149 104 69MB
Portuguese Pages 401 [206] Year 1992
"Eu acho gue esta publicacao e uma' das coisas mais importantes para nos Indios Potiguara, porque a gente precisa muito de documenta~io. E um livro como este, a gente pode mostrar pa ra todos os Indios que oio conhecern a nossa ffist6ria, como para muitas "outras pessoas que tambem nao a conhecem. Este livro e muito importante, porque s6 assim a gente vai poder mostrar ao Povo a Nossa ffist6ria".1 HELENO SANTANADOS SANTOS Cacique Potiguara, em 06.04.1992 "Acho que a publicacao tern uma grande vali dade. E que hoje na Parafba encontramse pes soas de boa fe, pessoas bondosas, pessoas que sentem o problems do fodio e sabem o direito que lhe assiste. Entao, estas pessoas tern o meu apoio para que a Bist6ria seja colocado em Ji. vro, que seja editado um livro contando a Bist6 ria Potiguara. Porque assim niio s6 o fndio vem saber o direito que lhe assiste, como tambem as pessoas que talvez nao conheeam, e se conhe cem, querem botar a mao em cima dos direitos do fndio. Com o livro publicado, as pessoas du vidosas, que duvidam do fndio, do seu direito, , da posse de sua terra, elas vii.o saber que e ver dade que o indio Potiguara tanto existe aqui na I Paraiba, como tambem que existe um ,... & .... c: lhe pertence, e que ele luta par» ,.,. \ no direito", ' (" \
.
•
I.·*••
.\
•
00566i94
..
~t~~'··~ .
/
f
-·••
-
, :, () ,·
j t
,. O
!111,,. I •A.F .. ·'·
~
f
I
• •
Govern ad or
RONALDOCUNHALIMA
Secretario da Educacao e_ CuJtura: SEBASTIAO GUIMARAES VIEIRA J
UFPB/
Blbiic.;:;(.J ;: e:;irnl \
lMo . . -.1
-
.. . •• ..,., ..
j/3"#(
.•
~;.
~··
:
,~~
«.
., • r;
ge1"
rJe;; rtr.. .Jlc.~=::J:..1
000566
.. · ··~
...·~ ··--··.
.,
ETNOHISTORIA MOONEN, Frans e MAIA, Luciano Mariz Etnohist6ria dos Indios Potiguara: ensaios, relat6rios, documentos
POTIGUARA
Joao Pessoa, PR/PB SEC/PB, 1m
CAPA: Mapa "Terra Brasilis", de Lopo Homem, Biblioteca Nacional de Paris.
dos Indios :r'
1' · ,
SUMA.RIO 7 Apresen~ 9
Prefacio PARTE I ENSAIOS 13 Povos Indlgenas no Brasil Frans Moonen 93 Os Indios Potiguara da Parafba Frans Moonen PARTE n RELAT6RIOS E DOCUMENTOS: 1920 A 1983
•
153 Hist6ria Potiguara: 1500 a 1900 183 Os Potiguara e o Servico de Prof.e91o aos fodios
237
Os Potiguara e a Fun~io Nacional do fndio PARTE Ill RBLAT6RIOS E DOCUMENTOS: 1984 A 1992 289 O Arrendamcnto 321
O Inquerito Civil
367
O Inquerito Policial
373
A Arca Jacare de Sio Domingos
405
Indice,
APRESENTA(;AO. A Espanha comemora, festivamente, os 500 anos do Descobrimento da America. Este fato tern permitido uma serie de analises e avaliacoes acerca do modo de conquista do "Novo Mundo", e da imposicao de valores, ideologias e culturas nao apenas diferentes, mas consideradas pelos conquistadores como superiores a dos conquistados, autorizandolhes, inclusive, a declaracao de guerras e extermfnios. O mundo ocidental eon vive com um referencial firmado com o nascimento de Jesus Cristo:·AC (antes de Cristo) e DC (depois de Cristo). Ja os Indios das Americas ainda boje sao chamados de "povos precolombianos". Para eles, portanto, Cristovao Co lombo, o navegador, tomouse seu referencial. Duas circunstancias do destino vinculam os 500 anos do descobrimento da America, que se comemora, com a luta e a resistencia dos Potiguara. E que de 1580 a 1640 a Coroa de Portugal esteve, pela lei de sucessao, sob o cetro de Reis espanh6is. E a antiga Capitania de Itamaraca, tomada Capitania Real da Parafba por vol ta de 1575, por sentir a Coroa Portuguesa imperiosa necessidade de efetivar sua conquista, para dar paz aos portugueses estabelecidos, com seus engenhos, em Pemambuco, vinha sendo objeto da a~ao do Govemo Geral da colonia, com sucessivas expedicoes armadas, para dar combate aos Tabajara e aos Potiguara, e, com isso, impedir o exercfcio da extracao de paubrasil, pelos franceses. Assumindo Felipe II da Espanha o trono de Portugal, deu continuidade a conquista da Parafba. E depois de seguidos insucessos, com o rompimentoda alianca entre Tabajara e Potiguara, os conquistadores procuraram Piragibe, o "Brace de Peixe", chefe dos Tabajara, e com ele acertaram pazes. E fundouse a Pelipeia de Nossa Senhora das Neves, no dia 5 de agosto de 1585, em homenagem a santa do dia, e ao Rei de entao. Esse detalhe da conquista da Parafba ja revela que a mesma se deu contra os Potiguara, cada vez mais perscguidos ao longo da hist6ria, e que hoje estao reduzidos a cerca de 6.000 Indios, que vivem na Terra Potiguara (com 21.300 ha), em Bafa da Trai~io e Rio Tinto. E uma das mais bem documcntadas hist6rias de povos 7
indlgenas que se tern noticia no Brasil
E o quinto po
.
PREFACIO
.J1
vo mwPII · aL· 0 O :t~vqouemdigenaque continua a habitar li t!~f~~!il:t:1c, a, O povoavam nossa costa. • dal . "h.l
mars · nurneroso . , ' e o mais densam ente. concen .
I~=~~
Em 1991, a Procuradoria da Republica na Parai'ba, ap6s instaura~ao de lnqu~rito Civil, constatou, entre outras viola~s aosdireitosdos fudiosPotiguara, a viol~aodireitodeinfonn~o.
O dado tragico em tudo is ale d , . ~ longo de gera~oe.s, 6 a dificul~· m o •':Doc1ch~ praticado de ter acesso a info e que ~sses Indios ainda hoje o registro de suas que lhes dizem ~espeito: sua hist6 . leis que lhes tinharn c~m.sod::;e~t~s escntos a seu respeito, ,· Nern sequer infonnes acerca d na os!. a perda de suas terru. levou a curso o processo de ~ quantos ~ao,onde estao, e como ... sendo fornecidos adequadame:~ca~ao de suas ~erras vinhaJl!' 11
. E para resgatar essa df vida para com d
6.
Ja c~i'dos em lutas, e em respeito ~ di . d mhm na dos P~tig~ara habitantes do solo paraibano gm Sa e ~ana dos pnmeiros Cultura realiza a bli ' due a ecretana da Educacdo e Potiguara". Ainda Efo 6? pres~nte livro :'Etnohist6ria
/:~~t na escnta pelo potiguara, mas 4
escnta com ele e para ele.
Organizado pelo antro 61 F substanciososescritosdesuas s P _.og? rans Moonen, ja com e pelo Procuradorda Republifa (~1~asJ~esse~voindigena, O a defesa judicial dos seus direitos e~1 z Maia, que realiza aos Potiguara a professor in eressdes, o livro € destinado ,·, administradores 'ea todos ues ~s. estu antes, advogados, acerca dessa mhloria etniia di£mteressarempelo conhecimentc dignidade e respeito human~. erente mas certamente igual em
f
~!~
f
!~
da f~~r! ~~Of!Onle, entende a Secretarla Constituicao do Estado da Parafb~? '~()~ eta~rc;a ao .contido na . Tsitar, em seu territorio, hens nia .. s 0 respeitara e rm l:1 to s as garantias conferidas aos fndi~:~!1~0~:ti~~a~=·~ Joao Pessoa 1992 Sebastiio G~itnaries Vieira Secretario da Educayao e Cultura
8
la desde o inicio do S~ulo XVI, inumeros documentos fazem referencia aos Potiguara. Ate boje, no entanto, eles desconhecem a sua pr6pria Hist6ria. Os documentos de seculos passados encontramse em diversos arquivos existentes no Brasil e no exterior. Aos documentos oficiais do S6culo XX, nunca tiveram acesso. Seus lideres nunca receberam uma c6pia do "Relat6rio Baumann", documento inedito que pode ser reputado essencial a qualquer tentativa de defesa judicial dos indios, desde que revela sua ocup~io tradicional sobre as terras que habitam, Mais grave ainda, nao tiveram sequer acesso ~ informa¢es constantes do processo de demarca~ao de suas terras, em 1983, nao obstante um parecer governamental apontar para a necessidade de desenvolver um ''trabalhO de conscientiza~o junto h comunidade indigena". Diante disto, para assegurar aos Potiguara o direito l informa~o e para instrumentaiwlos na defesa dos seus direitos, a Procuradoria da Republica na Parafba. com a colabo~o da Secretaria da Educ~lo e Cultura do Estado da Parafb~ publica este livro com ensaios, relat6rios e documentos de interesse para a Hist6ria Potiguara. A Parte l apresenta dois ensaios escritos pelo antrop61ogo Frans Moonen. 0 primeiro 6 uma verslo modificada e atualizada do seu livro Pindorama Conquistada: repensan4o a questao indigena no BrasU, Joao Pessoa, 1983. 0 ensaio aP.resenta uma visio geral da bist6ria dram,tica dos indios no Brasil. 0 segundo ensaio e uma adap~o de v6rios trabalhos sobre os Potiguara, originalmente publicados entre 1976 e 1989. As Partes 2 e 3 contam relat6rios e documentos oficiais. Os organizadores tomaram como ponto de partida o "Relat6rio 9
Baumann" e os documentos anexados ao mesmo. Tratase de 11111 relat6rio apresentado a Funda~ao Nacional do fndio, em 11 de julho de 1981, pela historiadora Thereza de Barcellos BaullWIJI, encarregada pelo 6rgao de fazer um levantamento de documentoa que pudessem comprovar a posse e a continuidade de ocu1>&9lo, pelos Indios Potiguara, da ma que habitam atualmente.
O Documento O 1 transcreve a primeira parte do "Relat6rle Baumann", que trata da Hist6ria Potiguara nos Seculos XVI a XIX. Os Documentos 02 a 65 apresentam documentos resumidos ou parcialmente transcritos na segunda parte do "Relatorio Baumann", como tambem num relat6rio apresentado a FUNAI, no final de 1980, pela antrop6loga Lucy Paixao Linhares. No caso de parte destes relat6rios ser transcrita literalmente, isto e indicado com u iniciais (TB) ou (LPL). Na maioria das vezes, no entanto, 01 organizadores optaram pela transcricao parcial ou integral do1 documentos originais. A seguir, sao transcritos docurnentos que tratam do processo da demarcacao da Area lndigena Potiguara, no infcio da decada dd 80, e do posterior arrendamento das terras pelos pr6prios Indios que, por sua vez, resultou no Inquerito Ci vii e no Inquerito Policial instaurados pela Procoradoria da Reptiblica na Parajba, em 1991. Foram acrescentados, ainda, documentos sobre a Area Indfgena Jacare de Sao Domingos, desmembrada da AI Potiguara em 1983/
PARTE I
ENS AI OS
84.
Os originals dos documentos publicados neste livro encontram· se a disposi~ao dos interessados na Procuradoria da Republlca na Parafba, em Joao Pessoa. Joao Pessoa, 1992 Frans Moonen Luciano Mariz Maia • I
10
11
POVOS INDIGENAS NO BRASIL FRANS MOONEN
I
INTRODUCAO.
No Brasil, os Indios costumam ser apresentados como seres ex6ticos de outra "raca" que vivem na selva, andam nus, cacam com arco e flecha, usam estranhos adomos nos labios e nas orelhas, acreditam em forcas sobrenaturais, tern pajes, sio liderados por caciques e falam linguas que ninguem entende. Tudo bem conforme os estere6tipos que aprendemos desde os primeiros anos escolares, e que depois sio reforcados por artigos e documentaries, muitas vezes sensacionalistas, em jomais, revistas e na televisao (1). De fato, na regiao amazonica ainda vivem Indios como os Yanomami, ls vezes chamados o povo mais "primitive" do planeta. Mas tambem existem Indios, como os Potiguara, na Parafba, que s6 falam a lingua portuguesa, que vestem calca e camisa, possuem rel6gio, radio, televisao, geladeira e carro, fndios que adoramjogar futebol e assistir novel as de TV. que tern carteira de motorista ou possuem diplomas universitarios. Muitas vezes sao pessoas que, quanto ao seu comportamento e em sua aparencia, em nada diferem dos outros brasileiros da regiao, masque nem por isso deixaram de ser Indios.
/
Quem f fndlo no Brasil?
••.
A defini~io de quern e ou nao e Indio pode variar de pats para pafs, de epoca paraepoca. Mas de ummodo geral, todos concordam que "e Indio quern se considera pertencente a uma comunidade, um povo ou uma na~io indfgena e e por ela reconhecido como membro". E segundo uma proposta feita pelos fndios ~ Organim~lo das Na~oes Unidas, em 1986, "sio comunidades, povos e nayocs indl genas os que, tendo uma continuidade hist6rica com as sociedades anteriores l invasao e precoloniais ... se consideram distintos de outros setores das sociedades que agora prevalecem 13
em seus territ6rios ou em parte deles. Constituem agora setorea nlo dominantes da sociedade e tern a determinacao de preservar, · descnvolvere transmitir a geracoes futuras seus territ6rios ancestral• e sua identidade etnica" (02). Nesta definicao podese estranhar a ausencia de crit6rio1 biol6gicos (ou "raciais"), lingufsticos ou culturais. Nao fol esquecimento ou erro. Foi proposital mesmo. Deve ficar 1010 claro: para ser Indio, naoe necessario ter "cara de Indio", falar uma lfngua indf gena, ou ter "cultura indfgena". As razoes dis to slo bastante simples. Nao se usa o criterio racial, porque nao existe e nunca existiu uma "raca indf gena", da mesma forma como nao existe uma "ra~a brasileira", ou uma "~aholandesa",porexemplo(anaoserpara cachorros e vacas). Ou seja, nio existe nenhum conjunto de caracterfsticas biol6gicas (cor da pele, formato da cabeca, do nariz o~ dos ?lhos, tip de cabelo etc.) que possa ser usado para distinguir os Indios de outros povos. Na realidade, existe uma enorme variedade de tipos ff sicos entre os Indios americanos: existem Indios altos e baixos, gordos e magros, brancos e escuros com cabelo liso e crespo, conrbarba e sem barba, etc. ' ·,
No Brasil sio faladas ainda mais de cem lfnguas indfgenas. Mas tambem existem povos indfgenas que, alern da Hngua tradicional, falam tambern o portugues ou a lfngua do pals vizinho. E muitos povos incligenas, principalmente aqueles do Nordeste, falam ~on:iente o portuguss. Porisso.nao se podedizerque "Indio" e todo indi v{duo que fala uma lfngua indigena. Neste caso, muitos Indios deixariam deserconsideradosfndios,e muitos brancos quefalam uma lingua incligena seriam injustamente considerados Indios. Da mesma fonna como os brasileiros nao se tomam portugueses s6 porque falam a lfngua portuguesa, tarnbem os Indios nao perdem a sua identidade ind{gena pelo fato de falarem a mesma lingua falada pelos brasileiros. Tambem nio existe uma "Cultura Indigena", comum a todos os povos indfgenas; existem as mais diversas culturas indigenas, de que tratam centenas de publicacoes antropol6gicas. Muitos povos indl1enas adotaram tambem elementos culturais da sociedade 14
nacional. E varies povos perderam por completo a sua cultura tradicional e tern hoje uma cultura identica a da populacao "branca" com a qual con vi vem. Mas por causa dis to nao de~a~am de ser Indios. Nao e a existencia de uma cultura autentica, tradicional, precolombiana, que importa. Tambem as culturas indfgenas estao sujeitas a mudancas: Portanto, para ser Indio nao e preciso ter caracterfsticas bio16gicas ('•raciais") indf genas, falar uma tradicional lfngua indfge~a OU viverde acordo com padroes culturaisindigenasprecolomb1anos. l O que e preciso, e o indi vf duo se identificar e ser identificado ~omo1 l membro de um povo de origem precolombiana, que se ~ns1dera \ diferente do povo brasileiro. A origem precolomb1ana dos atuais povos indfgenas no Brasil pode ser comprovada por i antrop6logos, arque6logos ou historiadores. Porem, s6quem.pode, ~ dizer quern e ou quern nao e membro de uma cornunidade I f_· indf gena, ~ _Q_Q!'QI?tjo pQYQ · ncligena. [
I
Deve ser lembrado, aqui, que os habitantes originais das Americas s6 passaram a ser chamados "Indios" a partir da conquista do Novo .Mundo pelos colonizadores europeus, e que nunca se auto identificaram com este nome. "fudio" e, portanto, um termo generico para designar todos os indivfduos aqui colonizados pel~s indivfduos genericamente chamados "europeus", que depois [passaram a importar escravos "africanos".
l
Na realidade, termos genericos como "fndios", "europeus" ou "africanos" 1politicamente. s6 localizam o indivfduo geograficamente, mas n!o o identificam Ninguem se identificara como europeu, mas como italiano ou alemao; ninguem diz que e africano, masque e cidadao da Nigeria ou de Angola. Da mesma forma, s6 o te~o "Indio" nao basta para identificar alguem, a nao ser que seja acrescentada a identificacao politica: Indio Potiguara, Indio Y anomami, Indio Xavante, que sao taodiferentes entre si como um egfpcio, um nigeriano ou um mocamblcaao. todos "afric~os". Xavante, Yanomami, brasileiro, ou japones, sio identidades polfticas, indicam o Povo, a Na~ao a que a pessoa pertence.
Povos e Na~
ind(aenas?
A Constituicao considera brasileiros todos aqueles que nasceram 15
cm territ6rio brasilciro e considerados cidadlos b~ilei~
· E~e
:amb6m os in~os do
perguntou aos fndios se realmente' . . n cmente,nunca rungu6m afinal de contas, nio nasceram s2uenam ser bfa:8ilc.iros.p'?~ue. mas tamb6m cm territ6 . . mente cm temt6no brasilcuo por nos, colonizad no mdfge~:Territ6rio invadido e ocup~ 0~ territ6rio indfgena. b~~eiros, mas sem duvida alguma. nacionalidade:umacom uls6ria1os possue~, P