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Portuguese Pages [222] Year 2016
FILŌAGAMBEN
GIORGIO AGAMBEN O tempo que resta Um comentário à Carta aos Romanos TRADUÇÃO Davi Pessoa REVISÃO DA TRADUÇÃO Cláudio Oliveira
O tempo que resta
Oráculo do silêncio. Gritam-me de Seir: Sentinela, quanto resta da noite? Sentinela, quanto resta da noite? Isaías, 21, 11
Advertência As ideias discutidas neste livro foram elaboradas ao longo de alguns seminários: uma primeira vez, em forma breve, no Collège International de Philosophie de Paris, em outubro de 1998, depois no semestre invernal entre 1998-1999, na Universidade de Verona e, por fim, na Northwestern University (Evanston), em abril de 1999, e na Universidade da Califórnia (Berkeley) em outubro do mesmo ano. O livro aqui publicado é o fruto desse crescimento progressivo e deve necessariamente muito às conversas com os estudantes e docentes que assistiram aos seminários. Constante permaneceu, todas as vezes, a escolha da forma: o comentário, ad litteram e em todos os sentidos, das dez palavras do primeiro versículo da Carta aos Romanos. Na transcrição dos termos gregos em caracteres latinos, o acento – simplificado sempre em acento agudo – está assinalado apenas nos polissílabos (nos bissílabos somente quando cai sobre a última sílaba). O leitor poderá, de qualquer modo, encontrar no apêndice o texto grego com tradução interlinear das passagens analisadas no seminário e daquelas com eles imediatamente ligados. O texto grego é o da edição crítica obtida por Eberhard Nestle (Novum Testamentum graece et latine, organizado por Erwin Nestle e Kurt Aland, United Bible Societies, Londres, 1963). Para a tradução interlinear, usei, com numerosas modificações, aquela de A. Bigarelli (Nuovo Testamento, greco, latino, italiano, San Paolo, Cinisello Balsamo, 1998) e aquela, em francês, de M. Carrez (Nouveau Testament interlinéaire Grec/Français, Alliance Biblique universelle, Paris, 1993).
Primeira jornada Paulos doulos christoú Iēsoú
Este seminário se propõe, antes de tudo, restituir as Cartas de Paulo à sua condição de texto messiânico fundamental do Ocidente. Tarefa, à primeira vista, banal, porque ninguém ousaria negar seriamente o caráter messiânico das Cartas; e, no entanto, não óbvia pois uma prática hoje bimilenária de tradução e de comentário, que coincide com a história das Igrejas cristãs, apagou literalmente o messianismo – e o próprio termo “messias” – do texto paulino. Isso não significa que se deva necessariamente pensar em algo como uma estratégia consciente de neutralização do messianismo. Na Igreja como na Sinagoga agiram sem dúvida, em tempos e modos diversos, tendências antimessiânicas. Mas o problema é, aqui, mais essencial. Por razões que serão esclarecidas no decorrer do seminário, uma instituição messiânica – uma comunidade messiânica que deseja apresentar-se como instituição – encontra-se diante de uma tarefa paradoxal. Como observou uma vez ironicamente Jacob Bernays1 “ter o Messias às suas costas não é uma posição cômoda” (BERNAYS, 1996, p. 257) – mas tê-lo perenemente à sua frente pode resultar, no fim, igualmente incômodo. O que, em ambos os casos, está em questão é uma aporia que concerne à própria estrutura do tempo messiânico, a particular conjugação entre memória e esperança, passado e presente, plenitude e falta, origem e fim que ele implica. A possibilidade de compreender a mensagem paulina coincide integralmente com a experiência desse tempo e – sem ela – permanece letra morta. Restituir Paulo ao seu contexto messiânico significará, por isso, para nós, antes de tudo, tentar entender o sentido e a forma interna do tempo que ele define como ho nyn kairós, o “tempo de agora”.
Nesse sentido, pode-se dizer que houve uma espécie de solidariedade subterrânea entre a Igreja e a Sinagoga ao apresentar Paulo como o fundador de uma nova religião – qualidade que com toda evidência ele, que esperava em curto prazo o findar do tempo, jamais teria sonhado reivindicar. As razões dessa cumplicidade são perspícuas: tratava-se – tanto para uma quanto para outra – de apagar – ou, pelo menos, dissipar – o judaísmo de Paulo, isto é, de expungi-lo do seu contexto messiânico originário. É por esse motivo que existe há muito tempo uma literatura hebraica sobre Jesus, que o apresenta em termos benévolos – a nice guy, comentou jocosamente Jacob Taubes,2 ou Bruder Jesus, como diz o título de um livro de Ben-Chorin3 publicado em 1967. Mas é só recentemente que um sério reexame do contexto judaico de Paulo foi empreendido por estudiosos judeus. Ainda nos anos 1950, quando o livro de W. D. Davies,4 Paul and Rabbinic Judaism, chamava novamente com força a atenção para o caráter substancialmente judeu-messiânico da fé paulina, os estudos judaicos sobre a questão estavam ainda solidamente dominados pelo livro de Buber,5 Zwei Glaubensweisen. A tese desse livro – “extremamente dúbia, mas com a qual aprendi muito” (TAUBES, 1993, p. 27), à qual teremos oportunidade de voltar contrapõe a emunà hebraica, confiança objetiva e imediata na comunidade à qual se pertence, à pistis grega, o reconhecer subjetivamente como verdadeira uma fé à qual alguém se converte. A primeira é, para Buber, a fé de Jesus (Glauben Jesu), a segunda, a fé em Jesus (Glauben an Jesus), é naturalmente aquela de Paulo. Desde então as coisas, naturalmente, mudaram e, em Jerusalém como em Berlim e nos Estados Unidos, estudiosos judeus começaram a ler as cartas de Paulo em seu contexto específico, mesmo se, talvez, não ainda como aquilo que elas são, antes de tudo, ou seja, o mais antigo – e o mais exigente – tratado messiânico da tradição judaica.
Jacob Taubes in memoriam
Nessa perspectiva, o livro póstumo de Taubes, Die politische Theologie des Paulus (1993), assinala – apesar da cursividade e incompletude próprias de um seminário que durou apenas uma semana – um momento importante. Taubes – que pertencia a uma antiga família de rabinos asquenazes e tinha
trabalhado em Jerusalém com Scholem (cuja relação com Paulo é, como veremos, tão complicada quanto aquela que o ligava a Benjamin) – vê em Paulo um representante perfeito do messianismo. Nosso seminário, que, 11 anos depois do seu seminário em Heidelberg, se propõe a interpretar o tempo messiânico como paradigma do tempo histórico, não pode começar sem uma dedicatória in memoriam.
A língua de Paulo
As Cartas de Paulo estão escritas em grego. Mas de que grego se trata? Daquele grego neotestamentário, sobre o qual Nietzsche escreveu certa vez que Deus tinha dado prova de delicadeza, escolhendo servir-se de uma língua tão decadente? Não apenas os léxicos conceituais, mas também os dicionários e as gramáticas do grego neotestamentário tratam os textos que compõem o corpus canônico como se fossem perfeitamente homogêneos. Naturalmente isso não é verdade nem no plano do pensamento nem no da língua. O grego de Paulo não é absolutamente, como o de Mateus ou de Marcos, uma língua de tradução, por trás da qual um ouvido atento como aquele de Marcel Jousse6 poderia perceber o ritmo e a respiração do aramaico. O antinietzschianismo de Wilamowitz7 pelo menos uma vez, tem razão ao reivindicar o caráter de língua autoral do grego paulino: “O fato de que o seu grego não tenha nada a ver com a escola ou com algum modelo, mas, sim, que brote diretamente do seu coração de modo desajeitado e em um jorro impetuoso, e que, porém, seja grego e não aramaico traduzido (como os ditos de Jesus), tudo isso faz dele um clássico do helenismo” (WILAMOWITZ, 1907, p. 159). “Clássico do helenismo” é, todavia, uma definição particularmente infeliz. Uma anedota contada por Taubes é, a esse propósito, iluminadora. Um dia durante a guerra, em Zurique, ele passeava com Emil Staiger, o ilustre germanista que era também um ótimo helenista (o mesmo que teve uma interessante troca epistolar com Heidegger a propósito da interpretação de um verso de Mörike8). “Caminhávamos juntos ao longo da Rämistrasse, da Universidade ao lago, até o Belvedere, onde ele deveria voltar, enquanto eu seguiria em direção ao bairro judeu, na Enge; ele me disse: ‘Sabe, Taubes, ontem li as cartas do apóstolo Paulo’. Depois acrescentou com
profundo pesar: ‘Mas não é grego, é iídiche!’ Ao que lhe disse: ‘Certamente, professor, justamente por isso as entendo!’” (TAUBES, 1993, p. 22). Paulo pertence a uma comunidade judaica da diáspora que pensa e fala em grego (em judeu-grego) exatamente como os sefarditas falarão em ladino (ou judeu-espanhol) e os asquenazes, em iídiche. Uma comunidade que lê e cita a Bíblia na tradução dos Setenta, como faz Paulo todas as vezes que tem necessidade dela (mesmo se, às vezes, ele pareça dispor de uma versão correta sobre o original ou, como se diria hoje, personalizada). Não é aqui o lugar para se falar dessa comunidade judeu-grega, que – por razões às quais não é certamente estranha a circunstância de que Paulo fizesse parte dela – permaneceu singularmente à sombra na história do judaísmo. A partir ao menos da publicação do livro de Šestov9 (1938) – que Benjamin define como “admirável, mas absolutamente inútil” (BENJAMIN, 1966, p. 803) – a oposição entre Atenas e Jerusalém, cultura grega e judaísmo, tornou-se um lugar-comum, especialmente entre aqueles que não conhecem bem nem uma nem outra. Segundo esse lugar-comum, seria necessário desconfiar da comunidade à qual Paulo pertencia (que não produziu apenas Fílon10 e Flávio Josefo,11 mas muitas outras coisas que cedo ou tarde também precisaremos estudar), porque ela estava impregnada de cultura grega e lia a Bíblia na língua de Aristóteles e de Platão. Exatamente como se se dissesse: desconfiem dos Judeus-espanhóis porque leem Góngora e traduziram a Bíblia em ladino; e não confiem nos Judeus orientais, porque falam uma espécie de alemão. Não há nada mais puramente judaico do que habitar uma língua de exílio e trabalhá-la desde o seu interior até confundir a sua identidade e torná-la outra coisa que não uma língua gramatical: língua menor, gíria (como Kafka chamava o iídiche) ou língua poética (como nas Kharge judeu-andaluzes de Yehudah ha-Levi e Mosheh ibn Ezra encontradas na genizah da sinagoga do Cairo) – em todo caso, porém, língua materna, mesmo se, nas palavras de Rosenzweig ela testemunhe precisamente “o fato de que a vida linguística do judeu se sente sempre em terra estrangeira e que ele sabe que a sua verdadeira pátria linguística está alhures, no âmbito linguístico da língua santa, inacessível ao discurso cotidiano” (ROSENZWEIG, 1981, p. 323). (A carta de Scholem a Rosenzweig, em dezembro de 1926 – um dos raros textos em que o estudioso assume um tom diretamente profético para descrever a potência
religiosa da língua que se revolta contra aqueles que a falam –, é um dos documentos mais intensos dessa recusa do hebraico como língua de uso.) É nessa perspectiva que se deve olhar para a língua de Paulo e daquela da comunidade judeu-grega, que constitui, na diáspora judaica, um capítulo igualmente importante da cultura sefardita até o século XVIII e da cultura asquenaze nos séculos XIX e XX. E esse é o sentido tanto da observação de Staiger (“não é grego, é iídiche!”) quanto das ressalvas expressas por Norden, em seu belo livro sobre a Antike Kunstprosa, quando escreve que “o estilo de Paulo, globalmente considerado, não é helênico” (NORDEN, 1989, p. 509) e que, no entanto, ele não tem tampouco um matiz propriamente semítico. Nem grego nem hebraico, nem lašon hakodeš nem idioma profano – justamente isso torna a sua língua tão interessante (mesmo se não podemos ainda aqui colocar o problema de um estatuto messiânico da língua).
Méthodos
Queria ter lido e quase soletrado com vocês esse não-grego ao menos por todo o texto da Carta aos Romanos, compêndio testamentário por excelência do pensamento de Paulo, do seu evangelho. Mas não temos tempo para fazê-lo; por razões que não cabe discutir agora, deveremos apostar no tempo breve, naquela radical abreviação do tempo que é o tempo restante. A contração do tempo, o “remanescente” (1 Cor 7,29: “o tempo se contraiu; o resto é...”) é, para Paulo, a situação messiânica por excelência, o único tempo real. A minha escolha será, portanto, esta: leremos juntos apenas o primeiro versículo da Carta, que traduziremos e comentaremos palavra por palavra. Ficarei satisfeito se, no fim do seminário, tivermos compreendido verdadeiramente o que esse primeiro versículo quer dizer, literalmente e em todos os sentidos. É uma tarefa modesta, mas que supõe uma aposta preliminar, pois trataremos esse versículo como se ele recapitulasse, em suas dez palavras, a inteira mensagem do texto. Segundo os usos epistolares da época, Paulo começa as suas cartas por um preâmbulo, no qual se apresenta e nomeia os seus destinatários. Foi frequentemente notado que o prescrito12 da Carta aos Romanos se distingue dos outros por extensão e conteúdo doutrinal. A nossa hipótese é mais
extrema: ela supõe que cada palavra do incipit contraia em si, numa recapitulação vertiginosa (“recapitulação” é, como veremos, um termo essencial do vocabulário messiânico), todo o texto da carta, por isso compreender o seu incipit significará compreender todo o texto.
As dez palavras
PAULOS DOULOS CHRISTOU IESOU, KLETOS APOSTOLOS APHORISMENOS EIS EUAGGELION THEOU. A tradução latina de Jerônimo, que a Igreja católica usou por séculos, diz: Paulus servus Jesu Christi, vocatus apostolus, segregatus in evangelium Dei. Uma tradução literal do tipo corrente: “Paulo servo de Jesus messias, chamado apóstolo, separado pelo evangelho de Deus”. Uma observação filológica preliminar. Nós lemos o texto paulino em edições modernas (no nosso caso, a edição crítica de Nestle-Aland: trata-se de uma revisão, concluída em 1962, da edição publicada por Eberhard Nestle, em 1898, que, abandonando o Textus receptus erasmiano,13 se baseava numa comparação das edições de Tischendorf, de 1869, e de Westcott-Hort, de 1881). Em relação à tradição manuscrita, essas edições introduzem necessariamente convenções gráficas modernas, por exemplo de pontuação, que pressupõem, às vezes, escolhas semânticas. Assim, no nosso versículo, a vírgula após Iēsou implica uma escansão sintática que, separando doulos de klōtós, refere este último a apóstolos (“Servo de Jesus Cristo, apóstolo por vocação”). Nada impede, porém, de optar por uma escansão diferente, e ler Paulos doulos christoú Iēsoú klētós, apóstolos aphōrisménos eis euaggélion theoú (“Paulo, chamado como escravo de Jesus messias, separado como apóstolo para o anúncio de Deus”), leitura que estaria mais de acordo, além do mais, com a afirmação explícita de Paulo (1 Cor 15,9): ouk eimi hikanós kaleísthai apóstolos (“não sou digno de ser chamado apóstolo”). Mesmo sem tomar por ora partido por uma das duas escansões, é bom não esquecer que o versículo, do ponto de vista sintático, apresenta-se como um único sintagma nominal, absolutamente paratático, proferido num único fôlego segundo a cadeia crescente servidão, vocação, envio, separação.
Paulos
Poupo-os das intermináveis discussões sobre o nome Paulos, se, como nome romano, deve ser considerado como praenomen ou cognomen ou, talvez, como um signum ou um supernomen (isto é, um apelido), e sobre as razões pelas quais “o jovem judeu que trazia o soberbo nome bíblicopalestino de Sha’ul, que sublinhava a origem da família da tribo de Benjamin, tinha recebido esse apelido latino tão insólito” (HENGEL, 1992, p. 47). E por que Paulo nunca dá o seu nome completo que, segundo uma conjectura sem nenhum fundamento, teria sido Caius Julius Paulus? E que relações existem entre o seu nome romano e o hebraico, Sha’ul (que, na versão dos Setenta, se escreve Saoul ou Saoulos, e não Saulos)? Esses e outros problemas derivam de uma passagem dos Atos (13,9), em que se lê: Saulos ho kai Paulos (ho kai é o equivalente grego do latino qui et, que significa “que se chama também” e introduz em geral um apelido). A minha escolha metodológica (que é também uma precaução filológica mínima), nesse caso como, de forma mais geral, para toda a interpretação do texto paulino, é a de não levar em conta as fontes a ele posteriores, compreendidos os outros textos neotestamentários. Paulo, nas suas cartas, chama a si mesmo sempre e somente de Paulos. Eis tudo, não há nada a acrescentar. Se quiserem saber mais sobre isso, remeto-os ao velho estudo de Hermann Dessau14 (1910) ou àquele mais recente – mas em nada mais perspicaz – de Gustave Adolphus Harrer15 (1940); mas muitas das coisas que vocês encontrarão ali, como todas as especulações sobre a profissão de Paulo, sobre seus estudos junto a Gamaliel,16 etc., são simplesmente fofocas. Não que a fofoca não possa ser interessante; ao contrário, pela relação não trivial que ela entretém com a verdade, que elude o problema da verificação e da falsificação e pretende ser mais íntima a ela do que a adequação factual, a fofoca é certamente uma forma de arte. A particularidade do seu estatuto epistemológico é que ela prevê a possibilidade de um erro, que não prejulga, porém, totalmente, a definição da verdade, por isso uma fofoca inteligente nos interessa independentemente da sua verificabilidade. Mas tratar a fofoca como uma informação é, na verdade, uma apaideusía imperdoável.
Sobre o bom uso da fofoca
Que não seja lícito retirar imediatamente de um texto informações sobre a realidade anagráfica do autor ou dos personagens, não significa que não seja possível extrair dele, por outro lado, pistas úteis para uma melhor compreensão do próprio texto ou da função que o autor ou os personagens, ou os seus nomes, desenvolvem no seu interior – isto é, que não seja possível um bom uso da fofoca. Nesse sentido, a reviravolta repentina com a qual o autor dos Atos muda o nome do personagem que havia chamado até então de Saulos para Paulos não pode não ser significativa. Nos textos literários, ocorre, às vezes, que até mesmo o autor mude a sua identidade no curso da narração – que, por exemplo, o suposto autor de Roman de la rose, Guillaume de Lorris, ceda o lugar para um não tão conhecido Jean de Meun,17 ou que Miguel de Cervantes declare, a um certo ponto, que o verdadeiro autor do romance que está escrevendo não é ele, mas um tal Cid Hamet Ben-Engeli (e, nesse caso, pode-se descobrir depois que Ben-Engeli é a transcrição de uma palavra árabe que significa “filho de cervo”, com uma provável alusão irônica ao nascimento pouco claro do autor em relação às leis sobre a limpieza de sangre, que discriminavam quem tinha ascendências hebraicas ou mouras). Em âmbito hebraico, o arquétipo da metonomásia, ou seja, da mudança do nome de um personagem, está em Gn 17,5, em que o próprio Deus intervém para mudar os nomes de Abraão e de Sara, acrescentando a ambos uma letra. A esse problema Fílon dedica todo um tratado, o De mutatione nominum, no qual comenta longamente o episódio de Abraão e de Sara (ao mesmo problema também foram dedicadas duas de suas Quaestiones et solutiones in Genesin). Contra aqueles que ridicularizavam o fato de que Deus se incomode por ter dado de presente a Abraão apenas uma letra, Fílon faz notar que essa adição ínfima muda, na realidade, o sentido do nome inteiro – e, com este, toda a pessoa de Abraão. E, a propósito do acréscimo de um rho ao nome Sara, ele escreve: “O que parece ser o simples acréscimo de uma letra produz, na realidade, uma nova harmonia. Em vez do pequeno, ele produz o grande; em vez do particular, o universal; em vez do mortal, o imortal” (FÍLON, p. 124-125).
Que esse tratado não seja nem mesmo mencionado na literatura recente sobre o nome do apóstolo (embora fosse citado tanto no comentário de Orígenes quanto no de Erasmo) é um bom exemplo daquela que Giorgio Pasquali18 costumava chamar de coniunctivitis professoria (theologicoprofessoria, no nosso caso). Também Saulos, mudando uma única letra do seu nome, isto é, substituindo sigma por pi, podia ter em mente, segundo o autor dos Atos – bom conhecedor do judaísmo helenizante – uma “nova harmonia” análoga. Saulos é, de fato, um nome régio, e o homem que o portava superava qualquer outro israelita não só pela sua beleza, mas também pela sua grandeza (1 Sm 9,2; no Alcorão, Saul é dito, por isso, Talut, o grande). A substituição do sigma pelo pi significa, então, nada menos que a passagem do real ao ínfimo, da grandeza à pequeneza – paulus, em latim, significa “pequeno, de pouco valor” e em 1 Cor 15,9 Paulo se define “o menor [eláchistos] dos apóstolos”. Paulo é, portanto, o apelido, o signum messiânico (signum significa o mesmo que supernomen) que o apóstolo se dá no momento em que assume plenamente a vocação messiânica. A fórmula ho kai não deixa dúvidas sobre o fato de que se trata de um apelido e não de um cognomen – e é inacreditável que, depois dos estudos de Lambertz19 sobre os apelidos no Império Romano, se possa ainda sustentar o contrário. Segundo um uso que desde o Egito se difunde em toda a Ásia menor, ho kai introduz, de regra, um apelido. Entre os exemplos registrados por Lambertz figura também um ho kai Paulos, que o estudioso considera como construído sobre o nome do apóstolo, mas que provavelmente não faz senão repetir seu gesto implícito de humildade (LAMBERTZ, 1914, p. 152). Os estudiosos de onomástica notaram há muito tempo que, quando o sistema trinominal romano começa aos poucos a ceder o lugar ao sistema uninominal moderno, muitos dos novos nomes não são senão apelidos – frequentemente diminutivos ou pejorativos que, por efeito da reivindicação cristã da humildade criatural, são agora assumidos como nomes próprios. Possuímos listas de tais apelidos, nos quais a passagem da onomástica nobre latina ao novo quasenome cristão está documentada in flagranti: Januarius qui et Asellus [burrinho] Lucius qui et Porcellus [leitão] Ildebrandus qui et Pecora [ovelha] Manlius qui et Longus [alto]
Aemilia Maura qui et Minima... [mínima]
Saulos qui et Paulos contém, portanto, uma profecia onomástica que viria a ter uma longa descendência. A metonomásia realiza o intransigente princípio messiânico, firmemente enunciado pelo apóstolo, segundo o qual, nos dias do messias, as coisas fracas e de pouca importância – que, por assim dizer, não existem – prevalecem sobre aquelas que o mundo considera fortes e importantes (1 Cor 1,27: “Deus escolheu... as coisas fracas do mundo para confundir as fortes... as coisas que não são para tornar inoperosas aquelas que são”). O messiânico separa o nome próprio do seu portador, que de agora em diante pode ter somente um nome impróprio, um apelido. Depois de Paulo, todos os nossos nomes não são senão signa, apelidos. Uma confirmação desse significado messiânico da metonomásia se pode encontrar também no versículo que estamos comentando. Aqui o nome Paulo está imediatamente encostado na palavra doulos, “escravo”. Os escravos, no mundo clássico, como não tinham personalidade jurídica, não tinham tampouco um verdadeiro nome, mas podiam ser nomeados pelo senhor segundo o seu capricho. Frequentemente eles recebiam um novo nome no momento da aquisição (LAMBERTZ, 1906-1908, p. 19). Platão (Crátilo, 384d) alude a esse costume escrevendo que “nós mudamos os nomes dos nossos escravos, sem que o nome substituto seja menos justo que o precedente”, e Filóstrato conta que Herodes Ático tinha dado aos seus escravos o nome das 24 letras do alfabeto, de modo que seu filho pudesse se exercitar chamando-os. Entre esses não nomes, mas meros signa de escravos, encontramos frequentemente, além dos nomes que indicam a procedência geográfica, apelidos que descrevem qualidades físicas, do tipo miccos, micros, micrine (pequeno, pequeninha) ou do tipo longus, longinus, megellos (alto, gordo). No momento em que o chamamento o transformou, de homem livre, em “escravo do messias”, o apóstolo deve, como um escravo, perder o seu nome – seja ele qual for, romano ou hebraico – e ser chamado com um simples apelido. Isso não escapou à sensibilidade de Agostinho, que – contra a sugestão desviante de Jerônimo, repetida pelos modernos, segundo a qual o nome Paulo derivaria daquele do procônsul20 por ele convertido – sabe perfeitamente que Paulo significa simplesmente
“pequeno” (Paulum... minimum est: In Sl 72,4). E como fofoca isso pode ser suficiente. A precaução metodológica que consiste em ignorar tudo aquilo que é posterior a um determinado texto não é verdadeiramente observável. Pode-se comparar a mente de um leitor culto a um dicionário histórico que contém todas as acepções de um termo, desde a sua primeira aparição até o presente. Um ser histórico (como é, por definição, a linguagem) encerra sempre em si mesmo monadicamente toda a sua história (como diz Benjamin, a sua pré e pós-história). Pode-se procurar, portanto – como faremos aqui com o máximo escrúpulo possível –, não levar em conta as acepções de um termo posteriores a certa data; mas manter perfeitamente distintos os momentos sucessivos da história semântica de uma palavra não é sempre fácil, sobretudo quando, como ocorre no texto paulino, essa história coincide com a da cultura ocidental em seu conjunto, com as suas cesuras decisivas e com as suas continuidades. Mas se a interpretação do Novo Testamento é inseparável da história da sua tradição e das suas traduções, a precaução é, por isso, tanto mais necessária. Muito frequentemente, de fato, um significado posterior, resultado de discussões teológicas seculares, é incluído nos léxicos e projetado acriticamente sobre o texto. Um léxico técnico paulino (e não do Novo Testamento em seu conjunto) permanece uma tarefa necessária; o nosso seminário desejaria ser considerado como uma primeira, parcial contribuição nessa direção. A precaução não implica nenhum juízo quanto ao valor histórico de um texto como os Atos, que foi objeto de muitos debates. Ela vale no sentido que vimos, isto é, como cautela geral de ordem filológica e conceitual. Discernir, no texto de Lucas, o que tem valor histórico e o que é construção hagiográfica (se, por exemplo, “as línguas repartidas como que de fogo”, de que se fala em 2,2 são ou não um acontecimento histórico) é, sem dúvida, uma tarefa que está para além das nossas forças.
Doulos
A importância do termo doulos, “servo, escravo”, em Paulo, é atestada pela sua frequência: 47 vezes – mais de um terço das 127 ocorrências no Novo Testamento. E é como escravo, muito mais do que como apóstolo, que ele escolhe aqui (como também em Fl 1,1 e em Tm 1,1) apresentar-se aos Romanos. Mas o que significa ser “escravo do messias”? Ao traçar a história semântica do termo, os léxicos neotestamentários costumam contrapor o sentido prevalentemente jurídico que doulos tem no mundo clássico, onde designa tecnicamente o servo enquanto submetido ao poder do dominus-despótēs (se queriam destacar a relação genérica de pertencimento do escravo ao oikos do senhor, os Gregos se serviam do termo oikétēs), à conotação tipicamente religiosa que o correspondente hebraico ´ebed – como também o árabe ´abd – podem adquirir no mundo semita. A contraposição não é útil para compreender o uso técnico paulino,
que indica uma condição jurídica profana e, ao mesmo tempo, a transformação que ela sofre através da relação com o evento messiânico. A acepção jurídica do termo é evidente naquelas passagens (como 1 Cor 12,13: “em um só espírito fomos mergulhados para um só corpo, tanto Judeus quanto Gregos, tanto escravos quanto livres”; cf. também Gl 3,28 e Cl 3,11) em que doulos é contraposto a eleútheros (livre) e segue à antítese Judeus/Gregos. Aqui Paulo evoca ao mesmo tempo as duas divisões fundamentais das pessoas, primeiro, segundo a lei judaica (Judeus-gojim, reforçada em Gl 3,28 na forma “circuncisão-prepúcio”) e, depois, segundo o direito romano. No livro I do Digesto, na rubrica de statu hominum, lê-se de fato que summa... de iure personarum diviso haec est, quod omnes aut liberi sunt aut servi, “a divisão suprema do direito das pessoas é que todos são ou livres ou escravos”. Doulos adquire, em Paulo, um significado técnico (como em “escravo do messias”, ou na quase gíria hypér doulon, “superescravo, ultraescravo” em Fm 16),21 porque ele se serve do termo para exprimir a neutralização que as divisões nomísticas22 – e, de forma mais geral, todas as condições jurídicas e sociais – sofrem por efeito do evento messiânico. A passagem decisiva para compreender esse uso do termo está em 1 Cor 7,20-23: “Cada um permaneça no chamamento em que foi chamado. Foste chamado de escravo? Não te preocupes com isso. Mas se tu podes também tornar-te livre, de preferência, faz uso disso. Quem foi chamado como escravo no senhor é um liberto do senhor. Do mesmo modo, quem foi chamado de livre é escravo do messias”. Como deveremos comentar demoradamente essa passagem para a interpretação dos termos klētós e klēsis, adiamos para tal momento todas as análises posteriores. Só podemos antecipar que o sintagma “escravo do messias” define, para Paulo, a nova condição messiânica, princípio de uma particular transformação de todas as condições jurídicas (que não são, por isso, simplesmente abolidas). Observamos, além disso, que a comparação com 1 Cor 7,22 – com a forte relação que a passagem estabelece entre o grupo do verbo kaléō, “chamo”, e o termo doulos – sugere uma escansão diferente do nosso incipit: “Paulo, chamado (como) servo do messias Jesus, apóstolo separado para a boa nova de Deus”. Klētós, “chamado”, que está exatamente no centro das dez palavras que compõem o versículo, constitui para este uma espécie de eixo conceitual, que pode ser voltado tanto em direção à primeira metade (aquele
que era livre se torna agora escravo do messias) quanto em direção à segunda (aquele que não era digno de ser chamado apóstolo é separado como tal). Em todo caso, o chamado messiânico é evento central na história individual de Paulo, como naquela da humanidade.
Talmude e Corpus iuris Os estudos sobre a relação entre direito romano e lei hebraica e sobre a posição de Paulo em relação a ambos, ainda amplamente insuficientes, se anunciam particularmente promissores (sobre a relação de Jesus com a lei hebraica e romana, há sugestões interessantes nos livros de Alan Watson, particularmente em Jesus and the Law, e Ancient Law and Modern Understanding; pouco útil é, ao contrário, o livro de Boaz Cohen, Jewish and Roman Law; sobre a relação entre Paulo e a lei hebraica, o livro de Peter Tomson, Paul and the Jewish Law, mostra bem a atual inversão de tendência entre os estudiosos, empenhados agora em reencontrar a todo custo – naturalmente não sem boas razões – a Halacha no texto paulino). Justamente aqui, no entanto, a contraposição seca entre mundo clássico e judaísmo revela a sua inadequação. Mishnah e Talmude parecem, à primeira vista, na sua estrutura formal, não se assemelhar absolutamente a nada em toda a cultura ocidental; mas o leitor conhecedor de história do direito percebe imediatamente que há nesta, ao contrário, uma obra fundamental, que se assemelha àquelas compilações hebraicas a ponto de lhes ser, formalmente, quase indiscernível. Trata-se do Digesto, o livro do Corpus iuris em que Justiniano recolheu os pareceres dos grandes jurisconsultos romanos. Nele, as opiniões dos juristas de idades diversas, sobre várias questões, são expostas uma após a outra, frequentemente em debate vivaz, exatamente do mesmo modo como a Mishnah e o Talmude elencam os pareceres dos rabinos da casa de Shammai e daqueles da casa de Hillel. Na passagem seguinte, bastará substituir os nomes romanos pelos nomes hebraicos para verificar, para além de qualquer dúvida, essa analogia formal: “Ulpiano, livro XX, a Sabino: Se alguém deixa como legado provisões alimentares, vejamos o que está compreendido no legado. Quinto Múcio, no livro II da Lei civil, diz que tudo o que se pode beber ou comer está contido no legado. Sabino escreve a mesma coisa em seus livros a Vitélio: tudo o que se encontra na casa para o uso do chefe de família, da mulher ou dos filhos, e tudo o que se encontra nas vizinhanças, por exemplo, os jumentos para o uso do dono da casa. Mas Aristão observa que estão também incluídas no legado as coisas que não são para beber ou para comer, por exemplo, as coisas que costumamos usar para comer os alimentos, como o azeite, o molho do peixe, o mel e coisas do gênero. Labeão, porém, afirma, no livro IX das suas obras póstumas, que se são legadas coisas para comer, nenhuma dessas coisas está compreendida no legado, porque nós não comemos tais coisas, mas as outras coisas por meio delas. No caso do mel, Trebácio sustenta o contrário, porque costumamos comer o mel. Mas Próculo, com razão, escreve que todas essas coisas estão contidas no legado, a menos que a intenção do testador não seja a de excluí-las. Ele legou como coisas para comer apenas as coisas que estamos habituados a comer, ou também aquelas com as quais costumamos comê-las? Estas deveriam ser consideradas como incluídas, a menos que a intenção do chefe de família não pareça diferente. Certamente o mel se inclui entre as provisões e tampouco Labeão nega que também os peixes, juntamente com seu molho...” (Dig. XXXIII, IX). A analogia é tanto mais notável pelo fato de que o Corpus iuris civilis e o Talmude são contemporâneos (ambos remontam a meados do século VI d.C.).
Christoú Iēsoú
Caso se leia uma versão corrente de nosso versículo, não se pode não notar que, já a partir da Vulgata, alguns termos gregos não são traduzidos, mas substituídos por um decalque: apóstolo para apóstolos, evangelho para euaggélion e, em primeiro lugar, Cristo para Christós. Cada leitura e cada nova tradução do texto paulino deve começar pela advertência de que christós não é um nome próprio, mas é, já nos Setenta, a tradução grega do termo hebraico mašiah, que significa “o ungido”, isto é, o messias. Paulo não conhece Jesus Cristo, mas Jesus messias ou o messias Jesus, como escreve indiferentemente. Do mesmo modo, ele não usa jamais o termo christianós, mas, se o tivesse conhecido (como parece implicar em At 11,26), este não poderia ter significado para ele outra coisa senão “messiânico”, antes de tudo no sentido de seguidor do messias. Essa advertência é óbvia, pois não pode ser seriamente contestada por ninguém, mas não é, todavia, trivial, porque um hábito milenar, deixando não traduzida a palavra christós, terminou por fazer desaparecer o termo “messias” do texto paulino. O euaggélion tou christoú de Rm 15,19 é a boa nova da vinda do messias e a fórmula Iēsoús estin ho christós, que em Jo 20,31 e em At 9,22 exprime a fé messiânica das comunidades às quais Paulo se voltava, simplesmente não faria sentido se christós fosse um nome próprio. É absurdo falar, como fazem os teólogos modernos, de uma “consciência messiânica” de Jesus e dos apóstolos, se depois se cria a hipótese de que eles entendessem christós como um nome próprio. A cristologia em Paulo – admitido que se possa falar, em Paulo, de uma cristologia – coincide integralmente com a doutrina do messias. Traduziremos, por isso, sempre christós por “messias” e se, consequentemente, o termo “Cristo” não aparecerá jamais na nossa versão, isso não implica nenhuma intenção polêmica nem uma leitura judaizante do texto paulino, mas só um escrúpulo filológico elementar, que todo tradutor – mais ou menos munido de imprimatur – deveria observar.
Nomes próprios
A afirmação que se encontra não raramente nos comentários modernos, segundo a qual o sintagma Christós Iēsoús (ou Iēsoús Christós) constituiria um único nome próprio, não tem, obviamente, nenhuma base filológica. A distinção entre Christós (com maiúscula) e christós como apelativo foi introduzida pelos editores modernos. Os manuscritos mais antigos não apenas não distinguem entre maiúsculas e minúsculas, mas escrevem christós – como os outros nomina sacra: theós, kýrios, pneuma, Iēsoús, etc. – mediante abreviações (cuja origem remete, segundo Traube, à proibição hebraica de pronunciar o tetragrama). No prefácio da edição Nestle-Aland, lê-se ao invés “christós será escrito com minúscula, onde ele é ‘designação oficial’ [Amstbezeichnung] do messias (por exemplo, Mt 16,16), ao contrário, com maiúscula, quando evidentemente se tornou um nome próprio (por exemplo, Gl 3,24-29)”: todo o problema, nessa maior ou menor consciente transgressão das mais elementares cautelas filológicas, é, obviamente, aquele do “quando” dessa evidência. Certamente ela não era tal nem para os evangelistas, que sabem perfeitamente o que significa o termo christós (“encontramos o messias, que significa christós”, Jo 1,41), nem para os primeiros padres, de Orígenes (tēn christós prosegorían, Jo, 1,191) a Justino (que de outra maneira não faria o judeu Trifônio dizer: “todos nós esperamos o cristo”).23 Igualmente desprovida de valor é, no texto paulino, a distinção entre ho christós com o artigo e christós sem artigo: de modo completamente análogo, Paulo escreve, às vezes, nomos com artigo e, outras vezes, sem, mas isso não implica que nomos tenha se tornado para ele um nome próprio. Ao contrário, uma análise formal do texto paulino mostra que christós não pode ser senão um apelativo, a partir do momento em que o apóstolo jamais escreve kýrios christós (unindo dois apelativos com conotações diferentes), mas sempre kýrios Iēsoús christós, kýrios Iēsoús, christós Iēsoús kýrios emōn (COPPENS, 1968, p. 133). Em geral, nunca deveríamos esquecer que não está em poder de nenhum autor fazer um nome próprio se tornar um termo de uso corrente no contexto linguístico em que ele vive, muito menos se se trata de um conceito fundamental como era, para um judeu, o de messias. O problema de distinguir, no texto paulino, as passagens nas quais o termo mantém seu significado “veterotestamentário” é, portanto, do início ao fim um pseudoproblema: não somente Paulo não podia, obviamente, opor um Velho e um Novo Testamento como nós
fazemos, isto é, como dois conjuntos textuais, mas a kainē diathēkē de que ele fala é ela mesma uma citação “veterotestamentária” (Jr 31,31), que significa precisamente o cumprimento messiânico da Torá (a palaiá diathēkē “é tornada inoperosa no messias”: 2 Cor 3,14). Quando encontramos escrito, em um comentário moderno da Carta aos Romanos: “Aqui lemos, primeiro, Cristo Jesus, depois, Jesus Cristo. As duas formas constituem um único nome próprio, no qual o sentido apelativo de Messias tende a desaparecer” (HUBY, 1957, p. 38-39), nós podemos, portanto, não levar em conta tal afirmação. Ela não faz senão projetar sobre o texto paulino o nosso esquecimento do significado original do termo christós – que não é, obviamente, um incidente, mas um dos resultados secundários do trabalho admirável de construção daquela parte da teologia cristã que os modernos chamam de cristologia. O nosso seminário não se propõe enfrentar o problema cristológico, mas, mais modesta e mais filosoficamente, compreender o significado da palavra christós, ou seja, “messias”. O que significa viver no messias, o que é a vida messiânica? E qual é a estrutura do tempo messiânico? Essas perguntas, que são as perguntas de Paulo, devem ser também as nossas.
1
Jacob Bernays (1824-1881), filólogo alemão. (N.T.)
2
Jacob Taubes (1923-1987), filósofo rabino e sociólogo da religião. Foi professor de estudos judaicos e hermenêutica, na Universidade Livre de Berlim. (N.T.) 3
Schalom Ben-Chorin (1913-1999), jornalista e teólogo alemão; autor de Paulus: Der Völkerapostel in jüdischer Sicht (Munique, 1970). (N.T.) 4
William David Davies (1911-2001), teólogo galês. (N.T.)
5
Martin Buber (1878-1965), filósofo e pedagogo austríaco de origem judaica. Autor de Zwei Glaubensweisen, publicado em 1950, em Zurique. (N.T.) 6
Marcel Jousse (1886-1961), jesuíta e antropólogo francês. (N.T.)
7
Ulrich von Wilamowitz-Moellendorff (1848-1931), filólogo e helenista alemão; em 1872, criou um fervoroso debate publicando um panfleto (Zukunftsphilologie, “A filologia do futuro”) contra as teses de Nietzsche, em O nascimento da tragédia. (N.T.) 8
Eduard Mörike (1804-1875), poeta romântico alemão, autor de Der Bauer und sein Sohn (1839). (N.T.)
9
Lev Isaakovič Šestov (1866-1938), filósofo russo de origem judaica. (N.T.)
10
Fílon de Alexandria (20 a.C.-45 d.C.), filósofo judeu-helenista, também conhecido como Fílon “o Judeu”. (N.T.) 11
Flávio Josefo (37/38 d.C.-100, d.C.), historiador, apologista e militar romano. (N.T.)
12
Em latim, prescriptio: o que vem escrito antes, ou seja, o prescrito de uma carta é sua abertura. (N.T.) 13
A primeira publicação do Novo Testamento Grego foi realizada por Erasmo de Rotterdam, em 1516. (N.T.) 14
Hermann Dessau (1856-1931), historiador da antiguidade alemão. (N.T.)
15
Gustave Adolphus Harrer (1886-1943) foi professor de literaturas e línguas clássicas na Universidade de Princeton. (N.T.) 16
Gamaliel, o Ancião, ou rabino Gamaliel (século I a.C-cerca 50 d.C.), neto do grande educador judeu Hillel, o Ancião. (N.T.) 17
Jean de Meun (1240-1305), poeta francês do século XIII que ficou muito conhecido por ter dado continuação ao célebre Roman de la Rose, deixado inacabado pelo poeta francês Guillaume de Loriss (1200-1238). (N.T.) 18
Giorgio Pasquali (1885-1952), filólogo clássico italiano. (N.T.)
19
Maximiliam Lambertz (1882-1963), estudioso austríaco, muito conhecido pelos seus estudos sobre a Albânia. (N.T.) 20
Funcionário da antiga Roma encarregado do governo de uma província. (N.T.)
21
Na edição original, Agamben põe a sigla Fil, isto é, referente a Filipenses, mas se trata de um deslize. A referência correta é a Filemon (Fm 1,16), em que lemos: “Não já como servo, antes, mais do que servo, ou seja, ‘superescravo’”. (N.T.) 22 23
Referente ao nomos, à lei. (N.T.)
Referência ao Diálogo com Trifão, de Justino. A tradução de Ivo Storniolo e de Euclides M. Balancin foi publicada pela editora Paulus, em 1995, na coleção “Patrística”. (N.T.)
Segunda jornada Klētós
O termo klētós, do verbo kaléō, chamar, significa “chamado” (vocatus, traduz Jerônimo). Ele figura também no prescrito da primeira Carta aos Coríntios; nas outras cartas se encontra frequentemente a fórmula: “apóstolo por vontade de Deus”. É necessário nos determos nesse termo, porque em Paulo a família de kaléō adquire um significado técnico essencial para a definição da vida messiânica, particularmente na forma do deverbal klēsis, “vocação, chamado”. A passagem decisiva está em 1 Cor 7,17-22: Para o resto, a cada um como o senhor deu como sorte, cada um como Deus chamou, assim caminhe. Desse modo disponho em todas as comunidades [ekklēsíais, também uma palavra da família de kaléō]. Um foi chamado circunciso? Que não se retire o prepúcio. Um foi chamado com o prepúcio? Que não se faça circuncidar! A circuncisão é nada e o prepúcio é nada... Cada um permaneça no chamamento no qual foi chamado. Foste chamado de escravo? Não te preocupes com isso. Mas se também podes tornar-te livre, de preferência faça uso. Quem foi chamado de escravo no senhor é um liberto do senhor. Do mesmo modo, quem foi chamado de livre é escravo do messias.
Beruf
O que significa aqui klēsis? O que significa a frase “Cada um permaneça no chamamento em que foi chamado” (en tē klēsei he eklḗthē)? Antes de responder a tais perguntas, será necessário nos confrontar com a função estratégica que o termo klēsis – ou, melhor, a sua tradução alemã por Beruf – desempenha em uma obra decisiva nas ciências sociais de nosso século: A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber (1904). Vocês conhecem a tese de Weber: o que ele chama de “espírito do capitalismo” – isto é, a mentalidade que faz do próprio lucro um bem, independentemente das suas motivações hedonistas ou utilitárias – teria origem na ascese profissional calvinista e puritana, emancipada de seu fundamento religioso.
Isso significa, em outras palavras, que o espírito capitalista é uma secularização da ética puritana da profissão. Mas esta – e aqui está o ponto que nos interessa – se constrói, por sua vez, justamente a partir da passagem paulina sobre a klēsis que acabamos de ler, transformando a vocação messiânica que nela está em questão no conceito moderno de Beruf, ao mesmo tempo vocação e profissão mundana. Um momento decisivo, nesse processo de secularização da klēsis messiânica, é, de fato, a tradução luterana de klēsis por Beruf, em várias passagens das cartas e depois, particularmente, em nosso trecho de 1 Cor 7,17-22. É através da versão luterana que um termo, que significa originalmente apenas a vocação que Deus ou o messias endereçam a um homem, adquire, de fato, o significado moderno de “profissão”, que pouco depois calvinistas e puritanos investirão de um sentido ético inteiramente novo. Segundo Weber o texto paulino não contém nenhuma avaliação positiva das profissões mundanas, mas somente uma atitude de “indiferença escatológica” em consequência das expectativas de um fim iminente próprias das primeiras comunidades cristãs: “assim como tudo aguarda a vinda do Senhor, cada um pode ficar na classe e na ocupação mundana em que encontrou o ‘chamado’ do Senhor e trabalhar como antes” (WEBER, 1920, p. 71). Lutero, que, em um primeiro momento, compartilha a indiferença escatológica de Paulo, a partir de certo momento – também em consequência da experiência das revoltas camponesas –, orienta-se progressivamente em direção a uma nova avaliação da importância da profissão concreta do indivíduo enquanto mandamento, que Deus lhe endereça, para cumprir as obrigações da posição mundana que a providência lhe atribuiu: “o indivíduo deve fundamentalmente permanecer na profissão e no estado em que Deus o colocou, e manter seus esforços terrenos nos limites da posição que lhe foi dada em vida” (ibid., p. 73). É nesse contexto que Weber se ocupa do problema do significado exato do termo klēsis no texto paulino, ao qual dedica, além do mais, uma longa nota: “Em primeiro lugar”, ele escreve, “Lutero traduz a klēsis paulina no sentido do chamado à saúde eterna por parte de Deus: por exemplo, em 1 Cor 1,26; em Ef 1,18; 4,1; 4,4; em 2 Ts 1,11; em Hb 3,1; em 2 Pe 1,10. Em todos esses casos, trata-se do conceito puramente religioso de um chamado ocorrido por obra de Deus, por meio do evangelho anunciado pelos
apóstolos, e o conceito de klēsis não tem o mínimo elemento em comum com as “profissões” mundanas no seu sentido atual” (WEBER, 1920, p. 63). Segundo Weber, a ponte entre a acepção “puramente” religiosa do termo “chamado” e o termo moderno Beruf é constituída precisamente a partir da nossa passagem em 1 Cor 7. Será conveniente citar por extenso as considerações de Weber, que revelam uma dificuldade que ele não consegue resolver: A ponte entre aquelas duas acepções, aparentemente tão heterogêneas, da palavra Beruf em Lutero é lançada pela passagem da primeira carta aos Coríntios e pela sua tradução. Em Lutero (nas edições modernas correntes), todo o contexto em que se encontra tal passagem soa assim: “que cada um proceda assim como o chamou o Senhor... Se alguém é circunciso no momento do chamado, não se permita fazer crescer o prepúcio; se alguém tem o prepúcio no momento do chamado, não se faça circuncidar. A circuncisão não é nada e o prepúcio não é nada; aquilo que conta é ater-se ao mandamento do senhor. Cada um permaneça na profissão em que foi chamado (en tē klēse he eklḗthē – sem dúvida, de acordo com A. Merx,24 um hebraísmo: na Vulgata, é traduzido por in qua vocatione vocatus est). Se és servo no momento do chamado, não te preocupes com isso...” No versículo 20, Lutero, seguindo as versões alemãs mais antigas, tinha traduzido, ainda em 1523, na sua exegese desse capítulo, klēsis por Ruf, interpretando-a, então, como “estado”. Com efeito, é evidente que a palavra klēsis corresponde muito, nessa passagem – e só nessa –, ao latino status e ao nosso “estado” [Stand] (estado matrimonial, estado civil, etc.); mas certamente não – como supõe L. Brentano25 – no sentido de “profissão” no significado moderno. (ibid., p. 64)
O que significa o fato de que o termo klēsis teria e não teria aqui o significado hodierno de Beruf? É correto interpretar, como faz Weber, a concepção paulina do chamado como expressão de uma “indiferença escatológica” em relação às condições mundanas? E de que modo se realiza, no trecho em questão, a passagem do significado de vocação religiosa àquele de profissão? O ponto decisivo está evidentemente no v. 20, naquele en tē klēse he eklḗthē que Weber, aceitando uma sugestão de Merx, interpreta como um hebraísmo. Na verdade, a hipótese não tem nenhuma necessidade filológica e reflete muito mais uma dificuldade de compreensão puramente semântica. Do ponto de vista sintático-gramatical, a frase é, de fato, perspícua, e Jerônimo a traduz sem dificuldade por in qua vocatione vocatus est. De modo ainda mais literal, ele poderia ter escrito: in vocatione qua vocatus est, “na vocação tal qual foi chamado”. O pronome anafórico grego he (lat. qua) exprime perfeitamente o sentido da fórmula, seu peculiar movimento tautegórico,26 que vem do chamado e retorna a ele. Segundo o
sentido próprio de toda anáfora, he indica, de fato, uma retomada do termo – klēsis – que foi mencionado há pouco. É esse movimento anafórico que constitui o sentido da klēsis paulina e faz dela um termo técnico do seu vocabulário messiânico. Klēsis indica a peculiar transformação que todo estado jurídico e toda condição mundana sofrem pelo fato de serem colocados em relação com o evento messiânico. Portanto, não se trata de indiferença escatológica, mas da mutação, quase do íntimo deslocamento de toda condição mundana singular em virtude do fato de ser “chamada”. A ekklēsía, a comunidade messiânica, é, para Paulo, literalmente o conjunto das klēseis, das vocações messiânicas. A vocação messiânica não tem, no entanto, nenhum conteúdo específico: ela não é senão uma retomada das mesmas condições factícias ou jurídicas nas quais ou tais quais alguém é chamado. Enquanto descreve essa dialética imóvel, esse movimento sur place, a klēsis pode confundir-se com a condição factícia e com o estado e significar tanto “vocação” quanto Beruf. Esse movimento é, porém, antes de tudo, segundo o apóstolo, uma nulificação: “a circuncisão é nada e o prepúcio é nada”. Aquilo que, segundo a lei, fazia de alguém um judeu e de outro um goj, de alguém um escravo e de outro um homem livre, é agora anulado pela vocação. Mas, então, por que permanecer nesse nada? Mais uma vez, o menétō (permaneça) não exprime indiferença, mas o gesto anafórico imóvel do chamado messiânico, o seu ser, essencialmente e antes de qualquer coisa, um chamado do chamado. Por isso, ele pode aderir a qualquer condição; mas, pela mesma razão, ele a evoca novamente e a coloca radicalmente em questão no próprio ato em que adere a ela.
Vocação e revocação
É o que Paulo diz, logo em seguida, em uma passagem extraordinária, que é talvez a definição mais rigorosa que ele deu da vida messiânica (1 Cor 7,29-32): “Isso então vos digo, irmãos, o tempo se contraiu; o resto é de modo que aqueles que têm esposa sejam como não [hōs mē] possuidores e os que choram como não choradores e os que têm alegria como não tendo alegria e os compradores como não detentores e os usuários do mundo como não abusadores. A aparência desse mundo, de fato, passa. Quero que
estejais sem preocupação”. Hōs mē, “como não”: essa é a fórmula da vida messiânica e o sentido último da klēsis. A vocação chama a nada e em direção a nenhum lugar: por isso, ela pode coincidir com a condição factícia na qual cada um se encontra chamado; mas, exatamente por isso, ela a revoga completamente. A vocação messiânica é a revogação de toda vocação. Nesse sentido, ela define a única vocação que me parece aceitável. O que é, de fato, uma vocação, senão a revogação de toda concreta vocação factícia? Não se trata, naturalmente, de substituir uma vocação menos autêntica por uma mais verdadeira: em nome do que se decidiria por uma de preferência à outra? Não, a vocação chama a própria vocação, é como uma urgência que a trabalha e escava do interior, nulifica-a no próprio gesto no qual se mantém nela, habita nela. Isso – e nada menos que isso – significa ter uma vocação, viver na klēsis messiânica. O hōs mē aparece, nesse ponto, como um termo técnico essencial do vocabulário paulino, do qual é necessário entender a especificidade, tanto no plano sintático-gramatical quanto no plano semântico. Sabe-se que a partícula hōs desempenha uma função importante nos sinópticos, como termo introdutor de uma comparação messiânica (por exemplo, em Mt 18,3: “se não vos tornardes como crianças [hōs ta paidía]”, ou, em negativo, em Mt 6,5: “Não sejais como os hipócritas”). Qual é o sentido dessas comparações e, de forma mais geral, de toda comparação? Os gramáticos medievais interpretavam o comparativo não como expressão de uma identidade ou de uma simples semelhança, mas – no âmbito da teoria das grandezas intensivas – como a tensão (intensiva ou remissiva) de um conceito para outro. Assim, no exemplo anterior, o conceito homem é colocado em tensão em relação ao conceito criança, sem que, por isso, os dois termos se identifiquem. O hōs mē paulino aparece, então, como um tensor de tipo especial, que não tensiona o campo semântico de um conceito em direção a outro conceito, mas o coloca em tensão consigo mesmo na forma do como não: chorosos como não chorosos. Isto é, a tensão messiânica não vai em direção a um alhures nem se esgota na indiferença entre alguma coisa e o seu oposto. O apóstolo não diz: “chorosos como risonhos” nem “chorosos como (isto é: =) não chorosos”, mas, sim: “chorosos como não chorosos”. Segundo o princípio da klēsis messiânica, uma determinada condição factícia é posta em relação consigo mesma – o choro é tensionado em direção ao choro, a alegria em direção à alegria – e,
desse modo, revocada e colocada em questão sem alterar a sua forma. Por isso, a passagem paulina sobre o hōs mē pode concluir-se com a frase parágei gar to schēma tou kosmou toutou (1 Cor 7,31), “passa, de fato, a figura, o modo de ser desse mundo”: tensionando cada coisa em direção a si mesma no como não, o messiânico não a apaga simplesmente, mas a faz passar, prepara o seu fim. Ele não é uma outra figura, um outro mundo: é a passagem da figura desse mundo. Um paralelo apocalíptico ao hōs mē paulino está contido em 4 Esd 16,42-46: Qui vendit, quasi qui fugiet; et qui emit, quasi qui perditurus; qui mercatur, quase qui fructum non capiat; et qui aedificat, quase non habitaturus; qui seminat, quasi qui non metet; et qui vineam putat, quase non vindemiaturus; qui nubunt, sic quasi filios non facturi; et qui non nubunt, sic quase vidui.27 Uma análise mais atenta do texto mostra, no entanto, que a aproximação aparente (hōs mē, quasi non) esconde diferenças profundas. Não só Esdras contrapõe verbos diferentes, enquanto Paulo nega quase sempre o mesmo verbo, mas também, como foi observado (WOLBERT, 1981, p. 122), Esdras distingue os tempos (presente e futuro) que Paulo confunde num único presente. Em Paulo, a nulificação messiânica operada pelo hōs mē está ligada perfeitamente à klēsis, não sobrevém a ela num segundo tempo (como em Esdras) nem lhe acrescenta algo. A vocação messiânica é, nesse sentido, um movimento imanente – ou, caso se queira, uma zona de absoluta indiscernibilidade entre imanência e transcendência, entre este mundo e o mundo futuro. Será necessário não esquecer isso, quando tratarmos de compreender a estrutura do tempo messiânico. Nessa perspectiva é possível ler 1 Cor 7,29-32 como contendo uma implícita e, talvez, não inconsciente contraposição à passagem do Eclesiastes (3,10,4-8) em que Qoèlet separa claramente os tempos que Paulo une: “Há um tempo [kairós nos Setenta] para chorar e um para rir, um tempo para gemer e um para dançar... um tempo para procurar e um tempo para perder, um tempo para guardar e um tempo para jogar fora... um tempo para a paz e um tempo para a guerra”. Paulo define a condição messiânica simplesmente sobrepondo, através do hōs mē, os tempos que Qoèlet divide.
Para exprimir a instância messiânica de um como não em toda klēsis, a urgência que revoca toda vocação aderindo a ela, Paulo se serve de uma expressão singular, que deu muito trabalho aos intérpretes: chrēsai, “faz uso”. Releiamos 1 Cor 7,21: “Foste chamado de escravo? Não te preocupes com isso. Mas se podes também tornar-te livre, de preferência faz uso”.
Contra Lutero, que refere o chrēsai à liberdade e não, como está implícito nas formas ei kai (também se) e mallon (de preferência), à escravidão, será bom entender, com a maioria dos intérpretes: “Mas se podes também tornar-te livre, de preferência faz uso de tua klēsis de escravo”. Uso: essa é a definição que Paulo dá da vida messiânica na forma do como não. Viver messianicamente significa “usar” a klēsis, e a klēsis messiânica é, inversamente, algo que só se pode usar e não possuir. Entende-se agora melhor o sentido das antíteses dos versículos 30-31: “os compradores como não possuidores e os usuários [chrṓmenoi] do mundo como não abusadores [katachrṓmenoi]”. Trata-se de uma referência explícita à definição da propriedade (dominium) no direito romano: ius utendi et abutendi (o sentido está confirmado pela lição do manuscrito L: parachrṓmenoi, abusadores em sentido técnico-jurídico). Paulo contrapõe o usus messiânico ao dominium: permanecer no chamado na forma do como não significa jamais fazer dele objeto de propriedade, mas só de uso. O hōs mē não tem, portanto, apenas um conteúdo negativo: ele é, para Paulo, o único uso possível das situações mundanas. A vocação messiânica não é um direito nem constitui uma identidade: é uma potência genérica de que se usa sem jamais ser seu titular. Ser messiânico, viver no messias significa a desapropriação, na forma do como não, de toda propriedade jurídicofactícia (circunciso/não circunciso; livre/escravo; homem/mulher) – mas essa desapropriação não funda uma nova identidade, a “nova criatura” não é senão o uso e a vocação messiânica da velha (2 Cor 5,17: “se alguém está no messias, nova criatura [kainḗ ktisis]: as coisas velhas foram colocadas de lado, eis que se tornaram novas”). É sobre o fundo dessa concepção paulina da vocação messiânica que a reivindicação franciscana do usus contra a propriedade adquire todo o seu sentido. Na sua fidelidade ao princípio da altissima paupertas, as correntes espirituais franciscanas não se limitavam, de fato, a recusar – contra as indicações da cúria romana – toda forma de propriedade; como tinha logo percebido a agudeza jurídica de Bártolo de Sassoferrato,28 que falava a propósito dos franciscanos de uma novitas vitae, à qual o direito civil resultava inaplicável, eles avançavam implicitamente a ideia de uma forma vivendi integralmente subtraída à esfera do direito. Usus pauper é o nome que eles dão à relação dessa forma de vida com os bens mundanos. Contra aqueles que sustentavam que o uso fosse, em última análise, reconduzível a um “direito de usar” (ius in usu, usum habere) e equivalesse, assim, a uma potestas licita utendi rem ad utilitatem suam (como ocorre, por exemplo, no usufruto), Olivi29 reforça que “uso e direito não são a mesma coisa: podemos, de fato, usar algo mesmo sem ter
um direito sobre ela ou sobre o seu uso, assim como o escravo usa a coisa do senhor sem ser seu dono nem seu usufrutuário” (LAMBERTINI, 1990, p. 159). Embora o texto paulino ao qual os franciscanos fazem muitas vezes referência seja 1 Tm 6,8 (“tendo comida e abrigo, contentemo-nos com isso”), muitas passagens da quaestio de altissima paupertate, de Olivi, sobre a distinção entre usus e dominium, podem ser lidas como verdadeiras e específicas glosas a 1 Cor 7,30-31: dicendum quod dare et emere et ceteri contractus, ele escreve, in apostolos erant solo nomine et solo ritu exteriori non autem in rei veritate30 (LAMBERTINI, 1990, p. 161). Desenvolvendo a tendência, já presente nos escritos de Francisco, de conceber a ordem como uma comunidade messiânica e de dissolver a regra no evangelho concebido como forma de vida (haec est vita evangeli Jesu Christi principia a primeira regra), tratava-se, tanto para Olivi quanto para Angelo Clareno,31 de criar um espaço que escapasse à tomada do poder e das suas leis, não entrando em conflito com elas, mas simplesmente tornando-as inoperantes. A estratégia paulina em relação à lei – da qual a passagem em 1 Cor 7 sobre o como não é parte integrante – pode ser lida, como veremos, numa perspectiva análoga.
Não será inútil, nesse ponto, comparar o como não paulino com uma instituição jurídica, que parece apresentar com ele alguma analogia: a fictiolegis, que foi justamente definida como uma criação sem precedentes do direito civil romano (THOMAS, 1995, p. 20). A “ficção” – que não deve ser confundida com a presunção, que diz respeito a um fato incerto – consiste em substituir uma verdade certa por uma assunção contrária, da qual derivam consequências jurídicas (fictio est in re certa contrariae veritatis pro veritate assumptio). Conforme a assunção seja negativa ou positiva, ela se exprime nas fórmulas ac sinon/ac si, perinde ac si non/perinde si. Um exemplo de fictio legis é a Lex cornelia (81 a.C.) sobre a validade dos testamentos dos cidadãos romanos mortos em cativeiro. Segundo o direito romano, o cativeiro implica a perda do estatuto de cidadão livre, e, portanto, a perda da capacidade de fazer testamento. Para remediar as consequências patrimoniais desse princípio, a Lex cornelia estabelecia que, no caso em que um cidadão romano caído em escravidão tivesse feito testamento, dever-se-ia fazer “como se ele não tivesse sido feito prisioneiro” (ou, na formulação positiva equivalente, “como se tivesse falecido como cidadão livre”, atque si in civitate decessisset). A fictio consiste aqui em fazer como se o escravo fosse um cidadão livre e em deduzir dessa ficção a validade de um ato jurídico que, de outro modo, seria nulo. Essa ficção de inexistência podia, às vezes, levar ao ponto de anular uma disposição de lei (ac si lex lata non esset) ou um determinado ato jurídico, que – sem contestar a sua realidade – se considerava como não tendo acontecido (pro infecto). No como não, Paulo – segundo um gesto seu característico – leva ao extremo e volta contra a lei um dispositivo, por excelência, jurídico. O que significa, de fato, permanecer escravo na forma do como não? Aqui a condição jurídico-factícia, investida pela vocação messiânica, não é negada quanto às suas consequências jurídicas, para fazer valer em seu lugar – como na fictio legis – efeitos legais diferentes ou realmente opostos; ao contrário, através do como não, ela – mesmo permanecendo juridicamente inalterada – é retomada e transposta em uma zona que não é nem de fato nem de direito, mas se subtrai à lei como lugar de uma pura práxis, de um simples uso (“de preferência faz uso!”). A klēsis factícia, posta em relação consigo mesma na vocação messiânica, não é substituída por uma outra, mas, na verdade, tornada inoperante (Paulo, como veremos, se serve de um termo especial, que significa, precisamente, desativar, tornar ineficaz) e, desse modo, aberta ao seu verdadeiro uso. Por isso, o escravo investido pela vocação messiânica é definido por Paulo – com um hapax extraordinário – hypér doulos, “superescravo, escravo à segunda potência”.
Klēsis e classe
Na sua nota sobre o significado do termo klēsis em Paulo, Weber precisou se confrontar com uma passagem de Dionísio de Halicarnasso32 que constituiria, a seu modo de ver, o único texto da literatura grega em que klēsis tem “um significado que pelo menos lembra aquele aqui discutido” (WEBER, 1920, p. 65). Na passagem em questão, Dionísio faz derivar do grego klēsis o termo latino classis, que indica a parte dos cidadãos chamados às armas (kláseis katá tas Hellēnikás klēseis paranomásantos). Embora os filólogos modernos rechacem como improvável essa etimologia, ela não pode não nos interessar, porque permite colocar em relação com a klēsis messiânica um dos conceitos-chave do pensamento marxiano. Foi frequentemente observado que Marx é o primeiro a substituir sem reservas o mais usual Stand (que é o termo que Hegel ainda usa correntemente na sua filosofia política) pelo francesismo Klasse. Que essa substituição tenha para Marx uma função estratégica está provado pelo fato de que a doutrina hegeliana dos Stände já está na mira da sua Crítica à filosofia hegeliana do Estado (1841-1842). Mesmo se o uso marxiano do termo nem sempre é consistente, é certo, porém, que ele investe o conceito “classe” de um significado que vai bem mais além da crítica da filosofia hegeliana e designa a grande transformação que o domínio da burguesia deixou marcado no tecido político. A burguesia representa, de fato, a dissolução de todos os Stände; ela é radicalmente Klasse e não mais Stand: “a revolução burguesa desfez os Stände junto com os seus privilégios. A sociedade burguesa só conhece classes” (MARX, IV, p. 181); “A burguesia, como é uma classe e não um Stand...” (ibid., III, p. 62). Enquanto o sistema dos Stände ainda estava de pé, a cisão, produzida pela divisão do trabalho, entre a vida pessoal de cada indivíduo e a do mesmo indivíduo enquanto é subsumido numa certa condição trabalhista e profissional, não podia vir à luz: No Stand (e mais ainda no clã familiar), isso permanece ainda oculto: por exemplo, um nobre permanece sempre um nobre, um roturier sempre um roturier, prescindindo de qualquer outra relação sua: trata-se de uma qualidade inseparável da sua individualidade. A diferença entre o indivíduo pessoal e o indivíduo como membro de uma classe, a
casualidade da condição de vida para o indivíduo só se tem com o aparecimento da classe que é ela mesma um produto da burguesia. (ibid., p. 76)
A classe representa, portanto, a cisão entre o indivíduo e a sua figura social, que se esvazia do significado que ainda possuía no Stand e se mostra agora como mera casualidade (Zufälligkeit). A classe – o proletariado – que encarna em si mesma essa fratura e coloca, por assim dizer, a nu a contingência de toda figura e de toda condição social é também a única que pode abolir a mesma divisão em classes para emancipar, ao mesmo tempo, a si própria e toda a sociedade. Deve-se reler a célebre passagem da Crítica à filosofia hegeliana do direito em que Marx expõe a função redentora que ele atribui ao proletariado: Onde está, portanto, a possibilidade positiva da emancipação alemã? Resposta: na formação de uma classe com cadeias radicais, de uma classe da sociedade civil que não é uma classe da sociedade civil, de um Stand, que é a dissolução de todos os Stände, de uma esfera que tem um caráter universal por seus sofrimentos universais e que não reivindica nenhum direito particular, pois sobre ela é exercida não uma injustiça particular, mas a injustiça absoluta [das Unrecht schlechtin], que não se opõe unilateralmente às consequências do Estado alemão, mas, por todos os lados, aos seus pressupostos; de uma esfera, enfim, que não pode emancipar-se, sem se emancipar de todas as esferas da sociedade e sem emancipar, portanto, todas as outras esferas da sociedade – que, em uma palavra, é a perda total do homem [der völlige Verlust des Menschen] e que poderá alcançar a si mesma somente resgatando integralmente o homem. Essa dissolução da sociedade como Stand particular é o proletário (ibid., I, p. 390).
Vocês podem ver, aqui, com clareza, como a tese benjaminiana segundo a qual no conceito de “sociedade sem classes” Marx teria secularizado a ideia do tempo messiânico é absolutamente pertinente. Tentemos, de fato, levar por um momento a sério a etimologia proposta por Dionísio e aproximar a função da klēsis messiânica em Paulo àquela da classe em Marx. Assim como a classe representa a dissolução de todas as castas e o emergir da fratura entre o indivíduo e a sua condição social, do mesmo modo a klēsis messiânica significa o esvaziamento e a nulificação, na forma do como não, de todas as divisões jurídico-factícias. A indeterminação semântica entre klēsis-chamado e klēsis-Beruf (que tanto preocupava Weber) exprime, nesse sentido, a casualidade que – para o messiânico, como, em Marx, para o proletário – investe a própria condição social. A ekklēsía – enquanto comunidade das klēseis messiânicas, ou seja, daquelas
que tomaram consciência dessa casualidade e vivem na forma do como não e do uso – apresenta, então, mais de uma analogia com o proletariado marxista. Assim, aquele que foi chamado, crucificado com o messias, morre no velho mundo (Rm 6,6) para ressuscitar em nova vida (ibid. 8,11), da mesma forma o proletariado pode libertar-se somente enquanto se autossuprime: a “perda integral” do homem coincide com a sua redenção integral. (Que, no curso do tempo, o proletariado tenha acabado por ser identificado com uma determinada classe social – a classe operária, que reivindicava para si prerrogativas e direitos – é, a partir desse ponto de vista, a pior incompreensão que se pode ter do pensamento marxiano. Aquela que era, em Marx, uma identificação estratégica – a classe operária como klēsis e figura histórica contingente do proletariado – torna-se ao contrário uma verdadeira e própria identidade social substancial, que acaba necessariamente perdendo a sua vocação revolucionária). A secularização do messiânico operada por Marx é até aqui pontual e evidente. Mas é possível falar em Paulo de “uma sociedade sem klēsis”, assim como Marx fala de uma “sociedade sem classes”? A pergunta é legítima, porque – se é verdade que as klēseis factícias permanecem como tais (“Cada um permaneça...”) – elas são, porém, nulificadas e esvaziadas de seu sentido (“A circuncisão é nada e o prepúcio é nada”, “quem foi chamado de escravo no senhor é um liberto do senhor”). Várias respostas são, naturalmente, possíveis. Duas delas estão, de resto, já prefiguradas na oposição stirneriana33 entre revolta (Empörung) e revolução (Revolution) e na ampla crítica que Marx faz dela na Ideologia alemã. Segundo Stirner (ao menos na exposição que Marx faz de seu pensamento), a revolução consiste “em uma inversão do estado de coisas existente, o status, do Estado ou da sociedade, e é, portanto, um ato político e social”, que tem como alvo a criação de novas instituições. A revolta, ao contrário, é “uma rebelião dos indivíduos... que não tem relação com as instituições que dela brotam... Ela não é uma luta contra aquilo que existe, pois, se vitoriosa, aquilo que existe desaba por si mesmo; é o esforço de me retirar daquilo que existe” (MARX, III, p. 361). Como comentário dessas afirmações, Marx cita uma passagem de um livro de Georg Kuhlmann, com o título inconfundivelmente messiânico, O reino do espírito: “vocês não devem abater e destruir o que atravessa o seu caminho, mas evitá-lo e deixá-lo em paz. E quando o tiverem evitado e deixado em paz, ele cessará por si mesmo, porque não
encontra mais nutrição” (ibid.). Embora Marx consiga, desse modo, ridicularizar as teses de Stirner, elas certamente representam uma interpretação possível – que podemos chamar de ético-anárquica – do como não paulino. A outra – a marxiana –, que não separa revolta e revolução, o ato político da necessidade egoísta individual, vai de encontro a uma dificuldade, que se manifestou na aporia do partido como idêntico à classe e, ao mesmo tempo, distinto dela (isto é, o partido comunista não difere da classe operária a não ser porque ele acolhe na sua totalidade o percurso histórico dela). Se a ação política (a revolução) coincide perfeitamente com o ato egoísta do indivíduo (a revolta), por que algo como um partido é necessário? A resposta que Lukács deu a esse problema, em História e consciência de classe, é conhecida: o problema da organização é o problema da “consciência de classe”, da qual o partido é, ao mesmo tempo, o portador e o catalisador universal. Mas isso equivale, em última análise, a afirmar que o partido é distinto da classe como a consciência é do homem, com todas as aporias implícitas nessa tese (aporia averroísta: o partido torna-se algo como o intelecto agente dos filósofos medievais, que deve levar ao ato o intelecto em potência dos homens; aporia hegeliana: o que é a consciência, se a ela compete o poder mágico de transformar a realidade... em si mesma?). Que Lukács tenha acabado, sobre essa base, por fazer da “teoria justa” o critério decisivo para a definição do partido mostra mais uma vez a proximidade entre esse nó problemático e a klēsis messiânica. Mesmo quando a ekklēsía, como comunidade das vocações messiânicas, quis dar a si mesma uma organização distinta da própria comunidade – pretendendo, ao mesmo tempo, coincidir com ela –, o problema da justa doutrina e da infalibilidade (isto é, o problema do dogma) tornou-se, do mesmo modo, crucial. Há também uma terceira interpretação possível, aquela anárquiconiilista, que Taubes mostra seguindo os rastros de Benjamin e que se move na absoluta indiscernibilidade entre revolta e revolução, entre klēsis mundana e klēsis messiânica, com a consequente impossibilidade de articular algo como uma consciência da vocação distinta do movimento da sua tensão e revocação no como não. Essa interpretação tem, de sua parte, a afirmação explícita de Paulo, segundo a qual ele não considerava ter apreendido a si mesmo, mas, sim, apenas ter sido agarrado – e, a partir desse ser agarrado, ter avançado em direção à klēsis (Fl 3,12-13). A
vocação coincide, aqui, com o movimento do chamado em direção de si mesmo. Como vocês podem ver, várias interpretações são possíveis e, talvez, nenhuma delas seja a correta. A única interpretação que não é, ao contrário, de modo algum possível é aquela proposta pela Igreja com base em Rm 13,1: todo poder vem de Deus, portanto, trabalhem, obedeçam e não coloquem em questão a posição que lhes foi atribuída na sociedade. Onde está o como não em tudo isso? Não se reduz, desse modo, a vocação messiânica a uma espécie de reserva mental ou, no melhor dos casos, a uma espécie de marranismo34 ante litteram? No início dos anos 1920, no curso que traz o título Introdução à fenomenologia da religião, Heidegger se ocupa de Paulo e comenta brevemente a passagem de 1 Cor 7,20-31, sobre a klēsis e sobre o hōs mē. Segundo Heidegger, essenciais em Paulo não são nem o dogma nem a teoria, mas a experiência factícia, o modo como as relações mundanas são vividas (der Vollzug, a execução, o modo de viver). Esse modo de viver é determinado por Paulo pelo hōs mē: “Trata-se de alcançar uma nova relação fundamental. Essa deve ser agora produzida segundo a estrutura da execução. Os significados existentes da vida efetiva são vividos hōs mē, como se não [als ob nicht]... Importante é 1 Cor 7,20. Cada um deve permanecer no chamado em que se encontra. O genesthai é um menein... Aqui se mostra um contexto de sentido peculiar: as relações com o mundo circunstante recebem o seu sentido não pela importância do conteúdo do qual procedem, mas, ao contrário, a relação e o sentido dos significados vividos determinam-se originalmente a partir do modo como são vividos. Esquematicamente: algo permanece inalterado e, no entanto, é radicalmente transformado... O que é transformado não é o sentido da relação e ainda menos o conteúdo. Portanto: o cristão não abandona o mundo. Se alguém foi chamado de escravo, não deve acreditar que a sua libertação implique um ganho para o seu ser. O escravo deve permanecer escravo. Em qual condição mundana se encontra é indiferente. Enquanto cristão, o escravo está livre de qualquer ligação, o liberto enquanto cristão torna-se escravo de Deus... As relações que dizem respeito ao mundo, à profissão e àquilo que um indivíduo é não determinam de modo algum a facticidade do cristão. Todavia, elas existem, são conservadas e apenas assim, pela primeira vez, apropriadas [zugeeignet]” (HEIDEGGER, 1995, p. 117119). Essa passagem é importante, porque contém algo a mais que um simples pressentimento daquela que mais tarde devia se tornar em Ser e tempo a dialética do próprio (Eigentlichkeit) e do impróprio (Uneigentlichkeit). Essencial, nessa dialética, é que o próprio e o autêntico não são “alguma coisa que flutua acima da cotidianidade decaída; mas existencialmente apenas uma apreensão modificada dela” (HEIDEGGER, 1972, p. 179) – ou seja, que o autêntico não tem outro conteúdo que o inautêntico. É através de uma interpretação do hōs mē paulino que Heidegger parece elaborar, pela primeira vez, a ideia de uma apropriação do impróprio como caráter decisivo da existência humana. O modo de vida cristão não é determinado, de fato, pelas relações mundanas e pelo seu conteúdo, mas pelo modo como elas são vividas e – apenas dessa maneira – apropriadas na impropriedade mesma.
Resta que, para Paulo, não se trata de apropriação, mas de uso e o sujeito messiânico não somente não é definido como propriedade, mas não
pode nem mesmo possuir a si mesmo como um todo, mesmo que seja na forma da decisão autêntica e do ser-para-a-morte.
Como se
No fim de Minima moralia, Adorno colocou como selo um aforismo que traz o título messiânico Zum Ende, “Para terminar”. A filosofia é definida ali nestes termos: “A única filosofia que poderia se justificar diante do desespero seria a tentativa de considerar todas as coisas como se apresentariam por si mesmas do ponto de vista da redenção”. Taubes observou que esse texto – “extraordinário, mas, em última análise, vácuo” (TAUBES, 1993, p. 140) – constitui, na realidade, se colocado em confronto com Benjamin e Karl Barth, uma estetização do messiânico na forma do como se. Por isso – sugere Taubes – o aforismo pode concluir-se com a tese segundo a qual “a questão da realidade ou irrealidade da redenção torna-se quase indiferente”. Perguntei-me muitas vezes se a acusação de “estetização do messianismo” – que implica uma renúncia à realidade da redenção em troca da sua aparência – não seria por acaso injusta em relação ao autor daquela Teoria estética, na qual a desconfiança para com a bela aparência é levada ao ponto de definir a própria beleza como der Bann über den Bann, “o encantamento do encantamento”. Em todo caso, o ponto nos interessa porque permite lançar luz sobre a distância que separa o como não paulino de todo como se – particularmente daquele als ob que, a partir de Kant, viria a ter tanta fortuna na ética moderna. Vocês conhecem o livro de Hans Vaihinger35 A filosofia do como se. Embora este já contenha todos os vícios do neokantismo, a tese da centralidade da ficção na cultura moderna – não só na ciência e na filosofia, mas também no direito e na teologia – atinge certamente o alvo. Vaihinger define ficção (ou “atividade ficcional” do pensamento) como “a produção e o uso de meios lógicos capazes de tornar possível a realização dos objetivos do pensamento com a ajuda de conceitos auxiliares, em relação aos quais se mostrou no início, mais ou menos claramente, que não podem corresponder a nenhum objeto real” (VAIHINGER, 1911, p. 24-25). O problema é aqui, naturalmente, aquele do estatuto de ser dessas “ficções”, das quais a própria linguagem é, por assim dizer, o arquétipo. Mas seria verdadeiramente excessivo esperar que
Vaihinger ponha esse problema. A sua reconstrução da importância da ficção – que não deve ser confundida com a hipótese! –, na ciência moderna, é não menos interessante. Aquilo que, ao contrário, absolutamente não funciona é o modo pelo qual ele resolve o als ob da razão prática e a concepção kantiana da ideia como focus imaginarius numa espécie de glorificação do farisaísmo. Com notável falta de tato, Vaihinger nivela Kant a Forberg, um teólogo medíocre ao qual atribui a invenção de uma “religião do como se”, que teria o mérito de expor “limpidamente nos seus princípios fundamentais a concepção kantiana” (ibid., p. 284). Lamentavelmente, Forberg é o inventor ante litteram da teoria social-democrata do ideal como progresso infinito que constitui o alvo da crítica de Benjamin, nas Teses sobre o conceito de história. Escutem: O reino da verdade é um ideal... Ele nunca pode, por conseguinte, verificar-se com certeza e o fim da república dos doutos segundo toda aparência não será alcançado na eternidade. Não obstante isso, no coração de todo homem pensante, exigir eternamente a verdade é um interesse inapagável, assim como solapar o erro com todas as suas forças e difundir a verdade por toda parte significa proceder como se o erro devesse, de uma vez por todas, perecer e se pudéssemos esperar o reino universal da verdade. E precisamente esse é o caráter de uma natureza que, como aquela humana, é determinada a estender ao infinito para o seu ideal... É verdade que tu não podes mostrar cientificamente que deva ser assim, mas é, todavia, suficiente – diz o teu coração! – que tu ajas como se fosse verdade. (ibid.)
Há ainda hoje pessoas – muito poucas, na verdade, e, nesses tempos, tornaram-se quase respeitáveis – que estão convencidas de que a ética e a religião se esgotam em fazer como se Deus, o Reino, a verdade, etc. existissem. Nesse ínterim, o como se se tornou, em psiquiatria, uma figura nosográfica extremamente difundida, quase uma condição de massa: chamam-se personalidades como se todos aqueles casos – ditos também borderline – que não podem ser inscritos claramente nem na psicose nem na neurose, e cujo mal consiste, por assim dizer, em não ter nenhum mal. Eles vivem como se fossem normais – como se o reino da normalidade existisse, como se não houvesse “nenhum problema” (como soa a fórmula tola que aprenderam a repetir em todas as ocasiões) – e exatamente isso constitui a origem do seu mal-estar, a sua particular sensação de vazio. O fato é que a questão do como se é infinitamente mais séria do que Vaihinger podia imaginar. Oito anos antes do livro de Vaihinger, Jules de Gaultier36 – um autor bem mais interessante – publicava a sua obra-prima
Le Bovarysme, na qual o problema da ficção é restituído à dimensão que lhe compete, isto é, a ontológica. Segundo Gaultier, nos personagens de Flaubert aparece de modo patológico aquela “faculdade de crer-se diferente daquilo que se é”, que constitui a essência do homem – isto é, a essência do animal que não tem essência. Não sendo por si mesmo nada, o homem só pode ser agindo como se fosse diferente daquilo que é (ou, melhor, não é). Gaultier era um leitor atento de Nietzsche e tinha compreendido que todo niilismo implica, de algum modo, um como se; o problema é apenas aquele do modo em que se está no como se. A superação nietzschiana do niilismo deve levar em conta esse bovarismo fundamental, sabê-lo apreender de modo justo (daí a importância do problema do artista em Nietzsche). Voltemos, agora, a Adorno, ao processo movido contra ele por Taubes sob a acusação de estetização do messiânico. Se devesse assumir o papel da acusação nesse processo, proporia ler o último aforismo de Minima moralia junto com o início da Dialética negativa: “A filosofia sobrevive, porque o momento da sua realização foi perdido”. É o ter perdido o momento da própria realização que obriga a filosofia a contemplar indefinidamente a aparência da redenção. A beleza estética é, por assim dizer, o castigo que a filosofia deve sofrer por ter perdido a sua realização. Nesse sentido, pode-se realmente falar de um als ob em Adorno, por isso a beleza estética não pode ser nada mais que um encantamento do encantamento. Não há, aqui, nenhuma complacência – ao contrário, o como se é a condenação que o filósofo já se infligiu a si mesmo.
Impotencial
Benjamin Whorf37 – um linguista que tinha uma aguda consciência do modo pelo qual as estruturas da língua determinam as do pensamento – fala, num certo momento, de uma especial categoria verbal da língua hopi, que ele define como o “impotencial” (impotential). Trata-se de uma categoria modal particularmente difícil de exprimir nas línguas que Whorf chama de SAE (Standard Average European) e que corresponde a uma espécie de “inefetividade teológica” (WHORF, 1956, p. 121). “Se um hopi está contando uma história em que um homem corria para fugir dos seus perseguidores, mas que depois foi capturado, ele usará o impotencial e dirá: ta’. qa? as wa. ‘ya, “o homem ia embora correndo” – implicando, porém,
que não conseguiu fugir dos seus perseguidores. Se o homem, ao contrário, conseguiu fugir, ele dirá por outro lado: ta ‘qa wa! ya” (ibid., p. 122). Toda a filosofia de Adorno é escrita no impotencial, e o como se não é, nesse sentido, senão o índice dessa íntima modalidade do seu pensamento. A filosofia estava se realizando, mas o momento da sua realização foi perdido. Essa omissão é, ao mesmo tempo, absolutamente contingente e absolutamente irreparável: impotencial. A redenção é, consequentemente, apenas um “ponto de vista” – Adorno não poderia tampouco imaginar que seja possível restituir possibilidade ao acontecido, que, como em Paulo, a “potência se cumpre na fraqueza” (2 Cor 12,9). Apesar das aparências, a dialética negativa é um pensamento absolutamente não messiânico – mais próximo da tonalidade emotiva de Jean Améry38 do que daquela de Benjamin. Vocês conhecem a piada feroz que Escoto39 toma emprestada de Avicena40 para provar a contingência: “aqueles que negam a contingência, deveriam ser torturados, até que admitam que poderiam também não ter sido torturados”. Jean Améry sofreu essa prova terrível, foi forçado a admitir a crueldade insensata da contingência. A partir daquele momento, o acontecido torna-se para ele absolutamente irreparável, e o ressentimento, a única tonalidade emotiva legítima em relação àquele. No seu extraordinário testemunho Para além da culpa e da expiação – o título é uma justificativa ética do ressentimento; mas também o subtítulo dos Minima moralia, Reflexões sobre a vida ofendida41 [beschädigten Leben], trai algo como um ressentimento –, Améry conta como a poesia de Hölderlin, que costumava repetir de memória, perdera, em Auschwitz, a capacidade de salvar e transcender o mundo. Também para a poesia vale aqui “o encantamento do encantamento” – para Améry, como para Adorno, o gesto que poderia desfazer o encanto está ausente.
Exigência
Há algo como uma modalidade messiânica que permita definir a sua especificidade em relação ao impotencial adorniano e ao ressentimento de Améry – sem, por isso, negar simplesmente a contingência? Essa modalidade – raramente tematizada como tal na história da filosofia, no
entanto, tão essencial a ela, que se pode dizer que a sua realização coincide com a própria possibilidade da filosofia – é a exigência. Tentemos inscrever o seu conceito na mesa das categorias modais, ao lado de possibilidade, impossibilidade, necessidade, contingência. No ensaio juvenil sobre o Idiota, de Dostoiévski, Benjamin escreve que a vida do príncipe Myškin deve permanecer inesquecível, mesmo se ninguém a recorda. Esta é uma exigência. A exigência não ignora nem procura exorcizar a contingência. Ela diz, ao contrário: essa vida, embora tenha sido, de fato, totalmente esquecida, exige permanecer inesquecível. No De veritatibus primis, Leibniz define a relação entre possibilidade e realidade deste modo: omne possibile exigit existere, “todo possível exige existir, tornar-se real”. Apesar da minha admiração incondicional por Leibniz, acredito que essa formulação não seja correta e que, para definir o que seja verdadeiramente uma exigência, precisamos invertê-la e escrever, ao contrário: omne existens exigit possibilitatem suam, “todo existente exige a própria possibilidade, exige tornar-se possível”. A exigência é uma relação entre o que é – ou foi – e a sua possibilidade – e esta não precede, mas segue a realidade.
O inesquecível
Suponho que Benjamin tivesse em mente alguma coisa do gênero, quando falava, a propósito da vida do idiota, de uma exigência de permanecer inesquecível. Naturalmente essa exigência não significa simplesmente que algo – que havia sido esquecido – deve agora voltar à memória, ser lembrado. A exigência concerne especificamente não ao ser lembrado, mas ao permanecer inesquecível. Ela se refere a tudo aquilo que, tanto na vida coletiva como na individual, é a todo instante esquecido, à massa exterminada de tudo o que nelas é perdido. Não obstante o esforço dos historiadores, dos escribas e dos arquivistas de toda espécie, a quantidade daquilo que – na história das sociedades como naquela dos indivíduos – é irremediavelmente perdido é infinitamente maior do que aquilo que pode ser recolhido nos arquivos da memória. A todo instante, a medida de esquecimento e de ruína, o desperdício ontológico que trazemos em nós mesmos excede de longe a piedade das nossas lembranças e da nossa consciência. Mas esse caos informe do esquecido não é inerte nem ineficaz
– ao contrário, ele age em nós com não menos força que a massa das recordações conscientes, mesmo se de modo diferente. Há uma força e uma operação do esquecido, que não podem ser medidas em termos de memória consciente nem acumuladas como saber, mas cuja insistência determina o nível de todo saber e de todo conhecimento. Aquilo que o perdido exige não é ser lembrado e comemorado, mas permanecer em nós e conosco enquanto esquecido, enquanto perdido – e unicamente por isso, inesquecível. Daí a insuficiência de toda relação com o esquecido que procure simplesmente restituí-lo à memória, inscrevê-lo nos arquivos e nos monumentos da história, ou, no limite, que procure construir para ele uma outra tradição e outra história, aquela dos oprimidos e dos vencidos, que se escreve com instrumentos diferentes em relação à história das classes dominantes, mas que não difere substancialmente dela. Contra essa confusão, é necessário lembrar que a tradição do inesquecível não é uma tradição – ela é, antes, aquilo que assinala toda tradição com uma marca de infâmia ou de glória e, às vezes, as duas coisas ao mesmo tempo. O que torna histórica toda história e transmissível toda tradição é, precisamente, o núcleo inesquecível que essa traz dentro de si. A alternativa aqui não é entre esquecer e lembrar, ser inconsciente e tomar consciência: decisiva é apenas a capacidade de permanecerem fiéis àquilo que – mesmo incessantemente esquecido – deve permanecer inesquecível, exige permanecer de algum modo conosco, de ser ainda – para nós – de algum modo possível. Responder a essa exigência é a única responsabilidade histórica que eu poderia assumir incondicionadamente. Se, ao contrário, recusamos essa exigência, se – tanto no plano coletivo quanto no individual – perdemos toda relação com a massa do esquecido que nos acompanha como um golem silencioso, então ela se manifestará em nós de modo destrutivo e perverso, na forma daquilo que Freud chamava de o retorno do recalcado, isto é, o retorno do impossível como tal. O que tem a ver Paulo com tudo isso? O messiânico é para ele o lugar de uma exigência, que concerne precisamente à redenção daquilo que foi. Ele não é um ponto de vista, do qual se possa olhar para o mundo como se a redenção estivesse cumprida. O advento do messias significa que todas as coisas – e com elas o sujeito que as olha – são tomadas no como não, chamadas e revocadas no mesmo gesto. Não há mais nenhum sujeito que olha e que poderia, num certo ponto, decidir fazer como se. A vocação
messiânica desloca e nulifica, antes de tudo, o sujeito: esse é o sentido de Gl 2,20: “não sou mais eu que vivo [zō oukḗti egō], o messias vive em mim”. E ele vive nele precisamente como aquele “não mais eu”, como o corpo morto do pecado que ainda trazemos em nós e que, através do espírito, é vivificado no messias (Rm 8,11). Toda a criação foi submetida à caducidade (mataiótēs, a futilidade do que se perde e corrompe) – mas exatamente por isso ela geme à espera da redenção (ibid. 8,20-22). E a esse lamento da criatura que incessantemente se perde corresponde, no espírito, não um discurso bem formado, que pode calcular e registrar a sua perda, mas apenas “gemidos indizíveis” (stenagmoís alatḗtois) (ibid. 8,26). Por isso, quem se mantém fiel àquilo que se perde não pode acreditar em nenhuma identidade ou klēsis mundana. O como não não é, de modo algum, uma ficção no sentido de Vaihinger ou de Forberg, não tem nada a ver com um ideal. A assimilação com o que é perdido e esquecido é absoluta: “Tornamo-nos como os dejetos do mundo, como a escória de tudo” (1 Cor 4,13). A klēsis paulina é, antes, uma teoria da relação entre o messiânico e o sujeito, que presta de uma vez por todas as contas com as suas pretensões identitárias e com as suas propriedades. Também nesse sentido, aquilo que não é (ta mē onta) é mais forte do que aquilo que é. A tese de Karl Barth42 segundo a qual não há lugar no messiânico para o como se, porque “a esperança é a Aufhebung do como se” e “agora nós vemos verdadeiramente... o que, no entanto, não vemos” (BARTH, 1954, p. 298) é substancialmente correta – mesmo se fica para trás em relação à exigência paulina. Como Kafka tinha intuído na sua extraordinária parábola sobre as parábolas (Von den Gleichnissen), o messiânico é, ao mesmo tempo, abolição e realização do como se, e o sujeito que quer manter-se indefinidamente na similitude (no como se), enquanto contempla a própria ruína, perde simplesmente a partida. Aquele que se mantém na vocação messiânica não conhece mais como se, não dispõe mais de similitudes. Ele sabe que, no tempo messiânico, o mundo salvo coincide com aquele irremediavelmente perdido, que, nas palavras de Bonhoeffer,43 ele agora deve viver realmente no mundo sem Deus e que não lhe é permitido camuflar, de modo algum, o ser-sem-Deus do mundo, que o Deus que o salva é o Deus que o abandona – que a salvação a partir das representações (pelo como se) não pode pretender salvar também a aparência da salvação. O sujeito messiânico não contempla o mundo como se fosse salvo. Antes –
nas palavras de Benjamin –, contempla a salvação apenas enquanto se perde no insalvável. A experiência da klēsis é muito complicada, e permanecer no chamado é muito difícil.
Parábola e reino O termo parábola vem do grego parabolé (Gleichnis, na tradução de Lutero). Esse termo tem, nos Evangelhos, uma função tão importante em referência aos discursos de Jesus – na medida em que ele “fala em parábolas” (Mt 13,10) – que dele derivou nas línguas românicas (provençal, francês e italiano; o espanhol hablar deriva, por outro lado, de fabulari) o verbo que significa “falar”44 (do latim vulgar parabolare). O precedente hebraico é mašal, que significa “comparação, provérbio”. Uma correspondência entre a estrutura da parábola e o reino messiânico já está implícita na passagem de Mateus (13,18-19), na qual o “discurso do reino” (logos tēs basileías) é aquilo que torna necessário o falar em parábolas. A parábola do semeador, que, nessa passagem, se trata de explicar, concerne a esse mesmo logos, enquanto a semente representa, precisamente, a própria linguagem (na exegese de Mc 4,13: “o semeador semeia o logos”). Na série de parábolas que seguem, o reino messiânico é comparado a um campo em que crescem juntamente joio e trigo, a um grão de mostarda, à levedura, a um tesouro escondido num campo, a um mercador que sai à procura de uma pérola, a uma rede lançada ao mar. Jungel observou, a esse propósito, que “o reino de Deus se manifesta na parábola enquanto parábola” (JUNGEL, 1978, p. 385), tal modo que são expostas, ao mesmo tempo, a diferença e a proximidade entre o reino de Deus e este mundo. Na parábola, a diferença entre signum e ressignificata tende a anular-se, sem, porém, desaparecer completamente. Nesse sentido, pode-se dizer que – como na parábola do semeador em Mateus45 – as parábolas messiânicas são sempre parábolas sobre a linguagem, isto é, sobre a representação do reino, nas quais aquilo que é colocado um ao lado do outro (para-ballo) não são apenas o reino e o seu termo de comparação, mas também o discurso sobre o reino e o próprio reino, de modo que a compreensão da parábola coincide com a compreensão do logos tēs basileías. Signum e res significata aproximam-se na parábola messiânica, porque nela a coisa significada é a própria linguagem. E esse é certamente o sentido – mas também a inevitável ambiguidade – da parábola kafkiana, de toda parábola. Se aquilo que na parábola deve advir é a passagem para além da linguagem e se isso, segundo Kafka, só é possível tornando-se linguagem (“se vocês seguem as parábolas, tornar-se-ão vocês mesmos parábolas”), tudo depende do momento e do modo com o qual o como é abolido. Decisivo, nessa perspectiva, é que Paulo não apenas se serve raramente de parábolas em sentido técnico, mas o como não – que define para ele a klēsis messiânica – não compara, como vimos, dois termos distintos, mas coloca em tensão cada ser e cada termo consigo mesmo. O evento messiânico – que para Paulo já se produziu com a ressurreição – não se exprime como parábola na parábola, mas está presente en tō nyn kairṓ como a revocação de toda condição mundana, que a libera de si mesma para permitir o seu uso.
24
Adalbert Ernst Otto Merx (1838-1909), teólogo e orientalista alemão. (N.T.)
25
Lujo Brentano (1844-1931), economista alemão. (N.T.)
26
Movimento tautegórico é o movimento que reenvia algo ao seu mesmo ponto de partida. (N.T.)
27
Tradução: “Aquele que vende como aquele que vai fugir;/ o que compra como o que vai perder;/ o que faz negócio como o que não vai receber nenhum lucro;/ o que constrói uma casa como o que não vai habitar nela;/ o que semeia como o que não vai colher;/ o que poda as videiras como o que não vai colher a uva;/ os que se casam como aqueles não vão ter filhos;/ os que não se casam, como aqueles que vão ser viúvos”. (N.T.) 28
Bártolo de Sassoferrato (1313-1357), jurista italiano da Idade Média. Seus comentários sobre o Direito Romano se tornaram célebres. (N.T.) 29
Pierre de Jean Olivi (1248-1298), franciscano e teólogo francês. (N.T.)
30
Em tradução: “É necessário dizer que comprar e vender outros contratos eram ações que ocorriam entre os apóstolos apenas nominalmente e como um rito exterior, de modo algum verdadeiramente.” (N.T.) 31
Angelo Clareno (1255-1337), religioso italiano pertencente à Ordem dos Franciscanos. (N.T.)
32
Dionísio de Halicarnasso (cerca 60 a.C-7 a.C.), historiador grego. (N.T.)
33
Referente a Max Stirner (1806-1856), escritor e filósofo alemão. (N.T.)
34
Refere-se a “marrano”, uma designação injuriosa voltada aos muçulmanos e judeus que viviam em Portugal. (N.T.) 35
Hans Vaihinger (1852-1933), filósofo alemão, autor de Philosophie des Als Ob, publicado em 1911. (N.T.) 36
Jules Achille de Gaultier de Laguionie (1858-1942), filósofo francês muito influenciado pelo pensamento de Arthur Schopenhauer e pela literatura de Gustave Flaubert. (N.T.) 37
Benjamin Lee Whorf (1897-1941), linguista norte-americano. (N.T.)
38
Jean Améry (1912-1978), pseudônimo de Hanns Chaim Mayer, escritor austríaco. (N.T.)
39
João Duns Escoto (1265-1308), filólogo e teólogo escocês. (N.T.)
40
Avicena (980-1037), médico, filósofo, físico e matemático persa, que escreveu inúmeros tratados de medicina, filosofia, alquimia, teologia islâmica, poesia, entre outros. (N.T.) 41
Aqui no Brasil, o subtítulo do livro foi traduzido por: “reflexões a partir da vida lesada”, em ADORNO, Theodor. Minima moralia: reflexões a partir da vida lesada. Tradução de Gabriel Cohn. Rio de Janeiro: Azougue, 2008. (N.T.) 42
Karl Barth (1886-1968), teólogo e pastor suíço. (N.T.)
43
Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), teólogo luterano alemão. (N.T.)
44
Diferentemente do italiano parlare, o verbo português “falar” deriva, como o espanhol hablar, de fabulari. (N.T.) 45
Em Mt, 13. (N.T.)
Terceira jornada Aphōrisménos
Aphōrisménos é o particípio passado de aphorízō e significa “separado”, segregatus, como traduz Jerônimo. Deve tratar-se de um termo importante para Paulo, se já na Carta aos Gálatas é com uma forma do mesmo verbo que ele define a sua vocação: “Aquele que me separou [aphorísas] do seio de minha mãe e me chamou para a sua graça...” (Gl 1,15). Esse termo coloca, no entanto, um problema não desprezível: como é possível que Paulo, que predica o universalismo e anuncia o fim messiânico de toda separação entre Judeus e pagãos, refira-se a si mesmo como a um “separado”? Em Ef 2,14-15, Paulo diz textualmente que o messias “fez de dois um e destruiu o muro da separação [to mesótoichon tou phragmoú]”. A expressão é forte, porque coloca em questão um ponto fundamental do judaísmo (o autor da carta de Aristeias, que não é certamente um fanático, define os Judeus nesses termos: “O nosso legislador... nos cercou com paliçadas ininterruptas e com muros de ferro para evitar que nos misturássemos de qualquer modo com os outros povos [ethnē]” (ARISTEIAS, 105). O sentido do anúncio messiânico é que esses muros desabaram, que não há mais divisão entre os homens e entre os homens e Deus. Por que Paulo continua, então, a se definir como um “separado”? Não tinha ele, no momento do encontro de Antioquia, censurado duramente Pedro justamente porque tinha se “separado” (aphṓrizen heautón) dos não-Judeus (Gl 2,12)? Separar-se significava colocar a tal ponto em questão a “verdade do anúncio messiânico” (tēn alḗtheian tou euaggelíou), que Paulo não pode não intervir: “Se tu que és judeu vives como os não-Judeus e não como os Judeus [ethnikṓs kai ouchi Ioudaikṓs], como podes obrigar os não-Judeus a viver como os Judeus [Ioudaízein]” (Gl 2,14)? Todavia, ele pode citar alhures Is 52,11: “Saí do meio dessa gente e separai-vos [aphorísthēte]” (2 Cor 6,17).
Compreender o sentido exato do termo aphōrisménos significa, portanto, para nós, colocar corretamente um problema fundamental: o do universalismo – ou do pretenso universalismo – de Paulo, da vocação “católica” da comunidade messiânica. Antes de tudo, uma observação que concerne à autobiografia de Paulo. A biografia de Paulo está presente nas cartas não só de maneira direta, como no longo excursus da Carta aos Gálatas, mas também indiretamente, através de alusões que precisamos saber reconhecer. O termo aphōrisménos é uma dessas alusões ocultas. Definindo-se como um “separado”, Paulo evoca o seu passado, um “então”, um pote, que devia ainda queimar na sua memória: “então... eu perseguia com fúria a comunidade de Deus” (Gl 1,13). Aphōrisménos não é, de fato, senão a tradução grega do termo hebraico paruš ou do aramaico periš, isto é, “fariseu” (do aramaico provém o decalque grego pharisaíos). Na Carta aos Filipenses, quando reivindica em relação aos circuncidados o seu judaísmo, Paulo diz de si: “circuncidado ao oitavo dia, da estirpe de Israel, da tribo de Benjamin, judeu filho de Judeus, quanto à lei, fariseu [katá nomon Pharisaíos]” (Fl 3,6).
Fariseu
Paulo era, portanto, um fariseu, isto é, um separado. Quaisquer que sejam as origens dessa seita – ou, antes, desse movimento hebraico –, que os historiadores, por vezes, fazem remontar aos hasidim do período macabeu, é certo que os fariseus são separados, os quais, para diferenciar-se da massa, obrigam-se, mesmo sendo laicos, a observar escrupulosamente as regras da pureza sacerdotal. É nesse sentido que se “separam” – não só e não tanto dos pagãos, mas também, e sobretudo, do am-hares, do povo da terra, isto é, dos camponeses ignorantes que não observam a lei (o “camponês” no apólogo kafkiano Diante da lei pode ser visto, nesse sentido, como um amhares, e o guardião como um paruš, um fariseu). Os fariseus tornam-se uma classe dominante na Palestina por volta do fim do século I a.C. Se Paulo diz: “quanto à lei, fariseu”, é porque o ideal farisaico constituía um ordenamento nomístico integral da vida dos adeptos. Mas o que distinguia os fariseus em relação a outras correntes do judaísmo era que a lei, para eles, não era apenas a Torá em sentido estrito, a lei escrita, mas também a
Torá oral, a tradição concebida como uma “parede divisória” ou um “tapume” da Torá, que deve protegê-la de todo contato impuro. Definindo-se como aphōrisménos, como um “separado”, Paulo retoma, portanto, ironicamente – mas se trata de uma ironia cruel – a sua separação de um tempo, a sua segregação de fariseu. Retoma-a e a nega em nome de uma outra separação, que não é mais, dessa vez, segundo o nomos, mas para o anúncio messiânico (eis euaggélion theoú). É nesse sentido que se deve ler, na passagem que citamos da Carta aos Efésios (2,14), a expressão to mesoítochon tou phragmoú, que traduzimos por “o muro da separação”, mas que literalmente significa: “o muro divisório do tapume”: trata-se de uma clara alusão à “parede divisória” e ao “tapume” em torno da Torá que constituía o ideal dos fariseus. O muro que o anúncio messiânico proferido pelo aphōrisménos derruba é aquele que o fariseu de um tempo mantinha em torno da Torá, para protegê-la do am-hares e dos gojim, os não-Judeus. Se isso for verdade, se a separação do aforismo messiânico retoma e divide a separação do paruš, então aphōrisménos implica, por assim dizer, uma separação à segunda potência, uma separação da própria separação, que divide e atravessa as divisões nomísticas da lei farisaica. Mas isso significa, também, que o aforismo messiânico tem uma estrutura complexa que se trata, precisamente, para nós, de apreender, se quisermos entender corretamente o sentido das separações que Paulo traça nas suas cartas. Todo o corpo a corpo de Paulo com a lei, não só nas Cartas aos Romanos, é, de fato, escandido por uma série de divisões, entre as quais a divisão sarx/pneuma, “carne/sopro”, ocupa uma posição decisiva. Qual é o sentido e a função estratégica dessa divisão, que Paulo faz agir contra as partições nomísticas? Paulo começa, de fato, constatando que a lei opera, antes de tudo, instituindo divisões e separações. Ele parece, desse modo, levar a sério o significado etimológico do termo grego nomos – do qual se serve para designar a Torá, mas também a lei em geral – que deriva de nemō, “dividir, atribuir partes”. Vocês lembrarão que, no início da passagem sobre a vocação, em 1 Cor 7,17, Paulo havia dito, referindo-se às várias condições nas quais os homens se encontram divididos: hōs emérisen ho kýrios, “como o Senhor repartiu, atribuiu como lote”. E em Ef 2,14, o “muro da separação”, que o messias aboliu, coincide com o nomos ton entolṓn, a “lei
dos mandamentos”, que havia dividido os homens em “prepúcio” e “circuncisão”.
O povo dividido
O princípio da lei é, portanto, a divisão. E a partição fundamental da lei hebraica é aquela entre Judeus e não-Judeus – nas palavras de Paulo: Ioudaíoi e ethnē. Na Bíblia, de fato, o conceito de “povo” já está sempre dividido: am e goj (pl. gojim). Am é Israel, o povo eleito, com o qual Javé concluiu uma berit, um pacto; gojim são os outros povos. A versão dos Setenta traduz am por laos e gojim por ethnē. (Começa aqui um capítulo fundamental na história semântica do termo “povo”, que seria pertinente seguir até o uso hodierno do adjetivo “étnico” no sintagma “conflitos étnicos”; igualmente interessante seria indagar as razões que induziram a versão dos Setenta a não recorrer ao outro termo grego para povo, tão prestigioso na nossa tradição filosófica-política: dēmos. Em todo caso, vê-se aqui claramente como o termo “povo” já é sempre dividido, atravessado por uma falha teológica-política originária.) Se o todo do am se chama Israel, no entanto, aqui também são possíveis várias denominações. Como o termo jehudi (gr. Ioudaíos), que indica originalmente os habitantes do reino de Judá, estende-se progressivamente a todos os membros do am (sobretudo, quando são não-Judeus que estão falando). Há, depois, o termo ibri (gr. Hebraíos), que tem no início uma coloração jurídica, mas que na literatura rabínica designará particularmente lašon hakodeš, o hebraico enquanto língua santa, para estender-se, em seguida, a todo Israel. Quanto a Paulo, ele se serve de todos os três termos: Israel, Hebraíos, Ioudaíos. Dir-se-ia que o próprio nome se divide, que a lei, que constitui Israel como am, é princípio de uma divisão incessante. A divisão nomística fundamental é, de qualquer forma, aquela entre Judeus e não-Judeus, que Paulo exprime cruamente na antítese circuncisão/prepúcio. Sem dúvida, os profetas podem direcionar a sua mensagem a todos os povos; mas, também em Is 49,6, o “escravo do senhor” que o profeta anuncia é definido como berit am, uma “aliança” para Israel, e como or gojim, isto é, simplesmente uma “luz” para os não-Judeus. Também em Paulo se encontra 23 vezes o termo ethnē nesse sentido
opositivo. A mesma oposição está expressa nas cartas também com os termos Ioudaíos/Hellēn (os não-Judeus com os quais Paulo estabelecia relação eram Gregos, ou pessoas que falavam o grego). Mas Paulo chama genericamente de ethnē todos os membros da comunidade messiânica que não são de origem judia. Por isso, em Rm 11,13, ele se define como ethnṓna póstolos, apóstolo dos não-Judeus, e em Ef 3,1 pode dizer: “eu, Paulo, prisioneiro do messias por vocês, ethnē”. E no mesmo sentido – durante a discussão com Pedro, em Antioquia, que não é de forma alguma, como supunha Jerônimo, uma comédia – ele havia dito: “por que queres obrigar os ethnē a viver como os Judeus [ioudaizeín]?”. O problema é agora o seguinte: qual é a estratégia de Paulo diante dessa divisão fundamental? De que modo ele consegue neutralizar na perspectiva messiânica as divisões nomísticas? É claro que esse problema não pode ser separado da crítica paulina da lei, que está no centro da Carta aos Romanos e cujas aporias culminam nos theologoúmena messiânicos de Rm 3,31 (“Abolimos, portanto, a lei por meio da fé? De maneira nenhuma: ao contrário, mantenhamos firme a lei”) e em 10,4 (“o messias é o telos da lei”). Procuraremos mais tarde, quando comentarmos a palavra euaggélion, desfazer essas aporias, que são consubstanciais ao evento messiânico. O messias é, de fato, o lugar por excelência de um conflito com a lei, que os cabalistas resolverão distinguindo dois aspectos da Torá: a Torá de Beriah, a lei da criação, que é a lei do mundo não ainda redimido, e a Torá de Atzilut, a lei que precede a criação e que o messias deve, justamente, restaurar. Importante é, por ora, observar que, na Carta aos Romanos, as divisões do nomos passam também pelo interior do homem, o qual, sob a ação da lei, cinde-se em si mesmo (“não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, este faço”: Rm 7,19). Mas a lei também se divide, pois aquele que está dividido pela lei vê nos seus membros “uma outra lei”, que luta contra a “lei do sopro da vida” (ibid. 7,23). De que modo Paulo enfrenta essas divisões? E como se deve conceber a lei messiânica do sopro? Trata-se, talvez, de contrapor à lei uma outra lei, semelhante à precedente, mas mais universal? E o que acontece, no messiânico, com as partições nomísticas fundamentais? Diante dessas partições, Paulo introduz uma outra divisão, que não coincide com as precedentes, mas tampouco é exterior a elas. O aforismo messiânico se exerce, pelo contrário, sobre as mesmas divisões nomísticas,
divide-as com um corte ulterior. Trata-se do corte entre sarx/pneuma, “carne/sopro”. Seja a divisão nomística fundamental: Judeus/não-Judeus. Essa divisão é clara quanto ao seu critério (circuncisão/prepúcio) e exaustiva quanto ao seu funcionamento, pois divide o conjunto “homens” em dois subconjuntos, sem deixar nenhum resto. Paulo corta essa divisão com uma nova divisão, aquela do corte entre carne/sopro. Essa partição não coincide com a divisão Judeus/não-Judeus, mas não está fora dela: ela corta a própria divisão.
Corte de Apeles
Na edição alemã das Passagenwerk, de Benjamin, em fr. N. 7a, 1, lemos a seguinte frase: “como uma linha dividida segundo o corte de Apolo [nach dem apoll(i)nischen Schnitt] percebe a sua própria divisão para além de si mesma”. A frase não tem sentido, porque um “corte de Apolo” não existe em nenhum lugar, nem na mitologia grega nem alhures. Trata-se, naturalmente, de um erro de leitura de apellnischen Schnitt (a inserção do i não é de modo algum necessária), “corte de Apeles”. Algum de vocês certamente se lembrará da história, referida por Plínio, da contenda entre Apeles e Protógenes. A tradição clássica está repleta de desafios entre artistas (X que consegue enganar os pássaros que vão bicar o cacho de uva por ele pintado, e Y que engana o próprio pintor pintando um véu, que o outro procura em vão levantar, etc.). Mas, aqui, a contenda diz respeito precisamente a uma linha. Protógenes traça uma linha tão sutil que não parece traçada por um pincel humano. Porém, Apeles, com seu pincel, divide ao meio a linha traçada pelo rival com uma linha ainda mais sutil. O aforismo messiânico é, nesse sentido, um corte de Apeles, que não tem um objeto próprio, mas divide as divisões traçadas pela lei. O subconjunto “Judeus” cinde-se, assim, em “Judeus manifestos” ou segundo a carne (Ioudaíos... en tṓ phanerṓ en sarkí) e em “Judeus ocultos” ou segundo o sopro (en tō cryptṓ Ioudaíos... en pneúmati: Rm 2,28-29). O mesmo ocorre (embora Paulo não o diga) para os não-Judeus. O que significa que “o (verdadeiro) judeu não é o manifesto e que a (verdadeira) circuncisão não é aquela na carne” (ibid.). Sob o efeito do corte de Apeles, a partição nomística Judeus/não-Judeus não é nem clara nem exaustiva, pois existirão Judeus que não são Judeus, e não-Judeus que não são não-Judeus.
Paulo o diz claramente: “Não todos aqueles de Israel são Israel” (Rm 9,6); e, pouco depois, citando Oseias: “Chamarei de meu povo um povo que não é meu” (ibid. 9,25). Isso significa que a divisão messiânica introduz na grande divisão nomística dos povos um resto, que Judeus e não-Judeus são constitutivamente “não todos”. Esse “resto” não é algo como uma porção numérica ou um resíduo substancial positivo, totalmente homogêneo às divisões precedentes, mas que teria em si, não se sabe como, a capacidade de superar as suas diferenças. De um ponto de vista epistemológico, trata-se, ao contrário, de cortar a divisão bipolar Judeus/não-Judeus para passar, desse modo, a uma outra lógica, de tipo intuicionista, ou melhor, do gênero daquela usada por Nicolau de Cusa,46 no seu De non aliud,47 em que a oposição A/não-A admite um terceiro, que tem a forma de uma dupla negação: não não-A. A evocação desse paradigma lógico tem um fundamento no próprio texto de Paulo, na passagem 1 Cor 9,20-23, na qual ele define a sua posição em relação à divisão Judeus (hypó nomon, “sob a lei”)/não-Judeus (anómoi, “sem lei”) com a singular progressão: “como sem lei, não sem lei de Deus, mas na lei do messias” (hōs ánomos, mē ōn ánomos theoú all’énnomos christoú). Aquele que se mantém na lei messiânica é não-não na lei. A divisão nomística Judeus/não-Judeus, na lei/sem lei, deixa agora a partir de ambas as partes um resto, que não é possível definir nem como judeu, nem como não-judeu: o não não-judeu, aquele que está na lei do messias. Mais ou menos segundo o esquema a seguir:
Qual é o interesse dessa “divisão da divisão”? Por que o aforismo paulino me parece tão importante? Antes de tudo, porque obriga a pensar de modo completamente novo a questão do universal e do particular, não só na lógica, mas também na ontologia e na política. Vocês sabem que Paulo foi
sempre considerado o apóstolo do universalismo e que “católica”, isto é, universal, é o título que reivindicou para si a Igreja que pretendeu fundar-se na sua doutrina. Assim, A fundação do universalismo é o subtítulo de um livro recente sobre Paulo, que deseja precisamente mostrar como “partindo da proliferação mundana das alteridades... um pensamento universal produz o Mesmo e o Igual” (BADIOU, 1997, p. 117). Mas as coisas são realmente assim? É possível pensar, em Paulo, um universal como “produção do Mesmo”? É evidente que o corte de Apeles messiânico jamais alcança um universal. O “judeu segundo o sopro” não é um universal, porque não pode ser predicado de todos os Judeus, assim como não é um universal o “nãojudeu segundo a carne”. Mas isso não significa que os não não-Judeus sejam somente uma parte dos Judeus ou dos não-Judeus. Eles representam antes a impossibilidade dos Judeus e dos gojim de coincidir com si mesmos, são algo como um resto entre cada povo e si mesmo, entre cada identidade e si mesma. Pode-se aqui medir a distância que separa a operação paulina do universalismo moderno, no qual algo – por exemplo, a humanidade do homem – vale como o princípio que abole todas as diferenças ou como a diferença última, para além da qual nenhuma divisão é mais possível. Assim, Badiou no livro ao qual acabei de fazer referência, concebe o universalismo de Paulo como uma “benevolência em relação aos costumes e às opiniões” ou uma “indiferença tolerante em relação às diferenças”, as quais, por sua vez, tornam-se “aquilo que é necessário atravessar para que a própria universalidade possa edificar-se” (ibid., p. 105-106). Qualquer que possa ser a legitimidade de conceitos como “tolerância” ou “benevolência”, que concernem, em última análise, ao comportamento do Estado com respeito aos conflitos religiosos (aqui se vê como aqueles que declaram querer abolir o Estado frequentemente não consigam libertarse de um ponto de vista estatal), certamente eles não são conceitos messiânicos. Para Paulo não se trata de “tolerar” ou de atravessar as diferenças para encontrar para além delas o mesmo e o universal. O universal não é para ele um princípio transcendente a partir do qual se olha para as diferenças – ele não dispõe de um tal ponto de vista –, mas uma operação que divide as próprias divisões nomísticas e que as torna inoperantes, sem nunca, porém, alcançar um solo último. No fundo, para o judeu e para o grego, não há o homem universal ou o cristão, nem como
princípio nem como fim: há apenas um resto, há apenas a impossibilidade do judeu e do grego de coincidir com si mesmos. A vocação messiânica separa toda klēsis de si mesma, coloca-a em tensão consigo mesma, sem lhe fornecer uma identidade ulterior: judeu como não judeu, grego como não grego. A propósito do livro de Antelme,48 Blanchot escreveu uma vez que o homem é o indestrutível que pode ser infinitamente destruído. Reflitam sobre a estrutura paradoxal implícita nessa formulação. Se o homem é o indestrutível que pode ser infinitamente destruído, isso significa que não há uma essência humana a destruir ou a ser reencontrada, e que o homem é um ser que falta infinitamente a si mesmo, que já está sempre dividido em si mesmo. Mas, se o homem é aquilo que pode ser infinitamente destruído, isso significa também que resta sempre alguma coisa para além dessa destruição e nessa destruição, que o homem é esse resto. Vejam por que não tem muito sentido falar de universalismo a propósito de Paulo – pelo menos enquanto o universal for pensado como um princípio superior aos cortes e às divisões e o individual como o limite ínfimo de toda divisão. Em Paulo não há, nesse sentido, nem princípio nem fim: há apenas o corte de Apeles, a divisão da divisão – e, depois, um resto.
Resto
É nessa perspectiva que se deve ler a teoria do resto que Paulo desenvolve em Rm 11,1-26, isto é, exatamente no ponto em que leva à sua formulação extrema o problema am/gojim, Judeus/não-Judeus. Ele começa perguntando-se: “Porventura Deus repudiou o seu povo?”, para logo responder “de modo algum!” e reivindicar o seu judaísmo carnal: “eu também sou israelita, do sêmen de Abraão, da tribo de Benjamin”. Deus não repudiou o povo que havia escolhido, mas, como no tempo de Elias, diante das acusações do profeta contra Israel, ele havia reservado para si sete mil homens, “assim, no tempo de agora [en tō nyn kairṓ, expressão técnica para o tempo messiânico] se produziu um resto para a eleição da graça” (Rm 11,5). Resto é, no grego de Paulo, leímma. Paulo não inventa esse conceito, mas o retoma, segundo um gesto característico seu, da tradição profética. Trata-se de um termo técnico da linguagem profética, que desempenha uma
função importante, particularmente em Isaías, em Amós e em Miqueias. Os termos hebraicos correspondentes são šear e šerit (na versão dos Setenta, katáleimma e hypóleimma). Há, nesses profetas, algo como um paradoxo: eles se dirigem ao povo eleito, a Israel, como a um todo, e, porém, anunciam-lhe que só um resto será salvo. A passagem exemplar, que também Paulo cita, é a profecia messiânica de Is 10,22:49 “Naquele dia, o resto de Israel, os sobreviventes da casa de Jacó não se sustentarão mais sobre quem os atinge... Voltará o resto, o resto de Jacó ao Deus forte. Mesmo se o teu povo, ó Israel, fosse como a areia do mar, só um resto retornará”. A ideia de um resto messiânico já está contida no nome do filho que Javé anuncia a Isaías: Searjasub, literalmente “um resto retornará” (retorno e salvação estão tão estreitamente ligados no judaísmo, que a versão dos Setenta traduzirá jasub por sōthḗsetai, será salvo). A salvação messiânica, que é obra divina, tem por sujeito um resto: “De Jerusalém sairá um resto, sobreviventes do monte Sião” (Is 37,32). Mas também eleição e chamado configuram um resto: “Escutem-me, casa de Jacó e todo o resto de Israel” grita Isaías (ibid. 46,3), com palavras que ecoam profundamente no texto paulino “vocês, tomados em consignação desde o ventre materno, acolhidos no seio da mãe”. Igualmente, em Mq 4,7, o anúncio messiânico concerne a um resto: “Naquele dia – diz o Senhor – reunirei os coxos, acolherei os banidos e aqueles que tratei com dureza. Dos coxos farei um resto, dos banidos uma nação forte”. E Amós, que anuncia a destruição integral do povo de Deus, expõe, todavia, aporeticamente, a ideia de um resto: “Odiai o mal e amai o bem. Observai a justiça que se encontra à porta, e talvez o eterno, o deus dos exércitos, terá piedade do resto de Jacó” (Am 5,15). Como devemos pensar esse “resto de Israel”? Compreende-se mal desde o início o problema se, como fazem alguns teólogos, entende-se o resto como uma porção numérica, ou seja, como aquela parte dos Judeus sobreviventes à catástrofe que caracterizava originalmente a escatologia profética, como uma espécie de ponte entre ruína e salvação. Mas ainda mais desviante é interpretar o resto como simplesmente idêntico a Israel, enquanto povo eleito que sobrevive à destruição final dos povos. Uma leitura mais atenta dos textos proféticos mostra que o resto é, antes, a consistência ou a figura que Israel assume em relação à eleição ou ao evento messiânico. Isto é, ele não é nem o todo nem uma parte sua, mas
significa a impossibilidade para o todo e para a parte de coincidir com si mesmos e entre eles. No instante decisivo, o povo eleito – todo povo – se põe necessariamente como um resto, como não-todo. É esse conceito profético-messiânico de resto que Paulo acolhe e desenvolve, e esse é também o sentido último do seu aforismo, da sua divisão da divisão. Para ele, o resto não é mais, como nos profetas, um conceito que se refere ao futuro, mas uma experiência presente, que define o “agora” messiânico: “no tempo de agora se produziu [gégonen] um resto”.
O todo e a parte
Há aqui uma dialética extraordinária, que convoca sem nenhuma mediação três elementos. Em primeiro lugar, o todo (pas, panta). Taubes já observou que toda a Primeira carta aos Coríntios está construída como uma fuga em torno da palavra pas (na Bíblia grega, o termo pas é, em absoluto, o mais frequente depois da palavra kýrios, “Senhor”: aproximadamente sete mil ocorrências). Em Paulo, pas, “todo”, é a expressão própria do telos escatológico. No fim dos tempos, Deus será “tudo em tudo” (panta en pasin: 1 Cor 15,28; a fórmula, que une em si tanto o sentido somativo quanto aquele distributivo de pas, será retomada pelos panteístas). No mesmo sentido, Paulo precisa que, no fim, “todo Israel será salvo” (Rm 11,26). Há, depois, a parte (meros), que define o mundo profano, o tempo sob a lei. Aqui tudo é dividido, tudo é ek merous, “por parte”. Lembrem-se da célebre passagem de 1 Cor 13,9-13: “por parte [ek merous] de fato conhecemos, por parte profetizamos; quando, porém, vier o cumprimento [to téleion], aquilo que é por parte irá se tornar inoperoso... vemos agora através de um espelho em enigma, mas então, veremos face a face; agora conheço por parte, mas então conhecerei do mesmo modo como serei conhecido; agora permanecem [menei] fé, esperança, amor, essas três coisas: delas a maior é o amor”. Enfim, o resto messiânico, que não está para além da parte, mas resulta, como vimos, da sua divisão, está intimamente ligado a ela. Que o mundo messiânico não seja, nesse sentido, algo diferente do mundo profano, que ele seja ainda, de algum modo, parcial, Paulo o lembra claramente, em 1
Cor 12,27, aos mesmos membros da comunidade messiânica: “Vós sois o corpo do messias e seus membros por parte [ek merous]”. E, no entanto, o resto é precisamente aquilo que impede às divisões de serem exaustivas e exclui que as partes e o todo possam coincidir com si mesmas. Ele não é tanto o objeto da salvação, mas, antes, o seu instrumento, aquilo que, propriamente, a torna possível. Em Rm 11,11-26, Paulo exprime com clareza essa dialética soteriológica do resto: a “diminuição” (hḗttēma), que configura Israel como “parte” e como resto, produziu-se para a salvação dos ethnē, dos não-Judeus, é um prelúdio do seu plḗrōma, da sua plenitude como todo, pois no fim, quando o plḗrōma dos povos entrar, “todo Israel será salvo”. O resto é, portanto, ao mesmo tempo, um exceder do todo em relação à parte e da parte em relação ao todo, que funciona como uma máquina soteriológica muito especial. Como tal, o resto concerne apenas ao tempo messiânico e só existe nele. No telos, quando Deus for “tudo em todos”, o resto messiânico não terá nenhum privilégio particular e terá esgotado o seu sentido para perder-se no plḗrōma (1 Ts 4,15: “nós, os viventes restantes, na vinda do Senhor não ultrapassaremos aqueles que adormeceram”). Mas, no tempo de agora, que é o único tempo real, não há senão o resto. Ele não pertence propriamente nem à escatologia da ruína nem àquela da salvação, mas é, ao contrário, segundo as palavras de Benjamin, o insalvável em cuja percepção, e somente nela, a salvação se deixa alcançar. O aforismo kafkiano, segundo o qual há salvação, mas “não para nós”, encontra aqui o seu único sentido. Como resto, nós, os viventes que restam en tō nyn kairṓ, tornamos possível a salvação, somos as suas “primícias” (aparchḗ: Rm 11,16), estamos, por assim dizer, já salvos; mas, exatamente por isso, não é enquanto resto que seremos salvos. O resto messiânico excede irremediavelmente o todo escatológico, ele é o insalvável que torna possível a salvação. Se devesse indicar, nas Cartas de Paulo, um legado político imediatamente atual, acredito que o conceito de resto não poderia não fazer parte dele. Ele permite, em particular, deslocar para uma perspectiva nova as nossas antiquadas e, no entanto, talvez não renunciáveis noções de povo e de democracia. O povo não é nem o todo nem a parte, nem maioria nem minoria. Ele é, antes, aquilo que jamais pode coincidir consigo mesmo, nem como todo nem como parte, aquilo que infinitamente resta ou resiste em toda divisão, e – sem querer ofender aqueles que nos governam – nunca se
deixa reduzir a uma maioria ou a uma minoria. E esse resto é a figura ou a consistência que o povo ganha na instância decisiva – e, como tal, ele é o único sujeito político real.
O conceito messiânico de resto apresenta sem dúvida mais de uma analogia com o proletariado marxiano, que não pode coincidir consigo mesmo enquanto classe e excede necessariamente tanto a dialética estatal quanto a dialética social dos Stände, porque ele sofreu “não uma injustiça particular, mas a injustiça absoluta [das Unrecht schlechtin]”. Ele permite, além disso, compreender melhor aquilo que Deleuze chama de “povo menor”, que está constitutivamente em posição de minoria (noção que tem certamente origens mais antigas, porque lembro que José Bergamín, que tinha vivido a guerra civil espanhola, costumava repetir quase como um adágio que el pueblo es siempre minoria). Num sentido provavelmente análogo, Foucault, numa entrevista dada em 1977 a Jacques Rancière, fala da plebe como elemento inatribuível e absolutamente irredutível às relações de poder, que não é, porém, simplesmente exterior em relação a elas, mas assinala, de algum modo, o seu limite: “A plebe provavelmente não existe, mas se dá [il y a de la plèbe]. Dá-se plebe nos corpos, nas almas, nos indivíduos, no proletariado, mas com extensão, formas, energia e irredutibilidade, a cada vez, diferentes. Essa parte de plebe não representa tanto uma exterioridade referente às relações de poder, mas, antes, o seu limite, a sua inversão, o seu contragolpe” (FOUCAULT, 1994, p. 421). Muitos anos depois, o próprio Rancière retomou esse conceito foucaultiano para desenvolvê-lo naquele de um povo, entendido como “parte dos sem parte”, ou em supranúmero, portadora de uma injustiça que institui a democracia como “comunidade do litígio”. Tudo depende, aqui, do que se entende por “injustiça” e “litígio”. Se o litígio democrático é entendido por aquilo que é verdadeiramente, isto é, como possibilidade da stasis ou da guerra civil, então a definição é pertinente. Se, ao invés, como parece acreditar Rancière a injustiça da qual o povo é a cifra não é – como era ainda em Marx – “absoluta”, mas é, por definição, “tratável” (RANCIÈRE, 1995, p. 64), então a linha que separa a democracia da sua contrafação consensualística ou pós-democrática – que Rancière critica, no entanto, explicitamente – tende a se apagar.
46
Nicolau de Cusa (1401-1464), cardial, teólogo, filósofo, jurista, matemático alemão, autor de De docta ignorantia (1440). (N.T.) 47
“O não-outro”, publicado em 1462. (N.T.)
48
Robert Antelme (1917-1990), poeta francês, autor de L’espèce humaine (Gallimard, 1947), que se tornou um livro célebre sobre os campos de concentração. (N.T.) 49
Agamben faz referência ao versículo 22, porém tal passagem se encontra no versículo 20. (N.T.)
Quarta jornada Apóstolos
O termo apóstolos – que na nossa leitura depende de aphōrisménos e é, portanto, chegado o momento de comentar – tem, em Paulo, uma importância particular, porque define, e não só nos prescritos de quase todas as Cartas, a sua função própria. O significado, que remete ao verbo grego apostéllō, é claro: o apóstolo é um enviado, nesse caso um enviado não por homens, mas pelo messias Jesus e pela vontade de Deus para o anúncio messiânico (assim nas duas Cartas aos Coríntios e naquelas aos Gálatas, aos Efésios e aos Colossenses). O precedente hebraico evocado nos léxicos, o šaliah, é uma noção essencialmente jurídica: um mandatário, um homem enviado para uma incumbência determinada. Qualquer que seja a natureza dessa incumbência (contrato, matrimônio, etc.), ao šaliah se aplica a máxima rabínica (familiar também ao direito romano): “o enviado de um homem é como o próprio homem” (os efeitos do ato do mandatário recaem sobre o mandante). Essa figura originalmente jurídica adquiriu no judaísmo um significado religioso (admitido que faça sentido diferenciar no judaísmo religião e direito): as comunidades da Palestina enviavam, assim, šeluhim às comunidades da diáspora. Mas se tratava sempre, mesmo quando a incumbência tinha caráter religioso, de uma tarefa determinada e de uma figura sem demasiadas pretensões: daí o humour da brincadeira que irá circular séculos depois sobre Sabbatai Zevi: “partiu šaliah e retornou mašiah”. Por que Paulo se define como apóstolo e não, por exemplo, como profeta? Qual é a diferença entre o apóstolo e o profeta? É o próprio Paulo que joga com tal diferença, modificando apenas uma citação de Jeremias, em Gl 1,15-16. Onde Jeremias dizia: “fiz-te profeta no seio de tua mãe”, Paulo, que acabou de se definir como “enviado [apóstolos] não por homens e para um homem, mas para Jesus messias e Deus pai”, apaga o termo
“profeta” e escreve simplesmente “aquele que me havia separado do seio de minha mãe”. No tempo messiânico, o apóstolo ocupa o lugar do profeta, está em seu lugar.
Nabi
Vocês certamente conhecem a importância do profeta, do nabi, no judaísmo e, em geral, no mundo antigo. Menos conhecida é a descendência tenaz dessa figura na cultura ocidental, até os limiares da modernidade, onde não está dito que tenha desaparecido totalmente. Aby Warburg classificava Nietzsche e Jacob Burckhardt como dois tipos opostos de nabi, o primeiro voltado para o futuro e o segundo, para o passado; e lembro que Michel Foucault, na aula do dia 1º de fevereiro de 1984, no Collège de France, distinguia quatro figuras da veridição no mundo antigo: o profeta, o sábio, o técnico e o parresiasta e, na aula seguinte, retraçava a sua descendência na história da filosofia moderna. (É um exercício interessante, no qual os aconselho se aventurarem.) O que é um profeta? É, em primeiro lugar, um homem que está em relação imediata com a ruah Jahwé, com o sopro de Javé, e recebe de Deus uma palavra que não lhe pertence propriamente. “Assim fala – ou falou – Javé” é a fórmula que abre o discurso profético. Como porta-voz extático de Deus, o nabi se distingue nitidamente do apóstolo, o qual, enquanto mandatário para um escopo determinado, deve, ao contrário, executar a sua incumbência com lucidez e encontrar sozinho as palavras do anúncio, que pode, portanto, definir “o meu evangelho” (Rm 2,16; 16,25). No judaísmo, porém, o profetismo não é uma instituição da qual seja possível definir as funções e determinar as figuras: é, antes, algo como uma força ou uma tensão perenemente em luta com outras forças que procuram limitá-la nas modalidades e, sobretudo, no tempo. A tradição rabínica tende, assim, a fechar o profetismo legítimo nos limites de um passado ideal, que se conclui com a primeira destruição do Templo, em 587 a.C. Nesse sentido, são lidas afirmações do tipo: “O segundo tempo tem cinco coisas a menos em relação ao primeiro: o fogo, a arca, o óleo da unção, os urim e os tummim e o sopro santo [isto é, o espírito profético]”; ou seja: “Depois da morte dos últimos profetas Ageu, Zacarias e Malaquias, o sopro santo distanciou-se de Israel; todavia, as mensagens celestes lhes chegam através
da bat kol [literalmente, a “filha da voz”, isto é, um eco ou um resto da profecia]”. Mas a esse fechamento da profecia, por assim dizer, desde o exterior, corresponde curiosamente uma limitação que atua, por assim dizer, no interior da própria profecia, como se ela contivesse em si mesma o anúncio do próprio fechamento e da sua insuficiência. Assim, em Zc 13,2, lê-se, por exemplo: “Naquele dia... farei desaparecer da aldeia os profetas e os espíritos impuros. Se alguém ousar ainda ser profeta, seu pai e sua mãe lhe dirão: tu perecerás, porque profetizas mentiras em nome do Senhor. Seu pai e sua mãe lhe atravessarão o coração com uma espada por causa das suas profecias. Naquele dia, todo profeta sentirá vergonha da visão que anuncia” (vocês terão reconhecido o arquétipo da maldição do poeta no início das Fleurs du mal;50 e é em referência a passagens como essa que deve ser entendida a afirmação paulina: “eu não me envergonho do meu anúncio”). Seja qual for o modo de entender esse fechamento, o profeta é essencialmente definido pela sua relação com o futuro. Em Sl 74,9, lê-se: “Não vimos mais os sinais; não havia mais um único profeta, não havia mais ninguém que soubesse até quando”. “Até quando”: todas as vezes que os profetas anunciam o advento do messias, o anúncio concerne sempre a um tempo por vir, ainda não presente. Nisso consiste a diferença entre o profeta e o apóstolo. O apóstolo fala a partir da vinda do messias. Nesse momento, a profecia deve silenciar: ela está, agora, realmente realizada (esse é o sentido da sua tensão íntima voltada para um fechamento). A palavra passa ao apóstolo, ao enviado do messias, cujo tempo não é mais o futuro, mas o presente. Por isso, a expressão técnica para o evento messiânico é em Paulo: ho nyn kairós, “o tempo de agora”; por isso, Paulo é um apóstolo, e não um profeta.
Apocalíptico
Mas o apóstolo deve ser distinto também de uma outra figura, com a qual é frequentemente confundido, exatamente como o tempo messiânico é confundido com o escatológico. Não a profecia, que se volta para o futuro, mas o apocalipse, que contempla o fim do tempo, é a mais insidiosa má compreensão do anúncio messiânico. O apocalíptico se situa no último dia, no dia da cólera: ele vê o cumprimento do fim e descreve o que vê. O tempo
que o apóstolo vive não é, ao contrário, o éschaton, não é o fim do tempo. Se se quisesse condensar numa fórmula a diferença entre messiânico e apocalipse, entre o apóstolo e o visionário, creio que se poderia dizer, retomando uma sugestão de Gianni Carchia51 que o messiânico não é o fim do tempo, mas o tempo do fim (CARCHIA, 2000, p. 144). O que interessa ao apóstolo não é o último dia, não é o instante em que o tempo acaba, mas o tempo que se contrai e começa a acabar (ho kairós synestalménos estín: 1 Cor 7,29) – ou, caso queiram, o tempo que resta entre o tempo e o seu fim. A tradição da apocalíptica judaica e a tradição rabínica conheciam a distinção entre dois tempos ou dois mundos (olamim): o olam hazzeh, que designa a duração do mundo desde a criação até o seu fim, e o olam habba, o mundo que vem, a eternidade intemporal que seguirá até o fim do mundo. Na tradição do judaísmo de língua grega, distinguem-se, assim, dois aiones ou dois kosmoi: ho aiṓn touto, ho kosmos outos (“este éon, este mundo”) e ho aiṓn mellōn (“o éon que vem”). Ambos os termos aparecem no texto paulino: mas o tempo messiânico, o tempo que o apóstolo vive e que é o único que lhe interessa, não é nem o olam hazzeh nem o olam habba, nem o tempo cronológico nem o éschaton apocalíptico: é, mais uma vez, um resto, o tempo que resta entre esses dois tempos, se se divide, com uma cesura messiânica ou com um corte de Apeles, a mesma divisão do tempo. Por isso é necessário corrigir antes de tudo o equívoco comum, que consiste em achatar o tempo messiânico sobre o tempo escatológico, tornando assim impensável justamente aquilo que constitui a especificidade do tempo messiânico. Por volta da metade dos anos 1960, a partir do livro de Blumenberg52 sobre a Legitimidade da idade moderna (1966) e daquele, anterior, de Löwith53 sobre História mundial e história da salvação (1953), teve lugar na Alemanha um amplo debate sobre o tema: secularização e modernidade. Embora as posições desses autores fossem diferentes e, em certos aspectos, opostas, eles compartilhavam um pressuposto comum: a antítese inconciliável entre modernidade e escatologia. A concepção cristã do tempo orientada para a salvação escatológica e, portanto, em direção a um fim último era, para ambos, obsoleta e, em última análise, antitética àquela que a modernidade se faz do seu tempo e da sua história. Sem entrar no mérito desse debate, queria apenas destacar que tanto Blumenberg quanto Löwith confundem o messianismo com a escatologia, o tempo do fim com o fim do tempo, e deixam, assim, escapar precisamente aquilo que
para Paulo é essencial: o tempo messiânico enquanto coloca em questão a própria possibilidade de uma divisão clara entre os dois olamim. Como representar esse tempo? Aparentemente, as coisas são simples: há, em primeiro lugar, o tempo profano – ao qual Paulo se refere geralmente com o termo chronos – que vai da criação ao evento messiânico (que, para Paulo, não é o nascimento de Jesus, mas a sua ressurreição). Aí o tempo se contrai e começa a acabar: mas esse tempo contraído – ao qual Paulo se refere com a expressão ho nyn kairós, “o tempo de agora” – dura até a parousía, a presença plena do messias, que coincide com o dia da cólera e com o fim do tempo (que resta indeterminado, mesmo se iminente). Aqui, o tempo explode – ou, antes, implode, no outro éon, na eternidade. Se tentarmos representar esse esquema sobre uma linha, teremos algo do gênero:
A é a criação, B, o evento messiânico, a ressurreição de Jesus, C é o éschaton, o momento em que o tempo passa para a eternidade. Essa representação tem o mérito de mostrar claramente que o tempo messiânico – ho nyn kairós – não coincide nem com o fim do tempo e com o éon futuro, nem com o tempo cronológico profano, sem, porém, ser exterior em relação a este último. Ele é uma parte do tempo profano, que sofre uma contração que o transforma integralmente (essa heterogeneidade é representada de modo insuficiente, no nosso esquema, através dos traçados descontínuos). Por isso, seria provavelmente mais exato recorrer à ideia do corte de Apeles, e representar o tempo messiânico como uma cesura que, dividindo a própria divisão entre os dois tempos, introduz nela um resto, que excede a divisão:
Nesse esquema, o tempo messiânico se apresenta como aquela parte do éon profano que excede constitutivamente o chronos e aquela parte de eternidade que excede o éon futuro, ambas em posição de resto em relação à divisão entre os dois éons. Mas podemos dizer ter, desse modo, realmente compreendido a experiência messiânica do tempo? Há, aqui, um problema geral, que concerne às nossas representações do tempo, que são de ordem espacial. Foi com frequência observado que essas representações espaciais – ponto, linha, segmento – são responsáveis por uma falsificação que torna impensável a experiência vivida do tempo. A confusão entre éschaton e tempo messiânico é um exemplo flagrante disso: se nos representamos o tempo como uma linha reta e o seu fim como um instante pontual, obtém-se algo perfeitamente representável, mas absolutamente impensável; viceversa, se refletimos sobre uma experiência real do tempo, temos algo pensável, mas extremamente irrepresentável. Do mesmo modo, a imagem do tempo messiânico como um segmento situado entre os dois éons é perspícua, mas não nos diz nada da experiência de um tempo restante, de um tempo que começa a acabar. De onde vem essa separação entre a representação e o pensamento, entre a imagem e a experiência? E é possível uma outra representação do tempo, que se subtraia desse equívoco? Para tentar responder a essas perguntas, irei me servir de um conceito que não provém nem da filosofia nem da ciência, mas da obra de um linguista, que é talvez o maior filósofo entre os grandes linguistas do século XX: Gustave Guillaume. Embora ele tenha trabalhado ao lado de Meillet54 e de Benveniste, a reflexão sobre a linguagem de Guillaume permaneceu singularmente apartada na linguística do século XX, e só agora começa a ser explorada em toda a sua riqueza. Ele olha para a língua a partir da distinção aristotélica entre potência e ato, e consegue, assim, abrir sobre ela uma perspectiva original, já implícita na distinção saussuriana entre langue e parole, porém bem mais complexa. O livro de Guillaume que aqui nos interessa é Temps et verbe, que reúne dois estudos publicados respectivamente em 1929 e em 1945; o conceito ao qual me refiro é o de “tempo operativo”, presente em ambos os estudos. Segundo Guillaume, a mente humana tem a experiência do tempo, mas não a sua representação e deve, por isso, recorrer, para representá-lo, a construções de ordem espacial. Assim, a gramática representa o tempo verbal como uma linha infinita,
composta por dois segmentos, o passado e o futuro, separados pelo corte do presente:
Essa representação – que Guillaume chama também de imagem-tempo – é insuficiente, porque é excessivamente perfeita. Ela nos apresenta um tempo sempre já construído, mas não nos mostra o tempo no ato de construir-se no pensamento. Para compreender realmente alguma coisa, diz Guillaume, não basta considerá-lo no estado construído ou realizado: é necessário poder representar as fases que o pensamento percorreu para construí-lo. Toda operação mental, por mais rápida, necessita para realizarse de um certo tempo, que pode ser brevíssimo, mas nem por isso menos real. Guillaume define como “tempo operativo” o tempo que a mente emprega para realizar uma imagem-tempo. Agora um exame atento dos fenômenos da linguagem mostra que as línguas organizam os seus sistemas verbais não segundo o esquema linear precedente – pobre, porque demasiadamente perfeito –, mas através da referência da imagem construída no tempo operativo da sua construção. Guillaume pode, assim, complicar a representação cronológica do tempo projetando sobre ela a representação do processo de formação da imagem-tempo, obtendo uma nova representação – não mais linear, mas tridimensional – que é aquela do tempo cronogenético. O esquema da cronogênese permite, assim, apreender a imagem-tempo no seu estado puramente potencial (tempo in posse), no processo da sua formação (tempo in fieri) e, por fim, no estado construído (tempo in esse), dando conta, segundo um modelo unitário, de todas as formas verbais da língua (aspectos, modos e tempos em sentido estrito).
O interesse da introdução do conceito de tempo operativo na ciência da linguagem é evidente. Ele não somente permite a Guillaume restituir tempo a uma representação espacial que – como toda imagem – é em si mesma totalmente desprovida dele; mas a ideia de que a língua possa referir-se ao tempo operativo do seu próprio devir contém já as bases – e, ao mesmo tempo, o princípio de uma complicação ulterior – da mais genial criação da linguística do século XX: a teoria benvenistiana da enunciação. Através dos indicadores da enunciação, a língua se refere ao seu próprio ter lugar, à pura instância do discurso em ato, e essa capacidade de se referir à pura presença da enunciação coincide, segundo Benveniste, com a cronotese, com a origem da nossa representação do tempo, da qual constitui o ponto de referência axial. Mas, se toda operação mental, todo “pensamento em ação de linguagem”, como diz Guillaume, implica um tempo operativo, então também a referência à instância de discurso em ato implicará um certo tempo, e a cronotese irá conter no seu interior um tempo ulterior, que introduz uma desconexão e um atraso na “pura presença” da enunciação. E como Benveniste faz da enunciação o próprio fundamento da subjetividade e da consciência, essa separação e esse atraso pertencerão constitutivamente à estrutura do sujeito. Enquanto o pensamento estiver sempre “em ação de linguagem” e implicar, por isso, necessariamente em si mesmo um tempo operativo, então – por maior que seja a sua velocidade e a sua capacidade de sobrevoo – ele jamais poderá coincidir perfeitamente consigo mesmo e a presença da consciência a si mesma terá desde sempre a forma do tempo. O que explica também, entre outras coisas, porque o pensamento do tempo e a representação do tempo nunca podem coincidir: para formar as palavras nas quais se exprime – e nas quais se realiza certa imagem-tempo – o pensamento tem necessidade de um tempo operativo, que não pode ser representado, por sua vez, na representação que também, de algum modo, o implica.
Tentemos, agora, desenvolver o paradigma do tempo operativo para além dos confins da linguística, para transferi-lo ao nosso problema do tempo messiânico. Em toda representação que fazemos do tempo, em todo discurso no qual definimos e representamos o tempo, está implicado um tempo ulterior, que não pode ser esgotado neles. Como se o homem, enquanto pensante e falante, produzisse um tempo ulterior em relação ao cronológico, que lhe impede coincidir perfeitamente com o tempo do qual pode fazer para si imagem e representação. Esse tempo ulterior não é, porém, um outro tempo, algo como um tempo suplementar que se acrescenta, de fora, ao tempo cronológico; ele é, por assim dizer, um tempo dentro do tempo – não ulterior, mas interior – que mede apenas a minha defasagem em relação a ele, o meu ser em desvio e em não-coincidência em relação à minha representação do tempo, mas, precisamente por isso, também a minha possibilidade de cumpri-la e de apreendê-la. Podemos, então, propor uma primeira definição do tempo messiânico: ele é o tempo que o tempo leva para acabar – ou, mais exatamente, o tempo que empregamos para fazer acabar, para concluir a nossa representação do
tempo. Ele não é nem a linha – representável mas impensável – do tempo cronológico nem o instante – igualmente impensável – do seu fim; mas não é tampouco simplesmente um segmento extraído do tempo cronológico, que vai da ressurreição ao fim do tempo: é, antes, o tempo operativo que urge no tempo cronológico e o trabalha e transforma a partir do interior, tempo do qual precisamos para fazer findar o tempo – nesse sentido: tempo que nos resta. Enquanto a nossa representação do tempo cronológico, como tempo no qual estamos, nos separa de nós mesmos, transformando-nos, por assim dizer, em espectadores impotentes de nós mesmos – espectadores que olham sem tempo o tempo que escapa, o seu incessante faltar a si mesmos –, o tempo messiânico, como tempo operativo, no qual apreendemos e realizamos a nossa representação do tempo, é o tempo que nós mesmos somos – e, por isso, o único tempo real, o único tempo que temos. Precisamente porque se constrói nesse tempo operativo, a klēsis messiânica pode ter a forma do como não, da revocação incessante de toda vocação. “Isso, pois, vos digo, irmãos”, assim começa a passagem de 1 Cor 7 sobre o hōs mē que comentamos demoradamente, “o tempo se contraiu [ko kairós synestalménos estín: systéllō indica tanto a ação de baixar as velas quanto a contração de um animal antes de realizar um salto]; o resto é [to loipón, como foi justamente observado, não significa aqui simplesmente “do resto”, mas indica o tempo messiânico como tempo restante] a fim de que os que têm mulheres sejam como se não as tivessem e os chorosos como se não chorassem...”. Mas, pela mesma razão, o tempo messiânico é por excelência o tempo que temos (“até que tenhamos o tempo [kōs kairón échomen] façamos o bem”: Gl 6,10). Por duas vezes Paulo se serve da expressão ton kairón exagorazómenoi, “remindo o tempo” (Ef 5,16 e Cl 4,5), para expressar a condição temporal da comunidade messiânica.
Kairós e chronos
Geralmente kairós e chronos são opostos como qualitativamente heterogêneos, o que sem dúvida é correto. Mas decisiva é aqui não tanto ou não só a oposição quanto a relação entre os dois. O que temos, quando temos o kairós? A mais bela definição do kairós que eu conheço se encontra no Corpus Hippocraticum e o caracteriza precisamente em relação ao chronos. Ela diz: chronos esti en ho kairós kai kairós esti en hō ou pollos
chronos, “o chronos é aquilo em que há kairós e o kairós é aquilo em que há pouco chronos”. Observem a extraordinária implicação dos dois conceitos, que estão literalmente um dentro do outro. O kairós (traduzir simplesmente por “ocasião” seria aqui banalizante) não dispõe de outro tempo, aquilo que apreendemos quando apreendemos um kairós não é um outro tempo, mas apenas um chronos contraído e abreviado. O texto hipocrático continua com estas palavras: “a cura ocorre, às vezes, através do chronos, outras vezes, através do kairós”. É evidente que a “cura” messiânica tem lugar no kairós; mas este não é senão um chronos apreendido. A pérola engastada no anel da ocasião é somente uma parcela de chronos, um tempo restante. (Daí a pertinência do apólogo rabínico segundo o qual o mundo messiânico não é um outro mundo, mas é esse mesmo mundo profano com um pequeno deslocamento, uma ínfima diferença. Mas essa pequena diferença – que resulta do fato de que eu apreendi a minha desconexão em relação ao tempo cronológico – é em todos os sentidos decisiva.)
Parousía
Analisemos, agora mais de perto, a estrutura do tempo messiânico em Paulo. Como se sabe, Paulo decompõe o evento messiânico em dois tempos: a ressurreição e a parousía, a segunda vinda de Jesus no fim do tempo. Daí a tensão paradoxal entre um já e um ainda não que define a concepção paulina da salvação: o evento messiânico já aconteceu, a salvação já foi realizada para os crentes e, todavia, ela implica, para realizar-se realmente, um tempo ulterior. Como devemos interpretar essa cisão singular, que parece introduzir no messiânico uma dilação constitutiva? O problema é decisivo, porque dele depende a solução correta das antinomias que caracterizam as interpretações que o nosso tempo deu do messianismo. Segundo Scholem – que representa um ponto de vista muito difundido no judaísmo – a antinomia messiânica define-se como “uma vida vivida no diferimento” [Leben im Aufschub], na qual nada pode ser levado a cabo: “a assim chamada existência hebraica”, ele escreve, “é uma tensão que jamais encontra satisfação” (SCHOLEM, 1963, p. 73-74). Igualmente aporética é a posição – própria de certa teologia cristã – que
concebe o tempo messiânico como uma espécie de zona de confim, ou, antes, como “um tempo de transição entre dois períodos, isto é, entre duas parusias, a primeira das quais determina o início do éon novo e a segunda, o fim do éon antigo” e que, como tal, pertence a ambos os éons. O risco é, aqui, uma dilação de algum modo implícita no próprio conceito de “tempo de transição”, que, como toda transição, tende a prolongar-se ao infinito e a tornar, assim, inapreensível aquele fim que ele deveria, ao contrário, produzir. É na perspectiva do tempo operativo que a decomposição paulina da presença encontra o seu verdadeiro sentido. Enquanto tempo operativo, enquanto tempo que é necessário para fazer findar a representação do tempo, o ho nyn kairós messiânico nunca pode coincidir com um instante cronológico interno àquela representação. O fim do tempo é, de fato, uma imagem-tempo, que representa sobre a linha homogênea da cronologia um ponto último. Mas enquanto imagem vazia de tempo, ela é em si mesma inapreensível e tende, portanto, a se diferir infinitamente. É a um tempo desse tipo que devia pensar Kant , quando fala, no Fim de todas as coisas, de uma concepção “contra natureza” e “pervertida” do fim do tempo, “que é produzida em nós mesmos quando compreendemos equivocadamente o fim último” (KANT, 1968, p. 223); e é a uma representação, nesse sentido, insuficiente do fim que parece aludir Giorgio Manganelli55 quando diz ao seu extraordinário heresiarca que nós não nos damos conta de que o mundo já acabou, porque esse mesmo fim “gera uma espécie de tempo, no qual habitamos, que nos impede de viver a sua experiência” (MANGANELLI, 1996, p. 19). O erro é aqui o de transformar o tempo operativo num tempo suplementar, que se acrescenta ao tempo cronológico para adiar infinitamente o seu fim. Por isso é importante entender corretamente o sentido do termo parousía. Ele não significa a “segunda vinda” de Jesus, um segundo evento messiânico que segue e integra o primeiro. Parousía significa, em grego, simplesmente: presença (para-ousia, literalmente: estar ao lado; no presente, o ser está, por assim dizer, ao lado de si mesmo). Tal presença não indica nem um complemento, que se acrescenta a alguma coisa para torná-la completa, nem um suplemento, que se acrescenta ulteriormente sem jamais chegar à conclusão. Paulo se serve do termo para designar a íntima estrutura unidual do evento messiânico, enquanto composto por dois tempos heterogêneos, um kairós e um chronos, um
tempo operativo e um tempo representado, unidos, mas não adicionáveis. A presença messiânica está ao lado de si mesma, porque, sem nunca coincidir com um instante cronológico e sem se acrescentar a ele, no entanto o apreende e leva a partir do interior ao seu acabamento. A decomposição paulina da presença messiânica assemelha-se àquela contida no extraordinário theologúmenon kafkiano, segundo o qual o messias não chega no dia da sua vinda, mas apenas no dia seguinte, não no último dia, mas no ultimíssimo (er – o messias – wird erst einen Tag nach seiner Ankunft kommen, er wird nicht am letzten Tag kommen, sondern am allerlezten: Kafka, p. 67).56 O messias já chegou, o evento messiânico já aconteceu, mas a sua presença contém no seu interior um outro tempo, que distende a sua parousía, não para diferi-la, mas, ao contrário, para torná-la apreensível. Por isso todo instante pode ser, nas palavras de Benjamin, a “pequena porta pela qual entra o messias”. O messias desde sempre faz o seu tempo – isto é, ao mesmo tempo, torna seu o tempo e o conclui. Sobre o erro – hoje tão difundido – que consiste em trocar o tempo operativo – o tempo que o tempo emprega para findar – por um tempo suplementar, que se acrescenta indefinidamente ao tempo, o comentário rabínico conhecido como Gênesis Rabá57contém reflexões instrutivas. Elas se referem ao sábado, que – no judaísmo, mas também nos Padres da Igreja – constituía uma espécie de modelo do tempo messiânico, e dizem respeito, particularmente, à interpretação de Gn 2,2: “Deus concluiu no sétimo dia o trabalho que havia feito e no sétimo dia cessou o trabalho que havia feito”. A versão dos Setenta, para evitar essa paradoxal coincidência de conclusão e interrupção, emenda a primeira proposição, escrevendo “sexto dia” (en tē hēméra tē ektē) em vez de “sétimo”, de modo que a cessação da obra da criação se torna um outro dia (tē hēméra tē hebdómē). Mas o autor do Gênesis Rabá comenta, ao contrário: “O homem, que não conhece os tempos, os momentos e as horas, toma algo do tempo profano e o acrescenta ao tempo sagrado; mas o Santo, bendito seja o seu nome, que conhece os tempos, os momentos e as horas, entrou no sábado só por um fio” (Gênesis Rabá 10,9). O sábado – o tempo messiânico – não é um outro dia, homogêneo aos outros: é, antes, no tempo a desconexão íntima através da qual se pode – por um fio – apreender o tempo, levá-lo a cabo.
Reino milenário É este o momento de evocar o tema do reino milenário – ou do Zwischenreich messiânico – em Paulo. Segundo uma concepção que tem certamente origem judaica, mas raízes sólidas também na tradição cristã, haverá sobre a terra depois da parousía e antes do fim do tempo um reino messiânico que durará por mil anos (daí o termo milenarismo). Mesmo se Eusébio – e, mais tarde, Jerônimo – acusavam Papias de ter colocado em circulação essa “historinha hebraica”, a ideia está presente, além de no Apocalipse e no pseudo-Barnabá, também em Justino, em Tertuliano, em Irineu e, pelo menos até certo ponto, também em Agostinho, antes de reaparecer com força no século XII, com Joaquim de Fiore.58
No que concerne a Paulo, a questão se reduz essencialmente à interpretação de 1 Cor 15,23-27 e 1 Ts 4,13-18. Contra a leitura quiliasta dessas passagens, Wilcke observou que “a basileía Christi devia equivaler para Paulo ao novo éon – portanto, a uma grandeza presente, distinta do reino divino escatológico” (WILCKE, p. 99) e que “na escatologia paulina... não há lugar para um interregno messiânico sobre a terra, mas isso desemboca diretamente, sem estágios intermediários, no fim dos tempos, no reino eterno de Deus” (ibid., p. 156). Bultmann, por sua vez, escreveu que “a comunidade cristã primitiva é consciente de estar colocada ‘entre’ os tempos”, ou seja, de se encontrar no fim do antigo éon e no início ou pelo menos imediatamente antes do início do novo éon. Ela, portanto, compreende o seu presente como um singularíssimo ‘entre’. Em 1 Cor 15,23-27, isso encontra uma expressão particularmente clara. A teoria rabínica considera que entre o velho e o novo éon se põe o reino messiânico. Para Paulo esse reino é o presente que se encontra entre a ressurreição e a parusia” (BULTMANN, p. 691). A justa compreensão do problema do reino (como também do seu equivalente secularizado, o problema marxiano da fase de transição entre pré-história e história) depende do sentido que se dá a esse “entre”. Isso significa que as interpretações milenaristas estão, ao mesmo tempo, certas e erradas. Erradas, se pretendem identificar literalmente o reino messiânico com certo período de tempo cronológico situado entre a parousía e o fim do tempo; certas, na medida em que o tempo messiânico em Paulo implica – como tempo operativo – uma transformação atual da experiência do tempo, capaz de interromper aqui e agora o tempo profano. O reino não coincide com nenhum dos instantes cronológicos, mas está entre eles, distendendo-os na para-ousia. Esta é a sua particular “vizinhança”, que corresponde, em Paulo, como veremos, à vizinhança da palavra da fé. Nesse sentido, é importante que na passagem de Lucas (“o reino de Deus é entós hymṓn” 17,21), entōs hymōn não signifique, segundo a tradição comum, “dentro de vocês”, mas “ao alcance da mão, no âmbito da ação possível” – isto é, vizinho (RÜSTOW, 1960, p. 214-217).
Typos
Paulo define a íntima relação do tempo messiânico com o tempo cronológico, isto é, com o tempo que vai da criação à ressurreição, através de duas noções fundamentais. A primeira é a noção de typos, figura, prefiguração. A passagem decisiva é 1 Cor 10,1-11. Paulo evoca ali cursivamente uma série de episódios da história de Israel: “Não quero, de fato, que ignoreis, irmãos, que os nossos pais estiveram todos sob a nuvem e todos atravessaram o mar e todos em Moisés foram imersos na nuvem e no mar e todos comeram a mesma comida espiritual e todos beberam a mesma bebida espiritual: bebiam, de fato, de uma rocha espiritual que... era o messias. Mas na maioria deles Deus não se satisfez, e eles foram prostrados no deserto”. Nesse momento ele acrescenta: “Essas coisas aconteceram como figuras [typoi] de nós para que não desejássemos coisas más, como eles também as desejaram”. E poucas linhas depois ele retoma a mesma imagem: “Essas coisas aconteceram com eles figuralmente [typicṓs] e foram escritas para nossa instrução, para nós, nos quais as extremidades dos tempos estão uma diante da outra [ta telē tōn aiṓnōn katḗntēken; antáō – proveniente de antí – significa ‘estar face a face, defrontar-se’]”. Auerbach mostrou a importância que essa concepção “figural” (Jerônimo traduz typoi em 1 Cor 10,6 por in figura) do mundo assume na Idade Média cristã, em que se torna o fundamento de uma teoria geral da interpretação alegórica. Através do conceito de typos, Paulo estabelece uma relação – que podemos de agora em diante chamar de tipológica – entre todo evento do tempo passado e ho nyn kairós, o tempo messiânico. Assim, em Rm 5,14, Adão, através do qual o pecado entrou no mundo, é definido como typos tou méllontos, “figura do futuro” – ou seja, do messias, através do qual a graça será abundante para os homens. (Em Hb 9,24, o templo construído pelos homens é definido como antítypos do templo celeste, o que poderia implicar uma relação simétrica em relação ao typos.) Do ponto de vista que aqui nos interessa, decisivo não é tanto o fato de que todo evento do passado – tornado figura – anuncie um evento futuro e encontre nele o seu cumprimento, quanto a transformação do tempo que a relação tipológica implica. Não se trata somente – segundo o paradigma que acabou por prevalecer na cultura medieval – de uma correspondência biunívoca que liga agora typos e antítypos numa relação, por assim dizer, hermenêutica – que concerne essencialmente à interpretação da Escritura –, mas de uma tensão que estreita e transforma o passado e o futuro, typos e antítypos
numa constelação inseparável. O messiânico não é simplesmente um dos dois termos da relação tipológica: é essa mesma relação. Este é o significado da expressão paulina: “para nós, nos quais as extremidades dos tempos [aiṓnōn, os olamim] estão uma diante da outra”. As duas extremidades do olam hazzeh e do olam habba se contraem uma sobre a outra até se defrontarem, mas sem coincidirem: e esse face a face, essa contração é o tempo messiânico – e nada mais. Mais uma vez, o messiânico não é em Paulo um terceiro éon entre os dois tempos, é, antes, uma cesura que divide a própria divisão entre os tempos, introduzindo entre eles um resto, uma zona de indiferença inatribuível na qual o passado é deslocado no presente e o presente estendido ao passado. Uma das teses (a 83ª, para ser mais exato) com que Scholem pretendia presentear a Benjamin pelo seu 26º aniversário, em 1918, diz: “O tempo messiânico é o tempo do waw inversivo” (SCHOLEM, 1995, p. 295). O sistema verbal hebraico distingue as formas verbais não tanto segundo os tempos (passado e futuro), quanto segundo os aspectos: acabado (que habitualmente se traduz com o passado) e inacabado (traduzido habitualmente com o futuro). No entanto, se se coloca um waw (dito, por isso, inversivo ou conversivo) antes de uma forma do acabado, ela se transforma em inacabado e vice-versa. Segundo a sugestão aguda de Scholem (da qual Benjamin se lembraria muitos anos depois), o tempo messiânico não é nem o acabado nem o inacabado, nem o passado nem o futuro, mas a sua inversão. A relação tipológica paulina exprime perfeitamente esse movimento conversivo: ela é um campo de tensão no qual os dois tempos entram na constelação que o apóstolo chama de ho nyn kairós, onde o passado (o acabado) reencontra atualidade e se torna inacabado e o presente (o inacabado) adquire uma espécie de completude.
Recapitulação
A segunda noção, complementar à noção de typos, através da qual Paulo articula o tempo messiânico, é a de recapitulação (Paulo não usa o substantivo anakephalaíōsis, mas o verbo correspondente anakephalaióomai, literalmente “recapitular”). A passagem decisiva é Ef 1,10. Paulo, que acabou de expor o projeto divino da redenção (apolýtrōsis) messiânica, escreve: “para a economia do pleroma dos tempos, todas as
coisas se recapitulam no messias, tanto as celestes quanto as terrenas [eis oikonomían tou plērṓmatos tōn kairṓn, anakephalaiṓsasthai ta panta en tō christṓ, ta epi tois ouranoís kai ta epi tēs gēs en autṓ]”. Esse versículo é realmente carregado de significado até o ponto de explodir, tão carregado que se pode dizer que alguns textos fundamentais da cultura ocidental – a doutrina da apocatástase em Orígenes e Leibniz, a da retomada em Kierkegaard, o eterno retorno em Nietzsche e a repetição em Heidegger – não são senão fragmentos resultantes da sua explosão. O que diz, aqui, Paulo? Que o tempo messiânico – enquanto nele está em jogo o acabamento dos tempos (plērōma tōn kairōn – dos kairoí e não dos chronoi! cf. Gl 4,4: plērōma tou chronou) – opera uma recapitulação, uma espécie de abreviação em grandes linhas de todas as coisas, tanto celestes quanto mundanas – isto é, de tudo o que aconteceu desde a criação até chegar ao “agora” messiânico, da integralidade do passado. Ou seja, o tempo messiânico é uma recapitulação sumária – também no sentido que o adjetivo tem na expressão jurídica “julgamento sumário” – do passado. Essa recapitulação do passado produz um plḗrōma, um preenchimento e um cumprimento dos kairoí (os kairoí messiânicos são, portanto, literalmente plenos de chronos, mas de um chronos sumário, abreviado) que antecipa o plḗrōma escatológico, quando “Deus será tudo em todos”. O plērōma messiânico é, então, uma abreviação e uma antecipação do cumprimento escatológico. Não é por acaso que “recapitulação” e plērōma se encontrem um ao lado do outro: a mesma aproximação se encontra em Rm 13,9-10, onde Paulo diz que, no messiânico, todo mandamento (entolḗ) “se recapitula (anakephalaioútai) nesta frase: amarás o teu próximo como a ti mesmo”, e acrescenta imediatamente depois: “O amor... é o plḗrōma da lei”. Se a recapitulação paulina da lei contém algo a mais que o mote de Hillel ao qual é habitualmente reconduzida (ao goj que lhe pede para lhe ensinar toda a Torá, Hillel diz: “O que não te agrada, não o faças tampouco ao teu próximo”), é porque ela não é simplesmente uma máxima prática, mas é indistinguível do cumprimento messiânico dos tempos, é uma recapitulação messiânica. Decisivo aqui é que o plḗrōma dos kairoí seja entendido como a relação de cada instante com o messias – todo kairós é unmittelbar zu Gott – e não – segundo o modelo que Hegel deixará como herança para o marxismo – como resultado final de um processo. Como Ticônio havia intuído no
capítulo “De recapitulatione”, das suas Regulae, cada tempo é o “agora” messiânico (totum illud tempus diem vel horam esse) e o messiânico não é o fim cronológico do tempo, mas o presente como exigência de acabamento, como aquilo que se põe “a título de fim” (licet non in eo tempore finis, in eo tamen titulo futurum est) (TICÔNIO, p. 110). Nesse sentido, a recapitulação não é senão a outra face da relação tipológica que o kairós messiânico instaura entre o presente e o passado. Que não se trate apenas de uma prefiguração, mas de uma constelação e quase de uma unidade entre os dois tempos, está implícito na ideia de que todo o passado está, por assim dizer, contido sumariamente no presente, de tal modo que a pretensão de um resto de se colocar como tudo encontra aqui um fundamento ulterior. Os três que “restam” em 1 Cor 13,13 (“agora restam estas três coisas: a fé, a esperança e o amor”) não são estados de alma, mas os três arcos que tendem e cumprem a experiência messiânica do tempo. Certamente em questão está apenas uma recapitulação sumária: Deus não é ainda “tudo em todos”, como o será no éschaton (quando não haverá mais repetição); mas ela é tanto mais decisiva, pois é precisamente através da sua recapitulação messiânica que os eventos do passado adquirem o seu verdadeiro significado e se tornam, por assim dizer, atos a serem salvos (Ef 1,3-14, do qual o versículo faz parte, é inteiramente dedicado à exposição do “anúncio da salvação”, euaggélion tēs sotērías).
Memória e salvação
Acontece aqui, como na visão panorâmica que se diz que os moribundos têm da própria vida, em que num instante veem desfilar diante dos seus olhos, numa vertiginosa abreviação, toda a sua existência. Como nesse caso, também na recapitulação messiânica está em questão algo como uma memória – mas se trata de uma memória especial, que tem a ver unicamente com a economia da salvação (mas não se pode dizer isso de toda memória?). A memória aparece aqui como uma propedêutica e uma antecipação da salvação. E assim como somente na lembrança o passado, liberando-se da remota estranheza do vivido, torna-se pela primeira vez o meu passado, do mesmo modo, na “economia da plenitude dos tempos”, os homens se apropriam da sua história e aquilo que em outro tempo tinha acontecido com os Judeus é reconhecido como figura e realidade da
comunidade messiânica. E assim como, na lembrança, o passado se torna novamente, de algum modo, possível – o que era acabado torna-se inacabado, e o inacabado, acabado –, do mesmo modo, na recapitulação messiânica, os homens se preparam para se despedir dele para sempre na eternidade, que não conhece passado nem repetição. Por isso a representação comum que vê o tempo messiânico como orientado unicamente para o futuro é falsa. Estamos habituados a nos ouvir repetindo que no momento da salvação é para o futuro e para o eterno que precisamos olhar. Recapitulação, anakephalaíōsis, significa para Paulo, ao contrário, que ho nyn kairós é uma contração de passado e presente, que, na instância decisiva, é antes de tudo com o passado que devemos acertar as contas. Isso não significa, obviamente, apego ou nostalgia: ao contrário, a recapitulação do passado é também um julgamento sumário pronunciado sobre ele. Essa dupla orientação do tempo messiânico permite também compreender a fórmula singular através da qual Paulo exprime a sua tensão messiânica: epekteinómenos. Depois de ter evocado o seu passado de fariseu e de judeu segundo a carne, ele escreve: “Irmãos, não considero ter apreendido a mim mesmo; uma coisa, porém: por um lado, esquecendo as coisas passadas, por outro, em direção às coisas futuras epekteinómenos” (Fl 3,13). As duas proposições contrárias epi (“sobre”) e ek (“a partir de”), antepostas a um verbo que significa “ser tencionado”, exprimem o duplo movimento do gesto paulino: a tensão em direção àquilo que está adiante só pode produzir-se sobre e a partir daquilo que se encontra atrás: “esquecendo o passado, sobre ele e somente a partir dele tendendo ao futuro”. Por isso, tomado nessa dupla tensão, Paulo não pode nem se apreender nem estar acabado – pode apenas apreender o seu próprio ser apreendido: “Não que eu já tenha apreendido ou esteja acabado, mas procuro apreender, enquanto fui apreendido pelo messias” (ibid., 3,12).
O poema e a rima
Queria agora lhes mostrar algo como um exemplo concreto – ou, antes, uma espécie de modelo em miniatura da estrutura do tempo messiânico que procuramos entender no texto paulino. Esse modelo poderá, talvez, surpreendê-los – mas creio que a analogia estrutural que ele apresenta não seja de forma alguma impertinente. Trata-se do poema. Ou melhor, daquela estrutura poética que representa – na poesia moderna e, em particular, na lírica românica das origens – a instituição da rima.
A rima – que na lírica clássica aparece somente de modo ocasional – se desenvolve na poesia latina cristã a partir do século IV até se tornar, depois, na lírica românica um princípio construtivo essencial. Na variedade das formas métricas românicas, escolherei uma forma particular, a sextina, que exemplificaremos no seu arquétipo prestigioso, a sextina Lo ferm voler qu’el cor m’intra, de Arnaut Daniel. Antes de começar a sua leitura, uma observação que concerne à estrutura temporal da poesia lírica em geral, sobretudo quando se encarna numa forma métrica dada: o soneto, a canção, a sextina, etc. Um poema é, nesse sentido, algo que se sabe desde o início que findará, que se concluirá necessariamente num certo ponto – 14 versos se se trata de um soneto – com algum possível atraso, três versos, no caso em que o soneto tenha, como se diz, uma coda. O poema é, portanto, um organismo, ou um dispositivo temporal que tende, desde o início, para o próprio fim – há, por assim dizer, uma escatologia interna ao poema. Mas, pelo tempo mais ou menos breve que ele dura, o poema tem uma temporalidade específica e inconfundível, tem o seu próprio tempo. E é aí que a rima – no caso da sextina, a palavra-rima – entra em jogo. A sextina tem, de fato, isso de particular, que nela a instituição da rima se modifica no sentido de que, o retorno regular das homofonias nas sílabas finais é substituído pelo reaparecimento – segundo uma ordem complicada, mas igualmente regular – das seis palavras-rima que concluem cada um dos versos das seis estrofes. E, no fim, uma tornada recapitula as palavras-rima combinando-as no interior de três versos. Leiamos o seu exemplar: Lo ferm voler qu’el cor m’intra no·m pot ges becs escoissendre ni ongla de lauzengier qui pert per mal dir s’arma; e pus no l’aus batr’ ab ram ni ab verja, sivals a frau, lai on non aurai oncle, jauzirai joi, en vergier o dins cambra. Quan mi sove de la cambra on a mon dan sai que nulhs om non intra – ans me son tug plus que fraire ni oncle – non ai member no·m fremisca, neis l’ongla,
aissi cum fai l’enfas devant la verja: tal paor ai no·l sai prop de l’arma. Del cors li fos, non de l’arma, e cossentis m’a celat dins sa cambra, que plus mi nafra·l cor que colp de verja qu’ar lo sieus sers lai ont ilh es non intra: de lieis serai aisi cum carn e ongla e non creirai castic d’amic ni d’oncle. Anc la seror de mon oncle non amei plus ni tan, per aquest’arma, qu’aitan vezis cum es lo detz de l’ongla, s’a lieis plagues, volgr’esser de sa cambra: de me pot far l’amors qu’ins el cor m’intra miels a son vol c’om fortz de frevol verja. Pus floric la seca verja ni de n’Adam foron nebot e oncle tan fin’amors cum selha qu’el cor m’intra non cug fos anc en cors no neis en arma: on qu’eu estei, fors en plan o dins cambra, mos cors no·s part de lieis tan cum ten l’ongla. Aissi s’empren e s’enongla mos cors en lieis cum l’escors’en la verja, qu’ilh m·es de joi tors e palais e cambra; e non am tan paren, fraire ni oncle, qu’ en Paradis n’aura doble joi m’arma, si ja nulhs hom per ben amar lai intra. Arnaut tramet son cantar d’ongl’e d’oncle a Gran Desiei, qui de sa verj’a l’arma, son cledisat qu’apres dins cambra intra.
O firme intento em mim entra língua não pode estraçalhar, nem unha De falador, que fala e perde a alma; E se não sei lhe dar com o ramo ou verga, Lá onde ninguém pode contar meu sonho, Irei fruí-lo em vergel ou em câmara. Quando me lembro de sua câmara Onde eu sei que nenhum homem entra, Por mais que irmão ou tio danem meu sonho, Eu tremo – membro a membro – até a unha, Como faz um menino em frente à verga: Tanto é o temor de que me falta a alma. Antes meu corpo, e não a minha alma, Consentisse colher em sua câmara Fere-me o corpo mais do que uma verga, Que onde ele está nem o seu servo entra. Com ela eu estaria em carne e unha, Sem castigo de amigo ou tio, nem sonho. A irmã de meu tio nem por sonho Eu não amei assim com tanta alma! Vizinho como dedo de uma unha, Se ela quiser, serei de sua câmara. A mim o amor que no meu corpo entra Faz como um homem forte a frágil verga. Desde que há flor na seca verga E Adão deu neto ou tio, não houve sonho De amor tão grande como o que me entra No coração, no corpo e até na alma. Onde quer que ele esteja, em praça ou câmara, A ela estou unido como à unha.
É assim que entranha e se enunha Nele este anelo como casca em verga; O amor me faz palácio, torre e câmara E a irmão, pai, tio desdenho no meu sonho. Ao paraíso em riso irá minha alma Se lá por bem amar um homem entra. Arnaut tramou seu canto de unha e sonho Só por aquela que lhe verga a alma De amante que, só mente, em câmara entra.59 A ordem que governa a repetição das rimas é, como vocês podem ver, a assim chamada retrogradatio cruciata, uma alternância de inversão e de progressão, pela qual a última palavra-rima de uma estrofe torna-se a primeira da seguinte, a primeira desliza para a segunda, a penúltima para o terceiro lugar e a segunda para o quarto, etc., de modo que, se o movimento continuasse para além das seis estrofes, a sétima repetiria a mesma ordem da primeira. Não é, porém, tanto a trama numerológica que – ao menos por enquanto – nos interessa quanto a estrutura temporal que, desse modo, a sextina coloca em obra. Pois a sequência dos 39 versos (36 + 3), que poderia idealmente dispor-se segundo uma sucessão perfeitamente homóloga ao tempo cronológico linear, é, ao contrário, escandida e animada através do jogo alternado das palavras-rima, de modo que cada uma delas retoma e lembra uma outra palavra-rima (ou, melhor, a si mesma como outra) nas estrofes precedentes e, ao mesmo tempo, anuncia a sua própria repetição nas estrofes seguintes. Através desse complicado vai e vem, voltado, ao mesmo tempo, para frente e para trás, a sequência cronológica do tempo homogêneo linear se transforma completamente para compor-se em constelações rítmicas que estão, elas mesmas, em movimento. Não há aqui, no entanto, um outro tempo que, chegando não se sabe de onde, substitui o tempo cronológico; ao contrário, é esse mesmo tempo cronológico que, através das suas mais ou menos recônditas pulsações internas, se organiza para dar lugar ao tempo do poema. Até que, precisamente no momento do fim, quando o movimento retrógrado-cruzado se concluiu, e o poema parece condenado a se repetir, a tornada retoma e
recapitula as palavras-rima em uma nova sequência, que exibe ao mesmo tempo a sua singularidade e a sua secreta conexão. Creio que, agora, vocês terão perfeitamente compreendido em que sentido propus a vocês a sextina como modelo em miniatura do tempo messiânico. A sextina – e, nesse sentido, todo poema – é uma máquina soteriológica que, através da sofisticada mēchanḗ dos anúncios e das retomadas das palavras-rima – que correspondem às relações tipológicas entre passado e presente – transforma o tempo cronológico em tempo messiânico. E assim como este não é um outro tempo em relação ao tempo cronológico e à eternidade, mas é a transformação que o tempo sofre colocando-se como resto, do mesmo modo o tempo da sextina é a metamorfose que o tempo sofre enquanto tempo do fim, enquanto tempo que o poema leva para findar. A coisa mais surpreendente é que – ao menos no caso da sextina – a analogia estrutural não parece ser casual. Os estudiosos modernos descobriram a importância das relações numerológicas na poesia medieval. Assim, a evidente relação da sextina com o número seis foi oportunamente colocada em conexão (DURLING e MARTINEZ, p. 270) com o significado particular que esse número tem na narrativa da criação. Já Honório de Autun sublinhava num dístico a importância do sexto dia – no qual ocorreram a criação e a queda do homem – e da sexta idade do mundo, em que se cumpre a sua redenção: sexta namque die Deus hominem condidit, sexta aetate, sexta feria, sexta hora eum redimit. Em Dante, a “hora sexta” remete explicitamente às seis horas de Adão no Paraíso (Par., XXVI, p. 141-142: de la prim’ora a quella che seconda/come ‘l sol muta quadro, l’ora sesta), e o seu uso da sextina nas rimas petrosas tinge-se, portanto, de um significado soteriológico (Adão é o tipo do messias). O movimento da sextina através das suas seis estrofes repete aquele dos seis dias da criação e, ao mesmo tempo, articula a sua relação com o sábado (a tornada) como cifra do cumprimento messiânico do tempo. Dir-se-ia que Arnaut, como o autor do Gênesis Rabá, não considera o sábado como um dia homogêneo aos outros, mas, antes, como a recapitulação e a abreviação messiânica (a tornada em três versos recapitula a estrutura do poema inteiro) da história da criação. Por isso a sextina não pode realmente terminar, o seu fim, por assim dizer, falta – como falta a sétima estrofe.
Talvez essas considerações possam lançar alguma luz sobre o problema da origem da rima na poesia europeia – um problema sobre o qual os estudiosos estão muito distantes de ter alcançado sequer a sombra de acordo. O livro de Eduard Norden60 que nos ocorreu citar a propósito do estilo de Paulo, Die antike Kunstprosa, contém um longo e interessantíssimo apêndice sobre a história da rima. Segundo Norden – que deixa cair a velha questão sobre qual povo teria “inventado” ou introduzido a rima na poesia ocidental moderna (de acordo com W. Meyer,61 a rima teria origens semíticas) –, a rima nasce na retórica clássica, particularmente nos homeoteleutos que sublinhavam a figura chamada de paralelismo. A retórica considerada “asiana”, à qual Norden dedica grande parte das suas análises, fragmentava o período em breves commata ou cola, que vinham depois articulados e conectados através da repetição da mesma estrutura sintática. E é, de fato, no âmbito dessa paralela repetição dos cola que vemos aparecer pela primeira vez algo como uma rima, que ligava ulteriormente os membros contrapostos através da consonância das sílabas finais das últimas palavras (homeoteleutos). É uma teoria interessante e, ao mesmo tempo, não desprovida de uma certa ironia, porque faz derivar da prosa uma instituição que estamos habituados a associar exclusivamente à poesia. Mas ela não nos diz nada sobre as razões pelas quais uma figura retórica prosaica no fim das contas secundária foi transposta e absolutizada até definir uma instituição poética, em todos os sentidos, decisiva. Já lhes disse que a rima aparece na poesia latina cristã no fim da época imperial, e se desenvolve progressivamente até assumir no limiar da idade moderna a importância que nos é familiar. Georges Lote,62 na sua extraordinária Histoire du vers français, cita entre os primeiríssimos exemplos de poesia rimada uma composição de Agostinho, um autor que, como vocês sabem, era particularmente sensível ao problema do tempo. Nesse poema voltado contra os donatistas, verdadeiras e próprias rimas aparecem exatamente no ponto em que Agostinho retoma a parábola evangélica que compara o reino dos céus a uma rede de pescar peixes (LOTE, 1950, p. 38). E quando Lote quer citar uma composição poética na qual a rima é, então, tornada um princípio consciente de organização formal, o exemplo que ele dá concerne, precisamente, à hora novissima do evento messiânico (ibid., p. 98):
Hora sub hac novissima mundi petivit infima, promissus ante plurimis propheticis oraculis.63 Mas há mais. Os estudiosos da poesia latina cristã notaram que ela organiza a sua relação com a Sagrada Escritura segundo uma estrutura tipológica. Às vezes, como no caso do dístico epanaléptico em Sedúlio64 e em Rábano Mauro,65 essa estrutura tipológica se traduz em uma estrutura métrica, na qual typos e antítypos se correspondem através do paralelismo entre dois hemistíquios (a primeira metade do verso A corresponde à segunda metade do verso B). Nesse ponto, vocês terão já entendido a hipótese que pretendo sugerir, ainda que ela deva ser entendida muito mais como um paradigma epistemológico do que como uma hipótese histórico-genética: a rima nasce na poesia cristã como uma transcodificação métrico-linguística do tempo messiânico, estruturado segundo o jogo paulino das relações tipológicas e da recapitulação. Mas o próprio texto de Paulo – sobretudo se disposto, como fazem certas edições, em stichoi, isto é, em unidades sintagmáticas não muito diferentes dos cola e dos commata da retórica clássica – revelase integralmente animado por um jogo inaudito de rimas internas, de aliterações e de palavras-rima. Norden nota que Paulo se serve tanto do paralelismo formal da prosa da arte grega quanto do paralelismo semântico da prosa e da poesia semíticas; e já Agostinho, que, no entanto, lia Paulo em latim, havia percebido o seu uso da “figura que os Gregos chamam de klimax, e os Latinos, gradatio... que ocorre quando se conectam de modo alternado palavras e sentido” (AGOSTINHO, 1994, p. 266). Jerônimo – que, como exegeta de Paulo, é decadente e até mesmo malévolo – como tradutor entende, ao contrário, muito bem o valor de rima dos homeoteleutos, que se esforça por manter a todo custo. Paulo leva ao extremo o paralelismo, as antíteses e as homofonias da retórica clássica e da prosa hebraica – mas a fragmentação do período em versos breves e ofegantes, articulados e escandidos por rimas, alcança em Paulo um vértice desconhecido tanto na prosa grega quanto na semítica, que parece remeter a uma exigência interna e a uma motivação epocal.
Vou lhes dar somente alguns exemplos. O primeiro é a passagem sobre o hōs mē, que comentamos longamente. Uma tradução, mesmo que fiel, não faz jus à estrutura, por assim dizer, prosódica do original: kai oi klaíontes hōs mē klaíontes, kai oi chaírontes hōs mē chaírontes, kai oi agorázontes hōs mē katéchontes, kai oi chrṓmenoi ton kosmon hōs mē katachrṓmenoi Mais adiante, na mesma Primeira carta aos Coríntios (15,42-44): speíretai en phthorá egeíretai en aphtharsía, speíretai en atimía egeíretai en doxē, speíretai en astheneía egeíretai en dynámei, speíretai sōma psychicón egeíretai sōma pneumatikón66 E na Segunda Carta a Timóteo (4,7-8), em que a própria vida do apóstolo, chegada ao seu fim, parece rimar consigo mesma (Jerônimo parece observá-lo, pois na sua tradução multiplica as rimas: bonum certamen certavi/cursum consummavi/fidem servavi): ton kalón agṓna ēgṓnismai, ton dromon tetéleka tēn pistin tetḗrēka loipón apókeítai moi ho tēs diskaiosýnēs stéphanos.67
A rima – esta é a hipótese com a qual gostaria de concluir a nossa exegese do tempo messiânico – entendida em sentido amplo, como articulação da diferença entre série semiótica e série semântica, é a herança messiânica que Paulo deixa como herança para a poesia moderna, e a história e o destino da rima coincidem na poesia com a história e com o destino do anúncio messiânico. Em que medida isso deve ser entendido literalmente – isto é, em que sentido não se trata aqui simplesmente de uma secularização, mas de um verdadeiro e próprio legado teológico, que a poesia assume sem benefício de inventário –, um único exemplo o prova para além de toda dúvida. Quando Hölderlin, nos limiares do novo século, elabora a sua doutrina da despedida dos deuses – e, em particular, do último Deus, o Cristo –, então, no ponto em que assume essa nova ateologia, a forma métrica da sua lírica se rompe até perder, nos últimos hinos, toda identidade reconhecível. O afastamento dos deuses anda de mãos dadas com o desaparecimento da forma métrica fechada, a ateologia é imediatamente aprosodia. 50
Em francês, no original. Referência à obra de Baudelaire, As flores do mal. (N.T.)
51
Gianni Carchia (1947-2000), filósofo italiano. (N.T.)
52
Hans Blumenberg (1920-1996), filósofo alemão. (N.T.)
53
Karl Löwith (1897-1973), filósofo alemão de origem judia, foi aluno de Heidegger. (N.T.)
54
Antoine Meillet (1866-1936), linguista e helenista francês, autor do célebre Aperçu d’une histoire de la langue grecque (1913). (N.T.) 55
Giorgio Manganelli (1922-1990), escritor, jornalista, tradutor e crítico literário italiano. (N.T.)
56
Em alemão, no original. Tradução: Ele virá apenas um dia após sua chegada, ele não virá no último dia, mas no ultimíssimo. (N.T.) 57
Bereshit (Bereshít, “no início”, “no princípio”, primeira palavra do texto) é o nome da primeira parte da Torá. Bereshit é chamado comumente de Gênesis pela tradição ocidental. (N.T.) 58
Joaquim de Fiore (1132-1202), abade e teólogo italiano, defensor do milenarismo. (N.T.)
59
Tradução de Augusto de Campos, em CAMPOS, Augusto de. Invenção – a de Arnaut e Rimbaut a Dante e Cavalcanti. São Paulo: Arx, 2003, p. 141-143. (N.T.) 60
Eduard Norden (1868-1941), filólogo e historiador das religiões alemão. (N.T.)
61
Wilhelm Meyer-Lübke (1861-1936), filólogo suíço, autor de Romanisches etymologisches Worterbuch (1911). (N.T.) 62
Georges-Ernest Lote (1880-1949), filólogo francês, autor de La Rime et l’enjambement étudiés dans l’alexandrin français (1913). (N.T.) 63
“Nessa ultíssima hora/[Cristo] se dirigiu às partes ínfimas do mundo/depois de tê-lo prometido antes/por meio de muitos oráculos proféticos.” (N.T.) 64
Célio Sedúlio, poeta cristão do início do século V, autor de Carmen Paschale. (N.T.)
65
Rábano Mauro (780/784-856), erudito carolíngio e abade alemão, autor do célebre hino Veni Creator Spiritus. (N.T.) 66
“Se semeia em corrupção/se ressuscita em incorrupção,/se semeia em desonra,/se ressuscita em honra,/se semeia em fraqueza/se ressuscita em poder,/se semeia em corpo animado,/se ressuscita em corpo espiritual.” (N.T.) 67
“Competi em nobre competição/concluí a corrida,/guardei a fé/no mais me aguarda/a coroa da justiça.” (N.T.)
Quinta jornada Eis euaggélion theoú
Eis
Na terminologia de um autor, as hierarquias de caráter gramatical não têm relevância e uma partícula, um advérbio e até mesmo um sinal de pontuação podem assumir a posição de terminus technicus não menos que um substantivo. M. Puder notou a importância estratégica do advérbio gleichwohl, “não obstante”, em Kant; com razão idêntica poderíamos assinalar a função decisiva que em Heidegger têm tanto o advérbio schon, “já”, quanto o hífen em expressões como In-der-Welt-sein ou Da-sein: o hífen é o mais dialético dos sinais de pontuação, porque une somente na medida em que separa. Não surpreende, portanto, que, em Paulo, a preposição eis, que em grego indica geralmente o movimento em direção a algo, possa adquirir um caráter terminológico. Paulo se serve dela, de fato, para exprimir a natureza da fé, em fórmulas como pisteúein eis – ou pistis eis – christón Iēsoún (que, através da tradução de Jerônimo, se tornarão o nosso “crer em”, “fé em”). Mas, como analisaremos esse uso paulino específico a propósito do seguinte termo euaggélion, adiemos para mais tarde toda consideração ulterior.
Euaggélion
Euaggélion (como o hebraico besora – mas na Bíblia e na versão dos Setenta aparecem, sobretudo, as formas verbais bsr e euaggelízesthai) significa “a boa nova”, “a mensagem feliz” anunciada pelo euággelos, o mensageiro de alegria. O termo indica tanto o ato do anúncio quanto o seu conteúdo. Por isso, em perfeita indistinção entre os dois sentidos, Paulo se serve por duas vezes na Carta aos Romanos (2,16; 16,25) da fórmula “segundo o meu bom anúncio” (katá ton euaggélion emoú). Somente mais
tarde, quando se começou a formar um cânone escritural, o termo se identificou com um texto escrito. Assim, já Orígenes (primeira metade do século III) sente a necessidade de precisar a diferença, justamente a propósito da fórmula paulina katá ton euaggélion emoú: “nos escritos de Paulo”, ele escreve, “nós não encontramos um livro chamado euaggélion, mas tudo aquilo que ele proclamou e disse era euaggélion, anúncio” (ORÍGENES, 1993, p. 73). Ao mesmo período remonta a brincadeira de Rabbi Meir, que, com um jogo de palavras entre o grego e o hebraico, chama o euaggélion cristãos awen gillaion, “a margem do desastre” – o que é compreensível somente porque euaggélion indicava, agora, também um livro. Assim como o apóstolo se distingue do profeta, do mesmo modo a estrutura temporal implícita no seu euaggélion distingue-se daquela da profecia. O anúncio não se refere a um acontecimento futuro, mas a um fato presente. “Euaggélion, escreve Orígenes, é um discurso [logos] que contém para aquele que crê a presença [parousía] de um bem, ou um discurso que anuncia que um bem esperado está presente [pareínai]” (ibid., p. 75). Essa definição apreende perfeitamente o nexo anúncio-fé-presença (euaggélionpistis-parousía) que tentaremos compreender. O problema do significado do termo euaggélion não pode ser separado daquele do significado do termo pistis, “fé”, e da parousía que ele implica. O que é um logos capaz de operar, para quem o escuta e crê, uma presença? Nesse sentido, toda a Carta aos Romanos não é senão uma paráfrase do termo euaggélion que aparece no incipit – e, ao mesmo tempo, ela coincide com o conteúdo do anúncio. A Carta é, aliás, a impossibilidade de distinguir entre o anúncio e o seu conteúdo. Quando os léxicos teológicos modernos observam que, em Paulo, “o euaggélion como promessa de salvação une, ao mesmo tempo, a concepção teológica de uma palavra que promete com aquela de um bem que é objeto de promessa”, o que é necessário pensar é precisamente o sentido dessa coincidência. Medir-se com o euaggélion significa necessariamente adentrar-se numa experiência de linguagem, na qual o texto da carta se confunde, em todos os momentos, com o anúncio e este, com o bem anunciado. Pistis é o nome que Paulo dá a essa zona de indiferença. Logo depois do início da Carta, Paulo define a relação essencial entre euaggélion e pistis nestes termos: “o anúncio é potência [dýnamis] para a salvação para todo
aquele que crê [panti to pisteúonti]” (Rm 1,16). Essa definição parece implicar que o anúncio – enquanto dýnamis, potencialidade (dýnamis significa tanto potência quanto possibilidade) – tenha necessidade, para a sua eficácia, do complemento da fé (“para todo aquele que crê”). Paulo conhece perfeitamente a oposição – tipicamente grega, ao mesmo tempo categoria de língua e de pensamento – entre potência (dýnamis) e ato (enérgeia) e faz referência a ela em outras passagens (Ef 3,7: “segundo a enérgeia da sua dýnamis”; Fl 3,21: “segundo a enérgeia do dýnasthai”). Além disso, ele aproxima frequentemente fé e enérgeia, ser em ato: aliás, em relação à potência, a fé é, por excelência, “energumena” (energouménē), princípio de atualidade e de operação (Gl 5,6: “pistis di’ agápēs energouménē, fé que é em obra através do amor”; Cl 1,29: “segundo a sua [do messias] enérgeia, que é operante [energouménē] na minha potência”). No entanto, esse princípio não é, para Paulo, algo exterior ao anúncio, mas é precisamente aquilo que – nele – coloca em ato a sua potência (Gl 3,4: “aquilo que em vós coloca em ato as potências [energón dynámeis] provém da escuta da fé”) e pode, portanto, ser apresentado como o próprio conteúdo do anúncio (Gl 1,23: “ele [Paulo] anuncia agora a fé [euaggelízetai tēn pistin]”). Aquilo que é anunciado é a mesma fé que realiza a potência do anúncio. A fé é o ser em ato, a enérgeia do anúncio.
Plērophoría
O euaggélion não é, de fato, simplesmente um discurso, um logos que diz algo sobre algo, independentemente do lugar da sua enunciação e do sujeito que o escuta. Ao contrário, “o nosso anúncio não se produziu [egenḗthē] somente num discurso [en logō], mas também em potência e em muita plērophoría” (1 Ts 1,5). Plērophoría não significa simplesmente “convicção”, no sentido de um estado de ânimo interior, e nem mesmo, como alguém sugeriu, “abundância de atividade divina”. O termo é etimologicamente perspícuo: pleros significa “pleno, realizado”, e phoréō, frequentativo de pherō, significa “levar assiduamente” ou, na voz passiva, “ser violentamente transportado”. O composto significa, portanto: levar à plenitude, ou, na voz passiva, ser transportado em plenitude, aderir plenamente a algo, sem que restem vazios – e, nesse sentido, estar convencido (no sentido não psicológico, mas ontológico que
Michelstaedter68 dá ao termo “persuasão”). O anúncio não é um logos em si vazio, que pode, porém, ser acreditado e verificado: ele nasce – egenḗthē – na fé de quem o profere e de quem o escuta, e vive somente nela. A implicação recíproca entre anúncio, fé e plērophoría é reforçada em Rm 4,22, em que o apóstolo parece quase avizinhar-se à consciência de um poder performativo específico implícito na promessa (epaggelía, de que Paulo destaca no início da carta a conexão etimológica com euaggélion: euaggélion ho proepēggeílato, “o anúncio que havia sido preanunciado” – isto é, prometido: ibid. 1,1-2). A fé consiste na plena persuasão da necessária unidade de promessa e de realização: “Ele (Abraão) sendo plenamente persuadido de que aquele que prometeu é também capaz de fazer...” O anúncio é a forma que a promessa toma na contração do tempo messiânico.
Nomos
A compreensão do significado do termo euaggélion implica, nesse sentido, a compreensão dos termos pistis e epaggelía. Por outro lado, o tratamento paulino da fé e da promessa é desenvolvido em um contraponto tão estreito com uma crítica da lei que se pode dizer que as dificuldades e as aporias que esse tratamento implica coincidem integralmente com as dificuldades e as aporias da sua crítica do nomos e que somente resolvendo-as se pode entrar naquele. O caráter aporético do tratamento paulino do problema da lei já foi notado pelos comentadores mais antigos, particularmente por Orígenes, que é o primeiro a comentar sistematicamente a Carta aos Romanos. Antes dele, há quase dois séculos de silêncio enigmático, interrompido apenas por alguma citação, nem sempre favorável; depois dele, começa o florescimento interminável dos comentários, seja em grego – João Crisóstomo, Dídimo, o Cego, Teodoro de Ciro, Teodoro de Mopsuéstia, Cirilo de Alexandria, etc. –, seja em latim – o primeiro é Mário Vitorino, certamente um escritor muito entediante (Hadot jamais se perdoou por lhe ter dedicado 20 anos de sua vida), mas que como mediador entre a cultura grega e a cultura cristã desempenhou uma função fundamental. Orígenes – que, como teórico da interpretação, é insuperável – tinha aprendido com um rabino (como ele mesmo nos informa) a comparar os textos da Escritura a uma multidão de cômodos numa casa, cada um dos
quais está fechado à chave; em cada fechadura está uma chave, mas alguém se divertiu trocando-as, por isso elas não correspondem mais à porta em que se encontravam. Mas, diante das obscuridades do tratamento paulino da lei na Carta aos Romanos, Orígenes sente a necessidade de complicar ulteriormente o apólogo rabínico e compara o texto a um palácio real cheio de cômodos magníficos, em cada um dos quais existem outras portas escondidas. Como o apóstolo, compondo o seu escrito, entra por uma porta e sai, sem ser visto, por uma outra (per unum aditum ingressus per alium egredi, recita a má tradução de Ruffin – infelizmente o original está perdido: ORÍGENES, 1993, p. 42), nós não conseguimos entender o texto e temos a impressão de que, falando da lei, ele caia em contradição. Um século depois, Ticônio – um personagem extremamente interessante, cujo Liber regularum é muito mais que o primeiro tratado sobre a interpretação das Escrituras –, propondo-se emprestar as “chaves e lâmpadas” (TICÔNIO, 1989, p. 3) para abrir e iluminar os segredos da tradição, dedicava a mais longa das suas regulae precisamente às aporias do tratamento paulino e à contradição aparente entre promessa e lei que ele contém. Os termos do problema são conhecidos. Tanto na Carta aos Romanos quanto na Carta aos Gálatas Paulo contrapõe epaggelía e pistis, de um lado, e nomos, do outro. Trata-se, para ele, de situar a fé, a promessa e a lei em relação ao problema decisivo do critério da salvação, segundo a afirmação peremptória de Rm 3,20: “pelas obras da lei nenhuma carne será justificada perante a Deus”; e em 3,28: “consideramos, de fato, que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei”. Paulo se lança aqui em formulações que soam fortemente antinomistas, até afirmar que “o que a lei diz... o diz para que toda boca seja selada e todo mundo seja culpado diante de Deus”, e que a lei foi dada não para a salvação, mas “para o conhecimento (epígnōsis, ‘conhecimento a posteriori’) do pecado” (Rm 3,19-20).
Abraão e Moisés
É nesse sentido que, imediatamente depois, a promessa é contraposta à lei e – ainda mais claramente na Carta aos Gálatas – Abraão é jogado, por assim dizer, contra Moisés. “Não através da lei foi feita a Abraão e ao seu sêmen a
promessa de se tornarem herdeiros do mundo, mas através da justiça da fé” (Rm 4,13). A promessa feita a Abraão é genealogicamente anterior à lei mosaica, que – segundo a cronologia judaica – advém apenas 430 anos depois, e não pode, portanto, evocá-la. “A lei, surgida 430 anos depois, não invalida um pacto concluído por Deus, tornando, assim, inoperante a promessa. Se a herança viesse da lei, ela não seria mais proveniente da promessa; mas Deus deu graça a Abraão mediante a promessa. Por que, então, a lei? Foi acrescentada por causa das transgressões, até que viesse o sêmen ao qual havia sido feita a promessa” (Gl 3,17-18). O antagonismo entre epaggelía-pistis e nomos parece aqui opor dois princípios, em todos os sentidos, heterogêneos. A questão não é, porém, tão simples. Antes de tudo, Paulo – não certamente apenas por uma sagacidade estratégica – tende continuamente a reforçar a santidade e a bondade da lei (“A lei é santa e o mandamento é santo, justo e bom”, Rm 7,12). Além disso, ele parece neutralizar em outros momentos a mesma antítese para articular uma relação mais complicada entre promessa-fé e lei. Assim, em Rm 3,31, ele atenua – embora na forma de uma interrogação retórica – o seu gesto antinômico: “Tornemos, portanto, inoperante a lei através da fé? De forma alguma! Ao contrário, mantenhamos firme a lei”. E em Gl 3,11-12, o apóstolo parece excluir aporeticamente uma sujeição hierárquica da lei em relação à fé: “Que ninguém através da lei seja justificado junto a Deus é evidente, pois ‘o justo viverá pela fé’. A lei não provém, no entanto, da fé, mas ‘quem tiver colocado em prática essas coisas, viverá através delas’”. A citação cruzada de Hab 2,4 (“o justo viverá pela fé”) e de Lv 18, 5 (Deus diz a Moisés: “Fala aos Israelenses e diz-lhes: ...Colocai em prática a minha lei e os meus preceitos e os executai, e aquele que os tiver colocado em prática, viverá através deles”) sugere aqui não tanto uma oposição ou uma relação de subordinação hierárquica entre a lei e a fé, quanto uma relação mais íntima, quase fazendo com que elas, como Ticônio tinha observado, se implicassem e se confirmassem reciprocamente (invicem firmant). Tentemos apreciar mais de perto no texto paulino os termos dessa aporia, sobre os quais já se discutiu muito. É sabido que nomos, no judeugrego da versão dos Setenta e de Paulo, é um termo genérico, que tem muitos significados. Paulo tem, por isso, o cuidado de precisar muitas vezes o sentido em que o nomos é contraposto à epaggelía e à pistis: trata-se da lei no seu aspecto prescritivo e normativo, que ele chama de nomos tōn
entolṓn, “lei dos mandamentos” (Ef 2,15) – entolḗ é, na versão dos Setenta, a tradução do hebraico miswa, preceito legal; lembrem-se das 613 miswoth que todo judeu deve observar! – ou também nomos tōn ergōn, “lei das obras” (Rm 3,27-28), isto é, atos cumpridos em execução dos preceitos. A antítese diz respeito, portanto, à epaggelía e à pistis, por uma parte, e, por outra, não simplesmente à Torá, mas ao seu aspecto normativo. Por isso Paulo, numa passagem importante (ibid. 3,27), pode contrapor ao nomos tōn ergōn um nomos písteōs, uma lei da fé: a antinomia não concerne dois princípios irrelatos e inteiramente heterogêneos, mas é uma oposição interna ao mesmo nomos – a oposição entre um elemento normativo e um elemento promissivo. Há, na lei, algo que excede constitutivamente a norma e é irredutível a ela – e é a esse excesso e a essa dialética interna à lei que Paulo se refere através do binômio epaggelía (cujo correlato é a fé)/nomos (cujo correlato são as obras). No mesmo sentido, em 1 Cor 9,21, depois de ter dito ter-se tornado hōs ánomos, “como sem lei”, com aqueles que são sem lei (isto é, os gojim), ele corrige imediatamente essa afirmação precisando não ser ánomos theoú, “fora da lei de Deus”, mas énnomos christoú, “na lei do messias”. A lei messiânica é a lei da fé, e não simplesmente a negação da lei: mas isso não significa que se trata de substituir novos preceitos às velhas miswoth – trata-se, antes, de opor uma figura não normativa da lei àquela normativa.
Katargeín
Se isso for verdade, como devemos entender esse aspecto não normativo da lei? E qual é a relação que existe entre essas duas figuras do nomos? Comecemos respondendo à segunda questão. Antes de tudo, uma observação de caráter lexical. Para exprimir a relação entre epaggelía-pistis e nomos – e, mais em geral, entre o messiânico e a lei – Paulo se serve constantemente de um verbo sobre o qual deveremos deter-nos um pouco, porque me ocorreu, a propósito, fazer uma descoberta, para um filósofo, no mínimo surpreendente. Trata-se do verbo katargéō, um verdadeiro termochave do vocabulário messiânico paulino (das 27 ocorrências no Novo Testamento, 26 estão nas Cartas!). Katargéō é um composto de argeō, que deriva por sua vez do adjetivo argós, que significa “inoperante, não-em-
obra (a-ergos), inativo”. O composto, então, quer dizer “torno inoperante, desativo, suspendo a eficácia” (ou como sugere o Thesaurus, de Stefano, reddo aergon et inefficacem, facio cessare ab opere suo, tollo, aboleo). Como já observado por Stefano, o verbo é essencialmente neotestamentário e, portanto, como vimos, genuinamente paulino. Até Paulo é extremamente raro (encontramo-lo em Eurípedes, a propósito das mãos deixadas inoperosas, e em Políbio, numa passagem que Suda glosa anenergḗton einai, “ser inoperante”); depois de Paulo, é muito frequente nos Padres gregos (146 ocorrências somente em João Crisóstomo), que obviamente derivam dele e, portanto, só podem nos servir indiretamente para entender o uso paulino. Antes de Paulo, num contexto que ele não podia ignorar, é notável o uso da forma argéō nos Setenta, para traduzir um verbo hebraico que significa o repouso do sábado (por exemplo, em 2 Mac 5,25): não é certamente um acaso que no termo com o qual o apóstolo exprime o efeito do messiânico sobre as obras da lei ecoe um verbo que significa a suspensão sabática das obras. Vocês podem encontrar elencados nos léxicos neotestamentários as 22 ocorrências do verbo no texto paulino; eu me limitarei em lhes dar uma amostra significativa. Antes de tudo, uma consideração de caráter geral sobre o significado do termo. Como vimos, esse termo (que Jerônimo traduz prudentemente por evacuari, “esvaziar”) não significa, como se lê frequentemente nas traduções modernas, “aniquilar, destruir” – ou, ainda pior, num léxico recente, “fazer perecer”: “o criador, além do seu potente assim seja!, pronuncia também o seu potente pereça! [katargéō, correspondente negativo de poiéō]”. Como também o mais elementar conhecimento do grego deveria ter ensinado, o correspondente positivo de katargéō não é poiéō, mas energéō, coloco em obra, ativo. Tanto mais que é o próprio Paulo que joga com essa correspondência numa passagem significativa, com a qual podemos começar a nossa exemplificação: “Quando estávamos na carne, as paixões do pecado estavam colocadas em ato [enērgeíto] através da lei nos nossos membros para levar frutos à morte; agora, ao contrário, fomos des-ativados [katergēthḗmen, “tornados inoperosos”] em relação à lei” (Rm 7,5-6). Como a oposição etimológica com energéō mostra claramente, katargéō indica o fazer sair da enérgeia, do ato (na voz passiva, o não ser mais em ato, o estar suspenso). Paulo – como vimos – conhece perfeitamente a relação opositiva tipicamente grega
dýnamis/enérgeia, potência/ato, com a qual joga várias vezes. Nessa relação, o messiânico opera uma inversão análoga àquela que, segundo Scholem, caracteriza o waw conversivo: assim como, por efeito deste, o inacabado torna-se acabado e o acabado inacabado, do mesmo modo, aqui, a potência passa ao ato e alcança o seu telos não na forma da força e do ergon, mas naquela da asthéneia, da fraqueza. Paulo formula esse princípio de inversão messiânica da relação potência-ato na célebre passagem em que, enquanto pede ao Senhor para libertá-lo do espinho cravado na sua carne, ele se ouve responder: “a potência se cumpre na fraqueza” (dýnamis en astheneía teleítai: 2 Cor 12,9) – reforçado no versículo seguinte: “Quando sou fraco, então sou potente”.
Asthéneia
Como devemos entender o telos de uma potência que se realiza na fraqueza? A filosofia grega conhecia o princípio segundo o qual privação (stérēsis) e impotência (adynamía) são, de algum modo, uma espécie de potência (“toda coisa é potente ou através do ter alguma coisa, ou pela privação dessa mesma coisa”, Metafísica 1019b, 9-10; “toda potência é impotência em relação ao mesmo e segundo o mesmo”, ibid., 1046a, 32). Para Paulo, a potência messiânica não se esgota no seu ergon, mas permanece nele potente na forma da fraqueza. A dýnamis messiânica é, nesse sentido, constitutivamente “fraca” – mas é precisamente através da sua fraqueza que pode exercitar os seus efeitos: “Deus escolheu as coisas fracas do mundo para confundir as fortes” (1 Cor 1,27). A inversão messiânica da relação potência-ato tem também um outro aspecto. Como a potência messiânica se realiza e age na forma da fraqueza, ela tem efeito sobre a esfera da lei e das suas obras não simplesmente negando-as ou aniquilando-as, mas des-ativando-as, tornando-as inoperantes, não-mais-em-obra. Esse é o sentido do verbo katargéō: assim como, no nomos, a potência da promessa foi transposta em obras e em preceitos obrigatórios, de modo correspondente, agora, o messiânico torna essas obras in-operantes, as restitui à potência na forma da inoperosidade e da inefetividade. O messiânico é não a destruição, mas a desativação e a inexecutabilidade da lei.
Somente nessa perspectiva são compreensíveis as afirmações paulinas segundo as quais o messias, por um lado, “tornará inoperante (katargḗsē) todo principado, toda potestade e potência” (1 Cor 15,24) e, por outro, constitui “o telos da lei” (Rm 10,4). Perguntou-se – na verdade com pouca inteligência – se telos significa, aqui, “fim” ou “cumprimento”. Somente enquanto torna inoperoso o nomos, o faz sair da obra e o restitui, assim, à potência, o messias pode representar o seu telos, ao mesmo tempo fim e cumprimento. É possível levar a lei ao seu cumprimento, apenas se ela foi antes restituída à inoperosidade da potência. Como está dito na originalíssima perícope de 2 Cor 3,12-13, o messias é telos tou katargouménou, “cumprimento daquilo que foi des-ativado”, obrigado a sair do ato – isto é, ao mesmo tempo, desativação e cumprimento. Daí a ambiguidade do gesto em Rm 3,31, que constitui a pedraobstáculo de todas as leituras da crítica paulina da lei: “Tornemos, portanto, inoperante [katargoúmen] a lei através da fé? De forma alguma! Ao contrário, mantenhamos firme (histánomen) a lei”. Os primeiros comentadores já tinham notado que o apóstolo parece aqui contradizer-se (contraria sibi scribere: ORÍGENES, 1993, p. 150): depois de ter declarado muitas vezes que o messiânico torna inoperosa a lei, aqui parece afirmar o contrário. Na verdade é precisamente o significado do seu terminus technicus que se trata, aqui, para o apóstolo, de precisar, reportando-o ao seu étimo. O que é desativado, obrigado a sair da enérgeia, não é, por isso, anulado, mas conservado e mantido firme para o seu cumprimento. Há uma passagem extraordinária de João Crisóstomo em que ele analisa esse duplo significado do katargeín paulino. Quando o apóstolo usa esse verbo (por exemplo, na expressão gnōsis katargēthḗsetai: 1 Cor 13,8), ele chama, na realidade, de katárgēsis não a destruição do ser (aphánisis tes ousías), mas o progresso em direção a um estado melhor. Isso significa o termo katargeítai, como ele nos explica mais adiante. A fim de que, ouvindo essa palavra, não se creia que se trate de uma destruição total, mas, de algum modo, de um acréscimo e de um dom em direção ao melhor, depois de ter dito katargeítai ele acrescenta: “em parte conhecemos e em parte profetizamos; mas quando se realizar o cumprimento, então aquilo que é em parte katargēthḗsai”, ou seja, não será mais parcial, mas cumprido... O tornar inoperante [katárgēsis] é um cumprimento (plḗrōsis) e um acréscimo em direção ao melhor [pros to meizon epídosis] (CRISÓSTOMO, p. 104).
A katárgēsis messiânica não abole simplesmente, mas conserva e leva ao cumprimento.
Aufhebung
Nesse ponto devo lhes falar da descoberta à qual havia acenado a propósito da vida póstuma do verbo katargeín em âmbito filosófico. Qual é, de fato, o termo com o qual Lutero traduz o verbo paulino tanto em Rm 3,31 quanto na maior parte das suas ocorrências no texto das Cartas? Aufheben – isto é, exatamente a palavra sobre cujo duplo significado (“abolir” e “conservar”, aufbewahren e aufhören lassen) Hegel funda a sua dialética! Uma análise do léxico luterano mostra que Lutero é consciente do duplo significado do verbo, que antes dele é testemunhado, mas não é frequente, e que é, portanto, com toda probabilidade, através da tradução das cartas paulinas que o termo adquiriu a fisionomia particular que Hegel devia apreender e desenvolver. É porque foi usado para traduzir o gesto antinômico da katárgēsis paulina (heben wir das Gesetz auff/durch den glauben? Das sey ferne/sondern wir richten das Gesetz auff) que o verbo alemão assumiu aquele duplo significado, do qual o “pensador especulativo” não pode senão “alegrar-se” (HEGEL, 1971, p. 113). Um termo genuinamente messiânico, que exprime a transformação da lei por efeito da potência da fé e do anúncio, torna-se assim o termo-chave da dialética. Que ela seja – nesse sentido – uma secularização da teologia cristã não é uma novidade; mas que Hegel – não sem alguma ironia – tenha aplicado à teologia uma arma que ela mesma continha – e que essa arma fosse autenticamente messiânica – não é certamente irrelevante. Se a genealogia da Aufhebung aqui proposta for correta, então não somente o pensamento hegeliano, mas toda a modernidade – entendendo com esse termo a época que está sob o signo da Aufhebung dialética – está empenhada num corpo a corpo hermenêutico com o messiânico, no sentido de que todos os seus conceitos decisivos são interpretações e secularizações mais ou menos conscientes de um tema messiânico. Na Fenomenologia do espírito, a Aufhebung faz a sua aparição a propósito da dialética da certeza sensível e da sua expressão na linguagem através do “isto” (diese) e do “agora” (jetzt). Através da Aufhebung, Hegel não faz senão descrever o próprio movimento da linguagem, que tem a “divina natureza” de transformar a certeza sensível em um negativo e em um nada e, então, de conservar esse nada, transformando o negativo em ser. No “isto” e no “agora”, o imediato está, desde sempre aufgehoben, removido e conservado. Enquanto o “agora” já cessou de ser no momento em que é proferido (ou escrito), a tentativa de apreender o agora produz desde sempre um passado – um
gewesen, que, como tal, é kein Wesen, um não-ser – e é esse não-ser que é conservado na linguagem e colocado, assim, somente no fim, como aquilo que verdadeiramente é. O “mistério eleusino” da certeza sensível, cuja exposição abre a Fenomenologia do espírito, não é nada mais que a exposição da estrutura da significação linguística em geral. Nos termos da linguística moderna, referindo-se ao seu próprio ter lugar através dos indicadores da enunciação “isto” e “agora”, a linguagem produz como um passado e, ao mesmo tempo, difere em direção ao futuro o sensível que nela se exprime e, desse modo, já está sempre tomada numa história e num tempo. Em todos os casos, pressuposto da Aufhebung é que aquilo que é removido não seja completamente anulado, mas, de algum modo, persista e possa, assim, ser conservado (Was sich aufhebt, wird dadurch nicht zu Nichts: ibid.). Aqui o problema da Aufhebung mostra a sua conexão – e, ao mesmo tempo, a sua diferença – com o problema do tempo messiânico. Também o tempo messiânico – enquanto tempo operativo – introduz no tempo representado uma desconexão e um atraso, mas este não pode ser acrescentado ao tempo como um suplemento ou uma dilação infinita. Ao contrário, o messiânico – a inapreensibilidade do “agora” – é precisamente o hiato pelo qual é possível apreender o tempo, cumprir e fazer findar a nossa representação do tempo. Na katárgēsis messiânica, a Torá tornada inoperosa não é tomada num diferimento e numa demora infinita – ela encontra, antes, o seu plḗrōma. Em Hegel, uma exigência genuinamente messiânica reemerge no problema do plḗrōma dos tempos e do fim da história. Mas o pleroma é pensado por Hegel não como a relação de cada instante com o messias, mas como o resultado último de um processo global. Os intérpretes franceses de Hegel – na verdade, trata-se, antes, de intérpretes russos: Koyré e Kojève, o que não surpreende, se se considera a importância da apocalíptica na cultura russa do século XX – partem, assim, da convicção de que “a filosofia hegeliana, o ‘sistema’ somente são possíveis se a história fosse finita; se não existisse mais porvir e o tempo pudesse deter-se” (KOYRÉ, 1935, p. 458). Mas – como é evidente em Kojève – eles terminam por achatar o messiânico sobre o escatológico, identificando o problema do tempo messiânico com aquele da pós-história. Que o conceito de dés’uvrement – que é uma boa tradução do katargeín paulino – faça a sua primeira aparição na filosofia do século XX justamente em Kojève, para definir a condição do homem pós-histórico, o voyou dés’uvré como “šabbat do homem” (KOJÈVE, 1952, p. 396) depois do fim da história, prova suficientemente que a conexão com o tema messiânico não está aqui, todavia, ainda totalmente neutralizada.
Grau zero Considerações, de algum modo, análogas podem ser feitas tanto para os conceitos de oposição privativa, grau zero e excedência do significante nas ciências humanas do século XX, quanto para os de traço e de suplemento originário no pensamento contemporâneo. O conceito de oposição privativa em Trubetzkoy69 define uma oposição em que um dos dois termos é caracterizado pela existência de uma marca e o outro pela sua falta. O pressuposto, aqui, é que o termo não marcado não se oponha ao marcado simplesmente como uma ausência (um nada) a uma presença, mas que a não-presença equivalha, de algum modo, a um grau zero de presença (isto é, que a presença falte na sua ausência). Isso se mostra, segundo Trubetzkoy, no fato de que, quando a oposição é neutralizada – Trubetzkoy se serve aqui não por acaso do termo Aufhebung, que, na Ciência da lógica, implica realmente a unidade dos opostos –, o termo marcado perde valor e o não marcado permanece unicamente relevante assumindo o papel de arquifonema, isto é, de representante do conjunto dos traços distintivos comuns aos dois termos. Ou seja, na Aufhebung o termo não marcado – enquanto signo de uma falta de signo – vale como arquifonema, significação zero, e a oposição é removida e, ao mesmo tempo, conservada como grau zero da diferença. (Foi Jakobson – seguindo os rastros de Bally70 – quem sistematizou o uso das expressões “signo zero” e “fonema zero” em vez daquelas de grau não marcado e de arquifonema. Assim, para Jakobson, o fonema zero, mesmo não comportando nenhum
caráter diferencial, tem como função própria a de opor-se à simples ausência de fonema. O fundamento filosófico desses conceitos está na ontologia aristotélica da privação. Aristóteles (Met. 1004a, 16) distingue, de fato, a privação (stérēsis) da simples ausência (apousía), na medida em que a privação implica ainda um remetimento ao ser ou à forma da qual há privação, que se manifesta, de algum modo, através da sua falta. Por isso Aristóteles pode escrever que a privação é uma espécie de eidos, de forma.) Em 1957, Lévi-Strauss desenvolveu esses conceitos na sua teoria da excedência constitutiva do significante em relação ao significado. Segundo essa teoria, a significação está originalmente em excesso em relação aos significados que podem preenchê-la, e essa distância se traduz na existência de significantes livres ou flutuantes, em si mesmos vazios de sentido, cuja única função é exprimir a distância entre significante e significado. Ou seja, trata-se de não-signos, ou de signos em estado de dés’uvrement e de Aufhebung, “com valor simbólico zero, que exprimem simplesmente a necessidade de um conteúdo simbólico suplementar” (Lévi-Strauss, L) e que se opõem à ausência de significação, sem comportar, por isso, nenhum significado particular. A partir de La voix et le phénomène71 e de De la grammatologie72 (1967), Derrida restituiu cidadania filosófica a tais conceitos, colocando-os em conexão com a Aufhebung hegeliana e desenvolvendo-os numa verdadeira e própria ontologia do traço e do suplemento originário. Através de uma atenta desconstrução da fenomenologia husserliana, Derrida critica a primazia da presença na tradição metafísica e mostra que nela se insinuam desde sempre a não-presença e a significação. Nesse horizonte, ele introduz o conceito de um “suplemento originário”, que não acrescenta algo, mas vem suprir uma falta e uma não-presença originárias, por sua vez já sempre tomadas em um significar. “Aquilo que gostaríamos de dar a pensar é que o por-si da presença para si (für sich), tradicionalmente determinada na sua dimensão dativa, como autodoação fenomenológica, reflexiva ou pré-reflexiva, surge no movimento da suplementaridade como substituição originária, na forma de um “no lugar de” (für etwas), isto é, como vimos, na própria operação da significação em geral” (DERRIDA, 1967, p. 98). O conceito de “traço” nomeia essa impossibilidade para um signo de extinguir-se na plenitude de um presente e de uma presença absoluta. O traço deve ser pensado, nesse sentido, como “antes do ente”, a coisa mesma desde sempre como signo e repraesentamen, o significado desde sempre em posição de significante. Não há nostalgia da origem, porque a origem não existe, é produzida como efeito retroativo por uma não-origem e por um traço, que se torna assim a origem da origem. Esses conceitos (aliás, esses não-conceitos ou, como Derrida prefere dizer, esses “indecidíveis”) colocam em questão o primado da presença e do significado na tradição filosófica, mas, na verdade, não aquela da significação em geral. Radicalizando a noção de stérēsis e de grau zero, eles pressupõem não apenas a exclusão da presença, mas também a impossibilidade de uma extinção do signo. Eles pressupõem, portanto, que haja ainda significação para além da presença e da ausência, que a não-presença, de algum modo, ainda signifique, seja, nesse sentido, um “arquitraço”, uma espécie de arquifonema entre presença e ausência. Se não há nostalgia da origem, é porque a sua lembrança está contida na própria forma da significação, como Aufhebung e grau zero. Aquilo que deve ser excluído para que a desconstrução possa funcionar é que a presença e a origem não faltem, mas sejam puramente insignificantes. “Ocorre que o signo desse excesso (do signo sobre a presença) seja ao mesmo tempo absolutamente excedente em relação a toda possível presença-ausência, de toda produção ou desaparecimento de um ente em geral, e que, todavia, de algum modo ele se signifique ainda... O modo de inscrição de tal traço no texto metafísico é tão impensável que é necessário descrevê-lo como um apagamento do próprio traço. O traço se produz aí como o seu próprio apagamento” (DERRIDA, 1967, p. 75-77). Aqui o arquitraço mostra a sua conexão – e, ao mesmo tempo, a sua diferença – em relação à Aufhebung hegeliana e ao seu tema messiânico. O movimento da Aufhebung, que neutraliza os significados, mantendo e realizando a sua significação, torna-se, aqui, princípio de um diferimento infinito. O significar-si da significação jamais apreende a si
mesmo, e jamais alcança um vazio de representação, jamais deixa ser uma in-significância, mas é deportado e diferido no seu próprio gesto. O traço é, nesse sentido, uma Aufhebung suspensa, que jamais conhece o seu plḗrōma. A desconstrução é um messianismo bloqueado, uma suspensão do tema messiânico. Na nossa tradição, um tema metafísico – que insiste, sobretudo, sobre o momento da fundação e da origem – convive com um tema messiânico – que insiste sobre o momento do cumprimento. Mas propriamente messiânica e histórica é a ideia de que o cumprimento seja possível somente retomando e revocando a fundação, acertando as contas com ela. Quando os dois elementos se cindem, tem-se a situação que é testemunhada de modo mais evidente pela Krisis husserliana: uma fundação à qual corresponde apenas uma tarefa infinita. Se, deixando cair o tema messiânico, insiste-se somente no momento da fundação e da origem ou – o que é o mesmo – sobre a sua ausência – se tem uma significação vazia – de grau zero – e a história como o seu infinito diferimento.
Estado de exceção
Como devemos pensar o estado da lei sob o efeito da katárgēsis messiânica? O que é uma lei que está, ao mesmo tempo, suspensa e cumprida? Para responder a essas perguntas, não encontro nada mais instrutivo que recorrer a um paradigma epistemológico que está no centro da obra de um jurista que colocou a sua concepção da lei e do poder soberano sob uma constelação explicitamente antimessiânica – mas que, exatamente por isso, enquanto “apocalíptico da contrarrevolução” – não pode evitar introduzir nela certos theologoúmena genuinamente messiânicos. Segundo Schmitt – vocês terão entendido que é a ele que me refiro –, o paradigma que define a estrutura e o funcionamento próprio da lei não é a norma, mas a exceção. O caso de exceção torna evidente do modo mais claro a essência da autoridade estatal. Aqui a decisão se distingue da norma jurídica e (para formular um paradoxo) a autoridade demonstra não ter necessidade do direito para criar direito... A exceção é mais interessante que o caso normal. Este último não prova nada, a exceção prova tudo; ela não só confirma a regra: a própria regra vive apenas da exceção (SCHMITT, 1921, p. 41).
É importante aqui não esquecer que, na exceção, o que é excluído da norma não é, por isso, sem relação com a lei; ao contrário, esta se mantém em relação com a exceção na forma da própria autossuspensão. A norma se aplica, por assim dizer, à exceção, desaplicando-se, retirando-se dela. Ou seja, a exceção é não simplesmente uma exclusão, mas uma exclusão inclusiva, um ex-ceptio no sentido literal do termo: uma captura do fora. Definindo a exceção, a lei cria e define, ao mesmo tempo, o espaço em que
a ordem jurídico-política pode ter valor. O estado de exceção representa, nesse sentido, para Schmitt, a forma pura e originária da vigência da lei, e é somente a partir dessa forma que a lei pode definir o âmbito normal da sua aplicação. Tentemos analisar mais de perto as características da lei no estado de exceção: 1) Antes de tudo, tem-se aqui uma indeterminação absoluta do dentro e do fora. É aquilo que Schmitt exprime no paradoxo do soberano, o qual, na medida em que tem o poder legítimo de suspender a validade da lei, está, ao mesmo tempo, dentro e fora dela. Se, no estado de exceção, a lei vige na forma da sua suspensão, aplica-se desaplicando-se, então a lei inclui, por assim dizer, aquilo que ela rechaça para fora de si – ou, se preferirem, não há um fora da lei. No estado de autossuspensão soberana, a lei alcança, portanto, o limite máximo da sua vigência e, incluindo o seu fora na forma da exceção, coincide com a própria realidade. 2) Se isso for verdade, no estado de exceção é então impossível distinguir entre observância e transgressão da lei. Quando a lei vige apenas na forma da sua suspensão, qualquer comportamento que, na situação normal, se apresenta como conforme a lei – por exemplo, passear tranquilamente pela rua – pode se revelar uma transgressão – por exemplo, durante o toque de recolher – e, vice-versa, a transgressão pode configurarse como adimplemento. Nesse sentido, pode-se dizer que, no estado de exceção, a lei, enquanto coincide pura e simplesmente com a realidade, é absolutamente inexecutável, que a inexecutabilidade é a figura originária da norma. 3) Corolário dessa inexecutabilidade da norma é que, no estado de exceção, a lei é absolutamente informulável, não tem mais – ou não tem ainda – a forma de uma prescrição ou de uma proibição. A informulabilidade é aqui entendida literalmente. Considere-se o estado de exceção na sua forma mais extrema: aquele instaurado, na Alemanha, pelo Decreto para a proteção do povo e do Estado, de 28 de fevereiro de 1933, isto é, no dia seguinte à conquista do poder por parte do Partido Nazista. Ele diz simplesmente: “Os artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124 e 153 da Constituição do Reich estão suspensos até nova ordem” (de fato, o decreto permaneceu em vigor por toda a duração do regime nazista). Esse lacônico enunciado não ordena nem veta nada – mas, através da simples suspensão
dos artigos da Constituição concernentes às liberdades pessoais, torna impossível saber e dizer o que é lícito e o que é ilícito. Os campos de concentração, nos quais tudo se torna possível, nascem no espaço aberto por essa informulabilidade da lei. Isso significa que, no estado de exceção, a lei não se configura como uma nova normalização, que enuncia novas proibições e novas obrigações: ela age, ao contrário, unicamente através da sua informulabilidade. Confrontemos agora essa tríplice declinação da lei no estado de exceção com o estado da lei no horizonte da katárgēsis messiânica. Quanto ao primeiro ponto (indistinguibilidade de um dentro e de um fora da lei): no messiânico – vimos isso – a distinção entre Judeus e nãoJudeus, aqueles que estão na lei e aqueles que estão fora da lei, não pode mais funcionar. Isso não significa que Paulo estenda simplesmente aos nãoJudeus a aplicação da lei: ele torna, antes, indiscerníveis Judeus e nãoJudeus, o fora e o dentro da lei através da introdução de um resto. Esse resto – os não não-Judeus – não está propriamente nem dentro nem fora da lei, nem énnomos nem ánomos (segundo a definição que Paulo aplica a si mesmo em 1 Cor 9,21): ele é a cifra da desativação messiânica da lei, da sua katárgēsis. O resto é uma exceção levada ao extremo, levada à sua formulação paradoxal. Na condição messiânica do crente, Paulo radicaliza a condição do estado de exceção, no qual a lei se aplica desaplicando-se, não conhece mais nem um dentro nem um fora. À lei que se aplica desaplicando-se corresponde agora um gesto – a fé – que a torna inoperosa e a leva ao seu cumprimento. É essa figura paradoxal da lei no estado de exceção messiânico que Paulo chama de nomos písteōs, “lei da fé” (Rm 3,27), porque ela não se define mais pelas obras, pela execução das miswoth, mas como manifestação de uma “justiça sem lei” (dikaiosynē chōrís nomou: ibid., 3,21), o que equivale mais ou menos – se se considera que, no judaísmo, justo é, por excelência, aquele que observa a lei – a “observância da lei sem lei”. Por isso Paulo pode dizer que a lei da fé é a “exclusão” – a suspensão! – (exekleísthē: ibid., 3,27) da lei das obras. A aporia dialética que Paulo formula nesse contexto, afirmando que a fé é, ao mesmo tempo, desativação (katargeín) e conservação (histánein) da lei, não é senão a expressão coerente desse paradoxo. Uma justiça sem lei não é a negação, mas a realização e o cumprimento – o plḗrōma – da lei.
Quanto às duas declinações ulteriores do estado de exceção – a inexecutabilidade e a informulabilidade da lei –, elas aparecem em Paulo como consequências necessárias da exclusão das obras atuada pela lei da fé. Toda a crítica do nomos em Rm 3,9-20 não é senão a firme enunciação de um verdadeiro e próprio princípio messiânico de inexecutabilidade da lei: “Não há um justo, nem mesmo um... Sabemos que aquilo que a lei diz àqueles que estão sob a lei di-lo para que cada boca seja selada e todo mundo seja culpado diante de Deus; por isso, a partir das obras da lei nenhuma carne será justificada diante de Deus”. A expressão singular que Paulo usa no versículo 12: “todo sēchrṓthēsan” – que Jerônimo traduz por inutiles facti sunt – significa literalmente (a-chreióō) “foram tornados incapazes de usar” e exprime perfeitamente a impossibilidade de uso, isto é, a inexecutabilidade que caracteriza a lei no tempo messiânico e que somente a fé pode dissolver novamente em chrēsis, em uso. E a célebre descrição da divisão do sujeito em Rm 7,15-19 (“eu não sei o que faço... pois não faço o que quero... mas aquilo que não quero faço”) apresenta com muita clareza a condição angustiante do homem diante de uma lei que se tornou para ele absolutamente inexecutável e, como tal, funciona simplesmente como um princípio universal de imputação. Pouco antes, a abreviação drástica do mandamento mosaico – que não diz simplesmente “não desejarás”, mas “não desejarás a mulher, a casa, o escravo, o burro, etc. do próximo” – o torna não somente inexecutável, mas também informulável: “O que, então? A lei é pecado? De forma alguma! Mas eu não conheci o pecado a não ser através da lei. Não teria, de fato, conhecido o desejo, se a lei não tivesse dito: não desejarás!” (ibid., 7,7). A lei não é mais, aqui, entolḗ, norma que prescreve ou proíbe claramente alguma coisa – “não desejarás” não é um mandamento –, ela é apenas conhecimento da culpa, processo no sentido kafkiano do termo, contínua autoimputação sem preceito. A essa contração da lei mosaica corresponde, pelo lado da fé, aquela recapitulação messiânica dos mandamentos, de que Paulo fala em Rm 13,89: “Quem ama o outro cumpriu (peplḗrōken) a lei. De fato: não cometerás adultério, não matarás, não roubarás, não desejarás e qualquer outro mandamento se recapitulam nestas palavras: amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Depois de ter dividido a lei em uma lei das obras e em uma lei da fé, em uma lei do pecado e em uma lei de Deus (ibid., 7,22-23) e depois
de tê-la, desse modo, tornado inoperosa e inexecutável – Paulo pode cumpri-la e recapitulá-la na figura do amor. O plḗrōma messiânico da lei é uma Aufhebung do estado de exceção, uma absolutização da katárgēsis.
O mistério da anomía
Devemos nos confrontar, nesse momento, com a tão célebre quanto enigmática passagem sobre o katéchōn, em 2 Ts 2,3-9. Paulo – que está falando da parousía do messias – alerta, aqui, os Tessalonicenses contra a agitação que pode causar o anúncio da sua iminência: Ninguém vos engana de nenhum modo: se antes não vier a apostasia e for revelado o homem da anomia, o filho da destruição, aquele que está contra e se eleva sobre tudo aquilo que se diz Deus ou objeto de culto, até se sentar ele mesmo no templo de Deus, mostrando-se ele próprio como Deus. Não vos lembrais de que, quando eu estava ainda entre vós, dizia-vos estas coisas? E agora conheceis aquilo que o detém [to katéchon], a fim de que seja revelado no seu tempo. De fato, o mistério da anomia já está em ato, somente aquele que detém [ho katéchōn], a fim de que agora seja tirado do meio. E então será revelado o ánomos, que o Senhor abolirá com o sopro da sua boca e tornará inoperante com a aparição da sua presença [parousía]. A presença [parousía] daquele é segundo o ser em ato de Satanás em toda potência.
Se a identificação do “homem da anomia” com o antimessias (antíchristos) das cartas de João é geralmente aceita – embora longe de ser pacífica –, resta o problema de quem ou do que seja o katéchōn (em forma impessoal no versículo 6 e pessoal no versículo 7). Uma antiga tradição, já presente em Tertuliano, identifica esse poder que retarda ou retém o fim dos tempos com o Império Romano, que desenvolveria, nesse sentido, uma função histórica positiva (por isso que Tertuliano pode dizer: “nós pregamos pela permanência do mundo [pro statu saeculi], pela paz das coisas, pelo retardo do fim [pro mora finis]”). Essa tradição culmina na teoria schmittiana, que vê em 2 Ts 2 o único fundamento possível de uma doutrina cristã do poder estatal: O caráter essencial do Império cristão era o de não ser um reino eterno, mas de ter sempre presente o próprio fim e o fim do presente éon, e, não obstante isso, de ser capaz de exercer o poder histórico. O conceito decisivo e historicamente importante na base da sua continuidade era aquele de “força de freagem”, de kat-échōn. “Império” significa aqui o poder histórico que consegue reter o advento do anticristo e o fim do éon atual: uma força
qui tenet, segundo as palavras do apóstolo Paulo, na segunda Carta aos Tessalonicenses, segundo capítulo... Não creio que a fé cristã original possa ter em geral uma imagem da história diferente daquela do kat-échōn. A fé numa força de freagem capaz de reter o fim do mundo estende as únicas pontes que da paralisia escatológica de todo acontecimento humano conduzem a uma grandiosa potência histórica tal como aquela do Império cristão dos reis germânicos (SCHMITT, 1974, p. 43-44).
As coisas não mudam muito com aqueles intérpretes modernos que identificam o katéchōn com o próprio Deus e veem no atraso da parousía a expressão do plano salvífico da providência (“o katéchōn entendido corretamente é o próprio Deus... Não se trata de uma potência intramundana, que retarda a vinda do anticristo, mas do atraso da parusia em si contida no plano temporal divino”: STROBEL, 1961, p. 106-107). Como vocês veem, o que está em jogo é considerável. Num certo sentido, toda teoria do Estado – inclusive a de Hobbes – que vê nele um poder destinado a impedir ou a retardar a catástrofe, pode ser considerada como uma secularização dessa interpretação de 2 Ts 2. O fato é, porém, que a passagem paulina, apesar da sua obscuridade, não contém nenhuma avaliação positiva do katéchōn. Ele é, ao contrário, aquilo que deve ser removido do caminho para que o “mistério da anomía” seja plenamente revelado. Decisiva é, portanto, a interpretação dos versículos 7-9: De fato, o mistério da anomia já está em ato [energeítai], restando somente que aquele que retém seja agora removido do caminho. E então será revelado o sem lei [ánomos], que o Senhor abolirá com o sopro da sua boca e tornará inoperante [katargḗsei] com a aparição da sua presença [parousía]. A presença [parousía] daquele é segundo o ser em ato de Satanás em toda potência [kat’ enérgeian tou sataná en pasē dynámei].
Anomía não deve ser aqui traduzido, como o faz Jerônimo, por uma genérica “iniquidade” ou, ainda pior, por “pecado”. Anomía não pode senão significar “ausência de lei”, e ánomos é aquele que está fora da lei (lembrem que o próprio Paulo se apresenta como “hōs ánomos” aos gentis). Isto é, Paulo se refere à condição da lei no tempo messiânico, quando o nomos é tornado inoperante e em estado de katárgēsis. Por isso reencontramos aqui o vocabulário técnico paulino da enérgeia e da dýnamis, do ser em ato (energeín) e do ser inoperante (katargeín). O katéchōn é, então, a força – o Império Romano, mas também toda autoridade constituída – que contrasta e esconde a katárgēsis, o estado de
anomia tendencial que caracteriza o messiânico e, nesse sentido, retarda o desvelamento do “mistério da anomía”. O desvelamento desse mistério significa o vir à luz da inoperosidade da lei e da ilegitimidade substancial de todo poder no tempo messiânico. É possível, então, que o katéchōn e o ánomos (Paulo jamais fala, como João, de um antíchristos) não sejam duas figuras distintas, mas designem um único poder, antes e depois do desvelamento final. O poder profano – Império Romano ou qualquer outro – é a aparência que cobre a anomia substancial do tempo messiânico. Com a dissolução do “mistério”, essa aparência é retirada do caminho, e o poder assume a figura do ánomos, do fora-da-lei absoluto. O messiânico se cumpre, assim, no choque de duas parousíai: aquela do ánomos, assinalada pelo ser em ato de Satanás em toda potência, e aquela do messias, que tornará inoperosa a sua enérgeia (com referência clara a 1 Cor 15,24: “então, o fim, quando entregar o reino a Deus e ao Pai, quando tornar inoperante todo principado, toda potestade e toda potência”). Decididamente, 2 Tes 2 não pode servir para fundar uma “doutrina cristã” do poder.
Anticristo Pode ser útil interrogar, nessa perspectiva, a relação de Nietzsche com essa passagem paulina. Perguntou-se raramente por que ele intitulou de O Anticristo a sua declaração de guerra ao cristianismo e a Paulo. E, todavia, na tradição cristã, o anticristo é precisamente a figura que assinala o fim dos tempos e o triunfo do Cristo sobre todo poder – aí incluída sobre aquela “totalmente admirável obra de arte em grande estilo” que é, para Nietzsche, o Império Romano. Não se pode, é claro, crer seriamente que ele ignorasse que o “homem da anomia” – com o qual ele, em última análise, se identificaria como anticristo – era uma invenção paulina. O gesto – com o qual ele assina a sua declaração de guerra contra o cristianismo, com o nome de uma figura que pertence inteiramente àquela tradição e tem nela uma função precisa – não pode, portanto, não conter algo como uma intenção paródica. Ou seja, O Anticristo é uma paródia messiânica, na qual Nietzsche, vestindo os trajes do antimessias, não faz senão recitar até o fim um roteiro escrito por Paulo. Compreende-se, então, por que o livro se apresente já no subtítulo como uma “maldição” e se conclua com a emanação de uma “lei” com pretensões messiânicas (“dada no dia da salvação”), que é ela mesma apenas uma “maldição da história sagrada”. Não apenas a ideia de uma equiparação entre lei e maldição é genuinamente paulina (Gl 3,13: “o messias nos resgatou da maldição da lei [ek tēs katáras tou nomou]”), mas que o “homem da anomia” não possa fazer outra coisa senão promulgar uma tal lei-maldição é uma leitura lucidamente irônica do katéchōn de 2 Ts 2,6-7.
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Carlo Michelstaedter (1887-1910), filósofo e poeta italiano. (N.T.)
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Nikolay Sergeyevich Trubetzkoy (1890-1938), linguista russo, sua obra Grundzüge der Phonologie [Princípios de Fonologia], publicada postumamente, se tornou célebre no campo da fonologia. (N.T.) 70
Charles Bally (1865-1947), linguista francês, autor de Le langage et la vie (1913) e de L’arbitraire du signe. Valeur et signification (1940), entre outros. (N.T.) 71
No Brasil: DERRIDA, Jacques. A voz e o fenômeno: introdução ao problema do signo na fenomenologia de Husserl. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. (N.T.) 72
Aqui no Brasil, o livro foi intitulado apenas como Gramatologia, com tradução de Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, 1973. Uma segunda edição saiu, em 2008, pela mesma editora. (N.T.)
Sexta jornada (Eis euaggélion theoú)
No início do seminário eu tinha falado para vocês do livro de Buber, Dois tipos de fé, no qual o autor opõe a emuná judaica, confiança imediata na comunidade em que se vive, à pistis paulina, que é, ao contrário, o ato de reconhecer alguma coisa como verdade. Em 1987, David Flusser, professor da Hebrew University, de Jerusalém, que estava preparando um posfácio para uma nova edição do livro, passeando por uma rua de Atenas, notou sobre uma porta a escrita: Trápeza emporikḗs písteōs. Intrigado com a fórmula enigmática, em que figurava a palavra pistis, deteve-se para olhar e percebeu que se tratava simplesmente de uma insígnia de um banco: Banco de Crédito Comercial. Flusser deduziu dela uma confirmação do que já sabia, isto é, que a oposição buberiana entre emuná e pistis não tinha, do ponto de vista linguístico, nenhum fundamento: “propriamente a pistis grega significa a mesma coisa que a emuná judaica, e algo absolutamente análogo é dito dos respectivos verbos hebraicos e gregos” (BUBER, p. 211). O interesse do livro de Buber era procurado, então, alhures – o que Flusser, como veremos, conseguiu fazer com muita inteligência.
Juramento
Se pistis não significa “reconhecer como verdadeiro”, se não há, nesse sentido, dois tipos de fé, como devemos entender, portanto, o significado que essa palavra tem no texto de Paulo? E qual é, antes de tudo, o significado da família de pistis em grego? Uma das acepções mais antigas do termo pistis e do adjetivo pistós (fiel) é como sinônimo – ou, no caso de pistós, também como atributo – do termo horkos, juramento, em expressões do tipo: pistin kai horka poieísthai, “prestar um juramento”, ou pistá dounai kai lambánein, “trocar um juramento”. Em Homero, pistá, “fiéis”, por excelência são os horkia, os juramentos. Na Grécia arcaica, horkos designa
ao mesmo tempo o juramento e o objeto que se tinha em mãos ao pronunciá-lo; esse objeto tinha o poder de fazer morrer o perjúrio (dito epíorkos) e constituía, desse modo, a melhor garantia do cumprimento. Mesmo os deuses, que juravam sobre as águas do Estige, não escapavam desse poder terrível do horkos: o imortal que pronunciava um perjúrio jazia no solo como morto por um ano e depois era excluído por outros nove anos da presença dos outros deuses. Ou seja, o juramento pertence àquela esfera mais arcaica do direito, que os estudiosos franceses chamam de pré-droit, pré-direito, em que magia, religião e direito são absolutamente indiscerníveis (poder-se-ia, aliás, definir como “magia” precisamente a indistinção entre religião e direito). Mas isso significa, então, que a pistis – que está desde a origem estreitamente ligada ao juramento e que somente mais tarde começa a assumir o significado mais técnico-jurídico de “garantia” e de “crédito” – provém desse mesmo fundo obscuro préhistórico e que Paulo, contrapondo a pistis à lei, não introduz, contra a antiguidade do nomos, um elemento novo e mais iluminado, mas põe em jogo, antes, um elemento do pré-direito contra o outro – ou, pelo menos, procura desemaranhar um do outro dois elementos que se apresentam originalmente estritamente entrelaçados. É mérito de um grande linguista sefardita – talvez o maior linguista do século XX, Émile Benveniste – ter reconstruído, a partir de dados puramente linguísticos, os lineamentos originários daquela antiquíssima instituição indo-europeia que os Gregos chamavam de pistis e os Latinos de fides, e que ele define como fidélité personnelle, “fidelidade pessoal”. A “fé” é o crédito do qual se goza junto a alguém, em consequência do fato de que colocamos nele a nossa confiança, entregamos-lhe algo como um penhor com o qual nos ligamos a ele numa relação de fidelidade. Por isso a fé é tanto a confiança que concedemos a alguém – a fé que damos – quanto a confiança da qual gozamos junto a alguém – a fé, o crédito que temos. O velho problema dos dois significados simétricos do termo “fé”, ativo e passivo, objetivo e subjetivo, “garantia (dada)” e “confiança inspirada”, sobre os quais já tinha chamado a atenção Eduard Fraenkel73 num célebre artigo, explica-se, nessa perspectiva, sem dificuldade: Aquele que detém a fides colocada nele por um homem tem esse homem em seu poder. Por isso, fides se torna quase sinônimo de dicio e potestas. Na sua forma primitiva, essas
relações implicam alguma reciprocidade: colocar a própria fides em alguém obtinha deste, em troca, a sua garantia e a sua ajuda. Mas precisamente esse fato sublinha a desigualdade das condições. Trata-se de uma autoridade que é exercida junto com uma proteção sobre aquele que se submete, em retribuição da sua submissão e na mesma medida dela (BENVENISTE, 1969, p. 118-119).
No mesmo sentido, torna-se facilmente compreensível a forte ligação entre os dois termos latinos fides e credere, que será tão importante no âmbito cristão: credo significa literalmente, segundo Benveniste, “dar o *kred”, isto é, pôr a potência mágica em um ser do qual se espera proteção, e, então, “crer” nele. E como o velho nome-raiz *kred tinha desaparecido do latim, fides, que exprimia uma noção muito semelhante, tomou-lhe o lugar como substantivo correspondente a credo.
Deditio in fidem
Na sua reconstrução da fidelidade pessoal, Benveniste mal menciona o aspecto, por assim dizer, político desse instituto – sobre o qual chamou a atenção Salvatore Calderone –, que não concerne tanto aos indivíduos quanto às cidades e aos povos. Numa guerra, a cidade inimiga podia ser vencida e destruída com a força (katá kratos) e os seus habitantes mortos ou reduzidos à escravidão. Mas podia também acontecer, por outro lado, que a cidade mais fraca recorresse ao uso da deditio in fidem, isto é, capitulasse, entregando-se incondicionalmente nas mãos do inimigo, mas obrigando, de algum modo, o vencedor a uma postura mais benévola (CALDERONE, 1964, p. 38-41). A cidade podia em tal caso ser poupada e aos seus habitantes ser concedida a liberdade pessoal, embora não plena: eles formavam um grupo especial, o dos, de fato, dediticii, dos que “se deram”, uma espécie de apátridas – e será necessário, talvez, lembrar-se desse grupo particular de não-escravos, mas não plenamente livres, quando se pensa no estatuto dos messiânicos segundo Paulo. Esse instituto era chamado de pistis pelos Gregos (dounai eis pistin, peíthesthai) e de fides pelos Romanos (in fidem populi Romani venire ou se tradere). Duas observações importantes a esse propósito. Antes de tudo, reencontramos aqui a conexão estreita e quase a sinonímia entre fé e juramento que notamos no início – e é provável, aliás, que precisamente nesse contexto eles encontrem a sua razão de ser. As cidades e os povos que se ligavam reciprocamente na deditio in fidem
trocavam juramentos solenes para sancionar essa relação. Por outro lado, tal relação – como está implícito no parentesco etimológico, já notado pelos Romanos, entre fides e foedus – apresenta muitas analogias com um pacto ou com um tratado de aliança entre povos, mesmo se os estudiosos modernos, para sublinhar a disparidade das condições, preferem falar, no caso da deditio in fidem, de “pseudotratados”. A fé é, portanto, no mundo greco-romano, um fenômeno complexo, ao mesmo tempo jurídico-político e religioso, que tem a sua origem, como o juramento, na esfera mais arcaica do pré-direito. Mas a ligação com a esfera jurídica jamais desaparecerá, tanto em Roma – onde os juristas elaborarão a noção de bona fides, tão importante na história do direito moderno – quanto na Grécia, onde pistis e pistós irão se referir ao crédito e à confiança derivadas dos vínculos contratuais em geral. Se quisermos compreender o sentido da oposição entre pistis e nomos no texto paulino, é bom não esquecermos esse radicar-se da fé na esfera do direito – aliás, do pré-direito, isto é, em algo em que direito, política e religião estão estritamente intrincados. A pistis mantém em Paulo algo da deditio, do incondicionado abandonar-se a um poder de outrem, que, porém, obriga também aquele que recebe.
Berit
No entanto, considerações de algum modo análogas podem ser feitas também para a emuná judaica. Na Bíblia, como vocês sabem, Javé faz com Israel uma berit, um pacto ou uma aliança, em virtude da qual, como se lê em Dt 26,17-19: “Ele será o teu Deus, sob a condição de que tu caminharás por suas vias e observarás as suas leis e os seus mandamentos, e obedecerás à sua voz... e tu serás para ele um povo especial, segundo aquilo que ele te disse, e observarás os seus preceitos, sob a condição de que ele te eleve sobre todos os povos e que tu sejas um povo santo para Javé teu Deus, como ele prometeu”. Ora, por mais que isso possa embaraçar os teólogos, que preferem falar aqui de uma intenção teológica que se realiza por vias jurídicas, essa berit não se distingue em nada de um pacto jurídico, como aquele, por exemplo, feito entre Jacó e Labão (Gn 31,44 segs.). Em ambos os casos, a berit designa uma espécie de aliança jurada, na qual duas partes se ligam numa relação de fidelidade recíproca, e parece, portanto, pertencer
àquela mesma esfera do pré-direito, que está na origem da relação de fidelidade pessoal reconstruída por Benveniste. O “sangue da aliança” (Ex 24,8, retomado em Mt 26,28) que Moisés espalha, uma metade sobre o altar (que representa Javé) e outra sobre o povo, não é tanto um sacrifício quanto a sanção da íntima união que o pacto estabelece entre os dois contraentes. Por isso em hebraico se diz “romper uma berit”, exatamente como em grego se diz horkia témnein, e em latim, foedus ferire. O problema se a berit entre Javé e Israel é um pacto teológico ou jurídico perde todo interesse, uma vez que ela tenha sido restituída à esfera da fidelidade pessoal e do pré-direito, em que, como vimos, essas distinções não são possíveis. (E não seria, acredito, uma má definição do judaísmo aquela que o definisse como uma reflexão obstinada sobre a situação paradoxal que resulta do querer estabelecer relações jurídicas com Deus.) Portanto o termo hebraico emuná significa, de fato, a postura que deve provir da berit, e corresponde, nesse sentido, perfeitamente ao grego pistis. E, segundo a estrutura simétrica que define a relação de fidelidade, emuná é tanto a fé dos homens quanto aquela de Javé – como em Dt 7,9, em que (no grego da versão dos Setenta) pistós é por excelência o atributo de Deus: “Vós reconheceis, portanto, que o senhor vosso Deus é um Deus fiel (pistós=ne eman), que mantém o seu pacto (diathḗkē=berit) e a sua proteção (ḗleos=hesed) por mil gerações com aqueles que o amam e observam os seus mandamentos”. Nessa passagem, não somente a relação entre fé e pacto, entre a pistis e o pacto de fidelidade pessoal feito entre Javé e Israel é evidente, mas também o outro conceito que Paulo opõe à lei e às suas obras, charis, graça, tem, de certo modo, um seu precursor no hesed, a bondade e a proteção que Deus reserva aos seus fiéis (mesmo se os Setenta traduzem habitualmente hesed por ḗleos, e reserva charis para hen). Penso que esteja claro, neste momento, em que sentido se pode dizer que, contrapondo pistis e nomos, Paulo não põe simplesmente em contraste dois elementos heterogêneos, mas põe em jogo, por assim dizer, entre eles, pistis e nomos, duas figuras ou dois planos ou dois elementos no interior do direito – ou, melhor, do pré-direito. Quais são esses dois planos? Nós os vimos: Paulo chama o primeiro de epaggelía, “promessa”, ou diathḗkē, “pacto”, e o segundo de entolḗ, “mandamento” (ou nomos tōn entolṓn). Em Gn 15,18, a promessa que Javé faz a Abraão – tão importante na estratégia de Paulo – é definida, de resto, simplesmente como diathḗkē, é o pacto
originário de Javé com a descendência de Abraão, que precede em todos os sentidos aquele da lei mosaica (por isso, em Ef 2,12, Paulo pode se referir a ela como às diathḗkai tēs epaggelías, aos pactos da promessa). Se quiséssemos traduzir a antítese paulina na linguagem do direito moderno, poderíamos dizer que Paulo joga a constituição contra o direito positivo ou, mais exatamente, o plano do poder constituinte contra aquele do direito constituído – e que, nesse sentido, a tese schmittiana sobre a teologia política (“todos os conceitos mais pregnantes da moderna doutrina do Estado são conceitos teológicos secularizados”) recebe uma confirmação ulterior. A cisão entre poder constituinte e poder constituído, que no nosso tempo se mostra com particular evidência, tem o seu fundamento teológico na cisão paulina entre o plano da fé e aquele do nomos, entre a fidelidade pessoal e a obrigação positiva que deriva dela. O messianismo aparece, nessa perspectiva, como uma luta interna ao direito, na qual o elemento do pacto e do poder constituinte tende a contrapor-se e a emancipar-se do elemento da entolḗ, da norma em sentido estrito. Ou seja, o messiânico é aquele processo histórico através do qual o nexo arcaico entre direito e religião, que tem no horkos, no juramento, o seu paradigma mágico, entra em crise e o elemento da pistis, da fé no pacto, tende paradoxalmente a emancipar-se daquele do comportamento obrigatório e do direito positivo (as obras cumpridas em execução do pacto).
Gratuidade
Por isso, em Paulo, vemos emergir com força, ao lado do tema da fé, aquele da graça (charis), que – como também mostrou certa vez Benveniste (1969, p. 201-202) – tem essencialmente o significado de uma prestação gratuita, desatada dos vínculos obrigatórios da contraprestação e do comando. Entende-se equivocadamente o sentido da contraposição entre lei e graça (como se exprime, por exemplo, em Rm 6,14), se ela não é situada no seu contexto próprio, que é aquele da ruptura da unidade originária entre epaggelía e nomos e entre direito e religião, na esfera do pré-direito. Não se trata de contrapor dois princípios heterogêneos e de excluir as obras em favor da fé, mas de enfrentar a aporia que resulta dessa ruptura. O que falta agora, ao lado daquele entre religião e direito, é o nexo entre prestação e
contraprestação, execução e comando, pelo qual, por um lado, está uma lei “santa, justa e boa” – tornada, porém, inexecutável e incapaz de produzir salvação: a esfera do direito em sentido estrito –, e, por outro, uma fé que, mesmo dependendo originalmente do pacto, é capaz de operar a salvação “sem lei”. Fé e lei, unidas no pré-direito em mágica indiferença, agora se cindem e deixam emergir entre elas o espaço da gratuidade. A fé – na esfera da fidelidade pessoal na qual tem a sua origem – implicava obviamente o cumprimento dos atos de fidelidade sancionados no juramento. Mas agora aparece um elemento do pacto que excede constitutivamente qualquer prestação com a qual se procure satisfazer a sua exigência e introduz, assim, na esfera da lei uma dessimetria e uma desconexão. A promessa supera qualquer pretensão que sobre ela se funda, assim como a fé ultrapassa qualquer obrigação de contraprestação. A graça é esse excesso que – enquanto divide todas as vezes os dois elementos do pré-direito e os impede de coincidir – ao mesmo tempo não lhes permite nem mesmo dividir-se completamente. A charis – que resulta da fratura entre fé e obrigação, entre religião e direito – não identifica, porém, por sua vez, uma esfera substancial separada, mas pode manter-se apenas através de uma relação antagonista com eles – isto é, como instância, neles, de uma exigência messiânica, sem a qual direito e religião são condenados, a longo prazo, a atrofiar-se. Daí, em Paulo, a relação complexa entre a esfera da graça e aquela da lei, que jamais chega a uma ruptura completa, mas vê, ao contrário, a graça apresentar-se como cumprimento da instância de justiça da lei (Rm 8,4), e a lei como “pedagogo” em direção ao messiânico (Gl 3,24), que tem a tarefa de mostrar de modo hiperbólico (kath’hyperbolḗn) a impossibilidade da sua própria execução, fazendo aparecer o pecado como tal (Rm 7,13). Resta que, em Paulo, a relação entre graça e pecado, entre gratuidade e prestação se define através de um excesso constitutivo (perisseía): “O dom da graça não é como o pecado. Se, de fato, através do pecado de um único, muitos morreram, a graça de Deus e o dom na graça de um só homem, Jesus messias, superabundou, e muito mais, para os muitos... A lei sobreveio a fim de que abundasse o pecado. Mas onde o pecado abundou, a graça excedeu [hyperperísseusen]” (ibid., 5,15-21). Numa passagem cuja importância não foi, talvez, suficientemente observada, a graça parece, aliás, definir uma verdadeira e própria “soberania” (autárkeia) do
messiânico em relação às obras da lei: “Deus ama quem doa com alegria. Deus pode fazer exceder em vós toda graça, a fim de que, tendo em cada coisa absoluta soberania [en pantí pántote pasan autárkeian], vós excedeis em relação a toda boa obra” (2 Cor 9,7-8). Autárkeia, como deveria ser óbvio, não significa aqui uma disposição suficiente dos bens, mas a capacidade soberana de cumprir gratuitamente as boas obras independentemente da lei. Não há, em Paulo, propriamente algo como um conflito entre poderes, mas apenas a sua desconexão, da qual emerge, soberana, a charis.
As duas alianças
A origem jurídica – ou pré-jurídica – da noção de fé e a situação da graça na fratura entre fé e obrigação permitem também compreender corretamente a doutrina paulina da “nova aliança” e das duas diathḗkai. A lei mosaica – a diathḗkē normativa – é precedida pela promessa feita a Abraão, que lhe é hierarquicamente superior, na medida em que a lei mosaica não tem o poder de torná-la inoperante – katargeín (Gl 3,17: “A lei, vinda 430 anos depois, não invalida um pacto feito por Deus, tornando assim inoperante a promessa”). A lei mosaica das obrigações e das obras – que em 2 Cor 3,14 é definida como “a antiga aliança”, palaiá diathḗkē – é, ao contrário, tornada inoperante pelo messias. A kainḗ diathḗkē (kainē, “nova” em todos os sentidos, não simplesmente nea, mais recente) da qual Paulo fala aos Coríntios (1 Cor 11,25: “este cálice é a nova aliança em meu sangue”; e 2 Cor 3,6: “ele nos tornou ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito”) representa o cumprimento da profecia de Jr 31,31 (“Eis que virão os dias – diz o Senhor – nos quais concluirei uma nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá”), e, ao mesmo tempo, remonta à promessa feita a Abraão, da qual traz a sua legitimidade. Em Gl 4,22-26, Paulo traça uma genealogia alegórica das duas diathḗkai: “Está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava e outro da mulher livre; mas um é nascido da escrava segundo a carne, e o outro da mulher livre graças à promessa. Essas são alegorias: são as duas alianças, uma vinda do Monte Sinai procria para a escravidão, e é Agar. Agar é o Monte Sinai, que está na Arábia e corresponde à Jerusalém de agora, e está
em escravidão junto aos seus filhos. Ao contrário, a Jerusalém do alto é livre, e é nossa mãe”. As duas diathḗkai, mesmo remontando ambas a Abraão, representam, porém, duas linhas genealógicas distintas. A lei mosaica provém de Agar e corresponde à servidão dos mandamentos e das obrigações; a nova aliança, que provém de Sara, corresponde à liberdade da lei:
A instância messiânica, que age no tempo histórico tornando inoperante a lei mosaica, remonta genealogicamente para além desta em direção à promessa. O espaço que se abre entre as duas diathḗkai é o da graça. Por isso a kainḗ diathḗkē não pode ser – como, de fato, acabou por se tornar – algo como um texto escrito, contendo novos e diferentes preceitos. Como diz a extraordinária passagem que precede a reivindicação da nova aliança, esta não é uma carta escrita com tinta sobre tábuas de pedra, mas com o sopro de Deus sobre corações de carne – isto é, não um texto, mas a própria vida da comunidade messiânica, não escritura, mas forma de vida: hē epistolḗhemṓn hymeís este, “vós sois a nossa carta!”74 (2 Cor 3,2). Essa situação aporética da graça na fratura entre fé e lei torna compreensível como, na história da Igreja, ela pôde ter dado lugar àqueles conflitos que emergem pela primeira vez com força nas disputas envolvendo o pelagianismo,75 do qual é testemunho o De natura et gratia, de Agostinho. Segundo Pelágio, através da redenção a graça foi dada de uma vez por todas à natureza humana, que a possui como um bem “inadmissível”, isto é, imperdível, de modo que ela já sempre supera no cristão a possibilidade e a atualidade do pecado. A Igreja sustentará, ao contrário, o caráter amissível da graça e a necessidade de uma intervenção ulterior para fazer frente à sua perda através do pecado. Isso equivale – se refletirmos bem – a reintroduzir diante da graça um tema genuinamente
jurídico, uma espécie de compromisso entre charis e nomos: através da transgressão e da culpa o homem perde incessantemente aquela graça que era apenas a contraprestação da fidelidade ao pacto. De forma mais geral, com a reintrodução do nomos na teologia cristã, a graça acabará por se tornar um lugar tão aporético quanto a lei havia sido no judaísmo. Há propriamente, na dogmática cristã, um universo kafkiano da graça, como há, no judaísmo, um universo kafkiano da lei.
Dom e graça É este o momento de examinar analogias e diferenças entre a charis paulina e o sistema de “prestações totais” descrito por Mauss no seu Ensaio sobre o dom – como também de interrogar o curioso silêncio de Mauss (que, no entanto, cita também, além dos materiais etnográficos, textos gregos e romanos e até mesmo islâmicos) sobre essa esfera por excelência da gratuidade na nossa cultura que é a graça. Certamente o dom é concebido por Mauss como anterior às prestações utilitárias; mas o ponto decisivo – e, ao mesmo tempo, mais aporético – da sua doutrina é a absoluta indissolubilidade entre dom e obrigação. Não apenas a obrigação do doador é a essência do potlatch, mas o dom funda também naquele que o recebe a obrigação incondicionada da contraprestação. Ainda mais: como Mauss observa no fim do ensaio, a teoria das prestações totais exige que as noções que estamos habituados a opor (liberdade/obrigação; liberalidade/poupança; generosidade/interesse; luxo/utilidade) sejam neutralizadas e hibridadas. Como é evidente nas suas conclusões, no fim das contas social-democráticas e progressistas, aquilo que o Ensaio sobre o dom define é não uma teoria da gratuidade, mas do nexo paradoxal entre gratuidade e obrigação. (Ainda hoje, aqueles que procuram substituir o contrato pelo dom como paradigma social fundamental não têm em mente nada de diferente.) Também em Paulo, como vimos, fé e graça não são simplesmente retiradas da esfera da lei, mas se situam numa relação complexa com ela. Todavia, diferentemente do que acontece em Mauss, a gratuidade não funda a prestação obrigatória, mas se produz em relação a ela como um excesso irredutível. A graça não é o fundamento das trocas e das obrigações sociais – é, antes, a sua interrupção. O gesto messiânico não funda, mas cumpre. Georges Bataille procurou apreender esse excesso constitutivo da gratuidade na sua doutrina da soberania do dispêndio improdutivo (curioso que não tenha se dado conta de que a expressão já estava em Paulo!). Nessa tentativa, ele transforma, porém, a gratuidade numa categoria privilegiada de atos, opostos àqueles utilitários (o riso, o luxo, o erotismo...). É evidente que, em Paulo, a graça não pode ser um âmbito particular ao lado daquele da obrigação e da lei: ela não é senão a capacidade de usar toda a esfera das determinações e das prestações sociais.
A fé dividida
A antítese de Buber entre emuná hebraica e pistis paulina não tem, portanto, nenhum fundamento linguístico: como expressão do comportamento que nasce do “romper um pacto”, elas são substancialmente equivalentes, e não é possível distingui-las como o “ter confiança” e o “tomar por verdadeiro”. No posfácio acrescentado à nova edição de Dois tipos de fé, Flusser
identificou, porém, um outro sentido da distinção proposta por Buber, que a considera como uma cisão da fé no interior do cristianismo. Ou seja, no cristianismo conviveriam, segundo Flusser, dois tipos de fé dificilmente conciliáveis para constituir algo como um “problema trágico, o qual, talvez, os cristãos começam a perceber apenas hoje” (BUBER, p. 241). A primeira é a fé de Jesus, a religião do Jesus histórico, professada por ele com as palavras e com os atos; e a segunda é a fé em Jesus Cristo, amadurecida na comunidade cristã depois da crucifixão, que coincide com a construção da cristologia e com o assumir como verdade que Jesus é o filho unigênito de Deus, feito homem e morto para a redenção dos nossos pecados. O primeiro a entender com clareza essa distinção foi Lessing, em um fragmento de 1780 intitulado A religião de Cristo: A religião de Cristo e a religião cristã são duas coisas completamente diferentes. Aquela, a religião de Cristo, é a religião que ele mesmo reconheceu e praticou como homem... Esta, a religião cristã, é a religião que assume como verdade o fato de ele ter sido mais que homem, e enquanto tal o eleva a objeto da sua veneração. Como ambas as religiões, a religião de Cristo e a religião cristã, possam centrar-se em Cristo como uma única e mesma pessoa é incompreensível... Aquela, a religião de Cristo, está contida nos Evangelhos de modo completamente diferente da religião cristã. A religião de Cristo está contida ali com as palavras mais claras e nítidas; a religião cristã, ao contrário, de modo tão incerto e equívoco que é difícil encontrar uma só passagem à qual dois homens, desde quando existe o mundo, tenham ligado a mesma ideia (ibid., p. 246-247).
A exatidão da observação de Lessing se torna ainda mais evidente se, como sugere Flusser, observamos, nessa perspectiva, os textos que compõem o Novo Testamento, os Evangelhos e os Atos, por um lado, e, por outro, as Cartas de Paulo, João, Tiago, etc. Se tivessem sido conservadas apenas estas últimas, as nossas informações sobre a pessoa e vida de Jesus seriam extremamente fragmentárias (Paulo não diz quase nada do Jesus histórico); se, ao contrário, tivessem sido conservados somente os primeiros, saberíamos bem pouco de teologia cristã e do drama cristológico. Isso significa que somente a partir dos Evangelhos conhecemos a fé de Jesus, enquanto a fé em Cristo – isto é, algo como uma pistis no sentido de Buber – é, por nós, conhecida apenas a partir dos outros textos. Conjugando as considerações de Lessing com a teoria de Buber, Flusser apreende uma antinomia que é certamente instrutiva para a compreensão do problema messiânico e, sobretudo, da história da teologia cristã. Todo o
pseudoproblema da “consciência messiânica” de Jesus nasce precisamente para preencher o hiato que se abre entre esses dois tipos de fé. Em que acreditava Jesus? A pergunta tem algo de grotesco, se a formulamos deste modo: o que podia significar para Jesus crer em Jesus Cristo? Nos Evangelhos não encontramos respostas, e a passagem de Mc 8,29 – mesmo se não é interpolada, como afirmam alguns não sem boas razões – diz bem pouco. Jesus pergunta aos discípulos: “Que dizeis vós que eu seja? Pedro respondeu: tu és o messias [su ei ho christós]. E ele lhes intimou para não dizer nada sobre aquilo”. O mesmo pode-se dizer das controvérsias cristológicas que agitam a Igreja no século III e culminam, em Niceia, com a intervenção de Constantino, aconselhado por aquele que Overbeck define como o seu friseur, o seu cabeleireiro pessoal, Eusébio de Cesareia. A mediação que é aqui elaborada e que leva à formulação daquele símbolo de Niceia que ainda lhes caberá, por vezes, repetir (pisteúomen eis hena theón..., “cremos em um único Deus, pai onipotente... e em um único Senhor Jesus Cristo, gerado unigênito pelo Pai...”) é uma tentativa – mais ou menos bem-sucedida – de manter juntas as duas formas de fé de Buber e as duas religiões de Lessing. Mas como são as coisas em Paulo? Pode-se falar também para ele de uma cisão da fé no sentido em que vimos? Não acredito nisso. A fé de Paulo começa com a ressurreição, e Paulo não conhece Jesus segundo a carne, mas somente Jesus messias. A separação já está clara no início da carta que estamos comentando: “No que diz respeito ao seu filho, nascido do sêmen de Davi segundo a carne, constituído filho de Deus em potência segundo o espírito de santidade a partir da ressurreição dos mortos...” (Rm 1,3-4). E em 2 Cor 5,16, lê-se: “mesmo se tivéssemos conhecido (ou: se conhecemos) o messias segundo a carne, todavia, agora não o conhecemos mais”. De modo totalmente coerente com a tradição judaica, na qual algo como uma “vida do messias” não pode existir (o messias – ou, ao menos, o seu nome – foi criado antes da criação do mundo), o conteúdo essencial da fé paulina não é a vida de Jesus, mas Jesus messias, crucificado e ressuscitado. Mas o que significa: fé em Jesus messias? E de que modo a cisão entre a fé de Jesus e a fé em Jesus está aqui já sempre superada?
Crer em
Para responder a essas perguntas, convém partir de alguns dados linguísticos. Nos Evangelhos, a fórmula narrativa comum é deste tipo: “então Jesus disse aos discípulos”, “subindo Jesus a Jerusalém...”, “Jesus entrou no templo”. Em Paulo – com a única óbvia exceção de 1 Cor 11,23 – nunca encontramos expressões diegéticas desse gênero. Ele usa, ao contrário, quase sempre a fórmula característica: kyrios Iēsoús christós, “o senhor Jesus messias”. Nos At (9,22), Lucas nos apresenta o apóstolo que afirma nas sinagogas hoti houtos estin ho christós, “que aquele (Jesus) é o messias”. Mas no texto de Paulo nunca encontramos – com a única exceção de Rm 10,9, sobre a qual voltaremos – essa fórmula. Para exprimir a sua fé, ele utiliza, por outro lado, a expressão pistéuein eis Iesoún christón, “Crer em Jesus messias”. Essa – que, através da sua tradução latina, tornou-se a expressão canônica da fé – é, em grego, anômala: pistéuō se constrói normalmente com o dativo (crer em alguém), ou com o acusativo, ou seja, com hoti mais um verbo, para exprimir o conteúdo da fé. A fórmula paulina é tanto mais significativa, na medida em que ela nunca aparece nos sinóticos e define, portanto, de modo substancial a sua concepção da fé. É como se, para Paulo, entre Jesus e messias não houvesse espaço para o é copulativo. Característica é a passagem em 1 Cor 2,2: “não julguei, de fato, saber nada mais entre vós senão Jesus messias”: ele não sabe que Jesus é o messias – conhece somente Jesus messias. (Daí pôde surgir, mais tarde, o equívoco segundo o qual esse sintagma seria, na realidade, um nome próprio.)
Frase nominal
Do ponto de vista linguístico, essa expressão é um sintagma nominal. A teoria da frase nominal é um dos capítulos mais interessantes da linguística. Em grego, como em latim – como em hebraico e em árabe – encontra-se frequentemente uma proposição que é tal do ponto de vista semântico, na medida em que exprime uma asserção completa, mas que não contém nenhum predicado verbal. Dois exemplos célebres em Píndaro: skiás onar ánthrōpos, “de uma sombra o sonho” (Pyth. VIII, 95) (nas traduções correntes: “o homem é o sonho de uma sombra) e áriston hydōr, “ótima a água” (Oly. I,1, traduzido habitualmente: “a água é a melhor coisa”). Mas o
trabalho da linguística do nosso tempo – particularmente, de Meillet e Benveniste – consistiu, precisamente, em mostrar que a interpretação corrente da frase nominal como uma frase na qual a cópula está subentendida ou está presente no seu grau zero é simplesmente falsa. A frase nominal e aquela com cópula expressa não são apenas morfologicamente, mas também semanticamente distintas. “A frase nominal e a frase com estí não afirmam do mesmo modo e não pertencem ao mesmo registro. A primeira é discurso; a segunda, narração. A primeira põe um absoluto, a segunda descreve uma situação” (BENVENISTE, 1966, p. 165). É necessário seguir em sentido filosófico a distinção de Benveniste. Costuma-se distinguir dois significados fundamentais do verbo ser nas línguas indo-europeias: o existencial (a posição de uma existência: o mundo é) e o predicativo (a predicação de uma qualidade ou de uma essência: o mundo é eterno). Desses dois significados descende a divisão fundamental da ontologia: a ontologia da existência e a ontologia da essência (a relação entre as duas é a da pressuposição: tudo aquilo que se diz é dito sobre o hypocheímenon da existência; cf. Aristóteles, Cat. 2a, 35). A frase nominal escapa dessa distinção e apresenta um terceiro tipo, irredutível aos dois precedentes, que é necessário aqui pensar. O que significa, então, o fato de que em Paulo a fé seja expressa pelo sintagma nominal “Jesus messias” e não por aquele verbal “Jesus é o messias”? Paulo não acredita que Jesus tenha a qualidade de ser o messias: acredita em “Jesus messias” e ponto final. Messias não é um predicado que se acrescenta ao sujeito Jesus, mas algo que é inseparável dele, sem constituir, por isso, um nome próprio. E isso é a fé em Paulo: uma experiência do ser para além tanto da existência quanto da essência, tanto do sujeito quanto do predicado. Mas não é precisamente isso o que acontece no amor? O amor não suporta a predicação copulativa, jamais tem por objeto uma qualidade ou uma essência. Eu amo Maria-bela-morena-tenra, não amo Maria porque é bela, morena e tenra, enquanto tem este ou aquele atributo. Todo dizer é decaído amor. No momento em que me dou conta que a amada tem esta ou aquela qualidade, este ou aquele defeito – então eu irrevogavelmente saí do amor, mesmo se, como infelizmente acontece frequentemente, continuo acreditando que a amo, tendo agora, aliás, bons motivos para fazê-lo. O amor não tem motivos – por isso, em Paulo, ele está estreitamente ligado à fé, e por isso, como se lê no hino de 1 Cor 13,4-7: “O
amor é magnânimo, o amor sabe usar, não inveja, não se gaba, não se enche, não desfaz a sua postura, não procura coisas privadas, não se enfurece, não calcula o mal, não se alegra com a injustiça, ao contrário, se congratula com a verdade: tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. Qual é, portanto, o mundo da fé? Um mundo que não é feito de substância mais qualidades, não um mundo em que a grama é verde e o sol é quente e a neve é branca. Não, não é um mundo de predicados, de existências e de essências, mas um mundo de eventos indivisíveis, no qual eu não julgo e creio que a neve é branca e que o sol é quente, mas sou transportado e deslocado no ser-a-neve-branca e no ser-o-sol-quente. Um mundo, enfim, no qual eu não acredito que Jesus, aquele homem específico, é o messias, filho unigênito de Deus, gerado e não criado, cossubstancial ao Pai – mas acredito somente em Jesus messias, sou arrastado e deportado nele, de modo que “não eu vivo, mas o messias vive em mim”.
A palavra da fé
Certamente essa fé é, em Paulo, antes de tudo, uma experiência da palavra, e é desse fato que é necessário partir. “A fé pela escuta, a escuta através da palavra do messias” afirmam categoricamente os dois densos sintagmas nominais de Rm 10,17. Na perspectiva da fé, escutar uma palavra não significa constatar a verdade de certo conteúdo semântico, nem, muito menos, renunciar simplesmente a entender – como está implícito na crítica paulina da glossolalia em 1 Cor 14. Mas qual é, então, a justa relação com a palavra da fé, como fala a fé e o que significa escutar a sua palavra? Paulo define a experiência da palavra da fé (to rēma tēs písteōs) numa passagem importante, que será conveniente ler com atenção (Rm 10,6-10): A justiça da fé fala assim: não digas no teu coração: quem subirá ao céu? Isto é, para fazer descer de lá o messias. Ou: quem descerá ao abismo? Isto é, para fazer o messias subir de novo desde os mortos. Mas o que diz? Próxima de ti está a palavra, na tua boca e no teu coração, essa é a palavra da fé (to rēma tēs písteōs) que anunciamos. Pois se tu professas (homologeín, literalmente: “diz a mesma coisa”) na tua boca o senhor Jesus e credes no teu coração que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. Com o coração, de fato, se crê para a justiça, com a boca se professa para a salvação.
Paulo, aqui, parafraseia e, ao mesmo tempo, emenda Deut 30, 11-14, onde se fala da lei que Deus dá aos Judeus: Este mandamento, que hoje te ordeno, não está acima demais de ti, nem longe demais de ti. Não está no céu, para que tu digas: quem subirá por nós ao céu para pegá-lo, e o escutando o obedecemos? E tampouco está para além do mar, para que tu digas: quem atravessar o mar e o trouxer para nós e nos fizer escutá-lo de modo que o obedeçamos? A palavra está muito próxima da tua boca e do teu coração e está nas tuas mãos exercê-la.
Com a sua violência hermenêutica habitual, Paulo – que acabou de afirmar que o messias é o telos da lei – transfere para a fé e para o messias aquilo que no Deuteronômio se referia à lei mosaica. Substitui assim o mar pelo abismo, o sheol em que o messias desceu e elimina “e está nas tuas mãos exercê-la” – que se referia às obras da lei, e que era, de resto, um acréscimo da versão dos Setenta. A palavra próxima, que era palavra do mandamento, torna-se agora “palavra da fé” e é esta que Paulo procura definir acrescentando os versículos 9-10: “Pois se tu professas na tua boca o senhor Jesus...” Homologeín – que Jerônimo traduz por confiterie desde então se tornou o termo técnico para a profissão de fé – significa dizer a mesma coisa, a concordância de uma palavra com a palavra de um outro (e, portanto, o acordo contratual) ou com uma realidade (por exemplo, a correspondência entre logoi e erga, “palavras” e “obras”). Mas em Paulo a correspondência não se dá entre diferentes palavras ou entre palavras e fatos, mas, por assim dizer, no interior da própria palavra, entre a boca e o coração. Eggýs, “próximo”, é, desse ponto de vista, uma palavra muito interessante. Ela não significa somente proximidade no espaço, mas, antes de tudo, proximidade temporal (assim, por exemplo, também em Rm 13,11); a correspondência entre boca e coração na palavra da fé é uma proximidade e quase uma coincidência no tempo. Por outro lado, eggýs deriva etimologicamente de uma raiz que indica o vazio da mão e, portanto, o dar e o colocar na mão. Eggýēs significa, assim, o penhor que se coloca na mão de alguém, e um ouvido grego não podia não entender a proximidade entre os dois termos – tanto mais que, em Hb 7,22, éggyos é Jesus, “fiador de uma aliança mais forte”. A proximidade é também um penhor e uma garantia de eficácia. A experiência da palavra da fé é, portanto, a experiência não do caráter denotativo da palavra, do seu referirse às coisas, mas do seu ser próxima, estendida na correspondência entre a
boca e o coração, e, através desse homologeín, operadora de salvação. Que Paulo construa aqui, por uma vez, pisteúein com hoti, não contradiz esse caráter, por assim dizer, autorreferencial da palavra da fé: como se especifica logo depois, trata-se de uma articulação puramente lógica da eficácia salvífica da palavra em dois momentos: o crer no coração não é nem um tomar por verdadeiro nem a descrição de um estado interior, mas diz respeito à justificação, e somente o professar pela boca cumpre a salvação. Nem glossolalia desprovida de significado, nem palavra simplesmente referencial, a palavra da fé efetua o seu sentido através do seu ser proferida. Devemos pensar, aqui, em algo como uma eficácia performativa da palavra da fé, que se realiza com a sua própria pronúncia na proximidade de boca e coração.
Performativo
Desde quando Austin,76 no seu livro Como fazer coisas com as palavras (1962),77 definiu a categoria do performativo, esta encontrou uma simpatia crescente não somente entre os linguistas, mas também entre os filósofos e os juristas. O performativo é um enunciado linguístico que não descreve um estado de coisas, mas produz imediatamente um fato real. O paradoxo (que a filosofia analítica compendia na fórmula speech act, “ato linguístico”) é, aqui, que o significado de um enunciado (por exemplo, os sintagmas eu juro, eu declaro, eu prometo) coincide com uma realidade que ele mesmo produz através do seu pronunciamento (por isso o performativo não pode ser nem verdadeiro nem falso). Comentando as teses de Austin, Benveniste distinguia o performativo em sentido próprio de outras categorias linguísticas com as quais o filósofo o tinha confundido (o imperativo “abra a porta!”, ou o sinal “cão” sobre um portão), e observava que o enunciado performativo não tem valor senão nas circunstâncias que, autorizando-o como ato, garantem a sua eficácia: “Qualquer um pode gritar em praça pública: eu decreto a mobilização geral! Não podendo ser ato por falta de autoridade necessária tal afirmação não é mais que palavra; ela se reduz a um clamor fútil, à loucura ou à demência” (BENVENISTE, 1966, p. 273). Aquilo que, desse modo, o grande linguista trazia à luz era a relação estreita que une a esfera do performativo àquela do direito (atestada pela
proximidade etimológica entre ius e iurare). Pode-se definir o direito como o âmbito no qual toda a linguagem tende a assumir um valor performativo. Fazer coisas com as palavras não é, portanto, uma ocupação muito inocente, e o direito pode ser, aliás, considerado como o resíduo na linguagem de um estágio mágico-jurídico da existência humana, em que palavras e fatos, expressão linguística e eficácia real coincidiam. Mas de que modo o performativo realiza o seu fim? O que permite a um certo sintagma adquirir, simplesmente mediante a sua pronúncia, a eficácia do fato, desmentindo a velha máxima que quer que a palavra e o fazer sejam separados por um abismo? Os linguistas não o dizem, quase como se se chocassem, aqui, com um último estrato propriamente mágico da língua – quase como se acreditassem verdadeiramente na magia. Essencial é, aqui, certamente, o caráter autorreferencial de toda expressão performativa. Essa autorreferencialidade não se esgota, porém, simplesmente no fato de que o performativo, como nota Benveniste, toma a si mesmo como referente, enquanto reenvia a uma realidade que ele mesmo está constituindo. Ao contrário, é necessário precisar que a autorreferencialidade do performativo se constitui sempre através de uma suspensão do caráter denotativo normal da linguagem. O verbo performativo se constrói, de fato, necessariamente com um dictum que, considerado em si, tem uma natureza puramente constativa e sem o qual ele permanece vazio e ineficaz (eu juro, eu decreto não têm valor se não são seguidos – ou precedidos – por um dictum que os preenche). É esse caráter constativo do dictum que é suspenso e colocado em questão no próprio momento em que se torna o objeto de um sintagma performativo. Assim, as expressões constativas “ontem me encontrava em Roma” ou “a população está mobilizada” cessam de ser tais se precedidas respectivamente pelos performativos eu juro, eu decreto. Isto é, o performativo substitui a relação denotativa normal entre palavra e fato por uma relação autorreferencial que, colocando a primeira fora de jogo, coloca a si mesma como o fato decisivo. Não a relação de verdade entre palavras e coisas é, aqui, essencial, mas a pura forma da relação entre linguagem e mundo que se torna agora ela mesma produtora de vínculos e efeitos reais. Assim como no estado de exceção, a lei suspende a própria aplicação apenas para fundar, desse modo, a sua vigência no caso normal, do mesmo modo, no performativo, a linguagem suspende a sua denotação exatamente e somente para fundar o seu nexo com as coisas. A antiga fórmula das 12
tábuas, que exprime a potência performativa do direito (uti lingua nuncupassit, ita ius esto, “como a língua proferiu, assim seja o direito”), não significa que aquilo que é dito é factualmente verdadeiro, mas somente que o dictum é ele próprio um factum, que, como tal, constrange as pessoas entre as quais foi proferido. Isso significa que o performativo é o testemunho de uma fase da cultura humana em que a linguagem não se refere às coisas – como estamos habituados a pensar – sobre a base de uma relação constativa ou veritativa, mas através de uma operação particular, na qual a palavra jura sobre si mesma, é ela mesma o fato fundamental. Pode-se dizer, aliás, que a relação denotativa entre linguagem e mundo seja simplesmente o que resulta da ruptura da relação mágico-performativa originária entre a palavra e as coisas. Como devemos entender o homologeín paulino em relação a essa esfera do performativo, que tem o seu paradigma pré-jurídico no juramento? Nos últimos anos da sua vida, Michel Foucault trabalhava em um livro sobre a confissão, do qual nos restam rastros, entre os quais, um curso de 1981 na Universidade Católica de Louvain. Foucault considera a confissão no âmbito daquilo que ele chama de “formas da veridição”, em que o importante não é tanto (ou somente) o conteúdo assertório quanto o próprio ato de proferir o verdadeiro. Esse ato é algo como um performativo, pois, através da confissão, o sujeito se liga à sua verdade e modifica tanto a sua relação com os outros quanto aquela consigo mesmo. No curso de Louvain, Foucault começa opondo a confissão ao juramento, que representa no mundo clássico a forma arcaica do processo e – antes de passar para a análise da confissão no processo moderno – examina a prática da exomológēsis cristã, a confissão penitencial dos pecados que se formaliza no decorrer dos séculos XII e XIII. Mas entre essas duas formas de veridição – o performativo sacramental e o performativo penitencial – situase uma outra, que Foucault deixa não interrogada, e que é precisamente a confissão de fé documentada pela passagem de Paulo que estamos comentando. Entre o performativo do juramento e o penitencial, o performativum fidei define a experiência messiânica original – isto é, cristã – da palavra.
Performativum fidei
Que relação há entre o performativum fidei e o performativo sacramental e penitencial? Como em todo ato linguístico, também para Paulo a palavra da fé remonta para além da relação denotativa entre linguagem e mundo, em direção a um diferente e mais original estatuto da palavra; também para Paulo a homología não é entre as palavras e as coisas, mas no próprio interior da linguagem, na proximidade entre a boca e o coração. Toda revelação é sempre, antes de tudo, revelação da própria linguagem, experiência de um puro evento de palavra que excede toda significação e é, todavia, animado por duas tensões opostas: a primeira – que Paulo chama de nomos – procura preencher a excedência articulando-a em preceitos e conteúdos semânticos; a segunda – que coincide com a pistis – é direcionada, ao contrário, a mantê-la aberta para além de todo significado determinado. Correspondentemente, há dois modos de remontar para além da relação denotativa em direção à experiência do evento de linguagem: o primeiro, seguindo o paradigma do juramento, procura fundar nessa experiência o vínculo e a obrigação; para o segundo, ao contrário, a experiência da pura palavra abre o espaço da gratuidade e do uso; este exprime a liberdade do sujeito (“a nossa liberdade que temos no messias”, Gl 2,4), o primeiro manifesta a sua sujeição a um sistema codificado de normas e de artigos de fé. (Já a partir do século IV, nos símbolos conciliares, o acento se desloca do ato do homologeín e da experiência da proximidade da palavra ao conteúdo dogmático-assertivo da confissão.) Como a história da Igreja – e não apenas dela, mas da societas humana no seu conjunto – mostra com clareza, a dialética entre essas duas experiências da palavra é essencial. Se, como fatalmente ocorre e como parece hoje novamente ocorrer, a segunda cai na sombra e apenas a palavra do nomos vige absolutamente, se o performativum fidei é inteiramente recoberto pelo performativum sacramenti, então a própria lei se torna rígida e se atrofia e as relações entre os homens perdem toda graça e toda vitalidade. A juridicização integral das relações humanas, a confusão entre aquilo que podemos acreditar, esperar, amar e aquilo que supostamente devemos fazer e não fazer, saber e ignorar, assinala não somente a crise da religião, mas também e antes de tudo, a do direito. O messiânico é a instância – tanto na religião quanto no direito – de uma exigência de cumprimento que –
colocando em tensão origem e fim – restitui as duas metades do pré-direito à sua unidade pré-jurídica e, ao mesmo tempo, exibe a impossibilidade da sua coincidência. (Por isso a oposição atual entre os Estados laicos – fundados unicamente sobre o direito – e Estados fundamentalistas – fundados unicamente sobre a religião – é apenas aparente e esconde um mesmo declínio político.) Mas, com isso, ele aponta – para além do prédireito – para uma experiência da palavra que – sem se ligar denotativamente às coisas e sem valer ela mesma como uma coisa, sem permanecer indefinidamente suspensa na sua abertura e sem se fechar no dogma – se apresenta como uma pura e comum potência do dizer, capaz de um uso livre e gratuito do tempo e do mundo.
A palavra próxima A interpretação da “palavra da fé” de Rm 10,9-10 nos termos de uma potência que existe enquanto potência aparece já no comentário de Orígenes. No De anima (417a, 21 seg.), Aristóteles distinguia duas figuras da potência: aquela genérica, segundo a qual dizemos que uma criança pode se tornar gramático, ferreiro ou piloto, e aquela efetiva (ou segundo a exis), que compete àquele que já é em ato tais coisas. Na primeira, a passagem ao ato implica exaurimento e destruição da potência, na segunda, tem-se, antes, muito mais conservação (sōtēría) da potência no ato e algo como um darse da potência a si mesma (epídosis eis heautṓ). Aplicando a distinção aristotélica ao texto paulino, Orígenes opõe a proximidade meramente virtual do verbo de Deus a cada homem àquela que existe, por sua vez, efetivamente (efficacia vel efficentia) naquele que confessa com a sua boca a palavra da fé: “Assim também Cristo, que é o Verbo de Deus, segundo a simples possibilidade, está próximo de nós, isto é, de cada homem, como a linguagem está próxima da criança; mas, segundo a eficácia, dizse estar em mim toda vez que eu tiver confessado, na minha boca, Jesus Cristo e que tiver acreditado, no meu coração, que Deus o ressuscitou dos mortos” (ORÍGENES, 1993, p. 204). A palavra da fé se apresenta, aqui, como experiência efetiva de uma pura potência de dizer que, como tal, não coincide com uma proposição denotativa nem com o valor performativo de um enunciado, mas se dá como proximidade absoluta da palavra. Compreende-se, então, por que, em Paulo, a potência messiânica tem o seu telos na fraqueza. O ato de uma pura potência de dizer como tal, uma palavra que se mantém sempre próxima de si mesma, não pode ser nem uma palavra significante, que enuncia opiniões verdadeiras sobre o estado de coisas, nem um performativo jurídico, que põe a si mesmo como um fato. Não existe um conteúdo da fé, professar a palavra da fé não quer dizer formular proposições verdadeiras sobre Deus e sobre o mundo. Crer em Jesus messias não significa crer em algo dele, légein ti katá tinos – e a tentativa dos concílios de articular nos sýmbola um conteúdo da fé só pode valer, nesse sentido, como uma ironia sublime. Messiânica e fraca é aquela potência de dizer que, mantendo-se próxima da palavra, excede não somente todo dito, mas também o próprio ato de dizer, o próprio poder performativo da linguagem. Ela é aquele resto de potência que não se exaure no ato, mas se conserva todas as vezes e permanece nele. Se esse resto de potência é, nesse sentido, fraco, se não pode ser acumulado em um saber ou em um dogma, nem se impor como direito, ele não é, porém, nem passivo nem inerte: ao contrário, ele age precisamente através da sua fraqueza, tornando inoperosa a palavra da lei, descriando e depondo os estados de fato
ou de direito – isto é, tornando-se capaz de fazer uso deles livremente. O katargeín e o chrḗsthai são o ato de uma potência que se cumpre na fraqueza. Que essa potência encontre, no entanto, na fraqueza o seu próprio telos significa que ela não permanece simplesmente suspensa em um diferimento infinito – ao contrário, voltando-se para si mesma, ela cumpre e desativa o próprio excesso do significar sobre todo significado, extingue as línguas (1 Cor 13,8) e, desse modo, testemunha aquilo que, inexpresso e insignificante, permanece no uso para sempre próximo da palavra.
73
Eduard David Mortier Fraenkel (1888-1970), filólogo alemão, autor de Plautinisches bei Plautus (1922). (N.T.) 74
No original, lettera, que pode ser traduzido tanto por “carta” quanto por “letra”. (N.T.)
75
Referente a Pelágio (350-423), monge, teólogo e orador britânico (ou irlandês) de língua latina, fundador do pelagianismo, o qual crê que o pecado original não manchou a natureza humana. O pelagianismo foi condenado, sobretudo, pelo Concílio de Éfeso. (N.T.) 76 77
John Langshaw Austin (1911-1960), filósofo e linguista inglês. (N.T.)
No Brasil, o livro de Austin foi publicado com o título Quando dizer é fazer (Artmed, 1990), traduzido por Danilo Marcondes de Souza Filho. (N.T.)
Limiar ou tornada
Vocês se lembrarão, certamente, na primeira tese Sobre o conceito de história, de Benjamin, da imagem do anão corcunda que está escondido sob o tabuleiro e que, com os seus contramovimentos, assegura a vitória ao fantoche mecânico vestido de turco. Benjamin retira essa imagem de um conto de Poe; mas, transpondo-a para o terreno da filosofia da história, ele acrescenta que aquele anão é, na realidade, a teologia, “que hoje é pequena e feia e que não deve em nenhum caso deixar-se ver”, e se o materialismo histórico souber tomá-la a seu serviço, então ele ganhará a partida histórica contra os seus temíveis adversários.
Citação
Desse modo, Benjamin nos convida a considerar o próprio texto das teses como um tabuleiro sobre o qual se desenvolve uma batalha teórica decisiva, que devemos supor, também nesse caso, conduzida com a ajuda de um teólogo escondido nas entrelinhas. Quem é esse teólogo corcunda, que o autor soube ocultar tão bem no texto das teses, que ninguém até agora conseguiu identificá-lo? E é possível encontrar nas teses indícios e rastros que permitam atribuir um nome àquele que não deve de forma alguma deixar-se ver? Numa das notas da seção N de seu fichário (que contém notas de teoria do conhecimento), Benjamin escreve: “este trabalho deve desenvolver ao máximo a arte de citar sem aspas” (BENJAMIN, 1974-89, V, p. 572). Como vocês sabem, a citação tem em Benjamin uma função estratégica. Assim como entre as gerações passadas e a nossa há um encontro marcado secreto, também entre as escrituras do passado e o presente há um encontro marcado do gênero, e as citações são, por assim dizer, as alcoviteiras do seu encontro. Não surpreende, então, que elas devam ser discretas e saber, por
vezes, cumprir de modo incógnito o seu trabalho. Esse trabalho não é tanto de conservação quanto de demolição: “a citação”, lê-se no ensaio sobre Kraus, “chama a palavra pelo nome, arranca-a do contexto que destrói”; ela “salva e pune” ao mesmo tempo (ibid., II, p. 363). No ensaio “O que é o teatro épico?”, Benjamin escreve: “citar um texto significa interromper o contexto a que ele pertence”. O teatro épico brechtiano, ao qual Benjamin se refere no ensaio, propõe-se a tornar citáveis os gestos. “O ator”, ele acrescenta, “deve ser capaz de espaçar os seus gestos, como o tipógrafo o faz com as letras” (ibid., p. 536). O verbo alemão aqui traduzido por “espaçar” é sperren. Ele designa a convenção tipográfica – não apenas alemã – de substituir o cursivo por um espaçamento entre as letras da palavra que, por alguma razão, se deseja assinalar. O próprio Benjamin – todas as vezes que usa a máquina de escrever – serve-se dessa convenção. De um ponto de vista paleográfico, trata-se do contrário das abreviações que os copistas usavam para certas palavras recorrentes no manuscrito, que, por assim dizer, não havia necessidade de (ou, se pensamos nos nomina sacra de Traube, não se devia) ler: os termos espaçados são, por assim dizer, hiperlidos, lidos duas vezes – e essa dupla leitura podia ser, como sugere Benjamin, aquela palimpséstica da citação. Se vocês derem agora uma olhada no Handexemplar das teses, verão que já na segunda tese Benjamin recorre a essa convenção. Na quarta linha antes do fim, lê-se: Dann ist uns wie jedem Geschlecht, das vor uns war, eine s c h w a c h e messianische Kraft mitgegeben: “Para nós, como para todas as gerações que nos precederam, foi dada uma f r a c a força messiânica”. Por que “fraca” está espaçado? Que tipo de citação está aqui em questão? E por que a força messiânica, à qual Benjamin confia a redenção do passado, é fraca? Pois bem, eu conheço um único texto em que se teoriza de modo explícito a fraqueza da força messiânica. Trata-se, como vocês entenderam, da passagem de 2 Cor 12,9-10, que comentamos várias vezes, ali onde Paulo, que pediu para o messias livrá-lo do seu espinho na carne, se ouve responder hē gar dýnamis en astheneía teleítai, “a potência se cumpre na fraqueza”. “Por isso”, acrescenta o apóstolo, “comprazo-me nas fraquezas, nos ultrajes, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias pelo messias; quando, de fato, sou fraco, então sou potente [dynatós]”. Que se
trate de uma verdadeira e pontual citação sem aspas é confirmado pela tradução de Lutero, que Benjamin devia provavelmente ter diante dos seus olhos. Enquanto Jerônimo traduz por virtus in infirmitate perficitur, Lutero, como a maioria dos tradutores modernos, traduz por denn mein Kraft ist in den schwachen Mechtig: ambos os termos (Kraft e schwache) estão presentes, e é essa hiperlegibilidade, essa presença secreta do texto paulino no texto das teses, que o espaçamento quer discretamente assinalar.
Walter Benjamin, Handeexemplar das teses Sobre o conceito de história, tese 2. Vocês entenderão que a descoberta dessa citação paulina escondida – mas não muito – no texto das teses tenha me emocionado não pouco. No que me dizia respeito, Taubes tinha sido o único a sugerir uma influência possível de Paulo sobre Benjamin, mas a sua hipótese se refere a um texto do começo dos anos 1920, o “Fragmento teológico-político”, que ele coloca em relação com Rm 8,19-23. A intuição de Taubes é certamente justa; todavia, não somente não é possível, nesse caso, falar de citação (exceto, talvez, para o termo benjaminiano Vergängnis, “caducidade”, que poderia corresponder ao vergengliches Wesen, na tradução luterana do versículo 21) – mas há, entre os dois textos, diferenças substanciais. Enquanto, de fato, em Paulo a criação foi sujeitada, sem desejá-lo, à caducidade e à destruição, e por isso ela geme e sofre à espera de ser redimida, em Benjamin, com
uma inversão genial, a natureza é messiânica precisamente pela sua eterna e total caducidade, e o ritmo dessa messiânica caducidade é a felicidade.
Imagem
Uma vez descoberta a citação paulina na segunda tese (lembro-lhes que as teses Sobre o conceito de história são uns dos últimos escritos de Benjamin, quase uma espécie de compêndio testamentário da sua concepção messiânica da história), a via estava aberta para a identificação do teólogo anão, que move secretamente as mãos do fantoche materialismo histórico. Um dos conceitos mais enigmáticos do pensamento benjaminiano dos últimos anos é o de Bild, imagem. Ele aparece muitas vezes no texto das teses, especialmente na quinta, em que lemos: “A verdadeira imagem [das wahre Bild] do passado escapa fugidia. Somente na imagem, que relampeja, uma vez por todas, no instante da sua cognoscibilidade, deixa-se fixar o passado... Pois é uma imagem irrevocável do passado que corre o risco de esvanecer em cada presente, que não se reconheça significado nela”. Temos vários fragmentos em que Benjamin procura definir esse verdadeiro e peculiar terminus technicus da sua concepção da história, mas, talvez, nenhum é tão claro como Ms 474: “Não é que o passado lance a sua luz sobre o presente, ou que o presente lance a sua luz sobre o passado; a imagem é, antes, aquilo em que o passado vem a convergir com o presente numa constelação. Enquanto a relação do então com o agora é puramente temporal (contínua), a relação do passado com o presente é dialética, por saltos” (BENJAMIN, 1974-1989, I, p. 1229). Bild é, portanto, para Benjamin, tudo aquilo (objeto, obra de arte, texto, lembrança ou documento) em que um instante do passado e um instante do presente se unem numa constelação, na qual o presente deve saber se reconhecer significado no passado e este encontra no presente o seu sentido e o seu cumprimento. Mas já encontramos em Paulo uma constelação semelhante entre passado e futuro, naquela que definimos como “relação tipológica”. Também aqui um momento do passado (Adão, a passagem pelo Mar Vermelho, o maná, etc.) deve ser reconhecido como typos do agora messiânico – aliás, como vimos, o kairós messiânico é precisamente essa relação. Mas por que Benjamin fala de Bild, “imagem”, e não de tipo ou figura (que é o termo da Vulgata)? Pois bem, dispomos de uma comparação
textual que nos permite falar, também nesse caso, de uma verdadeira e própria citação sem aspas: Lutero traduz Rm 5,14 (typos tou méllontos) por welcher ist ein Bilde des der zukunfftig war (1 Cor 10,6 é traduzido por Furbilde, e antítypos, em Hb 9,24, por Gegenbilde). De resto, também nessa tese Benjamin usa o espaçamento, mas o desloca para três palavras depois de Bild, em um termo que não parece ter nenhuma necessidade de ser sublinhado: das wahre Bild des Vergangenheit h u s c h t vorbei – que naturalmente pode também conter uma alusão a 1 Cor 7,31: parágei gar to schēma tou kosmou toutou, “passa, de fato, a figura desse mundo”, da qual Benjamin talvez tirou a ideia de que a imagem do passado corre o risco de esvanecer para sempre se o presente não se reconhece nela. Vocês se lembrarão que, nas cartas paulinas, o conceito de typos está estreitamente ligado àquele de anakephalaíōsis, recapitulação, que, junto com ele, define o tempo messiânico. Também esse conceito está presente no texto benjaminiano numa posição particularmente significativa, isto é, no fim da última tese (que, depois da descoberta do Handexemplar, não é mais a décima oitava, mas a décima nona). Leiamos a passagem em questão: Die Jetztzeit, die als Modell der messianischen in einer ungeheuren Abbreviatur die Geschichte der ganzen Menschheit zusammenfasst, fällt haarscharf mit d e r Figur zusammen, die die Geschichte der Menschheit im Universum macht. (“A atualidade, que, como modelo do tempo messiânico, reassume numa imane abreviação a história de toda a humanidade, coincide perfeitamente com a figura que a história da humanidade faz no universo”).
Jetztzeit
Algumas palavras, antes de tudo, sobre o termo Jetztzeit. Em um dos manuscritos das teses, o único manuscrito em sentido técnico, aquele já de propriedade de Hannah Arendt, a palavra, na sua primeira aparição na tese XIV, está escrita entre aspas (escrevendo à mão não é impossível sperren). Isso tinha induzido o primeiro tradutor italiano das teses, Renato Solmi, a traduzir o termo por “tempo-agora”, o que é certamente arbitrário (na medida em que o termo alemão significa simplesmente atualidade), e, todavia, apreende algo da intenção benjaminiana. Depois de tudo o que dissemos no seminário sobre ho nyn kairós como designação técnica do tempo messiânico em Paulo, é impossível não notar a correspondência
literal entre os dois termos (“o-de-agora-tempo”). Tanto mais que, em alemão, a história recente do termo mostra que ele tem, habitualmente, uma conotação negativa e antimessiânica: tanto em Schopenhauer (“Ele – o nosso tempo – chama a si mesmo com um nome que ele próprio se deu, tão característico quanto eufemístico: Jetztzeit: sim, precisamente, Jetztzeit, isto é: pensa-se apenas no agora e não se olha para o tempo que vem e julga”: SCHOPENHAUER, 1963, p. 213-214), quanto em Heidegger (“chamamos Jetzt-Zeit o tempo mundano como aparece no uso do relógio que conta os “agora”... [na Jetzt-Zeit] a temporalidade extático-horizontal é recoberta e nivelada”: HEIDEGGER, 1972, p. 421-422). Benjamin inverte essa conotação negativa para restituir ao termo aquele mesmo caráter de paradigma do tempo messiânico que ho nyn kairós tem em Paulo. Mas voltemos ao problema da recapitulação. A última frase da tese – o tempo messiânico como uma imane abreviação de toda a história – parece indubitavelmente retomar Ef 1,10 (“todas as coisas se recapitulam no messias”). Mas também dessa vez – se olhamos para a tradução luterana – nos damos conta de que a retomada é, na verdade, uma citação sem aspas: alle ding zusamen verfasset würde in Christo. O mesmo verbo (zusammenfassen) corresponde nos dois casos ao anakephalaiṓsasthai paulino. Como provas internas de uma correspondência textual e não apenas conceitual, entre as teses e as cartas, esses indícios podem ser suficientes. Nessa perspectiva, todo o vocabulário das teses parece de cunho genuinamente paulino. E não espantará, é claro, que o termo “redenção” (Erlösung) – um conceito absolutamente central na concepção benjaminiana do conhecimento histórico – seja – obviamente – aquele com o qual Lutero traduz o paulino apolýtrōsis, igualmente central nas Cartas. Que esse conceito paulino seja de origem helenística (a alforria dos escravos por parte da divindade, segundo a sugestão de Deissmann), ou puramente judaica – ou, mais provavelmente, as duas coisas juntas –, em todo caso a orientação para o passado que caracteriza o messianismo benjaminiano tem o seu cânone em Paulo. Mas há também outro indício, exterior dessa vez, que deixa inferir que o próprio Scholem estivesse ciente dessa proximidade do pensamento de Benjamin com o de Paulo. A postura de Scholem em relação a Paulo – um autor que ele conhece muito bem e que uma vez definiu como “o exemplo
mais notável de misticismo revolucionário hebraico” (SCHOLEM, 1980, p. 20) – não é certamente desprovido de ambiguidade. De todo modo, a descoberta de inspiração paulina de alguns aspectos das especulações messiânicas do amigo não podia ser para ele reconfortante e estava, sem dúvida, entre as coisas sobre as quais não teria tido prazer de falar. Mas há, em outro livro seu, uma passagem em que – com a mesma cautela com que, no livro sobre Sabbatai Zevi, estabelece uma relação entre Paulo e Nathan de Gaza – ele parece realmente sugerir, ainda que de modo críptico, que Benjamin pudesse identificar-se com Paulo. Está na sua interpretação de Agesilaus Santander, o enigmático fragmento composto por Benjamin, em Ibiza, em agosto de 1933. A interpretação de Scholem funda-se sobre a hipótese de que o nome Agesilaus Santander, que Benjamin parece no texto referir a si mesmo, seja, na verdade, um anagrama de der Angelus Satanas. Se, como penso, vocês não se esqueceram da aparição desse ággelos sataná como “espinho na carne”, em 2 Cor 12,7, não se surpreenderão que Scholem se refira precisamente a essa passagem de Paulo como possível fonte de Benjamin. A alusão é rápida e nunca mais repetida: mas, se levamos em consideração o fato de que tanto o fragmento de Benjamin quanto a passagem paulina são fortemente autobiográficos, ela implica que Scholem esteja sugerindo que o amigo, evocando a sua relação secreta com o anjo, pudesse de algum modo identificar-se com Paulo. De qualquer forma, acredito que não se possa duvidar de que – separadas entre si por quase dois mil anos e ambas compostas numa situação de crise radical, as Cartas e as Teses – esses dois célebres textos messiânicos da nossa tradição – formam uma constelação que, por alguma sobre a qual lhes convido a refletir, conhece precisamente hoje o agora da sua legibilidade. Das Jetzt der Lesbarkeit, “o agora da legibilidade” (ou da “cognoscibilidade”, Erkennbarkeit) define um princípio hermenêutico genuinamente benjaminiano, que é o exato contrário do princípio corrente, segundo o qual toda obra pode ser a todo instante objeto de uma interpretação infinita (infinita no duplo sentido de que nunca se exaure e é possível independentemente da sua situação histórico-temporal). O princípio benjaminiano supõe, ao contrário, que toda obra e todo texto contenham um índice histórico que não indica apenas o seu pertencimento a uma determinada época, mas diz também que eles chegam à legibilidade num determinado momento histórico. Somente nesse sentido, como está
escrito numa nota à qual Benjamin confiou a sua extrema formulação messiânica, e que constitui, portanto, a melhor conclusão do nosso seminário: Cada agora é o agora de determinada cognoscibilidade [Jedes Jetzt ist das Jetzt einer bestimmten Erkennbarkeit]. Nele a verdade está carregada de tempo até se estilhaçar. (Esse se estilhaçar, e nada mais, é a morte da Intentio, que coincide com o nascimento do autêntico tempo histórico, o tempo da verdade.) Não é que o passado lance a sua luz sobre o presente ou o presente a sua luz sobre o passado, mas imagem é aquilo em que o que foi se une fulminantemente com o agora numa constelação. Em outras palavras: imagem é a dialética em suspensão. Porque, enquanto a relação do presente com o passado é puramente temporal, a relação entre aquilo que foi e o agora é dialética: não temporal, mas imaginal. Somente as imagens dialéticas são autenticamente históricas, isto é, não arcaicas. A imagem lida, isto é, a imagem no agora da cognoscibilidade, leva ao mais alto grau o molde desse momento crítico e perigoso que está na base de toda leitura (BENJAMIN, 1974-1989, V, p. 578).
Apêndice Referências textuais paulinas Tradução: Cláudio Oliveira
Da “Carta aos Romanos” 1, 1-7 1 Παῦλος δοῦλος Χριστοῦ Ἰησοῦ, κλητὸς ἀπόστολος Paulo escravo de [o] messias Jesus, chamado enviado ἀφωρισμένος εἰς εὐαγγέλιον Θεοῦ, 2 ὃ προεπηγγείλατο separado para [a] boa nova de Deus, que tinha prometido antes διὰ τῶν προφητῶν αὐτοῦ ἐν γραφαῖς ἁγίαις 3 περὶ através dos profetas dele em [as] escrituras sagradas acerca τοῦ υἱοῦ αὐτοῦ τοῦ γενομένου ἐκ σπέρματος Δαυὶδ do filho dele o nascido de [o] sêmen de Davi κατὰ σάρκα, 4 τοῦ ὁρισθέντος υἱοῦ Θεοῦ ἐν δυνάμει segundo [a] carne, constituído filho de Deus em potência κατὰ πνεῦμα ἁγιωσύνης ἐξ ἀναστάσεως νεκρῶν, segundo [o] espírito de santidade a partir de [a] ressurreição dos mortos, Ἰησοῦ Χριστοῦ τοῦ κυρίου ἡμῶν, 5 δι’ οὗ ἐλάβομεν χάριν de Jesus messias o senhor de nós, através do qual recebemos [a] graça καὶ ἀποστολὴν εἰς ὑπακοὴν πίστεως ἐν πᾶσιν τοῖς ἔθνεσιν e mandato para obediência de [a] fé entre todos os povos ὑπὲρ τοῦ ὀνόματος αὐτοῦ, 6 ἐν οἷς ἐστε καὶ ὑμεῖς por o nome dele, entre os quais sois também vós κλητοὶ Ἰησοῦ Χριστοῦ, 7 πᾶσιν τοῖς οὖσιν ἐν Ῥώμῃ chamados de Jesus messias, a todos os existentes em Roma ἀγαπητοῖς Θεοῦ, κλητοῖς ἁγίοις· χάρις ὑμῖν καὶ εἰρήνη amados de Deus, chamados santos; graça a vós e paz
ἀπὸ Θεοῦ πατρὸς ἡμῶν καὶ κυρίου Ἰησοῦ Χριστοῦ. de Deus Pai de nós e de [o] senhor Jesus messias. 1, 14-17 14 Ἕλλησίν τε καὶ βαρβάροις, σοφοῖς τε καὶ A [os] Gregos – e a [os] bárbaros, a [os] sábios – e ἀνοήτοις ὀφειλέτης εἰμί· 15 οὕτως τὸ κατ’ ἐμὲ πρόθυμον a [os] tolos devedor sou; assim o da parte de mim desejo καὶ ὑμῖν τοῖς ἐν Ῥώμῃ εὐαγγελίσασθαι. 16 οὐ γὰρ também a vós que [sois] em Roma de anunciar a boa nova. Não com efeito ἐπαισχύνομαι τὸ εὐαγγέλιον· δύναμις γὰρ Θεοῦ ἐστιν me envergonho da boa nova; potência com efeito de Deus é εἰς σωτηρίαν παντὶ τῷ πιστεύοντι, Ἰουδαίῳ τε πρῶτον para [a] salvação para todos – crentes, a [o] judeu – primeiro καὶ Ἕλληνι. 17 δικαιοσύνη γὰρ Θεοῦ ἐν αὐτῷ e a [o] grego. [A] justiça com efeito de Deus em isso ἀποκαλύπεται ἐκ πίστεως εἰς πίστιν, καθὼς γέγραπται· Ὁ δὲ é revelada desde [a] fé para [a] fé, como está escrito; O δίκαιος ἐκ πίστεως ζήσεται. justo de fé viverá. 9
2, 9-16 τοῦ
θλῖψις καὶ στενοχωρία ἐπὶ πᾶσαν ψυχὴν ἀνθρώπου Opressão e angústia sobre toda alma de homem o κατεργαζομένου τὸ κακόν, Ἰουδαίου τε πρῶτον καὶ Ἕλληνος· que coloca em obra o mal, judeu – primeiro e grego: 10 δόξα δὲ καὶ τιμὴ καὶ εἰρήνη παντὶ τῷ glória ao contrário e honra e paz a cada um o ἐργαζομένῳ τὸ ἀγαθόν, Ἰουδαίῳ τε πρῶτον καὶ Ἕλληνι. que coloca em obra o bem, judeu – primeiro e grego. 11 οὐ γάρ ἐστιν προσωπολημψία παρὰ τῷ Θεῷ. 12 Ὅσοι Não com efeito há preferência de face junto ao Deus. Quantos γὰρ ἀνόμως ἥμαρτον, ἀνόμως καὶ ἀπολοῦνται· καὶ ὅσοι
com efeito sem lei pecaram, sem lei também perecerão; e quantos ἐν νόμῳ ἥμαρτον, διὰ νόμου κριθήσονται· 13 οὐ em [a] lei pecaram, por meio de [a] lei serão julgados: não [são] γὰρ οἱ ἀκροαταὶ νόμου δίκαιοι παρὰ [τῷ] Θεῷ, com efeito os que estendem as orelhas a [a] lei justos junto de o Deus, ἀλλ’ οἱ ποιηταὶ νόμου δικαιωθήσονται. 14 ὅταν γὰρ mas os fazedores de [a] lei serão justificados. Quando com efeito ἔθνη τὰ μὴ νόμον ἔχοντα φύσει τὰ τοῦ νόμου [os] povos os não [a] lei que tem por natureza as [coisas] da lei ποιῶσιν, οὗτοι νόμον μὴ ἔχοντες ἑαυτοῖς εἰσιν νόμος· fazem, estes lei não tendo a si mesmos são lei: 15 οἵτινες ἐνδείκνυνται τὸ ἔργον τοῦ νόμου γραπτὸν ἐν ταῖς estes mostram [que] a obra da lei [é] escrita em os καρδίαις αὐτῶν, συμμαρτυρούσης αὐτῶν τῆς συνειδήσεως corações deles, dando testemunho deles a consciência καὶ μεταξὺ ἀλλήλων τῶν λογισμῶν κατηγορούντων e entre uns e outros os pensamentos acusadores ἢ καὶ ἀπολογουμένων, 16 ἐν ᾗ ἡμέρᾳ κρίνει ὁ Θεὸς ou também escusadores, em o dia [quando] julga o Deus τὰ κρυπτὰ τῶν ἀνθρώπων κατὰ τὸ εὐαγγέλιόν μου as coisas escondidas dos homens segundo a boa nova de mim διὰ Χριστοῦ Ἰησοῦ. através de [o] messias Jesus. 2, 25-29 25 περιτομὴ μὲν γὰρ ὠφελεῖ ἐὰν νόμον πράσσῃς· ἐὰν [A] circuncisão com efeito aproveita se [a] lei [tu] praticas; se δὲ παραβάτης νόμου ᾖς, ἡ περιτομή σου ἀκροβυστία
no entanto transgressor de [a] lei [tu] és, a circuncisão de ti prepúcio γέγονεν. 26 ἐὰν οὖν ἡ ἀκροβυστία τὰ δικαιώματα τοῦ se tornou. Se portanto o prepúcio as prescrições da νόμου φυλάσσῃ, οὐχ ἡ ἀκροβυστία αὐτοῦ εἰς περιτομὴν lei observa, não o prepúcio dele como circuncisão λογισθήσεται; 27 καὶ κρινεῖ ἡ ἐκ φύσεως ἀκροβυστία τὸν νόμον será contado? E julgará o por natureza prepúcio a lei τελοῦσα σὲ τὸν διὰ γράμματος καὶ περιτομῆς παραβάτην cumprida ti o com [a] letra e [a] circuncisão transgressora νόμου. 28 οὐ γὰρ ὁ ἐν τῷ φανερῷ Ἰουδαῖός ἐστιν, de [a] lei. Não com efeito o em o visível judeu é, οὐδὲ ἡ ἐν τῷ φανερῷ ἐν σαρκὶ περιτομή· 29 ἀλλ’ ὁ ἐν nem a em o visível em [a] carne circuncisão; mas o em τῷ κρυπτῷ Ἰουδαῖος, καὶ περιτομὴ καρδίας ἐν πνεύματι o segredo judeu [é], e [a] circuncisão de [o] coração em [o] espírito οὐ γράμματι, οὗ ὁ ἔπαινος οὐκ ἐξ ἀνθρώπων ἀλλ’ não na letra, da qual o elogio não de [os] homens mas ἐκ τοῦ Θεοῦ. de o Deus. 3, 9-12 9
Τί οὖν; προεχόμεθα; οὐ πάντως· προῃτιασάμεθα O que então? Somos superiores? Não, absolutamente! Acusamos primeiro γὰρ Ἰουδαίους τε καὶ Ἕλληνας πάντας ὑφ’ ἁμαρτίαν εἶναι, com efeito judeus – e gregos todos sob [o] pecado de ser, 10 καθὼς γέγραπται ὅτι oὐκ ἔστιν δίκαιος οὐδὲ εἷς, como está escrito : não há [um] justo, nem mesmo um, 11 οὐκ ἔστιν ὁ συνίων, οὐκ ἔστιν ὁ ἐκζητῶν τὸν Θεόν· não há o que compreende, não há o que busca o Deus: 12 πάντες ἐξέκλιναν, ἅμα ἠχρεώθησαν· οὐκ todos desviraram, ao mesmo tempo tornaram-se incapazes de usar; não
ἔστιν ὁ ποιῶν χρηστότητα, [οὐκ ἔστιν] ἕως há o que faz bom uso, não há até um.
ἑνός. 3, 19-24
19 Οἴδαμεν δὲ ὅτι ὅσα ὁ νόμος λέγει τοῖς ἐν Sabemos que quanto a lei diz para aqueles que [estão] em τῷ νόμῳ λαλεῖ, ἵνα πᾶν στόμα φραγῇ καὶ ὑπόδικος γένηται a lei fala, para que toda boca seja fechada e culpado seja πᾶς ὁ κόσμος τῷ Θεῷ· 20 διότι ἐξ ἔργων νόμου οὐ todo o mundo [diante] do Deus; por isso de [as] obras da lei não δικαιωθήσεται πᾶσα σὰρξ ἐνώπιον αὐτοῦ· διὰ γὰρ νόμου será justificada toda carne à frente dele; por meio com efeito de [a] lei ἐπίγνωσις ἁμαρτίας. 21 Νυνὶ δὲ χωρὶς νόμου à [o] conhecimento a posteriori de [o] pecado. Agora porém sem [a] lei δικαιοσύνη Θεοῦ πεφανέρωται, μαρτυρουμένη ὑπὸ τοῦ νόμου [a] justiça de Deus se manifestou, testemunha por a lei καὶ τῶν προφητῶν, 22 δικαιοσύνη δὲ Θεοῦ διὰ πίστεως e [por] os profetas, justiça – de Deus por meio de [a] fé [Ἰησοῦ] Χριστοῦ εἰς πάντας τοὺς πιστεύοντας· οὐ γάρ de Jesus messias para todos os crentes; não com efeito ἐστιν διαστολή· 23 πάντες γὰρ ἥμαρτον καὶ ὑστεροῦνται τῆς há diferença; todos com efeito pecaram e estão privados da δόξης τοῦ Θεοῦ, 24 δικαιούμενοι δωρεὰν τῇ αὐτοῦ χάριτι glória do Deus, justificados gratuitamente pela dele graça διὰ τῆς ἀπολυτρώσεως τῆς ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ· através da redenção aquela em [o] messias Jesus. 3, 27-31 27 Ποῦ οὖν ἡ καύχησις; ἐξεκλείσθη. διὰ ποίου νόμου; De onde portanto o orgulho? Foi excluído! Através de qual lei? τῶν ἔργων; οὐχί, ἀλλὰ διὰ νόμου πίστεως. 28 λογιζόμεθα Das obras? Não, mas através de [a] lei de [a] fé. Pensamos
γὰρ δικαιοῦσθαι πίστει ἄνθρωπον χωρὶς ἔργων νόμου. com efeito ser justificado por [a] fé [o] homem sem [as] obras de [a] lei. 29 ἢ Ἰουδαίων ὁ Θεὸς μόνον; οὐχὶ καὶ ἐθνῶν; ναὶ Ou [é] dos judeus o Deus somente? Não também de [os] gentios; sim, καὶ ἐθνῶν, 30 εἴπερ εἷς ὁ Θεός ὃς δικαιώσει também de [os] gentios, já que um [só é] o Deus que justificará περιτομὴν ἐκ πίστεως καὶ ἀκροβυστίαν διὰ τῆς πίστεως. [a] circuncisão de [a] fé e [o] prepúcio por meio da fé. 31 νόμον οὖν καταργοῦμεν διὰ τῆς πίστεως; μὴ γένοιτο, [A] lei portanto tornemos inoperante através da fé? Não seja! ἀλλὰ νόμον ἱστάνομεν. Antes, [a] lei mantenhamos firme. 4, 2-3 2
εἰ γὰρ Ἀβραὰμ ἐξ ἔργων ἐδικαιώθη, ἔχει καύχημα· Se com efeito Abraão de [as] obras foi justificado, [ele] tem mérito; ἀλλ’ οὐ πρὸς Θεόν. 3 τί γὰρ ἡ γραφὴ λέγει; mas não junto de Deus O que com efeito a escritura diz? Ἐπίστευσεν δὲ Ἀβραὰμ τῷ Θεῷ, καὶ ἐλογίσθη αὐτῷ Acreditou – Abraão no Deus, e foi creditado a ele εἰς δικαιοσύνην. para justiça. 4, 10-22 10 πῶς οὖν ἐλογίσθη; ἐν περιτομῇ ὄντι ἢ ἐν Como portanto foi creditada? Em [a] circuncisão sendo ou em [o] ἀκροβυστίᾳ, οὐκ ἐν περιτομῇ ἀλλ’ ἐν ἀκροβυστίᾳ· 11 καὶ prepúcio, não em [a] circuncisão mas em [o] prepúcio! e [o] σημεῖον ἔλαβεν περιτομῆς σφραγῖδα τῆς δικαιοσύνης τῆς signo recebeu de [a] circuncisão selo da justiça da πίστεως τῆς ἐν τῇ ἀκροβυστίᾳ, εἰς τὸ εἶναι αὐτὸν πατέρα
fé aquela em o prepúcio, para o ser ele pai πάντων τῶν πιστευόντων δι’ ἀκροβυστίας, εἰς τὸ de todos os crentes através de [o] prepúcio, para o λογισθῆναι αὐτοῖς [τὴν] δικαιοσύνην, 12 καὶ πατέρα περιτομῆς ser creditada a eles [a] justiça, e pai de [a] circuncisão τοῖς οὐκ ἐκ περιτομῆς μόνον ἀλλὰ καὶ τοῖς para aqueles não de [a] circuncisão somente, mas também para στοιχοῦσιν τοῖς ἴχνεσιν τῆς ἐν ἀκροβυστίᾳ πίστεως τοῦ os que seguem os passos da em [o] prepúcio fé do πατρὸς ἡμῶν Ἀβραάμ. 13 Οὐ γὰρ διὰ νόμου ἡ pai de nós Abraão. Não com efeito através de [a] lei a ἐπαγγελία τῷ Ἀβραὰμ ἢ τῷ σπέρματι αὐτοῦ, τὸ κληρονόμον αὐτὸν promessa a Abraão ou ao sêmen dele, o herdeiro ele εἶναι κόσμου, ἀλλὰ διὰ δικαιοσύνης πίστεως. 14 εἰ ser de [o] mundo, mas através de [a] justiça de [a] fé. Se γὰρ οἱ ἐκ νόμου κληρονόμοι, κεκένωται ἡ πίστις καὶ com efeito os de [a] lei herdeiros [são], foi esvaziada a fé e κατήργηται ἡ ἐπαγγελία· 15 ὁ γὰρ νόμος ὀργὴν tornada inoperante a promessa; A com efeito lei [a] ira κατεργάζεται· οὗ δὲ οὐκ ἔστιν νόμος, οὐδὲ παράβασις. põe em obra; onde no entanto não há lei, tampouco transgressão. 16 Διὰ τοῦτο ἐκ πίστεως, ἵνα κατὰ χάριν, εἰς τὸ εἶναι Por isso [é] essa coisa de [a] fé, para que por graça, – – seja βεβαίαν τὴν ἐπαγγελίαν παντὶ τῷ σπέρματι, οὐ τῷ ἐκ τοῦ válida a promessa para todo o sêmen, não àquele a partir da νόμου μόνον ἀλλὰ καὶ τῷ ἐκ πίστεως Ἀβραάμ, ὅς ἐστιν lei somente mas também àquele a partir de [a] fé de Abraão, que é πατὴρ πάντων ἡμῶν, 17 καθὼς γέγραπται ὅτι πατέρα πολλῶν ἐθνῶν pai de todos nós, como está escrito : Pai de muitos povos τέθεικά σε, κατέναντι οὗ ἐπίστευσεν Θεοῦ τοῦ
coloquei te, frente àquele em quem acreditou a Deus o que ζωοποιοῦντος τοὺς νεκροὺς καὶ καλοῦντος τὰ μὴ ὄντα ὡς faz viver os mortos e que chama as coisas que não são como ὄντα· 18 ὃς παρ’ ἐλπίδα ἐπ’ ἐλπίδι ἐπίστευσεν, εἰς τὸ sendo; o qual contra [a] esperança em [a] esperança acreditou, para o γενέσθαι αὐτὸν πατέρα πολλῶν ἐθνῶν κατὰ τὸ εἰρημένον· οὕτως tornar-se ele pai de muitos povos segundo – o que foi dito; assim ἔσται τὸ σπέρμα σου, 19 καὶ μὴ ἀσθενήσας τῇ πίστει κατενόησεν será a descendência de ti, e, não sendo fraca na fé, considerou τὸ ἑαυτοῦ σῶμα νενεκρωμένον, ἑκατονταετής που ὑπάρχων, καὶ o dele corpo morto, cem anos cerca de tendo, e τὴν νέκρωσιν τῆς μήτρας Σάρρας· 20 εἰς δὲ τὴν ἐπαγγελίαν o estado de morte do colo de Sara; para – a promessa τοῦ Θεοῦ οὐ διεκρίθη τῇ ἀπιστίᾳ ἀλλὰ ἐνεδυναμώθη do Deus não duvidou com a incredulidade, mas foi potenciado τῇ πίστει, δοὺς δόξαν τῷ Θεῷ 21 καὶ com a fé, tendo dado glória ao Deus e πληροφορηθεὶς ὅτι ὃ ἐπήγγελται δυνατός ἐστιν καὶ sendo transportado na convicção de que aquilo que prometeu capaz é também ποιῆσαι. 22 διὸ [καὶ] ἐλογίσθη αὐτῷ εἰς δικαιοσύνην. de fazer por isso também foi creditado a ele a justiça. 5, 12-14 12 Διὰ τοῦτο ὥσπερ δι’ ἑνὸς ἀνθρώπου ἡ ἁμαρτία εἰς τὸν Por isso como através de um [só] homem o pecado em o κόσμον εἰσῆλθεν, καὶ διὰ τῆς ἁμαρτίας ὁ θάνατος, καὶ mundo entrou, e por causa do pecado a morte, e
οὕτως εἰς πάντας ἀνθρώπους ὁ θάνατος διῆλθεν, ἐφ’ ᾧ πάντες assim a todos [os] homens a morte passou, porque todos ἥμαρτον· 13 ἄχρι γὰρ νόμου ἁμαρτία ἦν ἐν κόσμῳ, pecaram; até a com efeito lei [o] pecado era em [o] mundo, ἁμαρτία δὲ οὐκ ἐλλογεῖται μὴ ὄντος νόμου· 14 ἀλλὰ [o] pecado porém não é creditado não existindo [a] lei; mas ἐβασίλευσεν ὁ θάνατος ἀπὸ Ἀδὰμ μέχρι Μωϋσέως καὶ ἐπὶ reinou a morte de Adão até Moisés também sobre τοὺς μὴ ἁμαρτήσαντας ἐπὶ τῷ ὁμοιώματι τῆς παραβάσεως os que não tinham pecado a a semelhança da transgressão Ἀδάμ, ὅς ἐστιν τύπος τοῦ μέλλοντος. de Adão, que é figura do que vem. 5, 19-21 19 ὥσπερ γὰρ διὰ τῆς παρακοῆς τοῦ ἑνὸς ἀνθρώπου Assim como com efeito através da desobediência de um [só] homem ἁμαρτωλοὶ κατεστάθησαν οἱ πολλοί, οὕτως καὶ διὰ pecadores foram constituídos os muitos, do mesmo modo também através τῆς ὑπακοῆς τοῦ ἑνὸς δίκαιοι κατασταθήσονται οἱ πολλοί. da obediência de um [só] justos serão constituídos os muitos. 20 νόμος δὲ παρεισῆλθεν ἵνα πλεονάσῃ τὸ παράπτωμα· [A] lei então chegou para que abundasse o pecado; οὗ δὲ ἐπλεόνασεν ἡ ἁμαρτία, ὑπερεπερίσσευσεν ἡ χάρις, onde mas abundou o pecado, superabundou a graça, 21 ἵνα ὥσπερ ἐβασίλευσεν ἡ ἁμαρτία ἐν τῷ θανάτῳ, para que, assim como reinou o pecado em a morte, οὕτως καὶ ἡ χάρις βασιλεύσῃ διὰ δικαιοσύνης do mesmo modo também a graça reine através de [a] justiça εἰς ζωὴν αἰώνιον διὰ Ἰησοῦ Χριστοῦ τοῦ κυρίου ἡμῶν. para [a] vida eterna através de Jesus messias o senhor de nós. 7, 7-24 7 Τί
οὖν
ἐροῦμεν;
ὁ νόμος
ἁμαρτία;
μὴ γένοιτο·
ἀλλὰ
O que portanto diremos? A lei [é] pecado? Não seja! Mas τὴν ἁμαρτίαν οὐκ ἔγνων εἰ μὴ διὰ νόμου· τήν τε γὰρ o pecado não conheceu se não através de [a] lei; o – com efeito ἐπιθυμίαν οὐκ ᾔδειν εἰ μὴ ὁ νόμος ἔλεγεν οὐκ desejo não teria conhecido se não a lei dissesse: Não ἐπιθυμήσεις· 8 ἀφορμὴν δὲ λαβοῦσα ἡ ἁμαρτία διὰ τῆς deseje! Impulso – tendo tomado o pecado por meio do ἐντολῆς κατειργάσατο ἐν ἐμοὶ πᾶσαν ἐπιθυμίαν· χωρὶς γὰρ mandamento pôs em obra em mim todo desejo; sem com efeito νόμου ἁμαρτία νεκρά. 9 ἐγὼ δὲ ἔζων χωρὶς νόμου ποτέ· [a] lei [o] pecado [está] morto. Eu – vivia sem lei outrora; ἐλθούσης δὲ τῆς ἐντολῆς ἡ ἁμαρτία ἀνέζησεν, 10 ἐγὼ tendo chegado porém o mandamento o pecado retomou vida, eu δὲ ἀπέθανον, καὶ εὑρέθη μοι ἡ ἐντολὴ ἡ no entanto morri, e aconteceu [que] para mim o mandamento aquele εἰς ζωὴν, αὕτη εἰς θάνατον· 11 ἡ γὰρ ἁμαρτία para [a] vida, ele [era] para [a] morte; O com efeito pecado ἀφορμὴν λαβοῦσα διὰ τῆς ἐντολῆς ἐξηπάτησέν με καὶ impulso tendo ganho através do mandamento enganou me e δι’ αὐτῆς ἀπέκτεινεν. 12 ὥστε ὁ μὲν νόμος ἅγιος, καὶ ἡ por meio dele [me] matou. Assim a de verdade lei [é] santa, e o ἐντολὴ ἁγία καὶ δικαία καὶ ἀγαθή. 13 Τὸ οὖν ἀγαθὸν mandamento santo e justo e bom. O portanto bem ἐμοὶ ἐγένετο θάνατος; μὴ γένοιτο· ἀλλὰ ἡ ἁμαρτία, ἵνα para mim se torna morte? Não seja! Mas o pecado para que φανῇ ἁμαρτία, διὰ τοῦ ἀγαθοῦ μοι κατεργαζομένη apareça [como] pecado, através do bem a mim [é] operante θάνατον, ἵνα γένηται καθ’ ὑπερβολὴν ἁμαρτωλὸς ἡ ἁμαρτία [a] morte, para que advenha em excesso pecaminoso o pecado διὰ τῆς ἐντολῆς. 14 οἴδαμεν γὰρ ὅτι ὁ νόμος πνευματικός
através do mandamento. Sabemos com efeito que a lei espiritual ἐστιν· ἐγὼ δὲ σάρκινός εἰμι, πεπραμένος ὑπὸ τὴν é; eu no entanto carnal sou, vendido sob o ἁμαρτίαν. 15 ὃ γὰρ κατεργάζομαι οὐ γινώσκω· οὐ γὰρ pecado. O que com efeito ponho em ato não conheço; não com efeito ὃ θέλω τοῦτο πράσσω, ἀλλ’ ὃ μισῶ τοῦτο ποιῶ. o que quero isso faço, mas o que odeio isso faço. 16 εἰ δὲ ὃ οὐ θέλω τοῦτο ποιῶ, σύμφημι τῷ νόμῳ ὅτι Se porém o que não quero isso faço, concordo com a lei que [é] καλός. 17 νυνὶ δὲ οὐκέτι ἐγὼ κατεργάζομαι αὐτὸ ἀλλὰ ἡ boa. Agora porém não mais eu ponho em ato isso, mas o οἰκοῦσα ἐν ἐμοὶ ἁμαρτία. 18 οἶδα γὰρ ὅτι οὐκ οἰκεῖ ἐν ἐμοί, habitante em mim pecado. Sei com efeito que não habita em mim, τοῦτ’ ἔστιν ἐν τῇ σαρκί μου, ἀγαθόν· τὸ γὰρ θέλειν isto está em a carne de mim, [o] bem; o com efeito querer παράκειταί μοι, τὸ δὲ κατεργάζεσθαι τὸ καλὸν οὔ· 19 οὐ está próximo de mim, o – operar o bem não; não γὰρ ὃ θέλω ποιῶ ἀγαθόν, ἀλλὰ ὃ οὐ θέλω κακὸν com efeito o que quero faço: [o] bem, mas o que não quero: [o] mal, τοῦτο πράσσω. 20 εἰ δὲ ὃ οὐ θέλω ἐγὼ τοῦτο ποιῶ, οὐκέτι isso faço. Se – o que não quero eu isso faço, não mais ἐγὼ κατεργάζομαι αὐτὸ ἀλλὰ ἡ οἰκοῦσα ἐν ἐμοὶ ἁμαρτία. eu opero isso, mas o que habita em mim pecado. 21 εὑρίσκω ἄρα τὸν νόμον τῷ θέλοντι ἐμοὶ ποιεῖν τὸ καλὸν, Encontro portanto a lei – querendo eu fazer o bem, ὅτι ἐμοὶ τὸ κακὸν παράκειται· 22 συνήδομαι γὰρ τῷ que de mim o mal está próximo; me alegro com efeito pela νόμῳ τοῦ Θεοῦ κατὰ τὸν ἔσω ἄνθρωπον, 23 βλέπω
lei do Deus segundo o de dentro homem, vejo δὲ ἕτερον νόμον ἐν τοῖς μέλεσίν μου ἀντιστρατευόμενον porém [uma] outra lei em os membros de mim que combate contra τῷ νόμῳ τοῦ νοός μου καὶ αἰχμαλωτίζοντά με ἐν a lei do pensamento de mim e faz prisioneiro me em τῷ νόμῳ τῆς ἁμαρτίας τῷ ὄντι ἐν τοῖς μέλεσίν μου. a lei do pecado aquela que é em os membros de mim. 24 Ταλαίπωρος ἐγὼ ἄνθρωπος· τίς με ῥύσεται ἐκ τοῦ σώματος Infeliz eu homem! Quem me libertará de o corpo τοῦ θανάτου τούτου; da morte este? 8, 19-25 19 ἡ γὰρ ἀποκαραδοκία τῆς κτίσεως τὴν ἀποκάλυψιν A com efeito espera de cumprimento da criação a revelação τῶν υἱῶν τοῦ Θεοῦ ἀπεκδέχεται. 20 τῇ γὰρ ματαιότητι ἡ dos filhos do Deus é aberta a receber. À com efeito vaidade a κτίσις ὑπετάγη, οὐχ ἑκοῦσα, ἀλλὰ διὰ τὸν ὑποτάξαντα, criação foi submetida, não querendo, mas por cauda de aquele que a submeteu ἐφ’ ἑλπίδι 21 διότι καὶ αὐτὴ ἡ κτίσις ἐλευθερωθήσεται com [a] esperança que também ela mesma a criação será libertada ἀπὸ τῆς δουλείας τῆς φθορᾶς εἰς τὴν ἐλευθερίαν τῆς δόξης τῶν de a escravidão da corrupção para a liberdade da glória dos τέκνων τοῦ Θεοῦ. 22 οἴδαμεν γὰρ ὅτι πᾶσα ἡ κτίσις filhos do Deus. Sabemos com efeito que toda a criação συστενάζει καὶ συνωδίνει ἄχρι τοῦ νῦν· 23 οὐ μόνον geme em conjunto e sofre as dores do parto até o agora. não somente δέ, ἀλλὰ καὶ αὐτοὶ τὴν ἀπαρχὴν τοῦ πνεύματος ἔχοντες
porém, mas também nós a premissa do espírito que temos, [ἡμεῖς] καὶ αὐτοὶ ἐν ἑαυτοῖς στενάζομεν υἱοθεσίαν nós também mesmos em nós mesmos gememos em conjunto [a] adoção ἀπεκδεχόμενοι, τὴν ἀπολύτρωσιν τοῦ σώματος ἡμῶν. 24 τῇ γὰρ abertos a receber, a redenção do corpo de nós. Na com efeito ἐλπίδι ἐσώθημεν· ἐλπὶς δὲ βλεπομένη οὐκ ἔστιν ἐλπίς· esperança fomos salvos; [a] esperança porém vista não é esperança; ὃ γὰρ βλέπει τις, τί καὶ ἐλπίζει; 25 εἰ δὲ ὃ o que com efeito vê alguém, o também espera? Se porém o que οὐ βλέπομεν ἐλπίζομεν, δι’ ὑπομονῆς ἀπεκδεχόμεθα. não vemos esperamos, com paciência estamos abertos a receber. 3
9, 3-9 γὰρ ἀνάθεμα εἶναι αὐτὸς ἐγὼ ἀπὸ τοῦ Χριστοῦ com efeito maldição ser mesmo eu a partir do
ηὐχόμην Desejaria messias ὑπὲρ τῶν ἀδελφῶν μου τῶν συγγενῶν μου κατὰ σάρκα, em favor dos irmãos de mim dos consanguíneos de mim segundo [a] carne, 4 οἵτινές εἰσιν Ἰσραηλῖται, ὧν ἡ υἱοθεσία καὶ ἡ δόξα os quais são israelitas, dos quais [é] a adoção e a glória καὶ αἱ διαθῆκαι καὶ ἡ νομοθεσία καὶ ἡ λατρεία καὶ αἱ ἐπαγγελίαι, e as alianças e a legislação e o culto e as promessas, 5 ὧν οἱ πατέρες, καὶ ἐξ ὧν ὁ Χριστὸς τὸ κατὰ deles [são] os pais, e a partir deles [é] o messias aquele segundo σάρκα, ὁ ὢν ἐπὶ πάντων Θεὸς εὐλογητὸς εἰς τοὺς αἰῶνας, ἀμήν. [a] carne, o que é sobre tudo Deus bendito para os séculos, amém.
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Οὐχ οἷον δὲ ὅτι ἐκπέπτωκεν ὁ λόγος τοῦ Θεοῦ. οὐ γὰρ Não [é] tal – que tenha caído a palavra do Deus. Não com efeito πάντες οἱ ἐξ Ἰσραήλ, οὗτοι Ἰσραήλ· 7 οὐδ’ ὅτι εἰσὶν todos aqueles de Israel, esses [são] de Israel; Nem porque são σπέρμα Ἀβραάμ, πάντες τέκνα, ἀλλ’· Ἐν Ἰσαὰκ κληθήσεταί sêmen de Abraão, todos [são] filhos, mas: em Isaac será chamado σοι σπέρμα. 8 τοῦτ’ ἔστιν, οὐ τὰ τέκνα τῆς σαρκὸς ταῦτα por ti sêmen. Isto é: não os filhos da carne estes [são] τέκνα τοῦ Θεοῦ, ἀλλὰ τὰ τέκνα τῆς ἐπαγγελίας λογίζεται εἰς filhos do Deus, mas os filhos da promessa são contados como σπέρμα. 9 ἐπαγγελίας γὰρ ὁ λόγος οὗτος· κατὰ τὸν καιρὸν sêmen. Da promessa com efeito [é] a palavra esta: A o tempo τοῦτον ἐλεύσομαι καὶ ἔσται τῇ Σάρρᾳ υἱός. este virei e será para a Sara [um] filho. 9, 24-28 24 οὓς καὶ ἐκάλεσεν ἡμᾶς οὐ μόνον ἐξ Ἰουδαίων ἀλλὰ Os quais também chamou nos não só de [os] Judeus mas καὶ ἐξ ἐθνῶν; 25 ὡς καὶ ἐν τῷ Ὡσηὲ λέγει· Καλέσω τὸν também de [os] gentios? como também em o Oseias diz: chamarei o οὐ λαόν μου λαόν μου καὶ τὴν οὐκ ἠγαπημένην ἠγαπημένην· não povo de mim povo de mim e a não amada amada; 26 καὶ ἔσται ἐν τῷ τόπῳ οὗ ἐρρέθη [αὐτοῖς]· οὐ λαός μου e será em o lugar onde foi dito a eles: não povo de mim ὑμεῖς, ἐκεῖ κληθήσονται υἱοὶ Θεοῦ ζῶντος. 27 Ἠσαΐας δὲ
vós, lá serão chamados filhos de [o] Deus vivente. Isaías então κράζει ὑπὲρ τοῦ Ἰσραήλ· ἐὰν ᾖ ὁ ἀριθμὸς τῶν υἱῶν grita para o Israel: se também fosse o número dos filhos Ἰσραὴλ ὡς ἡ ἄμμος τῆς θαλάσσης, τὸ ὑπόλειμμα σωθήσεται· de Israel como a areia do mar, o resto será salvo; 28 λόγον γὰρ συντελῶν καὶ συντέμνων ποιήσει κύριος [a] palavra com efeito cumprindo e abreviando fará [o] senhor ἐπὶ τῆς γῆς. sobre a terra. 10, 2-12 2
μαρτυρῶ γὰρ αὐτοῖς ὅτι ζῆλον Θεοῦ ἔχουσιν, ἀλλ’ Dou testemunho com efeito a esses que zelo por Deus têm, mas οὐ κατ’ ἐπίγνωσιν· 3 ἀγνοοῦντες γὰρ τὴν τοῦ Θεοῦ não segundo conhecimento; ignorando com efeito a do Deus δικαιοσύνην, καὶ τὴν ἰδίαν ζητοῦντες στῆσαι, τῇ δικαιοσύνῃ justiça, e a própria buscando manter firme, à justiça τοῦ Θεοῦ οὐχ ὑπετάγησαν. 4 τέλος γὰρ νόμου Χριστὸς do Deus não se submeteram. Fim com efeito de [a] lei [o] messias εἰς δικαιοσύνην παντὶ τῷ πιστεύοντι. 5 Μωϋσῆς γὰρ γράφει para [a] justiça a todos – crentes. Moisés com efeito escreve ὅτι τὴν δικαιοσύνην τὴν ἐκ νόμου: ὁ ποιήσας ἄνθρωπος que a justiça aquela a partir de [a] lei o tendo feito homem ζήσεται ἐν αὐτῇ. 6 ἡ δὲ ἐκ πίστεως δικαιοσύνη viverá em ela. A porém a partir de [a] fé justiça οὕτως λέγει· Μὴ εἴπῃς ἐν τῇ καρδίᾳ σου· τίς ἀναβήσεται εἰς assim diz: não digas em o coração de ti: Quem subirá em τὸν οὐρανόν; τοῦτ’ ἔστιν Χριστὸν καταγαγεῖν· 7 ἤ· τίς o céu? Isto é [o] messias fazer descer. ou: quem καταβήσεται εἰς τὴν ἄβυσσον; τοῦτ’ ἔστιν Χριστὸν ἐκ νεκρῶν descerá em o abismo? Isto é [o] messias de [os] mortos
ἀναγαγεῖν. 8 ἀλλὰ τί λέγει; Ἐγγύς σου τὸ ῥῆμά ἐστιν, ἐν τῷ faz retornar. Mas o que diz? Próxima de ti a palavra está, em a στόματί σου καὶ ἐν τῇ καρδίᾳ σου· τοῦτ’ ἔστιν τὸ ῥῆμα τῆς boca de ti e em o coração de ti; esta é a palavra da πίστεως ὃ κηρύσσομεν. 9 ὅτι ἐὰν ὁμολογήσῃς ἐν τῷ στόματί fé que anunciamos. Pois se professas em a boca σου κύριον Ἰησοῦν, καὶ πιστεύσῃς ἐν τῇ καρδίᾳ σου ὅτι ὁ de ti [o] senhor Jesus, e acreditas em o coração de ti que o Θεὸς αὐτὸν ἤγειρεν ἐκ νεκρῶν, σωθήσῃ· 10 καρδίᾳ Deus o ressuscitou de [os] mortos, estarás salvo; com [o] coração γὰρ πιστεύεται εἰς δικαιοσύνην, στόματι δὲ com efeito se crê para [a] justiça, com [a] boca porém ὁμολογεῖται εἰς σωτηρίαν. 11 λέγει γὰρ ἡ γραφή· πᾶς se professa para [a] salvação. Diz com efeito a escritura: todo ὁ πιστεύων ἐπ’ αὐτῷ οὐ καταισχυνθήσεται. 12 οὐ γάρ – crente em ele não será confundido Não com efeito ἐστιν διαστολὴ Ἰουδαίου τε καὶ Ἕλληνος. ὁ γὰρ αὐτὸς existe distição de judeu – e de grego. O com efeito mesmo κύριος πάντων, πλουτῶν εἰς πάντας τοὺς ἐπικαλουμένους αὐτόν· senhor de todos, sendo rico para todos os que invocam ele. 11, 1-16 αὐτοῦ; μὴ
1 Λέγω οὖν, μὴ ἀπώσατο ὁ Θεὸς τὸν λαὸν γένοιτο· Digo portanto: não rejeitou o Deus o povo dele? Não seja! καὶ γὰρ ἐγὼ Ἰσραηλίτης εἰμί, ἐκ σπέρματος Ἀβραάμ, E com efeito eu israelita sou, a partir de [o] sêmen de Abraão,
φυλῆς Βενιαμίν. 2 οὐκ ἀπώσατο ὁ Θεὸς τὸν λαὸν αὐτοῦ de [a] tribu de Benjamin. Não rejeitou o Deus o povo dele ὃν προέγνω. ἢ οὐκ οἴδατε ἐν Ἠλίᾳ τί λέγει ἡ γραφή, ὡς que pré-conheceu. Ou não sabeis em Elias o que diz a escritura, como ἐντυγχάνει τῷ Θεῷ κατὰ τοῦ Ἰσραήλ; 3 Κύριε, τοὺς προφήτας encontra o Deus contra o Israel? Senhor, os profetas σου ἀπέκτειναν, τὰ θυσιαστήριά σου κατέσκαψαν, κἀγὼ de ti mataram, os altares de ti destruíram, e eu ὑπελείφθην μόνος καὶ ζητοῦσιν τὴν ψυχήν μου. 4 ἀλλὰ τί fiquei sozinho e [eles] procuram a vida de mim. Mas o que λέγει αὐτῷ ὁ χρηματισμός; κατέλιπον ἐμαυτῷ ἑπτακισχιλίους diz a ele o oráculo? Deixei para mim mesmo sete mil ἄνδρας, οἵτινες οὐκ ἔκαμψαν γόνυ τῇ Βάαλ. 5 οὕτως οὖν homens, que não dobraram joelho diante de Baal. Assim portanto καὶ ἐν τῷ νῦν καιρῷ λεῖμμα κατ’ ἐκλογὴν χάριτος também em o de agora tempo [um] resto por eleição de graça γέγονεν· 6 εἰ δὲ χάριτι, οὐκέτι ἐξ ἔργων, ἐπεὶ ἡ se produziu; Se porém por graça, não mais a partir de [as] obras, senão a χάρις οὐκέτι γίνεται χάρις. 7 Τί οὖν; ὃ ἐπιζητεῖ Ἰσραήλ, graça não mais se faz graça. O que então? O que busca Israel, τοῦτο οὐκ ἐπέτυχεν, ἡ δὲ ἐκλογὴ ἐπέτυχεν· οἱ δὲ λοιποὶ isso não obteve, a porém eleição obteve; os – restantes ἐπωρώθησαν, 8 καθάπερ γέγραπται· ἔδωκεν αὐτοῖς ὁ Θεὸς foram endurecidos , Como está escrito: dera a eles o Deus πνεῦμα κατανύξεως, ὀφθαλμοὺς τοῦ μὴ βλέπειν καὶ ὦτα τοῦ espírito de torpor, olhos para não ver e ouvidos para μὴ ἀκούειν, ἕως τῆς σήμερον ἡμέρας. 9 καὶ Δαυὶδ λέγει· γενηθήτω não ouvir, até – hoje dia. E Davi disse: torne-se ἡ τράπεζα αὐτῶν εἰς παγίδα καὶ εἰς θήραν καὶ εἰς σκάνδαλον
a mesa deles – laço e – rede e – obstáculo καὶ εἰς ἀνταπόδομα αὐτοῖς, 10 σκοτισθήτωσαν οἱ ὀφθαλμοὶ αὐτῶν e – retribuição para eles, foram turvados os olhos deles τοῦ μὴ βλέπειν, καὶ τὸν νῶτον αὐτῶν διὰ παντὸς σύνκαμψον. para não ver, e o dorso deles para sempre se curvou. 11 Λέγω οὖν, μὴ ἔπταισαν ἵνα πέσωσιν; μὴ γένοιτο· Digo portanto: talvez vacilaram para que cedessem? Não seja! ἀλλὰ τῷ αὐτῶν παραπτώματι ἡ σωτηρία τοῖς ἔθνεσιν, Mas com o deles passo falso a salvação [chegou] aos gentios, εἰς τὸ παραζηλῶσαι αὐτούς. 12 εἰ δὲ τὸ παράπτωμα αὐτῶν para o tornar ciumentos eles. Se porém o passo falso deles [a] πλοῦτος κόσμου καὶ τὸ ἥττημα αὐτῶν πλοῦτος ἐθνῶν, πόσῳ riqueza [foi] do mundo e a diminuição deles [a] riqueza dos gentios, quanto μᾶλλον τὸ πλήρωμα αὐτῶν. 13 Ὑμῖν δὲ λέγω τοῖς ἔθνεσιν. mais a plenitude deles. A vós porém digo aos gentios. ἐφ’ ὅσον μὲν οὖν εἰμι ἐγὼ ἐθνῶν ἀπόστολος, τὴν διακονίαν Enquanto – portanto sou eu de gentios enviado, o ministério μου δοξάζω, 14 εἴ πως παραζηλώσω μου τὴν σάρκα καὶ de mim honro, Se – tornarei ciumenta de mim a carne e σώσω τινὰς ἐξ αὐτῶν. 15 εἰ γὰρ ἡ ἀποβολὴ αὐτῶν salvarei alguns dentre eles. Se com efeito o abandono deles καταλλαγὴ κόσμου, τίς ἡ πρόσλημψις εἰ μὴ ζωὴ [foi] reconciliação do mundo, o que [será] a [deles] reintegração se não [a] vida ἐκ νεκρῶν; 16 εἰ δὲ ἡ ἀπαρχὴ ἁγία, καὶ τὸ φύραμα· de [os] mortos? Se porém as primícias [são] santas, [o é] também a massa; καὶ εἰ ἡ ῥίζα ἁγία, καὶ οἱ κλάδοι. e se a raiz [é] santa, também os ramos. 25
Οὐ
γὰρ θέλω
ὑμᾶς ἀγνοεῖν,
ἀδελφοί,
11, 25-26 τὸ μυστήριον
Não com efeito quero [que] vós ignorais, irmãos, o mistério τοῦτο, ἵνα μὴ ἦτε ἑαυτοῖς φρόνιμοι, ὅτι πώρωσις este, afim de que não sejais por vós mesmos avisados : [um] endurecimento ἀπὸ μέρους τῷ Ἰσραὴλ γέγονεν ἄχρι οὗ τὸ πλήρωμα τῶν ἐθνῶν em parte a Israel aconteceu até que a plenitude dos gentios εἰσέλθῃ, 26 καὶ οὕτως πᾶς Ἰσραὴλ σωθήσεται, καθὼς γέγραπται· tenha entrado, e assim todo Israel será salvo, como está escrito: Ἥξει ἐκ Σιὼν ὁ ῥυόμενος, ἀποστρέψει ἀσεβείας ἀπὸ Ἰακώβ. virá de Sião o salvador, expulsará [as] impiedades de Jacó. 13, 8-10 8 Μηδενὶ μηδὲν ὀφείλετε, εἰ μὴ τὸ ἀλλήλους ἀγαπᾶν· ὁ A ninguém nada deveis, se não o uns aos outros amar; o γὰρ ἀγαπῶν τὸν ἕτερον νόμον πεπλήρωκεν. 9 τὸ γάρ οὐ com efeito que ama o outro [a] lei cumpriu. O com efeito: não μοιχεύσεις, οὐ φονεύσεις, οὐ κλέψεις, οὐκ ἐπιθυμήσεις, καὶ cometerás adultério, não matarás, não roubarás, não desejarás, e εἴ τις ἑτέρα ἐντολή, ἐν τῷ λόγῳ τούτῳ ἀνακεφαλαιοῦται, se [há] algum outro mandamento, em a palavra esta se recapitula, [ἐν τῷ] ἀγαπήσεις τὸν πλησίον σου ὡς σεαυτόν. 10 ἡ ἀγάπη τῷ em o : amarás o próximo de ti como a ti mesmo. O amor ao πλησίον κακὸν οὐκ ἐργάζεται· πλήρωμα οὖν νόμου ἡ ἀγάπη. próximo mal não opera; cumprimento portanto de [a] lei [é] o amor. Da “Primeira carta aos Coríntios”
1, 22-29 22 ἐπειδὴ καὶ Ἰουδαῖοι σημεῖα αἰτοῦσιν καὶ Ἕλληνες σοφίαν Já que e [os] Judeus sinais pedem e [os] gregos sabedoria ζητοῦσιν, 23 ἡμεῖς δὲ κηρύσσομεν Χριστὸν ἐσταυρωμένον, buscam, nós porém anunciamos o messias crucificado, Ἰουδαίοις μὲν σκάνδαλον, ἔθνεσιν δὲ μωρίαν, para [os] judeus – obstáculo, para [os] gentios porém loucura, 24 αὐτοῖς δὲ τοῖς κλητοῖς, Ἰουδαίοις τε καὶ Ἕλλησιν, para [os] próprios porém os chamados, judeus ou também gregos, Χριστὸν Θεοῦ δύναμιν καὶ Θεοῦ σοφίαν. 25 ὅτι τὸ μωρὸν messias de Deus potência e de Deus sabedoria. Porque a loucura τοῦ Θεοῦ σοφώτερον τῶν ἀνθρώπων ἐστίν, καὶ τὸ ἀσθενὲς τοῦ do Deus mais sábio do que os homens é, e a fraqueza do Θεοῦ ἰσχυρότερον τῶν ἀνθρώπων. 26 Βλέπετε γὰρ τὴν κλῆσιν Deus [é] mais forte que os homens. Olhai pois a chamada ὑμῶν, ἀδελφοί, ὅτι οὐ πολλοὶ σοφοὶ κατὰ σάρκα, οὐ πολλοὶ de vós, irmãos, porque não muitos sábios segundo [a] carne, não muitos δυνατοί, οὐ πολλοὶ εὐγενεῖς· 27 ἀλλὰ τὰ μωρὰ τοῦ κόσμου potentes, não [há] muitos bem-nascidos; mas as coisas loucas do mundo ἐξελέξατο ὁ Θεός ἵνα καταισχύνῃ τοὺς σοφούς, καὶ τὰ ἀσθενῆ escolheu o Deus para confundir os sábios, e as coisas fracas τοῦ κόσμου ἐξελέξατο ὁ Θεός ἵνα καταισχύνῃ τὰ ἰσχυρά, 28 καὶ do mundo escolheu o Deus para confundir os fortes, e τὰ ἀγενῆ τοῦ κόσμου καὶ τὰ ἐξουθενημένα ἐξελέξατο ὁ Θεός,
as coisas ignóbeis do mundo e as desprezadas escolheu o Deus, τὰ μὴ ὄντα, ἵνα τὰ ὄντα καταργήσῃ, 29 ὅπως μὴ καυχήσηται as que não são, para as que são destruir, para que não se vanglorie πᾶσα σὰρξ ἐνώπιον τοῦ Θεοῦ. toda carne diante do Deus. 2, 1-5 1
Κἀγὼ ἐλθὼν πρὸς ὑμᾶς, ἀδελφοί, ἦλθον οὐ καθ’ Também eu vindo para junto de vós, irmãos, vim não com ὑπεροχὴν λόγου ἢ σοφίας καταγγέλλων ὑμῖν τὸ μαρτύριον altivez de palavra ou de sabedoria anunciando a vós o testemunho τοῦ Θεοῦ. 2 οὐ γὰρ ἔκρινά τι εἰδέναι ἐν ὑμῖν εἰ μὴ do Deus. Não com efeito achei algo saber entre vós se não Ἰησοῦν Χριστὸν καὶ τοῦτον ἐσταυρωμένον. 3 κἀγὼ ἐν ἀσθενείᾳ Jesus messias e este crucificado. Também eu com fraqueza καὶ ἐν φόβῳ καὶ ἐν τρόμῳ πολλῷ ἐγενόμην πρὸς ὑμᾶς, 4 καὶ e com temor e com tremor muito estive junto de vós, e ὁ λόγος μου καὶ τὸ κήρυγμά μου οὐκ ἐν πειθοῖς a palavra de mim e o anúncio de mim não [foram] em persuasivas σοφίας λόγοις, ἀλλ’ ἐν ἀποδείξει πνεύματος καὶ δυνάμεως, de sabedoria palavras, mas em demostração do espírito e da potência, 5 ἵνα ἡ πίστις ὑμῶν μὴ ᾖ ἐν σοφίᾳ ἀνθρώπων ἀλλ’ afim de que a fé de vós não seja em sabedoria de [os] homens mas ἐν δυνάμει Θεοῦ. em [a] potência de Deus.
7, 17-24 17 Εἰ μὴ ἑκάστῳ ὡς μεμέρικεν ὁ κύριος, ἕκαστον ὡς De outro modo, a cada um como repartiu o Senhor, cada um como κέκληκεν ὁ Θεός, οὕτως περιπατείτω. καὶ οὕτως ἐν ταῖς chamou o Deus, assim caminhe. E assim em as ἐκκλησίαις πάσαις διατάσσομαι. 18 περιτετμημένος τις ἐκλήθη; assembléias todas disponho. [Como] circunciso alguém foi chamado? μὴ ἐπισπάσθω· ἐν ἀκροβυστίᾳ κέκληταί τις; Não se tire o prepúcio! Com [o] prepúcio foi chamado alguém? μὴ περιτεμνέσθω. 19 ἡ περιτομὴ οὐδέν ἐστιν, καὶ ἡ ἀκροβυστία Não seja circuncidado. A circuncisão nada é, e o prepúcio οὐδέν ἐστιν, ἀλλὰ τήρησις ἐντολῶν Θεοῦ. 20 ἕκαστος ἐν nada é, mas [a] observância de [os] mandamentos de Deus. Cada um em τῇ κλήσει ᾗ ἐκλήθη, ἐν ταύτῃ μενέτω. 21 δοῦλος o chamado como foi chamado, em este permaneça. [Como] escravo ἐκλήθης; μή σοι μελέτω· ἀλλ’ εἰ καὶ δύνασαι ἐλεύθερος foi chamado? Não te preocupes! Mas se também podes livre γενέσθαι, μᾶλλον χρῆσαι. 22 ὁ γὰρ ἐν κυρίῳ tornar-te, de preferência faz uso. O com efeito em [o] senhor κληθεὶς δοῦλος ἀπελεύθερος κυρίου ἐστίν· que foi chamado [como] escravo liberto de [o] senhor é; ὁμοίως ὁ ἐλεύθερος κληθεὶς δοῦλός ἐστιν Χριστοῦ. do mesmo modo o liberto que foi chamado escravo é de [o] messias. 23 τιμῆς ἠγοράσθητε· μὴ γίνεσθε δοῦλοι ἀνθρώπων. Por um preço vós fostes comprados; não vos tornais escravos de homens. 24 ἕκαστος ἐν ᾧ ἐκλήθη, ἀδελφοί, ἐν τούτῳ μενέτω Cada um em aquilo [em que] foi chamado, irmãos, em isso permaneça παρὰ Θεῷ.
diante
de Deus.
7, 29-32 29 Τοῦτο δέ φημι, ἀδελφοί, ὁ καιρὸς συνεσταλμένος ἐστίν· Isto porém digo, irmãos, o tempo contraiu-se; τὸ λοιπὸν ἵνα καὶ οἱ ἔχοντες γυναῖκας ὡς μὴ ἔχοντες ὦσιν, o resto que também os que têm esposa como não tendo sejam, 30 καὶ οἱ κλαίοντες ὡς μὴ κλαίοντες, καὶ οἱ χαίροντες ὡς μὴ e os chorosos como não chorosos, e os que têm alegria como não χαίροντες, καὶ οἱ ἀγοράζοντες ὡς μὴ κατέχοντες, 31 καὶ οἱ tendo alegria, e os compradores como não possuidores. e os χρώμενοι τὸν κόσμον ὡς μὴ καταχρώμενοι· παράγει γὰρ τὸ σχῆμα que usam o mundo como não abusadores; passa pois a figura τοῦ κόσμου τούτου. 32 θέλω δὲ ὑμᾶς ἀμερίμνους εἶναι. do mundo este. Quero agora [que] vós sem preocupação estejais. 9, 19-22 19 Ἐλεύθερος γὰρ ὢν ἐκ πάντων πᾶσιν ἐμαυτὸν Livre com efeito sendo de todos para todos eu mesmo ἐδούλωσα, ἵνα τοὺς πλείονας κερδήσω· 20 καὶ ἐγενόμην me tornei escravo, para que os muitos eu ganhasse; e me tornei τοῖς Ἰουδαίοις ὡς Ἰουδαῖος, ἵνα Ἰουδαίους κερδήσω· para os judeus como judeu, para que judeus eu ganhe; τοῖς ὑπὸ νόμον ὡς ὑπὸ νόμον, μὴ ὢν αὐτὸς com os que [estão] sob [a] lei como sob [a] lei, não estando [eu] mesmo ὑπὸ νόμον, ἵνα τοὺς ὑπὸ νόμον κερδήσω· 21 τοῖς ἀνόμοις sob [a] lei, para que os sob [a] lei eu ganhe; com os sem lei
ὡς ἄνομος, μὴ ὢν ἄνομος Θεοῦ ἀλλ’ ἔννομος Χριστοῦ, como sem lei, não sendo sem lei de Deus, mas em [a] lei de [o] messias, ἵνα κερδάνω τοὺς ἀνόμους· 22 ἐγενόμην τοῖς ἀσθενέσιν para que ganhe os sem lei; tornei-me com os fracos ἀσθενής, ἵνα τοὺς ἀσθενεῖς κερδήσω· τοῖς πᾶσιν γέγονα fraco, para que os fracos eu ganhe; com todos me tornei πάντα, ἵνα πάντως τινὰς σώσω. tudo, para que de todo modo alguns eu salve. 10, 1-6 1 Οὐ θέλω γὰρ ὑμᾶς ἀγνοεῖν, ἀδελφοί, ὅτι οἱ πατέρες Não quero com efeito [que] vós ignoreis, irmãos, que os pais ἡμῶν πάντες ὑπὸ τὴν νεφέλην ἦσαν καὶ πάντες διὰ τῆς de nós todos sob a nuvem estiveram e todos através do θαλάσσης διῆλθον, 2 καὶ πάντες εἰς τὸν Μωϋσῆν ἐβαπτίσαντο ἐν τῇ mar passaram, e todos em o Moisés foram imersos em a νεφέλῃ καὶ ἐν τῇ θαλάσσῃ, 3 καὶ πάντες τὸ αὐτὸ πνευματικὸν nuvem e em o mar, e todos o mesmo espiritual βρῶμα ἔφαγον, 4 καὶ πάντες τὸ αὐτὸ πνευματικὸν ἔπιον πόμα· alimento comeram, e todos a mesma espiritual beberam bebida; ἔπινον γὰρ ἐκ πνευματικῆς ἀκολουθούσης πέτρας, ἡ bebiam com efeito de [uma] espiritual que [os] acompanhava rocha, a πέτρα δὲ ἦν ὁ Χριστός. 5 ἀλλ’ οὐκ ἐν τοῖς πλείοσιν αὐτῶν rocha na verdade era o messias. Mas não em os muitos deles εὐδόκησεν ὁ Θεός· κατεστρώθησαν γὰρ ἐν τῇ ἐρήμ. se contentou o Deus; prostraram-se com efeito em o deserto. 6 Ταῦτα δὲ τύποι ἡμῶν ἐγενήθησαν, εἰς τὸ μὴ εἶναι
Estas coisas – [como] figuras de nós aconteceram, para o não sermos ἡμᾶς ἐπιθυμητὰς κακῶν, καθὼς κἀκεῖνοι ἐπεθύμησαν. nós desejosos de coisas más, como também aqueles [as] desejaram. 10, 11 11 ταῦτα δὲ τυπικῶς συνέβαινεν ἐκείνοις, ἐγράφη δὲ Estas coisas porém em figura aconteciam àqueles, foram escritas depois πρὸς νουθεσίαν ἡμῶν, εἰς οὓς τὰ τέλη para instrução de nós, nos quais as extremidades τῶν αἰώνων κατήντηκεν. dos tempos se arrostam. 1
13, 1-13 καὶ τῶν
Ἐὰν ταῖς γλώσσαις τῶν ἀνθρώπων λαλῶ ἀγγέλων, Se mesmo nas línguas dos homens falo e dos anjos, ἀγάπην δὲ μὴ ἔχω, γέγονα χαλκὸς ἠχῶν ἢ κύμβαλον ἀλαλάζον. [o] amor porém não tenho, sou bronze ressoante ou címbalo estrepitante. 2 καὶ ἐὰν ἔχω προφητείαν καὶ εἰδῶ τὰ μυστήρια πάντα E se mesmo tenho [a] profecia e conheço os mistérios todos καὶ πᾶσαν τὴν γνῶσιν, καὶ ἐὰν ἔχω πᾶσαν τὴν πίστιν e toda a ciência, e se mesmo tenho toda a fé ὥστε ὄρη μεθιστάναι, ἀγάπην δὲ μὴ ἔχω, οὐθέν εἰμι. ao ponto de montanhas deslocar, amor porém não tenho, nada sou. 3 καὶ ἐὰν ψωμίσω πάντα τὰ ὑπάρχοντά μου, E se mesmo distribuo em bocados todas as substâncias de mim, καὶ ἐὰν παραδῶ τὸ σῶμά μου, ἵνα καυθήσομαι, ἀγάπην
e
se mesmo dou o corpo de mim, para que [eu] me vanglorie, [o] amor δὲ μὴ ἔχω, οὐδὲν ὠφελοῦμαι. 4 Ἡ ἀγάπη μακροθυμεῖ, porém não tenho, a nada serei útil. O amor é magnânimo, χρηστεύεται ἡ ἀγάπη, οὐ ζηλοῖ, ἡ ἀγάπη οὐ περπερεύεται, οὐ sabe usar o amor, não inveja, o amor não se vangloria, não φυσιοῦται, 5 οὐκ ἀσχημονεῖ, οὐ ζητεῖ τὰ ἑαυτῆς, οὐ se envaidece, não rompe a sua conduta, não busca as coisas de si, não παροξύνεται, οὐ λογίζεται τὸ κακόν, 6 οὐ χαίρει ἐπὶ τῇ ἀδικίᾳ, se irrita, não calcula o mal, não se alegra com a injustiça, συνχαίρει δὲ τῇ ἀληθείᾳ· 7 πάντα στέγει, πάντα πιστεύει, regozija-se ao contrário com a verdade; tudo cobre, tudo confia, πάντα ἐλπίζει, πάντα ὑπομένει. 8 Ἡ ἀγάπη οὐδέποτε πίπτει· εἴτε tudo espera, tudo suporta. O amor nunca cai; tanto δὲ προφητεῖαι, καταργηθήσονται· εἴτε γλῶσσαι, ao contrário [as] profecias, serão abolidas; quanto [as] línguas, παύσονται· εἴτε γνῶσις, καταργηθήσεται. 9 ἐκ μέρους cessarão; assim como [a] ciência, tornar-se-á inoperante. Em parte γὰρ γινώσκομεν καὶ ἐκ μέρους προφητεύομεν· 10 ὅταν δὲ com efeito conhecemos e em parte profetizamos; quando porém ἔλθῃ τὸ τέλειον, τὸ ἐκ μέρους καταργηθήσεται. 11 ὅτε ἤμην vier a perfeição, aquela em parte tornar-se-á inoperante. Quando era νήπιος, ἐλάλουν ὡς νήπιος, ἐφρόνουν ὡς νήπιος, menino, falava como [um] menino, pensava como [um] menino, ἐλογιζόμην ὡς νήπιος· ὅτε γέγονα ἀνήρ, κατήργηκα raciocinava como [um] menino; quando me tornei homem, tornei inoperantes
τὰ τοῦ νηπίου. 12 βλέπομεν γὰρ ἄρτι δι’ as coisas [que eram] do menino. Vemos pois agora através de [um] ἐσόπτρου ἐν αἰνίγματι, τότε δὲ πρόσωπον πρὸς πρόσωπον· espelho em enigma, então porém face a face; ἄρτι γινώσκω ἐκ μέρους, τότε δὲ ἐπιγνώσομαι καθὼς καὶ agora conheço em parte, então porém conhecerei como também ἐπεγνώσθην. 13 νυνὶ δὲ μένει πίστις, ἐλπίς, ἀγάπη, τὰ τρία fui conhecido. Agora – resta [a] fé, [a] esperança, [o] amor, as três coisas ταῦτα· μείζων δὲ τούτων ἡ ἀγάπη. estas: maior porém destas [é] o amor. 15, 7-9 7
ἔπειτα ὤφθη Ἰακώβῳ, εἶτα τοῖς ἀποστόλοις πᾶσιν· Em seguida apareceu a Tiago, então aos apóstolos todos; 8 ἔσχατον δὲ πάντων ὡσπερεὶ τῷ ἐκτρώματι ὤφθη κἀμοί. por último então dentre todos como ao aborto apareceu também a mim. 9 Ἐγὼ γάρ εἰμι ὁ ἐλάχιστος τῶν ἀποστόλων, ὃς οὐκ εἰμὶ ἱκανὸς Eu pois sou o menor dos apóstolos, que não sou digno καλεῖσθαι ἀπόστολος, διότι ἐδίωξα τὴν ἐκκλησίαν τοῦ Θεοῦ· de ser chamado apóstolo, porque persegui a assembleia do Deus. 15, 20-28 20 Νυνὶ δὲ Χριστὸς ἐγήγερται ἐκ νεκρῶν, ἀπαρχὴ τῶν Agora porém [o] messias ressuscitou de [os] mortos, primícia dos κεκοιμημένων. 21 ἐπειδὴ γὰρ δι’ ἀνθρώπου θάνατος, que adormeceram. Já que com efeito através de [um] homem [a] morte [veio], καὶ δι’ ἀνθρώπου ἀνάστασις νεκρῶν. 22 ὥσπερ
também através de um homem [a] ressurreição de [os] mortos. Assim como γὰρ ἐν τῷ Ἀδὰμ πάντες ἀποθνήσκουσιν, οὕτως καὶ com efeito em o Adão todos morrem, do mesmo modo também ἐν τῷ Χριστῷ πάντες ζωοποιηθήσονται. 23 Ἕκαστος δὲ ἐν τῷ em o messias todos serão vivificados. Cada um porém em a ἰδίῳ τάγματι· ἀπαρχὴ Χριστός, ἔπειτα οἱ τοῦ Χριστοῦ ἐν τῇ própria ordem: [a] primícia [é o] messias, depois os do messias em a παρουσίᾳ αὐτοῦ, 24 εἶτα τὸ τέλος, ὅταν παραδιδοῖ τὴν βασιλείαν vinda dele, então o fim, quando entregará o reino τῷ Θεῷ καὶ πατρί, ὅταν καταργήσῃ πᾶσαν ἀρχὴν καὶ ao Deus e pai, quando tornará inoperante todo principado e πᾶσαν ἐξουσίαν καὶ δύναμιν, 25 δεῖ γὰρ αὐτὸν βασιλεύειν toda autoridade e poder, É preciso com efeito [que] ele reine ἄχρι οὗ θῇ πάντας τοὺς ἐχθροὺς ὑπὸ τοὺς πόδας αὐτοῦ. até que ponha todos os inimigos sob os pés dele. 26 ἔσχατος ἐχθρὸς καταργεῖται ὁ θάνατος· 27 πάντα Último inimigo tornar-se-á inoperante a morte; todas as coisas γὰρ ὑπέταξεν ὑπὸ τοὺς πόδας αὐτοῦ. ὅταν δὲ εἴπῃ ὅτι com efeito submetidas sob os pés dele. Quando porém diz que πάντα ὑποτέτακται, δῆλον ὅτι ἐκτὸς τοῦ ὑποτάξαντος todas as coisas estão submetidas, claro [é] que [é] exceto aquele que submeteu αὐτῷ τὰ πάντα. 28 ὅταν δὲ ὑποταγῇ αὐτῷ τὰ a ele as coisas todas. Quando com efeito estiverem submetidas a ele as πάντα, τότε καὶ αὐτὸς ὁ υἱὸς ὑποταγήσεται τῷ coisas todas, então também [o] próprio o filho estará submetido àquele
ὑποτάξαντι αὐτῷ τὰ πάντα, ἵνα ᾖ ὁ Θεὸς πάντα ἐν πᾶσιν. que submeteu a ele as coisas todas, para que seja o Deus tudo em tudo. Da “Segunda carta aos Coríntios” 3, 1-3 1
Ἀρχόμεθα πάλιν ἑαυτοὺς συνιστάνειν; ἢ μὴ χρῄζομεν Começamos de novo a nós mesmos a recomendar? Ou não temos necessidade ὥς τινες συστατικῶν ἐπιστολῶν πρὸς ὑμᾶς ἢ ἐξ ὑμῶν; como alguns de recomendadoras cartas para vós ou de vós? 2 ἡ ἐπιστολὴ ἡμῶν ὑμεῖς ἐστε, ἐνγεγραμμένη ἐν ταῖς καρδίαις ἡμῶν, a carta de nós vós sois, inscrita em os corações de nós, γινωσκομένη καὶ ἀναγινωσκομένη ὑπὸ πάντων ἀνθρώπων, conhecida e lida por todos [os] homens, 3 φανερούμενοι ὅτι ἐστὲ ἐπιστολὴ Χριστοῦ διακονηθεῖσα sendo manifesto que sois [a] carta de [o] messias servida ὑφ’ ἡμῶν, ἐνγεγραμμένη οὐ μέλανι ἀλλὰ Πνεύματι Θεοῦ por nós, escrita não com tinta mas com [o] espírito de Deus ζῶντος, οὐκ ἐν πλαξὶν λιθίναις ἀλλ’ ἐν πλαξὶν καρδίαις σαρκίναις. vivente, não em tábuas de pedras mas em tábuas de corações de carne. 3, 12-18 12 Ἔχοντες οὖν τοιαύτην ἐλπίδα πολλῇ παρρησίᾳ Tendo portanto tal esperança muita liberdade de palavra χρώμεθα, 13 καὶ οὐ καθάπερ Μωϋσῆς ἐτίθει κάλυμμα ἐπὶ usamos, e não como Moisés colocava [um] véu sobre τὸ πρόσωπον αὐτοῦ, πρὸς τὸ μὴ ἀτενίσαι τοὺς υἱοὺς o rosto dele, de tal modo que não olhassem fixamente os filhos Ἰσραὴλ εἰς τὸ τέλος τοῦ καταργουμένου. 14 ἀλλὰ
de Israel para o fim de isso que se tornou inoperante. Mas ἐπωρώθη τὰ νοήματα αὐτῶν. ἄχρι γὰρ τῆς σήμερον ἡμέρας foram endurecidos os pensamentos deles. Até pois o de hoje dia τὸ αὐτὸ κάλυμμα ἐπὶ τῇ ἀναγνώσει τῆς παλαιᾶς διαθήκης μένει, o mesmo véu sobre a leitura da antiga aliança permanece, μὴ ἀνακαλυπτόμενον, ὅτι ἐν Χριστῷ καταργεῖται· não retirado, porque em [o] messias tornou-se inoperante; 15 ἀλλ’ ἕως σήμερον ἡνίκα ἂν ἀναγινώσκηται Μωϋσῆς κάλυμμα mas até hoje quando – se lê Moisés [o] véu ἐπὶ τὴν καρδίαν αὐτῶν κεῖται· 16 ἡνίκα δὲ ἐὰν ἐπιστρέψῃ sobre o coração deles jaz. Quando porém – se voltará πρὸς κύριον, περιαιρεῖται τὸ κάλυμμα. 17 ὁ δὲ κύριος τὸ Πνεῦμά para [o] senhor, será retirado o véu. O senhor o espírito ἐστιν· οὗ δὲ τὸ Πνεῦμα κυρίου, ἐλευθερία. 18 ἡμεῖς δὲ é; onde – [há] o espírito de [o] senhor, [há] liberdade. Nós agora πάντες ἀνακεκαλυμμένῳ προσώπῳ τὴν δόξαν κυρίου todos com descoberto rosto a glória de [o] senhor κατοπτριζόμενοι τὴν αὐτὴν εἰκόνα μεταμορφούμεθα ἀπὸ refletindo como em um espelho a mesma imagem fomos transformados de δόξης εἰς δόξαν, καθάπερ ἀπὸ κυρίου πνεύματος. Glória em Glória, como a partir de [o] de [o] senhor espírito [é dado]. 5, 16-17 16
Ὥστε ἡμεῖς ἀπὸ τοῦ νῦν οὐδένα οἴδαμεν κατὰ Por isso nós a partir de o agora ninguém conhecemos segundo [a] σάρκα· εἰ καὶ ἐγνώκαμεν κατὰ σάρκα Χριστόν, ἀλλὰ carne; se mesmo conhecemos segundo [a] carne [o] messias, todavia
νῦν οὐκέτι γινώσκομεν. 17 ὥστε εἴ τις ἐν Χριστῷ, agora não mais [o] conhecemos [assim]. Por isso se alguém [é] em [o] messias, καινὴ κτίσις· τὰ ἀρχαῖα παρῆλθεν, ἰδοὺ γέγονεν καινά. nova criatura; as coisas velhas ficaram de lado, eis que tornaram-se novas. 12, 1-10 1
Καυχᾶσθαι δεῖ, οὐ συμφέρον μέν, ἐλεύσομαι δὲ εἰς Gloriar-se é preciso, não [é] útil porém, eu virei a [as] ὀπτασίας καὶ ἀποκαλύψεις κυρίου. 2 οἶδα ἄνθρωπον ἐν visões e revelações de [o] senhor. Conheço [um] homem em [o] Χριστῷ πρὸ ἐτῶν δεκατεσσάρων, – εἴτε ἐν σώματι messias [que] agora são anos quatorze, – se em [o] corpo οὐκ οἶδα, εἴτε ἐκτὸς τοῦ σώματος οὐκ οἶδα, ὁ Θεὸς οἶδεν, – não sei, se fora do corpo não sei, o Deus [o] sabe, – ἁρπαγέντα τὸν τοιοῦτον ἕως τρίτου οὐρανοῦ. 3 καὶ οἶδα [foi] rapitado o tal até [o] terceiro céu. e sei [que] τὸν τοιοῦτον ἄνθρωπον – εἴτε ἐν σώματι εἴτε χωρὶς τοῦ o tal homem – se em [o] corpo se sem o σώματος οὐκ οἶδα, ὁ Θεὸς οἶδεν, – 4 ὅτι ἡρπάγη εἰς τὸν corpo não sabe, o Deus [o] sabe, – – foi raptado em o παράδεισον καὶ ἤκουσεν ἄρρητα ῥήματα ἃ οὐκ ἐξὸν ἀνθρώπῳ paraíso e ouvi inefáveis palavras que não [é] lícito a homem λαλῆσαι. 5 ὑπὲρ τοῦ τοιούτου καυχήσομαι, ὑπὲρ δὲ ἐμαυτοῦ οὐ dizer. Por o tal [homem] me vangloriarei, por – mim mesmo não καυχήσομαι εἰ μὴ ἐν ταῖς ἀσθενείαις. 6 ἐὰν γὰρ θελήσω me vangloriarei se não em as fraquezas. Se com efeito quisesse καυχήσασθαι, οὐκ ἔσομαι ἄφρων, ἀλήθειαν γὰρ ἐρῶ· φείδομαι
me vangloriar, não seria insensato, [a] verdade pois direi; abstenho-me δέ, μή τις εἰς ἐμὲ λογίσηται ὑπὲρ porém, [de tal modo que] não alguém em relação a mim considere acima de ὃ βλέπει με ἢ ἀκούει ἐξ ἐμοῦ 7 καὶ τῇ ὑπερβολῇ τῶν o que vê me [ser] ou escuta de mim e pela excelência das ἀποκαλύψεων. διὸ ἵνα μὴ ὑπεραίρωμαι, ἐδόθη μοι revelações. Por isso para que não me torne soberbo, foi dado a mim [um] σκόλοψ τῇ σαρκί, ἄγγελος σατανᾶ, ἵνα με κολαφίζῃ, espinho na carne, [um] anjo de Satanás, para que me bata, ἵνα μὴ ὑπεραίρωμαι. 8 ὑπὲρ τούτου τρὶς τὸν κύριον para que não me torne soberbo. Por isso três vezes o senhor παρεκάλεσα, ἵνα ἀποστῇ ἀπ’ ἐμοῦ. 9 καὶ εἴρηκέν μοι invoquei para que [o] afastasse de mim. E disse a mim: ἀρκεῖ σοι ἡ χάρις μου· ἡ γὰρ δύναμις ἐν ἀσθενείᾳ basta a ti a graça de mim; a com efeito potência em [a] fraqueza τελεῖται. Ἥδιστα οὖν μᾶλλον καυχήσομαι ἐν ταῖς se cumpre. Com grande prazer portanto de preferência vangloriarme-ei em as ἀσθενείαις, ἵνα ἐπισκηνώσῃ ἐπ’ ἐμὲ ἡ δύναμις τοῦ Χριστοῦ. fraquezas, para que arme uma tenda sobre mim a potência do messias. 10 διὸ εὐδοκῶ ἐν ἀσθενείαις, ἐν ὕβρεσιν, ἐν Por isso me comprazo em [as] fraquezas, em [os] insultos, em [as] ἀνάγκαις, ἐν διωγμοῖς καὶ στενοχωρίαις, ὑπὲρ Χριστοῦ· ὅταν necessidades, em [as] perseguições e angústias por [o] messias; quando γὰρ ἀσθενῶ, τότε δυνατός εἰμι. pois sou fraco, então potente sou. Da “Carta aos Gálatas”
1, 11-17 11 γνωρίζω γὰρ ὑμῖν, ἀδελφοί, τὸ εὐαγγέλιον τὸ Torno sabido com efeito a vós, irmãos, a boa nova aquela εὐαγγελισθὲν ὑπ’ ἐμοῦ ὅτι οὐκ ἔστιν κατὰ ἄνθρωπον· 12 οὐδὲ anunciada por mim que não é segundo [o] homem; nem γὰρ ἐγὼ παρὰ ἀνθρώπου παρέλαβον αὐτό οὔτε ἐδιδάχθην, ἀλλὰ pois eu de [um] homem recebi esta, nem fui instruído, mas δι’ ἀποκαλύψεως Ἰησοῦ Χριστοῦ. 13 Ἠκούσατε γὰρ através de [a] revelação de Jesus messias. Ouvistes com efeito τὴν ἐμὴν ἀναστροφήν ποτε ἐν τῷ Ἰουδαϊσμῷ, ὅτι καθ’ ὑπερβολὴν o meu voltar-se outrora em o judaísmo, que segundo excesso ἐδίωκον τὴν ἐκκλησίαν τοῦ Θεοῦ καὶ ἐπόρθουν αὐτήν, 14 καὶ perseguia a assembleia do Deus e devastava esta, e προέκοπτον ἐν τῷ Ἰουδαϊσμῷ ὑπὲρ πολλοὺς συνηλικιώτας ἐν τῷ progredia em o judaísmo mais que muitos coetâneos em a γένει μου, περισσοτέρως ζηλωτὴς ὑπάρχων τῶν πατρικῶν μου estirpe de mim, muito mais zeloso sendo dos pais de mim παραδόσεων. 15 Ὅτε δὲ εὐδόκησεν ὁ ἀφορίσας με das tradições. Quando porém houve por bem aquele que separou a mim ἐκ κοιλίας μητρός μου καὶ καλέσας διὰ τῆς χάριτος αὐτοῦ de [o] ventre de [a] mãe de mim e chamou por meio da graça dele 16 ἀποκαλύψαι τὸν υἱὸν αὐτοῦ ἐν ἐμοὶ, ἵνα εὐαγγελίζωμαι αὐτὸν revelar o filho dele em mim, para anunciar a boa nova, ele ἐν τοῖς ἔθνεσιν, εὐθέως οὐ προσανεθέμην σαρκὶ καὶ αἵματι, em os gentios imediatamente não pedi conselho a carne e a sangue,
17 οὐδὲ ἀνῆλθον εἰς Ἱεροσόλυμα πρὸς τοὺς πρὸ ἐμοῦ nem subi a Jerusalém junto àqueles antes de mim ἀποστόλους, ἀλλὰ ἀπῆλθον εἰς Ἀραβίαν, καὶ πάλιν ὑπέστρεψα enviados, mas parti para [a] Arábia, e de novo retornei εἰς Δαμασκόν. a Damasco. 2, 1-14 1
Ἔπειτα διὰ δεκατεσσάρων ἐτῶν πάλιν ἀνέβην εἰς Em seguida depois de quatorze anos de novo subi a Ἱεροσόλυμα μετὰ Βαρνάβα συμπαραλαβὼν καὶ Τίτον· Jerusalém com Barnabé tendo tomado comigo também Tito; 2 ἀνέβην δὲ κατὰ ἀποκάλυψιν· καὶ ἀνεθέμην αὐτοῖς τὸ Subi – segundo [uma] revelação; e expus a eles a εὐαγγέλιον ὃ κηρύσσω ἐν τοῖς ἔθνεσιν, κατ’ ἰδίαν δὲ τοῖς boa nova que anuncio a os gentios, em privado porém aos δοκοῦσιν, μή πως εἰς κενὸν τρέχω ἢ ἔδραμον. 3 ἀλλ’ οὐδὲ notáveis, para que não em vão corro ou tenha corrido. Mas nem Τίτος ὁ σὺν ἐμοί, Ἕλλην ὤν, ἠναγκάσθη περιτμηθῆναι· Tito aquele comigo, grego sendo, foi constrangido a ser circuncidado. 4 διὰ δὲ τοὺς παρεισάκτους ψευδαδέλφους, οἵτινες por causa porém dos intrusos falsos irmãos, que παρεισῆλθον κατασκοπῆσαι τὴν ἐλευθερίαν ἡμῶν ἣν ἔχομεν ἐν se introduziram para espiar a liberdade de nós que temos em [o] Χριστῷ Ἰησοῦ, ἵνα ἡμᾶς καταδουλώσουσιν· 5 οἷς οὐδὲ πρὸς messias Jesus, para nos fazer escravos; aos quais nem por [um] ὥραν εἴξαμεν τῇ ὑποταγῇ, ἵνα ἡ ἀλήθεια τοῦ εὐαγγελίου momento cedemos pelo temor, para que a verdade da boa nova
διαμείνῃ πρὸς ὑμᾶς. 6 ἀπὸ δὲ τῶν δοκούντων εἶναί τι, – ὁποῖοί permaneça junto de vós. Por parte – dos estimados serem algo, – os quais ποτε ἦσαν οὐδέν μοι διαφέρει· πρόσωπον ὁ Θεὸς ἀνθρώπου outrora fossem nada a mim interessa; [a] face o Deus de [um] homem οὐ λαμβάνει – ἐμοὶ γὰρ οἱ δοκοῦντες οὐδὲν προσανέθεντο, não leva em conta – a mim ao contrário os estimados nada impuseram, 7 ἀλλὰ τοὐναντίον ἰδόντες ὅτι πεπίστευμαι τὸ εὐαγγέλιον mas ao contrário tendo visto que me tinha sido confiada a boa nova τῆς ἀκροβυστίας καθὼς Πέτρος τῆς περιτομῆς, 8 ὁ γὰρ do prepúcio como a Pedro [a] da circuncisão, aquele que com efeito ἐνεργήσας Πέτρῳ εἰς ἀποστολὴν τῆς περιτομῆς ἐνήργησεν tinha operado em Pedro para [a] missão da circuncisão operou καὶ ἐμοὶ εἰς τὰ ἔθν, 9 καὶ γνόντες τὴν χάριν τὴν também em mim para os pagãos, e tendo conhecido a graça aquela δοθεῖσάν μοι, Ἰάκωβος καὶ Κηφᾶς καὶ Ἰωάννης, οἱ δοκοῦντες dada a mim, Tiago e Cefas e João, os estimados στῦλοι εἶναι, δεξιὰς ἔδωκαν ἐμοὶ καὶ Βαρνάβα κοινωνίας, colunas serem, [as] mãos direitas deram a mim e a Barnebé de comunhão, ἵνα ἡμεῖς εἰς τὰ ἔθνη, αὐτοὶ δὲ εἰς τὴν περιτομήν· para que nós para os pagãos, eles ao contrário para a circuncisão; 10 μόνον τῶν πτωχῶν ἵνα μνημονεύωμεν, ὃ καὶ somente dos pobres para que nos recordássemos, aquilo que também ἐσπούδασα αὐτὸ τοῦτο ποιῆσαι. 11 Ὅτε δὲ ἦλθεν Κηφᾶς εἰς
me preocupava mesmo isto fazer. Quando porém veio Cefas para Ἀντιόχειαν, κατὰ πρόσωπον αὐτῷ ἀντέστην, ὅτι κατεγνωσμένος Antióquia, em face a ele me opus, porque censurável ἦν. 12 πρὸ τοῦ γὰρ ἐλθεῖν τινας ἀπὸ Ἰακώβου μετὰ τῶν era. Antes do com efeito vir alguns da parte de Tiago com os ἐθνῶν συνήσθιεν· ὅτε δὲ ἦλθον, ὑπέστελλεν καὶ ἀφώριζεν gentios comia junto; quando porém vieram, se subtraía e separava ἑαυτόν, φοβούμενος τοὺς ἐκ περιτομῆς. 13 καὶ συνυπεκρίθησαν a si mesmo, temendo os de [a] circuncisão. e fingiram αὐτῷ [καὶ] οἱ λοιποὶ Ἰουδαῖοι, ὥστε καὶ Βαρνάβας com ele também os outros judeus, assim que também Barnabé συναπήχθη αὐτῶν τῇ ὑποκρίσει. 14 ἀλλ’ ὅτε εἶδον ὅτι foi desencaminhado por eles para o fingimento. Mas quando vi que οὐκ ὀρθοποδοῦσιν πρὸς τὴν ἀλήθειαν τοῦ εὐαγγελίου, não caminhávamos corretamente segundo a verdade da boa nova, εἶπον τῷ Κηφᾷ ἔμπροσθεν πάντων· εἰ σὺ Ἰουδαῖος ὑπάρχων disse a Cefas diante de todos: se tu, judeu sendo, ἐθνικῶς καὶ οὐκ Ἰουδαϊκῶς ζῇ, πῶς τὰ ἔθνη ἀναγκάζεις de modo pagão e não como judeu vives, como os gentios constranges ἰουδαΐζειν; a viver judaicamente? 3, 10-14 10 Ὅσοι γὰρ ἐξ ἔργων νόμου εἰσὶν, ὑπὸ κατάραν Os que com efeito a partir de [as] obras de [a] lei são, sob [a] maldição εἰσίν, γέγραπται γὰρ ὅτι ἐπικατάρατος πᾶς ὃς οὐκ ἐμμένει estão, está escrito pois : maldito todo aquele que não permanece
πᾶσιν τοῖς γεγραμμένοις ἐν τῷ βιβλίῳ τοῦ νόμου τοῦ ποιῆσαι em todas as coisas escritas em o livro da lei para fazer αὐτά. 11 ὅτι δὲ ἐν νόμῳ οὐδεὶς δικαιοῦται παρὰ τῷ Θεῷ estas. Que pois através de [a] lei ninguém se justifica junto ao Deus [é] δῆλον, ὅτι ὁ δίκαιος ἐκ πίστεως ζήσεται· 12 ὁ δὲ νόμος evidente, porque o justo desde [a] fé viverá; a – lei οὐκ ἔστιν ἐκ πίστεως, ἀλλ’ ὁ ποιήσας αὐτὰ ζήσεται não é desde [a] fé, mas: o que fez essas coisas viverá ἐν αὐτοῖς. 13 Χριστὸς ἡμᾶς ἐξηγόρασεν ἐκ τῆς κατάρας τοῦ através delas. [O] messias nos resgatou de a maldição da νόμου γενόμενος ὑπὲρ ἡμῶν κατάρα, ὅτι γέγραπται· ἐπικατάρατος lei tornado por nós maldição, porque está escrito: maldito πᾶς ὁ κρεμάμενος ἐπὶ ξύλου, 14 ἵνα εἰς τὰ ἔθνη ἡ todo aquele que está pendurado em [a] madeira, para que a os gentios a εὐλογία τοῦ Ἀβραὰμ γένηται ἐν Ἰησοῦ Χριστῷ, ἵνα τὴν benção de Abraão advenha em Jesus messias, para que a ἐπαγγελίαν τοῦ πνεύματος λάβωμεν διὰ τῆς πίστεως. promessa do espírito recebêssemos através da fé. 4, 21-26 21 Λέγετέ μοι, οἱ ὑπὸ νόμον θέλοντες εἶναι, τὸν νόμον Dizei a mim, aqueles sob [a] lei que desejam estar, a lei οὐκ ἀκούετε; 22 γέγραπται γὰρ ὅτι Ἀβραὰμ δύο υἱοὺς ἔσχεν, ἕνα não escutais? Está escrito pois que Abraão dois filhos teve, um ἐκ τῆς παιδίσκης καὶ ἕνα ἐκ τῆς ἐλευθέρας. 23 ἀλλ’ ὁ [μὲν] ἐκ τῆς de a escrava e um de a livre. Mas o de a παιδίσκης κατὰ σάρκα γεγέννηται, ὁ δὲ ἐκ τῆς ἐλευθέρας escrava segundo [a] carne nasceu, o outro de a livre
διὰ τῆς ἐπαγγελίας. 24 ἅτινά ἐστιν ἀλληγορούμενα· αὗται γάρ graças à promessa. Tais coisas são ditas alegoricamente: estas pois εἰσιν δύο διαθῆκαι, μία μὲν ἀπὸ ὄρους Σινᾶ, εἰς δουλείαν são duas alianças, uma – de [o] monte Sinai, para [a] escravidão γεννῶσα, ἥτις ἐστὶν Ἁγάρ. 25 τὸ δὲ Ἁγὰρ Σινᾶ ὄρος ἐστὶν gerando, que é Agar. – Agora Agar [o] Sinai monte é ἐν τῇ Ἀραβίᾳ· συστοιχεῖ δὲ τῇ νῦν Ἰερουσαλήμ, em a Arábia; corresponde precisamente à [de] agora Jerusalém, δουλεύει γὰρ μετὰ τῶν τέκνων αὐτῆς. 26 ἡ δὲ está em escravidão com efeito com os filhos dela. A ao contrário ἄνω Ἰερουσαλὴμ ἐλευθέρα ἐστίν, ἥτις ἐστὶν μήτηρ ἡμῶν· do alto Jerusalém livre é, a qual é mãe de nós. Da “Carta aos Efésios” 1, 9-10 9
γνωρίσας ἡμῖν τὸ μυστήριον τοῦ θελήματος αὐτοῦ, tendo feito conhecer a nós o mistério da vontade dele, κατὰ τὴν εὐδοκίαν αὐτοῦ, ἣν προέθετο ἐν αὐτῷ segundo o bom pensamento dele, que tinha decidido antes em ele 10 εἰς οἰκονομίαν τοῦ πληρώματος τῶν καιρῶν, para [a] economia da plenitude dos tempos, ἀνακεφαλαιώσασθαι τὰ πάντα ἐν τῷ Χριστῷ, τὰ ἐπὶ τοῖς recapitular as coisas todas em o messias, as sobre os οὐρανοῖς καὶ τὰ ἐπὶ τῆς γῆς· ἐν αὐτῷ... céus e as sobre a terra; em ele... Da “Carta aos Filipenses” 2, 5-11
5
τοῦτο φρονεῖτε ἐν ὑμῖν ὃ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ, Isto pensai em vós que [foi] também em [o] messias Jesus, 6 ὃς ἐν μορφῇ Θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι que em forma de Deus existente, não roubo considerou o ser ἴσα Θεῷ, 7 ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών, igual a Deus, mas a si mesmo esvaziou forma de escravo tendo tomado, ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος· 8 καὶ σχήματι em semelhança de [os] homens tornado; e [em] figura εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος tendo sido encontrado como homem rebaixou a si mesmo tornado ὑπήκοος μέχρι θανάτου, θανάτου δὲ σταυροῦ. 9 διὸ καὶ ὁ obediente até [a] morte, morte mas de cruz. Por isso também o Θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν, καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ Deus o sobreexaltou, e deu a ele o nome aquele ὑπὲρ πᾶν ὄνομα, 10 ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ acima de todo nome, para que em o nome de Jesus todo joelho se dobre ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων, 11 καὶ πᾶσα γλῶσσα de [coisas] celestes e terrestres e subterrâneas, e toda língua ἐξομολογήσηται ὅτι ΚΥΡΙΟΣ ΙΗΣΟΥΣ ΧΡΙΣΤΟΣ εἰς δόξαν confesse que senhor [é] Jesus messias para glória Θεοῦ πατρός. de Deus Pai. 3, 3-14 3
ἡμεῖς γάρ ἐσμεν ἡ περιτομή, οἱ πνεύματι Θεοῦ Nós com efeito somos a circuncisão, os [do] espírito de Deus λατρεύοντες καὶ καυχώμενοι ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ καὶ οὐκ ἐν servidores e louvadores em [o] messias Jesus e não em [a] σαρκὶ πεποιθότες, 4 καίπερ ἐγὼ ἔχων πεποίθησιν καὶ ἐν
carne tendo confiança, embora eu tendo confiança também em [a] σαρκί. Εἴ τις δοκεῖ ἄλλος πεποιθέναι ἐν σαρκί, ἐγὼ μᾶλλον· carne. Se alguém acredita outro confiar em [a] carne, eu mais ainda; 5 περιτομῇ ὀκταήμερος, ἐκ γένους Ἰσραήλ, φυλῆς por [a] circuncisão de oito dias, de [a] estirpe de Israel, de [a] tribo Βενιαμίν, Ἑβραῖος ἐξ Ἑβραίων, κατὰ νόμον Φαρισαῖος, de Benjamim, judeu de judeus, segundo [a] lei fariseu, 6 κατὰ ζῆλος διώκων τὴν ἐκκλησίαν, κατὰ δικαιοσύνην segundo [o] zelo perseguindo a assembleia, segundo [a] justiça τὴν ἐν νόμῳ γενόμενος ἄμεμπτο. 7 Ἀλλὰ ἅτινα ἦν a em [a] lei tornado irrepreensível. Mas as coisas que eram μοι κέρδη, ταῦτα ἥγημαι διὰ τὸν Χριστὸν ζημίαν. para mim ganho, estas coisas considerei por causa do messias perdidas. 8 ἀλλὰ μενοῦν γε καὶ ἡγοῦμαι πάντα ζημίαν εἶναι διὰ Mas antes – também considero todas as coisas perdidas serem por causa τὸ ὑπερέχον τῆς γνώσεως Χριστοῦ Ἰησοῦ τοῦ Κυρίου μου, da superioridade do conhecimento de [o] messias Jesus o senhor de mim, δι’ ὃν τὰ πάντα ἐζημιώθην, καὶ ἡγοῦμαι σκύβαλα pelo qual as coisas todas considerei perdidas, e considero excrementos ἵνα Χριστὸν κερδήσω 9 καὶ εὑρεθῶ ἐν αὐτῷ, μὴ para que [o] messias ganhe e seja encontrado em ele, não ἔχων ἐμὴν δικαιοσύνην τὴν ἐκ νόμου, ἀλλὰ τὴν διὰ tendo [uma] minha justiça, aquela de [a] lei, mas aquela através πίστεως Χριστοῦ, τὴν ἐκ Θεοῦ δικαιοσύνην ἐπὶ τῇ πίστει, de [a] fé de [o] messias, a de Deus justiça sobre a fé, 10 τοῦ γνῶναι αὐτὸν καὶ τὴν δύναμιν τῆς ἀναστάσεως αὐτοῦ καὶ
para conhecê -lo e a potência da ressurreição dele e κοινωνίαν παθημάτων αὐτοῦ, συμμορφιζόμενος τῷ θανάτῳ comunhão de [os] sofrimentos dele, conformando-me à morte αὐτοῦ, 11 εἴ πως καταντήσω εἰς τὴν ἐξανάστασιν τὴν dele, se de algum modo eu chegar até a ressurreição aquela ἐκ νεκρῶν. 12 οὐχ ὅτι ἤδη ἔλαβον ἢ ἤδη τετελείωμαι, de [os] mortos. Não que já tenha alcançado ou já tenha realizado, διώκω δὲ εἰ καὶ καταλάβω, ἐφ’ ᾧ καὶ κατελήμφθην ὑπὸ procuro porém se também capturo porque também fui capturado pelo Χριστοῦ Ἰησοῦ. 13 ἀδελφοί, ἐγὼ ἐμαυτὸν οὔπο λογίζομαι messias Jesus. Irmãos, eu mesmo não considero κατειληφέναι· ἓν δέ, τὰ μὲν ὀπίσω ter alcançado; uma coisa porém: as coisas por um lado [que ficam] para trás ἐπιλανθανόμενος τοῖς δὲ ἔμπροσθεν esquecendo, para as coisas que por outro lado [estão] à frente ἐπεκτεινόμενος, 14 κατὰ σκοπὸν διώκω εἰς τὸ βραβεῖον τῆς ἄνω a partir delas avançando, para [a] meta sigo para o prêmio da no alto κλήσεως τοῦ Θεοῦ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ. chamada do Deus em [o] messias Jesus. Da “Primeira Carta aos Tessalonicenses” 3
1, 3-5 καὶ τοῦ
μνημονεύοντες ὑμῶν τοῦ ἔργου τῆς πίστεως κόπου Recordando[-nos] de vós da obra da fé e da fadiga τῆς ἀγάπης καὶ τῆς ὑπομονῆς τῆς ἐλπίδος τοῦ κυρίου ἡμῶν do amor e da paciência da esperança do senhor de nós Ἰησοῦ Χριστοῦ ἔμπροσθεν τοῦ Θεοῦ καὶ πατρὸς ἡμῶν, 4 εἰδότες, Jesus messias diante do Deus e pai de nós. Sabendo,
ἀδελφοὶ ἠγαπημένοι ὑπὸ τοῦ Θεοῦ, τὴν ἐκλογὴν ὑμῶν, 5 ὅτι τὸ irmãos amados por o Deus, a eleição de vós, porque a εὐαγγέλιον ἡμῶν οὐκ ἐγενήθη εἰς ὑμᾶς ἐν λόγῳ μόνον, ἀλλὰ boa nova de nós não se produziu para vós em palavras apenas, mas καὶ ἐν δυνάμει καὶ ἐν πνεύματι ἁγίῳ καὶ πληροφορίᾳ também em potência e em espírito santo e ser transportado πολλῇ, καθὼς οἴδατε οἷοι ἐγενήθημεν ἐν ὑμῖν δι’ ὑμᾶς. em plenitude, como sabeis quais nos tornamos entre vós por vós. 4, 13-17 13 Οὐ θέλομεν δὲ ὑμᾶς ἀγνοεῖν, ἀδελφοί, περὶ τῶν Não queremos – [que] vós ignoreis, irmãos, acerca daqueles κοιμωμένων, ἵνα μὴ λυπῆσθε καθὼς καὶ οἱ λοιποὶ οἱ μὴ que adormeceram, para que não fiquem tristes como também os outros os não ἔχοντες ἐλπίδα. 14 εἰ γὰρ πιστεύομεν ὅτι Ἰησοῦς possuidores de esperança. Se com efeito acreditamos que Jesus ἀπέθανεν καὶ ἀνέστη, οὕτως καὶ ὁ Θεὸς τοὺς κοιμηθέντας morreu e ressuscitou, assim também o Deus os que dormem διὰ τοῦ Ἰησοῦ ἄξει σὺν αὐτῷ. 15 Τοῦτο γὰρ ὑμῖν através do Jesus conduzirá com ele. Isto com efeito a vós λέγομεν ἐν λόγῳ κυρίου, ὅτι ἡμεῖς οἱ ζῶντες οἱ dizemos em [a] palavra de [o] senhor, que nós os viventes os περιλειπόμενοι εἰς τὴν παρουσίαν τοῦ κυρίου οὐ μὴ que permanecem para a vinda do senhor não absolutamente φθάσωμεν τοὺς κοιμηθέντας· 16 ὅτι αὐτὸς ὁ κύριος ἐν andaremos à frente dos que dormem; porque próprio o senhor a [o] κελεύσματι, ἐν φωνῇ ἀρχαγγέλου καὶ ἐν σάλπιγγι Θεοῦ, sinal, a [a] voz de anjo e a [a] trombeta de Deus, καταβήσεται ἀπ’ οὐρανοῦ, καὶ οἱ νεκροὶ ἐν Χριστῷ descerá de [o] céu, e os mortos em [o] messias
ἀναστήσονται πρῶτον, 17 ἔπειτα ἡμεῖς οἱ ζῶντες οἱ περιλειπόμενοι ressuscitarão primeiro, depois nós os viventes os que permanecem ἅμα σὺν αὐτοῖς ἁρπαγησόμεθα ἐν νεφέλαις εἰς ao mesmo tempo com eles seremos arrebatados em [as] nuvens – ἀπάντησιν τοῦ κυρίου εἰς ἀέρα· καὶ οὕτως πάντοτε σὺν encontro do senhor em [o] ar; e assim sempre com [o] κυρίῳ ἐσόμεθα. senhor seremos. 1
5, 1-3 ἀδελφοί, οὐ
Περὶ δὲ τῶν χρόνων καὶ τῶν καιρῶν, χρείαν Acerca pois dos tempos e dos momentos, irmãos, não necessidade ἔχετε ὑμῖν γράφεσθαι· 2 αὐτοὶ γὰρ ἀκριβῶς οἴδατε ὅτι tendes a vós de ser escrito; [vós] mesmos pois perfeitamente sabeis que [o] ἡμέρα κυρίου ὡς κλέπτης ἐν νυκτὶ οὕτως ἔρχεται. dia de [o] senhor como [um] ladrão em [a] noite assim vem. 3 ὅταν λέγωσιν· εἰρήνη καὶ ἀσφάλεια, τότε αἰφνίδιος αὐτοῖς Quando disserem: paz e segurança, então repentina para eles ἐφίσταται ὄλεθρος ὥσπερ ἡ ὠδὶν τῇ ἐν γαστρὶ ἐχούσῃ, virá [a] ruína como as dores à em [o] ventre que tem, καὶ οὐ μὴ ἐκφύγωσιν. e não absolutamente escaparão. Da “Segunda Carta aos Tessalonicenses”
2, 3-11 3
μή τις ὑμᾶς ἐξαπατήσῃ κατὰ μηδένα τρόπον· ὅτι Não alguém vos engane em nenhum modo! Com efeito ἐὰν μὴ ἔλθῃ ἡ ἀποστασία πρῶτον καὶ ἀποκαλυφθῇ ἄνθρωπος
ὁ
se não venha a apostasia primeiro e seja revelado o homem τῆς ἀνομίας, ὁ υἱὸς τῆς ἀπωλείας, 4 ὁ ἀντικείμενος καὶ da ausência de lei, o filho da destruição, o que jaz contra e ὑπεραιρόμενος ἐπὶ πάντα λεγόμενον Θεὸν ἢ que se eleva sobre todas as coisas [que são] chamadas Deus ou σέβασμα, ὥστε αὐτὸν εἰς τὸν ναὸν τοῦ Θεοῦ καθίσαι, objeto de culto, ao ponto de ele em o templo do Deus sentarse, ἀποδεικνύντα ἑαυτὸν ὅτι ἔστιν Θεός. 5 Οὐ μνημονεύετε ὅτι mostrando ele mesmo que é Deus. Não recordais que ἔτι ὢν πρὸς ὑμᾶς ταῦτα ἔλεγον ὑμῖν; 6 καὶ νῦν τὸ ainda estando junto de vós essas coisas dizia a vós? E agora o κατέχον οἴδατε, εἰς τὸ ἀποκαλυφθῆναι αὐτὸν ἐν τῷ αὐτοῦ καιρῷ. que retém sabeis, para o ser revelado ele em o dele momento. 7 τὸ γὰρ μυστήριον ἤδη ἐνεργεῖται τῆς ἀνομίας· μόνον O com efeito mistério já é em ato da ausência de lei; somente ὁ κατέχων ἄρτι ἕως ἐκ μέσου γένηται. 8 καὶ τότε aquele que retém agora para que de meio seja [afastado]. E então ἀποκαλυφθήσεται ὁ ἄνομος, ὃν ὁ κύριος Ἰησοῦς ἀνελεῖ τῷ será revelado o sem lei, que o senhor Jesus abolirá com o πνεύματι τοῦ στόματος αὐτοῦ καὶ καταργήσει τῇ ἐπιφανείᾳ sopro da boca dele e tornará inoperante à aparição τῆς παρουσίας αὐτοῦ, 9 οὗ ἐστιν ἡ παρουσία κατ’ da vinda dele, do qual [ímpio] é a presença segundo [o] ἐνέργειαν τοῦ σατανᾶ ἐν πάσῃ δυνάμει καὶ σημείοις καὶ τέρασιν ser em ato de Satanás em toda potência e sinais e prodígios ψεύδους 10 καὶ ἐν πάσῃ ἀπάτῃ ἀδικίας τοῖς ἀπολλυμένοις, de mentira e com todo engano de iniquidade aos que caem em ruína,
ἀνθ’ ὧν τὴν ἀγάπην τῆς ἀληθείας οὐκ ἐδέξαντο εἰς τὸ σωθῆναι porque o amor da verdade não acolheram para o serem salvos αὐτούς. 11 καὶ διὰ τοῦτο πέμπει αὐτοῖς ὁ Θεὸς ἐνέργειαν eles. E por isso manda a eles o Deus [uma] força πλάνης εἰς τὸ πιστεῦσαι αὐτοὺς τῷ ψεύδει... de perdição para o acreditarem eles na mentira... Da “Carta a Filémon” 15-16 15 τάχα γὰρ διὰ τοῦτο ἐχωρίσθη πρὸς ὥραν, Talvez com efeito por isso foi separado [de ti] por [um] tempo, ἵνα αἰώνιον αὐτὸν ἀπέχῃς, 16 οὐκέτι ὡς δοῦλον ἀλλὰ ὑπὲρ para que em eterno o recupere, não mais como escravo mas super δοῦλον, ἀδελφὸν ἀγαπητόν, μάλιστα ἐμοί, πόσῳ δὲ μᾶλλον escravo, [um] irmão amado, sobretudo para mim, tanto porém mais σοὶ καὶ ἐν σαρκὶ καὶ ἐν κυρίῳ. para ti seja em [a] carne seja em [o] senhor.
Bibliografia A bibliografia compreende apenas autores e obras expressamente citadas no texto. A tradução italiana de obras estrangeiras, que às vezes é citada, foi, quando necessário, modificada em conformidade com o texto original. [Quando disponíveis, foram acrescentadas, entre colchetes, as traduções brasileiras das obras citadas.] AGOSTINO. De doctrina christiana. A cura di M. Simonetti. Milano: Fondazione Valla-Mondadori, 1994. [AGOSTINHO, Santo. A doutrina cristã. São Paulo: Paulus, 2002.] ARISTEA. Lettera di Aristea a Filocrate. Milano: Rizzoli, 1994. BADIOU, Alain. Saint Paul. La fondation de l’universalisme. Paris: Presses universitaires de France, 1997. [São Paulo. A função do universalismo. São Paulo: Boitempo, 2008.] BARTH, Karl. Der Römerbrief. 9. Ausgabe. Zollikon-Zürich: Evangelischer Verlag, 1954. [Carta aos romanos. São Paulo: Fonte Editorial, 2009.] BÁRTOLO DE SASSOFERRATO. Tractatus Minoricaru. In: Opera. Lugduni: Blasius, 1555. BENJAMIN, Walter. Briefe. Herausgegeben von Gershom Scholem und Theodor W. Adorno. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1966. BENJAMIN, Walter. Gesammelte Werke. Herausgegeben von Rolf Tiedemann und Herbert Schweppenhäuser. I-VII. Frankfurt a. M: Suhrkamp, 1974-1989. BENVENISTE, Émile. Problèmes de liguistique générale. Paris: Gallimard, 1966. [Problemas de linguística geral. Campinas: Pontes, 20052006. v. I-II]
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Índice onomástico Adorno, Theodor Wiesengrund, 48-52 Ageu, 79 Agostinho, 23, 90, 101, 102, 103, 142 Aland, Kurt, 9, 19, 28 Alighieri, Dante, 99, 100 Amery, Jean, 52 Amós, 70, 71 Antelme, Robert, 69 Arendt, Hannah, 163 Aristeias, 61 Aristão, 27, Aristóteles, 17, 120, 147, 154 Arnaut, Daniel, 96, 98, 99, 100 Auerbach, Erich, 91 Austin, John Langshaw, 150 Avicena, 52 Badiou, Alain, 68 Bally, Charles, 119 Barth, Karl, 48, 55 Bártolo de Sassoferrato, 40 Bataille, Georges, 143 Ben-Engeli, Cid Hamet, 21 Benjamin, Walter, 15, 16, 24, 44, 46, 48, 49, 52, 53, 56, 66, 73, 89, 92, 159166 Benveniste, Émile, 83, 84, 134, 135, 137, 139, 146, 147, 150, 151 Bergamín, José, 73
Bernays, Jacob, 13 Bigarelli, Alberto, 9 Blanchot, Maurice, 69 Blumenberg, Hans, 81 Bonhoeffer, Dietrich, 55 Brentano, Ludwig Joseph, 35 Buber, Martin, 14, 133, 143, 144, 145 Bultmann, Rudolf, 90 Burckhardt, Jacob, 78 Calderone, Salvatore, 135 Carchia, Gianni, 80 Carrez, Maurice, 9 Cervantes Saavedra, Miguel de, 21 Chorin, Ben, 14 Cirilo de Alexandria, 110 Clareno, Angelo, 41 Cohen, Boaz, 26 Coppens, Joseph, 29 Constantino, 145 Crisóstomo, João, 110, 114, 116, 117 Cusa, Nicolau de (Nikolaus Krebs von Klues), 67 Davies, William David, 14 Deissmann, Gustav Adolf, 164 Deleuze, Gilles, 73 Derrida, Jacques, 120, 121 Dessau, Hermann, 20 Dídimo, o Cego, 110 Dionísio de Halicarnasso, 42, 44 Dostoiévski, Fedor Michajlovic, 53 Durling, Robert, 100 Elias, 70, 183 Erasmo de Roterdão, 19, 21 Escoto, Duns João, 52
Eurípedes, 114 Eusébio de Cesareia, 90, 145 Ezra, Mosheh ibn, 17 Fílon de Alexandria, 17, 21 Filóstrato, 23 Flaubert, Gustave, 50 Flusser, David, 133, 143, 144 Forberg, Friedrich Cari, 49, 55 Foucault, Michel, 73, 74, 78, 152, 153 Francisco de Assis, 41 Fraenkel, Eduard, 135 Freud, Sigmund, 54 Gamaliel, 20 Gaultier, Jules de, 50 Góngora y Argote, Luís de, 17 Guillaume de Lorris, 21 Guillaume, Gustave, 83, 84 Herodes Ático, 23 Hadot, Pierre, 110 Harrer, Gustave Adolphus, 20 Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, 43, 46, 94, 117, 118, 120, 121 Heidegger, Martin, 16, 47, 48, 81, 93, 107, 164 Hengel, Martin, 19 Hillel, o Ancião, 20, 27, 93, 94 Hobbes, Thomas, 127 Hölderlin, Johann Christian Friedrich, 52, 104 Homero, 134 Honório de Autun, 100 Hort, Fenton John Anthony, 19 Huby, Joseph, 30 Irineu, 90 Isaías, 7, 70, 181
Jeremias, 78 Jerônimo, 18, 23, 33, 36, 61, 65, 90, 91, 103, 107, 114, 125, 127, 149, 161 Joaquim de Fiore, 90 João, 126, 128, 144, 197 Josefo Flávio, 17 Justiniano, 26 Justino, 29, 90 Jakobson, Roman, 119 Jean de Meun, 21 Jousse, Marcel, 15 Jungel, Eberhard, 56 Kafka, Franz, 17, 55, 57, 89 Kant, Immanuel, 48, 49, 88, 107 Kierkegaard, Soren, 93 Kojeve, Alexandre, 118 Koyré, Alexandre, 118 Kraus, Karl, 160 Kuhlmann, Georg, 45 Labeão, 27 Lambertini, Roberto, 41 Lambertz, Moritz, 22, 23 Leibniz, Gottfried Wilhelm, 53, 93 Lessing, Gotthold Ephraim, 144, 145 Lévi-Strauss, Claude, 120 Lowith, Karl, 81 Lote, Georges, 101, 102 Lucas, 24, 91, 146 Lukács, Gyorgy, 46 Lutero, Martinho, 34, 35, 39, 56, 117, 161, 163, 164 Malaquias, 79 Manganelli, Giorgio, 88 Marcos, 15
Martinez, Ronald L., 100 Marx, Karl, 43-45, 73, 74, 90, 94 Mateus, 15, 56 Mauss, Marcel, 142, 143 Meillet, Antoine, 83, 146 Meir, 108 Merx, Adalbert, 35, 36 Meyer, Wilhelm, 101 Miqueias, 70 Michelstaedter, Carlo, 109 Mörike, Eduard, 16 Nathan de Gaza, 165 Nestle, Eberhard, 9, 19 Nestle, Erwin, 9, 19, 28 Nietzsche, Friedrich, 15, 16, 50, 78, 93, 126, 128, 129 Norden, Eduard, 17, 101, 102 Olivi, Pietro di Giovanni, 40, 41 Orígenes, 21, 29, 93, 108, 110, 111, 116, 154, 155 Oseias, 67, 181 Overbeck, Johann Friedrich, 145 Papias, 90 Pasquali, Giorgio, 21 Pelágio, 142 Pedro, 61, 65, 145, 197 Píndaro, 146 Platão, 17, 23 Plínio, o Velho, 66, Poe, Edgar Allan, 159 Políbio, 114 Próculo, 27 Pseudo-Barnabá, 90 Puder, Martin, 107 Quinto Múcio, 27
Rábano Mauro, 102 Rancière, Jacques, 73, 74 Rosenzweig, Franz, 17 Ruffin, 111 Rüstow, Alexander, 91 Sabbatai Zevi, 77, 165 Sabino Masurio, 27 Schmitt, Carl, 122, 123, 126, 127, 138 Scholem, Gershom, 15, 17, 87, 92, 115, 164, 165 Schopenhauer, Arthur, 50, 164 Sedúlio, 102 Šestov, Lev Isaakovič, 16 Shammai, 27 Solmi, Renato, 163 Staiger, Emil, 16, 17 Stefano, 114 Stirner, Max, 45 Strobel, August, 127 Suda, 114 Taubes, Jacob, 14-16, 46, 48, 51, 71, 161 Teodoro de Ciro, 110 Teodoro de Mopsuéstia, 110 Tertuliano, 90, 126 Tiago, o Menor, 144, 191, 197, 198 Thomas, Yan, 41 Ticônio, 94, 111, 112 Tischendorf, Lobegott Friedrich Constantin von, 19 Tito, 196 Tomson, Peter J., 26 Traube, Ludwig, 28, 160 Trebácio Testa, 27 Trifônio, 29 Trubetzkoy, Nikolay Sergeyevich, 119
Ulpiano, Domício, 27 Vaihinger, Hans, 49, 50, 55 Vitélio, Aulo, 27 Vitorino, Mario, 110 Warburg, Aby, 78 Watson, Alan, 26 Weber, Max, 34-36, 42-44 Westcott, Brooke Foss, 19 Whorf, Benjamin, 51 Wilamowitz-Mollendorf, Ulrich von, 15, 16 Wilcke, Hans-Alwin, 90 Wolbert, Werner, 39 Yehudah ha-Levi, 17 Zacarias, 79
Outros livros da filō Outros livros da FILŌ
FILŌ
A alma e as formas Ensaios Georg Lukács A aventura da filosofia francesa no século XX Alain Badiou A ideologia e a utopia Paul Ricœur O primado da percepção e suas consequências filosóficas Maurice Merleau-Ponty A teoria dos incorporais no estoicismo antigo Émile Bréhier A sabedoria trágica Sobre o bom uso de Nietzsche Michel Onfray Se Parmênides O tratado anônimo De Melisso Xenophane Gorgia
Bárbara Cassin
FILŌAGAMBEN
Bartleby, ou da contingência Giorgio Agamben seguido de Bartleby, o escrevente Herman Melville A comunidade que vem Giorgio Agamben O homem sem conteúdo Giorgio Agamben Ideia da prosa Giorgio Agamben Introdução a Giorgio Agamben Uma arqueologia da potência Edgardo Castro Meios sem fim Notas sobre a política Giorgio Agamben Nudez Giorgio Agamben A potência do pensamento Ensaios e conferências Giorgio Agamben
FILŌBATAILLE
O erotismo Georges Bataille A literatura e o mal Georges Bataille A parte maldita Precedida de “A noção de dispêndio” Georges Bataille Teoria da religião Seguida de Esquema de uma história das religiões Georges Bataille
FILŌBENJAMIN
O anjo da história Walter Benjamin Baudelaire e a modernidade Walter Benjamin Imagens de pensamento Sobre o haxixe e outras drogas Walter Benjamin Origem do drama trágico alemão Walter Benjamin Rua de mão única Infância berlinense: 1900 Walter Benjamin
FILŌESPINOSA
Breve tratado de Deus,
do homem e do seu bem-estar Espinosa Princípios da filosofia cartesiana e Pensamentos metafísicos Espinosa A unidade do corpo e da mente Afetos, ações e paixões em Espinosa Chantal Jaquet
FILŌESTÉTICA
O belo autônomo Textos clássicos de estética Rodrigo Duarte (org.) O descredenciamento filosófico da arte Arthur C. Danto Do sublime ao trágico Friedrich Schiller Íon Platão Pensar a imagem Emmanuel Alloa (Org.)
FILŌMARGENS O amor impiedoso (ou: Sobre a crença) Slavoj Žižek
Estilo e verdade em Jacques Lacan Gilson Iannini Introdução a Foucault Edgardo Castro Kafka Por uma literatura menor Gilles Deleuze Félix Guattari Lacan, o escrito, a imagem Jacques Aubert, François Cheng, Jean-Claude Milner, François Regnault, Gérard Wajcman O sofrimento de Deus Inversões do Apocalipse Boris Gunjevic Slavoj Žižek
ANTIFILŌ
A Razão Pascal Quignard
Copyright © 2000 by Giorgio Agamben. Publicado originalmente por Bollati Boringhieri Editore, Torino. Copyright © 2016 Autêntica Editora Título original: Il tempo che resta: un commento alla Lettera ai Romani Este livro foi negociado por intermédio de Ute Korner Literary Agent, S.L., Barcelona (www.uklitag.com), Agnese Incisa Agenzia Letteraria, Torino. Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográ ca, sem a autorização prévia da Editora. COORDENADOR DA COLEÇÃO FILÔ
Gilson Iannini
CONSELHO EDITORIAL
Gilson Iannini (UFOP); Barbara Cassin (Paris); Carla Rodrigues (UFRJ); Cláudio Oliveira (UFF); Danilo Marcondes (PUC-Rio); Ernani Chaves (UFPA);
Guilherme Castelo Branco (UFRJ); João Carlos Salles (UFBA); Monique David-Ménard (Paris); Olímpio Pimenta (UFOP); Pedro Süssekind (UFF); Rogério Lopes (UFMG); Rodrigo Duarte (UFMG); Romero Alves Freitas (UFOP); Slavoj Žižek (Liubliana); Vladimir Safatle (USP)
EDITORA RESPONSÁVEL
Rejane Dias
EDITORA ASSISTENTE
Cecília Martins REVISÃO
Lira Córdova Carla Neves
CAPA
Alberto Bittencourt (sobre tela São Paulo Escrevendo suas Epístolas. Valentin de Boulogne (1591-1632), c. 1618-1620. Óleo sobre tela, 99 × 133 cm. Museu de Belas Artes, Houston)
DIAGRAMAÇÃO
Christiane Morais de Oliveira Larissa Carvalho Mazzoni Waldênia Alvarenga Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Agamben, Giorgio O tempo que resta : um comentário à Carta aos Romanos / Giorgio Agamben ; tradução Davi Pessoa e Cláudio Oliveira. -- 1. ed. -- Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2016. Título original: Il tempo che resta: un commento alla Lettera
ai Romani
Bibliogra a ISBN 978-85-8217-509-5
1. Bíblia. N.T. Romanos - Comentários 2. Filoso a Italiana I. Título. 15-09398 CDD-227.107 Índices para catálogo sistemático: 1. Carta aos Romanos : Comentários : Epístolas paulinas 227.107 2. Romanos : Epístolas de Paulo : Comentários 227.107
Belo Horizonte Rua Carlos Turner, 420 Silveira . 31140-520 Belo Horizonte . MG Tel.: (55 31) 3465-4500 Rio de Janeiro Rua Debret, 23, sala 401 Centro . 20030-080 Rio de Janeiro . RJ Tel.: (55 21) 3179 1975 São Paulo Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, Horsa I 23º andar . Conj. 2301 . Cerqueira César . 01311-940 São Paulo . SP Tel.: (55 11) 3034 4468 www.grupoautentica.com.br
Utopia - Bilíngue (Latim-Português) More, Thomas 9788551306253 256 páginas
Compre agora e leia Edição comemorativa dos 500 anos da Utopia! Bilíngue e com capa dura, é a primeira tradução brasileira da obra feita diretamente do latim. Com a publicação da Utopia, em 1516, Thomas More criou uma das palavras mais ricas, debatidas e controversas de nosso vocabulário. Construído como uma narrativa de viagem, gênero de longa tradição literária, o livro dá voz ao navegante português Rafael Hitlodeu, que, em latim humanista, critica as instituições inglesas para, em seguida, descrever a ilha de Utopia, que conseguiu criar uma sociedade próxima do ideal, valendo-se do conhecimento existente na época, sem qualquer poder sobre-humano. A meio caminho entre a literatura e a filosofia, na zona de passagem entre um não lugar que nega nossas misérias e um bom lugar que as torna talvez mais insuportáveis, a utopia de More é um patrimônio cultural tão rico que não cabe apenas no espaço comprimido da tradição acadêmica que a quer domesticar. Ao pensar uma
sociedade viável, cria um instrumento crítico com o qual podemos medir nossa realidade. O posfácio não debate filosoficamente a construção de More, mas passeia de modo livre pelo passado, presente e futuro da utopia (e sua gêmea má, a distopia), demonstrando assim a potência que se gera quando nos deparamos com – ou criamos – o termo certo. Compre agora e leia
Rediscutindo a mestiçagem no Brasil Munanga, Kabengele 9788551306024 152 páginas
Compre agora e leia É à luz do discurso pluralista emergente (multiculturalismo, pluriculturalismo) que a presente obra recoloca em discussão os verdadeiros fundamentos da identidade nacional brasileira, convidando pesquisadores da questão para rediscuti-la e melhor entender por que as chamadas minorias, que na realidade constituem maiorias silenciadas, não são capazes de construir identidades políticas verdadeiramente mobilizadoras. E essa discussão não pode ser sustentada sem que se coloque no bojo da questão o ideal do branqueamento, materializado pela mestiçagem e seus fantasmas. Compre agora e leia
Pesquisa em ensino e sala de aula de Borba, Marcelo Carvalho 9788551306130 128 páginas
Compre agora e leia Pesquisa em ensino e sala de aula: diferentes vozes em uma investigação não se trata apenas de uma obra sobre metodologia de pesquisa: neste livro, os autores abordam diversos aspectos da pesquisa em ensino e suas relações com a sala de aula. Motivados por uma pergunta provocadora, eles apontam que as pesquisas em ensino são instigadas pela vivência dos professores em suas salas de aula, e esse "cotidiano" desperta inquietações acerca de sua atuação, de sua formação, entre outras. Ainda, os autores lançam mão da metáfora das "vozes" para indicar que o pesquisador, seja iniciante, seja experiente, não está sozinho em uma pesquisa, uma vez que ele "escuta" a literatura e os referenciais teóricos, os entrelaçando com a metodologia e os dados produzidos. Compre agora e leia
Sem perder a raiz Gomes, Nilma Lino 9788551306031 406 páginas
Compre agora e leia O cabelo é analisado na obra de Nilma Lino Gomes não apenas como parte integrante do corpo individual e biológico, mas, sobretudo, como corpo social e linguagem, como veículo de expressão e símbolo de resistência cultural. É nessa direção que a autora interpreta as ações e atividades desenvolvidas nos salões étnicos de Belo Horizonte a partir da manipulação do cabelo crespo, baseando-se nos penteados de origem étnica africana, recriados e reinterpretados, como formas de expressão estética e identitária negra. A conscientização sobre as possibilidades positivas do próprio cabelo oferece uma notável contribuição no processo de reabilitação do corpo negro e na reversão das representações pejorativas presentes no imaginário herdado de uma cultura racista. Kabengele Munanga Professor titular do Departamento de Antropologia da USP
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Investigações matemáticas na sala de aula da Ponte, João Pedro 9788551305867 160 páginas
Compre agora e leia Neste livro, os autores – todos portugueses – analisam como práticas de investigação desenvolvidas por matemáticos podem ser trazidas para a sala de aula. Eles mostram resultados de pesquisas ilustrando as vantagens e dificuldades de se trabalhar com tal perspectiva em Educação Matemática. Geração de conjecturas, reflexão e formalização do conhecimento são aspectos discutidos pelos autores ao analisarem os papéis de alunos e professores em sala de aula quando lidam com problemas em áreas como geometria, estatística e aritmética. Compre agora e leia