212 30 13MB
Portuguese Pages 268 [77] Year 1994
Obras publicadas nesta colecção 1 -- O l)omz'nlo Romano em Porrüga/, Jorge de Alarcão 2 -- A RevoJ ção Franc'esa em Questão..AXovasPerspecfívas, JacquesSolé
3 --/nrrodução à /71sfórlados Descobrlmerz/osPorrzzgueses, Luís de Albuquerque 4 -- As Esmo/asHis/órlca.s, Guy Bourdé e Hervé Martin 5 -- Ozlro e A/onda na //lsfória, Pierre Velar
6 -- 4 Cívi/ilação Ce/fa,FrançoiseLe Roux e Christian-J.Guyonvarc'h ] -- Histórü dm RelaçõesDiplomáticas entre Ponugal , e os Estados Ultidos da América, !asê Calvet de Magalhães
8 -9 -lO -1] --
Hls/órfãs das /delasPolíticas1, JeanTouchard Hísrórla das /delas Polüícas11,JeanTouchard /7is/órfãdas Ideias Po/bicas111, JeanTouchard /71sfórlasdzi/delas PolíticasIV, JeanTouchard
12 -- O Casamento/zaidade il/adia, Christopher Brooke
MOVIMENTOS POPULARES #
AGRÁRIOS EM PORTUGAL
13 -- Em Z?rasca do Passado, Lewis R. Binford
14 -- A Clvi/ilação /s/amIGa,J. Burlot 15 -- Á/ande À/édla à À/esa, Bruno Laurioux 16 -- Z.licy -- Crónicas da Pré-Hlsíória, Yvonne Rebeyrol
1'7-- Falsi$cações da História, Mare Feno \ 8 -- Movimentos Popütares Agrários emPortuga!, i, (]751-1807), ]osê Tenganlnha
l.' volume (1751-1807)
DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE
lllllllllllllllllllll llll 21300107460
JOSE TENGARRINHA
MOVIMENTOS
.;'POPULARES
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AGRÁRIOS EM PORTUGAL l.' volume (1751-1807)
SBD/FfLG
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ssn-prLcg;asÉ
PUBLICAÇÕESEUROPA-AMERICA
UJ . !53 Capa: estúdiosP. E. A.
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© José Tengarrinha, !994
Direitos reservadospor Publicações Europa-América, Lda Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma ou por qualquer pro-
cesso,electrónico, mecânicoou fotográfico, incluindo fotocópia, xerocópia ou gravação, sem autorização prévia e escrita do editor. Exceptua-se naturalmente a transcrição de pequenos textos ou passagens para apre-
sentação ou crítica do livro. Esta excepção não deve de modo nenhum ser interpretada como sendoextensiva à transcrição de textos em recolhas antológicas ou similares donde resulte prejuízo para o interesse pela obra.
Ostransgressoressãopassíveisde procedimentojudicial
Editor: Francisco Lyon de Castro
PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA Apartado 8 2726MEM MARHNS CODEX
PORTUGAL Edição n.': 158018/6126 Execução técnica:
Gráfica Europam, Lda., Mira-Sintra -- Mem Martins Depósito legal n.': 78944/94
ÀROSAeaoJOÃO, este fruto também da minha vida, eàBARBARA, que favoreceu as condições para a lavoura
DOAUTOR
«On aífirme que c'est parce que I'histoire est trop scientiüique
qu'elle est sana contact avecla vie: je suis convaincu que c'est, au
contraire, parte qu'elle ne I'est pas sufHisamment.»
Anfónío RodrígzzesSampaío, desço/zÀecido,prémio da Associação dos Homens de Letras do Porto em 1962(ensaio publicado no jornal «Diário de Lisboa», em 4
HENRI BERR,
em 1911, no prefácio de La synt/zêse en /zísfoíre
(p. Xll da 2.: ed., 1953)
números de Dezembro de 1961.
Obra PoZífica de rosé Esfêuão, em 2 vais., Lisboa, Portugália Editora, 1962 e 1963. Hísfóda da /mprensa Periódica Pórfugtiesa, Lísboa, Portugália Editora, 1965; 2.eed.,
revista e aumentada, Lisboa, Ed. Caminho, 1989. La Pressalttégale Partugaise Pertdant tü Guerre CioiLede 1846-1847, seDaxataào
«Bulletin des Etudes Portugaises»,Paras,Institut d'Etudes Portugaiseset Brésiliennes de la Sorbonne. 1966.
A]VooeZae o ZeíforPo#uguês. Esftzdo de Sociologia da leitura, Lisboa, Prelo Editora, 1973
OJornalismo ea Oratória no Romantismo, in «Estética do Romantismo em Portugai»,
Lisboa, Grémio Literário, 1974. A ReuoZuçãode ]820(estudo introdutório e notas, recolha de dispersos de Manuel Fernandes Tomas), Lisboa, Seara Nova, 1974; 2.' ed., Lisboa, Ed. Caminho, 1982
Z)bárioda Guerra CiuiZ (]826-.2832D(introduçãoe notas, recolha de manuscritos inéditos de Sá da Bandeira), 2 vais,, Lisboa, Seara Nova, 1975 e 1976. Combatesreza Z)emocracía, Lisboa, Seara Nova, 1976. As Greves em Poüugal: Uma Perspectiva Históricc} do Século XVlll a 1920, sepaxata da revista «Análise Social», Vol. XVl1, 1981, sobre «O Movimento Operário em
0
.I''ortugal>>. Liberalismo Português
no Sécttto XIX.
l,jure
Campismo-Proteccionismo
(em
colaboração com Pierre Vilas, Georges Boisvert, Alberto Gil Novales, Minam
Halpern Pereira), Lisboa, Morais Ed., 1981. 21Zouimenfos Camponeses em PorfzzgaZ na Transição doAnflgo Regímepara
a Sociedade
l,iberaZ, separara do volume «O Liberalismo na Península Ibérica na Primeira Metade do Século XIX», Lisboa, Sá da Costa Ed., 1982. Estudos de .História C07zfemporâneade PorfugaZ, Lisboa, Ed. Caminho, 1983.
1870-1890:Charnetrctentre o Velho e o NodoPortugat e Regeneração:A Viragem /ndíspensáueZ no Processo de Z)esenuoZuimento do CapítaZísmo em PorftzgaZ, in
«História Contemporânea de Portugal», dir. Jogo Medína, Vol. l, «Monarquia Constitucional». Lisboa, Multi]ar, 7 vais., s. d. [1986-1989]. As Lutas Anil-Senhoriais em PoT'tugül Quando da Revolução Francescl (1781-1790), separata do volume de actas do colóquio «A Recepçãoda Revolução Francesa em
Portugal e no Brasil», Universidade do Porto, 1992. Aueiro e o Liberalismo
e Confesfação e ReuoZta Camponesa na Zona Cerzfro de PorfugaZ
nos f'ins do Antigo Regime, separadas dos volumes de actas do «X Encontro de Professores de História da Zona Centro», Aveiro, 1993. Z)a Liberdade Ã/íf!/Zcada à Liberdade Sübuerfícla ruma exploração no inferior da repressão à imprensa periódica de ]820 a -Z828D,Lisboa, Ed. Colibri, 1993. Vendctdos Bens dct Coroa em 1810-1820: OsReRelos de Umü Crise Nacionctl, seBatata
da revista «Análise Social»,Vol. XXVl11, 1993.
Colaborações, entre outras, no Z)icionário de .filsfória de PorfzzgaZ(Lisboa,Iniciativas
Editoriais), Z)icionário deEconomia(Lisboa,Livros Horizonte), Grande Z)ícíondrío deLíferafura Porfzzguesa(Lisboa,Iniciativas Editoriais), enciclopédiaJbcus (Lisboa, Sá da Costa Ed.), HandbucÀ der Auslandspresse(Universidade de Munster), BoZefím /nfernaclo/zaZ de BíbZíogra/ia Ltzso-Brasileira(Fundação
PLANOGERAL
Calouste Gulbenkian).
PRÓLOGO BREVE A UMA LEITURA URGENTE, por Jorge Borges de Macedo NOTAPRE'VIA 1.
11
INTRODUÇÃO ASPULSAÇOES
1.QPERj000 -- (1751..1770):O pesoda administração 2.QPERÍODO -- (1771. .1788):As di/iczzZdadesdo senÀorío 3.ePERÍODO -- (1789..1807):A gameda ferra 4.ePERÍ000--(1808. .1810):A explosão 5.ePERÍOD0 --(1811. 1820):A. crise 6.ePERÍODO --(1821. 1825): Ret;oZfa e reforma 111.
DINAMISMOS SOCIAIS 1. Riqueza
e qualidade
socíaZ
2. Solidariedades e hostilidades 3. Quadro ínstítücíonaZ: mediação e rlzpfüra
lv. DUASQUESTOESFINAIS 1. .Aüfonomía oü dependência? 2. A «t;ia porftzguesa»
V. FONTESEBIBLIOGRAFIA
INDICEDOI.eyOL Pág.
P/?ÓZ,OGO B]Z]IVIE A t/a/A I,E/TZIR/I MACEDO
Z:J.R(;EN'I:E, de JORGEBORGASDE 17
NOTA PRÉVIA
29
[ - INTRODUÇÃO
31 32 34 37 42 43
1. .AZgümas Rolas mefodoZ(5gicas 2. ]1/elos e fécnícas.......'-. .....-'.'-
3. Co/zceífos básicos .......'''-''''-. 4. Os Zímífes no tempo .... 5. Abreuiafuras TT
mais /}eqüenfes
. Á.q prrr..qÁrõp.q
45 53
I.gPERÍODO: 1751--1770 -- O PESO Z)A AZ)Ã/27V7STII?ÁÇAO
53
l.A PERMANÊNCIA......'-'-....'-... ..'...''..
1.1.Esforçoscentralizadores: unidade e diversidade do poder políticch-administrativo .. 1.2.Fiscalidade do Estado ......--" 1.2.1.Prítpílégíos . .....-.'--..-'.. 1.2.2.Sisas, décima, dízima. Confrabandos ...; 1.2.3.E7zcabeçamenlos
..
1.2.4.(/OJtfraf( doesà.+.....-..+".-.i".+..."''-....ó.'#;+4"Jó .&+""-r. 1.3.Persistência do quadro tradicional --....------------"---" 1.3.1.Z)treífos se/z;zonais ..........--..-'....".-..'''.'--'-'.'-..;'. 1.3.2.Z)esamorfízaçãa -. 1.4.Estado e Igreja 1.5.Imposições administrativas
e mercado
72 73
--«
1.5.1, 7}!go contra z;irão e gania .-..........J..,..;... 1.5.2. Z)ínâmicas do comércio í/zferno 1.6. Um Estado
2
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não reformista
Mo\r.[MENToS
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75 76
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2.1.Limitações e cargas sobre trocas internas«-2.2. Agravamentos em terras de administração directa da Coxioa
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pe
55 59 60 61 64 66 67 68 69 70
l
2.3.Repercussõesdo conflito com a Santa Sé .......
77
79 81 82
Pág.
Pág.
2.4 2.5 2.6 2.7
Consequênciasdo apoio ao vinho do Douro e ao trigo Poderes das administrações locais -----. Atitude
anta-senhorial
-.
Resistência camponesa aos invasores
-----.---"
OS DESENVOLVIMENTOS
3
3.1.Debilidade e ambiguidades do poder central 3.2. As relações dos rurais com o Paço ------3.3. Espontaneidade da violência ----3.4. Insuficiência dos meios repressivos ---...--3.5. Menoridade da liderança popular 3.6. Predomínio da solidariedade vertical
3.2 3.3
83 86
94 96 99
Castigo da rebeldia ---------. Liderançaspelosagricultores 3.5 Propagação da luta ---------. 3.6 Solidariedadesehostilidades
l OS ABALOS......'..-..''''.
1.1. Títulos de dominação ----..---"
1.1.1.Forais... ]..1.2.7'onz&bos .........'--'.. 1.1.3. Confrafos
enPifêüficos ....
1.2.Direitos ....... 1.2.1..Adminisfratíuos e.judiciais a) Ouvidores ...-.
b)Juízes privativos c) Administrações e justiças locais 2.2. f'íscaís
a) Miunças b) Jeiras e foros de moradia ...-. c) «Banalidades» c!) Portagens ....... ''.''' '.
e) Relega ..
2.3. Sobre a ferra a) Rações e sabidos ...........
b)Jugadaseoitavos c) Laudémios ..........-....-..
1.3. Pressão senhorial.......'..........'.'. 2
OS MOVIMENTOS .............
2.1. Anta-senhoriais -----.-"
2.2. Pela terra 2.2.1. J?egimesde posse .-..........-. 2.2.2. f'orlas de uso........
2.3. Contra despotismos municipais 2.4. Contestação das justiças ----. 2.5. Detonadores ideológicos ---.--
2.6. Formulações antimilitares 2.7.Assalariato ......'.....'..'''''. 3. OS DESENVOLVIMENTOS
3.1. Reacções dos poderes
----«
118 119 119 121 122 124 124 126 127
193 193
1.1. Declínio senhorial ......'''''''.....'....'-'''''. 1.2. «Viragem}, de 1789-1790-----.-----. Ga.it"
cla
do
ga(lo
+Pe+..
+e+e+
+ePePeP++
+e+
194 200 202
+ç++
1.4.Agonia das antigas comunidades --
207
1.6.11+(/osepol)les
228
1.5. Mobilidade da terra ...
105
107 110 115
187 189
1. A ABERTURA A CONTEMPORANEIDADE
100 103
105 107
183
3.gPERÍODO: 1789--1807--A FOME Z)A TERIZA
1.3.
2.g PERÍODO:1771--1788 --AS Z)/FTCULZ)AZ)ESZ)O S.E/V}70R/O
177 180
3.4
89 92 92 93
Novas faces da violência......--
2
eeeelP e
221 peeeeP peeee
OSMOVIMENTOS .......................................... 2.1. Defesa da terra comum ......-------2.]..1. 1)asnos ......p-'+'q-'p+«.e
229 231 231 235 240 244 248 250 254 255
'++#Bp+9p'-+'app'-''-'+9+''.
2.1.2.13aZdíos ...... '' ''
-''' ' ' -' '' - '. 2.2.Ofensiva dos senhorios eclesiásticos 2.3. Abusos dos contratadores ......------. 2o4ePHocaloe eeeeee ee ee eeeeeeeeeeeeePee«eq 2.5.Prepotências administrativas locais 2.6. Direitos paroquiais -----.---------2.7. Pelos salários
.....
3 OSDESENVOLVIMENTOS ......'''.'''-'................''-''. 3.1. Poder
central
«versus»
poder
municipal
-
violência que nasce da terra ----------
129
3.2. A
132 133
3.3. rlli''buiial e p 's« o --....+-oB--eeeePe-e+ +B++-P+-+++" 3.4. Espontaneidade da liderança popular---
134 139 141 143 148 148 157 157 163
166 168 169 170 172 172 173
3.5. Dificuldades de organização e irradiação
256 256 261 264 266 267
PROLOGOBREVE
AUMALEITURAURGENTE Nem o historiador José Tengarrinha nem os seus trabalhos históricos precisam de apresentação.Haverá, porventura, a probabilidade de os seusestudos de história da comunicação social no nosso País -- mais propriamente
do
jornalismo -- terem tido maior divulgação do que osde história agrária, embora há muitos anos dela se ocupe com regularidade. Por isso, de modo algum
surpreende quem conhece a sua larga bibliografia que tenha preferido para
trabalho de fundo, no plano da sua carreira universitária, a obra Ã/oz;ímenfosPopüZares.Agrários em Porá zgaZ(Z7S-Z--.282SJ, apresentada, na Faculdade de Letras de Lisboa, em 1992, como dissertação de doutoramento. Saliente--se mesmo que só por virtude de trabalhos anteriores Ihe foi possível aplicar a sua atençãoao fenómenoglobal da história do mundo agrário português,durante a segundametade do séculoxvm, primeiro quartel do seguinte. O que se sabia estava tão cheio de generalidades e simplificações abstractas que só por uma análise científica minuciosa Ihe foi possível circunscrever devidamente o fenómeno agrário na história de Portugal, na dimensãoanalítica que Ihe interessava. Paradoxalmente, a razão deve provir do limitado alcancepolítico que Ihe era atribuído, tanto para a «conquistado poder» como pela escassa mobilidade social que o caracterizava. E, no entanto,
a pesquisa que empreende vem mostrar o seu interesse decisivo para a compreensão do equilíbrio e das tensões existentes nas forças sociais portuguesas no decurso daquele período. É uma dimensão essencial para se apreender a trajectória do poder político, até se ülxar nos centros costeiros mais ou menos
importantes -- Lisboa, Porto, Setúbal, Aveiro, Viana -- ou nos centros do interior, estrategicamente mais significativos, como Braga, Vila Real, Lamego, Viseu, Portalegre, Evora, Bda, etc. E assim chegamos, de novo, à Corte e aos seus ademanes políticos, nem vazios nem suficientes. Diremos que o preconceito histórico mais comum e mais combatido pelo Doutor José Tengarrinha, e que constitui o cerne da sua atitude crítica e humana, se refere a um dos pecadosmortais da historiografia portuguesa. Consiste ele em considerar que a história social só tem importância a partir da movimentação política de cada momento histórico em que ela se veri6lca. O método que segue é precisamente o inverso. A sua preocupação tem sido a
de definir, socialmente, os respectivos conjuntos populacionais -- os habitantes regulares do campo -- e referi--los nos seus problemas e importância
pró-
pria e encadeada. SÓassim os delimita no conjunto da sociedade portuguesa
e avalia a real dimensão dinâmica que os caracteriza. Todos sabem que, entre nós, os elementos de decisão mais salientes são sempre colocadosnas estruturas da Corte, do funcionalismo central e local, Fórum daHistória 18-- 2
r
nos mercados portugueses e estrangeiros, no comércio colonial e internacional, assim como nas formulações sociais e políticas a que dão lugar. A pressão do «universo agrário», desde o século xvl, só excepcionalmente é considerado, e acerca do qual apresenta dimensão precursora o estudo de Mana Olímpia da Rocha Gil, para o século xw. A verdade é que, neste conjunto de forças sociais, os factores agrários na
o atraso no desenvolvimento, assim como é o mais árduo de administrar, na
sociedade do chamado «regime absoluto» não podiam deixar de vir a ser con-
Numa imagem de agricultura ausente (muito embora se fale e se escreva sobrea «felicidade» da vida campestre) tem--se assim dado, para o séculoxvm,
siderados e estudados, como elementos sintomáticos, quanto à coordenação dos recursos políticos, sociais e militares do País. A preocupação do Doutor José Tengarrinha pela história agrária manifesta--se nas tarefas enter-relacionadas, destinadas a referir o seu papel, tanto em si mesmo como na sua referência à opinião pública, logo que toma expressãoinsurrecional, ainda que localizada. Aponta, nesse sentido, cerca de qua-
trocentas «alterações»,entre 1751e 1825,numa sequênciade motivaçõesque as revelam como tendo um seguro sentido social, variável e sustentado, liga-
das a uma indiscutível consciência de situação, qualquer que soja o nível so-
cial dosparticipantes. Acrescentemos,porém, que, na forma de um processo longo, também é relevante apontar a reduzida capacidade de essas «alterações»atingirem um plano nacional. Esse encadeamento ondulatório e condicionado de casosé, pois, significativo. tanto de uma dimensão social comona sua realidade de fenómenopolítico não suficiente. Apesar de poucasvezester sido susceptível de desempenhar um papel imediatamente
decisivo na vida nacional que forçasse a sua referên-
a ponto de se tornar endemicamente
característico
da
desigualdade estrutural do País. E é verdade que o escol português nunca analisou, a sério e com espírito de sacrifício, esseproblema do desenvolvimento desigual,gravíssimonum Paíspoliticamente unificado. Muitas das dificuldades nacionais assentam aí.
emPortugal, a história de uma sociedadecitadina e cortesã,beata efútil, onde algunsintelectuais se distinguiam, comogatos persas,na qualidadede «estrangeirados», enquanto outros tantos fidalgos lidavam touros/â'ades pregavam/corregedores governavam por delegação o país submisso, só sensível ao comércio do vinho e ao movimento do tráfego internacional.
No entanto, na
imagem que emerge do estudo do Doutor José Tengarrinha, o campo aparece-nos lento e observador, interessado e cauteloso, quanto ao que quer e de-
fende,menos no que provectae aproveita, mas nunca inerte ou passivo. Era, contudo, assim que se apresentava o campo, até este inventário temático, a que o historiador deu a coerência, ordenada e perceptível, de uma forma que seinseria num todo, onde tanta falta tem feito, para seencontrar uma dinâmica idónea para a sociedade portuguesa. O facto foi, deve dizer--se, ponderado, com especial delicadeza, por José Tengarrinha, sendo certo que a termi-
nologia sociológica agrária é sensivelmente variável e oscilante. O seu cuidado em encontrar, para os termos que usa, a dimensão, de facto, adequada à so-
cia como motim agrário, a verdade é que existiu e «criou atmosfera». Quem o
ciedaderural portuguesa, fá--lorecusar a terminologia francesa que tão bem
pode dizer? Perguntaremos: por que motivo foram tão brutalmente dominados
conhecia como a de Georges LeRebvre ou a de Soboul, com quem, aliás, traba-
os «motins do Douro», que, em 1757, chegaram ao Porto? Ou, por exemplo, quem, no decurso da guerra contra os franceses, durante as Invasões, pode
lhou. O mesmo fez com a terminologia espanhola e russa. Os dados recolhidose pacientemente arrumados edelimitados, comvista a mantê-los na sua dimensão exacta e em correspondência com os momentos da sociedade rural
Ignorar o papel da resistência agrária? A seguir às Invasões Francesas, torna--se completamente impossível aÊlrmar que a questão agrária não era politicamente significativa em Portugal. Afinal de contas, foi por força das questões agrárias que Manuel Fernandes Tomaz -- que tanto interessou o historiador José Tengarrinha -- iniciou a sua carreira pública numa área limitada -- Figueira da Foz e Coimbrã -- e, a par-
tir dela, se tornou uma 6lgura nacional.
E, comefeito, a questãorural ia-se tornando, ao longo do séculoxvui, cada vez mais incisiva. E, à medida que avançamos, no século xix, logo depois das Invasões Francesas até às vésperas da morte do rei D. Jogo VI, as suas impugnações económicas e sociais tendiam a tomar uma expressão dramática. Assim, se, por um lado, se comprova neste notável estudo a persistência da temática rural no nosso País, também se vê que a sua inserção na vida pública é progressiva e não surge só quando se declara uma situação nacional de crise. A questãoagrária éjá parte dessacrise, mas aquela que oshistoriadores políticos menos pesaram. Há que indicar um outro ensinamento de grande alcance na perspectiva
política e social:o problemaagrárioinsere--sena vida pública do país,
L
sociedade portuguesa,
que estudava, permitiram
encontrar
a evolução especíâlca e os seus pontos de
facção, e foi capaz de os integrar nas suas diferentes disponibilidades das solicitações. IJma coisa -- insisto -- se pode considerar definitivamente
e varia-
esclarecida: a
sociedaderural, rude, passiva e submissa, distante e obediente, não se encon-
tra em Portugal, comonão existe, nem nunca podia ter existido, em parte algumado mundo ocidental. Mas não vamos deixar de pesquisar os movimentos rurais lentos, só porque crescem em função de factores, eles próprios, também lentos. E assim que precisamos de os conhecer, para nos aproximarmos da problemática interna de onde partem.
A sociedadeportuguesa -- como todas as sociedadesocidentais -- é formada dentro de uma interpretação do contrato social, ainda que concebido só
deuma forma tácita e funcional. Esse contrato que se conceptualizou desde o mundo medieval é, muitas vezes, transgredido. Mas é também sempre vigiado pelos membros da sociedade que o aproveitam ou suportam. Os limites
em que se permitem enB'entá-lo e modiüicá-lodeterminam-se em diferentes factos, desde o modo de produção à tecnologia disponível, às condições de con-
primeiro de uma forma subalterna elocal, difunde--separa asáreas próximas,
vergência das comunidades, tradições, leis, conceitos interpretativos da
com diferentes motivações regionais, e depois pára. Ao mesmo tempo, revela-
vivência social, etc. Por isso, a particularização dos movimentos agrários e das
--se comoum dos factores mais difíceis de conhecer,para efeito de combater
suasturbulências precisade seintegrar em todos essesfactores, devidamente
conhecidos, na sua capacidade de produção e consumo, rede de comunicações,
meios de transporte, oferta e procura, leis particulares e leis gerais, poder político, nível de cultura, etc., etc. E só assim servem para alguma coisa, no ponto de vista científico. Em abstracto, são meras considerações magistrais. Neste conjunto de factores, podem ainda considerar-se outros aspectos, mais ou menos originais, da vida social portuguesa. Refira--se ajá mencionada de6tciente perspectiva que o escol político sempre teve quanto à eventualidade
de difusão dos movimentos agrários que muito receia. Acentue--se também a forma de administrar o seu risco social, assim como a sua transferência para o citadino. O que não é secundário. As éZífesda cidade estão, quase sempre,
estaéindispensável para a colocar-- e comparar -- aolado do comportamento do «politizado>. E, para compreender este último, nos seus erros, soülsmas e renúncias, medos e vaidades, que tantas vezes nem sequer o deixaram perceber o que queriam dele. E, contudo, o «não politizado» não se deixou enganara
Assim como se não enganaria o politizado se, em vez das suas doutrinações,
considerasse,sobretudo, as emergênciasl Compreenderia, assim, o que dá força à história nacional, .na verdadeira imagem de um todo social em movimento, ligado à intransigente perspectiva do homem comum. E este facto é verdadeiro,.mesmoquanto à independência política, cuja consciênciado seu valor nem sempre encontra, nas «sóbrias, elegantes, generosas e soülsticadas»
poucohabituadas a pensar em globoo comportamentonacional, falhando
éZifes,a consideração exacta do que ela vale -- do seu poderá-- para a reali-
quase sempre, também, nos seus diagnósticos, ou aristocratizando-se
zação efectiva do País real.
no seu
comportamento de «desiludidos». São muitos os exemplos, e em todos os do-
Este livro do Doutor Tengarrinha vai, pois, ao encontro de uma metodolo-
mínios. Preferem, quase sempre,escamoteara gravidade dos problemas. Os grandes responsáveis políticos do séculoxix são,de uma maneira geral, mais sensíveis à atmosfera da cidade, mesmo quando o seu poder vem do campo-
gia que se projecta mais no sentido do indicativo do que do doutrinário. E desse
E, quando se apercebem do que o mundo rural pensa ou quer, só dão voz a uma
rio -- para público -- não mencionam -- ou porque não interessavam ao quotidiano do poder em exercício ou porque os que o podiam fazer não o fizeram.
parte dele. Não o fazem pela riqueza ou pobreza. Fazem--no pela sua incidência na segurança do poder.
Também neste aspecto, o presente trabalho do Doutor José Tengarrinha é de grande interesse metodológico para a história do século xlx e xx, porquan-
to, ao chamar a atenção para esse «grande ausente» no estudo do Portugal con-
temporâneo, que é o «rural),, o «camponês»,o «lawador», o «provinciano,, que, na sua dimensão negativa, faz as delícias das comédias da cidade, mostra bem a distorsão alarmante
que essa atitude envolve. O que se pede aqui é o contrá-
rio: que ele tome a dimensão de uma advertência deHlnitiva.
Há na história de Portugal um verdadeiro sistema de advertências, umas rurais, outras citadinas. Curiosamente, no período aqui estudado, as advertências são sobretudo rurais, mas as respostas, nem sempre confortáveis, são citadinas. E isso explica a sua insuficiência. E, no século xx, a situação não é muito diferente. A falta de consideração pelos factores agrários tem bastado para termos
modo,também, que, em grande medida, a aplica. A sua técnica de pesquisa consiste em procurar dados que os escritos de registo histórico obrigató-
Ou,então, foram pura e simplesmenteignorados, comonotícia, nessamentalidade da época em que não interessariam. O autor, procurando nos elementos
deixados pelas Câmaras, pelos corregedores, ouvidores, juízes de fora, desembargadores, advogadosdas partes, representações ou notícias imediatas, etc., conseguiu, a este respeito, recolher e interpretar um conjunto significativo de dados novos -- e decisivos -- quanto à vida rural. São os que utiliza.
Assim comorefere o significado, em termos de história social, dos modos da mobilização e comunicação, entre si, dos grupos sociais menores, de variado poder de expressão, mas que se aglutinam e crescem de modos diversos. Ge-
neralidades, poucas.Chegaram, em qualquer caso,a exprimir as suas exigên-
profundamente ligado ao povorural -- Manuel Fernandes Tomaz, de que já se fa[ou e que tanto interesse merece ao historiador dos ]]/ouímenfos Populares .Agrários em PorfzzgaZ.Alargando um pouco mais a análise, acrescentaremos a necessidadede uma história de Portugal provida de uma metodologia
cias, pedidas, formuladas ou impostas, que tomavam por seu direito. Deste modo,é possível, hde, reconstituir os primeiros passos com que se iniciava, no século xwn, a dimensão de uma resistência. O que não é pouco. Esta busca de nova documentação foi, na verdade, altamente frutuosa para alcançar a prova de uma atmosfera social, por completo ignorada, quer para um longo período de tempo quer ainda para a sua hierarquização sistematizada, num conteúdo reivindicativo que o autor soube encontrar--lhe. Não há dúvida de que as medidas de frei Gaspar da Encarnação, Sebastião José de Carvalho e Mello, José reabra da Silva, D. Rodrigo de SonsaCoutinho, os debatesdo Dr. Manuel deAlmeida e cousa, asalegaçõesde Manuel Fernandes Tomaz, etc., etc., correspondiam não a elaborações teóricas de despotismos mais ou menos «iluminados», ou estrangeirados, mas a preocupações da sociedadeconcreta. Os rurais não impuseram mas suscitaram a necessidade das medidas de emergência, de novos conceitos de legitimidade, novas postu-
renovada, em condições de ir ao encontro da «descoberta», não só desse grande ausente -- o rural -- como de outros não menos esquecidos e não menos essen-
ras de estado. O mesmo se deu nas cidades, nos transportes, na própria Cortei E pelos debates entre corpos sociais, da diferente dimensão e diferente capaci-
chegado ao século xx sem nos apercebermos da dinâmica real da história agrá-
ria portuguesa. E sem ela, devemos dizê-lo -- e só para o período que o Doutor José Tengarrinha aqui trata --- não poderemos, por exemplo, perceber a participação portuguesa na Guerra dos Sete Anos (1757--1763), como não perceberíamos a Guerra da Restauração ou da Sucessãode Espanha.- E o mesmo sucede com o papel relevante das Invasões Francesas na história do século xix ou a resistência ao iberismo, em 18 18--1820, encabeçada por um chefe político
ciais, se.jaqual for a forma como a abordemos: reHlra--seo seu irmão «analfabeto» ou essa criadora clandestina -- a «mulher» -- ou a sua irmã «cultura po-
pular» -- piedosamente transferida para o folclore, esquecendosempre -mas semprel -- a experiência política popular. E, :noentanto, apesar de tudo,
dade de expressão, de acesso ao poder e condições de representação, construímos
uma noção bem mais clara quanto à segurança artificiosa do poder do Estado e às necessidades que este passou a sentir quanto ao conhecimento exacto da situação dos«campos» . Assim nos apercebemos, desde toda a primeira metade
do século xvm até ao primeiro quartel do século xix, dessa bem viva consciência quanto à necessidade de medidas a tomar, para «defender» os rurais e dar
segurança à cidade. E, quando se separam estas duas dimensões, a situação
sóse agrava. Comoseviu em 1823, por exemplo,para noscingirmos às datas dotrabalho. Esta movimentação agrária, em grande medida desconhecida (sobretudo para o século xvm), vem aqui deHlnir--se,como disse, na sua mobilidade e capacidade variável de advertência e acção prévia. Assim se percebem melhor,
isto é, assim se «encheramde sociedade»global, os «acontecimentos»do reforço do centralismo político, a ilegalização e expulsão dosjesuítas, as dife-
rentes conspiraçõesde nobreza, a rebelião da Mesa do Bem Comum dos Mercadores, em Lisboa, o atentado camponês contra ]). José 1, outro alegado atentado contra o próprio Marquês de Pombal, as notícias sobre a Revolução
Francesa,benevolamenterelatada na Gazetade Llsboa, ao lado de uma
dológica exemplar, não misturou os problemas, não deu causas, nem sequer quis consequências. SÓprocurou referir a sequência da inquietação (ou inquietações?) nos campos. E, ao fazê-lo, traz--nos afinal um País mais seguro da situação «em que vive». E, a partir das Invasões Francesas, faz--nos ver que essemesmo País estava muito mais seguro não só da necessidade como da pos-
sibilidade de as enfrentar em conjunto. A resistência revelou a «forçarural» l Comefeito, qualquer que tivesse sido o auxílio inglês, a resistência nacional ao invasor, mesmo incoerente -- ou talvez por isso mesmo, isto é, sem Estado e só com dirigentes «naturais» -- se revelou uma comunidade provida de que-
rer, ainda que, só na aparência, negativo. Por isso mesmo, o «comomudar» tornou-se uma questão socialmente angustiante que se dissolveu em revoltas militares, conspiraçõesnegociadas, eleições pré-estabelecidas, numa série de equívocos, em que se converteu o País, durante cerca de vinte anos.
Assim posto, o'problema passa a apresentar--se dentro de uma comunidade
ampla curiosidade pelo pensamento íísiocrático na Academia das Ciências de
madura, consciente da insuficiência
Lisboa e uma agitação de ideias por todo o País. Em face de tudo isto, bem
isso mesmo, incerta quanto aos trajectos possíveis para a solução do problema
pouco rica e envaidecida nos parece a ideia peregrina -- e bem presa aos de-
vaneios de «sindicalismo intelectual» -- de levar tudo isso à conta de uma obra dos «estrangeirados», na sua lucidez de passaporte. Não era bem assiml Afinal, os «estrangeiros do Lima» eram muito mais nacionais do que pareciaml
E, se formos analisar a problemáticaagrária do séculoxix, ao lado da industrial ou da que se refere às insuficiências políticas e sociais do País, que nas Invasões Francesas bem claramente se revelaram, tanto na área militar como na administrativa e institucional, logo vemosque, na partida da família real para o Brasil, a incompreensão não estava -- nem nunca estevel -nesse acto necessário, mas sim na falta de preparação do País--cidade para a saída do poder real da Metrópole. As classesdirigentes (só porque políticas) tinham uma forma de debatecarecidode disciplina social,que tem muito a ver com a responsabilidade e a coragem cívica do País que a saída do «Rei» tornou
evidente.
A movimentação rural provoubem que o País tinha percebido perfeitamente a partida da Família Real para o Brasil. O que aconteceu foi que, face à alteração de destino das receitas Hlscaisque a permanência do rei no Brasil implicou, face à redução de poderes da autoridade local, entregue a si mesma e com o poder central distante, a opinião pública se alterou. Quem pode dizer que o mundo rural não foi decisivo a esserespeito? Revelavam--se, deste modo, as carências de organização do Estado e do seu
exercício,cuja precaridade deixou de poder escapar a quem quer que fosse. Aqui, então, as agitações agrárias, antes e depois da Revolução de 1820, revelaram uma gravíssima crise de poder que se manifestou, como sempre acontece,na indecisão política. Por sua vez, os motins agrários, durante e depois das Invasões Francesas, manifestaram
as gritantes insuficiências,
em Portu-
gal, do «poder absoluto delegado»e a absoluta necessidade de alterar a situação e regime. Era evidente que o País tinha mudados Como reencontra--lo? O
modelo constitucional foi o que surgiu: estava «feito»lNão se pode dizer que fosseuma adesãoentusiástica, mas não havia outra. É] dentro de um contexto global, desta natureza, onde estas e outras questões se debatem, que este trabalho se coloca. Com uma disciplina meto-
dos seus recursos políticos e sociais e, por
nacional. O que não se pode dizer é que o País estivesse adormecido e os camposestivessem indiferentes. O mais flagrante que dele decorre é, na verdade,
a consciênciado drama nacional, não tanto a consciênciada solução.E logo tem surgido a acusaçãofácil e aliviadora quanto à responsabilidade do escol. Mas que é o escol?O povo rural, esse, na realidade, continuava a existir e a saber morrerá
Mas o mundo que desperta será só rural? Não estará aí um dos pontos do equívoco e dos «esquecimentos» de que a nossa história tanto soõ'e? O país ru-
ral moveu--se, mas o «para onde ia» o mundo precisava de outras formas de medir o rendimento e de preparar os quadros. O «campo»não terá dado por isso. Mas, acaso, o deu a cidade? Somos, assim, conduzidos, nesta «análise» de «apresentação», a uma ver-
dadeira problemática da sociedade portuguesa. A sequência que, para exemplo dela, o autor apresentou formula--se em diferentes motivações concretas, enquadradas em forças imediatas
coníluentes -- e não prospectivas
--, escla-
recidas caso pór caso. São participantes dinâmicas num conjunto social intei-
ramente subalternizado e que se vai coordenar num todo, com expressão na
política interna. Assim se determina como conjunto complexo de diferentes convergências, mas sem abstracções de empréstimo. Estas foram as que o país
culto, erradamente, entendeu dar--lhe. Todos?Decerto que nãosContudo, a confusão era muito grande.
Fê-lo numa história de gentes, angústias e tentativas de superação que se entrelaçam, nas suas especificidadeslocais e nacionais, nas suas diferentes perspectivas quanto ao futuro, num mecanismo mental e crítico onde se representaram, dentro das viabilidades tecnológicas de que dispunham e onde se apontaram viabilidades possíveis.Bem pensadas?Onde se discutiram? Quem as deixou discutirem--se? O «esquecimento» do «factor rural» não deixa
de ter a sua responsabilidade nessa lacuna social, com que se deixou agravar
o drama da sociedadeportuguesa. O «esquecido»passou do «rural» para o «analfabeto». E não pode haver uma sociedade renovada, no mundo como ele começava a ser, com analfabetos... E, nessesentido, importa chamar, ainda, a atenção para outro ponto não
r' controverso mas o qual se não podeperder a oportunidade de referir. De todas as ciências sociais, a historiografia
é, decerto, a que mais sujeita está ao risco
de lidar com conceitosque ou ainda não têm ou já tiveram -- ou até só virão a ter -- o conteúdo que perfeitamente corresponda à realidade humana que, com eles, se está procurando atingir. E, no entanto, esses conceitos têm de ser
concebidos para acolher a dinâmica existente no contexto primordial
da socie-
dade cujo conhecimento se quer -- e pode -- atingir mas não impor. E ?ó vale se essa cristalização conceptual for certeira nas suas ligações ao todo e ao
tem 0 No casoda historiograHla portuguesa, o risco de tal não se verificar é acrescido pelo facto de muitos dos termos sociais usados em português terem um conteúdo importado, com um sentido que foi acolhido sem o «limpar» dos usos praticados noutras sociedadesefora dosquais foram, precipitadamente,.recebidos entre nós. Isto é,não correspondiam,aqui, àrealidade a que iam aplicar-se. Defende-se, contra isso, a historiografia portuguesa de diferentes formas. Uma delas íaz--se personalizando constantemente as ocorrências, de modo a que os actos prati(lados -- e eventualmente decisivos-- tenham, nessa personalização, uma medida mais real, ligados como estão a pessoas que dão «conteúdo» ao «substantivo abstractos, salvador de ignorâncias. São, afinal,
as pessoasque, na história de Portugal, concretizam o significado social dos termos abstractos.Costumaassim enfrentar esseequívocodostermos com nem sempre certas identiÊlcaçõessociais para os acontecimentos e suas figuras. Mas conseguem, ao menos, dar--lhes vida. Por isso, os debates da história social, entre nós, passam rapidamente a ser tratados, sobretudo, à volta
de pessoasou figuras determinadas que «corrigem»-- ainda que pouco -- o sentido das categorias sociais abstractas que se lhes atribui. E deste modo que as dinâmicas, os grupos humanos ou formas sociais exercidas se delimitam, de algum modo, na falta de vocabulário social corrente no nosso País. Os grandes debateshistóricos, comfacilidade, se desdobram assim em debates sobre pessoasque, ao serem mais bem estudadas, se revelam, afinal, incapazes de receber como suas as ideias, a classe, a metodologia, a corrente política,
social, cultural, ou a tipologia que, por elas, se apresentaram como explicação
histórica. Em suma, todas as grandes épocas,acontecimentos, factos, confrontos, polémicas, controvérsias ou até momentos decisivos como os que ocorrem na sociedade portuguesa se corporizam em pessoas escolhidas mas, não raro, mal determinadas. Essa orientação conduz a uma incontestável ambiguidade no que se refere à falta de vocabulário social. Com efeito, as grandes correntes colectivas explicitam--se mal para o público, se não tiverem a referi--las figuras onde se aglutinam as dinâmicas, na sua expressãomais intensa. O facto paradoxal e lamentável é que a riqueza da experiência histórica portuguesa dislpõe, assim, de uma reduzida margem de teorização, por falta de termino-
logia adequadapara tanto. E, quandotenta fazê-jo, logo se manifesta essa tendência para a personalização. Quem, por exemplo, se atreveria a dizer, com credibilidade, se estudasse, que o vedor Jogo Afonso é o «representante» da burguesia na «conquista de Ceuta»? Quem se atreveria, se não em Portu-
gal, a «atravessar» o séculoxvm sem procurar, ao lado de outros grupos sociais desse século, os militares, os rurais ou o proletariado das cidades? As poucas teorizações históricas apresentadas são,fundamentalmente, meros exercícios de aplicação de posições ideológicas prévias. O «factor» religioso, o «geográfico»,
o «político», o «económico», a «classe em ascensão», o «estrangeirado»,
a «tenta-
çãodo mar» sãooutros tantos exemplosdesta tipificação generalista ou fuga a uma terminologia hábil para a história social portuguesa.Assim, esta última oscilaentre a personalizaçãoe ofactor abstracto. E, no entanto, é certo que a vida histórica das sociedades,dos Estados, nas estruturas em que se corporizam os conjuntos sociais, se dirigem à satisfação de exigências ou formulações humanas, sejam de sobrevivência, sejam de expressão. E não po-
demosdeixar de correr o risco de substantivar, comvigilância crítica, a terminologia necessária para chegar aos «corpossociais em acção».O Doutor JoséManuel Tengarrinha raramente personalizar Se essa limitação
é evidente
na história
política
e administrativa,
resolve-
-se pelo uso artificioso da linguagem jurídica, prolongada para além do seu tempo histórico, que só se apreende na consulta dos seus usos comuns e rigorosamente temporais. E, de.facto, aí que se encontra o principal das fontes necessáriaspara uma terminologia social adequada. Não seria, na verdade, despiciendoo estudo da linguagem corrente da época,na literatura popular, nas lendas recolhidas, nas «folhas dos cegos»,etc., que nos dão termos de um surpreendente rigor social. Por exemplo, qual a categoria social dos «filhos segundos» numa situação social com morgadio? Qual a situação social dos «ofi-
ciais tarimbeiros»? E, contudo, a sua força dinâmica é extraordinárias Como
se diagnosticam os «novos-ricos»,os «fidalgos aprendizes», os peraltas de aldeia, os almocreves ricos, os mestres, artistas, etc., etc.? Como se designam socialmente? Como se diferenciam? Se considerarmos a história da cultura, dos descobrimentos, da evangelização,a história da empresa,das atitudes e das mentalidades -- para além da história social directa --, etc., decerto poderemos ver que a erudição portuguesa tem um flagrante desinteressepor questõesdesta natureza euma curiosidade muito relativa pela sua aplicação correctora. Prefere os termos já consagrados... No que se refere à história social, propriamente dita, portanto,
osinteresses que se Ihe aplicam, ainda hoje, numa atitude mais correcta de defesa das especiülcidadesnaturais, é uma dimensão personalizada que «repete»a época,em si mesma, dotando--ade uma categoria -- pessoa,um membro de uma classe ou de um grupo, com um retrato feito no sentido de o
tornar carismático. Citemos, para a «fidalguia», o exemplo do Marialvas Será essaa melhor metodologia para a história social portuguesa?Abundam nela os representantes da classe «nobre», da «nobreza», da «Hldalguia», da «burguesia» rural, citad=ina,grande, pequena e média, classe ascendente, «alienada»,
«não alienada», «progressista», «retrógrada», etc., ou do clero, o alto, o pequeno, o médio, etc. Mas qual o seu conteúdo correcto? Como se constituem em tecido social e, como tal, hierárquico? O mesmo se nos apresenta para os grupos citadinos. Não obstante, a curiosidade pelas camadas rurais é sempre menos expressiva. Parece, sem dúvida, menos dividida ou, pelo menos, ma-
nifesta uma segurançasubstantiva muito menor e menos clara. A ambígua categoria socialdos«proprietários rurais» não sedistingue bem, de lugar para lugar, uma vez que a propriedade nunca se pode medir só pela extensão da terra mas pelo seu rendimento e capacidade de mobilização de trabalho para o seuaproveitamento. E esta circunstância varia, insisto, de lugar para lugar e delimita os que têm meios para aproveitarem a emigração interior e sazonal
e os que os não têm. Torna--sedifícil uma generalizaçãoaceitável. Por outro lado, não é fácil separar o comportamento económico,e até os seus meios de pressão, sem ter em conta a tecnologia socialmente disponível assim como os
recursospara investir na terra: obtençãode águas,lamas preparatórias, pousios, uso de pastos, etc.
A própria separação ideológica não é também fácil de esclarecer. Continua sempre a ser necessário -- indispensável -- proceder a uma tipiHlcação adequada e bem circunscrita, sobretudo -- curiosamente --, nas categorias menos de6lnidas no ponto de vista dos rendimentos, médios ou pequenos. Talvez
Soja esta uma das razões por que há tão poucos estudos de história agrária,
assim como é assaz difícil encontrarmos, entre nós, estudos de sociologia rural. São, por outro lado, mais frequentes estudos de história rural, sem que bastem, tanto para a pequena área como para maiores dimensões. Contudo,
a delimitação das micro-regiões já tem progredido bastante, no plano da geografia humana. Senos quisermos debruçar sobre o comportamento psicológico e sociológico, evidentemente diferenciado pelos mais diversos aspectos do quotidiano, menos referências históricas encontramos. Se compararmos a paisagem social de Portugal no século xwi, durante o domínio espanhol, a partir dos estudos feitos no século xix, só encontramos a macrodimensão. Com efeito, no séculoxix, só se vislumbravam agitaçõesnacionaispor detrás da «tranquilidade» espanhola, acentuando--a, com mais vivacidade, no decurso da interven-
çãoholandesa, quando da sua goradatentativa de conquista do Brasil. Para a metrópole, porém, as pesquisas sistemáticas do Prof. António de Oliveira vieram comprovar uma agitação nos camposque se não liga à agitação das cidades de Lisboa, Porto ou Evora. Pelos seus estudos, vamos ao encontro de uma nação viva e resistente, numa imagem de história socialqueultrapassa em muito as interpretações correntes apontadas, sobretudo, para os centros políticos e culturais. E também nessamesma perspectiva que se coloca,para o século xwn, este estudo do ])outor Tengarrinha, feito, porém, com motivações externas muito menos prementes e mais dependente das tensõesinternas. Procura, portanto, delimitar conceitos sociais adequados aos corpos vivos que intervieram nos motins ou alterações rurais, dentro das qualificaçõesque tiveram no próprio tecido social onde nasceram. A imagem da passividade dos campos,tanto no domínio da história política como cultural, transferia-se, «atrevidamente», para a história social e religiosa. A história de Portugal, depois da guerra da Restauração, tem tendido a circunscrever--se à história diplomática, religiosa, às generalidades políticas ou aos actos das grandes cheHlasda Corte, com algumas generalizações mais ou menosrestritivas, num diagnósticocultural poucoentusiastasA parte essas referências, que, aHlnal,só confirmavam o elementarismo dos actos públicos e privados, ülcava--sepela atonia social, ágil dimensão que convinha à exigência ideológica de um «pântano» setecentista. Contudo, a resistência à imagem corrente dos publicistas de condenaçãoautorizada, a seguir aosprotestos alternativos,
começou a generalizar--se com um historiador
insuspeito -- Jaime
Cortesão-- no seu estudo sobreAlexandre de Gusmão, destacada figura da
primeira metadedo séculoxvHi. Partia, obviamente,de um problemade história diplomática e de relações internacionais. Mas, talvez por isso mesmo, foi levado à necessidade de procurar ir ao encontro de uma história do absolutismo que comportasse as constantemente acrescidas responsabilidades de Estado, o que não condizia com as teses nem do absolutismo simplificado nem
dos mais recentes regionalismos de substituição. O certo é que a perspectiva de Jaime Cortesão era incompatível com uma sociedade de limitada responsabilidade social e política, antes tinha de a encontrar activa e controversa.
Foi levado, assim, a aceitar uma posição de cona'ontos mais ricos do que as convençõesde «tutela eficaz»,que, para o absolutismo, se tinham estipulado como suficiente, sem que o fosse. Pela mesma altura,já havia estudos bem esclarecidos quanto à movimentaçãoartística e científica, assim comoquanto ao investimento mecenático real em variados e importantes domínios, com exigências de interpretação histórica mais ponderada. Assim, também os debates e controvérsias no interior da própria cultura portuguesa setinham revelado mais diversificados. Do mesmo modo se avançavam pontos de vista mais aprofundados acerca dos fenómenos naturais e sua integração cientíÊlca. O conhecimento nas ciências exactas e naturais, assim como tecnológicos e militares, revelavam outros recursos. A perspectiva económica também se tinha tornado, desde Lúcio de
Azevedo, mais consistente com a diversidade dos factores do que os primaris-
mos acusatórios ao tratado de Methuen, na elementaridade dos pontos de vista quanto à indústria ou na perspectivaunitária, quanto à influência da mineração e seu destino. Os exames superficiais
sobre a produção do vinho do
Porto e o mercado vinícola europeu tinham desaparecido nos debates sobre as
alternativas económicasde Portugal. A própria prova de uma diversificação socialefectiva nas cidadesestavajá feita. Não obstante, a obra de Jaime Cortesão só parcialmente aplicava esta perspectiva renovada. Dirigia--se só os planos de Governo, no que se refere a relações internacionais, e muito menos ao fomento económico.
Talvez por isso mesmo, a história rural portuguesa continuava ausente ou permanecia ainda dentro daj á referida imagem tradicional. E, no entanto, levantemos a questão desse estranho atentado contra o rei ]). José, levado a efeito por um rural, em pleno consulado pombalino. Todos sabemos, em história política e social, que um atentado nunca vem só. Nunca se levantou o problema de tensões rurais acumuladasl Com este estudo do Doutor José Tengarrinha,
o mito da «ít'ieza» rural de-
saparece: eis que essemundo nos surge saturado de espoliações, rico de con-
trovérsias, provido de uma singular hierarquia local, diversiÊlcadoe senhor das suas diferenças e dos direitos consuetudinários, mas de dificílima formulação global. O mundo dos campos não se mantinha imóvel e intangível l Os seus
cona'ontos revelam--no em ebulição dispersa nessa sociedade centralista em
doutrina e prática de cisãomas «equipada»comuma estrutura de funcionários e autoridades regionais que, evidentemente, dispunham de força própria.
' (7: Jaime Cortesão,Anexa/odre
1952-1956.
de Gusmão e o 7'ralado de ]l/adríd,
Rio de Janeiro,
Era o que se verificava nas oscilaçõesda resistência popular. E, de vez em quando, podia generalizar--se, ainda que mal. Assim sucedeu na participação portuguesa na Guerra dos Sete Anos, onde as intervenções tardias do conde de Lippe não teriam tido efeito sem a participação das forças populares que Ihe foram paralelas. Ao mesmo tempo, todos sabemos que a presença régia e áulica, em constantes cerimoniais, nunca tinha deixado de existir nas zonas rurais. Haja em vista, nesse mesmo sentido, a presença do mecenato régio, cortesão e eclesiástico que tanto insistiu em benesses, na primeira metade do século e no último
quartel do mesmo, devendo exceptuar--se, claro está, a avareza josefina.
Faltava--nos, na verdade, para nos aproximarmos mais da verdade social do século xvm, um relato efectivo da história rural que completasse e concre-
tizasse esta visão mais realista do século xvm. O estudo do Doutor José Ten-
garrinha veio, assim, demonstrar que, no campopróprio da história agrária, as controvérsias e «alienações»rurais foram constantes no século xwn; são aqui exemplificadas para a segunda metade do século, para disciplina e acerto da pesquisa. Nem tal se pode compreender de outro modo, num estado como Portugal que ocupava uma posição-chave no equilíbrio europeu, à entrada do Mediterrâneo e face.ao Atlântico Sul, em cuja navegaçãoparticipava, num tráfego sensível em Africa, no Brasil e na Europa, comresponsabilidades que não podia evitar e onde a percepçãodo mundo europeu era efectiva e constante. Não foi Beckford encontrar, nas suas viagens pelo interior do País, um frade que «discutia» a cozinha chinesa? Com este estudo da história rural, o processo do movimento de crítica his-
NOTAPREVIA Ao dedicar longos anos ao estudo dos movimentos rurais no 6lm do Antigo Regime em Portugal, movia-me, antes de tudo, a atracção por um tema até agora inteiramente ignorado pela historiografia e que, além disso, se destinasse à compreensão da realidade agrária portuguesa do século xvm e parte do nx. Tanto mais que não tinha havido continuidade na vasta investigação de Albert Silbert sobre a região mediterrânica. Não podia deixar de considerar aliciante o estudo de um domínio que, em espaço,em gentes e em produção, desempenha um papel de relevo naquilo a que podemos chamar uma espécie de autonomia económica do país: a subsistência. AÍ se geravam dinâmicas sociais que não deixariam de influir no curso
geral da nossa sociedade, ora tranquilizando--a ora agitando--a. Desafio esti-
mulante, sem dúvida, mas não menos intimidativo. Havia que precaver, antes de tudo, a tentação da facilidade de corrermos atrás do documentonovo ou de derivarmos ao sabor do facto fortuito, com o gostode o generalizar. Impunha--se uma visão que, sobretudo, integrasse os elementos fragmentários num conjunto não necessariamente harmonioso,
tórica do nosso tempo completa-se na «correcção» ao proaeito inábil de supres-
mas coerente, donde pudesse derivar o nexo que uma informação generalizada
sãodo século xvm da História de Portugal. A sua consideraçãocomo Estado e como Nação, em plena actividade, na vida pública passa a dispor de uma perspectiva de história global, onde a vida agrária não podia deixar de estar presente.
Ihe impunha. E que se pensasse nas componentes e nos ajustes e desajustes
O comentário«urgente»aqui feito neste prólogovisa, portanto, e em
grande medida, chamar a atenção para a importância desta obra, no contexto da investigação cientíHlca histórica contemporânea. Abordando um campo
quase omisso entre nós, já o pode integrar numa pesquisa ampla e diversificada. Importa prosseguir. Novos estudos decerto se Ihe seguirão, de modo a trazerem a história social agrária do séculoxvm para uma dialéctica concreta que revele em profundidade o seu papel, semelhante ao que representou, na dinâmica das sociedades ocidentais, até chegarmos ao ainda insondável mundo dos «esquecidos»e
das mentalidades subjacentes.Mas lá chegaremosl JORGE BORGES DE MACEDO
entre elas na perspectiva da sua contribuição para a dinâmica global. O circunstancial e o isolado apelavam para essavisão de conjunto, não para se uniformizarem nem adquirirem uma dimensão abstracta mas para ganharem a verdadeira dimensão do tempo histórico, real, vivido, de comunidade
em movimento. Era, pois, numa visão estrutural que se pretendia abordar o tema Tínhamos a consciência de que esta orientação estrutural se encontrava no rumo da lídima tradição historiográfica da Faculdade de Letras de Lisboa, que Ihe é inerente comouma das suas marcas mais fortes, de que saíram algumas das mais fecundas contribuições para a Ciência Histórica contemporânea no nossopaís. Tal orientação, tivemos ocasião de a receber directamente de alguns mestres, de que conservamos viva memória, como a Prof.g DoutoraVirgínia Rau, cujos trabalhos sobrehistória agrária ainda hoje mantêm todo o mérito e oportunidade. No mesmo sentido, destacarei a obra do Prof. Doutor Jorge Borges de Macedo,em história económica,cultural e diplomática, e do Prof. Doutor Joaquim Veríssimo ferrão sobre o prior do Crato, a expansãoultramarina, a história regional e institucional,
bem como as suas visões de conjunto da his-
tória nacional. Não deixarei de citar o rasto do Prof. Doutor Joaquim Barradas de Carvalho nessemesmo sentido, nas investigações sobre a ciência dosDescobrimentos
portugueses,domínio onde a presençado Prof. Doutor Luís de Albuquerque alcançaria também singular proaecção,pela originalidade e solidez cientí6lca. E, felizmente, a Faculdade tem aberto assim um caminho onde nomes como Queirós Veloso, Vitorino Magalhães Godinho, Orlando Ribeiro, Ferreira de Almeida, mantiveram uma visão de história estrutural que se mantém. Lembremos, a esserespeito, os estudos de história da cultura e das formas de
INTRODUÇÃO
expressão simbólica em que se inserem os trabalhos do Prof Doutor Jogo Me-
dina, vasto leque de temas do Portugal Contemporâneo. Deverei referir ain-
Todos eles trabalharam para conquistar um suporte estrutural que constitui o traço dominante da produçãohistoriográfica da Faculdade de Letras de Lisboa. A sua força advém também da diversidade de domínios sobre.os quais incide, tanto de natureza biográfica e desenvolvimento geral da história portuguesa como estudos sectollais de natureza económica, política, social e cultural. Foi nessemesmo sentido que orientei os estudos sobre a movimentação rural e a história agrária. Procurei, assim, chegar a uma visão estrutural das condiçõesmateriais e sociaisda vida rural, como simultâneo sentido da permanê;leia, do tempo longo, e do movimento, da durabilidade e da instabilidade, como categorias históricas particularmente
importantes na época de transi-
çãoque Portugal atravessava do séculoxwn para oxix. Estou certo de ser este o melhor meio que poderá dar à história de Portugal a imagem autêntica da sua movimentação humana. Não poderia terminar esta nota sem deixar expresso o meu agradecimento
e mais contribuíram para que a obrafossefeita..
..
.
.
Em primeiro lugar, o Prof. Doutor JorgeBorges.de Macedo?pelo empenhamento e disponibilidade que sempre mostrou ao longo de vários anos no
acompanhamento do trabalho. Ao Prof. Doutor Joaquim Veríssimo ferrão, pelos incentivos que me deu e o entusiasmo que permanentemente me transmitiu A.oProf. Doutor JogoMediria que, como coordenadorda área de História Contemporânea,desdeosprimeiros momentosseprontificou a segui-lo. Agradecimento que envolveainda todos os colegas,dentro efora do Departamento de História, que me ajudaram a dispor do ânimo necessário para levar a cabo a tarefa. Até que esta se concluiu êom a defesa da tese de doutoramento em princípios de'Abril de 1993, em (}ue obtive a mais elevada classificação'de aprovado por unanimidade, com distinção e louvor.
IJm longo percurso até aqui. À partida, a ideia generalizada de que, exceptuando alguns conflitos em meadosdo séculoxwi e o da «Mana da Fonte»em 1846,os campos portugueses não haviam gerado movimentações sociais significativas, Mas pensar na pacifícidade do campo,em especialnum tempo de transformações estruturais como o final do Antigo Regime, era, obviamente, absurdo.Portugal seria casoúnico na Europa, mesmorelativamente a Espalha, cujo trajecto é, em geral, tão próximo do nossos Amparava--nos a fé de Le Roy Ladurie em que as movimentações rurais nesse período existem, só que para descobri--las é preciso ir fundo na documentação' Cerca de quinze anos de pesquisa aturada em arquivos conseguiriam minorar os efeitos da ausência de ficheiros e elementos de busca ou a falta de tratamento de imensas massas documentaisa Era indispensável, normalmente, passar em revista centenas de documentos para encontrar alguma informação com interesse para este tema. A mineração não se fazia perseguindo filões, mas encontrando rochas muito dispersas de que a extracção era possível. E, assim, lentamente, ia--se alargando o campo da análise e confirmando aviabilidade
do pr(recto.
Para vencer as não poucas dúvidas e incertezas, dois apoios foram impor-
tantes, em fase recuada. Em primeiro lugar, o de Albert Soboul, que, a partir de meados da década
de 60, me iniciou no estudo dos movimentos camponesesdo final do Antigo Regime, em sessõesde trabalho na Sorbonne e em sua casa, onde pairava tão ' Josep Fontana já tocara o assunto em J.,aCrísls deZAnf]guo R(hímen -- ]808-]833; «Las tensiones entre seóoresy campesinos se venían traduciendo en frecuentes revueltas en el último tercio del signo(XVlll)», p. 8. Entre outros, também Pierre Velar chama a atenção para o facto, dizendo haver então, entre os camponesescatalães, in-
díciosde descontentamentoe lutas, traduzidos em conflitos colectivos(«EI 6in de los elementos feudales y seãoriales en Cataluãa en los siglos XVlll y XIX...», in Za AboZlclóndeZFeudalismo ezzeJ ]l/ando OccídenfaZ,Madrid, 1979, p. 83. 2«Révoltes et contestations rurales en France de 1675 à 1788»,AnnaZes .E.S. C., Janeiro--Fevereiro de 1974, pp. 6--22. 3Por exemp]o, dos 440 maços do núc]eo ]l/inisfério do Reino no Arquivo Histórico Ultramarino, das dezenas de livros e maços dos mosteiros e colégios dos Próprios !nacionais no Arquivo da Universidade de Coimbrã, dos cerca de 200 metros de maços do Tribuna/ cíoZ)esembargodo Paço no Arquivo Nacional da Torre do Tombo...
JOSÊ TENGARRINHA
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viva a presença intelectual e a ligação afectiva a Georges Lefebvre, «Zepêre»,
como ele costumava dizer em privado, com emoção. E Albert Si[bert, o autor do monumenta]Z,ePorfugaZ]14édíferranéen, que me encordou vivamente a prosseguir quando, em 1981, presidia à sessãodo colóquio onde apresentei os primeiros resultados da investigação' A obra deste historiador francês seria, de resto, fundamental para o conhecimento das estruturas agrárias dessetempo, ainda que num espaço que não foi aquele onde registámos a maior densidade de lutas camponesas. Aqui residiu, sem dúvida, a nossamaior dificuldade. O grande atraso da história agrária em Portugal obrigou-nosa penetrar aí muito mais do que inicialmente tencionávamos, pois só assim setornava inteligível o quadro em que decorriam as tensões e os conflitos. Não se Veja, pois,. nos .desenvolvimentos que fizemos de história agrária qualquer objectivo primacial nessedomínio. Pretende ser este, acima de tudo, um trabalho de História Social, só complementarmente de História Económica, pesem embora a fluidez das fronteiras entre elas e as di6lculdades que a primeira apresenta, ainda, de se constituir como disciplina autónoma.
MOVIMENTOS POPULARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
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Lamente se confundem, na mesma unidade social, o longo e o breve, o estrutural e o conjuntural, a pesada espessura da realidade social que resiste à transformação e a trepidação da mudança. Compreende--se, pois, que tenha sido ao reflectir
sobre a totalidade
do social que Labrousse (mesmo se errada-
mente pareça «economicista»a sua abordagem) alcançou a brilhante síntese
do entrelaçamento dinâmico da estrutura e da conjuntura, do tempo longo e da breve duração, que constituiu aquisição metodológica fundamental da historiografia contemporânea. E é nas movimentaçõesagrárias, infinitamente mais que nas operárias, que coexistem numa mesma realidade os diferentes. «tempos».davida do homem:a quaseimobilidade da terra (lentamente alterada pelos factores naturais e humanos, nessa combinação original e fecunda dos dois elementos, território e civilizações,de que fala Orlando Ribeiro), as permanências secula-
res dos comportamentos(que são lastro muito pesado)e as atitudes de inovaçãogeradas por novas realidades. Inscrevendo-se nessequadro quase intemporal, estas atitudes podiam até não romper com as velhas formas persistentes, mesmo quando ocorriam alterações no conteúdo. Foi este, naturalmente, um fenómenoagudo em épocas,como a que estudamos, de maior aceleração histórica.
1.ALGUMAS NOTAS METODOLOGICAS
A partir das renovadas contribuições que nos últimos anos têm enriquecido as perspectivas metodológicas da História Social, podemos pensar nela
não como uma disciplina de ambições«imperialistas», segundo as acusações que muitas vezes Ihe foram feitas, mas pela sua vocaçãode fazer convergir elementos de diversas origens: Lembramos o pensamentcF-chavede Labrousse: «Nonbien sur que I'histoire sociale absorbedans notre penséeI'histoire tout entiàre. Plus quejamais, et il faut s'en féliciter, I'Ecole française avance 'toutes directions'. Mais dana toutes directions aussi nous trouvons le «social»associé,combiné avec ses multiples éléments, dont I'ensemple indivisible íait I'Histoire.»; Concebemos a História Social como o domínio da História onde mais estrei-
Apoiando--se nos avanços dos conhecimentos da história agrária e das sociedadesrurais, os estudos dos movimentos camponeses ganhavam então três novas dimensões, que nortearam o presente trabalho. Em primeiro lugar, pelo estabelecimento de articulações com as estruturas económicas e com o próprio sistema social, a exemplo do que acontecera no estudo das lutas operárias, onde tal articulação, mais visível, havia muito se tinha estabelecidoc
Embora assumam, assim, naturalmente, particular relevo os movimentos que decorrem da própria natureza da economia camponesa, não deixam de
merecer atenção os desencadeadospor factores externos ao quadro rural (comoas Invasões). Tais impactes têm até o mérito de fazer aparecer com evidência conflitos que, no curso normal da vida, haviam ficado camuflados. Desta maneira, adquirem um outro alcancesocial, para além das grandes sublevações, os pequenos conflitos, os simples protestos, tudo aquilo que cons-
titui expressão das tensões que percorriam os campos e que podiam manifestar--se, ou não, sob formas explosivas. O que se tentava surpreender, pois, era não apenas a acção espectacular, que emerge como um momento excepcional,
ta comunicação intitulada «Movimentos camponesesem Portugal na transição do Antigo Regime para a sociedade liberal» foi publicada em O Liberalismo na PerzínsuZa/6éríca na pHmeira melada do séctzZo XZXI, Lisboa, 1982, 2.' vol., pp. 153--159. Sobre o mesmo tema fiz depois, a convite da Faculdade de Letras do Porto, a comunicação«Lutas anta--senhoriais em Portugal quando da Revolução Francesa» no colóquio, em 1989, sobre '.A recepção da Revolução Francesa em Portugal e no Brasil» , a convite da Universidade
mas também a resistência surda, obstinada, quase sem história, que marca o quotidiano agrário no correr dos anos e das gerações. Era, de algum modo,
esse«grande silêncio popular do tempo longo» de que falou François Furet' Captando, agora, não apenas os momentos excepcionais da luta, mas a resistência camponesa no seu conjunto, é possível, então, passar à fase do estudo
de Santiago de Compostela, o artigo «Violência e castigo nos cam-
pos portugueses após a revolução liberal», no livro de homenagem a Pilar Vásquez Cuesta, e a comunicação «Contestação e revolta camponesa na zona centro de Portu-
6Chama Marc Bloch a atenção para o facto de os historiadores que se debruçaram sobre as revoltas camponesas admitirem mais dificilmente a ligação entre elas e o
gal nos fins do Antigo Regime»ao X Encontro de Professores de História da Zona Cen-
regime senhorial do que, por exemplo, a greve operária e a empresa capitalista(Les
tro (Aveiro, 1992).
caracfêres orígínaul...,
5 Ordres ef classes.Colloque d'histoire sociale, Sainb-Cloud, 24--25 de Maio de
1967, Paras,. Mouton, 1973, Prefácio, pi'll:.
ed. 1929, p. 175).
7 «Pour une déHtnition des classes iníérieures à I'époque moderno,, AnnaZes E. S. C., n.' 3, Junho de 1963, p. 467. Forum da llistória 18 -- 3
COSE TENGARRINHA
dos movimentos a partir de dentro, na sua organização e desenvolvimento internos, detectando tanto as formas novas, que cada circunstância sempre lhes
imprime, comoos gestosseculares,as permanênciasde comportamento. Não apenas, pois,por que as coisas acontecem, mas como acontecem. O estudo dos comportamentos contribuía, assim, para o conhecimento da mentalidade camponesa,que através deles mais claramente se revela. E ajudava--nos a detectar, também, em que medida os rurais foram tendo concepçõesmais amplas do regime em que se inseriam, isto é, os limites da sua consciência social.
Não partimos, pois, do que era pacíÊlco,mas do que era conflituoso. E considerando as duas dimensões deste: a situação social de inquietação, como fenómeno geral, e as situações concretas, provocatórias, como fenómenos
particulares, em articulação e inãuência recíproca permanentes. As hipóteses de que saímos, esseproaecto do arquitecto, indispensável para
que haja arquitectura, como dizia Lucien Febvre8 arriscavam--se, perante uma tão rica e inesperada realidade, a viciar ojogo. Quando se lida com esse mundo infinitamente vário do campo, é sempre possível encontrar factos que provem as hipóteses e a visão global que se tenham à partida. Por isso se vê não poucos refügiarem se em generalizações e abstracções a partir de conjuntos limitados de factos. As lógicas aparentemente imbatíveis de Sherlock Holmes ou Poirot só são possíveis com uma considerável dose de arbítrio ou quando sejuntam as peçasno sentido do desfechoque se conheceantecipadamente. Da nossa parte, ao mesmo tempo que repudiávamos quaisquer esquemas gerais explicativos prévios, púnhamos em causa, permanentemente, as hipóteses de partida, por muito sedutoras que parecessem. O trânsito renovador incessante entre o abstracto e oconcreto,o concretoe o abstracto, para voltar de novo ao concreto era método de abordagem que nos parecia indispensável para uma tão complexa e diversa realidade. O que nos obrigou, a(i longo do trabalho, a um refazer contínuo do que já estava tecido, impondo novas reflexões sobre o que parecia adquirido, estabelecido
2. MEIOS E TECNICAS
MOVIMEFnOSPOPULARES AGllÂRiOSEM PORTUGAL
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Até nas cidades, as acções de protesto da gente humilde -- com muito pou-
casexcepções-- eram consideradas,por isso, desprezíveise sem história, mesmo quando atingiam dimensão considerávelo.
Para conhecer os seus comportamentos e ideias, não poderíamos basear-nos em documentos de origem popular. Foram muito raros os que chegaram até nós: apenas alguns pasquins, em linguagem rude, espalhados no calor da
luta para incendiar os ânimos ou intimidar autoridades e poderosos. De maior valia foram as assentadas das testemunhas nos processosjudiciais, nas quais se prdecta a fala dos rurais, para além de algum convencionalismojurídico
e de certos estereotipos dos escrivães. Muitas utilizámos
com
proveito. As mais abundantes informações vieram--nos dos registos judiciais e policiais.Por seremindirectas, havia que utiliza-las, porém, com muita prudência. Com efeito, nos documentos que chegavam aos tribunais de última instância, nem sempre era fácil apurar a verdade, por entre o emaranhado de argu-
mentoscontrários edos arrazoados tantas vezes intencionalmente obscuros. Pesavamo habitual hermetismoda linguagemjurídica, o estiloliterário normalmente rebuscado e muito deHlciente e a utilização de termos e conceitos que por vezes variavam de região para região, como expressão dessa imensa
diversidade de situações e normas que encontramos no mundo rural do final do Antigo Regime:'
Tentar--se--ia, também, para além dos argumentos e dos formalismos jurídicos,encontrar a palpitação da vida, com os seus dramas e angústias, muitos
delesremontando àsnoites mais fundas dostempos: descortinar a rotina dos dias, que se sucediam num horizonte fechado,na resistência surda, mole, de 9Vda--se a opinião deAgostinho Rebela da Costa sobre o motim do Porto na manhã de23 de Fevereiro de 1757. Apesar de terem sido inculpadas 478 pessoas,considera--o semimportância, pois foi apenas «a plebe a agressora», excitada por «quatro miseráveis taberneiros, um pobre alfaiate, que era juiz do povo, e um desgraçado sargento supra. A vista destes chefes, que tais seriam os sequazes? Julgue-o o leitor». O incidente só viria para a História, segundo Rebela da Costa, porque, exagerados os relatos ao monarca, este não teve outro remédio se não ordenar uma alçada e envio de tropas sobre o Porto(Z)escrípção Topogra/ica e l/isforica da Cidade do Porto, Porto,
1789,PP.309-314). ioO Desembargo do Paço -- fonte mais ü'equentemente utilizada -- era um tribu-
nal de última instância ou de recurso. Criado por D. Jogo ll e extinto por Decreto de
Era difícil vencera tradicional opacidadedomundo rural. A literatura escrita virara-lhe costas.Em vãose percorremos muito abundanteslivros de
3--8--1833, competia--lhe submeter a despacho domonarca, após terem sido estudados, osprocessos-- petições pelas quais a ele recorriam quer os particulares quer as Cortes, versando questões de graça ou de justiça(incluindo a conHlrmaçãode eleições dos
viagens do tempo, em vão se folheiam os jornais, mesmo a meticulosa gaze-
juízes ordinários); bem como os negócios respeitantes à concessão de «revista» (isto é,
ta o6lcial. Nenhum sinal de agitação, nenhum vestígio de como pensavam e
de um segundojulgamento) e a resolução de conflitos entre tribunais(por exemplo,
agiam os homens dos campos. Não eram factos considerados socialmente signi6lcativos,essesque envolviam o povomiúdo curvado sobre a terra, lá tão longe nas províncias. 8 Prefácio a Charles Morazé, Troís estais sur Aisfolre ef culfure, 1948, p. VIII.
quandoduas instâncias seconsideravam competentes para apreciar a mesma questão). A Mesa do Desembargo do Paço era composta por um presidente, desembargadores nomeados pelo rei em número variável e escrivães. O percurso das exposições, desde as mãos dos suplicantes à decisão anal, era muito complicado e moroso. Normalmente, eram elaboradas pelos procuradores (advogados,
simples letrados, escrivães) e enviadas sem data (o que torna quase sempre muito
difícil a balizagem temporal exacta dos conflitos). A Mesa do Desembargo do Paço
JOSÊ TENGARR{NHA
quem está habituado a esperar pelo lento germinar da semente; ou o clarão do desespero,no gume da tensão e da luta. E matéria qualitativa indispensável para a compreensão de muitos aspectos do comportamento dos rurais. Mas julgámos vantajoso, ao mesmotempo, avaliar com maior rigor algumas características dos movimentos agrários utilizando, quanto possível, processos quantitativos. A inovação que introduzimos aqui foi aplicar aosmovimentos agrários as mais avançadas técnicas de inquérito e de medição que, pela primeira vez entre nós. havíamos usado no estudo dos movimentos operários::. Sabíamos, à partida, que a natureza dos dados dos movimentos agrários torna muito difícil a sua redução a séries homogéneas e a simples expressões numéricas.. Mas o avanço neste sentido permitir--nos-ia traçar algumas curvas que julgamos significativas. Assim, em primeiro lugar, a frequência com que se projectam no tempo as
MOVIMEIWOS POPUIARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
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principais motivações. Também, as diferentes intensidades com que os movimentos se distribuíam pelo país, tentando detectar as grandes manchas de
agitaçãorural. Contabilizar, igualmente, a variação dos movimentos defensivose ofensivos, que traduzem duas atitudes muito diferentes do rural perante a sociedade e também muito diferentes estratégias da sua rebeldia. Outra,.a curva dos movimentos vitoriosos e derrotados em correlação com a suanatureza defensiva e ofensiva: comojulgamos ser lei geral dos movimentos sociais que as vitórias alcançadas a partir de uma atitude defensiva resul.
tam de ter sido atingido o limite da sobrevivência .--. é a «revolta da miséria» . e as alcançadas a partir de uma atitude ofensiva (mais raras nos movimen-
tos agrários) partem de uma situação relativamente estável e conülante -- é
a «revolta da abundância».Ainda, a curva dos movimentos que se declaram por um.impulso,espontâneo
(a que se ligam, mais frequentemente,
formas de
violência súbita).e dos que apresentam algum grau de organização, chegando a contaminar outras áreas. Bem como o que se poderá designar como a curva da violência nos campos.
remetia--as aos corregedores (tambémjuízes de fora ou provedores) com pedido de informação e parecer. Acontecia, por vezes, algumas destas autoridades deslocarem-se
ao próprio local, ouvirem as partes interessadase recolherem testemunhos. Para melhor informação, não raro mandavam elaborar mapas pormenorizadose a cores,que encontramos apensos aos processos.Esta documentação, acompanhada do parecer da autoridade. era enviada ao monarca, chegava à Mesa do Desembarco do Paço, que a despachava para o procurador da coroa. A opinião deste limitava--se, em geral, a um «Fiatjustitia»
ou «conforma-me», mas também dava pareceres longos . Era então o pro-
Veremos em que medida esta «grelha»que usámos para os movimentos operários portugueses pede ser. aplicada, com algumas adaptações, aos agrários, como pensamos possível, em geral, relativamente aos movimentos sociais
3.CONCEITOSBÁSICOS
cessodevolvido à Mesa, que Ihe dava o despacho final, com a provisão, se necessária. Casos havia, também, em que as petições eram despachadas imediatamente
e sem in-
tervenção quer do corregedor ou outra autoridade local quer mesmo do procurador da Coroa.'Fazia--se depois o registo no Livro dos Novos Direitos, após o pagamento de de-
tenninada quantia para as despesas do processo e, finalmente, no Livro do Requerimento Geral. Os processos mais morosos, com excepçãodos conflitos, eram os que di-
ziam respeito a obras públicas (que era necessáriopõr a lanços) e a pedidos de feiras e mercados (que exigiam certidões dos concelhos vizinhos). Com muita frequência, os
atrasos eram provocadospor desleixo das autoridades intermédias (corregedorese provedores) e locais. Os pedidos mais rapidamente despachados eram os que se pren-
diam com a requisição de certidões (de forais, inquirições, etc.) à Torre do Tombo, oscilando o seu atendimento entre um e dezoito dias. As dificuldades de consulta desta documentação são acrescidas pelo facto de os papéis de cada processo, normalmente muito numerosos (petições, queixas, certidões, autos, testemunhos, pareceres, declarações),se encontrarem dispostos quase sempre ao acaso, sem ordem nem critério, até espalhados por incongruentes conjuntos(não organizados em macetes nem numerados). Muitos estão incompletos, desconhecendc--se o desfecho do conflito; o deficiente estado de conservação torna a leitura com frequên-
cia muito diHcil. 11V. «Movimento grevista e sociedadeem movimento», inEsfüdos de /7ísfóría Contemporânea de PorfugaZ, pp. 35--83. Algumas das técnicas que utilizámos então foram
influenciadas pelosexcelentestrabalhos dosfrancesesMichelle PerrotZes ouuríersen grêue (Paria, Mouton, 1974) e Claude Durand e Pierre Dubois La Grêt;e. Enqtzêfe socloZogique (Pauis, A. Colin, 1975) e dos americanos Charles Tilly e Edward Shorter «Lesvagues de graves en France, 1890--1968»,AnnaZesE. S. C., Julho-Agosto de 1973,
PP.857-894.
Poderá parecer supérfluo abordar a definição de conceitos cujo sentido se
afigura óbvio,tão vulgarizados têm sido por obras neste domínio. Mas a prudência,que a experiência permanentemente reforça, mostra--nos,não raro, ser o que aparece como óbvio que é causa dos não menores equívocos. E, ge isto
éválido nosvários domínios históricos, commais forte razão quando se trata da História Sociali onde as persistentes diÊlculdades para a definição da sua metodologiae limites próprios deixam ainda largas zonas de penumbra. Situação exemplar ocorreu--nos quando, aofazer o estudo das greves numa pera.pectivahistórica, veriâlcámos que nenhum autor, mesmo com obras de muito mérito, se preocupara em deHlnirrigorosamente o objectodo estudo .-a greve. E aquilo que parecia uma evidência acabaria por constituir uma limitação ao alcance científico de alguns trabalhos e causa de controvérsias que se agitam ainda hoje. Comecemos pelo conceito de movimento.
Na extensa literatura estrangeira neste domínio, apenas subentendido. abrange factos de natureza, grau e dimensão muito' variados. O que o distingue, a nossover, é o facto de ter origem em situações conflituais (mesmo quandonão claramente indicadas) e exprimir--se atr;vés de atitudes activas e colectivas, minimamente
articuladas.
Não foram consideradas,pois, as atitudes, embora colectivas, que se limitavam a formular junto das instâncias superiores simples pedidos de benefícioslocais (feiras, construção de pontes, arranjo de igrejas, nomeação
ROSÉ TENGARRINHA
MOVIMEIWOS POPULARES AGRÁRIOS EM PORTUGAL
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de médicos, etc.); nem as que mostravam como único suporte a con6lança na
ter mais ou.menos de dez pessoas. Por isso se assiste, algumas vezes, a um
magnanimidade régua,remetendo-se a uma posição passiva, meramente expectante; e, ainda com menor razão, quando a população abdicava numa autoridade local a responsabilidade da exposiçãoe defesa dos seusproblemas. Era preciso distinguir, porém, entre estas e as petições que, embora sob a
debatejurídico entre as autoridades ou entre estas e os defensoresdospovos sobre a categoria jurídica que mais ajustadamente corresponde ao acto de
forma de súplicas ao monarca, constituíam,
longe de cobrir a variedade de situações que então surgia. Os critérios das autoridades iam, com isso, evoluindo. Aqui e além, vemo--las apoiarem--se, mas cada vez com menos convicção, nas leis antigas.
reivindicativo
de facto, episódios de um processo
e de luta: mesmo sendo sempre submissa e reverente a sua lin-
guagem, não deixa de transparecer nelas a cona'ontação subjacente. Não foram considerados, assim, os conflitos individuais, embora, no seu
conjunto, estes possamconstituir um indicativo importante do grau de tensões existentes na sociedadeiz.
Isto levanta-nos a questãode definir qual o número de participantes necessário para que uma acção colectiva de intervenção social possa ser considerada movimento. Charles Tilly -- um dos raríssimos autores a tocar no assunto, embora na perspectiva operária -- considera que o ajuntamento contestatário implicaria a presença de, pelo menos, dez indivíduos. No inquérito sobre os movimentos populares em França, esselimiar é estabelecido em quatro, desde que não pertencentes à mesma família. Era, também, o número fixado pelas autoridades francesas durante o Antigo Regime; sobrevivendo este critério, mesmo depois era interdito participar em ajuntamentos com mais de quatro pessoas, o que, praticamente, apenas excluía as acçõesindividuais ou familiares. Por nossa parte, exigimos a intervenção de, pelo menos, uma dezena de pessoas, embora
nas situações arroladas por nós sempre houvessenúmero bastante superior. Não menores equívocos resultam de uma deHlnição pouco precisa dos graus
dos movimentos.
Na linguagem da época,as designaçõeseram abundantes:revoltas erebeliões, motins ou amotinações,insurreições, sedições,levantamentos ou alevantamentos, arruídos, assuadas, arruaças, desforços ou desforçamentos, agitações, protestos, contestações, resistências. A utilização comumentão feita dessestermos interessa-noshoje, menos para nos ajudar a caracterizar com rigor o acontecimento do que para conhecer a dimensão que ele tinha na psique popular, como sinal da representação que o povo fazia das suas próprias lutas. Por parte das autoridades, não menor a confusão.O assunto não era de somenos,pois a dureza do castigovariava conformeo grau atribuído ao movimento. Eram desiguais as responsabilidades, por exemplo, no caso de os intervenientes agirem estritamente na defesa de interesses pessoais e localizados ou selevantarem contra as autoridades, no casode pegarem em armas de fogo ou apenas em instrumentos de trabalho, no casode visarem apenas os bens de outrem ou também a sua integridade física, no caso do ajuntamento
lz Por exemplo, o pano de fundo das lutas anta--senhoriais na segunda metade do séculoxvm no Centro Litoral ébem documentado no enorme número de conflitos individuais entre foreiros e senhorios religiosos que eram decididos nojulgado de Coimbrã e que se encontram nos papéis dos mosteiros no Arquivo da Universidade de Coimbrã, como tive ocasião de verificar.
rebeldia. As classiÊlcaçõesoficiais, sem serem completamente inexistentes, estavam
O conceito usado com maior segurança era o de assuada, que, com base nas
Ordenações(L. 5, t. 45), se aplicava ao «ajuntamento de 10'ou mais pessoas estranhas que em tumulto saem a fazer mal a alguém». Pelo alvará de 12-8--1717 se declarou ser assuada e caso de devassa «o ajuntamento de 15 ou mais pessoasna ilha de Cabo Verde, ainda que sejam escravos ou familiares». A designação aparece referida com maior â'equência a partir dos primeiros anos do século xix, sendo mais usuais, antes disso, para idênticas situações, as de levantamento ou alevantamento, arruaça, arruído. O Código
Penal de 1852 -- que distinguiu entre assuada, sedição e rebelião -- determinava que, para que houvesse a primeira, era necessária a participação de pelo
menosuma dezena de pessoas;acima de dezanove, seria considerada sedição. A aplicação de tal critério ao período em análise levantaria muitas dificulda-
des,não sóporque nem sempre há informações rigorosas sobre o número de pessoasenvolvidas como por tal não ser decisivo para avaliar o grau atingido pela acção. As informações mais seguras,mas raras, de que dispomospara conhecer os critérios usados no tempo vêm das autoridades provinciais(sobretudo corregedores)quando querem fundamentar os castigos propostos para os ree .es
Par? elas, havia dois grandes grupos: quando a acção devia, ou não, ser sujeit? a devassa. No primeiro, incluíam--se acçõesde protesto, mesmo públicas, desdeque não tivessem carácter tumultuário nem provocassem danos físicos ou materiais ; era aproximadamente o que correspondia, na linguagem da épo-
ca, à designação de desáorçamenfo,que em geral era permitido. Mas, quando
a acçãodegenerava em assuadaou arruaça, então sim, devia haverdevassa
e castigo:;
Em não poucoscasos,a dúvida levantava--se sobre ser a intenção dos po-
pulares fazer mal a alguém ou apenas defender os seus interessesi4
Sobrea designaçãode motim também não eram em pequenonúmero as controvérsias. Registam--se casos-- como no referido do Porto, em 1757 -- em que as opiniões das autoridades não divergiam.
Mas, mesmo quando havia de-
ISVejam--se, por exemplo, em 1813, os pareceres do juiz do tombo da prebenda e doprocurador da Fazenda de Coimbrã perante o levantamento do povo de'doure, que não se limitou a uma marcha de protesto sobre o termo de Montemor--a-Velho. mas chegou a fazer em pedaços os marcos com o símbolo da Coroa. Classificaram
tal acto
de assuada e arruaça «por ter sido feito com grande ajuntamento de gente convocada para fazer mal». (AN'lT, CF, Consultas, L. 30, ff. 145 e 188). 14Por exemplo, ojuiz de fora da Figueira,
aoredigir
o auto da devassa sobre o movi-
mentodos agricultores de Pairo e Lavor, em 1824,insere-o na primeira hipótese,
MOVIMENTOS POPULARESAGRÂRIOS EM PORTUGAL
JOSÊ TENGARRINHA
ajuta quase sempreseradicalizava. Nesta categoria seincluem os então chal;hdosltumultoá», «assuadas»,«arruídos», «arruaças», «desforços»,bem como
sobediência às leis, era preciso ver se os rebeldes tinham agido na estrita defesa dos seus interesses, se estavam armados (e com que armas):' e se a eles
as marchas, concentrações, manifestações, etc.
se tinham juntado outros que nada tinham a ver com a questão:'
O grau mais elevado, o da amofínação! ocorria quando.os l?ovos não só deso-
Perante a imprecisão das designaçõesnesse tempo e as dúvidas das próprias autoridades,tivemos de procedera um a classificaçãodosmovimentos quanto à agressividade,na baseda larga observaçãoque fizemos,sintetizando as características dominantes de cada acção.
bedeciammas enâ'entavam as autoridades, numa atitude aberta de confrontação com a ordem.estabelecida, criando por vezESvazios de poder; Exigiam oela força o cumprimento da sua vontade, usando toda a espécie de armas, inclusive as proibidas. Quase sempre espontâneas. súbitas! acompanhadas de violências, nelas tinham os homens papel mais liderante. Com frequência, a acçõesdeste tipo se reuniam pessoal sem relação directa com a questão inicial. As pontes de diálogo com o poder estavam cortadas, temporária ou
Assim, considerámos quatro principais categorias, conjugando graus e formas de contestação e tentando algum afeiçoamento às formulações passadas. O escalão mais baixo, o do simplesprofesto, quando o povo se limitava a ex-
primir desacordopor determinada situação junto dos que considerava seus
perm?nentemente. ..Compreendem--se, aqui, os então designados «motins», l.revoltas», «insurreições», «sedições».
responsáveis e das autoridades locais ou centrais. Fazia--o por escrito ou oral-
mente, conservand(»se sempre ordeiro. Utilizava com frequência as autori-
Esta classificação mais formal não esgota, porém, a caracterização do movimento. Será preciso analisa--lo sob três ângulos: o endereço, a motivação e
dades locais como seus intermediários. A resZsfência,quando, além de manifestar protesto, o povo, numa atitude mais activa, se recusava generalizadamente (e não com simples actos individuais isolados) a obedecerou submeter se a determinada situação que considerava injusta. Dava origem, com frequência, a pequenas escaramuças e cona'ontos dispersos. Correspondia às acusações,pelas autoridades, de «povo
a localização, como faremos neste trabalho.
Igualmente poderá prestar--se a equívocos o conceito de ca/zzponês,pela diversidade de situações que abrange. Termo consagrado pela historiografia õ'ancesa (paysan) e pela anglo--saxónica
(peasanf), liga--se inicialmente
aos
estudos das sociedades rurais da Idade Média. Nessa época, ainda era esma-
gadoramente dominante a detenção condicional, em. baixo grau, da terra, brmando a classedos agricultores e criadores que tinham a posse,mas nem sempre,ou raramente, a propriedadedosmeiosde produçãocomque obtinham a sua subsistência e organizavam o processo de trabalho na base familiar:' Mas, desde osHtnsdã Idade Média, mais visivelmente, expande--seo pro-
rebelde» e «agitado».
O Zeuanfamenfo, quando os populares manifestavam mais vigorosamente o seu descontentamento, por formas colectivas e públicas e havendo em geral
alguma premeditação. As suas armas principais eram os gritos, as ameaças verbais, o «atirar os chapéus ao ar» como manifestação de cólera, o «arrQj ar dos
cessode aumento do grau de propriedade da terra por parte do agricultor (até
cajados»,eventualmente exibindo instrumentos de trabalho. Podiam chegar a atacar pessoase bens, mas estritamente no âmbito da questão original, não pondo em causa as autoridades. Tinham aqui acçãoem geral relevante, muitas vezes à frente dos manifestantes,
l
à propriedade absoluta), de ui;iliiação
de mãa--de--obra assalariada,
de produ-
çãopara mercado,visando o lucro. Em Portugal, tal processoanima--seao longo do século xwn. Desta maneira, as crescentes diferenciações e antagonismos sociais entre os que estavam ligados directamente à produção agrícola (desde os proprietários-agricultores aos que auferiam os proventos principais da venda'da ibrça dos braços, complementada ou não com posse precária da
os «rapazes» e as mulheres, com as quais
terra), que no seu conjunto constituem os antigos «camponeses», tornam ingperativl; o conceito, demasiado amplo, para as sociedadesrurais dos âlnais do Antigo Regime;mesmo que ele se oponha, numa dualidade simples, aoçque auge;iam ãs rendas: desfie os cobradores, administradores e contratadores aossenhoriosque asrecebiamdassuasterras ou das da coroa,indirectamente, por via dos cargos e favores de que gozavam:'
classiHicandc»-o,como tal, de assuada. Mas ojuiz presidente da comarca considera não ter sido «uma verdadeira assuada tendente à ruína de alguém», mas «um ataque feito aos mais sagrados direitos da propriedade». Não concorda este, pois, com a imputação
deassuada, tanto mais que, nos conturbados tempos que se viviam, estando sublevados os povos próximos de Alcobaça, era preciso evitar maiores desordens que resultariam das averiguações da devassa (ANTT, DP--Beira, M. 379, n.g 28529). 3Correspondia a níveis de gravidade diferentes a utilização dos usuais instrumentos de trabalho (e, entre estes, mais penalizados os de cabo longo, como as roçadoiras e, soba'etudo,os piques), de armas brancas (com graus diferentes as simples facas e as
17V. Rodney Hi]ton, 7'he.ElzgZísA peasanf in tAe Zafer ]141ddZe Ages, Oxford, 1975, P. 13
'6 Atente--se,; por exemplo, no que diz o provedor da comarca de Setúbal a propó-
i8 0 uso que se faz aqui de camponês refere--se, como se depreenderá, apenas aos quedetêm a terra em baixograu ou mesmo a título precário, entre os mais pobres, excluindo, pois, os assalariados . Na linguagem da época,o termo abrange, com muita am-
sito do levantamento dos pescadores locais, em 1793: «Este procedimento dos pescado-
plitude, as falas, hábitos, maneiras de vestir(como o característico chapéu redondo),
espadas) e de armas de :Fogo(entre estas, das de caça às «proibidas», que eram as «de bale,», df3ut;ilização exclusiva da tropa).
envolvendo tanto os mais abastados como os mais pobres,'tendo de comum o facto de serem do campo: por exemplo, em carta a D. Jogo VI, em 27 de Maio de 18231o con-
res, posto que no efeito fosse um rigoroso atentado contra as ordens réguas, no afecto não me parece que fosse um formal motim para ser como tal punido: estes homens não
convocaramgente estranha nem foram armados; todos advogavama sua própria
selheiroManuel Inácio Martins Pamplona, grande proprietário de Alhandra, diz com
causa, pretenderam eximir-se de um ónus que se lhes representava não ser da mente de Sua Majestade» (ANTT, MR, M. 468).
algum orgulho ter--se apresentado a D. Miguel em Vila Franca «comchapeu redondo e traje camponês» (Z)ocumenfospara a .17ísfóriadas Gaffes Gerais..., 1, p. 699).
l
42
COSE TENGARRINHA
Surgia então, mais usualmente, a designação de Jauradores para os que eram proprietários ou detinham a terra num grau elevadoe que, em geral, produziam vinho ou cereais (quer designando os muito abastados, com.ono Alentdo, Ribatejo e região do Douro, quer os de possesmédias ou médias-inferiores,
como no Centro), opondo-se aos seareiros (detenção precária da
terra) e aosjornaZelros (muitas vezes seareiros numa parte do ano).
A utilização generalizada que fazemosdo termo agricüZfores,tentando superar as conotações e imprecisões de «camponeses»e «lavradores>,, cobre
todos os que estavam ligados à produção,detendo de algum modo a terra. Tanto mais que as informações nem sempre permitem conhecer com perfeita segurança a sua real situação. Uma última precisão, a propósito da designaçãoadoptada de «agrários» para os movimentos estudados.Era a que, em nossoentender, melhor do que «rural» ou «camponês»,definia um «espaço»,mais doque um tipo demovimento. Nela se compreendiam, pois, não apenas os ligados à terra mas os que decorriam na realidade englobante do agro (como as lutas contra as autoridades, contra os cristãos--novosou contra as bruxas). No «espaçoagrário» apenas não considerámos as áreas, predominantemente «urbanas», de Lisboa e Porto; mesmo em cidades importantes da província, como Coimbrã, Evora, Braga, é dominante a realidade rural envolvente, ao ponto de se registarem mesmo movimentações de agricultores dentro dos seus aros.
MOVIMEtVTOS POPULARESAGRÃRIOS EM PORTUGAL
43
/
Nos movimentos gerais da economia portuguesa ocorrem, também, alterações signinicativas20
'Em 1751, apósuma longa letargia dos preços, inicia--se uma fase de alta
moderada, indício de uma maior dinâmica do espaço económico nacional.
Também do ponto de vista social se poderá concluir, pela documentação consultada da primeira metade do século, não ter aí a conflitualidade rural a intensidade que apresenta depois. Além de que são perceptíveis os diferentes dinamismos sociais de um e outro período.
Quanto à data escolhida do termo, admite-se corresponder, também, ao fim de um ciclo. Com efeito,do ponto de vista político, 1825significa o esgotamento do período «vintista», dominado pelo impacte da Revolução de 1820.
Está-se em vésperas do início de uma outra fase política do constitucionalismo, marcada pela Carta Constitucional, que será o principal suporte político-jurídico da monarquia representativa até à Revoluçãorepublicana de 1910. E o começo de um outro processo, que desencadeará a guerra civil, isto
é, das grandes cona'ontações política-militares r liberal
de que nascerá o Estado
Na perspectiva económica, 1826, ano da crise mundial, é o da passagem de
um período de baixa acelerada para um período de amortecimento da descida dos preços, mesmo de ligeira subida, que durará até 1834. O termo da longa
tendência depressiva que viera desde os princípios da segunda década de
Oitocentosterá visíveis efeitos na sociedaderural portuguesa. Por âim, três quartos de século cremos não ser tempo demasiado longo para
impedir um tratamento em profundidade, nem demasiadocurto para que se
4. OSLIMITES NO TEMPO
não possam detectar algumas grandes linhas de evolução e os entrelaçamen-
tos entre diferentes processosde contestação. Os limites cronológicos do trabalho correspondem a dois factos políticos importantes:
o começo do Governo de D. José e, aproximadamente,
o termo do
de D. Jogo VI. Não se veja aqui, porém, preocupaçãode marcar balizas em reinados, que pensamos não constituírem unidades históricas significativas na perspectiva dos movimentos sociais. Os limites escolhidos, julgamos corresponderem a marcos expressivos da História portuguesa em geral. Assim, o começo da segunda metade de Setecentos corresponde ao início do terceiro grande período da monarquia absoluta, como defende Jorge Borges de Macedo:9
Tenta--se superar a crise geral do Estado dos últimos anos do reinado de
D. JoãoV comum aumentodointervencionismoreal e um reforçoda autoridade central através da criação de organismos nos domínios económico-social e político-jurídico.
Se o que é costume designar de «Antigo Regime» tem como
uma das principais características o Estado centralizado, então poderá dizer-
-se ser aí, e não antes, que tal designaçãoadquire a sua verdadeira legitimidade. Pesem, embora, as insuficiências desta centralização.
i9Artigo «Absolutismo», in Z)íclondHo de ,f7isfóría de PorftzgaZ, l.9 ed., Vol. 1, p. 13.
5. ABREVIATURASMAIS FREQUENTES Foram as seguintes as abreviaturas mais frequentemente utilizadas AAC ADP AFF AHCMA
AHM AHMOP
AHU Alv. ANTT AUC Av.
Arquivo Arquivo Arquivo Arquivo Arquivo Arquivo Arquivo Alvará Arquivo Arquivo Aviso
da Academia das Ciências Distrital do Porto
dos Feitos Findos
Histórico Histórico Histórico Histórico
da Câmara Municipal de Almada Militar do Ministério das Obras Públicas Ultramarino
Nacional da Torre do Tombo
da Universidade de Coimbrã
zoVitorino Magalhães Godinho, Prol ef it/onnaies au PorftzgaZ, Pauis, 1955
COSE TENGARRINHA
CF
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbrã Biblioteca Nacional de Lisboa ConselhodaFazenda
Cod.
Códice
Cx.
Caixa Decreto
BGUC
BNL
Decr.
DP IGP INE L. M.
MJ MNE MR
11
ASPULSAÇOES
Desembargo do Paço
Intendência Geral da Polícia Instituto Nacional de Estatística
Livro Maço
Manuscrito Azul Ministério da Justiça Ministério dos Negócios Estrangeiros Ministério do Reino
Mte.
Macete
Post.
Portaria
Prov.
Provisão
Res.
Resolução
CONTRA ASINSTITUIÇÕES ANTl-SENHORIAIS
PELATERRA 0
50km
F\g. 'L -- Movimentos gerctis: 1751-1807 e 1811-1825.
COSE TENGARRINHA
A movimentação agrária de que se dá conta nestestrês quartos de século desvendauma realidade cujo conhecimentoé indispensável para a compreensão de algumas das principais linhas de força que marcaram a fase final do Antigo Regime no nosso país. Foram detectados 361 movimentos mais signiülcativos, classi6lcados em 4 categorias fundamentais: protestos, resistências, levantamentos e amotinações.Sãoestes osque, tendo atingido maior gravidade, chegaram às instâncias superiores do poder (Desembargo do Paço, Ministério do Reino, Intendência
Geral da Polícia...). Valem assim, também, comosinais dosinumeráveis conflitos e lutas que se desenvolveram nos meios rurais de que não nos chegaram directas informações. Poder--se--áreconstituir, desta maneira, com algum grau de aproximação, a real densidade dessa conflitualidade, nos seus diferentes níveis. ritmos e vertentes. O campo não é, então, pacífico. A aparente placidez não consegueesconder a intrincada teia de tensões que o atravessa. A resistência camponesa só excepcionalmente,porém, se exprime pela luta aberta, frontal. No lento correr dos dias, era a defesa surda, manhosa, aproveitando--sedo melhor conhecimentodo terreno, aúnica atitude possível e até a mais e6lcaz.Eram essesos gestos que teciam o quotidiano. AÍ se prepara a irrupção do grito coléricoque, comoo trovão, não rebenta semoprévio acumular das cargasna atmosfera. Na cidade, as movimentações sociais irrompem com estrondo e espectáculo, fortes e breves. No campo, as explosõesde violência só surgem, em geral, ao cabo de um lento acumular de tensões, que por vezes se estende por uma geraçãoe até se perde no fundo dostempos. Na cidade, a solidariedade e a acção geram--se fácil e espontaneamente, como produto natural das condiçõesde sociabilidade e da fácil identificação das questões comuns. No campo, para que se passe à fase de movimentação declarada, é preciso que se vençam os atávicos hábitos do individualismo e da ocultação,que secularmente marcaram o comportamento camponês. A investigação que fizemos mostra que, para além das disputas individuais, registadas nos muitos milhares de processosenterrados nas instâncias inferiores e intermédias dajustiça, há então resistências e lutas que, num grau superior, tomam a forma de movimentaçõescolectivasdosagricultores. O seu conhecimento mais ou menos amplo só dependedo maior ou menor grau de profundidade com que a pesquisa for feita. E o único percurso para lá chegar é o lento, demorado, paciente desfolhar dos arquivos. Com excepção da década de 30 do século xvn e pouco mais, as lutas rurais
em Portugal têm sido vistas como desgarradas, sem nexo nem continuidade,
ao sabor de causas fortuitas. Um levantamento sistemático das movimentações agrárias durante um período relativamente largo colocaria, à partida, duas ordens de exigências: por um lado, a partir do incessante jogo de continuidades e descontinuidades, bem determinadas, assinalar asdatas significativas, estabelecerosperíodos, marcar ostempos dasrupturas e permanências,permitindo uma aproximação mais precisa ao tempo histórico real; por outro lado, interpretar os movimentos, simultaneamente,à luz dascondiçõesconjunturais e da longa evolução estrutural, por forma a apreender o nexo de factos aparentemente dispersos na infinita diversidade do social e detectar direcçõesfundamentais do deslocamento da sociedade portuguesa.
MOVIMElaOS POPULARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
47
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NOde ocorrências
1751-1770 1771-1788 1789-1807 1808-1810 1811-1820 1821:1825 Fig. 2 -- /nfensídade da mouimenfação.
A concepçãode períodos signiâlcava,desde logo, a rejeição de uma certa
visão sincrónica, tão frequente nos estudos económicose sociais entre nós. Na sua determinação haveria que ter em conta, antes de tudo, os ritmos próprios e as especificidades da dinâmica rural, que é preciso caracterizar e respeitar. A sua «lógica» não está directamente
subordinada
às intrigas
da corte ou aos
factos políticos imediatosl sendo a compreensão desse relacionamento só possível num nível mediático mais complexo. Os erros metodológicos dos que assimnão entenderam têm conduzido a não poucosinfelizesjuízÕs históricos, entre nós, sobre as formas como se enfrentam cidade e campo, mundo político e mundo rural. A periodização ou identi6lcação das principais pulsações dos nossoscampos, nesse tempo, não obedeceu, pois, a critérios ou factores «exterloi'es»
Para a sua determinação, tivemos em conta dados de natureza quantitativ!:mas também o significado de aspectosparticulares. Uma certa perspectiva quantitativista, que há uns anos atrás parecia querer dominar os métodos de abordagem da História Social, foi sendo,felizmente, abandonada. A dimensão de um facto social não pode ser avaliada apenas pela #$quência com que se repete, sob risco de uma visão deformante. Na abordagem llistórica das sociedades,não é substituível o valor do acontecimento isolado, do aspecto particular. Quando integrados num sistema de referências, poderão permitir a compreensão de importantes dinâmicas dessassociedades.Para além, pois, da determinação db número de movimentos
48
JOSÉ TENGARRiNHA
diferentes características de cada um, o signi6lcado das suas projecções nos
diferentes níveis da sociedade,em suma, o seuvalor social.Foi esteconjunto de factores de avaliação que permitiu detectar as dinâmicas sociaisdominantes, como elas se sucediam e, também, se entrelaçavam. A divisão em períodos não significava, assim, que eles fossem concebidos como compartimentos que se abrissem e fechassem, numa marcha sincopada.
Ao caracterizar cada um a partir de uma linha conflitual, não sequeria dizer que em cadaperíodo houvesseum motor único, apenasum factor dominante, em desenvolvimento ou exaustão nos outros períodos. Apenas dois exemplos: parece--nosobviamente impossível compreender a expansão do que podemos cham ar o individualismo agrário sem ter em conta como, da resistência anta--senhorial, segeraram condições que o favoreceram. O processo foi muito lento, até chegar à libertação da terra, do homem, das
trocas. Mas a articulação é clara. Assim como não serão inteligíveis as características da explosão de 1808-1810 sem conhecer as tensões e conflitos que, havia muito, se desenvolviam nos nossos campos. Por outro lado, tendo embora sempre presentes a especificidade e os ritmos
próprios das dinâmicas que se desenvolvemno mundo rural, havia que confronta-las com os movimentos gerais da nossa sociedade, tanto na pers-
pectiva conjuntural como estrutural. SÓassim as linhas conflituais não apareceriam como dispersas, ao sabor dos acasos ou nessa simplista relação de causa e efeito, tão ao gosto da histo-
riograÊla tradicional, mas numa visão integrada, com um sentido simultâneo
de unidade e de globalidade, tentando encontrar a coerênciado que se apresenta incoerente, buscar o nexo no que aparece fortuito. Esta perspectiva permitiu sublinhar alguns aspectosda singularidade do mundo rural que é importante ter sempre presentes. Contrariamente, porém, ao que previamente se poderia admitir, não mostra então o nosso mundo rural sinais prevalecentes de marginalidade, mas sim de solidariedade com o conjunto da nossa sociedade e dos seus movimentos dominantes. De todo o território nacional, apenas o Algarve e o extremo nordeste, fora de períodos excepcionais5como asInvasões, não participam signiHlcativamente,
mantendo uma quase permanente marginalização. Parece, assim, que os pontos mais excêntricos relativamente à capital acompanham com diülculdade as dinâmicas gerais da sociedade,o que será agravado com as maiores dificuldades de obtenção de informações. Atente-sé, antes de tudo, na regularidade rítmica das grandes pulsações, oscilando entre 18 e 20 anos (considerando também um único o «período re-
volucionário» de 1808=1825).É comoum respiram.profundo, cadenciado, do cam 0 Esta cadência acompanha de perto os movimentos de média duração da nossa economia, estabelecidos a partir dos índices de preços. Vê--se, com efeito,. a segunda metade do século xvm iniciar--se com nível baixo de preços,a que se segueuma alta moderada até 1788. Neste longo movimento, reconhecem--se, porém, duas fases distintas: uma, desde os princípios da segunda metade até cerca de 1768, a culminar na crise de 1768--177 1,
em que os preços dos cereais registam uma forte subida: corresponde ao nosso
MOVIMENTOS POPULARESAGRÂR[OS EM POIWUGAL
/
primeiro período; outra, dos princípios da década de 70 aosfinais da década de 80, em que a anterior aceleração se reduz consideravelmente ou estaciona ou mesmo sofre depressão: corresponde ao nosso segundo período. Por volta de 1789, começa uma subida vertiginosa dos preços, que se manterá até í] nal
da primeira décadado séculoxix: correspondeao nosso terceiro período, abrangendoainda o das Invasões.A partir daí, há uma inflexão para a bEtixa que amortece por volta de 1825--1826: corresponde aos nossos quinto e sexto l;eríodos.
Esta solidariedade mostra, pois, comoa movimentação agrária, para além das suas especificidades e ritmos próprios, acompanha de perto as grandes dinâmicas da::nossaeconomia, embora não soam idênticas,'como se verá, as suasincidências nas diferentes regiões do Reino, de acordo com as caracte;ís-
ticas particulares de cadauma: Não significa isto.que adoptemos uma visão linear da relação entre preços e movimentos sociais, que durante muito tempo .satisfez os historiadores económicose tem mostrado a suainsuficiência à medida que oshistoriadores sociais,.por seu turno, têm vindo a ampliar o seu trabalho, penetrando mais profundamente. hos múltiplos
ângulos; da realidade rural.. As observações
neste sentido feitas por vários autores, algun s mesmo consagrados, comoVan Bath, não resistem às conclusões a que têm chegado trabalhos mais recentes sobre as sociedades camponesas, o que tambéii acontece com este. Como se
terá ocasiãode ver, aquestãoé mais complexado que uma relação mecanicista fez supora.Assim,.quando atribuímos grande signiâlcado à referida sintonia, gão é por considerarmos que as movimentações agrárias se limitam a seguir fielmente os movimentos de preços mas porque ambos são expressão de dinâmicas gerais da sociedade, de que os preços são um dos sintomas. O estudo de gda período, com base na análise global das movimentações, terá em conta diferentes aspectos:intensidade, dui:ação e localização espacial destass;suas motivações e naturezas; resultados; relações que estabeleceram l Tenho consciência da importância do quadro geográfico, como fortemente marcante das.formas de exploração da terra, da criação do gado e de múltiplos aspectos da vida rural..Veja--se, ao longo do trabalho, como esta questão é abordada perante as situações concretas.
2Diz Van Bath, por exemplos'queum ponto de diferença entre a revolta dos camponesese a greve moderna é que «as greves surgem sobretudo em períodos de alta de preços, quando estes sobem e os salários em dinheiro não acompanham a subida dos
preços.As revoltas de camponeses,por seu lado, rebentam em geral em épocasde recessão, quando os pi'eços dos cereais descem e se regista um correspondente aumento dos.salários reais», .llíisfóHa .Agrária da Eüropa OcZdenfa/ (500--1850U, p. 192.
BA duração temporal dos movimentos é, por vezes, extensa, prolongando--se por vários meses, mesmo por alguns anos, desde os primeiros sinais até que as vozes se extinguem. As datas que indicamos são estas limites ou a do apogeu, quando este é bem marcado. Quanto à localização geográfica, a que indicamos é a da terra onde se situou o eixo da movimentação, sem prejuízo das irradiações e extensões que possa ter tido. 4O estudo das motivações é complexo. Raro é que intervenha uma única causa é, quando os movimentos são longos, em geral interseccionam--se questões diferentes. Podedizer-se mesmo haver, em geral, a conjugação dediversos motivos de descontentan. mento. Acontece até, por vezes, que a causa directamente responsável pelo desencadear do movimento não é a que, depois, irá ocupar lugatprimordial. Forum da História 18 -- 4
JOSÊ TENGARRINHA
MOVIMENTOS POPULARESÀGRÃR]OS EM PORTUGAL
/
com os diferentes planos do poder; formas que assumiu a pressão popular e
violências que desencadeou;punições que sofreram os rebeldes; lideranças que tiveram; traços principais da sua organização e irradiação; componentes sociais e as dialécticas que entre elas se estabeleceram. Os movimentos foram focados,assim, numa tripla perspectiva: a sua análise «por dentro»; as motivações próximas; e a sua compreensão integrada nas dinâmicas gerais da sociedade e não apenas rural.
NO de ocorrências
São as «pulsações» do campo Estudamo--las como fenómenos sociais. Para
apreender o seu significado, algo tivemos de avançar (embora com a consciên-
cia daslimitações, não setratando de um estudo dehistória agrária) em domí-
nios ainda obscurosentre nós. Por exemplo,as condiçõesmateriais do trabalho agrícola, os-regimes de cultura e a posse e propriedade da terra ou,
ainda, asformas de pensamentoe de sensibilidade que nos dessemuma aproximação ao homem do campo na sua dimensão real. Analisamo--lo, aqui, na expressão da sua inquietação social e nas formas de afirmação colectiva do seu
descontentamento em torno de questõesconcretas. SÓa partir destas a compreensãodo seu comportamento é possível. O camponês não se movimenta por ser contra o regime senhorial ou o proces?o do individualismo agrário mas por Ihe terem passadoa cobrar o oitavo da azeitona ou não o deixarem apanhar a bolota e a erva na terra comum. E um domínio em que se não pode ficar nas generalidades e nas abstracçõesque tudo parecem resolver. Neste plano, é sempre possível encontrar provas em apoio da teoria, o difícil é mantê-la
credível a partir da diversidade e inHlnita
riqueza do concreto.
O pormenor com que, por vezes, se descrevem casose situações tem a.ver comisto e também como facto de, sendomatéria inteiramente desconhecida, não se dever avançar no traçado das grandes linhas sem que informação relativamente larga fosse dada. Além de que a História Social, e, em especial, a rural, encontra compreensãomuito viva a partir de casossingulares concretos, significativos.
O simples gesto da mulher do povo que recusa o copo de água
ao soldado sedento mostra, mais claramente do que quaisquer considerações,
1751-1770
1771-1788
: 1789-1807
1808-1810
1811-1820
o ódio camponêsao poder repressor da sua rebelião nos coutosde Alcobaça. Era necessário,ainda, captar algoda longa duraçãoda gestualidade camponesa: como se mantiveram ao longo de séculos os ritos e os símbolos, as armas e o explodir das raivas, o uso primitivo
e purificador
do fogo, o papel do
sino; como se reforçavam as solidariedades aldeãs, fechadas sobre si, nas hos-
tilidades aos oficiais de justiça, aosenviados doscontratadores. A repetição secular destesgestosdeveser inserida, porém, na diversidade das situações conjunturais
que Ihe dão o verdadeiro sentido social. Pois, como
disse luminosamente Labrousse,«ohomem vive na conjuntura e age e reage em função dela». Não se trata, porém, de um jogo de oposiçõessimples. A heterogeneidade e complexidade económicae social do espaço rural português no final do Antigo Regime não permitiria,
ANTA-SENHORIAIS
CONTRAASINSTITUIÇÕES PELA TERRA
desta forma, que as suas
dinâmicas fundamentais fossem apreendidas. No que respeita aos campos,ver--se-á comoestes 75 anossão uma época de aceleraçãohistórica, com ritmos desiguais, atravessadapor crises que emergem do processode transição das economias de Antigo Regime para o capitalismo, a que Jean Bouvier chamou «crises mistas».
Fig. 3 -- EuotLcçãoda intensidade das movimentações
1821-1825
l.Q PERÍODO: 1751--1770
O PESO DA ADMINISTRAÇÃO
l.APERMANÊNCIA Mais de um séculopassara sobre os levantamentos populares antiíiscais que haviam agitado o Reino antes da Restauraçãot Sabe--se como, então, revoltas
e revoluções atravessaram
a Europa, com
saliênciapara a Inglaterra, Fiança, Catalunha, Nápoles, Ucrânia. E ainda levantamentos e amotinações populares, nas cidades e nos campos,um pouco por toda a parte, desde a Irlanda à Suíça, à Alemanha, à Rússia.:Embora a maior concentração se tenha veriHlcadoentre 1640-e1660, antes e depois deste vinténio, muitas outras perturbações se assinalaram, algumas tendo atingido grandes dimensões, como as revoltas urbanas e rurais em França sob o Governo de Luís XIV nos anos30, a grande revolta do cossacoRazin, o levantamento camponês da Boémia... Por essemesmo tempo, fora da Europa, também grandes levantamentos, revoltas, rebeliões se assinalam: da China e Japão às índias e México' Era comouma cintura de ferro e furor em volta de toda a terra, de que alguns contemporâneos tiveram a consciências.
Enquanto se aguarda a interpretação de conjunto destasmovimentações, veÜ a--seque, para além de características particulares, têm de comum ofacto de serem reacçõescontra o Estado, que se desenvolvia, que se centralizava, l Para estetema ver, sobretudo,ostrabalhos de António de Oliveira, com destaque puxa QdecentePoder e OposiçãoPolítica em Portugat no Penada Filipina (1580-1640), Lisboa, Direi, 1990, e ainda: «Um Documento sobre as 'Alterações' de 1637»,Reuisfa Po#uguesa de História, Coimbrã, 1970, T. XIV, pp..277--303; «O Levantamento Popular de Arcozelo em 1635»,Reulsfa Portuguesa de .17ísfórla,T. XVll, Coimbrã, 1977, pp. 1--17; «Levantamentos
Populares do Algarve
ems1637--1638. A Repressão»,
Rez;iscaPorfugüesa de .f7isfóría, Coimbrã, 1984, T. XX, pp. 1--182;.«Levantamentos Populares no Arcebispado de Braga em 1635--1637»,Bracara Augusla, Braça, 1980, Vol. XXXIV, T. 11,pp. 419-446. Aurélio de Oliveira, «Alterações no Reino de Portugal,
1. 0s Motins de Vila Real em 1636»,Porto;' ed,.autor, 1973.Joaquim RomeroMagalhães, «1637: Motins da Fome», BibZos, Coimbrã, «Razões ]mediatas
1976, Vol. Lll,
pp. 319--333;
das A]terações de A]ém--Tejo (1637)», Seara ]Voua, Lisboa, Julho de
1973,n.'1533,pp.26-27. 2Ver Roland Mousnier, f'ureürs Paysarznes.Les paysans dons /es rét;oZfesdu XV77 siêcZe(France,. Russie, CAlnêJ, Paria, Calmann--Lévy,
1967.
3Ver Robert Meutet de Salmonet, .17ísfoíredes froubZesde Zagrande Brefag/ze, Paria, 1649, cit. R. Mousnier, íd.
30SÉ TENGARR}NHA
que tentava sobrepor--seàs diversidadese autonomiaslocais, impondo também mais pesadastributações. Falta. aos estudos sobre os levantamentos em Portugal na década de 30 de
Seiscentos, a visão integrada neste contexto mundial, que permita detectar,
para além de diversidades conjunturais(em que avultam as de ordem climática), as semelhançasdas estruturas sociaise políticas que explicam algumas identidades que apresentam as movimentações. Seria útil anali;ar nesseslevantamentos, para além do evidente conteúdo antiüiscal, a sua carga anta--senhorial. Esta releva, por um lado, das isenções e benefíciosfiscais de que alguns privilegiados gozavam, por outro lado, do facto de o aumento da opressão senhorial que se verifica sob os Filipes provocar, nos agricultores débeis, mais dificuldades de suportar o agravamento das cargas fiscais. Será, assim, indirectamente
posta em causa, também, a hierar-
quia e a ordem social.
É esta linha de contestaçãoanta-senhorial que, nos camposportugueses, vem à superfície, timidamente, ao longo da segundametade do século xvn e da primeira do xwn. Acentuando-se sobretudo ao longo de Setecentos, acompanha assim o largo movimento que selevantou em várias partes da Europa, ao ponto de dever ser consideradoum dos traços marcantes do século xwn. Em Portugal, alguns trabalhos recentes sobre a primeira metade de Setecentos apontam nesse sentidos Os estudos que realizámos a partir de meados do século mostram, também,
MOVIMEtqTOS POPULARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
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monar(lula absoluta -- como define Borges de Macedos-- que se inicia com o reinado de D. José, fora precedido do reforço da autoridadedo rei desde o último quartel do séculoxwl e de uma crise geral do Estado nos anosSinais do reinado de D. JogoV. Em que medida as alterações que então se deram no poder político--administrativo tiveram incidências no mundo rural português é o que se pretende agora verificar..O.percurso
que se segue é o inverso do habitual: não a partir
do plano.formal da lei ou das obras dos teóricos e das formulações das intençõesdo Poder mas da realidade que é possível exumar6 Essa realidade social não nos surge tão pacífica como em geral no--la têm querido apresentar. Ao aprofundar o quadro rural, dama-nos conta, com efeito, de como nele se reproduzem tensões que são expressão de um certo grau deinstabilidade da monarquia absoluta. Julgo justinlcar--se, pois, a crítica de Borges de Macedo à concepção primária de um absolutismoimóvel a que sejuntou, depois, «a suposição(ou convicção)de que as lutas pelo poder eram de natureza só cultural, ideológica ou de classe. Assim se esqueceram -- e não estudaram -- os confrontos essenciais do poder regional com o poder central; os esforços do Estado para dominar a lgrqja e a resistência desta; os confrontos nobreza regional--Corte; osinteresses do comércio transitaria e os da nobreza regional, e tantos, tantos
l mais»
Algumas destaslinhas de conflito vemos,de facto, aflorarem na realidade rural, tanto mais nítidas quanto mais dela nos aproximamos.
que as causas dos movimentos senhoriais detectados em não poucos casosremontam à primeira metade. Não se vislumbrando, então, mais do que manifestações raras e pontuais de descontentamento, embora por vezes violentas
(comoem Trás--os-Montes, em 1710),é de admitir que tais questões se limitavam, em geral, a provocar alguns queixumes e protestos e que só já para o
1.1
Esforçoscentralizadores: unidade e diversidade do poder político-administrativo
final do terceiro quartel do século novas condições económicas, maior pressão
dos senhorios e dos contratadores das suas rendas e uma nova atitude psicossocial dos camponeses se conjugam para dar uma nova dimensão a tais contestações. O dobrar do meio do século verifica--se, pois, sem .que.pareçam
registar-se alteraçõesqualitativamente significativas na conflitualidade de naturezaanti--senhorial. l~l::.w !w r ;.«\o .nJ': .. Não é o caso,porém das lutas que se desenvolvem em tomo do Estado. E certo continuarem presentes, aqui, algumas das razões que haviam motivado as explosões antiüiscais da década de 30 de Seiscentos, com destaque para os
encabeçamentosdas sisas; mas não só se não.irão repetir.tais «explosões» como apresentam novas características os conflitos provocados pelos actos da administração pública. Resulta 'isto de modificaçõesimportantes que se foram produzindo no âmbito e na intensidade da intervenção estatal. O terceiro grande período da
Uma das primeiras grandes questões é saber em que medida se efectivou o propósito de reforço do poder régio e se geraram, em consequência, cona'autos entre as diversas instâncias do poder.
O conjunto das informações recolhidas indicia não ter sido o poder político-administrativo municipal consideravelmenteperturbado pela centralizaçãoseiscentista e setecentista. A vinculação ao poder central através dos ' Artigo «Absolutismo» no Z)icionárlo de .17isfóría de Portuga/.
6 Alguma limitação sofre o nossocampo de observaçãopela circunstância de a documentaçãodo Desembargodo Paço(ANTT) para este período ser muito menos abundante do que para os seguintes. Ignora--se em que medida ela se encontra na vasta documentação deste núcleo ainda não inventariada. A verdade, porém, é que se
detectaum comportamento semelhantede outros órgãoscentrais doEstado, nomea-
íE:éRl=UãgÜH âHE H Hg Vol. 111,PP. 29--104.
damente d? Conselho da Fazenda, reformado em 1761. Era como se, só a partir dos inícios da década de 70, os órgãos centrais atingissem uma maior dinâmicajla que
poderánão ser estranha a escassezde meios humanos habilitados para os fazer funcionar e a perturbação lançada nos serviços pelos estragos do terramoto.
7.ASituação Económica no 7'empade Pon7zZ)aZ, 3.ged., p. 19.
JOSÊ TENGARRINHA
juízes de fora nomeados e o controlo dos eleitos locais pelos corregedores não
eram suficientes para dominar a influência das forças concelhias8 Assiste-se, pois, a uma predominante continuidade das estruturas político-administrativas municipais. Vê-se, mesmo,um poucopor toda a parte, estas estruturas reforçarem o seu poder e até, em certos aspectos, a sua autonomia, ao se substituírem a um senhorialismo decadente na posse de alguns
direitos que elejá era incapaz de dominar (como,um dos mais frequentes, o de portagem);.Assumiam, assim, os municípios, neste período, alguma dimensão de um senhorialismo tardio.
Em tais condições,a atitude do poder central era, em geral, recuada.
MOVIMENTOSPOPULARESAGRÁRIOS EM POIUUGAL
l
57
confundiamna autoridade local. Daí que os conflitos mais agudosóaque assistimos envolvendo os municípios fossem não com o Paçoiimas com as populações,que protestavam frequentemente contra as suas acçõesopressivas e arbitrárias: imposições agravadas e recebimentos rigorosos, mais pesa-
das contribuições camarárias, constrangimentos pessoais de que, em geral, estavam isentos os das classes superiores (jeiras, obrigatoriedade de assistência a feiras e procissões, arrematações de açougues), além de os vereadores, entre várias discriminações, imporem mais elevados preçosdos seus produtos, que eram aceites por temor de represálias. Tal situação favorecia, também, a corrupção, não sendo poucos os casos em que se encontravam envolvidos,
Mesmo quando evidentes os abusos das administrações locais e fundados os
sobretudo, juízes de fora.
protestos das populações, o Paçohesitava, apoiava os municípios ou remetia--se ao silêncio. Com razão, assim , se queixavam os povos, por vezes, da sua apatia. Contrariamente ao que acontecerámais tarde, comoseverá, não se assinalam, neste período, pois, conflitos de monta entre o poder central e o munici-
Tais opressões dos poderes concelhios sobre as populações provocaram severascríticas nas obras dos teóricos: Destacaram--se, alguns anos mais tarde, os membros da Academia Real das Ciências, que acusaram as velhas práticas, imposições e posturas das câmaras, a par dos particularismos e rivalidades que entre elas mantinham, de serem obstáculos à liberdade dos povos,ao giro das mercadorias, à expansãodas actividades económicas:: Num.:plano mais geral, descortinam--seaqui, pois, duas dinâmicas de sentidos contrários: uma, imprimida pelo Paço, tendendo à unidade administrativa e judicial do corpo do Estado, com várias medidas «referentes à uniformização das regras e à limitação do foro privilegiado da nobreza e do clero»,numa direcção de reforço do aparelho do Estado que constitui a mais importante preocupaçãodo Governo pombalino até cerca de 1760''; outra, a partir da defesadas prerrogativas e autonomia do poder político--administrativo municipal, como suporte de interesses e privilégios locais da pequena nobreza e dos ricos agricultores, criadores.e negociantes que o chegavam a usar comomonopóliofamiliar, hereditário. E estadupla perspectivaque ressalta comnitidez do estudo da realidade rural, dando a verdadeira dimensão e na-
a pa]
Nos raros casosem que a legislação régia tentou impor limites a actuações desregradas das governanças locais, foram evidentes as dificuldades para a
levar à prática. Era o caso,mais significativo, dasnegociataseaproveitamentos pessoaisem que se envolviam os vereadores com os pastos e baldios concelhios. As medidas de D. JogoV marcando oslocais de pastagem dos gados e a impossibilidade de estes serem possuídos por quem estava na governança não haviam sido cumpridas9. D. José volta à carga com a mais imperativa Provisão 27 12--1753,mas que encontrou, igualmente, muita dificuldade em se concretizar'' Não era fácil, também, a intervenção do poder central através dos corregedoresnas eleiçõesmunicipais, quer para conseguir os resultados que pretendia quer para evitar irregularidades cometidas por poderososlocais, que se perpetuavam
no poder.
Era, em geral, aceite ou, ao menos, não contrariada pelo poder central, pois, a autonomia e até uma certa imoderaçãode poder das administrações concelhias. As gentes das governanças tinham largo campo para usar o poder
em seu benefício,tanto mais que funçõesjudiciais e administrativas se 8Mostrou António Manuel Hespanha que, em meados do século xvn, os cargos polí-
tico-administrativos da Coroa não estavam sequer preenchidos em logo e, quanto à justiça régua, apenas 8qadas terras do Reino tinhamjuízes de fora, em largas regiões só os havendo nas cabeças de comam'ca(«Centro e Periferia nas Estruturas Administrativas do Antigo Regime», Ler .llíisfóría, n.' 8, 1986, p: 57).IJá na segunda metade do século xvm, assinalei não poucos casos de comarcas sem corregedor que tinham à frente, interinamente; o juiz de fora da cabeça.da comarca.
tureza ambivalente do Poder, então.
Era certo que partiam dajurisdição régua as grandes linhas de orientação através da legislação fundamental e que se exigia confirmação real das .ljus-
tiças»locais.Mas o direito consuetudinário tinha raízes fortes e muito vivas. Nem a influência de corregedores e juízes de fora, que tinha vindo a crescer, nem o poder da:justiça senhorial, que tinha .vindo a decrescer,.lhaviam apagadoo papel dosusos e costumescomo fonte de direito fundamental das comunidades rurais.;:Apercebemo--nos do seu fartei.pulsar, imprimindo orientações e regras que ordenam a vida local, em especial a partir das representações ao Desembargo do Paço. Desenha--se, assim, algum desajuste, ou mesmo oposição, entre um direi-
to a que poderíamoschamar popular, tradicional, e um outro, régio, erudito. Esta realidade levanta várias questões. Em primeiro lugar, o elevadograu de marginalidade do mundo rural e a
9 Em
especial,: Alva 15--7--1744. :' Ver, por exemplo, ANTT, DP--Beira, M. 210, n.9 13703.A abundante legislação
neste domínio é sinal dessas dificuldades: alvarás 11--8--1759fcontra monopólios e especulações com ervagens, e 23--7--1766, contra abusos nos aforamentos dos baldios
concelhios;provisão 6--10--1767sobre aforamentosdos bens dos concelhos;e lei 9--7--1768, defendendo os baldios de serem adorados,quando.úteis aos povos.
:: Ver, nas ll/emórias .Económicas,as posiçõesde António Henriques Nogueira (T. 1), Tomas António de Vila Nova Portugal(T.
11) e Joaquim Pedro Gomes de Oliveira
1)
iz Jorre Borges de Macedo, ob. cíf., pp. 49-50.
ROSÉ TENGARRINHA
MOVIMElqTOS POPULARES'AGRÁRIOS EM POIWUGAL
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Dissemos «um certo», poderíamos dizer «muito limitado». 'Discordamos, assim, das ideias que alguns têm defendido sobre o grau relativamente avan-
çadoque tal distanciamento tomou entre nós, ao ponto de falarem em papel arbitral ou até «neutralidade»da Coroa. Não têm correspondênciacom a nossa realidade essas ideias, acriticamente
inspiradas
em Engels, quando es-
te defende,na Origem da .F'amíZía,da Propriedade Príuada edo .Estado,que, na monarquia absoluta dos séculosxvu e xwn, oEstado semostrava independente, mantendo «em equilíbrio a nobreza e a classe burguesa». E certo que se notam, nesse sentido, alguns indícios, embora não muito marcados, como quando o Paço fala em «interesse público», «bempúblico», na compatibilização «quando possível»de interesses diferentes, etc.Esses sinais sósãomais frequentes, porém, apósa décadade 70 e não sãosuficientemente vinculativos, como se verá, para que se possa falar, mesmo então, numa profunda alteração da natureza do poder central. Nas décadas de 50 e 60, tais
sinais são tão ténues que não se lhes poderá atribuir grande significado. Prevalecente, sim, é a tendência da coroa para apoiar os seustradicionais suportes, nomeadamente a nobreza titular.
1.2. Fiscalidade
do Estado
A crise económica e financeira que afecta a segunda fase do Governo pombalino, a partir de 1761, com origem no plano comercial-colonial, tem o seu ponto culminante no 6lnal deste período (1768-1771):' Ao grande decréscimonas remessasde ouro do Brasil e às despesascom a reconstrução
suportavam a monarquia.
de Lisboa, vierajuntar--se
o aumento
dos gastos militares
de-
vido ao envolvimento de Portugal na Guerra dosSete Anos, que atinge directamente o nosso território com a invasão de 1762ls A questão ânanceira passa, então, a constituir uma das prioridades da política régua. A preocupaçãocentral de aumento das rendas públicas não leva, porém, à alteração da estrutura e natureza destasmas ao esforçopara um seumais e6lcaz,rigoroso e controlado recebimento. A criação do Erário Régio (22--12-1761) tem aqui papel fundamental. A profunda reforma do Conselho da Fazenda, na mesma data, visa garantir a recolha dos rendimentos dos Próprios da coroa.Tentava--se, assim, evitar os tradicionais descuidos e desvios nos recebimentos, evasões nos pagamentos ePdescoordenaçõesdos serviços estaduais em diversos níveis, até no das repartições centrais. A eficácia que se pretendia, a nível central, com a organização destes
i4Ver Jorge Borges de Macedo, ob. clf., pp. 119--139.
lõOsrendimentos públicos desseanoforam particularmente diminuídos em razão da guerra, havendo apenas, referente a ele, a entrada na tesouraria-mor do Erário Régio de 2 859 358$517, ingressos que aumentaram em 1763 com 5 330 545$957, para Sociais, n.9 25--26, Dezembro de 1988, p. 48)
baixar de novo, no ano seguinte, com 4 876 647$464(ANTT, MR, M. 610).
JOSÊ TENGARRiNHA
serviços não correspondia, porém, à dos mecanismos de recolha das receitas públicas. Mostravam-se aqui, com a maior evidência, as gritantes insuficiên-
cias do aparelho de Estado. Reconhecia--se a precaridade dos meios até aí utilizados, incluindo os con-
tratadores de rendas, a quem foi retirada, por isso, uma parte do seu âmbito de intervenção. E procurava--se, em contrapartida, que as cobranças passassem a ser feitas por administradores e tesoureiros de nomeaçãorégia, o que significava uma considerável concentração dos mecanismos de sucção Hlscal na Coroa (Carta de Lei 22-12-1761).
Particular atenção mereciam as sisas,como uma das principais fontes de receita do Estado. Com incidência particularmente forte no mundo rural, as sisas iriam ser, então, como no século xvn, motivo de tensões e conflitos, em-
bora de menores dimensões. A questãoprincipal, na perspectivadosmovimentossociais,julgo, é indagar em que medida um agravamento ou mais rigoroso recebimento de cargas Hlscaisvai puncionar uma massa de riqueza em crescimento ou não. Na primeira metade do séculoxvn, tal evolução seria recessiva e muito generalizada, e profunda a miséria nos campos, para o que teria contribuído o agravamento da pressão senhorial sob os Filipes. Neste terceiro quartel de Setecentos, porém, há indícios de um ligeiro aumento da prosperidade no quadro rural (a que se ligam os sinais de alguma animação das trocas internas), o que ajuda a explicar a menor agressividade e dimensões que tais contestaçõesapresentaram comparativamente às do século anterior.
MOVIMENTOS POPULÀRESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
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entidades beneficiavam, devido às posições,por nascimento ou função, que ocupavam na sociedade. Ora, acontecia que os limites de tais isenções estavam longe de se encontrarem perfeitamente deHlnidos, abrindo--se, assim,
campopara aproveitamentos abusivos. Mal-estar, tensões,protestos emer:
fiam,reporisso, das comunidadesrurais, em grande número, sobretudo quando alguns poderosos e influentes conseguiam isenções acobertanda-.se indevidamente à sombra de privilégios. Tendo os povosou não consciênciadisso -- e contrariamente a uma visão até há pouco dominante ---i tais factos não se devem considerar banais..acidental!, mas inerentes à própria natureza da sociedade,que assentavana desigualdade das pessoas perante a lei e o fisco..Articulavam--se, obedeciam a uma lógica comum. Não se podia iludir: nas situações generalizadas de encabeçamentos,menorescargas ou isenções,para uns, tinham efeitos imediatos e visíveis nas sobrecargasi para outros. No respeitante às sisas, os privilégios no pagamento de que gozavam mosteiros, clérigos, comendadores e cavaleiros das ordens militares (isenções parciais ou totais) ?atavam tão cortem ente enraizados que, apesar de abolidos peloAlvará de 24 de Outubro de 1796, não foram de todoextintos. vendo--se ainda, após a Revolução de 1820, as populações rurais denunciarem de foi'ma
muito viva as injustiças daí decorrentes.
Quanto à décima, apesar dos apertos financeiros da coroa, vemos esta ceder perante as pressões eclesiásticas, sendo suspensa a sua cobrança sobre os bens Idos religiosos
(Avisos 20-3-1763)q e também
das religiosas
(Aviso
12--4-1764), o que foi depois confirmado (Aviso 24.5--1764)i7 As isenções nos tributos régios sobre a terra eram campo fértil em dolos, 1.2.1. PTÍuÍZégZos
por vezes muito engenhosos, que levantavam
O conteúdo da contestação antiHlscal adquire agora; porém, uma outra
a ira dos povos: assumiram
par-
ticular importância os que se faziam então sobre as jugadas e oitavos do pão,
dimensão: para além das cargas, em si, eram as formas injustas e desiguais
vinho e linho, que também andavam, em geral, encabeçados.Simples peões «pornascimento e trato» para serem isentos chegavam a apresentar--se como
como elas se repartiam
nobres e com bestas, que muitas vezes conservavam apenas até conseguirem
e cobravam que vinham, sobretudo, ao lume do pro-
testo. Por vezes, eram mesmo apenas estas formas que levantavam a indignação, embora, não raro, desta situação inicial os povos passassem, depois, à recusa ao pagamento de todo o tributo.
O quadro era semelhante ao de outros países europeus, embora neles o pesoda tributação do Estado sobre a terra fosse,em geral, maior do que em Portugal. Mas a repartição pelas ordens da sociedadeera também muito desequilibrada. Karéiew, por exemplo, fala em que, nas vésperasda RevoluçãoFrancesa, o clero pagava em contribuições uni quarto do seurendimento anual, no máxi-
a isenção"
1.2.2.Sisas, décima, dízima. Confraóandos
Por.ocupar uma das primeiras posiçõesnas fontes de rendimento do Estado, foi a exacção das sisas, como se disse, objecto de particular atenção. Este facto vai ter consideráveis repercussões nos campos, visto ser, entre as imposições da fiscalidade estadual, .aque neles tinha mais generalizada e pe-
mo; a nobreza, apenas um sexto e, o terceiro estado, dois terços:'. Resultavam
sada presença,. tanto incidindo sobre o valor das trocas ou vendas de bens'de
estas injustiças e desigualdades de diversos factores, que passamos brevemente a expor.
raiz.(«sisa.de raiz»)como sobre o preço de:venda dos géneros da agricultura e artes («sisa das correntes»).
laZ,esPàysans ef Za é?üesfio/zPaysanne en France.:l,' Pauis, 1899, p. 190:'Ver, também, Moreau de Jonnés, «Etudes statistiques sur I'état et lesprogrês de la société en France», Recue des Z)eux-ll/ondas, l de Maio de 1833, p. 334:
prado a outros religiosos! nem as fazendas que tomaram de renda, nem os bens que lhes foram dados ou doados?'nemos dinheiros que traziam a ganho óu a juro.i. .
Em primeiro lugar, as isençõesde que grandenúmerode pessoase n Não estavam incluídos nesta suspensãoos bens que osreligiosos haviam com18VerDecr.
24--1--1742.
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ROSÉ TENGARRIN.HA
Ó2
MOVIMENTOS POPULARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
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haver grandes fugas aquando da compra de bens de raiz, situação que o apa-
relho de Estado nunca teve capacidadepara ultrapassar. Quanto ao subsídio militar da décima, de que vimos estarem isentos os religiosos e religiosas a partir de 1763 e 1764, a sua retomada pela terceira vez peloAlvará 26--9--1762,para cobrir as despesasda guerra, tem fortes incidências directas na vida rural. Passou então de 4,5qu para 10% sobre todas as ren-
das, bens, tratos, manetas, ofícios e ordenados.
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Mas: também aqui, mais protestos levantavam as irregularidades e desigualdades na sua cobrança. As injustiças eram tantas e tão flagrantes que
provocavam uma quase permanente contestação popular. O senhores de terras e pessoas muito poderosas eram ajudados pelas governanças locais a substraírem--se à imposição sobre muitos dos seus bens. Assim, como denun-
ciavam as instruções com força de lei de 18--10--1762,umas vezes por vingança lançava--se muito mais do que era devido, outras vezes omitiam- se
propriedadesinteiras «pormuitos e sucessivosanos,outras setem lançadoem quantias insigniÊlcantes». Ricos proprietários usavam ainda o hábil expediente de comprarem a ca-
HW$1 :n u
seiros pobres partes dos seus casais situados em zonas isentas, para depois envolverem nesse privilégio terras suas situadas fora delaszz
A atitude predominante do rural não era, aqui, a da luta aberta, da contestaçãofrontal, mas, como em geral, a da resistência surda, manhosa. Daí, osgrandes atrasos na cobrança,de que dá conta, ainda em 1799, o edital de 18 de Maio, que prevê formas suaves de pagamento das dívidas. Quanto à dízima, tributo cuja origem era anterior à fundação da nacionalidade, sabe-seque recaía, acima de tudo, sobreas importações e exportações doReino. Mas aparecia, também, como direito de portagem e, nesta qualidade, era motivo de protestos! aqui e além, no mundo rural. Nasciam tais situações da falta de uniformidade e critérios certos, que propiciavam os abusos prati-
cados,com alguma frequência, pelos contratadores da dízima ou dizimeiros. no.queeram acompanhadospelosalmoxarifes e escrivães.Nesta perspectiva, a dízima fazia--se sentir, sobretudo, em centros de confluência de importantes linhas do comércio interno, como Coimbrã, onde provocou frequentes con.lhos
O maior rigor da fiscalidade estadual sobre o comércio enfrentava, ainda, um grande inimigo: o contrabando, mal endémico, tradicional, das sociedades rurais do Antigo Regime. Sendo as alfândegas e os monopólios do Estado (con-
tratos do tabaco, sabão, etc.) os que maiores rendimentos davam ao Tesouro. tenta-se defender com aHlncoos seus interesses.
Os contratadores das rendas dos portos secos, alegando haver muitos descaminhos e mercadorias que fugiam à fiscalização das alfândegas interio-
res, pressionavam para que de todas as mercadorias fossemtiradas guias, mesmo daquelas que eram necessárias à vida das populações (linho, cereais, peixe, sal e outros comestíveis).Os «atravessadores»,que pululavam no zaUm doscasosmais significativosíoi o ocorridoemterras da colegiadade Nossa 21in António Cruz, GeograHza e Economia da Prouíncía do ]l/iRÃo nos Fins do SécüZo
XV177,Porto, 1970,PP. 126-127.
Senhora da Oliveira, em Guimarães, com tais proporções que obrigou a disposição régia(Alv.
20-9--1768).
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ROSÉ TENGARRINHA
mundo rural, viam assim limitada a sua liberdade, mas também as populações eram fortemente afectadas nos seus abastecimentos, pelo que protestaram,
por vezes com vigor. Era igualmente indispensável defender oscontratadores do monopólio do sabão contra o intenso contrabando que se fazia deste produto,vindo
de Es-
panha pelas fronteiras terrestres. A mais aturada vigilância que se exercia em localidades,feiras e estudas fronteiriças levantou alguns dosmais violentos confrontos das populações com as autoridades a que assistimos no quadro rural e que tradicionalmente despertavammuito fortes solidariedades entre os membros das comunidades. Tinham, assim, o conteúdo de uma luta contra o peso da ülscalidade do Estado em que não apenas os contrabandistas mas toda a população local espontaneamente se envolvia. Em 1766 (Álv. 26-5) reconhecia--se,porém, que os administradores gerais das alfândegas estabelecidos pelo Regimento dos Portos Secosnão se haviam mostrado eficazes a evitar os descaminhose contrabandos, pelo que foram substituídos por dois superintendentes gerais das alfândegas: um, para o AlentQjo e Algarve e outro para a Beira, Porto, Milho ê'Trás--os-Montes. 1.2.3.Encabeçamenfos
W
O encabeçamento, não apenas das sisas mas de qualquer tributo régio ou até de foros incertos em géneros ou em dinheiro, consistia na redução de uma imposição da quantia
certa aplicada a uma comunidade. Superavam=-se,
assim, as dificuldades de cobrança individual. A determinação do quantitativo certo que cabia ao concelho era feita por
um contrato entre a Coroa e a Câmara, esta na qualidade de representante dos povos, de acordo com um cálculo, arbitrando--se depois o que a cada um cabia a No caso das sisas, o encabeçamento significava que eram cedidas as sisas das compras e vendas aos povos, com a obrigação de estes pagarem certa e de-
terminada quantia. Depois, a Câmara fazia regulameíxtos para a arrecadação das sisas.
Mas as desigualdadese injustiças que daqui resultavam eram muitas e motivo de constantes protestos dos povos. Em primeiro lugar, omontante fixado para cadaconcelhoera muitas vezes excessivo.
Estabelecido, em geral, havia muito, não tinha em conta condições de vida das comunidadesrurais que, entretanto, sehaviam alterado. As dificuldades em cumprir os encabeçamentosresultavam, neste caso,tanto de diminuição das «cabeças»por que eles se repartiam (em virtude,çsobretudo, d? fluxo migratório para Lisboa) quer de abaixamento da produção agrícola (devido, entre outras causas, ao esgotamentodas terras) ou ainda de alterações na produção (mudanças para culturas menos proveitosas). Também porque a fixação do quantitativo para cada concelho não era feita segundo um critério uniforme, de acordo com a real prosperidade de cada.'um..
Via--se, por exemplo, no caso de Borba, que no comércio e agricultura e, so-
bretudo, na produção do vinho excedia Portalegre, as suas sisas nunca se
MOVIMENTOS POPULARESAGRÂRIOS EM PO]KUGAL
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arrematarem por menos de 9000 cruzados, pagar apenas 3000 cruzados, ao passo que Portalegre mais de 10 000. Alegrete, em que havia sempre sobras
ãos bens de raiz, pagava 108 000. Arcos de Valdevez, no Minho, então com mais de 20 000 habitantes, pagava menos de 4000 cruzados23 Numa segundafase, acontecia, com frequência, que os povos pressionavam a Câmara para que os regulamentos fossem mais liberais para os moradores da localidade sededo concelho e mais rigorosos para os de fora. Algumas localidades eram, assim, excessivamentecarregadas com a parte que lhes cabia no cabeçãoconcelhio,o que levantava fortes protestos das populações.
Depois, havia ainda, em cada localidade, os que estavam isentos do pagamento ou que a ele se furtavam por meios cada vez mais hábeis e frequentes,
o que, como seviu, redundava em agravamento da carga para os restantes24 Mas havia, sobretudo, as desigualdades resultantes de avaliações dos bens e rendimentos favoráveis aos maiores comerciantes e maiores
proprietários,
que chegavam a nada pagar ou a pagar o mesmo que qualquer pobre. De tudo isto resultava uma situação ainda mais grave: a elevada bitola do cabeçãoexigido ou as deÊlciênciasna cobrança das sisas pela Câmara levava
a que, frequentemente,o produto das sisasoderaiz e das correntes não chegassea somar aquela quantia. Então, a falta derramava--se pelas pessoas encabeçadas -- e por isso se chamava vulgarmente
«ferrolho»(«derrama
em
ferrolho»). Verificava--se ser uma situação que dava origem também a gran-
des ou ainda maiores arbitrariedades, queixando--se os povosde que era a mais violenta que tinham de suportar. Acusava--seentão o:;Regimentodos Encabeçamentosde propiciar tais injustiças, pois, sendo bastante confuso e complicado, prestava-se a diversas interpretações. No intenso debate que se travou entre üós no final do Antigo Regime sobre esta.matéria, admitia--se ser muito difícil alcançar o duplo objectivo de «igualdadena contribuição e liberdade para o comércio».Verificava--seserem muito injustas as situações a que o sistema dos encabeçamentos dava origem, mas, até com o apoio em teóricos franceses, reconhecia--se que era, apesar de tudo, o modo de arrecadação menos imperfeito. Acontecia mesmo que, quando eram os contratadores a fazer a cobrança da sisa das correntes, os povos soft'iam opressões ainda mais violentas!: São muito numerosos, por isso, os pedidos que chegam ao Paço para que as arrematações Sejamsubstituídas por encabeçamentos, considerados socialmente maisjustos. As decisõesdo Conselho da Fazenda são, em geral,'contrárias aos interesses dos contratadores -- que retiravam dali grandes lucros --, anuindo às solicitações dos povos desde que fosse garantida para o Tesouro a mesma receitazs e l
'3 Ver, por exemplo, ANTT, CF:Consultas, L. 39, ír. 94 a 100v. 24Conta o corregedorda comarcade Portalegre que, sendojuiz de fora em Torres Vedras, só com algumas ameaças que fizera por editais e indagações nas vintenas pudera saber quais eram os compradores devedores de sisas de bens de raiz para lhes
fazer pagar o dobro. Conseguira assim a entrada nos cofresde mais de dois contosde réis, sem que a Câmara tivesse tomado qualquer providência nesse sentido ad..). zsVeja--se, por exemplo, o conflito entre os viticultores
de Peniche e Atouguia e os
contratadores que tinham arrematado a cobrança do tributo de 400 000 réis(ANTT, CF, Consultas, L. 14, f. 169v). Forum da História 18 -- 5
COSE TENGARRINHA
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67
mente o Alvará 25-5-1776, que não só não fez cessar os abusos dos contratadores de rendas como até gerou novas dúvidas. Quanto ag falhanço da segunda medida, teve origem nos escassosmeios de
1.2.4. Contratações Quando a agudização das dificuldades financeiras do Estado colocou a necessidade de um mais rigoroso recebimento dos rendimentos da Coroa, levantou-se, como nunca, a questão das arrematações dos contratos régios. A arrecadação das rendas dos bens e direitos da coroa através de contratadores era prática generalizada, que tentava suprir as insuficiências do aparelho administrativo. Mas a experiência,em muito numerososcasos,tinha sido lesiva para o Tesouro. Oslivros de consultas do Conselho da Fazenda dão conta da n'equência com que acabavam por não ser cumpridos compromissos contratuais. Não podiam uns contratadores satisfazer o estipulado devido a dificuldades de cobrança e arrecadação das rendas arrematadas, pelotlque acabavam por sofrer sequestro dos seusbens móveis e imóveis. Outros tentavam esquivar--se ao cumprimento rigoroso dos contratos, buscando na letra deles fugas artiHiciosas que advogadoshábeis exploravam. Outros, ainda, arrematavam por intermédio de terceiros, chamados «testas de ferro», que não possuíambenspassíveisdesequestro.rií;i
MOVIMENTOS POPULARESAGRÂRIOS EM PORTUGAL
nisrrp
l
Bi o
). egü-
E contra estai(situaçãoque se levanta;ia Carta de Lei 22-12-1761, ordenando que os termos dos contratos fossem tão claros que não pudessem
suscitar quaisquer dúvidas aosarrematantes, proibindo os «testasde ferro»:, impedindo que se arrematassem rendas da Coroa superiores a 400 000 réis anuais sem autorização prévia do Conselhoda Fazenda e exercendo,em geral, uma mais estreita vigilância sobre os recebimentosdoscontratadores, tentando evitar atrasos e desvios no envio das importâncias para o Tesouro. Era óbvia a intenção do Governo de diminuir o campo de acção dos contra-
tadores dessas rendas da coroa, que proliferavam em grande número no quadro rural. Orientou-se, para tal, em dois sentidos.'
Por um lado, retirou do regime de arrendamento várias rendas da Coroa, como as sisas que pagavam as câmaras e as terças sobre os rendimentos
dos
bens dos concelhos,rendas que passariam a ser arrecadadas por administradores e tesoureiros de nomeação régua,sob a responsabilidade dos corregedores das comarcas.
Por outro lado, concedeufacilidades de pagamento das importâncias dos contratos, de maneira a animar a que fossem os agricultores locais a arrematar directamente com a coroa as rendas das suas próprias produções, transformando--se assim em rendeiros da coroa, com uma carga mais leve. Não tardou muito a veriHlcar--se,porém, que ambas as medidas falharam. Quanto à primeira, revelou--se pouco eficaz a cobrança através de funcioná-
rios régios, pelo que de novo se teve de recorrer à arrematação generalizada dos contratos. Volta a sentir-se, pois, ainda mais acentuadamente, a pressão dos contratadores, que sãoum factor de resistência à reforma de certas cargas fiscais. E, como se verá no último quartel do século,o poder destescontratadores não cessou de crescer, sendo responsáveis por muitas das opressões e bloqueamentos que se verificaram nos campos. Tal foi propiciado pelo confuso quadro legal existente, a que a legislação não conseguiu pâr cobro, nomeada-
pagamentode que os agricultores, em geral, dispunham. Era um dos sinais mais evidentes da escassaacumulação de capital móvel pelos agricultores, que, mesmo quando abonados pelos bens de raiz que possuíam, não dispu: nham de liquidez suficiente para pagar imediatamente, aquandoda arrematação, toda a importância do contrato, nem mesmo a situação se alterando comas facilidades de pagamento que lhes foram concedidas.
1.3. Persistência do
quadro tradicional
O quadro agrário em que decorrem os conflitos deste período é dominado pelascaracterísticas tradicionais. As leis pombalinas não tiveram, em geral, a intenção.de modifica-las e, mesmo quando apresentaram conteúdo mais inovador, alcançaram reduzido ou nulo afeito, como se verá nos anos seguintes. No seu afã de superar as difíceis situações conjunturais que o Estado teve de enfrentar, o ministro de D. José procurava soluções pontuais cuja con-
cepçãoe aplicação evidenciaram duas insuülciências fundamentais: falta de compreensão das novas dinâmicas que tinham vindo a gerar campos, tanto do ponto de vista material como psicológico, e escassez de meios huma-
nos e.materiais para poder levar a cabo as medidas que se propunha. Não se poderá falar com propriedade, pois, de umas.política agrária» pom-
balina: Sem dúvida, é possível descortinar linhas de preocupaçãodominantes, algumas das quais decisivas para o avanço da agricultura. A questão é que, entre elas, não se Vislumbra articulação lógica nem sustentação de um corpo com um mínimo de solidez e coerência interna. Vda--se o.problema do grau de propriedade sobre a terra por parte do seu expl.pudor directo, questão central para o desenvolvimento da agricultura capitalista, comercial, para a acumulação de capital no quadro agrário. Foram tomadas, aqui, medidas em dois sentidos. Por um lado, intentou--se aligeirar osencargossobreessacategoriade agricultores: a peçaprincipal, asInstruções de 18--10--1762,reduziu a metade a décima sobre os rendimentos de exploraçõesque andassem por conta de seus donos (embora exceptuasseas produções.detrigo e azeite), ao contrário das arrendadas, que nãb beneficiariam de qualquer redução; com a mesma orientação, a Fereroda lei de 22-12-1761 favorecia que os exploradores de terras da Coroa fossem os anematantes
das
respectivas rendas. Por outro lado, procurou--se estabilizar a situação do explorador directo, sobretudo para que ele se sentisse seguro a realizar benfeitorias: a peça principal, aqui, a'Carta de Lei 9--9--1769,estabelecia a renovação do contrato enHltêutico a favor de descendentes: ascendentes e herdeiros colaterais até ao quarto grau, deixando-se assim de ]:imitar os emprazamentos ao máximo de três vidas.
A concepçãoe os efeitos desta legislação são;'porém, limitados. Para que oprodutor adquirisse um maior grau de propriedade sobre a terra que traba-
ROSÉ TENGARRiNHA
68
MOVIMENTOS POPULARESAGRÁRIOS EM POIWUGAL
Ó9
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não soâ'em limitações. Contrariamente ao que se verá a partir dos fins da décadade 80, não manifesta o Trono, aqui, preocupação em conciliar a rendi-
bilidade das exploraçõesagrícolas com a exacçãoda renda senhorial. Por isso, neste período, a exemplo do que será também predominante no seguinte, a atitude dos órgãos superiores de decisão régia perante a contestação
camponesanão é a de tentar qualquer equilíbrio, mesmo precário, mas a de assegurar, tácita ou expressamente, a integridade dos direitos senhoriais. E'esta, assim, mais uma peça signiülcativa na preocupação dominante do Governo pombalino de defender a nobreza titulada para defender e reforçar o Estado, que tinha nela um dos principais suportesz9
1.3.2.Z)esamorflzação Idêntica preocupaçãose manifesta na conservaçãoda basefundiária das grandes famílias nobres. A ofensiva desamortizadora sobre os morgados, apenas atingindo os de menor valor, declara expressamente ser necessário garantir a basede sustentação e a dignidade material das pessoasque ser-
1.3.1. Z)ireitos senAoríais
viam a Coma30
Um dos principais obstáculos que se levantavam à aproximação jurídica do produtor à terra que trabalhava era, como vimos, as excessivas cargas se-
a''%Uà :mm ã=.:iih::i'==;=i;H::3:.:U:=.«:", , "«,d"-' -'líticapombalina.:a.;.,-'.Ü.{' .. .
- ..
..'' ' ' ,.:.=----':--"u'
A questãotomava maior acuidadedewdo a anlcu slLuaçzwunamuu"a 'luu
Era assimreconhecidaa dignidadeconferida pela fortuna fundiária bem comoa ligação entre esta e a ocupaçãode altos lugares na administração pública. Esta concepção limitou fortemente o alcance da desvinculação pombalina,
que, como se verá mais adiante, terá sido reduzido, em especial quanto ao oblectivo de criar uma nova classe de altos funcionários burgueses com acesso a formas nobiliárquicas da propriedade. Não menos reduzidosparece terem sido, também, os efeitos quanto à maior mobilidade que com isso se queria conseguir da propriedade, por forma a permitir que o Estado recolhessemais avultados rendimentos das sisas e que, em contraste com os administradores
rentistas e absentistas, que desvia-
vam os rendimentos da agricultura para fora do quadro da produção,se ampliasse o número dos agricultores-proprietários, estes, sim, interessados na valorização das propriedades. Teriam sido também diminutos os resultados da desamortizaçãono sentido de facilitar o emparcelamento da propriedade rural, por forma a tornar mais lucrativa a sua exploração, preocupação que aparece com relevo na legislação agrária pombalinaai Relativamente
r
às concepções sobre o desenvolvimento
da agricultura
da
Ver AlmeidaCosta,l)icíonáríodelÍísfória dePorftzgaZ, ll,«EnHiteuse»,p. 38,e
Paulo Merêa, Exposição Sucinta da /:rístória do l)!reino PorflzgEzês, Coimbrã 1922, 29Ver Jorge Borges de Macedo, A sífüaçào .Económica..., pp. 112--115.
30Carta de Lei 3-8-1770.
li Veja--se, por exemplo, além da lei 9--9--1769, sobretudos.a de 9--7--1773, que expressamente declara a necessidade de as parcelas fundiários serem de «dimensão
apta a estimular o emprego dos capitais disponíveis na agricultura», salientando os males do «excessivo retalhamento da propriedade». Demoras e estorvos vários na exe-
cuçãodesta lei levaram a que se publicasse o Alv. 14--10-1773, que não parece, porém, '28Alv. lg--g--1766, 16--1--1773 e 4--8-1773.
ter sido mais feliz.
ROSÉ TENGARRINHA
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MOVIMENTOS POPULARESAGRÁRIOS Ehl PORTUGAL
7/
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primeira metade de Setecentos, a legislação pombalina mostra consideráveis avanços, visíveis na importância que atribui a alguns aspectos decisivos. Mas o carácter avulso e desgarrado dessasmedidas, semobedecerem a um
tualmente nos meios rurais, onde a Igreja tinha a sua principal base de apoio
projecto articulado, silenciou outros aspectossem os quais aqueles não
tensões e conflitos daí decorrentes.
poderiam vingar. Teria sido necessário, também, que as reformas tivessem
atingido mais profundamenteos nervos essenciais,dispusessemde apoios políticos e sociais suülcientemente fortes e o Estado contasse com meios mais poderosos. Nenhuma destas condições, então, se.veriÊlcou. Numa visão geral, poderemos concluir que o falhanço ou o 6'aco alcance da
legislação agrária pombalina conduz: como veremos nos anos seguintes, a uma não substancial alteração do quadro tradicional da nossa agricultura sob quatro aspectos essenciais: mobilidade da terra, redimensionamento da exploração, grau de propriedade sobre a terra por parte do cultivad?r, sistema de culturas.'Para qüe tal ocorresse,seria necessárioque o agricultor dispu-
sessede apreciávelmontantede capitaismóveisou o quadro agrícola exercessesuficiente força atractiva sobre capitais exteriores. Ora, tirando o vinho e o gado?em certas zonas, não vemos que tal se verificasse com significativa expressão.
Na origem desta situaçãoencontram-sedois obstáculosprincipais, que Pombal não removeu quer porque não quis atingir interesses sociais que sustentavam o Estado (não alterando, assim, o peso dos encargos sobre os agricultores, designadamenteosde natureza senhorial) que! porque não teve uma visão global, articulada, dos factores de que dependia o desenvolvimento da agricultura (e que condicionavam a rendibilidade da exploração agrícola, o luc;o. o auto-.investimento,
o investimento
exterior).
O principal vício da política pombalina -- denunciou lucidamente Acúrsio das Neves - foi «ode querer dirigir tudo por meio de regulamentos que sus-
pendiam a liberdade da indústria ou oíêndiam gs direit?s da propriedade: acontecia algumas vezes minar por estemodo os alicerces da sua própria obra e diminuir
os benefícios
que ele mesmo
procurava
à Nação>>32
material e espiritual. Questão que nunca até agora foi sequer aflorada, emergede alguns factos ou meros indícios que dão conta, com efeito, de No plano dos bens e rendas fundiários, é bem visível a resistência do clero à aplicação das leis de 25-6--1766 (contra os testamentos
influenciados)
e de
algumas disposições da referida de 1769. A transmissão dos legados pios à Igrda continuava
a ser adoptada por quem bu scava a salvação da alma e, em-
borahouvesseo risco de «seremas almas do outro mundo senhoras de todos os prédios destes reinos»l era difícil impedir práticas tradicionais que se sustentavam na funda crença dos dadores e na cobiça dos clérigos. Foi este, pois, dos aspectos da legislação que encontraram mais forte resistência, tendo sido a influência
do clero suülciente para o revogar, após a subida ao trono de
D. Mana (Decr. 17--7--1778). SÓem 1796 (Alv. 20 5) o clero se vê obrigado a
recuar, pela mais enérgica reposição das determinações que haviam sido re-
vogadasda lei de 1769 ($$ 18, 19 e 21). Outro aspecto muito controverso foi o das cobranças excessivas sobre os rendimentos dos bens encapelados.As muito numerosas queixas que sobre isso os povos Hlzeram chegar ao Paço foram contempladas pela Carta de Lei
9-9 ($ 19). Também neste caso a forte pressão clerical foi suHlciente, porém, para anular essa disposição, que igualmente se retomou, com maior vigor, em 1796.
As cobranças excessivaseram possíveis, também, em muitos casos,por abusivas consolidações(reunião do usufruto à propriedade do prédio ou do domínio útil ao directo) feitas por ordens, igrejas e mosteiros que, após assumirem o domínio directo, agravavam os encargos, «de que resultavam questões e litígios prejudiciais
ao sossego dos povos e à tranquilidade»
(Carta de Lei
4-7--1768).As instituições religiosas resistiram à anulação de tais consolidações,tendo-se por isso gerado fortes controvérsias que no ano seguinte o poderrégio tentou eliminar, voltando de novo à carga, mais energicamente (Alv. 12--5--1769).
1.4. Estado e Igreja Com igual sentido desamortizador e declarando visar idênticos objectiv?s e da mesma maneira acautelando a sustentação das casas nobres;,'aCarta de Lei 9--9--1769 sobre as capelas constitui uma das principais peças na ofensi-
va réguacontra o poder da lgrelaaa Tal ofensiva, em vários planos, não poderia deixar de repercutir--se confli-
3zVariedades..., OZ)ras C0?7zpZefas, 3, p. 536.
33Podemos sistematizar em cinco os objectivos fundamentais deste diploma, que
vale, além disso, pelo seu belo recorte literário e ülnohumor: evitar a excessivae crescente concentração da propriedade rural na mão da Igreja por via dos legados pios ou de bens de alma, determinando quando e comose poderia dispor dos bens por transmissão, estipulando nesta mesma linha que os membros das congregações religiosas que possuíssem bens em comum ficariam excluídos das heranças e os religiosos ou
As queixas dos povos sobre os abusos cometidos à luz de tais consolidações
davamao Paçoapoio ejustificação para uma medida que, fundamentalmente, visava limitar a acumulação de bens fundiários nas mãos do clero. Outro tipo de conflitos decorreu do dissídio entre a Coroa portuguesa e a Santa Sé, que culminou com o corte de relações em Junho de 1760. Nos meios
ICont. da nota da p. ant.l
sacerdotes não seculares não podiam suceder em morgados; limitar as excessivas exigências que o clero tentava e em muitos casos conseguia aplicar nas capelas, que
pesandosobre os administradores não deixavam também de reflectir--se em maior pressãosobre os agricultores; diminuir a extensão das terras vinculadas que eram prejudiciais ao Erário Régio; proteger os interesses dos nobres através de regulamentação testamentária
e anulando
o limite
de 4000 cruzados de rendimento
das casas no-
bres; e desamortizar as capelas menores, que não incluíam na sustenção dessascasas,
facilitando a mobilidade da terra.
JOSÊ TENGARRINHA
72
rurais traduziu--se, sobretudo, na luta entre os privilégios das ordens e as limitações que lhes tentavam ser impostas pela autoridade régia.. No plano ideológico--religioso,
MOVIMEl\nOS POPULARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
/
administrativas de Pombal estiveram na origem de algumas significativas linhas conflituais
nos campos
seria difícil conceber que a ofensiva do
Governo pombalino não tivesse tido também repercussões nos campos.As reformas do Paço, tocando em valores muito fundos da mentalidade rural, iriam
1.5.1. Trigo contra DiRÃoe gado
despertar hostilidades violentas, provocar novos jogos de solidariedades sociais,para além das divergências e convergênciasem torno dos interesses materiais imediatos.
cona'ontos.
A nova organização dos estudos menores (Lei 6--11--1772),abolindo o en-
sino jesuítico tradi(lional, causa fortes reacçõesdas populaçõesem alguns pontos da província, como se verá no período seguinte" Tanto mais que o plano de estudos era acompanhadode uma nova imposição fiscal, o subsídio literário, que muitas veze? as povoações tinham de sa-
tisfazer sem que nelas houvesse qualquer escola. São queixas que surgem
ainda nas cortes vintistas. Quanto à abolição da distinção entre cristãos-velhos ecristãos-novos(Lei 25--5--1773),levantaria também grandes animosidadesnos meios rurais, onde. a coberto de motivações religiosas, se atacaram «ljudeus»ricos das tercomo se verá, também no período seguinte, em tumultos ocorridos após a morte de D. José. Tal conflitualidade nos meios rurais entre o Estado e a lgrQja não é inconciliável, porém, com o apoio que o alto clero nacional presta ao poder central e a escolha de dignitários da lgrd a para destacados cargos da Coroa. SÓse sur-
preenderá comisso -- esclareceJoaquim Verlssimo Sertão -- quem «aplicar ao séculoxvm uma concepçãoautónoma dosdois poderes,que só com o liberalismo se tornou mais rígida na esfera das suas delimitações»;'
Em torno do vinho e do trigo travaram-se alguns dos mais salientes O vinho impunha--se, naturalmente, como mais rendoso para o agricultor. As restrições administrativas que Ihe foram im postas baseavam--seno argumento expresso de que ocupava terras aptas para cereais e legumes e na defesa, não expressa, dos interesses dos viticultores do Douroa6. Quanto ao trigo, ele servia, sobretudo, para abastecer Lisboa. Em parte alguma das províncias era cereal importante na alimentação dos rurais. Quanto muito, guardava--se em casa uma pequena quantidade «para os doentes», na crença sobre as suas propriedades nutritivas. Mas a sua produção e comercializaçãoenfrentava várias dificuldades. Falta de capitais e crédito caro (que dificultava e onerava a compra de sementes), mão--de-obra assalariada incerta e dispendiosa, muito difícil e custoso transporte conjugavam--se para fazer que os trigos vindos de terras estranhas, como Barbaria e até Sicília, chegassema Lisboa, em geral, por preços mais baixos do que os nacionais (mesmo os que, conduzidos porAbrantes,
Tancos, Barquinha
e Constância be-
neâciavam das facilidades do Tdo). Quem ganhava mais com o vinho não ia, de sua vontade, substituí-lo
por
trigo. Os lavradoresresistiram a arrancar as vinhas, opondo--sepor várias formas à decisão régia. As leis do arranque das vinhas, apenas parcialmente cumpridas, não teriam efeito na travagem da recessão da produção cerealíferas7
1.5. Imposições administrativas
e mercado
Os referidos obstáculos à produção e comercialização do trigo colocam--no também em desvantagem no outro cona'onto que trava com o gado e que se desenha cada vez mais fortemente, sobretudo no Alentejo, à medida que se avança na segunda metade do século xvm. Proprietários de herdades tentam levantar as rendas e colocam várias dificuldades
aos colonos (expulsando--os,
As dominantes preocupaçõesHlnanceirasdo Governodentro de uma orientação mercantilista conduziram a que o quadro agrícola fosseencarado sob duasperspectivas fundamentais: alimentador de rendimentos fiscais, em especial sisas e décima (sem, no entanto, alterar a natureza das relações entre a agricultura e a ülscalidade estadual), e fornecedor.dos produtos.que, para além do lc-calda produção,pudessemservir principalmente objectivos alfandeE.áriose fiscais (exportar os vinhos da região do Doura e abastecer Lisboa
demolindo ou deixando que se arruinassem as edificações dos montes), para
de brigo, para tentar diminuir
não se reduz ao Alv. 26--10--1765, mas compreende um conjunto de disposições que
as importações).
Den.trodestes F.ar.âmetros,e não tendo em conta o sentido das dinâmicas económicíts queÍielnbora timidamente, se iam desenvolvendo, as imposições
que as terras fossemarrendadas por mais altos preçosaosgrandes criadores de gado (bovino, ovelhum, porcino). As várias medidas de Pombal para evita--lo mostram--se ine6icazesa8
s6Jorge Borges de Macedo, .A situação económica..., pp. 77--78.
s7Contrariamente ao que é costumedizer, a legislaçãosobreo arranque das vinhas atesta as dificuldades da questão: Alv. 18--11--1765(declarando e ampliando o anterior); Alv. 18--2--1766(declarando e ampliando o arranque nas terras baixas de algumas vi]as da ]lstremadura
s4Ver José Tengarrinha, ]iísfóría da /mprensa Periódica Portuguesa, 2.eedição, P.'78 (2). ss.Hísfória de PorftzgaZ, VI, p. 118.
e da Beira); Alv. 16--12--1773 (alargando Alv: 26--10--1765
a vinhas das províncias de Trás-os--Montes, Beira e Minha); Alv. 13--1--1779(permitindo o plantio de vinhas em terras do Ribatejo tornadas infrutíferas devido às areias que nelas se tinham acumulado após o arranque); e Deck. 5--8--1779(contra Alv. 26-10-1765, determinando os sítios próprios para plantação das vinhas). 38Decr: 21--5-1764, Res. 6-11--1770 e, sobretudo, Alv. 20--6b1774.
74
COSE TENGARRINH.A
Segundo Silbert, as consequências desta legislação no plano económico foram mesmo inexistentes3u
Também para proteger oslavradores de trigo sãolançadas as leis visando garantir mão--de--obra e evitar a elevação das jornas dos assalariados rurais do Ribatdo e Alentejo"
A tradicional situação precária neste sector agrava--se quando a longa letargia dos preços é alterada a partir de meados do século xvm e os trabalhos
de reconstrução de Lisboa, apóso terramoto, atraem a mão-do-obra rural. A «taxação» dos salários rurais que se tentava agorajá pouco tinha a ver, porém, com a das Ordenações, que previam ao mesmo tempo a «taxação»dos preços para evitar desequilíbrios
(L. 1, tt. 66, $ 32). Esta determinação,
de res-
to, fora perdendo o uso, com o correr dos anos: a predominante estabilidade dos preços não exercia grande pressão sobre os salários, processando--semo-
deradamente ojogo entre ambos.O desequilíbrio a que seassiste agora apresenta uma nova dimensão qualitativa, ao relacionar--se estreitamente com os movimentos do mercado, isto é, com condições estruturais
da economia agrá-
ria e não com fenómenos ocasionais, como se vira no passado.
A partir daqui desenvolve--se noscamposuma linha conflitual permanente. Ainda às Cortes vintistas chegam queixas de lavradores do Alentqjo, RibatQjo e outras partes do Reino queixando--se da falta de braços («pelos que são recrutados e mais ainda pelos que fogem de o ser») e da carestia deles't A solução que propõem então é, ainda, mais ou menos claramente, a fixação dos salários, ao menos semanal. Pensa--se,pois, poder continuar a tentar impâ--la, apesar do óbvio fracasso que tivera no passado. Haviam sido ineÊlcazes,com efeito, as medidas tomadas pela administração central com as leis de 1756. E, não menos inenlcazes, as lançadas por algumas administrações municipais, a esmo, ao imporem -- contrariamente ao determinado pelas Ordenações-- «taxações»de salários sem, ao mesmo tempo, «taxarem» os preços. Tais imposições irão provocar, por vezes, movimentos de considerável dimensão e agressividade.
MOVIMENTOS POPUIARESAàKÃKiOS
EM PORTUGAL
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75
1.5.2. .Dinâmicas do comércio inferno
Há, em tudo isto, uma radical incompreensão sobre as leis e a importância domercado que se reflecte nas hesitações e contradições das medidas de Pombal sobre o comércio interno. Nem o contacto com a realidade da Inglaterra
Ihe
permitira aperceber--sedo papel que então aí tinha o mercado interno como
motor principal do seu desenvolvimento global. Foi certeira a crítica de Acúrsio das Nevessobre a impossibilidadede a produção se desenvolver então sem que fossem removidos os obstáculos e dificuldades da circulação4a
Pois, lógica e historicamente, o mercado precede a produção.
Têm alguns reconhecidonas leis pombalinas intenções de facilitar a mobilidade interna dos produtos agrícolas. Dito apenas assim, é enganador. A
suaintervenção não églobal e articulada em torno desseobjectivo central: haveria, sobretudo, de acordo com preocupaçõesalfandegárias, que facilitar o acessodos produtos nacionais aos grandes centros consumidores do litoral para diminuir a necessidadede importação dos estrangeiros; haveria, de acordo com preocupaçõesfiscais, que evitar «travessias» e açambarcamentos e aumentar as rendas da Fazenda sobre o comércio interno através de uma mais rigorosa 6lscalização; haveria, ao mesmo tempo, que proteger companhias e empreendimentos monopolistas do Estado; haveria, ainda, que evitar colisões frontais, pelas razões atrás expostas, com as administrações concelIaS
de tudo isto resulta, neste plano, uma acçãomuito limitada e contraditória, geradorade várias linhas de tensãoe conflito no mundo rural. Era dada liberdade aos «comissários»das companllias comerciais para circularem com os produtos destinados a estas, mas restringida a circulação
interna e exportação::de vinhosde diversasproveniências, para evitar a concorrênciacomos da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Tentava-se remover alguns obstáculos das portagens, mas não se ata-
nos órgãos centrais, que, após
cavam decididamente as pesadas imposições das câmaras sobre o trânsito de
Pombas,mostram cada vez mais dificuldade em ultrapassar a contradição: deixar livres os preços para não desencorajar os produtores, seguindo as leis do mercado,mas não as seguir no respeitante à mão---de--obra, por não a considerar comouma qualquer mercadoria, que de facto era. As polémicas que daqui nasceram são muito signiülcativas sobre a compreensão (e incom-
mercadorias, que constituíam verdadeiros direitos de senhoriagem,'ondese incrustavam rendeiros rigorosos e abusivos. Sabia--seque a falta de uniformidade dos pesose medidas era grave dificuldade para o comércio interno,
preensão) que os homens do poder tinham sobre as novas dinâmicas que se de-
e outros que se vendiam em Lisboa e termo, por se considerar que tais taxações desanimavam a produção e a concorrência dos géneros, mas exceptuavam--se
Estes conflitos nos campos vão repercutir-se
senvolviam nos campos".
mas temia--se ferir interesses locais alimentados pelos direitos de medidagem e outros desta natureza. Abolia-se a taxação dos preços dos géneros com estíveis
ICont. da nota da p. ant.)
eles,entre outras providências, que se taxassem asjornas. Não houve unanimidade s9Z,e PorftzgaZ ]Wêdiferranéen, p. 802. 40Decrs. 5--6--1756 e 15--6-1756.
4iA. Silbert, Le proa/ême agraire porfzzgais..., pp. 71--72, 181--182 e 251. 4zUma das mais interessantes travou--se no seio da Junta do Comércio, em 10 de Abril de 1815, quando esta teve de apreciar o requerimento enviado pelos lavradores do Ribatejo. Atingidos pelo grande moHmento de jornaleiros do ano anterior, pediam
naquele órgão. José Acúrsio das Neves defendeu que taxar as jornas numas terras e não noutras provocaria a fuga dos assalariados para estas e que os salários «têm a sua
taxa natural que Ihe põe a maior ou menor concorrência de braços relativamente à maior ou menor4quantidade de trabalho»(Memória sobre os meios de meZAorar..., Obras Completas, vo1. 4, pp. 92--93).
4sVariedades..., Obras CompZefas,3, p. 536.
ROSÉ TENGARRINHA
7Ó
o pão, o azeite e a palha, que eram dos que tinham mais amplo co:nercio no Reino. Tentava--se evitar os açambarcamentos de cereais?mas não se eliminavam entraves e discriminações particularmente perturbadoras em importantes' placas giratórias do comércio, como os portos .fluviais.de Abran113s, Tancosl Barquinha e Constância. Procurava--se garantir o abastecimento das populações nos géneros essenciais, mas, para evitar evasões fiscais, introduziam--se novas guias de compras e de trânsito que dificultavam
o comércio em
prejuízo das populações, sem.que as transgressões dos «zlt:ravessag?l:fs:,e os abusos dos rendeiros dos portos secosfossem sempre.punidos: Pretendia--se
proteger a Real Fábrica da .Covilhã estabelecendolistas de tórnecedores e
n dores
MOVIMENTOS PO?ULARESAGRARIOS EM POIWUGAL
77
A conjuntura vai exercer,assim, nosmeios rurais, uma pressãomais forte do que nunca sobre uma economia ainda dominada pelo regime senhorial, por
natureza fechado.Até aí, havíamos assistido ao lento diluir de alguns entraves institucionais à circulação infernal como as portagens. A partir daqui, a resistência surda dá lugar a frontalização dos obstáculos, que assume muitas vezeso carácter de contestaçãodo aparelho político-administrativo. Reconhece-se ser fundamental num processo destes o papel do Estado, a quem cabe estabelecer as regras principais do funcionamento da vida económica e social. Assim se viu, numa parte da Europa setecentista, ter sido o Estado o grande motor das reformas. As medidas de Pombal, porém, não sãoinovadoras, limitando--se a reforçar o sistema tradicional de regulamentação do mercado de cereais, estabelecendoum controlo mais rigoroso, para evitar evasõesfiscais que prejudicassem o tesouro público. Passou à margem do candente debate sobre o 'Ciustopreço»dos cereais, que a economia clássica defendeu dever ser apenas definido pelos mecanismos do mercado. Não apreendeu aimportância dosnovosproblemasque o alargamento, embora lento, do mercado interno
1.6. Um Estado não reformista
/
trazia
sobre os produtores,
sobre os comerciantes
e sobre os con-
sumidores. Sustentou a tradicional indissociação entre poder político e poder económico.
O rigor de tais limitações administrativas tinha ido perdendo paralelo em
Em Franca, a partir de 1763, cessam três dos principais mecanismos de contmlo sobre o comércio interno de cereais: interdição da saída do grão de.uma
eün gH
H:iRiiUUI
Grã.Bretanha é ainda anterior a libertação de tais entraves, o que faz que, desde os princípios do século xvni, antecipando"-se a todo o continente euro-
peu, se possadizer estar.já formado o seu.mercadointerno. .' ''' . '...J I'- O processoliberalizante desenvolve-setanto mais prematura eacentuadas mente quanto mais fode é a pressão das trocas no espaço nacional (Grã--Bretanha) bu em amplos espaçosregionais (França e Espanha), com tradução directanosmovimentosdepreços.ilm
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forço do existente -- como a caracteriza Borges de Macedo" As duas batalhas decisivas -- anta--senhorial e pela terra -- serão travadas fora do período pombalino. Mas a conflitualidade que neste se desenvolve, predominantemente contra a administração, ao pâr em causaisençõese privilégios de que alguns gozavam, como dissemos, assumejá, incipientemente, o conteúdo de contestação anta--senhorial, que terá a maior expressão no período seguinte.
2. OS MOVIMENTOS
'':
'" Em Portugal, a segunda metade do século xwii inicia--se com um patamar
baixo de preços, a que se segue um movimento de alta moderada de longa duração até 1788. Neste, é.possível distinguir duas fases?correspondendo o período que estamos a analisar a uma forte subida, que culmina na crise de 1768--177144.
O desenvolvimento do processo de produção gerava crescente ruptura com o poder político. Mas, considerando o grau de desenvolvimento das forças produtivas, compreende-se que não tenha atingido expressão muito elevada. A política pombalina, em geral, é menos de carácter «reformista» do que de re-
..'
A mais acentuada inflexão em 1763-1764 foi directamente resultante da guerra de 1762, que fez «diminuir as colheitas e as criações do gado, crescendo
o preço do pão»".
A conflitualidade que se desenvolve neste período no quadro rural é domi-
nada por questõesrelacionadasicoma administração pública, em sentido amplo: nos seusdiferentes níveis (central, comarcão,municipal) e vertentes (desde obstáculos institucionais vários e cargas fiscais à gestão de terras cuja
administração directa pertencia à Coroa ou esta reivindicava). Bastará dizer que, dos 30 movimentos rurais mais signi6lcativos detectados neste período,
23 dizem-lhes respeito.
ó4Vitorino Magalhães Godinho, Prix ef monnaies au Porttzga, it pp,,163--164 e 175.
45Jogo ManDeI de Campos e Mesquita, «Extracto da memoria sobre o destroço actual das creaçõesdo gado vaccum», ]l/emórias Económicas da Academia, t. 4, p. 418.
46A Sífüação Económica.
pp.47 e sega
MOVIMENTOS POPUIARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
/
79
2.1.Limitações e cargas sobre trocas internas As preocupaçõescom o aumento do rendimento Êlscalemface das«travessias»e açambarcamentoslevaram a administração central a impor medidas e vigilância mais severas sobre o comércio interior que geraram tensões e conflitos no mundo rural. Sendouma das principais receitas fiscais, as sisas mereceram particular atençãoda Coroa, estando o seu agravamento na origem de movimentos de protesto em diferentes lugares. Foi, assim, um dos mais expressivos o que, em meados do século, envolveu os povos de FoZques e Cepos (cone. Arganil),
que se opuseram ao aumento que
lhes cabia no cabeçãoda vila de Arganil e seu termo. Alegavam que nãb o podiam satisfazer, pois viviam, pobres, em terras do domínio do mosteiro de Santa Cruz, a quem pagavam rações e foros. A questão levantara--seja um século atrás e dera motivo à Provisão do Conselho da Fazenda de 13 de Agosto de 1654, determinando que aqueles povos não pagassem m ais do que a quarta parte dos 112 700 réis do valor anual do encabeçamento da vila de Arganil e
seutermo. Essamedida íoi aplicada apenasaté 1703 (tendo--seperdido os livros com os assentos dos boletos desses anos) e daí em diante não foi necessário usar--se da provisão porque o encabeçamento sempre fora coberto pelo produto das transacções dos bens de raiz, sem necessidade de se recorrer a derrama por «ferrolho». Em meados de Setecentos, porém, a situação era pior ainda do que um século atrás, não só porque se agravara a sisa e também a parte que cabia a Folques e Ceposno cabeçãode Arganil, com desrespeito pela provisão de 1654, mas também porque as terras produziam menos do que então. Os povos solicitavam, assim, a observância daquela provisão'7 A preocupação de disciplinar o comércio interno, em matéria tão delicada
Número de
ocorrências 7 5 4 3 2
l
0
50km
comoo trigo, levou o Governo a lançar, em 1750, um alvará contra os «atravessadores»,como os que o compravam no Alente.lo e o vendiam a casas e armazéns particulares para provocar carestias. A medida provocou um intenso movimento de protesto dos negociantesde trigo de Àbranfes, Turcos, BarqüinÃa e Co/zsfância (então Punhete). Não se consideravam eles abrangidos pelo referido alvará, pois alegavam que desde tempos muito antigos tinhamBOdireito de comprar trigobaos lavradores, conduzindo-o depois directamente nos seusbarcos para o Terreiro de Lisboa, onde era registado e vendido. Requereram ao Trono que, por provisão régua,se esclarecessedefinitivamente que oreferido alvará não oscompreendiaeque podiam livremente comprar e conduzir os trigos para o Terreiro, como sempre haviam feito. A questãoera tão melindrosa e feria interesses tão fortes que o Paçohesitou longamente.Após pareceresde diversas autoridades, a provisão réguade 1757, finalmente, autorizou aquelescomerciantesa comprar trigos no Alentejo, conduzi--lospara Abrantes em carretas edessavila em direitura pelo rio Te.lo até ao Terreiro de Lisboa48
47AUC, Mosteiro de Santa Cruz. M. 200. Fig. 4 -- Movimentos contra as instituições: 1751-1825.
'8 ANTT,
DP-Corte,
Estremadura...,
M.
2074,
n.g 82
JOSÊ TENGARRINHA
80
O movimento do povode Vazado Condee proximidades.dirigiu--se também contra dificuldades impostas ao comérciointerno com a introdução, em ülns de 1756, de novas guias de Alfândega, que passaram .aser exigidas às compras e trânsito de todos os produtos e não apenas, como até aí! aos que podiam sair
povo da üla e arredores comprar e vender cereais, linho, sal, pêxe e outros
MOVIME?WOS POPULARESAGRÃRIOS EM POIWUGAL
87
i
para aí serem vendidos ao povo, conduziam--nos em carros para fora da terra
para os venderem noutros centros, em especial no Porto, por mais altos preços.Assim,.o pouco cereal que chegava à população atingia tais preços que a ele não podiam chegar os pobres. Foi tirada devassa daqueles negociantes comotransgressores da lei, mas as autoridades não pareciam muito empenhadas em domina--los: a Relação do Porto ilibou--os de qualquer culpa e o ouvidor da comarca atrasava injustiÊlcadamente o envio da informação para o Paço, perante o desespero crescente do povos3
Mostram estes conflitos, claramente, as grandes dificuldades do Estado, nesseterceiro quartel do século xvm, em conseguir conjugar três forças que se
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apresentavam comfrequência dificilmente conciliáveis: a do próprio Estado, preocupadoem disciplinar o comérciointerno, por forma adiminuir o número nosque conseguiam flirtar--se às obrigações fiscais; os fortes interesses localmente estabelecidos, que contrariavam as medidas do Governo e actuavam comtão gananciosa dureza que provocavam estrangulamentos no movimento comercial; e o alargamento crescente das trocas internas, que pressionava no
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sentido de superar obstáculos que se levantavam à circulação de mercadorias.
Estes opuseram-se e levantou-se tão grande alteração pop:lar que as autoridades conslaeraram ter havido grave desrespeito, decidindo proceder a de5Q va.DDa.q#ai-i
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Em 1766, os povos de Serra d'EI Rei e outros lugares dos.conceZAos de Pedi-
do peixe e gados que compravam naquelas vilas, passando ainda a ser obrigados a ter licenças para venda de azeite, carne e vinho. U movimento pros-
seguiu atéano, 1769':. : Neste moramos carreirosdePaZÀaça,
.N . ríz, Büsfos e outros . . lugares . ..
do concelho de Oliveira do Bairro que desenvolveram uma movimentação de
protesto contra cobranças arbitrárias, que se tinham agravado nos ÜMmos
U31ãlllÊÊ!
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2.2.Agravamentos em terras de administração directa da Coroa A maior pressãoda coroa para aumento das suas rendas fez--sesentir, também, nas terras cuja administração directa Ihe pertencia. Daqui se levantaram conflitos com algum significado. Nas Zezíríasdo Ribafego desenvolveu--se, em 1764, um movimento de protesto doslavradores contra osencargosque lhes eram impostos a pretexto de obrasnas lezírias que efectivamentenão se faziam. No entanto, a falta de abertura de valas e tapumes estava a causar--lhesgrandes prduízos?A situaçãoresultava de má administração do rendimento agrícoladas lezírias, que até aí fora assegurada por almoxarifess4 A partir do mesmo ano, os agricultores de Cada(conc. Arganil) e de outras tem'assequestradas ao bispo de Coimbrã, conde de Arganil, e que haviam regressado à administração directa da Coroa, resistiram
ao maior rigor com que
lenha trazendo-os de retorno carregadosde estrume(anime! e vegetal), in-
era feita a cobrançadosdireitos pelos contratadores. Estes tinham--nos arrematado para os anos de 1764r1765 e 1766, mas foi tão generalizada e firme aobstrução que em 1771estava ainda por cobrar a maior parte daquelas ren-
dispensável
das. No ano anterior haviam começado penhoras e execuções judiciais sobre
mercancia pois costumavam ir à vila de llhavo com os carros carregados de para as terras, que sem isso pouco produziriam".
n .o
-
Ainda no mesmo ano, ocorreu em Orar o mais significativo dos muit08 protestos e queixas que irrompiam de várias partes do Reino contra as acções
os bens dos devedores. A situação tem a ver, por um lado, com o aumento da base de licitação estabelecida pela Coroa, que obrigava a maiores exigências dosrendeiros; e, por outro, com um fenómeno bem conhecido no mundo rural:
quando se registava transferência de senhorio directo, tentavam muitas vezesos agricultores que Ihe estavam submetidos aligeirar as cargas ou mesmo libertar--se 49 ANTT,
DP--Minha,
M. 12, n.e 77.
50ANTT, CF, Consultas,L. 2, f. 81v.
bi ANTT, DP- Corte, Estremadura..., M 997, H.g 33. bzANTT, DP--Beira, M. 63, n.' 5378.
delasõs
s3ANTT, DP--Beira, M. 61, n.' 5265
54Alv. 20--7--1765.
55ANTT, CF, Consultas, L. 4, f. 27v Foram da llistória 18 -- 6
82
JOSE TENGARRINHA
MOVIMENTOS POPULARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
/
Foram também mais pesadasexigênciasdo contratador das rendas do almoxarifado de Alcoelha, no conceZAo de VazaFranca delira, que estiveram na origem da resistência dos lavradores, em 1770. Pretendia ele que, para
ram as autoridades que não podiam «osjuízes conservadoresdelegados do
aumentar o rendimento
«pgr temerem a bárbara confiança dos povos exaltados», apoiados pelos dois religiosos «cabeçasdesta inquieta e ousada multidão». Mas estes não só se recusaram a obedecer às autoridades, não lhes dando os nomes dos embuçados,
das terras, estas deixassem de ser afilhadas
e fossem
todas cultivadas simultaneamente.Alegavamos agricultores que essas terras se costum avam afolhar não só devido à sua qualidade (pois eram salgadiças) mas também porque era necessário deixar algumas partes para pastos dos gados de que precisavam para os trabalhos agrícolassõ.
Papa exercitar algumajurisdição giosos que lideravam
neste Reino», m as a nada atenderam os reli-
o povo. Então as autoridades
acolheram--se a Santarém
comopublicamente lhes lançaram excomunhões,expondoos seus nomes pelas ruas de Santarém e numa proclamação aÊlxadano pelourinho. A efervescência popular era tal que os funcionários temiam até aparecer nos seus locais de trabalho. Em exposição ao Desembargo do Paço, em 10 de Fevereiro
2.3. Repercussões do conflito com a Santa Sé E também o esforço para aumentar a cobrança de rendas fundiárias que leva a Coroa a disputar à lgrQja ajurisdição de algumas terras. E un) aspecto da situação conflitual entre o Estado e a lgrda que gera então, como se disse, diversas [inhas de tensão no quadro rura]. Tanto mais que, ao resistir a limi-
de 1761 , o corregedor da comarca de Santarém, Luís de Meio e Sá, sugeria que
fossem castigados os dois párocos -,p. 40.
]08
ROSÉ TENGARRINHA
D. Manuel e não reformados) dos quais 248 na Beira, 1 12 na Estremadura, 88 no Alentejo, 85 no Minho, 76 em Trás--os--Montes e 8 no Algarve, sem contar com os dos muitos reguengos, lugares pequenos e casais4. Apareciam, então, como demasiado velhos, desajustados das realidades.
Segundoverificámos, não eram generalizadamentecumpridos com rigor, tendo sido esquecidas muitas das suas imposições.Embora não sendo possível saber, no estado actual dos estudos entre nós, qual o real papel que os forais
então desempenhavamna recolha da renda fundiária, é visível que foram perdendo eficácia como instrumentos de dominação senhorial. O processo acentuara--se ao longo do século xvn, tornando-se mais saliente no seguinte. Nuns casos, as imposições consignadas haviam sido substituídas
por práticas estabelecidas com o acordo expresso ou tácito das partes, signi-
ficando recuos dos direitos senhoriais. Noutros casos,veriâcava--seque direitos senhoriais, imemorialmente reconhecidose respeitados,estavam consignados nos forais apenas parcialmente ou mesmo não estavam de todo. Quem ditava a lei, aqui, era o «costume». Assim, os forais eram contestados, na primeira situação, quando os senhorios ou contratadores das suas rendas passaram a impor o seu cumprimento integral, ao passo que, na segunda, serviam de base legal de defesa contra os
abusos daqueles. A primeira situação era, porém, a que aparecia com maior frequência. De resto, cumprir com todo o rigor o conjunto das obrigações do foral admi-
tia-se então, em geral, não ser possível. Quehavia, pois, entretanto, mudado? Por um lado, muitas terras (em especial as de agricultores de menos recursos) mostravam--seesgotadasou com diminuição de qualidade, não só pela erosão de factores naturais como pela utilização de técnicas e instrumentos rudimentares e, sobretudo, pela insuficiente «nutrição»ao longo de séculos. Assim, algumas prestaçõesülxas estabelecidas em tempos recuados eram agora consideradas excessivas,bem comoinsuficiente a parte que nas prestações incertas cabia aosagricultores, sendovárias vezesreferidas situações,nomeadamente, na Beira Alta e em certas zonas de Trás-os-Montess Por outro lado, veriülcava--se que algumas imposições foramlJperdendo razão de ser, no correr dos tempos, com as modiÊcações registadas na vida das
MOVIMENTOS POPULARESAGRÁRIOS EM POIWUGÀL
l
E, ainda, a circunstância, mais grave, de outros encargosterem vindo juntar-se aostradicionais dosforais, tornando o conjunto diHlcilmentesuporLave V
Assim, quando, sobretudo no século xvm, os senhorios passaram a exigir com maior rigor o cumprimento dos forais, criava--se uma situação em muitos aspectos insustentável
para as populações rurais.
Foi então que se viu, com frequência, estas quererem certificar-se da legitimidade das novas exigências senhoriais, pressionando os procuradores da Coroa ou requerendodirectamente ao Trono que lhes fosse passadacertidão dos forais. Não raro, porém, os senhorios faziam obstrução, alegando não possuírem cópia nem o original ser encontrado na Torre do Tombos No caso.das instituições religiosas, as diHlculdades eram maiores, pois os diplomas (forais, tombos, escrituras, contratos) seencontravam em geral nos seus cartulários, nos Livros de Notas dos tabeliães privativos das corporações
e comunidades, estando no Real Arquivo apenas os que se haviam reformado
no tempo de D. Manuel. As situaçõeseram ainda mais difíceis quando se tratava de forais que senhores de terras e donatários da Coroa haviam concedido, ao abrigo do direito que tinham, além do monarca. Tais forais não parecem ter sofrido, no passado,grande contestação até que, então, alguns senhorios, nomeadamente religiosos, passaram a exigir o seu cumprimento integral. Dos conflitos surgidos ressalta a tendência dos órgãosjudiciais superiores para limitarem aquela antiga prerrogativa senhorial7 De vários lados, também chegavam queixas sobre a falta de clareza dos fo-
rais, o que parecia con6lrmar algumas críticas feitas ao trabalho de Fernão de
Pena,nomeadamente por Damião de Góis, que, porventura com algum ciumento exagero, chegara a afirmar que «se não pode deles dar despacho às par-
tes se não com muito trabalho>8
6Os exemplos mais numerosos chegam--nos do distrito de Coimbrã. Veja--se, entre outros: ANTT, DP--Beira, M. 219, n.' 14437; M,É320, n.' 24 783; M. 330, n.Q25 449. Poucosanos antes, perante o avolumar dos casos,chegou a ser exarado um alvará para que o Real Arquivo facilitasse a prestação de informações e certidões que Ihe fossem
reclamadas (Alvará régio 14--8--1766,ANTT, Leis, M. 6, n.g 66). 7 O conflito mais espectacular de que tivemos notícia envolveu o mosteiro do
comunidades rurais e nas relações destas com os senhorios.
4,ArcÀiuo l?aFaZ, Vol.lll, P 119
Lorvão, que se firmava na carta de foral concedida pela abadessa D. Urraca Raimundo àvila de Botão (conc. Coimbrã). Ao longo de um demorado processo,que só terminaria em 1795, começou o Tribunal da Relação do Pomo por reconhecer a legitimidade do
;Veja--se, por exemplo, entre outros, o testemunho de Manuel de Almeida e cousa, de Lobão: «Nessesantigos tempos, as terras eram muito mais férteis do que hoje; com
foral, mas o Tribunal da duplicação considerou-o sem valor, decidindo que só pela
menos despesasefazia uma maior colheita. As chuvas têm encarnadoas terras decli-
cultores deviam pagar às religiosas (ANTT, DP--Beira, M. 352, n.926758).
ves, precisando--se de socalcose mais abundância de estrumes para se engrossarem. pouco a sua natural nata, que lhes ocasionava a maior fertilidade, com menos despesa de estrumes e cu]turas. [...] Os foros, pois, e quotas de frutos oujugadas, que em outros
8Cf. CAroníca cZoáeZícissimoreí Z). JI/anüeZde gZoríosa memoria, 4.e ed., Coimbrã, Oüic.Universidade, 1790, Caps. 25 e 37. Um dos casos mais notáveis foi o do foral de Coimbrã, que, por estar em zona de agricultura desenvolvida e comércio intenso, era mais cruamente posto à prova; tantos eram os seus aspectos omissos, confusos e con-
tempos teriam justa proporção ao trabalho
traditórios que íez correr uma «infinidade de pleitos» no Almoxarifado, na Câmara e
As terras assentadas e lavaçadas(deixem-me assim explicar) têm perdido pouco a
do lavrador
e ao seu lucro, hde são exces-
sivos, conforme o estado presente.},, Disczzrso sobre a Reforma dos /'orais,
$ 10, p. 9.
doação do conde D. Henrique e pelo foral de D. Manuel se devia regular o que os agri-
mesmo na Provedoria (ANTT, DP--Beira, M. 109, n.g 8686):
MOVIMEigTOS POPULARESAGRÀRIOS EM PORTUGAL
ROSÉ TKNdAKKiNnA
Passou a admitir--se, por isso, desde os í] ns do século xvm, que, além da me-
A falta de eficácia que os forais iam mostrando como base de aârmação dos direitos dos senhorios obrigava estes a reforçarem os títulos ou instrumentos
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l!.''''.' ".
Assistiu-se a tentativas para introduzir alterações nos próprios forais. E elas atingiram tal dimensão e provocaram tão vivos protestos que teve de ser pr(mlulgado o Alvará de 14 de'Junho de 1784, determinando que essas alterações só seriam válidas quando fossem averbadas nos forais e tivessem autorização régua. Foi este, pois, um meio de alcance limitado. = . . umas seriam os tombos a desempenhar, como títulos de dominação senhorial, papel muito importante neste processo,por isso se colocandono centro de intensa polémica no ülnal do Antigo Regime.
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tintos como castanhas, melões e melancias, de legumes como feijões, favas, ervilhas, alhos, cebolas, abóboras); e, quanto à cobrança das prestaçõesÊlx&sou foros sabidos, a desactualização destes por terem sido entretanto cultivadas novas terras ou ter aumentado a sua produtividade:'
1.1.2. Tombos
jurídicosdequedispunham. M
l
O problema central, antes de tudo, era definir o âmbito de intervenção do
dição e demarcação dos terrenos, os tombos pudessem determinar a natureza dos bens (nomeação em vidas ou outra) e designar os direitos que inquilinos ou senhorios úteis pagavam e as obrigações a que estavam sujeitos. Lobão, Alberto Carlos de Menezes, o próprio Manuel Fernandes Tomas, Bem ardo José de Carvalho estão entre os defensores desta acepção. Fazem--no, porém, ressalvando que deverá tratar--se apenas de uma confirmação dos direitos e não de uma sua alteração::
O reconhecimento jurídico desta maior latitude do tombolimitava-se, porém, a conülrmar, tentando disciplinar, uma prática que havia muito os senhorios desenvolviam, com abusos.
Já dos séculosxvi e xwi nos vêm ecosde fortes protestos que se levantavam nos campos quando ostombos modificavam , a favor dos senhorios , as obrigações
De início, considerara--se -- como define Morais -- ser um mero «inventá-
rio dosbens de raiz comtodas as demarcações».Actualizar os limites das propriedades e exploraçõese con6lrmar os títulos de possereconhecia:se ser indispensável, com efeito, em face das modificaçõesque .seiam produzindo ao longo dos tempos, nomeadamente resultantes das divisões dos casais. Mas, mesmo nesta estrita acepção, assinalavam--se frequentes abusos.
Vemos, por exemplo, senhorios aproveitarem--se dos tombos para ganhar
terras, situando as demarcaçõesmais à â'ente. Um dosque tiveram maior fama, por isso, foi o marquês de Marialva que, como donatário de Armada, ülcou
conhecidopelo epíteto, que perdurou durante várias gerações,de «o avança marcos>>.
Mas foi no Minha, região de «terras apertadas», que vimos surgir maior número de irregularidades desta natureza. Cita--se que, por malícia dos procuradores de vários conventos e comendas e incúria ou conivência dos juízes dos seustombos, eram neles incorporadas propriedades inteiras pertencentes a reguengos. Referia-se, entre outras, as anexaçõesassim feitas pelas comendas de Veade e os mosteiros de Pombeiro, Arnoso e demais senhorioso E ste limitado âmbito mostrava-se insuficiente,
porém , em face de situações
novas que foram surgindo e da ambição crescente dos senhorios. Destaque--se, por exemplo, quanto à cobrança das prestações parciárias ou rações, as produções não mencionadas no foral quer porque quan(to este iol aaao alnaa não se cultivavam ali(casos de culturas que tinham vindo a expandir--se no
séculoxvm comoo milho grossoe zaburro, batata, azeitona) quer por não ser costume incluí-las no pagamento (casosdo «vinho das latadas», também chamado então .-vinho das árvores» ou das «vinhas altas» ou «dependuradas», de
10As controvérsias sobre estas questões fornecem--nos, por vezesl informações preciosas sobre as culturas existentes tradicionalmente ou de como se propagam em certas regiões: Por exemplo, no processo movido pelo mosteiro de Santa Cruz contra
osagricultores de Folques(conc.Arganil) testemunhas disseram, em 1718--1722,que naqueles lugares principiara, havia menos de cem anos, a cultura do milho grosso e
zaburro. Havia mais de trinta anos, tinham visto semear ali milho grosso e feijão em terras capazes de produzir trigos e centeios, o mesmo acontecendo em Vila Pouca da
Beira, a 2,5 léguas de Folques, desdecerca de sessentaanos atrás. Em Oliveira do Hospital (distante de Folques 3 ou 4 léguas), o milho grosso começara a ser semeado havia cerca de oitenta anos. Primeiro, o milho fora semeado em quintais e em pouca quantidade e os grãos que assim se foram produzindo é que se semearam por terras mais amplas. De início, não se sachava e destinava--se, em verde, apenas à alimen-
tação do gado vacum. Testemunhos acrescentaram que o maior rendimento que os agricultores tinham era de milho, legumes e vinhos das latadas e que destes não queriam fazer partilhas com os senhorios, alegando não ser costume nem esses produtos
estarem referidos nos forais e não poder o milho ser incluído na designaçãogeral de «pão»,como queriam os religiosos, porque, pelo menos a princípio,;não se destinava à alimentação humana. Astuciosamente, os camponeses chegavam a distribuir pelas
terras as culturas conforme as que eram mencionadasnos forais(AUC, Mosteiro de Santa Cruz, M. 200). ii Manuel Fernandes Tomas, Observações sobre o discurso que escreveu ManueZ de
AZlnzeida eSonsaemandordos direífos dominicais da coroa,donafarlos epa#ícuZares, Coimbrã, 1814, Parte 11,$ 123; Manuel de Almeida e cousa de Lobão, Trafadopracfíco
e crítico de lodo o díreifo e/7zp/zyfeufico, Lisboa, 1814,T. 2, $$ 1209--1213,e Z)íscürso jz&rídico,hisforíco e critico sobre os direitos donzinícaes, Lisboa, 1819, $$ 166 e seis. e 185; Alberto Carlos de Menezes, Pratica dos Tombos, Lisboa, 1819, T. 2, p. 3, diz expressamente que tombo é «ocatálogo, descrição ou relação de fazendas, propriedades,
direitos, património, morgados, comendase almoxarifados, designando o local, con9Relato enviado em 17 de Agosto de 1779 ao Desembarco do Paço pelo corregedor de Pena6iel,servindo deprovedor deGuimarães, Caetano .daRochae Meio, confirmando a infomação dojuiz de fora de Guimarães e tambémjuiz do tombo dos reguengos de
Basto e Montelongo, no distrito de Braga(ANTT, DP-Minho, M. 156, n.' 156).
n
frontações, limites, extremas e marcos com a sua medição, documentando os títulos da sua aquisição originária ou secundariamente com provas do domínio e posselegal por
instrumentos reconhecidosem pública forma»; Bernarda José de Carvalho,:Tracfado fAeorico e pracfíco sobre os lombos, Coimbrã, 1827,: p. 4.
JOSÊ TENGARRINHA
//2
dos agricultores, quer consagrandoe generalizando as cedênciasde alguns destes quer inscrevendo encargos que não estavam con9rmes com os do-
MOVIMENTOS POPULARESAGRÂRiOS EM POIWUGAL
1]3
í
Mas é na segunda metade de Setecentos, e particularmente
no último trin-
ténio, que ocorrem os mais frequentes e graves incidentes, devidos não sé:ao lançamento de novos tombos como à aplicação de outros elaborados antes, (lue os senhorios não haviam tido até aí coragem de impor. E são ainda as instituições religiosas e também seus enHiteutasque vemos envolvidos com menor T'PIPXr0'"
Contratos enHitêuticos secularmente estabelecidos eram, assim, ultrapassados com exigências que os tombos reconheciam, na base dos quais se elabotários, que os encolhem a seu bel-prazer»:; itos ocorridos por este. motivo, desde tempos recuados, com alguns senhorios eclesiásticos".
Na primeira metade do séculoxvm, são«reforçadas" algumas das disposições abusivas dostombos anteriores ou até lançados alguns novos, o que provocouprotestost'.
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ravam depois novos contratos. Desta maneira, legitimavam--se novas obrigações e velhos direitos caídos em desuso, desenterrados por hábeisjuristas, exigiam--se encargos atrasados que já se haviam esquecido, retomavam--se direitos sobre maninhos quer acabando com o seu uso comum e adorando--os a outros quer passando a exigir foros aos seus utilizadores. Casossemelhantes se passamem vários países da Europa. Conta Mabillon que em França encontrou apenas dois livros autênticos de documentos de comunidades,um do séculoxv, outro do xvl:7 Em Portugal, João Pedra Ribeiro denunciou não terem autenticidade alguns livros de documentos com que senhorios pretendiam fundamentar exigências abusivas:' ICont.da notada p. ant.)
quando os direitos e pensõesestabelecidospelo foral manuelino de 1514 foram altenuelino de 27 de Setembro de 1514(tt. 25), dando uma forma nova aos tombos e tombamentos, que permitiu introduzir tais abusos=Veja-se,para os tombos dos concelhos, 08 alvarás
de 5-2--1578,
15--7--1744
e 23--7--1766.
ihr
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i4 Tomemos três casos significativos. O tombo de 1634, não conforme com as
rados pelo donatário, cabido da Sé de Coimbrã, a seu favor, através do tombo a que procedeu em 1725: transformara em enHitêuticas todas as terras que pelo foral eram censuárias; dividira os antigos casais e atribuía a cada um tais encargos que, no con-
junto, resultava em maior proveito para o senhorio e maior pesopara os agricultores; exigira a uns casais capões, a outros galinhas e ovos que o foral não determinava; impusera ração a todas as produções da terra e animais(incluindo
abóboras, cebolas, lã,
leite, mel, queijos), além dos foros sabidose rações de pão, vinho e linho indicados no foral, e do azeite, legumes e outras produções, não para donatário, como os primeiros, mas como dízimos; impusera ainda laudémio, que não havia no foral); de oitavo e de sexto; obrigara a que a partilha das pensões do pão, vinho e linho, que podia ser feita perante duas testemunhas segundo o foral, tivesse a presença obrigatória dos mordomos ou rendeiros do senhorio; modiâicara também o foral no prazo de pagamento e na forma de arrecadação das pensões(segundo o foral, devia esta ser feita pelos mordomos ou rendeiros do donatário e, segundo o tombo, pelos lavradores constituídos em cabeças de cada meio casal, os quais levavam depois os produtos aos celeiros e adegas
do donatário); contrariara também as Ordenações(L, 4, M. 62), impondo aoslavradores poderem ser penhorados e?executadospelas pensões sem serem citados nem auüüos tv. M]anifesto das Contendctsdo Cabido da Sé de Coimbrã com o Prior e ]Aoradores do Cou/o de VZZZa .Napa de Ã4onsarros, Lisboa, 1815, pp. 55 e sega.).Veja--se, tam-
bém, o casoreferido por JoséCapela óob.cíf.,)da resistência activa dos moradores de S;'Fins (termo da vila de Chaves), em 1735. lõRefiram--se, por exemplo, os casosde enHiteutas dos mosteiros do Lorvão (ANTT, DP-Beira, M. 88, n.' 7408) e de Santa Cruz(AUC, Mosteiro de Santa Cruz, L. 151). Mas lembre--se, também, o agravamento dos foros que se verifica nos domínios da casa de Bragança, no nordeste ta'ansmontanó, no último quartel do século xvni, com base no novo tombo dos seus bens [AHU, Reino, M. 158 (2147)]. i7 Cf. Z)eRe Z)ipZomafica, Paria, 1709, L.. 1, cap. 2, $ 9 e L. 3, cap. 5, $$ 2 e 6. io Cita, como exemplos, tombos de documentos como o «Censual» da sé do Porto, o Forum da História 18 -- 8
JOSÊ TENGARR{NHA
Descobrira--se,mesmo, que tais tombos eram, por vezes, engendrados pelos religiosos dentro dos mosteiros e depois tornados públicos como autênS tjcosio Daí se com preende a resistência que esses religiosos levantavam a mostrar os documentos em que diziam basear as suas exigências, umas vezes alegando
que o tombo se desencaminhara, outras vezes contando com o apoio dasjusti-
ças locais que atrasavam os processosou mesmo negavam as certidões solicitadaszo.
De resto, a base legal incerta e confusa em que os tombos se baseavam era causa de constantes equívocos e controvérsias. Queixava--se Manuel Fernandes
Tomas da falta de um regimento, norma e regulamento actualizados para o tombo que marcasse os passos que devia dar o processo':. Algunsjuízes do tombo queixam--se,também, da falta de regras certas por que se orientassem*' Não surpreenderá, ainda, que tivesse sido em zonas de forais raçoeiro! que
MOVIMENTOS POPUIARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
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b) Tal papel resulta e evidencia as insuficiências e debilidades dos
forais comoinstrumentos de dominação senhorial, visando superar as suas carências e desactualizações. Compreende--se, assim, que a animosidade dos rurais se desvie com frequência dos forais para os tombos e até aqueles lhes sirvam, muitas vezes, para se defenderem destes. No plano dos instrumentosjurídicos senhoriais, um dos confrontos mais significativos a que então se assiste é, pois, entre forais e tombos. c) A utilização
generalizada
dos tombos como código actualizado
de di-
reitos senhoriais mostra que a orientação predominante dossenhorios nessasegundametade do séculoxvlu era no sentido de reforçar a exacção da renda tradicional
e não -- como em outros países euro-
peus aconteceu -- alterar a natureza da renda, pelo menos numa
parte das suas terras.
se declararam mais â'equentes contendas em torno dos tombos (Centro Lito-
ral, sobretudo),se atentarmosque os tombosde tais forais eram particularmente enganadores. Com efeito, sendomuitas vezes as rações transformadas em avenças certas para maior comodidade de recebimento pelos contratadores, mas não estando essas avenças consignadas nos forais, os tombos ou reconheciam estes com as suas rações (e iam contra os usos) ou reconheciam os usos (e iam contra o foral).
Vê-se, assim, como o tombo funcionava, na prática,'para além do foral ou do original contrato de emprazamento,comoum novoinstrumento jurídico para poder 6lxar, agravando, as obrigações dos encargos senhoriais.
Analisando, por üm, o conteúdosociale institucional da intensa controvérsia que então se desenvolveu em torno dos tombos -- facto que entre nós também tem sido até agora ignorado --, levantam--se-nos três principais ordens de observações:
a) Deverá salientar--se, antes de tudo, o papel fundamental que os tom bos desempenham no processo de tentativa de agravamento dos en cargos senhoriais no final do Antigo Regime em Portugal. ICont. da nota da p. ant.l
«Livro Preto» da sé de Coimbrã, o «Livro dos Testamentos»do mosteiro de Lorvão, o «Livro da Mumadona» da colegiada de Guimarães, e outros. Diz ainda que em todos
os cartórios de mosteiros e colegiadas que visitou na provínciagdo Minha só encontrou autêntico o tombo de documentos das propriedades do mosteiro beneditino de
Paço de Sousa (Obsert;ações;zisforícas e criticas para s(lruireq de Ã/emorias ao sysfema da Z)ipZomaficaportuguesa, Lisboa, Tipllda Academia Real das Ciências, 1798,PP.15-16). i9 Ã4aníáesfodas conferidas..., p. 45. zoO trâmite destas questões, aliás, não era simples. Os pedidos de certidão de tais documentos eram feitos ao juiz local, e, se este concordava, enviava para a sede da comarca de onde, muitas vezes, a solicitação seguia para o Desembargo do Paço. ziOb cif.
22Ver, p. ex.,ANTT, DP--Beira,M. 109,n.' 8686.
1.1.3. Confrafos en/Efêüfícos
Viu--se como os novos tombos serviram de base, também, para o agravamento dos encargos enfitêuticos relativamente aos contratos originais.
Em princípio, a enâiteuseéum contrato privado pelo qual oproprietário de um bem patrimonial concedea exploração,distinto, pois, do acto de direito público que o foral constitui. A diferente natureza destes actos foi bem reconhecida pelosjuristas e os homens públicos da época, comojustamente refere Albeü Silbertz3
Averdade, porém, é que a indistinção entre «público» e «privado», que constitui uma marcante característica do regime senhorial, encontra neste plano uma das mais significativas expressões. O que se verifica, de facto, é a interpenetração do direito enfitêutico com o senhorial, originando aquele «todo monstruoso» que por vezes refere Jogo Pedro Ribeiro. Desta maneira se abria larga margem de imprecisão e arbitrariedade. Frequentemente se vê, com efeito, tais contratos particulares ignorarem ou contrariarem normas gerais, até as consignadasnas Ordenações,e também as do complexíssimo direito enfitêutico, e qu antas vezes terem apoiojurídico apenasnos tombos, tão amiúde irregulares, como se viu. Esta margem de imprecisãoera ainda aumentada pelo facto de vários títulos de prazos terem sido destruídos nos incêndios deflagrados aquando do terramoto de 1755z4 A ampliação unilateral dos textos de contratos originais, em especial a partir de meados do séculoxvm, erajustiHlcada, em geral, pela necessidade de actualizar os encargos. A situação era sentida com maior acuidade pelos senhorios directos quando tais encargos tinham sido aligeirados em tempos, por setratar de terras cultivadas de novo, e assim se mantiveram ao longo dos
23Z;e PorfugaZ il/édíferranéen, pp. 146--147. 24Ver, por exemplo, Alvará 23 7--1757. Acontecia, de resto, independentemente
de
ocorrências excepcionais, os senhorios fazerem,junto dos en6lteutas, de tempos a tempos, confirmações dos seus direitos, a que chamavam «reconhecimentos».
JOSÊ TENGARRINHA
anos, instalando--se no uso. A resistência à mudança era particularmente
MOVIMENTOS POPULARES AGRÁRIOS EM PORTUGAL
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As controvérsias levantavam--se, em geral, quando uma donataria cessava
forte quando as tentativas de «actualização» superavam os limites que forais impunham em povoações próximas"
ou, de qualquer modo, havia mudança de senhorio directo: a circunstância
baseados em simples escrituras elaboradas unilateralmente e que não eram conhecidas dos lavradores. Na base desses documentos faziam--se depois vá-
aincerteza das basesjurídicas em que assentava a cobrança da renda' senhorial; o exemplo mais relevante foram os numerosos conflitos que se desenvol-
Acontecia, até, os isenhoriosfazerem novas imposições,além do foral,
rios emprazamentos,cujas escrituras osagricultores, ignorantes, assinavam, ficando assim obrigados a encargos mais pesadosz6
Essas irregularidades eram facilitadas pela circunstância de tais textos seremtambém de muito difícil leitura pelosagricultores, por não existirem na Torre do Tombo, encontrando--senos cartulários,'onde não era, em geral, permitida a sua consulta. Abria--se, assim, neste domínio, essa «ilimitada liberdade» para os abusos dos senhorios directos de que falava o parecer da Comissão de Reforma dos Forais de 1812. Quando se mergulha nesta realidade rural do final do Antigo Regime, temos a dimensão, maior ainda do que a transmitida pelas obras dosjuristas, da extrema complexidade,do «confusíssimoquadro legal» existente. Entrecruzam--se aspectos de direitos reais e particulares com doaçõesrégias, aquisições longínquas, seculares posses, forais concedidospelo monarca, afogamentos dé donatários (uns autorizados, outros arbitrariamente estabelecidos) e ainda com outros títulos, numa imensa variedade de situações e ca-
sosdiferentes, em que o uso secular, diferente de região para região, ditava
tantas vezes a lei.
Além de que não eram raros os casosde terras realengas encravadas nos termos das povoações", discutia--se sobre se outras estariam livres de direitos pelo silêncio do foral, não se sabia muitas vezes a que jurisdição estavam as terras sujeitas. Ainda se polemicava, mesmo, sobre se compras de terras aos mouros eram legítimas".
agricultores.paratentar alterar osencargos,vindo nessaaltura à superfície veram nos domínios da casade Aveiro quando esta foi extinta e incorporada na Coroa (não só sobre as terras já agricultadas como sobre os diversos maninhos que então foram adorados). Era, assim, terreno favorável aos conflitos de jurisdições, aos abusosdos senhorios, às arteirices dos agricultores, à argumentação falaciosa,ao arbítrio. Perante uma abundante legislação extravagante, nem sempre coerente, muitas vezes pouco clara, acumulavam--se as hesitações e contradições das diversasinstânciasjudiciais, que, não raro, colidiam mesmo na interpretação da ei Quanto aosforais, concluíra a referida Comissão de Reforma dos Forais de 1812que não vinham deles osprincipais gravames para os agricultores, mas sobretudo dos contratos en6ltêuticos30 Ora o que nos interessa saber, na perspectiva da movimentação camponesa,
é não tanto a carga real para o agricultor, resultante das imposiçõesdo foral, como, sobretudo, em que medida, na sua mente, este se identificava com a opressão senhorial.
Assinalámos regiões onde a presença dos forais era quase nula, outras em que foram os próprios povosa bater--sepor eles contra os excessossenhoriais ou para não serem sujeitos ao contrato de emprazamento. Mesmo admitindo, porém, que os encargos dos forais, como enfio eram obsert;aços,não constituiriam, em si, o peso mais grave, teremos de reconhecer que as maiores diülculdades advinham da variedade de encargos que continham, diferentes de uns para outros lugares, compesosvariáveis, numa diversidade de situações inextricáveis,
25Veja--se, por exemplo, o ocorrido em terras do mosteiro de Santa Mana de Cçiça!
era
aproveitada tanto pelos novos senhorios (e seus contratadores) como pelos
do facto de servirem de base a outros
diplomas, com frequência mais opressivos, e a toda a espécie de abusos de se-
nos concelhos da Figueii'a da Foz e doure, nas décadas de 70 e 80. Ao passo que o foral
nhorios e contratadores. Comoõ'equentemente se dizia, não era tanto o mal
determinava que as raçõesnão deviam excedero oitavo de vinho, linho, trigo e milho, os religiosos impuseram (dizendo basear--seno contrato: mas na verdade exceden-
do peso do foral em si como o das «vexações e cavilações» na arrecadação dos
do-o) rações ora de quarto, ora de quinto e ora de sexto, cobrando o oitavo de legumes (comofeijão, fava e ervilha) e também azeitona, que nunca tinham pago, eimpondo um pesadodireito delagaragem, quando os agricultores das freguesias elugares próximos, sujeitos a foral,' não tinham impedimento de fazer lagares de vinho e azeite(entre numerosa documentação, ver, por exemplo, ANTT, DP--Beira, M. 219, n.' 14491e M. 342, n.e 25849 e MR, M. 453).
26AUC, Colégio de S: Bernardoi LL. 40 e 57.
27Os agricultores invocavam por vezesa condiçãode reguengueiros para tentar aligeirar as cargas que pendiam sobre eles, para usufruir dos privilégios inerentes, para tentar escapar a novas exigências senhoriais. Veja--se,po! exemplo, entre muitos outros, os casos significativos do Lamegal (cone.Pinhel, ANTT, CF, Consultas, L. 18, f. 110 e f. 241) e Alcouce e vizinhanças (cone. Condeixa--a--Nova, ANTT, DP--Beira, M. 389--390, sem números). De resto, dentro do mesmo reguengo encontravam--se, por
vezes, bens livres e alodiais, bens censuários e outros enfitêuticos, conforme as diferentes concessõesfeitas pelos monarcas, gerando situações de enorme complexidade
(ver, por exemplo,ANTT, CF, Consultas,L. 23,f. 198).
28Em terras do mosteiro do Lorvão, no distrito de Coimbrã, defendiam os povos
estar sujeitos ao foral manuelino, pois reconhecer a compra que as religiosas diziam
direitos nele estabelecidos,«à sombra da ignorância dos povos»3: ICont. da nota da p. ant.)
ter os seus antecessores feito aos mouros seria admitir a legitimidade da usurpação
destes.Desenvolve-se,a este respeito, um interessante debate jurídico (AN'ÍT, DP--Beira, M. 352, n.g 26758).
Ninguém pode aspirar não só a saber as leis mas nem, ao menos, a conseguir uma completa colecção», queixava--se Coelho da Rocha (Ensaio sobre a Aisfóría do gouerrzo e da JegisZação de PorfugaJ, Coimbrã,
1841, $ 257, p. 200).
30CÍ. Nuns G. Monteiro, «Revolução liberal e regime senhorial...», Reuísfa Portuguesa de .17ísfória, T. XXlll,
Coimbrã, 1987, pp. 158--159.
ai Embora, após a refonna manuelina, os forais passassem a ser redigidos em português, muitos havia ainda em latim, sendo, de qualquer modo, difícil que gente menos culta entendesse as suas disposições ou mesmo conseguisse decifrar a escrita do tempo de D. Manuel. Caso éuríoso foi o do prior de Vila Nova de Monsarros, que, por isso, distribuiu pelos habitantes do couto cópias do foral «em letra corrente», para que
assim eles pudessem conhecer os seus direitos em face das abusivas exigências do cabido da sé de Coimbrã (JI/aniáesfodas conferidas..., p. 34).
q.
ROSÉ TENGARRINHA
//8
Acrescia, ainda, que os donatários, para darem mais força aos contratos de aforamento colectivos, defendiam que estes «faziam as vezesde foral», e assim eram, de facto, assimilados em muitas zonas, em especial no Centro Litoral, pelos rurais. Na linguagem destes, pois! ?stá implicita a noção dos «forais -contratos públicos colectivos», quando falam nos foqis «legítimos». Podemos concluir, pois, que, sobretudo acima do Tejo, embora com inten-
sidadesdiferentes, o foral era, por ele mesmoou peloque permitia ou gelava ou ainda pelo que com ele seconfundia, consideradopelosrurais.como fonte de muitos dos males que soâ'ia. E, assim, as lutas que em torno dele se desenvolvem nas décadasde 70 e 80 têm um conteúdo inequivocamente anta--senhorial. E esta mesma carga identificada pelo pensamento reformista e liberal,
MOVIMENTOS POPULARESAGRÁRIOS EM PO}WUGAL
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em tempos, em que da caça, da pesca, da salicultura, ao artesanato. ao comércio,além da agricultura e da pecuária, sobre tudo incidia. Embora muitos dessesdireitos senhoriais continuassem consignadosnos foraisl nos.tombos, nos contratos, a verdade era que, na prática, a grande maioria delesjá não era satisfeita. Haviam sido concebidos para um tempo em que a presença dos senhorios próxima dos locais de exploração e a menor complexidade, expansão e diversidade das actividades permitiam um controlo mais apertado.
Havia muito, pois, se tendia para a simplificação, para a concentraçãonos direitos que eram fontes de renda mais importantes e fáceis de cobrar. Daqui,
mesmo antes da Revolução portuguesa e após a francesa, com a «opressão feu-
duasconsequências:por um lado, uma diminuição da renda senhorial, ainda que não pois?mos atribuir peso excessivo aos pequenos encargos que foram
d al)>sz
desaparecendo; por outro, com um significado social de muito alcance, o facto
de resultar daí um decréscimoda influência do regime senhorial sobre as pessoase as actividades nos seus domínios. Ao que se assistia, essencialmente, era à incapacidade de o regime senhorial assegurar, então, o controlo sobre os vários meios compulsivos extra--económicos em.que tradicionalmente se baseara o seu processo de reprodução económica.A força dessesmeios fora diminuindo na proporção em que o agri-
1.2. Direitos
Vimos alguns aspectosdos principais instrumentos jurídicos em.que se
cultor aumentara o grau de propriedade sobre os meios de produção e sege-
apoiava a exacção da renda senhorial, não no estrito plano formal da lei mas
ravam novas dinâmicas no interior do sistema, resultantes das exigências de
nas modificaçõesque sofreram perante o desenvolvimentodas dinâmicas
expansão económica da sociedade. A senhoria assenta então, quase exclusiva-
sociais. Vd amos agora como essasmesmas dinâmicas foram provocando alterações
nas componentes da dominação senhorial, tendo--as desgastado.ao.ponto de, nesta segunda metade do sé(fuloxvm, ser muito considerável a distância entre o plano do jurídico e o plano do real.
Já quando da reforma manuelina setinham perdido alguns direitos consignados nos forais antigos, que haviam mostrado tendência a desaparecer ou não eram de todo usados. Ao longo de três séculos, e em especial a partir de meados do xwi (o que é atestado pela maior frequência da elaboração dos tombos), o fluir da vida vai obrigando a novos reajustamentos que constituem mudanças qualitativas importantes nas relaçõesentre os senhorios e os produtores directos seus dependentes. VeriÊlca--seque a renda senhorial ia cobrindo um leque cada vez mais estreito de actividades, muito distantej á, portanto, da abrangência que tivera
mente,no controlo sobrea terra, tendendo osrestantes direitos a subalternizar--seou até a desaparecer. Representando embora, no conjunto, uma diminuiçãoreal do seu poder, o regime senhorial constituía ainda, sem dúvida, a categoria económico--socialmais geral da sociedade portuguesa desse tempo. Não era uniforme, porém, a situação pelo País, detectando--se disparidades
regionais que nem sempre tinham a ver com a maior ou menor importância das casas senhoriais.
1.2.1.Admlnísfratíuos elzzdícíaís As.dificuldades que o regime senhorial experimentava na imposição dos seusdireitos e meios coercivastradicionais relacionavam--se,em parte, com a debilitação da sua influência na esferajudiciária e administrativa. Questão particularmente aguda, num período em que se intensificava a contestação anta--senhorial.
s2Os ülsiocratas portugueses do séculoxvni são muito prudentes no uso do «feudal»
comsentido acusatório. Um dosraros exemplosé o de Chichorro, que, na sua]l/emória de 1795, fala em «direitos feudais» (p. 53). No início do século xlx começam a aparflcer com maior frequência. As expressões «direitos feudais» e «opressão feudal» sãa utiliza-
das na exposição da Câmara deTomar, em 1806, contra a Onde!! de Cristo, acusando-a de «ter posto o povo de Tomar num lamentável
cativeiro»(ANTT,
DP--Corte.:.,
M. 1221,
n g16i. Silbert refere um manuscrito de 1807 da Academia das Ciências deLisboa (MA, n.' 1438, fa1 22, «Os feudos e direitos dominicais excessivos»)que fala na necessidade de encontrar remédio para os excessivosdireitos feudais e dominicais («Sobreel feudalismo portugués», in La .Abo/icíózzdeZFeudaZísmo,p. 152). A expressão torna--se mais
frequente com o impulso reformista após 1810e com a Revoluçãoliberal.
a) OuviDOKxs
Nas donatarias, os ouvidores tinham como função central, em princípio, out;lr as partes e apresentar o assunto ao senhor, após apuramento das provas. Porém, a sua actuação tinha normalmente um campo mais amplo, obedecendoa regras comuns ao exercício dajustiça e alargando-se a diverti: Hlcadosdomínios.
Era por intermédio dos ouvidores que, em geral, os donatários exerciam as prerrogativas de que gozavam de proporem juízes de fora (sujeitos depois a
ROSÉ TENGARRINHA
/2C
confirmação pela Coroa) e intervir nas nomeações e eleições de câmaras e juízes locais, embora se possa admitir que tais direitos não tivessem sido muito amplamente aplicados;;. Vemü-.los,comfrequência, presidirem a eleiçõescamarárias e até participarem em reuniões dos vereadores e assinarem as actas indevidamente. A latitude da sua acção podia ir ao ponto de serem eles a ordenar prisões de populares que tivessem desobedecidoàs autoridades locais" Pode dizer--se que assumiam, nas donatarias, em geral, responsabilidades semelhantes às dos corregedores, nas comarcas. Tal ampliação de funções -a exemplo do que se assistia, então, relativamente a outros cargos da administração -- era favorecida pela falta de magistrados e, em geral, de pessoas com preparação e habilitações académicas para preencherem o quadro do funcionalismo
régio3s.
MOViMElnOS POPULARESAGRÂRIOS EM POIWUGAL
i
/2/
fosseojuízo em que corressem,sem exceptuar, mesmo, osjuízos mais privilegladoss7
Nas donatarias com ouvidorias, e até para além delas, os povos viam. assim, com n'equência, osjuízes dos donatários perderem o sentido dejustiça executando os seusbens apenas a mando do senhor, que aparecia simultânea: mente como parte e julgador, como então se dizia.
A lei de 1790cremoster na origem, pois, duas principais ordens de razões. Por um lado, eram incómodospara a autoridade régia os poderesexcessivos e discricionárias que em várias donatarias os ouvidoresassumiram, tanto mais que os seus territórios estavam isentos da correcçãodos corregedores; a suasubstituição por estese porjuízes de fora nomeadospelo Trono impunha--se,pois. Por outro lado, o facto de serem as ouvidorias causa de distúrbios. de inquietações, de protestos dospovos, comoreconhecia o preâmbulo da lei.
Numa altura em que crescia a contestação anta-senhorial, as ouvidorias eram chamadas a desempenhar um papel mais activo. Donatários impunham visitasjurisdicionais, aos seus domínios, de subordinados que ostentavam os títulos de ouvidores, sem o provar, para intimidar
ao falar das «novas dúvidas, contendas e inconvenientes
os agricultores. Outros ouvidores eram instigador pelos donatários a proceder a execuçõessumárias de acçõescontra os moradores sem examinarem previamente as razões que assistiam a estese apenascom o fito nos grandes ganhos que lhes davam as executorias. Com frequência, usavam até os ouvidores de intimidaçõesj ameaças e violências sobre os agricultores que se recusavam a cumprir certas imposições;'. Acontecia, ainda, as ouvidorias estenderem a autoridade em terras para além da suajurisdição, o que era facilitado pela circunstância de, com muita frequência, os seus territórios serem di spersos e distantes, gerando desordem e confusão. Em 1780,denunciava--se que osjuízes das casasnobres chamavam a si, abusivamente, todas as causas respeitantes a essas casas,qualquer que
Assim, ainda que se não deva exagerar a importância das ouvidorias na estrutura do poder senhorial, é visível, nos anos anteriores à sua teórica abolição, o cuidado do trono em não autorizar novas e não favorecer o aumento dasuainíluência39
3' SegundoNuno G. Monteiro, os donatários laicos conülrmavamjustiças em apenas cerca de 18qa(152) do total das câmaras do Reino, mantendo a Coroa esse di-
que vexam o povos,
embaraçam os donatários e impedem ajustiça», pelo que era necessário fazer concordar «quanto é compafíueZ a dignidade da Coroa com as distinções dos donatários
e com o benefício
e bem dos vassalos,»38
b) JUÍZES PRIVATIVOS
Num momento, pois, em que os conflitos nas suas terras se sucediam em maior número, os senhores não estavam, em geral, apetrechados com meios judiciais suHlcientemente eficazes.
Queixavam--se alguns donatários, sobretudo eclesiásticos, de que as contendas que tinham de manter comos foreiros rebeldes lhes provocavam custos e trabalhos insuportáveis. Vemos, por isso, em especial desde meados do qéculg.xwil, utilizarem
em maior númerojuízes
privativos,
cuj a nomeação pe-
diam lhes fosse feita pelo Trono, bem como a faculdade de disporem de um es-
donatários eclesiásticos, ordens militares e universidades, em 13qP(«Notas sobre nobreza,fidalguia e titulares nos finais do Antigo Regime»,Ler.llrísfórla, n.' lO, 1987,
crivão, também privativo, para todas as suas causas, em geral pleitos por atraso ou recusa aos pagamentos que exigiam. Tais juízes -- que não devem confundir--se com ouvidores,tanto nas
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funções como no processo de nomeação -- aparecem com papel relevante, em
reito em 53qa, ao passo que as casas da família real as exerciam em cerca de 16% e os
34Foi do ouvidor de Vila da Feira, por exemplo, que partiu a explosiva ordem de prii;ão de moradores das freguesias amotinadas de Arribana e S. João da Madeira, que, no princípio da década de 90, se hax'iam recusado a comparecer na procissão pelas me-
lhoras da rainha(ANTT, DP--Beira, M. 274, n.g 19459).
especial na cobrança executiva de foros, com duras actuações que provocam
frequentes protestos das populações. Osjisenhores tent;m, {lambém, que sejam eles ajulgar os conflitos com os agricultores, ao que estes muitas vezes
s5Sucedem--se os exemplos. Er.i Cantanhede, em 1788, o Dr. Manuel José Colaço
era ouvidor do donatário marquês de Marialva etambém almoxarife ejuiz dos direitos reais na vila e seu termo. s6Entre estes casos,que, com mais frequência, apareceram na Beira Litoral, destaquem--se os ocorridos em 1777--1779 nas terras do concelho de Góis, de que era donatário o conde de Vila Nova: a fim de intimidar
os agricultores
que se recusavam
a satis-
fazer exigências excessivas de jugadas pelos feitores, estes citavam--nos para casa do Duvidar e aí os ameaçavam e exerciam violências sobre eles(ANTT, DP--Beira, M. 2 19, n.e14 437)
s7 Deck. 13:.-1--1780.
38A documentação do Desembargo do Paço fornece abundante informação sobre tais contestações populares.
'9Uma parte considerável dos territórios das donatarias não estaria sob a alçada de ouvidores, além de que havia sinais de perda de influência social destes, como se viu em alguns actos, tão importantes na vida das localidades, como eram as eleições das mesas das misericórdias, nos casos em que se opuseram a grupos de clérigos.
ROSÉ TENGARRINHA
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se opõem, esforçand(»se por que as causas sejam decididas nos juízos ordinários de primeira instância ou nas Relaçõesou ainda apelando ao l)esembargo do Paço, em última instância.
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l
julgadas por corregedores e provedores de comarcas e plovedorias próximas l.que fossem isentos e honestos» ou cuja isenção e honestidade eram invocadas como garantia de equidade ou ainda que o comportamento do corregedor fosse
julgado pelo provedor, ou vice--versa.Acontecia, até, ser o próprio Paço que, em certos casos, ordenava que o provedor procedesse a inquérito
C) ADMINISTRAÇÕES E JUSTIÇAS LOCAIS
Mais importante para os senhores era a influência que exerciam nas administrações ejustiças locais, pela intervenção que tinham nas suas eleições e nomeações. Acontecia tal intervenção
MOVIMENTOS POPULARESAGRÀRIOS EM PORTUGAL
exceder, até, as normas legais40.
É certo que, por vezes, os poderes locais mostram algum grau de independência, chegando a contrariar pretensões senhoriais. Nessas atitudes não é difícil descortinar a influência de uma abastada burguesia local como de uma pequena nobreza integrada na sociedaderural, opondo-se assim a poderosos senhorios. Queixavam--se estes ao Paço, então, das demoras e obstáculos nas causas que moviam sobre a cobrança executiva de direitos ou apelavam os contratado-
res das suas rendas à intervenção dos corregedores,provedores e procuradores da fazenda real, conforme os casos':. As mais frequentes, porém, eram as situaçõesem que oü'senhoresinfluenciavam e até dominavam tanto as administrações ejustiças locais como os próprios corregedores e provedores. Os casos em que vemos estes serem dominados ou até corrompidos pelos senhorios não são raros e deles temos exemplos em várias partes do Reino, como se terá ocasião de ver ao longo desta obra.
A posiçãosingular de charneira que ocupam entre os ditames da Corte, os interessesdos donatários e a defesado bem público fá-los oscilar muitas vezes. A «boa razão ejustiça» cedia, por vezes, perante pressões de poderosos
donatários e ricos enHiteutas, abafando os clamores dos povos devidos a execuções violentas e penhoras de bens, demorando nas suas mãos queixas dos
rurais ou informações pedidas pela Corte, que também se transviavam e desapareciam, numa palavra, servindo de tampão na comunicação das populações com o monarca. Nestas circunstâncias, algumas vezes não restava aos povos outra alternativa que não fosse solicitar ao Paço que as causas fossem
sobre
conflitos cuja condução pelo corregedor estava a ser motivo de queixas, e o contrário, o que mostra a instabilidade das hierarquias destes altos cargosrégios. Mas, ainda mais do que sobre as «{justiçasmaiores», era sobre as «tjustiças menores» que a influência dos poderosos se fazia sentir. Osjuízes de instâncias
intermédias e inferiores eram acusados,muitas vezes, de nem sequerterem «pachorra e inteligência para examinar um processo», sentenciando a favor da parte por que já se tinham decidido, sem conhecimento da causa. Outras vezes,davam cobertura ou até prom oviam extorsões violentas pelosrendeiros e cobradores dos senhorios ou pelos funcionários de justiça, efectuando arbitrariamente as prisões que lhes eram solicitadas. Com frequência se ouvia a expressão de que certos senhorios e enâiteutas «eram muito poderosos e asjus-
tiças ostemiam». Também osprocuradores dos concelhoseram muitas vezes alvo de acusaçõesde parcialidade, em especial na nomeação de louvados que ateigavam favoravelmente aos senhorios" A considerável distância de quaisquer outros magistrados, porém, são os juízes de fora os que mais frequentemente surgem sob o comando de senhorios e enHiteutaspoderosos.Pode acontecer,até, que o juiz de fora Soja,simultaneamente, juiz privativo1lde casas senhoriais e delas esteja muito estreitamente dependente pelos favores imediatos que recebe ou os apoioscdeque beneficia ou aos seus familiares na carreira4s São, assim, osjuízes de fora os que em maior número são visados nas queixas dos povos, por exorbitarem das suas funções e os oprimirem para além do que ajustiça e a lei permitiam. Surgem, mesmo, aosolhos das populações, com frequência, como o principal instrumentojudicial
de opressão senhorial. Não
é de surpreender, pois, que tenham sido preferencial objectoda cólera popular, em momentos de alteração social, como se verá aquando das Invasões Francesas e após a Revolução de 1820. Normalmente, porém, eram os modestos oficiais dejustiça os que atraíam a animosidade popular, tanto por serem os que pessoalmente procediam às execuçõese penhoras dos bens dos rurais devedores como pelo peso excessivo
40RefereAlbert Silbert uma queixa,em 1783,doshabitantes do Alvito contra o marquês donatário, por este ter nomeado os titulares dos cargos municipais à sua vontade, contrariamente
às regras definidas pe]a ]ei(Le PorfugaZ ]l/édíferranéen, p. 149).
Não é exacta, no entanto, a quota que dá do documento: ANTT, DP.Alentqjo, M. 831, H.P40, nem o podia ser, pois nesse maço se encontra apenas documentação de 1811 a 1820
41Um dos mais notáveis de que tomámos conhecimento foi o ocorrido em Alcoentre,
Rio Maior e terras próximas pertencentesà donataria do condede Vimieiro. Este pretendeu ultrapassar
ajustiça
local (que acusou de reter e demorar os processos), so-
licitando ao Conselho da Fazenda a nomeação de um almoxarife que arrecadasse os direitos reais e decidisse as causas que se movessem sobre a cobrança executiva deles ou que o juiz dos direitos reais de Santarém fosse o executivo para fazer as execuções
e cobrar tais direitos. Foi a segunda solução a adoptada pelo Conselho da Fazenda
(ANTT,CF, Consultas,L. 3,f. 252v.).
42Na imensa documentação sobre estes casos,refiram--se, como exemplos: ANTT, DP--Beira, M. 61, n.g 5236; M. 88, n.g 7408; M. 99, n.9 7977; M. 219, n.g 14 491; M. 308, n.g 23 604; M. 330, nlÕ25 449; M. 342, n.' 25 849; M. 399, n.' 29 348. MR, M. 453. IGP--Leiria, M. 124, (n.g ordem 362), n." 72--78. CF, Consultas, L. 25, f. 73v.
4aVejamos,entre muitos outros, dois exemplossignificativos: o juiz de fora de Pombasera tambémjuiz privativo da casa de ClasteloMelhor, nessa dupla condição tendo intervindo no conflito em terras deste no termo do Rabaçal e, pelos seus «bons serviços»,conseguiu o nobre despacha--lo desembargador da Relação do Porto (ANTT, DP-Beira, M. 352); ou ojuiz de fora da vila da Figueira, que era amigo e recebia favores dosfrades domosteiro de Santa Mana de Ceiça, onde costumava ficar hospedado, para dali fazer expedir as suas severas ordens contra os povos (ANTT, DP--Beira, M. 219,
B.P14 491 e M. 342, R.g25 849).
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JOSÊ TENGARRÍNHA
dos seus salários diários, muito elevados,que os povostinham de suportar. Dizia--se, por vezes, então, que a arrecadação judicial era tão violenta e excessiva que importava mais que os frutos dos povos, ao ponto de.levar muitos agricultores a terem de arrematar as suas fazendas por baixos preços- A dimensão das tensões assim geradas transparece, por vezes, claramente, em violentas amotinações populares que rebentavam nas feiras e romagens, contra asjustiças locais, acaloradoscomo estavam os ânimos, então, pelo vinho e a ruidosa companhia.
IJma visão geral neste domínio mostra, assim, atrofia dos meios judiciais de que legalmente os senhores dispunham'Resultava tal situação tanto do absentismo dos donatários laicos e diminuição dos recursos dos eclesiásticos (era muito dispendioso sustentarjustiças) como da concorrência que, ao nível das administrações e justiças locais, lhes era feita pela «burguesia rural» e a nobreza local, como, ainda, da política limitativa do poder centralj'mesmo antes da lei de 1790. O regime senhorial não dispunha, assim, de instrumentos
judiciais suficientemente amplos e eficazespara enâ'entar a mais forte contestação de que por essestempos era alvo. ]..2.2.Fiscais
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MOVIMElqTOS POPULARESAGRÂRIOS EM PORTUGAL
culação, bem como o monopólio de venda do vinho. a) MiUNÇAS
As prestaçõespequenas (miunças, direituras ou coragens),que incidiam sobre ãs pessoas e diferentes actividades, foram desaparecendo dos usos das comunidades rurais, sendo tão pequeno o seu valor e presença na segunda me-
tade do século xvni que já osjuristas, então, consideravam a sua imposição «ridícula»
O desusode alguns dessesencargosresultou directamente do crescente absentismo dos senhorios, que criou condiçõesfavoráveis para que o povo os fosseevitando, não manifestando aqueles,por seuturno, em geral, muito interesse em retoma-los. Assim foi, por exemplo, com a açougagem, a brancagem ou o malaio ou celaio, que incidiam sobre a carne vendida nos açougues e mercados ou sobre a venda do pão cozido'* Na segunda metade do século xwn, assistimost'por vezes, a tentativas de retomar
alguns, quer por iniciativa
dos contratadores
de rendas4s
44Ao contrário do que alguns têm dito, em geral não eram ülxos, mas proporcionais à quantidade vendida. Por exemplo, o salaio era, com frequência, de l em 30 pães cozidns 4õRendeiros que, nalguns locais, quiseram reimpor os salaios, foram chamados pe-
lo povo, jocosamente, «senhor dos padeiros». Em Coimbrã, gerou--se forte controvérsia em torno dos salaios, nos fins do século xvni, também por iniciativa dos contratadores das rendas, apesar de tais encargos não estarem consignados no foral da cidade.
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quer de senhorios não absenteístas'õ, com especial incidência na região das Beiras Na categoria das miunças incluem-se ainda os direitos que os povos pagavam originariamente ao monarca e sua comitiva quando iam à terra. Tinham nomes muito diversos: fogaça e comedoria ou comedura, colheita ou colecta.
jantar, peita, merenda, parada, procuração,visitação. Com o volver dos tempos,foi--segeneralizando essaobrigatoriedade, independentemente de se verificar ou não a visita, passando também a ser cobradospelos donatários dessasterras ou outros senhorios particulares por mercê régua.A fogaça aparece, então, sob a forma de quantitativo fixo em géneros, muitas vezes uma
teiga de trigo ou centeio, com â'equência l alqueire ou l alqueire e l capão,
também convertido em dinheiro47
Quanto às colheitas, jantares, etc, que, antes dos forais manuelinos, consistiam em géneros comestíveis para homens e bestas, foram depois reduzidas a quantias anuais fixas em dinheiro, tendendo também a desaparecer. Assiste-se, porém, na segunda metade de Setecentos, a tentativas de retomá-las e agrava--las, mesmo quando não estavam consignadas nos forais, e até
tentando cobrar de novo em géneros. Com maior frequência ocorrem na Estremadura e, sobretudo, no Centro Litoral, ligados a senhorios eclesiásticos4a Como direitura,
Vejamos, agora, entre os direitos senhoriais, os que tinham um carácter nitidamente fiscal; neles incluídos, com maior destaque, as taxas sobre as pessoas,sobre os meios de produção eixosfabricados pelo homem, sobre a cir-
í
ainda, detecta--se a presença da eiradega ou eirádiga, em
especialna Beira Litoral, etambém, mais discretamente, em Viseu (tombo da catedral) e campos de Santarém. Encontrava--se estabelecida nos forais e nos contratos ou afogamentosentre os senhorios e os seus enfiteutas ou colonos. masnão era um a medida constante, variando naqueles documentos. Incidindo sobrevários produtos,principalmente cereais,vinho elinho, quando aplicada exclusivamente ao vinho denominava--selagarádiga. Na região da Beira Litoral era total o desordenamento na imposição desta miunça, dando azo a que alguns senhorios eclesiásticos a agravassem arbitrariamente, sendo disto que os agricultores se queixavam, mais do que do tributo em si40 46Neste caso, é a brancagem que aparece referida com mais frequência. Um dos
conflito! mais salientes desta natureza foi o ocorrido em Alcaide (termo do Fundão), com o fidalgo do Sardoal António Brandão de lordes
Pena e Almeida, que impôs a bran:
cagSl=.caída.çmdesuso,mas prevista no foral, o que foi conHlrmadopelos tribunais (ANTT,
DP--Beira,
M.
399,
n.f29348).
ii
's
!tínl;
T ,d
liíi
'
Ver, por exemplo,comoera cobradapor instituições religiosas em Pontevel, freira, Lapa e outras localidades da comarca de Santarém (ANTT, CF, Consultas, 48Foi o casodo couto dg Vila Nova de Monsarros, cujo donatário passou a impor aos vereadores, a.título de colheita ou merenda, 15 alqueires de farinha de trigo, 20 galinha?, 3 carneiros, 3 cabritos, meio alqueire de manteiga, 8 almudes de vinho, 9 ovos, 20 alqueires.de cevada, l onça de açafrão, 2 de pimenta e ] carro de ]enha (]l/aníáesto
das conferidas..., p. 58). Ver, também,l por exemplo, ANTT, DP--Beira, M.'150, n.' ll 088; M. 151, n.e ll 127; e M. 206, n.' ll 346.
49Assim foram os casos,mais significativos, em terras dos concelhosda Figueira ga Foz, pertencentes ao mosteiro de Santa Mana de Ceiça, e do Botão, ao mosteiro do Lorvão. No primeiro, era desrespeitado o contrato de aforamento, pois os frades cobravam--na na «terra velha», quando aquele documento apenas falava em «terra nova»,
consistindonuma meigade pão,meia de trigo e meia de milho e de vinha de que se colhesse l moto de almudes. No segundo, as religiosas ultrapassavam
o foral manue.
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ROSÉ TENGARRINHA
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O esbatimentodosdireitos sobreaspessoaspelosimplesfactodetrabalharem nas terras do senhor ou nelas terem habitação ou eira ou apenas aí se casarem era, assim, um dos mais signi6lcativos sinais da debilitação da autoridade senhorial nos seus domínios. b) JEIRAS E FOROS DE MORADIA
O mais pesado de todos eles, no passado, ajeira ou enj eira5',já nos séculos
xv-xvi estava muito diminuído, embora persistissemais largamente nas terras dos donatários eclesiásticos,que o haviam introduzido nos contratos. Ainda no século xwn, vamos encontrar, embora raramente, a obrigatoriedade de prestação de trabalho gratuito em reservas desses donatários, em certas
épocas do ano. Diz João Pedro Ribeiro, no princípio do século xix, ser «vulgar
MOVIMENTOS POPU[ARESAGitÁRIOS EM PORTUGAL
A imposição dos.tributos de habitação fora-se esbatendo,também, desta maneira, em especial nas cidades, ainda que se encontrassem consignados nosforais. No último quartel do séculoxvni e no primeiro doxix apareceapenas commaior virulência na região de Aveiro, por impulso dos contratadores das rendas da extinta casa de Aveiro e do mosteiro do Lorvão (sobretudo nos
seus domínios de Esgueira). Era o antigo foro «galinha de fogo,baplicado aos moradores de cidades,que fora caindo em desuso. De outros direitos desta natureza, como os maninhádegos, gaiolas e ocas
nhorios tentam impõ--las, ainda que com moderação.
nos prazos de Entre Doura e Minho ajeira de cada doma (semana) isto é, um
c) «BANALiDAnEs>>
do senhorio, ou na cultura da terra e seus diversos amanhos, já em carretos com azémola ou com bois e carro do mesmo enfiteuta»; testemunha ter visto num prazo de vidas todos os moradores de uma aldeia serem convocados para a mesmajeira, picando responsáveis pelos que faltassem, e obrigando-se as segunda e terceira vidas ao mesmo encargo da primeira;:
tos da fiscalidade
dia de trabalho servil na semana,ordinariamente a sexta--feira,a benefício
A resistência que os camponeses vinham oferecendo à prestação do traba-
lho pessoalgratuito, ao ponto de ser muito dificilmente aplicada na grande parte do Reino, foi provocandoa sua substituição pela obrigatoriedade de ceder carros e seus animais e até materiais de construção para obras públicas e particulares (sendo osjuízes de fora que em geral estavam à õ'ente desta imposição) e pela prestação fixa em géneros e/ou dinheiro.
Na Beira Litoral, na segundametadede Setecentos,foi por esta prestação que senhorios eclesiásticos quiseram a6lrmar o encargo,que então andava muito confundido com o foro de moradia. Em consequência,vários povos, como o de Pagão,dizem estar «reduzidos a uma tirana escravidão» pelos frades da Ordem de S. Bernardo, que entendem «que por serem donatários das terras são senhores dos seus bens e trabalhos»sz. IContj:da nota da p. ant.)
lho, que estipulava que «chegando o lawador a colher oito almudes de vinho pagará
um almude de eirádiga, não chegandoa oito almudes não pagará nada. Passando porém de oito almudes pagará catorze mêas que são dois almudes menos duas mêas»
sendoa eirádiga de trigo de 3 alqueires pela medida corrente(ANTT, DP--Beira, M. 219, n.g 14 491; M. 342, n.g 25 849; e M. 352, n.926 758. MR, M. 453. Américo Costa,
Z)iclonárío Corogrd/ico, Vol. 111,p, 856). seSendo estas as designações comuns na linguagem tradicional portuguesa, não
sejustiâlca a utilização do galicismo «corveta»introduzido pelos escritores liberais. Sijoão Pedra Ribeiro, «Sobreos inconvenientes e vantagens dos prazos com relação à agrlcu]tura de Portuga]» in ]l/emórias de Liferafüra Porfzzguesa,T. Vl1, 1806, p. 287. Ver, entre outros, ANTT, DP--Beira, M. 2 19, n.g 14 49 1 e M. 342, n.' 25 849 e MR, M. 453. Os referidos frades, por exemplo, aumentaram esta tributação, exigindo 2 alqueires de trigo, 2,5 de milho, 2 galinhas e 40 réis na «terra nova» e, na «terra velhas',
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Os equívocos que após a Revolução liberal se geraram entre certos aspecsenhorial (dos quais os de natureza pessoal) e os direitos ba-
nais resultaram de estes terem sido claramente abolidos (Decr. 20--3-1821.
Art. 2q, peloque ospovostentavam libertar--se de alguns outrosencargos defendendo uma concepção lata de «banalidade»s3. ' '' '' '"--'' Estes chamados direitos banaisj á tinham perdido, também, grande parte dovigor. Mesm.oem tempos mais recuados, em plena épocamedieva, sabe--se que nunca haviam sido aplicados na generalidade do territ(brio, quer porque os p?vo! seesquivassemquer porque deles estivessemformalmente isentos. Incidindo sobrea utilização de moinhos, azenhas, lagares (prensas para vinho epara azeite),.açougues,fornos de olaria e de telha, de cal, de pão, não recaíam sempre sobre todos estes, variando de caso para caso, assim como o seu mon-
tante, segundoos forais. Foram várias as circunstâncias que levaram a que, ao longo de um demorado processo,os povosse tivessem'ido libertando'destes encargos. Antes de tudo, o controlo senhorial sobre osmeios de produçãofixos fabricadospelo homem só era possível manter--se enquanto estes sevc;Lservassem num nível tecnológico rudimentar. Os senhores não tinham interesse em investir no seu avanço,garantido como estava essecontrolo por imposiçãojurídica\Foram sendo colocados,assim, em inferioridade perante a concorrência cadavez mais intensa que lhes era movida por agncultores e negociantes abastadosque por toda a parte construíam lagares e moinhos que alugavam em condições mais vantajosas. ' ' '" '-- -'-' Os longos e maus caminhos.que, muitas vezes, era preciso percorrer para chegar aos lagares senhoriais, bemcomo as deficientes condições do seu fun. cionamento (tanto em meios técnicos e exiguidade de espaço como na escassez
de trabalhadores e falta de água, além dosfurtos que aí se praticavam) eram constantemente denunciados pelos agricultores' Não se' dando, por isso,
o mesmode trigo e milho, l galinha, 20 réis e, em alguns casos,60 réis e ainda 20 réis
do denominado «tributo de ovos»,tudo isto pelo simples facto de morar na terra, fosse sua ou não a casa, e tendo cada morador de pagar, independentemente mesmo de se saber se estava em condições de produzir tais géneros.
HSIUIlgHâHEIEEFm;=.!um :
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MOVIMENTOS POPULARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
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destaque para o conde de Penda), em geral por pressão dos contratadores
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das
suasrendas, quem mostrou maior dureza na preservação dos direitos banais
foram os eclesiásticos, como os mosteiros de Celas, Santa Mana de Ceiça, Lorvão, Alcobaça. Tais rigores ou excessosnão se teriam traduzido, porém, em geral, num efectivo acréscimo de poder senhorial nem sequer em aumento das suas rendas.'Os agricultores resistiam, desrespeitavam as ordens quando podiam, acontecendoaté que, ao oporem--seaos direitos banais sobre o azeite, por não estarem consignados no foral, acabavam por recusar--se aosdo vinho, que nele se encontravam, e vice--versada;ou alegavam que povos próximos, sujeitos a forais «legítimos», não estavam obrigados às imposições que a eles eram feitas.'baseadas em contratos arbitrárioss9 Quanto aos moinhos e azenhas, via--se que, então, os senhorios não impediam a existência de particulares nas suas terras por verificarem ser impossível, mas cobravam sobre eles tributos, em geral pesados'o No casodas azenhas, o seu controlo era asseguradopor uma 6lscalização rigorosa das águas correntes, ao ponto de, por vezes,não permitirem que os agricultores regassem, sem sua licença, com as águas que nasciam nas próprias terras que trabalhavam61 d)POKTAaEKS
As portagens e outros direitos sobre a circulação interna de mercadorias (comoas usagens, passagens ou peagens, fangagens, alcavalas, medidagens,
etc.) mostram, também, como os anteriores, decaimento na sua cobrança. No que respeita às portagens, muito iludido andará quem as considerar, então, o mais corrente e o m ais universal >62
A verdade era que o aumento da produção mercantil, que tivera como uma das expressões o íim da letargia dos preços em meados do século xvm, havia desenvolvido uma dinâmica de trocas internas que entrava em choque com os
do azeite nos lagares do senhorio directo". }!)!:ll Mas, na prática, a diferença não era grandes' Embora, aqui e além, surgissem casosenvolvendo senhorios laicos(com
58Assim em Cantanhedee lugares próximos, no referido conflito, que tomou consideráveis proporções, entre 1783 e 1789 (ANTT, MR, M. 453). 39Para se fazer ideia dos excessoscometidos por alguns senhorios e da disparidade de situações numa mesma zona, veja--se, por exemplo, o caso dos religiosos da Ordem
de S. Bernardo, do mosteiro deSanta Mana de Ceiça, que exigiam de direito de lagaragem de cada «pé:de uvas» dois cântaros de mosto apenas aos agricultores de Pagão que lhes estavam submetidos, ao passo que os restantes da localidade,:bem como os das õ'eguesias e lugares próximos da Figueira, Louriçal, Lavor, Buarcos, Tavarede, Revelei, Verride, Vinha da Rainha, todos com forais «legítimos»:,não eram impedidos defazer lagares devinho e azeite ; chegaram os religiosos a impor que ninguém pudesse vindimar sem licença sua (ANTT, DP--Beira, M. 219, n.' 14 491 e M. 342, n.' 25 849). 60O mosteiro de Santa Mana de Ceifa impunha,'então, sobre cada um, o foro anual de 6 e 8 alqueires de trigo e à volta de 16 alqueires de milho(ver documentação refe-
ll$11:1âl HçlHE$BMliu.:gia;g';1%miÊ.:;=?:
M. 1488, n.' 1. MR, M. 453"
roda) a õl ,Ide m
6aAlbert Silbert, Z,ePorá. .a4ed.,p. 143, çe;na sua senda, outros autores. Forum da História 18 -- 9
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obstáculos impostos pelajurisdição senhorial. Daí, chegarem ao Paço, cada vez com maior intensidade, protestos dos povos contra as demoras e encareci-
mentos que tais obstáculos causavam, o que, somado às dificuldades de cobrança,explica a quebra desta tributação. Foram, assim, as portagens sendoesquecidas, caindo em desuso,na sua maioria, ainda que a situ ação não fosse uniforme em todo o Reino e na sua base se cometessem também grandes abusos.
As isenções e facilidades abertas pela legislação, em especial desde os finais do Governo pombalino, tentam ir ao encontro dessarealidade. Já as basesda reforma dosforais manuelina havia estipulado, no art. lO.g não haver portagem em qualquer vila e seutermo para os artigos destinados ao consumo dos seus habitantes, apenas os géneros para comércio sendo sujeitos a portagem. O Alvará de 5 de Novembro de 1772 visou facilitar a concessãodas guias de circulação; a Carta de Lei de 4 de Fevereiro de 1773 foi mais longe, ao permitir livre circulação a alguns artigos de primeira neces-
sidade'.produzidos no Paísõ3;e o Decreto'.de12 de Dezembrode 1774 denunciando os abusossuscitados pelo alvará de 1772,ainda mais avançou determinando que quaisquer produtos do Reino pudessemcircular livremente no território nacional sem necessidadede tirar guiam' Não foi fácil nem pacífica a aplicação desta legislação. Na origem dos impedimentos já não vamos encontrar, porém, o poder senhorial. Este tinha ido perdendo o uso da cobrança dos tributos de portagem, que foi passando para as câmaras e para a Coroa. Assim, os documentos apontam a responsabilidade maior dos rendeiros das sisas e portagens, dos almoxarifes e também, embora em grau muito inferior, dos contratadores das rendas de algum senhorio laico absenteísta (marquês de Marialva, em Cantanhede e Almada) ou de fidalgos não absenteístas que lutavam pela conservaçãodesse direito, a que se devem juntar os fortes particularismos locais protagonizados,por vezes, pelas câmarasss.
A mudança fora--se dando, sobretudo, à medida que o vazio deixado pela
falta de cobrança senhorial ia sendo preenchido pelas câmaras, que, não tendo, em geral, rendimentos suficientes para proceder à reparação das calçadas, cobravam certas im portâncias aoscarros que entravam e saíam das
MOVIMEi'KOS POPULARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
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povoaçõesPara tal, precisavamde provisão régia, na base de parecer do
Í)esembargo do Paço, que, então, como vimos em numerosos documentos. era
normalmente positivoõõ Foi então que rendeiros, ao tomarem de contrato a cobrança das portagens, e escrivães passaram a cometer abusos sem limites: impunham taxas que ti-
nham sido esquecidas ou arbitrárias e salários excessivos dos escrivães, que chegavam a demorar o transporte para ganharem com o extravio"
Sem respeito pela legislação, cobravam sobre produtos destinados ao consumo local e até indispensáveis à agricultura (como o estrume) e também sobre aqueles que haviam sido expressamente isentos pela lei de 177368
Mesmo quando algumas cidades,vilas e lugares eram libertados da portagem, cometiam--se abusos na cobrança de um soldo, que, em contrapartida, os moradores
tinham
de pagar.
No mesmo âmbito se inserem os excessos praticados pelos rendeiros sobre
o direito de medidagem, ou medição, do cereal para efeito tributário, direito que, em princípio, cabia às câmaras e que estas arrendavam69 Era certo, pois, que, nessa segunda metade do século xvm, o direito de por-
tagem, em tempos um dos que mais fortemente afirmara a autoridade dos senhorios nos limites dos seus domínios, estava, em geral, perdido para eles. A situação mais comum era, assim, a da apropriação pelas câmaras como de um verdadeiro «direito de senhoriagem». E é assim que, então, os devemos compreender, embora não se deva apagar o conteúdo anta--senhorial que, mesmo assim, tiveram as contestações neste domínio, também pelos privilégios ads-
tritos a estes direitos, como a isenção de que, em muitos locais, beneficiava o clero
Ligados a tais direitos estão poderosos interesses que se formaram localmente com os contratadores das rendas das sisas e portagens e que, sendo fi-
nanceiros,«capitalistas»,: dificultavam assim a expansãoda agricultura de mercado, «capitalista». Terá sido esta uma das não menos interessantes contradições a que se assiste no quadro rural do final do Antigo Regime. 6õPorexemplo, a vila de Celorico da Beira, centro de activo trânsito de mercadorias, pedia, em ll de Janeiro de 1783, provisão ao Paço para que pudesse cobrar 10 réis de todos os carros que entrassem e saíssem da vila e 5 réis para as bestas de carga, o que
ssNomeadamente, grão, legumes, farinhas, louças, cal, tijolo, ,telha, madeiras, pedras, mós de moinho nacionais e ainda as carnes salgadas, secas ou fumadas do Al-
garve para Lisboa, bem comocertas quantidades de courama para os fabricantes. 64Já após o ülm do regime pombalino, sucedem--seas medidas libertadores do comércio interno, incidindo sobre certos produtos, como os Alvarás de 9 de Agosto de 1777 (vinhos)l :18 de Junho de 1787, 30 de Março de 1797 e 3 de Julho de 1815 (peixe seco, escalado ou salgado), além de outras.
ssLembremos o que refere Joaquim Pedra Gomesde Oliveira, nos fins do século xvni, sobre a forma como a Câmara de Palmela impedia a circulação dos vinhos de Azeitão para Setúbal(«Extracto
das posturas da vila de Azeitão, comarca de Setúbal>»,
in Memórias Económicas da Academia, T. 3, pp. 311--312). Ou o que diz José de Abreu
Bacelar Chicharro acerca da forma como,sobre isto, os povos vizinhos «sereputam civi[mente comoestrangeiros e comoinimigos»(]]/emoría EconómicoPoZífícada Província da Exfremadura,
1795, pp. 79-80).
foi concedido (ANTT, DP--Beira, M. 484, n.g 36 237). s7Houve locais em que o direito de portagem foi fixado arbitrariamente, para favo-
recer o rendeiro, em quantias dez vezesmaiores do que as fixadas no foral(A. Carlos de Menezes, P/a/zo de reforma de ánraís, p. 92). 68Veja--se;entre tantos outros, o casoexposto pelo ouvidos de Cantanhede, em 20 deOutubro de 1788, a Pina Manique,sobre a imposição da portagem da cal (que fora abolida) e a «imensidade de causas» que tal gerou (ANTTJ'MR, M. 453); ou a série de protestos provocados em vários pontos do Reino pelos arrematantes das rendas das portagens, que se recusavam a cumprir a ]egis]ação que libertara a circulação do pescado(Maximino
Dulac, Vozes dos Leões Porfzzgzzeses,T. 1, p. 95 e sega).
69Ao contrário do que diz Viterbo (EJucidário...f 11,p. 397)anão foi apenas na vila
do Botão que existia então essacontribuição, mas em muitos locais, com predomínio da Beira Litoral. Depararam--se--nos vários conflitos ocorridos na portagem da cidade eregião de Coimbrã. Veja--se, por exemplo, o casoda freguesia de S. Maninho do Bispo (ANTT, DP--Beira, M. 260, n.g 18 509).
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JOSÊ TENGARRINHA MOVIMENTOS POPULARESAGRÃRIOS EM PORTUGAL
A questão dizia respeito, no fundo, à própria estrutura de tais sociedades:
mesmonquandoera dada aos produtores maior liberdade dei circulação interna, não permitia su6lcientefluidez do mercado,devido a obstáculosde várias naturezas, entre os quais fortes interesses localizados, por protecções administrativas
ou situações de monopólios70.
e) R.ELEGE
Este monopólio da venda do vinho atabernado durante certos meses do ano numa determinada localidade e zonaem redor constituíra, antes de tudo, um privilégio do senhor, para que este pudesse vender rapidamente, antes que se
estragasse, o vinho que recebera das rendas e jugadas71.
Apesar disto, nem sempre o conseguiavender facilmente, sobretudo em zonas de abundantes lavouras de vinhos, em que os lavradores tinham o necessário para o seu consumo''.
Constituindo um forte obstáculo à comercializaçãodo produto de que provinha, em muitas zonas,o principal interessedoslavradores,foi sendodesgastado, ao longo dos anos, por uma resistência constante, em geral surda. Entre os subterfúgios usados, o mais frequente era venderem o vinho, durante o relego, aos potes e almudes, alegando não serem medidas pequenas (só o vinho a miúdo ou atabernado era proibido vender localmente) e usavam «testas
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sublocar certos ramos a outros dentro do limite oitaveiro (como era vinho proveniente dos oitavos gozava do privilégio do relego), pressionaram mais duramente para que fossecumprido comtodo o rigor. Faziam até imposições arbitrárias, comoa de estenderexcessivamentea área sujeita, o que, por vezes,mais do que o direito em si, desencadeouprotestos das populações. O.relega, porém, não era apenas um direito senhorial mas também um privilégio de que, muitas vezes,gozavam osviticultores e taberneiros de uma localidade, para se protegerem dos de outras, funcionando assim como um proteccionism? local. Com efeito, não havia impedimento absoluto de comércioentre concelhosdurante os.mesasdo relego. Os que tinham produçãomais abundante ou de melhor qualidade podiam fazê-lo, desde que pagassem a relegagem(em geral, l almude por carga cavalar),'imposto suficientemente pesado,normalmente, para não permitir a concorrência. Porém, em época de subida do preço, o lucro da venda era bastante tentador parajustiHlcar o risco. Vemos, então, o comércio do vinho acender mais forteÚentà as hostilidades entre povoações vizinhas.
Neste balanço da situação em que se encontravam, no final do Antigo Regime, os direitos senhoriais de natureza Hlscal, aparece, evidente, a st;Lt deca-
dência. Por um lado, há um decréscimo de cobranças, emborajulguemos que
não será muito significativo o seu peso no conjunto da renda senhorial:
de ferro» pobres que não tinham com que pagar as multas. Estas transgressõeseram facilitadas pela circunstância de asmultas para quem vendesse vinho a miúdo sem licença nessesmeses terem sido estabelecidashavia
tratava--se, além disso, de um processo que tinha vindo a decorrer em muito largo tempo. Mais importante, porém, é o que o decaimento desses direitos
muito, pelo que, com a subida do preço do vinho, o lucro obtido com a venda ser, em geral, compensador. Por isso, os senhorios e relegueiros (rendeiros do relega) conseguiram pressionar no sentido de, relativamente a alguns locais, saírem alvarás agravando as penas. Em regiões de mais intensa produção e comercialização do vinho, vê-se ser muito difícil, porém, assegurar o cumpri-
gime
mento do relego.
O aumento das tensões, que por vezes degeneraram em conflitos abertos, verificou--se, em especial, com a subida do preço do vinho por influência do aumento da exportação, ao aproximar o final da década de 80, o que tornava mais vantajosa a sua comercialização7a.
Então, os «rendeiros principais» do relego;' que também;costumavam motive ocasião de debater esta questão com Pierre Velar numa mesa redonda sobre
O Z,íberalísmo Porfzzguêsno SécüZoXZX; Lisboa, Mloraes Editores, 1981; 7' Era geralmente estabelecido durante 3 meses, ou no primeiro trimestre do ano, ou em qualquer outro, entre Novembro e Março: No casode Coimbrã, por exemplo, era
durante os mesesde Novembro, Dezembroe Janeiro. 7zAs religiosas do Lorvão,.por exemplo, queixavam--sefrequentemente de que, durante o relega, não conseguiam vender todo o vinho que haviam recebido das suas
imposiçõessenhoriais na região de Coimbrã, no final da décadade 80 (ANTT,
DP-Beira,M. 352,B.g26 758).
23Entre os que assinalámosirentão,destaquem--seos ocorridos nas regiões de Torres Vedras e Coimbrã (ANTT, DP--Corte,Estremadura...,
n.' 15 e DP--Beira, M. 109, n.' 8686)
M. 1120, =.g 16 e M. 1435,
traduz de perda da influência e da autoridade senhorial nos seus domínios. São os sinais bem visíveis da última fase de uma longa crise estrutural
do re-
1.2.3.Sobre a ferra No estado de atraso actual dos estudos de história agrária em Portugal e, nomeadamente, dos que se referem à renda fundiária, não é possível conhecer,
comrigor, a composiçãoda renda senhorial eo seuposicionamento relativo no conjunto.
casodos donatários laicos, em geral absenteístas, tudo indica que a parte dosdireitos sobreaterra tenha diminuído relativamente aosrendimenque lhes advinham de cargos na Corte e de favores régios (tendas, mercês, etc.), além de outros fontes (juros provenientes de operações ülninceiras e outras actividades). Como se costumava observar então, nenhum deles poderáa viver apenas do que Ihe dava a terra. u .Essa, uma das razões do grau de dependência crescente da nobreza titulada relativamente ao Trono, à medida que se avança para o final do Antigo Regime, criando uma situação
singular
do nosso país relativamente
a outroos
europeus, nomeadamente França. Muito diferente, pois, da situação dos donatários eclesiásticos, que tinham na renda fundiáriade natureza senhorial a base fundamental ou quase exclusiva dos seus rendimentos.
F E este facto que permite compreender por que, na defesa dos direitos senhoriais, de uma posição exclusiva que vimos os senhorios laicos assumirem
JOSÊ TENGARRÍNHA
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MOVIMENTOS POPULARESAGRÁRIOS EM PORTUGAL
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13S
outros pesados encargos, as rações passaram a ser cobradas com menos rigor,
normalmente abaixo do que estava consignadono foral7õ Acontecia até, com alguma frequência, que, indo ao encontro da pressão dosagricultores, e em vista dasdiÊ]culdadesdo cálculo eda cobrançada parte que lhes cabia, os senhorios acordavam com eles uma quota certa. Vemos ocorrer commaior ü'equência esta última situação em terras de que
deles beneficiavam.
a Coroa tinha posse directa e, mesmo, essas quotas âlxas serem parcial ou to-
a) RAÇÕES E SABIDOS
Constituíam os foros estabelecidos nos forais, nos contratos enfitêuticos ou
üü@lêü: M social obtido pelos produtores
directos.
.. . .
ãEn ,-'
. ... ..
Nas duas grandes categorias em que sedlvi(liam ,eram, na prat=a: ubl usos certos ou sabidos uma espécie de arrendamS.ntos perpétuos, e os foros incer-
talmente pagas em dinheiro. Para tal, era, em geral, feita uma avaliação por louvadose, em vários casos,os sabidospassaram a constituir arrendamentos, de facto, pois sujeitos a ratiHlcação trienal. AjustiHicação expressa era a de que
se«evitava por estemodo quaisquer dissensões,ficando cada parte certa no seu direitos,"
Havia mesmo casos que assumiam consideráveis proporções, pela extensão e valor das terras em causa"
Era visível o insuHlcientenúmero de almoxarifados em funcionamento(o mesmotinha de atender a reguengos por vezes afastados); em consequência,
asdi6tculdadesdos oülciaisde alguns acompanharem de perto as colheitas e, em geral, as insuficiências do aparelho da Coroa para cobrar as suas rendas quando tinha de o fazer directamente.
Para a compreensão deste processo nas terras de que a Coroa era senhoria directa, deverá ter-se em conta, também, a muito forte pressãoaí exercida peloscolonos,que, pagandoquotas de frutos, tentavam com frequência colocar-se na situação de foreiros da Coroa, de modo a sujeitarem--se a foros que se mantivessem ao longo de anos.
Há ainda o caso das regiões onde as explorações agrícolas se encontravam muito parcelarizadas, tornando particularmente difícil a cobrança dos direitos raçoeiros. Compreende--se,assim, que no Minho eles fossem raros, estando antes generalizados, aí, os sabidos, com frequência encabeçados e cobrados através de pessoeiros ou cabecéis.
Eram também frequentes os casosde instituições religiosas, que, perante as dificuldades de cobrançadas rações,não só as reduziram a sabidos como até estabeleceram quantitativos ülxos, englobando foros e dízimos. Estas situações,que vemos aparecer sobretudo no Centro Litoral, irão dificultar extremamente a execução da legislação liberal (Decreto de 5 de Junho de 1822),
7õAlberto Cardos de Menezes chega a dizer que não havia um só foral deste género
queseobservassecomrigor em qualquer parte do Reino(Plano (!e reforma de ánrais, P.El100)
70Ver, entre vasta informação, um interessante conjunto de documentosem ANTT, MJ, M. 184, Mte 4, n.g 766.
17Veja--se,por exemplo, o ocorrido no paul da Manneleira. Em livros antigos, relativos aos anos de 1730 e 173 1, estava registado que havia sido feita partilha dos fru-
doazeite,quedeviamserdequinto.. .. .. ol:: '
-,::-.=..-'-
À medida que sobre as terras sujeitas a afeitos raçoeiros ue ianiju"''"uv
tos produzidos aÍ, tiTandCH-se o quinto e dízimo para a Fazenda Real. As rações foram, porém, reduzidas a sabidos «porque, 6lcando o dito paul em bastante distância do de Asteca, não poderia ser vigiado pelos oficiais do dito Almoxarifado e que, por conse-
quência,correria muito risco as suas produçõesdivididas pelas mãos de muitas 74Não se ignora que especiosasdiferenças foram estabelecidas por alguns juristas dos 6lns do século xvni entre foros e rações nos prazos
pessoaspobres». Assim, já outro livro, relativo a 1741, registava a cobrança deolOI alqueires de cevada de sabidos do paul (ANTT, CF, Consultas, L. 13, f. 105).
JOSÊ TENGARRINHA
MOVIMENTOS POPULARESAGRÁRIOS EM POiqTUGAL
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que reduziu os foros certos e incertos a metade, sem ter tocado nos dí-
de rações encravadas em terras jugadeiras e raçoeiras (pois os tombos, com frequência, não eram claros nas demarcações) e terras contíguas com diferen-
Foi igualmente no Centro Litoral que osdireitos raçoeiros semantiveram mais generalizadamente, de acordo com os forais, que estipulavam pesadas quotas de frutos ou rações de terço, quarto, quinto, sexto, sétimo e oitavo da totalidade ou parte dosfrutos nasjugadas eforos ou censosem terras da Coroa ou de senhorios particulares. O seu pesoé confirmado, mais tarde, no movimento peticionário às Cortes liberais78 Tal situação só é compreensível através da acçãoexercida nessa região pelos donatários eclesiásticos (Santa Cruz, Celas, Santa Clara, Santa Mana de Ceiça, Lorvão, Sé, Universidade e outros), que haviam imposto rações de terço, quarto, quinto e oitavo, diferençandoterras galegase mouriscas, campose montes. Era--lhes possível manter essamodalidade mais vantajosa de: indo à forma de cobrança directa que generalizadamente utilizavam. Vê--se,assim, para tais senhorios serem'as rações, além dos dízimos, a principal fonte das suas rendas. Compreende--serpoisÍ' que tenha sido a região onde se registou a mais densa conflitualidade anta--senhorial desde que, a partir do início da década de 70, sobretudo?senhorios passaram a exigir rigoroso cumprimento dos di-; rectos raçoeiros. Aquilo que não fora considerado excessivamente pesado
tes quotas, por vezes,até, pertencentes ao mesmo senhorio. Nestas circunstância!, era comum os agricultores sofrerem imposições indevidas de rações ejugadas. P?r outro lado, a própria natureza desse direito propiciava o engano e a fraude, de parte a parte. Assim acontecia, por exemplo, quando, como era frequente na Beira Litoral, o mesmo foreiro cultivava sob vários senhorios. sujeito a diferentes prestações: era difícil, nessas condições, identificar a quota que a cada senhorio pertencia em dízimos e rações de frutos colhidos simultaneamente ou em terrenos não divididos; ou quando os senhorios impunham rações sobre produtos não mencionados nos forais; por serem de menor importância ou mesmonão existirem no local quando eles foram instituídos: pretendiam então os senhorios incluí--los nas designações foraleiras de «todas as
aquando da instituição dos forais era agora, pelas razões descritas, visto como
questão da avaliação dos frutos.
zimos l
intolerável pelos agricultores. E ocontraste era maior, ainda, pelofacto de ser um dos direitos cuja efectiva cobrança, habitualmente, estava mais abaixo do que se encontrava consignadonos forais. Acrescia que os foreiros eram obrigados a transportar para os celeiros dos senhorios, por sua conta e risco, a parte que cabia a estes(direito de «carreto»). E, quando tal transporte era feito pelo senhorio este cobrava uma quantia proporcional aos produtos transportados79 A pressão dos contratadores de rendas de senhorios laicos e, sobretudo, a dos donatários eclesiásticos traduziu-se, com efeito, em rigores e excessosde cobrança como não havia memória. Os abusos eram propiciados, por um lado, pelas grandes confusões existen-
tes sobrecomoosdireitos estavam delimitados nas terras. Havia terras livres
novidades>> e 80
A primeira grande dificuldade que se levanta aos senhorios quando querem fazer cumprir com rigor os direitos raçoeiros é o desconhecimento da produção: terços, quartos, quintos, sextos, oitavos de quê?
Por isso, esta conflitualidade acaba por centrar--se, em grande parte, na A ocultação antes da partilha era antiga prática conhecida. Desta maneira, com a habitual
manha, usando de mil engenhosos artifícios, conseguia o cam-
ponês uma real diminuição do encargo, sem provocar situações de frontalização, em que as suas armas eram inferiores. Ao Paço chegam, em grande número, queixas de donatários eclesiásticos sobre os graves prejuízos que estas ocultações lhes causam, «por forma de que quando devem 6 ou 8 só pagam 2 ou 3»;:.
Manifestavam ainda os senhorios religiosos surpresa pelo destemor com que os camponeses o faziam, sem recearem pela «salvação das suas almas», ao ponto de reconhecerem abertamente
estarem a roubar,sim,
mas «apenas»
aos padres.
Determinar o quantitativo da produção era, pois, questão essencial. Mas onde? Se a partilha
se fizesse nas casas dos camponeses, como estes queriam,
a ocultação era ainda mais fácil; insistiam então os senhorios para que fosse v8Segundo os estudos de A. Silbert(Le probZêmeagraire português..., Paras, P. U. F., 1968), prolongados por Nuns G. Monteiro(«Revolução liberal e regime senhorial...», Reuísfa Porfugüesa de .EÍisfóría, T«XXlll, Coimbrã, 1987, pp. 143-:182), o movia ente peticionário anti=-senhorial dirigido às Cortes tem origem predominante na Beí:a(6 2,2qudo total das petições desta natureza), com a maior concentração na Beira
Litoral e na Alta Esl;relnadura ocidental,.íEo principal direito senhorial contestado eraJn as prestações nlçoeiras, que constituíam 67,2%udos direitos que se pagavam nas pov:)ações })eticionárias.
9Por exemplo, o mosteiro de Santa Cruz cobrava de carreto, em terras do concelho
da Mealhada, l alqueire por cada 15 alqueires(AIJC, Mosteiro de Santa Cruz, L. 151). Mas esta era uma imposição que ia caindo em desuso e de que o próprio poder central parecia querer libertar os povoa, como se pede ver de sentenças do Desembargo do
Paço.As práticas tradicionais eram, porém, suficientemente fortes para que se fosse mantendo, ao ponto de a legislação liberal ainda o admitir(Decreto de 20 de Março de 1821, art. l.').:
feita nas eirass2
Porém, era igualmente
generalizada
a experiência dos senhorios de que os
camponesessó levavam para a eira, para divisão, «oque lhes parece». noAlém de legumes e hortaliças, íoi sobretudo em torno da ração de quinto e oitavo
do azeite que, na Beira Litoral, se levantaram mais vivas controvérsias, visto, ainda nos princípios do século xvm, ele não ser mencionado em reconhecimentos e tombos
de várias terras foraleiras. O mesmo se passaem relação à batata e ao arroz, dada a suaexpansãotardia. 8i São numerosos os testemunhos desta natureza que acompanham, em geral, os muito volumosos processosdas contendas. Ver, por exemplo, para 1773 e concelhos da Figueira da Foz e Soure, ANTT, ])P--Beira, M. 219, n.e 14 491 e M. 342, n.e 25 849.
8zEsta foi a posição de alguns donatários, como o mosteiro de St Bernardo (AUC, Colégio de S. BernardojLL.
40 e 57).
ROSÉ TENGARRÍNHA
Os forais determinavam, com frequência, que a partilha das pensões da pão, vinho elinho podia ser feita na eira, no lagar ou no tendal, perante duas testemunhas. Em consequência,donatários impunham a obrigação de estarem sempre presentes na partilha de qualquer fruto, por seus mordomos ou rendeiros, sobpena de perdimento dos prédios. Outras imposições,mais ou menos originais e não legalmente fundamentadas, foram tentadas para evitar as recolhas furtivas, como a de que os agricultores não pudessem colher antes do nascer do Sol nem depois do sol-postoa3.
Nenhuma destas medidas, porém, se mostrava suHlcientemente eficaz. A avaliação nos frutos pendentes ou «dosfrutos no agro» foi, então, o meio
MOVIMENTOS POPULARESAGRÁRiOS EM PO]«UGAL
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ao agricultor, pois o cálculo sobre a produção da terra em cereal era mais baixo
do que o lucro que tinha com o gado.
Assim, em vários locais se foram abandonando lavouras, e algumas culturas ressentiram-se disso. IJma das mais afectadas foi o linho, cujas rações em terrasjugadeiras
, reguengueiras
e enHitêuticas eram de quarto e de oitavo.
Estes foros, a que se acrescia o dízimo, eram demasiado pesadospara uma cultura que exigia grandes trabalhos e gastos. Por isso, aquela que fora tradicio-
nalmente uma importante fonte de receita das famílias rurais, e tinha até para elas um valor simbólico, foi decaindo, irremediavelmente, sobretudo na Beira Litoral.
que os senhorios tentaram generalizar, como o mais seguro, retomando, assim, os indicativos
sugo
das Ordenações (L. 3, tt. 17, $ 1), em geral caídos em de-
b)JuaADASE OITAVOS
cais, se negaram a todo o pagamento,sendofrequente ouvi--los dizer que
Ajugada, imposta fixamente (em génerosou dinheiro) sobre o número de 'jugos»oujuntas de bois utilizados pelosagricultores,era um dosprincipais
«rações sãoppara bestas», ao mesmo tempo que falavam nos «õ'ades que
direitos sobre a terra, que se pagava tanto ao rei como a nobres ou a ecleáiás-
A ofensiva provocou forte resistência dos camponeses, que, em muitos locomiam rações...».
ticos
Alegavam não poderhaver garantia do fruto recolhido («adversidadesdos tempos, inundações, fogos, roubos, estragos dos bichos, esterilidades») e acusavam os senhorios de quererem fazer as ateigações por louvados que não mereciam conülança dos povos, sendo certo que, segundo as Ordenações, deviam ser aceites por ambas as partes. E este aspectoque vai gerar uma das mais fortes solidariedades entre os povos e as câmaras a que se assiste nos movimentos rurais de então. Com efeito, são as câmaras que nomeiam os louvados que, em representação dos povos, se vão opor aos nomeados pelo senhorio ou seus rendeiros, o que provoca, com ü'equência, vivas controvérsias. E dizia--se ser essa uma prática
Era igualmente um dos que pesavam com maior desigualdade, não sendo uniformes em todos os forais e dando origem a muito injustas situações: eram favorecidos, por vezes, os lavradores de fora das povoações(como em Montemor+Velho), tanto pagando o que lavrava muita terra como o que lavrava pouca(sendo até livre dejugada o que lavrasse cais de três jeiras), tanto pagandoo que teve más colheitas como o que as teve boas, sendo sobrecarregadas as pequenas lavouras e, em especial, os seareiros, que tinham de ter bois
corrente em muitas terras da comarca de Coimbrã «e em outras muitas deste Keino>>".
Segundo observadores da realidade rural de então na Beira Litoral, nas
para os trabalhos agrícolas,mas decorrendo estes em período limitado. Quandoajugada incidia sobreterras que pagavam também o oitavo do linho e vinho, era cada vez mais pesada a jugada sobre os cereais, pois o aumento
do plantio das vinhas (sobreo vinho não recaía ajugada, porjá pagar, nessas condições,o oitavo) provocava a diminuição da produção dos grãos sobre que caía ajugadaííxa.
A situação não melhorou com os encabeçamentos a que em vários locais se
terras onde predominavam as rações, as condições da agricultura haviam pio-
rado e oscamponesesatravessavam grandes dificuldades. Muitos tiveram de deixar as terras, outros não as cultivavam, para não terem de pagar rações e dízimos, promovendo nelas criação de gado. Por isso, esta se foi expandindo, em proporçõesnunca até aí observadas em terras sujeitas a direitos raçoeiros, como se verá no período seguinte. Os senhorios não deixaram, porém, de impor rações, por éstimos, tanto destas como das terras não cultivadas por falta de meios ou por estarem em alqueive. No entanto, o balanço eta favorável 8sUma destas exigências provocou grande agitação no concelhoda Figueira da Foz, pelo comerciante inglês Fletcher, contratador das rendas do prazo da Quinta d;oCanal
procedeu dasjugadas de pão, que se traduziram, na prál;ica, em pesadas prestações colectivas ülxas e provocandol também, grandes desigualdadesa6'
Foi, por isso, um dosmais fortes motivos de protesto que atravessaram os nossoscampos desde tempos recuados. Faziam--se ouvir as queixas, sobretudo,
dos pequenosagricultores, cl4jascolheitas, com frequência, não eram suficientespara satisfazer a jugada fixada na Ordenação ou no foral. A favor deles, pois, foi que, em muitas localidades, se mudou o pagamento dajugada (sabido) para pagamento em oitavo (ração),passando a conftlndir-se. Isso não impediu, porém; que, em muitas outras partes, de acordo com os
forais, vigorassem simultaneamente jugadas e oitavos sobre produtos dife-
(ANTT, DP--Beira, M. 379, n.P28 529).
84Eram muitas as modalidades praticadas, diferentes das"estipuladas nas Ordenações, só dependendo das combinações que se faziam entre os sem)orlas e os
agricultores.
s5Na vasta documentaçãosobre este:assunto, saliente-se: ANTT, DP-Beira, M. 219, n.e 14 491, M. 308, n.' 23 604; M. 330, n.e 25 436; M. 342, n.g 25 849; M. 379, n.' 28 529; MR, M. 453. AUC,: Colégio de S. Bernardo, LL. 40 e 57.
SÕAlgumas destas desigualdades e irregularidades
são descritas por A. Cardos de
Menezes em Plano de reforma de áoraese direífos óa/znaes,pp. 79--99, e Thomaz An-
tonio de Villa--Nova Portugal, «Observaçõesque seria util'fazerem--se para a descripção económica da comarca de Setubal», in B/emórias .Económicas da Academia, T. ,P
04
COSE TENGARRINHA
rentes e com formas diversas: as jugadas, como medidas certas de trigo e/ou
milho (em geral, l moio de cadaou dosdois); os oitavos, comoração de vinho elinho. Outras localidades (comoCoimbrã)havia, ainda, cujo foral não falava expressamenteemjugada, masessedireito estavaimplícito na designaçãode oitavos, sobretudo quando se sabia serem essasterras jugadeiras. Confusõesmalévolas entre oitavos e jugadas (para poderem ser cobrados separadamente), confusõesresultantes de estarem terras livres de rações encravadas em terras jugadeiras e raçoeiras, confusões sobre a cobrança de quotas de todos os frutos de uma terra (por isso, nãojugadeira)
com a cobrança
de jugadas sobre cereais, vinho e linho dessaterra, formavam um quadro muito propício a abusos e excessos. A situação tornou-se particularmente
aguda depois que donatários (laicos
e, sobretudo, eclesiásticos) e contratadores das rendas dasjugadas passaram
a exigir, comtodo origor, ocumprimento do foral, contrariamente à 'Relhaprática de receberemum quantitativo inferior ao estipulado no foral, por ajuste com os agricultores07.
Ultrapassavam, até, comfrequência, o próprio foral, exigindo excessivas e arbitfáriasjugadas
cobradas em cada triénio e o oitavo da azeitona. O direito
dajugada deu mesmo cobertura a que senhorios impusessem: em seu nome, pesado foro a cada morador, tivesse ou não lavoura ou qualquer
produçãoos.
Foi esteum dos domínios em que os contratadores das rendas tiveram presençamais saliente, em grande parte devido às deficiências da cobrança régua.Houve terras administradas directamente pela Coroa, em que, durante vários anos, asjugadas não foram cobradas,e, quando entregue a sua recolha a contratadores, estes exigiram a liquidação, de uma só vezj!de todos os atrasados. Sucediam--se, então, as citações, penhoras, execuções dos bens dos
agricultores". 87Caso expressivo, por exemplo, íoi o ocorrido na Lousa, quando os rendeiros das
jugadas exigiram o pagamento rigoroso destas,conformeo foral. Alegavam osagricultores que o tempo presente era mais adverso, pois quando os forais haviam sido esta-
belecidos«eramui fácil a qualquer lavrador o cultivar maior extensão de terra e com menos despesa, porque também possuíam muitas suas de que tiravam abundantes
â'utos e; por isso, commenos trabalho podiam mais facilmente e commenos vexação pagar os 21 alqueires de jurada do que presentemente l ou 2;,. Por isso, alguns agricultores tiveram de abandonar as suas lavouras e outros deixaram de comprar bois ou tinham--nos a meias. E citava--se o contraste com as terras próximas de Penda depois que os direitos dajugada ali hajam sido reduzidos para 800 réis (ANTT, CF, Consul-
tas,:L. 13..f. 125v.). 88Na muito vasta documentação sobre o direito das jugadas, destacaremos,
exemplificativamente:ANTT, DP--Beira, M.f109, H.e8686h(doc.118), M.. 219, n.' 14437, M. 377, n.g 28 427; CF, Consultas, L: 7, f. 59 e L. 13, f. 125v.; IGP--Guarda, M. 88 (n.g ordem 326), n." 59-62.
MOViMEiWOS, POPULARES AGRÁRIOS EM PORTUGAL
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O processo que se desenvolve em torno das jugadas é, assim, um dos que
mostram mais claramente a diÊlculdadedo regime senhorial em retomar. então, velhos direitos na forma como originariamente haviam sido concebia dos
O quadro de encargos era mais complexo, tinha--se alargado o leque de culturas e alterado a relação entre a produção do grão, do vinho e do linho. A mobilidade da terra, com o decurso dos tempos, tornava muito mais diHcil a demarcaçãodas diferentesjurisdições a que as explorações agrícolas estavam sujeitas, os privilégios
de isenções punham ainda mais em foco as cargas sobre
os pequenos agricultores e a crise que daí vinha para o tecido da sociedad e ru-
ral. O percurso deste direito até à legislação liberal, que o reduzirá a metade
(Decreto de 5 de Junho de 1822), será acidentado, com grandes dificuldades de imposição na parte do Reino em que era aplicado, acompanhado de violências e excessosfrequentes. c) LAUOÉWiOS
Eram imposições sobre vendas e trocas de terras, que o foreiro ou enHiteuta devia pagar ao senhorio directo quando alienasse o seu domínio útil.
Normalmente, ataxa era de 2,5%(a quarentena prevista no códigofilipino) a 10qn,mas variava muito, pois não poucasvezesera fixada à margem dos forais por contratos particulares, podendo ser de terço e quarto ou de sexto e
oitavo, chegandoa atingir metade do preço de venda; era, com n'equência, a mesma da ração que o senhorio recebia, denominando--se então «laudémio segundo a partilha». Apresentava grande desigualdade no Reino, pela arbitrariedade que havia na fixação do quantitativo, sendo frequente os senhorios agravarem--no unilateralmente,
cobrando como queriam.
A controvérsia em torno doslaudémios acendeu--semais vivamente depois que a subida moderada dos preços, desde meados do século xwn, propiciou uma maior procura de terras. Vieram então à tona questões que, ao longo dos
tempos, setinham mantido latentes ou motivaram controvérsias não muito expressivas. Se éilna Beira (Litoral, sobretudo, e também na comarca da Guarda) que vemos surgir então maior número de conflitos neste domínio. isso deve-se à mais forte pressão que é aí exercida por senhorios (laicos e, em maior número, eclesiásticos), sendo um indicativo, também, da relativamente considerável mobilidade das terras nessa região9' O laudémio constitui, em tais condições, um obstáculo a essa mobilidade,
onerando pesadamente o preço da terra. Aparecia, então, com maior evidência, ser este um dos direitos que mais
frequentemente fugiam ao controlo dos senhorios. Desde tempos recuados, eram conhecidas as variadas formas utilizadas pelos agricultores para o .u .lr
89Manuel de Almeida e cousa de Lobãotestemunha, expressivamente: