual. Fatores de crescimento insulina símile, EGF, TGF alfa e beta, integrinas e metaloproteinases que degradam a matriz extracelular estão sendo exaustivamente estudados, no intuito de esclarecer seu papel fisiológico no ciclo endometrial e, principalmente, elucidar os fenômenos endometriais relacionados à implantação.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Os hormônios hipofisários têm sua secreção aumentada pelos fatores hipotalâmicos exceto: a. b. c. d. e.

FSH. Acth. Prl. Tsh. Gh.

2. Preencha as lacunas: A secreção de GnRH durante ciclo menstrual normal é _________________, sendo de _____________ amplitude e frequência na segunda fase do ciclo. a. b. c. d. e.

constante, maior. pulsátil, menor. pulsátil, maior. constante, menor. constante, menor.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Atraso do Desenvolvimento Puberal Fernando Freitas Solange Garcia Accetta Eduardo Pandolfi Passos Cristiano Caetano Salazar João Paolo Bilibio

Considera-se desenvolvimento puberal atrasado o não surgimento de caracteres sexuais secundários até os 14 anos de idade para meninas (e até os 13 anos para meninos) ou a não ocorrência de menarca até os 16 anos, quando esses caracteres sexuais são presentes (Stenchever et al., 2001; Speroff et al., 1999). O primeiro grupo de pacientes é o que será abordado neste capítulo. Casos de pacientes que não tiveram menarca, mas apresentam desenvolvimento sexual secundário (em especial, a telarca) serão discutidos no Capítulo 48, Amenorreias.

Puberdade normal

e à espermatogênese. O mecanismo exato da regulação do início da puberdade ainda é desconhecido, mas se reconhece a participação de inúmeras substâncias endógenas: leptina, neurotransmissores (neuropeptídeo Y, GABA), endorfinas, interleucinas, fatores de crescimento, prostaglandinas, inibina B, aromatase, etc. (Traggiai; Stanhope, 2003). Após a secreção de esteroides em quantidade e tempo suficientes para induzir o surgimento de caracteres sexuais secundários, considera-se iniciada a puberdade em termos fenotípicos. Apesar de as meninas começarem a mostrar sinais de puberdade por volta dos 11 anos em média, normalmente já apresentam uma morfologia ovariana multicística desde os 8 anos, sinal da ação das gonadotrofinas (Traggiai; Stanhope, 2003).

Depois de uma elevação inicial das gonadotrofinas, que ocorre logo após o nascimento, os níveis do hormônio foliculoestimulante (FSH), do hormônio luteinizante (LH) e dos esteroides ovarianos declinam e permanecem muito baixos por cerca de 6 a 8 anos. Após esse período, ressurge a estimulação do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) hipotalâmico, resultando no aumento da amplitude e da frequência dos pulsos de liberação das gonadotrofinas hipofisárias.

Os sinais físicos de puberdade nas meninas respeitam, na maior parte delas, uma certa ordem de aparecimento: telarca (surgimento de mamas), pubarca ou adrenarca (surgimento de pelos pubianos, axilares, etc.), estirão de crescimento, mudança do padrão corporal e, por fim, menarca (ver sequência do desenvolvimento puberal nas meninas na Fig. 46.1, Cap. 46, Puberdade precoce).

O aumento dos episódios noturnos desses hormônios, especialmente o LH, estimula a secreção gonadal em ambos os sexos, levando ao desenvolvimento puberal, à maturação folicular

O médico é muitas vezes procurado porque os pais não identificaram em seus filhos os estigmas normais da puberdade no período de vida esperado. Dessa forma, temos de discutir situa-

Rotinas em Ginecologia

ções como o atraso do desenvolvimento puberal e o atraso da menarca – temas que serão abordados neste capítulo. Os casos em que ocorre precocidade sexual ou desenvolvimento puberal discordante serão discutidos no Capítulo 46, Puberdade precoce.

Diagnóstico etiológico do atraso no desenvolvimento puberal Ao avaliar as pacientes sem características sexuais desenvolvidas (Tab. 45.1), pressupomos que não esteja ocorrendo esteroidogênese (responsável pela maioria das transformações físicas visíveis), porque as gônadas não estão funcionando – isto é, as pacientes estão em hipogonadismo, o que pode ser confirmado pelo achado de níveis baixos de estradiol sérico. Os níveis baixos ou aumentados de FSH é que vão esclarecer se o hipogonadismo é hipogonadotrófico ou hipergonadotrófico.

629

Outros exames subsidiários que normalmente fazem parte da avaliação da menina com retardo puberal são os níveis séricos de prolactina (PRL), hormônios tireóideos, esteroides ovarianos e adrenais, ultrassonografia pélvica, radiografia para idade óssea, avaliação global para doenças sistêmicas e, eventualmente, exames de imagem do crânio (Speroff et al., 1999).

Hipogonadismo hipogonadotrófico Se as gonadotrofinas (FSH e LH) estiverem em níveis baixos, ou seja, pré-puberais, temos um hipogonadismo hipogonadotrófico – pressupõe-se que o defeito esteja em nível da hipófise ou do hipotálamo. Recomenda-se que qualquer paciente com amenorreia primária e baixos níveis de gonadotrofinas, com ou sem elevação da prolactina, realize investigação da região hipotálamo-hipofisária por tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética (RNM), a fim de descartar a presença de lesões tumorais.

Tabela 45.1 Amenorreia primária e genitália externa feminina normal: classificação das etiologias I. Amenorreia primária com desenvolvimento sexual secundário ausente A. Hipogonadismo hipogonadotrófico 1. Deficiência hipotalâmica a. Atraso constitucional (familiar) b. Síndrome de Kallmann e outras síndromes não anósmicas c. Defeito anatômico congênito do SNC d. Neoplasia do SNC (craniofaringioma) 2. Deficiência hipofisária a. Insuficiência isolada (talassemia, retinite pigmentar) b. Neoplasia de hipófise (adenoma cromófobo) c. Sequela de encefalite, radioterapia ou kernicterus d. Hipotireoidismo B. Hipogonadismo hipergonadotrófico 1. Deficiência (disgenesia) gonadal a. Sem cromossomo Y i. Síndrome de Turner ii. Anormalidades do cromossomo X iii. Disgenesia gonadal pura, 46 XX iv. Deficiência de 17-␣-Hidroxilase, 46 XX b. Com cromossomo Y i. Mosaicismos ii. Disgenesia gonadal pura, 46 XY iii. Deficiência de 17-␣-hidroxilase, 46 XY

630 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

O hipogonadismo hipogonadotrófico idiopático é a etiologia mais comum, mas a hipofunção hipotalâmica pode resultar de várias lesões suprasselares e anormalidades genéticas. Qualquer lesão anatômica do hipotálamo ou hipófise pode ocasionar baixa produção de gonadotrofinas. Essas lesões podem ser congênitas (estenose do aqueduto ou ausência da base selar, sela túrcica vazia) ou adquiridas (tumores). São exemplos de tumores que devem ser investigados: prolactinoma, adenoma hipofisário cromófobo e craniofaringiomas. Amenorreia hipotalâmica funcional: é caracterizada por uma secreção anormal de GnRH pelo hipotálamo, sendo por definição excluídas doenças hipotalâmicas-hipofisárias. Devido à secreção inadequada de GnRH, essas pacientes têm alteração do pico do LH e de sua secreção, ausência de crescimento folicular, anovulação, nível de estradiol em baixas concentrações e nível de FSH frequentemente superior ao do LH, similar ao padrão de meninas pré-púberes. Uma causa frequente de retardo puberal relacionado à disfunção hipotalâmica é a desnutrição, bem como anorexia nervosa e perda de peso excessiva. Problemas como síndromes de má absorção intestinal, fibrose cística, alcoolismo e drogas são por vezes responsáveis (Emans; Goldstein, 1990). Outras possibilidades de retardo do desenvolvimento puberal relacionam-se, nos dias de hoje, a meninas que praticam esportes com muita exigência física, como balé ou ginástica, em geral associados à alimentação inadequada. Da mesma forma, o estresse psicológico é considerado uma causa de amenorreia hipotalâmica funcional. Atraso constitucional de puberdade: é fisiológico e mais comum em meninos do que em meninas, sendo uma causa incomum de amenorreia em meninas. É clinicamente difícil de distinguir da deficiência de GnRh congênita. A maturação sexual não é proporcional à idade cronológica, mas à maturação óssea, que também nesses casos é mais demorada (até 2 a 4 anos mais lenta que a idade cronológica); a radiografia de mãos e punhos, para determinação de idade óssea, pode auxiliar no acompanhamento desses casos. A própria história familiar costuma apontar outros casos, e a estatura final corresponde ao

padrão genético familiar, frequentemente mais baixa do que a da população em geral. Tumores e doenças infiltrativas: muitas doenças infiltrativas e tumores no hipotálamo e hipófise podem resultar em diminuição da liberação de GnRH ou destruição do gonadotrofo e consequente amenorreia. Pacientes que apresentarem defeitos no campo visual, cefaleia, galactorreia ou outras evidências de disfunção hipotalâmica ou hipofisária devem ser submetidas à RNM devido à probabilidade de se tratar de tumor. Os principais tumores incluem craniofaringeoma, germinoma, histiocitose de células de Langerhans e doenças como hemocromatose ou sarcoidose. Deficiência congênita do GnRh: embora rara, a amenorreia primária pode estar associada à deficiência completa de GnRH. Em aproximadamente 50% das situações sem causa aparente, identifica-se anosmia concomitante – o que configura a síndrome de Kallmann, uma doença ligada ao cromossomo X, na qual, além da liberação inadequada do GnRH, também podem ocorrer discinesias, movimentos oculares aberrantes, rim unilateral e surdez neurossensorial unilateral. As outras causas genéticas são autossômicas e muito pouco se sabe sobre os genes envolvidos; um exemplo é a síndrome de Laurence-Moon-Bardet-Biedl (obesidade, retardo de crescimento, imaturidade sexual, deficiência mental, diabete insípido, polidactilia). Hiperprolactinemia: é rara na forma de apresentação de amenorreia primária. Pacientes com amenorreia primária devido à hiperprolactinemia devem realizar RNM para excluir adenomas hipofisários e tumores que causem lesões diretas ou compressivas na hipófise, entretanto, antes de qualquer conduta assistencial recomendamos a leitura do Capítulo 49, Hiperprolactinemia.

Hipogonadismo hipergonadotrófico Nos casos em que o FSH e o LH estão elevados (níveis puberais ou maiores), temos um hipogonadismo hipergonadotrófico, pressupondo-se um defeito nos órgãos-alvo, isto é, nas gônadas. Em geral, são acidentes cromossomais que provocam alterações funcionais nos ovários. É essencial a realização de cariótipo nesses casos, para diagnosticar as disgenesias gonadais.

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Disgenesia gonadal: é a causa mais comum de amenorreia devido à falência ovariana. Denomina-se disgenesia ou displasia gonadal a ausência de células germinativas nas gônadas de pacientes com fenótipo feminino. Sem esboço de estruturas foliculares e destituída de atividade endócrina, a gônada acha-se formada, em geral, por simples rudimentos de cordões celulares (gônadas em fita). Disgenesia gonadal pura (síndrome de Swyer): o cariótipo é 46, XY, mas o testículo não produz testosterona, estradiol, nem o fator inibidor dos canais de Müller (MIF), levando à diferenciação da genitália interna e externa para o fenótipo feminino (ver Cap. 43, Diferenciação sexual). Ocorre amenorreia primária, crescimento eunucoide, gônadas em fita, trompas e útero normais ou rudimentares, ausência de caracteres sexuais secundários e infantilismo genital. Um fenótipo semelhante pode ocorrer nos pacientes 46, XY sem o fator determinante do testículo (gene SRY) ou com síndrome de Ullrich-Turner em que há ausência parcial ou total de um dos cromossomos X. Há casos de disgenesia gonadal pura com cariótipo 46, XX, encontrando-se gônadas ausentes ou ovários em fita sem qualquer atividade hormonal (Stenchever et al., 2001). Cerca de um terço das pacientes com disgenesia gonadal tem anomalias cardiovasculares, principalmente coarctação da aorta e rim em ferradura; além dessas, o diabete e a tireoidite de Hashimoto também são comuns. Síndrome de Sohval, ou disgenesia gonadal mista: o fenótipo é feminino, masculino ou ambíguo; as gônadas são em fita de um lado e/ou testículo disgenético intra-abdominal de outro; e o cariótipo em geral, é 45 X/46 XY. Podem ocorrer deleções de partes do cromossomo X, bem como anormalidades estruturais neste – situações associadas a diferentes graus de anormalidades do desenvolvimento puberal. Síndrome de Turner: com cariótipo 45 X, é o exemplo clássico da disgenesia gonadal. Ocorrem anormalidades fenotípicas específicas (baixa estatura, pescoço alado, tórax em escudo, implantação baixa de cabelos, cúbito valgo, afastamento dos mamilos, 4o e 5o metacarpianos curtos), associadas à ausência de desenvolvimento

631

puberal. Os ovários podem não ser funcionantes (em fita) ou terem uma vida média curta; a esteroidogênese não é suficiente, portanto, a genitália é feminina e pré-púbere; vagina, útero e trompas são presentes, mas infantilizados. Há pacientes com síndrome de Turner e cariótipo em mosaico (45 X/46 XY), muitas vezes só diagnosticado em biópsia gonadal. Há pacientes também com a síndrome de Noonan – caracterizada pelos mesmos estigmas da síndrome de Turner, mas com cariótipo normal – e a síndrome de Roeslle – 45 X, sem malformações somáticas – todas com retardo puberal. Reforça-se aqui a necessidade de cariotipagem das pacientes com hipogonadismo hipergonadotrófico: é preciso detectar precocemente a presença do cromosso Y, visto que, nesses casos, há indicação de gonadectomia, pelo risco de cerca de 20% de malignização do testículo disgenético (desenvolvimento de androblastoma). Há muitos autores que recomendam, inclusive, que se faça gonadectomia em qualquer paciente fenotipicamente feminina com hipogonadismo hipergonadotrófico e sinais de hiperandrogenismo, devido à possibilidade de existência de algum fragmento de DNA com gene determinante do testículo (o SRY). Este também se associa à maior frequência de neoplasia gonadal, mesmo sem que se identifique um cromossomo Y completo (Stenchever et al., 2001). Síndrome dos ovários policísticos (SOP): normalmente, as pacientes com distúrbios menstruais devido à SOP já apresentam desenvolvimento puberal e, em poucos casos, apresentam-se como amenorreia primaria (ver Cap. 50, Hiperandrogenismo). Outras causas de falência ovariana prematura: compreendem praticamente a ooforite autoimune; sendo este o diagnóstico, deve-se avaliar associação com outras doenças autoimunes, quimioterapia ou radioterapia prévias.

Anormalidades dos receptores e deficiência de enzimas Deficiência da enzima 17-␣-hidroxilase: uma causa rara de hipogonadismo hipergonadotrófico em pacientes com cariótipo 46 XX.

632 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Essas meninas apresentam fenótipo feminino, amenorreia primária sem desenvolvimento mamário, hipernatremia, hipocalemia, elevação de hormônio adrenocortitrófico (ACTH) e de progesterona e hipertensão. Como resultado da deficiência da enzima 17-␣-hidroxilase, há uma diminuição da produção de cortisol e uma superprodução de ACTH, corticosterona e deoxicorticosterona.

dependem da DHT irão desenvolver-se, como fortalecimento dos músculos, engrossamento da voz e padrão masculino de cabelo. Recomendamos a leitura do Capítulo 47, Distúrbios de desenvolvimento sexual.

Síndrome de insensibilidade androgênica (síndrome de Morris): apresentam desenvolvimento mamário com ausência de desenvolvimento significativo de pelos pubianos e axilares, sendo que a vagina está encurtada nessas pacientes. Geneticamente são homens (XY), mas têm um defeito no receptor androgênico localizado no cromossomo X. A concentração sérica de testosterona está na faixa dos homens normais, o que os diferencia dos portadores da síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser. Como o hormônio antimülleriano está presente, não há estruturas internas femininas. A conversão de testosterona em estrogênio é que estimula o desenvolvimento mamário, mas este não é completo, pois os mamilos são imaturos, e as aréolas, pálidas.

Após obtenção da história, realização do exame físico e de alguns exames subsidiários iniciais (ultrassonografia ou outra avaliação de imagem da pelve) na paciente com amenorreia primária, Stenchever e colaboradores (2001) recomendam classificá-la entre quatro diferentes categorias:

Síndrome dos ovários resistentes às gonadotrofinas (síndrome de Savage): manifesta-se como um defeito no receptor do FSH, que difere fundamentalmente da falência ovariana prematura pela existência de folículos aparentemente normais na histologia. Deficiência de 5-␣-redutase: pacientes com deficiência da 5-␣-redutase não conseguem converter a testosterona em seu metabólito mais ativo, a di-hidrotestosterona (DHT). Como resultado, haverá falha de desenvolvimento em órgãos DHT-dependentes, como próstata e genitália. Nesse defeito congênito, também chamado forma incompleta de insensibilidade aos andrógenos, o cariótipo é XY, e na puberdade as pacientes criadas como meninas apresentam amenorreia primária. Ao nascimento, essas pessoas têm características femininas ou podem se apresentar com genitália ambígua; na puberdade, o distúrbio torna-se mais reconhecível devido ao início da virilização secundária ao aumento da produção de testosterona. Outras características que não

Investigação e manejo

I. As pacientes com desenvolvimento mamário ausente e útero presente devem realizar uma dosagem sérica de FSH. A. Se o nível for elevado (FSH ⬎ 30 mUI/ mL), temos um hipogonadismo hipergonadotrófico, sendo obrigatória a realização do cariótipo. Se um cromossomo Y é identificado (mesmo em mosaicismos), recomenda-se aguardar o final do desenvolvimento puberal e então excisar a gônada; na ausência de cromossomo Y, não é necessária a gonadectomia (considerar a excisão em alguns casos de hiperandrogenismo). Nas mulheres com FSH elevado e sem cromossomo Y, os estigmas das síndromes em geral indicam o diagnóstico das disgenesias gonadais (p. ex., síndrome de Turner, síndrome de Sohval, etc.). Quando o cariótipo ou as características fenotípicas não desvendam a etiologia, é prudente descartar a deficiência de 17-␣-hidroxilase (medem-se os níveis séricos de sódio, potássio, progesterona, cortisol, desoxicorticosterona e 17-␣-hidroxilase), pois tais pacientes necessitam de reposição de cortisol, além dos esteroides sexuais. Todas as mulheres nessa categoria necessitam de terapia de reposição estroprogestínica para completar o desenvolvimento das mamas e de outros

Rotinas em Ginecologia

caracteres secundários, prevenir a osteoporose, melhorar o ganho estatural e, muitas vezes, promover a ocorrência de menstruações artificiais. Alguns autores, como Moll, Rosenfield e Fang (1986), recomendam o uso de menores doses de estrogênio sem oposição progestínica por um período de cerca de 6 meses para induzir a feminização (estrogênios conjugados 0,3 mg ou estradiol transdérmico 25 ␮g, diários ou a cada 2 dias), seguidas do tratamento cíclico combinado (estroprogestínico); outros iniciam a reposição combinada desde o primeiro momento: estrogênios conjugados 0,625 mg ou estradiol 1 mg diários, juntamente com acetato de medroxiprogesterona (MPA) 5 mg/dia por 12 dias ao mês (ou mesmo MPA 2,5 mg contínua) ou contraceptivo oral de baixa dosagem. Para iniciar o tratamento, é recomendável que a idade óssea da paciente seja de pelo menos 12 anos e que sua idade cronológica se situe entre 13 e 14 anos. O tratamento em época inadequada ou com doses elevadas de hormônios pode acelerar desproporcionalmente a maturação esquelética e reduzir ainda mais a estatura final da paciente (Speroff et al., 1999). As mulheres com hipogonadismo hipergonadotrófico e sexo genético feminino podem eventualmente ficar grávidas após estimulação endometrial com esteroides exógenos e tranferência de embriões de doadores. B. Se o nível basal de FSH é baixo (hipogonadismo hipogonadotrófico), pode-se tratar de um atraso funcional constitucional (de curso benigno), deficiência congênita de GnRH ou de uma doença subjacente encontrada na região do sistema nervoso central-hipotálamo-hipófise. Não é necessário realizar cariótipo, mas dosar a prolactina e realizar exame de neuroimagem são procedimentos importantes; muitas vezes, a história já aponta a possí-

633

vel causa (p. ex., irradiação, dieta, estresse, exercício). Identificando-se uma lesão, esta deve ser primariamente tratada, bem como a hiperprolactinemia. A realização do teste do GnRH é opcional na maioria das vezes, a menos que se pretenda induzir a ovulação. Inicialmente, a paciente deve receber tratamento estroprogestínico para promover o desenvolvimento mamário e o fechamento das epífises. Quando a fertilidade é desejada, pode-se tentar induzir a ovulação com gonadotrofinas ou GnRH pulsátil. II. Os raros casos com ausência de desenvolvimento mamário e ausência de útero/genitália interna devem ser cariotipados e investigados extensamente do ponto de vista endocrinológico. Virtualmente, tais casos sempre têm cromossomo Y e devem se submeter à gonadectomia. Pode-se tratar de deficiências enzimáticas em indivíduos 46 XY (deficiências de 17-␣-hidroxilase, 17,20-desmolase, 5-␣-redutase). O tratamento adicional é a reposição hormonal, sendo a reprodução impraticável. Nas pacientes com baixa estatura e idade óssea de pelo menos 12 anos, o endocrinologista pode-se valer de esteroides anabólicos para melhorar a estatura final: oxandrolona 0,1 mg/kg/dia ou testosterona de depósito em baixa dosagem (30 mg/mês). Todas as pacientes com retardo no desenvolvimento puberal devem receber especial atenção no que se refere a desenvolvimento psicológico, desempenho escolar e problemas de socialização. Mesmo nas pacientes em que não se pode distinguir claramente atraso constitucional de hipogonadismo hipogonadotrófico, costumam ser válidos induzir a puberdade e observar o desenvolvimento gonadal; essa diferenciação será mais importante futuramente, quando forem discutidos a reposição hormonal a longo prazo e o aconselhamento sobre fertilidade (Traggiai; Stanhope, 2003).

634 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

III. Pacientes com presença de desenvolvimento mamário e ausência de útero/genitália interna apresentam provavelmente a síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser ou uma insensibilidade aos androgênios (ver Cap. 48, Amenorreias).

IV. Pacientes com desenvolvimento mamário e útero presentes podem apresentar uma série de disfunções hormonais, orgânicas ou anatômicas, podendo-se tratar das mesmas etiologias que levam à amenorreia secundária (ver Cap. 48, Amenorreias).

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Rotinas em Ginecologia

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em uma paciente com síndrome da insensibilidade aos androgênios de forma completa, quais são os achados no exame físico? a. Genitália externa ambígua e hipotrofia dos derivados müllerianos. b. Genitália externa feminina e ausência de útero. c. Vagina curta e útero infantil. d. Vagina de dimensões normais e ausência de útero.

2. Na puberdade normal feminina... I. ocorre aumento dos pulsos de LH durante o sono. II. a menarca só ocorre após o desenvolvimento completo das mamas. III. o pico do crescimento ocorre 1 ano antes da menarca. IV. os androgênios adrenais determinam o estirão de crescimento. V. os androgênios adrenais determinam a menarca. Pode-se afirmar que: a. b. c. d.

Apenas I, II e III estão corretas. Apenas I e III estão corretas. Apenas II , IV e V estão corretas. III é correta.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Puberdade Precoce Solange Garcia Accetta Alberto Mantovani Abeche Fernando Freitas Cristiano Caetano Salazar João Paolo Bilibio

Crianças com puberdade precoce (PP) iniciam seu desenvolvimento puberal antes do esperado para sua idade. Define-se classicamente como puberdade precoce o surgimento de sinais físicos de puberdade antes dos 8 anos de idade para meninas e dos 9 anos para meninos. O impacto da patologia no desenvolvimento dos pacientes pode ser tanto físico – por acarretar a perda do potencial de estatura final – como psicológico – causando problemas na socialização da criança, que fica com aparência mais velha, discordante das crianças do seu convívio, sem um proporcional desenvolvimento psíquico. É um evento raro (aproximadamente 1 caso para cada 10.000 meninas nos Estado Unidos), com uma grande diversidade de apresentações clínicas, processos etiológicos e prognósticos a longo prazo. Devido ao curso rápido e dinâmico que pode muitas vezes tomar, o problema deve ser precocemente reconhecido e avaliado em relação à progressão da puberdade e da idade óssea, ao crescimento estatural, ao desenvolvimento das funções reprodutivas e ao ajustamento psicológico (Stenchever et al., 2001).

Definição com relação à idade As idades apontadas como limites no início deste capítulo (8 anos para meninas, 9 anos para meninos) têm base estatística, conceituadas arbitra-

riamente como mais de 2,5 desvios-padrão abaixo da média de idade da população, sendo esse o critério mais utilizado na literatura. Entretanto, os dados de um estudo da American Academy of Pediatrics, incluindo 17.000 meninas saudáveis de 3 a 12 anos de idade, demonstraram que a puberdade estaria iniciando, nos Estados Unidos, em média 1 ano antes nas meninas brancas e 2 anos nas afro-americanas, sugerindo que a definição de puberdade precoce deveria ser de 7 anos para meninas brancas e 6 para meninas negras (Kaplowitz; Oberfield, 1999). Entretanto, essa nova recomendação é controversa, pois estudos retrospectivos demonstraram falha em identificar pacientes que poderiam se beneficiar de tratamento usando essa definição; por esse motivo, recomendamos a definição clássica. Mesmo assim, embora limites definidos devam nortear a investigação médica, é indispensável considerar o grupo étnico da paciente que se pretende avaliar, bem como sua história familiar.

Quadro clínico Os sinais físicos que podem definir o diagnóstico ou suscitar a investigação são aparecimento precoce de mamas e pelos (passagem do estágio de Tanner 1 para 2); aceleração da velocidade de crescimento (mudança no percentil de estatura para a idade ou aumento na taxa anual de crescimento); maturação esquelética (idade óssea maior do que idade

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cronológica, com aceleração progressiva); e padrão puberal de secreção de gonadotrofinas e esteroides sexuais. Frequentemente, o aumento na velocidade do crescimento é o primeiro sinal da PP, muitas vezes seguido pelo desenvolvimento de seios e crescimento de pelos pubianos. Às vezes, a adrenarca, a telarca e o estirão puberal ocorrem simultaneamente. A menarca pode ser, muito raramente, o primeiro sinal; porém, o que ocorre mais comumente é a menarca isolada precoce ou outra condição clínica capaz de provocar sangramento genital. A precocidade sexual é compatível com uma vida reprodutiva normal. Não é associada à menopausa prematura, ao contrário do que muitos pensam. O efeito mais sério da precocidade sexual é a baixa estatura na vida adulta. Como o esqueleto é sensível mesmo aos menores níveis de estrogênio, essas crianças são transitoriamente altas para sua idade, mas com baixa estatura no futuro, como resultado da fusão prematura das epífises (a altura final média das mulheres não tratadas é de 1,52 m) (Mull; Oostdijk; Drop, 2002). O desenvolvimento intelectual e psicossocial acompanha a idade cronológica e não necessariamente o estágio puberal. As expectativas em relação à competência sexual, emocional e intelectual podem trazer, para essas jovens e suas famílias, sérias dificuldades na adaptação social. Surpreendentemente, poucos problemas psicossociais e sequelas a longo prazo têm sido descritos nessas crianças, e o abuso sexual e a gravidez precoce parecem ser eventos raros; contudo, tanto meninas como meninos com precocidade puberal têm o início das relações sexuais adiantado em relação às crianças da mesma idade (Partsch; Heger; Sippel, 2002).

Classificação segundo etiologia Tradicionalmente, a puberdade precoce tem sido dividida em duas classificações: Puberdade precoce dependente de GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas): também conhecida como puberdade precoce central (PPC) ou verdadeira. É completa, isosse-

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xual (desenvolvem-se características femininas em meninas e masculinas em meninos) e dependente da ativação prematura do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal. Puberdade precoce independente de GnRH: também conhecida como pseudopuberdade precoce ou puberdade precoce periférica (PPP). É incompleta, isossexual ou heterossexual (desenvolvimento secundário característico do sexo oposto), e a maturação sexual se deve à liberação de esteroides gonadais, independentemente da ativação do eixo hipotálamo-hipofisário. Uma causa dependente de GnRH é encontrada em cerca de 80% das meninas, com menor ocorrência em meninos. Tumores ovarianos, doenças adrenais e síndrome de McCune-Albright representam a maioria dos casos de precocidade periférica em meninas. A precocidade em meninas é 10 vezes mais frequente do que em meninos. Segundo Teilmann e colaboradores (2005), a prevalência estimada é 0,2% em meninas e 0,05% em meninos, e, em quase três quartos das vezes, idiopática (Speroff; Glass; Kase, 1999). Mesmo assim, frente a qualquer sinal de desenvolvimento precoce, deve-se descartar uma série de problemas importantes no sistema nervoso central (SNC), ou mesmo em sítios periféricos. Em meninas acima de 4 anos, uma etiologia específica é dificilmente encontrada. Em meninas mais jovens, geralmente uma lesão no SNC é diagnosticada (Tab. 46.1).

Puberdade precoce central Na PPC ou puberdade precoce verdadeira, os sinais de precocidade sexual são causados por maturação prematura do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano, resultando na produção de gonadotrofinas e esteroides sexuais. O hormônio luteinizante (LH) é secretado de forma pulsátil, à semelhança da puberdade na idade fisiológica – porém, com pulsos espontâneos geralmente de maior amplitude e com LH plasmático em níveis mais elevados após estimulação com GnRH (Partsch; Sippell, 2002). Em muitos casos, trata-se de precocidade sexual constitucional (fisiológica); essas pacientes têm um aumento no crescimento associado, segundo Speroff, Glass e Kase (1999), a níveis puberais de fator de crescimento semelhante à insulina tipo I

638 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela 46.1 Achados físicos nas pacientes com várias síndromes de puberdade precoce Dependente do GnRH

Independente do GnRH

Telarca prematura

Adrenarca prematura

Idiopática

Tumor SNC

McCune-Albright

Hipotireoidismo

Aumento de mamas Pelos púbicos Sangramento vaginal Virilização Idade óssea

Sim

Não

Sim

Sim

Sim

Sim

Não Não

Sim Não

Sim Sim

Sim Sim

Sim Sim

Possível Sim

Não Normal

Não Avançada

Não Avançada

Não Avançada

Não Normal ou retardada

Déficit neurológico Gônada aumentada/ massa pélvica

Não

Não Normal ou levemente avançada Não

Não

Sim

Sim

Não

Não

Não

Ocasional

Não

Não

Ocasional

Achados

Isossexual Achados Aumento de mamas Pelos púbicos Sangramento vaginal Virilização Idade óssea Déficit neurológico Gônada aumentada/ massa pélvica

Heterossexual

Tumores ovarianos

Tumores adrenais

Tumores ovarianos

Tumores adrenais

Hiperplasia adrenal

Sim Sim Sim Não Avançada Não Em geral

Sim Sim Sim Sim Avançada Não Não

Sim Sim Sim Sim Avançada Não Ocasional

Sim Sim Sim Sim Avançada Não Não

Sim Sim Sim Sim Avançada Não Não

GnRH, hormônio liberador de gonadotrofinas. Fonte: Adaptada de Stenchever e colaboradores (2001).

(IGF-I). A precocidade constitucional tem ocorrência familiar e surgimento por volta dos 8 anos de idade. No entanto, a puberdade precoce idiopática não ocorre nitidamente em famílias e acontece bem mais cedo na infância. Esses diagnósticos benignos devem ser apenas de exclusão e merecem longo seguimento, pois anormalidades cerebrais podem não ser aparentes até a idade adulta.

eixo gonadotrófico não é ativado; não há, portanto, evolução do quadro de PP, a qual reiniciará novamente quando esse eixo tiver sua ativação adequada.

Em cerca de 50% dos casos de puberdade precoce, o progresso das manifestações puberais vai regredir ou parar, e o tratamento não é necessário (Kaplowitz, 2004).

A apresentação clínica da precocidade verdadeira pode não seguir progressão usual de crescimento de mamas e pelos pubianos, aceleração do crescimento e então menarca. É comum que a adrenarca ou a menarca sejam o primeiro sinal. Essa progressão é variável, geralmente mais lenta nos casos idiopáticos, mas exagerada nas situações em que há doença central.

Embora os mecanismos desses casos de puberdade não progressiva não sejam conhecidos, o

Uma série de problemas do SNC pode causar ativação prematura do eixo hipotálamo-hipófise.

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Vários tumores podem induzir precocidade, incluindo hamartomas hipotalâmicos (a lesão mais comum em meninas muito jovens – uma malformação congênita hiperplásica na base no terceiro ventrículo), craniofaringioma, astrocitomas, glioma, neurofibroma, ependimoma e teratoma suprasselar – todos próximos ao hipotálamo. Causas não tumorais incluem irradiação cerebral, encefalite, meninigite, hidrocefalia, desenvolvimento anormal do crânio secundário à riquetsiose e doença de von Recklinghausen (neurofibromatose). Um traumatismo craniano pode estimular o desenvolvimento sexual central, geralmente com uma latência de 1 a 2 meses. Um processo de puberdade precoce verdadeira, dependente do GnRH, pode ocorrer em consequência de praticamente qualquer causa de puberdade precoce periférica que tenha duração mais longa. Presume-se que um mecanismo central de controle do início da puberdade seja ativado, à medida que se atinge um limiar crítico de desenvolvimento somático secundário à produção prematura de estrogênio – a despeito de sua origem. Isso explica vários casos de puberdade progressiva apesar do tratamento eficaz de causas periféricas. Um exemplo de situação em que a precocidade central pode advir secundariamente a um problema periférico é o hipotireoidismo sintomático de longa duração. Há evidências de que altos níveis de hormônio estimulante da tireoide (TSH) podem estimular o receptor de hormônio foliculoestimulante (FSH) (Anasti et al., 1995). Além da baixa estatura (sem aceleração da idade óssea) e de sintomas de hipotireoidismo, pode haver galactorreia; a sela túrcica geralmente é aumentada. Com a reposição de tiroxina, o desenvolvimento puberal pode parar e até regredir. Apesar de os casos relatados terem sido severos e, portanto, clinicamente óbvios, a avaliação laboratorial da função tireóidea está indicada em todos os casos de precocidade sexual.

Puberdade precoce periférica Na PPP ou pseudopuberdade precoce, os esteroides sexuais circulantes não são secundários à liberação hipotalâmica de GnRH. Nessas pacientes, não ocorrem pulsos espontâneos de LH, nem existe aumento dos seus níveis com a estimulação por GnRH; existe, sim, uma fonte

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periférica produzindo esteroides sexuais ou estimulando a sua produção. Entre as meninas com precocidade puberal, 11% têm um tumor ovariano, produtor de esteroides sexuais. Gonadoblastomas, teratomas, tumores de células lipoides, cistoadenomas e mesmo cânceres ovarianos foram relatados como causa de precocidade sexual. Devido a níveis irregulares de hormônios circulantes, as meninas podem ter uma menarca precoce e, geralmente, o sangramento acaba sendo irregular e menorrágico – claramente anovulatório. No exame físico, a procura por massas pélvicas deve ser feita. Esta pode vir acompanhada de ascite, sendo prontamente palpável em 80% dos casos, o que incita uma exploração cirúrgica (Stenchever et al., 2001). A ultrassonografia abdominal total e ressonância magnética são de grande utilidade na investigação e podem ser solicitadas. Além de estrogênios e andrógenos, esses tumores podem secretar gonadotrofina coriônica (hCG). A produção ectópica de gonadotrofina é uma causa rara de precocidade sexual, sendo responsável por menos de 0,5% dos casos (Speroff; Glass; Kase, 1999). Os tumores produtores de hCG mais comuns são o corioepitelioma e o disgerminoma ovarianos e o hepatoblastoma hepático. Algumas meninas apresentam cistos ovarianos benignos foliculares ou luteínicos que podem secretar esteroides de forma independente do GnRH (cistos autônomos). São cistos geralmente solitários, com o ovário contralateral aparentando imaturidade. Essas crianças demonstram ausência de padrão pulsátil de gonadotrofinas, respostas variáveis ao GnRH e ausência de supressão da puberdade com agonistas do GnRH de longa duração. Os cistos podem aumentar, involuir e recorrer, fazendo com que os sinais de precocidade e sangramento vaginal cessem e exacerbem periodicamente. Os cistos em geral não são grandes ou palpáveis. O teste com GnRH (descrito a seguir) é útil para diferenciar cistos autônomos (resposta nula) dos secundários à estimulação central por FSH e LH (resposta puberal). Tumores adrenais feminilizantes são muito raros (1% dos casos) e associados ao aumento dos níveis de sulfato de deidroepiandrosterona (S-DHEA).

640 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

A ingestão de drogas deve ser suspeitada em todos os casos de precocidade, especialmente se há pigmentação escura dos mamilos e aréola, um efeito dos estrogênios sintéticos. Fontes comuns são contraceptivos orais, esteroides anabolizantes, bem como cremes faciais e capilares.

sais de hormônios estão normais para a idade e para o desenvolvimento sexual. No entanto, entre uma simples adrenarca ou telarca prematura até uma puberdade precoce central idiopática, há um misto de condições clínicas atípicas, com tendências variáveis de estabilidade e progressão.

A síndrome de McCune-Albright (displasia fibrosa poliostótica) é responsável por cerca de 5% dos casos de precocidade sexual feminina e consiste em múltiplas lesões císticas disseminadas no esqueleto – associadas a fraturas frequentes —, manchas cutâneas café-com-leite de vários tamanhos ou formas e precocidade sexual. Podem estar associados cistos ovarianos, adenomas secretores de hormônio do crescimento (GH) e prolactina, hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, hipercortisolemia de origem adrenal, osteomalacia, hepatite, pólipos intestinais e arritmias cardíacas. A menarca muitas vezes é o primeiro sinal da síndrome, que pode ter manifestações variáveis e súbitas. Geralmente a cintilografia com tecnécio é necessária para evidenciar as áreas com displasia óssea fibrosa. Nessas pacientes, ocorre uma produção autônoma e prematura de estrogênios pelo ovário – assim como se observa atividade autônoma em todos os tecidos afetados, provavelmente devido a uma mutação na proteína G que estimula a formação do AMPc (Speroff; Glass; Kase, 1999). As pacientes com a síndrome de McCune-Albright nem sempre têm prejuízo à fertilidade, e a estatura na vida adulta costuma ser normal. Esses fatores positivos devem ser levados em conta no manejo da precocidade sexual associada a essa patologia.

Telarca prematura

Situações especiais

Adrenarca ou pubarca prematura

Casos especiais de desenvolvimento sexual precoce incluem o aparecimento isolado de uma característica sexual: adrenarca ou pubarca, telarca ou menarca isolada. Geralmente representam um dilema para o ginecologista ou pediatra, pois geram dúvidas se são variantes benignas e autolimitadas do desenvolvimento, as quais não requerem tratamento, ou se são o primeiro sinal de um fenômeno mais amplo e complexo, com chance de progressão rápida caso não seja tratado. Tipicamente, o crescimento linear e a maturação esquelética não são avançados, e os níveis ba-

Ocorre geralmente nos primeiros 5 anos de vida e é autolimitada, sem necessidade de tratamento. O seguimento revela que essas crianças desenvolvem uma puberdade normal, com crescimento e saúde reprodutiva como o habitual. As mamas podem regredir após alguns meses, podem tornar a crescer e novamente regredir por vários anos ou podem permanecer aumentadas até a puberdade.

Menarca precoce isolada A menarca prematura, sem outra evidência de maturação sexual, é uma condição muito rara. É necessário investigar infecções, presença de corpo estranho intravaginal, traumatismos, abuso sexual, neoplasias locais (p. ex., adenocarcinoma de células claras da vagina) e uso indevido de estrogênios exógenos. Nos casos de menarca isolada, o crescimento é normal, bem como o desenvolvimento secundário e a fertilidade. Na menarca precoce isolada, não há alteração hormonal bem estabelecida ou avanço da idade óssea, assim como eco endometrial. Talvez ela ocorra devido a uma sensibilidade maior aos hormônios estrogênicos ou ainda a um estímulo de gonadotrofinas não mantido (Pinto; Garden, 2006; Saggese et al., 1990; Blanco-Garcia et al.,1985).

O surgimento de pelos púbicos e axilares antes dos 8 anos em meninas é consequência de um aumento modesto nos níveis de andrógenos adrenais, androstenediona, deidroepiandrosterona e S-DHEA. Não ocorre hipertrofia de clitóris, e o avanço na idade óssea é ausente, mínimo ou transitório. O tratamento não é necessário, porque a aceleração transitória no crescimento e a maturação óssea não têm maiores influências na puberdade ou na estatura final. Essas pacientes devem ser reavaliadas periodicamente, pois podem, segundo alguns autores, ter uma incidência maior de anovulação, hirsutismo e hi-

Rotinas em Ginecologia

perinsulinemia (Ibañez et al., 1995; Ibañez et al., 1995, 1997). Em todas as meninas com sinais precoces de virilização, deve-se excluir hiperplasia adrenal congênita não clássica (HAC-NC). Embora seja raramente encontrada em crianças pré-púberes que apresentem apenas crescimento de pelos pubianos, cerca de 1 a 5% das mulheres com queixa de hirsutismo têm um quadro bioquímico consistente com essa condição autossômica recessiva. A patologia caracteriza-se por uma deficiência enzimática que leva à produção excessiva de andrógenos – na maioria das vezes, há acúmulo de 17-OH-progesterona (por déficit de 21-hidroxilase) ou, com menos frequência, de 11-desoxicortisol (déficit de 11-β-hidroxilase), de 17-OH-pregnenolona e de S-DHEA (por déficit de 3-β-hidroxiesteroide desidrogenase). Como a quase totalidade dos casos de HAC-NC é por deficiência de 21-hidroxilase, uma dosagem única de 17-OH-progesterona matinal que esteja normal (⬍ 2 ng/mL) exclui a doença. Níveis muito elevados (⬎ 8 ng/mL) são virtualmente diagnósticos de deficiência de 21-hidroxilase; níveis intermediários requerem a realização de um teste de estímulo com cortrosina (hormônio adrenocorticotrófico, ACTH). Também o teste de estímulo com ACTH deve ser realizado em pacientes com maior avanço na idade óssea e níveis de andrógenos maiores do que os observados normalmente nos estágios iniciais da puberdade (Speroff; Glass; Kase, 1999).

Crianças adotadas Vários estudos europeus relatam que as crianças adotadas de países em desenvolvimento apresentam, por razões desconhecidas, um risco 10 a 20 vezes maior de puberdade precoce no seu novo país (Teilmann et al., 2006). Por exemplo, na Bélgica, onde há uma incidência de puberdade precoce central idiopática de 1/10.000, cerca de 20 a 25% das crianças afetadas são de adoção internacional (Bourguingnon et al., 1992). Estima-se que, naquele país, a incidência de precocidade sexual em crianças adotadas seja entre 0,8 e 1,8% (Krstevska-Konstantinova et al., 2001). É possível que crianças adotadas estejam sob controle médico mais cuidadoso, fazendo com que a incidência da patologia seja superesti-

641

mada nesses indivíduos. Entretanto, quando se compara à idade normal da menarca em seus países de origem, observa-se uma menarca mais precoce nas meninas que migram para o Ocidente. Em uma amostra de 107 meninas indianas adotadas por pais suecos, Proos, Hofvander e Tuvemo (1991) relataram que a idade média da menarca foi 11,6 anos, enquanto em seu país de origem, a idade da menarca variava entre 12,8 (meninas de condição social privilegiada) e 14,4 anos (meninas da área rural). Especula-se de que forma o ambiente determina o adiantamento na puberdade das crianças adotadas: modificações dietéticas (aumento do valor calórico e proteico), mudanças na ação dos neurotransmissores estimulatórios e/ou inibitórios durante a transição de situação socioeconômica, presença de fitoestrogênios na alimentação, retirada de pesticidas organoclorados da dieta habitual, etc. (Mull; Oosdijk; Drop, 2002).

Investigação da puberdade precoce A prioridade da investigação diagnóstica deve ser excluir doenças com repercussões maiores para a vida do indivíduo (p. ex., neoplasias) e, logo a seguir, definir a velocidade de progressão do processo (se estabilizado ou em evolução). Embora nenhum algoritmo esteja baseado em evidências, recomendamos a sequência de avaliação a seguir devido a sua praticidade. Inicialmente, três questões devem ser respondidas: 1. Quem deve ser avaliado? As meninas com sinais de desenvolvimento secundário antes dos 8 anos (e 9 para meninos) devem ser avaliadas. Quanto menor a idade da criança que se apresenta com suspeita, maior deve ser a extensão da investigação. Nas meninas entre 6 e 8 anos, uma história clínica e um exame físico bem feitos podem ser suficientes para encerrar a investigação, caso não se detectem anormalidades; a ansiedade e a preocupação da paciente e de seus pais, bem como a apresentação clínica, influenciam na decisão de se proceder a uma avaliação mais cuidadosa. Entretanto, a ocorrência de telarca e adrenarca antes dos 6 anos de idade sempre merece investigação.

642 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

2. A causa é central ou periférica? Apesar de ser geralmente necessário realizar um teste hormonal para desvendar o mecanismo patológico, a maneira como os caracteres vêm se desenvolvendo dá pistas sobre ele. A sequência dos eventos (telarca, pubarca, menarca) (Fig. 46.1) segue os passos do desenvolvimento normal na PPC, mas em uma idade mais precoce. Por sua vez, meninas com uma fonte periférica de hormônios sexuais com maior frequência desviam-se da sequência normal do desenvolvimento puberal. Além disso, a velocidade de crescimento estatural e a maturidade esquelética se correlacionam com os passos do desenvolvimento puberal, refletindo a dose e a duração da ação dos esteroides sexuais; meninas com PPC e aquelas com lesões

ovarianas produtoras de esteroides são as que têm aumento mais dramático no crescimento e na idade óssea. 3. A precocidade é devido a excesso de estrogênios ou androgênios? Os caracteres sexuais secundários podem ser feminilizantes ou virilizantes. Em meninas, a virilização exclui uma etiologia central. A avaliação inicial segue os seguintes passos: História médica: avaliar quando foram notados os primeiros sinais de puberdade precoce; velocidade de crescimento; história prévia de traumas ou doenças do SNC; exposição a andrógenos e estrogênios externos; presença de cefaleia, convulsões (sugestivas de lesões do SNC), dor ou

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Meninas amadurecendo em tempo “normal”

11 Pico da velocidade da altura

Velocidade de crescimento cm/ano

10 9 8 7 6 5 4 3 2 1

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9

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Desenvolvimento das mamas (telarca)

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Menarca Puberdade completa

Idade, anos Figura 46.1 Sequência do desenvolvimento puberal em meninas. Reproduzida de Tanner, JM, Davies, PS. J Pediatr 1985; 107:317. Fonte: Adaptada de Biro e colaboradores (2006) e Tanner e Davies (1985).

16

17

18

Rotinas em Ginecologia

aumento do volume abdominal (sugestivos de processo ovariano). A causa do desenvolvimento puberal precoce pode ser sugerida por achados na história e no exame físico (Tab. 46.2). Exame físico: registro da velocidade de crescimento e dos percentis de peso e altura (Fig. 46.2); o crescimento deve ser avaliado porque a PP progressiva está geralmente associada a alta velocidade de crescimento, e esse pode ser o primeiro sinal das manifestações puberais (Papadimitriou et al., 2006). Além disso, alterações na genitália externa devem ser avaliadas juntamente com exame pélvico e abdominal. O exame neurológico pode ser útil e deve incluir a fundoscopia para avaliar a presença ou ausência de papiledema (aumento da pressão intracraniana) e campo visual (massa no SNC); qualquer anormalidade no exame neurológico ou de imagem aponta para uma origem central. É necessário procurar sinais de androgenização e sinais e sintomas especiais, como de hipotireoidismo. Deve ser realizado exame dermatológico para avaliar a presença de manchas café-com-leite (síndrome de McCune-Albright [Fig. 46.3]). Estágio puberal: deve ser objetivamente avaliado seguindo os estágios de Tanner (Fig. 46.4). O estágio de desenvolvimento mamário deve ser avaliado cuidadosamente em meninas obesas. A presença de pelos pubianos em meninas com ausência de desenvolvimento mamário sugere distúrbio adrenal ou exposição a andrógenos.

643

Idade óssea: pacientes com achados de precocidade sexual no exame físico devem realizar uma radiografia de punho e mão esquerda para avaliar a idade óssea (IO). A idade óssea em pacientes com PP geralmente está maior do que a idade cronológica. Pacientes que apresentam IO normal provavelmente não apresentam PPC. Se a IO é normal em pacientes com PP incompleta (sem desenvolvimento de todos os eventos ou caracteres secundários), apenas o seguimento deve ser suficiente, sem necessidade de investigação adicional. Porém, quando essa avaliação for realizada no início do processo puberal, pode não ter havido tempo suficiente para se estabelecer avanço da IO. O seguimento clínico com avaliação do crescimento ponderoestatural a cada 4 meses poderá indicar necessidade de nova avaliação radiográfica. A investigação adicional procura determinar a causa da PP e direcionar a terapia: Teste do GnRH: nos casos de precocidade sexual de causa não central, os níveis basais de gonadotrofinas são baixos ou mesmo suprimidos; após a estimulação com GnRH, não ocorre elevação dos valores. Nos casos de puberdade precoce de origem central, os níveis basais de gonadotrofinas são normais, mas a resposta após estimulação com GnRH é do tipo puberal, com aumento de LH e FSH. O teste clássico de estímulo do GnRH é realizado com 100 ␮g de gonadorelina (Relisorm®) intra-

Tabela 46.2 Achados laboratoriais e clínicos nas diferentes etiologias da puberdade precoce Tamanho das gônadas

FSH e LH basais

Estradiol

SDHEA

Reposta ao teste com GnRH

Idiopática Cerebral Gonadal

Aumentado Aumentado Aumentado unilateralmente

Aumentado Aumentado Baixo

Aumentado Aumentado Aumentado

Aumentado Aumentado Aumentado

Puberal Puberal Normal

McCune-Albright

Aumentado

Baixo

Aumentado

Aumentado

Normal

Adrenal

Pequeno

Baixo

Aumentado

Aumentado

Normal

FSH, hormônio foliculoestimulante; LH, hormônio luteinizante; S-DHEA, sulfato de de-hidroepiandrosterona; GnRH, hormônio liberador de gonadotrofinas. Fonte: Adaptada de Speroff, Glass e Kase (1999).

644 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Altura por idade MENINAS 5 a 19 anos (escores z) 3

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Altura (cm)

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Idade (meses e anos completados) 2007 WHO Reference

Figura 46.2 Velocidade de crescimento, percentis de peso e altura. Fonte: Adaptada de World Health Organization (2007).

A

B

Figura 46.3 Manchas café-com-leite com bordas irregulares em menina de 5 anos com síndrome de McCune-Albright. Fonte: Adaptda de Dumitrescu e Collins (2008).

em 0, 30 e 60 min. O teste do GnRH também pode ser realizado com a administração de leuprolida (análogo do GnRH) (20 ␮g/kg ou 100 ␮g/ m2, até a dose máxima de 100 ␮g) e a verificação dos níveis das gonadotrofinas após 30 e 60 min. A dosagem de LH tem melhor sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de PP, mas o valor do ponto de corte não foi estabelecido e varia conforme os ensaios laboratoriais. Em geral, a ocorrência de um pico de LH entre 5 e 8 UI/l após estimulação é considerada como sugestiva de PPC, bem como a sobreposição dos níveis de LH sobre os de FSH (na resposta puberal, o primeiro eleva-se muito mais, sendo que uma relação LH/ FSH ⬎ 0,66 é indicativa de PPC). Essa relação é válida apenas para meninas (Carel et al., 2009; Azevedo et al., 2006; Oerter et al., 1990).

Exames complementares venosa e dosagens de gonadotrofinas 15 min antes, 0, 15, 30, 45 e 60 min após a administração de GnRH sintético. No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), temos realizado dosagens

Na PPC: todos os pacientes devem fazer um exame de imagem cerebral para determinar se lesões hipotalâmicas estão presentes, preferencialmente com ressonância nuclear magnética (RNM)

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A

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Desenvolvimento de mamas e pelos pubianos

Mamas

Estágio1

Pelos Estágio1 pubianos

Estágio 2

Estágio 3

Estágio 2

Estágio 3

Estágio 4

Estágio 5

Estágio 4

Estágio 5

Figura 46.4 Estágios de Tanner em meninas. Fonte: Adaptada de Carel e Leger (2008).

(Stanhope, 2003; Carel; Leger, 2008). A prevalência de lesões é maior em meninos (40-90%) do que em meninas (8-33%) e muito menor se a puberdade ocorre após os 6 anos de idade (apro-

ximadamente 2%). Se os exames são normais e a resposta ao teste do GnRH é tipicamente puberal, o diagnóstico mais provável é de precocidade sexual idiopática. Mesmo sendo a forma de pre-

QUADRO 46.1

Estágios de Tanner Estágios de Tanner

Mama

Pêlos pubianos

Estágio 1

Elevação somente da papila (prépúbere). Elevação discreta da mama e dapapila, com aumento do diâmetroareolar (broto mamário). Maior elevação da mama e da papila, sem separação dos contornos da aréola e da mama. Separação dos contornos da aréola e da mama. O estágio é facultativo.

Pêlos velares idênticos àqueles da parede abdominal anterior. Pêlos terminais, grossos, pigmentados, discretamente curvilíneos nos grandes lábios e no Monte de Vênus. Pêlos qualitativamente adultos, mas a área coberta concentra-se na linha média. Pêlos adultos em quantidade e qualidade. No Monte de Vênus a distribuição obedece à configuração em triângulo invertido. Pode estender-se para a raiz das coxas.

Estágio 2

Estágio 3

Estágio 4

Estágio 5

Nivelamento da aréola ao contorno geral da mama, com projeção exclusiva da papila.

646 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

cocidade mais comum em mulheres, esse deve ser um diagnóstico de exclusão, com seguimento prolongado para detectar lesões cerebrais, ovarianas ou adrenais de evolução lenta. A avaliação da tireoide com TSH e T4 livre deve ser realizada se houver alguma evidência de hipotireoidismo. Nesses casos, pode ocorrer desenvolvimento mamário e genital, crescimento de pelos pubianos e sangramento vaginal em uma criança de baixa estatura com idade óssea atrasada; os níveis de FSH e LH podem ser puberais e pode coexistir galactorreia. Além dos hormônios tireoidianos, deve-se dosar o hormônio do crescimento se houver história de irradiação no crânio. Na PPP: uma ultrassonografia de abdome e pelve deve ser solicitada com o objetivo de procurar lesões ovarianas e adrenais. Um volume uterino ⬎ 2 mL apresenta uma sensibilidade e especificidade de 89% para diagnóstico de puberdade precoce (De Vries et al., 2006). Devem ser solicitados estradiol, testosterona, progesterona, 17-hidroxiprogesterona, cortisol e S-DHEA séricos para avaliar a presença de hiperplasia adrenal e de tumores de adrenal ou ovário. Quando não ocorre virilização, mas existe crescimento e maturação esqueléticas acelerados, a etiologia provável é de tumor ou cisto ovarianos; nesses casos, o FSH e o LH são suprimidos, mas o estradiol é elevado. Um nível alto de progesterona sérica sugere um luteoma ovariano. Quando os sinais de precocidade sexual são acompanhados de virilização, deve-se considerar a possibilidade de tumor virilizante (de adrenal ou ovário) ou hiperplasia adrenal congênita não clássica, sendo a dosagem 17-hidroxiprogesterona de grande valia para orientar o diagnóstico.

Tratamento Puberdade precoce central Se uma etiologia específica para a puberdade precoce é identificada, deve-se tratar inicialmente a causa subjacente. O tratamento neurocirúrgico ou radioterápico de tumores em hipotálamo, hipófise ou adjacências deve ser individualizado para cada paciente. Nos casos de hipotireoidismo primário, a reposição de tiroxina evita a progressão da precoci-

dade sexual; após tratamento com tiroxina, os níveis hormonais retornam ao normal, e os sintomas regridem. Caso se identifique hiperplasia adrenal, o tratamento com doses apropriadas de glicocorticoides evita a progressão futura. Em relação às pacientes com puberdade precoce verdadeira, a grande questão é para quem indicar o tratamento – uma vez que nem todas precisam de tratamento médico. A decisão sobre tratar ou não baseia-se no estágio de desenvolvimento puberal que a criança apresenta, na velocidade das transformações puberais, na alteração do potencial de estatura, bem como em fatores psicossociais e comportamentais. As drogas que produzem a melhor resposta na PPC são os análogos do GnRH. Após uma liberação de gonadotrofinas rápida e de curta duração (flare), ocorrem dessensibilização e down-regulation dos receptores, causando uma profunda redução nas gonadotrofinas, nos esteroides sexuais e em seus efeitos biológicos. Ocorrem, a seguir, regressão substancial das características puberais, amenorreia e redução da velocidade de crescimento. A estatura final deve aumentar, mas é dependente do estágio em que a medicação foi iniciada e da adequação da dose; a altura que se observa ao final do tratamento é em torno de 4 a 7 cm maior do que a prevista no início da terapêutica, porém 5 a 7 cm menor do que o padrão familiar, e geralmente mais baixa do que a média da população geral (Monte; Longui; Calliari, 2001). O tratamento é mais efetivo se iniciado antes que a idade óssea exceda 12 anos. É importante salientar que, apesar dos inúmeros estudos não controlados, estudos não randomizados e relatos mostrando os benefícios dos análogos do GnRH para pacientes com puberdade precoce, são relativamente poucos os ensaios clínicos randomizados acerca do tema (Partsch; Sippell, 2002). São várias as opções de medicações (Tab. 46.3). Os efeitos adversos relatados com o uso dos análogos do GnRH são ganho predominante de massa gorda em relação à massa magra, obesidade, eritema e enduração local, abscesso no local da injeção, cefaleia (especialmente em pacientes com hamartomas hipotalâmicos), fogachos, depressão – todos efeitos não frequentes e relacio-

Rotinas em Ginecologia

647

Tabela 46.3 Medicamentos usados para tratamento da puberdade precoce central Medicamento

Formulação

Dose recomendada

Leuprolide

Ampolas de 3,75, 7,5 ou 11,25 mg para IM

Triptorelina Goserelina

Ampolas de 3,75 mg para injeção IM Pellets de aplicação SC. mensal ou trimestral de 3,6 ou 10,8 mg Droga de absorção nasal, usada diariamente

0,3 mg/kg de peso/mês (dose mínima de 7,5 mg) ⬍ 25 kg: 7,5 mg/mês ⬎ 25-37,7 kg: 11,25 mg/mês ⬎ 37,5 kg: 15 mg/ mês 3,75 mg/mês 3,6 mg/mês ou 10,8 mg a cada 3 meses

Nafarelina

Spray nasal 1-3⫻/dia

IM, intramuscular; SC, subcutânea.

nados à predisposição prévia da paciente. Não se observou osteoporose no tratamento para puberdade precoce, mas alguns autores encontraram uma tendência à redução da densidade mineral óssea, recomendando a suplementação oral com 1 g de gluconato de cálcio durante o uso do análogo do GnRH (Monte; Longui; Calliari, 2001). A adequação da dose do agonista do GnRH pode ser avaliada pela regressão dos sinais e sintomas de precocidade e monitorada pela medida dos níveis de estradiol (os quais devem ser mantidos abaixo de 10 pg/mL – nível característico pré-puberal), tamanho de útero e ovários e aceleração do crescimento (Klein et al., 1998). Após a dose inicial de agonista do GnRH, as meninas nas quais houve proliferação endometrial suficiente podem apresentar sangramento de privação, que não costuma se repetir após doses subsequentes. Alguns autores entendem ser conveniente fazer um curso de medroxiprogesterona de depósito ou outro progestágeno antes de iniciar o tratamento, para evitar o sangramento (Partsch; Sippell, 2002). Como o uso da medroxiprogesterona tem como único objetivo evitar sangramento na primeira dose do análogo do GnRH, pode ser suficiente orientar a família sobre a possibilidade eventual desse sangramento autolimitado. Eventualmente, pode ser necessário fazer novo teste do GnRH para assegurar a ausência de resposta puberal e sucesso terapêutico. Um estudo brasileiro realizado com 18 meninas com diagnóstico de PPC sob tratamento com leuprolide de depósito estabeleceu ponto de corte de pico de LH ⬍ de 2,3 UI/L, após teste clássico do GnRH, ou ⬍ de 6,6 UI/L, após 2 h de uso te-

rapêutico de leuprolide depot, para garantir a supressão do eixo hipotálamo-hipófise-ovário. Esta última medida pode substituir o teste clássico e é muito conveniente para a monitoração terapêutica dessas meninas (Brito et al., 2004). Mesmo com o tratamento, a adrenarca provavelmente continua, devido ao sistema de regulação independente. O momento ideal de suspender o tratamento ainda não está estabelecido. Com base em trabalhos retrospectivos, a suspensão aos 11 anos de idade apresenta um desfecho de altura ótimo. Após a suspensão do tratamento, as manifestações puberais geralmente reaparecem depois de alguns meses, com uma média da menarca 16 meses após parar a medicação. Em relação à fertilidade, ainda não há uma avaliação completa, mas estudos preliminares são animadores (Heger et al., 2006). Alguns estudos sugerem um benefício mínimo em adicionar hormônio do crescimento (GH) 0,1 a 0,15 UI/kg/dia à terapia com agonistas do GnRH em meninas com crescimento subótimo. As observações iniciais da terapia são encorajadoras, mas ainda há relativamente poucos ensaios randomizados que sustentem a conduta; até o momento, não há definição quanto aos subgrupos de pacientes que se beneficiariam da adição de GH (Stenchever et al., 2001; Partsch; Sippell, 2002). Muitos autores não consideram o uso do GH uma conduta custoefetiva, considerando o modesto incremento na estatura final. O tratamento com agonistas do GnRH também é recomendado para hamartomas hipotalâ-

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micos, visto que, em alguns casos, é preferível acompanhar a evolução por meio de exames de imagem em vez de realizar cirurgia de alto risco.

Puberdade precoce periférica O tratamento deve ser baseado diretamente na patologia envolvida; a terapia com agonistas do GnRH não é eficaz para formas não centrais de puberdade precoce. Se um tumor ovariano ou adrenal é identificado, a excisão cirúrgica é o tratamento de escolha. No caso de um cisto ovariano, deve-se determinar primeiramente se se trata de um cisto autônomo ou secundário à estimulação gonadotrófica; a primeira situação pode ser manejada com conduta expectante ou ressecção cirúrgica, enquanto a segunda segue o tratamento para PPC. Tumores produtores de hCG podem requerer tratamento cirúrgico, radioterápico, quimioterápico ou combinado, dependendo do seu sítio de localização e histologia. Pacientes com diagnóstico de síndrome de McCune-Albright devem ser tratadas com medicamentos que inibem a produção ou ação dos esteroides gonadais. A testolactona, que inibe a aromatização de androgênio para estrogênio, vem sendo utilizada com certo sucesso, diminuindo a recorrência de cistos ovarianos e, dessa forma, a progressão puberal. Entretanto, estudos têm demonstrado sua perda de eficácia com o passar do tempo. Devido a essa dificuldade, outras drogas da mesma categoria têm sido utilizadas, como anastrozole e le-

trozole, assim como o tamoxifeno, uma droga antiestrogênica. Podem ocorrer casos de puberdade precoce verdadeira secundária à cronificação de causas periféricas (p. ex., síndrome de McCune-Albright) podendo, nesses casos, ser necessário o uso de análogos de GnRH (Haddad; Eugster, 2007).

Puberdade incompleta Pacientes com telarca ou adrenarca prematuras não necessitam de tratamento, mas devem manter um acompanhamento com exame físico regular. Esse acompanhamento deve ser feito para excluir uma PPC de evolução lenta. Além de tratar a causa básica, o manejo da puberdade precoce tem os seguintes objetivos: estacionar a maturação sexual até a idade cronológica da puberdade normal, atenuar e diminuir as características precoces já estabelecidas, maximizar o potencial de estatura da vida adulta, evitar o abuso sexual, reduzir os problemas socioemocionais e estabelecer a contracepção, quando necessário. Deve-se ter atenção especial ao manejo dos problemas psicossociais em todas as crianças com puberdade precoce. Explicações cuidadosas devem ser dadas aos pais e professores das crianças afetadas, procurando esclarecer que tais características sexuais são normais, apenas precoces. O acompanhamento psicológico ou psiquiátrico da paciente e de sua família muitas vezes é necessário.

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650 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em relação à puberdade precoce, considere as seguintes afirmações: I. Meninas com sinais de desenvolvimento sexual secundário iniciados a partir dos 9 anos provavelmente não necessitam investigação. II. O teste do GnRH é capaz de diferenciar precocidade sexual periférica (quando LH e FSH se elevam bastante após estímulo com leuprolide) de precocidade sexual central (quando LH e FSH permanecem estáveis, mesmo com estímulo). III. Nas pacientes com puberdade precoce, a idade óssea é maior que a idade cronológica, mas a velocidade de crescimento é menor que a esperada. Está(ão) correta(s): a. b. c. d. e.

2. Com relação ao tratamento da puberdade precoce verdadeira, é válido afirmar que: a. É conveniente que se institua um tratamento medicamentoso para todas as pacientes. b. O tratamento será mais efetivo sobre a estatura final, se iniciado antes que a idade óssea exceda 12 anos. c. A progesterona propicia regressão das características puberais e redução da velocidade de crescimento. d. Os análogos do GnRH são considerados medicamentos de segunda escolha. e. A osteoporose é um efeito adverso frequente quando se utilizam análogos do GnRH no tratamento da puberdade precoce.

Apenas I. Apenas II. Apenas III. II e III. I, II e III.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

47

Distúrbios do Desenvolvimento Sexual Fernando Freitas João Sabino L. da Cunha Filho Carlos Augusto Bastos de Souza Vanessa Krebs Genro João Paolo Bilibio

Na última década, grandes avanços na identificação dos processos moleculares da determinação e da diferenciação sexual foram atingidos, facilitando bastante o entendimento de patologias ligadas ao sexo. Em 2006, a European Society for Pediatric Endocrinology e a Lawson Wilkins Pediatric Endocrine Society publicaram um consenso para o manejo dos “estados intersexuais”, no qual foi revisada a nomenclatura dessas patologias (Lee et al., 2006). Termos como “intersexo”, “pseudo-hermafroditismo”, “hermafroditismo” e “reversão de sexo” foram considerados controversos e potencialmente pejorativos (Conn; Gillam; Conway, 2005). Dessa forma, a nomenclatura dos distúrbios do desenvolvimento sexual (DDS) foi proposta e definida como anormalidades congênitas nas quais os desenvolvimentos cromossômico, gonadal ou anatômico do sexo são atípicos. O classicamente nomeado hermafroditismo verdadeiro, hoje DDS ovotesticular, é considerado aquela alteração em que pode ser comprovada a existência de tecido testicular e ovariano no mesmo indivíduo. DDS 46 XY ou pseudo-hermafrodita masculino tem testículos, mas a genitália externa e, algumas vezes, a genitália interna apresentam uma aparência feminina (Nabhan; Lee, 2007; Tsutsumi; Yoshimura, 1996; Warne; Zajac, 1998). O objetivo desse consenso e de

sua nova classificação é o maior entendimento da patologia e a melhora dos cuidados aos pacientes na medida em que aumentam a probabilidade de um desfecho favorável e evitam consequências desagradáveis ou desfavoráveis. Contudo, esse conhecimento deve ser incorporado às estratégias de tratamento para aumentar a felicidade e a satisfação sexual e emocional de pacientes com alterações na diferenciação e no desenvolvimento sexual. Na classificação dos distúrbios do desenvolvimento sexual, a determinação do cariótipo é de fundamental importância. O resumo das mudanças propostas pela nomenclatura revisada está sumarizado na Tabela 47.1. O Quadro 47.1 mostra exemplos relacionados à classificação atual.

Tabela 47.1 Resumo da nomenclatura revisada Nomenclatura antiga Intersexo Pseudo-hermafrodita Masculino Pseudo-hermafrodita Feminino Hermafrodita Verdadeiro

Nomenclatura revisada DDS DDS 46 XY DDS 46 XX DDS ovotesticular

DDS, distúrbios do desenvolvimento sexual.

652 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

QUADRO 47.1

Classificação revisada do DDSs DDSs de origem cromossômica 45 X0 (Turner) 47 XXY (Klinefelter)

DDSs 46 XX

DDSs 46 XY

Distúrbios do desenvolvimento ovariano > Disgenesia gonadal > DDS ovotesticular Excesso de androgênios > Hiperplasia adrenal congênita – Deficiência da 21-hidroxilase – Deficiência da 11-OH – Deficiência da 3B-desidrogenase

Distúrbios do desenvolvimento testicular > Disgenesia gonadal completa (Swyer) > Disgenesia gonadal parcial > DDS ovotesticular Distúrbios associados à síntese ou ação dos androgênios > Hiperplasia adrenal lipoide > Distúrbios da ação dos androgênios > Defeitos no receptor LH, AMH

LH, hormônio luteinizante; AMH, hormônio antimülleriano.

Distúrbios do desenvolvimento sexual de origem cromossômica DDSs de origem cromossômica são definidos pela aneuploidia dos cromossomos X ou Y.

Síndrome de Turner Em 1938, Turner descreveu um grupo de mulheres com baixa estatura, amenorreia e ausência de caracteres sexuais secundários. A síndrome de Turner é classificada como um DDS de origem cromossômica e caracterizada pela perda de parte ou da totalidade do segundo cromossomo X, com a maioria das pacientes apresentando cariótipo 45 X0. O cariótipo clássico da síndrome de Turner é, possivelmente, a anormalidade cromossômica mais comum, estimando-se a sua prevalência em 0,8% de todos os zigotos, sendo encontrado frequentemente em material de abortamentos espontâneos (Stochholm et al., 2006). As gônadas das pacientes com essa síndrome não se desenvolvem de forma adequada no período fetal, tendo a formação de folículos intraútero reduzida, sendo que um número pequeno ainda se forma, mas, por razões ainda indefinidas, desaparece prematuramente (Weiss, 1971). As gônadas

aparecem como faixas de tecido conectivo localizadas próximas às trompas, conhecidas como “gônadas em fita”. O quadro clínico dessa patologia é extremamente variável e pode apresentar-se já no período pré-natal, com restrição de crescimento intrauterino, higroma cístico, aumento da translucência nucal, presença de fêmur curto ou anormalidades cardíacas (Ferguson-Smith, 1965). Durante a adolescência, a apresentação mais comum é baixa estatura, amenorreia e ausência de caracteres sexuais secundários. Não parece haver prejuízo intelectual nas portadoras dessa síndrome. Dependendo do grau de disgenesia gonadal, a paciente pode apresentar algum grau de desenvolvimento puberal espontâneo.

Síndrome de Klinefelter Durante a meiose materna ou paterna, uma não disjunção cromossômica explica o cariótipo da síndrome de Klinefelter, 47 XXY. No período intrauterino, o testículo fetal tem normalmente as células germinativas primordiais, o que explica o fenótipo masculino. Durante a infância, provavelmente devido a um defeito na comunicação entre as células de Sertoli e as células germinativas, essas últimas se degeneram (Lue et al., 2001). Essa síndrome pode ser diagnosticada em meninos com transtornos de comportamen-

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to, testículos anormalmente pequenos e membros inferiores exageradamente longos. A maioria dos pacientes apresenta-se na puberdade com graus variados de deficiência androgênica, mas essa patologia pode passar completamente despercebida pela adolescência, e o diagnóstico pode ser feito no caso de uma infertilidade por azospermia (Lanfranco et al., 2004).

Distúrbios do desenvolvimento sexual 46 XX Antigamente denominado pseudo-hermafroditismo feminino, essa patologia consiste no processo de virilização da genitália externa em um indivíduo com cariótipo 46 XX. A apresentação fenotípica é ampla, podendo variar de fenótipos evidentemente masculinos até graus variados de ambiguidade genital (Queipo et al., 2002). Cabe ressaltar que mais uma vez a investigação inicia pelo cariótipo de sangue periférico por cultura de linfócitos.

Distúrbios do desenvolvimento ovariano Indivíduos com cariótipo XX e distúrbios da determinação gonadal são pouco comuns; histologicamente, as gônadas podem variar de testículos atrofiados a várias combinações de tecido testicular e ovariano (Ferguson-Smith, 1965). Dos pacientes com cariótipo 46 XX, 80% têm fenótipo claramente masculino, conhecidos classicamente como síndrome de La Chapelle, e a origem da patologia é uma translocação do fragmento SRY (fragmento que determina a espermatogênese e a produção de testosterona testicular) em um dos cromossomos X (Foster et al., 1994).

653

quidia. Entre 12 e 20 semanas, podem ocorrer clitoromegalia, hipospadia, fusão labioescrotal e escrotolização dos lábios menores. Após 20 semanas, como a genitália externa feminina já está formada, haverá apenas clitoromegalia (ver Fig. 43.4, Cap. 43, Diferenciação sexual). Hiperplasia adrenal congênita (HAC) A HAC é causada por uma inabilidade da suprarrenal em sintetizar uma quantidade adequada de cortisol, levando a um excesso de testosterona e resultando em masculinização severa de um indivíduo 46 XX. É responsável por 40 a 50% dos casos de pseudo-hermafroditismo feminino (Figs. 47.1 e 47.2). Deficiência da enzima 21-hidroxilase: a mutação mais comum, responsável por 95% dos casos, ocorre na 21-hidroxilase, que é uma enzima do citocromo P450, responsável pela conversão da 17-OH-progesterona ao 11-deoxicortisol (Huynh et al., 2009). O eixo hipotalâmico reage aos baixos níveis de cortisol ocasionados pelo defeito enzimático, elevando secreção de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) para manter a homeostase. Esse aumento causa hiperplasia do córtex e aumento de andrógenos (androstenediona e testosterona), bem como de precursores da rota de produção do cortisol (progesterona e 17-OH-progesterona) (New, 2003). Um resumo

Excesso de androgênios Exposição a altos níveis androgênicos ou aos seus precursores durante a vida fetal resulta em masculinização da genitália interna e externa em pacientes com cariótipo XX. O grau de masculinização dependerá do momento e da quantidade de exposição androgênica na vida fetal. Altos níveis antes de 12 semanas de gestação podem causar virilização indistinguível de um fenótipo masculino, com exceção da criptor-

Figura 47.1 Pseudo-hermafroditismo feminino em paciente com HAC.

654 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

B

A

Figura 47.2 Pseudo-hermafroditismo feminino em paciente com HAC – tratamento cirúrgico.

do metabolismo do colesterol está representado na Figura 47.3, demonstrando as enzimas que podem estar envolvidas em DDS. Há três formas da doença relacionadas ao grau de deficiência da 21-hidroxilase: (1) a perdedora de sal, (2) a virilizante e (3) a de aparecimento tardio (não clássica). (1) A forma com deficiência de sal é a causa endócrina mais frequente de morte neonatal, devendo sempre ser pesquisada. Há deficiência tanto de cortisol como de

aldosterona, e o recém-nascido pode entrar em crise addisoniana (hiponatremia, hipercalemia e acidose), com risco de vida ou sequelas graves se não diagnosticada e tratada. (2) A forma virilizante ocasionará a masculinização de acordo com o grau e o momento da deficiência. Os precursores esteroides com ação androgênica produzirão masculinização da genitália externa feminina com formação de glande peniana em vez de clitóris e escroto em vez de grandes lábios. Sob influência do excesso androgênico, pode

Colesterol Proteína Star

Membrana mitocondrial

Colesterol Pregnolona

17-hidroxipregnoloma

3-b-HSD

Progesterona 21-OH

11-deoxicorticosterona 11-b

11,20 liase

DHEA

17,20 liase

17-hidroprogesterona

3-b-HSD

Δ-4-androstenediona

21-OH

11-deoxicortisol

Testosterona

11-b

Corticosterona Cortisol Aldosterona

MINERALOCORTICOIDES

GLICOCORTICOIDES

HORMÔNIOS SEXUAIS

Figura 47.3 Resumo do metabolismo do colesterol com representação das enzimas envolvidas em DDS. 21-OH, 21-hidroxilase; 11-β, 11-β-hidroxilase; 3-β-HSD, 3-β-Hidroxiesteroide desidrodenase.

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haver falha no desenvolvimento vaginal, causando um canal ou seio urogenital com separação incompleta da vagina da uretra (Clayton et al., 2002). (3) A forma tardia não é associada a pseudo-hermafroditismo e geralmente aparece na puberdade, associada a hirsutismo, oligomenorreia, acne e infertilidade. Impõe-se, nesses casos, o diagnóstico diferencial com a síndrome dos ovários policísticos. O diagnóstico de HAC pode ser realizado no período pré-natal por meio da dosagem de 17-OH-progesterona e androstenediona no líquido amniótico. No entanto, na maior parte das vezes, o diagnóstico é realizado após o nascimento com a dosagem basal de 17-OH-progesterona: níveis inferiores a 2 ng/mL não requerem teste do ACTH, já que afastam a possibilidade de hiperplasia por deficiência de 21-hidroxilase. A presença de níveis entre 2 e 5 ng/mL é indicativa para o teste com ACTH, e níveis acima de 5 ng/mL ou de 3 a 5 vezes os valores basais pós-teste confirmam o diagnóstico da doença (Clayton et al., 2002). Nas pacientes com indicação de realizar teste do ACTH, é coletada uma amostra de sangue basal, após, é administrada corticotrofina na dose de 250 μg e coletadas novas amostras aos 30 e 60 minutos. Em cada amostra, é realizada a dosagem da 17-hidroxiprogesterona. Valores de 17-hidroxiprogesterona maiores do que 10 ng/mL após estímulo confirmam o diagnóstico de HAC forma não clássica. O tratamento da HAC é realizado com reposição de glicocorticoides e mineralocorticoides, conforme necessário. A hidrocortisona é preferível aos outros corticoides por não necessitar de conversão ao cortisol para realizar sua atividade biológica (Huynh et al., 2009). Se não houver tratamento, pode ocorrer pseudopuberdade precoce heterossexual e fechamento precoce epifisário, resultando em baixa estatura (Clayton et al., 2002). A correção cirúrgica da genitália deve ser realizada em duas etapas: a clitoromegalia deve ser realizada entre 3 e 6 meses, e a correção vaginal deve ser postergada para a puberdade. A Figura 47.2A mostra a correção cirúrgica da hipertrofia de clitóris com dissecção de feixe vasculonervoso e implantação da glande. A Figura 47.2B mostra o final do procedimento cirúrgico.

655

Deficiência da enzima 11-hidroxilase: apresenta uma incidência de 5 a 8% dos casos de hiperplasia adrenal. Pode apresentar-se como forma tardia e também como forma “hipertensiva”, devido ao acúmulo de 11-desoxicortisona, que apresenta uma ação supressora da atividade da renina e uma ação retentora de sal. A apresentação clínica geralmente se dá ao nascimento, com quadro de genitália com grau de ambiguidade, e deve ser suspeitada principalmente quando acompanhada de hipertensão, que pode não estar presente. O diagnóstico se faz com a dosagem do desoxicortisol, que estará aumentado. Deficiência da 3B-desidrogenase: não tem uma incidência ainda conhecida. Na forma clássica, apresenta-se como “perdedora de sal”, quando o comprometimento da produção enzimática é praticamente completo devido à deficiência de mineralocorticoides. Na forma tardia, geralmente a produção de mineralocorticoides é normal, e sua apresentação clínica deve-se ao hiperandrogenismo com hirsutismo e irregularidades menstruais. O diagnóstico é realizado com a dosagem de seus precursores, que estarão aumentados: DHEA, S-DHEA e 17-hidroxipregnolona. O tratamento acontece por meio do uso de glicocorticoides para bloqueio da atividade aumentada da glândula, diminuindo assim a produção aumentada de androgênios. Após o tratamento, será avaliado se ocorreu regressão da virilização (diminuição satisfatória da hipertrofia do clitóris) ou se há necessidade de correção cirúrgica, principalmente em defeitos maiores. Outras causas: são menos frequentes, como tumores ovarianos e adrenais, assim como o uso de drogas andrógenas durante a gestação.

Distúrbios do desenvolvimento sexual 46 XY Conforme citado anteriormente, no DDS 46 XY, ou pseudo-hermafroditismo masculino, o cariótipo é 46 XY, no entanto, a genitália apresenta-se com diferenciação feminina ou

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ambígua. Em muitos casos, há persistência dos ductos de Müller.

Distúrbios do desenvolvimento testicular Disgenesia gonadal: a disgenesia gonadal XY origina-se do desenvolvimento anormal do tecido testicular intraútero. Essa patologia pode apresentar-se de três formas diferentes: pura ou completa, parcial e mista, as quais podem ser diferenciadas pela extensão de tecido testicular normal presente. Pacientes portadores de disgenesia gonadal pura de cariótipo XY apresentam fenótipo claramente feminino, com estatura normal ou alta, gônadas em fita, atraso no desenvolvimento puberal e amenorreia (Damario; Rock, 1995). Disgenesias parciais apresentam-se comumente como genitália ambígua (Fig. 47.4). O diagnóstico definitivo é baseado na biópsia das gônadas. O risco de gonadoblastoma nesses pacientes é muito alto, sendo indicada gonadectomia profilática. A disgenesia mista apresenta-se com graus variados de genitália ambígua, com diagnóstico realizado por biópsia gonadal. Na síndrome de Swyer-James ou disgenesia gonadal completa, os indivíduos apresentam fenótipo feminino, genitália interna feminina e genitália externa feminina, e sua suspeita diagnóstica se dará por falha do desenvolvimento puberal e amenorreia primária.

Figura 47.4 Disgenesia gonadal forma incompleta.

São indivíduos cromossomicamente 46 XY, que apresentam uma falha no desenvolvimento testicular ainda antes da 7a semana de vida embrionária e consequentemente não terão a produção de testosterona nem de hormônio antimülleriano (AMH) (ver Cap. 43, Diferenciação sexual). Com isso, os ductos de Müller irão desenvolver-se normalmente por falta do AMH (genitália interna será feminina), e, devido à não produção de testosterona, a genitália externa também será feminina.

Distúrbios associados à síntese ou ação dos androgênios Ocorrem por deficiência na produção de andrógenos e defeito na sua ação. Hiperplasia adrenal congênita do tipo lipoide: é derivada da mutação de uma enzima mitocondrial responsável pelo metabolismo inicial do colesterol (STAR protein), que provoca acúmulo de colesterol e ausência de testosterona ou androgênios. A presença do AMH permite a regressão dos ductos de Müller em fetos XY, mas a falta de testosterona não permite o desenvolvimento da genitália externa masculina. Pacientes com cariótipo XX apresentam apenas a crise adrenal como manifestação da doença (Arboleta; Vilain, 2009). Essa patologia não deve ser confundida com a já descrita HAC clássica derivada de uma deficiência enzimática (21-OH), que causa masculinização em fetos com cariótipo XX. Deficiências mais raras em enzimas necessárias ao metabolismo inicial do colesterol, como 3-β-hidroxiesteroide desidrogenase (3-β-HSD) ou 17,20-liase, também podem ser responsáveis por quadros de feminização ou ambiguidade sexual em indivíduos XY. Como descrito anteriormente, a Figura 47.3 resume o metabolismo do colesterol e localiza as enzimas citadas. Na presença de gônadas e biossíntese dos esteroides normais, anormalidades nos receptores androgênicos podem explicar fenótipos semelhantes. Essa patologia pode ser dividida em forma completa e incompleta. O fenótipo pode variar de uma aparência completamente feminilizada, em casos de insensibilidade completa aos andrógenos, à virilização normal com presença de estruturas müllerianas.

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Testículo feminilizante ou forma completa de insensibilidade aos andrógenos: o testículo feminilizante ou forma completa é uma condição na qual há insensibilidade congênita aos andrógenos por um problema nos receptores intracelulares. Os testículos, na fase de diferenciação sexual, secretam testosterona, que não consegue atuar nos ductos de Wolff e na genitália externa pela falta de receptores androgênicos. Os indivíduos têm diferenciação feminina da genitália externa e, portanto, apresentam o terço inferior da vagina, e não há receptores androgênicos para o desenvolvimento dos ductos de Wolff. A gônada (testículo) secreta o fator inibitório dos ductos de Müller. Esses indivíduos têm vagina curta em fundo cego, ausência de útero e tubas uterinas. Não há sinais de ambiguidade sexual ou de atividade androgênica. Os testículos podem estar presentes na cavidade abdominal, no canal inguinal ou nos grandes lábios. Não há virilização na puberdade, os níveis de testosterona estão aumentados para o fenótipo feminino (em níveis masculinos), o hormônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo-estimulante (FSH) são normais ou aumentados, e o estradiol é aumentado para homens (Fig. 47.5) (MacLaughlin; Donahoe, 2004; Matzuk; Lamb, 2008). O diagnóstico diferencial com a síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hawser, ocasionada por um defeito no desenvolvimento dos ductos de Müller, gerando ausência do útero e de dois terços superiores da vagina, é uma realidade a ser pensada nesses casos. A paciente vem à consulta ginecológica, como no testículo feminilizante, por amenorreia primária ou por dificuldade de manter relações sexuais. Entretanto, na síndrome de Rokitansky, além do cariótipo 46 XX, níveis normais de testosterona para o sexo feminino e ultrassonografia com gônadas sugestivas de ovários pela presença de folículos em crescimento, essas pacientes apresentam pelos sexuais normais, ao contrário das portadoras de testículo feminilizante, que não apresentam pelos axilares e pubianos. A etiologia da síndrome de Rokitansky não é conhecida, porém alguns avanços têm sido realizados para seu melhor entendimento. O PAX2 é um fator de transcrição comum ao desenvolvimento dos ductos de Wolff e Müller. A presença de mutações nesse gene tem sido associada à falha no desenvolvimento mülleriano e a anormalidades renais (desde rim

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pélvico a agenesia renal). Alterações nos fatores de transcrição Hox 9, 10, 11 e 13 têm sido associados a atresias uterinas e vaginais (MacLaughlin; Donahoe, 2004). O tratamento consiste na correção do tamanho da vagina (construção de neovagina ou dilatação vaginal) para tornar a cópula satisfatória; não é necessário reposição hormonal. A reprodução só é possível com gestações substitutiva (“barriga de aluguel”), isto é, com embriões obtidos a partir dos óvulos da paciente, mas transferidos para útero de outra mulher anatomicamente normal. Falhas na produção de testosterona ou mutações nos receptores androgênicos podem produzir fenótipos masculinos com graus diversos de diminuição da virilização. No testículo feminilizante, as pacientes têm desenvolvimento puberal normal feminino, porque a testosterona produzida pelos testículos em níveis plasmáticos

Figura 47.5 Paciente portadora de testículo feminilizante.

658 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

masculinos é transformada em estrogênio na periferia. Geralmente, são identificadas no nascimento como mulheres, tendo sexo de criação social feminino, desenvolvimento puberal feminino e apresentando, inclusive, mamas normais. Importante ressaltar o fato de algumas dessas pacientes apresentarem um comprimento da vagina suficiente para manter relações sexuais. Frequentemente há necessidade de se efetuar uma neovagina pela técnica que o ginecologista estiver acostumado a obter bons resultados. As gônadas (testículos) que não conseguem exercer todas as suas potencialidades são consideradas disgenéticas. Após a puberdade, de preferência entre 16 e 18 anos de idade, as gônadas devem ser extirpadas pelo risco de malignização, que é menor que 5% (Cools et al., 2009). Quando os testículos forem intra-abdominais, a sua exérese pode ser feita por via laparoscópica. A orquiectomia corresponde a uma “ooforectomia”, uma vez que a fonte de estrogênios, testosterona, é abolida, estando indicada a terapêutica de reposição estrogênica. Forma incompleta de insensibilidade aos andrógenos: pode corresponder desde a completa falta de virilização até a masculinização fenotípica completa. Os testículos podem ser intra-abdominais ou presentes nos canais inguinais; no entanto, as estruturas wolffianas e a genitália falham em responder aos altos níveis de testosterona, e de seu metabólito, a di-hidrotestosterona (DHT). A produção do fator antimülleriano leva à completa regressão dos ductos de Müller. Têm sido descritos casos em que a única expressão de insensibilidade aos andrógenos é a azoospermia ou oligospermia severa. Síndrome de persistência de ductos müllerianos: uma causa rara de pseudo-hermafroditismo masculino é a síndrome de persistência de ductos müllerianos (Nabhan; Lee, 2007). Nesses casos, o indivíduo é XY e apresenta um defeito no gene do hormônio antimülleriano localizado no cromossomo 12q13. O paciente com essa síndrome persiste com o ducto mülleriano, o qual pode diferenciar-se nas estruturas genitais femininas internas (Josso et al., 2005). Apresenta-se com testículo abdominal ou inguinal e pode haver ectopia testicular devido às estruturas uterinas herniadas (MacLaughlin; Donahoe, 2004; Arboleta; Vilain, 2009).

Deficiência de 5-␣-redutase: enzima responsável pela transformação da testosterona em DHT, metabólito mais ativo necessário à diferenciação genital externa masculina (Kuttenn et al., 1979). O grau de deficiência da 5-α-redutase determinará o grau de alteração da virilização. Os casos podem apresentar-se com hipospádia, falha de fusão labioescrotal, ausência de próstata, seio urogenital aberto ou aberturas separadas de uretra e vagina e um clitóris simulando pênis e vice-versa. Os ductos de Wolff, por ação da testosterona, transformam-se em epidídimo, canal deferente e vesícula seminal. A curiosa virilização que ocorre nesses pacientes na puberdade frequentemente leva a alterações na identidade sexual. Como o defeito de desenvolvimento é na genitália externa, na puberdade a testosterona é metabolizada em diferentes locais, produzindo voz grossa, libido masculina, ereção, mamas normais para o sexo masculino, aumento do clitóris ou pênis (aumento da atividade da 5--redutase tipo 1, que resulta em DHT suficiente para completar a virilização desses indivíduos masculinos geneticamente). Na puberdade, portanto, pode haver dificuldades no manejo desse paciente com sua identificação sexual. Os testículos podem estar na pelve ou nos canais inguinais. A investigação deve iniciar sempre pelo cariótipo. O restante da avaliação pode ser realizado com auxílio de ultrassonografia, vaginografia, ressonância magnética e dosagens hormonais, em que pode haver uma elevada relação testosterona/DHT, que aumenta após a estimulação com gonadotrofina coriônica (hCG). A conduta nas formas incompletas é, após correto diagnóstico complementar, quando possível, a identidade sexual conforme o desejo do(a) paciente. Nas mulheres, a orquiectomia, plástica redutora do clitóris, e as correções do seio urogenital são indicadas, assim como a estrogenioterapia. Em alguns casos de insensibilidade incompleta aos andrógenos, o pênis é de tamanho suficiente para permitir a identificação sexual masculina ao nascimento, mesmo na presença de hipospádia perineal. Na puberdade, a deficiência parcial dos receptores faz com que ocorra transformação dos andrógenos em estrogênios, os quais atuam nas glândulas mamárias, produzindo ginecomastia. Se possível, o

Rotinas em Ginecologia

diagnóstico deve ser alcançado antes da puberdade, evitando os problemas ocasionados pela virilização em pacientes criados como se fossem do sexo feminino.

Distúrbios do desenvolvimento sexual ovotesticular No distúrbio classicamente conhecido como hermafroditismo verdadeiro, como supracitado, há presença de tecido ovariano e testicular na mesma gônada ou na gônada contralateral. Essa patologia é rara nas Américas, e mais comum na África e na Ásia. Ocorre assimetria das gônadas e, por conseguinte, dos ductos reprodutivos, e genitália externa com testículos, ovários e ovotestes presentes em várias combinações. O cariótipo mais encontrado é o 46 XX ou mosaicos. A gônada mais encontrada é um ovoteste. Gônadas com cariótipo único ocorrem mais frequentemente do lado esquerdo, e, geralmente, a genitália interna acompanha a gônada adjacente. Os ovários apresentam-se ortotópicos, mas os testículos podem ocupar a cavidade abdominal, o canal inguinal ou o períneo (Nabhan; Lee, 2007; Tsutsumi; Yoshimura, 1996). Os

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eventos moleculares que levam a esse distúrbio ainda não foram elucidados, mas alguns casos têm sido atribuídos a uma translocação de um fragmento do gene SRY (Damario; Rock, 1995). O sexo é determinado pelo fenótipo, que em geral é determinado pela gônada dominante. No hermafroditismo verdadeiro, a gônada apresenta uma disgenesia menos grave do que aquela de pacientes com disgenesia gonadal mista. Em pacientes com hermafroditismo verdadeiro criados como mulher, o tecido ovariano deve ser preservado, e o testicular, removido. A reconstrução cirúrgica é complementada pela conservação das estruturas müllerianas e pela exérese das wolffianas. A realização de uma neovagina muitas vezes torna-se desnecessária. Um resumo simplificado das síndromes anteriormente descritas está presente na Tabela 47.2.

Manejo dos distúrbios do desenvolvimento sexual Talvez o aspecto mais importante do manejo dos hoje denominados distúrbios do desenvolvimento sexual é que ele seja realizado, na medida do possível, com uma equipe multi-

Tabela 47.2 Resumo das síndromes descritas Síndrome

Cariótipo

Fenótipo

Causas

Características gerais

Turner

45 X0

Feminino

Cromossômica: perda de um cromossomo X

Klineferter

47 XXY

Masculino

Cromossômica: não disjunção da meiose paterna ou materna

DDS 46 XX

46 XX

Masculino ou ambíguo

DDS 46 XY

46 XY

Feminino ou ambíguo

DDS ovotesticular

46 XX ou 46 XY

Variável

Translocação do fragmento SRY ou exposição fetal aos androgênios (HAC) Disgenesia gonadal completa ou parcial ou defeitos na síntese ou ação dos androgênios Não completamente elucidada; translocação (XX) ou mutação do SRY (XY).

Baixa estatura, amenorreia e ausência de caracteres sexuais secundários Deficiência androgênica, transtornos de comportamento, testículos hipotróficos Fenótipo masculino com criptorquidia ou fenótipo feminino com genitália ambígua Fenótipo feminino com amenorreia, atraso puberal e gônadas em fita Presença de tecido ovariano e testicular; fenótipo determinado pela gônada dominante

660 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

disciplinar. Além do ginecologista, pediatras, endocrinologistas, cirurgiões pediátricos, profissionais da área da saúde mental, geneticistas e assistentes sociais devem ser envolvidos no cuidado desses pacientes. A atribuição do gênero talvez seja a etapa mais delicada desse manejo. Até meados dos anos 1950, o pressuposto médico era de que o “gênero verdadeiro” era equivalente ao sexo das gônadas. Ao final dessa década, sob a influência do psicólogo John Money e do endocrinologista pediátrico Lawson Wilkins, a atribuição do gênero passou a ser influenciada pelo princípio do “gênero ótimo”, que considerava múltiplos fatores visando à melhor função sexual do indivíduo. O importante é romper com a questão do determinismo genético e construir uma identidade fenotípica, isto é, de integração entre os aspectos genéticos e ambientais. É inegável que, por exemplo, pacientes com insensibilidade completa aos androgênios (genitália externa feminina,

cariótipo XY) são do gênero feminino. Em geral, informa-se à paciente que existe um cromossomo anormal (sem especificamente falar em cromossomo Y); deve-se informar sobre a ausência de útero, sobre a impossibilidade de gestar e sobre a presença de “gônadas” (em vez de “testículos”), as quais devem ser removidas. Entretanto, um registro de resultados de exames que podem ser interpretados como sendo discordantes pode levar a outras considerações por um observador mal informado. O direito à verdade – veracidade – é, em princípio, uma característica da relação médico-paciente. O problema é a forma e o momento de repassar essa informação. A paciente dever ser preparada e protegida para tal tipo de revelação. A manutenção dessa informação como um segredo familiar dos pais ou responsáveis também pode ter repercussões. Dessa forma, a avaliação do risco associado à revelação do diagnóstico deve ser individualizada e compartilhada com a equipe multiprofissional que atende a paciente.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual o diagnóstico mais provável de um indivíduo com genitália externa feminina, cariótipo 46, XY e ausência de pelos sexuais? a. Síndrome de Rokitanski. b. Disgenesia gonadal. c. Hiperplasia adrenal congênita por deficiência da 21-hidroxilase. d. Síndrome do testículo feminilizante.

2. O tratamento da hiperplasia adrenal congênita forma tardia é realizado com: a. Gonadectomia bilateral. b. Corticoide. c. Reposição de estrogênio combinado com progesterona. d. Anticoncepcional oral.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Amenorreias Fernando Freitas Eduardo Pandolfi Passos Cristiano Caetano Salazar João Paolo Bilibio

A amenorreia, definida como a ausência de menstruação no período da menacme, é classicamente dividida em dois tipos: Amenorreia primária: a não ocorrência de menarca até os 16 anos de idade, com presença de caracteres sexuais secundários, ou a não ocorrência de menarca até os 14 anos de idade em meninas sem desenvolvimento de caracteres sexuais secundários.

2. A hipófise anterior, que, como resposta ao hormônio liberador de gonadotrofinas hipotalâmico (GnRH), secreta os hormônios foliculoestimulante (FSH) e luteinizante (LH), atuantes no ovário. 3. O ovário, que secreta estrogênio e progesterona, em resposta às gonadotrofinas (LH e FSH) produzidas pelo eixo hipotálamo-hipófise.

Amenorreia secundária: a ausência de menstruação por 6 meses ou por um período equivalente a três ciclos habituais, em mulher que previamente menstruava (Speroff et al., 1999). Períodos menores de ausência de mênstruo são referidos comumente como atraso menstrual.

4. A vagina e o útero, que devem ser patentes para exteriorização do fluxo, sendo que o útero deve ter um endométrio responsivo às variações hormonais cíclicas.

A amenorreia pode ser fisiológica (gestação, lactação, menopausa) ou patológica (atraso do desenvolvimento puberal, pseudo-hermafroditismo, sinéquias uterinas), sendo apenas um sintoma de várias entidades clínicas possíveis.

Investigação das amenorreias primárias

Para que ocorra o fluxo menstrual, é necessária a integridade anatômica e fisiológica do sistema reprodutor feminino, dividido didaticamente em quatro “compartimentos”: 1. O hipotálamo e o sistema nervoso central (SNC), que representam o controle primário do ciclo menstrual, sofrendo influência endógena (esteroides sexuais e outros hormônios, por mecanismos de feedback) e também do ambiente externo.

A investigação das amenorreias primárias estão resumidamente descritas aqui e aprofundadas nos Capítulos 45, Atraso do desenvolvimento puberal, e 47, Distúrbios do desenvolvimento sexual. A amenorreia primária é geralmente resultado de alguma anormalidade genética ou anatômica. Entretanto, todas as causas de amenorreia secundária podem se apresentar como amenorreia primária. Segundo Reindollar (1986), as causas mais comuns de amenorreia primária são disge-

Rotinas em Ginecologia

663

nesia gonadal (50%), hipogonadismo de causa hipotalâmica (20%), ausência de útero, cérvice ou vagina (15%), septo vaginal ou hímen imperfurado (5%) e doença hipofisária (5%). Os aspectos mais importantes a serem avaliados nas amenorreias primárias são a presença ou ausência de caracteres sexuais secundários (entenda-se, aqui, especialmente a presença de mamas desenvolvidas), a presença ou ausência de útero e os níveis de FSH: > Se não há desenvolvimento mamário (ausência de telarca), as etiologias mais prováveis são atraso funcional do desenvolvimento puberal (FSH baixo ou normal) e disgenesia gonadal (FSH elevado). Essas pacientes serão abordadas no Capítulo 45. > Se há desenvolvimento mamário, há sinal de ação estrogênica e, portanto, de funcionamento ovariano. Nesses casos, quando o útero é ausente, os diagnósticos mais prováveis são agenesia mülleriana e insensibilidade androgênica. > Se há desenvolvimento mamário e o útero é presente, as etiologias devem ser as mesmas das amenorreias secundárias, apenas ocorrendo antes que a adolescente tenha a sua primeira menstruação.

Figura 48.1 Hímen imperfurado, com amenorreia primária.

ponha de outros meios diagnósticos; quando positiva, estabelece a anovulação como etiologia, pois indica tanto uma anatomia íntegra e responsiva à estimulação hormonal quanto um ovário produtor de estrogênio. Os casos com anatomia normal representam uma disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, e o restante da investigação segue o

Ao se avaliar a paciente com amenorreia primária e telarca presente, deve-se antes de tudo descartar gestação pela história ou por exame laboratorial. A seguir, é necessário afastar a criptomenorreia, isto é, a ausência de fluxo menstrual devido ao bloqueio da saída do mênstruo, por hímen imperfurado ou septo vaginal (Figs. 48.1 e 48.2). É frequente a dor pélvica cíclica, podendo ocorrer hematocolpo, hematometra e até derrame intraperitoneal. O tratamento é cirúrgico, suscitando a procura de outras malformações congênitas no trato genital. O segundo passo é verificar a normalidade do restante da anatomia, isto é, se a paciente apresenta útero e vagina, e se esta é completa ou curta. Para isso, lança-se mão do exame físico, da ultrassonografia e/ou da ressonância nuclear magnética. Uma prova de progesterona pode ser utilizada nesse momento, caso não se dis-

Figura 48.2 Hímen imperfurado durante o procedimento cirúrgico de correção.

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mesmo protocolo para amenorreias secundárias (ver adiante, “Investigação das amenorreias secundárias”). Nas pacientes com vagina ausente ou curta, ou com útero ausente ou rudimentar, é aconselhável a realização de cariótipo. Caso o cariótipo seja normal (46 XX), estamos frente a uma síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser. No caso de ausência de útero/vagina, mas com cariótipo 46 XY, trata-se de uma insensibilidade completa aos androgênios (síndrome de Morris ou feminização testicular) (Cap. 47, Distúrbios do desenvolvimento sexual).

Investigação das amenorreias secundárias Das mulheres com amenorreia secundária que não estão grávidas, cerca de 40% apresentam alterações ovarianas, 35% disfunção hipotalâmica, 19% alterações hipofisárias e 5% patologias uterinas (Reindollar et al., 1986; Practice Committee of the American Society for Reproductive Medicine, 2006). Todas as mulheres que buscam atendimento devido à amenorreia secundária deveriam iniciar investigação ou, no mínimo, receber orientações adequadas, antes mesmo de decorridos 6 meses de ausência de mênstruo. A investigação das amenorreias secundárias segue um “roteiro” didaticamente estabelecido, como veremos a seguir (Fig. 48.3). Os “tempos” de investigação da amenorreia são uma orientação que não necessariamente tem de ser seguida, pois depende do caso em estudo, da experiência do médico e dos recursos técnicos e laboratoriais colocados à sua disposição.

Primeiro tempo Em primeiro lugar, é essencial descartar gravidez, pois é a causa mais comum de amenorreia secundária. É importante lembrar que mesmo a presença de um aparente sangramento menstrual não exclui gravidez, visto que um número substancial de gestações está associado a sangramento no primeiro trimestre. Portanto, a solicitação de um ␤-hCG é fundamental.

Nesse primeiro tempo, a história e o exame físico vão orientar possíveis diagnósticos etiológicos a serem confirmados no seguimento da investigação: 1. A síndrome de Asherman (sinéquias uterinas) é a única causa uterina de amenorreia secundária e deve ser excluída e buscada na história clínica. A paciente deve ser questionada quanto à ocorrência prévia de hemorragia pós-parto, infecção endometrial, manipulação uterina, como curetagem, histeroscopia cirúrgica, dilatação, etc. 2. O peso e a altura da paciente devem ser obtidos para estimativa do Índice de Massa Corporal (IMC). IMC ⬎ 30 kg/m2 é observado em aproximadamente 50% das pacientes com síndrome dos ovários policísticos (SOP). Mulheres com IMC ⬍ 18,5 kg/m2 têm com frequência amenorreia funcional hipotalâmica, associada a distúrbios dietéticos ou exercícios extenuantes. Assim, alterações na dieta, perda de peso recente, estresse, hábitos de exercícios físicos, doenças agudas e crônicas devem ser investigados, pois suscitam a possibilidade de amenorreia hipotalâmica, um diagnóstico geralmente de exclusão. 3. A ocorrência de alguns sintomas de deficiência estrogênica, como fogachos, secura vaginal, diminuição da libido e alterações no sono, podem estar associados a estágios iniciais de falência ovariana. 4. O uso de medicamentos que podem se associar à amenorreia deve ser investigado: recente iniciação ou descontinuação de contraceptivos orais, uso prolongado de contraceptivos de baixa dosagem, drogas androgênicas como danazol e progestágenos em alta dose, drogas que podem cursar com aumento da prolactina sérica (metoclopramida, antipsicóticos, ranitidina, etc. – ver Cap. 49, Hiperprolactinemia). 5. Sintomas de hiperandrogenismo, como acne e hirsutismo, também podem sugerir o diagnóstico de SOP.

Segundo tempo Além do ␤-HCG, devem-se solicitar prolactina (PRL, para excluir hiperprolactinemia), FSH (para

Rotinas em Ginecologia

665

Amenorreia secundária • Estresse, perda de peso, exercício extenuante • Hiperandrogenismo, peso excessivo • Sintomas e sinais neurológicos • Doenças crônicas/consuptivas • Galactorreia • Curetagem; endometrite, hemorragia pós-parto

Afastar gravidez

1o tempo

História + ex. físico

Prolactina, TSH, FSH, prova da progesterona

2o tempo

Prolactina

TSH

ou

FSH

FSH

Teste da progesterona

o

3 tempo

Confirma com pool da prolactina Seguir avaliação da hiperprolactinemia (Cap. 49)

Positiva

Negativa Hipo/hiper tireoidismo

Causa ovariana

História de manipulação uterina

Neuroimagem

5o tempo

Normal

Não

Alterada

- Disfunção Hipotalâmica - Disfunção Hipofisária

Causa orgânica

Anovulia • SOP • Amenorreia hipotalâmica

Sim

4o tempo

Ciclo estrogênio + progestágeno? Com sangramento

Sem sangramento

Causa uterina Figura 48.3 Roteiro de investigação das amenorreias secundárias. SOP, síndrome de ovários policísticos.

excluir falência ovariana) e hormônio estimulante da tireoide (TSH, para doenças tireoidianas). Se houver sinais de hiperandrogenismo, sulfato de de-hidroepiandrosterona (S-DHEA) e testosterona também devem ser solicitados. Em um estudo incluindo 127 mulheres com amenorreia secundária, Laufer e colaboradores (1995) detectaram elevações no FSH em 10%, aumento da PRL em 7,5% e alterações do TSH em 2,5%. Concomitantemente, podemos realizar o teste da progesterona, que verifica, além da patência do trato genital, a presença de estrogênio suficiente circulante: administram-se 5 a 10 mg de acetato de medroxiprogesterona (ou outro progestágeno em dose equivalente) durante 7 a 10

dias. Decorridos 2 a 7 dias do fim da administração, se ocorrer hemorragia de privação, o teste será considerado positivo, e poderemos concluir que: a) o trato genital é competente; b) o endométrio se prolifera em resposta aos estrogênios circulantes; c) o ovário secreta estrogênios, que apresentam níveis séricos normais (⬎ 40 pg/mL); d) hipófise e hipotálamo atuam conjunta e adequadamente, estimulando a secreção ovariana. Em outras palavras, um teste de progesterona positivo diagnostica como anovulação a causa da amenorreia. Caso não ocorra hemorragia de privação, o teste é considerado negativo. Isso acontece por algum dos seguintes motivos: a) gestação;

666 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

b) obstrução nas vias de drenagem ou ausência de útero; c) inexistência de endométrio ou ausência de receptores endometriais para estrogênio (amenorreia primária), ou d) ausência de atividade estrogênica (hipogonadismo: estradiol ⬍ 30  pg/mL). Uma vez afastada a primeira possibilidade, procede-se ao passo seguinte. Como comentado anteriormente, a prova de progesterona é uma maneira indireta e clássica de determinar se há estrogênio suficiente para produzir proliferação endometrial; hoje em dia, entretanto, com a grande disponibilidade dos ensaios para estradiol sérico, o teste de progesterona pode ter pouco valor, visto que uma coleta única pode aferir concomitantemente os níveis basais de vários outros hormônios e ser rapidamente elucidativa. O teste é válido, sim, no sentido de reafirmar à mulher que ela tem condições de menstruar novamente, que a secreção de estrogênio não é marcadamente reduzida (geralmente ⬎ 40 pg/mL) e que a causa da amenorreia provavelmente é uma disfunção hormonal de mais fácil resolução. Preferimos atuar dessa forma em nosso serviço: conforme o quadro clínico, solicitamos já na primeira consulta os hormônios supracitados e procedemos à prova de progesterona somente após a coleta. Assim, na reconsulta da paciente, podemos mais agilmente confrontar os resultados basais desses hormônios com a resposta clínica ao progestágeno.

Terceiro tempo Tecem-se as primeiras conclusões, conforme resultados dos exames: > PRL elevada: o nível de prolactina pode estar transitoriamente aumentado devido ao estresse ou à alimentação. Recomendamos, portanto, repetir a medida do pool da prolactina e a pesquisa da macroprolactina, apenas após a confirmação dessa alteração, seguir a abordagem apropriada da hiperprolactinemia (ver Cap. 49). > TSH diminuído/aumentado: seguir investigação e tratamento para doenças da tireoide (hipertireoidismo e hipotireodismo). > FSH aumentado: quando há hipoestrinismo, indica hipogonadismo hipergonadotrófico –

em outras palavras, falência ovariana precoce (ou disgenesia gonadal nas amenorreias primárias). O cariótipo deve ser considerado em pacientes com menos de 30 anos, e devem-se procurar causas autoimunes. > FSH diminuído ou normal (FSH ≤): pode ser indicativo de hipogonidismo hipogonadotrófico. O teste da progesterona é uma boa conduta se não foi ralizado no segundo tempo da investigação. Teste da progesterona positivo: as etiologias prováveis após uma prova de progesterona positiva são a SOP, a interferência de medicações, a perda de peso, o estresse, os exercícios físicos moderados a intensos ou a disfunção hipotálamo-hipofisária autolimitada sem causa específica. Teste da progesterona negativo: quando não ocorre sangramento de privação, é importante revisar a anamnese da paciente em busca de história de infecção ou manipulação uterina, principalmente instrumentada. Caso não haja essa possibilidade, passa-se diretamente ao “quinto tempo” da investigação. Caso a história seja indicativa ou suspeita de alteração/manipulação uterina, pode-se passar ao “quarto tempo” da avaliação.

Quarto tempo Diante de uma prova de progesterona negativa e já excluídas as outras causas de amenorreia, pode-se realizar o teste de estrogênio ⫹ progestágeno, o qual servirá para determinar se o fluxo menstrual é ausente por inoperância dos órgãos-alvo ou por ausência de proliferação endometrial induzida pelo estrogênio. Administra-se um estrogênio para induzir proliferação, seguido de um progestágeno para decidualização (p. ex., estrogênios conjugados 1,25 mg/dia ou estradiol 2 mg/dia por 21 dias, com adição de acetato de medroxiprogesterona 10 mg/dia nos últimos 5 dias). > Ciclo estrogênio ⫹ progestágeno negativo: define a amenorreia como de causa uterina. > Ciclo estrogênio ⫹ progestágeno positivo: pressupõe-se cavidade endometrial normal e indica-se seguir investigação (passar ao “quinto tempo”).

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Do ponto de vista prático, em paciente com amenorreia secundária sem história de infecção ou manipulação que possa explicar a existência de sinéquias uterinas, esse passo pode ser omitido. É importante lembrar que pode ocorrer sangramento de privação em alguns casos de sinéquias uterinas parciais; havendo história sugestiva, a cavidade uterina deve ser avaliada preferencialmente com histeroscopia.

Quinto tempo A obtenção de exames de neuroimagem nesse tempo é indicada, pois várias lesões orgânicas no crânio podem causar disfunção no hipotálamo ou na hipófise. Quando diagnosticadas tais lesões, o principal foco da atenção médica se volta ao tratamento destas, sendo o retorno da menstruação geralmente uma consequência natural.

Causas e manejo Anovulação A ovulação normal depende da coordenação dinâmica de várias ações complexas; diferentes alterações nesse mecanismo podem causar anovulia. Nesse caso, não há formação de corpo lúteo nem produção de progesterona, não ocorre transformação secretora do endométrio e, portanto, não há decidualização nem menstruação. Ocorre naturalmente nos primeiros anos de maturação do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, em mulheres com alterações em outros hormônios correlacionados (p. ex., hipotireoidismo), em climatéricas, esporadicamente em mulheres na menacme, etc. A maioria dos casos de anovulia tem como mecanismo central alguma disfunção hipotalâmica, por vezes transitória, mas alterações ovarianas e hipofisárias também são comuns (Stenchever et al., 2001). A maior parte das mulheres com anovulação crônica enquadra-se na SOP, um problema endocrinológico com disfunções em vários pontos do eixo (ver Cap. 50, Hiperandrogenismo). Em geral, os níveis de LH estão tonicamente aumentados, bem como os androgênios; a maioria das pacientes (mas não todas) apresenta sinais

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de hiperandrogenismo (hirsutismo, obesidade, acne), além da amenorreia, e muitas têm subfertilidade. Uma paciente amenorreica com normoestrinismo (estradiol ⬎ 40 pg/mL ou prova de progesterona positiva) que apresenta à ultrassonografia múltiplos pequenos folículos em cada ovário provavelmente apresenta SOP, mesmo não se identificando hiperandrogenismo. Sugere-se avaliar o nível sérico de testosterona e de S-DHEA para melhor caracterizar o quadro clínico. Essas pacientes merecem atenção especial, pela associação mais frequente com hiperplasia e carcinoma de endométrio e síndrome metabólica. O manejo da paciente com anovulação frequentemente se baseia na orientação, no tratamento conforme desejo reprodutivo e no controle das manifestações clínicas associadas. Muitas vezes, realizamos a prova de progesterona para induzir a menstruação e tranquilizar a paciente. Nos casos de anovulação crônica, a abordagem é mais específica, continuada, considerando o objetivo do tratamento: resolver a irregularidade menstrual, o hiperandrogenismo ou a infertilidade.

Causas hipotalâmicas As mesmas lesões anatômicas no tronco cerebral e no hipotálamo que produzem amenorreia primária por interferirem na secreção de GnRH podem causar amenorreia secundária, como craniofaringiomas, doença granulomatosa (tuberculose, sarcoidose) e sequela de encefalite (ver Cap. 45, Atraso do desenvolvimento puberal). Do mesmo modo, níveis elevados de prolactina (hiperprolactinemia) podem causar amenorreia primária ou secundária, por uma ação direta no hipotálamo, reduzindo a liberação do GnRH (Gross et al., 2001) (ver Cap. 49, Hiperprolactinemia). Várias medicações de uso comum podem agir no hipotálamo, depletando a circulação da dopamina (inibidor da secreção da prolactina) ou ocupando seus receptores, resultando em hiperprolactinemia: fenotiazinas, antidepressivos tricíclicos, opioides, benzodiazepínicos, haloperidol, hormônios femininos, metildopa, verapamil, metoclopramida, sulpirida, cimetidina, etc.

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Quando o eixo hipotálamo-hipófise permanece bloqueado por longo período de tempo, seja por fatores fisiológicos (gestação) ou medicamentosos (anticoncepção hormonal), pode não haver o retorno imediato da função hipotalâmica quando é cessado o bloqueio. Após o parto, pode ocorrer amenorreia prolongada, mesmo na ausência de lactação. Também pode haver amenorreia após interrupção do uso do anticoncepcional, sendo fisiológica até 6 meses após o último comprimido ou 12 meses após a última injeção de medroxiprogesterona de depósito (Speroff et al., 1999). A atividade física intensa e constante pode provocar oligomenorreia ou amenorreia secundária. O estresse físico (bem como o emocional) aumenta os níveis sistêmicos de betaendorfinas e de catecolestrogênio, que interferem em substâncias inibidoras do hipotálamo (Stenchever et al., 2001). Dessa forma, é frequente a ocorrência de amenorreia em atletas e em mulheres que enfrentaram situações muito estressantes. Mulheres com perda de peso ou restrição dietética importantes, como aquelas com desnutrição ou anorexia nervosa, também podem ficar amenorreicas. Em indivíduos com redução importante da gordura corporal, são observados redução na frequência dos pulsos de LH, reflexo da diminuição ou ausência de secreção de GnRH (Stenchever et al., 2001). Em casos mais graves (bloqueio prolongado da liberação do hormônio hipotalâmico), pode haver inclusive disfunção hipofisária concomitante, resultando em uma prova do GnRH sem elevação de gonadotrofinas. Modificações no estilo de vida (às vezes com ajuda de tratamento psiquiátrico) e nutrição adequada são indicadas para reverter a situação. Há mulheres com amenorreia secundária que não têm histórico de uso de medicações, não realizam exercícios extenuantes, não estão sob estresse, não perderam peso e não apresentam qualquer anormalidade nos ovários, no útero ou na hipófise. Essas pacientes são designadas como portadoras de amenorreia hipotalâmica funcional, ou disfunção hipotálamo-hipofisária de etiologia incerta – um distúrbio caracterizado pela perda das variações cíclicas que ocorrem

normalmente nos pulsos de GnRH, talvez como consequência da produção inadequada de neurotransmissores do SNC (Stenchever et al., 2001). Essa condição é geralmente autolimitada e sem maiores prejuízos à saúde, mas talvez demande algum tipo de controle ou intervenção (indução da ovulação) quando se almejar a reprodução. Vale lembrar que as pacientes em amenorreia hipotalâmica têm uma perda da densidade mineral óssea (DMO) que está associada à diminuição da produção de estrogênio. Pacientes que já apresentam osteopenia se beneficiam com o uso de anticoncepcional ou reposição hormonal, aumentando a DMO (Warren et al., 2005).

Causas hipofisárias Apesar de a maioria dos tumores hipofisários secretarem prolactina, como os micro e macroprolactinomas alguns podem causar amenorreia sem causar hiperprolactinemia, como adenomas cromófobos (secretores de hormônio adrenocorticotrófico – ACTH ou hormônio do crescimento – GH). As células hipofisárias podem ser lesionadas ou necrosadas em virtude de anoxia, trombose, doença autoimune ou hemorragia. Quando isso ocorre após episódio hipotensivo da gravidez ou puerpério, chamamos de síndrome de Sheehan; quando não é relacionado à gravidez, denominamos doença de Simmonds. Como pode ocorrer lesão de toda a glândula, o pan-hipopituitarismo é possível, tendo como resultado a redução de outros hormônios (adrenocorticotrofina/ACTH e TSH, além de FSH e LH) e desenvolvimento de suas respectivas patologias. Para o diagnóstico das situações citadas, são importantes os exames de imagem (tomografia computadorizada, RNM) e dosagens dos demais hormônios hipofisários (ver Cap. 49, Hiperprolactinemia). O tratamento dessas condições é medicamentoso (reposição hormonal) e eventualmente cirúrgico ou radioterápico.

Causas ovarianas Os ovários podem deixar de produzir estrogênio suficiente para o crescimento endometrial

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como resultado de irradiação gonadal, quimioterapia sistêmica, infecção (p. ex., abscesso tubo-ovariano), alterações no seu suprimento sanguíneo (p. ex., após cirurgia pélvica, miomectomia) ou depleção de folículos (p. ex., após cistectomias bilaterais, cauterizações ovarianas). A amenorreia secundária resultante pode surgir em períodos variáveis de tempo após tais eventos. Quando os ovários deixam de produzir estrogênios antes dos 40 anos de idade, acontece uma falência ovariana prematura (FOP), ocorrendo em cerca de 1% das mulheres nessa faixa etária (Stenchever et al., 2001). Associados à amenorreia, sintomas climatéricos comumente ocorrem (fogachos, secura vaginal, diminuição de libido), havendo maior risco de osteoporose no futuro. Com frequência, a FOP é transitória ou passa por um período variável de transição antes de o ovário entrar em falência permanente e levar à menopausa precoce. Histologicamente, há dois tipos de FOP: no primeiro deles, que ocorre na maioria dos casos, o ovário apresenta esclerose generalizada, semelhante à gônada na pós-menopausa; no segundo tipo, que ocorre em 30% dos casos, observam-se numerosos folículos primordiais sem progressão de estágio. Essa última condição é chamada de síndrome dos ovários resistentes às gonadotrofinas, hipofoliculogênese ovariana ou síndrome de Savage (Stenchever et al., 2001). As mulheres com essa patologia podem ter amenorreia primária, mas geralmente há produção suficiente de estrogênio para que menstruem por vários meses ou anos, para então entrarem em amenorreia secundária permanente. A FOP pode ser idiopática, associada a alterações cromossômicas (ausência de uma pequena porção do cromossomo X) ou gênicas (carreadoras da pré-mutação do X frágil) e associada a distúrbios autoimunes (Welt; Barbieri, 2008). Em 30 a 50% das FOPs em pacientes cromossomicamente normais, sem história de irradiação ou quimioterapia, encontra-se também uma doença associada à autoimunidade (tireoidite

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de Hashimoto, hipoparatireoidismo, doença de Addison, miastenia grave), indicando uma ooforite autoimune (Stenchever et al., 2001). A biópsia de ovário mostra folículos aparentemente normais, mas infiltrado leucocitário perifolicular; os autoanticorpos podem ser específicos contra a gônada, mas se encontram com frequência anticorpos antinucelares, antiadrenais e fator reumatoide. Por isso, recomenda-se pesquisar doenças autoimunes e outras patologias em pacientes que apresentam FOP antes dos 35 anos (Stenchever et al., 2001): fator antinuclear, anticorpo antitireoperoxidase, cortisolúria de 24 horas, TSH, etc. Pacientes com FOP e menos de 30 anos devem fazer cariótipo para descartar mosaicismos.

Causas anatômicas uterinas As alterações uterinas são as únicas causas de amenorreia com função endocrinológica normal. Aderências intrauterinas ou sinéquias podem surgir após curetagem (síndrome de Asherman), infecção pélvica (endometrite pós-parto, doença inflamatória pélvica, tuberculose), histeroscopia ou outras formas de manipulação uterina (como miomectomia, metroplastia ou cesariana). Pode-se se suspeitar dessa etiologia quando o início dos sintomas coincide com um evento cirúrgico, sendo a curetagem uterina a causa mais frequente. Muitas vezes uma histerossalpingografia pode sugerir o diagnóstico, mas a confirmação se dá através da histeroscopia. O tratamento é a ressecção das sinéquias por curetagem suave ou, com mais segurança e eficácia, por histeroscopia. Muitos lançam mão da inserção de um dispositivo intrauterino ou da administração de estrogênio e progestágeno após a lise das sinéquias, com o objetivo de manter as paredes não acoladas enquanto ocorre a reepitelização do endométrio – conduta que segue controversa (ver Cap. 19, Histeroscopia).

Outras causas Por vezes, a amenorreia é um estado artificialmente induzido, de forma intencional ou não,

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como pelo uso ininterrupto de combinações estroprogestínicas (pseudogravidez), gestrinona, agonistas do GnRH, danazol, etc. Em certas situações, como no tratamento de miomatose e endometriose ou da síndrome pré-menstrual, a suspensão da menstruação é até desejável. Hipotireoidismo, hiperplasia adrenal congênita, doença de Addison, doença de Cushing,

diabete melito, moléstias consuptivas, insuficiência hepática, renal e cardíaca, processos infecciosos crônicos e quimioterapia são exemplos de outras causas de amenorreia, em que o quadro clínico pode dirigir a investigação, e o tratamento da patologia de base quase sempre resulta em restabelecimento das menstruações.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em uma paciente com 35 anos apresentando amenorreia secundária, quais dos exames listados abaixo deve ser a escolha inicial para avaliação? a. b. c. d. e.

FSH. Prolactina. TSH. HCG. Ecografia pélvica transvaginal.

2. A mesma paciente realizou os exames laboratoriais solicitados pelo médico assistente com respectivos resultados: prolactina 17 mg/mL, FSH 47 UI/mL, HCG < 0,01 ng/mL , estradiol 35 pg/mL, TSH 3,6 mUI/mL. O diagnóstico mais provável é: a. b. c. d.

Gestação inicial. Persistência do corpo lúteo. Menopausa precoce. Microadenoma hipofisário.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Hiperprolactinemia Fabiola Satler Mirela Jobim de Azevedo Poli Mara Spritzer

A dosagem de prolactina (PRL) tem indicações amplas que incluem a investigação de distúrbios menstruais, infertilidade, galactorreia e disfunção sexual. Além disso, deve ser lembrado que a hiperprolactinemia pode estar associada a tumores presentes na região da sela túrcica ou hipotálamo, com suas diferentes manifestações de hiper ou hipofunção hormonal, bem como possíveis alterações neurológicas.

que representa 80 a 90% do total do hormônio no soro de indivíduos normais ou com prolactinomas. Também é encontrada como um D-dímero com peso molecular em torno de 45 kDa ou como uma forma de alto peso molecular com 150 a 170 kDa (macroprolactina), que geralmente é formada por um complexo antígeno-anticorpo de prolactina monomérica e IgG ou por complexos glicosilados.

O aumento dos níveis séricos de PRL acima dos valores de referência, denominado hiperprolactinemia, é a alteração endocrinológica mais comum do eixo hipotálamo-hipofisário, predominando no sexo feminino. Sua prevalência é de 0,4% na população em geral, podendo chegar a 9 a 17% em mulheres avaliadas por infertilidade, 20 a 30% nas investigadas devido à amenorreia secundária, elevando-se para 75% se a amenorreia for acompanhada de galactorreia.

É sintetizada predominantemente nas células localizadas na porção lateral da adeno-hipófise, os lactotrofos, que representam 15 a 25% do volume da glândula. Na gestação e lactação, ocorrem hiperplasia e hipertrofia dessas células. A secreção de PRL se faz de maneira pulsátil e obedece a um ritmo circadiano, estando aumentada durante a noite, na dependência do sono. O controle da secreção é hipotalâmico e predominantemente inibitório via vasos porta hipotálamo-hipofisários. A dopamina, neurotransmissor produzido pelas células tuberoinfundibulares hipotalâmicas, é fisiologicamente o principal fator regulador com atividade inibitória sobre a síntese e a liberação da PRL. A redução da inibição da dopamina, por meio de medicamentos, interrupção do pedículo hipofisário ou por destruição hipotalâmica, leva a aumentos moderados na secreção de PRL. Outros possíveis fatores reguladores inibitórios são histamina, endotelina-1, calcitonina, peptídeo natriurético atrial e fator de transformação do crescimento (TGF-1). Já, o hormônio liberador de tireotrofina – (TRH), a serotonina (provavelmente por meio do polipeptídeo intestinal vasoativo – VIP), a adrenalina e a noradrenalina, a oxitocina e a galanina são fatores que podem estimular a

O diagnóstico das diferentes situações clínicas que causam elevação na PRL é de extrema importância, uma vez que a conduta terapêutica é dependente da etiologia. Neste capítulo, serão abordados quadro clínico, em especial nas mulheres, etiologia, diagnóstico e tratamento da hiperprolactinemia, bem como aspectos fisiológicos da secreção desse hormônio.

Fisiologia da prolactina A prolactina humana pode circular sob várias formas moleculares, sendo a mais comum um monômero com aproximadamente 23 kDa,

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secreção de PRL. O estrogênio também aumenta a secreção de PRL, estimulando a sua transcrição gênica. Isso explica porque as mulheres na pré-menopausa têm níveis mais elevados de PRL do que as que estão na pós-menopausa e do que os homens. Além disso, a sucção mamária é um dos mais importantes estímulos para a secreção de prolactina. O principal sítio de ação da PRL é a mama, na qual estão presentes os receptores específicos nos alvéolos mamários. Durante a gestação, a PRL estimula, junto a outros hormônios (estrogênio, progesterona, hormônio lactogênio placentário, cortisol, insulina, fator de crescimento semelhante à insulina – IGF-l), o desenvolvimento do tecido mamário. Nesse período, o efeito estimulatório da PRL sobre a síntese de proteínas do leite, lipídeos e carboidratos encontra-se bloqueado pelos altos níveis de estrogênios e progestágenos. Após o parto, com a queda rápida dos níveis desses hormônios, ocorrem a lactogênese e a secreção do leite.

Quadro clínico As principais manifestações clínicas da hiperprolactinemia em mulheres ocorrem como consequência do excesso de PRL atuando sobre as mamas e também sobre o eixo gonadotrófico. A hiperprolactinemia promove a inibição da secreção do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH), com redução da secreção pulsátil das gonadotrofinas (hormônio luteinizante – LH, hormônio folículo-estimulante – FSH), ocasionando o hipogonadismo. O primeiro sinal de hiperprolactinemia nas mulheres na pré-menopausa é geralmente distúrbio no ciclo menstrual: oligo ou amenorreia. Nas mulheres em uso de anticoncepcional hormonal, esses distúrbios podem ficar mascarados, tornando-se evidentes quando o contraceptivo é suspenso, a chamada amenorreia pós-contracepção. A galactorreia pode estar presente em 30 a 80% dos casos, porém cabe salientar que muitas mulheres podem apresentar galactorreia com níveis normais de prolactina (galactorreia idiopática). Distúrbios sexuais como redução da libido e dispareunia devido à deficiência de estrogênio estão frequentemente associados. O

estado de hipoestrogenismo prolongado pode levar à osteopenia ou mesmo à osteoporose, dependendo da duração do hipogonadismo. Nas mulheres na pós-menopausa, o único sinal pode ser o desaparecimento dos fogachos, como resultado da diminuição das gonadotrofinas. Galactorreia é rara devido aos baixos níveis de estrogênio circulante. Nas meninas, a amenorreia primária pode ser consequência da hiperprolactinemia e, dependendo da idade em que o distúrbio ocorre, pode haver retardo ou interrupção da puberdade. A hiperprolactinemia pode estar associada a tumores intracranianos, tanto hipofisários quanto lesões na região da sela túrcica que comprimem a haste hipofisária ou afetam o hipotálamo. Os sintomas incluem cefaleia, predominantemente periorbitária e bitemporal, e distúrbios visuais devido à compressão do quiasma óptico quando a lesão é volumosa. Também pode ocorrer deficiência dos outros hormônios hipofisários devido à compressão glandular.

Etiologia Existem diversas causas de hiperprolactinemia (Quadro 49.1), que se enquadram em três principais categorias: fisiológicas, medicamentosas e patológicas. Além disso, a hiperprolactinemia pode surgir quando há um predomínio de macroprolactina no soro (macroprolactinemia).

Causas fisiológicas As causas fisiológicas de hiperprolactinemia mais importantes são a gravidez e a amamentação. Além disso, estresse, exercício, relação sexual e sono liberam um ou mais fatores estimuladores da PRL, com consequente elevação dos níveis séricos do hormônio.

Causas farmacológicas A causa mais comum de hiperprolactinemia não fisiológica é o uso de medicamentos que atuam por meio de diferentes mecanismos no sistema dopaminérgico: aumento da transcrição do gene da dopamina (estrogênios), antagonismo ao receptor da dopamina (neurolépticos, metoclopramida, sulpirida), depleção de dopamina (reserpina, metildopa), inibição da produção central de dopamina (verapamil, heroína, morfina,

Rotinas em Ginecologia

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QUADRO 49.1

Causas de hiperprolactinemia Fisiológicas Gravidez, amamentação, estresse, exercício, sono, período neonatal. Farmacológicas Psiquiátricas: antipsicóticos (clorpromazina, clomipramina, haloperidol, olanzapina, pimozida, tioridazina, risperidona, sulpirida), antidepressivos (tricíclicos, inibidores da monoamino-oxidase e, menos comumente, os inibidores da recaptação de serotonina). Gastrintestinais: metoclopramida, cimetidina, ranitidina, domperidona. Anti-hipertensivos: reserpina, metildopa, verapamil, labetolol. Narcóticos: heroína, morfina, análogos de encefalina, cocaína. Anorexígenos: fenfluramina, anfetaminas. Estrogênio. Outros: inibidores da protease, etc. Doenças hipotalâmicas Tumores: craniofaringioma, meningioma, disgerminoma, hamartoma, glioma, metástases, etc. Doenças infiltrativas: sarcoidose, tuberculose, histiocitose X, granuloma eosinofílico, etc. Radioterapia craniana, pseudotumor cerebral. Doenças hipofisárias Prolactinomas, acromegalia, síndrome da sela vazia, hipofisite linfocítica, doença de Cushing, adenomas clinicamente não funcionantes, metástases, germinoma intrasselar Doenças infiltrativas: sarcoidose, tuberculose, granuloma de células gigantes, etc. Lesões da haste hipofisária Traumatismo craniano, pós-operatório, irradiação, hastite. Neurogênicas Lesões irritativas da parede torácica: herpes-zóster, toracotomia, mastectomia, queimadura. Lesões do cordão medular: ependimoma cervical, siringomielia, tumores extrínsecos, tabes dorsal. Doenças sistêmicas Insuficiência renal, cirrose. Endocrinológicas: hipotireoidismo primário, insuficiência adrenal, síndrome dos ovários policísticos. Autoimunes: lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, doença celíaca, esclerose sistêmica. Estimulação mamária Idiopáticas Macroprolactinemia

análogos da encefalina), inibição da recaptação de dopamina (antidepressivos tricíclicos, cocaína, anfetamina, inibidores da monoamino-oxidase). Os inibidores da recaptação de serotonina (opiáceos, fenfluramina, paroxetina e, menos frequentemente, a fluoxetina) e inibidores de protease também podem levar à hiperprolactinemia.

Os medicamentos que mais comumente causam hiperprolactinemia são os antipsicóticos. O efeito do estrogênio dos anticoncepcionais orais (ACOs) e da terapia de reposição hormonal (TRH) sobre a elevação da prolactina é controverso. Alguns estudos demonstraram que os ACOs foram causa de hiperprolactinemia em

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12 a 30% das mulheres usuárias estudadas, enquanto outros trabalhos não confirmaram essa alteração.

Causas patológicas Tumores e outros distúrbios hipotalâmicos e hipofisários A principal causa de hiperprolactinemia patológica são os prolactinomas que representam o adenoma hipofisário funcionante mais comum (40 a 60% dos casos). Podem ser classificados de acordo com o volume tumoral em microprolactinomas ( 10 mm) e macroprolactinomas ( 10 mm). O diagnóstico é mais comumente feito em mulheres entre 20 e 40 anos, devido aos sintomas serem mais evidentes (amenorreia, galactorreia). Nas mulheres, a grande maioria dos adenomas são microprolactinomas. Outros tumores e lesões da região hipotálamo-hipofisária podem também cursar com hiperprolactinemia, seja por produção aumentada da PRL (adenomas hipofisários mistos produtores de PRL e hormônio do crescimento – GH – ou de PRL e hormônio adrenocorticotrófico – ACTH) ou por comprometimento da haste hipofisária (adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes, craniofaringiomas, doenças infiltrativas, traumatismos). Doenças sistêmicas e distúrbios endocrinológicos A elevação na prolactina é um achado comum em pacientes com cirrose hepática (presente em até 20% dos casos) ou insuficiência renal crônica. Também é encontrada em cerca de 40% dos pacientes com hipotireoidismo primário, inclusive nos casos de hipotireoidismo subclínico, e em 30% das pacientes com síndrome dos ovários policísticos (SOP). Pode também ser uma manifestação ocasional da doença de Addison, reversível após a reposição de glicocorticoides. Neurogênica Lesões irritativas da parede torácica ou patologias do cordão medular podem causar elevação reflexa da PRL devido à ativação das vias aferentes que seguem através do cordão medular.

Macroprolactinemia A macropolactinemia é a situação em que a elevação da PRL resulta da presença no soro de um excesso de prolactina de alto peso molecular. Pode ser encontrada em cerca de 15 a 46% das amostras de soro de indivíduos hiperprolactinêmicos testados para esse fenômeno. Deve ser suspeitada principalmente quando o paciente não apresenta sintomas típicos de excesso de prolactina, devido à sua bioatividade reduzida.

Idiopática Esse diagnóstico é estabelecido apenas quando as prováveis causas de hiperprolactinemia foram excluídas, inclusive após realização de métodos de imagem, idealmente ressonância magnética (RM), e após exclusão da macroprolactinemia. Possivelmente são casos de pequenos prolactinomas não detectados pelas técnicas atuais de imagem utilizadas. Na maioria dos casos de hiperprolactinemia idiopática, os valores de PRL não ultrapassam 100 ng/mL.

Avaliação diagnóstica Para a correta identificação da etiologia e tratamento da hiperprolactinemia, vários fatores devem ser considerados: história clínica, exame físico, achados laboratoriais e presença de macroprolactinemia. Exames de imagem só devem ser realizados após exclusão de causas não centrais de hiperprolactinemia.

História clínica e exame físico Primeiramente, é fundamental descartar gestação. Em seguida, investigar o uso de substância que possa elevar os níveis de prolactina, suspendendo-a ou substituindo-a quando possível e após consentimento do médico prescritor. Avaliar a possibilidade de hipotireoidismo primário, SOP, insuficiência renal e cirrose, além de estimulação mamária. Questionar presença de distúrbios menstruais, sexuais e infertilidade. Verificar sinais de alerta para tumores intracranianos, como cefaleia, alterações visuais e distúrbios neurológicos. Durante o exame físico, verificar a presença de galactorreia, bócio, hirsutismo/ hiperandrogenis-

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mo, redução do campo visual por confrontação e existência de lesões irritativas ou traumáticas na parede torácica (queimaduras, herpes-zóster).

sugestiva de macroprolactinoma; nesses casos, recomenda-se investigar deficiência associada a outros hormônios hipofisários.

Achados laboratoriais

É importante salientar que macroprolactinomas volumosos, geralmente superiores a 5 cm, podem cursar com níveis de PRL  200 ng/mL ou até mesmo  100 ng/mL, devido à ocorrência do chamado efeito gancho. Este se caracteriza pela presença de níveis falsamente baixos de PRL quando se empregam imunoensaios contendo dois sítios de ligação para o hormônio medido, sejam eles imunorradiométricos (IRMA), por quimioluminescência ou enzima-imunoensaios. Nesses ensaios, são utilizados dois anticorpos que formam “complexos sanduíches” com a prolactina. Na presença de níveis muito elevados de PRL, após a ligação da PRL ao anticorpo de captura, o excesso de PRL impede a ligação do segundo anticorpo, o sinalizador, não havendo a formação dos referidos “complexos sanduíches”. O fenômeno pode ser elucidado por uma nova dosagem da PRL após diluição do soro, quando se observará um aumento dramático no valor do hormônio. Nesses casos, uma vez excluída a possibilidade de valores falsamente baixos da prolactinemia, a detecção de níveis de PRL  100 ng/mL em um paciente com um macroadenoma hipofisário é sugestiva do diagnóstico de um pseudoprolactinoma.

Recomenda-se que a hiperprolactinemia leve a moderada (até 5 o limite superior do valor de referência) deva ser confirmada em uma segunda dosagem. O ideal é que, a medida seja feita pela manhã, após repouso de 20 minutos. O resultado deve ser analisado conforme os valores de referência para idade, sexo e método laboratorial utilizado. Não existem evidências que justifiquem a realização da medida de PRL em um pool de amostras de sangue. Os testes de estímulo e de supressão, como a resposta da PRL à hipoglicemia, ao TRH, à metoclopramida e à L-Dopa, não necessitam ser realizados, pois não fornecem resultados adicionais à medida isolada da PRL. Nas pacientes assintomáticas com níveis elevados de PRL, geralmente inferiores a 100 ng/mL, deve-se descartar a presença de macroprolactinemia. Outra indicação é a persistência da hiperprolactinemia a despeito da melhora clínica após tratamento. Há autores que recomendam a pesquisa de macroprolactinemia em todos os casos em que os níveis hormonais estão duas vezes maiores do que o valor de referência, para um correto julgamento da etiologia e do tratamento. O método de detecção e quantificação mais empregado é a precipitação com polietilenoglicol (PEG). A magnitude da elevação nos níveis séricos de PRL pode ser útil na determinação da possível etiologia. Nas pacientes com doenças sistêmicas, como hipotireoidismo primário, SOP, cirrose ou em uso de medicamentos que podem elevar a prolactinemia, os níveis geralmente são  100 ng/mL. Contudo, em pacientes com insuficiência renal em uso desses medicamentos, os valores podem ser tão elevados quanto 2.000 ng/mL. Os microprolactinomas geralmente cursam com valores entre 100 e 200 ng/mL, mas, frequentemente, podem ser  100 ng/mL. Nas pacientes com pseudoprolactinomas, tumores selares não produtores de prolactina, mas que têm PRL elevada por compressão da haste hipofisária, os níveis do hormônio geralmente são  150 ng/ mL. Prolactinemia superior a 250 ng mL é muito

Exames de imagem A tomografia computadorizada (CT) e, principalmente, a ressonância magnética (RM) da sela túrcica permitem a visualização dos prolactinomas e outros tumores dessa região implicados na etiologia da hiperprolactinemia. Contudo, é preciso atentar para a possibilidade de a lesão evidenciada corresponder a um incidentaloma hipofisário. Sabe-se que aproximadamente 10% da população adulta normal submetida à RM apresenta imagem compatível com um microadenoma hipofisário. Dessa forma, a lesão vista à RM pode ser um achado casual em pacientes cuja hiperprolactinemia resulte do uso de drogas ou de doenças sistêmicas, bem como naqueles com macroprolactinemia. Portanto, exames de imagem devem ser realizados somente após a exclusão de causas secundárias de hiperprolactinemia. Uma exceção para essa recomendação aplica-se aos pacientes com óbvias manifestações neurológicas e oftal-

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mológicas, indicativas da presença de um tumor na região selar. Sugere-se que as pacientes com macroprolactinemia sejam submetidas à RM apenas se apresentarem manifestações clínicas decorrentes da hiperprolactinemia.

Tratamento Os objetivos do tratamento da hiperprolactinemia são normalizar os níveis séricos de PRL, com o intuito de restaurar a função gonadal, cessar a galactorreia e, no caso dos prolactinomas, reduzir o volume tumoral, preservando a função hipofisária e evitando progressão da doença. Nas pacientes com alterações na PRL secundárias ao uso de medicamento, este deve ser suspenso ou substituído sempre que possível e após consentimento do médico prescritor. A olanzapina pode ser a alternativa no caso da necessidade de manutenção de antipsicóticos. Caso não seja possível a suspensão do medicamento causador da hiperprolactinemia e havendo manifestações de hipogonadismo, pode-se utilizar anticoncepcional combinado para corrigir o hipoestrogenismo. Se a causa for doença sistêmica, tratar a causa de base. Nos casos de macroprolactinemia ou hiperprolactinemia idiopática, considerar tratamento apenas na presença de sintomas. Nas pacientes assintomáticas, especialmente nas com ciclos menstruais regulares, a conduta pode ser expectante. Estudos que avaliaram a evolução natural dos microprolactinomas mostram que o crescimento tumoral é incomum (5% dos casos) e, em muitos pacientes, os níveis de prolactina normalizam-se espontaneamente. Mulheres com hiperprolactinemia e ciclos menstruais regulares não têm risco aumentado de osteoporose. No entanto, na presença de microprolactinomas associados a sintomas e nos casos de macroprolactinomas (nestes, devido ao risco de compressão tumoral), o tratamento é mandatório. O seguimento dos macroprolactinomas deve ser realizado em conjunto com o endocrinologista. Os agonistas dopaminérgicos (AD) são o tratamento de primeira escolha da hiperprolactinemia. Agem nos receptores D2 hipofisários, inibindo a síntese de PRL. São divididos em dois grupos: derivados e não derivados de alcaloides do ergot. No primeiro grupo, estão bromocriptina, pergolida, lisurida,

tergurida e cabergolina, etc. A quinagolida representa o grupo não derivado do ergot. Na prática, os mais utilizados são a bromocriptina e a cabergolina. A dose usual de bromocriptina é de 5 a 15 mg/dia (dose média: 2,5 mg, 2x/dia). Recomenda-se iniciar o tratamento com doses baixas – 2,5 mg, ao deitar, com alimento – e aumentar progressivamente até a dose efetiva. Os principais efeitos colaterais são tonturas, hipotensão postural, náuseas e vômitos. Esses efeitos diminuem com a continuidade do tratamento. Efeitos colaterais menos frequentes incluem congestão nasal, vasoespasmo digital, depressão e reação psicótica. No caso da cabergolina, a dose inicial é de 0,25 mg, 2x/semana, e a dose usual é de 0,5 a 1 mg por via oral (VO), 1 a 2x/semana. Os efeitos colaterais mais frequentes são náuseas (29%), cefaleia (26%), tonturas (17%) e fadiga (6%), e são de intensidade leve a moderada. A diferença entre os dois agonistas está no fato de a cabergolina ter meia-vida mais longa e poder ser administrada semanalmente, ter menos efeitos colaterais e ser mais eficiente na redução dos níveis de PRL e na restauração da função gonadal, segundo alguns estudos. Sugere-se que, no seguimento dos microprolactinomas, o exame de imagem (RM ou TC) seja repetido quando houver sinais de expansão tumoral ou quando ocorrer aumento da PRL, a despeito do correto tratamento, principalmente para níveis  250 ng/mL. Não existe indicação de avaliação de rotina do campo visual nem de outros exames da hipófise anterior. A dose do agonista dopaminérgico pode ser reduzida gradualmente até a suspensão em pacientes cujos valores de PRL normalizam por pelo menos um ano, especialmente quando ocorre o desaparecimento do microadenoma no exame de imagem. Entretanto, existe a possibilidade de recorrência da hiperprolactinemia ou novo crescimento do tumor. Em um estudo em que foram avaliadas mulheres com microprolactinoma, foi demonstrado que, após 2 a 5 anos da suspensão de cabergolina, cerca de 70% das pacientes mantiveram níveis normais de PRL, e em nenhuma delas foi observado novo crescimento do microadenoma. O uso de estrogênio por mulheres com microprolactinoma não foi associado ao aumento tumoral, mas recomenda-se que nessas pacientes a prolactina seja acompanhada anualmente

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e, nos casos de aumento significativo dos níveis, seja pesquisado o crescimento do adenoma. Nas pacientes com macroprolactinoma, recomenda-se sempre a realização de campimetria, além de exame de imagem de controle após seis meses do início do tratamento e, depois, anualmente, com aumento do intervalo conforme evolução do quadro clínico e laboratorial. Nas pacientes com macroprolactinomas, os AD podem promover uma melhora rápida de sintomas e/ou sinais neurológicos associados em até 24 a 72 horas. A normalização dos níveis de PRL ocorre em 2 a 3 semanas e precede a diminuição do volume tumoral e a melhora da função hipofisária. Com o uso dessas drogas, observa-se uma redução de volume tumoral em 75 a 80% das pacientes, sendo a redução máxima de volume observada em alguns meses. Existe a rara possibilidade de apoplexia pituitária com o início do tratamento, sendo o quadro sugerido pela presença de cefaleia intensa de início abrupto. Quando a PRL estiver normalizada por dois anos e o volume tumoral estiver reduzido em torno de 50%, pode-se tentar uma redução gradual da medicação, devendo ser lembrado que a retirada pode levar à re-expansão do tumor e à recorrência da hiperprolactinemia. Há casos de hiperprolactinemias resistentes aos ADs. Em aproximadamente 20% dos microprolactinomas e em 30% dos macroprolactinomas tratados com bromocriptina, os níveis hormonais não normalizam, enquanto com a cabergolina a falha é de 10 e 20%, respectivamente. O manejo desses casos se faz com aumento das doses dos ADs, troca do agonista ou cirurgia transesfenoidal em casos específicos. A cirurgia, preferencialmente transesfenoidal, é também reservada para os casos de persistência de tumor compressivo a despeito das doses máximas de AD. A cirurgia pode ser uma alternativa nas pacientes dependentes de antipsicótico, uma vez que o uso de ADs pode precipitar crise psicótica. A radioterapia tem papel nos casos de macroprolactinomas não responsivos aos ADs e cirurgia ou nos casos em que estes estão contraindicados.

Hiperprolactinemia e gestação O tratamento com agonistas dopaminérgios restaura a ovulação em 90% das mulheres com

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infertilidade secundária à hiperprolactinemia. Se esse for o objetivo, a bromocriptina deve ser a droga de escolha. Embora a incidência de malformações congênitas com o uso da cabergolina não seja significativa, os estudos que demonstraram esse achado foram realizados com um número limitado de pacientes. Recomenda-se que seja utilizada anticoncepção mecânica por três ciclos regulares e seja suspensa a bromocriptina por ocasião do diagnóstico de gestação. A hipófise normalmente aumenta de volume durante a gestação devido ao estímulo do estrogênio. O risco de aumento sintomático dos microprolactinomas durante a gestação é pequeno, variando de 1 a 2,6%, porém, nas pacientes com macroprolactinoma, o risco aumenta para 15 a 37%. Esse risco pode ser diminuído para 5% se a mulher for submetida à cirurgia transesfenoidal antes da concepção. Alguns estudos sugerem que o tratamento farmacológico por um ano antes da gestação reduz a probabilidade de crescimento tumoral. Outra alternativa, considerando-se o risco de aumento de volume do prolactinoma, especialmente daqueles com expansão suprasselar, seria o uso continuado de bromocriptina durante a gestação, embora indicado com alguma reserva. Recomenda-se realizar campimetria a cada três meses nos macroprolactinomas e RM (não TC) nos casos de prolactinoma com sintomas de expansão tumoral, como cefaleia e alterações visuais. Nesse caso, a reinstituição da bromocriptina oferece menor risco para a mãe e para o feto do que a cirurgia, ficando esta última reservada a situações em que a paciente já estava utilizando bromocriptina ou se não houver resposta à reinstituição do medicamento, devendo ser realizada preferencialmente no segundo trimestre. É possível que a gestação tenha um efeito benéfico sobre a normalização da hiperprolactinemia. Entre as mulheres que tiveram gestação induzida por bromocriptina, 30% entram em remissão da hiperprolactinemia. O tratamento com ADs durante a lactação não é necessário, uma vez que não foram observados sintomas sugestivos de aumento tumoral em pacientes com microadenomas ou macroadenomas que amamentaram. Além disso, deve ser lembrado que os ADs inibem a lactogênese.

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Hiperprolactinemia e menopausa Os níveis elevados de prolactina tendem a normalizar após a menopausa. Em algumas mulheres, mesmo que os valores permaneçam elevados, a correção não altera os sintomas de

hipogonadismo. Nessas, não há contraindicação à terapia de reposição hormonal. Nos casos de microprolactinoma, o tratamento poderá ser suspenso com controle clínico devido aos raros casos de expansão tumoral.

LEITURAS SUGERIDAS CASANUEVA, F. F. et al. Guidelines of the Pituitary Society for the diagnosis and management of prolactinomas. Clin. Endocrinol., v. 65, n. 2, p. 265-273, 2006. CHAHAL, J.; SCHLECHTE, J. Hyperprolactenaemia. Pituitary, v. 11, n. 2, p. 141-146, 2008. MALLMANN, E. S.; NÁCUL, A. P.; SPRITZER, P. M. Pregnancy in hyper-

prolactinemic women. Acta Obstet. Gynecol. Scand., v. 81, n. 3, p. 265-267, 2002.

SCHLECHTE, J. A. Clinical pratice: prolactinoma. N. Engl. J. Med., v. 349, n. 21, p. 2035-2041, 2003.

MOLICH, M. E. Medication-induced hyperprolactinemia. Mayo Clin. Proc., v. 80, n. 8, p. 1050-1057, 2005.

VILAR, L.; NAVES, L. A.; GADELHA, M. Armadilhas no diagnóstico da hiperprolactinemia. Arq. Bras. Endocrinol. Metab., v. 47, n. 4, p. 347-357, 2003.

PRABHAKAR, V. K. B.; DAVIS, J. R. E. Hyperprolactinaemia. Best Pract. Res. Clin. Obstet. Gynaecol., v. 22, n. 2, p. 341-353, 2008.

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A avaliação inicial de uma paciente com amenorreia e galactorreia inclui: a. b. c. d.

Prolactina. TSH. β-hCG. Excluir uso de fármacos antagonistas dopaminérgicos. e. Todas estão corretas.

2. Em paciente com microprolactinoma associado a distúrbios menstruais, o tratamento preferencial é: a. b. c. d. e.

Cirurgia transesfenoidal. Agonistas da dopamina. Metoclopramida. Radioterapia. Hormônio da tireoide.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Hiperandrogenismo Poli Mara Spritzer Karen Oppermann

O hiperandrogenismo pode ser definido por aumento nos níveis circulantes de androgênios devido a uma maior produção ovariana ou adrenal e/ou pela presença de sinais clínicos decorrentes de uma maior sensibilidade dos tecidos-alvos à ação dos androgênios normalmente secretados. Os androgênios promovem a conversão dos pelos velos em terminais na maioria das regiões dependentes de hormônios sexuais. A sensibilidade do tecido cutâneo aos androgênios envolve a presença e o grau de atividade de enzimas capazes de disponibilizar metabólitos androgênicos mais ativos no interior do folículo pilossebáceo, como a 5-α-redutase e, em menor proporção, a 17-β-hidroxiesteroide desidrogenase. É importante salientar que concentrações elevadas de androgênios circulantes aumentam a atividade da 5-α-redutase. Da mesma forma, condições clínicas que alterem a produção hepática da proteína transportadora de hormônios sexuais (SHBG) interferem nos níveis de androgênios livres, que são aqueles biologicamente ativos, podendo ocasionar ou piorar os sinais clínicos de hiperandrogenismo. As manifestações clínicas do hiperandrogenismo podem ser cosméticas, como acne, hirsutismo e alopecia; decorrentes de anovulação, como distúrbio menstrual e infertilidade; e metabólicas, devido à resistência insulínica eventualmente associada (Quadro 50.1). O hiperandrogenismo por aumento na produção glandular pode ser de origem ovariana, como a síndrome dos ovários policísticos (SOP) e os tumores ovarianos produtores de androgênios, e/ou adrenal, como a hiperplasia adrenal congênita forma não clássica (HAC-NC) ou de

QUADRO 50.1

Manifestações clínicas do hiperandrogenismo Cosméticas Hirsutismo Acne Seborreia Alopecia androgênica Associadas a distúrbio menstrual e/ou infertilidade Oligoamenorreia Anovulação Hiperplasia endometrial Sangramento uterino disfuncional Metabólicas Obesidade Distribuição central de gordura Dislipidemia Hipertensão Intolerância à glicose/DM 2 Obstétricas Abortamento Diabete gestacional DM 2, diabete melito tipo 2.

início tardio, a síndrome de Cushing e as neoplasias adrenais produtoras de androgênios. Os tumores secretores de androgênios, adrenais ou ovarianos, são raros (cerca de 0,2% entre mulheres com hiperandrogenemia) e mais da metade deles é maligna. O hiperandrogenismo periférico ou idiopático deve-se a um aumento

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na utilização periférica de androgênios e, nesse caso, as manifestações clínicas se restringem aos sinais e sintomas cosméticos (acne, hirsutismo, alopecia). Também pode levar a um quadro de hiperandrogenismo o uso de drogas, como fenitoína, diazoxide, danazol, tibolona, metirapona, fenotiazidas, esteroides anabolizantes, ciclosporina, ácido valproico, etc. Algumas condições clínicas podem se apresentar associadas a um quadro de hiperandrogenismo, como síndrome de Cushing, distúrbios da tireoide, hiperprolactinemia e acromegalia. No entanto, em geral, outros sinais e sintomas específicos são mais evidentes do que o hirsutismo.

receptor irá ligar-se ao aceptor nuclear do DNA e ativar a multiplicação celular e a síntese de proteinas específicas. A DHT pode também ser transformada em 3-␣-androstanediol (3-␣-diol), que corresponde a uma forma de reserva com possibilidade de reconversão em DHT e uma forma de metabolização dos androgênios. Tanto a T como o 3-␣-diol podem também ser eliminados pela urina sob a forma de glucoronídeo de T e glucoronídeo de 3-␣-diol, respectivamente, podendo ser utilizados como marcadores indiretos da atividade da 5-␣-redutase.

Etiopatogenia do hiperandrogenismo

Fisiologia dos androgênios na mulher

Causas ovarianas

A regulação da secreção de androgênios deve-se à estimulação do hormônio luteinizante (LH) nos ovários e pelo hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) nas suprarrenais, juntamente com a ação de mecanismos parácrinos e autócrinos.

A SOP é caracterizada por anovulação crônica e hiperandrogenismo, e sua prevalência é estimada em 5 a 10% das mulheres em idade reprodutiva. Se considerarmos a presença de distúrbio menstrual, o diagnóstico de SOP é obtido em 30 a 40% das pacientes com amenorreia primária ou secundária e em 80% das pacientes com oligomenorreia. A SOP é a causa mais comum de infertilidade por anovulação. Os sintomas iniciam no período peripuberal e progridem com o tempo.

Na mulher, os androgênios circulantes mais importantes são a Δ4-androstenediona (A) e a testosterona (T). A A circulante é praticamente toda produto de secreção glandular: 50% pelos ovários e 50% pelas suprarrenais. A T, no entanto, é secretada em 30%, principalmente pelos ovários e em menor proporção pelas suprarrenais, enquanto 70% dos níveis circulantes são originários da conversão periférica ou hepática de A. A de-hidroepiandrosterona (DHEA) e o sulfato de DHEA (S-DHEA) são basicamente secretados pelas suprarrenais e são considerados androgênios pouco ativos. Os androgênios ativos são a T e a A, após ter sido convertida na célula cutânea em T. A T circulante é ligada principalmente à globulina ligadora de esteroides sexuais (SHBG), mas penetra na célula sob a forma livre. Além disso, em nível cutâneo, a própria T deve converter-se em di-hidrotestosterona (DHT), o androgênio mais ativo, graças à enzima 5-␣-redutase. A T e a DHT podem também ser metabolizadas a androgênios menos potentes pela enzima 17-␤-hidroxiesteroide desidrogenase. A sensibilidade cutânea aos androgênios, depende da atividade dessas enzimas. A DHT liga-se ao receptor de androgênios, e o complexo hormonior-

Síndrome dos ovários policísticos (SOP)

A etiopatogenia da SOP ainda não foi totalmente esclarecida, embora vários mecanismos para sua ocorrência tenham sido propostos. Há evidências de que a síndrome representa uma interação de genes com fatores ambientais e relacionados a estilo de vida, nutrição e atividade física. Vários estudos têm demonstrado uma disfunção primária na biossíntese de androgênios, foliculogênese, oogênese e regulação central da secreção de gonadotrofinas, bem como transmissão familiar, provavelmente por herança autossômica dominante. As alterações nos mecanismos moleculares de ação da insulina, bem como na atividade da p450c17, associam-se à resistência insulínica e ao hiperandrogenismo. Demonstrou-se, ainda, um efeito direto da insulina e do IGF-I em aumentar a atividade da 17-α-hidroxilase no ovário, causando hiperprodução androgênica. Indiretamente, a insulina parece potencializar a ação do LH no ovário. O hiperestrogenismo, gerado pela conversão periférica dos androgênios, promove

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ainda um aumento na sensibilidade hipofisária ao hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH), contribuindo para o distúrbio e justificando o aumento nas concentrações de LH e a resposta exagerada do LH ao GnRH, que é caracteristica na síndrome. Entretanto, nem todas as pacientes apresentam níveis de LH ou relação LH/FSH (hormônio foliculoestimulante) aumentados, especialmente as obesas. Dessa forma, a presença dessas alterações não é necessária para a confirmação do diagnóstico. Outro efeito da hiperinsulinemia, assim como a obesidade, é a redução da produção hepática de SHBG e de IGFBP-I, a proteína transportadora de IGF-I, contribuindo para uma maior ação de hormônio livre (testosterona livre e IGF-I, respectivamente) nas células-alvo. Como a etiologia da SOP não foi ainda totalmente estabelecida, não há, até o momento, um teste único para seu diagnóstico. Assim, os critérios para o diagnóstico têm sido definidos a partir de consensos de especialistas. O Consenso de Roterdã de 2003 recomenda para o diagnóstico de SOP que se inclua pelo menos dois dos seguintes critérios: oligo/anovulação, níveis de androgênios elevados ou manifestações clínicas de hiperandrogenismo e alterações ultrassonográficas dos ovários (Rotterdam ESHRE/ASRM, 2004). Essas alterações consistem em aumento 3 do volume ovariano (⬎ 10 cm em um ou ambos ovários) e 12 ou mais folículos medindo 2 a 9 mm em diâmetro. Outras patologias associadas a hiperandrogenismo devem ter sido excluídas. Há críticas aos critérios desse consenso, a mais importante sendo a possibilidade de que uma paciente sem evidências de hiperandrogenismo possa ser diagnosticada como portadora de SOP. Em função disso, mais recentemente, a Androgen Excess and Polycystic Ovarian Syndrome Society passou a recomendar, para o diagnóstico de SOP, que hiperandrogenismo clínico ou laboratorial esteja presente e associado a anovulação e/ou a ovários policísticos ao exame ultrassonográfico (Azziz et al., 2009). Do ponto de vista fisiopatológico, a anovulação, acompanhada ou não de oligo/amenorreia, é decorrente da ação dos androgênios em dois níveis: a) ação direta no meio intraovariano, interferindo no crescimento dos folículos antrais pela interação da hipersecreção de LH e insulina e menor atividade da aromatase (enzima respon-

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sável pela produção de estradiol pelas células da granulosa a partir da testosterona sintetizada pelas células da teca interna); b) indiretamente, pela conversão periférica dos androgênios em estrogênios levando a uma concentração plasmática constante de estrogênios (não cíclica), com consequente alteração do sistema de retrocontrole gonadotrófico. A SOP pode estar associada à resistência insulínica e hiperinsulinemia compensatória. Um número expressivo de pacientes apresenta obesidade e, em 30 a 60% dos casos, em especial nas pacientes obesas, a resistência insulínica está presente. Das pacientes obesas com SOP, 15% desenvolvem diabete melito tipo 2, e 20 a 40%, tolerância diminuída à glicose. Alterações do perfil lipídico com níveis elevados de colesterol total, triglicerídeos e LDL-colesterol e diminuídos de HDL-colesterol são encontrados em mulheres com (DM 2) e independem do peso corporal. Alterações do perfil lipídico e DM 2 são importantes fatores de risco para doença cardiovascular. Há o relato de possíveis marcadores clínicos de hiperinsulinemia, como meninas com pubarca precoce e acantose nigricans e baixo peso ao nascer (retardo de crescimento intrauterino). O significado desses achados em relação à futura manifestação de SOP é provável, mas ainda não completamente comprovado. A SOP vem sendo associada a abortamento precoce e diabete gestacional. Há evidências, também, que pacientes com SOP apresentem um distúrbio inflamatório crônico, com aumento de proteína C reativa, PAI-1 e fibrinogênio, bem como maior prevalência de dislipidemia, obesidade central, diabete e hipertensão. No entanto, ainda não foi estabelecido se a presença desse perfil de maior risco cardiovascular leva a aumento efetivo de doença cardiovascular futura nessas pacientes. É provável que a heterogeneidade na apresentação clínica da SOP se traduza por risco diferenciado para o desenvolvimento de doença cardiovascular. Outras causas de hiperandrogenismo ovariano A hipertecose, descrita inicialmente em 1943, é definida como uma patologia ovariana não neoplásica, caracterizada pela presença de ilhotas de células tecais no estroma ovariano e com quadro

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clínico que lembra a SOP. No entanto, o grau de hiperandrogenismo e de androgenização, bem como de hiperinsulinemia e resistência insulínica, costuma ser mais severo do que na SOP, e os níveis de LH e FSH são normais. Alguns autores preconizam que a hipertecose nada mais é do que uma forma mais severa de SOP. A hipertecose ovariana nas mulheres pós-menopáusicas manifesta-se frequentemente com hirsutismo severo ou virilismo, níveis elevados de FSH e hiperandrogenismo ovariano. O tratamento com agonista de GnRH normaliza os níveis de androgênios séricos, porém não melhora as manifestações metabólicas. A associação a DM 2, dislipidemia e doença cardiovascular é frequente. O diagnóstico definitivo, assim como o tratamento, é realizado pela ooforectomia bilateral, mas sem melhora na hiperinsulinemia. O uso de drogas que melhoram a ação da insulina deve ser considerado como tratamento adjuvante. As neoplasias ovarianas são situações mais raras; a evolução clínica costuma ser mais grave e abrupta, e os níveis de androgênios, mais elevados. O quadro clínico é de virilização, com aumento do clitóris e engrossamento da voz. Entre as neoplasias de ovários, devem ser destacados os arrenoblastomas, androblastomas (tumores de células de Sertoli-Leydig), tumores de células da teca-granulosa, tumores de células hilares, disgerminomas, teratomas, gonadoblastomas, tecomas luteinizados e luteomas.

Causas adrenais Hiperplasia adrenal congênita forma não clássica (HAC-NC) A HAC-NC por deficiência da 21-hidroxilase (CYP21) é a causa mais frequente de hirsutismo de origem adrenal, com uma prevalência entre mulheres hirsutas variando entre 2 e 10%. No sul do Brasil, a frequência observada foi de 7,4%. A apresentação clínica é variável, podendo incluir acne, hirsutismo, alopecia androgênica, distúrbio menstrual e anovulação crônica. Alguns casos podem se apresentar como hirsutismo isolado na presença de ciclos regulares. A intensidade do hirsutismo ou da acne não é diferente de outras causas de hiperandrogenismo. Em geral, o início é peripuberal, mas pode ocorrer mais cedo, como um quadro de pubarca precoce. Outras deficiências menos frequentes

são as do citrocromo p450uc11 (ou 11-β-hidroxilase) e da 3-β-hidroxiesteroide desidrogenase. A deficiência parcial da 21-hidroxilase contribui para o acúmulo de 17OHP, androgênio fraco, e de seus metabólitos, androstenediona, principalmente. Entretanto, a produção de cortisol geralmente é normal. Ao contrário da forma clássica, com apresentação clínica já ao nascimento de ambiguidade sexual nas meninas ou virilização nos meninos, com ou sem perda de sal, as formas tardias desenvolvem-se clinicamente no período peripuberal. A prevalência de infertilidade nas mulheres com deficiência da 21-hidroxilase não clássica é de 13%. O diagnóstico de HAC-NC por deficiência em CYP21 é confirmado pela medida da 17OHP sérica basal (valores ⬎ 5 ng/mL) e/ou após teste de estímulo com corticotrofina em solução aquosa (0,25 mg, IM ou IV), iniciando entre 7 e 8 horas da manhã, e dosagem da 17OHP e cortisol nos tempos 0 e 60 minutos, se a administração de cortrosina foi IM, ou 0, 30 e 60 minutos, se IV. Valores plasmáticos de 17OHP pós-ACTH ⬎ 10 a 12 ng/mL são diagnósticos de HAC-NC. Contudo, estudos recentes sugerem que o ponto de corte para o teste do ACTH deveria ser mais elevado (17 ng/mL). A genotipagem para pesquisa de mutações relacionadas à HAC pode ser importante, em especial para aconselhamento genético. Outras causas de hiperandrogenismo de origem adrenal A síndrome de Cushing refere-se ao conjunto de manifestações clínicas decorrentes de hipercortisolismo crônico, independentemente da causa primária. Embora não seja frequente, a síndrome de Cushing deve ser considerada no diagnóstico diferencial do hiperandrogenismo, uma vez que a apresentação clínica inclui distúrbio menstrual, hirsutismo, infertilidade, obesidade e diabete melito, entre outras características. Se houver suspeita clínica para síndrome de Cushing (estrias purpúreas, fascies característico, obesidade central, diabete, hipertensão), rastreamento inicial pode ser realizado a partir da determinação da cortisolúria de 24 horas e/ ou teste de supressão com 1 mg VO de dexametasona (às 23 h, e dosagem de cortisol no dia seguinte, às 8 h da manhã).

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Algumas formas de tumores adrenais secretam androgênios de forma autônoma, levando à anovulação e à virilização e simulando um quadro de SOP. Esses tumores incluem adenomas e carcinomas adrenais. No caso de tumores secretores de androgênios, a testosterona sérica costuma ser ⬎ 150 ng/dL, e a S-DHEA poderá estar elevada na presença de neoplasia adrenal. Os exames de imagem de tomografia computadorizada ou ressonância magnética serão necessários para localizar a origem adrenal ou ovariana do tumor.

Hiperandrogenismo periférico O hiperandrogenismo periférico caracteriza-se por manifestações cosméticas isoladas, desvinculadas de outras manifestações clínicas ou alterações hormonais. A situação clínica mais frequente é o hirsutismo idiopático. Nessas pacientes, observa-se uma maior atividade da 5-α-redutase junto ao folículo-piloso, quando comparadas às mulheres normais, não hirsutas. Como já referido anteriormente, essa enzima converte localmente a testosterona em seu metabólito mais ativo, a DHT. Duas isoformas foram identificadas: a 5-α-redutase tipo 1 e tipo 2, com atividades em diferentes regiões corporais. O diagnóstico de hirsutismo idiopático é evidenciado em pacientes hirsutas com ciclos regulares e ovulatórios, níveis de androgênios circulantes normais e exclusão de outras causas. A história de ciclos regulares não é suficiente para excluir disfunção ovulatória, já que algumas mulheres hirsutas eumenorreicas podem ser anovulatórias. Recentemente foi sugerido que, na presença de alterações ecográficas no ovário (ovários policísticos), essas pacientes ovulatórias, com hirsutismo, sejam consideradas como um dos fenótipos de SOP.

Avaliação diagnóstica Anamnese Investigar a idade da paciente, a época do aparecimento do hirsutismo ou outro sinal de hiperandrogenismo em relação à puberdade, o modo de instalação (se progressivo ou explosivo), a evolução avaliada pelo número de depilações mensais, a importância da acne e da sebor-

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reia. Outros dados importantes são a idade da menarca, a duração e a periodicidade dos ciclos menstruais, a origem étnica e os antecedentes familiares. Deve ser igualmente pesquisada a presença de sintomas sugestivos de disfunção tireoidiana ou adrenal. A paciente deve ser interrogada também quanto a tratamentos médicos anteriores que possam ter incluído a utilização de esteroides e quanto ao método anticoncepcional utilizado no presente. Exame físico e ginecológico Além do exame físico e ginecológico completo, avaliar a presença e a distribuição de pelos corporais a partir de sua topografia e pigmentação e os sinais habituais que podem acompanhar o hirsutismo: acne, seborreia e, eventualmente, alopecia. A presença de acantose nigricans está associada à hiperinsulinemia. Examina-se as mamas, observando-se a presença de galactorreia. Outros sinais de virilização: hipertrofia de clitóris, aumento da massa muscular e modificação do tom de voz. Medidas antropoméricas fazem parte da avaliação, incluindo peso e altura para estimativa do 2 índice de massa corporal (IMC): peso/altura . 2 Considera-se peso normal ⱕ 25 kg/m , sobre2 2 peso ⬎ 25 kg/m e obesidade ⱖ 30 kg/m : A circunferência da cintura e a relação cintura/ quadril (RCQ) são consideradas marcadores de deposição central de gordura. Os pontos de corte aceitos são ⱖ 0,8 ou ⱖ 0,86 cm para RCQ, e ⬎ 80 ou ⬎ 88 cm para cintura, para a International Diabetes Federation e o National Cholessterol Education Program (NCEP), respectivamente. A distribuição central de gordura tem uma associação forte com resistência insulínica (RI). Entretanto, a RI é responsável por distúrbios tanto metabólicos como reprodutivos observados em mulheres com SOP. A estimativa da circunferência da cintura é um procedimento simples, que, junto à avaliação da pressão arterial, HDL-colesterol, triglicerídeos e glicemia, permite estabelecer a presença de fatores de risco cardiovascular e metabólico. Essas variáveis clínicas e laboratoriais são utilizadas como critérios para o diagnóstico de síndrome metabólica (SM), e esta é mais prevalente em pacientes com SOP do que em mulheres da mesma idade e peso corporal.

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A avaliação da distribuição de pelos corporais é feita por meio do escore de Ferriman-Gallwey modificado (FG), para avaliação inicial e evolução clínica (Fig. 50.1). Considera-se hirsutismo um escore FG ⱖ 8. Avaliação laboratorial Os exames hormonais devem ser coletados na fase folicular precoce, entre o 2o e 7o dia do ciclo menstrual ou em qualquer dia, se a paciente se encontrar em amenorreia. A exceção é a dosagem de progesterona, conforme descrito em diagnóstico da ovulação. Sugere-se como avaliação básica:

> 17OHP basal ou teste do ACTH curto: 17OHP basal e, 1 hora após, 0,25 mg de cortrosina IM (para o diagnóstico de HAC-NC). > Prolactina e TSH são solicitados na presença de distúrbio menstrual ou anovulação. > Colesterol total e frações, triglicerídeos e glicemia são solicitados a pacientes obesas. Naquelas com diagnóstico de SOP (obesas ou com peso normal), recomenda-se o perfil aci-

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Diagnóstico de ovulação Em pacientes com ciclos menstruais regulares, deve-se pesquisar a ovulação por meio da medida da progesterona sérica do 19o ao 25o dia do ciclo menstrual. Outras alternativas são a ultrassonografia seriada ou a biópsia de endométrio. Para aquelas com ciclos oligoamenorreicos, a investigação de ovulação torna-se desnecessária. Exame de imagem > US transvaginal

> Testosterona total.

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ma e a realização do teste de tolerância oral à glicose para rastreamento de tolerância diminuída à glicose.

A ultrassonografia transvaginal pode ser útil para rastrear neoplasia de ovário quando houver suspeita clínica ou evidenciar a aparência policística dos ovários (12 ou mais folículos com 2 a 9 mm e/ou volume ovariano ⬎ 10 cm3, pelo menos em um ovário). Ressalta-se que a imagem policística não é específica de SOP, podendo ser encontrada também nos casos de HAC-NC e, eventualmente, em mulheres com ciclos regulares. Porém, a ausência desses achados não exclui o diagnóstico de SOP.

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Figura 50.1 Escore semiquantitativo de Ferriman – Gallwey modificado.

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Outros exames complementares Em casos específicos, poderão ser solicitados testes para rastreamento de síndrome de Cushing e/ou avaliação por imagem, se houver suspeita de tumores secretores de androgênios (história clínica de evolução rápida e/ou androgênios muito elevados). O S-DHEA é um hormônio pouco discriminativo, uma vez que níveis elevados podem ser observados em pacientes hirsutas de qualquer etiologia, inclusive SOP, e níveis normais podem ser encontrados mesmo nos casos de HAC-NC. Entretanto, níveis circulantes muito elevados podem sugerir um tumor adrenal.

Tratamento O tratamento do hiperandrogenismo tem como objetivo normalizar a produção androgênica, quando esta estiver aumentada, inibir a ação dos androgênios circulantes, identificar as pacientes de risco, bem como prevenir as comorbidades metabólicas e cardiovasculares. Para os casos raros de tumores produtores de androgênio, recomenda-se a terapêutica cirúrgica. O tratamento da infertilidade em pacientes com SOP será abordado no Capítulo 51, Infertilidade. Medidas cosméticas Em relação à acne e à seborreia, podem ser utilizados tratamentos tópicos dermatológicos, como sabonetes, cremes, loções, pomadas ou gel, com ou sem antibióticos. Nos casos de acne mais severa ou resistente ao tratamento convencional, pode ser utilizado o ácido retinoico e a isotretinoína. O tratamento tópico deve ser realizado com o acompanhamento do médico dermatologista. Recomenda-se o início do tratamento cosmético do hirsutismo após supressão da hiperprodução de androgênios e/ou bloqueio da 5-α-redutase, a partir do terceiro mês de tratamento. A utilização da eletrólise resulta em uma longa e gradual destruição do pelo. Com repetidos tratamentos, podem-se obter 15 a 50% de perda permanente. A eletrólise dos pelos deve ser confiada a mãos experientes, devido ao risco de cicatrizes. Outras formas de depilação, excetuando-se o laser, não foram associadas à redução do

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crescimento do pelo. A atrofia do pelo escuro com laser tem como principal mecanismo a fototermólise. Pelos mais claros não costumam ter a mesma resposta. O tratamento dos folículos pilosos com laser resulta em telógeno temporário, que pode durar até 2 anos após a aplicação. Ainda é incerto se a destruição do folículo piloso com laser é permanente. Outra alternativa é a utilização tópica do cloridrato de eflornitina, cujo mecanismo de ação é a inibição da enzima ornitina descarboxilase, bloqueando o crescimento do fio. Essa droga foi recentemente aprovada nos Estados Unidos pelo Food and Drug Administration (FDA) e ainda não está disponível no nosso meio. Como é de uso tópico, poderá ser eficaz para pacientes com hirsutismo mais localizado, especialmente facial. Deve ser salientada sua ação apenas paliativa, ou seja, o uso deve ser prolongado e sua interrupção acarreta o retorno do hirsutismo aproximadamente 2 meses depois. Os principais efeitos colaterais descritos são eritema, prurido, ardência e ressecamento da pele. Dieta e emagrecimento A obesidade e/ou hiperinsulinemia estão associadas à diminuição de SHBG e ao aumento da proporção de androgênio livre, bem como à necessidade de medidas para prevenção do desenvolvimento de doença aterosclerótica, doença cardiovascular, dislipidemia, diabete melito e hipertensão arterial sistêmica. Sabe-se que a melhora dos parâmetros metabólicos após 2 a 4 semanas de dieta hipocalórica aumenta em 2 vezes o nível de SHBG, acompanhado de uma queda dos níveis de testosterona livre, com mudança nos níveis de insulina e IGF-I. Redução de 5% do peso se associa à melhora desses parâmetros e ao retorno das menstruações. Além da dieta hipocalórica, sugere-se a realização regular de exercícios aeróbicos, para mobilização de gordura abdominal e redistribuição de gordura corporal. As pacientes com IMC ⬎ 25 necessitam de dieta hipocalórica, associada a exercícios físicos regulares para uma maior efetividade do tratamento. Tratamento farmacológico As principais opções farmacológicas no hiperandrogenismo incluem os anticoncepcionais orais (ACOs) e os antiandrogênios.

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Os ACOs têm ação antigonadotrófica, inibindo a secreção de androgênios ovarianos e aumentando a síntese hepática de SHBG, reduzindo as concentrações circulantes da testosterona bioativa (livre). Nas pacientes com SOP, portanto, essa é a primeira linha de tratamento, sendo também um agente de proteção endometrial. Nos casos leves, a monoterapia com ACO pode ser suficiente. Na impossibilidade de usar o ACO (por contraindicações metabólicas ou cardiovasculares), a metformina, um agente sensibilizador da ação da insulina, pode ser uma alternativa para o distúrbio menstrual e o tratamento de comorbidades metabólicas. No entanto, não há evidências sobre um eventual efeito significativo sobre o hirsutismo. Além disso, é importante lembrar que, com o uso de metformina, podem ocorrer ovulação e gestação; assim, é fundamental garantir contracepção nesses casos. Antiandrogênios Os antiandrogênios atuam competindo com o androgênio endógeno pelo seu receptor ou pela inibição da 5-α-redutase, que converte a testosterona no seu metabólito mais ativo, a DHT. Embora pacientes com hirsutismo idiopático possam, teoricamente, utilizar antiandrogênios isoladamente, uma vez que não apresentam hiperandrogenemia, essa opção só pode ser adotada para as que não têm risco de gestação. Isso porque esse grupo de fármacos inibe a diferenciação sexual de fetos masculinos e, portanto, só pode ser utilizado na vigência de contracepção. Os antiandrogênios podem ser somados ao tratamento com ACO nos casos de hirsutismo moderado a grave. Os disponíveis são a espironolactona e o acetato de ciproterona, que apresentam efetividade relativamente comparável em relação à melhora do hirsutismo. A flutamida é contraindicada, pelo menos como tratamento de primeira linha, devido ao risco de toxicidade hepática. O inibidor da 5-redutase é o finasteride, disponível no Brasil para tratamento da perda de cabelos nos homens e neoplasias da próstata. A espironolactona é um antagonista da aldosterona estruturalmente relacionado aos progestágenos e originalmente usado para tratar hipertensão arterial sistêmica. Apresenta ação

antiandrogênica moderada e progestogênica fraca. Compete com o receptor androgênico com uma afinidade de 1/20 comparada à DHT. Após a administração oral, é rapidamente convertida em canrenona, um antiandrogênio menos potente. O emprego da espironolactona nos casos de hirsutismo idiopático apresenta melhores resultados devido à sua ação preponderantemente periférica. A dose recomendada é de 100 a 200 mg/dia. Como dose de manutenção, podem-se utilizar 50 a 100 mg diários. É indispensável o uso de métodos anticoncepcionais em mulheres com vida sexual ativa devido ao efeito antiandrogênico sobre o feto. Pode ser usado continuadamente ou a cada 21 dias com o intervalo de uma semana a cada ciclo. Pode ser empregado como tratamento único ou associado a ACO. O efeito adverso mais frequente, especialmente nos primeiros 2 a 3 meses, é a irregularidade menstrual ou os escapes intermenstruais. Esse efeito colateral parece ser menos frequente com o uso cíclico da espironolactona ou quando associado a ACO. Outros efeitos, como náusea, dispepsia e fadiga, embora raros, podem ocorrer. A espironolactona deve ser usada com cautela em pacientes com diabete, idosas ou que estejam usando drogas que aumentem o potássio sérico. O acetato de ciproterona (CPA) é um progestágeno derivado da 17-hidroxi progesterona, com potente ação antigonadotrófica, reduzindo os níveis de LH com consequente redução dos níveis circulantes de testosterona e androstenediona. Também apresenta ação antiandrogênica via competição da ligação da DHT ao seu receptor. Devido ao seu efeito antiandrogênico, pode ser utilizado nas manifestações de hiperandrogenismo, como acne, hirsutismo e alopecia de qualquer etiologia. Contudo, por seu perfil farmacológico, associando ação antiandrogênica e antigonadotrófica, o CPA é indicado, especialmente, para pacientes com SOP. É comercializado na dosagem de 50 mg ou como ACO (CPA, 2 mg com etinilestradiol, 35 μg). A dosagem de 2 mg pode ser utilizada nos casos de hiperandrogenismo associado apenas a acne e/ou seborreia ou nos casos de hirsutismo leve e que necessite de anticoncepção. Sugere-se a dosagem de 12,5 a 50 mg, associados ao ACO para os casos de hirsutismo severo por SOP ou para as pacientes

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com HAC-NC em que o hirsutismo seja a principal queixa. Como possíveis efeitos colaterais, destacam-se ganho de peso, fadiga, sonolência, diminuição da libido e depressão. A adesão das pacientes a esse esquema é boa, sendo infrequentes os casos de interrupção devido a efeitos colaterais. Embora rara, há o relato de hepatite medicamentosa. Finasteride O finasteride é um composto esteroide (azasteroide) com ação específica de inibição da enzima 5-α-redutase, que converte a testosterona em DHT. Não apresenta afinidade pelo receptor androgênico e é desprovido de efeitos hormonais intrínsecos. As modificações hormonais se resumem à diminuição dos níveis da DHT e do 3-α-diol. O finasteride primariamente inibe a atividade da 5-α-redutase tipo 2. Tem sido usado no tratamento de hiperplasia prostática, na qual a isoenzima tipo 2 é a mais prevalente. Embora possivelmente no hirsutismo idiopático a isoenzima tipo 1 tenha maior importância, a utilização de finasteride tem sido empregada por alguns autores. Até o momento, não foram descritos efeitos colaterais importantes com o uso da medicação. Glicocorticoides Os glicocorticoides reduzem a secreção de androgênios adrenais a partir da supressão central de ACTH. Entretanto, mesmo nos casos de HAC-NC, a eficácia clínica dos glicocorticoides no tratamento do hirsutismo propriamente dito é apenas discreta. Portanto, as principais indicações do uso de glicocorticoides são nos casos de HAC-NC em que o objetivo seja restaurar a ovulação e/ou reduzir os níveis de androgênios circulantes ou ainda quando existe risco de insuficiência adrenal, o que é raro. Nas gestações de mulheres com HAC-NC, inicia-se com dexametasona, hidrocortisona ou a prednisolona antes da 9 semana. Por meio da biópsia de vilo ou da amniocentese em torno da a 14 semana, serão realizados cariótipo e genotipagem. Se o feto for masculino ou feminino não acometido por HAC-NC, o uso de corticoide pode ser suspenso. Em fetos com a forma clássica da hiperplasia, o uso de dexametasona pode se prolongar até o termo.

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Agentes sensibilizadores da ação da insulina Considerando a maior prevalência de resistência insulínica, diabete e tolerância diminuída à glicose em pacientes com SOP, inúmeros estudos discutem as indicações das drogas sensibilizadoras de insulina como tratamento específico para essas pacientes. A metformina é uma biguanida que tem como ação preponderante a redução na produção hepática de glicose, enquanto as tiazolidinedionas, a roziglitazona e a pioglitazona, aumentam a ação da insulina no músculo, fígado e tecido adiposo. As tiazolidinedionas são consideradas drogas novas e cujas efetividade, tolerância e segurança ainda não foram provadas para pacientes com SOP, mas a metformina parece apresentar efeitos benéficos sobre a redução dos níveis de insulina e de androgênios e a restauração da ovulação. Porém, os efeitos sobre a redução dos níveis de androgênios e a ovulação parecem ser obtidos apenas em estudos com duração mais longa, de 10 a 24 meses. A metformina apresenta como efeitos colaterais náusea, dor abdominal e distúrbios da motilidade intestinal, que são dose-dependentes. Embora seu uso em pacientes com SOP não seja ainda consensual, suas indicações principais abrangem, provavelmente, as pacientes com diabete ou tolerância diminuída à glicose, aquelas com resistência insulínica que não tiveram boa resposta com dieta e exercícios apenas e na indução de ovulação em pacientes resistentes ao citrato de clomifeno isolado. Alguns autores recomendam seu uso como prevenção primária a doenças metabólicas, mas não há estudos disponíveis ainda sobre os efeitos sistemicos do uso a longo prazo dessa droga. Metformina pode ser usada a partir dos 10 anos ou na forma de liberação extendida, a partir de 17 anos de idade. Os regimes terapêuticos utilizados são heterogêneos, não havendo padronização para a prática clínica. A dose total recomendada é entre 1.500 e 2.250 mg. Para minimizar os efeitos colaterais, sugere-se iniciar com a dose de 500 mg, ao jantar, aumentando 500 mg a cada 4 dias, até o máximo de 1.000 mg 2x/dia. Seguimento e prognóstico A avaliação clínica será realizada a cada 3 meses, inicialmente. Observa-se peso corporal, grau de acne e/ou hirsutismo, características dos pelos e

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frequência das depilações, além de duração, volume e frequência dos ciclos menstruais ou sangramentos de privação. Qualquer que seja a opção terapêutica, a melhora clínica da acne e da seborreia é observada a partir do 3o mês de tratamento; no hirsutismo e na alopecia, após o 6o ou 9o mês. A reavaliação hormonal será individualizada. A duração do tratamento depende da gravidade de cada caso. No caso do hirsutismo idiopático, após a suspensão do tratamento, a tendência é

o retorno aos sintomas iniciais, embora menos acentuado. Quanto à SOP, o tratamento prolongado com drogas antigonadotróficas poderá restaurar a fisiologia e a ciclicidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano temporária ou definitivamente. O controle do peso corporal é decisivo na prevenção e no tratamento das complicações metabólicas associadas à SOP.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Paciente de 28 anos com hirsutismo e ciclos menstruais oligomenorreicos. Os exames revelaram prolactina 15 ng/mL, FSH 5,7 mUI/mL, TSH 3,3 mUI/mL e 17OH progesterona 5,1 ng/mL. O teste indicado para o diagnóstico é: a. b. c. d.

Teste de estímulo com ACTH. Teste de TRH. RNM. Teste de GnRH.

2. Na ovulação crônica, como, por exemplo, a secundária à síndrome dos ovários policísticos, o hiperandrogenismo que ocorre se mantém pelas seguintes condições, exceto: a. Aumento do hormônio luteinizante (LH). b. Hiperinsulinemia. c. Aumento das proteínas carreadoras dos esteroides sexuais. d. Aumento da atividade da 17-alfa-hidroxilase no ovário.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Infertilidade Eduardo Pandolfi Passos Fernando Freitas Valentino Magno Francieli Maria Vigo Rosielle Mallmann Trombetta Ivan Sereno Montenegro Suzana Zachia

Infertilidade é a incapacidade de conceber após pelo menos 1 ano de relações sexuais regulares sem uso de nenhum método anticoncepcional. Em mulheres com mais de 35 anos, sugere-se que a avaliação e o tratamento sejam iniciados após período de apenas 6 meses. A prevalência de infertilidade tem permanecido constante com o decorrer dos anos, mas a demanda por serviços e tratamento tem aumentado sensivelmente. Há importantes diferenças regionais na incidência dessa afecção. Comumente, a infertilidade afeta 7 a 8% dos casais. Estudos que avaliam a prevalência de infertilidade segundo a definição, ou seja, com um tempo determinado de 1 ano, têm demonstrado que ela pode chegar a 30%. Estima-se que a probabilidade mensal de gestação em casais férteis seja de 15 a 25%, e a prevalência cumulativa após 1, 3, 6 e 12 meses seja, respectivamente, de 38, 68, 81 e 92% (Gnoth et al., 2003). Ao considerarmos todos os casais, no entanto, essa prevalência cumulativa atinge 80%. Thonneau e colaboradores (1991) demonstraram que 14,1% das mulheres na França consultarão um especialista em infertilidade durante sua vida reprodutiva. Embora não haja estatísticas relativas ao Brasil, supõe-se uma prevalência igual ou até mesmo superior devido ao grande número de casos de doença

inflamatória pélvica e de doenças sexualmente transmissíveis em nosso meio.

Etiologia Uma série de etiologias contribui para a infertilidade, existindo grande variação quanto às suas frequências. Estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde (1999) mostrou que, em países desenvolvidos, o fator feminino era diagnosticado em 37%, o fator masculino em 8%, e o fator combinado em 35% dos casos. A Infertilidade sem causa aparente estava presente em 5% dos casais. As principais causas femininas encontradas neste estudo foram as seguintes: distúrbios ovulatórios (25%); endometriose (15%); aderências pélvicas (12%); fator tubário (11%); e hiperprolactinemia (7%). Em nosso ambulatório, encontramos 66,6% de causa feminina; 18,3% de causa masculina; 11,6% de causa desconhecida; e 3,3% de causas masculina e feminina associadas. Esses dados refletem situações epidemiológicas bastante diversas, além da importância de se avaliar tanto o fator masculino quanto o feminino. Outros fatores são conhecidos por elevarem o risco de infertilidade: idade, fumo e peso aumentado. A prevalência de infertilidade aumenta drasticamente com a idade; estudo realizado por

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Dunson e colaboradores em 2002 mostra que a probabilidade de gestação em mulheres entre as idades 19-26, 27-34 e 35-39 é, respectivamente, de 50, 40 e 30%; mulheres no final da década dos 30 anos apresentam 90% da sua fertilidade basal; entre 40 e 44 anos, 62%; e entre 45 a 49 anos, 14%. O aumento da idade é reconhecido como causa de declínio na vida reprodutiva, e quando empregamos técnicas de fertilização in vitro (FIV), está relacionada à diminuição nas taxas de implantação e gestação, principalmente após os 38 anos de idade (Ziebe et al., 2001; Terriou et al., 2001; ESHRE Task Force on Ethics and Law et al., 2010). Tais fatores devem ser considerados no momento do aconselhamento de casais em que a parceira está acima dessa faixa etária. Outra informação que deve ser compartilhada com esses casais é a taxa de aborto espontâneo: três vezes maior em mulheres acima de 40 anos de idade quando comparadas com mulheres abaixo dos 25 anos submetidas à FIV. A infertilidade acomete 11% das mulheres com um episódio de doença inflamatória pélvica (DIP) prévio; 34% quando são dois episódios; e 54% das mulheres com três ou mais episódios de doença inflamatória pélvica. Pacientes com obstrução tubária podem desenvolver hidrossalpinge, fator que diminui as taxas de sucesso de FIV. A hidrossalpinge, além de prejudicar o transporte do oócito e do espermatozoide pela tuba uterina, cria um ambiente hostil à implantação embrionária na cavidade uterina. Remoção da hidrossalpinge associa-se a aumento das taxas de sucesso da FIV. A endometriose tem comprovada associação com infertilidade. Essa associação se faz por meio de vários mecanismos, como anormalidades anatômicas devido a adesões, formação de endometrioma ovariano, além da produção de citocinas e fatores de crescimento que prejudicam o processo normal de ovulação, fertilização e implantação. O defeito de fase lútea refere-se à inadequada produção de progesterona, necessária na preparação do endométrio durante o período de implantação embrionária. O diagnóstico é feito por meio de biópsia endometrial, em que a histologia mostra um atraso de dois dias na maturação endometrial. Há, no entanto, muita controvérsia quanto ao real papel desse fator na prevalência da infertilidade.

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Casais inférteis apresentam uma alta prevalência de anormalidades genéticas quando comparados à população geral. As principais anormalidades são a aneuplodia 45X nas mulheres e 47XXY nos homens. O diagnóstico de infertilidade sem causa definida é dado quando, após completa avaliação do casal, nenhuma anormalidade é encontrada. As taxas de gestação após FIV nesses casais são muito reduzidas quando comparadas às taxas de casais portadores de fator tubário que são submetidos à FIV. As mulheres que fumam apresentam um OR de 1,36 (IC 95% 1,14-1,21) de apresentarem infertilidade. A associação do tabagismo com toxicidade ovariana criando maior risco de menopausa precoce define claramente o papel danoso do uso de fumo no menacme. O fator tubário com diminuição da motilidade ciliar e risco maior para gestações ectópicas e a alteração do muco cervical, tanto em viscosidade quanto no aumento da toxicidade local, são as formas que interferem nos resultados. As pacientes devem ser encorajadas e orientadas a suspender o fumo antes de iniciar com técnicas de reprodução assistida (Eshre Task Force on Ethics and Law et al., 2010). Os extremos de peso (IMC > 27 ou < 17 kg/m²) estão relacionados a pior prognóstico fértil, bem como a maior necessidade de fármacos indutores da ovulação. Fatores como exposição a fatores ambientais ou ocupacionais, por exemplo, raio X, podem contribuir para a infertilidade. Os pacientes em tratamento para neoplasias com uso de quimioterapia e/ou radioterapia devem ser informados dos riscos de infertilidade secundária a esses tratamentos e orientados a congelamento de gametas e embriões para posterior utilização.

Avaliação diagnóstica do casal com infertilidade No Setor de Reprodução Humana do HCPA, iniciamos a investigação com uma história detalhada que aborda os seguintes pontos: idade, ocupação, tempo de infertilidade, paridade, características do ciclo menstrual, história das gestações, infecções pélvicas, cirurgias pélvicas,

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fumo, exposição a fármacos, substâncias tóxicas ou fatores ambientais e tratamentos prévios para infertilidade. Além disso, todos os casais fazem uma triagem inicial para doenças infecciosas: VDRL, HBsAg, Anti-HCV, Anti-HIV, HTLV I/II e clamídia no soro (imunofluorescência indireta IgG). Em conjunto com essa triagem, inicia-se uma avaliação específica para a infertilidade.

Avaliação feminina fator anatômico A avaliação do fator tuboperitoneal é essencial para a proposição do tratamento do casal. Em nosso serviço, utilizamos a histerossalpingografia, a pesquisa de clamídia no soro, a laparoscopia e a histeroscopia como métodos de avaliação anatômica. A histerossalpingografia (HSG) é o exame classicamente utilizado na investigação tubária desde a década de 20. Pela possibilidade de visualização radiológica da difusão de meio de contraste iodado, permite avaliar a configuração uterina e a permeabilidade tubária. Possui sensibilidade variável entre 58 e 78% e valor preditivo positivo entre 16 e 61%. Estudos sugerem que a presença de anticorpos para clamídia são mais preditivos de infertilidade do que anormalidades na HSG (Thomas et al., 2000). A histerossonossalpingografia, que consiste na visualização ultrassonográfica da difusão de soro fisiológico ou de meios de contraste à base de galactose, é um meio que tem demonstrado acurácia similar à histerossalpingografia no diagnóstico de permeabilidade tubária (Almeida et al., 1998). As causas de infertilidade associadas ao fator uterino isolado correspodem a menos de 2% de todas as outras causas, o que pode ser bem visualizado pela ultrassonografia. A laparoscopia completa a investigação do fator tuboperitoneal, sendo considerada o padrão-ouro na avaliação do fator tuboperitoneal. O método utilizado para avaliação da permeabilidade tubária é a cromotubagem. Nesse procedimento, realiza-se a cateterização do colo uterino e, através de uma sonda inserida no colo, é injetada uma solução de azul de metileno diluída; então, sob visão laparoscópica, é identificada a permeabilidade tubária. Se a trompa for pérvia, haverá visualização da solução por meio

das trompas e também do derramamento da solução na cavidade peritoneal. Como alternativa, poderemos utilizar soro/ar e identificaremos uma solução com bolhas com saída pela tuba uterina. É possível a avaliação da mobilidade das fímbrias durante o procedimento quando as trompas encontram-se imersas em líquido. Nesse mesmo momento, é possível realizar o tratamento cirúrgico adequado em alguns casos. Se houver aderências, devem ser desfeitas e, se encontrados focos de endometriose, a conduta mais adequada é a sua cauterização. A salpingoplastia é a opção quando as trompas encontram-se alteradas ou obstruídas terminalmente. Assim, de forma bastante simplificada, é possível afirmar que a investigação inicial do fator anatômico feminino envolve o estudo radiológico ou ecográfico com contraste e a dosagem de anticorpos anticlamídia. Sendo o exame de imagem sugestivo de alteração ou mesmo negativo, mas com imunologia para clamídia positiva, torna-se necessário o estudo endoscópico (Fig. 51.1). Outro tipo de infertilidade que envolve o fator anatômico é a secundária à malformação. O diagnóstico é realizado por meio de exame físico e ultrassonografia. Embora seja causa de infertilidade, muitas pacientes terão gestação espontânea ficando essa situação mais frequentemente associada a abortamento de repetição. Fator hormonal A investigação do fator hormonal inicia-se pela história menstrual detalhada e pelo exame físico. As principais inter-relações endócrinas que interferem com a função ovariana são a hipófise, a tireoide e a suprarrenal. Assim, a prolactina, o TSH e a 17-OH-progesterona descartam alterações extraovarianas. Na maioria da vezes, essa pesquisa é normal, restando a hipótese de alteração de causa ovariana. Tais anovulias estão contempladas dentro dos casos de androgenicidade e têm sua resolução por meio de fármacos indutores e outras estratégias que estão contempladas no capítulo de hiperandrogenismo. Em mulheres com mais de 35 anos que devem ser submetidas a ciclo estimulados a dosagem de FSH até o dia 5 do ciclo, pode ser um preditor

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Exame de imagem (histerossalpingografia/histerossonossalpingografia) + Dosagem anticlamídia

Normais

Imagens normal Clamídia

Imagem alterada

Observar 3 a 6 meses

Laparoscopia

Laparoscopia e/ou histeroscopia

Figura 51.1 Rotina de investigação do fator anatômico feminino.

de resposta. Tal pesquisa interessa como informação, uma vez que FSH acima de 16 retrata uma reserva diminuída e uma chance de gestação em procedimentos de reprodução assistida menor do que a média. A identificação de obesidade na paciente com queixa de infertilidade tem sido citada como associada à piora de resultados (Eshre Task Force on Ethics and Law et al., 2010) e também como fator de risco para abortamentos. Em algumas mulheres, a simples redução de peso pode levar essa paciente a retornar a ciclos regulares ou mesmo a iniciar ciclos ovulatórios.

Avaliação masculina A avaliação masculina inicia-se por anamnese e exame físico. Deve-se ressaltar, na história masculina, o uso de fármacos, a ocupação, as cirurgias pélvicas anteriores, as infecções, o diabete melito, os traumas testiculares, as doenças da infância, o criptorquidismo. No exame físico, deve ser avaliada a presença de testículos na bolsa escrotal, bem como sua consistência e seu volume; os epidídimos e os deferentes também devem ser avaliados. A pesquisa na infertilidade masculina fundamenta-se basicamente no espermocitograma. A espermatogênese dura cerca de 75 dias. A produção espermática é dependente de uma série de fatores, podendo ser extremamente variável em um indivíduo. Devido à subjetividade inerente do exame, além das variações da produção,

nenhuma conclusão deve ser tomada com base em apenas um exame. Além disso, as orientações para coleta e análise devem ser seguidas para que se possa avaliar de forma adequada a fertilidade de um paciente. Em nosso serviço, seguimos a orientação da Organização Mundial de Saúde (1999). O espermocitograma deve ser feito com 3 a 7 dias de abstinência sexual. São avaliados os seguintes parâmetros: volume, cor, viscosidade, aparência, pH, concentração total e por mL, motilidade (A, B, C e D), vitalidade e morfologia. Devido à grande variabilidade da produção espermática, um mínimo de duas amostras devem ser analisadas, com 1 a 2 semanas de intervalo entre as coletas. Nos casos em que o espermocitograma esteja alterado, deve-se proceder à avaliação do paciente. A busca de causas que possam interferir na função espermática inicia-se com dosagem de FSH, prolactina, TSH, testosterona e ecografia testicular com Doppler. O exame de cariótipo deve ser solicitado a todos os pacientes com suspeita de insuficiência testicular e volume testicular diminuído, bem como com oligoastenoteratospermia grave. Cerca de 10 a 18% dos homens diagnosticados com oligospermia idiopática têm microdeleções no cromossomo Y. Uma avaliação para fibrose cística deve ser realizada em pacientes com agenesia de ductos deferentes (Razvi et al., 1999). Em um homem com azoospermia, testículos de tamanho normal, frutose presente no sêmen,

696 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

dosagens de FSH e testosterona normais, há grande possibilidade de obstrução epididimária. Nesses casos, aconselha-se a realização de biópsia testicular a fim de se comprovar a presença de espermatozoides e também de possibilitar a realização de ICSI (injeção intracitoplasmática de espermatozoide). Fator desconhecido ou infertilidade sem causa aparente O diagnóstico de infertilidade sem causa definida é dado quando, após completa avaliação do casal, nenhuma anormalidade é encontrada. Cerca de 20 a 30% dos casais inférteis não terão nitidamente identificadas as causas da infertilidade. Alguns critérios mínimos devem ser estabelecidos para rotular a infertilidade nessa categoria: > Ciclo ovulatório normal. > Níveis adequados de prolactina e TSH. > Espermograma dentro da normalidade. > Comprovação de normalidade anatômica uterina e tubária por ultrassonografia, HSG e, idealmente, via laparoscópica. > Pesquisa de clamídia negativa. No tratamento da infertilidade sem causa aparente, é primordial considerar a taxa de gravidez espontânea entre pacientes não tratadas com esse diagnóstico. Cerca de 60% das pacientes inférteis nessa categoria engravidarão ao longo de 3 anos de conduta expectante. Nas pacientes com idade inferior a 30 anos, a opção por uma conduta expectante oferece perspectiva de gestacão acima de 40%. Inversamente, aquelas com idade superior a 30 anos têm uma previsão de gestação inferior a 30%. As chances de gestação são maiores em pacientes que tiveram uma gestação no passado e em casais com maior frequência coital. Como as evidências nos induzem a uma conduta sequencial nessas situações, adotamos na prática o estudo do casal como sendo totalmente normal quando os exames anatômicos, hormonais e masculinos não evidenciam alteração, fazendo supor causa imunológica e/ou desconhecida. Nesses casos, a hiperestimulação seguida de técnicas de reprodução assistida é a conduta por nós instituída.

Aspectos emocionais No manejo do casal infértil, é importante o entendimento de que o diagnóstico de infertilidade pode interferir em uma série de aspectos da vida do casal. A incapacidade de ter filhos pode resultar em uma série de sentimentos, como perda, depressão, ansiedade, raiva, culpa e isolamento social. Os tratamentos de reprodução assistida trouxeram um auxílio a esses casais, além de serem uma fonte de estresse e incertezas. Dessa forma, o acompanhamento e o aconselhamento desses casais faz parte do tratamento.

Tratamento O tratamento do casal é planejado segundo a causa da infertilidade. Em nosso serviço, seguimos o protocolo determinado na Tabela 51.1. Os casos com suspeita de patologia genética devem ser avaliados previamente ao tratamento a fim de determinar o risco de transmissão da herança em caso de gestação. Nos casos de infertilidade masculina, o manejo pode ser dividido em manejo cirúrgico, medicamentoso e clinicamente assistido. A cirurgia é reservada para casos de varicocele ou de patologias obstrutivas. Os pacientes com diagnóstico de ejaculação retrógrada devem realizar técnicas de reprodução assistida após terem realizado pesquisa e obtenção de espermatozoides na urina ou por eletroejaculação. O uso de fármacos está indicado apenas nos casos de hipogonadismo-hipogonadotrófico, nos quais as gonadotrofinas – hCG + HMG ou hCG isolado – possuem bons resultados. Certamente, a maioria dos casos de fator masculino grave será manejada por meio de técnicas de reprodução assistida. A decisão da técnica a ser realizada deve estar baseada preferencialmente nos resultados do teste de seleção espermática. Nos casos de azoospermia obstrutiva, deve-se tentar obter espermatozoides epididimários por microcirurgia ou punção aspirativa percutânea com posterior uso de FIV-ICSI. Em casos de azoospermia não obstrutiva ou de falha na obtenção de material epididimário, deve-se recorrer aos espermatozoides testicula-

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Tabela 51.1 Esquema de tratamento segundo a causa de infertilidade Fator masculino

Cirurgia – varicocele, vasectomia prévia. HMG/hCG – hipogonadismo-hipogonadotrófico. Técnicas de reprodução assistida – oligoastenoteratospermia.

Fator anatômico

Cirurgia: salpingostomia/salpingoplastia/lise de aderências. Técnicas de reprodução assistida.

Fator hormonal

Tratamento da endocrinopatia subjacente. Indução da ovulação. Técnicas de reprodução assistida.

Fator desconhecido

Conduta expectante. Indução da ovulação. Técnicas de reprodução assistida.

res obtidos por punção e/ou biópsia. Em nosso serviço, utilizamos a biópsia testicular associada à criopreservação do material obtido para uso posterior em FIV-ICSI. Nos casos em que há o diagnóstico de alguma endocrinopatia, o objetivo inicial é realizar o tratamento da doença de base. Em um bom número de vezes, o resultado será positivo em tais casos. No entanto, em outros momentos, somente essa medida não será efetiva, sendo necessário associar outras medidas terapêuticas. Em nosso serviço, associamos a indução da ovulação, a superovulação, a inseminação intrauterina e a fertilização in vitro como medidas terapêuticas associadas. Quanto à indução de ovulação, o fármaco utilizado dependerá da causa da infertilidade e do tipo de tratamento utilizado. Adotamos o uso de citrato de clomifeno 100 mg do 3o ao 7o dia do ciclo. O citrato de clomifeno é um antagonista sintético dos estrogênios que possui um efeito estrogênico considerado fraco, sendo a principal terapia para indução da ovulação. Atua ocupando receptores de estrogênio no hipotálamo e na hipófise, realizando um bloqueio do feedback negativo dos estrogênios e induzindo a liberação de GnRH, LH e FSH. É associado a um efeito desfavorável no muco cervical e a um espessamento endometrial limitado. Os sintomas adversos mais associados ao uso de citrato de clomifeno incluem mais comumente a presença de fogachos (10%) e distensão/plenitude abdominal (5%). Essa opção terapêutica está no

mercado no formato de comprimidos para uso oral de 50 mg. Após o uso de citrato de clomifeno, a ovulação ocorre em 60 a 90% das pacientes; no entanto, somente 30 a 40% irão engravidar. Essas diferenças significativas entre as altas taxas de ovulação e as baixas taxas de gestação devem-se basicamente a sua ação antiestrogênica, diminuindo a quantidade e a qualidade do muco cervical e impedindo a proliferação endometrial adequada para a correta nidação. Em pacientes em que a única causa de infertilidade é a anovulação, as taxas cumulativas de gestação com o uso de citrato de clomifeno por 6 meses são superiores a 60% e, decorridos 10 a 12 meses, superiores a 90%. Essas pacientes devem ser informadas sobre o período fértil e orientadas a coito programado. Sabe-se que o período ovulatório ocorre 14 dias antes da próxima ovulação, devido à relativa duração fixa da segunda fase do ciclo. Em pacientes com ciclos regulares, torna-se fácil orientar sobre o período de maior probabilidade de ovulação. Após 3 a 6 meses sem efetividade, iniciamos o manejo de superovulação associado a técnicas de reprodução assistida. Inicialmente a proposta é a inseminação artificial com ciclo estimulado e, posteriormente, a fertilização in vitro. O controle ecográfico da ovulação é o método padrão-ouro para sua avaliação, seja ela em ciclos naturais ou induzidos. É recomendável que o examinador seja experiente com o método, já que este é examinador-dependente. Por meio da

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ecografia transvaginal, podemos acompanhar a resposta ovariana ao tratamento (crescimento folicular) e, além disso, avaliar o número de folículos e endométrio (espessura). Sabe-se que o diâmentro folicular tem importante correlação com a maturidade oocitária e tem sido determinante na decisão do momento mais correto para a captação de oócitos. O controle é iniciado em torno do 6o ao 8o dia do ciclo. Nos ciclos estimulados, os folículos com diâmetro entre 16 e 18 mm geralmente produzem oócitos fertilizáveis (Fagundes; Almeida; Passos, 2003).

> Se alterado – TSH, prolactina, FSH, testoterona. > Cariótipo. > Masculina

Fator hormonal feminino > TSH, prolactina. > > 35 anos, FSH até o dia 5 do ciclo. > Ciclos irregulares, acrescentgar 17-OH-progesterona.

Fator anatômico feminino

Avaliação do casal infértil Exames sorológicos para o casal

> Histerossalpingografia ou histerossonossalpingografia.

> Anti-HCV, HBsAg, anti-HIV, VDRL, clamídia IgG e HTLV I/II.

> Laparoscopia.

> Espermocitograma.

> Histeroscopia.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Na avaliação inicial de um casal infértil, o único exame alterado foi o espermograma, que mostrou azospermia. O próximo passo na investigação é: a. b. c. d. e.

Novo espermograma em 15 dias. TSH, FSH, prolactina, testosterona. Ultrassonografia de bolsa escrotal. Cariótipo. Todas as anteriores.

2. São fatores de risco que contribuem para elevar o risco de infertilidade, exceto: a. b. c. d. e.

Idade. Tabagismo. Excesso de peso. Raça/cor de pele. Prática de exercícios físicos intensos.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

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Climatério Maria Celeste Osório Wender Fernando Freitas José Augusto Sisson de Castro Juliana Zanrosso Caran Patricia Pereira de Oliveira

As diversas etapas da vida da mulher são demarcadas pela função ovariana. Os períodos de puberdade e climatério são pontuados pelo primeiro e último ciclos menstruais, respectivamente denominados menarca e menopausa. Climatério é o período de transição entre a fase reprodutiva e o estado não reprodutivo da vida da mulher (The North American Menopause Society, 2010), estendendo-se até os 65 anos de idade. A menopausa, resultado da perda da função folicular ovariana, é o marco dessa fase, correspondendo à cessação permanente das menstruações, somente reconhecida após passados 12 meses de amenorreia. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a perimenopausa se estende desde o início das modificações endocrinológicas, biológicas e clínicas anteriores à menopausa, até o diagnóstico desta, podendo preceder à última menstruação em 2 a 8 anos (esse período de transição dura em média 4 anos). Em 2001, desenvolveu-se um sistema de estagiamento, o Stage of reproductive aging workshop (STRAW), representado na Figura 52.1. A idade cronológica é um pobre indicador do início e do fim da transição perimenopáusica. A idade média de ocorrência da menopausa é 50 anos, sendo definida menopausa precoce a que se estabelece antes dos 40 anos e menopausa tardia quando ocorre após os 55 anos. No ano 1.000 a.C., as pessoas viviam em média até os 18 anos de idade; em 100 a.C., alcançavam 25 anos; e, em 1900, as mulheres america-

nas atingiam em média somente os 25 anos. A expectativa de vida tem aumentado significativamente em todo o mundo. Atualmente, nos países desenvolvidos, a expectativa média de vida das mulheres é de 80 anos; no Rio Grande do Sul, as mulheres alcançam cerca de 76 anos. No Brasil, existem aproximadamente 10 milhões de mulheres nesse período de vida, o que torna evidente a importância de se estudar e entender o climatério. Atualmente, muitas mulheres passam cerca de um terço de suas vidas na perimenopausa (The North American Menopause Society, 2010). O climatério é um acontecimento fisiológico na vida da mulher que se manifesta de forma evidente no que tange à perda da função reprodutora, mas essa modificação abrange vários outros processos simultaneamente em diferentes órgãos e sistemas. Os efeitos da carência estrogênica são diferentes para cada mulher, e as necessidades preventivas ou terapêuticas podem se modificar ao longo do tempo, das condições de saúde e de bem-estar individuais.

Fisiologia Todos os folículos primordiais presentes nos ovários de uma mulher são formados ainda na a sua vida intrauterina. Por volta da 20 semana de gestação, atingem seu número máximo, cerca de 7 milhões. Aproximadamente 70% são perdidos por apoptose até o nascimento. Entre o nascimento e o início da puberdade, essa re-

–4

Variável

Pico

Final

–3

FSH elevado

Regular

Reprodutivo

FSH normal

Variável a regular

Inicial

Figura 52.1 Estágios definidos pelo STRAW.

Endocrinologia

Ciclos menstruais

Duração

Terminologia

–5

–1

Final

Atrasos, amenorreias

FSH elevado

Duração variável (> 7 dias)

Variável

Perimenopausa

Inicial

Transição menopausal

–2

(a)

Menopausa 1 ano Amenorreias 12 meses

Estágios

+2

Tardia

Não ocorre

Até a morte

FSH elevado

4 anos

(b)

Recente

Pós-menopausa

+1

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dução se mantém, alcançando a marca de 300 a 500 mil oócitos na menarca. Na menacme, 99% dos folículos restantes entrarão em atresia, e 0,1% prosseguirá seu desenvolvimento até a ovulação. Na menopausa, raramente ainda há algum folículo no ovário. A idade de ocorrência da menopausa parece ter alguma relação com a idade da menopausa materna (genética), podendo ocorrer mais cedo (1,4 ano antes) entre as mulheres que apresentam ciclos mais curtos do que 26 dias na menacme, e pode ser antecipada em 1 a 2 anos entre as fumantes. Sabe-se que os hidrocarbonos policíclicos do cigarro são tóxicos aos folículos ovarianos. Existem evidências de que mulheres vegetarianas e subnutridas também podem apresentar a menopausa antes da população em geral. A menopausa representa o fim da função reprodutora natural, ocasionando um decréscimo importante da produção hormonal feminina. Receptores estrogênicos tipo α e β existem em diferentes concentrações em vários locais do organismo, como pele, vasos, coração, ossos, cérebro, mama, útero, vagina, bexiga e uretra. Uma vez suprimida a função hormonal ovariana, esses receptores percebem a carência hormonal, podendo produzir, também de intensidade e apresentação variada, os sintomas e sinais descritos no quadro clínico. No climatério pré-menopáusico, os folículos, em número reduzido, respondem mal aos estímulos hipofisários, produzindo irregularidade menstrual e diminuindo a frequência dos ciclos ovulatórios. É perdido o padrão de secreção de estradiol que havia na menacme, e a concentração de progesterona permanece baixa (⬍ 1 g/ mL nos ciclos anovulatórios). Mesmo ocorrendo ovulação, as concentrações de estradiol e progesterona nesses ciclos podem ser inferiores às dos ciclos em fase mais jovem, mas em algumas mulheres o estradiol pode até ser superior nesse momento. O principal achado da perimenopausa é a significativa variabilidade das secreções hormonais, tornando as “dosagens hormonais” sem valor na avaliação das pacientes. Apesar da grande flutuação na secreção hormonal nesse período, a alteração mais frequente do climatério pré-menopáusico é o aumento

dos níveis de FSH com níveis ainda normais de LH e níveis normais a levemente aumentados de estradiol. Esse aumento de FSH se deve à queda da produção das inibinas pelo ovário, que, na menacme, contribuíam para suprimir o FSH. Inicialmente, há redução nas taxas da inibina B e, posteriormente, também da inibina A, ocasionando a elevação dos níveis de FSH, precedendo a do LH em cerca de uma década. Mulheres acima dos 40 têm níveis de FSH significativamente superiores aos de mulheres com menor idade. Após a menopausa, a hipófise, estimulada pelo GnRH, libera maiores quantidades de FSH e LH em uma tentativa de induzir os ovários a uma adequada produção de estradiol. Entretanto, o nível de estradiol, em geral, permanece inferior a 20 pg/mL. Uma mulher com idade próxima dos 50 anos, amenorreia e quadro clínico característico não necessita de investigação laboratorial hormonal para o estabelecimento do diagnóstico de climatério ou menopausa. Entretanto, o diagnóstico laboratorial do estado pós-menopáusico é de FSH > 40 mUI/mL e de E2 < 20 pg/mL. Na pós-menopausa, há redução de outros esteroides sexuais. Os níveis de testosterona (T) são 20% inferiores; os de androstenediona (A), 50% mais baixos do que na pré-menopausa; e a concentração da DHT (de-hidrotestosterona) entre 51 e 60 anos é de cerca de um terço daquela entre 18 e 25 anos. A remoção dos ovários após a menopausa reduz os níveis de T em 50%, com menor influência sobre a A. Há evidências de que as concentrações de T declinem em função da idade, não somente devido à reduzida função ovariana. Cerca de dois terços da androstenediona circulante provêm da suprarrenal, e um terço é de origem ovariana; cada um desses órgãos contribui com 25% da produção de testosterona, e os 50% restantes são produzidos pela transformação periférica de androstenediona em testosterona. Os estrogênios circulantes na mulher menopáusica provêm, em sua maior parte, da conversão de androgênios em estrona nos tecidos gorduroso, hepático e muscular. Por esse motivo, as pacientes obesas têm maior produção endóge-

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na de estrogênios. As obesas também apresentam diminuição na produção de SHBG, devido à resistência à insulina, havendo, assim, uma oferta maior de androgênios para transformação periférica em estrogênios. A variação dessas capacidades de transporte e metabolização periférica dos androgênios dá, a cada mulher na menopausa, um perfil variável de biodisponibilidade de estrogênios com repercussões no metabolismo e quadro clínico e laboratorial.

Quadro clínico O climatério, a perimenopausa e a menopausa são fenômenos universais entre as mulheres, mas suas apresentações clínicas podem ser muito variáveis entre populações e culturas distintas, e até dentro de um mesmo grupo. Ainda no período pré-menopáusico, a queixa mais frequente é a irregularidade menstrual, como encurtamento dos ciclos, atrasos menstruais, menorragias ou hipermenorreias. É rara a parada abrupta das menstruações (observada em apenas cerca de 10% das mulheres), pois o declínio funcional ovariano é progressivo. Aproximadamente 90% das mulheres experimentam 4 a 8 anos de alterações nos ciclos menstruais antes da menopausa. As menorragias, em geral, refletem a irregularidade das secreções hormonais (em geral, ciclos anovulatórios), mas podem ser sinais de lesões orgânicas (pólipos, leiomiomas, hiperplasia ou adenocarcinoma de endométrio), cuja presença deve ser descartada. O sangramento uterino anormal requer investigação e pode ser caracterizado como aumento da perda sanguínea usual (⬎ 80 mL, especialmente se houver presença de coágulos ou anemia), fluxo prolongado (⬎ 7 dias), ciclos com intervalos ⬍ 21 dias, spotting ou sangramento após intercurso sexual. Os sintomas vasomotores (fogachos) são descritos por cerca de 68 a 85% das mulheres e, entre as ooforectomizadas, até 90%. Parece que as mulheres mais magras e fumantes apresentam o sintoma com maior frequência. Os fogachos podem ter início na pré-menopausa (ocorrem em 20% das mulheres ainda com ciclos regulares), persistindo em 57% dos casos por mais de 5 anos após a menopausa e, em 10%, prolon-

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gando-se por mais de 15 anos. É uma sensação de calor intenso na face, no pescoço, na parte superior do tronco e nos braços (raramente acomete a parte inferior do corpo), seguida por enrubescimento da pele e depois sudorese profusa, devendo-se a uma instabilidade do centro termorregulador hipotalâmico. O seu mecanismo exato é ainda desconhecido, mas parece envolver os receptores hipotalâmicos alfa2-adrenérgicos, que seriam afetados pela queda estrogênica associada ao período. Em algumas mulheres, é acompanhado de palpitações, vertigens, fraqueza e ansiedade, durando em média de 1 a 4 minutos, sendo mais comum à noite. Talvez por essa maior frequência noturna, o fogacho seja responsável pela queixa comum de insônia da mulher climatérica, contribuindo para maior irritabilidade, cansaço e redução na capacidade de concentração. Entretanto, independentemente da ocorrência de fogachos, os distúrbios do sono aumentam quando as mulheres passam pelo climatério e consistem em insônia, pouca eficácia do sono, dificuldade de manter o sono e irregularidades respiratórias. Os sintomas de alteração de humor, como ansiedade, depressão e irritabilidade, são frequentes. Tais alterações têm sido descritas como consequentes das mudanças hormonais do período, uma vez que estudos recentes sugerem o envolvimento de substâncias, como adrenalina, noradrenalina, serotonina, opioides e GABA sobre a secreção dos hormônios hipofisários, assim como alterações de seus níveis em função da deficiência estrogênica. Entre as alterações, a depressão é a mais estudada. Evidências sugerem que as modificações dos níveis séricos estrogênicos (e principalmente em um subgrupo de mulheres suscetíveis) seriam a variável reguladora da alteração de humor, e não a concentração hormonal sérica absoluta. Isso explicaria a associação de depressão mais com a menopausa cirúrgica do que com a menopausa natural. Entretanto, nem todas as mulheres apresentam transtorno de humor nesse período; portanto, outros fatores envolvidos mediariam essa associação. Em geral, o estrogênio tem efeito positivo sobre o humor e contribui para uma sensação de bem-estar, provavelmente em virtude de seu estímulo sobre os sistemas adrenérgico e serotonérgico. O real

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papel da deficiência estrogênica sobre a depressão não está bem claro e é uma área de intensa pesquisa. A atrofia urogenital da pós-menopausa pode trazer uma série de sintomas, como ressecamento vaginal (em 43% das mulheres), dispareunia (41%), vaginites, urgência urinária, disúria, uretrites atróficas e agravamento de incontinência urinária. A vulva perde a maior parte de seu colágeno e tecido adiposo, tornando-se plana e fina, com raras glândulas sebáceas. Há perda progressiva dos pelos pubianos, e a pele torna-se mais fina. A ausência do estrogênio, que estimulava a maturação do epitélio vaginal desde as camadas basais até a superfície, impede essa diferenciação: passa a haver pouca ou nenhuma produção das células superficiais (ricas em glicogênio), produzindo um pH vaginal entre 6 e 8. Com isso, há menor resistência contra organismos patógenos, e pode ocorrer a vaginite atrófica. A vagina encurta-se e estreita-se, com perda das rugosidades e suas secreções. Além da infecção, pode ocorrer a dispareunia. A parede vaginal fica menos elástica, mais fina e de coloração pálida. A superfície vaginal pode se tornar friável, com petéquias, e um sangramento pode ocorrer secundariamente a pequeno trauma (como a colocação de um espéculo). O útero e os ovários diminuem de tamanho após a menopausa. O epitélio do trato urinário inferior, incluindo a uretra e o trígono vesical, sofre atrofia semelhante à da vagina na pós-menopausa. Há receptores estrogênicos nos epitélios da bexiga, no trígono, na uretra e nas camadas musculares e fasciais mais profundas. A atrofia da bexiga e da uretra pode resultar, na pós-menopausa, em cistouretrite atrófica, infecções urinárias de repetição, carúncula uretral, ectrópio e agravamento da incontinência urinária de estresse. A uretra distal pode se atrofiar, formando estreitamentos com cistopatia obstrutiva, levando a uma maior quantidade de urina residual e favorecendo infecções ascendentes. O assoalho pélvico sofre com a carência estrogênica, podendo ser agravadas as distopias. As queixas sexuais são muito frequentes nesse período. A sexualidade humana pode ser descrita em três dimensões: biológica, motivacional-afetiva e cognitiva. A satisfação da mulher e do casal e a qualidade da sexualidade na

menacme é um forte preditor para o sexo na pós-menopausa. A influência hormonal é um dentre vários outros fatores atuantes. É evidente que a atrofia urogenital pode influenciar negativamente, e estudos mostram que a presença de um parceiro estimulante está associada a uma melhor satisfação. A pele se afina, tanto na derme como na epiderme, após a menopausa. Há receptores estrogênicos nos fibroblastos, e o estrogênio parece agir sobre praticamente todos os componentes da pele. Há correlação do conteúdo de colágeno da pele com o tratamento hormonal, ou seja, nas mulheres tratadas com estrogênio, o conteúdo de colágeno eleva-se (até um nível existente na pré-menopausa), com melhora do tônus cutâneo e das rugas, enquanto as não tratadas perdem colágeno progressivamente, com maior envelhecimento da pele. Também deve ser lembrada a ação dos estrogênios sobre o cabelo. Na pós-menopausa, com uma menor oposição, os androgênios tornam o cabelo mais fino, favorecendo a calvície. O estrogênio faz o estímulo oposto: melhora a textura, aumenta a espessura do cabelo e pode atenuar o aparecimento da alopecia androgênica. Existem várias maneiras de registrar a sintomatologia do climatério, sendo o índice de Kupperman (Tab. 52.1) um dos mais utilizados. A vantagem de se usar uma padronização nos registros é propiciar uma análise mais fiel dos efeitos de qualquer tipo de tratamento. Outra forma de avaliação são os questionários sobre qualidade de vida, que podem revelar outros motivos para os sintomas não diretamente relacionados aos níveis hormonais. Algumas dessas escalas já foram traduzidas e validadas para o português (Escala de Cervantes, Questionário da Saúde da Mulher [WHQ]). Duas patologias se relacionam com o período climatérico: a doença cardiovascular e a osteoporose. A doença cardiovascular (DCV) é a principal causa de morte entre as mulheres no período pós-menopáusico, sendo responsável por um número de falecimento superior ao de todas as outras causas somadas. A relativa imunidade da mulher em relação ao homem pela doença coronariana

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Tabela 52.1 Índice menopausal de Kupperman Sintomas Vasomotores Parestesia Insônia Nervosismo Tristeza Vertigem Fraqueza Artralgia/mialgia Cefaleia Palpitação Formigamento

Leve

Moderado

Intenso

4 (1-3/dia) 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1

8 (4-9/dia) 4 4 4 2 2 2 2 2 2 2

12 (⬎ 10/dia) 6 6 6 3 3 3 3 3 3 3 TOTAL

Escore

Número de fogachos por dia ................... (média da última semana) Questionário sobre sexualidade Secura vaginal 1 ⫽ ausente Dispareunia 2 ⫽ leve Libido 3 ⫽ moderado Satisfação sexual 4 ⫽ intenso

na pré-menopausa desaparece progressivamente após a menopausa, sendo que a incidência de infartos do miocárdio tende a se igualar com a do sexo masculino na 7a ou 8a década após a menopausa. Existe uma relação entre a menopausa precoce e uma maior mortalidade e morbidade por DCV. A menopausa precoce (< 40 anos) associa-se a um aumento de 2 a 3 vezes no risco de infarto do miocárdio, e a ooforectomia bilateral antes dos 35 anos eleva esse risco em até sete vezes. Devido à história natural da aterosclerose, provavelmente a influência da menopausa sobre o aumento de risco se dê de maneira gradual, mediada por modificações sobre os fatores de risco cardiovascular.

Osteoporose A osteoporose, problema comum nas mulheres especialmente após a menopausa, é definida como uma redução da massa óssea, com alterações na microestrutura, levando ao aumento da fragilidade dos ossos e das fraturas por traumatismos pouco intensos (WHO Techical Report – 843). > Elementos do diagnóstico da osteoporose Redução da massa óssea.

> Alteração da microestrutura óssea. > Aumento do risco de fraturas. Uma baixa massa óssea pode resultar de uma aquisição deficiente ou de perdas excessivas; as alterações na microestrutura óssea resultam do próprio processo de perda ou da inadequada reparação do tecido ósseo ao desgaste ou ao envelhecimento. Tanto a perda óssea como as alterações microestruturais contribuem para um aumento da fragilidade óssea e para as fraturas por traumas leves (Marcus, 1996; The North American Menopause Society, 2010). Além disso, condições que favorecem as quedas ao solo também são importantes agentes nas fraturas osteoporóticas, principalmente as do fêmur proximal e do antebraço, mas também as da coluna. As fraturas por fragilidade óssea podem acometer até 40% das mulheres brancas após os 50 anos (17,5% no quadril, 15,6% vertebral e 16% no antebraço), sendo que dois terços dessas fraturas ocorrem depois dos 75 anos. Com o envelhecimento da população mundial, espera-se também um aumento no número de fraturas e uma mudança no seu padrão epidemiológico. Estudos realizados no Brasil mostram variações regionais provavelmente explicadas por caracte-

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rísticas de cada população, fatores ambientais e situação geográfica do território onde reside essa população. Nesses estudos, a prevalência de fraturas vertebrais variou entre 14,8 e 49,8%, e a incidência de fraturas de quadril, entre 5,59 e 27,7/10.000 habitantes (sendo a maior taxa referente à população feminina) (Oliveira, 2010). A patogênese das fraturas osteoporóticas, como sugerida por Riggs e Melton em 1995, está esquematizada na Figura 52.2. Clinicamente, a osteoporose é uma doença crônica e insidiosa que, na maioria das vezes, evolui sem sintomas. Entretanto, dores musculoesqueléticas podem chamar atenção para o problema, pois também decorrem de fraturas ou de deformidades, como a cifose. As dores das fraturas vertebrais são variáveis, podem ter pouca intensidade e duração, mesmo assim resultam em piora da qualidade de vida. Já as fraturas do fêmur proximal causam grande impacto na morbi-mortalidade na maioria dos indivíduos acometidos. Portanto, é fundamental ressaltar que a principal manifestação clínica da osteoporose é uma fratura, e a prevenção dessas fraturas deve ser o principal objetivo dos médicos (The North American Menopause Society, 2010).

A fisiopatogenia da perda óssea da menopausa A maior parte da aquisição da massa óssea é determinada geneticamente, sendo que vários genes parecem contribuir parcial e aditivamente para isso (Rizzoli; Bonjour; Ferrari, 2001). Tanto na aquisição da massa óssea como nos processos de perda, podem sobrepor-se vários fatores ambientais, como deficiências nutricionais, sedentarismo, tabagismo e alcoolismo ou ainda doenças que afetam o tecido ósseo, direta ou indiretamente, aumentando sua fragilidade ou favorecendo traumas (Meunier, 1998). No metabolismo ósseo normal, ocorre um perfeito balanço entre os processos de formação e de ressorção óssea executados, respectivamente, por osteoblastos (OBs) e por osteoclastos (OCs), de acordo com as necessidades do desenvolvimento do esqueleto, ao longo da vida. Esse balanço é controlado por hormônios e por fatores teciduais. Após o período de crescimento e da puberdade, geralmente na terceira década da vida, a massa óssea atinge seu pico, quando então começa uma perda óssea lenta de cerca de 0,2 a 0,5% por ano. Na transição da menopausa, 2 a 3 anos antes da menopausa até 3 a 5 anos

Hereditariedade Envelhecimento

Pico de massa óssea inadequado Baixa densidade óssea

Menopausa

Perda de massa óssea acentuada

Fatores locais

Traumas Fatores esporádicos

Figura 52.2 Patogênese da fratura osteoporótica.

Baixa qualidade óssea

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depois, a perda óssea acelera para 2% ao ano, podendo ser mais intensa. Após, ocorre uma desaceleração para 1 a 1,5% ao ano, pelo resto da vida. Em média, aos 80 anos, as mulheres perdem 30% do seu pico de massa óssea. Essa aceleração da perda óssea resulta do aumento excessivo ou reabsorção óssea pelo aumento do número e da atividade dos OCs, induzida pela deficiência estrogênica. Nos indivíduos idosos, deficiências alimentares de cálcio, vitamina D e outros nutrientes também podem acelerar a perda óssea. A deficiência estrogênica induz, nas células precursoras dos OBs, a liberação de várias substâncias, como interleucinas-1 e 6 (IL-1 e IL-6), fatores estimulantes de colônias de macrófagos e granulomacrófagos (M-CSF e GM-CSF), prostaglandina E2 (PGE2) e fator de necrose tumoral-α (TNF-α), que aumentam a ressorção óssea. Recentemente ficou estabelecido que esse processo é principalmente regulado por ligantes e receptores da família dos TNFs. São estes o ligante do receptor ativador do fator nuclear NF-kB (RANKL), o próprio receptor (RANK) e a osteoprotegerina (OPG), que é um receptor solúvel que ajuda a neutralizar o RANKL. O RANKL pode ser produzido por precursores OBs e por linfócitos T e B. IL-1 e TNF-α também podem ser produzidas por monócitos e linfócitos T. Toda essa excessiva liberação de fatores teciduais pode ser revertida administrando-se estrogênios, o que induz também a produção do fator de transformação de crescimento-␤ (TGF-β), pelas mesmas células precursoras de OBs e por linfócitos B. O TGF-β é também um inibidor da atividade dos OCs. O aumento da diferenciação, da atividade e da sobrevida dos OCs também é modulado por hormônios como PTH, calcitriol, tiroxina, PTH-RP e PGE2. Tudo isso indica uma complexa interface imunoendócrina na regulação da atividade celular óssea. A osteoporose é mais frequentemente observada em mulheres pós-menopáusicas, mas pode ocorrer na infância, na gestação, em idosos, tanto em mulheres como em homens e, também, ser causada por várias doenças, listadas no Quadro 52.1 (Riggs; Melton, 1995). A grande variedade de causas sugere que qualquer perda óssea excessiva deva ser abordada clinicamente como uma síndrome (de Castro, 1999).

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QUADRO 52.1

Causas secundárias de osteoporose > > > > > > > > > > >

> > > > > > > > > > > >

Hipogonadismos primário e secundário Hiperparatireoidismos primário ou terciário Hipertireoidismo Síndrome de Cushing Prolactinomas Acromegalia Anorexia nervosa Neoplasias do sistema hematopoético, mielomas, leucoses, mastocitose Hemocromatose Cirroses hepática e biliar primária Doenças inflamatórias intestinais: doença celíaca, outros problemas de má absorção intestinal Ressecções gástricas ou intestinais Artrite reumatoide Osteogênese imperfeita Homocistinúria Insuficiência renal crônica Drogas: glicocorticoides, heparina, warfarin Antiepilépticos (fenobarbital, fenitoína, carbamazepina), lítio Inibidores da aromatase, agonistas do GnRH Metotrexato, ciclosporina Tabagismo Alcoolismo Imobilização

Avaliação da densitometria óssea na menopausa Várias reuniões de consenso sugerem que as mulheres na transição para menopausa devem ter seu risco de fraturas osteoporóticas avaliado para indicar testes adicionais, principalmente uma densitometria óssea (DO). Como as perdas ósseas decorrentes da deficiência estrogênica podem ser evitadas, torna-se muito importante identificar as mulheres perimenopáusicas com maior risco de osteoporose, e a forma mais eficiente para tal continua sendo a medida da massa óssea. Recentemente, as sociedades americanas, National Osteoporosis Foundation (NOF) e North

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American Menopause Society (NAMS), recomendaram a avaliação densitométrica: > Em todas as mulheres com 65 anos ou mais e nas que tenham doenças que causem perdas ósseas. > Nas mulheres na menopausa ou em transição, com 50 anos ou mais, que tiverem pelo menos um dos seguintes problemas: a. uma fratura após a menopausa ou após os 50 anos (exceto as de crânio, face, tornozelo ou dedos); b. magreza ou IMC ⱕ 21 kg/m2; c. pais com história de fratura de quadril; d. artrite reumatoide; e. fumantes atuais; f. ingestão de álcool excessiva (ⱖ 3 doses/ dia). A International Society for Clinical Densitometry (2010) e a Sociedade Brasileira de Densitometria Clínica (2008) também sugerem avaliar a massa óssea nas seguintes situações: a. mulheres entre 40 e 50 anos na transição menopausal; b. mulheres que interromperam a reposição estrogênica; c. aquelas que forem fazer tratamento para osteoporose; d. monitoração desses tratamentos; e. quando a presença da perda óssea for determinar o tratamento.

Há mais de 15 anos, a OMS sugeriu um critério diagnóstico operacional de osteoporose (Quadro 52.2) a partir das medidas de densitometria óssea no antebraço, na coluna ou no colo do fêmur, por absorciometria fotônica (SPA, DPA) ou por raio X duoenergético (DXA). Atualmente, o exame por DXA é considerado o padrão-ouro para esse diagnóstico. Os estudos prospectivos e as metanálises têm demonstrado que uma medida da DO pode avaliar, com segurança, o risco de futuras fraturas, e que uma redução da massa óssea de um desvio-padrão em relação à média quase duplica o risco de fraturas. Os estudos SOF, Epidos e Nora também mostraram o valor preditivo de fraturas da ultrassonometria óssea quantitativa (USOq) do calcâneo, porém esses resultados não devem ser utilizados para diagnóstico. Recentemente, a International Society for Clinical Densitometry (2010) e a Sociedade Brasileira de Densitometria Clínica (2008) revisaram os critérios diagnósticos, sugerindo que o menor valor entre as regiões da coluna lombar, posteroanterior (PA), de L1 a L4 ou de L2 a L4 ou do fêmur proximal (no colo ou no fêmur total), seja considerado o diagnóstico densitométrico (Quadro 52.3). A International Society for Clinical Densitometry (2010) e a Sociedade Brasileira de Densitometria Clínica (2008) também sugeriram que os T-scores de referência devam ser os dos jovens brancos normais. Na região da coluna lombar, L1 a L4, em PA, os valores são os fornecidos pelos diferentes fabricantes dos equipamentos de densitometria ou os dos países em que já foram determinados (ISCD). Nas regiões do fêmur proximal (colo ou fêmur total), as referências são as do estudo

QUADRO 52.2

Critérios diagnósticos densitométricos da Organização Mundial da Saúde (com nomenclatura atual) > Normal – densitometria óssea com T-score até -1. > Osteopenia – densitometria óssea com T-score de -1,1 a -2,4. > Osteoporose – densitometria óssea com T-score ≤ -2,5. Obs.: um T-score é o número de desvios-padrão da DO de uma pessoa em relação à média dos valores das mulheres brancas (ou homens) normais, jovens; um Z-score é o número de desvios em relação à média das mulheres normais da mesma idade da paciente.

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QUADRO 52.3

Diagnóstico densitométrico por DXA conforme ISCD e SBDens Utilizar o valor mais baixo: > Coluna lombar (L1 a L4) PA, ou > Fêmur proximal (colo ou fêmur total) Obs.: o terço distal do rádio (rádio 1/3 ou 33%) não dominante pode ser diagnóstico, se uma das regiões citadas não puder ser examinada, como nos obesos, muito pesados para os equipamentos, ou ainda nos casos de hiperparatireoidismo.

NHANES III (EUA) ou as dos países que as já determinaram (ISCD).

Avaliação das causas secundárias de osteoporose na menopausa

Apesar de estar bem estabelecido que uma redução dos valores da massa óssea nos sítios esqueléticos acima associa-se a um aumento do risco de fratura, deve-se enfatizar que a redução da DO não é a própria patologia, mas o principal fator determinante da resistência óssea. Para uma determinada idade, o valor de DO representa tanto a aquisição, ou o pico da massa óssea, quanto a perda óssea que ocorreu até a data da aferição.

Além da menopausa, existem várias causas de osteoporoses secundárias que acometem cerca de 20% das mulheres pós-menopáusicas, sendo mais comuns nas mulheres quanto mais jovens forem, assim como nos homens (Quadro 52.1). Portanto, é importante fazer uma avaliação laboratorial dirigida à exclusão das patologias que causam perda óssea e avaliar os possíveis distúrbios do metabolismo mineral.

Avaliação dos fatores de risco de fraturas na menopausa

As medidas de calcemia, fósforo, fosfatase alcalina, creatinina sérica, hemograma, VSG, TSH, iPTH (PTH intacto) e calciúria de 24 horas estão indicadas em todos os pacientes com osteopenia importante ou osteoporose. O rastreamento da síndrome de Cushing só está indicado nas pacientes com suspeita clínica.

Geralmente, os fatores de risco para osteopenia, ou baixa massa óssea, são pouco úteis para selecionar as pacientes em risco, pois vários estudos demonstraram seu limitado valor preditivo (WHO Technical Report – 843). Entretanto, a avaliação dos fatores de risco para fraturas – que foram fundamentados nos grandes estudos prospectivos, SOF e Epidos (Cummings et al., 1995; Dargent Molina et al., 1996) – mostraram-se úteis para recomendar a avaliação densitométrica. Porém, os fatores de risco de fraturas são dependentes dos países ou regiões em que foram avaliados. Recentemente, a OMS, com base nos dados de fatores de risco de fraturas de vários países, sugeriu a aplicação do programa Frax, para avaliar o risco absoluto de fratura de um indivíduo e indicar o tratamento antiosteoporótico. No Brasil, apenas uma enquete telefônica avaliou os fatores de risco de fraturas, mas sem comprová-las. Portanto, ainda não existem dados para empregar o programa Frax localmente.

Nas pacientes com história de fratura, cifose, história de perda de altura (> 4 cm desde a juventude) ou com DO na faixa de osteoporose, mesmo na ausência de dor, o raio X da coluna torácica ou a morfometria vertebral por DXA estão indicados. Nas pacientes com achatamentos vertebrais leves (grau I), o risco de nova fratura é independente da massa óssea, podendo ocorrer em menos de um ano. Os marcadores do metabolismo ósseo, tanto os indicadores da formação (osteocalcina, fosfatase alcalina óssea) quanto os da ressorção (as piridinolinas e os telopeptídeos – N ou C, séricos ou urinários), se aumentados, indicam uma aceleração da remodelação óssea, mas não têm valor diagnóstico nem uma clara justificativa para seu emprego rotineiro.

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QUADRO 52.4

Fatores de risco para fraturas osteoporóticas (SOF) Imodificáveis

Potencialmente modificáveis

Fratura na idade adulta Fratura de fêmur em familiar de 1o grau Raça branca

Tabagismo corrente Baixo peso* (IMC ⬍ 21) Menopausa ⬍ 45 anos Ooforectomia bilateral

Idade avançada (⬎ 65 anos) Mulheres Demência

Amenorreia ⬎ 1 ano durante o menacme Baixa ingestão de cálcio na vida Alcoolismo Limitação visual* Quedas repetidas Sedentarismo Saúde afetada*/enfraquecimento

* Os riscos, em negrito, independem da massa óssea; como baixo peso tem variação geográfica (EUA) um IMC ⱕ 20 kg/m2 foi sugerido pela IOF; limitação visual (apesar de tentativa de correção); saúde afetada de várias maneiras pode ser, ou não, modificada.

Abordagem prática da perda óssea na menopausa > Avaliar os fatores de risco de fratura. > Determinar a densitometria óssea da coluna e do fêmur. > Avaliar as causas secundárias nos casos mais graves ou imprevistos. Diante de uma paciente na menopausa com risco de fratura ou com uma nítida redução de massa óssea, por exemplo, com T-score abaixo de ⫺1,5, é importante que se obtenha uma boa história dos hábitos alimentares, da atividade física e dos fatores de risco para identificar as distorções e corrigi-las. De acordo com os resultados de um recente estudo epidemiológico a maioria das fraturas de fragilidade ocorrem na osteopenia (T-score abaixo de ⫺1,1 a 2,4), mas também nas mulheres que tiveram fratura prévia, saúde debilitada e pouca mobilidade.

Conduta na avaliação da osteoporose na menopausa Considerações terapêuticas A terapêutica correta para o manejo da osteoporose em mulheres menopáusicas deverá

incluir avaliação de riscos, exclusão de causas secundárias, orientações não farmacológicas e seleção do medicamento mais apropriado, quando indicado. Não esquecer que mulheres com história de fraturas por baixo impacto (p. ex., queda da própria altura) deverão ser tratadas independentemente de sua densidade mineral óssea (Sociedade Brasileira de Densitometria Clínica, 2008). A escolha do fármaco e regime apropriados dependerá de custo, adesão, segurança e objetivos do tratamento (prevenção primária ou secundária). 1. Opções não farmacológicas Algumas intervenções podem potencializar a preservação da massa óssea e reduzir as taxas de fraturas sendo custo-efetivas e melhorando o bem-estar geral do indivíduo. A prática de atividade física regular deverá ser orientada não somente porque a imobilização pode ser importante causa de perda óssea, mas também porque o exercício aumenta a resistência muscular, estimula a coordenação e o equilíbrio e mantém a flexibilidade. Exercícios com pesos e resistência são os mais efetivos em aumentar a DMO e a resistência

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muscular, embora não existam grandes estudos mostrando redução efetiva das fraturas. A OMS sugere que as caminhadas, os exercícios aeróbicos e o thai chi são as melhores formas de estimular a formação óssea e a resistência muscular (Chan; Anderson; Lau, 2003). Também é importante reduzir a probabilidade de quedas para prevenção de fraturas por meio de orientações simples como diminuir o consumo de psicotrópicos, evitar hábitos nocivos (tabagismo, uso excessivo de álcool) e observar cuidados com o meio em que o paciente vive (retirar tapetes e objetos do caminho, aumentar iluminação, colocar barras de apoio, etc.) (Kanis et al., 2008). O uso de protetores de quadril foram incentivados para a redução do impacto da queda a fim de prevenir fraturas de quadril, mas sua eficácia vem sendo discutida nos últimos anos. Uma dieta rica em cálcio e vitamina D é igualmente importante para a prevenção de osteoporose e fraturas. As mulheres na menopausa deverão ser orientadas a manter uma ingestão de cálcio alimentar de 1,2 a 1,5 g/dia, e de vitamina D, superior a 700 UI. Entretanto, o aumento da idade poderá dificultar a absorção de cálcio, e a institucionalização ou redução da exposição à luz solar podem prejudicar a metabolização da vitamina D. Logo, orienta-se o uso de suplementos divididos em duas tomadas diárias junto com os alimentos (Kanis et al., 2008). Chapuy e colaboradores (1992) observaram redução na incidência de novas fraturas após 36 meses de suplementação com 1.200 mg de cálcio e 800 UI de vitamina D. 2. Opções farmacológicas Atualmente, várias opções estão disponíveis no mercado, sendo classificadas conforme seu mecanismo de ação (a seguir). O uso combinado desses fármacos não tem demonstrado benefícios adicionais ao uso isolado (Kanis et al., 2008). A. Agentes antirreabsortivos: atuam bloqueando a reabsorção óssea por inibição da atividade osteoclástica, aumentando a DMO e reduzindo a ocorrência de fraturas. São eles: a. Bifosfonatos: indicados para o tratamento de osteoporose e prevenção de fraturas vertebrais e não vertebrais em mulheres idosas, sendo que alguns representantes já foram aprovados para tratamento de mulheres não climatéricas, homens e crianças, bem como para usuários de corticoide. Podem ser administrados por via oral (VO)

711

diariamente (alendronato 10 mg, risedronato 5 mg, ibandronato 2,5 mg), semanalmente (alendronato 70 mg, risedronato 35 mg) ou mensalmente (ibandronato e risedronato 150 mg), e por via intravenosa (IV) trimestral (ibandronato 3 mg) ou anualmente (zoledronato 5 mg). Têm baixa bioavaliabilidade na forma oral, devendo ser ingeridos em jejum e com água não mineral, mantendo-se 30 minutos sem ingerir quaisquer alimentos. Devido ao risco de esofagite, deve-se orientar que o usuário não deite após sua ingestão. Como efeitos adversos mais comuns, podem-se observar distúrbios gastintestinais em todos compostos, mialgias, artralgias e febre baixa nos compostos mensais orais ou intravenosos. Osteonecrose de mandíbula tem sido relatada raramente (Kanis et al., 2008). b. Calcitonina: pode ser encontrada em forma de injeção subcutânea (SC) ou spray nasal, embora o último seja mais utilizado. Na dose de 200 UI/dia, proporciona redução no risco de novas fraturas vertebrais em mulheres pós-menopáusicas e analgesia das fraturas preexistentes (Chesnut et al., 2000). c. Ranelato de estrôncio: algumas evidências sugerem que sua atuação seja antirreabsortiva e anabólica. Deve ser ingerido diariamente (2 g/sachê), diluído em água, preferencialmente ao deitar, cerca de 2 horas após a última refeição. É contraindicado em pacientes com insuficiência renal. Seus efeitos colaterais geralmente são leves, como náuseas e diarreia, e tendem a desaparecer após 3 meses do início do tratamento. d. Moduladores seletivos dos receptores de estrogênio (SERMs): reduzem a reabsorção óssea por meio do bloqueio das mudanças conformacionais do receptor de estrogênio, atuando como agonista ou antagonista, dependendo do tecido-alvo. O único representante liberado até o momento para prevenção e tratamento da osteoporose é o raloxifeno 60 mg/dia, reduzindo o risco de fraturas vertebrais em 30 a 50% e a incidência de câncer invasivo de mama (RR ⫽ 0,24; P ⬍ 0,001) (Cummings et al., 1995). Deve ser evitado em mulheres com incompetência venosa devido ao aumento do risco de tromboembolismo.

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B. Agentes anabólicos: atuam induzindo a formação óssea por estímulo à ação osteoblástica. Em 2002, foi aprovado seu primeiro representante: a teriparatida injetável pó paratormônio sintético (PTH1-34), indicada para mulheres com osteoporose na pós-menopausa moderada a severa e com alto risco para fratura (com fratura preexistente ou não) e para homens com osteoporose. Estima-se que reduziria o risco de nova fratura vertebral em 65 a 69%, e de fraturas não vertebrais, em 53 a 54%, e aumentaria a DMO da coluna em 10 a 14%, e do colo femoral, em 3 a 5% (Neer et al., 2001). Deve ser administrada diariamente, na dose de 20 mg SC, por tempo máximo de 24 meses. Apesar de bem tolerado, pode causar náuseas, dor em membros, cefaleia, tontura e hipercalcemia assintomática, bem como apresenta risco de induzir o desenvolvimento de ostossarcoma.

Densidade mineral óssea

C. Outros: a terapia hormonal (TH) tem sido associada à prevenção de perdas ósseas e de fraturas, diminuindo a incidência de fraturas vertebrais e não vertebrais, principalmente em mulheres com menos de 60 anos (Cauley et al., 2003). Porém, com os recentes resultados de estudos avaliando o risco da TH sobre a mama e o sistema cardiovascular (Rossouw, 2002), sua utilização tem sido discutida amplamente entre médicos e pacientes, principalmente em relação às pacientes que já têm risco aumentado para a ocorrência dessas patologias. Dessa forma, a TH necessita ser individualizada e também indicada para o tratamento dos sintomas climatéricos. Na Figura 52.3, há dois casos ilustrativos para avaliação e tratamento. Na paciente 1, além das medidas recomendadas para todas as pacientes, será necessária uma

Densidade mineral óssea

Escore T Colo do fêmur

Vértebras L1–L4

g/cm2

+2

+2

g/cm2 1,20

1,38

+1

+1

1,10

1,25

0

0

1,00

Normal –1

1,12 1

–2

1,00 2

0,88

–1

0,90 1

Osteo- –2 penia

0,80 2

–3 –3 Osteoporose –4 –4

0,75

0,70 0,60

0,62

0,50 20

30

40

50

60

70

80

20

Idade em anos

A

30

40

50

60

70

80

Idade em anos

B

Figura 52.3 A) Regressão da massa óssea vertebral em relação à idade. B) Regressão da massa óssea femoral em relação à idade. Paciente 1. Representa uma mulher pré-menopáusica, branca, com 50 anos, que tem densidade mineral óssea em L1-L4 ou no fêmur proximal com T-score igual a ⫺1,5: osteopenia e risco de fratura aumentado. Paciente 2. Representa uma mulher pós-menopáusica, com 60 anos, que tem densidade mineral óssea em L1-L4 ou no fêmur proximal com T-score igual a ⫺2,6 e Z-score igual a -1,5: osteoporose e risco de fratura muito importante.

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avaliação laboratorial para excluir causas secundárias (Quadro 52.1), devendo a mulher receber estrogênio ao entrar na menopausa ou, como alternativa, repetir a massa óssea em um ano e então reavaliar a conduta.

> Enfatizar a atividade física com carga.

Na paciente 2, com risco importante de fratura, deverá ser iniciado também um dos tratamentos eficientes para prevenir fraturas, mesmo que ainda não haja deformidade vertebral, que poderá incluir um tratamento com estrogênio, bifosfonatos, raloxifeno ou calcitonina nasal. Note que a massa óssea no fêmur dessa paciente está dentro do normal para a idade (Z-score entre ⫹/-2). Caso ela apresente fraturas ou seja usuária de glicocorticoides, os bifosfonatos e as injeções de teriparatida (PTH recombinante) são os tratamentos mais eficientes.

Menopausa precoce

As pacientes em tratamento devem ter as medidas da massa óssea reavaliadas anualmente, em serviços que demonstrem sua precisão nas medidas densitométricas repetidas e nos critérios aceitáveis da Mínima Variação Significativa (MVS ou LSC) estabelecidos pelas sociedades densitométricas (ISCD, SBDens). A duração dos tratamentos medicamentosos dependerá da resposta, da tolerância e das complicações. Conduta terapêutica na prevenção e no tratamento da osteoporose na menopausa: > Excluir hábitos deletérios (fumo ou abuso de álcool). > Corrigir a ingestão de cálcio.

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> Usar os tratamentos eficientes para prevenir fraturas.

Denomina-se menopausa precoce ou insuficiência ovariana prematura o quadro clínico e/ou laboratorial de hipogonadismo hipergonadotrófico que se instala antes dos 40 anos de idade. Estima-se que 1% das mulheres apresentam menopausa antes dos 40 anos. Sua etiologia é controversa e variada. A literatura sugere como principais possíveis causas os fatores genéticos, as doenças autoimunes, as infecções virais, os fatores iatrogênicos e as alterações da ação gonadotrófica, além da causa não determinada. Uma história familiar positiva de falência ovariana precoce (FOP) existe em menos de 10% dos casos. Entre as causas genéticas, a síndrome de Turner, os mosaicismos, a trissomia X e as aberrações estruturais podem determinar o desenvolvimento anormal das gônadas. A possibilidade de disgenesia gonadal em pacientes com amenorreia primária ou secundária com hipogonadismo hipergonadotrófico só pode ser afastada realizando-se determinação do cariótipo. Pacientes que apresentam esse tipo de amenorreia (hipogonadismo hipergonadotrófico) antes dos 30 anos de idade devem ser cariotipadas para afastar a presença de disgenesia gonadal mista

Tabela 52.2 Principais alimentos ricos em cálcio Fonte

Quantidade

Cálcio (mg)

Leite integral Leite desnatado Queijo Requeijão Sorvete Iogurte Sardinha (com osso) Salmão (com osso) Brócolis Couve

1 copo 1 copo 30 g ½ xícara ½ xícara 1 xícara 100 g 100 g 1 talo ½ xícara

291 302 150-340 77 88 350-400 372 167 100 150

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que, pela presença de cromossomo Y, apresenta maior incidência de neoplasias nas gônadas. A terapia de reposição hormonal nessas pacientes é mandatória e independente de quadro clínico. A falha ovariana por cromossomos competentes, 46, XX, pode ter causas definidas ou não ter causa aparente, sendo chamadas de idiopáticas. Todo processo cirúrgico ou clínico, por exemplo, poliovulação, que diminui o número de folículos primordiais, pode ser causa da menopausa precoce. Para isso, são consideradas causas: radioterapia, quimioterapia e infecções, viroses, deficiência de receptores e pós-receptores de gonadotrofinas, como na síndrome de ovários resistentes, também conhecida como síndrome de Savage, deficiência enzimática, como a da 17-α-hidroxilase, ou em doenças autoimunes. Relaciona-se menopausa precoce com doenças autoimunes, o achado de anticorpos antiovarianos no sangue periférico (11-50% dos casos) e nos ovários, além da presença de infiltrado linfoplasmocitário nas gônadas. A afecção encontra-se com frequência associada a outras doenças autoimunes como transtornos da tireoide (tireoidite e doença de Graves), artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, hipoparatireoidismo, doença de Crohn, doença de Addison, púrpura trombocitopênica idiopática, glomerulonefrite, vitiligo, etc. O tratamento da causa básica, a terapia de reposição hormonal com todos os seus benefícios e os métodos de fertilização assistida constituem a assistência médica das pacientes com falha ovariana prematura. Entre 5 e 25% das mulheres com FOP idiopática ou autoimune provável apresentam ao menos uma remissão espontânea. Cerca de metade das mulheres com FOP e cariótipo normal podem ter folículos ovarianos com alguma função intermitente. Estima-se que 5 a 10% possam gestar espontaneamente. Porém, como o diagnóstico determina o término da capacidade reprodutiva para uma mulher jovem, o impacto psicológico pode ser muito negativo. A possibilidade de doação de oócito deve ser apresentada. A TH é consenso, principalmente em função da preservação da massa óssea e da manutenção do trofismo urogenital.

Conduta frente à mulher no climatério > Orientação e esclarecimento sobre as modificações do organismo nesse período, secundárias à carência hormonal. > Promoção da manutenção da saúde (estimular bons hábitos dietéticos, manutenção do peso ideal, prática de atividade física, alertar contra hábitos como consumo excessivo de álcool e fumo). > Prevenção de doenças (osteoporose, cardiopatias) e rastreamento de neoplasias (mama, cólon e colo uterino). > Avaliação criteriosa da indicação da terapia hormonal.

Avaliação da mulher no climatério > Anamnese. > Exame físico completo. > Exame citopatológico de colo uterino. > Mamografia: deve ser realizada bianualmente entre os 40 e 50 anos; a partir dos 50 anos, a frequência deve ser anual. > Avaliação endometrial, que pode ser dividida em métodos não invasivos (ultrassonografia e teste da progesterona) e invasivos (citologia endometrial, biópsia aspirativa, curetagem uterina, histeroscopia). Os métodos não invasivos são de maior utilidade na paciente pós-menopáusica. O teste de progesterona consiste no uso de um progestágeno (Quadro 52.5), VO, por 7 dias, e na observação da ocorrência de sangramento vaginal posteriormente. No caso de haver sangramento, se diz que o teste é positivo, sugerindo a presença de, pelo menos, um endométrio proliferativo na cavidade uterina e indicando a necessidade de se associar outro método de avaliação endometrial. Quando não há sangramento após a suspensão do progestágeno (teste negativo), provavelmente o endométrio é atrófico. A ecografia transvaginal tem um grande valor devido

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QUADRO 52.5

Progestágenos de segunda fase Acetato de medroxiprogesterona (AMP): 5-10 mg/dia Acetato de nomegestrol:

5 mg/dia

Acetato de noretisterona:

10 mg/dia

Progesterona natural micronizada:

200-300 mg/dia

Di-hidrogesterona:

10 mg/dia

à facilidade e fidelidade em determinar a espessura do endométrio. Vários estudos mostraram que o endométrio normal de uma mulher pós-menopáusica (sem terapia hormonal e sem sangramento vaginal) pode medir até 5 mm, e que endométrios mais espessos devem ser investigados. Já em mulheres que utilizam TH, podem ser considerados normais endométrios de até 10 mm. Em estudo realizado no Ambulatório de Climatério do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), as histeroscopias realizadas em pacientes pós-menopáusicas sem TH com endométrios entre 5 e 8 mm de espessura não evidenciaram patologia neoplásica; entre as que estavam em TH e com sangramento irregular, os resultados mais frequentes foram endométrio atrófico ou de maturação irregular (Wender et al., 1999). Entretanto, a recomendação é de que nos casos com mais de 5 mm de espessura endometrial seja feita alguma avaliação prévia ao início da TH. A citologia endometrial, que pode ser coletada pela aspiração de um lavado endometrial ou por meio de cânulas como a de Abradul, pode ser feita em consultório e é praticamente indolor. Esse procedimento tem boa sensibilidade e especificidade para diagnosticar o carcinoma de endométrio, mas falha na detecção de hiperplasias endometriais ou pólipos. A biópsia endometrial por aspiração também é um método de fácil execução em consultório e pouco doloroso, tendo como desvantagem a possibilidade de falso-negativo frente a alguma patologia endometrial focal (como um pólipo ou um carcinoma inicial). A histeroscopia é o método de investigação endometrial ideal, pois, além de propiciar a

715

visualização total da cavidade uterina, permite sempre a associação à biópsia dirigida. Também é ambulatorial e, na maioria das vezes, dispensa anestesia. A curetagem uterina requer ambiente hospitalar e anestesia e, eventualmente, poderá não diagnosticar alguma patologia focal. Uma paciente climatérica pré-menopáusica com irregularidade menstrual deve ter seu endométrio investigado com o objetivo de se descartar a presença de alguma patologia orgânica, como hiperplasia endometrial ou carcinoma de endométrio. Uma boa avaliação do endométrio antes do início da terapia hormonal é fundamental, pois assegura ao ginecologista que qualquer sangramento irregular, no início da terapia, seja secundário à própria reposição hormonal e não à causa orgânica.

Terapia hormonal O uso da terapia de reposição hormonal deve ser recomendado a mulheres com sintomatologia clínica após a análise individual dos riscos e benefícios para cada paciente, salientando-se as recomendações e os cuidados sobre todos os fatores de risco cardiovascular, como fumo, obesidade, sedentarismo, etc. Há indicação de TH principalmente para alívio dos sintomas vasomotores associados a perimenopausa e a pós-menopausa, embora também possa ser utilizada para tratamento da atrofia urogenital e na prevenção e no tratamento da osteoporose. Exames laboratoriais, como perfil lipídico, glicemia, TSH, EQU, pesquisa de sangue oculto nas fezes (screening de câncer de cólon) e densitometria óssea, são parte da avaliação da paciente. Terapia hormonal no climatério pré-menopáusico Pacientes com irregularidade menstrual: após a avaliação do endométrio (para afastar patologia endometrial), iniciar com progestágeno (P) de segunda fase (Quadro 52.5). Pacientes com outros sintomas associados (p. ex., fogachos): complementar com estrogênio (E) ⫹ P. Existem formulações já combinadas no mercado para facilitar o uso por parte da paciente (Quadro 52.6).

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QUADRO 52.6

Associações de E ⫹ P para a perimenopausa (cíclicos) > Valerato de estradiol ⫹ acetato de ciproterona > Valerato de estradiol ⫹ AMP > Valerato de estradiol ⫹ levonorgestrel > Estrogênio conjugado ⫹ AMP > Valerato de estradiol ⫹ acetato de noretisterona > Estradiol 17-beta ⫹ di-hidrogesterona > Estradiol 17-beta ⫹ gestodeno > Estradiol 17-beta ⫹ trimegestona

preferível utilizar o estrogênio natural via parenteral na paciente hipertensa ou com risco de fenômenos trombóticos. A via oral é preferencial para mulheres com hipercolesterolemia. A via vaginal é indicada para pacientes com queixas exclusivamente urogenitais, sem outros sintomas (Umland, 2008; National Institutes of Health, 2008).

Contraindicações ao uso da TH (Spritzer; Wender, 2007)

Absolutas > Câncer de mama ou endométrio prévio. > Sangramento genital de origem desconhecida. > Antecedentes de doença tromboembólica. > Doença hepática grave em atividade.

Terapia hormonal no climatério pós-menopáusico A indicação primária da TH é o tratamento dos sintomas climatéricos (p. ex., vasomotores, distúrbios do sono). As outras indicações são tratamento da atrofia urogenital e prevenção e tratamento da osteoporose (Gass, 2008; Palacios, 2008; National Institutes of Health, 2008). Cada mulher deve ser orientada sobre os dados disponíveis de riscos e benefícios da TH, para que ela participe da decisão informada, individualizada e apropriada de iniciar ou de manter a terapia, caso ainda se faça necessária. São muitas as opções terapêuticas, variando os tipos, as vias de administração, as dosagens e os esquemas de uso tanto do E como do P. Em princípio, a terapêutica deve sempre constituir-se em estrogênio e progestágeno associados, com o objetivo de conferir proteção endometrial contra desenvolvimento de hiperplasia ou carcinoma de endométrio. Atualmente, é preconizado o uso exclusivo do estrogênio somente às mulheres histerectomizadas (National Institutes of Health, 2008). O estrogênio é mais comumente administrado por VO, sofrendo metabolismo de primeira passagem hepática. O hormônio é absorvido e metabolizado em nível hepático, provocando a modificação de várias substâncias (SHBG, CBG, TBG), sem prejuízo ao organismo, e de outras que podem, eventualmente, ser prejudiciais (fatores de coagulação VII, IX, X; substrato de renina). Portanto, é

No Quadro 52.7, estão listadas as opções disponíveis no Brasil. O esquema terapêutico deve ser individualizado para cada paciente. Atualmente, tem-se preconizado o emprego de doses mínimas eficazes (em geral, representam metade das doses tradicionais), com evidências de eficácia no alívio sintomático e na preservação da massa óssea e possivelmente menores riscos. Caso a dose menor seja insuficiente para alívio sintomático, as doses convencionais são indicadas (Palacios, 2008). Os progestágenos mais utilizados são o acetato de medroxiprogesterona (AMP) 1,5 a 10 mg; o acetato de ciproterona (ACP) 2 a 5 mg; o acetato de nomegestrol 5 mg; a di-hidrogesterona 10 mg; o norgestimato; a trimegestona; o acetato de noretisterona 5 a 10 mg; a noretindrona 0,35 a 0,7 mg em doses diárias (nas dosagens mínimas) ou 12 dias ao mês (nas outras dosagens). A progesterona natural protege o endométrio, acarretando uma mínima interferência sobre os parâmetros lipídicos, sendo geralmente utilizada nas doses de 100 a 300 mg/dia (Umland, 2008; National Institutes of Health, 2008). O uso diário contínuo do P tem o objetivo de atrofiar o endométrio e, com isso, evitar o sangramento vaginal (efeito alcançado em cerca de 70 a 80% das mulheres após 6 meses de tratamento). Os novos progestágenos (nomegestrol, norgestimato, di-hidrogesterona e trimegestona), por terem menor efeito androgênico e maior seletividade pelo receptor de progesterona, provocam menor efeito negativo sobre o perfil lipídico.

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QUADRO 52.7

Opções para terapia de reposição hormonal na pós-menopausa Estrogênio Estrogênio equino conjugado 0,3-0,625-1,2 mg/dia, VO Estrogênio conjugado 0,625 mg/dia, VO Estradiol 17-beta, 1-2 mg/dia, VO Valerato de estradiol 1 mg/dia, VO Estradiol 17-beta, 25-50-100 μg/dia, transdérmico (adesivos) Estradiol 17-beta, percutâneo (gel) Estradiol 17-beta 25 μg/dia, SC Estrogênio equino conjugado via vaginal Estriol via vaginal Promestriene via vaginal Associações de E⫹P Estrogênio conjugado ⫹ MPA, VO: em esquemas cíclicos ou esquemas contínuos Estradiol 17-beta ⫹ acetato de noretisterona, transdérmico cíclico Estradiol 17-beta ⫹ acetato de noretisterona, transdérmico contínuo Estradiol 17-beta ⫹ acetato de noretisterona (1 ou 0,7 mg/dia), contínuo, VO Estradiol 17-beta ⫹ norgestimato, VO Estradiol 17-beta ⫹ di-hidrogesterona, cíclico ou contínuo Estradiol 17-beta ⫹ trimegestona, cíclico ou contínuo Estradiol 17-beta ⫹ drospirenona, contínuo Progestágeno sintético Tibolona 1,25 e 2,5 mg, VO

A tibolona é um derivado sintético do noretinodrel, com atividade progestagênica, estrogênica e androgênica (1,5-2,5 mg/dia), que também evita o sangramento vaginal (Garefalakis; Hickey, 2008). Há pacientes com baixa tolerância ao uso do progestágeno mensal, para as quais é sugerido o uso continuado do estrogênio e associação do progestágeno (doses similares a AMP 10 mg/ dia) por 15 dias a cada 60 ou 90 dias. É importante lembrar que não há estudos de segurança endometrial a longo prazo com esse regime terapêutico. Atualmente, está disponível o sistema intrauterino com progestágeno (que libera 20 μg de levonorgestrel ao dia), indicado principalmente na contracepção e no controle do sangramento disfuncional, mas que também pode ser empregado como complemento à terapia estrogênica no climatério (Schvartzman et al., 2008). A decisão de iniciar a terapia de reposição hormonal deve sempre ser tomada em conjunto pelo médico e pela paciente. Durante o uso da TH, a paciente deve ser acompanhada semestral-

mente, com exame ginecológico de rotina, mamografia e exame citopatológico de colo anual, bem como os demais exames laboratoriais.

Os riscos da terapia hormonal A decisão pela TH deve se alicerçar em uma boa relação médico-paciente, com segurança e confiança, baseada no uso correto das informações disponíveis. A terapia hormonal via oral, provavelmente por ação idiossincrásica, pode provocar o surgimento ou agravar uma hipertensão arterial sistêmica (HAS) preexistente em cerca de 5% dos casos. Estando os níveis de triglicerídeos elevados (⬎ 200 mg/mL), deve-se evitar o uso de estrogênios por VO, isoladamente, devido ao risco de aumento dos níveis desse lipídeo. Os estrogênios transdérmicos reduzem os níveis de triglicérides em 15 a 20%. Nas mulheres com níveis elevados de

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colesterol, especialmente o LDL, a via oral é a melhor opção. Alguns estudos, inclusive o WHI, indicaram que a TH pode elevar o risco de colelitíase. Uma grande dificuldade de adesão das pacientes menopáusicas à terapia hormonal é a fantasia de que os hormônios são responsáveis pelo aumento de peso (Moskowitz, 2006; National Institutes of Health, 2008). Nessa fase da vida, há uma diminuição do catabolismo, que torna muito difícil a perda de peso, o que é erroneamente atribuído à hormonioterapia. Na pós-menopausa, os androgênios, produzidos nos ovários e nas suprarrenais, com pouca oposição estrogênica, fazem com que a deposição de gordura se efetue no abdome, com características do sexo masculino. Algumas mulheres relatam mastalgia e sensação de “inchaço abdominal”, principalmente durante o início da TH, o que por vezes é mal percebido como ganho de peso. Tanto estudos observacionais quanto uma recente metanálise do Cochrane Collaboration Study, que incluiu apenas ensaios clínicos randomizados controlados e na qual um dos grupos usou terapia de reposição hormonal por, pelo menos, 3 meses, tiveram resultados em que a terapia estrogênica isolada não aumentou significativamente o ganho de peso das pacientes (0,66 kg). Ao serem avaliados os ensaios clínicos com tratamento superior a 1 ano, também não houve uma diferença estatisticamente significativa entre usuárias e não usuárias. Salienta-se que toda mulher pós-menopáusica, com ou sem TH, deve ser orientada a exercer uma atividade física aeróbica associada a uma dieta adequada para atingir e manter um peso ideal. Em relação ao tromboembolismo venoso, vários estudos observacionais indicam que a terapia estrogênica oral aumenta o risco de eventos tromboembólicos venosos (VTEs) (Grady et al., 2002; Spritzer; Wender, 2007; Gass, 2008; National Institutes of Health, 2008). O risco de VTE é superior nos primeiros meses de tratamento, parecendo ser dose-dependente e não relacionado ao progestágeno. Nos dois grandes ensaios clínicos randomizados avaliando a TH combinada (estrogênio conjugado 0,625 mg associado a 2,5 mg de medroxiprogesterona continuadamente por VO) versus placebo, houve um aumento do risco de fenômenos tromboembólicos associados à TH. No estudo do HERS (Grady et

al., 2002), o hazard ratio (HR) foi 2,89 (IC 95%: 1,5-5,58) e no estudo WHI, o HR foi 2,1 (IC 95%: 1,58-2,82). Em pacientes de risco (história familiar de trombose), deve ser bastante avaliado o uso de TH; e no caso de persistir a indicação, é preferencial o uso de estrogênio natural via não oral. O risco de embolia pulmonar fica em torno de 2,1 a 3 (mesma elevação verificada com o uso de raloxifeno ou tamoxifeno). O risco real de um VTE é pequeno: partindo-se de uma incidência de 11 casos por 100 mil mulheres, um aumento relativo para 20 a 30 casos por 100 mil mulheres é ainda metade dos casos observados em período de gestação normal (60 casos por 100 mil mulheres). Em estudo caso-controle, não foi evidenciado aumento de risco de fenômenos tromboembólicos nas mulheres usuárias de estrogenioterapia por vias não orais. Não existe recomendação para rastreamento de trombofilias a mulheres que irão iniciar TH (exceto nos casos de história familiar de trombose venosa profunda em familiar de primeiro grau). O câncer de endométrio como resultado da terapia hormonal ilustra o período em que se utilizava o estrogênio isoladamente mesmo em mulheres com útero (até a década de 1970). A progesterona reduz o número de receptores de estrogênio no endométrio e, por elevar a atividade da enzima 17-OH-desidrogenase, estimula a passagem de estrogênio mais potente para a estrona, evitando, portanto, a proliferação endometrial. O progestágeno deve ser administrado por, no mínimo, 10 a 12 dias ao mês. No estudo WHI, não houve diferença na ocorrência de câncer endometrial entre as usuárias de TH combinada ou placebo, durante 5,2 anos de seguimento médio (Grady et al., 2002; Spritzer; Wender, 2007; Gass, 2008; National Institutes of Health, 2008). As mulheres com mais de 50 anos de idade têm 10% de probabilidade de desenvolverem câncer de mama e 3% de chance de morrerem da doença. O estudo WHI (Gass, 2008) com uso de estrogênio e progestágeno detectou aumento de diagnósticos de carcinoma de mama. É importante salientar que a diferença na incidência de carcinoma de mama entre os grupos começou a ser observada após o quinto ano (HR 1,24/1,01-1,54), que o excesso de risco corresponde a 8 mulheres em 10.000 tratadas por ano e que não houve diferença nas taxas

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de mortalidade globais entre os dois grupos. No braço de terapia estrogênica isolada comparada com placebo, após 7 anos de seguimento, não houve diferença estatisticamente significativa no número de carcinomas de mama entre os dois grupos (HR 0,77 [0,59-1,01]) (Spritzer; Wender, 2007; Gass, 2008). Em relação a acidente vascular cerebral (AVC), no estudo WHI (Gass, 2008) houve elevação de risco de AVC, com HR de 1,31 (IC 1,03-1,68) com uso de estogênio conjugado ⫹ AMP (excesso de 7 casos entre 10.000 mulheres/ano). O tipo de AVC com aumento significativo foi o isquêmico não fatal. No braço das pacientes histerectomizadas, o HR foi de 1,39 (IC 1,1-1,77) com uso de estrogênio conjugado isolado. Em 2004, foram publicados os dados do braço terapêutico do WHI sobre o uso isolado de estrogênios conjugados versus placebo em 10.739 mulheres pós-menopáusicas histerectomizadas. Houve aumento no risco de AVC (RR ⫽ 1,39; IC: 1,10-1,77) e efeito neutro sobre a incidência de doença cardiovascular. Na avaliação geral, o índice de riscos e benefícios foi neutro. É importante destacar que esses estudos sofrem críticas quanto a pelo menos dois aspectos: a seleção de pacientes (inclusão de mulheres com idade superior àquela em que normalmente a TH é recomendada) e a utilização de um esquema de TH com drogas, vias de administração e doses fixas. Deve-se destacar que o estudo WHI não tinha poder estatístico suficiente para evidenciar redução de risco cardiovascular na população entre 50 e 59 anos de idade. Uma reanálise recentemente publicada dos dados do WHI não mostrou elevação, mas uma tendência para redução de risco cardiovascular entre as mulheres que iniciaram a TH em período pós-menopáusico recente. Assim, as evidências indicam que o uso da TH para tratamento dos sintomas climatéricos é seguro se iniciado no período da transição menopáusica e nos primeiros anos pós-menopausa, embora permaneça como contraindicação à TH a presença de doença cardiovascular estabelecida (Spritzer; Wender, 2007). Quanto à doença coronariana, apesar de no estudo WHI, após o uso de estrogênio conjugado ⫹ AMP, alguns parâmetros terem apresentado melhora significativa em relação ao placebo

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após um ano (redução de 5,4% no colesterol total, 12,7% no colesterol LDL, 2,5% na glicemia, 7,1% na insulinemia, 0,4% no peso corporal e 0,9% na circunferência abdominal; elevação de 7,3% no colesterol HDL), o HR para doença coronariana após 5,2 anos médios foi de 1,24 (IC 1-1,54). É importante observar o tempo pós-menopausa médio das pacientes incluídas no estudo (idade média de 63 anos), lembrando que os HR para os subgrupos de mulheres que tinham até 10 anos pós-menopausa, entre 10 e 19 anos ou mais de 20 anos, foi de, respectivamente, 0,89, 1,22 e 1,71 (interação não significativa). Portanto, no momento atual, a TH permanece contraindicada somente para mulheres que apresentaram eventos arteriais prévios (infarto agudo do miocárdio ou AVC) ou aquelas com diversos fatores de risco cardiovascular, particularmente se pertencentes a faixas etárias mais elevadas ou apresentando período pós-menopáusico ⬎ 10 anos (Spritzer; Wender, 2007). Nos últimos anos, assistimos à promoção dos chamados “hormônios bioidênticos”, que seriam alternativas mais seguras e eficazes do que a TH tradicional, muitas vezes por pessoas fora da comunidade médica. De fato, pouca ou nenhuma evidência científica e médica existe para sustentar tais propriedades. São formulações que não sofrem qualquer tipo de fiscalização ou controle relacionados à pureza ou a doses, o que acarreta dúvidas sobre o controle de qualidade. Em uma análise de testes de esterilização, identificação, potência e uniformidade de 29 produtos hormonais formulados, o FDA encontrou falhas em 34% deles, sendo que em 25% foi detectado problema na potência do composto. No entanto, mais de 3.000 medicamentos foram testados desde 1996, com taxa de problemas em menos de 2% deles.

Tratamento não hormonal para os sintomas climatéricos Para as mulheres que não podem ou não desejam usar hormônios para o alívio dos sintomas vasomotores, existem tratamentos alternativos. O efeito placebo é forte nos estudos (alcançando 40 a 50% em até 12 semanas). Das opções com eficácia demonstrada em ensaios clínicos randomizados duplo-cegos versus placebo, destacamos alguns inibidores seletivos da recapta-

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ção da serotonina (ISRS) ou da serotonina e da noradrenalina: paroxetina (12,5 a 25 mg/dia), venlafaxina (75 mg) e fluoxetina (20 mg/dia), em ordem decrescente de efeito. Citalopram é uma opção também. Mais recentemente, a desvenlafaxina foi evidenciada como outra opção eficaz. Por sua vez, a sertralina não foi superior ao placebo em vários estudos. A possibilidade de esses medicamentos induzirem ou agravarem queixas de disfunção sexual deve ser lembrada. Considerar a possibilidade de interferência da paroxetina e da fluoxetina na atividade do tamoxifeno (usado por várias mulheres com contraindicação ao uso da TH), por inibição de enzima do citocromo P-450. Outro medicamento, a gabapentina (300 mg, 3 ⫻/dia), demonstra eficácia em reduzir os fogachos. Outras opções, com eficácia menor e com efeitos colaterais frequentes, incluem clonidina (0,1

mg, 2 ⫻/dia) e propranolol (80-120 mg/dia). A vitamina E (800 UI) mostrou reduzir 1 fogacho ao dia. Os fitoestrogênios são substâncias obtidas a partir do metabolismo da soja e têm ação nos receptores estrogênicos. Apesar da grande heterogeneidade dos estudos, alguns apresentam resultados cerca de 10 a 15% superiores ao placebo no alívio dos fogachos. Apesar do grande entusiasmo e da propaganda extensiva na mídia, a literatura ainda é controversa: poucos estudos investigaram especificamente efeitos adversos dos fitoestrogênios, e os resultados dos estudos são de difícil interpretação, pois as preparações dos fitoestrogênios não são padronizadas. Portanto, até o momento, não existe consenso científico de que a ingestão de compostos à base de fitoestrogênios possa tratar eficazmente os sintomas climatéricos ou prevenir as consequências da menopausa a longo prazo, bem como inexistem dados de segurança a longo prazo.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Mulher de 51 anos, hipertensa, histerectomizada por miomatose uterina há 1 ano, vem à consulta por redução de libido e fogachos severos. Realizou avaliação de rotina (imagem de mama e exames laboratoriais) há 6 meses, todos normais (colesterol limítrofe). O que utilizar para alívio do quadro clínico? a. Tratamento hormonal com estrogênio isolado para alívio dos fogachos e melhora da libido. b. Associação de estrogênio a um progestágeno. c. Está contraindicada a TH pela hipertensão arterial. d. Nenhuma das alternativas anteriores.

2. A mesma paciente da questão anterior traz sua primeira densitometria óssea realizada 30 dias antes da consulta com T-score –2,7, –1,9 e –1,8 em coluna, fêmur total e colo femoral, respectivamente. Como proceder? a. Prescrição de um bisfosfonado. b. Orientação para atividade física e ingestão de cálcio. c. Solicitação de exames complementares para avaliação de osteoporose secundária. d. Prescrição de um agente formador de osso.

Para consultar as respostas desta seção e outros conteúdos complementares, acesse o hotsite do livro: www.grupoaeditoras.com.br/rotinasginecoeobstetricia.

Anexo

Exames Laboratoriais Eduardo Pandolfi Passos Carlos Alberto Ribeiro Denise da Cunha Pereira

A investigação de todo paciente é iniciada com a coleta de informações da história clínica e um exame físico orientado. Após essa fase, um médico assistente adequadamente embasado solicitará exames que serão necessários à complementação diagnóstica para a avaliação do estado geral de saúde. Devemos lembrar que os exames laboratoriais solicitados devem ser avaliados criticamente por

meio de seus dados relacionados a sensibilidade, especificidade, valores preditivos e acurácia. Neste capítulo, serão citados os valores de referência dos exames laboratoriais mais utilizados na área de ginecologia. Os valores relacionados são referentes aos laboratórios do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), devendo ser confirmados pelo laboratório que executou o exame (ver Tabs. A.1, A.2, A.3, A.4, A.5, A.6 e A.7).

Tabela A.1 Bioquímica Ácido fólico: Ácido úrico: Homens: Mulheres: Urina de 24h: Urina amostra: Albumina: ALT (TGP): Homens: Mulheres: AST (TGO): Homens: Mulheres: Amilase: Soro: Urina de 24h:

4,2-19,9 ng/mL 3,4-7 mg/dL 2,4-5,7 mg/dL 200-1.000 mg/24 h 37-92 mg/dL 3,4-4,8 g/dL 10-40 U/L 7-35 U/L 15-40 U/L 13-35 U/L 20-104 U/L < 650 U/L (continua)

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Tabela A.1 Bioquímica (Continuação) Bilirrubina: Total: Direta: Cálcio Total: Soro: Urina de 24h: Colesterol HDL: risco baixo: risco moderado: risco alto: Colesterol LDL: Ótimo: Desejável: Limítrofe: Alto: Muito alto: Colesterol Total: risco baixo: risco moderado: risco alto: Creatinina: Homens: Mulheres: Urina de 24h: Homens: Mulheres: Depuração da creatinina endógena (DCE): Ferro: Homens: Mulheres: Fibrinogênio: Fosfatase alcalina: Homens: Mulheres: Crianças: > 1 dia: > 2-5 dias: > 6 dias-6 meses: > 7 meses-1 ano: > 1-3 anos: > 4-6 anos: > 7-12 anos: > 13-17 anos (masculino): > 13-17 anos (feminino):

0,3-1,2 mg/dL até 0,2 mg/dL 8,6-10 mg/dL 100-300 mg/24h > 60 mg/dL 35-60 mg/dL < 35 mg/dL < 100 mg/dL 100-129 mg/dL 130-159 mg/dL 160-189 mg/dL ≥ 190 mg/dL < 200 mg/dL 200-239 mg/dL ≥ 240 mg/dL 0,7-1,2 mg/dL 0,5-0,9 mg/dL 800-2.000 mg/24h 600-1.800 mg/24h 60-120 mL/min/1,73 m2 65-175 μg/dL 50-170 μg/dL 200-400 mg/dL 40-129 U/L 35-104 U/L < 250 U/L < 231 U/L < 449 U/L 70 anos:

4-5,2 106/μL 36-46% 12-16 g/dL 80-100 fL 26-34 pg 31-35 g/dL 3 4-11. 10 /μL 3 1,8-7,7. 10 /μL 3 1-4,8. 10 /μL 3 média de 0,3. 10 /μL 3 média de 0,2. 10 /μL 3 < 0,1. 10 /μL 3 150-400 x 10 /μL

0,5-1,7%

0-12 mm 0-19 mm 0-20 mm 0-35 mm

Tempo de protrombina (TP): Concentração superior a 70% de atividade. Tempo de tromboplastina parcial (TTPA): Conforme intervalo de referência estabelecido a cada troca de lote.

Tabela A.4 Radioimunoensaio Adrenocorticotrofina (ACTH): Aldosterona: Adulto (pela manhã, deitado): Adulto (2 horas após levantar): Urina: Androstenediona: Homens: Mulheres: β2-microglobulina: Urina: Sangue: Calcitonina: Mulheres: Homens:

< 46 pg/mL 2,94-16,15 ng/dL 3,81-31,33 ng/dL 2,25-21,4 μg/24 h 0,3-2,63 ng/mL 0,1-2,99 ng/mL ≤ 300 ng/mL 1.010 – 1.730 ng/mL ≤ 5 pg/mL ≤ 12 pg/mL (continua)

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Tabela A.4 Radioimunoensaio (Continuação) Cortisol: Manhã (entre 7-10 h): 6,2-19,4 μg/dL Tarde (entre 16-20 h): 2,3-11,9 μg/dL Urina: 36-137 μg/24 h Deidroepiandrosterona (DHEA): 0,3-9,8 ng/mL 17-α-OH-progesterona: Homens: 0,31-2,17 ng/mL Mulheres: > Fase folicular: 0,1-0,8 ng/mL > Fase luteal: 0,27-2,9 ng/mL > Post ACTH: < 3,2 ng/mL > 3o trimestre gravidez e RN: – mulheres grávidas: 2-12 ng/mL – RN (plasma capilar): < 2,5 ng/mL Estradiol: Homens: 7,63-42,6 pg/mL Mulheres: Fase folicular: 12,5-166 pg/mL Pico ovulatório: 85,8-498 pg/mL Fase luteal: 43,8-211 pg/mL Menopausa: < 54,7 pg/mL Ferritina: Homens de 20-60 anos: 30-400 ng/mL Mulheres de 17-60 anos: 13-150 μg/mL Folato: 4,2-19,9 ng/mL FSH: Homens: 1,5-12,4 mUI/mL Mulheres: Fase folicular: 3,5-12,5 mUI/mL Pico ovulatório: 4,7-21,5 mUI/mL Fase luteal: 1,7-7,7 mUI/mL Menopausa: 25,8-134,8 mUI/mL Globulina ligadora de tiroxina (TBG): 13-39 ug/mL hCG: Homens e Mulheres não grávidas: < 5 mUI/mL Valores de 5-49 mUI/mL são considerados indeterminados. Sugere-se nova determinação após 5 dias. HGH: 0,06-5 ng/mL Insulina: 2,6-24,9 μUI/mL Hormônio luteinizante (LH): Homens: 1,7-8,6 mUI/mL Mulheres: Fase folicular: 2,4-12,6 mUI/mL Pico ovulatório: 14-95,6 mUI/mL Fase luteal: 1-11,4 mUI/mL Menopausa: 7,7-58,5 mUI/mL (continua)

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Tabela A.4 Radioimunoensaio (Continuação) Osteocalcina: Peptídeo-C: Progesterona Fase folicular: Fase luteal: Menopausa: Grávidas 1o trim: 2o trim: 3o trim: Prolactina: Homens: Mulheres: PTH: Renina: Paciente deitado: Paciente em pé: Sulfato de deidroepiandrosterona (S-DHEA): Consultar Tabela do HCPA. Globulina ligadora de hormônio sexual (SHBG): Homens: Mulheres: Mulheres na fase pós-menopausa: Testosterona Total: Homens: Pré-puberal: Adultos: Mulheres: Fase folicular e luteal: Pós-menopausa: Pré-puberes: Testosterona livre: Homens: 20-39 anos: 40-59 anos: > 60 anos: Mulheres: 20-39 anos: 40-59 anos: > 60 anos: Tireoglobulina (TG): Tri-iodotironina (T3): Tiroxina (T4): T4 livre: TSH: Vitamina B12:

11-48 ng/mL 1,1-5 ng/mL < 1,13 ng/mL 0,95-21 ng/mL < 1 ng/mL 9,3-33,2 ng/mL 29,5-50 ng/mL 83,1-160 ng/mL 4,6-21,4 ng/mL 6-29,9 ng/mL 15-65 pg/mL 0,51-2,64 ng/mL/h 0,98-4,18 ng/mL/h

14,5-48,4 nmol/L 16,1-110 nmol/L 14,1-68,9

0,1-0,2 ng/mL 3-10 ng/mL 0,2-0,8 ng/mL 0,08-0,35 ng/mL 0,1-0,2 ng/mL

8,8-36 pg/mL 7,2-29 pg/mL 5,6-23 pg/mL 0,2-2,6 pg/mL 0,2-2 pg/mL 0,2-1,7 pg/mL 1,4-78 ng/mL 80-200 ng/dL 5,1-14,1 μg/dL 0,93-1,7 ng/dL 0,27-4,2 μUI/mL 243-894 pg/mL

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Tabela A.5 Sêmen Volume: pH: Concentração de espermatozoides: Número total de espermatozoides: Motilidade: Morfologia: Vitalidade: Leucócitos: Oligozoospermia: Azoospermia: Astenozoospermia: Teratozoospermia: Necrozoospermia:

2 mL 7,2 20 milhões/mL 40 milhões/ejaculado 50% com progressão linear (A + B) 30% de formas normais 50% de formas vivas < 1 milhão por mL 20 milhões/mL ausência de espermatozoides motilidade < 25% tipo A ou < 50% A + B < 30% formas normais > 75% mortos

Tabela A.6 Urina Ácido úrico: Urina de 24 h: Urina amostra: Cálcio: Urina de 24 h: Citrato: Urina de 24 h: Creatinina: Urina de 24 h: Homens: Mulheres: Densidade: Glicose: Urina de 24 h: Osmolalidade: Urina amostra: Neonatos: Crianças e adultos: pH: Potássio: Urina de 24 h: Proteínas totais: Urina de 24 h: Urina amostra: Sódio: Urina:

200-1.000 mg/24 h 37-92 mg/dL 100-300 mg/24 h 200-1.000 mg/24 h

800-2.000 mg/24 h 600-1.800 mg/24 h 1.015-1.025 < 0,5 g/24 h

75-300 mOsm/kgH2O 250-1.200 mOsm/kgH2O 5-6 25-125 mEq/24 h < 150 mg/24 h ≤ 10 mg/dL 40-220 mEq/24 h (continua)

729

730 Freitas, Menke, Rivoire & Passos

Tabela A.6 Urina (Continuação) Microalbuminúria: Urina 24 h: Normoalbuminúria: Microalbuminúria: Macroalbuminúria: Amostra Ocasional: Normoalbuminúria: Microalbuminúria: Macroalbuminúria: Oxalato: Mulheres: Homens:

≤ 30 mg/24 h 31-300 mg/24 h > 300 mg/24 h ≤ 17 mg/L 18-174 mg/L > 174 mg/L 4-31 mg/24 h 7-44 mg/24 h

Tabela A.7 Marcadores tumorais Alfafetoproteína (AFP): 0,5-11,3 UI/mL Antígeno prostático específico: – PSA Livre: Probabilidade de detectar PCA (cancro da próstata) Razão % PSAL 50-59 anos 49,2% ≤ 10 11-18 26,9% 19-25 18,3% 9,1% > 25 – PSA Total: < 40 anos: 40-49 anos: 50-59 anos: 60-69 anos: > 70 anos: CA-125: Antígeno carcinoembrionário (CEA):

1,4 ng/mL 2 ng/mL 3,1 ng/mL 4,1 ng/mL 4,4 ng/mL ≤ 35 UI/mL ≤ 3,4 ng/mL

60-69 anos 57,5% 33,9% 23,9% 12,2%

≥ 70 anos 64,5% 40,8% 29,7% 15,8%

Índice

A Aborto, 359-360 Abstinência sexual, 160 Acidente vascular cerebral, 719 Adenocarcinoma in situ, 395, 401-402 Adesivos transdérmicos, 89 Adolescente, 52-66, 67-81, 82-95 Adrenarca, 640-641 Amenorreia hipotalâmica funcional, 630 Amenorreias, 662-672 causas e manejo, 667-670 anovulação, 667 causas anatômicas uterinas, 669 causas hipofisárias, 668 causas hipotalâmicas, 667-668 causas ovarianas, 668-669 primárias, 662-664 secundárias, 664-667 Androgênios, 656-659 Andrógenos, 658 Anovulação, 667 Antiandrogênios, 688-689 Anticoncepção, 270-294 adolescente, 82-95 hormonais e de uso vaginal, 88-92 orais combinados, 84-88 situações especiais, 92 cirúrgica, 288-289 dispositivo intrauterino, 286-288 emergência, 282-283 espermicida, 160 hormonal oral, 273-274 hormonal, 273-274 implante subdérmico, 284 injetáveis, 283-284 ligadura tubária, 288-289 métodos de barreira, 90-91, 271-273 diafragma, 273

espermicida, 272 hormonais de uso vaginal, 90-91 preservativo feminino, 272-273 preservativos, 160, 271-273 métodos irreversíveis, 288-289 métodos reversíveis, 271 orais, 152-153, 276-277, 293-294 progestágenos, 281-286 emergência, 282-283 implante subdérmico, 284 injetáveis, 283-284 isolados, 282 minipílulas, 281-282 seleção, 282-286 sistema intrauterino de levonorgestrel, 284-286 seguimento, 277-281 adesivo transdérmico (patch), 279-281 anel vaginal, 278-279 combinada injetável, 281 seleção, 274-276, 282-286 sistema intrauterino de levonorgestrel, 284-286 vasectomia, 288-289 Anticoncepção ver também Anticoncepcional, Contraceptivos Anticoncepcional oral combinado Adolescente, 84-88 injetáveis, 88 minipílula, 87 regimes de uso estendido, 86-87 AVC ver Acidente vascular cerebral, 719 Aversão sexual, 347-348

B Bexiga hiperativa, 226-227 Bioética, 363-372 Biofeedback (técnica), 241 Biologia molecular, 383-388

Biópsia colo uterino, 527-529 endométrio, 529-530 vagina, 527 vulva, 526-527 Braquiterapia, 519

C Canal endometrial, 529 Câncer cervical, 383-388 endométrio, 718 de alto risco, 519-520 radioterapia, 515-517 endometriose, 146 mama, 554-578 hormonioterapia, 588-593 quimioterapia, 578-587 radioterapia, 593-608 ovário, 478-495 Câncer de mama, 554-577, 718-719 apresentação clínica e histologia, 559-560 apresentações clínicas especiais, 560-562 carcinoma bilateral, 562 carcinoma de Paget, 560 carcinoma inflamatório, 560-561 gestação, 561-562 homem, 561 aspectos biológicos, 556-557 cirurgia, 562-573 aspectos, 569-573 biópsia do linfonodo sentinela, 569 carcinoma estádios I e II, 565-568 carcinoma in situ, 563-564 carcinoma subclínico, 563 linfadenectomia axilar total, 569 mastectomia, 171-173

732 Índice

mastectomia versus tratamento conservador, 564-565 recidiva local, 573 reconstrução mamária, 572-573 ressecção oncológica, 569 restauração estética, 569-572 tratamento conservador, 568 classificação histológica, 557-559 fatores de risco, 554-556 quimioprevenção, 555-556 seguimento das pacientes, 526 hormonioterapia, 588-593 quimioterapia, 578-587 radioterapia, 593-608 reabilitação, 574-575 seguimento, 573-574 Cancro mole, 165-167 Capsaicina, 246 Carboplatina, 502-503 Carcinoma bilateral de mama, 562 colo uterino, 417-428 coto cervical (radioterapia), 514 de Paget, 560 endométrio, 464-470 inflamatório de mama, 560-561 Cérvice uterina, 507 Chlamídia tracomatis, 169-171 Ciclo menstrual normal, 619-627 ciclo endometrial, 625-626 crescimento folicular, 621-626 hipotálamo, hipófise, gônada, 619-621 Ciclo sexual, 341-343 Cinesioterapia, 240-241 Cirurgia incontinência urinária cirurgia de Burch, 248 injeções periuretrais, 250 procedimentos de cinta (sling), 248-250 de alta frequência, 395-396 ginecológica, 34-51 cuidados pré-operatórios, 34-43 pós-operatórios, 43-49 oncoplástica (radioterapia), 600 urgências, 333-336 Cirurgia ver também Eletrocirurgia Cisplatina, 502-503 Climatério, 700-722 avaliação da mulher, 714-717 conduta frente à mulher, 714 menopausa precoce, 713-714 osteoporose e fratura, 705-713 terapia hormonal, 715-717 contraindicações, 716-717 pós-menopáusico, 716

pré-menopáusico, 715-716 riscos, 117-720 tratamento não hormonal, 719-720 Colo uterino biópsia, 527-529 carcinoma, 417-428 lesão intraepitelial, 389-406 papilomavírus humano, 407-416 Cones vaginais (incontinência urinária), 243 Consulta ginecológica, 23-33 anamnese, 23-24 antecedentes gineco-obstétricos, 24-25 equipamentos, 31-32 exame físico, 25-31 Contracepção comportamental, 91 de barreira, 90-91, 271-273 de emergência, 91-92 em situações especiais, 92 hormonal de uso vaginal, 88-92 adesivos transdérmicos, 89 dispositivo intrauterino, 89-90 emergência. 91-92 espermicidas, 91 esterilização, 91 implantes subdérmicos, 89 métodos comportamentais, 91 métodos de barreira, 90-91 reversível, 271 Contracepção ver também Anticoncepção, Anticoncepcionais Corpo uterino (neoplasias), 460-477 Crescimento folicular, 621-626 Criança, 52-66 Crianças adotadas (puberdade precoce), 641 Curetagem uterina, 530-531

D Deficiência congênita do GnRh, 630 Deficiência da enzima 17-␣-hidroxilase, 631-632 Deficiência de 5-␣-redutase, 658-659 Desejo sexual, 346-348 hiperativo, 347-348 hipoativo, 346-348 Desenvolvimento puberal, atraso no, 628-635 diagnóstico etiológico amenorreia hipotalâmica funcional, 630 atraso constitucional de puberdade, 630 deficiência congênita do GnRh, 630

deficiência da enzima 17-␣-hidroxilase, 631-632 deficiência de 5-␣-redutase, 632 disgenesia gonadal pura, 631 disgenesia gonadal mista, 631 hiperprolactinemia, 630 hipogonadismo hipergonadotrófico, 630 síndrome de Sohval, 631 síndrome de Turner, 631 síndrome dos ovários policísticos, 631 síndrome de insensibilidade androgênica, 632 síndrome dos ovários resistentes às gonadotrofinas, 632 tumores e doenças infiltrativas, 630 investigação e manejo, 632-634 puberdade normal, 628-629 Desenvolvimento sexual, distúrbios do, 651-661 46 XX deficiência da 3B-desidrogenase, 655 deficiência da enzima 21-hidroxilase, 653-655 deficiência da enzima 11-hidroxilase, 655 desenvolvimento ovariano, 653 excesso de androgênios, 653 hiperplasia adrenal congênita, 653 46 XY androgênios, 656-659 deficiência de 5-␣-redutase, 658-659 disgenesia gonadal, 564 distúrbio do desenvolvimento testicular, 656 hiperplasia adrenal congênita do tipo lipoide, 656 insensibilidade aos andrógenos, 658 síndrome de persistência de ductos müllerianos, 658 testículo feminilizante, 657-658 manejo, 659-660 origem cromossômica, 652-653 síndrome de Turner, 652 síndrome de Klinefelter, 652-653 ovotesticular, 659 Diferenciação sexual, 611-618 células germinativas, 612-614 genitália externa, 614-617 genitália interna, 612-614 Direito, 354, 363-364

Índice

Disfunções reprodutivas e miomas, 137-141 Disfunções sexuais, 342-344 Disgenesia gonadal, 631 mista, 631 pura, 631 Dismenorreia, 75-79 Dispareunia, 349-351 Dispositivo intrauterino, 89-90, 139, 299-300 Dispositivo intrauterino ver também Anticoncepção Distúrbio desenvolvimento sexual, 651-661 menstrual, 69-75 DIU ver Dispositivo intrauterino Doença coronariana, 719 de Paget, 595-596 glandular, 394-395 inflamatória pélvica, 181-190 vulva (ginecologia infanto-puberal), 52-66 Doenças sexualmente transmissíveis, 159-180 abstinência sexual, 160 anticoncepção, 160 cancro mole, 165-167 Chlamídia tracomatis, 169-171 donovanose, 168-169 espermicida, 160 gonococcia, 164-165 herpes simples (HSV) 1 e 2, 172-174 linfogranuloma venéreo, 167-168 micoplasma, 171-172 molusco contagioso, 174 preservativo feminino, 160 preservativo masculino, 160 prevenção, 160 sífilis, 160-164 vacinação profilática, 160 Donovanose, 168-169 Dopplervelocimetria colorida 264-265 Dor crônica visceral, 97-100 pélvica crônica, 96-112 urgência, 324-327 videolaparoscopia, 309

E Ecografia mamária, 536-537 Eletrocirurgia, 396-397 Eletroestimulação (incontinência urinária), 243-244 Embolização (mioma uterino), 140-141

Endocrinologia ginecológica, 609-722 amenorreias, 662-672 ciclo menstrual normal, 619-627 climatério, 700-722 desenvolvimento puberal, 628-635 diferenciação sexual, 611-618 distúrbios do desenvolvimento sexual, 651-661 hiperandrogenismo, 681-691 hiperprolactinemia, 673-680 infertilidade, 692-699 puberdade precoce, 636-650 Endométrio biópsia, 529-530 câncer, 718 neoplasias, 460-473 ciclo endometrial, 625-626 Endometriose, 144-158, 308-309 câncer, 146 definição/epidemiologia, 144 fisiopatologia, 144-146 fatores de risco, 146-147 quadro clínico, 147-148 dor, 147 infertilidade, 147-148 diagnóstico, 148-149 classificação, 149-150 tratamento, 150-155 medicamentoso, 150-152 cirurgia, 153-154 seguimento, 155 Endoscopia, 303-304 Espermicida doenças sexualmente transmissíveis, 160 contraceptivos hormonais de uso vaginal, 91 Estática pélvica, 204-220 Esterilização tubária, 314 Ética, 363-372 Exame ginecológico, 25-32, 52-55 Exames laboratoriais, 723-730 bioquímica, 723-725 gasometria arterial, 725 hematologia, 726 marcadores tumorais, 730 radioimunoensaio, 726-728 sêmen, 729 urina, 729-730 Excitação, 347-349 Exercícios perineais (incontinência urinária), 241-242

F Finasteride, 689 Fluxo genital abordagem sindrômica, 199-200 vulvovaginites, 199-200 Fratura (menopausa), 709

733

G Genitália externa, 614-617 interna, 612-614 Gestação câncer de mama, 561-562 mioma, 137 neoplasia intraepitelial vulvar, 433 Ginecologia geral consulta ginecológica, 23-33 cirurgia ginecológica (pré e pós-operatório), 34-51 doença inflamatória pélvica, 181-190 doenças sexualmente transmissíveis, 159-180 dor pélvica crônica, 96-112 endometriose, 144-158 estática pélvica, 204-220 incontinência urinária, 221-237 infanto-puberal, 52-95 adolescente dismenorreia, 75-79 distúrbio menstrual, 69-75 anticoncepção, 82-95 doenças de vulva , 52-66 exame ginecológico, 52-55 puberdade e menarca, 67-69 vulvovaginite, 55-65 miomas uterinos, 135-143 sangramento uterino anormal, 121-134 síndrome pré-mestrual, 113-121 ultrassonografia, 255-269 vulvovaginites, 191-203 Gonococcia, 164-165 Gônoda, 619-621 Gravidez ectópica (videolaparoscopia), 313-314

H Herpes simples (HSV) 1 e 2, 172-174 Hiperandrogenismo, 681-691 avaliação diagnóstica, 685-687 etiopatogenia, 682-685 causas adrenais, 684 causas ovarianas, 682-685 periférico, 685 síndrome dos ovários policísticos, 682-683 fisiologia androgênios na mulher, 682 tratamento, 687-690 antiandrogênios, 688-689 dieta e emagrecimento, 687 finasteride, 689 glicocorticoides, 689 inibidores da insulina, 689 medidas cosméticas, 687

734 Índice

seguimento e prognóstico, 689 tratamento farmacológico, 687-688 Hiperêmese gravídica, 336-337 Hiperplasia adrenal congênita, 653 adrenal congênita do tipo lipoide, 656 endometrial, 460-464 Hiperprolactinemia, 673-680 avaliação diagnóstica, 676-678 achados laboratoriais, 677 exames de imagem, 677-678 história clínica e exame físico, 676-677 menopausa, 680 prolactina, 673-674 quadro clínico, 674-676 causas farmacológicas, 674-676 causas fisiológicas, 674 causas patológicas, 676 etiologia, 674 idiopática, 676 macroprolactinemia, 676 tratamento, 678-680 Hipófise, 619-621 Hipotálamo, 619-621 Histerectomia extrafascial, 512 miomas uterinos, 140 simples, 513-514 videolaparoscopia, 314-315 Histeroscopia, 295-302 Histerossonografia, 267 Hormônio, 694-695 Hormônio ver também Terapia hormonal Hormonioterapia câncer de mama, 588-593 advertência, 591 agente não hormonal, 591 efeitos colaterais, 591 pacientes, 590-591 receptores, 589 resposta tumoral, 589 uso, 589-590 oncologia genital feminina, 500-501 Hormonioterapia ver também Terapia hormonal HPV ver Papilomavírus humano

I Implantes subdérmicos, 89 Incontinência urinária feminina, 221-237 bexiga hiperativa, 226-227 biofeedback, 241-243

capsaicina, 246 cinesioterapia, 241-242 cirurgia, 247-251 cones vaginais, 243 de esforço, 225-226, 247-251, 314 de urgência, 226-227 eletroestimulação, 243-244 exercícios perineais, 241-242 fármacos, 244-246 mista, 227 neuromodulação sacral, 247 resiniferatoxina, 246 terapia hormonal, 239 toxina botulínica, 246 tratamento, 238-254 Infertilidade, 692-699, 303-323 casal, 693-696, 698 avaliação feminina, 694 avaliação masculina, 695-696 fator hormonal, 694-695 endometriose, 147-148 etiologia, 692-693 tratamento, 696-698 videolaparoscopia, 303-323 Informática, 373-380 Internet, 376-379

L Laparoscopia, 303-323 Lei (violência sexual), 354 Lesão colo uterino intraepitelial, 389-406 pré-malignas, 407-416 Linfadenectomia, 471-473 Linfogranuloma venéreo, 167-168 Linfonodo sentinela, 569 LNS ver Linfonodo sentinela

M Mama mamografia digital, 536 patologia benigna, 532-553 alterações funcionais, 545-548 anomalias do desenvolvimento, 540-541 citologia, 537 derrame papilar, 539-540 ecografia, 536-537 histologia, 538 manejo, 551 nódulo, 538-539 processos inflamatórios, 541-545 ressonância magnética, 537 risco para câncer, 550 tumores, 548-550 ultrassonografia, 265-267 urgência, 332-333

Mamilo (doença de Paget), 595-596 Massas pélvicas (ultrassonografia), 261-264 Mastologia ver Mama Melanoma in situ, 434 Menarca, 67-69, 640 Menopausa, 343-344, 680, 709, 713-714 climatério, 713-714 fratura, 709 hiperprolactinemia, 680 precoce, 713-714 Menstruação ver Ciclo menstrual Métodos contraceptivos de barreira, 90-91, 271-273 hormonal de uso vaginal, 88-92 adesivos transdérmicos, 89 dispositivo intrauterino, 89-90 emergência, 91-92 espermicidas, 91 esterilização, 91 implantes subdérmicos, 89 métodos comportamentais, 91 métodos de barreira, 90-91 orais combinados, 84-88 reversíveis, 271 situações especiais, 92 Micoplasma, 171-172 Microlaparoscopia, 319 Miomas uterinos, 135-143 diagnóstico, 136-137 disfunções reprodutivas, 137 fertilidade, 137 gestação, 137 epidemiologia e fatores de risco, 135-136 quadro clínico, 136 tratamento, 137-141 anti-inflamatórios não esteroides, 138 cirurgia, 139-140 clínico, 137 dispositivo intrauterino, 139 embolização, 140-141 histerectomia, 140 hormônio liberador das gonadotrofinas, 138-139 mifepristone, 138 miomectomia, 140 moduladores seletivos dos receptores de estrogênio, 138 progestágenos, 137-138 Miomectomia mioma uterino, 140 videolaparoscopia, 311-312 Moral, 363-364 Musculatura pélvica (incontinência urinária), 239-241

Índice

N Neoplasias, 381-591 Neoplasia intraepitelial vaginal, 435-436 vulvar, 429-437 terminologia, 429 escamosa, 429-430 usual, 430 diferenciada, 430 carcinoma vulvar, 431 diagnóstico, 431-432 tratamento, 432-433 mulheres HIV-positivas, 433 gestação, 433 prevenção, 433 não escamosa, 433-434 melanoma in situ, 434 Neuromodulação sacral, 247 NIV ver Neoplasia intraepitelial vulvar

O Oncologia genital feminina (radioterapia), 507-525 Orgasmo, 348-349 Osteoporose (climatério), 705-713 Ovário cisplatina e carboplatina, 502-503 neoplasias, 478-495 não epiteliais, 492-495 terapias, 488-491 tumores borderline, 491-492 quimioterapia, 502 videolaparoscopia, 311

P Papilomavírus câncer cervical, 384-386 humano (colo do útero), 407-416 Patologia benigna da mama, 532-553 Pelve feminina anatomia, 204-206 versus braquiterapia (radioterapia), 519 Preservativo, 271-273 feminino, 160, 272-273 preservativo masculino, 160 Preservativo ver também Anticoncepção Progestágenos (anticoncepção), 282-286 Prolapsos genitais, 210-218, 250-251 Pubarca prematura, 640-641 Puberdade atraso constitucional de, 630 ginecologia infanto-puberal, 67-69 incompleta, 648

precoce, 636-650 adrenarca, 640-641 central, 646-648 classificação segundo etiologia, 637-639 crianças adotadas, 641 definição com relação à idade, 636 investigação menarca precoce isolada, 640 periférica, 648 pubarca prematura, 640-641 quadro clínico, 636-637 situações especiais, 640-641 telarca prematura, 640 tratamento, 646-648 puberdade incompleta, 648 puberdade precoce central, 646-648 puberdade precoce periférica, 648 Puerpério (urgência), 331-332

Q Quimioterapia câncer de mama, 578-587 avaliação da resposta, 582 contraindicações, 582 efeitos adversos, 582-583 fármacos, 584-586 indicações em mastologia, 580-582 mecanismo de ação, 579-580 modificação de dose, 583-584 carcinoma de colo uterino, 422 colo uterino, 498 combinada com radioterapia, 599-600 intraperitoneal (ovário), 504-505 neoplasia de ovário, 489-490 oncologia genital feminina, 498-500, 507-525 ovário, 502, 504-505 sarcoma uterino, 473-476 útero, 501-502 versus radioterapia adjuvante, 519-520

doença de Paget (mamilo), 595-596 efeitos adversos, 603-604 estádios I e II, 596-600 extensão extracapsular, 602 mastectomia em tumor avançado, 600-602 paliativa, 603 pós-operatória no CDIS, 594-595 recidiva locorregional, 603 tumores localmente avançados, 600-602 carcinoma de colo uterino, 422-424 combinada com quimioterapia adjuvante, 520-521, 599-600 oncologia genital feminina, 507-525 adjuvante, 517-518 câncer do endométrio de alto risco, 519-520 câncer do endométrio, 515-517 carcinoma de coto cervical, 514 cérvice uterina, 507 combinado com quimioterapia, 511-512 duração, 511 fatores prognósticos, 507-508 histerectomia extrafascial, 512-513 pelve versus braquiterapia, 519 persistência do tumor, 514-515 pós-histerectomia simples, 513-514 pós-cirúrgica, 513 primária, 521 radioterapia primária, 508-511 recidiva local, 515 sarcomas uterinos localizados, 521 toxidade aguda e tardia, 515 tratamento por estádio, 521 primária, 521 sarcoma uterino, 473-476 Resiniferatoxina (incontinência urinária), 246

S R Radiossensibilização, 499-500 Radioterapia adjuvante versus quimioterapia, 519-520 câncer de mama, 593-608 carcinoma in situ, 593-596 carcinoma inflamatório, 602 carcinoma lobular in situ, 595 carcinoma oculto, 602-603 cirurgia oncoplástica, 600

735

Sangramento uterino anormal, 121-134 disfuncional, 123-124 orgânico, 122-123 via vaginal, 327-331 Sarcoma uterino, 473-476, 521 Sexualidade humana, 341-353 ciclo sexual, 341-343 disfunções sexuais, 342-344 dispareunia, 349-351

736 Índice

exame físico e laboratorial, 346-347 ginecológicos, 343-344 história sexual, 345-347 histórica médica, 345-346 medicamentos e drogas, 344-345 menopausa/idade, 343-344 problemas no relacionamento, 345-346 terapia hormonal, 350-351 transtorno da excitação, 347-349 transtorno de aversão sexual, 347-348 transtorno do desejo sexual hipoativo, 346-348 transtorno do desejo sexual hiperativo, 347-348 transtorno orgásmico, 348-349 vaginismo, 348-350 fatores de risco e causas, 343-347 Sífilis, 160-164 Síndrome de insensibilidade androgênica, 632 de Klinefelter, 652-653 de Morris, 632 de persistência de ductos müllerianos, 658 de Savage, 632 de Sohval, 631 de Turner, 631, 652 dos ovários policísticos, 682-683 pré-menstrual, 113-120 SOP ver Síndrome dos ovários policísticos

T Tamoxifeno, 598 Taxanos, 503 Telarca prematura, 640 Terapia hormonal disfunções sexuais, 350-351 incontinência urinária, 239 Terapia hormonal ver também Hormônio, Hormonioterapia Testículo feminilizante, 657-658 Topotecan, 503-504

Toxina botulínica (incontinência urinária), 246 Transtorno da excitação, 347-349 de aversão sexual, 347-348 do desejo sexual hiperativo, 347-348 do desejo sexual hipoativo, 346-348 orgásmico, 348-349 Trato genital inferior, 526-531 Tricomoníase, 194-196 Tromboembolismo venoso, 718 Tuba uterina (neoplasias), 495-496 Tumores e doenças infiltrativas, 630

U Ultrassonografia, 255-269 avaliação anexial, 259-261 avaliação uterina, 256-259 diagnósticos diferenciais em US ginecológica, 267 dopplervelocimetria colorida, 264-265 histerossonografia, 267 mama, 265-267 massas pélvicas, 261-264 Urgências complicações cirúrgicas, 333-336 dor pélvica, 324-327 ginecologia, 324-340 hiperêmese gravídica, 336-337 mama, 332-333 obstetrícia, 324-340 puerpério, 331-332 sangramento via vaginal, 327-331 sintomas geniturinários, 336 Útero neoplasias, 460-477 quimioterapia, 501-502 ultrassonografia, 256-259

V Vacinação profilática, 160 Vagina biópsia, 527 neoplasia intraepitelial, 336 neoplasias, 444-457 pré-búbere, 52-66

Vaginismo, 348-350 Vaginose bacteriana, 192-194 Vasectomia, 288-289 Videolaparoscopia, 303-323 câncer ginecológico, 309-311 complicações, 316-319 contraindicações, 315-316 dor pélvica, 309 endometriose, 308-309 endoscopia, 303-304 esterilização tubária, 314 gravidez ectópica, 313-314 histerectomia, 314-315 histórico, 303-304 incontinência urinária de esforço, 314 indicações, 306-315 infertilidade, 303-323 microlaparoscopia, 319 miomectomia, 311-312 ovário, 311 princípios e técnica, 304-306 Violência sexual, 354-362 aborto, 359-360 aspectos éticos e legais, 356 avaliação psiquiátrica, 357-358 consequências, 355-356 estatísticas, 355 exames laboratoriais, 357 experiência no HCPA, 360 história, 357 lei, 354 primeiro atendimento, 356 profilaxias da gestação, 358-359 Vulva alterações benignas, 438-445 biópsia, 526-527 neoplasia intraepitelial, 429-437 neoplasias, 446-454 Vulvovaginites, 191-203 abordagem sindrômica do fluxo genital, 199-200 fúngica recorrente, 199 fúngica, 196-199 pré-púbere, 55-65 tricomoníase, 194-196 vaginose bacteriana, 192-194 vulvovaginite fúngica recorrente, 199 vulvovaginite fúngica, 196-199