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Portuguese Pages 408 [401] Year 2022
jOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES ERASMO VALLADÃO AzEVEDO E NOVAES FRANÇA Ruv PEREIRA CAMILO JUNIOR ARIEL ENGEL PESSO ÜRCANIZADORES
NAS TRILHAS DE ASCARELLI TRADUÇÃO DOS CAPÍTULOS ITALIANOS: Ruv CAMILO, ERASMO VALLADÃO E DANIEL DE Av1LA V10
ÍTALO BIROCCHI FRANCESCO MIGLIORINO ELOISA MuRA PAOLA MAFFEI ARIEL ENGEL PESSO ALESSANDRO ÜCTAVIANI JOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES AR1 MARCELO SoLON Ruv PEREIRA CAMILO JUNIOR ERASMO VALLADÃo AzEvrno E NovAES FRANÇA Ruv BARBOSA NOGUEIRA
, FILOSOFIA E TEORIA GERAL DO DIRE!TO ·.. BIBLIOTECA
Editora Quartier Latindo Brasil São Paulo, inverno de 2022 [email protected] @@editoraquartierlatin
JOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES; ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA; RUY PEREIRA CAMILO ···· ;, JUNIOR;ARIEL ENGELPESSO (ORGS.) .~ Nas Trilhas de Ascarelli. São Paulo: Qµartier Latin, 2022.
ISBN 978-65-5575-159-8 1. Direito. 2. História do Direito. 3. Tullio Ascarelli. 4. Direito Comercial. 5. Exílio.
6. Interpretação. 7:Doutrina Tributária. 8. Direito Econômico. I. Título.
Editor Vinícius Vieira
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Produção editorial
José Ubiratan Ferraz Bueno Diagramação
José Ubiratan Ferraz Bueno Revisão gramatical Studio Qµartier
Capa Anderson dos Santos Pinto
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EDITORA QUARTIER LATINDO BRASIL Rua General Flores, 508 Bom Retiro - São Paulo CEP 01129-010 Telefones: +55 11 3222-2423; +55 11 3222-2815 Whatsapp: +55 11 9 9431 1922 Email: [email protected] @j @editoraquartierlatin
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SUMÁRIO Apresentação ............................................................................................ 11 fil
I. Tullio Ascarelli ao tempo do regime fascista: a ascensão de um comercialista irregular (1923-1938), 21 Ítalo Birocchi
1. O enigma Ascarelli ............................................................................... 21 2. A geração de Ascarelli ........................................................................... 25 3. Escolas, em particular no âmbito do direito comercial .......................... 30 4. Instrumentos operativos: a Commerciale e as outras revistas ................ 34 5. Dentro da cultura do tempo ................................................................. .56 6. Ascarelli em ação (obviamente uma pequena ação) .............................. 59 7. Um jurista irregular ............................................................................... 82 Bibliografia ............................................................................................... 85
II. Tullio Ascarelli e "La Giustizia Penale": Um fecundo, inexplorado sodalício (1925-1938), 93 Francesco Migliorina
1. Uma revista de sucesso .......................................................................... 93 2. Ascarelli redator e autor de recensões ................................................... 97 3. Da República de Weimar ao Terceiro Reich ....................................... 102 Bibliografia ........................................................................................ ,.... 118
III. O problema da "penetração" do princípio corporativo no direito comercial nas páginas de Finzi, Greco e Ascarelli, 123 EloisaMura 1. Interferências, influências, conexões, ajustes: o léxico do
debate do início dos anos 1930 .......................................................... 123 2. Proposta de Enrico Finzi para uma lei comercial "fora de fase" .......... 137 3. Contra "alguns fanáticos demasiadamente ávidos por novidades": a voz de Paolo Greco ......................................................................... 146 4. Tullio Ascarelli à prova do corporativismo .......................................... 156 Bibliografia citada ..................................................... :............................. 170
1
IV. TullioAscarelli e a história do Direito (antes do exílio), 177 Paola Maffei
V. TullioAscarelli no Brasil: sna atuação na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1941-1946), 199 Ariel Engel Pesso 1. lntrodução ........................................................................................... 199 2. Fuga da Itália e chegada ao Brasil ....................................................... 200 3. Na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1941-1946) ......205 3.1. A diretoria e o corpo docente ........................................................ 205 3.2. A Faculdade de Direito e o Estado Novo ..................................... 207 3.3. Tullio Ascarelli nas Arcadas .......................................................... 209 4. Vida após o exílio: Brasil, Itália e a Biblioteca "Tullio Ascarelli" ......... 228 5. Conclusão ........................................................................................... 235 6. Referências bibliográficas .................................................................... 235 6.1. Fontes primárias ........................................................................... 235 6.1.1. Periódicos .................................................................................. 235 6.1.2. Livros ......................................................................................... 236 6.1.3. Artigos ....................................................................................... 236 6.1.4. Outros ....................................................................................... .238 6.2. Fontes secundárias ....................................................................... .23 9
VI. O viajante e o construtor: Ascarelli, do Direito Privado ao Direito Econômico, 243 Alessandro Octaviani I. Introdução ........................................................................................... 243
II. O olhar do viajante: o Direito Privado brasileiro visto por Ascarelli ........ .244 1he lift ofthe law has been experience ........................................................ 245 Especial - Geral ..................................................................................... 247 Mobilização do crédito - Direito comercial - Estado capitalista ............ 248 A experiência brasileira de Direito Privado: condição periférica e grande agricultura de exportação ..................................... 250 "O nentaçao · - gerai d o sistema · " e "Premissas · · lícitas · " .......................... . 251 1mp Propriedade, empresa e registro: o Direito Privado e "o prêmio de quem chegou primeiro"................................................................................ 252
III. O sujeito não oculto: a "grande transformação" do Direito Privado brasileiro por Getúlio Vargas ................................... 254 O direito para transformar a economia ................................................... 254 Socialização do direito, fuga dos "venerandos códigos" e projeto de Nação: Vargas em ação ..................................................... 255 Pessoa, nacionalidade e instrumentação monetária: enclave colonial ...... 256 Proprietários rentistas x Locatários empresários ..................................... 257 Propriedade privada e interesse público: limitações e funcionalizações ........ .258 Registros societários e sigilo: transparência e razões de Ordem Pública ....... .259 Industrialização, Direito e Desenvolvimento .......................................... 261 Novas e mais complexas questões: nova e mais complexa disciplina jurídica ............................................................................... 263 IV. As mãos do construtor: Ascarelli, o Direito Econômico e a criatividade institucional .................................................................... 264 A erosão dos fundamentos do Direito Privado como eixo central da disciplina jurídica da economia: a produção e o consumo em massa ....... .264 Funcionalismo e Keynesianismo Jurídico ............................................... 266 A disciplina jurídica do trabalho e do cuidado que suplanta o "conservador Direito Privado".......................................................... 267 A organização jurídica dos mercados ...................................................... 269 Funcionalização da empresa privada e Estado empresário/empreendedor. ..271 A fronteira da acumulação: o Estado e suas funções schumpeterianas ...... 273 A "disciplina jurídica dos vários setores da economia" e o
Planejamento do desenvolvimento .................................................... 275 O jurista e o Direito Econômico na América Latina .............................. 277 Bibliografia ............................................................................................. 279
VII. A tarefa da interpretação jurídica em Tullio Ascarelli, 283 José Reinaldo de Lima Lopes Ascarelli: seu tempo e o Brasil que conheceu .......................................... 283 O direito de seu tempo: um canteiro de obras ........................................ 289 As linhas de força da interpretação para Ascarelli .................................. 296 Qyem é o intérprete exemplar ................................................................ 297 Contra o decisionismo - a critica ao realismo e ao direito livre e as
controvérsias de Ascarelli ................................................................... 300
O papel dos conceitos ............................................................................. 303 Pela autonomia do direito ....................................................................... 307 Certeza, criatividade e interpretação ...................................................... 310 Tradição, historia e continuidade ............................................................ 314 Justiça e equidade ................................................................................... 317 Uma síntese conclusiva ........................................................................... 321 Referências ............................................................................................. 323 Obras sobre interpretação em ordem cronológica ................................... 326
VIII. Ascarelli e Kelsen: Uma teoria da interpretação, 327 Ari Marcelo Solon 1. A teoria da interpretação jurídica escondida na
Teoria Pura do direito ... :.................................................................... 327 2. Molduras Normativas como Indicadores Formais: Fenômenos Puros do Direito ............................................................. 331 3. Conclusão ........................................................................................... 338 Referências ............................................................................................. 340
IX. Ascarelli Sinfônico: Direito e Economia na Interpretação Jurídica, 343 Ruy Pereira Camilo Junior I. A Sinfonia Ascarelliana ....................................................................... 343 II. O Pensamento Econômico de Ascarelli: a Marca do Historicismo .......... 350 III. Direito e Economia: Autonomia das Esferas e Divisão do Trabalho Científico ........................................................................... 355 IV. O Papel da Economia na Interpretação Jurídica ............................... 357 Bibliografia ............................................................................................. 362
X. A Invalidade da Constituição das Companhias e de Suas Assembleias e Deliberações no Decreto-Lei 2.627/ 40 Segundo Tullio Ascarelli, 365 Erasmo Vai/adão Azevedo e Novaes França !. Introdução (homenagem) ................................................................... 365 2. O inexplicável (e imperdoável) silêncio da doutrina brasileira ............ 368
3. A Apreciação da Matéria Relativa à Invalidade da Constituição das Sociedades Anônimas sob o Império do Decreto-Lei 2.627/ 40 .............. 370 3.1. Vícios de constituição e vícios de publicidade .............................. 370 3.2. Vícios de constituição e requisitos necessários para a vida da sociedade ............................................................................ 372 3.3. Vícios de constituição e vícios de subscrição ................................. 372 3.4. Inaplicabilidade, às companhias, do sistema clássico de nulidades e anulabilidades .............................................................. 373 3.5. Vícios de constituição e vícios das cláusulas estatutárias ............... 373 3.6. Ineficácia perante terceiros ............................................................ 373 4. A Apreciação da Matéria Relativa à Invalidade das Assembleias das Sociedades Anônimas e suas Deliberações sob o Império do Decreto-Lei 2.627/40 ............................................................................... .374 4.1. Deliberações anuláveis e nulas ...................................................... 374 4.2. Legitimação para agir ................................................................... 374 4.3. Vícios do voto e vícios das deliberações ........................................ 375 4.4. Destinatários das deliberações. Formação e manifestação da vontade. Ato colegial ...................................................................... 375 4.5. Vícios de publicidade e vícios das deliberações ............................. 375 4.6. Deliberações que dispõem de direitos de terceiros e dos acionistas enquanto terceiros. Deliberações que atingem direitos especiais e direitos de credores. Ineficácia ................................................................ 375 4.7. Deliberações que violam a ordem pública. Nulidade ..................... 377 4.8. Deliberações que estabelecem disciplina (estatuto ou cláusula estatutária) contrastante com direitos inderrogáveis e irrenunciáveis dos acionistas. Nulidade ........................................... 378 4. 9. Deliberações que violam direitos individuais dos acionistas. Limites dos poderes da maioria e limites dos poderes da sociedade. Direitos renunciáveis e irrenunciáveis ............................ 379
4.10. Deliberações inexistentes ............................................................ 380 4.11. Vícios de assembleia e vícios do voto. Erro e dolo. Fraude à lei e fraude contra terceiros. Simulação. Falta de quórum. Exclusão do acionista da assembleia ............................................ 380 4.12. Princípio geral no tocante aos vícios das deliberações. Legitimação para agir e natureza da sentença ................................ 382 4.13. Decurso do prazo prescricional ................................................... 382
4.14. Controle de legalidade pelo Registro do Comércio ..................... 383 4.15. Encurtamento dos prazos de prescrição ...................................... 383 4.16. Inexistência de eficácia retroativa quanto aos direitos adquiridos por terceiros por força da deliberação anulada .............. 384 5. Considerações finais ............................................................................ 385 6. Bibliografia ......................................................................................... 386
XI. A Contribuição de Tullio Ascarelli para a Formação da Doutrina Jurídico-Tributária do Brasil, 387 Ruy Barbosa Nogueira
Homenagem a Tullio Ascarelli ............................................................... 387 A Vinda da Família para o Brasil ........................................................... 38 8 A Primeira Impressão ............................................................................. 389 A Primeira Contribuição Jurídico-Fiscal do Mestre ............................... 389 A Qyota-Parte dos Funcionários nas Multas e os Princípios da Justiça Fiscal ...................................................................................... 390 Resumo de Ideias e Fundamentos .......................................................... 392 Contribuição Até Hoje Inédita .............................................................. 396 O Primeiro Curso Monográfico de Direito Tributário, em Grau de Pós-Graduação, no Brasil .................................................... 398 Incentivador de Publicações ................................................................... 400 O Advogado-Professor ........................................................................... 401 As Indicações de Literatura Jurídico-Tributária do Mestre ................... .402 O Comercialista e o Direito Tributário .................................................. 404 O fato e o Direito ................................................................................... 405 Uma Explicação Possível da Redação de Ascarelli .................................. 406 Volta à Itália ........................................................................................... 407
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APRESENTAÇÃO - 11
APRESENTAÇÃO
Este livro é fruto de um projeto inicialmente concebido em 2019, quando nos aproximávamos do sexagésimo aniversário da morte de Tullio Ascarelli, ocorrida em 1959. Deixando a Itália em razão das leis raciais do fascismo, que lhe fechavam as portas para a vida profissional, e depois de buscar várias alternativas para instalar-se com sua família na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos, veio aportar no Brasil. Contratado pela Faculdade de Direito de São Paulo, recém-integrada na Universidade de São Paulo, terminou por abrir aqui uma senda que hoje os organizadores deste livro consideram de amplo fôlego. 1
Em sua Itália natal sua obra continuou respeitada e hoje é mesmo revisitada, não apenas pela sua contribuição ao direito comercial - sua especialidade -, corno também por suas intuições mais gerais sobre o papel do jurista e do doutrinador, e das relações da disciplina jurídica com outras disciplinas e com sua própria dimensão social e política. Podemos vê-lo hoje corno um caso exemplar de jurista de vasta visão e de empenho intelectual público, de erudição e cultura, de sensibilidade histórica e hermenêutica. Em memória de sua contribuição para a Faculdade de Direito, para a qual sua viúva doou sua biblioteca jurídica algum tempo depois de sua morte, os organizadores deste volume resolveram primeiramente criar um colóquio internacional, que acabou não acontecendo em razão da pandemia que se abateu sobre todos no ano de 2020. Mesmo assim muitos dos convidados generosamente atenderam nosso convite e nos enviaram estudos sobre Ascarelli, que agora compõem este volume.
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Os estudos não pretendem ser apenas urna homenagem ao jurista que, direta ou indiretamente, influenciou cada um de nós, autores dos ensaios aqui reunidos. A rigor, não se trata de um volume encomiástico, daqueles que às vezes se fazem entre amigos apenas para repetir obviedades ou expressar afetos privados. Pretendem, corno diz o título do livro, seguir urna trilha que foi por ele explorada e indicada. Não se trata, portanto, de urna obra que apenas reúna textos apologéticos e laudatórios, senão de urna obra em que cada um dos estudiosos segue, corno propusemos, as trilhas de Ascarelli, suas pegadas. Não queríamos urna
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hagiografia jurídica, mas uma espécie de testemunho coletivo das sequelas de seu exemplo intelectual. Por trás do volume e do colóquio inicialmente imaginado havia uma questão: o que afinal de contas sobrevivia da obra de Ascarelli? O que era ainda estimulante e instigante? O que, passados sessenta anos de sua morte, tornava o corpus ascarel!iano digno de ser lido por juristas de um mundo em grande parte diferente do seu? Daí o nome do volume e da coletânea, pois indagava-se eye ele havia realmente deixado uma trilha e qual seria ela. Para fazer isso contamos com um grupo de leitores contemporâneos de sua obra, os quais, muitas vezes, lançaram sobre ela um olhar histórico e historicizante. Esse caráter histórico recupera facetas nem sempre conhecidas dos não especialistas dos temas e do personagem T ullio Ascarelli. De certo modo o mundo em que viveu e no qual produziu sua obra já não existe em praticamente nenhuma de suas dimensões, mas de outro lado foi esse o mundo que preparou aquele em que vivemos hoje. Jovem jurista, ele se encontrava numa Europa devastada pela Grande Guerra de 1914-1918,na qual desaparecera boa parte dos sistemas políticos gestados desde as guerras napoleônicas. Naquele mundo consolidara-se o capital monopolista e financeiro, e as lutas pela distribuição de riqueza e poder preparadas pelo movimento socialista apresentavam-se como o maior obstáculo a ser enfrentado. A guerra havia preparado uma economia planejada e dirigida pelos Estados para o sustento material e econômico do conflito, e produziu um desastre monetário de dimensões tão grandes que terminaram por dar origem ao segundo grande conflito do século XX, a guerra mundial de 1939-1945 que liquidou de vez o que sobrara do regime anterior. A obra de Ascarelli de certo modo reflete tudo isso, pois nela se encontra a preocupação essencial e precoce com a moeda (v. o ensaio de Paola Maffei para este volume), com o monopólio e o entrelaçamento do direito privado e empresarial com o direito do Estado (v. o texto de Alessandro Octaviani), com o diálogo interdisciplinar de direito e economia (v. a pesquisa de Ruy Pereira Camilo Jr.),ou de direito comercial e outras disciplinas (v. Francesco Migliorino e Eloisa Mura), com o papel do jurista aplicador da lei e formulador de soluções (v.José Reinaldo de Lima Lopes e Ari Marcelo Solon sobre a hermenêutica de Ascarelli, também
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abordada na segunda parte do estudo de Ruy Pereira Camilo Junior). E o que não dizer de sua vida, vivida como viajante e exilado (v. a narrativa de Ítalo Birocchi e a investigação de Ariel Engel Pesso)? O desafio lançado ao fazer a memória de um autor bastante presente no direito comercial brasileiro, especialmente na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, estava e está em não perdermos de vista nosso próprio tempo. O capitalismo, que Ascarelli pretendia de certo modo domesticar, escapou-nos completamente do controle nos últimos quarenta anos. A globalização financeira rompeu os limites que bem ou mal lhe haviam sido impostos depois da derrota do fascismo. O resultado está aí aos olhos de todos: destruição incontrolada do meio ambiente, manipulação das escolhas políticas e sociais, uso instrumental e estratégico do ordenamento jurídico em benefício da ampliação das desigualdades de toda espécie. Somos hoje confrontados com escolhas trágicas também: biodireito, engenharia genética, devastação da natureza, exploração de vastas partes da população mundial, restrição de direitos, cortes ou eliminacão dos direitos sociais, trabalhistas, previdenciários, triunfo, pode-se dizer, da ideologia do salve-se quem puder tão iconicamente representada pelos fundadores desta era, Ronald Reagan e Margaret Thatcher. E os agentes desse processo são as empresas capitalistas, das quais tratou Ascarelli nos também conturbados e desafiadores anos de sua vida. Nós juristas encontramo-nos no olho desse furacão. Esse o contexto em que falar das trilhas de Ascarelli pode significar falar também de escolhas políticas e morais a serem feitas. Estaríamos à altura de suas preocupações? Estaríamos à altura de outros juristas do século XX, que responderam aos desafios de seu tempo com coragem e determinação, como, para ficar num exemplo que nos é próximo, fez Carlos Santiago Nino em nossa vizinha Argentina? Colados nessa altura da história, resolvemos fazer a memória de Ascarelli, reunindo os estudos seguintes. Dos colegas italianos recebemos contribuições originais, fruto de pesquisas desenvolvidas exclusivamente para este volume. Em que mundo viveu Ascarelli e quais foram seus desafios mais importantes? Este é o cerne da narrativa de Ítalo Birocchi em "Tullio Ascarelli ao tempo do regime fascista: a ascensão de um comercialista irregular". Neste ensaio en-
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trelaçam-se a acurada e detalhada narrativa não apenas da vida acadêmica de Ascarelli no período (1923-1938) e a montagem de um complexo cenário no qual se desenvolvem suas atividades. O cenário é tanto o ambiente intelectual fascista, no qual florescem as promessas de solução ao problema social que o liberalismo da Itália de Giolitti não havia sido capaz de responder, quanto a correspondente organização da vida universitária, procedente das reformas lentamente executadas desde a unificação ocorrida nas últimas décadas do século XIX. Dado esse pano de fundo, o jurista se move de certo modo de maneira irregular, vale dizer, não cumpre uma trajetória linear, mas é irrequieto, como irrequietos são os tempos. Não seria capaz de sensibilizar-se com seu tempo, nem responder a ele, sem que se interessasse por muitas coisas e sem que esse interesse não fosse ele mesmo metodologicamente flexível. Daí a constatação de que ele se moveu de um historicismo para outro historicismo (controlado), de um realismo para uma síntese dogmática diferente, não uma "nova dogmática" mas uma "dogmática dinâmicà', rejeitando um certo sentido de doutrina e acatando outro. O estudo é, como costumam ser os trabalhos de Birocchi, uma investigação sobre a cultura de um tempo, entendida de forma ampla e de grande fôlego, incluindo a análise das condições que poderíamos chamar de materiais, o contexto de ideias e de embates intelectuais e a prática dentro de instituições ao mesmo tempo dadas e abertas a mudanças. Original é o estudo de Francesco Migliorino, "Tullio Ascarelli e a Giustizia Pen ale", no qual se trata de um aspecto pouco conhecido de nosso autor. De fato, o estudo mostra que desde muito jovem Ascarelli contribuiu com a revista de direito criminal, revelando um interesse especial pelo tema, que continuou mesmo depois de sua bem sucedida carreira de comercialista. A contribuição de Ascarelli, numerosa em resenhas oferecidas àquele periódico, demonstra seu conhecimento do direito alemão e sua facilidade em transitar por culturas estrangeiras. Evidenciam-se alguns traços especialmente importantes de sua personalidade como estudioso do direito. Em primeiro lugar, como já mencionado, sua capacidade de comparatista ao resenhar e comentar obras de direito estrangeiro, muito particularmente de direito alemão. Para os olhos de um americano pode parecer que o direito europeu é muito mais homogêneo do que é, e o estudo de Migliorino
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destaca justamente como era necessário, naquela altura da vida do jovem Ascarelli, enfatizar as diferenças específicas do direito alemão. Em segundo lugar, e talvez até de maneira mais importante, o estudo revela o interesse teórico de sua atenção para com o direito penal. Não é demais lembrar que o direito penal é um lócus privilegiado para a conceituação de tipos e para o estudo da ação humana. Tem, pois, enorme relevância para o tema da interpretação e aplicação da lei. Isso para não falar da necessidade de levar a sério bens imateriais e proteção social da pessoa humana. O estudo de Eloisa Mura debruça-se sobre um dos elementos teóricos importantes na consolidação de um novo direito comercial. Aqui estamos já no coração da especialidade de Ascarelli, mas o ensaio esclarece que todo o trabalho do jurista desenvolve-se em meio a controvérsias, e neste caso a controvérsia diz respeito à própria concepção do campo. De fato, o princípio corporativo de que trata o estudo diz respeito a um conceito não marginal ao direito comercial e sobretudo não marginal ao tempo em que se reestruturava e se reelaborava a disciplina. O assunto é tratado como embate entre três juristas italianos de grande relevância no tempo, com a riqueza de detalhes que exige a narrativa histórica. Nesse embate ressaltam-se os fundamentos políticos do direito comercial, sua pertença própria a um âmbito mais amplo de organização da sociedade, uma vez que organizador da atividade de produção e circulação de riqueza. Em tais condições, a reestruturação da disciplina exigia que se abandonasse a tradicional divisão entre direito público e direito privado, de modo que o direito comercial se convertesse em algo totalmente novo. Para organizar um campo e uma disciplina nessa fase de mudança e nessa conjuntura histórica não bastava o domínio ordinário dos termos tradicionais. O estudo de Mura chama a atenção para os modos e os termos em que essa sensibilidade para o político, para o social e para o global define a maneira jurídica de Ascarelli encarar o mundo. Interessado em direito penal? Sim, e também interessado em história e particularmente em história do direito. Sobre isso lança luz o artigo, também especialmente preparado para este volume, de Paola Majfei, ela mesma historiadora do direito.Jurista e historiador?Talvez menos especialista do que historiadores profissionais, o ensaio de Maffei indica, contudo, nos estudos
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de Ascarelli um interesse verdadeiro, constante e inseparável da atividade de jurista. Tornou-se um lugar comum no Brasil, no sentido de afirmação completamente superficial e ligeira, dizer-se que o direito é histórico. Uma afirmação assim chega a ser trivial, porque afinal de contas tudo o que os seres humanos produzem, produzem-no em sua vida, pessoal ou social, e é marcado pelo tempo.Assim os ordenamentos jurídicos existem no tempo, assim como no tempo existe o saber do direito, a disciplina jurídica. Em Ascarelli o interesse pela história não é essa constatação trivial. É antes uma consciência de que a apreensão ou compreensão do direito - sempre destinada à prática, ao uso e à aplicação - exige do "usuário" do sistema uma percepção de seu tempo e do tempo da lei mesma. Maffei ressalta pelo menos dois pontos de grande relevância metodológica, verdadeiras pegadas que nos podem indicar não apenas os caminhos percorridos mas a direção a percorrer. Primeiro, a consciência ascarelliana da diferença entre uma pesquisa histórica e uma pesquisa propriamente dogmática. A consciência metodológica não o afasta, no entanto, do uso adequado das duas perspectivas, a começar pelo direito comparado. Segundo, compreendendo-se como jurista em primeiro lugar, Ascarelli inclina-se para uma história da dogmática antes que para uma história das fontes. Se quisesse cooptá-lo para minha própria percepção da história, diria que se pudéssemos dividir a história do direito em história maiormente de fontes, maiormente de instituições ou maiormente de cultura e pensamento, T ullio Ascarelli estaria mais interessado na última delas que eu, anos atrás, tive a ocasião de dizer constitui enfim o cimento com o qual se juntam e estabilizam as outras duas. De todo modo, o estudo de Maffei traz à tona aquilo que ela chama de um "tesouro'' mais ou menos escondido, porque apenas no pano de fundo, de toda a atividade doutrinária de Tullio Ascarelli. Delineados esses contornos do tempo e do mundo de Ascarelli e de sua produção de jovem jurista antes de seu exílio brasileiro, enfrentamos os anos de sua trajetória madura. Inicialmente um estudo que nos era devido há muito tempo, o de sua permanência em São Paulo,Ariel Engel Pesso brinda-nos com uma história de sua atuação na Faculdade de Direito, assunto que era guardado na memória de uma geração, que desapareceu inteira, ou em arquivos
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e jornais da época. Ele a recupera reunindo notícias de diferentes esferas de memórias acadêmicas, que vão de atas de reunião de órgãos e bancas universitárias, lembranças de seus alunos, lembranças das turmas, eventos sociais. Não se trata, porém, apenas de memorialística, porque a pesquisa vem enriquecida com o levantamento da produção bibliográfica do jurista italiano durante sua permanência no Brasil, ligada portanto a um contexto intelectual e teórico que lhe confere unidade. Inestimável contribuição a este volume, em continuidade com a trajetória do autor que vem se dedicando nos últimos anos com expertise de historiador e interesse de jurista a essa dimensão de nosso passado. Ascarelli no Brasil observa, analisa e interpreta o direito privado. Esse o tema de Alessandro Octaviani. Nele vislumbra-se novamente o pendor historicizante e concreto da visão jurídica do jurista exilado. O que se destaca então? Principalmente a consciência de que sendo o direito brasileiro em muitos pontos semelhante ao europeu, está contudo marcado por sua inserção em uma forma econômica distinta. Essa forma, que hoje chamamos de periférica, tão bem caracterizada inicialmente na obra de Celso Furtado, determina os limites e as possibilidades desse ordenamento. Ascarelli, é bom lembrar, nunca deixou de se surpreender com as diferenças que por aqui encontrava, especialmente as diferenças culturais, derivadas de circunstâncias tão contingentes quanto o fato de os brasileiros quase nunca saberem alemão e, portanto, de estudarem seu próprio direito privado, tão germanizado por força das ideias de Clovis Bevilaqua, com o auxílio de uma bibliografia francesa que lhes era de muito mais fácil acesso. Um dos temas de predileção de Ascarelli sempre foi o da interpretação, uma vez que o encontramos privilegiadamente no momento da aplicação do direito, no momento em que o jurista prático - juiz, advogado forense ou consultor jurídico - atua. Nesse tema. o livro traz duas contribuições, uma deste que escreve e outra de Ari Marcelo Solon. De meu texto não vou falar longamente. Basta dizer que está divido em duas partes. A primeira situa Ascarelli no tempo e particularmente no Brasil. Os anos em que por aqui esteve viram a consolidação de uma importantíssima reforma em nosso sistema jurídico, desde as sucessivas constituições (a "polaca" de 1937, nunca adequada e completamente vigente, e a
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de 1946) até a Lei de Introdução do Código Civil de 1942, a legislação trabalhista e previdenciária, às reformas do direito empresarial (lei de falências, lei de sociedades anônimas) e muitas outras. Uma segunda parte diz respeito às linhas mestras do pensamento de nosso autor, procurando mostrar quem eram seus adversários, quais suas preocupaçôes, quais seus empenhos num debate que ele não aprofundou como teórico, mas cujas intuições foram de enorme importância. Na época via com preocupação tanto o cientificismo conceitualista que ainda vigorava, quanto os arroubos do direito livre um pouco desordenados e voluntaristas, quanto as tendências gerencialistas do realismo americano. O texto de Solon elabora uma criativa comparação entre Hans Kelsen e Tullio Ascarelli. Não foram poucas as vezes em que Ascarelli objetou ao jurista de Viena um esquematismo e uma insensibilidade à tarefa de criação e adaptação do direito que só poderia ser realizada por juristas sensíveis aos tempos e às necessidades sociais de sua geração. Solon mostra, contudo, que Kelsen, quando inserido em debates de seu tempo, mostra-se muito menos formalista do que se supõe, provavelmente porque vê-se obrigado a tomar o ponto de vista do agente, não do observador do direito. Esse contraste/comparação dá muito o que pensar e mostra, uma vez mais, que estamos em trilhas descobertas ou primeiramente pisadas por outros, que somos, afinal, "anões nos ombros de gigantes", como disse Bernardo de Chartres novecentos anos atrás. Norberto Bobbio qualificava Ascarelli como "jurista-economista'', no que era seguido por Messineo, que se refere a nosso homenageado como "doublé de economista''. Mas qual é efetivamente o papel da economia na produção dogmática de Ascarelli? Qyais eram os traços gerais de seu pensamento econômico? Onde se encaixa a economia na interpretação jurídica - eixo do corpus ascarelliano? Ruy Pereira Camilo Junior dedica-se a responder estas questões, a
partir de referências extraídas de toda a obra ascarelliana, e buscando enquadrar o autor nos debates da teoria econômica de sua época. O pensamento de Ascarelli na economia é também marcado pelo historicismo, como ocorre no direito. Mas além da influência do idealismo croceano,
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registra-se o domínio, dentre os economistas italianos, das concepções da escola histórica alemã, crítica à economia clássica, por seu caráter dedutivo e abstrato. De sua parte, Ascarelli não dedica atenção à escola neoclássica e às teorias marginalistas que predominavam na Europa, e nega a existência de leis naturais da economia - enfatizando o papel das instituições jurídicas na moldagem do mercado e da concorrência. Afirma também que exigências históricas explicam o intervencionismo estatal que testemunhava (embora, em Sguardo sul Brasile, enfatizasse que, de modo específico, o desafio brasileiro era o fortalecimento da livre-iniciativa). O historicismo une o direito e a economia, pois Ascarelli entende que a principal contribuição dos economistas aos juristas residiria nas categorias da história econômica, e não nas da economia descritiva. Ainda segundo Ruy Pereira Camilo Junior, Ascarelli afirma ao longo de sua obra a autonomia científica do direito face à economia, e a irredutibilidade dos conceitos jurídicos aos econômicos. Nega-se o determinismo econômico sobre o fenômeno jurídico, com a identificação de sua influência recíproca e variável. Após discorrer sobre a concepção ascarelliana de interpretação, enxerga Ruy dois eixos principais para o papel da economia na hermenêutica: como um prius, o auxfüo na compreensão da realidade, a ser reconstruída tipologicamente com conceitos jurídicos; como fim e objetivo, a adequação dos institutos jurídicos às suas finalidades econômicas, mutáveis e dinâmicas. Ascarelli era, porém, primeiramente comercialista. Fecha uma justíssima e elegante homenagem de um insigne comercialista brasileiro, Erasmo Vai/adão Azevedo e Novaes França, ao comercialista Ascarelli. O texto destaca dois assuntos em particular, dois "diamantes", como diz Erasmo Vai/adão, dentre os muitos deixados pelo nosso jurista ítalo-brasileiro, se assim posso dizer, relativos aos estudos ascarellianos da lei de sociedades anônimas brasileira de 1940 (Decreto-lei nº 2.627/40), de longa duração (a reforma dessa lei ocorreu apenas em 1976), relativos às invalidades da constituição e das deliberações de assembleia das companhias. Sabemos que Ascarelli no Brasil, tentando aclimatar-se ao novo ambiente jurídico, dedicou-se a estudar a "jurisprudência" da
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Junta Comercial de São Paulo, onde ele poderia encontrar o direito vivo, o direito praticado, cujas premissas implícitas lhe dariam aquilo com o que operar juridicamente. As premissas implícitas são traiçoeiras, porque elas são aquilo que todos usam continuamente e do que ninguém fala e provavelmente não conseguiria falar se lhe fosse perguntado. De certo modo, as premissas implícitas - hoje conhecidas também com o nome de "princípios" - são como o princípio da identidade: todos usam quando conversam e discutem, e poucos se dão conta de que o usam sem cessar. Ora, no texto de Vàlladão vemos como Ascarelli dá-se conta dos problemas aludidos e os trata, mesmo quando não abordados por ninguém antes dele, ou pelo menos não abordados na forma que lhe interessava. Tudo isso se faz, lembram os estudos aqui publicados, se o jurista tiver bem desenvolvida a atenção para a realidade e sobretudo as capacidades ànalíticas, as capacidades de distinguir conceitos. Não é à toa que Ascarelli, como escreveu Maffei no ensaio aqui publicado, mostrava particular admiração pela história do direito medieval: onde mais brilhou o espírito analítico com tanta força? Se depois degenerou na "jurisprudência flamejante" criticada pelo racionalismo dos séculos XVII e XVIII é outra história.
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Finalmente, aproveitamos a oportunidade da reunião destes estudos para trazer novamente ao público texto de Ruy Barbosa Nogueira sobre o papel de Ascarelli no desenvolvimento do direito tributário, dimensão importante de sua obra. Agradecemos aos herdeiros do falecido professor da Faculdade de Direito da USP pela autorização para a republicação. Com essa variedade de capítulos esperamos ter apresentado aos leitores uma síntese atual "daquilo que podemos ainda extrair da obra de Ascarelli, cuja passagem pelo Brasil foi de tão grande valor.
José Reinaldo de Lima Lopes Preféssor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
1. TULLIO AscARELLI AO TEMPO DO REGIME FASCISTA: A ASCENSÃO DE UM COMERCIALISTA IRREGULAR
(1923-1938)1 Ítalo Birocchi
Prefessor ordinário de História do direito medieval e moderno Sapienza - Universidade de Roma
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ENIGMA ASCARELLI
Na grande riqueza de reflexões dedicadas a Ascarelli, muitas das quais de alto nível, o historiador parece pouco presente, como se relutasse em se aproximar do personagem. Pode-se pensar que a impressionante quantidade de publicações do jurista romano, embora produzidas no arco de uma vida bastante breve, e a impressionante massa de leituras a ele totalmente dedicadas tornam difícil o domínio total de sua obra. É uma constatação que de resto cabe em relação a muitos grandes juristas, que foram protagonistas da vida cultural e institucional após a unificação da Itália, mas, no entanto, a posição de Ascarelli parece particular. A atividade de um Pasquale Stanislao Mancini, um Vittorio Scialoja, um Vittorio Emanuele Orlando - protagonistas nas instituições, na sociedade civil, na cultura jurídica como líderes de escolas reconhecidos - se dissolve e quase pertence à história de seus tempos, de modo que adificuldade de estudá-los consiste em tornar individual e específica a narrativa de sua história. Para Ascarelli, no entanto, a situação é diferente, porque ele não era o cabeça de uma escola e não teve envolvimento em instituições de cunho fascista e, pelo contrário, por tempo bastante longo - e de modo indesejado por ele-, foi estrangeiro no país cujas leis o rejeitaram como judeu; e a estraneidade não se anula com um decreto de cancelamento da legislação infame, como atestam o diário e as cartas de Ascarelli e como bem se sabe da difícil experiência do retorno aos
Texto traduzido do italiano por Ruy Pereira Camilo Junior.
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locais de trabalho dos judeus marginalizados em 1938. Aquela sensação de cansaço pela contínua necessidade de reambientar-se (afinal, o regime fascista já o havia obrigado a reorientar o compromisso e as perspectivas cultivadas na vida da primeira juventude); aquele sentimento de aflição por ter tido que se reinventar várias vezes nos anos talvez mais produtivos da existência; aquela percepção, na passagem por Roma no imediato pós-guerra, de um persistente antissemitismo por trás do espírito geral de indiferença, eram precisamente manifestações de mal-estar por uma sempre difícil integração nas instituições da vida civil'. Ascarelli foi, portanto, um personagem de primeira grandeza exclusivamente pela forma como sua atividade de jurista impactou a sociedade civil, e isso parece distônico em relação àforma mentis da historiografia jurídica, pouco propensa a indagar sobre os comportamentos e as iniciativas do jurista, sobre seu compromisso social e sobre o seu agir cotidiano como produtor de cultura. Na rica coleção de estudos sobre Ascarelli, o centro aparenta ser a teoria da interpretação, que parece exprimir a figura completa do jurista, especialista na matéria comercialística, mas não alheio ao uso de categorias dogmáticas refinadas pela escola romanística e civilística, bem provido de cultura histórica e de interesses comparatísticos; e uma vez que o problema da interpretação jurídica se refere evidentemente ao sistema de fontes e em particular à relação entre a disposição da lei e a norma a aplicar ao caso concreto, eis que a transversalidade do jurista Ascarelli reflete-se nas diferentes origens disciplinares daqueles que o estudaram (filósofos jurídicos, civilistas, comercialistas, comparatistas, mas também publicistas). Trata-se não apenas de um tema central na reflexão ascarelliana - e que percorreu sua obra inteira desde os primórdios juvenis -, mas também a sua parte mais durável e ainda hoje fértil, enquanto que, de modo geral, os desenvolvimentos que realizou em sua própria disciplina - embora ricos em intuição e talvez ainda capazes de sugerir ideias ao jurista hodierno - não podem ser ditos hoje de tanta atualidade. 2
Ascarelli, 2017, pp. 91 (carta da esposa Marcella, 1° novembre 1945), 96 (carta à esposa, 17 novembre 1946), 107 (carta à esposa, 20 novembre 1946).
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Sabe-se que o comercialista romano se colocou o problema de interpretação sob um ângulo puramente historicista, e que sua primeira reflexão ocorreu no clima antiformalista e na afirmação do neoidealismo (na dupla diretriz do crocianismo e do atualismo gentiliano) no curso dos anos vinte3 • Sucessivamente retomada no afresco principal produzido pelos historiadores do direito sobre o conjunto da obra de Ascarelli4, tal colocação é hoje unanimemente aceita pelos estudiosos5• E todavia ela, mais do que fechar, abre o problema histórico. Pode-se perguntar, por exemplo, por quais meios (ambientes frequentados, leituras, amizades) o jovem jurista foi atraído pela filosofia idealista, que não parece propriamente fazer parte da bagagem essencial do mestre Vivante; que ecos teve sua primeira tomada de posição, expressa no ensaio de 1925; pode-se ainda indagar sobre o possível paralelismo entre a primeira reflexão ascarelliana e a teorização quase contemporânea de Betti, ambas baseadas na construção tipológica da realidade'. E então: conhecendo a estreita conexão no pensamento de Ascarelli entre categorias teóricas e aplicação prática, pode-se perguntar como ele rejeitou as ideias sobre interpretação em seu próprio campo específico de investigação nos anos seguintes. Como ele absorveu as elaborações sobre a natureza dos fatos, colocada no centro da teoria das fontes por seu professor, e, no início dos anos vinte, diversamente relançada no ateneu romano onde Ascarelli estudou, por Del Vecchio e, em um ensaio muito significativo, por um estudioso em ascensão na disciplina comercialística como Asquini'? Não 3
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Na vastissima bibliografia destaca-se ainda De Gennaro, 1974, pp. 575-600 1 que dedicou à influência da filosofia crociana no mundo do direito páginas memoráveis. Cfr. Meroni, 1989, pp. 10-24 e Costa, 1991 1 pp. 448-452 (os ensaios citados contém lambem uma exposição do pensamento Ascarelli, no tema da interpretação, nas obras do pós-guerra). Grossi, 2008 1 pp. 445-504. A primeira edição do ensaio é de 1997 Nesse sentido, Camardi, 2020, p. 95. Alude-se à aula inaugural milanesa de Betti de 19271 publicada no ano seguinte, in Betti, 1991, pp.59-133 1 em comparação comAscarelli, 1925a, pp.235-279. Apontou um possível paralelismo Camardi, 2020, p. 96 nt. 74. Sobre as conhecidas posições de Vivante (o Trattato, publicado a partir de 1893), Dei Vecchio (aula inaugural romana dei 1920) eAsquini (ensaio de1921) v. Pelliccioli, 2015 1 pp. 45-61 (para Ascarelli: 61-71). O problema da natureza dos fatos aparece com força no Ascarelli dos anos trinta, quando se discutia a relevância juridica dos critérios chamados técnicos (v. alem disso,§ 7c). Uma referência ao problema
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foi por certo uma simples recordação anedótica o que, no aniversário de um ano da morte de Ascarelli, o próprio Asquini relatou, ou seja que, por ocasião do primeiro encontro deles, em 1923, o jovem graduando o associou àquele ensaio, expressando sinteticamente a sua opinião'. Em suma, mesmo para ficar no tema da interpretação, parece útil aprofundar a dimensão do pensamento ascarelliano, para evitar assim o silêncio, de outra forma inexplicável, que os estudiosos mantiveram por mais de vinte anos sobre esse problema: pelo contrário, as considerações ascarellianas sobre a interpretação são frequentíssimas em todos aqueles anos'. Felizmente, dispomos de novas ferramentas que podem ser aproveitadas com proveito na direção indicada trinta anos atrás por um estudioso de visão longa e então considerada difícil de realizar10: sobre a importância de unir, para fazer a história da cultura jurídica, o aspecto prosopográfico, os conteúdos de saber sobre os temas investigados e a reconstrução do pensamento também nos seus perfis pragmáticos e nos seus impactos. Não é um paradoxo, pelo que foi dito, que no plano historiográfico as pesquisas mais exaustivas tenham sido conduzidas e publicadas nos últimos doze anos por um estudioso do direito comercial, que com uma atividade de escavação nos mais variados arquivos (incluindo o familiar), investigou múltiplos aspectos da biografia e da atividade ascarelliana (as origens familiares, a formação como estudante, a atividade política juvenil, os itinerários acadêmicos com a ator-
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em Casa, 1999 1 p. 166, em um ensaio porém historicamente incorreto: fala-se das considerações sobre holding que Ascarelli teria elaborado nos anos sessenta (p. 162 nt. 454) e se atribui (pp. 168-169) a reflexão sobre o negócio indireto aos anos cinquenta, quando o certo seria considerar um período anterior em vinte anos (1952 é só o ano de reedição do texto publicado em 1931). Asquini, 1960, pp. 997-998. V. tambem, § 7d, in fine. A De Gennaro, 1974, p. 602 e nt. 423, não escapou que a impostação juvenil ascarelliana não deixou de ser aplicada em suas obras da década de 1930, mas acrescentou que não podem ser consideradas contribuições metodológicas. No entanto, parece difícil distinguir na obra de Ascarelli a natureza dos ensaios e as intenções subjacentes; e, em todo caso, para o historiador, o uso de uma determinada abordagem metodológica é tão importante quanto sua enunciação teórica. Costa, 1990, p. 407.
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mentada convocação a Roma, o exercício da advocacia). A síntese, ágil mas riquíssima, agora publicada pelo mesmo autor intitula-se Relatos Ascarellianos (Racconti Ascarel!iani) e parece aludir já no título à difícil tarefa de montagem e ajuste da biografia intelectual do jurista". Deresto, falta para Ascarelli a possibilidade de identificar um centro distinto de reflexão científica, que de forma simplificada o tornaria reconhecido como o epônimo de algo, como poderia ser a teoria hermenêutica para Betti ou o institucionalismo para Romano: etiquetas simplificadoras e redutoras, é claro, mas potenciais fios condutores, frequentemente empregados pela historiografia. As anotações que seguem, referentes ao período anterior ao exílio, entrelaçam-se constantemente com os Racconti, que de alguma forma são o seu pressuposto. Para simplificar o discurso, proceder-se-á por palavras-chave, identificadas entre aquelas que pertencem ao contexto histórico-cultural em que viveu Ascarelli e que dizem respeito principalmente ao campo por ele escolhido, o direito comercial, embora ele fosse um jurista completo em termos de método e de cultura: a nova geração de juristas, as escolas, instrumentos operacionais, os homines novi da materia, os nós da cultura do tempo. 2. A GERAÇÃO DE AscARELLI
Identificar a geração de Ascarelli significa olhar para as condições de ingresso na disciplina levando em conta a relação entre os professores (os seus ensinamentos, as ferramentas utilizadas, as escolas) e a jovem geração que chegava. É no fundo a relação entre o dado (as condições de existência da comercialística) e o construendo (as ideias e a sensibilidade dos novos estudiosos na transformação contínua da cultura jurídica). Para o jurista romano, o ingresso na disciplina ocorreu segundo coordenadas algo excepcionais, constituídas, por um lado, pela sua precocidade e, por outro, pela coincidência do início dos seus estudos com o
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Cfr. Stella Richter jr, 2020, onde são indicados os ensaios sobre os aspectos individuais da figura ascarelliana mencionados (pp. 91-92).
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ocaso de uma vasta leva de comercialistas, que estavam na cátedra havia cerca de quarenta anos, ou - por vezes - havia meio século. Qy.anto ao primeiro aspecto, pode-se relativizar em certa medida o fato que lhe diz respeito (graduação aos vinte anos, quase imediata indicação para a docência em Ferrara, vencedor do concurso aos vinte e três anos), lembrando o bom número de 'vintenários' (ou seja, aqueles com idades entre vinte e vinte e nove anos) que ingressaram na cátedra nas faculdades de Direito". Mas o fato ainda permanece, inserido em uma época - a do primeiro pós-guerra - em que a sociedade aspirava virar a página a respeito do giolittismo e pedia uma mudança de programas e de pessoas. Na sua família,Ascarelli crescera com um espírito cosmopolita e em contato com a parentela ramificada dos Sereni e dos Pontecorvo - portanto, com personagens de gênio, poliglotas, precocíssimos. Deles evidentemente tirou o exemplo. Frequentou círculos heterodoxos e companhias inquietas de intelectos muito jovens. É o caso de Max Ascoli, um ferrarense que depois da láurea em direito transferiu-se para Roma - os dois se encontraram na capital-, atraído pela presença de Gentile e pelo estudo da filosofia idealista; será então indicado para a docência em filosofia do direito em Cagliari (recomendado, entre outros, pelo próprio Ascarelli) 13 • É ainda o caso de Ermanno Cammarata, um siciliano que por sua vez se sentiu atraído pelo verbo gentiliano em Pisa e que, após se formar em direito (com apenas vinte anos), gravitou também para Roma, ocupando-se da filosofia do direito 14 • Também 12
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De Vittorio_Scialoja a Vittorio Emanuele Orlando, Enrico Besta, Alfredo e Arturo Rocco, Ageo Arcangeli, Corra do Gini, Vincenzo Arangio Ruiz, Pie.ro Calamandrei, os dois irmãos Rotondi - o romanista Giovanni e o civilista-comparatista Mario - Francesco Calasso, Francesco Santoro Passarelli, Massimo Severo Giannini, Giuliano Vassalli. Mas seria fácil identificar pelo menos uma dezena de "jovens de vinte anos" que ocuparam a cátedra de cada disciplina até a geração de Ascarelli; alguém, como Giuseppe Vale ri, recém-formado aos vinte anos e que havia vencido o concurso para professor aos vinte e seis, pertencia à mesma escola do jurista romano. V. Grippa, 2009, e Camurr:i, 2012. Sobre sua personalidade v. Palumbo, 20171 que contém também um perfil biobibliográfico editado pela filha M. Cammarata, pp. 151-176. No início dos anos vinte Cammarata encontrou também um personagem original e de fé antifascista (aparentado com os Treves e os Rosselli, amigos de Calamandrei e Finzi) como o filósofo do direito Alessandro Levi (cfr. Oi Lucia, 2013, p. 1176).
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conheceu o economista heterodoxo Piero Sraffa, filho do prestigiado fundador da revista de direito comercial, Angelo 15 • Entre aqueles com quem se correspondia, figuram os jovens expoentes dos círculos gobettiano e salveminiano, incluindo os Rosselli e em particular Carlo, que desde 1922 fora atraído pelos estudos político-econômicos e trabalhava como assistente no círculo de Einaudi e Cabiati (novamente, como sabe, amigos e colaboradores de Angelo Sraffa na Bocconi) 16 • Pode-se notar que os personagens pertencentes a este circuito eram muitas vezes de ascendência judaica (por relações de parentesco, de amizade ou discipulado, poderiam ser acrescentados Alessandro Levi e Claudio Treves) e talvez o interesse que os unia a todos fosse aquele por uma esfera histórico-filosófica que descesse transversalmente para aplicações práticas da política, do direito, da economia. As figuras dos irmãos Rosselli e de Antonello Gerbi 17 são emblemáticas nesse círculo alargado. E o próprio Carlo Rosselli, quase resumindo o caráter de sua geração, escrevia à sua mãe, de Londres, em 22 de setembro de 1924: "Nesta última geração, a precocidade é agora um dote normal" 18 • No caso de Ascarelli, essa dupla precocidade (individual e geracional) era reforçada pelos acontecimentos da disciplina que o jovem estudioso estava prestes a lecionar. Na verdade, a partir de 1923, em rápida sequência, aposentaram-se por idade os mestres que, além de Vidari, falecido em 1916,haviam posto as bases para a cientificização da comercia15
Éduvidoso, no entanto, que os dois se tenham conhecido na docência em Cagliari. Em 1922 1 o amigo de Gramsci, de 24 anos, destacou-se com um ensaio publicado na revista de Keynes sobre a política monetária italiana, o que despertou a ira de Mussolini, que em vão pressionou seu pai Ângelo para fazer com que se retratasse ou retificasse o texto. Singular a coincidência com os interesses de Ascarelli pelos perfis jurídicos da moeda, resultando inicialmente na monografia de 1928.
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De um testemunho do próprio Ascarelli resulta que conheceu Cario Rosselli em torno de 1921 e desde então manteve contato com ele {Stella Richterjr, 2020 1 p. 47 nt. 2). Sobre Cabiati v. Marchionatti, 2011 (tambem com noticias sobre Rosselli, ad
nomen). 17
Dotado de robustos estudos filosóficos, livre-docente de História das doutrinas políticas, foi preposto de Raffaele Mattioli nos escritórios da Banca Commerciale e, depois do afastamento pelas leis raciais, prosseguindo o trabalho no Peru, foi autor de livros tornados clássicos sobre o Peru e sobre polêmicas relativas ao novo mundo.
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Ciuffoletti, 19971 p. 217.
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FASCISTA: A ASCENSÃO DE UM COMERCIALISTA IRREGULAR •••
lística, de Bolaffio a Supino, a Marghieri, a Manara e a Vivante 19 • Sraffa, mais jovem, ainda estava em plena ação, mas em 1926 teve que se demitir como reitor da Bocconi e dali a poucos anos, mantendo a direção da prestigiosa Commerciale, reduziria cada vez mais suas intervenções com presença diminuída na mesma revista'º· Por sua vez, Rocco praticamente encerrou a carreira de comercialista em 1928, com os Principii (fruto das aulas paduanas da década de 1910), estando muito ocupado em Roma como deputado (desde 1921), subsecretário, presidente da Câmara (1924) e ministro da justiça (1925-32); nos anos finais (1932-35),coincidindo com a reitoria em Roma, fazia-se substituir nas aulas e, doente, agora estava ausente da disciplina21 • Finalmente, na virada da década de 1920, bons juristas como N avarrini e Bruschettini, na ativa desde o final do século XIX, estavam por sua vez no crepúsculo da carreira. A geração dos anos oitenta avançava assim na matéria. O processo natural que normalmente vê renovar-se cada disciplina na alternância de mestres de diferentes idades, nestas circunstâncias sofreu uma ruptura; não era apenas uma questão de data de nascimento, nem de uma classe de pais fundadores, excepcionalmente longeva, que estavam se afastando de modo quase simultâneo. A ciência jurídica tende a se estratificar por gerações em relação ao conjunto de problemas que são colocados principalmente pela evolução social e pela política. Neste caso, o declínio da velha geração comercialista coincidia com as convulsões do pós-guerra, com o advento do fascismo, com a instauração do corporativismo e com o surgimento de uma produção em massa que impunha um inédito mo19
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Deixou a cátedra-aos setenta e cinco anos, em 1930. Sobre estes autores, que não podem ser podem ser postos no mesmo plano, uma bela panorâmica é aquela de Ascarelli, 1959, pp. 983-993; recentemente Birocchi (ed .. ), 2019a, ad nomen. Uma síntese dos autores está in Libertini, 2015, spec. pp. 7-19. Cfr. o volume de coletâneas Marchetti-Romani (ed.), 2009, e Monti, 2011. Ainda em 1931, de Roccó aRivistadeldirittocommerciale publicava uma reminiscência de Vivante por ocasião da apresentação dos volumes em sua honra (pp. 678-679) e uma breve e cortês discussão com Bolaffio (pp. 259-262) sobre a concordata: mas eram evidentemente uma intervenção de ocasião, o primeiro, e uma espécie de defesa e interpretação autêntica da lei de 1930, de que era pai, o segundo (Bolaffio era por sua vez o pai da precedente lei de 1903). Em 1932 a mesmaRivista publicou um outro breve artigo de Rocco, que era porém uma espécie de interpretação autêntica da lei de 7 de novembro de 1925, emanada do ministro da justiça, sobre o tema do direito do autor (pp. 275-280).
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delo de trabalho e de vida civil. Era o quadro de uma nova ordem econômico-jurídica que se abria à geração nascida nos anos oitenta. Como se verá, dela faziam parte o precocíssimo Arcangeli e De Gregorio e depois os mais jovens Mossa, Valeri, Greco,Asquini, Candian e o brilhantíssimo, mas prevalentemente civilista, Finzi. A posição de Ascarelli é certamente importante porque, nascido muito depois de todos estes (Candian, o mais novo, era 13 anos mais velho que Ascarelli), foi precedido por alguns na obtenção de uma cátedra em poucos anos, e a metade deles veio a vencer seus concursos apenas depois dele. A contabilidade é pedante e por si só não decisiva, mas por trás dos números havia uma realidade que convém trazer à luz. O primeiro elemento dizia respeito aos dotes pessoais do jovem estudioso, curioso pelas leituras, já capaz de dominar três línguas estrangeiras (mais tarde também o português e o russo), aberto às evoluções dos processos produtivos e dos mecanismos financeiros, mas atento à história e dotado de uma preparação dogmática robusta.Jovem demais para poder ser chamado à guerra (ele tinha assim "economizado" vários anos em relação aos juristas de maior idade), ele não tinha de resto distrações do tipo profissional, nem posições políticas ou institucionais. Qpando estudante teve professores famosos, e sua presença deve ter sido sinalizada por alguns deles de alguma forma, se é verdade que em 1922 ele editou a publicação dos cursos de Scialoja e Bonfante22 • Mas, a este respeito, entra em consideração um segundo elemento que ajuda a compreender sua precocidade extraordinária. Ascarelli cresceu em Roma - encruzilhada de presenças e centro das instituições - e sob a proteção de Vivante e - como era usual naquela universidade em expansão, mas ainda não substancialmente massificada -pertencer a uma escola multiplicava a possibilidade de forjar laços, de receber atribuições e naturalmente de avançar celeremente na carreira. Isso será visto melhor no próximo parágrafo. Enquanto isso, para completar o discurso sobre a rápida carreira, vai assinalado que nos 22
Stella Richte1:,ir, 2009 1 pp. 1265-1272 (com muitos detalhes) e ld., 2020 1 p. 82 (com o testemunho direto de Ascarelli de haver compilado as apostilas do curso de Scialoja).
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DE UM COMERCIALISTA IRREGULAR ...
anos do primeiro pós-guerra foram estabelecidas algumas novas universidades (Florença, Milão Estatal, Milão Católica, Bari, todas em 1924), bem como se fundaram ou se reestruturaram alguns institutos superiores de comércio que mantinham cátedras de direito comercial: a demanda social por produção e trabalho, o investimento de enormes capitais no mundo da indústria, o papel crescente dos bancos, o incremento das trocas evidentemente exigiram a formação e a expansão de uma elite dirigente capaz de administrar dinamicamente os assuntos econômico-jurídicos. O papel da matéria do direito comercial e, em particular, do ensino universitário só poderia ser fortalecido.
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ESCOLAS, EM PARTICULAR NO ÂMBITO DO DIREITO COMERCIAL
Asquini afirma ter conhecido Ascarelli, então bacharelandos, em 1923, no escritório profissional de Vivante23 • Por sua vez,Asquini era conhecido por Mortara (na qualidade de ministro) em 1919 como um jovem e brilhante cultor da ciência comercialística; pela provável indicação de Rocco em dezembro de 1918, ele estava empregado em uma das tantas comissões instituídas no pós-guerra para estabelecer e quantificar os danos, preparar os dossiês para as tratativas de paz, estudar os mecanismos para a extensão da legislação italiana aos novos territórios, até mesmo iniciar o trabalho de revisão dos códigos 24 • O mesmo vale para Vassalli e Redenti - em ação já durante o esforço bélico: para eles a relação direta era com Vittorio Scialoja, de quem tinham sido alunos e que era então ministro-, para Jemolo, que, ainda não nomeado na Universidade, mas já livre-docente, no retorno da prisão pós-Caporetto, como funcionário ministerial foi designado para um escritório em Viena para administrar os problemas do pós-guerra25 • Poderia ainda ser recordada a atividade de Francisci em Paris seguindo a delegação italiana e as conferências, 23
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Asquini, 1960, p. 997. Asquini, 1995, p. 21 (foi empregado como secretário geral da comissão de inves-
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tigação sobre violações do direito internacional). Outras considerações sobre o Asquini jovem in Birocchi, 2015, ad nomen e Birocchi, 2019c, pp. 210-223. Birocchi, 2015, pp. 27 e 31.
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também realizadas na capital francesa por Arias, por encargo oficial do Ministro Sonnino, à margem das negociações de Versalhes, mas parece inútil continuar". De modo geral, são sinais de como o pertencimento a uma escola abria relações e oportunidades também fora do recinto universitário, em coerência com o estatuto epistemológico do jurista e a função social do direito. Mesmo um personagem reservado como Betti - que não prestou serviço militar e que não convivia estreitamente com o professor Gino Segre - dispôs-se a alargar o seu circuito de relações, que no seu caso passavam por Scialoja e a sua escola em Roma (importante, entre o fim de 1916 e Janeiro de 1917, a estadia de estudo na biblioteca de Chiovenda, também para o desenvolvimento de um filão processual- civilístico dos seus interesses)". As escolas existiam, portanto, e constituíam uma realidade fortemente presente, mas suas consistências e operatividade não são fáceis de apreender, seja porque obviamente elas não eram institucionalizadas, seja porque o sentido mudou ao longo do tempo, com perspectivas desiguais nas diversas disciplinas. O processo de afirmação das escolas está vinculado à formação das autonomias disciplinares que, na cultura acadêmica pós-unificação, foi um processo gradual em relação ao arranjo anterior que girava em torno dos ensinamentos romanísticos com a adição de matérias de especialidades antigas ou recentes (respectivamente o direito penal e alguns ramos que, na codificação oitocentista, tiveram textos normativos autônomos). Pode-se dizer que, até os anos oitenta, na Itália, o jurista era onivalente, com exceção do direito internacional, onde tendeu a se formar desde cedo uma escola, inclusive europeia, em torno do princípio guia da nacionalidade pregado pelo primeiro professor da matéria, Pasquale Stanislao Mancini. A discussão 'sobre o método', que antes já contava com tantas manifestações isoladas, tornou-se unânime na nona década do século e, para o que aqui interessa, também se inseriu na estrutura curricular dos estudos jurídicos, que naqueles anos assumiram um caráter estavelmente definido. Floresceram as reivindica26 27
Ottonelli, 2012, pp. 24 e 173. Betti, 2014, p. 18.
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ções autonomistas das várias disciplinas, às vezes exageradas e efêmeras; a velha centralidade do direito civil e suas categorias foi questionada; inversamente, intensificaram-se os esforços para a construção de manuais de disciplina, que também serviam para delimitar os limites e conteúdos distintivos relativamente às matérias afins, bem como para dotar cada ramo de um campo de formação próprio para discussão e atualização (revistas por assunto). Desencadeou-se um círculo coerente e até certo ponto virtuoso, uma vez que a especialização das disciplinas também tendeu a provocar a sua cientificização, o que por sua vez favoreceu, com mudanças graduais na legislação, o afrouxamento do centralismo ministerial no ingresso na carreira docente e nos concursos em geral. Desde o início do século, substancialmente, toda disciplina, agora provida de um número significativo de estudiosos aptos a participar de bancas concursais especializadas, poderia fazê-lo por conta própria, com o limite apenas de regras formais. A isso se somava a parificação dos ateneus estatais que ocorreu gradativamente na virada do século: ela, igualando os salários dos professores (não havia mais localidades com salários inferiores, essencialmente atraentes apenas para os professores locais), também possibilitou a realização de um giro nacional que tendeu a se estabilizar no desenvolvimento de carreira de jovens acadêmicos. Começava-se a partir dos centros periféricos e transitava-se gradualmente para as universidades mais prestigiosas ou cõmodas. Este giro, com o consentimento dos interessados, foi orquestrado pelas escolas, que tinham um dirigente escolar, uma revista de referência e uma rede de relações, na Itália e no exterior, de caráter acadêmico e também institucional, através das quais se desenvolviam concretamente os itinerários individuais acadêmicos: acesso às publicações, estadias de estudos, oportunidades de emprego, além de participação em concursos e da progressão na carreira. Entre as escolas e as respectivas disciplinas existia osmose, mas não uma identificação perfeita, pois pertencer à primeira implicava também desdobramentos extra-universitários e, por outro lado, cada disciplina era parte de um universo jurídico percebido como unitário, de modo que, afinal, todo jurista entrava em contato potencial com todos os outros, como demonstram e evidenciam as publicações em revistas não setoriais, e o
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próprio sistema de concursos, que reservava a eleição de uma cota de comissários a todos os membros do corpo docente, independentemente da disciplina em que se realizasse o concurso28 • O regime mussoliniano não tinha interesse algum em suprimir o papel das escolas e, numa universidade fascistizada, limitou-se a poder dizer a última palavra na escolha dos comissários dos concursos (o ministro nomeava-os a partir de uma lista derivada dos vários componentes acadêmicos); no entanto, acrescentou o seu peso, porque o cartão do partido e os méritos em relação ao regime passaram a ser um canal que se unia ao pertencimento às escolas, para o ingresso na Universidade e para a progressão na carreira. Mas é hora de voltar ao tempo de Ascarelli e de ocupar-se da matéria que ele especificamente cultivava. Em particular, para as escolas comercialísticas, falou-se da mudança de guarda na liderança que ocorreu quase inteiramente nos cinco anos entre 1925 e 1930. No entanto, não houve repercussões imediatas na gestão dos concursos e nas diretrizes do direito comercial, cuja história, ao exprimir cada vez mais o sentido da autonomia em relação à civilística, realizou-se na colaboração de uma respeitável tríade no governo da disciplina - antes de mais nada Vivante, ladeado por Sraffa e Rocco - e um conjunto pluralista de vozes, composto pela velha guarda (Bolaffio, Supino, Manara) e um punhado cada vez mais robusto de especialistas (N avarrini, Bruschettini e o jovem Arcangeli) e historiadores dedicados também à advocacia (Bonfante destacou-se). Exegetas, pandectistas e pragmáticos conviveram naquele campo sem igual que foi a Rivista de! diritto commerciale, também uma verdadeira encruzilhada de relações entre estudiosos de proveniência diversa (catedráticos, livres-docentes, advogados, magistrados, historiadores)". Por esta situação singular, pode-se falar de uma 28
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Como era de se esperar, as faculdades votavam nos grandes nomes, conhecidos por todos e dotados de prestígio seguro, em especial nos diretores. O espólio dos atos concursais, que registram os dados das eleições dos comissários (nomes e número de votos obtidos), oferece uma confirmação precisa da influência das escolas e da convergência dos votos nos seus maiores expoentes. Sabe-se que Carnelutti, jovem e obscuro advogado em Veneza, torna-se comercialista através da colaboração com a Rivista, antes de obter a nomeação para a
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disciplina com muitas vozes, mas coesa e em expansão, na qual a autoridade do velho mestre veneziano não diminuiu com a aposentadoria, e garantiu o equilíbrio entre as várias expressões científicas'º.
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INSTRUMENTOS OPERATIVOS: A COMMERCIALE E AS OUTRAS REVISTAS
Aqui o arbítrio que sempre guia toda discussão é verdadeiramente supremo, pela ampla gama de instrumentos e modos de expressão vinculados à profissão de jurista na época de Ascarelli. E ele os dominou e deles fez uso pleno em seu trabalho, ativa ou passivamente (gêneros literários, canais de publicação, meios linguísticos, colaborações). Vêm de pronto à mente o interesse e a aptidão para o comparatismo que se pode dizer inerente ao agir do jurista romano e sobre o qual felizmente existem numerosas e importantes reflexões31 • Mas aqui, para simplificar um discurso de outra forma demasiadamente complexo, será seguido como fio condutor o canal expressivo ainda principal da matéria em · que Ascarelli logo se tornou catedrático, a Rivista de! diritto commerciale.
É opinião bastante consolidada que a época de ouro da revista fundada em 1903 por Vivante e Sraffa ocorreu nos seus primeiros vinte anos de vida32 • Mas isso só pode ser aceito em termos relativos, ou seja, considerando não o periódico em si, mas em relação ao panorama das revistas em outros ramos do direito e na própria ciência comercialística. Na verdade, não há dúvida de que até o primeiro pós-guerra a academia milanesa não teve igual na Itália pela riqueza dos conteúdos (ali convergiam interesses e contribuições de diferentes ciências, a começar pela história), a abertura internacional, a incisividade e a atualidade das discussões, a dupla dimensão (teórica e prática) da análise, a atitude crítica; ela constituiu um modelo para os periódicos que se seguiram em outros ramos jurídicos (in-
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docência na Bocconi e depois de vencera cátedra, no entanto ocupada por poucos anos antes da passagem para o direito processual civil (1915). Vivante geriu concursos ou passagens à titularidade até a idade octogenária. Para o concurso em Macerata vencido porGreco (1931) e e sua passagem à titularidade em 1935 dr. Mura, 2020, pp. 28-29. V. de recente Grondona, 2018 1 e ainda Grondona, 2020 1 passim.
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Assim, com autoridade, Libonati, 19871 p. 346.
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ternacional, civil, processo civil). Precisamente porque é uma academia e não uma projeção de visões pessoais - por mais amplas que sejam - de um jurista de valor (a referência é à Rivista Pena/e de Lucchini), a Commerciale foi de fato um farol sem igual, atestando também a função motriz que, na visão cosmopolita dos dois fundadores, deviam ter as formas jurídicas de produção e da troca na sociedade da época. Uma tal função de farol único ou ao menos mais luminoso foi perdendo consistência com o tempo e daí uma espécie de ilusão de ótica sobre o declínio da revista, que por si só não perdeu força e vigor. Certamente, foi ladeada por outras, em uma dialética que assim teve mais centros expressivos"; nisso manifestava-se não apenas a tendência 'natural' de dotar de instrumentos especiais as disciplinas reconhecidas - até mesmo a história do direito italiano finalmente teve a sua revista (1928) -, mas também a fragmentação e a transversalidade dos novos ramos, por sua vez ligadas ao processo de administrativização do direito e de setorização dos princípios técnicos que caracterizam seus ramos (sempre mais numerosos). No que se refere à matéria comercial, pense-se no setor dos transportes e no nascimento, depois da era do direito ferroviário, de um direito aeronáutico e de um direito marítimo, ora considerados ramos internos do direito comercial a regularem-se essencialmente com as categorias gerais e com os critérios de analogia, ora, pelo contrário, como um setor autônomo (é o caso do direito que se chamará da navegação, com o apostolado por sua autonomia exercido por Antonio Scialoja). Pense-se ainda no direito industrial, que, a partir de uma experiência turinense do final do século XIX, muitas vezes teve um ensino especial ('complementar') e frequentes esforços de autonomia, com juristas de valor que a ele se dedicaram com paixão, como Ghiron, La Lumia e Rotondi34 ; e talvez pudéssemos relembrar aquelas verdadeiras rochas - as matérias bancária e trabalhista - que nas duas primeiras dé33
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Pense-se em Carnelutti que em 1924 organizou a publicação da 'sua' revista (processual civil), mas obviamente continuando a se ocupar não somente do direito comercial, mas de qualquer problema jurídico, sempre enquadrado na sua concepção filosófico-jusnaturalista geral (não considerou este aspecto Ascarelli, 1959, pp. 998-999). Sobre seu ensino Fusar Poli, 2018, pp. 204-214.
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cadas da vida da Commerciale haviam recebido tanta atenção, mas que agora, na cultura corporativa e na ideologia do intervencionismo autoritário do Estado, exigiam muito mais atenção. Mas tem mais. O fascismo foi um período de florescimento das revistas: certamente não como canais de expressão pluralista do pensamento, mas como instrumentos de construção do regime, nos seus diversos aspectos culturais e institucionais. Assim, por exemplo, a ciência tributária, cada vez mais vital dentro da política intervencionista do Estado, reclamava autonomia disciplinar e dava visibilidade e força às análises, com intensas discussões nas revistas então especialmente fundadas. De maneira mais geral, a mística do novo homem, na sociedade de massas governada pelo fascismo, que deveria operar dentro das formas do corporativismo e na esfera predisposta pelo Estado, precisava ser articulada e implementada. Uma multidão de operários dispostos e mestres construtores, mas também juristas não desprezíveis e às vezes eminentes, tomaram iniciativas editoriais, ora dedicadas a comentar os textos legislativos que, a partir da legislação de 3 de abril de 1926, começavam a moldar a experiência corporativa, ora a examinar os problemas de sua conexão com o direito preexistente (os códigos e a abundantíssima legislação especial), ora apreparar as elaborações sobre os temas da organização do trabalho (no centro estava a discussão sobre a natureza dos contratos coletivos), das agregações sindicais e da empresa. Tratava-se, em sua maioria, de revistas setoriais, que se ocupavam de institutos em rápida evolução (por exemplo, os seguros), ou das. articulações na encruzilhada entre o direito privado e o público, ou ainda do novo setor do direito corporativo e do trabalho, que propunham impactos problemáticos gerais sobre as sistematizações consolidadas da matéria civil e comercial. Bottai estava na primeira fila neste trabalho incessante: nele se cruzavam a posição política do hierarca (foi subsecretário e depois ministro das Corporações por quase seis anos consecutivos entre 1926 e 1932) e a do intelectual do regime (fundador de várias revistas e coleções, organizador de congressos, professor 'por fama clara' em Pisa e depois em Roma). A Rivista Dei diritto commerciale confrontava-se com esta realidade variada, e é verdade que - de algum modo - sofreu as repercussões
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de uma concorrência multiplicadora de vozes e por isso também dispersiva; as colunas do IIforo italiano, onde o próprio Ascarelli publicou vários ensaios importantes, quase na iminência de sua saída da Itália, e as páginas da Diritto e pratica commerciale ou de II diritto de! lavoro, que também acolheram suas contribuições, foram certamente presenças relevantes. Mas o antigo periódico continuou a ser expressivo da disciplina, e por isso registrou que não era mais tempo para construções arquitetônicas de institutos apenas delineados pela codificação; dedicou-se intensamente à legislação especial e aos seus nexos com a jurisprudência e com o próprio código, adaptou-se à cultura corporativa, enfrentou os novos temas e renovou gradualmente seus colaboradores. Nisso foi favorecido pelo fato de que, em comparação com o gênero monográfico, a forma tipológica da revista era mais flexível como um instrumento unitário que podia potencialmente exprimir diferentes vozes, seções de trabalho e temas muito variados e atualizados; e era de resto capaz de hospedar textos de dimensões monográficas, com o expediente da publicação serializada. E se é verdade, como bem se observou, que setores em · desenvolvimento impetuoso, como aqueles dos bancos e das empresas, não receberam tratamento adequado, isso dizia respeito à própria elaboração doutrinária e à revista como canal de expressivo 35 ; é de se· notar, de resto, que - especialmente nos anos trinta - a doutrina tendia a sobrepor ou a confundir a noção de empresa - ora considerada como uma instituição, ora como sujeito - e a de estabelecimento, e que sobre esta última noção a revista acolheu diversas contribuições (por exemplo, por Rotondi e Salandra) 36 • Se essa era a fase que Ascarelli chamaria de crise - o que se verá mais tarde-, marcada por elementos como a mudança geracional na matéria e a forte desproporção entre o velho mas ainda vigente código e a preponderante legislação especial; a isso se acrescia a 35 36
Libonati, 1987, pp. 346-347. Rondinone, 2020, spec. pp. 79-85.Normalmente objeto de reflexões de economistas, sabe-se que o tema da empresa atraiu especialmente os juristas inovadores, que procuravam os caminhos trilhados na Alemahha por especialistas em direito econômico; daí o incansável apostolado de Mossa(na vasta bibliografia destacamos os numerosos estudos da última década de Mazzarella: em particular a síntese Mazzarella, 2012, pp. 438-445 e, mais recentemente, Mazzarella, 2016, pp. 125-304 para a cultura austro-alemã e para suas projeções na experiência italiana).
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presença de um legislador que se sentia onipotente, nos canteiros continuamente abertos, e que, por sua vez, era considerado incômodo pelos juristas de fora do regime. Em suma, convém recordar que o poder de uma ditadura também condiciona a liberdade de elaboração acadêmica. Com essas advertências, vejamos com mais detalhes, ainda que esquematicamente, os pontos fortes da Commerciale que explicam sua persistente centralidade ainda na década de trinta37 • A sua riqueza deveu-se essencialmente a uma mistura de pessoas, temas, métodos e propostas, . todos internos à tradição e ao desenvolvimento da matéria. Antes de tudo, a mistura envolveu os grandes nomes que gravitavam na disciplina- não só os catedráticos de direito comercial, mas também aqueles que eram mestres de interesses profissionais ou práticos, como por exemplo Bonfante e Bonelli - e uma multidão de advogados e, em menor medida, de magistrados, geralmente atentos às novidades legislativas e comparativas e capazes de dar fôlego teórico à práxis. Entre os colaboradores, incluíam-se advogados jovens ou estabelecidos, como Montei e Tumedei, e outros associados posteriormente ao trabalho de codificação, como Giancarlo Fre e Vittorio Salandra (que mais tarde se tornou catedrático) ou talvez o inconstante veneziano Alberto Musatti38 • E Betti, presença inevitável e reiterada nas polêmicas sobre o 37
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Assim também Marchetti, 2009, p. 125. Não desmentem esta suposição as ásperas (mas melancólicas) observações de Candian, que, em 1945, constatava a decadência da revista e projetava com Raffaele Mattioli fundar outra que deveria tratar de direito e economia (ver Pino, 2009, p. 82): o jurista era de fato crítico da vertente tomada pela Commercia!e após a mudança de direção ocorrida em 1938. As consid_erações a seguir resumem os resultados do fichamento da Rivista de!diritto commerciale para os anos 1923-1938. Considerações importantes sobre a revista nos primeiros vinte anos de sua vida sob diversos perfis temáticos (sociedades, títulos de crédito e falência) e disciplinares (incluindo processo civil e direito do trabalho) estão contidos em diversos artigos publicados em Quadernifiorentini, 1987. Um ensaio pioneiro cheio de ideias sobre a Commercia!eentre as duas guerras, concebido- ao que parece- como enredo para uma história do direito comercial no século XX é o de Castellano 1 1972, pp. 873-917. Quanto aos dois fundadores, os e·scritos de Sraffa tornaram-se gradualmente mais raros já no final dos anos vinte (o último trabalho apareceu na Rivista de 1936, pp. 414-418, e foi uma crítica elegante e duríssima de um livro sobre o contrato consigo mesmo (no entanto, muito proveitosa devido às notas metodológicas que transparecem do discurso do jurista pisano), enquanto as do mais idoso Vivante aparecem com frequência contínua até meados dos anos trinta, além do famoso Congedo publicado em 1938.
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código ítalo-francês, não desdenhava de publicar alguns de seus ensaios, 'transversais' por definição, onde, por exemplo, raciocinando sobre a natureza jurídica do endosso dos títulos à ordem, aplicava a categoria de sub-rogação demonstrando, entre outras coisas, um excelente conhecimento da literatura comercialística39 • b) Além disso, persistiu a coexistência de métodos e, portanto, de vozes, como num campo de formação necessariamente crítico'º. Foi um dos grandes méritos dos dois fundadores não só não criar clones de si mesmos em sua escola, mas também abrir a revista à livre colaboração de estudiosos de experiências diversas. Aqui o discurso se confunde com o das diversas correntes que, desde a época de Vidari, conviviam na unidade da disciplina, na consciência de que, por sua estreita vinculação com a produção e distribuição de riquezas, o direito comercial tinha amplo espaço para expansão e poderia fazer da diversidade (de métodos, de setores de pesquisa, de especialidades 'internas') um ponto forte do seu próprio operar. E se às vezes o confronto resultava em ataques personalistas nada edificantes - como no conflito entre Giuseppe Messina e Francesco Ferrara no final da primeira década do século-, quase sempre a crítica, mesmo dura, concernia a pontos essenciais da matéria ou a abordagens polêmicas que precisavam exatamente de um confronto aberto. É o caso, por exemplo, da polêmica muito acalorada entre Asquini e Mossa, desenvolvida nas páginas da revista entre 1927 e 1928, também com a intervenção de alguns alunos; ela dizia respeito a pontos díspares (a autonomia do direito comercial, o juízo sobre o projeto de reforma do código de comércio, o papel da empresa, a função do intérprete) para os quais as soluções respectivamente propostas remontavam a diferentes concepções sociais. Mas, na dimensão da revista, aquelas posições polêmicas eram assumidas como expressão salutar de um hábito crítico, que não poupava nem mesmo o idoso fundador veneziano, o qual, por seu lado, não tinha escrúpulos em apresentar um ensaio cortante contra sua própria tese sobre a clientela como propriedade comercial, e em 39
Betti, 1927, pp. 565-615.
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Candian, 19371 col. 146 pôs em evidência "a provocação do atrito fecundo da doutrina" como altíssimo mérito da Rivista, graças sobretudo a Sraffa.
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escrever que fora censurado, em uma conversa privada sobre o mesmo tema, por seu jovem aluno Ascarelli". Em suma, o co!Úronto de posições tornava-se fermento de pensamento e, muitas vezes, na reflexão, elas era reconciliadas e posteriormente relançadas (foi isso que fez Ascarelli, certamente um leitor ávido do confronto entre Mossa e Asquini e, por sua vez, logo depois um ator naquele debate) 42 • c) Além disso, a mistura relacionava-se à variedade dos temas tratados, que não descoloria a caracterização comercialistística, mas que traduzia bem a concepção, segundo a qual a matéria especializada só poderia ser pensada como pertencente ao universo jurídico. Era uma questão de proporção: a revista era disposta em torno dos problemas do mundo comercial, salvo quando estes se desdobravam em direções contíguas e coligadas. É o caso, por exemplo, da relação entre o privado e o público, que no final da guerra Vassalli havia problematicamente ilustrado na famosa palestra genovesa, publicada precisamente na Rivista de 1919. Mas o interesse não acabou aí: no ano da estreia de Ascarelli no periódico, uma cuidadosa contribuição de Pacinotti não hesitava em criticar a teoria consolidada de Ranelletti, a posição de Asquini sobre os aspectos publicísticos do direito dos transportes como insuficiência da interpretação historicista da dicotomia público/privado43 • Tema, portanto, aberto e continuamente retomado nos anos seguintes, de formas variadíssimas 44: o direito comercial, aliás, com o avanço da cultura 41
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A crítica afiada era aquela do advogado veneziano Musatti 1 1933, pp. 281-284 (foi autor de diversos outros artigos publicados na revista e construídos com originalidade quase carneluttiana). Às objeções de Ascarelli responde Vivante, 1930, pp, 3-5. Além de mestres da disciplina como Vivante e Rocco, nas publicações de Ascarel/i podem ser lidas críticas de mérito a 'santos' como Bonelli e D'Amelio (por exemplo, Ascarel/i, 1929, pp. 55 e 58), mas era costume usual e não sinal de arrogância. Em geral, sobre as funções de crítica da revista v. Marchetti, 2009, p. 138. Pacinotti, 1923, pp.143-161. Por exemplo, o tema foi tratado na palestra de Degni de Messina dedicada ao impacto da solidariedade humana na renovação do direito civil (publicada na Rivista: Degni, 1929, pp. 145-161). Pouco depois, ela ressurgiu no ensaio de Funaioli sobre a concepção individualista do direito e suas restrições na cultura corporativa (Funaioli, 1930, pp. 135-153). A ferramenta da revisão bibliográfica é inevitável: no ano de 1931, pp. 837-838, v. ofichamento em F.Alimena, Osservazionisulladistinzione tradiritto pubblico e privato, Roma: Società editoriale dei Foro italiano, 1931.
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corporativista, só podia se questionar sobre o valor problemático dessas fronteiras dicotômicas como horizonte para situar as relações articuladas com o civil, o processo e o administrativo45 • d) Além disso, a conexão entre o direito positivo e a comparação era vivíssima, no tempo e no espaço. Sob o primeiro ponto de vista, entrava em jogo o interesse pela história, quer o discurso histórico fosse introduzido na análise dos institutos ou da legislação, quer fosse autônomo enquanto investigação em si (e a este respeito podemos citar os inúmeros ensaios de Lattes e Valeri e, mais tradicionalmente, aqueles de Sapori, mais uma descoberta de Sraffa); sob o segundo ponto de vista, levava-se em consideração a análise das experiências estrangeiras que, não obstante o espírito nacionalista florescente - típico da orientação de Rocco e Asquini46 - ainda expressava o espírito cosmopolita predominante dos dois fundadores largamente demonstrado, no período em exame, pelas resenhas de estudos estrangeiros, de atualizações sobre as principais legislações além dos Alpes, de verdadeiros e próprios ensaios comparatísticos. e) Por fim, manteve-se forte a correlação entre teoria e prática jurisprudencial, também visivelmente comprovada pela subdivisão do periódico milanês em duas partes, sendo a segunda justamente reservada à jurisprudência: articulação, mas sem cesuras,já que as sentenças eram comentadas por estudiosos - as notas de julgamento eram realmente um gênero nobre - e não é raro descobrir que o tema saltava posteriormente as edições subsequentes, para ser retomado em um estudo inde45
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Para Ascarelli, a consideração dos diferentes status (ele próprio usava este termo) dos vários sujeitos do ordenamento foi a base da mistura entre público e privado: Ascarelli, 1934a, pp. 36-37. E, correlativamente, a concorrência cada vez mais frequente de normas de direito público e privado esperava do intérprete uma sistematização para os institutos individuais: assim, com palavras quase textuais (ld., P. 33).Ascarelli destacava acertadamente que a mistura público/ privado não era uma via de mão única: muitas vezes para a realização de seus próprios fins, o Estado se valia de instrumentos privatísticos, mais ágeis para intervir no mercado (Ascarelli, 1933a, pp. 284-287). Sobre a parábola histórica da dicotomia privado/ público, do seu apogeu do século XIX até meados do século XX, veja agora Sordi, 2020, pp. 97-201. Asquini, 1927, p. 522. Quanto à ideologia nacional-conservadora de Rocco v. Ascarelli, 1959, p. 991.
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pendente, hospedado na primeira parte da revista47 • A importância da jurisprudência não derivava de um pragmatismo banal que pudesse ser atribuído a Sraffa e Vivante, nem do hábito da profissão advocatícia que os dois diretores sempre vestiram com prestígio. Em vez disso, entrava em jogo a cultura unitária do direito, o que levava à discussão do hiato entre a abstração da lei e a concretude dos casos práticos, valorizava a interpretação e postulava um caminho circular entre a dogmática, a disposição normativa e a atividade interpretativa: todos os temas continuamente emergindo na revista, nas formas que lhe eram próprias e, portanto, em ensaios, resenhas, palestras e até mesmo em obituários. Sabe-se que Ascarelli nasceu academicamente com o desafio da interpretação, e sabe-se também que, nos anos trinta, além das referências contínuas à atividade ex-prefesso, em diversas ocasiões produzirá extensões de obras - e mesmo no âmbito didático - para inserir também os perfis jurisprudenciais. Compreende-se como a revista foi um local de encontro que combinava a estabilidade de sua tradição com a aptidão para a modernização, não só por sua sensibilidade às necessidades de inovação que vinham da produção e do comércio, mas por seu costume pluralista e pela propensão cosmopolita que eram suas características históricas. Não que ela vivesse apartada da cultura fascista, muito pelo contrário: movia-se, como o direito comercial de que era expressão precípua, nos espaços traçados pelo regime e, portanto, dentro do direito positivo. Deve ter sido dramático, entretanto, no final de 1937, o momento da mudança da direção da revista. Falecido Sraffa, a saída do mais que octogenário Vivante era inevitável; e o fato de que ambos fossem israelitas, em uma época em que os direitos e a cultura dos judeus (logo depois, a sua própria existência) estavam sob ataque, tornava ainda mais incerto o destino do periódico48 •
É inevitável que Jemolo e Falco se preocupassem com o problema do destino da revista - também em relação ao crescente antissemitis47 48
Éo caso, por exemplo, de Finzi, 1932a, pp. 656-684. A presença dos estudiosos judeus na cultura juscomercialística é sublinhada por Ascarelli, 1959, p. 990 (podem-se recordar Supino, Sacerdoti, Bolaffio, além dos dois fundadores da Rivista e Bigiavi).
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mo, não apenas porque este último, professor em Milão, havia desempenhado um importante papel editorial por muitos anos, mas também porque ambos eram autores de notas e ensaios publicados no periódico e, em todo caso, pelo interesse que a sucessão na direção despertava para todo o mundo do direito. O grande eclesiasticista romano também elaborou uma lista restrita de comercialitas da última geração que lhe pareciam à altura da tarefa de dirigir a gloriosa revista: Candian, Rotondi, Bigiavi e Ascarelli49 • Nomes inaceitáveis na realidade da ditadura e em um clima antissemita (dois dos quatro juristas indicados eram judeus, Rotondi não havia jurado fidelidade ao fascismo em 1931, trasladando-se para a Universidade Católica, e Candian era abertamente antifascista, embora então se mantivesse em silêncio). A solução foi, em vez disso, fruto de uma mediação, na qual provavelmente entrou em jogo o interesse convergente do editor e da disciplina em continuar a publicação: na direção foram investidos dois comercialistas de posições antípodas, como Asquini e Mossa enquanto, para postular o equilíbrio, foi designado o manso mas robusto professor florentino Valeri. Envolvido desde o primeiro pós-guerra em um esforço de vinte anos para reformar o código comercial, até o desfecho final da unificação do direito privado (que longamente tinha combatido), inicialmente ocupado também no posto avançado de Trieste, desde 1929 continuamente deputado, Asquini assumiu importantes cargos (subsecretário para Corporações em 1932-35 e várias missões comerciais e de política externa naquela década). Se se acrescenta a profissão liberal e as repetidas suplências anuais nos cursos do mestre em Roma, compreende-se tanto a escassa presença didática nas universidades onde exerceu a cátedra (Trieste, Pavia, Pádua, Roma), quanto a não abundante produção acadêmica. Possuía uma boa formação pandectística, também extraída dos ensinamentos do mestre, que se prodigalizara na preparação da monografia sobre o direito dos transportes com a qual obteve, ain49
Jemolo, 2009, pp. 349-351 (carta de 25 dicembre 1937), con notação adicional id., p. 362 (carta de 25 de fevereiro de 1938).
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da na guerra, a livre-docência e depois a cátedra; foi seu cavalo de batalha, com reelaborações e atualizações sucessivas. Embora numerosas suas publicações, a maioria das quais de caráter teórico-prático, seja pela ocasião em que foram preparadas (conferências,relatórios de projetos de lei, discursos parlamentares), seja por se tratarem de problemas de atualidade político-econômica ( como é o caso dos ensaios sobre o ordenamento corporativo e seus contratos coletivos). Muito flexível -partidário convicto da autonomia do direito comercial perante o direito civil e de uma codificação separada, ao contrário da ideia mantida por Vivante até 1925, inclinou-se a aplicar a solução de unificação finalmente imposta -, sempre falava como jurista, contudo. Asquini era jurista sólido, extremamente lógico e linear, sem floreios ou encantamentos pelos discursos da nouvel!e vague (os Volpicellis e os Spirito e a turba variada dos partidários de uma refundação do Estado sobre uma base corporativa), moderadamente historicista tanto na construção dos institutos quanto no consideração da evolução do direito comercial e da sua ciência50. Nesta robustez e medianidade (perdoe-se o termo) reside sua força, seja no seio da disciplina comercialística, seja dentro das asas do regime51 . Emblematicamente, a sua posição de especialista que participava do debate pode dizer-se representada por dois ensaios: o primeiro publicado na Rivista de 1927 dedicado ao tema nodal durante os anos do fascismo (código único de direito privado, código do comércio ou código dos comerciantes), onde ele não dissertava abstratamente sobre o problema da codificação, mas entrava em polêmica com as posições doutrinárias presentes no debate (as de Mossa, por exemplo, acusado de dar ouvidos às sereias do direito livre, ou de Rotondi, partidário do código único de obrigações, mesmo depois da retratação de Vivante52 ); o segundo, publicado em volumes em homenagem ao mestre da Sapienza, 50
A combinâção é típica, despojada de erudição e concisa mas não sem ideias iluminadoras, com as quais em 1939 refez o último século da sua disciplina (Asquini,
1939, PP· 445-451). 51
O olhar histórico sobre uma século de vida dajuscomercialística era inspirado pelo reconhecimento da "nova atmosfera do Fascismo" (ld., p. 451).
52
Asquini, 1927, pp. 507-524. Para as posições de Rotondi, sempre coerente pela unificação do direito das obrigações, v. retrospectivamente Rotondi, 1965, pp.
651-693.
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tratava da unidade do direito comercial em relação ao sistema corporativo e se opunha às posições daqueles, como Candian, que pregavam a 'desintegração' da disciplina, negando que o direito comercial constituísse um sistema unitário, ou daqueles, como ainda Mossa, que entendiam a afirmação de princípios publicísticos na matéria como expressão de um pressumido sentimento de justiça social. Pelo contrário, Asquini rebatia que era necessário dar um caráter marcadamente imperativo às leis comerciais, sem se preocupar com o dogma das liberdades individuais, e fortalecendo o papel do Estado legislador, em correspondência com os ditames da economia organizada moderna53 • Qtanto ao regime, Asquini sempre manteve relações diretas com o ditador, que o considerava extremamente confiável e que, consciente de seu próprio despreparo jurídico, intuía a importância do direito para a construção e desenvolvimento do regime 54 • E, de outra parte, numa cultura conformista como a dos vinte anos, os cargos institucionais e governamentais confiados sem solução de continuidade ao jurista friulano aumentavam sua autoridade na disciplina. Já foi dito que, gravitando para Roma, Asquini conheceu muito cedo Ascarelli, mas este deve ter sido um dos tantos com quem teve relações o pupilo de Rocco; a presença crescente na matéria do jovem jurista romano devia, entretanto, impor-se à atenção do poderoso hierarca friuliano, que o consultou sobre as leis dos consórcios obrigatórios (1932), assunto então pouco estudado pela doutrina italiana55 ; e a notação subsequentemente expressa por Asquini de uma inesperada
53
Asquini, 1931, espec. pp. 525,529,540,545.
54
O despreparo jurídico de Mussolini é reconhecido por Asquini, 1995, p. 26. Compreende-se como o ditador sempre escolheu juristas de alto escalão (Rocco, de Francisci, Solmi, De Marsico) ou pelo menos ex-advogados capazes de se relacionarem com o mundo do direito (Oviglio e Grandi) para as funções de ministro da justiça. Quanto a Asquini, considerou melhor deixar Roma no dia da sua libertação e sabe-se que ainda tinha a confiança de Mussolini na experiência de Salà, como atesta seu cargo no IRI.
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Dos consórcios comerciais, cuja causa consistia na regulamentação da concorrência e que nos anos trinta inserem-se no complexo sistema corporativo, Ascarelli se ocupou várias vezes: o trabalho fundamental (Ascarelli, 1937a) teve resenha positiva mas também crítica de Bigiavi, 1937, pp. 318-326. lmportantetambém a discussão mantida com Salandra inAscarelli, 1935a, pp. 152-184. Cfr. Mura, 2020, p.41 nt. 111.
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convergência de posições sugere que ele provavelmente conhecia o alinhamento político-ideológico de Ascarelli. No extremo oposto, colocava-se Lorenzo Mossa, um republicano sanguíneo com tendências socializantes transformadas, na época do regime, em molho corporativista. Sabe-se que seu conflito com Asquini era também pessoal e ideal e não se aplacou no breve espaço, e já agora na véspera e nas circunstâncias da guerra, em que os dois juristas foram codiretores da Commerciale56 • Mas aqui é conveniente abstrair dos personalismos para delinear o clima cultural e a posição dos colegas com quem Ascarelli se viu trabalhando. Aluno de Manara, mas logo gravitando no ambiente de Sraffa, de quem era assistente em Turim, ele evidentemente teve suas rédeas soltas pelo novo e inteligente professor57 • Desde as primeiras experiências de colaboração com a Commerciale, o jurista sardo formou-se em particular no conhecimento da literatura alemã, da qual foi experto, segundo o reconhecimento unânime dos colegas58 • Mossa seguiu tanto os perfis metodológicos (insistentemente nas décadas de 1930 e 1940, ele abençoou a teoria do direito livre, talvez não totalmente ciente das consequências que isso poderia ter nos sistemas autoritários ou ditatoriais), bem como aqueles relacionados às novas disciplinas 56
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Mossa perdeu um ano de titularidade porque Asquini, primeiro no concurso de. Sassari em 1920, procrastinou vários meses, mantendo ativas as convocações à Universidade da Sardenha e a Messina à espera da instituição dos cursos do Instituto Superior de Comércio de Trieste (detalhes em Birocchi, 2019c, p. 219). Muitas vezes acirradas as discussões entre os dois nas páginas das revistas, com teses que quase sempre desconsideravam posições ideais muito distantes. O editorial com que Mossa abriu o ano da revista após a Libertação (para ele também foi uma libertação [temporária] da codireção de Asquini) expressava em poucas páginas e com palavras veementes o sentimento de separação de uma cultura que o homólogo friuliano parecia-lhe personificar(Mossa, 1945, pp. 1-10). Errônea a afirmação de um Mossa aluno de Asquini (assim em vez Storti, 2020 1 p. 168 nt.44), que de resto era mais jovem. Para a formação de Mossa, a obtenção da livre-docência e a relação com Sraffa v. Birocchi, 2019c, pp. 194-210; e era comum o reconhecimento da relação de discipulado relativamente a Sraffa: entre tantos v. Ascarelli, 1957, p. 738. Provavelmente superior ao de Ascarelli, não pelo conhecimento da língua que certamente era inferior, mas porque o âmbito das leituras de Mossa, embora interessadas na comparação, concentrava-se muito mais na literatura alemã, que ele acompanhava desde as primeiras colaborações naRivista, por volta de 1910. O reconhecimento do soberbo conhecimento da doutrina alemã está no obituário publicado pelo próprio Ascarelli, 1957, p. 738.
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que cresciam ao lado ou no lugar do direito comercial tradicional (em particular o direito econômico), bem como os aspectos estritamente técnico-jurídicos dos principais institutos. Tal como Asquini era um autonomista convicto, mas visava uma reformulação profunda dos conteúdos da disciplina, centrada na empresa, numa organização participativa do mundo do trabalho e numa visão internacionalista que se ligava à história do direito comercial. E, apenas para continuar a comparação com seu colega friuliano, ao fraco corporativismo de Asquini - como pura forma organizativa dos produtores, com disposição hierárquica e conexões horizontais entre as várias categorias, em submissão ao Estado e à sua lei - Mossa opunha um corporativismo forte, expressão social mais do que representação burocrática. Mossa pode ser definido como um jurista crítico e inquieto, como em certa medida o indicam as contínuas mudanças de pensamento que o levaram nos anos 1920 a três regressos a três centros de ensino diferentes (Cagliari, Sassari e Pisa) e à rejeição de uma convocação já decretada com seu consentimento prévio 59 ; acima de tudo, foi original ao conjugar o respeito pela tradição histórica da matéria, mesmo em suas origens civilísticas, com a tensão pela inovação dos institutos. Foi o jurista que não só pregou a renovação da disciplina, mas que se empenhou exaustivamente para repensar seus fundamentos, geralmente com uma atitude radical e às vezes muito ousada em relação ao direito vigente'°. Ascarelli, que o substituiu em Cagliari, frequentemente o citava, geralmente para amparar suas próprias posições e certamente simpatiza-
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Portanto, não é verdade, como podemos ler em alguns perfis intelectuais, que a partir de 1926 estabeleceu-se definitivamente em Pisa (em 1926-27 lecionou em Cagliari, em 1927-28 em Sassari). No final daquela década, tendo regressado a Pisa em 1928-29 e após a tentativa infrutífera de ingressarem Bolonha em 1929 em substituição aArcangeli, partiu para Gênova, onde foi efetivamente convocado em Novembro de 1930 para ocupar a cadeira deixada vaga por Vassalli, mas o jurista repensou mais uma vez a questão e permaneceu em Pisa (todos os dados estão no Arquivo Central do Estado[= ACS], Ministero della Pubblica Jstruzione, Direzione Cenerale Jstruzione Universitaria, Fascicoli professori universitari, Ili serie, b. 330, fase. Mossa Salvatore Lorenzo). Assim Finzi considerou-o "brilhante", mas escassamente ligado ao direito positivo
(Finzi, 1932a, p. 681).
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va com sua visão cosmopolita61 ; no entanto, ele considerava excessivo o germanismo do jurista da Sardenha e unilateral a redução da matéria comercialística à empresa". Desse ponto de vista se diferenciava de Mossa um outro comercialista que, após as provas do final da década de 1920, surge pouco depois como protagonista, Paolo Greco (1889-1974). Aluno de Bruschettini em Nápoles, após sua inicial atividade forense, ele chegou à cátedra relativamente tarde, entrando na órbita da escola sraffiana, em confirmação de sua força atrativa. Mais uma vez o mestre tinha descoberto um belo talento, também muito diferente de Mossa. Jurista ponderado e muito sólido no domínio das categorias, extremamente lógico na argumentação, com um arcabouço historicista que sustentava as construções, entrou imediatamente no clima do corporativismo,já agora direito positivo, embora com formalizações em constante mudança. Ele deu uma versão moderada dela, tanto no que diz respeito aos conceitos radicais que circulam no centro de pensamento pisano fundado por Bottai, quanto em relação à matéria comercialística63 • E grande foi o espanto (e conseqüentemente, as críticas) dos corporativistas mais extremistas quando o jurista napolitano sustentou suas teses sobre o "freio", mesmo no palco da conferência jurídica pelo décimo aniversário da marcha fascista sobre Roma64 • O!,iase imediatamente depois (1933) Sraffa conseguiu que fosse convocado como encarregado da Bocconi (a partir de 1938 e até o fim da guerra também foi reitor) e este foi um de seus últimos atos significativos. Greco também seguiu os passos do mestre pisano nas convocações para a cátedra, primeiro em Parma (onde substituiu Ascarelli), depois a partir de 1936 em Torino. Caráter dedicado à escola, ele foi apenas marginalmente investido em cargos institucionais65 ; na déca61 62 63 64 65
Nitidíssimas, e sempre confirmadas, as expressões in Mossa, 1928, pp. 17 e 19. Remete-se às apreciações in Ascarelli, 1957, pp. 738-739 e Ascarelli, 1959, pp. 993-994. Uma análise da formação e da figura de Greco na década compreendida entre 1926 e 1935 in Mura, 2020, pp. 28-39 Greco, 1932a, pp. 1-75. Para a participação na fase final da codificação civilística v. Rondinone, 2020, pp. 322 ss. epassim (383,548 para a atribuição de honra).
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da de trinta tornou-se comercialista respeitado na colaboração com a Commerciale e o Tratado dirigido por Vassalli, do qual participou com a monografia sobre o contrato de trabalho, e que, para um jurista do direito laboral contemporâneo parece a obra mais importante e a único de valor sobre o assunto durante todo o período fascista". Durante os anos 30, é evidente uma convergência fundamental com as análises de Ascarelli (por exemplo em matéria do contrato coletivo ou na construção da categoria de negócio indireto): o que não é surpreendente, dada a proximidade do jurista napolitano com o círculo da Rivista e com os principais temas de interesse da escola". Muitos outros homines novi surgiram na disciplina ao tempo de Ascarelli, devido à concomitância dos fenômenos já mencionados (o declínio de toda uma geração de mestres, a abertura de novos canais de ensino, a expansão da disciplina dentro das matérias jurídicas). E basta de resto folhear a revista milanesa para notar as novas aparições muito frequentes. É um caleidoscópio de personalidades notáveis. Vem em consideração Giuseppe Valeri (1886-1955) que, tendo se formado com Vivante e se aperfeiçoado com Manara, e após as etapas habituais em várias universidades (não faltou a de Parma), encontrou sua sistematização na recém-criada Faculdade de Florença com um compromisso que unia o interesse pela reconstrução dogmática dos institutos com aquele pela análise histórica (vários são seus estudos sobre documentos e fontes doutrinárias da Idade Média). Sua ascensão é evidenciada pela participação na obra de reforma do código comercial nos anos 1920, mas foi parada pela adesão ao manifesto Croce (não tirou o cartão PNF nem mesmo na onda de inscrições de 1932-33), de modo que viveu uma intensa mas reclusa temporada de estudos; no entanto, ele se destacou por seu trabalho no campo cambiário (1936-38)66 67
Romagnoli, 2003, p. 93. Basta citar Greco, 1932b, que é um longo ensaio sobre as chamadas empresas de fachada e sobre o negócio indireto, em conformidade com as teses de Ascarelli ("o negócio indireto pode bem responder a uma função válvula do sistema positivo": p. 783), e a contribuição para os estudos em homenagem a Vivante, onde se posicionou (a favor) da polêmica tese de Vivante sobre o cliente como res objeto de direito (Greco, 1931, pp. 571-632).
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a ponto de a historiografia distinguir um direito cambiário pré-Valeri e pós-Valeri68 - e como defensor da autonomia comercialística diante das teses que variadamente defendiam a unidade com o direito civil ou sua absorção em um direito corporativo e da empresa abrangente, ou ainda sua implosão entre os muitos direitos especiais 69 • Também há duas figuras que vieram do exercício da advocacia, mas que posteriormente ascenderam à cátedra em universidades de prestígio, como Vittorio Salandra (1889-1950) e Aurelio Candian (1890-1971). O primeiro nasceu também ele na escola vivantiana e havia adquirido certa notoriedade com um estudo sobre a reserva matemática das seguradoras de vida (1913); após uma pausa um tanto longa, no final da década de 1920 ele participou como protagonista na matéria ao intervir com sabedoria doutrinária sobre temas quentes do momento, muito atento à novidade da prática que transbordava das antigas margens do código de 188270 • Não desistiu, como era de se esperar, de dizer seu ex-professo sobre a renovação do direito comercial: fê-lo na aula inaugural que no final de 1935 abriu o curso paduano, onde exprimiu a tensão construtiva entre as tarefas do legislador, que devia traduzir em lei as diretrizes da política -porém, de acordo com as necessidades da realidade produtiva - e a função do jurista, sistematizador do conjunto normativo e também conselheiro do legislador71 • Candian era, por sua vez, de ascendência sraf!iana, com uma personalidade bastante original. Radicado em Parma, de ideias socialistas não 68 69
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Morera, 1987, p. 366. V. por exemplo Va\eri, 1930, pp. 358-360. Os dados de sua carreira estão in ACS, Ministero delia Pubblica/struzione, Direzione Cenerale lstruzione Universitaria, Fascicoli personoliprofessoriordinari, Ili versam. (1940-70), b.470, fase. Valeri Giuseppe. Uma bela síntese de sua figura in Rondínone, 2013a, pp. 2010-2012. Alude-se aos trabalhos sobre contratos de adesão (1928), sobre sociedades irregulares (1931 e 1935), sobre os muitos aspectos da ativídade bancária, sobre a reforma das sociedades anônimas, etc. Frequente a sua presença nas páginas da Rivisto de 1928 em diante. Salandra, 1936, pp. 225-240: para a parte crítica sobre o atraso do código de comércio fazia referência a Mossa; para a relação entre as funções do legislador e o do jurista se referiram à famosa aula inaugural deSraffaem Turim, em 1913 (como se verá, era também uma posição próxima à de Ascarelli naqueles anos). Fiel ao costume livre da escola, ele não poupou ataques à teoria do velho mestre sobre a clientela como umares que podia ser um objeto de propriedade (p. 237).
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escondidas mesmo na época das incursões das equipes de Farinacci e Balbo,fundou em 1924 uma revista vibrante (Temi emiliana) -Ascarelli publicou ali um de seus primeiros trabalhos em 1926 e depois vários outros em 1928-30 - e obteve a cátedra em 1926 em Messina, passando imediatamente para Parma (Ascarelli o sucederia em 1932), depois para Pavia e finalmente (1939) para a Estatal de Milão (também reitor, na curtíssima temporada de reitores antifascistas, antes do advento da república de Saio). Especialista em uma matéria quente como a [alimentar - numerosos os seus ensaios publicados sobre o tema na Commerciale -, Candian se destacou pela força com que se contrapôs à ideia, absolutamente prevalente entre os cultores da disciplina, da autonomia do direito comercial e pela coerência com que defendia a ideia de que a interpretação não era uma passagem entre fontes dispostas verticalmente, mas uma operação entre disposições horizontalmente colocadas que se complementavam"; e sua revisitação da unidade do direito civil, bem como sua intolerância para com os padrões repetidos por hábito, também deixaram uma marca original nas aulas que ministrou aos alunos de Parma, e que depois tiveram várias reformulações". Ele também é uma presença regular na Commerciale - para a qual colaborou com ensaios, resenhas e comentários jurisprudenciais, gênero extremamente adequado à sua personalidade científica - foi muitas vezes criticado por Ascarelli pela radicalidade das posições, mas também pelos méritos da reconstrução técnica dos institutos. Não menos original foi a figura de outro personagem oriundo da escola de Venezian, e que depois demonstrou sua cultura de civilista, apurada nas salas forenses e na frequência em um ambiente cultural vivaz, como o florentino das primeiras décadas do século XX, Enrico Finzi74 • Um civilista 'emprestado' ao direito comercial, vistas as não poucas intervenções em uma matéria na qual era de resto professor nomeado; mas 72
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Candian, 1931a, e Candian, 1931b, respectivamente pp. 65-114 e 115-158: sólidas as críticas ao legisladorde1882 e a boa parte da doutr'ina que tinha especificamente tomado posição sobre o sistema de fontes, até a Finzi e a Rocco. V. a longa resenha de Maroi, 1928 1 pp. 593-597, muito positiva. De sua figura ocupou-se várias vezes Grossi: também con indicações de estudos anteriores v. Grossi, 2013, pp. V-LXI.
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a marca finziana é sentida não apenas na maneira como ele defendeu a renovação do direito comercial na cultura corporativa da época, mas também nas reflexões frequentemente vanguardistas que expressou sobre novos fenômenos como o das sociedades controladas75 • É um autor muito ouvido por Ascarelli, também pelas intervenções não acolhidas na Commerciale - é o caso da aula inaugural de 1932: o jurista sentia que os projetos Vivante e D'Amelio da última década estavam completamente desatualizados no novo clima da economia corporativa e o texto expressava um panorama programático sobre as tarefas de hoje dirigidas aos cultores da matéria". E é compreensível: era a voz de um civilista de cultura não rígida, flexível para repensar os esquemas jurídicos do ponto de vista do objeto, sem o temor de enfrentar as doutrinas consolidadas". Todos estes juristas - à excepção apenas de Finzi, que aproveitou a possibilidade de passar do Instituto Superior de Ciências Econômicas e Comerciais de Florença para a universidade recentemente fundada na cidade - marcaram o seu percurso num itinerário que se desenrolava desde os centros periféricos até as principais universidades (e não é por acaso que os destinos de Parma, Pádua e Bolonha aparecem para vários dos juristas mencionados, bem como para Ascarelli). Ao ler as respectivas obras, a impressão é de encontrar-se em uma rede onde as intervenções contém referências recíprocas; o tecido era comum, sem que o pertencimento original à escola impedisse a expressão de posições críticas ou implicasse alinhamentos de pensamento preestabelecidos. Mas não é tudo. Da geração dos anos oitenta, distinguiram-se ao tempo de Ascarelli dois juristas que, um pouco mais velhos do que os personagens ora indicados e muito precoces na carreira, foram eles próprios mestres. O primeiro é Ageo Arcangeli (1880-1935), que nos primeiros 75 76 77
Finzi, 1932b, pp. 462-468. Destacado in Stel/a Richterjr, 1996, p. 79 nt. 8. Finzi, 20136, pp. 71-98. Sobre a aula inaugural florentina remete-se a Grossi, 2013, pp. XLI-XLVII e a Mura, 2020, pp. 24-27. É o caso dos acordos que regulam o direito de voto na assembleia, que em sua opinião não deveriam ser considerados ilícitos a priori (assim no ensaio publicado nos estudos em homenagem a Vivante: Finzi, 1931, p. 463).Vertambém a crítica à concepção atomística das relações jurídicas (não apenas dos sujeitos, portanto), e a proposta de considerar organicamente os efeitos de um contrato (Finzi, 1932a, p. 661).
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vinte anos da revista colaborou intensamente, muitas vezes com ensaios de ampla reconstrução dogmática mas também com abordagem histórica". É famosa a sua divergência de opiniões com Rocco sobre atos de comércio - e não se pode dizer que sua tese foi considerada menos respeitável do que a do futuro Ministro da Justiça. Muitas vezes exercendo cargos acadêmicos de autoridade (diretor, reitor), logo escolheu a militância ativa no partido fascista, que o envolveu na etapa bolonhesa e, a partir de 1929, na romana (deputado desde 1929, foi também vice-ministro), com um papel proeminente no aparato das corporações, naquele setor agrícola que na última parte de sua vida foi também o centro de seu ensino universitário com a fundação da Rivista di diritto agrario, com o manual e com as discussões sobre o problema da autonomia daquele ramo do direito. Ascarelli relacionou-se com ele em Haia em 1932, do que se falará mais tarde. O segundo é Alfredo De Gregorio (1881-1979), que se formara em Roma no início do século no círculo de Maffeo Pantaleoni - de quem certamente recebera aquela formação econômica que o tornou um técnico de primeiro plano, e que utiliza nos numerosos cargos confiados a ele - e de Vivante. Poderia ser definido como apolítico, pela falta de cargos político-institucionais, exceto que desde o primeiro pós-guerra esteve muito presente por cerca de cinquenta anos no trabalho de preparação de medidas fundamentais no ramo de seguros, da legislação societária, do setor bancário (é bem conhecido seu papel na lei de 1936) e, naturalmente, na codificação". A força atrativa de Roma estava no ar e de fato, desde 1923 De Gregorio ali residiu, mas a cátedra era ocupada por Vivante e, em sucessão, por Rocco, enquanto o mais jovem Asquini também gravitava para a capital por razões político-institucionais. Somente em 1935 De Gregorio pôde obter a transferência de Bolonha (onde su78
Nos últimos anos de vida, na cátedra em Bolonha e Roma, os escritos na Rivista diluiram-se, talvez em decorrência do forte empenho na Rivista di DirittoAgrario; maçante e insignificante o texto publicado na Commerciale de 1926 sobre
codificação (pp. 34-44). 79
Um quadro completo da figura in Rondinone, 2013b, pp. 680-681. De Gregoriofoi um dos pouquíssimos professores da faculdade de direito de Roma que não sofreu processo depurativo.
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cedeu-lhe na cátedra Ascarelli) para a Sapienza (e não para o ensino do direito comercial) 8º. Poderíamos acrescentar dois outros juristas nascidos justamente no limiar dos anos oitenta. Um é Francesco Carnelutti (1879-1965), formado como comercialista por Sraffa e que na matéria de direito comercial tinha conquistado a sua primeira cátedra, exercida por apenas três anos antes de passar para o processo civil8 1 • E, de fato, o jurista friulano não deixou de ocupar-se do direito comercial, seja nas páginas da sua revista, seja naquelas da Commercia!e na qual se iniciara quando ainda simples advogado, seja nos periódicos recém-criados (participou das discussões sobre contrato coletivo e esteve entre os protagonistas críticos do congresso de Ferrara sobre corporativismo em 1932). Sabe-se que Carnelutti percorria todo o universo jurídico e como um jurista que nunca desistiu de lidar com o ramo comercial alargando a sua visão a todo o saber do direito, Ascarelli o retratou em ensaio sobre a juscomercialística italiana do século XX publicada no final de sua vida; aqui as polêmicas pontuais e de mérito, que em sua juventude não haviam poupado o grande jurista friuliano, esmoreciam em uma visão onde as diferenças de abordagem metodológica (Ascarelli mantinha firme a oposição ao jusnaturalismo carneluttiano) encontravam uma compreensão serena82 • O outro é Antonio Scialoja (1879-1962), um jurista em rápida ascensão já na primeira década do século, com uma produção inicialmente considerada desordenada e precipitada e com ambições políticas (deputado por duas legislaturas entre 1913 e 1921 e depois reeleito em 1924); mas, chamado a Nápoles em 1922 para a cátedra de direito marítimo lecionava em Siena desde 1908 -, o seu papel de protagonista emergiu
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Dados sobre sua carreira in ACS, Ministero delfa Pubblica lstruzione/ Direzione Cenerale lstruzione Universitaria, Fascicoli professori universitari, Ili serie, b. 155, fase. De Gregorio Alfredo.
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Foi convocado em 1912 a Catânia, como segundo colocado depois de De Gregorio, que renunciou ao posto. Em 1915 vence a cátedra de Pádua de processo civil à qual Calamandrei esperava ascender
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Ascarelli, 1959, pp. 994-999.
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participando nas discussões sobre os limites da matéria comercialística e sobre os ramos especiais". E, por fim, poderíamos acrescentar alguns comercialistas de valor que eram coetâneos de Ascarelli, Mario Rotondi e Walter Bigiavi, com os quais o jurista romano também começou a se confrontar muito cedo nas discussões científicas com pontos polêmicos também amargos: talvez sinais de conflitos que irromperão abertamente no retorno para a Itália depois da guerra. Aqui é suficiente notar que entraram muito jovens no círculo da Commerciale, com uma personalidade crítica, ideias e instrumentos que explicam o seu papel de protagonistas na novíssima geração. Aqui, para concluir, uma observação sobre os enfadonhos dados pessoais nos quais nos demoramos. A esperança é ter mostrado que eles não são fins em si mesmos. Vimos uma escola que se ramificou em uma continuidade crítica em relação aos seus pais fundadores e que se distribuía em diferentes centros com um intenso debate dentro dela, mas no fundo com posições compatíveis. Milão continuava muito importante pela presença de Sraffa e seu legado - o que significa a Universidade Estatal, a Bocconi e o centro nevrálgico da revista - além da Católica. Por sua vez, Roma confirmava-se no seu papel, acrescido ainda mais sob o regime centralizador fascista, como centro de autoridade devido aos laços muito estreitos que a Faculdade de Direito mantinha com as instituições (Parlamento, Governo, entes públicos e culturais com sede na capital): ao tempo de Ascarelli, que até 1938 manteve Roma corno base de sua atividade, a matéria foi inicialmente representada por Vivante e Rocco, por Arcangeli e depois por Asquini e De Gregorio, bem corno pelo especialista em propriedade industrial Ghiron (mais tarde, mas a essa altura Ascarelli já estava no Brasil, a Faculdade trouxe para si aque-
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Famosa, em particular, a aula inaugural napolitana publicada na Cammerciale em 1928 sobre a sistematização científica do direito marítimo (Scialoja, 1928, pp. 1-15), várias vezes reclamada por Ascarelli a propósito das relações entre critérios técnicos e a autonomia da matéria. Protagonista dos trabalhos preparatórios do Código da Navegação, Scialoja foi logo depois convocado para a Sapienza romana (1942). Dados sobre a carreira in ACS,Ministero della Pubblico lstruzione, Direzione Generale lstruzione Universitaria, Fascicoli prafessori universitari, Ili serie, b. 427, fase. Scialoja Antonio.
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le que era considerado o príncipe do direito da navegação na Itália, Antonio Scialoja).
5.
DENTRO DA CULTURA DO TEMPO
Espaços abertos, em geral, mas não fáceis de ocupar na incerteza do pós-guerra, como sempre nas fases de crise de reconstrução. O precondicionamento cultural com que normalmente se enfrentam os problemas jurídicos representa uma bagagem 'natural' também ao serviço de novas soluções; mas o direito excepcional de guerra e a situação do pós-guerra haviam perturbado as coordenadas ideológicas anteriores e os instrumentos jurídicos testados, agora desprovidos de valor operacional e, na verdade, considerados irremediavelmente obsoletos. Aquela aspiração a introduzir um espírito social na legislação e nos institutos, surgida no final do século XIX, tornava-se agora uma exigência urgente, pela presença de massas por meio de partidos, ligas, sindicatos, ou mesmo através da experiência comum de vida (por exemplo, os ex-combatentes veteranos); correspondentemente, a ordem da produção e distribuição apresentava uma realidade cada vez mais organizada e conectada, em primeiro lugar no que se refere à fábrica mas, pelo menos em perspectiva e para os territórios em torno das grandes áreas urbanas, afetava também o setor primário. Em suma, não apenas agregações de homens, mas novas integrações entre entidades ligadas por funções desempenhadas no tecido econômico-social. Se tentarmos identificar a perspectiva de um jovem que cursou a Faculdade de Direito no imediato pós-guerra e que já pensava em uma carreira universitária, podemos delinear alguns pontos de partida concernentes à postura do jurista. Antes de mais nada, ele devia lidar com o problema da reorganização das formas da sociedade civil, que era então impossível considerar como a soma dos indivíduos e que, ao invés, exigia uma consideração agregada e de alguma forma organizada em um sentido publicístico. Se o social era um jogo contínuo entre sujeitos que diferiam em interesses e posições, pressupunha-se que a diversidade pudesse ser padronizada por tipos e categorias que se aproximassem do desenvolvimento con-
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ereto da vida civil, de modo que a nova situação pudesse ser governada eficazmente pelo direito, isto é, com consistência e equidade. Isso colocava o problema, por um lado, de reorientar os velhos institutos em um sentido funcional e, portanto, dinâmico, e, por outro lado, de considerar elasticamente as fronteiras entre as disciplinas - era a questão das 'misturas' - e de admitir a autonomia das novas matérias. Ele devia também agir com destreza em relação à complexa questão das fontes do direito: não simplesmente um problema de ordem hierárquica, nem do novo ingresso de fontes dentro do arranjo preeexistente, mas de rediscussão teórica de quem e de como (aspecto funcional) estava habilitado a produzir normas . Não se tratava apenas de reconhecer que os códigos, com exceção daquele de processo penal (1913) - nascido porém entre tantas oposições - eram decrépitos; nem que a legislação especial e excepcional tinha se sobreposto sem ordem e, ainda assim, muitas vezes delineando princípios que tendiam a se tornar fundamentais e, portanto, aplicados analogicamente, generalizados no sistema; nem ainda que a virada funcionalizadora das medidas normativas produzia uma torção administrativística de toda a estrutura, que também foi afetada pela multiplicidade de instituições que se sentiam com poderes para estabelecer normas. O velho modelo legicêntrico e monopolista tornava-se inviável, como as várias reflexões dos vinte anos anteriores na Europa haviam mostrado, de Gény e Hauriou a Kelsen, às teorias do direito livre; o próprio centro de produção da lei, o Parlamento, estava em crise por toda parte, como os acontecimentos da guerra haviam impiedosamente desnudado. Mas agora a discussão passava para a prática política, afetava os gabinetes ministeriais - promovidos, na Itália, por dois ministros ou ex-ministros como Vittorio Scialoja e Mortara- e que naturalmente envolviam legiões de juristas, de modo que dialeticamente a redação dos projetos atuava como um multiplicador para o relançamento das discussões nas aulas e nas revistas acadêmicas. O sistema das fontes precisava de aberturas e devia ser aplicado na concretude das relações cotidianas: e aqui surge a receita jusnaturalista - na Itália as novas danças nessa direção foram abertas por Dei Vecchio com o discurso de
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1920 - eis o ressurgimento da 'natureza das coisas' como válvula de escape, eis as discussões sobre a função criativa da interpretação (que também era uma forma de mistura entre a função normativa e a judicial). Por fim, devia - e aqui se fala do jurista comercialista - tentar acompanhar a incessante dinâmica das relações comerciais, apertada entre um código talvez até já nascido velho, a incessante legislação especial e uma práxis que ousadamente e muitas vezes com duvidosa legitimidade inseria continuamente exceções ou extensões aos regulamentos em vigor (em matéria de sociedade, por exemplo, com um jogo sobre as múltiplas formas de responsabilidade). Os trabalhos anteriores durante o que se poderia chamar de idade (de ouro) vivantiana operaram no sentido de uma sistematização das novas operações comerciais, sendo bem sucedidas no duplo intento de emancipar o material já satélite do civil através de uma robusta consistência dogmática e de afirmar seu valor dinâmico. Espíritos pandectistas e convencidos da unidade da ciência jurídica, Rocco e Arcangeli haviam, antes de tudo, seguido esse caminho e pode-se dizer que I Principii publicados pelo então Ministro da Justiça em 1928 fossem o resultado final desse esforço. Foram imediatas as homenagens à obra e inúmeras as citações. O próprio Ascarelli, escrevendo alguns anos depois o obituário do falecido ministro da justiça, fixava os méritos de Rocco, mas, em contraposição, indicava seu pertencimento a uma época passada84• Não era talvez uma ilusão pensar que se pudesse incluir dentro de um sistema o direito vigente que tinha fontes e práticas tão díspares? E certamente considerava-se forçada a ideia de utilizar como eixo a categoria geral do ato de comércio para tornar a matéria coesa85 • Eis o problema: integrar e gerenciar os conteúdos do direito vivo, para usar o sintagma introduzido por Ehrlich e então adotado no uso comum. Os estudiosos do direito comercial estavam obviamente na vanguarda como cultores específicos da forma jurídica das relações econô84
Ascarelli, 1935b, pp. 378-381.
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Uma revisão geral das posições sobre este tema, precisamente na primeira publicação dos Princípios de Rocco, está em Scuto, 1928, por sua vez crítico da doutrina do ministro da justiça, p. 324 ff. (com posterior apoio de Ascarelli, 1931, à tese de seu antecessor na cátedra em Catânia).
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micas entre produtores e consumidores, que por sua vez se apresentavam como agregações inéditas na sociedade de massa: uma posição delicadíssima, nem é preciso dizer, em tempos nos quais era forte o impulso para reconstruir, fazer crescer a produção e a potência geral da nação e aumentar as oportunidades de trabalho.Na resolução dos problemas colocados eles operaram dentro da cultura da época, inclusive nos casos de Mossa e de Ascarelli, os quais nos anos da ditadura adotaram um comportamento que de fato implicava renúncia a cargos institucionais e políticos, mas, não paradoxalmente, participaram com grande força dessa cultura, inserindo-se dialeticamente nela86 •
6. AscARELLI EM AÇÃO (OBVIAMENTE UMA PEQUENA AÇÃO)
É este conjunto de precondições, de natureza sociocultural mas também relacionadas de modo específico com a matéria para a qual se encaminhou, que influencia a atividade de Ascarelli e contribui a explicá-la. Não há determinismo nisso,já que a personalidade ascarelliana interagia à sua maneira com a cultura na qual estava imerso. No entanto, é ao antes e ao vivido a que se deve prestar atenção, não ao depois que conhecemos do complexo de sua obra: o Ascarelli que podemos ver em ação nos anos do Estado totalitário é apenas aquele que a condição de sua vida permite: a única atividade civil concedida pelo regime era aquela estritamente ligada a ser jurista, mas também neste aspecto com um estatuto diminuído por controles sobre as manifestações de pensamento, sobre as relações científicas com instituições estrangeiras e sobre a circulação no estrangeiro e pela subordinação obrigatória aos princípios políticos gerais do fascismo (em primeiro lugar aquele, vastamente usado num sentido repressivo, de proibição de atividades 'antinacionais').
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À diferença de Mossa, Ascarelli, no entanto, ingressou no Partido Nacional Fascista em 1932; em seus escritos, porém, não há vestígios de homenagens ao regime e menos ainda de elogios ao Duce (é um sinal de distinção notável porque infelizmente aparecem nas páginas de muitos juristas, mesmo de grande fama e teoricamente independentes porque já na cátedra).
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O primeiro dado, embora puramente externo, é o ritmo impressionante com que publicava, logo após seu bacharelado 87 • No panorama geral, seus números eram superdimensionados em todos os aspectos: muitos textos publicados, em termos absolutos; muitos gêneros literários usados (monografias, ensaios, notas, cursos e manuais, verbetes enciclopédicos, resenhas, comentários); várias obras coletivas (estudos de honra, estudos de memória, anais de congressos) e muitas as revistas nas quais os escritos foram aceitos e quase sempre com aparições repetidas, o que evidencia relações estáveis e numerosas 88 ; muitos os campos de interesse além da sua matéria (da teoria do direito ao direito civil e do trabalho, ao direito administrativo, ao direito penal e à criminologia"). Pode-se acrescentar que desde meados dos anos trinta dirigia uma série monográfica de Ilforo italiano (e do periódico correspondente, que então se vangloriava da comissão de direção de Alfredo Ascoli, Mariano D'Amelio, Alfredo Rocco e Santi Romano. Cesare Vivante era membro do Conselho Editorial). Uma atividade bulímica que, sem recorrer a fantasiosas hipóteses psicológicas, talvez se explique pela ideia de viver numa fase juridicamente de transição, no sentido específico que ele próprio atribuía a esta expressão naqueles anos: uma fase em movimento, não só provisória e incerta, mas de acumulação construtiva. Várias vezes nos escritos dos anos trinta, Ascarelli usou o termo crise'° a esse respei87 88
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Fala-se de "ininterrupta obra prodigiosa" ou ainda de" vulcão em perene atividade" (Stella Richter jr, 2020, p. 13). Somente para se dar uma ideia, publicou ensaios em Rivista dei diritto commerciale, Rivista di diritto internazionale, Annuario degli studi legislativi, Rivista di diritto processuale civile, Rivista di diritto civile, Temi emiliana, llforo italiano, Foro della Lombardia, Archivio giuridico, !l diritto dei [avaro, Rivista italiana per le scienze giuridiche, Diritto e praticacommerciale,Zacchia, Diritto d'autore, e em várias revistas estrangeiras. Sobre a centena de textos publicados em Ciustizia penale de 1925 a 1938 v. o preciso exame e a edição antológica de Migliorino, 2021. Por exemplo, Ascarelli, 1930, p. 742: "Ela [a legislação especial] pode serem parte o indício da crise que ora atravessa o ordenamento jurídico que, na busca de novas fórmulas, é desenhada justamente para dar maior importância às considerações de equidade, mas também corresponde àquela nova organização econômica e social para a qual caminhamos" (grifo meu). Veja também Ascarelli, 1934a, pp. 33-34 sobre o papel da jurisprudência em conferir elasticidade ao ordenamento jurídico em um período de transformação como o atual, ou aindaAscarelli, 1935c, p. 318 1 sobre a crise decorrente da necessidade de adaptação da lei às mudanças
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to. Para além das contingências políticas que atravessavam as realidades nacionais individuais, a mudança de ritmo do pós-guerra na civilização ocidental - este foi imediatamente o horizonte ascarelliano - exigia um repensar fundamental, sobretudo de natureza filosófica, e implicava uma atividade contínua de implementação, por sua natureza provisória e móvel nos resultados 91 • O seu esforço incansável pode ser entendido precisamente como uma adesão crítica às coisas, uma contribuição ativa ao desdobramento desta realidade. Conforme dito, os interesses de Ascarelli eram variadíssimos, mas alguns temas norteadores aparecem continuamente em suas publicações no período considerado, de modo que mesmo certos textos que talvez tivessem a ambição de atuar como 'manifestos' do pensamento do autor, por um lado, são muitas vezes heterogêneos e repetitivos, por outro lado colocam-se especificamente em uma fase determinada da experiência intelectual da Ascarelli e, portanto, requerem uma localização específica92 • Precisamente porque a sua atividade foi essencialmente um conjunto de intervenções sobre questões de atualidade doutrinária,jurisprudencial ou legislativa, pode-se compreender por que elas foram publicadas majoritariamente em revistas e, em primeiro lugar, na Commerciale. Em alguns anos - em particular 1932 e 1933- ele inundou a revista milanesa com suas contribuições, mas olhando mais de perto também produziu uma monografia, já que quatro dos ensaios publicados naquele último ano, dedicados aos títulos de crédito e vinculados entre si, tiveram abrangência e abordagem monográfica". E em todo caso, a impressão que se
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tecnológicas (o texto foi retirado de palestra proferida em Viena em 12 de abril de 1935). Seria fácil apontar outros exemplos em obras da década de 1930. Sobre a continuidade e mudança de ritmo no pós-guerra cfr.Somma, 2019, pp. 3-4
epassim. 92
Eo caso do ensaio publicado na abertura da Rivista de 1934, merecidamente célebre pelas riquíssimas ideias que, presentes em outras obras, retomava com maior articulação; e no entanto o texto era também ligado especificamente às discussões que atravessavam a comercialística em 1933-34 e ao itinerário legislativo (momentaneamente) concluído e a estrutura corporativa (lei de 1934).
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Ascarelli, 1932a, 1932b, 1932c, 1932d. Impressiona a capacidade de tratar um instrumento que nascera da prática consuetudinária e tornara-se "uma das contribuições mais relevantes à formação da civilização moderna" (1932a, p. 237), através de uma análise histórico-jurídica que partia da experiência medieval e fluía em uma reconstrução dogmática respeitosa da prática.
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tem de tantas contribuições não é a de dispersão porque a grande variedade de interesses testemunhada pelas leituras transversais tinha o seu centro na matéria comercial, assim como a ampla gama de gêneros literários utilizados foi no fundo instrumental para o tratamento multifacetado dos argumentos, segundo pontos de vista reunidos". Seu método de trabalho era nítido e coerente. Assim pode ser surpreendente que, em meio a tantas discussões sobre a localização da comercialística e suas funções, Ascarelli dedicasse a sua aula inaugural de Parma (ano acadêmico de 1932-33) a um tema certamente atual, mas muito técnico, como o direito cambiário, cujo tratamento aparece como uma especificação de sua metodologia, pois percorria a evolução histórica da cambial até o seu papel atual e oferecia as coordenadas sistemáticas. Vejamos, com algum arbítrio na seleção e muita simplificação, os principais pontos de seu itinerário, com a ressalva de que as páginas a seguir pretendem apenas ilustrar aspectos específicos de Ascarelli em ação, no contexto sintetizado pelas cinco questões anteriormente evocadas 95 • a) O problema da interpretação. Aqui o ponto focal encontra-se no ensaio juvenil de 1925, que, desde Bobbio vem sendo descrito majoritariamente como a versão inicial, tímida e imatura de sua teoria da interpretação, com a postulação malfeita da dupla verdade (filosófica e dogmática): um primeiro passo,já certamente de cunho idealista, rumo ao acolhimento da teoria criativa da interpretação, que ele sustentaria firmemente na maturidade. Mas parece que Ascarelli não tivesse se empenhado nos anos 20 ou 50 para desenvolver uma teoria da interpretação96; e é curioso notar que nas análises atuais registra-se um salto entre o ensaio juvenil e o da maturidade no seu retorno à Itália, como se nesse
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Ascarelli, 1933b, pp. 133-157. A aula inaugural foi proferida em 26 de janeiro de 1933. O jurista vinculou-se explicitamente (pp. 154-157) à teoria geral dos títulos de crédito exposta em vários ensaios da mesma revista no ano anterior, demonstrando os laços que uniam as várias intervenções dentro da esfera geral de sua reflexão.
95 96
Cfr. supra,§ 1, no final. Costa, 1991, pp. 485-486, reconheceu que seria vão esperar-se um tratado sobre o tema da interpretação em Ascarelli pela atitude problematizante que caracterizava a sua reflexão.
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intervalo ele não se interessasse pelo problema". Na realidade ele refletiu constantemente sobre a interpretação no exercício do seu mister de jurista, mesmo nos anos 30 em que aparentemente só surgiram trabalhos relacionados com a matéria comercialística ou com o direito positivo: sentia o tema como inerente à sua própria atividade e percebia sua presença em todos os interstícios de sua obra, quando tocava na questão geral das fontes ou talvez na questão específica do contrato coletivo, ou iniciava uma reflexão sobre um instituto nascido da prática, ou ainda quando examinava a evolução dogmática projetando nela a avaliação diferenciada dos interesses em jogo. E assim acontece de se encontrarem elementos de sua 'teoria' da interpretação mesmo em lugares aparentemente isolados, como uma resenha" ou uma réplica polêmica sobre uma questão técnica setorial99 • O ensaio de 1925 apresentava-se de resto como uma revisão crítica da questão das lacunas, nos termos do artigo 3 das disposições preliminares. E no início Ascarelli reconheceu explicitamente que o problema mais geral, entre os mais elevados da filosofia do direito, não poderia ser "objeto de um tratamento mesmo que provisoriamente definitivo", sendo o presente "um período de revisão inegável das teorias tradicionais da filosofia de direito" 100 • Daí a ideia de intervir com simples notas críticas (appunti critici) e não com um estudo amplo da matéria (tratazione) 101 • Na 97 98 99
100 101
Assim explicitamente Meroni, 1989, p. 161 nt. 1. Mas é convição difusa. Será visto mais adiante. É o caso de um dos textos sobre a cláusula solve et repete, a propósito da qual Ascarelli estava aberto à sua inserção nos contratos comerciais sem posições preconceituosas sobre sua ilicitude e consequentemente delegando à interpretação do juiz a apreciação do arranjo de interesses na relação concreta; mas ao mesmo tempo o jurista, que há pouco fora convocado a Pádua, referia-se à sua ideia de cooperação entre intérprete e legislador, declarando que para o uso de cláusulas semelhantes relativas às relações entre grandes empresas e consumidores, era necessária uma intervenção legislativa para a tutela destes últimos (Ascarelli, 1933c, p.709). Ascarelli, 1925a, p. 235 nt. 1. ld. O jurista, então com apenas vinte e um anos (o ensaio era datado de janeiro de 1925), justificava assim o escasso número de notas. Em realidade, segundo aquele que se tornará seu costume, traçou notas essenciais e bem miradas, dando prova de bem manejar a literatura, também francesa (Gény) e da área alemã (Kelsen, Zitelmann, mas também os tardo-pandectistas e os expoentes da teoria do direito livre), desenvolvida no início do século.
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verdade, o longo ensaio - talvez um pouco superabundante na exposição discursiva - pode ser lido por vários ângulos. Antes de tudo, como uma revisão crítica essencial das contribuições mais recentes para a abertura do sistema, ainda que por mestres respeitados (De! Vecchio, Pacchioni, Brunetti e o ainda jovem Asquini), todas remontando a receitas mais ou menos impregnadas de jusnaturalismo; mas a revisão também tinha em mente o problema teórico que a filosofia idealista italiana enfrentava recentemente com as posições de Croce e Gentile e, em seu rastro, de Maggiore. Aqui a questão das lacunas vinha enfrentada nos termos mais amplos da interpretação e mais precisamente como a relação entre sujeito e objeto a ser conhecido e como a relação entre a disposição normativa, sempre abstrata, e aJattispecie que ao invés exigia uma regra concreta: deste ponto de vista, em essência pergunta-se como o direito poderia apreender a vida e a história, que na concretude cotidiana escapam ao esquema abstrato da lei 102 •
O conflito abstrato/ concreto só poderia ser superado com a integração entre o ponto de vista dogmático - para o qual toda regra aplicada estava contida no ordenamento jurídico - e o histórico-filosófico que admitia o valor criativo do trabalho de interpretação. Mas o jovem jurista permanecia fiel ao pressuposto de partida e não propunha sua própria teoria reconstrutiva. Ascarelli observava: e ele bem podia recordar a distinção proposta por Gény entre o 'dado' e o 'construído', assim como ele poderia com ânimo imparcial afirmar que o recurso ao costume era principalmente um instrumento para inserir no ordenamento diretrizes metajurídicas 103 • E todavia não renunciava a uma observação cáustica sobre a generalizada falta de reconhecimento da necessidade de integrar o ponto de vista dogmático e histórico-filosófico: pretendeu que a interpretação analógica não fosse um procedimento criativo do direito, mas sim aplicativo e, distinguindo entre direito excepcional e especial, alegava que a analogia não era extensível ao primeiro104 • Com tal raciocínio, o dogma se salvava, só que a realidade não se deixava en102 103 104
ld., pp. 244-245. ld., p. 257. ld., pp. 253-256.
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cerrar nestas categorias teóricas 105 • Uma propensão para o direito livre, então? De forma alguma: na revisão proposta, o jurista estigmatizava os excessos dos partidários daquela teoria.
É fácil ouvir a agitação dos pensamentos de Betti e de Francisci naqueles anos, bem como perceber o pragmatismo de Vivante e o conjunto das discussões apaixonadas entrelaçadas com outros jovens de 20 anos, como Cammarata e Max Ascoli, que ao mesmo tempo preparavam suas monografias ex prefesso106 • Convém levar a sério a afirmação de Ascarelli: a sua proposta não era de uma teoria da interpretação, mas sim a exposição de um problema crucial para o jurista, para que a contribuição do autor consistisse essencialmente na expressão pública de uma cultura respirada, com uma exposição singularmente crítica, e com a predisposição não para indicar uma solução definitiva, mas para contribuir em sua busca. Antes de tudo, no que dizia respeito a ele, na matéria do direito comercial. b) De um realismo historicista a um historicismo controlado: a questão do voto plural e da tutela das minorias. É compreensível que no jovem Ascarelli fosse forte a tendência a apoiar as novas formas em via de afirmação no mundo do direito comercial em elementos fora da legislação, pela prática e pela interpretação. Nesse sentido foram as ideias básicas de seu professor e seu próprio historicismo básico que, longe de ser conservador, via a legislação apenas como um dos instrumentos de renovação social, mas essencialmente para consolidar as solicitações e diretrizes sugeridas ou impostas pela prática. Pode-se falar em uma predisposição ideal para reconhecer o impulso inovador da iniciativa empresarial, fosse ela privada ou pública; e de resto a ideologia econômica 105 106
Ascarelli não hesitava em indicarem Rocco o campeão do ponto de vista dogmático (ld., pp. 251 e 252 1 respectivas. ntt. 1 e 3, e p. 255). Faz-se alusão a Cammarata, 1925, que, com uma nota evidentemente adicionada ao final da redação do ensaio, Ascarelli qualificava como um "volume vigoroso" recém-lançado, eaCammarata, 1926, bem comoaAscoli, 1991 (aprimeiraediçãofoi de1928), em relação à qual é impressionante a proxfmidade das ideias ascarellianas (relação entre dogmática e filosofia; uso da relação entre donné e construit de Gény; traçando o problema da interpretação à dicotomia abstrato/ concreto). Entre Ascarelli, Cammarata e Ascoli houve um jogo de discussões públicas em forma de referências e resenhas (cf. De Gennaro, 1974, pp. 587-591).
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prevalecente nos primeiros anos do governo mussoliniano era a moderadamente liberal do ministro De Stefani. Portanto, não causa estranheza que, entre os primeiros ex professo na Itália a propósito do problema das ações com voto plural nas sociedades por ações, Ascarelli tomasse uma posição favorável 107 • Estamos em 1925 e a ocasião da manifestação foi um livro dedicado a esse tema por Henry Mazeaud,recém-lançado na França. Com um horizonte histórico e comparatístico que lhe era congenial desde o princípio de sua carreira, o jurista constatava a am pia difusão desse fenômeno nas décadas anteriores (apenas o ordenamento jurídico brasileiro o proibia de maneira absoluta108); o mesmo acontecia com a prática italiana, que, no entanto, não era explicitamente disciplinada pela legislação, ao passo que, diante de uma doutrina ainda quase muda, começavam a surgir os primeiros pronunciamentos jurisprudenciais. O problema jurídico podia ser examinado de um ponto de vista exegético e, então, ele dizia respeito à legalidade ou não da prática - e aqui a resposta de Ascarelli foi positiva, inferindo em negativo do art. 164 do Código Comercial, com o único limite de que cada acionista dispusesse, no mínimo, de um voto; ou então de acordo com uma visão histórica, para explicar a tendência atual e, portanto, as funções das ações com direito a voto plural. Considerando que os dois pontos de vista estavam ligados, o segundo foi o decisivo para traçar as linhas de orientação de uma regulamentação que agora parecia necessária. Pois bem, se era fácil detectar que a difusão do fenômeno respondia ao pedido de manutenção da gestão da companhia nas mãos do mesmo grupo, esta então se dividia em várias outras finalidades (continuidade da administração, preservação do controle em relação aos ataques de grupos concorrentes, acordos de controle sobre outras sociedades). O observador poderia, no entanto, derivar uma linha de tendência adicional, a saber, que o con107
108
Ascarelli, 19256, pp. 131-150. O problema foi analisado historicamente, também com referência aos anos aqui examinados por Cariello, 2015, pp. 485-587 (referências a Ascarelli spec. pp. 501-502 nt. 25 e passim). Aqui, falamos sobre isso exclusivamente para examinar a ótica do jurista romano. Ascarelli, 19256, p. 135.
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traposição entre a categoria dogmática da sociedade de capitais e a da sociedade de pessoas estava diminuindo: na primeira, por algum tempo, um processo de penetração do intuitus personae (e de fato, as ações com voto múltiplo respondiam à crescente consideração do elemento pessoal), enquanto na segunda se vinha afirmando o intuitus pecuniae. Da mesma forma, a contraposição, embora dogmaticamente forte, entre ação e debênture estava se desvanecendo 109 • A análise, ainda que sumária - Ascarelli declarou modestamente que não pretendia ir além do espaço de uma nota110 - delineava assim o circuito dentro do qual se moverá todo o pensamento do jurista: de um lado, o direito, que não pode deixar de operar por meio de uma abordagem dogmática, de outro, a práxis, que tende continuamente a ultrapassar as fronteiras categoriais. Era a dinâmica específica do direito comercial. E o sólido historicismo que animava a visão do jovem professor não era apenas continuísmo, mas também ruptura. Ao voltar seu olhar para a história das sociedades anônimas do século XVII, o jurista também via apelos e retornos e, portanto, pausas. A história era de fato o teatro do exercício das relações de força e, por exemplo, a tendência que se havia afirmado no passado a favor dos pequenos acionistas era invertida no presente, independentemente da cor política dos governos 111 : para reequilibrar a relação, para sua tutela, várias partes invocavam a intervenção do Estado. Em coerência com sua própria posição historicista, Ascarelli acreditava que a legislação devesse dar reconhecimento à práxis e sugeria que o código do comércio em gestação interviesse na matéria. Entre as duas soluções abstratamente disponíveis para o legislador, devia ser descartada aquela proibitiva das ações com voto plural, o que teria sido em vão de qualquer maneira porque estava sujeita à evasão na prática; por outro lado, não convinha deixar liberdade absoluta para o desempenho das 109
no 111
!d., pp. 140-141. !d., p. 146. ld., p. 145: este modo de ver os problemas, por assim dizer numa perspetiva macroeconômica e macrossocial, foi então, e sempre sob o fascismo, a sua forma de se abstrair do regime.
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relações de poder, de modo que, em última análise, era oportuno adotar uma via mediana. Em concreto, o jurista propunha tomar como base o recente projeto de regulamentação apresentado pela Associação Bancária, mas aportando modificações que pareciam apoiar a prática e, portanto, o poder dos titulares de ações com direito a voto plural exceto para conceder, em troca, vantagens patrimoniais aos acionistas ordinários 112 • Poucos anos depois, o jurista romano voltou ao assunto assumindo posições mais limitadoras e muito mais caracterizadas no sentido publicístico 113 • Mais uma vez, ele escolheu publicar o texto em espaço apartado da crítica, mas no fundo muito apropriado porque o livro em questão era aquele de René David, publicado em Paris em 1929 e dedicado à proteção de minorias em sociedades por ações 114 • O ponto central enfocado por Ascarelli foi que o direito de voto não era concedido ao acionista para satisfazer um interesse egoístico, mas sim no interesse da sociedade, de modo que o exercício do voto se resolvia em uma função social (droit-jimction e não droit-pouvoir). As várias legislações continham este princípio (no código comercial então em vigor derivava do art. 161 sobre o tema do conflito de interesses); para o então professor de Catânia não se tratava de uma regra excepcional, mas de um princípio e, como tal, extensível pelo intérprete em todos os casos em que reconhecesse que um poder conferido para um fim específico era usado para um fim diverso 115 • Ascarelli não escondeu o fato de que a maior parte da doutrina e da jurisprudência tinha, em sentido diverso, uma atitude restritiva e neste ponto ele voltou à função do intérprete já tocada na aula inaugural que acabara de proferir para abrir o curso na universidade etneana e resumido na coexistência da conservação (ou seja, fidelidade à tradição) e progressismo (ou seja, tensão em relação à inovação ) 116 • Em particular, cabia especificamente ao magistrado aplicar o princípio, com 112
!d., pp. 148-150.
113
A impressão é que inicialmente Ascarelli sentia o peso das posições favoráveis expressas porVivante e que nos anos seguintes se aproximou mais do pensamento crítico de Sraffa (sobre o qual ver Cariello, 2015, pp. 521-522 nt. 69).
114
Ascarelli, 1930, pp. 735-743.
115 116
ld., p. 737, onde falava de excesso ou abuso de poder. Falar-se-á sobre isso em breve.
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uma atividade discricionária certamente delicada, mas que, em sua opinião, permanecia no âmbito do juízo de legitimidade'". O raciocínio que assim desenvolvera foi extraordinariamente expandido na recensão. Ascarelli notou a tendência de fundo à centralidade da dimensão social do direito, o que levava a considerar a razão pela qual os vários direitos eram concedidos. Tal tendência inspirava as várias legislações especiais, para além dos vários regimes políticos e correspondia à nova organização econõmica e social. O processo de concentração industrial criava em todos os países as condições de uma produção em massa para a categoria dos consumidores, com crescentes interferências publicísticas no campo do direito privado, um papel acrescido dos aparatos administrativos e uma ampliação da discricionariedade dos juízes. Tudo isso, sem ser apanágio exclusivo do direito comercial, neste setor tinha suas mais relevantes manifestações como expressão das relações capitalistas de produção. Palavras claríssimas, retomadas dois anos depois, quando Ascarelli juntamente com Arcangeli apresentou um relatório ao Congresso Internacional de Direito Comparado de Haia (agosto de 1932) dedicado, em geral, a ilustrar a evolução mais recente das sociedades anônimas na Itália, mas com especial atenção ao voto plural e ao problema da proteção das minorias'"· E se já é digno de nota constatar o prestígio de que gozava o jovem professor catedrático catanense (na altura ainda não tinha trinta anos), a colaboração com o respeitado e agora "romano" comercialista da região de Marche, firmemente inserido no aparato corporativo em construção, deve ser ainda mais realçada; o fato de que, quanto ao mérito, o relatório reiterasse os pontos essenciais da precedente análise ascarelliana indica a sua capacidade de juízo, independentemente das orientações políticas, mesmo que nada neutras. O fato é que ele acreditava que o processo de concentração de empresas não era apenas 117
118
A esse respeito, e em adesão, v. Ferri, 1934, pp. 723-746 dedicado à figura do excesso de poderem relação à tutela das minorias (com aniplà discussão das elaborações administrativistas e, quanto à funcionalidade do exercício do voto no que diz respeito aos fins da sociedade, com recurso a Gierke: p. 737 nt. 4). O relatório conjunto foi publicado na Commerciale: Arcangeli-Ascarelli, 1932, pp. 159-172.
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inevitável, mas também profícuo e, por isso, via com bons olhos as formas de gestão centralizada como instrumentos para reforçar a eficiência econômica. No relatório de Haia, o discurso aparece mais amplo e mediato - influía certamente a ocasião para a qual fora preparado e talvez a necessidade de encontrar uma síntese com o correlatar; todavia, eram claros o horizonte analítico e a perspectiva dos objetivos a serem alcançados por meio da legislação. Por um lado, havia uma referência explícita aos bancos como financiadores das empresas e de seu interesse de controle sobre elas e sobre as empresas encadeadas, bem como o perigo de uma situação de monopólio de uma minoria acionária que, aproveitando a pulverização do acionariato e o absenteísmo dos pequenos acionistas, poderia governar um império econômico sem controles (os próprios integrantes dos conselhos das empresas eram uma expressão da vontade desse monopólio). Por outro lado, a tutela dos pequenos acionistas foi novamente indicada como uma finalidade pública, ou melhor, como o interesse não tanto do sócio em participar da administração da empresa, quanto da coletividade na gestão correta e lucrativa da em presa 119 •
c) Na cultura corporativa: que autonomia para o direito comerciaR Ascarelli corporativista? A colaboração com Arcangeli pode ser um sinal disso e por outro lado o relatório apresentado na Holanda mostra a propensão a olhar para os problemas econômicos e jurídicos do ponto de vista do interesse do agregado coletivo (a empresa, a nação) e não do indivíduo. Escusado será dizer que a questão agora colocada é simplista ao sugerir que se possa restringir dentro de uma certa qualificação o horizonte de Ascarelli e, especificamente, ao hipotetizar que ele possa ser classificado como um corporativista, termo histórica e teoricamente com múltiplos significados. No entanto, pode-se perguntar se ele era permeável à cultura .corporativa e a resposta certamente seria positiva. Ele so119
"E com esta tutela o legislador deve ter como objetivo alcançar não só a proteção do interesse privado dos acionistas minoritários, mas sobretudo a proteção mais efetiva da economia nacional, agora toda interessada no bom andamento da administração da sociedade, toda prejudicada pelos abusos na administração"
(ld,, p.172).
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freu o seu impacto, talvez o seu fascínio, mas entende-se que o tornou à sua maneira, corno um historicista original. Certamente influenciava a orientação pragmática que lhe vinha da escola vivantiana e que resultava na leitura das relações de produção e troca em suas projeções nas formas jurídicas. Aqui está precisamente o ponto: para Ascarelli, as 'coisas' não produziam nenhum direito e muito menos se poderia dizer que o corporativismo estivesse nas 'coisas', sendo ao invés urna modalidade de vida civil - em particular, urna forma organizada do mundo da produção e do trabalho - que precisava de urna ideologia de apoio e se realizava por meio de instituições e normas. Nenhum mecanicismo nisso, mas sim, na concepção ascarelliana, um jogo contínuo entre as relações da realidade econômica e a regulação do direito, entendida corno um filtro de muitas camadas que combinava razão e vontade, favorecendo picos de autonomia individual, impulsionados para a inovação, mas também limites à iniciativa privada. No corporativismo cruzavam-se duas diretrizes, a ideológica e a jurídico-institucional, e ambas despertavam o interesse do comercialista romano. Qyanto à primeira, em suas vertentes variadas e múltiplas, o corporativismo pertencia à família das ideias que promoviam a socialidade em oposição ao individualismo: no centro colocava a visão de urna sociedade que operava por agregações, ora protagonistas nos setores de produção e troca. O segundo aspecto era quase necessário para o historicista Ascarelli: devia o direito aderir à revolução industrial, à organização moderna do trabalho, às necessidades de urna sociedade de massas fundada na circulação do crédito e na empresa. A socialidade deva ser transmitida ao direito positivo, tornando-se seu fio condutor, o eixo sistêrnico; ela de resto fortalecia um processo que já estava em andamento. O direito comercial, em particular, já havia algum tempo expressava sua crítica aos códigos do século XIX, modelados no produtor isolado, e propunha a imagem dos sujeitos organizados corno protagonistas das relações econômicas, como demonstrava a parcial mas crescente publicização da rnatéria12º.
120
O jurista afirmava~o já na abertura de seu curso, falando das fronteiras oscilantes e variáveis da matéria e das tendências à publicização (Ascarelli, 193161 p. 3 ss.).
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DO REGIME FASCISTA: A ASCENSÃO
DE
UM COMERCIALISTA IRREGULAR...
Sem qualquer sinal de mens destruens nos conflitos com a cultura jurídica da Revolução Francesa, é até óbvio que Ascarelli fizesse sua a parte crítica do corporativismo. E quanto à relação específica entre corporativismo e direito comercial, este foi um tema que começou a surgir no final dos anos 20, com a aprovação da Carta dei Lavoro, para setornar um terreno usual de confronto na década seguinte121 • Se a ideia central era a da transversalidade do corporativismo, que nas expectativas dos ideólogos mais radicais do regime devia permear todos os ramos do direito, contribuindo a orientar no sentido publicístico até mesmo os institutos mais tradicionais do direito privado, a contiguidade e mesmo o entrelaçamento com a matéria comercialística pareciam óbvias e foram substancialmente aceitas por toda a escola. E todavia basta recordar os juristas que, em diferentes papéis, fizeram-se seus paladinos - Rocco, pai de um forte corporativismo que silenciava os conflitos de classe, e Asquini, Vivante e Arcangeli, Finzi e Greco, Mossa e De Semo - para compreender que a aproximação não era uniforme, e em grande medida recolocava o leque de posições presentes entre outros juristas e cientistas políticos122 • Assim, o velho Marghieri, que costumava encontrar-se durante a ditadura no cenáculo liberal napolitano com Croce, De Ruggiero, Arangio Ruiz e Fadda, ao despedir-se do magistério acenava ao corporativismo em ascensão, considerando-o necessário mesmo que acreditasse que isso só poderia ser afirmado se tivesse encontrado expansão em outros ordenamentos jurídicos, além do nacional123 • Ascarelli estava, portanto, em vasta companhla. Sua sensibilidade ao corporativismo não derivava de uma adesão condescendente ao regime, e talvez possa se aproximar daquela do mestre na concepção de que representava um horizonte ideológico e normativo,que permitia ao direito comercial abrir-se e superar os termos estreitos da relação sufocante com o direito civil, com o código então velho e desconectado da realidade 124• 121 122 123 124
Éespecifico Mura, 2020, espec. pp. 2-17; várias referências in Jannarelli, 2020. Stolzi, 2007 (com possível pesquisa ad nomen). Marghieri, 1927, p. 371. Nesta direção, seu mestre em diversas intervenções: Vivante, 1929, 1931 e, um verdadeiro hino à renovação pelo corporativismo, 1932 (onde, p. 6 1 formulava a proposta de um gabinete pré-legislativo com especialistas, mesmo não juristas,
Cfr.
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Pense-se, tipicamente, no contrato coletivo e na presença subjacente da categoria profissional, entendida pelo jurista romano como sujeito que trazia novas exigências ao mundo do trabalho, não só porque afastava definitivamente o atomismo do esquema da locação de serviços, mas porque participava do processo produtivo com as especificidades do seu papel, que deviam ser incorporadas nas disposições normativas do contrato coletivo. Aqui estava o ponto-chave da concepção corporativa de Ascarelli, que poderia ser definida como de cunho jurídico-social125 • A corporação não era entendida como um aparato mas, através da articulação das categorias, como uma modalidade organizativa que permitia a participação dos sujeitos envolvidos no processo produtivo, em conformidade com a função dinâmica do trabalho 126 • Portanto não se passava de uma abstração (a igualdade das partes na antiga locação de serviços) para outra abstração (a .corporação como órgão administrativo burocrático); o jurista pensava antes na arquitetura jurídico-social como um instrumento móvel para tornar vitais as características dos setores singulares. Ele observava que através dos princípios corporativos, da legislação especial e da interpretação, todos os institutos tradicionais foram gradualmente tomando um rumo social: títulos de crédito, contratos, grandes sociedades anônimas aderiam às necessidades de uma sociedade capitalista de massas 127 •
em funcionamento dentro da organização corporativa: uma proposta defendida vitoriosamente por Asquini em nome da primazia do Estado (Cf. Rondinone, 2020,
p.60). 125 126
127
Um maior reconhecimento da política fascista está presente, por exemplo, no porém moderado Greco, 1935, pp. 133-134. V., por exemplo, Ascarelli, 1934a, p. 13 ss., com efeitos sobre o acordo coletivo de trabalho, considerado prevalecente diante das normas dispositivas de lei (ld., p. 14, em acordo com Greco e em contraposição a Asquini). Segundo o jurista, o conceito de categoria era central no setor que alguns estudiosos chamavam de direito comercial corporativo (em oposição ao direito comercial tradicional), com um papel comparável ao da empresa no novo direito (Ascarelli, 1935a, pp. 181-182; cf.. Rondinone, 2020, p. 78). Mas a exposição mais clara destas ideias encontra-se em Ascarelli, 1935c, pp. 318-326. É especifico Ascarelli, 1937b, talvez o exame mais espressivo do corporativismo ascarelliano, embora.síntese de ideias várias vezes afirmadas anteriormente; sobre aquele ensaio uma análise inJannarelli, 2020, pp. 327-331.
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AsCArm.u AO ltMl'O DO REGIME
FASCISTA: A ASCENSÃO DE UM COMERCIALISTA IRREGULAR ...
Exprimia-se de novo aquela visão historicista-dinâmica que, por maior razão, Ascarelli aplicou à discussão sobre a autonomia do direito comercial, que sempre esteve viva na matéria, mas na época particularmente acalorada pela ideologia corporativa impulsionada para o circuito jurídico pela política. Devido à reivindicação expansionista inerente ao corporativismo, seguiu a tendência de redesenhar as fronteiras das disciplinas e misturar, pelo menos em parte, seus conteúdos. A visão ascarelliana poderia ser definida em primeiro lugar como a de um autonomista tépido, tendo como referência as posições de forte autonomia de que Asquini era porta-voz, vinculadas à concepção dogmática da especialidade da matéria. Para o jurista friulano, apesar da unidade do jurídico, o direito comercial só poderia ser autônomo devido à especificidade dos princípios que o regiam e que, por outro lado, refletiam-se na tradição de um código separado. Era de resto a ideia dominante - Rocco reforçava os pressupostos com sua construção, mantendo que o direito comercial era excepcional e não especial-, o que, ao contrário, Candian ousou discutir abertamente e derrubar, sustentando a tese da heterogeneidade absoluta da matéria, reconduzida entretanto aos princípios da civilística. Na ideia de Ascarelli estava a marca de Vivante, firme em defender que, na unidade do direito, o ramo comercial atuou como pioneiro na dinâmica inerente às relações subjacentes, ao contrário do ramo civil, que era muito mais estático 128 • Mas o jurista romano colocava ainda sua forte carga historicista nisso: o direito comercial era o direito das relações capitalistas desde seu nascimento no seio da Idade Média, acompanhava seus desenvolvimentos e, portanto, modificava-se ao longo do tempo, com uma relação contínua de influência sobre as outras esferas jurídicas. Como direito dos mercadores, era um ius proprium que se valia das categorias do ius commune adequadas à condição de exercício da arte mercantil; como direito que considerava as operações de comércio 128
Esta ideia norteadora une a tese juvenil de Vivantesobre o código único de obrigações e seu repensar do tema em 1925 e, portanto, de certa forma redimensiona o alcance deste último: no quadro de um intercâmbio entre os dois ramos, era firme o entendimento de Vivante de que o direito comercial devia estender beneficamente suas categorias e suas instituições para o civil, sem viver no pântano dos esquemas civilísticos.
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tinha lançado as bases para uma autonomia da matéria, que então era entendida como a forma jurídica de um substrato - a economia - por sua vez considerada autônoma no século XIX. A autonomia da matéria derivava, portanto, da razão econômica, que tendia a permear muitos aspectos da sociedade civil; daí a elasticidade do direito comercial, capaz de inventar novos institutos e fazê-los absorver no ciclo cotidiano as relações civis, comercializando-as e, portanto, modificando continuamente sua propria condição de autonomia. Esta era a ideia básica de Ascarelli,já claramente enunciada na palestra de Catânia e nas aulas que se seguiram'"; tornou-se mais precisa nos anos seguintes, sendo afetada pelo debate sobre a especialidade das novas disciplinas e acolhendo, em particular, a reflexão sobre os elementos técnicos e os princípios próprios que cada disciplina devia ter para ser qualificada como autônoma130 • Para creditar tal autonomia não bastavam os critérios técnico-econômicos, isto é, como declarava abertamente Ascarelli, a chamada natureza das coisas - o que equivalia a negar que a natureza das coisas fosse fonte do direito - já que era reservado à valoração jurídica discernir entre os fatos técnicos e estabelecer a relevância e os princípios que deveriam tê-los regulado; somente assim as relações materiais poderiam se tornar direito vivo 131 • O jurista não tinha receitas pré-concebidas: propunha uma análise de tipo histórico que, enquanto reconhecia a tendência para as diferenciações econômicas e, portanto, disciplinares e a reconstituição das fronteiras entre o privado e o público, preconizava cautela para não avançar apressadamente com o instrumento sistemático por excelência, o código 132 • Dominava a ideia 129 130
131 132
Ascarelli, 1931a, pp. 93-95 e Ascarelli, 1931b. Após um breve tempo desta articulação do tema, ele publicou um curtíssimo ensaio sobre contratos coletivos comerciais (Ascarelli 1 1933d, spec. pp. 100-101), depois em outro muito descontraído e arejado (Ascarelli, 1934a, spec. pp. 1-10) e finalmente em outro, desta vez especificamente dedicado (Ascarelli, 1935c). Veja Mura, 2020, pp. 50-52 e Jannarelli, 2020, pp. 315-321. V. sobretudo Ascarelli, 1935d, pp. 104-105. A expressão direito vivo era muitas vezes usada também por Ascarelli nas suas obras. Na concepção integralmente historicista de Ascarelli, e particularmente na fase de crise da transformação das estruturas e da cultura, o problema do código não era central, embora frequentemente se retomasse. O jurista vislumbrava o horizonte de um código 'leve' que, na partes das obrigações levasse em conta a unificação
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de função, que devia presidir a reorientação dos vários institutos; o que implicava também uma participação ativa e direta, não só de fiscalização, na vida econômica pelo Estado e, para o jurista, implicava o compromisso de conceber dinamicamente a dogmática 133 • No que diz respeito à sua concepção de direito comercial, em conclusão, talvez seja melhor esclarecer a primeira impressão de um autonomismo tépido: acima de tudo, destaca-se a dimensão relativista da sua visão, devida tanto ao historicismo metodológico como ao dinamismo inerente à economia capitalista e, portanto, às formas jurídicas correspondentes. Ascarelli era a favor de uma autonomia relativa, com contas sempre abertas de dar e receber. Nada poderia estar mais longe das posições hipostatizadas dos autonomistas de princípio. d) Não uma nova dogmática, mas uma dogmática dinâmica. É conhecido o lema que Francisci lançou no Appello ai giuristi por ocasião do primeiro congresso jurídico realizada na capital, por ocasião do décimo aniversário da marcha sobre Roma: "Uma nova realidade, uma nova dogmática". E não poucos juristas desde então propagaram o eco, embora muitas vezes sem ir além de uma declamação vazia. Era um tema caro a Ascarelli, que certamente não esperou o discurso do Ministro da Justiça para tomar posição; vimos isso transparecer no ensaio sobre as lacunas do ordenamento, e está efetivamente presente, talvez em segundo plano, em todas as suas intervenções. Em todo caso, foi na aula inaugu-
133
entre civil e comercial; também traçava um panorama de expansão da legislação especial, de princípios gerais comuns e, quanto ao resto, contava com o trabalho de sistematização e interpretação da doutrina e da jurisprudência. Essas orientações são parcialmente expressas em muitos ensaios dos anos 30 e, a seguir, expostas de maneira geral em Ascarelli, 1937b. "A função econômica dos institutos individuais tende a exercer uma importância cada vez maior no direito privado e é prosseguida concretamente também tendo em conta elementos que no ordenamento do código permanecem juridicamente irrelevantes e impõem assim uma consideração que bem se tem denominado funcional dinâmica dos problemas jurídicos"(Ascarelli, 1935c, p. 326). Uma visão panorâmica exemplificativa das novas tarefas do Estado e dos institutos que, na prática e na interpretação dogmática, estavam então tomando uma forma adequada ao "social", está em Ascarelli, 1934a, pp. 10 e segs., 34 e segs. e passim: no ensaio, que abria o ano da revista, o então professor paduano retomava o sentido de muitas de suas pesquisas anter_iores, que em geral podem ser classificadas como "revisionistas" (Rondinone, 2020, p. 78). As ideias expressas acima no texto também são encontradas em Ascarelli, 1935d, pp. 112-113. Cfr.Jannarelli, 2020, passim.
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ral em Catânia, dedicada aos negócios indiretos em relação às sociedades comerciais, realizada em janeiro de 1930, que o jurista aprofundou o seu pensamento 134 • O ponto de partida foi uma reflexão sobre a analogia - ou ainda sobre a interpretação - a ser usada com prudência, mas indispensável no mundo jurídico dominado pela inércia. Por um lado, as formas de direito são relativamente estáveis, por outro lado, mudam as relações sociais que deveriam ser inscritas e, portanto, reguladas nessas formas. Daí um 'arrastamento' do instituto jurídico na história, mas para ser chamado, através da analogia, a diferentes funções: "novas necessidades são satisfeitas, mas muitas vezes com velhas instituições". Além disso, longe de atacar a inércia do mundo do direito, Ascarelli considerou-a útil, uma vez que o reconhecimento das novas exigências precisava de ponderação e lentidão para não comprometer a unidade do sistema e a certeza da norma135 • A questão dos negócios indiretos constituía objeto de reflexão. Tocado apenas de passagem pela doutrina e pela jurisprudência italiana - mas Ascarelli teve o cuidado de citar um texto específico de Bonfante e Sraffa, em uma das muitas colaborações entre eles 136 - , sobre esse tema o jovem professor inspirou-se no pensamento de Rabel, e não parece inútil recordar que as principais leituras por ele indicadas, para suas reflexões dogmáticas, seguiam singularmente as de Betti nos mesmos anos (Zitelmann e justamente Rabel). O negócio indireto nasceu na prática: "as partes recorrem a um determinado negócio jurídico, mas o escopo prático último que propõem não é aquele normalmente implementado através do negócio que adotam, mas um escopo diferente, muitas vezes análogo ao de um outro negócio, muitas vezes sem forma específica"137 • Como criação da práti134
135
Na redação publicada há uma grande aula inaugural: Ascarelli, 1931a 1 pp. 23-98; sobre ela se deteve Grosso, 2008, pp. 497-501. O tema central foi muitas vezes retomado nos anos seguintes pelo direito civil, que reconheceu que o jurista romano foi o primeiro na Itália a fazer uma elaboração de mérito: assim registra a monografia do então muito jovem Rubi no, de 1937, a quem também devemos o verbete relativo no Nuovo Digesto Italiano (Rubino, 1939, pp. 988-990). Ascarelli, 1931a, pp. 25-27.
136 137
ld., p. 69. ld., pp. 27-28
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ca, a sua variedade era múltipla e díspar: podiam-se encontrar negócios únicos, ou uma pluralidade de negócios que apenas na sua combinação realizavam o intuito das partes, mas "a causa do negócio indireto [era] sempre identificada per relationem àquela do negócio direto" 138 • Um dos exemplos propostos por Ascarelli foi o da constituição de uma sociedade por ações, com o pacto de que, após o ato inicial, os acionistas venderiam suas ações a um deles previamente definido, de modo a que de fato a sociedade, que permanecia com um único sócio, gozava do benefício da responsabilidade limitada 139 • Segundo Ascarelli, não se tratava de simulação, nem de negócio fraudulento, e de resto a situação que se criava era semelhante à de urna sociedade por ações que tivesse o Estado como único acionista 140 • Em substância tornava-se flexível o negócio de acordo com as intenções das partes. O objetivo era alcançado utilizando-se um ou mais dos esquemas negociais típicos e, portanto, beneficiando-se de uma disciplina conhecida e elaborada 141 ; ao mesmo tempo, porém, valorizavam-se os motivos das partes - no caso anteriormente exposto era a vontade de se valerem do "princípio fecundo da liberdade limitada'' 142 - , através do qual se concretizava a abstração da causa negocial, imóvel em sua fixidez. Nem é necessário recordar que estas reflexões desenvolviam-se no contexto de uma prática que pressionava pelo uso cada vez mais extremo do esquema do anonimato, muitas vezes distorcido para realizar fins estranhos (sociedades de fachada, sociedades anômalas); e a revista milanesa acompanhava as discussões - famosas as diversas intervenções conjuntas de Sraffa e Bonfante, que parecem ser uma espécie de modelo em direção ao qual caminhava a simpatia de Ascarelli 143 - , além de ter 138 139
ld., p. 40. ld., p. 59.
140
!d., p. 80. Nesse sentido houve diversas experiências na Itália, por exemplo aAGIP.
141 142
ld., p. 40. ld., p. 73.
143
Sobre aqueles textos se detém Monti,2011 1 spec. pp. 166-167. Pode-se acrescentar que, sobre um tema que tocava particularmente no coração de Ascarelli como o dos negócios indiretos, o jurista endossava sua construção com a autoridade de Bonfante, em particular em sua teoria sobre a possível desarmonia entre a estrutura e a função do negócio (Ascarelli, 1932b, p. 388 nt. 4).
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dado espaço aos projetos de reforma das sociedades por ações, na fase em que se afastava provisoriamente a ideia de se reescrever o código do comércio, e se decidira proceder por setores de institutos. No raciocínio de Ascarelli, interessa enfatizar que de novo entrava em jogo a relação entre abstração e concretude, já levada em consideração no relacionamento entre a lei e a sua aplicação aos casos da vida. O esquema típico do negócio era necessariamente fixo e abstrato e, portanto, sua causa, hipostasiada, dava certeza às partes; as operações econômicas eram, por outro lado, mobilizadas também pela presença dos motivos, que no âmbito comercial não podiam ser evitados, sob pena de estagnação das iniciativas. A função dos negócios indiretos era justamente a de reconhecer juridicamente os motivos das partes, ou seja, de concretizar os esquemas dos negócios. Ascarelli estava inclinado a apoiar as intenções subjacentes tanto quanto possível, salvando todos aqueles negócios indiretos que, por meio de sua combinação, tivessem frente ao ordenamento o escudo das causas negociais; e refletindo sobre os percursos históricos dos novos negócios, o jurista constatava que inicialmente suportavam limitações e recusas, e depois foram muitas vezes admitidos, talvez consolidando-se segundo uma disciplina autônoma, em virtude de interpretações decorrentes de mais modernas culturas empresariais 144 • Não é o caso aqui de me deter no panorama histórico usado com moderação na aula, mas indicativo de cultura surpreendente 145 • Importa mais destacar, com a análise fundamentada proposta por Ascarelli, retornava-se de novo às tarefas do jurista e ao tema da interpretação, com o qual a aula inaugural teve sua origem. Com efeito, dedicava-se o autor a ele nas páginas finais, que em particular chamaram a atenção para a comercialística146 • No mundo do direito, esta teve uma função pioneira - o jovem catedrático repropôs a conhecida imagem importada da Alemanha - como um direito especial particularmente aberto às inova144 145
Ascarelli, 1931a, p. 57. Émuito adequado o exemplo do contrato trino, estabelecido na prática mercantil no alvorecer da modernidade, perfeitamente colocado nas suas finalidades e nos acontecimentos da época, até mesmo com os protagonistas (1d., Pp. 53-54); cf. Birocchi, 1990.
146
Ascarelli, 1931a, pp. 93-98.
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ções da práxis 147 • Mas estas precisavam do auxílio de teorias gerais, frase usada por Ascarelli no sentido de dogmática, para serem recebidos e regulados de acordo com uma disciplina que as encerrasse dentro do sistema. Aqui estão os dois pólos: a prática teve que ser entendida dentro do ordenamento para não vagar na incerteza ou no abuso; a teoria recebia mobilidade e concretude nessa operação de compreensão. Esta era a função do instituto jurídico, cuja utilidade para o progresso da sociedade humana, o jurista não hesitava em comparar com a das descobertas técnicas como a eletricidade e o vapor 148 • O resultado foi uma renovação alimentada continuamente, prudente, mas guiada por uma interpretação necessariamente criativa. O jovem professor referiu-se explicitamente às anotações expressas no ensaio de 1925 e ficou contente ao constatar que alguns estudos específicos de filosofia do direito tinham ocorrido recentemente nessa seara (alusão aos livros anteriormente mencionados de Cammarata e Ascoli). Ascarelli essencialmente pregava uma dogmática dúctil como instrumento de interpretação dos negócios. O efeito era dinâmico porque todo o processo era acionado pelas exigências da prática produtiva. Para a atividade criativa do intérprete - função repetidamente reiterada nos escritos daqueles anos 149 - o jurista evocava também o uso de convenções sociais e das opções políticas, que não eram, porém, as apontadas por de Francisci no manifesto Ai Giuristi, do regime fascista: eram, em vez disso, como escrevia corajosamente o jurista romano, as concepções do intérprete individual 150 • 147 148
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A imagem do direito comercial com a função de 'pioneiro' em relação às outras disciplinas retorna in Ascarelli, 1935d, p. 113 Assim, quase literalmenteAscarelli, 1931a, p. 57 e também p. 96 nt. 2. Impressionante a semelhança entre o conceito expresso por Ascarelli sobre a função dos institutos jurídicos e aquele enunciado porSraffa e Bonfante em ensaio publicado naRivistade 1922 (v. Marchetti, 2009, p. 139). Por exemplo Ascarelli, 1934a, p. 2. Ascarelli, 1931a, p. 96 nt. 1. Em outras publicações ascarel/ianas daqueles anos há reflexões que, quase sempre partindo de problemas concretos ou considerando as perspectivas doutrinárias de outros autores, consideravam a necessidade de se utilizarem elementos teleológicos ou sociológicos para a interpretação da norma: por exemplo, Ascarelli, 1934b, espec. pp. 544-545, em particular na discussão de um livro de Carnelutti sobre a teoria jurídica da circulação (fortemente criticada). EmAscarelli, 1935a, a propósito das uniões de empresas, ou seja, dos consórcios,
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Nenhuma confusão com o regime, portanto. Ascarelli não negava o seu credo liberal, que aliás reafirmava, esculpindo a competência distinta do político-legislador e do intérprete: Naturalmente, é tarefa do político determinar os limites e formas de intervenção e, portanto, separar os fenômenos transitórios dos fenômenos definitivos: no entanto, cabe ao jurista coordenar, segundo critérios sistemáticos e em relação aos seus diversos critérios, as normas de direito como se apresentam em um determinado momento histórico. 151 E ainda: Na legislação, como na interpretação, estão sempre vivas as exigências da certeza e as da equidade, de segurança jurídica e da tradição, por um lado, da maior adaptação às novas situações e da elaboração dos novos princípios, por outro, e é dever do legislador na formulação das leis, mérito do intérprete na interpretação, saber levar em conta ambos os momentos. Num período de transformação do direito, o intérprete não pode ficar albeio à renovação do sistema jurídico, com o qual, nos limites das suas funções, pode cooperar, trazendo de volta ao sistema as várias normas especiais, elaborando os novos princípios gerais[ ... ]; por outro lado, não se deve esquecer as exigências de continuidade e de certeza jurídica, para as quais todas as soluções devem ser reconduzidas à unidade do sistema geral. 152
o jurista ainda recorria à categoria de negócios indiretos e neles destacava o fundo
sociológico (pp. 168 e 172). 151 152
Ascarelli, 1934a, p. 21. ld., pp. 30-31; cfr. Mura, 2020, p. 47, também pelas referências recentes a este trecho que, ao prosseguir, detinha-se sobre as tarefas de interpretação criativa do jurista, confirmando o contínuo retorno deste tema na obraascarelliana; nítidas, por exemplo, as afirmações emAscarelli, 1937b, col. 29 ("o ordenamento jurídico, como ensina a doutrina tradicional, é considerado completo, mas isso não exclui o caráter criativo da obra do intérprete, que se encontra necessariamente em toda interpretação": ld., Nt. 6, com referência explícita à tese expressa no ensaio de 1925).
82 - Tuwo AscARELLI AO TEMPO
DO REGIME FASCISTA: A ASCENSÃO
DE
UM COMERCIALISTA IRREGUlAR,.,
7. UM JURISTA IRREGULAR Nos quinze anos que se passaram após o bacharelado, a presença de Ascarelli no panorama da juscomercialística se mostra exuberante, mas sem dar a impressão de que se sentisse à vontade na ditadura153 • Ao contrário, a frenética atividade publicística parece cobrir o vazio de não poder se exprimir de outra forma na sociedade civil: a esfera jurídica, recortada pela inerente liberdade de exercício intelectual, era a única viável 154 • Antimetafísico e, portanto, dedicado à concretude das coisas capturadas em sua historicidade, ele não gostava de soluções pré-fabricadas, por serem necessariamente estáticas, nem das importadas, por serem estranhas ao tecido em que deviam ser aplicadas. No entanto, ele não pretendia fechar-se em si mesmo e, além disso, confiava na transnacionalidade do direito comercial, que constituía parte integrante da tradição daquele direito e que, aliás, era também a sua salvação para o futuro, contra a mesquinhez nacionalista e as visões autárquicas do regime. Não é de estranhar que, depois de alguns anos de permanência no continente americano, ele bem nadasse no novo ambiente a ponto de fundar uma série de estudos de abertura cultural, com objetivo de divugação, mas apreciáveis sobre o plano formativo, inaugurando-a com um livro sobre o Brasil1 55 • A política parece não existir de 1926 em diante na atividade intelectual de Ascarelli, seja porque ele provavelmente acreditava que o regime era um fato inquestionável naquelas condições- notoriamente era vigiado pela polícia fascista156 - seja porque provavelmente estava confiante de que, a longo prazo, a razão econômica teria condicionado a própria
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A esse respeito remete-se aMontagnani, 2013 1 pp. 621-637 e Stella Richterjr, 2019, pp. 277-282 e ainda Stella Richterjr, 2020, pp. 47-52. Algunstonsealgumastemas polêmicas(com Bigiavi, por exemplo, ou comSalandra) são talvez o indicador de uma personalidade intelectual que se sentia restrita em relação à sua expressão normal.
155
Ascarelli, 1949, onde, desde a apresentação, o jurista destacava a provincianidade da cultura do seu país de origem, entendida como a incapacidade de "olhar o que se passa além das próprias fronteiras com os olhos não turvados pela paixão, por preconceitos, a partir de fórmulas".
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Lembra-o ele mesmo no retorno a Bolonha no pós-guerra no recordarem conjunto com os bedéis da universidade: Ascarelli, 2017, p. 98.
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política, obrigando-a a evoluir157 • Vale para o jurista romano o que foi dito sobre Mario Rotondi e o periódico que dirigiu - a Rivista di diritto privato - sobre a atitude em relação ao fascismo na atividade científica. O que se destaca é a não menção, o esquecimento especial, o silêncio envolvente das alardeadas realizações do regime: tamquam non esset158 • Especificamente, Ascarelli só pôde garantir que suas obras não contivessem elogios ao Duce e a suas magníficas obras - até Vittorio Emanuele Orlando elogiou o Império - e , para sua atividade, fez uso exclusivo de armas intelectuais dentro das margens permitidas pela ditadura, durante a qual chegou ao ponto de publicar como anônimos seus verbetes, quatro, que apareceram no Nuovo Digesto Italiano depois das leis raciais 159 •
À diferença de Calamandrei, ele não se limitou ao mito da legalidade como possível freio ao mussolinismo, nisto favorecido pela dinâmica da própria matéria, à qual se restringia uma regulamentação baseada exclusivamente na lei. Precocíssimo, trabalhou entre aquela geração de juristas que, aos poucos, foi substituindo os três grandes mestres. Foi por sua vez uma geração de mestres, todos permeáveis à cultura do corporativismo, que entretanto declinaram em diferentes formas, assim como interpretaram em direções originais o conceito de autonomia e de especialidade da matéria. Não escapa, porém, que a síntese das posições fosse expressa pelo jurista do regime no setor comercial, Asquini, no centro portanto dos projetos legislativos e da codificação, justamente por ser altamente capaz de oferecer uma visão tecnicamente forte, de adaptar
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Desencantada e com acentos similares àqueles do Deprofundis de Salvatore Satta a consideração do "italiano médio' em relação ao fascismo espressa em junho de 1948 (Ascarelli, 2017, p. 55). Santarelli, 1987, p. 697. Os verbetes, dedicados aos títulos de crédito, foram publicados no vol. XII, pt. II do Nuovo Digesto Italiano (pp. 201-224), impresso em janeiro de 1940. A publicação anônima constituiu uma alteração e, na verdade, um despojamento da identidade intelectual do estudioso, então exilado em Paris' (Stella Richter jr, 2020, p. 62 ) Na prática, a responsabilidade recaia sobre o promotor da obra enciclopédica, Mariano D'Amelio, que ainda atuava dentro das diretrizes culturais da ditadura: sobre o assunto ver as considerações críticas, mas também abrangentes, deJemolo, 2009, p. 414.
84 - Tuu.10 AsLARELU AO TEMPO DO REGIME FASCISTA: A ASCENSÃO DE UM COMERCIALISTA IRREGULAR ..•
suas próprias concepções às diretrizes do regime, e de traduzi-las juridicamente em ação 160 • Por seu lado, Ascarelli quase imediatamente se libertou de toda sujeição, e se mostrou com sua própria personalidade. Longe de Rocco, metodologicamente percebido como o estudioso de uma época passada, nele estava presente o modelo vivantiano, de resto sempre reconhecido e um termo contínuo para comparação, para além das soluções tantas vezes criticadas; era muito semelhante ao modus operandi de Sraffa, principalmente em sua atuação em simbiose científico-prática com Bonfante, por aquele precipitado que, do caso concreto, voltava à teoria e à história, para formular a interpretação a ser aplicada ao problema examinado. Notou-se o paralelismo entre o importante ensaio ascarelliano de 1934 e a palestra de Sraffa em Turim, na qual ele delineava as novas tarefas do jurista em relação ao legislador161 ; mas não menos significativas são as referências de Ascarelli a simples notas jurisprudenciais do mestre toscano e, de forma mais geral, a repetição de seu método e a retomada de temas conturbados, muitas vezes no campo das sociedades por ações, desde o início do século. Com relação a Sraffa, ele tinha mais vivo o sentido de sistema, era mais dotado de sensibilidade histórica, mais interessado nos fundamentos filosóficos das doutrinas. Mas essas aproximações não significam que ele tirasse proveito das qualidades dos outros: aquele senso de sociabilidade tão forte, a ponto de ser evocado nos principais 'manifestos' de Vivante e Sraffa, foi adotado pelo jurista romano à sua maneira, por um jurista iluminado que vivia no mundo do capitalismo avançado. Era plena a consciência de operar em outra época. 160
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Cfr. Rondinone, 2020 1 pp. 97-98. Nos momentos decisivos, isto é, nas coisas que importavam, Asquini falava como se estivesse investido de uma autoridade particular; assim, por exemplo, por ocasião da troca de guarda na direção da Commerciale, após a morte de Sraffa, nas páginas que dedicou à memória do mestre pisano, ele irreverentemente notou que havia permanecido ligado à mística do passado e que seu ciclo de jurista havia muito se encerrado (Asquini, 1938, p. 24; já comentado criticamente por Marchetti, 2009, p. 130); ou por ocasião do famoso embate com Mossa no início de 1941 (a reconstrução, também com materiais inéditos, encontra-se agora em Rondinone, 20201 p. 317 ss.: é necessário referir-se a esta obra deforma mais geral para o itinerário da codificação e para o papel de Asquini na evolução de sua linha conservadora, pp. 85 ff., 315 ff.). Monti, 2011, p. 169 nt. 3.
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Como mostram os Racconti ascare!!iani mencionados no início, era abundante uma cultura derivada do ambiente familiar; nutria-se de leituras infinitas e de contatos humanos dos quais era tão ávido que dolorosamente sentia falta deles quando em sua atividade não encontrava correspondência em seus colegas ou se sentia um estranho em algum lugar162 ; ele refletiu incansavelmente sobre as transformações que as relações produtivas na sociedade de massa provocavam nos institutos jurídicos. Inquieto e hiperativo mesmo nos momentos de depressão, tipologicamente bastante familiarizado com sua geração, com os valores de sua escola de origem e com a cultura do corporativismo, ele foi beneficamente um jurista irregular em seu tempo. BIBLIOGRAFIA ARCANGELI, Ageo -ASCARELLI, Tullio (1932) 11 regime delle società per azioni con particolare riguardo al voto plurimo e alia protezione delle minoranze, in Rivista dei diritto commercia!e e dei diritto generale del!e obb!igazioni, XXX, pt. I, pp. 159-172. ASCARELLI, Tullio. (1925a) 11 problema delle lacune e l'art. 3 disp. prel. nel diritto privato (Appunto critico), in Archivio giuridico, XCIV, pp. 235-279. ASCARELLI, Tullio. (19256) Sul voto plurimo nelle società per azioni, in Archivio giuridico, IV serie,X,pp.131-150. ASCARELLI, Tullio. (1929) La restituzione di cosa determinata nel fallimento e nel concordata preventivo, in Rivista dei diritto commercia!e e dei diritto generale delie obbligazioni, XX.VII, pt. !, pp. 52-67. ASCARELLI, Tullio. (1930), Sulla protezione delle minoranze nelle società per azioni. (A proposito di un recente libra), in Rivista dei diritto commercia!e e dei diritto generale del!e obbligazioni, XXVIII, pt. !, pp. 735-743. ASCARELLI, Tullio. (1931a) I1 negozio indiretto ele società commerciali, in Studi di diritto commercia!e in onore di Cesare Vivante, I. Roma: Società Editrice del «Foro italiano», pp. 23-98. ASCARELLI, Tullio. (19316), Appunti di diritto commercia!e. Parte generale, Catania-Roma: Circolo Commercialista-Società Editrice del Foro Italiano. ASCARELLI, Tullio. (1932a) La letteralità nei titoli di credito, in Rivista dei diritto commerciale e dei diritto generale dei/e obbligazioni, XXX, pt. I, pp. 237-271. ASCARELLI, Tullio. (19326) L'astrattezza dei titoli di credito, in Rivista dei diritto commerciale e dei diritto genera!e delle obbligazioni, XXX, pt. I, pp. 385-420. ASCARELLI, Tullio. (1932c) Titolarità e costituzione del diritto cartolare, in Rivista dei diritto commerciale-e dei diritto genera!e del!e obbligazioni, XXX, pt. I, pp. 509-548.
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Basta leras anotações sobre o ambiente bolonhês (mastam6ém romano) nos anos quarenta(Ascarelli, 2017, pp. 98, 1161 118, 124). A escassez de trocas intelectuais entre os colegas e muitas vezes amargamente destacada também por Betti na própria autobiografia (Betti, 2014, espec. pp. 37-38).
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REGIME FASCISTA: A ASCENSÃO DE UM COMERCIALISTA IRREGULAR •••
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