Políticas da Inimizade [1° ed.]
 9786586941173

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, CAS DA IN IM IZ A D E POLITI . . · ·t· ' título ong,nn \·. Politiqucs de l,.inin u te Achi\\CMben,bc •~" /\chi \k M bc n1 bc, 2. 02 0

,1 " n , ed iç ões, 20 20 \~ \\N

978-65 -~6941 -173

Embora adote a mai oria dos uso s editor iais do âmbito br . , s não se gue asileiro, a n-1 ed,~ necessan.am en te oe as convenço_es da . . . normativas, pois s mst1tutções considera a edição um trabalho de interagir com a p1 criação que deve uralidade de lingua ge ns e a es pe cificidade de cada obra pub\icada. coo RDENAÇÀ OED lTORIAL Peter Pá l Pelbart e Ricar DIRE ÇÃ ODE ARTE do Muniz Fernand Ricardo Muniz F es er na nd es TRADUÇÃO Sebastiã o Nascimento ASSISTÊNC IAEDlT ORlAL Inês Mendo nça EDIÇÃO EM 15If.X- Pa ulo Henrique Pom permaier PREPARAÇÃO Clari ssa Melo REVISÃO Flavio T aam CA PA E PROJETO GR ÁFICO Érico Peret ta A reprodução

parcial deste livro sem fins lucrativ privado ou coletiv os, para uso o, em qualquer m eio impresso ou autorizada, desd eletrônico, está e que citada a fo nte. Se for necess na íntegra, solici ária a reprodução ta-se entrar em co ntato com os edit ores.

••

AMBASSADE DE FRANCE AU BRÉS\L Lif:.m t l:g11/,1t J-rata11ité



ediç ão \ Novembr o,

n-1edicocs.org

Este livro, public ado no âmbito do Programa de Apoio à Public ação 2018 Carlos Drummond de Andrade da E mbaixada da Fra nça no Brasil, contou com o ap oio do Ministério da Europa e das Relações Ext eriores \ Cet ouvr age, publié dans le cadre du Program me d'Aide à la Pu blication 20 18 Carlos Drummon d de Andrade de l' Ambassade de France au Brésil, bénéficie du soutie n du Minis terc de l'Europe et des Affaires Etrangêre s

20 20

,

POLITICAS DA I N I M I Z A D E Achille M b e m b e

. ~o Nascimento tradução Seb astia

Rara F.al:>1~tf Éboussi Boulaga, rrean-Fran~ê rrean-Fran~Õis Baya~{l 'r eter L. Geschiere ~~;/i, ._ -· '

l!t

-,;·--,i~i~; .

'

.

Introdução 11

O rascunho do mundo

Capítulo 1

25 A saída da democracia Reviramento, inversão e aceleração O corpo noturno da democracia Mitológicas A consumação do divino Necropolítica e relação sem desejo Capítulo 2

75 A s_o ciedade da inimizade O objeto perturbador O inimigo, esse Outro que eu sou Os condenados da fé ' Estado de insegurança Nanorracismo e narcoterapia Capítulo 3 111

A farmácia de Fanon

O princípio da destruição Sociedade de objetos e metafísica da destruição Medos racistas Descolonização radical e um festival da imaginação A relação de cuidado O duplo espantoso A vida em seu fim

c a p ít ulo 4 Este meio-d ia abrasado r Impasses do h un1anis m o o O u tr o do ser h u m a n o e as g e n e a lo g ia s d o o n1undo zero ob)eto Anti1nuseu Autofagia Capitalismo e a n im is m o E m a n c ip a ç ã o d o s vivos C o n clu s ã o 205

A ética do p

assante

o RASCUNHO DO MUNDO

Segurar na mão un1 livro não basta para saber tirar proveito dele. De início, desejáva1nos escrever um que de modo nenhum estivesse envolto e1n mistério . No fim das contas, chegamo s a um

breve ensaio feito de sombrea mentos esboçados, de capítulos paralelos, de traços mais ou menos descontí nuos, de pinceladas, de gestos vívidos e súbitos, quando não de sutis movime ntos de recuo seguidos de bruscas reviravoltas. É verdade que o tema, áspero, em nada se prestava ao som do violino. Bastaria, pois, sugerir a presença de um osso, de uma caveira ou de um esquelet o no corpo do elemento . Esse osso, essa caveira e esse esquelet o têm nomes: o repovoa mento da Terra, o abandon o da democra cia, a sociedad e da inimizad e, a relação sem desejo, a voz do sangue, o terror e o antiterro r enquant o remédio e veneno da nossa era (capítulo s 1 e 2). O melhor meio de se chegar a esses diferente s esquelet os foi engendr ar uma farma que não fosse frouxa, mas rija e carregad a de energia. Seja como for, eis aqui um texto sobre cuja superfíci e o leitor pode deslizar livremente, sem nenhum controle de documen tos nem visto de entrada. Pode nele permane cer pelo tempo que quiser, movimen tar-se à vontade, entrar e sair a qualquer moment o, por qualquer porta. Pode seguir em qualque r direção, mantend o em relação a cada um de seus termos e a cada uma de suas afirmações o mesmo distancia mento crítico e, se necessár io, uma pitada de ceticismo.

11

aparentemente inocuos do dia a dia, por causa de uma insignifi-

cancia, uma afirmação aparentemente inconsciente, uma brincadeira, uma alusão ou uma insinuação, um lapso, uma piada, algo implícito e, que se diga com todas as letras, uma malícia voluntá-

menosprezo ou um estorvo deliberados, um obscuro desejo de estigmatizar e, acima de tudo, de

ria, uma intençao maldosa,

um

agredir, de ferir e humilhar, de profanar aquele que não consideramos como

sendo dos nossos?

Obviamente, na era do nanorracismo desavergonhado, quando se trata

apenas dos

nossos e

pouco importa

do outro,

se com

maiúsculas ou minúsculas, ninguém mais quer ouvir falar disso. Pois que

fiquem lá onde vivem, ouve-se dizer.

Ou

se

deve

teimam

em

ser com o tra-

vivemos, querer morar perto de nós, onde seiro à mostra, de calças arriadas, a descoberto. A era do nanorranavalha cismo é de fato a era do racismo imundo, do racismo da na lama. encardida, do espetáculo dos porcos chafurdando com Sua função é transformar cada um de nós em celerados intoleráveis o maior núE colocar em nós

condições luvas de pelica. mero possível daqueles e daquelas que consideramos indesejá-

veis, encurralá-los cotidianamente, infligir-lhes

reiteradamente

um número incalculável de golpes e feridas, privá-los de qualquer direito

adquirido, enfumaçar a

que não lhes

reste

colmeia

escolha além da

e

aviltá-los

autodeportaço.

a

tal ponto esta-

E já que

cientes de

estar falando de feridas racistas, ainda precisamos um suou cortes sofridos por lesões de se trata geralmente que de um caráter bem um ou mais golpes

mos

atingido por Cspecihc0- golpes dolorosos e

Jelto humano

8Cm o

corpo

ntangivel das

e sua

dificeis de esquecer, porque

materialidade,

(a dignidade,

a

mas

Clentes

de que,

tanto

e

acima de tudo

o

mais

no autoestima). Seus vestígios, de cicatrizar. ferimentos, dificeis

vezes, são invisíveis e seus lesões Ja que estamos falando de

odr

também

atin-

nesse

e

cortes, ainda precisamos

banco de gelo

em

que tende

a se

99 A

INIMIZADE SOCIEDAN DA

converter a Europa quanto no

Caribe e

em outros

na America, na

lugares,

temos

Africa do Sul

no Brasil,

a.

agora que contar as Con

ntenas

sofrem todos os dias f de milhares aqueles aquelas que com frequencia o risco de serem ati racistas. Eles correnm por uma nstituição, uma vor uma com toda a força por alguem,

feridas idos

e

autoridade pública ou privada que Ihes exige que justifiquem

quem são, por que estão ali, de onde vm, para onde vão. nOr que não voltam para o lugar de onde vieram, uma voz ou autoridade

deliberada provOcar-lhes que busca de maneira

um

menor

on

maior choque, irritá-los, ofende-los, injuriá-los, fazê-los sair dos eixos, justamente para ter o pretexto necessario para profaná-los, Ihes é mais privado, para sem nenhum pudor violar aquilo que mais intimo e mais vulnerável. Em se tratando de violação reiterada, cabe ainda ressaltar que o nanorracismo no

é prerrogativa do "branco pobre",3 esse su-

balterno corroído pelo ressentimento e pelo rancor, que odeia profundamente sua condição, mas que não se esfalfaria por qualquer migalha, e cujo pior pesadelo é acordar um dia recoberto com a pele negra ou com a pele morena de um árabe, não lá longe, em uma longinqua colônia de outrora, mas sim- e seria este0

cúmulo- aqui mesmo, em casa, em seu próprio país. O nanorracismo tornou-se o complemento necessário do

racismo hidráulico, o dos micro e macrodispositivos jurídico-

-burocráticos e institucionais, da máquina estatal que mergulha de cabeça na fabricação de clandestinos e ilegais; que isola de ma neira incessante a ralé em campos na periferia das cidades, como um amontoado de objetos desconjuntados; que multiplica em

profusão os "sem papéis"; que pratica ao mesmo tempo a expu são do território ea eletrocussão nas fronteiras, quando nao s

V32. No original, "petit Blanc". No contexto colonial francês, a população branca dia em grands blancs, estrato abastado composto por proprietários e burocratas, e petu

blancs, a camada

100

dos artesãos

e

trabalhadores

braçais brancos. [N. T.]

POLITICAS DA INIMIZADE

omoda

pura

e

simplesmente ao

naufrágio em alto-mar,

que

aos num determ rmiarfil étnico, nos Onibus, n0s acroportos, no metrô, na tas

quat

fiscaliza

os

rostos que

se

encaixam

rua;

nao

1ela as muçulmanas e freneticamente ficha seus familia-

que res: que

ultiplica

centros

os

de retenç

de detenção e s cam-

e

d e trânsito; que investe, Sem considerar os custos, em técni. discrimina e

deportação; que

ac cas

de

l17

do dia,

pratica

segregação à plena

a

temp0 que professa a neutralidade e a im. indiferente à diferenca: do Estado laico republicano arcialidade parc aue

ao mesmo

provoca mais

nenhuma

contramao do

bom

sua

banalidade

sociedade,

neste

descerebração temor,

que bem esses

Os ,

nos

momento

dejetos de

cascos

muçulmanos e , tomarão o lugar dos

Ora,

lixão,

o

entre a

das mais curtas.

se infiltrar nos

de s e r e m OS ou

seja,

poros

os

os

veias da

de outrora,

negros,

de ser,

transformarão

Ogrande

djinns de hoje,

distância e o campo, a

campos de refugiados, de Campos

os

árabes,

os judeus

nação

a

lixão de Maomé.

fobia do lixão

e

em

generalizado, de

mesmos

não poderia deixar

senhores e

respiração,

em m a s s a .

saturnais, quando

fendidos,

na

do homeme do cidadão".

embrutecimento

convencer

chamar,

se insiste em

de enfeitiçamento

como

imenso

de

o medo das

poderiam

que

"direitos

capacidade de

mecânica e

visceral, é

de

mas

t o r n a d cultura e o racismo

é O nanorracismo e

ereçao,

senso,

céu aberto que no

essa putrefação a

ea direito invoca a torto

num

sempre foi

deslocados, zonas ade

estrangeiros, campos de acampamentos de imigrantes, centros de

áreas de trânsito, ctençao para pessoas em trâmite, identificaçao e c e n t r o s de administrativa, acolnictençao ou detenção c e n t r o s de fronteira, de CXpulsao, pontos de travessia ctO

,

para

requerentes

de asilo,

centros

acolhimento

tempo

gue

de imigrantes, de refugiados, aldeias de inserção bser a lista não par, o casas do imigrante, albergues,

a1dejas

tos,selvas,

de

101

A SOCIEDADE DA INIMIZADE

vou

Michel Agier

remete

sempre a

uma com

de, sente, apesar nara

num

estudo

realidade

frequencia,

familiar e, não dizer

reconhecer que

o

recente.35

campo

Essa

minável

Se faz constanteme

ente pre-

que

ser em

grande medida intris

sível,

analise, banal. Deveriam. mos

em ultima

t o r n o u uma nao so se

Ele deixou de

lista inter.

parte

escandalizar.

estutra

rante

Mais ainda

da condição global. Ele e o noSSO futuro, a nocoo nosso presente. o é só campo não para conter on re "manter afastado o que perturba,

solução para

humanos, jeitar aquilo que, quer sejam

síduo industrial, for excessivo",*

materia

orgânica ou re-

em suma, uma

das

formas de

governar o mundo.

De resto,

por não

e

corresponde à exceção,

encararmos

mas

à

de trente isto

norma

(o

que

fato de que

as

já não demo-

cracias liberais também são capazes de tolerar o crime), aqui nos vemos, pois, mergulhados em um tráfico infindável de palavras e gestos, de símbolos e línguas, à base de chutes e pon-

tapés,

cada

vez

mais brutais

uns

que

os

outros, à base tam-

bém de mimetismo, o laicismo e seu inverso especular, o funda-

mentalismo, tudo isso num perfeito cinismo, pois, justamente, tendo todos os epítetos perdido seus nomes próprios, já não resta nome

algum

para nomear o escândalo, nem linguagem para enunciar o imundo, pois quase nada mais se mantém de pe, exceto o ranho que flui das narinas, viscoso e purulento, em*

bora já no

haja necessidade de espirrar, nem de apelo ao b o senso, à boa e velha república, com seu belo dorso arqueado nem derrocado, de apelo ao bom e velho humanismo froUxO, nem de apelo a um certo feminismo aloprado, aos Ol do

33. Michel

Agier (ed.),

34. 1bid., p. 11.

Un

monde de camps. Paris: La

Découverte, 2014.

102

POLITICAS DA INIMIZADE

igualdade agora

restir-calcinha-fio-dental-totalmente-depilada.3

mana-de-v

Como forma

ma com o dever-de-fazer-aZer-a-jovem-muçul-

época colonial,

na

aO uegro ou o årabe muçulmano trata "suas mulhe-

de

res"

veja do

harém. A

uma

manipulação das

voyeurismo

inveja:

e

in.

a

questões de gènero para fins

dominação masculina no Ourealidade da falocracia no pró-

do realce dado à via pela

sempre visa quase

prio quintal. simbólico e

O

toda forma de

dade coloca o prazer

seja

nOSsas

ela secular

minimamente a

o

poder,

aos

Em todo

sua

velo-

lugar, o poder

de confrontação

com a

maternina feminilidade e na

de

na esteira

ou

recur

"novos bárbaros". Ea

que Ihe confere

uma forma

investimento

sexual

virilidade como

na

democracias.

medida,

em certa

o estátua, sendo que

tamento,

a

político não é algopeculiar de

é,

ocultar

superinvestimento

linha mestra em cidade, inclusive sempre

de

combinaçao

racistas,

vado

da

como

unga

tro,

interpretação depreciativa

a

laica. Ao

uma

mesmo

num sério, preciso,

cultura

política de arrebatempo, para

ser

mos-

dado moment0,

hedonista,

ao

le-

pai sempre

Nesta que "se tem aquilo". Nesta cultura asprimordial. de plantador o atribuído papel foi desejo de do pai incestuoso, habitado sombrada pela trar

pelo

figura

consumir sua donzela ou

seu

garoto,

anexar a

mulher ao seu

à estátua prio corpo a fim de usá-la como complemento homem tornou-se

ISso, todas

essas

algo banal.

pró-

falida do

tudo Portanto, devemos esquecer

mitologias crestadas e desprovidas de músculos,

e decididamente passar a algo distinto, mas o que exatamentes

Apesar dos horrores do tráfico de escravos, do colonialismo, do fascismo, do nazismo, do Holocausto e de outros massacres e

Benocidios, as nações ocidentais em particular, com seus intesu-

stendidos pelos mais diversos gases, continuam a mobilizar

ons

de

Cn

1'Aube

Souilamas e Éric Macé, Les Féministes et le garçon arabe. Paris: Edit-

Joan Wallach Scot, The Politics

University Press, 2009.

A SOCIEDADE DA

of the Veil. Princeton: Princeton

INIMIZADE

103

racismo a o

serviço

de qualquer

histórias mais ou

de históri

variedade

história rias

de esem cuja cara as portas de hordas de migrantes de e trangeiros deve ser erguido às nreda arame farpado que Ssas, do ser fechadas, menos

absurdas

menos assassinas

e mais ou

sermos varridos pela sob pena de

de

fronteiras que devem

vessem

-

selvagens; stórias com0 se alguma vez s

de

mare

ser restauradas,

histórias de nacionais, chegado a desaparecer;

inclhuind.

muito antigas, aos quais se deve sempre oriundos de colônias de intrusos que devem ser cacaatribuir o epíteto de imigrantes, os

dos, de inimigos que devem

ser erradicados, de

terroristas que

se

de vida que devem de nós por causa do nosso modo altitudes por dispositivos de ser aniquilados a partir de grandes e

ressentem

voo

teleguiado; histórias de escudos

humanos convertidos em

vítimas colaterais dos nossos bombardeios; histórias de sangue,

degolas, de terra, de pátria, de tradições, de identidade, de pseudocivilizações sitiadas por hordas bárbaras, de segurança nade

cional; uma variedade de histórias pontuadas por epitetos, esgarpara espalhar fuligem; histórias intermináveis que são constantemente recicladas na esperança

çadas; histórias para se assustar e de enganar os mais crédulos.

E verdade que, tendo fomentado longinquamente a misériae o decesso, longe do olhar de seus cidadãos, as nações ocidentais temem

agora o retorno da espada,

em um

desses

atos

de vingança

piedosa exigidos pela lei do talião. Para se precaverem contra es sas

pulsões vingativas, elas se utilizam do racismo como se fosse

cimitarra, suplemento venenoso de frangalhos, reduzido aos seus últimos uma

um

nacionalismo em

farrapos, num momento

desnacionalização dos verdadeiros centros decisórios, de offsno

ring das riquezas,

de encravamento dos reais, de mass fpoderes do endividamento e de e zoneamento de

cação lações inteiros, subitamente tornados

104

territórios pop

supérfluos.

POLITICAS DA INIMIZADE

Mas se

racism

o

tão

se tornou

insidioso, é porque ele

agora dispositivos puisionais e da subjetividade econá

do dos dos fazparte

micadonosso tempo. Ele nã0 Se tornou apenas mais um produto

m

c o n s u m o

da ;mesma categoria que outroS bens, objetos e mer da

de cadorias. Nestes tempos de indecencia, ele é também o recurso

ual simplesmente inexiste a "sociedade do espetáculo"

Debord que Guy

m muitos casos, ele

descreveu.

adquiriu um

status suntuário. Passou a ser algo que nos permitimos não por tratar

S

de

algo incomum,

mas em

resposta

a0

apelo generali

7ado à lubricidade lançado pelo neoliberalismo. Ficou esquecida a

abrindo-se

greve geral,

dade.

Nesta

espaço para a brutalidade e

a

sensuali-

época dominada pela paixão pelo lucro, essa combi-

e sensualidade favorece o processo nacão de luxúria, brutalidade do racismo pela "sociedade do espetáculo" e sua

de assimilação

consumo contemporâneo. molecularização pelos dispositivos do consciência disso. Depois Ele é praticado sem que se tenha nos chama a atenção ou nos fhcamos surpresos quando O outro adverte. Ele alimenta nossa necessidade de diversão e nos per-

mite escapar

ao

tédio reinante

e

à monotonia. Fingimos

acre-

não têm a impor ditar que não passam de atos inofensivos que um policiatancia que lhes é atribuída. Ficamos ofendidos que de rir, do direito a um mento de outra ordem nos prive do direito

humor que nunca é dirigido contra si mesmo (autodepreciaçao) Ou

contra os

ra

os

poderosos

(a sátira propriamente dita),

que são mais fracos que nós

dquele que

se

eentreado,

o

-

mas

sempre

direito de rir as custas e

divertiao busca estigmatizar. O nanorracismo

completamente

idiota,

que tem

prazer em

enalu

a

Mdl na 1gnorânciae reivindicao direitoà estupidez e a violencld esse,

pois, o espírito dos

nossos

tempo

aCde d aseé quea transicão já tenha ocorrido. Que lave temer

e demais.

E

que, no

fim das

SOCiedade decente não passe de

uma

contas, O

SOLd

de se miragem. E

temei

105 A SOCIEDADE DA INIMIZADE

violento

uma retorno a

"parcelas

vergonhosas"

epoca de

em

que

O racismo

não nerta

rtencia as

sociedades, aquelas que, se não

s sociedad

nossas

nos e s t o r ç a v a m o s por ao m e n o s erradicávamos, as serå doravante a nossa

racismo

destemido e

por causa

dela,

galhardo

sOCiedade se surda contra a rebelião a menos

aberta e veemente, pelo vez mais se m a n t e m da pertença A questão

ro

upageme,

tornará

por parte dos

viva.

e

cada

rechie

lusos.

Quem é daqui

e

quem

aquelas que não da que significa

aqueles fazem em nossa não é? O que deles? Mas o Como nos livramos estar aqui? veriam dos mundos, terra

escon onder.

mas

também

do entrelaçamento "aqui" "lá" na era de fato é uma Se o desejo de apartheid rebalcanização? sua de a Europa real, por sua vez, das características do nosso tempo, e

nunca

mais será como

era

antes,

ou

seja, unicolor.

Nunca mais

um único centro do mundo. existirá, se é que alguma vez existiu, no plural. Será viDe agora em diante, o mundo será conjugado

não há absolutamente nada que possa ser feito para reverter essa nova condição, que é tão irreversivel quanto

vido

no

plural e

irrevogável.

Uma das

consequências dessa nova condição é a

rea-

tivação, para muitos, da fantasia do aniquilamento. Essa fantasia está presente em qualquer contexto no qual as forças sociais tendam a conceber a política como uma luta atë a

morte contra inimigos incondicionais. Tal luta passa então a ser

qualificada como existencial. E uma luta sem a possibilidade de re conhecimento mütuo e muito menos de reconciliação. Ela contra-

poe essências distintas, dotadas cada uma delas de uma substan" cia e

quase impenetrável, ou possuídas exclusivamente por aqueles aquelas que, pela lei combinada do sangue e do solo,

pertence

espécie. Ora, tanto a história política quanto a histort do pensamento e da metafisica no Ocidente estão saturadas por esse problema. Os judeus,como se sabe, pagaramo preço isso no proprio coração da Europa. Anteriormente, negros e indios il viam inaugurado a Via Crucis, a

mesma

particularnmente no Novo Munu

106

POLITICAS DA INIMIZADE

politica é o produto quase natural da obmetafísica ocidental por muito tempo nutriu, po cão

Essa concepção

sessão

que

a

la alestão do ser e Sua suposta verdade e, por outro.

nia da da vic vida. De acordo com esse mito, a história seria

um

ela

ontologia

realização ser

0

de

ce s e

da

ente. o

contrapõe ao

contra

posto que

vivenciar o O

ciar o

recomeço.

O

desenvolvido essa

universal, sendo

dos os lugares,

seus

história idioma, a

ou a

Seria isso

ser.

que

significados válidos de maneira

seja, em too independentemente de qual seja

tempo,

a todo

capacidade de viven-

qualquer topografia,

muito alem de

capacidade de

da condição de ente

lugar deciSiVo do

o

seria recomeço, pois

incondicional,

não passaria

resto

Ocidente teria

tornaria

o

unico a desenvolver essa

teria sido o

ser,

Ap

terminologia heideggeriana. O i d e n t e seria o lugar decisivo do

do ser. Na

essência

ou

à história do ser e condição. Com relação o Ocidente

dizer, portanto, que

nunca

à política do ser, pode-se finitude. conceber sua própria chegou realmente tulou como

a

seu inevitável e absoluto

e esse horizonte

sempre

se

próprio

Sempre poshorizonte de ação,

uniglobal e uni pretendeu, por definição, necessariamente não é se trata aqui

de que versal. O universal seria válido do

ser para qualquer

humano en-

que horizonte ou meu próprio de ampliar sinónimo universal, quanto tal. Nem é finitude. O minha própria da de assumir as condições vencedores de guerras violência dos à dado nesse cas0, é o n o m e confiitos Mas esses predação. de conflitos onto-históricos, que são naturalmente 0

equivalente

ae

predação são também

pOls neles se desenrola Levada aos seus

d c a o não visa paccimento

e sobretudo

uma

limites,

apenas a

história

tal,

PCSupoe

a

nem

c o m uma

a fantasia

do

que

sua

seja

porque

o

aO se trata

Apocalipse,

uma um Trata-se

Ap rta

Cia

em

sobrevivente,

que

ou da

mastambemou

extinção. Não

existência de

munha cuja tarefa seria contar o

verdade fatidica.

aniquilamento

explosão do planeta,

do ser humano.

uanto

conflitos

teste

de

uma

presenciou.

107 INIMI.AL A SOCIEDADE DA

concebida

não

aniquilação como

uma

purificação

da aniquilamento para

caminho

ria

pelo fogo.

humanidade

Neste

momento

retorno aos

atual, o

rificação equivale ao0

purificação equiunl

que

abrirá

supostamente ah.

começo

de uma outra outra

fantasia Portanto, uma

ansiogeno que

vivemOs,

ontológica temas da diferença

cia da "guerra das

temida, mas

catástrofe catástrofe aa ser ser ten

Mas a

para o outro começo,

humanidade atual.

sem a

reos,

como uma

e a contra o terror"

Os

estão

massacres,

dos

de ablac

p.

indícios de

aí. Em decorwrén-

reboque dos bombardeios aé.

(de preferência, execuções extrajudiciais

de drones), dos

histó-

atentados e

de

com o auxilio

formas de

outras

ideia de que o Ocidente é sua cadència, a ditam carnificina que compreender e de do mundo capaz de sequer a

única província

A cisão da humanidade em adiantada. Se, com Schmitt ou forasteiros está muito

instituir o universal

nativos

e

volta

a

surgir.

era encontrar o

fundamental no passado Heidegger, requisito basta criá-lo para em seguida se inimigo e trazê-lo à luz, hoje de aniquilamento a contrapora ele, oferecendo-lhe perspectiva o

e anulação total. Pois, na verdade, são inimigos com os quaisa nem desejável. Situados fora da hunão é

possível comunicação manidade, nenhum entendimento é possível

com

eles.

Pode-se realmente estar presente no mundo, habitar o mundo, ou atravessá-lo, sobre essa base de uma partilha impossível, de uma distância intransponível? Basta abater o inimigo ou livrar-se do estrangeiro para ficar quite com ele ou para relegá-lo à eternidade daquilo que deve ser esquecido? Tal atitude exige que,

ainda em vida, seja apagado, em sua morte

ou em sua

relegaçao,

aquilo que em seu rosto o fazia humano. Esse empreendimento de

desfiguração e apagamento é praticamente um prerrequisito

para qualquer execução em toda a lógica contemporânea do Odlo. No seio de

sociedades que estão constantemente

multiplicando dispositivos de segregação e de discriminação, a relação de cu dado tem sido

os

substituída pela relação sem desejo.

108

POLITICAS DA INIMIZADE

Explicar e en

conhecere

tender,

reconhecer já não são

Ostilidade

idade e em volta

nunca

quelas figuras

foram tão

para

s

hmento dos inimigos nunca

o sofri

indispensáveis. Hospita antitéticas.

Daí o intere quais desgraça dos homens e se tornaram "resto mudo da a

po-

lirica"30 Eles sempre estiveram vinculados àeexigência de recoa nhecimento, especialmente onde experiencia de ser humilhado, alienad0 e maltratado era a norma.

Paris: Gallimard,

Repersar

a

1994. F

x

ignorado,

Dits etderits, V.+

droits de l'homme", mos em face dos goverm homem do : "Os direitos de Janeiro Pessoa. Rio

gouvernements, les

política. Ditos e escritos 6, trad. de Ana Lúcia

Paranhos

orense Universitária, 2010, pp..369-370: 370).

109 A SOCIEDADE DA INIMIZADE