Manifesto Comunista 9788585934231

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Manifesto Comunista
 9788585934231

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KARL MARX· FRIEDRICH ENGELS manifesto comunista

'

e

MANIFESTO COMUNISTA

Karl Marx 1818-1883

Friedrich Engels 1820-1895

Karl Marx e Friedrich Engels

MANIFESTO COMUNISTA

Organização

e

introdução

Osvaldo Coggiola

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Copyright desta edição© Boitempo Editorial, 1998, 2010 Tradução do Manifesto Comunista Álvaro Pina e Ivana Jinkings Assistência editorial Ana Lotufo, Daniela Jinkings e Elisa Andrade Buzzo Revisão Alice Kobayashi, Flamarion Maués e Priscila Úrsula dos Santos Capa Antonio Kehl sobre desenho de Maringoni Editoração eletrônica Flavio Valverde Garotti Produção Paula Pires Impressão e acabamento Gráfica e Editora Parma CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M355m Marx, Karl, 1818-1883 Manifesto Comunista / Karl Marx e Friedrich Engels ; organização e introdução Osvaldo Coggiola ; [tradução do Manifesto Álvaro Pina e Ivana Jinkings]. - l.ed. revista - São Paulo : Boitempo, 2010. il. - {Coleção Marx-Engels) Tradução de: Manifest der Kommunistischen Partei Apêndices ISBN 978-85-85934-23-1

1. Comunismo. 2. Socialismo.!. Engels, Friedrich, 1820-1895. II. Coggiola, Osvaldo. III. Título. IY. Série. 10-2157.

CDD:

335.422 330.85 019093

CDU:

Agradecemos a valiosa colaboração de Francisco Melo (edições Avante!), Alexandre Antunes Pereira e Floriano da Costa Durão, que se empenharam particularmente na edição deste Manifesto.

É vedada, nos termos da lei, a reprodução de qualquer parte deste livro sem a expressa autorização da editoria. Este livro atende às normas do novo acordo ortográfico. 1•edição: março de 1998; 1•reimpressão: abril de 1998; 2•reimpressão: abril de 1999; 3° reimpressão: agosto de 2002; 4° reimpressão: junho de 2005; 5° reimpressão: novembro de 2007 1•edição revista: junho de 2010 BOITEMPO EDITORIAL Jinkings Editores Associados Ltda. Rua Pereira Leite, 373 05442-000 São Paulo SP Tel./fax: (11) 3875-7250 / 3872-6869 [email protected] www .boitempoeditorial.com.br

SUMÁRIO

Nota da e dição .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Osvaldo Coggiola MANIFE STO COMUNISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 7

Karl Marx e Friedrich E ngels 1

........................................................... 40 51 Literatura socialista e comunista .. ... .. ... .. .. ... .. ... .. .. ... .. ... .. .. ... .. .. 59 Burgueses e proletários

-

II III IV

Proletários e comunistas..........................................................

-

-

Posição dos comunistas diante dos diversos partidos de oposição................................................................

68

Prefácios de Marx e Engels Prefácio à edição alemã de 1872 . .................................................... Prefácio à edição russa de 1882 .. .................................................... Prefácio à edição alemã de 1883 ..................................................... Prefácio à edição inglesa de 1888 ................................................... Prefácio à edição alemã de 1890. .. .................................................. Prefácio à edição polonesa de 1892................................................. Prefácio à edição italiana de 1893 ..................................................

71 72 74 74 78 80 81

-

E m memória d o Man ifesto Comunista ............................................... 8 7

Antonio Labriola O Man ifesto Comunista de Marx e Engels . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 3 7 Jean Jaures Noventa anos do Manifesto Comunista ...........................................

159

Leon Trotsky O Man ifesto Comunista de 1 848 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 6 9 Harold J. Laski Cem anos depois do Manifesto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 3 1

Lucien Martin O Man ifesto Comunis ta: qual sua relevância hoje? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 3 9 James Petras Sobre os autores.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255 Cronologia resumida de Friedrich Engels e Karl Marx............... 257

NOTA DA EDICÃO '

ESTA TRADUÇÃO do Manifesto do Partido Comunista foi feita por Álvaro Pina, a partir da edição alemã de 1890 (prefaciada e anotada por Friedrich Engels}, para as edições Avante! (Lisboa, 1975). A tradução portuguesa foi publicada pela primeira vez em 1975, com introdução e notas de Vasco Ma­ galhães-Vilhena, e revista e complementada em 1997, por José Barata-Moura. Para esta edição, além de alguns ajustes ortográficos promo vidos por Luciana Crespo, fizemos um cotejamento minucioso com a versão inglesa de Samuel Moore, revisada, prefaciada e anotada por Engels (Harmondsworth, Penguin Books, 1967); com a tradução francesa de E. Bot tigelli (Paris, Aubier-Montaigne, 1971) e com a italiana de Antonio Labriola (Milão, Avanti!, 1960). Confrontamos ainda essa tradução com duas edições brasileiras: a de 1986 (São Paulo, Novos Rumos; introdução de Edgard Carone) e a de 1988 (Petrópolis, Vozes; tradução de Marco Aurélio Nogueira e Leandro Konder ). O que ora lhes apresentamos é, ao final de tudo isso, uma versão nova do Manifesto Comunista de Marx e Engels. Para as notas de rodapé (em número reduzido, uma vez que não era nossa intenção fazer uma edição crítica}, utilizamos como fontes as mesmas edições já citadas, em especial as portuguesas dirigidas por Magalhães-Vilhena e Barata-Moura, e o livro Le Manifeste Communiste de Marx et E ngels. Histoire et bibliographie, de Bert Andréas (Milão, Feltrinelli, 1963). As notas indicadas com números são de Marx e/ou Engels; as indicadas com asterisco, da edição brasileira. Acréscimos e explicações estão indicados com colchetes (no texto) ou parênteses (nas notas). Nos seis ensaios que acompanham este Manifesto utilizamos o mesmo cri­ tério: números para as notas dos autores e asteriscos para as notas da editora ou das traduções - neste caso indicadas com "(N. da T.)".

Ivana Jinkings

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150ANOS DO MANIFESTO COMUNISTA Osvaldo Coggiola

O MANIFE STO do Partido Comunista foi publicado pela primeira vez no final de fevereiro ou início de março de 1848, em Londres. Segundo Bert Andreas, é provável que o próprio Marx tenha levado os originais de Bru­ xelas, sua residência de exílio, para Londres, na última semana de fevereiro de 1848. A urgência foi ditada pela explosão (dia 22) da "revolução de feve­ reiro" na França. O Manifesto tinha sido encomendado a Marx, entre três e quatro meses antes, pela Liga dos Comunistas.

Manifesto e 1848 Quando o Manifesto foi encomendado, em novembro de 1847, todos acre­ O

ditavam que a Europa estava às vésperas de uma revolução. Apesar do sentimento geral de urgência, Marx, ap arentemente despreocupado, de­ morou para entregar o documento. No final de j aneiro, a direção da Liga dos Comunistas, sedi ada em Londres, enviou a Marx uma carta impa­ ciente: "O Comitê Central, por meio desta, autoriza o Comitê do Distrito de Bruxelas a comunicar ao cidadão Marx que caso o Manifesto do Partido Comunista, que ele se propôs a redigir no último Congresso, não chegue a Londres antes do dia 1º- de fevereiro, tomar-se-ão medidas contra ele. Na eventualidade do cidadão Marx não escrever o Manifesto, o Comitê Central pede que os documentos a ele confiados pelo Congresso sej am devolvidos imediatamente. A carta estava assinada por Bauer, Schapper e Moll, três operários ale­ mães, exilados em Londres, que eram então dirigentes da Liga. O Manifesto coincidiu com o início da esperada revolução. Ela estourou na Suíça, espa-

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Osvaldo Coggiola

lhou-se rapidamente para Itália e França, depois para Renânia, Prússia e, em seguida, para Áustria e Hungria. Na verdade, o levante revolucionário europeu de 1848 era largamente esperado. Como afirma Eric J. Hobsbawm: "A catástrofe de 1846-1848 foi universal e a disposição de ânimo das massas, sempre dependente do nível de vida, tensa e apaixonada. Um cataclismo econômico europeu coincidiu com a visível erosão dos antigos regimes. Um levante camponês na Galí­ cia em 1846; a eleição de um papa 'liberal' no mesmo ano; uma guerra civil entre radicais e católicos na Suíça no final de 1847, ganha pelos radicais; uma das constantes insurreições autonomistas sicilianas em Palermo no início de 1848 (...) Tudo isso não era pó e vento, mas os primeiros rugidos da tempestade. Todos sabiam disso. Dificilmente uma revolução foi mais uni­ versalmente prognosticada, mesmo sem se determinar em que país e data teria início. Todo um continente aguardava, pronto para transmitir as primeiras notícias da revolução, de cidade em cidade, através dos fios do telégrafo elétrico".1 A Liga dos Justos

e

o comunismo

O termo "comunista" merece uma explicação. Na época, o "socialismo" era considerado uma doutrina burguesa, identificada com os vários esquemas reformistas experimentais e utópicos dos ideólogos pequeno-burgueses. Os comunistas eram aqueles que estavam claramente a favor da derrubada revolucionária da ordem existente e do estabelecimento de uma sociedade igualitária. O comunismo dessa época originara-se de uma dissidência de extrema esquerda do jacobinismo francês, representado por Gracchus Babeuf e Filippo Buonarroti. A Liga dos Justos era composta por trabalhadores, principalmente arte­ sãos alemães exilados, alocados em Londres, Bruxelas e Paris, e em algumas partes da Alemanha. Não se tratava de proletários modernos trabalhando em grandes fábricas mecanizadas. No entanto, eles foram atraídos pelas concepções de Marx e Engels acerca da natureza da sociedade capitalista moderna. A Liga dos Justos trazia em sua bandeira o slogan "Todos os ho­ mens são irmãos!". Quando abraçou as concepções de Marx e tornou-se a Liga dos Comunistas, adotou o chamado do Manifesto: "Proletários de todos os países, uni-vos!" A velha Liga dos Justos oferecia a particularidade de, como federação, ser 1 Eric J. Hobsbawm. L a s Revoluciones Burguesas. Madri, Guadarrama, 1971, p. 544. (Publicado no Brasil pela editora Paz e terra, com o título A era das Revoluções.)

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Introdução

secreta, mesmo que as suas seções (da França, Alemanha, Bélgica, e a Asso­ ciação de Operários Alemães, grupo formado por Schapper e com sede em Londres) fossem legais e atuassem à luz do dia. No seio da Associação de Operários Alemães, haveriam de enfrentar-se as duas concepções, pois um de seus membros mais influentes, Wilhelm Weitling (que era então o chefe espiritual da Liga dos Justos, e que não tardou em ser afastado da Associação}, admitia apenas uma forma de propaganda, aquela das sociedades clandestinas de conspiradores, enquanto Marx exigia que se pusesse fim à propaganda secreta e que se transformassem as limi­ tadas agitações subterrâneas em um vasto e visível movimento de massas. De acordo com Emilio Frugoni: "Por c ausa do Congresso de Viena surgiu todo esse florescimento de sociedades secretas, que minavam o solo da vida política e social do continente europeu. Na França, como j á dissemos, a s associações blanquistas eram u m a forma d e 'carbonarismo'. A ' Liga dos Justos' surgiu da 'Liga dos Exilados'. Estes eram intelectuais emigrados de diversas nações. Alguns artesãos que havi am ingressado nessa 'Liga dos Exilados' acabaram separando-se dos intelectuais e for­ mando a 'Liga dos Justos'. Composta quase exclusivamente por operários, ela logo se tornou socialista, tendência que se desenvolveu por completo com o golpe de força ens ai ado pelos bl anquistas em 1839, no qual toma­ ram parte alguns membros da Liga".2 Marx

e

a Liga

Na verdade, a Liga se fez "comunista": de acordo com David Riazanov, tratava-se do "socialismo revolucionário, o comunismo, que a burguesia batizou com o nome de blanquismo, derivado de Auguste Blanqui"3, que foi o líder do frustrado levante de maio de 1839. Marx em Paris (onde ficou do final de 1843 até 5 de fevereiro de 1845, quando foi expulso por sua cola­ boração com o Vorwiirts e partiu para Bruxelas) manteve-se à margem das sociedades secretas. Não aderiu à Liga dos Justos, apesar de frequentar as suas reuniões na rua Vincennes, segundo um informe da polícia prussiana, e apesar da estima que tinha pelos artes ãos comunistas, como homens e lutadores. "Entre eles", escreveu em 1844, "a fraternidade não é uma palavra

2 Emílio Frugoni. Fundamentos dei Socialismo. Buenos Aires, Americalee, 1947, v. I, p. 127. 3 D. I. Riazanov. Manifiesto dei Partido Comunista. Notas de D. I. Riazanov. México, Cultura

Popular, 1978, p. 135.

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Osvaldo Coggiola

vazia, mas uma realidade, e toda a nobreza da humanidade irradia desses homens endurecidos pelo trabalho", em quem Marx admirava "o gosto pelo estudo, a sede de conhecimentos, a energia moral, a necessidade de desen­ volvimento". Convidado pela Liga dos Justos a aderir a ela, Marx filiou-se só no início de 1847. Foram estabelecidos novos estatutos, cujo primeiro artigo dizia: "O fim da Liga é a derrubada da burguesia, o reino do proleta­ riado, a supressão da antiga sociedade burguesa fundada no antagonismo de classes e o estabelecimento de uma nova sociedade sem classes e sem propriedade privada". A Liga foi r e o rgani z a d a para tornar-se demo crática, dep ois que Marx e Engel s exigi ram que s e suprimi s s e dela tudo aquilo que fa­ voreces s e a "sup erstiç ão autoritária". Colocou-s e um fim a to do tipo de conspi raç ão, que requeria méto dos dit atoriais da di reção, e a ati­ vi dade da Liga concentrou- s e na prop aganda públ ica, pelo meno s quando i s s o fo s s e p o s sível. O Congres s o aprovou a publicação de uma revista, cuj o único número ap areceu em s etembro de 1847, com o título de Revis ta Comunista. Nes s e número é adotado, substituindo o antigo lema da Liga: " Todos os homens s ão irmão s ", aquele indicado por Engels s eguindo sugestão de Marx, e que seria o grito de guerra com que s e haveria de encerrar o Manifes to: "Proletários de todos os país es, uni-vo s ". Assim s e chegava ao fim do proce s s o evolutivo que havia conduzido a Liga des de o comunismo idealista dos artesãos ale­ mães ou o comunismo "filo sófico e sentiment al" de Weitling; des de "a mescla de socialismo ou comunismo franco-inglês e de filos ofia alemã que constituía a dout rina s ecreta da Liga", s egundo as pal avras do próprio Marx, a "uma observação científica da estrutura econômica da s o ciedade burgues a, único fundamento teórico sólido" para sub s ­ tituir a aspi ração d e realizar "um sistema utópico qualquer, p o r u m a particip aç ão cons ciente n o proce s s o histórico da revoluç ão s o c i al que se cumpria sob os no s s o s narizes". Conspiração

e

comunismo

Já desde bem antes da sua adesão à Liga, Marx e Engels eram conhecidos como comunistas, como bem revela este informe da polícia alemã, de 14 de fevereiro de 1846: "Três chefes comunistas alemães, entre os quais se encon­ tra Karl Marx, estão preparando a edição de oito volumes sobre o comunis­ mo, sua doutrina, suas conexões, sua situação na França e na Inglaterra. Os outros dois colaboradores são Engels e [Moses] Hess, conhecidos comunistas,

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Introdução

tendo o primeiro deles chegado à Alemanha vindo da Suíça. A obra será publicada na gráfica do Der Deutsche Steuermann de Paris".4 A passagem das "sociedades secretas" para as sociedades operárias comu­ nistas foi um complexo processo histórico. Segundo Bert Andreas: "A Liga dos Justos devia alguns traços de sua organização secreta [como o conceito de comunismo] às sociedades secretas neobabeufistas, com as quais as comunas da Liga em Paris tinham estreitas relações. Os membros da Liga estavam obri­ gados a difundir os princípios, fazer novos recrutamentos, fundar associações oficiais de operários e artesãos (...) Foi somente nos grandes centros da Liga, em Paris e Londres, e mais tarde em Genebra, que as comunas tiveram uma existência e uma atividade contínuas, apoiando-se sempre em associações operárias paralelas". A mudança teve o seu epicentro na Inglaterra, onde o desenvolvimento industrial era mais avançado e a atividade da classe operária, mais aberta. A Convenção Geral das Classes Operárias da Grã-Bretanha, primeiro parla­ mento operário, convocado no início de 1839 pelos cartistas, havia discutido publicamente durante meses a organização da greve geral como meio de conquista do poder. O horizonte político dos Justos de Londres foi ampliado consideravelmente. O mesmo Andreas sustenta que "existia aí uma classe operária nascida da fábrica, que fazia valer suas reivindicações por meio do poderoso movimento cartista; havia liberdade de reunião e de associação; havia, além dos numerosos operários e artesãos de todos os países euro­ peus, exilados políticos franceses, alemães, italianos e poloneses de todas as opiniões. [A Liga tinha] apesar do elemento germânico ser fortemente preponderante, um caráter internacional". Simultaneamente, um segundo processo, essencial, tinha lugar: "En­ quanto a antiga desconfiança em rel ação aos 'intelectuais' começava a des aparecer entre os operários e seus representantes, e 'o proletariado ia buscar suas armas intelectuais na filosofia', os filósofos descobriam nos operários, nesses 'bárbaros' de nossa sociedade civilizada, o 'elemento prá­ tico da emancipação do homem'. Depois da rebelião dos tecelões da Silésia, em junho de 1844, Marx declarava no Vorwiirts que a Alemanha não poderia 'encontrar o elemento ativo de sua liberação, senão no proletariado "'. 5

4 Hans M. Enzensberger. Conversaciones con Marx y Engels. Barcelona, Anagrama, 1974, vol. I, p. 62. 5 Bert Andreas. La Liga de los Comunistas. México, Cultura Popular, 1 977, pp. 15-24.

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A influência do cartismo

Levando-se em cont a essa história, torna-se compreensível o fragmento do Manifesto cons agrado à "atitude dos comunistas diante dos outros partidos operários": "Ela era ditada pelo estado do movimento operário na época, particul armente na Ingl aterra. Os cartistas que havi am in­ gress ado na Liga o fizeram com a condição de que pudessem manter sua ligação com o partido. O seu intuito era organizar uma espécie de núcleo comuni sta no c artismo, para ali expandi r o programa e os objetivo s dos comunistas".6 A influência do movimento cartista foi, portanto, decisiva para o surgi­ mento do "comunismo operário". O cartismo, por sua vez, testemunha o impetuoso surgimento da classe operária no cenário social europeu. Já fazia tempo que esta enorme força social, em pleno processo de formação, não se limitava ao plano defensivo ou à atividade puramente sindical, mas também se projetava na ação política. Em janeiro de 1792, oito homens criaram a Lon­ don Corresponding Society, que se organizou em grupos de trinta membros, baseada em uma contribuição financeira acessível aos operários. No final desse ano, a sociedade contava já com três mil membros. Seus objetivos: sufrágio univers al, igualdade de representação, Parlamento honesto, fim dos abusos contra os cidadãos humildes, fim das pensões outorgadas pelo Parlamento aos membros das classes dirigentes, menor jornada de trabalho, diminuição dos impostos e entrega das terras comunais aos camponeses. Na mesma época, o livro de Tom Paine, Os Direitos do Homem, defendia a Revolu­ ção Francesa e a Independência americana, atacando a monarquia inglesa em favor do republicanismo. Publicado em inglês, céltico e gaélico, vendeu cerca de duzentos mil exemplares na Grã-Bretanha e se transformou no "manual universal do movimento operário". Em 1795, os dirigentes da sociedade foram presos e esta começou a decair. Mas ela foi, sem dúvida, o antecedente da primeira grande orga­ nização política operária, o cartismo inglês, assim chamado por basear­ se na Carta do Povo, proclamada em 1838. A reforma eleitoral de 1832, arrancada pela burguesi a industrial à monarqui a, elevou o contingente eleitoral de quatrocentos mil para oitocentos mil membros: ela s atisfazia os interesses da burguesia, doravante dona do poder político, mas não do operariado, pois sobrevivia o voto qualificado (ligado à propriedade). Em

6 David Riazanov. Marx et Engels . Paris, Anthropos, 1 970, p. 79.

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Introdução

1836 os operários condenados em revoltas anteriores foram indultados e começaram a regressar à Ingl aterra. Nesse clima, a Carta é proclamada e organizada em 1838: voto universal e secreto, abolição da qualificação (voto por nível de renda), pagamento aos membros do Parlamento (permitindo o ingresso nele de trabalhadores}, ni­ velação dos distritos eleitorais, parlamentos anuais (controle mais efetivo e revogabilidade dos representantes). Com base neste programa democrático, o cartismo organizou manifestações de massas, e até uma greve geral em 1842, que abarcou mais de cinquenta mil operários e inaugurou a prática dos "piquetes móveis", depois mundialmente difundida. Em 1847, a última onda de atividade cartista conquistou a jornada de dez horas: a primeira vitória histórica da classe operária foi produto de um movimento clara­ mente político. Por volta de 1848, o movimento cartista já estava esfacelado e derrotado. No entanto, a sua importância histórica pode ser medida pelo fato de ter lançado e de ter dado uma base de massas a duas reivindicações centrais do operariado, que teriam influência decisiva na estruturação contemporânea da sociedade inglesa, e das sociedades capitalistas em geral: a) a redução da jornada de trabalho; b) o sufrágio universal e secreto. Reformismo e utopismo

O cartismo antecipou os debates posteriores do movimento operário, ao cin­ dir-se em duas alas: 1) a ala partidária da força moral, confiante numa aliança com setores da burguesia e na pressão moral da justeza das suas reivindica­ ções, que os levaria à vitória; esta ala baseava sua ação no sul da Inglaterra, onde predominavam os velhos trabalhos artesanais; 2) a ala partidária da força física, responsável pela organização das greves e convencida de que só a ação direta dos operários os levaria ao triunfo; sua base de recrutamento era o norte industrial, especialmente os operários de Manchester, núcleo da revolução industrial e do proletariado fabril moderno. A Carta antecipou debates ulteriores sobre reformismo e revolução. Segundo Wolfgang Abendroth, neste período "os trabalhadores se con­ sideravam parte das camadas populares da nação, e ficaram presos a essa ideologia. A sua privação de direitos só podia ser eliminada exigindo para todos os cidadãos o mesmo direito em determinar a atividade do poder político, de mo do que não se abusasse do Estado em proveito de uns pou­ cos. Reclamaram para si próprios os direitos de liberdade correspondentes ao direito natural. Mas não foram capazes de colocar exigências diferentes

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Osvaldo Coggiola

do pensamento dos democratas burgueses radicais''. 7 Na prática, porém, foram bem além disso. O desenvolvimento social e político da classe operária criou as bases so­ ciais para a superação do "socialismo" até então existente, tanto na França (Saint-Simon, Fourier) como na Inglaterra (Owen). O termo "utopistas", apli­ cado a estes três visionários, foi assim explicado por Engels: "Se os utopistas foram utopistas, é porque, numa época em que a produção capitalista estava ainda tão pouco desenvolvida, eles não podiam ser outra coisa. Se foram obrigados a tirar das suas próprias cabeças os elementos de uma nova socie­ dade, é porque, de uma maneira geral, estes elementos não eram ainda bem visíveis na velha sociedade; se limitaram-se a apelar à razão para lançarem os fundamentos de seu novo edifício, é porque não podiam, ainda, apelar à História contemporânea". Na própria França, o socialismo não baseado na luta de classes teve a sua continuação com o trabalhador artesanal sapateiro Pierre-Joseph Proudhon, que em A Organização do Crédito afirmava: "O que precisamos, o que reivin­ dico em nome dos trabalhadores, é a reciprocidade, a igualdade na troca, a organização do crédito". O crédito gratuito era a solução do problema social: com ele, os trabalhadores "comprariam'' a sua liberdade do capitalista. "A propriedade é um roubo", tinha afirmado Proudhon, contra o capitalismo, propondo o sistema mutualista, baseado na gratuidade do crédito. Mas fracassaram suas tentativas de organizar um Banco dos Trabalhadores (pela lógica concorrência dos bancos capitalistas). Como diz George Lichteim, "não se tratava de um sistema socialista, por carecer de planejamento central, e menos ainda era comunitário. O que era? Talvez apenas a peculiar visão de Proudhon sobre o socialismo". Apesar de criticá-lo, Marx viu em Proudhon, um sapateiro, a demonstração da capacidade de pensamento independente da classe operária. Outro francês, Louis Blanc, por sua vez, propunha que o Estado reme­ diasse o problema social. Em A Organização do Trabalho, criticava a economia individual, sustentando que a economia coletiva (a fábrica) acabaria por se impor. "O Estado Popular deve regular a produção". Para isso, criaria Ofici­ nas Nacionais mistas (privadas e estatais}, a fim de que todos pudessem ter trabalho. "A concorrência levará à transformação social pacífica", afirmava, rejeitando explicitamente todo ato de violência revolucionária. E completava: 7 Wolfgang Abendroth. Historia Social dei Movimiento Obrero Europeo. Barcelona, Laia, 1 978, p. 45.

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Introdução

"A revolução social pode ser atingida, talvez com maior facilidade, por meio da colaboração entre os operários e a burguesia". Para isto, um instrumento: o sufrágio universal (Estado Popular). Foi com referência a estes dois últimos que Marx (em Miséria da Filosofia, de 1847) afirmou que "o ideal corretivo que gostariam de aplicar ao mundo não é senão o reflexo do mundo atual. É totalmente impossível reconstituir a sociedade sobre a base de uma sombra embelezada da mesma. Na medida em que a sombra vira corpo, percebe-se que o corpo, longe de ser o sonho imaginado, é apenas o corpo da sociedade atual". De acordo com Jean-Christian Petitfils, "nem a reforma eleitoral nem o desenvolvimento do movimento cartista interessaram a Robert Owen, para quem o sufrágio universal era uma simples 'mania popular'. Na França, as oposições dinásticas e as aspirações republicanas da oposição deixaram Saint-Simon e Fourier indiferentes. Ambos saíram das provas da Revolução de 1789 bastante decepcionados, para não dizer mais, sem grandes simpatias pelos jacobinos ou pelos babeufistas". O "partido comunista verdade iramente atuante" Paralelamente aos grandes construtores de sistemas sociais, outra tendência se desenvolveu, diretamente ligada aos movimentos populares. Foi a tendên­ cia radical das revoluções democráticas, caracterizada pelas suas propostas igualitárias, que foram paulatinamente designadas pelo termo "comunismo". Engels rastreou as origens dessa tendência nos primeiros grandes levan­ tes contra a aristocracia, "na época da Reforma e das guerras camponesas na Alemanha, a tendência dos anabatistas e de Thomas Münzer; na grande revolução inglesa, os levellers; e, na grande Revolução Francesa, Babeuf. E esses levantes revolucionários de uma classe incipiente são acompanhados, por sua vez, pelas correspondentes manifestações teóricas: nos séculos XVI e XVII, surgem as descrições utópicas de um regime ideal de sociedade; no século XVIII, teorias já declaradamente comunistas, como as de Morelly e Mably. A reivindicação da igualdade não se limitava aos direitos políticos, mas também às condições sociais de vida de cada indivíduo. Já não se tinha em mira abolir apenas os privilégios de classe, mas acabar com as próprias diferenças de classe". Karl Marx viu nesta tendência "o partido comunista verdadeiramente atuante". Nos seus Princípios de Comunismo, anteriores ao Manifesto, Engels respondeu assim à pergunta "o que é comunismo?": "É um sistema segundo o qual a terra deve ser um bem comum dos homens. Cada um deve trabalhar

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e produzir de acordo com as suas capacidades, e gozar e consumir de acordo com as suas forças". Diferenciando-o claramente do socialismo, "que deve seu nome à palavra latina socialis. Ocupa-se da organização da sociedade e das relações entre os homens. Mas não estabelece nenhum sistema novo: sua ocupação principal é consertar o velho edifício, esconder as suas fissuras, obra do tempo. No máximo, como os fourieristas, pretendem construir um sistema novo acima dos velhos e podres alicerces do chamado capitalismo". No momento mais radical da revolução inglesa do século XVII, uma maio­ ria parlamentar chegou a apoiar os levellers ("igualitários" ou "niveladores"}, os quais procuravam levar as ideias democráticas à sua conclusão lógica, ata­ cando todos os privilégios e proclamando a terra como uma herança natural dos homens. Os levellers se concentravam na reforma política: o socialismo implícito da sua doutrina ainda se exprimia em linguagem religiosa. Seus continuadores radicais foram os diggers ("cavadores"}, muito mais precisos em relação à sociedade que desejavam estabelecer e que, totalmente descren­ tes de uma ação política de tipo normal, só acreditavam na ação direta. Mas a revolução inglesa foi vitoriosa como revolução burguesa, conciliando-se finalmente com a monarquia e eliminando as suas alas radicais. O período mais radical da Revolução Francesa também foi concluído com a derrota de sua direção (os jacobinos, donos do poder entre 1792 e 1794), mas estes também tiveram os seus continuadores radicais, na chamada Conspiração dos Iguais, encabeçada em 1796 por Gracchus Babeuf. Como o próprio nome indica, esta fração propôs um programa de propriedade comunal, para aprofundar a revolução, uma espécie de socialismo agrário (a indústria ainda estava escass amente desenvolvida). E foi menos uma conspiração do que uma continuação das insurreições contra a reação an­ tij acobina - o Thermidor - instalada no poder, as revoltas de Germinal e Prairial. Segundo Daniel Guérin, Babeuf e seus amigos entraram em con­ tato com os sobreviventes dessas insurreições, aprovando seus projetos de poder popular e criticando a fraqueza dessas tentativas, a sua desorganiza­ ção. Os Iguais constituíram uma organização centralizada, cujo programa criticava "a lei bárbara ditada pelo capital", "que faz mover uma multidão de braços, sem que aqueles que os movem recolham daí os frutos". Se­ gundo Guérin, no seu clássico Bourgeois et Bras-Nus, o aperfeiçoamento do maquinismo e o progresso técnico estavam na base do coletivismo dos Iguais, cuj a proposta política "chegou ao limiar da democracia direta, de tipo comunal e de conselhos" (dirigentes eleitos diretamente pela base e permanentemente revogáveis).

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A tradição comunista

Os Iguais foram derrotados, seus dirigentes presos ou - como o próprio Babeuf - guilhotinados. No processo foram acus ados de j acobinos e ter­ roristas. Mas criaram uma tradição, que sobreviveu em poesias e cantos, e num programa em que se lia: "Um povo sem propriedade e sem os vícios e os crimes a que ela dá origem não teria necessidade do grande número de leis sob o qual penam as sociedades civilizadas da Europ a". Não se tratava de maquinações de grupos à margem da corrente históri­ ca. A luta contra o monopólio da propriedade tinha sido proclamada pela própria Constituição jacobina de 1793 (embora nunca levada à prática). Aquela elevou a igualdade ao nível dos direitos naturais imprescritíveis e deixou de qualificar a propriedade de "direito inviolável e s agrado". Por outro lado, fora da França, "além dos intelectuais revolucionários, foram sobretudo os representantes da nascente classe operária os que lutaram pelos objetivos da Revolução Francesa: a solidariedade internacional pela democracia e os direitos do homem. A oposição à coalizão das potências europeias contra a Revolução Frances a teve sua base social na Inglaterra, nos oficiais artesãos e nos operários".8 A tradição e o programa igualitarista (crescentemente denominado comu­ nista) da Revolução Francesa foram transmitidos diretamente ao movimento operário por um sobrevivente dos Iguais, Felipe Buonarroti, descendente do escultor italiano Michelangelo Buonarroti, que escreveu um livro: História da Conspiração dos Iguais. Em Democracia e Socialismo, Arthur Rosenberg informa que "após 1830, o livro de Buonarroti era muito conhecido entre os operários. Pertencia à literatura popular junto com os discursos de Robespierre e os artigos de Marat" (líderes jacobino-radicais da Revolução Francesa). Assim, como notou Eric J. Hobsbawm, na década de 1840, "a história euro­ peia assumiu uma nova dimensão: o problema social, ou melhor, a revolução social em potência encontrava expressão típica no fenômeno do proletariado. Sobre a base de uma classe operária que crescia e se mobilizava, era agora possível uma nova e mais significativa fusão da experiência e das teorias jacobino-revolucionárias-comunistas, com as socialistas-associacionistas". Na França, o jornal democrático Le National atacava, em 1847, os "comunistas". Outro jornal democrático, La Réforme, lhe respondia: "As propostas econô­ micas dos comunistas estão mais próximas de nós do que as do Le National,

8 Idem, p. 39.

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porque lhes reconhecemos o direito à discussão e porque as doutrinas que vêm dos próprios operários são sempre dignas de atenção". O "comunismo", portanto, era identificado com o proletariado, como surgido dentro dessa classe, e como sua expressão teórico-doutrinária. Num p aralelo not ável, poucos ano s antes, Marx, como e ditor da Rheinische Zeitung ("Gazet a Renana"}, polemizou contra um jornal ale­ mão (o Augsburger) que t ambém atacava o comunismo: "Ele respondeu em síntese: vocês não têm o direito de atacar o comunismo. Não conheço o comunismo, mas se ele assumiu a defes a dos oprimidos não pode ser condenado sem mais. Antes de condená-lo, é preciso ter um conhecimento exato e completo dessa corrente. Quando saiu da Rheinische Zeitung, Marx não era ainda um comunista, mas já era um homem interess ado no comu­ nismo como tendência e como filosofia especial".9 As etapas da pass agem de Marx do democratismo radical ao comunismo, em meados da década de 1840, encontram-se registradas nos Anais Franco-Alemães, editados por Marx em comum com seu amigo Arnold Ruge. Democracia e comunismo

Na Inglaterra, no final da década de 1840, o movimento cartista dividiu-se: os seus membros intelectuais e de classe média se agruparam na Associação Na­ cional para a Reforma Parlamentar e Financeira; os seus membros operários, por sua vez, apoiaram a Associação Nacional da Carta (dirigida por Ernest Jones e George Harney) e a Liga Nacional da Reforma (dirigida por Bronterre O'Brien}, ambas de programa socialista. Harney e Jones mantinham estreito contato com os exilados operários e artesãos alemães, junto aos quais Marx e Engels gozavam de ampla influência.

9 David Riazanov. Op. cit., p. 37. A resposta concreta de Marxfoi: 'Jl.Gazeta Renana (Rheinische Zeitung), que não pode sequer atribuir uma realidade teórica às ideias comunistas em sua atual

forma, e muito menos desejar ou considerar possível a sua realização prática, submeterá essas ideias a uma crítica severa. Se o Augsburger quisesse e pudesse produzir mais do que frases escorregadias, ele perceberia que escritos como os de Leroux, Considérant, e sobretudo o trabalho penetrante de Proudhon, só podem ser criticados depois de longa e profundamente estudados, e não por meio de noções passageiras e superficiais . . . Devido a esse desacordo, temos que considerar com toda seriedade esses trabalhos teóricos. Estamos firmemente convencidos de que o verdadeiro problema reside não no esforço prático, mas na explicação teórica das ideias comunistas. Tentativas práticas perigosas, mesmo que realizadas em larga escala, podem ser derrubadas de um só golpe, mas as ideias conquistadas pela inteligência, incorporadas em nossa perspectiva, forjadas em nossa consciência, são amarras das quais não nos livramos sem partir nossos corações; são demônios que superamos apenas quando a eles nos submetemos" (grifo nosso).

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No festival operário comemorativo da procl amação da República Fran­ cesa de 1792, celebrado em Londres em 1845, o manifesto declarou que "os democratas de todos os países desej am que a igualdade à qual aspirou a Revolução Francesa renasça na França e se estenda a toda a Europa". No seu informe a respeito desse festival, Engels escrevia que "atualmente a democracia é o comunismo. A democracia se transformou em princípio proletário, princípio de mass as" (grifo nosso). Dois anos depois, em 1847, como já foi dito, a Liga dos Justos, que tinha organizado o festival junto aos cartistas ingleses e outros exilados, encarregou a Marx e Engels a redação de seu programa, que se transformaria no Manifesto Comunista, o que levou à mudança no nome da Liga. A assimilação entre "democracia"e "comunismo" era própria da época, e seria superada pela defesa da ditadura do proletariado - conceito erronea­ mente atribuído a Blanqui - que Marx vai realizar depois das revoluções de 1848, como balanço das derrotas dessas revoluções (o folheto de Marx As Lutas de Classes na França 1848-1850 registra essa passagem teórico-progra­ mática). Mas ainda em julho de 1846, Marx e Engels dirigiram, de Bruxelas, em nome de um grupo de emigrados alemães, uma declaração de apoio e de adesão ao líder cartista inglês O'Connor, publicada na folha cartista The Northern Star, e assinada "pelos comunistas democráticos alemães de Bruxelas, o Comitê: Engels, Ph. Gigot, Marx" (grifo nosso). David Riazanov força o texto e a História ao afirmar que, quando o Manifesto assimila a "constituição do proletariado como classe dominante" à "conquista da democracia", Marx "se refere a uma democracia proletária, oposta à democracia burguesa".10 Isto não é verdade: em meados da década de 1840, a "democracia" era o movimento geral de luta contra o status quo monárquico -aristocrático prevalecente. Além disso, Marx e Engels não foram, antes de serem comunistas, democratas vulgares. Eles "proporcio­ navam pela primeira vez ao movimento democrático uma compreens ão real e completa de seu tempo. As ideias atrasadas e infantis sobre o de­ senvolvimento econômico-social do mundo, a que estavam apegados os líderes democráticos de todos os países antes de 1848", lhes eram alheias. Marx e Engels foram, portanto, "os primeiros democratas que se liberta­ ram completamente dessas ilusões e do gosto pelas experiências abstratas. Compreendiam seu tempo porque se apropriaram de tudo o que os pensa­ dores da burguesia tinham a dizer de sua própria classe. Os economistas 10 David Riazanov. Manifiesto ... , ed. cit., p. 136.

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ingleses e os filósofos alemães haviam compreendido perfeitamente a essência da sociedade burgues a mo derna. Marx e Engels, ao colocarem as doutrinas de Ricardo e de Hegel a serviço da revolução democrática, desco­ briam os fundamentos teóricos dos quais careciam Louis Blanc, O'Connor e Mazzini".11 Mas, isto fazendo, Marx e Engels viram-se na obrigação de superar esse fundamento teórico, isto é, a filosofia clássica alemã e a eco ­ nomia política inglesa, elaborando uma síntese teórico-prática que deu um novo fundamento científico ao já existente comunismo. H istoricidade da democracia

O caráter ilusório da democracia burguesa já fora denunciado por Jean-Jacques Rousseau no século XVIII: "O povo inglês pensa ser livre, porém engana-se totalmente. É livre somente durante a eleição dos membros do Parlamento: depois que estes são eleitos é escravo, não é nada. A soberania não pode ser representada: consiste essencialmente na vontade geral e a vontade não se representa. É ela mesma ou é outra coisa: não há meio-termo". O Manifesto colocou positivamente a superação da natureza não democrá­ tica do Estado constitucional: "[ ... ] a primeira fase da revolução operária é o advento do proletariado como classe dominante, a conquista da democracia". Demo­ cracia e domínio político da burguesia são incompatíveis, não existe "Estado democrático sob hegemonia burguesa" - e hipoteticamente sob hegemonia proletária - mas ditadura burguesa sob formas democráticas. A "conquista da democracia" exige, portanto, uma revolução, cujo primeiro passo é, como em toda revolução, a destruição da máquina repressiva que é a essência do antigo regime de exploração, sem o que a democracia não passa de uma fachada da ditadura da classe exploradora. Democracia e comunismo não s ão idênticos: o proletariado no poder só começa a efetuar a passagem para a sociedade comunista por meio da supressão da propriedade privada burguesa e da progressiva socialização dos meios de produção. "A democracia tem como consequência inevitável o domínio político do proletariado, e esse domínio é a primeira premissa de todas as medidas comunistas", escreveu Engels em outubro de 1847. Com a sociedade comunista (de cada qual segundo as suas capacidades, a cada qual segundo as suas necessidades) criam-se as bases para a supe­ ração da alienação política (representação mediada pel a burocracia esta­ tal}, da separação entre a sociedade política e a civil. Mas, nas palavras do 11 Arthur Rosenberg. Democracia e Socialismo. São Paulo, Global, 1986, pp. 89-91.

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Manifesto, com a supressão do fundamento dessa cis ão - a propriedade privada burguesa - desaparece o Estado Político e, portanto, a democracia, forma mais desenvolvida desse Est ado: "Uma vez des aparecidos os an­ tagonismos de classe no curso do desenvolvimento, e sendo concentrada to da a pro dução propriamente falando nas mãos dos indivíduos asso­ ciados, o poder público perderá o seu caráter político [...] Em lugar da antiga sociedade burgues a, com suas classes e ant agonismos de classe, surge uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos" (grifo nosso). No Manifesto, Marx e Engels combateram antecipadamente a ilusão dos revolucionários de 1848, para quem na base das diferenças e antagonismos de classe encontrava-se a desigualdade política. Consequentes com isso, quando o governo revolucionário decretou o sufrágio universal... declararam também abolidas as classes da sociedade! (Tal declaração encontra-se ipsis litteris na proclamação do governo provisório francês surgido da "revolução de fevereiro" de 1848.) A ideia da universalidade atemporal de uma forma política (a democracia}, apresentada como própria de Marx, nada tem a ver com este. Certamente, Marx e Engels não desprezavam a luta pelo sufrágio universal, ainda que sob domínio burguês, da mesma maneira que não desprezavam a luta por aumentos salariais ou pela redução da jornada de trabalho em nome da abo­ lição do trabalho assalariado. O primeiro partido operário independente, o movimento cartista inglês, tinha surgido justamente da luta pela extensão do direito do sufrágio. O que Marx e Engels faziam era pôr em relevo o caráter revolucionário dessa luta, a qual, por modestas que fossem as suas reivindicações iniciais, conduzia necessariamente a um enfrentamento decisivo entre a burguesia e o proletariado. Por isso Marx qualificou a obtenção da jornada de dez horas na Inglaterra, em 1847, como "a primeira vitória da economia política do proleta­ riado". Na França, em 1848, a luta pela república acabou pondo frente a frente a burguesia e a classe operária. A simples reivindicação do direito ao trabalho originou a Comissão de Luxemburgo - que não passou de alguns intentos de cooperativização -, mas a sua existência bastou para que Marx afirmasse que "a esta criação dos operários de Paris cabe o mérito de ter revelado do alto de uma tribuna europeia o segredo da revolução do século XIX: a emancipação

do proletariado".12 12 Karl Marx. As Lutas de Classes na França. ln: Textos. São Paulo, Edições Sociais, 1977, vol. 3, p. 120.

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Comunismo e revolução

Até as revoluções de 1848, os comunistas, já uma tendência independente, consideravam-se, junto à "democracia", do mesmo lado da barricada (no mesmo movimento) contra a reação feudal e monárquica. "[...] os comunistas trabalham pela união e entendimento dos partidos democráticos de todos os países'� diz o Manifesto. A democracia revolucionária (a "Montanhá' na Fran­ ça, os Fraternal Democrats na Inglaterra) ainda colocava revolucionariamente as suas reivindicações, no sentido da luta das massas contra a aristocracia e de um governo independente das massas populares, sem diluí-las numa democracia formal, que só aspira à extensão do direito do sufrágio. O desenvolvimento revolucionário do proletariado, porém, levou a bur­ guesia a aliar-se à reação, ao preço inclusive de suas minguadas aspirações democráticas. O liberalismo burguês traiu a revolução, e a democracia ra­ dical (a Montanha) foi uma caricatura do jacobinismo de 1792-1794. A meio caminho entre o proletariado e a burguesia - a sua velha base social, as massas pobres de sans-culottes, tinha se cindido, do seu seio já surgira um proletari ado socialmente diferenciado -, teve um papel lamentável na revolução. Com a derrota desta "estava liquidada a democracia revolucio­ nária, tal como a modelara a Revolução Francesa. Ledru-Rollin, declamando inconscientemente entre as classes, e Raveaux, levaram ao túmulo o que tinha sido fundado por Robespierre e Saint-Just".13 No seu lugar surgiu a "democracia pura" (pequeno-burguesa) da qual Marx disse, em 1850, na Circular à Liga dos Comunistas, que "este partido democrático é mais perigo­ so para os operários do que foi o partido liberal", pois, tal como constatou Engels em 1884, só poderia ser um recurso extremo da burguesia contra a revolução proletária (" [Ela] pode ter, no momento da revolução, impor­ tância como a mais extrema tendência da burguesia, forma sob a qual j á se apresentou na [Assemblei a] d e Frankfurt [em 1848-1849] e que pode converter-se na última tábua de s alvação de toda a economia burguesa e mesmo da feudal. Nesse momento, toda a massa reacionária se coloca por trás

dela e a fortalece. Tudo o que é reacionário comporta-se então como democrático. Nosso único inimigo, no dia da crise e no dia seguinte, é essa reação total, que se agrupa em torno da democracia pura"). A derrota do operariado e a crise da democracia revolucionária tinham também um conteúdo positivo: "A derrota dos insurretos de junho pre13 Arthur Rosenberg. Op . cit., p. 108.

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parara e apl anara o terreno sobre o qual a república burguesa podia ser fundada e edificada, mas demonstrava ao mesmo tempo que, na Europa, as questões em foco não eram apenas a República ou a Monarquia. Reve­ lara que a república burgues a significava o despotismo ilimitado de uma clas s e sobre as outras".14 Assim, ia se escl arecendo o caminho político para o advento do proletariado como classe dominante: "O proletari ado vai se agrupando cada vez mais em torno do socialismo revolucionário, do comunismo [que é] a declaração de permanência da revolução, da ditadura do proletariado, como ponto de transição necess ário para a supress ão das diferenças de classe em geral, para a supress ão de to das as relações de produção em que repousam tais diferenças, de todas as relações sociais que correspondem a estas relações de produção, para a subversão de todas as ideias que resultam des s as rel ações sociais".15 Na luta pelas liberdades democráticas (de organização sindical e política) o proletariado defende o seu direito a organizar-se contra o capital, o seu direito à vida. Situando-se à frente dessa luta, os comunistas não o fazem em nome de um ideal democrático "univers al", por cima das classes, que seria comum ao proletariado e à burguesia. Na luta pela defesa e ampliação da democracia política contra a reação burguesa, a classe operária age com seus próprios méto dos (ação direta, greve geral}, preparando as condições para a derrubada da burguesia. Nessas condições, "o sufrágio universal é o índice que permite medir a maturidade da classe operária. No Estado atual, não pode, nem poderá jamais, ir além disso, mas é o suficiente. No dia em que o termômetro do sufrágio universal registrar para os trabalhadores o ponto de ebulição, eles saberão - tanto quanto os capitalistas - o que lhes resta a fazer".16 No seu escrito de outubro de 1937, Noventa Anos do Manifesto Comunista, Leon Trotsky resgatou a interpretação revolucionária do Manifesto, contra a sua deformação democratizante: "O proletariado não pode conquistar o poder dentro do sistema legal estabelecido pela burguesia. 'Os comunistas [... ] proclamam abertamente que seus objetivos só po dem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente'. O reformismo procurou explicar este postulado do Manifesto com base na imaturidade 14 Karl Marx. O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. ln: Textos. Op. cit., vol. 3, p. 220. 15 Karl Marx. As Lutas de Classes na França. ln: Textos. Op. cit., vol. 3, p. 121. 16 Friedrich Engels. Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Rio de Janeiro, Vitória, 1964, p. 138.

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do movimento operário nessa época, e no desenvolvimento inadequado da democracia. O destino das 'democracias' italiana, alemã, e de um grande número de outras, prova que a 'imaturidade' é o traço que distingue as ideias dos próprios reformistas". As origens do

Manifesto

O grande antecedente do Manifesto Comunista s ão os Princípios do Co­ munismo, redigidos por Engels por encomenda da Liga dos Justos, sob a forma de pergunt as e respostas (catecismo}, nos quais o comunismo é definido como "a aprendizagem das condiçõ es de libertação do prole­ t ari ado".17 Assim como o Manifesto, os Princípios contêm um "programa de ação" (na verdade, um verdadeiro programa transicional) em doze pontos, e define claramente que a revolução prolet ária não "será feita num só país", já que "a grande indústria, cri ando o mercado mundial, aproximou já t ão estreitamente uns dos outros os povos da Terra, que cada povo depende estreitamente do que acontece com os outros [...] a re­ volução social não será uma revolução puramente nacional. Produzir-se-á ao mesmo tempo em todos os países civilizados". Engels foi o precursor do antistalinismo . . . Foi o próprio Engels quem sugeriu a substituição d o s Princípios pelo Manifesto, que poderi a conter os elementos históricos que o "catecismo" não continha. De acordo com Franz Mehring, a forma dos Princípios "teria, em todo caso, contribuído para torná-lo acessível a to dos, e não o contrário. Teria sido mais apropriado às necessidades de agitação do momento do que o Manifesto que o substituiu; quanto ao desenvolvimen­ to das ideias, os dois documentos coincidem inteiramente. No entanto, Engels, mostrando até que ponto era escrupuloso, s acrificaria de s aída as 25 perguntas e respostas por uma exposição histórica: o Manifesto, no qual o comunismo se anunci aria como um fenômeno histórico univers al, deveria - como dizia o historiador grego [Tucídides] - ser uma obra durável e não um panfleto para ser esquecido tão rapidamente quanto lido". O Manifesto, posterior, "não contém uma única ideia que Marx e Engels já não tivessem exposto anteriormente. Ele não revelava nada; ele apenas concentrava a nova concepção do mundo de seus autores em um espelho cujo vidro não poderia ser mais transparente, nem o quadro mais 17 Cf Friedrich Engels. Princípios do Comunismo e Outros Textos. São Paulo, Mandacaru, 1990.

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circunscrito. A julgar pelo estilo, a forma definitiva do Manifesto deve-se princip almente a Marx, enquanto Engels, como demonstra o seu projeto, conhecia com a mesma clareza as ideias que foram expostas, merecendo plenamente o título de coautor".18 O próprio Engels reconheceu, posteriormente, a paternidade de Marx sobre as "ideias fundamentais" do Manifesto. Engels, no entanto, havia tido um papel muito mais ativo do que Marx na Liga, o que fez nascer uma su­ posta divisão de trabalho entre um Engels "prático" e um Marx "teórico", esquecendo o importante trabalho de organização feito por Marx nos três anos precedentes. Riazanov protestou contra essa lenda: "Os historiadores não levaram em consideração todo esse trabalho de organização de Marx quando fizeram dele um pensador de biblioteca. Não perceberam o papel de Marx como organizador, perdendo assim um dos ângulos mais interessantes de sua fisionomia. Sem conhecer o papel que Marx (e eu digo Marx, e não Engels) exerceu entre 1846-47 como dirigente e inspirador de todo esse tra­ balho de organização, fica impossível compreender o grande papel que ele exerceu em seguida como organizador, entre 1848-49, na época da 1 Inter­ nacional".19 O exagero de Riazanov - quanto ao papel de Engels, não ao de Marx - é um excesso polêmico contra a social-democracia que, no período em que foi escrita a obra de Riazanov, fazia apelo ao "reformismo" - inexis­ tente - de Engels, contra o revolucionarismo bolchevique. O Manifesto e a dialética O ponto de partida histórico-universal total e, simultaneamente, classista, já contido nos Princípios e desenvolvido no Manifesto, permitiu a Marx e Engels superar a filosofia da qual eram ambos tributários (o hegelianismo) na questão-chave do Estado, que Hegel ainda via sob uma forma abstrata e, ao mesmo tempo, localista (alemã): "Uma multidão de seres humanos somente pode ser chamada Estado se estiver unida para a defes a comum da totalidade (Gesamtheit) de (aquilo que é) sua propriedade [...] Para que uma multidão constitua um Estado é necessário que organize uma defes a e uma autoridade política comum".2º Para Marx e Engels, o Estado nasce dos antagonismos de classe e, na era

18 Franz Mehring. Vie de Karl Marx. Paris, Pie, 1984, pp. 662-663. 19 David Riazanov. Marx et Engels, ed. cit., p. 72 . 20 G . W. F. Hegel. La Constitución de Alemania. Madri, Aguilar, 19 72 , pp. 22-23.

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burguesa, ele é, de acordo com o Manifesto, o "comitê administrativo dos in­ teresses comuns da burguesia". Esta afirmação nada tem de circunstancial, como se pretendeu posteriormente, e resulta do posicionamento metodoló­ gico mais profundo do Manifesto, ou seja, do marxismo. O mais notável, porém, é que o Manifesto não é só uma novidade com relação à concepção "linear" dos pens adores histórico-sociais do século XVIII, mas também com relação à concepção semelhante defendida por pens adores do século XX, os mesmos que consideram Marx como "um pens ador do século XIX", cuj as concepções só se vinculariam à realidade histórica de sua época. Compara-se, assim, a precisa e viva análise do Manifesto acerca da ruptu­ ra qualitativa imposta pela era do capital na História universal, suas raízes diferenciadas dos modos de produção precedentes, abrindo o período da História mundial propriamente dita, com as concepções de um Immanuel Wallerstein acerca do "capitalismo histórico", para quem o capital sempre existiu, sendo o capitalismo o "sistemá' em que "o capital veio a ser usado (investido) de forma muito específica". O "capitalismo histórico" significaria "a mercantilização generalizada dos processos ... que anteriormente haviam percorrido vias que não as de um mercado". 21 Um retrocesso de um século e meio com relação à superação da produção mercantil pela produção capita­ lista, e à concepção dialética da História (que inclui as rupturas históricas) já expostas no Manifesto. O Manifesto reconhece seus antecedentes, além do já citado de Engels (os Princípios}, em toda a obra teórica precedente de Marx. Maximilien Rubel já disse que foi em Paris que Marx escreveu "para os Anais Franco­ -Alemães, um primeiro manifesto revolucionário, que já foi chamado de 'o germe d'O Manifesto Comunista': Zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie­ E inleitung. Nesse ens aio ele se refere pela primeira vez ao 'proletari ado' como 'classe', e fala da 'formação' (Bildung) da classe operária. Esses dois conceitos já haviam sido associados concretamente em um documento pu­ blicado em Paris quatro meses antes de sua chegada: em L'Union Ouvriere de Flora Tristan". 22 Em 1843, a grande organizadora operária francesa, Flora Tristan, fazia um chamado: "Venho propor a união geral dos operários e operárias, de todo o 21 Immanuel Wallerstein. O Capitalismo Histórico. São Paulo, Brasiliense, 1985, pp. 1 0-14. 22 Maximilien Rubel. Karl Marx. Ensayo de Biografia Intelectual. Buenos Aires, Paidós, 1970, p. 77.

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reino, sem distinção de ofícios. Esta união teria por objetivo construir a classe operária e construir estabelecimentos (Palácios da União Operária) distri­ buídos por toda a França. Seriam aí educadas crianças dos dois sexos, dos 6 aos 18 anos, e seriam também recebidos os operários doentes, os feridos e os velhos. Há na França cinco milhões de operários e dois milhões de operá­ rias". Na sua Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, Marx criticava no filósofo alemão que reclamasse "não só o 'espírito do Estado', mas também o 'espírito da autoridade', o espírito burocrático", chegando a criticar "a inconsequência surda e o 'espírito da autoridade' de Hegel, [que] chegam a ser verdadeira­ mente repugnantes" (grifo de Marx). 23 O "espectro que ronda a Europa" No mesmo momento em que Marx chegava a essas conclusões, o comunis­ mo se tornava uma força política na Alemanha e na Europa (o "espectro" de que fala o Manifesto na sua frase inicial). De acordo com David McLellan, o socialismo e o comunismo (os termos eram usados aleatoriamente na Ale­ manha ness a época) tinham existido como doutrina na Alemanha desde pelo menos o início da década de 1830, mas foi em 1842 que eles atraíram a atenção geral pela primeira vez. Isso se deu em parte por intermédio de Moses Hess, que converteu t anto Engels como Bakunin ao comunismo e publicou anonimamente propaganda comunista na Rheinische Zeitung, e em parte graças ao livro de Lorenz von Stein, Sozialismus und Kommunismus des heutigen Frankreichs (Soci alismo e Comunismo na França Contemporânea). Este consisti a numa investigação da difus ão do socialismo francês entre os operários alemães imigrantes em Paris.24 Em carta de Engels a Marx, de 22 de fevereiro de 1845, aquele relata a situação em Elberfeld: "No s s a propaganda realiza um progresso extraordinário. A s pessoas só falam do comunismo e todo dia recrutamos novos partidários. No vale do Wupper o comunismo já é uma realidade - melhor dito, é virtualmente uma força. Você não pode imaginar como é favorável a situação. As pessoas mais igno­ rantes, mais preguiçosas e mais filisteias, que há pouco não se interessavam por nada, estão praticamente gabando-se de seu comunismo. Não sei quan­ to tempo isso irá durar. A políci a enfrenta verdadeiras dificuldades e não sabe o que fazer".

23 Karl Marx. Crítica de la Filosofia dei Estado de Hegel. México, Grijalbo, 1 968, pp. 154-155. 24 David Me Lellan . Marx before Marxism. Londres, Penguin Books, 1 972, p. 125.

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O que Marx e Engels traziam ao comunismo já existente era uma capa­ cidade de formular seus objetivos, baseada numa síntese de conhecimentos que nenhum de seus teóricos pregressos (principalmente franceses e ingle­ ses) possuía, por diversos motivos: "Antes de 1848 a única práxis sobre a qual Marx podia refletir era a dos jacobinos e seus sucessores entre as seitas radicais de Paris; por outro lado, a sua economia (e a de Engels) era já a dos socialistas ricardianos e owenistas da Grã-Bretanha. Mas o arsenal de ins­ trumentos conceituais com que contribuiu para o conhecimento dos fatos compreendia um elemento que nem o racionalismo francês nem o empirismo britânico podiam prover; a filosofia da História de Hegel e a visão de que a totalidade do mundo forma um conjunto ordenado que o intelecto pode compreender e dominar". 25 Em 1860, em Herr Vogt, Marx expôs o caminho teórico que o levaria à reda­ ção do Manifesto como programa para a Liga dos Justos (ou dos Comunistas}, percorrido na década de 1840: "Publicamos ao mesmo tempo uma série de folhetos impressos ou litografados. Submetemos a uma crítica impiedosa a mistura de socialismo ou comunismo anglo-francês e de filosofia alemã, que constituía na época a doutrina secreta da Liga; estabelecemos que apenas o estudo científico da estrutura econômica da sociedade burguesa podia proporcionar uma sólida base teórica; e expusemos, por último, em forma popular, que não se tratava de colocar em vigor um sistema utópico, mas de intervir, com conhecimento de causa, no processo de transformação histórica que se efetuava na sociedade". Em A Sagrada Família, de 1845, Marx já tinha claro que se tratava de dotar de um programa a um movimento já existente, e consciente de seus objetivos: "Não há necessidade de explicar aqui que uma grande parte do proletariado inglês e francês já está consciente de sua tarefa histórica e trabalha constantemente para desenvolver essa consciência com total clarezá'. O objetivo político do Manifesto, portanto, é dotar de um programa a um partido cujos contornos estão ainda pouco definidos: "O 'partido comu­ nista' de que fal a o Manifesto é um partido internacional, cujos embriões s ão a Liga dos Comunistas e os Fraternal Democrats, isto é, de um l ado, uma organização composta sobretudo por alemães, mas dispersa por toda a Europa e, de outro, uma organização concentrada em Londres, mas

25 George Lichteim. EI Marxismo - Un Estudio Histórico y Crítico. Barcelona, Anagrama, 1971,

p. 55.

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Introdução

composta de representantes exilados de grupos operários e comunistas de vários países do continente".26 O Manifesto e a revolução O Manifesto, em 1848, foi portanto o arremate de uma obra teórica política e organizativa cujos diversos aspectos s ão inseparáveis ou, como disse Fernando Cl audín, "análises da conjuntura pré-revolucionária, formação da Liga dos Comunistas, elaboração teórica, estão estreitamente entrelaça­ das na atividade de Marx e Engels durante o ano de 1847 e j aneiro-feverei­ ro de 1848, sendo que o seu resultado político-organizacional no segundo congresso da Liga e sua grande síntese teórico -política foi o Manifesto".27 O centro do Manifesto, porém, é a elaboração de um programa para a revolução vindoura, na qual Jean Jaures foi o primeiro em ver "uma teoria da revolução proletária que coincide com aquela que mais tarde será cha­ mada de revolução permanente".28 O socialista argentino Juan B. Justo criti­ cou a "dialética" de Marx, culpada, segundo ele, por tê-lo feito antever, no Manifesto, revoluções proletárias no horizonte de 1848.29 Para Karl Korsch, o prognóstico de Marx sobre 1848 ficou preso à visão dos revolucionários do passado, ao contrapor o programa da revolução social à concreta revo­ lução democrática que se desenvolvia: "A sociedade burguesa nascida da revolução, em sua sóbria realidade, acabou por contradizer em grande me­ dida tanto as elevadas ideias, que de seus resultados haviam formado seus participantes e espectadores entusiastas, quanto o heroísmo, o s acrifício, os horrores, a guerra civil e as matanças populares que havia necessitado para vir ao mundo".3º No entanto, embora a explos ão política de 1848 fosse previsível, como dissemos acima, o seu alcance social estava longe de ser evidente antes de

26 Michael Lowy. La Teoria de la Revolución en e! Joven Marx. Buenos Aires, Siglo XXI, 1 972,

p. 225. Sobre o trabalho político-literário de Marx no período, ver: Karl Obermann. Aux origines de la "Neue Rheinische Zeitung ", Le Mouvement Social n• 77, Paris, outubro-dezembro 1971 . 27 Fernando Claudín. Marx, Engels y la Revolución de 1848. Madri, Siglo XXI, 1 975, p. 2. 28 Cf Aimé Patri. Jean Jaures et le Marxisme. ln: Jean Jaures. Le Manifeste Communiste de Marx et Engels. Paris, Spartacus, 1 948. 29 Cf Osvaldo Coggiola. Juan B. Justo y la Cuestión Nacional. En Defensa dei Marxismo, n• 12, Buenos Aires, maio 1 996. 'º Karl Korsch. Marx y la Revolución de 1848. ln: Sobre la Teoria y la Práctica de los Marxistas . Salamanca, Ágora, 1979, pp. 262-263.

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seu acontecimento: "A crise econômica que precedeu o 1848 - e sem a qual os movimentos insurrecionais não poderiam ter alcançado naquele ano uma amplitude muito superior àquela das conspirações tramadas ao longo das décadas precedentes, por sociedades secretas ou grupos de conspiradores, e inclusive aquela das banais 'emoções' popul ares - teve provavelmente um caráter excessivamente clássico, 'normal', para provo ­ car uma peculiar inquietude em todos aqueles que fisicamente não foram vítimas dela".31 Coube a Marx, justamente, o mérito de ter sido o único a prever a am­ plitude social dos acontecimentos iminentes, e de formular um programa de acordo com essa perspectiva, que não era vista pela burguesia "liberal" revolucionária, seus ideólogos e chefes políticos: "Os chefes do movimento liberal são professores universitários. Eles são hostis tanto aos plutocratas da França como à aristocracia privilegiada. Eles não se ocupam do povo. Eles acreditam que os problemas deste não dizem respeito ao problema po­ lítico, que é o único que lhes interessa. Dahlmann afinal não gostaria de ver fechado o acesso à escola para os filhos dos pobres, para manter o nível de mão de obra? O mínimo que podemos dizer é que a burguesia compreendia mal o problema social".32 O programa de Marx superava, em virtude disso, a perspectiva de uma revolução puramente burguesa nos países em que a burguesia não tinha ainda ascendido ao poder político: "Contrastando com essas justificativas economicistas de uma inevitável etapa revolucionária bur­ guesa, Marx e Engels também argumentavam a partir de uma perspectiva sociopolítica que anunciava uma concepção explicitamente permanentista da revolução. Nesta problemática transicional, a revolução burguesa aparece como pré-condição na medida em que, abolindo a monarquia e o poder da nobreza feudal, o terreno político fica livre para a contraposição direta entre burguesia e proletariado".33

Manifesto O famoso prognóstico do Manifesto (" [...] a Alemanha se encontra às vésperas de uma revolução burgues a, e [ ... ] realizará essa revolução nas condições O prognóstico do

mais avançadas da civilização europeia e com um proletariado infinitamen-

31 Guy Palmade. La É poca de la Burguesia. México, Sigla XXI, 1986, p. 27. 32 Félix Ponteil. Les Classes Bourgeoises et l' Avenement de la Démocratie. Paris, Albin Michel, 1 968, p. 157. 33 Michael Lowy. The Politics of Combined and Uneven Development. Londres, Verso, 1981, p. 6.

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Introdução

te mais desenvolvido que o da Inglaterra no século XVII e o da França no século XVIII e, por conseguinte, a revolução burguesa alemã só poderá ser o prelúdio imediato de uma revolução proletáriá') se realizou pela negativa: a revolução alemã não triunfou como revolução proletária mas, por isso mesmo, também abortou como revolução democrática ("burguesá'). No ba­ lanço ulterior de Trotsky, em 1848, se chegou à pior das situações históricas: o meio-termo. A burguesia j á não mais queria fazer a revolução ("Sua tarefa consistia antes em - e disso ela se dava conta claramente - incluir no velho sistema as garantias necessárias, não para a sua dominação política, mas simplesmente para uma divisão do poder com as forças do passado"}, o pro­ letariado ainda não podia fazê-la, por insuficiência de desenvolvimento social e político: "Em 1848 necessitava-se de uma classe que fosse capaz de tomar o controle sobre os acontecimentos, prescindindo da burguesia, e inclusive em contradição com ela, uma classe que estivesse disposta não apenas a empurrar a burguesia adiante com toda a sua força, mas inclusive a tirar do caminho, no momento decisivo, o seu cadáver político. Nem a pequena burguesia nem o campesinato eram capazes de fazê-lo [... ] O proletariado era demasiadamente débil, encontrava-se sem organização, sem experiência e sem conhecimentos. O desenvolvimento capitalista havia avançado o su­ ficiente para tornar necessária a abolição das velhas condições feudais, mas não o suficiente para permitir que a classe operária - o produto das novas condições de produção - se destacasse como uma força política decisiva".34 Segundo o mesmo Trotsky, o erro do Manifesto "surgiu, por um lado, de uma subestimação das possibilidades futuras latentes no capitalismo e, por outro, de uma sobre-estimação da maturidade revolucionária do proleta­ riado. A revolução de 1848 não se transformou em uma revolução socialista como o Manifesto havia calculado, mas permitiu à Alemanha um vasto cres­ cimento posterior de tipo capitalistá'.35 De acordo com Engels, a desgraça da revolução alemã foi ter chegado a reboque da revolução na França, tendo a burguesia manifestado seu pavor em ser superada pela "revolução social" não a partir dos acontecimentos alemães, mas das "jornadas de junho" em Paris ("a primeira jornada política independente da classe operária"). Para além do erro de prognóstico, resta 34 Leon Trotsky. 1 789-1848-1905, Balance y Perspectivas. Buenos Aires, El Yunque, 1 975, pp. 30-32. 35 Leon Trotsky. Noventa Anos dei Manifiesto Comunista. ln: Escritos, t. IX, vol. I, Bogotá, Pluma, 1977, p. 27.

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o fato de que os eixos metodológicos do Manifesto se revelaram corretos: " 1º) a ideia de que o desenvolvimento econômico e social (a 'civili za­ ção'}, seu grau de 'maturação revolucionári a', não podem ser medidos nos limites de um só Estado mas em escala internacional (europeia, no século XIX); 2º) a compreens ão do fato de que uma revolução burguesa clássica (de tipo inglês ou francês) não se pode repeti r na Alemanha em função do peso social e político que ganhou o proletariado no país; 3º) a intuição de que a revolução burgues a e a revolução proletária não são duas etapas históricas distintas, mas dois momentos de um mesmo processo revolucionário ininterrupto".36 A ressalva final de Lõw y ("a afirmação de uma prioridade necessária da revolução burguesa abre a port a para uma interpretação de tipo 'etapista' do texto") não se justifica diante do texto, do desenvolvimento histórico e, sobretudo, di ante do balanço feito pelos próprios Marx e Engels. A sina do

Manifesto

As revoluções de 1848 culminaram com a desmobilização proletária: "Foi um ano de desmobilização para o movimento operário em seu conjunto, dominado pelo desânimo. Em abril, a Inglaterra conheceu o fracasso da grande manifes­ tação cartista de Kennington Common, ponto culminante da agitação política e social. Em junho, a fuzilaria da Guarda Nacional coloca, na França, um ponto final na era dos bons sentimentos, surgida na euforia da revolução de feverei­ ro". 37 Na própria Alemanha acontece coisa semelhante, de acordo com Engels, não sem deixar estabelecidas as bases do movimento operário futuro: "Com a condenação dos comunistas de Colônia, em 1852, fecham-se as cortinas sobre o primeiro período do movimento independente dos trabalhadores alemães. Trata-se de um período hoje quase esquecido. No entanto, estendeu-se desde 1836 até 1852, e o movimento se refletiu, com a dispersão dos trabalhadores alemães pelo estrangeiro, em quase todos os países civilizados. Isso não é tudo. O atual movimento internacional dos trabalhadores é, no fundo, uma conti­ nuação direta desse movimento alemão, que foi o primeiro movimento operário internacional, de onde saíram muitos daqueles que na Associação Internacional dos Trabalhadores tiveram um papel de liderança".38 36 Michael Lowy. Revolução Burguesa e Revolução Permanente em Marx e Engels. Discurso, n• 9,

São Paulo, FFLCH-USP, novembro 1 978. 37 Jean Christian Petitfils. Os Socialismos Utópicos. Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 128. 38 Friedrich Engels. Introducción. ln: Karl Marx. Revelaciones sobre e! Processo de los Comu­ nistas de Colonia. Buenos Aires, Lautaro, 1946, p. 9.

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Introdução

O Manifesto Comunista teve a mesma sorte. No prefácio à edição alemã de 1890, Engels lembra que "foi logo colocado num segundo plano pela reação que se seguiu à derrota dos operários em Paris, em junho de 1848'� e que "com o desaparecimento do cenário público do movimento operário, que começara com a revolução de fevereiro, também o Manifesto saiu da cena política". A geo-história do Manifesto, no entanto, acompanhou o desenvolvimen­ to político da classe operária. A partir da década de 1870, multiplicaram­ -se as edições em alemão, no calor do surgimento e des envolvimento do Partido Social Democrat a nesse país. Entre 1880 e 1900, de acordo com Eric Hobsbawm,39 houve uma mudança significativa: a 18 edições do Ma­ nifesto em alemão corresponderam 31 edições em russo: "Entre a morte de Marx (1883) e a de Engels (1895) ocorreu uma dupl a transformação. Em primeiro lugar, o interesse pelas obras de Marx e de Engels inten­ sificou-se com a afirmação do movimento socialista internacional . No curso desses doze anos, segundo B. Andreas, apareceram não menos de 75 edições do Manifesto, em quinze línguas. É interessante notar que essas edi­ ções traduzidas nas línguas do Império Czarista eram já mais numerosas do que as editadas no original alemão (17 contra 11)".4º Era como se o Manifesto tivesse ganho vida própria, acompanhando o fio da revolução, e até antecipando-a. Hoje, 150 anos depois, seu texto guarda a beleza e a força que o lançaram à posição de um clássico da literatura universal. Suas proposições, ao mesmo tempo, continuam sendo o principal instrumento para se compreender os impasses do socialismo contemporâneo.

39 Eric J. Hobsbawm. La Difusión dei Marxismo entre 1 890 y 1 905. Estudios de Historia Social,

n• 8-9, Madri, janeiro-junho 1 979, p. 17. •0 Eric J. Hobsbawm. A Fortuna das Edições de Marx e Engels. ln: História do Marxismo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, vol. I, p. 425. Cf também: Dieter Fricke. La cuestión de la organización y propagación dei marxismo en el movimiento obrero internacional en la época de transición ai imperialismo. Estudios de Historia Social, n" 8-9, Madri, janeiro-junho 1979.

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M a n i festo Co m u n i sta

ltommunifti fdJen qJomf.

Capa da primeira edição do Manifesto do Partido Comunista publicada em Londres, no final de fevereiro de

1848.

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U M E S P ECTRO ro n d a a Eu ro pa - o espectro do com u n ismo. Todas as potências d a ve l ha Eu ropa u ne m -se numa Santa Al iança para conj u rá- lo: o papa e o czar, M ette r n i c h e G u i zot, os rad icais da França e os p o l i c i a i s d a Alemanha. Q u e partid o de oposição n ão fo i acu sad o d e com u n i sta por seu s ad ver­ sários no poder? Q u e parti do de o posição, por s u a vez, n ão lançou a seu s adve rsários de d i re ita ou de esq u e rd a a pecha i nfa m ante d e com u n i sta? D u as conc l u sões deco rrem desses fatos:

1 ª: O com u n i smo j á é reco n h ecido como fo rça por tod as as potências d a Eu ropa;

2ª:

É tem p o d e os com u n i stas exporem,

abertamente, ao m u ndo i nte i ro,

seu modo de ver, seu s objetivos e suas te ndências, o p o n d o u m m a n i fe sto do próprio partid o à l e n d a do espectro do com u n i smo. Com este fi m, re u n i ram-se, em Lond res, com u n istas d e várias naciona­ l i d ades e red igi ram o man ifesto segu i nte, q u e será p u b l icado em i n g l ês, francês, a l e m ão, ita l i a n o, flame ngo e d i n amarquês.*

• Sobre a publicação do Manifesto nas línguas mencionadas, ver as indicações dos prefácios e suas respectivas notas.

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Marx e Engels

I

Burgueses e proletários1 A h i stó ria de tod as as sociedades até h oj e exi ste ntes2 é a h i stó ria das l utas d e c l asses. H omem l ivre e escravo, patrício e p l e be u , sen h o r fe u d a l e servo, mestre de corpo ração3 e co m pan h e i ro, em resu mo, o p ressores e o p r i m i d os, em con stante o posição, tê m vivido n u ma gue rra i n i nte rru pta, ora franca, ora d i sfarçad a; uma guerra que te rm i nou sem p re ou por uma tran sfo rm ação revo l u cion ária da sociedade i nte i ra, ou p e l a destruição d a s d u a s c l a sses em confl ito. N as mais remotas épocas da H i stó ria, verifi camos, q u ase por tod a parte, u m a co m p leta estrutu ração da sociedade em c l a sses d i stintas, u m a m ú lti­ pla grad ação d a s posições sociais. Na Rom a antiga encontramos patrícios, cava l e i ros, p lebe u s, esc ravos; na I d ade Méd i a, se n h o res, vassa los, mestres das corporações, aprend izes, com pa n h e i ros, servos; e, em cada u m a d estas c l asses, outras grad ações parti c u l a res. A sociedade bu rguesa moderna, que brotou das ru ínas da sociedade feu­ dal, n ão abo l i u os antago n i smos de classe. N ão fez mais do q u e estabe lecer n ovas cl asses, n ovas co n d i ções de o p ressão, novas formas de l uta em l u gar das q u e exist i ram no passad o. E ntretanto, a nossa época, a época d a bu rguesia, caracteriza-se por te r si m p l ificad o os antago n i sm o s de c l asse. A sociedade d ivide-se cada vez 1 Por burguesia entende-se a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção

social que empregam o trabalho assalariado. Por proletariado, a classe dos assalariados modernos que, não tendo meios próprios de produção, são obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888.) 2 Isto é, toda história escrita. A pré-História, a organização social anterior à história escrita, era desconhecida em 1847. Mais tarde, Haxthausen (August von, 1792-1866) descobriu a propriedade comum da terra na Rússia, Maurer (Georg Ludwig von) mostrou ter sido essa a base social da qual as tribos teu tônicas derivaram historicamente e, pouco a pouco, verificou-se que a comunidade rural era a forma primitiva da sociedade, desde a Índia até a Irlanda. A organização interna dessa socie­ dade comunista primitiva foi desvendada, em sua forma típica, pela descoberta de Morgan (Lewis Henry, 1818-81) da verdadeira natureza de gens e de sua relação com a tribo. Após a dissolução dessas comunidades primitivas, a sociedade passou a dividir-se em classes distintas. Procurei traçar esse processo de dissolução na obra Der Ursprung der Familie, des Privatergenthums und des Staats (A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado), 2• ed., Stuttgart, 1866. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888.) 3 O mestre de corporação é um membro da guilda, o patrão interno, e não seu dirigente. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888.)

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Manifesto Comunista

mais em d o i s campos opostos, em d u as grandes c l asses em confronto d i re­ to: a b u rguesia e o p ro l etariado. D o s servos da I d a d e M éd i a n a sceram o s m o r ad o re s dos p r i m e i ro s bu rgos; d e sta po p u l ação m u n i c i p a l saíra m o s p r i m e i ro s e l e m entos d a b u rg u e s i a . A d escoberta d a América, a c i rcu m - n avegação d a África abri ram u m n ovo campo d e ação à b u rg u e s i a e m e rge nte. Os m e rcad o s d a s Í n d i a s Orientai s e d a C h i na, a c o l o n ização d a América, o co m é rcio co l o n i a l , o i n c reme nto dos meios de troca e das m e rcad o rias em geral i m p ri m i ram ao co m é rcio, à i n d ú stria e à n avegação um i m p u l so d esco n hecido até e ntão; e, por co n seg u i nte, dese nvo lve ram rap i d ame nte o e lemento revo l u cio nário d a sociedade feudal em decom posição. A orga n i zaç ão feu d a l d a i n d ú stria, e m q u e e sta e ra c i rc u n sc rita a c o r­ po rações fec h ad as, j á n ão sati sfaz i a as necessidades q u e c resc i a m c o m a abertu ra d e n ovos m e rc a d o s . A m a n u fatu ra a su bstitu i u . A p eq u e n a bu rg u e s i a i n d u stri a l su p l anto u o s m e stres d a s corpo rações; a d iv i são d o traba l h o e ntre as d i fe re nte s corpo raçõ e s d e sapareceu d i a nte d a d i v i são d o traba l h o d e nt ro da p r ó p r i a ofi c i n a . Tod av i a, o s m e rc a d o s a m p l i av a m - s e c a d a v e z m a i s , a p ro c u ra p o r m e rc ad o ri a s c o n t i n u ava a a u m e ntar. A p ró p ri a m a n u fatu ra to r n o u -se i n s u f i c i e n te; e ntão, o vapor e a m aq u i n a r i a revo l u c i o n aram a p ro d u ­ ção i n d u st ri a l . A g ra n d e i n d ú st r i a m o d e r n a su p l a ntou a m a n u fatu ra; a m é d i a b u r g u e s i a m a n u fa t u re i r a c e d e u

l u gar aos m i l ionários

d a i n d ú stria, aos c h efe s d e ve rd ad e i ro s exé rc ito s i n d u stri a i s, aos b u r­ g u e se s m o d e r n o s . A grande i n d ú stria criou o m e rcado m u n d i a l , p reparad o pe la d escoberta da América. O mercado m u nd i a l ace lerou enormemente o desenvo lvimen­ to do comércio, d a n avegação, dos meios de com u n i cação. Este desenvo lvi­ me nto reag i u por sua vez sobre a expan são d a i n d ú stria; e à medida q u e a i n d ú stria, o comércio, a n avegação, as vias fé rreas se d esenvolviam, crescia a bu rguesia, m u lti p l icando seu s capita i s e co locando num seg u n d o p l a n o tod as as c l asses legad as p e l a I d ade Méd i a . Vemos, pois, q u e a própria b u rguesia moderna é o p rod uto d e u m longo p rocesso de d esenvo l v i me nto, de u m a série de transformações no modo d e p ro d u ção e d e c i rc u l ação. C ad a eta p a da e vo l u ç ão p e rc o r r i d a p e l a b u rg u e s i a fo i a co m p a ­ n h ad a d e u m p ro g r e s s o p o l ít i c o c o r re s p o n d e nte. C l a s s e o p r i m i d a p e l o d e s p o t i s m o fe u d a l , a s s o c i aç ão a r m a d a e a u tô n o m a n a c o m u -

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Marx e Engels

n a4, aq u i re p ú b l i c a u rb a n a i n d e p e n d e nte, a l i te rce i ro estad o tri b u t á r i o d a m o n a rq u i a; d e p o i s, d u rante o p e r ío d o m a n u fatu rei ro, co ntrapeso d a n o b reza n a m o n a rq u i a fe u d a l o u abso l u ta, base p r i n c i p a l d a s g ran d e s m o n a rq u i as, a bu rgu esi a, com o e sta be l e c i m ento d a gra n d e i n d ú st r i a e d o m e rc a d o m u n d i a l , c o n q u i sto u , fi n a l m e nte, a so b e ra n i a po l ít i c a exc l u si v a n o Estado re p re s e n tati v o m o d e r n o . O exe c u t i vo n o E stad o m o d e r n o n ão é se n ão u m c o m itê p a ra ge r i r os negó c i o s co m u n s d e tod a a c l asse b u rg u e s a . A bu rguesia dese m p e n h o u n a H i stó ria u m pape l i m i ne nte mente revo­ l u cionário. Onde quer que te n h a conq u i stado o p o d e r, a b u rg u e s i a destru i u as re l ações feu d a i s, patriarcais e id íl i c a s . Rasgo u tod o s o s co m p lexos e va­ riados l aços que p re n d i a m o homem feu d a l a seu s "su p e ri o re s n atu rai s", para só d e i x a r s u b s i sti r, de h o m e m p a ra h o m e m , o l aço do fri o i nte resse, as d u ras exigê n c i as d o "pagame nto à vi sta". Afogo u o s fe rvores sagrad o s d a exaltação re l i gi osa, d o e ntu siasmo cava l h e i resco, d o senti m e ntal i sm o peq u e no - b u rguês n as águ as ge l adas d o c á l c u lo ego ísta. F e z d a d i g n idade pessoal um si m p l e s val o r d e troca; su bstitu i u as n u m e rosas l i be rdades, co n q u i stad as d u ra m e nte, p o r u m a ú n i c a l i berdade sem escrú p u l os : a do c o m é rcio. Em u m a p a l av ra, em l u gar da exp l o ração d i ssi m u lada por i l u sões re l igiosas e po l íticas, a b u rguesia co locou uma exp l o ração abe rta, d i reta, despu d o rada e bruta l . A b u rguesia despojou d e s u a au réo l a todas a s atividades até e ntão re­ p utad as co mo d ignas e encarad as com p i edoso respe ito. Fez do médi co, d o j u rista, d o sacerd ote, d o poeta, do sábio seu s servidores assa lariados. A bu rgu esia rasgou o véu d o senti m e ntal ismo que envo l v i a as re l ações d e fam íl ia e red u z i u -as a m e ras re l ações m o netárias. A b u rg u e s i a reve l o u como a b r u ta l m a n i fe stação d e fo rça n a I d ad e Méd i a, t ã o ad m i rada p e l a reação, e n co ntra seu c o m p l e m e nto n at u ra l n a o c i o s i d ad e m a i s c o m p l et a . F o i a p r i m e i ra a p rovar o q u e a ati v i d ad e

4 "Comuna" era o nome q u e s e dava na França às cidades nascentes, mesmo antes d e terem con­

quistado a autonomia local e os direitos políticos de "terceiro estado ". Em geral, a Inglaterra é o exemplo típico do desenvolvimento econômico da burguesia, enquanto a França representa o seu desenvolvimento político. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888.) Os habitantes das cidades da Itália e da França assim chamavam as suas comunidades urbanas, de­ pois de terem comprado ou conquistado dos senhores feudais seus primeiros direitos a um governo autônomo. (Nota de F. Engels à edição alemã de 1 890.)

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h u m a n a pode rea l izar: c r i o u m a ravi l h as m a i o res q u e as p i râ m i d e s d o Egito, o s aq u e d u tos ro m a n o s, as cated rais góti cas; co n d u z i u exped i ções que e m pa n aram mesmo as antigas i nvasões e as Cruzadas. A b u rguesia n ão pode exi sti r sem revo l u ci o n a r i n cessanteme nte os i n s­ tru me ntos de p rod u ç ão, por con segu i nte, as re lações de p ro d u ção e, co m isso, todas as re lações sociais. A con servação i n alterada do antigo modo de p ro d u ção e ra, pe lo co ntrári o, a p ri m e i ra co n d i ção de ex i stência de todas as c l a sses i n d u stri ais anteriores. Essa su bve rsão contín u a d a p ro d u ção, esse aba l o con stante de tod o o siste m a soc i a l , essa agitação permane nte e essa falta de segu rança d i stinguem a é poca bu rgu esa de tod as as p reced e ntes. D i ssolvem -se todas as re lações soc i a i s antigas e cristalizadas, com seu cor­ tejo de concepções e de ideias secu larmente veneradas; as re lações q u e as su bstitu em to rnam-se antiq u adas antes de se co n so l i d arem . Tu do o q u e e ra só l id o e estáve l se desmancha no ar, tu d o o q u e e ra sagrado é p rofa n ad o e os h o m e n s são obrigados fi n a l m e nte a encarar s e m i l u sões a sua posição social e as suas re lações com os ou tro s homens. I m pe l i d a pela necessidade de mercados sem p re n ovos, a b u rguesia i nva­ de tod o o globo te rrestre . Necessita estabe lecer-se em tod a parte, e x p l o rar em tod a parte, criar v ín c u l os e m toda parte . Pe l a ex p l o ração d o m e rcado m u n d i a l , a b u rg u e s i a i m p ri m e u m ca­ ráte r cosm o p o l ita à p ro d u ç ão e ao co n su m o e m tod o s o s países. P a ra d e s e s p e ro d o s reac i o n á r i o s, e l a ro u bo u d a i n d ú st r i a s u a b a se n a c i o ­ n a l . As ve l h as i n d ú strias naci o n a i s fo ra m destru íd a s e conti n u a m a se r destru ídas d i ariamente. São su p l antad as por novas i n d ú strias, cuja i ntrod u ­ ção s e to rna u m a q u e stão vital para tod as a s nações c i v i l izadas - i n d ú s­ tri as q u e já n ão e m p regam m até r i a s- p r i m as n ac i o n a i s, m a s si m m atérias­ -primas v i ndas d as regiões m a i s d i stantes, e cujos p rod uto s se conso m e m não some nte n o p ró p r i o p a ís m a s e m to d a s as p a rtes d o m u n d o . Ao i nvés d a s a n t i g a s n e c e ss i d ad e s , s ati sfe i ta s p e l o s p rod u to s n ac i o n a i s, su rge m novas d e m a n d as, q u e rec l a m a m p a ra s u a sati sfaç ão os p rod u tos d a s reg i õ e s m a i s l o n g ín q u a s e d e c l i m a s o s m a i s d ive rso s . N o l u gar d o antigo i s o l a m e nto d e regi ões e n a ç õ e s a uto ssu fi c i e ntes, dese nvo l ve m ­ se u m i nte rc â m b i o u n i v e r s a l e u m a u n i ve rsa l i nte rd e p e n d ê n c i a d as nações. E i sto se refe re tanto à p ro d u ção m ate r i a l c o m o à prod u ção i n ­ te lectu a l . As cri ações i nte l ectu a i s d e u m a n ação to rnam -se patri m ô n i o com u m . A e stre i teza e a u n i l ate ra l i dade n ac i o n a i s to r n a m - se c a d a vez m a i s i m possíve i s; d as n u m e rosas l i te ratu ras naci o n a i s e l o c a i s n a sce u ma l i te ratu ra u n i ve r sa l .

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C o m o ráp i d o ape rfe i ç o a m e nto d o s i n stru me ntos d e p ro d u ção e o con stante p rogresso dos meios de co m u n i cação, a bu rguesia arrasta para a to rre nte da civ i l ização tod as as n ações, até mesmo as m a i s bárbaras. Os baixos p reço s de seu s produtos são a arti l haria pesada que destró i todas as m u ra l has d a C h i n a e o briga à cap itu lação os bárbaros m a i s te nazme nte hostis aos estrange i ros. Sob pena de ru ín a total, e l a obriga todas as n ações a adotare m o modo bu rguês d e p rod u ç ão, constrange-as a abraçar a c h a­ mada civi l i zação, isto é, a se to rn arem b u rguesas. Em u m a palav ra, cria u m m u nd o à s u a i m agem e se m e l hança. A bu rg u e s i a s u b m ete u o campo à c i d ad e . C r i o u gra n d e s cen tros u r­ banos; au m entou p rod i g i o s a m e nte a p o p u l ação d a s c i dades em re l aç ão à d o s c a m p o s e, com i sso, a r ra n c o u u m a g r a n d e pa rte d a p o p u l aç ão d o e m b r u te c i m e nto d a v i d a r u ra l . Do m e s m o m o d o q u e s u b o rd i n o u o c a m po à c i d ade, os países bárbaros ou se m i bárbaros aos países c i v i l iza­ d o s, s u b o rd i n o u o s povos c a m p o n e ses aos povos b u rgu eses, o O r i e nte ao O c i d e nte. A bu rguesia s u p r i m e cada vez mais a d i spersão dos meios d e p rod u ç ão, da propriedade e da pop u l ação. Agl o m e ro u as popu l ações, ce ntral izou os meios d e p rod u ç ão e conce ntro u a p ro p riedade e m poucas mãos. A conseq u ê n c i a necessária dessas tra n sform ações foi a centra l i zação po l íti­ ca. P rovíncias i n dependentes, l igadas apenas por débeis l aços federativos, possu i n d o i nte resses, leis, gove rnos e tarifas ad u a ne i ras d ifere ntes, fo ram reu n idas em

uma

só n ação, com

nacional de c l asse,

uma

um só gove rno, uma só lei, só barrre i ra a lfandegária.

um

só i nteresse

A bu rgu esia, e m seu d o m ín i o de c l asse d e apenas um sécu lo, c riou fo r­ ças p rod utivas m a i s n u me rosas e mais colossais do q u e todas as ge rações passadas em seu co nj u nto . A su bju gação das fo rças d a n atu reza, as máq u i ­ n as, a a p l icação d a q u ím i c a na i n d ú stria e n a agri cu ltu ra, a n avegação a vapor, as estrad as de ferro, o te légrafo e l étri co, a exp l o ração de conti ne ntes i ntei ros, a canal ização dos rios, popu l ações i nte i ras brotando da te rra como por encanto - que sécu l o anterior te ria su speitad o que sem e l hantes fo rças p rod utivas estivessem ad ormecidas n o se io do traba l h o soc i a l ? V i m os, po rtanto, q u e o s m e i o s d e p rod u ção e d e troca, so b re c u j a b a s e se e rg u e a b u rg u es i a, fo ram ge rad o s n o s e i o d a s o c i e d a d e fe u d a l . N u m a c e rta eta p a d o d e s e n vo l v i m e nto desses m e i o s d e p ro d u ção e d e troca, as c o n d i ções em q u e a soc i ed ad e fe u d a l p rod u z i a e tro cava - a o rga n i zação fe u d a l da agri c u ltu ra e d a m a n u fatu ra, e m s u m a, o reg i m e fe u d a l de p ro p ri e d ad e - d e i xaram de co rres p o n d e r às fo rç as

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p rod u tivas em p l e n o d e se nvo l v i m ento. To l h i a m a p ro d u ção em l u gar d e i m p u l s i o ná- l a . Tra n s fo r m a ra m - se e m o u tro s tantos gri l h õe s que era p re c i s o d e s pedaçar; e fo ram d es p e d aç a d o s . E m s e u l u gar, su rg i u a l i v re c o n c o rrê n c i a, c o m u m a o rga n i zação s o ­ c i a l e p o l ít i c a a p r o p r i a d a , co m a su p re m ac i a eco n ô m i c a e po l ít i c a d a c l a sse bu rg u e s a . Assi sti mos hoje a u m p rocesso seme l h ante . A sociedade b u rgu esa, co m suas re lações de p rodu ção e de troca, o regime bu rguês de propriedade, a sociedad e bu rgu esa modern a, que conj u rou gigantescos meios de p ro­ d u ção e de troca, asse m e l h a-se ao feiticei ro que já n ão pode contro l a r os poderes i nfernais que i nvoco u . H á dezenas de anos, a h i stó ria da i n d ú stri a e do co mérci o n ão é se n ão a h i stó ria da revo lta das fo rças p rod utivas mo­ dernas co ntra as modernas re l ações d e p rod u ç ão, co ntra as re lações d e p ro p riedade q u e co n d i c i o n a m a existê n c i a d a b u rguesia e s e u d o m ín i o . Basta m e n c i o n a r as crises co merciais q u e, repeti ndo-se period icamente, ameaçam cada vez mais a ex i stência da sociedade b u rguesa. Cada crise destró i regu l arme nte n ão só uma grande m assa d e p rod utos fabricados, mas também u m a grande parte das próprias fo rças p rod utivas já criadas. U m a epidem ia, q u e em q u a l q u e r outra época te ria parecido u m parad oxo, desaba so bre a socied ade - a e p i d e m i a da superpro d u ção. A sociedade vê-se su bita me nte reco n d u z i d a a um estado de barbárie m o m e ntân ea; como se a fome ou uma guerra de exte rm ín io houvessem lhe cortado todos os meios de subsistê ncia; o comércio e a i n d ú stri a parecem aniq u i lados. E por quê? Po rq u e a socied ade possu i civi l ização em excesso, meios de subsistê n c i a em excesso, i n d ú stria em excesso, comércio em excesso. As forças produtivas de que d i spõe não mais favo recem o desenvolvimento d as re lações bu rgu esas de propriedade; p e l o co ntrári o, to rnaram-se poderosas demais para estas co n d i ções, passam a ser to l h idas por e las; e assim que se l i bertam desses entraves, lançam na desordem a socied ade i ntei ra e amea­ çam a existência d a p ropriedade bu rguesa. O si stema bu rguês to rnou -se dem asiado estre ito para conter as r i q u ezas criad a s em seu se i o . E de q u e mane i ra co n segue a b u rguesia ve ncer essas cri ses? De u m l ado, pe l a des­ tru ição v i o l e nta d e grande q u antidade de fo rças p rodu tivas; d e o u tro, pe l a co n q u i sta d e n ovos m e rcados e p e l a e x p l o ração m a i s i nte nsa dos antigos. A que leva i sso? Ao p reparo de crises mais extensas e mais destru idoras e à d i m i n u ição dos meios de ev itá- l as. As armas que a b u rguesia u ti l izo u para abate r o fe u d a l i s m o vo ltam-se hoje co ntra a p ró p r i a b u rguesia.

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A b u rguesia, po rém, não se l i m itou a fo rjar as armas q u e l h e trarão a mo rte; p rod u z i u também os h o m e n s q u e e m p u n h arão essas armas - os o pe rários mode rnos, os proletários. Com o desenvo l v i m e nto d a b u rguesia, i sto é, do capital, desenvo lve-se também o p ro l etariado, a c lasse dos operários mode rnos, os q u a i s só vivem e n q u a nto têm traba l h o e só têm traba l ho e n q u a nto seu traba l h o a u m e nta o capita l . Esses operários, constrangidos a ve nder-se a retal h o, são m e rca­ d o ri a, artigo de comércio co mo q u a l q u e r outro; e m conseq u ê n c i a, estão sujeitos a todas as vici ssitu des da concorrê ncia, a tod as as fl u tu ações d o m e rcado. O c re sce nte e m p rego d e m áq u i n a s e a d i v i são d o trabal h o despoj a ram a ati v i d ad e d o o p e rário d e seu caráte r autô n o mo, t i rando - l he tod o o atra­ tivo. O o perário to rna-se u m si m p l e s apê n d i ce da m á q u i n a e d e l e só se req u e r o m a n ejo m a i s s i m p l es, m a i s m o n óto no, m a i s fác i l d e apre n d e r. Desse modo, o c u sto do o perário se red u z, q u ase exc l u si va m e nte, aos m e i o s d e su bsistê n c i a que lhe são necessários para viver e perpetu ar s u a espécie. O ra, o p reço d o traba l h o, c o m o de tod a m e rcadoria, é igu a l ao seu c u sto de p ro d u ção. Portanto, à med i d a q u e a u m e nta o caráte r e n fa­ d o n ho do traba l ho, decresce m o s salários. Mais ai nda, n a mesma med i d a e m q u e au me nta a m a q u i n aria e a d i v i são d o traba l h o, s o b e ta m bé m a q u antidade de traba l h o, q u e r p e l o a u m e nto d a s h o ras de traba l h o, q u e r p e l o a u m e nto d o traba l h o exigido n u m d ete rm i n ad o te m po, q u e r p e l a ace l e ração d o mov i m e nto d a s m áq u i n as etc . A i n d ú stria moderna tra n sformou a peq uena ofi c i n a do antigo mestre d a corpo ração patriarcal n a grande fábrica do i n d u stri al capita l i sta. M assas de operários, amo ntoadas n a fábrica, são o rgan izad as m i l itarmente. Como sol­ d ados rasos d a i n d ú stria, estão sob a vigilância de uma h ierarq u i a com p leta de ofi c i a i s e su boficiais. N ão são apenas servos da c l asse b u rgu esa, do Es­ tad o bu rguês, mas também d i a a d ia, hora a h o ra, escravos da máq u i n a, do contramestre e, sobretudo, do dono da fábrica. E esse despoti smo é tanto m a i s mesq u i n ho, m a i s odi oso e exasperador q u a nto maior é a franqu eza com q u e p roclama te r n o l u c ro seu o bjetivo exc l u sivo. Q u a n to m e n o s h a b i l i d ad e e fo rça o traba l h o m a n u a l e x i ge, i sto é, q u anto m a i s a i n d ú stria m o d e r n a p rogri d e, tanto m a i s o traba l h o d o s h o m e n s é su p l antado pe l o d e m u l h e re s e c r i a n ç a s . As d i fe re n ç a s d e i d a d e e d e sexo não t ê m m a i s i m p o rtâ n c i a s o c i a l p a ra a c l asse operária. N ão h á s e n ão i n stru m e n to s d e traba l h o, c u j o p reço v a r i a seg u n d o a i d ad e e o sexo.

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Depo i s de sofre r a e x p l o ração do fabricante e de receber seu salário em d i n h e i ro, o o pe rári o to rn a-se p resa de ou tros mem bros da b u rguesia: o se n h o rio, o varej i sta, o pen ho rista etc. As camadas i nfe ri o res da c l a sse m é d i a de outro ra, os peq u e n o s i n d u s­ tri ais, peq u e n o s co merciantes os q u e vivem de re ndas [rentiers] , artesãos e campo neses, cae m nas fi l e i ras d o p ro l etariado; u n s porq u e seu peq ueno capital não perm ite e m p regar os p rocessos d a grande i n d ú stria e sucu m bem n a co n corrência com o s grandes capita l i stas; outros porq u e s u a habi l i d ade p rofissio n a l é depreci ada pelos novos métod os d e p ro d u ção. Assi m, o p ro­ letariado é recrutad o em todas as cl asses d a popu lação. O p ro l etariado passa por d ife re ntes fases de desenvo l v i m e nto . Sua l uta contra a b u rguesia co meça com a s u a existência. N o co meço, e m p e n h a m -se na l uta operários i so l ados, m a i s tarde, o pe­ rários de uma mesma fábrica, fi n a l m e nte operários de u m mesmo ramo de i n d ú stria, de u m a mesma l o c a l i d ade, contra o bu rguês q u e os exp l o ra d i retamente. D i rigem os seu s ataq ues n ão só contra as re l ações b u rgu esas de p rod u ç ão, mas também co ntra os i n stru m e ntos d e p ro d u ç ão; destroe m as m e rcadorias e stra nge i ras q u e l h es faze m c o n corrê n c i a, q u e b ram as máq u i n as, q u e i m a m as fábricas e esforçam-se para reco n q u istar a posição perd i d a d o traba l h ad o r d a Idade Média. N e ssa fase, o p r o l etariado co n stitu i massa d i sse m i n a d a p o r tod o o p a ís e d i spe rsa p e l a c o n c o r rê n c i a . A coe são m ac i ç a d o s operários não é a i n d a o re su ltado de s u a p ró p r i a u n i ão, m a s d a u n ião da bu rg u e s i a q u e, p a ra ati n g i r se u s p r ó p r i o s fi n s po l íti cos, é l evad a a pôr e m m ov i m e n to to d o o p ro l etariado, o q u e p o r e n q u a nto a i n d a p o d e faze r. D u rante essa fase, os p r o l etários n ão c o m bate m se u s p ró p ri o s i n i m i gos, m a s o s i n i m igos d e se u s i n i m i gos, o s re sto s d a m o n a rq u i a abso l u ta, o s p ro p r i e ­ tá r i o s d e te rras, o s b u rgueses n ã o i n d u stri a i s, o s peq u e n o s bu rgu eses. To d o o m o v i m e nto h i stó rico e stá d e sse m o d o c o n c e nt rad o n a s mãos d a bu rgu e s i a e q u a l q u e r v i tó r i a a l ca n ç a d a n essas co n d i ções é uma v i ­ tó r i a b u rg u e s a . M as, co m o d e se nvo l v i m e nto d a i n d ú stria, o p ro l eta r i a d o n ão a p e ­ n a s se m u lti p l i ca; c o m p r i m e-se e m massas cada v e z m a i o res, s u a fo rç a cresce e e l e adq u i re m a i o r co n sciê n c i a d e l a . Os i nte resses, as co n d i ções d e e x i stê n c i a dos p ro l etários se i g u a l a m cada vez m a i s à m e d i d a q u e a m áq u i n a exti n g u e tod a d i fe re n ç a d e traba l h o e q u ase p o r to d a pa rte red u z o salário a u m n íve l igu a l m e nte baixo. Em v i rtu d e da concorrê n c i a c resce nte d o s bu rgueses entre si e d ev i d o às c r i ses c o m e rc i a i s q u e d i sso

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re su lta m , os s a l á r i o s se to r n a m cada vez m a i s i n stáve i s; o a p e rfe i çoa­ m e nto c o n stante e cad a vez m a i s ráp i d o d a s m áq u i n as to rna a co n d i ção d e vida d o o p e rário cada vez m a i s p recária; os choq u e s i n d i v i d u a i s entre o o p e rário s i ngu l a r e o b u rg u ê s s i ngu l a r to m a m cada vez m a i s o ca ráte r de confro nto s e ntre d u as c l asses. Os o p e rários começam a fo r m a r coa l i ­ sões co ntra o s b u rg u e ses e atu a m e m co m u m n a d efesa d e seu s s a l á r i os; c h egam a fu n d a r associ ações p e r m a n e nte s a fi m d e se precave re m d e i n su rre i ç õ e s eve ntu a i s . Aq u i e a l i a l u t a i rro m p e e m m oti m . D e te m p o s e m te m p os o s o p e rá r i o s tri u n fa m , m a s é u m tri u n fo efê­ m e ro . O ve rd ad e i ro resu ltado d e s u a s l u tas n ão é o êx ito i m e d i ato, m a s a u n i ão cada v e z m a i s am p l a d o s traba l h ad o re s . Esta u n ião é fac i l itad a p e l o c resc i m e nto d o s m e i o s de co m u n i c ação c r i ad o s p e l a grande i n d ú s­ tria e q u e perm ite m o contato entre o p e rá r i o s de d i fe re n tes l o c a l i d ad e s . B a sta, p o ré m , e ste contato p a ra co n ce ntrar a s n u m e rosas l u tas l o c a i s, q u e tê m o m e s m o ca ráte r em to d a p a rte, em u m a l u ta n a ci o n a l , u m a l u ta d e c l a sses. M a s to d a l u ta d e c l asses é u m a l u ta po l ít i c a . E a u n ião que os b u rg u e se s d a I d ad e Méd i a, com seu s c a m i n h o s v i c i n a i s, l evaram séc u l o s a rea l izar o s p ro letá r i o s m o d e rnos rea l izam e m p o u co s anos por meio das fe rrov i a s . A o rgan ização d o p ro letariado e m c l asse e, po rta nto, e m p a rtido p o ­ l ítico, é i n cessante m e nte destru íd a p e l a concorrê n c i a q u e faze m entre si o s p ró p ri o s o p e rários. M a s re n a sce se m p re, e cada vez mais fo rte, m a i s só l i da, m a i s poderosa. A p roveita-se d a s d iv i sões i nte rnas d a b u rg u e s i a p a ra o b r i gá- l a a o reco n h ec i m e nto l egal d e ce rto s i nte resses d a c l asse o p e rária, como, por exe m p l o, a lei da j o rnad a d e dez h o ras d e traba l h o n a I n g l ate rra. Em geral, os choq u es que se p roduzem n a ve l h a sociedade favo recem de d i ve rsos modos o desenvo l v i m e nto do p ro l etariado. A b u rguesia v i ve em l uta permane nte; p ri m e i ro, contra a ari stocracia; depois, co ntra as frações d a própria b u rguesia cujos i nte resses se encontram em confl ito com os p ro­ gresso s d a i n d ú stria; e sem p re co ntra a bu rgu esia dos países estrange i ros. E m todas estas l u tas, vê-se fo rçada a apelar para o prol etari ado, a reco rre r a sua aju d a e desta fo r m a arrastá-lo para o movime nto po l ítico. A b u rguesia fornece aos p ro l etários os e l e m e ntos de s u a própria ed u c ação pol ítica, i sto é, armas contra e l a própria. A l é m d i sso, co m o j á v i m o s , fraçõ e s i nte i ra s d a c l asse d o m i n a nte, em c o n se q u ê n c i a do d e s e n vo l v i m e n to da i n d ú stria, são l a n ç a d a s n o p r o l et a r i a d o, o u p e l o m e n o s a m e aç a d a s e m s u a s c o n d i çõ e s d e e x i s-

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tê n c i a . Ta m bé m e l a s traze m ao p ro l eta r i ad o n u m e r o s o s e l e m e ntos d e ed u c ação. F i n a l m e nte, nos períodos e m que a l uta d e c l a sses se aprox i m a da hora decisiva, o p rocesso de d i sso l u ção da c l asse d o m i nante, de tod a a ve l h a sociedade, ad q u i re u m caráter tão v i o l e nto e agu do, q u e u m a peq u e n a fração d a cl asse d o m i nante s e desl iga desta, l i gando-se à c l a sse revo l u ci o ­ n ária, à cl asse q u e traz nas m ã o s o fu tu ro . Do m e s m o modo q u e ou tro ra u m a parte d a nobreza passou para a b u rguesia, em n ossos d ias u m a parte da bu rgu esia passa para o pro letariado, especialmente a parte dos ideólogos bu rgu eses q u e ch egaram à co m p reen são teó rica do movi m e nto h i stó rico em seu co nju nto. De todas as c l asses q u e h oj e em d i a se o põem à b u rguesia, só o p ro ­ letariado é u m a c l asse ve rd ad e i rame nte revo l u c i o n ária. As ou tras c l asses dege neram e perecem co m o desenvo l v i m e nto d a grande i n d ú stria; o p ro­ letariado, pe lo contrário, é seu p ro d u to m a i s autêntico. As camadas m é d i a s - peq u e n o s c o m e rci antes, p eq u e n o s fabrica ntes, artesãos, c a m p o n eses - com bate m a b u rg u e s i a porq u e esta co m p ro m e ­ t e s u a ex i stê n c i a c o m o c a m a d a s m éd i a s . N ão são, p o i s, revo l u ci o nári as, mas c o n servado ras; m a i s a i n da, são reac i o n á rias, po i s p rete n d e m faze r g i ra r p a ra trás a ro d a d a H i stó r i a . Q u a n d o se to r n a m revo l u ci o n ár i as, i sto se dá e m c o n seq u ê n c i a d e sua i m i n e nte p assage m p a ra o p ro l eta­ riado; n ão defe n d e m e ntão se u s i nte resses atu a i s, mas seu s i nte re sses futu ros; a ba n d o n a m se u p ró p r i o p o n to d e v i sta para se c o l o c a r no d o p ro l eta r i a d o . O l ú m pe n - p ro l etariado, pu trefação passiva d a s camadas m a i s baixas d a ve l h a sociedade, pode, às vezes, ser arrastad o ao movi m e nto por u m a revo l u ção p ro l etária; tod avia, suas condições d e vida o p red i spõem m a i s a ve nder-se à reação. As condições de ex i stência d a ve l h a sociedade j á estão d estru ídas n a s cond ições d e existência do p ro l etariado. O p ro l etário n ão tem propriedad e; suas re lações com a m u l he r e os fi l h os já nada têm em com u m com as re la­ ções fam i l iares b u rgu esas. O traba l h o i n d u strial moderno, a su bju gação do operário ao capita l, tanto n a I ng l ate rra como n a F rança, n a América como n a A l e m a n h a, despoj a o p ro l etário de tod o caráter nacio n a l . As leis, a mo­ ral, a re l igião são para e l e m e ros p recon ceitos bu rgu eses, atrás dos q u a i s se ocu ltam o u tros tantos i n te resses bu rgu eses. Tod a s as c l a sses q u e n o passado co n q u i staram o poder tratara m de co n so l idar a situ ação adq u i ri d a s u b m ete ndo toda a socied ade às suas con-

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d i ções de apro p riação. Os p ro l etários n ão podem apode rar-se d a s fo rças p rodutivas sociais senão abo l i ndo o modo de apropriação a elas correspo n ­ d ente e, por conseg u i nte, tod o modo d e apropriação existente até hoje. Os p ro l etários nada têm d e seu a salvaguard ar; sua m i ssão é destru i r tod as as garantias e segu ranças d a p ropried ade p rivada até aq u i exi ste ntes. To dos os mov i m e nto s h i stó ricos têm sido, até h oje, mov i m e ntos d e m i n o rias o u em p roveito de m i norias. O m ovi m e nto p ro l etário é o movi­ me nto autô n o m o d a i mensa m a i o ria em p rove ito d a i m e n sa maioria. O p ro l etariado, a camada mais baixa da socied ad e atu a l , n ão pode erguer-se, pôr-se de pé, sem fazer sa ltar todos os estratos superpostos q u e constitu em a socied ade ofici a l . A l u ta d o p ro l etariado co ntra a bu rguesia, em bora n ã o seja n a essê n c i a u ma l u ta naci o n a l , reveste-se d e s s a fo r m a n u m p ri m e i ro m o m e nto .

É

na­

tu ral que o p ro l etariado d e cad a p a ís d eva, ante s d e tudo, l i q u i d a r a sua p ró p r i a b u rg u e s i a . Esboç a n d o e m l i n h a s gera i s a s fases d o desenvo l v i m e nto p ro l etá r i o, d esc reve m o s a h i stó r i a d a g u e rra c i v i l m a i s ou m e n o s o c u lta n a s o c i e ­ d ad e e x i ste n te, até a h o ra e m q u e essa g u e rra ex p l ode n u m a revo l u ç ão aberta e o p ro l etariado e stabe lece s u a d o m i n ação pe l a d e rru bad a v i o ­ l e nta d a bu rg u e s i a . To d a s as sociedades ante r i o res, c o m o v i m os, s e basearam n o anta­ go n i smo entre c l asses o p ressoras e c l asses o p ri m i d as . M a s para o p ri m i r u ma c l a sse é p re c i so pod e r garant i r- l h e co n d i ções tais q u e l h e perm itam pelo menos u m a ex i stê n c i a servi l . O se rvo, em p l e n a serv i d ão, co n segu i u to rnar-se m e m b ro d a co m u n a, d a mesma fo rma q u e o peq u e n o b u rgu ês, sob o j u go do abso l u t i s m o fe u d a l , e l evo u -se à catego r i a d e b u rg u ê s . O o perário mode rno, p e l o co ntrário, l o n ge de se e l evar com o p rogresso d a i n d ú stria, desce cad a vez m a i s, c a i n d o abaixo d as co n d i ções d e s u a p ró p r i a c l asse. O traba l h ador to rna-se u m i n d ige nte e o pau perismo cres­ ce a i n d a m a i s ra p i d a m e nte d o q u e a po p u l ação e a riq ueza. F i c a assi m evide nte q u e a b u rguesia é i ncapaz de conti n u a r dese m p e n h a n d o o papel d e c l asse d o m i n ante e d e i m po r à sociedade, co mo l e i su p re m a, as cond i ­ ç õ e s d e ex i stê n c i a d e sua c l asse. N ão p o d e exercer o s e u d o m ín i o po rq u e n ã o pode m a i s assegu rar a exi stê n c i a d e s e u esc ravo, m e s m o n o q u ad ro de s u a escrav i d ão, p o rq u e é o b rigada a d e i xá- lo afu n d a r n u m a situ ação e m q u e d eve n u tri - l o e m l u gar se r n utrida por e l e . A sociedade não pode mais exi sti r so b s u a d o m i n ação, o que quer d ize r que a exi stê n c i a d a b u r­ g u e s i a n ão é m a i s com pat íve l com a soc iedade.

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A condição esse ncial para a ex i stência e su p remacia da c l a sse b u rguesa é a acu m u lação d a riq u eza n as mãos d e particu lares, a formação e o cresci ­ me nto do capital; a co ndição d e exi stência do capital é o trabal h o assalaria­ do. Este baseia-se exc l u sivame nte n a concorrência dos operários e ntre si. O p rogresso da i n d ú stria, de q u e a b u rguesia é age nte passivo e i nvo l u ntário, substitu i o i s o l a m e nto dos o p e rários, re su ltante d a co m petição, por s u a u n i ão revo l u cion ária resu ltante d a associ ação. Assi m, o desenvo l v i m e nto da grande i n d ú stria reti ra dos pés da bu rgu esia a própria base sobre a q u a l e l a assentou o s e u regime de p rod u ç ão e de apro p ri ação d o s produtos. A bu rgu esia p roduz, sobretu do, seu s p ró p rios cove i ros. Seu dec l ín i o e a vitória do p ro l etariado são i g u a l m e nte i nevitáve i s .

II

Proletários e comunistas Q u a l a re lação dos com u n istas co m os p ro l etários em gera l ? Os co m u n i stas n ão formam u m partid o à parte, oposto a o s o u tros par­ tidos o pe rários. N ão têm i nte resses d i fe re ntes dos i nte resses d o p ro l etariado em ge ra l . N ão p ro c l a m a m p r i n c íp i o s particu l a res, segu ndo os q u a i s p rete n d a m m o l d a r o mov i m e nto operário. Os com u n i stas se d i stinguem dos outros partidos o pe rários some nte em d o i s pontos: 1) N as d i ve rsas l utas n ac i o n a i s dos p ro l etários, destacam e fa­ zem p reva lecer os i n te resses com u n s do p ro l etariado, i ndependenteme nte da naci o n a l i d ade; 2) N a s d i fe rentes fases de dese nvo lvi m e ntos por q u e passa a l uta entre p ro l etários e b u rgu eses, rep resentam, sem p re e em tod a parte, os i n teresses do movi m e nto em s e u co nju nto. N a p rát i c a , os c o m u n i stas c o n stitu e m a fração m a i s reso l u ta d o s pa rti d o s o p e rá r i o s d e c a d a p a ís, a fração q u e i m p u l s i o n a as d e m a i s; teo r i c a m e n te tê m s o b re o re sto d o p ro l et a r i a d o a va ntage m d e u m a co m p re e n são n ít i d a d a s co n d i ções, d o c u rso e d o s fi n s ge rai s d o m o v i ­ m e nto p ro l etá r i o . O o bjetivo i med i ato d o s co m u n i stas é o m e s m o q u e o d e tod o s os d e m ai s p a r ti d o s p ro l et á r i o s : c o n stitu i ç ão d o p ro l et a r i a d o em c l a sse, d e rru bad a d a su p re m a c i a b u rgu esa, c o n q u i sta d o pod e r po l ítico p e l o p ro l eta r i a d o . As p ro posições teóricas dos com u n i stas n ão se base i a m , d e modo a i -

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g u m , em ideias ou p r i n c ípios i nve ntados ou d escobertos por este ou aq u e l e reformad o r do m u ndo. São ape n a s a expressão ge ra l d a s cond ições efetivas d e uma l uta d e c l asses q u e exi ste, de u m m ovi m e nto h i stó rico q u e s e desenvolve d i a nte dos o l hos. A abo l ição d a s re lações de p ropried ade q u e até hoje exist i ram n ão é uma caracte rística pec u l iar e exc l u siva d o com u n i smo. Todas as re lações de p rop riedade tê m passado por mod ifi cações co n s­ tantes em c o n seq u ê n c i a d a s co nt ín u as transfo r m ações d a s co n d i çõ e s h i stó ricas. A Revo l u ção F rancesa, por exe m p lo, abo l i u a p ro p riedade feudal em p rove ito d a p ropried ade bu rguesa. O que caracte riza o com u n ismo n ão é a abo l ição d a p ropriedad e em geral, mas a abo l ição d a p ropried ade bu rgu esa. Mas a moderna p rop riedade p rivad a b u rguesa é a ú lti ma e mais perfeita exp ressão d o modo de p rod u ç ão e de apropriação basead o nos antago n i s­ mos de c l asses, na e x p l o ração de u n s pelos ou tros. N esse sentido, os co m u n i stas pod e m resu m i r s u a teoria n u ma ú n i ca expressão: s u p ressão d a p ro p riedade p rivad a . N ós, co m u n i stas, temos sido ce n su rados por q u ere r abo l i r a p rop riedade pessoalme nte ad q u i rida, fruto d o trabal h o do i n d iv íd u o - p rop riedade q u e d ize m s e r a base de tod a l i berdade, de tod a atividade, d e tod a i ndepen­ dência i ndividu a l . P ropriedade pessoal, fruto do trabal h o e d o mé rito! Falais d a propriedade d o peq u en o b u rguês, d o peq u en o cam ponês, forma de p rop riedade ante­ ri o r à p ropried ade bu rgu esa? N ão p recisamos abo l i - l a, porq u e o p rogresso d a i n d ú stri a j á a abo l i u e conti n u a abo l i ndo-a d iariamente. Ou porventu ra fa l a i s da moderna p ro p riedade privada, da p ropriedade bu rgu esa? Mas o traba l h o d o p ro l etário, o traba l h o assa lariado cria p ro p riedade para o p ro l etário? De modo algu m . Cria o capital, i sto é, a p ro p riedad e q u e e x p l o ra o traba l ho assal ariado e q u e s ó p o d e a u m e ntar s o b a co n d i ç ão de gerar novo traba l h o assal a riado, para vo ltar a e x p l o rá- l o . Em s u a fo rm a atu al, a p ropried ade se move e ntre d o i s termos antagô n i cos: cap ita l e tra­ ba l h o . Exam i n emos os te rmos desse antago n i sm o . Ser capita l i sta sign ifi c a ocu par n ão some nte u m a posição pessoal, mas tam bém u m a posição social n a p ro d u ção. O capital é u m p rod uto co letivo e só pode ser posto em m ovi m e nto pelos esforços co m b i n ados de m u itos mem bros da sociedade, em ú lti m a i n stância pelos esfo rços com b i n ados d e todos os mem bros d a sociedade.

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O cap ital n ão é, po rtanto, u m pod e r pessoal: é u m poder socia l . Assim, q u ando o cap ital é transformado em p ropriedade com u m , perte n ­ ce nte a tod os os mem bros d a sociedade, n ão é u m a p ro p riedade pessoal que se transforma em prop riedade socia l . O que se transformou foi o caráter social da p ro p riedade. Esta perde seu caráter de c l a sse. Vej amos ago ra o traba l h o assal ariado. O p reço méd io que se paga pe lo traba l ho assal ariado é o m ín i m o de salário, ou seja, a soma dos meios d e su bsistência necessários para q u e o operário v i va c o m o operário. Po r consegu i nte, o q u e o operário recebe co m o seu traba l h o é o estritamente necessário para a m e ra co n se rvação e rep rod u ção de su a existência. N ão pretendemos de modo algum abo l i r essa apro priação pessoal dos p rodutos do trabal ho, i n d i spen sáve l à manute nção e à rep rodu ção d a vida h u mana - uma apropriação q u e não deixa nen h u m l u c ro l íq u ido q u e confira pod e r so bre o traba l h o a l heio. Q u eremos apenas supri m i r o caráter m i seráve l desta apropriação, que faz com que o operário só viva para au me ntar o cap ital e só viva n a med i d a em que o exigem os i n teresses d a c l asse d o m i n ante. N a sociedade bu rg u e s a o traba l h o v i vo é se m p re u m m e i o d e a u ­ m e nt a r o t r a b a l h o ac u m u l ad o . N a s o c i e d a d e c o m u n i st a o t r a b a l h o acu m u l ad o é u m m e i o d e am p l i ar, e n ri q u ec e r e p ro m ove r a e x i stê n c i a d o s traba l h ad o re s . N a soci edade b u rguesa o passad o d o m i n a o p rese nte; n a sociedade co m u n i sta é o p resente que d o m i n a o passado. N a sociedade b u rguesa o capital é i n dependente e pessoal, ao passo q u e o i nd i v íd u o q u e traba l h a é dependente e i m pessoal .

É

a s u p ressão dessa situ ação q u e a bu rgu e s i a c h a m a de su p ressão d a

i nd i v i d u a l i d ade e d a l i berdad e . E co m razão . Po rq u e s e trata efetivamente de abo l i r a i nd ivid u a l i d ad e bu rgu e sa, a i n d e p e n d ê n c i a b u rg u e sa, a l i ber­ dade b u rguesa. Po r l i berd ade, nas atu ais re lações b u rgu esas d e p rod u ç ão, co m p reende­ -se a l i be rd ade de co m é rcio, a l i berdade de com p rar e ve nder. M a s, se o tráfi co d e s a p a rece, d e s a p a re c e r á ta m bé m a l i b e rd ad e d e t rafi c a r. Tod a a frase o l o g i a so b re o l i vre co m é rc i o, b e m c o m o to ­ d a s as b ravatas d e nossa bu rg u e s i a so b re a l i berdade, só tê m se ntido q u an d o se referem ao c o m é rc i o c o n stra n g i d o e ao b u rg u ê s o p r i m i d o da I d ad e M é d i a; n e n h u m s e n t i d o tê m q u a n d o s e trata da s u p re s s ã o c o m u n i st a d o t r áf i c o , d a s re l a ç õ e s b u rg u e s a s d e p ro d u ç ã o e d a p ró p r i a bu rg u e s i a .

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H o rro rizai-vos porq u e q u eremos supri m i r a p ropried ade p rivada. Mas em vossa sociedade a p ro p riedade privad a está su p r i m i d a para n ove décimos d e seu s m e m bros. E é p recisame nte porq u e n ão exi ste para estes n ove dé­ cimos q u e e l a exi ste para vós. Ce n su rai-nos, po rtanto, por q u erermos abo l i r u m a fo r m a de p ro p riedade q u e p ressu põe c o m o condição necessária q u e a i m e n sa m a i o ria d a sociedade n ão possua p ro p riedade. N u ma palavra, ce n s u rai-nos po r q u erermos abo l i r a vossa p ro p riedade. De fato, é isso que q u e remos. A parti r d o momento em q u e o traba l h o n ão possa m a i s ser co nvertid o em capita l, em d i n h e i ro, em re nda d a te rra - n u m a palav ra, em poder soc i a l capaz d e se r m o n o p o l i zado-, i sto é, a parti r d o m o m e nto e m q u e a p ro p riedade i nd i v i d u a l n ão possa m a i s s e co nve rter e m p ropried ad e b u r­ gu esa, decl arai s q u e o i nd i v íd u o está s u p r i m i d o . C o n fessai s, n o e nta nto, q u e q u an d o fa l a i s d o i n d iv íd u o, q u e re i s refe­ r i r-vos u n i c a m e nte ao b u rgu ês, ao p rop rietári o b u rg u ê s . E este i n d i v íd u o, sem d ú v i d a, deve se r s u p r i m i d o . O com u n i smo n ão p riva n i nguém do poder d e s e apropriar de s u a parte dos produtos sociais; apenas s u p r i m e o poder de su bj u gar o traba l h o d e o u tros por meio dessa apro p ri ação . A lega-se a i n d a q u e com a abo l ição da p ro p riedade privada tod a a ativi­ dade cessaria, uma i né rc i a geral apod e rar-se-ia d o m u ndo. Se i sso fo sse ve rd ade, h á m u ito que a s o c i e d a d e b u rg u e s a te r i a su­ c u m b i d o à o c i o s i d ade, pois o s que n o reg i m e b u rg u ê s traba l h a m n ão l u cram e o s q u e l u c r a m n ão trab a l h a m . To d a a o bj eção se red u z a essa tauto l og i a : n ão h averá m a i s traba l h o assa l ar i a d o q u an d o n ão m a i s e x i st i r c a p i ta l . As objeções feitas a o modo com u n i sta d e p rod u ç ão e d e apro p riação dos produtos materiais fo ram igu a l m e nte a m p l i adas à p ro d u ção e à a p ro­ p riação dos p rod utos do trabalho i nte lectu a l . Assi m como o desaparecimen­ to d a p ro p riedade d e c l asse eq u ivale, para o bu rgu ês, ao desapareci m e nto de tod a a p rod u ç ão, o desapareci mento da cu ltu ra de c l a sse sign ifica, para e le, o desapareci m e nto de tod a a cu ltu ra. A cu ltu ra, cuja perda o b u rguês d e p l o ra, é para a i mensa maioria dos h o m e n s apenas u m adestrame nto q u e os tra n sforma em m áq u i n as. M a s n ão d i scuta i s conosco a p l icando à abo l ição d a p ro p riedade b u r­ guesa o critério de vossas noções b u rguesas de l i berdade, cu ltu ra, d i reito etc. Vossas próprias ideias são p rod utos das re l ações de p ro d u ção e d e p ropried ade b u rguesas, ass i m co mo o vosso d i reito n ão passa d a vo ntade

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de vossa cl asse erigida em lei, vo ntade cujo conte ú d o é dete rm i n ado pelas co n d i ções materiais d e vossa existência como c l asse. Essa concepção i nte resse i ra, q u e vos leva a transformar em l e i s eternas da natu reza e d a razão as re l ações sociais oriu ndas d o vosso modo d e p ro­ d u ção e de p ro p riedade - re l ações tra n sitórias q u e su rgem e desaparecem no cu rso d a p ro d u ção -, é por vós comparti l h ada com todas as c l asses d o m i n antes já desaparecidas. O q u e ace itai s para a p ropriedad e antiga, o q u e ace itai s para a p ropried ade fe u d a l , já não pod e i s aceitar para a p ro­ priedade b u rguesa. S u p ressão d a fam íl i a ! Até os mais rad icais se i nd ignam com esse p ropó­ sito i nfame dos com u n istas. Sobre que fu ndamento repou sa a fam íl ia atu al, a fa m íl i a bu rgu esa? Sobre o capita l, sobre o gan h o i n d iv i d u a l . A fam íl ia, na s u a p l e n itude, só exi ste para a b u rguesia, mas enco ntra seu com p lemento na a u sê n c i a fo rçada d a fam í l i a entre os p ro l etários e n a p rostitu ição p ú b l ica. A fam íl i a bu rgu esa desvanece-se natu ral mente com o desvanece r d e seu co m p lemento, e am bos desaparecem co m o desapareci m e nto do capita l . Cen su rai-nos p o r q u erermos abo l i r a exp l o ração d a s crianças pelos seu s p ró p rios pais? Confessamos este crime. D izei s também q u e destru ímos as re lações mais íntimas, ao su bstitu i rmos a e d u c ação d o mésti ca pe l a ed u cação social . E vossa ed u c ação n ão é ta m bé m d ete r m i n a d a pe l a sociedade? Pe l a s c o n d ições so c i a i s e m q u e e d u c a i s vossos fi l h os, pe l a i nte rve nção d i reta o u i n d i reta da soc i e d ade, por m e i o de vossas esco l a s etc . ? O s c o m u ­ n i stas não i nventaram a i ntro m i ssão d a sociedade n a ed u c ação; a p e n a s p ro c u ram m o d i fi c a r seu ca ráte r arra n c a n d o a ed u c ação d a i n fl u ê n c i a d a c l asse d o m i n a nte. O palavreado b u rguês sobre a fam íl i a e a educação, sobre os doces laços que u n e m a criança aos pais, to rn a-se cada vez m a i s repugnante à medida q u e a grande i n d ú stri a destró i tod os os l aços fam i l iares dos p ro l etários e tran sforma suas c rianças em s i m p l es artigos de comércio, em s i m p les i n s­ tru me ntos de traba l ho . "Vós, com u n i stas, q u e re i s i ntroduzir a com u n idade das m u l he res!", grita­ nos tod a a bu rgu esia em coro. P a ra o bu rg u ê s, a m u l h e r n a d a m a i s é d o q u e um i n stru me nto d e p rod u ção. O u v i n d o d i ze r q u e o s i n stru m e ntos d e prod u ç ão serão ex­ p l orad o s e m com u m , c o n c l u i n atu r a l m e nte q u e o d e sti n o d e p ro p r i e ­ d a d e c o l et i va c a be rá i g u a l m e nte às m u l h e re s . N ão i m agi n a q u e s e t rata

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p recisame nte de arra n c a r a m u l h e r de seu pape l de si m p l e s i n stru m e nto de p rod u ção. De resto, nada é m a i s ri d ícu lo q u e a v i rtuosa i n d ig n ação q u e os nossos b u rgu eses, em re lação à p rete n sa com u n i d ad e oficial das m u l h e res q u e ad otariam os co m u n i stas. O s com u n i stas n ão p reci sam i ntro d u z i r a co m u ­ n i d ade d a s m u l heres. E l a q u ase sem p re ex i sti u . N ossos bu rgu eses, n ão contentes e m te r à s u a d isposição a s m u l h e res e as fi l has dos pro l etários, sem falar da prostitu ição oficial, têm singu lar p raze r em sed uzi r as esposas u n s dos ou tros. O casa m e nto bu rgu ê s é, n a rea l i d ade, a com u n i d a d e d a s m u l h e re s casadas. N o máxi mo, poderiam acusar os co m u n i stas d e q u e re r su bstitu i r u ma com u n i dade d e m u l h e res, h i póc rita e d i ssi m u l ad a, p o r ou tra q u e seria fran c a e ofi c i a l . De re sto, é evide nte q u e c o m a abo l ição d a s atu ai s re l ações de p rod u ç ão desaparecerá tam bém a com u n idade d a s m u l h e re s q u e d e riva dessas re l ações, ou seja, a p rostitu i ç ão ofi c i a l e n ão ofi c i a l . O s c o m u n i stas ta m bé m s ã o a c u s a d o s d e q u erer a bo l i r a p átri a, a n ac i o n a l i d ad e . Os operários n ão têm pátria. N ão s e l hes p o d e tirar aq u i lo q u e n ã o pos­ s u e m . Como, porém, o p ro l etariado te m por objetivo co n q u i star o poder p o l ítico e e l evar-se a c lasse d i rige nte d a nação, to rnar-se e l e p ró prio n ação, e l e é, nessa m e d i d a, nac i o n a l , mas de modo nen h u m no se ntido b u rguês d a palav ra. O s i s o l a m e n to s e o s antago n i s m o s n ac i o n a i s entre o s povos d esa­ parecem cada vez mais com o d e se nvo l v i m e nto d a bu rg u e s i a , c o m a l i be rd ad e de co m é rc i o, c o m o m e rcado m u n d i a l , com a u n ifo r m i d ad e d a p rod u ç ão i n d u stri a l e co m as co n d i çõ e s d e e x i stê n c i a a e l a c o r res­ p o n d e nte s . A su prem acia d o p ro l etariad o fará c o m q u e d esapareçam ainda mais d e ­ p ressa. A ação com u m d o p ro l etari ado, pe lo m e n o s nos países c i v i l izados, é u m a das p ri mei ras condições para s u a e m a n c i pação .

À

med i d a q u e fo r s u p r i m i d a a exp l o ração do homem p e l o homem será

su p r i m i d a a e x p l o ração de u m a n ação po r outra. Quando o s antago n i sm o s d e c l a sses, n o i n teri o r d a s n ações, tive rem d esaparecido, desaparece rá a hosti l id ade e ntre as próprias n ações. As acu sações fe itas aos com u n i stas e m nome d a re ligi ão, d a fi losofia e da ideologia em geral n ão m e recem u m exame ap rofu n d ado. S e rá p re c i s o grande i nte l igê n c i a p a ra co m p re e n d e r q u e, ao m u d a re m as re l ações d e v i d a d o s h o m e n s, as s u a s re l ações soc i a i s, a s u a e x i stê n -

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e i a soc i a l , m u d am t a m b é m as s u a s re p rese ntações, as s u a s co n ce p ções e c o n c e i to s; n u m a p a l av ra, m u d a a s u a c o n s c i ê n c i a ? Q u e demonstra a h i stó ria d a s ideias senão q u e a p rod u ç ão i nte lectu al se tran sforma co m a p rod u ç ão materia l ? As ideias d o m i n antes de u m a época sem p re fo ram as ideias d a c l asse d o m i n ante. Q u ando se fal a d e ideias q u e revo l u cionam u m a sociedade i nte i ra, i sto q u e r d i zer q u e no se io da ve l h a sociedade se fo rm a ram os e leme ntos d e u m a sociedade n ova e q u e a d i sso l u ção das ve l h as i d e i a s aco m p a n h a a d isso l u ção das antigas cond ições de existê n c i a . Q u ando o m u ndo antigo dec l i n ava, as antigas re l igiões fo ram ve ncidas pe la re l i gião cristã; q u ando, n o sécu lo XVI I I, as ideias cristãs cederam l u gar às ideias I l u m i n istas, a sociedade fe u d a l travava su a bata l h a deci siva contra a b u rguesia então revo l u cion ária. As ideias de l i berd ad e re l igiosa e de co n s­ ciência n ão fize ram mais q u e p rocl amar o i m pério da livre concorrência no d o m ín i o do con heci m e nto . "M as" - d i rão - "as i d e i a s re l i gi o sas, m o ra i s, fi l osóficas, po l íticas, j u ríd i c a s etc . m o d i ficaram-se no cu rso do desenvo l v i m e nto h i stó rico. A re l i g i ão, a moral, a fi losofia, a pol ítica, o d i reito so breviveram sem p re a essas tran sfo rm ações". "A l é m d i sso, há ve rd ad e s ete r n a s , co m o a l i be rd ade, a j u stiça etc . , q u e s ã o co m u n s a to d o s o s regi m e s soc i a i s . M a s o com u n i sm o q u e r a bo l i r e stas ve rdades ete r n a s , q u e r a bo l i r a re l i gião e a m o ra l , e m l u gar d e l he s d a r uma nova fo r m a, e i sso co ntrad iz tod o s o s d e senvo l v i m e ntos h i stó ricos ante r i o re s". A q u e se red uz essa acu sação ? A h i stó ria de tod a a sociedade até nossos d ias moveu -se em antago n i smos de c l asses, antago n i smos q u e se têm re­ vestido de formas d i fe re ntes nas d ife rentes épocas. Mas q u a l q u e r que te n h a sido a forma ass u m i d a, a exp l o ração d e u m a parte d a sociedade p o r ou tra é u m fato com u m a todos o s sécu los ante­ riores. Portanto, n ão é de espantar q u e a co n sciência soc i a l de todos os sécu los, apesar de toda s u a variedade e d i versid ade, se ten h a movido sem­ p re sob certas formas com u n s, formas de consciência que só se d i sso lve rão com p l etamente com o desaparecimento total dos antago n i smos de c lasses. A revo l u ção com u n ista é a ru ptu ra mais rad ical com as re lações trad icio­ nais de p ro p riedade; não ad m i ra, po rtanto, q u e no cu rso de seu desenvolvi­ me nto se ro m pa, do modo m a i s rad ical, co m as ideias trad icionais. M a s d e i xe m o s d e lado as objeções feitas p e l a b u rg u e s i a ao m ovi m e n ­ t o co m u n i sta.

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V i m os antes q u e a p r i m e i ra fase da revo l u ç ão o pe rári a é a e levação d o p ro l etariado a c l a sse d o m i nante, a co n q u i sta d a dem ocracia. O p ro l etariado uti l izará s u a su p re m acia po l ítica para arrancar po u co a pouco todo o cap ita l da b u rguesia, para central izar tod os os i n stru m e ntos de p ro d u ção nas mãos do Estad o, i sto é, do p ro l etariado o rganizado co mo c l a sse d o m i nante, e para a u mentar o mais rapidame nte possíve l o total das fo rças p rod utivas. I sso natu ral m e nte só pod e rá se r real izado, a p ri n c íp i o, por i n terve n ções despóti cas no d i reito de p ropried ade e nas re lações de prod u ção b u rgu esas, i sto é, p e l a a p l i cação de medidas q u e, do po nto de v i sta eco n ô m i co, pare­ cerão i n sufici e ntes e i n su ste ntávei s, mas q u e no dese n ro l a r do m ovi m e nto u ltrapassarão a si mesmas e se rão i n d i spen sáve i s para tra n sformar rad i c a l ­ me nte tod o o m o d o de p ro d u ção. Essas m e d i d as, é c l a ro, se rão d i fe rentes nos d i fe re ntes países. Nos países m a i s ad i antad os, contudo, q u ase todas as seg u i ntes medidas pod e rão se r postas e m p ráti ca:

1 . Expropriação da prop riedade fu ndiária e emprego da renda da terra para d espesas do Estad o.

2 . I m posto fo rteme nte p rogressivo. 3 . Abo l ição d o d i reito de herança. 4 . Confi sco d a p ro p riedade d e todos o s e m i grad os e re be ldes. 5 . Centra l i zação do c réd ito nas m ãos d o Estad o por meio d e um banco

nacional com cap ital d o Estad o e com o m o n o pó l io exc l u sivo.

6. Central ização de todos os meios de com u n icação e transporte nas mãos d o Estado . 7. M u lti p l i c ação das fábricas n a c i o n a i s e dos i n stru m e ntos de p rod u ção,

arroteamento das terras i ncu ltas e m e l h o rame nto das te rras c u ltivad as, segu ndo u m p l an o ge ra l .

8. U n ifi cação do trabal ho obrigató rio para todos, organização de exércitos i n d u striais, parti c u l armente para a agri c u l tu ra. 9 . U n ifi c aç ão dos traba l h o s agr íco l a e i n d u stria l ; abo l ição grad u a l da

d i sti nção e ntre a cidad e e o c a m po por meio d e uma d i stri b u i ç ão m a i s i g u a l itária d a pop u l ação p e l o país.

1 0. Ed u c ação p ú b l ica e gratu ita a tod as as crianças; abo l ição d o traba l h o d a s crianças n a s fábricas, t a l c o m o é p rati cado h oje. Com b i n ação d a ed u cação co m a p ro d u ção material etc.

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Q u ando, no cu rso do desenvo lvimento, desaparecerem os antago n i smos de c l a sses e tod a a p rod u ç ão fo r conce ntrad a nas mãos dos i nd i v íd u os associados, o poder p ú b l i co perd e rá seu caráter pol ítico. O poder pol ítico é o poder o rgan izado d e u m a c l asse para a o p ressão de outra. Se o p ro­ letariado, em s u a l u ta contra a b u rguesia, se o rgan iza fo rçosamente como c l a sse, se po r meio d e uma revo l u ção se conve rte em cl asse d o m i n ante e co mo c l a sse d o m i n ante destrói v i o l e ntame nte as antigas re l ações de p ro­ d u ç ão, destró i , j u ntame nte com essas re lações de p rod u ç ão, as cond ições de existência dos antago n i smos entre as cl asses, destró i as c lasses em ge ral e, co m i sso, sua própria d o m i n ação como c l asse . Em l u gar da antiga sociedade bu rguesa, com su as c lasses e antago n ismos de c l a sses, su rge uma associação na qual o l iv re desenvo l v i m e nto d e cada um é a condição para o l ivre desenvo l v i m e nto de tod os.

III

Literatura socialista e comunista 1 . O socialismo reacionário a) O soc i a l i smo fe u d a l Por s u a posição h i stórica, as aristocracias da França e da I nglaterra vi ram-se chamadas a lançar l i belos co ntra a sociedade b u rguesa. Na revo l ução france­ sa de j u l h o de 1 830, n o movime nto i nglês pela refo rma*, ti n ham sucu m bido mais uma vez sob os go l pes desta od iad a arrivista. A parti r d a í n ão se pod ia tratar de u m a luta po l ítica séria; só lhes restava a luta l ite rária. M as também no d o m ínio l iterário tornara-se i m possível a ve l h a fraseo logia da Restau ração.5 Para despertar simpatias, a aristocracia fi ngi u deixar de lado seu s p róprios i nteresses e d i rigiu sua acu sação co ntra a b u rguesia, aparentando defender apenas os i nteresses d a c lasse operária exp lorad a. Desse modo, e ntregou -se ao prazer de cantarolar sáti ras sobre os novos se nhores e de l hes sussu rrar ao ouvido p rofecias si n i stras. Ass i m su rg i u o social i smo fe u d a l : em parte lame nto, em parte pasq u i m ; em parte ecos d o passado, e m parte ameaças a o fut u ro . Se p o r vezes a sua

• Sob a pressão das massas, a Câmara dos Comuns inglesa aprovou em 1831 uma reforma eleitoral que facilitava o acesso da burguesia industrial ao parlamento 5 Não se trata da Restauração Inglesa de 1660 a 1 689, mas da Restauração Francesa de 1 814-1830. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888.)

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crítica amarga, m o rdaz e espi ritu osa feriu a b u rguesia no co ração, s u a i m ­ potência abso luta em com preender a marcha da H istó ria moderna termi nou sem p re p rod u z i n d o um efe ito cômico. Para atra i r o povo, a ari stocracia desfra ldou co mo ban d e i ra a saco l a d o m e n d i go; mas ass i m q u e o povo aco rre u , percebeu q u e as costas d a ban ­ d e i ra estavam ornadas com os ve l h os b rasões fe u d a i s e d ispersou-se co m gran des e i rreverentes garga l had as. Uma parte dos legiti m i stas fran ceses e a "J ove m I ng l aterra" ofereceram ao m u n d o esse espetác u l o . Q u ando os fe u d a i s d e m o n straram q u e o s e u modo d e exp l o ração e ra d ifere nte do da bu rgu esia, esq ueceram apenas u m a coisa: q u e o feudal i smo exp l o rava em c i rcu n stâncias e co n d i ções c o m p l etame nte d i ve rsas, h oje em d ia u ltrapassadas. Qu ando ressaltam q u e sob o regime feudal o p ro l etariad o moderno n ão existia, esq u ecem q u e a bu rguesia foi p recisame nte u m fruto n ecessário de s u a o rgan ização soc i a l . A l é m d i sso, ocu ltam tão p o u c o o caráter reac i o n ário d e sua c r ítica q u e s u a principal acu sação co ntra a b u rguesia consiste j u stamente e m d i zer q u e esta assegu ra s o b s e u reg i m e o desenvo l v i m e nto d e u m a c l a sse q u e fará i r p e l o s ares tod a a antiga ordem soc i a l . O q u e rep rovam à bu rgu esia é m a i s o fato d e e l a ter p roduzido u m p ro­ letariado revo l u ci o n ário, q u e o de ter criado o p ro l etariado em gera l . Po r i sso, na l uta pol ítica parti ci pam ativame nte de todas as med idas d e rep ressão co ntra a classe operária. E, n a v i d a d i ária, a d espe ito de sua p o m ­ posa fraseo logia, conformam -se perfeitamente em co l h e r as maçãs de o u ro da árvore da i n d ú stria, e em trocar h o n ra, amor e fid e l idade pelo com é rcio d e l ã, aç úcar d e bete rraba e agu ardente.6 Do mesmo modo q u e o padre e o sen ho r feudal marcharam sempre de mãos dadas, o socialismo clerical marcha lado a lado com o socialismo feudal . N ad a é m a i s fáci l q u e reco b r i r o ascet i s m o c r i stão com u m vern iz soci a l i sta. O c ri sti a n i sm o tam bém n ão se e rg u e u co ntra a p ro p r i ed ad e p ri vad a, o m atri m ô n i o, o Estad o? E e m s e u l u ga r n ão p rego u a caridade e a p o b reza, o ce l i bato e a m o rtifi cação d a carne, a vida m o n ástica e a 6 Isto se refere sobretudo à Alemanha, onde a aristocracia latifundiária cultiva por conta própria

grande parte de suas terras, com ajuda de administradores e é, além disso, produtora de açúcar de beterraba e destiladores de aguardente. Os mais prósperos aristocratas britânicos se encontram, por enquanto, acima disso, mas também sabem como compensar a diminuição de suas rendas empres­ tando seus nomes aos fundadores de sociedades anônimas de reputação mais ou menos duvidosa. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888.)

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Igrej a? O soc i al i sm o c ri stão não passa da águ a benta com q u e o pad re abe nçoa o desfeito da aristocrac i a . b ) O soci a l i smo peq u e n o - b u rguês A aristocracia fe u d a l n ão é a ú n i c a cl asse arru i n ada p e l a bu rgu esi a, n ão é a ú n i c a c l asse cujas condições de existê n c i a se atrofiam e perecem na sociedade bu rgu esa moderna. Os peq uenos b u rgu eses e os peq uenos cam­ poneses d a I d ade Méd ia fo ram os p recu rsores d a b u rguesia moderna. Nos países onde o co m é rcio e a i n d ú stria são pouco desenvo l v idos, esta cl asse conti n u a a vegetar ao l ado d a bu rgu esia em ascen são. N o s p a íses o n d e a c i v i l i zação m o d e r n a e stá f l o resce nte, fo rm a-se uma nova c l asse d e peq u e n o s bu rgueses que osci l a e ntre o p ro letariado e a b u r g u e s i a f r a ç ã o c o m p l e m e n t a r da s o c i e d a d e b u rg u e s a , r e ­ co n stitu i n d o -se se m p re c o m o o s m e m b ro s d e ssa c l a sse, n o e ntanto, se veem c o n stante m e nte p rec i p itad o s n o p ro l etariado, d e v i d o à co n ­ c o r rê n c i a, e , c o m a m a rc h a p ro g re s s i v a d a g ra n d e i n d ú st r i a , sente m a p rox i m a r-se o m o m e nto e m q u e d e s a p a rece rão co m p l etame nte c o m o fração i n d e p e n d e nte d a sociedade m o d e r n a e e m q u e se rão su bstitu íd o s n o c o m é rc i o, n a m a n u fatu ra e n a agri c u ltu ra p o r su pervi sore s, capatazes e e m p regad o s . E m países co mo a F rança, onde os campo neses co n stitu em b e m m a i s d a metade d a pop u l ação, e ra n atu ra l q u e os escrito res q u e s e bati am pe lo pro letariado e co ntra a b u rguesia aplicassem à sua crítica d o regi me b u rguês critérios do peq ueno bu rguês e do peq u e n o camponês e defen desse m a cau sa o pe rári a do ponto de v i sta da peq u e n a b u rguesia. Desse modo se formou o social ismo peq u e n o - b u rguês. S i s m o n d i é o chefe d essa literatu ra, n ão somente na F rança, mas tam bém na I ng l ate rra. E sse soc i a l i sm o d i ssecou co m m u ita p e r s p i c á c i a as co ntrad i ç õ e s i n e ­ re ntes às m o d e r n a s re l ações d e p rod u ção. P ô s a n u a s h i p ó c ritas a p o l o ­ g i a s d o s eco n o m i stas. D e m o n strou d e u m m o d o i rrefu táve l o s e fe i to s m o rt ífe ro s d a s m áq u i n a s e d a d iv i são d o traba l h o, d a c o n centração d o s c a p itai s e d a p ro p riedade te rrito r i a l , a su p e r p ro d u ção, as c r i ses, a d ec a ­ d ê n c i a i n ev itáve l d o s peq u e n o s bu rg u eses e peq u e n o s c a m p o n eses, a m i sé r i a do p ro l etariado, a a n a rq u i a n a p rod u ção, a c l am o rosa d es p r o ­ po rção n a d i stri b u i ção d a s ri q u ezas, a g u e rra i n d u stri a l d e exte r m ín i o e n tre as n ações, a d i sso l u ção d o s ve l h o s costu mes, d a s ve l h as re lações d e fa m íl ia, d a s ve l h as n ac i o n a l i d ad e s . Quanto a o seu "conteúdo positivo", porém, o socialismo pequ eno-bu rguês

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q u e r ou restabelecer os antigos meios de prod ução e de troca e, com e les, as antigas re lações de p ropried ade e toda a antiga sociedade, ou então fazer entrar à fo rça os meios modernos de p rodu ção e de troca no q u ad ro estreito d as antigas re lações de pro p ried ade q u e foram destruídas e necessariamente despedaçadas por e l es. N u m e noutro caso, esse socia l i smo é ao mesmo tem po reacionário e utópico. S i stema corpo rativo n a m a n u fatu ra e eco n o m i a patri arcal n o campo: e i s s u a s ú ltimas palavras. Po r fi m, q u ando os obsti n ados fatos h i stó ricos d i ssi param - l he a em bria­ gu ez, essa esco l a soc i a l i sta aband o n o u -se a uma covard e ressaca.

e) O soci a l i smo ale mão ou o "ve rd ad e i ro" social i smo A l iteratu ra soc i a l i sta e com u n ista d a França, nascida sob a p ressão d e u m a bu rguesia domi nante e expressão l ite rária d a revo lta co ntra esse d o m í­ n io, foi i ntrod uzida na A l e m a n h a q u ando a b u rguesia começava a s u a l uta co ntra o abso l utismo fe u d a l . F i lósofos, se m i fi lósofos e i m posto res ale mães lançaram-se avidame nte sobre essa l ite ratu ra, mas esq u eceram-se de q u e, co m a i m po rtação d a l iteratu ra francesa n a Aleman ha, n ão eram i m p o rtadas a o mesmo tem po as condições de vida d a França. N as co n d i ções alem ãs, a l iteratu ra francesa perdeu tod a a significação p rática i med i ata e to mou um caráte r pu rame nte l ite rário. Apareci a apenas co mo especu l ação oci osa sobre a real ização d a essê n c i a h u mana. Assi m, as re ivi n d i cações d a p ri m e i ra revo l u ção francesa só e ram, para os fi l ó sofos a l e m ães do séc u l o XVI I I , as reivi n d i cações da "razão p ráti ca" em ge ra l; e a m a n i festação d a vontade dos b u rgueses revo­ l u c ionários d a França não expressava, a seu s o l hos, senão as leis da vo ntade pu ra, da vo ntad e tal como deve ser, da vontade ve rd ad e i rame nte h u m an a . O traba l h o dos l iterato s a l e m ães l i m ito u - se a c o l o c a r as i d e i a s fra n ­ c e s a s e m h a rmo n i a com a s u a ve l h a c o n s c i ê n c i a fi l o sófica, ou m e l h o r, a a p ro p r i a r- se d a s i d e i a s fra n cesas se m a ba n d o n a r seu p ró p r i o po nto d e v i sta fi l o sófi co. A p rop riaram-se d e l as d a mesma forma com que se assi m i l a uma l íngu a estrange i ra: pe la trad ução. S a be-se q u e o s m o n ge s esc reve ram h agi ografi as cató l i c a s i n s íp i d a s s o b re o s m an u sc rito s e m q u e e stavam reg i st rad a s a s o b ras c l á s s i c a s d a antigu i d a d e p a g ã . O s l ite rato s a l e m ães a g i r a m e m s e n t i d o i nverso a re s p e i to da l i te ratu ra fra ncesa p rofa n a . I nt rod u z i ra m s u a s i n sa n i d ad e s fi l o sófi c a s n o o rigi n a l fra n c ê s . Po r exe m p l o , sob a c r ít i c a fran cesa d a s

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fu nções do d i n h e i ro, escreve ram "a l i e n ação d a essê n c i a h u m a n a"; sob a c r ít i c a fra ncesa d o E stad o bu rgu ê s, escreve ram "su p e ração do d o m ín i o d a u n i ve r sa l i d a d e abstrata", e assi m p o r d i a nte . A esta i nte rpol ação do palav read o fi losófico nas teorias francesas deram o nome de "fi losofia d a ação", "verdad e i ro soc i a l i smo", "ciência alemã d o social i smo", "j u stifi c ação fi l osófi ca d o social i smo" etc. Desse modo, emasc u l a ram completame nte a l iteratu ra soci a l i sta e com u ­ n i sta francesa. E co mo n a s mãos d o s a l emães essa l ite rat u ra ti n ha d e ixado de se r a expressão d a l uta de uma c l asse contra o u tra, e les se fe l i c itaram por te rem-se e l evad o aci m a d a "estreiteza francesa", e terem defendido n ão ve rdadei ras n ecessid ades, mas a "necessidade da verdad e"; n ão os i nteres­ ses d o p ro l etário, mas os i nte resses do se r h u mano, do h o m e m em geral, do homem que n ão perte n ce a n en h u ma c l asse nem à rea l i d ade a l g u m a e q u e só exi ste no céu bru moso da fantasia fi losófi ca. Esse soc i a l i smo a l e m ão que levava tão solenemente a sé rio seu s can hes­ tros exe rc ícios de esco l a r e que os apregoava tão charlatanescame nte, foi perden do, pouco a pou co, sua i n ocência pedante . A l uta da b u rguesia a l e m ã e espec i a l m e nte da b u rguesia p r u ssiana con­ tra os fe u d a i s e a m o n a rq u ia abso l u ta, numa palavra, o movi m e nto l i be ra l , to rnou -se mais sé ria. Desse modo, apresento u -se ao "ve rdadei ro" soc i a l i s m o a tão desej ada oportu n i d ade d e contrapor ao mov i mento pol ítico as reivi n d i cações so­ cial i stas, de l ançar o s anátemas trad i c i o n a i s co ntra o l i beral ismo, o regime represe ntativo, a concorrência b u rguesa, a l i berdade bu rguesa de i m p ren sa, o d i reito bu rguês, a l i berd ade e a igu aldad e bu rgu esas; de pregar às massas que n ad a ti n h a m a gan h a r, m as, pelo contrário, tu d o a perder nesse mo­ v i m e nto bu rgu ês. O soci a l i smo a l e m ão esq ueceu, bem a p ro pósito, q u e a crítica francesa, d a q u a l e r a o eco m o n óto no, p ressu p u n h a a sociedade bu rguesa moderna co m as condições materiais d e existência que lhe co r­ respondem e u m a constitu ição po l ítica ade q u ad a - p recisame nte as coi sas q u e, n a A l e m an ha, estava a i n d a por co n q u i star. Esse soci a l i smo se rvi u de espanta l h o - para amedo ntrar a b u rguesia ameaçad o rame nte ascende nte - aos gove rnos abso l u tos d a A l e m an h a, co m seu co rtejo de pad res, ped agogos, fidalgos ru rai s e bu rocratas. J u ntou sua h i pocrisia adocicad a aos ti ros de fuzi l e às chicotadas com q u e esses mesmos gove rnos respo ndiam aos levantes d o s operários alemães. Se o "ve rd ad e i ro" soc i a l i smo se to rnou ass i m u m a arma nas mãos dos gove rnos contra a bu rguesia ale mã, rep resento u tam bém d i retame nte u m

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i nte resse reacion ário, o i nte resse da peq uena b u rguesia alemã. A c lasse dos peq u enos bu rgu eses, l egad a pelo sécu l o XV I , e desde e ntão re n asce ndo sem cessar sob formas d i ve rsas, constitu i n a Alemanha a ve rd ad e i ra base soc i a l do regime estabe lecido. M a ntê - l a é mante r n a A l e m a n h a o regi m e estabe lecido. A su p re macia i n d u strial e po l ítica d a b u rguesia ameaça a peq u en a bu rgu esia d e destru i ­ ç ã o - d e u m lado, p e l a conce ntração d o capital, de outro, p e l o desen­ vo l v i m e nto d e um p ro l etariado revo l u cio nário. O "ve rd ade i ro" soc i a l i s m o pareceu a o s peq uenos b u rgueses u m a a r m a capaz de aniq u i lar esses d o i s i n i m igos. Propagou -se co mo u m a e p i d e m i a . A rou pagem tecida co m os f i o s i m ateri ais d a especu lação, bordada c o m as flores d a retó rica e ban h ada d e orva l h o senti mental, e ssa ro u pagem n a q u a l os social i stas ale mães envo l veram o m iseráve l esq u e l eto das suas "ve rdades eternas", não fez senão ativar a ven d a d e s u a m e rcadoria e ntre aq u e l e p ú b l ico. Po r seu l ado, o soc i a l i smo a l e m ão com p reendeu cada vez mais que sua vocação e ra ser o rep resentante grand i lo q u e nte dessa peq u e n a b u rguesia. P ro c l a m o u q u e a nação a l e m ã e ra a nação m o d e l o, e o p eq u e n o b u rg u ê s a l e m ão* o h o m e m m od e l o . A to d a s as i nfâm i a s d e sse h o m e m m o d e l o atri bu i u u m s e n t i d o o c u lto, u m senti d o su p e r i o r e soci a l i sta, q u e as to rn ava exat a m e nte o contrário d o q u e e r a m . Foi c o n seq u e nte até o fi m , l evant a n d o - se co ntra a te n d ê n c i a " b r u ta l m e nte d e strutiva" d o c o m u n i s m o , d e c l a ra n d o q u e p a i rava i m pa rci a l m ente ac i m a d e tod a s a s l u tas d e c l asses. C o m raras exceções, tod a s as p rete n s a s p u b l i cações soc i a l i stas o u c o m u n i stas que ci rc u l a m n a A l e m a n h a p e rte n c e m a e sta suja e d e b i l ita nte l i te ratu ra . 7

2 . O socialismo conservador o u burguês U m a parte da bu rguesia p rocu ra remed iar os males soc i a i s para a exis­ tê ncia da sociedade b u rguesa. N e ssa catego ria e n fi l e i ram -se o s eco n o m i stas, o s fi l a ntro pos, o s h u ­ m a n itários, o s q u e s e o c u p a m e m m e l h o rar a so rte d a c l a sse o p e rária, o s organ izad o res d e beneficê n c i as, o s p roteto res d o s a n i m ai s, o s fu nd ad o res

• Na edição de 1888: pequeno filisteu. 7 A tormenta revolucionária de 1 848 varreu toda essa sórdida tendência e tirou de seus partidários o desejo de continuar brincando com o socialismo. O representante principal e o tipo clássico dessa escola é o Sr. Karl Grün. (Nota de F. Engels à edição alemã de 1890.)

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d a s sociedades anti - a l coó l i c as, e n fi m os refo r m a d o re s de gab i n ete d e tod a catego ri a . Esse soci a l i smo b u rguês c h ego u até a se r e l aborado e m s i ste m a s co m p leto s. Como exe m p lo, citemos a Filosofia da Miséria, d e P ro u d h o n . Os soci a l i stas bu rgueses q u e re m as cond ições de v i d a d a sociedade moderna sem as l utas e os perigos que dela deco rrem fata l m e nte . Q u erem a sociedade atu al, mas e l i m i nando os e l e m e nto s q u e a revo l u cionam e d isso lve m . Q u e rem a b u rguesia sem o p ro l etariado. A b u rguesia, n atu ral ­ mente, con cebe o m u ndo e m q u e d o m i n a como o m e l h o r d o s m u ndos. O social i smo bu rgu ês e labora em u m si stema m a i s ou menos com p l eto essa con cepção conso lad o ra. Q u ando co nvida o p ro l etariado a rea l izar esses sistemas e e ntrar n a nova Jerusalém, no fu ndo o que p retende é i n d u z i - l o a mante r-se n a socied ade atu al, desem baraçando-se, porém, do ó d i o q u e sente po r essa sociedade. Uma segu nda forma desse soc i a l i smo, menos s i ste máti ca porém mais p ráti ca, p rocu ra fazer com que o s operários se afastem d e q u a l q u e r mo­ v i m e nto revo l u ci o n ário, d e m o n stra n d o - l hes que n ão será tal ou qual m u ­ dança po l ítica, mas so mente u m a transform ação d a s condições d e v i d a material e das re l ações eco n ô m i c as, q u e poderá se r p rove itosa para e l es. Po r transformação das co n d i ções m ateriais de existência esse social i smo n ão com p reende em abso l uto a abo l ição das re lações bu rgu esas de p ro­ d u ção - q u e só é possíve l pe la v i a revo l u c i o n ária -, mas apenas refo rmas ad m i n i strativas real izadas so bre a base das p ró p rias re l ações de p rodu ção bu rgu esas e q u e, po rtanto, n ão afetam as re l ações e ntre o cap ita l e o tra­ bal h o assalariad o, serv i n do, no m e l h o r dos casos, para d i m i n u i r os gastos da b u rguesia com s u a d o m i n ação e si m p l ificar o traba l ho ad m i n i strativo de seu Estad o. O soc i a l ismo bu rgu ês só ati nge s u a expressão corresponde nte q u a n d o s e to rna si m p les figu ra de retó rica. Livre com é rcio, no i nte resse d a c l asse operári a! Tarifas p roteto ras, no i n ­ te resse d a cl asse o perária! Pri sões ce l u l ares, no i nteresse d a cl asse o pe rária! E i s a ú lti m a palav ra d o social i smo b u rguês, a ú n ica p ro n u n c i ad a à sé rio. O se u raciocín i o se res u m e n a frase: os b u rgueses são bu rgu eses - no i n teresse d a c l asse operária.

3 . O socialismo

e

o comunismo crítico-utópicos

N ão se trata aq u i d a l ite ratu ra q u e, em todas as grandes revo l u ções m o ­ dernas, expri m i u as reivi n d i cações do pro l etariado {escritos de Babeuf etc.).

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As p ri m e i ras te ntativas d i retas do p ro l etariado para faze r p revalecer seu s próprios i nteresses d e c l asse, fe itas n u m a época d e agitação ge ral, n o perí­ odo da d e rru bad a da sociedade fe u d a l , fracassaram necessariame nte n ão só por cau sa do estado em brionário do próprio p ro l etariado, como devido à a u sência das condições m ateriais d e s u a e m a n c i pação, condições q u e apenas su rgem co mo p roduto d a é poca b u rguesa. A l iteratu ra revo l u cio­ nária q u e aco m p a n h ava esses p ri m e i ros mov i mentos d o p ro l etariado teve fo rçosamente u m conte ú d o reac i o n ário. Preco n izava u m ascetismo geral e u m grossei ro i g u a l itari smo. O s s i stemas soci a l i stas e co m u n i stas p ro p ri a m e nte d itos, os d e Sai nt­ S i mon, Fou ri e r, Owe n etc., aparecem no prime i ro período da l uta entre o p ro l etariado e a bu rgu esia, período anterio rmente descrito {ver " B u rgueses e p ro l etários"). Os fu ndadores desses si stemas co m p reendem bem o antago n i smo das c l asses, ass i m como a ação dos e l e mentos d i sso lventes n a própria socie­ dade d o m i n ante. Mas não percebem n o p ro l etariado nen h u m a i n iciativa h i stó rica, nen h u m mov i mento po l ítico que l hes seja pec u l iar. Como o desenvo l v i m e nto dos antago n ismos de c l asses aco m pa n h a o desenvo lvimento da i n d ú stria, não d i stinguem tam pouco as co n d i ções ma­ teriais da emanci pação do p ro l etariado e põem -se à p rocu ra de uma ciência soc i a l , de leis soc i a i s que perm itam criar essas co n d i ções. S u bstitu em a atividade social por sua p rópria i m aginação pessoal; as co n­ d i ções h i stó ricas d a emanci pação por co n d i ções fantásti cas; a o rga n ização grad u a l e espo ntânea do p ro l etariado em c l asse por u m a o rgan ização d a sociedade p ré-fabricada por e les. A h i stó ria futu ra d o m u nd o se resu me, para e l es, n a p ro p aga n d a e n a execução p ráti ca d e seus p l a n o s de o rga n i ­ zação soc i a l . To d av i a , n a co n fecção d e se u s p l a n o s tê m a c o n v i cção d e d e fe n d e r antes d e t u d o os i nte re sses d a c l asse o p e rária, c o m o a c l asse m a i s sofre­ d o ra. A c l asse o p e rári a só e x i ste p a ra e l e s sob e sse aspecto, o de c l asse mais sofredora . M a s a fo rm a ru d i m entar d a l uta d e c l a sses e s u a p ró p ria posição soci al os levam a considerar-se m u ito aci m a de q u a l q u e r antago n i smo de c l a sse . Desejam m e l horar as co n d i ções materiais de vida de todos os m e m b ros d a sociedade, m e s m o dos m a i s p ri v i l egiados. Po r i sso, n ão cessam de ape lar i n d i sti ntame nte à sociedade i ntei ra, e d e p referê n c i a à c l a sse d o m i n ante . B astaria com p reender seu siste m a para reconhecê-lo como o m e l h o r plano possíve l para a melhor sociedade possíve l .

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Reje itam, portanto, tod a ação po l ítica e, sobretu d o, toda ação revo l u c i o ­ n ária; p rocu ram ati ngi r s e u o bjetivo po r meios pac ífi cos e te ntam abri r u m cam i n ho a o n ovo evange l h o social p e l a fo rça d o exe m p lo, com experi ê n ­ c i a s em peq uena esc a l a e q u e n atu ral mente sem p re fracassa m . Essa descrição fantástica, d a sociedade futu ra, feita n u m a época em q u e o p ro l etariado a i n d a pouco desenvo l v i d o encara s u a p ró p ria posição d e u m modo fantástico, corresponde à s p ri mei ras aspirações i n sti ntivas dos operários a uma comp leta tra n sformação d a sociedade. M a s as o b ras soc i a l i stas e com u n i stas e n ce rram ta m bém e l e m e nto s críti cos. Atacam tod as as bases da sociedade exi stente. Po r i sso fornecem em seu te mpo materiais de grande va l o r para esclarecer os o pe rári os. S u a s p ro posições positivas sobre a sociedade fu tu ra, tai s co mo a su p ressão do co ntraste entre a cidade e o cam po, a abo l ição da fam íl i a, do l u c ro p rivad o e d o traba l h o assalariad o, a p roclamação da harm o n i a social e a tra n sfo r­ mação do Estad o n u m a s i m p l es ad m i n i stração da p rod u ç ão - todas essas p ropostas apenas exp r i m e m o desapareci m e nto d o antago n i smo e ntre as cl asses, antago n i smo que mal começa e que esses auto res some nte co n he­ cem em suas fo rmas i m p reci sas. Assi m, essas p ro posições têm a i n d a um senti do pu rame nte utó p i co. A i m p o rtâ n c i a d o soci a l i s m o e d o co m u n i sm o c r ít i c o - u tó p i co s está n a razão i nversa d o seu d e senvo l v i m e nto h i stó rico.

À

m ed id a q u e a l uta

de c l a sses se acentu a e tom a formas mais defi n i d as, a fantásti ca p ressa d e abstrai r- se d e l a, e s s a fa ntástica o p o s i ç ão q u e l h e é fe ita, p e r d e q u a l q u e r va l o r p ráti co, q u a l q u e r j u stificação teó rica. Po r i sso, s e e m m u ito s aspec­ to s o s fu n d ad o res desses s i ste m a s fo ra m revo l u c i o nários, as seitas fo rm a ­ d a s por seu s d i sc íp u l o s fo rmam sem p re seitas reac i o n árias. Aferram-se à s ve l h as co n ce pções d e seu s m e stres a p e s a r d o d e senvo l v i m e nto h i stó rico contín u o d o p ro l etariado. P ro c u ram, po rtanto, e n i sto são con seq u e ntes, ate n u ar a l u ta d e c l asses e co n c i l i a r o s antago n i sm o s . Co nti n u am a so­ n h a r com a rea l i zaç ão expe r i m e ntal de s u a s u to p i a s soc i a i s : i n stitu i ç ão de fa l a n sté rios i s o l ados, criação de co l ô n i as no i nte rio r, fu n d ação de u m a peq u e n a l cá r i aª - e d i ç ão em fo rm ato red u z i d o d a nova J e r u s a l é m - , e

8 Falanstérios eram colônias socialistas projetadas por Charles Fourier; Icária era o nome dado por

Cabet a seu país u tópico e, mais tarde, à sua colônia comunista na América. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888.) Colônias no interior [home colonies] era como Owen chamava as sociedades comunistas-modelo. (Acrescentado por F. Engels à edição alemã de 1890.)

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para d a r rea l idade a todos esses caste l o s no ar vee m - se o b rigad o s a ape­ l a r para o s bo n s se nti m e ntos e os cofres dos fi l antropos b u rgu eses. Po uco a p o u co caem n a catego ria d o s soci a l i stas reac ionários o u con se rvad o re s desc ritos a n te ri o r m e nte, e só se d i sti n g u e m d e l e s p o r u m peda nti s m o m a i s si ste m áti co, u m a fé s u p e rsti c i osa e fanática n o s efe i to s m i racu l osos d e s u a c i ê n c i a soci a l . Po r i sso s e o põem com exaspe ração a q u a l q u e r ação pol ítica d a c l a sse o pe rária, porq u e, em s u a o p i n ião, tal ação só poderia deco rre r de u m a d escrença cega n o n ovo evange l ho . Desse m odo, os owe n i stas, n a I ng l ate rra, e os fo u rieristas, na França, reagem respectivame nte co ntra os cartistas e os refo rmi stas*.

IV

Posição dos comunistas diante dos diversos partidos de oposição O q u e já d i sse mos no c a p ítu lo l i basta para determ i n a r a re l ação dos com u n istas com os partidos operários já constitu ídos e, por con segu i nte, s u a re lação com os cartistas na I ng l aterra e os refo rmad o res agrários n a A m é r i c a d o N o rte . Os co m u n i stas l u tam p e l o s i nte re sses e o bjetivos i m ed i ato s d a c l a sse o p e rá r i a, m a s, ao m e s m o te m p o, d e fe n d e m e re p re s e n ta m , no m o v i ­ m e nto atu a l , o fu t u ro d o m o v i m e n to . A l i a m - s e n a F r a n ç a ao p a rt i d o soci a l - d e m ocrata9 co ntra a b u rg u e s i a co n servad o ra e rad i c a l , re se rva n d o ­ se o d i re i to d e c r i t i c a r a frase o l og i a e a s i l u sõ e s l e gad a s p e l a trad i ç ão revo l u c i o n ária. N a S u íça apoiam os rad icais, sem esqu ecer que esse partid o se com põe d e e lementos contrad itó rios, em parte social i stas democráticos, no sentido francês d a palavra, em parte bu rgu eses rad i c a i s .

• Democratas republicanos e socialistas peq ueno-b urgueses, partidários do jornal francês L a Réforme (1 843-1 850) . Defendiam a instauração da república e a realização de reformas demo­ cráticas e sociais. 9 Esse partido era representado no Parlamento por Ledru-Rollin, na literatura por Louis Blanc (1811-82), na imprensa pelo "Réforme ". O nome social-democracia significava, para aqueles que o criavam, a parte do Partido Democrático ou Republicano com tendências mais ou menos socialistas. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888.)

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N a Po l ô n i a os co m u n i stas apo i a m o partid o q u e vê n u ma revo l u ção agrária a condição d a l i be rtação n ac i o n a l , o partido q u e desencadeou a i n su rreição de Cracóvia em 1 846*. Na Aleman ha, o Partid o Com u n i sta l uta j u nto co m a b u rguesia tod as as vezes q u e esta age revo l u ci o n ariamente - co ntra a monarq u ia abso l u ta, a p ro p riedade ru ral fe u d a l e a peq u e n a bu rgu esi a. Mas em nen h u m mome nto esse Partid o se d escu i d a d e despertar nos operários u m a consciência clara e n ítida do violento antago n i smo q u e exi ste e ntre a b u rguesia e o prol etari ado, para q u e, n a hora p reci sa, os o pe rários al emães sai bam conve rte r as cond ições soc i a i s e po l íticas, criadas pe lo regime bu rgu ês, em outras tantas armas contra a bu rgu esi a, para que logo após te re m sido destru ídas as cl asses reacion árias da A l e m a n h a possa se r travad a a l uta contra a própria b u rguesia.

É

sobretu do para a Alemanha q u e se vo lta a atenção dos co m u n i stas,

po rq u e a A l e m a n h a se enco ntra às vésperas de u m a revo l u ção b u rguesa e porq u e real izará essa revo l u ção nas condições m a i s avançadas da civ i l iza­ ção e u ropeia e com um p ro l etariado i n fi n itame nte mais desenvo lvido q u e o d a I ng l ate rra no sécu l o XVI I e o da Fran ça n o sécu lo XVI I I ; e por q u e a revo l u ção bu rgu esa a l e m ã só pod e rá ser, po rtanto, o p re l ú d i o i m e d i ato de uma revo l u ção p ro l etária. E m resu mo, os com u n i stas apoiam em tod a parte q u a l q u e r movi m e nto revo l u c i o n ário contra a o rdem social e pol ítica exi stente. E m tod os estes movi m e ntos co l ocam em destaq ue, co mo q u e stão fu n ­ damenta l, a q u e stão d a p ro p riedade, q u a l q u e r q u e sej a a forma, m a i s ou menos dese nvo lvida, de q u e esta se rev ista. F i n a l m e nte, os co m u n i stas traba l h a m pela u n i ão e pelo ente n d i m e nto dos partidos democráti cos de todos os países. Os co m u n i stas se recu sam a d i ssi m u lar suas o p i n i ões e seus fi ns. P roc la­ mam abe rtamente q u e seu s objetivos só pod em ser a lcan çados p e l a derru­ bada vio lenta d e toda a o rd e m social existente . Q u e as c l asses d o m i nantes tre m am à ideia de u m a revo l u ção co m u n ista ! N e l a os p ro l etários nada têm a perd e r a n ão se r os seu s gri l h ões. Têm u m m u ndo a gan h ar. P RO L E TÁ R I OS DE TO DOS OS PAÍSES, U N I -VOS !

• Insurreição iniciada pelos democratas revolucionários poloneses (Dembowski e outros) e m fevereiro de 1 846, com o objetivo de conquistar a libertação nacional da Polônia. Foi derrotada no começo de março de 1 846.

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PREFÁCIOS DE MARX E ENGELS

Prefácio à edição alemã de 1872 A Liga dos Comunistas, associação internacional de operários que, nas condições de então, só poderia ser secreta, incumbiu os abaixo assinados, por ocasião do congresso realizado em Londres, em novembro de 1847, de escrever para fins de publicação um programa detalhado, teórico e prático, do partido. Foi esta a origem do Manifesto que se segue, cujo manuscrito foi enviado a Londres, para impressão, poucas semanas antes da revolução de fevereiro. Primeiramente publicado em alemão, teve pelo menos umas doze edições diferentes nessa língua, na Alemanha, na Inglaterra e na América do Norte. Foi publicado em inglês pela primeira vez em 1850, no Red Republican de Londres, traduzido pela Srta. Helen Macfarlane, e teve em 1871 pelo menos três traduções diferentes na América do Norte. A primeira versão francesa foi publicada em Paris pouco antes da insurreição de junho de 1848 e, recentemente, no Le Socialiste de Nova York. Há, atualmente, uma nova tradução sendo preparada. Uma versão polonesa apareceu em Londres pouco depois da primeira edição alemã. Uma tradução russa foi publicada em Genebra na década de 1860. Também para o dinamarquês foi traduzido pouco depois de sua primeira publicação.* Por mais que tenham mudado as condições nos últimos 25 anos, os princí­ pios gerais expressados nesse Manifesto conservam, em seu conjunto, toda a sua exatidão. Em algumas partes certos detalhes devem ser melhorados. Segundo o próprio Manifesto, a aplicação prática dos princípios dependerá, em todos os lugares e em todas as épocas, das condições históricas vigentes e por isso não se deve atribuir importância demasiada às medidas revolucionárias propostas no final da seção II. Hoje em dia, esse trecho seria redigido de maneira diferente em

• Das últimas mencionadas, apenas a tradução russa foi de fato encon trada.

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Marx e Engels

muitos aspectos. Em certos pormenores, esse programa está antiquado, levando­ -se em conta o desenvolvimento colossal da indústria moderna desde 1848, os progressos correspondentes da organização da classe operária e a experiência prática adquirida, primeiramente na revolução de fevereiro e, mais ainda, na Co­ muna de Paris, onde coube ao proletariado, pela primeira vez, a posse do poder político, durante quase dois meses. A Comuna de Paris demonstrou, especial­ mente, que "não basta que a classe trabalhadora se apodere da máquina estatal para fazê-la servir a seus próprios fins"(ver A Guerra Civil na França; Manifesto do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, de 1871, onde essa ideia é mais desenvolvida). Além do mais, é evidente que a crítica da literatura socialista mostra-se deficiente em relação ao presente, porque só chega a 1847; as observações sobre as relações dos comunistas com os diferentes partidos de opo­ sição (seção IV}, embora em princípio corretas, na prática estão desatualizadas, pois a situação política modificou-se totalmente e o desenvolvimento histórico fez desaparecer a maior parte dos partidos ali enumerados. Entretanto, o Manifesto tornou-se um documento histórico que não nos cabe mais alterar. Uma edição futura talvez apareça acompanhada de uma introdução que preencha a lacuna entre 1847 e os nossos dias; a atual reim­ pressão foi inesperada demais para que tivéssemos tempo de escrevê-la.

Karl Marx e Friedrich Engels Londres, 24 de junho de 1872

Prefácio à edição russa de 1882 A primeira edição russa do Manifesto do Partido Comunista, traduzida por Bakunin, foi impressa em princípios da década de 1860, na tipografia do Kolokol*. Naquela época, o Ocidente via nessa edição uma simples curiosida­ de literária. Hoje em dia essa concepção seria impossível. O campo limitado do movimento proletário daquele tempo (dezembro de 1847) está expresso na última parte do Manifesto: a posição dos comunistas em relação aos vários partidos de oposição nos diferentes países. A Rússia e os Estados Unidos, precisamente, não foram mencionados. Era a época em que a Rússia se constituía na última grande reserva da reação europeia e em que os Estados Unidos absorviam o excedente das forças proletárias da • Nunca foram confirmadas as afirmações de que o tradutor tenha sido Mikhail Bakunin e a impres­ são feita na tipografia do Kolokol, jornal democrático-revolucionário editado em Genebra.

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Europa que para lá emigravam. Ambos os países proviam a Europa de maté­ rias-primas, sendo ao mesmo tempo mercado para a venda de seus produtos industriais. De uma maneira ou de outra, eram, portanto, pilares da ordem europeia vigente. Que diferença hoje! Foi justamente a imigração europeia que possibilitou à América do Norte a produção agrícola em proporções gigantescas, cuj a concorrência está abalando os alicerces d a propriedade rural europeia - a grande como a pequena. Ao mesmo tempo, deu aos Estados Unidos a opor­ tunidade de explorar seus imensos recursos industriais, com tal energia e em tais proporções que, dentro em breve, arruinarão o monopólio industrial da Europa ocidental, especialmente o da Inglaterra. Essas duas circunstâncias repercutem de maneira revolucionária na própria América do Norte. Pouco a pouco, a pequena e a média propriedade rural, a base do regime político em sua totalidade, sucumbe diante da competição das fazendas gigantescas; ao mesmo tempo formam-se, pela primeira vez nas regiões industriais, um numeroso proletariado e uma concentração fabulosa de capitais. E a Rússia? Durante a revolução de 1848-49, os príncipes e a burguesia europeus viam na intervenção russa a única maneira de escapar do proleta­ riado que despertava. O czar foi proclamado chefe da reação europeia. Hoje ele é, em Gatchina, prisioneiro de guerra da revolução e a Rússia forma a vanguarda da ação revolucionária na Europa. O Manifesto Comunista tinha como tarefa a proclamação do desaparecimen­ to próximo e inevitável da moderna propriedade burgues a. Mas na Rússia vemos que, ao lado do florescimento acelerado da velhacaria capitalista e da propriedade burguesa, que começa a desenvolver-se, mais da metade das ter­ ras é possuída em comum pelos camponeses. O problema agora é: poderia a obshchina* russa - forma já muito deteriorada da antiga posse em comum da terra - transformar-se diretamente na propriedade comunista? Ou, ao con­ trário, deveria primeiramente passar pelo mesmo processo de dissolução que constitui a evolução histórica do Ocidente? Hoje em dia, a única resposta possível é a seguinte: se a revolução russa constituir-se no sinal para a revolução proletária no Ocidente, de modo que uma complemente a outra, a atual propriedade comum da terra na Rússia poderá servir de ponto de partida para uma evolução comunista.

Karl Marx e Friedrich Engels Londres, 21 de janeiro de 1882 • Comunidade rural, aldeã.

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Prefácio à edição alemã de 1883 Tenho, infelizmente, de assinar sozinho o prefácio à presente edição. Marx, o homem a quem toda a classe trabalhadora da Europa e da América deve mais serviços do que a qualquer outro, jaz agora no cemitério de Highgate, e sobre seu túmulo já reverdece a primeira relva. Depois de sua morte, não se pode mais pensar em rever ou complementar o Manifesto. Por isso, considero ainda mais necessário lembrar expressamente o seguinte: A ideia fundamental que percorre todo o Manifesto é a de que, em cada época histórica, a produção econômica e a estrutura social que dela necessariamente decorre, constituem a base da história política e intelectual dessa época; que consequentemente (desde a dissolução do regime primitivo da propriedade comum da terra) toda a História tem sido a história da luta de classes, da luta entre explorados e exploradores, entre as classes dominadas e as dominantes nos vários estágios da evolução social; que essa luta, porém, atingiu um ponto em que a classe oprimida e explorada (o proletariado) não pode mais libertar-se da classe que a explora e oprime (a burguesia) sem que, ao mesmo tempo, liberte para sempre toda sociedade da exploração, da opressão e da luta de classes este pensamento fundamental pertence única e exclusivamente a Marx.1 Já afirmei isso diversas vezes, mas exatamente agora é preciso que esta declaração se torne bem clara no frontispício do Manifesto.

Friedrich Engels Londres, 28 de junho de 1883

Prefácio à edição inglesa de 1888

O Manifesto foi public ado como pl at aforma da Liga dos Comunist as,

associação de operários no princípio exclusivamente alemã e mais tarde internacional, que, nas condições políticas do continente anteriores a 1848, era inevitavelmente uma sociedade secreta. No Congresso da Liga, reali­ zado em Londres em novembro de 1847, Marx e Engels foram incumbidos

1 Sobre este pensamento, escrevi no prefácio da tradução inglesa [de 1888]: "Pouco a pouco, vários anos

antes de 1845, fomos elaborando essa ideia que, em minha opinião, será para a História o que foi para a Biologia a teoria de Darwin. O meu livro A Situação da Classe Operária na Inglaterra revela até onde fui autonomamente nessa direção. Mas, quando reencontrei Marx em Bruxelas, na primavera de 1845, ele já a elaborara completamente, expondo-a diante de mim em termos quase tão claros quanto os que expressei aqui. (Nota de Engels à edição alemã de 1890.)

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de escrever para fins de publicação um completo programa, teórico e prático do partido. Redigido em alemão, em janeiro de 1848, o manuscrito foi enviado ao e ditor de Londres poucas semanas antes da revolução frances a de 24 de fevereiro . Uma tradução francesa ap areceu em Pa­ ris pouco antes da insurreição de junho de 1848. A primeira tradução ingles a, da Srt a. Helen Macfarl ane, foi publicada no Red Republican de George Julian Harney, Londres, 1850. Também foi publicado em dina­ marquês e polonês. A derrota da insurreição parisiense de junho de 1848 - a primeira gran­ de batalha entre o proletariado e a burguesia - colocou novamente em um segundo plano as aspirações sociais e políticas do operariado europeu. A partir de então, a luta pela supremacia voltou a ser, como o fora antes da revolução de fevereiro, simplesmente uma luta entre diferentes camadas da classe proprietária; a classe operária foi levada a limitar-se a uma luta pela conquista de espaços políticos, assumindo posições da ala extrema dos radicais da classe média. Onde quer que o movimento proletário inde­ pendente manifestasse sinais de vida, era logo impiedosamente esmagado. A polícia prussiana descobriu o Comitê Central da Liga dos Comunistas, então sediado em Colônia. Seus membros foram presos e após dezoito me­ ses de encarceramento, julgados em outubro de 1852. O célebre "Processo Comunista de Colônia" estendeu-se de 4 de outubro a 12 de novembro; sete prisioneiros foram condenados a penas que variavam entre 3 e 6 anos de prisão numa fortaleza. Imediatamente após a sentença, a Liga foi formal­ mente dissolvida pelos membros remanescentes. Quanto ao Manifesto, este parecia ficar, a partir de então, relegado ao esquecimento. Quando os operários europeus reuniram forças suficientes para um novo ass alto ao poder das classes dirigentes, surgiu a Associação In­ ternacional dos Trabalhadores. Seu objetivo era englobar, num único e poderoso exército, todo o operariado militante da Europa e da América. Portanto, não poderia partir dos princípios expressos no Manifesto. Devia ter um programa que não fechasse as portas às Trades Unions ingles as, aos proudhonistas franceses, belgas, italianos e espanhóis ou aos lassalleanos2 alemães. Este programa - as considerações básicas da Internacional - foi

2 Perante nós, pessoalmente, Lassalle sempre se reconheceu como sendo discípulo de Marx e, como tal, situava-se no terreno do Manifesto. Mas na sua agitação pública de 1862-1 864 ele não foi

além da reivindicação de oficinas cooperativas sustentadas por crédito estatal. (Nota de Engels.)

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redigido por Marx, com maestria reconhecida até por Bakunin e pelos anarquistas . Para o triunfo decisivo das ideias formuladas pelo Manifes­ to, Marx dependi a unicamente do desenvolvimento intelectual da classe operári a, o qual deveria resultar da unidade da ação e da discuss ão. Os acontecimentos e as vicissitudes da lut a contra o capit al, as derrotas maiores que as vitórias, po deriam ap enas mostrar aos combatentes a insuficiênci a de todas as panaceias em que acre dit avam, fazendo - o s compreender melhor a s verdadeiras condições da emancipação da classe operária. E Marx tinha razão. A classe trabalhadora de 1874, por ocasião da dissolução da Internacional, era, em geral, diferente da de 1864, quan­ do da sua fundação. O proudhonismo do países latinos e o lass allsmo propriamente dito na Alemanha estavam des aparecendo e, até mesmo as Trades Unions ingles as, então ultraconservadoras, se aproximaram pouco a pouco daquilo que, em 1887, o presidente do seu Congresso de Swansea dizia: "O socialismo continental não mais nos aterroriza". Mas, por essa época, o socialismo continental confundia-se, quase que exclusivamente, com a teoria formulada no Manifesto. Assim, o Manifesto propriamente dito tomou novamente a di anteira. Desde 1850, o texto alemão fora editado várias vezes na Suíça, na Inglater­ ra e na América do Norte. Em 1872 foi traduzido para o inglês, em Nova York, sendo publicado no Woodhull and Claflin's Weekly. Da vers ão ingles a foi feita a francesa, que surgiu no Le Socialiste de Nova York. Desde então publicaram-se mais duas traduções inglesas na América, mais ou menos incompletas, e uma delas foi editada na Ingl aterra. A primeira tradução russa, de autoria de Bakunin, foi publicada na gráfica Kolokol, de Herzen, em Genebra, por volt a de 1863; a segunda, pela heroica Vera Zasúlitch*, também foi publicada em Genebra, em 1882. Encontra-se uma edição di­ namarquesa de 1885 no Social-demokratisk Bibliothek, de Copenhague, e uma francesa no Le Socialiste, de 1886, em Paris. Dess a última publicou-se uma versão espanhol a, em 1886, em Madri. Perdeu-se a conta das edi­ ções alemãs; houve pelo menos doze del as. Eu soube que uma tradução arménia, que deveria ser publicada em Constantinopl a há alguns anos atrás, não se verificou porque o editor teve medo de publicar um livro que

• O tradutor foi, na verdade, George Plekhánov (1856-1918). Engels reconhecerá este erro em um artigo no Soziales aus Russiand, em 1894. Nesta edição, os erros da primeira tradução (atribuída por Marx e Engels a Bakunin) foram eliminados e com ela iniciou-se uma ampla difusão das ideias do Manifesto na Rússia.

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levasse o nome de Marx e o tradutor recusou divulgá-l a como obra sua. Já ouvi falar de outras traduções em outras línguas, embora não as tenha visto. Portanto, a história do Manifesto reflete, em grande parte, a histó­ ria do movimento operário mo derno; atualmente é, sem dúvida, a obra de maior circul ação, a mais internacional de to da a literatura socialista, o programa comum adotado por milhões de trabalhadores, da Sibéria à Califórni a. No entanto, quando surgiu não poderíamos chamá-lo um manifesto so­ cialista. Em 1847, consideravam-se socialistas dois tipos diversos de pessoas. De um lado, havia os adeptos dos vários sistemas utópicos, principalmente os owenistas, na Inglaterra, e os fourieristas, na França, ambos já reduzidos a meras seitas agonizantes. De outro, os vários gêneros de curandeiros so­ ciais, que queriam eliminar, por meio de suas várias panaceias e com todas as espécies de cataplasma, as misérias sociais, sem tocar no capital e no lucro. Nos dois casos, eram pessoas que não pertenciam ao movimento dos trabalhadores, preferindo apoiar-se nas classes "cultas". Em contrapartida, o setor da classe trabalhadora que exigia uma transformação radical da socie­ dade, convencido de que revoluções meramente políticas eram insuficientes, denominava-se então comunista. Tratava-se ainda de um comunismo mal esboçado, instintivo e, por vezes, grosseiro. Mas era bastante poderoso para dar origem a dois sistemas de comunismo utópico - na França o "icariano" de Cabet e na Alemanha o de Weitling. Em 1847, o socialismo significava um movimento burguês, e o comunismo, um movimento da classe trabalhadora. Ao menos no continente, o socialismo era muito bem considerado, enquanto o comunismo era o oposto. E como, desde então, éramos decididamente da opinião de que "a emancipação dos trabalhadores deve ser obra da própria classe trabalhadora", não podíamos hesitar entre os dois nomes a escolher. Posteriormente, nunca pensamos em modificá-lo. Sendo o Manifesto nossa obra comum, cabe-se declarar que a proposição fundamental pertence a Marx. Essa proposição é a de que, em cada época histórica, a pro dução econômica, o sistema de trocas e a estrutura social que del a necess ari amente decorre, constituem a base e a explicação da história política e intelectual dess a época; que consequentemente (desde a dissolução do regime primitivo de propriedade comum da terra) toda a história da humanidade tem sido a história da luta de classes, conflitos en­ tre explorados e exploradores, entre as classes dominadas e as dominantes; que a história dessas lutas de classes se constitui de uma série de etapas, atingindo hoje um ponto em que a classe oprimida e explorada - o prole-

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tariado - não pode mais libertar-se da classe que explora e oprime - a bur­ guesia - sem que, ao mesmo tempo, liberte, de uma vez por todas, toda a so­ ciedade da exploração, da opressão, do sistema de classes e da luta entre elas. Pouco a pouco, vários anos antes de 1845, fomos elaborando essa ideia que, em minha opinião, será para a História o que foi para a Biologia a teoria de Darwin. O meu livro A Situação da Classe Operária na Inglaterrra 3 revela até onde fui nessa direção. Mas, quando reencontrei Marx, em Bruxelas, na primavera de 1845, ele já a elaborara completamente, expondo-a diante de mim mais ou menos tão claramente como fiz aqui. Do nosso prefácio comum à edição alemã de 1872 cito o seguinte: [Engels transcreve aqui o segundo parágrafo e a primeira frase do terceiro do referido prefácio.] A presente tradução é de Samuel Moore, o tradutor da maior parte de O Capital, de Marx. Fizemos a revisão juntos, e acrescentei algumas notas com explicações históricas.

Friedrich Engels Londres, 30 de janeiro de 1888

Prefácio à edição alemã de 1890 Após o que foi escrito, além da necessidade de uma nova edição alemã, sur­ giram vários fatos que merecem ser lembrados aqui. Uma segunda tradução russa - por Vera Zasúlitch - apareceu em Gene­ bra em 1882; seu prefácio foi escrito por Marx e por mim. Infelizmente, perdi o manuscrito original alemão; tenho, portanto, que retraduzir do russo, o que de maneira alguma é favorável ao texto. [Aqui Engels reproduz, com pequenas alterações, o prefácio escrito para a edição russa de 1882.] Mais ou menos na mesma época surgiu em Genebra uma nova versão polonesa: Manifest Kommunistczny. Mais tarde apareceu uma nova tradução dinamarquesa no Socialdemokratisk Bibliothek de Copenhague, 1885. Infelizmente, não está completa; algumas passagens essenciais que, ao que parece, estavam dando muito trabalho ao tradutor, foram omitidas e há também alguns sinais de descuido, os quais 3 The Condition of the Working Class in England in 1844. By Friedrick Engels. Translated by Florence K. Wischnewet